Você está na página 1de 93

DA~~y RIBEIR

"
• ••

Ili ,

• -
..

'

'

..
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org
,

• •
'
FEIÇÃO prática de policiamento e nas
A da nova política
indigenista se assentou
grandes obras civis. A
Comissão Rondon f ôra
na experiência pessoal uma aplicação prática,
de Rondon, acumulada consciente, das idéias
em vinte anos de ati- de Comte no terreno
militar: a utilização
vidades nos sertões de
Mato Grosso. Positivis- pacífica do exército
ta militante, orientara no desbravamento dos
tôda a sua vida de sertões interiores, na
acõrdo com os postu- construção de obras
lados de Augusto Com- civis, como a linha te-
te. Oficial recém-for- • legráfica, na realiza-
ção de objetivos hu-
mado. recusara uma
cátedra na Academia manísticos. como a 1>ro-
Militar, escolhendo, pa- teção ao índio. É, pois,
ra atuar, o setor onde de Comte que vem a
poderia mais eficaz- inspiração para esta
mente imprimir à tro- epopéia dos sertões bra-
pa sob seu comando, sileiros: um corpo de
uma feição construtiva tropa que, avançando
e pacífica, tal como em território habitado
Comte propugnara pa- por índios hostis, se
ra o advento do Esta- nega a fazer uso das
do Positivo, quando os armas, mesmo quando
remanescentes dos an- atacado, em nome de
tigos exércitos serian1 um princí11io de jus-
utilizados em funções tiça.

'
.. 1

'

FEIÇÃO prática
A da nova política
indigenista se assentou
na experiência pessoal
de Rondon, acumulada
em vinte anos de ati-
vidades nos sertões de
Mato Grosso. Positivis-
ta militante, orientara
tôda a sua vida de
• A POLlTICA INDIGENISTA
acôrdo com os postu- BRASii.EIRA
lados de Augusto Com-
te. Oficial recém-for- I

mado, recusara uma


cátedra na Academia
Militar, escolhendo, pa-
ra atuar, o setor onde
poderia mais eficaz-
mente imprimir à tro-
pa sob seu comando,
uma feição construtiva
e pacífica, tal como
Comte propugnara pa-
ra o advento do Esta- ...
do Positivo, quando os
remanescentes dos an-
tigos exércitos seriam
utilizados em funções


..


A POLÍTICA INDIGENISTA
BRASILEIRA

DARCY RIBEIRO

BRASIL - Rio DE JA.NEmo


MINISTÉRio DA AGRICULTURA
SERVIÇO DE INFORMAÇÃO AGRÍCOLA
1962

• •
'

ATUALIDADE AGRÃRIA •
. SUMARIO
N.0 1 I

Pág.
1 - Os fundamentos ideológicos . . . . . . . . . 7
~atequese ou proteção .. ......... . is./
-... O Serviço de Proteção aos 1ndios .. . 2i-.----
,

II - 50 anos de atividades indigenistas 42


O problema da terra ....... . .... . 100
Estatuto jurídico do 1ndio ..... . . . 104
Doença, fome e desengano . ...... . 122

III - As tarefas da proteção aos índios .... . 133


O problema indígena brasileiro ... . 133
Recomendação para a Ação Protecio-
nista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143
1. Garantia da posse das terras indi-
genas ........ .... . .. .... ...... . 143
2. Organização da economia tribal .. . 146
' 3. Estatuto jurídico do índio ..... . . . 150
4. Assistência médica . ..... ....... . 152
5 . Educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155
6. tndios das Fronteiras . ....... . . . . 158
7. Pacificação de Tribos A1Tedias .. . 160
8. Missões religiosas .... . .. . . . .... . 161
9. Orientação Científica ..... . ... . . . 164
10. Um Museu contra o preconceito .. 169

B·br · f•1a cita


1 1ogra • d a .... .......... . . . ..... . 171


7

1
OS FUNDAMENTOS IDEOLôGICOS

Nos primeiros vinte anos de vida republicana


nada se fêz para regulamentar as relações com os
índios, 1 embora neste mesmo período a abertura
de ferrovias através da mata, .a navegação dos rios
por barcos a vapor, a travessia dos sertões por linhas
telegráficas, houvessem aberto muitas frentes de
luta contra os índios, liqüidando as últimas possi·
bilidades de sobrevivência autônoma de grupos

tribais independentes .
Em 1910, ano da fundação do Serviço de Pro·
teção aos lndios, largas faixas do território nacional,
que podiam ser alcançadas com um a dois dias de
viagem, a partir de algumas das principais cidades
brasileiras, como São Paulo, Vitória, Ilhéus, Blu·
menau, estavam interditadas a qualquer atividade
econômica pelas lutas sangrentas que levavam tri·
bos inteiras ao extermínio. As notícias dessas lutas
ocupavam todos os jornais, eram discutidas nas
assembléias legislativas, nas associações científicas
e instituições filantrópicas, tôdas elas exigindo pro·
------S6 uma unidade da Federação. o Rio Grande do Sul, criara
1
• um serviço de assistência aos índios para subst ituir a repartição
•• oficial que, no Império. cuidava do problema. Assim, os índios do
Sul tiveram suas terras . asseguradas e um mínimo de assistência .


- '8 - -· 9 -

vidências imediatas. O Presidente da República con· enérgicas, capazes de garantir a vida dos colonos.
vocava reuniões de ministros para estudar a conve· O exte!ffiÍnio dos í~ios era nãg__só praticado mas
t niência de mandar fôrças do Exército para pôr côbro defendi o e reclal!!.~âo C9mO o _remédio inrusr:n-
àqueles conflitos. As populações das zonas pioneiras sável à segurança dos gue "construíam umã civili-
exigiam medidas capazes de assegurar a conclusão zação no interior do Brasil".
• de estradas de ferro e de garantir a vida dos serta· Entretanto, a população citadina, distanciada
nejos que conquistavam novas matas para as plan- não só geográfica mas historica~ente das fronteiras
tações de café e dos colonos estrangeiros a quem de expansão, e desligada dos interêsses que atiça-
haviam sido entregues terras habitadas por tribos vam os chacinadores de índios, já não podia aceitar
hostis. o tratamento tradicional do problema indígena, a
ferro e fogo. Abria-se um abismo entre a menta-
~ra esta a situação da Estrada de Ferro No·
lidade das cidades e a dos sertões. Enquanto, para
roeste do Brasil, interrompida algumas léguas adi- os primeiros, o índio era o personagem idílico de
ante da capital de São Paulo pelos índios Kai·ngáng, romances no estilo de José de Alencar ou dos
que infundiam o terror numa frente de SOO quiló- poemas ao gôsto de Gonçalves Dias, ou ainda, o
metros ao longo daquela ferrovia e na região ancestral gene_roso e longínqüo, que afastava tôda
compreendida entre os rios Tietê, Feio, do Peixe suspeita cfe negritude, para o sertão, o índio era
e Paranapanema. a fera indomada que detinha a terra virgem; era
A situação era igualmente grave nas matas do o inimigo imediato que o pioneiro precisava ima-
sul do rio Doce, tanto no Estado de Minas como ginar feroz e inumano, a fim de justificar, a seus
no do Espírito Santo. Aü os Botocudos se opunham, próprios olhos, a própria ferocidade.
de armas na mão, ao .devassamento do seu terri- O movimento que levaria à criação de um
tório tribal. A colónia italiana de São Mateus via-se órgão oficial incumbido de tratar do problema co-
1

na iminência de ser abandonada. meça pelas campanhas da imprensa. A princípio


1~ Nas· matas de araucárias dos Estados do Pa-
são simples descrições de chacinas e apelos por
providências do govêmo. Aos poucos se avoluma,
raná e Santa Catarina, os índios Xo·kl.eng eram ganha adeptos dedicados que fundam associações
chacinados por bugreiros profissionais, estipendia- destinadas a defender os índios. Por fim empolga
dos por sociedades colonizadOl"as e pelos cofres as classes· cultas do Pais; e o índio, até então es-
públicos, para expulsá-los das terras em que sempre quecido, torna-se o assunto do dia, - na imprensa,
viveram e que haviam sido destinadas a imigrantes nas revistas especializadas, nas instituições huma~
alemães e italianos. As legações dêsses países e a nitárias, nas reuniões científicas. No Congresso de
1 imprensa de suas capitais exigiam providências Geografia, realizauo em 1909, já é a questão mais
1


-10- - 11 - -
., vivamente debatida e objeto de quatro alentadas outro meio, de que se possa lançar mão, senão o
teses. 2 1seu extermínio". ( 1907 : 215)
Para esta tomada de consciência do problema, ( Esta proposição causou a mais violenta revolta
contribuíram ponderàvelmente as conferências do em todos os círculos, provocando uma série de con-
G~nerªl Rondon aue, de volta d~ suas expe.Qiç_õeS_, , testações que contribuíram largamente para a t<!-
revelava à gente as _cida<les UJllª imagem nQ.ya do mada de posição diante do problema e, sobretudo,
í_ndio verdadeiro queJ guardaya_a in~rvenção sal- para a divulgação dos métodos persuasórios desen-
vadora do Govêrno. Foi êle quem substituiu a f1- volvidos por Rondon. Todavia, a tese de von
gura de Peri pela de um Nambikuá,ra, ~guerrido e Ihering não era mais que a expressão, em letra de
'.
altivo.!- o~ pêla dos ~p'Kiríwâ~ encantados _Cõ.!11 os fôrma, de uma atitude secular, profundamente e~­
instrumentos supercortantes da civilização,., ou ainda 1
raizada em tôdas as zonas onde sobreviviam índios
1
dos Umotina, dos Ofaié e tantos outros, levados hostis ou arredios. Acontec~, porém,_quL o índio

i ~ extremos de penúria pela perseguição inclemente


que lhes moviam, mas, ainda assim, ~fãrendo ·cóm'o-
ventes esforços para confraternizar com o branco.
s~ tornar! -.!!_m _jos temas predi.!&s_ <!! _literatiírá
!!acional mais consumidã àquela !Foca. Não aq~}ê
índio que viviã e morria caçado nas matas,-mas ..õ
Contribuiu também para J>olarizar a opinião bom selvagem inspirado em Rousseau ou em Cha-
pública em tôrno da questão indígena a morte, pelos t~aubri-ªUQ· E_er,a a êste índio idílico, persõnage_m
Kaingáng, em 1901, de um padre muito relacionado de romance ameno, que o leitor de jornal via tru-
nas camadas mais altas de São Paulo, monsenhor cidar no artigo de von Ihering.
Claro Monteiro, que fôra tentar sua pacificação. Como compreender atitude tão radical em
Paradoxalmente, um dos pronunciamentos mais von Ihering um dos que mais haviam contribuído,
decisivos para a fundação do Serviço de Proteção em seu tempo, para o desenvolvimento da etnolo-
aos lndios foi um artigo de um cientista de renome, gia brasileira e até dos primeiros a tomarem cons-
Hermano von lhering, Diretor do Museu Paulista, ciência da gravidade da questão indígena? Para
defendendo ou justificando o extermínio dos índios compreendê·lo, é preciso ler co~ êle, na língua
hostis. Sumariando a situação dos aborígenes do materna, o "Urwaldsbote", jornal em que os co-
Í Brasil meridional e suas relações com imigrantes, lonos alemães de Santa Catarina narravam seus
concluía Ihering que, não se podendo esperar dêles padecimentos e clamavam por soluções drásticas,
qualquer contribuição para a civilização e sendo, que pusessem côbro aos ataques dos Xokleng. Um
1.
1
1
ao contrário, "um impecílio para a colonização das artigo daquele jornal, citado pelo próprio von
regiões do sertão que habitam, parece que não há Ihering, expõe êste programa: "Se se quiser poupar
os índios por motivos humanitários é preciso que
11 Ve r Annaes do Primeiro Cong1'6no Brarileiro de GeogTa/ia,
J 911 . se tomem, primeiro, as providências necessárias


- 12 - - 13 -

para não mais perturbarem o progresso da coloni- população mais bem dotada, os mais fracos devem
r zação. Claro que t6das as mediôas a empregar ceder lt1gar, por um imperativo das leis naturais
devem calcar-se sôbre êste princípio: em primeiro da evolução, do progresso. Nesta ordem de racio~
lugar se deve defender os brancos contra a raça cínio, von Ihering chega a ver ameaçada a própria
vermelha. Qualquer catequese com outro fim não civilização, "A marcha ascendente de nossa cultura
serve. Porque não tentar imediatamente? Se a está em perigo, é preciso pôr côbro a esta anorma-
tentativa não der resultado algum, satisfizeram-se lidade que a ameaça". ( 1911 : 113) .
as tendências hun1anitárias; então, sem mais prestar
ouvidos às imprecações enfáticas e ridículas de ex-
travagantes apóstolos ht1manitários, proceda-se co- CATEQUESE ou PROTEÇÃO
mo o caso exige, isto é, exterminem-se os refratários
à marcha ascendente da nossa civilização, visto ~n1 meio a êstes debates, o País toma consci-
como não representam elemento de trabalho e de ência do problema indígena, definin.Çlo-s.e logo duas
progresso". E von Ihering, de quem colhemos a ci- correntes opostas. Uma, religiosa, que defendiá a
tação, arremata, compadecido: "quem escreveu estas catequese cató~ica como a única. s~Iução comP.atível
linhas anceia por uma solução, humanitária ou não". com a formaçao do povo brasileiro. Outra, leig~,
(1911: 137) argumentava que a assistência protetora ao índio
Sua predileção evidente pelo colono é que o competia privativamente · ao Estâdo. Sendo êste
fazia estranhar a "predileção sentimental do brasi- leigo, leiga devia ser a assistência, mesmo porque
leiro, em favor dos índios que são um escollio 1nai~ de uma religião era professada pelo povo e
imenso a transpor". ( 1911 : 113) itle que não tein ?ªb~a assegurar ao índio plena liberdade de consci-
um comentário para o índio caçado pelos colonos en~1a para, uma v~z capaci~ado, escolher sua pró-
em suas choças, se apiada e se revolta contra a im- pria f e, e bem assim garantir a tôdas as confissões
punidade do selvagem em~nhado na "matança sem religiosas o direito de fazer prosélitos entre êles.
peias dos pioneiros da civiliz.ação". ( 1911 : 113) O A catequese era defendida em nome da "expe-
sistema de catequese que propõe s6 tem de novi- riência secular e única dos missionários, no trata-
dade a equiparação legal do índio hostil ao cidadão !:1ento de pr~blemas !ndígenas", reconhecendo
brasileiro das cidades, para efeito de punição dos · . . ~a fé crista a fôrça .unica capaz de tão e.levado
crimes que comete. cometimento, a fonte inexaurível de devotamento
Por outro lado, esta situação de conflito entre de abd~~ação até o sacrifício, sem o que essa cru~
índios e colonos, enquadrava-:se muito bem no e·s- zada · ícil se não realizará".ª Tais argumentos
quema conceituai de von Ihering, seu evolucionis- eram apresentados ao lado de descrições ·grandilo-
-------
mo haeckeliano, da competição-vital: diante de uma 3
T heodoro Sampaio, 1901 : V
- 14 - - 15 -

qüentes da obra da Companhia de Jesus n~ ~ara­ tanejas, sempre carecentes de sacerdotes e junto às
quais encontravam maior compreensão e maior
guai, e demonstrações do mal?~º das adn:iin1stra- confôrto.
ções civis criadas pelo Imper10: E?1. artigos ~e Foi o que ocorreu com as missões de padres
jornal, em teses nos congressos c1~ntíf1co~, . nas ca- capuchinhos criadas para pacificar os índios hostis
maras legislativas, o pünto de vista rel1g1oso .e~a de São Paulo, Santa Catarina, Minas Gerais e Es-
apresentado nesses têr~o~, sempr: ~om. a ~revi~ª? pírito Santo, os quais, embora recebendo estipên-
de que qualquer tentativa de assistenc1a nao drr~­ dios do Estado para esta obra, jamais a ela se de-
gida pür sacerdotes católicos estaria fadada ao mais dicaram reahnente. (Frei Fidélis M. Primério,
completo fracasso. 4 • • _ 1942). Deu-se o mesmo com os dominicanos que
Nessas discussões ja1nais se analisava a situaçao se propuseram catequisar os KayaP.Ó Meridionais,
real dâs missões religiosas que subsistiam. As van- os Karajá, os Xerente e os Krahd do Tocantins.
tagens do sistema eram apregoadas com e~e~plos O mesmo ocorreria, nos anos seguintes, com os
do passado mais remoto. Era como se e~~ti~sem s:alesianos, primeiro em Mato Grosso, depois no
centenas de santos homens, prontos para iniciar a Amazonas. Quase tôdas essas missões se dissolveram
catequese, desde que o Govêrno lhes assegurass.e nas\tlesobrigas através de vastas regiões sertanejas,
acabando por esquecer ou relegar a um plano
a necessária ajuda financeira. Entretanto, há m~is
secundário os propósitos para os quais foram
de um século parecia ter-se quebrado o ferv_or mis- criadas. 5
sionário do clero católico. Dezenas de pedidos •
de
• • Em todo o século XIX nenhuma missão religiosa
padres catequistas feitos pelos governos provu:icia~~ realizara uma ·só pacificação de tribo hostil; no en-
para atender tanto a índios hostis como a índios 1ª tanto, continuavam apregoando sua exclusiva capa-
civilizados, deixaram de ser satisfeitos pelas or~ens cidade para êsses empreendimentos. As poucas
religiosas por não contarem com pess~al para ist~. missões que realmente atuavam entre índios haviam
E nos poucos casos atendidos, os clérig~s en~~­ caído a um nível muito baixo. Mesmo onde havia
nhados às províncias eram de tal sorte inqual1fic~­ 11 l!: o caso da missão dominicana de Goiás e do Sul do Parai.
dos para os misteres da cate<l;ues.e, que ~~~co depois Seu principal centro missionário, Conceição do Araguaia, é boje
uma cidade. Ocorre, porém, que os índios Kayapó, objeto de seu
se desmoralizavam perante indios e c1v1liza~os. Já desvêlo, morreram todos sem deixar descendentes e os padres passa-
então a maioria dos padres entrados no Pais,. d~s­ ram a cuidar dos sertanejos que se haviam localizado junto a
missão e hoje constituem todo o seu rebanho.
tinados à catequese de índios manifestava ~ec1dida Os índios Krohc1 e Xerente foram também objeto de assistência
missionária, mas na competição que se estabeleceu com os criadores
preferência pelo trabalho junto às populaçoes ser- de gado atraídos para junto da missão, acabaram sendo expulsos
de suas t erras. Aquêles índios vivem, hoje, nas terras que lhes
- - - ;-cf. o excelente ensaio histórico sôbre as oriiens do Serviço restaram, sob o amparo de Postos de Serviço de Proteção aos
t ndios.
de Proteção aos tndios, de David Staufuer ( 1955) ·
- 16 - - li -

fervor e dedicação, como parece ter ocorrido com e filhos, môças e rapazes. A represália imediata,
os dominicanos de frei Gil, no Araguaia, os métodos contra inocentes e culpados, revestiu-se de requin-
utilizados punham tudo a perder. Vell1os erros repe- tes de crueldade da parte de sertanejos e índios
tidos através de gerações levavam uma tribo após Canelas, para isto aliciados. Vinte anos depois,
outra ao mais alto grau de desajustamento, sem que os índios remanescentes da missão de Alto Alegre
os missionários tomassem consciência do papel que ainda escondiam sua identidade, apavorados com o
sua própria intolerância represe11tava 110 processo. que lhes poderia suceder, se fôssem descobertos
Em quase tôdas as missões haviam estourado con- ( S. Froes de Abreu, 1931 : 219). 7
flitos entre índios e missionários que eram atribuí- Assim se vê que, for antes o malôgro das mis-
dos de forma simplista, à rudeza do índio mal-agra- sões religiosas que pontos de vista doutrinários que
decido e irremediàvelmente inapto para a levou à adoção da assistência leiga, sem preocupa-
civilização. ção de proselitismo religioso, assegurando-se, toda-
Os salesianos, aos quais fôra entregue em 1894 via, ampla liberdade de catequese a tôdas as
a Colônia Tereza Cristina, onde viviam os Boróro confissões religiosas. .
do Rio São Lourenço, com êles se incompatibiliza- A formulação desta nova Rq_lítica indigenistâ'
ram a ponto de a Colônia ser abandonada illos coube principalmente aos p9,sitjvistas 8 que oasea-
índios e os missionários serem compelidos a aceitar dos no evolucioriismo humanista êlê Augusto Comte,
sua expulsão (Alípio Bandeira, 1923 : 75) . propugnavam pela autonomia das nações indígenas
Em 1893, os . capuchinhos, que catequisavam na certeza de que, uma vez libertas de pressões
índios Pojixá em Itambacuri, Minas Gerais, foram externas e amparadas pelo Govêmo, evoluiriam es-
atacados por seus catecúmenos, levados ao deses- pontâneamente.
pêro. O assalto fracassou, mas os índios fugiram Segundo o modo de ver dos positivistas, os
para as matas do Mucuri onde foram caçados por índios, mesmo permanecendo na etapa "feitichista"
sertanejos revoltados contra o insólito ataque aos do desenvolvimento do espírito humano, eram sus-
piedosos missionários . 6 ceptíveis de progredir industrialmente, tal como,
Em 1901, cinco padres franciscanos e nove na mesma etapa, haviam progredido os povos an·
freiras que dirigiam uma inissão de catequese dos dinos, os egípcios e os chineses. Para tal resultado,
índio Guafafara, em Alto Alegre, ~.funicípio de o que cumpria fazer era proporcionar-lhes os meios
Barra do Corda, no Maranhão, foram trucidados de adotarem as artes e as indústrias da sociedade
pelos índios revoltados com a separação de pais ocidental. Assim, não cabia ao govêrno qualquer
----- ----11
Ver, tamWm. Fernando Pinto do Macedo, S.J., 1919: 1-117.
• Cnrta do engenheiro J<>M Mariano do Oliveira - /ONUJI do
Combcio, 9-VI-1893. Ver. também, Frei Jacinto Palazzollo, 1954: • Publicaçôel ns. 253. 276, 294, SOO 305, 333, S34, ~l
.2 52-261 . e 349 do Apostolado Positivista do Brasil. • ·
- 18 - - 19 -

atividade de catequese, que pressupõe o propósito Depois das jornadas de Rondon, da demonstra-
de conversão em matéria espiritual, para o que seria ção prática da validade de seus métodos persuasó-
~ecess~io existir uma doutrina oficial, religiosa ou rios junto a grupos aguerridos como os Nambikuára,
f1losóf1ca. O que se impunha era, pois, uma obra não podiam manter-se mais aquelas velhas teses por
de I?roteção aos ín?ios, de ação puramente social, tantos defendidas, da incapacidade do índio vara
destinada a ampara-los em suas necessidades, de- a civilização, da inevitabilidade do uso da fôrça
fendê-!os do extermínio e resguardá-los contra a contra o índio arredio e hostil; e a conjura, mais
1. opressao. manhosa ainda, segundo a qual, a dizimação dos
A feição prática da nova política indigenista povos tribais, conquanto lastimável, seria uma im-
se assentou na experiência pessoal de Rondon. posição do progresso nacional e, assim, historica-
acumulada em vinte anos de atividades nos sertões mente inexorável.
de Mato Grosso. Positivista militante, orientara Convidado para organizar e dirigir a insti~ição
tôda a sua vida de acôrdo com os postulados de federal de assistência aos índios, Rondon aquiesce
Augusto {&mte. Oficial recém-formado, recusara mas condiciona sua participação à aprovação, pelo
uma cátedra na Academia Militar, escolhendo, para Govêrno, dos princípios estatuídos pelos positivfst~s,
atuar, o setor onde poderia mais eficazmente im- na matéria. Como diretrizes para o novo orgao
primir à tropa sob seu comando, uma feição cons- Rondon reporta-se aos princípios compendiados e~
trutiva e pacífica, tal como Comte propugnara para 1822 por José Bonifácio de Andrada e Silva e ate
o advento do Estado Positivo, quando os remanes- então irrealizados:
centes dos antigos exércitos seriam utilizados em
funções de policiamento e nas grandes obras civis. 1.º) Justiça - não esbulhando mais os índios,
A Comissão_Ronpo1:.J fôra uma aplicação prática, pela fôrça, das terras que ainda lhes restam e de
consciente, das idéias de Comte no terreno militar: que são legítimos Senhores;
2.º) Brandura, constância e sofrimento de
a utilização pacífica do exército no desbravamento
nossa parte, que nos cumpre como a usurpadores
dos sertões interiores, na construção de obras civis,
e cristãos;
como a linha telegráfica, na realização de objetivos 3.º) Abrir comércio com os bárbaros, ainda
humanísticos, como a proteção ao índio. t, pois, de que seja com perda ·da nossa parte;
Comte que vem a inspiração para esta epopéia dos 4.º) Procurar com dádivas e admoestações fa-
sertões brasileiros: um corpo de tropa que, avan- zer pazes com os índios inimigos; . .
çando em território habitado por índios hostis, se 5.0 ) Favorecer por todos os meios possíveis º.~
nega a fazer µso das armas, mesmo quando atacado, matrimônios entre índios e brancos e mulatos.
em nome de um princípio de justiça. ( 1910 : 22-23)

'
.. •

- 20 - - 21 -

Na apresentação de seu progran1a indigenista, os e romanos eram de raça br~~ca, e não sei .ql!~
Rondon e sua equipe passam em revista as experi- ~ história tenha conservado noticia de gente pior .
ências práticas do passado e os estudos da questão ( 1940 : 283) . . " .
indígena no Brasil. Dentre êstes destacam os do Ge- E propõe, a seguir, .º s1stem~ de a~sistenc1a que
neral Couto de Magalhães, cujos esforços levados U1e parece mais conveniente. - i;; ensmar em cada
a efeito em meados do século passado, para assistir tribo alguns meninos a ler e a escrever, conservan-
aos índios Karafá e Kayapó do rio Araguaia, segundo do-lhes o conhecimento da língua materna, e, so-
os métodos tradicionais, êle próprio criticara num bretudo: não a:ldear nem pretender governar a
retrato clássico do índio catequisado: "i;;, por via de · tribo selvagem. Deixêmo-los c?m seus costumes, su.a..:
r~gra, . um ente degradado; ou seja _que Q sis~ema alimentação, seu modo de vida. A mupança mais
de catequese é mau, º1:! seja que o _esfôrçu dirigido rápida é aquela que só p~de ser operada_ com o
especialmente para consegu~ um_ !i<!mem~eligi~, tempo, e no decurso de mais de uma geraçao, pel~
se esqueça de desenvolver as idéias eminentemente substituição gradual das idéias e necessidad~s que
sociais do trabalho livre: ou seja por outra qualquer êles possuem no estado bárbaro, em ~~1?paraça? c~~l
cousa, o fato é êste: o índio catequisado é um ho- as que hão de ter desde que se c1vi11zem. Lim1te-
rr1em sem costumes originais, indiferente a tuCio e; mo-nos a ensinar-lhes que não devem matar aos de
portanto, à sua mulher e quase que à sua família" outras tribos. i;; a única coisa em que êles divergerr1
( 1940 : 146) . . essencialmente de nós. Quant_? ~ ,~ais,~ s~usxi CO!,:
Em outro contexto, Couto de Magalhães co1n- tumes, suas idéias morais, sua fam~ seu g_ene~o
pleta êsse retrato: "Coitados! t!:les não têm historia- de trL allio para ali!_nen~tse.l-~o mm~o pr~erlve1~
dores; os que lhes escreve~ a história ou são aquê- no estado : de bai:,baria em que ê1es se acliam, aos.
les que, a pretexto da religião e civilização, querem nõ ssos costumes que êles repelem enquanto podem,
viver à custa de seu suor, reduzir suas mulheres e e aos quais se não sujeitam senão quando enfra-
filhas a concumbinas, ou são os que os encontram quecidos por contínuas guerras, se vê!11_ e,i;itregar a
degradados por um sistema de catequese, que com nós para evitar a morte e a destru1çao . ( 1940 :
mui raras e honrosas exceções é inspirada por inó- 283-284)
veis de ganância ou da libertinagem hipócrita, .o
que dá em resultado uma espécie de escravidão que, o SERVIÇO DE PROTEÇÃO AOS 1NDIOS
fôsse qual fôsse a raça, havia forçosamente de pro-
duzir a preguiça, a ignorância, a embriaguez, a de- Dentro desta orientação foi estabelecido o Ser-
vassidão e mais vícios que infelizmente acompanl1am viço .de Proteção aos tndios .e Localiz~ção de Tra-
o homem quando se degrada. Os escravos dos gre- balhadores Nacionais, criadq ·pelo Decroto n.0 8 072,

'
- 22 - - 23 -·

de 20 de julho de 1910, e inaugurado a 7 de setem- pelo D ecreto n.0 9 214, de 15 de dezembro de 1911,
bro do mesmo ano. Previa uma organização que, fixou as linhas mestras da política indigenista bra-
partindo de núcleos de atração de índios hostis e sileira .
arredios, passava a povoações destinadas a índios Pela primeira vez era estatuído, como princípio \
já em caminho de hábjtos mais sedentários e, daí, de lei, o respeito às tribos indígenas como povos
' a centros agrícolas onde, já afeitos ao trabalho nos
moldes rurais brasileiros, receberiam uma gleba de
que tinham o direito de ser êles próprios, de pro-
fessar suas ·crenças, de viver segundo o único modo
terras para se instalarem, juntamente com sertanejos. que sabiam fazê-lo: aquêle que aprenderam de seus
Esta perspectiva otimista fizera atribuir, à nova ins· antepassados e .que só lentamente podia mudar.___,
tituição, tanto as funções de amparo aos índios Até então o índio fôra tido, por tôda a legisla-
quanto a incumbência de promover a colonização ção, como uma espécie de matéria bruta para a cris-
com trabalhadores rurais. Os índios, quando para tianização compulsória e só era admitido enquanto
isto amadurecidos, seriam localizados em núcleos um futuro não índio. Aquêle regulamento marca,
agrícolas, ao lado de sertanejos. pois, uma nova era para os índios. Por êle, a civili-
Nos anos seguintes esta regulamentação seria zação brasileira abre mão, ao menos em lei, do dog-
modificada em alguns pontos essenciais. Já em 1914, matismo religioso e do etnocentrismo que até então
reconhecendo-se a especificidade do problema indí- não admitia outra fé e outra moral senão a própria.
gena, o Serviço passaria a tratar exclusivamente dêle, Isto não significa que nivelassem as crenças, os há-
transferindo as atribuições de localização de traba- bitos e as instituições tribais às nacionais, mas que
lliadores nacionais para outra repartição governa- compreendia o relativismo da Cultura, que diferen-
mental. 9 tes formas de concepção do sobrenatural ou de or-
O regulamento baixado co1n. a lei de criação ganização da família atendem satisfatoriamente a
do Serviço, confirmado, com pequenas modificações I
seus objeitvos, cada qual em seu contexto histórico,
e que não podem ser substituídas uma pelas outras
• As modificações de caráter administrativo mantiveram, con-
tudo, as linhas gerais daquele Regulamento. As principais foram
abruptamente.
estatufdas pelo Decreto-lei n.0 3 454, de 6 de janeiro de 1918, Outro princípio de_importância fundamental
que transfere a outro serviço os dispositivos referentes a trabalha-
dores nacionais; a Lei n. 0 5 484, de 27 de junho de 1928, que
regula a situação jurídica dos índios; Decreto n.º 736 de 6 de
era a 'proteção ao índio em ;w-próprio território.
abril de 1938, que aprova, em caráter provis6rio, um 'nôvo regu- Punha-se côbro à velha pratica dos descimentos, que
lamento; Decreto-lei n.0 l 794, de 22 de novembro de 1939, que
cria o Conselho Nacional de Proteção aos lndios; Decreto n.º 10 652,
desde os tempos coloniais vinham deslocando tribos
de 16 de outubro de 1942. que aproya um novo regimento para de seu habitat para a vida famélica dos vilarejos
o Serviço de Proteção aos !ndios, posteriormente modifiéado pelos
Decretos ru. lt 317, de 27 de abril de 1943, e Decreto-lei n.0 17 684, civilizado·s. Esta técnica de "civilização do fndio~·
de 26 de janeiro de 1945. (Cf. Humberto de Oliveira, 1947, Adal- fôra utilizada, desde sempre, como a principal arma
berto Ribeiro. 1948 e Vicente de Paula Vasconcelos. 1939 a 1941 ). • •
(

-
- 24 - 25 -

do arsenal de desorganização da vida tribal. Unla rá-lo como um índio e a tratá-lo com todo o pêso
vez fora do ambiente em que se tinha criado e do preconceito que separa índios de sertanejo~.
ond~ ~ra .eficie!1te. se~ e<Juipamento de luta pela Tôda a ação assistencial deveria, doravante,
s':1bs1stenc1a, o m?10 dill.c1lmente poderia manter a orientar-se para a comunidade indígena como um
vida comunal e so lhe restava fugir ou submeter-se todo, no esfôrço de levá-la a mais alto nív~l de vida,
• aos seus dominadores. · através da plena garantia possess6ria, de carát
Pelo Regimento ficava também proibido o des- coletivo e inalienável, das terras que ocupam, co
11iemb~a111.en_to da família indígena, pela separação condição básica para sua tranqüilidade e seu de-
de pais e filhos, sob pretexto de educação ou de senvolvimento; da introdução de novas e mais efi-
tequese. Era outra prática secular que, embora cientes técnicas de produção e da defesa çonlTa
responsável por fracassos clamorosos e até por le· epidemias, especialmente aquelas adquiridas no con-
vantes sangrentos, continuava em vigor. Acredi- tato com civilizados e qué, sôbre populações inde-
tando só poder salvar os índios pela conquista das nes, alcançam maior letalidade.
novas gerações e com absoluto menosprêzo pe]o que Mais tarde, reconhecendo a incapacidade obje-
isto representava para os pais índios, os filhos lhes tiva do índio para interagir em condiçõ~s de igual-
eram tomados e conduzidos às escolas missionárias. dade com os demais cidadãos, a lei atribuía-lhe um
O pior é que o sistema jamais dera os resultados que
estatuto especial de amparo que, assegurando a '
dêle se esperavam. Na realidade, só privava o jovem
índio da oportunidade de iniciar-se nas técnicas e cada índio, tomado em particular, todos os direitos
tradições tribais, as únicas realmente operativas em do cidadiio comum, levava em conta, na atribuiyão
sua vida de adulto. Na missão o índio era preparado dos deveres, o estágio social em que se encontrava.
para uma vida de civilizado que não teria opor- Rondon não ficou na formulação dos princípios.
tunidade de viver. Quando voltava à aldeia, via-se Colocou-se à frente do Serviço de Proteção aos
lançado à marginalidade, nem era um índi.o eficaz- lndios, como seu diretor, a princípio, depois como
mente motivado pelos valores tribais e capaz de orientador sempre vigilante. Graças à sua ação in-
de~empenhar os papéis que sua comunidade espe- digenista o S.P.1. pacificou todos os grupos indígenas
rava de um adulto, nem bem era civilizado, por com que a sociedade brasileira deparou em sua
fôrça do que ainda conservava de índio, e, sobre- expansão, sempre fiel aos métodos persuasórios. De~
tudo, pelo sucessivo fracasso em tôdas .as suas ten- zenas de servidores do S.P.I., ideologicamente pre-
tativas de passar por civilizado entre civilizados. parados e motivados pelo exemplo de Rondon, pro-

Malgrado as qualificações educacionais e técnicas varam, à custa de suas vidas, que a diretiva M orre1·,
q_t,Ie ·adquirlss_e na ~scola, continuariam a consfde- se preciso f~r; matar,_tJ.ttnca, ~ão .é mera frase. ·

.- 26 - -~-

Outra característica básica do programa de nida em Genebra, aprovou como recomendação


Rondon é a perspectiva evolucionista em que foi para orientar a política indi~enista de todos os
vazado, que permitiu não só aquilatar a importância países ~ue têm populações ind1genas, ~ d_ocume~­
funcionar e a relatividade das instituições culturais, to inspirado, em grande parte, na leg1slaçao brasi-
mas, também, criar uma expectativa de desenvolvi- leira, no qual êsses mesmos princípios são enuncia-
mento natural e progressivo ao índio, na base de dos, como as normas básicas que devem disciplinar
sua própria cultura. tôdas as relações com os povos tribais.
1 A melhor expressão dêste programa seria for- Consideradas em seu contexto histórico, essas
1 mulada, anos mais tarde, por Luiz Bueno Horta diretrizes positivistas eram o que se oferecia, então,
"
Barbosa, nestas palavras: "O Serviço não procura de mais avançado. A etnologia, da qual se poderia
1
nem espera transformar_o lndio, os seus hábitos, os esperar alguma orien~a~ão, tendo em vista 3: copiosa
seus costumes, a sua mentalidade, por uma série bibliografia de descr1çao de costumes exóticos que
de discursos, ou de -lições verbais, de prescrições, reunira, era ainda uma disciplina de museu, inteira-
proibições e conselhos; conta apenas melhorá-lo, mente alienada da realidade humana dos materiais
proporcionando-lhe os meios, o exemplo e os incen- com que lidava. A atitude do etnólogo, em geral
tivos indiretos para isso: melhorar os seus meios de era da mais completa indiferença pelo destino dos
trabalho, pela introdução de ferramentas; as suas povos que estudava. O índio, olhado sobranceira-
roupas, pelo fornecimento de tecidos e dos meios mente das alturas da civilização européia, orgu-
de usar da arte de coser, à mão e à máquina; a lhosa de si mesma, era visto como ser exótico, dis-
preparação de seus alimentos, pela introdução do crepante, cujas ações de fósseis vivos só interessa-
sal, da gordura, dos utensílios de ferro, etc.; as vam enquanto pudessem lançar luz sôbre o passado
suas habitações; os objetos de uso doméstico; enfim-, mais remoto da espécie humana.
melhorar tudo quanto êle tem e que constitui o A. atitude humanística de muitos etnólogos
fundo mesmo de tôda existência social. E de todo _ que percorreram o _interior do País par~ce contr~­
êsse trabalho, resulta que o índio torna-se um me- dizer essas afirmaçoes; mas a verdade e que a ci-
lhor índio e não um mísero ente sem classificação ência antropológica da época, não consid~rava como
social possível, por ter perdido a civilização a que tarefa sua a procura de soluç: : s para os problemas
pertencia sem ter conseguido entrar naquela para sociais dos povos que estudava. Cultivava, ~o con-
onde o queriam levar'>. ( 1923 : 25) trário, uma atitude de alheiamento para tudo quanto
Para aquilatar-se a importância dêsses princí- pudesse parecer cogitaçãu prática ou preocupação
pios e o caráter pioneiro de sua formulação, naquele assistencial.
Brasil de 1910, basta considerar que, em 1956, a Esta atitude de pedantismo acadêmico só podia
39. ª Conferência Internacional do Tràbalho, reu- afastar, cheios de revolta; os que procuravam so-

l
• - 28 - - 29 -

iuções para o problen1a indígena, movidos por sua escravização e para impor respeito à família
valores humanitários. Daí a atitude de menosprôzo indígena.
que alguns dirigentes do Serviço de 1ndios assu- Iniciava-se, assim, uma obra que levaria anos
miram diante do que chamavam "cientificismo" e para ser posta em prática, àinda que mediocremen-
que tanto incluia o frio evolucionisn10 haeckeliano te. O que se propunha era nada menos que a
de von Ihering, com seu conceito de raças refra- criação de um aparelho de imposição da lei, exa-
tárias ao progresso, como a simples pesquisa das tamente nos sertões mais ermos, onde ela jamais
peculiaridades culturais do índio, pelo que impli- pudera imperar. E êste aparelho deveria atuar prin-
cavam de preconceito e de alheiamento para com cipalmente sôbre os potentados locais, os cheletes
a atividade indigenista. sertanejos que jamais haviam conhecido qualquer
Uma organização administrativa com sede na norma legal, dos quais dependiam o juiz e tôdas as
~api.tal da. Repúbl~ca ~ projeção sôbre todo o ter- autoridades locais e que eram reverenciados pelos
r1t?r1? .nac1o~al fo1 criada para fazer cumprir os políticos como a fonte de seus votos e a garantia
prmc1p1os acima expostos e res.lizar os objetivos de suas eleições .
imed!atos de garantir aos índios a posse das terras Três condições eram indispensáveis à plena
por eles ocupadas; controlar suas relações cc:m ci- aplic.:ação desta política indigenista: verbas sufici-
vilizados, a fim de impedir que fôssem oprimidos entemente avultadas para financiá-lo; pessoal altã-
ou explorados, e promover a punição dos crimes 1nente qualificado para tarefa tão delicada, seja a
cometidos contra os índios . de controlar um processo social complexo, como
A realiz~ção prática desta política apresentava a aculturação e a assimilação; suficiente autoridade
uma série de problemas, a começar pelas dificul- e poder para se impor aos régulos locais.
dades de acesso às regiões habitadas por grupos Nos primeiros anos de atividade, ao Serviço de
indígenas, pela variedade de línguas e tradições Proteção aos lndios foram facultadas tôdas elas.
culturais; pela diversidade de ambientes e de con- O Parlamento, pressionado pelo clamor geral em
dições de vida e, sobretudo, pelas desconfianças IJrol. de medidas de amparo aos civilizados em luta
contra índios, votava prontamente as verbas soli-
que séculos de amargas experiências com civiliza-
citadas. A segunda condição também. pôde ser sa-
dos haviam deixado em cada grupo indígena. A tisfeita, porque Rondon contava com a equipe que
êstes obstáculos· se juntaram outros, ainda mais forjara dilrante a construção das linhas telegráficas,
difíceis de vencer: os provenientes dos interêsses composta de oficiais de formação positivista, expe-
escusos que o S.P.I. teria de contrariar, para ga- rimentados no trato com os índios e movidos do
r~ntir ao ín~io a posse das t~rras que lhes perten- f maior entusiasmo à causa indígena. Ao lado dêles
ciam ~ que -haviam sido ltsur·p adas; para impedir formaram, desde a primeira hora, alguns professô-

~- ~~·.-~
( qJ;, .'· ~;:;'

- 30 - - 31 -

res universitários, funcionários públicos, médicos, Pouco depois, começam a faltar, um ap6s ou-
engenheiros e publicistas quase todos püsitivistas, tro, todos aquêles requisitos essenciais e o Serviço
que haviam liderado a campanha pela criação do de lndios entrou na sua verdadeira história: bre-
Serviço. Dêstes homens saíram os primeiros dir~­ ves períodos de atividade intensiva, seguidos de
gentes e os inspetores do Serviço de lndios. O que longos períodos de inoperosidade e quase estag-
acaso lhes faltava, em compreensão do complexo -
naçao.
problema com que lidavam, era compensado pela Três anos depois de cr~ado, exatamente quando
âedicação fervorosa que devotavam aos índios. O acabara de expandir suas atividades por todo o
poder de autoridade não faltou, também, e vinha, território nacional, atingindo dezenas de grupos in-
quiçá, da única .fonte realmente capaz de impor-se dígenas e quando um refôrço de dotaç,ões se fazia
no interior - o Exército. Constituídas, em sua necessário, viu cortadas suas verbas em 60%. A causa

maioria, por oficiais, as chefias do Serviço eram imediata eram as dificuldades financeiras que en-
respeitadas como se o próprio Exército andasse frentava o País com a iminência da guerra e ~
pelo interior nesta campanha de amparo ao crise de alguns ramos da economia nacional, prin-
1ndio. 10 cipalmente da borracha. Mas a crise e a guerra
~-----
passaram e as dotações só foram restabelecidas ·em
10 Dentre os oficiais do Exército que, depois de participarem
das missões comandadas por Rondon no interior do País, se orien-
1925, ascendendo até 1930, para de novo decaírem.
taram para. a carreira indigenista, queremos destacar alguns nomes: A sobrevivência do S.P.I. e o seu poder depen-
Antônio Martins Estigarnbia, capitão de engenharia que abandonou
a carreira m.ilitar para dedicar-se inteiramente ao Serviço d e Pro- deram sempre do prestígio pessoal âo Marechal
teção aos lndios, onde exerceu tôdas as funções. Vicente d e Paula Rondon. Assim, em 1930, não tendo Rondou par-
Teixeira da Fonseca Vasconcelos, que dirigiu durante vários anos
o SPI e a quem coube reorganizá-lo depois do colapso que sofreu ticipado da revolução que convulsionou o país -
em 1930. Nicolau Bueno Horta Barbosa, que foi um dos principais
auxiliares de campo de Rondon e que numa d as expedições, t endo movido pelas convicções positivistas que o impe-
o pulmão vazado por uma flecha, ainda conseguiu manter o contrôle diam de deixar-se aliciar em intentonas - o S.P .1.
sôbre a tropa para impedir que revidasse ao ataque. Mais tarde
devotou-se inteiramente aos índios do sul de Mato Grosso, como caiu em desgraça e quase foi levado à extinção.
chefe da Inspetoria local do S.P.I. Alípio Bandeira, que se tomaria
a mais eloqüente expressão literária da causa indígena e que, em Entretanto, naquele ano, havia alcançado o ponto
colaboração com Manoel Miranda, procedeu aos estudos preliminares mais alto de sua história. Havia pacificado dezenas •
para a elaboração da legislação indigenista brasileira. Jluio Caetano
Horta Barbosa. que teve os primeiros contatos amistosos com os de tribos, abrindo vastos sertões à ocupação pací-
índios Nambikudra. Boanerges Lopes de Souza, um dos colabora-
dores mais assíduos de Rondon, tanto na construção d as linhas te- cátedra da Escola Politécnica de São Paulo para dedicar-se, exclu-
leiráficas de Mato Grosso ( 1910-1912) como na Inspetoria d e sivamente, ao Serviço de Proteção aos lndios e foi o principal for-
Fronteiras; Manoel Rabelo, organizador dos planos d e pacificação mulador dos princípios básicos da política indigenista brasileira. O
dos índios Kaíngáng de São Paulo; e Pedro Ribeiro, que iniciara Dr. José Maria de Paula que. ingressando no S.P.I. quan~o da
a pacificação dos índios Urubus, em 1911 . sua criação, nêle exerceu todos os cargos, desde a chefia das
Aos militares se juntaram, desde a primeira hora, colaboradores inspetorias de índios dos Estados do sul, até a Diretoria. José
civis, como o Dr. José Bezerra Cavalcanti, que respondeu pela di- Maria da Gama Malcher, que serviu ao S.P.I. com invulgar devo-
reção executiva do S.P.I., desde sua criação até 1933, quando .•
tamento e capacidade, tanto chefiando as Inspetorias do Pará e
faleceu. O Prof. Luiz Bueno Horta Barbosa, que abandonou a Maranhão, como na função de Diretor, de 1950 a 1954 .

• . ,, •
- 38 -
- 32 -

atraindo dezenas de tribos e ll1es infundindo expec-


fica; instalara e mantinha em funcionamento 97
tativa de amparo. 11
~ostos de amparo ao índio, distribuídos por todo As dificuldades com pessoal seguiram a mesma
o País e que eram, em regiões inteiras, os únicos trilha. Já em 1911 os oficiais que serviam como ins-
núc!eos de civilização onde qualquer sertanejo po- petores foram chamados às fileiras do exército. O
deria encontrar amparo e ajuda. Serviço viu-se, de um momento para outro, despro-
Nos anos seguintes, as dotações cairam pro- vido da maior parte dos inspetores experimentados
gressivamente até atingirem níveis tão baixos que com que contava. A substituição daqueles homens,
nem permitiam manter a própria máquina admi- e1n parte, foi possível, porque êles próprios, no
nistrativa, decaindo, finalmente, o S.P.1., de um ser- curto período de atividades exclusivamente indi-
viço autônomo, atuante em bases nacionais, a mera genistas, haviam formado novos quadros. Mas a
secção subordinada a uma repartição burocrática queda das dotações impossibilitava contratar novos
do Ministério do Trabalho, que passou a designar elementos de igual ~ualificação; até mesmo compe-
os seus melhores servidores para outras tarefas, tidas lia o Serviço não somente a despedir diversos de
como mais importantes. seus colaboradores, mas a entregar trabalhos ini-
ciados a servidores evidentemente incapazes de le-
O S.P.1. jamais conseguiu recuperar-se com- vá-los avante.
pletamente desta crise. Só em 1934 voltou às boas I

Desde então, contando sempre com orçamen-


graças governamentais porque, naquele ano, Ron- tos exíguos, o Serviço enfrentou sérias dificuldades
dou aceitara uma missão diplomática extremamente no recrutamento de pessoal. Através de tôda a sua
penosa, na Amazônia, como Presidente da Comis- vida administrativa perdeu dezenas de servidores
sã? Mista cria?~ pela Liga das Nações para enca- capazes, dada a absoluta falta de recursos para
minhar à pacificação o Peru e a Colômbia, que mantê-los. Todavia, permaneceram nos seus postos
se encontravam em conflito pela posse da região de os homens formados por Rondon, enfrentando tôda
Letícia. ( Darcy Ribeiro, 1958 : 44-46) . sorte de dificuldades, oriundas de uma vida mo-
Nos anos seguintes, retorna o S.P .1. ao Minis- desta que êles mesmos se impunham, acabando por
tério da Guerra e consegue o aumento de dotações sacrificar suas carreiras para não abandonarem a
orçamentárias. Assim, em seus primeiros trinta anos atividade indigenista. ·
1 de atividade, o Serviço de lndios só dispôs de ver- Ainda mais difícil foi o problema da imposição
bas suficientes· para atuar, durante 10 anos; nós de autoridade. Muito mais que por maiores dota-
ções orçamentárias, o S.P.I. lutou sempre por obter
outrós 20, esteve sempre em deficit em relação ao
um apoio mais decidido -do govêrno central, que
indispensável para enfrentar os problemas indígenas
que encontrou e os que êle próprio suscitara, 11 Vide quadro : Dotações do S.P.I. para auxílio aos índios .
1
r
~ 34 - - 35 .._

lhe permitisse , f~zer face aos podêres locais. Era DOTAÇÕES ORÇAMENTARIAS CONSIGNADAS PARA
o chefe de pol1c1a negando-se a prender assassinos AUXlLIO AOS lNDIOS, AO SERVIÇO DE PROTEÇÃO
de índios, os próprios juízes absolvendo-os contra AOS lNDIOS
tôdas as evidências e contra a lei; os prefeitos nê-
&ando-se a tomar qualquer providência administrã- Dotações en. Indice de Dotações em
moeda custo moeda
t1va contra o esbulho de terras indígenas, mesmo ANOS
de vida de 1960
corrente
porque, em têr1nos políticos, decidiam entre seus (Cr$ núl) 1890::::a100 (Cr$ mil)
- - OOf&ÇO(S (• I O! t • O( 1t 1 0 - - - -- ·- -- -·----- ---- -- - - ----
•oioa to •R c ~ rt - - eoucõu i. •oua 'ºº""
1 11.HOU Of CRUlCI AOS
'- OEO A O! t960
] 91o. .. ........ . 1 200 460 107 664
lllL IÓ[S 0( CRUl(tROS
1915 ... . ....... . 200 457 27 090
•• to o
1920 .. ..... .. . . . 900 6h7 54 090
" 17 () 1925 .. .. ....... . 1 960 1 oeo 76 302
1930 . . . . ....... . 3 880 993 161 253
1935. . . . . . . . . . 909 J 085 34 578
IS
1940 ..... . ... . .. l 000 J 504 27 400
.. "o
,, o
l 945 . ..... . .. .. .
1950 . ..... . ... . .
::s 703
3 800
3 1S3
5 179
47 768
30 286
' l
1l O 1955 ... . . ...... . 4 000 11 899 13 880
1960 . . .. .. .. . . . . 17 000 41 270 17 000
1l o

• 1
1 1 o
1
Cálculos ae T. Pompeu Accioly Borges.
'º 'ºº
'º eleitores, de um lado, embora criminosos, e índios
• 'º analfabetos, do outro.
,
/ " .. 70 Através de tôda a sua história, o Serviço de
'o Proteção aos lndios se viu quase sempre só, lutando
I
' contra o consenso geral para impor a aplicação da

• I I ~ lei, não somente daquela que garantia amparo es-
, 1/ / !/ J pecial ao índio, mas o simples respeito ao Código
i/
1\
\
........ ....
/ ' )0
Civil, quando índios se viam envofvidos em confli-

.! t

............

~

/ \ 1/ '" -
10

10 )

o'
l
l'
tos com civilizados~
Não foram estas, evidentemente, as causas úni-
cas das dificuldades do Serviço de Proteção aos
'"º ltlS IUO ot U •tSCI 1'3~ 1140 1141 ltlO ltH IHO lndios. O rápido sucesso alcançado na pacificação
~
- 36 -.. - 37 -

das tribos hostis mais próximas das grandes cidades desencadeava, levadas a efeito pelo novo bando
aliviou o Covêrno das pressões que sofrera no sen- que ascendia ao poder. É que, nestas ocasiões, e~
tido de criar e manter o S.P.l. Ademais o Serviço geral os papéis se inverten1 e os governos locais,
se revelara muito mais incômodo do que se imagi- dependentes do central, passam a vender caro o
nara, quando de sua criação. Pusera realmente em seu apoio e entre suas exigências estava quase sem-
prática o seu programa, opondo-se dêste modo a pre a de uma nova política indigenista, que deixasse
centenas' de potentados locais, cujos negócios se 1nãos livres para o esbulho do que restava aos
r baseavam na exploração da mão-de-obra indígena, índios. Na verdade, a legislação indigenista era
e cujos projetos de riqueza se assentavam em fruto das cidades costeiras, com sua mentalidade
perspectivas de usurpação de terras de índios. Le- mais liberal e, sobretudo, sua desvinculação dos
vara às regiões mais distantes o conhecimento de problemas das zonas pioneiras, e jamais foi aceita
leis que, se libertavam o índio da escravidão no pela gente que vive nas fronteiras de expansão.
seringai e na fazenda, por dívida ou por qualquer .A. situação continuou precária até 1940, quando
compulsão, também libertavam o sertanejo. Dis-
Getúlio Vargas visita a Ilha do Bananal e, enterne-
tribuira mercadorias, quebrando monopólios ciosos;
abrira escolas, alfabetizando gente que analfabeta cendo-se com as crianças Karajá,. decide ~~parar
o S.P.I. Começa, então, um novo ciclo de atividades
sempre fôra mais acomodada e menos exigente. Por
intensivas. Reorganiza-se e se renova o quadro de
tudo isto, cada servidor sabe de ciência própria e de
pessoal do Serviço, que retorna ao Ministério da
experiência pessoal que não pode contar com os
Agricultura, reinstalam-se Postos Indígenas aban-
governantes estaduais e locais, quase sempre li-
gados, política e econômicamente, aos interêsses donados há anos, reiniciam-se as atividades de pa-
dos exploradores dos índios . cificação .
Uma desgraça, talvez maior, sobrevé1n, então,
O apoio do Govêrno central, mais distanciado através da intervenção do DASP, com suas normas
das fronteiras de expansão, nem sempre foi sufici- esta~dardizadas de administração. Só o conceito
ente para fazer face à oposição e até mesn10 à de "lotação", segundo o qual todos os s~r':idores
odiosidade dos poderes locais. A precariedade da públicos passavam a pertencer ao quadr? un1c~ do
posição do Serviço, entre estas esferas de poder, Ministério respectivo, podendo transferir-se livre-
toi desnudada cada vez que o Govêrno federal e mente de uma repartição a outra, conforme suas
Governos estaduais entravam em conflito. Assim, conveniências pessoais ou interêsse do serviço, seria
cada movimento revolucionário ocorrido no Brasil, suficiente para liquidar um órgão altamente esp~­
desde a criação do Serviço de 1ndios, pareceu a cializado como o S.P .1. Dentro de poucos anos
seus funcionários, nas zonas onde êle mais atua, vê-se o Serviço invadido - não nos postos instala·
realizado contra os índios, tais as violências que dos no interior, mas nas cidades - por burocratas


-38- - 39 -

recrutados no Ministério e incapazes de compre- positivistas, como ao tempo de Rondon, ou em "'


ender ou de se identificar ideologicamente com a quaisquer outros, conduziram o S.P.I. ao pont
obra a que se ligavam. Nestas condições, os postos mais baixo de sua história, fazendo-o descer e ·
vão sendo entregues a agentes recrutados a esmo, certas regiões, à condição degradante de agente d
inteiramente despreparados para as tarefas que são de sustentação dos espoliadores e assassinos d~
chamados a desempenhar e dirigidos por funcioná- índios . 12 r
rios citadinos que entendem menos ainda do pro-
blema indígena, só atentos a normas burocráticas
formais, freqüentemente inaplicáveis a uma ativi-
dade tão singular como a proteção aos índios.
Uma reação enérgica contra esta situação foi
levada a efeito de 1950 a 1954 por José Maria da
Gama Malcher, que contrata etnólogos e lhes en-
trega a direção das principais divisões do S.P .I.,
num esfôrço para substituir a antiga ideologia po-
sitivista, evidentemente superada, por uma orien-
tação científica moderna. A experiência revelou-se I

altamente fecunda e permitiu ao S.P .1. alcançar


outra fase alta de sua história. Lamentàvelmente
entraria logo em novo colapso, quando a política
partidária começa a interferir em seus destinos. O
t S.P.I., como inúmeros outros órgãos da adminis-
tração federal, transformado em prêmio de bar-
1 ganha eleitoral entre os partidos políticos vitoriosos '
nas eleições de 1955, é entregue ao P.T.B. Graças à
enérgica reação de um grupo de servidores, contra
êste clientelismo, o S.P.1. foi retirado da influência
política direta dos partidos, a partir de 1957. En-
tretanto, o custo óesta vitória foi a classificação
do S.P.I. como "órgão de interêsse militar", cuja
direção poderia ser entregue a oficiais da ativa.
Os últimos quatro anos, · de administrações mi- -------
12
Veja-se a documentação publicada por Carlos de Araújo
litares já não inspiradas nos princípios filosóficos Moreira Neto, 1959: 49-64 .
1' 1 1


II

50 ANOS DE ATIVIDADES INDIGENISTAS

Um balanço crítico dos cinqüenta anos de ati·


vidades que o S.P.I. vem desenvolvendo desde sua
criação, deve levar em conta as duas ordens de
problemas que êle foi chamado a resolver:
1. os problemas da sociedade brasileira en1
expansão, que encontra seu último obstáculo para
a ocupação do território nacional nos bolsões ha-
bitados por índios hostis;
2. os problemas da população indígena en-
volvida nesta expansão, a qual se esforça por so-
breviver e acomodar-se às novas condições de vida
em que vai sendo compulsoria1nente integrada . -

",MORRER, SE PRECISO FÔR, MATAR, N UNCA"

I· Quanto ao primeiro problema, não 11á dúvidas


1
de que o S.P .1. atendeu plenamente aos seus obje-
tivos e se manteve fiel à diretiva de Rondou:
"Morrer, se Preciso fôr, Matar, Nunca". Graças à
sua atuação, imensas regiões do País, entre as
quais se encontram algumas das qt1e hoje mais
pesam na produção agrícola-pastoril e extrativa na-
cional, foram ocupadas pacificamente pela socie-
dade brasileira; e os índios que as habitavam, passa-
I
- 42 - -43 -

ram a viver nos Postos Indígenas, assentados em por Cícero Cavalcanti. Os Kayap6-Xikri, que leva-
pequenas parcelas dos antigos territórios tribais . vam seus ataques tanto às papulações dos campos
Estão neste caso os célebres Kaingáng, do oeste do Araguaia, quanto às que penetravam mais pro-
de São Paulo, pacificados em 1912 por Manoel Ra- ftmdamente nos seringais e castanhais do rio ltacai..
be~o e Luiz Bueno Horta Barbosa, cujas terras estão úna, em Marabá e contra os Asuriní, pacificados por
ho1e cobertas por alguns dos maiores cafezais do Miguel Araújo e Leonardo Vilas Boas, em 1953. Um
Brasil. Os Xokléng, de Santa Catarina, pacificados outro bando Kayap6, Txukahamãi ou Mentuktíre,
por Eduardo de Lima e Silva Hoerhann, onde pros- da margem esquerda do rio Xingu, à altura da
pera atualmente a região mais rica daquele Estado. cachoeira von Martius, que lançava seus ataques
Os Botocudos (Krenak, Pojitxá e outros) do vale aos seringueiros do rio Xingu e aos índios ]urúna,
do rio Doce, pacificados em 1911 por Antônio Mar- foi pacificado, no mesmo ano, pelos irmãos Claudio
tins Estigarribia, cujo território tribal em Minas e Orlando Vilas Boas. Os índios Parakanã., Asuriní
Gerais e. no Espírito Santo, é hoje ocupado por inú- e outros grupos Tupí da margem esquerda do To-
meras cidades e fazendas. Os Umotína, dos rios cantins, que mantiveram quase interrompida a Es-
Sepotuba e Paraguai, cuja pacificação efetuada por trada de Ferro Tocantins, entraram em contato
Helmano dos Santos Mascarenhas e Severino Go- pacífico com as turmas do S.P .1. orientadas por
dofredo d' Albuquerque, em 1918, permitiu a explo- Telesforo Martins Fontes. Neste momento prosse-
ração das maiores matas de poaia do Brasil. Os guem os esforços para consolidar as relações pací-
Parintintín, que mantinham fechados à exploração ficas com os Gaviões, da margem direita do To-
os extensos seringais do rio Madeira e seus afluen- cantins, no Pará, os Pacaa-nova e outros grupos já
tes, pacificados por Curt Nimuendajú em 1922. Os muito reduzidos do Guaporé, os Uaimiri, do vale
Urubus-Kaapor que até 1928, detiveram em p é de do Jauaperi, no Amazonas, dentre outras tribos.
guerra quase todo o vale do GuruEi, entre Pará e Para pacificá-los, o S.P.I. tem d~ enfrentar pro-
Maranhão, pacificados após 18 anos de esforços vações de tôda sorte, a começar pela extensão do
1
do S.P.I., por Benedito Jesus de Araújo. Os Xavante território por êles dominado, e, ~bretudo, pela
1 li
( Akwé) do rio das Mortes, cuja pacificação, con- dificuldade de fazer face, com métodos persuasó-
. . cluída por Francisco Meireles em 1946 e que custou rios, a índios aguerridos como os Kaiap6, que para
1
a vida de tôda a equipe de Genésio Pimentel Bar- se defenderem dos ataques de que têm sido vítimas,
1
bosa, vem permitindo a ocupação das pastagens conseguiram armar-se de rifles calibre 44, con5\uis-
naturais da ilha do Bananal e do rio das Mortes. tados a seus inimigos à custa de muito sacrif1cio.
Os Kayap6-Kubén-Kran-Kégn, do médio Xingu, que A1 ém disto, enfrentar a hostilidade das populações
varavam em suas correrias guerreiras desde o Ta- civilizadas vizinhas, cheias de ódio e de ressenti-
paj6s até o Araguaia, pacificados em fins de 1952 mento, que não podem compreender porque o Go-
1
- 45 -.
- 44 -

vêrno se empenl1a em defender os índios que, a uma turma de trabalhadores, esclarecê-los sôbre as
sett ver, são incapazes de civilização e só merecem tarefas que lhes serão afetas, alertá-los sôbre os
ser mortos. Agravando êstes problemas deve ater-se cuidados que deverão ter em face da reação violenta
ain~a, con1 a ganância de potentados locais que: dos índios à penetração do seu território e con-
cobiçando as terras dos índios, preferem vê-los vencê-los da justiça e da eficiência dos métodos
1nortos. persuasórios. A chefia das turmas de pacificação é
confiada a homens experimentados nos trabalhos
A pacificação é, em essência, un1a intervenção
do sertão e no trato co_m os índios. Sempre que
deliberada numa situação de conflito aberto entre
possível são integradas por índios do mesmo tronco
.índios e civilizados, movidos uns e outros por un1
lingüístico, já aculturados, para servirem de guias
ódio incontido e rla tnaior desconfi.a nça 1nútua.
Para ·o índio hosti ou arredio, o civilizado é un1 e intérpretes .
inimigo feroz a quem cumpre co1nbater ou evitar; Constituída a turma, desloca-se para local cui-
é como tal que êle encara os servidores do S.P.I., dadosamente escolhido, dentro do território tribal
identificando-os com os invasores de suas terras próximo a meios de comunicação, seja rios o~
que avançam pelas matas, afugentando a caça com estradas especialmente abertas, para garantir a re-
armas poderosas e barulhentas, assaltando suas al- tirada, quando necessária, e o contínuo reabasteci-
deias e dizimando os índios com que deparam . mento de víveres e brindes. O local escolhido deve
A primeira tarefa de uma turma de pacificação ser francamente _acessível aos índios para que, urna
vez descoberto, seja por êles freqüentado possibili-
consiste, pois, em convencer os índios de que se
tando os contatos em condições previstas de se-
trata de gente diversa de todos os brancos que
gurança.
antes p~netraram na região. E é tarefa extrema-
mente difícil porque deve começar pela mais ou- Instalado o abrigo provisório do Pôsto de Atra-
sa?a invasão do própri? território indígena, de modo ção, abre-se uma ampla clareira e se constrói, no
a instalar-se muito adiante da frente pioneira 1nais 1neio, uma casa bem protegida, preferlvelmente de
avançada, a fim de evitar interferências estranhas zinco e cercada de arame farpado, para defender
e para constituir uma provocação destinada a cha- o pessoal dos assaltos e saraivadas de flexas que
1nar a atenção dos índios e atrair sua hostilidade. fatalmente advirão. Ao mesmo tempo planta-se uma
Em suas entradas pelo sertão, à frente da Co- roça de milho, mandioca, batatas, amendoins e ou-
1nissão de Linhas Estratégicas e Telegráficas de tros produtos. Esta plantação deve servir não só
Mato Grosso ao Amazonas, Rondon desenvolveu para a subsistência da turma de pacificação, corno,
as t~cni~as de pacificação que seriam, mais tarde, principalmente, para atrair os índios. Quando se
as diretivas do S.P.1., em empreendimentos seme- trata de tribos muito arredias, a roça deve ser
lhantes. Consistem em a1iciar na população local plantada a regular distância do Pôsto, a fim de


- 46 ..;... - 47 -

que os índios possam dela se servir sem se sentirem A primeira fase do contato é ~marcada pela
vigiados. Durante os trabalhos de instalação evita-se hostilidade aberta dos índios, que em ataques su-
o uso de armas de fogo, mesmo nas caçadas, para cessivos fazem todo o esf6rço para expulsar os
não atemorizar ou hostilizar os índios. invasores. ~stes primeiros ataques têm uma impor-
Desde os primeiros dias que se seguem à or- tância capital porque permitirão evidenciar, aos
ganização do Pôsto, o encarregado da pacificação, olhos dos índios, o ânimo amistoso dos pacificado-
ou auxiliares de sua inteira confiança, acompanha- res e sua firme disposição de não hostilizá-los. ::.€
dos de intérpretes, õatem" a mata mais próxima, indispensável, nesta fase, combinar uma atitude se-
levantando nas trilhas e agüadas mais utilizadas rena e pacífica com. uma conduta rigorosa, capaz
pelos índios, pequenos ranchos onde deixam facas, de demonstrar aos índios que o grupo conta com
machados, foices, tesouras, terçados, missangas e armas, sabe utilizá-las, está bem defendido e só não
outros brindes. Sempre que possível, aproveitam-se os ataca por não desejar fazê-lo. Assim se procede,
taperas e abrigos de caça dos índios para colocar disparando para o ar, quando os índios durante os
os presentes. ataques se acercam demasiadamente da casa e
Uma vez descoberto o Pôsto, os índios passam ameaçam invadi-la; evitando fugir desabridamente
a vigiar constantemente a turma de atração, sem aos seus ataques; e deixando nos tapiris de brindes,
se deixarem ver e não raro atacam um ou outro peças de caça abatidas com armas de fogo para
trabalhador incauto que se afasta do grupo. Luiz evidenciar a posse das mesmas e a capacidade de
Bueno Horta Barbosa, que orientou a pacificação manejá-las.
dos Kaingáng de São Paulo, fêz o seguinte comen- Via de regr.a, os índios, depois das primeiras
tário sôbre a ânimo de uma turma de pacificação, tentativas infrutíferas de amedrontar e desalojar
nos longos meses que antecederam o contato; "Nin-
os invasores, transladam suas aldeias para mais
guém poderá jamais imaginar quanta fôrça moral
precisa um homem despender para dominar a in- longe, a fim de colocar as mulheres e crianças em
'1 posição mais segura. Grupos de guerreiros bem ar-
1 suportável irritação n.ervosa causada pelo fato de
sentir-se incessantemente cercado, vigiado e estu- mados, tocados do mais alto ânimo combativo,
dado nos seus menores atos, por gente que êle não passam, então, a hostilizar o núcleo de pacificação
pode ver, de quem nem sane o número, a quem com ataques periódicos, em geral, desfechados pela
não quer molestar nem rechaçar, mas antes agradar madrugada e depois de alguns dias de vigilância.
e atrair, e que no entanto só r-ocura o instante J;: neste ambiente que se completa a instalação da
propício para o assaltar e matar . 13 casa fortificada, que se planta o roçado e que se
provê ao suprimento do Pôsto - o que indica o
Relatório da Inspetoria de São Paulo à Diretoria do S.P.I.,
:a.a
em 1912 . quanto de valor pessoal, de serenidade e de Animo


1
1
!•

- 48 - - ,49 -

persuasório exige a atração de um grupo indígena Desta fase de na:1nôro passa-se à confraterni-
hostil. zação, que pode consolidar-se ràpidamente, após a
Só depois de meses de esforços, os índios se primeira visita à aldeia indígena ou entrar em co-
convencem da evidência, contrária a tôda sua lapso, se a desconfiança do índio ou seu temor ao
experiência passada: de que aquêles brancos são branco fôr suscitado por algum incidente.
diversos dos outros com que se defrontavam, porque, Para ilustrar os métodos de pacificação desen-
apesar de armados e bem defendidos, jamais os volvidos pelo S.P.I., vamos tomar alguns exemplos
hostilizam, mesmo em revide às agressões sofridas. selecionados da documentação de seus arquivos e
Só então, alguns índios mais afoitos começam a de publicações pertinentes.
aventurar-se sorrateiramente pelo roçado, servin- O primeiro exemplo nos ven1 da Comissão
do-se dos milharais e mandiocais ali postos à sua Rondon e se reveste de especial importância, por
disposição. Embora cautelosamente, acercam-se ter estabelecido um padrão de conduta que, ampla-
cada vez mais e, em lugar de destruir os tapiris, mente divulgado, contribuiu para configurar as
para dar uma feição de saque à aceitação dos brin- normas e técnicas de pacificação do S.P.I. ~ rela-
des, começam a deixar objetos seus em troca dos tado por Alípio Bandeira e se refere aos primeiros
que levam. Os funcionários também se fazem mais contatos pacíficos com os índios Nambikuára, do
audazes e ao pressentirem a presença dos índios, Noroeste de Mato Grosso.
deixam-se ver e a êles se dirigem através dos in- "Certo dia - escreve o autor - como se
térpretes, concitando-os à confraternização. adiantassem da turma tomando uma picada
Convencionou-se chamar namôro a esta fase da para encurtar caminho, foram agredidos a fle-
pacificação em que o índio começa a aceitar os cha o tenente Nicolau Bueno Horta Barbosa e
brindes e mesmo a solicitar outros, deixando nos o aspirante Tito de Barros. O primeiro caiu
tapiris modelos de facões ou tesouras talhados em ferido no pulmão e no braço esquerdo; o se-
gundo recebeu igualmente dois ferimentos mas
madeira, para indicar o que desejam receber. Qual-
de menor gravidade. Foi isso debaixo de uma
quer abuso de confiança nesta fase é extremamente árvore, em que ficaram encravadas uma flecha
perigoso, mesmo porque a maioria dos índios está do indígena e uma bala que o tenente disparóu
ainda cheia de pavor aos brancos, que aprendeu para o ar, onde, mais tarde, a reconciliação

-a ver como sangüinários e traiçoeiros; um gesto m~l havia de se dar.
interpretado pode levá-los a recrudescer os ataques, . Longos dias passou o .Tenente Nicolau en-
perdendo-se os progressos alcançados e obrigando, tre a vida e a morte. Assim que conseguiu
às vêzes, ao abandono temporário do empreendi- restabelecer-se foi ao local, mandou derrubar
mento. e roçar em tôrno o m~o, deixando inteiramente
'\

- 50 - - 51 -

isolada no pequeno campo artificial aquela que revidasse. Os índios já se estavam capacitando,
árvore e aí depôs vários mimos. Os aborígenes portanto, da atitude pacífica daqueles brancos atí-
compreenderam plenamente a nobreza da con- picos, pela conduta, pelo fardamento e pela postura
duta; recolheram _os presentes, e por sua vez militar. Ademais, os esforços que se seguiram ao
deixaram, debaixo da árvore, os de que dis- ataque foram dirigidos pelo Tenente, como encar-
punham: mandioca e flechas. regado da pacificação, mas empreendidos par todo
O tenente volta, arrecada as prendas que o corpo sob seu comando.
lhe são destinadas e deixa novas dádivas. Vol- A primeira pacificação efetuada pelo S.P .1.
tam semelhanteme~te os indígenas e, dessa ocorreu em 1912, nos sertões a Noroeste · de São
feita, por<J.ue nem outra coisa demandam em Paulo, até então dominados pelos índios K.aingáng.
seus dom1nios os aventureiros, deixaram êles Foi conduzida, primeiro, pelo tenente Manoel Ra-
peles de borracha, ingênuamente convencidos belo, depois, e até à consolidação, por Luiz Bueno
de que era êsse o melhor dom que podiam Iiorta Barbosa, professor universitário e intelectual
fazer. positivista que também se devotou inteiramente à
De uma terceira vez, já não se contenta- causa indígena, dirigindo durante anos o S.P.I.
vam em apreciar de longe e- prudentemente Esta pacificação processou-se em meio à vio-
ocultos a manobra fraternal do seu amigo: apa- lenta campanha de im~rensa, promovida por gri-
receram e confiadamente chegaram à fala. ~ leiros que obtiveram títulos de po:.se das terras
infelizmente demasiado estranha a linguagem cortadas pela Estrada de Ferro Noroeste do Brasil,
dos Nhambiquaras; de modo que as duas far- em construção, e queriam dizimar os índios. Para
tes apenas puderam trocar gestos inteligtveis isto contratavam bandos de bugreiros que eram cer-
de afetuosa e recíproca camaradagem". 14 cados do prestígio de heróis e a quem pagavam pol-
pudos salários para "garantirn a construção da Es-
O relato de Alípio Bandeira dá justa ênfase à trada e a abertura de novas fazendas de café, im-
t atuação pessoal do tenente Horta Barbosa que, pedidas pelos ataques Kaingáng. ~stes bugreiros
no futuro, se devotaria inteiramente ao lroblema invadiam as aldeias indígenas, devastando roças,
indígena, abandonando a carreira militar. de assi- queimando casebres e matando homens, mulheres e
nalar, porém, que o incidente inicial não foi o único crianças. Os trabalhadores da Estrada, também far-
ato hostil dos

Nambikuára aos membros da Comis- tamente armados, compraziam-se em atirar a esmo,
são Rondon. O próprio comandante, depois de sofrer mata a dentro, e a espingardear qualquer índio que
______
um ataque, conseguiu refrear a tropa, impedindo
,
divisassem. Exasperados com a siaiação, os Kaingáng
tornavam-se cada vez mais hostis, chegando a cons-
1' Artigo publicado em "O,. Paiz", de 30-12-1910, transcrito
in Basílio de Mai alhães, 1925: ~,5-76 . tituir um dos grupos mais aguerridos do Brasil. Fa-
. ,._ 52 - - 53 -

ziam incursões quase simultâneamente numa frente da Estrada de Ferro, derrubaram-se 4 alquei-
superior a 250 quilômetros, o que dificultava a ava- res de mata e fêz-se uma grande plantação de
liação do seu número e tornava impossível desco- milho e feijão.
brir onde ficavam as aldeias de onde partia1n para Todos êsses trabalhos prosseguiam no meio
os ataques. ( Cf. Correia das Neves, 1958). de tremendas ameaças dos selvícolas, os quais
Dos trabalhos de pacificação participaram ca- noite e dia cercavam o acampamento, ora ti-
sais de índios, da mesma família lingüística, que se rando de suas businas lúgubres mugidos, que
fêz transladar do Paraná, onde viviam, há muito, significavam guerra e extermínio, ora dando
paclficamente, co1n os civilizados. A êles se jun- nas árvores, com seus terríveis porretes, pan-
taram alguns Kaingáng de São Paulo, aprisionados r.adas que provocavam no silêncio da noite,
pelos bugreiros nos campos do Paranapanema en1 sons pavorosos, que deixavam as almas tran-
seus ataques às aldeias indígenas. Dentre êstes sidas de mêdo à lembrança de que a cacetadas
viria a destacar-se a índia Vanuíre que - como tais nunca havia escapado com vida · uma
intérprete, na prhneira fase, falando e cantando na única vítima dos assaltos daqueles temíveis
língua Kaingáng e, ao final, i?d~ de ~n~ontro a guerreiros.
êles para confraternizar - contribuiu dec1s1vamente E a tôdas essas ameaças, no meio de tantos
para a pacificação. terrores, respondiam os assediados com pala-
Uma vez descoberto um local muito freqüen- vras de paz, com os cantos de festa da incom-
tado pelos índios, perto do Ribeirão dos Patos, aí parável Vanuíre e com os sons alegres, de
foi instalado o centro de pacificação, benevolência e de boa anúzade derramados
''. . . fazendo-se para isso a necessária der- sôbre a sotuma floresta pela busina que s~­
rubada do arvoredo secular; substituindo-se o pravam os intérpretes paranaenses, do man-
abarracamento inicial par um arranchamento grulho construído no alto de uma árvore" ( L.
de pau-a-pique e cobertura de fôlhas de co- B. Horta Barbosa, 1913: 17-18).
queiro, destinado a servir de centro das ope-
rações que se haviam de desdobrar para o in- Daí partiram os servidores do S.P.I., tendo à
terior da misteriosa floresta, que se estendia frente o Tenente Manoel Rabelo, à procura de ta~
ininterrupta para os lados do rio Feio, trans- peras dos índios ou de pequenos ranchos de caçada,
punha-o e daí se derramava até o Paraná. onde pudessem deixar brindes.
Para prender a atenção e o interêsse dos "Durante os seis meses seguintes não se
índios em tÔrJJ.o dêsse acampamento e assim deu um único tiro, nem mesmo para matar
evitar que êles continuassem a espalhar o esplêndidas peças de caça que passavam quase
terror e a desorganização dos serviços ao longo ao alcance da mão", e se ofereciam ". . . rei-
- 54 - - 55 -
j teradas provas de paciência e amizade, tra- mor das mulheres e crianças, fêz generalizar
duzidas pelos brindes deixados na floresta. o mêdo até aos homens, que também corre-
Graças a tudo isto, já muito se havia modifi- ram''. ( op. cit., 1913 : 18).
cado a noção que os índios tinham sôbre os
moradores do Ribeirão dos Patos e. começava ~1eses mais tarde foi feita uma segunda visita
a despontar em suas almas a confiança que os a uma aldeia Kaingáng. Verificou-se, então, que
havia de conduzir a se fazerem seus amigos. fôra abandonada pelos índios, ainda temerosos de
Além disso, a atenção dos selvícolas, tendo sido um ataque no estilo das chacinas dos bugreiros.
vivamente solicitada para os acampamentos e Permanecera apenas, como atalaia, um surdo-mudo
trabalhos da Inspetoria, aí se concentrava: e que fugiu à chegada dos expedicionários. Em re-
êles, por isso, abandonavam outras excursões vide à invasão, a coluna foi atacada quando regres-
pelas quais dantes ameaçavam quase tôda a sava ao acampamento, sendo ferido um dos in-
Estrada Noroeste. Havia-se construído um bom térpretes. Contudo, retirou-se em ordem, sem res-
acampamento nos .Patos, plantado roças de ponder à agressão e pela primeira vez os intérpretes
milho e feijão e rasgado, em plena floresta conseguiram entender-se com os Kaingáng travan-
virgem, uma magnífica estrada de penetração, do-se um diálogo que resultou em esclarecimentos
de perto de 50 quilômetros, pela qual ficavam preciosos para o prosseguimento da pacificação.
abertas e fáceis as comunicações entre os ín- Posteriormente, um índio foi sozinho ao acam,;.
• pamento, descobriu nas imediações um homem que
dios e os civilizados empenhados em conquis-
tar-lhes a amizade" ( op. cit., 1913 : 19). se banhava e o feriu mortalmente. Foi a única ví-
~
. f
tima que teve o S.P.1. nos seus trabalhos de pacifi-
' cação dos Kaingáng paulistas. Depois dêste inci-
Prosseguindo os trabalhos, chegaram, um dia,
casualmente, a uma aldeia. dente, os trabalhos foram interrompidos por alguns
meses, enquanto se substituía o contingente militar
.. "Ao .pressen~ire1:11 a aproximação dos expe- que servia no acampamento por casais de índios
d1c1onár1os, os ind1os abandonaram os seus trazidos do Paraná.
ranchos e embrenharam-se pela mata, sem que- O abandono do acampamento de Ribeirão dos
rerem atender ao chamad·o dos intérpretes. O Patos fêz com que recrudescessem os conflitos ao
pânico, como explicaria depois o chefe Vauhim, longo da Estrada Noroeste. Surge, então, um pri-
originou-se de que êles não esperavam àquela meiro fruto dos esforços de pacificação. Um chefe
hora, em que chovia torrencialmente, a che- Kaingáng procura acercar-se de um grupo de tra-
gada da coluna exploradora e o inopinado balhadores da Estrada, apresentando-se desarmado,
dessa marcha, agravado pelo desordenado te- trazendo nos braços uma criança, como penhor de
- 56 - ·- 57 -

sua disposição pacífica e é repelido a bala. Indig- meiros momentos só durou o tempo necessário
nados, os Kaingá·ng preparam um ataque devasta- para a admirável Vanuíre dar-se conta do que
dor e decisivo contra a turma mais avançada da se \>assava; então, correndo com entusiasmo
Estrada. O S.P.I. é chamado pela direção da No- incr1vel, foi ela resolutamente meter-se no
roeste a intervir e o faz por uma entrada do seu grupo formado pelos Kaingang e induziu-os
pessoal através da floresta, no ponto onde se pre- a acompanhá-la até o recinto do acampamento.
parava o ataque e no rumo do acampamento do Recebidos com o carinho que é fácil de ima-
Ribeiro dos Patos. O Pôsto é imediatamente res- ginar-se, êsses homens foram logo vestidos e
tabelecido, atraindo para lá os guerreiros Kaingáng. cumulados de presentes e mimos". ( Op. cit.,
1913 : 22-23) .
Retomados os trabalhos, ". . . recomeçam
· as vigílias; as arriscadíssimas explorações de Os dois ramos Xokléng do grupo Kaingáng
trilhos para a descoberta de lugares próprios que viviam nas matas de araucárias entre os Esta-
para nêles deixarem-se brindes. A noite, era dos do Paraná e Santa Catarina foram pacificados
r âifícil conter-se o pânico das mulheres e mes- em 1914. A atração do grupo menor, realizada por
mo de alguns homens, apavorados ao ouvir o Fioravante Esperança no Rincão do Tigre, teve
estrugir das businas ou o reboar das formidá- desfecho trágico. Os relatórios do S.P.I. registram
veis pancadas vibradas contra árvores, por os fatos nestes têrmos:
braços que se adivinhavam possantíssimos; e ". . . Feita a atração dos Botocudos, pas-
mais o trabalho de disfarçar êsse pânico com saram êles a freqüentar o Pôsto de Rincão do
músicas de gramofone, com os cantos de paz Tigre de onde as operações de atração se
de Vanuíre e as vozes dos intérpretes chaman- tinbam irradiado. Ia tudo muito bem, vivendo
do os temíveis visitantes para que entrasse1n índios e empregados do S.P.I. na maior frater-
no acampamento a fim de receberem macha- nidade. O encarregado do Pôsto, Fioravante
dos, cobertores e colares. Esperança, era um gaúcho valente com as ar-
Felizmente esta situação não chegou a mas e devotadíssimo aos seus deveres, um
durar dois meses. Um pouco depois do meio verdadeiro Pai para os selvícolas. Mas um dia
dia de 19 de março, no alto do caminho que o Pôsto foi visitado. por dois fazendeiros, u1n
vem dq rio Feio, apresentaram-se a peito des- dos quais, Cândido Mendes, tomara parte em
cobertos dez guerreiros Kaingang, inteiramente aµteriores ataques aos índios; êstes, muito fi-
desarmados e com a resolução evidente de sionomistas o reconheceram.
travar relações com os ocupantes do acampa- Os visitantes chegaram à hora do almôço e
1nento dos Patos. A naturaf excitação dos pri- tomaram parte na refeição que estava à mesa.
-58 - - 59 -

Quem come junto é aliado e irmão - Canqué Ocupados em destruir o que ainda restava
na regra social dos Botorodos. Portanto, os no Pôsto, não o perseguiram, certos de que as
empregados do Pôsto deviam ser, como aquêle suas feras ensinadas despedaçariam o fugitivo.
fazendeiro, inimigos dos índios. E tudo que Mas o cozinheiro havia dado aos cães muito res-
até então tinham êsses servidores feito para to de comida e êles se lembraram disso, perse-
agradar aos índios e beneficiá-los, deveria ser guindo-o só na aparência. Foram mais lógicos
traição! Num momento resolveram liquidar o e mais constantes que os homens. E, graças a
a.ssunto. Ardilosamente deSa.rmaram os visi- isso, o cozinheiro salvou-se, para contar a tra-
tantes, os quais, pelo que sabiam sôbre a pa- gédia e o martírio dos seus companhieros".1 is
cificação dos seus antigos desafetos, estavam
inteiramente tranqüilos e não se opuseram ao :ftste assalto desfechado pelos Xokléng, de Pal-
exame que os índios, com mostras de curiosi- mas, teria tido as mais graves conseqüências, não
dade, desejavam fazer nas suas armas. fôsse a presença do S.P.I., porque desta vez não
Em seguida ·c aíram sôbre os visitantes mas- morreram apenas os seus servidores ou humildes
sacrando-os e também aos empregados do Pôs- moradores locais. Os fazendeiros trucidados eram
to. Fioravante, rudemente atacado, defendia-se pessoas influentes e seus familiares preparavam
das cacetadas com os braços robustíssimos, sem- tremendo revide, não escondendo o propósito de
pre de frente, procurando chamar os índios à massacrar todo o grupo.
razão. Foi recuando até o mastro da bantleira O S.P.I. viu-se, dêste modo, entre dois fogos:
brasileira que diàriamente se hasteava no Pôsto; de um lado a hostilidade dos índios que o identi-
e aí seu cadáver foi encontrado mais tarde, ficavam com seus antigos perseguidores;_de outro,
tendo no cinto o revólver com tôdas as os civilizados que já não aceitavam a intervenção
balas intactas. Caiu fiel à divisa do -Serviço mediadora do Serviço. Teve, pois, de fazer frente
deA
Proteção aos índios:
))
"Morrer, se necessário a amoos:'
f or, matar, nunca .
Dêsse massacre só se salvou o cozinheiro ". . . aos civilizados, discutindo, ensinando,
que, de comêço assistiu da cozinha, afastado e demonstrando e, como última razão opondo
apatetado pelo inesperado dos acontecimentos, arma a arma; aos índios, indo novamente ao
a tôda ;horrível cena e, muito ágil, ao receber a seu encontro, afrontando, como se deve imagi-
primeira pancada, saltou para o mato e fugiu. nar, os maiores perigos no imo da mata; e, após
Contra êle os índios atiçaram os cães muito en- longos . meses de arriscac;líssimas aproximações,
, sinados que sempre os acompanham, ferocíssi- conseguindo pacificá-los de novo; mas afas-
mos ao cumprir as suas ordens de ataque. -----
Boletlm
li do S.P.1. n. 0 9, de 30-8-1942, págs. 4-5 .
- 60 - - 61

tando-os daqueles sítios de tão tristes recorda- permaneceram. Enquanto Eduardo enca1ni-
ções e tão perigosos. E os Botocudos embora nhava-se para os escombros, ainda fumegantes
nunca aludissem ao seu terrível engan~ parece das casas destruídas, o intérprete dirigia apelos
q_ue tiv~r.am dêle p~ofundo arrepencÍimento, em voz alta aos assaltantes que se supunha
tão J?ac1f1cos e confiantes depois se mostra- estarem ocultos na mata e nas _roças próximas.
ram' ( op. cit.). Esta suposição não tardou a ser confirmada
por um berreiro infernal que se levantou
detrás da cortina de vegetação, de onde emer-
O ramo catar!nense do tribo Xokléng, mais giram alguns homens, com as flexas distendidas
numeroso e aguerrido q11e o de Palmas, foi chama- nos arcos, prestes a atirar. ·
do à paz por Eduardo de Lima e Silva Hoerhann
Eduardo, destemeroso, redobrava os es-
depois de vários anos de esforços e, exatamente'
forços para fazer compreender àqueles homens
quando ,tu~o parecia perdido, por um ataque e~
quais as suas intenções e qual o seu desejo.
que os 1nd1os mataram um trabalhador e destruí-
ram todo o Pôsto . Os índios pareciam abalados pela atitude do
moço; mas hesitavam e recuavam a cada passo
Vejamos como relata os fatos o jornal Urwalds- que êste dava para o seu lado.
bott~, tristeme~t~ célebre pela sua preg~ção da Eduardo teve uma intuição: era natural
c~ac1na como un1ca solução para o problema in- que êles desconfiassem de que tudo aquilo
d1gena . nada mais seria do que uma cilada, destinada
• "Parecia que desta vez se havia consumado a colhê-los de improviso e castigá-los pela de-
o irremediável fracasso da tentativa pacifica- predação da véspera. Precisava dar-lhes prova
dora do Serviço de Proteção aos lndios e, cer- cabal de que os procurava com a alma lin1pa
tamente, que assim seria, se o administrador de todo pensamento insidioso. Despojou-se,
do Pôsto, o jovem Eduardo de Lima e Silva pois, de quanto trazia sôbre o corpo e, nu, de
Hoerhann, não. acu?isse ao local do ataque braços levantados, caminhou resoluto na di-
para salvar a s1tuaçao com a sua atitude co- reção dos índios que lhe estavam na frente
rajosa e intimorata. prontos para desferirem o golpe fatal. ·Aco1n-
t!:le chegou lá- no dia · imediato ao do panhava-o o intérprete, que em tudo o imitava
assalto, levando um intérprete e remadores, e sem cessar repetia na língua bárbara os ape-
porque se fizera transportar em canoas pelo los à amizade e à confraternização.
rio. Apenas chegado saltou, acompanhado do À vista disto, os índios acabaram, - depois
intérprete; ambos deixaram as suas Winchester de alguma vacilação e mesmo do disparo de
nas· embarcações, sob a guarda dos que neJas duas flechas endereçadas ao intérprete, mas

J
- 62 - - 63 -

que não o atingiram - depondo as armas e que era impossível seguir suas pegadas, tão bem
assim, inermes, receberam como irmãos, os as disfarçavam e defendiam.
irmãos que os buscavam havia tanto tempo, Afinal, uma tarde depara, por acaso, com um
através de tanto riscos e perigos". 1e pequeno bando dêles ao redor de uma fogueira
onde assavam uma caça. Esconde-se atrás de um
Um outro exemplo de destemor pessoal e te- tronco, espreitando-os, certo de que, se o desco-
nacidade foi dado por Telesforo Martins Fontes, brissem, fugiriam imediatamente. Decide, então,
em 1934, depois de vários meses de esforços para demonstrar-lhes, da única forma possível, suas in-
chamar à paz os índios Baenãn ( Hãehãe) das ma- tenções pacíficas. Despe-se cuid.adosamente e, nu,
tas do sul da Bahia, quando já esgotara todos os corre para o meio dos ínc\ios. Assustados com a
recursos para atraí-los. Aquêles índios constituíam, intromissão abrupta daquele homenzinho nu, ma-
então, pequenos bandos errantes que, depois de gro, de metro e meio de altura, fogem para esprei-
sofrerem perseguição tenaz por parte dos brancos tar de longe o que sucedia. Vendo-o, porém, tão
que os espingardeavam como caça, se especializa- indefeso, cuidar calmamente do assado, voltam,
ram em fugir e despistar, tomados de pavor pânico ainda desconfiados, um, depois outro, afinal, todos.
diante do branco. Sempre inquietos e temerosos, Assim foram pacificados os Baenãn, graças a
andavam na mata armando fojos e estrepes à me- um gesto de coragem, tão sutil e tímido que deve
dida que progrediam, para defender-se do perse. ser tido como simbólico das <iualidades morais que
guidor que estava sempre no seu encalço e com Rondon soube despertar e por a serviço da causa
o qual se defrontavam em todos os lugares. As indígena.
matas em que tinham seu refúgio vinham sendo
o o o
invadidas por plantadores de cacau que, em ondas
cada vez mais numerosas, as penetravam por todos
mbh. · \

Desesperançado já de encontrar suas aldeias, Vejamos, agora, a pacificação dos Parintintín,


convencido mesmo de que não as tinham, porque do 'médio Madeira, que constituíam provàvelmente,
havia batido tôda a região sem encontrar sinal a mais aguerrida tribo com que o S.P.I, teve de
delas, Fontes se via chamado de um extremo a defrontar-se e cuja atração só foi possível pela fir-
outro da ~rea, cada vez que alguém denunciava meza e sabedoria do etnólogo Curt Nimuendaju,
sinal dos índios, sem jamais encontrá-los e vendo que a empreendeu com a ajuda de outros servi-
------ dores do S.P .1.
19
Tradução de trecho de um artieo do jornal alemão A população Parintintín não excedia, em 1922
Uf'W<ll.d.tbotte de 30 de setembro de 1911, transcrito i n Basílio de
~agalhes, 1925: 78·79. de 250 p~sosas, contando, portanto com 50 guerrei-

1
"
1

- 64 - - 65 -

ros apenas. ~1as, graças à sua exb·aordinária nlobi- com o casarão de zinco, quando andava ao longo
i
• lidade, aliada ao gôsto pela guerra e à rarefação do rio. Escondidos na mata, examinaram cuidadosa-
da frente extrativista de ocupação, composta de mente as instalações e depois assaltaram a flecha-
pequenos núcleos de seringueiros dispersos numa das um trabalhador que se achava no terreiro. De-
área imensa, puderam manter sob seu domínio um viam estar nervosos, pois atirando de perto, não
território de 440 quilômetros quadrados, rechas- acertaram; fugiram em seguida para o outro lado
sando índios ou civilizados que dêles se acercassem . do rio, dando gritos de guerra e imitando tiros de
O plano de pacificação de Nimuendajú seguiu rifle. Nimuendaju procurou então acercar-se dêles~
as linhas clássicas: instalou i10 território indígena levando terçados, acenando com um lenço e gri-
uma casa fortificada, pouco distante da barranca tando em língua-geral: "Parentes! Por que tendes
do rio onde desembarcara, construída em meio a mêdo? Não vos faço mal! Esperai! Aqui tenho ter-
uma clareira, onde se plantou extenso roçado. Cui- çado para vos dar!" Mas os índios sumiram rio
dados especiais foram tomados tendo em vista a abaixo. A seguir, Nimuendaju tomou as flexas ati-
agressividade dos índios: a cas.a tinha paredes e radas e respectivas bainhas protetoras que haviam
teto de zinco, era defendida por uma cêrca de deixado na clareira, atou a cada uma delas um
arame farpado e dotada de uma vizeira de onde pequeno presente e as colocou debaixo da coberta
se podia ver os atacantes e falar-lhes sem correr de zinco em um dos postos de brindes.
o risco de ser flechado. Teve de ser construída Dias depois, inspecionando os postos de brin-
.ràpidamente e sob vigilância, na orla da clareira des mais distantes do acampamento, verificou-se
aberta na mata. que os índios haviam descoberto um dêles, levando
As aldeias Parintintín que antes da invasão dos tudo quanto lá estava, inclusive a fôlha de zinco.
seringais se situavam à margem do rio Maici, en- Sua hostilidade era, porém, patente, por que ar-
maram seis estrepes feitos de pontas de flechas, em
contravam-se, agora, no centro das matas, de onde
local de passagem obrigatória, na trilha que levava
os índios acoitados saiam para os ataques .. O à çoberta. Os estrepes, amarrados a novos brindes,
centro da pacificação fôra instalado em terreno foram colocados no mesmo lugar, protegidos, agora,
por êles freqüentado, onde se esperava viessem ter por uma paliçada. Outro pôsto fôra também desco-
prontamente, mas a tempo de os pacificadores com- berto e retirados os brindes pelos índios que desta
pletarem as instalações de segurança. feita deixaram intactas as instalações. Novos brin-
O primeiro encontro se deu quando terminada des foram colocados no mesmo local.
á casa, ainda se trabalhava na cêrca e no roçado. Quatro semanas depois ocorreu novo ataque.
Um pequeno grupo de índios deparou por acaso Os trabalhadores ocupavam-se das suas tarefas ha-

- 86 - - 67 -

bituais quando inopinadamente irromperam os ín- por Nimuendaju em seu relatório à diretoria do
dios, atirando grande número de flechas sôbre a s p 117
casa, em meio a gritos de guerra e imitações de
tiros de rifle. Verificou-se depois que os índios ha- "Subi por isso pela armação da casa e
olhei por cima da parede cuja altura, do lado
viam retirado os brindes de uma das cobertas do Sul, é uns 80 centímetros mais baixa que
próxima ao cercado. Prosseguiam, pois, apesar dos o freixal, ficando, desta forma, um vão bas-
ataques, a "ceva" e a aproximação. tante grande para ver tudo e também para ser
No dia seguinte repetiu-se o ataque com outro visto da beira da mata.
enxame de flechas que, atiradas de longe, não Avistei então distintamente meia dúzia dos
atingiram sequer o terreiro da casa. Os atacantes, atacantes, dos quais três tinham saído no limpo
uns 15 índios, fizeram novamente grande algazarra da cêrca, ficando completamente descobertos
em tom de vaia, antes de se retirarem, distinguin- enquanto outros atrás estavam mais ou menos
do-se, mais uma vez, os gritos com que procuravam escondidos pelas moitas. Alguns estavam pin-
imitar as armas de fogo. Pelo exame das flechas e tados de prêto, outros tinham lindas coroas de
pela ineficiência do ataque, Nimuendaju conjectu- penas encarnadas e amarelas, -que rodeavam
rou tratar-se de um bando de meninotes. Novo pôsto tôda a circunferência da cabeça; outros, ainda,
de brindes foi instalado à margem do rio, no local traziam na nuca, caindo sôbre o espinhaço,
de onde partira o ataque, depondo-se ali as flechas enfeites de penas vermelhas de cauda da arara.
ratiradas. Todos se remexiam e corriam numa excitação
nervosa, atirando ainda algumas flechas tar-
Dias depois, ao entardecer, os índios voltaram dias''. "... Estou plenamente convencido de
a atacar, fazendo pipocar suas flechas nas paredes que os Parintintín, desta vez, vieram dispostos
de zinco da casa. Verificou-se, depois, que os brin- para um combate decisivo. Em nenhum dos
des colocados na trilha percorrida pelos índios ha- ataques anteriores atiraram tantas flechas ·e
viam sido retirados. com tanta insistência .
Passados mais dez dias, à hora do almôço, As flechas vieram com uma fôrça tão bru-
quando o cozinheiro chamava o pessoal para o tal que, se não fôsse o Pôsto já feito para isto
rancho, desabou sôbre êles formidável chuva de mesmo, se por exemplo em lugar dêle estivesse
flechas acompanhada de gritos de guerra. um barracão de palha, a nossa posição teria
Passamos a reproduzir extensamente, por se ficado insustentável. ... " ·
tratar da melhor documentação da última fase de -------
Para
11 a descrição completa da pacificação. embora com
uma pacificação, a narrativa do ataque registrada menos detalhes, ver: Curt Nimuendaju, 1924: 201-278, e Joaquim
Gondim, 1925 .
- 68 - - · 69 -

" .. . O ataque, porém, fracassou por com- recia fazer um discurso. Debalde me esforcei
pleto: não tiveram nem sequer a satisfação de para apanhar uma s6 palavra conhecida. Res-
ver alguém correr com mêdo das flechas, e eu pondi o que sabia, em língua Torá, Matanaui
imagino o desapontamento dêles quando, em e Tupi. Enfim os Parintintín rompera~ na sua
vez de entrarem vitoriosos no Pôsto, atrás do gritaria de ~uerra de costume e depois se ca-
"inimigo" derrotado, se viam convidados por laram. Por ultimo soltaram alguns gritos pelo
mim, com gestos claros, para chegar e entrar! lado Sul. Eram 9 horas da noite.
"Três dias depois, a 18 de maio, pouco Os índios, não querendo andar de noite,
antes das 5 horas da tarde o nosso cachorrinho dormiram em distância de uns 300 metros do
começou a latir obstinadamente para o canto Pôsto. Ao clarear do dia segu~te, às 5h 30m
S-E da cêrca. Depois do sinal das 5 horas fui fomos despertados por novos gritos, mas en-
cautelosamente pelo lado de fora da cêrca, quanto preparei tudo para o ataque, os índios
até que pude avistar o Pôsto de Brindes da- . foram-se embora e não deram mais sinal.
quele canto. Os presentes que eu tinha pôsto Verificando os rastos vi então que naquela
lá junto com as flechas do ataque de 28 de noite dois índios tinham vindo pelo igap6, e
abril, e que eu tinha ainda visto de manhã, um dêles tinha entrado no cercado, rodeado a
não estavam mais. O cachorro continuava a la- ponta da Cêrca na margem do rio, enquanto o
tir, agora para. o canto S-\V da cêrca: fizemós outro ficou esperando, provàvelmente para co-
sentinela à noite e depois fechamos a casa e o brir a retirada do companheiro. O que tinha
pessoal foi dormir, ficando eu ainda acordado entrado foi ~la beira do terreiro até o canto da
e lendo. . casa, atraz da mesinha onde se espantou com
Às oito e meia ouvi um ligeiro baque no zin- qualquer coisa e correu, levando uma bacia de
co e o tropel dos pés de um homem que corria flandres que estava encostada na parede da
pelo terreiro do Pôsto para o canto N-E da cozinha, do lado de fora. Para demonstrar-lhes
cêrca, onde entrou nágua, ouvindo-se êle sair que era desnecessário roubar êstes objetos, puz
na mesma margem, pouco adiante. Outros uma bacia igual no Pôsto de Brindes, no canto
índios, dentro do igapó, falavam então em voz da cêrca. .
regular, e no pontal do igarapé viu-se agitar Por três medidas principais eu esperava
por um instante um tição de fogo. Ouviam-se provar aos Parintintín as nossas boas intenções:
passos dentro dágua e decorridos alguns minu- pela exposição de brindes, pela proibição de
tos começaram os índios, numa distância de tiros e pela abstenção de entradas na mata, a
uns 62 metros, a gritar, salientando-se uma voz não ser para colocar presentes. Vejamos os
grossa e gutural que com entoação raivosa pa- efeitos que estas medidas produziram até agora:
- 70 -
1 - 71 -

Os Parintintín, desde que encontraram os ser mais ou menos esta: "~les estão mendigan-
brindes, não puzeram dúvida em retirá-los, do as pazes porque não dispõem de armas".
mas em vez de reconhecê-los como dádivas Cresceu, então, naturalmente, a audácia
espontâneas e significativas, insistem em que- dêles: no ataque de 15 de maio apareceram
rer dar a cada retirada de brindes o caráter a peito descoberto, já convencidos de que não
de uma correria de pilhagem. Parece que que- havia perigo de tiros, confiando não nas nossas
rem, a todo transe, salvar a aparência de que boas intenções mas no suposto estado indefeso
êstes objetos sejam troféus. de guerra. Que nosso. Três dias depois vieram de noite no
um povo primitivo que vive em luta ininter- terreiro da casa e furtaram uma bacia, sendo
rupta há mais de 70 anos estime mais o troféu de notar que apenas horas antes êles tinham
que a dádiva é muito natural, e nem quero retirado uma igual de um pôsto de brindes.
mal por isto a êstes guerreiros selvagens que Também desta vez não houve do nosso lado
se pintam e enfeitam com penas para virem o menor gesto de represália. Mas desde aquêle
dar combate a quem absolutamente não quer momento eu reconheci que tinha cometido um
brigar com êles . êrro, proibindo de todo o uso das armas de
Cinco vêzes já os Parintintín têm-nos ata- fogo, êrro que felizmente ainda podia ser
cado com flechadas e gritos de guerra, e de corrigido. Ü ' certo é que as coisas assim como
nosso lado só não teve mortos e feridos porque iarri, marchavam a passos largos para nada
a nossa posição é regularmente boa, e vivemos mais nada menos que t1m massacre. Com mais
constantemente prevenidos. Em nenhum dêstes um ou dois dias, qualquer um de nós que
casos temos reagido. Qual foi, porém, a con- tivesse necessidade de sair à noite ou teria
clusão que os Parintintín tiraram disto e do sido assaltado ou morto - e provàvelmente
fato de nunca terem sido perseguidos, depois não só êle - ou nós teríamos de massacrar os
de um ataque? Em vez de reconhecer que nós '
assaltantes. Seria rematada loucura se eu es-
não queremos fazer mal a êles, concluíram que perasse por êste desfêcho trágico para provar
nã~ podem?~ nos defender. ~rro êste por de- aos Parintintín que estamos armados. Para êles ~
mais expl1cavel, porque decerto ninguém
se convencerem de que não queremos atirar,
ainda aguentara um único ataque dêles sem
responder imediatamente com tiros. Mesmo é preciso provar-lhes antes que possuímos ar-
Manoel Lobo assim reagiu, quando se viu ata- mas de fogo e sabemos manejá-las muito bem.
cado por êles na "1naloca do Caucho". Por- Só então, talvez, que lhes apareça a nossa
tanto, a conclusão que os Parintintín tiraram \ atitude nos ataques anteriores, debaixo de um
da nossa atitude em cinco ataques só podia ' outro ângulo visual .

••
- 72 - - 73 -

Infelizmente, os índios, se convencendo de Suspendi pois os tiros durante o dia, limitan-


que nós não lhes caus..'-l.mos mal nenhum, con- do-me a dar alguns à bôca da noite. Novo
cluíram daí o contrário de que deviam, com engano meu! Os índios não ouviram tir~
relação à nossa posição inexpugnável. Por isso nenhum pois estiveram se preparando duran~e
até hoje todos os nossos esforços se concentram todos êstes dias para un1 novo ataque.
na defesa do Pôsto contra as agressões dê1es, No domingo, 28 de maio, às 10 horas da
e por mais que se aproveite a ocasião dos manhã, notei que os brindes dos cantos d_!l
ataques para demonstração de paz, isto nada cêrca estavam retirados. Redobrei a vigilância
ou pouco adianta, por que sempre é mal com- e às !Oh 30m, saindo da varanda rumo à por-
preendido. Se êles desde o princípio tivessem teira, Vi subitamente O caminho largo que VeJ!l
ouvido alguns tiros casuais - menos por ocasião de dentro do mato, entupido de índios que,
dos ataques, - não ·teriam formado êste juízo com as flechas na corda, corriam com tôda
de nós, tão prejudicial quão perigoso. Foi um rapidez para a porteira. Entrei depressa n_a
êrro meu e confesso-o francamente. varanda, onde o trabalhador Raimundo Batista
Como ficou relatado acima, às 5h 30m da estava sentado, desmontando um rifle, e dei
manhã do dia 19 de maio, os Parintintín fo- o alarme. No momento em que nós dois do-
ram-se embora por esta vez. Esperei ainda bramos o canto da casa, as flechas bateram
12 horas para não julgarem_que estivéssemos atrás de nós. Foi o ataque mais furioso que
atirando contra êles e às 5h 30m da tarde até agora tivemos de aguentar. Por cima da
mandei formar o pessoal no terreiro do Pôsto, parede vi os Parintintín, em número de 12,
bem à vista do ponto de observação predileto entrarem pela porteira aberta a dentro atirando
dos índios, no pontal do igarapé, e mand~i e gritando, enquanto outros com golpes de
dar alguns tiros a um alvo feito num mourão terçado e de pau botaram o arame da cêrca
da cêrca. Como, ~rém, me parecia muit9 abaixo, carregando os pedaços cortados. Ba-
provável que nesta ocasião já não tivesse mais tendo no rifle, gritei-lhes que não fizesse tal
índio nenhum em distância de poder ouvir os e como não me atenderam. mandei o pessoal
tiros, mandei dar outros 3 tiros ao alvo, no se aprontar para dar uma descarga. Neste ins-
dia seguinte ,pela manhã, ao meio-dia e de tante, porém, os assaltantes, por felicidade,
tarde, mantendo êste regime durante seis dias. afrouxaram e se retiraram um pouco pelo ca-
Como nesse espaço de tempo não aparecesse minho a dentro. Chamei-os então e ofereci-lhes
mais vertígio nenhum dos índios, suponho que um machado e um terçado, o que fêz parar
já ouviram os tiros e, desenganados de uma alguns dos mais corajosos. Aquietaram e pres-
vitória fácil, preferiram não se aproximar mais. taram-me atenção. Saí então para o terreiro
- 74 - - 75 -

1
1
com um grosso maço de fios de missangas na uma bacia de flandres e fui para as árvores
1 mão, chamando-os, mas não quizeram se che- caídas da margem a fim de soltá-la no rio, o
gar. Fui até à porteira e deitei as missangas que desencadeou uma nova furiosa gritaria
no chão, retirando-me em seguida. Vieram e dos que estavam no pontal. Mas não me inco-
apanharam tudo. Ofereci-lhes outra remessa, modei e empurrei a bacia para a correnteza
que coloquei dentro de uma bacia que virp e ela desceu. Quando chegou perto do pontal
deixar outra vez perto da porteira. Retiraram um dos índios de lá se atirou nágua e foi
a bacia e, como os outros já tivessem ido buscá-la. Os três da margem opüsta me fizeram
embora, foram-se também. então sinais que queriam missangas para pôr
Pouco depois levantaram seus gritos no no pescoço e nos braços, e que eu fôsse levá-las.
pont~l do lgarapé. Treparam nos galhos d~s Mas como êles também .pouco antes tinham
árvores e atiraram algumas flechas que não atirado algumas flechas para cá, mostrei-lhes
alcançaram o alvo. De repente apareceram as missangas e disse que viessem cá por sua
três dêles na margem oposta do rio, bem em vez. Queriam então que as botasse dentro de
frente ao Pôsto. Mostrei-lhes brindes e fiz-lhes uma bacia e a soltasse no rio. Mandei o Rai-
sinais que viessem para a porteira ao que res- mundo Batista com a bacia e as missangas
ponderam que eu fôsse ter com êles e um para um pau derrubado na margem, mas
índio tirou o diadema de penas e m'o ofereceu. quando êle estava cuidando de empurrá-la
Foi então que consegui apanhar as primeiras para fora um índio atirou de lá uma flecha que
palavras da língua dêles: ouvi que me chamava por pouco não o atingiu. Raimundo saiu então
HE-MU, o mesmo título que eu lhes tinha na margem e a bacia ficou prêsa na ponta dos
dado na língua geral ("meu parente, meu com- galhos, do nosso lado. Convidei os índios que
panheiro"). Pronunciavam a palavra AKNITA-
atravessassem o rio e viessem apanhá-la, mas
RA ( == diadema) e · também ouvi-os dizer em
por muito tempo não se resolveram. Neste 1neio
português claro "bacia". Entre êles se distinguia
como o mais assanhado, um rapaz de 15-1.6 viram-se alguns outros mais atravessar o rio
anos, claro, com pronunciada "plica-mongólica", abaixo do pôsto. Enfim um dêles criou ânimo,
que mesmo não tendo mais flechas fazia o mo- entrou no rio, atravessou cautelosamente, le-
vimento.de atirar, gritava, batia o pé e quebrava vou a bacia com as missangas e saiu numa
o mato. Saiu bem na beirada e fêz o gesto de praia do outro lado, pouco abaixo do Pôsto.
• 1 cortar a cabeça e por fim me arre1nedou, to- Daí levaram o~ brindes para o pontal, voltando
mando a minha posição com os braços cruzados a maioria dêles para lá e ficando em frente
e depois com as mãos nas cadeiras. Peguei d e nós só 5 índios .

)
- 76 - - 77 -


t;;stes começaran1 novamente a pedir n1is- ria e batendo furiosamente com cacetes na
telha de zinco do Pôsto de brindes. Corremos
l sangas, oferecendo-me em troca um diadema
para trás e eu disse aos índios que agora não
que deitaram num tôco de pau, querendo que
eu fôsse lá buscá-lo. Não quiseram atender ao botava mais as missangas por que os outro's •

meu convite de atravessar, rodear e vir tratar tinham de novo atirado sôbre nós. Então o que
comigo pela porteira. Um dêles me demonstrou estava do lado de cá saiu bem no limpo da
que eu amarrasse as missangas na pünta de u~a beira, mostrou as missangas q11e tinha apa-
vara e enfincasse esta na beira do rio, abaixo nhado e deu a entender que não foi êle que
do Pôsto. Respondi que não o faria porque êles atirou e sim os outros, e que êstes outros já
jogariam flechas. Lançaram então mão de um tinham ido e1nbora. Por fim sempre coloquei
meio engraçado para me dar garantia: fizeram as missangas, e logo os quatro índios que es-
sinal que eu não fôsse coloc~ as missangas, tavam do outro lado atravessaram e vieram
e neste meio tempo se puseram a cantar e apanhá-las. Estavam êles agora inteiramente
dançar, levantando o arco verticalmente, tendo desarmados. O que sempre se tinha distinguido
um o diadema e outro um maço de missangas mais e que vou chamar o "chefe", veio para
amarrado na ponta, e, dois de cada lado, dan- o meu lado - eu estava fora da cêrca - amar-
çaram para lá e para cá, cantando: YA TAI- rou um diadema num pedaço de pau e atirou-o
PEHt;;, ou coisa semelhante ( =nós, os Pa- para mim; dizendo que fôsse buscá-lo, o que
rintintín ? ) . Enquanto os quatro dançavam, fiz. Os outros quatro também se acercaram,
o quinto observou os meus movimentos. Fiz ficando todos numa distância de 15 metros ou
a vontade dêles e coloquei as missangas no menos, de mim.
lugar indicado. Prontamente um dêles atra- Começamos, então, a conversa, falando eu
vessou, tirou-as e deixou-se ficar do lado de a língua Guarani e êles a língua própria, qqe
cá. Agora os outros · quatro reclamaram o seu muito se assemelha àquela. Muitas vêzes não
quinhão também: que eu colocasse novas mis- nos compreendíamos uns aos outros, mas ma]
sangas no mesmo lugar, para êles. Encami- e mal e com auxílio de gestos, a conversa foi
nhei-~e com Raimundo Batista para a beira, adiante. Ofereci ao "Chefe" mais nlissangas,
t mas antes de chegar no lugar fui interrompid~ explicando que eram para a mulher e os filhos
pelos outros 7 índios que do pontal já tinham dêle, e tentei entregar-lhe o presente na mão.
rodeado o Pôsto e que agora, do canto N-~ t;;]e, porém, recuou e disse "EMONBól"
da cêrca, jogaram 2 flechas co1n grande grita- (= jogál). Não insisti e fiz a vontade dêle.
- 78 - - 79 -

Pediram-me então mercadorias e lhes dei tudo dobras da barriga vazia, fazendo uma careta
que quiseram e mais algumas coisas. Primeiro m~ito triste. Mandei vir tigelas com farinha
quiseram Takihé e Takihé-TJOkú (==facas e dagua, farinha de tapioca e açúcar, comi um
terçados). Depois dei-lhes machados, pente~, pouco de tudo na vista dêles e entreguei-lhes
espelhos, pratos, colheres. Pediram roupas e tudo. Foi neste tempo que pela primeira vez
dei-lhes para êles e para alguém a quem qui- um Parintintín recebeu pacificamente uma
sessem levar. Por sua vez me deram outro dia- coisa das mãos de um civilizado. Não foi o
dema. Tive de dar o meu chapéu de feltro e próprio chefe que fêz êste ato de bravura e
o trabalhador Antônio Lobato também cedeu sim um mocinho um pouco escuro, mas bonito,
o chapéu e a camisa de meia. Do Raimundo o mesmo que me tinha dado o segundo dia-
Batista pediram a calça, porque acharam bo- dema. Creio que é um filho ou sobrinho do
nitos os remendos de côr diferente, mas et1 "chefe", pois não o compreendi quando me
dei-lhes uma calça nova. Ao curumi valentão explicou o grau de parentesco entre os pre-
eu dei por duas vêzes um terçado e ambas as sentes. Levaram a comida u m pouco mais
vêzes os companheiros lho tomaram. :E:le se adiante e lá cantaram e dansaram outra vez ,
zangou e foi embora. Chamei-o de nôvo e dei- comeram um pouco e voltaram para pedir
lhe outro terçado, explicando aos outros que ainda mais algumas coisinhas, especialmente
êste era para o rapaz. linha de pesca para entaniçar a munheca es-
Durante êste tempo a conversa tornava-se cada querda, contra o baque da corda do arco, e -
vez mais familiar. O "Chefe" indagou se n6s para amarrar o membro. Muito me custou
tínhamos vindo de cima ou de baixo, e como compreender que êles queriam uma lata de
se chamava nossa terra. Disse que n6s tínha- querosene que chamavam IRú e só fiquei ci-
ente quando o "chefe" encheu um prato com
mos vindo de baixo, do Caiari (Madeira) e
ágt1a e o botou no hoinbro. Também pediram
que a minha terra ficava muito longe, do lado 3 coisas que não podia dar por não tê-las:
do Sol nascente. Perguntou se Raimundo Ba- ABATI ( == milho), uma coisa que se estica e
tista era meu filho e, quando por graça, disse aperta entre as mãos e que canta ~E-~E-~E
que deixei mulher e filhos longe, quis que eu (harmónica) e uma outra que se despeja na
os trouxesse para cá. Perguntou pelos pais palma da mão e se esfrega no cabelo (extrato
meus e dos outros e quis saber os nomes de cosmético) .
todos nós, repetindo-os como eu os pronun- . Por fim foram-se embora, quietos e sem
ciava. Eu então perguntei se tinham talvez gritos. A última coisa que vi dêles foi um prato
fome e o "chefe" pôs grotescamente a mão nas que atiraram no rio. Eram 3 horas da tarde.

Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org

- 80 - ~ 81 -

A bôca da noite ainda mandei consertar a parte a distância de apenas duas léguas de uma das
da cêrca que êles haviam demolido". principais aldeias Xavante. Contando, embora com
intérpretes Xerente, com pessoal experimen~do e
.? c~so Parintintín é exemplar para ilustrar a usando dos métodos de aproximação já descritos,
a equipe de Genésio Pimentel Barbosa foi trucidada
pacificaçao de um grupo extremamente aguerrido.
em novembro de 1941, vitimada, provàvelmente,
pelo excesso de confiança do seu chefe que tendo
• • • v.isto os í~dios retirar os brindes, julgou que es-
tivessem dispostos a confraternizar, e se acercou de-
Constituem também casos clássicos de confra- masiadamente de suas aldeias.
ternização, pelo método persuasório desenvolvido Segundo o relato dos que sobreviveram,ts por
por Rondon, a pacificação dos Xavantes ( Akwé) e se encontrarem fora do acampamento no momento
aos Urubus-Kaapor. Os primeiros apresentavam do ataque, Genésio Pimentel Barbosa, temendo que
dificuldades especiais por se tratar de um grupo q~alquer dos, auxiliares, em · momento de pânico,
que contava alguns milhares de membros e que atirasse nos indios, trancara os rifles numa arca.
experimentara no século passado o convívio pacifico Morreu tendo a arma no coldre e as mãos cheias
com os brancos, sabendo, portanto, o que podia de brindes que oferecia aos índios, num último es-
esperar da civilização e tendo deliberado repelir fôrço para chamá-los à paz. Debaixo de cada um
qualquer aproximação. dos cadáveres os índios deixaram uma borduna;
Os Xavantes vivem nos campos cerrados à dezenas delas, em sinal de advertência, foram em-
margem esquerda do rio das Mortes, que atravessa- pilhadas nas imediações, provàvelmente para indi-
vam para atacar, a leste, os criadores de gado que car o número de guerreiros dispostos a impedir a
procuravam instalar fazendas nos campos do Ara- invasão de seu território.
guaia e, ao sul, os garimpeiros que exploravam Logo ~epois de divulgada a notícia da tragédia

ouro no vale do rio São Lourenço, em Mato Grosso. e apurados os fatos, o S.P.l. credenciou outro ser-
O plano de pacificação consistia em estabele- vidor para prosseguir os trabalhos. Nas instruções
cer um cêrco em volta do enorme território tribal que lhe foram dadas (ibidem) recomendava-se ini-
par~ impedir hostilidades com civilizados, que pre- ciar as atividades pelo enterramento dos mortos;
1udicassem os trabalhos, e para obrigar os Xavantes instalar o núcleo de pacificação à maior distância
a se defrontarem com as turmas de pacificação, em da aldeia e utilizar o local do morticínio como cen-
qualquer lado para que se dirigissem. tro para a colocação de brindes, a fim de patentear
A primeira tentativa malogrou, provàvelmente
pela afoiteza dos pacificadores, que se instalaram 18 Cf. Boletim n .0 2 do S.P.I., dezembro de 1942, i>'iS· 2·5 .


- 82 - - 83 -

aos olhos dos índios o ânimo pacífico com que à frente de uma pequena turma de trabalhadores,
eram procurados. se internou na mata para tentar um contato com
Confiaram os diretores do S.P.1. em que per- os índios. Fracassada a tentativa por falta de con-
manecendo os pacificadores na região em atitude tinuidade, com a retirada do comandante, recru-
discreta, renovando os brindes cada vez que fôssem desceram as lutas entre os Kaappr e a população
retirados, acabariam por provocar nos índios o local, formada de garimpeiros, madeireiros e traba-
desejo de se acercarem e dar fala, concluindo-se a lhadores da linha telegráfica, espalhada pelo imenso
confraternização. território dominado pelos índios, entre os rios
Só muitos anos mais tarde, parém, seriam co- Turiaçu, o Gurupi e o Pindaré.
roados de êxito os esforços do S.P .I. conduzidos Os Urubus atacavam sempre em represália a
por Francisco Meireles. Desta vez contava-se com ofensas sofridas, e nos primeiros anos que se segui-
grandes recursos, como embarcações a motor, apoio ram à tentativa do Tenente Dantas, as pequenas
aéreo para o suprimento das turmas e para con. turmas de pacificação, que continuamente se re-
vencer aos índios do poderío dos brancos, não uti- vesavam na colocação de brindes em pontos per-
lizado contra êles por fôrça de uma atitude deli- corridos pelos índios, não eram hostilizadas .
beradamente pacífica. Os extratores de drogas da mata e o pessoal
Só assim, em 1946, se renderam à paz, que da linha telegráfica viviam, contudo, em contínuo
jamais desejaram, os índios Xavante do rio das conflito com os índios; sempre que sofriam baixas,
Mortes . 19 os Kaapor revidavam com vigorosos ataques, dei-
xando de retirar os brindes que os servidores do
o o o S.P .1. colocavam em tapiris, nas trilhas, e chegando
muitas vêzes a destruí-los.
Ao tomar conhecimento de um assalto por
A pacificação dos índios Urubus-Kaapor teve parte \dos índios, os funcionários do S.P.I. procura-
início em 1911 e se prolongou até 1928, quando os vam aproximar-se dos atacantes, que retrocediam à
primeiros membros da tribo confraternizaram com mata sem poder ser abordados. Alternadamente,
os servidores' do S.P.I., no Pôsto de Atração da ilha pois, renovavam~se as hostilidades e as manifesta-
de Canindéua-assu, no alto Gurupi, entre o Pará ções pacíficas dos índios, com a retirada dos brin-
e o Maranhão. · des e a colocação, em seu lugar, de imitações de
A primeira tentativa de aproximação foi feita tesouras ou terçados feitos de madeira, para indicar
em 1911. pelo tenente Pédro ~ibeiro Dantas que, o que desejavam receber.
- 19
-
Pormenores da pacificação dos índios Xaoante1 estão con~
Em 1915, à falta de recursos, a atuação do
tida. em Lincoln de Souza, 1953 . S.P.I. exercida através do Pôsto Indígena Felipe


- 84 - .
- 85 ..;..
Camarão, <lo rio Jararaca, cessou inteiramente. vos o gua1·a1'ara deitou a con·er em direção às
1 E:sse Pôsto atendia a índios Tembé e Timbira e,
f1
' do Pôsto, gritando: "A uou,
casas ' A uou
' " - o
' simultâneamente, fazia esforços de aproximação que corresponde a "índio bravo matador"! A?
com os Kaapor. alcançar o pátio das casas, já cansado, o fu.~i­
Três anos mais tarde foi criado o pôsto de tivo tropeçou e caiu; levantou-se e nessa ocasiao
vigilância do Turiaçu, para impedir os conflitos en- recebeu uma flec~a na região ~rontal, que lhe
tre índios e o pessoal da linha telegráfica de ligação produziu um ferimento de oito centímetros
entre São Luís e Belém do Pará, que atravessava de extensão.
o território tribal. :ltstes se haviam especializado A êsses gritos, os companheiros do assal-
nas cl1acinas aos Urubus. Um certo João Grande, tado, que se achavam a fabricar farinha, corre-
agente da linha, perseguia atrozmente os índios, or- ram em seu socorro e ao avistarem os assaltan-
ganizando expedições contra suas aldeias e espe- tes que vinham saindo do pátio do lado do
r tando as cabeças das vítimas, homens, mulheres e rio perguntaram-Bies o que queriam. Oomo
crianças, nos postes telegráficos, co1no advertência resposta receberam uma descarga ~e flechas.
para que os índios não cortassem mais a linha. Os Novos disparos de flechas foram feitos contra
relatórios do S.P.I. da época, mencionam ataques os guajajaras que tornaram a perguntar aos
atribuídos ora a índios Urubus, ora a Timbira que, assaltantes o. que queriam. Mas, vendo os ata-
provindos do rio Caru, também se infiltraram na cados que os outros teimavam em não lhes d~r
área, sem que pudessem ser precisamente identifi- resposta e iam apoderando-se do que havia
cados uns e outros. pelas casas e terreiros, dispararam dois tiros
No mesmo ano, ( 1918 ), índios Urtibus atac~­ para o ar, na esperança de assim amedrontá-los.
ram o Pôrto Indígena Gonçalves Dias, do rio Pin- No entanto, os índios bravos a nada atendiam
daré, que assiste aos índios Guajajara. Era o pr~­ e investiam com furor. Então, um dos gua ja jara
meiro ataque àquele pôsto, instalado havia cinco fêz fogo de pontaria contra o ma~s afoit? dos
anos e foi assim relatado pelo encarregado: atacantes, no momento em que este saia de
uma casa que estivera a saquear. Nesse mo-
"Estava o índio Guajafara João Totoriá pes- mento chegou ao local do conflito o encarre·
cando à margem do rio quando ouviu rumor gado do Pôsto, que ouviu seguir-se ao est~m­
de pisadas em fôlhas sêcas; olhando para o pido do tiro um grito forte e o tropel de muitas
lado donde vinha êsse rumor, viu dois vultos pessoas que deitava~ a coi:er pela. margem
deitados ao comprido, no chão, e mais adiante do rio; en~re º! fugitivos, foi o al~e1ad~, que
três, de pé, e meio escondidos nos matos. Re- mesmo assim nao abandonou os ob1etos tirados
conhecendo que tinha diante de si índios bra- da casa saqueada" .


- 86 - - 87 -

Ano após ano, os relatórios do S.P.I. registram Por volta de 1920, a situação de insegurança
incursões dos Kaapor aos estabelecimentos de co- em todo o vale do Gurupi se agravara de tal modo
letores de drogas da mata, garimpeiros e madei- que as autoridades do Maranhão e do Pará foram
reiros, bem como a canoas que trafegavam o Gurupi instadas a decretar o estado de sítio em tôda a
e a pequenos povoados locais de que resultavam região, para garantir a vida e a propriedade dos
encarniçadas refregas . moradores civilizados .
A eficiência dêsses ataques, movidos muitas Expedições punitivas contra as aldeias indíge-
vêzes pelo desejo de saque, - já que os índios nas eram também periodicamente organizadas,
utilizavam metal para as pontas de suas flechas, - como a de 1922, estipendiada por um deputado es-
levou a população local a acreditar que os Kaapor . tadual e pelo prefeito de Peralva, composta de
e~am dirigidos ~or criminosos evadidos dos presí-
56 homens fortemente armados. Dirigiram-se ao
dios do Maranhao, do Pará e mesmo de Caiena e Alto Turi; e após 6 dias de marcha, assaltaram uma
por negros remanescentes de antigos quilombos. Era aldeia Kaapor e mataram no trajeto dois homens,
voz corrente, também, que aventureiros de tôda o que alertou os demais, possibilitando a fuga. Na
ordem, atraídos pelas ricas minas de ouro do Gu- madrugada seguinte, reforçados por índios de outra
rupi, incitavam os índios ao saque e eram os maiores aldeia, os fugitivos cercaram os expedicionários, des-
interessados em mantê-los aguerridos, para servir pejando sôbre êstes saraivadas de flechas. Provo-
aos seus propósitos de traficância clandestina do cando nova fuga dos índios quando já tinham
ouro. A explicação servia, principalmente, para jus- esgotado quase tôda a munição, os invasores quei-
tificar as chacinas empreendidas ou tentadas contra maram a aldeia e destruíram as roças, antes de
os índios. regressar.
Em 1927 reiniciam-se os trabalhos de pacifi-
Versões dêste gênero chegaram a ser veicula-
cação dos índios Urubus, com a instalação do Pôsto
das pela imprensa 20, como a que atribuía a um
Pedro Dantas na ilha de Canindéua-assu, próximo
lend~o Jorge Amir a chefia dos guerreiros Kaapor.
ao local onde os índios faziam a travessia do Gurupi,
tste 1nd1víduo, que nunca chegou a ser identifi-
da margem maranhense à paraense. O local fôra
cado, teria negócios com o comerciante sueco
escolhido por Miguel Silva, encarregado do Pôsto
Guilherme Linde, grande proprietário do Gurupi,
Indígena Felipe Camarão, que desde 1911 trabalha-
que ali investira vultosos capitais na exploração do va para o S.P.1., na assistência aos índios Tembé
ouro de Montes Áureos. Outra lenda, corrente na
e Timbira, do Gurupi, e na pacificação dos Kaapor.
época, descrevia os Urubus como mestiços de Tim-
A turma encarregada da instalação do Pôsto
bi.ra e negros quilombolas . era constituída de 15 trabalhadores, do encarre-
-------
~ Ver O Estado do Pa.rá. de 26-2-1920 .' gado-geral, Soeira Ramos Mesquita - que, me-


- 88 - - 89 -

droso e incapaz, pouco influiu no en1preendimento bém foi ferido a flecha o trabalhador Raimundo
- de um carpinteiro, de um encarregado do material Pereira.
flutuante, do intérprete tembé, Raimundo Caetano, Os principais eventos de 1928, ano em que se
morto xelos i?~ios em 1934: e do c:apataz Benedito deu a pacificação, foram registrados no diário do
J~s.us _e Arau10, o 9ue mais contribuiu para a pa- Pôsto Pedro Dantas, através do relato quotidiano
cificaçao, sendo mais tarde morto pelos indios que dos acontecimentos, que abaixo resumimos:
chamara à paz> como adiante veremos .
". . . A 17 de janeiro os índios se deixaram
Construído o rancho na ilha de Canindéua- ver e fizeram sinais a José Martinho, caçador
assu 21, defronte da margem maranhense, os tra- do Pôsto.
balhadores abriram uma picada de 15 quilómetros,
mata a dentro, ao fim da qual colocaram o primeiro · - A 18 de fevereiro chegou ao Pôsto, vin-
tapiri de brindes, na margem direita do Gurupi. Na do de Ita.mori, o sr. Antônio Bernardino, que
margem paraense foi plantada uma grande roça e disse terem os índios atacado trabalhadores
levantados outros tapiris para a colocação de brin- do sr. Bogêa Filho, resultando a morte de um
des, hasteando-se em cada um dêles uma bandeira de nome Leôncio. t!:sse ataque se deu em Mon-
branca e flechas indicando a direção do barracão tes Áureos, onde imprudentemente o Sr. Bo-
central. gêa Filho mandara extrair ouro. No dia se-
guinte os índios cercaram no igarapé Canindéua
O primeiro tapiri foi encontrado pelos índios um trabalhador do Pôsto que estava caçando,
alguns dias depois de instalado o Pôsto. Quebraram mas que consegwu •
escapar.
o girau e todos os brindes, exceto alguns medalhões,
- A 13 de junho os índios deram sinais de·
que levaram, com a efígie de José Bonifácio que
fronte do Pôsto e no mesmo dia acompanharam
o S.P.I. fizera cunhar como homenagem a~ seu
os pescadores desde o lugar Cajueiro até muito
patrono e para satisfazer o gôsto dos índios por
moedas e medalhas de metal. próximo.
- A 7 de julho os Kaapor fizeram sinais
Em outubro de 1927 foi flechado e morto pelos aos pescadores do Pôsto. A 11, foi visto· pela
!'~por, quando tripulava ,º batelão do Pôsto, o senhora de um trabalhador um índio do lado
1nd10 tembé ~1anoel Guama e, pouco depois, tam- do Maranhão e à noite êles deram muitos sinais
-------
m Continuou funcionando o P.I. Felipe Camarão; em 1929,
defronte do Pôsto, tendo os intérpretes falado
fof fundado o P.I. General Rondon, nas cabeceiras do rio Mara- longo tempo em timbira e tembé porque ainda
cassumé. não muito distante da estrada telegrlifica. itsse era com-
pletamente desli.gado dos postos do Gurupi, tinha sistema de
se desconhecia a sua língua. A 29, apareceram
transporte própno através -da picada da linha telegri\fioa. Teve, defronte do Pôsto diversos índios que fizeram
po~ papel de pouco destaque, porque os índios quase nunOfl
o prOC\llavam, tal a ojerisa aos moradores daquela regilo . sinais aos pescadores perto da ilb.a do Camaleão.
\

- 90 - - 91 -

Outros apareceram no caminho do igarapé Ca- visto no roçado e três outros em frente ao
nindéua e deram sinais ao capataz Benedito Pôsto. O intérprete falou-lhes constantemente,
Araújo, ao intérprete e outras pessoas que an- não obtendo resposta. No dia 13, os índios ati-
davam caçando. raram algumas flechas em direção ao Pôsto,
A 30, hasteou-se junto ao novo barracão sem contudo alvejar as pessoas que se achavam
uma outra bandeira branca, em local onde pu- nas redondezas. Alguns índios deram sinais
desse ser observada pelos índios. A 31 êstes no local onde no ano anterior atacaram o ba-
deram muitos sinais defronte ao Pôsto, faland'o telão do Pôsto e depois retiraram os brindes,
o intérprete tembé por longo tempo, verifi- deixando cascas de pau em forma de terçados
cando-se, assim, que eram efetivamente de e facas, para dar a entender que precisavam
língua Tupi. Visitaram-se a intervalos os ta- dêsses objetos, no que foram atendidos.
piris, não tendo os índios retirado nenhum dos - A 16 de outubro, p<>r volta do meio-dia,
brindes, provàvelmente por não os haverem chegou um índio à beira do rio e pediu terça-
encontrado. dos em sua língua. Imediatamente o batelão
- A 25 de agôsto apareceu novamente à do Pôsto dirigiu-se para lá, levando-lhe o ca-
referida senhora o mesmo índio que lhe havia pataz fací\es e machados. O índio afastou-se
aparecido anteriormente, mostrando o arco sein pedindo que fôssem · deixados na praia. Assim
flecha em sinal de paz, mas fugindo à chegada fêz o pessoal do batelão e logo que regressou
do intérprete. à ilha de Canindéua-assu vários índios saíram
- Os índios continuam a dar sinais tanto da mata e arrecadaram a ferramenta . -
defronte ao Pôsto como aos caçadores e pesca- - A 20 e 21 os índios voltaram, retirando
dores. Um outro tapiri de brindes foi armado todos os brindes sem, no entanto, "dar fala".
à maior proximidade do Pôsto. No dia 22, apareceram vários outros no mesmo
A 7 de setembro apareceram diversos ín- local, chamando "Catu-Camará" e pedindo
dios defronte ao Pôsto, levantando-se uma roupas e ferramentas. :Este grupo era chefiado
bandeira branca ·no local. por um índio que d'e11 a entender chamar-se
No dia 22 apareceu à referida se-
nhora o mesmo índio, desta vez enfeitado Remon.
de peJlas e capacete. O intérprete o viu e fa- Dessa data em diante voltaram novos
lou-lhe sem que obtivesse resposta. grupos levando sempre ferramentas e roupas.
1 - A 1.0 de outubro os índios retiraram .Recorreu-se ao Pôsto Felipe Camarão por es-
todos os brindes do tapiri mais próximo ao tarem esgotados todos os recur~os de que se
1 Pôsto, dando constantes sinais. Um índio foi podia lançar mão .
....

- 92 - - 93 -

- A 1.0 de novembro chegou ao Pôsto o provar que havia pacificado a temível tribo. De
ajudante da Inspetoria Artur Bandeira que Vizeu teve de seguir até Belém, entregando os
entregou brindes a 32 índios que de longe índios aos tripulantes para serem reconduzidos ao
avistaram sua canoa, chamando "Catu-Cama- Pôsto. Durante a viagem de volta os índios foram
rá". Bandeira conseguiu trazer três dêles ao atacados de gripe, morrendo dois dêles em ltamoari.
Pôsto. No .dia seguinte apareceu nôvo grupo, Os outros três, em estado muito grave, acompanha-
q?e a mwto custo se deixou fotografar. ~o dos pelo capataz Benedito Araújo chegaram alque-
dia 5 apareceu um grupo de 8 índios à sede brados ao Pôsto. Um dos doentes, filho do capitão
do Pôsto, que dançaram e cantaram para agra- Arara, apesar do tratamento que recebeu do capataz
decer os brindes que receberam . e do intérprete timbira, Marcolino, morreria dias
- A pedido dos índios foi construído um depois. Uma turma de outros 25 índios que haviam
barracão provisório na margem onde costu- visitado o povoado de Itamoari, num gesto espon-
mam aparecer. No dia 15 de dezembro apa- tâneo ~e confrate~nização, também chegou atacada
receu a primeira índia no Pôsto, que até essa de gripe contaminando a gente de sua aldeia.
data ha':ia recebido a visita de 94 índios, alguns Grassava, então, no Gurupi, uma epidemia de im-
dos quais pernoitaram na sede, permanecendo ' paludismo que prostara os próprios trabalhadores
aí dias seguidos.'' do Pôsto e fizera vítimas entre os índios, vindo a
falecer as duas espôsas do mesmo Arara. Temendo
Daí em diante as visitas foram-se tornando as doença.s, a ~aioria dos índ!o~ se retirou para
cada vez mais freqüentes, quase diárias, aumen- suas aldeias, vindo a contamina-las, seguindo-se
tando progressivamente o número de índios que enorme mortandade .
procuravam o Pôsto com suas mulheres e crianças
nêle permanecendo vários dias. Quando não havi~ ". . . Marchavan1 assim os acontecimetnos
brindes êles ficavam nos arredores aguardando a - narra o diário da pacificação - quando fo-
chegada do batelão que vinha de Vizeu. mos surpreendidos com gritos de índios Urubus
Em 1929 o Pôsto foi transferido da ilha para à margem, maranhense que pediam passagem
a margem maranhense, construindo-se t1m grande para o Pôsto. Embarcou apenas um indio, ar-
barracão de madeira de lei e uma cêrca de arame mado de arco e seis flechas, isto contra a regra
faTI?ado, além de um barracão para alojamento dos estabelecida que determinava que os í1*fios
índios. não entrassem no Pôsto armados. Logo ao de-
Em abril do ano seguinte, o encarregado geral sembarcar, deu a um dos homens que o tinha
do ~~sto, Soeira M~squita, de viagem para Vizeu, atravessado, uma das flechas que trazia e em
dec1d1u levar consigo cinco índios Kaapor para seguida dirigiu-se ao barracão chamando por
- 94 - - 95 -

Araú, nome por que era conhecido o capataz Nos outros. casos de massacre de turmas de
Araújo. t;;ste, com sua conhecida benevolência pacificação, o S.P.I. agiu sempre assim, providen-
e cega confiança, ofereceu-lhe um banco para ciando diligentemente para impedir o revide, da
sentar-se e passou a dirigir-lhe perguntas. O parte dos seus servidores ou da população circun-
índio mostrou, então, ao capataz uma flexa vizinha e renovando os esforços por alcançar a
de grande lâmina, dizendo ser preparada para confraternização. Foi o que ocorreu com os Bo-
matar Tapiira (anta) e em dado momento, tocudos ( Xokléng), do Paraná, como já relatado e,
assentando no arco a flecha aludida, apontou em 1942, quando o funcionário do S.P.I. Humberto
em direção .ao quintal, proferindo as seguintes Brighia e seus familiares, ao todo seis pessoas, fo-
palavras: "Araú Tapiira" e brandindo o arco ram vitimadas pelos índios Uaimiri, do Amazonas,
com tôda a violência, virou repentinamente a durante os trabalhos de atração; com Genésio Pi-
pontaria soltando a flecha no peito de Araújo mentel Barbosa e seus companheiros, abatidos a
que, sem dar um gemido, caiu morto. borduna pelos Xavante e em vários outros casos .
Armado ainda de quatro flechas, saiu pela Reiteradas vêzes os esforços para refazer as
porta que dá para a cozinha, dando grand~s relações pacíficas recomeçavam imediatamente após
urros, rodeou o barracão procurando outra o ataque, por iniciativa dos funcionários sobrevi-
pessoa; parou em frente de uma das janelas e ventes ou das novas turmas que os substituíam. No
brandindo com rapidez o arco soltou outra caso dos Urubus-Kaapor tratava-se de um movi-
flecha atingindo o índio timbira, Marcolino, mento contra-aculturativo, provocado pela revolta
que gravemente ferido, correu, caindo logo que desencadeou a enorme mortalidade que sofre-
adiante. A seguir, Oropó - que mais tarde se ram ao primeiro contágio de gripe, e que o índio
veio a saber também perdera as duas espôsas Orop6 atribuiu aos remédios ministrados pelo pa-
na epidemia e era da aldeia do Capitão Arara - cificador.
evadiu-se para a mata.
Os outros índios que havia dias se en- o ô o .
contravam no barracão em atitude pacífica, •
apesar de não .compreenderem o que levara
o companheiro a praticar semelhante ato, ame- O método de aproximação de tribos hostis ado-
dronta~os, também fugiram". tado pelo S.P.I., conquanto arriscado para os ser-
vidores que a empreendem, teve sua eficácia
Nem um só tiro foi disparado em perseguição comprovada cada vez que foi pôsto em execução
a Orop6, embora todos os trabalhadores do P6sto com os necessários cuidados. A melhor indicação
estivessem perplexos e revoltados com o atentado. de seu acêrto é, talvez, o fato de ter levado diversas
- 96 - - 97 -

tribos à convicção de que elas é que estavam própria tribo, fôsse uma vila sertaneja - a simu-
"amansando" os brancos. lação mais realista possível de um ataque, em que
Após. a pa<:ificação d~. alguns dos grupos indí- chegavam a retesar os arcos e expedir as flechas
genas mais belicosos, verificou-se que êles haviam que só retinham no último momen_to. ôbviamente,
feito comoventes esforços para "amansar" os bran- grupo algum que não participasse da mesma eti-
cos. Em muitos casos, a pacificação empreendida quêta poderia interpretar o ataque insólito como
pel.o S.P.I. foi interpretada às ~vessas, pela tribo. uma forma amigável de saudação, como o primeiro
Foi o gue se deu com os Kaingang de São Paulo passo para o estabelecimento de relações pacíficas.
os Xokléng, de Santa Catarina, o~ Parintintín ~ Mesmo as temidas hordas Kayapó - que di-
vários outros grupos que, ao confraternizar com zimaram diversas tribos vizinhas, como os Kuruáya,
as turmas de atração do S.P.1., estavam certos de os Tapírapé, os Juruna, dentre outras e que man-
1 que as haviam apazigüado. :E: que, pela primeira tinham em contínuo sobressalto as vilas sertanejas
vez, tiveram ocasião de proceder segundo as pres- do Xingu e do Araguaia desde o comêço do século
crições de sua própria etiquêta, sem sofrer revide. - fizeram diversas tentativas de estabelecer re-
Os vários relatos de pacificação que fizemos lações amistosas com os civilizados, enviando seus
atrás comprovam que aquelas tribos ou estavam prisioneiros de guerra como embaixadores de paz
sedentas d~ paz, ou pelo menos desejavam estabe- e apresentando-se, a seguir, voluntária e pacifica-
lecer relaçoes com os brancos. Só não sabiam como mente. Nimuendaju ( 1952: 427-453 ), refere-se a al-
aproximar-se, pois em suas várias tentativas neste gumas dessas tentativas, tôdas elas frustadas em
sentido haviam sido recebidas a bala. virtude do acerbo ódio dos sertanejos contra os
Na realidade é pràticamente impossível para Kayap6, tidos como "bichos ferozes'', perversos por
u?I grupo tribal qualquer aproximação b~m suce- instinto'' ou "bichos que só podem ser amansaaos
dida com os brancos. Suas normas de relações com a bala".
gente estranha, sua etiquêta no tratamento dos Os Kaingáng, de São Paulo, relataram a seus
inimigos, eficazes para a abordagem de grupos pacificadores os esforços envidados para amansar
per~en~entes à mesma côpa cultural, não surtem grupos de trabalhadores da Estrada de Ferro No-
efeito JUnto aos brancos. Basta considerar a saudà- roeste do Brasil que avançavam atra'(és de seu ter-
ção. ~uerreir~ corr~n~~ em diversas tribos para se ritório. Numa destas tentativas, um dos chefes
ver.ificar ~ impossibilidade de uma aproximação Kaingáng caminhou desarmado ao encontro de uma
amistosa. das turmas, levando nos braços um filho pequenino,
A etiquêta dos (!motina, por exemplo, do alto como penhor de seus propósitos de paz. Foi rece-
Sepotuba, prescrevia como forma de abordagem bido com uma fuzilaria, embora gesticulasse indi-
amiga de grupos estranhos - fôsse uma aldeia da cando a criança e mostrando que não trazia armas.
- 98 - - 99 -

Ainda assim, repetiu-se a descarga e um tiro prostou zação, preservando o vigor físico e a alegria de
a criança quando êle se retirava. viver que a existência tribal independente lhes pro-
~ste acontecimento antecedeu de pouco a en- porcionava, malgrado todo o atrazo de seus pr~­
trada da turma de pacificação e ao estabelecimento cessos de garantir a subsistência.? Como .encalDl-
da paz, mas não impediu que os mesmos índio~ nhá-los à nova vida que terão de viver? Ensinar-lhes
repetissem suas tentativas junto ao pessoal do S.P.I.
a plantar, quando êles, em muitos casos, tinham
No caso, tinham boas razões para acreditar que
haviam amansado seus pacificadores, pois foi um roças maiores e melhores que as do Pôsto? En-
grupo de índios que entrou um dia, voluntària- siná-los a vestir-se? Mas como dar-lhes roupas de-
mente no acampamento, . estabelecendo o primeiro pois que aprendessem a usá-las? .
contato amistoso. Na verdade, a obra de cificação atende ma1~
às n~cessida es de expansão a soc1e a e nac1on~l
o o o qüe aos índios . •A obr~ de assistên~a, esta .sim, é
. •.
que atenderã às necessidades. p;opi:iamente 1ndi9e-
~ste balanço crítico do indigenismo brasileiro
nas. Todavia, no campo da assistenc1a e da pr~teça~,
demonstra que o S.P.1. tem sido digno da legenda 0 S.P .1. falhou fre üentemente. Chamado a intervir
de Rondon: "Morrer, se Preciso fdr, Matar, para sa var as tribos de uma destruição .fatal - caso
• Nunca''. Tôdas as tribos com que dPnararam tivessem de enfrentar, com suas pr6pr1as fôrças~ a
as frentes pioneiras da sociedade brasileira fo .. cômpetição ecológica com populãç~s irifinitamente
ram trazidas ao convívio pacífico, sem que um mais numerosas e mais bem eqwpada~ cultura~­
só índio fôsse tiroteado pelas turmas do S.P .1., em· mente _ não conse e im edir ue os índios de OIS
hora mais de uma dezena de servidores tombasse de esarmados, sejam conduzidos a condições ?e
nos trabalhos de pacificação, varada por flechas. E extrema penfuia e gue percam, com a autonomia,
após a queda de cada turma, outra se levantava a.. alegria de viver. # ,-_--..
para levar adiante sua obra. Muito mais que do t' Pacificações realizadas à custa de muitas vidas,
S.P.I., êstes fatos falam das reservas morais do
povo brasileiro. Nestes casos, porém, apenas se de esfôrço her6ico para chamar novas.. tribos à ~a.z
conduziram seus executores à frustaçao, ao verifi-
exigia heroísmo, pertinácia e capacidade de sacri-
carem que a sua vitória era, afinal, a derrota dos
fício. E sempre que eram êstes os elementos ne-
cessários, o S.P.I. os encontrou a mancheias. seus ideais, que nem mesmo a posse d~ terra ~ra
assegurada aos índios e que o convívio pacífico
Que fazer, porém, dos índios ~=tois de paci- significava para êles a fome, a doença e o de-
ficados? Como dirigi-los pelos cam · os da civili-
1 sengano.

!
- 100 - - lOl -

o PROBLEMA DA TERRA 1854, apenas confirma o direito dos índios às terras


em que vivem enquanto terras particulares, possuí-
O direito do índio à terra em que vive, embora das a título legítimo.
amparado por copiosa legislação que data dos A Constituição de 1891 transfere aos Estados
tempos coloniais, jamais se pôde impor de fato. o domínio das terras devolutas que até então eram
Ainda hoje continua impreciso, dando lugar a tur- do domínio Imperial. Subsiste naturalmente, o di-
bações de tôda ordem, sob os mais variados pre- reito às terras possuídas em têrmos legalmente de-
textos ou mesmo sem êles. finidos nos regim~s anteriores, inclusive, e princi..
No plano legal, o índio sempre teve reconhe- palmente, as dos índios. Çontudo, I_!}nitos Estados
cido seu direito à terra. Esta prerrogativa data de incorporaram ao seu atrilhônio, como terras de-
um alvará de 1680, que os define como 'l>rimários v , . . . ma
. ro rie a e os n ios, em
e naturais senhores dela". Este direito é confirmado vir u e a m 1scrnn1na ao com ue as rec m
e atnpliado pela Lei n:0 6, de .1755 e por tôda ~ a n1ao, em conse úencia da a desor ani-
legislação posterior.22 Entretanto, o índio, reduzi zação e 1nc ia que vin a da Colônia, no que res:
à; escravidão esbulha o e s · - p·eita ao re istro de terras arficufarmente as indí-
mente nunca desfrutou dêfiles direitos,. Assim· os genas, en a o tutela o ano 1ca o Estad
ebcontrando a legislação monárquica, tenta reme- A par êste per o o, e no car ter e terras par-
diar a situação com o Decreto n.0 426, de 1845, que ticulares, havidas por títulos decorrentes da legis-
não só reconhece os direitos estatuídos em 1680 lação anterior, que se argumenta sôbre os direitos
e confirmados no regime de posse de 1822 mas dos índios às terras que habitam.
ainda procura levar ao índio a assistência direta Na realidade, após quatro séculos de uma falaz.
do govêrno, através .da criação de núcleos de am- proteção possessória, os índios haviam sido despo-
paro e catequese, onde pudesse gozar das garantias jados de quase tôdas as terras que tivessem qualquer
facultadas em lei. valor. Viviam acoitados nos sertões mais ermos e
Daí em diante, porém, começam as interpre- ali mesmo tinham de defender-se, à viva fôrça,
tações porque a lei já não faz referência explícita contra as ondas de invasores que procuravam de-
aos índios. Havendo pràticamente desaparecido de salojá-los, cada vez que suas terras começavam a
tôda a costa e sobrevivendo apenas nas regiões mais despertar cobiça por se tornarem viáveis a qualquer
1 longínqüas, .passaram despercebidos dos legi!Uado- tipo de exploração econômica. .
res que estabeleceram, em 1850, o regime ae pro- Muito mais do que as garantias da lei, é o de-
priedade das terras no Brasil. O regulamento de sinterêsse econômico que assegura ao índio a posse
do nicho em que vive. A descoberta de qualquer
n Cf. Reo. Soe. Ethnogr. e Cio. dor Indior, 1901 : 13-23 e.
M. Miranda e A. Bandeira, 1929: 35-82. elemento suscetível de exploração - um seringai,
;

- 102 - - 103 -

minérios, essências florestais ou manchas apropria-


das para certas culturas, equivale à condenação dos
índios, que são pressionados a desocupá-las ou ne-
las morrem chacinados. E não são necessárias des-
cobertas econômica~ excepcionais para que os
índios sejam espoliados.
As fazendas de criação, pelo crescimento na-
tural dos rebanhos, exigem campos cada vez mais
extensos, avançando sôbre as terras· dos í9dios, à
medida que nelas esbarram. O mesmo ocorre nas
zonas de exploração agrícola e extrativa.
:f;;ste tem sido o rocesso natural de ex ansão
da soc1e a e ras eira, que; ain a no s cu o ,
·em muita eas continua a crescer à custa dos
territórios tribais. Mesmo as 1nfimas porções o
seu antigo território, aqui e ali concedidas aos
índios com tôda a proteção possessória - como no
caso da doação por particulares ou pelos Estados
- mesmo destas têm sido espoliados quando atin-
gem certo valor. O meio mais comum é a batida •
e expulsão, sob a alegação de que se trata de índios
ferozes, ou simplesmente de coito de criminosos \

que pretendem passar por índios, ou ainda, de la-


drões de gado e acusações semelhantes .
Desenvolveu-se mesmo, uma série de técnicas
para-jurídicas, à margem da legislação, para coones- mesmo nowe1
.. . te • .,
extrema-
tar estas alienações. Uma delas, muito utilizada no mente c1osa. .
· passado, era a transformação nominal da aldeia A triste realidade é que nenhuma missão reli-
indígena em vila, passando, assim, suas terras a giosa, até nossos dias, fêz qualquer esfôrço para
constituírem património coletivo, cuja posse podia submeter-se ao texto constitucional (artigo 216) que
ser concedida a particulares pelas autoridades da assegura aos índios a posse das terras que ocupam,
nova comuna. Outra, era a concessão de terras aos ao contrário, trataram de registrar em seu próprio
índios em lugares distantes, e sua transferência - ----- -
:!:: Vide nota pág. 15.
J

- 104 - ..,... 105 -

nome não só as terras onde foram instalar-se, em- como a posteriormente outorgada 2 • a fim de melhor
bora as soubessem OC;upadas imemorialmente pelos proteger a propriedade indígena, define como
índios, como aquelas para as quais transladaram terras dos índios":
grupos indígenas .
Ainda uma outra forma de alienação das terras 1. aquelas em que presentemente vivem e já
indígenas é sua invasão por sertanejos que procu- primàriamente habitavam;
ram escapar à exploração dos latifúndios. Dêste 2. aquelas em que habitam e são necessárias
modo, a ró ria estrutura agrária brasileira en en- ao meio de vida compatível com seu estado
dra des ustamentos ·n a -massa rura ue se reso vem social: caça e pesca, indústria extrativa,
n custa o 1n io, oman o as oucas terras ue e lavoura ou criação;
testam. u1 ·s es as mvasões são insu a as pe os 3. as que já tenham sido ou venham a ser
próprios fazendeiros, que aliciam sertanejos e os reservadas para seu uso ou reconhecidas
estimulam ao assalto, sob a alegação de que se como de sua propriedade, a qualquer ti-
trata de terras do govêrno e, como tal, accessíveis tulo.
a todos os nacionais e não somente aos selvícolas.
.'
Quando o número de invasores é tão avultado que Para a restituição das propriedades indígenas
ameaça a sobrevivência dos índios nas terras que que lhes foram usurpadas a qualquer tempo e a
lhes restam, estoura o conflito, dando oportunidade preservação da posse das terras de que estavam
ao fazendeiro de apelar para a justiça, a fim de investidos, foi outorgada ao S.P.I. copiosa legislação
manter a ordem, e de mostrar que não se trata de qt1e o autoriza a:
índios mas de simples criminosos que devem ser
punidos. Dêste modo- muita fazenda cresceu no 1. medir, demarcar e legalizar conveniente-
Brasil. mente as posses das terras atualmente
Esta a situação encontrada pelo S.P.I, que lhe ocupadas pelos índios;
cabia remediar, munido de alguns instrumentos
legais que volt~vam a falar explicitamente do di- 2. tornar efetivas as concessões de terras fei-
reito dos índios às terras em que viviam co1n inuito tas aos índios nas legislações anteriores;
menos vigor que os textos coloniais, mas igualmen- 3. promover a restituição das terras de que
te desprovido de um sistema eficaz de sanções os índios foram usurpados;
para impor sua execução, e de recursos financeiro~ 4. impedir a invasão das terras dos índios e
para aplicá-lo. ...
sua usurpaçao;
A legislação referente às terras dos índios, es- -------
~ A legislação em vigor está contida em J osé M1uia de
ta tuíd~ no documento de criação do S.P.I., bem Paula, 1944 .
- 106 - - 107 -

5. promover a cessão, por parte dos governos tende a diminuir até o completo desaparecimento
federal e estaduais, como de particulares, e a de que os índios acabarão por integrar-se na
das terras necessárias à localização dos população sertaneja, na condição de lavradores
índios, para o estabelecimento de Postos sem terra. S6 isto explica os têrmos condicionais
Indígenas. dos referidos documentos que quase sempre exi-
gem uma retificação alguns anos após a concessão,
Coroando estas garantias legais, tôdas as Cons- a qual dependerá do número de índios. E1n nenhum
tituições brasileiras posteriores à criação do S.P.I. caso se lhes garante a posse das terras, como se
( 1934, 1937 e 1946) asseguram aos índios "a posse faz a particulares .
da terra onde se acham permanentemente locali- A acifica ão de uma tribo tem re esentado
zados, com a condição de não a transferirem". sempre a re ução e seu territ rio e caça e co-
Do exame desta legislação decorre a afirmação léta invadido r extratores de rodutos da mata
insofismável, no campo do Direito, de que o índio a ricultores ou cria ores e ga o, con orme a eco-
possúi um patrimônio territorial como propriedade nomia ominante na re iao. s n ios Xavante,
legítima e inalienável no qual s6 precisaria, nos pàci ica os em 1946, estao perdendo suas terras
piores casos, ser investido. A realidade, porém, é para latifundiários que nunca as viram, mas es-
que o índio continua sendo esbulhado das terras peculam em sua valorização futura e zombam dos
que lhe restam e o S.P.I. é impotente para defender protestos do S.P.I., confiados no apoio do govêrno
o patrimônio indígena, com as sanções legais e os local e até de instituições federais. O mesmo está
recursos materiais de que está munido. ocorrendo com as tribos vizinhas, como os Karajá
Depois de cinqüenta anos de esforços para ga- e Tapirapé e as do Xingu, cujas terras s6 não foram
rantir a cada tribo uma nesga de terra, ainda são ocupadas antes por temor aos ataques dos Xavante.
poucos os Estados que deram aos índios tí- Em certos casos, como ocorreu com os Kaingáng
tulos de posse das terras em que vivem. E a grande de São Paulo, os Xokléng de Santa Catarina, os
maioria. dêles vazou o texto legal ~m linguagem tão Botocudos de Minas Gerais e outros, antes mesmo
imprecisa que dá margem a discussões, cada vez de completar-se a pacificação, os territórios tribais
que um fazendeiro ou político local se decida a haviam sido concedidos pelos respectivos Estados
lançar mão de suas relações políticas para a latifundiários, que só esperavam a confraterniza-
apossar-se de terras dos índios. 2 5 ção com os índios para loteá-los e vender por cem,
Duas expectativas muito claras estão implícitas mil e dez mil vêzes mais do que lhes havia custado
\ nestes documentos: a de que a população indígena
------
Cf.
!J5 documentação prblicada por R. C. Oliveirii, 1954 :
a concessão (A. Bandeira, 1923 : 67-8) .
Nem . as pequenas frações do território tribal
178-184 . "concedidas,, aos índios, após êsses loteamentos,


- 108 - - 109 -

lhes têm sido asseguradas. Em muitos casos foram então presidente do Estado, Dr. Alves de Barros, '
reduzidas diversas vêzes, acabando por constituir através do Decreto de 7 de agôsto de 1903 que
minifúndios onde é impraticável a vida dos índios "reserva ditas terras em usufnito aos índios Ka-
com seus processos rudimentares de luta pela sub- diwéu''. Em 1931, o então interventor federal do
sistência. Estado, Dr. Antônio Mena Gonçalves, "consideran-
lt exemplar a tentativa de esbull10 das terras do que o referido ato governamental foi de alta
dos índios Kadiwéu empreendida por um grupo de sabedoria política, pois com êle cessaram as hosti-
deputados da Assembléia Legislativa de Mato lidades entre Kadiwéu e civilizados, as quais che-
garam a provocar a mobilização das fôrças do
Grosso.
Exército, com graves danos de ambas as partes" e,
Os Kadi·tvéti são os re1nanescentes dos célebres considerando, ainda, a conduta pacífica dos refe-
índios Cavaleiros, do tronco Mbayá-Guaikurú, que ridos índios e a atuação proveitosa do Serviço de
já em 1791 firmaram o t'tnico '(tratado de perpétua Proteção aos lndios, "declara ratificado e confirma-
paz e amizade" que registra a nossa história, entre do para todos os efeitos o ato governamental de
uma tribo indígena e a coroa portuguêsa. A conse- 7 de agôsto de 1903, que aprova a demarcação de
qüência principal des_ta aliança foi incorporarem-se terras reservadas em usufruto para os índios Ka-
ao Brasil as terras do rio Miranda ao rio Apa, até diwéu''. (Decreto n.0 54, de 9-4-1931).
então disputadas por espanhóis e portuguêses, equi- Fazendo tábula rasa destas outorgas e das ga-
valentes, em área, ao Estado do Espírito Santo e rantias constitucionais, a Assembléia Legislativa de--
que Solano Lopez mais tarde quiz retomar. Outro Mato Grosso aprova e remete à sanção do Governa-
resultado prático do tratado foi levar à famélica dor o Projeto de Lei n.0 1077, tornando devolutas
Cuiabá daqueles dias, os enormes rebanhos de ca- e revertendo ao domínio do Estado as terras conce-
valos e de gado dos Guaikurú e fixar na margem didas aos índios Kadiwéu.. Para dar a êste projeto
1 oriental do Paraguai as tribos por êles dominadas, de esbulho aparência de simples redução do terri-
como os agricultores Guaná que se tornariam os tório indígena, o artigo 2.0 delimita uma gleba que
,
principais produtores de gêneros e a mais impor- ficaria, doravante, em usufruto dos índios. Situa,
tante reserva de mão-de-obra para a ocupação, ul- porém, esta gleba, precisamente, na faixa de fron-
terior, do sul de Mato Grosso. teira, ao longo do rio Paraguai, porque esta, fºr
Em 1899, atendendo a pedidos de Rondon, um imperativo constitucional, não pode ser possu1da
então comandante da Comissão de Linhas Tele- senão em condições muito especiais, fixaaas pela •
gráficas e Estratégicas, o Estado de Mato Grosso legislação federal não tendo, por isto mesmo, valor
mandou proceder à medição e demarcação das de venda. Acresce, ainda, que a nesga de terra
terras dos Kadiwétt. A medição foi aprovada pelo destinada aos Kadiwéu. ficava em pleno pantanal,


- 110 - - 111 -

sendo inabitável durante seis meses do ano, por cionara a lei, f êz vários requerimentos em seu nome
ficar coberta por um lençol de águas. e outros tantos beneficiando a parentes; o mesmo
A usurpação foi tão escandalosa que o Gover- fêz a maioria dos deputados que votara a lei.
• Desde o dia seguinte choveram requerimentos
nador, João Ponce de Arruda, se negou a sancionar
a lei, declarando-a inconstitucional e imoral. Volta, às dezen~s; a proridade,_ poré~, estava assegurada
então, a Assembléia a reunir-se, rejeita o veto, apro- aos que tinham numeraçao mais baixa no protocolo
va novamente o projeto original e o faz sancionar de entrada a êstes eram exatamente os dos se-
como Lei n.0 1·077 de 10 de abril de 1958, pelo nhores deputadQs matogrossenses. Mui.tos dêstes
seu presidente, o ah1al deputado federal Rachid requerimentos atingiam os três Postos do Serviço
Mamed. de Proteção aos lndios, de cujas casas, escolas en-
Nesta altura, a imprensa e tôdas as pessoas fe~marias, pa~tagens, cêrcas de arame farpado,' cur-
decentes e lúcidas de Mato Grosso protestavam rais de made~a de lei e outras 'benfeitorias se qui-
contra o abuso. Desperta, também, a cobiça de ' se~·am apropriar. Quarenta e dois dias depois, ou
tôda sorte de aventureiros que viam no ato legisla- se1a, antes de esgotado o prazo mínimo de 60 dias,
tivo uma oportunidade de apropriar-se das terras após a entrada dos requerimentos, começaram a
indígenas. Para não deixar escapar a outrem o ser dep~si_!ados na repartição competente os laudos
produto do esbulho, o Presidente da Assembléia de mediçao das terras. Eram sabidamente falsos
e seus asseclas, uma vez lavrada a ata de votação. porque ninguém procedera à medição sôbre o ter-
dirigiram-se à imprensa oficial, ali fizeram impri- reno como manda a lei e muito menos a demarcação.
mir apenas dois exemplares do Diário Oficial da- Mas os falsos laudos foram aceitos como bons
quela data, com a nova lei, guardando um no Ar- apesar dos prc.testos formulados pelo S.P.I. '
quivo do Estado para servir, posteriormente, de À e?trega dos laudos de demarcação segue-se
prova e levando o segundo, na mesma tarde, para o recolhrmento, ao Tesouro do Estado, da impor-
a cidade de Campo Grande, onde tem sede a re- tâ~cia de dez cruzeiros por hectare das glebas re-
partição que processa as concessões de terras de- f~ridas. E~ conseqüência da Lei n.0 1077, já havia
volutas de Mato Grosso. Tomaram também o cui- sido recolhido ao Tesouro, mais de um milhão de
dado de inutilizar a oficina gráfica do Estado, para cruzeiros, cujo recibo dava direito à concessão de
que o Governador não pudesse publicar ato seu tít.ulo pr?vis~rio de posse, negociável à média de
ou do Poder Judiciário, invalidando a lei-tramóia_. mil a dois mil cruzeiros por hectare, ultimando um
Em Campo Grande, exibindo o texto da lei, dos negócios ma · rendosos do mundo.
j

fizeram registrar mais de uma centena de requeri- Assim se montou uma das mais desabusadas
mentos de concessão de lotes de 2 a 5 mil hectares tentativas de grilagem de terras indígenas do Brasil,
das terras dos Kadiwéu. Rachid Mamed que san- apesar dos protestos do Governador, do Procurador
- 112 - - 113 -

Geral da Justiça, da Repartição de Terras e Colo- ítstes princípios são mantidos pelo govêrno central
nização do Estado e da Inspetoria Regional do e apenas tolerados pelos governos locais, quando
Serviço de Proteção aos lndios. Esta última impe- é impossível escamoteá-los. O S.P.I. tem de atuar
trou mandado de segurança contra o ato do Presi- entre estas duas fôrças, o govêrno central, que re-
dente da Asse1nbléia que tramitou meses pelos presenta interêsses só longmqüamente vinculados
tribunais de Mato Grosso sem solução, porque a às fronteiras de expansão, onde se chocam índios
Justiça era chamada a decidir entre gente poderosa e brancos, e que por isto, apenas, o apóia, e os go-
e rica, de um lado, e índios miseráveis, do outro. vernos locais, que como expressão dos interêsses
Um juiz, António de Arruda, esforçou-se mesmo econômicos em choque com os índios, opõem ao
por justificar o esbulho, pronunciando-se pela de- S.P.I., tôda sorte de dificuldades.
sapropriação das terras dos Kadiwéu, por que A situação foi sempre esta, com a diferença de
"êste seria, sem dúvida, o processo mais eqüitativo que o govêrno central foi um dia a Metrópole dis-
e salutar, sobretudo se as terras expro}?riadas fôs- tante que falava em nome de valores religiosos e,
sem depois cedidas aos pequenos agricultores, ... hoje, é uma República leiga que argumenta em
"como solução, ao menos parcial, do problema nome do Direito. Uma e outra, porém, jamais ne-
agrário de que hoje tanto se fala". 26 Só o Supremo garam aos poderes locais os recursos mínimos de
Tribunal Federal pôs côbro à usurpação, reconhe- que careciam -
. ?,ira a sua expansao e, se quase sem-
cendo que o Estado não pode ter como devolutas, pre houve lugar para considerações humanitárias em
nem dispor livremente de terras que jamais recebeu relação aos índios, estas nunca ultrapassaram os
da União, visto que, já em 1891, quando se deu a limites em que passariam a servir de impecilho à
transferência de domínio sôbre as terras vagas, conquista do território nacional e sua exploração
A •
estas eram possuídas a título legítimo. 27 econom1ca .
Estamos, como se vê, diante de um processo Hoje, porém, mesmo os podêres estaduais po-
ecológico de sucessão, mediante o qual uma popu- dem defender os direitos dos índios porque quase
lação original está sendo substituída por outra, do- nenhuma terra lhes resta e já não pesam na econo-
tada de recursos mais eficientes de contrôle e ex- 1nia regional os apetites dos usurpadores de terras
ploração da natureza e, sobretudo, de fôrça para indígenas. Era de se esperar, nestas condições, que
impor sua expansão. Neste sentido, tôda a legisla- encontrasse ambiente propício um projeto de lei
ção de terras não passa de um conjunto de prin- de regulamentação do art. 216 da Conslituição Fe-
cípios cuja aplicação é simplesmente desejável, deral que garante aos índios a posse da terra em
quando não vem referendar uma ocupação · efetiva. que vivem. Esta lei que deveria unificar num só
texto tôda a legislação dispersa sôbre terras de
ll8. Correio da ManM, 8 de novembro de 1959.
71 Recurso Extraordinário n.0 44 585, julgado a 30-8-1961 . índios e ampliá-la, armando o S.P.I. de um sistema
- 114 -
- 115 -
de sanções legais e de recursos materiais para ga-
rantir aos índios a posse das terras que lhes fôssem menores entre 16 e 20 anos, aos pródigos e às
demarcadas, encontra-se, há dez anos, no Senado mulheres casadas .
• Federal. Ainda são, portanto, no Brasil de 1961, Clóvis Bevilacqua, no anteprojeto do Código,
mais fortes os interêsses dos usurpadores que as não tratara do indígena, por considerar 9ue sua
razões e os direitos dos índios. situação melhor se definiria numa lei própria, onde
coubesse "preceitos especiais, que melhor ate~­
ESTATUTO JURÍDICO DO fNDIO
dessem à sua condição de indivíduos estranhos ao
grêmio da civilização, que ~ Código Civ~ repre-
Apesar da copiosa legislação c:iue lhe diz res- senta muito embora a sociedade organizada se
peito, o índio brasileiro, em face da lei, é cidadão esfor~e por chamá:los ao seu reg~ço" ( 1~~0 : 19~) .
por omissão e tem uma situação jur~dica imprecisa, O estatuto juridico de capacidade civil relativa
que dá lugar a uma série de problemas. foi regulamentado em 1928, pela Lei n.0 5 ~84,, pro-
Até a promulgação do Código Civil era o índio mulgada por iniciativa do S.P.I., em que o ind1gena
identificado às pessoas totalmente incapazes e su- é colocado sob tutela direta do Estado, representado
jeito à tutela dos juízes de órfãos, sempre dispostos por aquêle órgão, estabele~end9-se qu~ dela Po-
a legalizar a retirada de crianças das aldeias, à tí- deria emancipar-se progressivamente, at~ su~ plena
tulo de adoção, e a ratificar as transações mais
lesivas aos índios. A lei impossibilitava, ainda, àque- • investidura nos direitos e deveres do cidadao bra-
sileiro comum. Esta integração progressiva é pre-
vista na lei, com a _a tribuição, ao S.P.I., do poder
les que se destacavam do grupo, a realização de
atos civis fundamentais, como a identificação, o de classificar os grupos tribais em qua?"? ~tego­
casamento, o registro e a transmissão de proprie- rias, relativas a diferentes graus de participaçao na
dades. vida nacional a saber: os grupos n6mades, os
'
grupos arranchados .
ou aldeiados; .os grupos reu?i-
O primeiro documento republicano de concei-
tuação do estatuto jurídico do índio foi o regula- dos em povoações indígenas e, finalmente, os in-
mento original do S.P.I., aprovado a 20 de julho de corporados a centros agríco}as ~nd~ vivem co~o
1910. Só pelo Código Civil, p~rém, em 1916 civilizados. Os índios das tres primeiras categorias
(Lei n.0 3 071 art. 6.0 § 4. 0 ) o ínâio seria liberto regem suas relações pelos costumes tribais. !Js
da tutela orfanológica instituída na legislação do últimos têm assistência do S.P.I. em suas relaçoes
Império 28, para ser definido como as pessoas de com as autoridades ou perante a justiça, sendo nulos
caipacidade civil restrita, equiparado, assim, aos os atos firmados sem esta assistência.
------- A mesma lei estatui medidas de proteção às
• Decreto de 3 de junho de 1833, Rei. de 15 de março de
184~. art. 5 .0 ~ 12). . .
terras indígenas, define o modo de. se proce~sarem
os a tos civis, classifica como revestidos de crrcuns-.
__; 116 - - 117 -

tâncias agravantes os delitos cometidos contra A tarefa não é simples, em vista da impossi-
índios e assegura amparo especial ao índio que bilidade de utilizar os critérios raciais e culturais
cometa qualquer infração permitindo que as penas vulgarmente ~mpregados para êste fim. Em outro
a que forem condenados índios das três primeiras . trabalho ( 1957 : 34-36), tivemos ocasião de con-
categorias sejam cumpridas nos Postos Indígenas, ceituar o indígena como aquela parcela da popu-
e proibindo o prisão celular para qualquer sel- lação que apresenta problemas de inadaptação à
vícola. sociedade brasileira, em suas diversas variantes, mo-
Diversas inovações na situação legal do índio tivados pela conservação de costumes, hábitos ou
foram introduzidas pelos atos que aprovaram o meras lealdades que a vinculam a uma tradição
Regimento do S.P.I. e, posteriormente, o modifi- pré-colombiana. Ou, mais amplamente: todo indi-
caram.29 Dentre elas, destaca-se o abandono da víduo reconhecido como membro, por uma comu-
classificação de Postos Indígenas, criada pela nidade de origem pré-colombiana que se identifica
Lei n.0 5 484, de 1928 e sua substituição por outra como etnicamente diversa da nacional e é conside-
que prevê os seguintes tipos de Postos: de atração, rada indígena pela população brasileira com que
vigilância de fronteiras, assistência, nacionalização está em contato .
e educação, criação de gado e alfabetização. A .~ luz dêste conceito, tôda a ação assistencial
nova tipologia, não se prestando à classificação dos por parte do S.P .1. deve concentrar-se exclusiva-
índios para efeito de responsabilidade civil, veio mente na comunidade indígena. Aos índios que se
tomar ainda mais complexa a imprecisa situação desgarraram dela e se desajustam fora, a única
jurídica do índio. assistência cabível, enquanto 1ndios, é a de fazê-los
Nestas circunstâncias, impõe-se uma legislação voltar à comunidade e ali assisti-los, como aos de-
complementar ao Código Civil, que trate especifi- mais. Para êste efeito, a legislação protecionista
camente do estatuto do índio, começando por fixar deverá assegurar· ao índio que abandona a tribo,
um conc~ito legal de índio, para efeito de assistên- a oportunidade de fazer carreira em igualdade com
cia pelo S.P.I. os demais trabalhadores nacionais e deverá dispor
-·- - ---- que a qualidade de índio só possa ser alegada para
29
Dec. 736, de 6-IV-1936; · Dec. 1 736 , de 3-XI-1939· garantir a única assistência cabível, que é a volta
Decr. 1 794, de 22-XI-1939, Dec. 1 886, de 15-XII-1939· Dec:
10 652 de 16-X-1942, Dec. 12 317, de 27-IV-1943, Dec. Í2 318, ao grupo e a conseqüente ajuda, ali .
de 27-lv-1943, Dec. 17 684, de 26-1-1945. (Cf. Humberto de Oli- Por fôrça de interpretação dos textos legais vi-
veira, 1947). ,
A Constituição Federal de 1946 estabelece que s-Omente a gentes e com base na experiência do S.P.I. esta-
União (Art. 5.0 § XV inciso r) Pode le1islar em matéria de in- beleceu-se uma doutrina que, em essência, defende
corpo!'!1ção do indígena à comunidade nacional e assegura (Art. 216)
que ser6 respeitada ª°' selvícolas a posse das terras onde 1e a outorga aos índios -de todos os direitos assegura~
acham permanentemente localizados com a condição de não a
transferirem" . dos aos demais cidadãos, sem distinção de qualquer
\

~ 118 - - 119 -

espécie, combinada com a atribuição progressiva Vejamos um outro exemplo. Há alguns ~nos
dos deveres correlativos, à medida que se integrem foi prêso um índio Tukúna acusado de assassinar
na vida nacional. Neste caso a incarxzcidade rela- sua mulher numa casa de civilizados. Foi espan-
tiva do índio só é levada em conta a fim de com- cado e mantido alguns dias na cadeia, enquanto se
pensar suas deficiências para interagir em condições preparava o processo para I:vá-lo ~ tulgamento, que
de igualdade com os demais cidadãos, nunca para resultaria numa conaenaçao unanime, tal era o
estabelecer deveres ou limitações que possam agra- consenso dos civilizados sôbre a "barbaridade do
var esta incapacidade. crime passional". A certa al~ra os responsáveis
. O Código Penal Brasileiro, promulgado em pelo processo souberam q~e os índi?s eram .r~gidos
1940, por inadvertência do legislador, está em por uma legislação esJ?ecial, que nao pe~xn:it1a su~
atrazo relativamente ao Códi90 Civil pois, omi- prisão, senão pelo proprio S.P.I., e decidiram 11-
tindo qualquer referência ao indio, não só deixa bertá-lo. Tempos depois um etnólogo estud~nd_o
de reconhecer explicitamente sua incapacidade para aquêles índios conseguiu esclarecer a história, a
submeter-se às penas que estatui como ignora a custa de grandes esforços, porque os índios, aterro-
Lei n. 0 5 484, de 1928, que entrega ao próprio S.P.I. rizados com os rigores da justiça civilizada, nada
o julgamento e a punição dos crimes cometidos por
índios. Com êste objetivo, aquêle órgão mantém q ueriam dizer. Descobriu, primeiro, que o assassino
e a vitima eram membros da mesma " metad"
I e e,
um Pôsto especializado na punição de criminosos por isto, não se podiam casar, (!_ que excluía .ª
índios, cujas penas consistem exclusivamente no hipótese de crime passional como fora narrado, pois
afastamento temporário de seu grupo. não se tratava de marido e mulher. Verificou depois
A aplicação do Código Penal aos crimes co- que eram "irmãos'', segundo as regras de parentesco
metidos por índios pode conduzir a enormes ini- do grupo, o que, em vista da solidariedade interna
qüidades. O índio Kadiwéu, por exemplo, que por na família, tornava muito improvável um assas-
determinantes de sua..; cultura assassinar um mé- sinato. Por fim, descobriu que o "crime" se dera,
dico-feiticeiro que, eD;bora inconscientemente tudo mas tôda a comunidade considerava o matador UJ:!l
fará para provocar o próprio assassinato - porque herói. Aos olhos da tribo êle cumprira seu dever
só assim confirmará indiscutivelmente o seu poder de honra, justiçando a "irmã" na defesa do~ mais
e o terror que infunde ao grupo, tal como ocorreu sagrados princípios do grupo: ela cometera incesto
desde sempre com os nidfienigi mais prestigiosos - ciânico, o que a transformara em ameaça à paz e
se entregue' a um júri comum, teria uma conde- à segurança do próprio grupo.
nação tão certa quanto absurda. Só o desconheci- Como entregar êste índio à justiça comum,
mento da lei tem permitido a ocorrência de casos para aplicar-lhe dispositivos de um có~go de cas-
como êste. tigos feito para outra sociedade e incapaz de
- liO - - 121

penetrar os valores que motivaram seu comporta- atendem ao cidadão perfeitamente integrado na
mento? Mais justo seria entregar a punição do vida nacional, a êles atenderia muito menos .
crime ao próprio S.P.1., que o examinaria com maior O grande progresso da legislação republicana
atenção, tendo em vista tôdas as circunstâncias, pu- foi perder o caráter impositivo de quase tôda a
niria apenas com o ostracismo e só quando o grupo legislação colonial. Embora considerando desejável
já não tivesse capacidade de fazer valer seus pró- a incorporação do índio, não toma êsse critério
prios mecanismos de contrôle social. como necessidade do indígena ou como imperativo
A legislação protecionista propugnada pelo de nossa sociedade, capaz de justificar qualguer
S.P.1. tem em vista compensar uma condição efetiva violência contra os índios. Tem em vista, essencial-
de inferioridade do índio para competir igualitària-
mente, que, sendo mínimas as oportunidades asse-
mente com os demais cidadãos, assumir deveres e
gozar dos direitos estatuídos na legislação ordinária guradas ao índio para abandonar o grupo, a fim
para o membro comum da comunidade nacional. de assumir os direitos civis e políticos de todo
Sendo, embora, uma legislação de exceção, só o é cidadão, a assistência do S.P.I. deve garantir-lhe
nos limites das leis tam-b ém especiais que amparam essa alternativa, reconhecendo-lhe sempre, porém,
ao menor e à mulher que trabalha, para assegurar- o direito de recusá-la, se prefere conservar se~s
lhes garantias indispensáveis à sua sobrevivência, costumes ou regressar à comunidade tribal a qual-
na atuação competitiva dentro da sociedade na- quer tempo.
cional. ~ste princípio estatuído pela primeira vez no
Alega-se, às vêzes, que esta legislação tutelar direito brasileiro foi consagrado pela Organização
priva o selvícola de seus direitos sagrados, como Internacional do Trabalho e recomendado aos
cidadão. Na verdade, porém, só ela garante aos países membros, para que o adotassem na regula-
índios a liberdade de permanecerem índios e de mentação das relações com populações tribais. ~
deixarem de sê-lo, quando as condições sociais o assim redigido: "Enquanto os indígenas não inte-
permitam e quando êles vejam vantagem em assu-
grados continuem vivendo em condições de isola-
mir a condição do brasileiro comum. Assim, longe
mento e de proteção, seus direitos deverão definir-
de extinguir seus direitos, esta legislação especial
lhes dá mais oportunidades de exercê-los. Equipa- se tendo em conta a normas consuetudinárias de
.r ado ao cidadão comum, por fôrça de um romantis- suas comunidades, mas, à medida que avance o pro-
mo jurídico formalista, o índio perderia as insti- cesso de integração, os que já exerçam efetivamen-
tuições assistenciais que o defendem, recebendo em te os direitos de cidadania deverão assumir os
troca apenas o direito nominal de apelar para ins- deveres correlativos que lhes corre$pondam, seguri-
tituições comuns que desconhece e que, se não gundo o direito nacional. ( 1955 : 126) ·.

,
. -~ ---·--- - - - - -

- 122 - - 12-3 -

DOENÇA, FOME E DESENGANO cam verdadeira dizimação entre êles. A gripe, a


pneumonia, a tuberculose e a coqueluche têm sido
Não é somente a terra e garantias legais à sua as maiores responsáveis pela altíssima mortalidade
condição de índio que o S.P.I. deve assegurar à dos grupos indígenas selvícolas que entram em re-
população indígena. Cumpre-lhe defendê-la das lações pacíficas com os brancos, desde a fundação
doenças transmitidas pelos brancos cuja alta letali- do S.P.I.
dade em populações virgens de contágio ameaça Epidemias de varíola e sarampo também têm
levá-las à extinção; organizar sua economia de modo provocado verdadeiras dizimações, nos grupos afe-
a permitir-lhe ao menos o provimento da própria tados, sobretudo naqueles que vivem, como os
subsistência; e, finalmente, assisti-las no processo índios Urtibus e outros, em regiões muito remotas,
de aculturação, para evitar mudanças violentas que difíceis de ser ràpidamente atendidas pelos neces-
sários socorros médicos .
poderiam traumatizar a vida tribal, pela impossi- Em certas regiões, a , malária, em suas várias
bilidade de exercer os padrões tradicionais, quando formas, ataca fortemente os índios, sem contudo
novas motivações ainda não se desenvolveram para provocar mortalidade semelhante àquelas outras
substituí-los. moléstias. Dermatoses de várias espécies, mais ou
As doenças representaram sempre o primeiro menos graves, têm sido observadas entre nossos
fator da diminuição das populações indígenas. A índios, mas alcançam percentagem muito limitada
história das nossas relações com os índios é, em em cada tribo.
grande parte, uma crónica de chacinas e de epide- Nos grupos mais aculturados, que perderam
mias. Cada grupo indígena que se aproximou do seu sistema de adaptação ecológica, em virtude da
invasor europeu e de seus descendentes, nestes adoção de novas técnicas e de diferentes hábitos
quatro séculos, teve de pagar alto .tributo em vidas alimentares, têm-se manifestado moléstias caren-
às doenças que a civilização lhe troux~. ~ conhecido ciais. que não parecem ocorrer nas tribos que ainda
o caso das inissões jesuíticas na Bahia, que em .. mantêm seu modo de vida tradicional. Aliás, é
poucos anos viram reduzidos os seus catecúmenos ocorrência geral, em tôdas as tribos, o decréscimo
de quarenta para dois mil índios, em virtude de do vigor físico, à medida que abandonam seus há-
diversos fatôres, mas sobretudo das epidemias de bitos tradicionais e começam a adotar os procedi-
varíola. mentos dos civilizados. Esta queda de robustez e
A experiência do S.P.I. ensina que a.s moléstias conseqüente diminuição da população prende-se
que mais afetam os índios são as pulmonares que, tanto a fatôres biológicos como a sociais e psíquicos.
após os primeiros contatos com civilizados, provo- Entre os primeiros, sobrelevam as doenças acima

..
- lU- - 125 -

citadas e, ainda, as moléstias venéreas, a sífilis, o estrada; os Te111bé, os Timbiras, os Tapirapé, os


tracoma, diversas verminoses e a morféia . 30 Umotina e tantos outros já a palmilharam tôda.
Ao S.P.I., que assiste à extinção dos últimos, cumpre
A economia de um Pôsto Indígena é, antes de equacionar o problema., formulando novos métodos
tudo, uma forma de organização da produção dos de ação que permitam salvar os primeiros.
índios, com o propósito de lhes assegurar um A acusação mais severa levantada contra a
padrão de vida mais alto. Esta interferência na Companhia de Jesus é a de que, a propósito de
vida tribal tem lugar quando sua economia auto- '
amparar os catecumenos, . como um
se orgamzou
suficiente começa a desintegrar-se pela pressão conjunto de emprêsas mercantis, regidas pelas leis
de necesisdades novas que só podem ser satisfeitas da usura, escravizando os índios, em lugar de pro-
através do comércio com civilizados; quando os tegê-los. O S.P.I. e as missões religiosas enfrentam
índios, por fôrça dos novos hábitos de vestir-se, hoje o mesmo problema e a mesma ameaça. Como
comer sal e gorduras, lavar-se com sabão, usar ar- descuidar da economia indígena, se ela é a base
mas de fogo, anzóis, medicar-se contra moléstias de qualquer assistência? Como organizá-la, sem
antes desconhecidas, etc., são compelidos a pro- traficar, evitando de ser apenas um patrão a mais,
1 curar um lugar na economia regional, que lhes espoliando os índios? De que forma impedir que
permita adquirir aquêles artigos. num pôsto-emprêsa ou numa missão-emprêsa, os
Como é óbvio, estas necessidades variam se- funcionários ou os missionários atendam mais ao
gundo o grau de aculturação da tribo. São maiores negócio que à proteção?
para os Karajá, os Terêna, os Kaiwá, que contam A· conciliação da economia tribal coletivista
séculos de convívio com a sociedade brasileira. Me- com o sistema de economia individual, altamente
nores para os Urubus, . pacificados há pouco mais competitivo e movido pela busca de lucro, foi sem-
de SO anos e, ainda, mais reduzidas, para os Para- pre o mais grave problema da proteção ao índio.
kanã, que acabam de ser pacificados. Nos seus primeiros anos, o S.P.I. procurou resolvê-
O preço da satisfação das novas necessidade.s lo, fugindo ao problema, regalando dádivas aos
que criamos para os índios é sua submissão final índios, sem exigir qualquer compensação. Muito
ao nosso sistema de produção. E isto significa quase cedo, porém, reconheceu que com êste procedimen-
sempre a escravização do índio, sua suje~ção debaixo to, criaria nêles uma mentalidade de eternos de-
das condições mais escorchantes, a desintegração pendentes e a idéia de que teriam direito a uma
da vida tribal, a desmoralização e o desaparecimento. assistência permanente do Govêrno. Foi o que de
Os Xavante e Kayapó dão os primeiros passos nesta fato ocorreu em muitos casos, impedindo a criação
-------
Sôbre
ec> . os efeitos letais de epidemias em grupo~ indígena,,
de um sistema de motivações para o trabalho, capaz
ver· nosso trabalho, ''Convtvio e Contaminação" , l 956 . de conduzir os índios à reorganização da economia
126 ..... - 127 -

antiga em bases novas, compatíveis com sua nova No setor agrícola, só em anos mais recentes,
vida. os Postos localizados no sul do País alcançaram
Uma das maiores esperanças dos fundadores expressivo índice de produção, através do uso de
do Serviço de Proteção aos lndios era basear a maquinaria moderna no cultivo racional de milho
economia indígena na pecuária. Enganaram-se, po- híbrido e de trigo, a ponto de alcançarem os índios
rém, ao supor que, fazendo um Pôsto Indígena Kaingáng prêmios de produtividade, competindo
proprietário de um rebanho de alguns milhares de com núcleos de colonização nacional e estrangeira.
cabeças de gado, suficientes para tornar rico a um Tôdavia, os benefícios para os índios foram quase
particular, assegurariam a emancipação econômica nulos porque os tratores, arados etc., em essência
dos índios. Na prática foram insignificantes senão substituíram a mão-de-obra indígena que, além da
anti-econômicos, os resultados desta pecuária ex- terra agricultável, é o único capital de que dispõem
• tensiva, altamente compensatória dentro de um sis- os Postos. Mesmo redistribuindo racional e hones-
tema de economia individualista, mas inadequada tamente a produção - o que raramente ocorreu -
quando aplicada a tôda uma tribo que vive em re- através da expansão e melhoramento dos serviços
gime coletivista. O gado criado nos Postos dos ín- de assistência, caía-se no _regime de dádiva, com
dios Kadiwéu, por exemplo, s6 tem proporcionado tôdas as suas conseqüências deletérias.
trabalho a uns quatro índios como campéiros, um . Ê.stes, porém, foram casos de exceção. A
pouco de leite, que êles quase não consomem e a ma1or1a dos Postos pratica t1ma lavoura rotineira,
carne de uma ou outra rês abatida de raro em raro. freqüentemente mais rudimentar que as práticas de
cultivo das tribos de lavradores como os Aruak
Entretanto, as possibilidades de sua reserva são
os Kari'b e os Tupi. Nas condições ' originais, êstes'
imensas, para exploração pecuária, agrícola e cole- grupos proviam a subsistência através de um es-
tora, desde que se encontre uma forma de explo- fôrço coletivo da comunidade inteira, ordenando o
rá-la em benefício dos índios. trabalho e a distribuição, segundo o sistema social
No setor da indústria extrativa, como a explo- respectivo. Cada aldeia contava com extensos ro-
ração da borracha, da castanha e outros produtos çados que, através do trabalho cotidiano das
da Amazônia, s6 e1n poucos casos o S.P.I. tem sido inulhe~es, a caça e a pesca, a cargo dos homens,
capaz de explorar suas próprias reservas florestais, garantiam fartura de alimentos durante todo o ano.
provendo os índios de modo a suprir suas necess.i- Nos Postos Indígenas, vários fatôres interferem
dades mínimas de artigos de comércio e impedindo, no desajustamento desta regra de produção: a re-
assim, que se escravizem ao seringai, onde o tra- dução progressiva do antigo território tribal e o
balho mal remunerado e as condições de promis- seu empobrecimento, com a exploração simultânea
cuidade lhes são muitas vêzes fatais. pela sociedade nacional; a necessidade de atender,
-- 128 - - 129 -

além das tarefas ligadas à subsistência, a outras, em condições da mais inumana opressão e não se
cada vez mais exigentes, destinadas a assegurar o daria pelo desenvolvimento paulatino do grupo
provimento de artigos mercantis; e a conseqüente como um todo, mas pela sua extinção étnica, esf~­
destruição do sistema social comunitário, pelo en- celamento e absorção de uns poucos remanescentes.
gajamento individual de cada membro do grupo Assim, malgrado a sua ideologia assimilacionis-
na economia regional, como produtor de artigos ta, a proteção do S.P.I. tem assegurado aos índios
para venda ou troca e como assalariado. aquelas condições mínimas indispensáveis à sua pre-
Não conhecemos um só Pôsto Indígena ou servação como grupo étnico independente, como
missão religiosa que haja respondido satisfatoria- povo. Aí estão para atestá-lo, dezenas de grupos que
mente a êste desafio. Os Postos assegurando ao teriam sido destruídos, não fôsse a proteção do S.P.I.,
índio maior liberdade para manter a própria orga- que lhes garantiu as terras que estavam sendo espo-
nização social, permitem mais longa . sobrevivência liadas, o direito de viverem segundo seus costumes
do sistema tribal de produção; as missões, sobre- e lhes proporcionou alguma ajuda contra a doença
tudo as salesianas, investindo contra a cultura e e contra a miséria. Garantida sua sobrevivência,
a organização da família, para moldá-la às normas fica também preservada a possibilidade de uma
solenemente definidas como cristãs, conduziam à integração crescente na sociedade nacional que,
desorganização da economia coletiva e à crescente de outro modo, seria impossível.
dependência do índio. Pôsto e missão de~rontam:se
Várias causas contribuem para a marginalidade
com o problema de integrar uma economia coletiva
sócio-psicológica das tribos indígenas, ao entrarem
no seio de um regime individualista.
em contato com a civilização. Entre outras, desta-
Não obstante êstes percalços, o Pôsto Indígena,
cam-se como mais importantes:
enquanto reserva de terras de propriedade coletiva
e inalienável, onde se assenta a comunidade tribal, - o engajamento compulsório dos índios
defende os índios contra a exploração de sua fôrça em nosso sistema econômico, para cuja com-
de trabalho, impõe obstáculos à transmissão de petição não estão preparados e que só lhes
doenças por parte dos brancos e assegura certa pode assegurar um padrão de vida ainda mais
assistência moral e material, e proteção legal à con- miserável que o dos mais pobres seringueiros,
dição de índio. Funciona, o Pôsto Indígena, por- lavradores ou vaqueiros; isto é, condições da
tanto, como uma estufa que protege os índios contra vida que dariam cabo de qualquer população;
a interação direta e indiscriminada com a sociedade - a traumatização da cultura tribal ao im-
nacional. Contribui, assim para estancar o ingresso pacto com uma sociedade dotada de equipa-
de índios, por engajamento individual, em nossa ·mento material esmagadoramente superior, que
sociedade. Sem o S.P.I., êsse ingresso se processaria assume tamanho prestígio aos olhos dos índios
- 130 - - 131 -

que determina um colapso no corpo de crenças u1n bicho ignorante, cujas tradições mais veneradas
e de valores através dos quais êles explicam não passam de tolices ou heresias que devem ser
o mundo e seu lugar nêle e encontram motivo erradicadas. Ora, nenhum povo poderia sobreviver
para viver e amar a ex1stenc1a. a tamanha descrença em si próprio; pode-se mesmo
• • /\ • #

afirmar que só a incapacidade de levar às últimas


Todos sabemos que o clássico retrato do índio conseqüências êsses esforços de desmoralização
aculturado, o preguiçoso, o cachaceiro, o anormal, é dos valores tribais, permitiu a sobrevivência de
dramàticamente verdadeiro. Mas poucas vêzes nos alguns índios.
animamos a encarar os fatos e a investigar as raízes A principal característica da política indige-
dêste decaimento moral. Muito se poderia dizer a nista brasileira, quando teve a orientá-lll Rondon e
respeito; vejan1os apenas, um ângulo do problema. seus seguidores, foi sempre o cuidado de não in-
Inquestionàvelmente, uma das causas dessa deca- terferir violentamente na vida, nas crenças e nos
dência são o espesinhamento e a sufocação das costumes dos índios. Orientação que é fruto da
crenças tribais. Basta que nos coloquemos no lugar trágica experiência brasileira sôbre os efeitos das
dêstes índios para imaginar os terríveis efeitos que tentativas de compelir os índios e abandonar ràpi-
11 decorrem da negação abrupta e insofismável dos damente os costumes tribais.
valores em que se fundamentava o respeito de uns Contudo, no decurso de seus cinqüenta anos
em relação aos outros, das justificativas tradicionais de atividades, o S.P.I. também cometeu erros gra-
para as ações que a tribo sempre teve como certas víssimos nesse campo, porque seu pessoal jamais
1 1 e necessárias, ou da legitimidade das sanções que chegou a compreender satisfatoriamente a impor-
recaiam sôbre o comportamento tido como repró- tância funcional dos elementos culturais, sua orga-
vável. nização interna e sua interdependência.
A intransigência e o fanatismo das antigas Na realidade, de pouco vale o princípio deres-
missões religiosas e das administrações civis leva- peito aos costumes tribais, quando êstes não são
ram diversas tribos ao extermínio, pelas condições conhecidos nem compreendiaos. Alguém mal in-
de marginalização e desespêro que criaram. Des- formado sôbre a organização clânica de uma tribo,
truíram nos índios a confiança em seus próprios por exemplo, pode ser levado aos erros mais gros-
valores, sem serem capazes de introduzir outros que seiros na imposição de comportamento às pessoas,
lhes assegurassem o mínimo respeito a si próprios, terá grandes dificuldades em conviver com elas e,
indispensável para que qualquer comunidade hu- sobretudo, dirigi-las. Só por um breve período o
mana possa subsistir. S.P .I. contou com a assistência de etnólogos incum-
Neste processo, o índio aprendeu a se olhar bidos de formular e fiscalizar a execução de seu
com os olhos do branco, a considerar-se um pária, programa de trabalho.
- 132 -

Entre os aspectos positivos da escola de


Rondon, cumpre assinalar a atitude compreensiva
infundida no seu pessoal, diante das diferenças
1 culturais de tribo a tribo e a idéia de que só através
de longos períodos e por métodos persuasivos seria
possível mudar as culturas tribais. Esta orientação III
permitiu criar uma administração unificada, mas
capaz de atuar de forma diversa em cada local, AS TAREFAS DA PROTEÇÃO AOS tNDIOS
segundo as variações de costumes e de estágio de
aculturação dos índios. Dela talvez não tenha re- o PROBLEMA INDÍGENA BRASILEIRO
sultado a salvação de muitas tribos, mas terá pro-
porcionado mais felicidade a milhares de índios Desde uma certa altura do seu desenvolvimen-
como sêres humanos, do que seria de esperar de to verificou-se no Serviço de Proteção aos lndios
qualquer atitude dogmática . uma vívida tomada de consciência do malôgro de
alguns dos seus propósitos programáticos. Desapa-
'
recem, nos documentos oficiais, ou só persistem,
timidamente, as referências, antes tão freqüentes,
"à incorporação dos índios à comunhão nacional" .
Típico desta redefinição é o juízo de Luiz Bueno •
Horta Barbosa sôbre o propósito do S.P.I.: "não
incorporar párias, mas fazer do· índio, um índio
melhor".
O programa dos fundadores do S.P.I. previa
a transformação dos índios em lavradores, sua com-
pleta e pronta assimilação. A atitude de Rondon e
da equipe que êle forjou, composta de jovens ofi-
ciais, quase todos imbuídos dos ideais positivistas,
era, de um lado, revolucionária, mas, como se1npi:e
acontece, também romântica. Afirmava - contra
a convicção geral - que o atrazo dos índios não
decorria de sua propalada incapacidade congênita,
mas da exploração e do tratamento desumano a que
vinham sendo submetidos desde a descoberta. Con-
- 134 - - 135 -

vencidos da unidade essencial dos hon1ens, todos de participantes diferenciados da sociedade na-
dotados de iguais aptidões de perfectibilidade e de cional.
progresso acreditavam que, uma vez asseguradas Em sua atuação de base, nos Postos, depois de
oportunidades de desenvolvimento, as tribos desa- experimentar desastrosamente, aqui e ali, a impo-
brochariam da condição fetichista para etapas sição daquela ideologia, o S.P.I. teve de acomodar-
cada vez mais avançadas. Através dêsse processo se à resistência dos índios, compreendendo que o
se integrariam na sociedade nacional, como autên- seu papel consistia em assegurar-lhes o direito
ticos brasileiros, mais fortes, mais honestos, mais de viver segundo seus costumes tradicionais, pro-
diligentes que a caboclada com que deparavam tegê-los contra as violências dos invasores civiliza-
nos seringais ou que servia na tropa que co1nan- dos e conduzir o processo de sua integração pro-
davam. gressiva na vida regional de modo a garantir-lhes
A realidade demonstraria que, embora tendo a sobrevivência. ·
razão quanto à potencialidade do índio, desconhe- Com o correr dos anos, a atuação do S.P .I.
ciam dois fatôres que poriam abaixo suas mais foi-se distanciando cada vez mais de sua orientação

• caras esperanças: 1) o vigor do conservantismo dos


gi·upos indígenas, sua tenaz resistência à mudança
e a fôrça do sentimento de identificação tribal que
teórica, mesmo da antiga ideologia, ultrapassada
em, inúmeros aspectos. Trabalhava-se cada vez mais
ao sabor da improvisação e correndo o risco de
leva êstes minúsculos grupos étnicos a lutar por mais devotar-se ao problema dos õrancos", em
• todos os meios para conservar sua identidade e seus conflitos com os índios, do que aos graves
sua autonomia; 2) a incapacidade da sociedade problemas criados para os índios com a expansão
brasileira, p,articularmente das fronteiras de ex- inexorável da sociedade nacional sôbre os territó-
pansão, para assimilar grupos indígenas, propor- rios tribais . ·
cionando-lhes estímulo e atrativos para nela se Assim, depois de cinqüenta anos de atividades
entre dezenas de milhares de índios - cuja sobre-
dissolverem.
vivência se deve principalmente à sua atuação -
Muito cedo perceberam os indigenistas d~ impõe-se ao S.P.I. a necessidade inadiável de uma
Rondon que não se estava alcançando o objetiv_o reformulação de suas diretrizes. Nas esferas mais
assimilacionista. Os grupos pacificados ou desapa- lúcidas do Serviço e do Conselho Nacional de Pro-
reciam ràpidamente, vitimados por doenças e pelas teção aos lndios, é unânime a consciência desta
precárias condições de vida a que eram submetidos, necessidade de formular uma nova orientação à
ou, quando conseguiam sobreviver, tendiam a pre- política indigenista, com base no balanço crítico
servar as características culturais próprias, como a das práticas que se revelaram adequadas e também
língua e os costumes compatíveis com a nova vida dos procedimentos que se mostraram desastrosos.
- 186 - - 137 -

O objetivo principal do presente trabalho é dar retas de vestir, comer, casar e falar, que
uma contribuição a êste esfôrço, apoiada em nossa conhecem. Apreciam a ação missionária,
experiência, adquirida em dez anos de trabalho enquanto dogmática, e exigem do S.P.I.
como etnólogo do S.P.I. que se devote à incorporação dos índios a
O problema indígena não pode ser compreen- qualquer custo. Assumem, também, esta
dido fora dos quadros da sociedade brasileira, atitude, os interessados nos índios como
mesmo porque só existe onde e quando índios e mão-de-obra ou na espoliação das terras
não-índios entram em contato. ~' pois, um proble- que êles ocupam, argumentando que, em
ma de interação entre culturas tribais e a sociedade suas mãos, êsses recursos seriam melhor
nacional cuja compreensão é dificultada pelas ati- utilizados do ponto de vista do progresso
tudes emocionais que se tende a assumir diante do País.
dêle, tais como: 2. A atitude romântica dos que concebem os
índios como gente bizarra, imissível na so-
1. a atitude etnocêntrica, dos que concebem ciedade nacional, que deve ser conservada
os índios como sêres primitivos, dotados em suas características originais, quando
de características biológicas, psíquicas e mais não seja como um~ raridade que po-
culturais indesejáveis, que cumpre mudar, demos nos dar ao luxo de manter, ao lado
para compeli-los à pronta assimilação aos de museus e dos jardins zoológicos. Pro-
nossos modos de vida. Esta é a atitude tra- pugnam pelo estabelecimento de "reservas"
dicional dos missionários que, movidos pelo onde os indios sejam postos de quarentena,
desejo de salvar almas, consideram sua ta- para que possam viver µvres de perturba-
refa a erradicação de costumes, a seu ver, ções e servir, eventualn1ente, de amostra
heréticos e detestáveis, como a antropofa- do que foi a humanidade em eras prístinas.
gia, a poligamia, a nudez e outros. :E;, tam- :ftstes se opõem ao trabalho missionário,
bém, a atitude daqueles que julgam uma como a uma violência contra o direito dos
vergonha para "um povo civilizado" ter povos tribais de viverem segundo suas
patrícios que se pintam com urucu, afiam crenças ·e costume~; e exigem do órgão de
os dentes, deformam os beiços e as orelhas, assistência oficial uma atitude cientificista
viyem em choças imundas e falam línguas de preservação artificial das culturas tri-
ridículas. :E:stes se propõem lavar a nação bais.
desta mancha infamante, escondendo a
existência dos índios e simultâneamente os 3. A atitude absenteísta, dos que, conside-
obrigando a adotar as únicas formas cor- rando inevitável e irreversível o processo

.,
'
-138 - - 139 -

de expansão da sociedade nacional sôbre brasileiro por barreiras lingüísticas e cul-


seu próprio território, que a leva ao en- turais, são incapazes de se desenvolver por
contro de todos os remanescentes das po- seus próprios recursos e de interagirem de
pulações indígenas ainda isoladas e autô- igual para igual na sociedade brasileira;
nomas, postulam a inevitabilidade do con-
tato, da aculturação e da desintegração 3. os índios estão em conflito aberto com os
progressiva das culturas tribais seguidas, invasores das terras que habitam, os quais
necessàriamente, da extinção do índio procuram desalojá-los a qualquer custo,
como etnia, e da incorporação dos rema- para delas se apoderarem e só admitem tra-
nescentes. Dêste raciocínio concluem que, tá-los como mão-de-obra servil que explo-
estando os índios condenados a viver em rariam até ao extermínio;
condições de penúria e de ignorância aná- 4. os índios são objeto de discriminação ra-
logas às dos demais brasileiros pobres, de cial par parte das populações com que
diferente filiação racial ou cultural, devem estão em contato, as quais, diante da di-
receber idêntico tratamento porque so- ferença de costumes, de concepções e de
mente juntos, índios e camponeses, se motivações, bem como da pobreza do equi-
redimirão, um dia, da situação de miséria pamento indígena de luta pela vida, rea-
em que se encontram. gem, considerando-os tipos sub-humanos,
desprezíveis, a quem podem tirotear como
O dogmatismo etnocêntrico da primeira cor- se fôssem animais;
rente e o absenteísmo da última, levam à conceJ?.9.ãO
de que não existe um problema indígena especüico 5. os índios estão vivendo dramático processo
a exigir tratamento especializado. Ambas desconhe- natural, desencadeado pela conjunção da
cem ou subestimam os seguintes fatos: cultura tribal com a sociedade nacional,
que pode conduzi-los a um colapso, por
1. os índios são mais vulneráveis às moléstias perda do gôsto de viver, desespêro diante
infecciosas transmitidas pelos brancos e, ao destino que lhes é impôsto, seguido de
quando entram no circuito de contágio desmoralização e extinção .
destas, sofrem tamanha mortalidade que,
p~r . vêzes, são levados a completo exter- A atitude romântica, preservacionista, reconhe-
m1n10;
cendo embora a especificidade do problema indí-
2. os índios, isolados numa concepção pró- gena, exige um estatuto próprio para o índio, que
pria do mu.n do e separados dos demais o coloque à margem da sociedade nacional, em
- 140 - - 141 - •

condições de estufa impossíveis de manter, inclu- A ideologia brasileira quer o índio - e també1n
sive porque os próprios índios contra elas se re- o negro - como um futuro "brai:ico" dissolvido pela
belariam. amalgamação racial e pela assimilação, na comu-
O indigenismo brasileiro, superando essas ati- nidade nacional. Entre os desejos, a ideologia e os
tudes extremadas, propugna por medidas que, res- fatos, medeiam, contudo, grandes distâncias, tão
guardando o índio da extinção, o preparem paula- grandes que à propalada ideologia assimilacionista
tinamente para interagir em igualdade de condições brasileira, com respeito aos índios, não corresponde
com os, de?1ais ~r~sileiros. O S.P.I. não pode evitar uma atitude assimilativa.
que o 1nd10 ass1m1lado ou em processo de assimi- Tudo indica que o processo de integração, se
lação participe do destino das massas mais pobres deixado atuar livremente, não levará à assimilação,
da nossa população. Mas, na medida em que lhe mas à extinção dos índios e que uma intervenção
assegu~a a P?sse ?as te~ras. que ocupa e um mínimo adequada pode assegurar sua sobrevivência. Isto
de ass1stênc1a, da ao 1nd10 um lugar privilegiado é, pois, o que cumpre fazer, tanto mais porque, em
nesse quadro, atenuando a situação de penúria a nossos dias, as compulsões de ordem ecológica, eco-
qu~ seria, s~bmetido, se lançado abruptamente !!º nômica, cultural e outras, que pesam sôbre as po-
meio ~a u~1ca classe a que poderia ser incorporado: pulações tribais e as condenam ao extermínio, já
a m~1s_ baixa ~amada da ~~trutura social, a cujas não são condição de sobrevivência da sociedade
cond1çoes de vida sucumbrr1a por não estar psico- nacional, mas abusos despóticos de interêsses locais,
logicamente motivado nem culturalmente preparado freqüentemente de natureza puramente mercantil,
para as defrontar. · que não teriam ocasião de atuar, uma vez denun-
Grande parte das discussões dos indianistas ciados e postos sob a vigilância dos órgãos gover-
etnólogos e mesmo de leigos sôbre o problema in: namentais e da opinião. pública esclarecida.
dígena focaliza esta questão, indagando se devemos Representando apenas 2 por mil da população
influir ~o processo, nós que dêle temos consciência, brasileira, os índios são, hoje, quase inexpressivos
para a integração ou o enquistamento. Trata-se, a no conjunto da nação e seus problemas são impon-
nosso ver, de um problema acadêmico. O S.P.I. é deráveis como problema nacional. Vale dizer, qual-
chamado a salvar os índios de uma extinção certa, quer que seja seu destino, êste não afetará a vida
que estava se dando e continua ocorrendo mal· nacional, mas significa também, que as terras de
grado seus e~forços. O que lhe cabe, port;nto, é que necessitam e a assistência de que carecem lhes
estancar a mortandade, combatendo suas causas. podem ser concedidas sem grandes sacrifícios. A
O destino final do índio, sua incorporação ou en~ tarefa do S.P .1. é, na maioria dos casos, impedir
quistamento, será o desfecho de um processo no que sejam chacinados, que morram de fome, viti-
qual podemos influir muito pouco. mados por doenças, ou que sejam conduzidos ao



- 142 - - 143 -

desespêro e à marginalidade. Uma vez vivos, pro- reduzir-se, por nem terem alcançado a estabilização
gredindo sua aculturação, é de esperar que se in- demográfica da qual deverão partir para o in-
tegrem na sociedade nacional ou até mesmo nela cremento. Demonstramos em recente trabalho
se dissolvam, na medida em que houver vantagens ( 1957 : 45) que cêrca de 87 tribos desapareceram
em viver a vida das nossas populações rurais. Hoje, totalmente nos últimos cinqüenta anos, não por in-
ao menos, não existem êstes atrativos. As condições corporação à sociedade nacional, mas por morte de
da maioria dos Postos Indígenas são superiores às todos os seus componentes e que, a prevalecerem as
que prevalecem na fazenda particular ou no serin- mesmas condições que deram lugar àquela extinção,
gai, onde labuta a ,População rural brasileira. 57 dos atuais 143 grupos desaparecerão até o fim.
Aquêles que so podem admitir o índio como do século.
um futuro não-índio devem compreender que a Em face desta situação é que formulamos a~
assimilação depende menos de uma política indi- recomendações seguintes, que nos parecem cons-
genista que das condições de vida da população tituirem as medidas mínimas indispensáveis para
total do País. Quando o lavrador gozar de maior sustar o processo secular de extermínio dos índios •
amparo, fôr dono da terra que trabalha, e liber- e abrir-lhes perspectivas de sobrevivência e de in-
tar-se da servidão ao feudo em que hoje estiola, cremento, como sêres humanos e como etnias que
estará alcançada a condição básica para a assimi- têm o direito de viver e progredir entre os povos
lação do índio já aculturado. da Terra.
O quadro sombrio que apresenta o problema
indígena brasileiro, em nossos dias é tanto mais
grave porque fomos dos primeiros países a insti- RECOMENDAÇÕES p ARA A AÇÃO PROTECIONISTA
tuirem um serviço oficial de' amparo ao índio. Mas
as dificuldades objetivas de levar à prática a po- 1. Garantia da posse das terras indígenas
lítica indigenista formulada por Rondon, de revê-la
no que já tem de superada, colocou-nos em grande A posse de um território tribal é condição
atrazo com respeito a nações que também se de- essencial à sobrevivência dos índios. Tanto quanto
frontam com um problema indígena e que nas tôdas as outras medidas protetórias, ela opera como
últimas décadas decidiram tratá-lo seriamente. barreira à interação e à incorporação. Permitindo
Os índios do Brasil somam hoje menos de ao índio refugiár-se num território onde pode ga-
100 000 pessoas ( D. Ribeiro, 1957 : 47), o que equi- rantir ao menos sua subsistência, faculta-lhe escapar
vale a uma décima parte da população original às compulsões geradas pela estrutura agrária vi·
conforme as avaliações mais autorizadas (A. Ro- gente, as quais, de outro modo, o compelirtam a
senblat, 1954, 1 : 102). O pior é que estão ainda a incorporar-se à massa de trabalhadores sem terra,
- 144 - - 145 -
como seu componente mais indefeso e mais mise.. ficas de diversas regiões, como amostra para as
rável . gerações futuras, do que fôra o Brasil prístino .
Os casos concretos observados no Brasil, de Várias regiões habitadas por índios se prestam
trib9s que perderam suas terras e foram levadas a magn1Jicamente à criação de Parques Nacionais.
perambular, aos magotes, pelas fazendas particula.. V ia de regra, as técnicas tribais de luta pela subsis..
res, como reservas de mão-de-obra, demonstram tência são pouco destrutivas, podendo conciliar-se,
que, embora tivessem oportunidade de mais intensa neste caso, uma reserva biogeográfica com a ocupa..
interação com os trabalhadores não-indígenas e, ção humana. ~ óbvio que alguns preceitos de pro-
teoricamente, por via desta comunicação e convívio, teção à natureza deveriam ser ensinados aos índios,
maiores chances de se dissolverem na população como métodos mais eficazes do que os seus simples
nacior. ~11, isto não ocorreu. Na prática, seu despre- cuidados para evitar incêndios nas florestas e outras
paro para as "tarefas da civilização", a conservação formas de depredação.
de idéias e motivações da cultura original e outros Para os grupos indígenas de algumas áreas
fatôres os levaram a tamanho desgaste que esta.. de refúgio - como a região dos formadores do
riam, fatalmente, condenados ao extermínio, se não Xingu 81, a Serra dos Dourados, no Paraná, o Gua-
fôssem recolhidos a um Pôsto de proteção. poré, o alto Juruá-Purus, a região dos tributários
Trata-se, portanto, do mais importante pro- do rio Negro ( U aupés, Tiquié, Içana) , o divisor
blema con1 que se defrontam os índios, da fonte de águas do Orinoco e U aupés e os altos cursos
mais freqüente de atritos com civilizados, cuja so- do Cuminá, do Trombetas e do Cafuini - haveria
lução é inadiável. Urge, pois, enfrentá-lo decidida- enorme vantagem em se preservar o conjunto da
mente, fazendo um levantamento, junto às lnspe- área em que se acham localizados. Através d e um
torias, da situação de cada grupo indígena com processo de inter-influenciação secular, os grupos
respeito à posse das terras que ocupam e que são indígenas dessas regiões estabeleceram relações
indispensáveis à sua sobrevivência, com o fim ~e quase \ simbióticas de interdependência que, refor-
proceder à legalização da posse e ao seu registro. çadas pela aculturação inter-tribal, as aglutinou em
Recomenda-se, igualmente, a criação de par- complexos culturais super-tribais. O fracionamento
ques indígenas demarcados por lindes naturais, re- da região que ocupam coletivamente em pequenos
servados às tribos indígenas que nêles habitam ou territ6rios, isolados por faixas q11e seriam ocupadas
vierem a habitar, como patrimônio coletivo e ina.. mais tarde por estranhos, viria destruir uma das
lienável, de· usufruto perpétuo. Os recursos naturais ~

dessas áreas passariam a constituir reservas florís- a1 Em 1952 foi enviada uma Mensagen1 Presidencial ao Con·
gresso solicitando a criação do Parque Indígena do Xingu ( Pro-
ticas e faunísticas destinadas a estudos científicos, jeto 819-55 ) q ue não teve andamento. O Decreto n. 0 .50 455, dt
preservando-se,. as·sim, as características biogeográ- 14-4-1961 do Poder Executivo, que criou o Parque Nacional de.
Xingu, reserva uma área bem menor que a p revista naquele projeto .


- 146 - - 147 -

bases do sistema adaptativo daqueles índios e con- evitar desvios de suas rendas e de julgar a conve-
dená-los ao aniquilamento. niência da aplicação dos bens do patrimônio in-
dí~ena.
2. Organização da economia tribal Qualquer programa de produção para os Postos
Indígenas deve ser precediâo:
O segundo problema, em ordem de importân- a) de estudos acurados do sistema adaptativo
cia, para a sobrevivência dos índios, é a orga- tribal, a fim de evitar interferências desas·
nização das economias tribais, tendo em vista a trosas na sua economia de subsistência;
elevação do padrão de vida das comunidades in-
dígen~ s. Neste sentido, é indispensável assegurar
b) do exame da compatibilidade das técnicas
aos Postos a necessária assistência técnica, a fim que se pretende introduzir com a estrutura
de que possam promover a exploração dos recursos social e com a economia tribal;
econômicos de suas terras, nas seguintes condições: c) do levantamento das necessidades mínimas
de artigos mercantis que o grupo deva
a) só admitir a exploração de uma riqueza suprir pela diversificação de sua economia.
perecível (madeiras de lei, produtos ex-
,
trativos que se exaurem com a exploração Deve-se evitar a intervenção na economia das
etc.) para aplicação da renda resultante tribos pouco aculturadas, ainda capazes de prover
na constituição de um bem de produção a própria subsistência através das técnicas tradi-
de valor permanente para tôda a tribo; cionais. Quando ela se impuser, deverá iniciar-se
b) só aplicar com objetivos assistenciais e em com a introdução de técnicas produtivas simples
serviços administrativos o produto de tra- (agrícolas, granjeiras e artesanais), que permitam
balho que possa reproduzir-se indefinida- fazer face às mudanças ocorridas no ambiente, por
I mente; fôrça de sua exploração simultânea por agentes da
e) estabelecer-se que tôda a renda obtida por sociedade nacional, tendo em vista preparar os
um grupo indígena lhe seja consignada índios - em face do desaparecimento da caça e da
como propriedade tribal, coletiva e ina· pesca - para o provimento de sua subsistência e
lienável. · das novas necessidades de artigos mercantis que
forem adquirindo. .
. . Para ta~t~, é. indisp.ensável criar órgãos espe- Nas primeiras etapas da integração económica,
c1a1s de ass1stencia técmca à produção e de con- recomenda-se especialmente a utilização do vir-
tr6le, · capazes de planejar a organização econômica tuosismo dos índios na confecção de artefatos de
dos Postos, de impedir abuso contra o índio, de interêsse· artístico, a fim de constituir, através de


- 148 - - 149 -

sua comercialização, uma fonte permanente de genas depende essencialmente da conjuntura regio-
renda para o grupo. nal e nacional, cujo contrôle lhe escapa. Recomen-
A introdução de técnicas mais complexas deve da-se, por isso a programação conjunta, c~m .outros
ser cuidadosamente estudada, tendo em vista não órgãos federais, como a Superintendenc1a do
apenas suas virtualidades econômicas, mas sua co1n- Plano de Valorização Econômica da Amazônia
patibilidade con1 o modo de. vida do grupo, e sua ( SPEVEA), a Superintendência de Desenvolvi-
capacidade de substituir práticas tradicionais de 1nento Económico do Nordeste ( SUDENE), o Ins-
subsistência que entraram em colapso. O maior ca- tituto Nacional de Imigração e Colonização (INIC),
pital de que dispõem os postos é a inão-de-obra a Fundação Brasil Central ( FBC) e outros que
indígena mobilizável para. o trabalho coletivo, o que
possam colaborar com o S.P.I .. em projetos. c3muns
desaconselha a i.n trodução de qualquer programa de desenvolvimento e melhoria das cond1çoes de
de mecanização, substitutivo do trabalho manual. vida das populações de certas regiões 32 •
Sempre que se torne inevitável o engajamento Como medida preliminar a qualquer planeja-
do índio como assalariado, novas obrigações caberão mento global de assistência torna-se indispensável
ao órgão de proteção, qt1e fiscalizará as relações de a realização de um censo indígena. O S.P.I. des.
trabalho, anulando quaisquer contratos lesivos. conhece, até hoje, o número exato de índios sob
O maior potencial de trabalho e de recursos
sua responsabilidade. Um cen~o p;eliminar, de .va-
do S.P.I. deve ser concentrado na solução dos pro-
lor inestimável para a detemnnaçao das necess1da·
blemas dos grupos em contato intermitente, em
des mais prementes dos grupos indígenas, poderia
contato permanente e dos já integrados na vida na-
ser efetuado, incumbindo-se cada Inspetoria re-
cional (D. Ribeiro, 1957: 7-14 ), os quais, em ~­ gional do levantamento das populações que lhe
tude das compulsões que experimentam nesta fase
estão afetas. Cada região seria dividida em juris·
estão a exigir assistência mais direta e eficaz, tendo
dições a cargo dos Postos nela situados, de modo
em vista fazer do índio, já engajado no mercado
a obter, dos respectivos encarregados:
regional, um tra.b alhador mais bem remunerado,
um produtor mais fecundo e um negociante mais a) relações nominais de todos os índios que
'
sagaz. vivem nos Postos do S.P.I., divididos por
Essa orientação econômica só poderá efetivar- classes etárias;
se a partir do estudo das condições objetivas de -------
GEm 1954 foi incluído no Plano Qüinqüenal da SPEVEA
cada comunidade indígena em particular e da área ( 1955: 223, 226 a 243) um programa de colabo~ção com o S .~.I.
que previa atender as tdâbos do oeste do Maranbao, norte de Goiás,
geo-econômica a que pertence. Cumpre considerar Par!, Amazooaa e Tenit6rios, criando-se colónias indígenas de
que por melhores que sejam os programas do S.P.I., penetração e colõnias indf1enas de fronte.ira. A e:recução _dêste pl~a
representaria um passo decisivo no se~tido da mteifllçao do fn,d1•
o desenvolvimento da economia dos grupos indí- já aculturado na economia da Amazôrua. como elemento produt1v<>.
( Ver, também, D. Ribeiro, 1954 : 89-103 ).
-· - - ·- -- . -- -

- 150 - - 151 -

como pessoa, da tutela legal, no que possa ter de


b ) número exato dos grupos em coutato com limitativa, preservando-se, porém, para a comuni-
os Postos;
dade e para os índios a ela vinculados, condições
c) estimativas realistas dos grupos isolados especiais de amparo legal, como as asseguradas à
que vivem dentro dos territórios de res- mulher grávida e ao menor que trabalha.
ponsabilidade de cada pôsto; Assim, por exemplo, os índios Xavante, apesar
d) levantamento do patrimônio de cada gru.. de muito pouco aculturados, .enquanto cidadãos
po indíg~na e das possibilidades de sua brasileiros, teriam assegurado o direito de voto.
exploração econômica. ~ste direito, porém, só se efetivaria nos casos con-
cretos de indivíduos Xavante que atendessem às
. exigências da lei eleitoral para a qt1alificação de
3. Estatuto jurídico do índio eleitores: serem maiores de idade e alfabetizados.
Desde que' habilitados ao exercício do voto, esta-
O principal problema prático com que se de- riam sujeitos às sanções legais estabelecidas para
fronta o S.P.I., neste campo, é a definição da forma
os eleitores faltosos.
de integração progressiva do índio no corpo de
direitos e deveres do cidadão comum. O sistema Os índios Terena, dos quais grande número
estatuído pela Lei n.0 5 484, de 1936, de atribuição está engajado, como. grupo, família ou indivíduo,
l
genérica do estatuto jurídico através da classifica- na vida urbana de diversas cidades sul-matogros-
ção das comunidades indígenas em categorias re- senses, - Miranda, Aquidauana e Campo Grande -
lacionadas com grau de integração, conduz a difi- encontrariam, na sua condição de alfabetizados, re-
culdades insanáveis. Primeiro, pela necessidade de servistas e eleitores, uma equiparação efetiva com
constante revisão da classificação e pela falta de cor- a população civilizada. Não poderiam, portanto, ser
respondência entre a tipologia da lei e a dos Postos; objeto de qualquer discriminação legal, em virtude
segundo, porque não satisfaz à necessidade de asse- de sua condição de índio. Não obstante, funcioná-
gurar a cada índio, individualm~nte, a oportunidade rios do próprio S.P.I. decidiram há algum tempo
1
de destacar-se do seu grupo para fazer carreira obstar àqueles índios o exercício do voto, decla-
própria, sem conduzir um. estigma discriminatório rando que, não sendo obrigados a serviço militar,
de natureza legal. não poderiam ser eleitores. Na realidade, temiam
Nestas . circunstâncias, impõe-se a regulamen- que os índios se tornassem objeto de disputa dos
tação do Código Civil, tendo em vista condicionar políticos locais, ocasionando conflitos e dificul-
o gôzo dos direitos e a atribuição dos deveres cor- dades (cf. R. C. Oliveira, 1960: 130-2 e 146-7).
~elativos tão somente à capacidade individual do
1ndígena para exercê-los, emancipando o índio> ' Dúvidas ou insidias desta ordem só podem ser sa-

j
~ 152 - - 153 -
nadas com a promulgação de uma lei ·que defina nacional. Esta tem, pois, uma responsabilidade
o estatuto jurídico do índio. específica, qu: lhe cabe reconhecer, o~icialmen~e, de
A mesma revisão impõe-se quanto ao Código prestar assistencia contra as molestias que intro-
Penal. A experiência do S.P.I. demonstra que a duziu e que não podem ser debeladas com os re-
punição de crimes cometidos entre índios, bem cursos médicos das próprias tribos.
como todos os seus problemas de delinqüência, de-
vem ser confiados aos sistemas tribais de dirimência As doenças introduzidas pelos brancos, além
de conflitos e de contrôle social, só interferindo o da mortalidade que provocam, conduzem cada gru-
agente do Pôsto quando êstes deixam de atuar ou po indígena que entra em contato com a socie?~de
no caso de conflitos entre índios e não-índios. nacional a um estado extremo de fraqueza f1s1ca,
A tutela legal do índio, por parte do S.P.I:, incapacitando, , total ou parcial?1~nte, grande n~­
embora estatuída em lei, não se tem podido co1:1- mero de indiv1d11os para as at1v1dades de subsis-
cretizar em inúmeros casos. O arbítrio de autori- tência e agravando suas já precárias condições de
dades locais, mancomunadas com os interêsses do vida.
latifúndio e da exploração dos índios, tolhe a aç~o Uma aldeia indígena assolada por moléstias
dos agentes do Serviço, impedindo-os de processar altamente contagiosas, - como a gripe e outras do-
e levar à condenação os responsáveis por crimes enças pulmo~ares, o sarampo, a var~ola.' que acom~te
contra a vida, a família e a propriedade dos índios. quase simultaneamente a todos os indivíduos - fica
Trata-se aqui, não .só de uma extensão, ao ' ameaçada de extermínio, não só pela gravidade
índio, da situação de desamparo que prevalece nas dessas doenças em p~1!ações indenes, mas P?r
fronteiras de expansão, onde os podêres públicos impossibilitá-las de re · r as tarefas de subsis-
não têm fôrça para impor o cumprimento da lei, tência, que não podem ser interrompidas num gru-
mas, ainda, de impedimentos específicos ao exer- po desprovido de estoque de aliI~entos. ( Cf. D.
cício do amparo oficial, em virtude do conflito Ribeiro, 1956 : 3-50) .
aberto entre a população pioneira e os índios. ~sse.s O problema da assistência médica aos índios,
impedimentos só podem ser sanados através cfe sendo pelo menos tão grav~ quanto o da populaçã.o
instrumentos legais adequados. brasileira em geral, contem aspectos ainda mais
sérios aa pela maior virulência de certos agentes
4. Assist~ncia médica mórbidos sôbre os índios, exigindo cuidados espe-

O principal fator de depopulação dos grupos • Estudos s&bre o estado sanitário dos índios POdem ser con-
sultados no Anuário do S.P.I. (S.P.I . . 1954: 125-114) de autoria,
indígenás são os agentes mórbidos introduzidos respectjvamente, dos Dn. Noel Nutels, João Leão da Mota, Lou-
através dos. contatos com elementos da sociedade rival Setóa da Mota e Amauri Sadock de Freitas Filho, bem
como u ~gs . 28-32 e 1>9-61 do mesmo Anuário .
- 154 - - 155 -
ciais da parte do S.P .I. que para isto nunca foi accessíveis, a fim de estender a êles o
devidamente aparelhado. acôrdo firmado com o Ministério da Aero-
Urge, pois, organizar um serviço de assistência náutica para a visitação médica periódica,
médica com base nas experiências conduzidas pelo por meio de aviões do Correio Aéreo Na-
Serviço de Unidades Sanitárias Aéreas (SUSA) do cional;
Dr. Noel Nutels, e conseguir a cooperação de outros
órgãos assistenciais como o Serviço Nacional de e) equipar o hospital construído na Ilha do
Tuberculose, o Serviço Nacional de Endemias Ru- Bananal, junto ao Posto Indígena Getúlio
rais, o Serviço Especial de Saúde Pública, o Insti- Vargas, para prestar assistência aos índios
tuto Oswaldo Cruz e outros, que possam prover o do Brasil Central .
S.P.I. de recursos médicos e hospitalares e destacar
técnicos para visitarem as aldeias indígenas, com 5. Educação
o objetivo de realizar estudos médico-sanitários.
Um programa mínimo de assistência médica, A experiência de retirar crianças indígenas de
deve ter em mira: sua comunidade a fim educá-las fora, durante sé-
culos empreendida por missionários e algumas vê-
a) dotar cada Pôsto Indígena de pequena far- zes pelo próprio S.P.I., revelou-se decepcionante.
,
mácia provida dos medicamentos mais in- Os preconceitos da população local acêrca das qua-
dicados para as moléstias que atacam os lidades mentais e de caráter dos índios, por mais
índios; falsos que sejam, têm todo o poder de imposição
que lhes empresta o consenso unânime das popu-
b) contratar médicos para visitar os Postos lações sertanejas, e acabam por afetar os próprios
Indígenas mais accessíveis, pelo menos índios apartados de sua tribo. Na medida em que
duas vêzes por mês, bem como contratar fracassam em seu esforços de identificação e disso-
com hospitais regionais a internação de lução na vida nacional, e em que vêm atribuída à
índios enfermos; · sua condição de índio, cada ação reprovável que
c) instalação de enfermarias e ambulatórios cometam, acabam por ser o índio que . aprenderam
j dotados de recursos para assistência mé- a ser: o cachaceiro, o desconfiado, o mentiroso, o
dica e pequena cirurgia, nos Postos que traiçoeiro, o covarde, o preguiçoso etc.
atendem a maior número de índios; . Esforços, às vêzes generosos, para salvar jove~s
índios pela educação, resultam em formar desajus-
d) construção de uma rêde de campos de tados e marginais, alguns dêles transformados in·
pouso que permita atingir os Posto~ menos clusive em índios profissionais. Nos melhores casos,


' - 156 - - 157 -

êste procedimento forma pessoas incapazes de so- Junto aos grupos indígenas que já sofreram
breviver independentes que, lançadas à condição os efeitos desmoralizantes dos processos de des-
de párias, acabam por procurar o amparo do S.P.I. tribalização e marginalidade, impõe-se paralela-
que por êles já nada pode f~zer. Deixando de ser mente à assistência material, um esfôrço educacio·
nal destinado a soerguê-los moralmente, levando-os
índios, sem chegar a ser coisa alguma, raramente
a ver a si mesmos como sêres humanos, como gente
alcançam um ajustamento adequado; na maior tão boa quanto qualquer outra, malgrado as dife-
parte dos casos, de nada servem as técnicas requin- renças de equipamento civilizador.
tadas em que foram iniciados e lhes faz uma falta Junto àqueles que só agora entram em contato
vital o aprendizado prático que só a aldeia indígena com a sociedade nacional, ainda crêm em si pró-
poderia ter dado no processo informal de sociali- prios e conservam o vigor físico e a alegria de viver
zação. dos grupos autônomos, impõe-se maior respeito às
ôbviamente as escolas devem variar, em for- suas instituições culturais, ou pelo menos, menor
1na e em programa educativo, segundo o grau de afoiteza em desmoralizá-las para evitar que sua cul-
aculturação dos grupos tribais. De início, devem tura entre em colapso. A julgar pelas tribos que até
ter o propósito de apenas ensinar as crianças a agora entraram em contato com a civilização, só te-
falar um português sem sotaque, transmitir noções mos a oferecer-lhes uma vida de miséria e desregra-
de higiene, introduzir técnicas artesanais simples 1nento. Isto não significa que se deva perpetuar
e práticas, e dar, através de conversas informais, artificialmente as características culturais dêsses
uma idéia mais geral e mais precisa do País e da grupos. Seria o mais tolo romantismo e a mais lar-
própria tribo. Tudo isto com o propósito especial var ingenuidade, ao menos imaginar que isto seja
de proteger o índio contra a discriminação e, s9- possível. A expansão da sociedade brasileira não
bretudo, evitar que adote sôbre si próprio os pre- deixará lugar para a conservação de culturas tribais
conceitos da população rural com que está em plenamente autônomas. A aculturação deve marchar
contato. 84 expontâneamente, sem qualqt1er pressão, de tal
Nos · grupos mais aculturados, as escolas de- modo que a tribo, à medida que perde seu corpo
verão aproximar-se progressivamente do ensino de valores, adquira e consolide um outro, capaz de
rural adotado para todo o país. Aqui se terá como motivá-la satisfatoriamente.
objetivo central preparar o índio para a vida que Assim, o principal esfôrço educativo por par~e
irá viver, como assalariado ou como produtor de dos agentes do S.P.I. deve orientar-se para a ele-
artigos para comércio. vação do moral do índio, na base dos valores de
sua própria cultura, numa atitude de aprovação
84
Um modêlo de escola d~ste tipo foi projetada p ara os índios aos. costumes tribais. O ·mais eloqüente . exemplo de •
'Kara/d. Cf . Daroy :Ribeiro, 1953·: 10-12 .


'

- 158 - 159 -

co1npreensão e aceitação dêsses valores é ofere- teiras, como para a sua futura integração na vida,
cido, hoje, pelos irmãos Vilas Boas: atuando por nacional. Uma vez perdido o contrôle sôbre as
mais de uma década junto aos grupos indígenas dos populações indígenas que ali vivem desde tempos
formadores do Xingu, conseguiram que conservas- imemoriais, será extremamente difícil o estabeleci-
sem o orgulho tribal, a despeito de inúmeros fa- mento de outros grupos humanos naquelas regiões
tôres adversos . marginais que, além de uma indústria extrativa
muito precária, não oferecem qualquer base para
exploração econômica.
- 6. lndios das Fronteiras A maioria dos Postos Indígenas criados pelo
S.P.I. para atender aos grupüs fronteiriços encon-
Ao longo das fronteiras do Brasil com as tra-se abandonada, dada a impossibilidade de ali
Guianas, Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia vi- fixar pessoal realmente qualificado, como o exige
vem mais de duas dezenas de tribos, cujos efetivos uma assistência nacionalizadora. Os postos mais
variam de centenas a milhares de pessoas. Cons- importantes - como os localizados nos altos cursos
tituem a única ocupação humana permanente da- dos rios Demeni, Cotingo e Querary, cuja abertura
quelas regiões e representam, por isto mesmo, re- custou anos de árduos esforços - enquanto opera-
servas da maior impartância, para a integração das ram só mantinham contato com a Inspetoria de
zonas de fronteiras na comunidade nacional. Manaus durante três a quatro meses do ano, no
Como as regiões em que vivem, em geral fi- período de maiores enchentes. O meio prático de
ca~ mais próxima~ das ~on~s p~vo~das do~ P.aíses encaminhar uma solução para o problema econó-
lim1trofes, predomina ali a influencia econormca e mico e político daquelas fronteiras desguarnecidas,
social estrangeira, em cujo âmbito gravitam as po- bem como a nacionalização de sua população in-
pulações indígenas. Nos últimos anos, essas condi- dígena, seria a criação de Colónias Indígenas de
ções de segregação em relação ao Brasil têm sido Fronteira. ( Cf D. Ribeiro, 1954: 89-103).
agravadas por uma ativa política assimilacionista Essas Colónias localizadas junto às tribos que
praticada por alguns dos nossos vizinhos, com o devam assistir, terão ·como objetivo fundamental
propósito de consolidar a ocupação de suas fron- integrar o índio mais orgânicamente na economia
teiras através da fixação de uma população auto- brasileira, através da introdução de novas técnicas
suficiente, como só o pode ser, naqueles ermos, a e novos estilos · de vida, bem como de melhor equi-
indígena. pamento de ação sôbre a natureza. Deverão ser
Essa absorção das populações indígenas fron- dotados de campo de pouso para aviões e estações
teiriças processa-se · em detrimento do Brasil, com de rádio que assegurem transporte e comunicações
graves riscos, tanto para a segurança daquelas fron- regulares, uma vez obtida sua inclusão nas linhas
- 160 - . - 161 -

do Correio Aéreo Nacional que servem aos Postos índios (C. Nimuendajú, 1952: 435-6), com o pro-
do S.P.I. Dêste modo será possível não só fixar os •
,. de obter financiamentos e outros favores do
pósito
funcionários nas Colônias, mas fazer face aos pro- governo.
blemas de saúde, que estão levando alguns grupos Os grupos isolados ou arredios, que não estão
ao extermínio, e bem assim assegurar aos índios em contato com civilizados e que não correm o
melhor amparo contra a exploração por parte c!_e risco de ser alcançados pela expansão de nossa so-
nacionais ou de estrangeiros, que mantêm algu~s ciedade, nos próximos anos, devem ser deixados
grupos indígenas em condições de servos. Poderão em paz, apenas assistidos por turmas de vigilância,
ter, igualmente,' a função de bases para a penetra- com o objetivo de e~itar lutas intertribais.
ção de expedições científicas e a instalação de Cwnpre, por outro lado, proibir a transferên-
serviços meteorológicos. cia de grupos indígenas que vivem pacificamente

em regiões ermas às quais estão ecologicamente
7. Pacificação de Tribos Arredias adaptauos, para Postos localizados em áreas mais
accessíveis, à . título de lhes prestar mais assistên-
Nos últimos anos o S.P.I. deu absoluta priori- cia. Esta prática compele os índios a perigosos
dade aos trabalhos de pacificação, desviando a reajustamentos no sistema de provimento da subsis-
1
quase totalidade de suas verbas para custeá-los, em tência e os sujeita a maiores riscos de contaminação
prejuízo da assistência aos grupos indígenas que

de moléstia~ que lhes podem ser fatais .
vivem nos Postos ( C. A. Moreira Neto, 1959 : 58) .
Planos de pacificação têm sido levados a cabo 8 . 'lvlissões religiosas
de maneira intempestiva, porque em alguns casos •
poderiam ter sido protelados, uma vez que as tribos As amargas experiências do passado, no que
envolvidas não estavam sendo atingidas por frentes se refere à atuação de missões de catequese junto
de expansão da sociedade nacional. O contato a grupos tribais, e a orientação positivista impri-
dêsses grupos com civilizados, sem o indispensável mida ao S.P.I., levaram seus fundadores a separar
contrôle sanitário, fêz irromper epidemias de gripe '"
nJ.tidamente a assistência protecionista, entregue à
que dizimaram tribos inteiras . ·
1
direção leiga~ da _catequese, afeta às missões.
Urge iippedir que as pacificações sejam orien- Desde 1910, as -Ouas esferas de atividade atuam
tadas pelos interêsses ~s donos de seringais e separadamente e, não raro, em aberta hostilidade.
castanhais e pelos criadores de gado empenhados Esta tensão decorre, em parte, da contingência, em
em afastar o índio de suas áreas de exploração e que se viram as ·m•ssões, de realizar também obra
que muitas vêzes exageram ou forjam ataques de de proteção e ampa_ro ao índio, estipendiadas pelo
- 162 - - 163 -

govêrno, segundo procedimentos que ao S.P.I. pa- ram grupos indígenas. Uma nova orien-
receram inconvenientes e, em parte, da atitude dou- tação neste campo viria' ao encontro do
trinária da direção do Serviço. i:àterêsse dos índios e elevaria o labor mis-
Superada a fase doutrinária, com sua substi- sionário a um nível mais alto de zêlo e
tuição por uma orientação de base científica, e di- desprendimento.
ante do fato de que o S.P.I. não tem condições para
instalar postos de amparo junto a cada uma das 2. Contribuírem as missões para dirimir os
centenas de micro-grupos indígenas do País care- . . , .t;:ste é
conflitos entre índios e ciVilizados.
centes de assistência, seria altamente recomendável outro campo em que os m1ss1onar1os, so-
que missionários, com delegação do S.P.I. e servi- bretudo os católicos, podem dar substan-
dores dês te passassem a cooperar, reunindo suas cial ajuda aos índios, fazendo valer sua
fôrças para fazer face à situação deplorável de autoridade moral sôbre as populações ser-
nossas populações indígenas . tanejas e seu prestígio junto aos agentes
Num esfôrço para facilitar êste entendimento do poder público, não s6 para evitar cha-
em benefício dos índios, procuramos indicar, a se- cinas, mas também para que sejam punidos
guir, as quatro condições básicas que a nosso ~er, os crimes cometidos contra os índios.
missionários católicos e protestantes devem aceitar 3. Assumir atitude menos dogmática em face
para instituir-se um programa de colaboração com dos valores e das instituições tribais, evi-
o S.P.I.: tando sua desmoralização aos olhos dos
índios que pode conduzir à destribalizaçãe
1. Passarem as missões a colaborar efetiva- e à marginalidade. Os missionários cató-
mente no sentido de asegurar, a cada gr~­ licos e protestantes não parecem ter com-
po indígena, a posse das terras em que vi- preendiao, até agora, a impartância fun-
vem. As missões não deram, até o presente, cional das instituições :religiosas tribais;
a contribuição que poderiam dar neste que sua extirpação violenta - na precipi-
campo, empenhando-se para que os grupos tação de um processo aculturativo que só
que assistem tivessem garantida a posse lentamente poderia efetivar-se - traz dra-
das terras em que vivem e que lhes são máticas conseqüências à vida dos grupos
asseguradas pelas Constituição Federal. indígenas porque os leva à degradação, à
Algumas ~elas, ao contrário, fizeram descrença e à morte, como também, j~­
registrar, como património próprio, terras mais resultou em verda~eira conversão.
ocupadas por índios desde tempos imemo- Aí estão, para atestá-lo, os índios "cate-
riais ou aquelas para as quais translada- ,
quizados" com suas crenças de colchas de

'
1

- 164 - - 165 -

retalhos e que, após dezenas de anos de de uma atuação assistencial apropriada, diversa da
ação missionária contínua, preservam, ao vigente para o conjunto da popwação.
lado de algumas alegorias cristãs, o essen- As atribuições do Serviço de Proteção aos ln-
cial das crenças tribais . dios não só se revestem de caráter especial, mas
diferen;i largamente das funções de qualquer outro
4. Abandonar a prática de deslocar os índios órgão público. Trabalhando em terreno novo e
dos seus territórios para junto das missões, tendo de criar suas próprias normas com base na
bem como o desmembramento da família experiência vivida, não pode o S.P.I. sujeitar-se às
indígena, para internar os filhos em colé- regulamentações gerais âa administração pública.
gios missionários. Em lugar dêstes proce- Os fundadores do S.P.I. quando de sua criação,
dimentos, levar o amparo que se pro- em 1910, representavam o que havia de mais
ponham dar ao próprio território tribal e evoluído no País, em relação ao problema indígena.
ali ajudar a comunidade inteira a fazer face Influenciados pelas mais modernas teorias de então,
aos problemas com que se defronta. Um no campo das ciências sociais, imprimiram à sua
modêlo de atuação missionária, altamente obra uma orientação avançada, entregando a sua
meritória é a realizada, hoje, entre os ín- execução a uma equipe integrada por dezenas de
dios Tapirapé, por freiras católicas da ir- servidores com formação de nível superior .
mandade Michel Foucault. Desde àquela época, muito se desenvolveu a
Antropologia, sobretudo nos esforços para aplicação
9. Orientação Científica prática dos seus conhecimentos ao campo das re-
~ impraticável qualquer programa eficaz de lações com povos tribais. Foram relega<las certas
as~i~tência às .populaçõ~s indígenas sem um órgão discriminações típicas do evolucionismo unilinear,
of1c1al especificamente incumbido de sua execução, e ficou definida a pecualiaridade das soluções da-
dotado de recursos suficientes e de pessoal habili- das por cada povo aos seus problemas de vida
tado, devidamente prestigiado pelo Govêrno e, so- comum e a inconveniência de avaliá-las umas em
bretudo, alicerçado numa orientação cientüica, fun- relação às outras. '
dada nos conhecimentos da Antropologia. Sob a antiga orientação, foi possível vencer a
Neste, mais do que em qualquer outro campo primeira batalha do indigenismo brasideiro: asse-
das relações humanas, atuam idéias preconcebidas, gurar ao índio, na lei, a redenção que os negros
esteriotipias, etnocentrismos e barreiras discrimi- já haviam conquistado, e o direito a um lugar pró-
natórias, impedindo que mesmo as camadas mais prio na sociedade brasileira, sob o amparo do go-
eultas tomem consciência de um problema especifi- vêrno. Cumpre, agora, ao S.P.I., vencer a segunda
camente indígena, que só pode ter solução através etapa. Com base nas experiênciás aé~muladas nesses
- 166 - - 167 -
anos de luta e aproveitando a contribuição que Esta situação, criada em parte, pelo envelheci-
hoje pode dar a moderna Antropologia, tratar de mento da equipe que servira com Rondon e sua
libertar os índios, efetivamente, do pauperismo, da substituição por funcionários recrutados sem qual-
doença e da marginalidade; organizar sua. vida de quer critério seletivo, agravou-se com a transferên-
modo a ajustar suas atividades de subsistência à cia, ao S.P .1., de burocratas de vários ministérios,
economia mercantil moderna, à· medida que ama- afeitos a trabalhos de gabinete sem se lhes transmi-
dureçam para isso, assegurando-lhes ·a satisfação das tir, sistemàticamente, qualquer ensinamento.
necessidades básicas, inclusive as que adquiriram . Os problemas de aculturação das populações
dos brancos. indígenas só podem ser devidamente equacionados
A principal dificuldade com que se defronta através de tecnicas científicas, o que s~ vai tor-
o S.P.I., para ·fazer face a esta tarefa, é a falta de nando cada vez mais difícil par~ o S.P.I., por não
pessoal habilitado. Se alguma coisa caracteriZOl;l, contar em seus quadros, antropólogos, médicos,
no passado, os funcionários do S.P.I. como coleti- agrónomos, veterinários, que orientem a diretoria
vidade, foram as condições extremamente penosas na formulação e execução de programas assisten-
em que trabalhavam no interior e a capacidade que • •
c1a1s. .
revelavam de devotar-se aos índios dentro dos prin- ~ por isso inadiável, no terreno administrativo,
CÍE.ios estatuído§ pgr Rq_i;idon. Contudo, nos últimos afastar do S.P.I. os burocratas incapazes de se iden-
anos, - Õs quadros do S.P.I. se burocratizaram a tal
1
tificarem com a causa indígena, e proceder ao re-
1
ponto que já existe o perigo de nêle prevalecerem
crutamento de uma equipe ~ especialistas nos
o alheiamento e a alienação em relação ao problema
campos citados; envidar esforços por capacitá-los
indígena, que só não levaram o Serviço à completa
especificamente para suas funções, através de cur-
desmoralização, pela malversação de recursos orça-
sos orientados por antropólogos especializados no
mentários e do patrimônio indígena, em virtude dos
problema indigenista. .
denodados esforços dos velhos funcionários, fiéis
à causa indígena, que permanecem no S.P .1. con- A Seção de Estudos, mantida pelo S.P.I., não
1
fiantes em que encontrará, um dia, o caminho da conta, hoje, com um s6 etn6logo de formação
recuperação. 35 universitária básica, estando, pois, incapacitada de
-------
• José Maria da Gama Malcher, único dos mais recente..
desempenhar suas funções e de prosseguir no pro-
diretores do S.P.I. realmente especializado no problema indfsena, 1 grama que vinha realizando, de pesquisas etnoló-
ao as.sumir êsse pôsto, em 1951, procurou moralizar o SeJ:Viço, ex-
purpndo dos seus quadros burocratas e ezploradores, que ·exorbita- gicas voltadas para os temas tradicionais e para o
vam de suas fun9ões no trato com os fndJos. Efetuou l i iDqu6ritoa problema de sobrevivência das populações indíge-
administrativos, dos quais nenhum teve •ndamento, apeear de no-
t6rlot e comprovados casos de roubo, viol&ncia e mcória, · C'llioa nas. Esta é, aliás, tarefa da maior relevância, não
responsáveis continuam em postos de comando, a desservir à causa
iodfreoa . s6 pelo corpo de conhecimentos científicos que


li
... 169 -
- 168 -
10. Um museu contra o preconceito
propicia, mas, ta1nbém, pela contribuição que pode
dar ao aprimoramento dos métodos assistenciais O Museu do lndio foi montado, em todos os
do S.P.I. seus detalhes, com a ambição de suscitar sentimen-
Para superar esta situação, seria recomendável tos de simpatia pelos índios, de solidariedade para
que a Seção de Estudos e o Museu do lndio a ela com suas dramáticas dificuldades de acomodação ao
vinculado, passassem a atuar, mais estreitamente, mundo estranho que levamos cada vez mais perto
em cooperação com o -Conselho Nacional de Pro- de suas aldeias, e de compreensão dos seus como-
teção aos lndios, o qual, dêste modo, p<>deria aten- ventes esforços para resolver, a seu modo, os proble-
der, com maior eficiência, às suas finalidades de mas essenciais de tôdas as sociedades humanas.
órgão normativo, a que incumbe, de conformidade Graças a esta perspectiva, o Museu do lndio
com o decreto de sua criação: ''. . . o estudo de pode dar aos visitantes uma idéia mais realista da
tôdas as questões que se relacionem com a assis- vida indígena. Em lugar ~ da ênfase com que os
tência e proteção aos selvícolas, seus costumes e ' museus tradicionais de etnologia focalizam aquilo
línguas" ( Art. 5.0 do Dec. 1 794, de 22-11-1939) que os índios têm de diferente dos civilizados, al.~
e, ainda, ". . . sugerir ao Govêmo, por intermédio se colocam em destaque as semelhanças, apresen-
tando-os em sua verdadeira face de sêres humanos
do Serviço de Proteção aos lndios, a adoção ele movidos pelos mesmos impulsos fundamentais, sus-
tôdas as medidas necessárias à consecução das fi- cetíveis dos mesmos defeitos e qualidades ineren~es
nalidades dêsse Serviço· e do próprio Conselho à natureza humana e capazes dos mesmos anseios
(parágrafo único do citado artigo) . de liberdade, de progresso e de felicidade. .
Recomenda-se, também, a reunião periódica Neste sentido, o Museu do Indio exprime a
dos inspetores e chefes de Inspetoria com a dire- atual orientação da Etnologia que, superando velhos
toria, e dos encarregados dos Postos com seus su- preconceitos, passou a interessar-se mais vivamente .
periores hierárquicos, para, em pequenas assem- pelos problemas humanos das populações que es-
bléias, trocarem idéias sôbre a experiência de cada tuda. O etnólogo clássico encarava os chamados
um, mantendo-se a direção mais b~m informada povos primitivos como uma espécie de fósseis vivos
sôbre a orientação que imprimem às suas ati- da espécie humana, que só ofereciam interêsse en-
quanto amostras de co,nd~ções ~rcaicas peI:is quais
vidades.
teria passadq nossa propr1a sociedade. Assim, tam-
Recomenda-se, finalmente, a elaboração de um bém os Museus tradicionais de etnologia eram expo-
Manual do Servidor do S.P.l., que compendie as sições do que aquêles povos apresentavam de exóti-
normas de trabalho· administrativo, assistencial e co, de · diferente de nós; o visitante os procurava
indigenista . '
- 170 -

para apreciar "caçadores de cabeça", "antropófagos"


ou automutiladores, os quais lhe proporcionavam
uma emoção de assombro ou perplexidade e até
mesmo de nojo e repulsa, jamais de solidariedade Bibliografia Citada
pelo destino dramático daqueles povos ou de com-
preensão para as suas criações artísticas . ANNAES DO PRIMEIRO CONGBESSO BRAZILEU\O DE GEOGRAFIA
Cumpre preservar êste caráter do museu criado 1911 - Trabalhos <la 8.ª Comissão (Anthropologia e
pelo Serviço de Proteção aos lndios, como um ins- Ethnographia) Vol. IX, realizado na cidade do
1 trumento contra os preconceitos, as idéias feitas das Rio de Janeiro de 7 a 16 de setembro de 1909.
populações urbanas sôbre os índios, que os conce- Rio de Janeiro, 213 págs. -
bem como sêres congênitamente inferiores, rudes APOSTOLADO PozrnvrsTA DO BRAZIL, Publicações do
e embrutecidos, dos quais não se pode esperar 1907 - n. 0 253 - Ainda os indígenas do Brasil e a po-
1
i qualquer qualidade hun'lana ou qualquer obra de lítica moderna. A propózito duns telegramas dos
refinamento estético e, ainda, como gente irreme- Engenheiros Gastão Sengés e Cândido Rondon,
diàvelmente preguiçosa, além de uma série de ou- por R. Teixeira Mendes. Rio de Janeiro.
tras qualidades negativas. Ao lado destas deforma- 1909 - n.0 276 - O Sientismo e a defeza dos indígenas
~ões, devem ser desmascaradas as idealizaÇões, brazileiros. A propózito do artigo do Dr. Her-
igualmente falsas, que descrevem a vida indígena mann von Ihering, "Estermínio dos Indígenas ~u
como idílica e aventureira, e atribuem aos índios dos sertanejos?", publicado no "Jornal do ~
as mais excelsas qualidades de nobreza, altruísmo mércio" de 15 de Dezembro corrente. Rio de
e sobriedade. Janeiro, ~ págs., por R. Teixeira Mendes.
O Museu do lndio, mantendo a orientação que 1910 - n.0 294 - A civilização dos indígenas brazileiros
lhe foi originalmente traçada, de desmascarar os
preconceitos mais correntes sôbre os índios, pela
- e a política moderna. A prop6zito dos projetos
neste assunto, atribuídos ao Dr. Rodolfo Miranda,
Ministro da Agricultura. Rio de Janeiro.
contraposição de fatos que patenteiem sua falsi-
dade, prestará um serviço educativo de valor ines-
timável. Tanto mais porque ê_~te resultado é obtido
l 1910 - n.0 300 - Em Defeza dos Selvagens Brazileiros -
A prop6zito da pretendida reorganização do
sem qualqueraeformação, até ao contrário, dando ·,~ "Território do Acre", atualmente em discussão
na. Câmara dos Deputados, e a · propózito dâs
maio~ rea!;e. àquil~ q~e é realmente carac~erístico novas perseguições de que são e· e9tão ameaça-
na VIda d1ar1a dos 1nclios, na luta pela subsistência, dos de ser vítimas os mízeros selvagens brazilei-
no convívio de família, nas atitudes para com as ros. Por R. Teixeira Mendes. Apêndice: Corres-
crianças, na sua ale~ia de viver e na vontade de pondência entre · o Tenente-Coronel Rondon e
o Ministro da Agricultura. Rio dP. Janeiro.
beleza que exprimem em tôdas ·as suas obras. 28 págs.
- 172 - - 173 -
1910 - n.0 305 - José Bonifácio - A prop6zito do noyo ANDRADA E SILVA, José Bonifácio
Serviço de Proteção ao9 Indios, por M. Lemos. 1910 - Apontamentos para a Civilização dos tndios Bra-
Rio de Janeiro. • vos do Império do Brasil in Homenagem a José
1911 - n. 0 333 - Ainda pelos martirizados descendentes Bonifácio no 88.0 Anniversario da Independen-
cia do Brasil Inauguração do Serviço de Prõ-
dos indígenas e dos africanos. A propózito do pro- tecção ao9 Indios e Localisação de Trabalhadores
jeto que fixa a despeza do Ministério da Agri- Nacionaes. Rio de Janeiro, págs. 13-38. -
cultura Indústria e Comércio, para o ezercicio
de 1912. Rio de Janeiro. CoNFERENCIA INTERNACIONAL DEL TRABAJO - 39a. ReuniÓJ!.
1911 - n. 0 334 - A influência pozitivista no atual Ser- 1955- - Condiciones de Vida y_ de trabajo de las proble-
viço <k Proteção aos 1ndios e Localização de 1956 clones indígenas en los países independientes.
trabalhadores Nacionais. Um artigo do Cid. Luzo (8.0 punto del orden del día}. Ginebra, Oficiria
• Internacional dei Trabajo, Informe VII ( 1), 1955,
Torres. Rio de Janeiro. 224 págs; INFORME VIII (2), 1956, 180 págs.
1912 - n. 0 341 - Atitu<k dos pozitivistas para com os
católicos e demais contemporâneos. A prop6zito GoNDIM, Joaquim
das apreciações de alguns católicos sobre a con: 1925 - A Pacificação dos Parintintins - Kor6 de Iurapá
duta dos pozitivistas no que concerne à proteção - Publ. n. 0 87 da Comissão Rondon, 67 págs .
republicana dos indígenas, por R. Teixeira Men-
des. Apêndice: Um oficio do Coronel Rond~n HORTA BARBOSA, L. B.
sobre a missão saleziana de catequeze de índios 1913 - A Pacificaçãó dos Cai~angs Pauli8tas. Habitos,
em Mato Grosso. Rio de Janeiro, 52 págs. Costumes e Instituições desses Indios. Rio de
Janeiro, 49 págs. ~
1912 - n. 0 349 - A proteção republicana aos indígefll!3
brazileiros e a catequese católica dos mesmos 1923 - Pelo Indio e Pela sua Protecçllo Official - Rio
indígenas. A propózito dos aussílio9 materiais de Janeiro, 71 págs. (2.ª ed. em 1947). Com
que as atuais classes dominantes do povo bra- aditamento: "Em Defesa do 1ndio'' pelo Major
zileiro persistem em dar, oficiaJmente, a re- Alipio Bandeira ( págs. 65-71) . -
prezentantes do Sacerdócio Católico, para a IuERINc, Hermann von
catequeze dos indígenas. Por R. Teixeira Mendes,
1907 - "A Anthropologia do Estado de São Paulo" in
Rio de Janeiro, 19 pág9.
Revista do Museu Paulista, VII, págs. 202-257,
BANDEIRA, Alípio 2 mapas, bibl. S. Paulo.
1923 - A M ystificação Sa'lesiana, Rio de Janeiro, 93 1911 - ..A Questão dos Indios no Brazil" in Revista do
págs. Museu Paulista, VIII, pág9. 112-140, 1 mapa,
' S. Paulo.
ABREU, Silvio Fróes
MACEDO, Fernando Pinto de, S. J.
1981 - Na Te"a das Palmeiras. - Estudos Brasileiros. 1919 - "O Brasil Religioso" in Revista do Imtituto Hia-
Prefácio de Roquette Pinto, Vii, 287 págs. Rio t6rlco e Geographico da Bahia, n.0 45, ano 26,
de Janeiro. Bahia, págs. 1 a 117. ··
174 - 175 -

~.fAGALHÃEs, Basílio de OLIVEIRA, Hu1nberto de


1925 - Em Defesa do Indio e d& Fazendas Nacionaes 1947 - Coletânea de Leis, Atos e Memoriail referentes
- Discursos Pronunciados na Camara a 28 de • ao Indígena Brasiléiro, compilados por • . . Publ.
Novembro, 19, 28 e 30 de Dezembro de 1924, n. 0 94 do Conselho· Nacional de Proteção aos
precedidos de uma carta-prefacio de L. B. Horta tndios, Rio de Janeiro, 229 págs.
Barbosa e seguidos de outros escriptos. Rio de
Janeiro, 87 págs. OLIVEIRA, Roberto Cardoso de
1954 - "Relatório de uma investigação sôbre terras em
MAGALHÃES, General Couto de Mato Grosso" in SPI-1954, Rio de Janeiro, pá~.
1940 ~ O Selvagem - 4.ª ed. con1pl. Brasiliana vol. 52, 173-184. .
330 págs. c/ · aditamento de: Curso de Língua 1960 - O Processo de Assimilação dóa Terlna, . Museu
Tupi Viva ou Nheengatu, 281 págs. S. Paulo. Nacional, Rio de Janeiro, 162 págs.
MoREmA NETO, Carlos de Araujo p ALAZZOLO, Jacinto de
1959 - "Situação Atual dos lndios Kayapó" in Revista 1945 - Nas Selvas dos Vales do M-ucuri e do Rio Doce.
de Antropologia, vol. II ns. 1 e 2, S. Paulo, Petr6polis. 339 págs.
págs. 49-64 ,, .
PAULA, José Maria de
MIRANDA, Manoel Tavares da Costa e BANDEIRA, Alípio
1944 - Terra dos 1ndios - Boletim n.0 1 do Serviço de
1929 - "Memorial com um projecto de lei em que se
Proteção aos lndios, Rio de Janeiro, 109 págs.
define a situação jurídica do índio brazileiro..
in Collectanea Indígena, 116 págs. Rio de Jâ- PRIMER10, Frei Fidelis M. de, O.F.M. Çappuc.
neiro. Reproduzido, em parte, na "Coletâneà"'
compilada por Humberto de Oliveira, 1947, 1942 - Capuchinhos em Terras de Santa Cruz n0.t a~­
págs. 55-86. etilos
, X\' II, XVIII e XIX. Rio de Janeiro, 392
pags.
NEVES, Correia das
REVISTA' DA SocIEDADE DE ETHNOGRAPHIA E C1vn.ISAÇÃ0
1958 - História da Estrada de Ferro Noroeste do Bra.sil,
DOS INDIOS
Bauru, 150 págs. ·
1901 - "Legislação sobx:e os Indios do Brasil" - Legis-
NIMUENDAJU, Curt lação Colon'ial e Legisl,ação . Nacional - in ...
1924 - "Os Parintíntin d? ~io Madeira" - Separata do Tomo 1, n. 0 • l, julho de 1901, S. Paulo. pá~.
Joumal de la Societe des Américanístes de Paris, 13-22.
n.s., t. XVI, págs. 201-278.
RIDEIBO, Adalberto Mario
1952 - "Os Górotire - Relatório apresentado ao Ser-
viço de Proteção aos 1ndios, em 18 de abril de 1943 - "O Serviço de Proteção aos tndios" in Rsvlna
1940" in Revista do Museu Paul'8ta, vol. VI, ' dó Serviço Público, Rio de Janeiro, ano VI, vÕL
n.s., págs. 427-463. S. Paulo . - III n. 0 3, Setembro de 1943, págs. 58-81.
)

!
r
- 176 - - 177 -
RIBEIRO, Darcy STAUFFER, David Hall
1953 - "Organização Administrativa do Serviço de Pro- 1959/
teção aos índios.. in SPI-1953, págs. 1 a 15. Rio
de Janeiro.
...• - Origem e Fundação do Serviço de Proteç4o aos
1ndios ( 1889/1910) Tradução do original dati-
1954 - "Os lndios e a Valorização Econômica da Ama- lografado: '~The Origin and Establishment of
zônia" in SPI-1954, Rio de Janeiro, págs. 89-103. Brazil's Indian Service", Austin, Texas, por J.
Ver, também, Primeiro Plano Qüinqüenal da Philipson. Publicado em capítulos na Revista de
..
Superintendência do Plano de Valorização Eco- História: n.0 37, 1959 : 73-95; n. 0 42, 1960 :
nômica da Amazônia ( SPEVEA), 1955, Rio de 435-453; n. 0 43, 1960 : 165-183; n.0 44, 1960 :
Janeiro, págs. 223, 226-243. 427-450. (continua) S. Paulo.
1956 - "Convívio e Contaminação" - Efeitos Dissocia- VÁRios AUTORES
tivos da Depopulação provocada por epidemiãs
em grupos indígenas., - in Sociologia, vol. XVIII 1953 - SPI-1953 - Anuário editado pelo Serviço de
n. 0 1, S. Paulo, págs. 3-50. Proteção aos lndios na gestão de José Maria da
Gama Malcher. Publicação em multilith, 127
1957 - "Culturas e Línguas Indígenas do Brasil" - Se-
págs., mapas e ilustrações. Rio de Janeiro.
parata de Educaçao e CUncias Social8, Ano li,
vol. 2 n. 0 6, págs. 4-102. Rio de Janeiro. 19~ - SPI-1954 - Anuário das atividades do Serviço
de Proteção aos lndios, impresso em multilith na
1958 - O Indígenista Rondon - Publ. do Serviço de gestão de José Maria da Gama Malcher. Rio de
Documentação do Ministério da Educação e Cul-
Janeiro, 207 págs., mapas e ilustrações.
tura. 75 págs. Rio de Janeiro.
VASCONCELos, Vicente de Paula Teixeira da Fonseca
RosENBLAT, Angel
1939 - "Serviço de Proteção aos fndios" - Visita a um
1954 - La Poblacion Indigena y el Mestizafe en America, pôsto de fronteira" in Revista do Seroiço Público,
vol. I, 324 págs., Buenos Aires. ano II, vol. III n. 0 3, págs. 20-24. Rio de Janeiro.
SAMPAIO, THEODOBO
1939 - "A Repartição dos Negócios Indígenas nos Es-
tados Unidos e o Serviço de Proteção aos lndios
1901 - "A Revista" - Apresentação da Revista da So- do Brasil" in Revista do Serviço Público, ano iI,
ciedade de Ethnographía e Clvilisaç4o doa Indloa, vol. II n.0 3, págs. 51-55. Rio de Janeiro. -
Tomo 1, n. 0 1, julho de 1901, S. Paulo, páKS· 1939 - "Assistência aos lndiosº in Reoista do ServlQo
V a X. Público, ano li, vol. III n.0 1 e 2 págs. 34-S~.
SouZA, Lincoln de Rio de Janeiro.
1940 - "O Conselho Nacional de Proteção aOi lndiOi..
1958 - Os Xaoontes e a Clvilít.QÇljo (Ensaio Histórico) •n Revista do Servlço Público, ano Ili vol. 1
Rio de Jaeniro, 51 págs. n.0 1, págs. 19-25. Rio de Janeiro .

... •
- 178 -
7
1940 - "O Problema da CiviJização dos 1ndios" in Re-
vista do Serviço Público, ano III, vol. II n.0 1,
págs. 59-67. Rio de Janeiro.
1941 - "A obra de proteção~ ao indígena no Brasil" !n
América Indígena vol. l, n.0 1, pág9. 21-28.

COMPOSTO E IMPRESSO, NAS


---- OFICINAS DO SERVIÇO GRAFICO
DO I.B.G.E. - LUCAS, ESTADO
DA GUANABARA - B R AS I L

Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai


www.etnolinguistica.org

de policiamento e nas ·
grandes obras civis. A
Comissão Rondon f ôra
uma aplicação prática,
consciente, das idéias
de Comte no terreno
militar: a utilização
pacífica do exército
no desbravamento dos
sertões interiores, na
construção de obras
civis, como a Unha te-
legráfica, na realiza-
ção de objetivos hu-
manísticos. como a pro-
teção ao índio. É, pois, '
de Comte que vem a
inspiração para esta
epopéia dos sertões bra-
sileiros: um corpo de
tropa que, avançando
t
em território habitado
por índios hostis, se
nega a fazer uso das
• armas, mesmo quando
atacado, em nome de
um princí1>io de jus-
tiça.

I
' ~

Você também pode gostar