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INTERNATIONAL BIODANZA FEDERATION

ESCOLA DE BIODANZA SRT DE PORTUGAL (LISBOA)

Curso de Formação de Facilitadores de Biodanza

VOZ E EXPRESSÃO EM BIODANZA

Maria Odete Alves

LISBOA
MARÇO 2023
Voz e Expressão em Biodanza

Monografia apresentada à Escola de Biodanza SRT de Portugal (Lisboa) como requisito


parcial para obtenção do Título de Facilitadora de Biodanza

Orientadora: Irene Franco (IBF POR 1018)

MESA DE VALIDAÇÃO

__________________________________________________

Antonio Sarpe (IBF-SP 8515)


Diretor da Escola de Biodanza SRT de Portugal (Lisboa)

_________________________________________________
Fernanda Pinto (IBF POR 1430)

__________________________________________________
Lúcia Freire de Barros (IBF POR 1121)

Monografia aprovada em _______ de _________________ de _________

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Voz e Expressão em Biodanza

ÍNDICE

Agradecimentos ……………………………………………………………….......…… 4
Resumo …………………………………………………………………...……………. 5
Abstract …………………………………………………………………….…………... 6
Introdução ……………………………………………………………………........…… 8
Capítulo I – Sobre a Voz
1.1. O que é o som? ……………………………..…………….…………….… 12
1.2. Fisiologia da Voz ……………………………….………………………… 14
1.3. Características Acústicas Humanas …………….………………………… 15
1.4. Voz – Emoção e Razão ………………………..………………………….. 16
1.4.1. As Origens ………………………………….……………………….… 16
1.4.2. A Razão ……………………………………….…………..…………... 18
1.4.3. A Emoção ……………………………………….…………………….. 23
1.4.4. Do Instinto ao Sentimento …………………….………………………. 26
1.5. Os Anéis de Tensão e Voz ……………………….……………………….. 30
1.5.1. Principais Conceitos …………………………….…………………….. 31
1.5.1.1 Carater ………………………………………….……………………... 31
1.5.1.2 Couraça Caracterológica ……………………………………………… 31
1.5.1.3 Anéis de Tensão ………………………………………………………. 31
1.5.2. Os Anéis de Tensão, Biodanza e Voz …………………….…………… 32
1.5.2.1. Segmentares ………………………………………………………….. 35
1.6.Teorias sobre a Origem da Linguagem Verbal …………………….……… 38
Capítulo II – Biodanza e Voz
2.1. Principais Instrumentos em Biodanza ……………….……….…………... 46
2.2. Modelo Teórico e Voz ……..…………………………………….……….. 50
2.3. A Voz em Biodanza ……………………………………………….……… 55
2.3.1. A Voz através do Canto ……………………………………….………... 57
2.3.2. A Utilização da Voz nas Sessões de Biodanza ………………….……… 58
2.3.2.1. Exercícios com Utilização da Voz em Biodanza …………….……….. 59

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Voz e Expressão em Biodanza

Capítulo III – A Voz através da Palavra


3.1. A Palavra …………………………………………………….…………… 68
3.2. A Consigna ………………………………………………….…………… 70
3.3. A Partilha Vivencial ………………………………………….…………... 72
Capítulo IV – Questionário
4.1. A Relação do Aluno com a Voz ……………………………….…………. 75
4.1.1. Quando Ouço a Minha Voz
4.1.1.1. Grupos de Aprofundamento e Integração Avançados ……….….…….. 76
4.1.1.2. Grupo de Integração Iniciante …………………………….…….…….. 77
4.1.2. Quando Ouço a Voz do Outro
4.1.2.1. Grupos de Aprofundamento e Integração Avançados ……….….…….. 77
4.1.2.2. Grupo de Integração Iniciante ………………………….……….…….. 77
4.1.3. A Importância do Espaço de Partilha
4.1.3.1. Grupos de Aprofundamento e Integração Avançados ……….……….. 78
3.1.3.2. Grupo de Integração Iniciante ……………………………….……….. 79
Considerações Finais …………………………………………………….……...…….. 80
Referências Bibliográficas ……………………………………………………….…… 83

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Voz e Expressão em Biodanza

AGRADECIMENTOS

E começando pela origem…

Agradeço:

Aos meus pais, ao meu pai José e à minha mãe Alice, por tudo o que me deixaram, de
material e imaterial, todas as ferramentas de que precisei para criar as minhas próprias.

Ao meu companheiro, Celso Portugal, a minha bússola, para me manter no caminho.

Ao Narciso Correia pelo convite para a primeira aula de Biodanza.

Ao Nuno Pinto pela iniciação neste mundo maravilhoso que é a Biodanza.

Ao Antonio Sarpe pela inspiração em querer saber mais e ir mais além.

À Irene Franco, minha facilitadora, supervisora, orientadora, musa inspiradora na


materialização dos meus sonhos.

Ao José Neves, por me ter mostrado que a integração do yin e yang é o caminho.

À Fernanda Pinto por me mostrar que tudo é possível.

Às minhas amigas, Lúcia Barros e Susana Pequito, por verem em mim, o que eu ainda
não conseguia.

A todos(as) os meus/minhas amigos(as) e companheiros(as) de dança, sem eles nada seria


possível.

À Tânia Miguel pela sua permanente presença na minha vida, minha terapeuta, minha
mãe, minha irmã, minha amiga, que confiou mais em mim do que eu própria.

Ao meu grupo, a todas as pessoas que dançaram e continuam a dançar comigo, por todas
as oportunidades, de me tornar cada vez mais eu.

Ao meu maior mestre, Rolando Toro que continua a sustentar as minhas asas e a permitir-
me voar.

A mim própria pela coragem de me manter no caminho.

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Voz e Expressão em Biodanza

RESUMO

Esta monografia tem como objetivo fundamental, analisar como a prática de Biodanza,
enquanto sistema de desenvolvimento humano, pode contribuir para a expressão de uma
das faculdades humanas, que é a Voz, e de como a Voz é usada como instrumento para
induzir vivências integradoras, para expressão da identidade.

É um trabalho baseado no meu processo em Biodanza, a partir de um dos meus maiores


medos, a expressão da voz nas suas diferentes formas.

Começando pela relação entre o meu processo de vida, antes e durante a prática da
Biodanza, de como foi importante, na integração da razão e emoção, que no fundo, é uma
das propostas da Biodanza, a integração dos três centros (sentir, pensar e fazer).

Continuando, com a apresentação do Modelo Teórico de Biodanza, “resgatando” um dos


principais instrumentos, que é o CANTO (pouco utilizado pela generalidade dos
facilitadores), na indução de vivências integradoras.

Terminando, com a importância da palavra emocionada através da consigna do facilitador


e da partilha vivencial (intimidade verbal).

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Voz e Expressão em Biodanza

ABSTRAT

The main objective of this monograph is to analyze how the practice of Biodanza, as a
human development system, can contribute to the expression of one of the human
abilities, which is the voice, and how the voice is used as an instrument to induce
integrative vivencias for the integrated expression of identity.

It is a work based on my process in Biodanza and on one of my greatest fears: the


expression of the voice in its different forms.

Starting with the relationship between my life process, before and during the practice of
Biodanza and the importance on the integration of reason and emotion, which is basically
one of the proposals of Biodanza, the integration of the three centers (feeling, thinking,
and doing).

Continuing with the presentation of the Theoretical Model of Biodanza, "rescuing" one
of the main instruments, which is singing (little used by most facilitators), in the induction
of integrative vivencias.

Ending with the importance of the emotional word through the facilitator’s enunciation
and through the sharing (verbal intimacy).

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Voz e Expressão em Biodanza

PRESSÁGIO

O amor, quando se revela,


Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p’ra ela
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente,
Não sabe o que há-de dizer.
Fala: parece que mente.
Cala: parece esquecer…
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P’ra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente,
fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar…

Fernando Pessoa

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Voz e Expressão em Biodanza

INTRODUÇÃO

Um gesto visceral saído das entranhas, do mais profundo de mim, não um grito de
desespero, mas um grito de libertação. Um grito que ecoou pelos céus em pleno deserto,
um grito primal, naquele imenso silêncio, um grito a anunciar um novo começo.

Foram precisas várias horas pela noite dentro e madrugada, a subir, sempre a subir, pela
crista da duna, a mais alta ali por perto. A subida da montanha, o esforço, a conexão com
o mistério do deserto… os primeiros raios de luz que se faziam anunciar, o sol que se
fazia anunciar, tudo isso terá deflagrado o grito…

Mas não foram só o deserto e o sol, outro fator… talvez o mais importante e
extraordinário, também a Biodanza na minha vida!

Um ano de prática semanal, sem nunca me atrever a faltar um só dia, a descoberta de


“coisas”, que desconhecia em mim, tanta vida…

Se não fosse a Biodanza… nem ao deserto teria chegado.

E o mais extraordinário, é que sentia as presenças de outros ali por perto, que tal como
eu, teriam ali acorrido para assistir ao espetáculo sempre mágico, o nascer de mais um
dia. E extraordinário porquê? Porque daquilo que me recordo, durante quase toda a minha
vida, senti medo, pânico diria, de me ouvir a mim própria. Então, só de pensar que outros
me pudessem ouvir… o pânico… o bloqueio, a paralisia acontecia.

Aquele grito, foi o primeiro passo para me aventurar a trilhar um longo caminho que me
trouxe até aqui, a este momento em que me encontro. Um momento em que já não
paraliso. É verdade que o medo de me expressar pela voz, continua a acompanhar-me,
mas apenas caminha ao meu lado, assim posso vê-lo, olhá-lo nos olhos, falar com ele,
aproveitar essa companhia, dançar com ele.

Foi com a Biodanza que me apercebi que não conseguia expressar o que sentia. No
entanto, sentia tanto!

Conseguir usar a palavra na partilha vivencial… só depois de muita dança, só depois de


largar muitos pesos… só depois de me sentir acolhida por aquele gerador de vida, que é

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Voz e Expressão em Biodanza

o grupo. Primeiro, a expressão através do corpo, e só mais tarde, a voz começou


timidamente a fazer-se ouvir.

Fui professora do ensino secundário, durante grande parte da minha vida, e nunca tive
muitos problemas em me expressar através da palavra, com os alunos, com os meus
colegas, em inúmeras reuniões que tive de convocar por diferentes razões, inerentes aos
cargos que desempenhava. Aparentemente, uma incongruência total!

Mas, não era assim! Falar de assuntos exteriores a mim, em que a minha função era
simplificar, sintetizar e transmitir, era fácil, apesar de reconhecer o medo da expressão,
mas era só no início, depois, esquecia-me dele.

Mas, falar de mim, falar do que sentia… perfeitamente impossível quando as emoções
preenchiam tudo, e não deixavam espaço para as pensar. Falar de um mundo interno
imenso, turbulento, caótico… como seria possível, que algo de inteligível, para mim, para
os outros, pudesse ser expresso através da palavra?

Um dia, ainda cedo na minha vida, senti um pânico imenso ao ver um filme, e ao olhar
em redor, apercebi-me que as pessoas mesmo ao meu lado, estavam como eu, em pânico.
Então, nesse momento, decidi não ter mais medo de nada, tudo passou a ser uma ficção.
A partir desse momento, deixei de ver os medos, mas também deixei de ter contato
comigo, com o que sentia… a razão tinha vencido!

Sim, fechei-me no meu mundo, com cores escolhidas por mim, inconscientemente, onde
me sentia protegida, onde nada nem ninguém me pudesse afetar.

E sim, a Biodanza salvou a minha vida, a Biodanza salvou-me, ao me permitir, ir


integrando os potenciais, que nem percebia o que eram, e que faziam parte de mim.
Aprender uma nova linguagem, foi um desafio muito grande. Daí a minha gratidão a um
ser genial que foi Rolando Toro, criador deste sistema fantástico, que é a Biodanza.

Desde 2009, quando conheci pessoalmente Rolando Toro, que ele me acompanha, sempre
sussurrando ao meu ouvido, tal como o fez naquela maratona de escola “tu és uma grande
bailarina”, depois de uma demonstração de uma dança que fiz a seu pedido. Estas palavras
foram a semente, a semente para ganhar coragem, e fazer tudo o que fosse necessário,
para me tornar facilitadora. E foi a dançar, a expressar os potenciais genéticos em cada
linha de vivência, que descobri que o uso da palavra também é um potencial genético,
então… tudo seria possível para mim.

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Voz e Expressão em Biodanza

Nesta fase em que me encontro, só me resta agradecer todas as oportunidades que me têm
sido dadas, não só a Rolando, mas a todos aqueles que me tocaram e incentivaram, para
que este momento chegasse.

É sobre o processo de ganhar voz, de conseguir expressar-me através da voz, mas também
através da linguagem verbal, através da palavra com sentido, não só nos grupos onde
dancei, mas perante o meu grupo, como facilitadora, que gostaria de escrever.

Não é apenas a minha história, é sobretudo, o que eu fiz com a minha história, e como a
Biodanza, me ajudou a tornar-me num ser mais integrado, e assim, a ter a coragem de
expressar um potencial, que ficou condicionado desde muito cedo na minha vida.

“No princípio era o verbo…”

No princípio, o verbo tinha sentido.

Mas, o verbo não foi o princípio, e sim o sentir, e só o sentir pode dar sentido ao verbo.

Assim nasceu esta monografia, não pelo verbo nem pelo sentir, mas pela história do som,
do som como voz, das suas características, das razões culturais que condicionaram o ser
humano, e de como é possível esse descondicionamento, até, às teorias da origem da
linguagem verbal. É sobre tudo isto, que trata o primeiro capítulo.

O segundo capítulo é sobre Biodanza e Voz. Como surgiu a Biodanza, o seu modelo
teórico, tendo o CANTO, a voz, como instrumento para induzir vivências integradoras.
No fundo, a Biodanza como método para resgatar a voz, e também, o uso da voz como
instrumento para induzir vivências integradoras. Apresento também, alguns exercícios
com voz usados nas sessões de Biodanza e em projetos de aprofundamento.

O terceiro capítulo é dedicado à palavra, ou melhor à palavra emocionada, na condução


da aula pelo facilitador, nos momentos em que a palavra, é instrumento, na consigna, na
apresentação teórica, e na comunicação com o grupo, no espaço de intimidade verbal.

O quarto capítulo é um pequeno questionário, sobre o sentir dos praticantes de Biodanza,


ao ouvir a sua própria voz e ao ouvir a voz do outro, e também, da importância do espaço
de intimidade verbal.

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Voz e Expressão em Biodanza

Capítulo I – Sobre a Voz

Silêncio e som, elementos essenciais para que a voz aconteça.

Primeiro, inspirar o mais profundamente possível. Segundo, uma expiração segura, e a


voz faz-se ouvir.

Sim, a respiração é a função essencial para que o som se faça sentir e ouvir, ou melhor, a
respiração é a função primordial, vital, sem ela a vida não seria possível, mais ou menos
3 minutos sem ar… e a vida pararia.

Muitas teorias existem sobre a origem da vida, que passam pela religião, mitologia,
filosofia, ciência. E, muitas delas, nos remetem para além do planeta Terra.

Muitas delas, limitam-se a iniciar a história da origem da vida, aqui neste planeta, a nossa
casa, um lugar ainda aprazível, com o azul predominante do céu e oceanos, e verde das
florestas e prados.

Mas, como dizia Carl Sagan, a superfície da Terra é a costa do oceano cósmico, e uma
parte do ser humano sabe que o Cosmos é a sua origem.

Sim, somos seres ontocosmológicos, oriundos do Cosmos que é tudo o que se vê e não se
vê, tudo o que existe, existiu ou existirá, que faz parte das nossas memórias, que nos
emociona, que nos faz sentir vivos.

Para além do inexplicável, do mistério, da emoção que nos habita, dessa sensação que
nos faz sentir parte de um oceano cósmico, somos também, hidrogénio, oxigénio,
carbono, cálcio, nitrogénio e fósforo, elementos presentes na matéria, e por isso não temos
apenas um corpo, somos um corpo. Em cada uma das nossas células, estão as memórias
de tudo o que já existiu, existe ou existirá.

Somos pó de estrelas…

Depois de milhões de anos de evolução dos Humanos, as culturas, as normas, a razão…


afastaram-nos cada vez mais dessas sensações, desse sentir com sentido, rejeitando o
natural, o biológico, a parte animal, que nos conecta com os instintos, e que permite que
a vida aconteça e se mantenha.

E a voz, faz parte dos nossos potenciais genéticos, e que evoluiu ao longo de milhões de
anos, até chegar à voz falada.
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Voz e Expressão em Biodanza

Mas, não poderia começar a falar sobre a voz, sem voltar ao princípio de tudo, à nossa
origem como seres cósmicos, num espaço em que as memórias, são movimento e silêncio.

1.1. O que é o som?

A história do planeta Terra tem as suas origens no cosmos, da explosão de uma supernova,
uma estrela muito antiga, mais brilhante do que todas as outras, já em final de vida, o caos
acontece, as inúmeras partículas dissipativas, chocam entre si, criam energia.

E é nesse caos, nessa dança cósmica que o planeta Terra toma forma.

Terra ou Gaia, nome de deusa, ser vivo e pulsante, nomeada assim, depois da viagem até
à lua. E do espaço, a visão magnífica de um ser azul pulsante que respira.

Mas, essa dança, fez-se em completo silêncio, porque no espaço, no vazio, o som não é
possível.

Nessa dança cósmica, apenas o movimento tinha lugar, e foi um nascimento silencioso
no espaço vazio.

Nas nossas células estão registadas todas essas memórias, seres cósmicos num caminho
do caos à ordem. E foi o movimento e o silêncio que em primeiro lugar aprendemos.

O som só foi possível na Terra, com o nascimento do ar, resultante das reações químicas
que fizeram evoluir a vida nas suas diferentes formas.

É por isso, que a Terra é sonora. Tudo tem som, desde o mais dissonante ao mais
harmonioso. Tudo é energia e tudo vibra de acordo com o seu próprio timbre.

Então, o que é o som?

Para a Física, o som é uma onda longitudinal e mecânica, e por ser mecânica, necessita
de um meio físico para se propagar, o ar entre outros meios, como os líquidos e os sólidos.
Mas, é o ar o meio privilegiado de propagação do som, onde ele é mais lento, devido a
uma maior distância dos átomos que o constituem.

A velocidade de propagação das ondas sonoras, depende das características do meio em


que se deslocam. No ar, a velocidade do som é de aproximadamente 340m/segundo.

Os sons são percebidos pelos seres humanos, quando incidem sobre o aparelho auditivo,
e são traduzidos em estímulos elétricos, direcionados para o cérebro, que os interpreta.

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Voz e Expressão em Biodanza

O som como fenómeno físico, tem algumas características, em que as principais são:
Altura, Intensidade e Timbre.

A Altura do som está relacionada com a frequência. A frequência de uma onda sonora
mede-se em hz (hertz), que define a sua altura, isto é, quanto maior é a frequência do som,
mais agudo, ou alto, esse som é. Ao contrário, sons de baixas frequências, são chamados
de sons graves ou baixos.

Os seres humanos são capazes de perceber somente sons entre 20hz e 20000hz. Abaixo
de 20hz, são os designados de infrassons, e acima de 20000hz, os ultrassons, só
percebidos por outros animais, como por exemplo o cão ou o gato.

A Intensidade do som relaciona-se com a quantidade de energia que a onda sonora


transmite, e está relacionada com a amplitude: quanto maior a sua amplitude, maior será
a sua intensidade. Esta propriedade do som é medida em decibéis (sons intensos são os
sons fortes, enquanto os sons de baixa intensidade, são chamados de sons fracos).

A amplitude da onda sonora define a sua intensidade, ou a quantidade de energia que essa
onda carrega consigo, que também pode ser entendida como o “volume do som”.

O Timbre do som é o que permite distinguir a natureza da sua fonte. Ao ouvir dois sons
com a mesma frequência e intensidade, mas que foram produzidos por instrumentos
diferentes, pode-se facilmente diferenciá-los.

O Timbre é o modo de vibração da onda sonora, e cada fonte sonora possui o seu timbre
característico. Pode-se dizer que o Timbre é a assinatura sonora da fonte.

Por exemplo, entre um violino e um violoncelo, é o timbre que permite distinguir um do


outro, quando tocam notas idênticas, com frequências idênticas.

A forma da onda depende de diferentes vibrações, da vibração principal, chamada de


harmónico fundamental, e das vibrações secundárias, os chamados harmónicos
secundários. Por exemplo, ao tocar uma corda de um instrumento, como o violino, ela
vibra, mas não é só ela que vibra, todas as outras cordas, a caixa, o braço, todo o corpo
do violino, vibra.

Assim como o violino, também o corpo humano é um instrumento musical. Quando as


cordas vocais vibram, que corresponde ao harmónico fundamental, todos os harmónicos
secundários, que correspondem a todas as partes do corpo, vibram em sobreposição,
dando origem a uma forma sonora única para cada ser humano.

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Voz e Expressão em Biodanza

Pode-se assim dizer que a voz humana é a sua assinatura sonora, tal como a impressão
digital, não existe mais nenhuma igual.

Mas, o som emitido pelo ser humano, a voz, não é um fenómeno puramente físico, ele é
resultante de um complexo sistema interativo de características, relacionando-se umas,
predominantemente, com aspetos fisiológicos individuais, e outras, com aspetos,
psicológicos, emocionais e culturais.

1.2. Fisiologia da Voz

O corpo humano é um instrumento musical onde os sons são variados, desde os sons
involuntários, resultantes do funcionamento dos órgãos, como o bater do coração ou da
digestão, assim como os voluntários, como o bater palmas, o caminhar, entre outros.
Mas a voz, é a assinatura sonora, única, expressão da identidade.

A voz é uma característica humana que se relaciona com a necessidade do homem se


agrupar e comunicar. Ela é produto da evolução, um trabalho conjunto do sistema
nervoso, respiratório, digestivo, de músculos, ligamentos e ossos, atuando
harmoniosamente, criando a possibilidade de uma expressão única.

De um modo geral, nos mecanismos para gerar a voz humana, estão subdivididos em três
partes:

1) Pulmões, diafragma, músculos abdominais e intercostais;

2) Laringe com as pregas (cordas) vocais;

3) Lábios, língua, dentes, palato duro, palato mole e mandíbula, responsáveis pela
articulação.

Os pulmões têm um aspeto esponjoso, uma vez que são compostos de muitas cavidades
pequenas, os alvéolos pulmonares, aos quais chega o ar inspirado, através das vias
pulmonares. Os pulmões são órgãos muito elásticos, capazes de se dilatarem e contraírem,
envoltos por uma membrana delicada, a pleura. Estão localizados, um de cada lado do
coração, protegidos pela caixa torácica, uma estrutura extensível e muito articulada, e que
se pode mover, graças a um conjunto de músculos, os músculos intercostais, os
abdominais, e o diafragma.

O diafragma, um músculo plano, parecido com um chapéu de chuva, separa a cavidade


torácica da cavidade abdominal, e com os seus movimentos de contração e relaxamento,

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Voz e Expressão em Biodanza

comandados por impulsos nervosos, transmitidos através do nervo vago, permitem que o
ar entre, e encha os pulmões (inspiração), e ao distenderem-se, obrigam o ar a sair, e os
pulmões esvaziam (expiração).

Uma outra parte, também importante, da qual fazem parte, os chamados ressoadores, que
funcionam como uma caixa de ressonância: a faringe (órgão comum aos sistemas
respiratório e digestivo), seios perinasais (cavidades aéreas por onde circula o ar
inspirado) e a boca.

Ao respirar, as pregas vocais, localizadas dentro da laringe, ficam afastadas entre si,
permitindo a entrada e a saída do ar, e é na expiração que a voz é produzida, cria-se a
pressão de ar sob as pregas vocais, fazendo com que elas se aproximem e vibrem. O som
gerado na laringe é ampliado pelas cavidades de ressonância (faringe, seios perinasais e
boca). Os sons da fala são articulados na cavidade bucal, ou seja, pelos articuladores, a
língua, os lábios, os dentes, palato duro, palato mole e mandíbula, modificando o fluxo
de ar vindo dos pulmões e projetando o som para o ambiente.

1.3. Características acústicas e humanas

As características acústicas e humanas dependem essencialmente das condições


anatómicas e fisiológicas que se prendem com o funcionamento dos sistemas auditivo,
fonador, nervoso central e periférico, e também de fatores psicológicos globais, e que
englobam:

a) Intensidade que depende da amplitude da vibração das cordas vocais, e mede-se


em decibéis. A voz falada ou de conversação, ronda os 20dc, a voz muito forte os 60dc e
o grito 70dc.

b) Altura que depende da frequência da vibração das cordas vocais. Quanto mais
rápida é a vibração, mais alto é o som ouvido e mede-se em hz (hertz).

Na classificação tonal da voz, podem-se referir, vozes muito agudas, agudas, normais,
graves e muito graves.

O tamanho da laringe tem influência na tonalidade da voz. A uma laringe grande


corresponde geralmente uma voz mais grave.

Para cada indivíduo, há uma zona mais ou menos alargada de alturas sonoras, nas quais
se sente confortável durante a emissão vocal. Assim, mediante o local onde parece ser
produzida, pode-se falar de voz palatal (palato), gutural (garganta) e nasal (nariz).
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Voz e Expressão em Biodanza

c) Timbre que permite distinguir duas vozes que falam ou cantam com a mesma
intensidade e a mesma altura.

A vibração nunca existe isolada, ela depende do harmónico fundamental que provoca
vibração nos harmónicos secundários, e o timbre é o resultado da vibração sobreposta de
todos.

d) “Humor” da voz – usualmente utilizam-se adjetivos para descrever o “humor”


da voz, como: espontâneo, poético, nervoso, calmo, doce, mole, zangado, espasmódico.

1.4. Voz – Emoção e Razão

1.4.1. As Origens

As características acústicas humanas dependem essencialmente das condições anatómicas


e fisiológicas, e também das condições emocionais e psicológicas, o que torna o processo
da expressão da identidade, um fenómeno bem complexo, uma história que começa bem
lá longe, durante a primeira infância.

A primeira fase até aos 3 anos, quando a criança se sente o centro do mundo, depois até
aos sete anos, em que os programas de formatação são implantados, de uma forma
impercetível, porque a criança aprende por identificação, por imitação, por aprendizagem,
e tudo isso fica registado nas suas células, como se fizessem parte do seu ADN. É comum
ouvir pessoas que dizem “eu nunca vou mudar, eu nasci assim, e sempre serei assim”,
tipo Gabriela Cravo e Canela, e preferem continuar a acreditar que essa é a verdade.

Eu sinto que sempre fui orientada na minha vida, no meio do oceano inconsciente, algo
em mim gritava em silêncio, que era possível ser diferente.

Nascida num ambiente, rodeada de ecofatores pouco nutritivos, e apesar disso, até aos 3
anos, fui uma criança alegre, saudável, olhos e faces coloridas, de tal maneira, que as
vizinhas perguntavam à minha mãe, se me pintava. E toda essa exuberância, se expressava
também pela voz, porque falava “pelos cotovelos”, o que se costuma dizer, de quem fala
muito.

Mas, parece que a vida tinha planos diferentes para mim, porque nessa altura, fiquei
gravemente doente, um problema nos pulmões. Nunca soube exatamente o que foi, mas
pelo que me contaram, estive muito perto da morte. Por algum contágio, não se sabendo
muito bem como, mas eu era daquelas crianças que brincava na rua, mexia na terra, ainda

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Voz e Expressão em Biodanza

não existia a fobia da superproteção. Graças ao amor e cuidado da minha mãe, e ao médico
que arriscou um medicamento novo, acabei por ser salva ao fim de um longo ano.

A partir daí, a criança alegre e faladora, tinha desaparecido completamente, e deu lugar a
uma menina tímida, silenciosa em que só a ideia de que alguém pudesse ouvir a sua voz,
a deixava em pânico, a tentar esconder-se dos outros, com a sensação de não existir, ou
seja, a viver num mundo à parte, sentindo-se uma extraterrestre, a fugir de qualquer
relacionamento humano, preferindo os animais e as plantas.

As brincadeiras, eram criadas por mim, com personagens criadas por mim, com quem
interagia e falava, por vezes, em voz alta, quando sabia que ninguém me podia ouvir.

Até ir para a escola, fui uma criança feliz, num mundo criado por mim. Só na escola é
que comecei a aprender a relacionar-me com os outros, a perceber que existia um mundo
que não era o meu, um mundo assustador. Por isso, além dos mecanismos de defesa que
já tinha criado, outros se juntaram, para poder sobreviver. Para esconder a sensibilidade
extrema com que vim a este mundo, tornei-me forte e alegre. Nada me podia atingir,
porque me recusava a sentir qualquer desconforto, e quando isso acontecia ia até à floresta
ou ao alto da montanha, e voltava com a força redobrada, até ter de voltar a fazer o mesmo
novamente.

Apesar de, aparentemente, tudo correr muito bem na minha vida, havia uma sensação de
vazio dentro de mim, como se faltasse algo, com muitas contradições e muitos medos,
imensos medos.

Mas, a normose era muito forte, e apesar de rebelde por dentro, por fora, cumpria todas
as regras, mesmo aquelas com as quais não concordava, sempre fui uma menina bem-
comportada. Isso garantia-me a valorização dos outros, a atenção dos outros, o
reconhecimento dos outros, apesar de sentir que tudo o que fazia era insuficiente.

Felizmente, em adolescente, tinha aquele olhar vazio de quem olha para tudo e não vê
nada, e que me dava a sensação de tudo estar no lugar, porque iria haver um lugar para
mim, apesar do caos interno de não saber quem era, do que gostava de fazer, como poderia
expressar-me no mundo, ou se me iria sentir parte dele.

Essa sensação, e tudo o que os meus pais me deixaram como valores, todos mecanismos
de defesa, ajudaram-me a lidar da melhor maneira possível, com cada situação, e ter agora
a oportunidade de ir aprendendo a expressar os meus potenciais de forma integrada.

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Voz e Expressão em Biodanza

É por isso que costumo dizer que a Biodanza me salvou a vida várias vezes. A primeira
quando a conheci pela primeira vez, e as portas e janelas, começaram a abrir, e depois,
sempre que me deparava com dificuldades, aparentemente maiores do que eu, pensava
em desistir, e nessas alturas, havia sempre um anjo que me dizia, ou fazia algo, para me
aperceber que existiam mais portas e janelas por abrir. E tem sido assim, e cheguei aqui.

Os medos eram tantos, e tão emaranhados que me paralisavam impedindo o caminho para
a concretização dos meus sonhos.

No entanto, realizei alguns, nos momentos em que a emoção e a razão se sentavam à


mesma mesa, e conseguia materializar os meus desejos, mas só aqueles que tinham a ver
com a minha sobrevivência, aqueles que dependiam, sobretudo da coordenação de coisas
materiais.

Agora, os outros… aqueles em que precisava de me mostrar, de mostrar a minha parte


sensível… esses… ficava paralisada, congelada, completamente muda e surda, a sentir
muito por dentro, e aparentemente insensível a tudo e todos.

Para não sentir, a razão era a defesa, usando mecanismos de defesa criados por mim.

1.4.2. A Razão

Mas, nem sempre foi assim, nem sempre a razão, a mente racional, dominou a vida das
pessoas. Nas primeiras comunidades, o conhecimento era transmitido através das
histórias contadas em redor da fogueira. Histórias em que as palavras estavam repletas de
emoção, experiências vividas, movimento, aventura. As palavras dançavam transmitindo
a vivência das realidades vividas, e era assim, que as crianças aprendiam.

De acordo com as investigações mais recentes, a formação de comunidades cada vez


maiores, terá levado a alterações profundas em relação à forma como o conhecimento era
transmitido. A escrita e leitura teve um papel muito importante. No início, apenas alguns
sabiam ler, e a leitura era em voz alta, mas com a educação para todos, a leitura passou a
ser feita em silêncio. E a partir daí, as histórias passaram a ser apenas imagens da
realidade, criações mentais, apenas uma relação intelectual entre o leitor e as palavras.

Tenho consciência como as histórias que li, sempre em silêncio, contribuíram para o meu
carater, as histórias infantis sempre com uma moral no fim, que condicionaram como vivi
os meus relacionamentos, as ideias, teorias, deixadas por diferentes autores, e que
influenciaram toda uma sociedade, e que me influenciaram a mim. Tudo se passava ao

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Voz e Expressão em Biodanza

nível das ideias, a partir de imagens, em que tudo o que prejudicasse o modelo criado, era
rejeitado liminarmente.

Tudo o que vivia, todas as experiências foram vividas a partir de uma imagem criada
pelos diferentes contadores de histórias, e depois, pelas histórias criadas por mim própria
e contadas a mim própria e que insistia em contar aos outros. Mas, havia sempre algo a
estragar-me os planos, as sensações desagradáveis, que eu nem sequer conseguia dar um
nome.

Muitas vezes, ouvia alguém dar conselhos, “Mantém a cabeça fria. Não deixes que as
paixões, as emoções, te estraguem a vida!…” Como resultado, as emoções eram algo a
rejeitar, perfeitamente dispensáveis, e deveríamos sempre usar a razão, ser razoáveis.

Tudo o que aprendemos, tudo o que vamos sendo, na sociedade em que se vive, tem as
suas origens bem lá atrás. Há milénios que pensadores ocidentais e orientais, religiosos
ou não, que contribuíram para esta visão da separação de razão e emoção. E se não se
quiser saber mais, fica-se a pensar que se nasceu assim, como muitas vezes, pensei. Saber
que todas as ideias, as crenças, foram “implantadas” em cada uma das minhas células,
cerca de noventa por cento, torna tudo mais fácil, pois há a esperança de tudo poder ser
diferente.

René Descartes nascido em 1596, foi considerado o primeiro filósofo moderno, e que
defendeu a tese de que a dúvida era o primeiro passo para chegar ao conhecimento. O
corpo é formado por matéria com propriedades comuns a toda a matéria, incitando à
separação do corpo e da alma. “O controlo das inclinações animais através do
pensamento, da razão e da vontade é o que nos torna humanos, segundo As Paixões da
Alma de Descartes” (António Damásio, 1994).

Na escola aprendi muitas coisas, assentes nesta visão, como por exemplo, que os homens
eram superiores aos outros animais e outros seres vivos, apenas porque o mais importante
era a razão, era isso que os tornava superiores a todos, que lhes dava o direito de explorar,
vendo-os como seres inferiores, mesmo os seus semelhantes, estes com dificuldades em
se expressar de acordo com os modelos aceites e instituídos. Foi assim que me senti,
inferior porque não conseguia fazer como os outros, criei a crença de não ser muito
inteligente, a tentar esconder-me, a paralisar ou congelar, quando era solicitada a usar a
palavra. Acreditei na teoria do QI, como medida da inteligência humana, apesar de

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Voz e Expressão em Biodanza

perceber que nesse teste, a avaliação era mais ao nível cultural, mas, tentava evitar fazer
o teste, só de pensar que iria ser baixo e comprovar a crença que tinha de mim mesma.

Só bastante mais tarde, comecei a libertar-me dessa crença, quando Howard Gardner, em
1983, apresenta a teoria das inteligências múltiplas (sete tipos de inteligências:
linguística, lógico/matemática, espacial, musical, corporal-cinestésica, interpessoal e
intrapessoal, sendo mais tarde, acrescentadas mais duas: naturalista e existencial).

Lembro-me como isso me fez sentir, afinal, eu reconhecia em mim, algumas das
inteligências apresentadas, e isso fez com que me visse de forma diferente, e também, a
forma como comecei a olhar para os outros. No sistema de educação português, foram e
continuam a ser, as inteligências: linguística e lógico/matemática, as consideradas mais
importantes, e que distinguiam os bons dos maus alunos. Um desenvolvimento
essencialmente do hemisfério esquerdo do cérebro, responsável por essas áreas, em
detrimento do hemisfério direito, responsável pela arte, música, dança…

Durante muito tempo, ouvi a frase muito conhecida de Descartes “Penso, logo existo!”, e
o significado para mim, era de que como sinto e não era suposto, e não consigo expressar
o que penso, a voz ficava embargada e ficava em silêncio. Isso fazia com que ficasse em
silêncio a maior parte das vezes, porque só de pensar que alguém me ouvisse e me dissesse
que eu não era gente, até porque já tinha ouvido a expressão de “bicho do mato”, para me
descrever. Sim, o medo de falar, de me ouvir, de ser ouvida, despoletava todos os outros
medos. Eram tantos, baralhando completamente o meu cérebro, tornando-o disfuncional.

A teoria do cérebro trino de Paul MacLean, trouxe-me alguma tranquilidade, ao perceber


de uma forma muito simples, o funcionamento do cérebro, dividido em três partes: o
sistema reptiliano, o sistema límbico e o neocórtex.

O sistema reptiliano/primitivo (o que partilhamos com os répteis – vocacionado para nos


salvar), estava constantemente a ser ativado, a tentar defender-me ou a fugir, não dando
oportunidade ao sistema límbico/emocional (o que partilhamos com os mamíferos – para
saber viver em comunidade, em grupos, em família), e ao neocórtex/pensante (o que nos
faculta o raciocínio – que permite falar, analisar, inventar, compreender), de
desempenharem as suas funções. Isto numa visão muito simples acerca do funcionamento
do cérebro, descrito numa história para crianças de todas as idades, por Margarida
Fonseca Santos no seu livro “AltaMente”.

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Voz e Expressão em Biodanza

A Teoria do cérebro trino foi elaborada em 1970 pelo neurocientista Paul MacLean, apresentada
em 1990 no seu livro “The Triune Brain in evolution: Role in paleocerebral functions”, que
discute o fato de que nós, humanos/primatas, temos o cérebro dividido em três unidades
funcionais diferentes.

Outro autor com um papel importante, na crença de que a razão era o mais importante, e
que me fazia sentir uma ET, foi Sigmund Freud, nascido em 1856, neurologista e
psiquiatra, formulou os conceitos de id, ego e superego, que compunham a estrutura da
psique. O id é o local da mente onde ficam os nossos impulsos e instintos. O ego é a parte
lógica e racional da psique e é responsável pela tomada de decisões. O superego, por sua
vez, é a parte da psique responsável pela repressão dos impulsos que são contrárias às
normas sociais.

Segundo Freud, “… as principais característica do ego; em consequência da conexão pré-


estabelecida entre perceção sensorial e a ação muscular, o ego tem sob seu comando o
movimento voluntário. Ele tem a tarefa de autopreservação. Com referência aos
acontecimentos externos desempenha essa missão dando-se conta dos estímulos externos,
armazenando experiências sobre eles (na memória), evitando estímulos excessivamente
internos (mediante a fuga), lidando com estímulos moderados (através da adaptação) e,
finalmente, aprendendo a produzir modificações convenientes no mundo externo, em seu
próprio benefício (através da atividade). Com referência aos acontecimentos internos, em
relação ao id, ele desempenha essa missão obtendo controle sobre as exigências dos
instintos, decidindo se elas devem ou não ser satisfeitas, adiando essa satisfação para
ocasiões e circunstâncias favoráveis no mundo externo ou suprimindo inteiramente as
suas excitações…” (Fadiman e Frager, 1986)

O Ego, a razão, a mente, que toma decisões, tem um papel moderador entre o que é
impulso, instintivo, e o que é aceite pela sociedade, a moral.

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Voz e Expressão em Biodanza

Conhecer as teorias, juntamente com a Biodanza, permitiu-me ter perspetivas de mim


completamente diferentes, e saber que afinal, sou humana tal como todos os outros
humanos, apenas me expresso de maneira diferente, apenas criei mecanismos diferentes
de muitos outros. Eu escondia-me no silêncio, outras pessoas escondem-se nas palavras,
dependendo da história vivida por cada um.

Mas, só com a Biodanza, é que comecei a entender a importância de conhecer o passado,


tudo o que contribuiu para que me possa conhecer hoje, tal como sou. A partir do
momento em que fiquei mais atenta ao enquadramento teórico da cada sessão, às
consignas para cada exercício, que eram a prolepse da vivência, e depois a própria
vivência… tudo em mim começou a mudar, comecei a deixar de ter um corpo para ser
um corpo cada vez mais integrado.

Depois, mais recentemente, a contribuição dos neurocientistas, que com as suas


investigações, criaram uma visão diferente, de um ser humano, inteiro, em que a razão é
apenas uma parte, e porque ela não é possível se a emoção não estiver presente (Damásio).
Podemos rejeitá-la, não a querer ver, mas ela está presente, e segundo a minha
experiência, quanto mais se resiste, mais persiste, ficando agarrado a uma crença, a um
comportamento, que repetido vai dar sempre o mesmo resultado.

“Toda a felicidade está cercada por uma série de limitações e basta começar a pensar neles
para nos tornarmos infelizes.” (citações e pensamentos de Sigmund Freud)

Dois autores que tiveram um papel importante para reconhecer em mim como as minhas
ações estavam condicionadas pelo ego, e como me traziam infelicidade, foram Wilhelm
Reich, de quem falarei no próximo ponto, e Alexander Lowen seu seguidor.

Segundo Lowen, a neurose é o medo da vida. “A pessoa neurótica tem medo de abrir seu
coração ao amor, teme estender a mão para pedir ou para agredir, amedronta-a ser
plenamente si mesma.” Em termos psicológicos, quando abrimos o coração ao amor,
ficamos vulneráveis ao risco da mágoa; quando estendemos os braços à frente, arriscamo-
nos à rejeição; quando agredimos, há a possibilidade de sermos destruídos.”

Exatamente o que senti durante muitos anos da minha vida, digo senti, mas apenas o grau
de neurose ficou diferente, porque segundo Damásio, seremos neuróticos a vida inteira.

E tudo isto só foi possível depois de ter iniciado a Escola de Biodanza, porque até aí, o
meu comportamento era pautado essencialmente pela razão. Só quando fui convidada a
falar sobre o que sentia, me apercebi que sofria de uma certa alexitimia, a dificuldade em
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Voz e Expressão em Biodanza

reconhecer as emoções e falar delas, e por isso, ficava em silêncio na maior parte das
vezes, e que gera a “ação pela ação” como disse Rolando Toro.

E apesar de ter sido professora durante muitos anos, e nas aulas e no cumprimento de
cargos que desempenhava, havia a exigência de falar para largas audiências, e fazia-o sem
dificuldade, só quando fui solicitada para falar de mim, na Biodanza, do que sentia, é que
me apercebi de como era difícil fazê-lo, e como a tendência era ficar em silêncio. Falar
do exterior, a partir de ideias, conceitos, era fácil, mas falar do sentir, isso era uma coisa
completamente diferente. Lembro-me de sempre ter dificuldade em ler poesia, faltava-
lhe a lógica.

E foram todas as minhas dissociações que me levavam muitas vezes, a evitar a partilha
verbal no início da aula. Mas, foi graças ao método vivencial da Biodanza que me
permitiu continuar, e devagarinho aceder a partes de mim que eu nem sequer sabia que
existiam, inclusive a voz.

1.4.3. A Emoção

Progressivamente, com a dança, os diferentes exercícios, fui-me apercebendo das


dissociações, dissolvendo muito devagarinho a armadura que me protegia. Numa aula,
desesperada, consegui partilhar que me sentia no alto de uma torre de marfim, com uma
visão lá do alto, sozinha sem saber como sair dali, nem como deixar alguém subir até ali.

Mas, ao fim de um ano, consegui expressar o meu primeiro grito, vindo lá das profundezas
de mim, consegui sair de mim.

Comecei a escutar e a identificar as sensações em mim, e muito devagar, comecei a


conseguir falar sobre elas. O efeito da magia da Biodanza em mim.

E foi ao estudar e entender, que as emoções desempenham uma função biológica, que têm
uma finalidade. E de que emoção e razão, fazem parte de um todo e que em sintonia, pode
levar-nos à felicidade. Permitiu-me aceitar a minha humanidade, a ver o humano nos
outros, a sair mais vezes da minha frente.

Para Daniel Goldman, por exemplo, “as emoções, são essencialmente, impulsos para agir,
planos de instância para enfrentar a vida que a evolução instilou em nós”.

A própria raiz da palavra é motere, do verbo latino “mover”, mais o prefixo “e-“
formando a expressão “mover para”, sugerindo que a tendência para agir está em todas
as emoções.
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Voz e Expressão em Biodanza

Mas, o que mais me fascinou foi entender que as emoções têm uma base biológica.
Segundo António Damásio, “as emoções são conjuntos complicados de respostas
químicas e neurais que formam um padrão; todas as emoções desempenham um papel
regulador que conduz, de uma forma ou de outra, à criação de circunstâncias para o
organismo que manifesta o fenómeno; as emoções dizem respeito à vida de um
organismo, mais precisamente ao seu corpo; a finalidade das emoções é ajudar o
organismo a manter a vida”.

Ainda segundo o mesmo autor, as emoções resultam de uma longa genealogia de


sintonização evolutiva, e fazem parte dos dispositivos bio reguladores com os quais
nascemos preparados para sobreviver. Já Charles Darwin tinha identificado expressões
emocionais de diferentes espécies e encontrado a consistência nessas expressões. É por
isso que, em diferentes culturas em diferentes partes do mundo, as emoções são
facilmente reconhecíveis.

São estas semelhanças, entre culturas e indivíduos diferentes que torna possível as
relações interculturais que permite a arte, a literatura, a música, o cinema, sejam
apreciadas no mundo inteiro.

Diferentes autores identificaram e classificaram as diferentes emoções sentidas pelos


seres humanos.

Segundo Damásio, elas podem ser primárias/inatas (consideradas universais), porque


dependem da rede de circuitos do sistema límbico, que reage quando, determinadas
características dos estímulos, no mundo ou nos seus corpos, são detetadas
individualmente ou em conjunto. São elas: a felicidade/alegria, a tristeza, a cólera/raiva,
o medo e o nojo.

A importância das emoções na vida de um ser humano foi tema do cinema, num filme
dirigido por Pete Docter (Divertida-Mente, 2015), em que são retratadas as funções de
cada uma das emoções, e de como a sua expressão é importante na vida de uma pessoa.

São consideradas primárias ou inatas, primeiro porque vimos a este mundo, dotados de
todos os mecanismos para que se possam expressar, confirmação feita ao observar que
são comuns a todos os humanos, independentemente da cultura, e também em animais.

Refere ainda que existem outros comportamentos que podem ser considerados emoções,
que são as emoções secundárias ou sociais, tais como a vergonha, o ciúme, a culpa, o

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Voz e Expressão em Biodanza

orgulho. Estas resultantes das interações sociais, e que podem ter variações em função da
cultura, na forma como se expressam.

As emoções podem ser despoletadas de duas formas, pode ser um estímulo externo,
ativando todos os mecanismos biológicos que levam à ação, ou então, através do
pensamento, de memórias, de imagens de situações já vividas.

À luz da neurociência, a ideia de uma razão separada da emoção, ficou completamente


desatualizada. E segundo Damásio “a emoção e o mecanismo biológico, que lhe é
subjacente, são os companheiros obrigatórios do comportamento, consciente ou não. Um
certo grau de emoção acompanha, forçosamente, o pensamento sobre nós mesmos ou
sobre o que nos rodeia.”

Huberto Maturana, ao estabelecer uma continuidade entre o biológico e o social ou


cultural, referiu que “as emoções são fenómenos próprios do reino animal”, onde nós
humanos, também nos encontramos, e que o chamado “humano” se constitui justamente
no entrelaçamento do racional com o emocional, na linguagem, que fez desabar o
imperialismo da razão. Biologicamente, as emoções são disposições corporais que
determinam ou especificam domínios de ações.

Mas, fazer parte de uma sociedade, é estar sujeito aos mandatos culturais que provocam
o condicionamento da expressão das emoções, levando a graves dissociações, como o
sentir uma coisa, pensar uma outra, e ter uma atitude que não reflete nem o que se sente,
nem o que se pensa.

Comecei progressivamente a identificar e a expressar as minhas emoções, e cada emoção


tem um som diferente, tem um ritmo próprio, com pausas diferentes entre o som e o
silêncio. Não são só as expressões corporais e faciais que mudam em função da emoção,
mas também o som, a voz, com diferentes cambiantes e variações, como por exemplo, o
choro, que tem um som diferente dependendo: porque dói alguma coisa, porque se faz
uma birra para conseguir algo, ou porque quer atenção, ou porque está alegre, e também,
pode acontecer em silêncio, dependendo das emoções que estão subjacentes.

A coragem de expressar as minhas emoções, trouxe-me a capacidade de me expressar


pela voz e pela palavra. No fundo, entender que a voz é um potencial genético que posso
desenvolver, tal como os outros potenciais (vitalidade, sexualidade, criatividade,
afetividade, transcendência) trouxe-me tranquilidade e segurança no meu processo de
vida. Afinal, a voz sempre fez parte de mim, é genético, inato, e a única coisa que preciso

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Voz e Expressão em Biodanza

é procurar, criar, os ecofatores ambientais para que se possa desenvolver. Emoção e razão
a caminhar juntas numa dança pulsante, com todas as suas cambiantes, cores e sons.

A Epigenética, que significa literalmente “controle sobre os genes”, revolucionou por


completo o nosso entendimento convencional do controle genético. A epigenética é a
ciência de como os sinais ambientais selecionam, modificam e regulam a atividade
genética. Esta nova perceção revela que a atividade dos nossos genes está constantemente
a ser modificada em reações às experiências de vida. (Bruce H. Lipton, 2015)

Este entendimento, permitiu-me afastar de mim, a crença de que herdando os genes dos
meus pais, então teria uma vida idêntica à deles, a mesma forma de me expressar, as
mesmas doenças… foi um alívio saber que eu posso escolher, mudando a crença,
mudando a forma, mudando o ambiente, mudando-me por dentro, e criar uma nova vida.

Não é por acaso que numa sessão de Biodanza, os ecofatores ambientais, são de extrema
importância, para que as vivências, possam ser integradoras, e a identidade se possa
expressar.

1.4.4. Do Instinto ao Sentimento

Em relação aos instintos, António Damásio (1984) refere que “em geral os impulsos e os
instintos operam diretamente, através da geração, de um determinado modo, quer através
da indução de estados fisiológicos que levam os indivíduos a agir de determinado modo,
de forma consciente ou não. Praticamente todos os comportamentos que resultam de
impulsos ou instintos contribuem para a sobrevivência quer em termos diretos, através da
execução de tarefas de preservação da vida, quer em termos indiretos, através da criação
de condições vantajosas para a sobrevivência ou da diminuição da influência das
condições adversas.”

E continua relacionando, a emoção e sentimento, “…nos organismos equipados para


sentirem emoções, isto é, para terem sentimentos, as emoções também exercem um
impacto sobre a mente, à medida que ocorrem, no aqui e agora… A consciência permite
que os sentimentos sejam conhecidos, promovendo deste modo o impacto interno da
emoção e permitindo que a emoção permeie o processo de pensamento pela mão do
sentimento…”

E acrescenta, “Mas o mecanismo das emoções primárias não descreve toda a gama dos
comportamentos emocionais. Elas constituem, sem dúvida, o mecanismo básico. Creio,

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Voz e Expressão em Biodanza

no entanto, que em termos do desenvolvimento de um indivíduo se lhes seguem


mecanismos de emoções secundárias que ocorrem mal começamos a ter sentimentos e a
forma das ligações sistemáticas entre categorias e objetos e situações, por um lado, e
emoções primárias, por outro. As estruturas do sistema límbico não são suficientes para
sustentar o processo das emoções secundárias. A rede tem de ser alargada e isso requer a
intervenção dos córtices pré-frontal e somatossensorial.” (Damásio, 1994)

Rolando Toro, através do modelo teórico e operacional da Biodanza, aponta na mesma


direção.

Muitas vezes, ouvi António Sarpe dizer “antes de tudo, há que ser um bom animal”, e
isso quer dizer, que em Biodanza, resgatar o inato em nós, entrar em contato com o
instinto, a nossa parte biológica, é de extrema importância, são os alicerces de toda a
reconstrução. É a base para que as emoções se expressem, e que sejam elaboradas também
pela mente, um dos objetivos de Rolando Toro, a criação de novos valores, desde que, o
processo comece por cada um de nós. Mudar por dentro é o mesmo que mudar o que está
fora.

Para Rolando, o caminho a percorrer até chegar ao sentimento, começa com toda uma
reaprendizagem das funções originárias da vida, uma reaprendizagem para a saúde, e uma
reeducação afetiva, e é a música, o movimento, o canto, os encontros, os elementos
essenciais para a promoção de vivências, o deflagrar de emoções integradoras, aquelas
que permitem a expansão do ser, e com a repetição, novos registos nas células, devido à
sua cognição e cooperação, novos comportamentos, e os sentimentos tornam-se uma
constante no ser humano. Corpo e mente a funcionar como unidade, num processo sempre
dinâmico.

No conceito de Biodanza estão presentes todos esses elementos: “um sistema de


integração humana, renovação orgânica, reeducação afetiva e reaprendizagem das
funções originárias da vida. A sua metodologia consiste em induzir vivência integradoras
por meio da música, do canto, do movimento e de situações de encontro em grupo.”

Os vínculos resgatados em cada ser humano, pela dança, em que o afeto medeia qualquer
relação, permite a criação de sentimentos, como por exemplo, a amizade, o amor, a
solidariedade, o altruísmo.

E quando novos comportamentos começam, no quotidiano, a serem visíveis,


comportamentos assentes no Princípio Biocêntrico, a vida sempre no centro, os padrões

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Voz e Expressão em Biodanza

de sofrimento são quebrados, e sentimentos integradores são possíveis, e novos valores


que poderão contribuir para uma sociedade mais afetiva.

Em termos operacionais, o processo acontece em cada sessão de Biodanza, respeitando


uma curva normal de ativação dos sistemas simpático (adrenérgico) e parassimpático
(colinérgico), permitindo a respiração necessária, de acordo com a necessidade de cada
movimento, de cada expressão.

A integração da identidade, faz-se através da expressão das cinco “Linhas de Vivência”,


ou potenciais genéticos, usando o método fenomenológico. Todas as vivências têm
origem na vivência primordial denominada de “Vivência Oceânica” (intrauterina).

A sua diferenciação tem origem nas protovivências (vivências marcantes na primeira


infância, até mais ou menos aos seis meses de vida).

O desenvolvimento de cada linha de vivência conduz às emoções e sentimentos


específicos, cuja máxima intensidade denominamos de Experiência Suprema.
No quadro seguinte, descrevem-se para cada Linha de Vivência, os instintos, as
protovivências, e as emoções e sentimentos, associados.

Vivência Protovivências Instinto Emoções/


Sentimentos
Vitalidade Movimento Fome-sede, Alegria, Entusiasmo,
conservação Ímpeto, Raiva, Medo
Sexualidade Contato Sexual Desejo-Prazer,
Voluptuosidade
(capacidade de
experimentar o prazer de
todas as formas: beber,
comer, caminhar…)
Criatividade Expressão Exploratório Exaltação criativa, Criação
artística
Afetividade Segurança Comunitário Ternura, Auto-doação,
Altruísmo, Solidariedade,
Amor
Transcendência Harmonia Identificação, Plenitude, Beatitude, Gozo
Fusão, Supremo, Êxtase,
Dissolução Iluminação
Rolando Toro (Tomo I, Cap. IV)

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Voz e Expressão em Biodanza

Quando as emoções não são expressas, os sentimentos que nos permitem a conexão
consigo, com o outro, com a totalidade, não são possíveis, e as patologias, associadas,
fazem-se presentes. Por isso, a Biodanza é uma proposta de um caminho em direção à
saúde.

A Biodanza, segundo o seu método, é completamente transversal, e em cada sessão,


embora se possa dar ênfase, por questões didáticas, a uma determinada linha de vivência,
a verdade é que todas as outras estão de alguma forma presentes, num caminho ascendente
e em espiral, na direção da integração de todas elas.

Charles Darwin, na sua obra “A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais”,
observa que toda a emoção que se expressa, e se repete muitas vezes, ela é reforçada.
Assim, quando uma emoção se expressa com frequência, como a raiva, a pessoa em causa
torna-se raivosa. Assim como se reforça a raiva, o medo, a agressividade, a tendência à
depressão, também se pode estimular, reforçar a expressão da alegria, da bondade, do
erotismo, por exemplo. Expressar emoções não é libertar-se delas, mas reforçar as que
nos permitem expandir, e, as que nos fazem contrair, usá-las como combustível para as
transmutar em outras emoções integradoras, ou criando uma obra de arte.

Em Biodanza reforça-se, em situações reais, estimulando emoções saudáveis de


plenitude, afeto e respeitosa vinculação humana.

Porque, segundo Damásio (1984), quando os estados corporais negativos se repetem com
frequência, ou quando se verifica um estado corporal negativo persistente, como sucede
numa depressão, aumenta a proporção de pensamentos suscetíveis de serem associados
às situações negativas, e o estilo de eficiência do raciocínio são afetados.

Em Biodanza, as emoções, como a tristeza, a raiva, o medo, o ódio ou outras, poderão


emergir na dança, elas não se reforçam, e o convite é sempre, para dançar, colocá-las em
movimento, transmutá-las. Quando um choro acontece, acolhe-se com o silêncio e um
abraço, permitimos que venha, deixar fluir. Quando a zanga está presente, o convite é
criar, criar uma pintura, cantar, fazer um poema, transmutar em arte.

E à medida que o processo de cada pessoa se faz, que os seus potenciais estão cada vez
mais desenvolvidos e integrados, em que a expressão através do corpo, do movimento,
do gesto, se transforma cada vez mais numa dança semelhante à dança que dançámos no
início de tudo, participando da dança cósmica, também a voz se solta, e a palavra, na
forma de poesia, é uma realidade.

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Voz e Expressão em Biodanza

1.5. Os Anéis de Tensão e a Voz

O som harmonioso de qualquer instrumento musical, como por exemplo uma guitarra,
depende das boas condições dos diferentes elementos que a compõem, um bom corpo,
cordas afinadas… o som ressoa em harmonia, para quem a escuta.

O mesmo acontece com o ser humano, todo ele é um instrumento musical, o som que se
expressa através da voz, depende da integração harmónica dos diferentes elementos:
psicológicos, emocionais, físicos. Somos um corpo, um sistema, unidade de todos os
elementos, e é através dele, que se expressa o que se é, os instintos, as emoções, os
sentimentos, a voz, a palavra.

Um corpo sem tensões, como dizia Wilhelm Reich, é um ser livre. Desta forma, a voz, e
a voz palavra, expressa-se em harmonia, é pura poesia, tem poder de “curar”, tal como
Orfeu, que encantava e curava quem o seguia. Rolando Toro escreveu na sebenta sobre
os “Antecedentes Míticos e Filosóficos de Biodanza”: “Orfeu, músico, cantante, poeta,
recebeu a lira de Apolo. Possuía o poder musical. Suas suaves canções atraiam as bestas
ferozes, influíam sobre árvores e plantas, mitigavam a dor e curavam os homens dos seus
males do corpo e da alma.”

A Biodanza traz essa possibilidade, ao usar o poder de Orfeu através da dança (música-
movimento-vivência), ao despertar o poder da voz, o poder da palavra poética, a palavra
dançada como “prolepse da vivência”, citando o meu querido amigo José Neves, a magia
que se faz corpo. E ao despertar os potenciais inatos, a expressão desses potenciais…

Para vivenciar a magia, é preciso ir às origens, e honrar o conhecimento daqueles que nos
podem inspirar. E Wilhelm Reich deixou um legado importante.

Wilhelm Reich nasceu em 1897, no antigo império austro-húngaro e morreu em 1957 nos
EUA. Psiquiatra e psicanalista, dissidente e rejeitado pelos seus pares, graças às suas
investigações bastante polémicas para a época, terá sido o pioneiro nos estudos dos
fenómenos psicossomáticos.

Em 1918, inscreve-se em Medicina na Universidade de Viena, um ano depois, tornou-se


membro da Sociedade Psicanalítica de Viena onde começou a praticar a psicanálise. Em
1922 tornou-se discípulo de Freud. Mas, rapidamente as divergências teóricas começaram
entre ambos, e Reich afastou-se para desenvolver a sua teoria.

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Voz e Expressão em Biodanza

Sem querer desenvolver muito a teoria de Reich, os seus fundamentos, as suas


especificidades, pois o que me interessa, é mesmo apenas, conhecer os conceitos, as
práticas, que inspiraram Rolando Toro ao desenvolver exercícios de libertação de tensões,
obstáculos, que impedem o corpo de harmonizar, de se tornar uma unidade, de ser livre,
criar, o diapasão capaz de sintonizar o instrumento corpo e resgatar a sua harmonia, e dar-
lhe voz.

1.5.1. Principais conceitos:

1.5.1.1. Carater

Composto por atitudes, padrões consistentes de resposta para várias situações. Estão
incluídas atitudes e valores consistentes, como timidez, agressividade, entre outras, e
atitudes físicas, como postura, movimento do corpo. (Fadiman e Frager, pag.89).

1.5.1.2. Couraça caracterológica

“O conceito de couraça caracterológica de Reich inclui a soma total de todas as forças


defensoras repressoras, que são organizadas num modelo mais ou menos coerente do
ego.” Segundo Reich “O estabelecimento de um traço de carater… indica a solução de
um problema de repressão: ou torna o processo de repressão desnecessário ou transforma
a repressão, uma vez estabelecida, numa formação relativamente rígida e aceite pelo ego.”
(Fadiman e Frager, pag. 93).

“Reich descobriu que cada atitude de carater tem uma atitude física correspondente e que
o carater do indivíduo é expresso no corpo em termos de rigidez muscular ou couraça
muscular.” (Fadiman e Frager, pag. 93).

A grande contribuição teórica de Reich foi ter chegado à conclusão de que a couraça física
e a psicológica eram essencialmente a mesma coisa, ou seja, são equivalentes na sua
função.

1.5.1.3. Anéis de tensão

Para Reich, a couraça muscular está organizada em sete anéis principais ou segmentos de
couraça, dos quais fazem parte os músculos e órgãos com funções expressivas
relacionadas. Eles são sete, e estão dispostos na direção Céfalo-caudal (da cabeça até aos
genitais, com semelhanças com os sete chakras). São anéis porque eles fazem um círculo,

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Voz e Expressão em Biodanza

que envolve a parte da frente do corpo, e atrás: olhos, boca, pescoço, tórax, diafragma,
abdómen e pélvis.

a) Anel Ocular – A couraça dos olhos é expressa por uma imobilidade da testa e uma
expressão vazia dos olhos, que nos veem por detrás de uma rígida máscara. (Fadiman, J.,
Frager, R, p. 97)

b) Anel Oral – o segmento oral inclui os músculos do queixo, garganta e a parte de trás
da cabeça. As expressões emocionais em relação ao chorar, morder, raiva, gritar, sugar,
fazer caretas são inibidas neste anel. (Fadiman, J., Frager, R, p. 97)

c) Anel cervical – este segmento inclui os músculos profundos do pescoço e também da


língua. A couraça funciona, principalmente, para segurar a raiva ou o choro. (Fadiman,
J., Frager, R, p. 97)

d) Anel torácico – este segmento inclui os músculos longos do tórax, os músculos dos
ombros e das omoplatas, toda a caixa torácica, as mãos e os braços. Ele serve para inibir
o riso, a raiva, a tristeza e o desejo. A inibição da respiração é uma forma de inibir toda a
emoção, ocorre em grande parte no tórax. (Fadiman, J., Frager, R, p. 97)

e) Anel diafragmático - este segmento inclui o diafragma, estômago, plexo solar, vários
órgãos internos e músculos ao longo das vértebras torácicas baixas. (Fadiman, J., Frager,
R, p. 97)

f) Anel abdominal – este segmento inclui os músculos abdominais longos e os músculos


das costas. (Fadiman, J., Frager, R, p. 98)

g) - Anel pélvico – este segmento inclui os músculos da pélvis, órgãos genito-urinários,


e membros inferiores, pernas e pés. (Fadiman, J., Frager, R, p. 98)

1.5.2. Os Anéis de Tensão, Biodanza e Voz

Sem Wilhelm Reich, a Biodanza não teria a força que ela tem, porque uma das funções
da Biodanza, é precisamente a dissolução da couraça caracterológica, para que a
identidade humana se revele. “Se não se fizer esse trabalho, a pessoa pode fazer Biodanza
20 anos, e não mudar nada, a não ser aprender a dançar e a abraçar, daí a importância de
aprofundar o conhecimento de Reich”. (António Sarpe, Formação online “De Reich a
Toro”, 2020)

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Voz e Expressão em Biodanza

As semelhanças entre Reich e Toro, e segundo as palavras de António Sarpe (Formação


online “De Reich a Toro”, 2020), são: uma visão sistémica, uma visão cosmo biológica,
a energia está em todo o Universo e é a mesma em todo o Universo, e uma visão de que,
só a liberdade, é um acontecimento social. As coisas para serem conscientes precisam de
acontecer em grupo. O processo de mudança acontece como um processo social, político.

Reich observou que as relações de dominação e poder se reproduzem nas relações


pessoais, então a mudança deve acontecer no quotidiano, tal como Rolando Toro afirmava
“uma mudança no mundo começa por uma mudança pessoal”.

A Biodanza está na minha vida, como uma prática regular, há mais de 20 anos, e foi
preciso tornar-me facilitadora para reconhecer os diferentes de níveis de neurose de que
fui tomando consciência ao longo dos últimos anos. Uma das razões que me levaram a
ficar na Biodanza, foi apenas, porque não era necessário falar, apenas dançar, que foi
sempre o que mais gostei de fazer na vida. A dança, desde que me lembro, era a única
coisa que me fazia transcender. Chegava atrasada à partilha vivencial, para não me sentir
“obrigada” a usar a palavra.

Como professora que fui, durante grande parte da minha vida, estava cansada das teorias
muito bonitas, mas, que na prática, não eram operacionalizadas, por diferentes razões,
então, a teoria era uma coisa que sempre “rejeitei”. Só a vivência era importante. Só
quando fiz a Escola de Biodanza, e depois, já como facilitadora, me comecei a apaixonar
pela teoria, ao tomar consciência dos efeitos dos diferentes exercícios, a entendê-los, a
perceber os “truques de magia”.

Tem sido um processo longo, até tomar consciência do efeito dos diferentes exercícios, e
progressivamente, a desmanchar a minha forte armadura, mas, a pouco e pouco, me fui
sentido mais inteira, a funcionar como uma unidade, em que a mente e corpo, funcionam
como um só. E só a partir desse momento a voz começou a fluir, e eu, comecei a sair da
minha frente. E isso, não quer dizer, que deixei de sair completamente da minha frente,
apenas o faço mais vezes. O meio em que vivo, esta sociedade, continua a convidar-me a
usar os mecanismos de defesa que criei para me proteger desde criança, mas agora, olho
para eles como algo que me foi necessário por uma questão de sobrevivência, para
protegerem a criança sensível e frágil dentro de mim.

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Voz e Expressão em Biodanza

Posso dizer, que neste momento, já consigo ter o impulso para expressar o que sinto, o
que sou, expressar as minhas ideias, e não me importar com as possíveis críticas dos
outros. Deixei de me sentir no meio da fogueira, a sentir o olhar crítico ou vazio dos que
estão à minha volta. Já consigo usar a voz, já consigo usar a palavra com sentido, sem a
exigência da “perfeição”, de dizer o que eu achava que os outros quereriam ouvir. Posso
dizer que a neurose é apenas menor.

E sim, a Biodanza trouxe-me a vivência, o conhecimento, a possibilidade de integrar


tudo, e sentir-me inteira, autêntica, incluindo a voz, que só consegui começar a expressar
quando entendi que também se trata de um potencial genético, e por isso, a minha voz
também poderia ser voz sob a forma de poesia. Era só uma questão de conseguir chegar
ao centro, o centro de mim, aquela parte sensível, doce, luminosa, e começar a atrever-
me a expressá-la.

Em Biodanza existem exercícios específicos para a dissolução da couraça que são os


movimentos segmentares, que podem ser simples, compostos e compartilhados. Mas,
praticamente todos os outros exercícios, de alguma maneira, dissolvem tensões,
suavizam, integram, numa viagem de nos tornarmos inteiros, autênticos, livres, na relação
consigo mesmo, na relação com os outros, na relação com o todo, com a natureza, com o
infinito. Seres que se expressam a partir do que é mais sagrado em cada um de nós, a vida
a acontecer, o sentirmo-nos vivos.

Segundo Wilhelm Reich, as tensões crónicas servem para bloquear o fluxo de energia
subjacentes às emoções mais intensas. A couraça impede que o individuo experiencie
emoções mais intensas. A couraça impede que o indivíduo experiencie emoções mais
fortes, e, portanto, limita e distorce a expressão dos sentimentos.

Reich opunha-se a qualquer separação do intelecto e corpo. Ele afirmava que o intelecto
é na verdade, uma função biológica, e que ele pode ter uma carga afetiva tão forte quanto
qualquer emoção (Reich 1949)

Para Reich, a linguagem falada opera como um mecanismo de defesa: ela obscurece a
linguagem expressiva do núcleo biológico. Em muitos casos, isto vai tão longe que as
palavras já não expressam nada e a linguagem falada já não é nada mais do que uma
atividade sem sentido dos respetivos músculos (Reich 1949).

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Voz e Expressão em Biodanza

1.5.2.1. Segmentares

A – Movimentos segmentares simples

a) Segmentar de Pescoço

O segmentar de pescoço, envolve a dissolução de 3 anéis, o ocular, o oral, e o cervical.

No segmento ocular, a tensão expressa-se por ausência de olhar, o desvio do olhar, ou


então, um olhar que pode ser analítico, crítico, vazio, ausente.

Lembro-me muito bem de situações em que usei todos esses olhares, e também me lembro
que nessa altura, não sabia que era assim. Também me lembro dos olhares dos outros que
me olhavam, exatamente da mesma forma, e o que mais afetava era mesmo o não olhar,
a indiferença, o não reconhecimento da minha identidade. Aprendi que são apenas
mecanismos de defesa, apenas o que cada um consegue fazer, porque as suas histórias
pessoais assim o exigiam, uma forma de se protegerem. Reconhecer isso em mim, ajuda-
me a aceitar o outro como consegue ser.

No segmento oral, a tensão expressa-se numa boca, garganta e maxilar tensos, a


repressão do sorriso, da raiva, do instinto sexual. Lembro-me do meu início na Biodanza,
como tinha de forçar a abertura da boca, ou nas formações contínuas, em que deparava
comigo a fazer os exercícios de boca cerrada, tensa sem saber bem porquê, com os
mecanismos de defesa ativos, sem conseguir ainda identificá-los, sempre a proteger-me,
sem conseguir usar a palavra.

No segmento cervical, a tensão no pescoço, língua, músculos dorsais, impedem o fluxo


de energia entre mente e corpo, o reforço do ego, um ego patológico que tudo quer,
dominante, controlador. Tensões que reprimem a laringe, a língua, elementos essenciais
para que a voz seja audível. Lembro-me de muitas vezes me dizerem que eu falava para
dentro, uma voz muito pouco audível, e recordo-me da dificuldade na projeção da voz, e
no medo de ser ouvida, criticada, de me acharem ridícula, incompetente, entre outras
coisas de que já não me lembro.

O exercício específico, em Biodanza, para dissolver a tensões nestes três anéis é o


segmentar de pescoço. Olhos fechados para suavizar o olhar, maxilar relaxado para
dissolver as tensões dos músculos em redor da boca, articulações soltas. E depois, a
música e o movimento, música suave, melódica, movimento lento, suave doce, numa

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Voz e Expressão em Biodanza

direção apenas, estimular o nervo vago (sistema nervoso parassimpático) para induzir um
estado de semitranse. Vivência de união entre mente e corpo.

Segundo Alexander Lowen, “A voz é uma das principais vias de autoexpressão e sua
qualidade reflete a riqueza e ressonância do ser interior. Quando a voz da pessoa é
limitada por causa de tensões no pescoço e na garganta, sua autoexpressão está restrita e
seu ser, reduzido.”

b) Segmentar de ombros

De olhos fechados, maxilar relaxado, pescoço solto, e o movimento circular da frente para
trás dos ombros, já com um convite para abrir o peito. Um convite à liberdade, a dissolver
tensões que nos fazem sentir ter o mundo às costas, deixar de personificar Atlas (figura
da mitologia grega, conhecido com o globo às costas), e dissolver também os músculos
dorsais, dissolver as tensões provocada por mecanismos de defesa e do sentimento de
opressão.

c) Segmentar de peito e braços

O segmentar de peito e braços permitindo a integração afetivo-motora, ou seja, o


movimento dos braços inicia-se no peito e não nos ombros. O objetivo é que seja a
emoção a organizar o movimento dos braços, permitindo uma expressão sincera.

O segmentar de ombros e o segmentar de peito e braços, envolvem a dissolução do anel


torácico. O peito que se fecha contraindo os órgãos que o contêm, o coração, os pulmões,
centro das emoções que perturbam a função cardiorrespiratória, diminuindo a capacidade
vital.

d) Segmentar de cintura

O segmentar de cintura ou junco, o seu nome poético, fazendo lembrar um junco flexível,
movimento em unidade. É esse o objetivo, integrar a parte superior do corpo com a parte
inferior, para recuperar a unidade do indivíduo frequentemente dissociado ao nível da
cintura, e que envolve um músculo muito importante, o diafragma. Esta dissociação é
típica de neuroses histérica e obsessiva, as quais são consequência da repressão sexual.
Resultado de uma sociedade em que existe uma separação do sagrado e profano.

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Voz e Expressão em Biodanza

Dissolver as tensões do diafragma, tem um papel importante para se conseguir uma


respiração profunda. “Para Rolando Toro a energia vital manifesta-se nos organismos
através das células. No interior de cada célula, o chamado ATP (adenosina trifosfato))
que são pacotes de energia fabricados nas mitocôndrias nas células. Quando respiramos,
geramos energia queimando esses ATPs através da combustão.” (António Sarpe,
Formação online “De Reich a Toro, 2020). Um diafragma livre de tensões, permite que o
ar possa chegar facilmente a cada célula, e assim, a energia vital possa ser criada e
manifestada.

e) Segmentar de pélvis

Os segmentares de pélvis têm como objetivo ativar e harmonizar os movimentos da


pélvis, geralmente tensos por causa dos estados crónicos pela repressão sexual.

Este segmentar inclui uma sequência de movimentos: lateral, ântero-posterior (de


báscula), rotação da pélvis. Primeiro, movimentos rítmicos, aprendizagem do movimento.
Depois, progressivamente, com olhos fechados, e maxilar relaxado, um caminho de
desaceleração, rítmico-melódico, melódico, cenestésico, uma evocação do prazer que se
inicia num movimento mais periférico para um movimento central, um movimento
interno de profundo prazer.

B - Segmentares compostos

Os segmentares compostos, são movimentos que incluem a dissolução de diferentes anéis


de tensão. Os anéis, os segmentos não são isolados uns dos outros, para que aconteçam
ações expressivas, a coordenação de entre segmentos é necessária.

Como por exemplo, a “fonação, não pode ser compreendida ou tratada se pensarmos a
boca, a faringe e a laringe, dissociadas entre si. A integração destas áreas é condição
imprescindível para o funcionamento normal desta atividade expressiva.” (Ricardo Rego,
in “Revista Reichiana”, 1993)

Outra função vital, “a respiração não se restringe aos anéis torácico e diafragmático.
Músculos cervicais podem agir na inspiração profunda e na manutenção de um tórax
cronicamente inspirado. Músculos do anel abdominal também têm influência no processo
respiratório, principalmente na expiração. Assim, sendo, a respiração envolve músculos
de pelo menos quatro anéis, e mesmo que haja uma diferenciação entre o bloqueio
torácico e o bloqueio diafragmático, fica difícil separar influência dos músculos cervicais
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Voz e Expressão em Biodanza

sobre o tórax, e a dos músculos abdominais sobre a ação do diafragma.” (Ricardo Rego,
in “Revista Reichiana”, 1993)

Assim, pode-se dizer que as diferentes regiões do corpo humano não são independentes,
mas sim profundamente relacionadas e interligadas.

Todos os exercícios em Biodanza são importantes para que a voz se expresse natural,
livre, espontânea, porque só um corpo livre pode expressar a identidade, em que a voz, a
palavra, se expressa inteira, com sentido, poética, única em cada ser humano. Tem sido a
Biodanza a dar-me todas essas oportunidades, de me sentir cada vez mais inteira, mais
autêntica, e que me tem permitido entrar em contato com a coragem de soltar a voz, e
permitir que a poesia em mim se expresse através das palavras.

1.6. Teorias sobre a Origem da Linguagem Verbal

A origem da linguagem entre os humanos tem sido tema de discussões académicas desde
séculos, não se conhecendo muito a sua origem ou a idade da linguagem humana.

A falta de evidências que provassem a sua origem, e as discussões polémicas entre


estudiosos da matéria, levou a Sociedade Linguística de Paris, em 1886, a proibir todos
os estudos antigos e mesmo os futuros sobre o assunto, no mundo ocidental, até ao século
XX.

As abordagens para a origem da linguagem humana, podem ser divididas de acordo com
os seus critérios subjacentes.

As “teorias da continuidade” que se baseiam na ideia de que uma linguagem, é de tal


modo complexa, que não pode ter surgido do nada na sua forma final. Assim, deve ter
evoluído a partir de sistemas pré-linguísticos anteriores presentes entre os nossos
ancestrais primatas. A fala seria uma faculdade inata que é em grande parte geneticamente
codificado.

As “teorias da descontinuidade” são baseadas na ideia oposta, ou seja, é uma característica


única de modo que não pode ser comparada a qualquer coisa encontrada entre os não
humanos, e deve, portanto, ter aparecido bem subitamente durante o curso da evolução
humana, em que a fala é vista como um sistema que é principalmente cultural, ou seja,
algo aprendido através da interação social. Noam Chomsky, defensor desta teoria,
argumentava que por volta de há 100 mil anos, uma oportunidade única de mutação
ocorreu, e instantaneamente, ter sido instalada a faculdade da linguagem.

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Voz e Expressão em Biodanza

No século XIX, em 1861, Charles Darwin escreveu “Não posso duvidar que a linguagem
deva a sua origem à imitação e modificação, com apoio de sinais e gestos, de vários sons
naturais e instintivos do próprio homem”. No mesmo ano, Max Muller publicou uma lista
especulativa de teorias referentes às origens da linguagem verbal:

1 – Teoria Bow-wow – as primeiras palavras seriam imitações dos gritos de animais e


pássaros;

2 – Teoria Pooh-pooh – primeiras palavras com interjeições e exclamações emocionais


motivadas por prazer, dor, surpresa, etc.

3 – Teoria Ding-dong – todas as coisas têm uma ressonância de vibração natural, as quais
ecoaram de alguma forma via homem nas sua primeiras palavras.

4 – Teoria Yo-he-ho – a linguagem emergia do trabalho rítmico coletivo, a tentativa de


sincronizar o esforço muscular, resultando em sons que se vão alternando com ho.

5 – Teroria Ta-ta – as palavras terão surgido por movimentos da língua que imitavam
gestos manuais, tornando-se audíveis.

Atualmente, as teorias com base na continuidade dominam os estudos atuais.

Alguns exemplos de abordagens foram aparecendo, tais como:

- A “língua das mães” (Fitch, 2004), que sugere que inicialmente eram língua maternas
para comunicação com os filhos biológicos, e depois alargada aos membros adultos da
família. A confiança e cooperação entre os membros da família teria levado à confiança
nos sinais, a palavra.

- A “Teoria do bebé” (Dean Falk, 2009), em que a palavra terá surgido pela necessidade
de acalentar o bebé, através de interações vocais entre mães e recém-nascidos. Nos
humanos, ao contrário dos símios, os recém-nascidos não tinham forma de se agarrar por
falta de pelagem, enquanto as mães desenvolviam as suas atividades, então colocavam os
bebés no solo, e para que se sentissem seguros, não abandonados, terão desenvolvido uma
“linguagem para bebés” – um sistema de comunicação que incluía expressões faciais,
linguagem corporal, toques, risos, carícias, cócegas, e outras formas de contato
igualmente expressivas.

A vida social e linguagem, fenómenos imateriais, não deixa fósseis, o que se torna
impossível uma reconstrução do que terá acontecido, de como terá surgido a linguagem
humana, existem apenas diferentes teorias que tentam explicar o seu aparecimento.

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Voz e Expressão em Biodanza

No entanto, sabe-se com base em registos fósseis, que há 3,5 milhões de anos havia
primatas bípedes que, como nós, tinham um caminhar ereto e possuíam ombros. Mas eles
tinham um cérebro muito menor (aproximadamente um terço de cérebro humano atual).
Sabe-se também que esses primatas viviam em grupos pequenos, como famílias
constituídas de dez a doze indivíduos, que incluíam bebés, crianças e adultos (Maturana,
2002).

Segundo Maturana e Varela, é possível dizer que as mudanças dos hominídeos primitivos,
que proporcionaram o aparecimento da linguagem, estão relacionados com coleta e a
partilha da sua história de animais sociais e de relações interpessoais afetivos estreitas,
associadas ao colher e ao de compartilhar alimentos. Neles coexistem atividades
aparentemente contraditórias, como fazer parte integral de um grupo coeso e, ao mesmo
tempo, afastar-se por períodos mais ou menos longos para colher alimentos e caçar.

Assim, a linguagem terá aparecido devido à necessidade de coordenação comportamental


ontogenética, como fenómeno de carater cultural, relacionada com o crescimento do
cérebro humano.

Mas a linguagem constitui-se e dá-se no fluir das coordenações consensuais de ação, e


não na cabeça, ou no cérebro ou na estrutura do corpo, nem na gramática ou na sintaxe,
em que o amor tem o papel principal. (Maturana, 2002)

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Voz e Expressão em Biodanza

CÂNTICO NEGRO

Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces


Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
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Voz e Expressão em Biodanza

Ide! Tendes estradas,


Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca princípio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí.

José Régio

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Voz e Expressão em Biodanza

Capítulo II - Biodanza e Voz

O meu elevado grau de “normose”, cumprindo todas as normas sociais, não porque
concordasse com elas, mas, o medo das sanções, das consequências, era grande. Claro
que havia aquelas que considerava úteis, mas… a rebeldia interna era enorme.

Rebelde e contestatária em silêncio, de tal forma que o ego não deixava entrar nada, tudo
o que era exterior a mim, era ameaçador.

Foi assim, também, com o conhecimento, tirando os autores que escreviam sobre
aventura, mistério, romance… que “devorava”, todos os outros, que escreviam ensaios,
filosofia, poesia… esses, eram muito sérios e complicados.

Precisava dos autores que me ajudassem a sonhar, viajar, e que me afastassem o mais
possível da realidade, aquela em que a expressão do amor não se manifestava.

Além da dança, a minha outra grande paixão, eram as viagens. Viagens a locais
longínquos, culturas completamente diferentes, locais onde podia sentir as origens
civilizacionais.

A viagens despertaram em mim a paixão pela antropologia, entre muitas mais coisas,
como por exemplo, o respeito pela diversidade. Nesses locais, vivenciava a energia
deixada pelos antepassados, deixada nas pedras, nos monumentos, nos cheiros, nas
comidas, nas gentes… Não era o conhecimento da história, mas a sua vivência, ser
transportada para esses tempos longínquos, e entender, sentir… Só depois de regressar a
casa, os livros me “caíam” nos braços, e lia, e lia, e tudo fazia sentido, a vivência a ganhar
forma, o conhecimento a passar a ser um bocadinho parte de mim.

Parece que, o meu caminho tem sido, quase sempre, da emoção à razão, pelo menos nas
coisas importantes.

Aconteceu o mesmo na minha viagem pela Biodanza, primeiro a vivência, e só mais tarde,
a necessidade do conhecimento.

Foi por isso que me inscrevi na Escola de Biodanza, a necessidade de entender,


compreender o que se passava “nos bastidores”, tudo o que sentia.

43
Voz e Expressão em Biodanza

Progressivamente, o conhecimento começou a habitar, cada uma das minhas células,


tornando-se meu, e foi assim que comecei a descobrir os autores que até aí achava
demasiado “sérios”.

E, a aventura, apenas agora começou, e isso, faz-me sonhar, até onde poderei ir?

À medida que me ia apaixonando pelos diferentes temas, começava a sentir-me uma


“pecinha” com probabilidades de fazer parte do “grande puzzle”, a começar a sentir-me
parte do Todo, como diz Rolando Toro na sua poesia:

A força que nos conduz


é a mesma que acende o sol
que anima os mares
e faz florescer as cerejeiras.
A força que nos move
é a mesma que estremece as sementes
com sua mensagem imemorial de vida.
A dança gera o destino
sob as mesmas leis que vinculam
a flor à brisa.
Sob o girassol de harmonia
todos somos um.

Da minha necessidade de questionar tudo, da paixão pela antropologia, da necessidade de


ir às origens, de certa forma, foi uma das razões que me levou a escrever sobre a voz.

Insatisfeita com o que me diziam, de que o uso da voz, principalmente, da palavra, não
era uma coisa para todos, só os inteligentes tinham esse dom, fazia-me sentir excluída.

E foi esse desconforto, que me levou a querer saber mais.

E foi a Biodanza, o caminho para ir descobrindo a verdade. Afinal, trata-se apenas de uma
questão de forma.

Todo o processo de escrita desta monografia, tem-me permitido afastar das crenças sobre
a voz. Afinal, ela é um potencial genético, e se eu me permitir dissolver as rígidas
couraças que criei para me proteger, a expressão da voz, da palavra, também se tornará
algo natural em mim.

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Voz e Expressão em Biodanza

O conhecimento científico usado em Biodanza, não fazia parte da minha formação


académica, e daí, a necessidade de aprender como uma criança. Conhecer a partir do
simples, para compreender todas as nuances, e conseguir entender a profundidade dos
temas. Esta é a minha forma, outros terão outras, mas quem começa a aprender com a
vivência, não há outra forma senão voltar às origens.

Partir da origem cósmica, a origem do som, do que é o som, as suas características, e


chegar ao corpo sonoro, em que a voz é apenas a manifestação de um corpo livre, liberto
de tensões, e a Biodanza… o grande diapasão para despertar a musicalidade inata em cada
ser humano. E quando isso acontece… a sensação é de que, todo o meu corpo é o cosmos,
e também, partícula que participa nessa grandiosa sinfonia cósmica.

A Biodanza, teve o seu embrião no sonho de Rolando Toro, quando escreveu à sua
mulher, a contar-lhe que gostaria de encontrar uma forma de despertar a musicalidade nas
crianças, as crianças que ensinava na altura, como professor primário.

Mais tarde tornou-se psicólogo e iniciou as suas primeiras experiências usando a dança e
o encontro humano, primeiro com pacientes psiquiátricos, e depois alargando as suas
experimentações a outras pessoas.

Dessas primeiras experiências, nasceu a base do modelo teórico operacional que hoje dá
suporte à Biodanza.

Um modelo permite orientar a pesquisa, criar hipóteses, manipular relações


desconhecidas e compreender os factos dentro de uma visão unificada, em que a
vantagem, é a de estabelecer relações absolutamente imprevistas que abrem novas opções
no campo operativo. Os modelos científicos representam, desde o instante em que são
criados, uma aproximação e/ou simplificação da realidade estudada.

Ao longo dos anos, o Modelo Teórico foi-se ampliando, aproximando-se cada vez mais
da realidade, e foi ganhando consistência com os inúmeros contributos de diversas
ciências: psicologia, antropologia, mitologia, biologia, filosofia, fisiologia… e a poesia,
que uniu todo o conhecimento, num grande poema, e que pode ser vivenciado por todos,
desde as crianças de tenra idade até aos mais idosos.

45
Voz e Expressão em Biodanza

2.1. Principais instrumentos em Biodanza

GENESIS

E Deus criou o mundo em sete dias


No primeiro dia criou o amor
e, docemente,
agitou a vida
com o olho do caos

No segundo dia criou o vento


e as sementes do amor
se espalharam por toda a terra

No terceiro dia criou o mar com


suas algas, seus peixes e a canção das baleias

No quarto dia criou a música e em


toda a criatura colocou um canto diferente

No quinto dia criou o homem e a


mulher e lhes deu o conhecimento da orgia
e o cuidado dos filhos

No sexto dia criou os cogumelos mágicos


E os colocou na boca dos homens

No sétimo dia criou a dança,


Celebrando a sua obra

Rolando Toro

Em termos metodológicos, o sistema Biodanza utiliza vários instrumentos para induzir


vivências integradoras, e que são: a música, o movimento, o canto, e situações de encontro
em grupo.

A MÚSICA

“O universo pode ser percebido como uma sinfonia. Um conjunto de partículas que se
movem formando circuitos atómicos, vórtices infinitesimais ou galáxias e sóis em
movimento. Um orologium de ritmos infinitos, ou, ainda, um magno organismo que se
transforma.” (Rolando Toro, 2002)

46
Voz e Expressão em Biodanza

A consciência de ser parte integrante de um Universo Musical aparece já na origem da


história humana, nas lendas antigas e nos mitos arcaicos. Desde sempre, que o ser humano
percebeu que o universo estava regido por pautas rítmicas, por acontecimentos que se
repetem ciclicamente, por fenómenos de pulsação e vibração, tudo o que parecia ordenar-
se dentro de um plano harmónico, como uma sinfonia cósmica, em que o ser humano é
ao mesmo tempo, participante e espetador.

Xamãs, feiticeiros, bruxos, curandeiros, sacerdotes, médicos, enfermeiros, terapeutas da


mente e do corpo em várias partes do mundo têm usado a música, através dos tempos,
como ferramenta para estabelecer a saúde física, psíquica, mental e espiritual.

Rolando Toro, criador do Sistema Biodanza, a partir do conhecimento de que a música é


uma linguagem universal, e de que, a perceção musical, não é somente um ato auditivo,
é também, ouvida em todo o corpo, influenciando-o, não passando pelos filtros analíticos
do pensamento, cria uma metodologia, onde a música é um instrumento de deflagração
de emoções, vivências e sentimentos.

A proposta da Biodanza é a de estimular o potencial latente, de saúde e bem-estar. É por


isso que as músicas usadas em Biodanza são orgânicas, ou seja, têm atributos biológicos:
fluidez, harmonia, ritmo, melodia… unidade de sentido. São músicas estruturadas a partir
de um núcleo emocional ou de um propósito fortemente expressivo.

Uma sessão de Biodanza obedece a uma curva orgânica, em que no início da sessão se
propõe o ritmo, músicas que induzem um movimento rítmico, promovendo um impulso
vertical de ação, criando condições fisiológicas, ativando o sistema nervoso simpático,
no sentido de uma expressão máxima, até um limite orgânico, a partir do qual, o corpo
precisa de oxigénio, ar, de harmonização. E nessa altura é o momento de ir diminuindo o
impulso rítmico, usando a melodia, músicas que ativam o sistema nervoso
parassimpático, num movimento melódico, como movimento horizontal fluido, e que cria
união e harmoniza a respiração. A melodia cria o vínculo, a união, a continuidade,
enquanto o ritmo dá o limite. E no final, as músicas propostas são mais rítmicas, com um
rimo idêntico, às músicas com que se iniciou a sessão. A progressividade em toda a sessão
é importante, tanto na fase de ativação como na regressão para manter o efeito
harmonizador.

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Voz e Expressão em Biodanza

O MOVIMENTO

“Os movimentos naturais do ser humano (caminhar, saltar, espreguiçar-se, etc.), os gestos
ligados aos “costumes sociais” (dar a mão, abraçar, embalar, acariciar…) e os gestos
arquetípicos constituem os modelos naturais em que se baseiam os exercícios de
Biodanza. Tais gestos e movimentos, se realizados com uma música que intensifique a
cenestesia estimulada pelas categorias motoras em ação, tornam-se danças, dentro da
conceção original da dança como movimento de vida.” (Rolando Toro, 2002)

E como Nietzsche, afirmou:

“Aprendi a andar; desde então, deixo-me correr.


Aprendi a voar, desde então, não preciso mais que me empurrem para mudar de lugar.
…há em mim um Deus que dança.”

Góis (2002) refere que a dança é o movimento do ser visível, estético e expressivo, capaz
de autonomia e vinculação. Cada gesto, cada expressão, revela a vida sucedendo como
singularidade. Olhar e ser olhado, abraçar e ser abraçado, acariciar e ser acariciado,
caminhar, saltar, correr, deitar-se no chão, mover-se com potência e suavidade,
aproximar-se e afastar-se, todos eles vêm de muito longe e é necessário mantê-los
presentes em nossa vida.

Quando nos movemos espontaneamente, sentimos a nossa abundância interior em cada


gesto – sentimos a vida plena.

O gesto humano, sendo movimento sensível, integrado e evolutivo, vinculado à vida, é


dança, daí o nome de Biodanza, a dança da vida, segundo o sentido que lhe foi dado por
(Garaudy, 1980).

“A dança é a expressão mais extrema do Eros Primordial, gerador de vida. Entregar-se à


dança é um ato prazeroso e terrível de participação nos grandes enigmas de transformação
cósmica; é participar na essência da criação, fazendo surgir o movimento milenar
aprendizagem do contato, do trabalho e da brincadeira.

Na comovedora vivência da dança todas as fronteiras são derrubadas. O externo e o


interno, o espiritual e o corporal, o transcendente e o imanente, são aspetos de uma só e
única realidade. Ali no movimento inseparável dos corpos, misturam-se as energias do
coração com as que chegam do cosmos, do vento e das estrelas.

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Voz e Expressão em Biodanza

Da inocência, da dança surge a mais avassaladora sensualidade, porque os batidos da vida


são sempre um impulso de contato. Os corpos possuídos pelo ímpeto da dança
reproduzem, as tempestades do mar e tremor das flores do vento.” (Rolando Toro, 1991)

O CANTO

O canto faz parte integrante do conceito de Biodanza, mas com a expansão da Biodanza
para a Europa e depois para todo o mundo, a palavra CANTO foi desaparecendo do
conceito. Muitas vezes li o conceito, sem alusão ao canto, e eu, inclusive, apesar de o
manter, deixei de o referir, apenas porque não me sentia à vontade para falar sobre o
assunto, quanto mais, propor exercícios em que estivesse presente.

Segundo Sérgio Cruz, no início, praticamente todos os facilitadores trabalhavam a voz


em Biodanza, mas progressivamente, isso deixou de acontecer. Por um lado, com receio
que afastasse as pessoas, porque poderiam pensar que iriam cantar, por outro lado,
revelava também as dificuldades que os próprios facilitadores tinham com a expressão da
voz.

Essa dificuldade de propor o Canto, terá levado Rolando Toro a retirar do programa único
de formação, o tema “Semântica Musical II”, em que se trabalhava em profundidade “Os
Sons da Natureza e a Voz Humana”, e que deu origem, mais tarde, à extensão de “Voz e
Biodanza”.

O canto em Biodanza pode promover vivências muito profundas, pois a voz tem um
carater muito regressivo, potenciando a perceção de um sentir de si mesmo muito
diferente.

O que pode ser assustador para a maioria das pessoas, pois a expressão da identidade
através da voz, é altamente desafiante, o que pode levar as pessoas a se condicionarem
ainda mais.

O GRUPO

Uma identidade necessita de outra identidade, da presença de membros da mesma


espécie, não de um, senão de vários, de um grupo ou de uma coletividade (Góis, 2002).

O grupo em Biodanza tem a função de ser um gerador de vida, e como afirma Rolando
Toro, “a identidade só se revela na presença do outro”. É no grupo que isso é possível, a
expressão da Voz a acontecer nesse “caldeirão mágico”, que é o grupo, onde a música
interna soa e ressoa, conjuntamente com todos, dando lugar a uma ordem: vital, prazerosa,

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Voz e Expressão em Biodanza

afetiva, criativa, harmoniosa. A Voz em Biodanza depende da resposta que o grupo vai
dando aos estímulos que lhe são propostos pelo facilitador (Sérgio Cruz, 2013).

2.2. O Modelo Teórico e Voz

O Modelo Teórico de Biodanza, de acordo com o seu criador, é um modelo do “homem


cósmico”, ou seja, não pode ser concebido um modelo da vida humana, isolado da sua
génese da vida e da sua evolução filogenética e ontogenética. Aborda o ser humano na
sua dimensão biológica, psicológica e cósmica.

Na sua dimensão cósmica, o ser humano tem a sua origem no “silêncio”. Trazemos do
cosmos o “silêncio”, que permite a escuta de mim e do outro na sua totalidade.

Num passeio à beira-mar, escuto o silêncio, ou seja, escuto o som das ondas a bater nos
rochedos com ferocidade, ou então, quando acariciam a areia dourada; escuto as crianças
que gritam nas suas brincadeiras; escuto uma gaivota que com o seu grito, me chama para
voar com ela. Nesses momentos, faço parte do cosmos.

Na sua dimensão biológica, é o reconhecimento de que evoluímos a partir de outras


espécies, que se foram modificando e adaptando ao ambiente, até nos tornarmos humanos,
e aí a dimensão psicológica. Somos os únicos seres vivos que usam a palavra.

O Modelo Teórico da Biodanza articula-se ao longo de dois eixos colocados dentro de


uma espiral. O eixo vertical é estável e o horizontal é pulsante. Ambos os eixos são
virtuais, pois não denotam uma trajetória rígida; são projeções direcionais. A espiral
representa a abertura do modelo aos processos universais de gestação da vida.

O primeiro passo, foi a criação do eixo horizontal que pulsa num continuum entre dois
polos, identidade e regressão.

Certos exercícios, aumentam o sentimento de identidade e a consciência corporal,


enquanto outros levam a uma diminuição da perceção dos limites corporais e ao estado
de regressão.

Na base do eixo vertical, que representa a ontogénese, a história do desenvolvimento do


ser humano, surge o conceito de potencial genético, que é o conjunto de potencialidades
herdadas geneticamente por cada indivíduo e contidas em cada uma das células, que se
expressam através das linhas de vivência.

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Voz e Expressão em Biodanza

O ADN é o potencial humano que se expressa nas cinco “linhas de vivência”, os


chamados potenciais genéticos, em que alguns, se manifestam desde muito cedo, e outros,
numa idade já mais avançada, os chamados “potenciais tardios”, como lhes chamava
Rolando Toro.

Posso afirmar que sou uma dessas pessoas, tardiamente a descobrir a Voz como potencial,
e a poder expressá-la, numa continuidade da expressão em cada linha de vivência.

A origem da identidade, e de todo o processo ontogenético, acontece aquando da


fecundação do ser humano durante a união das gametas femininos e masculinos.

No eixo vertical, colocadas em espiral estão as linhas de vivência (vitalidade, sexualidade,


criatividade, afetividade e transcendência), o início, aquando do nascimento, e num
movimento ascendente, e em espiral, convergem num ponto que é a integração, que
consiste na interação recíproca, dinâmica e criativa que se produz nas cinco linhas de
impulsos inatos. Este processo criativo é gerado no decorrer da vida do indivíduo, em
ciclos que se abrem e se fecham continuamente.

O desenvolvimento evolutivo realiza-se à medida que a potencialidade genética encontra


na existência, oportunidades de se manifestar. Tais potencialidades, podem ser
bloqueadas ou estimuladas em função do ambiente, cujos estímulos podem inibir ou
favorecer a expressão genética. No modelo, têm a designação de ecofatores.

Em Biodanza, são criados campos de ecofatores, de modo a permitir a estimulação e a


expressão da potencialidade genética, de forma integrada.

Os níveis de ascensão ao longo da espiral evolutiva chamados transtasis (transtase ou


evolução: estabilidade em movimento), produzem-se como resultados da integração
sucessiva das linhas de potenciais humanos.

No eixo horizontal do modelo, encontra-se o “continuum identidade-regressão”, que


representa a alternância natural dos estados de consciência. Os dois polos (da identidade
à regressão) formam um circuito em perpétuo movimento que evolui em espiral rumo à
integração.

Segundo Rolando Toro, as vivências têm origem numa “vivência oceânica” muito antiga,
e que após o nascimento da criança, essas vivências ocorrem nos primeiros seis meses de
vida, antes do aparecimento da linguagem infantil, e são designadas de protovivências.

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Voz e Expressão em Biodanza

As protovivências podem ser consideradas como o momento de passagem da vida


amniótica e animal para a vida histórica e social, simbólica e ideológica, na qual as
vivências propriamente ditas surgem. (Góis, 2002)

Segundo Rolando Toro, as linhas de vivência são os canais por onde deverá circular a
programação biológica nas suas expressões vivenciais. A elaboração desses impulsos
genéticos resulta em funções cada vez mais diferenciadas, tais como emoções e os
sentimentos, em que, a Voz e a palavra emocionada estão presentes.

- Linha da vitalidade

“O feto se move… O movimento do recém-nascido vai-se ampliando e se produzindo de


distintas maneiras, desde o respirar, o seguir objetos com o olhar, o agarrar e o engatinhar,
até correr, saltar, brincar… e brincar. Quando desperto, vem a excitação do corre-corre,
o jogo, o lúdico; depois, o repouso e o sono. O dormir muito e brincar muito – repouso e
movimento, inibição e excitação.... Do movimento primário surge o impulso vital e a
capacidade de se mover com potência no mundo.” (Góis, 2002)

Vitalidade está relacionada com as protovivências do movimento, despertando o ímpeto


vital, a potência, o equilíbrio, a homeostase, a harmonia biológica, a energia disponível
para enfrentar o mundo.

- Linha da sexualidade

“Os animais de estrutura nervosa mais complexa necessitam de contato, principalmente


os mamíferos… O primeiro sentido a surgir no embrião humano é o tato… O contato tem
muitas funções, entre elas a de proteção e desenvolvimento da identidade, mais
especificamente o desenvolvimento da sensualidade e da genitalidade… Um corpo que é
tocado, acariciado, encontra o caminho de crescimento saudável, é um corpo quente e
tónico. Um corpo que não é tocado e acariciado é um corpo que perde energia sem renová-
la, está morrendo.” (Góis, 2002)
A sexualidade está relacionada com o instinto sexual, e com as protovivências do contato.
Tem a ver com o despertar do instinto sexual, do desejo, da busca do prazer nas
pequeninas coisas, e das múltiplas emoções envolvidas.

- Linha da criatividade

“Emitir sons, olhar para um lado e para outro, pegar coisas, mover-se por todas as partes,
colocar coisas na boca, sorrir, chorar, são manifestações de uma criança que se expressa

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Voz e Expressão em Biodanza

no mundo, investigando, orientando-se, apropriando-se e transformando a realidade… Ao


se expressar se faz único, além de visível em sua intimidade. A Criança por ser espontânea
é expressiva e inocente, como todo o mundo natural.
Criar significa, entre outras coisas, transformar, inovar, crescer, mudar a si e ao mundo,
com o mesmo gesto, no mesmo ato.” (Góis, 2002)
A criatividade está relacionada com o instinto exploratório e com impulsos de inovação,
presentes nos organismos vivos, e com protovivências de expressão, em que se dá mais
atenção à Voz. Tem a ver com a capacidade de renovação aplicada à própria vida, ou seja,
ser criativo em cada ato, despertar os impulsos inovadores inerentes aos sistemas
biológicos que culminam na criatividade humana.

- Linha da afetividade

“Os animais com maior complexidade neurológica, principalmente o ser humano,


necessitam de proteção e alimentação garantidas pelos animais adultos por um período
mais longo.

A criança leva um longo tempo para amadurecer e alcançar as condições adequadas à sua
autonomia, para defender-se e buscar o próprio alimento, significando isso, uma grande
dependência vital e emocional em relação aos pais ou outros adultos significativos para
ela… a afetividade humana, ou a vivência da afetividade, surge da satisfação das
necessidades mais primárias, para se transformar em expressão humana de carinho,
ternura, amizade, intimidade com o outro, proteção e solidariedade.” (Góis, 2002)

A génese biológica da afetividade, relaciona-se com o instinto gregário, comunitário, e


com as protovivências de segurança. É a capacidade do ser humano se vincular, de dar
proteção, de receber proteção, da aceitação da diversidade humana, da empatia. É o amor
indiscriminado pelos seres humanos e pela vida em geral, é o útero que cada um tem, para
dar continente aos demais. É um caminho da vivência de emoções que levam a
sentimentos como solidariedade, altruísmo, cooperação, amizade, amor.

- Linha da transcendência

“A inibição, o repouso e o sono produzem um estado geral de harmonia, quietude, silêncio


e indiferenciação, ressonância da antiga vida amniótica e fusional. Quando nasce, e
durante toda a infância, a criança necessita de um ambiente que seja restaurador,
harmónico, tranquilo, para que a maior parte da energia esteja voltada para si mesma,
fazendo-a amadurecer e crescer sem necessidade de responder ao excesso de situações

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Voz e Expressão em Biodanza

diferenciadas, agitadas, e, principalmente, situações de incómodo, rejeição e hostilidade,


algo comum em muitas famílias.”
O ser humano… criador e criatura, participante íntimo de uma tessitura cósmica complexa
e sagrada. Ele é capaz de ir mais além de seus limites imediatos e abarcar circuitos de
totalidade por meio do aumento da sua permeabilidade, Eu-Universo.
Nesse diálogo de silêncio se aprofunda na harmonia e na relação mística com o Cosmos
sagrado.” (Góis, 2002)
A génese biológica da transcendência, relaciona-se com instintos como a necessidade de
fusão, de dissolução, e com as protovivências de harmonia.

É a capacidade para ir mais além do ego e de se identificar com a totalidade cósmica, e


integrar unidades cada vez maiores.

É o caminho para as sensações de plenitude, beatitude, êxtase, iluminação.

Metodologicamente, utilizam-se exercícios (músicas e movimentos), com o objetivo da


integração e expressão da identidade, através das cinco linhas de vivência. Os exercícios
com Voz são usados para aumentar essa expressão.

Segundo Sérgio Cruz (2013), “Em termos de movimento, a música poderia ser dividida
(didaticamente) em movimento vertical, horizontal e sinuoso. O ritmo trabalha ao nível
da integração rítmico-motora, a melodia trabalha em nível de integração sensitivo motora.
O aspeto afetivo-motor se dá no momento em que o ritmo e a melodia, juntos e
equilibrados, percorrem um movimento rítmico cadenciado, criando um movimento
originário-sinuoso.

O movimento sinuoso é um movimento de integração dos três centros (centros encefálico-


intelectual, peitoral-afetivo e pélvico-sexual). O movimento sinuoso é, portanto, um
movimento de integração mental-afetivo-sexual.”

Para Sérgio Cruz, esta metodologia, serve para a aplicação da música em Biodanza, assim
como, para o trabalho com a voz, ou seja, deve acontecer a mesma dinâmica:
rítmica/melódica e as diferentes tonalidades do grave ao agudo.

Nas cinco Linhas de Vivência, as músicas utilizadas podem ter adjetivos que promovem,
tanto a expressão através do gesto, como da Voz, dando-lhe tonalidades, de acordo com
as características humanas únicas em cada ser humano. Assim, como por exemplo, na

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Voz e Expressão em Biodanza

linha da vitalidade adjetivos como: euforizante, tranquilizador, energizante, alegre, vital.


Na linha da sexualidade: erótico, sensual, apaixonado. Na linha da criatividade: profundo,
diverso, intenso, grandioso, misterioso. Na linha da afetividade: terno, solidário amável,
cálido. Na linha da transcendência: harmónico, sublime, oceânico, eterno, ilimitado.

A Voz humana tem características idênticas às do som, ela tem intensidade, ou seja, pode
ser fraca ou forte, ela tem altura, ou seja, a frequência pode ser rápida ou alta, tem timbre,
a vibração única de cada ser humano, e tem humor, ou seja, ela pode ser: nervosa,
zangada, espontânea, poética, calma, doce… podendo assumir a maior parte dos adjetivos
atribuídos às músicas.

O ser humano tem a possibilidade de despertar a sua musicalidade, em descobrir que o


seu corpo é sonoro, ao aceitar fazer um processo em Biodanza. À medida que expressa
os seus potenciais através de cada linha de vivência, cria condição para se expressar
também através da Voz, e usá-la para aprofundar as suas vivências na expressão da sua
identidade.

2.3. A Voz em Biodanza

Num eterno retorno à origem, voltando às teorias da origem da linguagem humana, e


agora numa perspetiva da Biodanza, a linguagem não surgiu de repente, como um
mandato de um deus qualquer, o tocar um ombro, e depois o outro, e com uma “varinha
mágica”, o ser humano obtém o dom da linguagem.

A Voz na história do ser humano, segundo Sérgio Cruz, transformou-se gradualmente


numa atividade verbal de uso constante, a que hoje se chama de “linguagem estruturada”.
O desenvolvimento dessa linguagem foi ativando intensamente as “estruturas corticais”,
através da estimulação da região parietal esquerda do córtex cerebral, de tal modo que a
linguagem se tornou uma função altamente cognitiva. A linguagem estimula o hemisfério
esquerdo do cérebro, responsável pelas funções de análise e de lógica, ou seja, do
pensamento racional. É por isso que se convidam os praticantes de Biodanza, a diminuir
a linguagem, e assim, estimular a parte direita do cérebro, responsável por funções
relacionadas com o sentir, a arte, a intuição, a emoção. Reduzir a linguagem verbal é um
poderoso mecanismo em Biodanza para reduzir a ação inibitória do córtex cerebral na
relação com a região límbico-hipotalâmico (centro das emoções).

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Voz e Expressão em Biodanza

Como Rolando Toro afirmou, “a inibição da função repressiva do córtex cerebral sobre a
região límbico-hipotalâmica, permite a libertação da mesma, a expansão dos instintos e a
regulação orgânica.”

As investigações científicas têm provado que a evolução e a sobrevivência do humano,


tem a ver com o desenvolvimento intelectual alcançado. Através dos estudos,
comparando o ADN dos nossos antepassados, o Homo Neanderthal e o Homo Sapiens, e
apesar de ambos terem o mesmo potencial intelectual, os primeiros desapareceram e os
segundos deram origem aos atuais humanos.

Segundo os cientistas, o Homo Neanderthal foi incapaz de se adaptar às mudanças,


mantendo os seus comportamentos, como o tipo de alimentação, essencialmente carne,
entre outras, isto, a acontecer em tribos pequenas, como clãs ou famílias.

Por seu lado, o Homo Sapiens vivia em comunidades com mais de 1000 elementos, o que
terá levado ao desenvolvimento da necessidade de proteção por questões de
sobrevivência. Fazer parte de grupos maiores terá levado o Homo Sapiens a interagir
mais, o que torna o cérebro mais ativo e exige o desenvolvimento da linguagem, pela
necessidade de fazer acordos, construir juntos, desenvolver-se juntos. Terá sido através
da comunicação que o Homo Sapiens terá desenvolvido a linguagem verbal, o que,
aumentava a expectativa de vida dos componentes do grupo, e a sua sobrevivência.

Todos os animais comunicam entre si, através de sons, mas só a espécie Sapiens,
desenvolveu a linguagem através do desenvolvimento cognitivo, sendo o único que detém
a Palavra.

A linguagem verbal permitiu ao homem a consciência de ser, do presente, mas também


do passado e futuro, de contar histórias, de criar…

Enquanto os nossos ancestrais, usaram a palavra, para contar histórias em roda,


vivenciadas por quem as contava e por quem as ouvia, a palavra manteve o sentido, a
vivência em si. Com o crescimento das comunidades, as interações tornaram-se cada vez
mais complexas, a palavra a ficar dissociada, ou seja, as histórias contadas passaram a ser
apenas imagens de quem as escrevia, e quem as lia, criava a sua própria história, não a
partir das suas experiências vividas, mas das histórias contadas por outros. A emoção foi
sendo banida cada vez mais da linguagem falada, o que levou a um corpo completamente
dissociado, a sentir uma coisa, a pensar outra, e a fazer uma completamente diferente, e

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Voz e Expressão em Biodanza

usando sons e palavras que expressavam coisas diferentes do que o corpo estava a
manifestar.

A Biodanza apresenta-se como um sistema que propõe a unir todas as partes, resgatando
a emoção pela vivência integradora, e em vez de se dizer “eu tenho um corpo”, poder
dizer ”eu sou um corpo”, em que a voz é parte integrante.

Como diz Sérgio Cruz (2012), “O trabalho de integração e liberação da voz em Biodanza
é de importância fundamental: eu o chamo de “movimento vocal”, ou “dança da voz”. Na
proposta integrativa da Biodanza, a voz não pode ser isolada do movimento integrado, da
dança, em que os segmentos pélvico, abdominal, diafragmático, peitoral, cervical e oral
fluem integrados e livres, estendendo-se por ressonância aos braços, mãos, pernas e pés.
O comprometimento com a emoção e com a expressão deve ser total.”

Propor exercícios de voz não é fácil, pois as vivências podem ser muito profundas, levar
a estados de regressão muito profundos, porque não se trata apenas da minha voz, mas
também a ressonância com as vozes dos outros, e isso cria um campo, que muitos
facilitadores, não estariam preparados para lidar com.

Enquanto facilitadora, tenho começado muito timidamente, primeiro, a propor o canto


nas rodas iniciais e finais, e em alguns caminhares, depois a “ensinar” a respirar, a deixar
que o som saia a partir da barriga, que saia naturalmente com a expiração, e só depois,
uma dança yang com grito, o grito de identidade, ou o chamar o nome do companheiro…

Estou apenas no princípio, mas muito entusiasmada, pois o feedback dos alunos tem-me
permitido ganhar mais confiança e ir avançando progressivamente.

Mas, para me iniciar neste tipo de propostas, precisei de anos de vivências, de sentir como
o silêncio é importante, a escuta de mim própria, a escuta do outro, a capacidade de
“desativar” o pensamento lógico, de “desativar” os mecanismos de defesa, e assim, criar
a permissão para que o som se manifestasse, primeiro o som da respiração, suspiros, sons
onomatopaicos, a voz a manifestar-se, um caminho para chegar à palavra emocionada.
Todo o meu processo na Biodanza tem sido de extrema importância para a forma como
me sinto agora.

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Voz e Expressão em Biodanza

2.3.1. A Voz Através do Canto

Em Biodanza, o CANTO utiliza-se para integrar a emoção, o movimento, e voz.

“Através da voz, como um som musical ou como uma dança sonora, ou seja, através do
CANTO conseguimos chegar à “vivência”, que é uma vibração de cura, uma pulsação
que penetra e é envolvente e ao mesmo tempo, dissolvente.

Os xamãs utilizam o canto para transformar ritmos desarmónicos em movimentos


rítmicos saudáveis e harmónicos. Eles respiram e cantam harmonia, como a brisa que
acaricia as flores das árvores, ou como o vento nas ondas do mar, ou o mar na areia da
praia, ou como as águas em cascatas sobre as rochas. Fluxos orgânicos curativos que
reativam a dança da vida e a música cósmica.

Os movimentos integrados, são música. Basta senti-los, admirá-los, vivenciá-los. Todos


os nossos abraços são sonoros, todos os nossos encontros com a vida são musicais.

O CANTO e a VOZ na Biodanza são movimentos vitais, pura emoção.” (Sérgio Cruz,
2012)

Ainda segundo Sérgio Cruz, através do canto vai-se em duas direções:

a) Na da expressão, criativa, vital, lúdica;


b) Na da profundidade e dissolução, da regressão ao estado de origem, o que, através
da voz é muito forte, porque entra em ressonância com ritmos universais. A
vibração sonora forma e estrutura a vida, tal como o som cria a matéria a partir da
sonoridade, da vibração do som. Usando a voz para entrar em regressão, permite
entrar em vivência com mais facilidade, e com uma profundidade maior.

2.3.2. A Utilização da Voz nas Sessões de Biodanza

Para Sérgio Cruz, a “Dança da Voz” é entendida como um conjunto de palavras


emocionadas que falam de nós mesmos, que revelam os nossos sentimentos e nos torna
autênticos, é expressão da nossa essência e da nossa própria identidade profunda. A voz
tem a ver com autoexpressão e identidade, como um movimento interno que “transborda”
em sons.

Na antiguidade, quando a razão e emoção ainda caminhavam juntos, e os gestos humanos


tinham sentido, considerava-se a Voz como parte integrante da identidade. Nos tempos
modernos, essa unidade foi-se perdendo, e todos os tipos de dissociações levaram a um

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Voz e Expressão em Biodanza

ser humano desligado dos seus instintos, das suas emoções, em que a voz com sentido
deixou de se manifestar. O ego a controlar tudo o que é natural, instintivo, a “impor a sua
vontade”.

E como refere Sérgio Cruz (2012) … crianças menores de três anos… nelas a Voz é a
total expressão e comunicação, unida ao movimento, aos gritos, ao choro, aos diálogos
pré-verbais, aos sons onomatopaicos. Reconstroem, por assim dizer, a história do ser
humano, no sentido de que as crianças de hoje aprendem a comunicar-se e a relacionar-
se com o outro, com o mundo e com outros seres vivos, desenvolvendo em três ou quatro
anos apenas, o caminho evolutivo que a humanidade fez em milénios.

A Biodanza é um sistema que propõe voltar a fazer esse caminho, utilizando todos os seus
instrumentos e poderes, um caminho de retorno às sensações da criança, e assim poder
resgatar o ser, num processo em que a voz também é resgatada e ao mesmo tempo, usada
para resgatar.

Todos os exercícios são sonoros, o ritmo do coração, da respiração… sem a intenção da


expressão da voz, mas, em todos os exercícios, pode ser proposta a expressão da voz,
segundo Sérgio Cruz, como por exemplo, numa respiração dançante, deixando que o som
possa ser audível.

O único cuidado a ter, é fazê-lo de uma forma muito progressiva, começar só quando o
grupo tiver uma matriz estável, em que a afetividade, o vínculo entre os participantes
esteja presente. “A única garantia que se tem ao nível metodológico é a progressividade.”

A utilização da voz é transversal a todas as linhas de vivência, apesar de ser na


criatividade, que a voz tem uma particular atenção.

2.3.2.1. Exercícios com Utilização da Voz em Biodanza

Durante todo o meu processo em Biodanza, em grupo regular existiram propostas de


exercícios com utilização da voz, mas não com muita regularidade, a não ser,
ultimamente, em que a frequência tem sido maior.

As vivências mais marcantes, foram em contexto de Projetos de Aprofundamento, como


o Minotauro e outros, e na Escola de Biodanza.

De todo este processo, posso dizer, que se tem tornado cada vez mais fácil expressar-me
de todas as formas, e em que a voz começa a fazer parte integrante, assim como a voz
falada.
59
Voz e Expressão em Biodanza

E porque ainda não existem muitos trabalhos sobre este tema, inspirei-me essencialmente
em Sérgio Cruz, no seu magnífico trabalho com a voz, e também, em algumas
monografias.

Começo por apresentar alguns exercícios, os que estão presentes no catálogo oficial, e
também, alguns outros, apresentados por Sérgio Cruz. (“Revista Pensamento
Biocêntrico”, Pelotas, nº19/2013).

A – Exercícios sem Música – catálogo oficial da IBF, 2012

Os seguintes exercícios são executados, sem a indução vivencial de uma música externa,
apenas utilizando a voz, o canto, a fala ou o silêncio (tanto em sala como na natureza):

1 - Coros Rítmicos

É um exercício da Linha da Transcendência.

Os coros rítmicos realizam-se utilizando dois diferentes mantras, “Samba-Cananda-


Camina-Bum-Ba” e “Asse-Sita-Hum”.

Os participantes, em círculo, de mãos dadas, fecham os olhos e pronunciam as sílabas de


um dos mantras, acompanhando-se com o ritmo marcado pelos pés no chão.

Enquanto os participantes repetem o mantra ritmicamente, o facilitador deve observar que


ninguém se dispersa com iniciativas pessoais orientando para que todos cantem ao mesmo
tempo as mesmas palavras.

O ritmo cresce progressivamente e deve adquirir uma unidade sonora, uma polifonia
sonora, conservando até ao final a mesma matriz rítmica.

A seguir, os participantes podem soltar as suas mãos e prosseguir individualmente, todos


ao mesmo tempo, a dança deste ritmo, produzido pelo grupo. O ritmo apodera-se da
perceção dos participantes, sendo que, eventualmente, pode haver estados de transe
rítmico leve.

2 - Coro de Cana Divina

É um exercício da Linha da Transcendência.

Convidam-se os participantes, em roda, que emitam suavemente o som da letra “A”, com
a expiração, de maneira que a voz tenha origem no ventre e não na garganta. Cria-se assim

60
Voz e Expressão em Biodanza

uma monofonia que, lentamente, se torna uma polifonia devido às variações de tonalidade
do som de cada um, gerando um coro polifónico. Os olhos devem permanecer fechados.

Este exercício é inspirado nas cerimônias tibetanas. A metáfora poética “cana divina”
alude ao bambu que soa pelo efeito do vento. Não são as canas que soam, mas “alguma
coisa que soa dentro delas”, o AR. Com isso se quer sublinhar a falta de intencionalidade
na emissão da voz. Para os tibetanos “alguma coisa” é a divindade. Em Biodanza é
somente uma metáfora da harmonia cósmica. O objetivo é induzir o estado de transe e de
regressão ao primordial, com a diminuição da perceção do próprio limite corporal, o que
facilita a vivência de fusão com o grupo e com o universo.

3 - Coro de Cana Divina em Espiral

É um exercício da Linha da Transcendência.

Uma outra forma deste coro, consiste em cantar a letra “A” a partir de uma roda onde dois
participantes soltam as mãos, e um deles começa a girar muito lentamente sobre si
mesmo, segurando a mão do companheiro de um só lado, levando ao enrolamento de todo
o grupo numa espiral. Forma-se assim um grupo compacto, que permanece enrolado sem
deslocamento. A formação da espiral tende a acentuar o efeito de transe induzido pelo
exercício.

4 - Coro de Cana Divina com Canto emergente.

É um exercício da Linha da Transcendência.

Uma terceira forma deste coro, pode ser, a partir da primeira forma em que os
participantes estão em roda e emitem o som da palavra ”A”, procurando harmonizar o
volume sem que ninguém domine com a sua própria voz, a dos outros. O som deve ser
profundo e visceral e não deve vir da garganta.

Quando o grupo estiver harmonizado, um dos participantes entra no círculo com os olhos
fechados, e deixar emergir o seu próprio canto, enquanto as outras mantêm uma base
constante. Quando termina, permanece alguns instantes em silêncio e volta para a roda.
Outro participante, ocupa o seu lugar e o processo se reinicia.

5 - Canto do Próprio Nome

É um exercício específico do Projeto Minotauro.

61
Voz e Expressão em Biodanza

O aluno vai ao centro da roda e, em profunda conexão consigo mesmo, começa a cantar
o próprio nome (diversas vezes), com grande emoção, e procurando ouvir a ressonância
interior da palavra que representa o seu nome/identidade. Este exercício reforça a própria
identidade podendo conduzir ao íntase (estado de consciência intensificada de si mesmo
e de estar vivo.

6 - Canto do Nome de um Companheiro

É um exercício da Linha da Afetividade.

O grupo forma uma roda de mãos dadas bem fechada, em contato ombro com ombro. Um
voluntário vai ao centro da roda, escolhe um companheiro, ao qual vai cantar o nome,
colocando-se à sua frente, mantendo-se no centro da roda.

Em conexão profunda consigo mesmo, de olhos fechados, o participante voluntário emite


então uma melodia ajustada ao nome do companheiro: quando a melodia o exige,
prolonga-se a voz de modo que aconteça uma perfeita integração entre esta e o nome.
Uma vez concluído o canto, os dois companheiros se abraçam e integram o grupo, de
modo que outro voluntário, possa escolher e ir ao centro e oferecer o canto do nome a
outro companheiro. Este exercício tem como objetivo reforçar a identidade daquele que
canta, através da expressão afetiva para o companheiro. Por outro lado, reforça-se a
identidade daquele que recebe o canto, através da vivência de receber o dom afetivo do
canto do seu nome.

7 - Diálogo de Vozes

É um exercício da Linha da Afetividade.

É realizado em pares, preferencialmente de olhos fechados. Revela a capacidade de


ressonância com o outro ao prescindir da palavra. Consiste num diálogo sonoro, um
diálogo de vozes e não de palavras. Caracteriza-se pela busca de uma perfeita conexão
sensível, de uma ressonância de um com o outro. O exercício induz a uma comunicação
afetiva profunda. As duas pessoas transmitem reciprocamente estados de ânimo subtis e
emoções através da voz.

Um em frente do outro, separados a uma distância média, um por vez, faz uma breve
emissão de voz, que pode constituir uma pequeníssima frase melódica. A tal emissão de
voz, o outro deve responder com total coerência, não a partir do seu ego, mas de
preferência buscando escutar aquilo que o outro diz com sua voz, para perceber dentro de

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Voz e Expressão em Biodanza

si uma resposta harmónica e coerente, que também constitua uma breve frase melódica.
Concomitantemente, cada um começa a caminhar lentamente na direção da voz do outro.
Quando os dois participantes ficam próximos, o exercício é concluído, e troca-se um
abraço.

8 - Poesia-Canção

É um exercício da Linha da Criatividade, mais apropriado para as extensões de Biodanza


“Laboratório de Criatividade”, “Projeto Minotauro” e “Árvore dos Desejos”.

Inicialmente será proposta a composição de uma poesia através do exercício da Linha da


Criatividade chamado “O poema és tu”. Uma vez escrita a poesia, o aluno tenta colocar
a melodia nas palavras, escolhendo apenas alguns versos que reiteram e se modulem em
relação com a extensão da melodia. Escolhe-se um tema e fazem-se variações sobre o
mesmo. Essas variações deverão manter o tema e a melodia iniciais.

9 - Poesia-Canção-Dança

É um exercício dos projetos de aprofundamento: “Laboratório de Criatividade”, Projeto


Minotauro e “Árvore dos Desejos”.

Neste exercício são integradas três formas de expressão criativa: a poesia, o canto e a
dança. O participante deve escrever uma poesia utilizando o exercício da Linha da
Criatividade chamado “O poema és tu”. A seguir, cria uma melodia com base na poesia
criada (não há necessidade de usar toda a poesia, mas apenas uma frase cheia de beleza e
significado). Numa terceira fase, o participante dança cantando a poesia que escreveu. É
necessário treinar repetidas vezes até atingir a perfeita integração dos três componentes.

10 - O Poema és tu

É um exercício da Linha da Criatividade

Duas pessoas se escolhem mutuamente por afinidade. Sentam-se em frente do outro e


iniciam um processo de contemplação mútua. Abrem-se ao mistério do outro,
sensibilizando-se com a essência, com o estado de ânimo, com as emoções que o rosto do
outro expressa, com tudo o que emerge como essencial. Então, enquanto estão próximos,
cada um expressa numa linguagem poética sua vivência de ver o outro. Tu és o poema:
tu és o centro da minha perceção. Tu és a razão do meu poema.

63
Voz e Expressão em Biodanza

Este exercício tem como objetivo desenvolver a linguagem afetiva e poética, assim como
a capacidade de exaltar a presença do outro.

O exercício faz-se sem música, mas a sua preparação, será com música, e, na conclusão,
será usada a mesma música para indicar o marco inicial da conexão e intimidade e o
marco final do tempo do ritual.

11 - Dança Interior

A "Dança interior" é realizada sem música, dando assim prioridade à conexão profunda
consigo mesmo, a partir dos movimentos cenestésicos induzidos pela escuta profunda de
si mesmo. É uma dança de grande intimidade com características muito pessoais, tanto
na forma como na vivência. Os movimentos são muito lentos e de profunda escuta de si
mesmo. A perceção interna e a profunda conexão com a própria intimidade induzem, na
esfera do silêncio, a perceção da musicalidade e do som interno. Através da redução dos
movimentos voluntários e dos gestos expressivos intencionais, são acentuados os
movimentos cenestésicos que possibilitam o nascimento de uma dança interior. Quando
este exercício é realizado na natureza, a resposta interna é muito maior, já que será
acentuada pela estimulação sensorial e sonora que vem do meio ambiente. No exercício
“Biodanza e Voz” podemos perceber que, pelo fluxo respiratório de cada um, pelo próprio
alento vital e na escuta sensível e silenciosa, experimentamos a vivência intensa e
transcendente do “alento de vida” em todos os seus matizes e possibilidades sonoras.

12 – Canto sobre o Corpo

É um exercício específico proposto no contexto da cura no “Neoxamanismo”.

Uma pessoa recebe, em posição deitada, um banho de som sobre todo seu corpo. O som
é a emissão visceral e o alento de cinco (ou sete) de seus companheiros. Estas pessoas se
conectam com sua capacidade de dar e transformam a sua expressão afetiva em expressão
vocal visceral. A voz é uma vibração, esta vibração leva a intenção real das pessoas e
"envolve" totalmente a pessoa que, num estado de abandono que facilita o transe, se torna
"permeável" e absorve a vibração. Cria-se gradualmente uma harmonia entre todos, e a
perceção da vibração de harmonia tem um efeito harmonizador a um nível orgânico muito
profundo. No final da cerimónia, a pessoa recebe um toque de continente em todo o corpo
e, a seguir, é recebida, sentada, em abraços alternados que lhe dão cada vez mais
identidade. O objetivo é o de induzir um estado de transe profundo por meio da vibração
das vozes sobre o corpo.
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Voz e Expressão em Biodanza

B – Exercícios ainda não descritos, mas referidos no catálogo, à espera


de serem completados e atualizados:

1 – UIVO (UIVAR) dos lobos.

É um exercício que faz parte do “Projeto Minotauro”, “Biodanza na Natureza” e


“Laboratório de Criatividade”.

C – Exercícios com possibilidades do uso de música e voz:

a) Em fase de ativação
1 – Assessita Hum;
2 – Corpo sonoro a dois (jogo ativo/lúdico);
3 – Dança do tigre com liberação do grito;
4 – Dança yang com grito;
5 – Dança yang com grito e deslocamento;
6 – Tocar sons rítmicos (em roda ou a dois);
7 – Grito do gorila;
8 – Grito de identidade;
9 – Salto sinérgico com grito (dois grupos que se confrontam no centro);
10 – Samba, Cananda, Camina, Bumba.
b) Em fase de regressão ou em fase de harmonização
11 – Batismo de luz com canto a três, quatro ou cinco;
12 – Cantando ao sol (na natureza);
13 – Canto à lua (na natureza);
14 – Cantando com a natureza (plantas, árvores, chuva, etc.);
15 – Acariciamento do cabelo a dois (no chão);
16 – Corpo sonoro a dois (em fase regressiva sensível e bem lenta, de forma não
lúdica);
17 – Dança livre e fluida com voz;
18 – Dar e receber continente com canto (dar colo a dois – no chão);
19 – Dar feedback positivo para o outro (acariciar com palavras qualificadoras e
gentis);
20 – Eutonia de dedos a dois com voz;
21 – Grupo de fluidez com canto e carícias;

65
Voz e Expressão em Biodanza

22 – O lobinho (individualmente ou a dois ou em grupo);


23 – Regressão ao estado de criança através de acariciamento do rosto com canto
(no chão);
24 – Segmentar de pescoço e ombros com voz.

Lembro-me das primeiras vezes em que fui convidada a soltar a voz, o primeiro grito,
uma dança yang com grito, e na primeira vez, o som era agudo, saído da garganta, ainda
com o medo de ser ouvido, mas, à medida que a dança ia acontecendo todas as semanas,
a respiração mais profunda, a vida a acontecer dentro de mim, as vezes que repeti o grito,
era sempre diferente, um som cada vez mais grave, até sentir o som a sair bem lá das
profundezas, de dentro de mim com toda a sua potência.

Depois, o grito de identidade, o assumir o meu nome com todo o meu ser, um momento
completamente transformador, a sensação de unidade potente; a sensação de ser, de
pertencer, de existir perante o outro, ao escutar o chamar do meu nome, ou então o escutar
“tu existes!”; as palavras qualificadoras, recebidas numa pequena roda ou num túnel de
carícias, e ficar com a sensação de que tudo é perfeito, dentro e fora de mim; o sopro
sobre o corpo, o som do ar, a sua vibração, a funcionar como alento de vida.

Lembro-me do medo de a voz, não sair doce, harmoniosa, ao cantar o nome do outro… e
depois, começar a sentir que a melodia também faz parte de mim, e a sensibilidade uma
força transformadora.

Depois, outras propostas ainda mais desafiantes, como o uivo do lobo, como um grito de
conexão com o primordial, e também juntar esse uivo com outros uivos, a sensação de
fazer parte de algo maior, de fazer parte de uma comunidade. Um uivo que me deu a
coragem para me expressar através da palavra num discurso coordenado em que as
palavras brotavam com sentido, sem eu saber de onde vinham, palavras que se
transformavam num canto, numa dança.

Lembranças que me recordam as pequenas conquistas, e que me fazem sentir que tudo é
possível. E durante todos estes anos, desde 2009, que as palavras de Rolando continuam
a sussurrar-me ao ouvido “tu és uma grande bailarina”, que me inspiraram, que me deram
o impulso, para entrar na aventura de descobrir a minha identidade como facilitadora.

Estou apenas no início, num processo que acontece em ciclos, ciclos que se fecham, e
outros que se abrem, num continuum.

66
Voz e Expressão em Biodanza

Ao reconhecer-me ruído
amei o silêncio
No seu toque encontrei
a música adormecida
Logo soube
que o adormecido era eu
e que esta partitura
habitava minhas células

Agora toco
na orquestra vibrante da vida
pois fiz do meu corpo um instrumento
de corda, de vento e percussão

Consciência, paixão e sentimento


que pedem agora prática diária
até alcançar o precioso virtuosismo
que me outorgue o poder
de criar e recriar-me
até encontrar a minha exata melodia,
um arpejo digno de silêncio.

JuanRa Hernández Januman

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Voz e Expressão em Biodanza

Capítulo III – A Voz através da Palavra

AS PALAVRAS

São como um cristal,


as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.


Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem


as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

Eugénio de Andrade

3.1. A Palavra

Como aluna de Biodanza, comecei progressivamente, a ter coragem de expressar a voz,


graças à repetição, durante muitos anos, os mesmos exercícios, as mesmas músicas, mas,
que me pareciam, sempre diferentes. O aventurar-me a usar a palavra no momento da
partilha vivencial, a partir do instante vivido, e da capacidade que a Biodanza me trouxe,
desfazendo as couraças progressivamente, dando-me a condição de sentir, de integrar em
mim a unidade, em que, Voz e Palavra, também fazem parte, tem sido uma aventura.

Quando comecei a ter coragem para usar a palavra, o grupo teve a máxima importância.
Sentir-me escutada, acolhida, aceite na minha condição, foi a possibilidade tornada
realidade. E à medida que ia praticando, a pouco e pouco, fui ganhando condição para
68
Voz e Expressão em Biodanza

usar a palavra, de expressar a partir de um outro local, a partir da integração da razão e


da emoção, da minha vivência, a partir da minha verdade, nos diferentes momentos da
minha vida.

Depois, chegou o momento de precisar de usar da Palavra, de uma outra forma, já não
para falar de mim própria, mas para apresentar o método, informar das pautas, promover
vivências no grupo, o momento em que me tornei facilitadora ou professora de Biodanza.

Não tem sido um caminho fácil, mas o “Programa António Sarpe”, criado para fornecer
aos facilitadores os recursos, para que, proponham aulas, como um processo estruturado
de aprofundamento dos diferentes níveis de integração, e com as supervisões,
magistralmente orientadas, que me ensinaram como aplicar o método, foram as
ferramentas, que me permitiram trilhar um caminho, em que fui ganhando a confiança de
que precisava.

O conceito de facilitadora em Biodanza é um pouco diferente do conceito de professora,


que fui durante muitos anos. Já nessa altura, gostava de ter sido a jardineira, mas os
ecofatores relacionados com o sistema de ensino, não o permitiam.

Então, poder tornar-me jardineira, segundo o conceito deixado por Carl Rogers, aquela
que tem a função de criar um terreno fértil, no qual a semente, com todo o seu potencial
latente possa germinar e crescer, mudou a minha vida completamente.

Ou então, como refere Jean Yves-Leloup, in “Normose”, “Se formos bons jardineiros,
não vamos puxar a planta para que ela possa brotar mais rápido… Uma árvore saudável
não é apenas aquela que expõe seus galhos à luz, se ela não possuir raízes não ficará de
pé.”

Precisei de tempo para fazer a transição, de um perfecionismo que me levava a copiar


exatamente como tinha aprendido, de uma forma mecânica, para um outro momento, em
que já vou conseguindo sair da frente de mim própria, e sentir as necessidades do grupo,
começar a ser a “jardineira”. E foi a progressividade, que me foi permitindo, ir integrando
a teoria, e conhecer cada vez mais profundamente o sistema.

A Palavra, é usada como instrumento, em dois momentos distintos numa sessão de


Biodanza. Na apresentação teórica/partilha vivencial ou intimidade verbal, na primeira
parte de uma sessão de Biodanza, e na segunda parte, na proposta dos exercícios, em que,
antes de cada um, se apresenta a consigna, ou seja, a explicação do exercício, o uso da

69
Voz e Expressão em Biodanza

palavra que poderá ser a “prolepse da vivência” (José Neves), ou, as palavras que “abrem
as portas da emoção”. (Andrea Zattar)

O POETA
Nasce timidamente
em voo raso
vivenciando
a inocência adormecida
de dançar com as Palavras

Cezar Wagner

3.2. A Consigna

Segundo Rolando Toro (2002), a qualidade das vivências depende em grande parte das
consignas dadas pelo Facilitador na apresentação da sessão de Biodanza.

A consigna é uma explicação breve que o Facilitador dá ao grupo sobre a dança que se
vai realizar, e consta de quatro elementos, que são os seguintes:

1 – O nome da dança;

2 – O modo como se realiza e a respetiva demonstração;

3 – O efeito dessa dança sobre o organismo;

4 – A importância dessa dança como fonte de vivência, bem como a sua projeção
existencial.

As consignas devem-se adequar ao tipo de sessão, seja de um grupo, de iniciação ou de


aprofundamento.

Os três primeiros elementos da consigna devem estar sempre presentes em todos os


exercícios. Em relação ao quarto elemento, depende da condição vivencial do grupo.

A progressividade é um dos mecanismos de ação em Biodanza, e de extrema importância,


ao longo de todo o processo que cada um faz.

Como diz Rolando Toro, “uma evolução progressiva para a saúde configura um estilo e
um “sentido” de trabalho que dá tempo ao aluno para assumir suas próprias mudanças…
Não podemos quebrar as defesas, que um indivíduo elaborou através de anos, porque
corremos o risco de deixá-lo sem continente para sua identidade e pôr gravemente em

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Voz e Expressão em Biodanza

perigo a sua homeostase. As defesas neuróticas têm de se ir transformando, isto é, têm de


ser substituídas pela nova estrutura de saúde. Por outro lado, transgredir o princípio de
progressividade pode desencadear na pessoa um “stress” emocional doloroso, elevar seus
níveis de culpabilidade e provocar sentimentos de angústia incontroláveis… O princípio
da progressividade é coerente com os conceitos de integração e desenvolvimento. “

A consigna, tem um papel muito importante em todo o processo dos alunos, porque dá
permissão racional para a entrega, e potencia o processo de integração afetivo-motor.

Uma consigna, não pode ser apenas uma explicação de como fazer o exercício, e que não
contem apenas conhecimento científico, ela para ser potencializadora da vivência, precisa
que as palavras sejam vivenciadas, precisam de ser poesia, precisam de dançar, e isso
acontece, quando o facilitador usa a razão e a emoção numa dança que é a “dança da voz”.
As palavras emocionadas que entusiasmam, que dão permissão, que são expressivas, que
são afetivas, porque o facilitador é tudo isso, porque consegue expressar o que está
integrado nele próprio. E quando isso acontece, se não existirem malformações no sistema
fonador, a boa dicção acontece, porque a respiração é profunda, com ritmo, com as pausas
necessárias, e assim, se projeta naturalmente. Com a emoção presente, a voz é colorida,
com variações rítmicas e melódicas, inspirando quem a escuta.

Mas, como diz Rolando Toro, o facilitador não é um super-herói, mas uma pessoa como
qualquer outra, buscando integração e desenvolvimento, e que deve possuir os seguintes
requisitos: afetividade profunda, vocação humanística, espírito aberto ao prazer de viver,
sinceridade e coragem; isto é, um facilitador afetivo, íntegro, poético e pleno de amor.

A Biodanza emprega indistintamente a linguagem científica e poética. De acordo com


Rolando Toro, a poesia aparece como o caminho direto entre a vivência e a palavra. É na
linguagem poética que se possibilita a intimidade, pois se restabelecem vínculos
originários, em que o outro se faz perceber, quando se usam palavras simples, verdadeiras,
diretas que possam ser a pura extensão originária da vida no próprio processo de vida.

Através da linguagem poética poderá ocorrer uma síntese vital, criadora, que permite à
pessoa criar uma transmutação profunda.

Como diz Myrthez Gonzalez “A linguagem poética é a linguagem da Biodanza, pois é


capaz de integrar conhecimento e emoção.”

Ou então, como diz Góis (2002), “A consigna… Esse convite se faz de maneira poética
e afetiva, ou lúdica, com informação filosófica e científica… O convite é feito com
71
Voz e Expressão em Biodanza

brevidade, respeito, autenticidade e proteção, ajudando a criar ou a fortalecer um clima


de empatia, aceitação e sinceridade no grupo.

A consigna é fala profunda, linguagem enraizada nas emoções e nos sentimentos do


facilitador; surge da sensibilidade e do vínculo com os participantes; brota da vivência do
facilitador naquele instante, ainda que, tenha uma dimensão estruturada e integrada do
exercício.

A consigna brota de um ato sensível, como linguagem do coração, do ser e se expande no


grupo por intermédio da integração sensível, profunda e expressiva entre facilitador e
participantes.”

3.3. A Partilha Vivencial ou Intimidade Verbal

A partilha vivencial inicia-se, de um modo geral, por uma breve apresentação teórica da
Biodanza, não mais do que 10 ou 15 minutos, em que a função é a de contextualizar
teoricamente, as danças em cada sessão, e também, de informar sobre as pautas de
convivência, de maneira que o processo dos participantes no grupo se faça em harmonia.
A clareza na comunicação e a colocação de limites fazem parte da criação de ecofatores
necessários para que cada um se sinta em segurança.

Enquanto, os aportes teóricos vencem as primeiras barreiras de temor e insegurança,


dando aos membros do grupo a “permissão” intelectual básica para se moverem e se
expressarem, as pautas de convivência, permitem a cada um, saber como se colocar na
relação, ser um rio com margens que o orientam no caminho, em que essas margens são
os limites, apenas como um gesto de cuidado por si e pelo outro.

Segundo Sérgio Cruz, “… a Voz como linguagem assume uma quase estereotipia dentro
da nossa cultura. Além da forte estruturação cognitiva, cortical, no que diz respeito à
palavra, temos praticamente assumido o hábito em nossa cultura de omitir-nos, de não
sermos nós mesmos. Nisto somos especializados (ao nível dissociativo): no falar muito e
não dizer nada, no explicar tantas coisas, mas na prática, não nos envolver, não nos
comprometer.”

Culturalmente, a palavra é usada, como mecanismo de defesa, ela expressa as crenças, as


ideias, tentando esconder o que se sente. Não que se tenha a intenção de esconder, mas é,
sim, um padrão aprendido, e que se vai repetindo inúmeras vezes.

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Voz e Expressão em Biodanza

Ao longo do processo que cada um faz em Biodanza, à medida que se vão dissolvendo as
tensões geradas pelas diversas couraças, progressivamente, vai-se dando espaço a uma
expressão mais integrada, também em relação à dança da voz. Assim, o grupo vai abrindo
espaço às partilhas verbais, devido a uma abertura interna ao escutar, mesmo sem que
sejam propostos exercícios de voz.

O papel do facilitador neste espaço é muito importante, o conseguir ser afetivo, assertivo,
claro, simples, na forma como comunica toda a informação.

Existem alguma pautas, que são da maior importância que sejam comunicadas ao grupo,
e que são as seguintes:

- A importância da continuidade de frequência nas sessões semanais (o compromisso em


fazer um processo de desenvolvimento);

- A importância da pontualidade, como gesto afetivo e de respeito, por si e pelos demais;

- A importância de avisar com antecedência o facilitador quando tiver necessidade de


faltar (uma forma de se manter presente no grupo, quando o facilitador dá essa
informação);

- Escuta qualificadora, ou seja, manter-se numa postura recetiva, sem cruzar os braços ou
deitar-se, por exemplo. Escutar não é ouvir apenas com os ouvidos, mas sim, ouvir com
todo o corpo. Isto implica, uma postura corporal, em que as expressões faciais e gestos
revelam empatia e aceitação do outro;

- Falar na primeira pessoa (responsabilizar-se pelas suas vivências, pelas suas escolhas);

- Falar a partir do que se sente, a partir da vivência no grupo (evitar teorizar, dar
justificações, fazer comentários, juízos de valor);

- Dar continente afetivo à pessoa que partilha, manifestando com gestos de solidariedade
e ternura. O conceito de continente afetivo consiste, segundo Rolando Toro, na
manifestação afetiva através do contato;

- A importância de existir um tempo limitado para a partilha.

Este espaço de partilha vivencial em que os alunos se podem expressar pela palavra, é um
espaço que cumpre algumas funções muito importantes:

1 - Permitir reviver emocionalmente uma vivência já experimentada, incluindo elementos


de consciência válidos para si mesmo (conexão consigo-mesmo);

73
Voz e Expressão em Biodanza

2 – Estabelecer um vínculo de sinceridade e comunhão com os outros participantes do


grupo (conexão com o outro);

3 – Compartilhar com o grupo uma experiência interior. Ainda que esta seja função de
caráter catártico, produz um efeito de profunda conciliação com o mundo (conexão com
o Universo).

Este processo constitui uma passagem da vivência à emoção, da emoção ao sentimento,


porque ao partilhar a sua vivência, o aluno assume a experiência vivida. Este é um
processo de reforço da identidade através da expressão de si mesmo dentro do grupo.

A postura do facilitador perante o grupo é importante. A capacidade de escuta, a


capacidade de se colocar no lugar do outro, a empatia, permite a aceitação das diferenças,
de colocar limites quando necessário, com assertividade e afetividade.

O facilitador faz o seu processo de desenvolvimento no grupo, o que lhe permite ser
genuíno, ser autêntico, real, congruente em tudo o que faz, aceitando que, ainda existe
uma imensidão de conhecimento por explorar, aceitando os erros que vai cometendo,
olhando para eles como oportunidades de evoluir.

Claro que estou a falar da minha experiência e do meu processo de desenvolvimento com
a Biodanza, enquanto danço num grupo como aluna e enquanto facilito um grupo, que
me tem dado todas as oportunidades de evoluir em todos os aspetos na minha vida, e ir,
passo a passo, descobrindo a minha identidade com facilitadora.

Põe quanto És no Mínimo que Fazes


Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a Lua toda
Brilha, porque alta vive

Ricardo Reis

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Capítulo IV – Questionário

4.1. A Relação do Aluno com a Voz

Desde muito cedo que as crianças começam a ser condicionadas em relação à expressão
da voz. Os mandatos culturais, “cala-te, não sabes nada!”, “fala baixo!”, “não sabes
cantar!”, “não grites!”, são alguns exemplos, o que leva, a que, de uma maneira geral, a
dificuldade de se mostrar, de se expressar pela voz, é um medo comum a muita gente,
pelo menos, na sociedade ocidental.

Mesmo aqueles, que falam fluentemente, e para quem os ouve… ninguém diria que
pudessem ter algum problema em se expressar. Mas, não é bem assim…

Este capítulo tem como objetivo, apresentar os resultados do questionário dirigido a


alunos(as) de grupos regulares de Biodanza, em relação à escuta da sua própria voz e à
escuta da voz do outro, nas sessões de Biodanza, e também, sobre a importância do espaço
de partilha.

Responderam a este questionário 73 pessoas de três grupos diferentes, cada um com uma
matriz de cerca de 30 alunos(as), um grupo de aprofundamento, e dois de integração nível
avançado. A escolha destes grupos, teve a ver com o facto de terem mais experiência com
exercícios de voz.

Inicialmente, não estava previsto aplicar os questionários ao meu grupo, por um lado, por
apenas ter uma matriz de 10 pessoas, e porque quando comecei a monografia, ainda não
tinha proposto exercícios com voz. No entanto, isso alterou-se e, apesar, das propostas de
exercícios com voz não terem sido muitas, considero que são relevantes, assim como a
opinião acerca da intimidade verbal. É um grupo com cerca de um ano e meio.

Nas primeiras cinco questões, era possível escolher várias variáveis. Sendo a sexta
questão, de resposta longa.

Assim, apresento a análise em separado, primeiro os 3 primeiros grupos e depois o meu


grupo, respeitando a ordem das questões.

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Voz e Expressão em Biodanza

4.1.1. Quando Ouço a Minha Voz

4.1.1.1. Grupos de aprofundamento e integração avançados (73 pessoas)

a) Em Biodanza, no espaço de intimidade verbal (partilha vivencial), quando me


expresso através da voz articulada, como me sinto geralmente?

32,4% sentem-se nervosas; 27,4% sentem-se seguras e 16,4% sentem-se inseguras;


19,2% sentem-se tranquilas; 17,8% sentem-se fluídas; 17,8% sentem-se satisfeitas com a
sua forma de expressão; 17,8% sentem-se críticas da sua forma de expressão; 4,1% não
pensa nisso; 4,1% fica bloqueado; 2,7% não se expressa; 2,7% fica confusa.

Em relação a como se sentem quando se expressam através da voz articulada no espaço


de intimidade verbal, apesar de existir uma percentagem significativa de pessoas que se
sentem seguras, tranquilas, fluídas e satisfeitas com a sua forma de expressão, continua a
haver ainda, um número considerável de pessoas a sentirem-se nervosas, inseguras e
críticas na sua forma de expressão.

b) Em Biodanza, como me sinto depois de falar na partilha vivencial?

57,5% sentem-se escutadas; 24,7% sentem-se aliviadas; 20,5% sentem-se


compreendidas; 11% não se expressam; 5,8% não pensam nisso; 4,1% sentem-se
perturbadas; 2,7% sentem-se não escutadas; 1,4% evitam a partilha; 1,4% sentem-se
nervosas; 1,4% sentem-se inseguras.

Depois de partilharem, verifica-se que, de uma maneira geral, as pessoas se sentem


escutadas e compreendidas, existindo ainda uma percentagem significativa de pessoas
que se sentem aliviadas ou não se expressam.

c) Numa aula de Biodanza, quando sou convidado(a) a expressar-me através do


canto, como me sinto geralmente?

49,3% sentem-se desafiadas; 41,3% sentem-se entusiasmadas; 15,1% sentem-se fluídas;


6,8% sentem-se bloqueadas; 6,8% não pensam nisso; 2,7% não se expressam; 2,7%
sentem-se desconfortáveis.

Quando convidadas a expressar-se através do canto, a maioria sente-se desafiada e


entusiasmada. Apenas uma pequena percentagem se sente bloqueada ou não se expressa.

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Voz e Expressão em Biodanza

4.1.1.2. Grupo de Integração Iniciante (10 pessoas)

a) Em Biodanza, no espaço de intimidade verbal (partilha vivencial), quando me


expresso através da voz articulada, como me sinto geralmente?

Quando as pessoas se expressam através da voz articulada no espaço de intimidade


verbal, 60% sentem-se tranquilas, 40% sentem-se seguras, 20% sentem-se críticas da
sua forma de expressão e 10% sentem-se nervosas.

b) Em Biodanza, como me sinto depois de falar na partilha vivencial?

Depois de falarem na partilha vivencial, 70% sentem-se escutadas, 30% sentem-se


compreendidas, 10% sentem-se aliviadas e 10% não se expressam.

c) Numa aula de Biodanza, quando sou convidado(a) a expressar-me através do


canto, como me sinto geralmente?

Quando convidadas a expressar-se através do canto, 60% sentem-se desafiadas, 30%


sentem-se entusiasmadas, 30% sentem-se fluídas, 20% sentem-se bloqueadas e 10% não
se expressa.

4.1.2. Quando Ouço a Voz do Outro

4.1.2.1. Grupos de aprofundamento e integração avançados (73 pessoas)

d) Em Biodanza, no espaço de intimidade verbal (partilha vivencial), ao escutar


outros expressar-se através da voz articulada, como me sinto geralmente?

69,9% sentem-se recetivas; 63% sentem-se empáticas; 37% sentem-se vinculadas; 8,2%
sentem-se aborrecidas; 6,8% sentem-se críticas; 1,4% evitam a partilha.

Ao escutar os outros expressar-se através da voz articulada, no espaço de intimidade


verbal, de uma forma geral, as pessoas sentem-se recetivas, empáticas, vinculadas.
Apenas uma pequena percentagem se sente aborrecida, crítica e evita a partilha.

e) Numa aula de Biodanza, quando os(as) aluno(as) são convidados(as) a


expressar-se através do canto e escuto a voz de outros(as), como me sinto
geralmente?

60,3% sentem-se confortáveis; 35,6% sentem-se vinculadas; 9,6% não pensam nisso;
8,2% sentem-se incomodadas; 1,4% sentem-se desafiadas; 1,4% sentem-se críticas.

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Voz e Expressão em Biodanza

Quando escutam a voz do outro ao expressar-se através do canto, a maioria sente-se


confortável e vinculada.

4.1.2.2. Grupo de Integração Iniciante (10 pessoas)

d) Em Biodanza, no espaço de intimidade verbal (partilha vivencial), ao escutar


outros expressar-se através da voz articulada, como me sinto geralmente?

Ao escutar os outros expressar-se através da voz articulada, no espaço de intimidade


verbal, sentem-se recetivas (80%), empáticas (50%), e vinculadas (30%).

e) Numa aula de Biodanza, quando os(as) aluno(as) são convidados(as) a


expressar-se através do canto e escuto a voz de outros(as), como me sinto
geralmente?

Quando as pessoas são convidadas a expressar-se através do canto e escuta a voz do outro,
80% sentem-se confortáveis (80%), e vinculadas (40%).

4.1.3. A Importância do Espaço de Partilha

4.1.3.1. Grupos de aprofundamento e integração avançados (73 pessoas)

f) Qual a importância para ti do espaço de partilha?

A maioria das pessoas considera este espaço muito importante, fundamental, essencial,
vital, indispensável, estas foram algumas das palavras utilizadas. Apenas uma pessoa
referiu não ser importante.

Apesar deste espaço ainda apresentar alguns desafios para algumas pessoas, de uma
maneira geral, as opiniões são bastante convergentes.

Apresento algumas citações do que foi referido:

“Essencial para a integração individual e grupal.”

“É um espaço onde posso expressar o meu sentir, e onde me sinto acolhida, onde as
partilhas dos meus companheiros são vivências que ressoam em mim.”

“Indispensável para a tomada de consciência, integração da identidade e criação da


intimidade em grupo.”

“Fundamental, ajuda-me a chegar, a ficar presente, mesmo que não partilhe, estou
envolvida e revejo-me nas partilhas.”

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Voz e Expressão em Biodanza

“Permite a integração do processo de construção da identidade.”

“Para mim a maior parte das vezes é importante ouvir o sentir de cada um, identifico-me
na maioria das vezes com as partilhas e sinto que verbalizam o que me vai na alma e não
consigo verbalizar tão bem quanto os outros. Outras vezes sinto-me irritada porque falam,
falam e não dizem nada.”

“Sem dúvida durante muito tempo desvalorizava este espaço. Por ser desconfortável para
mim partilhar, tinha a comunicação de alguma forma bloqueada. Mas, hoje em dia, sinto
a importância de estar presente e sinto a importância da partilha.”

“Primordial, tão importante como dançar. É um espaço onde aquilo que senti ou sinto, ao
ser partilhado, gera aceitação.”

“É importante. É um espaço de reflexão e onde tenho notícias de mim, mas também dos
outros. Promove o vínculo com o grupo.”

“Fundamental para mim ter um espaço de expressão voluntária onde sei que não vou ser
julgada e também onde posso acolher as partilhas de outros, que são espelho e que fazem
parte de mim.”

“Para mim o espaço de partilha é importante como um momento de ouvir e falar sobre o
que cada um sente.”

“Essencial! Permite e facilita a compreensão de mim e elaboração dos meus processos de


ação no mundo.”

4.1.3.2. Grupo de Integração Iniciante (10 pessoas)

f) Qual a importância para ti do espaço de partilha?

As pessoas que responderam, são unânimes em afirmar que este espaço de partilha é
importante porque se sentem vinculadas, escutadas, acolhidas, sentem presença e é onde
podem expressar-se e serem escutadas sem julgamento. Referem que são momentos para
elaboração das vivências, e de crescimento pessoal.

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Voz e Expressão em Biodanza

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“No princípio, o verbo tinha sentido.

Mas, o verbo não foi o princípio, e sim o sentir, e só o sentir pode dar sentido ao verbo.”

Foi assim que dei início a esta monografia. Voltar sempre ao princípio, não um caminho
em círculo, mas sim, em espiral.

Por vezes, parece que estou no mesmo local a vivenciar as mesmas coisas, mas depois
percebo que não é bem assim, um pontinho mais acima, num continuum que não tem fim.

Rolando Toro deixou um legado precioso, uma semente que contém o potencial, e se bem
cuidada, nutrida, com todo o amor, ela pode florescer de maneiras, de formas infinitas e
belas.

O Modelo Teórico de Biodanza transporta-me para essa espiral, um processo num


continuum entre identidade e regressão, numa aventura através das linhas de vivência,
sempre a navegar nos diferentes estádios do inconsciente, bem assentes no princípio de
respeito pela vida, sempre a vida no centro (Princípio Biocêntrico).

Encontrei na Biodanza a minha forma. Uma forma de unir o que estava separado e
expressar, sempre consciente, que a espiral é infinita.

TUDO É LINGUAGEM

I
“No princípio era o verbo”
É dizer
o jasmim
falando ao bisonte

A palavra oculta
entre o visível e
o invisível

“No princípio era o verbo”


É dizer
teu silêncio
tua ternura vacilante
entre o visível e
o invisível

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II
Quem fala desde ti
essas linguagens verdes?

Quem chama desde o mar de corais


esses idiomas de sol?

De que garganta surge
esse canto nos muros?

Avanço pelo campo minado do tempo


A avelã me comunica sua canção secreta
O caminho me interroga
Pois toda a presença
homem, pedra ou fantasma
é linguagem cifrada.

III
As vozes do mundo me despertam
na noite
Alguém me chama desde o mar
desde cidades submersas
Todas as janelas estão abertas
Os cantos estão cheios de vozes
Alguém (a quem posso reconhecer)
me olha no silêncio

“No princípio era o Verbo”

Rolando Toro

Esta monografia nasceu da necessidade em enfrentar um dos meus maiores medos, a


expressão pela voz, e, por conseguinte, pelo verbo.

Foi importante para mim escrever esta monografia, e espero que seja importante também
para aqueles que se atreverem a lê-la. Estou convencida de que a minha história é a
história de muitos mais, pois a voz, é talvez, um dos potenciais mais condicionados na
sociedade ocidental. E as histórias… as histórias são apenas convites…

Conhecer como o sistema Biodanza pode contribuir para que a voz se possa expressar em
cada ser humano, é de um valor inestimável. E depois, o CANTO, utilizado para integrar
emoção, o movimento e a voz, é mais um instrumento poderoso para a expressão da
identidade integrada.

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Voz e Expressão em Biodanza

Pode ser que este trabalho possa sensibilizar mais facilitadores em relação a este tema, e
que se atrevam cada vez mais, à utilização deste potencial.

Eu fiquei!

SER ALGUÉM

Já era tempo que eu chegasse a ser alguém.


Já era tempo que aparecesse dentro de mim
o tigre, a criança e a abelha.
Chegou a hora de ser um rio:
águas fluidas, entregues ao destino.
Já era tempo, depois
da Era do Triunfo, depois dos Diques
secos da dor, depois
do Medo de ser Abandonado, chegar
ao tempo dos Jasmins.
Já era hora que eu chegasse
a ser alguém.
Tão anónimo, tão leve
como as canas de bambu.

Rolando Toro

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Voz e Expressão em Biodanza

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