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A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO ESTADO DA BAHIA:


APRENDIZAGEM AO LONGO DA VIDA

Jackson do Nascimento Rangel1

RESUMO

Este artigo pretende discutir sobre as políticas em educação de jovens e adultos, a


partir do documento legal que reorienta a prática desta modalidade de ensino no Estado da
Bahia, no que tange o processo avaliativo. Trata-se de uma analise teórica baseada nas
correntes contemporâneas das políticas públicas e do currículo, com o objetivo de perceber
como o sistema oficial vem trabalhando no sentido de promover uma formação que atenda às
demandas dos estudantes deste segmento, através da analise da proposta curricular, que no seu
discurso leva em conta os anseios dos grupos historicamente excluídos, adequando o
currículo, numa perspectiva construtivista que valorize o processo mais que os resultados. Os
dados apontam que este documento se constitui pela necessidade de repensar novas propostas
para este segmento e que o afastem da lógica neoliberal, caminhando para o diálogo com a
sociedade na promoção da igualdade. Dessa maneira, constatou-se que tais propostas estão
diretamente ligadas à questão político/partidária, que se afina aos interesses do atual governo
e ao seu respectivo programa, refletindo, portanto nos projetos pedagógicos que norteiam o
currículo, neste caso o da Educação de Jovens e Adultos no Estado da Bahia.

Palavras – chave: Educação de jovens e adultos. Políticas públicas. Práticas educativas.

ABSTRACT

This article aims to discuss policies on youth and adult education, from the legal
document that reorients the practice of this type of education in the State of Bahia, regarding
the evaluation process. This is a theoretical analysis based on contemporary currents of public
policies and curriculum, aiming to realize how the official system has been working to
promote an education that meets the demands of the students in this segment, through an
analysis of the proposed curriculum, who in his speech takes into account the concerns of
historically excluded groups, adapting the curriculum, a constructivist perspective that values
the process more than the results. The data indicate that this document constitutes the need to
rethink new proposals for this segment and that depart from neoliberal logic, walking for
dialogue with society in promoting equality. Thus, it was found that such proposals are
directly linked to political / partisan issue, which thins the interests of the current government
and its respective program, reflecting thus the pedagogical projects that guide the curriculum,
in this case the Youth Education and Adults in the State of Bahia.

Key – words: Education of young people and adults. Public policy. Educational practices.
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INTRODUÇÃO

O interesse pelo tema abordado nasceu da necessidade de investigar os esforços


institucionais que a Secretaria Estadual de Educação do Estado da Bahia, (SEC-BA), vem
desenvolvendo no trato das políticas publicas relacionada à Educação de Jovens e Adultos,
(EJA), atualmente denominada como Tempos Formativos2. Percebendo a necessidade do
aprofundamento das discussões sobre esse modelo educacional, tão pouco debatido, venho
trazer à tona tais demandas que são as propostas curriculares, para promoção de uma
educação adequada a essa modalidade de ensino no Estado. Nessa perspectiva, o enfoque
desse estudo estará especificamente pautado na analise acerca do trato dos órgãos públicos e
suas políticas, ligadas às questões institucionais dos documentos legais que reorientaram a
prática educacional desde 2009, tendo em vista os Estudos Culturais na área de currículo e as
correntes teóricas contemporâneas que tratam das Políticas Públicas especificando o contexto
das escolas Estaduais no Estado da Bahia.
Não se pretende aqui esgotar a análise da abordagem em questão, contudo aprofundá-
la para uma reflexão, optando-se por uma metodologia teórica descritiva do documento
oficial, que destaque o teor da proposta curricular, dentro das discussões sobre políticas
públicas em educação, sem entrar no mérito do documento em si, quanto à sua aplicação,
evitando desta maneira afirmações inconsistente com os fatos, devido esta pesquisa, ainda
estar em fase de elaboração de projeto carecendo de uma maior coleta de dados,
fundamentação teórica, bem como recorte mais preciso, pois são inúmeras as possibilidades
de estudo. Contudo isso não impede que de antemão sejam suscitados questionamentos que
posteriormente nos levem a pensar criticamente e possam representar possíveis
problematizações.
Utilizou-se como embasamento teórico, as discussões sobre políticas públicas, e suas
principais correntes. Para tanto destacamos os trabalhos de Saviani, (2000), Azevedo, (2004),
Chilante e Noma, (2005), Barcelos, (2010); bem como os documentos oficiais que servirão de
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base para analise dos dados, procurando estabelecer relações com os pressupostos teóricos.
Dessa maneira, pretende-se constatar que as políticas públicas em educação estão diretamente
ligadas à questão político/partidária que se coadunam aos interesses do governo e a sua
corrente ideológica, refletindo, portanto nos projetos políticos pedagógicos que norteiam as
propostas curriculares, neste caso a da Educação de Jovens e Adultos no Estado da Bahia.

AS POLÍTICAS NEOLIBERAIS PARA EDUCAÇÃO

A proposta curricular da Educação de Jovens e Adultos na Rede Estadual de Ensino no


Estado da Bahia de 2009, intitulada: “Educação de Jovens e Adultos: aprendizagem ao longo
da vida” considera que historicamente os reflexos causados pelas políticas neoliberais
impuseram um modelo educacional de limitações reproduzindo uma sociedade
burguesa/capitalista, no que tange às suas distorções de classes, baseados numa lógica de não
oportunizar ao educando de baixa renda e principalmente aqueles que se enquadram no
programa da EJA, o mesmo nível de formação e preparo que os dos grupos sócios
privilegiados recebem.
O modelo educacional desenvolvido pelo atual governo baiano teve em seu contexto
de elaboração a determinação em reformular as políticas sociais existentes, contrapondo a
antiga administração, mostrando, ao menos no discurso as diferenças ideológicas que
caracterizaram por muitos anos as políticas públicas da administração anterior, que tinha
como referencial o neoliberalismo. Portanto faz-se necessário analisar essa ideologia, no
âmbito das políticas sociais, para entender o porquê das mudanças, sua intencionalidade, e
objetivos políticos, pois as mesmas em seu bojo precisavam trazer novas propostas que se
desassociassem da antiga, caracterizando que esta gestão não daria continuidade às propostas
anteriores, gerando no senso comum a ideia de ruptura atrelada à sensação de bem estar
social, assim foram lançadas as “novas” propostas curriculares para a Educação de Jovens e
Adultos e por isso tomaremos como ponto de partida o entendimento do pensamento
neoliberal e suas políticas no campo das políticas sociais.
De acordo com Saviani, (2000), o sistema capitalista, estabelece não serem
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característica das classes dominantes, desenvolverem políticas sociais que não estejam
subordinadas aos seus, próprios interesses, enfatizando que aqueles que detêm o controle dos
meios de produção são os que determinarão o tipo de produção social desenvolvida, ficando
estas políticas subordinadas aos interesses privados da classe que detém este controle
(SAVIANI, 2000). O autor afirma que:
Na medida em que esse tipo de sociedade constitui, como seu elemento
regulador, um Estado, consequentemente capitalista, a “política econômica”
impulsionada por esse Estado, tendo em vista o desenvolvimento e a
consolidação da ordem capitalista, favorecerá os interesses privados sobre os
interesses da coletividade. Configura-se, assim o caráter antissocial da
“política econômica” cujos efeitos, entretanto, contraditoriamente, atuam no
sentido de desestabilizar a ordem capitalista em lugar de consolidá-la. Para
contrabalançar esses efeitos é que se produz, no âmbito do Estado, a
“política social”. (SAVIANI, 2000, p.1 e 2)

Em Azevedo, (2004), quando se discute as principais teorias que tratam sobre políticas
públicas salienta-se que essa prática é característica de tais modelos defensores da ideia do
“Estado Mínimo” 3, onde “creditam ao mercado a capacidade de regulação do capital e do
trabalho e consideram as políticas públicas as principais responsáveis pela crise que perpassa
as sociedades.” (AZEVEDO, 2004, p.12), pois asseguram que não é papel do Estado ser
responsável pelo individuo, cabendo a ele mesmo sua própria sobrevivência e qualificação,
pelo fato de viverem numa sociedade capitalista que prima pela “livre concorrência” e
“infinitas oportunidades”, cabendo a este sujeito buscar por si mesmo formas para adquirir os
meios necessários ao seu aprimoramento, como acontece na economia. A autora ainda destaca
que, segundo esta corrente:

A intervenção estatal estaria afetando o equilíbrio da ordem, tanto no plano


econômico como no plano social e moral, na medida em que tende a
desrespeitar os princípios da liberdade e da individualidade, valores básicos
do ethos capitalista. (AZEVEDO, 2004, p.12)

Entretanto é importante lembrar, que esta analise refere-se às questões de mercado,


que permeiam toda a lógica neoliberal. No trato especifico das políticas em educação,
Azevedo, (2004), diz que, “o vírus neoliberalizante não a contagia na mesma proporção em
que atinge outras políticas sociais. A educação na condição de um dos setores pioneiros de
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intervenção estatal é uma das funções permitidas ao ‘Estado Guardião’” (AZEVEDO, 2004,
p.15).
A autora explica que apesar dos neoliberais aceitarem a legalidade da intervenção
estatal na educação, não pode ser isso exclusividade das entidades governamentais, sendo
necessário estabelecer uma parceria entre o público e o privado, para a promoção destes
investimentos em educação, incentivando a concorrência, destacando que os poderes públicos
devem transferir ou dividir a responsabilidade administrativa deste setor, incentivando a
competição que geraria um maior estimulo, melhorando a qualidade dos serviços e
aumentando o “leque” de opções para os cidadãos poderem fazer suas escolhas quanto a que
tipo de formação educacional desejaria ter.

As famílias teriam assim a chance de exercitar o direito de livre escolha do


tipo de educação desejada para os seus filhos. Ao mesmo tempo, minar-se-ia
o monopólio estatal existente na área, diminuindo-se o corpo burocrático, a
máquina administrativa e, consequentemente, os gastos públicos.
(AZEVEDO, 2004, p.15).

Para o neoliberalismo ao contrário de outras políticas, a educação seria o meio pelo


qual se reduziriam as desigualdades, já que a qualificação e aperfeiçoamento seriam as
ferramentas fundamentais para a regulação de uma sociedade competitiva, caracterizando ai
uma das grandes contradições deste pensamento, pois como se podem reduzir as
desigualdades por meio da educação, quando a qualidade da oferta da mesma está atrelada às
condições econômicas? E se a educação é o caminho para o crescimento econômico/social,
como pode existir tal desenvolvimento, numa sociedade desigual que não oferece aos seus
cidadãos as mesmas oportunidades?
Temos consciência que essa pretensa universalização da divisão da responsabilidade
com a iniciativa privada, na verdade tem como objetivo excluir grande parte da população,
pois, devido à sua histórica condição sócio/econômica deficitária, as pessoas de baixa renda
jamais poderiam por condição própria investir financeiramente numa formação educacional
de qualidade, pois vivem numa sociedade onde na prática as melhores oportunidades são
restritas aos “bem nascidos”, caracterizando uma verdadeira omissão do poder público ao
longo dos anos.
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Percebemos nesse tipo de discurso a grande preocupação com os gastos financeiros,


alegando uma onerosidade do Estado, que poderia utilizar estes recursos, em programas de
aceleração do crescimento econômico, investindo na produção de uma forma geral. É notório
que sempre quando se pensa em políticas públicas, pensa-se nos custos dos investimentos,
salvaguardando como já foi dito anteriormente os interesses de quem controla a riqueza, pois
investir em educação pública de qualidade, por exemplo, significaria levar informação e
conscientização e acima de tudo autonomia, para grande parte da população, que até então
permanece subordinada aos grupos majoritários que detém o poder. Com isso:

As carências de educação, saúde ou segurança são consideradas seja


diretamente como custos, na medida em que impedem, retardam ou tornam
mais onerosos os investimentos no desenvolvimento econômico, seja como
custos para a sociedade que, através do Estado, terá que investir recursos
para supri-las. E o Estado, submetido a essa mesma lógica, tenderá a atrofiar
a política social, subordinando-a, em qualquer circunstância, aos ditames da
política econômica. (SAVIANI, 2000, p.4)

Saviani, (2000), ao pensar os encaminhamentos que configuram as políticas sociais no


Brasil, pelo crivo da “relação custo beneficio”, afirma que os governantes desmerecem os
direitos sociais, que foram conquistados pelo povo brasileiro ao longo da sua história.
Obviamente o referencial construído, segue um parâmetro, baseado nos países
capitalistas desenvolvidos, não condizendo com a realidade sócio/econômica e cultural do
Brasil, que historicamente constituiu uma sociedade desigual, inviabilizando tais mecanismos
de equiparação, sendo necessária uma constante pressão por parte dos movimentos sociais nas
decisões políticas, que atualmente conseguiram de forma gradual, porém lenta, corrigir essas
distorções por meio de políticas de reparação. Podemos considerar inclusive que a proposta
curricular que o Governo do Estado da Bahia instituiu em 2009, é fruto de tensões sociais que
exigiram ações mais claras quanto ao trato das políticas socais e consequentemente no trato
das políticas educacionais. Entretanto Saviani, (2000), alerta o fato de a sociedade estar atenta
para que essas conquistas, não se configurem em paliativos, que são aplicados no intuito de
amenizar os efeitos antissociais da economia. (SAVIANI, 2000, p.3)
Em trabalho apresentado na V Jornada do HISTEDBR4 de 2005, as pesquisadoras
CHILANTE e NOMA, (2005), da Universidade Estadual de Maringá, fizeram um breve
levantamento histórico das Políticas Públicas de Educação de Jovens e Adultos no Brasil, até
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o período pós/promulgação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) em 1996; concluindo que até
2004, a educação voltada para esse seguimento, apesar dos vários programas desenvolvidos,
nas diversas políticas instituídas, conservou ao logo dos anos um caráter reducionista e
assistencialista contrariando as promessas reparatórias, destacadas na LDB.

Sobre a funcionalidade da EJA, concluímos que essa modalidade da


educação, contrariando as promessas de reparação, equalização e
qualificação, permanece restrita a uma ação supletiva do Estado que a ela
não destinou recursos financeiros suficientes e, além disso, transferiu para a
sociedade civil parte da tarefa de escolarização dos jovens e dos adultos. Tal
fato contribui para criar a ilusão de que está havendo a democratização do
poder público, e bem como permite ao governo desobrigar-se da imediata
universalização da educação básica em todas as suas etapas. (CHILANTE e
NOMA, 2005, p.20)

Por tanto estas ações acabam por dirimir a responsabilidade do Estado, que não
assumiu o papel a ele conferido, não aplicando devidamente os recursos financeiros, em
infraestrutura, material didático adequado, cursos de formação continuada para os professores,
etc.; mascarando o ensino da EJA e transferindo em parte essa responsabilidade para a
sociedade civil, por meio de programas assistencialistas que enfatizam os mecanismos de
manobras políticas, com o pretexto de estar democratizando a educação, passando a
responsabilidade para a iniciativa privada, contrariando até então o art. 208 da Constituição de
1988 que estabeleceu o ensino fundamental obrigatório estendendo a gratuidade àqueles que
não tiveram acesso em idade própria. A respeito disso as autoras concluem.
A função reparadora da EJA e a sua promessa de inclusão social via escola
baseia-se num reducionismo, pois a escolarização, na atual fase do
desenvolvimento capitalista, tem sido utilizada para justificar a seletividade
num mercado do trabalho onde não há lugar para todos. O termo equidade,
utilizado com frequência nos documentos nacionais e internacionais sobre
educação, deve ser entendido como o equilíbrio entre o mérito e a
recompensa, e pudemos perceber um sutil deslocamento do conceito de
igualdade para o de equidade. Pelos princípios neoliberais justifica-se a
existência das desigualdades como fruto das escolhas individuais do
cidadão-cliente, ou ainda, como necessárias para o bom funcionamento do
mercado. A ideia da equidade tem servido para que o Estado burguês
promova a aparente conciliação dos interesses da classe trabalhadora sem
prejudicar os interesses do capital e para a manutenção da coesão social.
(CHILANTE e NOMA, 2005, p.20)
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Esta política além de perpetuar, uma condição de dominação irá trazer como
consequência a provável imobilidade social das categorias menos favorecidas, pois, estes
nunca terão acesso às praticas pedagógicas adequadas, pelo fato de não poderem pagar por
uma educação de qualidade ou por conta do Estado não oportunizar esse tipo de educação.
Esses fatores implicarão na impossibilidade desses indivíduos pensarem criticamente e ao
mesmo tempo, terem uma qualificação que os permitam ingressar no mercado de trabalho e
serem bem sucedidos.
Quanto à função qualificadora, apontada como o próprio sentido da EJA e a
promessa de mudança situacional do indivíduo, ressalta-se que no
capitalismo mundializado o desemprego torna-se uma das maiores
dificuldades para a classe que vive do seu trabalho. Nesse processo a
educação é chamada a cumprir o seu papel histórico de formação do homem
para a sociedade, colocando-se como redentora. Na prática, porém, o
discurso de inclusão social via escola revela-se na exclusão social via
mercado, pois a exclusão deixa de ser percebida como condição do modo de
produção capitalista para tornar-se fruto das características individuais
daqueles que não conseguiram seu lugar na competitiva sociedade capitalista
que se manifesta no mercado de trabalho. (CHILANTE e NOMA, 2005,
p.20)

Partindo destes pressupostos, é necessário esclarecer que a realidade fomentada na


proposta curricular analisada, tem como meta importante: estabelecer mudanças para além do
discurso político, criando critérios para uma reparação, além do assistencialismo; apesar de
acreditarmos ser algo complexo, quando aplicado no contexto da sala de aula e que irá
envolver muitas outras questões para além do discurso. Passaremos então a discorrer sobre a
estrutura desta proposta curricular, onde apresentaremos os principais tópicos deste
documento e algumas considerações, que irão ser refletidas para o entendimento da mesma.

A PROPOSTA CURRICULAR

Em 2009 a SEC-BA, através da Superintendência de Desenvolvimento da Educação


Básica, (SUDEB); Diretoria de Educação Básica, (DEB) e a Coordenação de Educação de
Jovens e Adultos, (CEJA), propuseram reformas na proposta curricular do Estado, que
segundo expresso no documento, foi amplamente debatido, pelos setores interessados e sendo
posteriormente revisado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), materializando-se em
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seu texto final como um:

“[...] fruto da escuta dos principais sujeitos da EJA: educandos(as),


educadores, gestores e coordenadores pedagógicos das Diretorias Regionais
de Educação - DIREC, bem como representantes dos diversos segmentos
que dão forma ao Fórum Estadual de EJA, quais sejam: Universidades
(Universidade do Estado da Bahia - UNEB e Universidade Federal da Bahia
- UFBA), Movimentos Sociais (Movimento de Educação de Base – MOVA),
Sistema S (Serviço Social da Indústria – SESI), Organização Não
governamental (Centro de Estudos e Assessoria Pedagógica – CEAP),
Gestão Pública (Secretaria de Educação do Estado - SEC/BA e Secretaria
Municipal de Educação e Cultura – SMEC/SSA) Fóruns Regionais de EJA.”
(BAHIA, 2009, p. 9)

As propostas que comportam as orientações para a reestruturação da Educação de


Jovens e Adultos na Rede Estadual de Ensino no Estado da Bahia, procurou ouvir, como
exposto anteriormente, os principais setores envolvidos, oportunizando debates, seminários,
fóruns, palestras, dentre outras ações; onde se buscou um consenso na adequação das práticas
pedagógicas, bem como do sistema de avaliação, à realidade sócio/econômica dos estudantes
da EJA e suas necessidades peculiares. Nesse sentido, o governo da Bahia, seguindo as
orientações dos acordos e compromissos internacionais assinados pelo Estado brasileiro, os
planos, programas e decretos, dentre outros documentos oficiais e prescrições da sociedade
civil organizada, referente às questões pertinentes à EJA; possibilitou a formulação de ações
que propõe reparações para as camadas sociais historicamente discriminadas.
Configura-se assim uma política educacional fundamentada com bases filosóficas
construtivistas, orientando-se pelo modelo de Educação Popular5, tendo como principal
concepção “uma visão de mundo que termina por indicar um determinado perfil do sujeito
para quem se pensa o currículo” (BAHIA, 2009, p. 11).
Essas medidas, no que tange à sua construção textual, indicam para um
direcionamento contrário, das políticas neoliberais anteriormente analisadas. As sociedades
segundo Barcelos, (2010), estão em constante processo de transformação, e tais processos
geram demandas que influenciam os setores integrantes da sociedade, isso valendo também
para o sistema educacional (BARCELOS, 2010, p.23). Decorrentes destes anseios populares é
que surgem as exigências por mudanças, culminando numa intervenção mais efetiva, no trado
das políticas públicas educacionais, motivando o Governo do Estado, a assumir sua
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responsabilidade, pela oferta do ensino público de qualidade, adequando-o ao perfil do


segmento EJA e consequentemente suprindo suas demandas de aprendizado e qualificação.
Para tanto no tópico que trata sobre as garantias dos direitos dos jovens e adultos, o
documento expressa esta responsabilidade, uma das exigências já destacada pela LDB de
1996, que afirma ser dever do Estado assumir e garantir a Educação Básica às pessoas jovens
e adultas que não puderam estudar no tempo adequado.

A proposta pedagógica da EJA está pautada pelo dever do Estado de garantir


a Educação Básica às pessoas jovens e adultas, na especificidade do seu
tempo humano, ou seja, considerando as experiências e formas de vida
próprias à juventude e à vida adulta. A Educação de Jovens e Adultos deve
ser compreendida enquanto processo de formação humana plena que,
embora instalado no contexto escolar, deverá levar em conta as formas de
vida, trabalho e sobrevivência dos jovens e adultos que se colocam como
principais destinatários dessa modalidade de educação. (BAHIA, 2009, p.
11)

Barcelos, (2009), entretanto alerta que tais políticas, apesar de propagarem a


valorização do individuo, considerando suas experiências e formas de vida própria, correm o
risco de permanecerem, amarradas ao sistema tornando-se contraditórias, pois se estabelecem
a partir de parâmetros previamente determinados, decorrentes de paradigmas que
especificamente irão procurar enquadrar os sujeitos aos padrões ditados pela lógica social
existente, pois:

[...] quando se trata da Educação de Jovens e Adultos, é, por exemplo, a


dicotomia historicamente estabelecida no que se refere à formação para o
mercado de trabalho e à formação de caráter mais geral que é inerente ao
processo educativo escolar. (BARCELOS, 2010, p.25)

Essa tendência é fruto de uma visão tecnicista, resquício da época do regime militar,
que ainda repercute de uma maneira ou de outra numa visão que se deve ter da formação de
jovens e adultos. Visão esta que envolve as leis de mercado que exigem mão de obra,
especializada e barata, limitando a qualificação aquém do esperado, não propiciando o
desenvolvimento profissional desses grupos, colocando-os sempre na posição de pessoas que
necessitam de uma política assistencialista. Buscando uma reflexão sobre isso e apontando
caminhos, o autor conclui que:
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[...] a ênfase nessa ou em qualquer outra modalidade de ensino não pode ser
exclusivista, mas, sim, precisa pautar-se pela busca de uma formação aberta
à diversidade, contemplando, dessa forma, as diferentes dimensões e
possibilidades do humano. Tais como a afetividade, o conhecimento geral
sobre os processos culturais, o acesso aos bens e valores sociais e ecológicos
do mundo em que vive. Enfim, educação para ser educação precisa estar
envolvida com o desejo de instituição de pessoas que não só busquem um
posto de trabalho, mas que estejam buscando a realização de seus desejos e
mesmo de seus sonhos. (BARCELOS, 2010, p.26)

Porém o que categoricamente vem sendo afirmado nesta proposta curricular, é que, os
compromissos do Estado serão o de assumir um novo fazer coletivo, o qual se instituirá a
partir do diálogo com os próprios jovens e adultos, e com os educadores e educadoras da EJA;
contribuindo com a democratização e o efetivo desenvolvimento do processo educacional.
Esse posicionamento do Governo Estadual nos remete ao que já foi discutido, quando
abordamos a chamada universalização, ou democratização da educação, que segundo este
documento, não pretende diminuir ou transferir as responsabilidades delegadas ao Estado para
a iniciativa privada ou para os movimentos sociais; mas buscar o apoio desses setores na
busca de soluções para resolver as discrepâncias estabelecidas no ensino/aprendizado da EJA,
cuja orientação terá como ponto de partida os seguintes questionamentos:

[...] quem são os seus sujeitos? A que e a quem a EJA se destina? Que
significado esta modalidade assume em uma sociedade que se pretende
globalizada e pós-moderna? E ainda, quais as verdadeiras possibilidades
educacionais que são oferecidas aos educandos jovens e adultos na socie-
dade da informação? (BAHIA, 2009, p. 11)

A resposta para estas questões perpassa pela analise da gradativa degradação do ensino
público, decorrentes de políticas que por décadas vigoraram em nosso país, cuja lógica era a
de criar dois grupos distintos na sociedade: os que mandam e os que obedecem;
desenvolvendo assim dois modelos distintos de formação educacional: a privada e a pública.
Contudo, criou-se um grande problema, que foi a evasão escolar, seja pelo fato do aluno de
escola pública se desestimular, pelas péssimas condições de ensino e estrutura física e
pedagógica das instituições, gerando o aumento na repetência, seja pela necessidade de ter de
trabalhar mais cedo para ajudar nas despesas de sua família; alimentando o ciclo vicioso e
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determinista que desencadeou uma problemática quanto à defasagem escolar dos brasileiros
no quesito série/idade, aumentando o ingresso do número de jovens na EJA. Sendo necessária
também uma reformulação, não somente deste curso, como também na Educação
Fundamental e Média.
Atualmente, é pacífico afirmar que, do público que efetivamente frequenta
os programas e cursos da EJA, é cada vez mais reduzido o número de
sujeitos que não tiveram passagens anteriores pela escola; e o crescimento da
demanda indica, em número cada vez mais crescente, a presença de
adolescentes e jovens recém-saídos da Educação Fundamental, onde tiveram
passagens acidentadas.
O constante crescimento da EJA, portanto, tenciona o compromisso do
Estado com o direito à Educação Básica das crianças e adolescentes. Faz-se
necessário, então, reconhecer e afirmar que esta política tomará rumos mais
acertados no trabalho em parceria com a Educação Fundamental e Média do
nosso Estado. (BAHIA, 2009, p. 12)

Para encerrar, a proposta estabelece que o Estado tenha o compromisso de honrar o


que foi estabelecido nesta política de educação, considerando o que chama de imprescindível.
Assim destaca pontualmente cada um desses compromissos, que assegurarão o direito à
Educação Básica para os sujeitos jovens e adultos. Esses compromissos são enunciados em sete
pontos que apesar de serem relativamente extensos merecem ser aqui exposto para melhor
esclarecimento.
1. Inserir a EJA no campo de Direitos Coletivos e de Responsabilidade
Pública.
2. Assumir a Política de EJA na atual política do Estado, definida no
documento Princípios e Eixos de Educação na Bahia.
3. Assegurar a EJA como oferta de educação pública de direitos para jovens
e adultos, com características e modalidades adequadas às suas experiências
de vida e de trabalho, garantindo as condições de acesso e permanência na
EJA, como direito humano pleno que se efetiva ao longo da vida.
4. Fazer a opção político-pedagógico pela Educação Popular, pela Teoria
Psicogenética que explica a construção do conhecimento, e pela Teoria
Progressista / Freireana (à luz da visão do ser humano integral e inacabado).
5. Adotar os seguintes Eixos Temáticos: a identidade, o trabalho, a cultura, a
diversidade, a cidadania, as diversas redes de mobilização social e a
Pedagogia da Libertação.
6. Garantir o princípio básico de que todo ser humano tem direito à formação
na especificidade de seu tempo humano, assegurando-lhe outros direitos que
favoreçam a permanência e a continuidade dos estudos.
7. Respeitar e implementar os princípios pedagógicos tão caros à Educação
Popular e, consequentemente, à EJA, quais sejam: o fazer junto, a
dialogicidade e o reconhecimento dos saberes dos educandos. (BAHIA,
2009, p. 14)
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Como foi previamente dito na introdução deste artigo, são diversas as possibilidades
para uma analise deste documento, restando ainda, como pudemos observar nos
compromissos do Governo, imensas lacunas a serem analisadas. No momento apenas se
discutiu o tema na perspectiva das políticas públicas em educação, buscando relacionar esta
proposta lançada em 2009, pela Secretaria Estadual de Educação do Estado da Bahia, no
contexto das políticas neoliberais que orientam ainda de certa forma as políticas sociais no
Brasil. Num outro momento, outras abordagens, poderão ser discutidas, após elaboração do
projeto, como por exemplo: Princípios teórico/metodológico da EJA; perfil e formação do
educador de EJA; estrutura curricular; orientações para o acompanhamento da aprendizagem;
avaliação, dentre outros.

CONCLUSÃO

Penso ser a educação ainda um dos melhores caminhos no sentido de corrigir as


distorções sociais, não que a educação por si só possa resolver todos os problemas, mas por se
constituir num poderoso instrumento para a construção de determinados valores éticos e
virtudes que possibilitem outra visão de mundo, outro trato com as diferenças de todas as
formas, enfim, outra convivência social nutrida de respeito e igualdade. Para esse fim, as
políticas públicas voltadas para Educação de Jovens e Adultos devem ser implementadas
contribuindo para a construção desse processo.
Considero que as iniciativas adotadas em 2009, pelo Governo do Estado da Bahia, são
reflexos de promessas de campanha eleitoral estabelecidas no contexto das mudanças
políticas, para mostrar a sociedade civil, que a nova gestão, assumiu posturas muito diferentes
da gestão anterior, marcada pela inércia em evitar esforços para corrigir as profundas
desigualdades sociais que a Bahia sempre teve, e que as estatísticas dos próprios órgãos
governamentais mostravam explicitamente como preocupantes. Daí a implantação de medidas
que dessem respostas imediatas à problemática educacional herdada, tentando demonstrar o
rompimento com o que detectamos como políticas neoliberais, que permearam e ainda
permeia o cenário político brasileiro e consequentemente o baiano.
Assim sendo, percebo que a “sensibilidade” dos órgãos públicos no Estado, sobre as
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questões relacionadas às políticas públicas em educação, voltadas neste caso para a EJA, não
aconteceram de forma aleatória. Juntamente com a pressão exercida pelos órgãos
internacionais, que sempre recomendaram a necessidade de novas propostas políticas, houve
todo um interesse dos órgãos públicos em travar esses debates também para corresponder
principalmente às críticas feitas pelos movimentos sociais, que exigem uma política de
reparação, viabilizando uma educação de qualidade para aqueles que tiveram o percurso
interrompido, para além do mero assistencialismo.
Portanto, concluo que é necessário o cumprimento do que foi estabelecido na proposta
curricular da EJA, mantendo sempre o diálogo com todos os setores envolvidos, para que o
processo de transformação social, através da educação, ocorra por meio de experiências
pragmáticas que apenas ações sociais politicamente engajadas conseguem alcançar. E que
essas visões de mundo e de concretude da realidade social e de suas emergentes necessidades,
possam sempre ser levadas em consideração, pois na maioria das vezes os administradores
públicos por si só não conseguem vislumbrar.
No entanto, se estas ações não estiveram realmente articuladas com as comunidades
locais, com as particularidades educativas e culturais da população da cidade e se não levar
em consideração as experiências educativas da educação não formal obtidas pelas próprias
necessidades dos estudantes da EJA, não conseguirá garantir essa escola tão almejada e que a
todo o momento é exaltada nos documentos e discursos oficiais.

REFERÊNCIAS

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Associados, 2004, v. 1. 97 p.

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15

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CHILANTE, E. F. N. & NOMA, A. K. Políticas públicas de educação de jovens e adultos


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SAVIANI, D. Da nova LDB ao novo plano nacional de educação: por uma outra política
educacional. Campinas: Autores Associados, 2000.
16

1
Licenciado em História pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL). Especialista em Política do
Planejamento Pedagógico Currículo, Didática e Avaliação pela Universidade Estadual da Bahia (UNEB). Pós-
graduando em História da Bahia, pela Faculdade São Bento da Bahia. Professor da Educação Básica pela
Secretaria da Educação do Estado da Bahia. jackr1@hotmail.com.
2
Esta denominação refere-se à Proposta Curricular com base em aprendizagens, por assim chamados Tempos
Formativos, que consistem em Eixos Temáticos e Temas Geradores. Estes últimos organizam (e organizam-se) as
diferentes áreas do conhecimento, de acordo com a dinâmica expressa no modelo curricular.
3
O Estado mínimo é um termo derivado das consequências do pensamento oriundo da Revolução Francesa e
Revolução Americana, que prega o liberalismo. A burguesia consegue após essas revoluções alcançar esse
patamar e fazer com que o Estado interferisse minimamente. O Estado de intervenção mínima cuidava apenas da
segurança interna e externa. Vários problemas começaram a surgir em razão desse Estado, principalmente após a
Revolução Industrial, que a burguesia passa a deter além do poder econômico, os meios de produção. Só então,
começam os primeiros rumores, de que o Estado deveria também interferir no social.
4
Grupo de Estudos e Pesquisas: História Sociedade e Educação no Brasil.
5
A Educação Popular é uma educação comprometida e participativa orientada pela perspectiva de realização de
todos os direitos do povo. Não é uma educação fria e imposta, pois baseia-se no saber da comunidade e incentiva
o diálogo.

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