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O CICLO DO

MINOTAURO

ÚLFILAS-2022
I-O Ciclo do Minotauro- O sacrifício primordial e a besta devoradora de homens

Hoje no PARVVS LVPVS, tenho o prazer de anunciar um dos primeiros artigos


tratando sobre mitos indo-europeus. O mito de hoje será o que eu resolvi chamar de
"Ciclo do Minotauro". que será dividido em duas partes, a primeira sobre a origem do
Minotauro e sua relação com o mito primordial da cosmogonia PIE, e a segunda
relacionada à luta de Teseu para ascender ao trono de Atenas como recompensa pelos
feitos heroicos, e o significado interior do mito.
Bem, primeiro gostaria de deixar claro que esse artigo pode conter erros, e se o
leitor tiver algum adendo ou crítica, comentários são sempre bem-vindos. Esclarecido
esse ponto, essas visões foram embasadas em noções básicas sobre metafísica Indo-
europeia e outras leituras míticas.
Vamos começar do início, estabelecendo a visão básica sobre os Indo-europeus,
sua religião e sua visão sobre a existência dependem do sacrifício. O universo fora
fundado por um sacrifício, habitações, orações, cidades, impérios e muito mais, foram
animados pela substância mágica que é o sangue, guardem esse fato porque será
necessário mais tarde. Para falar do Minotauro, é preciso voltar no rapto de Europa por
Zeus, rapto esse que Zeus realizou na forma de um Touro para que Hera sua esposa não
o reconhecesse. Zeus se deita com Europa e gera três filhos, que são Rdamanto (louro
que se torna o juiz dos mortos europeus no Hades), Minos (Rei de Creta) e Sarpedão
(que é criado em Creta pelo rei Astério que antecedeu Minos).
O foco aqui será no Rei Minos que se torna Rei de Creta, porém seu reinado era
contestado, o rei então pede para Poseidon que o mande um touro emergido das águas
do mar como prova de sua benção, e em retorno Minos deveria sacrificar o touro, porém
quando o touro de Creta sai das águas do mar, Minos tem receio de matar um animal tão
bonito e divino decidindo então sacrificar outro touro e manter o presente divino em seu
rebanho.
Furioso, Poseidon pede à Afrodite que faça a esposa de Minos e rainha de Creta
Pasífae (que descende de titãs) se apaixone pelo touro e faça sexo com o animal. Pasífae
pede à Dédalo, um construtor e inventor que havia sido expulso de Atenas por
assassinato que construa uma vaca falsa, oca para que ela pudesse se disfarçar enquanto
realizava a bestialidade. Dessa união antinatural, nasce Minotauro, com cabeça de touro
e corpo de homem, um demônio devorador de homens. Quando Minos descobre a
criatura, viaja para pedir concelhos no Oráculo de Delfos (que merece um artigo por si),
lá foi dito para que ele construísse um labirinto para prender o monstro, mas que não o
matasse.
Após esse acontecimento Minos entra em guerra contra Atenas liderada pelo Rei
Egeu, pai de Teseu, que havia ordenado a morte de Androgeu, príncipe de Creta por
inveja do mesmo ter ganhado os Jogos Panatenaicos. Minos invade a Ática, mas não
toma Atenas, reza e sacrifica para Zeus, pedindo que lance fome e peste sobre a cidade
(pedido aceito por Zeus provavelmente por este ser o defensor dos hospedes, já que
Egeu havia quebrado a lei de hospitalidade ao assassinar seu hóspede Androgeu). Egeu

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então se rende à Creta, e é obrigado a pagar um tributo de sete rapazes e sete moças que
deviam ser sacrificados ao Minotauro anualmente.
Bem, agora vamos para a análise, os três filhos de Zeus e Europa podem ser
oriundos dos trigêmeos primordiais dos Proto indo-europeus, * Manu (homem), *Yemo
(gêmeo) e *Trito (o terceiro). Manu se tornaria o primeiro Rei sagrado, enquanto Yemo
morre ou é sacrificado e se torna o Rei do submundo, assim como Minos se torna Rei da
dinastia minóica e Radamanto se torna juíz no Hades. A equivalência entre Sarpedão e
*Trito não pode ser argumentada.
Tal qual *Manu que recebe de *Dyḗus ph₂tḗr (Pai Celstial, origem etimológica
de Zeus Pater) o touro ou a vaca para ser sacrificado, originando a ordem cósmica e a
relação entre homem e divindade, Minos pede à Poseidon (aqui deve ser destacado que
segundo alguns estudiosos, Poseidon poderia ter sido originalmente um só com Zeus,
portanto Pai Celeste) um touro para que seja sacrificado em honra ao Deus, porém
diferente do mito primordial, Minos quebra a ordem e não sacrifica o animal como
prometido, e então a divindade se enfurece, aqui a fúria divina costuma significar a
ausência da benção divina, não uma punição ativa, pois a divindade é puro bem (embora
não seja pura paz, digamos), então aqui o mal só pode ocorrer em ausência do bem,
assim como a escuridão não existe por si só, se não por ausência da luz, dando espaço
para proliferação de tendências caóticas no seio de sua família, sua esposa se une à um
animal (é bom lembrar que na Creta pré-grega ritos onde o sexo entre mulheres e touros
ocorriam eram supostamente comuns), Pasífae como dito antes, é descendente de
Oceanus pois sua mãe é Perseis uma das oceânides, e filha de Hélios, portanto filha de
dois titãs, é oriunda das potências que são derrotadas pelos olímpicos. Da luxúria e
doença de Pasífae, nasce Minotauro a besta devoradora de pessoas, criatura obscura e
caótica por definição, nascida do esquecimento dos Deuses e fruto do caos (vazio, na
minha interpretação vazio da graça e ordem divina). Caberá apenas ao herói Teseu,
encarnado da potência viril destruir a besta.

Além desse motivo claro do sacrifício primordial, isso é, o sacrifício dos


sacrifícios, é necessário expor ao leitor o significado do sacrifício na prática religiosa
indo-europeia e seus efeitos no oficiante do rito. Comecemos pelo significado, mas
antes é importante que o leitor esteja familiarizado com a tripartição da alma presente
em inúmeras doutrinas Tradicionais, como no platonismo por exemplo onde Platão
compara alegoricamente a alma à uma biga, um carro de combate com um cocheiro e
dois cavalos. O cocheiro seria a primeira e mais elevada parte da alma, o intelecto
(logos) num sentido superior, ligado à cabeça, que se relaciona também com o
raciocínio e é responsável pela vontade da sabedoria. Os cavalos se dividem em dois
que impulsionam o carro, um cavalo de raça boa – thymos, paixão, ligada aos impulsos
em direção à glória e ao amor num sentido superior, ligada ao peito e aos braços – e um
de raça ruim – epithumia, apetites, ligada às vontades corpóreas e animais do homem
como comer, defecar, beber água e fazer sexo por exemplo, e está no baixo ventre e
virilha –, o trabalho do cocheiro ou intelecto é regular as vontades das paixão e do
apetite em busca da transcendência. Agora que o leitor entende o conceito da tripartição
da alma de Platão será mais fácil entender o significado do sacrifício no contexto indo-

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europeu.

Para esse conceito usarei de base o filósofo platônico Salústio em seu trabalho
“Sobre os Deuses e o Cosmos”, onde ele expõe uma série de conceitos básicos para a fé
greco-romana, e entre eles o sacrifício. Segundo Salústio o sacrifício animal simboliza o
sacrifício daquilo que há de animal no homem, portanto dos seus apetites, para que ele
possa se elevar junto aos Deuses que “recebem” o sacrifício. Daí o “Do ut des” dos
romanos, dê para que receba, o “dado” são as paixões e o “recebido” é a união com o
divino através do rito. Esse símbolo se encontra na tauromaquia de um modo geral,
como no mito de Mithras por exemplo.
Partindo dessas concepções sobre o sacrifício agora desejo estabelecer a minha
teoria da interpretação “teúrgica” do Minotauro, dessa forma Minos e Teseu configuram
como o mesmo princípio em estados diferentes, o estado do intelecto falho que deixa
um de seus cavalos desviar o caminho, e aquele que virilmente o retifica através da
iniciação, porém esse tema da iniciação e o heroísmo fica pro próximo tópico, por hora
vamos nos ater ao nascimento do Minotauro como a prevaricação surgida da queda da
alma na ilusão da identidade material animalesca. Pasífae por meio de Eros
(identificado por Platão como um daimon, portanto tendo a função catagógica, isto é, de
materialização, ou descida da alma até a matéria), se cai em paixão pelo majestoso touro
de Creta, se unindo a ele numa relação carnal proibida como já vimos. Nesse nível de
interpretação do mito, Pasífae é identificada como a alma apaixonada de Minos, seu
marido, e o touro é aqui concebido como a parte animalesca do ser humano, seus
apetites e quando Minos se nega a sacrificar o touro, a alma cai em nas ilusões dos
apetites sensoriais, gerando uma identidade monstruosa nascida de um erro, de uma
queda, num estado gigantesco, em referência aos seres de diversas culturas indo-
europeias que se caracterizam pelo consumo de carne humana e são representações
justamente do caos, servem à entropia. Dessa identidade monstruosa todo tipo de vício
encontra brecha para se manifestar, e destruir o núcleo divino presente no homem. O
esquema surge da seguinte maneira:
Logos, intelecto ou Thymos, paixões ou alma Epithumia, apetites ou
espírito corpo
Minos, Teseu Pasífae Touro de Creta

II-O Ciclo do Minotauro- o Herói


Pois bem, no post passado vimos que a uma atitude caótica pode gerar desgraças
enormes ao impiedoso. Para a desgraça lançada sobre os Reis Egeu (por ferir a xênia, lei
de hospitalidade) e Minos (por não sacrificar o boi sagrado enviado por Poseidon), um
herói surge como o tipo viril que é necessário para destruir a besta devoradora de
homens, o Minotauro.
Para começar, é interessante saber o seguinte, Teseu é filho de Egeu, portanto príncipe
de Atenas, e sua mãe é a princesa Etra, filha do Rei Piteu. O herói foi concebido no
Reino de seu avô materno, que hospedara Egeu e seguindo o oráculo, o fez deitar-se
com sua filha, embebedando-o. Egeu pediu a Etra que, se ela desse à luz um menino, só

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revelasse ao filho quem era seu pai quando ele tivesse forças para pegar a espada e as
sandálias que ele escondera sob uma enorme pedra. Depois disso devia ir em segredo
até Atenas, portando a espada de seu pai e calçando suas sandálias. Aos 16 anos Teseu
demonstrava força magnífica, levantando a pedra e resgatando a espada e as sandálias
de seu pai, informado então do fato de ser príncipe de Atenas, o jovem se encaminhou
até a terra paterna. Seu avô o aconselhou a tomar o caminho marítimo por ser mais
seguro, já que as estradas estavam cheias de ladrões e assassinos., mas o jovem prefere
tomar o caminho mais perigoso, como parte de sua jornada até seu Pai.
Em sua viagem, chegou a Epidauro, onde encontrou Perifetes, filho de Hefesto e
de Anticleia. Perifetes, assim como seu pai, era manco e usava sua clava como muleta
além de matar os peregrinos que estavam indo para Epidauro. Teseu matou-o com a sua
própria muleta/clava e guardou-a como lembrança de sua primeira vitória. Teseu passou
por várias outras batalhas, entre elas, batalhou uma vez com Sínis, gigante filho de
Poseidon, que amarrava seus inimigos em um pinheiro e os arremessava contra rochas,
envergando-os até o chão. Teseu fez o mesmo com Sínis e seguiu em frente, até à serra
de Elêusis onde encontrou Procusto. Em sua casa, ele tinha uma cama de ferro, que
tinha seu exato tamanho, para a qual convidava todos os viajantes a se deitarem. Se os
hóspedes fossem demasiados altos, ele amputava o excesso de comprimento para ajustá-
los à cama, e os que tinham pequena estatura eram esticados até atingirem o
comprimento suficiente. Uma vítima nunca se ajustava exatamente ao tamanho da cama
porque Procusto, secretamente, tinha duas camas de tamanhos diferentes. Teseu prendeu
Procusto lateralmente em sua própria cama e cortou sua cabeça e seus pés, aplicando o
mesmo suplício que infligia aos seus hóspedes.
Chegando em Atenas, foi recebido pelo povo como herói, pois seus feitos já
haviam o tornado famoso, porém seu pai não o reconhecera. Medeia a bruxa, já estava
instalada no palácio de Atena, pois havia se casado com Egeu depois de fugir de
Coríntio após o assassinato de quatro pessoas, inclusive seus dois filhos. Medeia já
sabia da identidade do herói, mas não contou ao seu marido e o convenceu de matar o
forasteiro, dizendo que este era perigoso para o reinado de Egeu. Envenenou o vinho de
Teseu em um banquete em que o herói fora convidado, porém quando o mesmo retirou
a espada da cintura para melhor conforto a mesa, Egeu reconheceu a espada e então
percebeu que ele era seu filho, impediu que ele bebesse do vinho envenenado. Medeia
mais uma vez foi expulsa de um reino, só que desta vez voltou para a Cólquida.
Teseu passa a viver junto ao seu pai em Atenas como príncipe. Seu ímpeto heroico o faz
impelir na peleja contra o Minotauro, então ele se candidata para ser levado como
sacrifício ao monstro. Combina com seu pai que caso seja vitorioso e mate a fera, iria
trocar a cor das velas do navio que levavam os jovens a Creta, de preto para branco,
como sinal da saída do estado de luto para o de paz. Ao chegar na ilha de Creta, é
recebido pelo Rei Minos, e a princesa Ariadne que se apaixona por Teseu.

Ariadne dá a Teseu uma espada e um fio, para que possa cruzar o labirinto,
matar o monstro e retornar pelo caminho indicado pelo fio. Tarefa que Teseu realiza
com mestria, encontrando o monstro e matando-o. Ao sair vitorioso leva a filha de
Minos como esposa porém, Dionísio se apaixona por Ariadne e a toma para ele, em
algumas versões aparece nos sonhos do herói e o ameaça caso não deixe a moça para

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trás. De tristeza pela perda de Ariadne, ou por euforia de ter derrotado o
Minotauro,Teseu se esquece de mudar a cor das velas do barco que o leva de volta a
Atenas, assim quando seu pai vê o navio chegando ainda com as velas negras, comete
suicídio se jogando no Mar que hoje leva seu nome, assim tornando o príncipe Teseu
em Rei Teseu.
Agora já na análise do significado do mito, eu pude encontrar dois tópicos para
discorrer, o simbolismo iniciático, e o papel de campeão do Herói. O simbolismo
iniciático é visível para o leitor de olhos mais atentos. Teseu só pode tomar sua herança,
a espada de seu pai, após passar pela prova de força, levantar a pedra que a esconde, a
espada aqui simbolizando a força viril, solar e criadora, um símbolo fálico, como na
investidura cavaleiresca da Idade Média, ritual que ecoa tradições celtas e germânicas
anteriores. Portanto, após passar pela prova de força, passa por uma série de oponentes
até herdar o Reino de seu pai Egeu, o principal deles sendo o Minotauro, criatura
destrutiva que habita um labirinto, no qual se orienta a partir de um fio de lã dado por
Ariadne, que pode simbolizar o seu destino, sendo o labirinto símbolo do interior do ser
de Teseu, onde no fim ele encontra seu negativo, sua besta interna devoradora dele
mesmo, e tem então que a dominar e massacrar. Vitorioso leva a princesa como troféu
de vitória (um dia escrevo um texto sobre o simbolismo da dama que vários heróis
conquistam ou salvam), mesmo que a perca depois, volta ao seu Reino e se torna Rei de
si. Um outro símbolo comum nos mitos gregos é o uso das armas ou características de
seus inimigos como um contragolpe, como que retirando do caos a força que possibilita
ao herói dar cabo ao seu inimigo, como a clava de Perifetes, ou a vingança exercida
contra o gigante Sínis e o assassino Procausto, fazendo lembrar Hércules e o veneno da
Hydra ou o couro do Leão de Neméia, enfim fazendo lembrar a doutrina tântrica onde
“O veneno é também o remédio” ou na própria língua grega onde Pharmakon pode
significar tanto remédio quanto veneno.
Além desse motivo de "chaoskampf" interna, é importante lembrar do caráter de
campeão que Teseu encarna, ao matar a besta gerada da desgraça ele age como um
representante do princípio superior celeste que expurga as criaturas e poderes caóticos,
como outros Deuses e heróis, como veremos em posts posteriores. Ainda na figura de
Teseu veremos a virilidade solar, contra as Amazonas representantes do matriarcado
guerreiro, raptando e engravidando a princesa Antíope das Amazonas. Em algumas
versões essa guerra contra as Amazonas é a mesma em que Hércules engaja, e consegue
o cinto de Hipólita.

Como conclusão, creio que o tema principal do Ciclo do Minotauro seja, como
em uma boa parte dos mitos indo-europeus, guerra entre a Ordem luminosa e o Caos
obscuro, guerra essa que se manifesta tanto dentro quanto fora do homem. Cabe então
ao leitor sacrificar seus touros, ou no estado de confusão em que se encontra o homem
moderno, matar o seu Minotauro.

-FIM-

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