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CAPACITISMO EDUCACIONAL

1.1 Apontamentos sobre o termo conceitual do capacitismo

Considera-se o capacitismo uma ação dispensada pela discriminação, opressão e


preconceito em desfavor de pessoas com algum tipo de deficiência.
Segundo entendimento de Netto (s,p) o capacitismo é:

O capacitismo (ableism) é a discriminação da pessoa com deficiência.


E que, em decorrência da mesma, é considerada uma pessoa incapaz.
O capacitismo, assim, é uma manifestação de preconceito para com as
pessoas com deficiência ao pressupor que existe um padrão corporal
ideal e a fuga desses padrões torna as pessoas inaptas para as
atividades na sociedade. Essa padronização é chamada
corponormatividade (able-bodiedness).

A todo o momento se discutem formas de proteção àqueles que carregam consigo


alguma forma de deficiência. Isto porque, tais observações são encontradas no dia a dia, tendo
em vista as limitações ao acesso ao meio físico e determinadas barreiras que evitem o acesso
de maneira independente.
Sabatini (2021, p. 01) explica que o “capacitismo é um problema estrutural, pois
implica numa violência compartilhada entre as pessoas com deficiência.”.
Neste pensamento, entende-se que o capacitismo tem haver com o fato da pessoa não
ter um corpo hábil, ou seja, ser normal, ter um corpo natural, mas inferioridade por conta de
alguma anormalidade (SABATINI, 2021).
A vivência de pessoas com deficiência no âmbito da sociedade, na maioria das vezes
gera desconforto, nutrindo em determinadas pessoas barreiras socioemocionais, uma vez que,
são tratadas como incapazes, dependentes e que ações direcionadas a estas pessoas com
deficiência podem retardar a vida das pessoas consideradas normais.
Nunes (2017, p. 01) descreve o conceito de deficiente:

Deficientes, na acepção da Lei, é aquele que possui “impedimento de longo


prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”. Ou
seja, os deficientes físicos, mentais, intelectuais ou sensoriais são os
destinatários da lei, motivo pelo qual o Estado e o setor privado devem
assegurar seus direitos, com o propósito de garantir igualdade.
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Sendo assim, tratar uma pessoa com qualquer tipo de deficiência de forma
infantilizada por aquele exigir do serviço público acessibilidade e inclusão de ir e vir, na
tentativa de afastá-la do convício público é uma forma de enquadramento pelo capacitismo.

1.2 Abordagem jurídica ao estudo de caso

O caso abaixo descrito, refere-se a uma ação judicial extraída do processo


n°XXXXXXX-XX.2020.8.06.00011, movida em desfavor de um colega de faculdade, por este
ter praticado violência moral incorrida nos termos do crime de capacitismo.

Petição Inicial - Ação Indenização por Dano Moral


Ao Exmo, Sr. Dr. Juiz de Direito da ___Vara Cível da Comarca de
Fortaleza-CE
PRECONCEITO. DISCRIMINAÇÃO. PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
CAPACITISMO. VIOLÊNCIA VERBAL EM RAZÃO DE SUA
CONDIÇÃO DE DEFICIENTE. ARTS. 4º E 5º DA LEI N. 13.146/2015.
MANIFESTAÇÃO PÚBLICA DE ÓDIO.

Como resta demonstrado na descrição dos fatos da exordial, o autor foi constrangido
por parte da ré pelo simples fato de ser uma pessoa com deficiência visual e não ter
conseguido suprir suas necessidades quanto à acessibilidade ao material acadêmico
disponibilizado aos demais colegas.
A instituição de ensino tem o dever de disponibilizar recursos que atendam a todos os
seus acadêmicos e em casos específicos adequar para aqueles que de alguma forma possuem
suas limitações.
Isto porque, a Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) em seu art. 27
determina que os setores públicos e privados se adequem e criem mecanismos de inclusão
para pessoas com deficiência.

Art. 27.  A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados


sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de
toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus
talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas
características, interesses e necessidades de aprendizagem.
Parágrafo único.  É dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da
sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência,
colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação.

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https://www.jusbrasil.com.br/processos/313647769/peca-peticao-inicial-acao-indenizacao-por-dano-moral-
1133168651.
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No caso em tela, outro acadêmico hostilizou o autor, considerando-o incapaz e


apontando que a sua limitação, decorrente da defici ência visual, estaria prejudicando os
demais, “considerados normais”.
O fato exposto, demonstra que, ainda que houve ofensa por parte de outro colega, a
instituição deveria estar preparada para anteder de forma igualitária todos os seus alunos, de
forma que nenhum constrangimento fosse alcançado a nenhum de seus acadêmicos.
Sobre a dinâmica contextual dos fatos, Nilo (2021, p.02) comenta:

No Brasil, os direitos das pessoas com deficiência são garantidos por lei, de
acordo com o estatuto da pessoa com deficiência e a convenção internacional
da pessoa com deficiência. Entretanto, pela falta de divulgação e pela falta
da implementação desses direitos na prática, muitas pessoas com deficiência
os desconhecem, e se tornam reféns de injustiças. “A previsão dos direitos
da pessoa com deficiência já existe no ordenamento jurídico. A dificuldade é
a implementação e a divulgação desses direitos na prática, para que as
pessoas com deficiência possam acessa-los".

Importante salientar que o art. 2º da Convenção sobre os direitos das pessoas com
deficiência, define a discriminação por motivo de deficiência como:

Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo


prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas
(BRASIL, 2015).

Nota-se que a lei estabelece as mais diferentes instâncias e instituições sociais,


apontando o trabalho, a escola, instituições privadas, o Estado, etc, de forma a se
comportarem com respeito e empatia para garantir às pessoas com determinadas deficiências
um desenvolvimento independente e que seus direitos a acessibilidade sejam respeitados.
Vale ressaltar que a inserção de pessoas com qualquer tipo de deficiência no âmbito
acadêmico/escolar deve ser garantida, ou seja, instituições devem além de permitir a
efetivação das matrículas, mas de todo modo promover todos os meios de adequação para que
os alunos deficientes sejam incluídos em toda e qualquer atividade realizada pela instituição.
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1.3 Análise quanto à prática do capacitismo

Furtado (2016) comenta que a busca pelo corpo perfeito, o controle sobre o próprio
corpo é mencionado por diversos filósofos, quando coleciona a ideia sobre o biopoder, ou o
poder sobre a vida.
Entende-se que este poder esta associado à medicalização da vida ou a visão criada por
patologias para os corpos que saem da normalidade. Pois segundo Furtado (2016), a referida
normalidade tem haver com uma vida normal, produtiva e de funcionalidade normal.
Em 6 de julho de 2015 foi promulgada a Lei n. 13.146/15, conhecida como a Lei
Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência ou Estatuto da Pessoa com Deficiência. A
norma inovou na ordem jurídica em diversos aspectos da vida social, determinando a inclusão
das pessoas com deficiência e garantindo proteção as ações causadas pelo capacitismo.
Sendo assim, o capacitismo é sim uma forma discriminatória em desfavor de pessoas
que não adequam a padrões corporais vistos normais e funcionais. Em decorrência desse tipo
de pensamento, pessoas com deficiências são apontados como limitadas e consequentemente
sofrem discriminações, sofrendo com barreiras físicas e emocionais, excluídas nos espaços em
que precisam se deslocar.
Políticas públicas devem ser criadas, comissões políticas devem garantir que essas
pessoas sejam entendidas em suas particularidades e que seus direitos como cidadãos devem
ser reafirmados e exercidos em todo momento.
O conhecimento sobre o capacitismo pode até ainda ser desconhecido por muitos, mas
suas garantias não devem ser negadas às pessoas com deficiências em diversas esferas da vida
social, que buscam conviver de forma harmoniosa com os demais integrantes da sociedade.
Sendo assim, seu desrespeito deve ser visto como afronta aos direitos humanos, sendo
questionado tanto na esfera cível, como na criminal.
O contexto na qual o capacitismo encontra-se inserido tem haver com fatores sociais,
uma vez que suas consequências refletem em toda a sociedade, e o desrespeito às pessoas com
deficiência geram consequências cíveis e criminais, a depender das ações.
Sendo o capacitismo considerado uma forma de discriminação, além de se enquadrar
nas normas de direito civil, responsabilizando aqueles que de alguma forma ofertaram
constrangimento ou ofensas à pessoas com deficiência, também pode ser enquadrado no crime
de racismo. Tal tipificação encontra-se descrito na lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que
define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, em seu art. 20: “Praticar, induzir
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ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.


Pena: reclusão de um a três anos e multa”.
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REFERÊNCIAS

BRASIL. LEI Nº 13.146, DE 6 DE JULHO DE 2015. Disponível


em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 12
de fev. 2022.

BRASIL, LEI Nº 7.716, DE 5 DE JANEIRO DE 1989. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm. Acesso em: 12 de fev. 2022.

FURTADO, R. N. & CAMILO, J. A. de O. O conceito de biopoder no pensamento de


Michel Foucault. Revista Subjetividades. Fortaleza, 16(3): 34-44, dezembro, 2016.
Disponível em: https://periodicos.unifor.br/rmes/article/view/4800/pdf.

JUSNBRASIL. Petição inicial - ação indenização por dano moral. 2020. Disponível em:
https://www.jusbrasil.com.br/processos/313647769/peca-peticao-inicial-acao-indenizacao-
por-dano-moral-1133168651. Acesso em: 13 de fev. 2022.

NETTO, Letícia Rodrigues Ferreira. Capacitismo. Disponível em:


https://www.infoescola.com/sociologia/capacitismo/. Acesso em: 12 de fev. 2022.

NILO, Clara, et al. A vivência das pessoas com deficiência na universidade e o


capacitismo nas instituições de ensino. 2021. Disponível em: https://portal.unicap.br/w/a-
viv%C3%8Ancia-das-pessoas-com-defici%C3%8Ancia-na-universidade-e-o-capacitismo-
nas-institui%C3%87%C3%95es-de-ensino. Acesso em: 12 de fev. 2022.

NUNES, Alynne Nayara Ferreira. Jurisprudência favorável para inclusão dos


deficientes nas instituições de ensino. 2017. Disponível em:
http://ferreiranunesadvocacia.com.br/jurisprudencia-favoravel-respeito-da-inclusao-dos-
deficientes-nas-instituicoes-de-ensino/. Acesso em: 11 de fev. 2022.

SABATINI, Gabriela. Sou pessoa com deficiência e passei em concurso público. Como
garantir as adaptações necessárias ao meu trabalho? 2021. Disponível em:
https://valentereispessali.com.br/tag/capacitismo/. Acesso em: 10 de fev. 2022.

SASSE. Cintia. Capacitismo: subestimar e excluir pessoas com deficiência tem nome.
Agência Senado. 2020. Disponível em:
https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2020/11/capacitismo-subestimar-e-excluir-
pessoas-com-deficiencia-tem-nome. Acesso em: 11 de fev. 2022.

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