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Números

Racionais

Parte 1

Definição e
Operações

1
2

Introdução
 A ideia intuitiva associada aos números racionais vem da
razão entre inteiros
2
 O número racional 5 , por exemplo, é a razão entre os
inteiros 2 e 5
 O termo ‘razão’, neste contexto, significa ‘divisão’ e assim,
2
= 2 : 5 = 4 : 10, que pode ser escrito como 0,4
5
 Como nos inteiros foram definidas as operações de
adição/subtração (como caso particular) e multiplicação,
supõe-se que a divisão poderia ser introduzida como a
subtração foi introduzida a partir dos inversos aditivos, mas
a inexistência de inversos multiplicativos para inteiros
diferentes de -1 e 1 inviabiliza tal abordagem
Fundamentos da Matemática IV
3

Construção dos Racionais


 Considere o conjunto ℤ × ℤ∗ = 𝑎, 𝑏 𝑎 ∈ ℤ e 𝑏 ∈
ℤ∗ } , definamos nele a relação (a,b)~(c,d)
quando ad = bc
 Teorema: A relação acima é de equivalência
 D] (exercício)
 A necessidade do cancelamento de d na
demonstração das propriedades é que nos leva a
usar ℤ∗ ao invés de ℤ
𝑎 𝑐
 ad = bc indica intuitivamente que = a
𝑏 𝑑
igualdade entre frações e a propriedade das
proporções (extremos e meios)
Fundamentos da Matemática III
4

Construção dos Racionais


 Exemplos:
 (1,2)~(2,4)~(-10,-20)~(14,28)
 (-4,1)~(8,-2)~(16,-4)
 Definição: Dado a, b ∈ ℤ × ℤ∗ , denotaremos
a
por (lê-se ‘a sobre b’) a classe de
b
equivalência do par a, b pela relação ~
definida acima
a
 = { x, y ∈ ℤ × ℤ∗ | x, y ~ a, b }
b

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Conjunto dos números


racionais
 Teorema: (Propriedade fundamental das
frações) Se (a,b)~(c,d) são elementos de ℤ × ℤ∗ ,
a c
então = , se, e somente se, ad = bc (imediato
b d
pela definição de classe)
 Definição: Chamamos de Conjunto dos Números
Racionais e denotamos por ℚ , o conjunto
quociente de ℤ × ℤ∗ pela relação de
equivalência ~, isto é
a
 ℚ = (ℤ × ℤ∗ )/~ = |a ∈ ℤ e b ∈ ℤ∗
b

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Operações em ℚ
a c
 Definição: Sejam ∈ ℚ, números racionais.
,
b d
Definimos a adição e a multiplicação,
respectivamente por:
𝐚 𝐜 𝐚𝐝+𝐛𝐜 𝐚 𝐜 𝐚𝐜
 + = ⋅ =
𝐛 𝐝 𝐛𝐝 𝐛 𝐝 𝐛𝐝
 Exercícios: 1)Resolva conforme as definições
𝟏 𝟓 𝟑 𝟏𝟓 𝟏 𝟓 𝟐 𝟏𝟎
a) + b) + c) ⋅ d) ⋅
𝟐 𝟑 𝟔 𝟗 𝟐 𝟑 𝟒 𝟔
 Observe que os resultados não dependem dos representantes
 2) Mostre que as operações em ℚ são bem definidas
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Teorema (propriedades das operações em ℚ)


O conjunto ℚ , munido das operações
definidas acima, tem as propriedades
algébricas de ℤ (comutativa, associativa e
existência do elemento neutro), onde o
0
elemento neutro aditivo é , e o
1
1
multiplicativo é . Além disso, dado um
1
a 0 c a c 1
racional ≠ , existe ∈ ℚ tal que ⋅ = , isto
b 1 d b d 1
é, todo elemento não nulo de ℚ possui
inverso multiplicativo
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Demonstrações (exercícios)
 Candidatos a inverso aditivo e inverso
a
multiplicativo de um racional :
b
a −a 0 a
 + = Notação: − (simétrico)
b b 1 b
a b 1 a −1
 ⋅ = Notação: (inverso)
b a 1 b
 Mostre que, para 𝑎, 𝑏 ∈ ℤ × ℤ∗ :
−a a a −a
 = =− =−
b −b b −b
 Tendo em vista o exercício acima, podemos
a
considerar que, para um ∈ ℚ, b será assumido
b
positivo (usado na rel. de ordem) Fundamentos da Matemática III
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Referências
 Ferreira, Jamil. A construção dos números –
3ª ed. – Rio de Janeiro: SBM, 2013.

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Números
Racionais

Parte 2

Ordem e
Enumerabilidade

1
2

Relação de Ordem em ℚ
𝑎 𝑐
 Definição: Sejam e números racionais com b,d > 0.
𝑏 𝑑
𝑎 𝑐
Escreveremos ≤ quando 𝑎𝑑 ≤ 𝑏𝑐
𝑏 𝑑
 Teorema: A relação definida acima é bem definida e
é uma Relação de Ordem em ℚ
 D] exercício
 Proposição: A Relação de Ordem dos racionais é
compatível com as operações de adição e
multiplicação definidas em ℚ, isto é, para ,,ℚ:
i. α≤β→α+γ≤β+γ
0
ii. α ≤ β e γ ≥ 1 → αγ ≤ βγ
0
iii. α ≤ β e γ ≤ 1 → αγ ≥ βγ Fundamentos da Matemática III
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Demonstração i.
 Considere para as demonstrações
𝑎 𝑐 𝑒
 𝛼= ,𝛽 = e 𝛾 = , números racionais com b,d,f > 0
𝑏 𝑑 𝑓
 i]𝛼 ≤ 𝛽 ⇒ 𝑎𝑑 ≤ 𝑏𝑐 (1)
𝑎𝑓+𝑏𝑒 𝑐𝑓+𝑑𝑒
 Sendo 𝛼 + 𝛾 = e 𝛽+𝛾 = , queremos mostrar que
𝑏𝑓 𝑑𝑓
𝑎𝑓+𝑏𝑒 𝑐𝑓+𝑑𝑒
≤ , ou seja:
𝑏𝑓 𝑑𝑓
 𝑎𝑓 + 𝑏𝑒 𝑑𝑓 ≤ 𝑐𝑓 + 𝑑𝑒 𝑏𝑓 ⇒ 𝒂𝒇𝒅𝒇 + 𝒃𝒆𝒅𝒇 ≤ 𝒄𝒇𝒃𝒇 + 𝒅𝒆𝒃𝒇 (?) (2)
 Devemos então partir de (1) e, através de manipulações
algébricas, chegar em (2), e o resultado estará demonstrado
 Siga os passos a seguir conforme as propriedades dos
números inteiros, uma vez que a,b,c,d,e,f ∈ ℤ
 Lembremos ainda que b,d,f > 0

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Demonstração i.:
Queremos chegar aqui:
continuação 𝒂𝒇𝒅𝒇 + 𝒃𝒆𝒅𝒇 ≤ 𝒄𝒇𝒃𝒇 + 𝒅𝒆𝒃𝒇

 𝑎𝑑 ≤ 𝑏𝑐 [multiplique ambos os
membros por ff, como
ff>0, a ordem é mantida]

 𝑎𝑑𝑓𝑓 ≤ 𝑏𝑐𝑓𝑓 [reordenando, obtemos...]

 𝑎𝑓𝑑𝑓 ≤ 𝑐𝑓𝑏𝑓 [adicione bedf em ambos


os membros – a ordem em
ℤ é monótona em relação
à adição, logo a ordem é
preservada]

 𝑎𝑓𝑑𝑓 + 𝑏𝑒𝑑𝑓 ≤ 𝑐𝑓𝑏𝑓 + 𝑏𝑒𝑑𝑓 [reordenando, obtemos...]

 𝒂𝒇𝒅𝒇 + 𝒃𝒆𝒅𝒇 ≤ 𝒄𝒇𝒃𝒇 + 𝒅𝒆𝒃𝒇 Fundamentos da Matemática III


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Demonstração ii.
𝑎 𝑐 𝑒
 𝛼= ,𝛽 = e 𝛾 = , números racionais com b,d,f > 0
𝑏 𝑑 𝑓
 ii]𝛼 ≤ 𝛽 ⇒ 𝑎𝑑 ≤ 𝑏𝑐 (1)
0 𝑒 0
 𝛾≥ ⇒ ≥ ⇒𝑒⋅1≥𝑓⋅0⇒𝑒 ≥0 (2)
1 𝑓 1
𝑎𝑒 𝑐𝑒 𝑎𝑒 𝑐𝑒
 Sendo 𝛼𝛾 = e 𝛽𝛾 = , queremos mostrar que ≤ , ou
𝑏𝑓 𝑑𝑓 𝑏𝑓 𝑑𝑓
seja:
 𝑎𝑒 𝑑𝑓 ≤ 𝑐𝑒 𝑏𝑓 (?) (3)
 Partindo de (1), multipliquemos por 𝑒𝑓 ambos os membros
 Como 𝑒 ≥ 0 (2) e 𝑓 > 0 (Hipótese), 𝑒𝑓 ≥ 0 e a ordem é
preservada, pela monotonicidade em ℤ. Assim, temos
 𝑎𝑑𝑒𝑓 ≤ 𝑏𝑐𝑒𝑓 e reordenando, obtemos (3)
 𝑎𝑒 𝑑𝑓 ≤ 𝑐𝑒 𝑏𝑓 
 A demonstração do item iii. é exercício!
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Lei da Tricotomia
 Teorema: Dados r,s números racionais, uma, e
apenas uma, das situações seguintes ocorre:
a) r=s b) r < s c) r > s
a c
 D] Sejam r = es= , com b,d > 0. Comparemos
b d
os inteiros ad e bc:
 Pela Lei da Tricotomia válida em ℤ, temos:
i. Ou ad = bc  r = s → item a)
ii. Ou ad < bc  r < s → item b)
iii. Ou ad > bc  r > s → item c)
 E cada opção exclui as outras duas 
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Imersão de ℤ em ℚ
 Teorema: A função 𝑖: ℤ → ℚ, definida
𝑛
por 𝑖 𝑛 = é uma imersão algébrica
1
de ℤ em ℚ, isto é:
i. 𝑖 é injetora
ii. 𝑖 𝑚 + 𝑛 = 𝑖 𝑚 + 𝑖(𝑛)
iii. 𝑖 𝑚𝑛 = 𝑖 𝑚 ⋅ 𝑖(𝑛)
iv. 𝑚 ≤ 𝑛 ⇒ 𝑖 𝑚 ≤ 𝑖 𝑛

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Demonstração
𝑚 𝑛
i] Suponha 𝑖 𝑚 = 𝑖(𝑛), assim temos =
1 1
Pela def. de ℚ temos 𝑚. 1 = 1. 𝑛 ⇒ 𝑚 = 𝑛 (𝑖 injetora)
𝑚 𝑛 𝑚⋅1+1⋅𝑛 𝑚+𝑛
ii] 𝑖 𝑚) + 𝑖(𝑛 = + = = = 𝑖(𝑚 + 𝑛)
1 1 1⋅1 1
𝑚 𝑛 𝑚⋅𝑛 𝑚𝑛
iii] 𝑖 𝑚) ⋅ 𝑖(𝑛 = ⋅ = = = 𝑖(𝑚𝑛)
1 1 1⋅1 1
iv] Seja 𝑚 ≤ 𝑛, queremos mostrar que 𝑖 𝑚 ≤ 𝑖(𝑛) (?)
 Sabemos que 𝑚 = 𝑚 ⋅ 1 e 𝑛 = 𝑛 ⋅ 1 e, usando a
hipótese:
𝑚 𝑛
 𝑚 ⋅ 1 ≤ 𝑛 ⋅ 1 ⇒ 𝑑𝑒𝑓. 𝑅. 𝑑𝑒 𝑂𝑟𝑑𝑒𝑚 ⇒ ≤ ⇒ 𝑖 𝑚 ≤ 𝑖(𝑛)
1 1

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Enumerabilidade de ℚ
 Com a imersão de ℤ em ℚ, já podemos afirmar, pela
definição de conjunto infinito, que ℚ é infinito
 Pois ℚ contém uma cópia algébrica de ℤ, que contém
uma cópia algébrica de ℕ
 Os próximos resultados levarão ao fato que ℚ é
enumerável
 Proposição: Sejam X um subconjunto de um universo
U e An , n ∈ ℕ , uma família de subconjuntos de U,
então
 X\(⋃n∈ℕ An ) = ⋂n∈ℕ (X\An ) e
 X\(⋂n∈ℕ An ) = ⋃n∈ℕ (X\An )
 D] exercício Fundamentos da Matemática III
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Lema
 Todo subconjunto infinito de IN é enumerável
 D] Seja X um subconjunto infinito de IN e 𝑥0 seu menor
elemento (existência garantida pelo PBO)
 Como X é infinito, o conjunto 𝑌𝑜 = 𝑋\{𝑥0 } é não vazio
 Considere agora 𝑥1 o menor elemento de 𝑌0
 Assim obtemos 𝑥0 , 𝑥1 , 𝑥2 , … , 𝑥𝑛 (𝑛 ∈ IN) da mesma forma acima,
e 𝑥𝑛+1 como sendo o menor elemento de 𝑌𝑛 =
𝑋\{𝑥0 , 𝑥1 , 𝑥2 , … , 𝑥𝑛 }, que ainda existe, pois 𝑌𝑛 é não vazio para
todo n natural, caso contrário, X seria finito
 Afirmamos que
 𝑋 = 𝑥0 , 𝑥1 , 𝑥2 , … , 𝑥𝑛 = 𝑥0 ∪ x0 , 𝑥1 ∪ 𝑥0 , 𝑥1 , 𝑥2 ∪ ⋯ = ⋃𝑛∈IN 𝐴𝑛
 Onde 𝐴𝑛 = 𝑥0 , 𝑥1 , 𝑥2 , … , 𝑥𝑛
 Pela Proposição anterior, temos
 𝑋\ ⋃𝑛∈𝐼𝑁 𝐴𝑛 = ⋂𝑛∈𝐼𝑁 𝑋\A𝑛 = ⋂𝑛∈𝐼𝑁 𝑌𝑛
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Lema – demonstração (cont.)


 Assim, se existisse 𝑥 ∈ X\ ⋃𝑛∈𝐼𝑁 A𝑛 , esse 𝑥
também seria elemento de ⋂𝑛∈𝐼𝑁 𝑌𝑛 e, como
tal, deveria ser maior do que 𝑥0 , por estar
em 𝑌0 , deveria ser maior do que 𝑥1 (que é
maior do que 𝑥0 ), por estar em 𝑌1 , e assim
sucessivamente, 𝑥 deveria ser maior do que
𝑥𝑛 , para todo 𝑛 ∈ 𝐼𝑁
 Desta forma, o conjunto infinito 𝑋 =
𝑥0 , 𝑥1 , 𝑥2 , … , 𝑥𝑛 , … estaria contido no
conjunto finito 𝐼𝑥 = 1,2,3, … , 𝑥 e seria
portanto finito, uma contradição 
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Enumerabilidade de ℚ
 A seguir vamos apenas enunciar os resultados
que levam à conclusão que ℚ é enumerável
 Os argumentos abaixo levam em conta o
Teorema Fundamental da Aritmética (que será
visto em Álgebra I) que diz que todo natural
maior do que 1 pode ser escrito como produto
de fatores primos e essa fatoração é única
𝑎
 Lema: Todo racional positivo , (𝑎, 𝑏 > 0), pode
𝑏
ser escrito, de modo único, como uma fração
𝑚
irredutível, isto é, na forma , onde m e n são
𝑛
primos entre si Fundamentos da Matemática III
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Enumerabilidade de ℚ
 Proposição: ℚ∗+ é enumerável
 A demonstração usa a função 𝑓: ℚ∗+ → 𝐼𝑁 dada
𝑚
por 𝑓 𝑛 = 2𝑚 ⋅ 3𝑛
𝑚
 Pelo Lema anterior podemos tomar 𝑛 irredutível
(para 𝑓 ser bem definida)
 O Teorema Fundamental da Aritmética garante
que 𝑓 é injetora
 ℚ∗+ é enumerável então porque tem como
imagem por uma função injetora um
subconjunto de IN
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Enumerabilidade de ℚ
 Prop. (análoga à anterior): ℚ∗− é enumerável
 Proposição: A união de conjuntos enumeráveis é
enumerável
 Proposição: A união de um conjunto finito com
um conjunto enumerável é enumerável
 Teorema: ℚ é enumerável
 D] Basta escrever ℚ como
 ℚ = ℚ∗− ∪ 0 ∪ ℚ∗+
 E aplicar os resultados 

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Referências
 Ferreira, Jamil. A construção dos números –
3ª ed. – Rio de Janeiro: SBM, 2013.

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