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(em cena)
Fag- Mas veio um vento (tosse) de desesperança (tosse) soprando cinzas ela noite morte... (tosse) e eu pendurei
na galharia torta todos os meus brinquedos de criança. (tosse) merda! Assim não dá!
(chega ao camarim e toma remédios)
RENATO- O que aconteceu?
Fag- Nada!
RENATO- Como nada? Você ta bem?
Fag- Vai pro seu camarim, vai.
RENATO- Fala comigo, o que houve?
Fag- Você não viu o cara na 1ª fila com a camisa florida?
RENATO- O que é que tem?
Fag- Você não viu? Ele tirou os sapatos!
RENATO- E daí?
Fag- Como, e daí? Ele tirou os sapatos, tirou as meias, pôs os pés em cima do palco e ficou fazendo assim com
os dedinhos! No meio da minha fala, os pés em cima do palco!
RENATO- Eu não vi.
Fag- Como é que eu vou dizer o meu texto com alguém fazendo assim com os dedinhos? Como você não viu?!
RENATO- Não vi.
Fag- O palco é sagrado, não te ensinaram, não? O palco é sagrado! Um tablado, dois atores e uma paixão...e o
cara fazendo assim com os dedinhos, pô! Como se estivesse na porra da sala da casa dele!
RENATO- Calma! Foi só isso?
Fag- É claro que não foi só isso! Outro dia era o mesmo cara, só pode ser, ele ficou comendo aquelas balinhas a
peça toda(imita o ruído)...a peça toda! E punha os papeizinhos em cima do palco, você não viu também? No fim
do espetáculo tinha um lixinho, você acredita? Um montinho de lixo na frente dele e em cima do palco, pombas!
O palco é sagrado!
RENATO- Mas isso foi outro dia, o que aconteceu hoje?
Fag- Eu to velho pra isso, eu não agüento!
RENATO- Você ta estressado, fica calmo e me diz o que aconteceu?
Fag- Não é possível que você não veja, que você não ouça!
RENATO- Eu ouço.
Fag- Você ouve o bip dos relógios?
RENATO- Ouço.
Fag- A cada meia hora? Bi-bi, bi-bi, bi-bi! O quê que o desgraçado faz com esse sinal, hein? Ele toma um
remédio? Ele se aplica injeção na veia? Ele joga na bolsa de valores? Não! É só pra encher o saco mesmo! E
quando tem musiquinha então?(imita a música) Você não ouve?! É impossível que você não ouça!
RENATO- Não, eu ouço!
Fag- E você continua, Não te incomoda?
RENATO- Você também continua...
Fag- Mas me incomoda!
RENATO- Faz parte do jogo!
Fag- Tem que desligar o bip dos relógios, tem uma gravação pedindo isso antes do espetáculo começar. Tem que
revistar todo mundo na entrada como no aeroporto e tirar a tralha toda: saquinho de bala, relógio com bip...Tem
que revistar o cara inteirinho pra segurança do espetáculo!
RENATO- Como você ta tenso!
Fag- E o celular?! E o celular? Outro dia o cara deixou tocar oito vezes, OITO vezes! Dois meses preparando
aquela pausa, buscando aquele silêncio...Faz parte do jogo também, o silêncio. A mulher acabou de se matar,
você ta sozinho em cena, o exército inimigo cercando... silêncio...Você diz: “A vida é uma sombra que passa,
uma história idiota cheia de som e de fúria, contada por um louco, significando nada”...silêncio...a coisa toda vai
pra platéia, bate lá e volta, outra vez pra platéia...”prrrr”(som do celular). Como é que alguém pode pensar na
brevidade da vida com um celular tocando? Se eu quisesse um celular, eu mandava gravar um pra botar na hora!
RENATO- Vai ver o cara não conseguia desligar.
Fag- Você não ouviu, você não tava em cena, o filho da puta atendeu e ficou falando com a namorada dele: “Alô,
oi meu amor, eu to aqui no teatro, eu acho que começou...”Acho?!!! Ele não sabia?! O palhaço ali parado na
frente dele e ele nem percebeu que tinha começado. Você não percebeu nada!
RENATO- eu não tava em cena!
Fag- Se tivesse não ia nem perceber.
RENATO- É, é a 4ª parede!
Fag- Onde é que ta? Onde que ta a 4ª parede?!
RENATO- É uma convenção, né!
Fag- Tem gente ali sentada pra ver, você não sabe disso, não? Eles saíram de casa todos arrumadinhos e sentaram
ali pra te ver, pelo menos é o que se supõem, pra ouvir as coisas que você preparou durante meses, um trabalho
infernal, noites e noites pesquisando, só pra eles... É uma droga!!
RENATO- Você não pode pensar nisso quando ta em cena.
Fag- Claro que eu posso! É só nisso que eu penso! Essa conversa de 4ª parede é conversa de ator preguiçoso!...
RENATO- Tem que abstrair.
Fag- ...que abstrai a platéia e se fecha dentro do palco feito um papagaio programado para repetir as suas próprias
falas, se comendo pelo próprio umbigo! Eu sou um comunicador, pomba, eu preciso do outro, do lado de lá.
RENATO- Então...eles estão vivos!
Fag- Mas não pode falar no celular...
RENATO- Eles pagaram...
Fag- Não pra “mijar em cima de mim”...
RENATO- você ta nervoso, hein!!!
Fag- E as tosses??!! O que eles tossem, meu Deus do céu! Essa gente deveria ir para um hospital, não pro teatro!
Eles estão doentes, isso é enfisema pulmonar. Por favor, tem um médico? Cuida dele aí, ele ta doente, não pode
tossir aqui.
(batem na porta)
Fag- Não abre!
RENATO- Eles querem saber o que houve!
Fag- Não abre, eu já disse!
RENATO- Você vai ter um troço, para com isso!
Fag- Tinha que ter um jeito se selecionar quem senta na primeira fila. A primeira fila não é pra amadores é só pra
profissionais. Tinha que ser perguntado: “Você é profissional, é um espectador profissional? Ta pronto pra ouvir?
Tem que fazer cara de inteligente, ta pronto?! Então lá pra trás! Última fila!” Tinha que ter um jeito!
(batem na porta)
Fag- Pára de bater na porra dessa porta!!
RENATO- Pega aqui! Toma um calmante.
Fag- Já tomei..
RENATO- Toma outro então!
Fag- Já tomei outro, não faz mais efeito.
RENATO- Três têm que fazer efeito. (pega o remédio e um copo d’água)
Fag- Deve ser falsificado, eles falsificam até remédio pra câncer, agora...Ai! Outro dia tinha uma velhinha
sentada na 1ªfila, essa gente só senta na 1ª fila, ela tinha um enorme saco de batata frita no colo, mas ela comia,
ela comia, ela comia, o papel fazia um barulhão tão grande que nem eu mesmo conseguia mais me ouvir. Eu
parei de fala e olhei pra ela. Eu dei aquele olhar nº8 de secar jabuticaba. Sabe o que ela fez? M E OFERECEU!!!
Ela me ofereceu a batatinha, pombas! A simpática...ela pensou o que? Que eu ia parar o espetáculo, descer do
palco e sentar com ela pra comer batata frita?!
RENATO- Público de televisão.
Fag- Aqui é um teatro, porra!
RENATO- Televisão eles assistem assim ó!...(deita-se no sofá) comendo batatinha, você deveria saber disso.
Fag- (pega uma latinha de refri) Televisão é um eletrodoméstico, você leva pra onde você quiser. Você pode ver
no banheiro, cagando se tiver afim, pode ver pelado, fazendo amor...
RENATO- Por isso eles ficam tão á vontade, pensam que a gente não ta vendo.
Fag- ninguém contou a diferença, não é?
RENATO- parece que não. Você ta mais calmo?
Fag- Você é muito jovem ainda, tudo isso é novidade pra você. Você não liga. Eu to velho, deve ser isso.
RENATO- Há, há! Não fala assim, vai!
Fag- Eu não agüento mais. Você sabe que eu entro no palco meia-hora antes do espetáculo começar!
RENATO- Se concentrando...
Fag- Nada, concentrando, nada! Esse negócio de concentração quem precisa é centro espírita. Eu fico ouvindo o
público, eu fico ouvindo...
RENATO- A conversa deles?
Fag- O jeito que eles têm de entrar na sala, como eles fazem pra descobrir o lugar na platéia, eu fico
ouvindo...não adianta, você não entende nada.
RENATO- Me explica...
Fag- Eu fico ouvindo a respiração deles, o humor. Eu sou capaz de saber como vai ser durante o espetáculo, só
de ouvir o jeito deles se comportarem nessa meia-hora.
RENATO- Sei...
Fag- Ta bom, já não sei mais. Mas antes eu sabia, Tô falando que você não entende nada porque você sempre fez
assim, então nunca pensou que podia ser diferente? Aí você entra em cena, imagina aquela 4ªparede te separando
daquele buraco negro que é a platéia, pode ter até gente sentada lá, tanto faz, você liga o seu piloto automático e
vai recitando o seu pedaço de texto até o fim dos dias, haja o que houver, chova ou faça sol. Eles podem até ter
ido embora, você nem fica sabendo. Você faz a sua parte, pronto!
RENATO- E não é assim que tem que ser?
Fag- Nãooo!!! É uma droga!!! Você precisa do outro do lado de lá, eu sempre me angustiei com essa cortina de
aço, que dizem que tem nos teatros, separando o palco da platéia, abaixa a cortina e daí? Largam a gente ardendo
aqui dentro? Queimando solitários a nossa paixão? Você não ia queimar nem o dedo mindinho...
RENATO- Como você é diferente, não é?
Fag- Eu sentia a alma do público, eu conhecia, eu sabia o cheiro, eu olhava nos olhos deles, a combinação das
roupas, sentia o hálito. Nunca reparou o jeito que eles têm de entrar na sala do espetáculo? O teatro era um
templo, um lugar sagrado, as pessoas entravam na sala, reverentes, emocionadas, elas chegavam meia hora antes,
era um ritual, elas compravam o programa... elas compravam o programa! Sentavam nos seus lugares, falando
baixinho, entrando no clima e liam...
RENATO- Agora se você distribui programas eles deixam jogados pelas cadeiras...
Fag- agora parece uma feira! Ta marcado pra começar às 7:00h, alguns chegam às 7:15h!
RENATO- Você não deixa entrar.
Fag- E gritam, gargalham, falam no celular, falam com a mãe Joana, você pode dar 1,2,3, mil sinais e ninguém
sabe que porra de campainha é essa que ta tocando, continuam a falar, falar, falar...Você apaga a luz e eles
continuam falando. O espetáculo já começou quando a luz apaga, mas não, o preço do bacalhau é mais
importante do que qualquer coisa que você queira mostrar pra eles....Cheios de assunto...
RENATO- Eles são alegres.
Fag- Não têm a menor noção do que vieram ver, eles tão de passagem. O teatro é a ante-sala da pizza!
RENATO- Eles pagaram
Fag- eu não sou um pedaço de carne. Isso aqui não é um açougue. Você viu o que eles fizeram hoje quando
apagaram a luz? Assobiaram (assobia), como se eu fosse a porra de um programa de auditório. É Shakespeare!
RENATO- Não foi isso! Você ficou puto porque eles assobiaram?
Fag- O outro tirou o sapato.
RENATO- Ta, eles assobiaram e o outro tirou o sapato. Foi isso?
Fag- Não foi só isso. Aquele cara da 3ªfila do casaco branco...
RENATO- O quê que tem?
Fag- A cada dois minutos ele fazia assim (ergue os braços e se espreguiça). A cada dois minutos!!!
RENATO- Você contou o tempo?
Fag- E deixava o braço esticado lá em cima(levanta). A cada dois minutos!!!
RENATO- Ele contou o tempo! Você reparou no casaco dele?
Fag- Ninguém reclamou, o cara tava tirando a visão de duas dúzias de pessoas atrás dele. Ninguém reclamou!!!
RENATO- Ah! Isso é demais!
Fag- Aquela mulher da primeira fila com a doença de são Guido. Você não viu? Você não vê nada! Não parava
de balançar a perna.
RENATO- pelo amor de Deus!
Fag- Quem que deixa essa gente sentar na primeira fila?!
(batem na porta)
Fag- Mal comecei a falar...(imita um bocejo), Era a primeira fala da peça, não dava pra ter enchido o saco. Quer
dizer, o cara já saiu de casa com o saco cheio. Ele veio aqui pra descarregar na gente!!!
RENATO- Toda essa conversa outra vez, por favor!
Fag- As cadeiras de teatro rangendo... tem que ajeitar a porra dessas cadeiras! A outra que não parava de olhar no
relógio, o casal de namorados quase trepando ali na minha frente... na primeira fila...tinha que ser na
primeira...Quer fazer amor, meu bem, vai pro motel! E a lata de balas? Tem que proibir a venda de lata de balas
aqui no teatro, já não chega o papelzinho?
RENATO- Então foi isso?
Fag- Aí um cara roncou (ronca). Eu sou um ator, eu não sou um presunto pendurado num gancho, eu não sou o
bobo da corte. Eu estudei esse texto, eu exerço essa profissão, esse sacerdócio há 37 anos, eu exijo respeito.
RENATO- Você não pode ligar pra isso.
Fag- E você não liga, é claro!
RENATO- Eu to aqui, não to?!
Fag- Desculpa, vai.(batem na porta) Abre essa merda!(batem novamente)Já vai!!!(tira o resto do figurino).
Su- Até que enfim! Eu estou pasma, besta, besta! O quê que aconteceu?
Fag- Onde é que você tava quando eu precisei de você?
Su- Ta a maior zona lá fora!...
Fag- Você nunca ta por aqui...
Su- Todo mundo gritando...
Fag- Quando eu preciso de você...
Su- Querendo o dinheiro de volta!
Fag- Onde a senhora estava?
Su- Impedindo a polícia de entrar no teatro.
RENATO- Polícia?!
Fag- Como é que é?
Su- Você quer que comece na hora, tudo bem.
Fag- E começamos.
Su- Alguns chegaram atrasados!
Fag- E daí?
Su- Eu nunca te falei nada, mas nem todos são cordiais!
RENATO- Foi você que chamou a polícia?
Su- Eles!!!
Fag- Do começo, por favor.
Su- Eles chegam atrasados, às vezes só um minuto depois da hora, mas nós somos pontuais, não é? Começamos
rigorosamente no horário marcado. Eles dão de cara com a porta fechada e me agridem, me xingam, me
ofendem, mas não entram! Não é assim que você quer? Aí eles chamam a polícia.
RENATO- E daí?
Su- Ah, geralmente tem alguma autoridade entre os que chegaram atrasados, um juiz de direito, um deputado...
Aí o cara da viatura morre de medo e quer mostrar serviço pra eles. Era isso que eu estava fazendo lá fora,
evitando ser presa!
Fag- Por cumprir o prometido?!
Su- Eles nunca vão aceitar.
Fag- Eu não vou mudar!
Su- Eu sei, eu nunca te pedi isso.
Fag- Quando eu ficava na bilheteria, isso nunca aconteceu.
Su- Ah, sempre aconteceu. Eu é que nunca te contei.
Fag- O ingresso é um contrato, eles não sabem disso não? Ta lá marcado o nome da peça, o dia, o teatro, a
poltrona, tá marcado o horário também!
Su- Eles não lêem.
Fag- Como não lêem?! Chegaram até aqui, não chegaram? Ai de nós se pusermos alguém no lugar deles... Eles
quebram as cadeiras!
Su- Eles dizem que é um consenso marcar pras 9:00h e começar às 9:15h.
Fag- Aí chega aqui, tosse, ronca, boceja, tira o sapato, põe o pé em cima do palco...
RENATO- Deve ser um consenso também.
Su- “Deve ser um consenso”. Pros que entram, os que ficam do lado de fora chama a polícia. “Mas o quê que
aconteceu?”. Eu tenho que voltar lá pra porta, antes que eles armem uma revolução!
RENATO- Eu posso ajudar?
Su- Vai ver se você consegue conter a turma...
(RENATO sai)
Su- O quê que houve? Você...você passou mal?
Fag- Não, eu to bem.
Su- Teve alguma falha técnica?Quebrou a mesa de luz?
Fag- Eu não agüento mais.
Su- ( ri ) Eu não consigo entender você. Das 37 peças que o Shakespeare escreveu, você escolheu esta. Tinha um
monte de comédias, mas não, você escolheu essa, mais difícil, a peça problema, os ingleses nem dizem o nome
dela porque dá má sorte, “a peça escocesa” eles dizem... mas você montou. Ninguém se machucou, ninguém
quebrou a perna, você ta fazendo um trabalho deslumbrante como ator! Duzentos espetáculos em cartaz na
cidade e você consegue, com essa peça, botar mais de mil pessoas no teatro todos os dias pra te assistir... Não
agüenta mais o quê?
Fag- Você veio aqui só para me encher saco?
Su- Você ta assim por causa da crítica.
Fag- Que crítica?
Su- A que saiu hoje.
Fag- Pelo amor de Deus!
Su- Diz que o espetáculo é velho.
Fag- Não quero saber.
Su- Ahh, então foi por isso que você ficou mal, porque você leu...
Fag- Isso não é pra ler, não te ensinaram não? É pra forrar gaiola de passarinho!
Su- Mas você leu e ficou mal. (debochada)
Fag- não li.
Su- Porque o cara escreveu...
Fag- Não quero saber!
Su- Que não tem nada de novo no espetáculo.
Fag- (tapa os ouvidos e fica cantarolando)
Su- Vocês tão botando mais de mil pessoas no teatro todos os dias! Acha mais importante o que ele escreveu do
que a reação entusiástica da platéia.
Fag- Tô cagando pra essa definição!
Su- Que definição?
Fag- O que é novo, o que não é novo. Já leu “Dostoievski”? Ele escreveu há mais de cem anos. Não leu? É novo
pra você!!! Isso é que é novo, tudo o que você não conhece... to cagando!
Su- Tem que cagar mesmo, você tá fazendo história.
Fag- Eu lá quero fazer história? Odeio essa ansiedade infantil de ficar para a posteridade. Eu deixo isso pro
imbecil que escreveu essa besteira. Eu quero aqui, agora! Eu quero o seu José, a dona Maria, ali na platéia, aqui e
agora, na minha frente. Eu troquei a posterioridade pelo presente, foi isso que aconteceu. Mas eu preciso deles,
eu ainda preciso deles na platéia. E não pensa em elevar o nível, vamos voltar para a cozinha que a coisa é mais
fraca, é mais embaixo.
Su- Não tinha ninguém que valesse a pena nessa platéia?!
Fag- Não parei pra contar.
Su- E eles fizeram o que dessa vez?
Fag- De tudo, tudo junto, ao mesmo tempo! Parece que foi combinado! Mil e duzentas pessoas se telefonaram
hoje à noite só pra combinar. “E aí, vamo lá no teatro barbarizar essa noite?” “Vai ser o maior legal?”
Su- E aí?
Fag- Aí eu não agüentei e parei o espetáculo.
Su- Isso eu já sei.
Fag- eu fiquei encarando a platéia...
Su- O grande momento!
Fag- Foi, o grande momento. Eu disse que Bertholt Brecht, maravilhoso autor alemão, escreveu que o teatro está
apoiado num fabuloso tripé.
Su- Grande momento cultural.
Fag- momento cultural é papo de cozinha. A coisa é mais prática.
Su- Bertholt Brecht na cozinha?!
Fag- O fabuloso tripé, ele escreveu, levantei os dedinhos (levanta o braço). O autor, mostrei o primeiro. (mostra o
dedo indicador)
Su- O indicador!
Fag- O ator, mostrei o segundo. (mostra o polegar)
Su- O polegar!
Fag- E o público! Mostrei o terceiro! (mostra o dedo médio)
Su- Eles repararam o que você reservou pra eles?!
Fag- estavam espantados de mais, quietos demais, atenciosos de mais... como eu queria que eles fossem sempre...
Su- Tudo bem.
Fag- O autor é Shakespeare, eu disse. O ator é esse que vos fala.
Su- Silêncio total!
Fag- Nem uma mosca.
Su- E o público?
Fag- O dedo médio em riste! Apontei pro cara que tava sem sapatos, os pés em cima do palco...
Su- Tinha alguém com os pés em cima do palco?!
Fag- Eu disse: “Tira essa patas daí, já!!!”
Su- Você não fez isso...
Fag- Eu fiz.
Su- E ele tirou?
Fag- Como se tivesse tomado um choque elétrico!
Su- Há, há! Meu herói!
Fag- Continuei encarando o resto da platéia...
Su- Mil cento e quarenta e oito pessoas.
Fag- E finalizei: “Vocês não são o público, vocês são massa!!!”
Su- E daí?
Fag- Eu me perdi um pouco, tava muito nervoso.
Su- É natural.
Fag- “Aqui não é uma cantina”, eu disse, “cantina, massa, pizza, é tudo um horror.”
Su- Poderia ter sido melhor.
Fag- Fica pra próxima.
Su- Não, não! Por favor, e depois?
Fag- Mandei todo mundo embora!!!
Su- Tinha um cara com os pés em cima do palco, e por causa dele, mandou todo mundo embora?!
Fag- Você não tava lá, você não sabe o que aconteceu.
Su- Eu quero que você me conte.
Fag- A platéia não é esse buraco negro que a gente enxerga aqui de cima do palco, não. Ela pulsa, age, respira,
tem personalidade, cada dia de um jeito, viva!
Su- Pode ser que eles não tivessem gostando do espetáculo.
Fag- Foi assim desde o começo, o tempo todo. Eu não fui respeitado!
Su- Por nenhum deles?!
Fag- Tocou o celular, tossiram, bocejaram. Levantaram para ir ao banheiro!
Su- E você queria o quê? Que eles fizessem o xixi na poltrona?
Fag- Você ta torcendo pra quem, afinal?
Su- Eu estou tentando ficar do seu lado!
Fag- (pega um texto) Por favor, por favor, leia esse trecho aqui.
Su- Pra quê? Não eu...
Fag- Não! Por favor, leia por favor, eu vou te mostrar.(procura uma parte do texto)
Su- Tá!
Fag- Esse aqui, segura.
Su- (pega o texto e prepara-se) A vida é uma sombra que passa...
Fag- Bip, bip, bip...
Su- ...uma...história…
Fag- (tosse)
Su- ...contada por um louco...
Fag- (mexe os dedos como se estivesse mexendo em papel de bala, levanta os braços, tosse, fica fazendo essa
sequência)
Su- (tenta ler)
Fag- (pega o texto) Entendeu, agora?! Eu não sou de ferro!
Su- Aí você mandou todo mundo embora!
Fag- Mandei!
Su- E eles foram!
Fag- Me aplaudiram!
Su- É verdade?
Fag- Vaiaram também.
Su- Pela cara deles lá fora, fizeram pouco...
Fag- Muitos problemas?
Su- Mil cento e quarenta e oito problemas, eu vou ter que dar um pulinho na chefatura de polícia...
Fag- Nunca! Eu já mais vou permitir que qualquer um de nós, se submeta a essa humilhação!
Su- Se precisar, eu vou.
Fag- Nunca!
Su- Você não sabe a zona que está lá fora!
Fag- Você devolveu o dinheiro dele, não devolveu?
Su- 80% compraram com o cartão.
Fag- E isso quer dizer o quê?
Su- Que não tínhamos dinheiro em caixa.
Fag- Cheque!
Su- Mil cento e quarenta e oito? Tentei trocar por convite pra outro dia, alguns aceitaram, poucos, né!
Fag- E as outras?
Su- Querem o dinheiro de volta, de qualquer jeito, estão lá, nos chamando de estelionatários. O pior é que eles
compraram com cartão, ainda não desembolsaram nada, é só cancelar a compra. Ah, é de raiva mesmo!
(entra o RENATO)
FIM
Ass: Rena e Dud’s