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Resumo: O trabalho que agora se apresenta tem como objetivo buscar um conceito de direito à
acessibilidade da pessoa com deficiência. Para tanto, parte da concepção de que a deficiência não é
uma característica própria de um grupo de pessoas, as pessoas com deficiência, e, na verdade, uma
peculiaridade do ambiente ou do objeto, que pode vir a tornar limitada a pessoa que dele se utiliza
ou agravar a limitação previamente existente. O direito à acessibilidade é o veículo por meio do qual
se dá a participação de todas as pessoas na sociedade, constituindo um instrumento fundamental
para a inclusão social e para a afirmação da cidadania de cada um, independentemente de suas
características físicas ou mentais.
Palavras-chave: Acessibilidade. Pessoa com deficiência. Inclusão social. Proteção constitucional.
Cidadania.
*
Doutor em Direito pela Universidade Católica de São Paulo – Mestre e Especialista em Direito
pela Instituição Toledo de Ensino em Bauru, São Paulo – Professor de Direito Constitucional da
Instituição Toledo de Ensino em Bauru – Advogado. http://www.ite.edu.br. E-mail:
jranselmo@uol.com.br.
**
Mestrando em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino em Bauru, São Paulo –
Especialista em Direito Civil, Processual Civil e Tributário pela Instituição Toledo de Ensino
em Bauru – Advogado. E-mail: voltolin@yahoo.com.br.
Revista do Curso de Direito da FSG Caxias do Sul ano 4 n. 8 jul./dez. 2010 p. 111-126
com cautela. Como assegura Marcia Cristina de Souza Alvim, o primeiro 1
1
As pessoas portadoras de deficiência e o município. In: PRADO, Adriana Romeiro de Almeida
(Coord.). Município acessível. São Paulo: Fundação Prefeito Faria Lima – CEPAM, Unidade de
Políticas Públicas – UPP, 2001. p. 43-50. p. 44.
2
SAPEY, Bob; STEWART, John; DONALDSON, Glenis. Increases in wheelchair use and
perceptions of disablement. Disability & Society, Taylor & Francis Group, v. 20, n. 5, p. 489-
505, ago. 2005. ISSN 0968-7599 (print)/ISSN 1360-0508 (on-line)/05/050489-17. In: Legal
Collection, EBSCOhost. Acesso em: 24.jul. 2009. p. 495.
3
Deficiência: uma forma de viver o mundo. In: PRADO, Adriana Romeiro de Almeida (Coord.).
Município acessível. São Paulo: Fundação Prefeito Faria Lima – CEPAM, Unidade de Políticas
Públicas – UPP, 2001. p. 11-28. p. 12-15.
4
Ibidem, p. 15.
5
Ibidem, p. 23.
6
Ambientes acessíveis. In: PRADO, Adriana Romeiro de Almeida (Coord.). Município acessível.
São Paulo: Fundação Prefeito Faria Lima – CEPAM, Unidade de Políticas Públicas – UPP,
2001. p. 28-35.
José Roberto Anselmo e Elvis Donizeti Voltolin • Direito à acessibilidade da pessoa com deficiência... 113
Assim, para pessoas surdas, a instalação de carpetes diminui a concen-
tração de ruídos no local, aguçando a audição e propiciando uma estada
mais agradável. Se o mesmo lugar contar com uma luminosidade mais
incisiva, mostrar-se-á mais acolhedor para as pessoas que apresentem defi-
ciência visual. 7
7
Ibidem, p. 31.
8
Ibidem, p. 29.
9
Acessibilidade na gestão da cidade. In: ARAUJO, Luiz Alberto (Coord.). Defesa dos direitos das
pessoas portadoras de deficiência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 09-29. p. 11.
10
Ibidem, mesma página.
11
Ibidem, p. 15.
12
O transporte coletivo e a pessoa portadora de deficiência. In: ARAUJO, Luiz Alberto (Coord.).
Defesa dos direitos das pessoas portadoras de deficiência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.
175-181. p. 176.
José Roberto Anselmo e Elvis Donizeti Voltolin • Direito à acessibilidade da pessoa com deficiência... 115
Um mesmo estabelecimento comercial pode ser frequentado por
crianças, jovens, idosos e pessoas que não enxergam. Haverá aqueles que se
locomovem por si e há aqueles que se valem de muletas ou de cadeiras de
rodas para poderem deslocar-se de um ponto para outro.
O local deve ser receptivo a todas essas pessoas. Assim, o desenho do
objeto ou do espaço deve garantir acolhida àqueles que dele fazem uso ou o
visitam. É dessa finalidade que surge a noção de desenho universal.
A acessibilidade, nesse contexto, pode ser entendida como a qualidade
do objeto ou do ambiente que o torna receptivo e útil à imensa gama de
pessoas que dele se utilizam, ou, pelo menos, à maioria delas.
13
Construindo um novo léxico dos direitos humanos: convenção sobre os direitos das pessoas com
deficiências. SUR – Revista Internacional de Direitos Humanos, São Paulo, Rede Universitária de
Direitos Humanos, n. 8, p. 42-59, jun. 2008. p. 45-46. p. 46
14
Artigo 9º – Acessibilidade. In: RESENDE, Ana Paula Crosara; VITAL, Flavia Maria de Paiva
(Coord.). A convenção sobre direitos das pessoas com deficiência comentada. Brasília: Secretaria
Especial dos Direitos Humanos. Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora
de Deficiência, 2008. p. 45-48.
15
A Convenção foi internalizada pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo número 186, de 9 de
julho de 2008.
16
Artigo 9º – Acessibilidade. In RESENDE, Ana Paula Crosara; VITAL, Flavia Maria de Paiva
(Coord.). A convenção sobre direitos das pessoas com deficiência comentada. Brasília: Secretaria
José Roberto Anselmo e Elvis Donizeti Voltolin • Direito à acessibilidade da pessoa com deficiência... 117
Essa preocupação com o direito à acessibilidade da pessoa com
deficiência ao meio cultural já foi objeto de abordagem em trabalho
elaborado por Ciane Gualberto Feitosa Soares,17 assinalando que prédios
públicos, como museus, deveriam valer-se, concomitantemente, de siste-
mas de informação escrita, simbólica, sonora, em braile ou qualquer outra
forma de multimídia, assegurando ao usuário, inclusive à pessoa com
deficiência, o pleno acesso ao conteúdo do prédio, possibilitando-lhe
escolher, de antemão, visitar um determinado acervo, poupando-lhe um
deslocamento desnecessário.
Aliás, o acesso da pessoa com deficiência a prédios públicos não deve
se dar por meio de uma via alternativa, como uma porta nos fundos do
prédio. Os ideais de inclusão social denotados pela Convenção obrigam
que a entrada seja a mesma deferida às demais pessoas, pela porta principal.
É esse novo arcabouço axiológico, enaltecido por Amita Dhanda, que
deve inspirar a interpretação do direito à acessibilidade da pessoa com
deficiência, considerando-o não apenas como um direito de ir, vir e ficar,
mas como um instrumento eficaz na promoção da dignidade da pessoa
humana, permitindo-lhe ir, vir e ficar ao lado dos demais membros da
sociedade, contando com as mesmas prerrogativas.
Especial dos Direitos Humanos. Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora
de Deficiência, 2008. p. 45-48. p. 47-48.
17
Acessibilidade e preservação de bens culturais imóveis. In PRADO, Adriana Romeiro de
Almeida (Coord.). Município acessível. São Paulo: Fundação Prefeito Faria Lima – CEPAM,
Unidade de Políticas Públicas – UPP, 2001. p. 35-41.
18
“Art. 175. A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes Públicos.
[...] § 4º Lei especial disporá sobre a assistência à maternidade, à infância e à adolescência e sobre
a educação de excepcionais”.
19
“Artigo único – É assegurada aos deficientes a melhoria de sua condição social e econômica
especialmente mediante: I – educação especial e gratuita; II – assistência, reabilitação e reinserção
na vida econômica e social do país; III – proibição de discriminação, inclusive quanto à admissão
ao trabalho ou ao serviço público e a salários; IV – possibilidade de acesso a edifícios e
logradouros públicos”.
20
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil:
(promulgada em 5 de outubro de 1988), v. 8, arts. 193 a 232. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 989.
21
Art. 30. Compete aos Municípios: I – legislar sobre assuntos de interesse local; [...].
22
Competências na Constituição de 1988. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 101.
José Roberto Anselmo e Elvis Donizeti Voltolin • Direito à acessibilidade da pessoa com deficiência... 119
Art. 244. A lei disporá sobre a adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso
público e dos veículos de transporte coletivo atualmente existentes a fim de
garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência, conforme o
disposto no artigo 227, § 2º.
As leis de que trata o artigo 244 são federais. A primeira delas é a Lei
10.048, de 11 de agosto de 2000; a segunda, tida como o Estatuto da
acessibilidade, é a Lei 10.098, de 19 de dezembro do mesmo ano (2000).
Ambas foram regulamentadas pelo Decreto 5.296, de 2 de dezembro de
2004.
Advirta-se que as leis federais citadas não excluem a competência dos
Estados e Municípios de disciplinarem a questão da acessibilidade, pois,
23
como estipula o inciso II, do artigo 23, da Constituição Federal, a
competência legislativa lhes é comum. 24
23
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
[...] II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de
deficiência.
24
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil:
(promulgada em 5 de outubro de 1988), v. 9, arts. 233 a 246. ADCT. São Paulo: Saraiva, 1998.
p. 155.
25
BRASIL. Reexame necessário nº 382730-1. Processo 0382730-1. Relator: Desembargador
Leonel Cunha. Curitiba, 4 de setembro de 2007.
26
Art. 11. A construção, ampliação ou reforma de edifícios públicos ou privados destinados ao uso
coletivo deverão ser executadas de modo que sejam ou se tornem acessíveis às pessoas portadoras
de deficiência ou com mobilidade reduzida.
José Roberto Anselmo e Elvis Donizeti Voltolin • Direito à acessibilidade da pessoa com deficiência... 121
uso coletivo e, dessa forma, deve guarnecer-se de características que lhe
confiram plena acessibilidade.
Sem dúvida, as pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida
têm o direito de acesso aos serviços odontológicos prestados pelo impetran-
te, daí o motivo pelo qual o alvará de funcionamento lhe deve ser negado.
Referida decisão demonstra o aprimoramento pelo qual vem passando
o direito à acessibilidade na legislação brasileira. Iniciou-se, de forma
tímida, com o parágrafo 4º do artigo 175, da Emenda Constitucional nº 1,
de 17 de outubro de 1969. Naquela oportunidade, contemplava, apenas, a
educação a ser ministrada às pessoas com deficiência. Passados quarenta
anos, o direito à acessibilidade se difundiu pelo ordenamento, abrangendo
os sistemas de transporte, as edificações e os meios de comunicação,
impondo-se não apenas aos entes públicos, mas também aos particulares.
27
Disponível em: <http://decisions.fct-cf.gc.ca/en/2006/2006fc971/2006fc971.html>. Acesso em:
26 jul. 2009.
28
Para o aprofundamento na questão da solidariedade como preceito constitucional, consulte-se:
DANIEL, Roberto Francisco. Solidariedade como princípio constitucional. In: SEGALLA, José
Roberto Martins; ARAUJO, Luiz Alberto David (Coord.). 15 anos da Constituição Federal.
Bauru: EDITE, 2003. p. 483-499.
José Roberto Anselmo e Elvis Donizeti Voltolin • Direito à acessibilidade da pessoa com deficiência... 123
é fazer com que a mensagem chegue a esse grupo, que se utilize da forma
de comunicação que lhes é peculiar.
O mesmo raciocínio se aplica à situação em que uma pessoa surda e
analfabeta quer assistir a um filme. Nessa situação, a legenda não cumprirá
seu papel quando a pessoa somente se comunicar por meio da linguagem
de sinais.
A busca da inclusão social por meio da acessibilidade exige que a
sociedade se insira no ambiente da pessoa com deficiência, compreen-
dendo-o e dando-lhe operacionalização. As informações conferidas pelos
29
29
DANIEL, Roberto Francisco. Ser pessoa: a base ontológica do direito. In: ARAUJO, Luiz
Alberto David (Coord.). 15 anos da Constituição Federal. Bauru: EDITE, 2003. p. 551-564.
30
“Art. 19. Os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens adotarão plano de medidas
técnicas com o objetivo de permitir o uso da linguagem de sinais ou outra subtitulação, para
garantir o direito de acesso à informação às pessoas portadoras de deficiência auditiva, na forma e
no prazo previstos em regulamento”.
31
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos: [...] II – a cidadania; [...]”.
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SOARES, Ciane Gualberto Feitosa. Acessibilidade e preservação de bens culturais imóveis. In
PRADO, Adriana Romeiro de Almeida (Coord.). Município acessível. São Paulo: Fundação Prefeito
Faria Lima – CEPAM, Unidade de Políticas Públicas – UPP, 2001. p. 35-41.
VITAL, Flavia Maria de Paiva; QUEIROZ, Marco Antônio de. Artigo 9 – Acessibilidade. In
RESENDE, Ana Paula Crosara; VITAL, Flavia Maria de Paiva (Coord.). A convenção sobre direitos
das pessoas com deficiência comentada. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos.
Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, 2008. p. 45-48.