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CAMPUS DE MARÍLIA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
Marília – SP
2015
BEATRIZ CARMO LIMA DE AGUIAR
Marília – SP
2015
Ficha catalográfica elaborada pelo
Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação – UNESP – Campus de Marília
CDD 372.62
BEATRIZ CARMO LIMA DE AGUIAR
Dra. Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto (UNESP – Marília – SP) ___________________
Suplentes
Agradeço,
It is at school that students will have access to a more elaborated and systematized
knowledge, as well as contact with scientific knowledge. School is a privileged space
for the writing and reading teaching process to happen formally, even though it is not
the only place for that. This research has been included in the investigating works of
the researching group so-called PROLEAO (Processes of Reading and Writing:
appropriation, and purpose), and aligned with ‘Theory and Pedagogical Practices’
from PPGE (Post-Graduation Program in Education by FFC-Unesp-Marília-SP). Its
object of study was delimited as the teaching of written language, aiming to
understand how teaching situations become supporters of the written language
appropriation process by first-school-year children based upon the contributions of
the Cultural-Historical Theory. The specific goal was that of interpreting, under the
light of such theory’s contributions, teaching situations of the mother tongue as
experienced in two first-grade classes of Elementary school. Field actions were
performed in a public school located in the city of Londrina, Paraná, Brazil. The focus
of analysis was over two first-grade classes of Elementary school, bearing two
teachers and their respective groups as subjects. Data was generated from May to
December of 2014 through class observations, interviews with the teachers,
questionnaires, and photographic records of the activities performed by students, and
were subsequently organized under two thematic nuclei that comprise questions
related to the subject of writing and reading. The first refers to teachers’ concepts of
reading and writing, as demonstrated in their practices. The second approaches
children’s actions before didactic proposals organized for the teaching of reading and
writing. Results revealed that some written language teaching situations as organized
by the observed teachers, such as allowing children the access to diverse graphic
material, to writing different kinds of texts, and for reading literature books for kids on
a daily basis, contributed to the development of infant readers and text producers.
Results also evinced that teachers give emphasis to the use of phonemes and letter
sounds in their practices, and such focus on letter, on signality, makes written
language appropriation as a cultural practice difficult for children. Still, students’
attitude before the presented proposals show how much they long for not only
decoding words, but for meaningfulness in whatever they read and write.
Key words: Education. Reading and writing. First grade of Elementary School.
Appropriation of written language.
LISTA DE FOTOS
INTRODUÇÃO ........................................................................................... 11
INTRODUÇÃO
1
Nas diversas obras desse autor russo e também naquelas que apresentam os seus pressupostos, a
grafia do seu nome se apresenta de formas diversas: Vigotski, Vygotsky, Vygotski, Vigotskii. Optei,
neste trabalho, pela grafia Vygotski. No entanto, para ser fiel às referências bibliográficas das quais
fiz uso, tanto nas citações diretas ou indiretas, preservarei a grafia que está presente nos originais.
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É importante explicar o porquê escolhi esse tema de estudo. Por dez anos
atuei e atuo como docente na Universidade Estadual de Londrina, sendo,
atualmente, a responsável pelas disciplinas de estágio nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental, Alfabetização e TCC. A disciplina de Alfabetização, que ministro há
cinco anos, é um grande desafio para mim, uma vez que temos diversas teorias
pensando sobre o que é ler e escrever e como ocorre esse momento na vida de um
indivíduo.
Neste contexto, a cada aula preparada para os meus alunos do curso de
Pedagogia, várias inquietações surgiram, tais como: a ênfase dada em muitas salas
de aula no codificar e decodificar dos sinais gráficos; o repensar a metodologia que
leva o professor a começar o trabalho de alfabetização pelas vogais, consoantes,
formação de sílabas, para depois chegar à escrita de palavras; a possibilidade de se
iniciar o trabalho de apropriação da linguagem escrita, utilizando-se textos reais do
cotidiano das crianças, que sejam interessantes para elas, e evitando, assim, o uso
de exercícios nos quais as crianças encontrem palavras soltas e sem sentido; a
reflexão sobre qual é a melhor metodologia e qual teoria é capaz de responder a
como uma criança aprende a ler, escrever e compreender, tendo como foco a
formação de crianças leitoras e produtoras de texto. Todas essas inquietações
contribuíram para a escolha deste tema de pesquisa, ou seja, ele se originou na
minha própria prática docente.
Destaco o motivo pelo qual, no universo do Ensino Fundamental I, eu escolhi
direcionar o meu olhar para as salas do 1.º ano. Logo no início da implantação do
Ensino Fundamental de nove anos, eu realizava um projeto de extensão em uma
escola municipal próxima a Londrina, Paraná. Era visível a angústia das professoras
por lidarem com crianças mais novas, na faixa etária de 6 anos, principalmente com
relação ao conteúdo a ser ministrado para elas nessa nova configuração do ensino.
Todo esse contexto teve a capacidade de gerar em mim a necessidade de
entender mais sobre essa temática, para poder, assim, contribuir com os professores
que atuam em salas de alfabetização. Entendo que pesquisadores da área da
Educação e professores de Educação Básica que atuam em salas de alfabetização
podem se debruçar sobre essa temática, bem como os alunos do curso de
Pedagogia, uma vez que sua futura atuação profissional poderá estar vinculada às
crianças da Educação Infantil e do Ensino Fundamental I. Faço referência à
Educação Infantil pelo fato de entender que neste momento de educação
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livros, jornais, revistas e uma diversidade de materiais com texto escrito. Quanto a
isso, Jolibert2 (1994b, p. 21) aponta que é necessário que:
O acesso a esse bem cultural, aos escritos sociais, pode ser possibilitado
para as crianças dentro e fora da escola. É pertinente pensar se há variedade de
material gráfico oferecido para elas nas escolas e como se possibilita a exploração
deste, objetivando-se a apropriação da linguagem escrita. É justamente neste
contexto que defendo a tese de que a forma como o professor do 1.º ano ensina a
língua materna pode facilitar ou dificultar a aprendizagem do ato de ler e de
escrever.
Vale pensar se o ambiente proposto e organizado pelos professores gera
nas crianças a necessidade da escrita. Considero que o desejo de expressão e o
desejo de registro sejam elementos necessários nas salas de alfabetização. Na
escola na qual foi desenvolvida a pesquisa, observei que havia a distribuição de
livros pelo programa do governo federal (PNLD). A partir da leitura e exploração
desses materiais escritos, as professoras faziam questionamentos para as crianças
e propostas de registro escrito.
Para além dos muros da escola, algumas crianças têm a possibilidade de
acesso ampliado ao mundo real da escrita, em toda a sua dimensão; para outras,
contudo, essa não é a realidade da vida. É fato que a apropriação da cultura escrita
nas suas manifestações tanto de escrever como de ler permeia a pesquisa
realizada. Entendo que a criança, desde muito cedo, observa palavras escritas ao
seu redor em diferentes suportes: os quadros com seu nome, outdoors, livros lidos
por adultos, jornais, rótulos de embalagens, revistas, gibis, palavras na tela da TV,
do Tablet ou celular e, desse modo, ela adquire experiências culturais com práticas
de leitura e escrita. Esses sujeitos constroem, gradativamente, noções cada vez
mais elaboradas a respeito do que é ler e escrever (SOLÉ, 2000). Sob a perspectiva
2
Apesar de Jolibert (1994a, 1994b) não ser uma autora da Teoria Histórico-Cultural, em alguns
aspectos a sua pesquisa concorda com a referida teoria. A pesquisa realizada apresenta algumas
aproximações entre elas.
17
Desse modo, no texto livre, a criança escreve quando tem vontade e escolhe
um tema que a inspira. No entanto, “não basta, por conseguinte dar à criança
liberdade para escrever, é preciso inspirar-lhe o desejo de o fazer, despertar-lhe a
necessidade de se exprimir [...].” (FREINET, 1975, p. 60).
De acordo com o trabalho intencional dos professores, as crianças podem
ter muito o que contar, dialogar, registrar, e, ao mesmo tempo, ter potencializado no
seu cotidiano o desejo de consultar os diversos materiais escritos como fonte de
pesquisa, materiais, estes, capazes de sanar ou aguçar ainda mais essa prática
investigativa das crianças. A hipótese que norteia a pesquisa ora discutida é que
quando a ênfase do ensino recai apenas no sistema da língua, as crianças sentem
dificuldades em apropriar-se dela, mas quando o movimento se dá na direção de
focalizar a língua como prática cultural, as crianças avançam no desenvolvimento.
Os referidos autores de base da pesquisa apontam alguns caminhos que
podem ser trilhados pelos professores para ajudar os alunos a encontrarem sentido
nesse processo de apropriação, usando com aptidão a leitura e a escrita nas mais
diversas demandas sociais. A pesquisa realizada apresenta, como objetivo geral,
compreender como as situações de ensino favorecem o processo de apropriação da
linguagem escrita em crianças do 1° ano do Ensino Fundamental a partir das
contribuições da Teoria Histórico-Cultural; tem ainda como objetivo específico:
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A pesquisa de Silva (2015) foi realizada em uma sala de 1.º ano. A autora
concluiu que existe uma relação entre a atitude leitora dos pais e a aprendizagem da
criança, ou seja, há uma maior possibilidade de ela aprender a ter atitude leitora
quando os pais ou adultos com os quais ela convive no ambiente doméstico não
apenas proporcionam materiais de leitura, mas dedicam-se a ler para si próprios,
com ela e para ela. É fato que a presença de um adulto mais experiente ou até
mesmo de uma criança mais velha, ao revelar atos de leitura e também atos de
escrita, possa ser chave para uma criança mais nova; tais revelações podem gerar
na criança o desejo e a necessidade de ler e escrever.
Assim, de maneira geral, as pesquisas aqui relatadas enfocam uma
discussão sobre a apropriação da linguagem escrita, considerando o papel da
cultura nesse processo. Além disso, todas essas pesquisas se preocupam com o
modo como a criança se apropria da leitura e da escrita.
Em seu conjunto, o estudo que realizei se constitui de quatro capítulos:
No capítulo 1, “Procedimentos e percursos da pesquisa”, destaco os
pressupostos teórico-metodológicos que orientam a investigação. Anuncio a
metodologia adotada, a pesquisa-ação e descrevo a metodologia de geração de
dados, bem como a análise dos dados. Apresento uma descrição do campo de
pesquisa e analiso o questionário entregue às professoras do 1.º ano, objetivando
caracterizar os sujeitos que participaram desta investigação.
No capítulo 2, “Linguagem como processo humanizador e construtor do
conhecimento”, traço uma breve apresentação dos autores de base, destaco o papel
da cultura na apropriação da linguagem escrita, discuto sobre a importância da
escola na formação de leitores e escritores e o papel da linguagem na vida dos
indivíduos.
No capítulo 3, “Análise dos dados: dialogando com a teoria”, registro a
análise das entrevistas com os sujeitos à luz do referencial teórico escolhido para a
pesquisa ora discutida. O capítulo também explicita a análise das observações
realizadas nas salas do 1.º ano do Ensino Fundamental no momento histórico da
geração dos dados. Apresento, ainda, o registro fotográfico de alguns momentos em
que as crianças realizavam as tarefas escolares solicitadas pelas professoras.
22
CAPÍTULO 1
necessário fazer não só um certo esforço, mas também um détour”. (KOSIK, 2002,
p. 13). Esse détour, entendido como desvio, torna-se fundamental para se olhar os
fenômenos buscando algo além, o que está por trás, o que foge da aparência. Esse
exercício do pesquisador exige algo que ultrapasse observar meramente a realidade
de modo especulativo e fragmentário. É por esse motivo que:
Há, assim, uma série de fatos, fenômenos que giram em torno do cotidiano
dos indivíduos, e eles seguem a trajetória comum da vida, realizando uma leitura da
realidade que nem sempre abarca o todo. Logo, o complexo dos fenômenos “que
com a sua regularidade, imediatismo e evidência, penetram na consciência dos
indivíduos agentes, assumindo um aspecto independente e natural, constitui o
mundo da pseudoconcreticidade.” (KOSIK, 2002, p. 15, grifo nosso).
Para romper com a pseudoconcreticidade, o indivíduo e o pesquisador,
precisam procurar a essência que não se manifesta imediatamente (KOSIK, 2002).
26
Nesse movimento de tentar explicar o mundo fenomênico, a sua estrutura, vê-se que
“o mundo da pseudoconcreticidade é um claro-escuro de verdade e engano”
(KOSIK, 2002, p. 15). O pensamento dialético pode auxiliar na compreensão da
realidade, pois é por meio dele que se consegue a destruição da
pseudoconcreticidade. Deste modo,
Este ainda é um desafio posto para todo e qualquer pesquisador, pois não
basta apenas ter contato com os sujeitos da pesquisa e produzir os dados, mas é
preciso que se desvele o real, ultrapassando-se o olhar inicial das observações
realizadas no campo. É justamente esse esforço que farei ao longo da pesquisa,
tendo clareza de que apenas a contemplação não revela a essência dos fatos, pois
“o conhecimento não é contemplação.” (KOSIK, 2002, p. 28). Sendo assim, é
essencial aproximar-me do que quero analisar, bem como da sua estrutura e
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dinâmica e encontrar uma via de acesso até ela; para isso é necessário o
distanciamento. Kosik (2002, p. 28) faz um alerta:
3
Todas as citações da Proposta Pedagógica da instituição pesquisada serão referendadas como de
autoria da escola municipal, indicando o ano e página do documento.
29
Por conta disso, por diversas vezes as crianças me perguntavam: “Tia, por
que você anota tanto? A sua mão não dói?”. A esses questionamentos, eu sempre
respondia que anotava para registrar, para me lembrar, depois, de como havia sido
a aula deles. Eu também comentei que essa era uma das funções da escrita:
recordar algo. Ao admitir que a minha mão ficava doendo por causa das anotações,
elas me diziam: “Ah tia, a minha mão também dói muito, porque escrevo bastante!”.
Que fique claro que a escrita a que eles se referiam nessa fala era a de uma cópia
do quadro, de algo que a professora solicitara que eles registrassem.
O início do período de observação foi marcado por muita curiosidade das
crianças. Eles queriam saber o que eu estava fazendo na sala deles e se era
professora. É inegável que, como pesquisadora, eu era um “outro” que observava e
era observada. Dessa forma, pesquisados e pesquisadora foram pouco a pouco
criando laços, o que favoreceu “as relações e o desenvolvimento de uma
participação sensível às produções das crianças.” (MARTINS FILHO; BARBOSA,
2010, p. 24).
31
O processo de observação nas duas salas do 1.º ano foi fundamental para a
pesquisa, possibilitou estudar as ações das professoras no desempenho de suas
funções docentes e também o modo como os alunos realizaram aquilo que foi
proposto. A observação participante permite, portanto, o acesso do pesquisador “ao
que as crianças pensam, fazem, sabem, falam e de como vivem.” (MARTINS FILHO;
BARBOSA, 2010, p. 24).
Entendo a leitura e escrita como um instrumento cultural complexo. Tal
apropriação acontece pela mediação entre as pessoas, por isso, a figura do
professor é fundamental na vida da criança que inicia esse processo formal de
alfabetização. Observei nas duas salas de aula o lugar que a escrita ocupa, bem
como o lugar que a leitura ocupa, e como ocorrem as mediações desses processos
pelas professoras.
Durante a pesquisa, utilizei a fotografia como um recurso para registrar os
exercícios realizados pelas crianças e as propostas desenvolvidas em sala de aula.
33
PB X Filosofia Psicomotricidade
Fonte: Dados da ficha cadastral das professoras.
Ao realizar uma análise das informações que estão nos quadros, verifico que
a professora A tem 40 anos de idade e exerce a docência há 18 anos, tendo 14
destes anos sido dedicados para o Ensino Fundamental I. Essa professora atua em
salas do 1.º ano há 4 anos.
Com relação à formação profissional, a professora A cursou o magistério e
se graduou em Educação Artística com habilitação em Artes plásticas, curso
superior que concluiu em 1995. Ela também é pós-graduada, com Especialização
em Educação Especial – Deficiência mental, a qual concluiu em 1997.
A professora B tem 34 anos, já é docente há 15 anos e todo o seu tempo de
atuação profissional foi dedicado ao Ensino Fundamental I, ou seja, 15 anos. Por 12
anos tem trabalhado em salas de alfabetização, sendo que do ano 2000 a 2009
atuou com a 1ª série, nomenclatura destinada ao Ensino Fundamental de oito anos,
e de 2010 a 2014 com o 1.º ano do Ensino Fundamental I.
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B 28 06 16 12 21
Soma 55 30 25 40
Fonte: Registro escolar de matrícula.
4
Vale observar que nenhuma das duas professoras é formada em Pedagogia; no entanto, o concurso
público prestado por elas as autorizava a exercer a docência nesse nível de Ensino.
5
Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR), “implantado pelas
CAPES em regime de colaboração com as Secretarias de Educação dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios e com as Instituições de Ensino Superior (IES)” (CAPES, 2010). Para os
professores são oferecidos os seguintes tipos de curso: Primeira licenciatura – para docentes em
exercício na rede pública da educação básica que não possuem curso superior e segunda
licenciatura – para docentes em exercício na rede pública da educação básica, que já atuam há pelo
menos três anos, em área diferente da sua formação inicial e formação pedagógica – para docentes
com curso superior, sem licenciatura que atuam na rede pública da educação básica (CAPES,
2010).
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ano letivo de 2014 com 6 anos de idade. As crianças da turma B também residem no
mesmo bairro onde a escola está localizada ou nas proximidades da mesma.
A apresentação da idade dos alunos no quadro tem um motivo. Ao observar
as crianças no seu processo de desenvolvimento, é possível notar que há uma
atividade principal que elas desenvolvem conforme a idade. De acordo com Mello
(2000, p. 146):
Será por meio dessa atividade, que alguns autores chamam jogo,
outros chamam brincar, que a criança mais vai desenvolver a
linguagem, o pensamento, a atenção, a memória, os sentimentos
morais, os traços de caráter; vai aprender a conviver em grupo, a
controlar a própria conduta... a partir da entrada na escola
fundamental, o estudo passa a ser a atividade principal. Isso significa
dizer que é pela atividade de estudo que a criança mais amplia seu
conhecimento sobre o mundo, mais é levada a pensar e reorganizar
o que pensa e melhor compreende as relações sociais.
CAPÍTULO 2
LINGUAGEM COMO PROCESSO HUMANIZADOR E CONSTRUTOR DO
CONHECIMENTO
Optei por iniciar este capítulo apresentando brevemente alguns dados sobre
os teóricos que dão suporte a este trabalho. Proponho uma breve apresentação dos
autores, sendo que as contribuições destes para a apropriação da linguagem escrita
serão aprofundadas e apresentadas ao longo deste e do próximo capítulo, que é o
da análise dos dados.
Uma organização social sem fins lucrativos que atua nas áreas
pedagógica, social e cultural. Nesse tripé, promove a educação como
um compromisso para a formação e a transformação social visando
uma sociedade mais justa e com melhores oportunidades para 1,2
mil crianças, adolescentes e jovens de baixa renda na região de
Campo Limpo, zona sul de São Paulo. Além da atuação social que
se estende às famílias por meio de projetos que vão ao encontro das
necessidades locais, a organização possui uma preocupação
legítima com a formação cultural, considerando-a parte importante na
construção da cidadania. (BAJARD, 2012, p. 7).
É visível em nossa sociedade que nem todos têm acesso aos bens culturais
produzidos historicamente pela humanidade. Projetos como o Arrastão tornam
possível a uma parcela da população — a menos privilegiada — acessar elementos
da cultura, principalmente os referentes à cultura escrita.
As pesquisas desenvolvidas por Bajard (2014a, 2012), apresentam
características de um trabalho político e engajado, uma vez que tem como foco a
atuação junto às pessoas que estão excluídas da cultura escrita. Por exemplo, na
primeira obra citada (BAJARD, 2014a), dentre outros aspectos é proposta uma série
de atividades para que aconteça a apropriação do conteúdo cultural disponível no
acervo da biblioteca. Não só pelas crianças, mas também pelos jovens e por toda a
comunidade que se encontra no entorno da escola na qual ele desenvolveu a
pesquisa.
Na concepção de Bajard (2012, p. 11), o processo de aprendizagem da
escrita é considerado como “a conquista de uma nova linguagem e não como o
domínio de um código de transposição recíproca entre letras e fonemas”. Nessa
perspectiva, a escrita é uma ferramenta de comunicação e de pensamento para o
autor e a leitura é um ato de compreensão. Ao longo da pesquisa ora discutida, o ato
de ler está relacionado à compreensão e o ato de escrever se vincula à capacidade
de ser utilizado como um meio de comunicação entre as pessoas.
Mais algumas contribuições de Bajard para essa pesquisa serão explicitadas
durante a análise de dados, tanto das entrevistas com as professoras, quanto das
observações das práticas em sala de aula.
Célestin Freinet (1896-1966) foi um educador francês que deixou como
legado uma vasta obra. A herança produzida por ele diz respeito a muito mais do
que uma pedagogia proposta e implantada, textos escritos e livros. O legado está
em acreditar no potencial que cada ser humano carrega e, a partir daí, com a
43
Assim como no tempo vivido por Freinet, modernizar a nossa prática em sala
de aula ainda é uma necessidade nos dias atuais. Criar ferramentas que
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crianças que estão na escola de Ensino Fundamental há mais de 3 anos sem terem
ainda se apropriado da leitura e da escrita. Do mesmo modo, não podemos nos
conformar com as condições de trabalho impostas aos professores, que muitas
vezes atuam em salas de aula lotadas, com o mínimo de recursos e com um salário
ínfimo.
Como educador, Freinet lançou mão da ousadia para causar uma mudança
educacional. Da sua experiência alicerçada na reflexão teórica do seu dia a dia de
trabalho junto às crianças, nasceu a Pedagogia Freinet, “uma pedagogia ativa,
aberta para a vida, que mobiliza a experiência e os interesses da criança,
favorecendo a auto-sócio-construção de saberes múltiplos [...].” (SANTOS, 2006, p.
6). Assim, essa pedagogia possibilita às crianças a apreensão dos conhecimentos.
Freinet abriu caminho para construir uma educação humanizada e cidadã.
Suas contribuições e as do movimento pedagógico que criou alcançaram amplitude
por meio de seus seguidores, parceiros de trabalho que auxiliaram na divulgação de
suas técnicas e ideias. “Hoje a Pedagogia Freinet está espalhada por todo o mundo,
em razão da forma pela qual é difundida, pela relação horizontal entre os
educadores” (SAMPAIO, 2002, p. 8).
Uma iniciativa para reunir educadores que atuam segundo os princípios da
Pedagogia Freinet é realizada a cada dois anos no Encontro Nacional de
Educadores Freinet, o ENEF (SAMPAIO, 2006). É necessário citar, também, a
Federação Internacional dos Movimentos da Escola Moderna – FIMEM. Esta é uma
O meu parecer é que Freinet tem muitas contribuições para esse processo
tão significativo na vida das crianças. Ao se analisar os dados de pesquisa gerados
nas salas de aula para esse estudo, estará presente o esforço para se revelar
algumas das contribuições que há na proposta de Freinet, para se pensar a
apropriação da linguagem escrita como prática cultural.
Outro autor basilar para a pesquisa realizada é Lev Semiónovich Vygotski.
Ao comentar sobre o contexto no qual surgiu a Teoria Histórico-Cultural, Mello
(2000, p. 135) aponta que “a teoria histórico-cultural, mais conhecida no Brasil como
Escola de Vygotsky, constituiu-se como uma vertente da psicologia que se
desenvolvia na União Soviética, nas décadas iniciais do século XX.” Vale ressaltar
que há um motivo para a teoria receber esse nome; nela as questões históricas, das
construções da humanidade no seu percurso, se fundem com o elemento cultural
(LURIA, 2012b) e os instrumentos que o homem usou para dominar o meio e seu
47
linguagem e desses sinais gráficos até chegarmos aos caracteres de escrita do qual
fazemos uso na atualidade.
Por meio dessas anotações, dessas marcas, a cultura humana foi divulgada
e apropriada junto com seus instrumentos por outros homens em um tempo histórico
totalmente distante. O patrimônio cultural construído foi e é disponibilizado ao
indivíduo e esse é
Por este ângulo, a cultura tem um papel fundamental na vida dos homens
que se apropriam dos objetos e de tudo o que está cristalizado em cada um deles.
Assim, de acordo com o domínio que o homem estabeleceu sobre a natureza, ele foi
criando instrumentos que se tornaram suas ferramentas para assumir domínio sobre
a terra. Tal fato significa que, “o instrumento é ao mesmo tempo um objeto social no
qual estão incorporadas e fixadas as operações de trabalho historicamente
elaboradas.” (LEONTIEV, 1978, p. 268).
O trabalho, portanto, é uma categoria central para que as transmissões
aconteçam de geração para geração e isso tornou possível a história humana. Marx
denota que o trabalho
53
Para cada nova geração, foi apresentado o uso desses instrumentos, o que
se deu na prática, isto é, as novas gerações viam como os seus pais e as pessoas
do grupo faziam uso deles. Leontiev (1978, p. 272) sublinha a importância da
continuidade desse processo, “sem o que a transmissão dos resultados do
desenvolvimento sócio-histórico da humanidade nas gerações seguintes seria
impossível, e impossível, consequentemente, a continuidade do progresso histórico.”
Neste contexto, o trabalho é uma atividade humana; como declara Marx
(1985, p. 149), “pressupomos o trabalho numa forma em que pertence
exclusivamente ao homem”. É a atividade do trabalho que distingue os homens dos
animais. De acordo com Marx (1986, p. 27, grifo do autor), os próprios homens:
para poder viver, o homem precisa de vestimentas, comida, bebida, ter uma
moradia, dentre outros elementos (MARX, 1986). Deste modo, “o primeiro ato
histórico é, portanto, a produção dos meios que permitam a satisfação destas
necessidades, a produção da própria vida material” (MARX, 1986, p. 39). Um dado
interessante é que após satisfazer essa necessidade, o ato de satisfazê-la e o
“instrumento de satisfação já adquirido conduzem a novas necessidades” (MARX,
1986, p. 40). Nesta perspectiva, o homem é um ser dinâmico, ativo e está sempre
criando algo para suprir as suas necessidades. Nas palavras de Oliveira (2010, p.
21-22),
É por causa da cultura, passada de geração após geração, que não se torna
mais necessário inventar esses objetos. Ao homem é dada essa capacidade de se
apropriar deles e a possibilidade de inventar e reinventar novos objetos, novos
instrumentos, novas ferramentas, bem como outras formas de sua utilização. Sendo
assim,
Essa analogia utilizada por Leontiev (1978) de que uma geração carrega a
outra nos ombros, revela a força que há na herança cultural da humanidade e o
papel das relações sociais estabelecidas no processo histórico. O legado das
ferramentas, instrumentos, de toda cultura material e intelectual teve a sua
construção diante de uma nova necessidade gerada nos seres humanos pelo meio
social. O homem responde a essas necessidades criando novos objetos. A próxima
geração chega, apropria-se disso e novas necessidades são impostas pelo meio
social. Parece que vivemos num ciclo de novas necessidades e invenções de
instrumentos pelos homens que é infinito.
No que se refere à escrita, é inegável o papel que ela assume, porque cada
homem, ao viver na sua geração, em um determinado tempo histórico, precisa
transmitir aos próximos indivíduos o legado cultural; e para que tal fato aconteça, o
processo de registro por meio da escrita foi e é fundamental.
Entendo que as estruturas de pensamento no ser humano se modificam toda
vez que essas apropriações dos objetos se realizam. O homem no contato com a
cultura se modifica. No entanto, apesar dos bens materiais estarem disponíveis
56
aparentemente para todos, somente alguns o acessam, restando a uma parcela dos
homens o “contentar-se com o mínimo de desenvolvimento cultural necessário à
produção de riquezas materiais nos limites das funções que lhes são destinadas”
(LEONTIEV, 1978, p. 276).
Um fato interessante e que merece reflexão é que a história da escrita da
humanidade se repete na vida de cada sujeito. Ao observar a criança pequena no
seu contato com os objetos, na sua descoberta do mundo, é possível notar que ela
tem em si a necessidade de registrar. Tal fato é observável quando as crianças
deixam os seus riscos, garatujas, traços, impressões nas paredes de sua casa, nos
móveis, no chão.
Mas essa ação da criança não acontece ao acaso; desde o seu nascimento,
ela observa pessoas do seu meio social realizando atos de leitura e de escrita. Ela
passa, então, a repetir tais ações; na verdade, tem-se aí o início de um processo de
apropriação desses bens culturais. É inegável o processo de comunicação entre a
criança e o adulto. Sendo possível verificar que:
um fenômeno complexo para os alunos que estão no 1.º ano e nos anos iniciais do
Ensino Fundamental e envolve as concepções dos professores a respeito do que
seja alfabetizar, considerando-se o acesso à cultura escrita.
É visível que antes de serem matriculadas no Ensino Fundamental, as
crianças já convivem com uma cultura escrita. De alguma maneira, já refletem sobre
o que é ler e escrever, bem como sobre a importância dessas capacidades na
sociedade e na cultura. Tal fato significa que as crianças estabelecem contato com
diferentes objetos e materiais escritos, elementos da cultura humana, desde muito
pequenas, algumas com mais frequência e outras com menos.
A criança não precisa ter autorização de uma instituição escolar para pensar
sobre o ato de ler e de escrever, estando a ela vinculada ou não. Quando nasce, ela
chega a um mundo letrado, a um entorno encharcado de linguagem escrita, e, assim
como vai significando sobre tudo a sua volta, desde sobre os seres com vida aos
diferentes materiais ou objetos inanimados, também vai dando sentido àqueles ditos
imateriais da cultura humana (valores, sentimentos, emoções, crenças, entre outros).
Neste cenário, considero o processo de construção da linguagem escrita
como um momento de extrema relevância na interação do sujeito com o seu meio. O
domínio da capacidade de ler e de escrever, uma forma de conduta superior dos
homens e parte das qualidades especificamente humanas, é vital e um direito de
toda criança em idade escolar.
Logo, essa história da criança com a escrita é iniciada desde o seu
nascimento, pois ela convive com esses aspectos da cultura escrita diariamente. Tal
convívio se concretiza na sua realidade pelo contato com livros, jornais, gibis,
revistas, encartes, folhetos, rótulos de produtos, outdoors, telas de TV, computador,
celular, tablets e muitos outros. Desse modo, nos primeiros anos de vida a criança
aprende e assimila técnicas que preparam o caminho para a escrita (LURIA, 2012a).
Vygotski (2012, p. 109) toma “como ponto de partida o fato de que a
aprendizagem da criança começa muito antes da aprendizagem escolar. A
aprendizagem escolar nunca parte do zero. Toda a aprendizagem da criança na
escola tem uma pré-história”. Essa pré-história pode ser considerada como todo o
contato que a criança estabeleceu com os objetos da cultura, com os
relacionamentos que teve com as pessoas e o que aprendeu com elas, como sendo
toda a exploração que fez do mundo à sua volta.
59
O ensino da escrita não pode ser apenas um ato mecânico realizado pelas
crianças; a escrita tem que se tornar uma necessidade para elas. Geralmente na
escola, nas salas do 1.º ano, alguns professores partem do que consideram ser o
mais simples para o entendimento das crianças, isso é, iniciam o ensino pelas letras,
vogais e consoantes e a junção destas para formar as sílabas. A ênfase do trabalho
se concentra na codificação e decodificação. Assim, muitos professores organizam o
tempo para que as crianças fiquem horas desenhando as letras para obter um
traçado perfeito.
6
Nuestra enseñanza de la escritura no se basa aún en el desarrollo natural de las necesidades del
niño, ni en su própria iniciativa: le llega desde fuera, de manos del maestro y recuerda el
aprendizaje de un hábito técnico, como, por ejemplo, tocar el piano.
60
Ou, ainda, enfatizam o som das letras, a fonetização. Somente mais tarde é
que as crianças têm o contato com o texto real, com o material escrito que circula na
sociedade. Ao optar por esta metodologia de ensino, o ato de ler e o de escrever se
tornam algo muito distante da criança, sendo o uso da língua muito abstrato também
no seu cotidiano. Vale ressaltar que, durante a geração de dados para a pesquisa
realizada nas duas salas do 1.º ano, foi observada na prática das professoras, a
ênfase no método fônico e na decodificação realizada pelas crianças. Ao longo do
capítulo III, discutirei essa questão da fonetização. Pondero que seja possível
apresentar a língua com toda a sua complexidade para a criança, ou seja, nas salas
de aula o trabalho desenvolvido pode ser realizado com textos reais, do cotidiano da
criança, com histórias que chamem a sua atenção, com livros e material escrito por
toda a parte da sala.
Dessa maneira, é necessário pensar sobre o fato de impulsionar as crianças,
de fazê-las ir além e conquistar novos conhecimentos. Julgo que por intermédio da
mediação que ocorre no meio social, se dá o desenvolvimento das funções
psíquicas superiores, sendo que o mediador parte daquilo que a criança já sabe e a
desafia, objetivando a conquista do conhecimento em outros níveis. Vygotski (2012)
chama a atenção para dois níveis de desenvolvimento e explicita que
É fato que essa possibilidade de ser aquele que auxilia, que assume o papel
de um suporte para a criança no processo de aprendizagem, é uma das
características mais marcantes dos professores. Para que a aprendizagem ocorra e
o ensino incida na zona de desenvolvimento potencial, o olhar atento do professor
para cada um dos alunos é fundamental. Este olhar, ajuda a organizar o ambiente
de sala de aula e pode criar a possibilidade de desafiar a criança a alcançar outros
níveis. Em outras palavras,
7
Nota da revisora: Apesar de fugir ao novo acordo ortográfico, essa grafia foi usada para que a
citação se mantivesse fiel ao original, o que acontecerá mais vezes ao longo da pesquisa.
62
8
[...] linguaje escrito de la humanidad se convierta en el linguaje escrito del niño [...].
9
Todas las funciones psíquicas superiores son relaciones interiorizadas de orden social, son el
fundamento de la estrutura social de la personalidad.
10
Cuando décimos que un proceso es <<externo>> queremos decir que es <<social>>. Toda función
psíquica superior fue externa por haber sido social antes que interna; la función psíquica
propriamente dicha era antes una relación social de dos personas.
11
Toda función en el desarrollo cultural del niño aparece en escena dos veces, en dos planos;
primero en el plano social y después en el psicológico, al princípio entre los hombres como
categoría interpsíquica y luego em el interior del niño como categoría intrapsíquica.
63
12
El desarrollo del linguaje escrito pertenece a la primera y mas evidente línea del desarrollo cultural,
ya que está relacionado con el domínio del sistema externo de medios elaborados y estructurados
en el proceso del desarrollo cultural de la humanidad.
13
Es un proceso vivo de génesis del pensamento en la palabra. La palabra desprovista de
pensamiento es ante todo una palabra muerta.
65
14
La relación entre el pensamiento y la palabra no es una relación primaria, dada de una vez para
siempre. Surge en el desarrollo y ella misma se desarrolla.
66
A linguagem é algo que nos define como seres humanos. É a língua que nos
permite entrar no processo de comunicação com o outro e ser entendido. Por meio
da língua, é possível expressar pensamentos, sentimentos, dúvidas,
questionamentos e ações. Ao pensar na língua materna, julgo que é ela quem
oferece a identidade de pertença a um lugar, a um território. Por exemplo, a língua
materna no Brasil tem suas peculiaridades, tem uma estrutura, normas gramaticais
que foram herdadas de uma raiz linguística mais antiga e, com o seu uso, tornou-se
algo particular do povo brasileiro.
Para fazer o uso da língua existem normas, regras, algo fixo com relação a
ela que permite ao indivíduo se expressar e ser entendido pelo outro. Sem essa
normatização, o processo de linguagem seria comprometido. Como ocorre a
socialização da língua? Por meio da oralidade e da escrita. O ponto crucial é que
esse processo de comunicação é relacional, a linguagem existe para que uma
pessoa possa comunicar-se com a outra.
Neste aspecto, o desenvolvimento da linguagem também acontece
primeiramente no nível interpsíquico, entre as pessoas, para depois acontecer no
nível intrapsíquico, dentro da pessoa. Assim,
15
Há uma polêmica em torno da autoria da obra Marxismo e Filosofia da Linguagem. A edição
brasileira traduzida por Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira, editada pela Hucitec, utilizada neste
trabalho, credita a autoria principal a Mikhail Bakhtin, mas coloca entre parênteses o nome de
Volochínov. Para os estudiosos do Círculo de Bakhtin, há controvérsias. Para alguns, a autoria é
apenas de Volochínov. Neste trabalho, contudo, as referências respeitarão os dados da obra
consultada, isto é Bakhtin (Volochínov).
70
16
Que pasamos a ser nosotros mismos a través de otros.
72
17
Al niño se le enseña a trazar las letras y a formar con ellas palabras, pero no se le enseña el
linguaje escrito.
18
[...] se basa en un aprendizaje artificial que exige enorme atención y esfuerzos por parte del
maestro y del alumno, debido a lo cual se convierte en algo independiente, en algo que se basta a sí
mismo; el linguaje escrito vivo pasa a un plano posterior.
73
19
Debemos mencionar, además al linguaje que al principio es un medio de comunicación con los
demás, y sólo más tarde, en forma de linguaje interno, se convierte en un medio del pensamento,
haciéndose así del todo evidente la aplicabilidad de esta ley a la historia del desarrollo cultural del
niño.
74
e desenvolvê-los por não estarem alfabetizadas. É por isso que afirmo que há poder
nas palavras, principalmente quando o sujeito aprende a dominá-las.
Ao apropriar-se deste conhecimento, ao estar alfabetizado e fazendo uso
social da leitura e escrita, é possível desfrutar da plena liberdade que possibilita
pensar, agir, articular, argumentar, escrever, registrar, algo que nos transforma, nos
impulsiona a sermos tudo aquilo que somos capazes ser enquanto pessoas, como
seres humanos. Cabe aqui a contribuição da Teoria Histórico-Cultural na sua
concepção de criança, isto é, de que toda criança tem capacidade ilimitada para
aprender, para ser. Cabe à escola auxiliar cada um desses sujeitos ao possibilitar
um espaço organizado e intencionalmente pensado para que a apropriação da
leitura e escrita ocorra.
É notório que a escola elegeu o signo escrito e os gêneros para ensinar,
uma vez que os signos orais geralmente são aprendidos fora da escola. É
importante considerar que “o signo, no começo, é sempre uma forma de relação
social, um meio de influenciar os outros, e somente depois se transforma em meio
de influência sobre si mesmo” (VYGOTSKI, 1995a, p. 146)20. É possível notar que o
ser humano pensa por signos e cria signos para entender a realidade. Portanto,
Bakhtin, por sua vez, desde muito cedo, não estava preocupado em
atrelar qualquer pressuposto de regularidade ou sistematicidade à
origem ou à determinação dos processos sociais e culturais. Para
ele, não importavam nem origem dos processos, nem as suas
finalidades, posto que o que nos define e constitui de fato são os
processos, e estes são profundamente dialogizados, abertos e
ininterruptos. (CASTRO, 2010, p. 190).
CAPÍTULO 3
ANÁLISE DOS DADOS: DIALOGANDO COM A TEORIA
Essa perspectiva defendida por Bajard (2012) pode causar estranheza para
alguns pedagogos e o próprio autor diz isso. De fato, quando a criança tem contato
com o seu nome apenas grafado com a letra maiúscula, ela não consegue perceber
um diferencial que existe no nome próprio, pois ele é grafado com a inicial
maiúscula, se distinguindo das demais palavras.
Além disso, quando o professor opta por utilizar apenas as letras maiúsculas
para escrever as palavras, ele priva as crianças de observar os traços visuais
diferentes que podem ser notados com o uso de letras minúsculas e maiúsculas
concomitantemente. Bajard (2012) explica que as letras maiúsculas possuem a
mesma altura como, por exemplo, na grafia de MARGARIDA. Ao escrever esse
mesmo nome utilizando os dois tipos de letras, torna-se possível a diversidade
visual. Ao observar a escrita de Margarida, o M maiúsculo possibilita reconhecer o
nome próprio. A letra g possui uma haste descendente, as letras a r i não possuem
hastes e a letra d tem haste ascendente. Assim, “as letras possuem hastes
ascendentes e descendentes que auxiliam o reconhecimento visual da palavra.”
(BAJARD, 2012, p. 76).
Deste modo, nas salas do 1.º ano seria interessante apresentar
simultaneamente as duas formas para as crianças, ou seja, a grafia de palavras
utilizando letras maiúsculas e minúsculas. Essas formas coexistem em diversos tipos
de escritos, como o jornal, por exemplo. Também acontece nos títulos dos livros e
nos textos dos mesmos.
Com relação aos traços visuais distintos no processo de escrita, Bajard
(2012, p. 84-85) ainda salienta que:
O 1.º ano, ele trabalha aqui na rede de Londrina, só com a caixa alta,
com a letra de forma. E o que é cobrado é esse tipo de escrita. Então
a criança realiza o traçado em letra maiúscula de forma. Embora no
decorrer do trabalho, ele (aluno) começa a entender que existe
outros tipos de letra. Mas a cobrança mesmo para que ele escreva, é
com a letra de forma maiúscula. Embora que quando chega no final
do primeiro ano, ele já tem consciência da letra minúscula e até da
letra de mão. Mas porém não é cobrado e não é usado (Professora
B).
Ao fazer uma crítica ao método fônico, Bajard (2006, p. 503) denota que:
22
El dominio del lenguaje escrito significa para el niño dominar un sistema de signos simbólicos
extremadamente complejo.
83
Ainda que o foco tenha sido a questão do som da letra, a família silábica e a
junção das consoantes com as vogais, a professora A se esforçou para trazer o
texto para a realidade das crianças. Ela explorou o nome do texto, oferecendo para
as crianças o alfabeto móvel para que pudessem escrevê-lo. É visível que o livro de
literatura, neste caso, foi utilizado para introduzir uma letra do alfabeto.
Em outro momento de observação de sala de aula, o livro de literatura foi
usado pela professora A de maneira distinta. Na ocasião, ela contou a história,
mostrou as imagens e os movimentos proporcionados pelo livro de formato Pop up.
Ela fez questionamentos com a intenção de ouvir das crianças quais os
conhecimentos que elas tinham sobre as características de alguns animais. Em
seguida, verificou a compreensão que tiveram da história por meio de perguntas.
Além disso, a professora permitiu a exploração individual do livro pelas crianças, o
que as deixou eufóricas. Observei que todas elas esperavam ansiosas pelo
momento de ter contato com o material escrito. Constatei, portanto, que essa
situação de ensino organizada pela professora A provocou a necessidade de leitura
nas crianças. A seguir, um trecho do protocolo de observação demonstra esse dado.
85
possui outro patamar que é muito mais complexo, pois registra ideias, o pensamento
das crianças sobre o mundo, sobre conceitos, sobre a vida.
Perguntei para as professoras durante as entrevistas, se as crianças tinham
clareza do porquê e para que escreviam e se sabiam a finalidade da escrita. A
professora A declarou que ao chegar ao final do ano ela percebeu que nem todos os
seus alunos tinham clareza do “para que” escreviam e alguns no mês de dezembro
não sabiam o que estavam fazendo na escola. Ela associou essa questão da falta
de clareza, à maturidade dos alunos. É papel do professor apontar para os alunos o
que a escola representa, qual a sua função na vida deles e como é importante a
apropriação da leitura e da escrita para cada um desses sujeitos. Durante o período
em que estive presente nessa sala, eu observei que a professora A fazia esses
apontamentos para seus alunos. Uma questão a ser explorada mais à frente é a de
que o ambiente intencionalmente preparado pelo professor pode gerar a
necessidade de leitura e de escrita nas crianças.
A escrita, como apontado anteriormente, é uma capacidade humana, uma
função psíquica superior (VYGOTSKI, 1995a). Na verdade, uma conduta superior
humana, culturalmente formada e integrada a diversas funções psíquicas superiores
específicas, como a memória, atenção, percepção, etc. Ela pode ser explorada na
escola com toda a capacidade que tem de prática enunciativa, de ser usada para
dizer algo, de ser um meio para se expressar. Nessa perspectiva, os sujeitos teriam
a clareza de que há do outro lado um interlocutor, isto é, alguém pronto a interagir
com o seu texto escrito, assumindo uma atitude responsiva.
É papel da escola favorecer a formação de crianças leitoras e produtoras de
textos. Compartilho da mesma concepção de Jolibert (1994a) ao destacar que é
essencial que cada criança, durante o processo de escolaridade, realize como leitora
e produtora a experiência da escrita na sua utilidade. Tal fato significa que a criança
entenda que a escrita serve para escrever tudo, ou seja, as intenções, propostas,
permite se comunicar, criar histórias e que a escrita é distinta dependendo da
situação em que é utilizada.
87
Parece algo elementar, mas há crianças que estão no 1.º ano e ainda não
compreenderam que sempre se escreve para alguém em uma dada situação
discursiva, que enunciados são elaborados a todo o momento, que todo ato de ler e
de escrever necessita de uma escuta, de um diálogo, constitui-se como uma atitude
responsiva (VOLOCHÍNOV; BAKHTIN, 2011). Que tal escrita comunicativa tem que
ter princípios que garantam com que seja entendida por seus interlocutores. Sendo
assim,
Quando terminou esse momento mágico para as crianças, ao retornarem para a sala
de aula, depararam-se com os bilhetes entregues à bruxa, sobre à mesa da
professora.
Ao finalizar essa proposta, a professora B esqueceu de esconder os bilhetes
que estavam na cesta. Assim, um problema surgiu, pois não houve um destino aos
bilhetes que possibilitasse aos alunos compreender que o texto tinha ido de fato
para a bruxa. Esse esquecimento da professora pode ter acontecido pela própria
dinâmica da rotina escolar, na qual se planeja algo que nem sempre se efetiva do
modo como foi organizado, planejado. O fato das crianças terem vistos os bilhetes
sobre a mesa da professora fez com que algumas delas se preocupassem com o
destino das suas próprias cartas.
As cenas dessas situações de mediação de leitura e escrita podem ser
exemplificadas com trechos da observação 7 e fotos que retratam esses dados.
[...] Nesse dia era dia de trazer brinquedo. A professora pediu que eles
guardassem os brinquedos em um canto da sala. Ela perguntou quem
era o ajudante do dia. Eles responderam: ontem não teve ajudante e
hoje é o C9 B. O aluno contou quantas crianças tinha na sala e disse
que havia 25 alunos. Eles falaram: só faltou uma aluna. A professora
pediu para que eles se organizassem e se sentassem no chão, em
frente às primeiras carteiras de cada fila, para receber os bilhetes que
tinham escrito para a Bruxa Pampolinha. Ela disse que era necessário
fazer um ensaio para entregar o bilhete para a bruxa Pampolinha, que
visitaria a escola naquele dia. Eu notei que algumas meninas ficaram
agitadas e fizeram uma feição de medo. De repente, uma criança entrou
na sala fantasiada de bruxa. Algumas crianças gritaram e outras riram.
Observei que era a filha da professora do 3º ano, que tinha se
fantasiado de bruxa para participar da história da Bruxa Pampolinha. A
PB contou a história novamente, sem utilizar o livro, e fez algumas
adaptações com os nomes das crianças da sala. Ela disse que cada um
dos alunos do 1.º B tinha uma desculpa. Após ouvirem a história, eles
foram um a um levar o bilhete até as mãos da bruxa. No final do ensaio,
a bruxa jogou um feitiço neles porque ficou brava, já que nenhum deles
iria à sua festa. A professora ensaiou duas vezes. Os alunos voltaram
para a carteira. A professora entregou o caderno de classe, avisou que
eles fariam um ditado e afirmou: ‘todas as palavras que a professora
ditar, vocês vão escrever’. Notei que ela estava ensinando a escrever a
data abreviada. Ela escreveu no quadro: ‘10/10/2014. DITADO:’ Em
seguida, disse: e vocês vão escrever 1, e eu vou ditar. A professora
ditou: 1- BRUXA; 2- PAMPOLINHA; 3- CONVIDOU. Observei que
algumas crianças discutiam baixinho se a palavra número 3 se escrevia
com M ou N. 4 – A professora disse: olha na minha boca que eu vou
ditar a palavra, TODOS; 5- OS; 6- ALUNOS; 7- PARA; 8- A; 9- SUA; 10-
FESTA; 11- DE; 12- ANIVERSÁRIO. A professora finalizou o ditado e
corrigiu as palavras no quadro. Depois, explicou o que era uma frase e
pediu para que eles escrevessem a frase: Bruxa Pampolinha convidou
todos os alunos para a sua festa de aniversário. A professora explicou
de novo que era necessário escrever uma palavra na frente da outra e
93
que eles precisavam pôr espaço entre uma palavra e outra. Após esse
momento, as crianças fizeram a separação de sílabas e contaram a
quantidade de sílabas. Em seguida, a professora levou-os ao parque por
10 minutos. Depois, as crianças lavaram as mãos e foram para o pátio
para se apresentarem com as demais turmas. O 1.º ano B se
apresentou primeiro e eles tiveram a oportunidade de entregar os
bilhetes para a Bruxa Pampolinha. As crianças assistiram às
apresentações das outras salas. Quando voltamos para a sala de aula,
os bilhetes estavam sobre a mesa da professora B. A bruxa devolveu!
Observei que C1 B procurou o seu bilhete rapidamente sobre a mesa;
ela pegou o bilhete e murmurou com um ar de indignação: se a bruxa
não quer o meu bilhete, eu quero! C1 B se dirigiu para a sua carteira e
guardou o bilhete na mochila. Outras crianças tiveram a mesma atitude
que ela e algumas disseram espantadas: a bruxa devolveu! Essas
crianças também pegaram o bilhete e guardaram na mochila. A
professora não fez nenhum comentário sobre o ocorrido. [...] (Protocolo
de observação 7, 1.º ano B, 10/10/2014).
Fonte: Da autora.
23
Referente às fotos 1, 2 e 3 – Data da proposta: 10/10/2014. Professora: B.
Conteúdo: Uso e função social da escrita, leitura de literatura, de quadrinhas, oralidade, leitura e
produção do gênero bilhete, registro de palavras, sílabas e relação letra/som. Objetivo geral:
avançar no sistema de escrita alfabética.
94
Fonte: Da autora.
Fonte: Da autora.
Entre o texto que o aluno produz e o que o professor faz com ele, deveria
existir uma relação dialógica. A possibilidade de escuta, de um olhar atento para o
que o aluno deseja expressar deve estar presente na sala de aula. De acordo com
Volochínov e Bakhtin (2011, p. 8), “a palavra quer ser ouvida, compreendida, quer
receber uma resposta e responder por sua vez à resposta, e assim ad infinitum.”
Vale ressaltar a postura de uma aluna como descrito no trecho do protocolo
que reescrevo a seguir: C1 B “procurou o seu bilhete rapidamente sobre a mesa; ela
pegou o bilhete e murmurou com um ar de indignação: se a bruxa não quer o meu
bilhete, eu quero! C1 B se dirigiu para a sua carteira e guardou o bilhete na mochila”.
Mais alguns alunos pegaram rapidamente seus bilhetes sobre a mesa e os
guardaram, também. Notei que C1 B esperava uma atitude responsiva de seu
interlocutor, a bruxa, a qual não ocorreu. Sua atitude diante do bilhete devolvido,
revela que ela tem consciência de que escreve para o outro.
É visível que o exercício proposto pela professora, relacionado à festa da
bruxa Pampolinha, estava envolto em uma riqueza de elementos, uma vez que ela
96
investiu tempo para contar a história, ensinou o gênero bilhete para as crianças,
solicitou a escrita do gênero textual pelas crianças, fez as correções necessárias e
montou um painel de exposição dos mesmos, a fim de que outras salas tivessem
contato com as produções das crianças; além disso, realizou com eles o ensaio da
entrega desse bilhete à bruxa e se preocupou em levar uma pessoa com a
vestimenta de bruxa para representar a Pampolinha. Percebi que a professora
preparou o ambiente da sala para que a necessidade de escrita acontecesse e
também o desenvolvimento da imaginação dos alunos. Em razão disso, a
organização do exercício proposto contribuiu para a formação de crianças
produtoras de texto.
Cabe salientar que um dos motivos prováveis para a devolução do bilhete foi
a orientação dada à pessoa que estava representando a bruxa; essa era uma
criança, filha da professora de outra sala. Essa criança estava responsável por
representar a bruxa Pampolinha, mas não foi explicado a ela o que era para fazer
com os bilhetes após serem colocados na cesta. É provável que ela tenha pensado
que depois de participar desses momentos com as crianças, ela deveria devolver os
bilhetes para a professora, uma vez que não lhe pertenciam.
Entendo que a palavra escrita precisa de resposta. O ser humano tem essa
necessidade durante toda a vida: ele anseia por respostas, sejam estas escritas ou
faladas. Quando pensamos no ambiente escolar, tal fato é visível ao longo da vida
estudantil em muitas das suas etapas. Deste modo, as crianças que frequentam as
salas de alfabetização escrevem suas frases sobre algo, os seus textos, os
enunciados, e aguardam uma resposta, um comentário do seu interlocutor, que
geralmente é o professor. No caso das salas observadas durante a pesquisa ora
discutida, houve constantemente uma resposta das professoras às produções
escritas das crianças. Essa resposta se concretizou por meio de comentários sobre
o que foi escrito, por elogios às ideias registradas, ou até mesmo pela correção
gramatical e ortográfica para que o texto se tornasse mais compreensível. Esse é
um aspecto que contribui para a formação de crianças produtoras de texto.
Conforme a criança frequenta o Ensino Fundamental, ela é desafiada a fazer
as pesquisas, a expor a sua opinião e quando entrega esse material escrito para o
professor, aguarda um comentário sobre o seu desempenho e a opinião dele sobre
o que leu. Aos poucos, muitos alunos percebem que os trabalhos que foram
entregues retornam apenas com um V, significando que foi visto, ou com uma nota.
97
Para alguns fica a dúvida, para outros a certeza de que o professor não leu o seu
texto, a pesquisa apresentada. Vale ressaltar que compreendo as condições
objetivas nas quais os professores trabalham, que muitas vezes os impossibilitam
comentar cada um dos trabalhos dos alunos. Entretanto, é fato que os alunos
aguardam esse retorno, uma devolutiva do que eles fizeram.
Ao refletir sobre a vida estudantil, essa necessidade de resposta do que se
escreve para o professor acompanha o aluno no Ensino Médio, na graduação e na
pós-graduação, ou seja, durante todo o percurso. Neste contexto, o aluno sempre se
questiona se o seu texto está bom, se a escrita está clara, se ele fez a escolha
adequada das palavras para desenvolver as suas ideias e os seus argumentos. Isso
porque há a clara compreensão de que sempre escrevemos para o outro e de que
precisamos de uma atitude responsiva do nosso interlocutor.
Observo que nas demais esferas da vida social nas quais utilizamos a
escrita tal fato não é diferente, ou seja, ao escrever aguardamos uma resposta do
outro. Por exemplo, ao escrever no WhatsApp, esperamos uma resposta e essa
geralmente acontece de forma rápida, do mesmo modo como nos e-mails. Além
disso, ao postar algo no Facebook, os comentários acontecem quase que de forma
instantânea. É esse o universo que muitas crianças acessam logo cedo. Pelo
momento histórico em que vivemos, com todos os avanços da tecnologia, a resposta
imediata ao que se escreve torna-se visível e é óbvio que as crianças que nos
rodeiam percebem isso. Quando entram na escola, observam muitas vezes que
essa não é a realidade, pois escrevem e a resposta do professor não acontece, ou
demora muito a ser manifestada.
Portanto, a necessidade de respostas ao que expressamos por meio da
linguagem escrita é real e inegável. Todo material escrito ao ter um endereçamento,
exige a resposta do outro. Tal fato revela que não é suficiente preparar o ambiente e
gerar motivos para que as crianças escrevam. É preciso pensar em cada detalhe
para que elas se utilizem da escrita como forma de expressão, que façam suas
enunciações e que tenham respostas dos materiais endereçados para os outros.
Ao refletir sobre as situações de escrita oferecidas aos alunos das
professoras participantes da pesquisa, trago outro dado para ser analisado. É claro
que além de elaborar enunciados por meio da escrita, é necessário que as crianças
estabeleçam contato com os diversos elementos que compõem os textos, como sua
estrutura, e que aprendam a utilizá-los no seu cotidiano. Um dado relacionado a
98
Desse modo, explorar com as crianças diversos tipos de textos que tenham
relação com os escritos que elas encontram no seu cotidiano pode ser uma
alternativa para gerar nelas a necessidade de escrita. Esses podem ser, por
exemplo, cartas, bilhetes e/ou regras de um jogo.
A ênfase dada no texto informativo na sala de aula da professora A, torna-se
evidente mediante um questionamento feito pela C10 A. Na referida situação, a
professora A saiu da sala para uma reunião rápida com a diretora. Enquanto isso, a
professora substituta ficou na sala. As crianças estavam curiosas para saber o
motivo da ausência da professora A. Na tentativa de sanar essa curiosidade, a
professora substituta disse que ela saíra da sala para ler um texto. Neste instante,
99
quase que de imediato, C10 A questionou: “Ela foi ler um texto informativo?” A
professora substituta respondeu que sim. A seguir apresento um trecho do protocolo
de observação número 8, do dia 03/11/14, da sala da professora A:
nessas salas, isto é, sem ser apenas para apresentar uma determinada letra do
alfabeto.
Dessa forma, quando as professoras entrevistadas optam por ensinar letra a
letra do alfabeto e por utilizar o livro objetivando o ensino de determinada letra, e
quando priorizam a silabação e os fonemas, elas empobrecem o contato das
crianças com os livros de literatura. Ao comentar sobre uma metodologia nas salas
do 1.º ano baseada nos fonemas, Bajard (2014c) destaca que aqueles que
defendem o método fônico, partem da pressuposição de que
Eu priorizo três coisas essenciais, que são: a criança ter noção de que a
escrita é uma coisa ampla, no sentido, assim, que a escrita não é só a
letra, não é só a sílaba. Desde o primeiro momento ela (criança) já tem
essa visão, que a escrita está presente no texto, está presente na música,
está presente no recadinho que eu dou para eles, está presente em
qualquer coisa aqui da sala de aula. Está presente em tudo. Pra ele (o
aluno) não ter aquela visão restrita de achar que a escrita é só aquela
letrinha, ou só aquela palavra. E aí depois disso eu vou enfatizando as
letras, o nome das letras e o som. É o primeiro trabalho diante de todo
esse contexto que a gente traz pra eles. E depois disso eu introduzo a
sílaba. Mas o primeiro princípio é o nome da letra, o som da letra e depois
a sílaba. E dentro desse complexo aí, de... vamos dizer assim... de
gêneros textuais. Mesmo na oralidade eu conto a história, eu leio a
história. (Professora B).
102
Nas salas do 1.º ano, geralmente é exigido das crianças um traçado das
letras perfeito; para isso é utilizado com frequência o caderno de caligrafia. Tal fato
gera muitas vezes cansaço e desinteresse nas crianças. Freinet (1977) discute a
questão da escrita e caligrafia, salientando que o método natural, proposto por ele,
recebeu críticas do ponto de vista grafológico, pois “baniu todos os processos
didáticos e analíticos e que exige, antes de mais, a perfeição da letra antes da sua
integração na palavra.” (FREINET, 1977, p. 101). Muitas vezes os professores
investem tempo demasiado nas questões referentes ao traçado correto das letras,
ao invés de ter como foco a comunicação, o ato de se expressar por meio da escrita
e das produções de texto.
É necessário refletir, também, se essas professoras do 1.º ano conseguem
gerar a necessidade de escrita nas crianças. Para isso fiz esse questionamento
durante a entrevista. A professora A disse que consegue gerar essa necessidade de
escrita nas crianças, porém no final da questão ela apontou que a cópia é um
elemento importante para ela porque já revela uma ação de escrita. A professora B
destacou que a necessidade de escrita é um processo natural na sua sala. A seguir,
apresento os trechos das entrevistas que trazem esses dados.
24
La enseñanza debe organizarse de forma que la lectura y la escritura sean necesarias de algun
modo para el niño [...] El niño ha de sentir la necesidad de leer y escribir.
105
Fonte: Da autora.
25
Referente às fotos 4 e 5 – Data da proposta: 06/11/2014. Professora: A.
Conteúdo: Português: Vogais: A, E, I, O, U (grafema e fonema) e consoantes: S, M, B, F, L, R, J, N,
P, V, G, T, C, Z e Q (grafema e fonema), família silábica, uso e função social da escrita; oralidade;
registro do próprio nome; leitura e interpretação de literaturas de gêneros diversos; Objetivo geral:
Participar cotidianamente em situações nas quais se faz necessário o uso da leitura; conhecer
textos de diferentes gêneros textuais; identificar e fazer relação letra-som da consoante Q; família
silábica- formação, fonema-grafema; identificação da família silábica do Q – nomear desenhos.
106
Fonte: Da autora.
Percebo que é justamente esse um dos status que a escrita pode ter na
escola e nas salas do 1.º ano, ou seja, uma ferramenta cultural, criada pelo homem
para expressar os seus pensamentos.
108
26
A los niños se les enseña a escribir como un hábito motor determinado y no como una compleja
actividad cultural [...] Eso significa que la escritura debe tener sentido para el niño, que debe ser
provocada por necesidad natural, como una tarea vital que le es imprescindible. Unicamente
entonces estaremos seguros de que se desarrollará en el niño no cómo un hábito de sus manos y
dedos sino como un tipo realmente nuevo y complejo del linguaje.
109
para isso e provocava nelas o desejo de se expressar. Uma das técnicas Freinet
utilizada para que as crianças tivessem vontade de escrever era o texto livre. Sendo
assim, é importante defini-lo do ponto de vista de Freinet,
Na verdade, essa pergunta, texto livre, não... Não tem um dia que eu
falo: escrevam o que vocês quiserem. Para mim, o que seria aí um
livre entre aspas, é que eles fazem bastante relato do cotidiano
deles. Isso aí é uma certa liberdade de que cada um vai contar o que
aconteceu com a sua vida. Mas os demais textos eles são
direcionados para o gênero que eu estou trabalhando. (Professora
B).
frequência por meio dos textos. Percebo, porém, como válida a estratégia usada
pela professora B, de utilizar os relatos de fatos cotidianos da vida das crianças
como uma inspiração para a escrita. Além de usar em sala, tipos de textos que estão
mais próximos da realidade de muitas crianças, tais como, a escrita de bilhetes e
quadrinhas.
É claro que uma das estratégias adotada pelas professoras poderia ser o
texto livre, pois ele é um elemento que potencializa muito cedo nas crianças a
necessidade de escrever. No entanto, as professoras desconhecem Freinet e as
suas obras. De acordo com a explicação de Freinet (1976, p. 29), “a criança, com a
caneta que ainda maneja dificilmente, escreve o que tem vontade de dizer ao
professor ou aos companheiros.” Para o referido autor, a escrita poderia ser algo
mais presente no cotidiano, na vida das crianças desde que lhe fossem
possibilitadas situações para que se expressassem. É justamente esse desejo de
comunicação com o outro que podemos gerar nas salas do 1.º ano.
Mesmo que eu não tenha conseguido observar as crianças produzindo
textos na sala de aula, pode ser que elas os tenham feito em outros momentos. Com
relação a esse aspecto, as professoras relataram que conseguem identificar nas
crianças o desejo de se comunicarem com os outros por meio do texto escrito.
A professora B comentou um fato interessante. Ela disse que ensinou o
gênero convite só para que os alunos o conhecessem. Segundo ela, o objetivo era
apenas mostrar a estrutura desse tipo de texto, tanto é que ela não solicitou a
escrita. No dia seguinte à sua explicação, alguns alunos trouxeram alguns convites
que fizeram em casa para que ela visse e para compartilhar com os amigos. Este
dado aparece no trecho da entrevista com a professora B, que transcrevo a seguir:
Fonte: Da autora.
27
Referente às fotos 6, 7 e 8 - Professora: B. Data da proposta/Conteúdo/Objetivo Geral: Eu não
tive acesso aos planos de aula elaborados pela professora.
113
Fonte: Da autora.
Fonte: Da autora.
114
Pela atitude das crianças, entendo que elas considerem a professora A uma
interlocutora em potencial, uma vez que ela constantemente recebe cartas. No
entanto, a professora A não comentou se responde às mesmas ou se tem uma
atitude responsiva para com esses escritos. Ela somente salientou que as expõe no
painel da sala. Durante o tempo em que observei as aulas, não presenciei, em
momento algum, uma resposta por parte da professora a essas cartas.
Durante as observações das aulas, procurei a presença das linguagens de
expressão, tais como a gráfica, a verbal, a escrita e a corporal, e também investiguei
em que momentos elas aconteciam. A autora Mello (2009, p. 21-22) define esse tipo
de atividade, afirmando que é necessário
A professora disse que iria contar outra história para eles. O título era
A Arca de ninguém, da autora Mariana Calcaviano. A professora leu
e mostrou as imagens. C10 A disse: “A história é diferente, porque
os desenhos foram feitos de massinha”. Ele estava se referindo às
imagens do livro. Os alunos ouviram a história atentamente. A
professora fez apenas poucos comentários para dar ênfase no trecho
lido. Ela manteve a leitura fixa do texto escrito. No final ela fez alguns
questionamentos, por exemplo: “Essa história é igual à de ontem”?
Eles responderam: “Não”! A professora falou: “Não é igual porque os
animais não duvidaram de Noé e não resistiram para entrar na arca e
nem brigaram para entrar nela”. Em seguida perguntou: “Essa
história é legal”? Eles responderam: “Sim”! Ela perguntou: “Por que
se chama Arca de ninguém”? A professora entregou massinha e
disse: “Vocês vão fazer os animais, todos os animais que quiserem.
Ontem a gente desenhou e escreveu atrás. Hoje você vai fazer os
bichos com massinha e depois eu vou dar uma folha para vocês
escreverem o nome deles. Vejam que interessante, no livro de hoje a
autora fala uns nomes de alguns animais que a Ruth Rocha não citou
ontem”. Ela continua dizendo: “Hoje apareceu, no livro que eu li,
abelha, mico leão dourado, elefante, arara, papagaio, pinguim”. C11
A pediu para a professora deixar o livro para que eles consultassem
os desenhos feitos com massinha. A professora deixou o livro aberto
no quadro em uma página que tinha muitos animais na ilustração.
(Protocolo de observação 5, 1.º ano A, 26/08/2014).
está ali presente, como cantar uma música, mas a hora que você vai
para o registro, fica mais fácil. Então eu não consigo nem imaginar
uma sala de 1.º ano que não tenha essas atividades. Ela acontece
diariamente. É claro que, dependendo do que você está trabalhando,
às vezes você dá ênfase mais na música, às vezes você dá ênfase
mais ao desenho. Mas isso está presente numa sala a todo o
momento. (Professora B).
Fonte: Da autora.
Fonte: Da autora.
28
Referente às fotos 9, 10, 17, 18 – Data da proposta: 25/08/2014. Professora: A.
Conteúdo: Ensino religioso: leitura e interpretação oral da história “A arca de Noé”. Leitura,
interpretação oral da história “A arca de Noé”, de Ruth Rocha e comparação das duas. Objetivo
geral: Composição bidimensional sobre a história, escrevendo no verso o nome de cada elemento
desenhado.
119
É possível verificar, por meio dessas fases apontadas por Luria (2012a), o
caminho da apropriação da escrita, esse instrumento da cultura humana que é
extremamente complexo. Lembrando-se que, antes mesmo da criança compreender
o sentido e o mecanismo da escrita, “ela já efetuou inúmeras tentativas para
elaborar métodos primitivos, e estes são, para ela, a pré-história de sua escrita”
(LURIA, 2012a, p. 188). É possível perceber, então, ao se olhar para as crianças nas
salas do 1.º ano, que há um processo caracterizado por suas diversas tentativas, os
tateios, os estágios que elas percorrem até dominar a escrita.
Mello (2009), ao comentar sobre o desenho e o faz de conta, afirma que não
está se referindo a atividades de segunda categoria, mas a “atividades essenciais na
formação das bases necessárias ao desenvolvimento das formas superiores de
comunicação humana” (MELLO, 2009, p. 25). Ressalto que, durante as observações
das aulas das professoras, em poucos momentos o brincar de faz de conta foi
presenciado. Destaco duas situações dessas. Na sala da professora B isso ocorreu
durante os exercícios que as crianças realizaram junto com a bruxa Pampolinha; e
na sala da professora A, as tarefas escolares realizadas com a massa de modelar
também contemplaram o faz de conta. Os dados da pesquisa ora discutida, revelam
justamente essa secundarização que o faz de conta ocupa na rotina das crianças do
1.º ano do Ensino Fundamental, muito embora a efetividade dessa atividade seja
apontada de modo especial na perspectiva da Teoria Histórico-Cultural para o
desenvolvimento pleno da criança de 6 anos de idade.
Durante as observações das aulas, foi possível registrar momentos em que
as crianças realizaram desenhos e, a partir disso, traço uma breve reflexão sobre o
assunto. Mello (2009) chama a nossa atenção para o lugar de valor que essas
122
Eu vou dar uma folha azul, porque a baleia geralmente está na água.
Assim vocês não precisam nem pintar o mar. Vocês terão até a hora
do recreio para fazer, porque depois tem outra atividade para
realizar”. Observei que só faltavam 11 minutos para tocar o sinal do
recreio. A professora pediu para que eles escrevessem na folha o
nome da história que estava registrada no quadro. Os alunos fizeram
o desenho. Enquanto isso a professora passou o livro de história
para que eles folheassem. Às 15h30, as crianças saíram para o
recreio. Às 15h45, as crianças voltaram para a sala e continuaram o
desenho. Às 15h56: término do desenho e organização das pastas.
(Protocolo de observação 01, 1.º ano A, 28/05/2014).
Fonte: Da autora.
29
Referente às fotos 11, 12, 13, 14, 15, 16 – Data da proposta: 21/09/2014; Professora: A
Conteúdo: Português: Vogais: A, E, I, O, U (grafema e fonema) e consoantes: S, M, B, F, L, R, J, N,
P, V, G, T, C, Z e Q (grafema e fonema), família silábica, uso e função social da escrita; oralidade;
registro do próprio nome; leitura e interpretação de literaturas de gêneros diversos. Arte: confecções
bidimensionais e tridimensionais; elementos forais musicais: altura, duração, timbre, intensidade e
densidade; jogos teatrais; biografia e obras de Van Gogh. Objetivo geral: Participar cotidianamente
de situações nas quais se faz necessário o uso da leitura; conhecer vida e obras de Van Gogh.
Objetivo específico: saber sobre a biografia de Van Gogh, identificar as principais obras de Van
Gogh. Data da proposta: 23/09/2014 – Desenvolvimento metodológico: Português – leitura e
interpretação oral: “Mestre das artes: Vincent Van Gogh – Mike Venezia; Data da proposta:
24/09/2014. Arte: Observação de obras de Van Gogh; análise da obra 12 girassóis; releitura da
obra, nomeando conforme o número de girassóis abordado.
128
Fonte: Da autora.
Fonte: Da autora.
129
Fonte: Da autora.
130
Fonte: Da autora.
30
Relatório do aluno: “Eu estudei sobre o Van Gogh. Ele pintava muitos quadros tipo o quarto dele,
Girassol e muitas outras flores. Ele também pintou Noite estrelada, um trigal com corvos, fazendas e
mais. Eu vi fotos de natureza morta de outros artistas brasileiros. Na escola eu desenhei um vaso
de girassol e de copo de leite. Eu vi muitos vasos de girassol e até pintei uma tela”. (sic.)
131
Fonte: Da autora.
31
“Estudei durante o ano com o Vagogh os quadros dele era muito lindo mas tem um engrasad que
ele cortou a orelha era meu preferido é esse nos estudou muitos artista Portinari e muitos outros.
Eu adorei estudar sobre isso foi muito legau nós até pintou quadro sobre os artistas”. (sic.)
132
Fonte: Da autora.
Fonte: Da autora.
agora vocês vão ficar aí dentro por 40 dias!” Tal fato revela o contato dessa criança
com outros tipos de textos, como a história em quadrinhos e gibis.
Como visto no protocolo de observação da professora A, ela chamou a
atenção das crianças para as imagens do livro, auxiliando-as neste tipo de leitura.
Os seus questionamentos tinham, possivelmente, o objetivo de fazer com que as
crianças compreendessem a mensagem do livro. De acordo com Girotto e Revoredo
(2011, p. 187) “em meio à efervescência criativa, multiplicam-se os livros onde são
utilizadas belas ilustrações e diferentes linguagens, o texto passa a ser a fusão de
palavras e imagens.” Para as crianças do 1.º ano, as imagens presentes nos livros
são essenciais e elas compõem a narrativa.
As duas professoras explicitaram que as crianças fazem leitura de imagem
com frequência. De acordo com Bajard (2014c), o uso da imagem nos livros voltados
para as crianças, alterou de modo significativo a sua relação com o mundo da
escrita, na medida em que elas podem acessar a literatura muito antes de entrar na
escola. No entanto, é possível admitir que “um acompanhamento educacional atento
que propicie situações, instrumentos, questionamentos e informações para guiar as
investigações infantis certamente ampliará a capacidade de interpretação das
ilustrações.” (BAJARD, 2014c, p. 69).
Percebi que a proposta da professora A gerou em C10 A a necessidade de
ler o livro com calma, tanto é que ele fez o exercício que ela pediu parcialmente para
ter mais tempo de lê-lo. O interesse dele não era apenas de folhear ou ver o livro
rapidamente para que outro colega pudesse fazer o mesmo. A professora
interrompeu esse momento, sem dar ao aluno nenhuma explicação, fato que
provavelmente gerou uma frustação em C10 A que queria ler o livro até o final e
sozinho. Se há o desejo por parte do professores de que as crianças leiam no 1.º
ano, é essencial prestar atenção em todos os momentos em que elas interagem com
o material escrito para, por exemplo, não perder uma oportunidade tão rica como
essa relatada. No entanto, compreendo que a atitude de C10A descumpria uma
regra que fora estabelecida na sala de aula, ou seja, de oportunizar que todos
folheassem o livro. É óbvio que não era o momento de ele ler; ele estava
desrespeitando os colegas. A situação gerada na sala de aula poderia ter sido
resolvida de outra maneira, por exemplo, explicando-se que o livro seria entregue
para outra criança e que depois, ao final da tarefa escolar, ele poderia ler se
houvesse tempo para isso ou levar o livro para casa.
138
A professora explica que hoje vai contar uma história e vai projetar
no data show porque não tem o livro na biblioteca. Ela diz: “Este livro
vai falar sobre um assunto que eu vou ensinar. Primeiro eu vou
contar a história e depois eu quero ver quem vai saber o que nós
vamos estudar. Nós vamos até ensaiar uma música, mas não vai ser
hoje”. As crianças falam: “Ahhh”... A professora avisa que, enquanto
instala o data show, eles vão copiar a tarefa. Ela escreve no quadro:
‘FAÇA NÚMEROS DE 2 EM 2 ATÉ 42’. Depois ela lê o enunciado e
no ‘EM’ faz o som da palavra. Em seguida, ela posiciona as crianças
no chão para que possam ver a projeção da história Meninas negras,
da autora Madu Costa e com ilustração de Rubem Filho. As crianças
falam: “O que é isso”? Alguns leem o título: “Meninas Negras”. A
professora pergunta: “Vocês olharam bem a capa”? Ela pergunta
para C 12 B: “Quantas meninas você vê lá”? Ele responde: “3”. A
professora fala: “A C 1 B já leu o título: Meninas Negras. Agora só a
professora vai ler esse livro. Eu não tenho ele na minha mão e não
tem na biblioteca da escola; eu peguei na internet. A autora é Madu
Costa. Olha, a foto dela na contracapa”. A professora pergunta: “Qual
será o assunto desse livro”? Ela diz: “Agora silêncio que eu vou ler”.
A professora lê duas páginas e as crianças fazem comentários. Ao
ler a segunda página, eles perguntam aonde estava o Brasil. A
professora continua a história e fala: “A 1ª menina é a Mariana, a 2ª
menina é a Dandara”. Ela pergunta: “Vocês sabem porque ela quer
um bicho de estimação que seja uma girafa ou um leão”? Eles
respondem: “É porque tem esses animais na África”. A professora
diz: “Isso mesmo”! E continua: “Olha, apareceu mais uma menina,
qual é o nome dela”? Eles leem e respondem: “É Luanda”! A
professora lê mais uma página e comenta: “Ela adora dançar. Olha
lá: aquelas dançarinas estão na imaginação da menina”. A
professora lê mais um pouco e pergunta: “Onde será que elas
moram”? Eles respondem: “Na África”! A professora questiona:
“Quem acha que elas moram no Brasil”? Eles ficam quietos e a
professora diz: “Eu vou passar os slides de novo e eu não vou ler.
Vocês vão observar o que está acontecendo na história para depois
me responderem se elas moram na África ou no Brasil. Eu quero que
vocês tenham certeza se elas moram na África ou no Brasil. Eu não
vou ler, vou explicar apenas”. Ao passar os slides ela perguntou: “O
que será que elas estão pensando nesta última página do livro”? C
21 B responde: “Elas estão pensando na África”. C1 B diz: “Elas
estão imaginando tudo o que elas aprenderam na escola sobre a
África”. A professora pergunta para C7 B o nome das três
personagens. Ele não lembra e a professora pede para a turma
ajudá-lo. [...] A professora diminui a projeção e a imagem fica melhor.
Ela diz: “Agora, vamos olhar e imaginar”. Ela passa os slides
novamente e, no último, pergunta: “Tem mais alguma página”? A
maioria diz que não, mas C8 B fala: “Tem sim, a última capa”. A
professora diz: “Acabou”, e clica para finalizar. Algumas crianças
leram na tela: ‘fim da apresentação dos slides. Clique para sair’. [...].
(Protocolo de observação 08, 1.º ano B, 24/11/2014).
139
Fonte: Da autora.
32
Referente às fotos 19, 20, 21 e 22 – Data da proposta: 26/11/2014. Professora: B
Conteúdo: Português: Uso e função social da escrita, oralidade, leitura e interpretação de textos,
registro de palavras, sílabas e relação letra/som. História: Cultura africana e brasileira. Objetivo
geral: Avançar no sistema de escrita alfabética; reconhecer a diversidade cultural dos africanos
através da música. Objetivo específico: Desenvolver habilidades de leitura, interpretação de texto
e de antecipação de sentidos. Data da proposta: 24/11/2014 – Desenvolvimento metodológico:
Português – Leitura do livro: “Meninas negras”; Data da proposta: 26/11/2014 – Português:
Reconto oral do livro “Meninas negras”; Arte: Produção das “meninas negras” com guache e papel
dobradura.
141
Fonte: Da autora.
Fonte: Da autora.
142
Fonte: Da autora.
33
Questión en el desarrolho de las formas superiores del lenguaje escrito: la lectura silenciosa y la
que se hace en voz alta.
34
El estudio de la lectura demuestra que, a diferencia de la enseñanza antigua que cultivaba la
lectura en voz alta, la silenciosa, es socialmente la forma más importante del lenguaje escrito [...] La
vocalización de los símbolos visuales dificulta la lectura, las reacciones verbales retrasan la
percepción, la traban, fraccionan la atención. Por extraño que pueda parecer, no sólo el propio
proceso de la lectura, sino también la comprensión es superior cuando se lee silenciosamente.
143
Para esse autor, a vocalização dos símbolos visuais torna a leitura mais
difícil, sendo que o processo de leitura é superior quando realizado em silêncio,
sendo a leitura silenciosa a que proporciona compreensão.
A presença da leitura em voz alta realizada pelas crianças na sala de aula,
também pode ser analisada sob a concepção apresentada por Bajard (2014a, p.
116). Para o referido autor,
leitura enquanto prática cultural, como apontado por Bajard (2014a). Ao ler algo
interessante, as crianças apresentam o desejo de compartilhar com os amigos da
escola, fato que demonstra o caráter social que a escrita tem.
Com relação ao questionamento a respeito de o ato de leitura estar
vinculado à busca de compreensão, a professora B disse que adota diversos textos
com os seus alunos e apresenta a estrutura e as características de cada um deles. A
partir desse momento, ensina que cada tipo de texto exige um modo de
compreensão. Neste contexto, os alunos de ambas as professoras leem textos
relacionados ao seu cotidiano e buscam o sentido durante as leituras. Assim sendo,
“não se pode aprender a ler sem construir sentido, nem escrever sem produzir
textos.” (BAJARD, 2014b, p. 87-88).
Na concepção de Vygotski (1995b, p.199)35, a compreensão durante o
processo de leitura,
A professora entrega uma folha e pede para que eles leiam duas
vezes o texto. C14 A lê e pergunta: “Posso pintar a zebra”? Ela
responde que não. Observo que a maioria faz leitura em voz alta. A
professora faz a leitura do texto. Ela pergunta: “A gente pode ir
passear de pijama”? Eles dizem: “Não”! Ela pede para que C25 A
leia a primeira pergunta que está abaixo do texto. C25 A lê: “Qual o
35
No consiste en que se formen imágenes en nuestra mente de todos los objetos mencionados en
cada frase leída. La comprensión no se reduce a la reproducción figurativa del objeto y ni siquiera a
la del nombre que corresponde a la palabra fónica; consiste más bien en el manejo del propio signo,
en referirlo al significado, al rápido desplazamiento de la atención y al desglose de los diversos
puntos que pasan a ocupar el centro de nuestra atención.
145
Em seguida diz: “Vamos ler a lenda ‘Mula sem Cabeça’. Não é para
ler em voz alta, é para ler quieto, em silêncio para não atrapalhar o
amigo. Você vai tentar ler sozinho, depois nós vamos ler juntos”.
Observo que todas as crianças se concentram para fazer a leitura da
lenda. Para alguns é impossível fazer leitura silenciosa. Após alguns
minutos, a professora diz: “Agora, nós vamos ler todo mundo junto.
Só vai melhorar na leitura quando você treinar. Tem gente que leu a
lenda e entendeu. Quer dizer que está bem na leitura. O que vocês
leram, é uma lenda, tem mistério, tem transformação”. C 16 B
questiona: “Qual é o mistério”? A professora responde: “O mistério é
a ferradura dela”. Em seguida C20 B diz: “Eu li, mas não entendi o
mistério”. A professora fala: “Então tem que ler de novo, tem que ler
e entender”. C1 B diz: “Se a mulher se casar com um padre, vira
mula e isso acontece na vida real”. A professora questiona: “Será
que isso acontece mesmo na vida real? Vamos ler. Vocês vão
acompanhando com a pontinha do lápis”. Observo que a professora
põe no quadro a 1ª letra da frase: ‘A’. Eles começam a leitura junto
com a professora. Ela diz: “Ponto final, o que significa o ponto final”?
C 1B fala rapidamente: “Que acabou a frase”. As crianças fazem a
leitura da 2ª frase do texto. A professora avisa que a 3ª frase começa
com a palavra ‘SEGUNDO’. As crianças leem a frase juntas. A
professora pede para circularem a palavra ‘MULHER’ e avisa que ali
está o mistério. Eles leem juntos o último parágrafo. E a professora
diz: “Agora vira a lenda do avesso. Agora eu vou ler a lenda e você
só vai ouvir”. Observo que a professora faz a leitura com bastante
entonação e gesticulando. Ela mantém a leitura fixa do texto. Em
seguida ela pede que pintem a Mula sem cabeça. (Protocolo de
observação 5, 1.º ano B, 28/08/2014)
dirigiam a tal local. Elas estavam sempre ocupadas com os exercícios propostos
pelas professoras. Logo a seguir, mostro o registro fotográfico desse canto de
leitura.
Fonte: Da autora.
Fonte: Da autora
Ela pede para C1 A contar para os amigos sobre a pesquisa que fez
sobre a baleia que canta. C1 A fala para os amigos sobre a baleia
Jubarte, a baleia que canta. O aluno fez a pesquisa na internet. Fala
sobre as narinas da baleia, sobre a sua alimentação que inclui peixes
e algas. Todos os amigos prestam atenção. A professora sai da sala
para atender um pai de aluno. O coordenador da escola fica na sala.
Eu saio da sala para buscar o data show. A professora me autorizou
a mostrar o vídeo que pesquisei que mostra o nascimento de uma
baleia. Enquanto isso o coordenador ajuda C1 A a contar a sua
pesquisa para a turma. A professora retorna e me ajuda a montar os
equipamentos. Explico para as crianças porque é importante
pesquisar e que eles também são pesquisadores. Falei sobre
algumas fontes de pesquisa disponíveis, tais como a internet, livros,
os livros da biblioteca e de alguns equipamentos que podem nos
auxiliar na pesquisa, como o tablet. C14 A diz: “O papel, o texto,
também é uma fonte de pesquisa”. Eu concordo com o aluno. Em
seguida mostro os vídeos e converso com eles. A C10 A diz: “Eu
gosto de pesquisar, mas eu esqueci de ver essa história de como os
bebês da baleia nascem”. C1 A comenta que pesquisou em mais de
30 sites para entender sobre a baleia cantora. As crianças ficam
empolgadas ao ver como é o nascimento das baleias e querem saber
o nome do orifício por onde o filhote sai. Esse tempo foi marcado por
muitas perguntas e eles ficaram revoltados por saber que algumas
baleias estão em extinção. (Protocolo de observação 2, 1.º ano A,
29/05/2014).
150
elas, as reflexões geradas após as leituras dos livros e um ambiente favorável para
as linguagens de expressão, como, por exemplo, gráfica, artística, corporal.
No entanto, há ainda algumas ações pautadas no ensino da língua materna
com ênfase nos fonemas, na sinalidade e não na língua como signo.
Consequentemente, percebi que na dinâmica da sala de aula em alguns momentos
as professoras priorizam as técnicas da escrita ao invés de ensinar às crianças a se
apropriarem da linguagem escrita. Tal fato dificulta o entendimento da língua pelas
crianças na sua função social, cultural e como expressão de pensamento. Mesmo
assim, elas buscam lidar com a língua de modo ativo, intenso; elas questionam,
pesquisam, expressam o que não compreendem e buscam, a todo o momento,
sentido no que realizam na sala de aula.
153
CAPÍTULO 4
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ARENA, Dagoberto Buim. Relações entre ler e fazer locução no ensino fundamental.
In: CONGRESSO DE LEITURA DO BRASIL, 16., 2007, Campinas. Anais...
Campinas, 2007. Disponível em: <http://www.alb.com.br/anais 16>. Acesso em: 14
fev. 2015.
BAJARD, Élie. Da escuta de textos à leitura. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2014c.
(Coleção questões da nossa época, v. 51).
BAJARD, Élie. Ler e dizer: compreensão e comunicação do texto escrito. 6. ed. São
Paulo: Cortez, 2014b. (Coleção questões da nossa época, v. 52).
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BARROS, Marta Silene Ferreira; FRANCO, Sandra Aparecida Pires. O caráter atual
da educação profissional: formação unilateral ou omnilateral do homem? In:
CHAVES, Marta; SETOGUTI, Ruth; MORAES, Silvia Pereira Gonzaga. (Org.). A
formação do professor e intervenções pedagógicas humanizadoras. Curitiba:
Instituto Memória, 2010. p. 13-31.
KOSIK, Karel. Dialética do concreto. 7. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
MARX, Karl. A ideologia alemã (I – Feuerbach). 5.ed. São Paulo: Hucitec, 1986.
162
SILVA, Nanci Madalena Amaro. A atitude leitora dos pais e sua relação com a
formação do leitor iniciante. 2015. 164 fls. Dissertação (Mestrado em Educação) -
Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília. 2015.
VYGOTSKI, Levy Semiónovich. La prehistoria del desarrollo del lenguaje escrito. In:
______. Obras escogidas. Madrid: Visor, 1995b. v. 3. p. 183-206.
APÊNDICES
165
Campus de Marília
Faculdade de Filosofia e Ciências
Atenciosamente,
166
________________________________________________________
_________________________________
Professor participante
— De onde você parte para iniciar o trabalho de alfabetização? Como você começa
o seu trabalho com a criança?
— O que você prioriza com relação à escrita (Traçado? Permite ao aluno fazer
inferências? É a silabação? Ou o foco é o texto? O texto nas suas relações?)
— Ao ensinar os caracteres da escrita para a criança, as letras, como você faz essa
apresentação? Utiliza a letra maiúscula e minúscula? Apresenta o espaço em
branco e os acentos? Como você ensina estes aspetos da escrita?
— Na sala de aula, o que as crianças escrevem? As crianças têm clareza do por quê
e para quê escrevem? (Assim elas teriam a clareza dos destinatários, dos objetivos,
das finalidades da escrita, dos motivos).
— Você acha que consegue gerar a necessidade de escrita nas crianças? Como?
Quando? Onde?
— Você incentiva o desenho como forma de registro? De que modo? Qual é o papel
do desenho na sua sala de aula?
— Qual destas atividades estão presentes na sua sala de aula? Quais são
desenvolvidas e incentivadas?
( ) o faz de conta ( ) dramatização ( ) recorte e colagem ( ) a música ( ) a
produção do texto coletivo ( ) a modelagem ( ) a pintura
Em que momento essas atividades acontecem? Que espaços são destinados a
essas atividades?
— Como você estimula a oralidade dos seus alunos? E que relação a organização
do discurso tem com a escrita?
— As crianças da sua sala já escrevem textos ou pequenos textos? Fale sobre isso.
— Você trabalha com texto livre? O texto livre está presente como uma das
estratégias utilizadas por você? Que outros tipos de texto você utiliza em sala?
168
— Você conhece algumas das técnicas de ensino elaboradas por Freinet? Utiliza
alguma delas na sala de aula? (imprensa – como prática da livre expressão; texto
livre; jornal escolar; jornal parede ou jornal mural; correspondência interescolar; livro
da vida; aula-passeio (passeio informação, passeio repouso, passeio-estadia); roda
inicial; roda final; fichário escolar cooperativo; fichário autocorretivo; confecção de
álbuns; biblioteca de trabalho; cantos de trabalho).
— Qual é o referencial teórico que você utiliza? Qual é o autor ou atores de base?
— Você escuta quais são as hipóteses levantadas pela criança do que ela está
lendo?
— Você faz mediação de leitura com as crianças? Como você conceituaria essa
mediação de leitura?
— As crianças leem textos relacionados ao seu cotidiano, ou seja, textos que são
interessantes para a sua faixa etária? Se afirmativo, cite alguns exemplos.
— Você dá ênfase ao som das letras na hora de fazer a leitura? Se afirmativo, por
que acha esse procedimento importante?
— Você já leu alguma obra, livro do Vygotsky? Se afirmativo, qual? Em que medida
este autor contribui para pensar o trabalho no 1.º ano?
— Você já leu algum livro do Élie Bajard? Se afirmativo, qual? Você acha que as
propostas de Bajard quanto à maneira de se pensar a língua escrita poderiam
auxiliar no trabalho com o 1.º ano?
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Nome: _____________________________________________________________________
Idade: ___________
ANEXOS
172