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INSTITUTO DE ECONOMIA (IE)

RELATÓRIO FINAL DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA


PIBIC – Pesquisa - SAE/Unicamp
Quota 2022-2023
Aluno: Daniel Campos Nigro
Orientador: Prof. Dr. Gustavo de Oliveira Aggio

RELATÓRIO FINAL
Estudo de caso da lei da meia-entrada no estado de São Paulo: um modelo para a
representação do consumo de cultura
RESUMO
Tendo como ponto de partida a instauração da lei da meia-entrada no estado de
São Paulo, o presente relatório de pesquisa expõe a discussão do conceito de
capital cultural para debater os impactos da citada lei no consumo de cultura.
Para tal, analisaram-se os determinantes do consumo cultural, enfatizando a
importância do capital cultural, exposto primordialmente em Bourdieu (1973).
A partir de uma revisão da literatura microeconômica acerca do consumo
cultural, sintetizou-se a estrutura de um modelo representativo deste consumo,
tendo como base os estudos de Stigler & Becker (1977) e Ateca-Amestoy
(2007, 2008) e do conceito de rational addiction. Em seguida, efetuou-se um
exercício de estática comparativa em uma situação de monopólio para debater
o impacto da discriminação de preços nos moldes da meia-entrada na oferta de
cultura e no bem-estar. Os resultados obtidos no exercício de maximização
sugerem um impacto positivo desta discriminação na oferta de cultura e no
bem-estar. Por fim, realizou-se um exercício de estatística descritiva do
mercado de cultura no estado de São Paulo pela ótica do consumo, com uma
amostra anterior à meia-entrada e uma posterior. Noticiou-se um expressivo
aumento do consumo de cultura, embora tenha sido mais contido em relação às
outras variáveis selecionadas, em especial o gasto médio mensal com
educação. Em adição, observou-se uma mudança na trajetória da porcentagem
do consumo de cultura pelo consumo total conforme o aumento da classe de
rendimento: em 1987/88 percebe-se uma trajetória crescente e em 2017/18 uma
estagnação.
Palavras-Chave: economia da cultura, consumo de cultura, microeconomia.
INTRODUÇÃO
A instituição da política de lei da meia-entrada no estado de São Paulo, que institui o
pagamento de 50% do valor pleno do ingresso a certos setores da sociedade (entre os quais
são marcantes os idosos e estudantes), deu-se no ano de 1992, por meio do decreto N. 35.606,
estabelecendo “O pagamento de meia-entrada para o ingresso de estudantes em casas de
diversão pública” (SÃO PAULO, 1992a, p.1; SÃO PAULO, 1992b, p.2). Assim sendo, foi um
dos primeiros estados da federação a implementar tal política pública, somente após os
estados da Bahia, do Acre e do Mato Grosso (WINK et al. 2016). A medida recebeu em 2012
uma ampliação, passando a incluir entre os beneficiados os professores da rede pública de
ensino (SÃO PAULO, 2012). A caracterização de tal lei como política pública é disposta por
Wink et al (2016) da seguinte forma:
“Essa é uma política que se baseia em dois pressupostos fundamentais. O
primeiro é fornecer subsídios ao consumo de cultura de um grupo de pessoas,
com renda individual média mais baixa. O segundo é relacionado à interação
existente entre capital humano e capital cultural” (WINK et al, 2016, p. 754).
Assim, observa-se o interesse em examinar os impactos da lei no consumo de cultura,
tanto do aspecto teórico como empírico. Para debater o interesse em políticas públicas para
ampliar o acesso à cultura, bem como justificar o interesse em pesquisar os reais impactos das
políticas na desigualdade do acesso à cultura, demanda-se desenvolver o basilar conceito de
Capital Cultural, assim como das demais variáveis que determinam – ou afetam - o consumo
de cultura.
O estudo dividiu-se em quatro partes para debater o impacto da meia-entrada no
consumo e na oferta de bens e serviços culturais: na primeira, tem-se um estudo sobre o
capital cultural, debatendo a importância dentre os determinantes do consumo de cultura; na
segunda, no campo empírico, realizou-se um exercício de estatística descritiva para o
consumo de cultura no estado de São Paulo; a terceira constitui-se de uma revisão da literatura
microeconômica sobre modelos de consumo cultural e, por fim, um exercício de estática
comparativa em uma situação monopolista.
Versando sobre o capital cultural, debateu-se os determinantes do consumo de bens e
serviços culturais, destacando as contribuições de Bourdieu por meio da concepção de capital
cultural, o qual foi introduzido na literatura econômica como uma equação de estoque em uma
síntese da estrutura de um modelo para o consumo de cultura individual. Nota-se a variedade
de causas para o consumo de bens e serviços culturais, enfatizando o contexto social do
indivíduo.
Na parte empírica, realizou-se um estudo de caso da variação quantitativa na demanda
no estado de São Paulo (SP), tendo como alicerce a estatística descritiva. Caracterizou-se o
Estado em questão como o maior consumidor de bens e serviços culturais em média mensal.
Além disso, notou-se um aumento notável no consumo de cultura e outras variáveis
explicativas entre 1987/88 e 2017/18 – anos das duas amostras da POF utilizadas na pesquisa
-, ainda que abaixo da variação dos gastos gerais e, com ênfase, da variação dos gastos com
educação; aliás, houve uma possível redução da desigualdade no acesso a bens e serviços
culturais, simbolizada pela menor variação da parcela dos gastos sendo para gastos culturais
entre as classes de recebimentos.
Este estudo possui como objetivos a construção de uma base sólida na literatura acerca
da economia da cultura, a discussão acerca da discriminação de preços nos moldes da meia-
entrada de uma forma teórica, a síntese de um modelo descrito na literatura para o consumo
de cultura, e por fim, a realização de um estudo de caso amparado na estatística descritiva
para observar a variação do consumo de cultura no estado de São Paulo. Para tratar destas
temáticas, duas perguntas norteadoras guiaram o presente trabalho: a consolidação da lei da
meia-entrada no estado de São Paulo contribuiu para um aumento no consumo de cultura
entre os grupos beneficiados pela legislação? e: houve uma diminuição na desigualdade do
consumo de cultura com as leis da meia-entrada?
Este estudo caracteriza-se, também, pelo seu caráter preliminar, abordando uma área
ainda pouco examinada no contexto nacional. Os resultados obtidos nesta pesquisa não só
podem como devem ser elaborados e desenvolvidos em trabalhos posteriores, seja debatendo
as questões teóricas sobre a discriminação de preços e bem-estar, assim como o capital
cultural e o seu impacto no consumo de cultura; seja aprimorando os desenvolvimentos
empíricos neste campo de estudo.
MATERIAIS E MÉTODOS
Para abordar os objetivos desta pesquisa de forma mais abrangente, o estudo se dividiu
entre quatro partes – um estudo acerca dos determinantes do consumo de cultura e do capital
cultura, uma revisão sobre os modelos de consumo cultural, um exercício de estática
comparativa para discriminação de preços nos moldes da meia entrada para uma firma
monopolista, e, por fim, um exercício de estatística descritiva para a variação quantitativa da
demanda no estado de -, do cada qual com foco analítico e metodologia distintos, embora
complementares para a análise proposta nesta pesquisa: debater os impactos das leis de meia-
entrada no mercado de cultura, com ênfase no estado de São Paulo.
No âmbito teórico, o qual dispendeu oito meses da pesquisa, realizou-se uma revisão
bibliográfica dentro da área da economia da cultura. Foram abordados autores nacionais e
internacionais, bem como trabalhos teóricos e empíricos. Enfatiza-se a importância de
Bourdieu (1973), o qual forneceu a concepção de capital cultural, a variável basilar para a
determinação do consumo de cultura, e Ateca-Amestoy (2007, 2008) bem como autores
nacionais na literatura nacional literatura empírica sobre a temática (WINK et al. 2016;
DINIZ, MACHADO. 2010; PAGLIOTTO, MACHADO. 2012) para nortear as discussões
propostas no presente estudo.
Em seguida, foi feita uma revisão bibliográfica da teoria econômica acerca do assunto,
no qual destaca-se o modelo de Ateca-Amestoy (2007), introduzindo a equação de estoque de
capital cultural no tradicional modelo microeconômico de escolha de consumo. Por fim, para
discutir de forma teórica os impactos da discriminação de preços nos moldes da meia entrada,
realizou-se um exercício de maximização para uma firma monopolista para o mercado de
cultura, ofertando um produto e com dois grupos consumidores deste produto, impondo
condições para debater as quantidades ótimas ofertadas e o preço em cada caso. As condições
foram as seguintes: 1- Sem discriminação de preços; 2- Com discriminação de preços nos
moldes das leis de meia-entrada, porém com demandas idênticas; 3- Com discriminação de
preços e com demandas distintas entre os grupos; por fim, debate-se os efeitos de um
incremento da renda e do capital cultural, partindo da definição de rational addiction, no
consumo e produção de bens e serviços culturais sob efeito das leis de meia-entrada.
A parte empírica consistiu em um estudo de caso do consumo de cultura no estado de
São Paulo (SP), amparada na estatística descritiva, comparando os dados para o consumo de
cultura das amostras da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 1987/88 e 2017/18, bem
como uma análise dos dados do SIIC/IBGE de 20181. Os dados utilizados estavam agrupados
por classe de recebimento, mensurado em salários-mínimos, com os valores para o consumo
sendo a média de cada classe de recebimento. Os valores da POF de 1987/88 foram ajustados
a valores de 2018 por meio do IPCA. 2 Vale ressaltar a diferença na amostragem entre as duas
bases, com a POF de 1987/88 abrangendo apenas a região metropolitana, enquanto a POF de
2017/18 aborda todo o estado de São Paulo. O tratamento dos dados se deu com o uso do
software R-Studio – linguagem de programação R -, coletando as variações dos gastos e as
correlações dos valores gastos para as variáveis selecionadas (gasto total, gasto com cultura e
o log do gasto com transporte urbano). Este estudo possui um caráter preliminar para abordar
de forma empírica os impactos das leis de meia-entrada em São Paulo no consumo de cultura,
dado que não foi possível determinar este impacto com os dados e metodologia dispostos
nesta Iniciação Científica.
RESULTADOS:
Conforme exposto na sessão anterior, dividiu-se em quatro partes complementares o
presente trabalho e esta sessão de resultados, debatendo em última instância os impactos no
mercado de cultura da adoção de políticas de discriminação de preços nos moldes das leis de

1
Sistema de Informações e Indicadores Culturais.
2
Índice de Preços ao Consumidor Ampliado, índice do IBGE. O processo de ajuste se deu por meio do pacote do
R “deflateBR” (MEIRELES, 2018).
meia-entrada. Em primeiro lugar serão apresentados os resultados decorrentes do estudo
acerca dos determinantes do consumo cultural e do capital cultural, em seguida, tem-se uma
síntese de uma revisão dos modelos microeconômicos para o consumo de cultura. Na terceira
parte desta sessão serão apresentados os resultados do exercício de análise comparativa de
maximização em uma situação monopolista com discriminação de preços nos moldes da
meia-entrada. Por fim, apresentar-se-á os resultados do exercício de estatística descritiva para
o consumo de cultura no estado de São Paulo.
UM BREVE ESTUDO ACERCA DO CAPITAL CULTURAL
O conceito de Capital Cultural liga-se profundamente à discussão efetuada pelo
sociólogo Pierre Bourdieu. De acordo com este autor, existe uma questão de dominação na
apreensão e capacidade de captar a arte, cuja manutenção é promovida pelo sistema
educacional como um todo (BOURDIEU, 1973). Seu objeto de estudo é, de forma sintetizada,
analisar os mecanismos que causam a manutenção do status quo da sociedade do século XX.
Conforme exposto em Riley (2018), Bourdieu divide em quatro âmbitos a ideia de
capital - referente à recursos disponíveis (RILEY, 2018), sendo respectivamente o Capital
Econômico, Capital Simbólico, Capital Social e Capital Cultural, cuja característica marcante
é a desigualdade entre as classes presente em cada um na quantidade e na qualidade do acesso
a tais recursos. Ligado intimamente aos capitais, emerge o conceito de Habitus, ou seja, os
comportamentos adotados conforme a classe (em qualquer um dos âmbitos citados do
capital). Assim, como pontua Silva (1995), ao mesmo tempo que apresenta um caráter de
dominação, ao “predeterminar” as práticas sociais -já que a apropriação destes bens
simbólicos, no caso a cultura (ou alta cultura) pressupõe a posse dos instrumentos de
apropriação (BOURDIEU, 1973), o Capital Cultural apresenta também uma possibilidade de
mobilidade social, tanto por meio da educação quanto de um maior consumo de bens
culturais. É importante ressaltar a não subordinação da esfera cultural pelo Capital Econômico
(SILVA. 1995), mesmo que estejam intimamente relacionados, conforme estudos empíricos
que mostram a propensão a consumir cultura é ligada à renda (WINK et al. 2016; DINIZ,
MACHADO. 2010; PAGLIOTTO, MACHADO. 2012).
Em contraponto ao disposto acima, Throsby (1999), partindo da definição clássica de
que Capital é um bem que quando combinado com outros “inputs”3 gera um outro bem,
coloca que o Capital Cultural se manifesta como tangível ou intangível (THROSBY. 1999),
ambos particulares em relação aos outros bens de capital, embora sujeitos a uma eventual

3
Podendo ser outros bens ou mesmo ações, como Throsby menciona o trabalho (“Labour”) (THROSBY.1999).
depreciação. Apesar da aparente contradição entre os dois conceitos de Capital Cultural
apresentados, o aspecto benéfico de um aumento de tal capital mostra-se presente na
perspectiva sociológica (de Bourdieu) e na da tradição econômica, marcada por Throsby, dado
o caráter endógeno do consumo de cultura (WINK et al. 2016).
Na literatura microeconômica, o Capital Cultural manifesta-se como o aumento da
propensão do agente em consumir cultura dado um consumo prévio de bens culturais. Para
explicar este fenômeno, existem duas principais teorias: rational addiction (STIGLER &
BECKER, 1977; ATECA-AMESTOY, 2007) e learning-by-consuming (LÉVY-GARBOUA &
MONTMARQUETTE, 1996). Na primeira, consideram-se as preferências como estáveis;
entretanto, conforme o agente é exposto à cultura (consome bens culturais), aumenta-se a
utilidade marginal deste consumo. Assim, o consumo vai aumentando gradativamente por
meio desta criação de um “vício positivo” – diminuição dos preços-sombra, diminuindo do
custo de oportunidade para o consumo (STIGLER & BECKER, 1977)4. No caso da segunda,
de learning-by-consuming, as experiências anteriores nem sempre são positivas, desta forma,
o agente tende a consumir mais do que já conhece e do que já aprecia. A maior parte dos
estudos que examinam o consumo de cultura se apropria da conceituação em Stigler & Becker
(1977) de rational addiction, primordialmente devido a maior facilidade de modelar as
preferências (ATECA-AMESTOY, 2007).
Além do Capital Cultural, que, conforme visto, assume papel basilar no campo dos
determinantes do consumo de cultura, outras variáveis mostram-se presentes como
importantes para a análise do consumo de bens e serviços culturais.
Como se trata de uma atividade “tempo-intensiva” (MACHADO et al, 2016), a
mensuração do impacto desta variável (tempo disponível) é crucial, assim como a educação
formal e/ou artística, a renda familiar e outros fatores relacionados ao capital social do agente
(DINIZ & MACHADO, 2011; MACHADO et al, 2016; PAGLIOTO & MACHADO, 2012;
UPRIGHT, 2004)5.
Nota-se, o caráter dual deste consumo. Isto é, ao passo que possuí variáveis
individuais de cada agente, como se destacam a renda familiar, a educação e o próprio Capital
Cultura, é importante ressaltar que também é determinado socialmente (UPRIGHT, 2004;
DIMAGGIO & USEEN, 1978), ou seja, por meio do contexto social no qual estão inseridos

4
Ou seja: há uma alteração na inclinação da curva de demanda, caso seja linear.
5
Desta forma, pode-se caracterizar o gasto com consumo cultural como função de variáveis socioeconômicas,
geográficas, sociodemográficas e educacionais: 𝑦𝑖 = 𝑓(𝑆𝑒𝑖 , 𝐺𝑖 , 𝑆𝑑𝑖 , 𝐸𝑖 ), ou seja, um modelo de regressão cross-
section, no qual i são as observações individuais, y é o gasto total com cultura, Se são variáveis
socioeconômicas, G são variáveis geográficas, Sd corresponde à variáveis sociodemográficas e E são variáveis
relacionadas à educação. Para uma exposição mais detalhada, ver Diniz & Machado (2011).
os agentes. Desta forma, a ligação estabelecida por Bourdieu (1973) entre os seus Capitais,
em especial para o Capital Social, o Capital Econômico e o Capital Cultural; mostra-se uma
hipótese sólida.
DOS MODELOS DE CONSUMO CULTURAL
Discutindo de forma microeconômica o processo de consumo de cultura, temos, com
base na literatura – com ênfase no seminal trabalho de Stigler & Becker (1977) e de Ateca-
Amestoy (2007; 2008) -, a síntese da estrutura de um modelo para representar este consumo
tendo como fundamental a teoria de rational addiction (adição racional), conforme utiliza-se
em Stigler & Becker (1977), Ateca-Amestoy (2007) e Castiglione & Infante (2016)6.
Temos, então no escopo desta literatura, que a decisão racional do agente maximizador
de utilidade será derivada do seguinte exercício de otimização:
Max para 𝑋𝑡 𝑒 𝑌𝑡 𝑈𝑡 (𝑋𝑡 , 𝑌𝑡 ) = 𝛼 ln 𝑋𝑡 + (1 − 𝛼 ) ln 𝑌𝑡

𝑌𝑡 = 𝑦𝑡
𝑋𝑡 = 𝑥𝑡 𝑠𝑡
s. t ; 7 (1)
𝑠𝑡 = 𝑟 ∑𝑡−1
𝑖=0 𝑠 + 𝜃 ∑ 𝑡−1
𝑖=0 𝑥 + ∑ 𝑡
𝑖=0 𝐸
𝑥 𝑥 ( ) 𝑥 (
𝑃
{ 𝑡 𝑡𝑥 + 𝑦𝑡 + 𝑃𝑡+1 𝑥𝑡+1 ) + (𝑦𝑡+1 + ⋯ + 𝑃 𝑡+𝑛 𝑥𝑡+𝑛 ) + (𝑦𝑡+𝑛 ) ≤ 𝑊𝑡,𝑡+1,…,𝑡+𝑛

No qual a primeira equação é a utilidade do agente (𝑈), uma Cobb-Douglas. Como


restrições, temos as funções de produção para os mercados de bens culturais (𝑋 como relação
do consumo de cultura e do capital cultural s) e bens não-culturais (𝑌); uma equação para o
capital cultural – 𝑠, dependente do capital cultural anterior, do consumo cultural anterior e de
variáveis exógenas (𝐸), além das constantes para “memória” do agente 𝑟 e 𝜃; e, por fim, uma
restrição orçamentária – utilizando o preço dos bens não-culturais como numerário8 (𝑃 é o
preço e 𝑊 a restrição orçamentária). A síntese dos modelos para o mercado de cultura
representado acima – para período temporal de 0 até t – mostra a importância do capital
cultural para este mercado. Em suma, temos um caso de maximização da utilidade do agente
tendo como restrições os mercados de bens culturais e não-culturais, a equação do capital
cultural e o orçamento do indivíduo.
Busca-se, neste modelo, a introdução do capital cultural no modelo de escolha
individual para o consumo de cultura. Para tal, a equação do capital cultural apresenta-se
como uma equação de estoque, dependendo do consumo de cultura anterior e do capital

6
Para uma discussão relativa ao debate rational addiction vs learning-by-consuming, ver: (STIGLER &
BECKER, 1977; LÉVY-GARBOUA & MONTMARQUETTE, 1996; BLAUG, 2001; PAGLIOTO &
MACHADO, 2012).
7
Um modelo bastante semelhante é discutido em Ateca-Amestoy (2007). A discussão para a síntese da estrutura
do modelo pode ser encontrada em:
https://drive.google.com/drive/folders/1ZVmtMroeNMMJ7SihF0hMTLNUPSwAUV-A
8
Ou seja, os preços são apresentados como constante.
cultural anterior, bem como de um valor já dado pela formação (contido na variável 𝐸). O
impacto do estoque de capital cultural é captado pelo mercado, visível na equação de
produção do mercado cultural. Desta forma, apresenta-se o caráter de “vício positivo”,
aumentando o consumo dos bens e serviços culturais sem que ocorra uma mudança na curva
de demanda individual do agente (STIGLER & BECKER, 1977; ATECA-AMESTOY, 2007).
DISCRIMINAÇÃO DE PREÇOS NOS MOLDES DA MEIA-ENTRADA: UM
EXERCÍCIO DE ESTÁTICA COMPARATIVA
Pensando primordialmente na temática das leis de meia-entrada, faz-se necessário
debater de forma breve o conceito de discriminação de preços e o seu impacto no bem-estar,
devido a própria natureza destas leis, estabelecendo preços distintos para grupos
diferenciados. Como Varian (1985) explicita: “price discrimination is present when two or
more similar goods are sold at prices that are in different ratios to marginal costs”.9
Pode-se caracterizar a política promovida pelas leis de meia-entrada como sendo um
caso de discriminação de preços do 3º (terceiro) grau, isto é, estabelecem-se preços diferentes
para grupos com preferências distintas sem que as curvas de demanda sejam necessariamente
conhecidas, embora seja possível diferenciar os grupos. Ao contrário do caso normalmente
estudado, no qual a discriminação dá-se no âmbito do setor privado, sendo promovido por
monopólios; tem-se neste cenário um caso da discriminação sendo fruto da intervenção
estatal, como subsídio para o consumo cultural para setores específicos.
Para debater a discriminação de preços nas condições impostas pelas leis de meia-
entrada e os impactos no bem-estar – como está presente em Varian (1985), observa-se um
acréscimo no bem-estar com um aumento geral da produção -, utilizou-se uma maximização
dos lucros de uma empresa monopolista seguindo as condições a seguir: 1- Sem
discriminação de preços e demandas idênticas entre os dois grupos; 2- Com discriminação de
preços nos moldes das leis de meia-entrada, porém com demandas idênticas; 3- Com
discriminação de preços e com demandas distintas entre os grupos; 4- Adiciona-se o Capital
Cultural, dependente do consumo cultural anterior.
Nota-se que, embora existam outras formas de concorrência para o mercado de bens e
serviços culturais, o monopólio se encaixa com o caso de venda de ingressos para shows e
eventos, sendo a forma escolhida para este exercício. Ainda neste caso, considera-se o custo
marginal da firma monopolista como sendo constante, justamente pensando no caso de um

9
“A discriminação de preços ocorre quando dois ou mais bens similares são vendidos a preços com diferentes
relações ao custo marginal” (VARIAN, 1985). (tradução própria).
mercado de ingressos para shows e eventos. Em adição, para fins de simplificação, as funções
de demanda utilizadas no exercício de maximização foram todas lineares.
• Caso 1: Sem discriminação de preços e demandas idênticas entre os dois
grupos.
Seja a função de demanda (linear) 𝑞 𝐷 = 𝐴 − 𝐵𝑝, com A e B sendo constantes
positivas, para um bem/serviço cultural ofertado por uma empresa monopolista com função
custo na forma 𝑐𝑞 𝑂 , tem-se a equação lucro:
Π = 𝑝(𝐴 − 𝐵𝑝) − 𝑐(𝐴 − 𝐵𝑝); (2)

Na qual p é o preço do bem cultural hipotético.


𝐴 + 𝑐𝐵 (3)
𝑝= ;
2𝐵

𝐴 + 𝑐𝐵 10 (4)
𝑄𝑂 = 𝐴 − 𝐵 ( ).
2𝐵

• Caso 2: Com discriminação de preços nos moldes das leis de meia-entrada,


porém com demandas idênticas.
Neste caso, além das condições do exemplo acima, temos uma restrição imposta à
equação do lucro, já que um dos grupos pagará metade do pago pelo outro grupo. Desta forma
1
temos: 2 𝑝𝑎 = 𝑝𝑏 . Isto é, o preço b será igual à metade do preço a. A quantidade total ofertada

será a soma das quantidades de cada grupo.


Assim, para a resolução utilizaremos um lagrangeano:

𝐿Π = 𝑝𝑎 (𝐴 − 𝐵𝑝𝑎 ) + 𝑝𝑏 (𝐴 − 𝐵𝑝𝑏 ) − 𝑐 (2𝐴 − 𝐵𝑝𝑎 − 𝐵𝑝𝑏 ) (5)


1
+ 𝜆 ( 𝑝𝑎 − 𝑝𝑏 )
2

Após a maximização, atingem-se as relações:


𝐴 + 𝑐(3𝐵) (6)
𝑝𝑎 = ;
5𝐵
𝐴 + 𝑐(3𝐵) (7)
𝑝𝑏 = ;
10𝐵
10
Onde 𝑞 𝐷 = 𝑄𝑜
As quais fornecem as quantidades de cada modalidade e a quantidade total produzida:
𝐴 + 𝑐(3𝐵) (8)
𝑞𝑎𝐷 = 𝐴 − 𝐵 ( );
5𝐵
𝐴 + 𝑐(3𝐵) (9)
𝑞𝑏𝐷 = 𝐴 − 𝐵 ( );
10𝐵
𝐴 + 𝑐(3𝐵) (10)
𝑞𝑎𝐷 + 𝑞𝑏𝐷 = 𝑄 = 2𝐴 − 3𝐵( )
10𝐵

Observa-se um aumento na quantidade produzida no total (output) em relação ao caso


sem discriminação de preços, simbolizando um aumento do bem-estar relacionado a
discriminação de preços por meia-entrada.
• Caso 3: Com discriminação de preços e com demandas distintas entre os
grupos.
Tendo as mesmas condições expostas acima, temos também a demanda do grupo b
distinta da demanda do grupo a: 𝑞𝑎𝐷 = 𝐴 − 𝐵𝑝𝑎 ≠ 𝑞𝑏𝐷 = 𝐾 − 𝐷𝑝𝑏 . Assim: temos o
lagrangeano:
1 (11)
𝐿Π = 𝑝𝑎 (𝐴 − 𝐵𝑝𝑎 ) + 𝑝𝑏 (𝐾 − 𝐷𝑝𝑏 ) − 𝑐 (𝐴 − 𝐵𝑝𝑎 + 𝐾 − 𝐵𝑝𝑏 ) + 𝜆 ( 𝑝𝑎 − 𝑝𝑏 )
2
O qual fornece, pelo mesmo método do caso anterior, com curvas de demanda
idênticas:
2𝐴 + 𝐾 + 𝑐(2𝐵 + 𝐷) (12)
𝑝𝑎 = ;
4𝐵 + 𝐷
2𝐴 + 𝐾 + 𝑐(2𝐵 + 𝐷) (13)
𝑝𝑏 = ;
8𝐵 + 2𝐷
2𝐴 + 𝐾 + 𝑐(2𝐵 + 𝐷 ) (14)
𝑞𝑎𝐷 = 𝐴 − 𝐵 ( );
4𝐵 + 𝐷
2𝐴 + 𝐾 + 𝑐(2𝐵 + 𝐷) (15)
𝑞𝑏𝐷 = 𝐾 − 𝐷( )
8𝐵 + 2𝐷
Somando as quantidades dos dois grupos, têm-se:
2𝐴 + 𝐾 + 𝑐(2𝐵 + 𝐷) 2𝐴 + 𝐾 + 𝑐 (2𝐵 + 𝐷) (16)
𝑞𝑎𝐷 + 𝑞𝑏𝐷 = 𝑄 = 𝐴 + 𝐾 − 𝐵 ( )−𝐷( )
4𝐵 + 𝐷 8𝐵 + 2𝐷
Desta forma, o bem-estar depende das curvas de demanda para os grupos a e b,
embora haja um aumento da produção -e do bem-estar - com esta discriminação quando mais
inelástica a demanda do grupo a (o grupo que paga o valor inteiro do ingresso neste exemplo)
for em relação a demanda de b.
Com o aumento da renda, tem-se um deslocamento da curva de demanda para cima,
tornando o consumo de bens e serviços culturais maior para o grupo com maior renda.
Independentemente de ser o grupo beneficiado pela discriminação de preços pelas leis de
meia-entrada ou não, este aumento no consumo e na produção dar-se-á de forma equivalente e
proporcional caso as curvas de demanda sejam as mesmas. Neste caso, a variação no bem-
estar será a mesma independente do grupo beneficiado.
Com a “atuação” do capital cultural (ou seja, um aumento da predisposição de
consumir cultura), tem-se um efeito na curva de demanda dos consumidores, tornando-a mais
inelástica. Desta forma, caso o grupo beneficiado pela política de discriminação de preços
proposta pela lei de meia-entrada tenha uma demanda mais elástica, haverá uma variação
maior nas quantidades produzidas e demandadas em relação ao caso no qual o benefício é
concedido ao grupo com demanda mais inelástica. Além disso, a variação na quantidade
demandada promovida por esta discriminação de preços é maior no grupo com demanda mais
elástica. Desta forma, a justificativa de fornecer o benefício a grupos com menor capital
cultural acumulado, ou seja, com uma curva de demanda para o consumo de cultura mais
elástica se justifica, visto que o consumo cultural tornará – em tese – a sua curva de demanda
mais inelástica, possibilitando-os pagar mais pelo consumo de cultura tendo uma variação
negativa de quantidade demandada menor. Esta análise abrange também funções de demanda
não lineares, como o caso de uma função de demanda quase-linear.
UM EXERCÍCIO DE ESTATÍSTICA DESCRITIVA PARA A VARIAÇÃO NO
CONSUMO CULTURAL EM SÃO PAULO
A parte empírica desta pesquisa abordou as características do consumo agregado de
cultura no Brasil, com ênfase no estado de São Paulo. Utilizaram-se os dados amostrais das
POFs de 1987/88 e 2017/18, bem como dados do SIIC/IBGE de 2018, visando em última
instância examinar as variações no consumo de bens e serviços culturais e nos padrões deste
consumo. Desta forma, o caráter deste “estudo de caso” a seguir é de um estudo preliminar
sobre essas questões, para, posteriormente, ser desenvolvido por meio de uma técnica mais
apurada.
Com base nos dados do SIIC/IBGE, tem-se que o estado de São Paulo assume uma
posição privilegiada no consumo de cultura em relação aos demais estados sudestinos e à
média nacional: um gasto médio mensal de R$ 403,5111, frente ao gasto médio mensal
nacional de R$ 291,18 e à média de gasto médio mensal com cultura no sudeste brasileiro de

11
Do qual R$ 378,52 são gastos monetários e o restante são não-monetários, como está disposto no SIIC/IBGE.
R$ 345,07. Vê-se, também, uma relação positiva a nível nacional da escolaridade em relação
ao gasto bruto com cultura mensal, conforme exposto no gráfico a seguir. Esta relação pode
ser vista como um aumento da escolaridade aumentando a propensão ao consumo cultural ou
simplesmente como um aumento da renda, o qual leva a um aumento do dispêndio com bens
e serviços culturais, decorrente deste aumento de escolaridade.

Gráfico 1 – Despesa Média Total e Gráfico 2 – Despesa Média com


Despesa com Cultura por Escolaridade Cultura/Despesa Média Total (%) 2018
no Brasil (2018)
9,00%
8,00%
Ensino superior… 7,00%
6,00%
Ensino superior… 5,00%
4,00%
3,00%
Ensino médio completo 2,00%
1,00%
Ensino médio… 0,00%
Ensino fundamental…
Ensino fundamental…
Sem instrução

0,00 4.000,00 8.000,00

Despesa Cultural Despesa Geral Gasto com cultura/gasto total (%)

Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da
SIIC/IBGE. SIIC/IBGE.

Em números absolutos o consumo de cultura cresceu com a escolaridade, ao mesmo


tempo, em porcentagem do consumo total alocado para o consumo cultural existe uma
crescente da porcentagem do gasto alocada para o consumo cultural conforme o aumento do
nível de escolaridade (SIIC/IBGE). Em contraponto, observa-se que a porcentagem de
consumo cultural por consumo total na POF de 2017/2018 se mantêm mais ou menos
constante para todas as classes de recebimentos, conforme será apresentado adiante no texto.
Partindo para a análise dos dados da POF/IBGE, com os dados da pesquisa de 1987-
1988 e 2017-2018, observa-se uma diferença do que é considerado consumo cultural. Ao
passo que no SIIC/IBGE os gastos com telefonia, assinaturas de Tv e Internet são
considerados consumo cultural, nas POFs estes consumos possuem uma categoria própria,
assim, os resultados de consumo cultural são diferentes entre as pesquisas.
Houve um nítido aumento dos gastos médios mensais em SP ao longo dos trinta (30)
anos de intervalo entre as POFs abordadas neste estudo. A variação foi da ordem de 7,1 vezes
o valor de 1988 de despesa geral média, mais de 13 vezes para o dispêndio com educação e de
4,65 nos gastos com educação e cultura, um aumento bastante expressivo, embora bastante
abaixo do observado nos gastos gerais e nos gastos com educação. As variações estão
presentes a tabela abaixo, com os valores de 2018 em relação aos de 1988 – para os valores
em R$ e em relação ao dispêndio global médio (em porcentagem), ver as tabelas 3 e 4
presentes nos anexos. Observa-se ainda que, com exceção dos gastos com transporte urbano, a
menor variação foi a do dispêndio com cultura; sendo que as duas
variáveis apresentaram, inclusive, uma queda da porcentagem do gasto nelas pelo gasto total.
Tabela 1 – Variação do dispêndio com cultura, educação e transporte (1988 – 2018,
sendo 1988=100)
Ano 1988 2018
Despesa global média 100 761,44
Transporte (geral) 100 927,51
Transporte (urbano) 100 459,84
Educação 100 1.313,10
Recreação e Cultura 100 465,43
Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da POF/IBGE.
Houve, ainda, uma inversão na tendência dos gastos de cultura e educação, se em 1988
a média do gasto com educação era menor do que o gasto com cultura, em 2018 este gasto
com educação tornou-se maior em termos “brutos” e em proporção à despesa global (tabela 1
e 2). Desta mesma forma, houve uma diminuição do gasto proporcional em transporte urbano,
além de uma redução da proporção do consumo cultural para com a despesa geral
considerável, indo de 3,2% para 1,9%. Para fins comparativos, no caso da relação do gasto
com educação pelo gasto geral, houve um crescimento de 2,6% para 4,6%.
Tratando dos gastos de acordo com a classe de rendimentos, em salários-mínimos,
observa-se nas duas amostras um aumento do gasto com educação e cultura conforme
crescem os rendimentos e o gasto total. Entretanto, nota-se uma mudança na tendência dos
gastos de cultura quando como proporção do gasto total. Ao passo que em 1988 a proporção
alocada para gastos culturais em relação aos gastos totais crescia conforme aumentava a
renda, em 2018 esta relação permanece em níveis mais ou menos constantes, com variações
pequenas entre si, como se pode ver nos dados expostos nas tabelas 5 e 6 dos anexos e nos
gráficos 5 e 6. Assim, pode-se supor uma redução das desigualdades no acesso ao consumo de
bens e serviços culturais, com porcentagens semelhantes aplicadas neste consumo por todas as
classes de rendimentos (em média).
Pelos gráficos a seguir, observa-se uma tendência do aumento do consumo de cultura e
do consumo com educação (visível pelo aumento dos gastos com estes tipos de consumo)
conforme a renda aumenta. Esta tendência se mostra tanto para os dados da amostra da POF
de 1987/88 quanto para os dados de 2017/18.

Gráfico 3 – Dispêndio com Cultura e Gráfico 4 – Dispêndio com Cultura e


Educação em São Paulo (1988) Educação e em São Paulo (2018)
100,00 2.000,00
80,00
1.500,00
60,00
40,00 1.000,00
20,00
- 500,00
3a5

de 6 a 8
de 8 a 10
10 a 15

20 a 30
Até 2 SM

mais de 30 SM
2a3

5a6

15 a 20

0,00
Até 2 2-3 3-6 6-10 10-15 15-25 Mais
SM SM SM SM SM SM de 25
SM

Gasto com educação Gasto cultural Gasto com Educação Gasto Cultural

Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da
POF/IBGE. POF/IBGE.
Dados de 1988 a valores de 2018.

Gráfico 5 – Dispêndio com Cultura e Gráfico 6 – Dispêndio com Cultura e


Educação em São Paulo (1988) (%) Educação em São Paulo (2018) (%)

4,00% 7,00%
3,50% 6,00%
3,00%
2,50% 5,00%
2,00% 4,00%
1,50%
1,00% 3,00%
0,50% 2,00%
0,00%
1,00%
Até 2 SM

de 6 a 8
de 8 a 10
3a5

10 a 15

20 a 30
mais de 30 SM
15 a 20
2a3

5a6

0,00%
Até 2 2-3 3-6 6-10 10-15 15-25 Mais
SM SM SM SM SM SM de 25
SM

% gasto educação % gasto cultura % gasto com educação % gasto com cultura

Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da
POF/IBGE POF/IBGE.
Reitera-se a mudança de padrão na porcentagem do consumo de cultura pelo consumo
total entre as duas amostras conforme aumenta o rendimento. Os valores da POF de 2017/18
orbitando em torno de 2,0%, ao passo que na amostra de 1987/88 apresentam uma trajetória
de crescimento até a classe de recebimento de seis a oito salários-mínimos e, a partir deste
ponto, um percurso oscilante, sem um padrão definido. Tratando da porcentagem do gasto
com educação, nota-se uma trajetória oscilante em 1987/88 e uma trajetória de crescimento
constante em 2017/18., com os valores se descolando da porcentagem de gasto com cultura,
ao passo que em 1987/88 ambas as variáveis estão sempre relativamente próximas (um
intervalo sempre inferior a dois pontos percentuais).
Nota-se, ainda, a diferença da escala do dispêndio em bens e serviços culturais e
educação, retomando o observado e discutido na tabela 1, de 1987/88 para 2017/18, bem
como a inversão nos gastos com educação e cultura. Em 1987/88 os gastos com cultura
assumiam papel de destaque em quantidade conforme aumentava a renda do grupo, ao passo
que em 2017/18 o dispêndio com educação é maior que o de cultura em todas as faixas de
recebimento, com exceção da classe com recebimento de até 2 salários-mínimos.12
CONSIDERAÇÕES FINAIS E POSSÍVEIS DESDOBRAMENTOS
O presente estudo desdobrou-se no intuito de investigar os impactos das políticas de
meia-entrada para o acesso a bens e serviços culturais sendo guiado pelas perguntas descritas
na sessão introdutória deste relatório. Para tal, utilizaram-se vários instrumentais distintos
apresentados ao longo do curso de Ciências Econômicas, em especial nas disciplinas de
Microeconomia, de Estatística Aplicada à Economia e de Desenvolvimento Socioeconômico,
visando elucidar de diferentes formas as questões que nortearam a presente pesquisa. Ainda
que os objetivos expostos no projeto de pesquisa tenham sido atingidos, as perguntas que
balizaram este estudo permanecem em aberto, não tendo sido possível respondê-las de forma
plena.
Na análise teórica - dividida entre o estudo acerca do capital cultural e os demais
determinantes do consumo de cultura, a revisão bibliográfica dos modelos microeconômicos
para o consumo de cultura e o exercício de análise comparativa de maximização em
monopólio -, com base na maximização de um modelo de monopólio com discriminação de
preços nos moldes das leis de meia-entrada, descobriu-se que a meia-entrada promove um
aumento da quantidade produzida de bens e serviços culturais em comparação com a
produção em uma situação monopolística sem discriminação de preços, caso as demandas dos

12
Visível também nas tabelas 5 e 6, presentes no anexo estatístico.
dois grupos sejam idênticas. Desta forma, tem-se um acréscimo no bem-estar por meio do
aumento do output, como discutido em Varian (1985).
Na parcela empírica deste estudo, verificou-se o aumento da escala de consumo de
bens e serviços culturais, bem como de outras variáveis selecionadas, como os gastos com
educação, as quais possuem alguma correlação estatisticamente significante, como foi
discutido. Além disso, existem indícios de uma redução da desigualdade ao acesso a bens e
serviços culturais, visto que a porcentagem do gasto para este consumo dentro dos gastos
totais tornou-se praticamente idêntica em todas as classes por recebimento, embora não tenha
sido possível tecer uma análise inferencial referente a esta questão. Isto tudo dentro de um
cenário no qual o estado de São Paulo ainda assume a dianteira em matéria de gastos mensais
médios com cultura por parte de sua população.
Partindo destes resultados, existe muito ainda para ser debatido em matéria de
entendimento dos impactos das políticas de leis de meia-entrada no consumo e oferta de bens
e serviços culturais, em especial dentro do campo dos estudos empíricos. Por isso, caracteriza-
se este estudo como um trabalho preliminar dentro desta área, visto que não foi possível
concluir de forma empírica os efeitos da meia-entrada. Desta forma, sugere-se como possíveis
desdobramentos para a presente pesquisa:
• Avaliação destas políticas por meio de um estudo econométrico, com os dados
da POF, ao invés de agrupados por classe de recebimento, para cada domicílio
e a quantidade de bens e serviços culturais consumidos por cada um desses
domicílios. Cogita-se uma união dos dados da POF com a PNAD/IBGE, para
que seja possível usar um recorte de raça, renda e ocupação na análise do
consumo de cultura.
• Realizar uma pesquisa para compreender como o capital cultural afeta os
preços e na oferta de bens e serviços culturais ao longo do tempo, em especial
de forma teórica, expandindo a revisão feita neste estudo – cuja análise foi feita
em apenas um intervalo temporal.

AGRADECIMENTOS
Agradeço ao SAE/Unicamp pela bolsa concedida para a realização desta pesquisa; ao
Prof. Dr. Gustavo Aggio pelo trabalho de orientação, fornecendo inúmeras dicas valiosas. Por
fim, aos meus pais, aos meus companheiros de repúblicas e à Manu pelo auxílio em todas as
formas possíveis.
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ANEXO MATEMÁTICO

Matriz Hessiana para o Caso 2:


𝜕2𝐿 𝜕2𝐿 𝜕2𝐿
𝜕𝜆2 𝜕𝜆𝑝𝑎 𝜕𝜆𝑝𝑏 1
0 −1
𝜕2𝐿 𝜕2𝐿 𝜕2𝐿 2
𝐻= = 1 ;
𝜕𝑝𝑎 𝜆 𝜕𝑝𝑎2 𝜕𝑝𝑎 𝑝𝑏 −2𝐵 0
2
𝜕2𝐿 𝜕2𝐿 𝜕2𝐿 (−1 0 −2𝐵)
(𝜕𝑝𝑏 𝜆 𝜕𝑝𝑏 𝑝𝑎 𝜕𝑝𝑏2 )
Ou seja, é um ponto de máximo local desde que, segundo o teorema 19.7 de Simon &
Blume (2008, p. 470-471):
1
|𝐻| = 2𝐵 + 𝐵 > 0.
2
Matriz Hessiana para o Caso 3:
𝜕2𝐿 𝜕2𝐿 𝜕2𝐿
𝜕𝜆2 𝜕𝜆𝑝𝑎 𝜕𝜆𝑝𝑏 1
0 −1
𝜕2𝐿 𝜕2𝐿 𝜕2𝐿 2
𝐻= = 1 ;
𝜕𝑝𝑎 𝜆 𝜕𝑝𝑎2 𝜕𝑝𝑎 𝑝𝑏 −2𝐵 0
2
𝜕2𝐿 𝜕2𝐿 𝜕2𝐿 (−1 0 −2𝐷)
(𝜕𝑝𝑏 𝜆 𝜕𝑝𝑏 𝑝𝑎 𝜕𝑝𝑏2 )
Ou seja, é um ponto de máximo local desde que, segundo o teorema 19.7 de Simon &
Blume (2008, p. 470-471):
1
|𝐻| = 2𝐵 + 𝐷 > 0.
2

ANEXO ESTATÍSTICO

Tabela 3 – Gasto bruto mensal médio em SP para variáveis selecionadas (1988-2018)


Ano 1988 2018
Despesa global média 828,98 6.312,16
Transporte (geral) 97,30 902,47
Transporte (urbano) 16,16 74,31
Educação 21,98 288,62
Recreação e Cultura 26,24 122,13
Total de famílias 3.888.085 15.635.512
Tamanho médio das Famílias 4,04 2,90
Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da POF/IBGE.
Dados de 1988 deflacionados para valores de 2018.

Tabela 4 – Gasto mensal em relação à despesa global em SP para variáveis selecionadas


(1988-2018)
Ano 1988 2018
Despesa global média 100 100
Transporte (geral) 11,7 14,3
Transporte (urbano) 1,9 1,2
Educação 2,6 4,6
Recreação e Cultura 3,2 1,9
Total de famílias 3.888.085 15.635.512
Tamanho médio das 4,04 2,90
Famílias
Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da POF/IBGE.

Tabela 5 – Gastos selecionados por classe de recebimento (1988)


Renda Até 2 2-3 SM 3-5 SM 5-6 SM 6-8 SM 8-10 10-15 15-20 20-30 Mais de
(em SM SM SM SM SM 30 SM
Salário-
mínimo)

Despesa 123,36 195,02 267,76 344,50 442,72 471,68 656,32 943,04 1.405,02 2.518,96
global (100) (100) (100) (100) (100) (100) (100) (100) (100) (100)
média
Transporte 8,06 16,60 24,14 31,10 44,00 56,06 64,44 121,42 177,10 410,42
(geral) (6,53) (8,51) (9,02) (9,03) (9,94) (11,89) (9,82) (12,88) (12,60) (12,68)

Transporte 4,54 10,08 13,10 16,60 15,96 16,92 17,50 18,92 20,16 17,86
(urbano) (3,68) (5,17) (5,17) (4,89) (3,60) (3,59) (2,67) (2,01) (1,43) (0,71)

Educação 2,64 2,90 3,90 7,06 9,78 9,36 9,16 24,44 52,66 68,06
(2,14) (1,49) (1,46) (2,05) (2,21) (1,98) (1,40) (2,59) (3,75) (2,70)

Recreação 1,18 2,50 3,74 9,04 15,54 11,94 22,14 29,56 35,48 92,96
e Cultura (0,96) (1,28) (1,40) (2,62) (3,51) (2,53) (3,37) (3,13) (2,53) (3,69)

Total de 167.861 176.568 525.339 281.632 440.801 372.064 662.435 397.037 383.717 480.631
famílias

Tamanho 2,66 3,1 3,6 4,01 4,18 4,21 4,27 4,34 4,44 4,18
médio das
Famílias

Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da POF/IBGE.


Porcentagem em relação ao dispêndio total entre parênteses,
Dados de 1988 deflacionados a valores de 2018.

Tabela 6 – Gastos selecionados por classe de recebimento (2018)


Renda Até 2SM 2-3 SM 3-6 SM 6-10 SM 10-15 SM 15-25 SM Mais de
(Salários- 25 SM
Mínimos)
Despesa 1.750,16 2.644,07 3.879,87 6.502,80 9.863,26 15.476,89 30.480,76
global (100) (100) (100) (100) (100) (100) (100)
média

Transporte 140,18 295,92 530,10 1.103,82 1.384,81 2.127,49 4.563,32


(geral) (8,0) (11,2) (13,7) (17,0) (14,0) (13,7) (15,0)

Transporte 31,53 55,23 70,74 96,20 84,73 104,42 135,99


(urbano) (1,8) (2,1) (1,8) (1,5) (0,9) (0,7) (0,4)

Educação 26,49 55,39 125,91 308,91 509,98 784,82 1.891,37


(1,5) (2,1) (3,2) (4,8) (5,2) (5,1) (6,2)
Recreação 33,47 44,43 63,48 131,23 195,77 312,65 652,47
e Cultura (1,9) (1,7) (1,6) (2,0) (2,0) (2,0) (2,1)

Total de 1.964.882 2.402.496 5.353.250 2.928.018 1.391.638 883.599 711.629


famílias

Tamanho 2,90 2,57 3,02 3,16 3,05 3,05 2,95


médio das
Famílias
Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da POF/IBGE.
Porcentagem em relação ao dispêndio total entre parênteses.

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