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RESUMO
ABSTRACT
From one society to another or even within a society according to the season, there are
several ways in which men perceive disability and make use of expressions to refer to it.
Terms like crazy, retarded, crippled, exceptional, and others have been used to describe
the bodies of individuals considered abnormal and/ or deviant by society built by the
standard. Currently the terminology special educational needs is being used to refer to
these people in the school context. Given the above, this article aims to demonstrate that
over time people with disabilities have been and are still enclosed in terminology that
1
Doutoranda e Mestre em Educação pela Universidade Federal da Bahia (FACED/ UFBA). Licenciada
em Pedagogia, Especialista em Psicopedagogia. Membro do Centro de Estudos sobre Recreação,
Escolarização e Lazer em Enfermarias Pediátricas (CERELEPe-UFBA) e professora da Classe Hospitalar
do Hospital Universitário Professor Edgard Santos (HUPES-UFBA). E-mail: cristinab.lucon@uol.com.br
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continue to make a disability insidious source of devaluation and rejection, which can
be considered that the classification of subjects in one term or another brand and still
has the stigma of a deviant body in addition to resumirem all the identity of the person
on disability. In this way, agrees with the terminology disabled person described by the
Convention on the rights of persons with disabilities, because the difference between
this terminology and the other is simple: she points out that the deficiency is only one of
the characteristics of the person, which also has other predicates and other features like:
is high or low, is happy or sad, is blonde or brunette, among others. Disabled person is
because disability is just one of its characteristics.
INTRODUÇÃO
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atividade funcional e caracterizam-se por excessos ou insuficiências no comportamento
ou desempenho de uma atividade, podendo surgir como consequência direta da
deficiência ou como resposta do indivíduo às deficiências que possui. As desvantagens
refletem os prejuízos que o indivíduo experimenta em função de sua deficiência e
incapacidade; dizem respeito à adaptação e interação do indivíduo ao meio (AMARAL,
2001).
Nesse sentido, pode-se perceber que deficiência é um conceito em evolução,
resultado da interação entre a deficiência de uma pessoa e os obstáculos que impedem
sua participação na sociedade. Quanto mais obstáculos, como barreiras físicas e
condutas atitudinais impeditivas de sua integração, mais deficiente é uma pessoa. Não
importa se a deficiência é motora, visual, auditiva, mental e/ou intelectual, múltipla ou
resultante da vulnerabilidade etária. Mede-se a deficiência pelo grau da impossibilidade
de interagir com o meio da forma mais autônoma possível.
Na década de 80, a OMS calculou que a prevalência de pessoas com algum tipo
de deficiência atinge cerca de 10% da população mundial. No Brasil, de acordo com o
senso realizado em 2000, estimava-se que em torno de 14,5% da população era
portadora de alguma deficiência. Dados preliminares e atuais do último senso realizado
em 2010 demonstram que 24% da população brasileira têm alguma deficiência (IBGE,
2011).
No âmbito de educação, a Organização das Nações Unidas para a Educação,
Ciência e Cultura (UNESCO) realizou, em 1990, a Conferência Educação Para Todos
em Jomtien na Tailândia com ênfase na universalização do acesso à educação e a
promoção de equidade. Já no ano de 1994 a questão da inclusão escolar foi oficialmente
assumida por diversos países por meio da Declaração de Salamanca ocorrida na
Espanha (BRASIL, 1994). Dentre esses países pode-se destacar: Espanha, Canadá,
Austrália, Itália, Inglaterra, Chile, Moçambique e Angola. E o mais recente documento
internacional de peso para a questão da inclusão foi a Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência que aconteceu em Nova York no ano de 2007 (ONU, 2007).
O Brasil também assumiu a tendência mundial desses movimentos que trazem à
luz a problemática da exclusão, tanto social como educacional sofrida pelos pobres,
meninos e meninas de rua ou trabalhadores, populações de periferia e zonas rurais,
povos indígenas, minorias étnicas, raciais e linguísticas, refugiados, alunos com
necessidades educacionais especiais e pessoas com qualquer tipo de deficiência.
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Essas discussões têm procurado fazer com que a sociedade venha a se tornar
inclusiva, onde todas as pessoas possam ter acesso às oportunidades de serem e estarem
no mundo. Assim, se de um lado a exclusão pode ser entendida como um
descompromisso da sociedade com o sofrimento alheio, a inclusão significa humanizar
essa sociedade para que a segregação seja abolida em um futuro próximo.
Pensar na humanização dessa sociedade nos remete a fazer uma breve discussão
dos aspectos históricos que permeiam o tratamento destinado às pessoas com
deficiência ao longo dos tempos e, dessa maneira, vê-se que a história dessas pessoas
foi marcada por características não somente de segregação, mas também de
desumanização e de atrocidades.
Desse modo, esse artigo tem como objetivo demonstrar que ao longo dos tempos
as pessoas com deficiência foram e ainda estão enclausuradas em terminologias que
continuam a fazer da deficiência uma fonte insidiosa de desvalorização e de rejeição,
onde, pode-se considerar que a classificação dos sujeitos em um termo ou outro ainda
demonstra a marca e o estigma de um corpo desviante.
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cristianismo ortodoxo, as pessoas deficientes tornam-se culpadas pela própria
deficiência, como sendo um justo castigo divino pelos pecados cometidos e, possuídos
pelo mal, justifica-se o exorcismo, as flagelações e as torturas.
Na época mencionada, a ética cristã não mais permite a condenação à morte ou a
exposição do deficiente, entabulando o dilema caridade-castigo a partir da ambigüidade
proteção-segregação. Na Inquisição, os deficientes eram condenados a serem queimados
vivos na fogueira juntamente com outros grupos considerados hereges como os
homossexuais, os ciganos e os adivinhos.
É somente no fim da Idade Média e início do Renascimento, que a perspectiva
religiosa cede lugar a perspectiva da razão, na qual a deficiência passa a ser analisada
sob a ótica médica e científica. Mesmo com esse processo de mudança, ainda
permanecia a ambiguidade caridade-castigo. Acreditava-se que era possível curar
doenças e desvios de caráter com torturas. Simultaneamente, eram considerados
desafortunados, sendo hospitalizados e tratados com atenção, pois, neste período,
buscava-se o reconhecimento do valor do homem e da humanidade.
Nesse sentido, o desenvolvimento humano era explicado por teorias inatistas ou
teorias experimentais e, dessa forma, as explicações acerca da deficiência eram
realizadas sob a ótica inata ou orgânica. Emergem teorias de hereditariedade e da
degenerescência humana que contribuíram para a institucionalização intensiva das
pessoas com deficiência nos séculos XVIII e XIX na Europa (KASSAR, 1999).
Diante do que foi abordado; teorias da degenerescência humana e teses sobre as
diferentes civilizações ou sobre o desenvolvimento das raças estão fortemente presentes
até o século XIX, quando se pode encontrar a identificação das pessoas com Síndrome
de Down2 com os nativos da região da Mongólia que demonstra o preconceito étnico no
caso da Síndrome de Down descrita pelo Dr. John Langdon Down em 1866, designada
por ele mesmo de mongolismo, de forma a fazer uma alusão aos nativos da Mongólia
considerados como povos mais primitivos.
Dentro do contexto supracitado pode-se perceber que a deficiência além de
processos biológicos pode ser considerada como um artefato cultural e uma construção
social, ou seja, o fundamento da deficiência continua a ser a norma.
2
Um bebê possui Síndrome de Down quando nasce com um cromossomo extra no par 21, seja inteiro ou
parcial, somando 47 cromossomos, ao contrário do número usual de 46. Trata-se de uma condição
genética (O’REGAN, 2007).
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Para Ewald (2000) uma norma é um princípio de comparação, de
comparabilidade, uma medida comum que se institui na pura referência de um grupo a
si próprio a partir do momento em que só se relaciona consigo mesmo, sem
exterioridades, sem verticalidade. Dessa forma, a norma age sobre os indivíduos à
medida que são reconhecidos enquanto grupo. Ela individualiza e torna comparável ao
mesmo tempo. Ao comparar, classifica os sujeitos em relação a um determinado grupo,
aborda desvios tornando a relação cada vez mais fortemente estabelecida de uns com os
outros. Nesse sentido, as definições: deficiências, incapacidades e desvantagens incluem
fatores sociais e culturais, mas os termos ainda se apoiam em concordâncias assumidas
e compartilhadas socialmente sobre a norma, sobre o que é ser normal.
Os termos síndromes, desordens, anomalias são designações de disfunção, que
remetem também à noção de normal. Desordem implica numa ideia de ordem, anomalia
sugere que algo como um desvio aconteceu, incapacidade é a ausência de capacidade. O
normal, mesmo quando compreendido enquanto representando uma curva ou um
contínuo, permanece uma concepção inicial de ausência de diferença.
Nesse sentido, estamos tão impregnados da noção de norma que mesmo as
pessoas que têm um comprometimento ou que legislam em favor destas normas
raciocinam a partir delas o que, por sua vez, podem vir a fazer com que estas pessoas
passem a acreditar que seus corpos são anormais e/ou desviantes. Mas o que vem a ser
este corpo desviante?
Para o médico americano Epstein (1995), o corpo humano deve ser compreendido
como político e inserido em sistemas sociais históricos de crenças e valores. Além de
ser um objeto físico, biológico, é também investido de história e significado. As culturas
produzem histórias explicativas sobre ele de modo a conter as pessoas dentro de normas
sociais reconhecidas. De certa forma, o corpo que é desviante também é um corpo
político.
A medicina, enquanto um conjunto de conhecimentos e práticas sobre o corpo,
também faz parte deste corpo político e, influenciada por ele, constrói e hegemoniza
para transformar o corpo em objeto. As tecnobiociências, sobre as quais o exercício da
medicina se ancora, são exercícios de biopoder, conceito elaborado pelo filósofo francês
Foucault (2002). A partir dos paradigmas médicos, preocupados em distinguir o normal
do anormal, surge o indivíduo desviante, em uma abordagem que transforma a realidade
individual em algo independente da sociedade e da cultura.
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As narrativas explicativas sobre as anomalias têm tentado reafirmar um genérico
grupo normal, designado como população em geral, e classificar certas condições como
anormais para minimizar seu potencial enquanto ameaça social. Estas anomalias são
tratadas como desvios, mas o desvio é também um produto das relações sociais,
sustentado com base em determinados valores, e surge como algo que transgride algum
tabu, que rompe com algum valor da norma vigente.
O estigma, ou seja, o atributo que torna uma pessoa diferente das outras como um
defeito, uma fraqueza ou uma desvantagem, nasce do fato de não se entender que
existem outras normas, que existem normas diferentes. E, portanto, o médico, apesar de
aspirar-se muitas vezes científico e técnico, é um ser social, é alguém que está inserido
em um contexto cultural e social. O conhecimento do médico pode ser entendido
também como uma forma de cultura, na medida em que seus conceitos e teorias são
produtos culturais, construídos e legitimados socialmente.
Para ilustrar o que foi exposto recorre-se ao sociólogo Erving Goffman em sua
clássica obra Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada; onde
destaca que o estigma é um sinal, uma norma, um signo utilizado pela sociedade para
discriminar os sujeitos portadores de determinadas características, e, pelo simples fato
de uma pessoa ter uma deficiência, faz com que ela adquira os signos que irão
enquadrá-lo em uma nova categoria existencial e até mesmo os seus vínculos
interpessoais passarão a existir a partir desse novo signo (GOFFMAN, 1982).
As asserções do filósofo e médico francês Georges Canguilhem (2002) acerca da
indissociabilidade entre regras fisiológicas do organismo e normas sociais apontam que
o que uma sociedade considera normal, anormal e/ou desviante depende de uma
avaliação social, e não apenas de uma média estatística, um fato biológico, assim, o
conceito de normalidade é um valor, não uma constante biológica. O normal, o anormal
e/ou desviante não são atributos do meio, tampouco do organismo, mas da relação de
um com o outro. Há, portanto, uma construção mútua e indissociável das regras
fisiológicas e normas sociais.
Uma consequência fundamental da distinção entre normal, anormal e/ou desviante
como valor e não como desvio da média, é a ideia de que uma variação no organismo
não é necessariamente uma deficiência e, desse modo, desde a década de 1970 a
deficiência passa a ser entendida como uma forma corporal singular de estar no mundo,
e não mais como uma variação do padrão considerado normal na espécie humana.
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Pensar a deficiência não mais como uma anormalidade ou algo desviante não
significa dizer que um corpo que não consegue ver, ouvir ou se locomover não precise
da ajuda de recursos médicos ou de reabilitação, mas significa entender que as
desvantagens que são vivenciadas pelos deficientes não são intrínsecas à lesão
apresentada e sim eles sofrem com as barreiras sociais que dificultam sua vida no que
diz respeito às oportunidades de inserção e/ou inclusão. Esse aspecto bem demonstra
que a definição consensual da normalidade é um valor calcado em idéias de um sujeito
produtivo, imerso no sistema capitalista.
A psicóloga brasileira Lígia Amaral (2001) assinala que a condição de anormal
e/ou desviante pode ser pensada tanto pelo critério estatístico (desviantes como os
menos presentes numericamente), quanto por critérios antômico-funcionais (que
desviam quanto à forma ou função) ou também pelo tipo ideal (daqueles que se desviam
do tipo ideal eleito por cada sociedade). Porém aqui se pode perceber que mais uma vez
a questão anormal e/ou desviante é uma construção mútua e indissociável das regras
fisiológicas e normas sociais.
Segundo a autora abordada, corpos desviantes, do ponto de vista estatístico, são
corpos que se encontram abaixo ou acima da média ou que se afastam daquilo que uma
determinada sociedade impõe como norma (máximo de frequência em uma curva de
distribuição).
Quanto ao segundo critério a autora destaca que, apesar de não ser possível haver
naturalidade ou universalidade de todas as características estruturais ou funcionais de
pessoas e objetos, existe uma combinação de forma e função esperada para a espécie
humana (número e posicionamento de órgãos, formas de funcionamento, entre outros) e
as alterações caracterizariam o desvio.
O terceiro e último critério, o do tipo ideal, é percebido pela autora como se
apropriando perversamente dos dois critérios abordados anteriormente, ou seja, trata-se
da busca pela aproximação e a semelhança ao protótipo ideologicamente instituído do
corpo considerado ideal: jovem, do gênero masculino, branco, cristão, heterossexual,
física e mentalmente perfeito, belo e produtivo (AMARAL, 2001). Dessa forma, pode-
se perceber que quanto ao corpo do deficiente o desvio estrutural/funcional acaba por se
somar ao desvio do considerado ideal e, assim, a norma acaba por classificá-los no
grupo dos menos importantes, dos incompetentes, dos imperfeitos e improdutivos.
A autora abordada ainda acrescenta que o deficiente é para a sociedade a própria
encarnação da assimetria e do desequilíbrio e, sua desfiguração, mutilação acaba por
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representar uma ameaça e um perigo. Rodrigues (1983) também coloca que tudo que é
considerado anormal ou fora da regra para uma determinada sociedade passa a ser
considerado germe de insegurança, inquietação e terror: converte-se imediatamente em
fonte de perigo.
Frente ao que a autora Amaral (1998) menciona torna-se aqui importante retomar
a discussão onde a perspectiva religiosa cede lugar à perspectiva da razão, na qual a
deficiência passa a ser analisada sob a ótica médica e científica onde emergem teorias
de hereditariedade e da degenerescência humana que contribuíram para a
institucionalização intensiva das pessoas com deficiência em conventos e asilos,
seguidos de hospitais psiquiátricos, pois, o corpo considerado anormal/desviante, no
discurso científico, passa a representar ameaça ou perigo para a sociedade, então, esses
corpos precisam ser retirados de suas comunidades de origem e mantidos em
instituições, residências segregadas ou escolas especiais, frequentemente situadas em
localidades distantes de suas famílias.
A psicóloga brasileira e pesquisadora sobre inclusão escolar Maria Salete Aranha
(2001) apresenta que somente a partir da segunda metade do século XX ocorre o
crescimento dos movimentos dos direitos humanos, quando as diversas minorias e
grupos marginalizados começaram a lutar para conquistar seu espaço na sociedade.
Desses movimentos, destacam-se os de luta antimanicomial e da antipsiquiatria, que
criticavam o isolamento dos doentes mentais em hospitais psiquiátricos e manicômios,
ressaltando a ideia de que a eles fosse dado o direito de participar de uma maneira mais
ampla e digna dos contextos sociais comuns.
A autora mencionada ainda destaca que, além desses movimentos em prol dos
direitos humanos e da crítica acadêmica, o questionamento à institucionalização teve
também forte motivação econômica, pois, de acordo com a lógica capitalista,
interessava aumentar a produção, de maneira a tornar ativa toda e qualquer mão de obra
possível (ARANHA, 2001).
O movimento contra a institucionalização foi baseado no conceito de
normatização. Conceito este que estabelece que pessoas com deficiência tenham o
mesmo direito de participar das atividades sociais, recreativas e educacionais
frequentadas pelas demais pessoas de sua idade cronológica em sua comunidade. Surge,
assim, o conceito de integração como novo modelo de atenção à deficiência.
Entretanto, ainda que fosse reconhecido o mérito da integração social em
promover a inserção das pessoas com deficiência na sociedade, nas últimas duas
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décadas, surgiram novos questionamentos quanto a esta proposta provenientes da
academia e das próprias pessoas com deficiência e suas famílias onde apontavam que as
diferenças ou a diversidade deveriam ser administradas na convivência social.
Em função deste debate, foi proposto que, além dos serviços de avaliação e
treinamento oferecidos nos contextos de suas comunidades, também eram necessárias
outras providências no sentido de mobilizar a sociedade para modificar atitudes, espaços
físicos e práticas sociais a fim de garantir aos deficientes o acesso a todo e qualquer
recurso da comunidade e, assim, surge o conceito de inclusão social.
Por inclusão social explica-se o processo pelo qual a sociedade e a pessoa com
deficiência procuram se adaptar de maneira mútua, sem perder de vista a equiparação de
oportunidades e a construção de uma sociedade para todos. Significa que a sociedade
precisa se adaptar e respeitar as reais necessidades dessas pessoas e não o contrário.
Cabe aqui destacar o ponto de vista do filósofo e sociólogo alemão Jürgen
Habermas (2001) onde explica que as diferenças individuais podem ser provocadas por
inúmeros fatores, e é nisto que consiste precisamente a situação de diversidade, que é
algo positivo e que caracteriza o modelo mais complexo de sociedade, chamada de
sociedade aberta, uma sociedade a qual existe liberdade. São elas as diferenças de
opinião, de escolha religiosa, de escolha afetiva, de escolha profissional, entre outras.
Busca-se uma sociedade em que tais diferenças alcancem o limite das escolhas culturais
e, assim, este poderia ser considerado um modelo que se caracteriza como uma
sociedade inclusiva (HABERMAS, 2001). Pensar em uma sociedade inclusiva significa
pensar que toda e qualquer instituição busque se pautar nesta condição e, entre essas
instituições destaca-se aqui em especial a Educação.
A proposta de uma educação inclusiva3 implica em profundas mudanças na
conceitualização da deficiência. Essa mudança de enfoque procura deslocar a ênfase do
corpo anormal e/ou desviante do aluno com deficiência para situar-se na resposta
educativa da escola, sem negar a condição vivida pelo aluno. Mostra que apontar a
deficiência, como atributo isolado do sujeito, pouco contribui para seu
desenvolvimento. Mesmo porque, a condição do sujeito depende da ação do meio que
pode ou não suprir as suas necessidades.
3
Educação inclusiva: educação para todos, voltada à diversidade que é inseparável da natureza
da espécie humana, sejam quais forem suas diferenças e seus estilos de aprender. Para isso, são
necessárias mudanças na formação dos educadores, na estrutura e no funcionamento das escolas
(ASSIS, 2009).
102
A partir desse novo enfoque do corpo com deficiência, modificou-se também a
terminologia, que passou a utilizar a expressão necessidades educacionais especiais. Foi
no relatório, documento publicado em 1978, resultado do trabalho coordenado por Mary
Wardock do Departamento de Educação e Ciências, da Inglaterra que pela primeira vez
a terminologia necessidades educacionais especiais foi citada. Tal relatório foi resultado
de uma investigação que durou quatro anos sobre as condições da educação inclusiva na
Inglaterra, na década de 70.
As conclusões do relatório foram apresentadas ao governo inglês e teve
repercussão nacional e internacional, o que veio a influenciar os textos legais que foram
produzidos após a sua divulgação.
Segundo o Ministério da Educação e Cultura (MEC), este termo surgiu para evitar
os efeitos negativos de outras expressões utilizadas no contexto social e educacional
como: louco, débil mental, aleijado e excepcional. O termo excepcional foi adotado
como uma tentativa de padronizar a terminologia, sendo associado inicialmente, a
indivíduos que desviavam da norma. Entre as décadas de cinqüenta e oitenta do século
anterior foi usado para denominar pessoas que necessitavam de cuidados especiais no
que se refere a educação e ao convívio social (TELFORDE; SAWREY, 1988).
Na década de oitenta, no Brasil, mesmo sem haver um consenso sobre o uso do
termo excepcional, seja por parte de leigos como profissionais atuantes na área, como
aponta Mazzota (2003), ficou delineada a associação desta expressão exclusivamente
para aqueles corpos e/ou pessoas que desviassem (segundo a norma da sociedade
daquela época) em grau considerável da maioria das outras pessoas e que necessitavam
de condições educacionais e de aprendizagem diferenciadas.
Então, poderiam fazer parte do grupo mencionado, desde pessoas com deficiência,
como também as pessoas doentes, idosas, provenientes de outra cultura, superdotadas.
Além disso, segundo o termo excepcional, nem todo indivíduo deficiente seria
considerado excepcional, mas somente aquele que necessitasse de cuidados
educacionais especiais.
Apesar da especificidade do termo excepcional, durante muito tempo e, inclusive
nos dias de hoje, pode-se encontrar programas para excepcionais ou tratamento para
excepcionais exclusivos para pessoas com deficiência. Por que não dizer que são
tratamentos para pessoas com deficiência ou até mesmo especificar o tipo de deficiência
a que se referem, como, por exemplo, tratamento para pessoas com deficiência mental
e/ou intelectual?
103
Para esses casos, recorre-se a Amaral (1998) onde a autora aponta que a eleição de
um termo como excepcional pressupõe a idéia subjacente de negação da deficiência já
que sob o mesmo rótulo encontram-se os superdotados e até mesmo os idosos. O termo
também pode dar um duplo sentido, ou seja, pode ser usado para se referir a algo ou
alguém muito bom ou extraordinário. A autora sugere e concorda-se com ela que pode
ser mais produtivo manter cada deficiência dentro de sua especificidade, com
características que lhe são inerentes, sem ter que partir para uma generalização
pseudamente protetora na busca de atenuar ou negar a condição do indivíduo.
Cabe aqui mencionar também que o termo pessoa portadora de deficiência, que já
foi amplamente utilizado, também tem recebido críticas. Movimentos das próprias
pessoas com deficiência têm procurado evitar a utilização do termo, tal como ele vem
sendo proposto pela política educacional contemporânea, por entenderem que o uso da
palavra portador é apenas um eufemismo, que tenta escamotear os efeitos da deficiência
nos sujeitos (MRECH, 1997).
A denominação pessoa com deficiência é a expressão adotada pela já citada
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2007), e a qual
concordamos, onde prevalece uma concepção da deficiência como resultado tanto de
condições de saúde quanto da interação da pessoa com os ambientes físicos e sociais.
Assim, de acordo com esse modelo social, pessoas com deficiência são definidas como
aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental e/ou intelectual
ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais
pessoas (ONU, 2007).
Quanto à terminologia atual, necessidades educacionais especiais; mencionada
anteriormente, vêm sendo utilizada para se fazer referência aos indivíduos que não estão
dentro da norma, construída pela sociedade e, assim, se desviam significativamente no
contexto escolar. De acordo com as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na
Educação Básica (BRASIL, 2002) e com os Parâmetros Curriculares Nacionais (1999),
os alunos que apresentam necessidades educacionais especiais são aqueles que
demonstram no processo educacional:
a) Condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais e sensoriais diferenciadas;
b) Dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no desenvolvimento
(vinculadas ou não a uma causa orgânica);
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c) Dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos e
que demandem adaptações ao currículo ou implementação de recursos;
d) Altas habilidades necessitando receber desafios e o enriquecimento do conteúdo
apresentado;
e) Pessoas provenientes de grupos desfavorecidos, marginalizados ou de minorias
linguísticas, étnicas e culturais.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
106
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Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, 2002 Disponível
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CECCIM, Ricardo Burg. Exclusão e Alteridade: de uma nota de imprensa a uma nota
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107
KASSAR, M. C. M. Deficiência múltipla e educação no Brasil: discurso e silêncio na
história dos sujeitos. Campinas: Autores Associados, 1999.
ONU. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, 2007. Disponível em
www.presidencia.gov.br/sedh/corde. Acesso em 20 nov. de 2011.
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