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JANELA QUEBRADA
Este livro é uma obra de ficção. Os personagens e os diálogos foram criados a partir da
imaginação das autoras e não são baseados em histórias reais.
É proibido o armazenamento indevido e/ou reprodução de qualquer parte desta obra, através de
qualquer meio (tangíveis e intangíveis), sem o consentimento por escrito e registrado da autora.
A violação de direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº 9.610/98 e prevê punição pelo
artigo 184 do código penal brasileiro.
Diana
Quando acordei e olhei para o relógio, dei um pulo da cama que fez
Luís Otávio saltar, assustado.
— Tá maluca, mulher? Que susto!
— Tô muitíssimo atrasada pro meu plantão, Luís. Dá um tempo —
respondi já correndo para o banheiro.
Joguei uma água no rosto, escovei os dentes de qualquer jeito, vesti
a primeira coisa que vi pela frente e voei para o hospital, que naquela
manhã pareceu estranhamente agitado.
— O que está havendo aqui? — indaguei a uma colega, cujo nome
eu nem lembrava. Ela se trocava ao meu lado, no vestiário.
— Não sei. As pessoas decidiram se quebrar mais cedo hoje...
O hospital era um centro de trauma. Por isso, os horários de pico
eram sempre do final da tarde até a madrugada, em resumo, os horários em
que os bêbados dirigiam, os machões brigavam e os bandidos trocavam
tiros com a polícia. Durante a manhã e à tarde, eram mais comuns os casos
de idosos que caíam dentro de casa, crianças que se machucavam no
colégio e os bons e velhos acidentes de moto, meus favoritos.
Na emergência, fui recebida pelo olhar fuzilante do Dr. Jales, chefe
dos residentes.
— Chegou cedo para o plantão da noite, Dra. Diana. — bradou com
sua voz grave.
— Desculpe, Dr. Jales, eu perdi a ho...
— Suas desculpas não me interessam, não tenho tempo a perder.
Tem duas ambulâncias chegando, você fica com uma e o Dr. Gabriel com a
outra. Ele já está esperando lá fora. Vá até lá e peça mais informações, já
repassei tudo a ele e não vou perder tempo repetindo.
— Não precisa, senhor...
— E da próxima vez que decidir perder a hora, tenha pelo menos a
decência de informar. Nosso trabalho é salvar vidas, doutora. Não podemos
nos dar ao luxo de ter problemas pessoais.
— Sim, doutor.
O que mais eu poderia dizer? Ele estava coberto de razão. Nada
poderia justificar o meu atraso.
Corri em direção à área de desembarque das ambulâncias, onde
encontrei Gabriel.
— Merda, me atrasei pra caralho, e o Jales quase comeu o meu
fígado.
— Imagino. Ele estava uma fera. Mas o que houve, noite agitada?
— Intensa, eu diria — respondi sem encará-lo, deixando escapar um
sorriso fechado ao lembrar da minha travessura da noite anterior.
— Eita, transou! — deduziu de olhos arregalados.
— Tá tão na cara assim?
— Não. Eu só chutei... e pelo visto acertei em cheio, né?
— É, acertou, mas chega dessa conversa...
— "Chega", nada. Quero saber... anda, fala, quem é a gata?
— Ninguém... — tentei desconversar, mas ele se colocou na minha
frente. — Ok, depois te falo — cedi com um sorriso. — Perdi alguma coisa
interessante aqui?
— Facada na cabeça.
— Não brinca! E não perfurou o crânio?
— Não. Ficou alojada no lado esquerdo. Não foi enfiada, foi
arremessada.
— Bizarro. Quem pegou?
— Marina.
— Porra, que desperdício — bufei.
— Nem me fale.
— E o que tá chegando aí?
— Pra você, mulher de quarenta anos, tentativa de suicídio. Cortou
os pulsos.
— Saco! Custava ela ter tentado se matar enfiando uma faca na
cabeça? Isso nem é caso de cirurgia. Que merda!
— Ai, Diana, mesmo que eu conviva com você pro resto da vida,
ainda não vai ser tempo suficiente pra me acostumar com essa tua
dependência por bizarrice.
— Quer pegar esse caso? Eu espero o próximo. — Meu tom foi
sarcástico.
— Não. Tá louca? O meu é um acidente de moto com fratura
exposta do fêmur — falou orgulhoso.
— Olha só a tua cara de desejo — sorri ao encará-lo — E ainda me
julga. Você é tão viciado em bizarrice quanto eu, Gabriel. A diferença é que
eu assumo.
Gabriel riu também. Ele era um dos poucos com quem eu interagia
ali. O único que eu considerava amigo, dentro daquele hospital... E fora
dele também.
— Olha ali, dra. Hannibal Lecter, tua ambulância tá chegando.
— Vou lá. — Suspirei frustrada. — Deseje-me sorte.
— Sim, boa sorte. Espero que ela tenha perdido quase todo o sangue
e tenha tido pelo menos umas duas paradas cardíacas.
— E sobrevivido? Não, eu não seria tão afortunada.
Gabriel se afastou um pouco, e eu corri em direção à ambulância.
Quando cheguei à porta, um dos socorristas já a abria, ao mesmo tempo em
que outros dois desciam a maca. O primeiro falou:
— Mulher de quarenta anos, Ingrid Álvares, tentativa de suicídio.
Incisão nos pulsos com lâmina de barbear. Está em choque hipovolêmico,
deve ter perdido cerca de um litro e meio de sangue.
Chequei o monitor ao lado da cabeça da paciente, que estava
desacordada.
— Bradicardia. 58... E caindo. PA 60 por 40. Temos que ser rápidos
ou vamos perdê-la. Ela precisa de uma transfusão, urgente.
Olhei para os pulsos e vi que haviam feito um torniquete desajeitado
com pedaços de pano.
— Quem prestou os primeiros socorros? — perguntei.
— Aquela moça ali. — Um dos socorristas me respondeu.
Virei na direção em que ele apontou e entrei em choque quando me
dei conta de quem era. Precisei piscar várias vezes para conseguir assimilar,
pois não podia acreditar no que estava vendo.
A vizinha... Minha parceira de travessuras da noite passada. O que
está fazendo aqui e qual a relação dela com essa mulher?
— Doutora... Doutora...
A voz do socorrista me tirou do transe. Voltei o foco para a paciente,
depois eu entenderia aquilo.
— Há quanto tempo está inconsciente?
— Já a encontramos assim. A moça que estava com ela falou que
estava sob efeito de antidepressivos.
— Que ótimo! — ironizei. — Caso ela sobreviva, vamos precisar de
uma avaliação psiquiátrica.
Enquanto empurrávamos a maca pelos corredores do hospital, a
garota nos seguia. Resolvi abordá-la, quanto mais informações tivéssemos,
mais eficaz e rápido seria o socorro.
— Sabe o tipo sanguíneo dela?
— "O" positivo.
Quase que ao mesmo tempo, Jéssica, uma das internas, apareceu
correndo ao meu lado.
— Posso ajudar, doutora Diana?
— Pode. Preciso de quatro bolsas de "O" positivo, plasma e fator 7.
A garota acenou afirmativamente e saiu correndo.
O monitor ao lado da paciente começou a emitir um som agudo e
contínuo, indicando que ela estava tendo uma parada cardíaca.
Bom, pelo menos o atendimento não vai ser tão tedioso quanto
pensei.
— Parada cardíaca — anunciei e rapidamente subi na maca,
montando sobre a mulher para começar a reanimação. — Pra a sala de
ressuscitação, rápido.
A garota nos seguia, passou a correr quando nos apressamos.
Mesmo em meio a toda aquela agitação, eu a olhava de soslaio de vez em
quando. Ela coçava a nuca nervosamente, mas não tinha qualquer emoção
no olhar. Aparentemente não se importava muito com aquela mulher.
— Você é o que dela? — indaguei, buscando impostar a voz para
que me ouvisse em meio a todo aquele barulho, mas ela não me respondeu.
Ficou pensativa. Insisti: — Você é parente dela?
— Não.
— Conhece alguém da família?
— Sim, conheço a mãe dela.
— Ok, preciso que avise a ela. Pode fazer isso pra mim?
— Posso, claro...
— Então, por favor, faça isso. E aguarde na sala de espera. Logo
daremos notícias.
— Ela vai sobreviver?
— Faremos o possível.
E foi quando finalmente entramos na sala de ressuscitação. Ela ficou
do lado de fora, me encarando com aquele olhar enigmático que me deixava
louca. A porta parecia se fechar em câmera lenta. Enquanto isso, eu a
observava, até que ela sumiu do meu campo de visão.
Quem é essa garota?
Pergunta para a qual eu cobraria resposta naquele dia mesmo, assim
que estabilizasse a minha paciente.
Bárbara
***
***
Diana
Barbara
Diana
Bárbara
Eu tinha uns doze anos de idade quando fui acusada de algo que não
fiz e descobri minha fúria interna. Meu meio irmão teve a audácia de dizer
que eu havia batido nele quando minha mãe e meu padrasto estavam fora.
Ele ainda mostrou um machucado no braço.
— Isso é mentira, mãe! — disse, em vão, ela não só deixou aquele
maldito do Ramalho me bater como fiquei de castigo por uma semana
servindo a todos e sem poder sair de casa.
Eu odiava o meu irmão. Meu pai se mandou quando minha mãe
estava grávida de mim. Eu a ouvia xingá-lo quase sempre.
— Ele foi só o desgraçado que me engravidou, nunca o amei. —
disse, durante uma discussão com meu padrasto, aquele outro maldito.
Ramalho era um escroto, e minha mãe não tinha um pingo de amor
próprio. Quando ele bateu nela pela primeira vez, eu fui para cima dele e
desmaiei. Não me lembro de nada depois disso, apenas apaguei. Acordei na
minha cama um tempo depois, totalmente desorientada. Lembro de ter
sonhado várias coisas confusas, havia cavalos e girafas. Então pode ter sido
delírio.
— Filha? — minha mãe chamou ao entrar no quarto. — Tá melhor?
— O que aconteceu, mãe? — tentei tocar em seu rosto machucado,
mas ela se esquivou.
— Tô bem, filha! Você me defendeu do Ramalho, bateu nele. Não
faça mais isso, ele é grande e pode machucar você. — disse, de forma
carinhosa, coisa que quase nunca era.
Eu não me lembrava de nada daquilo, por isso não acreditei muito
no que ela dizia, mas o desgraçado entrou no quarto com o pescoço
enfaixado. Eis o motivo do carinho da minha mãe comigo: medo de que eu
denunciasse aquele miserável.
Diana
Bárbara
Diana
Não sei dizer o que foi mais inusitado, o fato de encontrar meu tio
machucado ou aquela troca de olhares estranha dele com a vizinha. Fiquei
confusa e tive vontade de perguntar, mas não havia tempo para me
preocupar com aquilo. Ele estava machucado, o ferimento da bala estava
sangrando e eu precisava examiná-lo.
— Tio, como foi isso? Como você caiu? — perguntei, ao me
aproximar, já tocando a gaze suja de sangue.
— Eu... eu... — gaguejou e olhou ao redor, confuso. Luís Otávio
entrou na cozinha bem na hora, e ele concluiu: — Eu me assustei com o seu
gato, ele pulou na cama, eu estava dormindo, então... — falou e deu de
ombros.
Eu não estava muito convencida daquela desculpa, mas no final das
contas, até que não era algo improvável de acontecer.
Luís chegou perto, acariciou a minha perna com a cabeça e corpo, e
me encarou.
— Humana, preciso de uma massagem na cabeça e estou com fome.
Ah, e quem diabos é este homem? Como traz um completo estranho pra
dentro de casa, põe ele na minha cama e não se dá nem ao trabalho de me
avisar?
— Vem, vou servir seu jantar. Desculpe, esse é o Tio Augusto, ele
vai ficar conosco por um tempo.
— O quê? — gritou, irritado. — E a minha privacidade, onde fica?
Ele vai dormir no sofá, né?
— Não, ele está ferido, não vê? Vai ficar no meu quarto, precisa de
cuidados... — disse, sorrindo, agachada, enquanto despejava um sachê de
comida na tigela dele e fazia um carinho em seu queixo.
— Absurdo! Era só o que me faltava. — resmungou, mas logo se
calou para comer.
Meu tio assistia à cena de cenho franzido. Seu olhar era confuso,
abriu a boca para falar, mas não saiu nada. Eu sorri, e ele finalmente
perguntou:
— É impressão minha ou você estava conversando com o seu gato?
— Eu estava mesmo. — respondi, sorrindo. Ele coçou a cabeça, e
eu decidi explicar. — Relaxa, sua sobrinha não é esquizofrênica. É só uma
brincadeira que faço, falo com ele e invento as respostas. Culpa da solidão,
não me julgue. — concluí com as mãos levantadas.
Ele deu uma risada contida e se aproximou para me abraçar, retribuí
o carinho. Era muito bom tê-lo por perto.
— Verdade, tinha esquecido do quão imaginativa você é. Quando
era criança, montava cenários com os brinquedos e desenvolvia enredos
complexos para as bonecas. — falou, nostálgico e sorrimos juntos.
— É verdade, se eu não fosse médica, certamente teria me tornado
escritora.
— Sim, uma das boas.
Ele encurtou o abraço e meu rosto encostou no dele, que estava
ardendo.
— Tio, você tá com febre, deveria estar descansando. Vem deitar,
vou examinar esse ferimento, continua sangrando. — falei, já puxando sua
mão e andando em direção ao quarto.
— Não é nada demais, filha... — protestou, mas o interrompi antes
que continuasse.
— Não discuta com a sua médica. Venha.
— Sim, doutora!
Tio Augusto se deitou na cama, e eu fui me lavar para examiná-lo.
Voltei com o material que precisava para trocar o curativo e sentei ao lado
dele, que já estava sem camisa. Comecei a retirar a gaze encharcada de
sangue.
— Como está o acesso? Daqui a pouco tenho que aplicar a
medicação.
— Está intacto, não precisa trocar.
— Você precisa se comportar... olha só isso, se não cuidar pode
infeccionar. — disse, apontando o ferimento inflamado.
— Eu vou, não se preocupe. Foi só o susto.
— Acho bom! Eu peguei a sua carteira e os seus óculos. As roupas
não serviam mais, camisa rasgada e ensanguentada, calças sujas. Mas
trouxe roupas limpas... uniformes lá do hospital, claro. Estou virando uma
exímia traficante. — falei, brincando e sorri. — Precisamos arranjar umas
roupas pra você.
— Não precisa se preocupar com isso, filha. Eu dou um jeito.
— Que jeito você vai dar? Deixa comigo, amanhã eu tô de folga,
posso ir até o lugar onde você está hospedado para buscar suas coisas ou
então compro algo...
— Filha, não quero você se expondo por aí.
— Me expondo? Como assim, tio? — indaguei, confusa.
— Diana, só me ouça. Não é seguro, você precisa se cuidar.
Não entendi nada daquela conversa, aliás, não estava entendendo
nada de nada, desde que ele aparecera com aquele ferimento.
— Tio, o que está havendo? — questionei, impaciente. — O que
você está me escondendo? Primeiro aparece ferido, coincidentemente... ou
não, no hospital onde eu trabalho. Depois me pede para te ajudar a fugir de
lá e não explica nada. Sabia que o Gabriel foi advertido por causa do seu
sumiço? Então eu cheguei em casa e você estava machucado e sangrando, e
agora mais uma vez esse papo estranho de perigo. Acho que eu mereço uma
explicação, você está me assustando.
— Meu amor, apenas confie em mim, ok? As minhas coisas estão
num lugar seguro, não precisa ir buscar. Tenho gente que pode me ajudar.
Foi inevitável sorrir de forma sarcástica.
— Que palhaçada é essa, tio? Parece conversa de mafioso, você está
se ouvido?
— Acredite, o vilão não sou eu.
— Então me conta essa história direito.
— É mais seguro que você fique alheia aos fatos, mas é
imprescindível que siga as minhas instruções.
— Não sou mais criança, não tem que me esconder nada. Eu sei me
cuidar. Não sei o que veio fazer aqui e que mistério perigoso é esse que não
pode me revelar, mas não vou seguir instrução nenhuma sem saber do que
se trata.
— Diana, por favor...
— "Diana" nada, não vou aceitar isso nunca. O que tá acontecendo?
Anda, tio, fala! Quem tentou te matar e o que isso tem a ver comigo? Não
diga que estava passando aqui perto e resolveu dar um oi, porque isso não
aconteceria sem um propósito.
Terminei o curativo e fui preparar a medicação intravenosa para
aplicar, mas fiz tudo perto dele, encarando-o de forma incisiva para deixar
claro que eu não permitiria que se esquivasse daquele assunto. Mesmo
assim ele ficou calado.
— Tudo bem, eu tenho a noite toda. Só vou te deixar em paz quando
me explicar essa história. — falei, enquanto conectava o tubo da medicação
ao acesso intravenoso no braço dele, que permaneceu em silêncio absoluto.
Tirei as luvas e joguei sobre a mesinha ao lado. Sentei na beirada da
cama, cruzei os braços e voltei a encará-lo, até que finalmente ele se deu
por vencido.
— Tudo bem, mas não vou entrar em detalhes. E não insista, é para
o seu próprio bem. Mas tem que me prometer que depois de ouvir, vai fazer
exatamente o que eu disser.
— Eu não estou certa disso...
— Então sem história.
— Ah, tá bom! — bufei, irritada por ter que ceder. — Prometo, mas
fala logo. Tô ficando muito assustada.
— E é pra ficar mesmo. Diana, o que você vai ouvir agora é algo
muito sério e com certeza vai te chocar.
— Eu sou cirurgiã do trauma, poucas coisas têm o poder de me
chocar...
— Foi o seu pai quem mandou me matar. — falou, interrompendo-
me de forma brusca.
— Quê?
Ele tinha razão, aquela informação me chocou. Eu sabia que o velho
Afrânio era um filho da puta, arrogante, agressor de mulheres, mas
assassino eu não imaginava. Ainda mais do próprio irmão. Fiquei
boquiaberta, o coração foi a mil, comecei a suar e a tremer, mesma sensação
que tomava conta de mim quando o via espancar a minha mãe. Tentei falar,
mas não saiu nada. Ele então continuou:
— Diana, seu pai está envolvido com muita coisa errada, você não
tem a menor noção e é melhor que continue sem ter. Enfim... eu comecei a
desconfiar disso há alguns anos e passei a investigá-lo. Contratei um
profissional para me ajudar e descobri coisas que até o diabo acharia
absurdo.
— Que cois... que tipo... do que você tá falan... — gaguejei nervosa,
parecia que eu tinha perdido a capacidade cognitiva. Estava em choque.
Tentei respirar fundo. Levei as mãos aos cabelos e os apertei forte entre os
dedos.
Ele se esforçou para se sentar, pegou outro travesseiro e apoiou nas
costas.
— Calma, amor! Respira. — pediu, segurando a minha mão.
Tentei fazer o que me disse, puxei o ar, mas a respiração saiu
entrecortada.
— Que absurdo é esse, tio? — perguntei, finalmente.
— Bom, o fato é que ele descobriu que eu o estava investigando e
passou a me perseguir. Vai lançar candidatura ao senado este ano e não vai
medir esforços para eliminar qualquer obstáculo que apareça em sua frente.
Nesse caso, o obstáculo sou eu e o dossiê completo que tenho, contendo
todas as informações sobre as sujeiras dele.
— Meu Deus! Eu não acredito nisso, ele é seu irmão. — Minha voz
saiu trêmula.
— Sim, e era o marido de sua mãe. Lembra como ele a tratava? E só
pra você saber, todos os seus passos são monitorados desde que saiu de
casa.
— O quê? Não, você só pode estar brincando. Isso é impossível. —
falei, nervosa e levantei, comecei a andar de um lado para o outro no
quarto, com as mãos na cabeça.
— Não é, acredite. Diana, eu vim aqui pra te orientar a sumir, sair
do país, ir para o mais longe que puder dele, pois eu não tenho dúvidas de
que ele é capaz de qualquer coisa para manter o nome intacto.
— Sim, mas o que eu fiz que pode ameaçá-lo.
— Nada, filha! Mas nunca se sabe... Ele é louco. Pode querer te
forçar a voltar pra casa e posar de boa filha ao lado dele... são muitas
possibilidades, e eu não confio nos métodos que ele possa vir a utilizar. Por
isso você precisa sumir das vistas dele, vá para o mais longe que puder.
Mude de nome, se for preciso. Eu te ajudo com isso, te dou dinheiro e...
— Não, tio! — gritei. — Isso é loucura, eu não vou a lugar nenhum.
Não sou bandida, não vou fugir. Eu tenho uma vida aqui, uma carreira que
estou trilhando, não vou largar tudo por causa de suposições.
— Diana, agora ele sabe que estou aqui com você. Entenda, filha, eu
temo pela sua segurança.
— Então não tivesse vindo me procurar, me deixasse viver na minha
humilde ignorância. — retruquei, nervosa, com lágrimas nos olhos.
— Sim, você tem razão. Agora eu me arrependo de ter vindo, mas
quando vim ainda não sabia que ele te vigiava.
— E como descobriu?
— Eu já falei demais, não posso dizer mais nada. — respondeu,
ofegando nervosamente, começava a transpirar.
— E eu suponho que você quer que eu mude toda a minha vida por
causa dessas informações aleatórias e incompletas que você jogou em cima
de mim ardendo em febre?
— Filha, confia em mim, por favor!
— Então confie em mim também e me conte tudo o que sabe.
— Não posso, meu amor, é muito perigoso.
— Não, isso é surreal demais... não, não, não...
— Diana, eu não brincaria com uma coisa tão séria. Eu preciso que
me ouça e me obedeça.
— Você não é meu pai e eu não tenho mais dez anos de idade.
— É, eu não sou o seu pai. — disse, melancólico, ofegava e suava
muito. — Mas você está agindo, sim, como uma criança de dez anos. Não
seja inconsequente.
Ele começou a respirar mais pesado e a tremer. Toquei seu rosto,
que já estava encharcado e senti a febre alta, provavelmente mais de 39
graus. Ele estava convulsionando. Retomei a minha sanidade e agi
rapidamente para socorrê-lo, virando seu corpo de lado para que não
engasgasse com a saliva. Segurei forte, os braços, até que o tremor
passasse, e quando cessou, apliquei dipirona e fiz compressa de água fria.
Ele ficou sonolento, ainda tentou retomar o assunto, mas o impedi.
Fiz com que descansasse. Fiquei monitorando um tempo e verifiquei a
temperatura. Só relaxei quando ficou abaixo de 38 graus.
Ele dormiu e fui para a cozinha preparar algo para que comesse, mas
só tinha enlatados e comida congelada. Já passava das nove da noite, minha
cabeça dava voltas e voltas, só queria descansar, mas ele precisava se
alimentar e não poderia comer nada daquilo.
Saí para ir ao mercado, o mesmo onde cruzei com a vizinha na noite
anterior. Era perto, eu precisava de ar, então fui a pé mesmo. Mas no
caminho lembrei do que ele falou e fiquei com medo, devia ter ido de carro.
Abracei meu próprio corpo e comecei a olhar para todos os lados, assustada
com a possibilidade de estar sendo seguida.
— Não, não posso entrar na dele. Estava com febre alta. Com
certeza, aquilo tudo era delírio. — Tentei me convencer.
Mesmo assim continuei o caminho amedrontada. Em determinado
momento, olhei para trás e tive a impressão de ver alguém se escondendo
em um beco.
— Deixa de paranoia, Diana! — falei, baixinho, para que pudesse
ouvir a minha própria voz.
Respirei fundo e segui. Caminhei mais alguns metros e ouvi passos
firmes, alguém se aproximava. Senti um medo surreal, virei por instinto e
foi tudo muito rápido. Não cheguei a ver direito o rosto da pessoa, mas vi
que era um homem grande, usando uma jaqueta de couro preta. Ele cobriu o
meu rosto com um capuz e me virou de costas, prendendo os meus braços.
Comecei a gritar, tentei reagir, mas ele tinha muita força e não teve
dificuldade nenhuma em me dominar e me levar para um beco escuro.
— Socorro, alguém me ajuda! — gritei, em desespero.
— Cala a boca! Nós vamos dar uma voltinha, querida. — avisou e
me empurrou na direção de algum lugar. Era impossível saber, eu estava
muito nervosa.
— Não me mata, por favor! — supliquei em lágrimas.
O desespero estava me consumindo, meu tio não estava delirando.
— Não se preocupe, gatinha. Querem você bem viva!
— Socorro! — gritei de novo, o mais alto que pude e me debati com
toda a força que tinha quando chegamos perto de um carro.
Senti uma espécie de abraçadeira prendendo um dos meus pulsos e
puxei forte o outro braço, impedindo-o de apertá-la.
Ouvi uma pancada seca e fui jogada para o chão. Tentei tirar o capuz
e me levantar, mas tive que me livrar das abraçadeiras antes. Enquanto
tentava, ouvi mais pancadas e os gemidos abafados do meu perseguidor.
Quando finalmente consegui me levantar, tirei o capuz e vi o
homem caído no chão. Olhei ao redor e tive a impressão de ver a silhueta de
uma mulher saindo do beco, mas ignorei. Mesmo apavorada, chequei e não
senti pulso no perseguidor, estava morto.
Alguém havia me salvado dele, mas quem? Eu só queria sumir dali,
estava em pânico. Então corri o mais rápido que pude e voltei para casa.
8 – Nós
Bárbara
Diana
Bati a porta com tanta força que, em seguida, escutei o vizinho abrir
a dele. Com certeza, a pancada deve tê-lo assustado, mas pouco estava me
importando. Assustada mesmo quem estava era eu... transtornada, na
verdade. Não tinha ideia do que fazer, pensei em chamar a polícia, mas
depois de tudo que ouvi do meu tio achei que não seria uma boa ideia.
Com as costas ainda coladas na porta, eu ofegava, transpirava,
tremia, o coração dava saltos violentos, e a garganta estava seca. Cheguei a
pensar que fosse sufocar. Corri para a cozinha e tomei quase meio litro de
água de uma vez só. Bebi direto da garrafa.
Fui até o quarto, e tio Augusto dormia pesado. Tive o ímpeto de
acordá-lo, mas lembrei de seu estado, e embora eu tivesse urgência em
contar o que havia me acontecido e tirar satisfações, minha consciência de
médica falou mais alto, então optei por deixá-lo descansar. De manhã,
conversaríamos.
Decidi tomar um banho na esperança de que a água quente fizesse
com que meus músculos tensionados relaxassem minimamente. Não
consegui relaxar de fato, mas ao menos consegui desabafar um pouco
aquela angústia que estava me consumindo.
Chorei. Minhas lágrimas desciam tão furiosas quanto a água do
chuveiro e se misturavam a ela. Abracei meu corpo na tentativa de acalmar
os espasmos nervosos que me faziam convulsionar.
Meu Deus, o que está acontecendo? Será possível que essa loucura
seja real? Meus dias de paz foram falsos?
Eu ouvia as palavras do meu tio martelando os meus tímpanos.
Minha vontade naquele instante era de seguir as orientações dele e correr
para o mais longe que pudesse dali. Sumir do mapa, mas eu tinha a minha
carreira e sabia que não dava para agir por impulso.
Eu estava tonta, nauseada, não podia acreditar que por pior que o
meu pai fosse, ele tivesse a capacidade de atentar contra a vida do próprio
irmão e mandar sequestrar a filha.
Mas o que ele quer comigo? O que eu fiz para ofendê-lo? Por que
simplesmente não me esquece e me deixa viver a minha vida?
Outra coisa que não conseguia entender:
Quem me salvou daquele homem e por quê?
Eu não sabia se pensar nisso me deixava aliviada ou mais assustada
ainda. Seja lá quem tenha sido, o atingiu com uma precisão de quem sabia
exatamente o que estava fazendo, pois foram poucas pancadas para que ele
morresse.
Saí do banho ainda trêmula, mas com os nervos um pouco mais
controlados. Pus um roupão, sequei os cabelos de qualquer jeito com uma
toalha e caminhei pela casa. Andei pelos cômodos, assustada. Chequei a
porta, as janelas... tudo aparentemente normal.
A porta da varanda estava aberta, caminhei até lá com o intuito de
fechá-la, mas acabei vendo a vizinha sentada na varanda dela. Ela estava
muito concentrada, segurando um lápis e rabiscando algo em um caderno,
só notei porque a luz estava acessa. Ainda bem abalada com o que
aconteceu, resolvi ficar ali observando-a.
No breve instante em que a admirei, minhas preocupações se
dissiparam, como em um passe de mágica.
Impressionante!
O poder que ela exercia sobre mim era imenso, e eu sequer sabia
nada sobre aquela deusa. Mas havia uma espécie de energia que fazia a
atmosfera toda mudar quando eu a via.
Eu precisava de mais daquilo, precisava de algo que me tirasse
daquele breu de ignorância sobre toda aquela situação bizarra, ou então nem
dormiria. Pus o medo de lado e caminhei até o parapeito para olhá-la
diretamente.
Minha tensão ainda estava lá. Como se eu fosse um gato, cada
barulho ativava os meus instintos de defesa, fazendo-me olhar na direção do
som. Mas o meu foco era ela, linda demais, o olhar fixado em sua tarefa.
Passei a imaginar o cheiro dela, o sabor daqueles lábios e a textura
da pele. Ela me olhou, e eu me senti flagrada, como uma criança travessa.
Suspirei profundamente para manter o controle. Ela sustentou o olhar no
meu, mas não consegui tirar nada daqueles olhos. A mulher era
indecifrável, mas eu a queria mesmo assim e deixei isso claro ao apoiar o
queixo nas mãos e encará-la de forma ainda mais intensa.
Funcionou, ela reagiu se endireitando na cadeira e analisando meu
corpo, coberto apenas pelo roupão, com indisfarçável interesse. A despeito
do meu estado de nervos, aquela abordagem íntima me fez sorrir. Mas me
arrependi no mesmo instante, pois minha ação pareceu repeli-la, já que
imediatamente se retirou.
Qual o mistério dessa garota?
Não fiquei esperando como das outras vezes. No momento em que
ela saiu, meu medo voltou e entrei rápido. Chequei novamente todas as
janelas, fui até o quarto, e tio Augusto continuava dormindo. Peguei
travesseiros e lençóis e arrumei o sofá da sala. A noite seria longa.
Luís Otávio apareceu, não brinquei de falar com ele. Meu senso de
humor estava adormecido. Fiz apenas um pouco de carinho e o alimentei.
Antes de apagar a luz da cozinha, observei o suporte de facas sobre
o balcão.
— O seguro morreu de velho!
Peguei uma pequena. Não precisava de nada grande, pois qualquer
mínima lâmina nas mãos de uma cirurgiã pode ser letal.
Deitei no sofá com a faca empunhada. Esperei o sono chegar, mas
como previa isso não aconteceu. Minha cabeça já não desligava
normalmente, e naquela noite isso pareceu uma missão impossível. Devo
ter apagado por meia hora.
Levantei junto com o sol e me vesti. Tentei comer qualquer coisa,
mas meu estômago estava embrulhado. Tomei apenas um café preto, forte,
sem açúcar. Precisava ficar alerta.
No quarto, meu tio ainda dormia profundamente. Olhei para a mesa
de cabeceira e vi a carteira dele, que eu havia trazido do hospital, na noite
anterior. Não resisti, mexi nela.
Nada demais, apenas cartões, algumas notas de dinheiro,
documentos, mas em um compartimento oculto, achei um cartão magnético
com o logotipo da pousada mais famosa da cidade. Provavelmente a chave
do quarto onde ele estava hospedado. Nem pensei duas vezes, peguei e fui
até lá. Tomaria as rédeas da minha vida e começaria por ali. Medo nunca
resolveu nada, só me atrapalhou.
O quarto estava arrumado, ele provavelmente não havia passado
nenhuma noite lá. A mala ainda estava fechada, travada com uma senha.
Olhei ao redor, em uma mesa de canto vi um celular. Peguei tudo e saí sem
mexer em nada, queria sair rápido dali. Com certeza, aquele quarto estava
sendo vigiado.
Dei uma volta pela cidade na intenção de despistar algum
perseguidor, e depois de um tempo estacionei na garagem do meu prédio.
Antes de subir, peguei o celular, mas estava bloqueado por senha. Mesmo
assim, dava para ver as notificações na tela e havia mais de dez ligações de
um tal de Joel Toledo. Anotei o nome e o número no meu celular, em
seguida, subi, levando tudo o que havia pegado.
Fui direto para o quarto e me assustei ao me deparar com ele
absolutamente vazio.
— Tio? — chamei sem obter qualquer resposta.
A porta do banheiro estava aberta, não havia ninguém. Andei pelo
resto do apartamento e nada.
— Ah, meu Deus! Será que o pegaram?
A ideia me fez transpirar e tremer de medo. Corri para o quarto para
pegar alguns pertences e sair correndo dali, mas quando abri o armário,
encontrei uma valise preta com um bilhete em cima, era do meu tio.
Bárbara
Diana
Bárbara
Diana
Depois da morte da minha mãe, o meu asco pelo meu pai apenas
aumentou. Nada me tirava da cabeça que a forma desumana com a qual ele
a tratou durante todos aqueles anos foi o fator determinante para que ela
desistisse de lutar pela própria vida.
Até hoje eu penso que ela deve ter achado a doença providencial,
pois foi a maneira mais prática de se livrar daquele desgraçado.
Eu tinha quinze anos na época, ainda estava na escola, mas decidi
que me tornaria independente do meu pai. Não queria nem o nome, nem o
dinheiro e muito menos a convivência com ele. A tarefa não foi fácil e
levou anos até que eu conseguisse finalmente me livrar.
Aos dezoito, concluí o ensino médio e prestei vestibular para
medicina em várias faculdades. Por ele, eu só teria feito para uma, a que ele
próprio havia se formado. Era uma universidade excelente, renomada, mas
imensamente cara, e eu não aceitaria que ele pagasse.
Minha mãe havia me deixado uma pequena fortuna de herança,
dinheiro que ela herdara dos meus avós, mas que nunca precisou usar por
ter se casado com um homem rico.
Com essa grana eu poderia pagar a faculdade, mas ainda teria que
viver as custas dele, e isso estava fora de cogitação. Então passei com
excelente nota na universidade federal e saí de casa. Fui morar em uma
república, usei o dinheiro da minha mãe para me manter durante todo o
período do curso.
O miserável quase teve um colapso. Não que sentisse minha falta ou
estivesse preocupado com o meu bem-estar. Ele só achava inadmissível que
soubessem que a filha do poderoso Afrânio Sobreira vivesse em condições
como aquelas.
Tivemos brigas homéricas por causa disso, até que finalmente ele
desistiu de insistir e me deixou em paz. De lá para cá, tive pouquíssimo
contato com ele.
Logo que me formei e concluí o meu internato, me inscrevi no
programa de residência do Adalberto Bonfim e fui chamada. Então me
mudei para Vila dos Lírios.
Foi tudo muito rápido, até me assustei com a facilidade com a qual
entrei no programa, pois ele é um dos mais concorridos do país. Não que eu
não seja boa, eu sou. Mesmo para alguém tão dedicado quanto eu, não é
fácil.
Parecia que tudo estava destinado a acontecer, porque as coisas
simplesmente deram certo, até o meu apartamento. Por ser uma cidade
universitária, é praticamente impossível encontrar um lugar bom para se
morar, mas eu não tive qualquer dificuldade. O dono do lugar praticamente
implorou para que eu o alugasse. Era perfeito, amplo e bem perto do
hospital, mas era caro demais, e eu não tinha planos de dividir aluguel com
ninguém. Sempre gostei de solidão e já estava saturada de viver em
repúblicas. Decidi então procurar outro lugar, mas o dono insistiu:
— Minha filha, eu fui com a sua cara e gostei de saber que quer
morar só. Esses estudantes são uns baderneiros, sabe? Os últimos que
moraram aqui deixaram uma porcaria quando foram embora. Então prefiro
te dar um desconto a alugar para outro grupo de vândalos.
Meus olhos brilharam e não pensei duas vezes. Fechei o negócio e
me mudei logo em seguida. Ele tinha razão, eu era a inquilina dos sonhos
de qualquer senhoril. Passava mais tempo no hospital do que em casa,
nunca recebia ninguém, não fazia barulho. Às vezes nem parecia que tinha
alguém morando ali.
Eu sequer conhecia os meus vizinhos, prova disso é que só me dei
conta da existência da Bárbara há pouco tempo. Eulália e Ingrid só conheci
no hospital, e se não fosse a Bárbara, nem teria descoberto que moravam no
prédio em frente. Eram duas completas estranhas para mim. Não lembro de
tê-las visto nunca pelas redondezas.
Bárbara
Diana
Bárbara
Diana
Qual o nível máximo de cara de pau que uma pessoa pode atingir?
Eu me perguntava isso incansavelmente enquanto coletava o sangue
daquela moça, tentando encontrar qualquer nexo no comportamento da
maluca da Bárbara.
Depois que as duas foram embora, encontrei Gabriel no refeitório.
Eu nem tinha tempo de comer, o hospital estava muito agitado, mas se eu
não pusesse aquilo para fora iria explodir. Contei tudo a ele, que ficou
indignado.
— Que garota tosca, Biel! — disse, irritada.
— Di, na boa, cara! No início, até entendi a tua empolgação. Aquele
lance de trocar olhares pela janela, os amassos calientes no banheiro do
supermercado e tal... Beleza! Quem não teria ficado louco? Mas você devia
ter dado um basta nisso assim que viu a maluca entrando no hospital com a
mulher suicida. Agora, pra completar, ela aparece com uma terceira mulher.
Que porra, velho! Quem é cafajeste assim?
— É, eu sei. Sou uma completa idiota. Eu até tento resistir, sabe?
Mas quando vejo, já tô caindo na dela de novo. Não sei que poder é esse
que essa doida tem sobre mim.
— É um poder que você deixou que ela exercesse.
— Sim, mas eu não sei como retomar o controle.
— Ué, só retoma, cara! Ela não já tá em outra com essa tal guria do
DNA? Arruma outra mulher também, pô! Aliás, nem precisa arrumar, né?
A Jéssica é a maior gata e não para de te dar mole. Chama ela pra sair hoje
à noite.
— Ah, não, Biel! Não tô no clima...
— Não tá com ela, né? Mas aposto que se a Bárbara aparecesse,
você toparia até um ménage com ela e a outra novinha.
— Nunca! — retruquei, furiosa, e a minha voz saiu mais alta do que
eu calculei.
Eu não sabia qual a relação da Bárbara com aquela garota, mas só
de cogitar a possibilidade de as duas estarem juntas meu sangue fervia de
ciúme.
— Ei, calma! Tá todo mundo olhando pra cá.
Olhei ao redor e vi que as outras pessoas no refeitório olhavam
mesmo em nossa direção e cochichavam. Tratei de me recompor. Em um
tom mais brando, perguntei a Gabriel:
— Você acha que a garota do DNA é mais uma amante dela?
— Coleguinhas de escola é que não são, né, Di?
Engoli em seco aquela certeza do Gabriel. Não queria assumir, mas
ele tinha razão. Que outra relação as duas poderiam ter?
— Eu sou uma idiota. Imbecil!
— Ainda está em tempo de deixar de ser, cara. Larga mão dessa
guria.
— É, você tem razão.
Levantei daquela mesa decidida a não olhar mais na cara da
Bárbara, mas sabia que aquilo não seria tão simples. Decidi seguir o
conselho do Gabriel e chamar Jéssica para sair. Poderia até não funcionar,
mas mal também não faria. Dei uma volta pelos corredores e a encontrei
instantes depois, entrando na sala de suprimentos. Entrei em seguida e vi
que estávamos apenas nós duas lá.
— Diana? — perguntou, surpresa ao me ver.
— Oi! — cumprimentei, sorrindo.
— O... oi!
Eu realmente a desconsertava, ela sempre gaguejava quando falava
comigo. Confesso que achava aquilo até meio fofo, sei lá. Alimentava o
meu ego. Cheguei perto e pus uma mecha de seu cabelo ruivo atrás da
orelha.
— E então, você tem compromisso pra hoje, depois do plantão? —
perguntei e a vi sorrir.
— Sim... digo... não. — Ela se confundiu inteira, estava nervosa.
Precisou limpar a garganta e respirar fundo para continuar. — Não, eu estou
livre depois do plantão.
Sorri. Ela tinha a pele tão branca quanto a minha, mas as maçãs de
seu rosto estavam vermelhas, como se realmente fossem duas maçãs.
— Me acompanha numas cervejas então? — convidei.
— Sério? Quer dizer... claro, claro... te espero no estacionamento?
— Sim, te encontro lá.
— Combinado então.
Eu não estava muito à vontade em sair com ela, mas precisava
apelar para qualquer alternativa, se queria realmente tirar a Bárbara da
minha cabeça. Estava tão decidida sobre aquilo que antes de sair da sala,
enfiei uma das mãos nos cabelos acobreados de Jéssica e a puxei para um
beijo.
O susto dela foi nítido, mas em poucos instantes já estava
completamente à vontade nos meus braços. Até que beijava bem, tinha a
boca pequena, a língua macia... era muito cheirosa também, mas tinha um
defeito: não era a Bárbara.
Percebi que ela começou a se empolgar e interrompi o beijo. Ela me
olhou de olhos semicerrados, as pupilas dilatadas, estava ofegante,
claramente excitada. Quanto a mim, tudo que consegui foi comparar.
Cara, eu preciso sair dessa, urgente.
— Nossa! Isso foi inesperado. — falou, ofegando.
Eu me limitei apenas a dizer:
— Até mais tarde.
Depois me virei e saí, deixando-a lá.
Voltei ao trabalho. Acabei me atrasando para encontrar Jéssica, pois
precisei fazer uma esplenectomia em uma mulher que fora espancada pelo
marido. Aquele tipo de paciente sempre mexia comigo, eu só conseguia
lembrar das barbáries que minha mãe sofrera nas mãos do demônio do meu
pai.
Ela não chegou a perder o baço, como a minha paciente, mas me
lembro de uma noite em que ele entrou em casa furioso, xingando-a, em
uma de suas crises doentias de ciúme:
— Sua vagabunda dos infernos. Não pense que vai se livrar de mim
por causa disso. Antes de vocês ficarem juntos, eu mato os dois. — gritou,
enquanto a estapeava.
Naquela noite, eu não aguentei e fui para cima dele.
— Papai, não faz isso. Você tá machucando ela, tá saindo sangue,
olha! — gritei me referindo ao canto da boca dela, que já estava cortado
devido às pancadas.
— Vá para o seu quarto, Diana. Não se meta em conversa de adulto.
— Mas você não tá conversando, tá batendo nela. — berrei, em
lágrimas.
— Afrânio, por favor, na frente dela não! — Minha mãe implorava,
em vão.
— Cala a boca, sua vadia. Ou vai sobrar pra ela também.
— Não. — Ela gritou, tirando forças não sei de onde para se
levantar e enfrentá-lo. — Se encostar um dedo na minha filha eu te
denuncio, seu miserável.
A fúria dele foi agravada por aquele tom desafiador, e sem falar
mais nada, o desgraçado deu um soco na boca dela, fazendo-a cair na hora,
em prantos. Ele a olhou no chão e antes de sair de novo falou:
— Quero ver como vai me denunciar com a boca inchada assim.
Experimenta! — rosnou, em tom irônico e se foi.
Corri para socorrê-la. Eu tremia, chorava.
Além dos hematomas, ela havia perdido um dente. Tentava falar e
não conseguia, pois engasgava com o choro e o sangue. Eu estava muito
nervosa e chorava muito também, mesmo assim consegui ligar para o meu
tio, e como sempre, foi socorrê-la.
Uma lágrima escorreu pelo meu rosto na sala de cirurgia, enquanto
operava aquela pobre coitada, que com certeza passava pelos mesmos
abusos que a minha mãe.
Tentei limpar a mente e voltar a me concentrar no que estava
fazendo, pois aquelas lembranças sempre me faziam muito mal.
Uma coisa levou à outra e acabei me lembrando da recente visita do
tio Augusto. Meu corpo arrepiou inteiro quando me lembrei daquele
homem horrendo me atacando. Eu evitava pensar naquilo, havia
programado o meu cérebro para ignorar aquele acontecimento, pois me
recusava a acreditar que o meu pai, por pior que fosse, tivesse sido capaz de
mandar alguém me sequestrar ou matar o próprio irmão.
Outra coisa que havia me deixado cismada, mas que eu também
optei por ignorar, foi sobre quem havia me salvado, matando o bandido. Eu
sei que o correto era ter procurado a polícia, mas estava com muito medo de
tudo o que meu tio falara.
Aliás, ainda estou, mas depois que ele foi embora, tudo,
misteriosamente, ficou muito tranquilo. De todo modo, eu não queria me
envolver em um caso de polícia, pois eu tinha uma carreira a zelar. Não
poderia jamais ter o meu nome envolvido em um assassinato, por mais que
eu não fosse culpada.
Enfim, eu não sabia se aquela quietude deveria me acalmar ou me
deixar mais nervosa, mas o fato é que com todo aquele lance com a Bárbara
acontecendo, eu meio que havia deixado isso de lado. E naquele instante
voltei a me preocupar.
Finalmente a cirurgia acabou. Tomei um banho rápido, vesti minhas
roupas e fui encontrar Jéssica no estacionamento.
— Oi, desculpe o atraso. A cirurgia demorou mais do que o
esperado. — expliquei.
— Tudo bem, eu entendo.
— Vamos?
— Sim, vamos.
Entramos no bar, que estava lotado. Era sempre assim depois dos
plantões, a maioria dos residentes e dos internos iam até lá para aliviar um
pouco o estresse do dia. Havia o povo dos bancos também. Uns
comemoravam aniversário, outros eram apenas estudantes da Universidade
de Vila dos Lírios. A cidade meio que se encontrava ali naquele horário,
pois era um dos melhores bares. Como era previsto, não conseguimos uma
mesa e ficamos no balcão mesmo. Pedi duas cervejas e brindamos ao beber
o primeiro gole.
Jéssica falava e falava. Não que o assunto não fosse interessante, até
era, eu que não estava conseguindo me concentrar. Minhas respostas eram
monossilábicas, e mais ou menos na quarta cerveja percebi que ela estava
começando a ficar impaciente com aquilo. Eu já estava meio zonza, não
bebia com frequência, então me embriagava muito fácil. O lugar começou a
ficar muito quente, então convidei:
— Quer ir lá fora tomar um ar?
— Claro!
Quando coloquei o pé na calçada, avistei, do outro lado da rua, a
garota do exame de DNA. Meu sangue voltou a ferver. Ela corria apressada
na direção do hospital e deduzi que devia estar indo encontrar com a
Bárbara, que provavelmente estava lá, acompanhando a esposa dela.
Minha primeira vontade foi de segui-la. Até dei um passo na direção
dela, mas virei e vi Jéssica me olhando sem entender nada. Percebi então
que estava sendo ridícula e voltei a focar no meu objetivo de esquecer a
maluca. Só que não consegui controlar a raiva e me deixei ser dominada por
ela.
Como se Bárbara pudesse ver aquilo, agarrei a mão de Jéssica e a
levei para uma parte escura do estacionamento. Ela me seguiu meio
hesitante, mas não falou nada. Quando chegamos, eu a encostei em um dos
veículos estacionados e a beijei com força. Ela me correspondeu meio
tensa, mas aos poucos foi relaxando.
Eu estava de olhos fechados, sabia que não era Bárbara, mas era
como se fosse. Colei e rocei o meu corpo no dela, que gemeu, não sei se de
prazer ou de dor. Segurei seu rosto com as duas mãos e mordi seu lábio. Ela
abafou um grito. Desci as mãos pelo seu colo e apertei os seios por cima da
blusa. Desci mais e pus as mãos por baixo do tecido. Afastei o sutiã e
acariciei o mamilo, ela gemeu na minha boca...
— Jessica... — falei seu nome em um tom sussurrado.
— Quê? — Ela perguntou, me afastando.
— O que foi? — questionei, meio confusa, não sabia o que tinha
feito.
— Você me chamou de quê, Diana?
Não disse nada, até me dar conta da mancada que havia dado.
Pensei ter falado Jessica e saiu Bárbara.
Idiota!
— Quem é Bárbara? — perguntou, irritada.
— Ninguém... quer dizer...
— Ah, eu sou muito idiota mesmo! Isso estava bom demais pra ser
verdade. Não acredito, cara. Que escrota que você é! — xingou, ofendida e
foi saindo.
— Jéssica, espera...
— Me deixa em paz, Diana. Vai procurar outra pra bancar a imbecil.
Passei um tempo encostada naquele carro, me odiando.
— Merda, merda, merda... idiota, estúpida, desgraçada!
Fiquei ali até me acalmar um pouco e depois fui para casa
caminhando. Meu carro estava no estacionamento do hospital, mas eu
estava me sentindo muito zonza para dirigir.
Passei em frente ao mercado onde apenas algumas noites antes eu
havia feito amor com Bárbara pela primeira vez...
Amor... aquilo foi só sexo, Diana. Deixa de ser idiota!
Meneei a cabeça negativamente e segui em frente. A tensão tomou
conta de mim quando entrei na rua onde havia sido atacada. Pensei em
desviar por outro caminho, mas que diferença iria fazer? Além do mais,
naquela noite ela estava movimentada e não parecia perigosa.
Cheguei em frente ao meu prédio e olhei para a janela da Bárbara,
estava fechada. Recriminei-me mentalmente mais uma vez por não
conseguir deixar aquela história de lado.
Peguei as chaves para abrir o meu portão e quando girei a maçaneta,
ouvi uma voz masculina me chamar:
— Diana?
Reconheci a voz no ato, mas não quis acreditar. Me virei apenas
para ter certeza e quase desmaiei quando o vi.
— Pai?
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Bárbara
Diana
Bárbara
Confesso que ver a Diana naquele estado me fez sentir a pior pessoa
do mundo. Eu não podia deixá-la daquele jeito, estava nervosa, chorando
fácil, estressada e, com certeza, aquele tio dela saberia me dizer alguma
coisa.
Eu ainda tentei falar com ela depois de ser empurrada para fora
daquele quarto, mas não deu certo. Apareceu um médico e me pediu para
sair.
Saí, mas voltaria a abordá-la quando estivesse mais calma. Aquilo
não ficaria daquele jeito e eu precisava entregar o material do André.
Eu sentia uma pressão tentando fechar a minha garganta. Meus
olhos arderam, mas ignorei e fui ao quarto da Ingrid. Precisava saber que
história era aquela de que ela sairia dali naquele mesmo dia.
Cheguei ao quarto e vi um homem usando um jaleco branco, com
um estetoscópio no ouvido; ele se preparava para aplicar remédio nela, me
viu entrar e parou subitamente o que estava fazendo, guardou tudo e
começou a examiná-la.
Conheço esse cara de algum lugar! — pensei, forçando a memória.
Uma médica entrou, sorriu para o homem e o cumprimentou:
— Boa tarde, doutor Afrânio!
Ele acenou e me lançou um olhar de soslaio, cruzou os braços e
ficou observando enquanto a médica falava o estado de Ingrid.
— Infelizmente ela não teve progresso nenhum, sempre faz
escândalo quando acorda, tentou agredir a mãe. Precisamos contê-la não só
com medicamentos, mas com as amarras.
— Ela precisará ser encaminhada para uma clínica especializada.
Aqui não tem como mantê-la.
Ele falou e me olhou nos olhos, mantive o olhar no dele, e ele voltou
a olhar para a médica, que baixou o tom:
— Acho que ela vai precisar de um tratamento mais invasivo.
— Vamos cuidar de tudo, doutora Marina. Obrigado. — agradeceu e
saiu me ignorando.
Ele é o cara que esbarrou em mim na outra noite — reconheci pelo
cheiro. Eu estava certa, era a primeira vez que eu o via na cidade e não era
boa pessoa.
Passei um tempo ali, fui à emergência, onde Diana ficava, mas não a
vi. Resolvi ir falar com a Bruna. Ela estava voltando para a pousada.
— Oi... — cumprimentei e entrei junto com ela.
— Fui ligar pra minha mãe, mas não consegui... — avisou e abriu a
porta do quarto. — E aí, conseguiu alguma coisa?
— Sim, mais tarde eu falo com a Diana. — disse e sentei numa
cadeira perto da cama, fechei os olhos por uns segundos.
— O que houve?
— Nada, Bruna. Tua vida já tá só a merda pra eu te encher com as
minhas. Acho que o exame deve ficar pronto em uns dois dias e você vai
poder voltar pra sua mãe.
— Não sei como vou voltar pra minha mãe, Bárbara. Não sei o que
fazer pra me vingar daquele desgraçado que acabou com a vida dela. —
reclamou, nervosa.
Bruna não tinha a menor condição de sequer xingar o André. Ficou
falando e falando, e com isso me levando a pensar no que faria com o
desgraçado. Eu havia comprado aquela briga e iria até o fim.
— Bárbara? — chamou, com a cara assustada. — Você está bem?
— Ah, sim. Só me distraí. — expliquei e passei as mãos no rosto e
cabelos. — Eu vou nessa! Vou arrumar minhas coisas, vou precisar sair fora
da casa lá. — avisei e mencionei sair.
— Bárbara — eu me virei pra ela —, obrigada. Você nem me
conhece e me ajudou pra caramba. Se precisar de qualquer coisa, pode me
procurar.
— Valeu!
Saí de lá pensando na Diana. Já era noite, entrei na casa da Eulália,
achando que ela estava sozinha, mas o doutor Afrânio estava tomando um
café na poltrona dela.
— Bárbara, minha filha. Tudo bem?
— Oi, Eulália. Tudo bem, sim. Eu estou vindo do hospital. — disse,
ignorando a visita.
— Que bom que chegou, o doutor Afrânio precisa de uns
documentos que estão lá... — avisou, se levantando.
— Documentos?
— É, ele é médico da Ingrid. E vai...
— Se tornou médico dela quando? — perguntei, olhando para os
dois com olhar interrogativo.
Afrânio me fuzilou com os olhos.
— Ele é do Bonfim. Termina teu café, doutor. — sugeriu e serviu
mais bolo pra ele. — Daqui a pouco vamos lá.
Eu o encarei, desafiando, e ele sorriu para Eulália.
— Ela está com medo, Eulália. Ingrid tem muita sorte. A menina é
protetora, está preocupada.
— Ela salvou a vida dela, doutor.
— Sério? — perguntou e me encarou.
— Sim. — confirmei. — Com licença.
Saí enojada. Entrei no apartamento e peguei a única caixa com
papéis, coloquei na cama e a abri de novo. As imagens dali já estavam indo
para o Fred, então eu peguei tudo e coloquei dentro do colchão. Quando
estava devolvendo a caixa para o terceiro andar, tocaram a campainha.
Não faço a menor ideia do que se trata, mas se quer documentos,
deve ser aquilo.
Abri e falei ao velho para entrar. Eulália o seguiu contando coisas
sem importância. Eu apenas observei.
— Esse é o armário dela, se tiver algum documento é aqui... —
falou e ele começou a pegar pastas de lá. — Mas acho que os documentos
do médico estão nesta aqui. — avisou e abriu uma pasta cinza.
Eu notei que o doutor procurava algo no meio das besteiras da
Ingrid com muito entusiasmo.
— Achei, doutor! — Eulália disse sorrindo e entregou o objeto para
ele, que me olhou de soslaio.
— Você vai até a clínica? — Ele me perguntou, segurando a pasta.
— Não, Eulália é mãe, é melhor ela ir com a filha.
— Tudo bem. Obrigado, Eulália, ela vai passar pouco tempo lá,
garanto. Vocês vão poder visitá-la sempre que quiserem. Ela será muito
bem tratada e quando sair vai poder retomar a vida.
— Muito obrigada, Afrânio! O estado de São Paulo precisa de um
representante como você. — Ela se derreteu e me olhou sorrindo. — Nosso
futuro senador, Bárbara!
Eu dei um sorriso fechado, mais careta que sorriso.
Político é o segundo criminoso que mais odeio nesse mundo! E já
não fui com a cara desse idiota achando que era médico, agora então...
Os dois saíram e fiquei ali. Observei tudo da janela. O vi pegar o
celular e anotar algo enquanto Eulália falava.
Vinte minutos depois, ele entrou em um carro e foi embora.
— Bárbara! — Eulália, gritou. — Vem jantar, fiz sopa.
Fui até a varanda e respondi num tom que ela ouvisse, sem precisar
gritar.
— Vou tomar um banho, desço daqui a pouco.
Tomei banho e desci, tomei a sopa dela. Estava gostosa, mas eu
acrescentaria um pouco de tabasco. Vimos um episódio de Gray’s Anatomy.
— Eu vou com a Ingrid, tá? Doutor Afrânio está sendo um anjo. Vai
bancar o tratamento dela nessa clínica.
— Que bom, Eulália.
— Você está triste?
— Não, só cansada. Vou dormir um pouco.
— Tá bom. Eu acho que só chego de manhã, tá?
— Tudo bem. Pode ir tranquila, eu fico de olho em tudo. Tenho o
sono leve... — garanti, forçando um sorriso.
Esperei que ela se arrumasse. Ela esperaria Afrânio ali. Dei um
abraço nela e subi. Fiquei na varanda, desenhei por um tempo e resolvi
deitar um pouco.
Acordei com o barulho do portão do prédio da Diana. Esperei um
pouco e corri lá.
Repeti o trajeto que fiz quando o tio dela estava, só tive cuidado
para não ser vista, pois ainda estava cedo e naquele horário os moradores
estavam chegando do trabalho e da faculdade.
Porta da varanda aberta, como sempre, entrei num pulo silencioso e
a vi no sofá acariciando o Luís Otávio, que me olhou, fazendo-a me ver
também.
— O quê? — gritou, assustada, se levantando. — Co-como entrou
aqui?
— Calma, Diana! Eu preciso falar com você.
Ela ofegava, eu me mantive onde estava para não a assustar mais
ainda.
— Por favor, só me escuta.
Ela respirou fundo, notei que tremia, sentou tentando se recuperar
do susto. Luís estava se roçando nas minhas pernas.
— Diana... — chamei, quase num sussurro. — Por favor... não
posso simplesmente sumir como quer.
Olhos ardendo. Ela me olhou e semicerrou os olhos, me analisando.
— O que quer falar? Fala e vai embora... estou muito cansada e sem
paciência nenhuma para as suas mentiras.
Uma lágrima desceu por meu rosto. Eu a limpei rapidamente, na
intenção de não ser vista, mas ela estava com os olhos vidrados nos meus.
Eu não tenho medo de nada nem de ninguém, raramente algo me
deixou nervosa nessa vida. A Diana tem esse dom. Ela é capaz de me
desestabilizar e me deixar frágil, vulnerável. É o meu ponto fraco.
— Suas lágrimas não me comovem, Bárbara! — disse, e se
levantou. — Se pretende falar alguma coisa, fala logo. Eu preciso
descansar, tive um dia cheio... — falou, me ignorando. — Ah, achei que
você estivesse acompanhando a sua mulher, foi transferida, agora você está
livre dela.
— Ela não é minha mulher. — retruquei, com firmeza e chamei a
atenção dela. — Eu já disse isso. Fiquei com ela achando que era alguém
em quem eu podia confiar. Mas ela não era nada do que pensei. Quando eu
arrumei as minhas coisas para ir embora ela me ameaçou. Escondeu minhas
coisas, tocou o terror na minha vida.
O olhar dela ainda era de desconfiança, mas eu continuaria.
— Eu não contei nada antes porque a Ingrid é metida com gente
muito sinistra, e temo pela sua segurança...
— Eu sei me cuidar, não preciso da sua proteção. — pegou uma
garrafa de cerveja, tirou a tampa e jogou na pia, voltou ao sofá e me olhou.
— Eu sei... — fiquei quieta, não sabia o que falar mais que não
fosse pior.
Ela tomou um longo gole da bebida e depois de um suspiro,
perguntou:
— Se foi ameaçada por que não procurou a polícia?
— Não é tão simples, Diana. Ela é possessiva, agressiva. Me
mantinha presa, dizia que tinha contatos que me achariam se eu tencionasse
ir embora quando ia ao mercado.
Ela franziu o cenho e ficou me ouvindo.
— Eu tinha os minutos contados para voltar pra casa. Quando eu
atrasava segundos, ela gritava comigo, me xingava e às vezes até me batia.
Quebrou a janela da varanda com a minha cabeça porque atrasei...
Ela engoliu o resto de cerveja e colocou a garrafa no chão.
— Você faz ideia de como eu estou me sentindo com a possibilidade
de me livrar disso? Parece que estou prestes a receber a minha liberdade. —
Arrepiei inteira ao proferir aquela frase e senti-la se concretizando.
Limpei meu rosto de novo, não era de chorar, mas estava bem difícil
segurar.
— Eu vivia numa gaiola, muitas vezes eu ficava quieta, aceitando
aquilo... eu não tenho pra onde voltar, Diana. Eu achava que a minha vida
acabaria naquele inferno. Eu não tinha planos, esperança, nada. Até que te
vi, como um anjo no outro lado da rua. Não estou sendo piegas quando digo
isso, estou sendo grata. Porque foi depois que você surgiu nessa varanda
que eu comecei a ver que eu estava viva e que além daquelas paredes eu
poderia viver sem medo, ser importante pra alguém. Você me deu força pra
lutar, pra sair daquela zona de horror.
Eu senti minha perna doer, pois coloquei o peso do corpo nela.
— Senta! — Apontou uma cadeira ao meu lado, à frente dela.
Notei seus olhos molhados. Sentei, ainda nervosa.
— Essa tentativa de suicídio dela foi a gota d’água, não vou bancar
a falsa santa aqui e dizer que não me senti bem com isso, senti sim. Minha
mãe sofreu abuso, e eu disse que nunca aceitaria isso, mas quando a gente
está vivendo é bem mais difícil sair. Você não vai entender e nem precisa.
— Entendo, sim... sei o quão horrível é, acredite. — Ouvir aquilo
me fez soltar a respiração que estava presa.
A voz dela estava branda, eu suspirei sentindo que podia voltar a
respirar pois nenhuma catástrofe aconteceria se eu o fizesse.
— E a tal Bruna, é alguém que conheceu em algum mercado 24h?
— perguntou, se levantando e pegando a garrafa no chão.
Não pude deixar de sorrir. Eu estava cansada, massageei minha nuca
na intenção de expulsar o sono.
— Não, ela é uma amiga que está procurando o pai. História longa.
Estou ajudando. — Levantei-me também e coloquei as mãos nos bolsos. —
Eu tenho uma sororidade fora do normal, Diana. Não acho que mulheres
precisem ser rivais, já somos menosprezadas desde que nascemos.
Ela ficou me olhando.
— Li num livro uma vez uma mulher falando para uma moça deixar
de agir igual formiga, parar de se contentar com migalhas, e tal. Mas
tirando essa parte das migalhas, eu acho que precisamos sim, ser um pouco
formigas. As formigas fazem coisas absurdas juntas. Bruna está muito
desorientada, sozinha não faria coisa nenhuma. Não tenho nada com ela. Na
verdade, apesar de bonita, ela não me atrai em nada.
Dei dois passos na direção dela, que se contraiu. Toquei em seu
braço, ela não tentou se afastar, só senti seu corpo retesado.
— Só você me interessa! — sussurrei, já perto da boca dela e a
beijei suavemente.
Ela estava tremendo quando a abracei. O beijo que se seguiu foi
intenso. Segurei-a pela nuca sentindo sua língua na minha. Aquele gosto de
cerveja me fez querer despi-la ali mesmo, mas eu não podia avançar assim,
ela ainda estava reticente apesar de me beijar entregue como sempre. Senti
sua mão apertando minha cintura.
Desgrudamos as bocas e ela me olhou nos olhos.
— Fica comigo hoje, não foge, por favor.
Como recusar um pedido desses? Não quero saber como recusar, só
quero não acordar se isso for um sonho.
Ela me puxou pelo rosto e me beijou.
— Vou tomar um banho rápido, estou derretendo. Não vai embora,
por favor! — pediu, me beijou e foi para o quarto.
Respirei fundo. Aquele cansaço voltou, fechei os olhos por uns
segundos e fui à cozinha. Abri a geladeira e além daquela infinidade de
congelados só tinha ovo, queijo e peito de peru. Abri os armários e
encontrei temperos artificiais em pó.
— Come muito mal!
Peguei alguns ovos e preparei para fazer omelete. Ouvi o barulho da
porta se fechando.
Quando ela saiu do banheiro já sentiu o cheiro, pois já estava
assando.
— O que está fazendo? Que cheiro bom!
— O seu jantar! — Coloquei em um prato. — Sei que não comeu
nada.
— Você existe? — perguntou, já se sentando.
— Prova! — pedi e sentei à frente dela. — Eu vi que só quem come
bem nessa casa é o Luís Otávio.
Aquela sensação foi uma das melhores da minha vida, ver aquele
belo rosto dela de olhos fechados apreciando uma simples omelete que fiz,
era impagável.
— Perfeito! — elogiou, colocando outra garfada na boca.
Quando terminou de comer foi ao banheiro. Enquanto eu a esperava,
fechei a porta da varanda e as cortinas.
— Por que não bateu na porta como uma pessoa normal? — Ela
perguntou, me abraçando.
— Você me deixaria entrar?
— Talvez não! — disse, sorrindo. — Vem cá...
Ela me puxou devagar para o quarto e trocamos um beijo intenso.
— Gosto muito de você, Bárbara. Não mente pra mim, por favor. Eu
quero acreditar que você é o que eu acho que é.
Concordei com a cabeça. Fitei seus olhos por uns segundos e a
beijei de novo, demonstrando todo o desejo e paixão que eu sentia por ela.
Sem interromper o beijo, ela sentou na cama e me fez sentar em seu
colo, puxando as minhas pernas. Eu apenas me rendi. Ela deitou e me
posicionou sobre ela. O gosto de pasta de dente me fez estremecer. Esses
pequenos detalhes a faziam única. A forma como me beijava me dava
segurança, vontade de sair daquele mundo com ela.
Senti sua mão acariciar meu abdome por baixo da blusa enquanto
me beijava. Tocou meu seio, acariciando o mamilo, que acendeu
imediatamente em reação ao toque daquela mão quente e macia.
Eu a abracei com força, queria sentir seu corpo no meu. Ela
entendeu a mensagem, pois girou nossos corpos e deitou sobre mim. Parou
de me beijar e me olhou, sorriu e voltou a me beijar.
Não consegui decifrar o que pensou, mas seu beijo era a melhor
coisa do mundo, então, dane-se o que deixou de falar.
Ouvi um barulho na rua, mas nada me tiraria dali.
21 – Paixão
Diana
†
Na hora do almoço, encontrei Gabriel e contei a ele sobre a noite.
— Di, não acredito que você caiu na lábia dessa menina, cara! Não
vê que ela tá te usando? Além disso, ela é doida, você sabe disso. Já não
basta o maluco do teu tio e o psicopata do teu pai te pirando, ainda vai se
deixar envolver por essa garota tóxica? Se liga, pô! Essa Bárbara aí é
encrenca, tô te avisando.
— Biel, ela estava diferente. Conversou comigo, me explicou muita
coisa...
— Sei. Te enganou direitinho. Te prendeu com o sexo e agora pode
falar o que quiser que você vai acreditar.
— Não, me escuta. A tal da Ingrid é uma bandida. Mantinha ela
praticamente em cárcere privado, sem falar que a agredia. Eu sei como é
isso, Gabriel. É um verdadeiro inferno, é assustador. Não esqueça que eu vi
tudo o que a minha mãe sofreu.
— Tá, beleza, mas e a guria do DNA? Ela falou dela também ou te
enrolou de novo?
— Elas são só amigas. A menina tá tentando descobrir quem é o pai,
e ela tá ajudando.
— Ahan, e você acreditou nisso assim nessa calma toda?
— A menos que eu descubra algo, não tenho por que não acreditar
nela. Se quisesse só me usar pra conseguir os exames de DNA não
precisaria ir tão longe. Gabriel, ela olhou nos meus olhos. Não estava
mentindo, eu sei que não.
— Tá bom, Diana! Não vou ficar aqui insistindo à toa. Você é
adulta, sabe o que faz. Mas depois não diga que eu não avisei.
Gabriel realmente se importava muito comigo, e aquilo me
encantava e me dava certa sensação de familiaridade. Algumas vezes eu
imaginava que ele era meu irmão e isso supria um pouco da minha carência
familiar.
Falando em família, meu celular tocou enquanto conversávamos.
Era um número desconhecido, fiquei reticente em atender, mas na minha
profissão não se pode rejeitar chamadas. Atendi e ouvi a voz grave e
asquerosa do crápula do Afrânio.
— Filha, você precisa me dar uma chance de conversar com você.
— Já disse pra não me chamar de filha e também já falei que não
tenho nada pra falar com você. — disse, por entre os dentes, furiosa.
Aquela ligação tirou todo o meu bom humor.
— Não seja teimosa. O que tenho pra te dizer é importante. Além
disso, tenho uma proposta pra te fazer e sei que vai gostar.
— Não me interesso por nenhum tipo de proposta que venha de
você. Não faço pacto com o diabo. Me deixa em paz, Afrânio! Se me ligar
de novo, chamo a polícia. Tchau!
— Diana, escuta...
Desliguei, furiosa. Eu ofegava de ódio.
— Por que esse miserável simplesmente não me esquece, hein? Que
maldito!
— Calma, cara! Respira. O que ele queria?
— Me encontrar. Disse que tem coisas pra me falar e uma proposta
pra fazer.
— Proposta? — Gabriel perguntou, curioso.
— Sim, mas não quero saber de nada. Só quero que ele suma, que
morra... tanto faz. Não quero ter que vê-lo ou falar com ele mais nenhuma
vez.
— Di, você cogita a possibilidade do que o seu tio falou sobre ele
ser verdade?
— Sei lá, Biel. Aquele é outro maluco. Que porra de família louca
eu fui me meter, hein?
— Cara, você precisa pensar. Se o que o Augusto falou for verdade,
você pode estar em risco. Isso não é brincadeira. Eu não conheço o teu pai,
só sei o que vejo na mídia, mas só em ser político, já deduzo que ele não é
flor que se cheire. E se quiser algo, pode ter certeza, Di, ele vai conseguir.
Se eu fosse você procuraria entender melhor essa história.
A verdade é que eu evitava pensar naquilo tudo, pois sempre ficava
muito nervosa quando cogitava a possibilidade de o tio Augusto estar
falando a verdade. Mas Gabriel estava certo, se o Afrânio havia me
procurado após tantos anos longe, algo, no mínimo estranho, estava
acontecendo.
— É, você pode ter razão. Mas o que eu devo fazer? Me encontrar
com ele? Segundo o tio Augusto, isso seria a coisa mais perigosa a se fazer.
— Por que você não procura o seu tio e fala que o velho tá aqui?
— O celular!
— Que celular?
— No dia em que ele sumiu lá da minha casa, eu fui até a pousada
onde ele estava hospedado. Encontrei uma mala trancada e um celular.
Guardei no meu armário pra devolver, caso voltasse a aparecer, mas agora
me ocorreu... e se tiver algo naquele celular ou dentro daquela mala que me
responda algo?
— Será?
— Só vou saber se procurar. Você me ajuda?
— Claro. Vou com você depois do plantão.
— Tá bom. Combinado!
22 – Fazenda
Bárbara
Diana
Bárbara
Diana
Bárbara
Diana
Bárbara
Diana
Bárbara
Eu sentia meu corpo inteiro doer, parecia que tinha passado por um
moedor de carne. Foi só quando finalmente encostei no sofá que senti um
pouco de alívio.
— O que aconteceu, Bárbara? — Diana perguntou, nervosa.
Ela tremia, tinha os olhos vermelhos e a respiração alterada. Ainda
cogitei esconder para não a deixar pior do que já estava, mas imaginei que
ela fosse descobrir de um jeito ou de outro, então achei melhor contar tudo.
— Aquele desgraçado do Afrânio... — respondi tentando respirar,
de olhos fechados. Sentia dores pelo corpo todo. — Ele me seguiu até a
fazenda do tio da Ingrid.
— Ah, meu Deus! — falou, abafando a voz com as mãos à boca.
O meu rosto latejava, não conseguia abrir o olho direito. Talvez
estivesse inchado ou quem sabe fosse apenas aquela sensação horrível.
Finalmente conseguir abrir o esquerdo devagar e vi Diana pegando algumas
coisas em uma maleta. Ela sentou ao meu lado e pôs uma gaze no ferimento
do meu rosto. Senti suas mãos tremendo.
— Segura. — pediu. — Consegue andar até a cama? Preciso
examinar você.
— Sim... — respondi e me movi, sentindo uma fisgada forte na
lateral do meu corpo que me fez gemer e voltar a recostar no sofá.
— Calma, devagar. Vem, eu vou te ajudar.
Ela me pôs de pé e me apoiou em seu ombro. Era maior que eu e
carregou praticamente todo o meu peso sobre o corpo dela até o quarto. Lá,
tirou a minha roupa suja de sangue e me ajudou a deitar. Usando uma gaze
molhada, ela limpou meu rosto. Ficou em silêncio, mas eu podia perceber
que estava se controlando para não ter um ataque de nervos. Aquilo estava
me matando mais que as dores, eu só queria poder abraçá-la e garantir que
tudo ficaria bem.
Tentando manter o próprio equilíbrio, ela me pediu calma quando
praticamente gritei, no momento em que ela examinou o meu tórax. A dor
quase me fez querer morrer ali mesmo. Quando acabou, ela recolheu tudo e
deixou o quarto.
— Gabriel? Preciso que você venha aqui agora. A Bárbara foi
espancada, está com um corte no rosto, que precisa de ponto. Tem uma
costela quebrada, preciso de remédios também. — Silêncio. — Eu não
posso levá-la ao hospital, Gabriel. Foi o Afrânio quem fez isso, me ajuda.
Não posso deixá-la sozinha.
Não consegui ouvir mais nada, pois ela se afastou. Ouvi logo depois
o miado furioso do Luís Otávio, provavelmente, encontrando o Lecter
Junior.
Acho que rolou um fight, pois ouvi um barulho de coisas caindo.
— Para, Luís! — Diana gritou.
Saí da cama com muita dificuldade e fui me apoiando no que podia
até chegar à cozinha, ainda com a gaze perto do olho. Luís estava duas
vezes maior, todo arqueado, enquanto Diana segurava o Junior no colo,
defendendo-o do gato, que xingava o meu novo filho com um chiado
sinistro seguido de um miado grave.
Vermelha e ofegante, Diana me olhou e apenas indagou com os
olhos sobre o filhote.
— Achei na estrada e não tive coragem de deixá-lo lá. Desculpa,
não pude avisar.
— Tá, volta pra cama. Vou tentar fazer com que esses dois fiquem
sob o mesmo teto. Gabriel está vindo trazer umas coisas para eu suturar seu
rosto. Meu kit está incompleto. — avisou e tocou no ferimento.
Eu a encarei, sabia que ela estava desconfiada de tudo, estava
agindo estranho desde que falei sobre o pai dela, mas apesar disso eu sabia
que estava muito preocupada. Ela me encarou de volta e suas lágrimas a
traíram. Rapidamente ela as secou, mas mesmo que tivesse conseguido
controlá-las eu saberia que aquela pose que ela estava tentando manter era
só cena. Ela estava uma pilha de nervos, à beira de desmoronar.
— Olha só pra você. — Aquela voz embargada cortou meu coração.
— Caramba, que monstro! Covarde! Desculpa. — pediu, limpando, novas
lágrimas que caíam.
— Ei, você não tem culpa disso. Fica calma, vai ficar tudo bem. —
Tentei ser otimista.
— Tá, vai deitar. Você precisa de repouso.
— Tá bom, eu vou.
Voltei para a cama e fiquei ali. Precisava arrumar um jeito de falar
com o Augusto. Diana corria perigo. Eu só queria sumir daquela cidade,
mas só sairia dali com ela, jamais a deixaria sozinha. Nem que ela me
mandasse embora, como o pai queria.
Estava difícil respirar, tentei puxar o ar e senti uma dor forte no
abdome. Eu já havia aguentado muitas dores na vida, estava ficando fresca.
Acho que os cuidados da Diana estavam me deixando mal-acostumada,
talvez fosse isso.
Ouvi uma leve batida na porta. Pouco tempo depois, Diana entrou
no quarto com uma sacola na mão, acompanhada do amigo dela.
Involuntariamente eu o olhei, séria. Vi suas sobrancelhas quase juntas numa
expressão severa se amenizarem ao me ver.
— Caralho! — Ele falou por entre os dentes.
Diana colocou luvas e se preparou para cuidar do meu ferimento. Eu
senti uma pressão gelada na cabeça quando vi aquela agulha na mão dela.
Antes de fechar os olhos vi o olhar julgador do Gabriel me fuzilando.
— Calma, não vai doer nada. — Ela disse com a voz suave e
continuou falando. — Você vai sentir uma leve dor de cabeça, mas
conseguirá dormir.
De repente não senti mais aquela parte do meu rosto.
— Quietinha! — disse e puxou alguma coisa. — Prontinho. —
avisou como se eu fosse uma criança e colocou um curativo.
Depois preparou umas seringas e aplicou duas injeções. Como
mágica, senti a dor se esvaindo. Gabriel saiu do quarto digitando algo no
celular.
— O que tinha nessas injeções?
— Analgésico e antibiótico. Você precisa para não sentir dor durante
a noite e começar a recuperação dessa costela quebrada.
— Obrigada! Já me sinto melhor.
— Que bom! — disse com um sorriso forçado.
— Você está bem?
— Não. Mas o bem-estar que importa agora é o seu. Descansa. —
falou de um jeito seco e se levantou, recolhendo as coisas.
Ela tirou as luvas e as amarrou juntas, depois guardou tudo. Entrou
no banheiro e passou um tempo lá. Fechei os olhos. Almejei um pouco de
paz na minha vida, mas aquele desejo incluía a Diana, e pensar que ela
poderia querer que eu saísse de sua vida me deixava angustiada.
Ela saiu do banheiro e abriu duas gavetas.
— Eu vou comprar algo para comer. Já volto. — avisou e saiu.
Ouvi a porta bater em seguida. Um tempo depois, ouvi passos se
aproximando do quarto. Abri os olhos e vi Gabriel ali na porta, me
observando.
— Você sabe de algo sobre isso? — perguntou e mostrou uma foto
de Afrânio no hospital. Ele tinha uns curativos no rosto e o braço
imobilizado.
— Claro que sei. Eu não estou morta agora porque ele está assim!
— respondi seguindo o tom acusador dele. — Brother, eu sei que tu não vai
com a minha cara. Que tenta convencer a Diana de que não presto, mas a
parada é a seguinte: gosto dela pra caralho e mesmo se ela me mandar
embora ainda vou ficar por perto. Ao contrário de você, eu quero só o bem
dela.
— Como? Só me diz isso? Como fez esse estrago num homem
daquele tamanho? — perguntou e olhou para a porta.
Diana estava voltando.
— Diana vai saber disso. Você não me engana! — disse, em desafio.
— Gabriel? Achei que tivesse ido embora. Procurei você e não
encontrei.
— Eu estava no celular.
Diana nos observou, desconfiada. Fechei os olhos com força e
resolvi acabar com aquilo.
— Gabriel tem algo pra te mostrar, Diana!
Ele me encarou de sobrancelha franzida.
— Do que você tá falando? O que está acontecendo aqui? —
perguntou, alternando o olhar entre nós dois.
Que inferno! Só queria um pouco de paz!
— É... — Ele gaguejou.
— Anda, Gabriel. Fala!
Eu precisava descansar, não estava conseguindo manter os olhos
abertos. Quando os fechei, senti uma lágrima descer. Aquele tipo de lágrima
que sai quando bocejamos.
— Como isso aconteceu, Bárbara? — Diana estava com o celular
dele na mão. — Você disse que ele te atacou, mas quem fez isso com ele?
— Eu.
Ela me olhou incrédula e sorriu de nervoso. Olhou para Gabriel e
passou as mãos na cabeça.
— Como você pode ter feito isso com ele? — perguntou, voltando a
me olhar.
— Fazendo. Ou era isso ou eu estaria morta agora! — respondi,
fechando os olhos de novo.
Passei a ouvir a voz da Diana longe. E aquela sensação de paz foi
tomando conta de mim. Até que não ouvi mais nada. Caí num sono
profundo, tive sonhos confusos, ora bons, ora ruins. Eu até voei àquela
noite.
Acordei de manhã, procurei a Diana, e ela já me observava sentada
numa cadeira. Aquilo não era tão esquisito quando ela não desconfiava de
mim, mas naquele momento eu senti um frio na espinha. Ela tinha os olhos
vermelhos. Sentei na cama me sentindo a pior pessoa do mundo, pois sabia
que eu era responsável por aquele semblante abatido.
— Oi...
Ela se levantou de onde estava e se sentou ao meu lado.
— Oi... como se sente?
— Melhor. Obrigada!
Meu rosto ainda doía, o abdome nem se fala, mas eu não queria
preocupá-la ainda mais.
— Que bom. Então agora você vai me contar exatamente o que
houve. Sem mentiras ou omissões, Bárbara!
Ela falou de um jeito autoritário, tinha um olhar frio, e a dor daquele
olhar desconfiado e gelado dela sobre mim machucava mais do que
qualquer outra.
— Como eu já disse, ele foi até a fazenda do tio da Ingrid.
— O que você foi fazer lá?
— Pegar umas coisas pra Eulália... — menti, rapidamente.
— Tá. E como foi esse encontro? Como ele te abordou?
— Na estrada. Ele bloqueou o caminho com o carro. Desci, e ele me
mandou ficar longe de você. Eu o enfrentei e disse que não ficaria, então ele
me empurrou e começou a me bater. Eu só me defendi.
— Ele tem duas vezes o seu tamanho e está mais quebrado do que
você. Fala, você sabe o que quero saber. Quem é você, Bárbara? — Ela
ofegava, nervosa quando proferiu aquelas palavras.
— Eu sou só eu, Diana. Fui criada na periferia do Rio de Janeiro sob
o mesmo teto que um filho da puta, escroto, que tentava abusar de mim. Ou
eu aprendia a me defender ou teria me tornado uma vítima. Eu fiz sete anos
de Jiu jitsu e algumas outras artes marciais. A primeira vez que o nojento do
meu padrasto encostou em mim, quebrei o nariz dele...
As lágrimas que saíram dos meus olhos não eram de cansaço, eram
de ódio mesmo, ódio daquele desgraçado. E de mágoa talvez. Pois aquele
assunto me fez lembrar da minha mãe.
— Por que não me contou o que aconteceu, Bárbara? Já pedi para
não me esconder nada...
— Diana, primeiro, eu não tive tempo. Segundo eu não sabia como
reagiria depois do que disse ontem. Você saiu daquele jeito sem falar nada,
apareceu toda esquisita. — Limpei meu rosto. — Enfim, eu só causei uma
luxação no braço dele.
Ela se levantou e respirou fundo. Passou as mãos nos cabelos e
voltou a me olhar.
— Até onde você sabe da relação dele com a Ingrid? Essa mulher
mora na frente do meu apartamento...
— Só descobri isso há pouco tempo, eu juro. Antes eu só sabia que
ela era bancada por alguém. Falava regularmente com esse alguém e
sempre falava de dinheiro. Quando ela tentou suicídio, ele apareceu. Se
apresentou pra Eulália como médico dela, fez perguntas sobre documentos
e como ela não pôde ajudar, ele invadiu o apartamento. E só soube que era
seu pai ontem, depois da conversa de vocês.
— Isso é surreal demais! Onde você se encaixa nisso, Bárbara?
Porque nada tira da minha cabeça que você pode ser uma isca do meu pai
pra me deixar na mão dele. Exatamente como estou agora.
— Diana, eu não sou a pessoa mais crente do mundo, mas também
não sou totalmente cética. Sei que pra tudo tem uma razão. Eu entrei meio
que por acaso nessa história toda. Conheci a Ingrid de uma forma idiota,
vim parar nesse fim de mundo. Passei uma semana de boa com ela e
descobri que é uma escrota, sem escrúpulos e fui mantida refém dela. Até
encontrar você, eu estava aceitando aquela realidade... — Procurei respirar
fundo e senti aquela dor infernal abaixo do seio. — Não sei o porquê, eu
podia ter dado um jeito de fugir antes, mas... sei lá. Eu nem tinha pra onde
ir, então, tanto fazia. O resto você já sabe. Ele a mandou para São Paulo
para ficar no controle. É um caso óbvio de chantagem.
— Com aquele material ela acabaria com ele. — disse e passou as
mãos no rosto. — Isso tudo está me deixando enojada, desesperada. Não sei
o que fazer.
Quem ficou calada fui eu, apenas a observei tentando se acalmar,
tentando digerir tudo aquilo.
— E quando a Ingrid voltar, como será a nossa vida, Bárbara? Você
falou de alugar quitinete, mas até agora não a vi fazer nada a respeito.
— Eu não tenho mais nada na casa da Ingrid, Diana. — Apontei a
minha mochila. — Minha mudança está toda nessa mochila. Sobre a quite,
eu estou ainda pensando nisso, sim. Só estou indo lá por causa da Eulália.
Luís entrou no quarto miando, claramente reclamando de alguma
coisa.
— Agora é isso, não fica quieto mais. — Diana reclamou e saiu do
quarto sendo seguida pelo gato. — Eu não vou colocar o cachorro na rua...
— ela respondeu ao gato.
Achei aquilo a coisa mais linda do mundo. Ouvi a voz dela, mas não
entendi muito bem o que dizia.
Eu saí da cama e fui ao banheiro, tomei um tremendo susto quando
vi o estado do meu rosto.
Puta que pariu!
Tomei banho tentando não molhar o curativo, mas não deu muito
certo. Com a cabeça cheia, me lembrei da Ingrid. Como será que estava?
Não duvido nada que aquele escroto seja capaz de matá-la para queimar
arquivo. Foi capaz de ameaçar a própria filha daquele jeito. E eu sou capaz
de matá-lo se tocar na Diana.
Saí do banheiro e Diana me esperava com seu kit de primeiros
socorros.
— Você não trabalha hoje?
— Liguei para o meu chefe e avisei que preciso resolver umas
coisas. Vou pegar o plantão da noite. — avisou, enquanto colocava o novo
curativo no meu ferimento. — Eu vou sair e você precisa ficar aqui. Luís
não fica com o cachorro, vão se matar.
— Eu fico. O nome dele é Lecter Junior. — disse com um sorriso
fechado. — É só até eu arrumar um lugar pra ficar. Não podia deixá-lo na
estrada.
— Você pode ficar aqui, se quiser, Bárbara. — disse e me olhou nos
olhos, segurando a minhas mãos. — Vou me sentir melhor com você perto
de mim. Afrânio é capaz de tudo.
Engoli saliva. Meu coração acelerou um pouco enquanto eu
correspondia àquele olhar. A minha velha Diana estava voltando. Devagar,
mas estava.
— Não me esconde mais nada. Eu quase morri de preocupação
quando vi você daquele jeito, sangrando.
— Eu te amo, Diana! — disse e respirei fundo mesmo com dor. —
Desculpa. Não vou mais ficar em risco.
Ela me beijou cautelosamente, pois minha boca estava machucada, e
me abraçou com cuidado.
Aquele pedido dela foi como tirar um vagão de trem das minhas
costas.
31 – Delírio
Diana
Bárbara
Diana
Aquele escroto, imundo, demônio dos infernos era bem pior do que
eu poderia pensar. O simples fato de imaginar que o sangue dele corria
pelas minhas veias já estava sendo o bastante para me causar fortes náuseas.
— Agora ele manda ameaças através de mensageiros. Eu não
aguento isso. — falei, nervosa após expulsar Marina do meu apartamento.
Bárbara se aproximou e pôs as mãos sobre os meus ombros. Eu já
estava chorando de novo e nem tinha percebido. Senti os braços dela me
envolvendo lentamente e me deixei ser afagada por ela.
— Calma! Vai ficar tudo bem.
Ela me garantiu com um tom de voz suave e beijou meu rosto.
Sutilmente me conduziu ao sofá. Sentei e tapei a boca com as mãos,
tentando abafar os meus soluços. Estava sentindo falta da época em que eu
vivia na completa ignorância. Eu só queria que a minha vida voltasse ao
normal.
— Maldita hora em que aquele velho desmiolado apareceu baleado
naquele hospital. Que inferno! — comentei, me referindo ao tio Augusto.
Bárbara se sentou ao meu lado e acariciou o meu cabelo de um jeito
terno. Ela tinha essa dualidade comportamental que eu não conseguia
compreender direito. Confesso que fiquei muito assustada com a reação
dela quando contei sobre a minha mãe. Ela pareceu sofrer um tipo de
transformação. Seus olhos mudaram, o rosto assumiu expressões que até
então eu não conhecia. Ela massageava a nuca com força, parecia
completamente tensa e fora de si. Sacudi seus ombros na tentativa de tirá-la
daquele transe e fui retribuída com um olhar gelado, que me fez querer
largá-la de imediato. Fiquei ainda mais assustada quando ela falou com
firmeza que mataria o Afrânio.
Aos poucos, aquele olhar pesado foi abrandando. Mas ela continuou
agindo de forma estranha, coçava a nuca com frequência enquanto
procurava uma roupa para vestir, repetindo que iria atrás do bandido.
Eu tentava acalmá-la em vão, pois ela parecia não me ouvir. Precisei
segurá-la com as duas mãos para conseguir fazer com que ela focasse em
mim. Ela arfava, eu podia sentir o coração batendo acelerado. Um tempo
depois, ela finalmente se acalmou e pareceu voltar ao normal.
Passei a achar que ela tinha algum transtorno de personalidade, mas
também havia a possibilidade de apenas estar surtando por causa dos
últimos acontecimentos. Quem não surtaria? Cada um reage de um jeito ao
estresse, talvez aquela seja a forma dela.
Enfim, o fato é que aquela Bárbara de olhar obscuro não tinha
absolutamente nada a ver com a que estava sentada ao meu lado, no sofá.
Naquele momento, ela mais parecia um anjo protetor, tentando fazer com
que eu mantivesse o controle.
Mas eu não tinha cabeça para pensar nas oscilações de
comportamento dela naquele instante. Eu precisava pensar e tomar uma
decisão sobre o que fazer.
Lembrei do que aconteceu quando saí de casa para comprar comida.
Logo que entrei no carro, ouvi o sinal de mensagens do celular. Era o
Gabriel me enviando os arquivos do HD sobre o assassinato da minha mãe.
Sentei no banco do motorista e antes de sair comecei a ver cada um.
Ao que me pareceu, o Afrânio estava supondo que a minha mãe
tinha um caso com o tio Augusto, pois nos arquivos havia várias fotos dos
dois juntos. Não era nada concreto, não tinha cenas de beijo nem nada do
tipo, mas os dois estavam muito próximos e os olhares entregavam um
sentimento que ia além de uma simples relação entre cunhados.
Eu sempre notei aquela ligação entre eles, mas como era criança,
não via maldade. Agora tudo parecia fazer muito sentido. De todo modo,
não julgo a minha mãe por isso. Só quem conheceu o Afrânio de verdade e
teve o desprazer de conviver com ele sabe o quanto é importante ter
válvulas de escape.
Bom, mas isso não foi o mais chocante. Minha revolta foi quando
abri os arquivos seguintes e vi que o nódulo na mama dela não era maligno.
Era um fibroadenoma, um tipo de tumor benigno muito comum, que pode
ser tratado muitas vezes sem intervenção cirúrgica, garantindo uma vida
completamente normal para a paciente.
Acontece que o diabo de barba, em parceria com o pai da Marina,
que, coincidência ou não, foi o mastologista que tratou o caso da minha
mãe, alterou o resultado da biópsia e fez com que a pobre coitada
acreditasse que estava com câncer de mama em estágio avançado. Eles a
submeteram a uma mastectomia completa e depois iniciaram o tratamento
falso de quimioterapia, onde passaram a injetar pequenas doses de tálio, um
elemento químico de uso proibido por ser altamente tóxico. Resumindo, ele
envenenou a minha mãe aos poucos, até a morte, e forjou todos os laudos
para se safar do assassinato dela.
Eu não aguentei a pressão. Depois que li os arquivos, abri rápido a
porta do carro e corri para a lixeira mais próxima. Vomitei até o suco biliar.
Aquilo me devastou, eu levei algum tempo para conseguir cessar as
lágrimas e os soluços e levantar dali, mas o fiz, pois precisava levar comida
para a Bárbara e ficar ao lado dela. Ela não estava nada bem nem física nem
emocionalmente.
Eu tinha que manter a calma e frieza, pois talvez o nosso futuro
dependesse disso, mas a minha vontade era de procurar aquele demônio e
jogar tudo na cara dele, ignorando todo o perigo que eu passaria a correr,
com certeza.
No caminho para o restaurante, decidi que fugiria dali naquele dia
mesmo, levando a Bárbara e o Gabriel comigo. Mas meus planos foram por
água abaixo quando Lara me abordou no restaurante, enquanto eu esperava
a comida que havia pedido.
— Diana?
— Lara? Quanta coincidência! Tá bom que essa cidade é pequena,
mas estamos nos esbarrando mais do que o normal, não acha? — falei,
forçando um tom de brincadeira.
Ela retribuiu o meu sorriso com a mesma falsa empolgação e se
sentou na minha frente.
— Andou chorando? — perguntou.
— Não. É só alergia. Espirrei demais.
— Sei... então não tem nada a ver com o seu pai, né?
— O q... do que você tá falando? — gaguejei, nervosa.
— Calma! Fica tranquila, eu tô do seu lado.
— Do meu lado? Como assim? O que quer dizer com isso, Lara? —
indaguei, estava com os nervos à flor da pele.
— Diana, esses nossos encontros não são aleatórios. Eu tenho te
vigiado, para garantir a sua segurança.
Eu fiquei completamente perdida com aquela informação. Fiquei
muda. Parecia que eu estava dentro de um daqueles filmes estranhos sobre
crimes, onde todos, até os menos suspeitos, estão envolvidos em alguma
conspiração maluca. Minha vontade naquele instante foi de morrer. Seria o
único jeito de jogar fora toda a angústia que eu estava sentindo. Senti ânsia
de vômito novamente e corri para o banheiro. Lara me acompanhou e
segurou o meu cabelo enquanto eu vomitava.
Levantei-me e fui para a pia, onde chorei por um momento, tentando
pôr para fora tudo aquilo.
Lavei o rosto e coloquei água na boca na intenção de tirar um pouco
do gosto amargo de bile. Apoiei as duas mãos ali e respirei fundo, de cabeça
baixa. Sentia o corpo inteiro tremer. Todas as minhas terminações nervosas
estavam reagindo aos acontecimentos repentinos. Minha cabeça doía, com
certeza em resposta à pressão de tanta informação.
— Calma, Diana! Eu imagino o que deva estar sentindo, mas você
precisa se acalmar. — pediu, enquanto eu suspirava, tentando me recompor.
— Quem é você, Lara? E o que quer comigo? Meu pai te mandou
também? Por que ele simplesmente não me mata logo e acaba com isso? —
perguntei com raiva, puxando papel toalha do suporte na parede.
— Deixa de falar besteira, Diana! E, não, eu não trabalho para o seu
pai. Deus me livre! Ele é um bandido perigoso. Jamais estaria do mesmo
lado que ele. Eu trabalho com o Joel Toledo e tenho ordens diretas do seu
tio, o doutor Augusto Sobreira, para cuidar da sua segurança.
— E como vou saber que está falando a verdade? — indaguei com
firmeza, jogando o papel usado na lixeira.
— Você sabe que eu estou. Eu sei que você tem uma boa intuição.
Mas se quiser, ligue para o Joel e confirme.
Peguei o celular no bolso e pensei em ligar, mas parei ao perceber
que não sabia se poderia confiar no Joel também. Lara tinha razão, naquele
momento, eu só tinha a minha intuição.
— Tá, mas por que só agora você me contou isso?
— Eu sei que você e o Gabriel estão com o HD do doutor Augusto e
pelo seu estado imagino que já tenha descoberto muitas coisas sobre o
crápula do seu pai.
— E daí? Isso não explica nada.
— E daí que preciso garantir que você não haja por impulso. O seu
tio tem tentado proteger você de todas as formas, mas descobriu que o
Afrânio sabia de todos os seus passos. Não planejou que você encontrasse
esse HD. Ele só queria saber como você vivia, quantas pessoas do Afrânio
estavam perto de você, mas sofreu um atentado logo que chegou aqui. E o
resto você sabe, pois cuidou dele. Por isso peço que se mantenha fria. O
Afrânio é perigoso e sabe manipular muito bem quem está com ele nisso...
só resolvi entrar nesse assunto com você agora por causa do seu estado de
nervos, temo que faça alguma besteira.
— Está com medo que eu o confronte? Pode ficar tranquila, eu sou
ingênua, mas não sou estúpida. Apesar da imensa vontade de fazer isso, eu
sei do que ele é capaz e não estou disposta a pagar pra ver.
— Fico feliz em ouvir isso. Mas não temos muito tempo. Preciso te
tirar dessa cidade e te levar para um lugar seguro.
— Obrigada, mas acho que posso me cuidar sozinha. — retruquei,
desviando o olhar do dela na falsa intenção de analisá-la a partir dali.
— Ah, você acha? — perguntou, irônica. — Diana, seu pai é um
homem muito perigoso. Ele tem uma das armas mais poderosas que um
homem pode ter: a influência. Isso põe todos o que estão contra ele em um
risco absurdo, incluindo a mim. Sabe que não sou a única te vigiando, né?
— Sei... tem a Marina, a Ingrid, que está fora de cena, mas...
— Sim, tem essas duas aí, mas tem muito mais gente. Pessoas
invisíveis para você, andando nas ruas, te seguindo por toda a parte,
repassando a ele cada passo que dá.
Não resisti, precisei perguntar:
— A Bárbara?
— Não, ela não. Embora não seja exatamente uma santa. Não
sabemos se podemos confiar nela, mas pelo menos temos a certeza de que
não está envolvida com o seu pai. Ao que tudo indica, ela é neutra.
Ouvir aquilo, mesmo sem saber se podia confiar na Lara, me trouxe
grande alívio. Eu amava a Bárbara e não suportaria descobrir que tudo entre
nós era falso. Segurei o choro que tentava voltar, eu estava esgotada
emocionalmente. Lara tocou meu ombro.
— Calma, nós vamos te manter a salvo. Temos um plano, vamos
tirar você daqui em segurança e vamos conseguir acabar com esse
desgraçado. Desmanchar essa facção criminosa liderada por ele e fazer com
que apodreça na cadeia, pagando por cada crime que cometeu. Depois disso
sua vida vai voltar ao normal.
— Eu gostaria de estar confiante como você, mas a cada minuto
tenho menos certeza de que vai ficar tudo bem.
— Eu entendo o seu sentimento. Mas confie em mim, vai dar tudo
certo. Você só tem que seguir exatamente as orientações que eu te der.
— Ok, Lara. Suponhamos que eu acredite em você, o que eu devo
fazer?
— Por enquanto, ceda à chantagem dele. Deixe-o achar que você vai
se casar com o tal neto do político.
— Mas se você diz que sou vigiada o tempo todo, não acha que ele
vai saber que você está me orientando?
— Não. Ele não sabe que trabalho com o Toledo. Fiz tudo para que
a nossa amizade parecesse casual... quer dizer, essa parte aqui foi acidente
mesmo. — falou apontando o braço na tipoia.
Eu sorri de lado, mas logo voltei a ficar séria.
— Tá bom, mas e daí? E depois que eu aceitar? Ele vai querer que
eu vá embora para o Rio.
— Peça um tempo a ele para se organizar. Alguns dias apenas, para
que ele não desconfie. É importante também não mudar bruscamente o seu
comportamento com ele. Encontre uma desculpa plausível. É o tempo que
preciso para arquitetar a sua fuga.
— E a Bárbara? O Gabriel... e o meu gato...
— Diana, vai ter que deixá-los para trás.
— Como assim, deixá-los para trás? Eles são a única família que
tenho. Não, isso está fora de cogitação. — falei, aborrecida. — Não vou a
lugar nenhum sem eles ou pelo menos sem garantias de que ficarão bem.
Eu a vi soltar um suspiro exasperado e levar a mão saudável à
cabeça.
— Ok, vou conversar com o Joel para ver como podemos inclui-los
nos planos. Mas enquanto isso, tenha cuidado. Não dê um passo em falso
sequer. Segure a onda, seja fria. Não deixe as emoções falarem por você. Eu
te ligo em breve para dar mais orientações. Agora precisamos ir. Se cuida.
Saí daquele banheiro como se estivesse dopada. Sentia o chão macio
sob os meus pés. Peguei a comida e comprei uma garrafa de água com gás,
bebi e senti aquele gosto ácido arder enquanto passava pela minha garganta.
Entrei no carro e respirei fundo com a testa apoiada no volante.
Depois da visita da Marina. Fiquei um tempo tentando me
recompor. Fui preparar os medicamentos da Bárbara e depois apliquei.
Eu a deixei na cama e entrei no banheiro para tomar um banho.
Passei quarenta minutos embaixo da água, como se quisesse que ela lavasse
toda aquela sujeira que envolvia a minha vida.
Saí do banheiro e vi Bárbara dormindo. Fui verificar se a porta da
varanda estava fechada e vi uma movimentação no apartamento da Ingrid.
Franzi o cenho e fiquei atrás da cortina, observando. Senti o corpo gelar
quando vi uma silhueta feminina lá dentro. A cortina dela me impediu de
ver com clareza quem era.
Pode ser a Eulália. — pensei, mas fiquei ali.
Quando estava quase desistindo daquela vigília vi a silhueta
inconfundível da Eulália no mesmo ambiente.
— É a Ingrid! — soltei, assustada e olhei para Bárbara, ela dormia
profundamente.
34 – Coragem
Bárbara
Diana
Aquela noite de amor intensa serviu para mim como uma espécie de
combustível para seguir em frente. De alguma forma, todo o medo e
insegurança que eu sentia até então pareceu misteriosamente se esvair.
Lógico que eu ainda estava preocupada e apreensiva, mas pela primeira vez
eu não sentia vontade de simplesmente me esconder, eu queria lutar. Era
como se a Bárbara me desse a confiança e a coragem que eu precisava para
enfrentar tudo.
Naquela manhã, acordei com uma vontade imensa de tomar de volta
as rédeas do meu destino, e era exatamente isso que eu começaria a fazer.
Meu primeiro passo seria me afastar do hospital. Sim, aquilo me doía como
se um filho estivesse sendo arrancando de mim. A medicina era o meu
sonho, a minha vida, tudo o que eu sempre quis para mim, mas naquela
situação eu não estava com a menor condição de exercer o meu trabalho.
Era cedo quando bati à porta da sala do doutor Jales. Cerca de meia
hora antes de o meu plantão começar. Ele era extremamente competente no
que fazia, mas era um homem assustador. Sisudo, intransigente, mal-
humorado. Era o terror dos internos. Até eu, que já havia passado pelo
internato e estava no meu último ano de residência, ainda sentia um frio na
barriga quando precisava falar com ele.
— Doutora Diana, chegando cedo, para variar! — disse, irônico,
após me oferecer assento. Sentei-me de frente para ele. — A que devo a
honra?
— Doutor Jales, eu... — Respirei fundo e passei as mãos no rosto
antes de continuar. Não era fácil para mim, falar aquilo. — Eu vim pedir o
meu desligamento do programa de residência deste hospital. — falei em um
fôlego só, pois se pensasse demais, poderia desistir.
Impressionante foi a cara de espanto que o homem fez. No fundo eu
achava que, ao ouvir o meu anúncio, ele faria alguma piada ácida para
enaltecer o que ele consideraria como covardia ou falta de compromisso.
Mas ao invés disso, após pigarrear e coçar a barba em um gesto que o fez
parecer tremendamente incomodado, ele me falou:
— Olha, Diana, eu venho acompanhando o seu trabalho neste
hospital desde o primeiro dia do seu internato e, nesse tempo pude perceber
que a medicina não está simplesmente no seu sangue. Está no seu coração.
Sei que não está largando o programa para entrar em outro. Não sei
exatamente o que está acontecendo entre você e o seu pai, mas não sou
ingênuo. Por isso, preciso te dar um conselho: não desista.
Uau! Agora ele me surpreendeu.
Eu havia imaginado milhares de reações do Jales, mas aquela era a
mais improvável. Minha surpresa não passou despercebida pelo homem,
que sorriu ao me ver paralisada.
— Doutora, sei que tenho esse jeito rude e grosseiro, mas isso faz
parte do meu papel. Nós lidamos com vidas humanas, não há espaço para
melindre ou hesitações na medicina. É como uma carreira militar; médicos
não têm margens para erros e precisam entender isso desde a faculdade. E
se sou duro com você é porque quero te levar ao seu melhor. Diana, você é
a melhor residente deste e de todos os outros programas que coordenei, por
isso, não posso aceitar o seu pedido.
— Doutor Jales, eu estou surpresa e lisonjeada. Agradeço as suas
palavras, mas realmente, neste momento, não tenho condições de
permanecer no programa.
— Eu entendo. Façamos assim, vou te dar uma licença não
remunerada. Resolva seus problemas e volte.
Pela primeira vez na vida senti vontade de abraçar aquele homem. A
possibilidade de poder voltar encheu meu coração de alegria, mas a verdade
era que eu não fazia ideia se conseguiria voltar. Não sabia nem mesmo se
viveria por muito tempo, então pareceu injusto aceitar.
— Obrigada, isso seria maravilhoso, mas não posso aceitar.
— Eu não entendo. Por que não?
— Porque não tenho certeza de quando poderei voltar, doutor. Não
me parece certo aceitar.
— Doutora, me faça um favor. Vá resolver a sua vida e me deixe
fazer o meu trabalho. Quando você voltar, eu decido se ainda é interessante
para este hospital tê-la no quadro de funcionários ou não. Desejo boa sorte
pra você. Espero que tudo se resolva rápido e da melhor maneira possível.
Tentei segurar as lágrimas, foi impossível.
— Obrigada, doutor!
Levantei-me e o abracei. Ele ficou tenso no início, mas depois
relaxou e retribuiu ao gesto.
— Seu tio é uma das melhores pessoas que conheci, Diana. Um
homem bom e íntegro. Confie nele.
— O quê? Do que o senhor está falando? — perguntei, confusa, me
soltando de seus braços e o olhando bem dentro dos olhos.
— Você sabe do que eu estou falando. Agora vá e tenha cuidado.
Eu ainda o encarei por alguns instantes, mas depois saí.
Que droga, será que eu era mesmo a única pessoa que não sabia o
que estava acontecendo com a minha própria vida?
Saí da sala e fui procurar o Gabriel, mas acabei esbarrando com a
Jéssica em um dos corredores.
— Desculpa! — pediu, tímida, parando de frente para mim, sem me
encarar.
— Tudo bem, a culpa foi minha. Você viu o Gabriel?
— Acho que ele está no vestiário. Tô indo pra lá, você não vai se
trocar pro plantão?
— Não. Na verdade, eu... — hesitei em contar, mas logo todos
ficariam sabendo. — Eu estou deixando o programa de residência, Jéssica.
Vou precisar me afastar do hospital.
— O quê? — A voz dela saiu alta demais e algumas pessoas que
passavam nos olharam. — Não, espera. Você vai me contar essa história
direito. Vem. — disse e não esperou a minha reação, pegou a minha mão e
me levou para um dos quartos de descanso. — Você tá maluca, Diana? Tá
desistindo do programa? O que houve? É por causa daquela garota, né? A
tal da Bárbara? — perguntou, nervosa, tinha os olhos marejados.
— Ela não tem nada a ver com isso. Eu só preciso de um tempo,
tenho umas coisas pra resolver e vou precisar sair da cidade.
— Você vai embora? É isso mesmo? — perguntou e deixou as
lágrimas correrem.
Eu sabia que não devia satisfações da minha vida a ela, mas senti
um aperto no peito ao vê-la tão decepcionada. Eu gostava muito dela, era
uma boa menina. E me sentia mal por não poder corresponder àquele
sentimento.
— Jéssica, eu sinto muito mesmo por ter te magoado. Não queria ter
te dado falsas esperanças e muito menos te usado. Olha, eu não sei se vou
ter outra oportunidade de falar isso e sei que é difícil acreditar, mas eu gosto
muito de você e queria que me perdoasse por tudo.
— Por que você tá falando assim? Parece que vai embora e nunca
mais vai voltar. Você está se despedindo de mim pra sempre, Diana? É isso?
Eu nunca mais vou te ver?
— Eu não sei, Jéssica. Mas estou me precavendo.
Antes mesmo de eu concluir a frase, ela já estava agarrada ao meu
corpo. Não me restou escolha a não ser abraçá-la de volta. Senti as lágrimas
dela molhando o meu pescoço, e um nó se formou na minha garganta.
Jéssica era muito doce, às vezes parecia até ingênua demais para a idade
que tinha. Qualquer um teria muita sorte de tê-la como namorada, mas meu
corpo e alma pertenciam à Bárbara.
— Eu te amo, Diana! Não vai embora, por favor!
— Me perdoa, Jéssica. Eu preciso que me perdoe. — pedi, afagando
seus cabelos.
— Te perdoo se você não for.
— Eu não tenho escolha.
Ela se afastou e me olhou. Tinha o rosto vermelho, os olhos
encharcados.
— O que ela tem que eu não tenho?
— Cara, não faz isso com você. Para! Você é linda, maravilhosa.
Qualquer um daria a vida por você! Saiba que o meu afastamento é um caso
de sobrevivência, não tem a ver com a Bárbara. Ela só está sendo a minha
força para não sucumbir a coisas erradas. — falei enquanto passava o
polegar pelo rosto dela, secando as lágrimas. — Mas saiba também que
amor não se escolhe, não é assim que funciona.
— É, eu sei bem disso. Quem dera eu pudesse escolher...
— Não fica assim. No tempo certo, a pessoa certa vai aparecer pra
você e te fazer muito feliz.
— Obrigada por tentar fazer com que eu me sinta melhor. Você é
uma pessoa incrível, é por isso que eu te amo tanto.
Eu apenas sorri sem graça, ela não desistia.
— Eu preciso ir. Espero te ver de novo um dia... e espero que me
perdoe também.
— Eu te perdoo. Vou morrer de saudade. Vê se não se esquece de
mim, me manda pelo menos um sinal de fumaça de vez em quando, pra eu
saber que está bem.
— Obrigada! Pode deixar, vou dar um jeito. — menti.
Ela aproximou o rosto do meu e percebi que tentaria me beijar. Virei
o rosto e senti seus lábios na minha bochecha. Ela suspirou, frustrada, e nos
abraçamos. Beijei seu rosto também e em seguida saí, deixando-a lá.
Dei três passos em direção ao vestiário e cruzei com Marina.
— Oi, baby! Não esqueça que o papai está esperando sua visita. —
falou sem parar de andar e em seguida entrou na sala de descanso onde
Jéssica estava.
Revirei os olhos e segui para encontrar o Gabriel. Queria falar com
ele antes de ir ver o velho. Ele havia trabalhado no plantão da noite e estava
se preparando para sair. Combinamos de nos encontrar na lanchonete do
hospital. Pedi um café e o esperei. Uns dez minutos depois ele apareceu.
Contei sobre as conversas com o Jales e com a Jéssica e o ouvi me criticar
quando disse a ele que levaria a Bárbara na minha fuga.
— Eu confio nela, Biel. Não tenho motivos pra não confiar.
— Cara... Di, não sei, não. Não tô dizendo que ela tenha algo a ver
com as tretas do diabão, mas nada me tira da cabeça que ela não é flor que
se cheire. Ela é muito estranha.
— Tá, eu desisto desse assunto com você. Mas pegando o gancho,
quem eu tô achando que não é flor que se cheire é a Lara.
— Ué, por quê?
— Sabia que ela trabalha pro Joel Toledo? Pelo menos foi o que ela
disse antes de me orientar sobre como deveria falar com o meu pai. Mas
isso não é o estranho. Esquisito é o fato de ela saber da chantagem que ele
me fez para que eu case com o neto do tal Álamo. Como ela poderia saber
disso?
— Não tem nada de esquisito nisso. Eu falei pra ela.
— O quê? Como assim, Gabriel? — perguntei, irritada.
— Calma, eu ia te contar. Só não tinha tido tempo ainda. Ela me
procurou, queria o HD. Disse que eu corria grandes riscos ao decodificá-lo.
Falou que trabalhava para o Joel Toledo e mencionou o seu tio. Pedi uma
prova, e ela me pôs em uma chamada de vídeo com os dois. Eu entreguei o
HD e acabei contando tudo pra eles, Diana. Desculpa, mas não sei do que
esse povo é capaz.
— Não acredito nisso, Gabriel. Você tá maluco?
— Não, cara. Eu tô é apavorado. Por mim e por você. Eles me
mostraram fotos de gente nos seguindo... nos vigiando. Gente perigosa, Di.
Sabia que eu quase fui morto? Tem um vídeo da câmera de segurança do
estacionamento do hospital. Eu estava saindo uma noite, era tarde... tinha
um cara me vigiando e se aproximou com um garrote. Ele ia me estrangular
até a morte, mas a Lara impediu, atirando nele com uma pistola silenciada.
Depois outros caras apareceram e o levaram sabe Deus pra onde.
— Do que você tá falando, Gabriel? E como você sabe que isso não
é uma encenação deles mesmos?
— Diana, nós não temos muitas opções. Entre confiar no diabão e
no seu tio, a segunda opção parece mais plausível e segura.
— Meu Deus! Meu Deus! Se você tivesse morrido, eu... eu... isso
não vai ficar assim, vou agora falar com aquele demônio. — disse, nervosa
e mencionei me levantar.
— Senta aí, você precisa ser fria. Precisa seguir os conselhos da
Lara pra ser convincente. Fica aí e se acalma, vamos conversar e depois
você vai lá.
Ele tinha razão, eu precisava ser calculista. Afrânio era dissimulado
e só dava para jogar de igual para igual agindo da mesma forma. Sentei e
respirei. Ouvi Gabriel contar mais detalhes sobre a conversa que teve com
Lara, Joel e meu tio e comecei a me preparar psicologicamente para seguir
o plano deles.
Levantei daquela mesa decidida a ir procurar o Afrânio, mas quando
liguei o carro para sair, meu celular tocou. Era a Bárbara.
— Oi, tá tudo bem?
— Não, a maluca da Ingrid resolveu abrir fogo contra o seu
apartamento. Não vem pra casa agora, não é seguro. Ela pode te acertar.
Os vizinhos já devem ter chamado a polícia. Espera o meu sinal pra voltar,
ok?
— O quê? — perguntei, já entrando em desespero, mas ela já havia
desligado.
Jamais atenderia àquele pedido de esperar sinal dela. Dei partida e
fui para casa, mas não consegui chegar ao meu prédio, a rua estava cheia,
houve uma batida entre dois carros, havia também viaturas da polícia e do
corpo de bombeiros. Avistei Lara próxima de lá e saí, largando o meu carro
ali, e fui até ela.
— Diana! Achei que estivesse em casa... — disse com alívio na voz.
— A Bárbara tá lá, Lara. Preciso...
— Não pode, Diana. — interrompeu, me contendo. — O pessoal já
invadiu a casa da Ingrid e já entrou no seu prédio também. Não sabemos
quantas vítimas ainda, mas é melhor não arriscar ter mais.
Vi uma pessoa sendo tirada do prédio numa maca do corpo de
bombeiros e tentei, desesperada, ir até lá, mas Lara me impediu.
— É ela, Lara! — gritei e senti a mão dela no meu abdome me
contendo mais uma vez.
36 – Autocontrole
Bárbara
Diana
Eu não sei por quanto tempo dirigi sem rumo. Quando me senti
exausta, decidi ir para casa. Entrei no apartamento decidida a arrancar da
Bárbara cada detalhe sobre quem ela era e os tipos de sujeiras que já tinha
feito na vida, mas não a encontrei lá. Procurei pelo apartamento inteiro, o
único sinal de vida ali era do Lecter, que me recebeu abanando o rabo. Nem
o Luís estava em casa.
No quarto, encontrei a mochila dela e a esvaziei, mas não tinha nada
demais, além dos documentos que incriminavam o Afrânio. Ofeguei de
nervosismo. Meu corpo estava tão quente que um fio de suor escorreu da
minha testa quando peguei o celular para ligar pra ela, mas deu caixa postal.
— Merda! — esbravejei e arremessei o telefone no chão.
Olhei o relógio, passava das três da manhã. Fiquei imaginando onde
ela poderia estar e o que deveria estar fazendo, mas comecei a surtar com as
possibilidades. Respirei fundo e resolvi apenas esperar.
Não sabia se ela apareceria ou se dali em diante eu jamais a veria,
mas pelo pouco que a conhecia... ou achava que conhecia... acreditava que
ela iria voltar, sim. Sentei no sofá e não consegui permanecer quieta.
Levantei-me e passei a andar de um lado para o outro. Quase uma hora
havia se passado e nada de ela aparecer. Comecei a me desesperar, enfiei as
mãos nos cabelos e os puxei com força, depois apenas gritei... o mais alto
que pude.
Fui tomada por uma força que me tirou o senso, e comecei a quebrar
a sala inteira. Acho que aquela foi a forma involuntária que meu corpo
encontrou de desabafar, e funcionou um pouco, pois depois de um tempo
consegui sentar. Ainda chorei muito, mas finalmente entrei em um estado
de torpor. Recostei-me na poltrona e fiquei lá... até que ela finalmente
chegou.
Andou em minha direção com cautela, não demonstrava nervosismo
algum. Tinha os olhos vidrados nos meus. Deu mais um passo, depois
outro, até que parou bem em frente a mim.
— Eu te liguei, seu celular deu caixa postal.
— Descarregou. Eu estava te procurando.
— Ahan...
— Diana, eu...
— Você matou aquele homem que tentou me sequestrar semanas
atrás? — perguntei, simplesmente, em um tom assustadoramente calmo até
para mim.
— Sim. — respondeu sem hesitar.
— Você já matou outras pessoas além desses dois homens?
— Sim, outra.
Engoli saliva e apertei os olhos. Voltei a olhá-la e continuei o
interrogatório.
— Você tentou matar a Ingrid?
— Não.
— Não?
— Não. Mas cortei os pulsos dela. Eu não queria matá-la, só queria
me livrar dela. E o único jeito era convencer todos de que ela é louca.
— Ah, tá bom. Ela é a louca! — Fui sarcástica, mas sem perder a
calma. — Você é uma psicopata? Uma assassina em série? Matadora de
aluguel? Quem é você, Bárbara? Ou melhor... o que é você? Está com o
Afrânio?
— O quê? Não... nunca! — respondeu de imediato, demonstrando
incômodo com a minha insinuação.
— Então que porra você é e o que quer de mim, Bárbara? — gritei e
me levantei da poltrona, agarrando-a com força pelos braços.
— Eu só queria um lar e encontrei em você. Não quero mais nada
dessa vida... Eu te amo, Diana! — disse com firmeza e deixou uma lágrima
escorrer de seu olho.
Era incrível, mas aquela ali parecia outra pessoa. Não era o mesmo
olhar que eu vi na rua, matando com as próprias mãos aquele desconhecido.
— Você não pode falar de amor, Bárbara. É uma assassina... e isso
parece ser algo muito natural pra você. — disse, largando-a. —
Desembucha. Quero saber de tudo... — pedi ofegando, olhando em seus
olhos.
Ela mordia o lábio inferior com frequência. Eu já a vi fazer aquilo
outras vezes, mas nunca havia observado de fato. Acabou lambendo as
próprias lágrimas, que molhavam sua boca.
— Fala... — gritei, assustando-a.
— O que quer saber?
— Quem é você? Por que se aproximou de mim? Por que matou
aqueles homens? Como sabia que ele estava me seguindo?
— Eu amo você, Diana. E faço qualquer coisa para proteger quem
eu amo. — Começou a falar e franzi o cenho.
Essa calmaria dela, apesar de chorar, estava me dando nos nervos.
— Eu desenvolvi essa defesa quando nem a minha mãe me
defendia. E não era porque eu era violenta, era pelo simples fato de eu ser
filha de um escroto que foi embora e a largou, grávida de mim. Quando eu
vi o seu tio ser atacado aqui dentro eu vi que precisava fazer alguma coisa.
Se você estava protegendo ele, é porque era importante pra você e eu não
queria que você sofresse.
— O quê? Do que está falando, Bárbara? — perguntei, sem tirar os
olhos dos dela, que limpou o rosto e me encarou.
— Eu vi da varanda da casa da Ingrid quando você chegou com ele.
Você saiu para trabalhar e um cara entrou aqui. Pelo mesmo lugar que eu
usei para entrar. A varanda. Ele apontou uma arma para o seu tio, que
estava dormindo, e pulei em cima dele. Foi puro instinto.
— Como sabia que ele era meu tio? — perguntei com a respiração
presa.
Aquela história ficava cada vez mais suja. Eu já não sabia mais
quem era pior.
— Eu só soube depois. Eu matei o cara que queria matá-lo e depois
o vi ser tirado do prédio em um tapete.
— Que loucura é essa? — falei, alto demais.
— Fala com o teu tio. Ele foi me procurar para ajudar na sua
proteção.
Eu caí sentada no sofá. Tremia e ofegava. Temia ter outra crise.
Senti que ela se aproximava de mim, levantei o rosto.
— Não me toca.
— Diana, por favor. Eu jamais faria nenhum mal a você. Nem à
Ingrid eu tive coragem, mesmo ela sendo aquela miserável.
— Não seja cínica. Você a mandou para o hospital.
Ela massageou a nuca, de olhos fechados. Passou alguns segundos
assim, respirou profundamente e me olhou. O olhar frio, pupila dilatada.
— Diana, eu poderia simplesmente tê-la deixado morrer. Ela tem
sérios problemas, soube do câncer do tio no dia. Seria fácil demais, se eu
fosse isso que você está pensando. — disse num tom diferente, altivo. —
Não sou um anjo, mas também não sou torpe a ponto de matar uma louca
que só tocou em mim. Eu tenho os meus problemas, mas eu entrei naquela
vida sozinha. Eu só precisava de tempo e espaço para sair dela.
Já não mordia mais o lábio, mas coçava a nuca com frequência.
— Você se aproximou de mim por quê? Foi o meu tio? Porque o
Afrânio não foi, ele vomitou ódio intenso por você. Não acredito que os
dois finjam tão bem. Quanto o meu tio te pagou?
— Nada. Eu me apaixonei, Diana. Pela primeira vez na minha vida
eu me vi louca por uma pessoa. E eu sequer conhecia você. Eu gostava
muito de te observar. Sabia que nunca te teria, você nem sabia da minha
existência. Eu te usava para fugir um pouco daquele inferno. Mas você me
viu... eu já te contei isso... — Limpou o rosto novamente e engoliu saliva.
É outra pessoa. Com quem eu estou lidando, meu Deus? Como eu
nunca notei essas mudanças de comportamento?
— E quando vi que você me correspondia mesmo sem saber de
nada, resolvi sair daquela zona de conforto. Se eu não tivesse armado o
suicídio da Ingrid, com certeza eu estaria morta agora. Eu nunca matei
ninguém inocente, Diana. Eu preciso saber que é bandido e merece morrer
porque a justiça da terra não o fará pagar. O teu pai, aquele desgraçado, ia
raptar você para chantagear o seu tio. Foi disso que a delegada falou quando
disse que você é a carta da manga dele. Enquanto você viver, o Afrânio está
seguro, porque o Augusto teme pela sua segurança e por isso não fode com
todos os planos dele. Mas eu não confio. Por isso que quando vi aquele
miserável seguindo você eu tomei uma atitude. Agi por instinto.
Ela se sentou e respirou fundo de novo. Massageou a nuca com o
rosto virado para o chão. Meus olhos ardiam, pois eu não piscava, tentando
não perder nenhum gesto dela.
O rosto era brando. O olhar verde, mais calmo, quando me encarou.
O indicador da mão direita cutucava a cutícula do polegar.
— Me perdoa, Diana! Eu devia ter contado tudo antes, mas eu temia
esse olhar. — Apontou para mim.
Ela se ajoelhou e rastejou até mim.
— Por favor... eu só não queria traumatizar você ainda mais.
— Vai embora daqui, Bárbara. — As palavras saíram e me levantei.
Engoli saliva e senti minha garganta arder.
Eu não suportaria olhar na cara dela nunca mais, sabendo que foi
capaz de fazer todas aquelas atrocidades.
— Diana! — disse e tocou meu ombro para que eu a olhasse.
Involuntariamente, dei um soco no braço dela e berrei:
— Não me toca! Não tenho estômago para olhar pra você. Some
daqui.
38 – Tiro
Bárbara
Diana
Bárbara
Achei que fosse o fim quando ouvi o barulho de tiro, mas nada
aconteceu comigo. Abri os olhos e vi Ingrid caindo. Olhei para a varanda da
Diana e a vi, com os olhos arregalados.
A arma... ela atirou!
Apenas corri. Atravessei sem olhar e entrei no prédio dela.
Lecter latia desesperado quando entrei no apartamento. Corri para o
quarto e a vi caída no chão, perto da cama. Havia sangue... caí de joelhos
para ver o que tinha acontecido.
— Diana! — gritei e tentei acordá-la, mas ela apenas gemeu. O
sangue vinha de um corte na testa. Ela com certeza caiu e bateu a cabeça.
— Diana, fala comigo, por favor! — pedi desesperada.
Tentou abrir os olhos, mas estava zonza. Respirei fundo e a coloquei
na cama. O chão estava molhado. Olhei em volta e vi a arma caída, na
varanda.
Vai ser incriminada!
Ela precisava de cuidados, mas antes disso eu precisava limpar a
cena e livrá-la da acusação. Não sabia se Ingrid estava morta, não tive
tempo de checar, mas independente disso Diana acabaria presa pelo tiro, e
eu não poderia permitir que isso acontecesse.
Corri à cozinha e peguei uma bolsa de gelo e álcool. No kit de
primeiros socorros que ela mantinha na mesinha de cabeceira, peguei uma
atadura e enfaixei a cabeça dela, depois pus a bolsa de gelo em cima, para
diminuir o inchaço e o sangramento.
— Agora vamos limpar essas mãos. — falei, ofegando.
Ela não estava totalmente desmaiada, mas também não estava
lúcida. Apenas gemia.
Limpei suas mãos com álcool ali mesmo, passei uma escova de
dente nas unhas e joguei álcool de novo.
Nunca se sabe, né?
Peguei a arma e a limpei. Ainda não sabia o que faria com ela, por
isso a pus na cintura. Apanhei a capsula deflagrada e joguei no vaso
sanitário, dando descarga em seguida. O tempo encarcerada na casa da
Ingrid, muitas vezes, assistindo séries policiais me deixou atenta aos
detalhes.
Eu não sabia mais o que fazer, a polícia chegaria a qualquer
momento, e ela precisava de pontos e uma tomografia, provavelmente.
Peguei o celular dela e liguei para o velho Augusto, que atendeu
imediatamente.
— Aí, tio, deu muito ruim, aqui, cara! — Eu disse nervosa,
ofegando.
— Acalme-se, Bárbara. Nós vimos tudo pelas câmeras. A Diana vai
precisar de apoio. Vamos cuidar de tudo. Fique tranquila.
— Que porra vou fazer se a polícia aparecer aqui, tio? Tu tá
maluco?
— Faça o que precisa ser feito, menina. A minha sobrinha não pode
ser incriminada por isso e nem sujar o próprio nome. Livre-se das provas e
tire-a daí.
— Ela caiu e bateu a cabeça. Acho que vai precisar de pontos.
— Então leve-a para o hospital. Eu cuido do resto.
— Que porra! — xinguei e desliguei.
— Bárbara! — Diana me chamou com dificuldade e vi a atadura
cheia de sangue.
— Vem, você precisa ir pro hospital.
Peguei a chave do carro, a bolsa dela e saímos. Ela ainda estava
zonza quando a sentei no banco do carona.
Cheguei à emergência do hospital e fomos recebidas por umas
pessoas que eu não conhecia, mas que com certeza conheciam a Diana, pois
uma pequena multidão de médicos e enfermeiros se formou quando alguém
anunciou que era ela. Vi a tal da Jéssica. Ela estava nervosa, mas
movimentou tudo para que a Diana fosse atendida imediatamente.
Puseram-na em uma maca e empurraram para dentro. Acompanhei,
mas vi aquela cena de longe. A doutora Jéssica retirou a atadura e checou o
ferimento, depois apenas pôs um curativo. Eu cheguei mais perto para
perguntar o que estava havendo, nesse mesmo instante ela ordenou que
empurrassem a maca e seguiu na direção de uma porta. Mas eu não deixei
que saíssem daquele jeito, sem me dar mais informações. Segui-os e agarrei
o jaleco dela.
— Pra onde estão levando ela?
— Pra fazer tomografia. O ferimento é profundo.
— Eu vou junto...
— Não, você não pode. — falou, em um tom irritado. — Aguarde
na recepção, logo traremos notícias.
Fiquei com raiva, mas sabia que não podia entrar. Tentei ficar ali e
não aguentei. Esperei ninguém estar olhando e entrei pela mesma porta que
levaram a Diana, ignorando o cara que me seguia falando que eu não podia
entrar.
Que droga! — xinguei ao entrar e não ver mais nem sinal dela.
Vi o chefe dela passar quase correndo e resolvi esperar. Um médico
tocou meu ombro.
— Você não pode ficar aqui. Além disso, precisa preencher a ficha
de atendimento.
Suspirei, frustrada, mas fui lá. Com a carteira da Diana, a
recepcionista conseguiu fazer tudo sem precisar de muitas informações
minhas.
Não sei por quanto tempo esperei, mas fiquei ali. A respiração
presa. Milhões de pensamentos, tentando me enlouquecer.
Não posso deixar a Diana pegar culpa por matar aquela
desgraçada. — pensei decidida a assumir qualquer coisa por ela.
O celular dela tocou, e atendi rapidamente. Era o Augusto.
— Oi...
— Está tudo resolvido. Cadê a Diana?
— Não tive notícias ainda. Levaram ela lá pra dentro pra fazer uns
exames na cabeça...
— Vou falar com o doutor Jales, ele cuidará para que você não saia
de perto dela. O Toledo chega aí amanhã cedo. Cuide dela até lá, não deixe
que fale nada, com ninguém. Ela deve estar muito nervosa.
— Quem é Toledo?
— É um policial federal amigo meu, ele está ajudando. Então
colabore.
— Ok. A Ingrid morreu mesmo? — perguntei por garantia.
— Sim. — respondeu depois de hesitar.
— Valeu. — Desliguei e dez minutos depois o chefe da Diana
chegou perto de mim.
— Bárbara?
Só me levantei e o encarei.
— Venha comigo.
Eu segui aquele homem grande pelos corredores do hospital até que
chegamos a uma sala.
— A Diana vai ficar bem, foi só um susto. Logo ela vai para o
quarto.
— Obrigada!
Esperei. Fechei os olhos, recostada na cadeira onde estava. Até que
senti uma mão no meu braço.
— Oi, a Diana já está no quarto. — Era a Jéssica. — Você pode ficar
com ela. — disse e saiu, eu a segui.
Ela abriu a porta do quarto para eu entrar e foi embora. Só franzi o
queixo e vi Diana com a cabeça enfaixada, na cama. Segurei sua mão.
Diana
Bárbara
Diana
Bárbara
Diana
Abri os olhos e tentei me mover, mas foi em vão. Meu corpo inteiro
estava dormente, como se tivessem aplicado uma anestesia geral em mim.
Puxei o ar para respirar, ele entrou nos meus pulmões com muita
dificuldade. Eu estava ofegante, minha garganta seca. Tentei engolir saliva
e não deu certo. Tentei me mover novamente, e nada. Aquilo estava me
deixando angustiada.
Olhei ao redor, não sabia onde estava. A vista estava embaçada,
precisei piscar várias vezes para conseguir enxergar. Aos poucos, a imagem
foi se formando. Era uma biblioteca, grande, escura... a pouca iluminação,
avermelhada, que havia ali vinha das luminárias dispostas ao lado de um
sofá de couro marrom.
— O que está havendo? Como vim parar aqui? — falei inutilmente,
pois ninguém me ouviu... ou fui ignorada, não sei.
Comecei a me desesperar, quanto mais eu tentava me mexer, mais
pesados os meus membros ficavam. Eu estava deitada de costas, tentei
identificar a superfície que me sustentava e notei que era uma mesa de
bilhar.
— Socorro! Alguém me ajuda? — Foi o que me restou fazer...
gritar.
Ouvi passos pesados e senti um arrepio na espinha que me deu
calafrios. Gemi do desconforto que a sensação causou. Um perfume forte e
amadeirado invadiu as minhas narinas e senti ânsia de vômito. Uma sombra
se formou na minha frente e olhei na direção. Era ele, o demônio.
— O que você fez comigo, seu verme? — gritei, ele apenas soltou
aquela gargalhada sarcástica que eu odiava. — Eu quero sair daqui,
Afrânio. — bradei, mas ele me ignorou, ainda sorrindo.
Ele começou a caminhar lentamente na minha direção, e comecei a
suar. A cada passo que ele dava, meu coração pulsava mais forte.
— Não chega perto de mim, seu verme. Eu vou gritar...
— Pode gritar, criança... grite o quanto quiser. Não vão te ouvir... ou
vão, mas, e daí? Ninguém vai fazer nada.
—Já não basta ter matado a minha mãe e agora estar infernizando a
minha vida? O que mais você quer de mim, seu miserável?
— Não entendeu ainda, filhinha? — perguntou, irônico, e foi
desafivelando o cinto da calça. — Não tem ideia do que eu quero de você?
— Abriu o zíper e pôs o pênis para fora...
— Não chega perto de mim, me deixa em paz... — esbravejei com
lágrimas nos olhos, enquanto ele ria e se masturbava, quase encostando no
meu rosto. — Sai daqui, seu nojento, seu monstro...
Eu gritava, chorava ao ponto de soluçar, mas nada fazia ele parar.
Parecia sentir prazer em ver o meu desespero, que aumentou quando ele fez
a volta e se aproximou de mim.
— Você não pode me estuprar, seu doente. Eu sou sua filha... — Eu
insistia, em absoluto desespero, mas era inútil para alguém mau-caráter
como ele. — Afrânio, pelo amor de Deus, não faz isso, por favor... por
favor...
Nesse instante, Bárbara apareceu na minha frente, segurou as
minhas mãos e pediu:
— Calma, meu amor! Vai ser rápido, eu tô aqui com você.
— O quê?
Não estava entendendo mais nada. Por que ela estava ali e por que
estava apoiando aquele monstro?
— Pronta, filhinha? Agora papai vai te mostrar quem manda.
Foi a última coisa que ouvi antes de ele se colocar entre as minhas
pernas.
Bárbara
Diana
Barbara
Toledo
Diana
Bárbara
†
Diana
†
Bárbara
Diana
Toledo
Diana
Bárbara
Diana
†
Bárbara
Bárbara
Diana
Bárbara
Quando Diana dormiu profundamente, saí devagar da cama e pedi
que Augusto cuidasse dela, caso acordasse, e ele concordou.
— Cuidado! — Ele disse e peguei a minha mochila no chão, saí
batendo a porta.
Vi Gabriel no hall do hotel. Ele se levantou rapidamente ao me ver e
saímos. Me deixou no local que pedi, me entregou uma pequena mala de
primeiros socorros e voltou.
Entrei no quarto e vi Afrânio na mesa, acordado, amarrado e
olhando para o teto. O local estava cheio de caixas de papelão, que usei
para apoiar minhas coisas. O olhar que ele me lançou foi assustador.
— Oi, tio, tudo bem? E aí como foi a experiência na prisão? —
perguntei enquanto abria a mala que Gabriel me deu e tirava dela um jaleco
branco.
Silêncio.
Ele apenas ofegava como se trocar uma ideia comigo fosse piorar a
situação dele.
— Eu imagino que lá deva ser bem foda ou não teria fugido, né?
Mas acho que foi uma péssima ideia, tio. Lá tu tava seguro, cara. Que
merda tem na cabeça?
— O que vai fazer, sua louca? — esbravejou, finalmente.
Coloquei meu jaleco, as luvas, a touca. A máscara amarrei só a parte
de baixo e a deixei caída sob o meu queixo.
— Sua doente!
— Vamos brincar de médico. Eu serei a doutora Bárbara Perroni,
cirurgiã. E você, o meu paciente.
— Desgraçada. Vai se tratar. Sua louca, doente.
— Sou, né? — concordei e estalei a língua no céu da boca. — Sabia
que me sinto melhor sempre que um verme como você morre? A morte de
vocês é meu remédio. E hoje pretendo tomar uma bela dose.
— Você não vai ficar impune, sua desgraçada. Tenho pessoas que
vão atrás de você.
— Eu sei e é por isso que vou infernizar tua vida no inferno
também, pois vamos os dois pra lá hoje. — avisei e apliquei uma anestesia
no abdome dele.
— O que vai fazer?
— Uma toracotomia. — disse, sorrindo, me deliciando com seu
desespero. — Sabe, tio, a gente vira quase doutor assistindo séries médicas,
sofre, mas aprende muitos termos da medicina. A Diana me fala várias
coisas também, assisti algumas coisas no YouTube. Aquele período nas
mãos da Ingrid me deram o prazer de ter tempo de assistir várias séries de
tevê, e as que mais gosto são as policiais e os dramas médicos. Então pode
ficar tranquilo, eu sei o que estou fazendo. — garanti enquanto puxava uma
bandeja com instrumentos cirúrgicos. — Estou tão nervosa, é minha
primeira cirurgia...
— Sua louca! Socorro.
— Ninguém vai te ouvir, mas você vai atrapalhar o meu trabalho se
ficar gritando assim. Não quero que nada dê errado ou minha carreira já era,
tipo a tua, que devia nem ter começado, né? Adoraria ouvir teus berros
como faz com as pessoas, mas vou me privar disso. — Puxei a câmera e
posicionei sobre o abdome dele, que se viu no monitor.
— Tudo bem, eu deixo vocês em paz, eu sumo e nunca mais vocês
vão ouvir falar de mim, eu juro. Prometo, mas para o que está fazendo...
— Meu querido, tudo isso aí que você prometeu já vai acontecer
depois que eu terminar essa operação. Então seja mais convincente. —
Peguei um barbeador e espuma e enchi a barriga dele. — Você achava
mesmo que eu ia atrás da Diana sozinha? Ela foi impulsiva, não tem
malícia, mas eu não sou assim. Tenho suporte de várias pessoas... e outras
várias físicas também. — comentei, depilando a pança dele. — Ninguém
me deixaria fazer uma coisa dessas, então você foi bem burro. — Bati o
barbeador na beirada da maca e limpei a barriga com um pano.
— Quer dinheiro? Eu tenho dinheiro, me diz quanto e você terá?
— Não quero dinheiro. Vou te dar mais uma chance de negociar, tá
bom? — avisei e peguei uma bomba na mochila e coloquei ao lado.
Peguei vários explosivos e fiz essa bomba. Não testei, é lógico, e
nem vou contar como fiz porque já peguei de professora de criminoso,
então você que tá lendo, não vai saber como construir uma bomba por
mim, ok? Agradeço a compreensão.
— Acredita que não me deram sequer uma enfermeira para me
ajudar aqui. Injustiça. — avisei, debochadamente enquanto colocava tudo o
que ia usar bem perto de mim. — Pó hemostático, linha para sutura,
seringas de adrenalina, para o caso de precisar. Hum, acho que está tudo
aqui. Se eu for pega pela polícia, o mundo desaba, mas não conto que o
Gabriel me ajudou. E você fique de boca fechada, hein? X-9 morre cedo...
— Me diz o que você quer? — perguntou novamente tremendo,
suando, ofegando de desespero.
— Quero a mãe da Diana de volta. Devolva todo o dinheiro que
roubou do povo brasileiro esses anos todos...
— Isso é impossível, você não está me dando chance real. O que vai
fazer? Faz logo de uma vez...
— Sabia que você é o primeiro a ter pressa pra morrer? É
decepcionante! Mas vou ser breve. Diana está me esperando, está
abaladinha demais. — Passei o dorso da mão na testa, secando suor. —
Você já ouviu falar em névoa rosa?
Ele se debateu quando me viu passar o afiado bisturi na barriga dele.
E gritou usando todas as suas forças. Peguei massinha de modelar e mandei
abrir a boca.
— Louca, desgraçada. — disse por entre os dentes.
Usei o velho truque e provoquei dor, enfiei a massa na boca dele e
tapei com fita. Peguei o bisturi e o ouvi emitir um gemido por baixo da
massa.
Usei o pó para estancar o sangramento e notei que só o pó, por
maior que fosse a quantidade, não o impediria de morrer de choque
hipovolêmico em poucos minutos.
Agi rápido e consegui fazer o que eu queria. Coloquei a bomba
dentro do abdome dele e fechei. Mesmo fraco, ele ainda se debatia, lutando
contra as minhas ações. Segundo Gabriel, o efeito daquela anestesia
passaria em pouco tempo. Então ele sentiria o prazer de virar névoa.
Comecei a me desmontar de doutora Bárbara, joguei tudo dentro da
mala e peguei a minha mochila. Vesti meu casaco com capuz. Verifiquei se
estava com tudo que precisaria levar de volta. Tinha apenas cinco minutos.
Peguei um galão de gasolina e espalhei por lá, joguei na mala que usei para
levar os instrumentos cirúrgicos também e na minha mochila.
— Adeus! Você foi ótima! — disse para a bolsa, ainda ouvindo os
gemidos do velho com os segundos de vida contados.
Joguei o combustível em tudo. Arranquei a fita da boca dele, retirei
a massa com ajuda de um bisturi e saí. Olhei em volta e não vi ninguém.
Ouvi os gritos do desgraçado enquanto corria. Pulei a fita zebrada e
consegui me afastar uns quatrocentos metros até ver a casa da Nilza ir pelos
ares.
Engoli saliva ofegando. Todas as coisas do terceiro andar da casa da
Ingrid estavam ali dentro. O sobrado da Eulália estava à venda. Nilza foi
morar na casa do Silvio para cuidar dele e sua pequena casa virou depósito
de tralha.
— Agora é uma fogueira!
Eu estava completamente eufórica. Emiti um grito vibrante olhando
para o céu, de braços abertos para liberar aquela adrenalina. Respirei
profundamente e peguei o celular. Gabriel chegou cinco minutos depois.
Arregalou os olhos ao ver a fumaça subindo com a ajuda das chamas.
— Você destruiu a casa?
— Vamos embora, preciso ver a Diana...
— Como foi? Eu tô louco pra saber? Fiquei aqui perto esperando
você ligar...
— Vai continuar louco. — Encerrei o assunto e ele deu partida.
— Sério, cara?
Não falei mais nada. Chegamos ao hotel, fui direto para o banheiro.
Tomei banho e me deitei ao lado da Diana que dormia. Ela se mexeu e a
beijei com carinho, acalmando-a. Senti seu abraço apertado e fiquei ali
ouvindo seu coração bater tranquilamente enquanto o meu se acalmava.
Quando acordamos Augusto mostrou o noticiário da noite avisando
sobre a fuga de Afrânio.
Eu estava no colo da Diana, que me abraçava por trás no sofá, vendo
as imagens da fazenda Dorneles na hora da invasão da polícia.
— A polícia invadiu uma fábrica da fazenda Dorneles, na zona
rural do município de Vila dos Lírios/SP, cativeiro onde o ex-senador
Afrânio Sobreira mantinha a médica Diana de Castro Sobreira, sua
sobrinha, sequestrada a mando do próprio ex-senador, na noite de ontem,
em frente ao hospital Bueno Sanchez, onde ela trabalha. Afrânio estava
preso e após passar mal foi levado a um hospital municipal da capital
paulista, de onde foi resgatado por comparsas. As investigações continuam
para descobrir como a fuga ocorreu. Durante a invasão, a namorada de
Diana, Bárbara Perroni, desobedeceu às orientações das autoridades e
tentou, sozinha, resgatar a jovem médica. Infelizmente, ainda não se sabe
como, ela acabou sendo morta por um dos bandidos.
Eu saboreava aquela notícia como quem come manga madura.
— Infelizmente, Afrânio Sobreira conseguiu fugir. A doutora Diana
passa bem, em casa, mas está desolada e não quis falar com a nossa
equipe. Apenas avisou que vai deixar o país, não confia em nossa
segurança pública. Quem confia, não é mesmo? Diante de tudo o que
aconteceu, fica bem difícil confiar em qualquer justiça daqui, mas vamos
acreditar que o Afrânio será encontrado, voltará para a prisão e pagará
por todos os seus crimes.
Diana me apertou e beijou meu rosto carinhosamente. Limpou o
próprio rosto, estava em lágrimas. Beijei sua mão e sussurrei:
— Eu te amo!
— Também te amo muito. — Engoliu saliva e meneou a cabeça. —
Isso nunca vai acabar? Quase morri só de pensar que aquele maldito estava
com você.
— Acabou. — garanti e me virei para encará-la.
Limpei seu rosto com os polegares.
— Aquele maldito nunca mais vai tirar nossa paz.
Ela me apertou em si e suspirou profundamente. A próxima nota no
mesmo noticiário foi sobre o falecimento de Silvio, no hospital.
— O fazendeiro estava com um avançado câncer no pâncreas e não
resistiu ao tratamento tardio. Segundo a polícia de Vila dos Lírios, quando
o encarregado da fazenda Dorneles, Altamir Oliveira, morto na ação da
polícia, permitiu a entrada de Afrânio e seus comparsas, Silvio Dorneles já
estava hospitalizado.
Ela foi contar sobre a vida de Silvio, que era pioneiro na região dos
Lírios, começou como vendedor de lírios e se tornou o maior fazendeiro da
região.
Diana
Sim, é ela: Paola Abranches de um jeito que você nunca viu. Sem máscaras,
sem filtro... Nua e crua, à flor da pele...
Depois de figurar como coadjuvante em tantas histórias de Linier Farias e
Pippa Rivera, Paola finalmente conquistou um palco exclusivo para exibir
seu espetáculo.
Prepare-se para conhecer a aventuras vividas pela personagem mais
carismática de Pippaland em busca de um amor derradeiro para chamar de
seu.
Amores de Paola é muito mais do que uma coletânea de contos que se
entrelaçam. É uma história cheia de humanidade, que nos provoca a refletir
e nos ensina a enxergar a perfeição como algo relativo.
As Vidas de Um Amor
ROMANCE ESPÍRITA SÁFICO
Ângela Bueno Sanchez é uma médica de família rica e tradicional, que
mora no Rio de Janeiro. Independente e bem-sucedida, vê-se sentindo algo
inusitado, algo fora dos padrões que a sociedade estabelece, algo
abominável aos olhos de muitos, inclusive de seu pai. Ângela está
apaixonada por uma enfermeira, a quem devia odiar, de quem devia ficar o
mais longe possível, mas acaba notando que não consegue forças para
tamanha façanha.
Fabiana Andrade volta ao leito familiar depois de cometer um grande erro e
ser mandada para viver na Bahia com uma tia que a renega e a joga na rua.
Sendo assim, passa por várias provações até se arrepender totalmente. Em
meio à uma tragédia, reencontra e se encanta por Ângela, apesar de saber
que poderia despertar apenas seu desprezo.
Depois de sucessivas vidas de desencontros e ganâncias, as duas almas se
encontram novamente para viver um amor inesquecível, inabalável, que
nem a maldade humana foi capaz de destruir.
Junto com essa nova chance vêm também todos os seus algozes do passado.
Será que munidas apenas de sentimento puro, serão capazes de viver esse
amor?
Lua Cheia
O perigo pode estar onde você menos espera!
E isso é o que Rebeca, uma atendente de restaurante de beira de estrada
descobre nas noites de lua cheia, na pacata e misteriosa São Lívio. A
atendente vive com a esposa, a professora Glenda, e já está acostumada a
ouvir histórias assustadoras dos clientes caminhoneiros. Porém, Rebeca se
vê aterrorizada ao presenciar vítimas muito próximas de tragédias que são,
até então, inexplicáveis.
Estranho
Estranho é pensar que o amor verdadeiro pode ser tão facilmente posto em
xeque.
Erley é um jovem estudante de Direito, que mora com os pais; conhece
Leonel, um assistente administrativo, durante um estágio em uma empresa
de advocacia. Os dois se apaixonam e vivem um relacionamento intenso,
mas precisam enfrentar um grande inimigo.
Um grande sentimento é capaz de suportar o desconforto de 'reiniciar'?
Sobre o autor
Linier Farias
Linier Farias é amante das comedias românticas. Começou a escrever
literatura com temática de amor entre mulheres em 2017, seguindo tal
gênero com uma pitada de drama e sempre priorizando o final feliz.
Sua primeira história foi Amor... E Outros Dilemas, abordando o tema
violência doméstica. No ano seguinte, nos entregou a cômica e sensual
história de amor entre Alice e Isabela, em If(true){love}; //O Código da
Atração.
Em 2020 venceu o prêmio Wattys, na categoria Mistery & Thriller, com
Janela Quebrada (2019), história que escreveu em parceria com Pippa
Rivera. Em 2022 nos presenteou com O Amor Está No Ar, Salve-Se Quem
Puder e Selfie Sem Filtro, história que a desafiou a sair de sua zona de
conforto e escrever sobre um tema polêmico, o qual não possui lugar de
falar: transgeneridade. E recentemente mais uma parceria com Pippa Rivera
em Amores de Paola. Em dezembro de 2022, lançou Traiçoeiro em parceria
com Diedra Roiz.
A cearense, devoradora de romances, é casada e vive em Fortaleza com a
esposa, a filha de três anos e a filha de quatro patas.
Livros deste autor
Traiçoeiro
Desde o dia em que soube do suicídio de sua namorada, vinte anos atrás,
Paula largou a condução de sua vida à mercê da inércia. Até conhecer a
jovem Bruna, sua aluna, uma cópia fiel da primeira e única mulher que
amou.
Amores de Paola
Sim, é ela: Paola Abranches de um jeito que você nunca viu. Sem máscaras,
sem filtro... Nua e crua, à flor da pele...
Depois de figurar como coadjuvante em tantas histórias de Linier Farias e
Pippa Rivera, Paola finalmente conquistou um palco exclusivo para exibir
seu espetáculo.
Prepare-se para conhecer a aventuras vividas pela personagem mais
carismática de Pippaland em busca de um amor derradeiro para chamar de
seu.
Amores de Paola é muito mais do que uma coletânea de contos que se
entrelaçam. É uma história cheia de humanidade, que nos provoca a refletir
e nos ensina a enxergar a perfeição como algo relativo.