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Capítulo II 13

português "veio para a Índia, como soldado, no ano de 1642". 25 Esta hipótese até
pareceria plausível, se Almeida tivesse mais alguns anos. Sabemos que a maior parte
dos homens do enorme exército holandês era constituído por aventureiros
contratados em toda a parte. Como era um emprego bem pago, esta poderia ser uma
explicação da ida de Almeida para a Holanda. Mas não estamos a ver que os bem
organizados holandeses contratassem soldados com 14 anos. A hipótese de Van
Dam não tem, pois, grande cabimento, a não ser que Almeida tenha ido corno
grumete ou simples ajudante nos barcos de guerra ou de comércio holandeses. De
qualquer modo, o adolescente Almeida não deve ter partido sozinho para a Holanda,
ou mesmo para o Oriente. Possivelmente, alguém da família o deve ter
acompanhado, por motivos religiosos, económicos ou outros.
Quanto a Eduardo Moreira, o seu testemunho é menos rigoroso, por ser mais
apologético. Avança hipóteses, e apenas hipóteses subjectivas, de estilo sarcástico e
de mau gosto:
"Não sabemos porque deixou o tio (padre) e como o deixou; mas tudo leva a crer
que não se coadunava o seu espírito livre e sincero com a gaiola de ferro duma
moral langue e passiva e duma religião exterior e mecânica. Um seu detractor
incorrecto, relatando o facto, não tira dele maior partido de insídia, o que parece
comprovar que não fora delictuosa a saída do adolescente João para a Holanda. 26
Nem o aponta como cristão-novo nem o recrimina como vadio. Era porventura o
espírito aventuroso de português que o arrastava para a terra onde se refugiavam
tantos judeus portugueses, onde a nossa lingua era falada e querida (...). Mas
quem sabe, à distância a que estamos, se houve um afastamento caridoso do
protector, ou uma fuga mais ou menos explicável do protegido? Alguém lembra
que fosse induzido por judeus, 27 o que não parece lógico, não tendo ele sangue
judaico. E não parece tê-lo porque o detractor de que falámos, o seu
contemporâneo P e Siqueira, não explorou esse rico filão. Enfim, à distância de

25 VAN DAM, Pieter, Beschryvinge, IV, 1954, p.32, n.2; [A Descrição da Companhia das Índias
Orientals]; HALLOCK/SWELLENGREBEL, p.35; IF Almeida, Primeiro Tradutor, p.5. Um texto
misterioso da Carta de Sequeira afirma literalmente: "Como era ambicioso Mafoma, vendo-se em
riquezas próspero, começou a pensar ser, de algum modo, conhecido por grande. E, como as guerras
são as ocasiões mais ordinárias de se porem em prática estes desejos, à sua custa, foi servir o
Imperador contra os Persas, na qual guerra alcançou o nome de capitão. Os arábios, negando
obediência ao Imperador, opuseram seu maior, no que se mostrou Mafoma sagaz, possuindo o triunfo
de algumas vitórias contra o Imperador" (p.149). Aqui trata-se de uma pura comparação de Almeida
com Maome, como acontece com alguma frequência nesta obra. Não diz que tivesse actuado como
soldado ao serviço da Holanda.
26 Ver Carta do pe Sequeira, em PEDRO DE AZEVEDO, p.772. Este testemunho de Eduardo Moreira
não é abonado pelo pastor protestante, António da Costa Barata, que vê o tio de Almeida no Padre
António Tavares (1580-1642), um homem "patriota", "adversário dos imperialismos de então,
incluindo o papal" (João Ferreira de Almeida — 0 Homem e a Obra, em Escritos, p.16; ver
Enciclopédia Luso-Brasileira).
27 Referência a PEDRO DE AZEVEDO, p.766-767.

A Biblia de João Ferreira Annes d'Almeida


Universidad Pontificia de Salamanca

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