Você está na página 1de 53

Trabalho de Conclusão de Curso

PÓS-GRADUAÇÃO
EM EDUCAÇÃO
TRANSFORMADORA:
PEDAGOGIA,
FUNDAMENTOS
E PRÁTICAS

EDUCANDA: Valéria Viana Labrea


ORIENTADOR: Prof. Dr. Cristiano
Hamann
SUMÁRIO

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ..........................................................................................................................4

1.1 Lugar de fala ......................................................................................................................................6


1.2 Educação para as Relações Étnico-Raciais ......................................................................................... 10

2. REFERÊNCIAL TEÓRICO ..............................................................................................................17

2.1 Os estudos decoloniais: o ponto de partida ...................................................................................... 17


2.2 Pedagogias decoloniais: pontos de derivas ....................................................................................... 24

3. METODOLOGIA ....................................................................................................................26

3.1 A Cartografia Subjetiva .................................................................................................................... 26

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES ......................................................................................................30

4.1 A pedagogia da roda: nada sobre nós sem nós .................................................................................. 31


4.2 As vivências: em busca do buen vivir ................................................................................................ 35
4.3 Os processos de desformação: é preciso uma comunidade inteira para educar uma criança .............. 37
4.4 A encruzilhada onde se encontram os PCT, a ERER e as pedagogias decoloniais ................................. 39

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................45

5.1 Início, meio, início ............................................................................................................................ 45

6. REFERÊNCIAS ............................................................................................................................47

02
Ago Ye Mojuba

Peço licença a todas, todos e todes, aos mais novos e aos mais velhos, às Yás do kilombo de Mãe Preta e Seu
Sete, Yashodhan, Yamoro, Yabacê, Baogan, Opá Tenode, à Kota Mulanji, Tata Edson, Pai Jorge, Mãe Rita (in
memorian), Mãe Adriana, Pai Odessi, Mestra Catarina Ribeiro, Mestre Caimbé, Mestre Sabá, Seu Zé da Viola
(in memorian), às minhas colegas educadoras Rumi Kubo, Gabriela Coelho, Ray Rodrigues, Cris Andrade, às
Quilombelas, ao Alan Brito, às bolsistas Camila, Kinberlyn, Júlia, Pedro, Silvânia, Débora, Jéssica, Gustavo,
Bruna, Cynthia, Patrícia, Andréia e Amanda, para que meu axé de escrita e leitura honre suas trajetórias e os
aprendizados que trouxeram para este TCC. Criar, em plena pandemia planetária de COVD, pela internet, um
lugar de acolhimento, respeito e múltiplas aprendizagens, em roda, todas juntas, para reinventar a tradição e nos
reeducarmos coletivamente, foi um prazer e um privilégio. Que possamos em breve nos reencontrar e nos
abraçar, como se deve.

Ago

03
A PEDAGOGIA DA RODA: encontro de saberes para uma
educação decolonial voltada para as relações étnicas-raciais

RESUMO: Este estudo descreve estratégias educativas produzidas nos projetos de


pesquisa e extensão universitárias desenvolvidos com os povos e comunidades
tradicionais que se traduz em uma pedagogia da roda que tem na oralidade, na hierarquia
circular, as vivências e na desformação as principais aprendizagens. Para isso, por meio
de uma cartografia subjetiva descrevo brevemente a política educacional Educação para
as Relações Étnicas-Raciais, o decolonialismo e as pedagogias decoloniais. Como
resultado deste estudo relaciono a ERER, a pedagogia da roda e as pedagogias
decoloniais como projetos interculturais que podem reorganizar os currículos para que
incluam uma educação voltada aos direitos humanos e uma educação antirracista.

PALAVRAS-CHAVE: Educação para as Relações Étnicas-Raciais. Extensão


universitária. Formação docente. Pedagogia Decolonial. Políticas de Currículo.

1. INTRODUÇÃO

Laroyê Bará
Abra o caminho dos passos
Abra o caminho do olhar
Abra caminho tranquilo para eu passar
Laroyê Eleguá
Tomba o mal de joelhos
só levantando o Ogó
Dobra a for ça dos braços que eu vou só
Laroyê Legbá
Guarda Ilê, Onã, Orum
Coba xir ê deste funfum
Cuida de mim que eu vou pra te saudar!
Douglas Germano - Pade Onã

Este estudo descreve uma trajetória educativa que se traduz em uma pedagogia da roda, na
qual o encontro, a oralidade, as vivências e a desformação foram as principais aprendizagens junto
aos Povos e Comunidades Tradicionais (PCT) de Matriz Africana com os quais realizei atividades de
pesquisa e extensão universitárias. O PCT são, conforme o Decreto 6040/2007, "grupos culturalmente
diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social,
que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social,
religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e

04
transmitidos pela tradição" (BRASIL, 2007).
Entre os PCT estão os povos indígenas, as comunidades quilombolas, os povos tradicionais de
matriz africana ou de terreiro, os extrativistas, os caiçaras, os jangadeiros, os seringueiros, os
ribeirinhos, os caboclos, os pescadores artesanais, os pomeranos e neste estudo priorizo os povos e
comunidades de brasileiros afrodescendentes. Estes povos "resistem no sistema governamental e
mantém a sua língua, seu sistema alimentar, sua forma de organização política e social, que tem a
natureza como divindade" (K.M, roda de conversa, SSAN POTMA, 12.03.21).
Este estudo descreve os encontros com as comunidades kilombolas, os povos tradicionais de
matriz africana, os povos de terreiro, homens e mulheres negras urbanas que seguem as tradições,
que integram os PCT, e os diálogos que se instauram na universidade a partir da presença de
lideranças, mestras1, educadoras que participaram em diferentes atividades de ensino, pesquisa e
extensão, no período de 2015 a 2021, a fim de destacar algumas aprendizagens, sintetizadas na
pedagogia da roda, ainda em construção.
Essas aprendizagens permitem pensar estratégias pedagógicas para incorporar a história e a
cultura afro-brasileira e africana, como preconiza, desde 2003, a Educação para as Relações Étnicas-
Raciais2 (ERER) nos currículos da Educação Básica e, por consequência, nos cursos de graduação
do Ensino Superior, em particular, os cursos de licenciatura que formam as futuros professoras. Nesse
sentido, se busca subsídios para dialogar com as políticas de currículo e suas principais diretrizes, em
uma perspectiva crítica e decolonial, a fim de contribuir para uma proposta de formação de professoras
que contemple, pelo menos em parte, a diversidade sociocultural do país.
Entendo que as experiências sociais e os conhecimentos produzidos nos encontros com os
PCT mostram que o Brasil é constituído de diversas culturas, que há diferentes formas de existência
e de resistência a uma padronização secular eurocentrada hegemônica - que detém o controle
econômico, político social e cultural e por isso seleciona os conhecimentos e valores que a sociedade
deve ou não aprender na escola. A cosmovisão eurocêntrica - masculina, heterossexual, branca -
historicamente exclui ou torna irrelevantes e marginais os conhecimentos, a cosmovisão e a cultura
dos povos negros (e povos indígenas).
Defendo, junto com muitas outras pesquisadoras e militantes de uma educação que prepare
para as relações étnicas-raciais, que essa multidiversidade que compõe a nossa sociedade deve estar
presente no currículo escolar e que sua exclusão fortalece e perpetua a desigualdade, o preconceito
e o racismo. O reconhecimento de que há outras formas legitimas de produção de conhecimento, que

1Nesse estudo utilizo como referência o feminino universal.


2 A ERER, desde de a Lei 11645/2008, inclui também os indígenas. Minha trajetória educativa me levou a conhecer e
desenvolver atividades de ensino, pesquisa e extensão em aldeias e escolas indígenas, mas elas não serão o mote desse
artigo porque como se têm diretrizes curriculares nacionais distintas para esses dois povos, bem como políticas educacionais
específicas para cada um deles, optei por focar nas aprendizagens com os povos afro-brasileiros.

05
o colonialismo oculta, está no cerne do pensamento decolonial, que apresentarei mais adiante.

1.1 Lugar de fala


Deus é uma mulher preta
E por natureza sei que vou sobreviver
Deus é uma mulher preta
Benção minha m ãe para lutar e escreviver
A morte meu país genocida reservou pra mim
Porém minha alma não é uma semente daqui
É semente da mente de Deus é de lá de onde eu vim
Rainhas de ontem e hoje florescem em mim
A morte atravessa os sonhos de pretos aqui
Encaro e grito pro Estado não saio daqui
Minha mãe me abençoe e d ê forças pra eu prosseguir
Seus olhos d’agua refletem a força que moram em mim
Jéssica da Silva Gasp ar

Desde 2015, promovo, junto com colegas docentes e educandas, encontros com lideranças,
mestras dos PCT, através da minha atuação como docente, pesquisadora e extensionista da área de
Políticas e Gestão da Educação, da Faculdade de Educação (FACED), principalmente no Curso de
Licenciatura em Educação do Campo - Ciências da Natureza (EduCampo) e este artigo tratará de
algumas aprendizagens nesta trajetória educativa.
Mas meu caminho cruzou com os povos tradicionais e originários ainda na graduação, no final
dos anos 1990, ao participar de atividades extensionistas em assentamentos de reforma agrária,
aldeias e kilombos3 urbanos e rurais. Mais tarde, ao coordenar o I e II FórumZINHO Social Mundial,
em 2002 e 2003, respectivamente, no âmbito do Fórum Social Mundial e do Fórum Mundial de
Educação, novamente os encontrei, quando nos juntamos nesse movimento em rede novomundista
que defendia um outro mundo possível.
Nessa rede também foi onde conheci e comecei a estudar os principais expoentes da Escola
de Coimbra que promovem estudos sobre as Epistemologias do Sul, propostas por Boaventura de
Sousa Santos, em uma perspectiva pós-colonial, e alguns teóricos decoloniais, oriundos do grupo de
pesquisadores da perspectiva teórica “Modernidade/Colonialidade” (MC), cujos principais expoentes
são o filósofo argentino Enrique Dussel, o sociólogo peruano Aníbal Quijano, o semiólogo e teórico
cultural argentino-norteamericano Walter Mignolo, o sociólogo porto-riquenho Ramón Grosfoguel, a
linguista norte-americana radicada no Equador Catherine Walsh, o filósofo porto-riquenho Nelson

3 Desde 2017, junto com o Coletivo de Pesquisadoras e Pesquisadores Kilombolas OKARAN, optamos pela grafia de kilombo,
kilombola com k, pois entendemos que ao renomear, tentando capturar um outro sentido, ligado à etimologia da palavra,
optamos por ressignificar politicamente estes termo, antes associados historicamente a processos de colonização e ao
capitalismo e, agora, redefinidos, falam da experiência social desses territórios tradicionais que o estado brasileiro denomina
quilombo. Entendemos que kilombo, grafado com q é uma adaptação do colonizador ao termo africano e a usaremos sempre
que citarmos textos de outros autores que foram grafados desse modo. Mas para designar os territórios kilombolas e os
sujeitos que os ocupam e falar de suas práticas, processos educativos e de sustentabilidade, iremos grafar kilombo com k
a fim de afirmar que estamos em uma disputa que é politica e linguística, para que se recupere o sentido africano da palavra
( LABREA, KIEKOW; DORNELLES, 2019, p.109).

06
Maldonado-Torres, o antropólogo colombiano Arturo Escobar, dentre outros.
Mais tarde, já como consultora da Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciências e a Cultura (UNESCO), atuando em diversos ministérios e instituições do governo federal -
meio ambiente, educação, cultura, secretaria geral da presidência da república e IPEA - ao longo de
12 anos (2003 a 2015), tive a oportunidade de aprofundar o diálogo com os PCT, principalmente
através da elaboração, acompanhamento e avaliação das políticas ambientais, educacionais, culturais
e de juventude voltadas para o reconhecimento dos direitos dos povos originários e afrodescendentes.
Para isso, ajustei minha formação acadêmica4 e profissional para cursos que me dessem subsídios
para entender e refletir criticamente sobre as lutas e demandas dessas populações, em particular, suas
práticas culturais e educacionais.
Foi justamente essa experiência diferenciada que me permitiu ser selecionada para docência
na FACED e atuar junto à EduCampo e demais licenciaturas, dialogando com diferentes populações.
Entre elas, em particular, "as agricultoras familiares, os pescadores artesanais, as assentadas e
acampadas da reforma agrária, as trabalhadoras assalariadas rurais, as kilombolas, os povos da
floresta, os caboclos e os indígenas" foram protagonistas dos meus projetos de pesquisa e extensão
universitárias, que propuseram rodas de prosa, seminários, aulas abertas, eventos culturais e visitas
às comunidades.
Não é minha intenção neste estudo descrever cada uma dessas ações, visto que já constam
de outras publicações e de relatórios de pesquisa, documentos públicos que mapeiam essa trajetória
educativa. Gostaria, no entanto, de focar em algumas atividades, que descrevo a seguir, pois dialogam
com as políticas de currículo, em particular a ERER, pois eles explicitam meu lugar de fala (RIBEIRO,
2017).
Entre 2017 e 2021, foi organizado pelo Coletivo de Pesquisadoras e Pesquisadores Kilombolas
OKARAN, o projeto de pesquisa e extensão universitárias Pedagogia do Encantamento e Economia
do Afeto: Cartografia Subjetiva em Território Feminino Kilombola com os objetivos: descrever e analisar
as vivências no Território Kilombola Morada da Paz (CoMPaz), junto com a comunidade, considerando
as estratégias de sustentabilidade do território, especificamente a Ekonomia Afetiva; refletir as práticas
e os saberes que caracterizam a Pedagogia do Encantamento e as categorias que a compõe, junto
com a comunidade e elaborar junto com a comunidade uma metodologia kilombola para registro e
memória das narrativas que contém os saberes e os fazeres da CoMPaz e de outras comunidades.

4 Sou doutora em Educação (Educação do Campo e Ecologia Humana) pela Universidade de Brasília (2014), mestre em
Educação e Gestão Ambiental pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (2009), especialista
em Epistemologías del Sur pela Clacso e Universidade de Coimbra (2020), especialista em Gestão Cultural pela Fundação
Itaú Cultural e Universidade de Girona (2012), especialista em Educação Ambiental pelo SENAC (2007), graduada em Letras
- licenciatura plena em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2000). Atualmente finalizo a
especialização em Educação Transformadora: Pedagogias, Fundamentos e Práticas pela PUC/RS e organizo meu projeto
de pós-doc no Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRS).

07
Ao longo do projeto contamos com dez pesquisadoras, 2 ligadas à universidade, oito kilombolas
e produzimos artigos e um livro5. A ideia desse projeto foi inserir as kilombolas como pesquisadoras,
produtoras de conhecimento sobre as práticas vivenciadas no kilombo. Neste estudo, do kilombo trago
as vozes de Baogan, Yashodhan, Yabace, Yamoro, Mãe Preta através dos textos que produzimos a
partir das rodas de conversa na comunidade, entre 2017 e 2020.
Em 2021 desenvolvi duas novas atividades de extensão. A primeira resulta de uma parceria
com docentes do Centro Interdisciplinar Sociedade, Ambiente e Desenvolvimento (CISADE), a
coordenação do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros, Indígenas e Africanos (NEAB) da UFRGS e
lideranças do Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz
Africana (FONSANPOTMA) para a criação do curso de extensão online Soberania, Segurança
Alimentar e Nutricional: o Sistema Alimentar dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (SSAN
POTMA). A construção do curso envolve quatro docentes da universidade, cerca de 15 bolsistas de
graduação e pós-graduação e vários integrantes da coordenação do FONSANPOTMA.
A fim de dialogar com os POTMA, organizamos o curso através de Rodas de Conversas,
quinzenais, realizadas ao longo de 2021, com diferentes protagonistas da sociedade civil, dos povos
de terreiro, POTMA, pesquisadores. As Rodas trouxeram muitos ensinamentos e aprendizagens e
recorto algumas narrativas que dialogam com o objetivo deste estudo, pois essas vozes conduzem a
reflexão. As interlocutoras serão identificadas por uma inicial, para distinguir a fala de um e de outra,
e suas identidades serão preservadas.
A segunda atividade de extensão se chama Conexão norte-sul: rede de sustentabilidades das
tradições populares e surge da parceria com a rede de gestores e produtores culturais, brincantes,
artistas, pesquisadores e mestres e mestras da cultura popular de Roraima, que conheci quando ainda
era ligada ao Ministério da Cultura, entre 2009 e 2012, e com quem desenvolvo projetos desde então.
Os objetivos desta atividade são: desenvolver e sistematizar formas de registros a partir de
metodologia vivencial baseada na oralidade e nas narrativas; mapear por meio oral, audiovisual e
textual as histórias e memórias dos grupos de culturas populares e tradicionais; sistematizar e analisar
os resultados deste mapeamento a partir das diretrizes da Educação para as Relações Étnicas-raciais;
da Educação do Campo e da Educação Kilombola e da pedagogia decolonial em uma perspectiva de
interculturalidade crítica; organizar e publicar as narrativas e memórias geradas pela rede, entendidas

5 LABREA, Valéria Viana; KIEKOW, Pedro Eduardo; DORNELLES, Denise Freitas. Cartografia subjetiva em território feminino
kilombola: em busca da utopia do bem viver in: Cadernos do Lepaarq, v. XVi, n.31., p. 107-120, Jan-Jun. 2019.
OKARAN (org.). Um jeito de ser e viver no kilombo de Mãe Preta. São Leopoldo, Casa Leiria, 2020.
LABREA, Valéria Viana; DORNELLES, Denise Freitas; KIEKOW, Pedro Eduardo. Cartografias da EduCampo: alternância,
trabalho e estratégias para conter a evasão in: RTPS – Rev. Trabalho, Política e Sociedade, Vol. III, no 04, p. 151-170, jan.-
jun./2018.
LABREA, V. V.; REIS, D. R. S. Quando rezo é canto, quando canto é rezo: trajetória educativa de um Coletivo de Cantantes
e Brincantes na Educação do Campo Kilombola. Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 6, e9057, 2021.

08
como material pedagógico para trabalhar em espaços educativos a história e a culturas afrobrasileira,
africana e indígena. Trago para esse trabalho as vozes de Mestras da Cultura Popular, reunidas nas
Rodas de Prosa, realizadas em 2021. Essas vozes serão identificados por uma inicial, para distinguir
a fala de um e de outra, e suas identidades serão preservadas.
As atividades de pesquisa e extensão desenvolvidas nesses projetos, me deram subsídios para
descrever e refletir sobre os processos educativos que giram em torno de três ideias-forças que, de
modos diferentes, interpenetram os encontros com os PCT: a oralidade e a roda, a vivência e a
desformação como modo de ensinar e aprender a viver nesses territórios. Essas ideias-forças ou
categorias apontam para outras epistemologias, decoloniais e antirracistas e que, se fossem
incorporadas às políticas curriculares, poderiam criar deslocamentos importantes nos modos como
vemos a presença dos povos negros na nossa sociedade, como preconiza a ERER.
Minha trajetória acadêmica e profissional convergem para o pós-colonialismo e o
decolonialismo e ainda transito entre essas duas abordagens do colonialismo e embora inicialmente
tenha estudado mais os autores europeus ou afro-diaspóricos, atualmente tendo mais para a literatura
latino-americana hispano-hablante e brasileira porque cada vez menos consigo olhar para nossas
vivências e achar explicações e teorização fora de nossa literatura. Neste estudo procuro fazer uma
breve síntese do decolonialismo e das pedagogias decoloniais como ponto de partida para se pensar
a política educacional voltada para reparações e ações afirmativas, em particular a ERER.
Tanto no pós e decolonialismo, vários de seus autores falam das margens que ocupamos ao
longo do processo de colonização e, mesmo após sua aparente derrocada, permanecem porque se
manteve praticamente intocado seu modo de produção, capitalista, suas formas de reprodução social
e seu projeto epistemológico tornado hegemônico desde o século XVI.
Eu não me entendo nas margens, mas no centro de uma outra história, que disputa um lugar a
fim de validar e tornar conhecida sua própria episteme e com isso ampliar e visibilizar os diferentes
conhecimentos que são produzidos na sociedade brasileira, onde a maioria da população é tomada
como minoria e tem sua história, cultura, ética e estética tornada irrelevante nas tomadas de decisões
políticas e econômicas.
Essa outra história está sendo forjada dentro dos movimentos sociais - movimento negro,
movimento dos sem-terra, movimento pelos direitos humanos, ambientais, igualdade de gênero e
racial, entre outros - que pautam um outro mundo possível. Parte dos intelectuais e da universidade
são historicamente parceiros dos movimentos sociais e legitimam suas lutas e as ampliam para o
restante da sociedade e é este o meu lugar de fala (RIBEIRO, 2017), de parceira desses movimentos,
onde discuto, a partir dos saberes que me constituem, esses novos efeitos de sentido e como podem
afetar e mesmo transformar as políticas curriculares, mote das minhas pesquisas atuais.
Antes de descrever o método, as principais referências e os resultados dessa pesquisa, foco

09
nas características da ERER, pois o estudo dos marcos normativos que a compõe foi o ponto de partida
para as leituras que se sucedem.

1.2 Educação para as Relações Étnico-Raciais

O que precisa ser mudada não é a imagem dos negros, mas a imagem negativa que a sociedade criou e fomenta
como se fosse própria deles. Uma imagem que muitos br asileiros, que pretendem manter privilégios e direitos
para si próprios e seus grupos originários, cultivam, tenta ndo fazer com que todos partilhem do ideal de fazer do
Brasil uma nação monocultural, de raiz predominantemente europeia.

Petronilha Gonçalves

O governo do Brasil, desde o período colonial até a Constituição de 1988, trabalhou ativamente
para naturalizar o racismo, o preconceito e a exclusão racial e afastar os afrodescendentes dos
processos de escolarização, como podemos perceber, por exemplo, no Decreto 1.331, de 17 de
fevereiro de 1854, que estabeleceu que nas escolas públicas do país não seriam admitidos escravos
e a previsão de instrução para adultos negros dependia da disponibilidade de professores.
O Decreto 7.031-A, de 6 de setembro de 1878, fixava que os negros6 só poderiam estudar no
período noturno (BRASIL, 2004b, p.7). Esses decretos estão na gênese das políticas educacionais e
ela iniciam justamente retirando o direito à educação dos afro-brasileiros. Pode-se perceber que o fim
da escravidão não representou garantia de acesso aos direitos sociais para toda população
afrodescendente.
Houve uma brutal ideologia de branqueamento, no pós-abolição, que atuava "pela eliminação
simbólica e material da presença dos negros" (BRASIL, 2004c, p.7) na constituição da sociedade.
Muitas pessoas negras foram "influenciadas pela ideologia do branqueamento e, assim, reproduziram
o preconceito do qual foram vítimas. O racismo imprimiu marcas negativas na subjetividade dos negros
e também na dos que os discriminaram" (idem).
A desigualdade no acesso a direitos entre as populações descendentes de europeus e de
africanos estrutura nossa sociedade e se reflete nas condições sociais, econômicas, culturais,
cognitivas e de acesso a direitos totalmente distintas entre esses povos. No Brasil a desigualdade está
intrinsecamente associada às questões de classe, de gênero e de raça, sendo que, na minha leitura,
a questão racial determina a condição social.
Os pobres no Brasil, em geral, não são pessoas que por acaso são negras, os pobres são os
negros, este é o lugar determinando para eles em nossa sociedade desde os tempos em que foram

6 Os negros no Brasil são as pessoas classificadas como pretas e pardas nos censos demográficos realizados pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os dados estatísticos justificam agregar pretos e pardos para formar o grupo
racial negro, visto que a situação destes grupos raciais é bem semelhante, e bem distante ou desigual quando comparada
com a situação do grupo racial branco (SANTOS, 2002, p.13).

010
escravizados. Os dados mostram isso7.
Somente na segunda metade do século XX, com os processos de descolonização e
independência dos países até então colonizados pela Europa, o questionamento do capitalismo e do
consumo como único modo de viver e produzir, os direitos humanos e sociais aos poucos conquistados
pela luta constante dos movimentos sociais, a globalização, a crise ambiental que reflete uma crise
societária, que esse lugar foi interpelado e contestado.

Impulsiona-se esta política a partir das demandas nacionais e internacionais para o


combate ao racismo, xenofobia e todas os preconceitos e intolerâncias que geram
violências na sociedade e atingem também os espaços de educação (escolar ou
superior). Estas demandas levantadas historicamente pelos públicos-vítimas (negros,
mulheres, ciganos, indígenas, homossexuais, entre outros), com destaque para os
movimentos de libertação, emancipação e reconhecimento do Movimento Negro a
partir principalmente dos levantes e organização de Zumbi dos Palmares e Ganga
Zumba no Brasil do século dezessete até o ano 2001 quando aconteceu a Conferência
Internacional de Durban na África do Sul onde o governo brasileiro torna-se signatário
de uma Declaração com diversos compromissos a implementar (CARTH, 2018).

A Constituição Federal em seus artigos 215 e 242 reconhece a pluralidade étnica-racial da


sociedade brasileira e o direito a um ensino que contemplasse a história e a cultura das diferentes
etnias na formação do povo brasileiro e assim questionasse o mito da democracia racial. Vemos assim
que o Brasil acompanhou essa tendência, pelo menos no plano formal, na adesão a tratados e
compromissos bilaterais que o sistema ONU, FMI, Banco Mundial impõem aos países signatários e
em desenvolvimento mas, e houve uma série de políticas públicas reparativas, como o Bolsa Família 8,
o Estatuto da Igualdade Racial9, as cotas raciais10 e sociais para acesso nas universidades, o Programa
Universidade para Todos11, as diretrizes para Educação Quilombola e ERER, e outras iniciativas em
nível federal, estadual e municipal.
As leis 10.639/2003 e 11645/2008 estabeleceram a obrigatoriedade do ensino da história e

7 Ver, por exemplo: BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Censo Escolar.
Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/web/guest/censo-escolar>
BRASIL. PNAD 2019. Brasília, IBGE, 2020. Disponível em: https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-
brasil/populacao/18314-trabalho-e-rendimento.html
OXFAM. País estagnado 2018 Disponível em: https://www.oxfam.org.br/um-retrato-das-desigualdades-brasileiras/pais-
estagnado/?_ga=2.42248869.1606145702.1598287323-497367253.1598287323
OXFAM. A distância que nos une, 2019 Disponível em: https://www.oxfam.org.br/um-retrato-das-desigualdades-
brasileiras/a-distancia-que-nos-une/?_ga=2.79529876.1606145702.1598287323-497367253.1598287323
8
A importância dos benefícios do Bolsa Família sobre a renda das famílias negras é significativamente maior do que para as
famílias brancas. Entre os afrodescendentes, o programa representa 23,1% da renda da família. Para os brancos, 21,6%.
Além disso, a proporção de famílias cujo chefe é preto ou pardo beneficiadas pelo programa – 24% do total de famílias deste
grupo no país – é quase três vezes maior do que a das unidades familiares brancas (9,8%) (THEODORO et. al, 2009).
9 Instituído pela Lei 12288/2010, foi seguido pela criação do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir),

em 2013.
10 A institucionalização dos sistemas de cotas para estudantes negros em universidades públicas e concursos públicos foi

realizada por meio da Lei nº 12.711, de agosto de 2012, a Lei de Cotas.


11 O Programa Universidade para Todos (Prouni) é um programa do Governo Federal do Brasil criado com o objetivo de

conceder bolsas de estudo integrais e parciais em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em
instituições privadas de ensino superior. Foi instituído pela Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005.

011
cultura afro-brasileira e indígena em todas as etapas da educação básica (BRASIL, 2003; 2008):

O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da


história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir
desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a
luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira
e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas
contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.
Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas
brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas
áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras (BRASIL, 2008).

Em 2004, o Ministério da Educação (MEC), através do Conselho Nacional de Educação (CNE),


instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a Educação para as Relações Étnico-Raciais
e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana12 (BRASIL, 2004b) que buscam
normatizar e orientar a formulação de projetos empenhados "na valorização da história e cultura dos
afro-brasileiros e dos africanos, assim como comprometidos com a educação de relações étnico-raciais
positivas" (BRASIL, 2004b, p.9). A ERER é uma ação afirmativa, voltada para a "aprendizagens entre
brancos e negros, trocas de conhecimentos, quebra de desconfianças, projeto conjunto para
construção de uma sociedade justa, igual, equânime" (BRASIL, 2004c, p.6).

A referida determinação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação visa, educar a todos


os brasileiros e brasileiras para que conheçam, respeitem e valorizem uma das raízes
fundadoras de sua cultura e nacionalidade, a africana. O que precisa ser mudada não
é a imagem dos negros, mas a imagem negativa que a sociedade criou e fomenta como
se fosse própria deles. (...) Os sistemas de ensino e as escolas de diferentes níveis da
educação – infantil ao superior – são espaços necessários e competentes para
combater o racismo e discriminações, assegurando, conforme consta do Parecer
CNE/CP3/2004, “o direito à igualdade de condições de vida e cidadania”, assim como
garantindo “igual direito às histórias e culturas que compõem a nação brasileira, além
do direito de acesso à diferentes fontes da cultura nacional a todos os brasileiros”
(SILVA, 2012)

O Parecer no. 03/2004 (BRASIL, 2004c) antecede a Resolução 01/2004 (BRASIL, 2004b) e
tem como relatora a educadora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva. Este documento nos dá pistas
importantes sobre o contexto histórico e social das questões raciais no país ao introduzir a necessidade
de políticas reparativas e ações afirmativas na política educacional e com isso comprometer o Estado
e a sociedade com o ressarcimento, junto aos afrodescendentes em relação aos "danos psicológicos,
materiais, sociais, políticos e educacionais sofridos sob o regime escravista" e aqueles que resultam
das "políticas explícitas ou tácitas de branqueamento da população, de manutenção de privilégios

12As Diretrizes Operacionais para a implementação da história e das culturas dos povos indígena na Educação Básica, em
decorrência da Lei no 11.645/2008 são apresentadas no Parecer CNE/CEB no. 14, da relatora Rita Gomes do Nascimento
somente em 2015 e não serão objeto de nosso estudo. Como já mencionei anteriormente, este artigo foca nas questões
étnicas-raciais dos povos afro-brasileiros.

012
exclusivos para grupos com poder de governar e de influir na formulação de políticas, no pós-abolição"
(BRASIL, 2004c, p.3).
A relatora, ao defender a necessidade da ERER, apela para a Constituição Federal (BRASIL,
1988) que afirma ser um dever do Estado "garantir indistintamente, por meio da educação, iguais
direitos para o pleno desenvolvimento de todos e de cada um, enquanto pessoa, cidadão ou
profissional" (idem). A meritocracia, segundo a relatora, "agrava as desigualdades e gera injustiça, ao
reger-se por critérios de exclusão, fundados em preconceitos e manutenção de privilégios para os
sempre privilegiados" (ibidem).
Segundo a relatora, políticas de reparações e de reconhecimento formarão programas de
"ações afirmativas, isto é, conjuntos de ações políticas dirigidas à correção de desigualdades raciais e
sociais, orientadas para oferta de tratamento diferenciado com vistas a corrigir desvantagens e
marginalização criadas e mantidas por estrutura social excludente e discriminatória" (BRASIL, 2004c,
p.4).

Não se trata apenas de oferecer conteúdos “referentes à participação do negro para o


desenvolvimento da sociedade brasileira”. O Parecer CNE/CP3/2004 esclarece com
precisão que a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana
não visa tornar os brasileiros mais eruditos, mas reeducar as relações étnico-raciais a
fim de que todos – descendentes de europeus, asiáticos, africanos e povos indígenas
– valorizem a identidade, a cultura e a história dos negros que constituem o segmento
mais desrespeitado da nossa sociedade (SILVA, 2012).

O parecer retoma questões importantes que envolvem a identidade da população negra no


país, como a questão da autodeclaração que envolve mais do que cor da pele, é uma decisão política
e, assim, "o é quem assim se define" (idem, p.6). A relatora nos conduz a uma série de questões que
marcam as relações étnicas-raciais no país, como a necessidade dos sistemas de ensino, através da
ERER, incluir e valorizar a história e a cultura afro-brasileira, repudiar os preconceitos, estereótipos,
discriminações baseados na cor da pele ou em características físicas que muitas vezes mascaram a
tensão criada por uma "raiz cultural plantada na ancestralidade africana, que difere em visão de mundo,
valores e princípios das de origem indígena, europeia e asiática" (BRASIL, 2004c, p.4).

Convivem, no Brasil, de maneira tensa, a cultura e o padrão estético negro e africano


e um padrão estético e cultural branco europeu. Porém, a presença da cultura negra e
o fato de 45% da população brasileira ser composta de negros (de acordo com o censo
do IBGE) não têm sido suficientes para eliminar ideologias, desigualdades e
estereótipos racistas. Ainda persiste em nosso país um imaginário étnico-racial que
privilegia a brancura e valoriza principalmente as raízes europeias da sua cultura,
ignorando ou pouco valorizando as outras, que são a indígena, a africana, a asiática
(BRASIL, 2004c, p.5).

Ao se defender a obrigatoriedade de inclusão de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana


nos currículos da Educação Básica, entende-se que a ERER foi uma decisão política que buscou

013
reparar danos históricos aos direitos e à identidade do povo negro e que essa inclusão tem fortes
repercussões pedagógicas, inclusive na formação dos professores. Mas não se trata de meramente
trocar uma perspectiva eurocêntrica por outra afrocentrada, mas ampliar o olhar, considerando as
diversas perspectivas dos diferentes povos que constituem a sociedade brasileira (BRASIL, 2004, p.8).
São os princípios da ERER:

CONSCIÊNCIA POLÍTICA E HISTÓRICA DA DIVERSIDADE


Este princípio deve conduzir:
- à igualdade básica de pessoa humana como sujeito de direitos;
- à compreensão de que a sociedade é formada por pessoas que pertencem a grupos
étnico-raciais distintos, que possuem cultura e história próprias, igualmente valiosas e
que em conjunto constroem, na nação brasileira, sua história;
- ao conhecimento e à valorização da história dos povos africanos e da cultura afro-
brasileira na construção histórica e cultural brasileira;
- à superação da indiferença, injustiça e desqualificação com que os negros, os povos
indígenas e também as classes populares às quais os negros, no geral, pertencem,
são comumente tratados;
- à desconstrução, por meio de questionamentos e análises críticas, objetivando
eliminar conceitos, idéias, comportamentos veiculados pela ideologia do
branqueamento, pelo mito da democracia racial, que tanto mal fazem a negros e
brancos;
à busca, da parte de pessoas, em particular de professores não familiarizados com a
análise das relações étnico-raciais e sociais com o estudo de história e cultura afro-
brasileira e africana, de informações e subsídios que lhes permitam formular
concepções não baseadas em preconceitos e construir ações respeitosas;
- ao diálogo, via fundamental para entendimento entre diferentes, com a finalidade de
negociações, tendo em vista objetivos comuns; visando a uma sociedade justa.
FORTALECIMENTO DE IDENTIDADES E DE DIREITOS
O princípio deve orientar para:
- o desencadeamento de processo de afirmação de identidades, de historicidade
negada ou distorcida;
- o rompimento com imagens negativas forjadas por diferentes meios de comunicação,
contra os negros e os povos indígenas;
- o esclarecimentos a respeito de equívocos quanto a uma identidade humana
universal;
- o combate à privação e violação de direitos;
- a ampliação do acesso a informações sobre a diversidade da nação brasileira e sobre
a recriação das identidades, provocada por relações étnico-raciais;
- as excelentes condições de formação e de instrução que precisam ser oferecidas,
nos diferentes níveis e modalidades de ensino, em todos os estabelecimentos, inclusive
os localizados nas chamadas periferias urbanas e nas zonas rurais.
AÇÕES EDUCATIVAS DE COMBATE AO RACISMO E A DISCRIMINAÇÕES
O princípio encaminha para:
- a conexão dos objetivos, estratégias de ensino e atividades com a experiência de
vida dos alunos e professores, valorizando aprendizagens vinculadas às suas relações
com pessoas negras, brancas, mestiças, assim como as vinculadas às relações entre
negros, indígenas e brancos no conjunto da sociedade;
- a crítica pelos coordenadores pedagógicos, orientadores educacionais, professores,
das representações dos negros e de outras minorias nos textos, materiais didáticos,
bem como providências para corrigi-las;
- condições para professores e alunos pensarem, decidirem, agirem, assumindo
responsabilidade por relações étnico-raciais positivas, enfrentando e superando
discordâncias, conflitos, contestações, valorizando os contrastes das diferenças;
- valorização da oralidade, da corporeidade e da arte, por exemplo, como a dança,
marcas da cultura de raiz africana, ao lado da escrita e da leitura;

014
- educação patrimonial, aprendizado a partir do patrimônio cultural afro-brasileiro,
visando a preservá-lo e a difundi-lo;
- o cuidado para que se dê um sentido construtivo à participação dos diferentes grupos
sociais, étnico-raciais na construção da nação brasileira, aos elos culturais e históricos
entre diferentes grupos étnico-raciais, às alianças sociais;
- participação de grupos do Movimento Negro, e de grupos culturais negros, bem como
da comunidade em que se insere a escola, sob a coordenação dos professores, na
elaboração de projetos político-pedagógicos que contemplem a diversidade étnico-
racial (BRASIL, 2004c, p.10-11).

A resolução CNE 01/2004 (BRASIL, 2004b) instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana, a serem observadas pelas instituições de ensino retoma no seu texto os principais pontos do
parecer e atribui aos conselhos estaduais, distrital e municipais desenvolver, em nível local, as
diretrizes e os sistemas de ensino deverão prover os recursos materiais e financeiros para a
implementação nas escolas.

Em 2008, nasce o documento que viria a se tornar o Plano Nacional de Implementação


das DCNs da ERER, lançado oficialmente em 13 de maio de 2009 em Brasília. Este
Plano estabelece as principais ações que os entes federados e instituições
educacionais do país precisam fazer para garantir o básico da implementação desta
política educacional. (...) Em 2012, é feita as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Escolar Quilombola, que por óbvio, embora com vieses específicos, trata-se
também de população negra e naturalmente prevista nas Diretrizes iniciais. O
desenvolvimento da Política de Educação para as Relações Étnico-Raciais, portanto,
é uma política que pertence a agendas nacionais com vínculos internacionais muito
fortes, seus resultados são acompanhados por organismos mundiais que avaliam e
monitoram o avanço de pautas que repercutem em indicadores de organização,
qualidade de vida, humanização e confiabilidade para investimentos de caráter
econômico e de infraestrutura, ou seja, ter baixo Indice de Desenvolvimento Humano
significa atestar imaturidade das instituições, incivilidade e incertezas de capacidade
de gestão quanto ao capital humano, então, não se trata mais de simplesmente querer
ou não reduzir o fatores que geram violências e instabilidades no desenvolvimento de
indivíduos pertencente a grupos étnicos vulneráveis, se trata de aumentar a população
socialmente apta a contribuir com a evolução do pais perante seus parceiros mundiais.
(CARTH, 2018).

As Diretrizes da ERER (BRASIL, 2004) e o Plano Nacional de Implementação das Diretrizes


Curriculares Nacionais da Educação das Relações Étnicas-raciais e para Ensino de história e Cultura
Afro-brasileira e Africana (BRASIL, 2009) foram documentos produzidos a partir da escuta do
Movimentos Negro, MEC, UNESCO, SEPPIR, CONSED, UNDIME, intelectuais e militantes
antirracistas, ou seja, mobilizaram uma parte importante da sociedade civil e das instituições ligadas à
educação com a finalidade de orientar e balizar os sistemas de ensino e instituições correlatas na
implementação dos marcos normativos da ERER (BRASIL, 2008).
No campo educacional, há uma série de iniciativas importantes que seguem os marcos
normativos da ERER como, por exemplo, a proposta do MEC de um curso de formação continuada de
professoras de 180h, para 2000 gestoras e cerca de 160 mil professoras, a inserção da temática racial

015
e de autores negros na política Nacional do Livro Didático, o Projeto de Lei de Cotas, o fortalecimento
dos NEABs, a distribuição de um milhão de Cartilhas com as DCN da ERER e textos disponibilizados
no site do MEC, a criação do Grupo de Estudos Afro-brasileiros e Educação na Associação Nacional
de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), em 2002, a fundação da Associação Brasileira
de Pesquisadores Negros, em 2000, além da criação de vários cursos de especialização sobre os
temas da ERER em diversas universidades, além de grupos de pesquisas e extensão universitárias.
Não obstante essas e outras importantes iniciativas, a sociedade segue dividida: alguns apoiam
políticas antirracistas e outros questionam a necessidade de políticas reparativas. Assim, enquanto até
meados de 2016 o governo federal agia para fortalecer a ERER, em diferentes instâncias, mas com
pouco recurso orçamentário - o que já indica um baixo nível de prioridade desta política na agenda
social -, os governos estaduais e municipais muitas vezes sequer incluíram a pauta racial nas
discussões das Secretarias de Educação e Conselhos Estaduais ou Municipais de Educação e não
tinham orçamento para implementação das DCN da ERER em seus sistemas de ensino.
Arroyo (2013) aponta que a escola converteu a “diversidade racial em padrão de
superioridade/inferioridade humana, intelectual, cultural, moral” e “tem sido em nossa história um dos
mecanismos pedagógicos mais perversos e persistentes” (ARROYO, 2013, p.152). A ERER procura
corrigir a assimetria estrutural entre negros e brancos visando "a reparações, reconhecimento e
valorização da identidade, da cultura e da história dos negros e das negras do país" (Brasil, 2004c,
p.13) A ERER propõe "aprendizagens entre brancos e negros, trocas de conhecimentos, quebra de
desconfianças, projeto conjunto para construção de uma sociedade justa, igual, equânime" (Brasil,
2004c, p.14). Para isso, precisa estar presente nos currículos escolares e no currículo das
licenciaturas.
Mas não se pode esquecer que essa política afirmativa está inserida nos processos coloniais
e colonizadores que estruturam a educação no país. Processos esses que naturalizam a diferença
racial/social das populações negras e indígenas e as retira de seus currículos porque as retirou dos
processos socio-historicos que estruturaram nossa economia e sociedade, invisibilizando e tornando
irrelevante sua contribuição para o país. Assim, se ela representa um avanço é também um desafio e,
na minha leitura, esse é principal motivo pelo qual não se consegue de fato levar uma formação
antirracista para os cursos de licenciatura e, assim, se assegura que ela não chegue tampouco na sala
de aula.
Em função desse processo de invisibilização das populações negras e indígenas, ainda se
sabe muito pouco sobre suas culturas, pois elas ainda não são estudadas em profundidade nos cursos
de licenciatura e isso provoca uma lacuna na formação dos docentes que irão atuar nas escolas de
educação básica no país. A ausência destes temas na formação de professores resulta no apagamento
e silenciamento da contribuição dos negros e dos indígenas no desenvolvimento socioeconômico,

016
político e cultural do Brasil.
Creio que essa breve síntese é suficiente para os objetivos deste artigo e farei alguns
aprofundamentos na discussão das aprendizagens construídas coletivamente com os PCT. Passo, no
capítulo que segue, a expor minhas principais referências teóricas nos estudos decoloniais e como,
através deles, se chega a pedagogias decoloniais.

2. REFERÊNCIAL TEÓRICO

2.1 Os estudos decoloniais: o ponto de partida

São necessárias novas formas de pensamento que, transcendendo a diferença colonial, possam se construir sobre
as fronteiras das cosmologi as em confl ito, cuja arti culaçã o atual se deve, consideravelmente, à coloni alidade d o
poder sobre cujos pilares se ergueu o mundo moderno.
Walter Mignolo

A pedagogia decolonial13 resulta do trabalho desenvolvido pelo grupo de pesquisa “Proyecto


latino/latinoamericano modernidad/colonialidad” 14
(MC) (ESCOBAR, 2004) e creio ser fundamental
recontar parte da sua trajetória e das categorias chaves que sustentam seus interesses teóricos e
práticos. Castro-Gomez e Grosfoguel, em Giro decolonial, teoría crítica y pensamiento heterárquico
(2007), fazem uma síntese tanto do histórico do grupo de pesquisa, dos eventos e dos pesquisadores,
no período de 1996 até 2006, como das principais chaves de leitura para se entender de onde parte e
o que defende os intelectuais decoloniais. Aqui, retomo principalmente sua interlocução com os
estudos pós-coloniais, pois creio ser importante entender onde se encontram e em que se distinguem
e também recorto a contribuição de outros autores decoloniais para esse debate.
Para Castro-Gomez e Grosfoguel, o termo decolonialidade busca dar relevo ao fato de que o

13 A expressão “decolonial” não pode ser confundida com “descolonização”, segundo BALLESTRIN (2015). "Em termos
históricos e temporais, esta última indica uma superação do colonialismo; por seu turno, a ideia de decolonialidade indica
exatamente o contrário e procura transcender a colonialidade, a face obscura da modernidade, que permanece operando
ainda nos dias de hoje em um padrão mundial de poder. Trata-se de uma elaboração cunhada pelo grupo
Modernidade/Colonialidade nos anos 2000 e que pretende inserir a América Latina de uma forma mais radical e posicionada
no debate pós-colonial, muitas vezes criticado por um excesso de culturalismo e mesmo eurocentrismo devido à influência
pós-estrutural e pós-moderna.” Para Walsh (2009, p.14-15): “Suprimir la “s” y nombrar “decolonial” no es promover un
anglicismo. Por el contrario, es marcar una distinción con el significado en castellano del “des”. No pretendemos simplemente
desarmar, deshacer o revertir lo colonial; es decir, pasar de un momento colonial a un no colonial, como que fuera posible
que sus patrones y huellas desistan de existir. La intención, más bien, esseñalar y provocar un posicionamiento –una postura
y actitud continua– de transgredir, intervenir, insurgir e incidir. Lo decolonial denota, entonces, un camino de lucha continuo
en el cual podemos identificar, visibilizar y alentar “lugares” de exterioridad y construcciones alternativas.”

14 Neste Trabalho de Conclusão de Curso irei manter as citações diretas em espanhol.

017
fim das colônias europeias e a formação de Estados-nação nos demais continentes não significa que
vivemos em um mundo decolonizado ou pós-colonial. A colonialidade permanece e é reiterada na
contemporaneidade na manutenção das hierarquias baseadas na centralidade do modo de vida
europeu/norte-americano como o único que tende a universalidade, negando assim as demais
alternativas.
Entende-se que o fim do colonialismo manteve a divisão internacional do trabalho entre centros
e periferias e a hierarquização étnica-racial das populações e, na atualidade, vivemos uma transição
do colonialismo moderno a uma colonização global que a partir da difusão da internet e redes sociais,
provocou mudanças e novas formas de dominação, mas não acrescentou deslocamentos importantes
nessa estrutura que se mantém hegemônica desde o século XVI (CASTRO-GOMEZ; GROSFOGUEL,
2007).
Essa estrutura que manteve e até mesmo ampliou a inferioridade dos povos não-europeus
também não reconhece que essas populações racializadas tenham capacidade intelectual e cognitiva.
O racismo epistêmico se fundamenta nessa negação do outro como sujeito do conhecimento, capaz
de posicionamento crítico e de produzir ciência. Há um efeito de sentido que perdura a 500 anos: de
que somente a tradição ocidental, eurocêntrica tem capacidade de produzir conhecimentos que podem
ser universalizados e conduzem à verdade. O racismo epistêmico não admite qualquer outra
racionalidade ou episteme como capaz de produzir conhecimentos críticos e relevantes para a
sociedade.
Na abordagem decolonial entende-se que o capitalismo global contemporâneo ressignifica, em
um formato pós-moderno, as exclusões provocadas pelas hierarquias epistêmicas, espirituais, étnicas-
raciais e de gênero/sexualidade implementada na modernidade (CASTRO-GOMEZ; GROSFOGUEL,
2007, p.13-4). Colonialidade e modernidade são duas faces de uma mesma moeda, a colonialidade
global se constitui e se articula em três formas, a saber, a colonialidade do poder, do saber e do ser
(MIGNOLO, 2005, BALLESTRIN, 2013; GROSFOGUEL, 2010; QUIJANO, 2007).

El argumento básico (casi un silogismo) es el siguiente: si la colonialidad es


constitutiva de la modernidad, puesto que la retórica salvacionista de la modernidad
presupone ya la lógica opresiva y condenatoria de la colonialidad (de ahí los damnés
de Fanon), esa lógica opresiva produce una energía de descontento, de
desconfianza, de desprendimiento entre quienes reaccionan ante la violencia
imperial. Esa energía se traduce en proyectos decoloniales que, en última
instancia, también son constitutivos de la modernidad. La modernidad es una hidra
de tres cabezas, aunque sólo muestra una: la retórica de salvación y progreso. (...)
Pero en ningún momento se cuestionan la ideología de la modernidad ni los pozos
negros que oculta su retórica (las consecuencias de la economía capitalista — en la
cual tal ideología se apoya — en sus variadas facetas, desde el mercantilismo del siglo
XVI, el libre comercio de los siglos siguientes, la revolución industrial del siglo XIX, la
revolución tecnológica del XX), sino sus desafortunadas consecuencias. (...)
Mi tesis es la siguiente: el pensamiento decolonial emergió en la fundación
misma de la modernidad/colonialidad como su contrapartida. Y eso ocurrió en las
Américas, en el pensamiento indígena y en el pensamiento afro-caribeño; continuó

018
luego en Asia y África, no relacionados con el pensamiento decolonial en las Américas,
pero sí como contrapartida de la reorganización de la modernidad/colonialidad del
imperio británico y el colonialismo francés. Un tercer momento ocurrió en la intersección
de los movimientos de descolonización en Asia y África, concurrentes con la guerra fría
y el liderazgo ascendente de Estados Unidos. Desde el fin de la guerra fría entre
Estados Unidos y la Unión Soviética, el pensamiento decolonial comienza a trazar su
propia genealogía. (MIGNOLO, 2007, p.26-27, grifo meu)

Os estudos culturais pós-coloniais anglo-saxões, assim como o decolonialismo, criticam o


desenvolvimentismo, as formas eurocêntricas de conhecimento, as desigualdades entre os gêneros,
as hierarquias raciais e os processos culturais e ideológicos que favorecem a subordinação da periferia
no sistema capitalista, a chamada nordomania (ZEA, 1996 apud CASTRO-GOMEZ; GROSFOGUEL,
2007), ou seja, o esforço das elites da periferia em imitar o modelo de desenvolvimento provenientes
do norte global, enquanto reproduzem as antigas formas de colonialismo e designam aos países não
europeus - que enriqueceram em função da exploração de recursos e aniquilamento e submissão dos
povos originários em suas antigas colônias - ou norte-americano, como sociedades atrasadas, do
passado, pré-modernas, subdesenvolvidas, do terceiro mundo ou, atualmente, em desenvolvimento,
nunca prontas.
A nordomania, segundo Zea, é a negação da simultaneidade epistêmica, isto é, a possibilidade
de co-existência no tempo e no espaço de diferentes formas de produzir conhecimentos. Isso leva a
um duplo mecanismo ideológico:

En primer lugar, al no compartir el mismo tiempo histórico y vivir en diferentes espacios


geográficos, el destino de cada región es concebido como no relacionado con
ningún otro. En segundo lugar, Europa/Euro-norteamérica son pensadas como
viviendo una etapa de desarrollo (cognitivo, tecnológico y social) más ‘avanzada’
que el resto del mundo, con lo cual surge la idea de superioridad de la forma de
vida occidental sobre todas las demás. Así, Europa es el modelo a imitar y la meta
desarrollista era (y sigue siendo) ‘alcanzarlos’. Esto se expresa en las dicotomías
civilización/barbarie, desarrollado/subdesarrollado, occidental/no-occidental, que
marcaron categorialmente a buena parte de las ciencias sociales modernas (CASTRO-
GOMEZ; GROSFOGUEL, 2007, p.15, grifo meu).

A crítica dos estudos pós-coloniais enfatiza o discurso colonial e a agência cultural dos sujeitos,
com enfoque no discurso sobre os imaginários criados pela mídia e os discursos sobre "o outro" que,
em última instância determinariam as relações econômicas e politicas do sistema capitalista, que não
teriam sentido em si mesmas, e que a luta por uma outra hegemonia passa necessariamente pelo
controle dos códigos semióticos específicos ou epistemes.
Os estudos pós-coloniais (MIGNOLO, 2007, p.25), estão entre a teoria crítica europeia
proveniente do pós-estruturalismo (Foucault, Lacan e Derrida) e as experiências da elite intelectual
nas ex-colônias inglesas na Ásia e na África do Norte. Para Mignolo, o pensamento decolonial se
diferencia da teoria pós-colonial porque nessa teoria sua genealogia se localiza no pós-estruturalismo

019
francês e o decolonialismo na densa história do pensamento planetário decolonial 15 (idem, p.27).

La poscolonialidad (teoría o crítica poscolonial) nació entrampada con la pos-


modernidad. De ahí que Michel Foucault, Jacques Lacan y Jacques Derrida hayan sido
los puntos de apoyo para la crítica poscolonial de Said, Bhaba y Spivak. El pensamiento
decolonial, por el contrario, se rasca en otros palenques. En en las lenguas, en las
memorias indígenas confrontadas con la modernidad naciente; en el caso de
Cugoano, en las memorias y experiencias de la esclavitud, confrontadas con el
asentamiento de la modernidad, tanto en la economía como en la teoría política. El
pensamiento decolonial, al asentarse sobre experiencias y discursos como los de
Waman Poma y Cugoano en las colonias de las Américas, se desprende (ami-
gablemente) de la crítica poscolonial (MIGNOLO, 2007, p.33, grifo meu).

O giro colonial, nessa perspectiva, é a abertura e a liberdade de pensamento e de formas de


vidas-outras (economias-outras, teorias políticas-outras), a limpeza da colonialidade do ser e do saber,
o desprendimento da retórica da modernidade e de seu imaginário imperial articulado na retórica da
democracia. "El pensamiento decolonial tiene como razón de ser y objetivo la decolonialidad del poder
(es decir, de la matriz colonial de poder)" (ibidem, p.29).

En primer término [es necesaria] la decolonización epistemológica, para dar paso luego
a una nueva comunicación íntercultural, a un intercambio de experiencias y de
significaciones, como la base de otra racionalidad que pueda pretender, con
legitimidad, a alguna universalidad. Pues nada menos racional, finalmente, que la
pretensión de que la específica cosmovisión de una etnia particular sea impuesta
como la racionalidad universal, aunque tal etnia se llama Europa occidental. Porque
eso, en verdad, es pretender para un provincianismo el título de universalidad.
(QUIJANO, 1992, p. 447, grifo meu)

15Cito: Aunque la reflexión sobre el giro epistémico decolonial es de factura reciente, la práctica epistémica decolonial surgió
“naturalmente” como consecuencia de la formación e implantación de la matriz colonial de poder que Aníbal Quijano describió
hacia finales de los 80’s. Por lo tanto, no sorprende que la genealogía del pensamiento decolonial (esto es, el pensamiento
que surge del giro descolonial) la encontremos en “la Colonia” o el “periodo colonial” (en la jerga canónica de la historiografía
de las Américas). (...) De modo que las primeras manifestaciones del giro decolonial las encontramos en los virreinatos
hispánicos, en los Anáhuac y Tawantinsuyu en el siglo XVI y comienzos del XVII, pero las encontramos también entre las
colonias inglesas y en la metrópoli durante el siglo XVIII. El primer caso lo ilustra Waman Poma de Ayala, en el virreynato del
Perú, quien envió su obra Nueva Corónica y Buen Gobierno al Rey Felipe III, en 1616; el segundo caso lo vemos en Otabbah
Cugoano, un esclavo liberto que pudo publicar en Londres, en 1787 (diez años después de la publicación de The Wealth of
Nations, de Adam Smith), su tratado Thoughts and Sentiments on the Evil of Slavery. Ambos son tratados políticos
decoloniales que, gracias a la colonialidad del saber, no llegaron a compartir la mesa de discusiones con la teoría política
hegemónica de Maquiavelo, Hobbes o Locke. Reinscribirlos hoy en la genealogía del pensamiento político decolonial es una
tarea urgente. Sin esta genealogía, el pensamiento decolonial sería nada más que un gesto cuya lógica dependería de
algunas de las varias genealogías fundadas en Grecia y Roma, reinscrita en la modernidad imperial europea en algunas de
las seis lenguas imperiales ya mencionadas: italiano, castellano y portugués, para el Renacimiento; francés, inglés y alemán,
para la Ilustración. (...) Estos fundamentos históricos (históricos, no esenciales) crean las condiciones para una narrativa
epistémica que remite la genealogía global del pensamiento decolonial (realmente otra en relación con la genealogía de la
teoría poscolonial) hasta Mahatma Gandhi, W. E. B. Dubois, Juan Carlos Mariátegui, Amílcar Cabral, Aimé Césaire, Frantz
Fanon, Fausto Reinaga, Vine Deloria Jr., Rigoberta Menchú, Gloria Anzaldúa, el movimiento Sin Tierras en Brasil, los
zapatistas en Chiapas, los movimientos indígenas y afros en Bolivia, Ecuador y Colombia, el Foro Social Mundial y el Foro
Social de las Américas. La genealogía del pensamiento decolonial es planetaria y no se limita a individuos, sino que se
incorpora en movimientos sociales (lo cual nos remite a movimientos sociales indígenas y afros: Taki Onkoy para los primeros,
cimarronaje para los segundos) y en la creación de instituciones, como los foros que se acaban de mencionar. (MIGNOLO,
2007, p.28, 34).

020
Na perspectiva decolonial, a cultura está sempre entrelaçada e não deriva dos processos
econômicos ou políticos.

Al igual que los estudios culturales y poscoloniales, reconocemos la estrecha


imbricación entre capitalismo y cultura. El lenguaje, como bien lo han mostrado Arturo
Escobar (2000) y Walter Mignolo (1995), ‘sobredetermina’, no sólo la economía sino la
realidad social en su conjunto. Sin embargo, los estudios culturales y poscoloniales han
pasado por alto que no es posible entender el capitalismo global sin tener en cuenta el
modo como los discursos raciales organizan a la población del mundo en una división
internacional del trabajo que tiene directas implicaciones económicas: las ‘razas
superiores’ ocupan las posiciones mejor remuneradas, mientras que las ‘inferiores’
ejercen los trabajos más coercitivos y peor remunerados (CASTRO-GOMEZ;
GROSFOGUEl, 2007, p.16).

Quijano mostrou que a dominação e a exploração econômica do Norte sobre o Sul se funda
em uma estrutura étnica-racial de larga duração, constituída desde o século XVI pela hierarquia
europeu versus não europeu. Este foi o "ponto cego" tanto do marxismo como da teoria pós-colonial
anglo-saxã. Dai implica que que o mundo não foi completamente descolonizado, é o que se denomina
a colonialidade do poder (CASTRO-GOMEZ; GROSFOGUEL, 2007).
A colonialidade do poder busca integrar as múltiplas hierarquias de poder do capitalismo
histórico como parte de um mesmo processo histórico cultural heterogêneo. No centro da colonialidade
do poder está o padrão de poder colonial que constitui a complexidade dos processos de acumulação
capitalista articulas em uma hierarquia étnica-racial global e suas classificações derivadas de
superior/inferior, desenvolvido, subdesenvolvido e povos civilizados/bárbaros. A noção de
colonialidade vincula o processo de colonização das Américas e a constituição da economia-mundo
capitalista como parte de um mesmo processo histórico iniciado no século XVI (CASTRO-GOMEZ;
GROSFOGUEL, 2007). Segundo eles,

La construcción de la jerarquía racial/étnica global fue simultánea y contemporánea


espacio-temporalmente con la constitución de una división internacional del trabajo
organizada en relaciones centro-periferia a escala mundial. Para Quijano no existe una
‘pre’ o un ‘pos’ de la jerarquía racial/étnica a escala mundial en relación con el proceso
de acumulación capitalista. Desde la formación inicial del sistema-mundo capitalista, la
incesante acumulación de capital se mezcló de manera compleja con los discursos
racistas, homofóbicos y sexistas del patriarcado europeo. La división internacional del
trabajo vinculó en red una serie de jerarquías de poder: etno-racial, espiritual,
epistémica, sexual y de género. La expansión colonial europea fue llevada a cabo por
varones hetero-sexuales europeos. Por donde quiera que fueran, exportaban sus
discursos y formaban estructuras jerárquicas en términos raciales, sexuales, de género
y de clase. Así, el proceso de incorporación periférica a la incesante acumulación de
capital se articuló de manera compleja con prácticas y discursos homofóbicos,
eurocéntricos, sexistas y racistas. (CASTRO-GOMEZ; GROSFOGUEL, 2007, p.18).

A primeira descolonização, iniciada no século XIX pela colônias espanholas e portuguesas, e


seguidas no século XX pelas colônias inglesas e francesas, foi incompleta já que se limitou à
independência jurídico-política das periferias (CASTRO-GOMEZ; GROSFOGUEL, 2007). Ao contrário,

021
a segunda descolonização, a ser empreendida no século XXI, entendida como a decolonialidade terá
que focar a heterarquia16 das múltiplas relações raciais, étnicas, sexuais, epistêmicas, económicas e
de gênero que a primeira descolonização deixou intactas. "Al contrario de esa descolonialización, la
decolonialidad es un proceso de resignificación a largo plazo, que no se puede reducir a un
acontecimiento jurídico-político" (GROSFOGUEL, 2005 apud CASTRO-GOMEZ; GROSFOGUEL,
2007, p.17).

Debemos entender que el capitalismo no es sólo un sistema económico (paradigma de


la economía-política) y tampoco es sólo un sistema cultural (paradigma de los estudios
culturales/poscoloniales en su vertiente ‘anglo’), sino que es una red global de poder,
integrada por procesos económicos, políticos y culturales, cuya suma mantiene todo el
sistema. Por ello, necesitamos encontrar nuevos conceptos y un nuevo lenguaje que
dé cuenta de la complejidad de las jerarquías de género, raza, clase, sexualidad,
conocimiento y espiritualidad dentro de los procesos geopolíticos, geoculturales y
geoeconómicos del sistema-mundo. Con el objeto de encontrar un nuevo lenguaje para
esta complejidad, necesitamos buscar ‘afuera’ de nuestros paradigmas, enfoques,
disciplinas y campos de conocimientos. Necesitamos entrar en diálogo con formas no
occidentales de conocimiento que ven el mundo como una totalidad en la que todo está
relacionado con todo, pero también con las nuevas teorías de la complejidad
(CASTRO-GOMEZ; GROSFOGUEl, 2007, p.17).

Ainda seguindo Castro-Gomez e Grosfoguel (2007), em sua síntese do pensamento decolonial,


eles apontam que um componente básico deste grupo é a crítica às formas eurocêntricas de produção
de conhecimento porque elas se articulam com o processo das relações centro-periferia e as
hierarquias étnicas-raciais. A suposta superioridade do conhecimento europeu em relação aos
produzidos por outras populações é um aspecto importante da colonialidade do poder no sistema-
mundo17, pois os conhecimentos de grupos subalternos foram excluídos, omitidos, banalizados,

16 O pensamento heterárquico foi desenvolvido, segundo Castro-Gomez e Grosfoguel, pelo sociólogo grego Kyriakos
Kontopoulos em 1993. Cito: El pensamiento heterárquico es un intento por conceptualizar las estructuras sociales con un
nuevo lenguaje que desborda el paradigma de la ciencia social eurocéntrica heredado desde el siglo XIX. El viejo lenguaje
es para sistemas cerrados, pues tiene una lógica única que determina todo lo demás desde una sola jerarquía de poder. Por
el contrario, necesitamos un lenguaje capaz de pensar los sistemas de poder como una serie de dispositivos heterónomos
vinculados en red. Las heterarquías son estructuras comple- jas en las que no existe un nivel básico que gobierna sobre los
demás, sino que todos los niveles ejercen algún grado de influencia mutua en diferentes aspectos particulares y atendiendo
a coyunturas históricas específicas. En una heterarquía, la integración de los elementos disfuncionales al sistema jamás es
completa, como en la jerarquía, sino parcial, lo cual significa que en el capitalismo global no hay lógicas autónomas ni tampoco
una sola lógica determinante ‘en última instancia’ que gobierna sobre todas las demás, sino que más bien existen procesos
complejos, heterogéneos y múltiples, con diferentes temporalidades, dentro de un solo sistema-mundo de larga duración. En
el momento en que los múltiples dispositivos de poder son considerados como sistemas complejos vinculados en red, la idea
de una lógica ‘en última instancia’ y del dominio autónomo de unos dispositivos sobre otros desaparece (CASTRO-GOMEZ;
GROSFOGUEl, 2007, p.17).
17 A análise do sistema-mundo se fundamenta nas formulações de Immanuel Wallerstein que se ocupa em desenvolver uma

teoria social que apresente uma interpretação mundial para a sociedade moderna, para a qual as cadeias de produção e
valorização da economia-mundo capitalista são os determinantes para o entendimento dos fenômenos sociais
contemporâneos. A análise de Castro-Gomez e Grosfoguel (2007), se debruça no diálogo entre o decolonialismo, o pós-
colonialismo, o sistema-mundo e os teóricos da dependência. Em meu estudo recorto os aspectos que irão fundamentar mais
adiante uma proposta de pedagogia decolonial, mas tomo algumas palavras-forças dessas abordagens pois elas sintetizam
noções que são mobilizadas pelos autores. Para aprofundar o entendimento do sistema-mundo, recomendo a leitura da
seguinte publicação: WALLERSTEIN, I. The Essential Wallerstein. New York: The New Press, 2000.

022
silenciados ou ignorados.
Este é um aspecto importante, pois os conhecimentos eurocêntricos perfazem o que deve ou
não ser ensinado nas escolas e ser valorizado social e culturalmente. Parte dessas dicotomias todas
as demais hierarquias: folclore/cultura, artesanato/arte, saberes/conhecimentos, fazeres/tecnologias
sociais, culinária/gastronomia, etc. Desde o século XVIII, se legitimou apenas um modelo civilizatório
como completo e verdadeiro, aquele produzido pela elite científica europeia, sendo os demais sistemas
considerados como míticos, inferiores, pré-modernos e pré-científicos.
Mignolo (2000) introduz a noção de diferença colonial para falar sobre possibilidade de
pensar as experiências dos sujeitos racializados e fazê-las intervir um outro horizonte epistemológico.
O conhecimento que se produz fora da modernidade epistemológica eurocêntrica, por sujeitos até
então subalternizados, é o que se entende por diferença colonial. Na perspectiva decolonial, é
necessário dar espaço e visibilidade a conhecimentos "outros" e colocar a diferença colonial
(MIGNOLO, 2000) no centro do processo de produção de conhecimento.
Já Dussel (2005) fala da transmodernidade que é a possibilidade, através da decolonialidade,
de um processo de integração entre a modernidade e a alteridade, a fim de que a diversidade global
ou razão humana pluriversal se viabilize como projeto universal.

La ‘otredad epistémica’ de la que hablamos no debe ser entendida como una


exterioridad absoluta que irrumpe, sino como aquella que se ubica en la intersección
de lo tradicional y lo moderno. Son formas de conocimiento intersticiales, ‘híbridas’,
pero no en el sentido tradicional de sincretismo o ‘mestizaje’, y tampoco en el sentido
dado por Néstor García Canclini a esta categoría, sino en el sentido de ‘complicidad
subversiva’ con el sistema. Nos referimos a una resistencia semiótica capaz de
resignificar las formas hegemónicas de conocimiento desde el punto de vista de la
racionalidad posteurocéntrica de las subjetividades subalternas. Estas ‘epistemes de
frontera’, ubicadas en lo que Mary Louis Pratt denominaba ‘zonas de contacto’,
constituyen una crítica implícita de la modernidad, a partir de las experiencias
geopolíticas y las memorias de la colonialidad. (...) Todo conocimiento posible se
encuentra incorporado, encarnado en sujetos atravesados por contradicciones
sociales, vinculados a luchas concretas, enraizados en puntos específicos de
observación (punto 1, punto 2, punto n...). La idea eurocentrada del ‘punto cero’
obedece a una estrategia de dominio económico, político y cognitivo sobre el mundo,
del cual las ciencias sociales han formado parte. (...) En efecto, la ciencia social
contemporánea no ha encontrado aún la forma de incorporar el conocimiento
subalterno a los procesos de producción de conocimiento. Sin esto no puede haber
decolonización alguna del conocimiento ni utopía social más allá del occidentalismo.
La complicidad de las ciencias sociales con la colonialidad del poder exige la
emergencia de nuevos lugares institucionales y no institucionales desde donde los
subalternos puedan hablar y ser escuchados. (CASTRO-GOMEZ; GROSFOGUEl,
2007, p.17-21, grifo meu).

Catherine Walsh (2005) fala da interculturalidade e da pedagogia decolonial. A


interculturalidade crítica que ela postula defende a reconstrução de um pensamento crítico-outro, que
se organiza de um outro lugar que não o legado eurocêntrico moderno ocidental porque parte da
experiência vivida de sujeitos racializados no mundo da colonialidade (do poder, do saber, do ser ) e

023
tem sua origem no Sul, mudando assim o enfoque geopolítico do conhecimento que tem o norte global
como sua principal referência. Ela se fundamenta em Paulo Freire e Frantz Fanon, entre outros
autores. Tendo como guia a obra de Walsh, passo a descrever algumas ideias forças que mobilizam
as pedagogias decoloniais.

2.2 Pedagogias decoloniais: pontos de derivas


Pienso-siento- actúo desde y con los gritos y las grietas. Gritos como mecanismos, estrategias y acciones de lucha,
rebeldía, resistencia, desobediencia, insurgen cia, ruptura y transgresi ón ante la condición de silenciamiento, ante
los intentos de silenci ar y ante los si lencios – impuestos y estrat égicos – históricamente acumulados; gritos de,
desde, con, por y para la vid a, por y para el re - existir, re-vivir y con- vivir con justic ia y dignidad.
Catherine Wal sh, 2019.

Walsh (2013), em Lo Pedagógico y lo decolonial; entretejiendo caminos, apresenta algumas


características do que ela denomina pedagogias decoloniais. A autora parte de um argumento de Hall
(1997) que percebeu que os momentos políticos produzem movimentos teóricos. Hall se referia de
independências das antigas colônias europeias na América Latina e na África 18, no século XX. Essa
prática de teorização que emerge das lutas sociais pautam principalmente direitos, acesso à políticas
que visem a transformação social, política e cultural para que sociedade possa se re-humanizar e
conviver.
Essas lutas têm como protagonistas principalmente os movimentos sociais dos povos e
comunidades tradicionais e povos originários e seus parceiros. A autora percebe que são várias lutas
simultâneas, nem sempre articuladas, com pautas diferentes, que produzem alguns avanços e muitos
retrocessos, pois impelem os setores mais conservadores da sociedade a reagir. As lutas de
descolonização e, em sequência, por direito à diferença e a diversidade dos povos requerem
aprendizagem, desaprendizagem e reaprendizagem, a ação, a criação e a intervenção que criam
projetos de uma nova teoria crítica de mudança social. Este projeto sinaliza a construção de caminhos
outros de estar, ser, pensar, olhar, sentir e viver com sentido o horizonte decolonial.
Entendo que que essas lutas produzam diferentes práticas que postulam caminhos e condições
radicalmente outros em relação à razão hegemônica da modernidade ocidental que estrutura o
conhecimento e, por consequência, as pedagogias reprodutoras de um único modelo social. A ideia
defendida pelas pedagogias decoloniais é que possam, simultaneamente, conviver e ter o mesmo valor
hierárquico diferentes pedagogias que refletem a diversidade das populações que formam o continente
latino americano.

Pedagogías que animan el pensar desde y con genealogías, racionalidades,


conocimientos, prácticas y sistemas civilizatorios y de vivir distintos. Pedagogías que

18O decolonialismo prioriza as aprendizagens e as lutas que ocorrem na América Latina. Neste artigo dialogo principalmente
com as experiências sociais latino-americanas e brasileiras. Creio que nessa região tenhamos criando uma reflexão de cunho
decolonial que interessa ressaltar neste estudo.

024
incitan posibilidades de estar, ser, sentir, existir, hacer, pensar, mirar, escuchar y saber
de otro modo, pedagogías enrumbadas hacia y ancladas en procesos y proyectos de
carácter, horizonte e intento decolonial (WALSH, 2013, p.28).

As pedagogias, nesse sentido, são as práticas, as estratégias e as metodologias que se


constroem tanto na resistência como na oposição para re-humanização. A autora cita a pesquisadora
Jacqui Alexander:

Pedagogías entendidas de manera múltiple: como algo dado y revelado; [que hace]
abrir paso, traspasar, interrumpir, desplazar e invertir prácticas y conceptos heredados,
estas metodologías síquicas, analíticas y organizacionales que usamos para saber lo
que creemos que sabemos para hacer posible conversaciones y solidaridades
diferentes; como proyecto tanto epistémico como ontológico ligado a nuestro ser [...].
Pedagogías [que] convocan conocimientos subordinados producidos en el contexto de
prácticas de marginalización, para poder desestabilizar las prácticas existentes de
saber y así cruzar los límites ficticios de exclusión y marginalización. (2005: 7 apud
WALSH, 2013, 29-30).

A autora relaciona as pedagogias decoloniais à pedagogia crítica e à educação popular, como


defendida por Paulo Freire e também tem como referência Frantz Fanon, quando relaciona essas
pedagogias com as lutas de libertação colonial. A pedagogia crítica perde um pouco de sua força com
a dissipação da utopia de uma revolução marxista, com o fracasso do socialismo real, a queda do muro
de Berlim e da União Soviética. Não há mais a utopia de que o marxismo seria a resposta e o
contraponto ao capitalismo. Ao contrário, as lutas pela Independência colonial nos mostra que mesmo
se distanciando politicamente da colônia, ou seja da Europa, os países libertos continuaram adotando
a lógica capitalista e reproduzindo as desigualdades que ela provoca.
O que vemos agora, principalmente na América do Sul, a partir da década de 1990, é o
fortalecimento dos movimentos indígenas, dos movimentos negros, dos movimentos feministas e de
gênero que demandam por direitos e políticas públicas diferenciadas. Esta virada na agenda política
integra o giro decolonial do qual fala Mignolo (2007) que se caracteriza pela insurgência política,
epistêmica e existencial que ultrapassa o capitalismo global e que não se pauta somente pela luta de
classes como categoria essencial para transformação e revolução social. A autora defende que a luta
agora é pela decolonização e é liderada pelos povos e as comunidades racializadas.
O que se mantém vivo na pedagogia crítica e na educação popular e que se traz para reflexão
das pedagogias decoloniais é a ideia de que a produção de conhecimento é contextual, se faz com e
junto a comunidade, considerando as diferentes realidades, subjetividades e histórias que perpassam
todos os povos. A educação é um processo de conscientização, liberdade, amorosidade e
transformação social. Nessa perspectiva, a educação produz sujeitos críticos, desalienados e com
condições para lutar pelas mudanças sociais que conduzem a uma vida digna e humanizada para
todos e não somente uma minoria que se apoia na exploração e na desigualdade.
No Fórum Social Mundial, ao longo de suas edições, se desenvolveu um movimento

025
altermundista que defendia um outro mundo possível, construído por múltiplas experiências sociais e
pela coexistência de várias cosmovisões e modos de ser e viver. Esse movimento teve seu auge no
início dos anos 2000, com a implantação de governos, na América Latina, alinhados com o projeto
estado de bem-estar social e da afirmação dos direitos sociais. Esses projetos, em diferentes formas
e intensidade, afirmam um projeto intercultural baseado na filosofia do bem viver/buen vivir/sumak
kawsay (ACOSTA, 2016) enquanto um novo horizonte utópico, que será melhor desenvolvido mais
adiante nesse artigo. Estes projetos dialogam com as Epistemologias do Sul, o pós-colonialismo e o
decolonialismo e produziram mudanças importantes na sociedade.
No entanto, os conservadores se reagruparam e retomaram o poder em muitos destes países
e desconstruíram as políticas, negando o direito à diferença e à equidade. No Brasil, estamos em um
momento de retrocesso democrático e de negação do direito de existir das populações negras e
indígenas. Por isso entendo que as experiências desenvolvidas nas escolas e nas universidades com
essas populações têm importância política e pedagógica e portanto devem ser cartografadas,
documentadas, analisadas, teorizadas e compreendidas naquilo que elas carregam de transgressão a
um modelo eurocêntrico.
Creio que para os objetivos deste artigo essa breve apresentação das pedagogias decoloniais
seja suficiente para demarcar um território-outro no modo de produzir conhecimento que se ampara
nas vivências e convivências da universidade com os povos e comunidades tradicionais. Na análise
desta pesquisa apresento melhor detalhamento de algumas categorias das pedagogias decoloniais.
No capítulo que se segue apresento de forma concisa a metodologia que estruturou essa pesquisa.

3. METODOLOGIA
3.1 A Cartografia Subjetiva

O mapa é aberto, é conectável em todas as suas dime nsões, desmontável, reversível, suscetí vel de receber
modificações constant emente. Ele pode ser rasgado, revertido, adaptar -se a montagens de qualquer natureza, ser
preparado por um indivíduo, um grupo, uma formação social. Pode -se desenhá-lo numa parede, concebê -lo como
obra de arte, construí -lo como uma ação polí tica ou como um a meditação.

Deleuze & Guattari, 1995

A cartografia, desde a antiguidade, está a serviço de processos colonizadores de dominação,


nos quais o mapa define e limita territórios. Contemporaneamente, a cartografia incorporou, em seu
formato, os sujeitos que vivem nesses territórios, dai surge a cartografia social, muito utilizada para
delimitar terras indígenas e de povos e comunidades tradicionais. Para os geógrafos, segundo Rolnik
(1989:15), "a cartografia é um desenho que acompanha e se faz ao mesmo tempo que os movimentos
de transformação da paisagem".

026
Rolnik sugere uma nova ampliação da compreensão da cartografia, inspirada em Guattari,

Paisagens psicossociais também são cartografáveis. A cartografia, nesse caso,


acompanha e se faz ao mesmo tempo que o desmanchamento de certos mundos
– uma perda de sentido – e a formação de outros: mundos que se criam para
expressar afetos contemporâneos, em relação aos quais os universos vigentes
tornaram-se obsoletos.
Sendo tarefa do cartógrafo dar língua para afetos que pedem passagem, dele se
espera basicamente que esteja mergulhado nas intensidades de seu tempo e que,
atento às linguagens que encontra, devore as que lhe parecerem elementos possíveis
para a composição das cartografias que se fizerem necessária (ROLNIK: 1989, p.15-
6, grifo meu).

Deleuze, com sua Filosofia da Diferença, entende que cartografar se configura como um
procedimento de registro: “Numa cartografia, pode-se apenas marcar os caminhos e os movimentos
com coeficientes de chance e perigo. É o que chamamos de ‘esquizoanálise’, essa análise das linhas,
dos espaços, dos devires” (DELEUZE, 1992, p.48). Deleuze e Guattari (1995) inserem a
experimentação, o devir, a multiplicidade de sentidos, os diferentes níveis de entendimento como
categorias para criar outros significantes e esse movimento nos permite entender a cartografia da qual
nos fala, como um método de pesquisa em educação, embora estes autores não tenham se debruçado
sobre a educação ou metodologia de pesquisa. É um gesto de interpretação19, bem amplo, trazer
essa reflexão para o campo da educação, em particular, para falar de pesquisa em territórios
tradicionais.
Na perspectiva decolonial, creio ser possível acrescentar mais um nível neste mapa, que
permite um mapeamento para além do território, incorporando outras dimensões como os saberes, os
fazeres, a cultura, a cosmovisão, os valores e a pedagogia que fala dos modos que as comunidades
tradicionais, em particular, os kilombos, se educam e educam suas crianças. É uma cartografia
subjetiva, não nos termos de Deleuze e Rolnik que operam a subjetividade como entendida pela
Filosofia da Diferença, ainda em uma perspectiva eurocentrada. Na perspectiva decolonial, a
subjetividade é ressignificada porque inclui novos sujeitos do conhecimento, no caso, os PCT, e uma
série de conhecimentos não-hegemônicos.
A cartografia (DELEUZE; GUATARI, 1995) é uma pesquisa-intervenção (KASTRUP; PASSOS;
ESCOSSIA, 2015; 2016) que nos permitiu entender as falas resultantes das vivências com os PCT
como narrativas. A narrativa tradicionalmente é atribuída a uma obra literária e suas características
são descritas por Todorov (2006, p. 211): ela é simultaneamente história e discurso. A história evoca
uma certa realidade, acontecimentos e personagens. E discurso porque existe um narrador que relata
essa história.
Na nossa perspectiva, tomamos a narrativa como uma história e um discurso (PÊCHEUX,

19 Como exemplo desse exercício cito Oliveira e Paraíso (2012), Labrea (2019, 2020, 2021).

027
1997) sobre acontecimentos reais, vividos nos cotidianos dos sujeitos da pesquisa. Todorov, na
mesma obra, vai falar que a narrativa literária parte de uma visão ou ponto de vista. Na narrativa dos
PCT nos identificamos com o lugar de fala (RIBEIRO, 2017) que é falar a partir da perspectiva de
homens e mulheres negras e de suas condições de produção, ou seja, suas condições materiais,
sociais, culturais, simbólicas, políticas de existência.
As narrativas são entendidas como a materialidade discursiva que reflete uma experiência
vivida e a elaboração dessa experiência por meio da oralidade. Como não é possível nem necessário
trazer todas as narrativas para o corpo do texto, trabalho com a noção de recorte.
A ideia de recorte adotada neste trabalho se apresenta em Orlandi (1996). Para ela, o recorte
é uma unidade discursiva, ou seja, fragmento textual que relaciona a linguagem às suas condições de
produção, ou seja, diz respeito aos interlocutores e seus lugares sociais. Para a autora, a noção de
recorte não é segmental, "recorte é pedaço", isto é, o recorte é "um fragmento da situação discursiva
que pode apreender a incompletude como constitutiva do sentido e condição da linguagem"
(ORLANDI, 1996: p.139-140). É importante destacar que o trabalho de seleção dos recortes
discursivos que irão compor o arquivo é, ele próprio, objeto de análise prévia: "decidir, entre a totalidade
de textos já produzidos, considerados dados empíricos, aqueles que serão mobilizados" (ORLANDI:
2000, p.65-66).
As narrativas apontam uma direção: "é um conhecimento contextual na medida em que o
princípio organizador da sua produção é a aplicação que lhe pode ser dada" (SANTOS, 2005a, p. 41).
É um conhecimento inter e transdisciplinar que, pela sua própria contextualização, convoca a um
"diálogo ou confronto com outros tipos de conhecimentos, o que o torna internamente mais
heterogêneo e mais adequado a ser produzido em sistemas abertos menos perenes e de organização
menos rígida e hierárquica "(SANTOS, 2005a, p. 43).
As narrativas produzidas pelos PCT permitem que suas vozes se manifestem e os sujeitos
problematizem rotinas e rituais, desvelando o cotidiano e impregnando de sentido práticas. Uma das
principais características da cartografia é a polifonia.

A ideia de polifonia se encontra em Bakhtin. Esse filósofo da linguagem emprega o


conceito na análise da ficção dostoievskiana e sugere que a mesma colocava em jogo
uma multiplicidade de vozes ideologicamente distintas, as quais resistiam ao discurso
autoral. Bakhtin utiliza polifonia para descrever o discurso que resulta de uma trama de
diferentes vozes, sem que nunca exista a dominação de uma voz sobre as outras. Uma
das características do dialogismo é conceber a unidade do mundo como polifônica, na
qual a recuperação do coletivo se faz via linguagem, sendo a presença do outro
constante. A linguagem, na concepção bakhtiniana, é uma realidade intersubjetiva e
essencialmente dialógica, em que o indivíduo é sempre atravessado pela coletividade.
(LABREA, 2014, p.56)

028
O texto que compõe esta cartografia é marcado pela "heterogeneidade enunciativa20"
(AUTHIER-REVUZ:1990), tanto a "mostrada como a constitutiva", em que a presença do outro - os
diferentes interlocutores dos PCT, os diferentes autores citados, são referências constantes. A
heterogeneidade estrutura a cartografia - como citação ou recorte discursivo - pois entendo que são
essas diferentes narrativas que mostram e conduzem a direção da metanarrativa que é o estudo.
Evito deliberadamente as paráfrases - comum na academia e que esconde o que vem do outro
- e utilizo as citações diretas e indiretas para ilustrar, defender ou contrapor uma posição enunciativa.
Essa prática não é valorizada na academia, assim como não é o uso da primeira pessoa do singular,
mas entendo que assumir a autoria por suas próprias palavras e dai construir uma posição de autoria
- e reconhecer a heterogeneidade enunciativa - o discurso outro - é fundamental para se entender os
processos pedagógicos que proponho analisar.
No texto há vários planos narrativos que se encontram e desencontram, encobrem e revelam
sentidos. Por vários planos narrativos entendo que não há uma história linear, há sobreposição de
narrativas. Na fala conseguimos, com alguma confusão, intercalar os planos: inicia-se um assunto, que
transborda em outro que remete a uma lembrança e volta-se para o assunto inicial com alguma
tranquilidade. No texto, literalmente linear, é mais complicado e por isso optei pelas notas de rodapé
para incluir comentários, indicar leituras que complementam o texto, inserir narrativas alternativas,
mostrar outras interpretações de alguns conceitos ou ideias expostas no texto. Enfim, as notas de
rodapé constituem uma parte importante do meu texto, complementam e aprofundam algumas ideias.
Neste estudo interessa particularmente reconhecer que essas narrativas criam uma ponte entre
mundos – o mundo da experiência e o mundo do refletir sobre a experiência. A pesquisa se insere no
que Santos (2007) denomina como Epistemologia do Sul. A Epistemologia do Sul fala da construção
do multiculturalismo emancipatório, ou seja,

na construção democrática das regras de reconhecimento recíproco, entre


identidades e entre culturas distintas. Este reconhecimento pode resultar em múltiplas
formas de partilha – tais como, identidades duais, identidades híbridas, interidentidade
e transidentidade – mas todas elas devem orientar-se pela seguinte pauta

20 A heterogeneidade enunciativa é proposta por Authier-Revuz (1990), que toma como base para sua pesquisa os estudos
de Bakhtin sobre a polifonia. Para ela, todo discurso é heterogêneo e as marcas palpáveis de outros discursos são, então,
heterogeneidades mostradas em negociação com a heterogeneidade constitutiva. Em Authier-Revuz, a noção de
heterogeneidade enunciativa é apresentada como sendo de dois tipos: a constitutiva e a mostrada (sendo a última marcada
ou não marcada). Elas são consideradas como processos distintos: o primeiro refere-se “aos processos reais de constituição
de um discurso”; o segundo, aos “processos de representação, num discurso, de sua constituição” (AUTHIER-REVUZ, 1990,
p.32). No caso da heterogeneidade constitutiva a presença do outro não é óbvia e não deixa marcas visíveis. Authier-Revuz
(idem, p. 26), toma os casos de heterogeneidade mostrada como “formas lingüísticas de representação de diferentes modos
de negociação do sujeito falante com a heterogeneidade constitutiva do seu discurso”. Ela ainda considera a existência de
dois tipos de enunciados: aqueles que mostram a heterogeneidade, com marcas explícitas, e aqueles cujas marcas não são
mostradas. Como exemplo de heterogeneidade mostrada e marcada, temos as glosas enunciativas, o discurso relatado
(formas sintáticas do discurso direto e do discurso indireto), as aspas. Como exemplo de heterogeneidade mostrada, mas
não marcada, temos a ironia, o discurso indireto livre, etc, que contam com o “outro dizer”, sem explicitá-lo, para produzir
sentidos (cfe. AUTHIER-REVUZ:1990, 1998, 2004).

029
transidentitária e transcultural: temos o direito de ser iguais quando a diferença nos
inferioriza e a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza (SANTOS,
2005b, p. 75; 2006a, p. 313, grifo nosso).

A opção metodológica pela cartografia se justifica porque preferimos deixar que as narrativas
já estabelecidas contassem essa história. As subjetividades coletivas adquirem um papel relevante
nos "estudos culturais sobre identidades construídas sob a forma de narrativas" (SANTOS, 2005, p.
19). Nos propomos, a partir do método cartográfico, entender que práticas são anunciadas e como se
organizam esses novos sujeitos epistêmicos e seu lugar de fala. Essa abordagem pressupõe um novo
modo de produzir conhecimentos, necessita de uma racionalidade mais ampla, em que se amplia a
diversidade epistemológica do mundo ao credibilizar a experiência social e ao reconhecer que existem
infinitas formas de descrever, ordenar e classificar o mundo.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
A escrita é uma coisa, o s aber, outra. A es crita é a fotografia do saber, mas não o saber em si. O saber é uma lu z
que existe no homem . A herança de tudo aquilo que nosso ancestrais vieram a conhecer e que se encontra latente
em tudo que nos transmitiram, assim como o baobá já exi ste em potencial em sua semente.
Tierno Bokar.

Neste capítulo busco descrever, mesmo que brevemente, por meio de recortes21 das narrativas
dos PCT, a pedagogia da roda que inclui três aprendizagens comuns nessas diferentes atividades
desenvolvidas junto aos coletivos de pesquisa e extensão. Denomino pedagogia da roda porque
relaciono pedagogia aos processos de ensino e aprendizagem e, por extensão, às questões de o que
e como ensinar. A roda, no caso, remete à forma como nos organizamos para responder essas e
outras questões: coletivamente, em uma hierarquia horizontal, onde todas as vozes eram ouvidas e
consideradas na produção de consensos e dissensos, onde, nas palavras de Mestra Catarina "os
conhecimentos acadêmicos e os conhecimentos-outros são ciência", ou seja, há conhecimento
teóricos e práticos - as vivências - e eles estão numa mesma relação de valor, seja lá de onde vierem,
com os conhecimentos eurocentrados. A academia, em sua literatura sobre os conhecimentos
contextuais produzidos pelos PCT em geral os mencionam como saberes e fazeres, mas Mestra
Catarina diz que não se deve fazer essa distinção: "Tudo é ciência. E ponto."
Teci, brevemente, um mapa inconcluso, sempre a se refazer, aberto, em que busco trazer as
vozes desses povos, suas análises e reflexões sobre os temas que abordamos na ERER e nas
pedagogias decoloniais. Foco, nos recortes narrativos, na construção do raciocínio e dos argumentos

21 A fim de orientar o leitor, cada recorte narrativo será identificado com o nome e dia da roda e a sigla da pesquisa em que
se organizou a roda. A identidade dos depoentes será preservada e vamos identificá-los por meio de iniciais. Exceção para
recortes narrativos que foram já publicados e os autores identificados, como por exemplo, no caso do OKARAN, que tem a
pesquisa finalizada e as falas principais registradas tanto no livro (OKARAN, 2020) quanto no Relatório Final (LABREA, 2020),
disponibilizado no Lume.

030
que apontam para rupturas da visão hegemônica que até pouco tempo atrás era monológica e
apontava, em suas diferentes teorias e matizes, para uma mesma direção. Cada uma dessas
experiências foi única e produziu resultados diferentes em cada grupo, até mesmo porque os objetivos
de cada atividade eram distintos uns dos outros. A produção de conhecimento de fato é contextual,
local e diz respeito às características de cada grupo e por isso não pretendo generalizações.
Restrepo y Rojas (2010) defendem que todo conhecimento está situado histórica, corporal e
geopoliticamente e, por isso, não se pretende chegar a generalizações ou roteiros de como abordar
as questões étnicas-raciais na universidade, mas apontar pistas que indiquem caminhos possíveis.
Essa reflexão se insere em uma abordagem decolonial que "se piensa como um paradigma otro, que
tiene em consideración la geopolítica y la corpopolítica, esto es, la situacionalidad geohistórica y
corporalizada que articula la producción de conocimiento" (RESTREPO Y ROJAS, 2010, p.20).
Ao olhar o mapa que produzimos vejo que a pedagogia da roda, tendo como base a oralidade,
concretizadas nos ipadês - que em yorùbá significa encontro, união e designa as rodas de conversa,
na vivência e na desformação (LABREA, KIEKOW, DORNELLES, 2019), entendidas como noção-
entrecruzada22, inauguram um espaço de entremeio, onde circulam a história e a memória dos PCT,
sua ancestralidade que vai ao encontro da contemporaneidade e aponta para futuros possíveis.

4.1 A pedagogia da roda: nada sobre nós sem nós


Onde restou o homem sobreviveu semente, sonho a engravidar o tempo. Esse sonho se ocultou no mais in acess íve l
de nós, lá onde a v iolênci a não pod ia golpear, lá onde a barbárie não tinha acesso. Em todo esse tempo, a terra
guardou, inteira, as suas vozes. Quando lhes imp ôs o s ilên cio elas mudaram de mundo. No escuro permaneceram
lunares. Estas histórias falam desse territ ório onde nos vamos refazendo e vamos molhando de esperan ça o rosto
de chuva, água abensonhada. Desse território onde todo homem é igual, assim: fingindo que est á, sonhando que
vai, inventando que volta.
Mia Couto, Hist órias Abenson hadas, 1994.

Ao longo de todos os encontros com lideranças dos PCT, ficou claro que a base da cultura
africana e afro-brasileira é oral e que o cruzamento da memória com a história estruturam seus
diferentes modos de vida e cosmovisões que são repassados nas rodas no terreiro23. A oralidade é a
maneira pela qual os PCT passam adiante seus ensinamentos. Segundo Mestra Catarina, uma das
características fundamentais das culturas tradicionais é a tradição oral. Para os PCT, a roda e as
narrativas que ali são produzidas são fundamentais para a compreensão do pensamento tradicional

22 Tomo este termo – noção-entrecruzada - de Barbier (2002) por entender que ela reflete a dimensão da transitoriedade que

está ligada à singularidade de cada trabalho. Culioli (1990:86), entende que o termo “noção” recusa a “relação de etiquetagem
entre palavras e conceitos” e “um termo não remete a um sentido, mas a um domínio nocional, isto é, um conjunto de
virtualidades”. Um domínio assim concebido possui um centro organizador que permite atrair para o seu interior o que com
ele se identifica, bem como autoriza a excluir o que lhe é estranho. Permite, igualmente, avaliar o que está na fronteira, no
limiar do domínio nocional, representando uma zona de alterações/transformações (idem: 89-90) (Tradução livre, feita em
aula). Acredito que este termo também engloba a interdisciplinaridade por não se referir a uma disciplina específica, mas a
vários olhares que se entrecruzam.
23
O terreiro, explicam as Yás, além de ser o local destinado à celebração dos cultos afro-brasileiros também designa todo o
território do PCT, também chamado de unidade territorial tradicional (UTT).

031
africano.
Os PCT têm como princípios unificadores: a natureza como divindade; o respeito incondicional
aos mais velhos; o respeito e o compromisso com o mais jovem; a circularidade como forma de
organização política-social; a oralidade como forma de educação (K.M. – Roda de conversa SSAN
POTMA do dia 09/04/21). Esses princípios estruturam a matriz civilizatória africana, fundada no
respeito à ancestralidade e de base comunitária, e foram incorporados e readaptados a uma nova
realidade que os aniquilava e desumanizava e resultaram nos quilombos na época da escravidão e,
contemporaneamente, no aquilombamento, estratégia para reconexão com essa ancestralidade e
religação comunitária. Joselicio Júnior (2019), sobre essa questão, afirma:

Lutamos contra a escravização dos nossos corpos por mais de três séculos e neste
processo construímos alternativas de sociabilidade, que foram os quilombos.
O aquilombamento foi uma experiência concreta, que demonstrou na prática que era
possível construir uma outra sociedade mais humana, mais justa, mais ambientalmente
viável. Os quilombos são o resultado da ousadia, da perspicácia de um povo que não
se curvou diante das dificuldades e das barreiras que pareciam intransponíveis. O fim
da escravização foi fruto dessa luta.
Os desafios e as dificuldades não acabam com o fim da escravização, mas ganham
novos contornos. A luta passa a ser pela sobrevivência, pelas tentativas de integração
social, econômica e cultural, pelo direito de existir. Questões que estão colocadas até
hoje pelo povo negro em nosso país (JÚNIOR, 2019).

Foi somente a partir do século passado que essas populações puderam ocupar posições até
então negadas, como direito à propriedade, ao salário, à educação e os demais direitos sociais. Essa
inclusão, nos termos de Boaventura Santos, foi de baixa intensidade: a população afro-brasileira
ocuparam as periferias das cidades e a zona rural, seus trabalhos em geral lidam com esforços físicos,
como na área da construção, jardinagem, plantação e colheita, são guardas e porteiros, zeladores da
propriedade alheia, militares de baixa patente, servidores domésticos e cuidadores de crianças e
dependem, de modo geral, dos serviços públicos para acessar os direitos sociais.
Mesmo quando conseguem superar sua condição inicial de existência e acessam o ensino
médio e o ensino superior, são mal integrados à sociedade, recebem os piores salários e tarefas e sua
formação no ensino superior em geral está atrelada às atividades de cuidado: professoras,
nutricionistas, assistentes sociais, enfermeiras, porque as vagas nos cursos de maior prestígio ainda
são ocupadas pelas elites e classe média.

O cotidiano massacrante nos faz parecer fracos, impotentes, incapazes de mudar os


rumos e a rota da vida. Isso nos traz a necessidade de sempre buscar um conforto, um
acalanto, algo que nos alimente de esperança para seguirmos em jornada. Essa busca
não deve ser individual, mas coletiva.
São nesses momentos difíceis que mais precisamos resgatar a força de nossos
antepassados. Aquilombar-se é se nutrir da ancestralidade, compreender as
tecnologias e métodos que construímos ao longo dos séculos, que nos permitiu
chegar até aqui. Esse pertencimento e essa identidade são fundamentais para

032
percebermos que não estamos sozinhos e que precisamos estar irmanados, agindo
coletivamente e estrategicamente (JÚNIOR, 2019, grifo meu).

As estratégias desses povos para superar os lugares que o preconceito racial, social e de
classe os fixou na sociedade brasileira, passa pelos ensinamentos que entrelaçam memória e história
e reinventam de diversos modos a tradição. Trago, na citação de Mia Couto, uma poética que destaca
a capacidade de resiliência e resistência à colonização através de um silêncio que ressoa,
imperturbável à passagem do tempo, e que manteve ao longo dos séculos a integridade dessas
histórias e memórias, "sonhos a engravidar do tempo" que guardaram "inteira suas vozes" e que as
repassaram "ao pé do ouvido" esses ensinamentos, de uma geração a outra, nos ipadês. "Para os
povos originários, a fala e a escuta são atos sagrados e devem ser respeitados" (OKARAN, 2020,
p.112).
Na chegança, ao abrir a roda, a primeira coisa que fazem é pedir licença e a benção aos mais
novos e aos mais velhos - e cada tradição tem uma forma de se expressar: no kilombo Morada da Paz
pede-se o "Agoyiè Mojùbá" (peço licença para ter a sua benção) (OKARAN, 2020, p.32), os POTMA
dizem "Saudações tradicionais" antes de pedir a fala: "Laroyê... a benção aos mais velhos, a benção
aos mais novos... ago". Os Mestres e Mestras da cultura popular chegam cantando: "Senhora, me dê
licença...nesse terreiro brincar..." (Benção de Lindô).
Pedir licença integra a ritualística dos povos e comunidades tradicionais de matriz africana, em
que cada um que fala pede licença e seu axé de fala e escuta - focado na energia sagrada de cada
orixá -, e se reconhece a presença das divindades - "nós não andamos sós" (OKARAN, 2020) - e de
seus interlocutores, sinaliza que a roda tem seu tempo e esse não é o tempo das ligeireza s da vida,
mas é um tempo mítico e infinito, um tempo circular, sintetizado na expressão de Negro Bispo: "início,
meio, início", de escuta e do exercício da plena presença e atenção ao outro.
A benção aos mais novos e aos mais velhos respeita a hierarquia circular das rodas: cada uma,
cada um tem seu tempo para falar e tempo para escutar o outro. Um dos aspectos interessantes da
expressão os mais velhos e os mais novos é que ela não expressa necessariamente a questão
intergeracional que seria o entendimento mais evidente. Em geral, os mais velhos são as pessoas com
maior idade, mas um mais velho pode ser a pessoa com mais experiência no tema do ipadê e menor
idade em relação aos outros interlocutores ou a pessoa que no terreiro ocupa ou nasceu em uma
posição diferenciada em relação às demais pessoas na roda.
Na discursividade das rodas fica evidente a preocupação com os mais velhos na perspectiva
geracional, há um cuidado e um reconhecimento de que os que tem maior idade possuem mais
experiência e por isso sua voz tem poder, como podemos ver nos recortes discursivos produzidos em
uma roda de conversa, realizada em março de 2021:
O mais velho é o centro: os jovens sentam em volta dele no processo de
aprendizado. (L., Roda de Conversa SSAN POTMA, 26/03/2021).

033
Os mais velhos sustentam (e não são sustentados pela) a comunidade.
Um ponto unificador entre a cultura Bantus, Jeje e Iorubá é o respeito aos
mais velhos. (K.M. Roda de Conversa SSAN POTMA, 26/03/2021).

Ao reunir os mais novos e os mais velhos, a roda sinaliza que a tomada de decisão é coletiva
e isso se traduz no ethos24 - que traduz a visão de mundo - nada sobre nós sem nós (OKARAN, 2002).
Este ethos, quando aplicado às decisões relacionadas à pesquisa, marca a passagem dos PCT, antes
entendidos como um objeto de pesquisa, que é falado e descrito por alguém que não faz parte da
comunidade e que não retorna à comunidade com o resultado de seu estudo, a um sujeito do
conhecimento que participa plenamente da produção de conhecimento que é realizada em seu
território.

Este lema, nada sobre nós sem nós, emprestado da luta das pessoas com deficiências,
alerta para uma prática comum tanto na elaboração das políticas públicas quanto na
produção de conhecimento: a ausência ou irrelevância dos sujeitos, vistos como um
outro que nada tem a dizer sobre a produção das condições de existência de sua
própria vida. Essa é uma forma recorrente de violência simbólica e cognitiva, comum
aos negros e negras no Brasil. Nosso ethos recusa essa visão apequenada e
preconceituosa (OKARAN, 2020, p.43)

Nada sobre nós sem nós é um ethos que direciona a pesquisa e traduz um esforço de
construir e difundir a visão de mundo e um saber kilombola singular, com categorias,
metodologias, dinâmicas e expressões próprias. No caso do kilombo, utilizamos o nada
sobre nós sem nós para marcar um território enunciativo no qual o lugar de fala sobre
nossa pesquisa sobre e com o kilombo pertence a uma kilombola ou a uma
pesquisadora que o kilombo autorizou a falar ou escrever sobre ele. Neste processo
interessa particularmente reconhecer que essas narrativas criam uma ponte entre
mundos - o mundo da experiência e o mundo do refletir sobre a experiência (LABREA,
KIEKOW, DORNELLES, 2019, p.11)

Quando pensamos, por exemplo, no OKARAN, um coletivo que se constituiu por iniciativa dos
kilombolas que se organizaram coletivamente para participar de uma pesquisa que foi proposta por
eles, a fim de salvaguardar sua história, memória e cosmovisão. Esta pesquisa se organizou em
diálogo com as características do kilombo: a oralidade, a circularidade, o ensinar pela cultura, tradição
e história, o fazer junto, as decisões coletivas nas rodas.
Nas atividades de extensão Conexão Norte-Sul e no curso de Soberania e Segurança
Alimentar: o sistema alimentar dos povos tradicionais de matriz africana, na interdisciplina Encontro de
Saberes o protagonismo dos PCT continua: as rodas de conversa foram a principal estratégia
metodológica a fim de garantir a voz e a presença dos povos tradicionais, por que houve um

24 Parto da reflexão de Geertz que transcrevo a seguir: "Os aspectos morais (e estéticos) de uma dada cultura, os elementos
valorativos, foram resumidos sob o termo ethos, enquanto os aspectos cognitivos, existenciais foram designados pelo termo
visão de mundo. O ethos de um povo é o tom, o caráter e a qualidade de sua vida, seu estilo moral e estético e sua disposição,
é a atitude subjacente em relação a ele mesmo e ao seu mundo que a vida reflete. A visão de mundo que esse povo tem é o
quadro que elabora das coisas como elas são na simples realidade, seu conceito da natureza, de si mesmo, da sociedade"
(GEERTZ, 1978).

034
entendimento de que ter como base a oralidade, as memórias e a história iria nos permitir a produção
de um conhecimento contextual útil para essa população, através de narrativas que descrevem as
formas de viver e intervir em cada território, as experiências e tecnologias sociais e culturais ali
desenvolvidas, a cosmovisão e a simbologia que agregam camadas, adensando a cartografia.
A presença desses grupos na universidade atestam que as linhas divisórias entre nós e eles,
linhas imaginárias que muitas vezes negam o direito à alteridade e à diferença e se recusam a
responder ao outro não são naturais, mas uma construção artificial e perversa da nossa sociedade
racista, sexista e homofóbica que tenta limitar a presença de vários grupos sociais, silenciando-os. Ao
contrário, a mera presença desses negros e negras – que carregam no corpo as marcas das suas
crenças e de sua cosmovisão –, denunciam a arbitrariedade e fragilidade de uma academia que muitas
vezes sequer consegue acessá-los, que dirá entendê-los.
Sempre foi no coletivo, e nos ipadês, que definimos uma gramática para a pesquisa e as
categorias que iríamos privilegiar. Essas rodas foram gravadas e serão disponibilizadas como material
de pesquisa porque nelas, através das narrativas de história de vida, do mapeamento de suas
atividades, de suas estratégias de sustentabilidade, de seus modos de se educar e educar as crianças
e os jovens, de suas lutas e mobilizações, da agenda política e o diálogo com as políticas públicas e
com o estado pode-se perceber que suas ações subvertem uma memória histórica de discriminação
em função de raça, gênero e classe social.
Nas narrativas surge a categoria de vivência, que extrapola na minha leitura, a de experiência
social, adensado-a.

4.2 As vivências: em busca do buen vivir


O Bem Viver é uma oportunidade para construir outra sociedade, sustentado em uma convivênci a cidadã, e m
diversidade e harmonia com a natureza, a partir do conhecimento dos diversos povos culturais existentes no país
e no mundo.
José María Tortosa in: ACOSTA, 2016

A vivência é uma categoria fundante para se entender o modo de ser e viver dos povos
tradicionais e autóctones (LABREA, KIEKOW, DORNELLES, 2019, p.109) porque ela se constitui a
partir da cosmovisão, dos valores e da ancestralidade dessas populações. A vivência está
comprometida com as estratégias de sustentabilidade, superação do racismo, das desigualdades e da
devastação ambiental.
A ideia de vivência, nessa perspectiva, é um "conhecimento contextual, construído
coletivamente no viver-junto para bem viver, fortalecendo os vínculos de pertencimento e de
identidade" (LABREA, 2015, p.7). Baogan, líderança no kilombo Morada da Paz, em uma roda, explica
o que entende por vivência:

035
As vivências são momentos em que nos possibilitamos experenciar, sentir, perceber,
transcendendo padrões lógicos e racionais de pensamento. Podemos então “viver” na
mais pura acepção da palavra, sem nos preocupar com conceitos, pré-conceitos ou
juízos de valor, sentindo-nos plenos e conectados ao nosso real ser e ao cosmos. As
vivências em nosso kilombo caracterizam-se além da subjetividade de percepções que
provocam em cada um dos irmãos/irmãs, por terem um forte envolvimento
coletivo/comunitário e um componente espiritual predominante. O lugar é a base para
as nossas vivências e o conjunto de nossas vivências constitui a nossa história e
sustentam a nossa territorialidade (BAOGAN, 2017, p.9-10).

A vivência pode ser então entendida como uma noção-entrecruzada e que pode ser entendida
como momentos que possibilitam participar, sentir, perceber, não somente com a racionalidade, mas
também com o corpo e com os sentidos as experiências sociais que trazem conhecimentos e práticas
que vão sendo traduzidas e incorporadas em minha trajetória educativa. A partir da vivência, o
conhecimento é incorporado, ou seja, está no corpo e é o corpo, fazendo parte, dai em diante, da
presença daquele sujeito no mundo.

Podemos então perceber que as vivências na perspectiva da CoMPaz são experiências


coletivas que transcendem a realidade exclusivamente material, pois há um
componente espiritual que permeia tudo o que acontece (rituais, oficinas, alimentação
coletiva, preces práticas). São experiências sociais que extrapolam o cotidiano, pois as
vivências estão imbricadas diretamente dentro dele (BAOGAN, 2017, p. 13).

As vivências são baseadas na pedagogia da roda, que parte da tradição - que tem a oralidade,
a circularidade, a ancestralidade e as trocas intergeracionais (os mais novos e os mais velhos), o
matriarcado e a natureza como divindade como os principais elementos que (re)ligam tanto povos
tradicionais de matriz africana quanto povos indígenas.
As vivências dialogam com um saber tradicional, matricial, crítico e autocrítico, contextual que
buscam transformar e transcender a realidade. Os PCT realizam um trabalho de recuperação da
sabedoria ancestral africana e afro-brasileira, que relacionamos com a ideia de Bem Viver25 que é um
“processo proveniente da matriz comunitária de povos que vivem em harmonia com a Natureza”
(ACOSTA, 2016, p.24). Este autor sustenta que os indígenas - e nós acrescentamos os kilombolas e
demais povos tradicionais - não são pré-modernos nem atrasados.

Seus valores, experiências e práticas sintetizam uma civilização viva, que demonstrou
capacidade para enfrentar a Modernidade colonial. Com suas propostas, imaginam um
futuro distinto que já alimenta os debates globais. O Bem Viver faz um primeiro esforço
para compilar os principais conceitos, algumas experiências e, sobretudo,
determinadas práticas existentes nos Andes e na Amazônia, assim como em outros
lugares do planeta (ACOSTA, 2016, p.24).

25 Bem Viver, Buen Vivir ou Vivir Bien também pode ser interpretado como sumak kawsay (kíchwa), suma qamaña (aymara)

ou nhandereko (guarani), e se apresenta como uma oportunidade para construir coletivamente uma nova forma de vida
(ACOSTA, 2016, p.23).

036
Na minha leitura, as vivências são uma estratégia educativa onde os mais velhos e os mais
novos se educam e reeducam reciprocamente a partir de um profundo enraizamento, de uma imersão
no estudo de suas tradições, de sua história, de sua cultura, seus modos de vida e de uma coletividade
que está sempre em movimento, não só entre si, mas com grupos parceiros que podem ajudar a
alavancar processos comuns e com isso criam "oportunidade para construir outros tipos de
sociedades, sustentadas sobre uma convivência harmoniosa entre os seres humanos consigo mesmos
e com a Natureza, a partir do reconhecimento dos diversos valores culturais existentes no planeta"
(ACOSTA, 2016, p.26).
A vivência induz a uma boa convivência entre a comunidade e a natureza, e essa característica
ela compartilha com a noção de Bem Viver - que é mais ampla pois defende um novo paradigma
civilizatório, que inclui mudanças no Estado e no atual modelo civilizatório.
Não por acaso ambas, vivência e Bem Viver têm o mesmo radical latino vivere, apontando para
a vida. São ideias-forças que compartilham uma gramática decolonial, sustentam políticas voltadas
para a vida, a reciprocidade e a solidariedade. As vivências são estratégias pedagógicas e sustentáveis
que levam ao Bem Viver.
Nas vivências há um esforço enorme para reconstruir caminhos, pois os que já existem estão
vedados para a população negra, para recriar pedagogias e, principalmente, questionar a narrativa
hegemônica que coloca esses povos em situação subalterna, sempre vulneráveis.
Esse esforço demanda a recriação da formação, no seu avesso, DES-formação, sair da caixa
dos saberes coloniais que reforçam lugares sociais, culturais, ontológico, epistemológico, estéticos,
éticos e político que a população afrodescendente não pode habitar. As vivências e a desformação
apontam que há uma pedagogia que permeia todas as ações dos PCT que se organiza para educar
os mais velhos e os mais novos, por meio deste resgate e da reinvenção das tradições, cosmovisão,
história e cultura afro-brasileira.

4.3 Os processos de desformação: é preciso uma comunidade inteira


para educar uma criança
Nada justifica a falt a de Esperan ça.
M ãe Preta

A ideia de desformação entendidas como "espaços para sair da forma (academicista) e pensar
fora da caixa, trabalhar o diálogo entre os saberes, de forma circular, em rodas de conversa, sem
mesas ou lugares de fala fixos, para nos tirar da forma do academicismo e da hierarquiza ção dos
saberes" (LABREA, KIEKOW, DORNELLES, 2019,p.17-18) que estruturam a colonialidade do poder,
do ser e do saber.
A desformação também têm como objetivo questionar o racismo e o mito da democracia racial

037
que ainda persistem em habitar a escola e a universidade. É necessário uma reeducação brancos e
negros direcionada a inserir a história e a cultura afro-brasileira nos currículos escolares e
universitários e para isso é necessário um processo de sair do campo epistemológico e ontológico do
paradigma eurocêntrico de hierarquização dos saberes.
A desformação é um processo e um projeto intercultural, humanizado e humanizador, de cunho
emancipatório, para além da educação formal, baseado na diversidade, na cooperação, nos direitos
humanos e voltado para a liberdade. Ela se ancora em uma pedagogia enraizada, dialógica, onde o
passado é honrado e valorizado porque contém e perpetua a experiência social dos mais velhos e dos
ancestrais a partir das narrativas e vivências.
Para Mãe Preta, guiança do kilombo Morada da Paz, usa esse termo com frequência para se
referir tanto às atividades pedagógicas quanto a imersão na espiritualidade e ancestralidade, diz que:
"desformar é tirar da forma em que fomos formatados, ou aprender a desaprender o modo como fomos
ensinados" (FLORES, 2018, p. 229).
No kilombo a desformação gerou a Pedagogia do Encantamento, descrita nos seguintes
termos:

A Pedagogia do Encantamento traduz a importância de encantar-se pelo processo de


educar e de aprender. O educar encantado tem afeto e amor para a construção do
conhecimento baseado no que toca o coração para além do cérebro. O
autoconhecimento e os valores são instrumentos desse saber que edifica, se forma
para toda a vida, assim ressignifica sua própria existência e a existência do outro. O
ato de cuidar, educar e amar passa pelo processo de encantar-se e manter-se vivo em
ações, pensamentos, atitudes e sonhos. É uma educação baseada na ancestralidade
e na unidade tendo como base a circularidade com valores matriciais e kilombolas,
mantendo esse sonho vivo no dia a dia, ressaltando o zelo pela memória dos povos.
Essa pedagogia é livre de fórmulas, possibilita a troca de saberes através de exemplos
mais do que de palavras e propõe a manutenção da esperança, do sonho e da fé. É
acreditar nas possibilidades, fortalecendo e tecendo uma sustentação, um olhar para o
respeito e gratidão pela vida. (OKARAN, 2020, p.104-5).

O processo de desformação é também uma estratégia pedagógica em reação às escolas que


não contemplam a ERER, como vemos no seguinte depoimento:

Isso passa desde a total inobservância da Lei 10.639/03 que institui a obrigatoriedade
do ensino da história e da cultura africana no currículo escolar até a total ignorância
dos princípios e valores civilizatórios africanos e afro-brasileiros, como a circularidade,
a territorialidade, a corporeidade, a musicalidade, na pedagogia das escolas onde as
crianças e jovens do kilombo estão matriculados (OKARAN, 2020, p.106).

A desformação nutre-se da ideia de aquilombar-se em suas diferentes dimensões: busca


construir um espaço coletivo de afeto e acolhimento, escuta e sociabilidade, de sentidos coletivos, de
fortalecimento de laços, memórias e constituição de uma identidade. Também busca construir
coletivamente resistência e produzir movimentos para mudar a realidade dos negros e negras no país

038
(JUNIOR, 2019).
A desformação passa também pelo entendimento de que "algumas portas só abrem pelo lado
de dentro", como diz Mãe Preta, e por isso é importante para a população afrodescendente estar
presente, ocupando espaços culturais e políticos na sociedade. Lutar por políticas de reparação,
visando corrigir as distorções e desigualdades raciais e sociais históricas deste país pressupõe se
reeducar, conhecer tanto o conhecimento hegemônico, que perpassa os bancos escolares e
universitários, mas também sua história e cultura, a fim de ter elementos para se contrapor à
necropolítica que perpetua morte e desigualdade para os corpos negros e disputar essa narrativa.

4.4 A encruzilhada onde se encontram os PCT, a ERER e as pedagogias


decoloniais

Mélange, mistura, um pouco disso e um pouco daquilo,


é dessa forma que o novo entra no mando.
(...) Celebrar o hibridismo, a impureza, a mistura , a transf ormação,
que vêm de novas e inesperadas combinações
de seres humanos, culturas, idéias, políti cas, fi lmes e músicas.
Salman Rush die, 1 991.

Neste capítulo trouxe alguns elementos que caracterizam as estratégias de ensino e


aprendizagem no kilombo de Mãe Preta, nas rodas de prosa com os PCT, nas atividades de extensão
que coordeno. A pedagogia da roda tem na oralidade, nas vivências e na desformação uma estratégia
que busca a reeducação e a abertura para outras pedagogias - que eu entendo como decoloniais -
porque têm uma intencionalidade que as diferenciam das estratégias de cunho mais conservador e por
isso tomo de Rufino (2015) a metáfora da encruzilhada para que essa pedagogia dialogue com a ERER
em uma perspectiva decolonial.
A encruzilhada, para Rufino (2015), são campos de possibilidades, tempo/espaço de potência,
onde todas as opções se atravessam, dialogam, se entroncam e se contaminam. Rufino remete a Exú,
senhor da encruzilhada de três caminhos, em vez da dicotomia sim ou não, Exú mistura o sim e o não
na terceira via e opera nas frestas. Percebo esse mesmo movimento na pedagogia da roda.
A pedagogia da roda cruza com a pedagogia da encruzilhada (Rufino, 2015), dialoga com a
Educação do Campo Kilombola (KIEKOW, 2020), se encanta com o trabalho de ERER desenvolvido
pelo Coletivo Quilombelas26(2021), aprende com a pedagogia do encantamento (OKARAN, 2020) e

26 O Coletivo Quilombelas reúne educadoras negras que trabalham nas escolas municipais da Restinga, bairro da periferia
de Porto Alegre. Desenvolvem vários projetos: Sarau Mix: te vira negrada, com música e poesia produzida por autores negros,
oficinas, jogos e brincadeiras africanas, OLUKONI: encontro de professoras pretas da Restinga, o Afrotinga, o desfile
Porongos os esquecidos serão exaltados, que visa contar a história do massacre dos porongos, cerca de 100 lanceiros negros
acampados no Cerro do Porongo foram emboscados durante a Guerra dos Farrapos, pelas tropas imperiais, no século XIX.

039
várias outras iniciativas de outros coletivos de educadoras, e nela estão presentes alguns traços
desses cruzamentos, outros se originam das vivências enraizadas em diferentes territorialidades. Em
comum, todas buscam trazer para o debate escolar a ERER em uma perspectiva decolonial, isto é,
são práticas organizadas a partir de projetos interculturais, pensados juntos com a comunidade
escolar, orientados para a decolonialização e à transformação social a partir da luta histórica dos povos
negros por direitos.
As DCN da ERER (BRASIL, 2004c), na minha leitura, dão abertura para pensar pedagogias
decoloniais, quando diz que "temos pedagogias de combate ao racismo e a discriminações por criar"
(ibidem, p.6). E esclarece as características dessas pedagogias:

Tais pedagogias precisam estar atentas para que todos, negros e não negros, além de
ter acesso a conhecimentos básicos tidos como fundamentais para a vida integrada à
sociedade, exercício profissional competente, recebam formação que os capacite para
forjar novas relações étnico-raciais. Para tanto, há necessidade, como já vimos, de
professores qualificados para o ensino das diferentes áreas de conhecimentos e, além
disso, sensíveis e capazes de direcionar positivamente as relações entre pessoas de
diferentes pertencimento étnico-racial, no sentido do respeito e da correção de
posturas, atitudes, palavras preconceituosas. Daí a necessidade de se insistir e investir
para que os professores, além de sólida formação na área específica de atuação,
recebam formação que os capacite não só a compreender a importância das questões
relacionadas à diversidade étnico-racial, mas a lidar positivamente com elas e,
sobretudo criar estratégias pedagógicas que possam auxiliar a reeducá-las (BRASIL,
2004c, p.8).

As DCN da ERER são bem detalhadas ao apontar quais os conhecimentos devem ser
trabalhados em sala de aula:

Em História da África, tratada em perspectiva positiva, não só de denúncia da miséria


e discriminações que atingem o continente, nos tópicos pertinentes se fará
articuladamente com a história dos afrodescendentes no Brasil e serão abordados
temas relativos: - ao papel dos anciãos e dos griots como guardiãos da memória
histórica; - à história da ancestralidade e religiosidade africana; - aos núbios e aos
egípcios, como civilizações que contribuíram decisivamente para o desenvolvimento
da humanidade; - às civilizações e organizações políticas pré-coloniais, como os
reinos do Mali, do Congo e do Zimbabwe; - ao tráfico e à escravidão do ponto de vista
dos escravizados; - ao papel de europeus, de asiáticos e também de africanos no
tráfico; - à ocupação colonial na perspectiva dos africanos; - às lutas pela
independência política dos países africanos; - às ações em prol da união africana em
nossos dias, bem como o papel da União Africana, para tanto; - às relações entre as
culturas e as histórias dos povos do continente africano e os da diáspora; - à formação
compulsória da diáspora, vida e existência cultural e histórica dos africanos e seus
descendentes fora da África; - à diversidade da diáspora, hoje, nas Américas, Caribe,
Europa, Ásia; - aos acordos políticos, econômicos, educacionais e culturais entre
África, Brasil e outros países da diáspora.
- O ensino de Cultura Afro-Brasileira destacará o jeito próprio de ser, viver e pensar
manifestado tanto no dia a dia, quanto em celebrações como congadas, moçambiques,
ensaios, maracatus, rodas de samba, entre outras.
- O ensino de Cultura Africana abrangerá: - as contribuições do Egito para a ciência e
filosofia ocidentais; - as universidades africanas Timbuktu, Gao, Djene que floresciam
no século XVI; - as tecnologias de agricultura, de beneficiamento de cultivos, de

040
mineração e de edificações trazidas pelos escravizados, bem como a produção
científica, artística (artes plásticas, literatura, música, dança, teatro) política, na
atualidade.
- O ensino de História e de Cultura Afro-Brasileira, se fará por diferentes meios,
inclusive, a realização de projetos de diferentes naturezas, no decorrer do ano letivo,
com vistas à divulgação e estudo da participação dos africanos e de seus descendentes
em episódios da história do Brasil, na construção econômica, social e cultural da nação,
destacando-se a atuação de negros em diferentes áreas do conhecimento, de atuação
profissional, de criação tecnológica e artística, de luta social (tais como: Zumbi, Luiza
Nahim, Aleijadinho, Padre Maurício, Luiz Gama, Cruz e Souza, João Cândido, André
Rebouças, Teodoro Sampaio, José Correia Leite, Solano Trindade, Antonieta de
Barros, Edison Carneiro, Lélia Gonzáles, Beatriz Nascimento, Milton Santos, Guerreiro
Ramos, Clóvis Moura, Abdias do Nascimento, Henrique Antunes Cunha, Tereza
Santos, Emmanuel Araújo, Cuti, Alzira Rufino, Inaicyra Falcão dos Santos, entre
outros).
- O ensino de História e Cultura Africana se fará por diferentes meios, inclusive a
realização de projetos de diferente natureza, no decorrer do ano letivo, com vistas à
divulgação e estudo da participação dos africanos e de seus descendentes na diáspora,
em episódios da história mundial, na construção econômica, social e cultural das
nações do continente africano e da diáspora, destacando-se a atuação de negros em
diferentes áreas do conhecimento, de atuação profissional, de criação tecnológica e
artística, de luta social (entre outros: rainha Nzinga, Toussaint-L’Ouverture, Martin
Luther King, Malcom X, Marcus Garvey, Aimé Cesaire, Léopold Senghor, Mariama Bâ,
Amílcar Cabral, Cheik Anta Diop, Steve Biko, Nelson Mandela, Aminata Traoré,
Christiane Taubira) (BRASIL, 2004cp.12-13).

Em vista dessas orientações, como implementar as diretrizes da ERER em nível tão específico
e aprofundado em escolas que são organizadas para reproduzir os conhecimentos e os valores
eurocêntricos? Escolas cujas professoras, em sua grande maioria, não possuem formação para atuar
nesses contextos teóricos e epistemológicos mais amplos indicados pelo Parecer.
As DCN da ERER em suas propostas dialogam com as pedagogias decoloniais e a
interculturalidade crítica, pois reconhecem a diferença colonial, reescrevem a contribuição da África
para a humanidade e dos afrodescendentes para o Brasil e buscam reparar injustiças históricas. Aqui
vemos a possibilidade, na educação brasileira, de um giro decolonial, uma virada epistêmica, as
encruzilhadas que geram novos conhecimentos, que falam de outros lugares epistêmicos e
ontológicos.
No entanto, essa aspiração a um projeto decolonial não se sustenta enquanto política pública.
Ele existe nas brechas, porque algumas professoras e algumas escolas propõe grupos de estudo e
projetos voltados à cultura e história da população afrodescendente de suas comunidades. Elas agem
no vazio da ação do Estado.
Os avanços observados nas primeiras décadas dos anos 2000, que se traduziram em politicas
públicas reparativas e ações afirmativas, foram poucos e pontuais e quando produziram resultados,
causaram um certo mal estar em uma sociedade que se imagina branca e, desde 2016, houve um
recuo na implementação dessas políticas, um retorno ao conservadorismo e a retirada de direitos já
conquistados. Não obstante, a temática racial se faz presente, principalmente, na "criminalização do

041
racismo, na valorização da diversidade cultural e no reconhecimento dos direitos territoriais das
comunidades quilombolas" (SEPPIR, 2013, p. 16).

O racismo, ao longo dos séculos, tem criado estratégias para manter os negros
brasileiros à margem dos direitos devidos a todos os cidadãos, sobretudo os negros
que se reconhecem descendentes de africanos, que se negam deixar assimilar por
ideias e conhecimentos depreciativos de tudo que vem da sabedoria construída a partir
de suas raízes. Infelizmente, pessoas e instituições ignorantes das civilizações e
culturas africanas continuam fomentando e renovando atitudes, posturas racistas e
desigualdades entre negros e não-negros. Por isso, foi necessário que se
estabelecesse uma política pública com o intuito de corrigir disparidades, começando
por garantir a todos os brasileiros, igual direito a sua história e a cultura (SILVA, 2012).

Não é por acaso que a população negra no Brasil, ao longo da história e atualmente, é a menos
escolarizada, com maiores taxas de analfabetismo, evasão e reprovação escolar, vive em estado
perpétuo de insegurança alimentar e nutricional, recebe os menores salários, realiza os serviços com
menos prestígio, são as maiores vítimas da violência (civil, de estado e doméstica), possui as maiores
taxas de drogadição e gravidez precoce e as menores taxas de acesso ao ensino superior, aos serviços
de saúde e assistência social precária e insuficiente. Esse cenário foi construído e naturalizado ao
longo da história do país e é neste contexto de racismo epistêmico, de desigualdades profundas que
as lutas decoloniais pelo saber, ser e poder, de viés antirracista se inscrevem e disputam por um outro
projeto de vida para toda a sociedade, fundamentado no Bem Viver.
Assim, não basta, como vemos nas políticas reparativas e de ações afirmativas no Brasil, o
Estado se modernizar e incorporar burocraticamente as dimensões indígenas e afrodescendentes ou
criar espaços especiais, como a "educação intercultural bilíngue apenas para os indígenas, ou
constituindo instituições para a administração das questões indígenas. Para construir o Bem Viver, a
educação intercultural, por exemplo, deve ser aplicada a todo o sistema educativo – obviamente,
porém, com outros princípios conceituais" (ACOSTA, 2016, p.26, grifo meu). Para que isso aconteça,
ainda são necessárias muitas lutas e disputas por um outro projeto educacional.
Walsh (2013) compreende que as lutas sociais também são cenários pedagógicos e, por isso,
o ensino e a aprendizagem, a transmissão de conhecimentos não pode estar limitada somente aos
espaços escolares, mas também ao espaço social. E essa é uma dimensão que deve pautar a disputa
pela ERER na sociedade. Essa discussão deve sair do âmbito educacional e impregnar as pautas das
lutas por direitos. Autora, nessa questão, se ampara em Paulo Freire porque esse educador brasileiro
percebe que a pedagogia é uma metodologia necessária nas lutas sociais, políticas, ontológicas e
epistêmicas de libertação contra uma educação bancária.
Nas lutas, os participantes exercem suas pedagogias de aprendizagem, des-aprendizagem, re-
aprendizagem27, reflexão e ação. Essas pedagogias outras defendem um outro projeto civilizatório,

27 Na perspectiva decolonial kilombola, essas pedagogias de des-aprendizagens e re-aprendizagens, reflexão e ação são os

042
que não reproduz o legado colonial eurocêntrico, mas é voltado para o Bem Viver e para o
reconhecimento e valorização dos diferentes povos que constituem a sociedade brasileira. Essas
pedagogias são um conhecimento contextual, crítico, auto-reflexivo, histórica e territorialmente
localizados, produzidos por educadoras-pesquisadoras que vivem no sul, que são pretas e pardas (e
indígenas) e constroem suas vivências e seus processos de desformação sem ter como referência o
norte global, valorizando as ciências que são produzidas por essas populações e que muitas vezes
passam despercebidas, porque não encontram respaldo nos valores e conhecimentos considerados
úteis para a manutenção do capitalismo.
Estes caminhos mobilizam uma memória coletiva, de longa duração, articulada a práticas
teoréticas e pedagogias de intervenção, que são anteriores ou resposta ao processo de invasão
colonial-imperial nas terras de Abya Yala28. Essas estratégias, práticas e metodologias conformam as
pedagogias de lutas, rebeldia, insurgência, organização e a ação dos povos originários e dos africanos
sequestrados para poderem seguir sendo, sentindo, fazendo, pensando e vivendo decolonialmente
apesar do poder colonial (WALSH, 2013). Essa luta, no meu entendimento, se estende a toda
sociedade latino-americana, porque embora a elite dessa sociedade se imagine branca, é também
mestiça e considerada pela Europa e países alinhados como de segunda categoria.
A memória coletiva é uma categoria muito importante porque cria um espaço onde se
entrecruza a prática do pedagógico e do decolonial. A memória coletiva resguarda, restaura e repassa
a história, os conhecimentos, a mitologia, os valores e a cosmovisão que, de outra forma, teriam sido
apagadas pelo processo colonizador que negou humanidade aos povos escravizados e submetidos
contra sua vontade. Não se imagina, contudo, que o período pré-colonial tenha sido idílico ou ideal,
sem contradições, sem disputas, lutas pelo poder, ou desigualdades. O que se sustenta é que nesse
período, antes da chegado do colonizador, as lutas de opressão e dominação não tenham sido
racializadas, como tem sido na modernidade e contemporaneidade.
Outra categoria que se destaca no projeto de pedagogias decoloniais e que podemos observar
na pedagogia da roda é a interculturalidade crítica que se contrapõe ao predomínio da monocultura
eurocêntrica e que remete a uma compreensão do mundo que considera a diversidade das trajetórias
em diferentes países e diferentes contextos. Walsh explica o que entende por interculturalidade crítica:

processos de desformação que têm as vivências e a roda como estratégia pedagógica.


28Abya Yala na língua do povo Kuna, significa Terra madura, Terra Viva ou Terra em florescimento e é sinônimo de

América. O povo Kuna é originário da Serra Nevada, no norte da Colômbia, tendo habitado a região do Golfo de Urabá e
das montanhas de Darien e vive atualmente na costa caribenha do Panamá na Comarca de Kuna Yala (San Blas). Abya
Yala vem sendo usado como uma autodesignação dos povos originários do continente como contraponto a América
objetivando construir um sentimento de unidade e pertencimento Fonte: https://iela.ufsc.br/povos-originários/abya-
yala,acesso em 24/11/2021.

043
é uma construção de e a partir das pessoas que sofreram uma experiência histórica de
submissão e subalternização. Uma proposta e um projeto político que também poderia
expandir-se e abarcar uma aliança com pessoas que também buscam construir
alternativas à globalização neoliberal e à racionalidade ocidental, e que lutam tanto pela
transformação social como pela criação de condições de poder, saber e ser muito
diferentes. Pensada desta maneira, a interculturalidade crítica não é um processo ou
prometo étnico, nem um projeto da diferença em si. [...], é um projeto de existência, de
vida. (WALSH, 2007:8)

A interculturalidade crítica se encontra com a ERER ao se abrir diante das diferenças étnicas,
culturais e linguísticas que coabitam um mesmo território, sem a ideia de hierarquias. A
interculturalidade enquanto um projeto decolonial busca a diversidade, o respeito às diferenças, busca
consensos ou afinidades que se traduzem em pautas compartilhadas, ao mesmo tempo que reconhece
e aceita o dissenso, a fim de construir novos modos de viver e conviver.
A ERER sinaliza um movimento do Estado brasileiro de mudar a imagem e a posição da
população afro-brasileira na sociedade e a partir dela há uma série de experiências pedagógicas em
curso que colocam a cultura e a história africana e afro-brasileira no centro da organização curricular.
Essas experiências denunciam o longo processo de colonização e escravidão que submeteu, tolheu e
maltratou os corpos negros e que mesmo após sua aparente derrocada, de muitas formas,
permanecem estruturando o lugar social da população afrodescendente no país porque permanece a
colonialidade do saber, do ser e do poder.
Segundo Maldonado-Torres (2007, p.131), a colonialidade é um padrão de poder que resulta
do colonialismo moderno e ela sobrevive em função da sua reprodução nos livros escolares, nos
critérios dos trabalhos acadêmicos, na cultura, no senso comum, na autoimagem dos povos e nas
aspirações dos sujeitos, que têm, por sua vez, suas trajetórias mais ou menos determinadas em função
da desigualdade entre as raças, gênero e territórios.
O colonialismo é interpelado por essas pedagogias outras que incidem nas políticas
educacionais, mesmo que não possuam, por elas mesmas, a força de modificar os currículos. Mas
esses cruzos, com bem diz Rufino (2015), operam praticando rasuras e ressignificação conceituais.
"Os cruzos revelam as encruzilhadas como complexos interculturais mobilizados por saberes
cosmopolitas" (RUFINO, 2015).
A luta dos movimentos sociais colocaram o povo negro no centro de uma outra história, que
disputa um lugar a fim de validar e tornar conhecida sua própria episteme e com isso ampliar e
visibilizar os diferentes conhecimentos que são produzidos na sociedade brasileira, onde a maioria da
população é tomada como minoria e tem sua história, cultura, ética e estética tornada irrelevante nas
tomadas de decisões políticas e econômicas.
Creio que mesmo no meio de profundos e amargos retrocessos políticos e sociais, que dizem
muito da nossa sociedade estruturada sob o mito da democracia racial, essas politicas reparativas -
agora tornadas novamente irrelevantes e sem nenhuma dotação orçamentária para saírem do papel e

044
habitarem as escolas - ainda assim produzem ecos e reverberam nas práticas escolares, reinventando
as pedagogias decoloniais voltadas para a reeducação de brancos e negros.
Acredito - e crença não se fundamenta apenas na fé, mas nos movimentos e nos dados - que
o processo reconhecimento dos direitos e a contribuição do povo negro para a sociedade brasileira é
irreversível e integra uma agenda internacional. Estamos, em minha leitura, entre dois tempos - o que
foi, um já-vivido: reconhecimentos de direitos e o que é, um agora frágil e rancoroso que recusa e nega
os direitos já conquistados. E há uma terceira via, entre os dois tempos, no entremeio, um por-viver
que aponta para o futuro, que se abre para possibilidades porque o que se defende na ERER - e no
conjunto de direitos fundamentais que ainda estão por serem garantidos - não é a aniquilação dos
saberes, dos seres e poderes eurocêntricos, mas a abertura para outras epistemes a partir desses
cruzos ou da tradução intercultural. Nesse espírito, não há fórmulas que determinem como efetivar
esse projeto, mas historicidade. Um já-vivido e um por-viver que trazem a memória de um percurso já
percorrido e alimentam uma visão de futuro possível. E entre o que foi e o que é, nas brechas, há
aquelas que diariamente vivem outras pedagogias.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
5.1 Início, meio, início
A fim de manter a ilusão de que existe um final, aqui crio uma linha no meu mapa, um fio, um
gesto de interpretação que se compreende incompleto porque a cada nova leitura surgem temas não
desenvolvidos, porém prenhes de sentidos. Eu também silencio sentidos possíveis, pois não é possível
dizer tudo a respeito de um assunto, sempre sobram fios que podem posteriormente ser retomados e
ressignificados. A cartografia subjetiva caracteriza-se por esse constante movimento, nesses
encontros que juntos forjam um novo relevo nas paisagens educacionais contemporâneas. Agora, no
final, há a necessidade de retornar, retomando os fios da narrativa a fim de verificarmos os resultados
desta trajetória educativa.
Para ter um fim, mesmo que provisório, retomo a ideia inicial deste estudo que era cartografar
três estratégias educativas sintetizadas na ideia de uma pedagogia da roda. Com isso reconheço que
as estratégias que utilizamos na universidade não dão conta da experiência social que são produzidas
pelos PCT. São outros espaços, outros tempos, outras metodologias, outras racionalidades.
Na pesquisa para entender que conhecimentos eram esses, trazidos pelos PCT me deparei
com o decolonialismo e as pedagogias decoloniais. Autoras latino-americanas, brasileiras,
educadoras-pesquisadoras, as reflexões trazidas pelos PCT me deram um outro referencial e tive que
sair da minha zona de conforto, largar os autores eurocêntricos que até então me ajudaram a pensar

045
as questões de minhas pesquisas e olhar para as questões elaboradas dentro dos coletivos
pesquisadores que integro a partir de outras lentes. A síntese que apresento do decolonialismo e das
pedagogias decoloniais é fruto desse esforço de desformação e reeducação por meio de outras
vivências, em roda.
A pedagogia da roda, entre tantas outras pedagogias vivenciadas nas escolas do Brasil, se
inscreve também em uma política pública educacional, com quem dialoga, a ERER. Ao falar da ERER
tentei inseri-la em uma esforço maior de criar uma agenda social comprometida com os direitos
humanos de todos os humanos e em combater a desigualdade social, econômica e cognitiva que estão
sujeitos os corpos racializados. Essa agenda social, no Brasil, foi implementada por um governo de
esquerda, especificamente no governo do Presidente Lula, mas ela não foi criada, como dizem os
negacionistas e terraplanistas de hoje, pela esquerda e não tem origem no socialismo, mas na agenda
social democrática dos governos europeus no pós-guerra. Ela foi pautada pelos movimentos sociais e
incorporada ou capturada pelos organismos internacionais que já entenderam que interessa ao capital
ampliar direitos porque com isso produz novos consumidores.
Os poucos e parcos recursos que foram investidos na implementação das políticas reparativas
e ações afirmativas no Brasil produziram vários resultados na sociedade: milhões de corpos negros
saíram da situação de extrema pobreza, se inseriram nas políticas públicas e acessaram recursos e
serviços nas áreas de saúde, assistência social, educação, desenvolvimento agrário, cultura e
acessaram espaços de participação social dentro das estruturas governamentais.
Na educação, a política de cotas raciais e sociais mudaram o perfil dos estudantes do ensino
superior e creio que foi esse um dos aspectos que gerou tanta tensão e dissenso na sociedade que
está polarizada e, desde 2016, aderiu a um projeto extremamente conservador, que democraticamente
retira direitos já conquistados. Nesse cenário, a implementação da ERER perde muito do seu ímpeto,
já a partir do governo da presidenta Dilma Rousseff e, após o golpe que a retirou do poder, essa política
praticamente desaparece na agenda do governo federal. O que fica é a memória do que já foi
construído e as professoras da Educação Básica, os movimentos sociais, em particular o movimento
negro, as universidades a partir da implementação de uma disciplina de ERER nos cursos de
licenciaturas mantém viva essa política apesar da inação do Estado brasileiro.
Discuti brevemente a complexidade que é implementar a ERER, a partir de suas diretrizes que
se abrem para pedagogias decoloniais, múltiplas, contextuais, em um cenário educacional voltado para
testes internacionais e que tem a BNCC como principal orientação de política curricular. A esfera
pública discute com aparente seriedade o criacionismo, terraplanismo, escola sem partido e
militarização das escolas públicas, como se esses temas fossem de algum modo ainda não totalmente
elucidado, agregar qualidade ao ensino público.
Não obstante esse cenário nada promissor, temos as pedagogias da roda, das encruzilhadas,

046
do encantamento, a educação do campo kilombola, o trabalho desenvolvido por professoras pretas
nas escolas públicas das periferias, as culturas populares que adentram as escolas e disputam a
narrativa e produzem, nas brechas, ou no centro de uma outra história, como prefiro pensar, um outro
projeto epistemológico, a partir de uma crítica à modernidade ocidental em seus postulados históricos,
éticos, estéticos, sociológicos, epistemológicos e filosóficos. E ai retornamos para as pedagogias
decolonais interculturais.
Essas aprendizagens apontam para uma reinvenção da tradição, que amplie as possibilidades
de existência e ser no mundo. Superar o contato colonizador, reaprender a dizer, fazer o silêncio falar
para produzir autonomia, só é possível por meio de um projeto educacional decolonial intercultural
crítico que inclua a diversidade epistemológica que constitui esse país, que são enraizadas,
contextualizadas e falam das vidas de sujeitos que nunca perderam de vista sua história, memória e
cultura. O desafio está firmado.

Axé.

6. REFERÊNCIAS
ACSELRAD, H. (Org.). Cartografias sociais. Rio de Janeiro: IPPUR/UFRGS, 2008.
ALENCASTRO, Luiz Felipe. O trato dos viventes. Formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo:
Cia. das Letras, 2000.
ALVES, Arlete Maria da Silva. Cultura de desigualdades: raça, movimentos feministas e justiça
ambiental, Proposta, 76, pp. 64-72, março/maio 1998.
ARROYO, Miguel. Currículo, território em disputa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
AUTHIER-REVUZ, J. Entre a transparência e a opacidade: um estudo enunciativo do sentido.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.
AUTHIER-REVUZ, J. Heterogeneidade(s) enunciativa(s). In: Cadernos de estudos lingüísticos.
Campinas, UNICAMP – IEL, n. 19, jul./dez.,1990
AUTHIER-REVUZ, J. Palavras incertas – As não-coincidências do dizer. Campinas: Editora da
UNICAMP, 1998.
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: HUCITEC, 1995.
BALLESTRIN, Luciana. América Latina e o giro decolonial. Rev. Bras. Ciênc. Polít. [online]. 2013,
n.11, p. 89-117.
BALLESTRIN, Luciana. Entrevista de Luciana Ballestrin concedida ao site IHU On-Line. Disponível
em: http://www.gonzatto.com/decolonial-ou-descolonial/, acesso em 02/11/2021.
BARBIER, René. A pesquisa-ação. Tradução por Lucie Didio. Brasília: Plano, 2002. Série Pesquisa
em Educação, v.3.

047
BRANDI, Reginaldo. De africano a afro-brasileiro: etnia, identidade, religião. Revista USP, São
Paulo, nº 46, pp. 52-65, jun./ago. 2000.
BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e
para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília, MEC/SEPPIR, 2004a.
BRASIL. Resolução no. 01, de 17 de junho de 2004 institui Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-
Brasileira e Africana. Brasília, MEC/CNE, 2004b.
BRASIL. Parecer no. CNE/CP 03/2004 Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
Brasília, MEC/CNE, 2004c.
BRASIL. Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacional da Educação
das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
Brasília: MEC/SEPPIR, 2009.
BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 7.352 de 04 de novembro de 2010. BSB, DF, 2010.
BRASIL. Presidência da República. Decreto no. 6040 de 07 de fevereiro de 2007. BSB, DF, 2007.
BRASIL. Presidência da República. Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003. BSB, DF, 2003.
BRASIL. Presidência da República. Lei no 11.645, de 10 março de 2008. BSB, DF, 2008b.
CARTH, John Land. A Base Nacional Comum Curricular e a aplicação da política de Educação
para Educação das Relações Etnico-Raciais (afro-brasileira, quilombola, cigana). Disponível em:
http://etnicoracial.mec.gov.br/images/pdf/artigos/A-BNCC2018-e-a-ERER.pdf, acesso em 02/11/2021.
CASTRO-GOMEZ, Santiago; GROSFOGUEL, Ramón. Prólogo. Giro decolonial, teoría crítica y
pensamiento heterárquico. In: CASTRO-GOMEZ, Santiago; GROSFOGUEL, Ramón (org.). El giro
decolonial; reflexiones epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre
Editores; Universidad Central, Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos y Pontificia
Universidad Javeriana, Instituto Pensar, 2007.
CUNHA, Antônio Geraldo. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Rio de Janeiro, Lexikon,
2007.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia, v.1. Rio de Janeiro:
Editora 34, 1995.
DUSSEL, Enrique. 1492 El encubrimientodel Outro Hacia El origen del “mito de La Modernidad”.
Conferencias de Frankfurt, Octubre 1992. Colección Academia. No 1 Plural editores – Faculdade
de Humanidades y Ciencias de La Educación – UMSA: La Paz, 1994.
DUSSEL, Enrique. 1492: O encobrimento do Outro. A origem do mito da modernidade. Trad.
Jaime A. Claesen. Petrópolis RJ, Vozes, 1993.
DUSSEL, Enrique. Ética da Libertação na idade da globalização e da exclusão.Petrópolis, RJ:

048
Vozes, 2007.
DUSSEL, Enrique. Europa, modernidade e eurocentrismo. In: LANDER, Edgardo (Org.). A
Colonialidade do Saber: Eurocentrismo e Ciências Sociais perspectivas latino-americanas.
ColecciónSur-Sur. CiudadAutonoma de Buenos Aires, Argentina: CLACSO, 2005.
ESCOBAR, Arturo. Territorios de Diferencia: Lugar, movimientos, vida, redes. Trad.: Eduardo
Restrepo. Bogotá: Envión Editores, 2010.
GEERTZ, Clifford. Interpretação das culturas. RJ: Zahar Editores, 1978.
GROSFOGUEL, Ramon. Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-
coloniais: transmordenidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. In: SANTOS,
Boaventura de Sousa ; MENESES, Maria Paula (Org.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez,
2010.
JUNIOR, Josecilio. É tempo de se aquilombar. In: Fórum, 29/04/2019. Disponível em:
https://revistaforum.com.br/noticias/e-tempo-de-se-aquilombar/#, acesso em 25/10/2021.
KASTRUP, Virginia; PASSOS, Eduardo, ESCOSSIA, Liliana da. Pistas do método da cartografia;
pesquisa intervenção e produção da subjetividade. Porto Alegre, Sulina, 2015.
KASTRUP, Virginia; PASSOS, Eduardo, ESCOSSIA, Liliana da. Pistas do método da cartografia; a
experiência e o plano comum. Porto Alegre, Sulina, 2016.
KIEKOW, Pedro Eduardo. Diálogos Possíveis entre a Educação do Campo e a Educação
KilombolA: início de uma proposta de uma Educação do Campo Kilombola. Porto Alegre, FACED,
2020. TCC.
LABREA, V. V., SOUSA, G., & FERREIRA, A. A mística na educação do campo e sua interlocução
com a ecologia dos saberes: apontamentos de percurso. In Anais do III SIFEDOC, UFFN:
Erexim/RS, 2017.
LABREA, V. V.; REIS, D. R. S. Quando rezo é canto, quando canto é rezo: trajetória educativa de um
Coletivo de Cantantes e Brincantes na Educação do Campo Kilombola. Rev. Bras. Educ. Camp.,
Tocantinópolis, v. 6, e9057, 2021.
LABREA, V.V. Pedagogia do Encantamento e Ekonomia do Afeto: cartografia subjetiva em
território feminino kilombola. Relatório final do projeto de pesquisa e extensão. PoA:
FACED/UFRGS, 2020.
LABREA, Valéria Viana, SIQUEIRA, André Boccasius, BIERHALS, Patrícia. Cartografia da
Educação do Campo na UFRGS: ensino, pesquisa e extensão. PoA, FACED, UFRGS, 2021.
LABREA, Valéria Viana; DORNELLES, Denise Freitas; KIEKOW, Pedro Eduardo. Cartografias da
EduCampo: alternância, trabalho e estratégias para conter a evasão in: RTPS – Rev. Trabalho,
Política e Sociedade, Vol. III, no 04, p. 151-170, jan.-jun./2018.
LABREA, Valéria Viana; KIEKOW, Pedro Eduardo; DORNELLES, Denise Freitas. Cartografia

049
subjetiva em território feminino kilombola: em busca da utopia do bem viver in: Cadernos do
Lepaarq, v. XVi, n.31., p. 107-120, Jan-Jun. 2019.
LABREA, Valéria Viana. Cartografias de memória social, tecnologias sociais e produção de
conhecimento contextual na Educação do Campo: Projeto de Pesquisa e Extensão Universitária.
Porto Alegre, UFRGS/FACED, 2015.
LABREA, Valéria Viana. Redes híbridas de cultura: o imaginário no poder - Cartografia e análise
do discurso do Programa Cultura Viva - 2004 a 2013. Brasília, FE/UnB, 2014. (Tese de Doutorado).
LOPES, Nei. Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana. São Paulo: Selo Negro, 2004.
MATOS, L. O., & GONZÁLEZ, I. D. S. Entrevista a Catherine Walsh: pensar-sentir-actuar desde y con
los gritos y las grietas en América Latina. Revista Estudos Culturais, (4), 2019. Recuperado de
https://www.revistas.usp.br/revistaec/article/view/155091
MATTOS, Regiane Augusto de. De cassange, mina, benguela a gentio da Guiné: grupos étnicos
e formação de identidades africanas na cidade de São Paulo (1800-1850). São Paulo: Serviço de
Comunicação Social, FFLCH/USP, 2009.
MIGNOLO, Walter. El pensamiento decolonial: desprendimiento y apertura. Un manifiesto. In:
Santiago Castro-Gómez; Ramón Grosfoguel (eds.). El girodecolonial. Reflexiones para una
diversidad epistémica más Allá del capitalismo global. Bogotá: Iesco-Pensar-Siglodel Hombre
Editores.2007.
MIGNOLO, Walter. A colonialidade de cabo a rabo: o hemisfério ocidental no horizonte conceitual da
modernidade. In: A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas
latino-americanas. Edgardo Lander (org). Colección Sur Sur, CLACSO, Ciudad Autónoma de Buenos
Aires, Argentina. set. 2005. p. 71-103.
MIGNOLO, Walter. Local Histories/Global Designs: Essays on the Coloniality
MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa; CANDAU, Vera. Educação escolar e cultura(s): construindo
caminhos. Revista Brasileira de Educação, no 23 Mai/Jun/Jul/Ago - 2003.
MOURA, Clovis. Dicionário da Escravidão Negra no Brasil. São Paulo: EDUSP, 2004.
MOURA, Glória. Proposta Pedagógica Educação Quilombola. In: BRASIL, Educação Quilombola.
Salto Para o futuro. Boletim 10, Junho, 2007.
MUNANGA, Kabengele. Negritude: usos e sentidos. 2. ed. São Paulo: Ática, 1986.
MUNANGA, Kabengele. Origem e histórico do quilombo na África. Revista USP, São Paulo (28):
56 – 63, fevereiro, 1996.
MUNANGA, Kabengele. Origens africanas do Brasil Contemporâneo. Histórias, Línguas, Culturas
e Civilizações. São Paulo: Global, 2009.
OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno; ALBUQUERQUE, Maria Betânia Barbosa. Filosofia, Cultura e
Educação indígena. In: HENNING, Leoni Maria Padilha. Pesquisa, ensino e extensão no campo

050
filosófico-educacional: debate contemporâneo sobre a educação filosófica. Londrina: EDUEL,
2010.
OLIVEIRA, Luiz Fernandes de; CANDAU, Vera Maria Ferrão. Pedagogia decolonial e educação
antirracista e intercultural no Brasil. Educação em Revista: Belo Horizonte. v.26, n.01, p.15-40 . abr.
2010.
ORLANDI, Eni P. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. 4 ed. Campinas:
Pontes, 1996.
ORLANDI, Eni P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 2000.
ORLANDI, Eni P. As formas do silêncio: o movimento dos sentidos. Campinas: UNICAMP, 1993.
BALLESTRIN, Luciana. América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência
Política. n11. Brasília, Maio/Ago de 2013, PP. 89-117. 2013.
PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. SP: Companhia das Letras, 2001.
QUIJANO, Aníbal. “Colonialidad y modernidad/racionalidad”. In: Heraclio Bonilla (comp.). Los
conquistados. 1492 y la población indígena de las Américas. Quito: Libri Mundi, Tercer Mundo,
1992.
QUIJANO, Aníbal. “Coloniality of Power, Ethnocentrism and Latin America”. Nepantla. Views from
South, 1, 3, 533-580, 2000.
QUIJANO, Aníbal. América, el capitalismo y la modernidad nacieron el mismo día. ILLA, n. 10, jan.
1991 (entrevista).
QUIJANO, Aníbal. Colonialidaddel poder y clasificación social. In: Santiago Castro- Gómez ; Ramón
Grosfoguel (eds.). El girodecolonial. Reflexiones para una diversidad epistémica más Alládel
capitalismo global.Bogotá: Hombre Editores, 2007.
QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo
(Org.). A Colonialidade do Saber: Eurocentrismo e Ciências Sociais perspectivas latino-americanas.
ColecciónSur-Sur, CLACSO, Ciudad Autonoma de Buenos Aires, Argentina, setembro, 2005.
RESTREPO, Eduardo; ROJAS, Axel. Inflexióndecolonial: fuentes, conceptos y
cuestionamientos. Colombia: Popayãn: Universidad del Cuenca, 2010.
RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala. Belo Horizonte, Letramento, 2017.
ROLNIK, Suely. Cartografia Sentimental. Transformações contemporâneas do desejo. São
Paulo: Estação Liberdade, 1989.
SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. Epistemologia do Sul. São Paulo:
Cortez, 2010.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo; para uma nova cultura política. São Paulo:
Cortez, 2006.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social. São

051
Paulo: Boitempo, 2007.
SANTOS, Sales Augusto dos. Ação Afirmativa ou a Utopia Possível: O Perfil dos Professores e dos
Pós-Graduandos e a Opinião destes sobre Ações Afirmativas para os Negros Ingressarem nos Cursos
de Graduação da UnB. Relatório Final de Pesquisa. Brasília: ANPEd/ 2° Concurso Negro e Educação,
mimeo, 2002.
SCHLEUMER, Fabiana. Entre mortos, enfermos e “feiticeiros”. Um estudo sobre a presença
africana no contexto da diáspora. São Paulo – século XVIII. Disponível
em: http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300847525_ARQUIVO_t_completo_fschleu
mer_anpuh_2011.pdf
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade – uma introdução às teorias do currículo.
Belo Horizonte, Autêntica, 2002.
SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves e. A Lei n° 10.639 na visão de Petronilha Beatriz Gonçalves e
Silva. Fundação cultural Palmares, 11/01/2012. Disponível em:
https://www.palmares.gov.br/?p=17211, acesso em 22/10/2021.
SOARES, Mariza de Carvalho. Descobrindo a Guiné no Brasil Colonial. Revista do Instituto
Histórico e Geográfico do Brasil, 161 (407) 71-94, abr./jun. 2000. Disponível
em: http://sitemason.vanderbilt.edu/files/fz4lrO/RIHGB.pdf
SOARES, Mariza de Carvalho. Mina, Angola e Guiné: Nomes d’África no Rio de Janeiro
Setecentista. Tempo, Vol. 3, n° 6, Dezembro de 1998. Disponível
em:http://www.historia.uff.br/tempo/artigos_dossie/artg6-6.pdf
THEODORO, Mário (org.). As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil. 120 anos após
a abolição. Brasília, IPEA, 2008.
TRECCANI, Girolamo Domenico. Terras de Quilombo: caminhos e entraves do processo de
titulação. Belém, 2006.
UNESCO. História Geral da África. V: África do século XVI ao XVIII. Brasília: UNESCO, 2010.
WALLERSTEIN, Immanuel Maurice. O universalismo europeu: a retórica do poder. Trad. Beatriz
Medina. São Paulo: Boitempo, 2007.
WALSH, Catherine. Interculturalidad, Estado, Sociedad: Luchas (de)coloniales de nuestra época.
Universidad Andina Simón Bolivar, Ediciones Abya-Yala,: Quito, 2009. Disponível em
< http://www.flacsoandes.edu.ec/interculturalidad/wp-content/uploads/2012/01/Interculturalidad-
estado-y-sociedad.pdf >, acesso em 02/11/2021.
WALSH, Catherine. Interculturalidade crítica e pedagogia Decolonial: in-surgir, re-existir e re-viver. In:
CANDAU, Vera (Org.). Educação Intercultural na América Latina: entre concepções, tensões e
propostas. Rio de Janeiro: 07 Letras, 2009.
WALSH, Catherine. La educación Intercultural em La Educación. Peru: Ministerio de Educación,

052
2001.
WALSH, Catherine. Interculturalidad Crítica/Pedagogia decolonial. In: Memórias del Seminário
Internacional “Diversidad, Interculturalidad y Construcción de Ciudad”, Bogotá: Universidad
Pedagógica Nacional 17-19 de abril de 2007. 16 p.

053

Você também pode gostar