Você está na página 1de 414

Parte considerável das lutas

políticas contemporâneas está


“Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação atravessada pelo par “lugar de
perpétua. Não podem nem respirar sem permissão. Perderam falar/identidade”. Nesta díade,
sua pátria, suas terras, sua água, sua liberdade, tudo. Nem nota-se um esvaziamento trágico
do engajamento das esquerdas por
sequer têm o direito de eleger seus governantes. Quando debates que tenham um alcance
votam em quem não devem votar são castigados. Gaza para além das fronteiras biográficas
está sendo castigada. Converteu-se em uma ratoeira sem e nacionais. “Palestina” é um livro-
ponte, nos conecta à história de
saída, desde que o Hamas ganhou limpamente as eleições resistência de um povo que está
de 2006.” sendo submetido às políticas
coloniais e segregacionistas de
Israel/Estados Unidos há 71 anos. A
Gaza, por Eduardo Galeano imagem da ponte também nos serve
para pensar o tipo de ética política
sobre o qual o livro se estrutura. O
“Outro”, o povo palestino, torna-
se “Eu”. E aqui encontramos outra
característica deste livro: é também
Sayid Marcos Tenório é historiador um livro-testemunho. Não se trata
e especialista em relações inter- de uma empreitada exclusivamente
nacionais. É ativista internaciona- intelectual. Ao escrever sobre a
lista da causa palestina há mais Palestina, Sayid também se inscreve,
de 30 anos, com artigos publica- também se narra. Podemos rastreá-
dos sobre temas relacionados à lo pelos artigos escritos, nos eventos
Palestina e outras causas de direitos que participou e organizou. Este livro
humanos, justiça social, lutas é a síntese provisória de três décadas
populares e soberania dos povos. É dedicadas à causa de um povo que
fundador e atual secretário-geral do experiencia, na pele e na terra, o
Instituto Brasil-Palestina (Ibraspal) colonialismo e o apartheid. Não se
e também diretor do Centro trata, portanto, “apenas” de um livro,
Brasileiro de Solidariedade aos mas de uma declaração de amor à
Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz). justiça e à vida.

E-mail do autor: Berenice Bento - Departamento de


sayid.tenorio@gmail.com Sociologia/UnB
Direção Editorial:
Sayid Marcos Tenório

Revisão Técnica:
Berenice Bento e Ahmed Shehada

Revisão:
Gerusa Bondan

Traduções árabe-português:
Danya Hubbi

Traduções inglês-português:
Manoela Gouveia

Capa:
Thalis Cantizani

Projeto gráfico e diagramação:


Gráfica e Editora Movimento

Impressão:
Gráfica e Editora Movimento

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)


Tenório, Sayid Marcos
T312p Palestina : do mito da terra prometida à terra da
resistência / Sayid Marcos Tenório.—1. ed. — São Paulo :
Anita Garibaldi , IBRASPAL, 2019.
412 p.

ISBN 978-85-7277-202-0

1. Palestina. 2. Resistência palestina. 3. Sionismo.


4. Hamas. 5. Limpeza étnica. I. Título.

CDU 956.94

Catalogação na Publicação: Eliane M. S. Jovanovich CRB 9/1250

Editora e Livraria Anita Garibaldi


Rua Rego Freitas, 192 - República – Centro
CEP: 01220-010 – São Paulo, SP, Brasil
www.anitagaribaldi.com.br – livraria@anitagaribaldi.com.br

Instituto Brasil-Palestina (IBRASPAL)


Rua Marconi, 23, 5º andar – Centro
CEP: 01043-000 – São Paulo, SP, Brasil
www.ibraspal.org – info@ibraspal.org
Confissão de um ser humano
Mahmoud Darwish1
Ocuparam minha pátria
Expulsaram meu povo
Anularam minha identidade
E me chamaram de terrorista.
Confiscaram minha propriedade
Arrancaram meu pomar
Demoliram minha casa
E me chamaram de terrorista.
Legislaram leis fascistas
Praticaram odiado apartheid
Destruíram, dividiram, humilharam
E me chamaram de terrorista.
Assassinaram minhas alegrias,
Sequestraram minhas esperanças,
Algemaram meus sonhos,
Quando recusei todas as barbáries
Eles… mataram um terrorista!

1 Mahmoud Darwich (Al-Birweh, 1942 - Houston, 2008), poeta e escritor


palestino. Sua família foi expulsa na Nakba em 1948 e refugiou-se no Líbano.
Voltou clandestinamente ao seu país e foi preso diversas vezes entre 1961 e
1967. Darwish é o autor da Declaração de Independência Palestina, escrita em
1988 e lida pelo líder palestino Yasser Arafat quando declarou unilateralmente
a criação do Estado Palestino. Membro da Organização para a Libertação da
Palestina (OLP), afastou-se do grupo em 1993, por discordar dos Acordos de
Oslo. Darwish é considerado o poeta nacional da Palestina. Seu trabalho foi
traduzido em mais de 20 línguas.

5
Para os mártires e para todas as pessoas que lutam por justiça na Palestina.

Para Maria José, Marcos Antônio, Igor, Bárbara, Alice e Laís.

Para o highlander Luiz Aparecido (in memoriam).

Ao camarada de lutas e aventuras Elias Ferreira Lima (in memoriam).

7
“Nós sabemos muito bem que nossa liberdade é incompleta
sem que haja liberdade para os palestinos.”

Nelson Mandela

9
Por quanto tempo podemos continuar pedindo – e, mais ainda,
esperando – que nossos irmãos palestinos mantenham a fé em
nós, que não sucumbam completamente ao desespero e à mágoa
que se tornaram suas vidas desde que Israel erigiu sua Fortaleza
sobre seus vilarejos e cidades destruídas?

Ilan Pappé – A limpeza étnica da Palestina (2016, p. 291)

11
Sumário
Agradecimentos ...................................................................................... 17
Prefácio .................................................................................................... 21
Apresentação ........................................................................................... 27
PARTE I - História do projeto colonial sionista .................................. 37
1 Palestina antes do sionismo ................................................................ 39
1.1 Terra de Canaã, Filistina, Palestina ............................................ 41
1.2 A Palestina e o Islam ................................................................... 50
1.3 Surge o movimento sionista ....................................................... 58
2 Sionismo: projeto colonial europeu ................................................... 67
2.1 Balfour: Inglaterra doa o que não lhe pertence ........................ 69
2.2 O sionismo e a colonização da Palestina ................................... 82
2.3 A Revolta Árabe de 1936-1939 ................................................... 94
2.4 As relações entre sionistas, fascistas e nazistas ......................... 99
2.5 A fábula do sionismo de esquerda ........................................... 102
3 Da partilha da ONU aos Acordos de Oslo ...................................... 107
3.1 Limpeza étnica da Palestina...................................................... 124
3.2 A OLP e as negociações de paz ................................................ 136
4 Oslo: armadilha sionista contra palestinos ..................................... 145
4.1 Acordo sem consenso entre palestinos.................................... 149
4.2 Oslo: acordo não cumprido por Israel..................................... 152
4.3 Reflexos dos Acordos de Oslo na atualidade .......................... 161
PARTE II - Entre catástrofes, resistência e solidariedade ................. 167
5 A Nakba continua. A resistência e a solidariedade também ......... 169
5.1 Lei do “Estado-Nação”: o apartheid avança ............................ 171
5.2 A infância como alvo do genocídio sionista .......................... 176
5.3 Presos políticos palestinos ........................................................ 183
5.4 Campos de refugiados: favelas palestinas ............................... 188
5.5 Demolições como castigo coletivo ........................................... 192
5.6 A dupla segregação dos beduínos ............................................ 195
5.7 Boicote como uma forma de resistência ................................. 198
5.8 A Flotilha da Liberdade............................................................. 202

13
5.9 Um dia para o mundo lembrar Jerusalém............................... 207
5.10 O movimento de solidariedade no Brasil .............................. 224
5.11 Fórum Social Mundial Palestina Livre em Porto Alegre ..... 228
6 O Movimento de Resistência Islâmica............................................. 235
6.1 Hamas e o futuro da Palestina ................................................. 244
6.2 A Grande Marcha do Retorno .................................................. 251
PARTE III - Brasil e Palestina .............................................................. 261
7 A presença árabe e islâmica no Brasil .............................................. 263
7.1 As relação amistosas entre Brasil e Palestina .......................... 270
7.2 Brasil-Palestina na era Lula/Dilma .......................................... 279
7.3 Diplomacia bolsonarista: o Brasil descendo a ladeira............ 297
7.4 Bolsonarismo: o Brasil descendo a ladeira.............................. 300
Conclusão .............................................................................................. 307
Referências ............................................................................................. 313
Apêndice - Entrevista com Ismail Haniyeh, líder político do
Movimento de Resistência Islâmica (HAMAS) ................................. 329
Anexos.................................................................................................... 341
Anexo I - Excertos da Resolução da ONU n 181, de 28 de
novembro de 1947................................................................................. 345
Anexo II - Excertos da Resolução n 194 (III), de 11 de
dezembro de 1948 ................................................................................. 357
Anexo III - Resolução n 303 (IV) (1949), de 9 de dezembro
de 1949 .................................................................................................. 363
Anexo IV - Declaração de Independência da Palestina.................... 367
Anexo V - Documento de princípios gerais e políticas
do HAMAS ............................................................................................ 375
Anexo VI - Declaração do Aiatolá Seyed Ali Khamanei de
apoio a Intifada...................................................................................... 387
Anexo VII - Cronologia das relações bilaterais Brasil-Palestina ..... 401
Anexo VIII - Documento de Referência do Fórum
Palestina Livre ....................................................................................... 407

14
O amigo é a resposta aos teus desejos. Mas não o
procures para matar o tempo! Procura-o sempre
para as horas vivas. Porque ele deve preencher a tua
necessidade, mas não o teu vazio.

Khalil Gibran.

15
Agradecimentos

17
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Todos os louvores são para Allah.


Quero expressar a minha imensa gratidão à professora Berenice
Bento pela orientação neste trabalho, pelas horas de diálogos,
discussões e estudos, pela leitura e releitura dos textos, pelo incentivo
e apoio para que este livro pudesse chegar às nossas mãos. Seu carinho,
companheirismo e paciência, foram dádivas que me permitiram
chegar ao final deste trabalho.
Meu agradecimento sem medidas ao Dr. Ahmed Shehada,
um irmão palestino e agora brasileiro que faz da causa palestina a
sua jihad. A melhor parte desta parceria foi a fundação do Instituto
Brasil-Palestina (IBRASPAL), que deu um novo sentido a luta de
solidariedade ao povo palestino no Brasil.
Agradeço ao Dr. Hasem Bisharat, meu irmão palestino e anfitrião
na Terra Santa, pelas indicações históricas e políticas, pelos diálogos
e pelo incentivo. Ao grande cartunista e ativista da causa palestina
Carlos Latuff, por ceder gentilmente as charges aqui publicadas.
Ao ayatollah sheikh Mohsen Araki e aos sheikhs Taleb Hussein Al-
Khazraji, Hossein Khaliloo, Khaled Taky El Din, Jihad Hammadeh
e Mohamed Bukai, com quem dialoguei e aprendi sobre o Islam e a
Palestina. A Baby Siqueira Abrão e Silvinha Grando, amigas queridas
e ativistas dedicadas e estudiosas, com quem dialoguei e aprendi sobre
a causa palestina.
Agradeço a Abdel Hamid, Adnan El Sayed, Ali Abou Handam,
Ana Cristina Sanchotene, Ana Prestes, Antonio Barreto, Assis Melo,
Bárbara Aguiar, Conceição Santos Tetinha, Cláudia Faluh Balduino
Ferreira, Daniela Ernst, Francirosy Barbosa, Hassan Assad, Heba
Ayyad, Ivana Mélo, Jihad Abu Ali, José Reinaldo Carvalho, Karine
Garcez, Khalil Karam, Luiz Carlos Antero, Marcelo Buzetto, Marcelo

19
Sayid Marcos Tenório

Salahuddin Bulhões, Márcio Jerry, Mohamed Zrug, Nasereddin


Al-Kazraji, Pedro Charbel, Ricardo Capelli, Regina Laila Pin, Rita
Coitinho, Romana Dovganyuki, Socorro Gomes Coelho, Thomas de
Toledo, Valéria Martirena, Wadson Ribeiro e Wevergton Brito pelo
incentivo que sempre me deram, sendo que são também responsáveis
por este livro ter deixado de ser uma ideia e pudesse se concretizar.
Agradeço a Manoela Gouveia e a Danya Hubbi, pelas traduções dos
textos do inglês e árabe para o português. E ao Mauro Panzera e Thalis
Cantizani, pela belíssima capa deste livro.
Agradeço em especial a Feres Shahateet, um irmão com quem
pude contar sempre. A Luciana Santos, Aldo Rebelo, Leandro Cruz
Froes, Andréa Barbosa e Caio Carneiro, amigos com quem pude
contar em momento crucial.
Agradeço imensamente o apoio e incentivo dos familiares,
irmãos e irmãs muçulmanas e de outras crenças, amigos e amigas
que, de uma maneira ou de outra, me auxiliaram com traduções,
indicação de fontes, de livros e textos para pesquisa e por auxiliar no
aperfeiçoamento deste trabalho.
Aquele que não agradeceu às pessoas, não agradeceu a Allah
Profeta Muhammad

20
Prefácio

21
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Quando meu amigo Ahmed Shehada me contatou informando


que me indicou para escrever o prefácio de um livro, confesso, fiquei
preocupado. A indicação do Shehada é uma responsabilidade grande.
Ao receber o texto e descobrir que o autor era do Sayid Marcos Tenório
a preocupação aumentou. No momento que eu notei que o assunto era
a Palestina, uma incontrolável mistura de emoção, revolta e tristeza
tomou conta de mim. O drama da Palestina tem a duração da minha
vida. Acompanhei passo por passo o maior roubo da história da
humanidade, o roubo de um país, um verdadeiro latrocínio coletivo
com todos os requintes de crime hediondo, praticado sob a benção, e
as armas, dos baluartes da democracia e da liberdade.
Palestina é a ferida que ainda sangra, a dor que não se arrefece, e
a vergonha que nos revolta. Palestina é a terra que acolheu os profetas,
abraçou as religiões e hoje está sendo maculada pelos assassinos de
criança, matadores de mulheres inocentes e defensores frenéticos de
limpeza étnica, no melhor estilo do antigo aliado dos sionistas, Adolf
Hitler.
Em mais de 400 páginas o autor nos brinda com um tratado
amplo, profundo e rico sobre a questão palestina. Como pesquisador
não posso omitir a minha admiração com a precisão científica do
Sayid, respaldando cada informação com a devida comprovação
bibliográfica e suportando seus dados com fontes reais e confiáveis.
A importância disso transcende a simples confirmação dos dados
apresentados no texto, a pesquisa do autor nos traz o alento que ainda
existe quem se arrisca a falar a verdade em um mundo de mentiras,
quem ousa a acender uma luz no túnel de escuridão em que se tornou
nosso mundo civilizado.

23
Sayid Marcos Tenório

Na sua viagem histórica pela sua apresentação e no seu


primeiro capítulo, o autor nos brinda com fatos importantes e relatos
interessantes. Concordamos com alguns e discordamos de outros, mas
admitimos a clareza da apresentação e a riqueza dos detalhes. Segue o
autor tratando de quais povos habitaram a “Terra de Canaã, Filistina,
Palestina”. Uma preocupação constante em todos os textos que tratam
da causa palestina, mas só na Palestina. Ninguém trata da história
dos povos que habitavam América do Norte ou América do Sul, nem
mesmo há 500 anos atrás, mas sempre no caso palestino se fala dos
direitos de quem supostamente habitou lá há 5000 anos.
No Capítulo 2 chega o autor a um dos pontos mais importantes
do livro quando se trata do “Sionismo: projeto colonial europeu”.
Somente nesse escopo que nós vamos entender o que aconteceu, e o
que está acontecendo, na Palestina. Não foi coincidência o incremento
da mobilização judaica na Palestina logo depois da carta do Balfour,
o aumento grande das colônias judaicas, a criação da universidade
hebraica em Jerusalém em 1925. Acreditamos que sem a incorporação
do plano sionista pelo projeto colonialista europeu, o plano sionista
não teria mais sucesso que a República de Biafra ou o plano da
separação da Catalunha.
Quando tratava da questão da partilha, o Sayid transcreveu o texto
do Luiz Alberto Moniz Bandeira que entende que a questão foi decidida
por “puro oportunismo eleitoral”. Entendemos que o voto dos judeus é
um fator lembrado nas eleições americanas, mas nós não o vimos com
a importância que sempre é visto. A política americana é traçada por
décadas e se baseia em objetivos consolidados e planejamento rígido.
Para o espanto de muitos, podemos afirmar que o estado judeu não
passa de um instrumento da política americana tanto quanto qualquer
país Árabe. A diferença é que eles exigem um preço alto para exercer
seu papel e nós o fazemos de graça, aliás, muitas vezes pagando. Para
quem duvida disso, basta conectar os seguintes fatos:
- A entrada tardia dos Estados Unidos na Segunda Guerra, depois
do esgotamento de duas partes o que lhe garantiu a vitória esmagadora
e o papel de salvador do ocidente;

24
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

- O lançamento da bomba atômica no espetáculo de abertura da


Nova Era;
- A tomada dos Estados Unidos do projeto da criação das Nações
Unidas com sede em território americano e com a criação do Veto.
- A assunção definitiva do papel de polícia, julgamento e
execução em qualquer lugar do planeta.
Fatos esses reconhecidos pelo autor na sua obra quando relata:
“Nunca é demasiado dizer que o estado sionista não é senão a
extensão do poder dos Estados Unidos no Oriente Médio. Digamos,
uma base estadunidense, sempre pronta a prestar os seus serviços, por
mais sujos que sejam. Por outro lado, Israel não ousa realizar uma só
operação militar sem que para isso seja dado o consentimento dos
Estados Unidos.”
Transcorre o autor sobre os massacres cometidos pela ocupação
sionista com o inconfundível objetiva de exterminar o povo palestino.
Não bastou rouba-lhes a terra os ocupantes decidiram também roubar
lhes a vida, a dignidade e própria existência humana, a descrição dos
massacres cometidos por homens como David Ben Gurion, Menahem
Begin e Yitzhak Shamir é de cobrir o planeta de indignação e revolta,
lamentável que alguns autores falam do Holocausto nazista que nunca
se provou verdadeiro.
Obviamente não pretendemos, nem podemos resumir o livro
no prefácio, pois, a obra é vasta, profunda e rica. Navega o autor em
mares violentos quando fala do Movimento de Resistência Islâmica,
considerada por alguns como organização terrorista que ameaça a
existência de Israel, e vista por outros como um legítimo movimento
de resistência palestino. Tenha o autor que enfrentar o confronto entre
Hamas e ANP considerada por Hamas, e por muitos, um garantidor
indireto da segurança de Israel nos Territórios Ocupados, com a
função de anular qualquer forma de resistência à ocupação. Teve o
autor de entrar na arena para encarar o maior mito da Palestina nos
tempos modernos, Yasser Arafat.

25
Sayid Marcos Tenório

Termina o autor versando sobre a presença Árabe islâmica


no Brasil e as relações amistosas entre Brasil e Palestina, que
lamentavelmente estão mudando radicalmente com o novo governo
no Brasil, o relato profundo apresentado pelo livro nesses dois aspectos
deve ser considerado como verídico para o período encerrado em
dezembro 2018.
O livro é uma obra digna de um lugar em nossos acervos, é uma
referência enriquecedora indispensável para qualquer pesquisador da
causa palestina, é um trabalho louvável que merece nossa admiração
e respeito.
Moustafa Mohamed El-Guindy
Professor Titular aposentado de Unicamp
Doutor em Bioquímica, Livre Docente em Odontologia
LLM em Direito pela Universidade de Whittier, Califórnia

26
Apresentação

27
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Há algum tempo vários amigos e amigas me incentivavam para


que reunisse os artigos de minha autoria sobre o conflito na Palestina
numa publicação. Não como um trabalho acadêmico ou de dirigente
político (que não sou), mas um livro com a visão de um ativista
da causa palestina sobre este tema tão importante, embora pouco
conhecido por parte do leitor brasileiro, mesmo entre ativistas dos
direitos humanos, fortemente influenciados pelo senso comum sobre
a questão.
Um livro que buscasse esclarecer a questão da Palestina, tratada
erroneamente pela opinião pública e pela “opinião publicada” como um
problema árabe-judaico, originado de uma disputa político-religiosa
travada entre os judeus, de um lado, e pelos palestinos (muçulmanos
e cristãos), de outro, onde muitas pessoas são levadas a acreditar que
se trata de um problema meramente relacionado à disputa, segundo a
narrativa bíblica, por um território “prometido” a um povo “escolhido”
para exercer o seu domínio sobre a terra e o gênero humano e que
voltaram para reclamar este direito adquirido e fundar o seu Estado.

29
Sayid Marcos Tenório

Sabe-se hoje, mais do que nunca, que a Palestina é parte de um


contexto mundial que evoluiu a partir do surgimento do sionismo
internacional, um movimento nacionalista judaico fundado na Europa
no século XIX, que pregava o estabelecimento de um “lar nacional para
os judeus”, que seria concretizado através da criação na terra Palestina
de um Estado puramente judeu, não só em sua estrutura sociopolítica,
mas também em composição étnica, de cuja estratégia faz parte o atual
estágio de apartheid racista e limpeza étnica. O projeto colonialista
ganhou impulso quando a ONU promoveu a partilha da Palestina em
1947, por meio de um ato injusto e ilegal, porque as Nações Unidas
não tinham qualquer jurisdição ou poder sobre aquele território. A
ONU, além de dar um aval internacional ao projeto colonial sionista,
também lhe forneceu os meios políticos para sua realização, embora
depois tenha tentado amenizar as trágicas consequências da Partilha
atravésprogramas paliativos desenvolvidos por meio de suas agências.
É por esta e outras razões que entendo que qualquer luta por
justiça que se desenvolva, nos quatro cantos do planeta, tem a ver
com a causa palestina. Ela é espelho da Jihad2 de qualquer lutador,
seja estudante, trabalhador, mulher que luta pela igualdade de gênero,
negros que buscam igualdade racial e, sobretudo, daqueles que lutam
pela sua autodeterminação e independência. A Palestina carrega em si
a utopia de todos os lutadores do mundo.
Palestina que se tornou o slogan das manifestações dos estudantes
egípcios no início da década de 1970, quando gritavam “Somos todos
palestinos”. Os iranianos que se manifestavam contra o Xá Reza
Pahlavi em 1978 e na grande Revolução Islâmica de fevereiro de 1979
também se identificavam com os palestinos na luta contra a opressão
e pela liberdade. Dos nossos irmãos saharauis que se inspiram na
luta dos palestinos, cuja situação se assemelha à sua, para enfrentar
a ocupação e o apartheid do Marrocos nos territórios ocupados do
Sahara Ocidental, embora a Autoridade Palestina apoie o projeto
colonial do rei feudal do Marrocos, Mohammed VI.

2 Palavra árabe que significa esforço, empenho e não guarda nenhuma relação
com uma suposta “guerra santa” utilizada para se referir à resistência árabe e
islâmica.

30
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

A ideia de resistência, em qualquer parte do mundo, ganha


conteúdo e força a partir da luta dos palestinos. Até na denúncia dos
moradores do Conjunto de Favelas da Maré, localizado na Zona Norte
do Rio de Janeiro, que vivenciaram – durante a realização da Copa do
Mundo de 2014 – uma situação de apartheid que eles alegam não ser
diferente da que os palestinos vivem em seu espaço de moradia hoje.
A jornalista Gizele Martins relata visita que fez à Palestina,
onde pôde observar as semelhanças com o cotidiano das favelas do
Rio de Janeiro na forma dos assassinatos, nas escolas fechadas, no
desemprego, no medo, nas invasões de casas, no não direito de ir e vir,
além de tantos outros problemas. Ela escreveu que:
Assim como lá [na Palestina ocupada], a militarização da vida
é algo constante e assustadora. Lá, são os caças que passam
diariamente pela vida palestina; aqui são os caveirões aéreos
que passam também diariamente pelas vidas faveladas. O
mais triste é perceber que existe uma naturalização mundial
sobre a violência que os dois diferentes povos sofrem pelos
poderes estatais e militares3.

Desde que os cananeus chegaram àquela terra até os dias de


hoje, se passaram seis mil longos anos, marcados por ocupações,
retomadas, guerras e batalhas cujo objetivo dos agressores era tornar
a Palestina numa terra que fugia ao seu significado de terra de todos.
Romanos, persas, muçulmanos, otomanos, britânicos e judeus
sionistas asquenazes e khazares vindos da Europa Central e do Leste
europeu, todos tentando dominar a Terra Santa.
A Palestina, e Jerusalém em particular, tem uma longa e rica
história que é acentuada pelo significado religioso, simbólico e estratégico
daquela região. A história da Palestina traz consigo o testemunho da
vida e das culturas dos numerosos povos que ali habitaram, construíram
e reinaram ao longo de milênios. É um dos temas que mais tem gerado
pesquisas e análises. Sua longa existência, história e importância

3 MARTINS, Gizele. Da Palestina à Maré: a luta pelo direito à vida. Disponível em:
http://www.pacs.org.br/2017/10/02/da-palestina-a-mare-a-luta-pelo-direito-a-
vida/.

31
Sayid Marcos Tenório

universal deram origem a uma vasta literatura sobre o seu passado e


hoje desperta grande interesse sobre o seu futuro, em meio a mais cruel
e trágica das ocupações que sofreu ao longo de sua existência.
O certo é que a questão palestina jamais foi simplesmente um
problema árabe-israelense e nem um conflito (disputa, problema,
luta etc.) que põe em confronto apenas árabes e judeus. Como bem
esclarece Edward W. Said4, no seu livro A questão da Palestina (2011):
É evidente que há um considerável reducionismo nessa
visão, mas o que está de fato errado nela é que, na maioria
das vezes, ela literalmente impede os palestinos de ter algo
a ver com o atual Oriente Médio, que, desde setembro de
1978, parece ser simbolizado apenas por Menachem Begin,
Anuar Sadat e Jimmy Carter fechados em Camp David.
Parte expressiva da literatura sobre o Oriente Médio, pelo
menos até 1968, deixa a impressão de que a essência do
que acontece lá é uma série de guerras intermináveis entre
grupos de países árabes e Israel. O fato de que tenha existido
uma entidade como a Palestina até 1948 ou que a existência
de Israel – sua “independência”, como se diz – resultou da
erradicação da Palestina são verdades indiscutíveis, que a
maioria das pessoas que acompanha os acontecimentos no
Oriente Médio desconhece ou não percebe. O mais relevante
é a contínua negação ou ignorância da existência no cotidiano
de cerca de 4 milhões de árabes muçulmanos e cristãos que
são conhecidos como palestinos. Eles constituem a questão
da Palestina, e, senão há nenhum país assim, chamado, não é
porque não há palestinos. Eles existem, sim5.

A Palestina é uma terra cujo confronto entre sua existência


e negação evoluiu num contexto mundial a partir das manobras
e intrigas desencadeadas por mais de um século pelo movimento
sionista internacional surgido na Europa do século XIX, que pregava

4 Edward Wadie Said (1935-2003) é um dos mais importantes intelectuais


palestinos, crítico literário e ativista da causa palestina. Sua obra mais
importante é Orientalismo, publicada em 1978 e traduzida em 36 línguas, que é
considerada como um dos textos fundadores dos estudos pós-coloniais.
5 SAID, Edward W. A questão palestina. São Paulo: EdUnesp, 2011. p. 5-7.

32
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

o estabelecimento de um “lar nacional” para os judeus assentados no


território onde historicamente existiu a Palestina, a quem os sionistas
se referiam como Eretz Israel (nome da Palestina na religião judaica)
perante imperadores, sultões e governantes europeus, com destaque
para o Império Britânico com o objetivo de facilitar a criação do Lar
Nacional Judeu na Palestina, até (in)evoluir ao estágio de apartheid
e limpeza étnica que se verifica nos dias de hoje. Note-se que a
reivindicação do movimento sionista era no sentido de se obter um “lar
judeu” e não um “Estado Judeu”, como passaram a pregar mais adiante.
Com seus 27.000 km2, a Palestina é um território que, do ponto
de vista econômico, político, religioso e militar, tem uma localização
estratégica. Está localizada na divisa da África e Ásia, e bem próxima
da Europa. A Palestina é dona de um vasto litoral banhado pelo Mar
Mediterrâneo e, pelo Sul, e à partir do Golfo de Aqaba chega-se ao
Mar Vermelho, ao Mar da Arábia e ao Oceano Índico. E daí, para o
resto do mundo.
O viajante inglês, colonizador e poeta George Sandys (1577-
1644), que visitou Constantinopla, o Egito, o Monte Sinai e a Palestina,
referiu-se à Palestina como
uma terra abundante em leite e mel; no centro do mundo
habitável e com um clima temperado; adornada por belas
montanhas e vales luxuriantes; as rochas produziam
excelentes águas; e não havia nenhuma parte desprovida de
deleite ou renda6.

Palestina é um lugar de causas e peregrinações, com grande


importância doutrinária para quem luta por independência e liberdade.
Dizer que aquele lugar é a Palestina e não Israel é por si um ato de
vontade política, de contestação à narrativa sionista de que a Palestina
teria existido apenas durante o Império Romano, sob o Império
Otomano e durante o Mandato Britânico. Geógrafos, historiadores,
filósofos e poetas que escreveram seus relatos em árabe desde o século
VIII disseminaram muitas e ricas narrativas sobre a Palestina, sem
6 Sandys apud Bevis, “Make the Desert Boom”, p. 4., citado por Edward W. Said
em A questão da Palestina (2012, p. 13).

33
Sayid Marcos Tenório

contar a existência de inúmeras referências à Palestina na literatura


europeia desde a Idade Média. Palestina é o lugar que simboliza para
onde retornar, por onde lutar, a quem apoiar.
A questão da Palestina – e de Jerusalém, em particular – é
o problema mais urgente da humanidade. Nenhum povo é tão
massacrado quanto nossos irmãos palestinos. Setenta anos se passaram
desde a injusta ocupação da Palestina, sem que uma solução tenha
sido adotada para livrar seu povo do sofrimento e do apartheid racista
exercido por Israel.
A libertação da Palestina é a causa de um povo a quem o mundo
tem sido incapaz de assegurar seus direitos e restaurar a eles o que
lhes tem sido usurpado, um povo cuja terra continua a sofrer os piores
tipos de ocupação e segregação no mundo. Simboliza a resistência que
continuará até que a libertação esteja realizada, até que o retorno esteja
completo e até que um Estado Palestino soberano esteja estabelecido
tendo Jerusalém como sua capital.
Como está escrito na recente resolução política do Movimento
de Resistência Islâmica – Hamas, a Palestina não é fração de qualquer
território. É a nação que se estende do Rio Jordão, no Oriente, ao
Mediterrâneo, no Ocidente. E de Ras Al-Naqurah, no Norte fronteiriço
com o Líbano, até Umm Al-Rashrash, no Sul. É uma unidade territorial
integral, milenar, histórica. Esta é a terra e o lar do povo palestino, seja
ele judeu, cristão, muçulmano, árabe ou não árabe. Para os palestinos,
1948 é o cerne da questão e somente tratando dos males perpetrados
pela Partilha e ocupação pode-se pôr um fim no conflito na região.
A expulsão e o banimento do povo palestino de sua terra e o
estabelecimento de um Estado judaico em seu lugar não anularam o
direito do povo palestino sobre a integralidade da sua terra. E qual é a
solução para o impasse histórico em que se encontra a Palestina hoje?
Como observador da cena palestina, entendo que o maior desafio do
povo palestino, a quem cabe dizer e conduzir o caminho a seguir, seja
por unir todas as forças palestinas para uma solução justa, derivada de
uma consulta popular de toda população que viva entre o rio e o mar,
incluindo os milhões que foram expulsos e seus descendentes.

34
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Não há como não entender que política e historicamente


Jerusalém é a capital da Palestina. Seu status religioso, histórico e
civilizacional é fundamental a árabes, muçulmanos, cristãos, judeus
e ao mundo em geral. Os lugares sagrados para muçulmanos e
cristãos pertencem exclusivamente ao povo palestino. As medidas
tomadas pelos ocupantes em Jerusalém como a judaização, construção
de muros e assentamentos para torná-los fatos consumados são
fundamentalmente ilegais perante o Direito Internacional e as
Resoluções das Nações Unidas. Conforme discutiremos neste livro,
os planos do ocupante israelense, as medidas e tentativas de judaizar
a Palestina são ilegais e ilegítimos. Mais cedo ou mais tarde, serão
revogadas pelas circunstâncias e pela resistência palestina.
O lobby a favor de Israel em todo o mundo é muito poderoso.
Compra a lealdade de políticos, governos e bancadas nas casas
legislativas de vários países, a exemplo da chamada bancada evangélica
na Câmara dos Deputados, que é um lobby em favor de Israel. Além
do apoio de bancadas no Congresso Nacional, eles instrumentalizam
igrejas evangélicas e põem-nas para trabalhar em seu favor, baseados
na lenda de que o estabelecimento do Estado de Israel em 1948 está de
acordo com a profecia bíblica do retorno dos judeus à Terra Prometida.
Esquecem esses sionistas cristãos pentecostais7 e neopentecostais que
as tribos de Israel mencionadas no Velho Testamento não guardam
nenhuma relação com os judeus sionistas que ocuparam a Palestina.
Governos e políticos que não se curvam aos seus interesses são
intimidados e ameaçados.
Apesar de todo esse aparato, movido ao custo de muitos milhões
de dólares e promessas de negócios e vantagens, a vida dos ocupantes
não tem sido fácil. A imagem do regime sionista na opinião pública
mundial encontra-se pior a cada dia. E isso se deve, em grande
medida, ao Movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções – o

7 Pentecostal é um movimento de renovação do cristianismo que começou em


Los Angeles em 1906, através do pregador William J. Seymour. São pentecostais
as igrejas que têm práticas semelhantes à Igreja Universal do Reino de Deus,
entre outras.

35
Sayid Marcos Tenório

BDS – contra as empresas e negócios dos ocupantes e aos esforços da


resistência palestina em todo o mundo.
Se foi possível derrotar o apartheid racista na África do Sul,
por que não poderá ser possível na Palestina? É dever de todas as
pessoas que amam a justiça e os legítimos direitos apoiar a Intifada8
e a Resistência Palestina, onde quer que estejam, em qualquer parte
do mundo. A libertação da Palestina é a causa mais urgente da
humanidade. E também não podemos nos esquecer dos nossos irmãos
de Gaza. Aqueles palestinos/as que há anos estão pagando um elevado
preço por manterem ativa e altiva a inquebrantável Resistência contra
o inimigo usurpador. Os palestinos de Gaza que sofrem, inclusive,
pelas reiteradas políticas subservientes de outros palestinos.
Tive oportunidade de conversar com várias lideranças políticas
e ativistas na Palestina Ocupada9, no Brasil e em outros países que
visitei, e o sentimento que pude recolher é o de que o povo palestino
não quer nada mais do que o respeito aos seus legítimos direitos.
E que estes direitos seculares estejam em total concordância com a
democracia e a justiça, aí incluindo o regresso dos refugiados, a
compensação e permanência legítima na Palestina de todos os que
desejarem. A solução para o impasse histórico e político em que se
encontra a Palestina, segundo meus interlocutores, se dará pela cultura
e exercício da legítima e permanente resistência à ocupação. Será
aquela decidida pelo povo palestino e que esteja em total concordância
com a democracia e a justiça.
Assim sendo, este estudo é uma modesta contribuição de um
ativista que acompanha a luta do povo palestino por tantos anos,
para que possamos aprofundar nosso conhecimento e informações,
suscitar questionamentos e acentuar nossos pontos em comum para
essa somatória solidária à causa do povo palestino.
8 Intifada é uma palavra árabe que significa literalmente “revolta” e designa o
movimento de insurgência popular contra a ocupação israelense e teve origem
nos levantes de 1987.
9 Designação dada pela Organização das Nações Unidas a territórios ocupados
militarmente por Israel em 1967, que compreendem Gaza e Cisjordânia,
incluindo Jerusalém Oriental.

36
PARTE I
História do projeto
colonial sionista

37
1
Palestina antes do sionismo

39
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Mapa baseado nos escritos de Heródoto, do ano 450 a.C. No mapa pode-se
observar a menção à Palestina, visitada por Heródoto em sua viagem por Tito,
no atual Líbano, Egito e Babilônia, atual Iraque. Israel só foi inventada 2.400
anos depois. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Heródoto.

1.1 Terra de Canaã, Filistina, Palestina


Há mais de 6000 anos, depois do período de uma grave seca
que assolou a Península Arábica, região onde se localiza hoje a
Arábia Saudita, os cananeus, membros das tribos árabes semitas10,

10 Semitas são os descendentes de Sem, o filho do Profeta Noé e personagem


bíblico do Antigo Testamento. Diz-se sobre os árabes, hebreus e outros povos
originários do norte da Península Arábica. As três grandes religiões monoteístas
– islamismo, cristianismo e judaísmo – possuem raízes semitas, e não apenas os
judeus.

41
Sayid Marcos Tenório

migraram para o oeste e foram se estabelecer na região próxima ao


Mar Mediterrâneo que forma hoje a Síria, o Líbano, a Jordânia e a
Palestina. Os cananeus deram ao território que habitavam o nome de
“Terra de Canaã”.
Aproximadamente 2000 anos depois da chegada dos cananeus,
os filisteus, vindos da ilha de Creta, chegaram à Terra de Canaã,
misturaram-se com as tribos cananeias e viveram na região sudoeste,
para a qual deram o nome de Filistina ou Palestina.
Os jebuseus, um subgrupo cananeu, fundaram a cidade de Jebus
(Jerusalém) por volta do ano 3000 a.C., no lugar onde está localizada
hoje e edificaram o primeiro muro ao redor da cidade, dotado de 30
torres e 7 portões11.
Os cananeus logo descobriram que a sua nova terra estava numa
localização estratégica, tendo o Mediterrâneo a oeste, a Mesopotâmia
ao nordeste e a Ásia a nordeste. Uma conexão entre a Ásia e a África,
entre os fecundos vales dos rios Eufrates e do Nilo, lugares das maiores
civilizações da antiguidade. Sem dúvida, uma posição privilegiada,
porém muito atrativa aos conquistadores e colonizadores desde
tempos imemoriais.
Aquela terra tornava-se uma região cercada por poderosos
impérios originários do Egito, localizado a sudoeste. A posição
geográfica da sua terra lhes dava o significado tanto como facilitador
e uma ponte entre os vários impérios regionais, quanto como uma
arena de lutas e conflitos entre eles. Em consequência desses fatores,
os cananeus nunca puderam estabelecer um Estado forte e unificado.
Suas organizações políticas tomaram forma de cidades independentes
dotadas de governos ligados por relações federativas.
Dentre as cidades mais proeminentes dos filisteus, cananeus e
fenícios que habitaram a área da atual Palestina, estavam Bairtuyus
(Beirute), Sidon, Tiro, Acre, Ashkelon e Gaza. As cidades cananeias
que mais se destacavam eram Jericó, Nablus e Jerusalém. Desde os

11 BISHAI, Wilson B. Islamic History in the Middle East. Boston: Allyn and Bacon,
1968. p. 34.

42
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

tempos das primeiras civilizações na Palestina, Jerusalém tem sido sua


parte mais importante e inseparável e quem quer que controle a cidade
se põe numa posição de dominação sobre toda a Palestina. Jerusalém é
a raiz da turbulenta e conflituosa história da Terra Santa.
Por volta do século XVIII a.C., Ibrahim (Abrahão) veio de Ur,
no sul da Mesopotâmia, distante 320 km de Bagdad, para a Terra de
Canaã, estabelecendo-se nas cercanias do Vale do Jordão. Como nem
o Velho e nem os Novos Testamentos tinham sido revelados, não se
pode dizer que Abrahão era judeu ou cristão, mas um crente descrito
no livro de Gênesis do Velho Testamento como alguém que pregava a
unicidade de Deus. O Alcorão o menciona como um muçulmano, não
na acepção moderna de alguém que segue a religião islâmica, mas no
sentido de ter entregado sua submissão à vontade de Deus Único, um
dos cinco pilares do Islamismo.
Estudiosos das referências bíblicas acerca dos povos que habitaram
a terra de Canaã, como os arqueólogos israelenses Israel Finkelstein
e Neil Asher Silberman, apontam que o Êxodo deve ter ocorrido no
século XIII a.C. e que a menção mais antiga de Israel, num contexto
extrabíblico, foi encontrada no Egito, numa estrela encontrada entre
as ruínas da cidade de Pi-Ransés (‘A Casa de Ramsés’), construída
no delta na época do rei egípcio Ramsés II, que governou de 1279 a
1231 a.C., em cujas obras de construção semitas foram aparentemente
aproveitados. Eles escreveram no livro A Bíblia não tinha razão que a
inscrição encontrada “relata uma destrutiva campanha militar egípcia
naquela região, durante a qual um povo chamado Israel foi dizimado
ao ponto de o faraó ter-se vangloriado de que ‘a semente de Israel não
mais existe!’” Embora seja uma atitude arrogante e excessiva de um
líder vitorioso, indica que algum grupo conhecido como Israel teria
vivido na região montanhosa de Canaã e que o êxodo histórico teria
ocorrido no final do século XIII a.C.
Sobre as inscrições encontradas, os arqueólogos escreveram na
obra mencionada que
a estrela de Meneptha registra pela primeira vez o nome de
Israel, em algum texto antigo que sobreviveu. Novamente,

43
Sayid Marcos Tenório

isso levanta questões básicas: Quem eram os semitas no


Egito? Podem ser considerados israelitas, por alguma
razão significativa? Nenhuma menção do nome Israel foi
encontrada nas inscrições ou documentos relacionados
com o período de hicsos12. O nome não é mencionado
sequer nas inscrições egípcias posteriores, nem no extenso
arquivo cuneiforme do século XIV a.C., encontrado em
Tell el-Amarna, no Egito, cujas aproximadas quatrocentas
letras descrevem, detalhadamente, as condições social,
política e demográfica de Canaã naquele tempo. [...] os
israelitas emergiram de modo gradual, como grupo distinto
em Canaã, apenas no final do século XIII a.C. Não existe
evidência arqueológica conhecida da presença de Israel no
Egito imediatamente antes daquele período13.

Os doze filhos de Jacó (netos de Abraão e filhos de Isaque) ou as


doze tribos de Israel, conforme o relato bíblico, migraram para o Egito
por volta de 1300 a.C. e se integraram aos egípcios. Dessas, somente as
tribos de Judá e Simeão conseguiram conquistar territórios em Canaã,
onde se localizavam as supostas heranças concedidas por Deus. Era
originalmente um pequeno povo que se multiplicou e ganhou força
durante centenas de anos no Egito, tornando-se os Israelitas. Foi no
Egito que nasceu Moisés, patriarca das três religiões monoteístas. E
sob a liderança de Moisés os israelitas deixaram o Egito e vagaram
durante 40 anos no deserto do Sinai, por volta do século VIII a.C. Após
a morte de Moisés, Josué assumiu a liderança dos israelitas e conduziu-
os para o oeste pelo rio Jordão até a Cananéia. Seu avanço foi contido
pelos filisteus na área de Gaza e Jaffa, enquanto que os cananeus os
impediram de conquistar Jerusalém. Nos 150 anos seguintes, houve
numerosas lutas entre aqueles grupos, mas nem filisteus, cananeus ou
israelitas foram capazes de consolidar o controle sobre toda região.

12 Nota do autor: Os hicsos foram um povo semita asiático que invadiu a região
oriental do Delta do Nilo durante a décima segunda dinastia do Egito, iniciando
o Segundo Período Intermediário da história do Antigo Egito.
13 FINKELSTEIN, Israel; SILBERMAN, Neil Asher. A Bíblia não tinha razão. São
Paulo: A Girafa Editora, 2005. p. 87.

44
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

O rei dos israelitas, David (1040-970 a.C.), subjugou os pequenos


Estados de Edom, Moab e Amon, por volta do século X a.C. e, por
sete anos, fez de Hebron a sua capital, que depois foi transferida para
Jerusalém. David tomou e dominou Jerusalém por um curto período
de 7 anos, ao longo de sua história de mais de seis mil anos. Jerusalém
foi, então, denominada de “Cidade de Davi” no período de 1010-1003
e de 1003-970 a.C., durante o denominado Reino Unificado de Israel e
Judá. David foi sucedido por seu filho Salomão, que governou por 33
anos. Naquele período, os israelitas eram uma força de ocupação e os
judeus admitem que obtiveram o controle de Jerusalém por meio de
uma guerra contra o poderoso povo da Palestina.
Finkelstein e Silberman afirmam que estudos históricos e
arqueológicos desqualificam a única evidência de que teria existido
uma monarquia unificada baseada em Jerusalém. Segundo eles, Davi
e Salomão “foram, em termos políticos, pouco mais que líderes das
regiões montanhosas, cujo alcance administrativo permaneceu, de
modo regular, no plano local, restrito às montanhas” (2005, p. 261), ou
seja, apesar da ênfase bíblica sobre os feitos daqueles dois governantes,
era um reino convencional e comum ao Oriente Próximo, na região
montanhosa da terra de Canaã, no começo do século IV a.C., sem
grandes centros urbanos e sem hierarquia articulada de vilas, aldeias
e cidades.
Os dois arqueólogos lembram que as bases históricas das
narrativas dos feitos de Davi e de Salomão, principalmente sobre a
verdadeira extensão, magnitude e importância do “império” de Davi
foram recentemente questionadas. Eles escreveram que escavações
realizadas não conseguiram produzir evidências arqueológicas de
que Jerusalém tenha sido uma grande cidade no tempo dos dois
governantes.
E, hoje, os monumentos atribuídos a Salomão são mais
plausivelmente relacionados com outros reis. Então, a
reconsideração da evidência produzida tem enormes
implicações. Se os patriarcas não existiram, nem o êxodo,
nem a conquista de Canaã, nem a monarquia unificada sob a
liderança de Davi e de Salomão, podemos dizer que o antigo

45
Sayid Marcos Tenório

Israel bíblico, como descrito nos cinco livros de Moisés e nos


livros de Josué, dos Juízes e de Samuel, jamais existiu?14

Historiadores bíblicos como Thomas Thompson e Niels


Peter Lemche, da Universidade de Copenhagen, e Philip Davies, da
Universidade inglesa de Sheffield, argumentam que a monarquia
unificada de Israel não passa de construções ideológicas elaboradas
com habilidade e reproduzida nos círculos sacerdotais de Jerusalém,
depois do exílio na Babilônia, ou mesmo nos tempos helenísticos.
Descrições bíblicas sobre a fabulosa riqueza de Salomão, que teria
tornado a “prata tão comum em Jerusalém como a pedra” (Reis 10,27),
bem como sobre seu harém, são exageradas segundo os historiadores.
Sobre outros exageros tratados em textos bíblicos, Finkelstein e
Silberman escreveram que, apesar de toda riqueza e poder, nem Davi
nem Salomão são mencionados em nenhum texto conhecido do Egito
ou da Mesopotâmia. E que não existe evidências arqueológicas sobre
a existência dos famosos e grandiosos projetos de construção de
Salomão.
Escavações do século XIX e começo do século XX em volta
do monte do Templo em Jerusalém não reproduziram sequer
traço do fabuloso Templo de Salomão ou do complexo do
palácio. E, enquanto certos níveis de estruturas em sítios de
outras regiões do país foram devidamente associados à era
da monarquia unificada, o estabelecimento de suas datas
está longe de ser evidente15.

Os assírios, comandados pelo rei Sargão II, da Assíria, destruíram


o reino israelita ao norte por volta do século 720 a.C. Em 600 a.C., os
babilônios, sob o comando de Nabucodonosor, conquistaram o reino
israelita sudeste. Em ambos os casos a população foi levada como
escrava para a Babilônia e Assíria, na Mesopotâmia.
Por volta de 538 a.C., Ciro (600-530 a.C.), o rei dos persas,
conquistou o império babilônico e prosseguiu suas conquistas até

14 FINKELSTEIN, Israel; SILBERMAN, Neil Asher. A Bíblia não tinha razão. São
Paulo: A Girafa Editora, 2005. p. 175-176.
15 Ibidem, p. 181.

46
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

que ocupou a Síria e a Palestina, incluindo Jerusalém. Os persas


governaram Jerusalém e a Palestina por um período ininterrupto de
200 anos. Foi Ciro que permitiu que os escravos de Nabucodonosor
retornassem à Palestina.
A Palestina viveu sob o domínio egípcio de 322 a 200 a.C. e,
depois, por um curto período sob o governo dos selêucidas da Síria, de
200 a 142 a.C. Por volta de 63 a.C., após os romanos terem subjugado
os seldjúcidas, um povo nômade de origem turca, que gradualmente
adotou a cultura persa e contribuiu para a tradição turco-persa na
Síria, sob o comando do general romano Pompeu Magno (106-48
a.C.), assumiu o controle de Jerusalém. Com ajuda dos romanos,
Herodes (73-4 a.C.) se tornou rei da Judéia no ano de 40 a.C., reinado
que durou até a sua morte, em Jericó, no ano 4 a.C.
Em torno do ano 70 d.C., na era do imperador Tito Flavio (39-81
d.C.), os romanos infligiram aos judeus uma derrota devastadora.
Tomaram Jerusalém e queimaram o templo judeu de uma vez por
todas. Tito destruiu o Templo de Jerusalém como forma de pôr fim
e erradicar as religiões judaica e cristã como centro do monoteísmo,
apagando a aura de santidade que envolvia aquelas práticas religiosas
e permitir as práticas idólatras adotadas pelo Império Romano.
Sob o imperador romano Públio Aelius Adriano (73-138 d.C.),
várias décadas depois, os remanescentes da população judaica foram
subjugados e expulsos da Palestina. No ano 70 d.C., o imperador
romano Tito sufocou uma rebelião judia na Palestina e arrasou
brutalmente Jerusalém. A cidade foi reerguida no ano de 131 d.C.,
e a denominada de Colônia Aelia Capitolina, em homenagem ao
imperador Adriano, quando foi proibida a entrada de judeus. Por volta
do ano 395 d.C., Jerusalém viu aumentar com regularidade o número
de cristãos e tornou-se uma cidade bizantina e cristã.
Sob o imperador Constantino (morto em 337 d.C.) o cristianismo
começou a impor-se sobre o paganismo em Jerusalém e o próprio
Constantino ordenou a construção da Igreja do Santo Sepulcro. Seus
sucessores se encarregaram de cobrir o país de igrejas e edifícios

47
Sayid Marcos Tenório

religiosos. Os bizantinos autorizaram os judeus a entrar em Jerusalém


um só dia por ano, para cumprir seus ritos religiosos.
O historiador Slomo Sand escreveu no seu livro A invenção da
terra de Israel (2014) que, nesse período,
os circuncidados foram proibidos de entrar na cidade, de
modo que, até a cristianização do império no início do século
IV d.C., o ponto focal da fé judaica continuou na maior parte
fora dos limites judeus. A situação não melhorou muito após
o triunfo da cristandade por todo império. Jerusalém tornou-
se então uma cidade santificada cristã com muitas igrejas, e
só depois da chegada dos exércitos do Islam no começo do
século VII os judeus enfim tiveram permissão para entrar
livremente e residir em sua antiga cidade santa16.

No início do século VII d.C., após um breve período de controle


persa, a Palestina e a Síria saíram do jugo do império romano, que
durou 700 anos, e foram dominadas pelo império árabe-islâmico. Os
islâmicos escolheram Jerusalém, a Cidade Santa situada no centro da
Palestina, como o terceiro centro sagrado mais importante, depois de
Meca e Medina, e tornaram-na, assim, a primeira quibla, a direção
para onde os muçulmanos dirigem suas preces, e a Palestina foi
considerada “o recinto que Deus abençoou”, o lugar de onde o profeta
Mohammad ascendeu aos céus.
O líder religioso e vice-presidente da União Nacional Islâmica
(UNI) sheik Jihad Hassan Hammadeh tratou desse tema em artigo
onde diz que:
De acordo com a religião islâmica, Deus ordenou que o
profeta Abraão migrasse para a Palestina junto com sua
esposa Sara e construísse o segundo templo destinado
à adoração ao Deus único sobre a face da Terra, o que
se deu com o seu filho Isaac. O primeiro templo foi o de
Makkah, edificado pelo mesmo profeta junto com o seu
filho primogênito, Ismael. [...] A construção do templo de

16 SAND, Shlomo. A invenção da Terra de Israel: da Terra Santa à terra pátria. São
Paulo: Benvirá, 2014. p. 154.

48
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Jerusalém – em árabe, Al Quds – se deu 40 anos depois do


Templo de Makkah – em árabe, Al Kaabah. Portanto, são
sagrados e não podem ser profanados ou desrespeitados.
Alia-se a eles o terceiro templo, o do profeta, em Madina.
Juntos formam os 3 templos mais sagrados do Islã17.

Desde então, até a metade do século XX, a Palestina e Jerusalém


permaneceram árabes, do ponto de vista da língua, da cultura e da
demografia. Embora a população tenha se tornado majoritariamente
muçulmana, a convivência com cristãos e judeus foi sempre baseada
no respeito.
Nos primeiros tempos do período islâmico, os judeus que
viviam nos países onde o árabe era a principal língua de governo e
da população adotaram o árabe como sua língua para a vida secular,
embora o hebraico continuasse senso usado para fins litúrgicos e
religiosos.
Nesse tempo, Jerusalém também se tornou lugar de peregrinação
para cristãos e judeus. Para os cristãos, os lugares bíblicos e sagrados
mais visitados eram – e continuam sendo – naturalmente, os numerosos
lugares por onde o profeta Jesus caminhou.
Albert Habib Hourani (1915-1992), um historiador britânico
especialista em Oriente Médio e descendente de libaneses, relata – em
seu livro Uma história dos povos árabes – que as fronteiras políticas
do Oriente Próximo vinham num processo de mudanças e, tanto o
Império Bizantino quanto o Sassânida tinham sido enfraquecidos por
epidemias de peste e devido às longas guerras. No fim do reinado do
califa18 Omar Ibn al-Khattab (586-644 d.C.), o segundo califa depois
17 HAMMADEH, Jihad Hassam. A questão religiosa por trás de toda a
problemática entre Israel e Palestina. Disponível em: https://domtotal.
com/noticia/1346133/2019/04/a-questao-religiosa-por-tras-de-toda-a-
problematica-entre-israel-e-palestina/.
18 Califa é o líder da Ummah (nação) muçulmana. O título vem do árabe,
que significa “sucessor do Enviado de Allah”, numa referência ao Profeta
Mohammad. O primeiro Califa após a morte do Profeta foi Abu Bakr (632-
634), seguido por Omar Ibn al-Khattab (634-644), Othman Ibn Affan (644-
656), Ali Ibn Abi Taleb, o príncipe dos crentes, (656-661) e Hassan Ibn Ali (661-
661).

49
Sayid Marcos Tenório

da morte do profeta Mohammad e um dos mais poderosos e influentes


governantes muçulmanos, toda a Arábia, parte do Império Sassânida,
bem como a Síria e o Egito, que formavam parte do Império Bizantino,
haviam sido conquistadas. As terras sassânidas seriam ocupadas logo
em seguida.
Os árabes que invadiram os dois impérios não eram uma orda
tribal, mas uma força organizada, e alguns de seus membros
haviam adquirido habilidade e experiência militares a serviço
dos impérios ou na luta após a morte do Profeta. O uso dos
camelos proporcionou-lhes uma vantagem em campanhas
travadas em grandes áreas; a perspectiva de conquista de
terra e riqueza criou uma coalizão de interesses entre eles; e
o fervor da convicção deu-lhes um tipo diferente de força19.

Para os habitantes dos impérios conquistados pelos árabes, o


novo poder lhes trazia vantagens, pois consideravam mais fácil viver
sob um governante imparcial em relação aos grupos de cristãos, judeus
e outros ramos religiosos, onde não eram considerados estranhos e
não sofriam de perseguição por parte dos governantes muçulmanos.

1.2 A Palestina e o Islam


O califa Omar não tomou Jerusalém pela força. Quando o
exército árabe cercou a cidade, em 637 d.C., mas sem a invadir em
respeito aos desejos dos Patriarcas cristãos de Jerusalém, estes já o
aguardavam no seu interior para a rendição e entrega de um pedido
dirigido ao Califa Omar, que deveria ser o primeiro a entrar.
Os Patriarcas entregaram um esboço de acordo que reconheciam
tudo o que os árabes pleiteavam e as condições de manutenção da
liberdade de culto para os cristãos, respeito aos seus santuários e a
continuação da decisão da antiga dominação romana, que proibia os
judeus de viverem na cidade sagrada. O califa Omar aceitou todas
as condições e dirigiu uma carta com os termos do Acordo, que foi
entregue a Sophronius, patriarca de Jerusalém entre 634 e a sua morte,
19 HOURANI, Albert. Uma história dos povos árabes. São Paulo: Companhia das
Letras, 2006. p. 44.

50
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

em 638 d.C. Foi pactuado o reconhecimento das liberdades civis e


religiosas dos cristãos em troca de tributos – um acordo conhecido
como Pacto de Omar. A carta foi assinada por Omar e pelo Patriarca
Sophronius e estava escrita nos seguintes termos:
Em nome de Allah, o Clemente, o Misericordioso. Esta
é a garantia de segurança que o servo de Allah, Umar, o
Comandante dos Fiéis, tem dado ao povo de Jerusalém. Ele
lhes deu uma garantia de segurança para si próprios, para
as suas propriedades, suas igrejas, os seus cruzamentos, os
doentes e saudáveis da cidade e para todos os rituais que
pertencem à sua religião.

Suas igrejas não serão habitadas por muçulmanos e não


serão destruídas. Nem eles, nem a terra onde residem, nem
as suas cruzes, nem as suas propriedades serão danificadas.
Eles não serão convertidos à força. Nenhum judeu vai viver
com eles em Jerusalém.

O povo de Jerusalém deve pagar os impostos como as pessoas


de outras cidades e deve expulsar os bizantinos e os ladrões.
Aqueles entre o povo de Jerusalém que queiram partir com
os bizantinos, tomem as suas propriedades e abandonem
suas igrejas e cruzes, assim estarão seguros até chegarem ao
seu local de refúgio.

Os moradores podem permanecer na cidade, se quiserem,


mas devem pagar impostos como os cidadãos. Aqueles
que desejarem podem ir com os bizantinos e aqueles que
desejarem poderão voltar para suas famílias. Nada é para ser
tomado deles antes que sua ceifa seja realizada.

Se eles pagam seus impostos de acordo com as suas


obrigações, então as condições estabelecidas nesta carta
estão sob o pacto de Allah, são da responsabilidade de Seu
Profeta, dos califas e dos fiéis20.

20 Disponível em: https://iqaraislam.com/jerusalem-e-umar-ibn-al-khatab/.

51
Sayid Marcos Tenório

O Khalifa Omar Ibn al-Khattab (Meca, 586 - Medina, 644).

Omar acreditava que Allah/Deus ordenara o respeito à santidade


da cidade de Jerusalém e o respeito ao “povo do livro” (Ahl al-Kitab,
os crentes de outras religiões monoteístas que são reconhecidos com
todos os seus profetas pelo Islam).
De acordo com o Islam, a liberdade de culto em Jerusalém
era uma dádiva divina e por isso não poderia ser subtraída. Omar
instituiu o controle muçulmano sobre a cidade, mas reconhecia o
direito inalienável à liberdade de expressão para judeus e cristãos na
Cidade Santa. Omar também emitiu mensagem aos muçulmanos de

52
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

que a Igreja do Santo Sepulcro, local de crucificação e sepultamento do


profeta Jesus, e de sua ressurreição ao terceiro dia de sua condenação por
um tribunal de exceção romano, crucificação e morte, era um templo
sagrado e que não deveria ser violado, danificado ou desrespeitado de
nenhum modo.
Sobre a chegada e tomada de posse pelo Califa Omar, o
historiador palestino nascido em Jerusalém Walid Khalidi diz, em seu
livro Antes de su diáspora – Una Historia de los Palestinos a traves de la
fotografia 1876-1948 (2013) que
Umar deseaba vivamente encontrar los lugares que habían
sido testigos de la ascensión de Mohama. Fue difícil
identificar la roca de la ascensión, pues estaba oculta bajo
un montón de estiércol. Después de la purificación de la
roca, Umar condujo e ala a los suyos, entre quienes había
varios Compañeros del Profeta, es decir, sus allegados, para
hacer oración. Por primera vez desde la muerte de Mohama
la llamada a la oración fue lanzada por su almuédano, Bilâu.
Uno de los Compañeros presentes, Ubâda, fue nombrado
por Umar primer cadí, o “juez”, de Jerusalén, función que
ejerció en la ciudad e hasta su muerte. El nombre árabe de
Jerusalén era al-Bayt al-muqaddas (la Casa Sabta); el de la
Meca era al-Bayt al-harâm (la Casa Sagrada). La provincia
bizantina de Palestina Prima se convirtió entonces en la
provincia administrativa y militar (yund) de Filastîn, que
perduró como nombre árabe de Palestina21.

Para a teologia islâmica, Omar é um modelo de líder muçulmano.


Suas ações ao Pacto são o reflexo perfeito dos ensinamentos do Alcorão
em pregar e exercer a tolerância e o respeito à liberdade de culto entre
as pessoas. Até a chegada do Islam, em 637 a.C., Jerusalém (Aélia
Capitolina) estava proibida aos judeus, exceto num único dia do ano,
quando eles tinham permissão de entrar para fazer orações junto ao
Muro das Lamentações.

21 KHALIDI, Walid. Antes de su diáspora: una historia de los palestinos a traves de


la fotografia, 1876-1948. Palestina: Institute for Palestines Studies, 2013. p. 27.

53
Sayid Marcos Tenório

A lei islâmica vigorou na Palestina Histórica22 e em Jerusalém


desde o século VII d.C. até meados do século XX, excetuando-se o
período das cruzadas. A dominação árabe e muçulmana na Palestina
finalizou com a invasão dos cruzados e com a fundação do reino
latino de Jerusalém, que durou de 1099 a 1187 d.C. Os Cavaleiros de
Cristo, conforme se autodenominavam os Cruzados, capturaram e
torturaram, mataram e queimaram milhares de muçulmanos indefesos
– homens mulheres e crianças – e também os residentes judeus, pouco
numerosos, que haviam se refugiado em sua sinagoga.
O reino cruzado dominou Jerusalém por 88 anos e viu sua derrota
e a Cidade Santa ser libertada durante a batalha que durou entre 20 de
setembro e 2 de outubro de 1187 d.C., vencida pelo exército islâmico
de Salah ad-Din Yusuf ibn Ayyub (Saladino – 1138-1193 d.C.), que
entrou em Jerusalém e, no alto do seu poder militar, deu mostras
do mesmo respeito e da mesma compaixão pelos habitantes cristãos
que o califa Omar havia dedicado cinco séculos antes. Em 1229 d.C.
recapturaram a cidade e, quinze anos mais tarde, os muçulmanos
tomaram Jerusalém mais uma vez e restabeleceram seu governo e a
cidade não saiu mais do controle islâmico até a ocupação britânica,
após a I Guerra Mundial, em 1917.
Khalidi diz que, tão logo entrou em Jerusalém,
Saladino mandó proceder antes de nada a la purificación de
las mezquitas de la Cúpula de la Roca y de al-Aqsa. Durante
uma semana entera, nobles y plebeyos a uma lavaron muros
y suelos y los asperjaron con agua de rosas. Los parientes
y descendientes de los habitantes musulmanes de Jerusalén
(expulsados por los cruzados) recuperaron sus bienes
familiares23.

22 Palestina histórica é o termo utilizado para se referir à totalidade do território


dominado pelo Mandato Britânico de 1922 a 1947.
23 KHALIDI, Walid. Antes de su diáspora: una historia de los palestinos a traves de
la fotografia, 1876-1948. Palestina: Institute for Palestines Studies, 2013. p. 29.

54
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Saladino e os Ayyubies, seus sucessores, respeitaram o status quo


ante , instituído na Convenção de Omar, e autorizaram os cristãos a
24

residir em Jerusalém e a praticar livremente seus cultos e preservar


suas Igrejas. E foi naquele período que passou a existir e se desenvolveu
a comunidade judia. Depois da derrota dos cruzados, todas as terras
do Islam se converteram em refúgio para os judeus vindos da Europa,
pois as cruzadas haviam perseguido tanto os muçulmanos quanto os
judeus. Os judeus nunca foram perseguidos nos países árabes, mas
foi nos Estados muçulmanos que os judeus encontraram refúgio das
perseguições dos povos europeus.
A maior figura do judaísmo medieval, Musa Ibn Maymun
(Maimônides, 1135-1204), preferiu viver na cidade do Cairo, onde
encontrou um ambiente mais tolerante e livre do que no Andaluz, de
onde vinha. Ele foi médico da corte de Saladino e de seu filho e foi
testemunha das relações cômodas entre muçulmanos e judeus naquela
época. Igualmente para os sábios cristãos, que desempenharam um
papel importante na transmissão do pensamento científico e filosófico
do grego para o árabe.
Os cristãos e judeus participaram da reconstrução da cidade,
respeitando e preservando o caráter de sua herança e seu legado
islâmico e árabe. Apesar dos esforços da Igreja Católica e do apoio
logístico vindo periodicamente da Europa, a Palestina nunca foi
totalmente cristianizada. Durante os 1,3 mil anos anteriores à Partilha,
que aconteceu em 1947, a Palestina permaneceu como um país
majoritariamente muçulmano.
Em 1260, segundo Khalid, o poder passou das mãos dos
Ayyubies, descendentes de Saladino, para a dos sultões mamelucos do
Egito, que dominaram até a conquista do Egito pelos otomanos, em
1517, quando a Palestina foi uma província do reino mameluco. Foram
os mamelucos que expulsaram os últimos cruzados de Jerusalém e
impediram que os mongóis, liderados por Hulago, neto de Gengis
Khan, a conquistassem e destruíssem.

24 A expressão do latim status quo ante é literalmente traduzida como “o estado em


que as coisas estavam antes da guerra”.

55
Sayid Marcos Tenório

Os mamelucos reorganizaram o país através da criação de seis


distritos administrativos: Gaza, Lod, Qâqûn (nome de uma cidade
ao norte de Lod), Jerusalém, al-Jalil (Hebrón) e Nablus, que eram as
grandes vias de circulação entre o Cairo, Damasco e Alepo, por onde
circulavam sem cessar os mercadores, administradores e correios.
A Palestina formou parte do Império Otomano de 1516 até
o final da Primeira Guerra Mundial. Suleiman, o Magnífico (1520-
1566), conquistou a Palestina e cuidou de reconstruir as muralhas da
cidade de Jerusalém. Numa demonstração reveladora do seu respeito e
importância dada à Cidade Santa, construiu o Reservatório do Sultão
e instalou fontes públicas por toda a cidade.
Para agradar a Allah, Suleiman construiu um conjunto de
obras para os pobres e os indigentes, os débeis e os miseráveis, que
incluía um monastério com cinquenta e cinco portas, uma pousada,
uma cozinha, uma padaria, quadras e armazéns, algumas das quais
permaneceram existindo em tempos do Mandato britânico (Khalidi).
Os otomanos perpetuaram a tradição islâmica de tolerância
com relação aos interesses religiosos dos cristãos na Palestina. A
custódia dos lugares sagrados foi confiada ao patriarca ortodoxo grego
de Jerusalém. Como haviam feito outros soberanos muçulmanos, o
império otomano abriu as portas a centenas de milhares de judeus que
fugiam da perseguição na Espanha e em outras partes da cristandade.
De todas as províncias do império otomano, à exceção das regiões
maronitas do Monte Líbano, a Palestina foi a mais aberta e a mais
permeável às influências cristãs ocidentais.
O número de judeus que havia decrescido na Palestina com a
dominação dos cruzados voltou a crescer com a conquista otomana,
quando muitos judeus aproveitaram a oportunidade e a tolerância dos
muçulmanos otomanos que mantiveram os acordos e regulamentações
que regiam o status quo dos privilégios e direitos dos judeus e cristãos
em seus lugares de culto e seus santuários, que haviam sido ratificados
por chefes muçulmanos em épocas anteriores pela jurisprudência
dos tribunais muçulmanos. Assim, os judeus se instalaram na Terra
Santa em quatros cidades de especial importância para o judaísmo:

56
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Jerusalém, Hebrón, Dafad e Tiberíades. E puderam prosseguir em paz


com suas atividades.
O que se pode concluir desse período de 6000 anos é que desde
o início de sua história a Palestina foi sempre um território árabe.
As tribos judias só apareceram na terra Palestina nos últimos 1400
anos, ou seja, cerca de 4600 anos após seus habitantes primitivos, os
cananeus árabes, se deslocarem da Península Arábica e fundar suas
primeiras cidades.
As tribos judias não constituíram um sistema de governo ou
dominação naquilo que se pode denominar de Estado em nenhuma
época, com a exceção dos reinos de Davi e Salomão. Os judeus
abandonaram o território da Palestina durante toda a época babilônica.
Durante 2000 anos os judeus ficaram longe de Jerusalém porque sua
religião entendia que os lugares santos eram lugares para visitação
e não para permanência. E os proibia de voltar à cidade sagrada de
Jerusalém até que o Messias voltasse. Os judeus passaram a regressar
à Palestina e a Jerusalém após a vitória do califa Omar, que lhes
assegurou justiça, liberdade individual e de culto, que permaneceu até
a instauração do Estado de apartheid sionista iniciado em 1948.
O historiador britânico Eric Hobsbawn afirma – no livro Nações
e Nacionalismos desde 1780 (1991) – que é “inteiramente ilegítimo
identificar os elos judaicos com a Terra de Israel ancestral [...] com o
desejo de reunir todos os judeus em um Estado territorial moderno
situado na antiga Terra Santa”25.
Os judeus eram aproximadamente 25.000 (a maioria dos
moradores profundamente religiosa), para uma população de 600.000
muçulmanos em 1888, onde apenas 10% eram de cristãos. Hobsbawn
escreveu que
até o nascimento do movimento sionista, as relações entre
palestinos e judeus, depois de um milênio de coexistência e
de atribulações comuns, eram pacíficas e estáveis. Este clima

25 O termo “Terra Santa” disseminou-se pela cristandade apenas depois da


dominação da Palestina pelos Cruzados, no Natal de 1099 d.C.

57
Sayid Marcos Tenório

de tolerância se devia em boa parte ao respeito do Islam pelos


profetas judeus, que se manifestava, no caso dos palestinos,
em uma tradição de peregrinações aos lugares bíblicos26.

Diferentemente de outros países árabes vizinhos, não existia


na Palestina nenhuma tensão entre muçulmanos e seus compatriotas
cristãos. Um exemplo disso a se destacar era o fato de que as diferentes
seitas cristãs de Jerusalém sempre confiavam tradicionalmente as
chaves do Santo Sepulcro a uma família palestina muçulmana.
Os árabes jamais abandonaram o seu território, apesar das guerras
que vivenciaram no decorrer da história. Também não emigraram
durante as épocas de ocupações estrangeiras sofridas pela Palestina
durante as diferentes épocas da sua história por parte dos persas,
gregos, romanos ou judeus. Igualmente, e apesar disso, permaneceram
invisíveis aos olhos do Ocidente, que mal os mencionava nos estudos
“científicos” e “espirituais” e em seus planos de ocupação.

1.3 Surge o movimento sionista


Como já nos referimos anteriormente, desde 1516 até o final
da Primeira Guerra Mundial toda a Ásia Ocidental formou parte do
grande império Otomano e Jerusalém sempre mereceu uma atenção
especial. Uma prova deste apreço são as muralhas da Cidade Velha,
construídas pelo sultão Suleimam, o Magnífico, bem como as outras
obras erguidas pela sultana Jasseki, esposa de Suleiman e conhecida na
Europa pelo nome de Rojelana. Para os árabes, pertencer ao império
Otomano era como viver em associação com outros povos e não numa
relação de dominação de um grupo étnico sobre o outro, no caso, os
turcos.
Em 1876 foi promulgada a nova Constituição otomana, que teve
curta duração, mas permitiu a realização das primeiras eleições para
o Parlamento otomano, para o qual foram eleitos representantes das
várias províncias árabes, incluindo a Palestina. Atualmente, os judeus

26 Hobsbawn, Eric. Nações e Nacionalismos desde 1780. São Paulo: Paz e Terra,
1991. p. 32.

58
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

sionistas autodenominam o seu Estado como a única democracia do


Oriente Médio, mas vinte anos antes do primeiro Congresso Sionista27
na Basiléia, em 1897, os palestinos já elegiam os seus representes para
o parlamento otomano. Vários árabes palestinos foram nomeados
para cargos importantes na administração do governo otomano, na
diplomacia e no exército.
O movimento sionista28 começou a se articular na Europa na
década de 1880, um fenômeno que causaria graves consequências para
a Palestina. Os sionistas tinham como objetivo tirar os judeus de sua
condição de minoria e pôr em prática seus planos do chamado Lar
Judeu, através da aquisição de vastas extensões de terras para que aquilo
compusesse o futuro estado judeu na Palestina. A escolha da Palestina
se deve ao fato de que a memória e o sentimento judio estavam ligados à
Palestina, embora os sionistas tivessem cogitado outras possibilidades
para o seu estado, como já mencionamos anteriormente.
O início das convulsões que assolam a Palestina até os nossos
dias foi certamente a decisão dos sionistas, no final do século XIX, de
colonizar a Palestina e convertê-la num estado judeu sem levar em
consideração nem a existência e nem a vontade da população local,
porque era sabido que a Palestina não era uma terra vazia de habitantes,
como pregava o slogan sionista de “uma terra sem povo para um povo
sem terra”. Os palestinos, cristãos e muçulmanos formavam uma
comunidade vibrante e orgulhosa que já havia cruzado o umbral de
seu renascimento intelectual e nacional. O caminho escolhido pelos
sionistas não poderia desembocar numa situação de conflitos e numa
trágica realidade.

27 O termo sionismo foi criado em 1892 por Natan Birnbaum, fundador da


revista Selbstemanzipation! (Autodeterminação). O sionismo é um movimento
político que defende o direito à autodeterminação dos judeus e a existência
de um Estado nacional judaico independente e soberano no território onde
supostamente teria existido um Reino de Israel. Sionismo é um termo que
tem o intuito de fazer referência a Sion ou Sião, um dos sinônimos bíblicos de
Jerusalém.
28 Recomendo o vídeo A história sionista. Disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=AKfhUrTe4ZY.

59
Sayid Marcos Tenório

O sionismo se originou de uma série de lendas que tiveram por


base os textos da Torá29, sobretudo nos trechos referentes à promessa
divina, baseada na terra prometida para os judeus na Palestina,
referência sobre o título de povo escolhido pelo fato de todos os judeus
serem descendentes de Isaac, o filho de Abraão. Isso porque Ele nasceu
de Sam, filho de Noé, herdeiro daquilo que eles denominariam de
“terra sem um povo para um povo sem terra”.
Essa lenda, que perdura até hoje na narrativa sionista e originou
o Estado de Israel, ajudou o sionismo a reunir os judeus de todo o
mundo com vista à concretização do seu projeto colonial na Palestina
Histórica, baseados em outra lenda de que Deus havia prometido
aquela terra aos judeus. Terra sem Povo e Terra Prometida são
fantasias inventadas e adotadas pelos judeus no exílio, nos cativeiros
da Babilônia, no Iraque, em 609 a.C., como fonte para a narração da
história de Israel e meio para encontrar um forte indício histórico
capaz de comprovar a relação entre os judeus e a Palestina.
A História prova que os judeus sionistas que têm reclamado a
promessa de Deus pelas terras palestinas e trabalham incessantemente
para fazê-la se tornar uma realidade não tinham qualquer relação com
os chamados filhos de Israel mencionados na Bíblia e onde parte deles
vivia naquela terra da Palestina. Na realidade, eles eram de origem
turca (não eram semitas), seus antepassados se converteram ao
judaísmo no século VIII, e eles possuíam um Estado nas margens do
Rio Volga, conhecida como império Khazar.
Sobre essas lendas difundidas pelos sionistas para embasar uma
narrativa histórica com fontes inexistentes, o historiador palestino Dr.
Rasem Shaban Mohama Bisharat diz que
a lenda do povo eleito e da pureza do Estado judeu foram os
pilares fundamentais do movimento sionista, que viabilizou a
mistura entre religião e nacionalismo. Considerou os judeus
como uma nação, e como povos semitas, descendentes dos

29 Torá é o nome dado aos cinco primeiros livros do Tanakh (também chamados
de Hamisha Humshei Torah, ou as cinco partes da Torá) e que constituem o
texto central do judaísmo.

60
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

filhos de Jacó (Israel), mas a descoberta dos povos khazares


veio a refutar esse argumento, além de provar que o judaísmo é
uma religião de missionários. Também tem sido comprovado
por estudos científicos e históricos que os judeus pertencem
a três linhagens étnicas. Jozovic, professor de história na
Universidade Hebraica, realizou vários experimentos sobre
imigrantes judeus, capazes de concluir que os judeus não
são uma nação, eles são uma comunidade religiosa de vários
grupos de pessoas, convertidos a uma religião, assim uma
pequena porcentagem de judeus provenientes dos países
árabes são descendentes de Jacó e Isaac, porém os judeus da
Europa Oriental pertencem a tribos dos khazares, enquanto
os judeus da Europa Ocidental pertencem à ascendência
europeia, que havia se convertido ao judaísmo após o século
III d.C., pelos missionários judeus30.

Theodor Herzl, um jornalista judeu romeno de nascimento e


austríaco de nacionalidade e vindo de uma família de banqueiros,
criou a teoria de que os judeus deveriam ter o seu próprio Estado:
o sionismo, publicada no livro O estado judeu, em 1896. O sionismo
nasceu oficialmente em 29 em agosto de 1897 no I Congresso Sionista,
realizado na cidade suíça de Basel (Basiléia), com a presença de 208
delegados judeus de 17 países. Nenhum deles com qualquer ligação
com a Palestina.
O sionismo cresceu como uma ideologia do movimento
nacionalista que desde o final do século XIX passou a promover a
imigração em massa de judeus, sobretudo da Europa Oriental para
a Palestina, onde pretendiam o estabelecimento de um lar nacional
judaico. Mais tarde, o sionismo tornou-se um princípio e sinônimo de
colonialismo, racismo e apartheid.
Em três dias de debates, o I Congresso – o ponto de partida
do Movimento Sionista Mundial (foram realizados 21 Congressos
Sionistas até a eclosão da Segunda Guerra Mundial) – organizado com

30 Bisharat, Rasem Shaban Mohama. A história dos Khazares judeus. Portal Brasil
de Fato. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/node/10417/. Acesso
em: 25 dez. 2018.

61
Sayid Marcos Tenório

o propósito de mostrar ao mundo “o que é o sionismo e o que ele


pretende” e também unir todos os sionistas sob uma só organização foi
realizado em torno de quatro objetivos precisos, onde a usurpação da
terra da Palestina era o tema central e presente em todos os objetivos.
Eram eles:
1) estimular a colonização da Palestina, povoando-a de judeus,
mediante uma imigração metodicamente organizada;
2) organizar o Movimento judeu, unificando suas formações
espalhadas pelo mundo;
3) despertar, reforçar e mobilizar a consciência judia em todas
as comunidades;
4) atuar nos diferentes Estados para obter o apoio e a anuência
dos mesmos para o movimento sionista, concentrando seus esforços
no apoio da Grã-Bretanha.

O fundador do Movimento Sionista, Theodor Herzl (Peste, Hungria,Áustria,


2 de maio de 1860 — Reichenau an der Rax, 3 de julho de 1904).

62
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

A colonização da Palestina pelos sionistas, na perspectiva daquilo


que Theodor Herzl disseminava como Lar Judeu, teve início em 1878
e a primeira leva de imigrantes sionistas chegou em 1882. Naquele
mesmo ano, o milionário judeu francês, barão Edmond Rothschild,
começou a financiar a colonização judia na Palestina. Em 1896, outro
milionário judeu alemão, Barão Maurice de Hirsc, criou na Palestina
uma extensão da sua Associação para a Colonização Judia na Palestina.
Em 1901 foi fundado em Londres o Keren Kayémet, o Fundo
Nacional Judeu (FNJ), destinado a adquirir terras na palestina Otomana
que seriam judias de forma inalienável e utilizadas exclusivamente
por judeus. Entre 1880 e 1914 foram criadas trinta colônias sionistas
e, na véspera da Primeira Guerra Mundial, a população judia na
Palestina já era de 80 mil pessoas que, em sua maioria, mantinha
suas nacionalidades de países europeus de onde se originava. O FNJ
foi uma ferramenta primordial da colonização e ponta de lança da
sionificação da Palestina. Ao final do mandato, a comunidade judaica
já detinha cerca de 6% das terras palestinas.
O crescente processo de aquisição de terras e transferência de
população prosseguiu na Palestina, apesar da oposição das forças
locais e das autoridades otomanas, que tentaram diversas formas de
contenção daquele movimento, que tropeçara na pressão das potências
europeias, com a corrupção em suas próprias administrações e com a
ganância de muitos latifundiários.
Esse movimento de aquisição de terras para realizar o projeto
de recuperação do território bíblico que eles acreditavam ter sido
ofertado por Deus transformou-se no movimento nacionalista que
via a Palestina Ocupada por “estrangeiros” e, por isso, deveria ser
reconquistada. E, para o movimento sionista, “estrangeiros” eram
todos os não judeus que habitaram a Palestina desde o período de
dominação do Império Romano.
De fato, para muitos sionistas, a Palestina nem mesmo era
uma terra ‘ocupada’ quando eles chegaram ali em 1882, mas
uma terra ‘vazia’: os nativos palestinos que ali viviam eram-
lhes um tanto invisíveis, ou eram ainda mais uma dessas

63
Sayid Marcos Tenório

agruras da natureza que, como tal, deveriam ser conquistados


e removidos. Nada – rochas ou palestinos – poderia ficar no
caminho da ‘redenção’ nacional da terra que o movimento
sionista cobiçava31.

Mas foi o desfecho da Primeira Guerra Mundial ocasião onde os


árabes esperavam contar com um apoio sincero da Grã-Bretanha contra
a dominação otomana na região e sua consequente independência dos
territórios. Os britânicos haviam prometido aos árabes, em 1916, que
reconheceriam, ao final da guerra, a independência de um Estado árabe
unificado, formado pelas províncias árabes do Império Otomano,
incluindo a Palestina, episódio relatado pelo oficial da Força Aérea
Britânica Thomas Edward Lawrence, conhecido como Lawrence
da Arábia, que exercia o cargo de Consultor de Assuntos Árabes
da Divisão Oriente Médio do Departamento Colonial do governo
britânico. Lawrence relata em seu livro Sete Pilares da Sabedoria que,
como os árabes, tinha se acostumado a acreditar nele, devido ao seu
compromisso nas batalhas ao seu lado e que o governo britânico
era sincero como ele quando assegurava que os árabes teriam sua
recompensa ao final da guerra. Revela, porém:
O Gabinete persuadira os árabes a lutar por nós com a
promessa definitiva e clara de autodeterminação depois
[...] pelo que minha palavra valia, assegurei aos árabes que
teriam a sua recompensa ao final. [...] Era evidente, desde
o início, que se vencêssemos a guerra as promessas seriam
tratadas como papel sem valor32.

Os árabes foram de fato traídos pelo acordo secreto realizado em


maio de 1916 entre a Grã-Bretanha, França e Rússia, que implicava
a internacionalização da maior parte da Palestina. A isso veio se
somar a carta enviada pelo ministro de Assuntos Exteriores britânico,
Arthur James Balfour, ao barão Lionel Walter de Rothschild, o maior
capitalista rentista de toda Europa. A carta de Balfour marcou um giro

31 PAPPÉ, Ilan. A limpeza étnica da Palestina. São Paulo: Sundermann, 2016. p. 31.
32 LAWRENCE, Thomas Edward. Sete Pilares da Sabedoria. São Paulo: Record,
2000. p. 21-22.

64
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

decisivo na história e ação do sionismo em busca do seu objetivo do


Lar Nacional Judeu na Palestina.
A reivindicação do caráter judaico ao seu Estado e a privação
imposta aos palestinos da elegibilidade da sua presença, bem como
o direito de retorno dos proprietários de terras que foram deslocadas
pela força em 1948 para trazer um novo povo que nunca vivera naquela
terra são as principais ilegalidades cometidas pelos sionistas. Esse
povo que substituiu os palestinos e expulsou-os de suas terras à força,
sob o pretexto de uma suposta promessa divina, não é o detentor do
direito e não tem qualquer ligação orgânica com a Palestina. A maioria
dos líderes do movimento sionista na Europa do Leste é descendente
de judeus khazares que historicamente omitiram sobre sua origem
étnica, pois promovem suas próprias teorias históricas e políticas a
fim de atrair a simpatia e o apoio de muitos descendentes na Europa
e na América.
Dr. Rasem escreveu em seu artigo que
Israel e o movimento sionista devem perceber que os mitos
que eles haviam fabricado para reivindicar direitos na
Palestina Histórica não passam de lendas e pura fantasia, e é
impossível prosseguir incólume. Por isso, Israel deve aceitar
a partilha da terra e do estabelecimento de dois Estados
para dois povos, e abrir uma nova página das relações entre
palestinos e israelenses, as relações baseadas em interesses
comuns e na boa vizinhança33.

A solução de dois estados, porém, está cada dia mais afetada pela
rápida e criminosa expansão dos assentamentos judaicos que têm sido
repetidamente confirmados como ilegais pelo Conselho de Segurança
da ONU. A construção de muros, restrições cada vez maiores para
que palestinos construam suas habitações, controle da mobilidade por

33 Bisharat, Rasem Shaban Mohama. A história dos Khazares judeus. Portal Brasil
de Fato. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/node/10417/. Acesso
em 25 dez. 2018.

65
Sayid Marcos Tenório

meio dos check-points34, além das demolições punitivas ao ocupante da


casa que foi encontrado envolvido ou com suspeita de envolvimento
em atos de violência contra o Estado de Israel são práticas israelenses
que constituem crimes de guerra em conflitos armados internacionais
– de acordo com o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional,
em vigor desde 1 de julho de 2002 e subscrito por 123 Estados-Partes.
Israel votou contra, devido à inclusão da “ação de transferir população
para território ocupado” na lista de crimes de guerra.
Não obstante a busca incansável por uma solução de dois
estados e sem abandonar qualquer direito palestino, o estabelecimento
de um totalmente soberano e independente Estado palestino, tendo
Jerusalém como sua capital ao longo das fronteiras de 4 de junho de
1967, com o retorno dos refugiados e deslocados de seus lares dos
quais eles foram expulsos, ainda é a fórmula de consenso nacional,
que tem o apoio das forças políticas palestinas – embora a demografia
ainda seja o principal elemento desafiador e que poderá pôr em pauta
uma solução que desafie a lógica sionista por um estado judeu, que
é a transformação da Palestina Histórica em um estado democrático
e civil. O outro caminho é o que vem sendo trilhado por Israel, que
acabará no destino de um país de fanáticos religiosos, racista, repleto
de ódio e vinganças.

34 Check-point é a denominação utilizada pelos palestinos para os mais de 300


postos de controle israelenses espalhados em pontos vitais para a conexão de
populações, onde palestinos que se deslocam para o trabalho, em busca de
assistência médica, inclusive mulheres em trabalho de parto, para estudar, são
submetidos a todo tipo de humilhação por parte dos soldados israelenses, que
se põem na condição de senhores das vidas daquelas pessoas.

66
2
Sionismo: projeto colonial europeu

67
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

2.1 Balfour: Inglaterra doa o que não lhe pertence


A Declaração Balfour foi uma carta datada de 02 de novembro
de 1917 do secretário de Assuntos Estrangeiros britânico. O texto foi
definido numa reunião do gabinete de governo em 31 de outubro de
1917. A Declaração foi sem dúvida uma trágica decisão do império
britânico que está diretamente ligada à raiz do conflito interminável
palestino-israelense e do sofrimento, desterritorialização e apartheid
vivido pelo povo palestino.

69
Sayid Marcos Tenório

Balfour foi o alicerce que os sionistas precisavam para dar vigor e


sentido prático à ideia de um Estado judaico e impor sua presença em
terras palestinas. E o sentido prático foi a transferência de populações,
expulsão dos nacionais e roubo das terras e casas dos palestinos, com
o ar de legalidade que a Declaração de Balfour havia consagrado. Foi
o gatilho que desencadeou os eventos subsequentes que alteraram
não apenas o mapa demográfico da Palestina, mas também sua
configuração política, econômica, social e militar.
A Declaração do Lord Balfour, como ficou conhecida a carta do
secretário de Assuntos Estrangeiros da Grã-Bretanha, Arthur James
Balfour (1843-1930), foi endereçada diretamente ao escritório do Barão
Lionel Walter Rothschild, líder da Federação Sionista da Grã-Bretanha.
A carta, datada de 2 de novembro de 1917, transmitia a intenção do
governo britânico em facilitar a criação de um Lar Nacional Judeu
na Palestina como resultado da vitória da Inglaterra sobre o Império
Otomano, que dominava a região, promessa que se concretizou após o
acordo de paz assinado entre os Aliados e o Império Otomano.
A carta não era um documento de muitas palavras e foi escrita
nos seguintes termos:
Caro Lord Rothschild,

Tenho o grande prazer de transmitir-lhe, em nome do


governo de Sua Majestade, a seguinte declaração de
simpatia para com as aspirações judaica sionistas que foram
submetidas ao Gabinete e por ele aprovada:

O governo de Sua Majestade encara favoravelmente o


estabelecimento, na Palestina, de um Lar Nacional para
os judeus, e empregará todos os seus esforços no sentido
de facilitar a realização desse objetivo, entendendo-se
claramente que nada será feito que possa atentar contra
os direitos civis e religiosos das coletividades não-judaicas
existentes na Palestina, nem contra os direitos e o estatuto
político de que gozam os judeus em qualquer outro país.

70
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Desde já, declaro-me extremamente grato a V. Sa. pela


gentileza de encaminhar esta declaração ao conhecimento
da Federação Sionista.

Arthur James Balfour.

Said escreveu que a Declaração Balfour foi uma carta feita


(a) por uma potência europeia; (b) sobre um território não
europeu; (c) em completo desrespeito tanto à presença
quanto aos desejos da maioria nativa que residia nesse
território; e (d) na forma de uma promessa desse mesmo
território a um grupo estrangeiro, de modo que este poderia,
de modo bastante literal, transformar esse território numa
pátria para o povo judeu.35

O ministro britânico Arthur James Balfour e o fac-simile da carta ao sionista


barão Lionel Walter Rothschild. O documento original encontra-se, hoje, na
Biblioteca Britânica, em Londres.

A carta era uma declaração unilateral de uma grande potência


imperialista que impunha o destino de uma região que jamais
pertenceu ao Império Britânico e que foi presenteada generosamente

35 SAID, Edward. A questão da Palestina. São Paulo: EdUnesp, 2012. p. 18.

71
Sayid Marcos Tenório

ao Lord Rothschild e, por seu intermédio, ao movimento sionista. A


Declaração não era mencionada nem tampouco significativa na época
em que foi anunciada, uma vez que o governo britânico estava fazendo
promessas a qualquer potência que lhe oferecesse ajuda para vencer a
guerra, porque, de fato, a Grã-Bretanha não tinha soberania sobre o
território palestino para dispor dele em tais acordos e ofertas.
Mas algum tempo depois, com a sua repercussão por intermédio
das lideranças sionistas, deixou de ser apenas uma declaração
do secretário britânico, para ocupar o lugar de um documento
considerado internacionalmente, passando a integrar um sistema de
normas e mandatos sancionados pela Liga das Nações,36 em 1919, e se
tornado a base das reivindicações sionistas pela terra palestina.
A Declaração sinalizou, igualmente, que a principal potência
imperial da época, a Grã-Bretanha, já havia posto o sionismo sob sua
proteção ao dispor em seu favor um território que não lhe pertencia,
além de expressar o seu chauvinismo em relação aos habitantes
originais da palestina, que representavam 92% da população e foram
reduzidos da noite para o dia à condição de comunidades não judaicas
em um “lar nacional judeu”, ou seja, estrangeiros ou quase estrangeiros
em sua própria terra.
Após a incorporação da palestina ao Mandato Britânico,
a Declaração tornou-se um elemento importante para a criação
do Estado de Israel. A Liga das Nações confirmou essa condição
na Conferência de San Remo, Itália, em 24 de abril de 1920, que
determinou a atribuição de mandatos às potências vitoriosas na
Primeira Guerra Mundial, para que estas administrassem territórios
anteriormente pertencentes ao Império Otomano no Oriente Médio,
quando o Mandato da Palestina e do Iraque deveria ser dado à Grã-
Bretanha. Esta decisão foi confirmada pelo Conselho da Liga em 24 de
julho de 1922 e começou a valer em setembro de 1923.
36 Sociedade das Nações ou Liga das Nações, foi uma organização internacional,
fundada em 28 de abril de 1919, em Versalhes, Paris, onde as potências
vencedoras da Primeira Guerra Mundial se reuniram para negociar um acordo
de paz. Sua última reunião ocorreu em abril de 1946. A Liga das Nações foi
secundada pela Organização das Nações Unidas (ONU), fundada em 24 de
outubro de 1945.

72
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Mapa do Mandato Britânico, a entidade geopolítica sob administração da In-


glaterra criada pela Liga das Nações após o final da Primeira Guerra Mundial,
com a Partilha do Império Otomano. A administração civil britânica na Pa-
lestina operou de 1920 a 1948. Disponível em: https://complemento.veja.abril.
com.br/timeline/timeline-mundo-israel.html.

Em linhas gerais, a Conferência confirmou os termos do Acordo


Sykes-Picot, estabelecido entre o Reino Unido e a França em 1916, que
partilhou a região. Foi neste momento que a Declaração Balfour, pela
qual o governo britânico assumira o compromisso de estabelecer o Lar
Nacional Judeu na Palestina, sem prejuízo dos direitos civis e religiosos
da população não judaica da região, passou a ser um documento legal
reconhecido pela comunidade internacional. O preâmbulo do texto
do Mandato afirmava:
O Conselho da Liga das Nações,

Considerando que as potências aliadas concordaram com o


propósito de dar efeito às cláusulas do artigo 22 da Aliança da
Liga das Nações, em confiar a um Mandatário, selecionado
pelas ditas potências, a administração do território da

73
Sayid Marcos Tenório

Palestina, o qual formalmente pertencia ao Império Turco,


dentro dessas fronteiras que devem ser fixadas por elas; e

Considerando que as principais potências aliadas também


concordaram que o mandatário deve ser responsável por
colocar em ação a declaração originalmente feita em 2 de
novembro de 1917 pelo governo de Sua Majestade britânica e
adotada pelas distas potências, em favor do estabelecimento
na Palestina de uma pátria para o povo judaico, ficando
claramente entendido que nada pode ser feito que prejudique
os direitos civis e religiosos das comunidades não judaicas
existentes na Palestina ou os direitos e status político dos
judeus em qualquer outros país37.

Uma realidade que precisa ser lembrada é a de que até ser


tornada pública a Declaração Balfour, a Palestina era o lar de mais
de 700 mil palestinos e de 60 mil judeus. Uma terra cujos nativos
falavam árabe, eram muçulmanos sunitas em sua maioria e conviviam
com uma minoria formada por cristãos, drusos e muçulmanos xiitas,
que também falava árabe, e que continuou a morar na região mesmo
depois que as colônias sionistas invasoras se estenderam pelas terras
palestinas (SAID, 2012).
Não havia na Palestina registros de ódio organizado contra
judeus, mesmo que minoritários. Muito pelo contrário. Os armênios
que fugiram do genocídio38 turco e procuraram refúgio na Palestina
foram bem recebidos. Esse genocídio de armênios foi defendido
pelo o líder sionista húngaro Vladimir Jabotinsk, entre outros líderes
sionistas, com o objetivo de obter o apoio futuro para as pretensões
sionistas na Palestina.

37 BIBLIOTECA DIGITAL MUNDIAL. Mandato para a Palestina e memorando do


governo britânico sobre sua candidatura à Transjordânia. Disponível em: https://
www.wdl.org/pt/item/11572/.
38 Genocídio Armênio, também conhecido como Holocausto Armênio, Massacre
Armênio e, tradicionalmente, como Medz Yeghern, foi o extermínio sistemático
pelo governo otomano de seus súditos armênios, minoritários dentro de sua
pátria histórica, que ocorreu entre 1915 e 1923 totalizando cerca de um milhão
e meio de armênios mortos no território que constitui a atual República da
Turquia.

74
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Tratando sobre o projeto sionista na Palestina, no seu livro The


iron wall – O Zheleznoi Stene, Jabotinsk (1923) diz que
mediante a Declaração Balfour ou mediante o Mandato,
é indispensável a força externa para estabelecer no país
[Palestina] as condições de dominação e defesa pelas quais a
população local, independentemente de seus desejos, veja-se
privada da possibilidade de impedir nossa colonização, em
termos administrativos ou físicos. A força há de jogar seu
papel com energia e sem indulgência.

Não houve na Palestina nenhum massacre como os do Czar ou


dos antissemitas poloneses e nenhuma reação simétrica por parte de
palestinos contra colonos judeus, os mesmos que sempre utilizaram da
força das armas para expulsar os palestinos de suas terras. Tampouco
rebeliões contra os constantes roubos das terras de palestinos por
parte de judeus.
Estão listados 31 massacres confirmados – podendo haver ao
menos mais seis, começando pelo massacre de Tirat al-Haifa, de 11
de dezembro de 1947, e terminando no de Khirbat Ilin, na região de
Hebron, em 19 de janeiro de 1949. Some-se a estes os massacres de
Kfar Qassim, um vilarejo próximo de Tel Aviv, em 29 de outubro de
1956, Qibya, nos anos de 1950, Samoa nos anos de 1960, os vilarejos da
Galiléia em 1976, Sabra e Shatila em 1982, Kfar Qana em 1999, Wadi
Ara em 2000 e no campo de refugiados de Jenin em 2002, Gaza em
2006, 2012 e 2014... Em todos eles, o que se tem são tortura, estupro,
expulsão, matança de palestinos e a limpeza étnica por parte Israel,
cujo objetivo é a busca desesperada por uma maioria judia absoluta
que nunca teve fim. Não podemos, igualmente, deixar de tratar da
revolta palestina de 1936-1939, também conhecida como A Grande
Revolta Árabe, de que tratarei no final deste capítulo.
Arthur James Balfour, um nome que não fazia parte da história
sionista, de repente passou a ser considerado como o maior benfeitor
dos judeus na era moderna (SAND, 2014), embora houvesse distinção
entre as ideologias de Balfour e as dos judeus, que tinham um sentimento
diferente em relação à Palestina. Na verdade, seu relacionamento com

75
Sayid Marcos Tenório

esse povo (ou “raça”, como ele se referia aos judeus) começou em
uma luta política para impedir que os judeus se refugiassem na Grã-
Bretanha. Balfour não odiava os judeus, embora não existam registros
de que tenha demonstrado publicamente nenhuma simpatia por eles.
Como alternativa de refúgio em lugar da Grã-Bretanha, os judeus
poderiam ser deslocados para a América do Sul e o leste da África,
onde receberiam grandes porções de terras férteis para a instalação de
suas colônias, o que não se concretizou, uma vez que todos os esforços
dos sionistas se concentravam desde o início em reivindicar direitos
sobre a Palestina.
Shlomo Sand, no livro A invenção do povo judeu – da terra santa à
terra pátria (2014), analisando a solução apresentada pelos britânicos
aos sionistas para o estabelecimento de uma colônia judaica em
Uganda, fala que
como resultados da pressão firme de Herzl, o sexto Congresso
Sionista aprovou o esquema de Uganda, embora não sem
debates tempestuosos e grande dose de tensão. Na verdade,
porém, ninguém levou o plano muito a sério. Se havia sido
difícil recrutar um grande número de candidatos a emigrar
para a Palestina, muito mais problemático seria achar judeus
dispostos a se radicar em uma região remota do leste da
África que carecia do embasamento mitológico necessário
para a criação de uma pátria nacional. Mas Herzl entendeu
perfeitamente que a proposta do Ministério de Relações
Exteriores havia criado um precedente, não necessariamente
a posse sionista da Palestina, mas sim o direito dos judeus a
um território próprio39.

Balfour era cristão protestante; assim sendo, jamais poderia ter


sido um ativista da causa judaica ou sionista. Ele era acima de tudo um
típico colonialista britânico, altamente comprometido em promover
e defender os interesses do império. Podemos dizer que a política
anti-imigração de Balfour e a legislação decorrente dos debates
balfourianos de 1905 a respeito dos estrangeiros e dos judeus em

39 SAND, Shlomo. A invenção do povo judeu: da terra santa à terra pátria. São
Paulo: Benvirá, 2014. p. 206.

76
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

particular criaram as condições históricas para que os judeus fossem


canalizados para o Oriente Médio, contribuindo dessa maneira para
a política desenvolvida pelo movimento sionista para a criação do
Estado de Israel.
Embora a política britânica para os assentamentos judaicos na
Palestina apresentasse dificuldades econômicas para se viabilizar, o
principal motivo para a falta de colonos imigrantes era muito mais
banal. Sand escreveu que
Ninguém deveria ficar surpreso com essa situação
demográfica. Embora o assentamento na Palestina
apresentasse dificuldades econômicas, o principal motivo
para a falta de colonos imigrantes era muito banal: durante
a primeira metade do século XX, a maioria dos judeus
do mundo e sua prole – fossem ultra ortodoxos, liberais
ou reformistas, fossem bundistas40 social-democratas,
socialistas ou anarquistas – não consideravam a Palestina
sua terra. Em contraste com o mito embutido na Declaração
de Independência de Israel, eles não lutaram ‘em cada
geração sucessiva para se restabelecer em sua antiga pátria’.
Nem sequer consideraram um lugar apropriado para o qual
‘retornar’ quando a opção lhes foi apresentada em uma
bandeja de ouro colonial protestante.

No fim das contas, foram os golpes cruéis e horrorosos


desferidos contra os judeus da Europa e a decisão das nações
esclarecidas de fechar suas fronteiras aos alvos de tais golpes
que resultaram no estabelecimento do Estado de Israel41.

Os sionistas queriam a terra da Palestina, mas não queriam a


sua população. E o movimento sionista sabia desde o início que a
população Palestina não judia não aceitaria ser expulsa. Sabiam que

40 Nota do autor: Bundistas eram membros do Bund, a União Geral de Operários


Judeus da Lituânia, Polônia e Rússia, fundada em 1897. Surgiram na Rússia
como um setor da social-democracia, tanto que, no início, fez parte do Partido
Operário Social-Democrata Russo, mas quando este se dividiu, o Bund se
colocou contra os bolcheviques.
41 SAND, Shlomo. A invenção da terra de Israel. São Paulo: Benvirá, 2014. p. 218.

77
Sayid Marcos Tenório

o principal obstáculo para conquistar definitivamente a terra era a


população local. Às vésperas da colonização sionista, a população
palestina não era judaica, mas esmagadoramente muçulmana e cristã.
Cidades como Jenin, Nablus e Ramallah tinham 100% da população
constituída por palestinos. A cidade com a maior população de judeus
era Yafa, a atual Tel Aviv, com 71% da população. A distribuição das
populações palestina e judaica tinha as seguintes porcentagens por
distritos42:

Distrito Palestina Judaica


Acre 96 4
Baysan 70 30
Beersheba 99 1
Gaza 98 2
Haifa 53 47
Hebron 99 1
Yaffa 71 29
Jerusalém 62 38
Jenin 100 0
Nablus 100 0
Nazaré 84 16
Ramla 78 22
Ramallah 100 0
Safad 87 13
Tiberias 67 33
Tulkarm 83 17
Fonte: Supplement to a Survey of Palestina (1947).

Edward Said, em A questão da Palestina, afirma que não há


distinção entre as ideologias de Balfour e as do sionismo, uma vez
que tanto o imperialismo britânico quanto a visão sionista se unem
no esforço de minimizar e até excluir os palestinos como algo de certo
modo secundário e insignificante.

42 Supplement to a Survey of Palestina. Jerusalém: Government Printer, junho de


1947.

78
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Said alega que quando Theodor Herzl concebeu o sionismo na


década de 1890, o movimento tratava de libertar os judeus, resolver
o problema do antissemitismo43 no Ocidente, defender o direito à
autodeterminação dos judeus e à existência de um Estado nacional
judaico independente e soberano. Posteriormente é que passaram a ter
a Palestina como o lugar para a concretização do seu objetivo de um
“lar para os judeus”. Antes, o movimento teria considerado a hipótese
de esse “lar” ser no Congo ou Uganda, na África, na Ilha de Chipreou
na Patagônia Argentina. Herzl chegou a cogitar a Argentina, porque
aquele país seria “um dos países naturalmente mais ricosda terra,
de uma superfície colossal, com uma fraca população e um clima
temperado”44.
Sobre a localização do tal “lar” ser a Palestina Histórica, Said
escreveu que
Além de ser um lugar com o qual existia uma ligação
espiritual na forma de um pacto entre Deus e os judeus, a
Palestina ainda tinha a vantagem de ser província atrasada
em um império atrasado [Império Otomano]. Portanto, o
esforço de todos os defensores do sionismo se concentrou
desde o início em reivindicar direitos à Palestina tanto
como um território atrasado e pouco habitado quanto como
um lugar em que os judeus, desfrutando de um privilégio
histórico único, poderiam reconstruir essa terra natal dos
judeus45.

As atividades de Herzl tornaram-se públicas através de artigos


publicados nos diários alemães e austríacos dirigidos aos judeus. E
um dos seus esforços foi o de conquistar os chefes de Estado europeus
para a causa sionista, ofertando transformar o seu futuro Estado numa
43 Etimologicamente, o termo antissemitismo significa “aversão aos semitas”,
que englobam várias etnias, como os hebreus, arameus, fenícios, árabes e os
assírios. O termo antissemitismo foi criado na Alemanha, no final do século
XIX, como uma tentativa de explicar cientificamente o Judenhass, que significa
“ódio aos judeus”. Para uma discussão sobre os significados de “semita”, ver nota
de referência n. 11.
44 HERZL, Theodor. O Estado Judeu. Rio de Janeiro: Garamond, 1998. p. 66.
45 SAID, Edward. A questão palestina. São Paulo: EdUNESP, 2012. p. 27-28.

79
Sayid Marcos Tenório

espécie de barreira contra a Ásia. E ao Sultão de Constantinopla, os


sionistas fizeram manifestações amistosas na forma de grandes somas
que lhes eram oferecidas para que se suavizassem os efeitos da crise
financeira que atingia a Turquia naquele período. Herzl escreveu no O
Estado judeu que
a Palestina é a nossa inolvidável pátria histórica. Esse nome
por sí só seria um toque de reunir poderosamente empolgante
para o nosso povo. Se S. M. o Sultão, nos desse a Palestina,
poderíamos tornar-nos capazes de regular completamente
as finanças da Turquia. Para a Europa, constituiríamos aí
um pedaço de fortaleza contra a Ásia, seríamos a sentinela
avançada da civilização contra a barbárie. Ficaríamos como
estado neutro, em relações constantes com toda a Europa,
que deveria garantir nossa existência46.

O sultão não aceitou a oferta. Os sionistas – Herzl, principalmente


– se empenharam em apelos por apoio para a conquista da Palestina
não apenas ao sultão da Turquia, mas igualmente ao kaiser alemão, ao
imperialismo francês, ao czar russo e ao Raj britânico.
Assim, a Declaração Balfour não só deixou de levar em
consideração os interesses coletivos dos habitantes locais da Palestina,
como representou a ação de maior consequência trágica, intensificando
as tensões, levando diretamente o país a desembocar numa das fases
mais violentas da sua história. Foi, sem dúvida, a precursora da
Resolução 181 da Assembleia Geral das Nações Unidas (Ver Anexo
I), presidida pelo brasileiro Oswaldo Aranha, que decidiu pelo Plano
de Partilha em novembro de 1947, dividindo a Palestina secular em
dois Estados: um palestino e um judeu que adotou o nome de “Israel”,
assunto que abordaremos mais adiante.
Segundo Shlomo Sand, o objetivo da Declaração de Balfour foi
o de minar um acordo anterior entre a Grã-Bretanha e a França, em
que as duas potências colonialistas decidiram trabalhar juntas para
isolar e derrotar o Império Otomano e realizar a divisão dos territórios
árabes. Do ponto de vista prático, os britânicos aspiravam a expandir

46 HERZL, Theodor. O Estado Judeu. Rio de Janeiro: Garamond, 1998. p. 66.

80
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

a zona de segurança militar em torno do canal de Suez, conquistando


de fato a Palestina. Os judeus não estavam na agenda e nem foram
mencionados no documento histórico resultante.
É de se destacar que, no momento da assinatura da Declaração
por Balfour, nem ele, como ministro de Assuntos Estrangeiros da
Grã-Bretanha, e muito menos Sua Majestade, o Rei George V, tinham
qualquer direito de soberania sobre a Palestina para prometer ou
oferecer o território árabe aos sionistas vindos dos quatro cantos do
planeta. Sand diz que, pelos termos do Acordo,
a França receberia o controle direto ou indireto das áreas
que subsequentemente compreenderiam a Síria (até Mosul),
Líbano, sudeste da Turquia e Alta Galiléia. A Grã-Bretanha
reivindicou para si as áreas que em breve se tornariam a
Transjordânia, Iraque, golfo Pérsico, deserto do Neguev e os
enclaves marítimos de Haifa e Acre47.

Os britânicos não pretendiam dividir o controle da Terra


Santa, a terra da Bíblia e do Alcorão, com franceses ateus, em quem
não confiavam. A Declaração de Balfour a Rothschild anulava, tanto
na teoria quanto na prática, o acordo de 16 de maio de 1916 entre
o representante do Ministério das Relações Exteriores britânico, sir
Mark Sykes, e François Georges-Picot, representando o Ministério das
Relações Exteriores francês, que decidia sobre a divisão dos espólios
territoriais do Império Otomano, um acordo cuja existência era
ignorada pelas demais nações, que só foi tornado público depois que
o líder da revolução bolchevique da Rússia, Vladimir Ilych Ulianov
– Lênin, divulgou uma cópia desse acordo descoberto por uma ação
dos bolcheviques, em 1918, nos arquivos do Ministério de Relações
Exteriores tzarista.

47 SAND, Shlomo. A invenção da Terra de Israel: da terra santa à terra pátria. São
Paulo: Benvirá, 2014. p. 212.

81
Sayid Marcos Tenório

2.2 O sionismo e a colonização da Palestina

Joseph Weitz, o chefe do Departamento de Colonização da


Agência Judaica, responsável por organizar os assentamentos na
Palestina, escreveu em 1940, no seu livro A solution to the refugee problem:
“Nós não atingiremos nosso objetivo se os árabes permanecerem neste
pequeno país [Palestina]. Não há outra maneira a não ser transferir
os árabes daqui para os países vizinhos. Todos eles. Nem um vilarejo,
nem uma tribo deve restar” (p. 222).
O judeu polonês David Ben Gurion, que chegou à Palestina em
1906 já como um fervoroso sionista e que viria ser o primeiro chefe
de governo do futuro Estado de Israel, declarou diversas vezes em
congressos sionistas anteriores à Partilha que as fronteiras desejadas
pelos sionistas para o seu futuro Estado incluíam o sul do Líbano, o sul
da Síria, a atual Jordânia e o Sinai,com dominação judaica absoluta.
Num discurso pronunciado em 1938 ele declarou que quando os
sionistas se convertessem em uma força de peso, como resultado da
criação de um Estado judeu, aboliriam a partilha e expandir-se-iam
para toda a Palestina, e que esse objetivo seria conquistado não através
da pregação, mas sim por meio das armas.

82
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

O fundador do Estado de Israel, David Bem Gurion (Plosnk, Polônia,


16 de outubro de 1886 – Ramat Gan, Israel, 1 de dezembro de 1973).

Pappé escreveu que o projeto sionista foi mudando com as


circunstâncias, mas o objetivo principal de ocupar e ter uma presença
exclusivamente judaica Palestina permaneceu. O espaço evoluiu de
Lar Judaico para os judeus “perseguidos” para toda Palestina.
O projeto sionista só poderia ser realizado através da criação,
na Palestina, de um estado puramente judeu, tanto como
um refúgio seguro para judeus contra a perseguição quanto
como um berço para o novo nacionalismo judeu. E tal estado
deveria ser exclusivamente judeu não só em sua estrutura
sociopolítica, mas também na sua composição étnica48.

O escritor de família judaica Ralph Schoenman escreveu, em seu


livro A história oculta do sionismo – a verdadeira história da formação

48 PAPPÉ, Ilan. A limpeza étnica da Palestina. São Paulo: Sundermann, 2016. p. 35.

83
Sayid Marcos Tenório

do estado de Israel (2008), sobre os quatro mitos49 fundamentais usados


pelos sionistas para se apoderarem da Palestina e ganhar a consciência
da maior parte dos habitantes do planeta, depois de os judeus europeus
terem sofrido os horrores do holocausto nazista.
O primeiro mito é o da teoria fantasiosa da “terra sem povo para
um povo sem terra”50, uma mentira usada assiduamente para se tentar
acreditar na ficção de que a Palestina era uma terra vazia à espera de
ser ocupada pelos judeus desterrados e miseráveis, perseguidos pelo
antissemitismo que crescia na Europa e que finalmente voltavam para
sua terra ancestral, onde, com o trabalho coletivo, fizeram a terra seca
brotar em abundância.
Trata-se de uma narrativa que se seguiu à negação, identidade,
nacionalidade e dos títulos legítimos de posse da terra pelos palestinos
que viveram nela por tempos imemoráveis. Para concretizar essa teoria
estranha, os sionistas destruíram completamente mais de 400 aldeias,
com suas casas, seus jardins, seus túmulos e cemitérios e expulsaram
os moradores que sobreviveram aos ataques das milícias judaicas.
Literalmente não permaneceu pedra sobre pedra.
O malsinado genocida Ben Gurion criou um Comitê de
Denominação, formado por um corpo voluntário de arqueólogos
e especialistas bíblicos, cuja função era renomear os lugares árabes
destruídos e hebraizar a geografia palestina. O esforço arqueológico
essencial desse Comitê era o de reproduzir o mapa de Israel “Antigo”,
alterando os nomes, a geografia e a história da Palestina, para torná-la
a terra judaica que jamais existira. Ao mesmo tempo em que tentam
dar veracidade à narrativa de que a Palestina era uma terra vazia e
árida antes da chegada do sionismo, empregada para suplantar
qualquer história que contradiga o passado judaico inventado para

49 Sobre os mitos construídos por Israel, recomendo ver vídeo de Miko Peled.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?time_continue=145&v=ccL
tpO_p4Tg.
50 Esse slogan sionista foi criado por Israel Zangwill (1864-1926), um judeu
sionista britânico e colaborador próximo a Theodor Herzl, que mais tarde
rejeitaria a ideia da busca por uma pátria judaica na Palestina.

84
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

negar a Nakba–palavra árabe que significa catástrofe–, e esconder a


anormalidade da tragédia palestina.
O segundo mito é o de que Israel é a “única democracia do
Oriente Médio”, em meio a um mundo árabe arcaico e autoritário.
Schoenman escreveu que
na realidade, Israel é tão democrático quanto pode sê-lo o
estado de apartheid na África do Sul. As liberdades civis, os
procedimentos judiciais e os direitos humanos básicos são
negados por lei aos que não cumprem os requisitos raciais e
religiosos51.

O terceiro mito diz que a política de “segurança nacional”


israelense é a força motriz da política exterior que existe para proteger
os judeus da ameaça iminente das massas árabes que vivem em
condições primitivas e cheias de ódio. A política dita de segurança é
na verdade o exercício do apartheid racista que viola direitos, pratica
crimes de guerra e contra a humanidade. Suas tecnologias militares e
de segurança são desenvolvidas com o objetivo de exercer de forma
eficiente e rápida a limpeza étnica da Palestina, como o centro do
projeto sionista de ocupação total do território da Palestina Histórica.
A limpeza étnica praticada por Israel desde 1948 é um crime
contra a humanidade, apontado em tratados e punível pela lei
internacional, como a que criou a Corte Penal Internacional (ICC,
na sigla em inglês), crime usado na Segunda Guerra Mundial pelos
nazistas e seus aliados, bem como pelas milícias croatas na antiga
Iugoslávia e em Kosovo, em 1999. É uma clara violação dos direitos
humanos e da lei humanitária internacional, com o objetivo de
eliminar do território palestino pessoas com base na sua religião e
origem étnica, no caso, cristãos e muçulmanos. Israel tem adotado
todos os meios possíveis de discriminação, expulsão e extermínio de
palestinos, numa grave violação das Convenções de Genebra de 1949
e dos protocolos adicionais de 1977.

51 SCHOENMAN, Ralph. A história oculta do sionismo. A verdadeira história da


formação do Estado de Israel. São Paulo: Sundermann, 2008. p. 44.

85
Sayid Marcos Tenório

Arnon Soffer, professor de geografia da Universidade de Haifa,


publicou artigo no jornal israelense The Jerusalém Post, em 10 de maio
de 2004, onde escreveu exatamente o que significa o caminho para
Israel como um Estado judaico sem palestinos:
Então, se queremos continuar vivos, temos que matar e
matar e matar. Todo dia, todos os dias [...] Se não matarmos,
deixaremos de existir. [...] A separação unilateral não garante
‘a paz’ – ela garante um estado judaico-sionista com uma
esmagadora maioria de judeus52.

Mas esta questão não era nova. Theodor Herzl já havia declarado,
nos primórdios do sionismo, que o “problema” da população era
o maior obstáculo para a realização do sonho do estado judeu. Ele
escreveu no seu diário em 12 junho de 1895 que “devemos nos
esforçar para expulsar sem alarde a população pobre para além das
fronteiras, arranjando empregos para eles nos países de trânsito, mas
lhes negando qualquer emprego no nosso próprio país”. E o genocida
David Ben Gurion foi mais além. Em discurso diante da sede do
partido Mapai53, em 3 de dezembro de 1947, declarou que “não pode
haver um estado judeu estável enquanto ele tiver uma maioria judia
de apenas 60%”. E ele cuidou de encontrar uma solução para este
“problema” demográfico, com as ações que coordenou a partir de
1948, expulsando e matando milhares de palestinos.
O quarto mito descrito por Schoenman é o de que a criação
do Estado de Israel é o legado moral das vítimas do holocausto, a
concretização da profecia da terra prometida para o povo escolhido,
uma lenda que foi transformada num fato histórico e numa quase
jurisprudência internacional. Os sionistas usam os horrores do
Holocausto e a morte de milhares de judeus exterminados nos campos
de concentração nazista na Europa em benefício da causa de ocupação
da Palestina, quando se sabe que a verdade é outra: os sionistas sempre

52 SOFFER, Arnon. The Jerusalém Post, 10 maio 2004.


53 Mapai foi um partido político israelense de centro-esquerda, sionista trabalhista,
que tinha entre seus principais líderes David Ben-Gurion, Moshe Sharett e
Levi Eshkol. Esteve no poder desde a criação de Israel até 1968, quando se
transformou no Partido Trabalhista.

86
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

colaboraram com os fascistas e nazistas perseguidores de judeus


durante os séculos XIX e XX, nazistas com quem o movimento sionista
manteve boas relações, como trataremos mais adiante, no subtítulo
2.5. O tema do holocausto é utilizado para chantagear as nações e criar
uma corrente que impeça a investigação dos crimes nazistas ocorridos
na Europa que desmascarariam os números exagerados de mortes
ocorridas nos campos de concentração de Hitler durante aqueles
episódios deploráveis.
Para os israelenses, reconhecer que os palestinos são vítimas da
sua política racista e de limpeza étnica é muito perturbador. Por isso,
cuidam de inverter os fatos, transformando-se de agressores em vítima.
Assumir a injustiça histórica de 1948 afetaria os mitos fundacionais do
Estado de Israel e traria à tona inúmeras questões éticas e morais, tais
como a de que Israel pôde estabelecer um estado em parte da Palestina
e como e com quais métodos os primeiros sionistas vindos da Europa
e do leste europeu ocuparam a “terra sem povo” e fizeram “o deserto
florescer”.
Para Pappé, concordar com essa narrativa faria com que os
judeus israelenses colocassem por terra todo o seu arcabouço e o
próprio estatuto de vítimas de injustiças e perseguições. Ele disse que
isso teria implicações políticas em nível internacional,
mas também – e de forma muito mais crítica – dispararia
repercussões morais e existenciais na psique judaica
israelense: os judeus israelenses teriam de reconhecer que se
tornaram a imagem refletida do seu pior pesadelo54.

Os sionistas sempre utilizaram de maneira inescrupulosa os


horrores do advento do nazi-fascista na Europa, bem como a morte de
judeus nos campos de concentração, que se sabe, não vitimou apenas
judeus, mas também comunistas, homossexuais, ciganos e outros
grupos em menor escala, para dar uma aura de prestígio moral e
político extraordinário à ideia de um Estado judeu na Palestina. Nesse
quesito, os judeus têm uma longa história de vitimação.

54 PAPPÉ, Ilan. A limpeza étnica da Palestina. São Paulo: Sundermann, 2016. p. 50,
281.

87
Sayid Marcos Tenório

Karl Marx, o filósofo, sociólogo, jornalista e revolucionário


socialista alemão, cujas teorias sobre a sociedade, a economia e a
política são usadas largamente até os dias de hoje, no ensaio escrito
no outono de 1843, “Sobre a questão judaica” (em alemão “Zur
Judenfrage”), critica as atitudes sociais dos judeus diante do sofrimento
pessoal e coletivo das pessoas na sociedade e a desumanidade com
que se apresentam secularmente. Na época livro foi acusado de
conter manifestações antissemitas, embora o autor fosse sabidamente
descendente de uma linhagem judaica de rabinos, interrompida pelo
seu pai, que havia se convertido ao protestantismo.
Seria Marx um antissemita que pregava o ódio judaico ao
analisar as atitudes e o comportamento do indivíduo que ele denomina
de judeu sabático, do judeu do cotidiano?Não. A base da reflexão de
Marx só poderia ser o materialismo histórico, a base de sua reflexão
sobre a sociedade. Sua análise não os critica em sua religião, deixando
claro que as críticas aos judeus não decorrem absolutamente de
antagonismos religiosos, mas da sua atitude real, da atitude mundana
egoísta praticada em relação à usura e ao dinheiro daqueles que ele
chama de “povo judeu”. Destaque-se que o jovem Marx teve uma
educação secular que o fez um pensador radical, convencido de que
sua atitude não era apenas para refletir sobre o mundo, mas para
mudá-lo. E sobre a questão da relação do judeu com a sociedade e o
Estado, Marx escreveu que
o judeu só pode se relacionar com o Estado de modo judaico,
ou seja, como um estrangeiro em relação ao estado, ao
contrapor à nacionalidade real sua lei ilusória, ao crer que
tem o direito de isolar-se da humanidade, ao não tomar
parte do movimento histórico por princípio, ao aguardar um
futuro que nada tem a ver com o povo judeu na conta de um
povo escolhido55.

Outro escritor de origem judaica, Norman G. Filkelstein,


que teve grande parte da sua família assassinada nos campos de
concentração nazista, faz duras críticas sobre como o Estado de

55 MARX, Karl. Sobre a questão judaica. São Paulo: Boitempo, 2010. p. 34.

88
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Israel usa de falsificações históricas para exaltar a supremacia judaica


(racista) perante outros povos do mundo. Ele escreveu que os judeus
sionistas usam o holocausto como uma indispensável arma ideológica
em seu favor.
Em seus desdobramentos, um dos maiores poderes militares
do mundo, com uma horrenda reputação em direitos
humanos projetou-se como um Estado ‘vítima’, da mesma
forma que o mais bem-sucedido agrupamento étnico dos
estados Unidos adquiriu o status de vítima56.

Os dirigentes sionistas se felicitaram publicamente pela expulsão


de judeus da Europa pelo nazi-fascismo – pois assim aquelas pessoas
iriam para a Palestina – propagado por eles como um lugar seguro
para judeus e a população judaica, sendo que sua presença suplantaria
os árabes na Palestina.
Schoenman complementa a constatação escrevendo que
a maior parte das pessoas desconhece o fato de que o
movimento sionista, que sempre invoca o horror do
holocausto, tenha colaborado ativamente com o inimigo
mais feroz que os judeus já tiveram. No entanto, a história
revela não somente uma comunidade de interesses, mas uma
profunda afinidade ideológica que tem sua raiz no extremo
chauvinismo que compartilha57.

Quando os horrores do holocausto de judeus na Europa


alcançaram a Palestina, a decisão do Mandato Britânico de limitar
a imigração judaica irritou os sionistas, que já praticavam a entrada
(ilegal) seletiva de judeus vindos da Europa, com prioridade para os de
boa forma física e com inclinação ideológica adequada, num momento
em que os judeus eram brutalmente perseguidos pelos nazistas.

56 FINKELSTEIN, Norman. A indústria do Holocausto: reflexões sobre a exploração


do sofrimento dos judeus. São Paulo: Record, 2001. p. 13.
57 SCHOENMAN, Ralph. A história oculta do sionismo. São Paulo: Sundermann,
2008. p. 45.

89
Sayid Marcos Tenório

Israel utiliza o holocausto nazista na Europa para sufocar


qualquer crítica ao seu Estado e à sua ideologia. Igualmente, qualquer
crítica à sua política de apartheid é considerada como um ataque ao
judaísmo ou como antissemitismo e seus críticos perseguidos pela
mídia e pelas instituições sionistas no mundo inteiro. Para eles, é
“permitido” manifestar-se contra as políticas adotadas por Israel,
porém sem protestar contra o Estado judeu e, portanto, contra o
judaísmo. Faz parte das políticas de Israel pôr o judaísmo no centro
da discussão. Não é demasiado se perguntar: a tragédia do holocausto
implica uma apólice eterna para a impunidade dos crimes de Israel?
Galeano escreveu um artigo intitulado “Operação chumbo impune”,
fazendo referência à Operação Chumbo, uma carnificina em Gaza que
se iniciou no dia 27 de dezembro de 2008, no sexto dia da festa judaica
do Hanucá, o festival das luzes. Naquela operação Israel assassinou
1.387 palestinos, a maioria civis, dos quais 773 não tinham nenhuma
participação nos combates, sendo 320 jovens ou crianças, 252 com menos
de 16 anos, e 111 mulheres. Do lado dos sionistas houve 13 mortos, sendo
três deles mortos pelos próprios israelenses. Galeano diz que
Israel é o país que jamais cumpre as recomendações nem
as resoluções das Nações Unidas, e que nunca acata as
sentenças dos tribunais internacionais, que zomba do direito
internacional, e é também o único país que legalizou a
tortura dos prisioneiros.

Quem lhe deu o direito de negar todos os direitos? De


onde vem a impunidade com que Israel está executando
a matança de Gaza? O governo espanhol não poderia
bombardear impunemente o País Basco para acabar com o
ETA, nem o governo britânico poderia devastar a Irlanda
para liquidar ao IRA. Por acaso a tragédia do Holocausto
implica uma apólice de eterna impunidade? Ou esse sinal
verde provém da potência manda chuva que tem em Israel o
mais incondicional dos seus servos?58

58 GALEANO, Eduardo. Operação chumbo impune, 2009. Disponível em: https://


www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Operacao-Chumbo-
Impune/6/14395.

90
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Não custa lembrar o episódio envolvendo o navio SS President


Warfield, construído em 1927 e lançado em 1928,que serviu à marinha
dos Estados Unidos e do Reino Britânico durante a Segunda Guerra
no transporte de tropas até 1942, quando foi adquirido pela Agência
Judaica e rebatizado com o nome de Exodus, para ser utilizado no
transporte de judeus para a Palestina. Era um dos 64 navios utilizados
na Aliá Bet, nome-código dado à imigração ilegal e clandestina de
judeus à Palestina, em violação das restrições britânicas, nos anos de
1934-1948.
O navio partiu com bandeira panamenha do porto da cidade
de Sète, localizada na costa mediterrânea francesa, na noite do dia 10
para 11 de julho, tendo com destino oficial a Colômbia e ostentando o
seu nome original. Apenas no alto mar, no dia 16, é que foi hasteada a
bandeira sionista (a atual de Israel) e o navio renomeado para Exodus,
numa referência ao êxodo bíblico dos judeus para fora do Egito,
rumo à ruptura do bloqueio britânico Eretz Israel, como os sionistas
costumam se referir à Palestina.
Em 18 de julho de 1947, o Exodus navegava com destino ao
porto de Haifaa pinhado por 4.500 imigrantes judeus sobreviventes do
holocausto a bordo, entre eles 1.700 mulheres e 950 crianças, quando foi
interceptado por dois destroieres da marinha britânica, que os seguia
desde a França, e impedido de entrar pelas autoridades do Mandato.
Tripulação e passageiros reagiram com seus meios e nesse confronto
foram mortos dois membros da tripulação e três passageiros. No porto
palestino de Haifa, os passageiros foram transferidos sob protestos para
três embarcações francesas e transportados para o porto francês de Port-
de-Bouc, onde os judeus permaneceram nos navios em greve de fome
durante 24 dias, recusando o desembarque, apesar da indescritível falta
de higiene e apoio sanitário. Ironicamente, os judeus foram transportados
à zona de ocupação britânica de Hamburgo, na Alemanha, e transferidos
para dois antigos campos de concentração, agora chamados de “campos
para emigrantes ilegais”, nas cercanias de Lubeck.
O caso do navio Exodus e as imagens do navio repleto de
sobreviventes do holocausto sendo espancados por soldados britânicos

91
Sayid Marcos Tenório

causaram enorme repercussão em todo o Ocidente, em especial nos


Estados Unidos, e foram fundamentais para o desenlace nas Nações
Unidas sobre a Partilha da Palestina.
Em sua obra História da Palestina moderna (2007), o historiador
israelense Ilan Pappé relata que
pouca energia sionista foi investida no salvamento de judeus,
visto que a prioridade naquela época difícil continuava a ser a
sobrevivência da comunidade judaica na Palestina. Quando
a guerra terminou, a seleção foi retomada, mas minava
o desejo sionista de aprovar a ligação entre o holocausto
e o projeto judeu na Palestina. Na verdade, se todos os
sobreviventes do horror nazi, especialmente os que tinham
sido colocados pelos aliados em campos de deslocados em
toda a Alemanha, tivessem escolhido a Palestina como seu
destino, teriam dado razão aos argumentos sionistas perante
a comunidade internacional59.

O filósofo Noam Chomsky, que foi líder da juventude sionista na


década de 1940, mas que se opunha firmemente à ideia de um estado
judeu, afirma, no seu livro Conversaciones sobre Palestina (2016), que
de 1948 em diante, o sionismo se converteu na ideologia do Estado,
na religião do Estado. Uma religião que mudou no que diz respeito à
política. Desde então, todo o mundo deveria reconhecer o direito à
existência de Israel como Estado judeu. Para os palestinos, aceitar essa
exigência é o mesmo que aceitar a opressão e a expulsão que vêm se
realizando desde 1948.
El sionismo, como política del Estado de Israel, há tenido
que cambiar para imponer barreras aún más altas a cualquier
tipo de arreglo político. Si necesitan algo más en el futuro,
inventarán algo nuevo. El sionismo como política de estado
es um concepto que cambia según las necessidades60.

59 PAPPÉ, Ilan. História da Palestina Moderna: uma terra dois povos. Lisboa:
Caminho, 2007. p. 154.
60 CHOMSKY, Noam. Conversaciones sobre Palestina. Ciudad Autónoma de
Buenos Aires: Marea, 2016. p. 66.

92
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

É de se perguntar: por que o fundamento essencial invocado pelos


sionistas referente ao “direito histórico” dos judeus sobre a Palestina
continua tão evidente, mesmo que se demonstre que a Palestina jamais
foi um território nacional judeu?
Sem evidências históricas sobre esse domínio, resta aos sionistas
se agarrar à lenda da “terra prometida” que, segundo os judeus, teria
sido concluída por Jeová com o Profeta Abraão. Essa lenda da “aliança”
é considerada pelos pensadores sionistas como um fundamento
sentimental profundo e eterno, que remonta à história do primeiro
judeu (Abrahão), a quem o Céu haveria se dirigido nos seguintes
termos: “Ergue os olhos e olha desde onde estás para o norte, para o
sul, para o oriente e para o ocidente; porque toda essa terra que vês,
eu te darei, a ti e à tua descendência, para sempre” (Gênesis 13:14-15,
Bíblia).
Se a narrativa é religiosa, baseada nos livros sagrados das três
religiões monoteístas (Bíblia, Torá e Alcorão), há de se admitir que a
religião pertencendo a Deus. Não existe entre Deus e suas criaturas
nenhum parentesco de família e nenhuma “aliança” que assegure tais
direitos para os descendentes judeus de Abrahão. Na Surata Al-Baqara
(a Vaca), está escrito:
124. E lembrai-vos de quando Abraão foi posto à prova por
seu Senhor, com certas palavras, e ele as cumpriu. O Senhor
disse: “Por certo, farei de ti dirigente para os homens”.
Abraão disse: “E de minha descendência?’ Allah disse: ‘Meu
pacto não alcança os injustos’”.

Conclui-se que, na visão religiosa adotada pelos judeus sionistas


para ressaltar a lenda da “terra prometida” e da “aliança”, a crença é a
de que essa promessa divina tenha sido feita aos judeus, com exclusão
dos demais. Mas quando se refere à “tua descendência”, como está
escrito em Gênesis, abrange também os árabes, muçulmanos e cristãos
que descendem igualmente de Abrahão por meio dos descendentes de
Ismael. Ou seja, a promessa divina feita aos filhos de Abrahão abrange
necessariamente a descendência de Ismael. Neste caso, os palestinos.

93
Sayid Marcos Tenório

Os textos sagrados não se referem a Israel como um ente


geográfico, étnico ou político, mas como uma comunidade de fiéis
vivendo em harmonia e respeito. Assim Israel permanecerá perante
o mundo em geral, e ante a consciência judaica e cristã em particular,
como um Estado que usurpou um território sobre o qual não tinha
nenhum direito, a menos que seja o direito que os sionistas estão
acostumados a aplicar, que é a lei da força bruta e das armas.
No fim das contas e apesar de tudo, foram os horrores do
holocausto e os golpes ferozes desferidos contra os judeus na Europa,
associados à decisão de nações como os Estados Unidosde fechar as
fronteiras àquelas vítimas de golpes tão cruéis, que permitiram que
a onda migratória organizada pelo movimento sionista resultasse no
estabelecimento de um estado judaico na Palestina.

2.3 A Revolta Árabe de 1936-1939


A Grande Revolta foi uma revolta nacionalista que representou
uma nova fase na história política da Palestina e decorrente da
insatisfação da população palestina contra o domínio britânico e a
ofensiva do projeto sionista nos primeiros anos da década de 1930,
através do incremento da imigração judaica em massa empreendido
pelo movimento sionista internacional. Pela primeira vez os árabes
palestinos se levantaram em armas contra a potência imperial. As
ações, que não eram nem distúrbios e nem tumultos, mas uma ampla
revolta anticolonial, começaram em abril de 1936 e perduraram até
1939, como decorrência da decisão das lideranças tradicionais árabes
da Palestina, cujo maior expoente era o Hajj Amin al-Husseini, Mufti61
de Jerusalém.
Foi o maior levante enfrentado pelos ingleses na Palestina desde
a ocupação do território no final de Primeira Guerra Mundial, em
1917, através da instauração do Mandato Britânico para a Palestina,

61 Mufti é um acadêmico islâmico a quem é reconhecida a capacidade


de interpretar a lei islâmica, e a capacidade de emitir fataawa, que é um
pronunciamento legal no Islão emitido por um especialista em lei religiosa
sobre um assunto específico.

94
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

conferido pela Liga das Nações. Desde então, a Palestina passou a


viver sob uma nova realidade política e institucional, deixando de
ser controlada por um império (Otomano) e passando a viver sob o
controle do Império Britânico, passando a ser administrada segundo
novos métodos de controle imperial. A revolta de 1936, que começou
espontaneamente como uma onda de greves e manifestações, era parte
de um levante mais geral contra o colonialismo europeu que atingiu
igualmente a Síria e o Egito.
O escritor e ativista político palestino Ghassan Kanafani62 escreve
no seu livro A revolta de 1936-1939 na Palestina que
[...] todas as fontes corretamente acreditam que o levante
Qassamista, impulsionado por Sheikh Izz a-Din al-Qassam,
foi o verdadeiro começo da revolta de 1936.

No entanto, o relatório da Comissão Real (Lord Peel), o


qual Yehuda Bauer considera como uma das fontes mais
autorizadas escrita sobre a questão palestina, ignora essas
causas imediatas como o estopim da revolta e atribui a
erupção a duas causas principais: o desejo dos árabes de
conquistas independência nacional e a sua aversão e receio
do estabelecimento de um “lar nacional judeu” na palestina.

Não é difícil enxergar que essas duas causas são, na verdade,


uma só, e que as palavras em que se encontram envoltas
estão amenizadas e não expressam nenhum sentido preciso.

[...] Na verdade, a real causa da revolta foi o fato de que


os violentos conflitos que envolviam a transformação da
Palestina de uma sociedade agrícola-feudo-clerical árabe
em uma sociedade burguesa industrial sionista (ocidental)
haviam atingido o seu clímax, como visto antes63.

62 Ghassan Kanafani, escritor e ativista político palestino, foi um dos fundadores


da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP). Nasceu em 8 de abril
1936 em Acre, Palestina, e foi morto em Beirute pelo serviço secreto israelense
Mossad em 8 de julho de 1972.
63 KANAFANI, Gassan. A revolta de 1936-1939 na Palestina. São Paulo:
Sundermann, 2015. p. 68.

95
Sayid Marcos Tenório

A Revolta Árabe de 1936-1939 foi também o batismo de fogo do


movimento nacional palestino contemporâneo: em abril de 1936, os
distúrbios locais entre árabes e judeus se projetaram nacionalmente
numa revolta generalizada dos palestinos. Os palestinos começaram
uma greve geral em 8 de maio de 1936. A greve foi desmobilizada pelas
lideranças árabes temendo que o levante se transformasse em revolução
social e se voltasse contra o próprio Alto Comitê Árabe (ACA)64. No
Egito – onde cresciam rapidamente a indústria têxtil, a do petróleo e
as ferrovias – as lideranças, inclusive religiosas, tradicionais, haviam
perdido muito do seu respaldo popular após o Tratado Anglo-Egípcio
de 1936. Novas lideranças operárias e políticas surgiam no Oriente
Médio. De modo primeiramente espontâneo, depois organizado, a
revolta social e política se transformaram em insurreição armada.
O poder era apoiado politicamente numa decisão da Liga das
Nações e, em decorrência dele, a Inglaterra instaurou uma nova ordem
institucional na Palestina, onde o Mandato era a forma efetiva de
governo da Palestina, composto por várias instituições responsáveis
pela administração pública, saúde, educação, transportes, obras
públicas, desenvolvimento urbano e rural etc. A base política e jurídica
do governo era o Estatuto do Mandato, uma espécie de Constituição da
Palestina, amparado pelo Artigo 22 da Convenção da Liga das Nações.
Além do Mandato Britânico, os palestinos passaram a conviver
com um outro fenômeno vindo da Europa: o sionismo, criado no final
do século XIX e já com acúmulo de força entre os intelectuais judeus
da Europa e Leste Europeu. O sionismo constituiu-se, dessa maneira,
num movimento político dotado de um projeto que influenciou a
reelaboração da identidade judaica frente aos desafios enfrentados
pelos judeus na Europa ao longo do século XIX. Paralelamente, iniciou-
se em 1882 um fluxo de migrantes para a Palestina que se intensificou
no início do século XX. Esse movimento era motivado principalmente
pelas perseguições que os judeus vinham sofrendo na Europa e na

64 O Alto Comitê Árabe era o órgão político central da comunidade árabe no


Mandato Britânico da Palestina. Foi criado em 25 de abril de 1936, e era
composto por líderes de clãs árabes palestinos sob a presidência do Hajj Amin
al-Husayni, o mufti de Jerusalém.

96
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Rússia pré-soviética. No entanto, é de se destacar que esse movimento


migratório não era devido unicamente a esse fator, mas os judeus
sionistas visavam igualmente à aquisição de terras para a construção de
colônias agrícolas judaicas e a formação de uma coletividade judaica e
erigir uma nova identidade judaica na Palestina, diferenciando-se das
comunidades judaicas da Europa e da comunidade judaica existente
na Palestina até então. Eles se baseavam nas ideias de Theodor Herzl,
que pregava o projeto de um Estado para que os judeus pudessem
viver livres de perseguições, o que Herzl denominava de “Lar Nacional
Judeu” na Palestina, conforme abordamos no título 2.1.
À medida que o tempo passava e mais imigrantes judeus
chegavam do Leste Europeu, os sionistas foram alcançando vitórias
políticas importantes, como a elevação da compra de terras. Diante
disso, os palestinos passaram a se mobilizar em busca de uma forma
de luta viável para derrotar o projeto dos sionistas, uma vez que a
aquisição de terras pelos judeus significava a expulsão dos palestinos
que lá viviam por gerações, empurrando-os para uma condição de
vida inferior na periferia das grandes cidades.
A revolta não visava apenas à derrota do avanço colonial sionista
na Palestina, mas, sobretudo, as autoridades britânicas, de quem os
palestinos exigiam a formação de um governo nacional independente.
A resposta das autoridades britânicas veio na forma de represálias
contra os palestinos, cuja luta de libertação do jugo do Mandato era
encarada como obstáculo fundamental para a colonização sionista. Os
palestinos tinham em mente as palavras do líder sionista Ben Gurion,
que havia declarado que a criação do Estado judeu seria somente um
estágio na realização do sionismo e sua tarefa seria preparar o terreno
para a expansão do território desejado, não com palavras, mas com
metralhadoras. Dessa maneira, o conflito desenhou-se como uma luta
de longo prazo, envolvendo vários protagonistas, como os colonialistas
ingleses, os judeus sionistas, os nacionalistas palestinos e as lideranças
operárias e populares, árabes e judias, com seus interesses divergentes
e conflitivos.

97
Sayid Marcos Tenório

Palestinos presos e subjugados por soldados do mandato britânico,


após a derrota da Grande Revolta de 1936-1939.

A revolta foi esmagada por um banho de sangue que mudou


drasticamente a Palestina. A rebelião terminou em 1939 com a
repressão executada pelas tropas britânicas em cooperação com as
milícias judaicas, entre elas a Haganah e os esquadrões da morte que
aterrorizaram a população palestina. Esses acontecimentos e o início
da Segunda Guerra mudariam definitivamente o tabuleiro político de
toda a região.
Segundo avaliação final de Kanafani em seu livro, a derrota da
Revolta de 1936-1939 permitiu ao movimento sionista avançar para
seus objetivos de colonizar a Palestina. Ele escreve que
[...] em 1947, as circunstâncias estavam favoráveis para
que colhesse os frutos da derrota de 1936, a qual a erupção
da guerra havia impedido que o fizesse antes. Assim, o
período tomado para completar o segundo capítulo da
derrota palestina – do final de 1947 a meados de 1948 – foi

98
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

incrivelmente curto, porque foi apenas a conclusão de um


longo e sangrento capítulo que durou de abril de 1936 a
setembro de 193965.

2.4 As relações entre sionistas, fascistas e nazistas

O nazi-sionismo na visão do cartunista alagoano Ênio Lins.

A relação dos sionistas com fascistas e nazistas é algo ocultado


pelas suas lideranças desde sempre, principalmente pela historiografia
oficial do Estado de Israel. E essa relação não está apenas na
coincidência das camisas pretas usadas pelo bando de Mussolini na
Itália e pelos esquadrões do movimento juvenil Sionistas Revisionistas
Betar. Quando Menachen Begin (que viria a se tornar o sexto primeiro-
ministro de Israel, em 1977) se converteu em chefe da milícia Betar,
um movimento fundado em 1923 na Letônia por Ze’eve Jabotinsky
adotou o uso de camisas marrons em suas reuniões e manifestações, as
mesmas utilizadas pelos bandos nazistas de Adolf Hitler.
Dois episódios marcaram essa ligação dos sionistas com os
nazistas. Em 1933, o Congresso da Organização Mundial Sionista
rejeitou por 240 votos contra e 43 a favor uma resolução que
conclamava a atuação contra Hitler. Depois desse Congresso e com

65 KANAFANI, Gassan. A revolta de 1936-1939 na Palestina. São Paulo:


Sundermann, 2015. p. 109.

99
Sayid Marcos Tenório

a derrota da moção contra Hitler, a Organização Sionista Mundial


rompeu o boicote judeu e se converteu no principal distribuidor de
produtos nazistas em todo o oriente Médio e no Norte da Europa.

Medalha nazista cunhada por ordem do ministro nazista da propaganda,


Joseph Goebels, em comemoração à “viagem nazista para a Palestina” do
Barão von Mildenstein. Disponível em: https://www.sixbid.com/browse.ht-
ml?auction=2128&category=42601&lot=1810254.

O outro episódio marcante dessa relação foi quando os sionistas


levaram para a Palestina o expoente do Serviço de Segurança, as SS,
barão Edler Von Mildenstein. Essa visita produziu um relatório em
doze capítulos plenos de elogios ao sionismo no jornal Der Angriff (“O
assalto” – 1934), do ministro da Propaganda de Hitler, Joseph Goebels.
Depois disso, Goebels ordenou que se cunhasse uma medalha com a
suástica nazista em um lado e a estrela de Davi no outro.
Schoenman relata vários episódios da história onde as lideranças
do movimento sionista mundial preferiram a colaboração com o
nazismo, a desenvolver qualquer iniciativa para proteger os judeus do
extermínio nos campos de concentração nazista. Em A história oculta
do sionismo (2008), ele narra que

100
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

em lugar de demonstrar compaixão, os sionistas celebraram a


perseguição de outros, mesmo quando eles, primeiro, traíram
os judeus e, depois, os degradaram. Eles escolheram para si
um povo-vítima, a quem pudessem infligir um projeto de
conquista. Eles comprometeram os judeus sobreviventes com
um novo genocídio contra o povo palestino, encobrindo-se,
com selvagem ironia, com o manto coletivo do holocausto66.

Numa entrevista publicada pela Revista Teoria e Debate,


Schoenman pede o fim de toda ajuda ao Estado de Israel, a quem acusa
de colaborar “com os piores perseguidores dos judeus durante o século
XIX e século XX, incluindo os nazistas”. Perguntado como se deu a
colaboração dos sionistas com os nazistas, Schoenman respondeu que
em 1941, o partido político de Itzhak Shamir (conhecido
hoje como Likud) concluiu um pacto militar com o 3º Reich
alemão. O acordo consistia em lutar ao lado dos nazistas
e fundar um Estado autoritário colonial, sob a direção do
3º Reich. Outro aspecto da colaboração entre os sionistas
e governos e Estados perseguidores dos judeus é o fato de
que o movimento sionista lutou ativamente para mudar as
leis de imigração nos EUA, na Inglaterra e em outros países,
tornando mais difícil a emigração de judeus perseguidos na
Europa para esses países. Os sionistas sabiam que, podendo,
os judeus perseguidos na Europa tentariam emigrar para os
EUA, para a Grã-Bretanha, para o Canadá. Eles não eram
sionistas, não tinham interesse em emigrar para uma terra
remota como a Palestina.

Em 1944, o movimento sionista refez um novo acordo com


Adolf Eichmann. David Ben Gurion, do movimento sionista,
mandou um enviado, de nome Rudolph Kastner, para se
encontrar com Eichmann na Hungria e concluir um acordo
pelo qual os sionistas concordaram em manter silêncio sobre
os planos de exterminação de 800 mil judeus húngaros e
mesmo evitar resistências, em troca de ter 600 líderes sionistas
libertados do controle nazista e enviados para a Palestina.

66 SCHOENMAN, Ralph. A história oculta do sionismo. A verdadeira história da


formação do Estado de Israel. São Paulo: Sundermann, 2008. p. 119.

101
Sayid Marcos Tenório

Portanto, o mito de que o sionismo e o Estado de Israel são


o legado moral do holocausto tem um particular aspecto
irônico, porque o que o movimento sionista fez quando os
judeus na Europa tinham a sua existência ameaçada foi fazer
acordos, e colaborar com os nazistas67.

2.5 A fábula do sionismo de esquerda


Sionismo, Estado de Israel e limpeza étnica são termos
indissociáveis. Antes mesmo da partilha em 1947, o autodenominado
sionismo de esquerda já se constituía numa corrente do movimento
sionista que, apesar do ideário de esquerda e “pacifista”, contribui para
legitimar as ações do Estado de Israel contra o povo palestino. Termos
que “genocídio”, “apartheid”, “limpeza étnica” e “BDS” (o movimento de
Boicote, Sanções e Desinvestimento) não fazem parte do vocabulário
dos sionistas de esquerda, nem em Israel nem em qualquer parte do
mundo. O sionismo de esquerda quer discutir sobre os governos de
direita israelense e até se opõe a eles. Mas foge de qualquer discussão
sobre a estrutura do Estado judaico e o apartheid contra palestinos.
Essa ideologia chegou à Palestina ainda na década de 1920, no
período em que o Movimento Sionista promoveu uma forte imigração
de judeus. Esses imigrantes, a maioria vinda do leste europeu, foram
os responsáveis pela criação dos Kibbutz, comunidades agrícolas
largamente saudadas pelos movimentos socialistas e comunista de todo
o mundo. Apesar do caráter coletivista e igualitário na propriedade
e produção, esses Kibbutz não admitiam os trabalhadores palestinos
entre seus membros.
Slomo Sand, em A invenção da terra de Israel, escreveu que a
esquerda sionista não surgiu no mesmo processo que originou a
esquerda europeia, ou seja, do conflito entre capital e trabalho. Mas
que essa esquerda

67 TSIRAKIS, Stylianos. Ralph Schoenman – Mitos em queda. Revista Teoria


& Debate, Fundação Perseu Abramo, n. 5, janeiro/fevereiro/março 1989.
Disponível em: https://teoriaedebate.org.br/1989/01/01/mitos-em-queda/.

102
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

nasceu, isso sim, das necessidades da “conquista da Terra” e


da construção de colônias nacionais puras. Por esse motivo,
nunca surgiu um movimento social-democrata de base
ampla na classe trabalhadora dentro da comunidade sionista
ou subsequentemente em Israel. A moralidade da esquerda
sionista sempre foi puramente intra-grupo e, portanto,
sempre pôde abraçar franca e desinibidamente a moralidade
bíblica. Na verdade, a esquerda sionista nunca teve uma
tradição de universidade profundamente arraigada, e isso,
entre outras coisas, ajuda a explicar a rapidez com que se
livrou de todos os valores de igualdade social quando sua
hegemonia se extinguiu perto do final do século XX68.

Para o israelense e bacharel em Relações Internacionais pela


PUC-SP, Shajar Goldwaser,
o Kibbutz veio a se tornar a base econômica, social e cultural
da nova sociedade judaica, motivada pelo lema ‘um povo
sem terra para uma terra sem povo’, que via na Palestina a
possibilidade de sua modernização e emancipação. O que
os sionistas socialistas não esperavam era encontrar uma
vibrante sociedade palestina no local, o que os impediria
de concretizar o seu ideal máximo: a criação de uma
Democracia Judaica69.

A professora do Departamento de Sociologia da UNB, Berenice


Bento, propôs o conceito redwashing em artigo publicado no Opera
Mundi para definir “o papel nefasto que discursos apoiados em um
suposto ideário de esquerda terminam por legitimar as ações do
Estado de Israel”. Para ela, esse discurso supostamente de esquerda é
utilizado para limpar os crimes de Israel.
Pouco importa se a Palestina segue desaparecendo, que
os métodos de terror utilizados pelo Estado de Israel não

68 SAND, Shlomo. A invenção da Terra de Israel. São Paulo: Benvirá, 2014. p. 281.
69 GOLDWASER, Shajar. Com discurso ‘pacifista’, esquerda sionista contribui
para extermínio do povo palestino. Opera Mundi, 2016. Disponível em: https://
operamundi.uol.com.br/opiniao/42968/com-discurso-pacifista-esquerda-
sionista-contribui-para-exterminio-do-povo-palestino.

103
Sayid Marcos Tenório

arrefeçam ao longo dos seus anos de existência. E, ao final, o


praticante do redwashing dirá que é aliado do povo palestino.
Com um aliado como este, quem precisa de inimigo?70

Este discurso é utilizado também mundo afora por certos


setores do movimento de solidariedade, partidos e parlamentares de
esquerda e por defensores dos direitos humanos que fecham os olhos
de maneira cúmplice ao defenderem um certo diálogo em busca da
paz. No entanto, seus discursos vêm carregados de acusações aos
“extremistas”, leia-se, a resistência que cobra o cumprimento das
Resoluções da ONU, principalmente aquela que diz respeito ao retorno
dos refugiados expulsos desde 1948.
Bento afirma ainda que a partir da sua vivência e leituras de
diversos artigos de ONGs israelenses que se dizem defensoras do povo
palestino, chegou à conclusão de que
a grande maioria, infelizmente, no suposto trabalho de
quebrar o silêncio das necropolíticas implementadas pelo
Estado de Israel, na verdade, fazem um sofisticado trabalho
de justificar estas mesmas políticas acionando o ideário
socialista. Dizem que há exagero em definir o que acontece
como genocídio. A este excesso linguístico praticado por
ativistas de movimentos de solidariedade do mundo inteiro,
os redwashing não têm nenhuma timidez em tipificá-lo como
‘antissemita’.

A esquerda sionista israelense e certos setores do movimento de


solidariedade teimam em não reconhecer o Movimento de Resistência
Islâmica – Hamas – como um partido político palestino que em 2006
elegeu democrática e limpamente a maioria do Conselho Legislativo,
a quem consideram como um grupo fundamentalista e terrorista
islâmico, portanto, incapaz de dialogar, mesmo que as resoluções
políticas do Movimento sejam no sentido do diálogo e da unidade
das forças palestinas para enfrentar a ocupação. Acabam fazendo coro

70 BENTO, Berenice. “Redwashing”: discursos de ‘esquerda’ para limpar os crimes


do Estado de Israel. Opera Mundi, 2017. Disponível em: https://operamundi.
uol.com.br/opiniao/46262/redwashing-discursos-de-esquerda-para-limpar-
os-crimes-do-estado-de-israel.

104
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

com os sionistas, que não concedem aos palestinos sequer o direito


de eleger seus governantes. Quando os palestinos votam em quem
os sionistas acham que não deveriam votar, são castigados. É o que
acontece com Gaza, que se converteu na maior prisão a céu aberto
do mundo, desde que o Hamas ganhou as eleições e passou a ser a
esperança de luta e resistência dos palestinos que não suportam mais
o apartheid sionista.
A minha percepção, a partir do que ouvi nos diálogos que
mantive em visita à Palestina ocupada, é a de que os palestinos
continuam a acreditar na resistência como o único caminho para se
livrar do apartheid sionista. Pude perceber que o apoio crescente ao
Hamas é quase que um contraponto natural às violações dos direitos
humanos daquela gente e das restrições cada dia maiores provocadas
pela ocupação brutal e o apartheid sionista. Por outro lado, a decepção
com os acordos não cumpridos por parte do ocupante e o papel de
gerente das políticas de Israel após os acordos de Oslo exercido pela
Autoridade Palestina são motores do crescimento da influência do
Hamas, tanto em Gaza quanto na Cisjordânia.
A esquerda sionista, sempre diligente em condenar os
“atentados” realizados atribuídos aos grupos palestinos que lutam
pela independência, silencia de maneira cúmplice perante o genocídio
cometido pelas forças de Israel desde 1948, como também na primeira
intifada, em 1987, na segunda intifada, em 2000, na Grande Marcha
do Retorno, manifestação que vem ocorrendo desde 30 de março de
2018 e os ataques massivos a Gaza em 2012 e 2014, onde foram mortos
mais de 2.200 palestinos.
Em relação aos movimentos palestinos, Goldwaser escreveu que
a esquerda sionista se mostra tão racista quanto a direita:
Ela não reconhece os crimes que ela própria cometeu
contra palestinos, não reconhece que os palestinos têm
direito de retornar às suas vilas, terras e cidades roubadas,
não reconhece o direito legítimo da população palestina
de resistir contra a massiva ocupação militar que sofre e,

105
Sayid Marcos Tenório

finalmente, defendo um modelo de Estado nacional baseado


na segregação étnico racial – o Estado Judaico.

A esquerda sionista, que se orgulha do protagonismo na chamada


Guerra de Independência de 1948, uma guerra que de fato deu início
à Nakba, a catástrofe que provocou uma enorme limpeza étnica com
a morte de milhares de palestinos e onde mais de 800 mil homens,
mulheres e crianças foram expulsos de suas terras – mais que toda
população de judeus existente na Palestina naquela ocasião – por meio
da destruição de mais de 400 vilas e povoados, é a mesma esquerda
sionista que diz querer o diálogo e a busca da paz e da coexistência na
Palestina, por intermédio da solução de dois estados, um discurso que
enche os olhos de muitos pelo mundo afora, que sentem vergonha de
dizer que aceitam a prática genocida e o apartheid do Estado de Israel.
Os chamados sionistas de esquerda representam um perigo
para a unidade do movimento de resistência porque eles confundem
o movimento de solidariedade através de propostas capciosas, tais
como “coexistência”, “paz duradoura” e “diálogo”, ao mesmo tempo
em que tentam minar as campanhas centrais de solidariedade ao povo
palestino, como o movimento BDS, que tem sido responsável pela
queda de 46% dos investimentos externos de Israel nos últimos anos.
O sionismo de esquerda representa um perigo para a luta palestina,
pois não passa de uma ramificação ardilosa do projeto colonial ao qual
prestam serviço.

106
3
Da partilha da ONU aos Acordos de Oslo

107
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

A questão da Partilha da Palestina não surgiu no interior da


inexperiente e recém fundada Organização das Nações Unidas, onde
nenhum dos seus membros dirigentes tinha qualquer experiência
prévia em solução de conflitos ou conhecimento suficiente a respeito
da história da Palestina. Mas começou a se decidir nos gabinetes
ingleses. Pappé escreveu que a ONU decidiu patrocinar o princípio
da partilha sugerido pelos ingleses como um fio condutor para uma
futura solução para o conflito.

109
Sayid Marcos Tenório

Dividir a Palestina era originalmente uma solução inglesa,


mas se tornou uma peça central da política sionista a partir
de 1937.Antes disso, os ingleses colocaram diversas opções,
notadamente a criação de um estado binacional, que os judeus
rejeitaram, e uma Palestina com cantões (seguindo o modelo
suíço), que ambos os lados se recusaram a considerar. Ao
final, Londres desistiu de tentar encontrar uma solução para
o conflito que avultava e, em fevereiro de 1947, transferiu a
questão da Palestina para as Nações Unidas. Favorecida pela
direção sionista, e agora apoiada pela Inglaterra, “partilha”
passou a ser o nome do jogo. Os interesses dos palestinos
estavam prestes a ser totalmente extirpados do processo71.

Quando da fundação da ONU, em 24 de outubro de 1945, o


território da Palestina Histórica ainda se encontrava sob o domínio
britânico, conforme Mandato concedido pela antiga Liga das Nações
desde 1922. Como decorrência da tensão entre os movimentos
nacionalistas árabes e judaico, a Grã-Bretanha solicitou ao Secretário-
Geral da ONU, o norueguês Trygve Halvdan Lie (1896-1968), a
convocação de uma sessão extraordinária da Assembleia Geral para
discutir alternativas políticas para o problema palestino.
Em fevereiro de 1947, o chefe da delegação britânica na ONU,
Alexander Caddington, reuniu-se com o Secretário-Geral Trygve
Lie, cujo resultado foi a proposta britânica para a criação, em 5 de
maio de 1947, do Comitê Especial das Nações Unidas para a Palestina
(UNSCOP, da sigla em inglês), formado por onze Estados Membro
(Austrália, Canadá, Checoslováquia, Guatemala, Holanda, Índia,
Irã, Iugoslávia, Peru, Suécia e Uruguai), entre os quais não figurava
nenhuma das grandes potências, destinado a investigar as questões
relevantes da disputa territorial e recomendar uma solução diplomática
a ser deliberada pela Assembleia Geral, cujo tema mais importante era
o fim do Mandato britânico, reivindicado tanto pelos árabes quanto
pelos judeus.
Inicialmente, os membros do UNSCOP deliberaram sobre a
possibilidade de a Palestina se tornar um único estado democrático,
71 PAPPÉ, Ilan. A limpeza étnica da Palestina. São Paulo: Sundermann, 2016. p. 50.

110
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

cujo futuro seria decidido pelo voto majoritário da população, mas


essa ideia logo seria abandonada, tendo sido vitoriosa a recomendação
à Assembleia Geral para a partilha da Palestina em dois estados.
As movimentações das grandes potências em torno da questão
da partilha fizeram com que os Estados Unidos se posicionassem
inicialmente contrários à opção de dois Estados. Ocientista político
Luiz Alberto Moniz Bandeira escreveu no seu livro A Segunda Guerra
Fria (2013) que o general George Marshall (1880-1959), então
secretário de Estado do presidente Harry S. Truman (1945-1953),
se opôs à criação do Estado de Israel, pois defendia a criação de um
só Estado, com eleições gerais. Da mesma forma, o embaixador Loy
Hendersen, diretor da Agência do Oriente Médio do Departamento
de Estado, arguiu em memorando contra a proposta de partição da
Palestina entre árabes e judeus. Para Hendersen, aquela iniciativa
ignorava os princípios da autodeterminação e do governo da
maioria, e reconhecia o princípio de um Estado racial teocrático, que
discriminava em todas as instâncias, com base na religião e na raça,
as pessoas fora da Palestina. No seu entender, a partição não só não
funcionaria como conduziria a imprevisíveis problemas no futuro.
Bandeira escreveu que
a princípio, o presidente Harry Truman vacilou. O
Departamento de Estado e o Departamento de Defesa
manifestaram-se contra a partição da Palestina e a
preocupação era o atrito que adviria com países árabes,
todos adversos ao sionismo e ao plano da United Nations
Special Commitee on Palestina (UNSCOP). Mas, a fim
de conquistar o voto dos judeus para a sua reeleição em
1948, o presidente Truman determinou que o embaixador
Herschel Johnson, adjunto do chefe da Legação Americana,
anunciasse no CSNU que os Estados Unidos apoiavam o
plano de partição da Palestina, elaborado pela UNSCOP, o
que foi feito na sessão de 11 de outubro de 194772.

72 BANDEIRA, Moniz. A Segunda Guerra Fria: geopolítica e dimensão estratégica


dos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. p. 463.

111
Sayid Marcos Tenório

Como se vê, os Estados Unidos não adotaram seu voto na ONU


por qualquer consideração estratégica na questão da partilha da
Palestina em dois Estados. Mas a decisão do presidente Truman se
deu por puro oportunismo eleitoral, a fim de captar o voto dos judeus
para sua eleição em 1948.

Mapa da Palestina durante o Mandato britânico (1920-1948), onde se vê


a composição demográfica de palestinos e judeus. Disponível em:
https://complemento.veja.abril.com.br/timeline/timeline-mundo-israel.html.

Após dois meses de intensos debates, o Comitê optou pela


proposta de partilha territorial para criação de dois Estados nacionais
independentes (Ver Anexo I), ignorando totalmente a composição
étnica da população do país. Ao invés disso, a ONU se curvou às
reivindicações nacionalistas do movimento sionista sobre a Palestina
e decidiu por compensar os judeus pelo holocausto nazista ocorrido
na Europa, com um estado que se estendia por mais da metade do
país, com as terras mais férteis e mais bem localizada geograficamente,
às custas dos palestinos que ocupavam a Palestina Histórica há mais
de três milênios. Durante os debates do Comitê das Nações Unidas

112
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

que tratava da partilha da Palestina, o rabino E. L. Fischmann,


representante oficial da Agência Judia para Palestina, fez reiterados
discursos e lobby das reivindicações do seu chefe Theodor Herzl
perante a ONU, defendendo que “a Terra Prometida se estende desde
o Rio do Egito até o Eufrates. Incluindo partes da Síria e do Líbano”73.
Ilan Pappé questiona a sinceridade dessa preocupação do
movimento sionista em relação aos judeus vítimas do holocausto na
Europa e a associação que muitos líderes faziam entre a tragédia e a
recompensa em viver em terras palestinas. Pappé escreveu que
pouca energia foi investida no salvamento dos judeus, visto
que a prioridade naquela época difícil continuava a ser a
sobrevivência da comunidade judaica na Palestina. Quando
a guerra terminou, a seleção foi retomada, mas minava
o desejo sionista de provar a ligação entre o holocausto
e o projeto judeu na Palestina. Na verdade, se todos os
sobreviventes do horror nazi, especialmente os que tinham
sido colocados pelos aliados em campos de deslocados em
toda Alemanha, tivessem escolhido a Palestina como seu
destino, teriam dado razão aos argumentos sionistas perante
a comunidade internacional74.

Apesar disso, a maioria dos membros do Comitê opinou pela


solução de um Estado judeu e outro árabe. A parte destinada aos
judeus incluiria as áreas agrícolas e as cidades comerciais, ou seja, as
melhores terras agrícolas, enquanto deixava para os palestinos nada
menos que um deserto, terras pedregosas e morros inférteis. Além
do que, colocar Jerusalém sob o controle da ONU significava tirar
a cidade milenar das mãos dos palestinos. Os países representados
na Liga Árabe rejeitaram aquela solução porque representava uma
grande injustiça ao doar terras para um povo estrangeiro, deslocaria a
população secularmente estabelecida e criaria um estado estrangeiro

73 SHAHAK, Israel. The Zionist Plan for the Middle East. Belmont: Mass., A.A.U.G.,
1982.
74 PAPPÉ, Ilan. História da Palestina Moderna: uma terra, dois povos. Lisboa:
Caminho, 2007. p. 154.

113
Sayid Marcos Tenório

no mundo árabe, colocando sob seu controle áreas econômicas


consideradas chaves sob o controle dos judeus.
A Palestina seria dividida em oito partes: três pertenceriam ao
estado Judeu e três ao estado Palestino. A cidade de Jaffa formaria
um enclave palestino dentro do território judeu, e a oitava parte
seria Jerusalém como território neutro e internacional sob jurisdição
da ONU. E o significado religioso dos Lugares Sagrados deveria ser
preservado.
O filósofo Noam Chomsky analisa a ideia da criação de um
Estado Judeu como uma anomalia e como algo que não aconteceu em
nenhum lugar do mundo em qualquer tempo. Para Chomsky,
uma vez que se estabelece um Estado, qualquer cidadão ou
cidadã é um cidadão ou cidadã do Estado. Não importa quem
seja, se é um cidadão francês, é francês. Se vive em Israel, é
um cidadão israelense, não é judeu. Por isso o conceito de
Estado judeu é uma completa anomalia. Não tem análogo no
mundo moderno, portanto, é óbvio que não devemos aceitá-
lo. Por que aceitar esta anomalia única?75

Com a partilha proposta, os judeus que detinham 7% do território


passariam a ter 53% (as melhores terras), enquanto que os palestinos
ficariam com 47%. Uma partilha injusta sobre todos os aspectos, pois
a Palestina era o lar de mais de 1 milhão e 400 mil palestinos, enquanto
que a população de judeus era de 630 mil pessoas, onde dois terços
delas eram imigrantes ashkenazim (judeus provenientes da Europa
Central e Europa Oriental). Com olhos azuis, pele clara, cabelos
ruivos e falando diversos idiomas, os novos moradores originavam-
se particularmente da Polônia e URSS, e haviam chegado à Palestina
por meio das políticas de transferência populacional promovidos pelo
movimento sionista internacional desde o final do século XIX. Esse
movimento foi seguido pela “sionização” das terras palestinas por meio
da criação de uma companhia judaica para aquisição de propriedades

75 CHONSKY, Noam; PAPPÉ, Ilan. Conversasiones sobre Palestina. Ciudad


Autónoma de Buenos Aires: Marea, 2016. p. 74.

114
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

– terras essas que jamais poderiam ser vendidas ou arrendadas de volta


aos palestinos – patrocinada pelo movimento sionista internacional
por intermédio do Fundo Nacional Judeu (Jewish National Fund),
bancado pelos banqueiros agiotas judeus que dominavam as finanças
mundiais já naquela época.
Em 1916, os sionistas eram proprietários de 241 mil dununs –
medida agrária que equivale a 1000m2. Em 1947 essa quantidade já era
de 1.850.000 dununs. Durante os anos de 1920 e 1930, o crescimento
das colônias judaicas deu início a uma série de conflitos entre judeus-
sionistas e palestinos.
Com esta divisão injusta e ilegal, sem que a ONU tenha
organizado qualquer forma de consulta entre os habitantes da
Palestina, ignorando a posição majoritária claramente demonstrada
pelos representantes árabes da Síria, Líbano, Egito e Jordânia, países
com fronteiras com a Palestina e ignorando, igualmente, a posição
das lideranças cristãs, islâmicas e até mesmo de judeus antissionistas,
que nunca reconheceram a existência do Estado de Israel. Assim, a
ONU tornaria a Palestina o único Estado destruído para que fosse
implantado sobre as ruínas do seu território e sobre os corpos dos
seus mártires um Estado que hoje se sabe monstruoso, cuja criação
continua pondo a comunidade das nações num permanente conflito
e a paz mundial em perigo. A ONU colocou a vida de milhares de
palestinos nas mãos de um movimento que pregava claramente a
transferência de populações para transformação de um território de
etnia mista em um Estado de pureza étnica.
A Resolução 181, que definiu a partilha, foi adotada pela
Assembleia Geral de 29 de novembro de 1947, presidida pelo brasileiro
Oswaldo Aranha, sob a orientação da potência emergente pós-Segunda
Guerra Mundial, os Estados Unidos, de se pronunciar e trabalhar
por uma decisão favorável. A Assembleia contou com a presença
de 56 dos 57 Estados Membro. A proposta teve o voto favorável de
33 países: Austrália, Bélgica, Bielorrússia, Bolívia, Brasil, Canadá,
Checoslováquia, Costa Rica, Dinamarca, Equador, Estados Unidos
da América, Filipinas, França, Guatemala, Haiti, Holanda, Islândia,

115
Sayid Marcos Tenório

Libéria, Luxemburgo, Nicarágua, Nova Zelândia, Noruega, Panamá,


Paraguai, Peru, Polônia, São Domingos, Suécia, Ucrânia, União Sul
Africana, URSS, Uruguai e Venezuela.
Votaram contra 13 países-membros: Afeganistão, Arábia
Saudita, Cuba, Egito, Grécia, Índia, Iraque, Irã, Líbano, Paquistão,
Síria, Turquia e Iêmen, e 10 Nações se abstiveram: Argentina, Chile,
China, Colômbia, Etiópia, Grã-Bretanha, El Salvador, Honduras,
México e Iugoslávia. A única ausência foi do Sião, como era chamada
a Tailândia até 1949, devido a impedimento para aquela Sessão. Há
de se destacar que o voto da União Soviética se deu por razões de sua
política internacional, pois os partidos comunistas do Oriente Médio
apoiavam a criação do Estado de Israel.
A orientação do governo brasileiro era a de se abster naquela
votação. O Itamaraty julgava que o Brasil não deveria tomar partido
porque tinha uma comunidade judaica e uma comunidade árabe
sem conflitos em nosso território. Mas Osvaldo Aranha foi envolvido
pelo clima criado pelos sionistas em Nova York e preferiu atender aos
apelos inconfessáveis do lobby judaico e trair a orientação do Governo
brasileiro, mudando seu voto em favor da partilha.
O jornalista e político brasileiro Carlos Lacerda narra em seu
livro Depoimento que Osvaldo Aranha mudou o voto do Brasil ajudado
pelo embaixador Gilberto Amado, um dos diplomatas brasileiros na
ONU, que o convenceu a votar a favor da partilha da Palestina, ou seja,
da criação do estado de Israel.
Um dia Raul Fernandes [ministro das Relações Exteriores à
época e partidário de Lacerda] me chamou ao Itamaraty e
disse: “Carlos, você, além de jornalista, é meu primo, então
não vou mostrar ao jornalista, vou mostrar ao meu primo
porque não quero que você me julgue mal”. E mostrou suas
instruções: “Na questão da palestina deveis abster-vos de
votar”. Mas o fato é que o Osvaldo, envolvido pelo New York
Times, envolvido pelo clima muito pró-judaico de Nova
York, envolvido enfim por uma série de coisas, tornou-se,

116
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

assim, um dos heróis da nação israelita, porque mudou o


voto do Brasil76.

Outro escritor que se dedicou a estudar o papel exercido por


Oswaldo Aranha em benefício dos judeus foi o norte-americano
Stanley Hilton, que escreveu a biografia do diplomata brasileiro,
Oswaldo Aranha: Uma biografia. Ele descreve sobre as manobras de
Aranha, que prometera aos árabes equilíbrio e plena liberdade de
discussão sobre a questão, depois que a Assembleia rejeitara a proposta
árabe para que se incluísse na agenda a questão da independência
da Palestina após o final do mandato britânico. Mas não foi o que
aconteceu. Hilton relata que naqueles dias tensos de novembro, apesar
das declarações públicas de que não exerceria nenhuma influência,
a atuação de Aranha nos bastidores estava fortemente alinhada com
os sionistas. Ele diz que Aranha usou de sua autoridade para ajudar
os sionistas ao suspender os trabalhos por alguns dias a pretexto de
respeitar o feriado do Dia de Ação de Graças. “Quando se reabriram
os trabalhos em 29 de novembro, eram os árabes que sentiam que
haviam perdido terreno. Aranha tinha a mão mais rápida no martelo
que já vi” (p. 456).
[...] os líderes da Agência Judaica para a Palestina aplaudiram
“a sabedoria e justiça” com que tratara do problema. “A
profunda compreensão que demonstrou do problema
judaico no tocante à Palestina foi motivo de grande conforto
e satisfação para todos nós”, um porta-voz da Agência lhe
escreveu depois. [...] Terminou também convencido da
necessidade de se criar uma pátria para os judeus. Quando
um repórter observou que o Grã Mufti de Jerusalém declarara
que os judeus queriam se apossar da Palestina para usá-la
como trampolim para sua maior expansão na região, Aranha
foi abrupto: “A opinião do Mufti não me interessa...”, disse77.

Aranha havia declarado durante a sessão que seu dever como


presidente o obrigava a se manter neutro e que não exerceria nenhuma

76 LACERDA, Carlos. Depoimento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987. p. 97.


77 HILTON, Stanley. Oswaldo Aranha: uma biografia. Rio de Janeiro: Objetiva,
1994. p. 439.

117
Sayid Marcos Tenório

influência sobre o debate. Mas, segundo Hilton, não foi isso que
aconteceu. Segundo ele, Aranha não escondia suas simpatias pela causa
judaica e ajudou a influenciar outros delegados, o que lhe mereceu
elogios por parte de um dos lobistas da Agência Judaica na ONU,
Abba Eban: “O presidente da Assembleia Geral, Oswaldo Aranha, do
Brasil, era um homem de disposição apaixonada e romântica que era
fervorosamente imbuído da ideia de uma pátria judaica” (Hilton, p.
456).
Os sionistas, naturalmente, comemoraram a mão amiga
de Aranha no resultado da votação da Assembleia Geral. Chaim
Weizmann, que seria o primeiro presidente de Israel, testemunhou o
papel de Aranha em favor dos judeus. Ele enviou telegrama a Aranha
onde declarou que
a sessão da Assembleia não poderia ter terminado com esta
decisão histórica […] se não fosse vosso esforço persistente
e vossa devoção como presidente. Vossa compreensão do
nosso problema e da justiça da nossa causa lhe ganhou a
permanente gratidão do povo judaico78.

No Brasil, a comunidade judaica vibrou imensamente com o


resultado e o apoio de Aranha para aquele resultado. O presidente
da Federação das Sociedades Israelitas do Rio de Janeiro expressou a
“mais viva gratidão” pelo papel “decisivo” de Aranha naquele processo,
e foi dado início a um movimento para obter o Prêmio Nobel da
Paz para Aranha, endossado pelos líderes sionistas de vários países,
que enviaram cartas ao Comitê Nobel em Oslo. A mobilização não
conseguiu êxito.
Egito, Síria, Líbano e Jordânia, membros da recém-criada Liga
Árabe, manifestaram-se abertamente contrários à proposta e não
reconheceram o novo Estado judeu. Os Estados árabes consideraram
que o Plano contrariava a Carta das Nações Unidas, segundo a qual
cada povo tem o direito à sua autodeterminação, e declararam sua
oposição a qualquer plano que propusesse a separação, segregação ou
divisão da Palestina. Para as nações árabes, era inconcebível apoiar
78 Ibidem, p. 459.

118
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

uma decisão que permitiria a espoliação do patrimônio nacional e


extinguia o direito de viver em sua própria pátria.

Mesa da sessão da Assembleia Geral da ONU que aprovou a Partilha da


Palestina, presidida pelo brasileiro e “mão amiga dos sionistas” Oswaldo
Aranha, no centro da foto. Disponível em: https://blogs.oglobo.globo.com/lauro-
-jardim/post/oswaldo-aranha-disney-orson-welles-e-o-chimarrao.html.

Ademais, a ONU não estava investida de nenhuma soberania


sobre a Palestina e não poderia se valer de nenhuma autoridade ou
direito de soberania sobre a Palestina. Não lhe era dada nenhuma
prerrogativa que a permitisse a divisão de um Estado ou para atribuir
parte do seu território a uma minoria estrangeira oriunda da Europa
com o fim de fundar o seu Estado. A ONU não tinha permissão de
conceder a emigrantes de diversas nacionalidades direitos territoriais e
políticos diferentes dos concedidos aos habitantes da terra palestina. O
princípio elementar do direito é o de que quem não tem a propriedade
de uma coisa, não pode cedê-la a outro. Então, há que se perguntar,
sempre: A ONU tinha o direito de ceder uma parte do patrimônio
nacional milenar dos palestinos a estrangeiros provenientes de todas
as partes do mundo, sem nenhum vínculo histórico com aquela terra?
Como isso foi possível?

119
Sayid Marcos Tenório

A Carta das Nações Unidas, assinada em São Francisco, a 26


de junho de 1945, após o término da Conferência das Nações Unidas
sobre Organização Internacional, que entrou em vigor a 24 de outubro
daquele mesmo ano, estabelece que:
Artigo 12.

1. Enquanto o Conselho de Segurança estiver exercendo, em


relação a qualquer controvérsia ou situação, as funções que
lhe são atribuídas na presente Carta, a Assembleia Geral não
fará nenhuma recomendação a respeito dessa controvérsia
ou situação, a menos que o Conselho de Segurança a solicite.

2. O secretário-geral, com o consentimento do Conselho


de Segurança, comunicará à Assembleia Geral, em cada
sessão, quaisquer assuntos relativos à manutenção da paz e
da segurança internacionais que estiverem sendo tratados
pelo Conselho de Segurança, e da mesma maneira dará
conhecimento de tais assuntos à Assembleia Geral, ou
aos membros das Nações Unidas se a Assembleia Geral
não estiver em sessão, logo que o Conselho de Segurança
terminar o exame dos referidos assuntos79.

Assembleia Geral não é uma instância das Nações Unidas dotada


de soberania superior, mas uma instituição colegiada de discussão que
formula recomendações e não pode tomar decisões que tenham caráter
compulsório, ainda mais dessa envergadura, e nem tem poder de
ação. Esse poder, em virtude da Carta das Nações Unidas, é reservado
ao Conselho de Segurança, a quem compete decidir e aplicar com
exclusividade.
Dessa maneira, a Assembleia Geral da ONU teria ultrapassado
os limites de suas atribuições porque não tinha o direito de soberania
ou outro direito qualquer sobre o território da Palestina ao adotar a
resolução de Partilha, que foi entendida pelos países árabes e outros
como nula, sem valor nem efeito. Ignorou-se todas as regras de
mediação internacional endossadas pela própria Carta da Nações

79 A íntegra da Carta das Nações Unidas está disponível em: https://nacoesunidas.


org/carta/.

120
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Unidas e adotou-se uma solução não só ilegal, mas igualmente imoral.


Deu-se as costas a uma população majoritariamente nativa e atendeu-
se aos reclamos de povoadores recém-chegados à Palestina, muitos
dos quais recém desembarcados.

Mapa do Plano de Partilha da Palestina, proposto pelo Comitê Especial das


Nações Unidas para a Palestina (UNSCOP, da sigla em inglês) e aprovado
pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 29 de novembro de 1947.
Disponível em: https://blogs.oglobo.globo.com/lauro-jardim/post/oswaldo-ara-
nha-disney-orson-welles-e-o-chimarrao.html.

A decisão tornou a Palestina o único Estado destruído com a


contribuição das Nações Unidas, no intuito de permitir o surgimento
de uma entidade racista e genocida, fruto da espoliação do patrimônio
nacional palestino, cuja criação pôs a paz mundial permanentemente
em risco. A resolução da Partilha concedeu mais da metade da Palestina
a um movimento ideológico – o sionismo, que declarava abertamente
seu desejo de desarabizar a Palestina, ou seja, realizar uma limpeza
étnica para tornar a Palestina Histórica um estado exclusivamente
para judeus.

121
Sayid Marcos Tenório

O mapa definido pela ONU presenteou o único grande porto


palestino aos judeus, que queriam Haifa, o seu porto, sua estrutura
urbana moderna, mas sem os 75 mil palestinos que ali viviam, em
abril de 1948. Eles alcançaram seu objetivo!
Ao aprovar a Partilha da Palestina, a ONU não se preocupou
em incluir na Resolução nenhum dispositivo para evitar que o quadro
de catástrofe se consolidasse. Segundo Pappé (2016), o mapa da
partilha elaborado e aprovado pela ONU era uma receita segura para
a tragédia que começou a se desenrolar no dia em que a Resolução 181
foi aprovada.
A Grã-Bretanha finalizava o Mandato com um grande ato de
traição à Palestina e aos árabes, por cujo bem-estar e progresso havia
se comprometido a velar. Ao retirarem suas tropas, abandonando o
território palestino, as autoridades britânicas entregaram aos sionistas
as rédeas do poder na Palestina, incluindo o controle das bases
militares britânicas. O abandono do território palestino e o destino de
seu povo aos terroristas das organizações paramilitares sionistas, que
viriam a praticar os atos selvagens que dariam início à limpeza étnica
da Palestina, fato que se constitui num dos mais vergonhosos capítulos
da história do Império Britânico.
Em seu livro A questão Palestina – guerra, política e relações
internacionais Buzetto diz que
Tanto o Primeiro Comitê quanto a Comissão Especial das
Nações Unidas para a Palestina (UNSCOP), organismos
criados pela ONU para debater e sugerir soluções sobre
o que deveria ser feito na Palestina, em vez de organizar
uma consulta popular entre os habitantes residentes no
território em questão para verificar se a proposta de Partilha
tinha fundamento e apoio da maioria do povo, seguiram o
caminho contrário. Ignoraram a posição majoritária entre os
habitantes da Palestina, ignoraram a posição majoritária dos
representantes árabes da Síria, Líbano, Egito e Jordânia, os
países vizinhos com fronteiras com a Palestina, ignoraram
a posição das lideranças islâmicas e cristãs da Palestina,

122
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

contrárias ao Plano da ONU e ignoraram a posição de judeus


palestinos antissionistas, que nunca reconheceram o estado
de Israel como seu legítimo representante80.

Pappé escreveu que, ao invés disso, a cúpula das Nações Unidas


se submeteu às pressões dos Estados Unidos e do lobby judaico e dos
governos dos países-membros, para assegurar a aprovação da Partilha
na Assembleia Geral e não no Conselho de Segurança, como determina
a Carta das Nações Unidas.
[...] foram necessárias pressões consideráveis das organizações
de judeus americanos e da diplomacia americana, bem como
um discurso forte do embaixador russo na ONU, para obter
a maioria de dois terços da Assembleia necessários para
a aprovação da partição. Embora praticamente nenhum
diplomata palestino ou árabe tivesse feito qualquer esforço
para promover o esquema alternativo, ele conseguiu um
número igual de apoiadores e detratores, mostrando que um
número considerável de estados-membros se apercebeu de
que impor a partição equivaleria a apoiar um lado e opor-se
a outro81.

80 BUZETTO, Marcelo. A questão Palestina: guerra, política e relações


internacionais. São Paulo: Expressão Popular, 2015. p. 97.
81 PAPPÉ, Ilan. História da Palestina Moderna: uma terra, dois povos. Lisboa:
Caminho, 2007. p. 163-164.

123
Sayid Marcos Tenório

3.1 Limpeza étnica da Palestina

Após a partilha, em 1947, o povo palestino viveu a Nakba. A


palavra Nakba já apareceu e eu fiz a ‘tradução’, mas acho importante
repetir, significa catástrofe e se refere à partilha da Palestina e criação
do Estado de Israel, com destruição, expulsão e mortes. Os ocupantes
sionistas destruíram mais de 400 aldeias e expulsaram deliberadamente
cerca de 800 mil palestinos – mais do que toda população judaica
da Palestina naquela época – que perderam suas casas e seus bens e
tornaram-se refugiados, que hoje já somam 4,8 milhões de pessoas.
Os vilarejos foram ocupados, destruídos e saqueados e seus
moradores foram expulsos ou mortos antes que um único soldado das
forças regulares dos países árabes entrasse na Palestina em socorro
do seu povo, o que põe por terra a falácia israelense de que os árabes
fugiram assim que a invasão dos países árabes começasse. Quando,
finalmente, os países árabes decidiram enviar suas tropas, os vilarejos

124
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

palestinos já haviam sido destruídos e seus moradores expulsos ou


mortos.
A esse respeito, Pappé relata que os líderes árabes não tinham
dúvidas sobre o desastre potencial de que estava sendo vítima o povo
palestino. Segundo ele, a maioria dos governantes era cínica sobre a
iminente catástrofe na Palestina e que poucos estavam genuinamente
preocupados com a situação.
Mas procrastinaram, postergaram tanto quanto puderam a
inevitável intervenção militar, e então com gosto preferiram
encerrá-la prematuramente: eles sabiam bem demais que não
apenas os palestinos já estavam derrotados, mas também que
seus exércitos não tinham chance contra as forças judaicas
superiores. De fato, mandaram tropas para uma guerra que
sabiam ter pouca ou nenhuma chance de ganhar82.

Quando, enfim, os países da Liga Árabe resolveram enviar suas


tropas em socorro dos palestinos, em final de abril de 1948, mais
de 250 mil palestinos já haviam sido expulsos, mais de 200 vilarejos
destruídos e inúmeras cidades esvaziadas. Todos os países receberam
o pedido do Conselho da Liga Árabe para enviar armas e voluntários,
mas nem todos cumpriram o pedido. A inanição dos governos árabes
mereceu o protesto de milhares de jovens, em vários dos países que
se dispuseram a sacrificar suas vidas nos combates pelos palestinos.
A luta anticolonial na Palestina, valente e feroz, fez incendiar o fervor
nacionalista da juventude árabe por todo o Oriente Médio. No entanto,
conforme aponta Pappé (2016), tudo que as forças estrangeiras e
locais tentaram, mas não conseguiram, foi proteger a população local
palestina contra a agressão judaica.
A despeito da expulsão de tão elevado número de palestinos,
cerca de 100 mil conseguiram permanecer no território ao longo da
guerra de 1948 e cerca de 40 mil voltaram para suas terras e casas
durante a implementação do acordo de paz. Porém, da noite para
o dia, aqueles palestinos se tornaram minoria em seu próprio país,

82 PAPPÉ, Ilan. A limpeza étnica da Palestina. São Paulo: Sundermann, 2016. p.


318.

125
Sayid Marcos Tenório

recebendo a cidadania israelense conforme definido na partilha das


Nações Unidas, e condenados a viver sob um regime militar até o final
de 1966.
Os palestinos que conseguiram permanecer nos seus territórios
foram isolados em uma zona de assentamento da qual só
era permitido que saíssem após receber autorização dos
militares. Seus movimentos eram restringidos, e as chances
de encontrar emprego longe de casa tornaram-se ínfimas.
Esse estado de coisas, somado à legislação israelense, que
proíbe especificamente casamentos civis entre pessoas
classificadas como judias e não judias, permitiu ao Estado
sionista sua bem-sucedida implantação da política de
colonização ‘étnica’ pura83.

Os líderes sionistas que ocuparam postos de destaque no


poder israelense sempre trataram os donos da terra com arrogância
e desprezo. A ucraniana Golda Mabovitch Meir, que migrou para a
Palestina na onda sionista de ocupação na década de 1920, e que mais
tarde se tornaria primeira-ministra de Israel, disse, em 1969, que
não existiam palestinos; Yitzhak Rabin, o quinto primeiro-ministro
de Israel, no cargo entre 1974 e 1977, sempre se referia a eles como
os “chamados” palestinos; e o imigrante da Bielorrússia, Menachem
Begin, que foi primeiro-ministro entre 1977 e 1983, referia-se aos
palestinos como os árabes da terra de Israel ou os “negros” de Israel.
Todos três foram muito firmes quanto à destruição política
dos palestinos; todos três sancionaram o terrorismo de
Estado contra civis palestinos que viviam fora de Israel e a
absoluta indiferença ao histórico israelense de expropriação
da população nativa da Palestina84.

Um entre os inúmeros episódios abomináveis dessa limpeza


étnica que vem sendo levada a cabo pelo Estado judaico ocorreu por
meio dos atos terroristas das milícias sionistas que tomaram a forma
83 SAND, Shlomo. A invenção da Terra de Israel: de terra santa à terra pátria. São
Paulo: Benvirá, 2014. p. 286-287.
84 SAID, Edward W. A questão da Palestina. São Paulo: EdUnesp, 2012. p. 159.

126
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

de massacres, como o de Deir Yassin, ocorrido na manhã de 9 de


abril de 1948. Deir Yassin era um pacato vilarejo palestino localizado
num morro a cinco quilômetros a oeste da cidade de Jerusalém, 800
metros acima do nível do mar, habitado por cerca de 700 pessoas,
que havia conseguido um pacto de não agressão com a Haganah, mas
estava fadado ao extermínio por estar dentro da região designada para
limpeza pelo Plano Dalet (“D” no alfabeto hebraico). Este episódio
não foi um evento isolado. Fazia parte do Plano Dalet, organizado
pela organização paramilitar Haganah, a principal milícia clandestina
sionista na Palestina, que tinha como objetivo garantir as fronteiras de
Israel e forçar a total e sistemática expulsão dos palestinos, por meio
da limpeza étnica, destruição das aldeias, cidades e urbanizações, a
fim de alcançar uma maioria judaica no novo Estado de Israel, com
o máximo da terra palestina e o mínimo possível de palestinos nela.
No seu livro sobre a Nakba, Misleh escreveu que

o Plano Dalet não é apresentado como limpeza étnica.


Mas autorizava literalmente operações militares ao cerco à
destruição de aldeias palestinas, bem como bombardeios
iniciais nos centros dos vilarejos e a expulsão de sua
população caso houvesse resistência local. Esse plano é
uma evolução de outros três, sobretudo do Gimmel. Todos
supostamente visariam o contra-ataque e retaliação às forças
árabes. O texto relativo aos dois últimos inclui a prisão,
expulsão ou “danos físicos” às lideranças árabes e àqueles
que lhes dessem abrigo. No Plano Dalet, são descritas as
forças árabes que se esperava encontrar em aldeias listadas e
incluídas nas operações previstas. Portanto, o texto – assim
como os dos planos precedentes – indica que a resistência
não era desconhecida das lideranças sionistas85.

Havia também o Plano Gimmel, numa referência à letra C do


alfabeto hebraico, que era uma versão revisada e endurecida dos Planos
A e B. O Plano C tinha por objetivo preparar as forças militares judaicas
na Palestina para campanhas ofensivas com o objetivo de “desencorajar”

85 MISLEH, Soraya. Al Nakba: Um estudo sobre a catástrofe palestina. São Paulo:


Sundermann, 2017. p. 107.

127
Sayid Marcos Tenório

a população palestina quanto a ataques aos assentamentos judeus e


retaliar a ofensiva do ocupante sionista. No Plano C, as ações punitivas
contra palestinos deveriam incluir: matar a direção política palestina;
matar agitadores palestinos e seus financiadores; matar palestinos que
agiram contra judeus em ações anteriores; matar oficiais e funcionários
graduados palestinos no sistema do Mandato Britânico; danificar
transportes palestinos; danificar os recursos básicos dos meios de
sustento palestino, como minas d’água, moinhos etc; atacar vilarejos
palestinos vizinhos inclinados a provar assistência a futuros ataques e
atacar clubes, cafés e salas de reuniões dos palestinos.
O escritor israelense Ilan Pappé, na sua obra A limpeza étnica
da Palestina, conceitua de forma precisa o processo de limpeza étnica
praticada por Israel:
Limpeza étnica é um esforço para deixar hegemônico um
país de etnias mistas, expulsando e transformando em
refugiados grupos de pessoas, enquanto destroem os lares
dos quais elas foram enxotadas. Pode muito bem haver um
plano mestre, mas a maioria das tropas engajadas na limpeza
étnica não precisa de ordens diretas: sabe de antemão o que
é esperado delas. Os massacres acompanham as operações,
mas, quando acontecem, não são parte de um plano genocida,
mas sim uma tática crucial para acelerar a fuga da população
marcada para expulsão. Mais tarde, os expulsos são apagados
da história oficial e popular do país e extirpados da memória
coletiva86.

As ordens foram dadas de maneira clara: “matem qualquer árabe


que encontrarem, incendeiem todos os objetos voláteis e derrubem as
portas com explosivos” (p. 115). Assim, a carnificina em Deir Yassin foi
friamente perpetrada por uma milícia de 120 judeus sionistas, custou
a vida de 254 árabes, entre anciões, e crianças degoladas (30 bebês
estavam entre os chacinados), mulheres grávidas estripadas por armas
branca, com casos documentados de estupro, mutilação e humilhação;
onde as vítimas eram, principalmente, mulheres palestinas cujos
corpos depois foram queimados e jogados num poço.
86 PAPPÉ, Ilan. A limpeza étnica da Palestina. São Paulo: Sundermann, 2016. p. 23.

128
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Conforme irrompiam no vilarejo, os soldados judeus


coalhavam as casas de tiros de metralhadora, matando
muitos de seus habitantes. Os aldeões sobreviventes foram
então reunidos em um único lugar e assassinados a sangue
frio, com seus corpos violados enquanto uma grande
quantidade de mulheres era estuprada e morta87.

O massacre de Deir Yassin teve um alto número de vítimas,


numa ação que a direção judaica orgulhosamente anunciou como o
epicentro da catástrofe e serviria como aviso para todos os palestinos
de que se se recusassem a abandonar seus lares e fugir, teriam destino
semelhante.

Corpos de palestinos estendidos pelo chão, como resultado do covarde massacre


de Deir Yassim, praticado por terroristas israelenses entre 9 e 11 de abril de 1948.

Igualmente odiosa foi a manifestação organizada pela milícia


terrorista sionista denominada Organização Militar Nacional na Terra

87 Ibidem, p. 110.

129
Sayid Marcos Tenório

de Israel – Irgun88 que, logo após a chacina, reuniu os que haviam


sobrevivido e os levou para exibir em Jerusalém como prisioneiros.
Homens e mulheres foram amontoados em três caminhões, cercados
de milicianos judeus que disparavam suas metralhadoras e fuzis. Os
250 sobreviventes foram transportados e descarregados no lado árabe
de Jerusalém.
Em seguida, a ofensiva de limpeza étnica e a expulsão de
palestinos passaram a ser feitas nos centros urbanos, começando por
Tiberíades. Logo a notícia dos massacres em Deir Yassim do vilarejo
vizinho de Khirbat Nars al-Din provocou a fuga de muitas pessoas
que estavam assustadas e em pânico devido aos intensos bombardeios
diários promovidos pelas forças judaicas. A campanha de terror
contra palestinos incluía bombardeios pesados, franco-atiradores que
assassinavam pessoas sem controle algum, rios de petróleo em chamas,
gasolina despejada ladeira abaixo, tonéis com explosivos detonados nas
ruas e a utilização de alto-falantes para transmitir barulhos assustadores
para apavorar ainda mais a população. E envenenamento e injeção de
vírus de tifo e disenteria nas fontes de água e poços de Acre, Baysan
e Gaza. Segundo relato de Pappé, baseado nos arquivos de relatos da
Cruz Vermelha, em Acre, os alto-falantes berravam: “Rendam-se ou se
matem. Nós iremos destruí-los até o último homem”89.
Enquanto ocorriam as ações de terror, muitos da elite palestina
decidiram abandonar voluntariamente suas casas nos centros
urbanos e mudaram-se para suas casas no Líbano e Egito, até que a
tranquilidade retornasse às cidades. Após a fuga dessas pessoas, suas
casas eram invadidas e roubados o mobiliário, roupas, equipamentos
elétricos, comida e qualquer coisa que pudesse ser útil para os novos
migrantes judeus. Estima-se que entre 15 e 20 mil pessoas deixaram
suas casas. Muitos jamais conseguiram voltar. Elites, é bom que se
diga, pouco ou quase nada fizeram pela segurança e integridade dos
palestinos pobres. O mesmo aconteceu com os governos árabes que

88 O grupo terrorista IRGUN foi responsável por vários atos terroristas, incluindo
a explosão do Hotel King David, em 22 de julho de 1942, em Jerusalém, onde
morreram 88 pessoas. Menachem Begin foi o autor intelectual do atentado.
89 PAPPÉ, Ilan. A limpeza étnica da Palestina. São Paulo: Sundermann, 2016. p. 120.

130
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

pouco faziam além da retórica de guerra para esconder a inação e o


desinteresse em intervir em nome dos palestinos.
A chacina dos moradores de Deir Yassin foi condenada
mundialmente, inclusive hipocritamente pela liderança da organização
paramilitar judaica Haganah90, bem como pelas lideranças das
demais unidades paramilitares judaicas e pelos rabinos-chefes das
comunidades sefaraditas (judeus oriundos de Portugal e da Espanha)
e asquenazes (judeus oriundos da Europa Central) na Terra Santa.
No entanto, para não fugir da regra de que o sionismo é sinônimo
de limpeza étnica e de reiterados crimes contra a humanidade, como fez
notar vários anos mais tarde Menachem Begin, um judeu proveniente
da Bielorrússia e chefe da milícia terrorista Irgun e do partido Khalal91,
o escritor trotskista estadunidense Lenni Brenner escreveu que
os árabes em todo o país, levados a acreditar em histórias
selváticas das “carnificinas Irgun” foram tomados de pânico
sem limites e começaram a fugir para salvar as suas vidas. Esta
fuga em massa logo se tornou uma debandada descontrolada
e enlouquecida. Dos cerca de 800 mil que viviam no atual
território do Estado de Israel, apenas alguns, cerca de
165.000 ainda lá estão. A importância política e econômica
deste desenvolvimento dificilmente pode ser sobrestimada92.

O que aconteceu com os autores dos massacres? Tal como


acontece com quase todos os crimes cometidos por Israel, antes e
depois da criação do Estado judeu, os criminosos responsáveis por
estes massacres gozaram de completa impunidade. Após este trágico
acontecimento, o homem politicamente responsável pela milícia
judaica de caráter sionista Haganah, David Ben Gurion – o mentor da

90 O Haganah foi uma organização paramilitar judaica de caráter sionista, atuante


no território do que era então o Mandato Britânico da Palestina, entre 1920 e
1948. Lutou contra a população de etnia árabe. Viria a se constituir na base do
exército israelense, as Forças de Defesa de Israel - IDF, da sigla em inglês.
91 O Khalal foi sucedido pelo Likud, um partido de extrema-direita, do qual faz
parte o primeiro-ministro e criminoso de guerra Benjamin Netanyahu.
92 BRENNER, Lenni. The Iron: Zionist Revisionism from Jabotinsky to Shamir.
London: Wall Zed Books, 1984. p. 143.

131
Sayid Marcos Tenório

limpeza étnica da Palestina, tornou-se primeiro-ministro de Israel em


25 de janeiro de 1948, embora o Estado de Israel tenha sido fundado
em 14 de maio daquele ano. Ainda mais surpreendente é o fato de
o chefe do massacre terrorista em Deir Yassin, Menahem Begin, e
Yitzhak Shamir, o líder do Lehi93 que participou no massacre, também
virem a se tornar primeiros-ministros de Israel.
Edward Said considera que era desejo dos sionistas, após todos
esses massacres, que os árabes partissem e não os incomodassem,
que eles fossem ignorados, isolados e escamoteados. E, mais
tarde, acreditaram também que, punindo os palestinos, poderiam
incliná-los a aceitar o sionismo. O que não aconteceu por meio de
nenhuma das hipóteses. Sionismo e Palestina são água e óleo, mesmo
misturados num liquidificador; ao parar, cada um vai para o seu lado.
Said escreveu que
após 1948, o estado de Israel usou a população nativa para
apagar sua própria humanidade, tentando reduzi-la a uma
classe de objetos irracionais, pouco versáteis, completamente
submissos. Após 1967, houve mais violência contra os árabes
sitiados na Cisjordânia, nas Colinas de Golã, no Sinai e na
Faixa de Gaza. Nada foi poupado aos árabes, da tortura aos
campos de concentração, passando por deportação, vilas
arrasadas, campos devastados por exemplo, a destruição
dos campos de trigo com substâncias químicas lançadas de
um Piper Cub, em 28 de abril de 1972, na vila de Akraba,
na Cisjordânia, como noticiou Le Nouvel Observateur, em
3 de julho de 1972, casas destruídas, terras confiscadas,
populações “transferidas” aos milhares94.

Estas atitudes e decisões não acontecem por acaso e nem em


determinados momentos da história de Israel. É um comportamento
único em seu gênero entre todos os países membros da ONU, fruto

93 Grupo armado sionista que operava clandestinamente durante o Mandato


Britânico entre 1940 e 1948. Seu principal objetivo era expulsar os britânicos
da Palestina para permitir a livre imigração de judeus para a região e criar um
Estado judaico.
94 SAID, Edward. A questão da Palestina. São Paulo: EdUNESP, 2012. p. 138.

132
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

da brutal arrogância que caracteriza o estado judeu desde o seu


nascimento. E foi sempre assim. Não existe nas Nações Unidas membro
que haja adotado semelhante atitude de desafio diante da mais alta
Instância Internacional.
Podemos afirmar que o desaparecimento do Mandato Britânico
deu lugar a um único Estado: Israel, que, desde o início da sua existência
como Estado judeu, se negou a respeitar as disposições da Resolução
da Partilha, de 1947, ignorando as fronteiras territoriais delineadas
naquela Resolução, que curiosamente havia criado, mesmo ilegalmente,
conforme apontei, as condições para sua existência. A aceitação de Israel
como membro da ONU estava condicionada ao cumprimento da Carta
das Nações Unidas e das Resoluções, sendo a principal delas o plano de
Partilha da Palestina, que determinou a criação de dois Estados.
Enquanto os palestinos eram vítimas da destruição de suas vilas,
casas, esvaziamento de cidades, assassinatos e expulsão por parte dos
grupos paramilitares terroristas de Israel, a opinião pública israelense e
judaica dos Estados Unidos difundiam a fakenews sobre uma iminente
destruição e um segundo holocausto que atingiria o recém-nascido
Estado judeu. Enquanto eram expulsos maciçamente e dizimados, a
iniciativa internacional dos judeus conseguia demonizar os palestinos
aos olhos da opinião pública, enquanto assegurava o apoio maciço nas
comunidades judaicas de todo o mundo ao Estado judaico. Seus meios de
comunicação utilizaram fartamente do cinismo para espalhar a mentira
e o mito de que Israel lutava em uma “guerra pela sobrevivência” e que
os palestinos eram “terroristas, insensatos e inflexíveis”.
A guerra de ocupação, expulsão e eliminação da população
palestina desenvolvida por Israel era completamente assimétrica. As
armas palestinas eram escassas e obsoletas, tendo como principais
fornecedores os exércitos árabes, que haviam sido embargados pelos
seus principais fornecedores, a Inglaterra e a França, o que prejudicou
enormemente a resistência palestina. Por outro lado, Israel dispunha de
equipamentos modernos fornecidos fartamente pela União Soviética
e pelo Bloco Socialista, tendo sido fundamental o papel do Partido
Comunista de Israel para o apoio armamentista da URSS aos israelenses.

133
Sayid Marcos Tenório

Em 19 de dezembro de 1947, os dirigentes sionistas e a União Soviética


firmaram um acordo para o fornecimento de armamento, ratificado
em Nova York entre Moshe Sherlak, representando os sionistas e o
chanceler Andrei Gromyko, pela URSS. O armamento foi entregue às
milícias sionistas pela Checoslováquia, que estava sob ocupação do
exército soviético.
Pela responsabilidade assumida no processo de Partilha, não
é exagero dizer que o Mandato Britânico é o maior responsável pela
catástrofe dos palestinos. Os ingleses ajudaram, de certa forma, o processo
de limpeza étnica. As autoridades britânicas impediam que emissários
da ONU tivessem acesso ilimitado à Palestina, ignorando a parte da
Resolução que exigia a presença de um comitê das Nações Unidas.
O professor Danilo Porfírio de Castro Vieira, que pesquisou
profundamente o surgimento dos grupos terroristas no Oriente
Médio, relata, em seu livro Política externa norte-americana no Oriente
Médio e o jihadismo, que após a partilha em 1947, os Estados Unidos se
empenharam pela acomodação do estado de Israel no Oriente Médio,
uma ação, segundo ele, afrontosa contra árabes e muçulmanos da
região, fator que contribuiu para a tragédia palestina e foi determinante
para aproximar os árabes da união Soviética num período de pleno
crescimento da Guerra Fria. Segundo Vieira,
em plena época de descolonização no Oriente Médio,
observou-se uma contradição com a partilha do território
da Palestina e a criação de Israel. Mesmo com a justificativa
de compensação aos judeus europeus, pelos males do
holocausto, o ocidente capitaneado pelos EUA agiu
arbitrariamente, fazendo caridade com o “chapéu alheio”. Os
norte-americanos assumiram um compromisso feito pelos
ingleses (Declaração Balfour), justificando por argumentos
étnico-religiosos (o retorno do Povo Escolhido à Terra
Prometida), desconsiderando uma população tradicional e
majoritária crente em ser representante de um momento de
superação definitiva do judaísmo e do cristianismo95.

95 VIEIRA, Danilo Porfírio de Castro. Política externa norte-americana no Oriente


Médio e o jihadismo. Curitiba: Appris, 2019. p. 185.

134
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

O mesmo se pode dizer das responsabilidades nas Nações Unidas


e do seu Conselho de Segurança. O Plano de Partilha aprovado pela
Resolução 181 deu vários imperativos que a ONU deveria cumprir no
processo, entre eles impedir qualquer tentativa de qualquer um dos
lados confiscar terras que pertencessem a indivíduos do outro Estado.
Os emissários da ONU perceberam que as coisas estavam indo de mal
a pior na Palestina, com um mar de sangue que tomava conta das
vilas e cidades, mas não tomaram qualquer iniciativa; limitaram-se a
observar e relatar a limpeza étnica que estava em curso na Palestina.
Pappé escreveu que
a Inglaterra permitiu que a limpeza étnica ocorresse, na
frente dos soldados e oficiais durante a vigência do Mandato,
que chegou ao fim à meia-noite de 14 de maio de 1948,
e atravancou os esforços da ONU para intervir de um
modo que poderia ter salvado uma grande quantidade de
palestinos. Depois de 15 de maio, a ONU não tinha desculpa
alguma para a forma como abandonou o povo cuja terra
tinha dividido e cujo bem-estar e vida entregou aos judeus
que, desde o final do século XIX, desejavam desalojá-lo e
tomar-lhe o lugar no país que julgavam seu96.

Israel nega-se a respeitar a Resolução 194, de 7 de dezembro


de 1948 (Ver Anexo II), confirmada por 18 outras resoluções, e tem
sido reafirmada anualmente pela Assembleia Geral da ONU, que
assegurava o retorno dos refugiados palestinos a seus lares. Negou-se
a respeitar a resolução 303, de 9 de dezembro de 1949, que proclamou
a internacionalização de Jerusalém e a sua administração pela ONU,
enquanto não cessa de propalar ao mundo inteiro que Jerusalém é a
sua capital.
Após a proclamação do Estado de Israel, em 14 de maio de 1948,
quando David Ben-Gurion, o chefe-executivo da Organização Sionista
Mundial e presidente da Agência Judaica para a Palestina, declarou o
estabelecimento de um Estado Judeu em Eretz Israel, a ser conhecido
como o Estado de Israel, em que deixou deliberadamente de fora do
96 PAPPÉ, Ilan. A limpeza étnica da Palestina. São Paulo: Sundermann, 2016. p.
146.

135
Sayid Marcos Tenório

anúncio qualquer referência às fronteiras israelenses, os exércitos do


Egito, Iraque, Jordânia, Arábia Saudita, Líbano e Síria invadiram a
Palestina e atacaram o recém-fundado Estado de Israel, na chamada
Guerra da Independência, que durou até 10 de março de 1949, com
a vitória das forças de Israel, onde foi firmado um armistício e vários
outros acordos bilaterais de cessar-fogo, assinados entre fevereiro e
julho de 1949. No fim do conflito, Israel apropriou-se de uma área
de 20 mil km2 (75% da superfície da Palestina) e 100% das águas
palestinas.

3.2 A OLP e as negociações de paz


Depois de anos de conflito com as forças israelenses (IDF, da sigla
em inglês) e o exílio na cidade de Túnis, a Organização para Libertação
da Palestina – OLP97, organização representada historicamente pela
figura de Yasser Arafat98, declarou a independência da Palestina em
15 de novembro de 1988, em Argel. A Declaração de Independência
da Palestina (veja Anexo IV) havia sido escrita pelo poeta palestino
Mahmoud Darwish (1948-2008), um escritor e palestino nascido
durante o Mandato Britânico, e submetida previamente ao Conselho
Nacional Palestino, o órgão legislativo da OLP, e foi aprovada com
253 votos a favor, 46 contra e 10 abstenções. Depois da Declaração de
Independência, Arafat assumiu o cargo de “presidente da Palestina”.
Na mesma ocasião, por exigência dos Estados Unidos para
que fosse reconhecida, a OLP anunciou oficialmente a aceitação
da Resolução do Conselho de Segurança da ONU nº 242, de 22

97 A OLP foi fundada em 2 de junho de 1964, por um grupo de palestinos no


exílio e com forte apoio do presidente egípcio Gamal Abdel Nasser, como
um movimento em defesa da causa nacional palestina visando à promoção
da libertação dos territórios históricos da Palestina. Sua criação foi uma das
deliberações da primeira reunião do Conselho Nacional Palestino (CNP)
realizada em 28 de maio de 1964.
98 Yasser Arafat, também conhecido como Abu Amar, nasceu Mohammed Abdel
Rahman Abdel Raouf Arafat al-Qudwa al-Husseini, no Cairo, Egito, em 24 de
agosto de 1929. Foi o líder da Autoridade Palestina, presidente (desde 1969) da
Organização para a Libertação da Palestina (OLP), líder da Fatah, o maior dos
grupos da OLP, e codetentor do Nobel da Paz de 1993.

136
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

de novembro de 1967, aprovada em vista da Guerra dos Seis Dias,


em 1967, que prevê o reconhecimento da soberania e integridade
territorial de cada Estado na área. Daí a implicação de que a aceitação
palestina do texto significa o reconhecimento de Israel como Estado
legítimo no Oriente Médio.

O professor Marcelo Buzetto, em seu livro A questão Palestina:


guerra, política e relações internacionais (2015), argumenta que a
aceitação das exigências dos Estados Unidos por parte da OLP se deu
diante dos esforços de Yasser Arafat e da direção majoritária de seu
partido, o Fatah, em adquirir maior credibilidade e dar demonstrações
de que os palestinos representados por ele estavam dispostos a
fazer concessões para se chegar a um processo de paz. Para tanto e
concretamente, a OLP estreou seus estatutos em 1988 para reconhecer
o direito de existência do Estado de Israel, na conformidade da
Resolução 181, de 1947. Para Buzetto,

137
Sayid Marcos Tenório

a OLP reconheceu pela primeira vez a legitimidade do Plano


de Partilha da Palestina, antes apresentado pela organização
como sendo um instrumento da aliança do sionismo com
o imperialismo para ampliar sua influência e exercer a
dominação territorial de uma parte estratégica do oriente
Médio99.

Sobre os episódios do reconhecimento da OLP por parte dos


Estados Unidos e a aceitação dos termos da Resolução 242 por parte
da OLP, Said relata que, por decisão do secretário de Estado Henry
Kissinger, por meio de um diplomata estadunidense de origem
judaica, os Estados Unidos incluíram uma cláusula no Acordo Sinai
II que afirmava que os Estados Unidos não reconheceriam e nem
dialogariam com a OLP, a não ser que ela aceitasse a Resolução 242,
um documento político inaceitável para os palestinos. Aceitar a 242
significaria negar a dimensão nacional da questão palestina, já que ele
fazia menção somente aos refugiados.
Por fim, no verão de 1977, os Estados Unidos e a OLP chegaram
a um acordo, onde a OLP aceitava a Resolução 242, embora com
ressalvas. Em contrapartida, Said escreveu que
[...] os Estados Unidos reconheceriam a OLP, dialogariam
com ela e apresentariam uma posição definitiva sobre a
autodeterminação palestina. No último minuto, no fim de
agosto, a OLP foi informada que os Estados Unidos não iriam
além do ‘diálogo’. A recompensa por engolir a Resolução 242
não seria a autodeterminação, mas somente o benefício não
incondicional de conversar com os Estados Unidos100.

Os Acordos de Oslo assinados pelo governo israelense e pela


OLP incluíam dois protocolos, sendo o primeiro uma troca de cartas
de reconhecimento mútuo entre as duas partes. A carta do presidente
da OLP, Yasser Arafat, para Yitzhak Rabin, na qual declarava – dentre
outros – o reconhecimento do direito de Israel existir em paz e

99 BUZETTO, Marcelo. A questão palestina: guerra, política e relações internacionais.


1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2015. p. 62.
100 SAID, Edward. A questão da Palestina. São Paulo: EdUNESP, 2012. p. 258.

138
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

segurança e se comprometendo a uma solução pacífica do conflito.


A carta de Arafat evidencia que Israel fez um grande negócio com os
palestinos, tornando-se sócio majoritário de tudo que foi um dia a
Palestina Histórica. A carta de Arafat e Rabin foi escrita nos seguintes
termos:
Senhor Primeiro-Ministro,

A assinatura da Declaração de Princípios marca uma nova


era na história do Oriente Médio. Na firme convicção
disso, eu gostaria de confirmar os seguintes compromissos
assumidos pela OLP:

A OLP reconhece o direito do estado de Israel de existir em


paz e segurança.

A OLP aceita as Resoluções 242 e 338 do Conselho de


Segurança das Nações Unidas.

A OLP se compromete com o processo de paz e com uma


resolução de paz no Oriente Médio em relação ao conflito
entre as duas partes, e declara que todos os problemas
extraordinários relacionados à situação permanente serão
resolvidos por meio de negociações.

A OLP considera que a assinatura da Declaração de


Princípios constitui-se em um evento histórico, inaugurando
uma nova época de coexistência pacífica, livre de violência
e de todo e qualquer ato que ameace a paz e a estabilidade.
Adequadamente, a OLP renuncia ao uso do terrorismo e de
outros atos de violência e assume a responsabilidade por
todos os elementos e indivíduos da OLP a fim de garantir
a observância de estes prevenirem violações e disciplinas
violadoras.

Tendo em vista a promessa de uma nova era e a assinatura da


Declaração de Princípios, e baseada na aceitação palestina
das Resoluções 242 e 338 do Conselho de Segurança, a OLP
afirma que aqueles artigos da aliança que estão inconsistentes
com os compromissos desta carta, estão agora inoperantes
e invalidados. Consequentemente, a OLP compromete-se a

139
Sayid Marcos Tenório

submeter ao Conselho Nacional Palestino para aprovação


formal as mudanças necessárias relacionadas à Aliança
Palestina101.

A breve resposta do primeiro-ministro Rabin para Arafat veio


escrita sem o compromisso de reconhecer o direito dos palestinos de
estabelecer um estado soberano, conforme a Resolução 181, apenas
o reconhecimento da OLP como representante nas negociações,
conforme a carta redigida da seguinte forma:
Sr. Presidente,

Em resposta à sua carta de 9 de setembro de 1993, eu gostaria


de informá-lo que, à luz dos compromissos assumidos pela
OLP e descritos em sua carta, o Governo de Israel decidiu
reconhecer a OLP como representante do povo palestino, e
começar as negociações com a OLP para o processo de paz
no Oriente Médio102.

A OLP reconhecia com aquele ato assinado por Arafat que cerca
de 80% do território que pertencia à Palestina antes de 1948 e que eram
de Israel até 1967, ficariam para sempre fora das mesas de negociação,
numa equação – como se viu depois – onde o território de Israel só
poderia aumentar e o território palestino, diminuir.
Como consequência posterior a essa troca de cartas, como
instrumento ao Acordo, foi assinada uma Declaração de Princípios
(DDP, na sigla em inglês), delineando as propostas fechadas dos
Acordos de Oslo. Pouco tempo depois foi assinado um acordo interino
dando corpo aos Acordos de Oslo.
O segundo protocolo estipulava que Israel e a OLP iriam
negociar a saída das forças de israelenses da Faixa de Gaza e de Jericó,
que teriam o seu próprio governo. Além disso, as partes negociariam
um “acordo interino” que resultou na criação do Conselho Legislativo
Palestino (parlamento), que se encarregaria de aprovar o projeto da

101 EXCHANGE of letters between Rabin and Arafat, 1993. Disponível em: http://
www.mideastweb.org/osloletters.htm. Acesso em: 16 jan. 2019.
102 Ibidem.

140
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Autoridade Nacional Palestina (ANP). O documento deixou como


pendentes a questão do status de Jerusalém, o direito do retorno
dos refugiados palestinos, as fronteiras de uma entidade palestina
independente, o futuro dos assentamentos judaicos na Cisjordânia e
Gaza e da segurança de ambas as partes.
A Declaração de Princípios possuía uma estrutura de 17 artigos,
4 anexos e memorandos. Os artigos versavam sobre os objetivos do
processo de paz, a criação e o estabelecimento do Autogoverno Interino
Palestino e a área de atuação, o estabelecimento do período de transição
e status permanente e a transferência de poderes e responsabilidades
para as autoridades palestinas. O texto também continha informações
sobre a ordem pública civil palestina e segurança dos israelenses.
Acordava, também, sobre a cooperação econômica entre as partes.
Como o leitor poderá observar, os Acordos foram amplamente
favoráveis a Israel, que ampliou seu controle, poder e determinação
final sobre os territórios palestinos:
Declaração de Princípios

Em 13 de setembro de 1993, os dois lados assinaram uma


Declaração Conjunta de Princípios Israelenses-Palestinos
(DCP ou DDP, na sigla em inglês) em Washington,
delineando os arranjos propostos para um autogoverno
provisório, conforme previstos e acordados por ambas
as partes. Os arranjos contidos no PDD incluem um
imediato autogoverno palestino em Gaza e Jericó, o controle
antecipado dos palestinos na Cisjordânia, e um acordo
sobre o autogoverno e a eleição de um Conselho Palestino.
Além disso, a ampla cooperação econômica entre Israel e os
palestinos desempenha um papel importante no DCP.

A Declaração de Princípios, assinada pela OLP e por Israel,


contém um conjunto de princípios gerais mutuamente
acordados no que diz respeito ao período de 5 anos de
autogoverno interino palestino. Como tal, o PDD difere as
questões de status permanente às negociações sobre este,
que serão iniciadas no máximo no terceiro ano do período

141
Sayid Marcos Tenório

interino. O acordo de status permanente alcançado nessas


negociações entrará em vigor após o quinto ano do período
interino.

Transferência de Poderes para os Palestinos:

A DCP esboça um acordo de princípio sobre a transferência


de poderes e responsabilidades para os palestinos na
Cisjordânia e em Gaza, para que eles possam ter controle
sobre seus próprios assuntos.

A DCP não prejudica o status permanente:

A DCP declara especificamente que questões relativas a status


permanente, como Jerusalém, refugiados, assentamentos,
acordos de segurança e fronteiras, serão excluídas de
acordos provisórios, e que o resultado das negociações sobre
o status permanente não será prejudicado ou impedirá
acordos provisórios pelo governo. Durante este período,
o governo israelense mantém a responsabilidade exclusiva
pelas relações exteriores, defesa e fronteiras. A posição
de Israel em Jerusalém permanece inalterada. Quando o
PDD foi assinado, o primeiro-ministro Rabin declarou
que “Jerusalém é a antiga e eterna capital do povo judeu”.
Uma Jerusalém indivisível sob a soberania israelense, com
liberdade religiosa para todos, é e continua sendo uma
posição fundamental de Israel.

A segurança continuará sendo a responsabilidade israelense:

Na DCP, Israel e a OLP concordam que, durante o período


intermediário, Israel seguirá sendo responsável pela
segurança ao longo das fronteiras internacionais e pontos
de travessia com o Egito e a Jordânia. Israel também
permanecerá sendo responsável pela segurança geral dos
israelenses na Cisjordânia e em Gaza, dos assentamentos
israelenses nessas áreas e a liberdade de movimento nas
estradas.

Implementação do DCP:

A Declaração de Princípios estabelece as seguintes fases:

142
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Gaza-Jericó: O autogoverno na Faixa de Gaza e na região de


Jericó, incluindo a retirada das forças israelenses dessas áreas,
deve servir como um primeiro passo na implementação da
Declaração de Princípios. Os detalhes sobre o aspecto de
Gaza-Jericó da DCP foram negociados e finalizados em um
acordo assinado no Cairo por Israel e pela OLP em 4 de maio
de 1994.

Tomada de controle prévio: No restante da Cisjordânia,


cinco áreas específicas – educação e cultura, saúde,
assistência social, impostos diretos e turismo – serão
transferidas para representantes palestinos em uma aquisição
de controle anterior. Outras esferas podem ser transferidas
conforme acordado por ambas as partes. A DCP propôs
que essa aquisição fosse realizada imediatamente após a
implementação do acordo de Gaza-Jericó.

Acordo Provisório e as Eleições: Um acordo sobre as


modalidades com respeito à eleição de um Conselho
Palestino e um Acordo Interino de Autogoverno abrangente,
especificando a estrutura e os poderes do conselho, deve ser
negociado. O Acordo Provisório detalhará os arranjos do
governo autônomo na Cisjordânia e em Gaza. Juntamente
com as eleições, as forças israelenses serão substituídas
fora das áreas povoadas por locais específicos. O Conselho
Palestino terá uma força policial forte para garantir a ordem
pública e a segurança interna. No centro da DCP estão dois
anexos econômicos que delineiam a cooperação econômica
entre Israel e os palestinos, tanto bilateralmente quanto no
contexto multilateral.

O Status Permanente: As negociações entre Israel e os


palestinos sobre o status permanente começarão o mais
breve possível, mas não antes do início do terceiro ano do
período intermediário (maio de 1996). Essas conversas
determinarão a natureza do acordo final entre as duas partes.
Entende-se que estas negociações tratarão sobre as questões
restantes, incluindo Jerusalém, refugiados, assentamentos,
medidas de segurança, fronteiras, relações e cooperação com
outros vizinhos e outras questões de interesse comum. De

143
Sayid Marcos Tenório

acordo com o DCP, o status permanente entrará em vigor


cinco anos após a implementação do acordo de Gaza-Jericó,
isto é, em maio de 1999.

Apesar desse resultado nas negociações, a Resolução só foi


cumprida naquilo que interessava a Israel, e não a aplicação na
sua integralidade, como havia acordado com os Estados Unidos. A
Resolução 242 definia os seguintes princípios:
i) retirada das forças armadas israelenses dos Territórios
Ocupados durante o conflito;
ii) término de todas as situações de beligerância ou alegações de
sua existência, e respeito e reconhecimento da soberania, integridade
territorial e independência política de todos os estados da zona e de
seu direito a viver em paz dentro de fronteiras seguras e reconhecidas
e livres de ameaça ou atos de força.
A necessidade de se alcançar uma solução justa do problema dos
refugiados foi sem dúvida a mais crucial. A decisão de proporcionar o
retorno dos refugiados às suas terras e casas de onde foram expulsos
desde 1948 jamais foi cumprida por Israel. Desde a Resolução 194,
de 7 de dezembro de 1948, outras 18 resoluções foram editadas
para ratificar o direito do retorno. A decisão tem sido reafirmada
anualmente pela Assembleia Geral da ONU, sem que seja cumprida.
Além da Resolução 338, que pede por um cessar-fogo definitivo na
região, o início de negociações de paz imediatas e o cumprimento da
resolução 242.

144
4
Oslo: armadilha sionista contra palestinos

145
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

A derrota do Iraque na Guerra do Golfo em 1991 e o colapso


da União Soviética no mesmo ano deixaram a OLP substancialmente
enfraquecida e isolada. Devido ao seu alinhamento com o Iraque
durante a guerra, a OLP perdeu o apoio financeiro de países do Golfo
e foi à falência. Os Estados Unidos moveram-se rapidamente para
afirmar seu domínio regional como parte da “Nova Ordem Mundial”
anunciada pelo presidente George Bush pai, que se caracterizaria pela
supremacia dos Estados Unidos nas relações econômicas mundiais,
abertura das ex-repúblicas soviéticas ao modelo neoliberal criado pela
Nova Ordem e a disseminação de conflitos regionais com o objetivo de
realizar uma redistribuição do poder aos modos imperialistas (como
já tinha ocorrido nos períodos pós I e II Guerras Mundiais), como
a Guerra do Iraque (1990-1991), a Guerra da Bósnia (1992-1995), o
massacre de Ruanda (1994), entre outros.

147
Sayid Marcos Tenório

Com as diretrizes previamente estipuladas pela Conferência


de Madrid, realizada com os auspícios da Espanha, Estados Unidos
e URRS, entre 31 de outubro e 1 de novembro de 1991, como mais
uma tentativa da comunidade internacional em dar início a um novo
processo de paz que pusesse fim ao conflito árabe-israelense, Israel
convenceu a OLP a ingressar em uma série de negociações diretas, e
secretas, que resultaram nos chamados Acordos de Oslo.

O líder da OLP, Yasser Arafat, oferece a mão para o primeiro-ministro de Israel,


Yitzhak Rabin, na cerimônia de assinatura do acordo de paz entre israelenses e
palestinos, em 13 de setembro de 1993. O gesto de descuido do sionista
Rabin demonstraria bem o compromisso dos israelenses em cumprir os Acordos.
Disponível em: https://www.theatlantic.com/ideas/archive/2018/09/the-oslo-ac-
cords-were-doomed-by-their-ambiguity/570226/.

Acordos de Oslo é a designação oficial da Declaração de Princípios


sobre os Acordos de Auto-Governação Interina, assinados pelo governo
de Israel e a OLP, em 13 de setembro de 1993 (Oslo I), em Washington,
sob a supervisão dos governos dos Estados Unidos e da Noruega. E Oslo
II, de setembro de 1995. O Acordo previa a criação de uma Autoridade
Nacional Palestina, com responsabilidade de administração interna

148
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

em territórios na Faixa de Gaza e Margem Ocidental, incluindo os


territórios dos quais o exército de Israel deveria se retirar.

4.1 Acordo sem consenso entre palestinos


O Acordo de Oslo I mereceu, desde o início, a oposição dos
braços armados da OLP, como a Frente Popular para a Libertação da
Palestina (FPLP), liderada por George Habash, e da Frente Democrática
para a Libertação da Palestina (FDLP), liderada por Nayef Hawatmeh,
que acusavam Yasser Arafat de abandonar os princípios da libertação
nacional palestina em nome da aquisição de maior poder, por considerar
que a OLP fazia concessões inaceitáveis sem contrapartidas à altura
e marginalizando o papel da ONU. Os movimentos de resistência
palestina de raiz islâmica como o Movimento de Resistência Islâmica
(Hamas) e a Jihad Islâmica também reforçaram a oposição aos Acordos
e se mostraram totalmente contrários a qualquer compromisso
assumido com os inimigos do Estado judaico. Said escreveu sobre o
papel do Hamas naquela oportunidade, dizendo que
o Hamas, o Movimento de Resistência Islâmico, está ativo, é
claro. Seu papel é um tanto obscuro; ou seja, está em parte
resistindo à ocupação, em parte se opondo ao acordo de paz,
mas também parece estar se posicionando para compartilhar
a autoridade. O Hamas tem o respaldo de um importante
segmento da população. Pode levar as pessoas às ruas103.

O escritor e filósofo Noam Chomsky escreveu, em seu livro Quién


domina el mundo? (2018), que aconteceram alguns eventos cruciais
nos anos imediatamente anteriores a Madri e Oslo, que acabaram por
influenciar aquelas negociações, pondo a OLP como representante
preferido dos Estados Unidos e Israel. Chomsky escreveu que
en diciembre de 1987, la Intifada estalló em Gaza y se
extendió con rapidez por los Territorios Ocupados. Ese
levantamento de amplia base social y notablemente
contenido fue una sorpresa tanto para la OLP em Tunéz

103 SAID, Edward W.; BARSAMIAN, David. A pena e a espada. São Paulo:
EdUNESP, 2013. p. 144.

149
Sayid Marcos Tenório

como para las fuerzas de ocupación israelíes y su enorme


sistema de fuerzas militares y paramilitares, de vigilancia y
colaboradores. También fue una revolución social dentro de
la sociedad palestina, que rompió patrones de subordinación
de la mujeres, la autoridad de los notables y otras formas de
jerarquía y dominación.104

A oposição aos Acordos, de um modo geral, se dava em razão


da avaliação de que a OLP estaria dando um consentimento oficial
palestino à continuação da ocupação e que a OLP, pelos termos dos
Acordos, passaria à condição de executor daquelas políticas que só
beneficiavam Israel e sua política colonialista, o que de fato veio a
ocorrer. E a Ocupação prossegue até os dias de hoje.
O intelectual palestino Edward Said criticou duramente o papel
assumido pela OLP nas negociações e chegou a escrever que
[...] a OLP, nascida como Movimento de libertação, é o único
movimento de libertação do século XX que conheço que,
antes da independência, antes mesmo do final da ocupação
colonial, tornou-se colaborador da força ocupadora. Não sei
de mais nenhum exemplo desse tipo de troca de lado. Assim,
podemos dizer que quebramos os padrões, o que afinal deve
nos garantir uma distinção histórica105.

Ele também avalia que aqueles Acordos foram desastrosos e


totalmente ilegais do ponto de vista dos marcos da sociedade civil
palestina, pois levaram adiante uma negociação secreta com Israel,
que selou o destino de mais da metade da população que não reside na
Cisjordânia e em Gaza, dos prisioneiros palestinos que morrem nos
cárceres israelenses e dos milhões de refugiados a quem não se restituiu
pelos danos da expulsão e cujo status ainda permanece incerto.
Isso selou o destino de mais da metade da população
palestina, aqueles que não residiam na Cisjordânia e em

104 CHOMSKY, Noam. Quién domina el mundo? Ciudad Autónoma de Buenos


Aires: Ediciones B., 2018. p. 152.
105 SAID, Edward W.; BARSAMIAN David. A pena e a espada. São Paulo: EdUNESP,
2013. p. 138.

150
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Gaza. Foram excluídos. Arafat fez todas as concessões à


ocupação de Israel em troca de um reconhecimento muito
tênue da representatividade da OLP, e mais nada. O que
obteve em Gaza e em Jericó é quase risível se considerarmos
o sacrifício de milhões de palestinos ao longo das gerações,
que deram a vida pela causa. Esse é o tom geral do fracasso
dessa declaração de princípios106.

A reação dos membros da Liga Árabe em relação ao acordo


também foi variada. Arafat obteve uma moderada aprovação de dezenove
ministros da Liga na semana após a assinatura do Acordo. Porém
Jordânia, Síria e Líbano se mostraram decepcionados com a “diplomacia
personalista” de Arafat, por não coordenar sua estratégia de negociações
com os demais árabes, por serem desorganizadas e sem assessoria e por
Arafat não falar inglês e conduzir as negociações com os israelenses em
inglês. Em sua defesa, Arafat afirmou que o acordo visava a um primeiro
passo para uma paz mais abrangente no Oriente Médio, e justificou
sua escolha pelas negociações secretas após o fracasso de dois anos das
conversas de paz conduzidas pelos Estados Unidos em Washington.
Said relata em sua entrevista a David Barsamian, poucos meses
depois da assinatura dos Acordos, que ouviu de muitas pessoas com
quem dialogou sobre os Acordos de Oslo, tanto na Cisjordânia quanto
em Gaza, e pode sentir, naquela ocasião, o temor de que os israelenses
tenham feito um grande negócio. Isso devido ao fato de que Israel
negociou com dirigentes da OLP com autoridade limitada, “pessoas
vindas do exterior, que nunca passaram uma temporada na cadeia, que
têm vivido com luxo na Europa ou na Tunísia, começarão a governar
as pessoas que têm lutado pela libertação e pela independência nos
últimos 27, 28 anos”107.
Até os Acordos de Oslo serem postos no papel, era consenso
internacional de que seria um sucesso total, com a retirada israelense
da Cisjordânia e de Gaza, que os palestinos teriam o direito de

106 SAID, Edward W.; BARSAMIAN. A pena e a espada. São Paulo: Ed. UNESP,
2013. p. 134.
107 Ibidem, p. 143.

151
Sayid Marcos Tenório

construírem seu Estado independente e que os refugiados teriam o


direito de retorno, conforme já assegurado pela Resolução 194 da
ONU, ainda não implementada, embora datasse de dezembro 1948!
Uma das poucas vantagens para os palestinos nos Acordos
de Oslo foi o fato de trazer à tona e ao conhecimento do mundo a
existência e as consequências da catástrofe de 1948, a Nakba, a
dramática situação dos palestinos expulsos de sua terra, sem que se
tivesse nenhuma disposição por parte dos israelenses de pôr este tema
na pauta das tratativas. Pappé escreveu que é crucial para os israelenses
manterem funcionando o poderoso mecanismo de negação da Nakba,
tanto para barrar as reivindicações dos palestinos, quanto e mais
importante, para evitar qualquer debate significativo sobre a essência
e os seus alicerces morais.
Igualmente, o maior medo dos negociadores israelenses era o
mundo perceber que eles eram os responsáveis pela catástrofe de 1948,
um “perigo” que foi sanado quando, nem de longe, Israel permitiu que
se discutisse o direito de retorno dos refugiados palestinos às casas e
terras que lhes pertenciam, o que levaria fatalmente a levantar dúvidas
sobre a legitimidade moral do projeto sionista como um todo. Pappé
escreveu que
não apenas em Israel, mas também nos Estados Unidos e até
na Europa, precisava-se lembrar às pessoas genuinamente
preocupadas com a questão palestina que, nesse conflito, não
se tratava apenas do destino dos Territórios Ocupados, mas
em seu âmago estavam os refugiados que Israel excluíra da
Palestina em 1948. Essa tarefa ficara ainda mais difícil depois
de Oslo, porque parecia que a questão simplesmente havia
sido posta de lado, com o consentimento da diplomacia
palestina e sua estratégia mal executada108.

4.2 Oslo: acordo não cumprido por Israel


Em 24 setembro de 1995, em Taba, na península egípcia do Sinai,
foi assinado o “Acordo Interino Israel-Palestina sobre Cisjordânia e
108 PAPPÉ, Ilan. A limpeza étnica da Palestina. São Paulo: Sundermann, 2016. p. 279.

152
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Gaza” por Yitzhak Rabin e Yasser Arafat, na presença do presidente


estadunidense Bill Clinton, de Hosni Mubarak, presidente do Egito, e
do Rei Hussein, da Jordânia. Oslo II deu início a uma nova etapa do
processo de paz e marcou a conclusão da primeira fase de negociações
entre Israel e a OLP, incorporou e suplantou os acordos de Gaza-Jericó
(Oslo I) e de transferência de poderes assinados anteriormente. Assim
como estabelecido pela Declaração de Princípios, o Acordo Interino
previu eleições para um Conselho Palestino, a transferência de poder
legislativo para a recém-criada Autoridade Nacional Palestina (ANP) e
a retirada das forças israelenses dos centros de povoamento palestinos,
dividindo o território da Cisjordânia em três áreas de acordo com o
nível de autonomia de cada governo.
A Área A ficaria sob o controle exclusivo de palestinos, onde
a ANP possuiria autoridade sobre a segurança interna e a ordem
pública, além de assumir a administração civil. Corresponde a cerca
de 3% da Cisjordânia, exceto Jerusalém Oriental (primeira fase,
1995). Esta área inclui todas as cidades palestinas e seus arredores,
sem assentamentos israelenses. A entrada nesta área é proibida a todos
os cidadãos israelenses. As Forças de Defesa de Israel não mantêm
nenhuma presença na região, mas às vezes realizam incursões para
prender palestinos.
A Área B ficaria sob autoridade civil palestina, mas com controle
militar israelense. Corresponde a cerca de 25% (primeira fase, 1995).
Em 2011, o território já tinha sido reduzido para 21%, incluindo as
áreas de cidades e vilas palestinas, sem assentamentos israelenses.
A Área C ficaria sujeita ao controle exclusivo de Israel, que manteria
sob sua responsabilidade os assuntos civis e militares. Corresponde
a cerca de 72% (primeira fase, 1995). Estas áreas incluem todos os
assentamentos israelenses (cidades, vilas e aldeias), terras vizinhas, a
maioria das estradas restritas aos israelenses e que ligam as povoações,
bem como áreas estratégicas descritas como “zonas de segurança”.
Havia 1.000 colonos israelenses que viviam na Área C em 1972. Em
1993, sua população tinha aumentado para 110 mil colonos. Em 2012,

153
Sayid Marcos Tenório

os israelenses somavam mais de 300 mil – contra 150 mil palestinos, a


maioria dos quais é beduíno e fellahin (agricultores e fazendeiros).

Mapa que demonstra a divisão do território da Cisjordânia em três áreas


de acordo com o nível de autonomia de cada governo, segundo o Acordo de Oslo II.
Fonte: CAPLAN, N.; EISENBERG, L. Negotiating Arab-Israeli Peace – Patterns,
Problems, Possobilities. Bloomington: Indiana University, 2010. p. 212.

154
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Os Acordos nunca foram cumpridos na plenitude por Israel, que


permanece sem reconhecer o direito à existência do Estado palestino.
A retirada gradual do exército israelita das zonas que, segundo os
Acordos, ficariam sob controle da Autoridade Nacional Palestina foi
sempre retardada por Israel, e nunca chegou a completar-se. Com
os palestinos de um lado da mesa e Israel e os Estados Unidos do
outro, não precisaria muita imaginação e conhecimento de política
internacional para prever quem iria ganhar e quem iria perder no
final das negociações. Em todas as questões consideradas cruciais
– Jerusalém, água, indenizações, soberania, segurança e terra – os
palestinos não ganharam nada. A aliança americana-israelense
conseguiu todos os seus objetivos táticos e estratégicos dos sionistas,
em detrimento das aspirações nacionais palestinas.
Nunca é demasiado dizer que o estado sionista não é senão a
extensão do poder dos Estados Unidos no Oriente Médio. Digamos,
uma base estadunidense, sempre pronta a prestar os seus serviços, por
mais sujos que sejam. Por outro lado, Israel não ousa realizar uma só
operação militar sem que para isso seja dado o consentimento dos
Estados Unidos.
A expansão da ocupação, a criação de assentamentos judaicos
e o confisco de terras arruinaram a agricultura palestina. Também
foram criadas quotas para exportações ao mercado israelense e
controle na importação de máquinas ferramentas agrícolas. Além
disso, os israelenses proibiram os agricultores palestinos de exportar
seus produtos agrícolas para a Jordânia, destruíram zonas inteiras
de oliveiras e árvores frutíferas. Os militares sionistas utilizaram a
água como uma arma poderosa contra os palestinos. Durante anos,
os militares confiscaram poços das propriedades dos “ausentes”,
destruíram poços de água nas propriedades palestinas, e proibiram
que poços fossem cavados a mais de 200 metros de profundidade,
enquanto que os poços das propriedades dos colonos judeus tinham
autorização para serem cavados até 800 metros de profundidade. Isso
acabou por provocar a redução da extensão dos cultivos, limitando
o número de trabalhadores nas lavouras e empurrando os habitantes

155
Sayid Marcos Tenório

palestinos de várias aldeias para o mercado de trabalho israelense,


onde as condições de trabalho e os salários são piores e inferiores.
O resultado desse fracasso foi um círculo vicioso de violência
que levou jovens palestinos a reações desesperadas na forma de
ataques suicidas à bomba como único meio que sobrou para libertar os
Territórios Ocupados, tanto contra alvos militares como contra civis
israelenses. E, por outro lado, um endurecimento por parte de Israel.
Norman G. Finkelstein, em Imagem e Realidade do conflito Israel-
Palestina (2005), afirma que
apesar de toda corrupção, criminalidade e incompetência, a
OLP efetivamente endossou, a partir de meados da década
de 1970, uma paz abrangente e plena com Israel em troca
de uma completa retirada israelense da Cisjordânia e de
Gaza. Apesar do consenso internacional a favor deste acerto
contemplando a existência de dois estados, os Estados Unidos
e Israel impediram sua concretização. Oslo representou
o total triunfo da força americano-israelense. Das mais
esclarecedoras é a comparação com o acordo de Camp David
de 1977, um marco anterior do “processo de paz”109.

Israel prosseguiu a ocupação dos territórios palestinos com


a construção de novos assentamentos judaicos na Cisjordânia, bem
como a sucessiva construção de túneis, pontes e viadutos reservados
a israelitas e que separavam a população da Cisjordânia dentro do
próprio território, isolando-a cada vez mais de Gaza. Os termos
da Declaração de Princípios foram totalmente ignorados, como é
o exemplo o Artigo 10º, cláusula 1, sub-cláusula A do anexo 1, que
indicava que “Existirá uma passagem segura a ligar a Cisjordânia com
a Faixa de Gaza para o deslocamento de pessoas, veículos e bens”.
No mesmo artigo, a cláusula B mencionava que “Israel assegurará a
passagem segura de pessoas e transportes durante as horas do dia [...]
mas de qualquer forma nunca menos de 10 horas por dia”.

109 FINKELSTEIN, Norman G. Imagem e realidade do conflito Israel-Palestina. Rio


de Janeiro: Record, 2005. p. 288.

156
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

As cláusulas eram violadas diariamente pelos soldados e polícias


israelitas que não só não controlavam as passagens, como praticavam (e
continuam praticando) atos violentos nos check-points, transformando
as travessias em pesadelos e a Cisjordânia num espaço fragmentado,
sem ligações entre si ou com a Faixa de Gaza.
Os Estados Unidos patrocinaram sucessivas negociações que
produziram decisões onde o lado palestino fazia concessões, sem que
alguma vez se tenha concretizado a promessa de um Estado Palestino
e o cumprimento das resoluções 242 e 335 do Conselho de Segurança
da ONU. O Acordo Oslo II, assinado em 1995, definia, entre outros
aspectos, os termos da cooperação entre as forças de segurança de
Israel e da OLP.
O Memorando de Wye River, um acordo negociado entre Israel
e a Autoridade Palestina para implementar o acordo provisório antes
de 28 de setembro de 1995, reforçava os termos dessa cooperação e
obrigava a OLP a alterar a Carta Nacional Palestina. A cooperação
da ANP com as forças de segurança israelitas afetou frequentemente
palestinos que se opunham ao processo de Oslo, com a OLP assumindo
o compromisso de desmontar o Hamas e a Jihad Islâmica, recolhendo
suas armas. Permitiria ainda a presença da Agência Central de
Inteligência dos Estados Unidos (CIA) na região, para monitorar a
implementação dos acordos de paz.
A assinatura do acordo permitiu a libertação de 250 prisioneiros
palestinos, em 20 de novembro de 1998, entre eles a brasileira
Lâmia Maruf, concluiu o primeiro estágio de retirada de tropas, dez
pequenas cidades e dezoito aldeias foram entregues aos palestinos
e foi inaugurado o aeroporto internacional de Gaza, cuja torre e o
radar foram destruídos em um bombardeio das Forças de Defesa de
Israel, pouco depois do início da segunda Intifada. Tratores bulldozers
destruíram a pista em 10 de janeiro de 2002, tornando o aeroporto
inoperante desde então.
Do lado israelense, os Acordos eram combatidos pelos setores
de extrema-direita. Líderes do partido de direita Likud e de partidos
nacionalistas israelenses acusaram Yitzhak Rabin de traição e do

157
Sayid Marcos Tenório

abandono dos então 120 mil colonos que residiam em território


ocupado à mercê de terroristas. O primeiro-ministro sionista que
negociou e concluiu o Acordo de Oslo I viria a ser assassinado em
1995 por um extremista de direita que se opunha ao Acordo. Vale
lembrar que Rabin foi o autor da ordem, como ministro da Defesa,
para que as tropas israelenses quebrassem os ossos dos palestinos que
enfrentassem os tanques com pedras na primeira Intifada, em 1987.
Também consideravam os Acordos como uma afronta por
supostamente incentivar a criação de um Estado palestino, o que
consequentemente implicava o fim do projeto da “Grande Israel”, um
desejo colonialista que englobaria todo o Líbano e a Jordânia, dois
terços da Síria, a metade do Iraque, um terço da Arábia Saudita, o Sinai
e o Egito, que incluiu Port Said, Alexandria e o Cairo, e visa à expansão
territorial de forma a desconsiderar qualquer limitação territorial de
um Estado palestino, com base na a lenda da “terra prometida”, uma
teoria sobre uma precedente posse histórica e bíblica da região pelo
povo judaico, como já discuti anteriormente.
O caminho de palestinos e israelenses desde a Partilha até Oslo
havia sido longo. Muitas ocorrências marcavam as duas partes e
acordos não cumpridos por parte de Israel, que não respeita nem a
primeira Resolução da ONU, aquela que lhe deu direito à existência.
Por isso os Acordos mereceram tanta atenção da mídia mundial. Sua
assinatura foi televisionada e teve uma enorme repercussão mundial
devido ao progresso que havia sido feito entre os palestinos da OLP
e o Estado de Israel, um diálogo até pouco tempo inconcebível entre
as duas partes. Do ponto de vista histórico, de fato a assinatura de um
acordo entre os antigos rivais parecia um feito político incomparável.
O Acordo de 1993 permitiu o regresso aos territórios ocupados
de grande parte da direção da OLP que se encontrava na Tunísia desde
1988, incluindo o seu dirigente histórico Yasser Arafat, que foram
recebidos de forma triunfal pela população palestina. Nas eleições
presidenciais realizadas em 1996 nos territórios sob controle da ANP,
Arafat foi eleito Presidente da Autoridade com mais de 88% dos votos.

158
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Passados 27 anos desde a assinatura do Acordo de Oslo, é inegável


que o processo aberto pelo Acordo fracassou. Desde o começo, ficava
claro que a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e o
Estado de Israel tinham visões contraditórias sobre o processo, com
palestinos e Israel indo em caminhos opostos. Enquanto os palestinos
não alcançaram sua independência e seu Estado, os israelenses
falharam em realizar seu Estado judeu e democrático, com franca
maioria judaica.
Nenhuma promessa de resolução das questões centrais para o
povo palestino foi cumprida por Israel. Os únicos responsáveis por
tal fracasso são inequivocamente Israel e os seus padrinhos ocidentais
(desde logo os Estados Unidos), que nunca estiveram realmente
interessados na concretização das exigências fundamentais listadas pela
Declaração de Princípios na seguinte ordem: (1) o status de Jerusalém;
(2) retorno dos refugiados palestinos de 1948; (3) assentamentos
judaicos na Cisjordânia e Gaza; (4) segurança; (5) fronteiras de uma
entidade palestina independente; (6) relações e cooperação com os
vizinhos egípcios e jordanianos e; (7) outros problemas de comum
interesse. Além da questão crucial, que é o fim da ocupação e a criação
do Estado nacional palestino com sua capital em Jerusalém.
Meron Benivesti, um cientista político israelense que foi vice-
prefeito de Jerusalém sob Teddy Kollek de 1971 a 1978, avalia que
a separação entre Israel e Palestina forçada pelos acordos de Oslo é
ilusória. Os defensores dos Acordos, observa ele, apesar do interesse
em manter a coordenação e cooperação nas duas áreas “separadas”,
não poderão jamais entender que “o país do Jordão ao mar talvez
possa ser dividido politicamente, mas não fisicamente”.
Os esforços para a existência de dois Estados têm se mostrado
inviáveis desde a Resolução da Partilha até Oslo. Embora Said tenha
defendido a possibilidade da solução de dois Estados com fronteiras
definidas e vivendo em paz na maior parte de sua obra, afirma também,
no seu Peace and its Discontents: Essays on Palestine in the Middle East
Peace Process, que

159
Sayid Marcos Tenório

Palestina/Israel [...] é o lugar onde dois povos, queiram ou


não, levam vidas inextricavelmente ligadas, unidas pela
história, a guerra, os contatos diários e o sofrimento. Falar
em termos geopolíticos grandiosos ou falar irrefletidamente
de “separá-los” nada mais é do que fornecer elementos
para mais violência e degradação. Simplesmente não existe
qualquer alternativa a encarar essas duas comunidades como
iguais nos direitos e nas expectativas, passando-se então a
fazer justiça a suas realidades atuais110.

Como não é certo que os Acordos sobre a existência de dois


Estados seja viável, as palavras de Edward Said nos remetem para
ideias que apontam para um futuro inevitável, ainda que remoto, em
que os árabes palestinos e os judeus israelenses desfrutarão de direitos
comunitários e individuais recíprocos, coexistindo numa entidade
unitária. O que não se pode prever é se a solução de dois Estados
poderá, enquanto isso, diminuir as agressões diárias de Israel e o
sofrimento dos palestinos.
O Documento do Hamas avalia que, na atualidade,
[...] os acordos de Oslo e seu adendo colidem com as regras
governamentais do direito internacional pois eles geram
compromissos que violam o inalienável direito do povo
palestino. Assim sendo, o movimento rejeita esses acordos
e tudo o que flui deles, tais como obrigações que são em
detrimento do interesse de nosso povo, especialmente a
coordenação de segurança (colaboração) (Ver Anexo V).

Apesar de o processo ter sido baseado na fórmula de “terra por


paz”, ficou claro que Israel não estava preparado e nem aceitaria se
retirar dos territórios ocupados na agressão expansionista de 1967.
Como nenhum dos documentos se referia a Israel como uma potência
ocupante, nem à aplicabilidade da lei humanitária internacional nos
territórios, a abordagem de Oslo para as questões de status final foi
baseada em imperativos israelenses.

110 SAID, Edward. Peace and its Discontents: Essays on Palestine in the Middle
East Peace Process. Nova York: Knopf Doubleday Publishing Group, 2012. p.
163-164.

160
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Enquanto a OLP via os Acordos de Oslo como um veículo para


a autodeterminação nos Territórios Ocupados em 1967, os israelenses
os viam como um meio para transformar o controle militar direto
em um sistema de controle indireto. Isso exigiria a transformação da
OLP de um movimento para a libertação, em garantidor indireto da
segurança de Israel nos territórios ocupados. Sua primeira função foi
anular qualquer forma de resistência à ocupação. O relacionamento
assimétrico entre os dois lados permitiu que o mais forte, Israel, ditasse
a direção e a velocidade do processo de acordo com seus desejos.

4.3 Reflexos dos Acordos de Oslo na atualidade

Ao invés de conduzir as partes em direção à paz, os Acordos


de Oslo fizeram aumentar as marcas da segregação nos Territórios
Ocupados. Manteve-se um duplo sistema legal para os dois povos
nos territórios ocupados em 1967, com leis militares para os cidadãos
palestinos e leis civis israelenses para os colonos judeus.
Mais que isso, ao promover a fragmentação dos territórios em
zonas geográficas, Oslo permitiu que Israel restringisse a liberdade

161
Sayid Marcos Tenório

de movimentação dos Palestinos, limitando seu acesso a terra, aos


cuidados com a saúde, educação, e capacidade de comercialização;
tolhendo seu desenvolvimento e crescimento econômico. Como
consequência, manteve-se ao longo dos anos de vigência de Oslo um
sistema de dominação sobre o povo palestino.
Entre os que contestam a eficácia e os êxitos dos Acordos de
Oslo está Chomsky, que afirma que as políticas levadas adiante pelos
sionistas na Palestina
[…] es la base de los actuales programas del Gobierno de
Netanyahu; están diseñada para que Israel controle en
torno de 40 a 50% de Cisjordania, con el resto del territorio
cantonizado, aprisionado a medida que Israel invade el valle
del Jordán, y separado de Gaza, lo que viola los Acuerdos
de Oslo, garantizando de ese modo que cualquier potencial
entidad palestina carecerá de acceso al mundo exterior. (...)
Las políticas de principios de la década de 1990, mientras
las negociaciones estaban en marcha, profundizaron la
distanciación de los palestinos del interior respecto a la
dirección de la OLP e el extranjero111.

Edward Said é outro crítico à direção da OLP e à Autoridade


Palestina, e uma das vozes dissonantes diante dos chamados “Acordos
de Paz”, realizados, segundo ele, sem um amplo debate com o povo
palestino e pela própria OLP com as forças políticas. Said escreveu que
foram os palestinos que cederam. É verdade que conquistaram
pequenos ganhos aqui e ali, mas basta olhar o mapa de
Gaza e da Cisjordânia, depois de visitar aqueles lugares,
ler os acordos e ouvir os israelenses e norte-americanos
para se ter uma boa ideia do que aconteceu mediante
compromissos, acordos desequilibrados e revogação da
plena autodeterminação palestina. Tudo isso ocorreu porque
a liderança palestina egoisticamente colocou seu próprio
interesse, os exagerados esquadrões de guardas de segurança,
os monopólios comerciais, a indecente persistência no poder,

111 CHOMSKY, Noam. Quién domina el mundo? Ciudad Autónoma de Buenos


Aires: Ediciones B., 2018. p. 156.

162
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

o despotismo ilegal, a ganância antidemocrática e a crueldade


acima do bem geral palestino. Até agora a Autoridade foi
conivente com Israel, para deixar a questão dos refugiados
no esquecimento112.

Israel não dará nenhum passo enquanto os Estados Unidos


mantiverem seu apoio incondicional ao estado sionista. Por que Israel
deveria ceder, se está obtendo tudo o que quer? Israel está ocupando
toda Cisjordânia com seus assentamentos, cujos ocupantes judeus
são protegidos pelo exército israelense, que golpeia e prende os que
se opõem, derrubam suas casas e saqueiam seus sítios de produção
de frutas. Gaza encontra-se sob constante assédio e agressões; Israel
comete crimes todos os dias contra sua população.
No mês de setembro de 2018, dois episódios demonstram bem
o significado dos Estados Unidos para a manutenção do apartheid
sionista na Palestina. No primeiro dia do mês, o presidente Donald
Trump mandou cancelar os fundos destinados à agência da ONU
para os refugiados palestinos, UNRWA pela sigla em inglês, como
uma forma de pressionar a ANP para que esta anule seu boicote aos
contatos com os mediadores norte-americanos em acordos sugeridos
por Donald Trump que só beneficiam os israelenses. E no dia 10 de
setembro os Estados Unidos determinaram o fechamento do escritório
da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) em Washington,
sob o pretexto de não terem sido adotadas medidas para retomar as
“negociações diretas e significativas” com Israel, ou seja, por não ter
aceitado a nova proposta dos Estados Unidos para um Plano de Paz,
francamente favorável a Israel e mais uma vez em desvantagem ao
povo palestino.
São duas demonstrações de que o binômio Trump-Netanyahu é
uma aliança estratégica para que os palestinos permaneçam agarrados
a uma ilusão de paz e enfraquecer a sua resistência diante da crescente
ofensiva de Israel sobre Jerusalém e em Gaza, enquanto os palestinos
são mantidos no apartheid e sua resistência entrincheirada pelas
políticas colaboracionistas da ANP.

112 SAID, Edward. Cultura e Política. São Paulo: Boitempo, 2003. p. 76.

163
Sayid Marcos Tenório

Esta situação de crescente violação de direitos ensejou declarações


do ex-presidente estadunidense Jimmy Carter, um dos que se
envolveram nos processos em busca da paz na região, nas negociações
de Camp David, em 1977. Carter reclama da insensibilidade dos
israelenses em não considerar os aspectos explosivos decorrentes
do não cumprimento dos acordos. Ele disse ao jornal Le Monde
Diplomatique que
dois povos habitando a mesma terra, mas completamente
separados um do outro, com os israelenses ocupando a
posição dominante e privando os palestinos, de forma
repressiva e violenta, de seus direitos fundamentais. Se o
Estado de Israel não aceitar negociar a existência de um
Estado Palestino e continuar a exercer a repressão em Gaza
e na Cisjordânia estará caminhando para a consolidação, na
Terra Santa, de uma situação semelhante a do apartheid sul-
africano113.

Trata-se de uma situação de agressão e violações diárias


e permanentes que parece não sensibilizar os israelenses, que
demonstram não estar preocupados com política e com as ações de
Israel em relação aos palestinos. Cidades importantes e modernas
como Tel Aviv e Haifa têm populações que parecem não viver numa
zona de conflitos, onde a poucos quilômetros dali começam as
fronteiras do apartheid sionista, com o muro da vergonha, um parede
que isola uma área total de 733 quilômetros de territórios palestinos e
visa ao isolamento da cidade sagrada de Jerusalém por uma cerca de
122 km de comprimento; barreiras monstruosas e valas com cercas
de guerra, com tanques e blindados a reprimir e prender crianças e
jovens palestinos que resistem contra a Ocupação e as precárias e às
vezes sub-humanas condições de vida do povo palestino.
Num diálogo sobre o terrorismo ocidental, o analista político,
jornalista e cineasta norte-americano nascido na antiga URSS, Andre
Vltchek, pergunta ao filósofo e ativista Noam Chomsky se não haveria

113 AGUIRRE, Mariano. Jimmy Carter e o apartheid israelense. Le Monde Brasil


diplomatique, 2007. Disponível em: https://diplomatique.org.br/jimmy-carter-
e-o-apartheid-israelense/.

164
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

oposição interna em Israel às violações contra palestinos. Chomsky


respondeu:
Creo que no hay mucha. En las últimas encuestas pude ver
que cerca de dos tercios de la población apoya la extensión
de los asentamientos. Si preguntas sobre mantener los
asentamientos existentes lo proporción de acuerdo es mucho
mayor. Son todos ilegales, ellos conceden que lo son. Pero si
pueden hacerlo, ¿por qué detenerse?114

Os Acordos de Oslo são hoje um cadáver no meio da sala, que


é melhor ser enterrado. Oslo é sinônimo de uma paz fracassada. Para
utilizar uma definição usual nestes tempos na política, Oslo foi uma
grande fakenews utilizada pelos sionistas para avançarem com seu
projeto colonialista na Palestina, onde a ANP foi transformada num
gerente da ocupação.
Passados todos estes anos, podemos concluir que os Acordos
do Oslo foram na verdade uma armadilha montada pelos sionistas
contra palestinos. Não foram cumpridos pelo ocupante israelense, não
existem perspectivas de novas negociações e a violência dos sionistas
contra as populações palestinas aumentaram em níveis nunca vistos,
tanto na Cisjordânia quanto em Gaza. Os acordos tornaram a Palestina
um lugar sem condições de sobrevivência para os palestinos e para
muitos judeus.
Após os Acordos do Oslo, Israel intensificou o regime de
separação nos Territórios Ocupados criando uma situação ainda
maior de discriminação, através da aplicação de dois sistemas
jurídicos diferentes na mesma área, cujos direitos dos indivíduos são
baseados na sua nacionalidade. Para israelenses, mais democracia e
mais direitos. Para palestinos, mais restrições, menos direitos e mais
controle, num regime semelhante ao do apartheid na África do Sul.
À medida que as colônias judaicas se expandem, Israel
começou a encurralar os palestinos da Cisjordânia em oito

114 CHOMSKY, Noam; VLTCHEK, André. Sobre el terrorismo occidental: de


Hiroshima a la Guerra de los Drones. Ciudad Autónoma de Buenos Aires:
Marea, Icono Editorial, Lom Ediciones, Txalaparta Editorial, 2014. p. 97.

165
Sayid Marcos Tenório

fragmentos de território, todos cercados com arame farpado


e com exigência de autorização para a circulação ou o
comércio entre eles (os caminhões são obrigados a carregar
e descarregar nos limites territoriais), o que tem contribuído
para devastar ainda mais a economia na qual cerca de um
terço da população está desempregada, metade da população
vive abaixo da linha de pobreza de US$ 2 por dia e um quinto
das crianças com até 5 anos de idade sofre subnutrição, em
grande medida causada – segundo as agências de assistência
dos EUA, da ONU e da União Europeia – pelas restrições
impostas por Israel ao transporte de alimentos115.

Oslo formou o senso comum de que Israel tem direitos sobre os


Territórios Ocupados em 1967, que vem se concretizando através de um
parcelamento cada vez mais agudo da Cisjordânia, dos assentamentos
ilegais que crescem como erva daninha no território da Palestina, a
construção e expansão do muro da vergonha e de um regime de prisão
draconiana e da separação gritante entre a Cisjordânia e a Faixa de
Gaza, quando os Acordos declararam que são uma unidade territorial
indivisível. Ou seja, Oslo tornou as Resoluções da ONU letras mortas
e, com isso, todos os direitos dos palestinos foram negados, incluindo
o status de Jerusalém como cidade internacional e o direito ao retorno,
consagrado nas diversas resoluções do Conselho de Segurança das
Nações Unidas.

Evolução da ocupação sionista na palestina desde a Partilha, em 1947, até 2019.

115 FINKELSTEIN, Norman G. Imagem e realidade do conflito Israel-Palestina. Rio


de Janeiro: Record, 2005. p. 25.

166
PARTE II
Entre catástrofes,
resistência e solidariedade

167
5
A Nakba continua. A resistência
e a solidariedade também

169
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

5.1 Lei do “Estado-Nação”: o apartheid avança116


Estima-se que cerca de 22% da população brasileira são
evangélicas. Qual seria sua reação se lesse a seguinte manchete: “A
partir de hoje, nos termos da lei, não serão considerados/as brasileiros/
as, todos/as aqueles/as adeptos das religiões evangélicas”? Você
concordaria que, de um momento para outro, seu colega ou qualquer
outra pessoa tivesse sua cidadania brasileira negada por ser adepto/a
de uma religião evangélica?
116 Este título é uma revisão de artigo de autoria de Berenice Bento e Sayid Marcos
Tenório, publicado no portal Opera Mundi, em 23 jul. 2018. Disponível em:
https://operamundi.uol.com.br/analise/49692/estado-nacao-israelense-nova-
etapa-do-apartheid-colonialista.

171
Sayid Marcos Tenório

Foi exatamente isso que o parlamento israelense (Knesset)


aprovou em 19 de julho. Com a Lei Básica “Estado-Nação”, Israel
passa a ser, legalmente, um Estado exclusivo para o/a judeu/judia. A
nova lei é uma vitória da direita sionista que governa Israel e uma
derrota do resto do mundo, cuja quase totalidade dos países membros
da Assembleia Geral da ONU aprova o direito dos palestinos ao seu
Estado independente.
Cerca de 20% da população israelense são formadas por
palestinos cristãos e muçulmanos que, por diversos motivos,
conseguiram manter-se em suas casas. Explicando melhor: A criação
do Estado de Israel em 1948 deu início a uma limpeza étnica radical.
Cerca de 600 vilas palestinas foram completamente destruídas, muitas
delas por meio de massacres que em nada devem para os requintes de
crueldade praticados pelo nazismo.
Qual foi o destino da população palestina? Basicamente,
três caminhos: 1) campos de refugiados; 2) exílio; 3) conseguiram
sobreviver à limpeza étnica e ficaram em suas terras. No entanto,
suas casas e terras passaram a fazer parte de Israel. Qual o estatuto
político destes palestinos que passaram a habitar Israel? Tornaram-
se israelenses de segunda categoria. A partir de 19 de julho, essa
população de palestinos-israelenses terá seu pertencimento ao Estado
de Israel redefinido. A lei aprovada pelo Knesset continuará, por outros
meios, o trabalho de limpeza étnica, só que agora ao nível intramuros.
Como qualquer estado racista, a coluna vertebral que o sustenta
é sua política de controle populacional. Ou seja, as perguntas (ou
fantasmas) que rondam os estados racistas são: quem pode/merece
estar no Estado-Nação? Quais são os corpos que podem demandar
reconhecimento legal de pertencer ao Estado? A lei aprovada pelo
Knesset eleva a um nível máximo a caracterização de Israel como
estado racista. Agora se tornará mais violento porque quanto mais
racista, mais violento é o Estado. O que significa que, para cerca de
20% da população israelense, a vida se transformará (ainda mais)
em um inferno. “Ainda mais” não é um recurso estilístico. A vida
dos palestinos-israelenses já era um inferno, mas havia uma suposta
esperança (quase sempre malograda) de recursos jurídicos.
172
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

O estado racista realiza políticas de controle em todos os poros


da sociedade, do nível material ao simbólico. A definição do hebraico
como a língua oficial, reduzindo o árabe à “categoria especial”, joga
para dimensão simbólica a luta pela eliminação do “outro indesejável”,
aquele que deve ser eliminado em todas as dimensões existenciais.
O sofrimento linguístico, já amplamente conhecido pelos palestinos
presos que têm todo o processo jurídico realizado em hebraico e não
em árabe, agora será vivenciado também pelos palestinos-israelenses.
Imaginem o sofrimento psíquico de uma criança que não poderá
aprender mais a língua falada em casa na escola?
A lei não se limita a legislar sobre questões vinculadas à população
israelense. Estabelece que o Estado irá continuar incentivando os
assentamentos ilegais nas terras palestinas. Se a proposta de dois
Estados já vem sendo considerada impossível, devido ao nível de
fragmentação territorial palestino, resultado da incansável voracidade

173
Sayid Marcos Tenório

de Israel em roubar as terras palestinas e sua política contínua de


limpeza étnica, em flagrante desrespeito a todas as Resoluções da
ONU, agora, não há qualquer espaço para se defender dois Estados.
Estamos assistindo a uma nova fase do projeto colonial sionista.
Não se pode continuar nomeando o que acontece em alguns territórios
palestinos de “ocupação israelense”. Como é possível que uma
ocupação (que se define pelo seu caráter temporário) dure 70 anos,
se considerarmos que a criação do Estado do Israel já se iniciou com
a ocupação de territórios além dos estabelecidos pela partilha? Israel
colonizou a Palestina. Trata-se de um Estado colonial e, internamente,
segregacionista.
Ainda nesta lei se define que a capital de Israel é “Jerusalém
unificada”. E qual será o status de Jerusalém Oriental que
internacionalmente é considerada como “ocupada”? O que Israel fará
com a população palestina de Jerusalém Oriental?
Se considerarmos o impacto desta lei, podemos afirmar que
ela representa uma nova fase na fundação do Estado de Israel. A
lei, certamente, não representa uma ruptura, mas ela sistematiza
globalmente o que já estava sendo implementado de forma
fragmentada. Com isso, entramos em uma nova fase na luta pela
autodeterminação do povo palestino. Agora, serão os palestinos que
têm a cidadania israelense que irão engrossar a luta pelo boicote ao
Estado racista de Israel.
Podemos inferir que haverá um aumento considerável de
adesão ao BDS (movimento pelo boicote, desinvestimento e sanções
ao Estado de Israel) não exclusivamente em torno da solidariedade
à autodeterminação do povo palestino. A situação dos palestinos-
israelenses (que, até certo ponto, viviam das migalhas do Estado racista
de Israel) se desnudará. Ou seja, teremos uma ampliação do nível de
intersecção, de unidade, entre os palestinos que vivem em Israel e os
que estão sob o jugo colonial. O projeto do Estado sionista tem dias
(talvez ainda alguns anos) contados.

174
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Israel é hoje um Estado que não respeita o Direito Internacional,


que não tem uma Constituição, onde a base jurídica da autoridade
estatal é um conjunto de “leis básicas” que trata dos diversos ramos
jurídicos, nem fronteiras definidas e não tem um número exato de sua
população. A aprovação da Lei Básica “Estado-Nação” pelo Parlamento
de Israel serve ao projeto sionista de limpeza étnica, ocupação e
expansão ilegal de seu território. Que país é este? Um país que se vale
disso, do poderio militar e da omissão das nações para perpetuar essa
situação.
O ayatollah sheikh Mohsen Araki117, em entrevistaà Revista
Opera, abordou este tema e opinou que
para que um país seja considerado um país, há três regras,
de acordo com as regras das Ciências Políticas: um governo,
um povo, e uma terra. Em primeiro lugar; não se sabe qual
é a terra, não se sabe quais são as características do povo,
de onde vem, e até o momento não se tem uma forma em
relação ao governo. Com base nisso, o Irã fez uma proposta
para estabelecer a paz e a solução deste problema; essa
solução é um referendo, que pode ser feito na Palestina para
definir quais deverão ser as características do governo deste
país. A ideia é que este referendo fosse supervisionado pela
ONU, que nele participassem todos os habitantes originais
da Palestina, todos aqueles que já não vivem mais neste país
– inclusive os que foram refugiados para os países vizinhos –
e que eles escolhessem as características e forma do governo
que desejam ter para representá-los. O que ocorre hoje é a
dominação de uma terra não pelos donos daquela terra, mas
sim por pessoas que vieram de fora118.

117 Ayatollah Sheikh Mohsen Araki é um erudito e proeminente clérigo xiita,


professor universitário e político iraniano, membro da Assembleia de
Especialistas no Irã e um dos pesquisadores do pensador islâmico, o Grande
Aiatolá Mohammad Baqir al-Sadr.
118 ORTEGA, André; MARIN, Pedro. “Culpa” do Irã é apoiar o povo palestino,
diz Aiatolá Araki em visita ao Brasil. Opera, 2007. Disponível em: http://
revistaopera.com.br/2017/08/03/culpa-ira-e-apoiar-o-povo-palestino-diz-
aiatola-araki-em-visita-ao-brasil/.

175
Sayid Marcos Tenório

A libertação da Palestina é agora, mais do que antes, uma causa


de toda a humanidade. A causa do direito e da justiça para um povo
que sofre as agruras do apartheid racista e genocida.

5.2 A infância como alvo do genocídio sionista119

Seria possível imaginar outro lugar (que não fosse nos Estados
Unidos e na Alemanha nazista) onde crianças são sistematicamente
separadas da família? Sim, este lugar existe. Israel prende diariamente
crianças palestinas.

119 Este título é uma revisão do artigo escrito em parceria com Berenice Bento,
publicado no portal Revista Cult em 11 out. 2018. Disponível em: https://
revistacult.uol.com.br/home/israel-e-o-roubo-da-infancia-palestina/.

176
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Este capítulo poderia ser sobre as diversas técnicas de matar as


crianças palestinas implementadas por Israel. Talvez sobre o pequeno
Nassir al-Mosabeh, de 12 anos, executado pelo exército de Israel em 28
de setembro quando participava de um protesto em Gaza. Ou, ainda,
analisar os dados da política intencional de mutilação das crianças e
jovens praticada por Israel. Neste cenário de destruição e morte contra
o povo palestino, neste dia 12 de outubro, priorizaremos as crianças
palestinas encarceradas.
O sono do povo palestino é diferente. Ele sabe que a qualquer
hora da madrugada, entre as duas e quatro horas da manhã, sua casa
pode ser invadida por soldados de Israel fortemente armados. Não há
aviso. Ninguém pede licença. Arromba-se a porta e, aos gritos, invade-
se a casa. Na noite de 19 de dezembro de 2017 eles foram prender
Ahed Tamimi120.
Desde que nasceu, Ahed já tinha visto tantas vezes a mesma
cena. Todos os membros de sua família, na pequena Nabil Saleh
(Cisjordânia, terra do Profeta Salah) já tinham sido (ou estavam)
presos. As marcas da dominação colonial israelense estão em todos
os lugares de seu povoado: no corpo de sua mãe, que não caminha
bem por ter sido atingida por uma bala na perna, na cabeça do seu
primo Mohammaed Tamini, que perdeu parte do cérebro horas antes
da sua prisão... Naquela noite de inverno eles queriam Ahed Tamimi.
Iniciou-se, para ela, o mesmo calvário já percorrido por tantas outras
crianças palestinas.
Quando estive na casa da família Tamimi, em dezembro de
2018, lhe perguntei como ela se sentia por ter dedicado parte da sua
infância e juventude na defesa de sua aldeia e do seu país ocupado. Ela
me respondeu que se sentia gratificada por isso. Que ela não poderia
crescer sem resistir, sem lutar contra as injustiças dos ocupantes
sionistas. Disse-me também que, apesar do que passou na prisão, ela
continuava decidida a lutar. E mesmo quando se encontrava no cárcere
juntamente com as outras crianças e adolescentes presos por Israel,

120 O vídeo documental sobre a garota palestina Ahed Tamimi está diponível em
https://bit.ly/2E3JMDu.

177
Sayid Marcos Tenório

tinham ciência de que a sua coragem em se manter altivos no cárcere


e não se dobrar à violência dos israelenses ajudava e encorajava a luta
dos palestinos que estavam do lado de fora, enfrentando a ocupação.
Pedi à Ahed que ela enviasse uma mensagem para os jovens
brasileiros, que foi feita por meio de um vídeo121 que publiquei nas
redes sociais e está no website do IBRASPAL, para quem desejar ver.
Ela falou na mensagem que
Olá. Eu sou a prisioneira libertada Ahed Tamimi. Eu gostaria
de mandar uma mensagem para os jovens no Brasil.

Espero que vocês sejam sempre mais fortes que a injustiça,


e que vocês desafiem a injustiça onde estiver. Tenho grande
esperança que vocês estarão na luta até que vocês conquistem
todos os direitos.

Nós, o povo palestino, declaramos nosso apoio a vocês e


agradecemos por seu apoio. Nós consideramos vocês nossos
parceiros na luta. Vocês jovens, vocês são a esperança da
mudança.

Somos todos jovens, palestinos ou brasileiros em todo o


mundo.

Nós devemos nos unir para eliminar a injustiça. Com nossa


unidade podemos mudar o mundo, para que todos possam
viver em paz e segurança, sem conflitos e injustiças.

As crianças são presas em duas situações: quando estão em atos


públicos ou em casa, no meio da noite. A acusação costumeira é de que
estavam jogando pedras no exército colonial israelense. Jogar pedra
é um ato criminalizado através da Ordem Militar 1651. As crianças
ficam, em média, de dois a 10 meses presas, mas, de acordo com a lei
israelense, este tempo pode chegar até 10 anos de prisão. Além das
manifestações, as casas das crianças, como já referido, é outro lugar
onde acontecem as prisões.

121 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=hDdkTFIzDaA.

178
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

O autor em visita a residência da família de Ahed Tamimi, na aldeia de


Nabil Saleh, na Cisjordânia ocupada.

As crianças são levadas para a prisão sozinhas. Nenhum parente


ou pessoa próxima pode acompanhá-las122. Chegando à prisão,
iniciam-se os interrogatórios e as torturas físicas e psicológicas. Os
abusos sexuais acontecem com frequência123.
Ahmad H. Yassin, 16 anos, ficou preso por cinco meses. Ele nos
conta que:
Colocaram-me em um quarto que não tinha câmera, o
que é contra a lei. Onze oficiais me batiam. Ele seguia me
perguntando coisas que eu não fiz. Eles não me deixaram
usar o banheiro nem comer. E me humilharam. Enquanto
estava sendo interrogado, eu pedi aos interrogadores
para permitir que minha família estivesse presente ou um
advogado. Ele disse-me que o oficial ordenou que ninguém

122 O documentário Palestinian children speak of beatings in Israeli detention está


disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Mnf0w9UuV4s.
123 O vídeo documental sobre o abuso de crianças palestinas está disponível em
https://bit.ly/2RCmkQv.

179
Sayid Marcos Tenório

poderia estar comigo. Eu disse-lhe que sou de menor, mas


eles responderam que estas são as instruções oficiais ele
tinha que segui-las124.

Histórias iguais às de Ahmad se repetem (Precarious


Childhood: Arrests of Jerusalemite Children (https://bit.ly/2Ef2qsa)).
Os interrogatórios são todos feitos sem a presença de parentes
ou qualquer proteção legal. De forma geral, os parentes precisam
atravessar barreiras militares (check-points) para ir até às prisões (a
exemplo de Ahed Tamimi, que foi levada à prisão de Hasharon, em
Israel), mas quando chegam nestas barreiras são impedidos de seguir
adiante pelo exército porque não têm autorização oficial do Estado
de Israel para atravessar. Geralmente, apenas no dia do julgamento a
família pode ver o filho, mas não pode tocá-lo. Uma mãe, depois de
um longo tempo ser ver sua frágil filha, entra na sala de audiência e,
aos prantos, diz: “Ela é apenas uma criança”125.
As alegadas confissões ou outras declarações incriminatórias
de crianças detidas são documentadas em um idioma que elas não
entendem, o hebraico, e não há como verificar se os documentos
foram traduzidos com precisão para as crianças antes de assiná-los.
Segundo a ONG DCI – Palestine, a cada quatro crianças presas, três
sofrem algum tipo de violência física durante a prisão, transporte ou
dentro de bases militares126.
Israel é o único país do mundo que processa crianças em cortes
militares, ferindo acordos e leis internacionais por ele mesmo assinados.
Viola, assim, sistematicamente as Leis Internacionais. Estima-se que,
desde o ano 2000, em torno de 10 mil crianças e adolescentes já tenham
sido detidas apenas na Cisjordânia, incluindo com idade inferior a seis
anos.
A Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada por Israel,
define que a privação de liberdade de crianças deve ser o último
124 O vídeo documental sobre prisões e abusos contra crianças está disponível em
https://bit.ly/2E2KHUu.
125 O vídeo documentário está disponível em https://bit.ly/2PlRkm6.
126 O vídeo documentário está disponível em https://bit.ly/2QBgM7s.

180
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

recurso e deve ser acionado apenas pelo menor período apropriado


de tempo. A Quarta Convenção de Genebra proíbe a deportação de
pessoas protegidas de um território ocupado para o território do poder
ocupante ou de qualquer outro país, independentemente do motivo, o
que acontece sistematicamente com as crianças que são levadas para
prisões longe dos pais.
O Relator Especial das Nações Unidas sobre a situação dos
direitos humanos nos territórios palestinos ocupados, Richard Falk,
vem denunciando há alguns anos que as prisões e “o uso por Israel
de confinamento solitário contra crianças viola flagrantemente os
padrões internacionais de direitos humanos”. E diz mais: “As condições
carcerárias são geralmente deploráveis, obrigando as crianças a
dormirem no chão ou em camas de concreto em celas sem janelas”.
A manutenção de crianças nestas condições viola flagrantemente os
padrões internacionais de direitos humanos. Em Gaza, lhes são negadas
as visitas de parentes e advogados, isolando as crianças e permitindo
maus-tratos durante os interrogatórios. Elas são confinadas, em média,
de 1 a 24 dias127.
O UNICEF publicou relatório, em 2013, onde conclui que os
maus-tratos de crianças palestinas no sistema de detenção militar
israelense são generalizados, sistemáticos e institucionalizados128.
Levantamento realizado pela ONG DCI – Palestine mostra que
2016 foi o ano com mais mortes de crianças palestinas por forças
israelenses da última década: 32 mortos na Cisjordânia e Jerusalém
Oriental. Relatório da ONU sobre a agressão de Israel a Gaza, no
ano 2014, concluiu que os ataques aéreos mataram pelo menos uma
criança por hora no período que durou o bombardeio.
Uma das características do colonizador é esvaziar o outro, o
colonizado, de qualquer sinal de humanidade. Quando Israel não

127 O vídeo está disponível em https://bit.ly/2E9dkzp.


128 UNICEF. Children in Israeli Military Detention: Observations and
Recommendations. Boletim n. 2, feve. 2015. Disponível em: https://www.
unicef.org/oPt/Children_in_Israeli_Military_Detention_-_Observations_and_
Recommendations_-_Bulletin_No._2_-_February_2015.pdf.

181
Sayid Marcos Tenório

reconhece a infância nos corpos das crianças que prende e tortura,


está no dizendo que qualquer palestino já nasce um criminoso. Por
esta lógica, não se trata de encarcerar uma criança. As fases etárias
da vida (infância, adolescência, juventude e velhice) são atributos
humanos. Para eles, os palestinos não são humanos. Assim, de nada
adianta clamar pela aplicação de acordos internacionais que protegem
a fase mais vulnerável da vida humana, a infância. Israel dirá: “jogaram
pedras nos nossos soldados. Devem ser punidos como criminosos de
guerra. Não são crianças. São palestinos”.
Onde habita a esperança do futuro? Na infância. Ao roubar a
infância das crianças palestinas, Israel é coerente com sua política
iniciada em 1948 de despossessão continuada do povo palestino. Mas
por que houve um engajamento globalizado para deter Trump em
sua política de aprisionamento das crianças e não há a mesma reação
internacional em relação a Israel, que já vem encarcerando as crianças
palestinas há décadas? Por que os países, diante da imoralidade que
é tratar sistematicamente crianças como criminosas de guerra, não
aderem ao boicote econômico a Israel? A política oficial segue de
costas para o sofrimento do povo palestino.
O presente que as crianças palestinas querem é a paz. Um país
livre da dominação colonial israelense. Este presente está a caminho
e passa pela adesão internacional ao movimento pacífico que chama
pelo boicote, desinvestimento e sansões (BDS) a Israel. Não demorará
muito para as crianças palestinas terem o direito de brincar como
qualquer outra criança, de correrem livres pelas ruas de suas cidades,
sem tanque de guerra, sem gás lacrimogêneo, sem velórios diários.

182
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

5.3 Presos políticos palestinos

Desde a fundação do seu Estado, Israel desenvolve uma brutal


repressão para sufocar e acabar com a resistência dos palestinos
contra a ocupação, que se acirrou depois de 1967, com a ocupação
do que restava da Palestina Histórica, como a Cisjordânia, incluindo
Jerusalém Oriental e a Faixa de Gaza. Israel criminaliza qualquer forma
de oposição à ocupação e os sucessivos governos israelenses fizeram
das prisões o seu principal instrumento de repressão e castigo aos
palestinos. Israel mantém presos palestinos em seus cárceres sujeitos
às mais indignas, duras e violentas condições de encarceramento, onde
rotineiramente são submetidos à tortura129 e ao desaparecimento,
incluindo os que se encontram em Detenção Administrativa, um

129 KULKARNI, Pavan. Jovens palestinos detidos em prisões israelenses sofrem


violência física e psicológica sistemática, diz relatório. Opera Mundi, 30 jun.
2018. Disponível em: https://operamundi.uol.com.br/direitos-humanos/49667/
jovens-palestinos-detidos-em-prisoes-israelenses-sofrem-violencia-fisica-e-
psicologica-sistematica-diz-relatorio.

183
Sayid Marcos Tenório

procedimento que permite que as forças de ocupação israelenses


prendam prisioneiros indefinidamente sem acusá-los ou permitir
que eles sejam julgados. As informações ou evidências são secretas
e não podem ser acessadas pelo detido nem por seu advogado e, de
acordo com as ordens militares israelenses, uma ordem de detenção
administrativa pode ser renovada por tempo ilimitado. Entre os presos
encontram-se muitas mulheres e crianças que sofrem violência física
e psicológica e que são privadas de frequentarem escolas pelo governo
de Israel e terem acesso ao ensino, um direito estabelecido em acordos
e convenções internacionais, assunto tratado no título 5.2 deste livro.
Os presos palestinos estão encarcerados por exercerem o seu
direito legítimo de resistência contra a ocupação ilegal e violenta do
seu território e por lutarem pela dignidade e liberdade do seu povo.
A sua libertação é parte de uma solução para a questão palestina
conforme a justiça e o Direito Internacional. A eles é negado o contato
com as famílias e são alvos de negligência médica e de frequentes
humilhações e maus-tratos. Os presos políticos palestinos são uma das
provas mais evidentes da permanente violação dos direitos humanos
dos palestinos de todas as idades por parte de Israel.
O número de palestinos que passou pelas masmorras sionistas é
estarrecedor. Desde 2015, mais de 10 mil presos; desde 1967, 800 mil;
e mais de um milhão desde a Nakba, em 1948. Em março de 2019130
eram 5.450 presos políticos palestinos espalhados nas 17 prisões, 2
centros de detenção e 2 centros de interrogação israelenses. Deste total
540 presos cumprem prisão perpétua, 68 condenados a cumprir penas
de mais de 20 anos e 497 em detenção administrativa. Nessa condição
encontram-se 7 deputados, 65 mulheres e 205 crianças, sendo 32
abaixo dos 16 anos. As crianças não são poupadas. Desde 2000,
pelo menos 8000 palestinos com menos de 16 anos foram detidos,
interrogados e acusados pela justiça militar israelense. Conforme
estipulado pela Ordem Militar 1651, crianças palestinas dos 12 aos 13
anos estão sujeitas a penas de 6 meses; dos 14 aos 15 anos, 12 meses
na prisão. Adolescentes na faixa de 16 aos 17 anos estão sujeitos às

130 Disponível em: http://addameer.org/statistics.

184
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

mesmas sentenças dos adultos, embora no sistema penal israelense a


maioridade penal seja aos 18 anos131.

Prisões e Centros de Detenção israelenses. Fonte: Prisoner Support and Human


Rights Association. Disponível em: http://addameer.org/prisons-and-detention-
-centers.
131 IBRASPAL. Liberdade para os presos políticos palestinos nas prisões de Israel,
2019. Disponível em: https://ibraspal.org/pt/post/liberdade-para-os-presos-
politicos-palestinos-nas-prisoes-de-israel.

185
Sayid Marcos Tenório

Um dos presos mais conhecidos é Ahmad Sa’adat, secretário-


geral da Frente Popular pela Libertação da Palestina e deputado ao
Conselho Legislativo Palestino, condenado a 30 anos de prisão em
dezembro de 2008 por um tribunal militar sionista por ser um dos
dirigentes da resistência palestina à ocupação e aos crimes de Israel.
Ele participou de todos os protestos, greves de fome e lutas dos presos
palestinos. Passou mais de três meses em prisão solitária, até que em
2012 uma greve geral de fome obteve o seu retorno ao regime prisional
geral.
Sa’adat, Marwan Barghouti, Khalida Jarrar e Karim Younis são
nomes de presos que simbolizam a causa da libertação da Palestina
por resistirem com honra e heroísmo ao regime sionista usurpador.
Younis está preso desde 6 de janeiro de 1983, quando tinha 25 anos,
e foi condenado à prisão perpétua por lutar contra a ocupação. É um
dos 27 prisioneiros políticos presos anteriormente aos Acordos de
Oslo que deveriam ter sido libertados após um entendimento entre
Israel e a Autoridade Palestina em 2013. No entanto, e como sempre,
Israel não cumpriu o acordo.
Ultimamente têm vindo à tona diversas denúncias de que
as prisões israelenses são laboratórios para o desenvolvimento de
produtos e serviços militares de Israel, que tem autorizado que grandes
companhias farmacêuticas realizem testes clínicos em prisioneiros
palestinos. O embaixador da Palestina nas Nações Unidas, Riyad
Mansour, denunciou que muitos dos corpos dos prisioneiros e de
outros palestinos mortos pelo exército ocupante eram devolvidos sem
as córneas e outros órgãos internos. Essas acusações não são novidade.
Dalia Itzi, uma deputada ao Knesset (parlamento israelense), afirmou
ao jornal Yedioth Ahronoth que o Ministério da Saúde de Israel havia
concedido tais permissões e que mais de 5000 presos foram usados
como cobaias nos testes de novos medicamentos132. Nadera Shalhoub-
Kevokian, uma professora da Universidade Hebraica de Jerusalém,

132 MIDDLE EAST MONITOR. Israel pharmaceutical firms test medicines on


Palestinian prisoners, 2019. Disponível em: https://www.middleeastmonitor.
com/20190220-israel-pharmaceutical-firms-test-medicines-on-palestinian-
prisoners/.

186
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

alertou para o fato de autoridades israelenses estarem permitindo que


grandes companhias farmacêuticas realizem experimentos nos presos,
bem como testes de armas em crianças palestinas. Segundo ela, os
territórios palestinos ocupados têm se convertido em laboratórios da
indústria militar israelense, especialmente Jerusalém Oriental133.
Em abril de 2019, centenas de presos palestinos das prisões
Naqab/Negev e Ramon realizaram uma greve de fome para reclamar
das condições nas prisões sionistas, reivindicar a instalação de
telefones nas prisões para permitir que os presos possam se comunicar
com suas famílias três vezes por semana. A comunicação com as
famílias é particularmente importante para os presos, muitos deles
condenados à prisão perpétua ou penas muito longas, já que as visitas
são dificultadas pelo Serviço Prisional de Israel (IPS), numa clara
violação da IV Convenção de Genebra. Israel também cria toda sorte
de dificuldades para que os familiares passem pelos diversos check-
points. Os prisioneiros de Gaza estão completamente privados de
visitas.
Anualmente, em 17 de abril, comemora-se o Dia Internacional
de Solidariedade com os Presos Palestinos. É uma data em que, no
mundo inteiro, acontecem atos para denunciar a situação de violação
dos direitos humanos dos presos palestinos como um caso de violência
diante do qual não podemos nos calar. É preciso demonstrar a nossa
indignação perante a complacência da ONU e dos organismos de
direitos humanos com esta realidade cruel de Israel com os palestinos
encarcerados. A causa da libertação dos presos palestinos nas cadeias
de Israel, a luta do povo palestino pela dignidade, pela terra, pela
liberdade, por um Estado independente, merece e contará sempre com
a solidariedade de todas as pessoas que querem justiça e respeito aos
direitos em todos os cantos do mundo.

133 SHIHADAD, Kathryn. Israeli prof: Israel tests weapons on Palestinian kids,
tests drugs on prisoners. If Americans Knew Blog, 2019. Disponível em: https://
israelpalestinenews.org/israel-weapons-drug-testing-on-palestinians/.

187
Sayid Marcos Tenório

5.4 Campos de refugiados: favelas palestinas

O campo de refugiados de Jabalia, na Faixa de Gaza, o mais populoso dos 59


campos de refugiados palestinos. Disponível em: https://nacoesunidas.org/onu-
-critica-novas-restricoes-comerciais-de-israel-a-gaza/.

Existem hoje 59 campos de refugiados palestinos, criados após


o Nakba, em 1948, e estão espalhados pela Jordânia, Líbano, Síria,
Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Segundo o conceito da Agência da
ONU para Refugiados – ACNUR, refugiados
são pessoas que estão fora de seu país de origem devido a
fundados temores de perseguição relacionados a questões
de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um
determinado grupo social ou opinião política, como também
devido à grave e generalizada violação de direitos humanos
e conflitos armados134.

No caso dos refugiados palestinos, podemos dizer que são


pessoas cujo lugar de residência habitual era a Palestina Histórica
e que perderam suas casas, suas terras e seus meios de vida como
consequência da tragédia da ocupação. E, na definição da Agência das
Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina e Oriente
Próximo (UNRWA, da sigla em inglês), a condição de refugiado
palestino também abrange os seus descendentes, inclusive as crianças
134 ACNUR. Está disponível em https://www.acnur.org/portugues/quem-ajudamos
/refugiados/.

188
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

adotadas. Por este motivo, o número de refugiados palestinos


registrados passou de cerca de 750.000 em 1950 para mais de 5,6
milhões em 2018.
A Faixa de Gaza135 conta com 8 campos com cerca de 1,4 milhão
de refugiados, o que corresponde a 83% da população. Nem todos
os refugiados vivem nos campos; outros se mudaram nas diferentes
cidades da Faixa. Na última década, a situação socioeconômica desses
refugiados piorou em consequência de anos de ocupação, de conflito
e do bloqueio à região, que deixaram a grande maioria da população
completamente dependente da ajuda internacional.
Campos de refugiados na Faixa de Gaza:

Campo de refugiados Ano criação População Estimada


Shati ou Praia 1948 85.000
Deir al-Balah 1948 45.000
Jabalaia 1948 110.000
Bureij 1949 33.000
Já Yunis 1949 70.000
Maghazi 1949 24.000
Nuseirat 1949 63.000
Rafah 1949 100.000

Quase 875 mil palestinos estão registrados na UNRWA nos 19


campos de refugiados da Cisjordânia136. Segundo a UNRWA, devido
à superpopulação dos campos, apenas um quarto dos refugiados vive
neles, enquanto a maioria se mudou para cidades da Cisjordânia. Os
refugiados da Palestina enfrentam violações diárias de seus direitos
por conta do contínuo confisco e apropriação de suas terras, violência
de colonos, demolições de casas e destruição dos meios de sustento
das famílias, deslocamento forçado e amplas e sistemáticas restrições
à sua liberdade de ir e vir.

135 UNRWA. Gaza. Disponível em: http://unrwa.org.br/sobre_a_unrwa/areas_de_


operacao/gaza/.
136 UNRWA. Cisjordânia. Disponível em: http://unrwa.org.br/sobre_a_unrwa/
areas_de_operacao/cisjordania/.

189
Sayid Marcos Tenório

Campos de refugiados palestinos na Cisjordânia:

Campo de refugiados Ano de criação População Estimada


Agabat Jabr 1948 7.000
Ein Sultan 1948 2.200
Qaddura 1948 1.700
Far´a 1949 8.000
Fawwar 1949 9.000
Jalazone 1949 12.000
Kalandia 1949 12.000
Amari 1949 12.000
Deir Ammar 1949 3.000
Dheisheh 1949 13.000
Ainda 1950 5.500
Al-Arruba 1950 11.000
Askar 1950 16.000
Balata 1950 25.000
‘Azza (Beit Ilma) 1950 1.200
Beit Ilma nº 1 1950 20.000
Tulkarem 1950 20.000
Nur Shams 1952 10.000
Yenin 1953 17.000
Shufaf 1995 12.000

Segundo a UNRWA, cerca de 450.000 palestinos vivem no


Líbano137 e, desses, cerca de 50% vivem nos 12 campos de refugiados
que há no país. Eles representam aproximadamente 10% da população
libanesa. Não têm muitos direitos importantes; por exemplo, não
podem trabalhar em 20 atividades profissionais.
Os altos níveis de pobreza entre refugiados da Palestina no
Líbano são uma grande preocupação; mais de 2/3 da população vive
com menos de seis dólares por dia, e, em 2011, 56% dos refugiados

137 UNRWA. Líbano. Disponível em: http://unrwa.org.br/sobre_a_unrwa/areas_


de_operacao/libano/.

190
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

no Líbano não tinham emprego. A consequência é que a maioria dos


refugiados depende da UNRWA como provedor de educação, saúde e
serviços sociais.
Campos de refugiados no Líbano:

Campo de refugiados Ano de criação População Estimada


Burj el-Barajneh 1948 17.000
Ain al-Hilweh 1948 50.000
El Buss 1948 12.000
Nahr al-Bared 1949 33.000
Sabra y Chatila 1949 10.000
Wavel 1948 9.000
Mar Elias 1952 2.000
Mieh Mieh 1954 6.000
Beddawi 1955 18.000
Burj el-Shemali 1955 21.000
Dbayeh 1956 6.000
Rashidieh 1963 30.000

A Síria138 conta com mais de 510.000 refugiados palestinos


nos 12 campos. Muitos têm os mesmos direitos de cidadãos sírios,
inclusive com acesso a serviços sociais, mas ficam para trás em relação
à população síria em vários indicadores sociais importantes. Por
exemplo, têm um maior índice de mortalidade infantil e um menor
número de crianças matriculadas em escolas.
Os refugiados da Palestina na Síria são uma população vulnerável
e, como todos os refugiados da Palestina, vivem na incerteza quanto a
seu futuro em longo prazo.

138 UNRWA. Síria. Disponível em: http://unrwa.org.br/sobre_a_unrwa/areas_de_


operacao/siria/.

191
Sayid Marcos Tenório

Campos de refugiados palestinos na Síria:

Campo de refugiados Ano de criação População Estimada


Sbeineh 1948 23.000
Khan Eshieh 1949 21.000
Neirab 1948 21.000
Homs 1949 24.000
Jaramana 1948 22.000
Daraa 1950 15.000
Hama 1950 10.000
Khan Dannoun 1950 12.000
Qabr Essit 1967 24.000
Latakia 1955 12.000
Yarmuk 1957 160.000
Ein Al-Tal (Handarat) 1962 7.000

5.5 Demolições como castigo coletivo

192
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Uma das atitudes mais nefastas e violentas de Israel contra


palestinos é a demolição de casas nos territórios ocupados e em Gaza.
É uma prática que tem sido fortemente denunciada pelos palestinos e
por diversos organismos internacionais de defesa dos direitos humanos
e até pela ONU como “punição coletiva” e uma forma de confiscar
a terra dos palestinos para viabilizar a expansão dos assentamentos
judaicos ilegais nos territórios ocupados. Segundo o governo
israelense, as demolições são medidas de prevenção a eventuais ações
de insurreição contra as forças ocupantes e que os donos das casas
seriam apontados como “suspeitos” ou condenados pelo envolvimento
em atos de “terrorismo” e outros tipos de ações contra o Estado
judeu. Além dessas, os israelenses alegam medidas legais quanto ao
cumprimento de códigos de obras e outras determinações vigentes
nos territórios ocupados, mas os palestinos reclamam que têm seus
pedidos de licença geralmente negados.
Cada demolição é uma miniNakba, já que 90% das demolições,
envolvendo 92% das pessoas deslocadas, ocorrem em áreas onde
vivem comunidades de palestinos com atividades agrícolas e pastoris
mais vulneráveis que as urbanas, na conhecida Área C, região onde
Israel mantém forte controle de segurança. A Área C equivale a 60%
da Cisjordânia. Nesta Área as exigências de Israel são mais rigorosas
e geralmente não são concedidas autorizações para que palestinos
realizem obras de construção ou melhorias em suas residências e
abertura de poços. Como as dificuldades para obtenção de licenças são
enormes, a população palestina frequentemente acaba por construir
sem as licenças, mesmo correndo o risco de demolição das obras.
É difícil afirmar os números atuais sobre as demolições de casas
palestinas porque muitos casos ficam sem registros e demolições são
uma atividade constante do ocupante sionista. A ONG de direitos
humanos israelense B’Tselem estima que, no período de 2006 a 2018,
Israel demoliu pelos menos 1401 casas de palestinos, desabrigando mais

193
Sayid Marcos Tenório

de 6 mil pessoas, incluindo mais de 3 mil crianças139. Revela ainda que


entre 2006 e 2018 Israel aprovou apenas 4% dos cerca de 5500 pedidos
de construção na Cisjordânia ocupada. Sem opção, os palestinos são
forçados a construir sem licença e como as estruturas são consideradas
“ilegais”, Israel emite ordens de demolição. É comum a destruição, por
parte de Israel, do sistema de captação das águas pluviais que servem
as comunidades palestinas de pastores e agricultores onde a água já é
escassa e a convivência com a seca é algo secular. Na Faixa de Gaza,
mais de 30 km da rede de abastecimento de água e 11 poços foram
danificados deliberadamente pelas forças militares de Israel durante a
Operação Chumbo Fundido, em 2008-2009.
As demolições de propriedades privadas e a transferência forçada
de pessoas são graves violações da Quarta Convenção de Genebra e
tais violações acarretam obrigações estatais como a responsabilidade
penal individual dos governantes, classificadas como crimes de guerra.
O artigo 53 da Convenção dispõe que
Artigo 53. É proibido à Potência ocupante destruir os bens
móveis ou imóveis, pertencendo individual ou coletivamente
a pessoas particulares, ao Estado ou a coletividades públicas,
a organizações sociais ou cooperativas, a não ser que tais
destruições sejam consideradas absolutamente necessárias
para as operações militares140.

Por outro lado, cresce a construção de assentamentos judaicos


nos territórios ocupados e nas áreas onde casas e vilarejos são
demolidos pelo ocupante sionista. O ex-ministro da Defesa de Israel,
Avigdor Lieberman, disse em entrevista ao jornal The Jewish Press que
Israel pretende trazer 3,5 milhões de novos imigrantes para o Estado

139 MPPM. “Falsa justiça”: ONG denuncia responsabilidade do Supremo Tribunal


de Israel na demolição de casas palestinas, 2019. Disponível em: https://www.
mppm-palestina.org/content/falsa-justica-ong-denuncia-responsabilidade-do-
supremo-tribunal-de-israel-na-demolicao-de.
140 USP. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. Convenção de Genebra IV – 21
de outubro de 1950. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.
php/Convenção-de-Genebra/convencao-de-genebra-iv.html.

194
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

judeu na próxima década141. E que, para cumprir essa meta, Israel


deverá investir cerca de 365 milhões de dólares anualmente ao longo
dos próximos dez anos. Para o dirigente da extrema-direita israelense,
a chegada desses 3,5 milhões de imigrantes vindos de vários países
conduzirá Israel a um outro patamar, dando “um enorme impulso à
economia e à ciência, e claro, reforçando-nos como potência regional
e porventura mais ainda”.

5.6 A dupla segregação dos beduínos


Além da questão dos refugiados palestinos, a situação dos
beduínos é igualmente ou ainda mais grave. São palestinos que vivem
como refugiados no seu próprio território ocupado e são duplamente
vítimas das frequentes políticas racistas do apartheid israelense. As
constantes ondas de demolições de residências nas aldeias beduínas
na Cisjordânia por parte de Israel, que leva adiante a limpeza étnica
da Cisjordânia, através da expulsão dos milhares de beduínos para dar
espaço à expansão dos assentamentos judaicos ilegais, como no Vale
do Jordão, onde, além das demolições, Israel destrói os equipamentos
agrícolas como tratores, tanques de armazenamento de água e painéis
solares, aflige de modo cruel a vida e a economia agrícola e pecuária
de subsistência dos beduínos.
Na divisão promovida pelos Acordos de Oslo, em 1993, a Área C
– onde vive a maioria dos beduínos – está sob controle do Ministério
da Defesa israelense (ver título 4.2), que também se encarrega dos
assuntos civis, adotando uma atitude hostil à permanência dos
beduínos naquelas regiões, onde são impedidos de construir ou
reconstruir as suas casas e outras instalações.
A situação mais dramática é a de Khan al-Ahmar, um povoado
beduíno que se tornou fixo pelos beduínos desde o início dos anos de
1970, embora alguns afirmem que existe há mais tempo. É formado
por descendentes da tribo Jahalin, que costumava se deslocar pelo
deserto do Negev, até serem expulsos pelos bandos sionistas depois

141 PORTAL VERMELHO. Israel prossegue a colonização de Jerusalém Oriental,


2018. Disponível em: http://www.vermelho.org.br/noticia/314754-1.

195
Sayid Marcos Tenório

da fundação do Estado judeu, em 1948. Eles foram deslocados para a


Cisjordânia, então um território controlado pela Jordânia e com baixa
população.

Mulher senta-se nos restos de sua casa demolida na aldeia beduína de


Umm al-Hiran, perto da cidade de Beersheba.

Em janeiro de 2019 dezenas de soldados e policiais israelenses


escoltados por retroescavadeiras gigantes e veículos blindados invadiram e
destruíram pela 139ª vez a aldeia beduína de al-Araqib, situada no deserto
de Negev/Naqab, no sul da Palestina Ocupada. Mulheres, crianças e
idosos da aldeia foram evacuados e deixados sem abrigo, apesar do tempo
frio. O chefe do comitê popular da aldeia e três mulheres foram detidos
pelas forças israelitas e libertados algumas horas após a demolição. As
repetidas demolições na aldeia beduína de al-Araqib são realizadas na
tentativa de forçar a população a mudar-se para locais designados pelo
governo israelense. Mas eles resistem e reconstroem suas tendas e locais
de trabalho e criatório de suas cabras. No caso da aldeia beduína de Khan
al-Ahmar, há um agravante: uma escola primária (a Escola de Pneus),
mista, que era o orgulho dos beduínos.
Israel vem tentando há muitos anos expulsar os milhares de
beduínos a fim de expandir os assentamentos judeus. Em 1990 uma

196
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

operação deste gênero foi transmitida ao vivo pela TV israelense,


mostrando os soldados arrancando à força as famílias e destruindo
a comunidade inteira. Recentemente uma determinação da Suprema
Corte de Justiça Israelense liberou o governo para proceder a retirada
das comunidades beduínas, o que será um crime de guerra, pois
realizará a transferência forçada de uma população sob ocupação
militar, nos termos do Acordo de Genebra.
As áreas beduínas confiscadas são estimadas em 26.000 hectares,
segundo o jornal israelita Israel Today. Sobre as ruínas das aldeias as
autoridades israelitas querem expandir a Estrada Trans-Israel (Estrada
n.º 6 – Uma rodovia que só israelenses podem usar). Segundo o plano,
o desalojamento começará ainda em 2019, devendo estar finalizado em
2021. As aldeias beduínas não reconhecidas não aparecem nos mapas
oficiais de Israel, os moradores não têm endereços e as autoridades
israelitas não lhes fornecem serviços básicos como água e eletricidade.
As autoridades não reconhecem os seus direitos sobre a terra e
consideram-nos infratores que ocupam as terras estatais israelenses.
Essas aldeias não reconhecidas foram criadas no deserto Neguev/
Naqab pouco depois da criação do Estado de Israel, por ocasião da
qual cerca de 750000 palestinos foram expulsos de suas casas e se
tornaram refugiados. Muitos dos beduínos foram transferidos à força
para os locais das aldeias durante os 17 anos em que os palestinos que
permaneceram em Israel estiveram sob regime militar. Este regime só
terminou pouco antes de em 1967, depois de Israel ocupar militarmente
a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental.
As condições de vida da população beduína que se encontra
espalhada em 45 assentamentos beiram à tragédia. Não recebe
serviços regulares, tais como água, eletricidade, saúde e bem-estar142.
E, quando conseguem, com apoio internacional, construir uma escola
de pneus, como é o caso da Khan al-Ahmar, veem seus esforços serem
literalmente destruídos.

142 SHAHAR, David. Israel: a Jewish democratic state. Tel Aviv: Kinneret, 2010, p.
45).

197
Sayid Marcos Tenório

5.7 Boicote como uma forma de resistência

O movimento Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) é


uma campanha global que preconiza a prática de boicote econômico,
acadêmico, cultural e político ao estado de Israel. Surgiu no ano de
2005, quando a sociedade civil palestina lançou um apelo às pessoas
em todo o mundo para que boicotassem empresas israelenses que
estivessem ativamente lucrando com a ocupação de suas terras. O
movimento foi lançado na ocasião do primeiro aniversário do parecer
da Corte Internacional de Justiça, que emitiu parecer em 9 de julho
de 2004, condenando a barreira de separação israelense – o Muro da
Vergonha, e contestando o seu traçado. O parecer da Corte reforçou
a oposição à política de apartheid de Israel e criou um clima propício
à campanha de boicote. O BDS tem como objetivos centrais o fim
da ocupação e da colonização dos territórios palestinos, a igualdade
de direitos para os cidadãos Árabes de Israel e o respeito ao direito
de retorno dos refugiados palestinos, expulsos de suas casas e terras
desde 1947.
O primeiro boicote contra os produtos comercializados pelos
sionistas foi proposto pela Liga Árabe, dois anos antes da criação
do Estado de Israel, em 2 de dezembro de 1945. Em 2001, foram

198
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

propostos o embargo, a exclusão e a ruptura de qualquer ligação com


o estado de Israel, durante a Terceira Conferência Mundial contra o
Racismo, a Discriminação, a Xenofobia e a Intolerância, realizada em
Durban, na África do Sul. Em 2002, o bispo sul-africano e Prêmio
Nobel da Paz por sua luta contra o apartheid, Desmond Tutu, lançou
uma campanha de desinvestimento em Israel, que foi encampada por
entidades religiosas e políticas de todo o mundo, visando a colocar fim
à ocupação israelense nos territórios palestinos, intensificada com a
Guerra dos Seis Dias em 1967.
Como de costume, Israel reagiu ao parecer da Corte, protestando
contra o que chamou de “posição tendenciosa e parcial” da Assembleia
Geral da ONU e reclamando da influência que os “países hostis”
teriam na Assembleia. Além disso, segundo avaliação de Israel, a Corte
Internacional de Justiça não teria competência para tratar de questões
políticas litigiosas como aquelas em questão sem o consentimento das
partes envolvidas.
Desde então, o movimento cresceu e ganhou alcance mundial
buscando três metas claras, acabando com a ocupação israelense das
terras palestinas para além das fronteiras de 1967. A segunda meta é
reconhecer os direitos fundamentais dos cidadãos árabes-palestinos
de Israel até que se atinja igualdade total e o direito de retorno dos
refugiados palestinos. Os líderes do movimento enfatizam que se
trata de um movimento inclusivo não racista e que esse é um ponto
importante para o sucesso em todo o mundo. Os que são contra o BDS
argumentam que se trata de um movimento antissemita e que, quando
o movimento define Israel como um estado de apartheid, é em si, um
movimento antissemita.
Pedro Charbel, ex-coordenador do Comitê Nacional BDS para a
América Latina e responsável por coordenar campanhas e estabelecer
ligações com os movimentos sociais da região e nos Territórios
Ocupados, afirma que
a sociedade civil brasileira e, em geral, os movimentos
sociais e partidos políticos de esquerda sempre estiveram
ligados à questão palestina porque, na América Latina, nós

199
Sayid Marcos Tenório

entendemos bem o que significa colonização, estado de


exceção, abusos do Estado, militarismo, e limpeza étnica
de população nativa. Assim, temos ligações ontológicas e
históricas com a luta palestina143.

Charbel acredita que o sucesso do movimento BDS na Europa


e nos Estados Unidos fez com que empresas ligadas a Israel venham
perdendo contratos e com isso migrando seus negócios para a América
Latina, principalmente para o Brasil, que está se tornando um grande
comprador de armamento e equipamentos de segurança israelenses,
figurando como o 5º maior comprador de armamentos israelenses em
todo o mundo.
Ele cita o exemplo da ISDS, uma empresa israelense que
treina o BOPE do estado do Rio de Janeiro e outros, negócios que
serão incrementados nos governos do presidente Jair Bolsonaro e do
governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel, dois governantes de
direita que se declararam fãs dos equipamentos e técnicas de Israel
no “combate ao crime”. O que eles não dizem é que essa “eficiência”
se desenvolve a partir da tragédia e da violação dos direitos humanos
dos palestinos. Além disso, os governos estaduais do Rio de Janeiro
e São Paulo fazem elevados investimentos na aquisição de blindados
israelenses e treinamento de suas polícias militar e civil, para usarem
seus métodos na violência e genocídio da população negra e pobre das
periferias.
Entre as vitórias recentes do movimento BDS, destacamos gol
de placa contra a ocupação e a colonização sionistas que significou
o cancelamento do amistoso que estava marcado para 9 de junho de
2018 entre as seleções da Argentina e Israel, em Jerusalém. Ainda na
área esportiva, mais de 130 clubes esportivos palestinos apelaram e
foram atendidos pela Adidas, que deixou de patrocinar a Associação
de Futebol de Israel (IFA), que sedia equipes em assentamentos ilegais
construídos em terras roubadas da Palestina.

143 LAK, Leila. O BDS no Brasil, 2016. Disponível em: https://www.revistadiaspora.


org/2016/05/18/16143/.

200
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Além disso, o boicote cultural tem repercutido fortemente em


apoio aos direitos humanos do povo palestino, merecendo destaque
o cancelamento do show, em Tel Aviv, do cantor brasileiro Gilberto
Gil, atitude também adotada pela pop star Shakira; 11 artistas e
diretores, inclusive brasileiros, cancelaram sua participação no Festival
Internacional de Cinema LGBT de Tel Aviv; dezenas de bandas inglesas
se juntaram ao boicote cultural a Israel e quatro artistas se recusaram
a participar do Festival de Música Pop-Kultur patrocinado pela
embaixada israelense em Berlim. Igual postura assumiu o dramaturgo
português Tiago Rodrigues, diretor do teatro Nacional de Portugal,
que rompeu com o Festival Israel em Jerusalém e passou a apoiar o
boicote cultural. O lendário cineasta franco-suíço Jean Luc Godard
e outros 80 artistas se recusaram a participar da Temporada Cultural
França-Israel, que seria aberta pelo criminoso de guerra Benjamin
Netanyahu, no Grand Palais de Paris.
Merece destaque o esforço de diversos Governos e membros do
Parlamento e partidos políticos em vários países que trabalham para
impor um embargo militar a Israel, como foi feito contra a África do Sul
em relação ao apartheid. Outros procuram revisar ou parar as vendas
de armas e treinamento com os militares israelenses. A Internacional
Socialista, uma associação de 140 partidos políticos de todo o mundo,
incluindo 35 partidos no governo, adota o BDS e pede um embargo
militar a Israel até que o estado sionista termine suas violações dos
direitos palestinos e do sistema de apartheid nos territórios ocupados.

201
Sayid Marcos Tenório

5.8 A Flotilha da Liberdade

O movimento Free Gaza, também conhecido como Flotilha da


Liberdade, é formado por um conjunto de ONGs e outros movimentos
de solidariedade ao povo palestino, visando ao rompimento do
bloqueio criminoso e ilegal à Faixa de Gaza, imposto pelo regime
segregacionista de Israel e pelo Egito, a partir de 2007, quando o
Hamas venceu as eleições palestinas. Desde 2008, o Free Gaza realiza
incursões na região visando a chamar a atenção da comunidade
internacional para o bloqueio e, por não reconhecer a legalidade do
bloqueio, a organização não pede permissão para entrar no território
palestino ocupado e interditado por Israel.
O movimento diz em suas manifestações que o mar é um dos
caminhos que nos leva a Gaza e, por esta razão, as ações realizadas
pela Flotilha da Liberdade têm como objetivo romper e denunciar o
bloqueio ilegal das águas territoriais palestinas por parte de Israel.
Suas ações são pacíficas, emergentes e dirigidas de e para a sociedade
civil, exigindo respeito pelos direitos humanos do povo palestino.
No entanto, em 30 de dezembro de 2008, durante sua sexta
missão, eles foram atacados pelas forças militares israelenses em águas
internacionais a 90 milhas da costa, impedindo que a população de
Gaza recebesse mais de três toneladas de suprimentos médicos. O navio
conseguiu chegar sem vítimas a um porto no Líbano. Na madrugada do
dia 31 maio de 2010, porém, a Flotilha da Liberdade, organizada pela

202
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

ONG turca Fundação para os Direitos Humanos, Liberdades e Ajuda


Humanitária (IHH pela sigla em inglês), navegava em sua primeira
campanha em direção à costa de Gaza, com doze barcos, 750 ativistas
de vários países e 10 mil toneladas de ajuda humanitária, quando o
mundo testemunhou o covarde ataque terrorista da Marinha de Israel
ao navio Mavi Marmara e o assassinato de dez ativistas de campanha.
A cineasta brasileira Iara Lee encontrava-se a bordo de um dos barcos,
mas não chegou a ser atingida pelo ataque terrorista de Israel contra a
Flotilha. Ela contou que o barco foi cercado por 17 barcos de borracha
da marinha sionista e em seguida vieram os helicópteros. Ela relatou
em entrevista ao Jornal GGN que
na hora que subi [ao convés], comecei a ver mortos e feridos.
Não achei meu cinegrafista. Estava super agoniada. Só
consegui vê-lo quando começaram a algemar todo mundo.
Quando você vê algo que não está acostumado, seu corpo
reage. Eu estava prestes a vomitar. Era tanto sangue na
minha frente, tanta carnificina. Nunca tinha visto isso na
minha vida. Eu morava em Beirute, em 2006. Tive a trágica
experiência de presenciar os bombardeios israelenses no
Líbano. Eles sempre conseguem te surpreender. As bombas
de fragmentação no Líbano, as bombas de fósforo branco em
Gaza. E, aqui, esses snipers e comandos contra civis do nosso
navio. Os israelenses sempre têm a capacidade surpreendente
de ir além de tudo o que seja ruim. Mas chegará uma hora
que eles terão de confrontar a lei internacional. Não é possível
que eles vão continuar se comportando dessa maneira. Os
israelenses ignoram a lei internacional. Se o mundo inteiro
não fizer pressão, eles continuarão abusando144.

O Governo brasileiro divulgou nota assinada pelo chanceler


Celso Amorim condenando o ataque e convocou o embaixador de
Israel ao Itamaraty para que recebesse a manifestação de indignação
com o ataque e a preocupação com a situação da cidadã brasileira. A
nota do Itamaraty dizia o seguinte:

144 A entrevista completa está disponível em https://jornalggn.com.br/politica/


internacional-politica/a-entrevista-de-iara-lee-sobre-o-ataque-a-flotilha/.

203
Sayid Marcos Tenório

Ataque israelense Flotilha da Liberdade

Com choque e consternação, o Governo brasileiro recebeu a


notícia do ataque israelense a um dos barcos da flotilha que
levava ajuda humanitária internacional à Faixa de Gaza, do
qual resultou a morte de mais de uma dezena de pessoas,
além de ferimentos em outros integrantes.

O Brasil condena, em termos veementes, ação israelense,


uma vez que não há justificativa para intervenção militar
em comboio pacífico, de caráter estritamente humanitário.
O fato agravado por ter ocorrido, segundo as informações
disponíveis, em águas internacionais. O Brasil considera que
o incidente deva ser objeto de investigação independente, que
esclareça plenamente os fatos à luz do Direito Humanitário e
do Direito Internacional como um todo.

Os trágicos resultados da operação militar israelense


denotam, uma vez mais, a necessidade de que seja levantado,
imediatamente, o bloqueio imposto à Faixa de Gaza, com
vistas a garantir a liberdade de locomoção de seus habitantes
e o livre acesso de alimentos, remédios e bens de consumo
àquela região.

Preocupa especialmente ao Governo brasileiro a notícia de


que uma brasileira, Iara Lee, estava numa das embarcações
que compunha a flotilha humanitária. O Ministro Celso
Amorim, ao solidarizar-se com os familiares das vítimas
do ataque, determinou que fossem tomadas providências
imediatas para a localização da cidadã brasileira.

A Representante do Brasil junto a ONU foi instruída a


apoiar a convocação de reunião extraordinária do Conselho
de Segurança das Nações Unidas para discutir a operação
militar israelense.

O Embaixador de Israel no Brasil está sendo chamado


ao Itamaraty para que seja manifestada a indignação do

204
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Governo Brasileiro com o incidente e a preocupação com a


situação da cidadã brasileira145.

Em agosto de 2011, a flotilha contou com doze de navios levando


ajuda humanitária para Gaza, uma ajuda que nunca chegou porque as
autoridades gregas, em conluio com os israelenses, os interceptaram
no Mediterrâneo (fato que também supõe a violação da soberania
nacional de vários países membros da União Europeia). Desta Flotilha,
apenas um navio conseguiu continuar na direção de Gaza, sendo
interceptado mais tarde pelas autoridades sionistas.
Em julho de 2012, a Flotilha partiu da Suécia para Gaza, tendo
sido atacada por comandos israelenses em águas internacionais. O
veleiro Estelle foi fretado na Suécia para navegar das águas nórdicas
para Gaza através dos portos do Báltico, Atlântico, Cantábrico e
Mediterrâneo. O veleiro parou em diferentes portos europeus. Visitou
cinco cidades espanholas: Donostia, Bermeo, Santa Pola, Alicante e St.
Adrià- Barcelona, onde eventos como concertos, palestras, reuniões
políticas, exibições de filmes foram organizados para dar notícias
sobre a situação da Palestina, especialmente em Gaza e seu povo.
Em 2013-2014, a campanha mudou a estratégia, com um projeto
onde a Flotilha partiria da costa de Gaza para o ocidente, com intenção
de romper o bloqueio, uma vez que a proibição imposta militarmente
por Israel não só impede a navegação para Gaza, como também
impede que a população palestina navegue em suas águas territoriais
ou se dirija para outro porto do Mediterrâneo. Aquela iniciativa
foi denominada de “A Arca de Gaza”, com um barco recuperado
por trabalhadores palestinos e voluntários internacionais. Foi algo
inovador, pois além de romper o bloqueio interno, exportava produtos
palestinos para outros portos, transmitindo assim uma mensagem
da capacidade da Palestina de desenvolver sua própria economia,
recuperando sua liberdade de movimento. No entanto, não conseguiu

145 O GLOBO. Leia a íntegra da nota do Itamaraty contra ataque de Israel à frota com
ajuda para Gaza, 2010. Disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/leia-
integra-da-nota-do-itamaraty-contra-ataque-de-israel-frota-com-ajuda-para-
gaza-3000972.

205
Sayid Marcos Tenório

navegar, pois foi alvo de bombardeios israelenses durante os ataques


criminosos de Israel contra Gaza em julho de 2014.
Foi preparada uma nova campanha, desta vez denominada
“Porto Aberto de Gaza”, com três navios levando mais de cinquenta
tripulantes internacionais para Gaza em junho de 2015. Um deles foi
alvo de ações ilegais do exército israelense, que roubou as cargas da
campanha e manteve as pessoas presas na prisão de Giv’on.
Em 2016, treze mulheres, entre elas a ativista pacifista britânica
e Prêmio Nobel da Paz, Mairead Corrigan, juntaram-se na missão
“Mulheres Rumo a Gaza”, e zarparam em 14 setembro do porto de
Barcelona nos veleiros Amal (Esperança) e Zaytouna (Azeitona) em
direção a Gaza. Uma das tripulantes da flotilha era Jaldía Abubakha,
nascida de uma família palestina de Bersebá, que vive há 30 anos em
Madri. O barco Zaytouna foi atacado em águas internacionais no mar
Mediterrâneo e levado para o porto de Ashdod, no norte de Gaza,
onde as ativistas ficaram detidas e o veleiro confiscado.
A coordenadora da campanha Rumo a Gaza para a América
Latina, Alexandra Vega-Rivera, avalia que
enquanto o objetivo central das campanhas é romper o
bloqueio, pensando nele como a ruptura no marco da
chegada dos navios à costa de Gaza, considerando que
habitamos uma realidade que data de uma década de
bloqueio, sempre esperaremos o momento em que avançar
mais milhas alimenta a emoção e a possibilidade de torná-la
efetiva, mesmo sabendo que isso não pode ser provável –
por enquanto. No entanto, como Rumo a Gaza diz: “A coisa
mais importante que a resistência palestina à ocupação nos
ensina é que essa luta é longa e que o que foi alcançado é
apenas olhar para o longo prazo”. [...] A convergência
entre a denúncia do bloqueio por meio da ação direta e a
reivindicação da perspectiva feminista não podia ser tomada
como garantida, mas a campanha Mulheres Rumo a Gaza
mostrou que uma sinergia que superou as expectativas
foi alcançada. As mulheres envolvidas no trabalho que
realizaram este projeto – em terra e no mar – poderiam fazer

206
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

uso de suas formas, criar espaços que permitam a expressão


de sentimentos e estimular o diálogo. Mulheres Rumo a Gaza
foi uma experiência de crescimento, de descoberta de forças
e oportunidades146.

As ações realizadas pela Flotilha da Liberdade são uma eficiente


forma de solidariedade internacional à luta do povo palestino e de
denúncia das atrocidades de Israel, que mantém o bloqueio desumano
e destrutivo de Gaza por mais de uma década. Têm como objetivo
denunciar o bloqueio ilegal israelense das águas territoriais palestinas.
Essas ações são pacíficas, da sociedade civil para a sociedade civil, para
exigir respeito pelos direitos humanos do povo palestino.
Em 2012, um relatório das Nações Unidas alertou sobre o fato de
que Gaza será inabitável em 2020 devido ao bloqueio israelense. Mas
já no final de 2017 as Nações Unidas reconheceram que esse estado
dramático já havia sido atingido.

5.9 Um Dia para o mundo lembrar Jerusalém


Jerusalém foi fundada por volta do ano 3000 a.C., pelos jebuseus,
um subgrupo cananeu, numa das melhores localizações da Palestina,
em um planalto nas montanhas da Judeia entre o Mediterrâneo e o
mar Morto. É uma das cidades mais antiga do mundo e considerada
sagrada pelas três religiões monoteístas: islamismo, cristianismo e
judaísmo. Todas três já governaram a Cidade Santa, uma vez ou outra.
Os judeus dominaram a cidade por 72 anos, nos tempos bíblicos
de Salomão e seu filho Davi. Os cristãos durante cerca de 400 anos
entre os séculos IV e VII e, outra vez, no século XX, quando as tropas
britânicas capturaram Jerusalém em favor dos seus aliados, após o
acordo que desligou a Palestina do Império Otomano turco e ficou
sob a administração do governo britânico por Mandato concedido
pela Liga das Nações, no período de 1922 a 1948. Os muçulmanos,
árabes e turcos governaram a cidade por doze séculos – de 638 a
1917 ininterruptamente – excetuando o período em que a cidade foi

146 VEJA-RIVERA, Alexandra. El mar: un camino hacia la vida. Palestina Soberana,


2018. Disponível em: http://palestinasoberana.info/?p=22619.

207
Sayid Marcos Tenório

a capital do reino latino de Jerusalém, sob o governo do imperador


romano Públio Aelius Adriano, de 73 a 138 d.C.
Fundada no IV milênio A.C., Jerusalém foi destruída pelo
menos duas vezes, sitiada 23 vezes, atacada 52 vezes e capturada e
recapturada outras 44 vezes. As diversas Resoluções das Nações Unidas
e o Direito Internacional não reconhecem a soberania do Estado de
Israel na ocupação de qualquer parte de Jerusalém. Jerusalém é a
capital histórica e milenar da Palestina. Seu status religioso, histórico
e civilizacional é fundamental a árabes, muçulmanos e cristãos e ao
mundo em geral. Os lugares sagrados para muçulmanos e cristãos
pertencem exclusivamente ao povo palestino.
A Resolução 303, de 9 de dezembro de 1949, proclamou a
internacionalização de Jerusalém e a sua administração pela ONU.
Como uma afronta a ONU e à comunidade internacional, dois dias
após a aprovação da Resolução 303 e dando seguimento à sua política
colonialista de transformar Jerusalém numa cidade judia, Israel
declarou Jerusalém sua capital e mudou a sede do governo para lá. Os
judeus destruíram o cemitério islâmico de Mamilah e converteram-no
num parque. Israel construiu um novo cemitério para políticos judeus,
em homenagem ao judeu asquenaze147 Theodor Herzl, bem como um
novo museu e um novo campus da Universidade Hebraica. Também
proibiu a menção à palavra Palestina ou história árabe-islâmica nos
currículos escolares. Os palestinos também sofreram restrição no que
diz respeito ao trabalho, residência e deslocamento.
A Resolução 478 do Conselho de Segurança da ONU, de 20 de
agosto 1980, declarou que a publicação da “Lei Básica de Jerusalém,
Capital de Israel”, pelo parlamento israelense declarando Jerusalém
como capital de Israel foi considerada nula de efeitos por ser uma
violação do Direito Internacional. À época, convidava os Estados
Membros a retirar suas missões diplomáticas da Cidade Santa. A
Resolução também afetava a Quarta Convenção de Genebra, adotada

147 Asquenaze ou asquenazim são os judeus provenientes da Europa Central


e Europa Oriental. O termo provém do termo do hebraico medieval para a
Alemanha, chamado Ashkenaz.

208
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

a 12 de agosto de 1949 pela Conferência Diplomática destinada a


elaborar as Convenções Internacionais para a Proteção das Vítimas
da Guerra. A Convenção entrou em vigor na ordem internacional:
21 de outubro de 1950. Esta mesma resolução convidava os Estados
Membros a retirar suas missões diplomáticas da Cidade Santa.
O Dia Mundial de Al-Quds, nome árabe da cidade milenar de
Jerusalém, foi instituído em 7 de agosto de 1979 pelo líder máximo,
político e espiritual da Revolução patriótica, popular e islâmica do
Irã, o Ayatollah Khomeini148 (1902-1989), e é comemorado na última
sexta-feira do Sagrado mês do Ramadan149, por considerar que a causa
palestina é uma questão internacional, de soberania e de direitos
humanos. O dia de Jerusalém não é um dia exclusivamente voltado
para a causa palestina, mas sim o dia simbólico em que todo oprimido
enfrenta seu opressor. Ele considerava que o desrespeito e as violações
à Jerusalém Histórica equivaleriam ao desrespeito à diversidade e à
tolerância religiosa. A mensagem do Ayatollah Khomeini é transmitida
inicialmente ao chamado mundo islâmico, redigida por ele próprio
nos seguintes termos:
Em nome de Deus, muito clemente e misericordioso,

Ao longo de todos estes anos, tenho advertido os


muçulmanos do perigo do ocupante israelense, que estes
dias têm intensificado seus ataques ferozes sobre irmãos e
irmãs palestinos, e que está a bombardear especialmente as
casas dos combatentes palestinos no sul do Líbano a para
aniquilá-los.

148 Sayyid Ruhollah Musavi Khomeini nasceu em Khomein, em 24 de setembro de


1900, e faleceu em Teerã, em 3 de junho de 1989. Foi uma autoridade religiosa
xiita iraniana, líder político e espiritual da Revolução Iraniana de 1979. Sua
biografia está disponível em http://arresala.org.br/biblioteca/ayatullah-al-
odhma-assayed-ruhollah-khomeini-k-s.
149 Ramadan é o nono mês do calendário lunar islâmico composto por doze
meses de 29 ou 30 dias ao longo de um ano com 354 ou 355 dias, no qual os
muçulmanos praticam o ritual do jejum, o segundo dos cinco pilares do Islã. O
jejum é realizado entre o alvorecer e o pôr do sol, onde não se come, bebe, não
pratica sexo e nem faz uso de outras substâncias, como o fumo.

209
Sayid Marcos Tenório

Peço ao muçulmano comum do mundo e aos governos


islâmicos a se unirem para encurtar o lado do invasor e
os seus apoiadores, e convido a todos os muçulmanos ao
redor do mundo para escolher como “Dia de Al Quds”
na última sexta-feira do mês sagrado Ramadan, que é um
dos dias da Noite do Decreto e pode ser decisivo para a
sorte dos palestinos de proclamarem em manifestações de
solidariedade internacional de muçulmanos em apoio aos
direitos legais do povo palestino. Eu peço a Deus pela vitória
dos muçulmanos sobre aqueles que o negam. Que a paz
esteja com você, a misericórdia de Deus e suas bênçãos.

Ruhollah al-Musawi al-Khomeini, em 7 de agosto de 1979150.

Encontro entre Yasser Arafat e o Ayatollah Khomeini na França, em 1979,


poucos dias antes do regresso de Khomeini ao Irã e o início da Revolução
Islâmica. Disponível em: http://english.khamenei.ir/news/3892/Guess-who-cal-
led-for-the-boycott-of-Israel-in-1967.

150 AVA – Afghan Voice Agency. Disponível em: https://www.avapress.com/fa/


report/12160.

210
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Israel sabe que, do ponto de vista do Direito Internacional, da


Carta das Nações Unidas e das dezenas de Resoluções da Assembleia
Geral e do Conselho de Segurança da ONU, Jerusalém não lhe pertence.
Senão vejamos:
1) Jerusalém é parte integral da Palestina e seus vínculos são
milenares. Judeus jamais dominaram Jerusalém por um tempo
considerável. A insistência de Israel em tornar Jerusalém a “capital
unificada” da ocupação sionista na Palestina viola o Direito
Internacional e as diversas Resoluções da ONU. Como é possível que
um punhado de colonizadores europeus, utilizando uma suposta
razão religiosa, invada, saqueie, mate os verdadeiros donos da terra,
utilizando como justificativa estar ungido pelo mandado divino? Há
seis mil anos a terra pertence ao povo palestino.
2) Desde a Resolução nº 56, de 19 de agosto de 1948, até a
Resolução 2334, de 23 de dezembro de 2016 – que não foi contestada
pelos Estados Unidos, o status internacional de Jerusalém é o de cidade
“ocupada” pelas forças de Israel.
3) Jerusalém é um Patrimônio da Humanidade e a terra em
cujo solo estão os restos mortais de milhares de profetas e lutadores
por justiça. É a terra de Abraão, Moisés e Jesus. Cidade sagrada para
as três principais religiões abraâmicas. Seus quatro bairros acolhem
as comunidades cristã, muçulmana, judia e armênia que habitavam
há séculos a cidade de maneira pacífica e tolerante, até a chegada e
ocupação dos sionistas.
A luta do povo palestino por sua autodeterminação e a
manutenção de Jerusalém como cidade sagrada para todos os povos
e capital da Palestina não é apenas uma questão de ordem política,
mas de ordem religiosa e sagrada para todos os muçulmanos, sejam
sunitas, xiitas ou sufis. A cidade é o terceiro lugar mais sagrado,
depois de Meca e Medina. Conforme já mencionei anteriormente, foi
a primeira quibla, o ponto para o qual os muçulmanos se voltam nas
cinco orações diárias. E para onde o Profeta Mohammad fez a viagem

211
Sayid Marcos Tenório

noturna de Mecca à mesquita sagrada de Al-Aqsa, de onde ascendeu


ao paraíso, até a presença de Deus.
É igualmente sagrada para cristãos, onde está localizada a Igreja
do Santo Sepulcro, local de crucificação e sepultamento do Profeta
Jesus, e de sua ressurreição ao terceiro dia de sua crucificação e morte,
depois de ter sido acusado pela elite judaica de blasfêmia por se declarar
Filho de Deus e sentenciado pelo procurador romano Poncio Pilatos.
O arqueólogo israelense Yuni Mizrahi Rafael Greenberg,
professor de Arqueologia na Universidade de Tel Aviv, afirma151
que não há absolutamente nenhuma prova histórica da dominação
de judeus em Jerusalém no passado, a não ser os registros bíblicos
do Antigo Testamento, de tradução muitas vezes duvidosa, sobre a
deportação dos judeus da cidade e a sua peregrinação no deserto do
Sinai. E vai mais além: não há absolutamente nenhuma prova histórica
ou arqueológica da existência do templo de Salomão, no local onde
Israel diz que se encontrava ou sobre a vitória de Josué, filho de Nun,
na guerra contra os cananeus. “Segundo as hipóteses da maior parte
dos novos arqueólogos e pesquisadores, o glorioso reino unificado
nunca existiu, e o rei Salomão não possuía palácio suficientemente
grande para abrigar suas 700 mulheres e 300 servos”.152 Por outro lado,
no documentário The Bible Unearthend, Finkelstein narra que “O livro
de Josué não é história, mas uma descrição mítica, como no caso dos
patriarcas e do êxodo. Ele narra a formação da nação e, portanto, está
repleto de intervenções divinas, façanhas e milagres”153.
Se, como a arqueologia sugere, as sagas dos patriarcas e do
Êxodo foram lendas compiladas em períodos posteriores,
e se não existe evidência convincente da invasão unificada

151 SAHURIE, Jalil. Padre de la arqueología israelí declara que “No hay pruebas
históricas de la pertenencia de Jerusalén a los judíos ni de la existencia de
un Templo Judío”. ABABIL.ORG, 2018. Disponível em: http://ababil.org/
archives/7028.
152 Sand, p. 219
153 HUMANAE LIBERTAS. E a Bíblia não tinha razão: escavações em Israel
revelam toda a verdade, 22 nov. 2016. Disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=M5uFvlfoRNo.

212
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

de Canaã sob a liderança de Josué, o que fazemos a respeito


das pretensões dos israelitas sobre sua antiga nacionalidade?
Quem eram essas pessoas que traçavam suas tradições em
acontecimentos históricos e religiosos de um longínquo
passado compartilhado? Uma vez mais, a arqueologia pode
oferecer respostas surpreendentes. Escavações em antigas
vilas israelitas, com suas cerâmicas, casas, silos de grãos,
podem nos ajudar a reconstruir o dia-a-dia de suas vidas
e relações culturais. E, surpreendentemente, a arqueologia
revela que o povo que vivia nessas aldeias era formado
de habitantes nativos de Canaã, os quais só aos poucos
desenvolveram a identidade étnica que pôde ser denominada
israelita154.

Conforme relatos bíblicos (Deuteronômio 34:10), o Profeta


Moisés morreu no Monte Nebo, na margem oriental do Mar Morto,
no que é atualmente a Jordânia, de onde do topo tem-se uma vista
limitada do vale do Rio Jordão e a cidade palestina de Jericó. Moisés
morreu sem jamais conseguir chegar à Palestina e sem nunca ter
ordenado a seus seguidores o massacre de outras tribos ou roubar suas
terras, como fazem os israelenses atuais.
Shlomo Sand, em sua obra A invenção do povo judeu (2011),
escreveu que os judeus que habitam a Palestina Ocupada não são
descendentes dos judeus bíblicos, mas, em sua esmagadora maioria,
formada por europeus convertidos ao judaísmo e levados à Palestina
para dar sentido à falácia da “terra sem povo para um povo sem terra”
e justificar o roubo do território palestino. Segundo Sand (2011),
ninguém exilou os judeus da região, a diáspora é essencialmente uma
invenção moderna e a expulsão dos judeus da Palestina simplesmente
nunca aconteceu.
A ideia de regresso do “exílio” à “Terra Prometida”, ainda segundo
Sand, era estranha ao judaísmo antes do nascimento do sionismo. Pelo
contrário, durante 2.000 anos os judeus ficaram longe de Jerusalém
porque a sua religião os proibia de regressar à cidade sagrada até que

154 FINKELSTEIN, Israel; SILBERMAN, Neil Asher. A Bíblia não tinha razão. São
Paulo: A Girafa Editora, 2005. p. 140-141.

213
Sayid Marcos Tenório

o Messias voltasse no “fim dos tempos”, para que pudessem retornar


para a Eretz Israel. Conforme Pappé (2016), essa tradição e a religião
judaica orientavam que eles regressariam como um povo soberano
em uma teocracia judaica, isto é, como os servos obedientes de Deus,
razão pela qual diversas correntes de judeus ultraortodoxos hoje serem
antissionistas ou não sionistas.
Informações arqueológicas têm sido falsificadas em benefício
do ocupante. Mesmo depois de anos de buscas incessantes, Israel não
tem como demonstrar nenhuma prova da posse da Cidade Santa pelos
judeus no passado. Não se tem evidência de nenhum objeto onde
esteja escrito “Bem-vindo ao palácio de Davi”, como tem afirmado
a organização direitista Al-Aad, que desenvolveu pesquisas sobre
o assunto ao custo de milhares de dólares, sem que as conclusões e
provas tenham sido apresentadas até hoje.
Sand, no livro A invenção do povo judeu, afirma que
foi depois da guerra de 1967 que arqueólogos e pesquisadores
começaram a duvidar da própria existência desse imenso
reino, que, segundo a Bíblia, se desenvolveu rapidamente
até o fim do período dos juízes. As escavações realizadas em
Jerusalém nos anos 1970, ou seja, depois que ela foi “unificada
para a eternidade” pelo governo israelense, eram incômodas
para a gloriosa representação do passado. Foi evidentemente
impossível escavar sob a esplanada da mesquita de Al-Aqsa,
mas, de qualquer forma, não foram encontrados vestígios da
existência de um reino importante no século X a.C., suposta
época de Davi e Salomão, em nenhum dos canteiros abertos
nas proximidades; nenhum testemunho de uma construção
monumental, nem muralha, nem palácios magníficos, e
havia, de maneira surpreendente, poucas cerâmicas, e as
encontradas eram de um estilo extremamente despojado.
Arqueólogos inicialmente levantaram a hipótese de que os
vestígios desse período teriam sido apagados pelas épocas
posteriores, assim como pelas inúmeras construções do
período de Herodes, mas, infelizmente, descobriram-se em
Jerusalém vestígios impressionantes de séculos anteriores.
[...]

214
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

O desenvolvimento da tecnologia de datação pelo carbono


14 confirmou a dolorosa conclusão [que] de fato, não existe
nenhum vestígio da existência desse reino lendário cuja
riqueza a Bíblia descreve em termos que quase igualam os
poderosos reis da Babilônia ou da Pérsia155.

Desde a vitória de Israel no massacre dos seis dias, em 1967, os


sionistas vêm se apressando em executar um processo de judaização
completa da Palestina. Esse processo se dá em todos os campos, como
o militar, administrativo, legislativo (como a Lei do Estado-Nação
aprovada pelo Knesset em 2018), demográfico, religioso e histórico
(como a destruição do cemitério islâmico Mamilah, localizado a
oeste das muralhas da cidade velha de Jerusalém e convertido num
parque pelos ocupantes). O objetivo final é a completa desenraização
e destruição da Palestina.
O povo palestino tem o direito legítimo, garantido pela lei
divina e pelas normas e leis internacionais, de resistir à ocupação,
ao apartheid e à limpeza ética, com todas as medidas e métodos. É
um ato de autodefesa e uma expressão do direito natural de todos os
povos à autodeterminação. A libertação da Palestina é o tema que tem
a maior dimensão internacional, humanitária e civilizacional. É uma
necessidade da afirmação e do cumprimento do Direito Internacional,
da verdade e justiça. O respeito à justiça exige que se cumpra com o
direito ao Estado palestino totalmente soberano e independente, com
Jerusalém como sua capital ao longo das fronteiras de 4 de junho de
1967, com o retorno dos refugiados e deslocados de seus lares dos
quais eles foram expulsos.
O escritor uruguaio Eduardo Galeano escreveu, no artigo Pouca
Palestina resta. Pouco a pouco, Israel está apagando-a do mapa, que
os colonos invadem, e, depois deles, os soldados vão
corrigindo a fronteira. As balas sacralizam o despojo, em
legítima defesa. Não há guerra agressiva que não diga ser
guerra defensiva. Hitler invadiu a Polônia para evitar que a

155 SAND, Shlomo. A invenção do povo judeu: da Bíblia ao sionismo. São Paulo:
Benvirá, 2011. p. 216-217.

215
Sayid Marcos Tenório

Polônia invadisse a Alemanha. Bush invadiu o Iraque para


evitar que o Iraque invadisse o mundo. Em cada uma das suas
guerras defensivas, Israel engoliu outro pedaço da Palestina,
e os almoços continuam. O repasto justifica-se pelos títulos
de propriedade que a Bíblia outorgou, pelos dois mil anos de
perseguição que o povo judeu sofreu, e pelo pânico que geram
[n]os palestinos à espreita. Israel é o país que jamais cumpre
as recomendações nem as resoluções das Nações Unidas, o
que nunca acata as sentenças dos tribunais internacionais,
o que escarnece das leis internacionais, e é também o único
país que tem legalizado a tortura de prisioneiros156.

Ele questiona quem deu a Israel o direito de negar todos os


direitos? E lembra algumas ações que não ficaram impunes, como a da
Espanha quando bombardeou ao País Basco para acabar com o ETA; ou
a do governo britânico, quando tentou arrasar a Irlanda para liquidar
o IRA. “Por acaso a tragédia do holocausto implica uma apólice de
eterna impunidade? Ou essa luz verde provém da potência manda-
chuva que tem em Israel o mais incondicional de seus vassalos?”157.
Sob o pretexto de que as decisões das várias instâncias da
ONU são “anti-israelenses” e que existe uma perseguição à “única
democracia do Oriente Médio”, Israel não cumpre as resoluções que
a obrigam a respeitar o Direito Internacional. Tradicionalmente, os
Estados Unidos protegem o Estado de Israel de decisões condenatórias,
já tendo vetado mais de 40 resoluções do Conselho de Segurança da
ONU críticas às políticas israelenses, algumas das quais redigidas
por seus próprios aliados europeus. Recordemos que, dos 15 países
do Conselho de Segurança das Nações Unidas, apenas os 5 membros
permanentes, China, França, Reino Unido, Rússia e Estados Unidos
têm a possibilidade de vetar.

156 GALEANO, Eduardo. “Pouca Palestina resta. Pouco a pouco, Israel está
apagando-a do mapa”. Brasil de Fato. Disponível em: https://www.brasildefato.
com.br/node/29245/
157 Disponível em: http://old.operamundi.com.br/dialogosdosul/gaza-por-
eduardo-galeano-2/15042015/

216
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Em 2016, no final do governo do presidente Barack Obama, os


Estados Unidos adotaram a atitude inédita de se abster no Conselho de
Segurança na votação da Resolução que condenava mais uma vez Israel
pela expansão dos assentamentos judaicos em território palestino. A
representante dos Estados Unidos na ONU, Samantha Power, disse, na
ocasião, que a resolução reflete o “fato concreto” de que crescimento
dos assentamentos tem se acelerado e que “a expansão israelense não
é compatível com uma solução viável do conflito que compreenda a
existência concomitante de um Estado judeu e de outro palestino”158.
Desde a Resolução 181, de 28 de novembro de 1947, da
Assembleia Geral concernente ao plano de partilha da Palestina, ao
futuro governo da Palestina e à internacionalização da Jerusalém, o
estado sionista descumpre, entre outras, as seguintes Resoluções do
Conselho de Segurança:
- Resolução 267, de 3 de julho de 1969, pedindo mais uma vez a
Israel para rescindir todas as medias alterando o status de Jerusalém.
Sobre o mesmo tema ainda foram aprovadas as resoluções 271, de 15
de setembro de 1969, e 298, de 25 de setembro de 1971;
- Resolução 446, de 1979, que sublinhou que os assentamentos e
a transferência da população israelense dos territórios palestinos são
ilegais;
- Resolução 452, de 20 de julho de 1979, pedindo às autoridades
de ocupação o congelamento das atividades de assentamento nos
territórios árabes ocupados, incluindo Jerusalém, e não reconhecer a
anexação;
- Resolução 465, de 1 de março de 1980, pedindo a Israel para
desmontar as colônias nos territórios árabes ocupados, incluindo
Jerusalém, e para pôr fim ao planejamento e à construção de tais
colônias;

158 Folha de S. Paulo. EUA se abstêm e ONU aprova fim de novos assentamentos
na Palestina, 2016. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/
mundo/2016/12/1844105-eua-se-abstem-e-onu-aprova-fim-de-novos-
assentamentos-na-palestina.shtml.

217
Sayid Marcos Tenório

- Resolução 476, de 30 de junho de 1980, declarando nulas e vazias


as medidas adotadas por Israel para mudar o caráter de Jerusalém;
- Resolução 478, de 20 de agosto de 1980, decidindo não
reconhecer a “Lei Básica” sobre Jerusalém e outras ações similares de
Israel que procuraram alterar o caráter e o status da cidade e convocando
os estados a retirarem suas missões diplomáticas de Jerusalém; e
- Resolução 465, de 1 de março de 1980, pedindo a Israel para
desmantelar colônias nos territórios palestinos ocupados, e para pôr
fim ao planejamento e construção de colônias.
E as Resoluções da Assembleia Geral:
- Resolução 194 (III), de 11 de dezembro de 1948, criando uma
Comissão de Conciliação da ONU, decidindo que Jerusalém deve ser
colocada sob um regime internacional, e decidindo que os refugiados
devem ter permissão para retornar;
- Resolução 303 (IV), de 9 de dezembro de 1949, reiterando
a intenção de que Jerusalém deva ser colocada sob um regime
internacional permanente;
- Resolução 114, de 20 de dezembro de 1949, pedindo que
Israel revogue a transferência para Jerusalém de alguns ministérios e
departamentos;
- Resolução 2253 (ES-V), de 4 de julho de 1967, pedindo que
Israel revogue e desista de medidas que mudem o status de Jerusalém.
Noventa membros adotaram, 20 se abstiveram. Israel não participou
das discussões ou da votação.
- Resolução 2254 (ES-V), de 14 de julho de 1967, que condenou
o fracasso de Israel em aplicar a resolução anterior e pediu a Israel que
cancelasse todas as atividades no leste de Jerusalém e, especialmente,
que não mudasse as características da cidade;
- Resolução 250, de 27 de abril de 1968, que pediu a Israel que
não realizasse uma parada militar em Jerusalém;

218
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

- Resolução 251, de 2 de maio de 1968, que condenou a realização


da parada militar em Jerusalém;
- Resolução 252, de 21 de maio de 1968, que pediu a Israel que
cancelasse todas as atividades em Jerusalém e condenou a ocupação
de qualquer terra por meio de agressão armada. Também considerou
todas essas atividades ilegais e insistiu que a situação na cidade
permanecesse como estava;
- Resolução 267, de 3 de julho de 1969, que confirmou a resolução
252;
- Resolução 271, de 15 de setembro de 1969, que pediu a Israel
que protegesse a mesquita de al-Aqsa e cancelasse todas as atividades
que pudessem mudar as suas características.
- Resolução 298, de 25 de setembro de 1971, onde foi lamentada
a indiferença israelense em relação às leis e resoluções internacionais
relativas a Jerusalém. A Resolução confirmou que todos os
procedimentos administrativos e legislativos tomados por Israel na
cidade, como transferência de propriedade e confisco de terras, eram
ilegais, além de confirmar que não deveriam ser realizadas mais
atividades que pudessem mudar as características da cidade ou a
demografia.
- Resolução 2851, de 20 de dezembro de 1971, pedindo
energicamente a Israel para rescindir todas as medidas para anexar e/
ou estabelecer colônias nos territórios ocupados e pedindo ao Comitê
Especial para continuar seu trabalho;
- Resoluções 31/106 A e C, de 16 de dezembro de 1976, Resolução
32, de 28 de outubro de 1977, condenando as práticas israelenses que
atingem direitos nos territórios ocupados e condenando as medidas
para mudar o status de Jerusalém;
- Resolução 32, de 28 de outubro de 1977, condenando as
práticas israelenses que atingem direitos nos territórios ocupados
e condenando as medidas para mudar o status legal, a natureza

219
Sayid Marcos Tenório

geográfica e a composição demográfica dos territórios ocupados,


incluindo Jerusalém;
- Resolução 32/91 A e C, de 13 de dezembro de 1977, reafirmando
a aplicabilidade da Convenção de Genebra de 12 de agosto de 1949, e
condenando as políticas e práticas israelenses nos territórios ocupados,
incluindo Jerusalém;
- Resolução 32/113 A, B e C, de 18 de dezembro de 1978,
reafirmando a nulidade de todas as medidas adotadas por Israel em
Jerusalém;
- Resolução 34/70, de 6 de dezembro de 1979, declarando que
um acordo justo e duradouro deve ser baseado na consecução pelo
povo palestino de seus inalienáveis direitos e da retirada israelense de
todos os territórios ocupados, incluindo Jerusalém;
- Resolução ES-7/2 (7ª Sessão de Emergência), de 29 de julho
de 1980, pedindo a Israel para começar a retirada completa em torno
de novembro de 1980 de todos os territórios palestinos e de outros
territórios árabes ocupados desde junho de 1967, incluindo Jerusalém;
- Resolução 36, de 28 de outubro de 1981, pedindo que Israel
suspenda imediatamente todas as escavações e alterações dos sítios
históricos, culturais e religiosos de Jerusalém, particularmente
abaixo e ao redor do santuário sagrado de al-Haram al-Sharif (al-
Masjid al-Aqsa e o sagrado Domo da Rocha), cujas estruturas estão
começando a ruir;
- Resolução 49/87, de 16 de dezembro de 1994, que determina
que a decisão de Israel de impor suas leis a Jerusalém é nula e vazia;
- Resolução 52/22 A, de 4 de dezembro de 1995, afirmando que
as medidas de Israel para mudar o status de Jerusalém são nulas e
vazias;
- Resolução 10/2, de 24 de abril de 1997, condenando ações
ilegais de Israel na Jerusalém Oriental ocupada e no resto do território
palestino ocupado.

220
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

E não para por aqui. O estado sionista e genocida, que pratica


apartheid na Palestina Ocupada, também desrespeita a Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
A seguir, algumas das resoluções e decisões não cumpridas por Israel:
- Resolução 21 C/4.14, de 27 de outubro de 1980, expressando
preocupação ante as mudanças no caráter cultural e religioso da Cidade
Santa de Jerusalém, e convidando os Estados Membros a retirarem
todo o reconhecimento das modificações feitas por Israel para mudar
o caráter e o status de Jerusalém;
- Decisão 114 EX/C.5.4.2, de 1982, condenando as repetidas
recusas de Israel a implementar as resoluções da UNESCO sobre a
cidade de Jerusalém;
- Decisão 116/5.4.1, de 1983, condenando as ações de Israel que
afetam o caráter cultural e religioso de Jerusalém;
- Decisão 120 EX/5.3.1, de 1984, concernente às práticas
anexionistas israelenses afetando o caráter cultural e religioso de
Jerusalém;
- Resolução 23-C11.3, de 8 de novembro de 1985, deplorando os
ataques aos lugares santos do Islam em Jerusalém. Esta Resolução foi
seguida da 24 C.11.6, de 16 de novembro de 1987, reiterando a decisão
anterior;
- Decisão 130 EX/5.4.1, de 8 de novembro de 1988, deplorando
incidentes recentes na ocupada cidade velha de Jerusalém e convidando
o Diretor Geral a enviar representantes para elaborar um relato sobre a
preservação histórica em foco;
- As Resoluções 25-C/3.6, de 15 de novembro de 1989; 135-
EX/5.3.1, de 25 de outubro de 1990 e a 137-EX/5.3.2, de 11 de outubro
de 1991, deploravam com vigor as mudanças feitas por Israel no
patrimônio de Jerusalém e da cidade velha, recomendando uma
minuta de resolução à conferência geral lastimando aquelas mudanças.

221
Sayid Marcos Tenório

E, como não poderia deixar de ser, Israel não respeitou e nem


acolheu nenhuma das resoluções do Conselho de Direitos Humanos
das Nações Unidas (United Nations Human Rights Council – UNHRC),
sucessor da Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos e
parte do corpo de apoio à Assembleia Geral das Nações Unidas. Baseada
em Genebra, sua principal finalidade é aconselhar a Assembleia Geral
sobre situações em que os direitos humanos são violados. Entre as
resoluções violadas por Israel, estão as seguintes:
- Resolução 1 (XXX), de 11 de fevereiro de 1974, condenando
a política de Israel de anexação e transferência de população nos
territórios ocupados, incluindo Jerusalém;
- Resolução 6-A, de 21 de fevereiro de 1975, condenando as
violações por Israel dos diretos humanos nos territórios ocupados e
censurando os atos de Israel em Jerusalém;
- Resolução 1-A (XXXIII), de 15 de fevereiro de 1977, relativa
às violações dos direitos humanos nos territórios ocupados, incluindo
Jerusalém;
- Resolução 1-A (XXXV), de 21 de fevereiro de 1979, condenando
as violações por Israel dos direitos humanos nos territórios ocupados
e reafirmando a aplicabilidade da Convenção de Genebra a esses
territórios, incluindo Jerusalém;
- Resolução 1-A e B (XXXVI), de 13 de fevereiro de 1980,
condenando as violações dos direitos humanos em territórios
ocupados, incluindo Jerusalém.
A questão do status de Jerusalém não será resolvida sem que
todos os direitos de árabes e judeus sejam reconhecidos no espírito que
norteou a Cidade Santa durante toda sua existência. O reconhecimento
dos direitos coletivos de apenas uma população, os judeus israelenses,
é uma injustiça indefensável, em todos os sentidos. Tentar expulsar a
presença árabe que já dominou Jerusalém por 1300 anos é uma afronta
aos palestinos, à humanidade e ao legado milenar da Cidade Santa,

222
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

contra o qual anualmente milhões de pessoas se mobilizam em todos


os cantos para declarar a sua solidariedade a Jerusalém.
Anualmente, nas principais cidades do mundo, milhares de
pessoas acorrem às ruas para denunciar os crimes e o apartheid de
Israel e suas violações contra a cidade milenar e sagrada de Jerusalém.

A Câmara dos Deputados realiza Sessão Solene destinada a comemorar o


Dia Mundial de Al-Quds - Jerusalém, em 14 de junho de 2018. Da esquerda
para a direita, Ualid Rabah, representante da Fepal, Sayid Marcos Tenório,
representante do CEBRAPAZ, Seyed Ali Sagheyan, embaixador da República
Islâmica do Irã, deputado Evandro Roman (PSD-PR), presidente da Sessão,
Ibrahim Al-Zebem, embaixador do Estado da Palestina e Ahmed Shehada,
presidente do Instituto Brasil-Palestina - IBRASPAL. Foto: acervo do autor.

223
Sayid Marcos Tenório

5.10 O movimento de solidariedade no Brasil


A primeira entidade árabe-palestina criada no Brasil, em
1980, foi a Federação das Entidades Árabe-Palestinas (FEAPB), hoje
denominada Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal), que foi
presidida por Elayyan Taher Aladdin, eleito no congresso da entidade
em 2007. A entidade ficou doze anos sem realizar congressos, eleições
ou prestação de contas, conforme previsto no seu estatuto, o que gerou
várias manifestações de insatisfação na comunidade árabe-palestina,
como veremos mais adiante.
As primeiras manifestações públicas de apoio e solidariedade
com o povo palestino ocorreram em 1982, durante a invasão israelense
ao Líbano, onde os sionistas promoveram um verdadeiro massacre
contra populações palestinas e libanesas, quando o mundo assistiu
por meio da TV aos horrores praticados pelo exército israelense. A
agressão israelense durou 70 dias e deixou um saldo de 30 mil mortos
e milhares de feridos.
Após a retirada dos combatentes palestinos, fascistas da milícia
maronita Falange, liderada por Elie Hobeika e apoiada pelo exército
sionista que controlava a capital Beirute, executaram mais de três
mil civis nos campos de refugiados de Sabra e Shatila , em ataques
perpetrados entre 16 e 18 de setembro de 1982, como retaliação
pelo assassinato do presidente eleito do país e líder falangista Bachir
Gemayel. As cenas do massacre foram novamente mostradas ao
mundo pela TV e causaram grande indignação.
Num contexto de horror e tragédia, a comunidade árabe,
partidos e entidades do movimento social mobilizaram uma grande
manifestação na Avenida Paulista, em São Paulo. Com os gritos de
“OLP estamos com você!” e “Israel assassino do povo palestino!”, o ato
mobilizou cerca de dez mil pessoas para protestar e demonstrar sua
solidariedade com o povo palestino e libanês, vítimas daquela tragédia,
e exigir a criação do estado palestino livre, soberano e democrático.
Motivados pelo momento de grande mobilização e debates sobre
a causa palestina, um grupo de jovens de descendência palestina, síria

224
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

e libanesa, entre eles Lâmia Maruf, fundou a primeira entidade de


solidariedade, a Associação Cultural Sanaud, em 1982, que passou a
funcionar na rua Senador Queirós, no centro de São Paulo. Depois
disso, foram criadas mais 17 Associações em todo o Brasil. Ainda em
1982, foi criado o Comitê Brasileiro de Solidariedade ao Povo Palestino,
o primeiro movimento organizado da sociedade brasileira em apoio à
causa palestina, que contou com a participação de representantes de
entidades nacionais e de partidos políticos.
Conforme mencionei anteriormente, o movimento social
brasileiro desenvolveu inúmeras atividades e merece destaque, como
a massiva campanha pela libertação da brasileira Lâmia Maruf, presa
em Israel e libertada após 11 anos nos cárceres sionistas. Ela retornou
livre ao Brasil 13 em fevereiro de 1997 no voo 359 da Varig.
Em 1984 a Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou a
primeira Lei estadual criando o Dia Nacional de Solidariedade ao Povo
Palestino, cuja iniciativa foi do deputado estadual do PCdoB Benedito
Cintra e sancionada pelo governador Franco Montoro. Ainda no ano
de 1984, o Brasil sediou o Congresso de Fundação da Confederação
Palestina para América Latina e Caribe (COPLAC), que contou com
a presença da comunidade árabe-palestina e autoridades nacionais
e internacionais. Houve também a inauguração da praça Estado
da Palestina pela prefeita de São Paulo Luiza Erundina, que não se
submeteu às pressões e manteve a homenagem e o seu compromisso
de solidariedade com o povo palestino.
O Comitê participou ativamente dos preparativos à visita do
presidente palestino Yasser Arafat ao Brasil, em setembro de 1995,
quando fez uma calorosa recepção e homenagem ao líder palestino no
hotel Carlton, onde se hospedou, em Brasília.
Em 29 de agosto de 1991 foi criado o Comitê pelo Estado da
Palestina, destinado a apoiar e desenvolver campanhas pela aprovação
da admissão do estado da Palestina como Estado membro permanente
das Nações Unidas, como os demais 193 países que compõem a
Assembleia Geral da ONU.

225
Sayid Marcos Tenório

O primeiro Encontro Nacional de Solidariedade ao Povo


Palestino veio a se realizar de 25 a 27 de novembro de 2011, na cidade
de Guararema, no interior paulista, tendo como anfitrião o Movimento
dos Trabalhadores Sem-Terra (MST). Nele foram debatidos temas
relacionados à solidariedade, à luta do povo palestino, como o BDS.
Ao longo dos anos seguintes, várias atividades em várias cidades
brasileiras foram realizadas para marcar o Dia da Terra, comemorado
em 30 de março como marco dos acontecimentos daquela data em
1976, quando as autoridades israelenses anunciaram a expropriação
de grandes extensões de terras palestinas por “motivos de segurança”
e para a construção de colônias judaicas. Naquele dia, uma greve
geral e grandes manifestações de protesto sacudiram as localidades
palestinas em território do Estado de Israel. Na repressão sangrenta
que se seguiu, seis palestinos foram mortos pelas autoridades de Israel
e centenas foram presos ou feridos. Desde então, o dia 30 de março
ficou conhecido como o Dia da Terra, uma data que simboliza a luta
do povo palestino pelo direito aos seus lares, às suas terras de cultivo,
à sua Pátria.
Outra data marcada por manifestações é o 29 de novembro, data
que a Assembleia Geral da ONU decidiu para partilha, dando início
à Nakba, a tragédia do povo palestino. E, como já mencionamos no
subtítulo anterior, na última sexta-feira do mês sagrado do Ramadã,
comemora-se o Dia Mundial de Al-Quds.
A Fepal realizou finalmente o seu 10º Congresso em abril de
2019, marcando os 125 anos da imigração palestina e os 40 anos de
fundação da entidade. Durante três dias, delegados de todas as regiões
do país foram a Porto Alegre debater uma extensa pauta, com temas
tais como Questão palestina: legitimidade, legalidade e justiça; Os 125
anos da imigração palestina no Brasil e os 40 anos da Fepal; A mulher
na resistência palestina; Saúde para além dos muros; Sanaud no século
XXI: um novo tempo é possível? e Gênero e saúde sob a ocupação
israelense. O congresso contou com a presença do diretor-geral do
Departamento de Expatriados da Organização para a Libertação da
palestina (OLP), Hussein Abdelhaliq.

226
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Diversos grupos palestinos reclamaram que o congresso da


Fepal não representava e nem reunia o conjunto das forças políticas
e organizações palestinas em atividade no Brasil, mas que era uma
reunião de partidários do Al-Fatah, patrocinado pela Autoridade
Palestina, e que usavam o nome da comunidade em benefício de
seu projeto político. Movimentos como a Frente em defesa do Povo
Palestino, o BDS Brasil e o Al Janiah divulgaram um manifesto159 onde
denunciavam que a entidade carecia de legitimidade para convocar
um congresso em nome de toda comunidade.
Diversas outras entidades representativas da comunidade
palestina brasileira, como a União Democrática das Entidades Palestinas
do Brasil, Comitê Santa-Mariense de Solidariedade ao Povo Palestino,
Sociedade Árabe Palestina Brasileira de Brasília, Centro Cultural
Árabe Palestino do Mato Grosso do Sul, Sociedade Árabe Palestino
Brasileira de Santa Maria, Instituto Brasil-Palestina, Comunidade
Palestina de Porto Alegre, Comitês da Palestina Democrática, Comitê
de Solidariedade à Luta do Povo Palestino – Rio de Janeiro, Comitê
Catarinense de Solidariedade com o Povo Palestino, Centro Cultural
Árabe de Porto Alegre, entre outras, se manifestaram alegando que o
último congresso da Fepal havia sido realizado há doze anos, quando o
estatuto determina que deva ser a cada quatro. “Em razão disso”, dizia
a nota, “é perfeitamente possível concluir que a atual diretoria carece
de legitimidade, semelhante à ANP”. Na mesma nota denunciavam
que as lideranças da Fepal, de maneira unilateral, decidiram data,
local e programação, bem como a forma de escolha dos delegados.
E defendiam o direito de todas as organizações participarem de um
grande diálogo prévio para a tomada de decisões de maneira coletiva
e não mais da maneira hegemônica adotada pela Fepal.
Segundo as entidades, é primordial o direito de todas as
organizações participarem de um diálogo, pois todas têm o direito de
participar da tomada de decisões em nível de igualdade com todas
as entidades. “Não é mais possível tolerar uma conduta política

159 Disponível em: https://www.facebook.com/soraya.misleh/posts/10157741799


697871.

227
Sayid Marcos Tenório

autoritária onde as demais entidades tenham que submeter-se, sem


ponderações, às posições hegemônicas defendidas pela Fepal”.
O Congresso concluiu com a eleição de sua nova diretoria, que
tem como presidente brasileiro-palestino Ualid Rabah, um advogado
de 52 anos, natural de Toledo-PR, cuja origem vem da cidade palestina
de Kobar, por parte do seu pai, e de Arura, por parte de sua mãe.
Ambas as cidades estão localizadas na Cisjordânia ocupada, na região
de Ramallah. Ualid se comprometeu no discurso de posse a trabalhar
pela integração das sociedades e associações representativas dos
palestinos no Brasil.

5.11 Fórum Social Mundial Palestina Livre em Porto


Alegre

Logomarca do Fórum Social Mundial Palestina Livre,


de autoria do cartunista Carlos Latuff.

228
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Exatamente 65 anos depois de o Brasil ter presidido a sessão


da Assembleia da ONU que definiu a partilha da Palestina, a cidade
brasileira de Porto Alegre abrigou o maior evento de solidariedade à
Palestina até então. Entre os dias 28-11 e 1º-12, ativistas e lutadores
pela causa palestina oriundos de 36 países foram à capital gaúcha para
manifestar no Fórum Social Mundial Palestina Livre (FSMPL) sua
determinação de intensificar a luta pelo Estado livre e soberano do
povo palestino e contribuir com a justiça e a paz na região.
O FSMPL teve início poucos dias após o brutal ataque sionista
criminoso e genocida à Faixa de Gaza, por meio da chamada “Operação
Pilar Defensivo”, que durou entre os dias 14 e 21 de novembro de 2012,
e chocou o mundo com as brutais imagens de crianças palestinas
mortas pela aviação israelense, em mais uma demonstração da guerra
assimétrica conduzida por Israel contra a população palestina de Gaza.
Os organizadores do FSMPL definiram como objetivos mostrar
a força da solidariedade com o povo palestino e a diversidade de
iniciativas e ações destinadas a promover a justiça e a paz na região;
criar ações efetivas para garantir a autodeterminação palestina, a
criação de um Estado palestino tendo Jerusalém como sua capital e do
cumprimento dos direitos humanos e do Direito Internacional, com
as seguintes ações: a) o fim da ocupação israelense e da colonização
ilegal de todas as terras árabes e a destruição do Muro; b) garantia
dos direitos fundamentais dos cidadãos árabe-palestinos de Israel a
fim de gozar igualdade plena; c) Implementação, proteção e promoção
dos direitos dos refugiados palestinos de regressar às suas casas e
propriedades como estipulado na Resolução 194 da ONU. E ser
um espaço de discussão, troca de ideias, estratégia e planejamento,
visando à melhoria da estrutura de solidariedade. O FSMPL contou
com a participação de cerca de 3 mil pessoas, representando mais
de 300 organizações dos 36 países dos cinco continentes presentes.
Foram realizadas 158 atividades autogestionadas promovidas por
organizações de 21 países.
A abertura foi em 29 de novembro, Dia Internacional de
Solidariedade ao Povo Palestino, onde uma marcha com cerca de

229
Sayid Marcos Tenório

dez mil pessoas carregando faixas, cartazes, bandeiras e símbolos


para denunciar a violência sofrida pelos palestinos partiu do secular
Mercado Municipal em direção à Usina do Gasômetro, às margens do
lago Guaíba160.
O público presente era formado basicamente por integrantes
de Comitês de Solidariedade vindos de várias partes do planeta,
movimentos que organizam, junto com movimentos sociais e partidos
políticos, principalmente de esquerda, ações concretas de solidariedade,
manifestações, campanhas pela libertação dos presos políticos, a
campanha global Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), cujo
objetivo é atingir empresas que se beneficiam da ocupação ilegal dos
territórios e da exploração de seus recursos hídricos, da expansão do
muro que transforma em concreto o regime de apartheid, da produção
de armas, entre outros produtos da violação, contra a existência do
Muro do Apartheid, construído por Israel em terras palestinas para
promover a separação e aumentar a repressão às organizações sociais
e populares, contra a demolição de casas palestinas em Jerusalém
Oriental, em defesa dos refugiados palestinos que estão espalhados
por todo o mundo, entre outras.
Enquanto os ativistas marchavam em Porto Alegre, naquele
mesmo momento, distante 8,2 mil quilômetros, em Nova York, o
presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud
Abbas, solicitava na Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) o
reconhecimento do Estado palestino. Por 138 votos favoráveis, nove
votos contra e 41 abstenções, as nações concederam à Palestina o status
de Estado observador. Ainda que o reconhecimento tenha sido mais
simbólico do que com reais efeitos práticos e, por isso mesmo, não seja
plenamente satisfatório, muitos ativistas, ao saberem da aprovação
pela ONU, subiram no caminhão de som para saudar a decisão em
seus discursos em árabe, português, inglês, espanhol – eram muitas as
línguas que traziam a mesma mensagem: a Palestina tem que ser livre,
e os palestinos, soberanos em seu território.

160 Veja vídeo da marcha disponível em https://www.youtube.com/watch?v=ID_


b62yfpQQ.

230
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Palestinos e ativistas no mundo inteiro ainda comemoravam


a decisão da ONU quando Israel mostrou sua insatisfação com o
resultado da votação. Em represália, o governo sionista anunciou
a construção de três mil casas para colonos judeus em territórios
ocupados da Cisjordânia e em Jerusalém oriental. Em seguida, o
ministro das Finanças de Israel, Yuval Steinitz, informava que o país
não iria transferir para os palestinos os fundos arrecadados naquele
mês com impostos, e que o dinheiro seria usado para amortizar da
ANP com a companhia de eletricidade israelense.

Porto Alegre foi palco de uma grande manifestação que reuniu mais de 6 mil
pessoas pelas ruas centrais da cidade para marcar a abertura do Fórum Social
Mundial Palestina Livre. Disponível em: http://sanaud-voltaremos.blogspot.
com/2012/12/balanco-do-forum-social-mundial.html.

Sob o falso argumento de que haveria ataques de “extremistas”


palestinos a propriedades de judeus, o embaixador de Israel no Brasil, o
judeu marroquino Rafael Eldad, e uma comitiva da Federação Israelita
do Rio Grande do Sul (FIRS), presidida pelo sionista Jarbas Milititsky
e representantes de outras organizações sionistas do Brasil, estiveram

231
Sayid Marcos Tenório

com o governador Tarso Genro (PT) para tentar impedir a realização


do Fórum. O objetivo dos líderes sionistas é criminalizar mais uma
vez os palestinos, para pôr uma cortina de fumaça sobre os crimes que
os sucessivos governos de Israel cometeram e continuam cometendo
contra o povo palestino, o povo nativo e semita, que habita aquela
terra há mais de 6 mil anos. O governador não só manteve o apoio
ao Fórum, como esteve presente à sua abertura. Por este motivo foi
duramente atacado pela mídia e por blogueiros ligados aos sionistas.
Os sionistas persuadiram o prefeito de Porto Alegre, José
Fortunati (2010-2016), que retirou o apoio ao Fórum e apenas permitiu
que fosse utilizado o andar térreo da Usina do Gasômetro, o que
limitou bastante as atividades planejadas para aquele local. Igualmente
pressionado, o Ministério Público do Rio Grande do Sul, que cederia
espaços para o FSMPL, retirou seu apoio faltando pouco mais de uma
semana para o início das atividades, alegando não querer se vincular a
um evento que não propõe a paz.
O presidente da Assembleia Legislativa do RS, deputado
Alexandre Postal (MDB), tentou impedir que o FSMPL utilizasse
espaços da ALERGS para a realização de algumas das mais de 100
atividades inscritas no Fórum por organizações dos 36 países
presentes, mas recuou depois da interferência do deputado Raul
Carrion (PCdoB), que fez pronunciamento no Plenário161, ocasião que
se encontravam presentes o embaixador palestino no Brasil, Ibrahim
Alzeben, o ex-ministro de Yasser Arafat na ANP e secretário de Relações
Internacionais do Fatah, Nabil Shaath, acompanhados de mais de cem
representantes de entidades vinculadas ao Fórum, que cobraram dele o
apoio. Depois disso, o presidente reuniu a Mesa Diretora da ALERGS,
que aprovou por unanimidade o apoio ao FSMPL.
Os argumentos dos representantes sionistas são inteiramente
falsos. O mundo inteiro sabe que extremistas da história são os
israelenses, colonos judeus vindos da Eurásia e seus descendentes,
que atacam as propriedades dos palestinos, roubam suas casas, seus

161 Disponível em: http://www2.al.rs.gov.br/raulcarrion/Pronunciamentos/


tabid/1888/Default.aspx

232
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

rebanhos e suas plantações, com apoio dos soldados do exército de


Israel. O que os sionistas buscam por todos os meios é deslegitimar
a causa palestina e seus milhões de apoiadores ao redor do mundo
para justificar os crimes cometidos pelos governos israelenses contra
a população palestina.
A avaliação predominante pelas forças que o promoveram foi
de que o FSMPL obteve um enorme êxito. A unidade obtida entre os
partidos progressistas, centrais sindicais, entidades estudantis, culturais
e populares foi determinante para a obtenção de ações eficazes de
solidariedade ao povo palestino durante o Fórum. Uma das principais
forças que colaboraram para a realização do FSMPL foi o Comitê pelo
Estado da Palestina Já!, integrado por mais de 50 entidades, incluindo
as seis maiores centrais sindicais brasileiras, Federação Árabe Palestina
(FEPAL), Federação de Entidades Árabes Brasileiras (FEARAB), MST,
UNE, UBES, CONAM, CEBRAPAZ, partidos políticos como o PT,
PCdoB, PSB, PPL, entidades de mulheres, negros e da juventude e
estudantes, como a UNE, UBES e UJS.
Apesar dessa avaliação majoritária, o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) divulgou uma nota em que
condenava o fato de o Comitê Brasileiro ter “sequestrado” a direção
do FSMPL e não ter respeitado as decisões prévias adotadas pelo
comitê organizador. Segundo o MST, a organização rompeu o acordo
realizado para a elaboração da declaração final do FSM Palestina Livre
e divulgou um documento que não corresponde ao que havia sido
produzido em acordo com os organizadores do evento.
Na Declaração Final foi definida uma indicação de ação dos
movimentos sociais no próximo período, marcado por uma nova
configuração da luta palestina, em virtude do reconhecimento da
ONU: o boicote econômico (BDS) a Israel, um dos temas centrais do
encontro e das resoluções. Além desses temas, na Declaração Final
foi adotado um tom forte de condenação aos ataques criminosos de
Israel contra a Faixa de Gaza, “que tirou a vida, até o momento, de
167 palestinos, em sua maioria mulheres e crianças”. A Declaração
manifestou o

233
Sayid Marcos Tenório

mais profundo sentimento de solidariedade à resistência


contra a ocupação israelense, reafirmando o compromisso
dos povos do mundo em tornar realidade o reconhecimento
do estado palestino livre e soberano. Recebemos este
reconhecimento pelas Nações Unidas com esperança em um
futuro de paz. Este é um importante passo rumo à reparação
de uma injustiça histórica contra a Palestina e a Humanidade
(Ver Anexo V).

Ronnie Kasrils, um veterano militante da causa antiapartheid e


ex-ministro de Defesa Adjunto de Nelson Mandela até 1994, ministro
de Águas e Florestamento em 1999, ministro da Segurança em 2004
até 2008, nascido em Johanesburgo de pais judeus de origem russa, foi
uma das estrelas do Fórum, onde defendeu que a efetividade do BDS
é maior
quando ele chega no bolso, pois é onde dói, ajudando as
pessoas a abrirem os olhos e potencializar a resolução
desta situação insustentável. Com o boicote e as sanções,
os acadêmicos israelenses que se sentem naturalmente
orgulhosos de suas conquistas repensarão o alto preço pago
pelos palestinos. Se houver boicote de armas e sanções
militares, estará minada a capacidade de agressão de Israel162.

162 Entrevista concedida ao Portal da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em


28 nov. 2012. SEVERO, Leonardo Wexell. Herói judeu e ministro de Mandela
defende o... CUT, 2012. Disponível em: https://www.cut.org.br/noticias/heroi-
judeu-e-ministro-de-mandela-defende-o-fim-do-apartheid-de-israel-b4a0.

234
6
O Movimento de Resistência Islâmica

235
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Brasão do Movimento de Resistência Islâmica – HAMAS


Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Hamas.

Muito tem se falado sobre Movimento de Resistência Islâmica163 –


Hamas. O partido palestino é assunto constante em muitos noticiários
em virtude de suas ações de resistência contra a ocupação israelense,
principalmente em Gaza, onde se localiza a sua maior base social e o
seu comando político e militar. Estados Unidos, Israel e outros países
declaram-no como organização terrorista que ameaça a existência de
Israel. Países como a Rússia, África do Sul, Noruega, Irã e o Brasil não
consideram o Hamas como organização terrorista, mas um legítimo
movimento de resistência palestino.
163 Movimento de Resistência Islâmica, do árabe Harakat al-Muqāwamat al-
Islāmiyyah. A palavra Hamas é também entendida numa tradução literal do
árabe como “entusiasmo”. Foi fundado em 1987 no início da Primeira Intifada,
pelos sheiks Ahmed Yassin, Salah Shehada, Abdel Aziz al-Rantissi e Mohammad
Taha, integrantes da ala palestina da Irmandade Muçulmana do Egito.

237
Sayid Marcos Tenório

Qualquer um de nós que der um “Google” buscando pela


palavra “Hamas” receberá uma infinidade de links dando conta de
supostas ações terroristas, ataques com mísseis caseiros disparados de
escolas contra cidades israelenses, homens e mulheres-bomba, pipas
incendiárias, crianças servindo de escudo humano e uma série de
outras fantasias disseminadas principalmente por fontes israelenses e
de organizações judaicas espalhadas pelo mundo afora.
Mas... o que é mesmo o Hamas? Diferentemente do que
imaginamos no Ocidente, o Hamas não é um “grupo terrorista” cujo
objetivo tem sido o de atacar Israel, a dita “única democracia do Oriente
Médio”, sem propósito. A verdade é que se trata de um partido político
legalmente constituído e em franca ascensão nos territórios palestinos
ocupados, um movimento nacional palestino, de orientação islâmica,
de libertação e resistência, que representa uma das principais forças do
nacionalismo islâmico na Palestina.
O Hamas é considerado hoje o maior dos vários grupos e partidos
palestinos, com uma base social muito forte nos territórios palestinos
de Gaza e da Cisjordânia. Sua meta é “libertar a Palestina e confrontar
o projeto sionista”, conforme anunciado no recente Documento de
Princípios Gerais e Políticas, aprovado em maio de 2017 (Ver Anexo V).
O movimento é reconhecido por muitos como uma força popular
e sociopolítica profundamente enraizada na sociedade palestina, que
tem conseguido realizar um amplo trabalho, tanto em relação ao
confronto militar contra a ocupação sionista, quanto aos trabalhos
sociais voltados para as camadas mais desfavorecidas, por meio da
assistência social, mobilização religiosa e ideológica e mantido relações
com Estados, partidos e movimentos em todo o mundo.
O Hamas surgiu com força perante o olhar do Ocidente, após
o resultado das eleições para o Conselho Legislativo Palestino164,
164 O Conselho Nacional Palestino – o poder legislativo da Autoridade Nacional
Palestina (ANP) – foi criado em 1995 como resultado do Acordo do Oslo II.
É um órgão unicameral que inicialmente era composto por 88 membros, mas
uma lei de junho de 2005 alterou o seu número para 132, que são eleitos em 16
distritos eleitorais da Cisjordânia e Faixa de Gaza. A última eleição foi realizada
em 2006.

238
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

realizadas em 25 de janeiro 2006. O resultado foi surpreendente,


tendo o Hamas eleito 76 dos 132 deputados, enquanto que o seu
maior rival, o Fatah, conseguiu 43 cadeiras. A pergunta imediata foi:
como o Hamas conseguiu vencer as eleições na Palestina, sendo um
movimento quase proscrito? A vitória do Hamas foi resultante da
sua oposição aos processos de Oslo, e as divisões internas no Fatah
conduziram à vitória eleitoral em 2006. Essa vitória eleitoral nunca
foi reconhecida pelas potências ocidentais, tendo a Faixa de Gaza
sido sitiada e transformada numa megaprisão a céu aberto, que só a
mentalidade sionista poderia produzir.
Galeano definiu bem a situação em que vivem os palestinos de
Gaza:
Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação
perpétua. Não podem nem respirar sem permissão. Perderam
sua pátria, suas terras, sua água, sua liberdade, tudo. Nem
sequer têm o direito de eleger seus governantes. Quando
votam em quem não devem votar são castigados. Gaza está
sendo castigada. Converteu-se em uma ratoeira sem saída,
desde que o Hamas ganhou limpamente as eleições de 2006.
Algo parecido havia ocorrido em 1932, quando o Partido
Comunista triunfou nas eleições de El Salvador. Banhados
em sangue, os salvadorenhos expiaram sua má conduta e
desde então viveram submetidos a ditaduras militares. A
democracia é um luxo que nem todos merecem165.

Durante o processo eleitoral palestino, o Movimento lançou uma


plataforma eleitoral por mudanças e reforma166, onde a questão da
resistência militar ficou relegada a um plano secundário, abordando a
questão numa linguagem mais sutil do que a linguagem empregada nas
plataformas anteriores. Assim, a formulação de “destruição de Israel”
– slogan fartamente utilizado pela mídia ocidental para demonizar o

165 Disponível em: http://old.operamundi.com.br/dialogosdosul/gaza-por-


eduardo-galeano-2/15042015/
166 NINIO, Marcelo. Grupo extremista Hamas surpreende, vence eleição palestina
e causa apreensão. Folha de S. Paulo, 2006. Disponível em: https://www1.folha.
uol.com.br/fsp/mundo/ft2701200601.htm.

239
Sayid Marcos Tenório

Hamas – deu lugar à expressão “término da ocupação”, que dominou


toda a Plataforma.
A Plataforma se baseava na ideia de um programa abrangente
para a libertação da Palestina, o retorno do povo palestino às suas
terras e o estabelecimento de um Estado palestino independente com
Jerusalém como sua capital, numa clara rejeição aos Acordos, mesmo
sabendo que este tema seria pouco convincente para muitos palestinos,
uma vez que a existência do Conselho Legislativo é inseparável dos
Acordos de Oslo.
Esse foi um tema que teve forte repercussão nos debates eleitorais
e que provocou uma elevação do tom contra o Fatah, com o Hamas
afirmando que sua participação no Conselho Legislativo seria parte do
seu “programa de resistência” e que a realidade mostrava que Oslo era
questão sem cumprimento por parte de Israel, letra morta num papel
que era usada contra os palestinos.
O Hamas acusava a OLP de ter se transformado de um
movimento para a libertação da Palestina, num garantidor indireto da
segurança de Israel nos Territórios Ocupados, com a função de anular
qualquer forma de resistência à ocupação. Um instrumento utilizado
por Yasser Arafat e seus aliados para garantir sua permanência no
poder da ANP como único representante dos palestinos. Por outro
lado, reclamava que as negociações de paz de Oslo tinham servido
apenas aos interesses das lideranças da OLP, que deixaram o exílio
para assumir o controle político da Palestina.
Havia, naquele momento, uma inquietude e uma desconfiança
em relação ao papel da ANP após os Acordos de Oslo, onde o Hamas
acusava a ANP de ser preposto de Israel na Palestina. E apontava
como evidência o fato de a ANP estar concentrando seus esforços e os
recursos financeiros nos programas de cooperação em segurança com
Israel, enquanto que o bem-estar da população ficava em segundo
plano. Dizia, ainda, que a cooperação em segurança entre ANP e Israel
visava à coibição e entrincheiramento dos movimentos palestinos e a
atuação dos grupos de oposição que representassem ameaça a Israel.

240
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Hoje em dia, o entendimento do Hamas é que aqueles Acordos


puseram na mesa objetivos contraditórios e sabidos de difícil aplicação,
uma vez que a OLP declarava a busca pelo fim do colonialismo
israelense, enquanto que o Estado de Israel tinha como objetivo criar
um sistema de controle indireto sobre os territórios ocupados em 1967.
Os objetivos dos Acordos jamais se concretizaram, deixando em
aberto até hoje questões listadas na “Declaração de Princípios”, como
o status de Jerusalém, a questão dos refugiados, os assentamentos
judaicos em território palestino, a questão da segurança e das
fronteiras, as relações e cooperação com os vizinhos e outras questões
referentes a problemas de interesse comum.
Edward Said (2013) narra sua decepção com os resultados
daqueles Acordos, dizendo ter
uma convicção muito forte, depois do acordo de Oslo, de
que a discrepância entre aquele maldito pedaço de papel e
a enorme história de expropriação, sofrimento e perda que
constituem a verdadeira história palestina é tão grande, mas
tão grande, que deve ser contada. Ela tem que ser narrada.
Não pode simplesmente desaparecer167.

O processo de paz que se esperava existir após os Acordos


de Oslo não representou os diversos setores políticos palestinos e
nem israelenses. Eles foram combatidos pela esquerda palestina,
sobretudo pela Frente Popular para Libertação Nacional (FPLN),
Frente Democrática para Libertação Nacional (PDLN), Partido do
Povo Palestino (PPP), antigo Partido Comunista Palestino (PCP). E
também pelos movimentos de orientação islâmica, como Hamas e a
Jihad Islâmica.
Embora se soubesse que os Acordos não resultariam na criação
de um Estado palestino, mas apenas a representação dos residentes
nos territórios ocupados, setores da extrema direita israelense também
demonstraram seu descontentamento e opuseram-se fortemente aos
acordos de paz com palestinos. Queriam (e continuam querendo) todo
167 SAID, Edward W.; BARSAMIAN, David. A pena e a espada. São Paulo: Ed.
UNESP, 2013. p. 145.

241
Sayid Marcos Tenório

o território e nenhuma concessão a palestinos. O premiê sionista que


negociou os acordos, Yitzhak Rabin, foi assassinado por um extremista
em 04 de novembro de 1995. No seu julgamento, o assassino, Igal
Amir, afirmou que o matou porque o primeiro-ministro “queria dar
nosso país aos árabes”. Ele foi condenado à prisão perpétua e cumpre
a pena em Israel.
Quando foram assinados os Acordos de Oslo, em 1993, havia
260.000 colonos judeus na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental. Hoje,
esse número subiu para mais de 600.000, evidenciando o desprezo do
Israel para com os Acordos e seu interesse pela Paz, além da evidente
violação do Artigo 49 da IV Convenção de Genebra, de 1949, que
proíbe claramente os países de mover populações para territórios
ocupados em guerra. Com isso, Israel demonstra mais uma vez o seu
desrespeito pela lei internacional e os direitos humanos, ao descumprir
os Acordos de Oslo.
Nas eleições de 2006, o Movimento declarou ser necessário e
urgente à adoção de um compromisso mais abrangente da luta contra
a ocupação, que se daria por meio de uma mudança e reforma que
seriam empreendidas para que se construísse “uma sociedade civil
palestina avançada, baseada no pluralismo político e na alternância
do poder”. Declarou também que “o sistema político da sociedade
palestina e sua agenda reformadora e política seriam orientadas na
direção do cumprimento dos direitos nacionais palestinos”.
Essa proposta era uma crítica dirigida ao monopólio do poder
por parte da OLP, que havia negligenciado na promoção da unidade
e disciplina no cenário político palestino, já que se encontrava no
poder desde a década 1960 e nunca havia incluído em sua pauta a
possibilidade de que outras forças políticas palestinas e da resistência
tomassem parte da Autoridade Nacional Palestina.
Era um programa amplo, que além da resistência à ocupação
israelense, tratava de assuntos internos e externos, como a reforma
administrativa, o combate à corrupção, ao clientelismo e à troca de
favores, se encarregava da reforma judicial e política, liberdade do povo
e direitos civis, orientação religiosa, política social, política cultural e

242
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

o uso da mídia. Tratava também de questões como políticas para a


juventude e mulheres, saúde, habitacional, meio-ambiente, agricultura,
política econômica, financeira e fiscal, questões trabalhistas, e
questões de transporte, como a passagem entre Gaza e a Cisjordânia,
já que a Declaração de Princípios previa, no Art. 10º, cláusula 1, sub-
cláusula, a existência de “uma passagem segura a ligar a Cisjordânia
com a Faixa de Gaza para o deslocamento de pessoas, veículos e
bens”. Estas cláusulas eram violadas diariamente pelos soldados e
polícias israelenses que não só não controlavam as passagens, como
praticavam (e continuam praticando) atos violentos nos check-points,
transformando as travessias em pesadelos e a Cisjordânia num espaço
fragmentado, sem ligações entre si ou com a Faixa de Gaza. O vereador
comunista Nilton Bobato narra, no seu livro Palestina – Um olhar além
da ocupação, que ouviu do prefeito de Beitunia, Ribli Dola, a seguinte
frase: “podemos ficar mil horas falando da vida na Palestina, mas [não
há] nada em que um minuto num chechkpoint revele mais”168.
Foi com esse programa e com a mobilização ampla, principalmente
dos jovens palestinos cansados de esperar pelos seguidos acordos não
cumpridos por Israel, que o Hamas conseguiu a maioria dos votos
para o Conselho Legislativo Palestino. Vitorioso, o Hamas apresentou
a sua “Plataforma de Governo”, baseada em sete pontos:
Primeiro: resistir à ocupação e às investidas opressivas contra a
terra palestina, seu povo, recursos e lugares sagrados;
Segundo: garantir a segurança dos palestinos e acabar com o
caos na segurança;
Terceiro: diminuir as dificuldades econômicas do povo palestino;
Quarto: empreender reformas e lutar contra a corrupção
financeira e administrativa;

168 BOBATO, Nilton; PORTO, Paulo. Palestina: um olhar além da ocupação. São
Paulo: Limiar, 2017. p. 52.

243
Sayid Marcos Tenório

Quinto: reordenar os assuntos internos palestinos por intermédio


da reorganização de suas instituições sobre uma base democrática que
garantiria a participação política para todos;
Sexto: fortalecer o status da questão palestina nos círculos árabes
e muçulmanos;
Sétimo: desenvolver as relações palestinas nos níveis regional e
internacional para que sirvam posteriormente aos principais interesses
do povo palestino.
Essa Plataforma permitiu à liderança reclamar o respeito da
comunidade internacional quanto à escolha do povo palestino ao eleger
o Hamas. Quanto aos Estados Unidos e suas posições a respeito do
governo do Hamas, o Movimento afirmou que exigia da administração
norte-americana – que vive pregando a democracia e o respeito pelas
escolhas das pessoas por todo o mundo – que apoiasse o desejo e
escolha do povo palestino. “Em vez de ameaçar os palestinos com o
boicote e o corte aos auxílios, ele deve cumprir as promessas que fez de
ajudar no estabelecimento de um Estado palestino independente com
Jerusalém como capital e o retorno dos refugiados” (Ver Anexo V).

6.1 Hamas e o futuro da Palestina


No seu Documento Geral de Princípios e Políticas, aprovado em
maio de 2017 (Ver Anexo V), o Hamas apresenta uma plataforma
política onde aborda questões como a definição da territorialidade
palestina, estabelece sua compreensão da causa palestina, os princípios
de trabalho a serem usados para promover seus objetivos e os limites
de flexibilidade usados para interpretá-lo.
Assim, na visão do Hamas,
a Palestina é o território que se estende do Rio Jordão no
oriente ao Mediterrâneo no ocidente e de Ras Al-Naqurah
no Norte a Umm Al-Rashrash no Sul, é uma unidade
territorial integral. Esta é a terra e o lar do povo palestino.
A expulsão e o banimento do povo palestino de sua terra e o
estabelecimento da entidade sionista em seu lugar não anula

244
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

o direito do povo palestino sobre sua inteira terra e não


reconhece nenhum direito nela pela usurpadora entidade
sionista. A Palestina é uma terra árabe islâmica. Ela é uma
Terra Sagrada e abençoada que tem lugar especial no coração
de todo árabe e de todo muçulmano.

O Documento assegura que o povo palestino é constituído pelos


árabes que viveram na Palestina até 1947, independente se eles foram
expulsos ou permaneceram após a Nakba (tragédia).
Cada pessoa que nasceu de um pai árabe palestino após
aquela data [1947, início da ocupação sionista], se dentro
ou fora da Palestina, é um palestino. [...] O povo palestino é
um, feito por todos os palestinos dentro e fora da Palestina,
independentemente de sua religião, cultura ou afiliação
política (Ver Anexo V).

Para o Hamas, independente das catástrofes que recaíram sobre


o povo palestino desde 1948, como consequência da Partilha e da
ocupação sionista e sua política de deslocamento e limpeza étnica,
a identidade palestina não será apagada nem negada. Um palestino
ou palestina jamais perderá a sua identidade nacional e os direitos,
mesmo depois de adquirir uma segunda nacionalidade. A Palestina
será sempre a terra do povo que está determinado a defender
a verdade – dentro de Jerusalém e suas redondezas – que não
é desterrado ou se intimida por aqueles que se opõem a ele e
por aqueles que os traem, e ele continuará sua missão até que
a promessa de Deus se cumpra (Ver Anexo V).

O movimento denuncia o projeto sionista como baseado na


agressão racista, colonial e expansionista, hostil ao povo palestino e
o seu direito à liberdade, libertação e autodeterminação. Jerusalém,
para o Movimento, é a capital da Palestina. E afirma que o seu
status religioso, histórico e civilizacional é fundamental ao mundo
em geral, independentemente de ser cristão, muçulmano, druso,
armênio ou judeu, árabe ou ocidental. O mesmo ocorre para com os
lugares sagrados. E declara que as medidas tomadas pelo ocupante
sionista como a judaização de Jerusalém, através da construção de

245
Sayid Marcos Tenório

assentamentos como fato consumado da presença israelense na cidade


sagrada, são ações nulas e vazias porque contrariam a Resolução
476/1980 do Conselho de Segurança da ONU e as regras e o Direito
Internacional.
Alerta ao mundo que a ação dos sionistas não visa apenas à
Palestina, mas a Nação Árabe e Islâmica, constituindo-se numa grande
ameaça à segurança internacional, à paz e à estabilidade da região. Na
mesma linha, o Hamas refuta a ideia de que o conflito que se estende
por mais de 70 anos não é uma guerra contra judeus por serem judeus,
embora o sionismo se esforce para identificar o judaísmo e os judeus
com o seu projeto apartheid colonial. Assevera, no entanto, que trava
uma luta contra os sionistas que ocupam a Palestina.
Ao rejeitar o viés religioso ou sectário da luta contra a ocupação,
o Hamas condena qualquer forma de perseguição a qualquer ser
humano ou a negação dos seus direitos. Para o Movimento, o problema
judaico, o antissemitismo e a perseguição de judeus são fenômenos
fundamentalmente ligados à história europeia, não à história dos
árabes e muçulmanos ou seus herdeiros. O movimento sionista, que
foi capaz de ocupar a Palestina com apoio das potências do Ocidente,
é a maior ameaça de ocupação por assentamentos que já desapareceu
de grande parte do mundo e precisa desaparecer da Palestina.
O Movimento de Resistência Islâmica aponta – em seu Documento
Geral de Princípios e Políticas – um elenco de posições atualizadas
para a luta de resistência e a busca de soluções para o problema da
ocupação sionista na Palestina. Entre elas está a rejeição e nulidade de
documentos como a Declaração Balfour, o documento do Mandato
Britânico, a resolução da ONU sobre a partilha da Palestina e os
Acordos de Oslo, pois considera que eles geraram ações que violaram
os direitos do povo palestino, usurpando suas terras e banindo-os de
seus lares. Assim, a “resistência e luta para a libertação da Palestina
continuará sendo um direito legítimo, um dever e uma honra para
todos os filhos e filhas de nosso povo e nossa Nação”.

246
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

O fundador do Movimento de Resistência Islâmica - HAMAS, Sheikh Ahmed


Ismail Hassan Yassin (Al-Jura, Palestina, 28/06/1936 – Assassinado em
Gaza por um míssil das forças de ocupação israelense em 22/04/2004).

Segundo o Documento, o estabelecimento do chamado “Estado


de Israel” com base naquelas decisões unilaterais é completamente
“ilegal e transgride o inalienável direito do povo palestino e vai
contra sua vontade e a vontade da Nação; é também uma violação dos
direitos humanos que são garantidos por convenções internacionais, o
primeiro entre eles é o direito à autodeterminação”.
O Hamas também afirma que não reconhecerá “Israel” nem nada
do que aconteceu na Palestina em termos de ocupação, construção
de assentamentos, judaização de lugares históricos e sagrados ou
mudança nas características ou falsificação de fatos, por entender que
o direito dos palestinos sobre sua terra e lugares jamais caducarão.
Embora rejeite uma solução que não seja a libertação da
Palestina, “do rio ao mar”, sem comprometer sua rejeição a “Israel” e
sem abandonar qualquer direito dos palestinos, o Hamas considera o

247
Sayid Marcos Tenório

estabelecimento de um totalmente soberano e independente


Estado palestino, com Jerusalém como sua capital ao longo
das fronteiras de 4 de junho de 1967, com o retorno dos
refugiados e deslocados de seus lares dos quais eles foram
expulsos, para ser uma fórmula de consenso nacional (Ver
Anexo V).

Rejeita qualquer tentativa de desarmar a resistência ou de inibir


sua capacidade de desenvolver medidas e mecanismos de resistência,
como as jornadas semanais da “Grande Marcha do Retorno”, que
ocorrem em Gaza desde 30 de março e já custaram a vida de centenas
de mártires e deixaram milhares de feridos, conforme apontei no
capítulo anterior.
Sua liderança tem declarado que acredita e se empenha pelo
restabelecimento das relações e ações conjuntas das organizações
palestinas, baseadas no pluralismo, democracia, parceria nacional,
aceitação do outro e adoção do diálogo como objetivo para reforçar
a unidade para atender às aspirações do povo palestino. Reconhece
a OLP como uma referência para o povo palestino que precisa ser
preservada, desenvolvida e reconstruída em bases democráticas dentro
e fora da Palestina, de maneira a assegurar a participação de todas as
forças que lutam para resguardar os direitos dos palestinos.
No que diz respeito à Autoridade Nacional Palestina, o Movimento
considera que ela precisa servir ao povo palestino e salvaguardar a sua
segurança, seus direitos e o interesse nacional, em bases democráticas
e baseada na parceria nacional, incluindo o direito de resistência e
eleições livres e justas. Um movimento que será enriquecido por suas
personalidades proeminentes, instituições da sociedade palestina,
grupos de juventude, estudantes, sindicalistas e mulheres, cujo papel
é definido como fundamental no processo de construção da história
palestina e no propósito de resistência e conquista da liberdade.
Referindo-se ao que chama de Nação Árabe e Islâmica, o
Hamas acredita que a questão palestina é a causa central e acredita
na cooperação de Estados, sem entrar em disputas que ocorram nos
diversos países. E que tem se esforçado para estabelecer relações

248
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

equilibradas na base de uma combinação dos objetivos da causa


palestina e do interesse do povo palestino em uma mão, com interesses
da Nação, seu renascimento e sua segurança em outra mão.
No que diz respeito ao aspecto humanitário e internacional,
o Hamas entende que apoiar e sustentar essa causa é uma tarefa
humanitária e civilizacional, já que a questão palestina é uma das que
tem maior dimensão e pré-requisitos para a verdade, justiça e valores
humanitários. E a resistência como uma atividade legítima, isto é, um
ato de autodefesa e uma expressão do direito natural de todos os povos
à autodeterminação.
Finalizando, o Documento faz um chamamento ao
internacionalismo, pregando a rejeição às tentativas de imposição de
hegemonias sobre nações e povos, condenando todas as formas de
colonialismo, ocupação, discriminação, opressão e agressão no mundo.
Cabe aqui uma pergunta: a atualização do seu programa e a
redefinição de tarefas de resistência e libertação da Palestina alterarão
a correlação de forças entre os movimentos e partidos que disputam a
liderança palestina?169
O que podemos concluir é que, desde a sua fundação, em 1987,
o Hamas vem numa trajetória de crescimento. É certo que sofreu
derrotas, contratempos e momentos difíceis, mas, em termos gerais
e baseado no olhar das circunstâncias da sua história de lutas, é
impossível prever o protagonismo que o Hamas irá desempenhar na
luta pela autodeterminação do povo palestino. O que podemos afirmar
é que o seu crescimento será proporcional à contínua brutalidade e
humilhação da ocupação sionista contra os palestinos, associada ao
fracasso das organizações palestinas seculares rivais do Hamas em
promover soluções negociadas com Israel.
Os esforços de Israel, da mídia Ocidental e da Autoridade
Palestina em desacreditar e impedir o crescimento do papel do Hamas

169 Para entender melhor a questão do programa do Hamas, sugiro ver o vídeo da
entrevista com Khaled Meshaaal, legendado em português, que está disponível
em https://youtu.be/U_p6UizpiRU.

249
Sayid Marcos Tenório

e a sua popularidade na sociedade palestina não se concretizarão


enquanto Israel exercer o controle sobre a Palestina histórica,
impedindo a criação de um Estado palestino. Enquanto Israel mantiver
sua ocupação e o apartheid que domina, segrega e restringe a liberdade
de movimentação dos palestinos com muros e check-points. Enquanto
Israel limitar os cuidados com saúde, educação e impedir o acesso a
terra e o desenvolvimento e o crescimento econômico dos palestinos,
a resistência existirá e se tornará mais atuante.
A conclusão que temos desse processo é a de que a solução de
acordos não cumpridos por parte do ocupante é um dos motores
do crescimento da influência do Hamas na Palestina, sobretudo em
Gaza. Os palestinos sedentos de justiça e frustrados com o colapso
das negociações continuarão a acreditar que a resistência é o único
caminho e se aproximarão cada vez mais do Movimento de Resistência
Islâmica, que é uma consequência natural da ocupação brutal, e
aquela força que sustenta a bandeira dos direitos, da liberdade e da
autodeterminação palestinas.
O palestino está situado em um pequeno pedaço de terra
obstinadamente chamado Palestina, ou em uma ideia de
paz que não se baseia nem em um projeto para transformar
pessoas em ninguém nem em uma fantasia geopolítica
sobre o equilíbrio do poder, mas em uma visão de futuro
que acomoda ambos os povos com reivindicações legítimas
sobre a Palestina, e não somente judeus170.

170 SAID, Edward W. A questão da Palestina. São Paulo: EdUNESP, 2012. p. 267.

250
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

6.2 A Grande Marcha do Retorno

A Grande Marcha pelo Direito de Retorno do povo palestino foi


uma campanha organizada pelo Movimento de Resistência Islâmica
(Hamas), perto da fronteira de Gaza e Israel, que teve início em 30 de
março de 2018 – Dia da Terra, quando se relembra o assassinato de
seis palestinos nas manifestações contra o confisco de terras que se
deram neste dia em 1976 – e programada para ser realizada durante
seis semanas sempre às sextas-feiras ou Jummah, o dia em que os
muçulmanos se reúnem para a reza coletiva nas mesquitas e salas
de oração em todo o mundo, até o dia 15 de maio, data que marca
os 70 anos da Nakba (catástrofe, em tradução árabe), quando Israel
deu início à expulsão de cerca de 800 mil palestinos de suas terras e
casas para assentar os colonos judeus que haviam chegado à Palestina,
vindos dos quatro cantos do mundo.
Antes do início da Marcha, o dirigente do partido, Khalil Al-
Hayya, advertiu a opinião pública mundial e as forças de ocupação
israelenses que a manifestação seria pacífica. Que não haveria ações

251
Sayid Marcos Tenório

armadas e seria conduzida por homens, mulheres, crianças e idosos


que reivindicariam o legítimo direito de retorno de refugiados
palestinos à terra natal – assegurada desde a Resolução 194 da ONU,
de 7 de dezembro de 1948 –, e contra a mudança da embaixada dos
Estados Unidos de Tel Aviv para Jerusalém, que contraria as normas
das Nações Unidas.
O movimento contou com a adesão do Fatah171, da Frente Popular
para a Libertação da Palestina172, da Frente Democrática pela Libertação
da Palestina173, do Movimento da Jihad Islâmica174 e das demais forças
políticas palestinas, que se juntaram nestas manifestações, numa
iniciativa unânime, embora não tenha havido manifestações similares
na Cisjordânia. O Hamas denominou as manifestações de “Intifada do
retorno”, que seria a terceira Intifada (revolta popular) desde a partilha
da Palestina em 1947.
A primeira Intifada teve início em 9 de dezembro de 1987, em
um check-point militar do campo de refugiados de Yabalyia, em Gaza,
e ficou conhecida como “Intifada das pedras” porque o exército mais
poderoso do mundo tinha sido desafiado por crianças e jovens com
pedras, o que produziu a imagem que correu o mundo onde uma
criança palestina “ameaça” um tanque de guerra sionista com pedras
nas mãos. As manifestações tiveram início quando um jipe militar

171 Harakat al-Tahrir al-Watani al-Filastini, literalmente “Movimento de Libertação


Nacional da Palestina”, que forma a palavra Fatah, foi fundado em 1969 no
Kuwait por Yasser Arafat, Khalil al-Wazir (Abu Jihad) e outros membros da
diáspora palestina. É um partido nacionalista de centro-esquerda e laico, e a
principal força da OLP.
172 FPLP, do árabe al-jabhah al-sha`biyyah li-tahrīr filastīn, é uma organização
política e militar palestiniana de orientação marxista-leninista fundada em
1967 pelo médico de família cristã-ortodoxa George Habash.
173 FDLP, do árabe Al-Jabha al-Dimuqratiya Li-Tahrir Filastin, é uma organização
política e militar palestiniana de orientação marxista-leninista, fundada em
1968 por Nayef Hawatmeh, um cristão ortodoxo, em resultado de uma cisão de
militantes da Frente Popular para a Libertação da Palestina.
174 Jihad Islâmica, do árabe Harakat al-Jihād al-Islāmi fi Filastīn, é um grupo
militante palestino que integra as forças de resistência contra a ocupação
sionista na Palestina. Foi fundado em 1981 por Fathi Shaqaqi, Abd Al Aziz
Awda.

252
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

israelense atropelou um caminhão que levava trabalhadores palestinos,


matando quatro pessoas. Registros oficiais indicam um saldo de
mortos de 2.162 palestinos e 160 israelenses, além dos milhares de
feridos, majoritariamente palestinos.
A segunda Intifada explodiu em setembro de 2000, diante da
frustração com os desdobramentos dos Acordos de Oslo, assim
como com as políticas continuadamente repressivas e belicosas da
administração sionista. O estopim foi uma incursão que Ariel Sharon
fez na Mesquita sagrada de Al Aqsa, em 28 de setembro, cercado de
forte aparato de segurança, o que foi entendido pelos mais de mil
palestinos presentes como uma provocação inaceitável. Seguiram-se
violentos confrontos entre palestinos e israelenses junto ao Muro das
Lamentações. Sete palestinos foram mortos e centenas ficaram feridos.
Nos dias seguintes, a violência prosseguiu com ataques palestinos aos
Territórios Ocupados por Israel, na Cisjordânia e na Faixa de Gaza.
A revolta durou até o início de 2005, provocando baixas humanas
de ambos os lados, sendo 3.354 mártires palestinos e 301 soldados
israelenses.
A Grande Marcha iniciada em março de 2018 foi para lembrar
o direito de retorno dos refugiados palestinos que fugiram ou foram
expulsos de suas terras quando foi criado o estado de Israel, em 1947
e para protestar contra as precárias condições de vida em Gaza devido
ao bloqueio criminoso e ilegal de Israel contra o território. O bloqueio
recrudesceu por parte dos sionistas após a vitória do Hamas, nas
eleições de 2006.
Falar em retorno é falar de um direito natural dos donos da terra.
Do direito dos palestinos assegurados pelas Resoluções 181 (partilha)
e 194 (retorno), entre outras tantas aprovadas e não cumpridas pelo
ocupante. O direito ao retorno, na visão de Said, existe porque “por
trás de cada palestino, existe um grande fato genérico: até pouco
tempo atrás, ele vivia em sua própria terra, chamada Palestina, que
não é mais sua pátria”175.

175 SAID, Edward W. A questão da Palestina. São Paulo: EdUnesp, 2012.

253
Sayid Marcos Tenório

Mesmo sendo uma manifestação pacífica, Israel agiu com


ataques violentos e desproporcionais, alegando que o Hamas estaria
aproveitando as manifestações para se aproximar das barreiras que
isolam Gaza e infiltrar militantes no território ocupado pelos sionistas.
Argumenta também que aquelas manifestações estariam pondo em
risco a segurança das comunidades israelenses que vivem naquela área.
Milhares marchavam quando mais de cem franco-atiradores snipers,
posicionados do lado israelense, atiraram indiscriminadamente
contra os manifestantes matando 62 e ferindo 2.700 palestinos apenas
no primeiro dia de manifestações.
O escritor e jornalista Eduardo Galeano escreveu no artigo A
multiplicação do terrorismo (2012) que
o exército israelita, o mais moderno e sofisticado do mundo,
sabe quem mata. Não mata por erro. Mata por horror. As
vítimas civis são os danos colaterais, segundo o dicionário
de outras guerras imperiais. Em Gaza, de cada dez danos
colaterais, três são crianças. E somam milhares os mutilados,
vítimas da tecnologia de esquartejamento humano, que
a indústria militar está experimentando com êxito nesta
operação de limpeza étnica.

E como sempre, sempre o mesmo: em Gaza, cem a um. Por


cada cem palestinos mortos, um israelita176.

O saldo de vítimas da Marcha apurado até o final de 2018 pelo


Ministério da Saúde palestino mostra que mais de 250 palestinos foram
mortos, entre eles 10 mártires cujos corpos não foram devolvidos pelos
israelenses para as suas famílias, sendo duas crianças. Entre os mortos
estão 33 crianças, 4 deficientes físicos, 3 médicos e 2 jornalistas. Os
feridos somam 11.968, entre eles 2.329 crianças, 500 mulheres, 128
médicos e enfermeiros e 137 jornalistas, como a jornalista Yaser
Murtaja, de 30 anos, baleada por soldados sionistas enquanto cobria
as manifestações, e o do jornalista Ahmed Abu Hussein, atingido na
cabeça e que teve o seu socorro impedido pelos soldados israelenses.

176 Disponível em: http://old.operamundi.com.br/dialogosdosul/gaza-por-eduardo


-galeano-2/15042015/

254
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Segundo demonstram os relatórios médicos, os tiros dos snipers


israelenses – atiradores especializados em tiros de longa distância
– atingiam a cabeça, pescoço, abdômen, tórax, costas, pelve e as
articulações das pernas dos manifestantes, numa clara demonstração
de interesse em matar ou mutilar as vítimas, para inabilitá-las de
participarem em novas manifestações. A menina Wissal Al Sheikl
Khalil, de 15 anos, acreditava que seria possível cruzar a fronteira e
retornar a Sawafir, território de onde seus avós foram expulsos pelos
israelenses em 1948. Não conseguiu. O impacto do tiro dilacerou o seu
crânio e provocou a sua morte.
Segundo o Ministério Palestino da Juventude e Esporte de
Gaza, entre os feridos estão 30 atletas palestinos, alguns deles
com amputação de uma das pernas. Israel usou a munição de alta
velocidade, balas expansivas e de fragmentação, conhecidas como
“butterfly bullet” (balas de borboleta), tipo de balas que se expandem
dentro do corpo, causando grandes danos, como a destruição de
músculos e pulverização dos ossos, cujo uso é proibido pela maioria
da comunidade internacional, desde o final do século XIX, para
atingir palestinos nas pernas e provocar a amputação de suas pernas.
Muitos dos feridos foram atingidos por balas reais, inalação de gás
lacrimogêneo e balas de borracha.
Por outro lado, os conflitos em Gaza têm servido de vitrine para
mostrar aos clientes da indústria militar israelense a eficiência de sua
tecnologia de matar ou ferir gravemente os palestinos.
As autoridades palestinas também denunciaram Israel por atacar
sistematicamente médicos e enfermeiros que socorrem os feridos
e jornalistas que cobram a Marcha, mesmo que estes profissionais
estivessem usando coletes que os identificassem. 19 ambulâncias foram
alvejadas ou destruídas por soldados israelenses. A enfermeira Razan
Ashaf Al Najar, de 21 anos, morreu após ser baleada por soldados
israelenses, em Khan Yunis, enquanto prestava socorro a feridos que
participavam da Marcha.
Os Estados Unidos, como sempre, apoiaram o direito de Israel
“se defender”, mas a maioria dos países da União Europeia reclamou

255
Sayid Marcos Tenório

dos ataques israelenses e a desproporcionalidade de suas ações.


Organizações de direitos humanos também reagiram com duras
críticas. A Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Navi
Pillay, condenou os ataques israelenses por meio de atiradores e disse
que aquelas ações se assemelhavam a “crime de guerra”, pelos quais
Israel poderia ser levado à Corte Internacional de Justiça. Declarou
ainda que a força letal usada por Israel deveria ser o último e não
o primeiro recurso. Também a Anistia Internacional condenou os
ataques israelenses, dizendo que o exército israelense comete crimes
intencionais contra palestinos e que aquilo se configura como crime
de guerra177. Em Istambul, milhares de pessoas foram para a praça
Yeni Kapi protestar em solidariedade à Palestina.
O grupo israelense de direitos humanos B’Tselem enviou carta
ao secretário geral das Nações Unidas178, Antonio Guterres, pedindo
que o órgão intervenha para impedir o uso da força letal por parte
do exército de Israel contra os manifestantes na Faixa de Gaza. O
representante da ONU para o processo de paz no Oriente Médio,
Nikolay Mladenov, se manifestou no Twitter exigindo que Israel
parasse de atirar em crianças palestinas.
O líder do Hamas, Ismail Haniyeh, declarou que os palestinos
permaneceriam em luta por seus direitos e não cederiam nem uma
polegada de terra da Palestina e que não há alternativa para a Palestina
a não ser o retorno. Todas as leis internacionais, convenções e
resoluções da ONU reconhecem o direito de retornar à sua terra natal.
Ocorreram manifestações em várias cidades, como em Haifa,
território palestino ocupado por Israel desde 1948, onde manifestantes
carregavam cartazes e faixas com frases críticas a Israel, como “Sua
independência é a nossa catástrofe” ou “O direito de retorno é legítimo”.

177 SHUPAK, Greg. Israel: 70 anos de brutalidade. Outras palavras, 2018. Disponível
em: https://outraspalavras.net/sem-categoria/israel-70-anos-de-brutalidade/.
178 RODRIGUES, Lúcia. Um mês após início da marcha do retorno, Israel já matou
43 palestinos. IBRASPAL, 2018. Disponível em: https://ibraspal.org/pt/post/
um-mes-apos-inicio-da-marcha-do-retorno-israel-ja-matou-43-palestinos.

256
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Os palestinos de Gaza estão no limite de sua tolerância e espera


por uma solução para o cerco israelense – que já dura 11 anos. Um
bloqueio criminoso que causa privações, pobreza, falta de comida e
remédios. Setenta anos depois da Partilha e da ocupação das terras
palestinas por estrangeiros vindos da Europa, os palestinos ainda
estão sendo submetidos a um processo interminável, caracterizado
pelo massacre de inocentes cujo único crime é o de ser palestino.
Desde a criação do Estado de Israel, em 1947, dezenas de massacres
foram cometidos com o objetivo de realizar uma limpeza étnica que
permitisse a transformação de uma terra milenar multicultural e
multirreligiosa em um Estado judeu apenas para judeus. Desde então,
534 aldeias e cidades foram despovoadas e centenas de milhares de
palestinos expulsos de suas terras, cujos ancestrais agora voltam para
cobrar o direito ao retorno, assegurado pelo Direito Internacional.
A Grande Marcha do Retorno é o grito de milhares de vozes de
palestinos submetidos ao impiedoso cerco sionista, um apartheid que
realiza um genocídio lento e silencioso para que o mundo não acorde
do seu sono letárgico e cúmplice, e conspire a favor de israel.
O sentimento dominante na população de Gaza, bem como em
toda Palestina Ocupada, é o de que eles estão lutando por uma causa
política justa, apoiada por todas as leis e convenções internacionais.
Além disso, é uma causa apoiada por todas as pessoas comprometidas
com a liberdade em todo o mundo. O povo palestino busca a libertação
da ocupação sionista e quer que a ocupação saia de suas terras, para
que possa retornar para ela. Os palestinos só querem viver em paz e
segurança. É um direito natural, humanitário e político.
Um dos assassinatos mais simbólicos entre os praticados pelos
snipers do exército que é abastecido pelos Estados Unidos com mais de
3 bilhões de dólares anualmente foi o de Fadi Abul Selmi, de 30 anos,
um dos massacrados por protestar na Grande Marcha do Retorno
contra a instalação da embaixada norte-americana em Jerusalém.
Fadi havia perdido as pernas em 2008, justamente em decorrência dos
bombardeios israelense na Faixa de Gaza.

257
Sayid Marcos Tenório

Um homem com as duas pernas amputadas, sobre uma cadeira


de rodas e usando um instrumento rudimentar para atirar pedras,
para as tropas israelenses, é considerado por Israel como um terrorista.
Enquanto que um atirador utilizando armas de última geração, usando
drogas e matando pessoas, é um defensor da liberdade!
A morte do cadeirante palestino Fadi Abul Selmi é mais que
simbólica por representar em tudo o desprezo absoluto dos judeus
sionistas pela vida dos palestinos: tanques contra cadeira de rodas,
bombas contra pedras, militares fortemente armados contra civis
atirando pedras.
O mundo moderno e civilizado não viu as lágrimas derramadas
por tanta perversidade dos ocupantes sionistas. Como sempre, os
países árabes lavaram as mãos. E como sempre, os países europeus
esfregam as mãos, enquanto, secretamente, Israel e seus amigos que o
protegem celebram mais esta jogada de mestre que lhe dá o “direito”
de lançar ataques e bombas humanitárias contra aqueles donos da
terra que resistem ao genocídio e a própria existência.

258
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

O palestino morador de Gaza Fadi Abul Selmi, de 30 anos, amputado, foi mais
um dos palestinos assassinados por Israel durante as manifestações da
Grande Marcha do retorno. MIDDLE EAST MONITOR. Photo from
Great Return March protests wins prestigious French prize, 2018.
Disponível em: https://www.middleeastmonitor.com/20181015-photo-from-
-great-return-march-protests-wins-prestigious-french-prize/.

Não chores, meu filho;


Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate,
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos
Só pode exaltar!
O poeta brasileiro Gonçalves Dias (1823-1864), em Canção do Tamoio.

259
PARTE III
Brasil e Palestina

261
7
A presença árabe e islâmica no Brasil

263
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

O presidente palestino Mahmoud Abbas, presidente Lula e o chanceler


brasileiro Celso Amorim, símbolos do período áureo das relações de
cooperação Brasil-Palestina.

De uma perspectiva histórica, a presença árabe e islâmica no


Brasil remonta à chegada dos portugueses em 22 de abril de 1500.
Trabalhos de revisão histórica têm apontado vários indícios de
presença árabe em nosso continente, anteriores às descobertas de
espanhóis e portugueses. No século X d.C, o historiador muçulmano
e geógrafo Abul-Hassan Ali Ibn al-Hussain al-Masudi (871-957 d.C)
escreveu, em seu livro ADH-Dhahab Muruj wa Jawahar Aljawhar (Os
prados de jazidas de ouro e joias) que, durante o reinado do califa
da Espanha muçulmana, Abdullah Ibn Mohammad (888-912 d.C), o
navegador muçulmano Ibn Said Khashkhash Ibn Aswad, de Córdoba
(Espanha), navegou desde o porto de Delba (Palos), em 889 d.C, cruzou
o Atlântico, chegou a um território desconhecido (Ard Majhoola) e
retornou com tesouros fabulosos.

265
Sayid Marcos Tenório

As negociações para estabelecimento do Tratado de Tordesilhas,


que dividiu terras entre Portugal e Espanha, em 1494, não poderiam
avançar se não houvesse informações sobre a existência das terras do
novo continente no hemisfério sul, anteriormente descobertas por
navegadores islâmicos.
Também há indícios da chegada ao Brasil, já em 1498, de uma
caravela comandada pelo geógrafo, cosmógrafo e navegador português
Duarte Pacheco Pereira, a quem Camões chamou de “Aquiles lusitano”.
Era pessoa de confiança dos reis portugueses D. João II e D. Manuel,
razão pela qual foi indicado delegado de Portugal na Conferência que
resultou no Tratado de Tordesilhas, assinado em 7 de junho de 1494
entre o Reino de Portugal e a Coroa de Castela, para dividir as terras
“descobertas e por descobrir” por ambas as coroas fora da Europa. As
descobertas de Pereira no além-mar não foram reveladas ao público
para não gerar contendas com a Espanha.
Outros registros históricos revelam que Pedro Álvares Cabral foi
acompanhado em sua expedição do ano de 1500 pelos muçulmanos
Chuhabidin Bin Májid e o navegador Mussa Bin Sateh, que
dominavam os instrumentos de navegação marítima desenvolvidos
pelos muçulmanos da Península Arábica e da Península Ibérica, como
o astrolábio, um instrumento utilizado para a navegação marítima
com base na determinação da posição das estrelas no céu.
Noutras narrativas falam que, juntamente com os descobridores
portugueses, havia guias muçulmanos experientes em ciências
marítimas. Esses guias fingiam ser cristãos para escaparem dos
tribunais da Inquisição na Espanha mourisca e, ao chegaram ao Brasil,
começaram a mostrar alguns rituais islâmicos. Essa presença de árabes
– muçulmanos e cristãos – é constatada desde o final do século XVI,
com a chegada de enviados da Inquisição.
Processos e relatos do Santo Ofício referem-se à presença desses
muçulmanos no Brasil descrevendo suas práticas e costumes, como se
lavar, acordar cedo, jejuar e limpar as roupas. Muitos foram descobertos
e julgados pelos tribunais da Inquisição portuguesa, no hoje estado
da Bahia, no ano de 1594. A Inquisição atuou no Brasil adotando o

266
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

mesmo procedimento das inquisições espanhola e portuguesa. Esses


tribunais adotaram contra eles sentenças sangrentas traduzidas na
execução, queimação ou escravização, forçando também a conversão
de muçulmanos ao cristianismo, bem como a mudança de seus nomes.
A viagem do imperador D. Pedro II ao Oriente Médio motivou
a vinda das primeiras levas de imigrantes árabes ao Brasil. Porém, as
mais significativas começaram oficialmente por volta do ano de 1880,
com a chegada de pessoas originárias do Líbano. Calcula-se que, entre
1880 e 1900, chegaram ao Brasil cerca de 5.400 árabes.
Até o final da década de 1940, o Brasil recebeu um considerável
número de imigrantes sírios, libaneses, palestinos, egípcios etc., entre
eles muitos muçulmanos, que ficaram conhecidos como “turcos”
pelo fato de portarem passaportes do Império Turco-Otomano179 que
dominava aqueles países. Eles desembarcaram nos portos de Santos,
Rio de Janeiro e Recife. Muitos palestinos acorreram ao Brasil depois
da Nakba (catástrofe, em língua árabe), quando mais de 800 mil
habitantes foram expulsos de suas terras para a criação do Estado de
Israel no território palestino.
Esses novos imigrantes tinham como motivação o ideal de fazer
fortuna e depois retornar à terra de origem. Dedicaram-se ao pequeno
comércio, como vendedores ambulantes, denominados de “mascates”,
e adentraram o país vendendo mercadorias como roupas, calçados,
bebidas, perfumes, produtos de higiene e utilitários em geral. Com
o passar do tempo, foram criando pequenos comércios, armazéns
e pequenas indústrias de tecidos. Essa prosperidade dos primeiros
árabes atraiu novos imigrantes, principalmente sírios e libaneses.
Os imigrantes de religião muçulmana enfrentaram uma
série de dificuldades iniciais, devido ao fato de o Brasil ser um país
majoritariamente cristão católico, falar uma língua muito diferente
do árabe e por não existir mesquitas e centros religiosos no país,

179 Império Otomano também conhecido como Império Turco ou Turquia


Otomana, foi um império fundado no fim do século XIII e durou até 1922,
localizado no noroeste da Anatólia (Turquia) e que compreendia vastos
territórios no norte da África, sudeste da Europa e Oriente Médio.

267
Sayid Marcos Tenório

realidade que foi mudando aos poucos, através da fundação de


associações beneficentes, mesquitas, salas de oração e escolas islâmicas,
primeiramente na cidade de São Paulo e, posteriormente, em outras
regiões do país.
A constituição do primeiro grupo de árabes muçulmanos no
Brasil ocorreu a partir de 1929 por palestinos que fundaram, em
1946, juntamente com outros árabes, a Mesquita Brasil na cidade de
São Paulo. Muitos palestinos acorreram ao Brasil, depois da Nakba
(catástrofe, em língua árabe), quando mais de 800 mil habitantes
foram expulsos de suas terras e casas para a criação do Estado de Israel
no território palestino.
A Guerra Civil do Líbano, entre os anos de 1974 e 1991, provocou
uma nova corrente migratória em direção ao Brasil, incluindo um
maior número de muçulmanos em relação às ondas migratórias
anteriores. A guerra da Síria foi outro motivador da vinda de um
significativo número de imigrantes daquele país, que se concentraram
principalmente nas regiões sudeste e centro-oeste.
No entanto, o maior contingente de muçulmanos que chegou
ao Brasil ocorreu em meados do século XVI, constituído de negros
trazidos da África para serem escravizados principalmente na Bahia,
Rio de Janeiro, Pernambuco, Alagoas e Maranhã. África onde, antes do
ano de 1500, o Islam já havia se expandido por pelo menos dois terços
do continente, que desfrutava dos efeitos dos fortes reinos islâmicos
que possuíam civilizações florescentes, com ciências avançadas nas
áreas de agricultura, arquitetura, cultura e artes, além de indústrias,
fatos que deixaram sua marca evidente na construção de uma nova
civilização no Estado brasileiro.
Estima-se que de 3 a 4 milhões foram arrancados à força de suas
terras de forma sub-humana e trazidos ao Brasil. Mulheres e homens
educados, alfabetizados, muitos com experiência administrativa,
comercial ou militar, outros de origens aristocráticas. Os negros
sequestrados na África Ocidental eram mais especializados em
expressões artísticas, em educação, em poesia, em métodos agrícolas,
comércio e luta.

268
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Ao chegarem ao Brasil, esses negros escravizados eram batizados


com nomes cristãos, mas mantinham a sua crença e a prática dos ritos
islâmicos. Entre os escravizados estavam vários sheikhs e acadêmicos,
que desenvolveram o trabalho de orientação e o esforço para que
mantivessem com a sua religião.
O sheikh Khaled Taky El Din, no livro Os muçulmanos no Brasil
– Estudo sobre o manuscrito “A diversão do estrangeiro em tudo que é
incrível”, o diário de viagem do imã Abdul Rahman bin Abdullah al-
Baghdadi ao Brasil, manuscrito este que constitui uma importante
fonte de informação sobre o Islam no Brasil do século XIX, relata que
os estudos históricos sobre o Brasil ligam a chegada do Islam
para este país com o comércio de escravos, que reúnem
em suas análises as etnias negras islâmicas no Brasil, que
a questão diz respeito a grupos de nível cultural humano
razoável. Sabiam ler e escrever, e não se misturavam com
o resto dos escravos nativos africanos. Eles lideraram as
rebeliões mais importantes dos negros conhecidas no Brasil.
Os estudos descrevem o Islam como a religião que deu origem
à autoestima, e resistiu a todas as tentativas de cristianização,
como descrever os negros que a praticavam no Brasil como
pessoas revolucionárias orgulhosas, revolucionárias com
autoestima.180

Da mesma forma, Freyre relata que os negros escravizados que


foram trazidos ao Brasil eram pessoas letradas e com formação em
diversas “artes” e que não eram apenas parte da força de trabalho
braçal na lavoura e sim em outras atividades econômicas do período
escravagista do Brasil.
Os escravos vindos de cultura negra mais adiantada foram
um elemento ativo, criador, e quase que se pode acrescentar
nobre na colonização do Brasil: degradados pela sua
condição de escravos. Longe de terem sido apenas animais
de tração e operários de enxada, a serviço da agricultura,

180 EL DIN, Khaled Taky. Os muçulmanos no Brasil. Estudo sobre o manuscrito “A


diversão do estrangeiro em tudo que é incrível”. Istambul: ACAR Basim ve Cilt
San, 2016. p. 28.

269
Sayid Marcos Tenório

desempenharam uma função civilizadora. Foram a mão


direita da formação agrária brasileira, os índios, e sob certo
ponto de vista, os portugueses, a mão esquerda.

[...]

O Brasil não se limitou a recolher da África a lama de gente


preta que lhe fecundou os canaviais e os cafezais; que lhe
amaciou a terra seca; que lhe completou a riqueza das
manchas de massapê. Vieram-lhe da África “donas de casa”
para seus colonos sem mulher branca; técnicos para as minas;
artífices em ferro; negros entendidos na criação de gado e na
indústria pastoril; comerciantes de panos e sabão; mestres,
sacerdotes e tiradores de reza maometanos [muçulmanos]181.

Os negros islâmicos escravizados no Brasil foram cabeça de


várias revoltas contra a escravidão e suas mazelas. O sheikh Abdul
Hameed Ahmad, imã do Centro Islâmico de Salvador, um nigeriano
que está no Brasil desde 1992, no documentário Allah, oxalá – na trilha
malê182, é taxativo: “O que levou eles [os Malês] a fazerem isso, é que
o Islam diz que todo ser humano nasce livre e precisa viver livre. Está
escrito no Alcorão que os direitos humanos são uma coisa que todo
mundo nasce com ele”.

7.1 As relação amistosas entre Brasil e Palestina


As relações diretas e indiretas do Estado do Brasil em relação
à questão árabe e a Palestina vêm desde o final de Segunda Guerra
Mundial, nos primórdios da ONU, quando a representação do Brasil
votou favoravelmente à Resolução 181 da Assembleia Geral que
aprovou o Plano de Partilha territorial da Palestina (Ver Anexo I),
contrariando orientação do Itamaraty que havia orientado a abstenção
do voto, como mencionei anteriormente. O representante brasileiro
junto às Nações Unidas era o diplomata Oswaldo Aranha (1894-1960),
que havia sido ministro das Relações Exteriores do governo de Getúlio

181 FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. São Paulo: Global, 2006. p. 382.
182 Allah, oxalá – na trilha malê. Direção, produção e pesquisa: Francirosy Campos
Barbosa. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6VtkEnoW6g4.

270
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Vargas e foi quem presidiu ocasionalmente a Primeira Sessão Especial


da Assembleia Geral das Nações Unidas que aprovou a criação do
Comitê Especial das Nações Unidas sobre a Palestina (UNSCOP, da
sigla em inglês), por meio da Resolução 106 da Assembleia Geral, bem
como a Presidência da 2ª Sessão Ordinária da Assembleia Geral, que
aprovou o Plano de Partilha, em 29 de novembro de 1947.
Embora fosse ocasional, o envolvimento do Brasil com a questão
palestina estava relacionado ao alinhamento com os Estados Unidos
e à proximidade com a Santa Sé, cujas ações diplomáticas estavam
voltadas para a questão do status de Jerusalém.
No âmbito das decisões da ONU, o Brasil votou também a favor
da Resolução 194 da Assembleia Geral (Ver Anexo II), adotada em
11 de dezembro de 1948, no final da guerra árabe-israelense (maio
de 1948 a janeiro de 1949), que estabeleceu o direito de retorno como
princípio fundamental para a questão dos refugiados palestinos. O
parágrafo 11 da Resolução 194 assegura que
[...] os refugiados desejosos de retornar às suas casas e viver
em paz com seus vizinhos devem ser autorizados a fazê-lo
tão logo quanto praticável, em compensação deve ser paga
pela propriedade dos que optarem por não voltar e por
perdas e danos à propriedade que, sob os princípios da lei
internacional e da justiça, deve ser validada pelos governos
ou autoridades responsáveis (Ver Anexo II).

O Brasil votou igualmente a favor das Resoluções 212 (III),


de 19 de novembro de 1948, que tratava da questão dos refugiados
palestinos, e a 302 (IV), de 8 de dezembro de 1949, que dispunha
sobre a questão dos refugiados palestinos e da criação da Agência das
Nações Unidas de Assistência aos Refugiados Palestinos (UNRWA, da
sigla em inglês).
Como se sabe, Resoluções se fizeram letra morta e não se
efetivaram em benefício do povo palestino. Os ocupantes sionistas
alegam em seu favor, para não respeitar as Resoluções, que elas foram
aprovadas pela Assembleia Geral e não pelo Conselho de Segurança

271
Sayid Marcos Tenório

– e assim não é de aplicação obrigatória. No entanto, os sionistas não


questionam a decisão da Partilha ter sido adotada pela Assembleia
Geral e não pelo Conselho de Segurança. Se o entendimento dos
sionistas prevalece sobre as Resoluções 194, 212 e 302 (IV), por que
não sobre a Resolução 181, que dividiu a Palestina em dois territórios
e abriu o caminho para a criação do Estado racista de Israel?
As relações com o Oriente Médio, umas das mais antigas e
veneradas regiões do planeta, não se restringiram, naturalmente,
com os árabes. Em fevereiro de 1949, o Brasil reconheceu o Estado de
Israel. Porém, em maio do mesmo ano o Brasil absteve-se na votação
da Resolução 273 (IV) da Assembleia Geral, que admitiu Israel
como membro das Nações Unidas. O Brasil adotou o argumento e
preocupações da Santa Sé sobre o regime especial de Jerusalém,
definido pela Resolução 181 e que não tinha sido cumprida pelos
sionistas. Para o Brasil, esse não cumprimento era um óbice à admissão
de Israel na ONU.
Israel havia solicitado sua admissão nas Nações Unidas em
novembro de 1948, mas a guerra com seus vizinhos árabes que
se encontrava em curso favoreceu a derrota de sua solicitação no
Conselho de Segurança. Após a assinatura de acordos de armistícios
com seus vizinhos, exceto com a Síria, a Assembleia Geral aprovou a
admissão de Israel nas Nações Unidas por recomendação do Conselho
de Segurança, em 11 de maio de 1949. Brasil e Israel estabeleceram
relações diplomáticas em 7 de fevereiro de 1949. Em 1951, o Brasil
estabeleceu sua legação em Tel Aviv e, em 1958, elevou-a à categoria
de Embaixada, tendo o diplomata ministro José Fabrino de Oliveira
Baião como seu primeiro embaixador.
A diplomacia brasileira tem a sua tradição atrelada à aplicação
do Direito Internacional e igualmente permeada pelo pragmatismo.
Isso demonstra que, tendo envolvimento com os temas do Oriente
Médio, a política externa brasileira manteve-se alinhada com os
Estados Unidos da América e seguiu sua orientação, embora tenha
se inclinado às posições árabes em decorrência da crise do petróleo.

272
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

O governo do presidente Jair Bolsonaro e seu chanceler terraplanista


mudaram essa tradição, como veremos mais adiante.
Os governantes militares brasileiros haviam adotado uma
linha de desenvolvimento enormemente dependente do petróleo e o
Oriente Médio tornou-se o maior fornecedor internacional do Brasil,
quando as importações árabes passaram a representar 37,5% da pauta
de importações brasileiras de petróleo e derivados em 1979. No início
da década de 1970, as importações do Oriente Médio representavam
míseros 4,2%. Por outro lado, no mesmo período, o Brasil elevou a sua
pauta de exportações para o Oriente Médio de 0,6% para 3,4% do total
das exportações brasileiras183.
Na década de 1970, o regime militar brasileiro demonstrava
grande preocupação com o comércio de petróleo com os árabes, o que
levou o general Ernesto Geisel a determinar ao general Golbery do
Couto e Silva, seu chefe do Gabinete Civil, o anúncio, em reunião com
emissário dos Estados Unidos, em fevereiro de 1974, que a prioridade
do Brasil no comércio de petróleo era com os países árabes. Esses
interesses econômicos brasileiros foram determinantes para a atitude
do voto favorável do Brasil à Resolução 3379 da Assembleia Geral da
ONU, de 10 de novembro de 1975, a qual considerou o sionismo como
forma de racismo e discriminação racial.
O voto do Brasil mereceu uma nota da Embaixada dos Estados
Unidos manifestando “profunda decepção” com o voto brasileiro
e demonstrando o desejo de que o Brasil instruísse o voto contra a
aprovação daquela Resolução na Assembleia Geral. A insólita atitude
norte-americana de ingerência nos assuntos internos brasileiros
irritou, mesmo que veladamente, o governo brasileiro, que manteve
o seu voto. A Resolução 3379 seria revogada, com o voto favorável
do Brasil, por meio da Resolução 4868, aprovada a 16 de dezembro
de 1991 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, com 111 votos
favoráveis, 25 contra e 13 abstenções.

183 Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – Comércio


brasileiro por destino e origem.

273
Sayid Marcos Tenório

Ainda sob o regime militar e na esteira da crise do petróleo


de 1973, a diplomacia brasileira continuou a se expandir no Oriente
Médio. Durante o governo do general Ernesto Geisel (1974-1979),
o país passou a adotar posições favoráveis às petições árabes e a
defender com maior firmeza o direito palestino à autodeterminação.
O jornalista Elio Gaspari relata, em seu livro A ditadura derrotada, que
o governo queria preservar a aliança com os Estados Unidos, desde
que a Casa Branca entendesse que nas relações entre os dois países
não cabia nenhum tipo de vetos como seu alinhamento com o Oriente
médio, pois o Brasil necessitava do fornecimento do petróleo dos
árabes. Sobre a simpatia de Geisel pelos árabes e nenhuma simpatia
pelos judeus, Gaspari diz que
Geisel se assustara com a possibilidade de um boicote árabe
e se tornara um crítico do apoio gratuito do Brasil a Israel.
Além disso, guardava uma irredutível antipatia pela criação
do Estado judeu: “Francamente, eu era muito a favor dos
árabes. Eu achava que o judeu era um intruso. Quer dizer,
não é fato de há dois mil anos atrás aquela terra ter sido
deles, que hoje em dia devesse ser. Os romanos, os italianos,
também podiam reivindicar. Houve época em que aquilo
foi dos romanos, dos italianos. Aquilo foi uma política do
inglês, secundada por Wall Street.

Referindo-se à política de Nixon, dizia que “Está cheio de


petróleo, resolve dar armas e bilhões de dólares para Israel. E o resto
do mundo que se fomente? O japonês que se arrase, o Brasil que se
esbandalhe”184.
O Brasil votou a favor da Resolução 3236, de 22 de novembro
1974, que reconhecia a Organização para Libertação da Palestina
(OLP) como legítima representante do povo palestino, bem como
os direitos dos palestinos à autodeterminação, à independência
nacional e à soberania. E a convidava a participar como observador
das Sessões da Assembleia Geral. Em 1977, o Brasil votou, igualmente,
a favor da Resolução 32/40-B da Assembleia Geral que instituiu o
184 GASPARI, Elio. A Ditadura Derrotada. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
p. 345.

274
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

dia 29 de novembro como o Dia Internacional de Solidariedade ao


Povo Palestino, que posteriormente se tornou lei em várias cidades
brasileiras.
Os contatos da OLP com o Governo brasileiro em busca de apoio
internacional pelo reconhecimento político iniciaram-se em fins de
1974, encorajados pelos desdobramentos da ONU. Assim, a primeira
visita da OLP ao Brasil ocorreu no final de 1975, cuja delegação era
composta pelo vice-diretor do Departamento Político da OLP, Abdul
Latif, e pelo chefe do Departamento para América Latina da OLP,
Wadi Mohammed. O motivo da visita foi realizar gestões com vistas a
obter autorização brasileira para instalação de um escritório da OLP
em Brasília.
Em 1976, Yasser Arafat enviou ao Brasil o dirigente do Fatah
e seu amigo pessoal, Salah Al-Zawawi (atualmente embaixador da
Palestina no Irã), com o objetivo de obter autorização do governo
brasileiro para abrir o primeiro escritório da OLP na América Latina.
A liderança da OLP via o Brasil como ponto importante para a difusão
da causa palestina entre os países da América Latina. O objetivo não
foi alcançado, porém Al-Zawawi continuou operando na região com a
concordância do Brasil por meio da Missão da Liga dos Estados Árabes,
onde ocupou a função de Conselheiro de Imprensa para Assuntos
Palestinos até novembro de 1977. Em seguida, a representação
palestina no Brasil passou a ser exercida pelo médico Farid Sawan,
que foi acreditado pelo governo brasileiro como primeiro-secretário
na Missão da Liga dos Estados Árabes em maio de 1979.
Esta “autorização” se deu em meio a fortes gestões árabes perante
o governo brasileiro, em particular dos iraquianos. Assim, em 18 de
maio de 1979, Brasil e Iraque assinaram um Comunicado Conjunto
que reconheciam a OLP como única e legítima representante do povo
Palestino185.
Em abril de 1980 uma delegação de brasileiros viajou ao Oriente
Médio onde visitaram campos de refugiados palestinos na Síria e no

185 Ministério das Relações Exteriores. Resenha de Política Exterior no Brasil. Nº


21, março, abril, maio e junho de 1979, p. 43.

275
Sayid Marcos Tenório

Líbano, quando foram recebidos por Yasser Arafat e puderam conhecer


de perto o drama do povo palestino expulso de suas terras. O grupo
era integrado por membros do parlamento, como o deputado Airton
Soares, então líder do Partido dos Trabalhadores, e o deputado gaúcho
Pedro Germano, do PDS, partido de sustentação do regime militar
que sucedeu a ARENA; de representantes da Comissão Brasileira de
Justiça e Paz da CNBB, pelo presidente da UNE, Aldo Rebelo, pelo
presidente do Movimento Negro Unificado, Milton Barbosa, o Miltão,
e por jornalistas.
A viagem resultou no documentário Sanaud – Voltaremos,
produzido por uma equipe de cinema independente, nos campos
de refugiados palestinos da Síria e do Líbano, com roteiro e direção
de José Antônio de Barros Freire, o Barrinhos, e fotografia de Jorge
Bouquet. Barrinhos viria a ficar famoso não pelo documentário, mas
pelo personagem Arakem, o Showman, das vinhetas exibidas no
intervalo dos jogos de futebol na Rede Globo, estreladas por um sujeito
franzino, torcedor sem pinta de galã, mas sempre rodeado de belas
mulheres, que depois continuaria como o personagem “Gol Man”.
A decisão de permitir a instalação de um escritório da OLP no
Brasil motivou uma intensa discussão na imprensa brasileira e rendeu
vários artigos de “colunistas” simpáticos a Israel, principalmente
durante o ano de 1979. Nos anos que se seguiram o Itamaraty manteve
o status de representação da OLP, mas sem avançar na autorização
para instalação do seu escritório. O argumento da diplomacia
brasileira era o de que a autorização seria o reconhecimento da OLP
como Estado. A questão da representação palestina só seria retomada
em 1988, durante o governo do presidente José Sarney (1985-1990),
com o entendimento, por parte do Itamaraty, de que era necessário
aprofundar as relações com a OLP, pois esta desempenharia um papel
decisivo para o futuro do Oriente Médio, embora a Consultoria Jurídica
do MRE tenha ponderado que a concessão de status diplomático à
representação da OLP seria um precedente desaconselhável, pois
implicaria o reconhecimento da OLP não mais como movimento de
libertação nacional, mas também como Estado.

276
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Em 1993, dois meses após o reconhecimento mútuo entre Israel


e a OLP por meio da assinatura do primeiro Acordo de Oslo, o governo
do presidente Itamar Franco (1992-1995) autorizou a abertura da
“Delegação Especial da Palestina” em Brasília, com status diplomático
e privilégios e imunidades equivalentes aos concedidos a organismos
internacionais representados no país. O representante da OLP no Brasil,
Ahmed Sobeh, passou a ser o primeiro chefe da Delegação Palestina
no Brasil, pondo fim a 15 anos de esforços, especulações e debates
sobre a autorização para instalação da representação diplomática
palestina no Brasil.
O Brasil sempre manteve uma postura de equilíbrio na ONU e
esta atitude merecia a atenção das lideranças do mundo árabe. Tanto
é que, em 1994, o presidente Itamar Franco foi o único líder latino-
americano a ser convidado a participar da cerimônia de assinatura
do tratado de paz entre Israel e Jordânia. O Brasil foi representado na
ocasião pelo chanceler Celso Amorim.
Naquela ocasião, Israel mantinha presa desde março de 1984
a jovem brasileira de origem palestina Lâmia Maruf, nascida em
Manaus em 30 de maio de 1964 e que tinha se mudado para São Paulo
com a família em 1980. Ela havia sido condenada à prisão perpétua
quando tinha 19 anos, e sua prisão causava grande comoção na
comunidade árabe no Brasil e em várias partes do país haviam sido
formado comitês pela libertação da brasileira, que desenvolviam uma
ativa campanha nacional pela sua libertação, sendo que, por meio
de abaixo-assinados, cobravam do governo brasileiro uma posição
perante Israel pela sua libertação. Seu encarceramento tinha sido em
decorrência de sua participação em uma ação militar que provocou a
morte de um soldado das tropas de agressão sionista.
A pressão do movimento pela libertação de Lâmia obrigou o
presidente Itamar Franco a designar o diretor do Departamento de
Oriente Próximo do Itamaraty, o embaixador Pedro Paulo Assunção,
como emissário especial e portador de uma carta de Itamar a Yasser
Arafat, na qual solicitava que o nome da brasileira fosse incluído na

277
Sayid Marcos Tenório

lista de prisioneiros que Israel libertaria como gesto de boa vontade no


contexto dos Acordos de Oslo186.
A acusação contra de Lâmia e seu marido Tawfic Abdallah187
foi uma peça típica dos tribunais fascistas. Os juízes apoiavam-se em
“provas secretas”, cercearam o direito de defesa, chegando a cassar a
palavra do advogado Ayrton Soares, um antigo congressista brasileiro
que havia lutado pela redemocratização do país e tinha defendido
presos políticos durante a ditadura militar. A condenação foi em
instância única, sem direito à apelação. E, um ano antes de proferida
a sentença, os réus tiveram sua casa dinamitada pelo exército, como
“punição acessória”.
Durante sua visita ao Brasil, Yasser Arafat reuniu-se em 17 de
outubro de 1995 com diversos líderes e parlamentares que lhe reiteraram
o pedido para que Lâmia fosse incluída entre os prisioneiros a serem
libertados por Israel nos acordos de paz. A brasileira foi libertada após
11 anos de cárcere, durante o governo FHC, em 11 de fevereiro de
1998, aos 38 anos.
Ainda durante sua visita ao Brasil, Yasser Arafat foi condecorado
pelo presidente FHC com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul,
no grau Grã-Cruz, que é a comenda concedida a Chefes de Estado,
Chefes de Governo e outras personalidades de hierarquia equivalente.
A mesma condecoração já havia sido concedida a personalidades
como Che Guevara, Bashar Al-Assad e a cantora portuguesa Amália
Rodrigues. O ex-capitão fascista que governa o Brasil, Jair Bolsonaro,
concedeu essa honraria brasileira ao criminoso de guerra Benjamin
Netanyahu durante sua visita para a posse presidencial em 2019.
O presidente Fernando Henrique Cardoso, que governou o Brasil
de 1995 a 2002, tratou em seu discurso na abertura da Assembleia

186 AMORIM, Celso. Teerã, Ramalá e Doha: Memórias da política externa ativa e
altiva. São Paulo: Benvirá, 2015. p. 111.
187 Tawfic Abdallah era militante do Al-Fatah e foi um dos 477 prisioneiros
palestinos que foram libertados em troca do soldado israelense Gilad Shalit, em
18 de outubro de 2011, após 26 anos de prisão. Ele vive atualmente no Brasil
com sua esposa.

278
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Geral de 2001 sobre o conflito na Palestina e defendeu a criação de um


Estado palestino.
Assim como apoiou a criação do estado de Israel, o Brasil
reclama passos concretos para a constituição de um estado
palestino democrático, coeso e economicamente viável. O
direito à autodeterminação do povo palestino e o respeito à
existência de Israel como estado soberano, livre e seguro são
essenciais para que o Oriente Médio possa reconstruir seu
futuro de paz. Esta é uma dívida moral das Nações Unidas. É
uma tarefa inadiável188.

7.2 Brasil-Palestina na era Lula/Dilma


Durante os seus dois mandatos (2003-2010), o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva manteve uma linha de defesa do direito à
autodeterminação do povo palestino e a solução de dois Estados,
com as fronteiras internacionalmente reconhecidas de 1967. A sua
intervenção no cenário internacional mais se assemelhou a uma
“diplomacia presidencial”, dada a sua dedicação com o tema por
onde quer que fosse. E nas diversas vezes que ocupou a tribuna da
ONU, Lula manteve sempre o discurso em que cobrava uma maior
participação da comunidade internacional – a ONU em especial – na
solução do conflito.
Desde o início do seu governo, o presidente Lula sempre
declarou seu interesse de se aproximar dos países árabes motivado,
naturalmente, por questões econômicas, onde era apoiado por
empresários e políticos de variadas tendências. A Palestina, contudo,
era um tema sempre presente em seus discursos. Em dezembro de
2003, o presidente Lula deu início a uma viagem à Síria, Líbano,
Emirados Árabes Unidos, Egito e Líbia. Nos contatos bilaterais que
manteve e nos pronunciamentos que fez, Lula não fugiu de temas
políticos delicados. Em todos eles abordou a necessidade da criação

188 BRASIL. Presidente (1995-2003). Discursos selecionados do Presidente Fernando


Henrique Cardoso. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009. p. 65.

279
Sayid Marcos Tenório

de um Estado palestino e reclamou da ocupação israelense nas Colinas


de Golã, um território pertencente à Síria.
Lula discursou também na Assembleia Nacional Libanesa,
presidida pelo muçulmano xiita Nabih Berri desde 1992, onde cobrou
o envolvimento mais efetivo da ONU nas questões relacionadas à
paz no Oriente Médio. E reclamou do pouco envolvimento de chefes
de Estado com a questão palestina. O presidente afirmou que a paz
entre palestinos e israelenses é uma tarefa de toda a comunidade de
nações. Lula também reafirmou o direito do Líbano em exercer a
soberania plena dos territórios que lhe pertencem segundo o Direito
Internacional.
Discursando pela segunda vez na abertura da Assembleia Geral
das Nações Unidas, em 2004, o presidente Lula fez menção direta ao
conflito israel-palestina, destacando a necessidade premente de uma
solução. Lula falou na tribuna da ONU que
não se vislumbra, por exemplo, melhora na situação crítica
do oriente Médio. Neste, como em outros conflitos, a
comunidade internacional não pode aceitar que a violência
proveniente do estado, ou de quaisquer grupos, se sobreponha
ao diálogo. O povo palestino ainda está longe de alcançar a
autodeterminação a que tem direito189.

Em abril de 2004 uma delegação de parlamentares brasileiros


visitou a Palestina Ocupada, com o objetivo de levar a solidariedade do
Governo e do Parlamento brasileiro ao povo palestino e ao líder Yasser
Arafat, presidente da Autoridade Nacional Palestina e da Organização
para a Libertação da Palestina (OLP), que vivia confinado em seu
quartel-general, em Ramallah, cercado pelas tropas israelenses de
ocupação. Foram os últimos brasileiros que estiveram com Arafat em

189 A íntegra do discurso está disponível em FOLHA DE S. PAULO. Leia a íntegra


do pronunciamento de Lula na ONU, 2004. Disponível em: https://www1.folha.
uol.com.br/folha/brasil/ult96u64289.shtml.

280
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

vida, que veio a falecer por meio de envenenamento190, em novembro


do mesmo ano desta visita histórica.
A delegação foi composta pelos deputados Jamil Murad (PCdoB-
SP), chefe da delegação e secretário-geral da Liga Parlamentar Árabe-
Brasileira, Nilson Mourão (PT-AC), Leonardo Mattos (PV-MG)
e a deputada Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM). A delegação foi
acompanhada pelo embaixador da Autoridade Palestina no Brasil,
Musa Amer Odeh, do embaixador do Brasil em Tel Aviv, Sérgio
Eduardo Moreira Lima e pelo presidente da Federação Árabe Palestina
do Brasil (Fepal), Farid Suwwan.
Lula foi o primeiro chefe de Estado brasileiro a visitar
oficialmente Israel e Palestina, em março de 2010. Anteriormente, o
único chefe de Estado brasileiro a visitar a região fora o imperador
Pedro II, que esteve no Egito, Líbano, Síria e Palestina em 1876, em
viagem de natureza particular. Além de visitar e depositar flores no
mausoléu da Yasser Arafat em Ramallah, Lula também inaugurou a
Rua Brasil na capital da Cisjordânia, onde fica a sede da Autoridade
Palestina. “Estou muito feliz de que a rua do Brasil fique em frente ao
mausoléu de Arafat; isto demonstra o carinho que o povo palestino
sente pelo povo brasileiro”191, declarou Lula durante a cerimônia, na
presença do primeiro-ministro palestino, Salam Fayyad, antes de se
reunir com o presidente Mahmoud Abbas.
A passagem do presidente Lula pela Palestina mereceu matérias
controversas na imprensa brasileira, que preferiu dar destaque ao
fato de o presidente não ter depositado flores no túmulo de Theodor
Herzl, o fundador do movimento sionista e responsável por teorias
fantasiosas do tipo “uma terra sem povo para um povo sem terra”. E

190 Em outubro de 2004, depois de uma refeição, ele sentiu-se mal, com vômitos,
náuseas, dores e diarreia. O diagnóstico inicial foi de uma virose. Em 2012
três equipes – uma russa, uma francesa e uma suíça – concluíram que foram
encontrados resquícios de polônio 210, uma substância radioativa letal, numa
quantidade 18 vezes maior do que a normal.
191 G1. Lula visita mausoléu de Arafat em Ramallah, 2010. Disponível em: http://
g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1533638-5602,00-lula+visita+mausole
u+de+arafat+em+ramallah.html.

281
Sayid Marcos Tenório

ao gesto descortês e demagógico do político sionista de ultradireita


e ministro do Exterior Avigdor Liebermann, de não comparecer ao
jantar de Estado oferecido por Shimon Peres a Lula e comitiva.

Dona Marisa Letícia e o presidente Lula na inauguração da Rua Brasil,


em Ramallah. Disponível em http://sanaud-voltaremos.blogspot.com/search/
label/liberdade.

Após a visita de Lula à Palestina, as relações com o Brasil ganharam


novo patamar com a abertura do Escritório de Representação do Brasil
em Ramallah, em julho de 2004, quando o embaixador Bernardo de
Azevedo Brito assumiu a chefia do escritório, dando mais um passo
diplomático para o reconhecimento político do Estado palestino.
Reconhecimento que veio a ocorrer nos últimos dias do seu
governo, embora já existisse há algum tempo a motivação política para
aquele ato nas esferas diplomáticas e políticas do governo brasileiro. O
tema ganhou concretude após a visita, em julho de 2010, do enviado
especial da ANP, Nabil Shaath, membro da OLP e do Comitê Central
do Fatah, que veio ao Brasil para negociar o reconhecimento. A

282
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

decisão foi, enfim, tomada pelo presidente Lula e a declaração só não


foi anunciada naqueles dias por uma questão interna.
O Palácio do Planalto avaliava que, em decorrência das eleições
que seriam realizadas em outubro e, mesmo levando em conta que a
política externa não era uma das pautas da campanha eleitoral, poderia
motivar a politização do tema do conflito Israel-Palestina e afetar o
debate eleitoral. Por uma questão de timing adiou-se o reconhecimento
para outra ocasião.
A vitória da presidente Dilma no segundo turno criou um
ambiente mais propício para o reconhecimento brasileiro do Estado
palestino. Ao mesmo tempo, contava o fato da elevada popularidade
do presidente Lula, que encerraria seu mandato com a maior aprovação
popular da história que, de acordo com o instituto DataFolha, era de
83% de aprovação em dezembro de 2010.
Embora o reconhecimento de Estado seja um ato voluntário, o
governo brasileiro esperava que a Autoridade palestina se manifestasse
oficialmente sobre o reconhecimento. O formalismo desnecessário
do Itamaraty considerava que era pertinente que o reconhecimento
derivasse de um pedido palestino, que na ótica do governo brasileiro
seria uma sequência lógica de acontecimentos históricos e evitaria que
a decisão brasileira fosse vista como voluntarista.
Assim, em 24 de novembro de 2010, o presidente palestino
Mahmoud Abbas192 (também conhecido como Abu Mazen) enviou
carta ao presidente Lula, solicitando o reconhecimento pelo Brasil
do Estado palestino. Na carta Abbas afirmava que a decisão do
reconhecimento “será um uma decisão importante e histórica, porque
encorajará outros países em seu continente e em outras regiões do
mundo a seguir a sua posição e reconhecer o Estado palestino”.

192 Mahmoud Abbas é o presidente da Autoridade Nacional Palestina desde 2005.


Foi um dos fundadores, junto com Yasser Arafat, da organização Fatah em
1959. Desempenhou também funções como primeiro-ministro da Autoridade
Nacional Palestina entre março e outubro 2003.

283
Sayid Marcos Tenório

Eis a íntegra da carta do presidente Mahmoud Abbas ao


presidente Lula193:
Sua Excelência
Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente da República Federativa do Brasil Brasília
24/11/2010
Saudações,

Inicialmente, gostaríamos de estender a Vossa Excelência


nossas felicitações pelo sucesso das eleições gerais no Brasil,
louváveis por sua elevada transparência e pelo alto nível do
processo democrático, que levaram à vitória a candidata de
seu partido como nova Presidente da República Federativa
do Brasil. É com satisfação que também saudamos
entusiasticamente o seu Governo, testemunha de um período
de prosperidade econômica e mudança política qualitativa,
que inscreve Vossa Excelência na história política moderna
do Brasil.

Senhor Presidente,

A atual situação nos territórios palestinos evidencia uma


grande escalada das ações israelenses. O Governo de Israel
recusa-se a interromper suas atividades em assentamentos.
Isso paralisou o lançamento de negociações diretas, apesar
das posições e dos pedidos de países de todo o mundo para
que Israel ponha fim aos assentamentos, e, dessa forma, não
apenas torne possíveis as negociações, como também dê
uma chance à paz. No entanto, Israel ainda desafia o mundo
inteiro e insiste em suas atividades colonizadoras. Tal posição
dificulta qualquer possibilidade de se alcançar um acordo
por meio de negociações e cria também uma nova realidade
no terreno, que inviabiliza a solução de dois Estados.

193 A íntegra da carta está disponível em RAATZ, Luiz. Leia as cartas de Lula e
Abbas sobre o reconhecimento do Estado palestino. Estadão, 2010 (https://
internacional.estadao.com.br/blogs/radar-global/leia-as-cartas-de-lula-e-
abbas-sobre-o-reconhecimento-do-estado-palestino/).

284
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Enquanto expressamos a Vossa Excelência o nosso orgulho


das valorosas e históricas relações brasileiro-palestinas, que
refletem suas posições firmes em relação ao nosso povo ao
longo dos anos e em nossos recentes encontros, esperamos,
nosso caro amigo, que Vossa Excelência decida tomar a
iniciativa de reconhecer o Estado da Palestina nas fronteiras
de 1967. Essa será uma decisão importante e histórica, porque
encorajará outros países em seu continente e em outras
regiões do mundo a seguir a sua posição de reconhecer o
Estado palestino. Essa decisão levará também ao avanço do
processo de paz e à promoção da posição palestina, que busca
o reconhecimento internacional do Estado da Palestina.
Esperamos que o nosso pedido possa receber sua bondosa
aceitação e esperamos também que essa iniciativa possa ser
tomada antes do fim de seu mandato presidencial.

Queira aceitar os protestos de nossa mais alta estima e


consideração.

Mahmoud Abbas
Presidente do Estado da Palestina
Presidente do Comitê Executivo da Organização para a
Libertação da Palestina
Presidente da Autoridade Nacional Palestina

Por meio de carta do presidente Lula, de 1º de dezembro de 2010,


era ressaltada a posição do Brasil, historicamente favorável à legítima
aspiração do povo palestino a um estado coeso, seguro, democrático
e economicamente viável, coexistindo em paz com Israel. A carta foi
escrita nos seguintes termos194:
À Sua Excelência Mahmoud Abbas
Presidente da Autoridade Nacional Palestina
Senhor Presidente,

194 A íntegra da carta está disponível em RAATZ, Luiz. Leia as cartas de Lula e
Abbas sobre o reconhecimento do Estado palestino. Estadão, 2010 (https://
internacional.estadao.com.br/blogs/radar-global/leia-as-cartas-de-lula-e-
abbas-sobre-o-reconhecimento-do-estado-palestino/).

285
Sayid Marcos Tenório

Li com atenção a carta de 24 de novembro, por meio da qual


Vossa Excelência solicita que o Brasil reconheça o Estado
palestino nas fronteiras de 1967.

Como sabe Vossa Excelência, o Brasil tem defendido


historicamente, e em particular durante meu Governo, a
concretização da legítima aspiração do povo palestino a um
Estado coeso, seguro, democrático e economicamente viável,
coexistindo em paz com Israel.

Temos nos empenhado em favorecer as negociações de paz,


buscar a estabilidade na região e aliviar a crise humanitária
por que passa boa parte do povo palestino. Condenamos
quaisquer atos terroristas, praticados sob qualquer pretexto.

Nos últimos anos, o Brasil intensificou suas relações


diplomáticas com todos os países da região, seja pela abertura
de novos postos, inclusive um Escritório de Representação
em Ramalá; por uma maior freqüência de visitas de alto
nível, de que é exemplo minha visita a Israel, Palestina e
Jordânia em março último; ou pelo aprofundamento das
relações comerciais, como mostra a série de acordos de livre
comércio assinados ou em negociação.

Nos contatos bilaterais, o Governo brasileiro notou os


esforços bem-sucedidos da Autoridade Nacional Palestina
para dinamizar a economia da Cisjordânia, prestar serviços
à sua população e melhorar as condições de segurança nos
Territórios Ocupados.

Por considerar que a solicitação apresentada por Vossa


Excelência é justa e coerente com os princípios defendidos
pelo Brasil para a Questão Palestina, o Brasil, por meio desta
carta, reconhece o Estado palestino nas fronteiras de 1967.

Ao fazê-lo, quero reiterar o entendimento do Governo


brasileiro de que somente o diálogo e a convivência pacífica
com os vizinhos farão avançar verdadeiramente a causa
palestina. Estou seguro de que este é também o pensamento
de Vossa Excelência

286
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

O reconhecimento do Estado palestino é parte da convicção


brasileira de que um processo negociador que resulte em
dois Estados convivendo pacificamente e em segurança é
o melhor caminho para a paz no Oriente Médio, objetivo
que interessa a toda a humanidade. O Brasil estará sempre
pronto a ajudar no que for necessário.

Desejo a Vossa Excelência e à Autoridade Nacional Palestina


êxito na condução de um processo que leve à construção
do Estado palestino democrático, próspero e pacífico a que
todos aspiramos.

Aproveito a ocasião para reiterar a Vossa Excelência a minha


mais alta estima e consideração.

01 de dezembro de 2010
Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente da República Federativa do Brasil

Celso Amorim foi o chanceler brasileiro que mais promoveu


atividades da política externa brasileira em benefício de uma solução
para o conflito entre Israel e a Palestina. De 2005 a 2010, Amorim
esteve em Israel e na Palestina por cinco vezes. O Brasil recebeu o
presidente de Israel, Shimon Peres, em 10 de novembro de 2009 e o
da Palestina, Mahmoud Abbas, visitou o Brasil em 2005, 2009 e esteve
presente na posse da presidenta Dilma Rousseff em 2011.
Conforme Abbas havia previsto em sua carta, a atitude brasileira
“encorajou outros países” e gerou uma onda de reconhecimentos. Em
um período de três meses após o Brasil reconhecer o estado palestino,
todos os países sul-americanos reconheceram o Estado palestino sem
que fosse necessária nenhuma articulação ou coordenação regional
por parte do Brasil.
A exceção ficou com a Colômbia, que só veio a reconhecer
o Estado palestino em 3 de agosto de 2018, através de carta oficial
assinada por María Ángela Holguín, ministra de Relações Exteriores
durante os dois mandatos presidenciais (2010-2018) de Juan Manuel
Santos. Desde 15 de novembro de 1988, data em que Yasser Arafat

287
Sayid Marcos Tenório

declarou a independência da Palestina, em Argel, o ano de 2011 foi


aquele em que um maior número de países reconheceu o Estado
palestino. O Panamá segue sendo o único país latino-americano a não
fazer esse reconhecimento.
Países latino-americanos que reconhecem a Palestina:

País Data de reconhecimento


Cuba 16 de novembro de 1988
Nicarágua 16 de novembro de 1988
Paraguai 25 de março de 2005
Costa Rica 5 de fevereiro de 2008
Venezuela 27 de abril de 2009
República Dominicana 14 de julho de 2009
Brasil 1 de dezembro de 2010
Argentina 6 de dezembro de 2010
Bolívia 17 de dezembro de 2010
Equador 24 de dezembro de 2010
Chile 7 de janeiro de 2011
Guiana 13 de janeiro de 2011
Peru 24 de janeiro de 2011
Suriname 1 de fevereiro de 2011
Uruguai 15 de março de 2011
El Salvador 25 de agosto de 2011
Honduras 26 de agosto de 2011
São Vicente e Granadinas 29 de agosto de 2011
Belize 9 de setembro de 2011
Dominica 19 de setembro de 2011
Guatemala 9 de abril de 2013
Colômbia 3 de agosto de 2018

O apoio do Brasil ao esforço palestino pelo seu reconhecimento


no âmbito das Nações Unidas se caracterizou também pela realização
de contribuições financeiras com o objetivo de colaborar materialmente
com a Palestina. De 2007 a 2015, o governo brasileiro doou mais de US$

288
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

30 milhões para a construção de um Estado palestino, incluindo US$


10 milhões em assistência ao governo palestino, em 2007, e US$ 7,5
milhões à Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados
da Palestina (UNRWA), em 2011. Em 2014 o Brasil doou 11,5 mil
toneladas de arroz à UNRWA, com valor estimado de US$ 9 milhões.
Na Conferência de Reconstrução de Gaza, no Cairo, em 2014, doou
mais 6 mil toneladas de arroz à Agência da ONU. Em decorrência
dessas doações, o Brasil foi convidado a integrar como membro o
Comitê Consultivo da UNRWA, em dezembro de 2014.

A bela sede da Embaixada da Palestina no Brasil, inaugurada em 03 de


fevereiro de 2016. O presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud
Abbas, participou da cerimônia de colocação da pedra fundamental, em
2011. De acordo com a praxe seguida desde a fundação de Brasília, o
Governo brasileiro doou, com aprovação do Congresso Nacional, a área para
a construção da Embaixada palestina em 2010. Em reciprocidade, recebeu
doação, em 2015, de terreno para uso do Brasil em Ramallah, onde funciona
a representação brasileira na Palestina. Disponível em https://redebrasil.net/
palestina-inaugura-embaixada-mesquita-no-brasil/.

289
Sayid Marcos Tenório

Em seu primeiro discurso na abertura da Assembleia Geral da


ONU, em 21 de setembro de 2011, a presidenta Dilma Rousseff disse
que lamentava ainda não poder saudar o ingresso pleno da Palestina
na Organização das Nações Unidas:
Mas lamento ainda não poder saudar, desta tribuna, o
ingresso pleno da Palestina na Organização das Nações
Unidas. O Brasil já reconhece o Estado palestino como
tal, nas fronteiras de 1967, de forma consistente com as
resoluções das Nações Unidas. Assim como a maioria dos
países nesta Assembleia, acreditamos que é chegado o
momento de termos a Palestina aqui representada a pleno
título.

O reconhecimento ao direito legítimo do povo palestino à


soberania e à autodeterminação amplia as possibilidades de
uma paz duradoura no Oriente Médio. Apenas uma Palestina
livre e soberana poderá atender aos legítimos anseios de Israel
por paz com seus vizinhos, segurança em suas fronteiras e
estabilidade política em seu entorno regional195.

Em novembro de 2012, com apoio de expressiva maioria da


Assembleia Geral, a Palestina obteve o status de Estado Observador
não membro, por meio da Resolução 67/19, aprovada com 138 votos a
favor (incluindo o do Brasil), 9 contra e 41 abstenções.
Ainda no ano de 2011, o Brasil votou favoravelmente ao
projeto de resolução proposto pelo Líbano sobre a ilegalidade dos
assentamentos israelenses nos Territórios Palestinos Ocupados,
incluindo Jerusalém Oriental, aprovado na Assembleia Geral das
Nações Unidas com o apoio de 128 dos 192 Estados membros. Os
assentamentos são reconhecidamente ilegais pelas leis internacionais,

195 A íntegra do discurso da presidenta Dilma Rousseff está disponível em BRASIL.


21-09-2011 - Discurso da Presidenta da República, Dilma Rousseff, na abertura
do Debate Geral da 66ª Assembleia Geral das Nações Unidas. Brasília: Biblioteca
Presidência da república, 2011 (http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/
presidencia/ex-presidentes/dilma-rousseff/discursos/discursos-da-presidenta/
discurso-da-presidenta-da-republica-dilma-rousseff-na-abertura-do-debate-
geral-da-66a-assembleia-geral-das-nacoes-unidas-nova-iorque-eua).

290
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

e a aprovação daquela resolução seria uma forma de pressionar Israel


a congelar a construção nas áreas palestinas.
A Resolução não foi adotada no Conselho de Segurança das
Nações Unidas, em votação ocorrida no dia 18 de fevereiro de 2011,
embora tenha obtido o voto favorável de 14 dos 15 membros do
Conselho de Segurança, incluindo o Brasil, que detinha a presidência
rotativa do órgão, devido ao veto dos Estados Unidos. A embaixadora
dos Estados Unidos perante a ONU, Susan Rice, disse, após declarar
o veto, que
Apesar de concordarmos com os outros membros, e de fato
com o mundo em geral, sobre a insensatez e a ilegitimidade
de continuar as atividades nos assentamentos israelenses,
não nos parece sensato que o Conselho trate de resolver os
assuntos cruciais entre israelenses e palestinos196.

Se o Conselho de Segurança não pautar o debate sobre estes


conflitos, quem irá fazê-lo?
Nos dias que antecederam a votação, os Estados Unidos
declararam demagogicamente que não aceitam a legitimidade da
contínua atividade de assentamento de Israel, que é um sério obstáculo
para o processo de paz. E também noticiaram a concordância em
apoiar uma visita do Conselho de Segurança da ONU ao Oriente
Médio, a primeira desde 1979, e se comprometeram em apoiar um
comunicado criticando os assentamentos de Israel numa declaração
futura do Quarteto.
Após a votação no Conselho de Segurança, a Representante
Permanente do Brasil junto às Nações Unidas, Embaixadora Maria
Luiza Viotti, proferiu uma explicação de voto, onde deixava clara
a posição do Brasil no processo de paz e a busca por uma solução
justa e duradoura para o conflito. Ao mesmo tempo, afirmava o
tom contundente do Brasil no que diz respeito à ilegalidade dos
assentamentos nos Territórios Palestinos Ocupados, inclusive em

196 A declaração da embaixadora dos Estados Unidos perante a ONU, Susan Rice,
está disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Colônias_israelenses.

291
Sayid Marcos Tenório

Jerusalém Oriental, que constituem grande obstáculo para se alcançar


a paz com base na solução dos dois Estados. A declaração do Brasil
distribuída à imprensa alegava ainda que
o Brasil copatrocinou o texto não apenas por concordarmos
integralmente com ele, mas porque a resolução nos ajudaria
a alcançar a solução de dois Estados e, portanto, contribuiria
para a segurança e estabilidade de longo prazo de toda
região, inclusive de Israel. [...] Também copatrocinamos o
projeto de resolução porque sua adoção enviaria mensagens-
chave urgentes.

Primeiro, que o desrespeito continuado das obrigações


internacionais relacionadas à construção de assentamentos
constitui ameaça à paz e à segurança na região.

Segundo, que a interrupção das atividades relacionadas aos


assentamentos deve ser vista não como uma concessão, mas
como a conduta legal de acordo com o direito internacional.

Terceiro, que ações unilaterais não devem prevalecer.

A defesa do direito internacional será sempre uma postura


favorável à paz. O Conselho de Segurança não pode aceitar
menos do que isso.

Distintos membros do Conselho de Segurança,

Ao longo dos anos, o Brasil vem apoiando a realização das


legítimas aspirações do povo palestino por um Estado coeso,
seguro, democrático e economicamente viável, dentro das
fronteiras de 1967 e com Jerusalém Oriental como sua capital,
vivendo lado a lado e em paz com o Estado de Israel197.

Em dezembro de 2012 um brutal ataque criminoso e genocida


sionista à Faixa de Gaza chocou o mundo com as imagens de crianças

197 O inteiro teor da declaração do Governo brasileiro está disponível em


BRASIL. Votação no Conselho de Segurança sobre os assentamentos israelenses
nos Territórios Palestinos Ocupados, Nota 67. Brasília: Ministério das Relações
Exteriores, 2011 (http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/notas-a-imprensa/2478-
votacao-no-conselho-de-seguranca-sobre-os-assentamentos-israelenses-nos-
territorios-palestinos-ocupados).

292
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

palestinas mortas pela aviação israelense, em mais uma demonstração


da guerra desproporcional conduzida por Israel contra a população
palestina. O ataque provocou o martírio do comandante militar do
Hamas, Ahmed Jabari. A denominada “Operação Pilar Defensivo”
durou entre os dias 14 e 21 de novembro de 2012, quando foi declarado
um cessar-fogo pelas duas partes. Na ocasião do primeiro ataque, o
vice-primeiro-ministro de Israel e criminoso de guerra, Eli Yishai,
alegou que o objetivo da operação era “mandar Gaza de volta para a
Idade Média” para que seu país “tenha tranquilidade por 40 anos198.
Em decorrência daqueles ataques, o governo brasileiro
condenou veementemente os bombardeios israelenses a Gaza pelo
uso desproporcional da força, porém sem deixar de se envolver na
propaganda da mídia sionista ao condenar um suposto lançamento
de foguetes e morteiros de Gaza contra Israel. No entanto, o gesto
mais significativo do governo brasileiro foi a decisão de convocar
o embaixador brasileiro para consultas, atitude que já tinha sido
adotada pelo Equador. Em seguida, Chile, Peru e El-Salvador também
convocaram seus embaixadores.
Fato que viria a se repetir em 2014, quando mais uma vez o
governo brasileiro convocou para consultas o embaixador em Israel,
Henrique Sardinha, após considerar inaceitável a escalada da violência
entre Israel e Palestina. Em nota, o Itamaraty disse que
o Governo brasileiro considera inaceitável a escalada da
violência entre Israel e Palestina. Condenamos energicamente
o uso desproporcional da força por Israel na Faixa de Gaza,
do qual resultou elevado número de vítimas civis, incluindo
mulheres e crianças.

O Governo brasileiro reitera seu chamado a um imediato


cessar-fogo entre as partes.

198 MAURO, Fillipe. Objetivo do ataque é mandar Gaza para Idade Média, diz vice-
premiê de Israel. Opera Mundi, 2012. Disponível em: https://operamundi.uol.
com.br/noticia/25486/objetivo-do-ataque-e-mandar-gaza-para-idade-media-
diz-vice-premie-de-israel.

293
Sayid Marcos Tenório

Diante da gravidade da situação, o Governo brasileiro


votou favoravelmente à resolução do Conselho de Direitos
Humanos das Nações Unidas sobre o tema, adotada no dia
de hoje.

Além disso, o Embaixador do Brasil em Tel Aviv foi chamado


a Brasília para consultas199.

A Operação Margem Protetora foi a mais mortífera que ocorreu na


região e durou de 8 de julho a 26 de agosto. Após sete semanas de
ataques constantes e desproporcionais por parte de Israel, mais de 2000
palestinos e 60 militares israelenses foram mortos no confronto.
A atitude brasileira gerou declarações por parte do porta-voz do
ministério das Relações Exteriores de Israel, Yigal Palmor, que declarou
em entrevista ao jornal The Jerusalém Post que a atitude brasileira
não refletia o nível de relação entre os países e ignorava o direito de
Israel defender-se. De acordo com o jornal, o porta-voz sionista teria
afirmado que a medida “era uma demonstração lamentável de como
o Brasil, um gigante econômico e cultural, continua a ser um anão
diplomático”200.
Na abertura da 69ª AGNU, em 24 de setembro de 2014, poucos
meses após as agressões militares de Israel a Gaza, a presidenta Dilma
chamou a responsabilidade das nações para a solução do problema,
reclamando que o conflito deveria ser solucionado e não precariamente
administrado, como vem sendo. Segundo a presidenta,
gostaria de reiterar que não podemos permanecer
indiferentes à crise israelo-palestina, sobretudo depois dos
dramáticos acontecimentos na Faixa de Gaza. Condenamos
o uso desproporcional da força, vitimando fortemente a
população civil, mulheres e crianças.

199 BRASIL. Conflito entre Israel e Palestina. Nota 168 do Itamaraty de 23 de julho
de 2014. Brasília: Ministério das Relações Exteriores, 2014. Disponível em:
http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/notas-a-imprensa/5723-conflito-entre-
israel-epalestina.
200 Declaração do porta-voz sionista Yigal Palmor. Disponível em: https://www.
jpost.com/page.aspx?pageid=13&articleid=387694.

294
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Esse conflito deve ser solucionado e não precariamente


administrado, como vem sendo. Negociações efetivas
entre as partes têm de conduzir à solução de dois Estados
– Palestina e Israel – vivendo lado a lado e em segurança,
dentro de fronteiras internacionalmente reconhecidas201.

O presidente Michel Temer – que visitou a Palestina em 2013


como vice-presidente –, em meio à 72ª Assembleia Geral das Nações
Unidas, em setembro de 2017, em Nova York, manteve encontros
bilaterais com o primeiro-ministro sionista e criminoso de guerra,
Benjamin Netanyahu, com os presidentes do Egito, Abdel Fattah
El-Sisi, e do Estado da Palestina, Mahmoud Abbas, a quem convidou
para visitar o Brasil mais uma vez.
No seu discurso de abertura da Assembleia da ONU (19/09/2017),
Temer disse que o Brasil defendeu historicamente a criação de um
Estado palestino.
No oriente Médio, as tratativas entre Israel e a Palestina
encontram-se paralisadas. Amigo de palestinos e
israelenses, o Brasil segue favorecendo a solução de
dois Estados convivendo em paz e segurança, dentro de
fronteiras internacionalmente reconhecidas e mutuamente
acordadas202.

Em 14 de maio de 2018, Temer também emitiu nota se


solidarizando com os palestinos mortos por atiradores israelenses na

201 A íntegra do discurso da presidenta Dilma Rousseff está disponível em http://


www.itamaraty.gov.br/pt-BR/notas-a-imprensa/5824-discurso-proferido-pela-
presidenta-da-republica-dilma-rousseff-na-abertura-do-debate-de-alto-nivel-
da-69-assembleia-geral-das-nacoes-unidas-onu-nova-york-24-de-setembro-
de-2014.
202 A íntegra do discurso do presidente Michel Temer está disponível em http://
www.itamaraty.gov.br/pt-BR/discursos-artigos-e-entrevistas-categoria/
presidente-da-republica-federativa-do-brasil-discursos/17460-discurso-do-
presidente-da-republica-michel-temer-na-abertura-do-debate-geral-da-72-s-
essao-da-assembleia-geral-da-onu-nova-york-19-de-setembro-de-2017.

295
Sayid Marcos Tenório

chamada Grande Marcha do Retorno203. O presidente brasileiro escreveu


em sua conta do Twitter naquela data: “Lamento profundamente os
terríveis episódios de violência na fronteira entre Israel e a Palestina.
Nossa solidariedade com os feridos e as famílias dos mortos. O Brasil
faz um apelo à moderação, um chamado à paz”.
Como se vê, a Palestina, por ser uma questão de justiça, ocupa
um lugar de destaque na diplomacia brasileira. A questão do Estado
palestino independente, democrático, seguro, coeso e economicamente
viável continua sendo a condição sem a qual persistirá a maioria dos
problemas que afligem o Oriente Médio.
O Brasil tem uma forte identificação com a Palestina e o seu povo
alegre, esperançoso e resistente, onde mais de cinco mil brasileiros
vivem em harmonia. E porque acolhemos aqui milhares de refugiados
palestinos, perfeitamente integrados à vida brasileira. E, sobretudo,
porque apoiamos a resistência e prestamos nossa solidariedade para
que não abram mão do direito à sua pátria, estabelecendo um Estado
soberano, o retorno dos refugiados às suas terras e casas de onde foram
expulsos.
A existência da Embaixada do Estado da Palestina no Brasil é
resultado dos princípios estabelecidos pela nossa Constituição Federal
e pelo Direito Internacional, bem como do apoio do Brasil ao direito
de autodeterminação do povo palestino, sinal das boas relações
entre os dois países. É o coroamento de uma relação que remonta a
1975, quando a Organização para a Libertação da Palestina (OLP),
na qualidade de movimento de libertação nacional, foi autorizada a
designar representante no Brasil e, posteriormente, em 1993, através
da abertura do Escritório de Representação em nosso país. Em
dezembro de 2010, através do reconhecimento, pelo Brasil, do Estado
da Palestina, a Embaixada pôde então ser instalada.

203 A Grande Marcha do Retorno foi uma série de manifestações de palestinos em


Gaza, para reivindicar o retorno de 5 milhões de palestinos e seus descendentes,
deslocados dos territórios palestinos desde a criação do Estado judaico, em
1947. Este tema é tratado em capítulo deste livro.

296
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

7.3 Bolsonarismo: o Brasil descendo a ladeira204

Não era para nos surpreender. Nada do que o governo do ex-


capitão tem dito e feito está fora do perfil político de Jair Bolsonaro.
Infelizmente, no entanto, a sensação de surpresa ainda nos afeta. Por
segundos, pensamos: não será uma fakenews? Não é possível que este
governo esteja tão desconectado dos debates internacionais. Como é
possível conceder a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, no grau de
Grã-Cruz, a Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel? Não
resta dúvida, o Decreto foi publicado no Diário Oficial da União em
17 de janeiro205.

204 Versão de artigo escrito por Sayid Marcos Tenório e Berenice Bento. Disponível
em: http://www.justificando.com/2019/01/29/diplomacia-bolsonarista-la-vem-
o-brasil-descendo-a-ladeira/.
205 BRASIL. Decreto de 17 de janeiro de 2019. Brasília: Casa Civil da Presidência
da República. Imprensa Nacional, 2019. Disponível em: http://www.in.gov.br/
materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/59628931.

297
Sayid Marcos Tenório

Homenagear qualquer representante do Estado de Israel, um país


que viola sistematicamente todas as Resoluções da ONU e Convenções
Internacionais em ações criminosas contra o povo palestino é tornar-
se cúmplice de seus atos. No entanto, quando o governo demonstra
admiração oficial por Benjamin Netanyahu, um político que não nega
a tradição genocida dos primeiros-ministros israelenses anteriores,
mas a aprofunda, há neste ato um rompimento simbólico definitivo
com a política exterior brasileira.
Quem é o primeiro-ministro israelense? Netanyahu é acusado
pela polícia de receber um milhão de shekels [moeda de Israel, valor
equivalente a quase 300 mil dólares] como propina, além de charutos,
champanhe e joias de dois empresários, em troca de favores do governo
israelense. Acusado de subornar, com dinheiro do Estado, o jornal
Yedioth Ahronoth, para obter a publicação de notícias favoráveis ao seu
governo. E receber propina para que Israel comprasse três submarinos
da empresa alemã ThyssenKrupp, mesmo contra a posição do
Ministério da Defesa de Israel, que não via utilidade desses aparelhos
alemães de guerra. A marca Krupp é famosa por seus canhões e fornos
utilizados nos campos de concentração nazistas, além de financiar os
crimes de Hitler contra judeus durante a Segunda Guerra Mundial.
O mesmo Netanyahu, que acumula todas estas acusações,
também ordena bombardeios contra Gaza, nos quais é praticado o
extermínio em massa de civis, entre eles milhares de crianças nos anos
de 2012 e 2014; o mesmo Netanyahu que autoriza a construção de
assentamentos ilegais nos territórios palestinos, elevando ainda mais
as tensões do conflito; o mesmo Netanyahu presidente do partido de
extrema direita Likud, que prega a limpeza étnica e a destituição de
qualquer direito dos palestinos a suas terras históricas.
Mas seria esta condecoração um raio cortando o céu azul?
Passados os segundos inicias de surpresa, tivemos que admitir: há
coerência do Decreto com tudo que o já foi dito pelo presidente da
República em relação a Israel até o momento.
Vejamos:

298
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Desde sua campanha eleitoral, o ex-capitão do Exército brasileiro


declarou que, se eleito, adotaria uma nova atitude diplomática, onde
romperia com o viés “ideológico” das relações brasileiras. Uma das
suas atitudes seria o fechamento da Embaixada da Palestina no Brasil,
conforme declarou ao jornal O Estado de S. Paulo em 07/08/2018.
Bolsonaro declarou que “a Palestina, não sendo um país, não tem
direito à Embaixada aqui. Não pode fazer puxadinho”. Ao contrário da
presidenta Dilma, que “negociou com a Palestina e não com o povo de
lá. Você não negocia com terrorista, então, aquela embaixada ao lado
do [Palácio do] Planalto, ali não é área para isso”206.
Por diversas vezes afirmou que uma de suas primeiras viagens
oficiais seria para Israel e que iria autorizar a mudança da Embaixada
brasileira para Jerusalém, seguindo o exemplo do presidente Donald
Trump, de quem se declara fã. A comunidade judaica brasileira,
embora com fissuras internas, apoiou a campanha para a eleição do
ex-capitão e todos seus movimentos de aproximação incondicional
com Israel.
A visita do primeiro-ministro de Israel e criminoso de guerra,
Benjamin Netanyahu, foi a “joia da coroa”, de uma posse presidencial
esvaziada de líderes mundiais e marcada por um forte viés ideológico,
onde vizinhos de continente foram desconvidados na véspera.
Netanyahu chegou ao Rio de Janeiro no dia 27 dezembro de 2018, onde
manteve a primeira reunião bilateral com o presidente eleito. A visita
do infanticida ao Brasil gerou inúmeras manifestações de repúdio por
meio das redes sociais. No dia 29/12, cercado por dezenas de agentes
do serviço secreto israelense Mossad, Netanyahu se aventurou num
passeio pela praia do Leme, onde estava hospedado e onde ouviu gritos
de “Free Palestine!”207 [Palestina livre!], vindos de pessoas comuns que

206 HAUBERT, Mariana. Bolsonaro promete retirar embaixada da Palestina


do Brasil. Estadão, 2018. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/
noticias/geral,bolsonaro-promete-retirar-embaixada-da-palestina-no-
brasil,70002436161.
207 PAMPLONA, Nicola. Netanyahu visita mirante, joga futebol na praia e pede
caipirinha no Rio. Folha de S.. Paulo, 2018. Disponível em: https://www1.folha.
uol.com.br/mundo/2018/12/netanyahu-visita-mirante-joga-futebol-na-praia-
e-pede-caipirinha-no-rio.shtml.

299
Sayid Marcos Tenório

o reconheceram. Na companhia de Bolsonaro, visitou uma sinagoga,


onde o presidente eleito foi saudado efusivamente pelos presentes com
gritos de “mito, mito”, proferidos inclusive pelo chefão sionista.
Nos encontros que mantiveram, Bolsonaro mostrou coerência
ao seu interlocutor. Jurou seu amor por Israel e anunciou sua adesão
ao projeto colonial sionista, cujo principal gesto seria a transferência
da Embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém e prometendo mais
acordos com Israel, numa clara demonstração da sua cumplicidade
com a limpeza étnica que Israel promove na Palestina desde 1948.
Promessas que já havia feito durante a campanha presidencial
e foi o mote que mobilizou aliados de peso, como empresários
e lideranças evangélicas, que se denominam “sionistas cristãos”,
inteiramente favoráveis à transferência da embaixada para Jerusalém.
Os sionistas cristãos acreditam que o retorno dos judeus à Terra Santa
e o estabelecimento do Estado de Israel em 1948 estão de acordo
com uma profecia bíblica, já desmontada historicamente: não há
ligações entre os judeus bíblicos e os atuais israelenses sionistas. Mas
a tese continua a ser utilizada fortemente pelo movimento sionista
para justificar a colonização da Palestina e a limpeza étnica de seus
habitantes.

7.4 Bolsonaro e a Palestina: o avesso do avesso


A decisão de transferência da Embaixada para Jerusalém
continua em disputa nas esferas governistas. Bolsonaro confirmou a
transferência em entrevista ao jornal Israel Hayon, em 1 de novembro
de 2018208. Recuou após o Egito cancelar a visita, em 6 de dezembro, do
chanceler Aloysio Nunes ao país. Ele afirmou que a transferência não
seria uma “questão de honra”. Outro recuo foi anunciado dias depois,
quando foi divulgado que o Brasil estabeleceria não uma Embaixada
em Jerusalém, mas um escritório de representação.

208 As declarações estão disponíveis em BOISMUTH, Boaz. President-elect of


Brazil promises: Israel can count on our vote. Israel Hayom, 2018. Disponível
em: http://www.israelhayom.com/2018/11/01/president-elect-of-brazil-
promises-israel-can-count-on-our-vote/.

300
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Após encontro com Bolsonaro, Netanyahu foi porta-voz de


um novo recuo do presidente. Dessa vez ele declarou que a mudança
não era uma questão de “se” será feita, mas “quando”. O ministro
chefe da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto Santos Cruz,
em entrevista à BBC News Brasil, no dia 4 de janeiro, disse que “eles
[evangélicos] vão ficar na esperança. Porque uma coisa é você dizer
que tem intenção, outra coisa é você concretizar. Para sair de uma
ideia para a vida real, você tem uma série de outras considerações de
ordem prática”.
Diversos setores estão mobilizados em torno desta questão.
Conselheiros do presidente sugeriram para ele deixar as coisas como
estão. Entre eles, o vice-presidente, general Hamilton Mourão, que
alertou para o fato de que essa transferência traria “implicações
geopolíticas importantes” e que mudar a embaixada seria “um passo
arriscado”. Ele defendeu que uma alternativa seria a abertura de um
escritório de negócios em Jerusalém, e não a mudança de endereço da
representação diplomática.
Além das repercussões diplomáticas, vozes sensatas alertaram
Bolsonaro para as consequências econômicas, uma vez que as
transações comerciais com os países árabes são muito significativas,
enquanto que, as com Israel, insignificantes. Setores como os de
produção de açúcar, carne halal de boi e de frango e milho são cruciais
para o comércio brasileiro com nações islâmicas do oriente Médio e
Ásia.
Segundo o ministério da Indústria e Comércio Exterior,
somente em 2018 as trocas entre o Brasil e estes países somaram US$
22,9 bilhões, com uma balança favorável ao Brasil em US$ 8,8 bilhões.
Enquanto que, com Israel, o fluxo de negócios rendeu apenas US$
1,49 bilhões, apresentando um déficit de US$ 847,8 milhões! Países de
maioria muçulmana compram cerca de 70% de todas as exportações
brasileiras de açúcar, 46% do milho em grãos, 37% da carne de frango
e 27% da carne de boi. Um potencial nada desprezível e que não seria
absorvido pelos novos amigos de Bolsonaro nem no curto e nem no
médio prazo.

301
Sayid Marcos Tenório

Independentemente de qual posição o Brasil adotará sobre o


destino da Embaixada, a situação interfere diretamente na confiança e
reputação do Brasil no conserto das nações e pode contribuir de forma
decisiva para o isolamento do Brasil, que ao longo nos últimos anos
vinha se aliando com países latino-americanos, africanos e árabes nas
votações multilaterais. Essa mudança poderá afetar a situação do Brasil
em disputas comerciais em organismos como a ONU, OMC e OCDE.
Além do mais, trata-se de uma medida que ignora as recomendações
e decisões das Nações Unidas e afronta o direito à autodeterminação
dos palestinos, que vivem há 70 anos sob ocupação ilegal e limpeza
étnica.
A chegada de Bolsonaro à presidência da República, um político
direitista, pôs em evidência seus fortes laços com sionistas e fascistas, e
com olhares servis para os Estados Unidos, em detrimento dos avanços
obtidos nos governos anteriores, através da criação do MERCOSUL,
do BRICS e da aproximação positiva com a África e o Oriente Médio.
Não é possível, contudo, fazer política externa sem alianças. E aqui
é necessário admitir: com Bolsonaro, o Brasil está alinhado com o
aquilo que representa a barbárie.
Entre 30 de março e 2 de abril de 2019, o presidente Bolsonaro
e sua trupe realizaram uma visita de Estado a Israel, que mais uma
vez frustrou tanto o presidente estadunidense Donald Trump, ao
criminoso de guerra e candidato à releição Benjamin Netanyahu
bem como a Bancada Evangélica na Câmara dos Deputados, a quem
ele havia prometido a transferência da Embaixada brasileira para
Jerusalém. O que restou ao capitão foi o anúncio da abertura, sem
prazo, de um Escritório de Negócios na cidade sagrada.
Além de contrariar a tradição da diplomacia brasileira em
mediar conflitos e respeitar a soberania dos povos, a abertura do
Escritório representa uma violação das normas e leis internacionais,
principalmente as Resoluções das Nações Unidas números 181, de
1947; 194, de 1948; 267, de 1069; 476, de 1980, entre outras.
O movimento Jihad islâmica e o Movimento de Resistência
islâmica – Hamas – divulgaram comunicados à imprensa em que

302
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

condenam a visita do presidente Jair Bolsonaro. Segundo o comunicado


do Hamas, Bolsonaro “excedeu a posição histórica do povo brasileiro
em apoio da luta palestina contra a ocupação, mas também violou
normas e leis internacionais, especialmente referentes à cidade de
Jerusalém”. Veja a íntegra do comunicado:
Em nome de Deus, o Misericordioso
Comunicado de Imprensa209
Emitido pelo Movimento de Resistência Islâmica – Hamas

Movimento de Resistência Islâmica – Hamas condena


nos termos mais fortes a visita do presidente do Brasil Jair
Bolsonaro à entidade ocupante, que não só excedeu a posição
histórica do povo brasileiro em apoio da luta palestina contra
a ocupação, mas também violou normas e leis internacionais,
especialmente referentes à cidade de Jerusalém, através
da visita do presidente brasileiro ao Muro do Al Buraq,
acompanhado pelo primeiro-ministro da ocupação, atitude
que simula o reconhecimento da legitimidade da ocupação,
bem como a intenção de abrir um escritório comercial para
o Brasil na cidade sagrada.

Exigimos que o Brasil recue de imediato desta política


que viola a legitimidade internacional e vai de encontro à
posição histórica do povo brasileiro e dos povos da América
Latina. Afirmamos que esta política não serve à estabilidade
na região e ameaça a relação do Brasil com os países árabes
e islâmicos.

Nesta ocasião, chamamos a Liga dos Estados Árabes e a


Organização da Conferência Islâmica, para que pressionem
o Brasil a recuar de sua política em apoio à ocupação e seus
crimes contra o povo palestino.

Movimento de Resistência Islâmica – Hamas


Segunda-feira, 01 de abril de 2019
Correspondendo a 25 Rajab 1440 AH

209 O texto do comunicado em língua árabe está disponível em http://hamas.ps/ar/


post/10410/.

303
Sayid Marcos Tenório

Entre outras sandices, o presidente Bolsonaro declarou apoiar


um projeto dos israelenses para demolir a Mesquita sagrada de
Al-Aqsa para, em seu lugar, erguer um templo judaico – no local
onde hipoteticamente teria existido um obscuro templo de Salomão,
sem nenhuma comprovação histórica ou arqueológica, conforme
afirmações de arqueólogos da Universidade de Tel Aviv, mencionadas
no título 5.7.
O filho do presidente, senador Flávio Bolsonaro, que fazia
parte da comitiva oficial, declarou em seguida que o presidente havia
assinado um livro destinado a colher o apoio de chefes de Estado e
outras autoridades em apoio à construção de um templo no local onde
estão as mesquitas sagradas para os muçulmanos. O senador disse
que “quando se assina um livro em que há um projeto de construção
de um tempo onde hoje é uma mesquita, é uma sinalização de qual
é o elemento político-ideológico do presidente Bolsonaro”210. Os
judeus religiosos e os cristãos pentecostais sionistas acreditam que a
reconstrução do templo que, segundo arqueólogos israelenses, nunca
existiu, é o sinal de que a volta do Messias está próxima de acontecer. A
Esplanada das Mesquitas, ou o Monte Moriá, para os judeus, de acordo
com o livro de Gênesis, seria o local o hipotético local do templo de
Salomão.
Em meio à questão tão crucial para o povo palestino, o ponto
fora da curva ficou surpreendentemente por conta do representante
diplomático da Palestina no Brasil, o embaixador Ibrahim Al-Zeben,
alguém de quem se esperava a defesa do Direito Internacional e
a posição contrária a qualquer violação das Resoluções da ONU.
Al-Zeben declarou ao jornal Correio Braziliense211 acreditar que seria
possível manter diálogo com Jair Bolsonaro e chegar a uma solução

210 GOSPELPRIME. Bolsonaro manifesta apoio à construção do Terceiro Templo,


2019. Disponível em: https://www.gospelprime.com.br/bolsonaro-apoio-
construcao-terceiro-templo-jerusalem/
211 VENOSA, Camilla. Diplomata sugere embaixada brasileira na Palestina
em Jerusalém Oriental. Correio Braziliense, 2018. Disponível em: https://
www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2018/11/01/interna_
politica,717092/diplomata-quer-embaixada-brasileira-na-palestina-em-
jerusalem-oriental.shtml.

304
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

que contemple o ponto de vista palestino. Declarou: “Existem duas


Jerusaléns” (sic) e que “Vemos com bons olhos que a embaixada
do Brasil em Israel fique na Jerusalém Ocidental e que a embaixada
brasileira na Palestina fique na Jerusalém Oriental”. Esqueceu o
embaixador que não existem “duas Jerusaléns”, como ele afirma. Mas
uma única Jerusalém, a milenar capital da Palestina, com status especial
dado pela resolução 303, de 9 de dezembro de 1949, que proclamou
sua internacionalização, e pela qual milhares de árabes e palestinos
se sacrificaram e deram suas vidas nas inúmeras batalhas ao longo
dos séculos, para que Jerusalém não fosse rendida pelos inimigos e
permanecesse como capital da Palestina.

305
Conclusão

307
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Penso que este trabalho cumpre o objetivo de demonstrar que


as questões históricas e políticas do conflito que já dura um século
na Palestina não se trata de um problema originado de uma disputa
político-religiosa travada entre judeus e palestinos, sejam cristãos ou
muçulmanos. Mas que o conflito é parte de um contexto mundial
que evoluiu a partir do surgimento do sionismo internacional, o
movimento nacionalista judaico criado na Europa, no século XIX, que
passou a reivindicar a Palestina Histórica para o estabelecimento de
um Estado Judeu, o Eretz Israel, ou o Estado judaico de Israel, uma
aberração que passou a existir após sua fundação, em 1948.

309
Sayid Marcos Tenório

Procurei transcrever tudo o que pude pesquisar, ouvir e ver


presencialmente sobre a situação de apartheid a que o povo palestino
está submetido, e posso concluir que a causa palestina não guarda
nenhuma relação com as percepções do senso comum e a opinião
“publicada” que visa à redução da sua dimensão a uma suposta “guerra
religiosa”, justificativa utilizada para se referir ao esforço da resistência
palestina para se livrar da opressão do Estado judaico. Neste sentido,
há uma farta utilização do poderio da mídia, dos canais de TV com
seus noticiários e documentários e da internet, para atingir seus
objetivos de criar uma cortina de fumaça sobre a busca incessante de
eliminar a história, o povo, a cultura e a terra palestina para, em seu
lugar, expandir o Estado judaico sobre o território usurpado do povo
palestino. O “lar nacional para os judeus” e o Estado puramente judeu
é a estratégia da qual faz parte o atual apartheid racista e de limpeza
étnica que teve início quando a ONU dividiu a Palestina secular em
dois Estados e posteriormente permitiu a criação de um Estado sem
que, para isso, se definisse qual era a terra e suas fronteiras, o governo
e quais as características do povo.
Por meio destes dois episódios, a ONU, além de dar os meios
políticos e o aval internacional ao projeto sionista, permitiu as
condições para a criação de um monstro que deu início a toda sorte
de violações e apartheid racista e genocida que conhecemos hoje, na
Palestina e em toda a região. Os líderes israelenses não aceitaram e
não respeitaram os termos da Resolução 181 e a criação do Estado
palestino. Ignoram as fronteiras delineadas e não pararam de roubar
terras e se expandir após a fundação do Estado judeu. Não aceitaram e
não cumpriram os Acordos de Oslo e continuarão não aceitando nada
porque violar Tratados, Resoluções e Acordos faz parte da existência
do sionismo e do Estado de Israel.
O que Israel tem feito ao longo dos últimos 70 anos é contrariar
e violar o Direito Internacional ao adotar uma política militarista,
expansionista e colonialista de ocupação dos territórios palestinos além
das fronteiras determinadas pela ONU, e a ocupação de territórios nos
países árabes vizinhos (Jordânia, Síria, Egito e Líbano), ocupação que
continua avançando até os nossos dias.

310
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

De que adianta os palestinos aceitarem novos Acordos, se


Israel simplesmente os ignora e não os cumpre? De que adiantam
novas decisões de organismos internacionais, se elas são obstinada
e ilegalmente ignoradas pelos sionistas? Israel age como se estivesse
acima da lei e de toda a comunidade internacional, vivendo de acordo
com a lei da força, onde o mais forte consegue o que quer e passa por
cima dos mais fracos, impunemente.
Para um povo que luta há tantos séculos contra ocupações, não
importa quanto tempo a ocupação permaneça em sua terra. Apesar
de todo o aparato militar e apoio estadunidense que possuem os
ocupantes, eles serão derrotados porque os palestinos estão com a
justiça. O direito a terra e ao retorno são direitos inalienáveis e os
palestinos são persistentes em alcançar o inalienável direito de retornar
e de estabelecer o seu Estado independente.
O que resta fazer diante do desejo avassalador de um povo que
não quer nada mais do que o respeito aos seus legítimos direitos? O
que os palestinos esperam é que seus direitos sejam assegurados em
concordância com a democracia, o Direito Internacional e a justiça.
Que seja respeitado o direito de regresso dos refugiados, a compensação
e a permanência de todos na terra palestina. Essas foram opiniões que
angariei nas minhas consultas com os palestinos de diversas correntes
de opinião sobre que soluções devem ser alcançadas para que esse
impasse histórico e político em que se encontra a Palestina Ocupada
seja resolvido. De todos ouvi que as conquistas virão pelo exercício da
legítima e permanente resistência à ocupação, inclusive pelas armas,
em total concordância com o Direito Internacional e as diversas
Resoluções das Nações Unidas e Convenções internacionais.
Quando se visita Israel e a Palestina Ocupada e se convive com a
estrutura de apartheid e do controle excessivo da vida dos palestinos por
parte das forças militares israelenses e se observa as colônias judaicas,
condomínios bem estruturados no território ocupado ilegalmente, se
pode entender o quanto a solução de dois estados é uma solução cada
dia mais difícil. Uma das melhores definições de para onde caminha
a situação de impasse e onde essa torrente irá desaguar foi dada pelo

311
Sayid Marcos Tenório

escritor Ilan Pappé, um israelense odiado pelos sionistas. Ele escreveu


que
o único regime razoável parece ser um estado democrático
para todos e todas. Se isto não ocorrer, a tormenta nas
fronteiras de Israel se acumulará com uma força ainda maior
do que teve até agora. Por todos os lados no mundo árabe,
os povos e os movimentos estão buscando formas de mudar
os regimes e as realidades políticas opressivas. Certamente
isto chegará também ao novo Estado de Israel; se não hoje,
amanhã. Os israelenses podem ocupar o melhor camarote
no Titanic, mas o navio continua afundando, de qualquer
maneira212.

Ao fim e ao cabo, me vem uma questão: por que os palestinos


teriam que reconhecer o Estado de Israel no território da Palestina
Histórica, sem fronteiras definidas e em permanente expansão e aceitar
pequenas ilhas de terra como se fosse um miniEstado pulverizado e
cercado pelo ocupante? O argumento de muitos companheiros “de
esquerda” de que a autodeterminação dos “dois” deve ser respeitada, a
meu ver, serve, na verdade, para mascarar uma anistia para os crimes
dos sionistas e do Estado de Israel contra palestinos ao longo de um
século. Aceitar um miniEstado pobre e desarmado, com duas partes
sem ligação territorial (Cisjordânia e Gaza) ao lado de um Israel rico
e nuclear só serviria para desmoralizar a memória dos lutadores
palestinos, frustrar as esperanças das novas gerações e justificar a
política e a narrativa de Israel para expandir seu projeto sionista de
dominação mundial.
Palestina livre, do rio ao mar!

212 PAPPÉ, Ilan. A solução de dois Estados morreu faz uma década. Viva Palestina,
2013. Disponível em: http://vivapalestina.com.br/661/.

312
Referências

313
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

AGUIRRE, Mariano. Jimmy Carter e o apartheid israelense. Le Monde


Brasil diplomatique, 2007. Disponível em: https://diplomatique.org.br/
jimmy-carter-e-o-apartheid-israelense/.

ALCORÃO. 18. ed. Tradução Prof. Samir El Hayek. São Paulo:


Fambras, 2016.

AL-KASRAJI, Sheikh Taleb Hussei. O que é o Islam. São Paulo. Centro


Islâmico no Brasil, 2006.

AMORIM, Celso. Teerã, Ramalá e Doha: memórias da política externa


ativa e altiva. São Paulo: Benvirá, 2015.

BENTO, Berenice. “Redwashing”: discursos de ‘esquerda’ para


limpar os crimes do Estado de Israel. Opera Mundi, 2017. Disponível
em: https://operamundi.uol.com.br/opiniao/46262/redwashing-
discursos-de-esquerda-para-limpar-os-crimes-do-estado-de-israel.

BÍBLIA. 5. ed. São Paulo: Loyola, 1977.

BIBLIOTECA DIGITAL MUNDIAL. Mandato para a Palestina e


memorando do governo britânico sobre sua candidatura à Transjordânia.
Disponível em: https://www.wdl.org/pt/item/11572/.

BISHAI, Wilson B. Islamic History in the Middle East. Boston: Allyn


and Bacon, INC., 1968.

BISHARAT, Rasem Shaban Mohama. A história dos Khazares judeus.


Portal Brasil de Fato. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/
node/10417/. Acesso em: 25 dez. 2018.

BOISMUTH, Boaz. President-elect of Brazil promises: Israel can


count on our vote. Israel Hayom, 2018. Disponível em: http://www.
israelhayom.com/2018/11/01/president-elect-of-brazil-promises-
israel-can-count-on-our-vote/.

315
Sayid Marcos Tenório

BOBATO, Nilton; PORTO, Paulo. Palestina: um olhar além da


ocupação. São Paulo: Limiar, 2017.

BRAIA, Nathaniel. O apartheid de Israel. Racismo, agressão e usurpação:


os focos do conflito atual. São Paulo: Alfa Omega, 2002.

BRASIL. Presidente (1995-2003). Discursos selecionados do Presidente


Fernando Henrique Cardoso. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão,
2009. p. 65.

BRASIL. 21-09-2011 - Discurso da Presidenta da República, Dilma


Rousseff, na abertura do Debate Geral da 66ª Assembleia Geral das
Nações Unidas. Brasília: Biblioteca Presidência da república, 2011
Disponível em: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/presidencia/
ex-presidentes/dilma-rousseff/discursos/discursos-da-presidenta/
discurso-da-presidenta-da-republica-dilma-rousseff-na-abertura-
do-debate-geral-da-66a-assembleia-geral-das-nacoes-unidas-nova-
iorque-eua.

BRASIL. Votação no Conselho de Segurança sobre os assentamentos


israelenses nos Territórios Palestinos Ocupados, Nota 67. Brasília:
Ministério das Relações Exteriores, 2011. Disponível em: http://
www.itamaraty.gov.br/pt-BR/notas-a-imprensa/2478-votacao-no-
conselho-de-seguranca-sobre-os-assentamentos-israelenses-nos-
territorios-palestinos-ocupados.

BRASIL. Conflito entre Israel e Palestina. Nota 168 do Itamaraty de


23 de julho de 2014. Brasília: Ministério das Relações Exteriores,
2014. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/notas-a-
imprensa/5723-conflito-entre-israel-epalestina.

BRASIL. Discurso proferido pela Presidenta da República, Dilma Rousseff,


na abertura do Debate de Alto Nível da 69ª Assembleia Geral das Nações
Unidas (ONU) – Nova York, 24 de setembro de 2014. Nota 198. Brasília:
Ministério das Relações Exteriores, 2014. Disponível em: http://www.

316
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

itamaraty.gov.br/pt-BR/notas-a-imprensa/5824-discurso-proferido-
pela-presidenta-da-republica-dilma-rousseff-na-abertura-do-debate-
de-alto-nivel-da-69-assembleia-geral-das-nacoes-unidas-onu-nova-
york-24-de-setembro-de-2014.

BRASIL. Discurso do Presidente da República, Michel Temer, na


Abertura do Debate Geral da 72º Sessão da Assembleia Geral da ONU
– Nova York, 19 de setembro de 2017. Brasília: Ministério das Relações
Exteriores, 2017. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/
discursos-artigos-e-entrevistas-categoria/presidente-da-republica-
federativa-do-brasil-discursos/17460-discurso-do-presidente-da-
republica-michel-temer-na-abertura-do-debate-geral-da-72-sessao-
da-assembleia-geral-da-onu-nova-york-19-de-setembro-de-2017.

BRASIL. Decreto de 17 de janeiro de 2019. Brasília: Casa Civil da


Presidência da República. Imprensa Nacional, 2019. Disponível em:
http://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/
content/id/59628931.

BRENNER, Lenni. The Iron: Zionist Revisionism from Jabotinsky to


Shamir. London: Wall Zed Books, 1984. p. 143.

BUZETTO, Marcelo. A questão palestina: guerra, política e relações


internacionais. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2015.

CHOMSKY, Noam; VLTCHEK, Andre. Sobre el terrorismo ocidental:


de Hiroshima a la Guerra de los drones. 1. ed. Ciudad Autónoma de
Buenos Aires: Marea; Icono Editorial; Lom Ediciones; Txalaparta
Editorial, 2014.

CHOMSKY, Noam; PAPPÉ, Ilan. Conversaciones sobre Palestina. 1. ed.


Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Marea, 2016.

CHOMSKY, Noam. Quien domina el mundo? 1. ed. Ciudad Autónoma


de Buenos Aires: Ediciones B., 2018.

317
Sayid Marcos Tenório

CLEMESHA, Arlene. Marxismo e Judaísmo: história de uma relação


difícil. São Paulo: Boitempo, 1998.

COHN-SHERBOK, Dan; EL-ALAMI, Dawoud. O conflito Israel-


Palestina: para começar a entender. São Paulo: Palídromo, 2005.

EL DIN, Khaled Taky. Os muçulmanos no Brasil. Estudo sobre o


manuscrito “A diversão do estrangeiro em tudo que é incrível”.
Istambul: ACAR Basim ve Cilt San, 2016.

EXCHANGE of letters between Rabin and Arafat, 1993. Disponível


em: http://www.mideastweb.org/osloletters.htm. Acesso em: 16 jan.
2019.

FINKELSTEIN, Israel; SILBERMAN, Neil Asher. A Bíblia não tinha


razão. São Paulo: A Girafa Editora, 2005.

FINKELSTEIN, Norman. A indústria do holocausto: reflexões sobre a


exploração do sofrimento dos judeus. São Paulo: Record, 2001.

FINKELSTEIN, Norman. Imagem e realidade do conflito Israel-


Palestina. Rio de Janeiro: Record, 2005.

Folha de S. Paulo. EUA se abstêm e ONU aprova fim de novos


assentamentos na Palestina, 2016. Disponível em: https://www1.folha.
uol.com.br/mundo/2016/12/1844105-eua-se-abstem-e-onu-aprova-
fim-de-novos-assentamentos-na-palestina.shtml.

FOLHA DE S. PAULO. Leia a íntegra do pronunciamento de Lula na


ONU, 2004. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/folha/
brasil/ult96u64289.shtml.

FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. São Paulo: Global, 2006.

318
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

G1. Lula visita mausoléu de Arafat em Ramallah, 2010. Disponível em:


http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1533638-5602,00-lula+
visita+mausoleu+de+arafat+em+ramallah.html.

GALEANO, Eduardo. “Pouca Palestina resta. Pouco a pouco, Israel


está apagando-a do mapa”. Brasil de Fato. Disponível em: https://www.
brasildefato.com.br/node/29245/.

GALEANO, Eduardo. Operação chumbo impune, 2009. Disponível em:


https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Operacao-
Chumbo-Impune/6/14395.

GASPARI, Elio. A Ditadura Derrotada. São Paulo: Companhia das


Letras, 2003.

GOLDWASER, Shajar. Com discurso ‘pacifista’, esquerda sionista


contribui para extermínio do povo palestino. Opera Mundi, 2016.
Disponível em: https://operamundi.uol.com.br/opiniao/42968/com-
discurso-pacifista-esquerda-sionista-contribui-para-exterminio-do-
povo-palestino.

GOSPELPRIME. Bolsonaro manifesta apoio à construção do Terceiro


Templo, 2019. Disponível em: https://www.gospelprime.com.br/
bolsonaro-apoio-construcao-terceiro-templo-jerusalem/.

HAMMADEH, Jihad Hassam. A questão religiosa por trás de toda a


problemática entre Israel e Palestina. Disponível em https://domtotal.
com/noticia/1346133/2019/04/a-questao-religiosa-por-tras-de-toda-
a-problematica-entre-israel-e-palestina/.

HAUBERT, Mariana. Bolsonaro promete retirar embaixada da


Palestina do Brasil. Estadão, 2018. Disponível em: https://politica.
estadao.com.br/noticias/geral,bolsonaro-promete-retirar-embaixada-
da-palestina-no-brasil,70002436161.

319
Sayid Marcos Tenório

HERZL, Theodor. O Estado Judeu. Rio de Janeiro: Garamond, 1998.

HILTON, Stanley. Oswaldo Aranha: uma biografia. Rio de Janeiro:


Objetiva, 1994.

HOBSBAWN, Eric. Nações e Nacionalismos desde 1780. São Paulo: Paz


e Terra, 1991. p. 32.

HOURANI, Albert. Uma história dos povos árabes. São Paulo:


Companhia das Letras, 2006.

HROUB, Khaled. Hamas: um guia para iniciantes. Rio de Janeiro:


DIFEL, 2008.

HUMANAE LIBERTAS. E a Bíblia não tinha razão: escavações em


Israel revelam toda a verdade, 22 nov. 2016. Disponível em: https://
www.youtube.com/watch?v=M5uFvlfoRNo.

IBRASPAL. Liberdade para os presos políticos palestinos nas prisões de


Israel, 2019. Disponível em: https://ibraspal.org/pt/post/liberdade-
para-os-presos-politicos-palestinos-nas-prisoes-de-israel.

INOHARA, André. A entrevista de Iara Lee sobre o ataque à flotilha.


GGN, 2010. Disponível em: https://jornalggn.com.br/politica/
internacional-politica/a-entrevista-de-iara-lee-sobre-o-ataque-a-
flotilha/.

KANAFANI, Ghassan. A revolta de 1936-1939 na Palestina. São Paulo:


Sundermann, 2015.

KHALIDI, Walid. Antes de su diáspora: uma história de los palestinos


a traves de la fotografia, 1876-1948. Palestina: Institute for Palestines
Studies, 1984.

KISSINGER, Henry. Diplomacia. São Paulo: Objetiva, 2015.

320
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

KULKARNI, Pavan. Jovens palestinos detidos em prisões israelenses


sofrem violência física e psicológica sistemática, diz relatório. Opera
Mundi, 30 jun. 2018. Disponível em: https://operamundi.uol.com.
br/direitos-humanos/49667/jovens-palestinos-detidos-em-prisoes-
israelenses-sofrem-violencia-fisica-e-psicologica-sistematica-diz-
relatorio.

LACERDA, Carlos. Depoimento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987.

LAK, Leila. O BDS no Brasil, 2016. Disponível em: https://www.


revistadiaspora.org/2016/05/18/16143/.

LAWRENCE, Thomas Edward. Sete Pilares da Sabedoria. São Paulo:


Record, 2000.

MARTINS, Gizele. Da Palestina à Maré: a luta pelo direito à vida.


Disponível em http://www.pacs.org.br/2017/10/02/da-palestina-a-
mare-a-luta-pelo-direito-a-vida/.

MARX, Karl. Sobre a questão judaica. São Paulo: Boitempo, 2010.

MAURO, Fillipe. Objetivo do ataque é mandar Gaza para Idade


Média, diz vice-premiê de Israel. Opera Mundi, 2012. Disponível em:
https://operamundi.uol.com.br/noticia/25486/objetivo-do-ataque-e-
mandar-gaza-para-idade-media-diz-vice-premie-de-israel.

MIDDLE EAST MONITOR. Israel pharmaceutical firms test


medicines on Palestinian prisoners, 2019. Disponível em: https://www.
middleeastmonitor.com/20190220-israel-pharmaceutical-firms-test-
medicines-on-palestinian-prisoners/.

MIDDLE EAST MONITOR. Photo from Great Return March protests


wins prestigious French prize, 2018. Disponível em: https://www.
middleeastmonitor.com/20181015-photo-from-great-return-march-
protests-wins-prestigious-french-prize/.

321
Sayid Marcos Tenório

MISLEH, Soraya. Al Nakba: Um estudo sobre a catástrofe palestina.


São Paulo: Sundermann, 2017.

MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. A segunda guerra fria: geopolítica


e dimensão estratégica dos Estados Unidos – Das rebeliões na Eurásia
à África do Norte e Oriente Médio. 1. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2013.

MPPM. “Falsa justiça”: ONG denuncia responsabilidade do Supremo


Tribunal de Israel na demolição de casas palestinas, 2019. Disponível
em: https://www.mppm-palestina.org/content/falsa-justica-ong-
denuncia-responsabilidade-do-supremo-tribunal-de-israel-na-
demolicao-de.

NINIO, Marcelo. Grupo extremista Hamas surpreende, vence eleição


palestina e causa apreensão. Folha de S. Paulo, 2006. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft2701200601.htm.

ORTEGA, André; MARIN, Pedro. “Culpa” do Irã é apoiar o povo


palestino, diz Aiatolá Araki em visita ao Brasil. Opera, 2007. Disponível
em: http://revistaopera.com.br/2017/08/03/culpa-ira-e-apoiar-o-
povo-palestino-diz-aiatola-araki-em-visita-ao-brasil/.

PAMPLONA, Nicola. Netanyahu visita mirante, joga futebol na praia


e pede caipirinha no Rio. Folha de S.. Paulo, 2018. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/12/netanyahu-visita-
mirante-joga-futebol-na-praia-e-pede-caipirinha-no-rio.shtml.

PAPPÉ, Ilan. História da Palestina Moderna: uma terra dois povos.


Lisboa: Caminho, 2007.

PAPPÉ, Ilan. A limpeza étnica da Palestina. São Paulo: Sundermann,


2016.

322
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

PAPPÉ, Ilan. A solução de dois Estados morreu faz uma década. Viva
Palestina, 2013. Disponível em: http://vivapalestina.com.br/661/.

PORTAL VERMELHO. Israel prossegue a colonização de Jerusalém


Oriental, 2018. Disponível em: http://www.vermelho.org.br/
noticia/314754-1.

RAATZ, Luiz. Leia as cartas de Lula e Abbas sobre o reconhecimento do


Estado palestino. Estadão, 2010. Disponível em: https://internacional.
estadao.com.br/blogs/radar-global/leia-as-cartas-de-lula-e-abbas-
sobre-o-reconhecimento-do-estado-palestino/.

RODRIGUES, Lúcia. Um mês após início da marcha do retorno,


Israel já matou 43 palestinos. IBRASPAL, 2018. Disponível em: https://
ibraspal.org/pt/post/um-mes-apos-inicio-da-marcha-do-retorno-
israel-ja-matou-43-palestinos.

SAID, Edward W. Cultura e Política. São Paulo: Boitempo, 2003.

SAID, Edward W. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente.


São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

SAID, Edward W. A questão da Palestina. São Paulo: EdUNESP, 2012.

SAID, Edward. Peace and its Discontents: Essays on Palestine in the


Middle East Peace Process. Nova York: Knopf Doubleday Publishing
Group, 2012. p. 163-164.

SAID, Edward W.; BARSAMIAN, David. A pena e a espada. São Paulo:


EdUNESP, 2013.

SAND, Shlomo. A invenção do povo judeu: da Bíblia ao sionismo. São


Paulo: Benvirá, 2011.

323
Sayid Marcos Tenório

SAND, Shlomo. A invenção da Terra de Israel: de Terra Santa à terra


pátria. 1. ed. São Paulo: Benvirá, 2014.

SAHURIE, Jalil. Padre de la arqueología israelí declara que “No hay


pruebas históricas de la pertenencia de Jerusalén a los judíos ni de la
existencia de un Templo Judío”. ABABIL.ORG, 2018. Disponível em:
http://ababil.org/archives/7028.

SCHOENMAN, Ralph. A história oculta do sionismo. A verdadeira


história da formação do Estado de Israel. São Paulo: Sundermann,
2008.

SEVERO, Leonardo Wexell. Herói judeu e ministro de Mandela defende


o... CUT, 2012. Disponível em: https://www.cut.org.br/noticias/heroi-
judeu-e-ministro-de-mandela-defende-o-fim-do-apartheid-de-israel-
b4a0.

SHAHAK, Israel. The Zionist Plan for the Middle East. Belmont: Mass.,
A.A.U.G., 1982.

SHIHADAD, Kathryn. Israeli prof: Israel tests weapons on Palestinian


kids, tests drugs on prisoners. If Americans Knew Blog, 2019. Disponível
em: https://israelpalestinenews.org/israel-weapons-drug-testing-on-
palestinians/.

Soffer, Arnon. The Jerusalém Post, 10 maio 2004.

Supplement to a Survey of Palestina. Jerusalém: Government Printer,


junho de 1947.

TSIRAKIS, Stylianos. Ralph Schoenman – Mitos em queda. Revista


Teoria & Debate, Fundação Perseu Abramo, n. 5, janeiro/fevereiro/
março 1989. Disponível em: https://teoriaedebate.org.br/1989/01/01/
mitos-em-queda/.

324
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

UNICEF. Children in Israeli Military Detention: Observations and


Recommendations. Boletim n. 2, feve. 2015. Disponível em: https://
www.unicef.org/oPt/Children_in_Israeli_Military_Detention_-_
Obser vations_and_Recommendations_-_Bulletin_No._2_-_
February_2015.pdf.

UNRWA. Cisjordânia. Disponível em: http://unrwa.org.br/sobre_a_


unrwa/areas_de_operacao/cisjordania/.

UNRWA. Gaza. Disponível em: http://unrwa.org.br/sobre_a_unrwa/


areas_de_operacao/gaza/.

UNRWA. Líbano. Disponível em: http://unrwa.org.br/sobre_a_unrwa/


areas_de_operacao/libano/.

UNRWA. Síria. Disponível em: http://unrwa.org.br/sobre_a_unrwa/


areas_de_operacao/siria/.

USP. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. Convenção de Genebra IV


– 21 de outubro de 1950. Disponível em: http://www.direitoshumanos.
usp.br/index.php/Convenção-de-Genebra/convencao-de-genebra-iv.
html.

VEJA-RIVERA, Alexandra. El mar: un camino hacia la vida.


Palestina Soberana, 2018. Disponível em: http://palestinasoberana.
info/?p=22619.

VENOSA, Camilla. Diplomata sugere embaixada brasileira na Palestina


em Jerusalém Oriental. Correio Braziliense, 2018. Disponível em: https://
www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2018/11/01/
interna_politica,717092/diplomata-quer-embaixada-brasileira-na-
palestina-em-jerusalem-oriental.shtml.

VIEIRA, Danilo Porfírio de Castro. Política externa norte-americana


no Oriente Médio e o jihadismo. Curitiba: Appris, 2019.

325
Sayid Marcos Tenório

Websites

ABABIL – http://ababil.org
ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados
- https://www.acnur.org
addameer – Prisoner Support and Human Rights Association http://
addameer.org/prisons-and-detention-centers
AVA – Afghan Voice Agency – https://www.avapress.com/en
Biblioteca da Presidência da República – http://www.biblioteca.
presidencia.gov.br
Brasil de Fato – https://www.brasildefato.com.br
Carta Maior – https://www.cartamaior.com.br
Centro Islâmico no Brasil – http://arresala.org.br
Dom Total – https://domtotal.com/
Folha de S. Paulo – https://www1.folha.uol.com.br
G1 – http://g1.globo.com
HAMAS – Islamic Resistance Movement – http://hamas.ps/en
Human Rights Watch – https://www.hrw.org/
IBRASPAL – Instituto Brasil-Palestina – https://ibraspal.org
Imprensa Nacional – http://in.gov.br
Instituto PACS – http://www.pacs.org.br
Israel Hayon – http://www.israelhayom.com
Jornal JJG – https://jornalggn.com.br
Justificando – http://www.justificando.com

326
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Le Mond Diplomatique Brasil – https://diplomatique.org.br


Middle East Monitor – https://www.middleeastmonitor.com
Middle East Web – http://www.mideastweb.org
Ministério das Relações Exteriores – http://www.itamaraty.gov.br
MPPM – Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no
Médio Oriente https://www.mppm-palestina.org
O Estado de São Paulo – https://internacional.estadao.com.br
Opera Mundi – https://operamundi.uol.com.br
Organização das Nações Unidas – https://nacoesunidas.org
Outras Palavras – https://outraspalavras.net/
Palestina Soberana – http://palestinasoberana.info
PCHR Palestinian Centre for Human Rights – https://pchrgaza.org/
Portal Vermelho – http://www.vermelho.org.br
Revista Cult – https://revistacult.uol.com.br
Revista Diáspora – https://www.revistadiaspora.org
Revista Opera – http://revistaopera.com.br
Sul 21 – https://www.sul21.com.br
The Jerusalem Post – https://www.jpost.com
UNICEF – Fundo Internacional de Emergência para a Infância das
Nações Unida - https://www.unicef.org
UNRWA – Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados
da Palestina no Oriente Próximo -http://unrwa.org.br
Wikipedia - https://pt.wikipedia.org
Youtube - https://www.youtube.com

327
Apêndice
Entrevista com Ismail Haniyeh, líder político do
Movimento de Resistência Islâmica (HAMAS);

329
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Ismail Abdel Salam Ahmed Haniyeh ou simplesmente Ismail


Haniyeh, nasceu em 29 de janeiro de 1962 no campo de refugiados
de Shati, próximo da cidade de Gaza. Seus pais fugiram da cidade de
Ashkelon, onde moravam, durante a primeira guerra árabe-israelense
e a Nakba (catástrofe, em árabe) que se seguiu à proclamação do
Estado de Israel, em 1948, tornando-se refugiados.
Em 1983, começou seus estudos na Universidade Islâmica de
Gaza, onde se graduou em Literatura Árabe, em 1987. Fez parte do
Bloco Estudantil Islâmico, ramo jovem da Irmandade Muçulmana,
que daria origem ao Movimento de Resistência Islâmica (Harakatu
al-Muqawama al-Islamiya, em árabe), que agrupou em 1987 vários
intelectuais e políticos palestinos, liderados pelo imame e líder político
islâmico Ahmed Ismail Hassan Yassin, com o objetivo fundamental de
dirigir a Intifada contra a ocupação militar israelense na Faixa de Gaza.

331
Sayid Marcos Tenório

Haniyeh ficou preso por alguns meses entre 1987 e 1988, por
sua participação na Intifada. Em 1989, foi condenado a três anos de
prisão. Liberto em 1992, foi deportado para Marj al-Zuhur, no sul
do Líbano, com outros 400 militantes da Cisjordânia e Gaza. Ele e
outros membros do Hamas seriam mais tarde detidos pela Autoridade
Palestina, que considerava a ideologia e atividades do grupo uma
ameaça aos Acordos de Paz de Oslo.
Haniyeh retornou a Gaza em dezembro de 1993 e foi nomeado
reitor da Universidade Islâmica. Em 1997, após a libertação das prisões
israelenses do Sheikh Ahmed Yassin, na época líder do Hamas, ele
se tornou seu secretário. Em 2001, após o início da segunda Intifada
(de Al-Aqsa), ele consolidou sua posição como terceiro homem na
hierarquia do Hamas, depois do Sheikh Yassin e do médico Abdel Aziz
al-Rantissi Yibna.
Após os assassinatos do sheikh Yassin em 22 de março de 2004
e de Rantisi, em 17 de abril do mesmo ano, o Hamas passou a ser
dirigido por Khaled Meshal, que havia sobrevivido a uma tentativa
de assassinato por envenenamento, quando agentes do serviço
secreto e terrorista Mossad conseguiram injetar uma substância
tóxica no seu corpo em Amã, Jordânia, em 1997. Com a ascensão de
Meshal à liderança política do Hamas, Haniyeh assumiu a máxima
responsabilidade política e militar do Movimento.
Ismail Haniyeh sucedeu Khalid Meshal como líder político do
Hamas em 06 de maio de 2017, depois de vencer a eleição contra Mussa
Abu Marzuk e Mohamed Nazzal, numa votação por videoconferência
dos membros Conselho da Shura, o principal órgão de decisão do
Hamas composto por 48 membros, que escolhe o Comitê Central do
Movimento, em Gaza, na Cisjordânia e fora dos territórios palestinos.
Eis a entrevista:
Primeiramente gostaria de agradecer ao senhor Ismail Raniyeh
pela gentileza em nos conceder esta entrevista. Tenho certeza que as
suas respostas serão muito esclarecedoras para o leitor brasileiro, que
é pouco ou mal informado pela mídia global e nacional e pelos filmes

332
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

produzidos em Hollywood, quando o assunto é a justa luta do povo


palestino pela sua autodeterminação e pelo retorno dos milhares de
homens, mulheres e crianças que foram expulsos à partir de 1947,
quando as Nações Unidas, decidiu de maneira unilateral e ilegal,
dividir a Palestina Histórica em dois estados. Bem como sobre ao
legítimo direito do povo palestino à resistência.
O Hamas aprovou um novo Programa em 2017, onde se declara um
movimento nacional palestino, islâmico, de libertação e resistência. E que
a sua meta é libertar a Palestina e confrontar o projeto sionista do Estado
judeu. Diz também que a Palestina é um território que se estendo do Rio
Jordão ao Mediterrâneo, como uma unidade territorial integral. Do ponto
de vista do Hamas, Israel tem o direito de existir?
Israel não é um estado normal. É um estado colonial de colonos
que foi criado durante e depois da expulsão em massa e expropriação
do povo palestino. Sessenta e sete anos depois, milhões de palestinos
continuam sendo vítimas de ocupação, exílio e dispersão. Reconhecer
Israel efetivamente significa legitimar o que Israel fez ao povo palestino
e legitimar todas as reivindicações sionistas sobre as quais Israel foi
criado.
A relação entre o povo palestino e Israel não é uma relação entre
estados soberanos. É uma relação impulsionada pelo colonialismo
israelense, expropriação e ocupação militar e pela luta dos palestinos
por liberdade e autodeterminação. Essa é a realidade desta situação.
Não há maneira de contornar isso. Solicitar aos palestinos que
reconheçam a ocupação de Israel equivale a pedir aos negros sul-
africanos que reconheçam a legitimidade do regime do apartheid
branco sul-africano, ou pedir aos franceses que aceitem a ocupação
alemã de suas terras durante a Segunda Guerra Mundial ou pedir aos
americanos que reconheçam a ocupação britânica no século XVIII, ou
esperar que os argelinos reconhecessem a ocupação francesa durante
sua guerra de libertação nacional.
Para os palestinos, aceitar a realidade de seu ocupante e opressor
é render o sonho de liberdade e libertação e trair aqueles que lutaram
longa e duramente por sua liberdade, autodeterminação e dignidade,

333
Sayid Marcos Tenório

e trair o próprio princípio da luta universal - ou justiça e liberdade


consagradas nos tratados divinos e no direito internacional.
Lembre-se, é possível reconhecer seus amigos, mas é um tanto
absurdo aceitar a legitimidade de seus inimigos. É absurdo e irrelevante
usar o reconhecimento de Israel como pré-condição quando todas
as causas e manifestações de injustiça e desigualdade estão sendo
sistematicamente realizadas.
A liderança da OLP reconheceu o Estado de Israel em 1993 e
se envolveu em negociações de paz com Israel desde a conferência
de Madri em 1991. Mas o que os palestinos receberam em troca? Os
governos israelenses não respeitaram as condições dos acordos. Israel
nunca reconheceu os legítimos direitos históricos e políticos do povo
palestino à terra e nunca reconheceu sua responsabilidade moral,
política e legal pela desapropriação do povo palestino. Israel continua a
travar guerras contra os palestinos, apoderam-se de terras, continuam
a construir novas e expandindo as colônias judaicas ilegais, sitiam
Gaza e violam sistematicamente os direitos humanos dos palestinos.
É impensável, imoral e injusto esperar que os palestinos que são
continuamente oprimidos e subjugados à ocupação militar israelense
capitulem às condições humilhantes de Israel e esperem que os
palestinos doem suas terras a quem acredita que lhe é de direito, a um
povo que reivindica uma propriedade exclusiva sobre a terra. Não há
precedentes na história moderna, onde um povo consentiu o roubo de
sua terra natal, e o povo da Palestina definitivamente não é exceção.
O Hamas afirma no novo Programa que o conflito existente na
Palestina ocupada é contra o projeto sionista e não uma luta contra os
judeus, mas contra os sionistas que ocupam a Palestina. Por que o Hamas
não pode coexistir com Israel?
A ocupação e a opressão não podem ser normalizadas, na medida
em que a paz e a opressão não podem coexistir. Sem eliminar as causas
subjacentes da injustiça e da tirania, você nunca conseguirá paz e
segurança. Israel é um estado colonialista que impõe uma ocupação
ilegal da Palestina e submete o povo palestino à opressão, cerco,
humilhação diária e violações sistemáticas dos direitos humanos.
334
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

A menos que Israel se comprometa claramente com uma solução


que coloque um fim claro e inequívoco de sua ocupação, maus-tratos
e violação dos direitos humanos e do direito internacional palestino, a
paz não será uma realidade viva para todos.
Israel não pode desfrutar da paz enquanto ainda segura o povo
palestino pela garganta e leva o refém palestino ao seu regime militar.
O povo palestino não tem escolha a não ser resistir à ocupação.
Como o seu partido negocia com Israel, há negociações entre as
duas partes?
Com base em nossa experiência, ficou provado que as
negociações não conseguiram trazer de volta os direitos palestinos.
O principal problema não são as negociações, mas é que Israel não
reconhece nenhum dos direitos palestinos.
Essa ação do Hamas contra Israel tem gerado muitas críticas e
acusações. Uma delas é o seu partido é antissemita.
Quanto às acusações de antissemitismo, são argumentos muito
convenientes e úteis que os apologistas de Israel geralmente usam
quando estão sem argumentos. Eles usam tal acusação para intimidar
os críticos de Israel ou para esterilizar a discussão e desviar a atenção
dos problemas reais.
O flagelo do antissemitismo é uma forma repugnante de racismo
que discrimina todos os judeus por quem eles são e, portanto, muito
semelhante a todas as outras formas de racismo dirigidas a outros
seres humanos decentes, sejam eles muçulmanos, cristãos ou de outras
religiões, e por isso mesmo devem ser confrontados e eliminados.
Há uma clara distinção entre o antissemitismo, por um lado, e
críticas legítimas às políticas degradantes e opressivas de Israel contra
o povo palestino. Não temos nada contra os judeus por quem eles são.
Nós não somos contra os judeus como religião ou etnia.
Há muitos judeus e israelitas conscienciosos que se envergonham
e ficam envergonhados com o que Israel tem feito em seu nome. Esses

335
Sayid Marcos Tenório

Judeus de Princípios têm condenado consistentemente as violações de


Israel dos direitos humanos palestinos e seu colonialismo de colonos.
O Hamas é contra Israel como um estado colonial de colonos
que ocupa a Palestina e sujeita o povo palestino à guerra, colonização
e deslocamento. O conflito com Israel é fundamentalmente político
e os palestinos estão lutando por liberdade e autodeterminação. Se a
Palestina tivesse sido ocupada por outro povo que tivesse uma religião
semelhante ou diferente, o Hamas e o povo palestino teriam lutado
contra ela com toda a força.
Como o senhor avalia o cenário internacional para o avanço da luta
palestina?
O Hamas pede que a comunidade internacional pressione Israel
para acabar com sua ocupação e colonização desmantelando seus
assentamentos coloniais e outros fatos no terreno. Caso contrário, é
responsabilidade moral e política da comunidade internacional e do
mundo livre sujeitar Israel a sanções e boicotes econômicos, políticos
e culturais semelhantes aos impostos ao regime sul-africano do
apartheid.
Qual deveria ser o papel da comunidade internacional diante dos
crimes de Israel contra palestinos?
O Hamas pede que a comunidade internacional pressione Israel
para acabar com sua ocupação e colonização desmantelando seus
assentamentos coloniais e outros fatos no terreno. Caso contrário, é
responsabilidade moral e política da comunidade internacional e do
mundo livre sujeitar Israel a sanções e boicotes econômicos, políticos
e culturais semelhantes aos impostos ao regime sul-africano do
apartheid.
Como o Hamas vê o papel dos Estados Unidos no conflito palestina-
israel, quando os norte-americanos declaram o seu partido como um
grupo terrorista?
O Hamas vê sua única contradição com o estado de ocupação de
Israel e, portanto, espera construir relações construtivas com todos os

336
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

países e entidades com base no respeito e interesse mútuos. O Hamas


acredita que a posição assumida por administrações consecutivas dos
EUA no apoio à ocupação de Israel e à opressão dos palestinos só
contribuiu para mais sofrimento e dor nos palestinos e não serviu à
causa da paz na região. Essa posição é contrária aos valores da justiça,
da dignidade humana e da democracia que ela pretende defender. É
cristalino que os EUA há muito escolheram estar do lado errado da
história, optando por apoiar um Estado colonial de colonos em clara
violação da lei internacional e da decência humana básica.
O Hamas pede que os EUA corrijam os erros do passado e
tomem uma decisão corajosa para ajudar a responsabilizar Israel por
seus crimes contra o povo palestino.
O Hamas aprecia todos os esforços do povo americano que
defendem os direitos legítimos do povo palestino em sua luta para
recuperar sua liberdade e independência.
O fracasso dos EUA em defender valores de direitos humanos,
direitos iguais, respeito ao direito internacional e um senso
compartilhado de solidariedade com os oprimidos no caso da
Palestina, demonstra o grande abismo entre a retórica e a realidade
que eles engendram por seu apoio antiético a Israel.
E em relação aos países da União Europeia?
O Hamas aguarda com expectativa as relações abertas e positivas
com a União Europeia e os Estados membros da UE para alcançar a
paz e a estabilidade na região. Mais importante ainda, o Hamas quer
um papel europeu mais vigoroso para ajudar a acabar com a ocupação
israelense da Palestina, exercer pressão sobre Israel através de boicotes
e desinvestimentos e sanções, e ajudar na reconstrução de Gaza e na
superação de obstáculos internos.
Os israelenses e seus aliados do ocidente vivem a repetir que o
Estado judeu é a única democracia do Oriente Médio. Como o senhor
avalia essa questão?

337
Sayid Marcos Tenório

Os apologistas de Israel sempre retratam Israel como uma


democracia ocidental, “a única democracia no Oriente Médio”, e
enfrentam os valores democráticos liberais e a herança judaico-cristã
que Israel compartilha com democracias liberais no Ocidente. Tais
afirmações são egoístas e uma cortina de fumaça para esconder a
exclusividade étnico-religiosa judaica inerente à ideologia sionista e as
desigualdades estruturais e práticas discriminatórias que o Estado de
ocupação israelense realiza contra seus cidadãos não-judeus.
Muito pelo contrário de uma democracia, Israel é uma etnocracia
que incorpora alguns elementos de uma democracia liberal ocidental,
como eleições e sistemas de votação, pluralidade política e imprensa
livre.
Uma etnocracia surge quando membros de um determinado
grupo étnico-nacional - os judeus em Israel, os brancos na África do
Sul do apartheid ou os fundamentalistas cristãos brancos nos EUA -
assumem o controle do governo e dos militares para impor um regime
de exclusividade e privilégio sobre outros grupos étnicos ou religiosos
no que é de fato uma sociedade multi-étnica ou multi-religiosa.
Ao contrário das democracias liberais na Austrália, nos EUA
e na Europa Ocidental, onde um modelo de nacionalismo civil e
democracia inclusiva é implementado, Israel continua ligado a um
paradigma nacionalista étnico em que o país não pertence a todos os
seus cidadãos, mas a um particular grupo étnico.
A proclamação de Israel como “Estado judeu” é um absurdo na
melhor das hipóteses e racistas na pior: imagine se a Austrália ou os EUA
decidirem chamar-se Estado Protestante, tornando automaticamente
todos os cidadãos de segunda classe não protestantes negando-lhes
plena cidadania e direitos ?!
Enquanto os árabes palestinos em Israel recebem cidadania,
tecnicamente desfrutam de algum nível de liberdade de língua,
religião e cultura e têm direito a voto e representação no Parlamento
de Israel, eles são continuamente tratados como cidadãos de segunda
classe e perseguidos como uma “quinta coluna em potencial”, uma

338
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

“bomba-relógio” e um “emissário do inimigo entre nós”, e sofrem de


desigualdades estruturais na lei e representação política real e alocação
de recursos.
Apesar de uma fachada de governança democrática, Israel
continua a negar aos seus cidadãos palestinos direitos políticos
iguais e discrimina-os na cidadania, saúde, educação, casamento,
financiamento municipal, habitação, propriedade da terra.
Representantes árabes podem sentar no Parlamento, mas não
têm influência real sobre o estado. Nenhuma decisão do governo é
considerada legítima, a menos que goze de uma “maioria judaica”, ou
seja, o apoio da maioria dos judeus no Parlamento ao invés de uma
maioria parlamentar, porque isso requer os votos dos parlamentares
árabes.
Você acha que pode chamar isso de democracia?
Quais as iniciativas do Hamas para que haja unidade na ação das
diversas correntes políticas em atuação na Palestina? O Hamas desenvolve
conversas com outros interlocutores nesse sentido?
Normalmente, há reuniões entre o Hamas e o Fatah, apesar
das diferenças. Isso é natural, pois ambas são facções palestinas. Da
mesma maneira, o Hamas considera a Frente Popular de Libertação
da Palestina (FPLP) um importante parceiro político na luta pela
liberdade contra a ocupação israelense. O movimento mantém um
alto nível de coordenação política e de campo com a FPLP, e o Hamas
sempre busca o desenvolvimento de relações bilaterais. O Hamas
espera que essas reuniões terminem com a reconciliação muito em
breve.
Uma das críticas muito comuns no Ocidente, é que a mulher
muçulmana é oprimida e não tem vida ativa nas sociedades de que faz
parte. Qual o papel da mulher no Movimento de Resistência Islâmica?
O Hamas incentiva a participação das mulheres na vida
política. De fato, as mulheres são representadas em todos os níveis
organizacionais do Hamas. Uma mulher no Hamas, além disso,

339
Sayid Marcos Tenório

participa ativamente da tomada de decisões em todas as instituições do


movimento. Em todas as atividades do Hamas, como a celebração dos
aniversários do Hamas e outros, o movimento demonstra considerável
respeito e forte presença de membros femininos. Finalmente, há várias
mulheres deputadas no bloco parlamentar do Hamas.

340
Anexos

341
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

I. Excertos da Resolução da ONU nº 181, de 28 de novembro de


1947, concernente ao Plano de Partilha da Palestina, ao futuro governo
da Palestina e à internacionalização de Jerusalém.
II. Excertos da Resolução da ONU nº 194 (III), de 11 de dezembro
de 1948, criando Comissão de Conciliação da ONU, decidindo que
Jerusalém deve ser colocada sob um regime internacional permanente,
e que os refugiados devem ter permissão para retornar.
III. Resolução nº 303 (IV) (1949), de 9 de dezembro de 1949,
reiterando a intenção de que Jerusalém deva ser colocada sob um
regime internacional permanente.
IV. Declaração de Independência da Palestina.
V. Documento de Princípios Gerais e Políticas do Movimento de
Resistência Islâmica “HAMAS”.
VI. Declaração do Ayatolá Seyed Ali Khamenei, líder da
Revolução Islâmica, a Sexta Conferência Internacional de Apoio à
Intifada Palestina. Teerã, 21 e 22 de fevereiro de 2017.
VII. Cronologia das relações bilaterais entre o Brasil e a Palestina.
VIII. Documento de Referência do Fórum Social Mundial
Palestina Livre.

343
Anexo I

345
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Excertos da Resolução da ONU nº 181,


de 28 de novembro de 1947
Concernente ao Plano de Partilha da Palestina, ao futuro governo da
Palestina e à internacionalização de Jerusalém
A Assembleia Geral:
Tendo se reunido em sessão especial a pedido da Potência
mandatária para criar e instruir um comitê especial para preparar-se
para o exame da questão do futuro governo da Palestina na Segunda
sessão regular;
Tendo constituído um Comitê Especial e o instruído a investigar
todas as questões e tópicos relevantes para o problema da Palestina, e
a preparar propostas para a solução do problema e
Tendo recebido e examinado o relatório do Comitê Especial,
Recomenda ao Reino Unido, como potência mandatária para a
Palestina, e todos os demais Membros das Nações Unidas a adoção e
implementação, com vistas ao futuro governo da Palestina, do Plano
de Partilha com a União Econômica apresentado abaixo:
Plano de Partilha com união econômica
Parte I - Constituição e governo futuros da Palestina
A. Término do Mandato, Partilha e Independência
1. O mandato para a Palestina terminará até 1º de agosto de 1948.
2. As forças armadas da Potência mandatária se retirarão
progressivamente da Palestina [...] até 1º de agosto de 1948.
3. Os Estados independentes judeu e árabe e o Regime Especial
Internacional para a cidade de Jerusalém, estabelecidos na parte III
deste plano, ganharão existência na Palestina em dois meses após a
evacuação das forças armadas da Potência mandatária.
Capítulo I: Lugares santos, prédios e sítios religiosos

347
Sayid Marcos Tenório

1. Direitos vigentes a respeito dos lugares santos e prédios e sítios


religiosos não serão negados nem dificultados.
2. Sempre que se tratar de lugares santos, a liberdade de acesso
à visita e trânsito será garantida, em conformidade com os direitos
vigentes a todos os residentes e cidadãos do outro Estado e da
Cidade de Jerusalém, bem como aos estrangeiros, sem distinção de
nacionalidade.
Do mesmo, a liberdade de culto será garantida, segundo os
direitos vigentes, respeitadas as exigências de ordem pública e decoro.
3. Os lugares santos e os sítios e prédios religiosos serão
preservados. Não será permitida qualquer ação que possa de algum
modo afetar seu caráter sagrado.
4. Nenhuma taxa será cobrada concernente a qualquer lugar
santo, prédio ou sítio religioso que estava isento de taxa na data da
criação do Estado.
5. O governo da cidade de Jerusalém terá o direito de determinar
se as disposições da constituição do Estado com relação aos lugares
santos, prédio e sítios religiosos dentro das fronteiras do Estado e os
direitos religiosos pertinentes estão sendo bem aplicados e respeitados,
e de tomar decisões com base nos direitos vigentes em casos de
disputas que possam surgir entre as diferentes comunidades religiosas
sobre tais lugares.
Capítulo II: Direitos religiosos e das minorias
1. Serão garantidos a todos a liberdade de consciência e o livre
exercício de todas as formas de culto, sujeitos somente à exigência de
ordem pública e dos costumes.
2. Nenhum tipo de discriminação será admitido entre os
habitantes com base em raça, religião, língua ou sexo.
3. Todas as pessoas dentro da jurisdição do Estado serão
protegidas de igual forma pelas leis.

348
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

4. O direito de família e o status pessoal das várias minorias e


seus interesses religiosos, incluindo doações, serão respeitados.
5. O Estado garantirá educação primária e secundária adequada
para as minorias árabe e judia, respectivamente, em sua própria língua
e tradições culturais. O direito de cada comunidade manter suas
próprias escolas para a educação de seus membros em sua própria
língua, enquanto o acomoda aos requisitos educacionais de natureza
geral como o Estado pode impor, não será negado nem dificultado.
6. Nenhuma restrição será imposta ao livre uso, por qualquer
cidadão do Estado, de qualquer língua em relações privadas, no
comércio, na religião, na imprensa ou em publicações de qualquer
espécie, ou em reuniões públicas.
7. Nenhuma apropriação de terra possuída por um árabe no
Estado judeu (por um judeu no Estado árabe) será consentida exceto
por propósitos públicos. Em todos os casos de apropriação será
paga indenização total, a ser fixada pela Suprema Corte, antes da
desapropriação.
Parte III: A cidade de Jerusalém
A. Regime Especial
A cidade de Jerusalém será definida como um corpus separatum
sob regime internacional especial e será administrada pelas Nações
Unidas. O Conselho Curador será designado para desempenhar as
funções da Autoridade Administrativa em nome das Nações Unidas.
B. Fronteiras da cidade
A cidade de Jerusalém incluirá a atual municipalidade de
Jerusalém acrescida das vilas e cidades circunvizinhas, das quais a
mais a leste será Abu Dis; a mais ao sul, Belém; Ein Karim (incluindo
também a área construída de Motsa), a mais a oeste; e, a mais ao norte,
Shu’fat.

349
Sayid Marcos Tenório

C. Estatuto da cidade
O Conselho Tutelar elaborará e aprovará um detalhado Estatuto
da Cidade que conterá, inter alia, a parte principal das seguintes
medidas:
1. Máquina governamental
A Autoridade Administrativa, no desempenho de suas obrigações
administrativas, perseguirá os seguintes objetivos especiais:
a. Proteger e preservar os interesses espirituais e religiosos
ímpares localizados na cidade das três grandes fés monoteístas de todo
o mundo, cristã, judia e muçulmana; para isto, a fim de garantir a
ordem e a paz;
b. Para incentivar a cooperação entre todos os habitantes da
cidade em seu próprio interesse, bem como a fim de encorajar e apoiar
o desenvolvimento pacífico das relações mútuas entre os dois povos
palestinos e em toda a Terra Santa; para promover a segurança, o
bem-estar e quaisquer medidas construtivas para o desenvolvimento
de iniciativa dos residentes, tendo em vista as circunstâncias especiais
e os costumes dos vários povos e comunidades.
2. Governador e equipe administrativa
O Conselho Curador designará um Governador da Cidade de
Jerusalém, o qual será responsável por ela. Ele será escolhido com base
em qualificações especiais e sem preocupação com nacionalidade. Ele
não será, porém, um cidadão de nenhum dos dois Estados da Palestina.
O governador representará as Nações Unidas na cidade e
exercerá em seu nome todos os poderes administrativos, incluindo a
gerência dos negócios estrangeiros.
3. Autonomia local
a. As unidades autônomas locais existentes no território da
cidade (vilas, distritos, municipalidades) gozarão de largos poderes de
governo e administração locais.

350
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

b. O governador estudará e submeterá à consideração e à decisão


do Conselho Curador um plano para a criação de unidades urbanas
especiais consistindo, respectivamente, de seções judia e árabe da nova
Jerusalém. As novas unidades urbanas continuarão a fazer parte da
atual municipalidade de Jerusalém.
4. Medidas de segurança
a. A cidade de Jerusalém será desmilitarizada; sua neutralidade
será declarada e preservada, e nenhuma organização, exercício ou
atividade paramilitar será permitida dentro de suas fronteiras.
b. Caso a administração da cidade de Jerusalém seja seriamente
obstacularizada ou dificultada por falta de cooperação ou interferência
de uma ou mais partes da população, o governador terá autoridade
para tomar as medidas que forem necessárias para restaurar o
funcionamento efetivo da administração.
c. Para garantir a manutenção da lei e da ordem internas,
especialmente para a proteção dos lugares santos e prédios e sítios
religiosos da cidade, o governador organizará uma força policial
especial de força adequada, cujos membros serão recrutados fora da
Palestina. O governador terá poderes para gerir recursos orçamentários
necessários para a manutenção desta força.
5. Organização legislativa
Um conselho Legislativo, eleito pelos residentes adultos da
cidade, independente de nacionalidade, com base no sufrágio universal
e secreto e com a representação proporcional, terá poderes de legislar
e criar impostos. Nenhuma medida legislativa, entretanto, conflitará
com ou interferirá nas medidas que serão determinadas no Estatuto
da cidade, nem prevalecerá sobre elas qualquer lei, regulamento ou
ato oficial. O Estatuto capacitará o governador com o direito de vetar
decretos inconsistentes com as medidas temporárias, no caso de o
Conselho não aprovar a tempo um decreto considerado essencial para
o funcionamento normal da administração.

351
Sayid Marcos Tenório

6. Administração da Justiça
O Estatuto cuidará da criação de um sistema judiciário
independente, incluindo uma corte de apelação. Todos os habitantes
da cidade estarão sujeitos a ela.
7. União econômica e sistema econômico
A cidade de Jerusalém será incluída na União Econômica da
Palestina e respeitará todas as cláusulas e acordos feitos com aquela
entidade, bem como as decisões adotadas pela Junta Econômica Mista.
8. Liberdade de trânsito e de visita; controle dos residentes
Sujeita a considerações de segurança e de bem-estar econômico
quando decididas pelo governador, em conformidade com as
orientações do Conselho Curador, a liberdade para entrar nas fronteiras
da cidade e de aí residir será garantida para os residentes ou cidadãos
dos Estados árabe e judeu. A imigração para a cidade e a residência
dentro de suas fronteiras, para nacionais de outros Estados, serão
controladas pelo governador com base nas orientações do Conselho
Curador.
9. Relações com os Estados árabe e judeu
Representantes dos Estados árabe e judeu serão credenciados
pelo governador da cidade e encarregados da proteção dos interesses
de seus Estados, em conexão com a administração internacional da
cidade.
10. Línguas oficiais
O árabe e o hebraico serão as línguas oficiais da cidade. Isto não
impedirá a adoção de uma ou mais línguas extras de trabalho, caso
seja necessário.
11. Cidadania
Todos os residentes se tornarão ipso facto cidadãos da cidade de
Jerusalém, a menos que optem pela cidadania do Estado do qual eles
têm sido cidadãos, se árabes ou judeus, tenham preenchido formulário

352
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

de intenção para se tornarem cidadãos do Estado árabe ou do Estado


Judeu, respectivamente.
12. Liberdades do cidadão
a. Sujeitos somente a exigências de ordem pública e de razões
morais, os habitantes da cidade terão assegurados os direitos humanos
e liberdades fundamentais, incluindo liberdade de consciência, religião
e culto, língua, educação, fala e imprensa, assembleia e associação.
b. Nenhuma discriminação de qualquer espécie será admitida
entre os cidadãos com base em raça, religião, língua ou sexo.
c. Todas as pessoas dentro da cidade terão direito à igual proteção
das leis.
d. A lei de família e o status pessoal das diversas pessoas e
comunidades e de seus interesses religiosos serão respeitados.
e. Exceto quando solicitada por exigências de ordem pública e de
bom governo, nenhuma medida que obstrua ou interfira na gestão de
entidades religiosas ou caritativas de nenhum credo será tomada, nem
que discrimine qualquer representante ou membro dessas entidades,
com base em sua religião ou em sua nacionalidade.
f. A cidade garantirá educação primária e secundária adequada
para as comunidades árabe e judia, respectivamente, em suas próprias
línguas e de acordo com suas tradições culturais.
O direito de cada comunidade de manter suas próprias escolas
para a educação de seus membros em sua própria língua, desde que
em conformidade com as exigências educacionais de natureza geral
que a cidade possa impor, não será negado nem dificultado. Escolas
de educação estrangeiras continuarão em atividade com base em seus
direitos vigentes.
13. Lugares Santos
a. Direitos vigentes sobre lugares santos e prédios ou sítios
religiosos não serão negados nem dificultados.

353
Sayid Marcos Tenório

b. O livre acesso aos lugares santos e prédios religiosos e o livre


exercício de culto serão garantidos com os direitos vigentes e sujeitos
a exigências de ordem pública e decoro.
c. Os lugares santos e os prédios ou sítios religiosos serão
preservados. Não será admitido nenhum ato que possa, de algum
modo, atingir seu caráter sagrado. Se, a qualquer tempo, parecer ao
Governador que determinado Lugar Santo, prédio ou sítio religioso
precise de reparo urgente, o Governador pode convocar a comunidade
ou comunidades interessadas para realizar a tarefa. O Governador
pode realizar ele próprio a tarefa a expensas da comunidade ou
comunidades interessadas, se a tarefa não for realizada dentro de um
prazo razoável.
d. Nenhum imposto será criado em Lugar Santo, prédio ou sítio
religioso que estava isento de imposto na data de criação da Cidade.
Nenhuma mudança no valor de tal imposto será feita que venha a
discriminar proprietários ou locadores de Lugares Santos, prédios ou
sítios religiosos, ou que coloque tais proprietários ou locadores numa
posição menos favorável com relação ao valor geral do imposto do que
à época da adoção das recomendações da Assembleia.
14. Poderes especiais do Governador relativos a Lugares Santos,
prédios ou sítios religiosos na Cidade ou em qualquer parte da Palestina
a. A proteção dos Lugares Santos, prédios ou sítios religiosos
localizados na Cidade de Jerusalém serão uma preocupação especial
do Governador.
b. Com relação a tais lugares, prédios e sítios da Palestina situados
fora da Cidade, o Governador determinará com base nos poderes
que lhe são conferidos pelas Constituições de ambos os estados se as
cláusulas das constituições dos Estados Árabe e Judeu na Palestina
que tratam daqueles lugares e os direitos religiosos a eles concernentes
estão sendo corretamente aplicados e respeitados.
c. O Governador será autorizado também a tomar decisões com
base nos direitos vigentes em casos de disputas que possam surgir entre

354
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

as diferentes comunidades religiosas ou ritos de uma comunidade


religiosa relativamente aos Lugares Santos, prédios ou sítios religiosos,
em qualquer parte da Palestina.
Nesta tarefa, ele pode ser auxiliado por um conselho consultivo
de representantes de diferentes denominações atuando como órgão de
assessoramento.
d. Duração do regime Especial.
O Estatuto elaborado pelo Conselho Curador sobre os
princípios já referidos entrará em vigor até o dia 1º de outubro de
1948. Permanecerá em vigor, em primeira instância, por um período
de dez anos, a menos que o Conselho Curador ache necessário um
reexame dessas cláusulas numa data anterior. Expirado esse período,
todo o esquema será sujeito a um reexame pelo Conselho Curador à
luz da experiência adquirida com seu funcionamento. Os residentes da
Cidade estarão livres, então, para expressar, por meio de um referendo,
seus desejos de possíveis modificações no regime da Cidade.
[...]
Parte IV. Capitulações
Estados cujos cidadãos nacionais gozaram na Palestina, no
passado, de privilégios e imunidades, como antigamente gozaram por
capitulações ou uso no Império Otomano, são convidados a renunciar
a qualquer direito pertinente a eles para o restabelecimento de tais
privilégios e imunidades, nos propostos Estados Árabe e Judeu e na
cidade de Jerusalém.

355
Anexo II

357
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Excertos da Resolução da ONU nº 194 (III),


de 11 de dezembro de 1948
Criando Comissão de Conciliação da ONU, decidindo que Jerusalém
deve ser colocada sob um regime internacional permanente, e
decidindo que os refugiados devem ter permissão para retornar
A Assembleia Geral,
Tendo considerado mais além a situação na Palestina,
1. Expressa sua profunda satisfação com o progresso conseguido
por meio dos bons ofícios do último Mediador das Nações Unidas na
promoção de um ajuste pacífico da situação futura da Palestina, por
cuja causa sacrificou a sua vida; e
Estende seus agradecimentos ao Mediador em Atividade e à
sua equipe por seus esforços continuados e sua devoção ao dever na
Palestina.
2. Cria uma Comissão de conciliação, formada por três Estados
Membros das Nações Unidas, que terá as seguintes funções:
a) Assumir, logo que considere necessário nas circunstâncias
vigentes, as funções dadas ao Mediador das Nações Unidas sobre a
Palestina pela resolução 186 (5-2) da Assembleia Geral de 14 de maio
de 1948;
b) Realizar as funções e orientações específicas dadas a ele pela
presente resolução e funções e orientações adicionais que possam ser
passadas a ele pela Assembleia Geral ou pelo Conselho de Segurança.
c) Empreender, a pedido do Conselho de Segurança, qualquer
uma das funções agora transferidas ao Mediador das Nações Unidas
sobre a Palestina ou à Comissão de Armistício das Nações Unidas pelas
resoluções do Conselho de Segurança à Comissão de Conciliação,
relativamente a todas as funções remanescentes do Mediador das
Nações Unidas sobre a Palestina – conforme resoluções do Conselho
de Segurança, o escritório do Mediador será fechado.

359
Sayid Marcos Tenório

3. Decide que um Comitê da Assembleia formada pela China,


França e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, o Reino Unido e
os Estados Unidos da América apresentarão, antes do fim da primeira
parte da presente sessão da Assembleia Geral, para aprovação da
Assembleia, proposta concernente aos nomes dos três estados que
constituirão a Comissão de Conciliação.
4. Pede à Comissão para iniciar suas funções de imediato, com a
finalidade de estabelecer contato entre as partes e a Comissão o mais
cedo possível.
5. Convida os Governantes e autoridades interessados para
expandir o âmbito das negociações tratadas na resolução do Conselho
de Segurança de 16 de novembro de 1948 e buscarem acordo, por
intermédio das negociações conduzidas, quer com a Comissão, quer
diretamente, tendo em vista um consenso final de todas as questões
relevantes entre eles.
6. Instrui a Comissão de Conciliação para tomar a iniciativa de
assistir os Governantes e autoridades interessados para alcançarem
um consenso final de todas as questões relevantes entre eles.
7. Decide que os Lugares Santos – incluindo Nazaré – prédios e
sítios religiosos na Palestina devem ser protegidos e seu livre acesso
garantido, de acordo com os direitos vigentes e a prática histórica;
que medidas para esse fim devem ficar sob a supervisão efetiva das
Nações Unidas; que a Comissão de Conciliação das Nações Unidas, ao
apresentar à quarta sessão regular da Assembleia Geral suas propostas
detalhadas para um regime internacional permanente para o território
de Jerusalém, deve incluir recomendações concernentes aos Lugares
Santos naquele território; que, quanto aos Lugares Santos no resto
da Palestina, a Comissão deve convocar as autoridades políticas das
áreas relacionadas para lhes dar garantias formais para a proteção
dos Lugares Santos e acesso a eles; e que essas iniciativas devem ser
apresentadas à Assembleia Geral para aprovação.
8. Resolve que, em vista de sua associação com três religiões
mundiais, a área de Jerusalém, incluindo a atual municipalidade

360
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

de Jerusalém mais as vilas e vilarejos da vizinhança, a mais a leste


delas sendo Abu Dis; a mais ao sul, Belém; a mais a oeste, Ein Karim
(incluindo também a área construída de Motsa); e a mais ao norte
Shu’fat, deve ser considerada como sendo especial e merecer o
tratamento em separado do resto da Palestina, e deve ficar sob efetivo
controle das Nações Unidas.
Pede ao Conselho de Segurança para empreender novas
iniciativas para garantir a desmilitarização de Jerusalém no menor
espaço de tempo possível.
Instrui a Comissão a apresentar à quarta sessão regular da
Assembleia Geral propostas detalhadas para um regime internacional
permanente para a área de Jerusalém que buscará o máximo de
autonomia local para os distintos grupos, coerentemente com o status
internacional especial da área de Jerusalém.
A Comissão de Conciliação está autorizada a nomear um
representante das nações Unidas, o qual cooperará com as autoridades
locais quanto à administração interina da área de Jerusalém.
9. Decide que, havendo acordo pendente sobre medidas mais
detalhadas entre os Governantes e as autoridades relacionadas, deve-se
franquear a todos os habitantes da Palestina o mais livre acesso possível
a Jerusalém por rodovia, ferrovia ou via aérea.
Instrui a Comissão de Conciliação para fazer um relato
imediatamente ao Conselho de Segurança, para ação apropriada por
este órgão, de qualquer tentativa de alguma parte para impedir tais
acessos.
10. Instrui a Comissão de Conciliação para buscar acordos
entre os Governantes e autoridades relacionadas que facilitem o
desenvolvimento econômico da área, incluindo acordos para acesso
a portos e aeroportos e para o uso de serviços de transporte e
comunicações.
11. Resolve que os refugiados que queiram retornar a seus lares
e viver em paz com os vizinhos devem ter permissão de assim fazê-lo

361
Sayid Marcos Tenório

ao menor prazo possível, e que devem ser pagas indenizações pelas


propriedades daqueles que preferirem não retornar e pela perda ou
danos a propriedades as quais, com base em princípios jurídicos
internacionais ou de justiça, sejam aproveitadas pelos Governantes ou
autoridades responsáveis.
Instrui a Comissão de Conciliação para facilitar a repatriação,
reassentamento e o pagamento de compensação, e para manter
relações próximas com o Diretor da Agência das Nações Unidas
de Ajuda aos Refugiados Palestinos e, através dele, com os órgãos e
agências apropriadas das Nações Unidas.
12. Autoriza a Comissão de Conciliação a indicar suas equipes
subsidiárias e empregar esses peritos, atuando sob a responsabilidade
de acordo com a presente resolução.
A Comissão de Conciliação terá sua sede oficial em Jerusalém.
As autoridades responsáveis pela manutenção da ordem em Jerusalém
pela tomada de medidas necessárias para garantir a segurança da
Comissão. O Secretário-Geral fornecerá um número determinado de
guardas para proteção da equipe e propriedades da Comissão.
13. Instrui a Comissão de Conciliação para fornecer relatórios
progressivos periodicamente ao Secretário-Geral para transmissão ao
Conselho de Segurança e aos Membros das Nações Unidas.
14. Convoca todos os Governantes e autoridades interessadas
para cooperarem com a Comissão de Conciliação e darem os passos
possíveis a fim de auxiliarem na implementação da presente resolução.
15. Pede ao Secretário-Geral que forneça a equipe e instalações
necessárias e tome as medidas apropriadas para prover os fundos
necessários requeridos à implementação da presente resolução213.

213 A Resolução 194 (III) (1948) foi aprovada na reunião plenária de 11 de dezembro
de 1949, com 35 votos a favor, 15 contra e 8 abstenções.

362
Anexo III

363
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Resolução nº 303 (IV) (1949), de 9 de dezembro de 1949


Reiterando a intenção de que Jerusalém deva ser colocada sob um
regime internacional permanente
A Assembleia Geral,
Tendo em vista suas resoluções 181 (II) de 29 de novembro de
1947 e 194 (III) de 11 de dezembro de 1948,
Tendo estudado os relatórios da Comissão de Conciliação para a
Palestina das Nações Unidas criada pela última resolução,
I
Decide,
Em relação a Jerusalém,
Acreditando que os princípios subjacentes a suas resoluções
anteriores relacionadas a essa matéria, e em particular a suas resoluções
anteriores relacionadas a essa matéria, e em particular à sua resolução
de 29 de novembro de 1947, apresentam uma solução justa e equitativa
para a questão.
1. Reiterar, portanto, sua intenção de que Jerusalém seja colocada
sob um regime internacional permanente que preveja garantias
apropriadas para a proteção dos Lugares Santos, tanto dentro como
fora de Jerusalém, e confirmar especificamente as seguintes cláusulas
da Resolução 181 (II) da Assembleia Geral.
(1) A Cidade de Jerusalém será definida como um corpus
separatum sob um regime internacional e será administrada pelas
Nações Unidas;
(2) O Conselho Curador será designado para desempenhar as
responsabilidades da Autoridade Administrativa;

365
Sayid Marcos Tenório

(3) A cidade de Jerusalém incluirá a atual municipalidade de


Jerusalém e mais as vilas e cidades circunvizinhas, das quais a mais a
leste será Abu Dis; a mais ao sul, Belém; Ein Karim (incluindo também
a área construída de Motsa), a mais a oeste; e, a mais ao norte, Shu’fat,
como indica o mapa em anexo.
2. Requerer, para esse propósito, que o Conselho Curador em sua
próxima sessão, quer especial, quer ordinária, a) termine de preparar
o Estatuto de Jerusalém, omitindo as novas cláusulas inaplicáveis,
tais como os artigos 32 e 39 e, sem prejuízo para o fundamental,
que os princípios do regime internacional para Jerusalém sejam
mostrados na resolução 181 (II), da Assembleia Geral, introduzindo
aí emendas visando à sua maior democratização, b) aprove o estatuto,
c) proceda imediatamente à sua implementação. O Conselho Curador
não permitirá quaisquer ações adotadas por um ou mais Governos
interessados em desviá-lo da adoção e implementação do Estatuto de
Jerusalém.
II
Convoca os Estados interessados a tomarem iniciativas formais,
em breve e à luz das obrigações como Membros das Nações Unidas,
que eles abordem essas matérias com boa vontade e sejam guiados
pelos termos da presente resolução214.

214 A Resolução 303 (IV) (1949) foi aprovada na 275ª reunião plenária de 9 de
dezembro de 1949, com 38 votos a favor, 14 contra e 7 abstenções.

366
Anexo IV

367
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Declaração de Independência da Palestina


Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso
Declaração de Independência215
Terra de mensagens divinas reveladas à humanidade, a
Palestina é o país natal do povo árabe palestino. Ali é que ele cresceu,
desenvolveu-se e expandiu-se. Sua existência nacional e humana
afirmou-se ali numa relação orgânica ininterrupta e inalterada entre o
povo, sua terra e sua história.
Continuamente enraizado em seu espaço, o povo árabe palestino
forjou sua identidade nacional, e ergueu-se, por sua obstinação,
para defendê-la até o nível do impossível. A despeito do fascínio
provocado por essa terra antiga e por sua posição crucial na conjunção
das civilizações e das potências, a despeito das intenções, ambições
e invasões que impediram o povo árabe palestino de realizar sua
independência, a ligação permanente desse povo a sua terra, contido,
imprimiu ao país sua identidade e ao povo caráter nacional.
Inspirado na multiplicidade das civilizações e na diversidade
das culturas, buscando nela suas tradições espirituais e temporais, o
povo árabe palestino desenvolveu-se numa completa unidade entre o
homem e o seu solo. Sobre os passos dos profetas que se sucederam
nessa terra bendita, e suas mesquitas, igrejas e sinagogas, se elevaram
os louvores ao Criador e os Cânticos da misericórdia e da paz.
O povo árabe palestino jamais deixou de defender sua pátria.
De geração em geração, suas sucessivas revoltas concretizaram sua
aspiração à liberdade e à independência nacional.
No momento quando o mundo contemporâneo começou
a instaurar uma nova ordem, as relações de força regionais e
internacionais concluíram pela exclusão dos palestinos do destino
215 Declaração escrita pelo poeta palestino Mahmoud Darwish e proclamada por
Yasser Arafat, líder da OLP, em 15 de novembro de 1988 em Argel, Argélia. Havia
sido previamente aprovada pelo Conselho Nacional Palestino, órgão legislativo
da OLP, com 253 votos a favor, 46 contra e 10 abstenções. A Declaração levou
Arafat ao cargo de presidente da Palestina.

369
Sayid Marcos Tenório

comum, e parece, mais uma vez, que a justiça era incapaz por si mesma
de fazer girar a roda da história.
A ferida infligida no corpo palestino, privado de sua
independência e submetido a uma ocupação de tipo novo, veio se
juntar à tentativa de tornar crível a ficção segundo a qual a Palestina
era uma “terra sem povo”. Apesar dessa falsificação histórica, a
comunidade internacional, pelo artigo 22 da Carta da Sociedade
das Nações, adotada em 1919, e pelo Tratado de Lausane, assinado
em 1923, reconhecia implicitamente que o povo árabe palestino, a
exemplo dos outros povos árabes desligados do império Otomano, era
um “povo livre e independente”.
A despeito da injustiça histórica ao povo árabe palestino, a qual
resultou em sua dispersão e privação de seu direito à autodeterminação,
após a Resolução 181 (1947), da Assembleia Geral das Nações Unidas
– que recomendava a partilha da palestina em dois Estados, um árabe e
outro judeu – não deixa de ser verdade que essa Resolução é que ainda
hoje assegura as condições de legitimidade internacional e as quais
garantem igualmente o direito do povo árabe palestino à soberania e
à independência.
A ocupação, por etapas, dos territórios palestinos e de outras
porções de territórios árabes, a privação de posse e a expulsão
deliberada dos habitantes da Palestina pelo terrorismo organizado, a
submissão daqueles que ficaram em sua pátria sujeitos à ocupação,
à opressão e à destruição dos fundamentos de sua vida nacional
constituem também violações flagrantes dos princípios da legalidade
internacional, assim como da Carta das Nações Unidas e de suas
resoluções, as quais reconhecem os direitos nacionais do povo árabe
palestino e, inclusive, seu direito ao retorno, à autodeterminação, à
independência e à soberania sobre seu solo nacional.
No coração da pátria e em torno dela, nos exílios próximos ou
distantes, jamais o povo árabe palestino perdeu a fé em seu direito ao
retorno e à independência. A ocupação, os massacres e a dispersão
não conseguiram tornar o palestino alheio à sua consciência e à sua

370
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

identidade. Ele continuou seu combate obstinado, aprofundando sua


personalidade nacional através da experiência de uma luta ilimitada.
Esta vontade nacional encarnou-se num quadro político, a
Organização para a Libertação da Palestina – seu único representante
legítimo, devidamente reconhecido pela comunidade internacional,
representada pela Organização das Nações Unidas e suas instâncias,
assim como pelas organizações regionais e internacionais. Baseando-
se nos direitos inalienáveis do povo árabe palestino, e no consenso
árabe, assim como na legalidade internacional, a OLP conduziu os
combates do seu grande povo galvanizado por uma unidade nacional
exemplar e por uma resistência ferrenha aos massacres e ao estado de
sítio; tanto no interior como no exterior de sua pátria, esta epopeia
palestina impôs-se à consciência árabe e internacional como um dos
movimentos de libertação nacional mais notáveis de nosso tempo.
O grande levante popular, a Intifada – em pleno desenvolvimento
nos territórios palestinos ocupados, como a pertinaz resistência
dos acampamentos de refugiados no exterior da pátria – elevou a
consciência universal da realidade dos direitos nacionais palestinos
a um nível superior de percepção e de compreensão. Finalmente,
caiu uma cortina sobre toda uma época de falsificação e de sono das
consciências. A Intifada fez o cerco da mentalidade israelense oficial,
acostumada a recorrer ao terror para negar a experiência nacional
palestina.
Com a Intifada, e também com a experiência revolucionária
acumulada, o tempo palestino chegou aos umbrais de um momento
histórico e decisivo. O povo árabe palestino reafirma, hoje, seus
direitos inalienáveis e o exercício deles em solo palestino, de acordo
com os seus direitos históricos e legais à sua pátria, a Palestina, e
fortalecido pelos sacrifícios de sucessivas gerações de palestinos em
defesa da liberdade e da independência de sua pátria, tendo por base
as resoluções de conferência de cúpula árabe.
Em virtude da primazia do direito e da legalidade internacional,
encarnada pelas resoluções da Organização das Nações Unidas a partir
de 1947.

371
Sayid Marcos Tenório

Exercendo o direito do povo árabe palestino à determinação, à


independência e à soberania em seu solo.
O Conselho Nacional palestino, em nome de Deus e do povo
árabe palestino, problematiza o estabelecimento do estado da palestina
em nossa terra palestina, tendo por capital Jerusalém (Al-Quds Al-
Sharif).
O Estado da Palestina é o Estado dos palestinos, onde quer
que eles estejam. É neste âmbito que eles poderão desenvolver suas
identidades nacional e cultural, gozar da plena igualdade de direitos,
praticar livremente suas religiões e exprimir, sem entraves, as suas
convicções políticas.
Ali será respeitada sua dignidade humana, dentro de um regime
parlamentar democrático baseado na liberdade de pensamento, na
liberdade de constituir partidos, no respeito pela maioria dos direitos
da minoria e no respeito, pela minoria, das decisões da maioria.
Este regime se baseará na busca da justiça social, na igualdade e
na ausência de toda e qualquer forma de discriminação que tenha por
base a raça, a religião, a cor e o sexo, no âmbito de uma Constituição
que garanta a primazia da lei e a independência da justiça, e em total
fidelidade às tradições espirituais palestinas, tradições de tolerância
e de generosa coabitação entre as comunidades religiosas através de
séculos.
O Estado da Palestina é um Estado árabe, indissociável da Nação
Árabe e de sua herança e de sua civilização, e de suas aspirações à
libertação, ao desenvolvimento, à democracia e à unidade. Ao
reafirmar seu compromisso em relação à Liga dos Estados Árabes, e
a sua determinação de consolidar a ação árabe comum, o estado da
Palestina apela aos filhos da Nação Árabe para que ajudem a concluir
seu estabelecimento efetivo, mobilizando seu potencial e intensificando
seus esforços para pôr fim à ocupação israelense.
O Estado da Palestina proclama sua adesão aos princípios e
objetivos da Organização das Nações Unidas, à Declaração Universal

372
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

dos Direitos Humanos, assim como aos princípios e à política de não


alinhamento.
O Estado da Palestina é um Estado que ama a paz, vinculado
aos princípios da coexistência pacífica. Ele cooperará com todos os
estados e povos do mundo para instaurar uma paz duradoura, baseada
na justiça e no respeito aos direitos, o que permitirá a expansão das
potencialidades criativas da Humanidade, e eliminará o medo do
amanhã ao garantir um futuro seguro àqueles que aspiram à justiça.
No prosseguimento de sua luta pelo advento da paz, na terra
do Amor e da Paz, o Estado da Palestina exorta as Nações Unidas,
que têm uma responsabilidade particular em relação ao povo árabe
palestino e à sua pátria, assim como conclama os povos e estados do
mundo a ajudá-la a realizar seus objetivos e a pôr termo à tragédia do
seu povo, garantindo-lhe a segurança e trabalhando para também pôr
fim à ocupação israelense dos territórios palestinos.
O Estado da Palestina afirma, igualmente, que acredita na
resolução dos conflitos regionais e internacionais por meios pacíficos,
de acordo com a Carta e as resoluções das Nações Unidas. Ele condena
a ameaça do uso da força, da violência e do terrorismo, assim como
rejeita a utilização deles contra sua integridade territorial ou a de
outros Estados. Isso, sem contestar seu direito natural de defender seu
território e sua independência.
Neste 15 de novembro de 1988, dia em que não se parece com
nenhum outro, nos umbrais de uma nova era, inclinamo-nos humilde
e respeitosamente ante nossos mártires e os da Nação Árabe que, pela
pureza do seu sacrifício, acenderam a chama dessa aurora resoluta.
Eles caíram, para que viva a pátria.
Hoje nossos corações estão iluminados pela chama da Intifada,
pela grandeza dos resistentes nos campos, da dispersão e no exílio, e
por aqueles que erguem o estandarte da liberdade: nossas crianças,
nossos velhos, nossa juventude, nossos prisioneiros apegados à nossa
terra sagrada, em cada acampamento, em cada aldeia, em cada cidade.

373
Sayid Marcos Tenório

Prestamos homenagem à mulher palestina, heroica guardiã de nossa


perenidade e de nossa existência, e do fogo que nos anima.
Diante de nossos mártires, diante das massas do nosso povo
árabe palestino, diante de nossa Nação Árabe e diante de todos os
homens que amam a paz e a dignidade no mundo, juramos prosseguir
a luta para pôr fim à ocupação e estabelecer nossa soberania e a nossa
independência.
Conclamamos nosso grande povo a se unir em torno da bandeira
palestina, a orgulhar-se dela e a defendê-la, para que ela continue a ser,
para sempre, o símbolo de nossa liberdade e de nossa dignidade em
uma pátria que será, para sempre, uma pátria livre para um povo de
homens e mulheres livres.
Em nome de Deus, Clemente e Misericordioso.
Dizei: Ó Deus, senhor da realeza, Tu dás a realeza a quem queres
e Tu tiras a realeza de quem queres; e Tu dás poder a quem queres e
Tu humilhas quem queres O bem está em tuas mãos. Sim, Tu és capaz
de tudo.
Sadaka Allah A-Azhim! (Deus diz a verdade!)
Argel, 15 de novembro de 1988;

374
Anexo V

375
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Em Nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso

Movimento de Resistência Islâmica “Hamas”


Documento de Princípios Gerais e Políticas216

Louvado seja Deus, o Senhor de todos os mundos. Que a paz


e as bênçãos de Deus estendam-se sobre Muhammad, o Mestre dos
Mensageiros e o Líder dos justos que lutam, e sobre sua família e seus
companheiros.
Preâmbulo:
Palestina é a terra do povo árabe palestino, dela ele origina-se,
ele é devoto a ela e lhe pertence, e sobre ela ele se lança e se comunica.
Palestina é a terra cujo status foi elevado pelo Islam, a fé que a
carrega em elevada estima, que sopra através de seu espírito e de seus
justos valores e que estabelece a fundação para defender e proteger a
doutrina.
Palestina é a causa de um povo que o mundo tem sido incapaz de
assegurar seus direitos e restaurar a eles o que lhes tem sido usurpado,
um povo o qual sua terra continua a sofrer os piores tipos de ocupação
no mundo.
Palestina é uma terra que, tomada por um projeto sionista
racista, anti-humano e colonial, foi fundado sobre uma falsa promessa
(a Declaração de Balfour), no reconhecimento de uma entidade
usurpadora e na imposição de um fato consumado pela força.
Palestina simboliza a resistência que continuará até que a
libertação esteja realizada, até que o retorno esteja completo e até que
o Estado totalmente soberano esteja estabelecido com Jerusalém como
sua capital.

216 Traduzido do original em árabe.

377
Sayid Marcos Tenório

Palestina é a verdadeira parceria entre palestinos de todas as


afiliações para o sublime objetivo da libertação.
Palestina é o espírito da Nação e sua causa central; é a alma da
humanidade e sua consciência viva.
Este documento é produto de profundas deliberações que nos
levam a um consenso mais forte. Como um movimento, concordamos
sobre as teorias e práticas da visão que é delineada nas páginas
seguintes.
Esta é uma visão que permanece em bases sólidas e sobre
princípios bem estabelecidos. Este documento revela as metas e
marcos e o caminho no qual a unidade nacional pode ser reforçada.
Ele também estabelece nossa compreensão comum da causa palestina,
os princípios de trabalho que usamos para promovê-lo e os limites de
flexibilidade usados para interpretá-lo.
O movimento:
1. O Movimento de Resistência Islâmica “Hamas” é um
movimento nacional palestino, islâmico de libertação e resistência. Sua
meta é libertar a Palestina e confrontar o projeto sionista. Seu quadro
de referência é o Islam, que determina seus princípios, objetivos e
significados.
A terra da Palestina:
2. Palestina, que se estende do Rio Jordão no oriente ao
Mediterrâneo no ocidente e de Ras Al-Naqurah no Norte a Umm Al-
Rashrash no Sul, é uma unidade territorial integral. Esta é a terra e o
lar do povo palestino. A expulsão e o banimento do povo palestino
de sua terra e o estabelecimento da entidade sionista em seu lugar
não anulam o direito do povo palestino sobre sua inteira terra e não
reconhecem nenhum direito nela pela usurpadora entidade sionista.
3. Palestina é uma terra árabe islâmica. Ela é uma terra sagrada e
abençoada que tem lugar especial no coração de todo árabe e de todo
muçulmano.

378
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

O povo palestino:
4. Os palestinos são os árabes que viveram na Palestina até 1947,
independente se eles foram expulsos ou permaneceram nela; e cada
pessoa que nasceu de um pai árabe palestino após aquela data, se
dentro ou fora da Palestina, é um palestino.
5. A identidade palestina é autêntica e atemporal. Ela é passada
de geração a geração. As catástrofes que recaíram sobre o povo
palestino, como uma consequência da ocupação sionista e sua política
de deslocamento, não podem apagar a identidade do povo palestino,
nem podem negá-la. Um palestino/a não perderá a sua identidade
nacional ou direitos por adquirir uma segunda nacionalidade.
6. O povo palestino é um, feito por todos os palestinos dentro
e fora da Palestina, independentemente de sua religião, cultura ou
afiliação política.
O Islam e a Palestina:
7. Palestina está no coração da Nação Árabe e Islâmica e desfruta
de um status especial. Dentro da Palestina existe Jerusalém, cujo
preceito é abençoado por Deus. Palestina é a Terra Santa, na qual
Deus abençoou a humanidade. É sua primeira Qiblah muçulmana e
o destino da jornada performada à noite pelo Profeta Muhammad,
que a paz esteja com ele. Esta é a localização de onde ele subiu às
alturas dos céus. Ela é o lugar de nascimento de Jesus Cristo, que a
paz esteja com ele. Seu solo contém os restos mortais de milhares de
profetas, Companheiros e Lutadores por justiça. Ela é a terra do povo
que está determinado a defender a verdade – dentro de Jerusalém e
suas redondezas – que não é desterrado ou se intimida por aqueles que
se opõem a ele e por aqueles que os traem, e ele continuará sua missão
até que a promessa de Deus se cumpra.
8. Em virtude deste justamente equilibrado caminho do meio
e espírito moderado, o Islam – para o Hamas – oferece um caminho
compreensivo de vida e a fim de que ele sirva para propósito o tempo
todo e em todos os lugares. O Islam é uma religião de paz e tolerância.

379
Sayid Marcos Tenório

Ele oferece garantia para os seguidores de outros credos e religiões


que possam praticar suas crenças em segurança. O Hamas também
acredita que a Palestina sempre tem sido e será sempre um modelo de
coexistência, tolerância e inovação civilizacional.
9. O Hamas acredita que a mensagem do Islam carrega os valores
da verdade, justiça, liberdade e dignidade e proíbe todas as formas de
injustiça e incrimina opressores independentemente de sua religião,
ração, gênero ou nacionalidade. O Islam é contra todas as formas de
extremismo e intolerância religiosa, étnica ou sectária. É uma religião
que incute em seus seguidores o valor de se levantar contra a agressão
e de apoiar o oprimido; ele motiva-os a dar generosamente e fazer
sacrifícios em defesa de sua dignidade, sua terra, seu povo e seus
lugares sagrados.
Jerusalém:
10. Jerusalém é a capital da Palestina. Seu status religioso,
histórico e civilizacional é fundamental a árabes, muçulmanos e ao
mundo em geral. Estes lugares sagrados islâmicos e cristãos pertencem
exclusivamente ao povo palestino e à Nação Árabe e Islâmica. Nem
mesmo uma pedra de Jerusalém pode ser rendida ou abandonada.
As medidas tomadas pelos ocupantes em Jerusalém como judaização,
construção de assentamentos e estabelecimento de fatos consumados
são fundamentalmente nulas e vazias.
11. A abençoada mesquita Al-Aqsa pertence exclusivamente ao
nosso povo e à nossa Nação, e a ocupação não tem direito qualquer
sobre ela. O plano do ocupante, através das medidas e tentativas de
judaizar Al-Aqsa e dividi-la, é nulo, vazio e ilegítimo.
Os refugiados e o direito de retorno:
12. A causa palestina em sua essência é uma causa de uma terra
ocupada e de um povo deslocado. O direito dos refugiados e deslocados
de retornarem a seus lares desde que eles foram banidos ou proibidos
de retornar para – tanto na terra ocupada em 1948 ou em 1967 (que
é toda a Palestina) – é um direito natural, tanto individual quanto

380
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

coletivo. O direito é confirmado por todas as leis divinas assim como


pelos princípios básicos dos direitos humanos e da lei internacional.
Isto é um direito inalienável e não pode ser dispensado por parte
alguma, seja palestina, árabe ou internacional.
13. O Hamas rejeita todas as tentativas de remover o direito
dos refugiados, incluindo a tentativa de assentá-los fora da Palestina
ou através de projetos de pátrias alternativas. Compensação aos
refugiados palestinos pelo prejuízo que eles têm sofrido como uma
consequência do banimento e da ocupação de suas terras é um direito
absoluto que segue de mãos dadas com seu direito de retorno. Receber
uma compensação não nega ou diminui seu direito de retorno.
O Projeto Sionista:
14. O projeto sionista é racista, agressivo, colonial e
expansionista, baseado no cerco de propriedades de outros; ele é hostil
ao povo palestino e à sua aspiração por liberdade, libertação, retorno
e autodeterminação. A entidade israelense é o brinquedo do projeto
sionista e sua base de agressão.
15. O projeto sionista não mira apenas o povo palestino sozinho;
ele é inimigo da Nação Árabe e Islâmica, sendo uma grande ameaça
à sua segurança e interesse. Ele é também hostil à aspiração da Nação
por unidade, renascimento e liberação e tem sido a maior fonte de
seus problemas. O projeto sionista também representa um perigo à
segurança internacional e à paz, bem como para a humanidade e seus
interesses e estabilidade.
16. O Hamas afirma que este é um conflito com o projeto
sionista, não com os judeus por causa de sua religião. O Hamas não
trava uma luta contra os judeus porque são judeus, mas trava uma
luta contra os sionistas que ocupam a Palestina. Ainda, é o sionismo
que constantemente identifica o judaísmo e os judeus com seu projeto
colonial e sua entidade ilegal.
17. O Hamas rejeita a perseguição a qualquer ser humano
ou a debilitação de seus direitos nacionais em bases nacionalistas,

381
Sayid Marcos Tenório

religiosas ou sectárias. O Hamas é da visão de que o problema judaico,


o antissemitismo e a perseguição de judeus constituem um fenômeno
fundamentalmente ligado à história europeia, não à história dos árabes
e muçulmanos ou seus herdeiros. O movimento sionista, que foi capaz
de ocupar a Palestina com apoio das potências do Ocidente, é a maior
ameaça de ocupação por assentamentos que já desapareceu de grande
parte do mundo e precisa desaparecer da Palestina.
A posição em relação à ocupação e soluções políticas:
18. O que vem a seguir é considerado nulo e vazio: a Declaração
de Balfour, o documento do Mandato Britânico, a resolução da ONU
sobre a partilha da Palestina e quaisquer outras resoluções ou medidas
que derivem delas ou similares a elas. O estabelecimento de “Israel”
é completamente ilegal e transgride o inalienável direito do povo
palestino e vai contra sua vontade e a vontade da Nação; é também
uma violação dos direitos humanos que são garantidos por convenções
internacionais – o primeiro entre eles é o direito à autodeterminação.
19. Não haverá reconhecimento da legitimidade da entidade
sionista. Tudo o que aconteceu na terra da Palestina em termos de
ocupação, construção de assentamento, judaização ou mudanças para
suas características ou falsificação dos fatos é ilegítimo. Direitos nunca
caducam.
20. O Hamas acredita que nenhuma parte da terra Palestina será
comprometida ou concedida, independente das causas, circunstâncias
e pressões e nenhuma matéria enquanto a ocupação durar. O Hamas
rejeita qualquer alternativa que não seja a completa libertação da
Palestina, do rio ao mar. Todavia, sem comprometer esta rejeição
da entidade sionista e sem abandonar qualquer direito palestino, o
Hamas considera o estabelecimento de um totalmente soberano e
independente Estado palestino, com Jerusalém como sua capital
ao longo das fronteiras de 4 de junho de 1967, com o retorno dos
refugiados e deslocados de seus lares dos quais eles foram expulsos,
para ser uma fórmula de consenso nacional.

382
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

21. O Hamas afirma que os acordos de Oslo e seu adendo


contravêm as regras governamentais do Direito Internacional, pois
eles geram compromissos que violam o inalienável direito do povo
palestino. Assim sendo, o movimento rejeita esses acordos e tudo o que
deles flui, tais como obrigações que são em detrimento do interesse de
nosso povo, especialmente a coordenação de segurança (colaboração).
22. O Hamas rejeita todos os acordos, iniciativas e projetos
de assentamento que são objetivados a minar a causa palestina e os
direitos ao nosso povo palestino. Quanto a isto, qualquer posição,
iniciativa ou programa político não pode violar, de forma alguma,
esses direitos e não deve contrair ou contradizer a eles.
23. O Hamas destaca que a transgressão contra o povo palestino
usurpando suas terras e banindo-os de seus lares não pode ser chamada
de paz. Qualquer assentamento estabelecido nessas bases não levará
à paz. Resistência e luta para a libertação da Palestina continuarão
sendo um direito legítimo, um dever e uma honra para todos os filhos
e filhas de nosso povo e nossa Nação.
Resistência e Libertação:
24. A libertação da Palestina é o dever do povo palestino em
particular e o dever da Nação Árabe e Islâmica em geral. Isto é uma
obrigação humanitária como necessitada pelos ditados da verdade e
justiça. As estruturas que trabalham na Palestina, sejam nacionais,
árabes, islâmicas ou humanitárias, complementam cada uma, são
harmoniosas e não estão em conflitos umas com as outras.
25. Resistir à ocupação com todas as medidas e métodos é
um direito legítimo, garantido pela lei divina e pelas normas e leis
internacionais. No coração delas está a resistência armada, a qual
é considerada como uma escolha estratégica para proteção dos
princípios e direitos do povo palestino.
26. O Hamas rejeita qualquer tentativa de minar a resistência e
suas armas. Afirma também o direito de nosso povo de desenvolver
as medidas e mecanismos de resistência. Gerenciar a resistência em

383
Sayid Marcos Tenório

termos de escalada ou desescalada, ou em termos de medidas e métodos


diversificados, é uma parte integrada do processo de gerenciamento
do conflito e não pode ocorrer ao custo do princípio da resistência.
O sistema político palestino:
27. O Estado palestino real é um Estado resultante da libertação.
Não há alternativa a um Estado palestino totalmente soberano que
não seja no inteiro solo nacional palestino, com Jerusalém como sua
capital.
28. O Hamas acredita e adere ao gerenciamento das relações
palestinas com base no pluralismo, democracia, parceria nacional,
aceitação do outro e adoção do diálogo. O objetivo é reforçar a unidade
da fileira e ação conjunta para o propósito de realizar metas nacionais
e preencher as aspirações do povo palestino.
29. A OLP é uma referência nacional para o povo palestino dentro
e fora da Palestina. Precisa ser preservada, desenvolvida e reconstruída
em fundações democráticas, tais como assegurar a participação de
todos os grupos constituídos e forças do povo palestino, numa maneira
que resguarde os direitos palestinos.
30. O Hamas destaca a necessidade de construção de instituições
palestinas nacionais ao som de princípios democráticos, acima de tudo
por livres e justas eleições. Tais processos precisam acontecer na base
da parceria nacional e do acordo com um claro programa e uma clara
estratégia que adiram os direitos, incluindo o direito de resistência, e o
qual preencha as aspirações do povo palestino.
31. O Hamas afirma que a Autoridade Palestina precisa servir
ao povo palestino e salvaguardar sua segurança, seus direitos e seu
projeto nacional.
32. O Hamas destaca a necessidade de manter a independência
da tomada de decisão nacional palestina. Forças de fora não devem
ser permitidas a intervirem. Ao mesmo tempo, o Hamas afirma a
responsabilidade dos árabes e muçulmanos e seu dever e papel na
libertação da Palestina da ocupação sionista.

384
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

33. A sociedade palestina é enriquecida por suas proeminentes


personalidades, figuras, dignitários, instituições da sociedade civil e
grupos de juventude, estudantes, sindicalistas e mulheres que, juntos,
trabalham para a conquista das metas nacionais e construção da
sociedade, propósito de resistência e conquista da liberdade.
34. O papel da mulher palestina é fundamental no processo de
construção do presente e do futuro, assim como precisa estar sempre
no processo de construção da história palestina. Este é um papel que
é pivô no projeto de resistência, libertação e construção do sistema
político.
A Nação Árabe e Islâmica:
35. O Hamas acredita que a questão palestina é a causa central
para a Nação Árabe e Islâmica.
36. O Hamas acredita na unidade da Nação com toda a sua
diversidade constituinte e é consciente da necessidade de evitar tudo
que possa fragmentar a Nação e minar a unidade.
37. O Hamas acredita na cooperação com todos os Estados
que apoiam os direitos do povo palestino. Opõe-se à intervenção nos
assuntos internos de qualquer país. Também rejeita entrar em disputas
e conflitos que ocorram entre diferentes países. O Hamas adota a
política de relações com amplos Estados no mundo, especialmente os
árabes e islâmicos. Esforça-se para estabelecer relações equilibradas
na base de uma combinação de requerimentos da causa palestina e ao
interesse do povo palestino em uma mão, com interesses da Nação,
seu renascimento e sua segurança em outra mão.
O aspecto humanitário e internacional:
38. A questão palestina é uma das que tem maior dimensão
internacional e humanitária. Apoiar e sustentar essa causa é uma tarefa
humanitária e civilizacional que é requerida como pré-requisito para a
verdade, justiça e valores humanitários em comum.

385
Sayid Marcos Tenório

39. De uma perspectiva legal e humanitária, a libertação da


Palestina é uma atividade legítima, isto é, um ato de autodefesa e uma
expressão do direito natural de todos os povos à autodeterminação.
40. Em sua relação com Estados do mundo e seus povos, o
Hamas acredita em valores de cooperação, justiça, liberdade e respeito
à vontade das pessoas.
41. Hamas congratula-se com as posições dos Estados,
organizações e instituições que apoiam os direitos do povo palestino.
Saúda os povos livres do mundo que apoiam a causa palestina. Ao
mesmo tempo, denuncia o apoio garantido por qualquer parte à
entidade sionista ou tentativa de encobrir seus crimes e agressões
contra os palestinos e clama pela acusação dos crimes de guerra
sionistas.
42. O Hamas rejeita as tentativas de imposição de hegemonia
sobre a Nação Árabe e Islâmica, assim como rejeita a tentativa
de impor a hegemonia sobre outras nações e povos do mundo. O
Hamas também condena todas as formas de colonialismo, ocupação,
discriminação, opressão e agressão no mundo.
Maio de 2017

386
Anexo VI

387
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Declaração do Ayatolá Seyed Ali Khamenei, líder da


Revolução Islâmica, a Sexta Conferência Internacional de
Apoio à Intifada Palestina.
Teerã, 21 e 22 de fevereiro de 2017
Em nome de Deus, o Compassivo, o Misericordioso
Todos os louvores pertencem a Deus, Senhor do Universo. Que
a paz de Deus esteja com nosso senhor Muhammad, o escolhido (o
Mustafa), sua imaculada descendência e seus discípulos seletos.
E disse Deus o Sapientíssimo em seu livro evidente e claro:
“E não vos desanimeis, nem vos aflijais, porque sempre sereis
vitoriosos, se fordes fiéis” (Alcorão Sagrado, Sura: Al Imran, verso 139).
O Deus Todo-Poderoso acrescenta: “Não fraquejais (ó fiéis), pedindo
a paz, quando sois vencedores; Sabei que Deus está convosco e jamais
defraudará as vossas ações” (Alcorão Sagrado, Sura Mohammad, verso
35).
Antes de mais nada, gostaria de saudar a todos vocês, queridos
convidados, os distintos presidentes dos Parlamentos, os líderes
de diferentes grupos palestinos, pensadores, intelectuais, figuras
proeminentes no mundo do Islam e outras personalidades em favor
da liberdade, a quem agradeço pela sua presença nesta importante
reunião.
A história dolorosa da Palestina e a amarga tristeza pela opressão
de seu povo paciente e resistente fazem sofrer verdadeiramente
qualquer pessoa que busca liberdade, a justiça e a verdade, e gera uma
profunda dor e tristeza no coração.
A história da Palestina e a sua cruel ocupação, juntamente com
o deslocamento de milhões de pessoas e a resistência corajosa deste
heroico povo, estão cheia de altos e baixos. Uma aplicada investigação
em sua história põe em relevo que, em nenhuma época, nenhum
povo do mundo enfrentou tanta dor, sofrimento e crueldade, em
que, com base em uma conspiração ultrarregional, um país tenha

389
Sayid Marcos Tenório

sido completamente ocupado e seu povo tenha sido despejado de


suas casas, para que outro grupo procedente de diferentes cantos do
mundo ocupasse o seu lugar. Dessa forma, uma verdadeira existência
é ignorada e uma falsa toma o seu lugar. No entanto, esta também é
outra página sombria da história que, com acontecimentos similares,
se encerrará com a ajuda de Deus. Assim como (Deus diz) “A falsidade
é perecível!” (Alcorão Sagrado, Surata Al-Israa, verso 81). E acrescenta:
“A terra será herdada pelos Meus servos justos” (Alcorão Sagrado,
Surata Al-Anbiyaa, verso 81).

Sayyid Ali Hosseini Khamenei (Meshed, Irã, 19/04/1939), atual


Líder Supremo da República Islâmica do Irã.

Esta conferência acontece em um dos momentos mais difíceis que


atravessa o mundo. Nossa região, que sempre apoiou o povo palestino
em sua luta contra a conspiração global, está atualmente submersa em
várias crises e conflitos. O caos existente em alguns países islâmicos
regionais tem diminuído a importância do apoio à causa palestina e
o propósito sagrado da libertação de Al Quds [Jerusalém]. A atenção
dada às consequências dessas crises nos permite saber quais são os
poderes que se beneficiam.

390
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Aqueles que criaram o regime sionista nesta região para impedir


a estabilidade e o avanço da região mediante a imposição de um conflito
duradouro estão agora por trás desses complôs. Alguns avanços têm
motivado a que o potencial dos povos da região se dedique a conflitos
triviais e na neutralização de uns e outros, provocando sua debilidade,
o que abre caminho para o fortalecimento ainda maior do regime
usurpador sionista. Neste contexto, também, somos testemunhas
dos esforços dos líderes e benevolentes membros da Ummah [Nação]
islâmica, que de forma sincera buscam solucionar estas discrepâncias.
Não obstante as complicadas artimanhas do inimigo, aproveitando
a negligência de alguns governos, impuseram guerras civis e
enfraquecimentos entre os povos, possibilitando uma redução dos
esforços destes benevolentes membros da Ummah islâmica.
Neste contexto, é importante assinalar o enfraquecimento
da causa palestina e os esforços que se realizam para passá-lo para
um plano secundário. Apesar das discrepâncias que têm os países
islâmicos entre si, algumas delas são naturais e outras frutos do complô
do inimigo, assim como a negligência, e, todavia, o tema da Palestina
pode e deve ser o eixo de unidade de todos. Uma das conquistas desta
valiosíssima reunião é o reconhecimento da principal prioridade do
mundo do Islam e dos que buscam a liberdade no mundo, quer dizer,
o tema da Palestina; além de criar um ambiente de solidariedade para
materializar o grande objetivo de apoiar o povo palestino e as lutas em
busca da justiça e da verdade.
Não podemos ser negligentes em respeito à importância do apoio
político ao povo palestino, que representa uma prioridade especial no
mundo de hoje. Os povos muçulmanos e seus anseios por liberdade,
além de seus interesses e métodos, podem unir-se por um objetivo: a
causa palestina e a necessidade de sua libertação. Com o surgimento
dos fatores da decadência do regime sionista e prevalecendo a
debilidade dos seus principais aliados, especialmente os Estados
Unidos, observa-se que, gradualmente, a cena mundial se mobiliza
também para fazer frente às cruéis, ilegais e inumanas medidas do
regime sionista. Desde logo, a comunidade internacional e os países

391
Sayid Marcos Tenório

regionais não foram capazes de cumprir com suas responsabilidades


ante este tema humanitário.
A brutal repressão ao povo palestino, as massivas detenções,
a pilhagem, a usurpação de seus territórios e a construção de
assentamentos neles, os intentos para mudar a cara e a identidade
da Cidade Santa de Al Quds [Jerusalém] e a Mesquita de Al Aqsa,
assim como de outros lugares sagrados islâmicos e cristãos, a violação
do direito básico dos cidadãos e muitas outras mostras de crueldade
seguem vigentes e contam com o pleno apoio dos Estados Unidos e
outros governos ocidentais, que lamentavelmente não têm enfrentado
uma reação internacional adequada.
O povo da Palestina tem orgulho de que Deus Todo Poderoso
lhes tem honrado com a grande tarefa de defender este território
sagrado e a Mesquita de Al Aqsa. Este povo não tem outro caminho a
não ser confiar em Deus Todo Poderoso e seu potencial para manter
acesa a chama da luta, algo que, na verdade, é o que está fazendo agora.
A Intifada, que foi lançada pela terceira vez nos territórios
ocupados, mais reprimida que as anteriores, porém mais esperançosa
e esplêndida, nos permitirá ver que, com a permissão de Deus, marcará
um período muito importante na história das lutas, e proporcionará
outro fracasso ao regime usurpador. Esta glândula cancerígena,
desde seu início, tem crescido e se convertido atualmente em uma
calamidade cuja cura requer tempo e se realizará em várias fases, de
modo que as numerosas intifadas e a constante resistência do povo
puderam materializar objetivos muito importantes. Esta resistência
avança como uma furação para materializar seus objetivos e conseguir
a plena libertação da Palestina.
O grande povo da Palestina, que carrega apenas o peso da
luta contra o sionismo mundial e seus patrocinadores, muito
pacientemente, porém com firmeza, tem dado a oportunidade para os
hostis testarem suas alegações naquele dia, em que, com sua pretensão
errônea de realismo e a necessidade de aceitar os direitos mínimos
para não perdê-los, elevou seriamente os planos de reconciliação. O
povo palestino e todos os movimentos conscientes da natureza errônea

392
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

desta visão foram autorizados a tentar seus planos. Naturalmente,


a República Islâmica do Irã, desde o início, enfatizou que estes
métodos de reconciliação eram errôneos, e advertiu sobre suas graves
consequências.
A oportunidade que se deu ao processo de reconciliação teve
resultados destrutivos para o caminho da resistência e a luta do povo
palestino. Não obstante, seu único benefício foi demonstrar, na prática,
a errônea visão da realidade. Basicamente, o método e a maneira em
que se formou o regime sionista são tais que não podem deixar de lado
seu expansionismo, a repressão e a violação dos direitos dos palestinos.
Sua existência e identidade estão subordinadas à destruição gradual
da identidade e existência palestina. Assim, a sobrevivência do ilícito
regime sionista só poderá produzir-se mediante seu fortalecimento
sobre as ruínas da identidade e a existência palestina. É por isso que
proteger a identidade palestina e salvaguardar todos seus sinais, com
base no direito, é um tema primordial, obrigatório e uma Jihad santa.
Enquanto o nome da Palestina, sua memória e as chamas da sua
resistência estejam vigentes, as fundações do regime de ocupação não
serão fortalecidas.
O problema do processo de reconciliação não significa a renúncia
dos direitos de um povo para dar legitimidade a um regime usurpador.
É um grande erro e um fato imperdoável, neste caso, basicamente, não
concordar com a situação atual em que se encontra o tema palestino,
que inclui as características expansionistas e repressivas dos sionistas.
Este povo, porém, com o passar do tempo, tem podido demonstrar
que a afirmação dos defensores da reconciliação é errônea e, como
consequência, tem se criado um tipo de consenso nacional sobre os
métodos corretos de luta para materializar os direitos legítimos do
povo palestino.
Nas três últimas décadas, o povo palestino tem experimentado
dois modelos diferentes e tem compreendido qual é mais adequado à
sua situação. Diante do processo de reconciliação existe o modelo de
resistência heroica e constante da sagrada Intifada, que tem propiciado
numerosos avanços para este povo. Existe uma razão por trás dos

393
Sayid Marcos Tenório

ataques que vemos hoje em dia por parte de uns centros conhecidos
contra a “Resistência” e seu questionamento da “Intifada”. Não se
espera outra coisa do inimigo, já que é consciente de que este é o
caminho correto e frutífero.
Não obstante, às vezes, vemos como alguns dos movimentos,
inclusive daqueles países que aparentemente alegam solidariedade
com o tema da Palestina, intentam desviar este povo do caminho
correto e atacam sua resistência.
Alegam que, depois de décadas de formação, esta não tem
podido materializar um método que requer revisão. Em resposta a esta
alegação há que se dizer que é correto que a resistência não tem sido
capaz cumprir com seu objetivo primordial de libertar toda Palestina,
entretanto, tem sido capaz de manter viva sua causa. Teríamos que ver
a situação em que estaríamos se não tivesse existido a resistência. Sua
conquista mais destacada tem sido a criação de importantes obstáculos
ante os projetos sionistas. Sua existência na imposição de uma guerra
de desgaste ao inimigo significa que tem conseguido fazer fracassar
o principal projeto do regime sionista, que é manter um domínio
completo sobre toda a região.
Neste contexto, há que se agradecer e elogiar a resistência e aos
heróis que, durante diferentes períodos e desde que pôs em marcha
o projeto do regime sionista, resistiram e sacrificaram sua vida para
içar a bandeira da resistência e transmitir de geração em geração
seus princípios. Não é segredo o papel da resistência nos períodos
posteriores à ocupação e, sem dúvida, não se pode ignorar seu papel
nas vitórias da guerra do ano de 1973.
Desde 1982, ano em que praticamente os palestinos assumiram
em seus ombros a responsabilidade da resistência, se formou o
Movimento de Resistência Islâmica do Líbano – Hezbollah – para
ajudar os palestinos na sua luta. Se a resistência não tivesse sido
posta de pé diante do regime sionista, hoje seríamos testemunhas da
ocupação de outros territórios na região, desde Egito até Jordânia,
Iraque e o Golfo Pérsico, entre outros.

394
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Se isso é uma grande conquista, não é o único que tem conseguido


a resistência. A libertação do sul do Líbano e de Gaza são outros dos
objetivos notáveis conseguidos no processo de libertação da Palestina,
que tem sido capaz de reverter o expansionismo geográfico do regime
sionista. Desde o início da década de 1980, o regime sionista não só
não tem conseguido ocupar novos territórios, como tem observado o
começo do retrocesso, com uma saída covarde do sul do Líbano e sua
continuação com a saída de Gaza.
Ninguém pode negar o papel primordial e determinante da
resistência na primeira Intifada. Na segunda, também, a resistência
teve um papel destacado. Uma Intifada que, no final, obrigou o regime
sionista a abandonar Gaza. A guerra de 33 dias no Líbano e as de 22,
de 8 e de 51 dias em Gaza, permeiam todas as páginas brilhantes na
história da resistência, que honra todos os povos da região, o mundo
do Islam e todas as pessoas que anseiam a liberdade no mundo. Na
guerra de 33 dias, praticamente todas as rotas de envio de ajuda ao
povo libanês e aos heróis do Hezbollah estavam bloqueadas, mas com
a ajuda de Deus e confiando na força e no poder do povo resistente do
Líbano, o regime sionista e seu principal patrocinador, quer dizer, os
Estados Unidos, sofreram uma grande derrota, graças à qual já não se
atrevem mais a atacar o território libanês.
As constantes resistências em Gaza, que agora se converteu em
uma fortaleza invencível, durante várias guerras seguidas, mostraram
que este regime é demasiado débil para poder resistir diante da vontade
de um povo. O principal herói das guerras de Gaza é o seu heroico e
resistente povo que, em que pese ter que suportar diversos anos de
bloqueio econômico e confiando no poder da fé, segue defendendo
esta fortaleza. Devemos agradecer a todos os grupos de resistência
palestina, Brigadas al-Quds, do Movimento Jihad Islâmica; Brigada de
Izzedin al-Qassam, do Hamas; Brigadas dos Mártires de Al-Aqsa, do
Fatah; e a Brigada de Abu Ali Mustafa, do Movimento Popular para a
Libertação da Palestina, que desempenharam um papel significativo
nesta guerra.
Queridos convidados,

395
Sayid Marcos Tenório

Não se devem ignorar os perigos que se verificam pela presença


do regime sionista. Portanto, a resistência deve empregar todos os
seus instrumentos para continuar sua missão. Neste sentido, todos os
povos e governos da região, assim como os que buscam a liberdade
no mundo, têm o dever de garantir as necessidades básicas deste
povo tenaz e firme, que constitui as bases da “Resistência”, e que tem
educado filhos valentes e resistentes. Responder às necessidades do
povo palestino e sua resistência é um dever importante e vital que
todos devemos cumprir.
Neste contexto, não devemos nos esquecer das necessidades
básicas da resistência na Cisjordânia que, neste momento, suporta em
seus ombros o peso da humilde Intifada e a resistência. Também temos
que aprender com o passado e prestar atenção ao ponto significativo de
que “a resistência e a Palestina” são muito mais importantes e valiosas
que se envolver em discrepâncias existentes entre os países islâmicos e
árabes, em conflitos internos ou em divergências étnicas e religiosas.
Os palestinos, especialmente os grupos de resistência, devem
estar orgulhosos do lugar que ocupam e não devem se envolver em tais
temas. Os países islâmicos e árabes, assim como todos os movimentos
islâmicos e nacionais, têm a obrigação de servir aos ideais da Palestina.
Apoiar a resistência é um dever de todos nós. Ninguém tem o direito
de esperar uma recompensa por isto, pois a única condição para
oferecer sua ajuda é que se dedique a fortalecer o povo palestino e a
estrutura da resistência. E enfatizar a ideia de resistir ante o inimigo e
em diferentes aspectos da resistência, pois isso assegura a continuação
desta ajuda.
Nossa postura diante da resistência é um tema principal e não
tem nada a ver com um grupo específico. Acompanhamos qualquer
grupo que seja firme neste caminho e aqueles que se afastarem, se
afastarão de nós. Nossa relação com os grupos da Resistência Islâmica
se encontra apenas ao nível do compromisso com o princípio da
resistência. O outro ponto que se deve destacar é a discrepância
entre os diferentes grupos palestinos. Dispor de diferentes visões
pela diversidade de interesses entre os grupos é um tema natural e

396
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

compreensível, sempre e quando permanecer nesta fase. E inclusive


poderia contribuir para o fortalecimento da luta do povo palestino.
Porém, o problema começa quando tais discrepâncias resultam
em choques e enfrentamentos que poderiam provocar a neutralização
dos movimentos entre si e dar passos a favor dos interesses do inimigo
comum entre todos eles. A “gestão” de todas as discrepâncias e a
diversidade de pensamentos e ideias são uma arte que os principais
movimentos devem aplicar e projetar de tal forma que suas diferentes
agendas de luta exerçam pressão apenas sobre o inimigo e fortaleçam
a resistência.
A unidade nacional, com base no projeto da Jihad, é uma
necessidade para a Palestina, e se espera que todos os movimentos
atuem para materializar o objetivo de todos os palestinos.
Hoje em dia, a resistência enfrenta outro enredo que se encontra
nos esforços dos que simulam serem amigos e tentam desviar a
resistência e a Intifada do povo palestino de seu caminho, para que a
sacrifique, por vínculos secretos com os inimigos do povo palestino.
A resistência é demasiada inteligente para não cair nesta armadilha,
especialmente quando o povo palestino é o verdadeiro guia de suas
lutas e sua resistência, e a experiência do passado enfatiza que a análise
precisa da situação a impede de qualquer tipo de desvio. Caso isso
ocorra e algum dos movimentos da resistência caia na armadilha, o
povo, como antes, poderá dar resposta às suas necessidades. Se um
grupo deixa cair a bandeira da resistência, definitivamente, outro
descendente do povo palestino voltará a içá-la. Definitivamente, vocês,
queridos convidados a esta reunião, se dedicarão apenas ao tema da
Palestina, que lamentavelmente nos últimos anos tem sido afetado por
algumas negligências. Com certeza as crises existentes em diferentes
lugares da região e da Ummah islâmica merecem uma atenção especial.
Não obstante, o que motivou este congresso foi a causa Palestina.
Este encontro pode ser o exemplo seguido pouco a pouco por
todos os muçulmanos e os povos da região para que, mediante a
confiança nos seus pontos comuns, possam controlar as discrepâncias,

397
Sayid Marcos Tenório

solucionar cada um dos seus problemas e facilitar o fortalecimento


ainda maior do povo do profeta Mohammad.
Ao final, considero que é importante agradecer-lhes por
suas valiosas presenças, e também expressar meu agradecimento
ao presidente do Parlamento e seus companheiros pelos esforços
realizados para celebrar esta Conferência.
Peço a Deus, Todo Poderoso, que todos vocês tenham êxito em
seu serviço pela causa palestina, como tema principal do mundo do
Islam e eixo da unidade dos muçulmanos e daqueles que buscam a
liberdade.
Rogamos que as benções de Deus estejam com a alma de todos
os mártires do Islam, especialmente aos da resistência ante o regime
sionista e todos os combatentes da frente da Resistência e a alma do
fundador da República islâmica, que dedicou os maiores esforços e
atenção à causa palestina.
Êxito e vitória
Que a paz, a misericórdia e as bênçãos de Deus estejam com
todos vocês.

398
Anexo VII

399
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Cronologia das relações bilaterais


Brasil-Palestina217

1975 – Estabelecimento de relações entre Brasil e Palestina.


Organização para a Libertação da Palestina (OLP) é autorizada a
designar representante em Brasília.
1993 – Autorização, pelo Brasil, de abertura da Delegação
Especial Palestina em Brasília, com status diplomático equivalente ao
de organismo internacional.
1995 – Visita ao Brasil de Yasser Arafat, Presidente da Autoridade
Nacional Palestina e líder da Organização para a Libertação da
Palestina.
1998 – Equiparação do status da Delegação Especial Palestina ao
de uma Embaixada.
2004 – Brasil abre Escritório de Representação em Ramala.
2005 – Visita à Palestina do Ministro das Relações Exteriores,
Celso Amorim.
2005 – Visita ao Brasil do Presidente Mahmoud Abbas, no
âmbito na I Cúpula América do Sul-Países Árabes (ASPA).
2007 – Anúncio, na Conferência de Doadores para os Territórios
Palestinos, em Paris, de doação brasileira no valor de US$ 10 milhões,
para ações de cooperação e de ajuda humanitária. Adicionalmente, o
Brasil e seus parceiros do Foro de Diálogo Índia-Brasil-África do Sul
anunciam contribuição do Fundo IBAS, no valor de US$ 3 milhões.
2008 – Visita à Palestina do Ministro das Relações Exteriores,
Celso Amorim.
2008 – Visita ao Brasil do Ministro dos Negócios Estrangeiros
da Palestina, Riad Malki.
217 Portal do Itamaraty. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/ficha-
pais/5629-estado-da-palestina.

401
Sayid Marcos Tenório

2009 – Visita à Palestina do Ministro das Relações Exteriores,


Celso Amorim.
2009 – Por ocasião da Conferência de Sharm El-Sheikh, Brasil
anuncia doação de US$ 10 milhões para a reconstrução de Gaza.
2009 – Visita ao Brasil do Presidente da Palestina, Mahmoud
Abbas.
2010 – Visita à Palestina do Ministro das Relações Exteriores,
Celso Amorim.
2010 – Comunicado do grupo IBAS (Índia, Brasil e África do
Sul) declara reconhecer Jerusalém Oriental como capital do futuro
Estado palestino.
2010 – Visita ao Brasil do Comissário de Relações Internacionais
do Fatah, Nabil Shaath.
2010 – Visita à Palestina do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
2010 – Reunião de Ministros do IBAS em Brasília, com presença
do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Palestina, Riad Malki.
2010 – Reconhecimento, pelo Brasil, do Estado da Palestina nas
fronteiras de 1967.
2010 – Delegação Especial palestina em Brasília passa a
denominar-se Embaixada do Estado da Palestina.
2011 – Visita ao Brasil do Presidente Mahmoud Abbas, por
ocasião da posse da Presidenta Dilma Rousseff.
2011 – Com apoio e copatrocínio brasileiros, a Assembleia Geral
das Nações Unidas aprova a Resolução 67/19, que eleva o status da
Palestina nas Nações Unidas a Estado Observador não membro.
2012 – Visita à Palestina do Ministro das Relações Exteriores,
Antonio de Aguiar Patriota (15 de outubro).

402
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

2012 – Visita ao Brasil do Comissário de Relações Internacionais


do Fatah, Nabil Shaath.
2012 – Visita ao Brasil do Ministro do Trabalho da Palestina,
Ahmed Majdalani.
2013 – Visita à Palestina do Vice-Presidente da República,
Michel Temer.
2013 – Visita à Palestina do Ministro da Saúde, Alexandre
Padilha.
2014 – Visita à Palestina do Governador do Rio Grande do Sul,
Tarso Genro.
2014 – Doação de 11500 toneladas de arroz à UNRWA (Agência
das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina).
2014 – Brasil passa a integrar a Comissão Consultiva da UNRWA.
2014 – Anúncio de doação de 6000 toneladas de arroz à UNRWA
por ocasião da Conferência para Reconstrução de Gaza realizada no
Cairo.
2015 – Visita ao Brasil do Chanceler Riad Malki, por ocasião da
posse da Presidenta Dilma Rousseff.
2015 – Visita à Palestina do Presidente da Câmara dos Deputados,
Eduardo Cunha.
2017 – Reunião do Mecanismo de Consultas Políticas entre o
Brasil e a Palestina (2 de maio).
2018 – Visita do ministro Aloysio Nunes Ferreira à Palestina
(1-2 de março).

403
Anexo VIII

405
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

Documento de Referência do Fórum


Palestina Livre218

O povo palestino estende sua gratidão e apreço ao Fórum Social


Mundial, e a todos os movimentos sociais envolvidos especialmente no
fórum sobre a Palestina. Agradecemos, particularmente, ao Brasil, seu
governo e suas instituições, por acolherem este fórum, considerado por
nós um marco crucial e extraordinário no processo de amplificação do
apoio à luta do nosso povo pelo exercício de seus direitos inalienáveis.
Apesar da passagem de mais de seis décadas desde a Nakba, a
sistemática limpeza étnica da maioria do povo palestino em 1948, a
questão da Palestina continua a ser um problema global, inspirando
pessoas e movimentos sociais ao redor do mundo. A solidariedade com
o povo palestino e seus direitos inalienáveis – em especial, o direito aos
refugiados de retorno a seus lares, e o direito de autodeterminação – é,
hoje, mais forte que nunca, reforçando a luta do povo palestino sob a
liderança da Organização para a Libertação da Palestina por liberdade
e justiça de acordo com as leis internacionais e os princípios universais
dos direitos humanos, ambos pilares do Fórum Social Mundial.
Para o povo palestino poder exercer seu direito inalienável à
autodeterminação (inclusive o retorno dos refugiados), é necessário
pressionar Israel a cumprir, integralmente, a lei internacional, ou seja:
- Findar a ocupação e a colonização de todas as terras árabes
ocupadas em 1967, e desmantelar o muro do apartheid.
- Findar o regime de apartheid (conforme definição da ONU de
crime de apartheid) e reconhecer o direito fundamental de igualdade
dos cidadãos palestinos em Israel.

218 Publicado no portal Sul 21 e está disponível em https://www.sul21.com.


br/noticias/2012/12/documento-de-referencia-do-forum-social-mundial-
palestina-livre

407
Sayid Marcos Tenório

- Reconhecer o direito dos refugiados palestinos de retorno


aos lares dos quais foram expropriados, como convencionado pela
resolução 194 da ONU.
A organização do Fórum Social Mundial Palestina Livre é a
expressão da união dos movimentos sociais internacionais na luta
contra o imperialismo, o neoliberalismo e a discriminação racial
em todas as suas formas por considerar a justa luta pelos direitos
dos palestinos uma parte integrante da luta internacional para
desenvolver alternativas políticas, sociais e econômicas que aumentem
a justiça, a igualdade e a soberania dos povos, baseando-se em justiça
socioeconômica, dignidade e democracia.
Configurando-se como espaço de reunião para a sociedade civil
internacional, o Fórum Social Mundial Palestina Livre vislumbra:
a. destacar, fortalecer e ampliar o movimento global em defesa
dos direitos do povo palestino;
b. desenvolver mecanismos para uma ação global efetiva de
apoio à luta do povo palestino para exercer seus direitos de retorno e
autodeterminação, e fazer cumprir as leis internacionais;
c. proporcionar um espaço aberto para o diálogo, o debate, o
desenvolvimento de estratégias e o planejamento de campanhas
eficazes e sustentáveis de solidariedade ao povo palestino.
Após 65 anos da partilha da Palestina, recomendada pelos
poderes hegemônicos, e sua cumplicidade com a sistemática limpeza
étnica a que são submetidos os palestinos desde 1947, o Brasil sediará,
em 2018, um novo tipo de fórum global, destinado a reforçar a luta do
povo palestino por justiça e por seus direitos, onde os governos têm
falhado em sua obrigação de proteger ambos.
O Fórum Social Mundial Palestina Livre acontece no Brasil à
luz das tempestuosas mudanças no mundo árabe, revoluções que se
tornaram conhecidas como “Primavera Árabe”, onde há luta popular
por justiça social, democracia e liberdade. Nesse contexto, as forças
hegemônicas ocidentais, em especial os Estados Unidos, têm se

408
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

esforçado para abortar ou conter as revoluções populares árabes,


objetivando a manutenção de seu domínio sobre esses territórios. Tal
intervenção, às vezes tomando forma militar, implica sérios desafios
para as revoluções populares na busca da sustentação de sua identidade
emancipatória e democrática. Porém, a queda dos regimes ditatoriais,
focos de cumplicidade árabe com a agenda EUA-Israel, causou
impacto importante, minando a impunidade de Israel e reavivando
a centralidade da causa palestina no mundo árabe, promovendo-a
globalmente, em decorrência da importância estratégica da região.
À luz dessas mudanças, das posições e resoluções aprovadas pelo
Encontro Nacional de Solidariedade com o Povo Palestino, no Brasil,
o Comitê Nacional Palestino do FSM apela a todas as organizações,
movimentos e redes, para que se somem a este fórum histórico como
expressão de solidariedade aos direitos do povo palestino e à nossa
luta para desenvolver dispositivos a fim de responsabilizar Israel por
seus crimes e violações das leis internacionais. Incitamos também os
movimentos sociais e os FSM ao redor do mundo a intensificar suas
lutas em prol de mudanças políticas reais, por meio de:
1. defesa do direito do povo palestino a resistir à ocupação e
ao apartheid, dirigindo-se à obtenção do direito de retorno e do
exercício de autodeterminação, inclusive o estabelecimento de um
Estado nacional independente e soberano, em conformidade com as
resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU);
2. fortalecimento e expansão da participação na campanha
global, liderada pelos palestinos, de boicote, desinvestimento e
sanções (BDS) contra Israel, uma das mais importantes formas de
solidariedade com nosso povo e seus direitos. As campanhas BDS
englobam boicotes a Israel e empresas internacionais cúmplices das
violações israelenses das leis internacionais, e boicotes acadêmicos e
culturais de instituições israelenses, parceiras coniventes na ocupação
e no apartheid;
3. consolidação dos estados internacionais, coletiva e
individualmente, para torná-los responsáveis pela proteção dos
refugiados palestinos em seus respectivos territórios até que os

409
Sayid Marcos Tenório

mesmos possam exercer o direito, sancionado pela ONU, de retorno


a seus lares. Obrigar Israel a reconhecer tal direito, indenizando os
refugiados, permitindo a aplicação da sanção da ONU, impondo o
término da política higienista de limpeza étnica em ambos os lados da
Linha Verde;
4. defesa dos direitos do nosso povo na Jerusalém ocupada,
combatendo o que foi denominado por um funcionário da ONU de
“estratégia de judaização”, manifestada na desapropriação de terras, na
expulsão sistemática e compulsória dos palestinos de seus bairros, na
violação da liberdade de culto, nos ataques implacáveis ao cristianismo
e ao islamismo, na distorção da história e em outros crimes;
5. intensificação da luta para suprimir o cerco israelense – em
todas as suas formas – imposto ao nosso povo na Faixa de Gaza
ocupada, considerando a solidariedade a Gaza como prioridade.
Isso demanda campanhas de solidariedade a nosso povo em Gaza e
acusações legais, e formais, contra Israel em tribunais internacionais;
6. manutenção dos direitos inalienáveis do povo palestino em
cidades israelenses, com soberania sobre suas terras, apoiando sua
luta para exterminar o regime de apartheid israelense, suas leis e
regulamentos racistas, reconhecendo os direitos nacionais e cívicos dos
palestinos, individuais e coletivos, combatendo a política higienista de
Israel, a expropriação de terras, as demolições de casas, especialmente
no Naqab (Negev), e a discriminação racial em projetos de educação,
saúde e infraestrutura;
7. apoio e fortalecimento da luta pela libertação dos prisioneiros
palestinos vivendo em condições desumanas, em prisões israelenses,
por seu envolvimento na luta pela libertação nacional da Palestina.
Nesse contexto, enfatiza-se a necessidade de garantir a libertação
imediata e incondicional, como questão de prioridade, de doentes,
crianças, idosos e mulheres, assim como os presos sob regime
de detenção administrativa, e a libertação dos 27 parlamentares
sequestrados pelas autoridades da ocupação, em clara violação das leis
internacionais;

410
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência

8. pressão para que os governos cumpram suas obrigações legais,


conforme estipulado por decisão da Corte Internacional de Justiça,
contra o muro construído ilegalmente por Israel em território palestino.
Pressionar o governo israelense a desmantelar o muro “da vergonha”,
que, terminado, deverá ter aproximadamente 800 km, intensificando a
injustiça e potencializando uma nova campanha higienista de limpeza
étnica;
9. manutenção do direito do povo palestino à soberania sobre
seus recursos naturais (principalmente as terras e a água) e à soberania
alimentar, garantindo o retorno para camponeses, operários,
pescadores e comunidades beduínas privadas de seus direitos pelo
Estado de Israel;
10. transformação do Fórum Social Mundial Palestina Livre
em uma plataforma para a construção de estratégias BDS contra
Israel, objetivando, primordialmente, o boicote aos acordos de livre
comércio entre Israel e outros países, ou grupo de países, como
União Europeia e Mercosul, considerando-se as violações das leis
internacionais perpetradas por Israel em seu regime de opressão contra
o povo palestino, constituídas pela ocupação, pela colonização e pelo
apartheid. Os TLC, ao permitir a exportação de produtos israelenses
provenientes de colônias construídas ilegalmente em territórios árabes
e palestinos ocupados na Faixa de Gaza, na Cisjordânia (inclusa
Jerusalém oriental) e nas Colinas de Golã normalizam, ratificando-o,
o regime opressor de Israel;
11. apoio à campanha global de embargo militar contra Israel,
desfazendo contratos para compra de armas, equipamentos e serviços
militares de todos os tipos, inclusa a compra de veículos, principalmente
aviões não tripulados e sistemas de segurança. Essas exportações
sustentam a ocupação e o regime de apartheid que Israel impõe ao
povo palestino. Além disso, o comércio militar com Israel alimenta
a indústria bélica dos EUA, indústria que lucra com a escravidão e a
morte de milhões de pessoas em todo o mundo;
12. apoio e promoção da cooperação na implantação de projetos
de desenvolvimento econômico, social e cultural para os palestinos,

411
Sayid Marcos Tenório

fornecendo apoio financeiro e material para melhorar as condições de


vida e trabalho, aumentando a firmeza e a vontade do povo palestino
de enfrentar as tentativas israelenses de tiranização em concomitância
à pressão para forçar Israel a cumprir as leis internacionais;
13. reconhecimento e apoio à luta dos judeus antissionistas em
toda parte, em especial aqueles que estão ao lado do povo palestino
na luta contra a ocupação e o regime de apartheid israelense. Apoio
às forças progressistas e democráticas, políticas e sociais, sujeitas à
repressão por sua postura anticolonial e por sua advocacia em prol da
defesa dos direitos do povo palestino;
14. apoio à resistência popular palestina contra a ocupação
israelense, legitimando-a como forma primordial de luta em benefício
do povo palestino;
15. incitamento aos meios de comunicação a ter papel ativo na
exposição das políticas colonialistas e racistas do Estado de Israel,
lançando campanhas de informação pública.
A aplicação dos princípios políticos, legais e éticos acima
referidos contribuirá para acabar com a impunidade de Israel e
reforçará sua responsabilização por todos os crimes cometidos contra
o povo palestino. Esse apoio fornecerá ao povo palestino possibilidades
concretas, eficazes e sustentáveis para alcançar todos os seus direitos
internacionalmente reconhecidos, em especial os direitos de retorno,
autodeterminação, independência e soberania nacional.

412
Parte considerável das lutas
políticas contemporâneas está
“Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação atravessada pelo par “lugar de
perpétua. Não podem nem respirar sem permissão. Perderam falar/identidade”. Nesta díade,
sua pátria, suas terras, sua água, sua liberdade, tudo. Nem nota-se um esvaziamento trágico
do engajamento das esquerdas por
sequer têm o direito de eleger seus governantes. Quando debates que tenham um alcance
votam em quem não devem votar são castigados. Gaza para além das fronteiras biográficas
está sendo castigada. Converteu-se em uma ratoeira sem e nacionais. “Palestina” é um livro-
ponte, nos conecta à história de
saída, desde que o Hamas ganhou limpamente as eleições resistência de um povo que está
de 2006.” sendo submetido às políticas
coloniais e segregacionistas de
Israel/Estados Unidos há 71 anos. A
Gaza, por Eduardo Galeano imagem da ponte também nos serve
para pensar o tipo de ética política
sobre o qual o livro se estrutura. O
“Outro”, o povo palestino, torna-
se “Eu”. E aqui encontramos outra
característica deste livro: é também
Sayid Marcos Tenório é historiador um livro-testemunho. Não se trata
e especialista em relações inter- de uma empreitada exclusivamente
nacionais. É ativista internaciona- intelectual. Ao escrever sobre a
lista da causa palestina há mais Palestina, Sayid também se inscreve,
de 30 anos, com artigos publica- também se narra. Podemos rastreá-
dos sobre temas relacionados à lo pelos artigos escritos, nos eventos
Palestina e outras causas de direitos que participou e organizou. Este livro
humanos, justiça social, lutas é a síntese provisória de três décadas
populares e soberania dos povos. É dedicadas à causa de um povo que
fundador e atual secretário-geral do experiencia, na pele e na terra, o
Instituto Brasil-Palestina (Ibraspal) colonialismo e o apartheid. Não se
e também diretor do Centro trata, portanto, “apenas” de um livro,
Brasileiro de Solidariedade aos mas de uma declaração de amor à
Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz). justiça e à vida.

E-mail do autor: Berenice Bento - Departamento de


sayid.tenorio@gmail.com Sociologia/UnB

Você também pode gostar