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UNESP – UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

CAMPUS DE MARÍLIA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”

BEATRIZ CARMO LIMA DE AGUIAR

APROPRIAÇÃO DA LINGUAGEM ESCRITA COMO PRÁTICA CULTURAL:


REFLEXÕES SOBRE A REALIDADE DE DUAS TURMAS DE 1.º ANO DO
ENSINO FUNDAMENTAL

Marília – SP
2015
BEATRIZ CARMO LIMA DE AGUIAR

APROPRIAÇÃO DA LINGUAGEM ESCRITA COMO PRÁTICA CULTURAL:


REFLEXÕES SOBRE A REALIDADE DE DUAS TURMAS DE 1.º ANO DO
ENSINO FUNDAMENTAL

Tese apresentada ao Programa de Pós Graduação


em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências
da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho”, Campus de Marília na Área de concentração:
Teoria e Práticas Pedagógicas, para a obtenção do
título de Doutor em Educação

Orientadora: Prof.ª Dra. Cyntia Graziella Guizelim


Simões Girotto

Marília – SP
2015
Ficha catalográfica elaborada pelo
Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação – UNESP – Campus de Marília

Aguiar, Beatriz Carmo Lima de.


A282a Apropriação da linguagem escrita como prática cultural:
reflexões sobre a realidade de duas turmas de 1.o ano do ensino
fundamental / Beatriz Carmo Lima de Aguiar. – Marília, 2015.
172 f.; 30 cm.

Orientadora: Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto.

Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Estadual


Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Filosofia e
Ciências, 2015.
Bibliografia: f. 159-163.

1. Língua materna – Estudo e ensino. 2. Comunicação


escrita. 3. Leitura. 4. Língua portuguesa (Ensino fundamental).
I. Título.

CDD 372.62
BEATRIZ CARMO LIMA DE AGUIAR

APROPRIAÇÃO DA LINGUAGEM ESCRITA COMO PRÁTICA CULTURAL:


REFLEXÕES SOBRE A REALIDADE DE DUAS TURMAS DE 1.º ANO DO
ENSINO FUNDAMENTAL

Tese apresentada ao Programa de Pós Graduação em


Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”,
Campus de Marília na Área de concentração: Teoria e
Práticas Pedagógicas, para a obtenção do título de
Doutor em Educação

Orientadora: Prof.ª Dra. Cyntia Graziella Guizelim


Simões Girotto

Aprovação: Marília, ______ de_____________ de ______

Membros componentes da banca examinadora

Dra. Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto (UNESP – Marília – SP) ___________________

Dra. Sandra Aparecida Pires Franco (Universidade Estadual de Londrina) _________________

Dra. Sandra Regina Ferreira de Oliveira (Universidade Estadual de Londrina) ______________

Dra. Elieuza Aparecida de Lima (UNESP – Marília – SP) ______________________________

Dra. Stela Miller (UNESP – Marília – SP) ___________________________________________

Suplentes

Dra. Ana Lúcia Espindola (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul)


Dra. Suely Amaral Mello (UNESP – Marília – SP)
Dra. Marta Silene Ferreira Barros (Universidade Estadual de Londrina)
Em respeito a todos os leitores desta tese, explico que a escolha da
dedicatória que vem a seguir está ancorada no aprendizado que pacientes com
câncer me proporcionaram. Acompanhei parentes próximos nessa jornada contra a
doença e um dos aprendizados deste processo foi, de fato, perceber que eu sou
nada sem o outro. É visível o quanto a sociedade está precisando de pessoas mais
humanizadas e que se importem com o que acontece com o “outro”. Dedico este
trabalho a todas as pessoas com câncer que conheci ao longo dos últimos anos. Na
riqueza do convívio, aprendi uma nova dimensão da teoria, ou seja, o lugar que o
“outro” ocupa em nossa vida. O “outro”, mais experiente, que relata a sua vivência
com o tratamento do câncer. O “outro”, que é uma pessoa da família, que ama e
cuida com afinco daquele que está em tratamento. O “outro”, que já foi um paciente
do hospital do câncer e retorna a este espaço para ajudar aqueles que precisam de
um apoio. O “outro” na figura do médico, que põe à disposição os conhecimentos
científicos adquiridos. O “outro”, que é o funcionário do hospital, que não mede
esforços para minimizar a dor do próximo. O “outro”, que é o próprio doente, que a
cada dia nos dá uma lição de vida ao demonstrar o quanto está batalhando por mais
um dia de existência. E, finalmente, o “outro” que doa algumas horas do seu tempo
nos diversos projetos para estar no hospital aliviando a dura rotina deste espaço. De
fato, há dias de inverno, nos quais as folhas caem, os dias são escuros e não
convidam a sorrir, mas a ventania passa e para muitos o sol volta a brilhar. E é na
tempestade que “outros” nos carregam. Dedico este trabalho para tantos “outros”
que estão envolvidos nesse processo de quimioterapia, radioterapia e
procedimentos cirúrgicos para a retirada de tumores. Essas pessoas nos ensinam a
necessidade que há em sermos mais sensíveis, humanos, simples e solidários em
nossos relacionamentos cotidianos, afinal a nossa jornada aqui é breve. Que
possamos celebrar a vida de forma intensa!
AGRADECIMENTOS

Agradeço,

Ao meu marido Valdir de Aguiar pelo acolhimento de todas as horas. Tenho em


você o meu porto seguro e o incentivo necessário para caminhar e realizar os
projetos que pensamos juntos. Você é o meu eterno amor! Tem toda a minha
admiração e respeito. É um homem ao máximo!
À minha filha, Elisa Lima de Aguiar, por revelar a cada dia o quanto é bom ser
criança e por todos os beijos que me deu enquanto eu estudava. Filha você é o meu
tesouro!
À minha mãe, Joana D’arc do Carmo Lima, por todo sacrifício que fez para que
eu estudasse ao longo dos anos. O seu apoio me possibilitou a realização de alguns
sonhos, tais como: ser professora, mãe e uma boa esposa. Mãe, você é o máximo!
Uma mulher única!
Ao meu pai, por lutar pela vida.
À minha segunda mãe, Elzinha Mello, por me ouvir nas horas de desespero e
por sempre ter uma palavra de consolo, sabedoria e incentivo. Você tornou a
caminhada mais suave. Você não desistiu de mim.
À minha querida amiga e mãe do coração, Elisa Escudero, por ter me dado
cadernos, livros, canetas e lápis no momento em que eu estava iniciando a minha
vida estudantil. Amiga, sou grata porque sem as suas doações eu não poderia
estudar todos aqueles anos na escola. Obrigada por todo bom conselho que me deu
quando eu ainda era uma adolescente.
À professora Regina Capelo Clivati, por me introduzir nos pensamentos sobre a
educação e sempre me mostrar o valor que temos como pessoas, e que vale a pena
lutar pelos projetos de vida.
À minha primeira orientadora, Raimunda de Brito Batista, por me ensinar
sempre com tanto carinho, paciência e simplicidade.
À minha segunda orientadora, Clélia Martins (in memoriam), pela oportunidade
de crescer e aprender muito ao seu lado.
À minha querida orientadora atual, Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto,
por ter me escolhido, pelo respeito, humildade e carinho de todas as horas.
Obrigada por compartilhar os seus conhecimentos comigo para que eu me torne
uma profissional e um ser humano melhor. Obrigada por acreditar em mim! Você é
um ser humano incrível!
Às minhas irmãs e irmãos, Shirley, Erika, Fortunato e Charles, por me
ensinarem o valor que é ter uma família unida. Amo vocês!
À Dona Irene pelo empréstimo do carro, o que tornou possível muitas viagens
até Marília.
Aos sobrinhos queridos, Igraine, João Victor, Vinicius, Gabriel, Ana Carolina,
Fernando, Marcio e Jussara, por me mostrarem a alegria da vida.
Às crianças e pré-adolescentes que moram no meu coração Cauã Torino
Guassú, Letícia Guassú, Alice Guassú, Larissa Aguiar, Maria Luiza Aguiar, Mateus
Mello, Beatriz Miranda, Gabriela Rocha, Rebeca Buzinaro e Nicole Neves Maurício,
por tornarem os dias mais alegres e leves.
À Leda Fogaça por ser minha amiga e conselheira de todas as horas. Obrigada
por sua fidelidade em todos esses anos.
À Geni e Maria de Fátima, pelo apoio, abraços e conselhos.
Ao estimado casal Cleuza e Ronaldo Mauricio, pelo apoio de todas as horas e
por cuidarem da minha filha durante a viagem para a banca de qualificação.
Ao querido casal de amigos, Ailton Bastos e Eliane, pelo encorajamento, auxílio
em momentos difíceis e por contribuírem com a educação da minha filha.
À Ana Laura Ribeiro da Silva, pela amizade e pelo empréstimo de vários
exemplares de livros.
À querida amiga e companheira de viagem Andreia Maria Cavaminami Lugle:
obrigada por ser minha amiga de todas as horas nesse processo de doutoramento.
Com você a jornada se tornou mais leve, divertida e reflexiva.
Aos casais Charles e Simone Kloc, Ferdinando e Elizete Justino: obrigada pela
amizade, conselhos e amor de sempre.
Aos colegas do Departamento de Educação e, em especial, aos da área de
Anos Iniciais, Sandra Oliveira, Magda, Carlos, Rovilson, Ednéia, Marlizete, Mari Clair
e Greice, por tornarem o período de licença para estudos possível.
À Ângela Palma, pelo apoio e amizade duradoura. Você é uma pessoa
admirável, está sempre ajudando e socorrendo os outros.
Aos professores da Unesp, pelos conhecimentos compartilhados e a amizade
construída.
Ao professor Dagoberto Buim Arena, pela amizade, atenção e por compartilhar
os seus conhecimentos, bem como por provocar tantas questões durante as suas
aulas. Tal fato me impulsionou a querer aprender cada dia mais.
À professora Stela Miller, por ser doce, prestativa e incansável nas suas
explicações sobre as teorias, e um exemplo de docente a ser seguido.
À professora Sandra Aparecida Pires Franco, pelo respeito, por examinar com
um olhar atento a pesquisa realizada e por todas as contribuições apontadas para
melhorar esse trabalho.
À professora Sandra Regina Ferreira de Oliveira, pela amizade, pelo convívio
profissional e por ser um exemplo no exercício da docência no Ensino Superior e
nos projetos que realiza para o Ensino Fundamental.
À professora Elieuza Aparecida de Lima, pelo acolhimento, simpatia e por olhar
atentamente para a pesquisa.
Às minhas cunhadas Elda, Ivanilde, Izabel e Cida, pela torcida e por
entenderem a minha ausência em alguns encontros familiares.
Aos funcionários da Biblioteca Central da UEL e da UNESP Campus de Marília,
pelo excelente atendimento. Em especial à Natali Zwaretch, Cristielle de Paula
Camilo e Olga Kawabata Nishimura, da Divisão de Referência, pelo auxílio na
formatação da pesquisa.
À professora Elenise Coutinho da Silva Rocha, pela amizade, pela leitura
cuidadosa deste trabalho e por realizar a correção ortográfica e gramatical.
Às professoras que participaram da pesquisa, pelo respeito, acolhimento,
amizade e por aceitarem dividir comigo parte do seu dia a dia com as crianças na
escola.
Às crianças das duas salas do 1.º ano, por me receberem calorosamente e
demostrarem muito afeto. Os abraços e beijos recebidos tornaram as minhas tardes
na escola mais agradáveis.
Aos profissionais que cuidaram da minha saúde neste período: Drª. Flávia, Dr.
Clóvis, Dr. Ricardo e Dr. Lincoln, nutricionista Patrícia Rachel André, profissionais de
Educação Física Hélio Sanches, Fabrício e Larissa, e à querida fisioterapeuta
Denise Medeiros Rufino.
Obrigada a todos que, direta ou indiretamente contribuíram para este trabalho.
RESUMO

É na escola que os estudantes terão acesso ao conhecimento mais elaborado e


sistematizado, e contato com o conhecimento científico. A escola é um espaço
privilegiado para que o processo do ensino da escrita e da leitura aconteça
formalmente, ainda que não seja o único local para isso. A pesquisa realizada está
inclusa nos trabalhos investigativos do grupo de pesquisa PROLEAO (Processos de
Leitura e Escrita: apropriação e objetivação), e na linha ‘Teoria e Práticas
Pedagógicas’ do PPGE (Programa de Pós-Graduação em Educação da FFC-Unesp-
Marília-SP). Seu objeto de estudo foi delimitado no ensino da linguagem escrita,
objetivando compreender como as situações de ensino se constituem promotoras do
processo de apropriação da linguagem escrita por crianças do 1.º ano do Ensino
Fundamental a partir das contribuições da Teoria Histórico-Cultural. O objetivo
específico foi o de interpretar, à luz das contribuições da referida teoria, as situações
de ensino da língua materna vivenciadas em duas salas do 1.º ano do Ensino
Fundamental. As ações de campo foram realizadas em uma escola pública
localizada no Município de Londrina, Paraná. O foco de análise contemplou duas
salas do 1.º ano do Ensino Fundamental, tendo como sujeitos duas professoras e
seus respectivos alunos. Os dados foram gerados de maio a dezembro de 2014 por
meio de observações de aulas, entrevistas com as professoras, questionário e
registro fotográfico das tarefas escolares desenvolvidas pelas crianças, e foram
posteriormente organizados mediante dois núcleos temáticos que contemplam
questões referentes ao tema da escrita e da leitura. O primeiro refere-se à
concepção de leitura e de escrita das professoras expressas em suas práticas. O
segundo aborda as ações das crianças mediante as propostas didáticas organizadas
para o ensino da leitura e da escrita. Os resultados revelaram que algumas
situações de ensino da linguagem escrita organizadas pelas professoras
observadas, tais como possibilitar às crianças o acesso à diversidade de materiais
gráficos, à escrita de diferentes tipos de textos e à leitura constante de livros de
literatura para elas, contribuíram com a formação de crianças leitoras e produtoras
de texto. Os resultados também evidenciaram que as professoras enfatizam o uso
dos fonemas e sons da letra em suas práticas e esse enfoque na letra, na
sinalidade, dificulta a apropriação da linguagem escrita como prática cultural pelas
crianças. Por outro lado, a atitude dos alunos frente às propostas apresentadas
expressa o quanto não almejam apenas decodificar palavras, mas que buscam
sentido no que leem e escrevem.

Palavras-chave: Educação. Leitura e escrita. Primeiro ano do ensino fundamental.


Apropriação da linguagem escrita.
ABSTRACT

It is at school that students will have access to a more elaborated and systematized
knowledge, as well as contact with scientific knowledge. School is a privileged space
for the writing and reading teaching process to happen formally, even though it is not
the only place for that. This research has been included in the investigating works of
the researching group so-called PROLEAO (Processes of Reading and Writing:
appropriation, and purpose), and aligned with ‘Theory and Pedagogical Practices’
from PPGE (Post-Graduation Program in Education by FFC-Unesp-Marília-SP). Its
object of study was delimited as the teaching of written language, aiming to
understand how teaching situations become supporters of the written language
appropriation process by first-school-year children based upon the contributions of
the Cultural-Historical Theory. The specific goal was that of interpreting, under the
light of such theory’s contributions, teaching situations of the mother tongue as
experienced in two first-grade classes of Elementary school. Field actions were
performed in a public school located in the city of Londrina, Paraná, Brazil. The focus
of analysis was over two first-grade classes of Elementary school, bearing two
teachers and their respective groups as subjects. Data was generated from May to
December of 2014 through class observations, interviews with the teachers,
questionnaires, and photographic records of the activities performed by students, and
were subsequently organized under two thematic nuclei that comprise questions
related to the subject of writing and reading. The first refers to teachers’ concepts of
reading and writing, as demonstrated in their practices. The second approaches
children’s actions before didactic proposals organized for the teaching of reading and
writing. Results revealed that some written language teaching situations as organized
by the observed teachers, such as allowing children the access to diverse graphic
material, to writing different kinds of texts, and for reading literature books for kids on
a daily basis, contributed to the development of infant readers and text producers.
Results also evinced that teachers give emphasis to the use of phonemes and letter
sounds in their practices, and such focus on letter, on signality, makes written
language appropriation as a cultural practice difficult for children. Still, students’
attitude before the presented proposals show how much they long for not only
decoding words, but for meaningfulness in whatever they read and write.

Key words: Education. Reading and writing. First grade of Elementary School.
Appropriation of written language.
LISTA DE FOTOS

Foto 1 – Bilhete de um aluno para a bruxa Pampolinha (anexado no


painel) .................................................................................................. 93
Foto 2 – Crianças esperando o momento de entrega do bilhete à bruxa ........... 94
Foto 3 – Os bilhetes foram devolvidos pela bruxa na mesa da professora ........ 94
Foto 4 – Preenchimento de lacunas para formar palavras – sala A ................. 105
Foto 5 – Preenchimento de lacunas (sílabas) para formar palavras – sala
A ......................................................................................................... 106
Foto 6 – Escrita do convite de aniversário – sala B .......................................... 112
Foto 7 – Escrita do convite de aniversário – sala B .......................................... 113
Foto 8 – Escrita do convite de aniversário – sala B .......................................... 113
Foto 9 – Uso de massa de modelar: animais da Arca de Noé – sala A............ 118
Foto 10 – Escrita de nomes de animais da Arca de Noé – sala A ...................... 118
Foto 11 – Releitura de obra de arte – “3 girassois” – sala A............................... 127
Foto 12 – Releitura de obra de arte – “Noite estrelada” – sala A........................ 128
Foto 13 – Releitura de obra de arte – pintura em tela – sala A .......................... 128
Foto 14 – Releitura de obra de arte – pintura em tela – sala A .......................... 129
Foto 15 – Relatório sobre exercícios propostos no “Estudo biográfico do
artista pós-impressionista: Vincent Willem van Gogh” – sala A .......... 130
Foto 16 – Relatório sobre exercícios propostos no “Estudo biográfico do
artista pós-impressionista: Vincent Willem van Gogh” – sala A .......... 131
Foto 17 – Representação da arca de Noé por meio de desenho – sala A ......... 136
Foto 18 – Palavras escritas sobre o desenho da arca de Noé – sala A ............. 136
Foto 19 – Desenho representando personagens da história “Meninas
negras” – sala B ................................................................................. 140
Foto 20 – Desenho representando personagens da história “Meninas
negras” – sala B ................................................................................. 141
Foto 21 – Pintura e colagem de uma das personagens da história “Meninas
negras” e escrita de uma de suas características – sala B ................ 141
Foto 22 – Pintura e colagem de uma das personagens da história “Meninas
negras” e escrita de uma de suas características – sala B ................ 142
Foto 23 – Cantinho da leitura – sala B ............................................................... 147
Foto 24 – Exemplar do acervo do Cantinho da leitura – sala B .......................... 148
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................... 11

CAPÍTULO 1 - PROCEDIMENTOS E PERCURSOS DA PESQUISA ....... 23


1.1 PESQUISA: OLHAR ALÉM DA APARÊNCIA ............................................. 23
1.2 GERAÇÃO DE DADOS .............................................................................. 27
1.2.1 Caracterização dos Sujeitos da Pesquisa................................................... 35

CAPÍTULO 2 - LINGUAGEM COMO PROCESSO HUMANIZADOR E


CONSTRUTOR DO CONHECIMENTO ...................................................... 41
2.1 OS TEÓRICOS QUE EMBASAM A PESQUISA ......................................... 41
2.2 CULTURA HUMANA E HISTÓRIA DA ESCRITA ....................................... 49
2.3 A IMPORTÂNCIA DA ESCOLA NA VIDA DO LEITOR E ESCRITOR ........ 57
2.4 A LINGUAGEM ESCRITA COMO INSTRUMENTO DA CULTURA ........... 69

CAPÍTULO 3 - ANÁLISE DOS DADOS: DIALOGANDO COM A


TEORIA ...................................................................................................... 76
3.1 CONCEPÇÃO DE LEITURA E DE ESCRITA DAS PROFESSORAS E
AS AÇÕES DAS CRIANÇAS ...................................................................... 77

CAPÍTULO 4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................. 153

REFERÊNCIAS ........................................................................................ 159

APÊNDICES ............................................................................................. 164


APÊNDICE A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ................. 165
APÊNDICE B – Roteiro da entrevista com as professoras ....................... 167
APÊNDICE C – Questionário para as professoras ................................... 170

ANEXO ..................................................................................................... 171


ANEXO A – Quadro das normas usadas na transcrição das
entrevistas ................................................................................................ 172
11

INTRODUÇÃO

As discussões realizadas pelos pesquisadores e professores sobre a


temática ‘apropriação da linguagem escrita’ sempre foram alvo de muitas
considerações. Há inclusive ações afirmativas do governo, como, por exemplo, o
PNAIC (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa), um movimento que visa
o desenvolvimento do país quanto à questão do ensino da leitura e da escrita nos
anos iniciais do Ensino Fundamental.
Tais considerações geralmente acontecem em debates calorosos sobre qual
seria a teoria mais adequada, o método mais eficaz, os programas lançados pelo
governo para que as crianças aprendam a ler e escrever, o investimento precário na
educação, as dificuldades que rondam a escola e a desvalorização social do
professor. Considero que uma preocupação da sociedade no momento seja o que
está acontecendo na escola, espaço privilegiado, mas não único, para que a
apropriação da leitura e da escrita aconteça formalmente, uma vez que algumas
crianças apresentam dificuldade para aprender a ler e escrever.
Neste contexto, acham-se muitos responsáveis, mas um ponto a ser
considerado é o que os pesquisadores da educação podem fazer para contribuir na
reflexão sobre a apropriação da linguagem escrita. É preciso fazer com que estas
pesquisas realizadas cheguem ao conhecimento do professor, que é responsável
por favorecer os estudantes na apropriação do ler e escrever. Pretendo contribuir
com essa reflexão, ao procurar entender o ensino da linguagem escrita nas salas do
1º ano do Ensino Fundamental de uma escola municipal de Londrina, Paraná.
Apropriação da linguagem escrita como prática cultural: esse é o desafio que
a pesquisa ora discutida intenciona refletir, tendo como fundamentação teórica as
contribuições de Vygotski1 (1896-1934) e colaboradores da Teoria Histórico-Cultural.
Trarei alguns pressupostos da Pedagogia Freinet (1896-1966) e de Bajard (2006,
2012, 2014a, 2014b, 2014c) para a pesquisa e farei algumas aproximações entre
eles, tendo como foco evidenciar como estes autores podem nos ajudar a pensar o
ensino da linguagem escrita e sua apropriação pelas crianças.

1
Nas diversas obras desse autor russo e também naquelas que apresentam os seus pressupostos, a
grafia do seu nome se apresenta de formas diversas: Vigotski, Vygotsky, Vygotski, Vigotskii. Optei,
neste trabalho, pela grafia Vygotski. No entanto, para ser fiel às referências bibliográficas das quais
fiz uso, tanto nas citações diretas ou indiretas, preservarei a grafia que está presente nos originais.
12

É importante explicar o porquê escolhi esse tema de estudo. Por dez anos
atuei e atuo como docente na Universidade Estadual de Londrina, sendo,
atualmente, a responsável pelas disciplinas de estágio nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental, Alfabetização e TCC. A disciplina de Alfabetização, que ministro há
cinco anos, é um grande desafio para mim, uma vez que temos diversas teorias
pensando sobre o que é ler e escrever e como ocorre esse momento na vida de um
indivíduo.
Neste contexto, a cada aula preparada para os meus alunos do curso de
Pedagogia, várias inquietações surgiram, tais como: a ênfase dada em muitas salas
de aula no codificar e decodificar dos sinais gráficos; o repensar a metodologia que
leva o professor a começar o trabalho de alfabetização pelas vogais, consoantes,
formação de sílabas, para depois chegar à escrita de palavras; a possibilidade de se
iniciar o trabalho de apropriação da linguagem escrita, utilizando-se textos reais do
cotidiano das crianças, que sejam interessantes para elas, e evitando, assim, o uso
de exercícios nos quais as crianças encontrem palavras soltas e sem sentido; a
reflexão sobre qual é a melhor metodologia e qual teoria é capaz de responder a
como uma criança aprende a ler, escrever e compreender, tendo como foco a
formação de crianças leitoras e produtoras de texto. Todas essas inquietações
contribuíram para a escolha deste tema de pesquisa, ou seja, ele se originou na
minha própria prática docente.
Destaco o motivo pelo qual, no universo do Ensino Fundamental I, eu escolhi
direcionar o meu olhar para as salas do 1.º ano. Logo no início da implantação do
Ensino Fundamental de nove anos, eu realizava um projeto de extensão em uma
escola municipal próxima a Londrina, Paraná. Era visível a angústia das professoras
por lidarem com crianças mais novas, na faixa etária de 6 anos, principalmente com
relação ao conteúdo a ser ministrado para elas nessa nova configuração do ensino.
Todo esse contexto teve a capacidade de gerar em mim a necessidade de
entender mais sobre essa temática, para poder, assim, contribuir com os professores
que atuam em salas de alfabetização. Entendo que pesquisadores da área da
Educação e professores de Educação Básica que atuam em salas de alfabetização
podem se debruçar sobre essa temática, bem como os alunos do curso de
Pedagogia, uma vez que sua futura atuação profissional poderá estar vinculada às
crianças da Educação Infantil e do Ensino Fundamental I. Faço referência à
Educação Infantil pelo fato de entender que neste momento de educação
13

institucional já é possível iniciar o desenvolvimento da apropriação da linguagem


escrita. Deste modo, Silva (2013, p. 243) afirma que:

Formar leitores e re-criadores de textos na Educação Infantil se


constitui numa preocupação sempre atual que envolve
pesquisadores, professores e pais. Inúmeros são os aspectos que
provocam a reflexão sobre o processo de apropriação da linguagem
escrita e sobre a relação com os espaços escolares, as práticas
pedagógicas e as especificidades do ensinar e do aprender na
pequena infância.

É fato que, na perspectiva que assumo na pesquisa realizada, a apropriação


da linguagem escrita como prática cultural se distancia de uma visão mecânica do
ensino da língua e pode ser entendida como uma apropriação que acontece no meio
social e cultural, considerando o processo histórico de humanização. Por que então
esse tema deve ser estudado? Porque ao olhar para a realidade dos alunos no início
do Ensino Fundamental I verifico, muitas vezes, que eles aprendem apenas a
decodificar, mas quando solicitados a realizar leituras, produção, interpretação e
compreensão de textos, muitos não conseguem corresponder às demandas sociais.
É fato que esta apropriação deve ser uma ferramenta eficiente no contexto
social e cultural dessas crianças, as quais exigem a prática da leitura e escrita a todo
o momento. Se o contato com a palavra se dá por meio de diferentes suportes, o
livro representa, na infância, uma das grandes possibilidades. De acordo com Bajard
(2012, p. 9) “a falta de hábito de leitura passa de geração para geração, fato que
diagnosticamos em nossos familiares, atingindo também os professores e
educadores sociais.” No entanto, são inegáveis as ações realizadas pelo governo
para que as crianças tenham acesso aos livros, como, por exemplo, o Programa
Nacional do Livro Didático (PNLD), no qual há a distribuição de livros nas escolas
para os alunos. Neste caso, são disponibilizados para as crianças tanto os livros
didáticos quanto obras de literatura (FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO
DA EDUCAÇÃO, 2015).
Nessa medida, pensar esta relação com o livro é pensar na mediação de
professores, crianças e língua escrita. Por isso, é necessário considerar o processo
de construção da linguagem escrita como um momento de extrema importância na
interação do indivíduo com o seu meio. Para Luria (2012a, p. 144), “a escrita pode
ser definida como uma função que se realiza, culturalmente, por mediação”. Luria
(2012a, p. 143) advoga que:
14

[...] A história da escrita na criança começa muito antes da primeira


vez que o professor coloca um lápis na mão e lhe mostra como
formar letras [...] podemos até mesmo dizer que quando uma criança
entra na escola, ela já adquiriu um patrimônio de habilidades e
destrezas que a habilitará a aprender a escrever em um tempo
relativamente curto.

Ao refletir sobre o que Luria (2012a, p. 143) mencionou a respeito do tempo


que uma criança levaria para escrever e ao acompanhar os estudantes do curso de
Pedagogia no momento do estágio obrigatório, noto que tal fato não se concretiza
desse modo para muitas crianças do 1.º ano do Ensino Fundamental. Então
pergunto: O que será que faltou para esses sujeitos? Dentre tantas possibilidades de
resposta que poderiam ser dadas a tal questionamento, uma delas seria que o
acesso à diversidade de material escrito no seu ambiente familiar e social poderia
ajudar de modo significativo. E, além dessa, ter à disposição uma pessoa mais
experiente realizando uma mediação de atos de ler e escrever no seu cotidiano,
desvelando junto com essas crianças a função social da escrita em situações reais
da vida.
Ao pensar sobre a apropriação da linguagem escrita é necessário se
reportar aos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, porque é neste momento escolar
que tal aprendizagem normalmente acontece. Com a implantação do Ensino
Fundamental de nove anos, se deu um momento oportuno para que reflexões sobre
o ato de escrever e o ato de ler fossem ampliadas, bem como um diálogo profícuo
foi estabelecido sob diferentes perspectivas teórico-metodológicas a respeito do
ensino da língua materna.
Vale ressaltar que não é objetivo da pesquisa relatada discutir o Ensino
Fundamental de nove anos, mas algumas das suas implicações perpassam uma
nova configuração estabelecida para o 1.º ano, que é foco deste trabalho. Por
exemplo, a criança numa faixa etária que era da Educação Infantil foi, nos últimos
anos, inserida no Ensino Fundamental de nove anos, e eu estou falando de crianças
com 6 anos de idade (BRASIL, 2006). É preciso garantir que essas crianças:

Sejam atendidas nas suas necessidades (a de aprender e a de


brincar), que o trabalho seja planejado e acompanhado por adultos
na educação infantil e no ensino fundamental e que saibamos, em
ambos, ver, entender e lidar com as crianças como crianças e não
apenas como estudantes. (KRAMER, 2006, p. 20).
15

É preciso considerar que as crianças do Ensino Fundamental,


principalmente as do 1.º ano, têm a necessidade de brincar. Também vale a pena
pensar sobre a forma como a criança de seis anos aprende, o que mais chama a
sua atenção e qual atividade se constitui como a principal capaz de gerar sua
aprendizagem, questões que serão discutidas mais à frente. Por hora, basta dizer
que compreendo que atender à criança de seis anos no ensino obrigatório implica
rever a prática pedagógica junto a ela. Tal fato também significa que o trabalho a ser
realizado não é a transferência do currículo das turmas de 7 anos, ou seja, da 1ª
série, para as turmas do 1.º ano.
Nesse novo contexto para a escola, as professoras não sabiam se era para
alfabetizar as crianças no 1.º ano ou se o trabalho deveria ser baseado somente nas
brincadeiras. Ou seja, esse momento histórico de implantação estava rodeado de
questionamentos. Todo esse contexto, aliado à disciplina de Alfabetização que
ministro na universidade, foi o que me moveu neste processo de doutoramento a ter
como objeto de pesquisa o ensino da linguagem escrita pelas professoras do 1.º
ano do Ensino Fundamental de uma escola municipal de Londrina. Nessa busca de
entender como as professoras do 1.º ano estavam atuando junto às crianças, surgiu
a delimitação para a pesquisa, sendo formulado o seguinte problema:
Quais situações de ensino da linguagem escrita organizadas por professoras
do 1.º ano do Ensino Fundamental contribuem para a formação de crianças leitoras
e produtoras de textos?
Entendo que na atualidade é recorrente a fala sobre como as crianças leem
pouco e de que o processo de escrita é empobrecido. Somado a isso está o fato de
elas, às vezes, conseguirem decodificar algo e não compreenderem. Ressalto que o
foco desta pesquisa não é este; vale destacar que na pesquisa ora discutida a leitura
não é concebida como uma situação de locução de um texto, ou seja, decodificar o
que está escrito e verbalizar isso em voz alta. Assumo o conceito de leitura como
apropriação de sentido, como compreensão, como prática social e cultural (ARENA,
2007). É importante pensar sobre o que está sendo oferecido para essas crianças
na escola como material de leitura. Sendo essencial oportunizar o manuseio de
16

livros, jornais, revistas e uma diversidade de materiais com texto escrito. Quanto a
isso, Jolibert2 (1994b, p. 21) aponta que é necessário que:

Elas saibam que os escritos sociais raramente existem sob a forma


de folhas soltas ou de cadernos, como elas têm o hábito de encontrá-
los na escola, mas, antes, sob formas de escritos complexos: jornais,
revistas, livros, coleções de fichas, etc., cada um deles com sua
especificidade.

O acesso a esse bem cultural, aos escritos sociais, pode ser possibilitado
para as crianças dentro e fora da escola. É pertinente pensar se há variedade de
material gráfico oferecido para elas nas escolas e como se possibilita a exploração
deste, objetivando-se a apropriação da linguagem escrita. É justamente neste
contexto que defendo a tese de que a forma como o professor do 1.º ano ensina a
língua materna pode facilitar ou dificultar a aprendizagem do ato de ler e de
escrever.
Vale pensar se o ambiente proposto e organizado pelos professores gera
nas crianças a necessidade da escrita. Considero que o desejo de expressão e o
desejo de registro sejam elementos necessários nas salas de alfabetização. Na
escola na qual foi desenvolvida a pesquisa, observei que havia a distribuição de
livros pelo programa do governo federal (PNLD). A partir da leitura e exploração
desses materiais escritos, as professoras faziam questionamentos para as crianças
e propostas de registro escrito.
Para além dos muros da escola, algumas crianças têm a possibilidade de
acesso ampliado ao mundo real da escrita, em toda a sua dimensão; para outras,
contudo, essa não é a realidade da vida. É fato que a apropriação da cultura escrita
nas suas manifestações tanto de escrever como de ler permeia a pesquisa
realizada. Entendo que a criança, desde muito cedo, observa palavras escritas ao
seu redor em diferentes suportes: os quadros com seu nome, outdoors, livros lidos
por adultos, jornais, rótulos de embalagens, revistas, gibis, palavras na tela da TV,
do Tablet ou celular e, desse modo, ela adquire experiências culturais com práticas
de leitura e escrita. Esses sujeitos constroem, gradativamente, noções cada vez
mais elaboradas a respeito do que é ler e escrever (SOLÉ, 2000). Sob a perspectiva

2
Apesar de Jolibert (1994a, 1994b) não ser uma autora da Teoria Histórico-Cultural, em alguns
aspectos a sua pesquisa concorda com a referida teoria. A pesquisa realizada apresenta algumas
aproximações entre elas.
17

da pedagogia Freinet, as crianças constroem “conhecimentos em diversos espaços,


entendendo que a escola não é a única fonte, por isso é importante estimular que
elas tragam esse conhecimento prévio para a sala de aula e, a partir dele, avançar.”
(MELO, 2003, p. 115).
A escola, por meio de seus educadores, é um ambiente privilegiado para
gerar nas crianças o desejo de expressão, de registro. Esse desejo de comunicar
algo, de relatar, pode ser incentivado, por exemplo, por meio do texto livre, uma das
técnicas Freinet, dentre outras, que parte do princípio de que a criança é capaz, sim,
desde muito pequena, de se expressar e comunicar sentimentos. Como afirma
Freinet (1973, p. 26-28 apud LIMA; SILVA, 2010, p. 68):

A minha feliz descoberta - mas muito natural e eivada de bom senso


- foi, nesta fase [quando ele introduzia em suas aulas o trabalho com
o texto livre], convencer-me de que, diga-se o que disser, a criança
era capaz de produzir assim textos válidos [...].

Desse modo, no texto livre, a criança escreve quando tem vontade e escolhe
um tema que a inspira. No entanto, “não basta, por conseguinte dar à criança
liberdade para escrever, é preciso inspirar-lhe o desejo de o fazer, despertar-lhe a
necessidade de se exprimir [...].” (FREINET, 1975, p. 60).
De acordo com o trabalho intencional dos professores, as crianças podem
ter muito o que contar, dialogar, registrar, e, ao mesmo tempo, ter potencializado no
seu cotidiano o desejo de consultar os diversos materiais escritos como fonte de
pesquisa, materiais, estes, capazes de sanar ou aguçar ainda mais essa prática
investigativa das crianças. A hipótese que norteia a pesquisa ora discutida é que
quando a ênfase do ensino recai apenas no sistema da língua, as crianças sentem
dificuldades em apropriar-se dela, mas quando o movimento se dá na direção de
focalizar a língua como prática cultural, as crianças avançam no desenvolvimento.
Os referidos autores de base da pesquisa apontam alguns caminhos que
podem ser trilhados pelos professores para ajudar os alunos a encontrarem sentido
nesse processo de apropriação, usando com aptidão a leitura e a escrita nas mais
diversas demandas sociais. A pesquisa realizada apresenta, como objetivo geral,
compreender como as situações de ensino favorecem o processo de apropriação da
linguagem escrita em crianças do 1° ano do Ensino Fundamental a partir das
contribuições da Teoria Histórico-Cultural; tem ainda como objetivo específico:
18

Interpretar, à luz das contribuições da referida teoria, as situações de ensino da


língua materna vivenciadas em duas salas do 1.º ano do Ensino Fundamental.
Todo pesquisador que se propõe a estudar um problema de pesquisa, busca
respostas não só para si, mas para o seu contexto social, de atuação e para o
momento histórico em que vive. A busca por compreender como acontece o
processo de ensino da apropriação da linguagem escrita possibilitará alguns
desdobramentos, ou seja, contribuições. Uma delas se dará em um futuro próximo,
após a finalização da pesquisa relatada, e será a ministração de cursos de formação
de professores para que eles conheçam minuciosamente os autores que ancoraram
esta tese, teoricamente falando.
No entanto, um dos meus maiores anseios é que a pesquisa realizada tenha
o poder de alcançar os professores que atuam nas salas do 1.º ano, salas de
alfabetização nas quais se encontram alunos que ainda não conquistaram a
apropriação da leitura e da escrita. Isso seria inserir a teoria na prova da vida, isto é,
pôr a teoria a serviço de quem mais precisa, ou seja, dos professores e das crianças
reais que estão na escola. São crianças que desejam no seu íntimo que alguém as
ajude de modo mais intenso nessa apropriação da linguagem escrita. Para muitas,
os dias passam um após o outro, um ano letivo se finda e um novo ano se inicia e
parece que elas são invisíveis na sala de aula.
A seguir, destaco algumas pesquisas que já foram realizadas sobre o
assunto. Elas discutem a temática da leitura e da escrita, alfabetização e
investigações feitas no 1.º ano do Ensino Fundamental e, de algum modo, se
relacionam com a minha pesquisa. Efetuei uma busca nos acervos digitais de
dissertações e teses, e para isso visitei o portal de periódicos da Capes, da
biblioteca digital de teses e dissertações da USP e UNICAMP e o acervo digital da
UNESP – Campus de Marília.
Nos últimos anos, muitos estudos científicos foram produzidos sobre a
temática leitura e escrita, sobre a Teoria Histórico-Cultural, a Pedagogia Freinet e a
respeito da ação pedagógica desenvolvida no 1.º ano do Ensino Fundamental.
Destaco alguns deles.
Na pesquisa que realizou, Ribeiro (2004) percebeu, a partir da análise da
Teoria Histórico-Cultural, a falta de elementos mediadores estruturados que
concretizassem esta teoria traduzindo-a em práticas pedagógicas. Ao tomar
conhecimento das técnicas da Pedagogia Freinet, a referida pesquisadora estudou
19

os dois ideários — o da Teoria Histórico-Cultural e o da Pedagogia Freinet — na


intenção de encontrar pontos de intersecção entre ambos; isso a levou a tomar as
técnicas criadas por Freinet como mediadoras para a Teoria Histórico-Cultural no
tocante à apropriação da escrita pelas crianças. A referida pesquisa buscou a
aproximação entre ambas às teorias e apontou também os principais conceitos de
cada uma delas.
O estudo realizado por Leber (2006) teve como objeto de estudo a
Pedagogia Freinet. Por meio de uma pesquisa participante, ela investigou o
processo de aprendizagem da leitura e da escrita no início da escolarização,
incluindo uma análise documental da obra de e sobre Freinet e sua pedagogia. As
observações da prática pedagógica aconteceram em uma escola pública municipal,
sendo realizadas discussões dessa prática com as professoras e o desenvolvimento
de atividades com a Pedagogia Freinet a partir dessas discussões. Sua pesquisa
aponta para elementos importantes sobre o processo de aprendizagem da língua
materna tendo em vista a formação de leitores e produtores de textos competentes.
No curso de minha pesquisa, é possível admitir que as professoras, ao desenvolver
o seu trabalho em salas de alfabetização, podem auxiliar na formação de crianças
leitoras e produtoras de textos, sendo a escola um ambiente privilegiado para que
isso aconteça.
No trabalho de Souza (2010), houve a investigação das dimensões do
conceito de alfabetização privilegiadas nas práticas de alfabetização de duas turmas
de primeiro ano do município de Aracruz, ES. A pesquisadora constatou que as
práticas alfabetizadoras investigadas privilegiavam o ensino das unidades mínimas
da língua, com ênfase na noção de sílaba. Desse modo, a leitura e a produção de
textos eram utilizadas como pretexto para ensinar a ler e a escrever em sentido
restrito, ou seja, para ensinar as unidades menores da língua. Considero que o
professor, ao enfatizar as unidades mínimas da língua e apresentá-la nessa ordem
— a letra, sílabas, palavras, frases e somente depois os textos —, torna o processo
sem sentido para o aluno, levando-o a considerar a língua apenas como um sistema
e não como elemento de comunicação entre as pessoas.
A pesquisa desenvolvida por Cruvinel (2010) investigou as relações entre o
processo de escolarização e o processo de apropriação da leitura sob a perspectiva
das crianças em início da vida escolar. Os resultados revelaram que, para as
crianças no início do processo de escolarização, a leitura é uma atividade cultural e
20

que, em virtude da instituição de ensino ignorar essa informação, o processo de


formação de leitores permanece como um problema nacional, principalmente por
distanciar as crianças do ler como objeto de cultura. Ao longo da pesquisa realizada,
a linguagem escrita foi entendida na sua manifestação do ato de ler e do ato de
escrever, como prática cultural e como objeto da cultura a ser apropriado pelos
indivíduos.
O trabalho realizado por Ramos (2010) apresentou como objeto de estudo
as concepções de professores do 1.º ano do Ensino Fundamental sobre a linguagem
escrita. A pesquisa teve como sujeitos três professores do 1.º ano do Ensino
Fundamental da Rede Pública e particular do município de Campinas, SP. A autora
considera que a relevância da pesquisa se encontra na possibilidade de ampliação
do debate sobre o ensino-aprendizagem da linguagem escrita, especialmente no 1.º
ano do Ensino Fundamental. Desse modo, ela constatou que o ensino da linguagem
escrita no 1.º ano e nas demais salas dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental deve
ser organizado de forma que a criança entenda por que precisa aprender a ler e a
escrever e em quais espaços usará essa linguagem.
Silva (2013) destaca o processo de apropriação da leitura e escrita pelas
crianças de 5 anos por meio dos gêneros discursivos — no caso: carta, relatos de
vida, notícia de jornal. O estudo teve como base os pressupostos teóricos de Bakhtin
em diálogo com a Teoria Histórico-Cultural, com a Pedagogia Freinet e outros
estudiosos do tema abordado. A autora concluiu que os gêneros discursivos, o modo
como são apresentados para as crianças e as mediações estabelecidas no seu
ensino — se ocorrerem de modo dialógico e dinâmico — contribuem para o
processo de apropriação e objetivação da leitura e da escrita pelas crianças
pequenas. Além disso, aponta como resultado que as relações com os elementos
dos gêneros discursivos interferem no processo de formação leitora e escritora; com
essas condições, o trabalho pedagógico orientado pela codificação e decodificação
de sinais gráficos para o ensino do ato de escrever e do ato de ler pode ser
descartado. A pesquisa de Silva (2013) aponta caminhos para desenvolver a
formação de crianças leitoras e produtoras de texto sem dar ênfase à codificação e
decodificação, uma vez que, em vários momentos de seu trabalho, ela as apresenta
em seu esforço para ler os mais diversos enunciados e desejando se comunicar com
outras crianças por meio do texto escrito.
21

A pesquisa de Silva (2015) foi realizada em uma sala de 1.º ano. A autora
concluiu que existe uma relação entre a atitude leitora dos pais e a aprendizagem da
criança, ou seja, há uma maior possibilidade de ela aprender a ter atitude leitora
quando os pais ou adultos com os quais ela convive no ambiente doméstico não
apenas proporcionam materiais de leitura, mas dedicam-se a ler para si próprios,
com ela e para ela. É fato que a presença de um adulto mais experiente ou até
mesmo de uma criança mais velha, ao revelar atos de leitura e também atos de
escrita, possa ser chave para uma criança mais nova; tais revelações podem gerar
na criança o desejo e a necessidade de ler e escrever.
Assim, de maneira geral, as pesquisas aqui relatadas enfocam uma
discussão sobre a apropriação da linguagem escrita, considerando o papel da
cultura nesse processo. Além disso, todas essas pesquisas se preocupam com o
modo como a criança se apropria da leitura e da escrita.
Em seu conjunto, o estudo que realizei se constitui de quatro capítulos:
No capítulo 1, “Procedimentos e percursos da pesquisa”, destaco os
pressupostos teórico-metodológicos que orientam a investigação. Anuncio a
metodologia adotada, a pesquisa-ação e descrevo a metodologia de geração de
dados, bem como a análise dos dados. Apresento uma descrição do campo de
pesquisa e analiso o questionário entregue às professoras do 1.º ano, objetivando
caracterizar os sujeitos que participaram desta investigação.
No capítulo 2, “Linguagem como processo humanizador e construtor do
conhecimento”, traço uma breve apresentação dos autores de base, destaco o papel
da cultura na apropriação da linguagem escrita, discuto sobre a importância da
escola na formação de leitores e escritores e o papel da linguagem na vida dos
indivíduos.
No capítulo 3, “Análise dos dados: dialogando com a teoria”, registro a
análise das entrevistas com os sujeitos à luz do referencial teórico escolhido para a
pesquisa ora discutida. O capítulo também explicita a análise das observações
realizadas nas salas do 1.º ano do Ensino Fundamental no momento histórico da
geração dos dados. Apresento, ainda, o registro fotográfico de alguns momentos em
que as crianças realizavam as tarefas escolares solicitadas pelas professoras.
22

Ao terminar a apresentação da base teórica que fundamenta a pesquisa,


relacionada à análise e discussão dos dados, exponho, no capítulo 4, as
considerações finais deste trabalho, o qual procurou revelar o quanto a apropriação
da linguagem escrita pode desenvolver as máximas capacidades dos sujeitos,
tornando-os mais humanizados. Desse modo, saber ler e escrever, assim como
praticar tais atos no ambiente social, histórico e cultural, possibilita liberdade para
poder expressar ideias e reler a cada dia o mundo que nos rodeia.
23

CAPÍTULO 1

PROCEDIMENTOS E PERCURSOS DA PESQUISA

A pesquisa ora discutida insere-se no conjunto de preocupações sobre a


apropriação da linguagem escrita como prática cultural. Entendo que o papel
desenvolvido pelas pessoas mais experientes com os elementos da cultura humana
na relação com as crianças seja essencial. Deste modo, as crianças, ao conviverem
em um ambiente rico de atos de leitura e escrita e ao experimentarem o ler e o
escrever como ações culturais, poderão entender esses atos da cultura humana
como necessários para si e como elementos de expressão e de registro.
Neste contexto, relato, a seguir, como foi o percurso de pesquisa
desenvolvido. Faço uma explanação da metodologia utilizada, mostrando como
gerei os dados, e como foi realizada a análise desses. Apresento também o campo
de pesquisa e os sujeitos que fizeram parte do processo de investigação.

1.1 PESQUISA: OLHAR ALÉM DA APARÊNCIA

A pesquisa ora discutida se debruça no estudo da linguagem escrita como


prática cultural. Ao fazer algumas apropriações das ideias de Leontiev (1978),
direcionei o olhar à questão da escrita, sendo suas reflexões sobre o “homem e a
cultura” fundamentais para pensar no modo como o homem foi construindo a sua
própria história de domínio da natureza e como ele mesmo foi modificado pelo uso
dos objetos que criou ao longo do percurso histórico.
Compreendo que todo trabalho de natureza científica seja um trabalho
criativo e intelectual. Um dos grandes desafios para qualquer pesquisador, é o modo
como apresenta os fatos, os fenômenos estudados. As ideias explicitadas por Kosik
(2002), reconhecido como uma ilustre figura da cultura marxista, pode direcionar o
olhar da pesquisa realizada, auxiliando no distanciamento das aparências
enganadoras dos fenômenos.
Ao entrar em contato com a realidade da pesquisa — com o campo de
observação, espaços da escola, sujeitos, dados gerados — é preciso ficar atento ao
fato de que a realidade não se apresenta à primeira vista, ou seja, “‘a coisa em si’
não se manifesta imediatamente ao homem. Para chegar à sua compreensão, é
24

necessário fazer não só um certo esforço, mas também um détour”. (KOSIK, 2002,
p. 13). Esse détour, entendido como desvio, torna-se fundamental para se olhar os
fenômenos buscando algo além, o que está por trás, o que foge da aparência. Esse
exercício do pesquisador exige algo que ultrapasse observar meramente a realidade
de modo especulativo e fragmentário. É por esse motivo que:

A práxis utilitária imediata e o senso comum a ela correspondente


colocam o homem em condições de orientar-se no mundo, de
familiarizar-se com as coisas e manejá-las, mas não proporcionam a
compreensão das coisas e da realidade. (KOSIK, 2002, p. 14).

Neste contexto, a prática utilitária está presente no modo como a nossa


sociedade está organizada, fazendo com que os indivíduos apresentem uma
tendência fragmentária de ver a realidade e, ao mesmo tempo, viver o seu cotidiano.
É essa fragmentação que vai fazer com que os sujeitos tenham uma apropriação
desigual dos bens culturais produzidos pela humanidade. A condição concreta de
vida determina, muitas vezes, se o indivíduo terá acesso aos conhecimentos e a
alguns objetos da cultura de forma plena; tal fato gera uma desigualdade entre os
homens. Vê-se, portanto, que o ponto de partida é diferente para estes indivíduos.
Deste modo,

Esta desigualdade entre os homens não provém das suas diferenças


biológicas naturais. Ela é produto da desigualdade econômica, da
desigualdade de classes e da diversidade consecutiva das suas
relações com as aquisições que encarnam todas as aptidões e
faculdades da natureza humana, formadas no decurso de um
processo sócio-histórico. (LEONTIEV, 1978, p. 274).

Consequentemente, o ponto de chegada também será diferenciado, ou seja,


nem todos poderão ser o que gostariam de ser. Muitas vezes, dependendo da
condição de classe à qual o indivíduo pertença, ele terá que realizar um duplo
esforço para conquistar algo que almeja no meio social. Nesta lógica, torna-se
visível que há um tipo de cultura que está nas mãos da classe dominante. Isso faz
com que as apropriações de toda natureza, incluindo a apropriação da linguagem
escrita, aconteçam diferentemente. Leontiev (1978) denomina esse tipo de
conhecimento, que está nas mãos de alguns, de cultura intelectual. O autor afirma o
seguinte,
25

A concentração das riquezas materiais nas mãos de uma classe


dominante é acompanhada de uma concentração da cultura
intelectual nas mesmas mãos. Se bem que as suas criações
pareçam existir para todos, só uma ínfima minoria tem o vagar e as
possibilidades materiais de receber a formação requerida, de
enriquecer sistematicamente os seus conhecimentos e de se
entregar à arte [...]. (LEONTIEV, 1978, p. 275).

Há uma aproximação neste aspecto do pensamento de Leontiev (1978) e


Bajard (2014a). Enquanto o primeiro declara que somente uma minoria tem a
possibilidade de enriquecer os seus conhecimentos, o segundo afirma que não é
certo que os elementos necessários à apropriação dos conhecimentos estarão
disponíveis a todas as pessoas. Sendo assim,

Resta saber, todavia, se os demais instrumentos socioculturais e


cognitivos necessários à construção de conhecimento, de sentidos e
significações, estarão disponíveis para todos. Não se pode esquecer
nunca que, mesmo sendo um fato objetivo, concreto, a cultura é
também e principalmente um bem imaterial, muito mais que um
produto passível de ser vendido. (BAJARD, 2014a, p. 23).

A fragmentação é, portanto, “uma das marcas mais problemáticas e visíveis


desta época.” (BAJARD, 2014a, p. 22). Ela é um dos frutos da divisão social do
trabalho. Tem-se portanto, uma:

Práxis fragmentária dos indivíduos, baseada na divisão do trabalho,


na divisão da sociedade em classes e na hierarquia de posições
sociais que sobre ela se ergue. Nesta práxis se forma tanto o
determinado ambiente material do indivíduo histórico, quanto a
atmosfera espiritual em que a aparência superficial da realidade é
fixada como o mundo da pretensa intimidade, da confiança e da
familiaridade em que o homem se move “naturalmente” e com que
tem de se avir na vida cotidiana. (KOSIK, 2002, p. 14-15).

Há, assim, uma série de fatos, fenômenos que giram em torno do cotidiano
dos indivíduos, e eles seguem a trajetória comum da vida, realizando uma leitura da
realidade que nem sempre abarca o todo. Logo, o complexo dos fenômenos “que
com a sua regularidade, imediatismo e evidência, penetram na consciência dos
indivíduos agentes, assumindo um aspecto independente e natural, constitui o
mundo da pseudoconcreticidade.” (KOSIK, 2002, p. 15, grifo nosso).
Para romper com a pseudoconcreticidade, o indivíduo e o pesquisador,
precisam procurar a essência que não se manifesta imediatamente (KOSIK, 2002).
26

Nesse movimento de tentar explicar o mundo fenomênico, a sua estrutura, vê-se que
“o mundo da pseudoconcreticidade é um claro-escuro de verdade e engano”
(KOSIK, 2002, p. 15). O pensamento dialético pode auxiliar na compreensão da
realidade, pois é por meio dele que se consegue a destruição da
pseudoconcreticidade. Deste modo,

A dialética é o pensamento crítico que se propõe a compreender a


“coisa em si” e sistematicamente se pergunta como é possível
chegar à compreensão da realidade. Por isso, é o oposto da
sistematização doutrinária ou da romantização das representações
comuns [...]. O pensamento que destrói a pseudoconcreticidade para
atingir a concreticidade é ao mesmo tempo um processo no curso do
qual sob o mundo da aparência se desvenda o mundo real; por trás
da aparência externa do fenômeno de desvenda a lei do fenômeno;
por trás do movimento visível, o movimento real interno; por trás do
fenômeno a essência. (KOSIK, 2002, p. 20).

É visível, no cotidiano, o grande desafio de se romper com a


pseudoconcreticidade para se chegar à concreticidade, ou seja, à essência. Entendo
que para se atingir o mundo real é necessário entrar em contato com a vida dos
homens, sendo preciso penetrar nas suas relações sociais, naquilo que eles
produzem historicamente, na criação dos objetos, no modo como lidam com o
próprio mundo. Sendo assim,

Não podemos, por conseguinte, considerar a destruição da


pseudoconcreticidade como o rompimento de um biombo e o
descobrimento de uma realidade que por trás dele se escondia,
pronta e acabada, existindo independentemente da atividade do
homem. A pseudoconcreticidade é justamente a existência autônoma
dos produtos do homem e a redução do homem ao nível da práxis
utilitária. A destruição da pseudoconcreticidade é o processo de
criação da realidade concreta e a visão da realidade, da sua
concreticidade. (KOSIK, 2002, p. 24).

Este ainda é um desafio posto para todo e qualquer pesquisador, pois não
basta apenas ter contato com os sujeitos da pesquisa e produzir os dados, mas é
preciso que se desvele o real, ultrapassando-se o olhar inicial das observações
realizadas no campo. É justamente esse esforço que farei ao longo da pesquisa,
tendo clareza de que apenas a contemplação não revela a essência dos fatos, pois
“o conhecimento não é contemplação.” (KOSIK, 2002, p. 28). Sendo assim, é
essencial aproximar-me do que quero analisar, bem como da sua estrutura e
27

dinâmica e encontrar uma via de acesso até ela; para isso é necessário o
distanciamento. Kosik (2002, p. 28) faz um alerta:

Não é possível compreender imediatamente a estrutura da coisa ou a


coisa em si mediante a contemplação ou a mera reflexão, mas sim
mediante uma determinada atividade. Não é possível penetrar na
“coisa em si” responder à pergunta — que coisa é a “coisa em si”? —
sem a análise da atividade mediante a qual ela é compreendida; ao
mesmo tempo, esta análise deve incluir também o problema da
criação da atividade que estabelece o acesso à “coisa em si”. Estas
atividades são os vários aspectos ou modos da apropriação do
mundo pelos homens.

A atitude de se distanciar, buscando a essência dos acontecimentos, é um


grande exercício, uma vez que estamos acostumados a usar do imediatismo para
analisar os fatos cotidianos. Deste modo, quando se busca compreender a
realidade, só a contemplação e a reflexão não são suficientes para avançar na
análise dos dados de pesquisa.

1.2 GERAÇÃO DE DADOS

Como delimitação para a pesquisa realizada, escolhi uma escola pública,


localizada no Município de Londrina, Paraná. A instituição está situada na região
oeste. O meu foco de análise contempla duas salas do 1.º ano do Ensino
Fundamental do período vespertino. Para garantir o sigilo do ambiente onde
realizou-se a pesquisa, eu o chamarei de escola municipal.
Torna-se importante caracterizar a instituição onde a pesquisa foi realizada e
farei essa ação de modo breve. A instituição foi inaugurada na década de 1980. A
escola municipal aqui referida, atende o Ensino Fundamental I e o último nível da
Educação Infantil, denominado de EI 6. As crianças desse nível possuem vaga
garantida para o 1.º ano na instituição e podem, assim, se acostumar com o
ambiente da escola sem sofrer uma mudança brusca do espaço num futuro próximo,
o que geralmente acontece por ocasião da transição da Educação Infantil para o
Ensino Fundamental I. No entanto, está claro na Proposta Pedagógica da escola
que o objetivo da Educação Infantil, nesse espaço, não é alfabetizar as crianças. À
vista disso,
28

A educação infantil não tem como propósito preparar crianças para o


ensino fundamental. Essa etapa da educação básica possui objetivos
próprios, os quais devem ser alcançados a partir do respeito, do
cuidado e da educação de crianças que se encontram em um tempo
singular da primeira infância. (ESCOLA MUNICIPAL, 2014, p. 19).3

Com relação ao perfil da comunidade atendida, no Projeto Político


Pedagógico da instituição consta que:

Os alunos que atendemos pertencem a uma comunidade que não


possui um grau acentuado de disparidade. Contudo, dentre a nossa
clientela há um grande número de alunos provenientes de bairros
circunvizinhos, como também de bairros distantes e de outra
localidade, que contribuem para elevar o índice de faltas não
justificadas. (ESCOLA MUNICIPAL, 2014, p.7).

É inegável que a escola tem um papel fundamental nesse processo


comunicativo com a criança ao fazê-la acessar a cultura, pois “o movimento da
história só é, portanto, possível com a transmissão, às novas gerações, das
aquisições da cultura humana, isto é, com educação.” (LEONTIEV, 1978, p. 273).
É fato que o acesso à cultura pode ocorrer em vários espaços: em casa, por
meio dos instrumentos de comunicação e na sociedade. No entanto, o processo
educativo possibilitado pela escola tem um papel fundamental no desenvolvimento
das aptidões humanas, ou pelo menos deveria ter, pois,

As aquisições do desenvolvimento histórico das aptidões humanas


não são simplesmente dadas aos homens nos fenômenos objetivos
da cultura material e espiritual que os encarnam, mas são aí apenas
postas. Para se apropriar destes resultados, para fazer deles as suas
aptidões, <<os órgãos da sua individualidade>>, a criança, o ser
humano, deve entrar em relação com os fenômenos do mundo
circundante através doutros homens, isto é, num processo de
comunicação com eles. Assim, a criança aprende a atividade
adequada. Pela sua função, este processo é, portanto, um processo
de educação. (LEONTIEV, 1978, p. 272).

O papel central dos relacionamentos, da força que há no processo


comunicativo entre os homens, é algo que impulsiona a apropriação da cultura
construída ao longo do processo histórico e social. Tal fato traz à lembrança a
afirmação de Leontiev (1978), de que a criança não está sozinha em face do mundo
que a rodeia.

3
Todas as citações da Proposta Pedagógica da instituição pesquisada serão referendadas como de
autoria da escola municipal, indicando o ano e página do documento.
29

Nesta perspectiva, a criança aprende uma determinada atividade,


testemunhando o seu uso pelo outro e ao mesmo tempo realizando ela mesma a
atividade com a função para a qual ela foi historicamente construída.
Com relação aos sujeitos participantes da pesquisa, são duas professoras
que atuam em salas de 1° ano do Ensino Fundamental dessa escola. Elas aceitaram
participar da pesquisa e, para isso, assinaram o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (Apêndice A). A escolha por duas turmas do 1.º ano se deu pela
preocupação em analisar situações de ensino da linguagem escrita nesse ambiente.
Pelas riquezas das situações e probabilidade de circunstâncias distintas, a opção foi
trabalhar com todas as salas do 1.º ano do período vespertino da escola.
Para responder à problemática apontada na pesquisa relatada, utilizei como
técnica de produção de dados os seguintes procedimentos: observação de aulas,
entrevistas com as professoras, questionário aplicado às professoras e registro
fotográfico das tarefas escolares desenvolvidas pelas crianças.
É importante registrar que visitei a escola em 2013, quando estabeleci um
contato com a diretora, com o coordenador pedagógico e com as professoras do 1.º
ano. Essa aproximação foi fundamental para manter um relacionamento agradável
entre mim, enquanto pesquisadora, e as pessoas no campo de pesquisa no ano em
que realizei a geração de dados, ou seja, 2014. A observação do ambiente de
trabalho, isto é, o acompanhamento das propostas realizadas em sala, possibilitou o
registro de como as professoras do 1.º ano conduziram esse processo de
apropriação da leitura e escrita por parte dos alunos ao longo do ano letivo.
A observação da prática docente objetivou investigar os procedimentos
utilizados pelas professoras no ensino da linguagem escrita. Eu fiz 12 observações
em cada uma das salas do 1.º ano. Para identificá-las, utilizo ao longo da pesquisa
ora apresentada os termos “sala A” e “sala B”. Optei por não fazer observações no
início do ano letivo de 2014, pois nesse período as crianças estavam se adaptando
ao espaço da escola e à nova realidade do Ensino Fundamental. Além disso, as
professoras investem dias para avaliar os alunos e fazer um parecer dos
conhecimentos prévios deles. Após contato com a diretora da escola, recebi a
autorização para começar a produção de dados em maio.
As observações ocorreram de maio a dezembro e tiveram uma duração de
no mínimo 1h30m e no máximo de 4 horas. Optei por acompanhar a professora
regente de cada uma das referidas salas, pois era a atuação delas junto às crianças
30

que me interessava diretamente. Ressalto que as observações ocorreram em


sequências alternadas de dias.
As observações realizadas no campo foram registradas em um caderno de
anotações, que denominei de diário de campo. Posteriormente, as informações do
diário foram digitadas e nomeadas de Protocolo de observação. Esses foram
organizados por meio de elementos que pudessem identificá-los, tais como dia e
mês da observação, sala observada, horário de início e término, nome da professora
regente e quantidade de alunos presentes no dia em que a observação foi realizada.
No primeiro dia de aula junto à professora regente, perguntei se poderia anotar os
acontecimentos durante o período em que estivesse presente. As duas professoras
me permitiram anotar durante a aula e isso me possibilitou registrar muitos detalhes,
do modo como elas explicavam os conteúdos a, até mesmo, algumas falas das
crianças durante a realização das tarefas escolares. Dessa maneira,

Um dos pontos mais positivos para o uso da observação é a


possibilidade de obter a informação no momento em que ocorre o
fato. Esse aspecto é importante porque possibilita verificar detalhes
da situação que, passado algum tempo, poderiam ser esquecidos
pelos elementos que observaram ou vivenciaram o acontecimento.
(RICHARDSON, 1999, p. 263).

Por conta disso, por diversas vezes as crianças me perguntavam: “Tia, por
que você anota tanto? A sua mão não dói?”. A esses questionamentos, eu sempre
respondia que anotava para registrar, para me lembrar, depois, de como havia sido
a aula deles. Eu também comentei que essa era uma das funções da escrita:
recordar algo. Ao admitir que a minha mão ficava doendo por causa das anotações,
elas me diziam: “Ah tia, a minha mão também dói muito, porque escrevo bastante!”.
Que fique claro que a escrita a que eles se referiam nessa fala era a de uma cópia
do quadro, de algo que a professora solicitara que eles registrassem.
O início do período de observação foi marcado por muita curiosidade das
crianças. Eles queriam saber o que eu estava fazendo na sala deles e se era
professora. É inegável que, como pesquisadora, eu era um “outro” que observava e
era observada. Dessa forma, pesquisados e pesquisadora foram pouco a pouco
criando laços, o que favoreceu “as relações e o desenvolvimento de uma
participação sensível às produções das crianças.” (MARTINS FILHO; BARBOSA,
2010, p. 24).
31

Na tentativa de diminuir essa estranheza, fui a cada dia explicando que o


meu objetivo era observar como a professora os ensinava a ler e a escrever e como
eles faziam os exercícios que ela solicitava. Durante o período em que estive
realizando as observações, o acolhimento e o respeito das crianças foram
marcantes. Ao refletir sobre essa relação observador-observado, Richardson (1999)
aponta algumas recomendações. Sendo assim, para o autor é:

Imprescindível manter um nível de relacionamento agradável e de


confiança. Para tanto, os cuidados devem ser impostos desde a
abordagem inicial, considerando que as primeiras impressões
geralmente são significativas. Recomenda-se que a situação de
observador e os objetivos da pesquisa sejam esclarecidos, para
evitar problemas futuros, além de ser a forma mais fácil e segura de
iniciar o trabalho. (RICHARDSON, 1999, p. 260-261).

Por diversas vezes, as crianças demonstraram afetividade por meio de


gestos, palavras e de alguns desenhos que me entregavam. Esse ambiente gerado
para com as crianças foi fundamental para a realização da pesquisa, sendo,
também, o relacionamento com as professoras regentes de cada sala permeado de
tranquilidade e respeito.
Em muitos momentos houve disputa entre os alunos das duas salas para
que eu ficasse em uma sala e não em outra. Saliento que durante a apresentação
dos dados gerados na observação alguns comentários das crianças aparecerão. Há,
portanto, uma troca, um processo de interação; as vozes sociais estão presentes.
Durante a pesquisa relatada, farei uso, portanto, do “discurso alheio”, da palavra
reportada tanto das professoras, como das crianças. De acordo com Volochínov e
Bakhtin (2011, p. 30),

O “discurso alheio” se apresenta como palavra na palavra,


enunciação na enunciação, mas também, e ao mesmo tempo, como
palavra sobre palavra, enunciação sobre a enunciação. Tudo isso de
que estamos falando é tema de nossas palavras, quer falemos de
uma coisa, quer falemos de uma frase, como fazem os linguistas,
quer falemos da palavra outra, daquilo que um outro disse.

Durante a pesquisa ora discutida, realizei a observação participante, o que


exigiu de mim um duplo desempenho: o do “papel de membro do grupo
simultaneamente ao papel de observador.” (RICHARDSON, 1999, p. 262). No
entanto, para evitar que os dados colhidos se tornassem tendenciosos, trazendo
32

prejuízo à veracidade da pesquisa, me esforcei para manter o distanciamento


proposto por Kosik (2002), para não fragmentar os dados, evitando, dessa maneira,
a pseudoconcreticidade. Mas ressalto que, ao se fazer pesquisa em um ambiente no
qual as crianças estejam presentes, a observação de uma forma ou de outra
pressupõe algum grau de contato. Logo, “fica explícito que o pesquisador não tem
como fugir da participação, já que as crianças estão o tempo todo pedindo e
puxando os adultos para as suas brincadeiras, interações, relações, produções,
experimentos e diálogos.” (MARTINS FILHO; BARBOSA, 2010, p. 23).
No processo de produção de dados, as professoras demonstraram estar à
vontade com a minha presença em sala, o que possibilitou e facilitou o fazer parte
do grupo. Tal fato pode ter ocorrido pelo contato estabelecido com as mesmas no
ano anterior. Richardson (1999, p. 262) aponta que:

A grande vantagem da observação participante diz respeito à sua


própria natureza, isto é, ao fato de o pesquisador tornar-se membro
do grupo sob observação. Isso significa que as atividades do grupo
serão desempenhadas naturalmente porque seus membros não
apresentarão inibições diante do observador, nem tentarão
influenciá-lo com procedimentos que fujam ao seu comportamento
normal, já que deve apresentar um nível elevado de integração
grupal pelo fato de os membros esquecerem ou ignorarem que há
um “estranho” entre eles.

O processo de observação nas duas salas do 1.º ano foi fundamental para a
pesquisa, possibilitou estudar as ações das professoras no desempenho de suas
funções docentes e também o modo como os alunos realizaram aquilo que foi
proposto. A observação participante permite, portanto, o acesso do pesquisador “ao
que as crianças pensam, fazem, sabem, falam e de como vivem.” (MARTINS FILHO;
BARBOSA, 2010, p. 24).
Entendo a leitura e escrita como um instrumento cultural complexo. Tal
apropriação acontece pela mediação entre as pessoas, por isso, a figura do
professor é fundamental na vida da criança que inicia esse processo formal de
alfabetização. Observei nas duas salas de aula o lugar que a escrita ocupa, bem
como o lugar que a leitura ocupa, e como ocorrem as mediações desses processos
pelas professoras.
Durante a pesquisa, utilizei a fotografia como um recurso para registrar os
exercícios realizados pelas crianças e as propostas desenvolvidas em sala de aula.
33

Em alguns momentos, fotografei as crianças fora da sala, em situações com as


professoras no pátio, na quadra, em apresentações de teatro, ou em momentos
livres destinados às brincadeiras.
É preciso comentar, ainda, algo sobre os dados gerados por meio do registro
fotográfico. A produção dos dados utilizando-se celular e, em outro momento, uma
câmera fotográfica gerou uma certa agitação em sala de aula. As crianças
solicitavam constantemente que fosse tirado foto da produção delas durante o
processo e após seu término. Em alguns momentos, esse fato atrapalhou o
andamento do que a professora estava fazendo e foi necessário ter bom senso e
sensibilidade para acalmar as crianças e conseguir atender a todas por meio do
registro de fotos.
É inegável que por meio da fotografia é possível recuperar ações que
ocorreram e detalhes que possam ter escapado à nossa atenção. O fato de aliar o
registro fotográfico com as anotações do diário de campo tornou mais ricas as
observações que foram realizadas em sala e fora dela.
Cabe assinalar que parte do acervo fotográfico da pesquisa, se perdeu. O
registro realizado do mês de maio a junho de 2014 foi gravado no celular. Houve um
problema com o chip do aparelho e todos os elementos nele registrados foram
danificados. Portanto, no momento de fazer a análise dos dados referentes a esse
período, mencionei apenas o que estava registrado no diário de campo.
Outra forma de geração de dados foi a entrevista realizada com as
professoras. O diálogo, por meio do instrumento, possibilitou conhecer a opinião
dessas sobre a apropriação da leitura e escrita. Fica claro que o diálogo
estabelecido com os sujeitos por meio da entrevista, apesar de algumas limitações,
pode pontuar reflexões quanto a como ensinam a língua materna para as crianças.
As entrevistas se deram ao final do ano letivo, após acompanhar o
desenvolvimento do trabalho das professoras em sala de aula. Esse momento
possibilitou o diálogo sobre o que acontecera no decorrer do ano, porque ao final
deste eu já estava de posse de todos os protocolos das observações; então entendi
que fazer as entrevistas naquele momento seria fundamental para o
desenvolvimento da síntese. Todas as entrevistas foram realizadas no interior da
escola. O fato de eu ter passado muitas horas junto às professoras possibilitou um
clima de maior confiança na hora de estabelecer esse diálogo.
34

O acesso às informações se efetivou por meio de uma entrevista


semiestruturada e baseada em um roteiro previamente definido (Apêndice B).
Segundo Manzini (1991, p. 154), a entrevista semiestruturada “está focalizada em
um objetivo sobre o qual confeccionamos um roteiro com perguntas principais,
complementadas por outras questões inerentes às circunstâncias momentâneas à
entrevista”. Referente a este aspecto, Manzini (1991, p. 151) salienta:

A confecção de um roteiro de entrevista tem sido bem recebida pelos


pesquisadores. Iniciando-se com perguntas pouco embaraçosas e de
fácil resposta, que exijam pouca elaboração mental e incluindo
gradualmente questões mais difíceis de serem respondidas, que
envolvam maior elaboração por parte do entrevistado, o roteiro pode
ajudar na obtenção das respostas.

Essa forma, aqui adotada, propicia a livre expressão do entrevistado,


embora mantenha o seu fio condutor ligado especialmente aos objetivos da
pesquisa. De fato, a preparação do roteiro auxiliou consideravelmente na geração de
dados aqui referida.
Para realizar o registro de áudio das entrevistas, utilizei um gravador digital e
um celular; optei por dois instrumentos de gravação concomitantemente para evitar
um possível problema tecnológico, o que poderia causar a perda dos dados.
Partindo do pressuposto de que a presença do gravador digital e do
gravador de voz do celular muitas vezes inibe o entrevistado, alguns cuidados foram
tomados. Proporcionei um clima de segurança e confiança desde o início da
entrevista; as professoras foram informadas sobre a finalidade daquela, bem como a
importância que os dados teriam para a pesquisa. Também mencionei o caráter
sigiloso das informações e suponho que esses foram elementos que auxiliaram o
princípio de uma comunicação positiva (GOODE; HATT apud MANZINI, 1991, p.
151). Houve uma variação quanto à duração das entrevistas: a mais curta somou 57
minutos e a mais longa 1 hora e 28 minutos.
Depois das entrevistas, a transcrição da fala na íntegra foi feita, mantendo-
se os desvios linguísticos constatados. Na transcrição, usei, de acordo com Silva
(2013, p. 44), “as normas propostas por Luiz Antônio Marcuschi” (1986, apud
URBANO; PRETI, 1988). As referidas normas estão no (Anexo A). A análise das
falas foi realizada após a transcrição completa do material de áudio gravado.
35

Como forma de organizar os dados e realizar a apresentação desses, optei


pela utilização de dois núcleos temáticos, contemplando, assim, questões referentes
ao tema da escrita e da leitura. A análise por temas “consiste em isolar temas de um
texto e extrair as partes utilizáveis, de acordo com o problema pesquisado, para
permitir sua comparação com outros textos escolhidos da mesma maneira”.
(RICHARDSON, 1999, p. 243)
A escolha desses núcleos, não se deu de modo aleatório, mas foi orientada
pelo problema de pesquisa já apontado anteriormente. Ou seja, por meio dos
núcleos temáticos, buscou-se responder quais situações de ensino da linguagem
escrita organizadas por professoras do 1.º ano do Ensino Fundamental contribuem
para a formação de crianças leitoras e produtoras de textos.
Sendo assim, dois núcleos temáticos se sobressaíram durante as entrevistas
e observações, os quais levam a uma reflexão sobre os dados de pesquisa: o
primeiro refere-se à concepção de leitura e de escrita das professoras como
expressas em suas práticas. O segundo aborda as ações das crianças mediante as
propostas didáticas organizadas para o ensino da leitura e da escrita. Ao tratar os
dados, constatei sua inter-relação; trabalhar com eles só seria satisfatório se tal
trabalho fosse em paralelo. Comentar sobre um, significava resvalar em outro e falar
do outro significava abordar o primeiro. Por esse motivo, optei por trabalhá-los
paralelamente.
De acordo com Richardson (1999), é importante recolher alguns dados
sociodemográficos dos entrevistados. Para recolher informações que permitissem
identificar e conhecer algumas características sociodemográficas das educadoras
(idade, escolaridade, nome do entrevistado, tempo de exercício na docência e tempo
de atuação no 1.º ano do Ensino Fundamental), fiz a opção de aplicar um
questionário fechado (Apêndice C). As próprias educadoras responderam a este
questionário. Esses dados são explicitados a seguir.

1.2.1 Caracterização dos Sujeitos da Pesquisa

A pesquisa realizada se concretizou por meio de relações, as quais foram


estabelecidas com as pessoas da escola: as professoras participantes da pesquisa,
professores, diretora, coordenação, crianças e funcionários da instituição. No início,
eu era, como pesquisadora, um elemento estranho no meio; tornou-se necessário
36

estabelecer vínculos com as demais pessoas, que nem estavam diretamente


envolvidas no processo. O ambiente acolhedor e de respeito na escola fez toda a
diferença na minha produção de dados. A seguir, proponho-me a caracterizar os
sujeitos de pesquisa, que foram essenciais para a concretização deste trabalho.
Com o objetivo de garantir o sigilo da identidade das professoras, elas serão
nomeadas de professora A (PA) e professora B (PB).

Quadro 1 – Caracterização dos sujeitos


Professoras Idade Tempo de Tempo de atuação Tempo de
exercício na no Ensino atuação em
docência (anos) Fundamental I salas do 1.º ano
(anos) (anos)
PA 40 18 anos 14 anos 04 anos

PB 34 15 anos 15 anos 12 anos

Fonte: Dados da ficha cadastral das professoras.

Quadro 2 – Caracterização dos sujeitos quanto à formação


Professoras Magistério Pedagogia Outro curso de Especialização
graduação
PA X Educação Artística Educação
Especial

PB X Filosofia Psicomotricidade
Fonte: Dados da ficha cadastral das professoras.

Ao realizar uma análise das informações que estão nos quadros, verifico que
a professora A tem 40 anos de idade e exerce a docência há 18 anos, tendo 14
destes anos sido dedicados para o Ensino Fundamental I. Essa professora atua em
salas do 1.º ano há 4 anos.
Com relação à formação profissional, a professora A cursou o magistério e
se graduou em Educação Artística com habilitação em Artes plásticas, curso
superior que concluiu em 1995. Ela também é pós-graduada, com Especialização
em Educação Especial – Deficiência mental, a qual concluiu em 1997.
A professora B tem 34 anos, já é docente há 15 anos e todo o seu tempo de
atuação profissional foi dedicado ao Ensino Fundamental I, ou seja, 15 anos. Por 12
anos tem trabalhado em salas de alfabetização, sendo que do ano 2000 a 2009
atuou com a 1ª série, nomenclatura destinada ao Ensino Fundamental de oito anos,
e de 2010 a 2014 com o 1.º ano do Ensino Fundamental I.
37

A professora B também cursou o magistério, o qual concluiu em 1998, e se


graduou em Filosofia, curso superior4 que concluiu em 2005. Também é pós-
graduada, com Especialização em Psicomotricidade, concluída em 2009. Essa
professora tem a intenção de se inscrever no curso de Formação Pedagógica do
PARFOR5, Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica,
embora isso seja inviável para ela no momento.
Embora essa seja uma pesquisa com adultos, recolhi alguns dados sobre as
crianças pois elas estiveram o tempo todo envolvidas com o processo de
investigação. Deste modo, apresento a seguir alguns elementos dispostos em um
quadro, com o objetivo de caracterizar o grupo de crianças de cada uma das salas.
Como forma de garantir o sigilo sobre elas, nomeei-as da seguinte forma ao longo
do trabalho: C para criança, seguido de um número referente à ordem da lista de
chamada, mais a letra A ou B para fazer referência à turma a que pertence.

Quadro 3 – Caracterização das crianças das turmas A e B


SALA Nº DE IDADE MENINAS MENINOS COMPLETOU 07
CRIANÇAS ANOS EM 2014
A 27 06 14 13 19

B 28 06 16 12 21

Soma 55 30 25 40
Fonte: Registro escolar de matrícula.

Ao se analisar o quadro, é visível que a sala A é composta por 27 crianças.


Todas elas começaram o ano letivo com 6 anos de idade. A sala é composta por 14
meninas e 13 meninos. Do grupo de crianças, 8 ficaram todo o ano letivo com 6
anos. Todas as crianças moram no bairro da escola ou próximo a ele. Já a turma B é
composta de 28 alunos. Todos eles iniciaram o ano de 2014 com 6 anos de idade.
Há, nessa sala, 16 meninas e 12 meninos e, desse grupo, 7 crianças passaram o

4
Vale observar que nenhuma das duas professoras é formada em Pedagogia; no entanto, o concurso
público prestado por elas as autorizava a exercer a docência nesse nível de Ensino.
5
Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR), “implantado pelas
CAPES em regime de colaboração com as Secretarias de Educação dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios e com as Instituições de Ensino Superior (IES)” (CAPES, 2010). Para os
professores são oferecidos os seguintes tipos de curso: Primeira licenciatura – para docentes em
exercício na rede pública da educação básica que não possuem curso superior e segunda
licenciatura – para docentes em exercício na rede pública da educação básica, que já atuam há pelo
menos três anos, em área diferente da sua formação inicial e formação pedagógica – para docentes
com curso superior, sem licenciatura que atuam na rede pública da educação básica (CAPES,
2010).
38

ano letivo de 2014 com 6 anos de idade. As crianças da turma B também residem no
mesmo bairro onde a escola está localizada ou nas proximidades da mesma.
A apresentação da idade dos alunos no quadro tem um motivo. Ao observar
as crianças no seu processo de desenvolvimento, é possível notar que há uma
atividade principal que elas desenvolvem conforme a idade. De acordo com Mello
(2000, p. 146):

Quando observamos as crianças pequenas, percebemos que cada


idade se distingue por uma sensibilidade seletiva frente a diferentes
tipos de ensino ou de influências dos adultos. A existência desses
períodos sensitivos se explica pelo fato de que o ensino influencia
principalmente aquelas qualidades que estão em processo de
formação.

Todas as crianças que participaram da pesquisa tinham seis anos e mostrei


no quadro as que completariam sete anos durante o ano de 2014. Por volta dos 6
anos, o faz de conta é a atividade principal da criança, enquanto que em torno dos 7,
o estudo é o que mais lhe chama a atenção. Mello (2000, p. 146-147) comenta sobre
a atividade principal nessas idades e assevera que aos 6 anos,

Será por meio dessa atividade, que alguns autores chamam jogo,
outros chamam brincar, que a criança mais vai desenvolver a
linguagem, o pensamento, a atenção, a memória, os sentimentos
morais, os traços de caráter; vai aprender a conviver em grupo, a
controlar a própria conduta... a partir da entrada na escola
fundamental, o estudo passa a ser a atividade principal. Isso significa
dizer que é pela atividade de estudo que a criança mais amplia seu
conhecimento sobre o mundo, mais é levada a pensar e reorganizar
o que pensa e melhor compreende as relações sociais.

Ao ter conhecimento dessas características dos períodos pelos quais as


crianças passam, que não é fechado, as professoras poderiam organizar de outras
formas algumas propostas de ensino para um melhor desenvolvimento de seus
alunos. Percebi que, em muitos momentos, as crianças apresentavam o desejo de
brincar e jogar, mas as professoras seguiam o que tinham planejado.
Destaco que todo o registro de dados comentados até o momento teve como
objetivo verificar o que é ler e escrever para as professoras nessas salas de aula e
como esses atos de leitura e escrita se configuram. Todas as observações em sala
de aula, bem como as fotos do que as crianças executaram, foram fundamentais
para a geração de dados.
39

No que se refere à análise dos dados, procurei valorizar os momentos,


buscando as minúcias nos diálogos que foram registrados, os elementos que
pudessem auxiliar na compreensão de como se processa, nas salas de aula, o
ensino da linguagem escrita. Sendo assim, escolhi utilizar a abordagem
microgenética para analisar os dados. Arena (2007) faz uma reflexão sobre o ato de
ler e fazer locução no ensino fundamental e chama a atenção para o trabalho de
uma autora em especial, Góes (2000), que pode auxiliar nas pesquisas referentes à
linguagem com perspectiva microgenética. Assim, alerta para o fato de que “para
compreender o processo idiossincrático e singular de aprender a ler, seria
necessário recorrer aos estudos de Goés (2000) sobre os procedimentos da análise
microgenética nos estudos de linguagem.” (ARENA, 2007, p. 7).
Ao falar da análise microgenética, Goés (2000, p. 15) explica o significado
do termo micro e da palavra genética, declarando que:

Em resumo, essa análise não é micro porque se refere à curta


duração dos eventos, mas sim por ser orientada para minúcias
indiciais — daí resulta a necessidade de recortes num tempo que
tende a ser restrito. É genética no sentido de ser histórica, por focalizar
o movimento durante processos e relacionar condições passadas e
presentes, tentando explorar aquilo que, no presente, está impregnado
de projeção futura. É genética, como sociogenética, por buscar
relacionar os eventos singulares com outros planos da cultura, das
práticas sociais, dos discursos circulantes, das esferas institucionais.

Neste contexto, até mesmo os pormenores são importantes para o estudo


dos fenômenos, ocorrendo, portanto, a valorização do singular, de pistas, de
indícios, pois para a perspectiva do paradigma indiciário, esse “modelo
epistemológico busca a interconexão de fenômenos, e não o indício no seu
significado como conhecimento isolado.” (GOÉS, 2000, p. 19).
Portanto, na perspectiva microgenética há a tentativa por parte dos
pesquisadores de compreender os fatos por meio de indícios que possam ajudar a
decifrá-los. Sendo assim,

A caracterização mais interessante da análise microgenética está numa


forma de conhecer que é orientada para minúcias, detalhes e ocorrências
residuais, como indícios, pistas, signos de aspectos relevantes de um
processo em curso; que elege episódios típicos ou atípicos (não apenas
situações prototípicas) que permitem interpretar o fenômeno de interesse;
que é centrada na intersubjetividade e no funcionamento enunciativo-
discursivo dos sujeitos; e que se guia por uma visão indicial e
interpretativo-conjetural. (GOÉS, 2000, p. 21).
40

Na perspectiva de buscar os indícios, as pistas, as minúcias, manter um


olhar atento, como pesquisadora, me foi fundamental para compreender o objeto de
estudo que envolvia a prática docente, o processo de observação das salas de aula,
o diálogo com os sujeitos da pesquisa.
Vale realçar que os dados serão apresentados e analisados com base nos
pressupostos da Teoria Histórico Cultural, tendo Vygotski e seus colaboradores
como âncora, e as contribuições/aproximações de Bajard para se pensar a língua
escrita, bem como a de Freinet no que se refere ao papel ativo que a criança pode
desempenhar na apropriação da linguagem escrita. Além disso, outros autores serão
utilizados para adensar a referida discussão.
41

CAPÍTULO 2
LINGUAGEM COMO PROCESSO HUMANIZADOR E CONSTRUTOR DO
CONHECIMENTO

Optei por iniciar este capítulo apresentando brevemente alguns dados sobre
os teóricos que dão suporte a este trabalho. Proponho uma breve apresentação dos
autores, sendo que as contribuições destes para a apropriação da linguagem escrita
serão aprofundadas e apresentadas ao longo deste e do próximo capítulo, que é o
da análise dos dados.

2.1 OS TEÓRICOS QUE EMBASAM A PESQUISA

Começarei a explanação comentando sobre o trabalho desenvolvido por Élie


Bajard. Esse autor é francês, pesquisador contemporâneo e está em plena
produção. Doutor em linguística, ele usa em suas obras do conhecimento específico
dessa área para ajudar a entender os processos de leitura e escrita. É
comprometido com a formação de professores no campo da aprendizagem da
escrita e, em nosso país, atuou como consultor do Ministério da Educação,
coordenando a implantação do projeto Pró-Leitura. O referido projeto esteve em
vigor de 1992 a 1996 e:

Foi criado através de uma parceria entre o MEC e o governo francês.


Pretendia atuar na formação de professores leitores para que eles
pudessem facilitar a entrada de seus alunos no mundo da leitura e da
escrita. Inserido no sistema educacional, o Pró-Leitura se propunha a
articular os três níveis de ensino, envolvendo, em um mesmo
programa, alunos e professores do Ensino Fundamental, os
professores em formação e os pesquisadores. O programa aspirava
estimular a prática leitora na escola pela criação, organização e
movimentação das salas de leitura, cantinhos de leitura e bibliotecas
escolares. (BRASIL, 2015b, p. 3).

Nas obras de Bajard (2012, 2014a, 2014b) torna-se evidente a preocupação


com o acesso das pessoas à cultura escrita; um exemplo disso é a assessoria que o
autor presta ao projeto Arrastão, que é:
42

Uma organização social sem fins lucrativos que atua nas áreas
pedagógica, social e cultural. Nesse tripé, promove a educação como
um compromisso para a formação e a transformação social visando
uma sociedade mais justa e com melhores oportunidades para 1,2
mil crianças, adolescentes e jovens de baixa renda na região de
Campo Limpo, zona sul de São Paulo. Além da atuação social que
se estende às famílias por meio de projetos que vão ao encontro das
necessidades locais, a organização possui uma preocupação
legítima com a formação cultural, considerando-a parte importante na
construção da cidadania. (BAJARD, 2012, p. 7).

É visível em nossa sociedade que nem todos têm acesso aos bens culturais
produzidos historicamente pela humanidade. Projetos como o Arrastão tornam
possível a uma parcela da população — a menos privilegiada — acessar elementos
da cultura, principalmente os referentes à cultura escrita.
As pesquisas desenvolvidas por Bajard (2014a, 2012), apresentam
características de um trabalho político e engajado, uma vez que tem como foco a
atuação junto às pessoas que estão excluídas da cultura escrita. Por exemplo, na
primeira obra citada (BAJARD, 2014a), dentre outros aspectos é proposta uma série
de atividades para que aconteça a apropriação do conteúdo cultural disponível no
acervo da biblioteca. Não só pelas crianças, mas também pelos jovens e por toda a
comunidade que se encontra no entorno da escola na qual ele desenvolveu a
pesquisa.
Na concepção de Bajard (2012, p. 11), o processo de aprendizagem da
escrita é considerado como “a conquista de uma nova linguagem e não como o
domínio de um código de transposição recíproca entre letras e fonemas”. Nessa
perspectiva, a escrita é uma ferramenta de comunicação e de pensamento para o
autor e a leitura é um ato de compreensão. Ao longo da pesquisa ora discutida, o ato
de ler está relacionado à compreensão e o ato de escrever se vincula à capacidade
de ser utilizado como um meio de comunicação entre as pessoas.
Mais algumas contribuições de Bajard para essa pesquisa serão explicitadas
durante a análise de dados, tanto das entrevistas com as professoras, quanto das
observações das práticas em sala de aula.
Célestin Freinet (1896-1966) foi um educador francês que deixou como
legado uma vasta obra. A herança produzida por ele diz respeito a muito mais do
que uma pedagogia proposta e implantada, textos escritos e livros. O legado está
em acreditar no potencial que cada ser humano carrega e, a partir daí, com a
43

organização de um ambiente — no caso, a escola — conseguir extrair o melhor de


cada criança, de cada indivíduo, tornando-o mais humano, mais solidário.
Neste ínterim, a partilha, o caminhar junto com outras pessoas, são ações
essenciais, pois o ser humano se define também pelo outro, pelas relações que
estabelece. Sendo assim, no meio social e cultural vivido, o trabalho cooperativo é
fundamental pois,

A organização cooperativa do trabalho cria condições para que as


crianças, impulsionadas e assessoradas pelo professor, compreendam
e assimilem os conteúdos, assumindo responsabilidades,
desempenhando diferentes papéis, praticando a ajuda mútua,
administrando conflitos, estabelecendo normas para o convívio mais
harmonioso, enfim, exercendo sua cidadania ativa e realizando, pela
vivência, o aprendizado da tolerância, do respeito mútuo, da
cooperação e da responsabilidade, chegando ao sucesso, um dos
importantes objetivos da Pedagogia Freinet. (SANTOS, 2006, p. 6).

Por conseguinte, o trabalho em conjunto ajuda a assumir responsabilidades


junto ao grupo e a aprender a ouvir, se expressar, respeitar o outro, lidando com os
conflitos que surgem na caminhada. Além disso, a organização cooperativa do
trabalho possibilita às crianças o entendimento de que é possível aprender com o
outro por meio das trocas estabelecidas no cotidiano.
Freinet se debruçou sobre os aspectos educativos na busca de criar práticas
pedagógicas que possibilitassem às crianças o desenvolvimento de suas
capacidades. Além de fazer uma crítica ao ensino do seu tempo, ele lançou a sua
proposta educativa que tinha, sobretudo, um respeito ao fazer das crianças e um
olhar atento às suas necessidades na condição de sujeitos, pessoas, alunos ou
cidadãos.
Nas palavras de Santos (2006, p. 6), tanto o inconformismo quanto a
ousadia marcam a obra de Freinet. Assim,

Em sua trajetória, Freinet não se contenta em defender somente com


ideias a modernização do ensino. Vai além. Moderniza sua prática,
colocando em prática “ferramentas” de trabalho (técnicas
educativas), que transformam a sala de aula numa oficina, um lugar
de vida e produção, onde todos os conteúdos dos programas
educacionais e outros do interesse dos alunos, são trabalhados.

Assim como no tempo vivido por Freinet, modernizar a nossa prática em sala
de aula ainda é uma necessidade nos dias atuais. Criar ferramentas que
44

transformem a dinâmica do que fazemos nas escolas, tornando-as um espaço mais


vivo e produtivo, também. Para que isso se torne possível, uma teoria de base é
fundamental. Freinet ousou ao construir uma Pedagogia e ao mesmo tempo colocá-
la à prova no seu dia a dia com as crianças. A humildade marca também a sua
trajetória, pois era possível ver Freinet socializando suas ideias com outros
educadores para que fossem conjuntamente pensadas, criticadas e aprimoradas.
Ele “nunca fez seu trabalho sozinho, pois acreditava que o resultado de um
empreendimento só seria duradouro e poderoso se fosse realizado por muitas mãos,
muitas cabeças que se juntassem para ajudar umas as outras num pensamento
comum.” (SAMPAIO, 2002, p. 71).
A ousadia está presente na obra de Freinet, ao criar ferramentas de trabalho
que, na verdade, eram ações pedagógicas para atuar junto às crianças. Julgo que
há muito que se aprender com Freinet e esse legado só chegou ao nosso alcance
pelo fato de ele ter socializado essas técnicas, esses saberes produzidos. É possível
observar que os professores produzem saberes na sua prática cotidiana, no entanto,
tudo fica resumido ao espaço da sua sala de aula; poucas vezes há visibilidade do
trabalho desenvolvido. Quantos saberes não são produzidos pelos professores que
ensinam a língua materna? Certamente, muitos. Entretanto, nem sempre são
socializados. Compreendo que os conhecimentos só se tornam claros quando são
vistos e produzidos à luz de uma teoria que seja capaz de dar suporte e orientar as
práticas, as ações, em sala de aula junto às crianças.
Com relação ao compartilhar com outros o que se faz na prática diária da
sala de aula, os seguidores de Freinet têm uma dinâmica para que isso aconteça.
Para eles, o trabalho nos polos é essencial para que haja o encontro, a possibilidade
de estudos, a divulgação do trabalho desenvolvido e o repensar das práticas
realizadas com as crianças (SAMPAIO, 2006). No Brasil, há a Associação Brasileira
para Divulgação, Estudos e Pesquisas da Pedagogia Freinet, a ABDEPP. Esta
associação tem como objetivo “fomentar a formação de Polos, articulando-os em um
Movimento. Os POLOS são grupos de educadores que se reúnem para trabalharem
juntos e realizarem encontros e reuniões de estudos.” (SAMPAIO, 2006, p. 7).
O inconformismo que marca a obra de Freinet, como foi apontado por
Santos (2006), está presente ainda na atualidade educacional que presenciamos.
Há o inconformismo de uma prática esvaziada, na qual as crianças realizam ações
sem sentido para elas na escola. É impossível se conformar com o alto índice de
45

crianças que estão na escola de Ensino Fundamental há mais de 3 anos sem terem
ainda se apropriado da leitura e da escrita. Do mesmo modo, não podemos nos
conformar com as condições de trabalho impostas aos professores, que muitas
vezes atuam em salas de aula lotadas, com o mínimo de recursos e com um salário
ínfimo.
Como educador, Freinet lançou mão da ousadia para causar uma mudança
educacional. Da sua experiência alicerçada na reflexão teórica do seu dia a dia de
trabalho junto às crianças, nasceu a Pedagogia Freinet, “uma pedagogia ativa,
aberta para a vida, que mobiliza a experiência e os interesses da criança,
favorecendo a auto-sócio-construção de saberes múltiplos [...].” (SANTOS, 2006, p.
6). Assim, essa pedagogia possibilita às crianças a apreensão dos conhecimentos.
Freinet abriu caminho para construir uma educação humanizada e cidadã.
Suas contribuições e as do movimento pedagógico que criou alcançaram amplitude
por meio de seus seguidores, parceiros de trabalho que auxiliaram na divulgação de
suas técnicas e ideias. “Hoje a Pedagogia Freinet está espalhada por todo o mundo,
em razão da forma pela qual é difundida, pela relação horizontal entre os
educadores” (SAMPAIO, 2002, p. 8).
Uma iniciativa para reunir educadores que atuam segundo os princípios da
Pedagogia Freinet é realizada a cada dois anos no Encontro Nacional de
Educadores Freinet, o ENEF (SAMPAIO, 2006). É necessário citar, também, a
Federação Internacional dos Movimentos da Escola Moderna – FIMEM. Esta é uma

Federação que agrupa Movimentos Freinet presentes em 42 países


do Mundo. Os associados a esses Movimentos têm uma organização
própria em seus países e podem se encontrar a cada dois anos na
RIDEF, Reunião Internacional de Educadores Freinet, organizada
pela FIMEM cada vez num país diferente há 50 anos. (SAMPAIO,
2006, p. 7, grifo da autora).

Durante essas reuniões internacionais, além da troca de cultura entre os


participantes, constata-se que a Pedagogia Freinet pode ser adotada em diferentes
realidades. A Reunião Internacional de Educadores Freinet realizada no Senegal em
2006 expressa bem tal fato. Os participantes brasileiros desejavam a aproximação
com os professores que seguem os princípios pedagógicos de Freinet no Senegal,
“que lutam com dificuldades às vezes bem maiores que as nossas e mesmo assim
conseguem realizar uma pedagogia cidadã. (FERREIRA; LAURINDO, 2006, p. 11).
46

É nítida a importância dessas reuniões, encontros nos quais se dialoga e se


realiza reflexões sobre a prática da Pedagogia Freinet nas escolas, na vida dos
alunos e dos educadores. Como exemplo de escolas que têm como base
orientadora a Pedagogia Freinet, pode-se citar, dentre outras, a Escola de Ensino
Fundamental Freinet, em Pelotas, RS, e a Escola Curumim, em Campinas, SP. Os
educadores dessas instituições divulgam constantemente o trabalho desenvolvido
por meio de artigos publicados em revistas, como a Revista Freinet, específicas para
a disseminação de tais resultados, além de livros, como o organizado por Ferreira
(2003), que retrata experiências de sala de aula, tateios e reflexões da Pedagogia
Freinet na prática. Nesta perspectiva, divulgar o que se faz e trocar experiências
com outros educadores é fundamental.
Vale a pena lembrar que o foco da pesquisa ora relatada é refletir sobre a
apropriação da linguagem escrita como prática cultural, e ressalto que o trabalho
desenvolvido por Freinet pode auxiliar na aprendizagem da língua materna. De
acordo com Sampaio (2002, p. 8),

É certo que as técnicas pedagógicas Freinet, seu projeto global de


educação, são instrumentos universais de liberação do indivíduo. A
expressão livre, o cooperativismo em classe, o jornal escolar, a
correspondência interescolar favorecem a aprendizagem da língua
materna, além de serem meios que vão ajudar a emancipação
popular, a comunicação intercultural de formação para a democracia
e para a paz.

O meu parecer é que Freinet tem muitas contribuições para esse processo
tão significativo na vida das crianças. Ao se analisar os dados de pesquisa gerados
nas salas de aula para esse estudo, estará presente o esforço para se revelar
algumas das contribuições que há na proposta de Freinet, para se pensar a
apropriação da linguagem escrita como prática cultural.
Outro autor basilar para a pesquisa realizada é Lev Semiónovich Vygotski.
Ao comentar sobre o contexto no qual surgiu a Teoria Histórico-Cultural, Mello
(2000, p. 135) aponta que “a teoria histórico-cultural, mais conhecida no Brasil como
Escola de Vygotsky, constituiu-se como uma vertente da psicologia que se
desenvolvia na União Soviética, nas décadas iniciais do século XX.” Vale ressaltar
que há um motivo para a teoria receber esse nome; nela as questões históricas, das
construções da humanidade no seu percurso, se fundem com o elemento cultural
(LURIA, 2012b) e os instrumentos que o homem usou para dominar o meio e seu
47

comportamento, foram inventados e aprimorados no decorrer da história social do


próprio homem (LURIA, 2012b). E é cultural porque:

O aspecto “cultural” da teoria de Vigotskii envolve os meios


socialmente estruturados pelos quais a sociedade organiza os tipos
de tarefas que a criança em crescimento enfrenta, e os tipos de
instrumentos, tanto mentais como físicos, de que a criança pequena
dispõe para dominar aquelas tarefas. Um dos instrumentos básicos
inventados pela humanidade é a linguagem, e Vigotskii deu ênfase
especial ao papel da linguagem na organização e desenvolvimento
dos processos de pensamento. (LURIA, 2012b, p. 26).

A relação do homem com a natureza ao longo da história foi marcada pela


luta daquele para dominá-la e também transformá-la. Ao conseguir tal fato, ele criou
ferramentas e objetos para facilitar sua vida. Toda a história desse processo ficou
guardada nos objetos da cultura humana, sendo passada para as gerações
posteriores que não precisam reinventá-las. Assim, a cultura exerce função chave: é
por meio dela que se transmite o legado de outras gerações, sendo o instrumento
linguagem fundamental neste processo. É no meio social que um indivíduo aprende
com o outro, estabelece relações e se humaniza.
Vygotskii (2012) desenvolvia as suas pesquisas em parceria, com os seus
colaboradores; dentre eles, pode-se citar Luria (2012a), Leontiev (1978, 1981) e
Poddiákov (1987). O fato de conviver e trabalhar com outros pesquisadores é algo
coerente com aquilo que Vygotski apregoa, uma vez que no trabalho desenvolvido
entre eles estava presente a relação, o diálogo e a troca de ideias. Luria (2012b)
comenta sobre a genialidade de Vygotski no pouco espaço de tempo em que
conviveram e trabalharam juntos. Ele salienta:

Não é exagero dizer que Vigotskii era um gênio. Ao longo de mais de


cinco décadas trabalhando no campo da ciência, eu nunca encontrei
alguém que sequer se aproximasse de sua clareza de mente, sua
habilidade para expor a estrutura essencial de problemas complexos,
sua amplidão de conhecimentos em muitos campos e sua
capacidade para antever o desenvolvimento futuro de sua ciência.
(LURIA, 2012b, p. 21).

A admiração e o respeito de Luria pela pessoa de Vygotski e por sua


produção intelectual são perceptíveis. Luria (2012b), comenta que ele e Leontiev
(1981, p. 22) ficaram “encantados quando se tornou possível incluí-lo em nosso
grupo de trabalho, que chamávamos de ‘troika’”. A genialidade de Vygotski, de fato,
48

é reconhecida no campo da psicologia e entre os pesquisadores de várias áreas na


atualidade. Sendo o legado teórico por ele deixado amplo, considerando-se o pouco
tempo de vida que teve, pois morreu aos 38 anos. O curto espaço de tempo em que
trabalharam juntos afetou de forma significativa a vida e o curso das pesquisas de
Luria (2012b, p. 36), o qual salienta que

Estes mesmo dez anos alteraram para sempre o curso de meu


próprio trabalho. Sem destruir os impulsos básicos que me tinham
inicialmente atraído para a psicologia, Vigotskii proporcionou-me uma
compreensão incomparavelmente mais ampla e mais profunda da
empreitada em que minha pesquisa anterior se encaixava. No fim da
década de 20, o curso futuro de minha carreira estava determinado.
Eu passaria meus anos seguintes desenvolvendo os vários aspectos
do sistema psicológico de Vigotskii.

É notório que a parceria de Vygotski, Leontiev e Luria prosseguiu nos


estudos psicológicos mesmo após a morte de Vygotski. Os seus colaboradores
continuaram os estudos e os ampliaram.
Uma teoria capaz de nos ajudar a lidar com os problemas e as questões
educacionais do nosso tempo é a Teoria Histórico-Cultural. Assim como Freinet,
Vygotski concebe a criança como ativa e capaz no seu processo de apropriação da
cultura humana. Nesta lógica,

Para a teoria histórico-cultural, a criança nasce com uma única


potencialidade, a potencialidade para aprender potencialidades; com
uma única aptidão, a aptidão para aprender aptidões; com uma única
capacidade, a capacidade ilimitada de aprender e, nesse processo,
desenvolver sua inteligência [...]. (MELLO, 2000, p. 136).

Assim, essa capacidade ilimitada para ser, para aprender, existe. No


entanto, está condicionada ao lugar que as pessoas ocupam nas relações sociais.
Tais relações são marcadas pelas condições de classe dos indivíduos, que
possibilitam o acesso à cultura humana de modo desigual e excludente. Logo, nem
todos poderão desenvolver suas capacidades ao máximo, pois estas estarão
sujeitas às condições materiais de existência. Leontiev (1978, p. 274) assevera que:

A unidade da espécie humana parece ser praticamente inexistente


não em virtude das diferenças de cor de pele, da forma dos olhos ou
de quaisquer outros traços exteriores, mas sim das enormes
diferenças nas condições e modo de vida, da riqueza da atividade
material e mental, do nível de desenvolvimento das formas e
aptidões intelectuais.
49

Neste contexto, de diferenças no modo como os indivíduos vivem, as


condições de apropriação da linguagem escrita também acontecerão de modo
desigual para com as crianças. Apesar disso, ainda há algo que pode ser feito, pois
enquanto professores, mesmo que trabalhando nas condições mais adversas, é
possível organizar um ambiente na escola para que as crianças tenham acesso aos
mais diferenciados elementos da cultura humana. É possível trabalhar sob a
perspectiva de ajudar a desenvolver nas crianças as máximas capacidades
humanas.
Ao pensar na apropriação, pelo sujeito, da linguagem escrita como prática
cultural, torna-se necessário evidenciar o papel que a cultura ocupa nessa
perspectiva. Assumo, portanto, que na apropriação da linguagem escrita, a cultura é
elemento chave.

2.2 CULTURA HUMANA E HISTÓRIA DA ESCRITA

Desde o momento em que nasce, o indivíduo tem contato com a cultura.


Nela estão guardadas a história da sociedade, a relação dos homens entre si, o
modo como esse foi dominando o meio social por meio do trabalho. Com o trabalho,
o homem construiu ferramentas, objetos que podem ser denominados como objetos
da cultura humana. Para que a apropriação da linguagem escrita aconteça como
prática cultural, é necessário aprender a usar a leitura e a escrita, objetos da cultura
humana, como elementos de comunicação social com os outros, sendo a
comunicação uma necessidade que todo ser humano apresenta.
Ao olhar para a história da escrita, foi exatamente isso o que aconteceu: foi
pela necessidade que o homem tinha de se comunicar com o outro que nasceu a
escrita. Contudo, a invenção da escrita “ocorreu não para duplicar o oral, mas para
completá-lo.” (BAJARD, 2014b, p. 20). É claro que na sua gênese não existiam
todos os caracteres que conhecemos na atualidade, estes que se veem nos
teclados, telas e materiais impressos. Bajard (2014b, p. 19), ao escrever sobre a
história da escrita, explicita que:
50

Quando na Mesopotâmia, por volta de 3300 anos antes de Cristo,


surgiu entre os sumérios a escrita pictográfica, o traçado das suas
unidades mantinha semelhança com o referente que designava [...].
Inicialmente pictográfico, isto é, semelhante ao referente, o signo passa
a perder sua “representatividade” e se torna ideográfico. Em ambos os
modos da escrita, o significante está diretamente vinculado ao
significado e a ligação que se pode estabelecer entre os significantes da
língua escrita e os da língua oral deve passar pelo sentido.

Por meio do estudo realizado por Bajard (2004b) é possível identificar o


quanto o nascimento da escrita é antigo e denota que a primeira forma de escrita
aconteceu por meio do desenho; este foi e é uma forma de linguagem, sempre
relacionado ao sentido. Assim sendo, é possível apontar que dentro do ser humano
pulsa a necessidade de se comunicar com o outro e a escrita é peça, elemento
chave, para as relações sociais que se estabeleceram e se estabelecem ao longo do
processo histórico, social e cultural.
O nascimento da escrita foi caracterizado por milhares de signos e com o
tempo o seu uso ficou nas mãos de especialistas que investiam anos para aprender
a utilizá-la (BAJARD, 2014b). Muito tempo se passou e o ser humano foi
aprimorando o traçado e a forma desses desenhos. Mais do que tudo, o homem
estava registrando a sua história com o mundo e a sua própria cultura. Como
explicita Bajard (2014b, p. 19),

Mais tarde, por razões de economia e de combinatória, esses


traçados se distanciaram das formas primitivas, se simplificaram e se
tornaram “arbitrários”, o que acarretou sua redução. Desse modo, a
aprendizagem da escrita foi facilitada.

A simplificação dos traçados, que se tornaram arbitrários, favoreceu a


aprendizagem da escrita. De acordo com Bajard (2014b, p. 23), “mais tarde, a
escrita perde seu caráter ideográfico para se tornar fonética.” O princípio de
economia de signos prevaleceu neste tipo de escrita, “uma vez que, em vez de
milhares de unidades significativas, utilizam-se sons, unidades em número limitado.”
(BAJARD, 2014b, p. 23). Tanto a escrita cuneiforme como os hieróglifos tinham o
objetivo de transcrever as palavras ou sílabas. Até chegar ao alfabeto que hoje
conhecemos e utilizamos, a humanidade percorreu ainda um longo caminho e duas
invenções foram importantes. A primeira aconteceu por meio dos fenícios, que
passaram a transcrever fonemas ao invés de sílabas. Desse modo, eles tornaram
51

possível o acesso à análise fonológica da língua (BAJARD, 2014a). A segunda


invenção foi criada pelos gregos,

Que necessitaram dar forma às vogais, abundantes em sua língua,


para preservar a informação por elas veiculada. Eles emprestaram
dos fenícios não somente consoantes comuns a ambas as línguas,
como também utilizaram as demais consoantes fenícias para
transcrever as suas vogais. Tinha nascido a escrita alfabética.
(BAJARD, 2014a, p. 26-27).

Dessa maneira, torna-se evidente que ao sentir a necessidade de entrar em


um processo comunicativo que fosse além da oralidade o homem criou a escrita e a
modificou conforme as suas necessidades; este foi um processo gerado ao longo da
história. Mas esse esforço criativo do ser humano foi muito além disso. Atingiu outros
patamares, ou seja, mais do que se comunicar com o outro, o homem dos nossos
primórdios estava criando uma forma de registro. Esse processo evidencia que, pela
primeira vez na história da humanidade, a escrita cumpria o papel de função social.
Ao utilizar a escrita como forma de registrar a vida em comunidade, o
homem fez uso de um suporte para que essas anotações existissem, utilizando,
inicialmente, as paredes das cavernas. O desenho nas paredes era um processo
demorado, repleto de detalhes e com riqueza de traços. Durante anos, o homem que
viveu nesse período histórico deixou registrados elementos do seu cotidiano, como a
caça, as relações que tinha com a natureza e com os outros seres humanos.
É necessário elucidar essa ideia da qual estou falando. Nos dias atuais,
seria impossível imaginar como os homens viveram há séculos atrás se eles não
tivessem registrado a história da sua existência por meio dos desenhos e dos signos
gráficos. Têm-se, portanto, um dos papéis mais cruciais da escrita, isto é, permitir ao
homem que registre os eventos da vida, independente de qual seja esse tempo
histórico vivido.
É fato que, pela necessidade dos próprios homens, a relação com a escrita
também foi modificada. Tornou-se necessário simplificar os desenhos, os traçados, e
o homem o fez. Depois, pela troca de culturas entre os indivíduos, o acesso aos
caracteres de escrita foi socializado. Os homens combinaram, fizeram acordos entre
si para que o processo de comunicação pudesse ser entendido por todos. A
linguagem escrita precisava ter um padrão. Foram anos de apropriação dessa
52

linguagem e desses sinais gráficos até chegarmos aos caracteres de escrita do qual
fazemos uso na atualidade.
Por meio dessas anotações, dessas marcas, a cultura humana foi divulgada
e apropriada junto com seus instrumentos por outros homens em um tempo histórico
totalmente distante. O patrimônio cultural construído foi e é disponibilizado ao
indivíduo e esse é

Colocado diante de uma imensidade de riquezas acumuladas ao


longo dos séculos por inumeráveis gerações de homens, os únicos
seres, no nosso planeta, que são criadores. As gerações humanas
morrem e sucedem-se, mas aquilo que criaram passa às gerações
seguintes que multiplicam e aperfeiçoam pelo trabalho e pela luta as
riquezas que lhes foram transmitidas e <<passam o testemunho>>
do desenvolvimento da humanidade. (LEONTIEV, 1978, p. 267).

É impressionante a capacidade que o homem tem para realizar processos


criativos, e o mais notável ainda é que aquilo que ele cria, os instrumentos que ele
constrói diante de uma necessidade, como foi o caso da escrita, podem estar à
disposição de outros seres humanos em tempos e espaços diversos. Na visão de
Leontiev (1978, p. 265-266),

Cada geração começa, portanto, a sua vida num mundo de objetos e


de fenômenos criado pelas gerações precedentes. Ela apropria-se
das riquezas deste mundo participando no trabalho, na produção e
nas diversas formas de atividade social e desenvolvendo assim as
aptidões especificamente humanas que se cristalizaram, encarnaram
nesse mundo.

Por este ângulo, a cultura tem um papel fundamental na vida dos homens
que se apropriam dos objetos e de tudo o que está cristalizado em cada um deles.
Assim, de acordo com o domínio que o homem estabeleceu sobre a natureza, ele foi
criando instrumentos que se tornaram suas ferramentas para assumir domínio sobre
a terra. Tal fato significa que, “o instrumento é ao mesmo tempo um objeto social no
qual estão incorporadas e fixadas as operações de trabalho historicamente
elaboradas.” (LEONTIEV, 1978, p. 268).
O trabalho, portanto, é uma categoria central para que as transmissões
aconteçam de geração para geração e isso tornou possível a história humana. Marx
denota que o trabalho
53

É um processo entre homem e Natureza, um processo em que o


homem, por sua própria ação, media (sic), regula e controla seu
metabolismo com a Natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria
natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças
naturais pertencentes à sua corporalidade, braços e pernas, cabeça
e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para
a sua própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento sobre a
Natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo
tempo, sua própria natureza. (MARX, 1985, p. 149).

O homem foi, assim, alterando sua condição de vida e a si mesmo, pois


cada objeto criado modificava a sua existência e o modo de lidar com o meio social.
De acordo com Mello (2000, p. 137-138),

Essa transmissão de uma geração para outra dos conhecimentos,


aptidões e habilidades que foram sendo criadas ao longo da história
só se tornou possível devido a uma forma de atividade
absolutamente própria dos homens: a criação de objetos externos da
cultura — os instrumentos de trabalho, as máquinas, a arte. Esses
objetos não existiam no início da história humana e se tornaram
possíveis pela atividade criadora e produtiva específica do homem: o
trabalho.

Para cada nova geração, foi apresentado o uso desses instrumentos, o que
se deu na prática, isto é, as novas gerações viam como os seus pais e as pessoas
do grupo faziam uso deles. Leontiev (1978, p. 272) sublinha a importância da
continuidade desse processo, “sem o que a transmissão dos resultados do
desenvolvimento sócio-histórico da humanidade nas gerações seguintes seria
impossível, e impossível, consequentemente, a continuidade do progresso histórico.”
Neste contexto, o trabalho é uma atividade humana; como declara Marx
(1985, p. 149), “pressupomos o trabalho numa forma em que pertence
exclusivamente ao homem”. É a atividade do trabalho que distingue os homens dos
animais. De acordo com Marx (1986, p. 27, grifo do autor), os próprios homens:

Começam a se diferenciar dos animais tão logo começam a produzir


seus meios de vida, passo este que é condicionado por sua
organização corporal. Produzindo seus meios de vida, os homens
produzem, indiretamente, sua própria vida material.

Ao organizar-se para dominar a natureza, o homem cria um modo diferente


de viver. Ele planeja e executa as suas ações criando sempre novos instrumentos
para satisfazer as suas necessidades, realizando, portanto, um trabalho. É fato que,
54

para poder viver, o homem precisa de vestimentas, comida, bebida, ter uma
moradia, dentre outros elementos (MARX, 1986). Deste modo, “o primeiro ato
histórico é, portanto, a produção dos meios que permitam a satisfação destas
necessidades, a produção da própria vida material” (MARX, 1986, p. 39). Um dado
interessante é que após satisfazer essa necessidade, o ato de satisfazê-la e o
“instrumento de satisfação já adquirido conduzem a novas necessidades” (MARX,
1986, p. 40). Nesta perspectiva, o homem é um ser dinâmico, ativo e está sempre
criando algo para suprir as suas necessidades. Nas palavras de Oliveira (2010, p.
21-22),

O animal precisa se adaptar à natureza para sobreviver e perpetuar


sua espécie; o homem, porém, embora mantenha sua base animal,
adapta a natureza às suas necessidades, as quais foram criadas ao
longo do próprio processo de transformar a natureza, dando-lhe um
sentido sócio-histórico. Isto é, vai conhecendo as leis da natureza
para, com elas, transformar essa natureza, adaptando-a a sua
existência histórico-social. Dessa forma, além de transformar a
natureza ele transforma a si mesmo. É esse o importante traço que
diferencia o homem do animal — o trabalho humano que transforma
a natureza adaptando-a a si.

Neste cenário, por meio do trabalho o homem transforma a natureza e é


transformado por ela, pois o processo criativo que realiza sobre a natureza para
suprir suas necessidades e criar novos objetos modifica o próprio homem e seu
ambiente social. Dessa forma,

O trabalho só se realiza quando a ideia se objetiva, quando a matéria


é transformada. O trabalho implica, pois, um plano subjetivo e um
objetivo, o que faz concluir que a realização do trabalho constitui uma
objetivação do sujeito. (BARROS; FRANCO, 2010, p. 14-15).

Por meio do trabalho, o homem se objetiva, respondendo às necessidades


que o meio lhe impôs; ele modifica a natureza e a si mesmo (OLIVEIRA, 2010). Vale
salientar que não basta ter apenas os objetos da cultura material à disposição dos
homens: é preciso ver, testemunhar o uso deles. A nova geração consegue assim,
paulatinamente, se apropriar dessas ferramentas. Ao pensar em uma situação
extrema, de catástrofe na humanidade, na qual somente as crianças pequenas
sobrevivessem e nenhum adulto,
55

Isso não significaria o fim do gênero humano, mas a história seria


inevitavelmente interrompida. Os tesouros da cultura continuariam a
existir fisicamente, mas não existiria ninguém capaz de revelar às
novas gerações o seu uso. As máquinas deixariam de funcionar, os
livros ficariam sem leitores, as obras de arte perderiam a sua função
estética. A história da humanidade teria de recomeçar. (LEONTIEV,
1978, p. 272).

É por causa da cultura, passada de geração após geração, que não se torna
mais necessário inventar esses objetos. Ao homem é dada essa capacidade de se
apropriar deles e a possibilidade de inventar e reinventar novos objetos, novos
instrumentos, novas ferramentas, bem como outras formas de sua utilização. Sendo
assim,

O homem não nasce dotado das aquisições históricas da


humanidade. Resultando estas do desenvolvimento das gerações
humanas, não são incorporadas nem nele, nem nas suas
disposições naturais, mas no mundo que o rodeia, nas grandes obras
da cultura humana. Só apropriando-se delas no decurso da sua vida
ele adquire propriedades e faculdades verdadeiramente humanas.
Este processo coloca-o, por assim dizer, aos ombros das gerações
anteriores e eleva-o muito acima do mundo animal. (LEONTIEV,
1978, p. 282-283).

Essa analogia utilizada por Leontiev (1978) de que uma geração carrega a
outra nos ombros, revela a força que há na herança cultural da humanidade e o
papel das relações sociais estabelecidas no processo histórico. O legado das
ferramentas, instrumentos, de toda cultura material e intelectual teve a sua
construção diante de uma nova necessidade gerada nos seres humanos pelo meio
social. O homem responde a essas necessidades criando novos objetos. A próxima
geração chega, apropria-se disso e novas necessidades são impostas pelo meio
social. Parece que vivemos num ciclo de novas necessidades e invenções de
instrumentos pelos homens que é infinito.
No que se refere à escrita, é inegável o papel que ela assume, porque cada
homem, ao viver na sua geração, em um determinado tempo histórico, precisa
transmitir aos próximos indivíduos o legado cultural; e para que tal fato aconteça, o
processo de registro por meio da escrita foi e é fundamental.
Entendo que as estruturas de pensamento no ser humano se modificam toda
vez que essas apropriações dos objetos se realizam. O homem no contato com a
cultura se modifica. No entanto, apesar dos bens materiais estarem disponíveis
56

aparentemente para todos, somente alguns o acessam, restando a uma parcela dos
homens o “contentar-se com o mínimo de desenvolvimento cultural necessário à
produção de riquezas materiais nos limites das funções que lhes são destinadas”
(LEONTIEV, 1978, p. 276).
Um fato interessante e que merece reflexão é que a história da escrita da
humanidade se repete na vida de cada sujeito. Ao observar a criança pequena no
seu contato com os objetos, na sua descoberta do mundo, é possível notar que ela
tem em si a necessidade de registrar. Tal fato é observável quando as crianças
deixam os seus riscos, garatujas, traços, impressões nas paredes de sua casa, nos
móveis, no chão.
Mas essa ação da criança não acontece ao acaso; desde o seu nascimento,
ela observa pessoas do seu meio social realizando atos de leitura e de escrita. Ela
passa, então, a repetir tais ações; na verdade, tem-se aí o início de um processo de
apropriação desses bens culturais. É inegável o processo de comunicação entre a
criança e o adulto. Sendo possível verificar que:

A criança não está de modo algum sozinha em face do mundo que a


rodeia. As suas relações com o mundo têm sempre por intermediário
a relação do homem aos outros seres humanos; a sua atividade está
sempre inserida na comunicação. A comunicação, quer esta se
efetue sob a sua forma exterior, inicial, de atividade em comum, quer
sob a forma de comunicação verbal ou mesmo apenas mental, é a
condição necessária e específica do desenvolvimento do homem na
sociedade. (LEONTIEV, 1978, p. 271-272).

É, no mínimo, impactante ver a força que há na comunicação entre os


indivíduos, pois sem ela não haveria o desenvolvimento social dos homens. É por
meio da comunicação que, aos poucos, o adulto ou uma pessoa mais experiente
com a realidade da escrita oferece para a criança outros suportes para esse registro,
tais como cadernos, agendas, folhas. Além disso, o mais experiente vai aos poucos
significando, nomeando aquilo que a criança está desenhando. Deste modo, é o
adulto que confere o sentido e o incentivo nos caminhos da representação.
Como já foi apontado anteriormente, o homem não nasce munido com as
aquisições históricas da humanidade (LEONTIEV, 1978): ele se apropria delas. Por
sua vez, a criança também faz as aquisições dessas qualidades humanas, dos
instrumentos, incluindo a escrita. Nesse processo, a criança faz a apropriação do
57

objeto e reproduz o seu uso. No caso do tema da pesquisa ora discutida, a


reprodução implica escrever, praticar atos de escrita. Sendo assim,

Devemos sublinhar que este processo é sempre ativo do ponto de


vista do homem. Para se apropriar dos objetos ou dos fenômenos
que são o produto do desenvolvimento histórico, é necessário
desenvolver em relação a eles uma atividade que reproduza, pela
sua forma, os traços essenciais da atividade encarnada, acumulada
no objeto. (LEONTIEV, 1978, p. 268).

Neste contexto, ao longo dos anos os indivíduos têm percebido que se


escreve para representar-se algo e que esse instrumento cultural, ou seja, a escrita
existe para o outro, para dizer algo para o outro e poucas vezes para si mesmo.
É fato que um dos instrumentos culturais criados pelo próprio homem e
capaz de desenvolver potencialidades humanas é a linguagem escrita. Neste
âmbito, ao discorrer sobre a apropriação da leitura e da escrita, é necessário falar
sobre o local privilegiado para que ela ocorra, ou seja, a escola, e também sobre o
papel da linguagem na vida do indivíduo, e é isso que proponho a seguir.

2.3 A IMPORTÂNCIA DA ESCOLA NA VIDA DO LEITOR E ESCRITOR

No início do Ensino Fundamental, há a necessidade de se explicar para as


crianças a importância que a escola tem para a vida delas. É na escola que elas
terão acesso ao conhecimento mais elaborado, sistematizado e o contato com o
conhecimento científico. A escola é um espaço de encontros, de humanização, de
descoberta, de elaborar os conhecimentos, de sair da esfera de um conhecimento
empírico para transformá-lo em conhecimento científico.
A escola também tem um papel essencial na humanização das pessoas. É
nesse espaço, muitas vezes, que se aprende a ouvir o outro, a ter responsabilidades
de forma mais ampla, a lidar com as diferenças, a trabalhar em grupo, a respeitar o
colega de sala, a refletir sobre os acontecimentos cotidianos. É na escola que a
maioria das crianças aprende a ler e escrever e a utilizar esses instrumentos para se
comunicar de uma forma que até então desconheciam.
Refletir sobre a apropriação da leitura e escrita e o desenvolvimento do
estudante dentro da escola, torna-se algo desafiante e ao mesmo tempo necessário
e isso inclui pensar sobre o ensino da língua materna na escola. Tal apropriação é
58

um fenômeno complexo para os alunos que estão no 1.º ano e nos anos iniciais do
Ensino Fundamental e envolve as concepções dos professores a respeito do que
seja alfabetizar, considerando-se o acesso à cultura escrita.
É visível que antes de serem matriculadas no Ensino Fundamental, as
crianças já convivem com uma cultura escrita. De alguma maneira, já refletem sobre
o que é ler e escrever, bem como sobre a importância dessas capacidades na
sociedade e na cultura. Tal fato significa que as crianças estabelecem contato com
diferentes objetos e materiais escritos, elementos da cultura humana, desde muito
pequenas, algumas com mais frequência e outras com menos.
A criança não precisa ter autorização de uma instituição escolar para pensar
sobre o ato de ler e de escrever, estando a ela vinculada ou não. Quando nasce, ela
chega a um mundo letrado, a um entorno encharcado de linguagem escrita, e, assim
como vai significando sobre tudo a sua volta, desde sobre os seres com vida aos
diferentes materiais ou objetos inanimados, também vai dando sentido àqueles ditos
imateriais da cultura humana (valores, sentimentos, emoções, crenças, entre outros).
Neste cenário, considero o processo de construção da linguagem escrita
como um momento de extrema relevância na interação do sujeito com o seu meio. O
domínio da capacidade de ler e de escrever, uma forma de conduta superior dos
homens e parte das qualidades especificamente humanas, é vital e um direito de
toda criança em idade escolar.
Logo, essa história da criança com a escrita é iniciada desde o seu
nascimento, pois ela convive com esses aspectos da cultura escrita diariamente. Tal
convívio se concretiza na sua realidade pelo contato com livros, jornais, gibis,
revistas, encartes, folhetos, rótulos de produtos, outdoors, telas de TV, computador,
celular, tablets e muitos outros. Desse modo, nos primeiros anos de vida a criança
aprende e assimila técnicas que preparam o caminho para a escrita (LURIA, 2012a).
Vygotski (2012, p. 109) toma “como ponto de partida o fato de que a
aprendizagem da criança começa muito antes da aprendizagem escolar. A
aprendizagem escolar nunca parte do zero. Toda a aprendizagem da criança na
escola tem uma pré-história”. Essa pré-história pode ser considerada como todo o
contato que a criança estabeleceu com os objetos da cultura, com os
relacionamentos que teve com as pessoas e o que aprendeu com elas, como sendo
toda a exploração que fez do mundo à sua volta.
59

Na mesma direção Jolibert (1994a, p. 44) aponta que:

[...] As crianças não tem esperado por nós para questionarem


livremente o escrito: na rua, em casa, até na escola, elas dedicam
muito tempo em avançar hipóteses de sentido sobre os cartazes, as
vitrinas das lojas, as prateleiras dos supermercados, as embalagens
dos produtos alimentícios, os jornais, as histórias em quadrinhos, as
obras de literatura infantil, etc. Elas fazem isso a partir de indícios
que vão desde ilustrações até o formato e a cor, passando, entre
outros, pelas palavras e que, de todo modo, estão muito ligados ao
contexto no qual tais escritos são encontrados.

Cabe aqui uma reflexão: admitindo-se o fato de que as crianças questionam


o conteúdo do material escrito que está ao seu redor, se elas assim o fazem, por
que o ensino da língua parece tão distante delas quando chegam ao Ensino
Fundamental? Por que tudo parece abstrato demais para algumas? Considero que
tal fato aconteça porque a escola se aparta do plano da vida, propondo exercícios
sem sentido que não se relacionam com o que as crianças vivenciam no seu
cotidiano e com o tipo de material gráfico com o qual elas têm contato fora do
espaço da escola.
Vygotski (1995b, p. 183)6 pode ajudar a responder o questionamento
anterior. O autor assevera:

Nosso ensino da escrita não se baseia ainda no desenvolvimento


natural das necessidades da criança, nem em sua própria iniciativa:
chega-lhe de fora, das mãos do professor e recorda a aprendizagem
de um hábito técnico, como por exemplo, tocar piano.

O ensino da escrita não pode ser apenas um ato mecânico realizado pelas
crianças; a escrita tem que se tornar uma necessidade para elas. Geralmente na
escola, nas salas do 1.º ano, alguns professores partem do que consideram ser o
mais simples para o entendimento das crianças, isso é, iniciam o ensino pelas letras,
vogais e consoantes e a junção destas para formar as sílabas. A ênfase do trabalho
se concentra na codificação e decodificação. Assim, muitos professores organizam o
tempo para que as crianças fiquem horas desenhando as letras para obter um
traçado perfeito.

6
Nuestra enseñanza de la escritura no se basa aún en el desarrollo natural de las necesidades del
niño, ni en su própria iniciativa: le llega desde fuera, de manos del maestro y recuerda el
aprendizaje de un hábito técnico, como, por ejemplo, tocar el piano.
60

Ou, ainda, enfatizam o som das letras, a fonetização. Somente mais tarde é
que as crianças têm o contato com o texto real, com o material escrito que circula na
sociedade. Ao optar por esta metodologia de ensino, o ato de ler e o de escrever se
tornam algo muito distante da criança, sendo o uso da língua muito abstrato também
no seu cotidiano. Vale ressaltar que, durante a geração de dados para a pesquisa
realizada nas duas salas do 1.º ano, foi observada na prática das professoras, a
ênfase no método fônico e na decodificação realizada pelas crianças. Ao longo do
capítulo III, discutirei essa questão da fonetização. Pondero que seja possível
apresentar a língua com toda a sua complexidade para a criança, ou seja, nas salas
de aula o trabalho desenvolvido pode ser realizado com textos reais, do cotidiano da
criança, com histórias que chamem a sua atenção, com livros e material escrito por
toda a parte da sala.
Dessa maneira, é necessário pensar sobre o fato de impulsionar as crianças,
de fazê-las ir além e conquistar novos conhecimentos. Julgo que por intermédio da
mediação que ocorre no meio social, se dá o desenvolvimento das funções
psíquicas superiores, sendo que o mediador parte daquilo que a criança já sabe e a
desafia, objetivando a conquista do conhecimento em outros níveis. Vygotski (2012)
chama a atenção para dois níveis de desenvolvimento e explicita que

Ao primeiro destes níveis chamamos nível do desenvolvimento


efetivo da criança. Entendemos por isso o nível de desenvolvimento
das funções psicointelectuais da criança que se conseguiu como
resultado de um específico processo de desenvolvimento já
realizado. [...] As únicas provas tomadas em consideração para
indicar o desenvolvimento psicointelectual são as que a criança
supera por si só, sem ajuda dos outros e sem perguntas-guia ou
demonstração. (VIGOTSKI, 2012, p. 111-112).

A zona de desenvolvimento efetivo é, portanto, aquela na qual a criança


consegue fazer algo sem o auxílio de outra pessoa. Existe ainda outro nível de
desenvolvimento, que foi nomeado de nível ou zona de desenvolvimento potencial.
Isto posto,

O que uma criança é capaz de fazer com o auxílio dos adultos


chama-se zona de seu desenvolvimento potencial [...]. O que a
criança pode fazer hoje com o auxílio dos adultos poderá fazê-lo
amanhã por si só. A área de desenvolvimento potencial permite-nos,
pois, determinar os futuros passos da criança e a dinâmica do seu
desenvolvimento e examinar não só o que o desenvolvimento já
produziu, mas também o que produzirá no processo de maturação.
(VIGOTSKII, 2012, p. 112-113).
61

É fato que essa possibilidade de ser aquele que auxilia, que assume o papel
de um suporte para a criança no processo de aprendizagem, é uma das
características mais marcantes dos professores. Para que a aprendizagem ocorra e
o ensino incida na zona de desenvolvimento potencial, o olhar atento do professor
para cada um dos alunos é fundamental. Este olhar, ajuda a organizar o ambiente
de sala de aula e pode criar a possibilidade de desafiar a criança a alcançar outros
níveis. Em outras palavras,

[...] O trabalho educativo deve impulsionar novos conhecimentos e


novas conquistas, a partir do nível de desenvolvimento da criança —
de seu desenvolvimento consolidado, daquilo que a criança sabe.
Por isso é que Vygotsky conclui que o bom ensino não é aquele que
incide sobre o que a criança já sabe ou já é capaz de fazer, mas é
aquele que faz avançar o que a criança já sabe, ou seja, que a
desafia para o que ela ainda não sabe ou só é capaz de fazer com a
ajuda de outros. (MELLO, 2000, p. 144).

Assim sendo, para desafiar as crianças em sala de aula, para fazê-las


avançar e para impulsionar novos conhecimentos, um dos elementos necessários é
a presença do texto escrito. O ideal nessa dinâmica é que se tenha uma diversidade
de material gráfico à disposição das crianças para que elas tenham a oportunidade
de explorá-los, de lê-los. A presença do adulto mais experiente, no caso o professor,
pode auxiliar as crianças na descoberta do texto, das características apresentadas
por este e também do que seja a escrita. Segundo Luria (2012a, p. 144) “[...] A
escrita pode ser definida como uma função que se realiza, culturalmente, por
mediação [...].” Portanto, para que a criança aprenda a escrever, ela precisa de
alguém que faça essa mediação com o instrumento da cultura humana, sendo esse
um processo social e cultural.
Além disso, Luria (2012a, p. 146) ainda salienta que a:

Escrita é uma dessas técnicas auxiliares usadas para fins


psicológicos; a escrita constitui o uso funcional das linhas, pontos e
outros signos para recordar e transmitir idéias7 e conceitos. Exemplo
de escritas floreadas, enfeitadas, pictográficas mostram quão
variados podem ser os itens arrolados como auxílios para a retenção
e a transmissão das idéias, conceitos e relações.

7
Nota da revisora: Apesar de fugir ao novo acordo ortográfico, essa grafia foi usada para que a
citação se mantivesse fiel ao original, o que acontecerá mais vezes ao longo da pesquisa.
62

A escrita desempenha, de fato, esse papel de registro, de instrumento usado


para recordar algo, para expressar ideias. A mediação citada pelo autor, pode ser
entendida como aquela que se faz pelos signos que os adultos utilizam para
comunicar-se com a criança. Desse modo, um conteúdo cultural qualquer não se
translada diretamente ao psiquismo do homem; é preciso uma mediação e são os
signos que a constituem. É o caso dos conceitos transmitidos pela linguagem. E,
neste processo, é necessário que a “linguagem escrita da humanidade se converta
na linguagem escrita da criança” (VYGOTSKI, 1995b, p. 185)8. O professor é peça
chave nesse percurso que a criança realiza para se apropriar da linguagem escrita.
Em vista disso, a linguagem escrita pode ser considerada uma função
psíquica superior e especificamente humana. Segundo Vygotski (1995b, p. 151)9
“todas as funções psíquicas superiores são relações interiorizadas de ordem social,
são o fundamento da estrutura social da personalidade”. Assim sendo, todas as
funções psíquicas possuem uma natureza social, pois se concretizam primeiramente
no meio no qual o indivíduo atua e nas relações que ele estabelece com os outros e
com os objetos, para em um segundo momento se tornarem internas, a nível
psíquico.
Com relação às funções psíquicas superiores, Vygotski (1995b, p. 150)10
ainda assevera:

Quando dizemos que um processo é <<externo>> queremos dizer


que é <<social>>. Qualquer função psíquica superior era externa
porque era mais social do que interna; a função psíquica
propriamente dita era antes uma relação social entre duas pessoas.

É inegável a força que o meio social desempenha no desenvolvimento da


criança. Ao estudar sobre a origem, a gênese, das funções psíquicas superiores,
Vygotski (1995a, p. 150)11 formulou a lei genética geral do desenvolvimento cultural
da seguinte forma:

8
[...] linguaje escrito de la humanidad se convierta en el linguaje escrito del niño [...].
9
Todas las funciones psíquicas superiores son relaciones interiorizadas de orden social, son el
fundamento de la estrutura social de la personalidad.
10
Cuando décimos que un proceso es <<externo>> queremos decir que es <<social>>. Toda función
psíquica superior fue externa por haber sido social antes que interna; la función psíquica
propriamente dicha era antes una relación social de dos personas.
11
Toda función en el desarrollo cultural del niño aparece en escena dos veces, en dos planos;
primero en el plano social y después en el psicológico, al princípio entre los hombres como
categoría interpsíquica y luego em el interior del niño como categoría intrapsíquica.
63

Cada função no desenvolvimento cultural da criança aparece em


cena duas vezes, em dois planos; primeiro no plano social e depois
no psicológico, inicialmente entre os homens como categoria
interpsíquica e depois dentro da criança como uma categoria
intrapsíquica.

Assim, o desenvolvimento cultural de cada indivíduo acontece primeiro no


campo interpsíquico, por meio das atividades coletivas realizadas, no contato com
outras pessoas. Depois, ele adquire o modo de atividade intrapsíquica, isto é, se
torna um processo que acontece dentro da pessoa, no interior do indivíduo.
Com relação ao processo de leitura e escrita, o mesmo acontece, ou seja, a
pessoa mais experiente com estes objetos da cultura torna-se o escriba na relação,
escreve aquilo que a criança menor solicita enquanto ela ainda não tiver se
apropriado desta capacidade. E também medeia o contato da criança com o livro,
com os diversos tipos de texto enquanto ela ainda não tiver se apropriado da leitura.
Com relação a essa ajuda prestada pelo professor também no processo de
leitura, Jolibert (1994a, p. 14) salienta que “não se ensina uma criança a ler: é ela
quem se ensina a ler com a nossa ajuda (e a de seus colegas e dos diversos
instrumentos da aula, mas também a dos pais e de todos os leitores encontrados).”
A autora aponta a importância da criança ter ao seu redor pessoas que utilizem no
seu dia a dia os instrumentos de leitura e escrita e que de algum modo, nesse
manuseio, geram o desejo na criança de fazer o mesmo.
É fato que, ao entrar no Ensino Fundamental, muitas crianças não
compreendem o que a escrita representa. Por exemplo, algumas não sabem o que
pode ser escrito e de que modo se escreve. Do mesmo modo, muitas desconhecem
para quem podem escrever, bem como a finalidade da escrita e o momento em que
ela pode acontecer, isso é, quando escrevemos. Isso significa que muitas não
entenderam ainda a função social e intelectual da escrita para a sua formação como
ser humano, para a sua humanização. Na verdade, as crianças não descobrirão tal
função sozinhas; os professores precisarão apontar isso no seu cotidiano junto a
elas. É preciso repensar o ensino da língua materna nas escolas pois,
64

O desenvolvimento da linguagem escrita pertence à primeira e mais


evidente linha de desenvolvimento cultural, e que está relacionado
com o domínio do sistema externo de meios elaborados e
estruturados no processo de desenvolvimento cultural da
humanidade. (VYGOTSKI, 1995b, p.185)12.

É possível afirmar que o desenvolvimento da linguagem escrita está


interligado ao desenvolvimento cultural, sendo um processo histórico e único para
cada indivíduo que se apropria dele. Assim, cabe ao professor e aos adultos que
convivem com as crianças atuar junto a elas nesse processo de mediação.
Nesta conquista da linguagem escrita, por que a educação é importante?
Pela possibilidade de se expandir o uso da palavra. A educação é um direito de
todos e possibilita o crescer como ser humano. Disponibiliza o conhecimento
construído pela humanidade ao longo da história para que cada indivíduo se
aproprie dele.
Não há limites para poder pensar com as palavras. Há uma relação entre
pensamento e palavra e, de acordo com Vygotsky (2001, v. 2, p. 345)13, essa
relação “é um processo vivo de nascimento do pensamento na palavra. Uma palavra
desprovida de pensamento é acima de tudo uma palavra morta”. Nessa relação viva
e dinâmica, sempre há a necessidade de, diante de um ato comunicativo, fazer a
escolha das palavras. Cada indivíduo pode usar, articular, suprimir, organizar,
utilizando-se dessas palavras como suas, porque apropriou-se deste conhecimento.
É só olhar para a nossa trajetória, o que éramos e o que somos. A palavra nos
molda, nos transforma e pode nos fazer melhores como seres humanos, isto é,
depende do uso responsável que fazemos dela, sempre buscando respeitar a figura
do outro.
Um fato indiscutível é que todo material escrito pressupõe um ato
comunicativo, isto é, todo texto escrito se dirige a alguém, quer dizer algo a uma
pessoa. Dentre tantos papeis que a escola desenvolve, um deles é ensinar os
alunos a escrever, a se expressar, a aprender a posicionar as palavras, a
argumentar e a organizar o seu pensamento e o seu discurso. Sendo assim, “a
relação entre o pensamento e a palavra não é uma relação primária, dada de uma

12
El desarrollo del linguaje escrito pertenece a la primera y mas evidente línea del desarrollo cultural,
ya que está relacionado con el domínio del sistema externo de medios elaborados y estructurados
en el proceso del desarrollo cultural de la humanidad.
13
Es un proceso vivo de génesis del pensamento en la palabra. La palabra desprovista de
pensamiento es ante todo una palabra muerta.
65

vez e para sempre. Surge em desenvolvimento e ali mesmo se desenvolve”


(VYGOTSKI, 2001, v. 2, p. 345)14. Neste processo de desenvolvimento de
pensamento e palavra, a escola pode ajudar os alunos também a ler: ler palavras,
ler o mundo, ler os gestos, imagens e em tudo buscar a compreensão. De acordo
com Luria (2012b, p. 26):

Instrumentos culturais especiais, como a escrita e a aritmética,


expandem enormemente os poderes do homem, tornando a
sabedoria do passado analisável no presente e passível de
aperfeiçoamento no futuro. Esta linha de raciocínio implica que, se
pudéssemos estudar a maneira pela qual as várias operações de
pensamento são estruturadas entre as pessoas cuja história cultural
não lhes forneceu um instrumento tal como a escrita, encontraríamos
uma organização diferente dos processos cognitivos superiores;
encontraríamos uma estruturação semelhante aos processos
elementares [...].

A apropriação deste instrumento cultural complexo, que é a escrita,


possibilita aos indivíduos a ampliação de sua capacidade de pensamento, de
organização, de registro e de poder de análise. Assim, é papel da escola ensinar as
crianças a dominarem esse instrumento.
É fato que muito antes de entrar na escola a criança já desenvolve parte da
habilidade de comunicação e expressão. É na escola, seja a de Educação Infantil
e/ou, no caso estudado, a de Ensino Fundamental, que essas habilidades são
ampliadas e desenvolvidas. Tal fato acontece porque as crianças têm a seu lado
parceiros mais experientes para aventurarem-se nesse processo de comunicação,
parceiros esses que são crianças e adultos.
No caso dos alunos do 1.º ano, a maioria já chega na escola com um
processo de comunicação elaborado e o grande desafio dessas crianças é aprender
a ler e escrever, o que não é somente um desafio, mas também o desejo de muitas
delas. Como surge o desafio e o desejo? É do contato com o outro, é do seu meio
social que mostra pessoas usando a leitura e a escrita de modo constante. Ao
presenciar o uso desses instrumentos, é gerada na criança a vontade de aprender a
usá-los por ver que isso é algo valorizado pelo seu entorno. Conforme a criança
cresce, surge a cobrança do próprio meio da aprendizagem do código escrito de
modo formal.

14
La relación entre el pensamiento y la palabra no es una relación primaria, dada de una vez para
siempre. Surge en el desarrollo y ella misma se desarrolla.
66

Um ambiente de aprendizagem que transmite segurança, pressupõe a


criança saber o que se espera dela, quais são os objetivos que precisam ser
atingidos. Sendo possível readequar estes conforme as dificuldades e avanços de
cada criança no grupo. Sem dúvida, para essa etapa de ensino — 1.º ano —, o
objetivo a ser alcançado é a apropriação da leitura e da escrita, sendo papel
fundamental do professor ajudar os alunos a desenvolverem essa capacidade.
O cotidiano escolar, ao possibilitar práticas de leitura e de escrita, que são
atividades sociais, leva as crianças a acessarem o bem cultural produzido pela
humanidade, que está guardado em cada um dos objetos da cultura humana. Assim,
amplia as capacidades das crianças e o modo de serem e se relacionarem com o
mundo. Em vista disso, um dos grandes desafios da atualidade é propiciar uma
educação que desenvolva as ilimitadas potencialidades humanas.
Além de ensinar a criança a ler e escrever, o professor que ensina a
apropriação da leitura e escrita tem a oportunidade de contribuir para a formação de
crianças leitoras e produtoras de textos; no entanto, dependendo do modo como o
ambiente da sala de aula é pensado e organizado, tal objetivo pode não ser atingido.
Desse modo, a escola pode ser um espaço de práticas enunciativas. O que
isso significa? Que os alunos precisam dizer, se expressar, se comunicar com os
seus pares, seja pela oralidade ou por meio do texto escrito. Para isso, é necessário
disponibilizar uma diversidade de material escrito com a qual eles tenham contato.
Assim, poderão ver como os discursos são organizados nestes materiais, bem como
quais os estilos e gêneros que estão presentes. O professor também pode estimular
a oralidade e a prática de argumentação por meio de debates e explanações.
Debater o quê? Uma matéria de jornal ou da TV, um assunto do cotidiano familiar,
social ou da escola. Explanar o quê? Um livro que foi lido, um filme que foi assistido
em grupo.
É preciso lembrar que esta enunciação tem sempre um valor. Este sujeito,
ao enunciar algo, estará se posicionando no mundo; é essa uma das possibilidades
que a palavra oferece.
67

De acordo com Volochínov e Bakhtin (2011, p. 25):

A enunciação tem sempre um valor — tanto no sentido de que esta


expressa uma avaliação, uma orientação, uma tomada de posição,
quanto no sentido de que é objeto de avaliação — que remete para
além do sistema dos valores que é a própria língua. O valor da
enunciação interpretada pelo enunciador interage com o sentido
avaliador do interlocutor, uma vez que a sua própria formulação — a
escolha das palavras, a sua colocação sintática — está em função
deste último, sofre as consequências da relação de
“proximidade/distância avaliadora” (acordo, desacordo).

É claro que, a todo momento estamos envolvidos com as práticas


enunciativas e a partir delas é marcado o posicionamento dos indivíduos no mundo.
Por outro lado, é necessário comentar o processo contrário, quando indivíduos não
têm o domínio das palavras, quando não se apropriaram da leitura e da escrita. É
válido questionar: será que as práticas enunciativas são prejudicadas nestes casos?
Sem dúvida. Esta ausência de domínio do código e de se saber lidar socialmente
com ele ocasiona para essas pessoas uma série de dificuldades no meio social. É
extremamente complicado ler algo quando ainda não aprenderam a ler e, da mesma
forma, se expressar utilizando as palavras no texto escrito, se ainda não sabem
realizar tal tarefa. Elas vivem em um mundo grafocêntrico, mas ao mesmo tempo
não conseguem se mover em todas as esferas porque desconhecem o uso
convencional dos signos. Isso também ocorre com as crianças e pré-adolescentes
que frequentam os bancos escolares durante anos e ainda não estão alfabetizadas.
Nesta conjuntura, apontar para a criança quais são as suas possibilidades, o
que já sabe e o que ainda não domina é fundamental para que ela perceba a
necessidade de superação, reflita e comece a buscar soluções. Assim,

[...] Alguém pode ser desajeitado ou preguiçoso, desatento ou


analfabeto, mas é capaz de mudar, tornar-se (fazer-se) um outro tipo
de pessoa. Para ensinar e mudar a si mesma, a pessoa deve,
primeiro, saber sobre as limitações e, segundo, ser capaz de
transformar os limites de suas habilidades. (DAVYDOV;
SLOBODCHIKOV; TSUKERMAN, 2003, p. 2).

É importante para a criança que ainda não alcançou a apropriação da leitura


e escrita que ela perceba que não está sozinha no processo e que é possível
superar as limitações existentes com a ajuda do mais experiente com o objeto da
cultura escrita. A presença do outro, ou seja, aquele com quem se estabelece trocas
68

e se dialoga é um pressuposto importante na Teoria Histórico-Cultural, pois todo ser


humano causa impacto no outro e pode ensinar o outro em um processo de relação
social.
Há ainda um outro aspecto a ser comentado. A realidade de algumas
escolas, ou melhor, dos alunos que estão nesses espaços, é de uma alfabetização
limitada, posto que até aprendem a ler e a escrever, concebidos meramente como
atos de um código e não de um sistema vivo, no qual a língua materna se configura
em movimento dinâmico, dialético e dialógico. Não há uma genuína contribuição à
formação de crianças leitoras e produtoras de textos. Quando são solicitados a
praticar a conduta apropriada em relação à capacidade de ler e escrever, o
conhecimento objetivado por meio de leituras, compreensão e produção de textos,
não correspondem às demandas sociais. A apropriação desse bem cultural deveria
ser ofertada como uma ferramenta imprescindível para a inserção do sujeito no
contexto social e cultural do qual faz parte, um contexto que exige a prática da
leitura e escrita a todo o momento.
Considero ser possível ter como ideal uma sala de 1.º ano na qual as
crianças sejam sedentas por ler todos os textos que lhe venham às mãos ou que se
encontrem no campo de visão, ou ainda de pesquisar materiais gráficos para
entender mais sobre determinado assunto. Que tenham o desejo de se expressar
por meio do texto escrito. Que coloquem em movimento toda a vontade de relatar na
escrita o que aprenderam, o que estão pesquisando, os seus sentimentos,
sensações, os novos aprendizados, as conquistas, críticas, elogios, elementos da
sua vida, do seu cotidiano na escola e fora dela.
Assim, as crianças podem lidar com os elementos da linguagem em toda a
sua plenitude, explorando todas as possibilidades que a apropriação da linguagem
escrita proporciona como meio de expressão, de criatividade e inserção no meio
social. Neste contexto, evidencio, a seguir, o papel da linguagem na vida dos
sujeitos.
69

2.4 A LINGUAGEM ESCRITA COMO INSTRUMENTO DA CULTURA

A linguagem é algo que nos define como seres humanos. É a língua que nos
permite entrar no processo de comunicação com o outro e ser entendido. Por meio
da língua, é possível expressar pensamentos, sentimentos, dúvidas,
questionamentos e ações. Ao pensar na língua materna, julgo que é ela quem
oferece a identidade de pertença a um lugar, a um território. Por exemplo, a língua
materna no Brasil tem suas peculiaridades, tem uma estrutura, normas gramaticais
que foram herdadas de uma raiz linguística mais antiga e, com o seu uso, tornou-se
algo particular do povo brasileiro.
Para fazer o uso da língua existem normas, regras, algo fixo com relação a
ela que permite ao indivíduo se expressar e ser entendido pelo outro. Sem essa
normatização, o processo de linguagem seria comprometido. Como ocorre a
socialização da língua? Por meio da oralidade e da escrita. O ponto crucial é que
esse processo de comunicação é relacional, a linguagem existe para que uma
pessoa possa comunicar-se com a outra.
Neste aspecto, o desenvolvimento da linguagem também acontece
primeiramente no nível interpsíquico, entre as pessoas, para depois acontecer no
nível intrapsíquico, dentro da pessoa. Assim,

A linguagem origina-se em primeiro lugar como meio de


comunicação entre a criança e as pessoas que a rodeiam. Só depois,
convertido em linguagem interna, transforma-se em função mental
interna que fornece os meios fundamentais ao pensamento da
criança. (VIGOTSKII, 2012, p. 114).

O homem é um ser de relações e é nessa relação com o outro por meio da


linguagem que se expressa e vai, também, modificando a língua. Como afirmam
Bakhtin e Volochínov15 (2004, p. 147):

15
Há uma polêmica em torno da autoria da obra Marxismo e Filosofia da Linguagem. A edição
brasileira traduzida por Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira, editada pela Hucitec, utilizada neste
trabalho, credita a autoria principal a Mikhail Bakhtin, mas coloca entre parênteses o nome de
Volochínov. Para os estudiosos do Círculo de Bakhtin, há controvérsias. Para alguns, a autoria é
apenas de Volochínov. Neste trabalho, contudo, as referências respeitarão os dados da obra
consultada, isto é Bakhtin (Volochínov).
70

A língua não é o reflexo das hesitações subjetivo-psicológicas, mas


das relações sociais estáveis dos falantes. Conforme a língua,
conforme a época ou os grupos sociais, conforme o contexto
apresente tal ou qual objetivo específico, vê-se dominar ora uma
forma ora outra, ora uma variante ora outra.

A língua é, portanto, reflexo das relações sociais dos indivíduos. De acordo


com os acontecimentos sociais, históricos ou por uma necessidade, ela é
reorganizada e remodelada pelos próprios sujeitos falantes da língua. Deste modo,
“mesmo a aptidão para usar a linguagem articulada só se forma, em cada geração,
pela aprendizagem da língua que se desenvolveu num processo histórico, em
função das características objetivas da língua.” (LEONTIEV, 1978, p. 266).
É fato que a linguagem é uma habilidade humana; contudo, ela não é
transmitida biologicamente. Leontiev (1978) comenta sobre o caso de uma criança
de 2 anos que foi abandonada no acampamento de uma tribo. O etnólogo que a
encontrou pediu à sua mãe que a educasse e, vinte anos depois, essa criança, que
se tornara uma jovem, tinha o mesmo desenvolvimento intelectual das europeias.
Assim, Leontiev (1978, p. 267) esclarece que:

Estes dados e muitos outros provam que as aptidões e caracteres


especificamente humanos não se transmitem de modo algum por
hereditariedade biológica, mas adquirem-se no decurso da vida por
um processo de apropriação da cultura criada pelas gerações
precedentes.

O uso da língua, a aquisição da linguagem, é, portanto, um processo


cultural, social e também histórico. O bebê não nasce com a aptidão da linguagem
desenvolvida; essa é construída na relação com os outros que o rodeiam. A
linguagem torna-se uma necessidade para essa criança na medida em que ela
precisa se relacionar com os outros. Conforme a inserção social que a criança vai
tendo e os acessos possibilitados à cultura, a capacidade de linguagem vai se
expandindo, tornando-se mais complexa, e as pessoas que falam com ela e na
presença dela são verdadeiros modelos do uso da linguagem oral e também escrita.
Tem-se, nessa medida, um aspecto intrigante, porque a marca de ser
homem, de ter a identidade de homem, não se dá no momento em que o indivíduo
nasce. Tal fato é esclarecido por Leontiev (1978, p. 267) ao declarar que,
71

Podemos dizer que cada indivíduo aprende a ser um homem. O que


a natureza lhe dá quando nasce não lhe basta para viver em
sociedade. É-lhe ainda preciso adquirir o que foi alcançado no
decurso do desenvolvimento histórico da sociedade humana.

Desse modo, no convívio, nas relações sociais estabelecidas


cotidianamente, passamos pelo processo no qual “nos tornamos nós mesmos,
através de outros” (VYGOTSKI, 1995a, p. 149)16. Entendo que, para alcançar esse
desenvolvimento histórico da sociedade humana citado por Leontiev (1978), é
fundamental a aquisição do instrumento linguagem. Sendo que “o instrumento é o
produto da cultura material que leva em si, da maneira mais evidente e mais
material, os traços característicos da criação humana” (LEONTIEV, 1978, p. 268). O
instrumento linguagem é, portanto, uma criação humana e ao mesmo tempo um
produto da cultura, sendo que a “linguagem carrega consigo os conceitos
generalizados, que são a fonte do conhecimento humano.” (LURIA, 2012b, p. 26).
Assim, a fonte do conhecimento humano está subjacente à linguagem, na
apropriação dos conceitos. Cada pessoa tem a necessidade de se apropriar da
linguagem oral e escrita, para então acessar de modo mais pleno, o conhecimento
criado pelos homens em um processo social, cultural e histórico.
A linguagem pressupõe um processo comunicativo, sendo permeada pela
interação entre os indivíduos. Neste contexto, a interação estabelecida com os
outros implica saber usar as palavras e esse uso, tanto na oralidade quanto na
escrita, também é aprendido na esfera social na qual o indivíduo está inserido.
Sendo assim, ao longo da trajetória, carregamos cestos vazios que esperam
por preenchimento. As palavras tornam os cestos cheios, plenos de vida, de
conhecimento, de informação. Como somos atores sociais, distribuímos o conteúdo
destes cestos aos outros e, ao mesmo tempo, recebemos algo de outros em nossos
cestos. Há, portanto, uma troca, um processo de interação; as vozes sociais estão
presentes nas relações sociais que estabelecemos no cotidiano. Deste modo,

Para Bakhtin, importa menos a heteroglossia como tal e mais a


dialogização das vozes sociais, isto é, o encontro sociocultural
dessas vozes e a dinâmica que aí se estabelece: elas vão se apoiar
mutuamente, se interiluminar, se contrapor parcial ou totalmente, se
diluir em outras, se parodiar, se arremedar, polemizar velada ou
explicitamente e assim por diante. (FARACO, 2009, p. 58).

16
Que pasamos a ser nosotros mismos a través de otros.
72

O processo de comunicação, de troca social, tem muitas facetas e está


intrinsecamente ligado ao conceito de linguagem, de como a língua materna é
concebida. A língua é, portanto, um evento da vida. A todo o momento
estabelecemos elos, vínculos, sendo que o diálogo permeia constantemente as
relações. Bakhtin (apud FARACO, 2009, p. 76) ressalta que:

Viver significa tomar parte no diálogo: fazer perguntas, dar respostas,


dar atenção, responder, estar de acordo e assim por diante. Desse
diálogo, uma pessoa participa integralmente e no correr de toda a
sua vida: com seus olhos, lábios, mãos, alma, espírito, com seu
corpo todo e com todos os seus feitos. Ela investe seu ser inteiro no
discurso e esse discurso penetra no tecido dialógico da vida humana,
o simpósio universal.

Neste cenário, a todo tempo estamos embebidos em diálogos, sendo a


língua algo vivo, pulsante, dinâmico e que faz parte do ser humano e de suas
relações. Entendemos que a língua tem toda essa vivacidade, porém em muitas
salas de aula ela parece morta, esvaziada e sem sentido. Em muitos momentos, os
professores investem em técnicas, normas, regras a respeito do uso da língua
materna e não ensinam às crianças a se expressarem e interagirem por meio desta
língua.
Vygotski (1995b) pode auxiliar na reflexão sobre essas situações. Ao refletir
sobre o que o autor chama de a pré-história do desenvolvimento da linguagem
escrita, ele afirma que “à criança se ensina a traçar as letras e a formar com elas
palavras, mas não se ensina a linguagem escrita” (VYGOTSKI,1995b, p. 183)17. Ao
continuar sua linha de raciocínio sobre como seria o ensino desta linguagem escrita,
o autor enfatiza que o ensino desta:

Se baseia em uma aprendizagem artificial que exige enorme atenção


e esforço por parte do professor e do aluno, pois se torna em algo
independente, em algo que se basta em si mesmo. A linguagem
escrita viva passa para um plano posterior. (VYGOTSKI, 1995b, p.
183)18.

17
Al niño se le enseña a trazar las letras y a formar con ellas palabras, pero no se le enseña el
linguaje escrito.
18
[...] se basa en un aprendizaje artificial que exige enorme atención y esfuerzos por parte del
maestro y del alumno, debido a lo cual se convierte en algo independiente, en algo que se basta a sí
mismo; el linguaje escrito vivo pasa a un plano posterior.
73

Quando o ensino da linguagem escrita, é artificial, torna-se sem sentido para


a criança, que realiza os exercícios por realizar. É importante que esse ensino tenha
sentido vital para ela e que tenha como base textos da língua viva, do cotidiano.
Para que a criança aprenda a linguagem oral e escrita, é necessário o auxílio do
outro, pois tais habilidades foram construídas pela humanidade ao longo dos séculos
por meio de processos culturais, históricos e sociais.

Em outras palavras, o ser humano não nasce humano, mas aprende


a ser humano com as outras pessoas — com as gerações adultas e
com as crianças mais velhas — com as situações que vive, no
momento histórico em que vive e com a cultura a que tem acesso. O
ser humano é, pois, um ser histórico-cultural. (MELLO, 2000, p. 136).

Apropriar-se da linguagem oral e escrita construída pela humanidade,


apossar-se deste bem cultural, é um direito de cada geração, de cada sujeito, de
cada criança. Isso implica aprender a usar as palavras, a posicioná-las, escolhê-las
tanto em um discurso oral quanto em um texto escrito. Essa habilidade é aprendida
com os mais experientes da nossa geração, inicialmente com os pais em casa e
dentro de um processo formal, institucionalizado e escolar, com os professores e
professoras. Neste contexto, Vygotski (1995a, p. 147)19 aponta que:

Devemos mencionar, também, a linguagem, que no começo é um


meio de comunicação com os outros e só mais tarde, em forma de
linguagem interna, torna-se um meio de pensamento, tornando-se
evidente que esta lei se aplica à história de desenvolvimento cultural
da criança.

É claro que quando o indivíduo aprende e domina a linguagem escrita, há


um impacto na construção, na constituição da sua consciência, na construção de
seus pensamentos. Aquela pode se tornar cada vez mais refinada pelo contato que
o sujeito tem com a cultura escrita, com os mais variados tipos e suportes de texto.
É inegável que todo conhecimento, toda disciplina do conhecimento, é
ensinado pela cultura escrita. Pode-se imaginar, pelo menos por alguns segundos,
como se sentem as crianças que estão nas salas de alfabetização e ainda não se
apropriaram da leitura e escrita. Para elas, torna-se difícil acompanhar os exercícios

19
Debemos mencionar, además al linguaje que al principio es un medio de comunicación con los
demás, y sólo más tarde, en forma de linguaje interno, se convierte en un medio del pensamento,
haciéndose así del todo evidente la aplicabilidad de esta ley a la historia del desarrollo cultural del
niño.
74

e desenvolvê-los por não estarem alfabetizadas. É por isso que afirmo que há poder
nas palavras, principalmente quando o sujeito aprende a dominá-las.
Ao apropriar-se deste conhecimento, ao estar alfabetizado e fazendo uso
social da leitura e escrita, é possível desfrutar da plena liberdade que possibilita
pensar, agir, articular, argumentar, escrever, registrar, algo que nos transforma, nos
impulsiona a sermos tudo aquilo que somos capazes ser enquanto pessoas, como
seres humanos. Cabe aqui a contribuição da Teoria Histórico-Cultural na sua
concepção de criança, isto é, de que toda criança tem capacidade ilimitada para
aprender, para ser. Cabe à escola auxiliar cada um desses sujeitos ao possibilitar
um espaço organizado e intencionalmente pensado para que a apropriação da
leitura e escrita ocorra.
É notório que a escola elegeu o signo escrito e os gêneros para ensinar,
uma vez que os signos orais geralmente são aprendidos fora da escola. É
importante considerar que “o signo, no começo, é sempre uma forma de relação
social, um meio de influenciar os outros, e somente depois se transforma em meio
de influência sobre si mesmo” (VYGOTSKI, 1995a, p. 146)20. É possível notar que o
ser humano pensa por signos e cria signos para entender a realidade. Portanto,

Bakhtin e Vigotsky consideram que o signo é o termo mediador na


dialética entre a base e a superestrutura; concretamente o signo
verbal, que constitui o material de que são feitas todas as relações
sociais em qualquer nível, desde as relações de trabalho até as de tipo
artístico-literário, que estabelecem as conexões de inter-relações entre
o nível das ideologias já institucionalizadas, dominantes, e o nível das
ideologias não oficiais ou em formação. (PONZIO, 2009, p. 77).

É evidente, portanto, que os signos medeiam a relação do homem com a


realidade e são as ferramentas das nossas relações com os outros, com os objetos,
com o mundo e contribuem para o seu desenvolvimento. Nas palavras de Vygotski
(1995a, p. 148)21, em um nível de desenvolvimento superior “aparecem as relações
mediadas dos homens, cujo traço fundamental é o signo através do qual é
estabelecida a comunicação”. Assim, no processo de comunicação, carregamos os
outros conosco, no nosso discurso oral e escrito, isto é, somos impregnados pelas
vozes sociais ao nosso redor. É possível notar que o discurso faz parte do ser
20
El signo, al principio, es siempre un medio de relación social, un medio de influencia sobre los
demás y tan sólo después se transforma en medio de influencia sobre sí mismo.
21
Aparecen las relaciones mediadas de los hombres, cuyo rasgo fundamental es el signo gracias al
cual se establece la comunicación.
75

humano e ao estabelecer um processo de diálogo com o outro, há uma possibilidade


de entrega, ou seja, de ouvir e ser ouvido, assim como o esforço para ser
compreendido e também compreender; há, enfim, a possibilidade de troca.
Dessa forma, a todo instante estamos em um processo de diálogo, de
comunicação com outras pessoas. Valendo-me mais uma vez da voz de Bakhtin por
meio de Castro, é possível entender mais sobre esse processo comunicativo:

Bakhtin, por sua vez, desde muito cedo, não estava preocupado em
atrelar qualquer pressuposto de regularidade ou sistematicidade à
origem ou à determinação dos processos sociais e culturais. Para
ele, não importavam nem origem dos processos, nem as suas
finalidades, posto que o que nos define e constitui de fato são os
processos, e estes são profundamente dialogizados, abertos e
ininterruptos. (CASTRO, 2010, p. 190).

Entendo que os alunos estão no processo aberto, ininterrupto de contato


com a linguagem oral e escrita. Pensando no uso da palavra no dia a dia da escola,
a cada leitura, a cada contato com os mais diversos materiais escritos, o professor
se torna outro e os alunos também. Como adultos mais experientes, temos a
possibilidade de auxiliá-los na apropriação da leitura e escrita, desvelando o poder
que há nas palavras e mostrando que a linguagem nos posiciona no mundo. É
necessário admitir que somos seres humanos, inacabados, inconclusos. Tal fato nos
torna mais abertos para aprender com os outros e com as relações sociais que
estabelecemos ao longo de nossa trajetória.
76

CAPÍTULO 3
ANÁLISE DOS DADOS: DIALOGANDO COM A TEORIA

Este capítulo apresenta as situações de ensino da língua materna, tanto as


anunciadas pelas professoras durante as entrevistas como aquelas que foram
observadas em sala de aula.
Como apontei anteriormente, o desafio para esse momento da pesquisa é
integrar, concomitantemente, os dados gerados à teoria escolhida para analisá-los,
uma vez que o posicionamento assumido é o de que há contribuições significativas
na Teoria Histórico-Cultural no que se refere à apropriação da linguagem escrita.
Para compreender como se processa o ato de ler e o ato de escrever pelas
crianças, é necessário pensar no ambiente de ensino, no modo como as professoras
do 1.º ano organizam as situações, as tarefas escolares para que os alunos
aprendam; e é por esse motivo que apresento neste capítulo trechos dos protocolos
de observação das duas salas do 1.º ano, bem como alguns registros fotográficos
dos exercícios realizados pelas crianças.
Ao pensar sobre as situações de ensino da linguagem escrita, este capítulo
também retrata o que foi observado e vivenciado nas duas salas do 1.º ano. A
proposta é olhar atentamente os dados gerados durante as observações, buscando
analisar os elementos que se referem ao ensino da linguagem escrita.
O fato de analisar paralelamente, ao longo desse capítulo, o discurso das
professoras por meio das entrevistas, as observações das ações pedagógicas e o
que os alunos realizaram durante as aulas pode evidenciar como as professoras
ensinam a linguagem escrita às crianças e como estas se apropriam do código
escrito e o utilizam na escola diante das propostas que lhes são apresentadas.
Conforme o exposto no capítulo 1, na apresentação dos dados optei pela
utilização de dois núcleos temáticos que são tratados paralelamente: o primeiro
referente à concepção de leitura e de escrita das professoras, podendo revelar as
concepções e as práticas das mesmas; e o segundo diz respeito às ações das
crianças mediante as propostas organizadas para o ensino da leitura e da escrita.
Assim, ao longo do capítulo serão apresentadas as situações de ensino, as
ações pedagógicas das professoras e o modo como as crianças desenvolveram os
exercícios propostos por elas. Em vista disso, torna-se possível a perspectiva de ver
e analisar parte da dinâmica, dos acontecimentos em sala de aula.
77

Nesse processo, traço algumas análises que objetivam compreender como


as situações de ensino favorecem o processo de apropriação da linguagem escrita
em crianças do 1° ano do Ensino Fundamental a partir das contribuições da Teoria
Histórico-Cultural.

3.1 CONCEPÇÃO DE LEITURA E DE ESCRITA DAS PROFESSORAS E AS


AÇÕES DAS CRIANÇAS

As professoras, que participaram do estudo, compreendem o processo da


leitura e escrita de uma determinada forma e, a partir deste ponto da análise, trarei à
tona o que permeia os discursos da professora A (PA) e da professora B (PB) e
como algumas dessas concepções estão presentes nas situações de ensino junto às
crianças.
As duas professoras iniciam o trabalho de alfabetização pelo nome próprio
das crianças. Para isso, utilizam o recurso do crachá e também a identificação nas
pastas onde elas guardam os trabalhos que os alunos fazem em sala. A grafia do
nome, o reconhecimento deste, é desenvolvido durante algumas semanas. De
acordo com Bajard (2012, p. 53), “o educador de crianças pequenas sabe que elas
podem reconhecer o seu nome escrito, antes de conhecer o conjunto das letras do
alfabeto”, e elas fazem isso do mesmo modo que reconhecem o logotipo de um
refrigerante conhecido nas latas e garrafas. As professoras observadas utilizam a
caixa alta na escrita dos nomes dos alunos e destacam a letra inicial com uma cor
diferente das demais letras. A seguir, apresento trechos das entrevistas que revelam
esse dado:

Cores, eu trabalho bastante, para DEPOIS eu poder introduzir, de


certa maneira, o alfabeto, começar a trabalhar com o alfabeto. E eu
parto da letra inicial do nome deles, que é uma maneira deles fixarem
bastante. Então é... O uso do crachá, tudo com nome, sempre a letra
inicial das pastas (onde guardam as atividades diárias), os materiais,
sempre com a letra inicial com uma cor diferenciada. Porque tem
aluno que você fala inicial e ele não sabe o que é. Então tenho o
trabalho de falar o que é inicial, tudo isso é feito. Eu parto da letra
inicial do nome dele [...]. (Professora A).

Quando eu trabalho com o nome deles, praticamente eu já estou


trabalhando o alfabeto inteiro. É aí que eu começo, vamos dizer
assim. É o primeiro passo da alfabetização no 1.º ano, é a questão
do nome deles [...]. (Professora B).
78

O nome da criança é a sua primeira referência no mundo. Considero que


começar o ensino de alfabetização por esse elemento é uma estratégia válida, uma
vez que isso tem significado para ela. É importante ensinar o nome próprio, na sua
configuração visual, ou seja, na sua grafia completa, pois o que identifica um nome é
a sua configuração e não a primeira letra deste. De acordo com Bajard (2012, p. 53),

O nome próprio é, muitas vezes, a primeira palavra da língua oral


escutada e reconhecida pela criança nos primeiros meses da sua
vida. Primeiro elemento da língua, o nome contribui para a
constituição da personalidade. Pronunciado pelos pais — instância
externa — o nome faz eco na consciência do filho, influenciando a
sua relação com o mundo.

De certa maneira, a questão da oralização do nome próprio é feita a todo o


momento e logo a criança aprende que as pessoas estão se referindo a ela ao ouvir
um determinado som. Além disso, os adultos que estão ao seu redor, escrevem
esse nome em diversos momentos, como em quadros, mochilas, papéis, convites e
chamam a atenção dos pequenos de que aquela é a grafia do seu nome. Esse é o
primeiro elo da criança com o mundo e é “a partir deste primeiro “signo” sonoro que
vão se aglutinar outros signos da língua materna remetendo a outros seres ou
objetos do mundo.” (BAJARD, 2012, p. 53). O adulto ocupa lugar essencial nessa
relação ao nomear os objetos para as crianças e ajudá-las no uso dos signos
linguísticos.
Para a grafia dos nomes das crianças, as professoras utilizam a letra
maiúscula (caixa alta). Observei, ao longo do ano letivo, que esse é o tipo de letra
priorizado. As professoras ressaltaram que a letra minúscula (caixa baixa) é
apresentada, mas a exigência da docente às crianças na hora da escrita é baseada
na letra maiúscula. Com relação a ensinar a grafia do nome das crianças utilizando
apenas a letra maiúscula, Bajard (2012, p. 54) faz uma crítica. Ele assevera:

De fato, a presença da maiúscula no nome próprio é uma marca da


escrita sem correspondência na língua oral. O uso exclusivo da
maiúscula, como é praticado tradicionalmente, anula essa
característica. Por que escolher uma tipografia — a maiúscula (caixa-
alta) — na qual não se manifesta essa especificidade da escrita?
Vale a pena mostrar à criança que seu nome possui um mérito que
as outras palavras da língua não possuem. (BAJARD, 2012, p. 54).
79

Essa perspectiva defendida por Bajard (2012) pode causar estranheza para
alguns pedagogos e o próprio autor diz isso. De fato, quando a criança tem contato
com o seu nome apenas grafado com a letra maiúscula, ela não consegue perceber
um diferencial que existe no nome próprio, pois ele é grafado com a inicial
maiúscula, se distinguindo das demais palavras.
Além disso, quando o professor opta por utilizar apenas as letras maiúsculas
para escrever as palavras, ele priva as crianças de observar os traços visuais
diferentes que podem ser notados com o uso de letras minúsculas e maiúsculas
concomitantemente. Bajard (2012) explica que as letras maiúsculas possuem a
mesma altura como, por exemplo, na grafia de MARGARIDA. Ao escrever esse
mesmo nome utilizando os dois tipos de letras, torna-se possível a diversidade
visual. Ao observar a escrita de Margarida, o M maiúsculo possibilita reconhecer o
nome próprio. A letra g possui uma haste descendente, as letras a r i não possuem
hastes e a letra d tem haste ascendente. Assim, “as letras possuem hastes
ascendentes e descendentes que auxiliam o reconhecimento visual da palavra.”
(BAJARD, 2012, p. 76).
Deste modo, nas salas do 1.º ano seria interessante apresentar
simultaneamente as duas formas para as crianças, ou seja, a grafia de palavras
utilizando letras maiúsculas e minúsculas. Essas formas coexistem em diversos tipos
de escritos, como o jornal, por exemplo. Também acontece nos títulos dos livros e
nos textos dos mesmos.
Com relação aos traços visuais distintos no processo de escrita, Bajard
(2012, p. 84-85) ainda salienta que:

A letra é um objeto que muda de valor quando sua orientação se


altera: a mesma forma, virada de diferentes lados, produz quatro
letras: b – d – p – q. Felizmente a inclusão da letra dentro do nome
garante sua orientação: em Lucas, o “c” abre seus braços ao “a”,
enquanto o “s” vira suas costas à mesma letra “a”.

Ao conviver com as crianças do 1.º ano, é possível pensar se elas


percebem, por exemplo, o “S” assim como Bajard (2012) comenta. Essa letra tem
uma forma com aberturas similares — uma para frente e outra para trás. Muitas
vezes a criança a registra “do avesso”, apresentando uma semelhança com o
número 2. O adulto é que sabe a direção, o traçado dessa letra, onde começa e
onde termina. O que nos leva a questionar se, de fato, a criança que aprende
80

observa se a letra teria “costas” ou não, como apresentado na perspectiva de Bajard


(2012).
O texto escrito é visual. Foi criado para os olhos. O professor pode
possibilitar para as crianças situações em que elas explorem os caracteres e
percebam quando as letras minúsculas se apresentam com hastes ascendentes ou
descendentes e sem hastes, e também o papel da letra maiúscula no funcionamento
da nossa escrita. Apresento a seguir trechos das entrevistas que se referem à
análise realizada:

Só caixa alta. O ano todo e isso porque já vem da Prefeitura. Não


que a gente não... Porque tem alunos que no meio do ano, até daria
para introduzir, não todos, mas a maioria daria para introduzir a letra
manuscrita, mas é... Uma regra da Prefeitura e você não pode ir
contra. Então é só a caixa alta, MAS cada letra que eu trabalho, eu
apresento as outras para que eles verem e diferenciar. Até no cartaz
da sala tem. Mas é... o grafema mesmo é só caixa alta (Professora
A).

O 1.º ano, ele trabalha aqui na rede de Londrina, só com a caixa alta,
com a letra de forma. E o que é cobrado é esse tipo de escrita. Então
a criança realiza o traçado em letra maiúscula de forma. Embora no
decorrer do trabalho, ele (aluno) começa a entender que existe
outros tipos de letra. Mas a cobrança mesmo para que ele escreva, é
com a letra de forma maiúscula. Embora que quando chega no final
do primeiro ano, ele já tem consciência da letra minúscula e até da
letra de mão. Mas porém não é cobrado e não é usado (Professora
B).

Constatei que as professoras iniciam o trabalho com o nome próprio como


um meio de ensinar as letras do alfabeto para as crianças. Neste processo, das
professoras observadas iniciarem o ensino do alfabeto pelo nome próprio das
crianças, elas ensinam a letra inicial e final, os sons das letras, vogais e sílabas. Há
em todo o processo desenvolvido uma ênfase sobre a questão da fonética. Deste
modo, as crianças repetem os sons das letras e fazem a junção desse som com as
vogais para identificar qual é a sílaba. Em seguida elas continuam a fazer isso, até
que juntem todas as sílabas e consigam saber qual é a palavra. Assim, o que as
crianças realizam é a decodificação das palavras, sendo que a pronúncia, o
reconhecimento do som, se encontra anterior à busca de sentido do que se lê.
81

Ao fazer uma crítica ao método fônico, Bajard (2006, p. 503) denota que:

A metodologia fônica parte dos elementos simples rumo aos elementos


complexos, como se o simples fosse também fácil. As etapas vão dos
grafemas até o sentido, passando sucessivamente por sua transposição
em fonemas, pela identificação da palavra, pelo domínio da frase e do
texto. Nessa necessidade de extrair a ‘pronúncia’ antes do ‘sentido’, de
‘decodificar’ a palavra antes de compreendê-la, de dominar o sistema
alfabético antes de atingir a compreensão, sempre a abordagem do
sentido é relegada a uma fase posterior.

A busca de compreensão do material escrito é elemento essencial nesse


processo de apropriação da linguagem escrita como prática cultural. O que muitas
vezes pode parecer simples para o professor, nem sempre o é na perspectiva das
crianças. Iniciar a alfabetização pelo fonema, que “é definido sem referência à língua
escrita, como a menor unidade sonora capaz de produzir uma diferença de sentido.”
(BAJARD, 2006, p. 498), como faca e vaca, por exemplo, pode se tornar um
aprendizado extremamente complexo para a criança e desprovido de sentido. A
seguir apresento trechos transcritos das entrevistas que se referem à análise
apresentada.

Depois que eu trabalhei a letra inicial do nome dele, eu gosto


particularmente de trabalhar as vogais. Tem professora que trabalha
tudo junto... Eu trabalho em cima da fonética, é sempre o som, a
junção do som. Eu mostro qual é o barulho do A, qual é o barulho do
E, toda a letra em cima da fonética dela, é... pra ele poder fazer a
junção. Por que que eu gosto de trabalhar a vogal primeiro? Porque
a partir da vogal, o som da vogal é mais fácil pra ele fazer, o A é a, o
E é e o I é i, e as consoantes não são assim. Quando eles vão juntar,
se eles já sabem o som da vogal, eu, por experiência, vejo que eles
vão mais rápido. Entendeu? Vamos trabalhar a letrinha B, qual é o
barulhinho do B? E se eu ponho o A? Fica BA (faz o som com a
boca), os alunos já sabem. O processo é mais rápido, então eu
trabalho todas as vogais para depois eu entrar com as consoantes.
(Professora A).

Na verdade, assim, eu tenho um objetivo que é fazer com que eles


conheçam todas as letras do alfabeto. É... sem dar prioridade a uma
letra em especial. Então eu não tenho na minha meta, eu quero só
(apresentar) a letra A ou só a letra B. Desde o começo do ano, até o
final o meu objetivo é que eles aprendam o alfabeto inteiro. E como
esse alfabeto está presente em tudo, aí eu vou utilizando... Então eu
não trabalho aquela letra específica [...]. Aonde eu trabalho a letra
inicial, letra final, sílaba, junção. É... nome da letra, o som da letra e
isso aí praticamente eu fico até a metade do ano. É claro que eu dou
ênfase em algumas aulas mais ao som da letra do nome de cada
criança... a sílaba de cada criança, mas esse trabalho ele continua
até o meio do ano. (Professora B).
82

Ainda com relação a esse trecho da entrevista com a professora B, algo


merece ser destacado. A professora explicita que o seu objetivo é fazer com que as
crianças conheçam as letras do alfabeto, sendo esta a meta do início até o final do
ano. Ensinar o alfabeto para os alunos do 1.º ano é uma das perspectivas
apresentada pelo uso da linguagem. A língua, neste caso, é vista apenas como um
sinal, uma vez que uma letra pouco pode comunicar. Ao conceber o foco do ensino
da linguagem escrita na letra, o discurso não acontece, pois para que esse aconteça
tornam-se necessárias as enunciações. De acordo com Bakhtin (2003, p. 265), “a
língua passa a integrar a vida através de enunciados concretos (que a realizam); é
igualmente através de enunciados concretos que a vida entra na língua.” Ao priorizar
o ensino da letra, a escola debilita as relações da língua com a vida, sendo que a
escola pode ser um ambiente que ensina aos indivíduos práticas discursivas e
enunciativas.
Na pesquisa realizada, a linguagem é considerada signo e não um sinal
gráfico. Para a criança, aprender a lidar com os signos, se comunicar por meio
deles, é uma atividade complexa. Vigotsky (1995b, p. 184)22 assevera que “o
domínio da linguagem escrita significa para a criança dominar um sistema
extremamente complexo de signos simbólicos”. Nessa mesma linha de pensamento,
ou seja, de entender a linguagem como signo e não como sinal, está a ideia de
Bakhtin e Volochínov (2004, p. 94), assegurando que:

Enquanto uma forma linguística for apenas um sinal e for percebida


pelo receptor somente como tal, ela não terá para ele nenhum valor
linguístico. A pura “sinalidade” não existe, mesmo nas primeiras
fases da aquisição da linguagem. Até mesmo ali, a forma é orientada
pelo contexto, já constitui um signo [...].

Considero que o foco do ensino na letra, com base na sinalidade, não


possibilita à criança o entendimento de que isso é linguagem. Ao escolher enfatizar
no desenvolvimento do trabalho de alfabetização as letras, seus sons e as sílabas,
isso tem um reflexo no modo como as crianças lidam com a língua escrita, uma vez
que primeiro elas vão buscar a identificação das letras, para depois buscar o sentido
do que está sendo lido. É possível verificar tal fato na observação a seguir da sala
da professora B:

22
El dominio del lenguaje escrito significa para el niño dominar un sistema de signos simbólicos
extremadamente complejo.
83

[...] Em seguida a professora corrigiu a tarefa no livro de Matemática


e pediu para que pegassem o caderno de tarefa. Ela escreveu no
quadro o nome da cidade, o mês e a data. Explicou a tarefa que era
referente à separação de sílabas das palavras do texto [...]. A
professora voltou a explicar a tarefa. Na tarefa de hoje você vai ter
que ler e separar as sílabas das palavras que tinha no texto. A
professora leu o enunciado: LEIA E SEPARE AS SÍLABAS. O que é
sílaba? As crianças respondem: quantas vezes abre a boca para
falar as palavras. A professora enfatizou as sílabas do enunciado, ela
leu LATA, MA- LA- BA- RIS- MO e foi escandindo as sílabas e
fazendo o som dos fonemas. As crianças repetiram os sons que a
professora fez. [...]. Do mesmo modo a professora pronunciou as
palavras ROLA, FILÉ, CACHORRO. Um aluno perguntou: que
palavra é essa (ROLA)? Essa palavra que começa com R. A
professora diz: você vai ler. Qual o som do R? O aluno fez o som do
fonema. A professora pergunta e como fica mais a letra O? O aluno
lê RO –LA, É ROLA! (Protocolo de observação 1, 1.º ano B,
25/05/2014).

É perceptível que na explicação da tarefa, enquanto a preocupação da


professora era com a separação das sílabas e os sons das letras, um dos alunos
demonstrava preocupação quanto ao significado de uma das palavras apresentadas.
A letra inicial ele identificou, mas o restante da palavra não. Quando obteve o auxílio
da professora para lê-la, a ênfase dela foi novamente centrada na identificação de
letras e fonemas para depois se chegar à leitura da palavra.
Do mesmo modo, é possível notar essa prática na aula da professora A, ou
seja, identificar-se as letras antes de buscar o sentido do material escrito e lido pela
criança. A seguir trechos da observação da sala da professora A:

14h32 – As crianças retornam para a sala de aula e inicia-se a aula


da professora A. [...]. PA pergunta: quais são as vogais? Uma
criança vai até o quadro escrever A, E, I, O, U. A professora diz que
todas as demais letras são as consoantes. As crianças falam juntas
as consoantes. A professora questiona: e qual é o barulhinho da letra
S? As crianças fazem com a boca o som do fonema. Ela pergunta: e
quando o S brinca com o A, como fica? Eles respondem SA. E
quando brinca com o E? Eles falam: SE. E quando brinca com o I,
eles dizem SI e assim sucessivamente. A professora pergunta como
é a família do S? As crianças respondem de modo uniforme: SA, SE,
SI, SO, SU. Novamente, a professora pergunta: qual é o barulhinho
da letra B? As crianças fazem o som. E quando junta com o A? Fica
BA e com o E? Eles respondem BE. E com o I, eles falam BI e assim
por diante. A professora fala sobre a letra L e pergunta: por que será
que hoje eu estou falando da letra L? Porque vou contar uma história
de um animal que todo mundo precisa saber o L para escrever. A
história fala de uma baleia. Como será que escreve baleia? Só
pense, não fale! Em seguida, a professora retoma o conteúdo
referente aos animais que vivem na terra, no ar e na água. Ela lê o
título: “A baleia alegre”. Começa a contar a história. Tinha um
84

personagem que se chamava Pedro, igual ao nome de um amigo da


sala. As crianças sorriem. [...]. Finalizou a história e perguntou: qual o
nome do livro? É a Baleia triste? As crianças respondem: Não, ela é
alegre. PA diz que é igual animal de estimação que se tem em casa.
Quando o dono chega, o animal fica alegre. Igual a baleia que queria
brincar. A professora escreve no quadro A BALEIA ALEGRE, com
letra maiúscula. Ela questiona: quantas palavras temos aqui? As
crianças falam: 3! Em seguida coloca sobre a mesa uma caixa
contendo alfabeto móvel. A professora pede para uma criança pegar
a primeira letra da frase. A criança pega um A. PA pergunta para
C19 A e baleia, começa com qual letra? Ele diz: B. Então pega pra
mim na caixa. A professora mostra no quadro a primeira letra da
frase. Uma outra criança pega a outra letra para fazer o BA. A
criança diz que precisa da letra A. A professora chama a atenção
para o barulho da próxima letra. Observo que rapidamente eles
dizem: é o L! Uma criança pega a letra L na caixa. A professora
explica que para formar LE, precisamos do L e do E. E qual a
próxima letra? Eles dizem: I. A professora lê, BALEI. Pergunta: será
que já formou baleia? Algumas crianças respondem: não! Falta o A.
Em seguida a professora lê: A BALEIA. (Protocolo de observação 1,
1.º ano A, 28/05/2014).

Ainda que o foco tenha sido a questão do som da letra, a família silábica e a
junção das consoantes com as vogais, a professora A se esforçou para trazer o
texto para a realidade das crianças. Ela explorou o nome do texto, oferecendo para
as crianças o alfabeto móvel para que pudessem escrevê-lo. É visível que o livro de
literatura, neste caso, foi utilizado para introduzir uma letra do alfabeto.
Em outro momento de observação de sala de aula, o livro de literatura foi
usado pela professora A de maneira distinta. Na ocasião, ela contou a história,
mostrou as imagens e os movimentos proporcionados pelo livro de formato Pop up.
Ela fez questionamentos com a intenção de ouvir das crianças quais os
conhecimentos que elas tinham sobre as características de alguns animais. Em
seguida, verificou a compreensão que tiveram da história por meio de perguntas.
Além disso, a professora permitiu a exploração individual do livro pelas crianças, o
que as deixou eufóricas. Observei que todas elas esperavam ansiosas pelo
momento de ter contato com o material escrito. Constatei, portanto, que essa
situação de ensino organizada pela professora A provocou a necessidade de leitura
nas crianças. A seguir, um trecho do protocolo de observação demonstra esse dado.
85

A professora disse: “Agora eu vou contar uma história bem bacana


para vocês. O livro se chama Orelhas e olhinhos, caudas e focinhos:
na fazenda (coleção do PNAE, nº 317). E hoje vamos falar sobre os
animais”. Observei que o livro era Pop up. A professora iniciou a
história e falou: “Observem”, e mostrou a imagem. Ela virou a página
e apareceu uma orelha gigante do asno. Ela mostrou um porco e
perguntou: “Quem sabe imitar um”? As crianças começaram a fazer
o som. Observei que a professora contou o texto escrito da página e
depois fez perguntas para as crianças. A página da vaca arrancou
suspiros das crianças porque ela mexia os olhos. Ela leu a parte que
fala da coruja e perguntou: “E a coruja, ela gosta de aparecer de dia
ou de noite”? Eles responderam que ela gosta de aparecer de noite.
A professora perguntou: “O que ela gosta de comer”? Eles
responderam que ela gosta de comer ratos. A professora terminou a
história e disse que ia contar de novo e fazer algumas perguntas
para a turma. Ela questionou: “O que é maior no asno”? Eles
responderam: “É a orelha”. A professora, então, se referiu ao porco e
disse: “O que é característico dele”? As crianças falaram: “Em tudo
ele põe o focinho na frente”. Ela disse: “Esse é o cachorro; o que
chama a atenção”? Eles falaram: “A cauda e a língua”. A professora
apontou para mais uma figura e disse: “Essa é a coruja; o que ela
tem de diferente”? Eles disseram: “Os olhos grandes”. C 14 A disse:
“Um dia uma coruja atacou o cachorro da minha avó”. Algumas
crianças falaram: “Nossa”! A professora continuou a história e
perguntou: “E a ovelha, o que tem de característico”? Alguns
responderam que ela tem pelo e a cauda grande. A professora voltou
para as páginas iniciais e perguntou: “Do que é coberto o corpo do
asno”? Eles disseram: “De pelos”. A professora falou que a maioria
dos animais tem o corpo coberto de pelo, escama e penas. E
perguntou: quem sabe um animal que tem o corpo coberto de pena?
C1 A falou: “A galinha”! C24 A disse: “O quero-quero”. PA
questionou: “Que animais têm o corpo coberto de escamas”? C3 A
respondeu: “Os peixes” e C1 A falou: “O lagarto”! A professora
passou o livro entre os alunos e avisou: “Pode olhar o livro, mas com
muito cuidado para não estragar”. [...].Observei que C14 A, ao
folhear o livro, o abre e fecha para ver os movimentos das folhas.
Noto que C17 A folheou o livro e prestou atenção no que as imagens
faziam. C24 A olhou o livro e disse para mim: “Olha, tia, a coruja
mexe o olho”! Eu consegui perceber que, de toda a sala, somente C1
A leu primeiro o texto escrito do livro Pop up para depois interagir
com as imagens. Me dirigi até ele e perguntei: “O que você está
fazendo”? Ele respondeu: “Eu estou lendo”! (Protocolo de
observação 8, 1.º ano A, 03/11/2014).

Uma questão a ser explorada, também, é se as crianças do 1.º ano


compreendem a função social e cultural da escrita, se têm clareza do porquê
escrevem; para quê, para quem e como escrevem. Porém, a escrita não se resume
a registrar letras isoladas na sua sinalidade, a preencher exercícios para fixar as
famílias silábicas. Vygotski (1995b, p. 203) chama a atenção para o fato de que “é
preciso ensinar a criança a língua escrita e não a escrever as letras”. A escrita
86

possui outro patamar que é muito mais complexo, pois registra ideias, o pensamento
das crianças sobre o mundo, sobre conceitos, sobre a vida.
Perguntei para as professoras durante as entrevistas, se as crianças tinham
clareza do porquê e para que escreviam e se sabiam a finalidade da escrita. A
professora A declarou que ao chegar ao final do ano ela percebeu que nem todos os
seus alunos tinham clareza do “para que” escreviam e alguns no mês de dezembro
não sabiam o que estavam fazendo na escola. Ela associou essa questão da falta
de clareza, à maturidade dos alunos. É papel do professor apontar para os alunos o
que a escola representa, qual a sua função na vida deles e como é importante a
apropriação da leitura e da escrita para cada um desses sujeitos. Durante o período
em que estive presente nessa sala, eu observei que a professora A fazia esses
apontamentos para seus alunos. Uma questão a ser explorada mais à frente é a de
que o ambiente intencionalmente preparado pelo professor pode gerar a
necessidade de leitura e de escrita nas crianças.
A escrita, como apontado anteriormente, é uma capacidade humana, uma
função psíquica superior (VYGOTSKI, 1995a). Na verdade, uma conduta superior
humana, culturalmente formada e integrada a diversas funções psíquicas superiores
específicas, como a memória, atenção, percepção, etc. Ela pode ser explorada na
escola com toda a capacidade que tem de prática enunciativa, de ser usada para
dizer algo, de ser um meio para se expressar. Nessa perspectiva, os sujeitos teriam
a clareza de que há do outro lado um interlocutor, isto é, alguém pronto a interagir
com o seu texto escrito, assumindo uma atitude responsiva.
É papel da escola favorecer a formação de crianças leitoras e produtoras de
textos. Compartilho da mesma concepção de Jolibert (1994a) ao destacar que é
essencial que cada criança, durante o processo de escolaridade, realize como leitora
e produtora a experiência da escrita na sua utilidade. Tal fato significa que a criança
entenda que a escrita serve para escrever tudo, ou seja, as intenções, propostas,
permite se comunicar, criar histórias e que a escrita é distinta dependendo da
situação em que é utilizada.
87

Ainda de acordo com a autora, é fundamental que o aluno tenha a


experiência:

[...] do poder que dá um domínio suficiente da escrita: a escrita dá o


poder de fazer vir gente na quermesse, obter uma subvenção da
Prefeitura, resolver um conflito com um monitor, fazer rir ou sonhar os
companheiros com as histórias que se inventa, conseguir visitar o
centro de informática de uma grande empresa, etc. [...] do prazer que
pode proporcionar a produção de um escrito: prazer de inventar, de
construir um texto, prazer de compreender como ele funciona, prazer de
buscar palavras, prazer de vencer as dificuldades encontradas (o prazer
do “Ah! sim!...”), prazer de encontrar o tipo de escrita e as formulações
mais adequadas à situação, prazer de progredir, prazer da tarefa levada
até o fim, do texto acabado bem-apresentado (JOLIBERT, 1994a, p. 15-
16, grifo da autora).

O ato de escrever, na perspectiva de Jolibert (1994a), é um ato dinâmico,


uma ferramenta capaz de expressar o pensamento e de dar poder para quem o
domina. É um instrumento criativo, de superação do sujeito nas escolhas das
palavras e de seu posicionamento por meio delas. A seguir trechos da entrevista
com a professora A que retratam esses dados:

Eu acredito que... se eu falar que 100% sabe, não sabe. Eu acredito


que no final do ano que 100% saíram, também não saiu sabendo o para
quê, não. Então eu vejo assim que depende... a maneira que é
apresentado, a gente apresenta igual para todos os alunos, mas acho
que depende muito da maturidade de cada um [...]. Não que não é
apresentado o porquê, o para quê. Eu falo que os meus alunos, eles
são muito críticos. Eles questionam bastante e eles vão sempre além do
que é apresentado [...]. Por eles serem assim, eu acredito que a grande
maioria, eles sabem o para quê e o porquê escrevem. É apresentado e
eles sabem o porquê, mas devido à maturidade, muitos não. Muitos não
conseguem não, fazer essa ligação, por exemplo, o que eu estou
fazendo aqui na escola? Se você perguntar, eles vão te responder,
porque a diretora pergunta isso para eles todos os dias. Eles vão
responder: viemos para a escola para ESTUDAR! Eles respondem isso
todos os dias para a diretora na fila. Mas entre o responder e o ser... eu
acho que tem várias coisas aí. (Professora A).

Na visão da professora B, os seus alunos têm clareza do porquê e para quê


escrevem. Ela comentou que este fato está associado a uma mudança que ela
realizou no seu modo de ensinar. Assim, ela explica que o uso dos gêneros textuais
em sala de aula contribuiu para que as crianças tivessem clareza na hora de
escrever, pelo fato de entenderem algumas características dos textos. Como aponta
Bakhtin (2003, p. 285) “quanto melhor dominamos os gêneros tanto mais livremente
88

os empregamos.” A seguir transcrevo trechos da entrevista com a professora B que


revelam esse dado:

[...] Porque, na verdade, quando eu comecei a trabalhar eu priorizava


muito a leitura e a escrita, mas eu não tinha uma clareza de colocar
para o aluno o que ele estava fazendo. O que ele estava escrevendo.
Então ele lia, ele escrevia texto, palavra e tudo, mas não era
apresentado que texto ele estava escrevendo. Aí eu mudei um pouco
o meu trabalho... então...
Esse ano, eu já venho com essa mudança. Essa mudança vem já de
uns 3, 4 anos. Mas esse ano foi o ano que eu consegui mais clareza.
Porque daí eu trabalhei em cima dos gêneros mesmo. Então eles
escreveram bilhetes, escreveram quadrinha. Eles reproduziram
contos, reproduziram lendas. Além da escrita corriqueira do dia a dia
que requer as atividades pedagógicas mesmo. Porque não tem como
você desvincular a escola, vamos dizer assim,... do saber
pedagógico, que é a questão da tarefa, dar algumas atividades do
livro didático. Mas eu tentei fechar de uma maneira focando mais o
gênero, pra que eles entendessem que a gente estava trabalhando a
escrita na quadrinha, a escrita no bilhete. A escrita na lenda.
(Professora B).

Entendo que a apresentação de diversos gêneros textuais para as crianças


contribui para que elas adquiram o conhecimento de como a escrita funciona, como
se estruturam os textos e que funções eles desempenham na linguagem escrita.
Durante uma das observações na sala da professora B, verifiquei que havia
vários cartazes colados nas paredes com quadrinhas. Estas haviam sido escritas no
período noturno por professoras alfabetizadoras, as quais estavam fazendo um
curso de formação naquele espaço. As quadrinhas haviam sido intencionalmente
deixadas na sala de aula para que as crianças do 1.º ano vissem e lessem.
No dia seguinte, quando as crianças perceberam algo diferente exposto nas
paredes, elas imediatamente começaram a ler o conteúdo daqueles textos e
identificaram que eram quadrinhas, tais como aquelas que elas já haviam escrito em
sala de aula.
O comentário da professora B, exposto a seguir, evidencia parte dessa
proposta desenvolvida em sala com os gêneros textuais.
89

Enquanto as crianças copiavam o título do texto do quadro, a


professora se aproximou da minha carteira e comentou: “Esse ano
eu estou trabalhando diferente. Trabalho com a alfabetização, mas
também estou introduzindo os gêneros. Trabalhei com as quadrinhas
e, agora, estou trabalhando com o gênero lenda. Eu não fazia assim
no 1.º ano, mas agora quero ver se eles entendem as características
do gênero e se conseguem diferenciar um do outro. Quando eu
montei o mural das lendas eu perguntei se era igual às quadrinhas. A
C22 B disse que não, porque o texto era mais compridinho. No
próximo mês, eu vou trabalhar com regra de jogo. Quero que eles
reconheçam esse tipo de texto, esse gênero”. [...] (Protocolo de
observação 5, 1.º ano B, 28/08/2014).

Outro protocolo de observação evidencia o modo como a professora B


explorou com as crianças do 1.º ano as quadrinhas expostas nas paredes. Diante
dos questionamentos por ela realizados, é visível a sua intenção de que as crianças
não só identificassem a estrutura e as características de uma quadrinha, mas que,
além disso, compreendessem o conteúdo do que elas estavam lendo. Essa ação
pedagógica da professora B, colabora para a formação de crianças leitoras de
textos, ao fazer com que elas busquem a compreensão do material escrito. A seguir,
transcrevo um trecho do protocolo de observação que revela esse dado.

A professora disse: “Vocês perceberam o que tem de diferente na


sala hoje”? Eles responderam: “Tem um gato e tem quadrinha nas
paredes”. A professora falou: “Eu vou contar quem fez essas
quadrinhas: foram as professoras que estudam aqui à noite. Eu pedi
para elas deixarem na parede ontem para que vocês lessem hoje”.
Ela pediu para eles lerem a quadrinha juntos: “GATO
MALHADO/FUGIU DO XADREZ/DORMIU SOSSEGADO/E FOI
PRESO OUTRA VEZ”. C7 B falou: “Eu percebi uma coisa: a 1.ª linha
termina com O, a 2ª com Z, a 3ª com O e a 4ª linha com Z”. PB falou:
“Hum... é mesmo”. A professora perguntou: “C22 B, qual é o assunto
do texto”? A aluna respondeu: “O gato que foi preso”. A professora
perguntou para a turma: “Por que as palavras terminam igual na
quadrinha”? As crianças responderam que é porque tem rima. A
professora falou: “Malhado rima com sossegado e xadrez rima com
vez”. [...]. (Protocolo de observação 6, 1.º ano B, 08/10/2014).

O trabalho com os gêneros pode auxiliar na formação de crianças


produtoras de textos, pois após esse contato muitas vezes as crianças são
convidadas a pôr em prática esses gêneros, ou seja, a escreverem, registrarem as
suas ideias por meio deles. Tal fato possibilita entender que toda escrita tem um
direcionamento e um endereçamento.
90

Parece algo elementar, mas há crianças que estão no 1.º ano e ainda não
compreenderam que sempre se escreve para alguém em uma dada situação
discursiva, que enunciados são elaborados a todo o momento, que todo ato de ler e
de escrever necessita de uma escuta, de um diálogo, constitui-se como uma atitude
responsiva (VOLOCHÍNOV; BAKHTIN, 2011). Que tal escrita comunicativa tem que
ter princípios que garantam com que seja entendida por seus interlocutores. Sendo
assim,

Um traço essencial (constitutivo) do enunciado é o seu


direcionamento a alguém, o seu endereçamento. À diferença das
unidades significativas da língua — palavras e orações —, que são
impessoais, de ninguém e a ninguém estão endereçadas, o
enunciado tem autor (e, respectivamente, expressão, do que já
falamos) e destinatário. (BAKHTIN, 2003, p. 301).

É no 1.º ano, geralmente, que as crianças realizam seus primeiros ensaios


com a escrita de modo formal, preocupando-se em organizar as ideias, em serem
compreendidas pelo outro por meio do que escreveram, em acrescentarem ao texto
a pontuação adequada; ou seja, é o momento em que a criança aprende a usar a
ferramenta da escrita. Entender que a escrita tem direcionamento e que é
endereçada a alguém, é algo fundamental.
Em um determinado momento da entrevista, a professora B apontou que a
escolha de trabalhar com os gêneros textuais no 1.º ano está pautada em Bakhtin.
No entanto, ela não conseguiu se lembrar de nenhum livro ou texto que tenha
servido como base para sua ação pedagógica no 1.º ano. A professora também não
soube explicar que conceitos de Bakhtin poderiam ajudar no ensino desenvolvido
com o 1.º ano.
Além disso, constatei no discurso da professora B, que ela faz opção por
diferentes referenciais teóricos. Ela declarou que sua atuação em sala de aula é
baseada em Bakhtin. No entanto, alguns dados observados já demonstraram que o
ensino da língua para essa professora é pautado, muitas vezes, na sinalidade; essas
são duas perspectivas que não se coadunam: práticas enunciativas e sinalidade.
Destaco a seguir, trechos da entrevista com a professora B, que comprovam esse
dado:
91

Então... eu... na verdade, assim... de quando eu comecei a atuar no


Ensino Fundamental e a trabalhar, porque eu não trabalho só aqui na
Rede Municipal de Londrina, eu venho assim... fazendo uma
bagagem de cursos. E essa questão teórica ficou um pouco difícil
quanto a você se definir. É... porque a Rede Municipal aqui, ela vem
de uma linha aí construtivista e passa aí por Piaget. Mas eu,
particularmente, eu gosto muito de Vygotski, né? E assim... e eu
gosto muito também do Bakhtin, porque ele trabalha com os gêneros
textuais. E eu trouxe essa metodologia para o 1.º ano, porque eu
acredito que o 1.º ano, ele consegue se alfabetizar tendo como base,
tendo como instrumento o texto e os gêneros textuais. Praticamente,
hoje é esse o meu foco de trabalho. [...] Mas eu acredito que a
consciência fonológica também tem que estar presente na sala de 1.º
ano. Que é usado aí e citado no trabalho do Capovilla... Mas, enfim,
a consciência fonológica, ela tem que estar presente também em
uma sala de 1.º ano. Então eu faço uma conciliação dos gêneros
textuais com a consciência fonológica. [...] Na verdade, ele (Bakhtin)
é citado assim... em vários trabalhos. É igual no Pacto da
Alfabetização na Idade Certa: ele é um dos autores citados nas obras
e tudo mais. Ele traz aí essa ênfase nos gêneros como instrumento
de alfabetização, mesmo. Então, é praticamente dessas leituras (que
eu conheço Bakhtin). Eu li um livro que chama... eu sou péssima
para guardar nome de livro [...]. (Professora B).

É possível perceber que a professora B teve contato com algumas leituras


de Bakhtin por meio dos cursos de formação que realizou. Porém, a sua ação
pedagógica revela que ela está no processo de um aprofundamento teórico com
relação aos conceitos que este autor desenvolve. Tal fato possibilitará a ela uma
maior compreensão de como pode ser uma intervenção docente segundo os
princípios de Bakhtin.
Um dos protocolos de observação revela o momento em que a professora B
faz transmissão vocal de uma história e, em seguida, a utiliza como forma de
introduzir o gênero textual bilhete. A professora contou a história “A bruxa
Pampolinha”. Neste livro, diversos animais da floresta são convidados para ir à festa
de aniversário da bruxa Pampolinha. A professora sugeriu que os alunos
escrevessem bilhetes à bruxa Pampolinha, explicando o motivo pelo qual não
poderiam comparecer na festa.
Após a escrita do bilhete, a professora corrigiu os erros de ortografia e as
crianças prepararam a versão definitiva a ser entregue para Pampolinha, em uma
visita à escola no dia seguinte. Na tarde posterior, as crianças de todas as salas se
dirigiram ao pátio e houve uma apresentação de poesias, de teatro e a professora do
1.º ano recontou a história “A Bruxa Pampolinha” com a ajuda das crianças. No
momento da entrega, todos colocaram os bilhetes na cesta que a bruxa carregava.
92

Quando terminou esse momento mágico para as crianças, ao retornarem para a sala
de aula, depararam-se com os bilhetes entregues à bruxa, sobre à mesa da
professora.
Ao finalizar essa proposta, a professora B esqueceu de esconder os bilhetes
que estavam na cesta. Assim, um problema surgiu, pois não houve um destino aos
bilhetes que possibilitasse aos alunos compreender que o texto tinha ido de fato
para a bruxa. Esse esquecimento da professora pode ter acontecido pela própria
dinâmica da rotina escolar, na qual se planeja algo que nem sempre se efetiva do
modo como foi organizado, planejado. O fato das crianças terem vistos os bilhetes
sobre a mesa da professora fez com que algumas delas se preocupassem com o
destino das suas próprias cartas.
As cenas dessas situações de mediação de leitura e escrita podem ser
exemplificadas com trechos da observação 7 e fotos que retratam esses dados.

[...] Nesse dia era dia de trazer brinquedo. A professora pediu que eles
guardassem os brinquedos em um canto da sala. Ela perguntou quem
era o ajudante do dia. Eles responderam: ontem não teve ajudante e
hoje é o C9 B. O aluno contou quantas crianças tinha na sala e disse
que havia 25 alunos. Eles falaram: só faltou uma aluna. A professora
pediu para que eles se organizassem e se sentassem no chão, em
frente às primeiras carteiras de cada fila, para receber os bilhetes que
tinham escrito para a Bruxa Pampolinha. Ela disse que era necessário
fazer um ensaio para entregar o bilhete para a bruxa Pampolinha, que
visitaria a escola naquele dia. Eu notei que algumas meninas ficaram
agitadas e fizeram uma feição de medo. De repente, uma criança entrou
na sala fantasiada de bruxa. Algumas crianças gritaram e outras riram.
Observei que era a filha da professora do 3º ano, que tinha se
fantasiado de bruxa para participar da história da Bruxa Pampolinha. A
PB contou a história novamente, sem utilizar o livro, e fez algumas
adaptações com os nomes das crianças da sala. Ela disse que cada um
dos alunos do 1.º B tinha uma desculpa. Após ouvirem a história, eles
foram um a um levar o bilhete até as mãos da bruxa. No final do ensaio,
a bruxa jogou um feitiço neles porque ficou brava, já que nenhum deles
iria à sua festa. A professora ensaiou duas vezes. Os alunos voltaram
para a carteira. A professora entregou o caderno de classe, avisou que
eles fariam um ditado e afirmou: ‘todas as palavras que a professora
ditar, vocês vão escrever’. Notei que ela estava ensinando a escrever a
data abreviada. Ela escreveu no quadro: ‘10/10/2014. DITADO:’ Em
seguida, disse: e vocês vão escrever 1, e eu vou ditar. A professora
ditou: 1- BRUXA; 2- PAMPOLINHA; 3- CONVIDOU. Observei que
algumas crianças discutiam baixinho se a palavra número 3 se escrevia
com M ou N. 4 – A professora disse: olha na minha boca que eu vou
ditar a palavra, TODOS; 5- OS; 6- ALUNOS; 7- PARA; 8- A; 9- SUA; 10-
FESTA; 11- DE; 12- ANIVERSÁRIO. A professora finalizou o ditado e
corrigiu as palavras no quadro. Depois, explicou o que era uma frase e
pediu para que eles escrevessem a frase: Bruxa Pampolinha convidou
todos os alunos para a sua festa de aniversário. A professora explicou
de novo que era necessário escrever uma palavra na frente da outra e
93

que eles precisavam pôr espaço entre uma palavra e outra. Após esse
momento, as crianças fizeram a separação de sílabas e contaram a
quantidade de sílabas. Em seguida, a professora levou-os ao parque por
10 minutos. Depois, as crianças lavaram as mãos e foram para o pátio
para se apresentarem com as demais turmas. O 1.º ano B se
apresentou primeiro e eles tiveram a oportunidade de entregar os
bilhetes para a Bruxa Pampolinha. As crianças assistiram às
apresentações das outras salas. Quando voltamos para a sala de aula,
os bilhetes estavam sobre a mesa da professora B. A bruxa devolveu!
Observei que C1 B procurou o seu bilhete rapidamente sobre a mesa;
ela pegou o bilhete e murmurou com um ar de indignação: se a bruxa
não quer o meu bilhete, eu quero! C1 B se dirigiu para a sua carteira e
guardou o bilhete na mochila. Outras crianças tiveram a mesma atitude
que ela e algumas disseram espantadas: a bruxa devolveu! Essas
crianças também pegaram o bilhete e guardaram na mochila. A
professora não fez nenhum comentário sobre o ocorrido. [...] (Protocolo
de observação 7, 1.º ano B, 10/10/2014).

Foto 1 – Bilhete de um aluno para a bruxa Pampolinha (anexado no painel)23

Fonte: Da autora.

23
Referente às fotos 1, 2 e 3 – Data da proposta: 10/10/2014. Professora: B.
Conteúdo: Uso e função social da escrita, leitura de literatura, de quadrinhas, oralidade, leitura e
produção do gênero bilhete, registro de palavras, sílabas e relação letra/som. Objetivo geral:
avançar no sistema de escrita alfabética.
94

Foto 2 – Crianças esperando o momento de entrega do bilhete à bruxa

Fonte: Da autora.

Foto 3 – Os bilhetes foram devolvidos pela bruxa na mesa da professora

Fonte: Da autora.

Estamos em interlocução constante uns com os outros; ao escrevermos,


geralmente o fazemos para alguém e assim entramos em um processo de
comunicação. As crianças da sala da professora B, fizeram exatamente isso durante
o exercício de escrita dos bilhetes para a bruxa e presenciaram o papel que a
95

palavra desempenha em um discurso; a palavra desempenha papel central neste


processo e compreende duas faces:

Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como


pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o
produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de
expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me
em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à
coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e
os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra
apóia-se sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do
locutor e do interlocutor. (BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2004, p. 113).

Em vista disso, a fala sempre tem um endereçamento, assim como a


produção escrita. Considero que as crianças que frequentam as salas de aula
podem compreender e ter a plena certeza de que elas escrevem para alguém, e
este alguém é real e interessado no conteúdo da sua produção escrita. Deste modo,

A palavra dirige-se a um interlocutor: ela é função da pessoa desse


interlocutor; variará se se tratar de uma pessoa do mesmo grupo
social ou não, se esta for inferior ou superior na hierarquia social, se
estiver ligada ao locutor por laços sociais mais ou menos estreitos
(pai, mãe, marido, etc). Não pode haver interlocutor abstrato; não
teríamos linguagem comum com tal interlocutor, nem no sentido
próprio nem no figurado. (BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2004, p.112).

Entre o texto que o aluno produz e o que o professor faz com ele, deveria
existir uma relação dialógica. A possibilidade de escuta, de um olhar atento para o
que o aluno deseja expressar deve estar presente na sala de aula. De acordo com
Volochínov e Bakhtin (2011, p. 8), “a palavra quer ser ouvida, compreendida, quer
receber uma resposta e responder por sua vez à resposta, e assim ad infinitum.”
Vale ressaltar a postura de uma aluna como descrito no trecho do protocolo
que reescrevo a seguir: C1 B “procurou o seu bilhete rapidamente sobre a mesa; ela
pegou o bilhete e murmurou com um ar de indignação: se a bruxa não quer o meu
bilhete, eu quero! C1 B se dirigiu para a sua carteira e guardou o bilhete na mochila”.
Mais alguns alunos pegaram rapidamente seus bilhetes sobre a mesa e os
guardaram, também. Notei que C1 B esperava uma atitude responsiva de seu
interlocutor, a bruxa, a qual não ocorreu. Sua atitude diante do bilhete devolvido,
revela que ela tem consciência de que escreve para o outro.
É visível que o exercício proposto pela professora, relacionado à festa da
bruxa Pampolinha, estava envolto em uma riqueza de elementos, uma vez que ela
96

investiu tempo para contar a história, ensinou o gênero bilhete para as crianças,
solicitou a escrita do gênero textual pelas crianças, fez as correções necessárias e
montou um painel de exposição dos mesmos, a fim de que outras salas tivessem
contato com as produções das crianças; além disso, realizou com eles o ensaio da
entrega desse bilhete à bruxa e se preocupou em levar uma pessoa com a
vestimenta de bruxa para representar a Pampolinha. Percebi que a professora
preparou o ambiente da sala para que a necessidade de escrita acontecesse e
também o desenvolvimento da imaginação dos alunos. Em razão disso, a
organização do exercício proposto contribuiu para a formação de crianças
produtoras de texto.
Cabe salientar que um dos motivos prováveis para a devolução do bilhete foi
a orientação dada à pessoa que estava representando a bruxa; essa era uma
criança, filha da professora de outra sala. Essa criança estava responsável por
representar a bruxa Pampolinha, mas não foi explicado a ela o que era para fazer
com os bilhetes após serem colocados na cesta. É provável que ela tenha pensado
que depois de participar desses momentos com as crianças, ela deveria devolver os
bilhetes para a professora, uma vez que não lhe pertenciam.
Entendo que a palavra escrita precisa de resposta. O ser humano tem essa
necessidade durante toda a vida: ele anseia por respostas, sejam estas escritas ou
faladas. Quando pensamos no ambiente escolar, tal fato é visível ao longo da vida
estudantil em muitas das suas etapas. Deste modo, as crianças que frequentam as
salas de alfabetização escrevem suas frases sobre algo, os seus textos, os
enunciados, e aguardam uma resposta, um comentário do seu interlocutor, que
geralmente é o professor. No caso das salas observadas durante a pesquisa ora
discutida, houve constantemente uma resposta das professoras às produções
escritas das crianças. Essa resposta se concretizou por meio de comentários sobre
o que foi escrito, por elogios às ideias registradas, ou até mesmo pela correção
gramatical e ortográfica para que o texto se tornasse mais compreensível. Esse é
um aspecto que contribui para a formação de crianças produtoras de texto.
Conforme a criança frequenta o Ensino Fundamental, ela é desafiada a fazer
as pesquisas, a expor a sua opinião e quando entrega esse material escrito para o
professor, aguarda um comentário sobre o seu desempenho e a opinião dele sobre
o que leu. Aos poucos, muitos alunos percebem que os trabalhos que foram
entregues retornam apenas com um V, significando que foi visto, ou com uma nota.
97

Para alguns fica a dúvida, para outros a certeza de que o professor não leu o seu
texto, a pesquisa apresentada. Vale ressaltar que compreendo as condições
objetivas nas quais os professores trabalham, que muitas vezes os impossibilitam
comentar cada um dos trabalhos dos alunos. Entretanto, é fato que os alunos
aguardam esse retorno, uma devolutiva do que eles fizeram.
Ao refletir sobre a vida estudantil, essa necessidade de resposta do que se
escreve para o professor acompanha o aluno no Ensino Médio, na graduação e na
pós-graduação, ou seja, durante todo o percurso. Neste contexto, o aluno sempre se
questiona se o seu texto está bom, se a escrita está clara, se ele fez a escolha
adequada das palavras para desenvolver as suas ideias e os seus argumentos. Isso
porque há a clara compreensão de que sempre escrevemos para o outro e de que
precisamos de uma atitude responsiva do nosso interlocutor.
Observo que nas demais esferas da vida social nas quais utilizamos a
escrita tal fato não é diferente, ou seja, ao escrever aguardamos uma resposta do
outro. Por exemplo, ao escrever no WhatsApp, esperamos uma resposta e essa
geralmente acontece de forma rápida, do mesmo modo como nos e-mails. Além
disso, ao postar algo no Facebook, os comentários acontecem quase que de forma
instantânea. É esse o universo que muitas crianças acessam logo cedo. Pelo
momento histórico em que vivemos, com todos os avanços da tecnologia, a resposta
imediata ao que se escreve torna-se visível e é óbvio que as crianças que nos
rodeiam percebem isso. Quando entram na escola, observam muitas vezes que
essa não é a realidade, pois escrevem e a resposta do professor não acontece, ou
demora muito a ser manifestada.
Portanto, a necessidade de respostas ao que expressamos por meio da
linguagem escrita é real e inegável. Todo material escrito ao ter um endereçamento,
exige a resposta do outro. Tal fato revela que não é suficiente preparar o ambiente e
gerar motivos para que as crianças escrevam. É preciso pensar em cada detalhe
para que elas se utilizem da escrita como forma de expressão, que façam suas
enunciações e que tenham respostas dos materiais endereçados para os outros.
Ao refletir sobre as situações de escrita oferecidas aos alunos das
professoras participantes da pesquisa, trago outro dado para ser analisado. É claro
que além de elaborar enunciados por meio da escrita, é necessário que as crianças
estabeleçam contato com os diversos elementos que compõem os textos, como sua
estrutura, e que aprendam a utilizá-los no seu cotidiano. Um dado relacionado a
98

esse aspecto me chamou a atenção. A professora A declara que seus alunos


finalizam o ano sabendo o que é um texto. No entanto, só escrevem texto
informativo. Sendo assim, na grande maioria dos momentos em que ela solicita que
escrevam algo, eles se baseiam na estrutura do texto informativo. A seguir
apresento um trecho da entrevista com a professora A que revela esse dado:

Trabalho o texto informativo com eles. Então eles saem sabendo o


que é texto. Tanto que é uma coisa que eu vou modificar o ano que
vem... como eu trabalho muito em cima do texto informativo, eu
percebo que no final quando eles estão fazendo produção, a maioria
dos textos deles é texto informativo. Entendeu? Por tanto trabalhar o
texto informativo, pelo foco ser maior no informativo. Então tudo o
que eles vão produzir no final do ano... até a produção de frase...
vamos fazer uma frase com a palavra bolo. Eles acabam fazendo
uma frase informativa sobre o bolo. Não algo criativo, entendeu?
Então, isso é devido ao (fato de) trabalhar este texto informativo.
Então eu acho que seria mais isso. (Professora A)

É provável que as crianças só escrevam o tipo de texto informativo por ser


esse o modelo apresentado, por ser essa a referência textual que a professora
enfatizou no cotidiano da sala de aula. É possível proporcionar o acesso das
crianças a outros tipos de texto além desse, pois no meio social e cultural no qual as
crianças vivem é necessário aprender a escrita de diversos tipos de textos. Nessa
perspectiva, Jolibert (1994b, p. 53), aponta que:

Entendemos como “tipos de textos” não os tipos de discursos, no


sentido em que são geralmente entendidos pelos linguistas, mas os
tipos de escritos sociais mais comuns. Escolhemos sete, dentre os
escritos sociais mais frequentes (cartas, cartazes, fichas descritivas,
relatórios, narrativas de vida, novelas e poemas) [...].

Desse modo, explorar com as crianças diversos tipos de textos que tenham
relação com os escritos que elas encontram no seu cotidiano pode ser uma
alternativa para gerar nelas a necessidade de escrita. Esses podem ser, por
exemplo, cartas, bilhetes e/ou regras de um jogo.
A ênfase dada no texto informativo na sala de aula da professora A, torna-se
evidente mediante um questionamento feito pela C10 A. Na referida situação, a
professora A saiu da sala para uma reunião rápida com a diretora. Enquanto isso, a
professora substituta ficou na sala. As crianças estavam curiosas para saber o
motivo da ausência da professora A. Na tentativa de sanar essa curiosidade, a
professora substituta disse que ela saíra da sala para ler um texto. Neste instante,
99

quase que de imediato, C10 A questionou: “Ela foi ler um texto informativo?” A
professora substituta respondeu que sim. A seguir apresento um trecho do protocolo
de observação número 8, do dia 03/11/14, da sala da professora A:

C10 A diz: “Ela vai ler um texto informativo?” A professora sorri e


olha para mim; foi como se dissesse: “Que menino inteligente!” Eu
correspondo ao sorriso e ela diz: “Sim, é um texto informativo e é
sobre prova de vocês, a prova da prefeitura” [...]. (Protocolo de
observação 8, 1.º ano A, 03/11/2014).

É possível verificar pelo comentário da C10 A que ela é uma criança


observadora. Ao analisar essa situação, fica nítido que o seu questionamento estava
baseado no tipo de texto que estudava com frequência na escola, o texto
informativo, a única possibilidade que se apresentava para ele. Sendo assim, ao
enfatizar um tipo de texto, a professora A dificulta o acesso à linguagem escrita, uma
vez que as crianças desconhecem outras possibilidades diante de tantas formas de
escrever que estão presentes na cultura escrita. Porém a professora A, já apontara,
durante a entrevista, a necessidade de apresentar outros tipos de textos para os
alunos.
Ao ampliar o contato dos alunos com outros tipos de textos, o professor
pode proporcionar a eles situações de aprendizagem nas quais possam explorar as
diferentes estruturas textuais. Essa possibilidade faz com que os alunos acessem a
cultura escrita e percebam como os enunciados se organizam. Quando o professor
propicia outros modelos, outras estruturas textuais, é muito provável que seus
alunos tenham muito mais o que dizer, o que expressar nas suas produções
escritas.
Na escola, a professora pode potencializar esse processo, criando situações
para que as crianças tenham contato com todos os tipos de textos que elas
necessitam aprender a escrever. Como aponta Jolibert (1994b, p. 38-39),

Partindo do ponto em que estiver cada criança, essa situação


objetiva levá-la a produzir um texto pertinente, o mais acabado
possível, e ainda, mais, a elaborar com ela uma estratégia e os
instrumentos reinvestíveis em outras situações.

Nesse contexto de produção textual, as crianças vão aos poucos


aprendendo a revisar o que escrevem e a fazê-lo de modo coerente. Do mesmo
modo, ao conhecer as características dos tipos de texto, podem aplicá-las em outros
100

momentos em que a escrita é exigida. Segundo Jolibert (1994b), em uma situação


de comunicação escrita, alguns elementos vão determinar a produção das crianças,
tais como: quem é o destinatário do escrito, qual é o objetivo do que estão
escrevendo, o que pode ocorrer se o escrito for inconveniente e também o que
exatamente tem que ser dito. Observo que é fundamental a participação atenta do
professor nesse processo de aprendizagem da escrita da criança, nessa apropriação
da linguagem escrita como prática cultural.
Durante a entrevista, também perguntei às professoras o que elas
priorizavam com relação à escrita. Nessa resposta aparece a concepção de
linguagem da professora A, que parte da sinalidade, ou seja, ela concebe o ensino
da língua tendo como foco a ênfase nos sinais gráficos. Ela destacou que se ensinar
todas as letras de uma vez para as crianças, os que têm dificuldade não
acompanharão o que ela está ensinando. Apresento um trecho da entrevista com a
professora A que revela esse dado:

Eu trabalho a silabação, sim, mas a silabação em cima da fonética,


eles sabendo o som e não aquela silabação BA, então Ba, Be, Bi,
Bo, Bu. Eu não faço isso com eles. Mas para eles entenderem o
processo, eu trabalho mais assim. Cada letra que eu introduzo... eu
gosto de trabalhar letra a letra. Porque eu vejo assim, o aluno que
tem facilidade, se você der todas as letras ao mesmo tempo, ele vai
que é uma maravilha. Só que o aluno que tem dificuldade, não
adianta, tem que ser aquela coisa bem sistemática. Então eu
trabalho sistematicamente. Então vamos lá, eu trabalhei a letra B, tá.
Mas daí eu vou trabalhar a letra B em cima de... por exemplo... ou eu
conto uma história de literatura.

A professora A acredita que o ensino da escrita deve ser letra a letra. No


entanto, essa ideia é contrária aos materiais escritos com os quais as crianças têm
contato. Nos livros, cartazes, propagandas, rótulos, nos enunciados escritos, as
letras não aparecem isoladas e, sim, juntas para fazer com que um processo
comunicativo aconteça.
No trecho da entrevista citado é possível perceber que a professora A utiliza
o livro de literatura para iniciar o ensino de uma determinada letra, enquanto o livro
poderia apresentar, em sala, outras portas de entrada à cultura escrita e outros
modos de exploração pelas crianças. Observei que a professora B também utiliza a
história, o livro de literatura, como uma estratégia para iniciar o ensino de uma letra.
No entanto, ressalto que observei a utilização do livro de literatura de outras formas
101

nessas salas, isto é, sem ser apenas para apresentar uma determinada letra do
alfabeto.
Dessa forma, quando as professoras entrevistadas optam por ensinar letra a
letra do alfabeto e por utilizar o livro objetivando o ensino de determinada letra, e
quando priorizam a silabação e os fonemas, elas empobrecem o contato das
crianças com os livros de literatura. Ao comentar sobre uma metodologia nas salas
do 1.º ano baseada nos fonemas, Bajard (2014c) destaca que aqueles que
defendem o método fônico, partem da pressuposição de que

Os sistemas alfabéticos de escrita representam os fonemas na forma


de grafemas (Capovila, 2005, p. 38). Por sua vez, o “Observatorie
National de la Lecture” francês — referência para os defensores
brasileiros do método fônico — define a leitura enquanto “extrair de
uma representação gráfica a pronúncia e o significado” (Fayol, 2004,
p. 15), negando assim a existência de uma compreensão que não
passe pela pronúncia. (BAJARD, 2014c, p. 20).

Desse modo, a pronúncia, a decifração, a identificação dos sons, dos


fonemas ocorrem primeiro, somente depois o aluno busca o significado do que está
lendo. Para escrever, ele também pronuncia os sons das letras para, em seguida,
fazer o registro das sílabas e das palavras. Ao responder à mesma questão, a
professora B ressalta que prioriza a escrita como algo amplo, sendo que o seu foco,
não é somente o ensino das letras e das sílabas, mas sim que a criança
compreenda que a escrita está em tudo o que se encontra ao seu redor. Porém, no
final da resposta da professora é perceptível que o ensino está baseado no nome da
letra, no som da letra e em seguida na sílaba. A seguir o trecho da entrevista com a
professora B que comprova esse dado.

Eu priorizo três coisas essenciais, que são: a criança ter noção de que a
escrita é uma coisa ampla, no sentido, assim, que a escrita não é só a
letra, não é só a sílaba. Desde o primeiro momento ela (criança) já tem
essa visão, que a escrita está presente no texto, está presente na música,
está presente no recadinho que eu dou para eles, está presente em
qualquer coisa aqui da sala de aula. Está presente em tudo. Pra ele (o
aluno) não ter aquela visão restrita de achar que a escrita é só aquela
letrinha, ou só aquela palavra. E aí depois disso eu vou enfatizando as
letras, o nome das letras e o som. É o primeiro trabalho diante de todo
esse contexto que a gente traz pra eles. E depois disso eu introduzo a
sílaba. Mas o primeiro princípio é o nome da letra, o som da letra e depois
a sílaba. E dentro desse complexo aí, de... vamos dizer assim... de
gêneros textuais. Mesmo na oralidade eu conto a história, eu leio a
história. (Professora B).
102

Em seu discurso, a professora B concebe a escrita na sua dimensão social e


cultural e, ao mesmo tempo, se remete a ela como sistema, com ênfase nas suas
partes menores, nas letras e sílabas. Na minha forma de compreender o processo, é
fundamental que o ensino da língua materna auxilie as crianças a entenderem a
dimensão que tem a escrita e que a sua manifestação acontece em diferentes
contextos sociais e culturais, ou seja, na escola, no shopping, em casa, na
biblioteca, nos anúncios de jornais, supermercados, revistas e outros.
Desse modo, a escrita não está limitada a letras e sílabas, pois é uma
manifestação humana e é muito complexa; o seu objetivo é a comunicação com os
outros, é a expressão de ideias, sentimentos e pensamentos. Freinet e Balesse
(1977) fazem uma crítica aos professores que utilizam a metodologia da fonética.
Segundo esses autores, tais educadores tem “esta mania de querer obrigar as
crianças a pronunciar, pelo sistema fonético, palavras vazias, sem sentido para
elas.” (FREINET; BALESSE, 1977, p. 74).
No entanto, um fato deve ser considerado e valorizado: as professoras
utilizam os livros de literatura com frequência na sala de aula. Em praticamente
todas as observações que eu realizei, as professoras leram livros de literatura infantil
para as crianças. Em seguida, possibilitaram a elas uma breve exploração dos livros.
Na concepção de Bajard (2014c, p. 95),

Além dos efeitos esperados de uma alfabetização futura, a sessão de


mediação produz frutos educacionais imediatos. Certamente a
prática dos textos literários possui interesse em si e não precisa ser
justificada por alguma razão externa, como, por exemplo, sua
eficiência na aprendizagem da língua. No entanto, mesmo se a
aprendizagem da língua escrita não é a razão principal que justifica a
prática precoce da literatura, esta última entroniza a criança dentro
do mundo da escrita. Se as histórias contadas enriquecem a língua
oral, as histórias do livro — tecidas com uma gramática mais
complexa e com um léxico mais amplo do que a língua dos
contadores — acrescentam outras oportunidades de
aperfeiçoamento linguístico.

Deste modo, o fato de as professoras lerem para as crianças, enriquece o


contato que elas têm com a linguagem escrita e a visão delas de como um texto é
estruturado. Além disso, a leitura desses livros em sala amplia o contato dos alunos
com a cultura escrita, incentiva a imaginação das crianças, sua criatividade e o
desejo de se tornarem um autor, alguém que escreve suas próprias histórias.
103

Em alguns momentos das observações, percebi que a preocupação


relacionada à escrita estava centrada mais no traçado correto das letras. No trecho
da entrevista a seguir, a professora A faz uma assertiva que comprova isso.

Eu trabalho o traçado certinho, de onde começa... eu faço um a um ir


no quadro, depois eles fazem no sulfite para depois ir no caderno e
saber a utilização da linha. Então, é feito todo o processo, até
quando ele faz a pintura ou a colagem, pra ele saber de onde
começa... qual é o traçado certinho. Eu foco muito nisso, não deixo
eles fazerem à vontade. Por exemplo, começa o A daqui pra lá,
começa pelo meio... Eu trabalho o traçado correto das letras [...].

Nas salas do 1.º ano, geralmente é exigido das crianças um traçado das
letras perfeito; para isso é utilizado com frequência o caderno de caligrafia. Tal fato
gera muitas vezes cansaço e desinteresse nas crianças. Freinet (1977) discute a
questão da escrita e caligrafia, salientando que o método natural, proposto por ele,
recebeu críticas do ponto de vista grafológico, pois “baniu todos os processos
didáticos e analíticos e que exige, antes de mais, a perfeição da letra antes da sua
integração na palavra.” (FREINET, 1977, p. 101). Muitas vezes os professores
investem tempo demasiado nas questões referentes ao traçado correto das letras,
ao invés de ter como foco a comunicação, o ato de se expressar por meio da escrita
e das produções de texto.
É necessário refletir, também, se essas professoras do 1.º ano conseguem
gerar a necessidade de escrita nas crianças. Para isso fiz esse questionamento
durante a entrevista. A professora A disse que consegue gerar essa necessidade de
escrita nas crianças, porém no final da questão ela apontou que a cópia é um
elemento importante para ela porque já revela uma ação de escrita. A professora B
destacou que a necessidade de escrita é um processo natural na sua sala. A seguir,
apresento os trechos das entrevistas que trazem esses dados.

Necessidade? Eu acredito que sim [...]. Essa necessidade é gerada


devido até à maneira de trabalhar, o foco que a gente dá. A partir do
momento como é trabalhado essa necessidade, eles já se veem... a
necessidade existe. Mesmo o copiar do outro já é uma necessidade.
Se eu passei uma atividade onde ele tem que escrever, e ele se
sente inseguro e vai copiar do outro, já é uma necessidade. Em
alguns momentos, por exemplo, quando eu vejo um amigo copiando
do outro, dependendo da atividade, eu faço vista grossa. Porque eu
sei que se for diferente ele não vai aprender. Assim, mesmo
copiando em determinados momentos ele está aprendendo. Ele está
aprendendo. (Professora A).
104

Se eu falar que não, eu estou mentindo. Só que essa necessidade de


gerar escrita, ela acontece naturalmente quando você traz para a
criança o ambiente que ela precisa, que é um ambiente alfabetizador.
Isso acaba acontecendo naturalmente, porque dentro aqui do 1.º
ano, já está muito claro para eles. Eu não escondo: eles sabem que
no 1.º ano eles vão aprendem a ler, eles sabem que no 1.º ano eles
vão aprender a escrever, eles sabem que precisam aprender as
letras. Automaticamente, eles vão percebendo, com o processo da
alfabetização, que o texto tem letra, tem sílaba. Então, assim... claro,
se eu não fizesse nada disso... isso é uma necessidade, mas não
acaba sendo aquela coisa assim que chega a ser, é... vamos dizer,
assim... cansativa para a criança. Isso vai acontecendo naturalmente,
até que todo mundo começa a ler. (Professora B).

No trecho da entrevista com a professora B, é possível perceber que o fato


das crianças apresentarem a necessidade de escrever de forma natural está
vinculado ao modo como ela organiza intencionalmente o ambiente para que isso
aconteça. Segundo a professora, a sua sala do 1.º ano se apresenta como um
ambiente alfabetizador. No entanto, no seu discurso ainda aparece a ideia de
alfabetização com foco na letra e na sílaba, uma vez que as crianças são levadas a
perceber que o texto tem letra e tem sílaba, ao passo que essa percepção das
crianças poderia ser direcionada para o fato de que nos textos elas encontram
enunciados.
Na visão de Vygotski (1995b, p. 201)24 “o ensino deve ser organizado de
modo que a leitura e a escrita sejam necessárias de alguma forma para a criança
[...]. A criança deve sentir a necessidade de ler e escrever”. Julgo que na escola,
mediante a proposta intencional do professor e por meio do seu planejamento diário,
seja possível colaborar de forma significativa para gerar nas crianças o desejo e a
necessidade de expressão por meio da escrita, e ao mesmo tempo impulsionar
nelas a necessidade de ler. Desse modo, há grande possibilidade do professor
favorecer a formação de crianças leitoras e produtoras de texto.
Por outro lado, a prática intencional do professor pode possibilitar propostas
sem sentido para as crianças, gerando nelas não a necessidade de escrita e, sim, o
cumprimento, de forma mecânica, do que lhe foi solicitado. Presenciei algumas
situações como essa durante o período de observação nas salas de aula. Em uma
delas, a professora A ensinou para as crianças a letra Q e a família silábica
correspondente. Em seguida, distribuiu uma folha para que as crianças

24
La enseñanza debe organizarse de forma que la lectura y la escritura sean necesarias de algun
modo para el niño [...] El niño ha de sentir la necesidad de leer y escribir.
105

preenchessem as lacunas com a família silábica e assim seriam formadas as


palavras contendo QUA, QUE, QUI. Observei que C15 A estava mais interessada
em continuar os desenhos do exercício anterior do que em fazer o que a professora
explicava. Ao perguntar como ela faria o exercício solicitado, ela respondeu que isso
era fácil, era necessário somente preencher com a letra U, depois voltar
preenchendo com a letra Q e escolher uma vogal. A aluna fez deste modo a tarefa
escolar, realizando o que a professora solicitou mecanicamente. O que realizou não
tinha significado para ela. Na verdade,

Aprende-se a ler/escrever, não a partir de treinos mecânicos,


repetições e modelos sem sentido, mas a partir de situações
concretas, em que o aluno sabe o que está fazendo, para quê e para
quem o faz. Só assim é capaz de atribuir um significado ao que lê e
escreve e, dessa forma, desenvolver suas estratégias de
leitor/produtor de texto. (GIROTTO; REVOREDO, 2011, p. 191).

Apresento duas fotos que revelam esse dado.

Foto 4 – Preenchimento de lacunas para formar palavras – sala A25

Fonte: Da autora.

25
Referente às fotos 4 e 5 – Data da proposta: 06/11/2014. Professora: A.
Conteúdo: Português: Vogais: A, E, I, O, U (grafema e fonema) e consoantes: S, M, B, F, L, R, J, N,
P, V, G, T, C, Z e Q (grafema e fonema), família silábica, uso e função social da escrita; oralidade;
registro do próprio nome; leitura e interpretação de literaturas de gêneros diversos; Objetivo geral:
Participar cotidianamente em situações nas quais se faz necessário o uso da leitura; conhecer
textos de diferentes gêneros textuais; identificar e fazer relação letra-som da consoante Q; família
silábica- formação, fonema-grafema; identificação da família silábica do Q – nomear desenhos.
106

Foto 5 – Preenchimento de lacunas (sílabas) para formar palavras – sala A

Fonte: Da autora.

Observei que muitas crianças apresentaram dificuldade para concluir o


exercício. Elas faziam o som da letra Q e preenchiam com QE, QI, QU, sem
entender o porquê da utilização de QU seguido de a, e ou i. Outras fizeram o som da
letra G e a usaram para preencher as lacunas. Como já apontado anteriormente, o
método escolhido pela professora é o fônico, o qual, segundo Bajard (2006),
concebe o ensino da leitura como “uma extração da pronúncia, seguida por uma
extração da compreensão.” (BAJARD, 2006, p. 493).
Ao analisar o que as crianças estavam fazendo, notei que a estratégia
adotada pela professora A possibilitou a pronúncia, mas não a compreensão do que
elas estavam tentando ler e escrever. Isso significa que somente fazer o som da
letra não viabilizou a resolução pelas crianças da situação de escrita proposta,
causando nelas dificuldade na execução do exercício e até mesmo certa confusão.
A seguir, apresento um trecho do protocolo de observação que revela esse dado e o
registro fotográfico do exercício solicitado pela professora A.

A professora avisou que ia entregar o próximo exercício e perguntou:


“Qual a família do Q?” Eles responderam: “QUA, QUE, QUI, QUO”.
Ela explicou o exercício dizendo: “Você tem que completar as
palavras: aquarela, tanque, liquidificador... e ontem eu falei do quati.
Olha a figura do quati aqui na folha. Este desenho aqui é um quepe.
Vocês sabem o que é?” Ela explicou o que era. As crianças
107

começaram a fazer a tarefa escolar. Ao andar pela sala para ver


como eles estavam fazendo, notei que eles tinham muita dificuldade
para usar as sílabas para completar as palavras. Alguns escreveram
CACI para CAQUI. Observei que C15 A usou uma estratégia que
achei diferente. Ela falou que primeiro ia escrever todas as letras Us
(que era a letra U de cada uma das sílabas) para depois voltar
completando com o Q e o E, o Q e o I. Tirei fotos de como ela fez
isso e notei que ela preencheu depois corretamente com: QUA, QUE,
QUI, QUO. Notei que C14 A usou GUA, GUE, GUI para preencher as
lacunas e não conseguia entender que era outra sílaba. Eu a ajudei a
ler. Ela arregalou o olho e disse: “Ah, entendi... é com o Q e eu estou
usando o G, aí fica GUA”. Muitas crianças da sala apresentaram
dificuldade para pôr a sílaba correta no espaço solicitado. Para
alguns alunos, o QUE era formado por QE, o QUI pelo QI, o QUA por
QA. Eles faziam o som da letra e não conseguiam chegar ao
resultado que a professora queria. Somente o som não dava conta
de resolver o problema. Quando questionei C3 A sobre como se
escrevia QUE, ela ficou fazendo o som para mim de “KKKKKKK” e
não conseguiu fazer o exercício. (Protocolo de observação 9, 1.º ano
A, 06/11/2014)

É nítida a dificuldade apresentada pelas crianças para fazer o que a


professora pediu. A análise revela o exemplo da C15 A, que criou uma estratégia
para preencher as lacunas com as sílabas solicitadas, e a dificuldade de muitos
alunos ao buscarem o som da letra como recurso para fazerem o exercício, sem
encontrar nesse recurso uma resposta para o problema apresentado.
É claro que a escrita tem uma função mais ampla, como foi apresentado até
o momento. Ela vai muito além do que fazer essas tarefas escolares, que são sem
sentido para muitas crianças. Freinet (1977) aponta a escrita como expressão de
pensamento. De acordo com o referido autor,

Ao aprender a escrever uma palavra a criança, daí em diante, serve-


se dela como de um utensílio necessário à expressão do
pensamento, tal como se serve da palavra oral para a mesma
expressão espontânea do interesse que a domina num dado
momento. (FREINET, 1977, p. 101).

Percebo que é justamente esse um dos status que a escrita pode ter na
escola e nas salas do 1.º ano, ou seja, uma ferramenta cultural, criada pelo homem
para expressar os seus pensamentos.
108

Ao fazer uma crítica ao modo como a escrita escolar acontecia, Vygotski


(1995b, p. 201)26, aponta que
As crianças são ensinadas a escrever como um certo hábito motor e
não como uma atividade cultural complexa [...]. Isso significa que a
escrita deve ser significativa para a criança, que deve ser provocada
pela necessidade natural, como uma tarefa vital que lhe é
imprescindível. Só então teremos a certeza de que se desenvolverá
na criança não como um hábito de suas mãos e dedos, mas como
um tipo realmente novo e complexo da linguagem.

É notório que um dos grandes desafios da escola, no momento, é


compreender e lidar com a escrita como sendo uma atividade cultural complexa.
Escrever não é uma tarefa fácil, exige a organização do pensamento, das ideias que
serão transmitidas por meio do texto escrito, exige escolher o destinatário, fazer a
escolha adequada das palavras, conhecer a estrutura do texto e se comunicar de
forma clara com o outro. Todos esses elementos são aprendidos por meio da
cultura, pelo contato que cada indivíduo estabelece com a cultura escrita e podem,
portanto, ser gerados como uma necessidade no meio social do qual se participa.
De acordo com Mello (2000, p. 150),

Se os motivos, os interesses e as necessidades são aprendidos,


então velhos motivos podem ser modificados e novos podem ser
ensinados ou criados. Ou seja, na escola, podemos criar novos
motivos que contribuam para o desenvolvimento de aptidões e
capacidades humanizadoras que tornem a criança um ser humano
mais completo. [...] O papel da educação escolar é, então, criar
novas necessidades humanizadoras nas crianças. O educador é,
assim, um criador de necessidades que contribuam para o
desenvolvimento humano das crianças.

Considerando-se a escola como espaço em que a escrita seja significativa


para as crianças, essa pode ser mesmo gerada, provocada por uma necessidade de
se comunicar com o outro, de se expressar por meio da linguagem. Deste modo, ao
criar novas necessidades nas crianças, o professor pode agir intencionalmente para
provocar o seu desenvolvimento.
Nas salas de aula de Freinet (1975) a vontade de se comunicar pela escrita
acontecia naturalmente pelas crianças porque o ambiente de ensino era organizado

26
A los niños se les enseña a escribir como un hábito motor determinado y no como una compleja
actividad cultural [...] Eso significa que la escritura debe tener sentido para el niño, que debe ser
provocada por necesidad natural, como una tarea vital que le es imprescindible. Unicamente
entonces estaremos seguros de que se desarrollará en el niño no cómo un hábito de sus manos y
dedos sino como un tipo realmente nuevo y complejo del linguaje.
109

para isso e provocava nelas o desejo de se expressar. Uma das técnicas Freinet
utilizada para que as crianças tivessem vontade de escrever era o texto livre. Sendo
assim, é importante defini-lo do ponto de vista de Freinet,

Um texto livre é, como a sua designação indica, um texto que a


criança escreve livremente, quando tem desejo de o fazer, em
conformidade com o tema que a inspira. Não é aconselhável, por
conseguinte, a imposição de um assunto, nem se deve estabelecer
um plano destinado ao que se tornaria então uma espécie de
exercício de texto livre que, como é óbvio, constituiria apenas uma
redação de tema livre. (FREINET, 1975, p. 60).

Na escola, as crianças podem ser incentivadas a relatar por meio do texto


livre as suas ideias. Essa é uma das técnicas Freinet que pode ser adotada na
atualidade. O professor, por meio da sua ação intencional, pode gerar um ambiente
na sala de aula no qual as crianças tenham o que dizer por meio da escrita. Como já
foi apontado anteriormente, é necessário possibilitar esse espaço para que a criança
escreva e, ao mesmo tempo, inspirar esse desejo de se expressar (FREINET, 1975).
Durante a entrevista com as professoras do 1.º ano, perguntei sobre a
escrita de textos pelas crianças e se elas utilizavam o texto livre em sala de aula. As
professoras comentaram que a maioria dos alunos já escreve textos e que, no
decorrer das propostas que desenvolvem, não utilizam o texto livre; sendo assim, o
que as crianças escrevem sempre é direcionado pelas professoras. A professora B
enfatizou que direciona a escrita para o gênero que está ensinando. A seguir
transcrevo trechos da entrevista com as professoras A e B que provocam reflexões
sobre essa questão.
Com relação à pergunta se as crianças já escrevem textos:

Eles terminam o ano escrevendo textos. Eu uso metodologias


diferentes. Eu não uso uma coisa só. Por exemplo, eu trouxe uns imãs
de geladeira de casa. Eu cheguei e deixei eles curiosos. Cada coisa que
eu tirava da caixa eles faziam a escrita, eu não fiz a correção, foi
espontâneo. Mas foi muito interessante o resultado. As letras que eu já
tinha trabalhado 100% da sala acertou e escreveu corretamente as
palavras. Eles escreveram UVA certinho. Aquela letra que eu não tinha
trabalhado sistematicamente, os que tinham facilidade escreveram, mas
e aqueles que não têm? Por isso que o sistemático é importante. A
produção deles, eu não uso uma metodologia só, uso diferentes. Por
exemplo, eu leio o livro: vamos fazer uma comparação, diferenciar o
que aconteceu desse livro para esse. Por exemplo, eu contei a história
da Arca de Noé escrita pela Ruth Rocha e outro autor e vimos as
diferenças dos dois livros. Então, a escrita, ela acontece em todas as
aulas, mas não é sempre a mesma coisa. (Professora A).
110

Já (escrevem textos). Não todos, mas a maioria. Na verdade a


produção de texto nessa minha turma do 1.º ano, ela aconteceu
dentro da produção do gênero. Eles fazem produção de relato oral e
escrito de fatos da vida deles. Na verdade, essa produção de relatos,
ela vai para a imagem e eles fazem o desenho do que aconteceu
com eles. O relato oral e às vezes eu peço o escrito. Agora, quando
eu falo a produção dos gêneros, os gêneros que eu trabalhei eu fiz a
cobrança deles produzirem. Então eles produziram bilhetes,
produziram bilhete para o amigo, produziram bilhete para a
professora. Produziram quadrinha que foi um outro gênero
trabalhado. Produziram reconto de contos clássicos, que também foi
trabalhado alguns contos modernos. Lendas, que foi também
bastante trabalhado na época do folclore. Então, eles faziam a
produção da reescrita desse texto. Então, na verdade, a produção
acontece o ano todo. Então, eu não vejo dificuldade nessa questão.
É claro que nem todas as crianças conseguem produzir um texto,
mas aquelas crianças que não conseguem produzir o texto, fica
muito clara a evolução dela no começo do ano e agora para o final.
Embora ele não esteja produzindo um conto, ou conseguindo
reescrever um conto como as outras crianças. Mas ele tem ali... você
vê que fica claro que ele já tem um processo ali, é quase um conto...
ele já escreve um trecho da história. Às vezes ele relata algum
trechinho do que aconteceu. (Professora B).

Com relação à questão se os alunos escrevem texto livre:

Vou ser sincera: poucas vezes eu trabalhei (texto livre). Eu sempre


direciono o que eu quero. Já dei, mas não é o meu foco, o livre. Eu
sempre direciono o tema, o assunto é sempre em cima de algo
trabalhado, nunca solto no espaço. Porque quando eu dou livre, eu
acho difícil de até fazer uma correção, porque eu não trabalhei o
conhecimento antes com ele. Então, quando eu dou um foco, eu fiz
todo um trabalho antes que ele tem o conhecimento para poder
escrever. Quando eu dou livre, eu acho muito difícil fazer uma
análise do texto dele. Eu dou (texto livre), mas eu não dou muito
porque eu não vejo resultado. (Professora A).

Na verdade, essa pergunta, texto livre, não... Não tem um dia que eu
falo: escrevam o que vocês quiserem. Para mim, o que seria aí um
livre entre aspas, é que eles fazem bastante relato do cotidiano
deles. Isso aí é uma certa liberdade de que cada um vai contar o que
aconteceu com a sua vida. Mas os demais textos eles são
direcionados para o gênero que eu estou trabalhando. (Professora
B).

Durante as observações das aulas, poucas vezes notei as crianças


escrevendo textos. Nos dias em que estive presente, elas registraram mais palavras
e algumas frases. Isso é algo que merece um olhar atento em uma sala de
alfabetização. No 1.º ano, ao lidar com a língua de um modo vivo e dinâmico, as
crianças já podem apresentar, sim, a necessidade de escrever, de se expressar com
111

frequência por meio dos textos. Percebo, porém, como válida a estratégia usada
pela professora B, de utilizar os relatos de fatos cotidianos da vida das crianças
como uma inspiração para a escrita. Além de usar em sala, tipos de textos que estão
mais próximos da realidade de muitas crianças, tais como, a escrita de bilhetes e
quadrinhas.
É claro que uma das estratégias adotada pelas professoras poderia ser o
texto livre, pois ele é um elemento que potencializa muito cedo nas crianças a
necessidade de escrever. No entanto, as professoras desconhecem Freinet e as
suas obras. De acordo com a explicação de Freinet (1976, p. 29), “a criança, com a
caneta que ainda maneja dificilmente, escreve o que tem vontade de dizer ao
professor ou aos companheiros.” Para o referido autor, a escrita poderia ser algo
mais presente no cotidiano, na vida das crianças desde que lhe fossem
possibilitadas situações para que se expressassem. É justamente esse desejo de
comunicação com o outro que podemos gerar nas salas do 1.º ano.
Mesmo que eu não tenha conseguido observar as crianças produzindo
textos na sala de aula, pode ser que elas os tenham feito em outros momentos. Com
relação a esse aspecto, as professoras relataram que conseguem identificar nas
crianças o desejo de se comunicarem com os outros por meio do texto escrito.
A professora B comentou um fato interessante. Ela disse que ensinou o
gênero convite só para que os alunos o conhecessem. Segundo ela, o objetivo era
apenas mostrar a estrutura desse tipo de texto, tanto é que ela não solicitou a
escrita. No dia seguinte à sua explicação, alguns alunos trouxeram alguns convites
que fizeram em casa para que ela visse e para compartilhar com os amigos. Este
dado aparece no trecho da entrevista com a professora B, que transcrevo a seguir:

Sim, sim, sim. Quando eu comecei a trabalhar o gênero convite, eu


trabalhei, mas não cobrei a produção do convite. Eu achei muito
engraçado, porque eles trouxeram um convite. Não foram todos, mas
mesmo que eu não tenha pedido, como já é um hábito de todos os
textos que eu estou trabalhando, eles já vão fazendo a escrita... do
convite, que eu só trabalhei a título de conhecimento do convite
mesmo, não foi o foco a produção nesse momento, algumas crianças
trouxeram o convite do próprio aniversário para as outras crianças
convidando. Na verdade, eles fizeram uma imitação do convite que
eu trabalhei. Eu achei um barato! Na verdade eu acredito que de
uma maneira ou outra eles entenderam a função social da escrita,
que é transmitir mesmo algo para alguém. (Professora B).
112

As crianças demonstraram seu desenvolvimento cultural, pois se tornou


visível que elas não estavam interessadas apenas nas informações sobre a
estrutura de um convite: elas demonstraram o desejo de expressão porque queriam
produzir um convite e o fizeram mesmo sem a solicitação da professora. Os alunos
demonstraram o desejo de lidar com a língua viva, dinâmica e, como aponta Jolibert
(1994b), eles desejavam uma escrita para valer, uma escrita usada na vida, no
cotidiano das crianças.
Os convites que foram levados para a sala ficaram expostos no painel. Pelo
fato de conhecerem alguns tipos de convite, como, por exemplo, os de aniversário,
as crianças poderiam elaborá-los e convidar umas às outras para uma festa coletiva
na própria sala. Assim, elas vivenciariam na prática a função social e cultural que um
convite desempenha na nossa sociedade.
Registro a seguir fotos de alguns convites escritos em casa pelas crianças
sem que a professora B pedisse, os quais foram levados para a sala de aula.

Foto 6 – Escrita do convite de aniversário – sala B27

Fonte: Da autora.

27
Referente às fotos 6, 7 e 8 - Professora: B. Data da proposta/Conteúdo/Objetivo Geral: Eu não
tive acesso aos planos de aula elaborados pela professora.
113

Foto 7 – Escrita do convite de aniversário – sala B

Fonte: Da autora.

Foto 8 – Escrita do convite de aniversário – sala B

Fonte: Da autora.
114

Notei que as professoras usaram uma boa estratégia ao escolher gêneros


textuais como os bilhetes e as listas para que os alunos conhecessem a sua
estrutura e realizassem a escrita dos mesmos. Considero válido o uso dos gêneros
textuais nas salas do 1.º ano como forma de desenvolver a capacidade de escrita
das crianças. Estes gêneros fazem parte do cotidiano de muitas delas, o que facilita
a sua identificação e a vontade de querer aprender a usar esse elemento da cultura.
Esse desejo de expressão das crianças também pode ser notado pelo fato
de algumas delas escreverem cartas diariamente para a professora. Esse dado está
presente no trecho da entrevista com a professora A logo a seguir.

Sim, eu recebo carta todos os dias. Professora do 1.º ano é o que


mais ganha: carta e desenho. Cada dia é um. E aí chega uma época
em que eles começam mesmo a escrever. A gente percebe que eles
começam a disputar isso: quem vai trazer a cartinha mais bonita; não
que o professor vai falar que essa carta está mais bonita que
aquela... eles mesmos fazem esse tipo de coisa. Eu faço assim,
quando eles fazem uma cartinha ou um desenho, eu gosto de pôr no
painel, no mural. Então, ‘aí pronto’! Coloquei uma vez... no outro dia
já têm dez e assim vai. (Professora A).

Pela atitude das crianças, entendo que elas considerem a professora A uma
interlocutora em potencial, uma vez que ela constantemente recebe cartas. No
entanto, a professora A não comentou se responde às mesmas ou se tem uma
atitude responsiva para com esses escritos. Ela somente salientou que as expõe no
painel da sala. Durante o tempo em que observei as aulas, não presenciei, em
momento algum, uma resposta por parte da professora a essas cartas.
Durante as observações das aulas, procurei a presença das linguagens de
expressão, tais como a gráfica, a verbal, a escrita e a corporal, e também investiguei
em que momentos elas aconteciam. A autora Mello (2009, p. 21-22) define esse tipo
de atividade, afirmando que é necessário

Deixar contaminar o ensino fundamental com atividades que


julgamos típicas da educação infantil — ainda que, muitas vezes,
nem na educação infantil reservemos tempo para elas. Falo das
atividades de expressão como o desenho, a pintura, a brincadeira de
faz-de-conta, a modelagem, a construção, a dança, a poesia e a
própria fala. Essas atividades são, em geral, vistas na escola como
improdutivas, mas, na verdade, são essenciais para a formação da
identidade, da inteligência e da personalidade da criança, além de
constituírem as bases para a aquisição da escrita como um
instrumento cultural complexo.
115

Compactuo com as ideias de Mello (2009) no que se refere à importância


dessas atividades de expressão na Educação Básica e em especial no 1.º ano do
Ensino Fundamental. De fato, muitos professores não valorizam essas atividades na
sala de aula, deixando-as em segundo plano. É viável possibilitar para as crianças
do 1.º ano um ambiente intencionalmente organizado para que essas linguagens de
expressão sejam desenvolvidas.
As duas professoras comentaram que as linguagens de expressão fazem
parte da rotina das salas do 1.º ano. A professora A explicitou que gosta que eles
desenhem e que evita oferecer desenhos prontos às crianças. É provável que ela
tenha essa postura devido a sua formação inicial, que é em Educação Artística.
Comentou que seus alunos fazem pintura todos os dias, inclusive nas tarefas. Ela
declarou, também, que o faz de conta se torna presente na sala de aula com o uso
de massinha. Transcrevo alguns trechos da entrevista com a professora A:

Sim, bastante (presença das atividades de expressão). Na


modelagem a gente usa massinha, tanto que é pedido na lista de
material, a massinha. E eu peço. E no meio do ano, quando eles
entram em férias, eles levam aquela usada para casa e eu já mando
um bilhete para o pai mandar outra. Massinha eu trabalho bastante.
Por exemplo, eu falo: gente que letra a gente está aprendendo? Letra
E, então hoje eu quero que você façam para mim, com a massinha,
só coisas que começam com E. Eu trabalho não só isso, porque eles
querem aquele momento de ter a criatividade deles, de fazer o que
eles querem. E aí eles fazem um bolo e dizem: tia, eu fiz pra você! E
eu digo: que legal! [...] Ah! Isso todos os dias a gente faz. É uma
coisa assim que eu trabalho. O desenho criativo... eu não gosto
muito de dar desenho pronto para eles pintarem. Eu não sei se é por
causa da minha formação... Por exemplo, eu só dou um desenho
pronto se for para pintar o calendário... ou é um desenho referente
a... eu passei um filme::: eu procuro, mesmo com o filme, ver qual a
cena que eles mais gostaram, quais são os personagens? Então eu
gosto de deixar eles desenharem, eu não gosto de dar desenho
copiado para eles não, não que eles não façam. Esse é necessário,
também, para eles saberem, na pintura, a delimitação de espaço. É
necessário, mas eu não gosto muito de dar desenho pronto, não.
Mas eles pintam, sim, isso acontece todo dia. Eu não aceito tarefa
que tenha desenho que volte sem pintar [...]. (Professora A).

Ao refletir sobre a resposta da professora A, percebo que ela utiliza a


massinha inicialmente como um recurso para enfatizar uma determinada letra que
ensinou para as crianças, ou a letra final ou inicial de uma palavra. Porém, na sala
dessa professora, o uso da massinha de modelar também se faz presente de modo
significativo para as crianças quando elas podem liberar a sua criatividade para
116

representar o que desejam expressar, como, por exemplo, os personagens de uma


história contada pela professora ou os elementos de uma festa de aniversário. Em
uma situação observada em sala de aula foi exatamente isso o que aconteceu. A
professora leu um livro para as crianças e em seguida oportunizou algumas
reflexões sobre o modo como o texto foi construído e o uso da massinha para
modelar alguns personagens da história. O protocolo de observação a seguir revela
esse dado.

A professora disse que iria contar outra história para eles. O título era
A Arca de ninguém, da autora Mariana Calcaviano. A professora leu
e mostrou as imagens. C10 A disse: “A história é diferente, porque
os desenhos foram feitos de massinha”. Ele estava se referindo às
imagens do livro. Os alunos ouviram a história atentamente. A
professora fez apenas poucos comentários para dar ênfase no trecho
lido. Ela manteve a leitura fixa do texto escrito. No final ela fez alguns
questionamentos, por exemplo: “Essa história é igual à de ontem”?
Eles responderam: “Não”! A professora falou: “Não é igual porque os
animais não duvidaram de Noé e não resistiram para entrar na arca e
nem brigaram para entrar nela”. Em seguida perguntou: “Essa
história é legal”? Eles responderam: “Sim”! Ela perguntou: “Por que
se chama Arca de ninguém”? A professora entregou massinha e
disse: “Vocês vão fazer os animais, todos os animais que quiserem.
Ontem a gente desenhou e escreveu atrás. Hoje você vai fazer os
bichos com massinha e depois eu vou dar uma folha para vocês
escreverem o nome deles. Vejam que interessante, no livro de hoje a
autora fala uns nomes de alguns animais que a Ruth Rocha não citou
ontem”. Ela continua dizendo: “Hoje apareceu, no livro que eu li,
abelha, mico leão dourado, elefante, arara, papagaio, pinguim”. C11
A pediu para a professora deixar o livro para que eles consultassem
os desenhos feitos com massinha. A professora deixou o livro aberto
no quadro em uma página que tinha muitos animais na ilustração.
(Protocolo de observação 5, 1.º ano A, 26/08/2014).

De acordo com a professora B, todas as atividades de expressão citadas


anteriormente são desenvolvidas em sua sala, e ela destacou que não consegue
imaginar uma sala de alfabetização na qual essas não estejam presentes. O trecho
a seguir revela esse dado:

Na verdade, assim... às vezes é um pouco complicado responder a


essa pergunta, porque isso são atividades presentes nas salas de
alfabetização. Na verdade, eu nem consigo imaginar um 1.º ano que
não tenha esse tipo de atividades. Porque eu acho que é muito
importante a criança, para se alfabetizar e ter compreensão do que é
a escrita, do que o texto está dizendo, do que uma palavra está
dizendo, do significado, ela tem que ter a música, ela tem que ter a
dramatização. Porque são coisas que às vezes a escrita em si não
117

está ali presente, como cantar uma música, mas a hora que você vai
para o registro, fica mais fácil. Então eu não consigo nem imaginar
uma sala de 1.º ano que não tenha essas atividades. Ela acontece
diariamente. É claro que, dependendo do que você está trabalhando,
às vezes você dá ênfase mais na música, às vezes você dá ênfase
mais ao desenho. Mas isso está presente numa sala a todo o
momento. (Professora B).

O discurso da professora B revela como as atividades de expressão são


essenciais em uma sala de alfabetização. A professora também comenta que adota
diariamente estratégias que favoreçam a linguagem de expressão das crianças, bem
como sua importância para o processo de escrita.
Ao observar essas duas salas de aula, percebi que essas atividades de
expressão nem sempre são valorizadas pelas professoras no dia a dia. No entanto,
considero que elas sejam uma ferramenta para que as crianças se expressem.
Durante as observações das aulas, era nítida a alegria manifestada pelas crianças
quando se dava o momento de desenhar, pintar e modelar. Nestas oportunidades,
pude perceber a manifestação da criatividade delas. A seguir exponho algumas fotos
que retratam o momento em que a linguagem de expressão com massinha de
modelar aconteceu. A professora, inicialmente, contou uma história e, em seguida,
pediu para que as crianças fizessem animais representando aqueles que estavam
na arca de Noé e escrevessem seus nomes.
118

Foto 9 – Uso de massa de modelar: animais da Arca de Noé – sala A 28

Fonte: Da autora.

Foto 10 – Escrita de nomes de animais da Arca de Noé – sala A

Fonte: Da autora.

28
Referente às fotos 9, 10, 17, 18 – Data da proposta: 25/08/2014. Professora: A.
Conteúdo: Ensino religioso: leitura e interpretação oral da história “A arca de Noé”. Leitura,
interpretação oral da história “A arca de Noé”, de Ruth Rocha e comparação das duas. Objetivo
geral: Composição bidimensional sobre a história, escrevendo no verso o nome de cada elemento
desenhado.
119

Com relação ao desenho — uma das atividades de expressão anteriormente


elencadas —, as professoras mencionam em que momento ele é adotado na sala de
aula. Elas reconhecem a importância do desenho como forma de registro e de
expressão e comentam sobre sua relevância para a alfabetização. Nas concepções
de ambas, para que a criança alcance a escrita, primeiro ela tem que passar pelo
uso da imagem, do desenho. A professora B declara que enfatiza tanto o registro
escrito, como por meio do desenho. Ela também salienta que a interpretação da
imagem (desenho) ajuda no registro da palavra.
O desenho é uma das linguagens adotadas segundo os princípios da
Pedagogia Freinet, sendo um recurso amplamente usado pelas crianças como forma
de registro e de expressão daquilo que vivenciam em sala de aula e no seu dia a
dia. Segundo Freinet (1977), a aprendizagem que se apoia na curiosidade infantil
deve basear-se

Na sua necessidade de expressão (pelo gesto, pela palavra, pelo


desenho, em seguida pela linguagem escrita); como que na sua
necessidade de comunicação: do diálogo verbal entre crianças e
entre a professora e as crianças [...] passar-se-á naturalmente para o
diálogo escrito [...]. (FREINET, 1977, p. 41, grifo do autor).

Nesta situação, o professor pode organizar o espaço da sala de aula para


que propicie nas crianças o desejo de se expressarem e se comunicarem, uma vez
que o desenho é uma dessas formas que paulatinamente auxilia a escrita. Em vista
disso, “a mesma filiação que liga a linguagem escrita à linguagem falada, liga a
escrita ao desenho, sendo este essencialmente um modo de expressão e de
comunicação” (FREINET, 1977, p. 42).
De acordo com Freinet (1977, p. 44) “desde os primeiros desenhos ou
garatujas das crianças, aparecem sinais diferentes do desenho que a criança
interpreta como sinais escritos.” Entendo que a criança interpreta desse modo pelo
fato de desejar escrever como as pessoas ao seu redor já o fazem. É comum, por
exemplo, perceber que muitas crianças registram algo no papel e correm para os
pais ou para a professora e dizem: olha o que eu escrevi! Conforme a criança amplia
o seu contato com a escrita e o adulto mais experiente a auxilia nessa conquista, ela
se esforça cada vez mais para se apropriar do código escrito, utilizando-o para se
comunicar e se expressar com os outros.
120

No seu relacionamento com os adultos, as crianças percebem o valor que a


escrita tem para eles e o quanto eles chamam a atenção delas para os materiais
escritos, gráficos. Quando a criança testemunha o uso da escrita e ao mesmo tempo
pode se aventurar nos seus primeiros registros, é natural que ela imite, inicialmente,
as situações nas quais vê a escrita sendo usada. Por exemplo, ao brincar, ela pode
pegar o telefone e pedir um instante para pegar um bloco de anotações e fazer
alguns rabiscos; para ela isso seria a escrita de um recado. É provável que em
algum momento a criança tenha visto isso acontecendo, seja em casa, na escola, ou
na casa de algum amigo ou parente.
Até o momento, mostramos um pouco do valor que o desenho tinha nas
salas de aulas de Freinet. Notamos que Luria (2012a) também traz contribuições
para pensarmos o desenho infantil. Para Luria (2012a), o desenho está presente
naquilo que ele chama de pré-história da escrita. É fato que até que a criança
consiga escrever de modo convencional, ela percorrerá um longo caminho e, para
isso, precisa vivenciar esses momentos de lidar com esse instrumento cultural.
Como propõe Luria (2012a), a escrita não se desenvolve em uma linha reta, durante
a sua pré-história algumas fases acontecem, sendo elas: a fase dos rabiscos, como
ato externo, simplesmente imitativo; fase intermediária, na qual a criança usa o
desenho como representação pictográfica; a escrita simbólica, até chegar à fase
alfabética. Cabe salientar que a fase pictográfica do desenvolvimento da escrita é
baseada

Na rica experiência dos desenhos infantis, os quais, em si mesmos,


não precisam desempenhar a função de signos mediadores em
qualquer processo intelectual. Inicialmente o desenho é brincadeira,
um processo autocontido de representação; em seguida, o ato
completo pode ser usado como um estratagema, um meio para
registro. (LURIA, 2012a, p. 174).

Luria (2012a) resume a pré-história da escrita infantil da seguinte maneira:


inicialmente a criança se relaciona com materiais escritos, mas não compreende
qual é o significado da escrita. Nesse primeiro estágio, a escrita não é um meio de
registro para algo específico: ela envolve a imitação de uma atividade que o adulto
desenvolve; porém não possui em si mesma um significado funcional. Um pouco
mais tarde, a criança:
121

[...] começa a diferenciação: o símbolo adquire um significado


funcional e começa graficamente a refletir o conteúdo que a criança
deve anotar.
Neste estágio, a criança começa a aprender a ler: conhece letras
isoladas, sabe como estas letras registram algum conteúdo e,
finalmente, aprende suas formas externas e também a fazer marcas
particulares. Mas será que isso significa que agora compreende o
mecanismo integral de seu uso? De forma alguma. De mais a mais,
estamos convencidos de que uma compreensão dos mecanismos da
escrita ocorre muito depois do domínio exterior da escrita e que, nos
primeiros estágios de aquisição desse domínio, a relação da criança
com a escrita é puramente externa. (LURIA, 2012a, p. 180-181).

É possível verificar, por meio dessas fases apontadas por Luria (2012a), o
caminho da apropriação da escrita, esse instrumento da cultura humana que é
extremamente complexo. Lembrando-se que, antes mesmo da criança compreender
o sentido e o mecanismo da escrita, “ela já efetuou inúmeras tentativas para
elaborar métodos primitivos, e estes são, para ela, a pré-história de sua escrita”
(LURIA, 2012a, p. 188). É possível perceber, então, ao se olhar para as crianças nas
salas do 1.º ano, que há um processo caracterizado por suas diversas tentativas, os
tateios, os estágios que elas percorrem até dominar a escrita.
Mello (2009), ao comentar sobre o desenho e o faz de conta, afirma que não
está se referindo a atividades de segunda categoria, mas a “atividades essenciais na
formação das bases necessárias ao desenvolvimento das formas superiores de
comunicação humana” (MELLO, 2009, p. 25). Ressalto que, durante as observações
das aulas das professoras, em poucos momentos o brincar de faz de conta foi
presenciado. Destaco duas situações dessas. Na sala da professora B isso ocorreu
durante os exercícios que as crianças realizaram junto com a bruxa Pampolinha; e
na sala da professora A, as tarefas escolares realizadas com a massa de modelar
também contemplaram o faz de conta. Os dados da pesquisa ora discutida, revelam
justamente essa secundarização que o faz de conta ocupa na rotina das crianças do
1.º ano do Ensino Fundamental, muito embora a efetividade dessa atividade seja
apontada de modo especial na perspectiva da Teoria Histórico-Cultural para o
desenvolvimento pleno da criança de 6 anos de idade.
Durante as observações das aulas, foi possível registrar momentos em que
as crianças realizaram desenhos e, a partir disso, traço uma breve reflexão sobre o
assunto. Mello (2009) chama a nossa atenção para o lugar de valor que essas
122

atividades de expressão detêm para o desenvolvimento das funções psíquicas


superiores das crianças. Além disso, Mello (2009, p. 25) assevera que:

Se quisermos que as crianças se apropriem efetivamente da escrita


— não de forma mecânica, mas como uma linguagem de expressão
e de conhecimento de mundo —, precisamos garantir que elas se
utilizem profundamente do faz-de-conta e do desenho livre, vividos
ambos como forma de expressão e de atribuição pessoal de
significado àquilo que a criança vai conhecendo no mundo da cultura
e da natureza.

Dessa maneira, para que as crianças se apropriem da escrita, precisamos


oportunizar esse espaço no qual as diversas linguagens de expressão se
manifestem. Por exemplo, quando observamos as salas de aula do 1.º ano, o
desenho foi utilizado em muitos momentos para que as crianças expressassem algo.
Em outras situações, foi usado apenas para enfatizar a letra final ou inicial que tinha
sido explicada pela professora ou como forma de preencher o tempo até que o sinal
batesse ou até que as crianças fossem para a aula de Informática ou de Educação
Física. Escrevo a seguir trechos da entrevista que comprovam o dado analisado.

A gente analisa o desenho da criança e a gente já sabe se aquela


criança vai ter maior facilidade ou não para ser alfabetizada através
do traçado do próprio desenho [...]. A criança, ela precisa desenhar
para chegar à escrita. Eu vejo como um processo. Tanto que, no
início do ano, a gente trabalha muito com o desenho. O ano inteiro,
mas o início do ano é mais focado nisso. Desenho com a inicial,
desenhar com que letra começa, com que letra termina. Então, o
desenho, ele é essencial na alfabetização. Até tela, tem até uma
pintura em tela que fizemos esse ano, ficou muito bom. (Professora
A).

Eu incentivo (o desenho). Na verdade, eu acredito que o desenho e a


imagem, ela às vezes é mais forte para a criança do que a escrita.
Porque a escrita, muitas vezes ele ainda não entende, ele está no
processo de descoberta, ali, no processo de aprendizagem. E o
desenho, a imagem, já é muito clara para a criança. Então, às vezes
eu acho que a imagem é uma maneira de você chegar depois na
escrita, porque se ele interpreta uma imagem, quando ele for fazer a
escrita daquela imagem, o registro da palavra eu acho que é mais
fácil, para que ele entenda. Porque eu acredito que a criança,
quando ela faz registro de um texto, de uma palavra que ela conhece
e que ela interpreta, é mais fácil. Porque, daí, ela não vai ter que
além de pensar como escreve aquela palavra, qual é a letra, qual é a
sílaba que ele vai usar, ele ainda tem que pensar o que quer dizer
aquela palavra. Então, o registro da palavra que já tem significado
pra ele de uma imagem, de um texto, eu acho mais fácil. Por isso
que a gente às vezes dá tanta ênfase no registro escrito e o registro
em desenho (Professora B).
123

Observei que em alguns momentos o pedido para que as crianças fizessem


um desenho para representar algo se tornou uma ação complexa para elas. Retrato
a seguir o modo como algumas delas reagiram diante da proposta da professora B
de desenhar objetos que rimavam com “chocalho”. Para elas, foi difícil entender
como poderiam desenhar “vermelho” e “trabalho” (palavras escolhidas pelo grupo,
por apresentarem a rima solicitada pela professora). Diante da dúvida que uma
amiga apresentava, um dos alunos chegou até ela e propôs como solução desenhar
uma pessoa trabalhando. É nítido que a confusão foi instaurada pelo fato de as
crianças buscarem sentido naquilo que estavam realizando e não o encontrarem.

A professora passou mostrando as imagens. O combinado foi que o


livro iria passar de carteira em carteira para que eles vissem e que
não ia dar tempo de ler; também, que não era necessário ter pressa
para ver o livro. Enquanto o livro passava entre as crianças, a
professora escreveu no quadro uma palavra com a qual eles
deveriam rimar. Ela escreveu: ‘CHOCALHO’. Então, pediu para C20
A ler e ele disse: “Eu não sei ler essa palavra”. A professora ajudou.
Ela perguntou: “Qual o som do CH”? C20 A disse: “CHI”. A
professora disse: “Tire o I e põe a letra O. Como fica?” C20 A disse:
“CHO”. Ela falou: “Então continua: CHO...” C20 A lê: “CA – LHO”.
Depois disso as crianças foram falando outras palavras que rimavam
com CHOCALHO e C13 A disse: “Mario”. A professora chamou a
atenção para o som do R, de Mario, e disse que a palavra tinha que
terminar em LHO. Às 15h45, tocou o sinal. Às 16h00, as crianças
retornaram para a sala. A professora entregou uma folha de sulfite e
pediu para que eles copiassem as palavras do quadro. Pediu para
que copiassem em coluna. C7 A perguntou: “O que é coluna”? A
professora respondeu: “É copiar um embaixo do outro”. C17 A disse:
“É só fazer igual uma lista e pôr um embaixo do outro”. A professora
falou que depois de escrever a palavra, era para desenhar na frente.
Alguma criança falou: “Como que vou desenhar o VERMELHO”? C1
A disse: “Como vou desenhar TRABALHO”? C23 A falou para ela: “É
só desenhar alguém trabalhando, é simples”! Finalizei a observação
às 16h45. (Protocolo de observação 12, 1.º ano B, 09/12/2014)

Esse trecho revela a resistência das crianças em realizarem exercícios


mecânicos e sem sentido para elas. Elas questionam, querem entender o porquê, o
sentido daquilo que estão realizando em sala.
A seguir, apresento algumas falas das crianças (que estão nos protocolos de
observação), nas quais elas verbalizam o seu desejo de pintar, desenhar e modelar,
ao invés de fazer o que a professora solicitava.
124

Eu vou dar uma folha azul, porque a baleia geralmente está na água.
Assim vocês não precisam nem pintar o mar. Vocês terão até a hora
do recreio para fazer, porque depois tem outra atividade para
realizar”. Observei que só faltavam 11 minutos para tocar o sinal do
recreio. A professora pediu para que eles escrevessem na folha o
nome da história que estava registrada no quadro. Os alunos fizeram
o desenho. Enquanto isso a professora passou o livro de história
para que eles folheassem. Às 15h30, as crianças saíram para o
recreio. Às 15h45, as crianças voltaram para a sala e continuaram o
desenho. Às 15h56: término do desenho e organização das pastas.
(Protocolo de observação 01, 1.º ano A, 28/05/2014).

[...] A professora escreve ‘A’ e espera a turma. Escreve ‘AUDIÇÃO


É’, e chama a atenção para os espaços entre as palavras. Escreve
‘ÓRGÃO DO’. A aluna C14 A vira para mim e diz: “Ai, eu estou doida
para pintar a baleia”! Às 15h30 as crianças saíram para o recreio.
(Protocolo de observação 02, 1.º ano A, 29/05/2014).

É oportuno ressaltar que no protocolo 2 as crianças estavam aprendendo a


escrever um texto com o auxílio da professora. Elas já tinham estudado sobre as
baleias na sala de aula, alguns tinham realizado pesquisas em casa e socializado
com os amigos. Elas se apropriaram de várias informações sobre as baleias e
tinham elementos para escrever o seu texto. A professora fez a opção de, neste
momento, fazer um texto coletivo. Notei que C14 A, mesmo participando da
proposta da professora, ainda demonstrou o desejo intenso de pintar a figura da
baleia que estava na folha; me pareceu que isso era mais interessante para ela
naquele instante.
A seguir, destaco alguns trechos dos protocolos de observação da sala da
professora B que evidenciam alguns momentos em que os desenhos foram
solicitados e também situações nas quais as crianças aspiravam pelas atividades de
expressão. No primeiro protocolo eles desejavam pintar e no segundo eles queriam
dançar.

Observo que alguns alunos queriam pintar o desenho que estava no


texto. A professora diz: “Agora nós vamos ler, depois pintar”. [...] A
professora diz: “Quer dizer que ele fica na floresta”. A professora
projeta a imagem do Fuleco e diz que eles podem procurar na
internet e usar o Google. As crianças olham a imagem projetada do
tatu bola. PB diz: “Observem que ele está em forma de bola”. Eles
ficam agitados. A professora pede para que notem que no texto tem
a imagem do tatu bola original e a do Fuleco. Ela diz que vai ler o
texto e pede para que virem a folha para baixo e somente escutem o
texto. Ela começa a leitura. C7 B ignora o pedido e acompanha a
leitura. Observo que C26 B também acompanha a leitura com os
olhos atentamente. A professora finaliza a leitura e diz: “Agora eu
125

quero que vocês desvirem a folha”. Algumas crianças falam: “Vamos


pintar”! A professora fala: “Não, ainda não. Vocês vão procurar o
título do texto e vão grifar da cor que quiser”. (Protocolo de
observação 03, 1.º ano B, 05/06/2014).

A professora colocou um CD de cantigas para eles ouvirem. A cada


música, eles cantavam juntos: alguns levantaram da carteira e
dançaram — percebi que eles conheciam as letras. A professora
escolheu a música Escravos de Jó para a apresentação do dia 12 de
dezembro e esta será acompanhada com os chocalhos que eles
confeccionaram com os pais em casa. Ela demonstra como que eles
deveriam utilizar o instrumento para acompanhar a música. Ela fala
que na segunda-feira eles vão enfeitar o chocalho. As crianças fazem
um ensaio sem a música. Assim que a professora vai até a sala ao
lado, eles aproveitam para explorar o som dos chocalhos. Eles riem,
gritam, dançam, cantam e até sambam explorando o chocalho.
(Protocolo de observação 11, 1.º ano B, 28/11/2014).

Essas situações da sala de aula, demonstram o movimento das crianças


diante das propostas da professora B e revelam o quanto elas desejam se
expressar, seja por meio de um momento com a arte, pintura, dança ou com a
música.
Com relação ao contato dos alunos com a arte, destaco que, no final da
observação do dia 29 de maio, a professora A mostrou parte de uma proposta que
tinha desenvolvido com as crianças. Essa era referente à pintura em tela e releitura
de algumas obras de Van Gogh.
A professora A relatou que montou um projeto sobre Vincent Willem van
Gogh. Durante essa proposta, a professora comentou que leu livros para as crianças
que contavam a vida e retratavam as obras do autor, projetou slides com as obras
mais conhecidas e em seguida pediu para que as crianças fizessem uma releitura
delas. De acordo com Ferreira e Duarte (2011, p. 121),

A arte em suas várias formas, pintura, escultura, música, teatro,


cinema, arquitetura e literatura podem exercer uma influência
formadora bastante acentuada sobre o conjunto das funções
psíquicas superiores. Claro que cada tipo de expressão artística
poderá atuar predominante sobre algumas funções psíquicas, mas
dado o caráter sistêmico dessas funções, ressaltado por Martins
(2011), pode-se considerar que a predominância da influência de um
tipo de arte sobre algumas funções psíquicas repercute sobre o
desenvolvimento das demais. Assim, por exemplo, se é inegável que
a música exerce forte influência na percepção auditiva e nas
emoções e sentimentos, seria, porém, um equívoco, extrair-se desse
fato a conclusão de que a música não contribua para o
desenvolvimento do pensamento, da memória, da atenção, etc.
126

A professora A possibilitou aos seus alunos, o contato com obras de arte


desse pintor famoso e depois permitiu que as crianças também se expressassem
por meio da linguagem da arte. Esse contato com a arte, especificamente com a
pintura no caso exposto, possibilitou para as crianças o desenvolvimento das
funções psíquicas superiores, tais como a percepção e a memória. Notei, por
exemplo, que as crianças guardaram em sua memória o nome de muitas obras
desse autor, pois quando eu folheei alguns dos desenhos que elas haviam
registrado, com um olhar muito rápido elas já me diziam qual era o nome da obra de
Van Gogh.
Na descrição da professora, o auge do projeto foi a releitura da obra “Doze
girassóis numa jarra”. As crianças desenharam e pintaram com lápis de cor essa
obra, depois fizeram uma espécie de rascunho para realizar o desenho e pintura na
tela. Segundo a professora A, a proposta da pintura em tela demorou um tempo para
ser finalizada e as crianças se envolveram com muito empenho nesse processo. É
visível que a professora A preocupou-se em desenvolver a sensibilidade estética das
crianças. Além disso, para finalizar a proposta, a professora pediu para que elas
relatassem por meio de um texto escrito o que aprenderam durante o projeto. Sendo
assim, a professora oportunizou o desenvolvimento da linguagem escrita como
prática cultural. De acordo com Ferreira e Duarte (2011, p. 122), ao refletirmos sobre
a educação,

Coloca-se a complexa questão das relações entre o objetivo de


formação da sensibilidade estética e a formação intelectual e moral.
A arte não é produzida com a finalidade de ensinar a pensar de uma
determinada maneira ou de ensinar determinados valores morais,
assim como a vivência artística receptiva também não tem essa
finalidade. A arte dirige-se, porém, em sua mais elevada tendência
histórica, à defesa do livre desenvolvimento humano [...]. Trata-se de,
a partir do cultivo de relações verdadeiramente ricas com as obras de
arte, desenvolverem-se atividades que promovam estudos, reflexões
e debates sobre questões fundamentais da vida social humana.

O meu parecer é que as crianças tiveram contato com as obras de arte de


uma forma rica, sendo oportunizado a elas vivenciarem momentos para que
expressassem seus sentimentos, ideias e também as apropriações que fizeram
dessa proposta, que envolvia a cultura humana e foi compartilhada pela professora
A. A seguir, evidencio algumas fotos que comprovam esses dados.
127

Foto 11 – Releitura de obra de arte – “3 girassois” – sala A 29

Fonte: Da autora.

29
Referente às fotos 11, 12, 13, 14, 15, 16 – Data da proposta: 21/09/2014; Professora: A
Conteúdo: Português: Vogais: A, E, I, O, U (grafema e fonema) e consoantes: S, M, B, F, L, R, J, N,
P, V, G, T, C, Z e Q (grafema e fonema), família silábica, uso e função social da escrita; oralidade;
registro do próprio nome; leitura e interpretação de literaturas de gêneros diversos. Arte: confecções
bidimensionais e tridimensionais; elementos forais musicais: altura, duração, timbre, intensidade e
densidade; jogos teatrais; biografia e obras de Van Gogh. Objetivo geral: Participar cotidianamente
de situações nas quais se faz necessário o uso da leitura; conhecer vida e obras de Van Gogh.
Objetivo específico: saber sobre a biografia de Van Gogh, identificar as principais obras de Van
Gogh. Data da proposta: 23/09/2014 – Desenvolvimento metodológico: Português – leitura e
interpretação oral: “Mestre das artes: Vincent Van Gogh – Mike Venezia; Data da proposta:
24/09/2014. Arte: Observação de obras de Van Gogh; análise da obra 12 girassóis; releitura da
obra, nomeando conforme o número de girassóis abordado.
128

Foto 12 – Releitura de obra de arte – “Noite estrelada” – sala A

Fonte: Da autora.

Foto 13 – Releitura de obra de arte – pintura em tela – sala A

Fonte: Da autora.
129

Foto 14 – Releitura de obra de arte – pintura em tela – sala A

Fonte: Da autora.
130

Foto 15 – Relatório sobre exercícios propostos no “Estudo biográfico do artista


pós-impressionista: Vincent Willem van Gogh” – sala A30

Fonte: Da autora.

30
Relatório do aluno: “Eu estudei sobre o Van Gogh. Ele pintava muitos quadros tipo o quarto dele,
Girassol e muitas outras flores. Ele também pintou Noite estrelada, um trigal com corvos, fazendas e
mais. Eu vi fotos de natureza morta de outros artistas brasileiros. Na escola eu desenhei um vaso
de girassol e de copo de leite. Eu vi muitos vasos de girassol e até pintei uma tela”. (sic.)
131

Foto 16 – Relatório sobre exercícios propostos no “Estudo biográfico do artista


pós-impressionista: Vincent Willem van Gogh” – sala A31

Fonte: Da autora.

É possível observar que as crianças puderam se expressar por meio da


linguagem da arte utilizando como expressão o desenho, a pintura e a própria
linguagem escrita. O relato por escrito que elas fizeram demonstra as suas
apropriações e objetivações sobre esse objeto da cultura humana, a obra de arte. A
professora A oportunizou para os seus alunos o primeiro contato com a escrita de
um relatório. É nítido que eles conseguiram se expressar por meio desse texto.
Assim, eles puderam relatar sobre as diversas obras de arte de Van Gogh com as
quais tiveram contato, sabendo nomeá-las. Além disso, puderam registrar no seu
texto alguns fatos que julgaram marcantes, tais como a orelha cortada de Van Gogh,
que tanto chamou a atenção das crianças. É visível no relatório dos alunos o
conhecimento que eles adquiriram sobre as obras de artistas brasileiros e outros
estrangeiros, como, por exemplo, Portinari. Elas enfatizaram ainda a releitura que
fizeram das obras de arte por meio da pintura nas telas, uma tarefa escolar que eles
realizaram com empenho. Tal fato comprova que quando possibilitamos para as

31
“Estudei durante o ano com o Vagogh os quadros dele era muito lindo mas tem um engrasad que
ele cortou a orelha era meu preferido é esse nos estudou muitos artista Portinari e muitos outros.
Eu adorei estudar sobre isso foi muito legau nós até pintou quadro sobre os artistas”. (sic.)
132

crianças o contato com os elementos da cultura humana, por meio de diversas


linguagens, elas têm muito o que dizer, o que relatar sobre aquilo que realizam.
Durante a entrevista, as professoras expuseram o conceito que elas têm
quanto à alfabetização. Para a professora B, alfabetização é ler, escrever e
compreender e, ainda na opinião dela, tal compreensão pode levar a criança a ler
em qualquer circunstância e contexto que se apresente. A seguir, destaco um
trechos da entrevista com a professora B.

Para mim a alfabetização é a criança ler, escrever e compreender.


Embora tenha aí o conceito de letramento junto, que é uma questão
assim, de autores e tudo, mas eu acredito que um aluno meu do 1.º
ano, ele termina o 1.º ano de maneira satisfatória, para mim,
professora, quando ele está compreendendo o que ele lê. Embora às
vezes o aluno termine lendo, mas ainda a compreensão dele não
está tão satisfatória. Mas eu acho que alfabetização é a criança ler e
compreender em qualquer contexto, em qualquer contexto que ele
estiver presente. Eu não quero que ele leia só aqui, a minha tarefa,
ou o texto que eu estou oferecendo. Eu quero que a hora que ele sair
com a mãe dele ... Igual tem mãe que chega aqui e diz: “Ai, ele foi no
posto e leu o cartaz que estava falando da vacina”. Então é isso.
Embora a gente saiba que ele tem ainda o 2º e 3º ano para que isso
aconteça; mas quando isso acontece no 1.º ano, é tudo de bom.
(Professora B).

No relato da professora B, é nítido que o conceito que ela tem de


alfabetização é amplo. Fica evidente que, na sua percepção, a apropriação da leitura
e escrita ultrapassa o seu uso na escola, sendo vinculada à vida social e cultural das
crianças. Desse modo, os conteúdos desenvolvidos na escola relacionados ao ato
de ler e ao ato de escrever podem ser colocados em prática nos diversos ambientes
que as crianças frequentam. Nestes espaços, elas são desafiadas a ler e
compreender a mensagem lida, contemplando, assim, o processo de comunicação
com os outros e com os diversos materiais gráficos com os quais têm contato
diariamente.
A mesma questão foi respondida pela professora A. Para ela, a
alfabetização é a base de tudo, do futuro. Além disso, a alfabetização é considerada
por ela como a decodificação de um código. A seguir trechos da entrevista com a
professora A:
133

Eu vejo assim... é a base. Um aluno bem alfabetizado, por mais que


ele pare no seu estudo, ele vai... ele vai se virar no mundo. Ele vai
saber ler e escrever, vai saber o básico das operações. Agora, a
gente pega aluno... tem aluno do Ensino Médio que não é
alfabetizado. A alfabetização é a base, é a essência para... a vida. Eu
poderia dizer para a vida social. De alguma maneira, afeta também o
social das pessoas. A alfabetização para a vida da pessoa, ela é
muito importante. Ela é a base de tudo, de seu futuro, com relação
ao trabalho, com relação a várias coisas. Então eu vejo a
alfabetização como a base mesmo [...]. Porque, se você analisar, a
alfabetização é o quê? Ela é uma decodificação de código. Se o
aluno aprendeu isso, tanto na alfabetização do português, como
também da matemática, é uma decodificação de código. É por isso
que eu falo que a alfabetização, o 1.º ano, ele é essencial para a vida
do ser humano. (Professora A).

O conceito de alfabetização da professora A está vinculado a saber


decodificar o código. O processo de alfabetização vai além disso, uma vez que está
vinculado à apropriação do ato de ler e escrever, lidando com o código escrito de
modo dinâmico e usando-o para toda forma de comunicação, de interação social
com o outro. Dessa forma, como Smolka (1999, p. 69), considero que a
alfabetização

Não implica, obviamente, apenas a aprendizagem da escrita de


letras, palavras e orações. Nem tampouco envolve apenas uma
relação da criança com a escrita. A alfabetização implica, desde a
sua gênese, a constituição do sentido. Desse modo, implica, mais
profundamente, uma forma de interação com o outro pelo trabalho de
escritura — para quem eu escrevo o que eu escrevo e por quê? A
criança pode escrever para si mesma, palavras soltas, tipo lista, para
não esquecer, tipo repertório, para organizar o que já sabe. Pode
escrever, ou tentar escrever um texto, mesmo fragmentado, para
registrar, narrar, dizer... Mas essa escrita precisa ser sempre
permeada por um sentido, por um desejo, e implica ou pressupõe,
sempre, um interlocutor (grifo da autora).

Compartilho da mesma concepção de Smolka (1999) ao entender a


alfabetização como um processo discursivo, no qual as crianças se apropriam da
linguagem escrita como um instrumento de reflexão e de pensamento. No processo
de alfabetização, a linguagem pode servir para que as crianças registrem, por meio
da escrita, a sua interação com os outros, seus pontos de vista, reflexões sobre o
que estão aprendendo, sobre o que estão lendo, sendo, dessa forma, a língua usada
como forma de comunicação e expressão social.
134

Apresento a seguir algumas questões referentes à leitura realizadas durante


as entrevistas com as professoras, bem como situações que observei durante as
aulas que se referiam a esse aspecto.
As professoras comentaram que leem livros para os seus alunos a todo o
instante. Durante os protocolos de observação, constatei, mesmo, esse fato. Em
muitos momentos, elas realizaram leituras para os alunos, podendo estas ser
caracterizadas como contação de história e mediação de leitura, como apontado por
Bajard (2012). De acordo com o referido autor, existem diferenças entre estes dois
termos. A contação de história “não é diretamente ligada a um texto fixo; a narrativa
é veiculada pela língua do contador; a língua do contador é flexível e se modifica nas
apresentações; contar enriquece a língua oral do ouvinte (BAJARD, 2012, p. 40).
Por outro lado, a mediação de leitura “é a manifestação sonora de um texto fixo; a
narrativa é veiculada pela língua do livro; a língua não é a do mediador, mas do livro;
ela não se modifica; a mediação inicia o ouvinte à língua escrita.” (BAJARD, 2012,
p.41).
Muitas vezes, esses termos se confundem no seu uso na escola; assim, o
professor salienta que faz uma contação de história, quando, na verdade, realiza
uma mediação de leitura. Entendo que tanto uma forma quanto outra que seja
adotada pelo professor pode favorecer o acesso, a aproximação das crianças, aos
livros e àquilo que eles querem comunicar para elas. A seguir, transcrevo um trecho
do protocolo de observação que evidencia esse dado.

As crianças se dirigem para a sala de aula. Na semana passada a


professora contou a história da Arca de Noé segundo a Bíblia e hoje
está retomando. Ela pergunta se eles se lembram da história. C1 A
conta a história. A professora questiona: “Noé ia mandar todos os
animais para a arca? Será que ia caber”? As crianças respondem:
“Não! Ele ia chamar apenas um macho e uma fêmea de cada
animal”. C1 A continua a contar a história. As crianças sabiam onde
tinha parado a leitura do livro: foi no ponto em que a porta da arca foi
fechada. A professora continua a contar a história com o livro nas
mãos. Em seguida conta uma outra versão da Arca de Noé, esta
escrita por Ruth Rocha. PA pede para que as crianças observem as
diferenças e as semelhanças das duas versões. Observo que ela lê
uma parte da história e comenta, pergunta. As crianças interagem,
respondem. Em seguida mostra as imagens e ajuda as crianças a
fazerem a leitura de imagens, estimula a leitura das imagens. A
professora capricha na entonação. Em seguida faz a leitura do texto
fixo, ou seja, conforme está escrito no livro, depois volta a comentar,
perguntar. A professora conclui que a história da Ruth Rocha é bem
parecida com a história da Bíblia, só que tem algumas coisas que ela
135

não contou no seu livro. A professora escreve o nome da história no


quadro com caixa alta: ‘A ARCA DE NOÉ’. Chama a atenção para o
som que faz AR e para o N de NO, faz o som do N. Ao escrever
NOÉ, lê e diz que falta algo e as crianças dizem: “Falta o acento para
ler NOÉ”. A PA informa que hoje o exercício será diferente: eles
terão que fazer o desenho e depois escrever o nome de tudo o que
desenharam no verso, como, por exemplo, o nome dos animais. A
professora entrega o livro da Ruth Rocha para que eles possam ver,
ter contato com o exemplar. C10 A finaliza o desenho, mas não
escreve o nome do que desenhou no verso da folha. Ele fica lendo o
livro da Ruth Rocha. Os amigos começam a reclamar e pedem para
que ele passe o livro, mas ele fica envolvido com a leitura. Observo
que ele está muito concentrado na leitura e parece que nem ouve o
pedido dos amigos para que passe o livro. A professora intervém e
tira o livro da mão dele, passando-o para outra criança. Ao ficar sem
o livro, ele faz uma expressão de quem não gostou, mas não diz
nada. A professora inicia outra tarefa escolar. (Protocolo de
observação 04, 1.º ano A, 25/08/2014).

Ao refletir sobre esse protocolo, é evidente a preocupação da professora A


em possibilitar aos alunos o acesso a versões diferentes sobre o mesmo tema. Essa
atitude pode ampliar as observações das crianças relativas às diferentes formas com
as quais é possível escrever um texto, sendo que cada autor tem um estilo e
prioriza, no momento da escrita, um ou outro aspecto. Após contar a história, a
professora propôs uma atividade de expressão, o desenho. Este era referente ao
tema estudado e também foi solicitada a escrita dos nomes dos animais que
estavam na arca de Noé. Assim as crianças puderam vivenciar duas formas de
registro: o desenho e a escrita. A seguir, apresento duas fotos que evidenciam esse
dado.
136

Foto 17 – Representação da arca de Noé por meio de desenho – sala A

Fonte: Da autora.

Foto 18 – Palavras escritas sobre o desenho da arca de Noé – sala A

Fonte: Da autora.

Com relação ao desenho exposto, ele é do aluno C1 A. Ele foi a única


criança que além de desenhar, fez uns balões de diálogo, como os usados nas
histórias em quadrinhos. Próximo aos balões, possivelmente era Noé quem dizia: “E
137

agora vocês vão ficar aí dentro por 40 dias!” Tal fato revela o contato dessa criança
com outros tipos de textos, como a história em quadrinhos e gibis.
Como visto no protocolo de observação da professora A, ela chamou a
atenção das crianças para as imagens do livro, auxiliando-as neste tipo de leitura.
Os seus questionamentos tinham, possivelmente, o objetivo de fazer com que as
crianças compreendessem a mensagem do livro. De acordo com Girotto e Revoredo
(2011, p. 187) “em meio à efervescência criativa, multiplicam-se os livros onde são
utilizadas belas ilustrações e diferentes linguagens, o texto passa a ser a fusão de
palavras e imagens.” Para as crianças do 1.º ano, as imagens presentes nos livros
são essenciais e elas compõem a narrativa.
As duas professoras explicitaram que as crianças fazem leitura de imagem
com frequência. De acordo com Bajard (2014c), o uso da imagem nos livros voltados
para as crianças, alterou de modo significativo a sua relação com o mundo da
escrita, na medida em que elas podem acessar a literatura muito antes de entrar na
escola. No entanto, é possível admitir que “um acompanhamento educacional atento
que propicie situações, instrumentos, questionamentos e informações para guiar as
investigações infantis certamente ampliará a capacidade de interpretação das
ilustrações.” (BAJARD, 2014c, p. 69).
Percebi que a proposta da professora A gerou em C10 A a necessidade de
ler o livro com calma, tanto é que ele fez o exercício que ela pediu parcialmente para
ter mais tempo de lê-lo. O interesse dele não era apenas de folhear ou ver o livro
rapidamente para que outro colega pudesse fazer o mesmo. A professora
interrompeu esse momento, sem dar ao aluno nenhuma explicação, fato que
provavelmente gerou uma frustação em C10 A que queria ler o livro até o final e
sozinho. Se há o desejo por parte do professores de que as crianças leiam no 1.º
ano, é essencial prestar atenção em todos os momentos em que elas interagem com
o material escrito para, por exemplo, não perder uma oportunidade tão rica como
essa relatada. No entanto, compreendo que a atitude de C10A descumpria uma
regra que fora estabelecida na sala de aula, ou seja, de oportunizar que todos
folheassem o livro. É óbvio que não era o momento de ele ler; ele estava
desrespeitando os colegas. A situação gerada na sala de aula poderia ter sido
resolvida de outra maneira, por exemplo, explicando-se que o livro seria entregue
para outra criança e que depois, ao final da tarefa escolar, ele poderia ler se
houvesse tempo para isso ou levar o livro para casa.
138

Como já comentado anteriormente, a professora B também utiliza os livros


de literatura infantil em sala de aula e lê para os seus alunos. Transcrevo a seguir,
um desses momentos.

A professora explica que hoje vai contar uma história e vai projetar
no data show porque não tem o livro na biblioteca. Ela diz: “Este livro
vai falar sobre um assunto que eu vou ensinar. Primeiro eu vou
contar a história e depois eu quero ver quem vai saber o que nós
vamos estudar. Nós vamos até ensaiar uma música, mas não vai ser
hoje”. As crianças falam: “Ahhh”... A professora avisa que, enquanto
instala o data show, eles vão copiar a tarefa. Ela escreve no quadro:
‘FAÇA NÚMEROS DE 2 EM 2 ATÉ 42’. Depois ela lê o enunciado e
no ‘EM’ faz o som da palavra. Em seguida, ela posiciona as crianças
no chão para que possam ver a projeção da história Meninas negras,
da autora Madu Costa e com ilustração de Rubem Filho. As crianças
falam: “O que é isso”? Alguns leem o título: “Meninas Negras”. A
professora pergunta: “Vocês olharam bem a capa”? Ela pergunta
para C 12 B: “Quantas meninas você vê lá”? Ele responde: “3”. A
professora fala: “A C 1 B já leu o título: Meninas Negras. Agora só a
professora vai ler esse livro. Eu não tenho ele na minha mão e não
tem na biblioteca da escola; eu peguei na internet. A autora é Madu
Costa. Olha, a foto dela na contracapa”. A professora pergunta: “Qual
será o assunto desse livro”? Ela diz: “Agora silêncio que eu vou ler”.
A professora lê duas páginas e as crianças fazem comentários. Ao
ler a segunda página, eles perguntam aonde estava o Brasil. A
professora continua a história e fala: “A 1ª menina é a Mariana, a 2ª
menina é a Dandara”. Ela pergunta: “Vocês sabem porque ela quer
um bicho de estimação que seja uma girafa ou um leão”? Eles
respondem: “É porque tem esses animais na África”. A professora
diz: “Isso mesmo”! E continua: “Olha, apareceu mais uma menina,
qual é o nome dela”? Eles leem e respondem: “É Luanda”! A
professora lê mais uma página e comenta: “Ela adora dançar. Olha
lá: aquelas dançarinas estão na imaginação da menina”. A
professora lê mais um pouco e pergunta: “Onde será que elas
moram”? Eles respondem: “Na África”! A professora questiona:
“Quem acha que elas moram no Brasil”? Eles ficam quietos e a
professora diz: “Eu vou passar os slides de novo e eu não vou ler.
Vocês vão observar o que está acontecendo na história para depois
me responderem se elas moram na África ou no Brasil. Eu quero que
vocês tenham certeza se elas moram na África ou no Brasil. Eu não
vou ler, vou explicar apenas”. Ao passar os slides ela perguntou: “O
que será que elas estão pensando nesta última página do livro”? C
21 B responde: “Elas estão pensando na África”. C1 B diz: “Elas
estão imaginando tudo o que elas aprenderam na escola sobre a
África”. A professora pergunta para C7 B o nome das três
personagens. Ele não lembra e a professora pede para a turma
ajudá-lo. [...] A professora diminui a projeção e a imagem fica melhor.
Ela diz: “Agora, vamos olhar e imaginar”. Ela passa os slides
novamente e, no último, pergunta: “Tem mais alguma página”? A
maioria diz que não, mas C8 B fala: “Tem sim, a última capa”. A
professora diz: “Acabou”, e clica para finalizar. Algumas crianças
leram na tela: ‘fim da apresentação dos slides. Clique para sair’. [...].
(Protocolo de observação 08, 1.º ano B, 24/11/2014).
139

Os alunos da professora B tiveram a oportunidade de acessar o livro


escolhido por ela mesmo sem tê-lo em mãos, uma vez que a apresentação foi
realizada por slides. Essa estratégia utilizada pela professora B foi uma novidade
para as crianças. Elas acompanharam a leitura do livro atentamente e buscaram
sentido em cada um dos slides apresentados, e algumas até conseguiram ler o
nome das personagens. A professora dessa sala também explorou as imagens do
livro e instigou as crianças a refletirem sobre o que estavam comunicando. Um fato
que chama a atenção é que, pela forma diferente de acessar esse livro, por slides,
ao finalizar a apresentação, algumas crianças foram rapidamente para perto da tela,
pois perceberam que tinha algo projetado naquele espaço que poderia ser lido
ainda.
Após narrar a história para as crianças, a professora B oportunizou
momentos com atividades de expressão gráfica e artística, tais como o desenho das
personagens, pintura com tinta guache seguida de colagem e também propôs a
escrita de algumas características das três meninas que faziam parte da história do
livro. A seguir apresento fotos que revelam esse dado.
140

Foto 19 – Desenho representando personagens da história “Meninas negras” –


sala B 32

Fonte: Da autora.

32
Referente às fotos 19, 20, 21 e 22 – Data da proposta: 26/11/2014. Professora: B
Conteúdo: Português: Uso e função social da escrita, oralidade, leitura e interpretação de textos,
registro de palavras, sílabas e relação letra/som. História: Cultura africana e brasileira. Objetivo
geral: Avançar no sistema de escrita alfabética; reconhecer a diversidade cultural dos africanos
através da música. Objetivo específico: Desenvolver habilidades de leitura, interpretação de texto
e de antecipação de sentidos. Data da proposta: 24/11/2014 – Desenvolvimento metodológico:
Português – Leitura do livro: “Meninas negras”; Data da proposta: 26/11/2014 – Português:
Reconto oral do livro “Meninas negras”; Arte: Produção das “meninas negras” com guache e papel
dobradura.
141

Foto 20 – Desenho representando personagens da história “Meninas negras” – sala B

Fonte: Da autora.

Foto 21 – Pintura e colagem de uma das personagens da história “Meninas


negras” e escrita de uma de suas características – sala B

Fonte: Da autora.
142

Foto 22 – Pintura e colagem de uma das personagens da história “Meninas


negras” e escrita de uma de suas características – sala B

Fonte: Da autora.

A professora B apontou que faz leitura coletiva com as crianças, leitura


individual e que solicita que eles leiam em voz alta. Durante as observações, eu
notei que, de fato, essas situações acontecem durante a sua aula. Na escola, a
leitura em voz alta, é uma prática comum em muitas salas de aula, principalmente
nas de alfabetização. Vygotski (1995b, p. 198)33 destaca nos seus estudos que é
importante refletir sobre uma “questão no desenvolvimento das formas superiores da
linguagem escrita: a leitura silenciosa e a que se faz em voz alta”. O referido autor
ressalta que
O estudo da leitura mostra que, ao contrário do antigo ensino que
cultivava a leitura em voz alta, a silenciosa é socialmente a forma mais
importante da linguagem escrita [...] A vocalização dos símbolos visuais
dificulta a leitura, as reações verbais atrasam a percepção, travam a
percepção, fracionam a atenção. Por mais estranho que possa parecer,
não só o próprio processo de leitura, mas também a compreensão é
superior quando se lê silenciosamente. (VYGOTSKI, 1995b, p.198)34.

33
Questión en el desarrolho de las formas superiores del lenguaje escrito: la lectura silenciosa y la
que se hace en voz alta.
34
El estudio de la lectura demuestra que, a diferencia de la enseñanza antigua que cultivaba la
lectura en voz alta, la silenciosa, es socialmente la forma más importante del lenguaje escrito [...] La
vocalización de los símbolos visuales dificulta la lectura, las reacciones verbales retrasan la
percepción, la traban, fraccionan la atención. Por extraño que pueda parecer, no sólo el propio
proceso de la lectura, sino también la comprensión es superior cuando se lee silenciosamente.
143

Para esse autor, a vocalização dos símbolos visuais torna a leitura mais
difícil, sendo que o processo de leitura é superior quando realizado em silêncio,
sendo a leitura silenciosa a que proporciona compreensão.
A presença da leitura em voz alta realizada pelas crianças na sala de aula,
também pode ser analisada sob a concepção apresentada por Bajard (2014a, p.
116). Para o referido autor,

É possível reconhecer ao longo do tempo a permanência das


práticas vocais do texto, muitas das quais foram rotuladas pela
tradição escolar como “leitura em voz alta”. Enquanto o modelo de
leitura foi identificado com a proferição oral do texto, esse conceito
manteve sua pertinência. Contudo, assim que progressivamente se
destacou e depois se impôs um segundo modelo, agora silencioso,
de leitura, e assim que esta passou a ser definida não mais pela
emissão sonora, mas pela compreensão, a “leitura em voz alta”
perdeu a sua identidade. (BAJARD, 2014a, p. 116).

De acordo com Bajard (2014a), quando as crianças fazem a emissão sonora


do texto na escola, elas, na verdade, estão colocando em prática o dizer, sendo que
este dizer até está presente na sala de aula, porém não equivale à leitura. Nessa
perspectiva, “é preciso praticar a voz alta e a leitura. Cada uma tem a sua função,
cada uma exige capacidades específicas, cada uma é uma entrada particular na
língua escrita e na cultura.” (BAJARD, 2014a, p. 87). Entendo que a visão de
Vygotski (1995b) relacionada ao ler em voz alta se aproxima da de Bajard (2014a),
quando ambos afirmam que esse tipo de estratégia não favorece a compreensão.
Deste modo, Bajard (2014a, p. 116) ainda pontua que “não se pode definir a leitura
através da compreensão e continuar a falar em ‘leitura em voz alta’.”
Durante as observações das aulas, notei que no momento em que a
professora solicitava a leitura em voz alta, algumas crianças nem sabiam em que
trecho do texto estava o que os colegas liam. Elas se perdiam durante o processo.
Percebi que algumas só falavam o final das palavras e, caso a professora pedisse
para reler em voz alta um trecho e explicar o que compreenderam, eles não
conseguiam.
As professoras também enfatizaram na entrevista que as crianças faziam
leituras relacionadas ao seu cotidiano. Nessa questão a professora A disse que seus
alunos leem livros, textos do cotidiano e ainda levam estes materiais para a sala de
aula com o objetivo de mostrar para ela e para os amigos. Com efeito, temos aqui a
144

leitura enquanto prática cultural, como apontado por Bajard (2014a). Ao ler algo
interessante, as crianças apresentam o desejo de compartilhar com os amigos da
escola, fato que demonstra o caráter social que a escrita tem.
Com relação ao questionamento a respeito de o ato de leitura estar
vinculado à busca de compreensão, a professora B disse que adota diversos textos
com os seus alunos e apresenta a estrutura e as características de cada um deles. A
partir desse momento, ensina que cada tipo de texto exige um modo de
compreensão. Neste contexto, os alunos de ambas as professoras leem textos
relacionados ao seu cotidiano e buscam o sentido durante as leituras. Assim sendo,
“não se pode aprender a ler sem construir sentido, nem escrever sem produzir
textos.” (BAJARD, 2014b, p. 87-88).
Na concepção de Vygotski (1995b, p.199)35, a compreensão durante o
processo de leitura,

Não consiste em que se formem imagens em nossas mentes de


todos os objetos mencionados em cada frase lida. A compreensão
não se limita à reprodução figurativa do objeto e nem mesmo à do
nome que corresponde à palavra fônica; consiste sim no manejo do
próprio signo, em referir-lhe ao significado, ao rápido deslocamento
da atenção e a análise dos vários pontos que passam a ocupar o
centro de nossa atenção.

Sendo assim, durante o ato de ler, é importante ensinar às crianças a


dominarem o signo, a buscarem o significado. Essa é uma atividade complexa e não
pode ser resumida à reprodução dos fonemas. Saliento isso porque, durante as
observações, notei que muitas crianças ficavam preocupadas em pronunciar os sons
da letras e não conseguiam fazer uma leitura real, ou seja, que as levasse à
compreensão dos textos. A seguir, transcrevo trechos de dois protocolos de
observação que evidenciam esse dado.

A professora entrega uma folha e pede para que eles leiam duas
vezes o texto. C14 A lê e pergunta: “Posso pintar a zebra”? Ela
responde que não. Observo que a maioria faz leitura em voz alta. A
professora faz a leitura do texto. Ela pergunta: “A gente pode ir
passear de pijama”? Eles dizem: “Não”! Ela pede para que C25 A
leia a primeira pergunta que está abaixo do texto. C25 A lê: “Qual o

35
No consiste en que se formen imágenes en nuestra mente de todos los objetos mencionados en
cada frase leída. La comprensión no se reduce a la reproducción figurativa del objeto y ni siquiera a
la del nombre que corresponde a la palabra fónica; consiste más bien en el manejo del propio signo,
en referirlo al significado, al rápido desplazamiento de la atención y al desglose de los diversos
puntos que pasan a ocupar el centro de nuestra atención.
145

ti-tu-lo, título do... da...”, tentando decodificar o que via. A professora


fala: “Então, o que está perguntando? O que você leu”? Ele não
consegue responder e ela pede para ele ler de novo. Ele lê
novamente e não consegue responder à professora sobre o que está
lendo. Ele lê de novo acompanhando com o dedo e não sabe falar
para a professora o que acabou de ler. A professora pergunta para
C3 A o que está escrito. Ela lê e também não sabe o que leu. Depois
de ler duas vezes C3 A fala: “Está escrito: qual é o título da história”?
E a professora pergunta: “Qual é C3 A”? Ela olha para o papel e
responde: “A zebra”! A professora diz: “Esse não é o título. O título é
Boa Noite”. (Protocolo de observação 8, 1.º ano A, 03/11/2014)

Em seguida diz: “Vamos ler a lenda ‘Mula sem Cabeça’. Não é para
ler em voz alta, é para ler quieto, em silêncio para não atrapalhar o
amigo. Você vai tentar ler sozinho, depois nós vamos ler juntos”.
Observo que todas as crianças se concentram para fazer a leitura da
lenda. Para alguns é impossível fazer leitura silenciosa. Após alguns
minutos, a professora diz: “Agora, nós vamos ler todo mundo junto.
Só vai melhorar na leitura quando você treinar. Tem gente que leu a
lenda e entendeu. Quer dizer que está bem na leitura. O que vocês
leram, é uma lenda, tem mistério, tem transformação”. C 16 B
questiona: “Qual é o mistério”? A professora responde: “O mistério é
a ferradura dela”. Em seguida C20 B diz: “Eu li, mas não entendi o
mistério”. A professora fala: “Então tem que ler de novo, tem que ler
e entender”. C1 B diz: “Se a mulher se casar com um padre, vira
mula e isso acontece na vida real”. A professora questiona: “Será
que isso acontece mesmo na vida real? Vamos ler. Vocês vão
acompanhando com a pontinha do lápis”. Observo que a professora
põe no quadro a 1ª letra da frase: ‘A’. Eles começam a leitura junto
com a professora. Ela diz: “Ponto final, o que significa o ponto final”?
C 1B fala rapidamente: “Que acabou a frase”. As crianças fazem a
leitura da 2ª frase do texto. A professora avisa que a 3ª frase começa
com a palavra ‘SEGUNDO’. As crianças leem a frase juntas. A
professora pede para circularem a palavra ‘MULHER’ e avisa que ali
está o mistério. Eles leem juntos o último parágrafo. E a professora
diz: “Agora vira a lenda do avesso. Agora eu vou ler a lenda e você
só vai ouvir”. Observo que a professora faz a leitura com bastante
entonação e gesticulando. Ela mantém a leitura fixa do texto. Em
seguida ela pede que pintem a Mula sem cabeça. (Protocolo de
observação 5, 1.º ano B, 28/08/2014)

Os protocolos evidenciam que a proposta de ler em voz alta não traz


compreensão para as crianças. O que dificulta o processo é que eles primeiro fazem
os sons das letras, decodificam, fazem a silabação, para depois irem à busca do
sentido. Notei que a preocupação inicial da professora B ao pedir para que os alunos
não lessem em voz alta, não era com a compreensão do texto e, sim, com o barulho
que eles faziam na tentativa de ler, pois isso acabava atrapalhando os colegas de
sala.
146

Observei que dos materiais escritos disponibilizados para as crianças, os


mais explorados são os livros de literatura infantil. Eles fazem parte do cotidiano das
crianças e isso é muito positivo. Entendo que esse fator abre portas para que elas
acessem de algum modo a cultura escrita. Durante as observações realizadas nas
duas salas do 1.º ano, as professoras leram pelo menos um livro de literatura,
diariamente para as crianças. Nesse momento de leitura para os alunos, elas faziam
questionamentos sobre o assunto do livro, com o objetivo de que as crianças
compreendessem a mensagem da obra literária. Além disso, foi perceptível que as
professoras tentaram fazer algumas aproximações do tema do livro com situações
do dia a dia dos alunos. A seguir transcrevo uma situação de sala de aula que
demonstra esse dado.

A professora entregou um texto e pediu para os alunos lerem. O


título do texto era “Fernanda e a sua família”. A professora pediu
para que eles lessem 3 vezes. Eu fui até a carteira do C4 A para
ajudá-lo. Percebo que ele tenta adivinhar quais são as palavras e se
distrai rapidamente. A professora fez a leitura do texto e depois de
finalizar fez algumas perguntas sobre o mesmo. Ela perguntou: como
é o nome da história? Alguns respondem: é Fernanda e sua família.
Ela questionou: quem são os personagens? Eles responderam:
Fernanda, Rafael e Camila. A professora perguntou: quem é o mais
velho? Eles respondem que é o Rafael. Ela questionou: e quem é a
caçula? Eles falam que é a Fernanda e que ela tem 7 anos. A
professora pergunta para a turma quantos anos eles tem e a maioria
responde 7 anos. A professora falou: na história, a Fernanda gosta
de ajudar em casa. E aqui quem gosta de ajudar? C13 A diz: eu
limpo o quarto da minha mãe, o meu, limpo o fogão e a geladeira.
C24 A diz que lava a louça para a avó. C14 A comenta que lava a
louça, limpa o chão, passa pano e passa roupa. Já C20 A diz que
não gosta de ajudar em casa e do mesmo modo fala C1 A. C24 A
diz: eu lavo a louça e arrumo o quarto. C7 A diz que odeia ajudar. A
professora retoma a história e pergunta: Na casa da Fernanda só ela
que ajuda? Eles dizem que não. A professora fala: na casa da
Fernanda, todo mundo ajuda a fazer o serviço. Vocês perceberam
que a mãe dela trabalha e o pai também? Eles respondem que sim e
falam que a mãe dela é caixa de supermercado e o pai é dentista. A
professora fala: mesmo quando você não gosta, você tem que
ajudar. C23 A levanta a mão e diz: nós temos que ajudar! (Protocolo
de observação 10, 1.º ano A, 02/12/2014)

As professoras destacaram que há livros disponíveis na sala para que as


crianças leiam, consultem e explorem. Contudo, observei e constatei que, embora
um canto de leitura tivesse sido montado e mantido nas salas por alguns meses, em
momento algum do tempo que estive presente na sala de aula as crianças se
147

dirigiam a tal local. Elas estavam sempre ocupadas com os exercícios propostos
pelas professoras. Logo a seguir, mostro o registro fotográfico desse canto de
leitura.

Foto 23 – Cantinho da leitura – sala B

Fonte: Da autora.

Durante a entrevista, a professora B comentou que o Cantinho da Leitura foi


desativado em outubro em função das eleições, uma vez que as salas de aula de
toda a escola foram utilizadas para as votações; mas mesmo após o término destas,
verifiquei que o referido espaço não havia sido reativado.
Julgo que a razão de se ter um canto de leitura como esse só se justifica se,
de fato, ele for vivenciado e explorado pelas crianças de modo contínuo. Sendo
assim, elas podem se apropriar desse espaço e ampliar o contato com os livros, com
a cultura escrita.
Vale ressaltar que o acervo era formado por vários títulos e havia sido
disponibilizado às escolas públicas pelo Ministério da Educação, por meio do
Programa Nacional do livro didático para a Alfabetização na Idade Certa. Na sala do
1.º ano B, os livros haviam sido encapados e estavam guardados em baú e em
caixas plásticas, e nelas havia uma lista indicando o número do livro, o título e a
editora. O acervo de literatura para as salas de aula, contendo os títulos
148

relacionados na referida lista, pertenciam ao âmbito do Programa Nacional do Livro


Didático – PNLD 2013, considerando a adesão da rede de ensino ao Pacto Nacional
da Alfabetização na Idade Certa. A seguir, apresento um dos exemplares do acervo
de literatura infantil.

Foto 24 – Exemplar do acervo do Cantinho da leitura – sala B

Fonte: Da autora

Com relação ao aspecto de incentivar as crianças a buscarem novas fontes


de consulta para as curiosidades apresentadas, as professoras A e B responderam
que incentivam as crianças a fazerem pesquisa, inclusive que os pais ajudam neste
processo. Nesta conjuntura, elas disseram que as crianças têm necessidade de ler e
que na organização de ensino proposta por elas, elas conseguem gerar nelas essa
necessidade.
As professoras apontaram, também, que muitas vezes elas nem solicitam e
ainda assim os alunos fazem pesquisa em casa e levam para socializar com os
amigos. Notei que o aluno C1A por duas vezes levou para a sala de aula o resultado
de pesquisas que tinha realizado em casa. A professora permitiu que ele
compartilhasse com os amigos as descobertas possibilitadas pela pesquisa. No
149

protocolo de observação a seguir, é possível constatar o dado de que a professora


propõe a pesquisa para sanar uma dúvida que tenha surgido no momento de uma
explicação que ela dava.

Um aluno expõe a sua curiosidade — é a C24 A: “Professora, por


onde nascem os bebês da baleia? Quem corta a barriga dela”? A
professora responde: “Nascem naturalmente”. A professora sugeriu
uma pesquisa para quem quisesse saber mais sobre este assunto
por onde nascem os bebês da baleia, por qual “buraco”, orifício eles
saem. (Protocolo de observação 1, 1.º ano A, 28/05/2014).

No dia seguinte à solicitação de pesquisa, eu estive na mesma sala.


Observei que um dos alunos comentou que fez a pesquisa sobre as baleias em mais
de 30 sites e descobriu que existe uma “baleia cantora”. Ele mostrou-se encantado
com essa informação. C1A estava ansioso por compartilhar com os colegas o que
havia encontrado. A professora cedeu alguns minutos da aula para que ele
compartilhasse a pesquisa. Neste momento, outras crianças manifestaram o prazer
que têm ao fazer pesquisa. Esse dado está registrado a seguir:

Ela pede para C1 A contar para os amigos sobre a pesquisa que fez
sobre a baleia que canta. C1 A fala para os amigos sobre a baleia
Jubarte, a baleia que canta. O aluno fez a pesquisa na internet. Fala
sobre as narinas da baleia, sobre a sua alimentação que inclui peixes
e algas. Todos os amigos prestam atenção. A professora sai da sala
para atender um pai de aluno. O coordenador da escola fica na sala.
Eu saio da sala para buscar o data show. A professora me autorizou
a mostrar o vídeo que pesquisei que mostra o nascimento de uma
baleia. Enquanto isso o coordenador ajuda C1 A a contar a sua
pesquisa para a turma. A professora retorna e me ajuda a montar os
equipamentos. Explico para as crianças porque é importante
pesquisar e que eles também são pesquisadores. Falei sobre
algumas fontes de pesquisa disponíveis, tais como a internet, livros,
os livros da biblioteca e de alguns equipamentos que podem nos
auxiliar na pesquisa, como o tablet. C14 A diz: “O papel, o texto,
também é uma fonte de pesquisa”. Eu concordo com o aluno. Em
seguida mostro os vídeos e converso com eles. A C10 A diz: “Eu
gosto de pesquisar, mas eu esqueci de ver essa história de como os
bebês da baleia nascem”. C1 A comenta que pesquisou em mais de
30 sites para entender sobre a baleia cantora. As crianças ficam
empolgadas ao ver como é o nascimento das baleias e querem saber
o nome do orifício por onde o filhote sai. Esse tempo foi marcado por
muitas perguntas e eles ficaram revoltados por saber que algumas
baleias estão em extinção. (Protocolo de observação 2, 1.º ano A,
29/05/2014).
150

Essa experiência junto às crianças, ou seja, o momento de compartilhar a


minha pesquisa sobre as baleias, foi riquíssima. Elas estavam interessadas e,
possivelmente, isso aconteceu porque a dúvida partiu delas. Vale destacar a
desenvoltura de C1 A que apresentou a sua pesquisa de forma detalhada para os
amigos. Ao longo desse momento, as crianças apresentaram outras dúvidas,
fizeram comentários, relacionaram o assunto do que já conhecem sobre gravidez,
parto e nascimento tanto de humanos, como de outros animais. Por meio dessa
pesquisa, foi possível ampliar o conhecimento das crianças sobre o tema, sendo
muito interessante escrever sobre ele logo depois, ou seja, registrar o que
aprenderam, as novidades, o que chamou mais a sua atenção e essa foi a proposta
da professora. A seguir apresento um trecho do protocolo de observação que
evidencia esse dado.

A professora afirma: “Vamos fazer um texto. É a primeira vez que


vamos fazer um texto sobre algo que nós estudamos. O texto vai ser
sobre baleia. Hoje vamos fazer juntos. Vamos falar sobre as
informações que nós tivemos. O texto já tem título na folha: é ‘baleia’.
Hoje vamos relembrar. Nós vamos escrever frases. O que é frase?
Vou explicar, ela é formada por várias palavras. E quando acaba o
que eu coloco? Eu coloco um ponto final. Hoje vamos aprender a
escrever um texto. Quando vamos começar um texto usamos o
parágrafo. A gente mede um espaço com o indicador no começo da
linha”. A professora pergunta: “Como chama mesmo esse espaço”?
C14 A responde: “Parágrafo”. PA pergunta: “O que é frase”? A
professora mesmo responde: “A frase é um pensamento que eu vou
escrevendo. Nós vamos fazer todos juntos”. A professora distribui as
folhas e pede para que peguem o lápis. “Qual a primeira informação
que vamos escrever”? C1 A diz: “Que ela é um animal marítimo”. As
crianças concordam que essa é a primeira informação que eles vão
escrever. A professora escreve no quadro ‘A’. Espera eles
escreverem e passa pelas carteiras olhando. Avisa que agora precisa
dar um espaço porque é outra palavra. Escreve no quadro ‘BALEIA’.
Dá mais um espaço. “O que vamos escrever”? Eles respondem: “É
um animal marítimo”. Ela ouve as crianças e escreve ‘UM ANIMAL’.
Explica que quando acaba a linha, nós vamos para a outra linha sem
dar parágrafo. C1 A diz: “Tem que escrever que ele é marítimo”. A
professora escreve ‘MARÍ’. “Agora vou escrever outra informação. Eu
vou para a linha debaixo e vou fazer o parágrafo”. A professora
questiona: “O que mais vamos escrever”? C1 A diz: “Que a baleia
Jubarte canta”. A professora diz: “Sim, ela canta, mas vamos
escrever outra coisa mais geral”. Ela pergunta: “Qual é o órgão do
sentido mais refinado da baleia”? Eles respondem que é a audição.
[...] As crianças saem para o recreio. Ao sair da sala a professora
me diz: “Eu achei que ia ser mais difícil hoje, mas até que eles estão
indo bem. Sempre penso muito antes de começar esse momento,
esse momento de registrar o 1.º texto escrito na folha. Achei que
esse ano não está tão difícil fazer isso com eles”. (Protocolo de
observação 02, 1.º ano A, 29/05/2014).
151

O fato da professora A propor que as crianças escrevam um texto logo após


a pesquisa é válido. Porém, ela não permitiu que a expressão das crianças por meio
do texto, fosse livre, pois direcionou a produção para um texto informativo. Como já
foi apontado anteriormente, a ênfase na escrita desse tipo de texto é uma
característica do modo como a professora A ensina a linguagem escrita. O meu
parecer é que seria mais significativo para os alunos se eles pudessem escrever o
que quisessem sobre o aprendizado que tiveram sobre o tema pesquisado.
Entendo que incentivar o acesso à pesquisa e a outras fontes de consulta é
fundamental para que as crianças desenvolvam a sua capacidade investigativa. Tal
fato faz com que elas busquem informações que lhes interessam e que não tenham
somente o professor como fonte de conhecimento. Após as pesquisas realizadas, as
crianças podem registrar o que compreenderam e assim aprendem a lidar com
textos vivos, reais, do seu cotidiano, do seu interesse, sendo que essas
necessidades de ler e de escrever podem ser geradas pelo ambiente organizado
pelo professor.
Ao analisar os dados, ficou clara a dedicação das duas professoras dessa
pesquisa para que as crianças se apropriassem da linguagem escrita. Constatei que
elas realizam no dia a dia um esforço a mais, uma vez que não possuem a formação
inicial em Pedagogia — lembrando que a professora A é formada em Educação
Artística e a professora B em Filosofia.
Ter a formação em Pedagogia possibilitaria a elas um conhecimento mais
aprofundado sobre o desenvolvimento das crianças e também sobre o ensino da
língua materna. É provável que o conhecimento que elas colocam em prática na sala
de aula, referente a área da educação, venha dos cursos de pós graduação que
fizeram. A professora A é especialista em educação especial e a professora B tem
especialização em psicomotricidade. Além dos cursos de formação continuada que
as professoras realizaram ao longo dos anos em que exercem a docência no Ensino
Fundamental I.
Observei que o fato de as professoras lerem praticamente todos os dias para
as crianças gera nelas a necessidade de ler e também de fazer o empréstimo
desses livros na biblioteca. É perceptível que algumas ações pedagógicas das
professoras favorecem a apropriação da linguagem escrita como prática cultural, tais
como a realização de pesquisas pelas crianças, a leitura constante de livros para
152

elas, as reflexões geradas após as leituras dos livros e um ambiente favorável para
as linguagens de expressão, como, por exemplo, gráfica, artística, corporal.
No entanto, há ainda algumas ações pautadas no ensino da língua materna
com ênfase nos fonemas, na sinalidade e não na língua como signo.
Consequentemente, percebi que na dinâmica da sala de aula em alguns momentos
as professoras priorizam as técnicas da escrita ao invés de ensinar às crianças a se
apropriarem da linguagem escrita. Tal fato dificulta o entendimento da língua pelas
crianças na sua função social, cultural e como expressão de pensamento. Mesmo
assim, elas buscam lidar com a língua de modo ativo, intenso; elas questionam,
pesquisam, expressam o que não compreendem e buscam, a todo o momento,
sentido no que realizam na sala de aula.
153

CAPÍTULO 4
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa realizada trouxe reflexões sobre a apropriação da linguagem


escrita como prática cultural, tendo como cenário as situações de ensino propostas
por duas professoras do 1.º ano do Ensino Fundamental de uma escola Municipal de
Londrina/Paraná.
A pesquisa ora discutida, foi desenvolvida nessas duas salas do 1.º ano,
mas alguns diálogos podem ser travados em um cenário nacional, como, por
exemplo, a preocupação nacional que há em torno da questão da apropriação da
linguagem escrita. No Brasil, os problemas relacionados ao ensino e à
aprendizagem da linguagem escrita são notórios. Há a presença de um número
considerável de alunos que frequentam os bancos escolares sem, contudo, se
apropriarem do ato de ler e de escrever e, consequentemente, não correspondem às
demandas do contexto social que exige a todo o momento práticas de leitura e
escrita. De acordo com os dados do Instituto Paulo Montenegro (2012) e da Ação
Educativa, apenas um em cada quatro brasileiros, da população alfabetizada,
domina plenamente as habilidade de leitura, escrita e matemática.
Ao comentar que no Brasil temos problemas nesse processo de apropriação
da linguagem escrita, é preciso registrar algumas ações governamentais para que as
crianças sejam alfabetizadas; uma delas é o PNAIC (Pacto Nacional pela
Alfabetização na Idade Certa). O referido pacto, é um compromisso assumido “pelos
Governo Federal, do Distrito Federal, dos Estados e Municípios de assegurar que
todas as crianças estejam alfabetizadas até os oito anos de idade, ao final do 3º ano
do Ensino Fundamental”. (BRASIL, 2015c).
Para que isso aconteça o PNAIC apoia os professores alfabetizadores no
planejamento das aulas e na utilização dos materiais pedagógicos encaminhados
pelo Ministério da Educação (MEC). Além disso, como já comentado anteriormente
no capítulo 3, há a distribuição de vários livros de literatura para as crianças nas
Escolas Públicas pelo MEC, por meio do Programa Nacional do Livro Didático para a
Alfabetização na Idade Certa. A orientação é que esse acervo de livros esteja na
sala de aula para uso das turmas do 1.º ao 3º ano, objetivando apoiar o processo de
alfabetização e incentivar a formação de crianças leitoras. Ao longo das
observações realizadas nas salas do 1.º ano, constatei algumas dessas ações do
154

PNAIC na escola, tais como a participação dos professores alfabetizadores nos


cursos de formação continuada oferecido pelo Pacto e o acervo de livros de
literatura vinculados a este.
A pesquisa ora discutida teve como objetivo geral compreender como as
situações de ensino favorecem o processo de apropriação da linguagem escrita em
crianças do 1.º ano do Ensino Fundamental a partir das contribuições da Teoria
Histórico-Cultural. Esse objetivo foi alcançado por meio dos procedimentos
empregados para a produção de dados, tais como: observação das aulas,
entrevistas e questionário com as professoras, e registro fotográfico dos exercícios
desenvolvidos pelas crianças. Assim, realizei a análise das práticas pedagógicas
das professoras em conjunto com a análise do discurso que se manifestou durante
as entrevistas para compreender as situações de ensino propostas pelas
professoras do 1.º ano que participaram da pesquisa.
No que se refere ao objetivo específico, que foi interpretar à luz das
contribuições da Teoria Histórico-Cultural, as situações de ensino da língua materna
vivenciadas em duas salas do 1.º ano do Ensino Fundamental, julgo que tenha sido
alcançado. Assim, após a produção de dados e as escolhas sobre o que seria
analisado, foi possível interpretar tais elementos pela utilização do referencial teórico
de base. O meu trabalho, como pesquisadora, foi o de ser fiel aos dados gerados,
analisando-os de acordo com a teoria escolhida anteriormente. Isso me levou a
compreender as situações de ensino que favorecem a apropriação da linguagem
escrita pelas crianças.
Ressalto que os dados foram organizados mediante dois núcleos temáticos
que se destacaram durante as entrevistas e as observações; o primeiro se refere à
concepção de leitura e de escrita das professoras como expressa em suas práticas.
O segundo se refere às ações das crianças mediante as propostas de ensino
organizadas pelas professoras. Como exposto anteriormente, o trabalho com tais
núcleos foi realizado paralelamente. Com relação às concepções de leitura das
professoras, constatei que elas valorizam o ato de ler para as crianças e com elas,
pois ambas leem para os seus alunos, seja mediante a contação de histórias e/ou
mediação de leitura para as crianças. Este é um fator positivo nas suas práticas
educativas, pois praticamente todos os dias em que ali estive as professoras leram
um livro para as crianças, fato que possibilitou o contato frequente delas com esse
155

objeto da cultura escrita. Consequentemente, tal ação pedagógica favoreceu e


favorece a formação de crianças leitoras.
É visível que a leitura em voz alta faz parte da tradição escolar e é uma
prática usual em muitas salas de alfabetização. Na concepção de leitura
apresentada pelas professoras que participaram da pesquisa ora relatada, há mais a
presença da leitura em voz alta, na qual se exige dos alunos entonação e pronúncia
adequada, do que a leitura silenciosa. Ressaltei ao longo da pesquisa que Vygotski
(1995b), destaca que o próprio processo de leitura e a compreensão são superiores
quando a leitura é silenciosa.
Durante a leitura dos enunciados que as professoras fazem para os alunos,
ou de algum livro que leem para eles, elas questionam elementos da história, do
texto com o objetivo de que as crianças compreendam o que está sendo lido,
discutido. Ao mesmo tempo, exploram o enredo e as imagens das obras de
literatura. Concluo portanto, que para as professoras o ato de ler está vinculado a
compreensão.
Com relação à concepção de escrita das professoras, como expressa em
suas práticas, constatei ser pautada no domínio das técnicas, formação de sílabas,
reconhecimentos de letras e fonemas e formação de palavras. Durante as
observações, foi visível a ênfase que as duas professoras conferiram à questão dos
fonemas, elemento que também esteve presente nas respostas dadas durante a
entrevista. Ao focar o ensino da língua materna na letra, na sinalidade, as
professoras dificultam a apropriação da linguagem escrita como prática cultural
pelas crianças.
É fato que essa concepção de escrita é divergente da que é proposta pela
Teoria Histórico-Cultural. No entanto, em todas as observações das aulas as
professoras visivelmente se empenhavam para que os alunos aprendessem a ler e a
escrever. Portanto, o objetivo não é o demérito do que as professoras realizam nas
situações de ensino que organizam, mas, sim, evidenciar por meio desse referencial
teórico que há uma outra forma de se enxergar a apropriação da linguagem escrita.
Por outro lado, a concepção de escrita das professoras participantes da
pesquisa ora relatada também está vinculada ao uso dos gêneros textuais na sala
de aula. Observei a escrita de bilhetes, listas, convites, relatórios de projetos
desenvolvidos, quadrinhas e cartas para as professoras. Como apontado por
156

Bakhtin (2003), quanto mais dominamos os gêneros, tanto mais livremente os


utilizamos.
Compreendo que a exploração de diversos gêneros textuais na sala de aula,
contribui para que as crianças entendam o funcionamento da escrita, as diversas
funções que os textos exercem na linguagem escrita e o modo como eles estão
estruturados. Considero que tais situações de ensino — com os gêneros textuais —
favorecem a apropriação da linguagem escrita, ao possibilitar às crianças o
experimentar situações reais de leitura e escrita, sendo que durante essas propostas
as professoras organizam o ambiente da sala de aula para criar nas crianças a
necessidade de ler e de escrever e, assim, favorecem a formação de crianças
leitoras e escritoras de textos.
Com relação às ações das crianças mediante as propostas de ensino
organizadas pelas professoras, um dado que me chamou a atenção foi a busca das
crianças pelo sentido do que estava diante dos seus olhos no material escrito.
Mesmo sendo ensinadas a identificar primeiro as letras para depois atribuir o
sentido, elas demonstravam ter necessidade de primeiro querer saber o significado
da palavra ou até mesmo de obter a compreensão do texto. Algumas crianças
insistiam em tomar uma direção diferente daquela que a professora apresentava
para elas. Mesmo com as dificuldades originadas pelo método fônico, as crianças
deram a volta, contornaram esses obstáculos, por entenderem a leitura vinculada à
compreensão. Elas fugiram, assim, da perspectiva de conceber a língua como sinal.
Durante as observações das aulas foi evidente o interesse das crianças para
escreverem os gêneros textuais apresentados. Destaco duas situações: a primeira
foi o bilhete para a bruxa Pampolinha, uma proposta da professora B. Essa
professora organizou o ambiente, inicialmente, com a leitura de um livro; depois
criou várias estratégias, tais como: a escrita do bilhete, correção do mesmo, painel
de exposição com os diversos argumentos das crianças para não ir à festa da bruxa
Pampolinha. Todos esses elementos objetivaram gerar nas crianças a necessidade
de escrita dos bilhetes.
A segunda situação ocorreu na sala da professora A, após o
desenvolvimento de um projeto sobre Vincent Willem van Gogh. As crianças
conheceram a vida e obra do autor, fizeram releituras de suas obras por meio de
desenhos e tela de pintura. Em seguida escreveram um relatório registrando o que
aprenderam ao longo do projeto desenvolvido. Esse projeto da professora A, dentre
157

tantos aspectos anteriormente comentados, ampliou o conhecimento cultural das


crianças e gerou nelas a necessidade de registro, ou seja, de escrita.
Outro ponto de reflexão é a questão do referencial teórico adotado pelas
professoras. Este foi um aspecto que não ficou claro em suas respostas à entrevista.
A professora A afirmou que

Agora, um autor assim... que levo, aquele autor assim..., não. Eu


acho que o que é de um, eu pego; o que é de outro, eu pego; o que
eu acho que é funcional [...]. Então, eu não tenho uma linha, por
exemplo, eu sou isso ou eu sou aquilo. Entendeu? Eu uso aquilo que
é funcional, aquilo que funciona, aquilo que eu vejo que tem
resultado [...] Eu não me vejo dentro de uma linha, isso é bem nítido
quando alguém assiste à minha aula. (Professora A).

E a professora B afirmou que desde quando começou a atuar no Ensino


Fundamental I fez muitos cursos. Mas ainda assim, disse que “essa questão teórica
ficou muito difícil quanto a você se definir” (Professora B). É essencial que, enquanto
professores, tenhamos uma teoria que alicerce a nossa ação docente, que nos faça
refletir sobre o porquê, para quê, quando e como ensinamos os nossos alunos,
conscientes de que toda ação docente é intencional.
Apontei ao longo da pesquisa realizada uma possibilidade teórica que está à
disposição das professoras, ou seja, a Teoria Histórico-Cultural. O legado da teoria
que fundamenta a pesquisa ora discutida é inegável para se pensar a apropriação
da leitura e escrita, tendo a criança como sujeito deste processo. Os atos de ler e de
escrever são humanizadores: libertam a capacidade criativa de cada um dos
sujeitos. Quando a escola ensina as crianças a dominarem tais ferramentas no seu
cotidiano, elas passam a ter muito a dizer, escrevendo, criticando, criando e se
posicionando.
Nessa perspectiva, são necessários parceiros mais experientes que auxiliem
as professoras no contato inicial com essa teoria e, talvez, a partir daí seja possível
estabelecer encontros efetivos e genuínos com a teoria. Quando de fato se
mergulha nas bases fundantes da Teoria Histórico-Cultural, o indivíduo é
transformado e pode ser agente de mudança no seu entorno. Trabalhar junto com
outras pessoas é deveras importante para se pensar nas ações desenvolvidas na
escola, no diálogo com a teoria aqui apresentada, nos seus pressupostos
pedagógicos, no fazer pedagógico diário, que são permeados pela presença de
outros e das vozes sociais destes.
158

No trajeto percorrido durante a pesquisa ora relatada, busquei entender as


situações de ensino e o que estava subjacente a elas. E ao observar, percebi o
esforço das professoras no ensino da língua e no processo de apropriação desta
pelos alunos, assim como o respeito que tinham na convivência com as crianças.
Elas se esforçaram em não deixar aluno algum no processo, dando constante
atenção àqueles que apresentavam maiores dificuldades.
Quero também registrar a realidade das professoras: diante de suas
necessidades materiais, ambas cumprem uma carga horária de oito horas diárias de
trabalho, trabalhando em duas escolas diferentes diariamente. Muitas vezes a
sobrecarga de trabalho delas me foi perceptível. É primordial que situações assim
sejam vistas e revistas a fim de que os professores, de maneira geral, tenham tempo
para dedicar-se à sua formação e estudos, objetivando o melhor exercício da
docência.
É primordial que as situações de ensino da linguagem escrita organizadas
pelas professoras do 1.º ano contribuam com a formação de crianças leitoras e
produtoras de texto. As professoras que participaram da pesquisa realizada estão
em um processo assertivo ao possibilitar às crianças o acesso à diversidade de
materiais gráficos, à escrita de diferentes tipos de textos e à leitura constante de
livros de literatura com e para elas. Neste cenário, é essencial que as crianças se
apropriem do ato de ler e do ato de escrever como prática cultural e não aprendam
somente a codificar e decodificar. É preciso, então, ensinar a linguagem escrita
como prática cultural e discursiva. Assim, é “escrevendo que se aprende a escrever”
(JOLIBERT,1994b, p. 37). Do mesmo modo, é lendo que se aprender a ler
(JOLIBERT, 1994a). Desta maneira, as crianças podem entender a linguagem
escrita na sua função social, cultural, intelectual e como expressão de pensamento.
159

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164

APÊNDICES
165

APÊNDICE A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Campus de Marília
Faculdade de Filosofia e Ciências

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Estou realizando uma pesquisa na Escola Municipal -----------------------------------


intitulada “Apropriação da linguagem escrita como prática cultural: reflexões sobre a realidade de
duas turmas de 1.º ano do ensino fundamental” e gostaria de solicitar sua participação na realização
dessa pesquisa, permitindo a minha observação em sua turma.
A pesquisa tem como objetivo geral: compreender como as situações de ensino favorecem o
processo de apropriação da linguagem escrita em crianças do 1° ano do Ensino Fundamental a partir
das contribuições da Teoria Histórico-Cultural.
Caso aceite participar dessa pesquisa gostaria que soubesse que:
A) SUA PARTICIPAÇÃO É VOLUNTÁRIA E QUE PODERÁ DESISTIR DE PARTICIPAR A
QUALQUER MOMENTO;
B) VOCÊ PODERÁ ACEITAR OU RECUSAR-SE A RESPONDER QUAISQUER PERGUNTAS
QUE LHE FOREM FEITAS;
C) As informações obtidas através da sua colaboração na entrevista serão
DOCUMENTADAS/DESCRITAS em relatório de pesquisa (Tese) feito por mim para a
obtenção do título de doutor junto ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de
Filosofia e Ciências – Campus de Marília/SP;
D) OS RESULTADOS PODERÃO SER DIVULGADOS EM EVENTOS CIENTÍFICOS E REVISTAS
E QUE ME COMPROMETO A MANTER EM ABSOLUTO SIGILO A IDENTIDADE DOS
PARTICIPANTES E ENTREVISTADOS;

Agradeço a Sua atenção e coloco-me à disposição para qualquer outro esclarecimento.

Atenciosamente,
166

BEATRIZ CARMO LIMA DE AGUIAR


Doutoranda responsável pela pesquisa; Telefone para contato: (43) 3327-2635
e-mail: biaguiar@uel.br

________________________________________________________

Eu, _______________________________________ portador do RG


ACEITO PARTICIPAR da pesquisa intitulada “Apropriação da linguagem escrita como prática
cultural: reflexões sobre a realidade de duas turmas de 1.º ano do ensino fundamental”. Declaro
estar ciente de que a participação é voluntária e que fui devidamente esclarecido (a) quanto aos
objetivos e procedimentos desta pesquisa.

Data: 03/ 03/ 2014.

_________________________________
Professor participante

 Durante a entrevista com as professoras do 1.º ano do Ensino Fundamental I, a pesquisadora


utilizará um gravador que permitirá a transcrição mais precisa das questões propostas.
167

APÊNDICE B – Roteiro da entrevista com as professoras

ROTEIRO PARA A ENTREVISTA COM AS PROFESSORAS DO 1.º ANO

Questões para a entrevista semi-estruturada:

— De onde você parte para iniciar o trabalho de alfabetização? Como você começa
o seu trabalho com a criança?

— O que você prioriza com relação à escrita (Traçado? Permite ao aluno fazer
inferências? É a silabação? Ou o foco é o texto? O texto nas suas relações?)

— Como você fez as atividades de escrita para promover a aquisição da escrita do


nome próprio? Você utilizou crachá? Como você fez? Como escreveu o nome
deles? Utilizou a caixa alta?

— Ao ensinar os caracteres da escrita para a criança, as letras, como você faz essa
apresentação? Utiliza a letra maiúscula e minúscula? Apresenta o espaço em
branco e os acentos? Como você ensina estes aspetos da escrita?

— Na sala de aula, o que as crianças escrevem? As crianças têm clareza do por quê
e para quê escrevem? (Assim elas teriam a clareza dos destinatários, dos objetivos,
das finalidades da escrita, dos motivos).

— Você acha que consegue gerar a necessidade de escrita nas crianças? Como?
Quando? Onde?

— Como você conceituaria alfabetização?

— Você incentiva o desenho como forma de registro? De que modo? Qual é o papel
do desenho na sua sala de aula?

— Qual destas atividades estão presentes na sua sala de aula? Quais são
desenvolvidas e incentivadas?
( ) o faz de conta ( ) dramatização ( ) recorte e colagem ( ) a música ( ) a
produção do texto coletivo ( ) a modelagem ( ) a pintura
Em que momento essas atividades acontecem? Que espaços são destinados a
essas atividades?

— Como você estimula a oralidade dos seus alunos? E que relação a organização
do discurso tem com a escrita?

— A escrita espontânea acontece em sala de aula? Como e quando?

— As crianças da sua sala já escrevem textos ou pequenos textos? Fale sobre isso.

— Você trabalha com texto livre? O texto livre está presente como uma das
estratégias utilizadas por você? Que outros tipos de texto você utiliza em sala?
168

— É possível verificar o desejo de se comunicar com o outro por meio do texto


escrito? Como? (Cartas, convite, bilhetes, jornal da sala, mural, cartaz).

— Você já leu algum dos livros de Freinet? Se afirmativo, qual (is)?

— Você conhece algumas das técnicas de ensino elaboradas por Freinet? Utiliza
alguma delas na sala de aula? (imprensa – como prática da livre expressão; texto
livre; jornal escolar; jornal parede ou jornal mural; correspondência interescolar; livro
da vida; aula-passeio (passeio informação, passeio repouso, passeio-estadia); roda
inicial; roda final; fichário escolar cooperativo; fichário autocorretivo; confecção de
álbuns; biblioteca de trabalho; cantos de trabalho).

— Como é a rotina da sala de aula? A rotina é anunciada para as crianças? È


registrada no quadro?

— A brincadeira ocupa que lugar na rotina da sala?

— Qual é o referencial teórico que você utiliza? Qual é o autor ou atores de base?

— Qual método você utiliza para a apropriação da leitura e escrita?

COM RELAÇÃO À LEITURA:

— Você escuta quais são as hipóteses levantadas pela criança do que ela está
lendo?

— As crianças fazem leitura de imagem?

— Você lê para os seus alunos? Em que momento?

— Você faz mediação de leitura com as crianças? Como você conceituaria essa
mediação de leitura?

— Em que momento a leitura é incentivada em sala de aula?

— Como é trabalhada a descoberta do texto e a busca por compreensão?

— Como você explora um texto?

— As crianças leem textos relacionados ao seu cotidiano, ou seja, textos que são
interessantes para a sua faixa etária? Se afirmativo, cite alguns exemplos.

— As crianças escolhem semanalmente livros na Biblioteca? Como ocorre esse


momento?

— Quando as crianças fazem a entrega do livro emprestado na Biblioteca, você


questiona a leitura ou solicita que alguém conte o que leu em casa com os seus
familiares?
169

— Há livros disponíveis na sala para que o aluno os explore? Se afirmativo, em que


momento é permitido manusear esses livros? Os livros estão ao alcance das mãos
das crianças?

— Você dá ênfase ao som das letras na hora de fazer a leitura? Se afirmativo, por
que acha esse procedimento importante?

— Em sua opinião, as suas crianças têm a necessidade de ler? Se afirmativo, como


você percebe isso? Você consegue gerar a necessidade de leitura nas crianças?
Como? Quando?

— Como se dá o ato de escuta dos textos pelas crianças?

— Você faz contação de histórias para os seus alunos?

— A descoberta da literatura se dá de que forma?

— O ato de leitura desde o seu início está ligado à compreensão?

— As crianças são incentivadas a buscar novas fontes de consulta para as


curiosidades apresentadas? A pesquisa é incentivada?

— Você já leu alguma obra, livro do Vygotsky? Se afirmativo, qual? Em que medida
este autor contribui para pensar o trabalho no 1.º ano?

— Você já leu algum livro do Élie Bajard? Se afirmativo, qual? Você acha que as
propostas de Bajard quanto à maneira de se pensar a língua escrita poderiam
auxiliar no trabalho com o 1.º ano?
170

APÊNDICE C – Questionário para as professoras

APROPRIAÇÃO DA LINGUAGEM ESCRITA COMO PRÁTICA CULTURAL: REFLEXÕES SOBRE A


REALIDADE DE DUAS TURMAS DE 1.º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL

FICHA CADASTRAL DO SUJEITO DE PESQUISA

Nome: _____________________________________________________________________

Idade: ___________

Curso de graduação: ________________________________________________________

Ano de conclusão: _________________

Curso de graduação: ________________________________________________________

Ano de conclusão: ________________

Curso de pós graduação: ___________________________________________________


____________________________________________________________________________
Ano de conclusão: ________________

Curso de pós graduação: ___________________________________________________


____________________________________________________________________________
Ano de conclusão: ________________

Tempo de exercício na docência: __________________________________________

Tempo de atuação no Ensino Fundamental I: _______________________________

Tempo de atuação em salas do 1.º ano: ___________________________________


171

ANEXOS
172

ANEXO A – Quadro das normas usadas na transcrição das entrevistas

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