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Do Atendimento Clínico Psicológico em

Instituições de Saúde

E osteque
capítulo
nos permite
contextualiza
apresentar
o campo
a instituição
da saúdedeasaúde
partircomo
de suas
umdiretrizes,
local pri
vilegiado para exercício da clínica psicanalitica e para o estabelecimento
de dispositivos clínicos de atenção, acolhimento e atendimento (Moretto,
2016a). De modo a poder localizar o leitor no tange ao campo de atuação
do psicanalista nas instituições de saúde, inicialmente proponho um breve
esclarecimento a respeito do conceito de Saúde e do conceito de Sistema
de Saúde.
Na sequência abordo diretamente os aspectos pertinentes ao histórico
do atendimento clínico em instituições de saúde, a partir do histórico da
Psicologia da Saúde enquanto disciplina e campo de atuação do psicólogo
tanto no que diz respeito à promoção e prevenção da Saúde, quanto no
que envolve a temática do diagnóstico, do tratamento e da reabilitação de
pacientes adoecidos.
No item seguinte, a discussão a respeito das relações entre Psicologia
Clínica e Psicologia da Saúde, antes que possa parecer mais teórica do que
prática, é importante quando o que está em questão é a qualidade de servi
ços oferecidos pelo profissional psicólogo, em suas diversas modalidades
de atuação na área da saúde. Toca, portanto, a questão do investimento em
formação básica e ampliada do psicólogo para a atuação na área da saúde,
condição sem a qual a Psicologia da Saúde terá os seus dias contados.
No item sobre a caracterização do atendimento clínico psicológico nas
instituições de saúde (sob uma perspectiva psicanalitica), espera-se que os
elementos apresentados funcionem também como subsídios para a refle
xão sobre o processo de implantação e/ou desenvolvimento de projetos/
serviços de Psicologia nas instituições de saúde, de modo a caracterizar o
atendimento clínico como elemento essencial ao trabalho interdisciplinar,
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Abordagem Psicanálitica do Sofrimento nas lnstituiçôes de Sai~de Maria Lívia Tourinho Moretto

possibffitando ao psicanalista uma participação efetiva no campo de cons de alcançar resultados condizentes com a concepção de saúde de determi
trução de decisões que caracteriza o cotidiano das instituições de saúde. nada sociedade.
Por fim, propomos a discussão que toca as relações entre atendimen O Brasil, seguindo as tendências mundiais a respeito da ampliação
to clínico psicológico e promoção de saúde, para que tenhamos subsídios do conceito de saúde e em função da força crescente do movimento da
que embasem uma reflexão madura a respeito das críticas dirigidas ao Reforma Sanitária Brasileira, implantou o Sistema Unico de Saúde (SUS)
psicólogo clínico neste campo, pois esta é uma rica oportunidade de revê em 1990, como resultado de um longo processo que visava mudar o modo
-las, desfazendo mal-entendidos que, se não tratados, tendem a favorecer como o Brasil garantia saúde a seus cidadãos (Giovaneila et al, 2008).
mais uma dicotomia improdutiva: Psicologia Clínica versus Psicologia da O Sistema Único de Saúde (SUS), considerando por força constitucio
Saúde. nal que a saúde é um direito de todo cidadão e um dever do Estado, tanto
no que tange a promoção e prevenção quanto no que tange a tratamento
e reabilitação, oferece e presta serviços nas diversas Instituições de Saúde
2.1. Do Conceito de Sai!ide e da Oferta de Serviços nas que se organizam em rede, adotando o modelo piramidal de atenção à
instituições de Sai~’ide saúde: atenção primária, secundária, terciária e quaternária (Paim, 2008).
Desta forma, as instituições de saúde, cada uma com sua tecnologia, são
A Saúde é um fator essencial ao desenvolvimento humano (Buss, classificadas e estão estruturadas para oferecer serviços de acordo com o
2009), definida pela Organização Mundial de Saúde, na carta de princí grau de complexidade dos casos que se dispõem a atender.
pios do dia 07 de abril de 1948 (dia que, a partir de então, passou a ser O SUS funciona, portanto, a partir da organização de uma rede inte
considerado o Dia Mundial da Saúde), como o estado do mais completo grada de serviços de saúde, oferecidos nas diversas instituições de saúde
bem-estar fisico, mental e social e não apenas a ausência de enfermidade que compõem esta rede, que tem a função de garantir a integração de ações
(Scliar, 2007). que possibilitem o cuidado progressivo do paciente, garantindo atenção
De acordo com este conceito, a saúde de um indivíduo diz respei ao usuário em todos os níveis do Sistema de Saúde.
to ao equilíbrio de condições biopsicossociais que compõem sua vida lhe A oferta de serviços no nível primário de atenção à saúde se faz em
proporcionado bem-estar e o campo da saúde abrangeria quatro grandes instituições equipadas com tecnologia de baixa complexidade e equipe
áreas: a Biologia Humana (que compreende a herança genética e os proces de saúde generalista, tais como Unidades Básicas de Saúde (Dimenstein,
sos biológicos inerentes à vida, incluindo os fatores de envelhecimento), o 1998), nas quais se observa a ênfase em programas e ações de proteção e
meio ambiente (que inclui, por exemplo, o solo, a água, o ar, a moradia, o promoção de saúde e prevenção de doenças dirigidas à comunidade, com
local de trabalho), o estilo de vida (do qual resultam decisões que afetam a função de reduzir os fatores de risco para o estabelecimento de doenças.
a saúde, tais como, por exemplo, fumar ou deixar de fumar, fazer ou não No nível secundário, a oferta de serviços se faz em instituições de saú
uso abusivo de bebidas alcóolicas, praticar ou não exercício fisico e o modo de equipadas com tecnologia para atender a problemas de média comple
de estabelecimento das relações sociais) e a organização de sistemas para xidade, tais como Ambulatórios Médicos Especializados (AMEs) e, nestas
assistência à saúde (o estabelecimento de Instituições de Saúde) (Brasil, instituições, a ênfase no trabalho clínico toma força, em especial do que
2002). diz respeito ao diagnóstico e tratamento precoce da limitação apresentada
Dados de pesquisas apresentadas na literatura especializada (Paim, pelo paciente, numa tentativa de reduzir os fatores de risco para o agravo
2008) indicam que quanto melhor for a condição de saúde de uma po das doenças já estabelecidas (Yamada, 2009), exigindo a presença de pro
pulação, maior será o seu índice de desenvolvimento, o que faz com que fissionais especializados como componentes das equipes que atuam nestas
cresça o interesse e a participação do Estado nos mecanismos que pro instituições.
movem a saúde e o bem-estar de uma população, organizando Sistemas Os serviços de saúde para atendimento nos níveis terciário e quater
de Saúde. nário, visando cura e reabilitação, respectivamente, exigem equipamen
O Sistema de Saúde de um país é o conjunto de relações políticas, tos e tecnologia de alta complexidade e são oferecidos, necessariamen
econômicas e institucionais responsáveis pela condução dos processos de te, em instituições de saúde hospitalares. No hospital, evidentemente,
saúde de uma dada população (Paim, 2008), e se concretiza por meio do o atendimento clínico é a atividade principal de todo profissional que
estabelecimento de regras e rede de serviços organizados, com o objetivo compõe a equipe de saúde, cada um em sua especialidade e, de preferên
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cia, todos atentos à integração das ações, visando o cuidado progressivo Na Europa, a primeira associação surgiu em 1986, quando teve início
do paciente. a European Health Psychology Society (EHPS) e, desde então, foram sur
gindo outros periódicos que cumprem a função de divulgar o conhecimen
to produzido na área.
2.2. Histórico do Atendimento Clínico Psicológico em
No Brasil, desde 1962, quando do reconhecimento e regulamentação
instituições de Sai~ide da Psicologia enquanto profissão no Brasil por força da Lei Federal n9
4.119, o psicólogo passou a atuar em quatro áreas: clínica, escolar, organi
A entrada do psicólogo nas instituições de saúde está vinculada à am zacional e magistério (Dimenstein, 1998).
pliação do conceito de saúde proposta pela OMS, que abandona a defini A entrada do psicólogo clínico nas Instituições de Saúde tornou-se
ção clássica (porém, simplista) de saúde como ausência de doença, para possível no final da década de 70, a partir das mudanças ocorridas no ce
considerá-la a partir do paradigma biopsicossocial. A partir desse novo nário político brasileiro, que culminaram com o franco esgotamento do
paradigma ocorre, necessariamente, a ampliação do campo de trabalho na modelo médico hegemônico e hospitalocêntrico (Mendes, 1994), dando
área da saúde, e a consequência disso é a crescente valorização da aborda origem às mudanças no contexto das políticas públicas de saúde, possibi
gem multiprofissional, uma vez que são diversos os fatores relacionados litando a entrada de outros profissionais.
ao processo “saúde-doença-cuidados” (Buss, 2009). Na medida em que mudava a concepção de saúde (não era mais ape
O histórico da Psicologia da Saúde pode ser esclarecedor para a com nas a ausência de doença), foi para o campo da Saúde Pública que con
preensão do histórico do atendimento clínico psicológico nas instituições vergiu uma parcela significativa dos profissionais psicólogos brasileiros,
de saúde que, por seu turno, está vinculado ao histórico do percurso, o ampliando assim o seu campo de atuação (Dimenstein, 1998), ou seja, a
qual possibilitou a entrada do psicólogo na área da Saúde e ao manejo do Psicologia encontra um lugar na cena da saúde pública quando o modelo
método clínico por parte dele. baseado unicamente na “prática médica curativa” passa a dar lugar à aten
Foi em 1970 que a Psicologia da Saúde foi concebida enquanto disci ção básica e ao modelo interdisciplinar (Spink, 2010).
plina nos Estados Unidos e começou a se consolidar quando a American Considerado, desde então, como parte integrante da força de trabalho
Psychological Association (APA) criou a primeira associação de grupo de em saúde, atualmente o psicólogo brasileiro está presente nos quadros do
trabalho na área da saúde, dando consistência aos trabalhos que já vinham funcionalismo público que presta assistência em Saúde, desenvolvendo
se realizando (Castro e Bornholdt, 2004). um papel essencial no que diz respeito às atividades de assistência integral
A Psicologia da Saúde é, portanto, uma área de contribuições profis aos usuários, de tal modo que, em 2010, o Estado era o maior empregador
sionais, cientificas e educacionais da Psicologia, que busca realizar estudos (76,6%) da categoria profissional no país (CREPOP, 2010).
e trabalhos relacionados à promoção e manutenção da saúde, prevenção e Dessa forma, vimos que o que caracteriza a Psicologia da Saúde é o
tratamento da saúde e também da doença de pessoas e populações, visan fato dela ter sido fundada a partir do modelo biopsicossocial de saúde e—

do à melhoria da qualidade de vida e a identificação de fatores relaciona isso orienta suas práticas e o fato dela se desenvolver, necessariamente,

dos ao desenvolvimento de enfermidades (Matarazzo, 1980; Remor, 1999). no campo da interdisciplinaridade, o que exige do psicólogo competência
Por conta mesmo de seu histórico, a Psicologia da Saúde também bus e habilidade para integrar o seu trabalho ao de outros profissionais da área
ca contribuir para a análise e a melhoria da qualidade do sistema e dos da saúde.
serviços de saúde de um país, contribuindo, na medida do possível, para a Habilitado a trabalhar no campo da saúde (o que não é a mesma coisa
elaboração de políticas públicas de saúde, por meio das constatações que de ter recebido desde o seu curso de graduação a formação básica para
extrai, especialmente, de seu campo de pesquisa (Calveffi, Muller e Nunes, isso), o psicólogo pode atuar em diferentes contextos, dentre eles: hospi
2007). tais, centros de saúde comunitários, organizações não governamentais,
Em 1979, com o avanço dos trabalhos e de pesquisas na área, a APA unidades básicas de saúde, ambulatórios médicos especializados, comu
criou a Divisão 38, a chamada Health Psychology (cujo histórico pode ser nidades e domiciios.
lido no site http://www.health-psych.org/PDF/DivHistory.pdf ). Em 1982, Entre as ações dos psicólogos da saúde, muita ênfase tem sido dada
a APA lançou a revista Health Psychology, que foi a primeira revista na àquelas que são estratégias que visam à promoção e à educação em saúde,
área, e que continua em rica atividade até a presente data.
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que visam a alcançar populações (não apenas pessoas), sustentadas pela Essa heterogeneidade se observa desde o próprio histórico da Psicolo
hipótese de que as intervenções educativas têm um caráter multiplicador e gia da Saúde, que demonstra que o seu “berço” é a Saúde Coletiva. Além
podem capacitar a própria comunidade para ser agente de transformação disso, as relações que se estabelecem entre a Psicologia da Saúde e a Psico
da realidade, com o intuito de reduzir os riscos de instalação de condições logia Clínica, embora sejam lógicas, são também controversas. A discussão
desfavoráveis à saúde, controlar e melhorar a qualidade de vida (Castro e sobre elas interessa ao psicanalista na medida em que ele, necessariamen
Bornholdt, 2004). te, faz parte dela.
A despeito disto, sabe-se bem que o que se demanda de um psicólogo, Para Rey (1997), a Psicologia da Saúde, área já consolidada interna
de forma geral, em qualquer instituição de saúde, é a abordagem ao so cionalmente, é uma disciplina que tem se orientado mais aos problemas
frimento dos pacientes seja para diagnosticar, tratar ou prevenir, mas a
— vinculados ao desenvolvimento da saúde humana do que à doença pro
demanda passa sempre pela abordagem ao sofrimento dos pacientes tal —, priamente dita. De acordo com Castro e Bornholdt (2004), a Psicologia da
como constatado pelos profissionais solicitantes, ou mesmo do sofrimento Saúde pode ser considerada como a aplicação da Psicologia Clínica no âm
que os próprios pacientes declaram, cada um ao seu modo, pelas causas bito médico, posto que sem as noções da clínica o psicólogo não sustenta
diversas. ria o seu trabalho na área da saúde. Por outro lado, contradizendo o argu
Nesse sentido, trabalhando como um clínico, a entrada do psicólogo mento anterior, Gorayeb (2010) afirma que a Psicologia da Saúde não é a
no campo da saúde exige dele não apenas clareza a respeito do contexto Psicologia Clínica aplicada ao ambiente da saúde, embora reconheça que
no qual está inserido e de suas condições de atuação nele, mas, sobretu para a atuação do psicólogo no campo da saúde os conceitos da Psicologia
do, domínio de suas ferramentas de trabalho (tanto no que diz respeito Clínica são fundamentais.
aos métodos de avaliação diagnóstica quanto aos diversos tipos de inter Fato é que, se os fundamentos da Psicologia Clínica são necessários ao
venção terapêutica) e assertividade, porque o trabalho com a subjetivida psicólogo da saúde, vale dizer que eles não são suficientes para sua atua
de humana exige do psicólogo que ele tenha, acima de tudo, objetividade ção. Não bastaria ao psicólogo clínico uma transposição de seus conheci
metodológica no planejamento e na execução de suas atividades. mentos para o campo da Saúde Coletiva ou, como se diz, uma aplicação do
Portanto, a discussão a respeito das relações entre Psicologia Clíni método clínico (Benevides, 2005), sustentado pela crença em uma eficácia
ca e Psicologia da Saúde, antes que possa parecer mais teórica do que intrínseca ao próprio método e na aplicabilidade de seus procedimentos a
prática, é importante quando o que está em questão é a qualidade de qualquer grupo sociocultural, em qualquer situação.
serviços oferecidos pelo profissional psicólogo, em suas diversas moda É claro que é sempre importante que o psicólogo da saúde seja ca
lidades de atuação na área da saúde. Toca, portanto, a questão do inves paz de analisar as demandas da população atendida, levando em conta
timento em formação básica e ampliada do psicólogo para a atuação na o contexto no qual elas se expressam, antes mesmo de reclamar da não
área da saúde, condição sem a qual a Psicologia da Saúde terá os seus adesão ou de naturalizar o abandono dos usuários às práticas psicote
dias contados. rapêuticas por ele propostas. E justo que se questione: como é que um
psicólogo pode trabalhar com a saúde de pessoas quando a postura assu
mida é a postura abstrata, transcendente, afastada de onde a vida dessa
2.3. A Respeito das Relações entre Psicologia Cl{nica e pessoa se passa?
Psicologia da Sat~de Spink (2010), quando refere que as experiências no campo da saúde
são complexas, afirma que, para atuar neste campo, é preciso que se tenha
É verdade que a entrada de psicólogos nos variados serviços de saú uma certa erudição e que as práticas profissionais devem ser fundamenta
de representa um espaço aberto ao questionamento de velh4s dicotomias, das tanto no saber técnico quanto na formação ampliada.
como por exemplo, saúde física e saúde mental, orgânico versus psíquico, Nota-se, com alguma frequência, a postura “partidária” de alguns
entre outras. Entretanto, se o próprio conceito de saúde sugere a superação psicólogos na defesa de uma teoria, especialmente quando ainda estão ini
dessas dicotomias, por meio da adoção do paradigma da transdisciplina ciando o seu percurso na área da saúde. No entanto, são profissionais que
ridade, o campo da saúde é, sem sombra de dúvida, um campo que dá se apresentam pouco politizados, às vezes desinformados com relação às
espaço a multiplicidades, pois é um campo que se caracteriza pela hetero politicas públicas de saúde de seu país, sem saber sequer que suas ações,
geneidade de teorias, saberes e fazeres (Elias et al., 2015). enquanto profissional, devem responder, antes, a um Sistema de Saúde
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Abordagem Psican~Iitjca do Sofrimento nas lnstituiçôes de Saúde
Maria Livja Tourinho Moretto

muito mais do que à paixão por uma determinada teoria ou por um deter
nóstica e terapêutica e sua base está na Semiologia, isto é, na classificação

minado autor.
e na organização de sinais e sintomas que se apresentam de modo signifi
Ainda que essas posturas (de certo modo, ingênuas) sejam favoreci cativo ao olhar do clínico (Dunker, 2015a), independente de qual seja a sua
das por lacunas na formação básica do psicólogo, que provavelmente se
profissão, possibilitando a construção do diagnóstico e a decisão a respeito
para clínica de política (Benevides, 2005), vale reafirmar (pela importância
da terapêutica e dos procedimentos que a tornam possíveis.
da causa) que a prática do psicólogo da saúde tem que ir além da mera
De todo modo, é importante ressaltar também que o que confere o
aplicação de técnicas baseadas em perspectivas teóricas, cada um ao seu
caráter clínico à prática psicológica é o fato de ela ser a clínica do sujeito e
modo. Embora necessárias todas elas não devem impedir que o pro
— —
não das doenças; é o fato de que ela se sustenta na relação entre pessoas,
fissional psicólogo, atento ao seu papel de lidar com o homem e não com
abordando o modo como cada um, em sua radical singularidade, se rela
doenças, consiga ser capaz de lidar com os aspectos multidimensionais
ciona com a sua história, com a sua doença, com o seu meio e com o seu
que caracterizam o campo da saúde (Spink, 2010).
sofrimento.
É preciso evitar o risco de uma psicologia “míope” à realidade de seus O fato de esta clínica ocorrer na instituição produz consequências que
usuários por meio das ações de um psicólogo escravizado pela teoria e
ultrapassam a relação entre o psicólogo e seu paciente, já que o psicólogo,
pela técnica. E importante que o psicólogo esteja atento para qualquer tipo
como membro de equipe, atua também no campo da construção de de
de inadequação entre sua forma de atuação profissional e o contexto que
cisões, problematizando e provocando discussões de pontos que, sem a
se lhe apresenta na instituição pública de saúde (Benevides, 2005).
sua escuta, provavelmente poderiam contribuir para a desvalorização da
Não resta dúvida que se faz necessário o debate articulado entre a
singularidade.
formação em psicologia (discussão sobre diretrizes curriculares), a atuação
do psicólogo e o compromisso social da profissão, porque sem esse debate Em casos nos quais o psicólogo é convocado a implantar projetos e/
ou serviços de assistência psicológica na instituição de saúde, na perspecti
não teremos clareza a respeito das competências do psicólogo brasileiro
va psicanalítica, em função do que chamamos acima de “articulação entre
para identificar e para responder adequadamente às demandas da popula
vertente clínica e vertente institucional”, é prudente que um dos primeiros
ção de seu país e aos problemas concretos que lhe são apresentados.
passos de seu trabalho, como membro de uma equipe na instituição de
É claro que em qualquer situação a Psicologia tem que estar atenta à saúde, seja a avaliação institucional, ou seja, o diagnóstico da realidade e
relevância social de suas produções, do contrário, a sociedade não legi das demandas institucionais, o que já é, em alguns casos, de certo modo,
tima suas práticas e se estabelece o risco do declínio da Psicologia como
interventivo.
profissão.
Situado frente à demanda institucional, para implantar e sistematizar
um programa de assistência com atividades clínicas é importante que se
2.4. Caracterização do Atendimento Clínico Psicológico nas jam definidos alguns elementos, tais como: a população alvo (quem são as
instituições de Sai~ide (na Perspectiva Psicanalítica) pessoas que serão atendidas e quais são os critérios de encaminhamento
destas para a Psicologia), os objetivos dos atendimentos clínicos (definição
De modo geral, o que caracteriza o atendimento clínico em institui de metas e resultados a serem alcançados, de acordo com o projeto tera
ções de saúde é o fato de que ele se faz, predominantemente, por meio de pêutico estabelecido), o tipo de contrato que norteará o desenvolvimento
ações realizadas por uma equipe multiprofissional voltada para o trata das atividades de assistência psicológica (se o atendimento aos pacientes
mento de pessoas com doenças e/ou condições médicas já estabelecidas. será estabelecido como rotina, ou seja, serão atendidos acolhidos e tia-

E, portanto, a utilização do método clínico o que orienta e caracteriza o dos todos os casos que derem entrada na instituição, ou se o atendimento

será feito por solicitação e serão atendidos exclusivamente os casos enca


atendimento clínico nestas instituições, conferindo o caráter clínico a uma
minhados) e os locais de atendimento (que a depender dos objetivos de
determinada prática.
cada proposta podem ser os ambulatórios, as enfermarias, os prontos-so
Define-se por “clinicar” o ato de dobrar-se, inclinar-se diante de um
corros, as UTIs, os domicifios, enfim, o local onde está o paciente) (Moret
paciente, munido de um olhar específico que possibilite a construção de
to, 2016a).
saberes a respeito do que se viu (Foucault, 1987). O método clínico se defi
ne pela existência dos elementos que o compõem olhar, semiologia, diag

Fundamentalmente a caracterização do atendimento clínico dispen
sado aos usuários de um serviço de saúde obedece à seguinte descrição e
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Maria Livia Tourinho Moretto
Abordagem Psicanálitica do Sofrimento nas instituições de Saúde

ordem de procedimentos de assistência: acolhimento, triagem, diagnóstico campos de suas relações, o tipo de relação que o paciente estabelece com
e tratamento e avaliação de resultados. a sua doença e/ou condição médica, com sua condição de doente, com a
Chamemos de acolhimento ao modo pelo qual o psicólogo escuta as instituição, com o tratamento e com a equipe; qualidade de vida; condi
demandas iniciais do paciente que procura a instituição numa tentativa ções psíquicas pré e pós-cirúrgicas; fatores de risco para não adesão e/ou
de construir um vínculo que permita a ele o trabalho de triagem, ou seja, desenvolvimento de quadros psicopatológicos; modos de enfrentamento
a identificação da queixa e apuração das demandas iniciais. A triagem, que o paciente utiliza para lidar com as dificuldades que se lhe apresentam
como atendimento prévio discriminatório quanto às necessidades e indi e condições de enfrentamento a situações estressantes e/ou inéditas em sua
cações de atendimento referentes à área psicológica, possibilita ao psicó vida; qualidade do suporte familiar e o grau de envolvimento da família
logo a verificação da pertinência das mesmas ao tipo de serviço oferecido no tratamento, levando em conta a importância da estabilidade psíquica
pela instituição e o encaminhamento das mesmas (dentro da instituição, e da força vital das relações afetivas e dos laços sociais (Moreflo, 2016a).
ou para outra instituição da rede, a depender dos recursos disponíveis), No que tange à caracterização dos atendimentos clínicos interventi
visando à melhor forma de resolver o problema detectado. vos, estes têm, em sua essência, a função de tratar, e devem ser coerentes
Muitas vezes, no trabalho de acolhimento e triagem, o psicólogo con com os resultados do processo diagnóstico, que possibilita que se eviden
clui que o procedimento indicado para o caso é, antes mesmo de passar cie do quê se deve tratar. As principais modalidades de assistência psi
por um processo de avaliação diagnóstica, a oferta do trabalho de orienta cológica oferecidas aos pacientes e suas famílias no campo interventivo
ção e/ou de aconselhamento. E verdade que, frequentemente, o sofrimento são: as diversas práticas psicoterápicas, os diversos tipos de atendimento
de um usuário e/ou de seu familiar passa pelo fato de ele próprio estar clínico em grupo (incluindo os grupos de sala de espera) e os programas
desinformado sobre sua condição médica e desorientado a respeito do que psicoeducativos.
acontece consigo (Moretto, 2016a). O psicólogo clínico entende que é de fundamental importância que o
Ainda que o psicólogo clínico possa ser tomado por uma espécie de paciente esteja engajado na produção de sua saúde/doença, e está atento às
curiosidade a respeito da posição subjetiva do paciente desinformado, vale condições de vida e à posição subjetiva de seus pacientes. O que há de ele
observar que esta nem sempre é a questão do paciente e, neste sentido, o mento comum a todos os dispositivos clínicos psicológicos é que eles são
trabalho de orientação atende, com precisão, ao princípio de resolubilida estabelecidos de modo coerente com o que é de fundamental importância
de de problemas, que deve nortear as ações dos profissionais da saúde. para o psicólogo clínico: a atenção ao sofrimento e a primazia da singula
É importante que o psicólogo esteja, ele próprio, convencido de que o ridade de cada caso (Moretto, 2016a).
encaminhamento de um paciente para o processo de avaliação psicológica Como as práticas interventivas se caracterizam, todas elas por sua
deve ser realizado quando se tem segurança dos benefícios deste procedi função terapêutica, é de fundamental importância para o psicólogo clíni
mento para o paciente. co a construção de projetos terapêuticos viáveis, que lhe possibilitem a
Uma vez indicada a avaliação psicológica, estamos no campo clínico avalição conjunta de seus resultados, por meio de parâmetros claramente
propriamente dito, onde a investigação se fará por meio de técnicas psi estabelecidos.
cológicas, tanto com o paciente quanto com a família. Para dar início ao Vale observar que a implantação de projetos terapêuticos idealizados,
processo de avaliação psicológica na instituição de saúde partimos, sem baseados na crença da eficácia intrínseca de uma teoria e de sua técnica,
pre, do motivo do encaminhamento e das hipóteses que justificam o 3nes- aproxima qualquer profissional do risco do fracasso da comunicação in
mo, passamos pela escolha dos instrumentos de avaliação e, a partir dos terdisciplinar.
resultados encontrados no processo diagnóstico, os próximos passos, do E quando o psicólogo clínico em questão é um psicanalista no campo
ponto de vista metodológico, são a construção de medidas interventivas da promoção de saúde?
que visam sempre, por meio do tratamento, a recuperação do paciente e
sua reabilitação, quando isso é possível e se faz necessário.
2.5. O Atendimento Clínico Psicológico e a Promoçâo de Sat~ide
Uma das características mais significativas do processo de avaliação
psicológica na instituição de saúde é que ele possibilita ao psicólogo a
construção do diagnóstico do paciente em relação a diversas questões, tais De acordo com as atribuições do especialista em Psicologia Clínica ex
como as descritas a seguir: estrutura psíquica do paciente, a dinâmica dos postas no site do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (2007) (dis
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Abordagem Psicanáljtjca do Sofrimento nas lnstituiçÔes de Sai~de
Maria Lfvia Tourinho Moretto

ponível em ~ este
atua na área específica da saúde, em diferentes contextos, através de inter monstrando, por meio de situações concretas, o fracasso de um sistema de
venções que visam reduzir o sofrimento do homem, seja individualmente saúde que não relacionava assistência médica a melhorias na situação de
ou em grupo, tanto em uma perspectiva preventiva, quanto de diagnóstico vida e de saúde da população, ocupando-se apenas de tratar.
ou curativa, atuando em consultórios e junto a equipes multiprofissionais Em 1978, a Organização Mundial de Saúde (OMS) convocoua 1 Con
em unidades básicas de saúde, ambulatórios, hospitais. ferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, que se realizou
No entanto, é frequente que, dentro da própria categoria profissional, em Alma-Ata, e foi um dos eventos mais significativos para a Saúde Públi
os psicólogos clínicos que atuam nas Instituições de Saúde encontrem, por ca, pelo alcance que teve em quase todos os Sistemas de Saúde do mundo
parte de seus pares, a crítica no sentido de que o trabalho do psicólogo (Cueto, 2004).
clínico apresenta pequeno alcance social em função de um forte conteúdo É na declaração de Alma-Ata que a atenção primária foi entendida
ideológico individualista e sua despreocupação com os problemas coleti como atenção à saúde essencial, cujo acesso deveria ser garantido pelo Es
vos (Dimenstein, 1998). tado a todas as pessoas e famílias da comunidade, mediante sua partici
Passemos, brevemente, ao exame do campo da promoção de saúde pação. Nela se denuncia a chocante desigualdade existente no estado de
para que tenhamos subsídios para embasar uma reflexão madura a res saúde dos povos e se estabelece corno meta a “Saúde para todos no ano
peito de tais críticas, pois essa é uma rica oportunidade de revê-las, desfa 2000” (Declaração de Alma-Ata, 2001).
zendo mal-entendidos que, se não tratados, tendem a favorecer mais uma À partir daí, a maioria dos autores reconheceram o papel central qúe
dicotomia improdutiva: psicologia clínica versus psicologia da saúde. tiveram as Conferências Jntemacionàis sobre Promoção de Saúde no de
O termo “atenção primária” refere-se a um conjunto de práticas em senvolvimento do conceito e no estabelecimento das politicas contempo
Saúde, individuais e coletivas, que no Brasil, durante o processo de im râneas da promoção de saúde, indicando o que seriam os atributos de uma
plementação do SUS, passou a ser denominado de atenção básica à saúde. atenção primária abrangente.
Esta é considerada, em todo o mundo, a base para um novo modelo assis Destaco, entre todas elas; em função de sua importância histórica e
tencial de Sistema de Saúde que tenha em seu centro o usuário-cidadão determinante do desenvolvimento do conceito de promoção de saúde, ‘a
(Giovaneila e Mendonça, 2008) e que tome como base o paradigma biop Carta de Ottawa (2001), documento resultante da 1 Conferência Interna
sicossocjal. cional sobre Promoção da Saúde, em 1986, que se tornou documento de
É verdade que uma sociedade saudável não é apenas uma sociedade referência básica no desenvolvimento das ideias sobre promoção de saúde
curada, mas nela os indivíduos têm bem-estar, já que se entende que a falta em todo o mundo.
de bem-estar fragiiza o indivíduo, comprometendo sua saúde e, conse A Carta de Ottawa define “Promoção de Saúde” como o processo de
quentemente, sua participação produtiva na sociedade. capacitação da comunidade para atuar na melhoria da sua qualidade de
A literatura aponta que o termo “promoção de saúde” já fora utilizado vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle desse proces
em 1920 por Winslow e, em 1946, por Sigerist (Buss, 2009), ambos em so e as ações nela propostas são: elaboração e implementação de políticas
pregando-os no sentido de melhorias de condições de vida como fatores públicas saudáveis, criação de ambientes favoráveis à saúde, reforço da
determinantes para a boa saúde. ação comunitária e reorientaçãó do Sistema de Saúde (Brasil, 2002).
O primeiro documento oficial a usar o termo “promoção de saúde” foi As demais Conferências Internacionais partiram da primeira e discu
o que ficou conhecido como “Relatório Lalonde”, escrito em maio de 1974 tiram o desenvolvimento do conceito de promoção de saúde, as estratégias
por Marc Lalonde, então Ministro da Saúde do Canadá, que, discutia uma utilizadas nos diferentes países e os seus resultados.
nova perspectiva para a saúde dos canadenses (Relatório Lalonde, 1974). No Brasil, desde 1994, Estratégia de Saúde da Família (ESF) passou a
Esse documento conclui que as principais causas de morbimortalidade no ser um meio privilegiado para a implementação de ações com vistas à pro
Canadá tinham sua origem relacionada às condições do meio ambiente e moção de saúde e prevenção ‘de doenças e é hoje um importantecampo de
ao estilo de vida das pessoas. atuação do psicólogo brasileini (Santana e Càrmagnani, 2001)
Illich (1975) também foi responsável por um sem número de reflexões Note-se, então, que as propostas que caracterizam o campo da promo-’
a respeito do tema com suas críticas profundas ao modelo biomédico, de- ção de saúde não são incompatíveis com o esiopó teórico que caracteriza
a Psicologia Clínica. As críticàs no sentido de que tràbalho do psicólo
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Abordagem Psicanálitjca do Sofrimento nas instituições de Saúde
Maria Livia Touriniio Moretto

go clínico apresenta pequeno alcance social em função de forte conteúdo


ideológico individualista e despreocupação com os problemas coletivos -politicas que valorizam o protagonismo dos sujeitos (Moreira, Romagnoli
parecem ser tributárias da clássica (e talvez ingênua) dicotomia entre Psi e Neves, 2007).
cologia Clínica (como se esta apenas trabalhasse com o enfoque individual Deve ficar claro, então, que as possíveis contribuições da Psicologia
no âmbito privado) e a Psicologia Social (como se esta separasse o indi Clínica ao trabalho do psicólogo na promoção de saúde não se refere sim
vidual do social no âmbito público) e, por isso, devem ser tomadas com plesmente à presença desses profissionais na instituição de saúde, fazendo
reservas, posto que o desafio que se encontra no campo da saúde não nos desta uma extensão de seus consultórios, nem tampouco se reduzem à
permite tal dicotomia, na medida em que o indivíduo jamais se apresenta atenção destinada às camadas mais pobres da população.
fora do laço social que o constitui e as manifestações coletivas não apagam Uma das principais contribuições da Psicologia Clínica ao campo da
os indivíduos. promoção de saúde se representa muito bem pelo conceito de Clínica Am
Neste sentido, vale lembrar que a formação que habilita o psicólogo pliada, em sua consonância com a Politica de Humanização de Gestão de
clínico a lidar com o sofrimento individual não implica subtrair dele a con Serviços e Atenção aos usuários propostas pelo SUS (Ministério da Saúde,
dição de lidar com o sofrimento de vários, nem faz, necessariamente, do 2008).
psicólogo clínico, um profissional menos comprometido com as politicas Por Humanização entenda-se a valorização dos diferentes sujeitos im
públicas e menos comprometido com a realidade social dos usuários do plicados no processo de produção da saúde (Ministério da Saúde, 2008),
Sistema. cujos valores norteadores são o protagonismo dos sujeitos, a corresponsa
Sem dúvida alguma os psicólogos clínicos (talvez não só os clínicos) biidade, os vínculos solidários e a participação coletiva na gestão.
encontram dificuldades no exercício de sua prática no campo da promoção A proposta da Clínica Ampliada, para todo profissional da saúde, é
de saúde, uma vez que o trabalho os convoca constantemente a conferir as não reduzir o sujeito a recortes diagnósticos ou burocráticos. A ideia é to
referências teóricas e a observar o rigor do método clínico, pois sustentam mar usuário como sujeito ativo na tomada de decisão a respeito das de
sua prática na instituição e possibilitam que ele trabalhe em equipe. Mas terminantes das condições de saúde e também da coletividade, convidan
isso não nos dispensa de reconhecermos o valor de contribuição de seu do-o, inclusive, a ser parte principal na construção de seu próprio projeto
trabalho ao referido campo. terapêutico, nos casos onde é necessário se tratar.
É importante salientar novamente que a discussão a respeito das rela Algumas ações são fundamentais e caracterizam o atendimento clíni
ções entre Psicologia Clínica e promoção de saúde é necessária quando o co na promoção da saúde: é importante que o profissional psicólogo escute
que está em pauta é o interesse pela qualidade de serviços oferecidos pelo o sujeito, não apenas os fatores de risco para o adoecimento deste; que ele
profissional psicólogo. Os conceitos da Psicologia Clínica, embora não se seja capaz de discutir com os usuários a respeito da multicausalidade das
jam suficientes para o seu exercício no campo da saúde, são rigorosamente doenças, implicando-os no processo de promoção de saúde; que no lugar
necessários, uma vez que não é possível a um psicólogo trabalhar no cam de propor (impor, em alguns casos) saúde e qualidade de vida, que, antes,
po da promoção de saúde, no qual ele se ocupa da análise das relações ele busque entender a noção do usuário ou da comunidade a respeito de
das pessoas com os fatores determinantes (ou não) de sua saúde atento,
— saúde e de qualidade de vida, analisando as relações entre esta e o seu esti
inclusive, ao processo de tomada de decisão das pessoas com relação ao lo de vida; que ele evite ações que favorecem a infantilização, o posiciona
seu estilo e às suas condições de vida sem levar em conta os aspectos de
-, mento passivo e até a irresponsabilidade, tais como o controle de compor
sua subjetividade. tamento e a cobrança de atitudes consideradas saudáveis; que ele, antes,
E se, como já mencionamos, o que confere o caráter clínico à prática seja capaz de desenvolver, junto com o usuário, estratégias para lidar com
psicológica é o fato de ela ser a clínica do sujeito e não das doenças, vale os problemas, lembrando a possibilidade (não rara) de que, muitas vezes,
ressaltar também, como o faz Figueiredo (1996), que a clínica psicológica o próprio usuário contribui para o seu adoecimento (nem sempre de forma
se caracteriza não pelo local em que se realiza, mas pela qualidade da es consciente); e que, quando necessário formulem juntos projetos terapêuti
cuta e da acolhida que se oferece ao sujeito. Esta talvez seja uma das prin cos singulares, soluções personalizadas, considerando que aí reside uma
cipais contribuições da Psicologia Clínica ao psicólogo em sua tarefa de maior possiblidade de adesão aos tratamentos propostos, quando estes
promover saúde: a noção de que a clínica implica determinada posição em emergem de decisões compartilhadas (Moretto, 2019a).
relação ao outro, posição esta que aposta na construção de práticas ético- Observe-se que esta postura clínica é diferente da postura meramen
te educativa, onde o profissional cumpre uma função importante, mas
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Abordagem Psicanálitica do Sofrimento nas Instituições de Saóde

em uma posição que é mais de fala do que de escuta, de onde recomenda


um estilo de vida saudável, orienta enfaticamente sobre o que fazer nesta
ou naquela situação, o que evitar, se ocupa de aferir comportamentos
de riscos, orienta, mas não necessariamente dialoga, diferente da atitude
clínica, que é uma experiência subjetiva que se objetiva na relação com
o paciente.
Por fim, conclui-se que o desafio de convidar o usuário a ocupar o lu
gar de autor na trama de suas decisões é herdeira da Psicanálise já que, seja
qual for a vertente teórica escolhida pelo profissional, o psicólogo clínico é
aquele que sabe que, para que um trabalho possa alcançar algum sucesso,
ele deve considerar as singularidades de cada caso, a partir da premissa
ética de que o outro é um sujeito histórico e politico, capaz de se engajar,
pensar e decidir de acordo com seus modos de subjetivação, com a sua
história e com a da comunidade à qual pertence.
Apostamos, portanto, no estabelecimento de estratégias e dispositi
vos clínicos e na construção de relações cujos valores norteadores são o
protagonismo dos sujeitos, a corresponsabilidade, os vínculos solidários
e a participação coletiva na gestão e nos processos de promoção de saúde.
Eis aí a presença dos psicanalistas no campo da saúde. É o capítulo
que segue.

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