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A mãe da mãe da minha mãe.

Terezinha Alvarenga. Il. Angela Lago. 13ª ed. B. Horizonte:Miguilim,1997. 20 p.


(21,5 x 20 x 0,2cm - 90 gr.)

• Prêmio Ofélia Fontes - "O Melhor para a Criança - 1988" - FNLIJ


• Prêmio Associação Paulista dos Críticos de Arte - Autor Infantil - 1989

• Lista de Honra do IBBY - Indicação de autor - 1990

PARECER 1

A obra de Terezinha Alvarenga, 11 anos depois de publicada pela primeira vez é,


ainda, extremamente atual e quase se configura como um clássico na área da
literatura infantil. A temática que aborda - a relação de uma bisneta com sua
bisavó - vista pelo olhar pequenino da criança e sua geração, diante de outra,
velha, diferente de si e dos mais próximos - a mãe, a avó, já reconhecidos como "o
outro", configura assunto sempre renovado no conjunto da literatura infantil.
Integra fortemente o universo dos pequenos e, apesar das racionalidades adultas, a
aceitação do parentesco não se faz "naturalmente" como muitas vezes se é dado a
admitir, por parte da criança. E a literatura vem, mais uma vez, contribuir com sua
linguagem, seus recursos, para a produção do conceito pelo leitor. É do
(re)conhecimento dessa bisavó, de seu mundo, que nos fala a autora. E fala pela
memória de alguém aos cinco anos, para quem o mundo enorme, os grandes
espaços, os medos estão aumentados pelo plano de visão com que inicia sua leitura
do mundo, como todas as crianças. A ilustração preciosa de Angela Lago é quem
conta desses espaços largos, amplos, mais do que o texto, pois é por ela que se
pode observar a dimensão da menina em relação ao seu mundo. Mundo de poucos
objetos, mas de muitas significações. Praticamente todos os ícones de gerações
passadas lá estão: o fogão na cozinha com o galo amarrado ao pé, que se acessa
descendo uma escada, o mobiliário de palhinha, a cadeira de balanço, a cristaleira,
o retrato oval na parede... e a "bivó", com sua moldura de velhinha, escondida,
quase impenetrável para a menina. A autora leva o leitor, pela menina, nessa
busca da "bivó". Adentrando seus espaços, a casa, seus símbolos, vai-se ao fundo,
ao quintal, de pés de café e frutos vermelhos desde a capa, passando pela
contracapa e folha de rosto, e ao longo de todo o texto, fundo que se pode
observar/adivinhar pelo recurso gráfico admirável das portas abertas, recortadas no
papel, pelas quais se antecipam esse fundo, o desfecho da trama e da narrativa,
em que a bisavó é encontrada. Ou seja, nas casas - pelo menos nas de nossa
memória - as personagens pincipais somos nós mesmos, pois de onde se olhe, para
onde se caminhe, o texto, a imagem, a lembrança carregam para as pessoas que
constroem esses espaços de viver. E, por fim, o reconhecimento da menina se faz
diretamente com a bisavó, tirando da imaginação o lobo, como a vira, para
encontrar a ternura, a mansidão, a sabedoria da velhice, na cumplicidade dos
sorrisos e do armário de doces...

O texto, narrado em primeira pessoa, encanta, porque fala da história de vida de


qualquer criança, transportando o leitor para suas próprias lembranças, tornando-a
factível pela (re)memoração e/ou pela (re)criação de vivências semelhantes e não
tão longínquas, se considerarmos o leitor de 1ª a 4ª séries do ensino fundamental.
Certamente que a aventura da menina ajuda a criar a ambiência favorável à leitura
e, com toda certeza, favorecerá o desejo de (re)contar outra história. Nesse
sentido, o traço da ilustradora parece estimular o leitor a ser, ele também,
ilustrador do seu texto, pela singeleza das formas, as sugerências que faz, ao
desenhar, do próprio traço infantil. Ou seja, a narradora não apenas conta a sua
história, mas a desenha, para deleite de seus leitores, fundindo linguagens capazes
de fazer esquecer que Terezinha e Angela são duas, para serem, apenas, alguém
que conta a história de quando tinha cinco anos, como menina que é ou, então,
com o sentir da menina que ainda habita dentro dela e que jamais deixará de ser.

(Jane Paiva - PROALE/UFF)

PARECER 2

Narrado na primeira pessoa, o livro conta a história da primeira visita de uma


menina de cinco anos a sua bisavó. Preparada para o encontro, ela se dirige ao
local cheia de apreensão, demora até chegar ao lugar onde a velha senhora se
acha, manifesta verbalmente o temor mas, quando acudida, já está abraçada e
acolhida com amor pela bisavó.

O enredo é aparentemente banal, porque se resume tão-somente a essas duas


situações, o antes e o depois do encontro, fatos mediados pela insegurança da
menina, que precisa cruzar um longo espaço físico para alcançar o lugar e o
momento do encontro e da pacificação interior. Mas a narrativa se sustenta em três
fatores, fundamentais para o êxito do texto:

a) trata-se de uma história de travessia e busca, tema de teor e precedentes


épicos, aqui transferido para uma situação cotidiana vivida por uma menina ainda
pequena; por sua vez, a travessia supõe, primeiro, a insegurança decorrente do
medo do desconhecido e, depois, o bem-estar e reconciliação devido ao sucesso
obtido;

b) essa narrativa lida igualmente com outro tema "clássico", sintetizado no conto O
Chapeuzinho Vermelho; história que também relata a visita de uma menina
"despreparada" à casa da avó, interceptada pelo Lobo Mau, que se adianta à
protagonista, engole a velha e ameaça a vida da jovem. No texto de Terezinha
Alvarenga, a bisavó sintetiza as duas figuras adultas: primeiramente, é decifrada
pela narradora como o lobo ameaçador, ela só depois descobrindo a personalidade
benfazeja da bisavó. Por causa dessa inversão, A mãe da mãe da minha
mãe procede a uma dupla desmitificação: da história clássica de Charles Perrault e
do medo infantil diante do desconhecido;

c) a adoção do foco narrativo em primeira pessoa igualmente contribui para a obra


atingir seus objetivos. Fosse apresentada em terceira pessoa, a ótica adulta
prevaleceria, e a história tenderia a uma ótica moralista que talvez contradissesse
os objetivos emancipadores vivenciados pela protagonista; como, porém, é sob o
ponto de vista da criança despreparada que se apresentam os acontecimentos, a
interpretação inicial errônea da reação da bisavó, prematuramente identificada ao
Lobo Mau da fábula de Perrault, é facilmente aceitável, com resultados positivos.

Os desenhos dos textos devem-se a Angela Lago; provavelmente pertence


igualmente à ilustradora a melhor idéia em termos de programação visual, o fato
de janelas e portas apresentarem um recorte que remete para a página seguinte do
livro e, principalmente, para a visão do jardim, onde se encontra a bisavó e destino
da personagem. O emprego de tal expediente determina um ponto de fuga visual e
um alargamento do ponto de vista que, se, no que diz respeito à narração, aparece
em primeira pessoa, é ilustrado desde a perspectiva do jardim. Como o recurso
gráfico desaparece quando as duas personagens se enxergam pela primeira vez,
fica evidente que o objetivo era o de apontar para uma saída situada para além do
medo infantil traduzido pela narradora.
A mãe da mãe da minha mãe é um livro criativo no modo de sua apresentação,
caracterizando-se como unidade de texto e forma gráfica, sem perda de
simplicidade e correção.

(Regina Zilberman)

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