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Ficha Técnica

2023 —2023 — Todos os direitos reservados. Geane Diniz © & A.G. Clark ©

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação dos
autores. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização dos
autores.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

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Classificação Indicativa

Na ausência do guia de classificação indicativa para obras literárias e considerando que o guia de classificação para obras audiovisuais reforça quesitos como imagens

explicitas, esta obra literária foi classificado pelos autores baseada no documento: Guia Prático para Rádio do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Secretaria

Nacional de Justiça e Departamento de Promoção de Políticas de Justiça – versão 1 de 2022 com abrangência para aplicação da classificação contida na página 36

item “e” do Manual”programas dramáticos ou ficcionais – radionovelas, seriados, peças radiofônicas, sketches.

Reforça-se que na opinião dos autores as obras literárias, agora também lançadas em versões e-book e audio-books mantém semelhança de características de narrativas

às radionovelas por não proverem imagens visuais.

Considerações da página 5 do Manual: O processo de classificação indicativa adotado pelo Brasil considera a corresponsabilidade da família, da sociedade do Estado na

garantia à criança e ao adolescente dos direitos à educação, ao lazer, à cultura, ao respeito e à dignidade. Essa política pública consiste em indicar a idade não

recomendada, no intuito de informar aos pais, garantindo-lhes o direito de escolha.

A51 Apologia à violência – Baseado no Guia Prático de Rádio V1 de 2022: +18 (ausência de imagens)

A51 Ato de pedofilia – Baseado no Guia Prático de Audiovisual V4 de 2021: +16 (ausência de imagens)

A52 Estupro/Coação sexual – Baseado no Guia Prático de Audiovisual V4 de 2021: +16 (ausência de imagens)

B32 Vulgaridade – Baseado no Guia Prático de Rádio V1 de 2022: +14 (descrição sexual intensa com linguajar vulgar sem imagens)

B45 Vulgaridade – Baseado no Guia Prático de Audiovisual V4 de 2021: +14 (ausência de imagens)

B51 Relação sexual intensa – Baseado no Guia Prático de Audiovisual V4 de 2021: +16 (ausência de imagens)

Recomendado para +18

Contém: E.1 Atos Criminosos, E.2 Conteúdo sexual, E.4 Drogas Ilícitas, E.6 Linguagem Imprópria, E.8 Nudez, E.12 Violência

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Imagens Escrito por: Geane Diniz & A.G. Clark

Depositphotos: 1316603 (impresso), 432654520 (impresso e Revisado por: Geane Diniz

ebook) Diagramação: Geane Diniz

Pixabay.com: 4639123, 7503359, 5970454 (impresso), Capa e-book Geane Diniz

2608428 (impresso e ebook) Capa impresso: Geane Diniz


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Impresso
1ª. Edição — 22/Fev/2021 – parte integrante do livro de contos “Marcadas pela Máfia”
2ª. Edição — 30/Jun/2023 – v.20230630.1
e-Book
1ª. Edição — 22/Fev/2021 – parte integrante do livro de contos “Marcadas pela Máfia”
2ª. Edição — 30/Jun/2023 – v.20230630.1
Sumário
Ficha Técnica
Sumário
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Leiloada
Pelos seus olhos
O Agente
Delegado Hermes
Toques de Sedução
Amor sem Fronteiras
Agradecimentos
Fale com os Autores
Dedicamos esta história a todas nossas leitoras que
vêm nos acompanhando desde o lançamento de
Delegado Hermes e para as pessoas que acreditam
que a vida pode dar uma segunda chance.

Também agradecemos ao carinho de Paloma White


e todo o seu apoio ao nosso trabalho, sem falar nas
várias interações na jornada da confecção da capa
do livro.
1
O filho do mafioso é a adaptação do conto “A última caçada” do livro Marcadas pela Máfia.
Os autores A.G. Clark e Geane Diniz entenderam que Alejandro era um “chico” que merecia muito mais
destaque que um conto poderia dar a ele, foi a paixão das leitoras por esse rapaz de família bandida que nos
inspirou nesta transformação, pois todos podem ter uma chance de fazer algo correto na vida. Além do que,
ele é forte e encantador.
Lupe, por sua vez, é uma mocinha, ora mocinha mesmo, ora antagonista, que ganhou a admiração de
muitas leitoras do nosso livro Paixão Proibida. Ela já fez muitas coisas certas e muitas coisas erradas, agora
ela pode mostrar a sua história.
Alejandro e Guadalupe (Lupe Gasolina) são um casal explosivo e carismático que está aqui para
conquistar vocês.
O livro tem gatilhos de violência e abuso.

Hoje

“Praticamente uma camaleoa” — penso ao observar o


arquivo que acabei de receber através de um e-mail criptografado.
Na tela do notebook há fotos e mais fotos, cada uma delas
representa uma faceta diferente da mulher que está morando em um
dos nossos bangalôs de hóspedes. Ela é linda, as fotos me mostram
isso agora.
Guadalupe armada e com botas táticas, ou em um vestido de
gala com a maquiagem de uma atriz de cinema, até com trajes de
couro em uma motocicleta, mas em luta armada é a foto mais
expressiva.
A última imagem do arquivo é de uma parte da página de um
jornal: “Foragida” está estampado em letras garrafais na manchete
que vem acompanhada por: “membro chave do recém
desmantelado Cartel de Baja, que estava sob custódia da
polícia, foge desarmando toda a equipe de segurança de
hospital na Cidade do México”.
Fecho a pasta de imagens, passo os olhos rapidamente pelo
relatório que detalha o seu treinamento, o resultado dos seus
combates e a vasta lista de mortos deixados para trás.
Ela é perigosa, não restam dúvidas, mas eu também sou. Seu
campo de batalhas envolve armas de fogo e lutas, o meu, a
estratégia. A diferença entre nós é que para que ela está aqui por
escolha e eu por necessidade.
Levanto-me da cadeira do escritório e caminho até a janela,
de onde posso ver todo o pátio do casarão, e ao longe ela está
treinando. Corre, joga-se no chão com um giro e atira: Um, dois, três,
quatro disparos contra um alvo improvisado. Pego o binóculo, mas
não preciso saber que mesmo no escuro da noite, com a parca
iluminação artificial, ela acertou cada um deles.
Ajusto as lentes para observar os traços do seu rosto e vejo os
cabelos escuros e grossos presos em um rabo no alto da cabeça, os
olhos grandes e bem delineados, além do rubor nas maçãs do rosto,
possivelmente pelo calor, seus lábios em vermelho sangue. O corpo
firme, curvilíneo e atlético deixa marcas de musculatura pelo tecido
da regata justa de malha e pelos jeans com lycra. Essa mulher
poderia comer um homem vivo, intimidar cada um à sua frente e
ainda assim me deixa duro só de respirar.
Mas eu sei que posso fazê-la implorar por mim, eu só não
preciso disso, não preciso que implore. Não preciso e nem quero
nada daqui desta vida.
O importante é só que ela saiba que isso não é exatamente
um jogo, é uma guerra e se ela quer lutar pelas regras dela, tudo
bem, mas no final, Lupe Gasolina vai obedecer às minhas. Quem
manda no cartel de Durango hoje sou eu... e quem vai domá-la na
cama, também sou eu.

Meses atrás

— Alejandro, Alejandro — Carter, um dos membros do meu


time, chega correndo em minha sala, pois ele que monitora as
devolutivas dos nossos processos — o contrato foi deferido! Ele está
sendo assinado neste momento e você é o responsável pelo feito do
maior projeto de fusões e aquisições da empresa, até agora.
— JJ&T aceitou os termos da Hunter-Todd & Associados? —
arregalo os olhos ao desviar a atenção do notebook e me viro para
ele. — Fácil assim?
— Yeap! Sem questionarem uma única vírgula desta nova
versão.
— Fácil demais — franzo a testa um pouco desconfiado. Só
duas coisas fazem contratos serem fechados assim tão rápido,
desespero ou pegadinha.
— Já temos a maior empresa de Marketing e Mídia, Alejandro,
não era isso o que você queria? A fusão será comunicada na
imprensa amanhã.
Oito meses de trabalho, dois advogados especialistas e seis
associados aprendizes, os melhores, por sinal, fizeram parte do meu
time para essa operação, onde não basta saber as leis do direito,
precisamos saber do negócio, de finanças, de gestão empresarial e
de todos os meandros do mundo corporativo norte-americano. Não
somos só advogados, somos estrategistas.
— Para vocês, hoje, bebidas todas por minha conta — tiro o
cartão da carteira, ainda sentado atrás da minha mesa de trabalho, e
o balanço no ar.
— Você vai nos levar ao bar?
— Agora! — fecho o notebook, pois já passa das sete, e visto
o paletó.
Sair a esta hora é praticamente um privilégio para um viciado
em trabalho como eu. Vivo a ascensão da carreira meteórica e não
há tempo a ser desperdiçado, ninguém aqui parece ser melhor do
que eu em fusões e aquisições e tenho em mente nada menos do
que a sociedade da firma.
E como nada se conquista sozinho, é preciso ter um bom
time. Hoje a minha equipe terá o prazer de comemorar uma vitória,
para entenderem que o trabalho árduo também é recompensado,
além do farto bônus, que todos ganharão.
Caminhamos até uma das ruas perpendiculares ao prédio do
escritório e já no bar, nossa mesa foi regada a calamares, nachos,
onion rings e muita bebida.
Os associados são sempre jovens em início de carreira,
ganham mal e têm muita vontade de crescer, pelo menos os meus, e
comemorar uma vitória, não só com dinheiro, mas com eventos
sociais, é um importante fator motivacional e demonstra humanidade.
Isso, pelo menos, a máfia faz bem, perto de todo o resto errado e
desumano que prega.
A máfia reconhece os membros fiéis, e eu reconheço o meu
time dedicado. Qualquer semelhança, é mera coincidência. Eu não
compactuo o crime e aqui não é um cartel.
Embora tenha feito questão proporcionar esse momento pela
vitória do contrato, eu mesmo comemorava por alguns outros
motivos, como a vida em Manhattan, o meu green card, a minha
independência financeira e hoje... parece que a sorte grande está do
meu lado.
A alguns metros de distância, com um sofisticadíssimo vestido
escuro e colado ao corpo, meus olhos se encontraram com o da
beldade de batom cobre e olhos delineados. Sozinha naquele balcão
por mais de quinze minutos, eu não podia conceber que a situação
permanecesse assim e fiz questão que ela percebesse que eu a
encarava.
Eu não tendo a ser um homem sorridente, muito menos
engraçado no flerte. Uma boa e bela mulher merece um homem
sério, sexy, de atitude e pronto para ser caliente.
— Carter — tiro o meu cartão de crédito da carteira e o
entrego a ele — você sabe o nosso limite, esta noite a
responsabilidade está com você!
— Não vai ficar conosco, chefe? — ele pega o cartão, mas
parece curioso sobre a minha súbita partida.
— Acabo de fazer outros planos, bem especiais...
Caminho até o balcão do bar e sento-me ao lado da bela loira
que parece esperar alguém que nunca veio.
— Scotch — peço ao atendente — on the rocks — completo
e em seguida olho para o lado e aponto para o seu copo — e para
ela, outro deste que ela está bebendo.
— Você vai me pagar uma bebida? Por quê? — pergunta ela,
sem aceitar e nem recusar a minha oferta, mas eu posso perceber o
seu sorriso oculto por ter conseguido me fazer deixar a mesa com o
meu time para a acompanhar.
— Porque você está sozinha e eu também — explico da forma
mais direta possível, mas não precisava desse esforço todo, ela sabe
que sozinho é a única coisa que eu não estava. — Alejandro, muito
prazer — apresento-me na sequência.
— Joane — responde de volta ao aceitar o meu aperto de
mãos e neste momento sinto que a sua beleza física se complementa
com a sua simpatia.
Está claro que ela vem de costumes de alta classe, os seus
acessórios de marcas não acessíveis às grandes massas, os gestos
e fala comedidos. O tipo de mulher que em muitos casos rejeitaria
facilmente um homem latino, entretanto, eu não sou um homem
qualquer e venho de um berço de extrema fartura, só não quero
nunca ter que usufruir dela neste país em que eu posso ser um
homem livre.
Os traços faciais, o corpo, a graça, o brilho, o seu sorriso
iluminando o bar e mesmo eu sendo um cavalheiro, não posso evitar
os meus pensamentos mais quentes sobre o que eu gostaria de
fazer, que começam por querer fodê-la a noite inteira, sentindo-a
gozar vez após vez comigo dentro dela. Mas, como bom flertador, o
melhor jogo de sedução pede um passo de cada vez.
E foi assim mesmo, tudo começando com uma bebida.
— Nenhuma garota merece estar em um balcão de bar
sozinha.
— Hannah, minha amiga, não acredito que fez isso comigo
outra vez. Acabou de dizer que entrou no taxi e vai levar ainda meia
hora para chegar.
— Muita coisa pode acontecer em meia hora, Joane — o tom
de voz e a velocidade em que eu pronuncio as palavras é a de um
caçador, sou bom com as mulheres, sem falsa modéstia, porque não
basta ser bonito, é preciso ser sexy e sensual.
— Assim diz o engravatado de Wall Street! — ri ao levantar o
copo recém entregue pelo barman, para um brinde comigo. —
Investidor? Suas ações estão em alta hoje?
— Advogado — aponto a mesa do meu time de associados
—, estamos comemorando mais uma vitória.
— Uau, doutor Alejandro — sinto sua mão de unhas
compridas e impecáveis, em um vermelho brilhante, sobre a minha
gravata — adoro homens vencedores.
— Terei um grande prazer em acompanhá-la até a sua amiga
chegar, mas, mais prazer ainda se quiser terminar essa bebida em
um lugar mais reservado — sussurro em seu ouvido e deixo-a
perceber que aproveito a proximidade para sentir o aroma do seu
perfume.
— O doutor é muito confiante de que eu aceitaria algo mais do
que uma bebida — seu sorriso largo não me diz que sim, mas está
longe de dizer que não.
Ela está jogando comigo, mas nesse jogo, eu sempre fui
profissional.
— Algumas beldades valem a tentativa.
Dez minutos depois, estávamos em um taxi em direção à casa
de Joane e mal ela abriu a porta do seu apartamento, avancei sobre
ela, completamente faminto, possuindo seus lábios com tanto desejo,
empurrando-a contra a parede, completamente rijo. Suas mãos foram
direto para o meu paletó e em segundos ele já estava no chão, com a
minha camisa parcialmente desabotoada. Peguei-a no colo e a
carreguei até o sofá, não ia dar tempo de irmos até o quarto, que eu
nem sabia onde ficava.
— Dizem que os latinos sabem exatamente como satisfazer
uma mulher — disse ela ao passar a língua, lentamente, sobre o seu
lábio inferior e olhar direto para o volume ainda escondido pela minha
calça.
Puxei-lhe o vestido pelos braços, dei uma boa olhada em seu
corpo, os seios firmes sustentados pelo sutiã meia taça combinado
com a calcinha translúcida que nada escondia e isso só fez o meu
pau responder ainda mais firme. Livrei-me rapidamente do resto da
minha roupa, sentindo o alívio ao tirar a cueca que cruelmente
apertava a minha rigidez e postei-me de frente para ela, sua pele
arrepiada enquanto eu massageava a minha ereção com a mão
firme, da base para a cabeça, mostrando que o que eu tinha a
oferecer não era nada pouco.
— Posso te dar a melhor foda da sua vida, basta me dizer o
que espera: com força, com carinho, duro ou lento, violento ou
amorzinho? Como prefere? — sussurrei em seu ouvido, depois trilhei
o caminho até os seus seios com a língua e os livrei do sutiã com a
boca.
— Duro, firme, forte e nada, absolutamente nada amorzinho...
Imediatamente virei-a de costas para mim, fazendo-a apoiar-
se no encosto do sofá e depois de nos proteger com preservativo,
que eu tinha dentro da carteira, meti o meu pau duro dentro dela, de
uma só vez, com força, segurando-a pelos cabelos com uma das
mãos e a outra massageando a sua área central. Eu queria ouvi-la
gritar e gemer de prazer, pois estava dando a ela exatamente o que
me pediu, com o bônus de me focar nela e não em mim mesmo, que
é o erro mais crasso dos homens que se acham bons, mas não
entendem do que estão falando.
Sexo precisa agradar uma mulher, porque ela te dará de volta
o que receber. Também porque, no meu caso, o tesão está em ver
uma mulher gozar por minha causa.
— É assim que você gosta de ser fodida, Joane? — perguntei
ao puxar o seu cabelo, preso por minha mão em um rabo, fazendo
com que a sua cabeça se virasse em minha direção, eu queria ver os
seus olhos de pupilas dilatadas pelo tesão quando me respondesse.
Sexo para mim é pele, carne, contato, suor e energia.
— Mete tudo, gostoso — gemeu ela e voltei a impor força nas
estocadas que iam cada vez mais fundo.
Enlouquecida com o nosso ato puramente físico e quase
animalesco, ela colocou sua mão sobre a minha, que a massageava,
e me fez estimulá-la com ainda mais avidez, até que ouvi seus
gemidos aumentarem e com um grito, sua musculatura interna
começou a se contrair comprimindo o meu membro latejante,
múltiplas e incontáveis vezes, fazendo com que a pressão e o
formigamento que eu sentia se formar no meu baixo ventre passasse
a se espalhar pelos meus membros até as extremidades, com a
adrenalina circulando loucamente pelo meu corpo, até que eu me
deixei cair sobre ela, jorrando forte toda a minha porra em seu
interior, ao mesmo tempo que o suor escorria pelo meu corpo.
E eu que achei que essa seria só mais uma transa casual, me
vi voltando para o seu apartamento mais uma, duas, três, incontáveis
vezes.
Joane era um furacão sexual e eu estava sempre pronto para
a saciar.
2

Dias atuais

Aos poucos ganhava consciência, sentia o corpo dolorido, a


garganta seca e o incômodo barulho do bipe fazia a minha cabeça
latejar.
Estava deitada e ao abrir os olhos percebi que se tratava de
um hospital, com as paredes brancas, os equipamentos ao lado da
cama com a grade lateral.
Tentei me mover, lentamente, para compreender os meus
pontos de dor, mas senti o braço preso. Puxei-o novamente de
encontro a mim e foi quando constatei que era um par de algemas
deixando evidente a minha situação de prisioneira.
Havia uma agulha espetada em meu braço, conectada a uma
bolsa com líquido transparente pendurada em uma armação de metal
ao lado. Minha perna latejava muito, mas felizmente eu não estava
com os movimentos comprometidos, ainda podia mexê-la.
Repassei, em minha mente, como um filme, tudo o que tinha
acontecido. Eu havia traído o líder do cartel de Baja e por isso fui
entregue para Estebam, o chefe da segurança, para que ele me
punisse como achasse melhor, logo ele, meu antigo mentor, a
aberração que durante anos não só foi o responsável pelo meu
treinamento, mas também invadiu as barreiras éticas indo além, pois
também me violentou.
“Ha-ha-ha” — ri mentalmente. Qual bandido tem ética?
E como sempre aquele lixo humano foi cruel e sádico, praticou
tortura física e mental, desafiou a minha força, só que eu não sou
mais a adolescente que ficou sob os seus cuidados, após ele destruir
a minha pequena rebelião, em um bairro barra pesada do subúrbio.
Aquela adolescente hoje é uma mulher, eu! E sempre acho
uma forma de me salvar.
Ajudar um federal gringo era assinar a sentença de morte, e
quando era contra um Don de cartel, a morte vinha acompanhada de
tortura, mas eu ainda estou viva. Talvez seja por sorte, ou quem sabe
pela boa índole do agente, uma aposta no escuro.
Com o líder do cartel, o jogo todo seria ‘matar’ ou ‘morrer’,
entretanto, o agente do DEA não jogava desse jeito, sabia que o
gringo iria preferir o prender, será que tinha conseguido? E se sim,
será que a lei norte-americana seria capaz de o manter trancafiado?
Pois a lei mexicana eu sabia que não seria. Por aqui, tanto ele
quanto Estebam estariam livres em pouco tempo.
Respirei fundo, havia dor por todo o meu corpo e só o fato de
eu ainda estar viva me surpreendia. Isso não queria dizer que eu
estava a salvo, essa algema significava somente uma coisa, que a
prisão me aguardava. Sobreviver para viver trancafiada? Não... essa
não era a minha ambição.
Ainda mais na qualidade de traidora do cartel, morreria na
penitenciária em poucos dias, crime encomendado era a coisa mais
comum e o sistema carcerário encobrira o ato, certamente. Fechei os
olhos e tentei organizar os pensamentos, não tinha ideia de quanto
tempo fiquei desacordada, isso gerava uma desvantagem para mim.
Forcei a algema e me conscientizei de que seria inútil
continuar dessa forma, não havia nada com que eu pudesse abri-la.
Entretanto, eu sou paciente, precisava somente ficar de olhos
abertos que a chance se apresentaria.
Uma enfermeira entrou no quarto e se assustou ao me ver
consciente, principalmente quando a encarei.
— Você acordou, como se sente? — perguntou atenciosa,
aproximando-se da maca hospitalar e apontando um leitor digital de
temperatura em minha testa, em seguida pegou uma prancheta
pendurada no pé da cama e anotou algo.
— Acho que estou bem — respondi sentindo a garganta ainda
ressecada e a minha voz saiu rascante.
— A febre diminuiu, isso é bom — sorriu simpática. — Vemos
grandes progressos.
— Há quantos dias estou desacordada? — perguntei me
movendo na cama ainda tentando ignorar as dores em vários pontos
do meu corpo.
— Você está aqui há dois dias. Mas acredito que veio
transferida de algum outro hospital, pois já chegou com os exames
preliminares feitos. Não posso precisar quanto tempo ficou lá.
Balancei o punho algemado, demonstrando que queria
entender como ela tinha vindo parar em meu pulso.
— A única coisa que me disseram foi que você é uma
criminosa, há um policial sentado na porta do quarto desde que você
chegou, mesmo assim está sendo tratada com alguma cortesia —
explicou sem graça.
— Quantos dias vou ficar aqui?
— Não sei, pelo protocolo padrão, somente depois que a febre
passar, e você se recuperar completamente, receberá alta e
provavelmente irá direto para... — hesitou um pouco, mas eu sabia
que, uma vez estando algemada, seria do hospital para o presídio,
sem direito a cela especial.
— Poderia ao menos ligar a televisão? — perguntei apontando
para o monitor pendurado na parede em frente à cama. — Quero
assistir aos noticiários.
— Claro, acho que não tem problema — concordou e
entregou-me o controle remoto.
— Obrigada — tentei ser simpática, eu não ganharia nada
sendo hostil com a enfermeira, ela não tinha nada a ver com a
situação em que eu me encontrava.
Eu podia ter cometido vários delitos em minha vida, de santa e
inocente eu não tinha nada, mas sabia guardar a minha revolta para
quem era de direito.
— Daqui a pouco trarei o seu almoço e um médico virá
examiná-la durante a tarde — avisou a enfermeira, antes de sair do
quarto, tentando não me tratar como um monstro, demonstrando, ou
talvez fingindo, a sua humanidade. Mas não poderia condená-la se
ela me tratasse como um, estar em posição de liderança exigia o pior
de nós, algo fácil para alguém que já tinha vivido tudo o que eu vivi
na adolescência.
Só quem precisou sobreviver nos termos “ou você ou eu” sabe
o que é preciso para acordar com vida a cada dia, e o que uma
mulher nesta posição precisa para ser respeitada.
Pela porta entreaberta, percebi que um homem usando terno
escuro se levantou e me observou pela fresta antes de ela se fechar,
fingi não perceber fechando rapidamente os olhos para não levantar
especulações e voltei a os abrir só quando me senti totalmente
isolada.
Liguei a televisão e procurei algum noticiário, até que
encontrei um canal de notícias 24 horas, foi assim que eu soube que
o policial infiltrado do DEA, o gringo Matt, havia encontrado e
prendido o chefe do cartel de Baja, também descobri que Estebam foi
preso dias antes e que o haviam entregado às autoridades
americanas.
Fiquei satisfeita, eu tinha me fodido nessa história, mas o filho
da puta de confiança do Don do cartel também. Vingança era pouco
para aquele abusivo asqueroso, a morte menos ainda, ele merecia
sofrer em uma solitária definhando pelo resto da vida.
Na parte da tarde, um médico veio me examinar, estava na
companhia de outros dois homens vestindo ternos, que se
apresentaram como agentes federais. Ele checou o meu prontuário,
fez algumas perguntas de como eu me sentia e, por fim, tomou nota
de algumas coisas.
— Quando ela receberá alta? — perguntou o mais velho dos
agentes, mostrando-se impaciente.
— Assim que a febre ceder por completo — explicou o médico
— ela está se recuperando bem. É uma questão de poucos dias.
— Obrigado, doutor — agradeceu o mais jovem — se puder
nos dar licença, agora é com as autoridades.
O médico saiu, não parecia ser arrogante, mas praticamente
não dirigiu a palavra a mim, talvez pela pressão dos agentes, e fiquei
sob o olhar atento dos dois engravatados. Sabia que eu seria
interrogada e tinha sorte, um procedimento assim em um hospital é
diferente da prisão. Aqui, os médicos são a autoridade máxima, eu
não poderia ser tocada, não haveria abuso de poder.
— Sou o agente González e este é o agente Jimenez, somos
da Guarda Nacional[1] — apresentou-se o homem mais velho.
Encarei aos dois ainda em silêncio. O que eles poderiam
fazer? Nada. Pelo menos enquanto eu me mantivesse internada,
ganharia um pouco de tempo para barganhar a minha situação.
Portanto, continuar com febre seria providencial.
— Guadalupe Santiago — disse o mais velho — vulgo Lupe
Gasolina, você está encrencada e vai passar muitos anos em um
presídio de segurança máxima, mesmo com a ajuda que prestou ao
agente Spencer do DEA, saiba que ele não tem jurisdição aqui.
Conseguiu-lhe um hospital civil, para que não fosse internada em um
hospital penitenciário, mas foi só.
— Sua única chance para conseguir uma diminuição de pena
é colaborar conosco e nos contar tudo o que sabe sobre os cartéis de
drogas — continuou o outro agente.
Durante meia hora me encheram de perguntas, ameaçaram,
prometeram, sugeriram, mas me mantive em silêncio. Eu sabia que
dificilmente cumpririam qualquer promessa.
Além disso, eu não corria somente o risco com a pressão da
polícia, o meu maior risco estava nos próprios domínios do
narcotráfico, pois eu já acumulava muitos inimigos.
Sabia que já podia ser considerada uma mulher morta em
qualquer penitenciária mexicana ou americana. Don Hernández tinha
um longo braço e suas ordens seriam prontamente obedecidas, ele
podia estar preso, mas ainda dispunha de muitos contatos, e se não
fosse por ordem dele, seria de qualquer outro cartel que já aborreci
ao longo da vida, a contar pelo derrotado Sonora, sou uma mulher
marcada pela máfia.
— A não ser que eu consiga o perdão presidencial e uma
nova identidade, não tenho nada para falar — disse por fim, cansada
das perguntas.
— Isso está fora de cogitação, seu nome é bem conhecido
pela imprensa e você é acusada de inúmeros crimes, não podemos
dar a mensagem de que você terá o perdão ou ficará impune, o que
conseguimos é uma diminuição de pena e uma cadeia de segurança
média — avisou González.
— Quero uma proposta por escrito, até lá não tenho nada para
falar, agora se me dão licença, estou cansada e com dor de cabeça,
como o médico disse, tenho febre e preciso descansar — conclui
fazendo um gesto de dispensa com a mão livre.
— Voltaremos a nos falar, senhorita Guadalupe, e não pense
que será resgatada, pois temos vários agentes na portaria e nesse
andar, a Procuradoria[2] tem grande interesse no que a senhorita tem
a dizer — resmungou González fazendo um gesto para o seu
companheiro e ambos saíram do quarto.
As chances de a polícia conseguir algo para mim, dada a
minha situação, eram pequenas e eu nem sabia se esse podia ser o
real interesse deles, ou se havia algo mais por trás de tudo. De
qualquer forma, não é do meu feitio depender dos outros para me
salvar, o agente do DEA ter feito isso por mim duas vezes, enquanto
eu colaborava com ele, não deixava de ser um fato inédito em minha
vida. Ele tinha a minha gratidão, pois era um ser humano singular,
entretanto, eu não esperaria que outras pessoas fizessem o mesmo.
Nasci e cresci em um mundo cruel e acreditar em contos de
fadas jamais foi do meu feitio.
Voltei a pegar o controle remoto, que estava ao alcance da
minha mão livre, ainda sobre a cama, e sorri, eles haviam me dado a
oportunidade que eu precisava.
3

Aos trinta e dois anos, eu me considero um vencedor.


Nascido no México, com dezessete vim morar sozinho nos
Estados Unidos, como imigrante, onde terminei os estudos e fiz o
pre-law (pré Direito), depois fui aprovado em Yale para mais três
anos do curso de Direito.
Muita coisa mudou desde então.
Hoje já possuo um bom apartamento, feito importante para
alguém, quando nos referimos a Manhattan. Com um emprego
excelente em uma grande firma de advocacia, com perspectivas de
me tornar sócio muito em breve, por conta dos meus resultados de
desempenho, ainda consigo tempo para o mestrado e sempre busco
focar em fazer algo relevante, sem ter que carregar comigo o fardo
que o meu sobrenome representa no México.
Deixei para trás tudo o que as minhas raízes representam
desde que ingressei no mercado de trabalho e vi a minha vida
profissional seguir trajetória exponencial.
Com o amadurecimento, também passei a me interessar
menos por ter mulheres em quantidade e hoje valorizo a
personalidade, tanto que me vejo pronto para o próximo passo na
minha vida, começar uma família.
Tendo assumido um romance oito meses antes com Joane,
que conheci em um bar quando comemorava um contrato fechado, o
que era para ser uma curtição com uma boa trepada, virou algo a
mais, ficou sério.
Seu pai, um empresário do ramo armamentista, contratou o
escritório onde eu trabalho, Morgan-Sidney & Malone Advogados
Associados, para cuidar de um processo de fusão com uma empresa
estrangeira, poucos dias depois de eu a conhecer.
Incumbido de liderar a equipe de advogados e assistentes-
associados que analisaria os termos de fusão, descobri que esse foi
um pedido do próprio empresário, influenciado pela filha, ao indicar o
escritório onde eu trabalho.
Não vou dizer que isso me deixou confortável, mas sempre
me senti seguro da minha qualificação profissional, por isso segui em
frente com a conta e aceitei o seu convite para um segundo encontro,
algo que deveria ser menos selvagem do que a noite de sexo
anterior, optamos por um simples almoço, pois sabíamos que
precisávamos nos conhecer melhor.
— Ficou surpreso ao me ver junto de meu pai na reunião? —
perguntou Joane, que entendi ser também um tipo de assistente de
seu pai, enquanto nos dirigíamos para um restaurante próximo.
— Muito — sorri muito mais interessado nela do que em
qualquer outra coisa, afinal, eu não esperava voltar a vê-la, mas
agora que estava ao meu lado, a situação era diferente.
— Quando você me contou que trabalhava em um grande
escritório de advocacia, resolvi pesquisá-lo e me surpreendi com as
suas vitórias, excelentes credenciais, e pensei: por que não unir o útil
ao agradável? — explicou roçando suas unhas bem-feitas em meu
terno enquanto descíamos pelo elevador — meu pai precisava de um
escritório alternativo para analisar esse contrato de fusão com um
olhar mais independente e quem melhor do que você, um jovem e
brilhante advogado de uma firma de primeira linha?
— Agradeço a lembrança, prometo não os desapontar.
Durante o almoço combinamos de voltar a nos encontrar na
noite do dia seguinte, a ansiedade e a química pareciam obvia entre
nós e Joane se mostrava uma mulher decidida, que sabia o que
queria e nisso era muito parecida comigo.
Fomos a uma boate badalada após o jantar e, depois, foi
inevitável terminar em sua cama.
Após alguns encontros mais, percebi que estava, pela primeira
vez, entrando em um relacionamento sério, por isso aceitei quando
ela me convidou para um jantar em família.
O casal Rupert é tipicamente Wasp[3], tradicionais ao extremo,
apoiadores do partido republicano e de sua política anti-imigração.
Logo no início, senti a desaprovação de ambos com a escolha
da filha, por um momento cogitei terminar o relacionamento, mas
Joane era extrovertida, inteligente, possuía bom-humor, embora às
vezes um tanto quanto ácido, sem dizer que fazíamos sexo incrível.
Também havia o fato de a empresa de seu pai ser
extremamente promissora para a nossa firma de advocacia e se
perdêssemos a conta por causa do meu relacionamento com ela,
minhas chances de virar sócio cairiam drasticamente.
Por isso engoli meu orgulho e fingi não perceber os olhares
esnobes de sua mãe, também comecei a ignorar os comentários
racistas de seu pai, que considerava todos os que não seguissem a
sua regra de elite como inferiores, isso sem falar do agravante de eu
ser um latino, pois neste país não basta sermos todos seres
humanos, carregamos uma tag na testa: sou um imigrante não
branco.
Meus momentos sozinho com Joane valiam o sacrifício de ter
que aguentar a sua família e eu considerava a vida que estávamos
construindo juntos uma vida boa, mas que foi interrompida em uma
noite tranquila, enquanto estávamos sentados na espaçosa sala da
cobertura dos Rupert, assistindo ao noticiário acompanhados de
Bourbon genuíno e aguardávamos que o jantar fosse anunciado pela
governanta.
A manchete da noite era que um suposto chefe do narcotráfico
mexicano havia sido emboscado e seu veículo metralhado.
Fiquei estático assistindo às notícias, que ainda não davam
muitos detalhes, mas o apresentador narrou que Don Javier Pérez, o
suposto líder do cartel de Durango, há anos na mira da polícia, foi
levado ainda com vida para um hospital local e que aquele ataque
poderia ser o sinal do início de uma guerra de traficantes.
— Esses chicanos são verdadeiros animais — disse John
Rupert, mesmo sabendo da minha nacionalidade — sem querer
ofender, refiro-me aos narcotraficantes — completou ao ver o olhar
de reprovação da filha.
— Joane, minha querida, eu lembrei que tenho a pendência
de analisar um contrato importante, preciso ir — levantei-me ainda
atordoado.
— Mas agora? Não podemos jantar primeiro e depois você
retorna ao trabalho? Tenho certeza de que já está quase tudo pronto,
uma hora a mais não fará diferença — tentou me persuadir,
assumindo que a minha súbita mudança de humor se deu pelo fato
desrespeitoso de seu pai.
— Não, eu preciso mesmo ir, é crucial que eu tenha as
minutas finalizadas até a primeira hora de amanhã.
— Se o jovem tem que ir, deixe-o ir — interveio Madeleine
Rupert — precisamos apoiar a disposição desse menino em tornar-
se um rico do novo mundo — completou, assumindo saber tudo
sobre a minha falsa origem de poucos recursos.
— Eu vou com você — decidiu.
Ela costumava dormir em meu apartamento vez ou outra,
embora seus pais a criticassem por isso.
— Tem certeza?
Eu não estava com cabeça para outra desavença enrustida
nas palavras jogadas de seu pai, mas a minha namorada raramente
apoiava aos pais em seus comentários desafortunados e ao vê-la
menear a cabeça afirmando sua certeza em me acompanhar, puxei-a
pela mão, ainda sem a certeza de estar fazendo a coisa certa, pois a
notícia no telejornal foi impactante até para um homem que tentava
não se abalar como eu.
Despedi-me rápida e polidamente dos seus pais e logo
seguíamos em direção ao meu apartamento, em um bairro menos
sofisticado, mas não menos confortável.
— Você está estranho, o que está acontecendo? —
perguntou-me no meio do caminho, ainda no taxi, com o franzir da
testa, que deixava os seus grandes olhos azuis menos brilhantes.
— Apenas muitos problemas para pensar — cortei-a de
imediato, o que eu podia dizer?
Narcotráfico não é a realidade da nobreza tradicional dos
Estados Unidos, vender drogas não é como ficar rico da exploração
de petróleo e fugir para outro país nunca vai te impedir de carregar
um fardo nas costas, porque este fardo está nos teus genes.
Ao chegarmos em meu apartamento, meu celular tocou e eu
não teria atendido se não fosse exatamente aquele número que só
usávamos para emergências.
— ¿Bueno? — atendi seco, como aprendi a importância de
não esboçar emoções em momentos difíceis, para que não ficassem
aparentes as fraquezas.
“Alejandro, papai acabou de falecer, você deve ter visto
o que aconteceu em algum noticiário” — ouvi a voz cautelosa,
também controlada, do meu irmão mais velho.
Sentei-me no sofá com a mesma cara séria que atendia a uma
ligação de trabalho e Joane me encarou com um olhar inquisitivo.
— Fiquei sabendo há poucos minutos atrás, eu estava
voltando para o apartamento para poder ligar para você e mamacita
com um pouco mais de privacidade — levantei os olhos para a minha
namorada, sabendo que esse incidente seria o momento da verdade
para nós, eu não podia levar adiante essa falta de transparência
sobre as minhas raízes.
“Você virá para casa?”
Casa... há quanto tempo deixei de considerar aquele lugar
como casa? Quando foi que um dia considerei voltar?
— No primeiro voo — respondi sem hesitação.
“Vou te esperar no aeroporto.” — e a ligação foi encerrada
sem qualquer dos protocolos que pessoas normais usam em suas
conversas, como “até mais”, “até logo”, ou “foi bom falar com você”.
Voltei meu olhar para a minha namorada, que me encarava cheia de
questionamentos.
— O que está acontecendo, Alejandro?
— Você sempre me perguntou sobre a minha família... —
passei as mãos pelos meus cabelos, que eram castanhos e
ondulados, depois as escorreguei para esfregar o meu rosto, sobre
os meus traços meio mexicanos e meio espanhóis, o que faziam de
mim um homem com aparência de estrangeiro em qualquer lugar
que eu estivesse, praticamente alguém sem pátria.
— E você sempre foi evasivo — acusou, mas agora apontava
para o meu celular, pois não havia mais o que esconder, ou como
esconder.
— Porque meu pai é... foi o líder de um cartel de drogas —
joguei o aparelho do outro lado sofá e aguardei que aqueles fossem
somente olhares acusatórios que logo mudariam de tom, com a
expectativa da sua empatia.
— A notícia na televisão... — e assim vinha o estágio do
choque, quando uma pessoa recebia uma notícia impactante, com os
seus olhos de profundo azul arregalados, ela levou as mãos à boca,
quase como se não pudesse acreditar no que eu estava dizendo.
— Sim, a notícia foi sobre a minha família, quem estava ao
telefone era o meu irmão. Ele ligou para me avisar que o meu pai
acabou de faleceu.
É neste momento que você espera que, por pior e mais
terrível que seja a verdade, a solidariedade do sentimento de alguém
com quem se divide a cama, pela morte de um ente, seja superior à
decepção e você receba o mínimo de conforto, afinal, eu tinha
acabado de perder o meu pai.
— Você mentiu esse tempo todo? — deu dois passos atrás e
tomou distância de mim. — Sua família é de criminosos? O que os
meus pais e os meus amigos vão dizer sobre isso?
— Joane...
— Estávamos fazendo planos de noivar, minha mãe já
começando a aceitar a ideia!
— Porra! — exaltei-me, incapaz de manter o sangue frio,
como sempre fui ensinado, o tique que eu tinha quando estava
ansioso, de girar o anel com o símbolo da família e o trocar de dedos
das mãos. — Meu pai acabou de falecer e você só pensa na maldita
opinião da alta sociedade?
— Sinto muito, Alejandro — Joane retirou a joia de
compromisso com que eu a presenteei semanas antes — mas minha
família e eu não podemos ter o nosso nome ligado ao de um
traficante, eu até ignorei sua descendência latina, afinal, você é um
homem belo, inteligente e com um promissor futuro como advogado,
mas isso? O filho de um mafioso traficante? Eu não suportaria os
comentários, ou quaisquer escândalos, quer você esteja envolvido
nessa coisa toda ou não.
Deixando o anel na mesinha de centro, ela virou as costas e
deixou o meu apartamento sob o meu olhar pesado, mas eu não
disse uma palavra, a sua atitude podia ser desumana com a minha
dor, mas ela estava certa ao me criminalizar, embora eu fosse
correto, não passava do filho de um bandido.
Quando fiquei sozinho, aproximei-me da janela e observei,
minutos depois, a minha agora ex-noiva entrando em um táxi,
provavelmente solicitado pelo porteiro. Ela saía da minha vida tão
súbita e inesperadamente como entrou.
Analisei os meus sentimentos, eu ainda não os compreendia
muito bem. Gostava muito dela, até me via formando uma família, por
isso o nosso noivado, mas também acreditava que o amor é a
consequência da cumplicidade de um casal que vive uma paixão
ardente. E diante de tudo isso, precisei reconhecer que entre nós
nada havia de cúmplice.
Sexo ardente, fato. Mas, talvez vivêssemos uma troca, ela
tinha de mim status com o fato de eu ser profissionalmente muito
promissor, com o bônus de poder exibir um homem atraente e
refinado nos corredores da alta sociedade. E eu tinha dela a
possibilidade de viver uma fantasia, a de que eu esqueceria a minha
origem e deixaria aquele lado embaraçoso da minha vida para trás,
mas estava me enganando, eu queria ser alguém que não era.
Ninguém jamais seria capaz de apagar o fato de eu ser filho de um
Don do cartel.
Meu pai, Don Javier Pérez, foi assassinado quando o veículo
em que estava foi atacado por homens armados de fuzis e granadas,
esse foi o seu destino, nada podia garantir que também não seria o
meu.
Ele era o jefe (chefe) do cartel de Durango e a imprensa
norte-americana continuava anunciando que se tratava de mais uma
guerra do narcotráfico, como a que ocorreu semanas antes entre os
cartéis de Baja e Sonora. Eu conhecia um pouco dos problemas que
a minha família enfrentava naquele mundo sombrio e tinha certeza
de que, no nosso caso, o cartel de Sinaloa era o responsável por
aquele ataque covarde.
Jamais estive de acordo com o modo ilícito como a minha
família enriqueceu, desde a adolescência, quando descobri que o
meu pai era chefe de uma organização criminosa, eu me rebelei, ao
contrário do meu irmão mais velho, que vinha sendo treinado para
assumir o comando, coloquei na cabeça que queria distância de
tudo.
Sempre foi o meu sonho me formar em Direito, lutar pela
Justiça, talvez como uma forma de compensar os crimes do meu pai,
e sabia que somente conseguiria fazer isso longe dele e do México,
pois lá eu sempre seria conhecido como o filho do Don.
Mamãe ficou do meu lado, Dona Luzia podia parecer uma
mulher calma que acatava as ordens do marido, mas ela era uma
genuína espanhola forte e quando teimava com algo, nem o meu pai
conseguia a convencer do contrário. O que ela mais desejava,
secretamente, era nos ver longe do mundo cruel e sanguinário do
narcotráfico.
Por isso, seu apoio à minha decisão de vir aos Estados
Unidos obrigou o meu pai a custear a minha escola e moradia,
embora eu estivesse disposto a trabalhar, até mesmo como garçom,
para viabilizar os meus estudos, se fosse necessário.
Jamais fui um hipócrita, foi o dinheiro sujo do tráfico que
financiou o pequeno apartamento em que eu residi com alguns
colegas durante os meus estudos, além das minhas despesas
essenciais, que embora fossem modestas, existiam. O meu plano
sempre foi me formar primeiro, para depois conseguir me libertar do
domínio financeiro do meu pai, talvez por isso eu tenha me dedicado
tanto aos estudos, ignorando a vida social.
E eu segui com o plano, à risca.
Ao me formar, fui convidado para ingressar em um dos
maiores escritórios de advocacia do país, com sede em Nova Iorque,
muito próximo de New Haven, a sede da Yale.
Essa foi uma esperada alforria e a independência de qualquer
subsídio financeiro da minha família. Com um futuro promissor, a
minha renda de advogado passou a ser o suficiente para arcar com
moradia e pequenos luxos, conforme eu fui ganhando experiência, a
vida passou a ser financeiramente generosa e quando conheci Joane
já frequentava lugares exclusivos e caros.
Mas não vivia só de luxúria, também tentava contribuir com a
sociedade trabalhando em minhas horas vagas em um escritório de
assistência jurídica para pessoas de baixa renda em Hell’s Kitchen,
em Manhattan.
Durante alguns anos, consegui viver meu sonho de liberdade,
gostava do que fazia, divertia-me na cidade com alguns colegas do
escritório e sempre conseguia companhia feminina para passar a
noite, mantendo um “caso” sem compromisso com duas ou três
garotas diferentes. Eu não podia evitar, adorava estar bem
acompanhado e não desejava me comprometer, pois compromisso
exigia lealdade e confiança, o que me obrigaria a contar sobre a
origem da qual eu tanto me envergonhava. Além disso, nunca
conheci nenhuma mulher por quem me interessasse de verdade a
este ponto. Até Joane surgir, mas ela, agora, também é parte do meu
passado.
Não tenho tempo para chorar as lágrimas de corações
partidos.
Voltei a pensar sobre a minha situação de vida, conversava
com minha mãe uma vez por semana pelo telefone, desde que parti
do México, e ao menos uma vez por ano ela vinha passar alguns dias
comigo, entretanto, nunca mais falei com o meu pai, as notícias que
recebia dele eram por meu irmão. Nas raras vezes que voltei de
visita à hacienda quando ainda estava na faculdade, anos atrás,
meu pai ignorava a minha presença, pois em sua cabeça eu o tinha
desonrado.
Talvez essa sua postura tenha sido decisiva para que eu me
dedicasse ainda mais. Atuava no direito corporativo na firma,
arriscava-me no direito penal no voluntariado.
Eu podia até ter sido ingênuo, porque sempre soube que não
podemos esquecer o nosso passado ou apagar as nossas origens e
agora, ainda encarando o meu reflexo translúcido no vidro da janela
do apartamento, assistindo à fina garoa mesmo sem prestar atenção
a ela, engoli a dor, o orgulho, as lembranças e me recompus.
Esse é o momento no qual algo acaba e você pensa sobre o
que vai recomeçar, eu devia retornar para Durango, ao menos para
me despedir do meu pai.
Dois dias depois, após deixar tudo organizado no escritório,
para não os deixar na mão, embarquei com destino à Cidade do
México.

***

Passei pelas portas do setor de desembarque do Aeroporto


Benito Juárez e avistei meu irmão mais velho, acompanhado de
outros dois homens bem-vestidos, eles provavelmente escondiam
pistolas automáticas debaixo dos ternos. Já conhecia o protocolo.
— Alejandro! Hola hermano! — meu irmão se aproximou e
me abraçou com força.
Somos ambos altos, nisso, puxamos o lado espanhol de
mamacita. Mas, enquanto eu sempre fiz questão de me manter em
ótimo condicionamento físico, com as corridas matinais e as sessões
de musculação, meu irmão se mostrou bem mais largo do que a
última vez que o vi, está fora de forma.
— Miguel, como vai? — retribuí ao seu abraço e percebi o
quanto ele envelheceu neste tempo todo em que nunca mais voltei
ao México.
— Estou bem — respondeu ao me mirar fixamente, as
olheiras aparentes, sei que está sofrendo mais do que eu, ele sempre
foi mais apegado ao nosso pai —, espero que tenha voltado para me
ajudar.
Eu tinha feito uma requisição para trancar o mestrado de
Direito na Universidade de Yale, a mesma onde me formei, para vir
para casa às pressas, após formalizar no escritório a necessidade de
uma licença. Em ambos os casos, fui discreto, sem entrar em muitos
detalhes.
O funeral já tinha acontecido no dia anterior a minha chegada,
mas estar ao lado da minha mãe por algum tempo era importante
para mim, para mostrar que eu ainda amava a minha família, apesar
de tudo. E claro que eu sentia por meu pai, não sou hipócrita.
— Não sei, Miguel... — ter verdadeiros sentimentos pelos
meus familiares nada tinha a ver com querer me meter nesse meio
ou permanecer aqui.
Essa não é, nunca foi e jamais será a minha vida.
— Preciso de você, hermano, mamãe também,
principalmente ela — afirmou enquanto me guiava por entre os
passageiros até um terminal particular, de onde embarcaríamos em
um voo de avião de pequeno porte até a hacienda da família, na
zona rural de Durango.
Enquanto decolávamos, tive a certeza de que a minha vida
estava mudando e não parecia que era para melhor. Sentia por meu
pai, claro, afinal, era o meu pai! Não podia dar as costas ao meu
irmão e principalmente à minha mãe, mas não sabia ainda como lidar
com esse pedido.
A vida que eu tinha construído para mim não era essa, jamais
seria.

Duas noites depois da visita dos agentes Federais, de


madrugada, usando apenas uma das mãos, fui capaz de abrir o
controle remoto da televisão e o desmontei até que consegui o que
queria, um pequeno fio de alumínio espiral, usado para segurar as
pilhas em seu compartimento.
Remodelei o fio de uma forma que pudesse usá-lo para abrir a
tranca da algema, se havia algo que o maldito Estebam tinha me
ensinado era como abrir fechaduras com chave falsa, e a algema em
meu pulso nada mais era do que outra fechadura.
Enfiei o arame improvisado e, concentrando meus sentidos,
movimentei-o levemente, até que, com um suave clique, senti que a
algema se abria libertando o meu punho.
Levantei-me da cama, talvez rápido demais, pois por um
momento senti uma pequena vertigem, mas tentei respirar fundo e
ela logo passou. Foram dias no cativeiro e agora outros na cama do
hospital, era normal estar debilitada. Além disso, eu ainda tinha um
pouco de dor em certos pontos do corpo, não que fosse o suficiente
para me impedir de ganhar a minha liberdade.
Procurei por roupas, mas nada encontrei, teria que me
contentar em ficar com o avental branco que chegava até os meus
joelhos.
Aproximei-me da porta e colei o ouvido na madeira, tudo era
silêncio, a não ser um suave ressonar, como o de alguém dormindo,
provavelmente um policial sentado ao lado da porta e a sua preguiça
seria providencial.
Novamente, usei a improvisada chave e venci a frágil
fechadura do quarto, afinal, eu estava em um hospital e não em uma
prisão. Abri, lentamente, uma fresta da porta, ouvi com mais nitidez o
ressonar do policial e o murmúrio de vozes mais ao longe, do posto
das enfermeiras.
Será que havia um segundo policial? Com certeza, a melhor
pergunta seria ‘onde está ele?’, porque é uma norma trabalharem
sempre em duplas.
De repente, vozes se aproximavam, uma masculina e outra
feminina, que reconheci como sendo de uma das enfermeiras, era
quase a hora de me medicarem, mas já fazia duas noites que eu não
tomava os comprimidos, eu os escondia entre os dentes, jamais os
engolia, depois os cuspia e quando me permitiam ir ao banheiro os
jogava fora. Desconfiava que estavam me dopando.
Colei meu corpo na parede, após pegar uma bandeja de
metal, que estava em cima de uma mesinha ao lado da cama, e
aguardei, ouvi o policial acordando seu parceiro enquanto colocava a
chave na fechadura.
— Ramón, você não trancou a porta? — perguntou irritado.
Nesse momento agi, puxei-a com força fazendo com que o
agente, ainda segurando a maçaneta, se desequilibrasse caindo
dentro do quarto e fui direto com o joelho em seus genitais, em
seguida fui certeira em um golpe com a bandeja em sua nuca,
fazendo-o despencar no chão.
Não tive tempo para pegar a sua arma para mim, pois o outro
agente entrou no quarto já com a dele em punho, então, usando a
mesma bandeja, arrisquei um golpe contra o seu queixo, que o fez
cair de costas no chão do corredor.
Por experiência, sabia que os policiais que ficavam na vigília
nunca eram os de melhor treinamento físico, então eu não tinha nada
a perder arriscando. Agora, com os dois no chão, via que tinha
passado pelo pior, mas ainda precisava saber como fugir do hospital
sem ser capturada.
Olhei para a enfermeira que me encarava com olhar
assustado, congelada, ainda segurando o copinho de plástico com
remédios e a ignorei, peguei as duas pistolas dos agentes, e, em
disparada, ganhei o corredor. Não tinha tempo a perder e corri até o
elevador, passando pelo posto das enfermeiras, onde duas delas me
olharam espantadas.
A fuga por terra, que era o meu plano inicial, seria dura, mas
agora, tinha mudado de ideia, já sabia para onde ir, ouvi um
helicóptero pousando momentos antes, apostei que ele pertencia ao
hospital e era utilizado em resgates de emergência, por isso, em vez
de descer até o saguão da portaria, onde provavelmente outros
agentes montavam guarda, temerosos de que alguém viesse me
resgatar por terra, subi pelo elevador até o heliponto.
Dois homens usando macacões verde estavam verificando a
aeronave, provavelmente o piloto e o copiloto.
— Mas que porra! — assustou-se um deles ao se virar para
mim e ver o cano das duas pistolas apontadas para eles.
— Muito bem, cabrón, vou dar uma voltinha em seu pássaro
— avisei e os fiz se afastarem do helicóptero.
Embarquei apressada e a primeira coisa que verifiquei foi o
nível de combustível, por sorte, o tanque estava quase cheio.
Colocando as armas entre as pernas, liguei a aeronave e logo estava
ganhando o céu, seja lá qual fosse essa pequena cidade onde
estava.
Don Hernández possuía um helicóptero e um avião de
turboélice, sendo eu a chefe da segurança, durante a reclusão de
Estebam, fez questão que eu aprendesse a pilotá-los, por isso,
embora eu não fosse oficialmente habilitada, conhecia o básico para
não derrubar uma aeronave.
Até as autoridades reagirem, eu já estaria longe, pilotaria sem
destino para qualquer lugar que fosse mais afastado e pudesse
pousar sem ser percebida, arriscando a sorte, já que a minha única
certeza era de que isto aqui não é a Baja Califórnia.
4

O voo foi tranquilo, até que o piloto nos avisou que em dez
minutos aterrissaríamos na pista de pouso rural que havia nos
arredores da hacienda.
Olhei pela pequena janela circular e avistei os cerros da
minha terra, banhados pelo sol que começava a se esconder no
horizonte, e uma pontada de nostalgia me atingiu. Recordei-me dos
momentos felizes da minha infância, em que ficava correndo por
aquelas colinas, caçando ou procurando pequenos riachos em seus
bosques, antes de descobrir que meu pai era um chefão do
narcotráfico da região.
Ao contrário de meu irmão que o admirava pelo seu poder e
quis seguir seus passos, eu tinha vergonha, vergonha de ter que ser
escoltado até a escola, vergonha dos olhares temerosos dos meus
amigos e professores, vergonha de saber que o império do meu pai
era construído em cima da desgraça humana.
Com o tempo, e a proximidade de Miguel com papai, ele
começou a treiná-lo para assumir os negócios, sempre fez sentido,
era o primogênito.
Meu irmão tinha um temperamento explosivo, gostava de se
meter em brigas desde a nossa infância, quando discutíamos e ele
percebia que não tinha argumentos para rebater os meus, apelava
para a violência. Não que fosse fácil ele me vencer em uma luta, mas
por ser mais velho era mais forte.
Papai ria dessas disputas, afirmava que aquilo ajudava a
temperar o nosso caráter, mamacita ficava horrorizada e nos puxava
pela orelha até a sala da casa grande, onde nos obrigava a ficar um
de frente para o outro, em pé, nos encarando, até que pedíssemos
desculpas.
Nesse aspecto eu vencia o meu irmão, pois eu era mais
orgulhoso da minha teimosia. Miguel, por outo lado, logo se
entediava do castigo e rindo me abraçava.
Apesar de tudo, de sua decisão de seguir os passos do nosso
pai no mundo narco, eu o amava.
Era muito fácil me perder nesses pensamentos e lembranças
enquanto eu olhava a imensidão de terra e vegetação pela janela do
pequeno e barulhento avião, até que, de repente, algo chamou a
minha atenção, afastando-me desses pensamentos nostálgicos e
amargos, pela direita parecia haver um rastro de fumaça branca
indicando que algo vinha do solo.
— Puta que pariu! — gritei assustado. — Miguel! Acho que
lançaram um míssil contra nós!
Meu irmão, que estava apoiado no banco mais à frente,
rapidamente bateu no ombro do piloto e apontou para a direção de
onde o objeto vinha. Eu podia não ser especialista em armamentos,
mas crescer em meio ao narcotráfico fez com que eu aprendesse
muito sobre armas e aquilo parecia um míssil terra.
— Mierda! Manobra evasiva! — gritou ele e depois se voltou
para nós e ao segurança que estava ao seu lado. — Coloquem os
paraquedas!
Meu irmão pegou uma mochila que estava pendurada em seu
banco e colocou em suas costas e eu o imitei.
Sem que eu estivesse preparado, o avião deu uma guinada
para a esquerda, tentando escapar do míssil e ouvimos uma
explosão abafada. Estávamos em um monomotor de seis lugares,
que não possuía capacidade de manobra para escapar de um ataque
desta natureza.
Alarmes começaram a apitar na cabine e o piloto gritou:
— Fomos atingidos, pulem! — ordenou, obrigando-se a se
manter no controle da situação.
Tentamos abrir a porta lateral, mas ela aparentemente foi
danificada com o impacto, pois estava emperrada.
— Não conseguimos abri-la! — gritou Miguel.
— Vou tentar pousar! Sentem-se e apertem os cintos! Posição
de emergência! — gritou o piloto.
Obedecemos a sua ordem, sentia o avião estremecer como se
fosse se desmanchar no ar, abaixei a cabeça, colocando-a entre os
joelhos e aguardei.
Minha mente estava vazia, seja lá quem disse que na hora da
morte víamos a nossa vida passar diante dos nossos olhos, isso era
uma grande mentira, pois sentia apenas o coração disparado e a
garganta seca.
— Vamos bater! Segurem-se! — ouvi a voz do piloto abafada
pelo som estridente dos alarmes e em seguida um estrondo.
Tentei aguentar firme, com o corpo enrijecido, buscando
proteger-me o máximo possível e foi como se todos os meus ossos
explodissem de dor, enquanto um zumbido alto enchia os meus
ouvidos, então o silêncio e a escuridão me envolveram. Não era
quente ou frio, não havia dor ou paz, era somente um nada.
Será que isso é morrer? Um mergulho no vazio e silêncio por
toda eternidade? Foi meu único pensamento.
Após a fuga, consegui pousar o helicóptero em uma fazenda
quando avistei as luzes da propriedade perdida e isolada na
escuridão do fim da madrugada.
Caminhei pela relva molhada de orvalho, sentindo os meus
pés descalços quase congelarem, assim como minha pele, protegida
apenas pelo camisolão hospitalar.
Pelos sintomas do meu corpo percebi que eu não estava
completamente recuperada e com a baixa da adrenalina da fuga,
temia não me manter em pé por muito tempo, pois ainda estava
fraca, faminta e com febre.
Alcancei a sede da propriedade e bati na porta, um homem a
abriu apontando uma escopeta, ele já estava de prontidão, pois era
impossível não ter ouvido o barulho do helicóptero. Entretanto, mais
rápida e hábil do que ele, o desarmei. Meus anos de cartel, desde
que era uma adolescente, fizeram de mim habilidosa e resiliente.
— Fique calmo, vovô — ri do idoso que me encarou com
fisionomia fechada — não vim roubar ou fazer mal para ninguém,
preciso apenas de alguma roupa e algo para comer e beber — avisei
o empurrando para dentro, tentando demonstrar uma força que eu
não tinha, dada a fraqueza que voltava a sentir.
Uma mulher com cabelos brancos e expressão tão severa
quanto a do homem me encarou e expliquei novamente o que
desejava. Tudo o que eu queria era que a situação fosse o mais
amistosa possível.
— Tenho algumas roupas no quarto do meu filho, talvez lhe
sirvam — disse a mulher sem demonstrar empatia ou ódio.
— E onde ele está? — perguntei interessada, não queria ter
que matar ninguém, mas o faria se necessário, nessa vida de cartéis
é sempre matar ou morrer.
— Em paz, no cemitério da cidade — respondeu secamente.
Esperava que sua revelação fosse verdadeira, para a
segurança de todos nós, embora nenhum pai devesse enterrar um
filho. Prestei atenção no homem, que caminhou até a cozinha anexa
à sala, enquanto eu me sentava em uma poltrona, segurando sua
escopeta e as duas pistolas.
— Ele trabalhava para o Don Javier, era seu segurança, foi
morto quando atacaram o carro em que o patrón viajava — suspirou
a mulher, agora sim demonstrando o sofrimento na expressão e o
início das lágrimas.
— Javier Pérez? O líder do cartel de Durango? — perguntei
espantada, estava por todos os noticiários a repercussão do ataque
que o cartel de Sinaloa ousou contra o de Durango, iniciando assim
mais uma guerra, mas nada foi divulgado sobre quantos e quais as
baixas.
Eu conhecia ambos os jefes dos cartéis, acompanhava Don
Hernández em reuniões de negócios, portanto eu sabia de muitos
detalhes, de todos eles, Baja, Sonora, Sinaloa, Durango, Zeta. Cada
um com sua característica, fossem violentos, estratégicos ou mais
apegados às comunidades.
Odiava a todos eles, mas não deixava de ver uma
oportunidade para mim, talvez eu devesse oferecer meus serviços
para algum, deveriam estar precisando de “soldados”, já que uma
guerra foi iniciada. E uma coisa que eu, Lupe Gasolina, tenho é
reputação.
— Sim — respondeu o homem voltando da cozinha com uma
garrafa térmica de café, copo, alguns sanduíches frios e uma porção
de churros.
Senti minha boca salivar com a visão daqueles alimentos, o
meu estômago gritava e ardia, as vertigens estavam insistentes e
não tinha ideia se eram de fome ou da febre.
Pensei em Don Rojas, chefe de Sinaloa, um homem jovem
para ser Don, tinha uns quarenta e poucos anos, herdou o poder de
um tio, após o trair e o executar, era especialmente cruel e
sanguinário, diria até que bem desagradável, por outro lado, Don
Pérez, um senhor passando dos sessenta, embora forte, possuía a
aparência de um avô bonachão. Ele tinha um jeito peculiar, era
avesso à violência sem necessidade, mas não hesitava em a utilizar
quando obrigado.
O cartel de Durango tinha fama de ser menos traiçoeiro, além
do mais, sua hacienda poderia estar mais perto, já que o finado filho
deste casal era funcionário lá, por isso decidi que era para lá que eu
deveria ir.
A mulher era mais calada e sumiu escada acima enquanto o
homem se sentava em um sofá na minha frente, observando-me
comer com apetite.
— É muito longe, a hacienda dos Pérez? — perguntei após
ajudar a descer um grande pedaço de pão com o café quente e forte,
agora que sabia mais ou menos a minha localização, traçaria um
plano.
— Uma hora de carro pela rodovia — respondeu, apático.
Nenhum dos dois estava incomodado com a minha presença,
pareciam acostumados com os cartéis e seguiam uma regra clara,
estamos todos em paz quando só se precisa de um prato de comida.
Pensei nas possibilidades, vi um velho carro estacionado
próximo à casa, mas queria evitar as estradas, talvez eu pudesse ir
pelos cerros, evitando as trilhas mais óbvias, vilas e cidades no
caminho.
Tinha comigo um mapa que estava no helicóptero, por isso
acreditei que conseguiria me locomover no ermo, só precisava de um
pouco de comida e uma montaria.
— Certo, viejo (velho), façamos o seguinte, empreste-me
uma montaria, roupas e mantimentos, vou me apresentar para o
herdeiro de Don Pérez, pelo que ouvi nos noticiários ele foi atingido.
Sei que o segundo em comando no cartel é o seu filho Miguel, se eu
for contratada, ele o recompensará, ou o farei eu mesma, tem a
minha palavra — expliquei — agora, se as autoridades chegarem até
vocês, por causa do helicóptero que eu abandonei no seu pasto,
digam que fui para o lado contrário. Mas, se me traírem, voltarei para
me vingar.
Dando de ombros, o homem concordou com ar fatalista, após
lançar um olhar para as armas em meu colo.
Ao amanhecer, eu trotava em cima de um burro, com alguns
sanduiches e água, usando jeans, camisa e jaqueta do falecido filho
do casal, além de um par de botas surradas que pertencia à mulher.
Seguiria ao encontro de Miguel para me apresentar a ele,
estaria mais protegida trabalhando para um cartel em guerra do que
fugindo sozinha, perseguida pelas autoridades federais ou o que
sobrou do cartel de Baja.
Quando o sol se tornou forte, desmontei debaixo de um
pequeno conjunto de árvores, entre dois cerros, e comi o lanche que
o casal me preparou. Analisando o mapa estendido na minha frente,
calculei que chegaria à hacienda no meio da noite. A viagem
demorada se dava pela grande volta que eu havia traçado, preferindo
caminhar por entre as trilhas que me esconderiam de helicópteros
que porventura viessem me procurar, também contava que o casal
informaria a direção errada aos agentes.
Ainda não estava na minha total plenitude física, isso fazia-me
ainda mais lenta e parava um pouco de tempos em tempos. Perto do
crepúsculo, do nada ouvi o som de uma explosão. Olhei para o céu,
um avião descia de forma irregular, balançando as asas de um lado
para o outro, fumaça negra parecia sair da aeronave.
— Madre de Dios! — exclamei ao ver que a aeronave vinha
em minha direção.
Desmontei do animal e aguardei em expectativa, mas o piloto
aparentemente foi capaz controlar o avião que passou longe, vários
metros acima de mim, mas perto o suficiente para assustar o pobre
animal que me levava, com seu zumbido alto.
A aeronave passou pelo topo de um cerro e logo ouvi um
estrondo não muito distante, provavelmente da aterrissagem de
emergência, mas não houve uma explosão de imediato.
Forcei o burro a trotar o mais rapidamente possível em direção
ao acidente.

Ganhei consciência e percebi os meus ouvidos zumbindo,


além do gosto de sangue na boca, demorei um pouco para voltar à
realidade e entender o que exatamente estava acontecendo, até que
ouvi alguns gemidos e abri os olhos. Minha poltrona permanecia no
lugar, o que evitou que eu me ferisse com gravidade, pois passei as
mãos por meu corpo e mexi as pernas. Apesar da dor, nada parecia
quebrado.
Percebi só o sangue que saía de um corte em minha testa, de
onde eu sentia o intenso latejar, também dos meus lábios, com a
sensação aguda de ardor que veio quando passei a língua sobre
eles.
O cheiro de queimado e a fumaça dificultavam um pouco a
minha respiração, mas tentei manter a calma ao olhar em volta, o
lado esquerdo da aeronave estava com um grande rasgo na
fuselagem, provavelmente causado por um tronco de árvore, pois
havia folhagens entre os bancos.
A poltrona em que estava o meu irmão se soltou com o
impacto e, após desafivelar o meu cinto e me levantar, avistei-o
próximo à cabine do piloto, ainda preso pelo cinto de segurança.
Com passos vacilantes, uma vez que a aeronave parecia estar
na diagonal, consegui alcançá-lo e vi que estava inconsciente e
ferido no abdômen, onde sangrava. Havia um pedaço de madeira
cravado nele, mas não sabia a extensão do dano, sua respiração
bastante irregular, meu único alívio era que estava com vida.
Fui até a porta e para a minha sorte, dessa vez, ela se abriu.
Peguei Miguel com cuidado, eu tinha noção básica de primeiros
socorros, mas não para o diagnosticar, temia movê-lo de forma
errada e agravar a sua situação, mas me vi sem escolha e o arrastei
ajeitando-o perto de um tronco.
A única coisa que eu não podia conceber era perder o pai e o
irmão na mesma semana. Imediatamente fiquei apreensivo por
mamacita, mas Miguel era cuidadoso com ela, quero acreditar que
ele tenha dobrado os cuidados durante a sua ausência.
Observei a aeronave, a asa direita estava com fuligem e
faltando um grande pedaço, provavelmente atingida pelo míssil,
porém, não havia sinal de que fosse explodir, provavelmente porque
após o tempo de voo o tanque de combustível deveria estar quase
vazio. Mesmo assim, fiquei surpreso que, apesar de bastante
danificada, o piloto conseguiu fazer o pouso e nos salvar. Um pouco
de sorte, com sua grande habilidade.
Olhei para a frente do avião, o segurança estava com a
cabeça ensanguentada, os olhos vidrados e abertos e a expressão
de pânico, essa era a lembrança que eu tinha da hora que resgatei o
meu irmão.
Voltei para a aeronave, verifiquei o piloto, herói da manobra,
que ainda respirava e não parecia muito ferido, com esforço o livrei
da poltrona e o arrastei para acomodá-lo ao lado de Miguel.
Precisava colocar a cabeça no lugar e pensar sobre o que
fazer, então, fui em busca do kit de emergências e primeiros socorros
e examinei seu conteúdo, havia algumas provisões de bolachas
secas, uma faca com bússola e linha de pescar acoplada no interior
do cabo, também encontrei a pistola de sinalização com quatro
projéteis e a municiei.
Mesmo com a minha assumida inaptidão como socorrista,
envolvi o abdômen do meu irmão com gaze, mantendo o pedaço de
madeira fixo, eu temia que se o retirasse ele sangraria até a morte.
Em seguida, voltei até o piloto, que ainda estava desacordado.
Ele tinha alguns cortes nos braços e no rosto, provavelmente
causados pelo choque, mas só, portanto tentei o reanimar, e ele
finalmente acordou.
— Qué mierda! — exclamou assustado, eu podia ver o terror
em seus olhos.
— Está tudo bem, Rafael — acalmei-o me recordando de seu
nome, de quando fomos apresentados antes do embarque.
— E Suarez? — perguntou quando se referiu ao segurança.
— Morto.
— Don Miguel? — indagou olhando para ele deitado ao seu
lado.
— Ferido, mas vivo — respondi olhando em volta, a noite já
nos tinha alcançado e apenas a clareira, com pequenos focos de
fogo que se formaram com o impacto da aeronave, iluminavam o
local — escuta, quem nos atacou deve estar vindo conferir o
trabalho, precisamos sair daqui.
Mortes encomendadas sempre são conferidas, pois os cartéis
não toleravam serviços amadores que ficam pela metade. Havia uma
grande chance de, no escuro, sermos facilmente emboscados.
— Certo — o piloto ainda parecia atordoado, mas balançou a
cabeça de um lado para o outro para ganhar consciência e se
levantou com um esgar de dor — vou verificar se o rádio ainda
funciona e entrar em contato com o pessoal da hacienda.
— Faça isso, vou tentar montar uma padiola, teremos que
arrastar o meu irmão — lutávamos contra o tempo, essa era a minha
única certeza.
Caminhei até as árvores no entorno do local do nosso pouso
forçado e procurei por madeira resistente. Mesmo entre a vegetação
de pequenos arbustos e galhos frágeis, consegui cortar dois deles
que julguei serem fortes e grossos o suficiente e voltei para o avião
onde encontrei alguns cobertores.
Usando os cintos de segurança, comecei a tentar improvisar a
padiola. Não seria uma viagem confortável, mas era o que dava para
fazer para carregarmos Miguel o mais imóvel possível.
Também precisaríamos de um mapa para chegarmos em casa
e com sorte encontrar nosso resgate no caminho.
— Señor Alejandro? — gritou o piloto, que apareceu na porta
da aeronave. — Consegui contato com a hacienda, logo um
helicóptero estará aqui — disse animado.
Senti uma sensação de alívio, dessa forma meu irmão não
precisaria ser arrastado durante a noite na condição crítica em que
se encontrava.
— Você acha que podem estar aqui em dez minutos? — antes
que respondesse, ouvi um estrondo e ao olhar para Rafael ele caía
com o rosto no chão sobre o solo arenoso com um baque seco. —
Rafael! — fui até ele e ao virá-lo, tive a certeza de que estávamos
encrencados.
Havia um orifício no centro de sua testa, a parte de trás de sua
nuca agora molhava a minha mão, pela viscosidade, era sangue.
Nossos inimigos tinham nos alcançado.
Tomado de tensão, ainda sem a certeza do que fazer para
escaparmos com vida, ignorei a taquicardia que se formava no meu
peito e deixei a adrenalina do perigo me ditar as regras. Eu precisava
tomar uma decisão ou nenhum dos dois sairia daqui com vida.
Corri para o meu irmão e o arrastei até dois troncos caídos,
procurando o mínimo de proteção. Não demorou para eu ouvir gritos
animados, assobios e risadas.
— Vamos lá, cabrón! — uma voz soou cheia de sarcasmo. —
Facilite as coisas e os manteremos vivos.
Peguei a pistola de sinalização e a destravei, eu podia não ser
um “soldado” do narcotráfico, mas não morreria sem lutar.
Percebi quatro pessoas se aproximando pelos fachos das
lanternas e logo estavam na clareira, mesmo sob a pálida iluminação
confirmei que os homens estavam armados de fuzis.
Eu não tinha como fugir, não abandonaria meu irmão para ser
morto, por isso avaliei qual dos alvos me daria a melhor chance,
firmei as mãos e tentei ser frio para disparar o sinalizador, por sorte,
quando eu era jovem, meu pai me obrigou a aprender a atirar, eu
possuía uma boa mira e fiquei aliviado ao ver que não perdi a prática,
quando o sinalizador explodiu no tronco do homem que estava mais
na frente.
Jamais tinha tirado a vida de alguém, esse foi o meu primeiro
alvo vivo, não sei se o matei, mas isso foi o suficiente para o tirar de
combate e me fazer entender que aqui nesta terra não tem espaço
para o bom moço.
Agora faltam três. Não tenho ideia do que farei para sair daqui,
menos ainda no que será preciso para manter Miguel vivo, mas é o
meu primeiro campo de batalhas e me recuso a acreditar que
chegamos ao fim da linha.
— Hijo de puta! — gritaram e atiraram a esmo em minha
direção, pois no escuro, não tinham como saber onde eu estava.
Deitei-me sobre o corpo do meu irmão para protegê-lo e senti
os projéteis passando por cima de mim.
— Não adianta se esconder, cabrón! — o grito rugiu quando
os disparos cessaram. — Sei que está aí, eu o quero vivo, sua
cabeça tem um prêmio.
Coloquei mais um projétil na pistola e aguardei, de forma fria e
calculista. Meus pensamentos surgiam a uma velocidade maior do
que eu podia os processar, mas, de repente, consegui acalmar o meu
coração. Eles tinham a vantagem do sangue frio para a chacina, eu,
o sangue frio de um estrategista, se isso me bastaria, eu não sei,
poderia até morrer, mas levaria o máximo deles comigo, pensei com
uma satisfação assassina que não reconhecia dentro de mim.
Mas depois entendi de onde ela surgiu, na guerra do
narcotráfico, a nossa vida resume-se a matar ou morrer.
Ouvi disparos perto o suficiente, provavelmente atrás da
elevação que estava quase ultrapassando, por isso desmontei da
minha montaria e, sacando as duas pistolas que tinha trazido comigo
desde o hospital, terminei de escalar o cerro.
O declive era composto de várias árvores que formavam um
bosque, o avião tinha deixado um rastro de pequenas árvores
destruídas ou arrancadas, onde ele parou uma clareira foi formada, e
era de lá que os disparos vinham.
Observei as chamas dos projéteis sendo propelidos pelos
canos de três armas, direcionados para um ponto logo à frente da
aeronave. Desci rapidamente por entre as árvores mirradas e logo
estava no local do impacto, contornei pela fuselagem com a intenção
de surpreender os homens armados pela retaguarda.
Tinha duas opções, esconder-me para não me envolver, ou
escolher um lado e, nessa briga, não tinha certeza de quais eram os
mocinhos e quais os bandidos. Eu já estava no meio da batalha,
usaria da sorte e do meu bom senso para a escolha e ajudaria o lado
mais fraco.
— Vou arrancar sua cabeça, cabrón! — era fúria e escárnio
juntos que me fizeram recordar de Estebam e a repulsa me veio de
imediato.
Fiquei imóvel, ninguém sabia que eu estava no meio da cena,
eu seria o elemento surpresa e aguardei mais alguns segundos,
quando os disparos cessaram.
De repente um projétil luminoso surgiu quase atingindo um
dos homens, que correu em direção ao seu atacante atrás de alguns
troncos caídos e logo ouvi o som de grunhidos.
— Hijo de puta! Vou arrancar sua cabeça e enviar para sua
mamacita (mamãe) para mostrar que o cartel de Durango está
acabado — gargalhou.
Então, um dos lados era mesmo parte de quem eu buscava,
se saíssemos vivos, essa fatalidade poderia ser providencial para
mim.
“Ajude o cartel certo e estará em boa situação!”
Caminhando lentamente para não pisar em algum galho ou
destroço que pudesse me denunciar, aproximei-me dos três homens,
um deles parecia agredir alguém com chutes, que estava debruçado
sobre algo, como se o quisesse proteger.
Pelo tom do agressor, sua vítima, o lado mais fraco, era de
Durango. Friamente, apontei as armas para a nuca dos dois homens
que estavam de costas para mim, assistindo a cena. O terceiro, à
minha frente, tão compenetrado em agredir sua vítima, nem
percebeu.
Disparei simultaneamente e os homens caíram como sacos de
batatas ao solo, junto com as lanternas, que se voltaram em minha
direção. O terceiro ergueu o rosto e encarou surpreso os dois canos,
ainda fumegantes, das pistolas em minhas mãos.
— Quem é você, puta? — rosnou e em um vacilo manteve a
mão que segurava um fuzil ainda abaixada. — Isso é assunto do
cartel de Sinaloa, não se meta.
— Sou Lupe Gasolina e agora isso é assunto meu —
respondi e disparei ao mesmo tempo em que o homem tentava
apontar seu fuzil para mim.
Eu sempre fui mais rápida do que todo mundo e o acertei no
centro do peito, sem dó, com dois disparos simultâneos.
Assim, o insolente agressor caiu sobre o homem que ele
atacava. Mais uma sentença em minha vida, agora eu tinha virado
inimiga de Sinaloa.
5

Salvo no último instante!


Meu segundo disparo, com o sinalizador, não atingiu o alvo e
logo os três homens estavam em cima de mim, um deles me
espancando enquanto eu tentava proteger o meu irmão.
A intervenção daquela mulher misteriosa tinha salvado a
minha vida. A troco de quê? O que ela representava para nós de
Durango? Ou simplesmente era inimiga de Sinaloa?
Empurrei o corpo do homem que ela matou, tirando-o de cima
de mim, e sentei-me ao lado do meu irmão, buscando o seu olhar na
penumbra.
Ela me parecia uma bela mulher, alta, de bom porte físico,
embora houvesse a restrição da claridade. Usava jeans e jaqueta
surrados, talvez um pouco grandes para ela, seus cabelos negros e
volumosos estavam presos em um rabo de cavalo, com olhos
escuros e brilhantes, que se harmonizavam com o nariz levemente
arrebitado e os lábios carnudos.
Destoavam da sua aparência as duas pistolas em suas mãos,
o que ela estaria fazendo ali no meio do nada, fortemente armada? E
por que havia se arriscado nos assuntos entre cartéis?
— Obrigado — agradeci ainda indeciso sobre o que dizer ou
fazer.
— Quem é você? — perguntou realmente interessada,
ignorando o meu agradecimento.
— Alejandro Pérez — decidi não mentir para a minha
salvadora.
— O filho de Javier Pérez? O jefe do cartel de Durango? É
melhor do que eu esperava — gargalhou e guardou as armas no cós
da calça, enquanto se aproximava e estendia a mão para me ajudar
a levantar.
— E quem é você? — perguntei intrigado.
— Lupe Gasolina, já me apresentei antes ao seu oponente.
Deveria saber quem eu sou — soltou um pouco frustrada.
— Nunca ouvi falar... — tentei não a desmerecer, ainda não
sabia do que ela era capaz, pois tinha acabado de matar três homens
a sangue frio.
— Em que país você vive, hombre? — fez a piada ao voltar a
rir. —Nem parece o filho de um Don. Mas, acho que podemos fazer
um acordo — disse me medindo de cima à baixo.
— Eu não estou no ramo de negócios da família, apenas vim
visitar minha mãe e o túmulo do meu pai — respondi irritado, era o
que me faltava, ter que tratar de negócios relativos ao narcotráfico —
e não faço acordos.
— É o que veremos — colocou em tom desafiador — e quem
é ele? — apontou para meu irmão.
— Miguel, ele se feriu na queda do avião — contei a ela e me
agachei novamente para avaliar o seu estado, a respiração parecia
cada vez mais irregular.
— Ele quem estava no comando no lugar de seu pai? Parece-
me que a guerra está pior do que eu imaginava. Durango tem um
problema, o patriarca está morto, o filho herdeiro gravemente ferido e
o segundo na linha de sucessão é um gringo engomado.
Olhei feio para a mulher, que se agachou ao meu lado e
examinou Miguel, talvez com um pouco mais de propriedade do que
eu.
— Ele não vai resistir até chegarmos na hacienda de sua
família — voltou o olhar para mim, ela não tinha o pesar na
expressão e nem pareceu se condoer.
— Um helicóptero está a caminho — encarei-a com firmeza,
tentando entender quem exatamente era ela e o que queria de nós,
mas na parca luminosidade era difícil mapear qualquer uma das suas
expressões.
— Bom pra ele — apontou Miguel — que tem um irmão que o
protege com a própria vida.
Pouco depois ouvimos o barulho da aeronave ao longe e logo
o holofote nos iluminava. Ignorando o jeito frio da mulher,
simplesmente me permiti sentir aliviado. Seríamos salvos e isso era o
que me importava, nada mais.
Um grupo de homens armados desceu por uma corda,
evitando a necessidade de pouso e, enquanto alguns monitoravam o
local, um deles veio em minha direção.
— Patrón! Isto foi o mais rápido que conseguimos — disse,
enquanto recebia uma maca que foi descida por cordas. — E você
quem é? — voltou o olhar para Lupe, ao mesmo tempo em que
apontava o fuzil em sua direção.
— Abaixa essa porra ou eu enfio em seu cu — enfatizou a
mulher e não duvidei que ela seria mesmo capaz de fazer isso.
— Calma, ela me ajudou, se não fosse por ela estaríamos
mortos — interferi tentando estabelecer um clima de paz.
— Como quiser, patrón — o homem tentou demonstrar
respeito ao meu pedido, mesmo eu não o conhecendo, ao que me
parecia, todos já sabiam da minha existência.
— Não me chame assim — irritei-me, eu não queria ser chefe
de nada relativo ao tráfico de drogas, não aceitaria ser associado a
ele, embora, com meu pai morto e meu irmão ferido, era natural que
os homens do cartel me vissem como um sucessor, o que me
incomodava.
Ignorei qualquer tipo de pensamento nesse sentido, eu não
tinha tempo e nem cabeça para considerar o tema, a única coisa que
eu queria era sair deste bendito meio de nada e salvar o Miguel.
O resgate precisava ser rápido, não podíamos correr o risco
de um novo ataque. Com o assassinato do meu pai e esse atentado
contra nós, ficou claro para mim que os conflitos entre cartéis eram
piores do que eu podia supor, uma vez que jamais havia vivido isso
na pele.
Fiquei observando meu irmão ser içado e colocado dentro do
helicóptero que pairava acima de nós, enquanto um dos soldados foi
conferir os arredores.
— É possível que um deles ainda esteja vivo, quero levá-lo
conosco — disse ao soldado referindo-me à minha primeira vítima e
ele começou a rastrear a área.
— Está louco, hombre? — espantou-se Lupe. — Devíamos
deixá-lo aqui para morrer como punição.
— Não — eu não queria carregar uma morte nas costas,
talvez fosse egoísmo meu, ou o meu jeito romântico de acreditar que
eu não sou um assassino —, se ele sobreviver podemos conseguir
mais informações sobre o nosso oponente.
— Señor, sim, ele ainda está vivo — disse ao aproximar-se
do homem que eu havia derrubado com o sinalizador.
— Conseguimos embarcá-lo? — perguntei ao olhar o tamanho
da aeronave e comecei a considerar o volume de passageiros.
— É possível que tenhamos sobrepeso — avaliou o soldado e
depois usou o rádio para conversar com o piloto. — Tudo bem, o
trajeto é curto, podemos arriscar.
Antes do nosso inimigo ferido ser içado, por estar consciente
ele foi amordaçado e seus braços e pernas amarrados. O bastardo
gemia de dor mas nenhum dos soldados teve compaixão com ele.
Em seguida, sem esperar convite, Lupe subiu agilmente pelas
cordas e eu a segui, com os homens do resgate subindo por último.
Ajeitei-me no espaço apertado da cabina, ao lado de meu
irmão, Lupe se sentou do outro lado, de frente para mim e me
encarou com a expressão de curiosidade, mesmo naquela
penumbra, parecia que me estudava, até que desviei o olhar para
fora da aeronave que passava veloz acima do breu dos cerros, sob
o barulho infernal do motor e das hélices. Só agora em estado de
relaxamento eu percebia quanto o meu corpo e a minha cabeça
doíam.

Durante o curto voo até a hacienda, prestei atenção no filho


de Don Javier Pérez.
Alto e encorpado, ele agia e falava de forma cortês. Seu
espanhol era refinado e até as suas roupas diferentes. Mesmo com
seu rosto sujo de sangue e fuligem, ainda demonstrava não
pertencer a este lugar. Era só o que me faltava, outro gringo! Só que
esse não parecia entender nada do que acontecia nesse mundo.
Será que eu deveria ter escolhido o cartel de Sinaloa?
Talvez não.
Sem o pai, com o irmão ferido, não havia mais ninguém na
linha de sucessão, o filho engomadinho do finado líder precisava de
alguém como eu, alguém que o guiasse na sobrevivência da família,
pois no pé que as coisas estão, não é mais somente uma questão do
tráfico, a família corre sério risco, ele só precisa enxergar isso e me
contratar.
Quando pousamos, fomos recepcionados por um grupo de
médicos. Dona Luzia, eu a conhecia de uma ou duas vezes que
havia escoltado meu antigo jefe, ela olhava o tumulto de longe,
parecia chorar, mas foi impedida de se aproximar por uma das
enfermeiras. Eu não tinha meus próprios filhos, não conhecia esse
sentimento de amor e proteção, mas podia compreender o que
aquela senhora estava passando.
Ao que me parecia, qualquer que fosse o tratamento a ser
dado a Miguel, aconteceria na hacienda. Esse era o protocolo
padrão em momentos de conflitos entre cartéis, os hospitais não
eram seguros. Ele foi levado em uma maca hospitalar para dentro do
casarão, enquanto o gringo engomadinho foi cercado por outra
equipe, ali mesmo na varanda, para receber o tratamento
emergencial.
Uma enfermeira aproximou-se de mim, mas eu não queria
atendimento, embora fosse prudente saber um pouco mais sobre o
meu estado.
— Só preciso de anti-inflamatório e antitérmico, além de um
termômetro — disse a ela, que ao ser intimidada pelo meu tom
severo logo acatou o meu pedido.
Eu só fiquei no hospital tempo o suficiente para a minha fuga,
pois foi algo como ‘pegar ou largar’ mas meu corpo estava sendo
honesto comigo ao me dizer que eu ainda estava em estado febril e
debilitada.
Se eu fosse medicada, com os remédios que eu conhecia,
sem ser dopada, tenho certeza de que a febre logo cederia, já tinha
passado por situações piores na vida.
Sob os olhares desconfiados dos seguranças do cartel de
Durango, como estava desarmada, fui até dona Luzia. Homens
cobertos de pistolas e submetralhadoras acompanhavam cada um
dos meus passos.
— Señora — cumprimentei-a com um sinal com a cabeça —
meus sentimentos por sua perda. Don Pérez era um ótimo líder.
Miguel, seu filho mais velho, está gravemente ferido, mas Alejandro
está bem. Eles sofreram um ataque do cartel de Sinaloa. Eu sou
Lupe Gasolina, fazia parte da guarda de Don Hernández e já estive
aqui em sua hacienda por duas vezes.
— Sim, acho que me recordo de você — disse tentando
enxugar as lágrimas — ter uma mulher soldado como chefe da
segurança não é algo comum, requer um extremo talento, mas
também sei que traiu o seu jefe.
— Precisei tomar uma decisão, señora — eu sabia
exatamente o que dizer a ela e não era uma mentira — a vida da
enteada dele estava em risco, a minha traição foi somente para
ajudar no que era possível em sua fuga. A señora é mãe, eu não
sou, mas deve compreender melhor do que eu o que significa a
segurança de um filho. Entendo que se eu fosse a chefe da
segurança de Durango a señora esperaria o mesmo de mim, salvar
o seu filho, não é verdade?
Dona Luzia olhou para um dos seguranças que nos
acompanhava de perto, parecia um protocolo entre eles e só então o
homem se manifestou.
— O señor Alejandro nos disse que ela salvou a vida dele.
Abateu os capangas de Sinaloa que atentaram contra o avião e
estavam prestes a executar aos dois.
— Pois bem, qualquer um que tenha salvado a minha família
merece ser bem tratado nesta casa — disse ela ao segurança —
garantam que ela esteja realmente desarmada, deem-lhe um quarto,
roupas — completou ao me olhar de cima abaixo — e comida.
Conversaremos amanhã.
Satisfeitos ao saberem que eu não estava armada, já que eu
tinha deixado tudo dentro do helicóptero, fui acomodada, ou talvez o
melhor termo fosse aprisionada, em um quarto na ala dos
funcionários, pois havia seguranças vigiando o corredor, mas isso
não me preocupava. Ao menos eu tinha um banheiro para tomar uma
ducha e uma cama de verdade para passar a noite.
Uma das cozinheiras deixou uma bandeja com um prato de
comida no quarto enquanto eu tomava um banho demorado, estava
suja, fétida na verdade, e exausta. Deram-me algumas roupas,
pareciam com os uniformes que as faxineiras usavam. Em uma
residência só de homens, dificilmente teriam motivo para
armazenarem vestimentas femininas. Mas isso não me incomodava,
eu poderia ir até a cidade arrumar algumas roupas decentes no dia
seguinte.
Engoli o ensopado de peixe com legumes assados, eu estava
faminta e louca por uma comida de verdade e não aquela gororoba
insossa do hospital. Depois escovei os dentes, tomei mais uma dose
de analgésico, para a dor, dois comprimidos de antitérmico, do tubo
que tinha pegado da enfermeira, e separei o anti-inflamatório
somente para a manhã seguinte. Depois disso tentei descansar,
deitando-me nua na cama, que era como eu gostava de dormir. O
meu corpo ainda doía, não estava em absoluta forma, mas eu logo
estaria.
Acordei cedo, como de costume, a cama era boa e o casarão
silencioso, sentia-me melhor, usei o termômetro e a febre estava
mais baixa, quase havia cedido.
Vesti a roupa que estava sobre uma poltrona, camisa branca e
calça preta, calcei o par de sandálias de dedo que pareciam um ou
dois números maiores que o meu pé e abri a porta do quarto. Havia
um segurança no final do corredor, mas eu não me intimidei e nem
ele me impediu de seguir, embora tivesse os olhos sobre mim o
tempo inteiro, provavelmente ele tinha ordens para não ser hostil,
bastava manter-me sob vigilância, já que eu não era uma hóspede
comum.
Quando me aproximei dele para deixar a ala de serviço ele me
indicou o caminho da sala de jantar, ao invés da copa, provavelmente
porque dona Luzia me aguardava para o café da manhã.
Lembrei-me de ter estado nesta sala de jantar uma vez, mas
não desperdicei tempo tentando reviver as lembranças, a minha vida
como chefe suplente da segurança do cartel de Baja tinha ficado no
passado, o que me importava agora era o presente e a matriarca
estava sentada à mesa. “Vida nova em Durango”, pensei comigo
mesma e aproximei-me dela.
— Seus filhos? — tive o respeito de perguntar, após o polido
bom dia.
— Alejandro está recolhido em seu quarto, mas está bem.
Miguel foi operado às pressas, ainda está desacordado — soltou com
o ar entristecido — o meu caçula contou-me sobre o seu ato de
bravura. Por que fez isso?
— Confesso que tenho maior simpatia por Durango do que
Sinaloa. O seu finado esposo tinha um protocolo de conduta e nós de
Baja sempre nos consideramos aliados.
— Você é uma ‘soldado’ sem pátria agora, não é? Soube de
sua fuga do hospital.
— Dona Luzia, se me permite, esta família tem que ter um
líder enquanto Miguel está em estado grave. Se Alejandro assumir os
negócios da família precisará de alguém como eu ao seu lado. Esses
foram dois ataques relevantes, mostra o quão vulnerável está a
segurança deste cartel.
A senhora nada disse, somente me apontou a jarra com suco
de laranja e a cesta de pães.
6

Rolei na cama outra vez sem ser capaz de dormir, apesar de


mortalmente cansado. Desde que chegamos fui capaz de tirar
apenas alguns poucos cochilos.
Pelo menos, no final do dia, consegui minhas roupas de volta.
Uma equipe esteve no local da queda e felizmente a minha mala
estava intacta no meio da fuselagem.
A minha mente está acelerada, pensamentos dos últimos
acontecimentos me assombram e se eu achei que gastaria os meus
primeiros dias sofrendo pelo luto do meu pai e o término do
relacionamento com a Joane, a verdade é que não pensei sobre ela
por um segundo sequer, porque só o que me vem à mente é que
estão me considerando como a única alternativa de Durango. Tudo o
que eu não queria.
Respirei fundo e esfreguei o rosto com as mãos, pensei sobre
a tristeza da minha mãe pela morte de meu pai, a situação do meu
irmão, que teve que se submeter a uma cirurgia de emergência e
ainda está inconsciente. Tudo está caótico por aqui.
Improvisamos um quarto de UTI com equipamentos de uma
unidade hospitalar móvel, mas talvez fosse prudente buscarmos por
equipamentos mais sofisticados, tudo dependeria da reação de
Miguel nas primeiras horas deste pós-operatório. Mobilizamos uma
equipe de enfermeiras que se revezarão ao lado dele vinte e quatro
horas, apoiando o médico que também está hospedado aqui no
casarão, no aposento ao lado do de meu irmão.
Pensei sobre o meu próprio luto, eu não falava com o meu pai
há anos, mesmo assim ele era o meu pai. As recordações de
infância, o seu carinho quando eu era uma criança invadindo a minha
mente, se revezando com as passagens de momentos de conflito
com meu pai, parecendo que vivi duas vidas diferentes, tudo
contribuindo para que o sono não chegue.
Durante a madrugada anterior, fiquei ao lado de mamãe na
porta do quarto de Miguel, enquanto a cirurgia era executada. Ao
amanhecer, quando o médico avisou que o meu irmão estava
estabilizado, eu me reuni com Vicentín, o homem de confiança do
cartel, um senhor de mais de sessenta anos, que agia como um
conselheiro especial, e que me pressionou a aceitar o fardo de ser o
jefe interino de Durango, ao menos até que Miguel esteja em
condições de retomar o posto.
— Por que não pode ser você a assumir? — perguntei após a
sua insistência, ele possuía a experiência necessária para isso, tinha
vivido ao lado do meu pai desde antes de eu nascer e sempre foi o
seu braço direito.
— O cartel de Durango é uma organização familiar, tem que
ter um Pérez no comando, se você não tomar essa cadeira e mostrar
para os nossos homens e associados que a família está pronta para
lutar, temo que teremos traições e alianças serão quebradas, no final
seremos todos caçados e mortos — explicou enquanto tomávamos
uísque sentados em poltronas no escritório — muitos políticos, juízes
e policiais somente nos apoiam em razão da tradição da sua família.
Comprometo-me em continuar sendo o seu conselheiro, como fui por
anos ajudando a fazer esta organização prosperar. Você não estará
sozinho, mas esta cadeira tem que ser de um Perez.
— Meu Deus! — desesperei-me passando as mãos pelo
cabelo. — É tudo o que eu não quero, tomar parte nos negócios da
família. Eu sou um advogado, não um líder de narcotráfico. Eu não
mato pessoas, muito menos trafico drogas.
— Alejandro, entenda que aqui no México você é um Pérez,
lembre-se que pelas regras deste país você nem é considerado um
advogado, seu diploma não é válido pelas nossas leis, aqui você
nada mais é do que o que o seu nome te dá: a força de um cartel
familiar.
— Eu não sou um narcotraficante — repeti, sentindo o
insistente desespero que eu sabia que não me abandonaria —, não
sei nada a respeito disso.
— É provisório, até o seu irmão se recuperar, mas até lá você
terá que tomar algumas decisões, os ataques que fizeram contra o
seu pai, contra você e o seu irmão não podem ser tolerados e
merecem uma resposta, nossos associados García, Jimenez e
Fernando já insinuaram que, caso não tenhamos uma liderança forte
que proteja os interesses do cartel, eles nos abandonarão para
formarem os seus próprios cartéis ou pior ainda, se juntarão a
Sinaloa — concluiu.
Girei o anel de família no dedo, um hábito que adquiri desde o
término da faculdade, tentando ser racional quanto a tudo o que
estava acontecendo.
Ao longo do dia recebi aqueles três homens, carregavam
expressões severas e preocupadas, tinham ido até a hacienda por
causa de uma reunião com o meu irmão e agora esperavam que eu
assumisse as operações de Durango e tivesse propriedade para falar
sobre o plano de contra-ataque, plano este que eu nem tinha ideia de
como começar e o meu prazo estava correndo.
Meu conselheiro explicou que eles eram associados da época
em que meu pai fundou o cartel, também tinham as suas
organizações familiares e embora gerissem negócios com suas
próprias famílias, estavam sob o nosso comando, como uma espécie
de vassalos.
— Se nos abandonarem — explicava Vicentín —, nossa força
cairá pela metade e a nossa vulnerabilidade a Sinaloa se tornará
mortal.
Por enquanto o grupo ainda era fiel, pelo que entendi, mas os
três estariam observando a minha liderança e administração, isso
estava claro nas entrelinhas das conversas que mantivemos e pelo
fato de terem me tratado apenas como Alejandro, o filho do mafioso,
em uma hostil demonstração de que ainda não me consideravam
digno do respeito deles.
— O que você sugere? — perguntei sabendo a resposta,
temeroso de que isso seria a minha ruína, podendo até comprometer
a minha prática de advocacia nos Estados Unidos.
— Ojo por ojo, diente por diente (olho por olho, dente
por dente) — foi claro na afirmação.
— Muito bem, temos alguém com experiência para se
encarregar de um ataque? E quem seria o alvo? — tentei ganhar
tempo, além do fato de que eu tinha acabado de chegar e não
conhecia nada sobre o que estava acontecendo neste lugar. — Não
quero gente inocente sendo ferida, somente os sanguinários
membros conhecidos do cartel oponente que estão atentando contra
nós — ainda acrescentei, para deixar claro que não podíamos ser
inconsequentes.
— Manolo, que era nosso encarregado de segurança, morreu
com seu pai no ataque, estamos sem um líder estrategista com a
experiência dele — o conselheiro calou-se como se meditasse em
uma alternativa —, resistimos agora com um suplente, que vinha
sendo treinado, ele é esperto, promissor, mas ainda não tem a
experiência de um bom combate.
— E, no seu julgamento, isso nos colocaria em qual nível de
risco? Pois me parece loucura travarmos um confronto se a nossa
situação está assim — eu não precisava ser um líder de cartel
experiente para enxergar que a qualidade da nossa liderança estava
comprometida.
— Señor, convenientemente temos uma segunda opção que
nos cairá bem.
— Ótimo, mande chamá-lo, quero conhecê-lo e passar as
instruções claras de que abomino matança desnecessária,
principalmente de inocentes e poderemos traçar um plano a partir
daí.
— Ela está logo ali... a sua convidada — apontou pela janela.
— Ela? — olhei na direção indicada e não pude evitar minha
expressão de descrença. — Lupe?
Olhei uma segunda vez aproximando-me mais da janela, a
garota usava as roupas dos empregados da casa e os cabelos
presos em um rabo de cavalo, parcialmente escondidos por um boné.
Conversava com a minha mãe, enquanto ela podava as flores no
jardim, iluminada pelos raios de sol da manhã.
Sua aparência, ao longe, de mulher frágil, poderia enganar a
qualquer um, e eu só sabia que ela era capaz de matar, pois a vi em
ação, atirando a sangue frio nos capangas de Sinaloa. Mas daí a
liderar um cartel? Não é possível que estivéssemos neste nível de
despero.
A distância era muito longa para eu distinguir os detalhes dos
traços de seu rosto, mas ainda mantinha a imagem dela, de duas
noites atrás, na penumbra, em minha memória.
— Sim — sua expressão ainda séria —, eu a conheço, ela era
a chefe de segurança de Don Hernández, do cartel de Baja, sua
fama de eficiência a precede. Foi uma das principais orquestradoras
na vitória de Baja sobre Sonora.
Não era exatamente isso o que eu esperava ouvir e sei que
arregalei os olhos, ainda em descrença.
— Mas... ela é tão jovem — teria o quê? A minha idade? Ou
alguns anos a menos do que eu? — O que mais você sabe sobre
ela? — fiquei curioso.
Lupe é só uma mulher, era no que eu queria acreditar, não
para a diminuir, mas para não ter que me convencer de que, para
chegar a este ponto, ela devia ter passado por muita coisa difícil
ainda muito jovem.
Parecia ser atraente, entretanto, ainda não tinha sido capaz de
a ver cara a cara com a adequada iluminação. Definitivamente
decidida, de personalidade e extremamente desbocada. Ela não
parecia ter modos.
Mas estávamos falando sobre ir de petulante e boa atiradora à
chefe de segurança e isso sim parecia ser um salto bastante grande.
Será que estávamos tão desesperados a este ponto?
Boa parte da minha insônia da noite também foi pensando se
não era melhor simplesmente pegar minha mãe e meu irmão e
sumirmos deste país. Tudo seria muito mais simples. Entretanto,
Miguel não estava em condições de viajar, e o pior, o cartel era como
uma sociedade, abandonar os trabalhadores à mercê dos nossos
inimigos causaria muito mais mortes e estrago para gente que não
tinha nada a ver com essa rivalidade. A faxineira, o jardineiro, o
cozinheiro, os pequenos agricultores, tantos inocentes cujo único
emprego existente é nesse ecossistema, pessoas humildes que
jamais tiveram uma segunda opção na vida.
— Pelo que se comenta por aí, ela traiu seu patrón salvando
um agente do DEA[4], quando a hacienda de Baja[5] foi invadida.
Encontraram-na ferida em um porão, parece que a estavam
torturando, depois disso ela fugiu do hospital onde estava em
tratamento e veio parar aqui na região.
— Uma fugitiva da polícia? — indaguei contrariado.
— Sim...
— Não é uma boa opção começarmos com o apoio de alguém
que traiu o seu próprio cartel, o que a impedirá de nos trair também?
— está ainda mais evidente que a nossa situação é delicada,
aparentemente tem tudo para dar errado.
— Ela conversou com a sua mãe rapidamente, que a conhece
melhor. Conferimos a sua história. Lupe Gasolina traiu Don
Hernández para poder salvar a vida da enteada dele mesmo. Sua
mãe aprecia o ato — ele tirou os óculos e encarou-me com a
expressão séria — entrevistei-a durante uma hora, ela disse que
estava vindo para cá oferecer seus serviços, quando viu o avião
caindo e o resto o senhor sabe melhor do que eu, sobre o que houve
lá.
Eu não entendia nada desse mundo obscuro e ilícito,
principalmente no meu país de origem, o México, de onde já estava
longe há anos. Minha preferência ao cursar o mestrado na área
penal, como complemento à minha carreira em direito corporativo,
era para defender os inocentes e não fazer parte dos bandidos, mas,
neste momento, precisava considerar que a segurança da minha
família estava em jogo e eu tinha que tomar alguma atitude.
Teria que me inteirar sobre o que fazer e como fazer, por
enquanto minhas melhores chances eram acreditar no julgamento de
Vicentín, homem de confiança do meu finado pai, cuja credencial era
confiável, o conselheiro jamais havia traído a nossa família.
— Certo, assim será, contrate-a como nossa nova
encarregada de segurança. Ela terá esse voto de confiança pelo ato
de heroísmo de ter nos salvado. Dê-me também os nomes dos alvos
para que eu aprove — tomei a decisão, ciente de que algum dia
poderia me arrepender disso.
— A pedido de sua mãe, mandaremos mais apoio à família de
Manolo, que estava com o seu pai no momento do atentado, foi a
família dele que deu abrigo a Lupe na noite de sua fuga.
— Que assim seja, Vicentín.
Mesmo sendo contra assassinatos, gastei algum tempo
refletindo sobre a situação em que me encontrava e frustrado com a
situação, sei que se tivesse que ordená-los ou até mesmo cometê-
los, para salvar a vida de minha mãe e irmão, eu assim faria.
A guerra muda as pessoas, era assim que estava me vendo
neste momento.
Se Lupe se saísse bem nessa missão, poderia manter a
posição. Até lá, minha esperança é de que Miguel já esteja
reestabelecido e capaz de voltar à posição de novo Don da nossa
família. E quanto a mim, bem, só desejava estar longe daqui e o faria
na primeira oportunidade.
Depois pensaria no longo prazo, meu plano era que com o
tempo poderia convencer a todos de que o México não tinha mais
espaço para a nossa família.
— Señor, também preciso avisá-lo, o soldado de Sinaloa, que
foi resgatado com vocês na noite da queda, já está consciente, como
nosso novo Don, talvez queira interrogá-lo — joguei um olhar
descontente para Vicentín, embora eu fosse bom em interrogatórios,
isso fazia parte da minha prática de direito, não de mafioso.
— Onde ele está?
— Isolado em um dos quartos do dormitório de serviçais da
área externa.
— Levantaram todos os dados que pedi sobre ele?
— Tudo o que foi possível.
— Pois bem, leve-me até lá.
O casarão dos empregados era um pouco menor que o nosso,
distante o suficiente para não ser visto e perto o bastante para que
todos transitassem a pé. Nós fomos com um dos jeeps sem capota.
Cumprimentados pelos soltados de vigília, Vicentín conduziu-
me ao interior da construção e fomos direto para o único dormitório
que tinha um segurança armado de guarda, que abriu a porta após
nos cumprimentar e nada disse além.
No interior do simplório cômodo havia um homem já de roupas
limpas, mas com os braços amarrados na cabeceira da cama. Cada
um dos seus movimentos parecia causar-lhe dor no abdômen.
— Mendez? — chamei por ele, que ignorou a nossa presença
desde que adentramos o local.
— Foda-se.
— Pode nos deixar um minuto a sós? — pedi ao meu
conselheiro, esticando a mão em sua direção para que ele me
entregasse o tablet.
Sem argumentar, ele deixou o quarto e eu puxei uma cadeira
para me sentar ao lado da cama, somente perto o suficiente para que
o prisioneiro pudesse ver a tela do aparelho.
— Quero que me conte um pouco mais sobre o motivo do
ataque e o que mais Sinaloa esconde nas mangas.
— Foda-se — repetiu como um disco furado.
Não precisava conviver nos cartéis para saber que havia
homens de confiança no crime em qualquer nível da hierarquia,
treinados para não vazar informações. Nos casos penais em que
ajudei, eu já tinha entrevistado muita gente para saber quem eram os
acusados injustamente e quais eram os bandidos culpados. O meu
trabalho pró-bono na área penal, fora do escritório do glamoroso
direito corporativo, vinha me ensinando muito.
— Milagros, ou seria Mila? — observei a tela do tablet com
interesse e ampliei a foto. — É uma linda garota, ela acha que o pai
saiu em uma viagem. Comeu churritos no café da manhã e deixou o
pote de frijoles inteiro de lado — senti seus olhos me metralharem
com fogo. — Quantos anos ela tem mesmo? Cinco? Seis? — virei o
tablet em sua direção e mostrei a foto da garota chegando na
escola.
— Deixe-a fora disso, ela é só uma criança — rugiu com ódio,
mas pela primeira vez prestando atenção à conversa.
— Ela é adorável, Ramón descobriu que Mila tem loucura para
ver o papá, que vai lá só uma vez por mês. É fácil convencer uma
criança, não acha? Ele disse a ela que se a pequena se comportar,
poderemos trazê-la escondido para ver o papá.
— Não toquem nela, seus...
— Mas quando disse que também poderia a levar para a
Disney, está vendo aqui? — mostrei a ele a foto dela com um boneco
do Mickey Mouse. — Ela ficou muito empolgada, prometeu até que
nunca contaria nada à mama dela.
— Seu sujo doente... — fez força para tentar soltar os pulsos,
mas foi uma vã tentativa que somente o fez sentir mais dor no
abdômen ferido.
— O que quer Sinaloa? — perguntei sem olhar para ele,
somente passando as fotos da menina e as observando eu mesmo,
depois mostrei uma da garotinha no colo de um homem armado com
uma escopeta.
— Fodam-se, seu bando de pedófilos.
Abri o aplicativo de som e toquei sobre um dos áudios.
“Papá, papá? Eu vou ver o Mickey, você vai me
encontrar lá?”
— Eu só quero saber com quem e com o quê preciso me
preocupar.
Seu olhar transparecendo ódio deixou de metralhar a tela para
vir direto para mim. O brilho da raiva e a expressão oculta de
desespero e impotência agora reinavam em sua face ruborizada.
— Eles não vão sossegar enquanto os territórios do norte,
fronteiriços, não forem tomados de Durango, Don Carlos os quer
para ele — soltou rangendo os dentes e a saliva molhando os lábios.
— Disso eu já sei, conte-me algo útil — voltei a passar as
fotos de Mila, uma a uma, a galeria estava repleta delas enquanto
Mendez se debatia na cama, mãos e pés amarrados, o abdômen
começando a transparecer uma mancha de sangue pelo esforço vão
que fazia em tentar se soltar.
— Não toquem nela.
— Isso só depende de você.
— Ele quer matar o seu irmão, pois sabe que sem um Don o
cartel de Durango pode ser tomado sem qualquer esforço e sem que
tenha que gastar comprando terras. Por isso matou o seu pai, seu
irmão será o próximo se não aceitar se associar a ele. Sinaloa se
tornará imbatível, ainda mais com o enfraquecimento dos carteis de
Baja e Sonora. Sem um líder, os associados de Durango se tornarão
nossos apoiadores.
— Mas eu estou aqui, esse plano foi em vão.
— Ninguém jamais acreditou que um filho que deu as costas
ao pai há anos, para viver como gringo, teria colhões para assumir
um cartel, e ainda acho que não acreditam, você não é um Don —
rosnou as palavras e cuspiu sobre a tela do tablet. — Você vai
acabar morrendo junto com o seu irmão.
— Ótimo, mandarei saudações para Mila pessoalmente, como
um legítimo Don faria — levantei-me sem alterar a minha expressão
e pouco antes de chegar na porta, virei-me para ele — e quero que
passe tudo o que sabe sobre os conselheiros de Sinaloa para o meu
novo chefe de segurança — depois cruzei a porta e a bati atrás de
mim.
— Está tudo certo, Alejandro? — perguntou Vicentín com a
expressão fechada quando eu devolvi o tablet sujo para ele.
— Tragam um médico ou uma enfermeira, ele voltou a
sangrar. Peça para a nossa nova chefe de segurança arrancar dele
dados sigilosos dos conselheiros, como esconderijos, rotas, etc. Eles
querem tomar tudo o que temos matando os nossos principais, ou
trabalhamos em um acordo ou eles não vão sossegar.
— Don Carlos não é um homem de acordos.
— Nem eu um mentiroso, mas, em momentos extremos,
aprendemos o que é necessário para sobreviver — disse ao receber
o olhar confuso de Vicentín em resposta — aliás, este foi um ótimo
trabalho de montagem nas fotos, quem fez isso tem talento com
edição de imagens.
— Foi o filho de uma das cozinheiras.
— Agradeça a ele e veja uma colocação onde seus talentos
possam ser úteis — ordenei.
Quando saímos da construção de dormitórios, pedi que o
conselheiro deixasse o jeep comigo e fui até o cemitério privado da
família Pérez.
Possuíamos terra em abundância, meu pai foi comprando tudo
o que conseguia depois que começou a fazer dinheiro no crime. Se
por um lado eu tinha nojo dessa forma ilícita de se enriquecer, por
outro eu respeitava o fato de papai sempre ter tido um olhar para a
comunidade. Se havia comida e teto para todos, era porque meu pai
os ajudava.
Tudo em relação aos Pérez era contraditório na minha mente.
Eu não tinha chegado a tempo para os ritos fúnebres, mamãe
estava tão devastada pela dor que preferiu um enterro rápido. Uma
guerra foi declarada e meu irmão Miguel, de uma hora para outra,
passou a ser o novo jefe e precisava se concentrar no que fazer para
não deixar o império do nosso pai desmoronar.
Uma lápide de mármore marcava o local do seu descanso
eterno, apenas seu nome, data de nascimento e morte, além da frase
“marido amado, pai devotado” estavam inscritos, as flores ainda com
aspecto vívido mostravam o quão recente tudo tinha acontecido, mas
para mim era como se eu estivesse aqui nessa realidade há meses.
Pensei sobre o que a frase realmente queria dizer: “pai
devotado” ele realmente foi, durante a minha infância, mesmo com
suas ausências prolongadas, eu sempre podia contar com o seu
carinho e riso fácil e alegre. Somente depois, quando completei
quatorze anos e descobri que ele era um jefe de um cartel de drogas
é que começamos a nos distanciar, até que, quando completei
dezessete discutimos violentamente, comigo chamando-o de
criminoso e ele me chamando de hipócrita, pois tudo que eu tinha era
em razão do seu dinheiro.
Logo depois eu parti para os Estados Unidos e nunca mais
nos falamos, apesar de tudo eu o amava, muitas vezes sonhava em
convencê-lo a abandonar o cartel e sair do México, com a fortuna
que ele possuía poderia comprar alguma fazenda de gado, uma de
suas paixões, em outro país, talvez na Austrália, do outro lado do
mundo, longe dessa sujeira dos cartéis e suas intermináveis guerras.
Meu pai não teve uma infância tranquila pois seus pais eram
camponeses, trabalhavam quase como escravos para um grande
latifundiário. Aos quinze ele cansou de ser explorado e foi para a
capital.
Viveu nas favelas miseráveis onde aprendeu a se virar
sozinho, aos dezesseis começou a furtar e logo estava assaltando
estabelecimentos, até que, com o dinheiro que conseguiu juntar
comprou alguns quilos de cocaína e com Vicentín, que vivia em San
Diego, mas que visitava a família na Cidade do México, onde se
conheceram, iniciou a venda nos Estados Unidos.
Aos vinte e cinco já tinham conseguido uma pequena fortuna,
mas papai não estava satisfeito e resolveu montar sua própria
organização.
Ele voltou para Durango e comprou a fazenda onde seus pais
trabalharam a vida inteira, infelizmente, ambos logo morreram, mas
ficaram orgulhosos do que o filho conquistou, só não sabiam de onde
tinha vindo esse dinheiro.
Aos trinta e dois se tornou conhecido como el jefe do Cartel
de Durango. Ele teve que lutar para sobreviver, mas o seu olhar para
a comunidade que começava a criar trouxe aliados e proteção, pois
nunca deixou que nada faltasse para os que estavam ao seu lado.
Implacável e forte no crime organizado, ele tinha esse lado
social de fazer crescer uma comunidade unida e sem fome. Talvez
fosse isso que impressionou mamãe, que aceitou se casar com ele,
mesmo contra a vontade de seus pais, um casal de classe média
vindo da Espanha.
— Sinto muito, papa — murmurei — eu te amo e espero fazer
a coisa certa para salvar a nossa família. Nem sempre a nossa
opinião sobre o certo foi a mesma, mas acredite que farei tudo com a
melhor das intenções e prometo respeitar os pobres agricultores e
trabalhadores desta pequena sociedade que dependem disso para o
seu sustento.
Com um suspiro de dor, voltei à sede da hacienda, eu teria
um longo dia, precisava tomar decisões inadiáveis e passei o resto
do tempo no escritório, não almocei, também não houve tempo para
o jantar, fiquei somente com o lanche que minha mãe trouxe, quando
percebeu que eu realmente não havia comido nada além do
desjejum.
Ocupado com as reuniões com funcionários e Vicentín, além
de decisões administrativas, ainda tinha que me inteirar dos
negócios, não apenas os ilícitos, mas também lícitos do cartel, ao
menos nessa última parte a minha experiência como advogado
corporativo me ajudaria muito.
Exausto, olhei a pasta secreta sobre a minha nova chefe de
segurança, folheei rapidamente o conteúdo e vi algumas fotos. Não
tinha tempo para isso agora. Voltei a fechá-la sem dar atençõ e fui
direto para o meu quarto, onde tomei uma ducha e caí na cama,
mesmo assim, dormir continuava sendo impossível, revirava de um
lado para o outro, o cansaço e a insônia eram contrassenso, mas a
minha mente estava como um turbilhão.
E foi por isso que me levantei irritado e desci até o térreo,
saindo da residência, a lua cheia brilhava no céu e diversos holofotes
estavam acesos em volta da propriedade, caminhei pelo seu entorno,
havia uma movimentação maior de homens do que na noite anterior.
De repente, um jeep com capota aberta se aproximou e
estacionou com os faróis virados em minha direção, cegando-me
momentaneamente. Afastei para ao lado, escapando do facho de luz
e me deparei com Lupe.
Agora ela vestia um conjunto de jeans do seu próprio
tamanho, botas e camisa xadrez com os primeiros botões abertos e
suor escorria em sua pele, por entre o colo dos seios, seus cabelos
negros estavam soltos caindo pelos ombros.
— O que está fazendo fora da propriedade, patrón? —
perguntou ao se aproximar, com um andar parecido com o de uma
felina e carregando duas pistolas presas no cinto da calça — o
senhor tem que ficar lá dentro até que eu esteja satisfeita com o
sistema de segurança que estou implantando.
Fiquei espantando com a sua postura, não fazia mais do que
um par de dias que eu havia autorizado Vicentín a contratá-la, mas
eu mesmo não voltei a falar com ela. Quando perguntei, no início da
noite daquele mesmo dia, ele me disse que ela já estava
trabalhando, mas não imaginei algo assim.
Franzi a testa e voltei a encará-la, diferente da imagem
desleixada que eu tive quando ela me salvou dos capangas de
Sinaloa, agora ela estava limpa, bem-vestida, bem penteada,
levemente maquiada. Seus traços eram delicados, mas sua
expressão séria. Esta Lupe de frente para mim é exatamente como a
camaleoa das fotos do meu relatório secreto.
Os olhos negros brilhando como os faróis do jeep criavam
segredos que eu talvez jamais descobrisse, existia algo indecifrável
em seu olhar.
— Não me chame de patrón — bufei irritado por estar
recebendo ordens de uma suposta empregada, mas, mais ainda
porque não queria ser reconhecido como um líder narcotraficante,
embora soubesse que era isso o que todos esperavam de mim —
nem de senhor.
— Certo, jefe — riu mostrando uma dentição branca perfeita,
deixando de lado um pouco da expressão severa e, por uma fração
de segundos, imaginei poder haver uma jovem alegre, que merecia
uma vida decente, que pudesse rir em uma mesa de bar, na roda de
amigos, com uma profissão promissora. Até ela tinha direito a um
futuro decente.
— Apenas Alejandro, por favor — desisti de me irritar.
— Muy bien, Alejandro — sorriu — ainda assim, peço que
permaneça no interior da casa, ao menos até amanhã, mandei
buscar alguns muchachos de confiança para me ajudarem a
melhorar a vigilância da hacienda e instalar alguns equipamentos,
prometo que amanhã a esta hora sua propriedade vai ser mais
segura que a Casa Branca americana.
Jamais tive a sensação de falta de segurança em nossa
propriedade, mesmo assim fingi estar satisfeito com o seu trabalho,
ela não parecia afetada pela tensão e falta de sono, pelo contrário,
estava feliz e satisfeita.
— Vicentín está lhe fornecendo tudo que precisa? —
perguntei, tentando encontrar algum assunto, eu jamais tive que dar
ordens a qualquer chefe de segurança ou algo do tipo. Relacionava-
me com os outros advogados e juízes, o máximo que eu comandava
eram associados do meu time, na firma de advocacia corporativa.
— Está me dando todo apoio, e, por sinal, obrigada por me
contratar e por me permitir ficar acomodada com mais conforto em
um dos bangalôs de visitantes.
— É só um bangalô — respondi aparentando saber do que ela
estava falando.
De qualquer forma, imagino que ser a número um da
segurança da família e estar à frente da estratégia de contra-ataque
ao nosso oponente podia dar a qualquer um regalias e isso incluía
livre acesso aos atrativos da propriedade, além da permissão para
passar a morar em instalações melhores, como o pequeno conjunto
de acomodações para hóspedes próximo à piscina.
— Ali eu poderei ter mais privacidade e não tenho que
compartilhar a área com os demais, é melhor para todos nós que eu
não me socialize com eles, isso me deixa focada.
— Agradeça à minha mãe, ela tem empatia por você e cedeu
o espaço.
— Prometo não o decepcionar. Comigo à frente dessa guerra
não precisará sujar suas mãos macias de doutor com os negócios do
cartel, deixe-as para outros serviços mais interessantes e prazerosos
— completou ao dar uma piscadinha e sorriu de canto de lábios,
como se tudo aquilo a divertisse.
Esfreguei as mãos e as coloquei nos bolsos da calça por um
instante, pois tive a impressão de que o seu deboche com duplo
sentido havia me causado um impacto inesperado entre as pernas.
Que merda, o que estou pensando?
Estava sem Joane, minha ex-noiva, há poucos dias e já me
pareciam meses, de tão ocupado e consumido pela situação. Não
tive tempo nem para sofrer o término e agora isso parecia totalmente
sem sentido, sentia falta do prazer com ela, mas é sexo, só isso.
Quando a realidade muda, você percebe que não existe dor se há
problemas mais sérios para se resolver.
— Certo, apenas não aja sem minhas ordens — tentei não dar
mais munição às suas brincadeiras, mesmo assim era genuíno o
meu receio da matança desnecessária — boa noite, Lupe.
— Boa noite, guapo (bonito) — respondeu com um sorriso
proposital enquanto eu virava as costas e me afastava.
Ousada, essa era a única palavra que eu tinha para a
descrever. Se existiam limites e barreiras entre um líder e seus
subordinados, isso certamente aquela mulher desconhecia.
Intrigava-me como ela havia ido parar nos cartéis, mais ainda
sendo uma soldado tão relevante. Seu corpo bem torneado
aparentava um condicionamento físico invejável e ainda assim era
jovem, cheia de energia, com a carga da responsabilidade de uma
pessoa de grande esperiência.
Voltei para o meu quarto e me joguei na cama, até que
finalmente mergulhei em um sono repleto de pesadelos, eu estava
tenso. Isso era inegável!
7

Alejandro parecia ser um homem em conflito, lembrava-me o


agente do DEA com o seu inocente jeito em fazer o correto, mas é
totalmente ruim para os negócios.
Esse homem precisa entender que agora ele é um Don e que
está inserido em uma zona de guerra, não há tempo ou espaço para
seguirmos somente a ética, as vidas dele, do irmão e da mãe
dependem do quão assertivo será em suas decisões daqui para
frente, isso é uma questão de sobrevivência.
Só que o seu jeito me intriga e muito.
Peguei-me imaginando como seria a sua vida de gringo,
refinado, polido, bem-vestido, cheiroso e de palavras difíceis...
porque aqui ele estava sendo simples, mostrava-se ser um homem
que se posta no nível de quem fala com ele e não se mantinha em
um pedestal, embora o fato de eu ser uma mulher na linha de frente
parecesse o ter incomodado.
Tudo bem! Eu adoro incomodar os homens, principalmente
aqueles com rostinho de bom moço e mãos macias de quem é
intelectual. Mas, neste momento, quem está me incomodando é ele,
porque eu tenho um trabalho a fazer e Alejandro não está me
deixando muito à vontade para isso.
O novo jefe do cartel evitou falar diretamente comigo nos
primeiros dias. Recebi o convite para integrar à guarda como líder
através do conselheiro do cartel, tenho acesso a conversar com a
matriarca, mas ele mesmo parece me evitar.
É compreensível, ele é novo, sem qualquer experiência à
frente deste tipo de negócio, precisa mesmo do conselheiro ao seu
lado, mas ainda assim...
Tomei a posse do cargo e fiz o que sei fazer de melhor e
embora esteja mais tranquila com a situação da segurança da
hacienda, ainda não me vejo convicta de que Durango passará ileso
por essa guerra. Sinaloa está quieta demais e isso é mau sinal.
Hoje é a primeira vez que eu vou participar de uma discussão
de segurança e planos estratégicos com Alejandro, nosso próximo
passo é colocar o plano de retaliação contra o inimigo em ação.
Olho para ele sentado à mesa de seu pai, com Vicentín na
cadeira da esquerda e eu, na cadeira da direita, ambos tentando
argumentar. Que homem teimoso!
— Quero que fique claro, não pedirei novamente — repetiu
pela quarta vez — autorizo o ataque somente porque não temos
alternativa, é uma questão de segurança dos colaboradores de
Durango e da minha família, mas não quero carnificina ou matanças
desnecessárias. Não podemos ter qualquer inocente morto, muito
menos queimados como churrasco — disse ele jogando um severo
olhar para mim — estamos entendidos?
Bem, alguém já tinha contado do meu passado obscuro para
ele. Vergonhoso ou de se orgulhar, não importa, o que eu já fiz na
minha vida é algo que não posso mudar.
— As baixas fazem parte da guerra, patrón!
— Não me chame de patrón — pediu ele tentando controlar o
tom de voz, mas visivelmente irritado.
— Tudo bem, guapo — fiz-me de séria e pisquei para ele com
o olho direito.
— Eu sou o seu... — fuzilou-me com os olhos e imaginei que
ele diria jefe, mas interrompeu a frase imediatamente e a deixou no
ar.
O gringo bonitão não gostava de ser meu chefe, estava claro,
mas Alejandro precisava aprender a se soltar um pouco. Agora é o
líder de um cartel familiar, enquanto não for capaz de se impor terá
problemas com os associados. Tudo bem, eu posso ajudar com isso,
posso provocá-lo até o último minuto, para que ele aprenda a colocar
a sua voz acima de todos.
Ou talvez, somente não acima da minha. Eu podia ver o
quanto ele precisava de mim.
— Lupe! — ensaiou um tom severo.
— Si señor! — engoli o riso e Alejandro deu-se por vencido.
Jovem e inexperiente demais para a posição, essa é a minha
leitura. Outra vez, olhei-o de cima a baixo, passei a língua pelos
lábios e tive esse único pensamento: adoraria ensiná-lo a ser um
chefão, mais ainda ensiná-lo o que fazer com essas mãos macias de
dedos finos e compridos. Ah sim, ele é inteligente, aposto que
aprenderia qualquer coisa muito rapidamente.
Seus braços rijos seriam fabricados como os desses riquinhos
que usam esteroides ou seria ele forte de verdade? Não sei se faz
diferença, braços são braços e ao redor do meu corpo ou
simplesmente com esses dedos trabalhando muito bem lá na
minha...
— Lupe! — elevou um pouco a voz, parecia muito irritado. —
Está me ouvindo? — virei-me de imediato para ele, voltando a focar
na sua insistência infantil. — Reforço, na minha guerra, não quero
carnificina desnecessária — estraga prazeres, eu estava no meio de
pensamentos que faziam elevar a temperatura.
— Así lo haremos — respondi até um pouco entediada.
Alejandro parecia um garoto cheio de caprichos, não conhecia
nada da vida dura dos cartéis, esperava poder passar algum tempo
ao seu lado para o ensinar que a vida aqui é sofrida e não feita só de
dinheiro para custear festas com tequila.
Olhei a ruga que se formava em sua testa, sob os finos e
fartos cabelos não tão lisos, evidenciando sua expressão de homem
correto, a pele bem cuidada, a clara mistura da família Pérez que
descendia de mexicanos e europeus. Vi-me, outra vez, com um
fetiche por suas mãos sentindo-as escorreg...
— Está entendido, Lupe? — meu Deus, como esse homem é
insistente, fui obrigada a voltar a prestar atenção na conversa, dessa
vez sem brecha para outros pensamentos.
— Si señor, patrón! — respondi a contragosto e ele
percebeu que eu estava contrariada, mesmo assim sua expressão
era impassível à minha reação, aos poucos ele aprenderia a
distinguir minhas provocações das minhas reações sérias.
Esse jeito ‘correto’ de agir podia colocar a todos em perigo.
Ele era o tipo de homem que estava acostumado a comandar e a
vencer no mundo dele, mas esse é um mundo completamente
diferente. Sua guerra tramitava nos tribunais, a minha, no coldre com
uma boa pistola.
Se tivéssemos sucesso, ele não teria sangue sujando suas
mãos, mas se algo desse errado, Alejandro colocaria a segurança de
todos nós em risco. Eu precisaria ser muito hábil no ataque, caso
contrário, Sinaloa tomaria Durango nessa batalha, sorte a dele que
não entro em guerra alguma para perder.
Era melhor eu controlar muito bem o que aquele protótipo de
gringo tinha potencial de causar no meio das minhas pernas, pois eu
mostraria a ele o quão agressiva eu podia ser... bueno, negócios
primeiro, o prazer viria como recompensa!
Olhei para ele de cima a baixo e sim, eu ia clamar a minha
recompensa de alguma forma.
Quando me recusei a aumentar a escalada da guerra
atacando pontos chaves no território de Sinaloa, o que poderia
causar vítimas inocentes, todos se manifestaram contra mim, mas se
insistiam tanto para que eu fosse Don temporariamente, teriam que
acatar as minhas ordens.
Normalmente, em qualquer organização criminosa, os cargos
mais altos são os mais perigosos, podem não sujar as mãos de
sangue, mas entregam as armas e ditam o menu de atrocidades,
então pedi a Vicentín que o ataque fosse aos integrantes do alto
escalão do cartel. Derrube o chefe e desestruture a
organização. Não foi exatamente isso o que fizeram conosco?
Foi aí que ele me apresentou a lista que Lupe conseguiu
confirmar.
Analisei os nomes e suas fichas conseguidas junto à Polícia
Federal, com um agente que estava em nossa folha de pagamento,
além dos hábitos de cada um deles e esconderijos, dados obtidos
através do nosso prisioneiro Mendez. Eram todos criminosos
conhecidos, envolvidos em homicídios e diversos outros delitos. Eu
cogitei atacar somente Don Carlos Rojas, o líder, diretamente,
evitando baixas desnecessária, mas ele estava entocado em sua
mansão fortemente protegido, portanto, primeiro precisaríamos
enfraquecer o seu cartel.
Insistindo que se eu a autorizasse montar um pequeno
exército, com as armas certas, invadiria o local e mataria Don Carlos,
recusei a estratégia pois ela não podia garantir que nenhuma vítima
inocente seria atingida.
Mulher estranha essa. Eu já estudei a sua ficha mais de uma
vez, Vicentín também já tinha me contado tudo que sabia a seu
respeito, sua fama de incendiar seus inimigos, a coragem e ousadia,
seu treinamento por Estebam, um homem que inspirava terror em
todos os cartéis, além da ajuda a um agente do DEA com o objetivo
de salvar a enteada de Don Hernández, culminando em seu castigo
como traidora, seguido da prisão pela polícia e fuga cinematográfica
do hospital.
Ela era uma contradição e um mistério, inteligente, sagaz,
impiedosa e selvagem, mas ao mesmo tempo gentil e atenciosa com
minha mãe e aparentava ser alegre, sempre rindo, embora eu
acredite que seja apenas uma fachada exterior que ela mostra para o
mundo, pois podia sentir sua amargura por dentro, principalmente
quando estava de folga e bebia imoderadamente.
“Que tipo de vida ela levava?” — não cansava de me
perguntar.
Voltei a abrir o dossiê sobre ela, que permanecia em minha
mesa. Fotos e mais fotos, narrativas de embates e conflitos. Havia
poucos detalhes da sua juventude, chegava a ser vago, mas era
completo a partir do momento em que tornou-se a líder da segurança
em Baja e foram muitos anos. Lupe era um ano mais velha do que
eu, ainda assim, uma jovem.
Levantei-me da cadeira e fui até a janela. Lá estava ela,
treinando... e aqui estava eu, fantasiando com aquela regata justa.
Sua imagem não me saía da mente desde o seu comentário sobre as
minhas mãos.
Mas eu sei que posso fazê-la implorar por mim, eu só não
preciso disso, não preciso que implore. Não preciso e nem quero
nada daqui desta vida.
O importante é só que ela saiba que isso não é
exatamente um jogo, é uma guerra e se ela quer lutar pelas
regras dela, tudo bem, mas no final, Lupe Gasolina vai
obedecer às minhas. Quem manda no cartel de Durango hoje
sou eu... e quem vai domá-la na cama, também sou eu [6] .
Isso é loucura. Outra vez: “No que estou pesando?”
Fechei a cortina, apaguei a luz e fui para o meu quarto. Era
melhor eu começar a conseguir dormir, ou logo teria problemas.

***

Nos dias que antecederam a minha ordem para o ataque, eu a


vi treinar com seus muchachos, um grupo de seis jovens entre
dezoito e vinte e poucos anos, esbeltos, em excelente forma física,
dois deles cabeludos como cantores de rock e três com cabelos
curtos ao estilo militar, um, o mais estranho, com um corte moicano.
Vicentín explicou que ela os trouxe logo após ser contratada,
eram garotos que ela vinha treinando desde a adolescência,
encontrados nas favelas das cidades por onde ela passou e lugares
onde viveu. Eles escaparam do expurgo que Don Hernández e
Estebam fizeram logo após ela ser trancada no porão e punida por
ajudar o agente do DEA. Um grupo leal à sua jefe.
Eles estava no terreno próximo da piscina, ela trajava calça
jeans agarrada, botas táticas e a costumeira camiseta regata preta,
seu cabelo preso em um rabo de cavalo, como sempre. Durante o
treino, suas pernas ligeiramente flexionadas e as mãos erguidas na
altura do rosto, cercada pelos seus jovens que portavam facas e dois
deles tacos de baseball.
O sol estava forte e queimava a minha nuca, um suor
incômodo encharcava a minha camisa, ela, ao contrário, parecia não
se incomodar com o calor e o suor fazia sua pele brilhar.
De repente, os seus jovens atacaram, o primeiro a chegar
desferiu um golpe descendente com o bastão de baseball, mas Lupe,
com agilidade e uma velocidade espantosa, interceptou-o e aplicou
uma chave de braço o jogando ao chão, de costas, ao mesmo tempo
em que lhe tomava a arma, para no mesmo instante desviar de um
golpe de faca de outro adversário e acertar a costela do infeliz com o
bastão.
Sem parar de se mover ela desviou dos outros três jovens que
a atacavam apelando para chutes. Em questão de menos de um
minuto, para o meu espanto, ela estava em pé, seus muchachos,
como ela se referia, todos caídos à sua volta, gemendo de dor.
Aproximei-me irritado, se algum deles a acertasse com a faca
ela poderia ficar gravemente ferida e foi isso que eu disse a ela.
— Não se preocupe, patrón — riu mostrando uma das facas,
que examinei e percebi não ter corte.
— Mesmo assim, uma estocada poderia a ferir — resmunguei
ainda incomodado, menos com sua petulância e mais por eu estar
ficando excitado com a nossa proximidade, sentindo seu cheiro
almiscarado misturado com o suor que descia pelo colo,
encharcando a camiseta preta.
Por sorte eu usava óculos escuros de sol, assim, talvez, ela
não tenha percebido a direção de meu olhar que parecia hipnotizado
por seus seios.
— Mais alguma coisa, patrón? — perguntou com um sorriso
matreiro.
— Não, creio que não.
— Então, venha comigo, vamos ver se você sabe ao menos
atirar — seu tom de ordem para mim, sendo eu o Don, mostrava que
ela não tinha a mínima noção do que significava hierarquia.
Ela pegou uma bolsa de lona que estava no solo e caminhou
para o mesmo local em que ela estava treinando na outra noite,
quando a observei. Não sabia se a mandava para o inferno ou se a
seguia, ela parecia esquecer que eu era o jefe.
Ao olhar seu quadril rebolando enquanto andava, acabei
decidindo a seguir. Já no estande improvisado, ela abriu a mochila e
retirou uma arma, conferindo o carregador municiado e dando um
golpe para colocar a munição na câmara.
— Esta é uma Glock série M — mostrou-me a arma enquanto
a girava com o dedo na proteção do gatilho — textura RTF-2, flare
embutido na magwell, barril diferente, para-choques ambidestro e um
gatilho redesenhado — explicou, embora eu não tenha entendido
nada.
Com um movimento ela se posicionou de frente para os alvos,
papelões com desenhos que simulavam pessoas, presos em um
grupo de árvores à nossa frente, e disparou de forma rápida
esvaziando o carregador da arma.
— Impressionante — disse ao ver um único buraco largo no
centro da cabeça de um alvo onde ela mirou e descarregou todos os
tiros.
— Venha — ordenou, após colocar outro carregador cheio na
arma.
Peguei a pistola, ela cabia perfeitamente na minha mão e não
parecia pesada. Sabia atirar, era capaz de acertar aos alvos, não
necessariamente com a precisão da minha nova chefe de segurança,
mas por algum motivo, não queria errar, não na frente dela. Apontei
para um alvo limpo e atirei duas vezes, embora tivesse mirado o
centro do peito, atingi a barriga da figura.
— Você está apertando o gatilho com muita força — Lupe se
colocou nas minhas costas e senti seus mamilos me pressionando.
— Assim, você tem que relaxar — suas mãos seguraram as minhas
em volta da arma.
Ela me ajudou na mira posicionando os meus braços, seu
hálito de hortelã fazia cócegas em minha nuca e senti uma ereção
dolorosa e formigante entre as pernas.
— Esmague o gatilho como se estivesse apertando
delicadamente o clitóris da sua amante — sussurrou com voz rouca
—, se sabe dar prazer a uma mulher — senti sua respiração lenta e
profunda inchar o seu peito e isso foi excitante pra caralho —, saberá
acertar o seu alvo exatamente onde mirar.
Tentei me concentrar, embora a rigidez entre as minhas
pernas me deixasse disperso e fiz como ela mandou, efetuando dois
disparos, que foram direto ao centro da figura, embora separados por
alguns centímetros.
— Muito bem, guapo, você leva jeito — riu se afastando de
mim. — A reação é rápida ao estímulo e ao se concentrar, sabe
acertar o alvo.
— Obrigado — fingi não perceber o seu sarcasmo e tentei não
me alterar enquanto ela olhava a minha calça estufada por meu
membro, ignorando o seu sorriso de vitória nos lábios — se me dá
licença, tenho alguns telefonemas para fazer.
— Venha treinar comigo quando quiser, patrón — Lupe riu —
será sempre um — ela limpou a garganta e fez soar a voz mais rouca
— prazer.
Resmunguei algo e me afastei de volta ao casarão, não tinha
vindo para cá para me deixar excitar por uma mercenária, muito
menos tinha tempo para isso, estávamos no meio de um conflito de
cartéis.

***

Eu hesitava em dar a ordem para atacar os líderes do cartel


rival com tão pouco tempo de planejamento, queria evitar o banho de
sangue que poderia resultar de uma guerra aberta, mas Vicentín
avisou que se eu não tomasse uma atitude rapidamente o nosso
Cartel poderia começar a desmoronar de dentro para fora.
— Qualquer de nossos associados pode achar que tem a
chance de tomar a liderança, a primeira coisa que fará será liquidar o
pessoal do antigo regime, começando por seu irmão, você e eu.
Mas a chance de encerrar a guerra se apresentou quando um
mensageiro de Don Carlos entrou em contato, propondo um
encontro para discutir uma oferta de paz.
Ele queria que eu encontrasse o seu irmão, Martin Rojas,
pessoalmente, em um restaurante.
— Podemos suspender o ataque se entrarmos em um
consenso, talvez ele se satisfaça só com um pedaço de território.
Não tenho problema em dar um pedaço de terra fronteiriça para ele.
— Isso é uma armadilha, patrón — antecipou Lupe, quando
eu a chamei juntamente com Vicentín para um Conselho de Guerra.
— Tenho que concordar com ela — Vicentín servia dois copos
com uísque e um de tequila no bar, em um canto do escritório.
— O que você sugere, Vicentín? Iniciar um confronto armado
que trará mortes e prejuízo para ambas as organizações só porque
não queremos ouvir o que eles têm a dizer?
— Eu sugiro cortar a cabeça do mensageiro e a mandar para
Don Carlos — Lupe deu um sorriso assassino enquanto pegava o
copo de tequila das mãos de Vicentín, após ele me entregar um de
uísque.
Bebi um gole e balancei a cabeça irritado. Qual o problema
dessa mulher?
— É a chance que temos para ganhar tempo, pelo menos até
que o meu irmão melhore e assuma os negócios.
— Você não quer sujar as mãos, patrón? — o tom de Lupe
soou com ironia. — Eu posso sujar as minhas em seu lugar.
Isso tudo me incomodava, não era só uma questão de ter
alguém que me poupasse do serviço sujo, eu também não queria ver
as mãos de Lupe mais sujas do que já estavam. Ela merecia mais do
que isso.
Não sei por que me importava tanto, mas sentia-me tão
culpado como qualquer outro que a usava, pois estava fazendo o
mesmo com ela.
— Alejandro, eu entendo sua vontade de evitar um banho de
sangue — Vicentín cortou Lupe — mas, o seu irmão ainda corre risco
de morte, está em uma cama. E se ele morrer? O que impede os
nossos associados de nos trair é ele ainda estar vivo, querem o filho
mais experiente de volta ao poder, portanto, se você não fizer nada
que prove que também tem essa coragem para nos manter de pé,
eles tomarão uma atitude em breve.
— Até que ele melhore — respirei fundo sem querer
mencionar, mas o fiz —, ou morra, vou tentar qualquer chance de paz
— decidi — liberte o mensageiro e diga-lhe para avisar Don Carlos
que eu aceito me encontrar com seu irmão, mas em nosso território,
nos meus termos.
Após a decisão tomada me senti aliviado. A maior sensação
de segurança que alguém pode ter é quando se pode estar em um
local conhecido, inserido em um ambiente que lhe é familiar, cercado
de apoio, pois será o nosso oponente que deverá ter coragem para
vir até a nossa cidade, sozinho.
— Você faz a minha vida mais difícil, hombre! — Lupe me
encarou irritada e depois disso se manteve em silêncio, até que
Vicentín saiu do escritório.
— Sei que quer dizer alguma coisa — olhei para ela antes de
dar outro gole na minha bebida.
Ela podia pensar qualquer coisa de mim, tudo bem. Mas eu
também não era tão ingênuo assim, precisava tentar trazer a
estratégia e experiência que eu usava nos tribunais para cá, eu tinha
que ao menos tentar.
— Alejandro, você tem que tomar a iniciativa, entenda que não
está mais nos escritórios grã-finos de Nova Iorque, você está
mergulhado no mundo narco, aqui é como a selva, somente os
fortes sobrevivem.
— Nos tribunais, somente os fortes sobrevivem também.
— Dê-me a ordem e eu acabo com essa guerra em poucos
dias — insistiu ela.
Levantei-me e dei a volta na mesa, colocando-me de frente
para Lupe, que estava em pé, e a encarei, dessa vez, como o seu
chefe. Odiava isso, mas a olhei como uma subalterna.
— Ouça bem, Lupe — sei que tinha o olhar severo —, você
trabalha para mim e enquanto eu for o jefe desse Cartel, você vai me
obedecer, somente vai agir com a minha autorização, fui claro? —
meu tom de desafio agora trazia a imposição da minha vontade e
meu rosto estava tão próximo dela, com o meu olhar duro, que eu
podia até sentir a sua respiração quente sobre a minha pele,
enquanto o seu peito inflava sob a camiseta regata preta. — Se você
não estiver satisfeita com o jeito que eu comando, pode partir.
Lupe ficou com a face vermelha, provavelmente de raiva, mas
engoliu em seco.
— Certo, patrón, você quem manda — concordou saindo do
escritório, com passos duros e altos, batendo a porta, não sem antes
resmungar em alto e bom som.
“Cabrón teimoso! Vai nos matar a todos.”
Dois dias depois, recebemos a confirmação de que eles
aceitaram os nossos termos, o encontro seria em um restaurante em
Victoria de Durango, a capital do nosso Estado, distante apenas uma
hora da hacienda, como foi a minha segunda sugestão de local, já
que não aceitaram a primeira.
A demora neste aceite mostrava, ou a intenção suja que eles
tinham com o convite original, ou o medo de adentrarem o nosso
território, eles precisavam se preparar e nós também.
Outra vez, Vicentín e Lupe ficaram bastante resistentes a este
encontro. Mas, o local sugerido parecia ser como uma zona franca. O
pessoal de Sinaloa não tinha poder ali e pedi para que Lupe armasse
uma estratégia de segurança, pois eu cumpriria com a minha palavra
comparecendo a este encontro.
8

Era um local público, localizado em um bairro nobre, entrei


sozinho como combinado, embora Lupe e alguns dos seguranças se
anteciparam revistado o local com um pente fino, procurando bombas
ou algum assassino infiltrado entre os funcionários. Também havia
outros dos nossos homens espalhados nas redondezas, prontos para
qualquer ataque.
— Não beba ou coma, apenas converse com Martín, ouça sua
proposta e não se comprometa com nada — orientou Vicentín.
— Você vai se sentar na área aberta do restaurante, na mesa
doze, as costas viradas para o lado da parede, eu o estarei
monitorando pela luneta de um rifle de alta precisão da construção
em frente ao recinto, avise Martín que se ele fizer algum gesto
brusco, ou se alguém te atacar, a cabeça dele vai explodir como um
melão — avisou Lupe.
Fiz como Lupe me orientou e sentei-me na mesa.
— Um comboio de sete SUVs parou na rua, Martín desceu do
quarto veículo e já o vejo entrar no restaurante — ouvi a voz de Lupe
pelo radiocomunicador, embutido em minha orelha direita.
Não demorou e Martín Rojas se aproximou, apesar do terno
caro ele tinha uma expressão feroz.
— Don Martín — cumprimentei-o ao me levantar, tentando
manter a minha postura calma, sabendo que o time de Durango
estava comigo na mira de proteção o tempo inteiro.
— Alejandro — retribuiu o cumprimento sem usar o tratamento
de Don, o que preferi ignorar.
Apontei a cadeira para que ele se sentasse e um garçom se
aproximou, para imediatamente dar a meia-volta, pois fiz um gesto o
dispensando, não queria que o encontro demorasse mais do que o
necessário.
Lupe podia achar que eu era ingênuo, mas esse contato cara
a cara era essencial, porque eu precisava mostrar para Sinaloa que
eu tinha coragem o suficiente para estar aqui, sem fugas, sem me
acovardar como fez Don Carlos Rojas.
— Seu irmão pediu esse encontro, Don Martín, o que vocês
têm a oferecer?
Fui curto, direto e coloquei toda a minha objetividade em
prática. Sendo advogado, uma das minhas qualidades era ser um
ótimo articulador de palavras.
— Queremos oferecer a chance de evitar uma guerra — sorriu
de forma cínica — tivemos alguns problemas com seu pai e seu
irmão, mas acreditamos que as negociações com você podem ser
diferentes.
— Vocês mataram meu pai e tentaram matar meu irmão —
cortei. — O que o fazem achar que comigo será mais fácil?
— Não foi pessoal, apenas negócios, eles foram
intransigentes, não queriam negociar, mas você, vejo que é jovem,
um advogado pelo que me disseram, deve saber que os negócios
são mais lucrativos na paz do que na guerra, queremos apenas ter
acesso a uma parcela de sua rede de distribuição.
Por uma hora o ouvi falar sobre exportação de drogas,
corrupção de agentes alfandegários e o lucro que teríamos, caso eu
concordasse que o seu pessoal trabalhasse com o nosso.
Parecia um excelente acordo, mas eu estando acostumado a
analisar os riscos de um negócio e agora, futuras consequências
criminais com a minha especialização penal, percebia nas entrelinhas
que se permitisse que o cartel de Sinaloa participasse das nossas
operações, em pouco tempo seríamos dominados e, absorvidos ou
destruídos.
De repente, Martín olhou para o relógio e se levantou.
— Foi um prazer conhecê-lo, Alejandro, espero que possamos
fechar esse acordo vantajoso, você será um homem rico e poderá
voltar para os Estados Unidos.
Em seguida ele saiu do restaurante, entrando no SUV em que
chegou e o comboio partiu. Também deixei o local e encontrei-me
com Vicentín e Lupe.
— E então? — perguntou meu conselheiro.
— Ele ofereceu um acordo, não necessariamente vantajoso,
parece que foi uma distração, pois é bastante obvio que serve para
nos dominar — expliquei — não sei, algo não está certo.
— Como assim, hombre? — Lupe pareceu intrigada com a
minha expressão fechada.
— Sua expressão corporal, ele está mentindo, isso foi uma
distração — quantas não foram as vezes que eu peguei um blefe nas
negociações ou mesmo nos tribunais?
— Eles sempre mentem em algo.
De repente senti tive uma sensação ruim.
— Lupe, ele vai nos atacar, alerte os seus homens! Ao
perceber que não conseguiria acabar comigo pois estou
superprotegido, ele decidiu atacar na hacienda porque estamos
enfraquecidos lá, tenho certeza. Aceitando ou não o encontro, ele
precisava nos dividir. Pense: ficamos uma hora exatamente no
restaurante, que é o tempo que se leva daqui para lá.
No mesmo instante ela pegou o celular para entrar em contato
com o líder dos seus muchachos, que havia deixado como
responsável pela segurança.
— Redobrem — foi só o que ela disse sobre a segurança
antes de desligar e voltou-se para o nosso motorista — temos que
manter Alejandro longe se achamos que haverá um ataque. Eu vou
saltar e entrar no segundo carro, vocês ficam aqui com Enrico, tenho
total confiança de que ele pode mantê-los seguros.
— De jeito nenhum! — elevei a voz com Lupe. — Mamacita e
meu irmão estão lá, eu não vou ficar aqui.
— Não podemos arriscar, patrón.
— Se você realmente é uma boa estrategista, foi capaz de
organizar os nossos soldados para que estejam preparados. Eu vou
voltar com vocês e sem discussão, é uma ordem.
— Eres loco, cabrón! — esbravejou ela sem gostar da
minha postura, mas acatou a minha ordem, enquanto Enrico
comunicava-se com os demais carros do nosso comboio avisando
que precisávamos ter cuidado.
Neste instante o celular de Lupe começou a tocar.
— Tem certeza? — respondeu ela após alguns segundos
quieta. — E os Pérez? — outros segundos de silêncio — Ótimo.
Aguentem firme.
Quando ela encerrou a ligação, voltou-se para mim e Vicentín
para dar a notícia. Homens de Sinaloa chegaram à hacienda.
— Puta que pariu! Eu sabia!
— Alejandro, tenha calma. Esse foi um erro deles. Sinaloa não
me conhece e se acharam que a hacienda estaria vulnerável por
estarmos fora de lá, cometeram o maior equívoco de suas vidas. Ele
acabou de declarar uma guerra conosco.
— Não temos tempo a perder! — coloquei ansioso.
Nosso casarão acomodava dezenas de funcionários
inocentes, além da minha família. Nada do que Lupe dissesse para
mim neste momento me deixaria calmo. Sinaloa podia ter cometido
um erro, mas Durango também estava pagando este preço.
Quase uma hora depois chegamos na estrada particular que
dava em nossa propriedade e a minha primeira reação foi de choque.
— Filhos da mãe! — exclamei quando nos aproximamos.
Ao longe, as luzes de carros incendiados iluminavam a
propriedade e me amaldiçoei mentalmente, fui um tolo ingênuo
acreditando em uma possível oferta de paz.
Enquanto eu negociava, o cartel rumava à hacienda,
aproveitando que a maioria dos nossos homens deveria estar comigo
na cidade. Só pude pensar em meu irmão e na mamacita. Se algo
tiver acontecido a eles por causa da minha visão romântica de se
fazer paz nessa terra de ninguém, eu jamais me perdoarei.
— São todos nossos? — indaguei a Vicentín, mas foi Lupe
quem respondeu prontamente.
— Não, a maioria não é.
Mal o veículo estacionou, eu desci e corri até a casa grande,
passando pelos carros incendiados, muitos com corpos calcinados
em seu interior. Havia outros espalhados pelo terreno em frente à
casa grande, alguns eram nossos seguranças.
— Mãe! — gritei apavorado, sentindo o suor da tensão
escorrer pelo meu corpo, mesmo com a sensação do sangue gelado
me percorrendo.
Corri até o quarto de meu irmão, estava vazio. Não! O que foi
que eu fiz? Nessa tola ideia de poupar vidas tinha feito a minha
primeira grande decisão no cartel e ela foi a mais míope possível.
Não se negocia com o inimigo, Lupe e Vicentín estavam certos.
Eu, que sempre fui capaz de tomar decisões de risco na
minha profissão e lidar com todas elas com frieza, o que fazia de mim
um ótimo negociador e igualmente impressionante nos tribunais, me
vi em desespero.
Saí da casa, agora mais do que nunca precisaria de Lupe para
traçarmos um plano para resgatarmos a minha família, pois se não
estavam no casarão, provavelmente tinham sido raptados, mas, foi
quando, já na área do jardim, me deparei com minha mãe, tendo ao
lado dela a nossa chefe da segurança.
— Mamacita! — minha angústia transformou-se em alívio,
embora a taquicardia permanecesse.
— Hijo! — ela exclamou correndo em minha direção para um
abraço.
— Você está bem? E Miguel? Não o encontrei, seu quarto
está vazio.
— Estamos bem, graças a Lupe, assim que vocês saíram, os
muchachos dela nos levaram para a adega, como uma ação
sigilosa de segurança.
A adega, embaixo dos bangalôs de hóspedes, próximos da
piscina, era um porão que também servia como caixa-forte,
alcançado por uma rampa, a porta de acesso era de aço reforçado e
podia ser fechada por dentro. O local possuía um sistema de ar
próprio e um gerador de energia.
— Depois de algum tempo, ouvi tiros e explosões, mas um
dos garotos ficou conosco e disse para não me preocupar, pois eles
estavam preparados.
— A melhor estratégia de segurança é o silêncio, Alejandro,
eu já tinha coordenado com os soldados para estarem todos aqui.
Não se sinta mal, é verdade que Sinaloa tentou nos emboscar, mas
eles que foram emboscados. Olhando por este lado, foi ótimo termos
aceitado esse encontro, pois agora passamos o recado de que
estamos melhor preparados do que eles.
Olhei para Lupe e sorri em forma de agradecimento. Eu jamais
teria pensado em garantir uma proteção adicional para eles, na
minha mentalidade de novato nesse mundo de horror, ninguém
jogaria sujo o suficiente para armar um tipo tão baixo de cilada.
Concluí que enquanto eu não aprendesse as artimanhas do jogo
sujo, sempre seria pego desprevenido.
“Você precisa pensar como o seu inimigo para poder
antecipar os seus passos” — divaguei em silêncio.
— Estou surpresa com a sua percepção, patrón, você soube
ler Martín muito bem, isso pode ser importante para nós —
completou Lupe depois que dei um abraço em mamacita e ela
tomou distância de nós, para passar a dar ordens para que os
veículos incendiados e os corpos fossem levados daqui, bem como
fossem buscar o meu irmão para o levarem de volta ao seu quarto.
Por sorte, a cama dele era uma verdadeira UTI ambulante e as
enfermeiras o acompanharam no translado.
Alguns dos rapazes de Lupe trouxeram um homem arrastado,
ele estava com a perna ferida e o jogaram no terreno em frente à
casa grande, praticamente aos meus pés.
— Este é um dos atacantes — avisou um dos jovens.
Lupe se aproximou e desferiu um soco na boca do homem,
que caiu ao solo e cuspiu sangue, encarando-a com ódio.
— Lupe! — adverti, quando ela puxou sua pistola da cintura e
apontou para a cabeça dele.
— Quem é você? — perguntei ao chegar muito próximo a ele,
que estava na mira das armas de toda a segurança.
— Vete a la mierda, hijo de puta — cuspiu um catarro de
sangue que acertou o meu sapato.
Lupe imediatamente chutou a sua boca e ele se engasgou,
cuspindo mais sangue e um dente.
— Olha o respeito, cabrón! — rosnou ela. — Alejandro é o
nosso Don, trate-o como tal.
— O que vocês esperavam ganhar com este ataque? —
perguntei em voz controlada.
— Você sabe o quê — o homem gargalhou — você, sua
fodida mãe e irmão estão mortos, todos vocês estão mortos, o cartel
de Durango está acabado! Juntem-se a Sinaloa, Don Carlos os
recompensará bem, matem esse almofadinha gringo! Matem sua
jefe de segurança, matem Vicentín, matem todos da família e serão
aceitos com honras em Sinaloa! — gritou para os homens que
observavam tudo em silêncio, soldados de meu irmão e os de Lupe.
Irritei-me com a sua ousadia e me aproximei do filho da puta,
sentindo a ira tomar conta de mim, e soquei o seu rosto com raiva.
Ninguém, nas minhas terras, falaria assim sobre a minha família ou
ameaçaria Lupe e Vicentín na minha frente.
— Minha mãe! Vocês iriam matar a minha mãe! Uma mulher
inocente que não tem nada a ver com essa guerra! — gritei
segurando os cabelos do homem caído.
Até mesmo um homem que acreditava na paz era capaz de
ter a adrenalina subindo a ponto de chegar ao extremo da violência.
Eu jamais seria alguém a tomar a iniciativa, mas sabia devolver no
mesmo peso.
— Ninguém é inocente, cabrón! — gargalhou o homem.
Deixei-o caído sob a mira dos seguranças e fui até minha
mãe, que assistia tudo de forma impassível.
— Ele tem que morrer — sussurrou Lupe em meu ouvido, que
me seguiu, aguardando a minha posição, já temos um prisioneiro,
não podemos ficar acumulando outros por conta da sua piedade.
— Alejandro, se você o libertar perderá todo o respeito dos
soldados do cartel, estão todos o observando neste momento em que
sabemos que perdemos alguns dos nossos companheiros, dê a
ordem e deixe Lupe liquidar esse traidor — reforçou Vicentín,
discreto, porque ninguém podia perceber que eu era orientado por
eles. Só que, a verdade é que um Don de respeito precisa saber
tomar todas as suas próprias decisões.
Senti os olhares sobre mim, podia praticamente ver a tensão
no ar, todos aguardando com que eu me posicionasse.
— Mamacita, por favor, entre e vá ver como está Miguel —
pedi com um tom carinhoso — meu irmão precisa mais da senhora
do que eu.
— Está bem, hijo, confio em você como nosso novo jefe —
disse após beijar meu rosto.
Voltei para perto do homem que nos encarava com escárnio,
mal sabia ele que o ódio que eu sentia me corroer por dentro era
maior e estava correndo pelas minhas veias. Ele me faria corromper
todos os meus mais importantes valores de ética.
Sempre soube que uma vez no cartel, você se transforma em
um deles. E não parecia ser diferente comigo.
— Você deve morrer — sentenciei, sabendo que a minha
atitude me rotularia pelo resto da vida, pois toda ação tem uma
reação e se todos acreditavam que sempre temos uma escolha, a
verdade é que nem sempre há uma opção razoável.
Lupe deu um golpe em sua pistola colocando um projétil na
câmara e apontou a arma para a cabeça do homem.
— Espere! — pedi com frieza, ou, ao menos, esperei que
estivesse me demonstrando frio, e ela me encarou sem entender. —
Eu faço isso — estendi a mão pedindo a arma.
— Tem certeza? — duvidou ela e foi quando eu entendi como
era importante para a nossa sobrevivência que eu ganhasse o
respeito não só dos colaboradores do cartel, mas também dela, aliás,
principalmente dela.
— Quem dá uma ordem de execução, tem que estar
preparado para a executar — peguei a arma de sua mão.
Meu pai vivia dizendo essa frase, eu sabia que ele mesmo já
havia executado inimigos pessoalmente, meu irmão também,
seguindo o exemplo de papai.
E por mais que eu não fosse como eles, estávamos em um
momento crítico, portanto, busquei a frieza, mas o meu coração se
mostrou disparado, estava prestes a tirar uma vida, prestes a
consumar a minha posição de mafioso, líder de cartel, um Don.
Eu não era um assassino, mas é incrível como a situação
muda quando lutamos para não morrer, ou para proteger os nossos
entes e amigos. Para alguém sobreviver, alguém tem que morrer e se
eu quiser continuar respirando, melhor tratar de engolir a culpa e
continuar lutando.
Vi-me em uma posição inimaginável, aqui, pronto para tirar
uma vida, a sangue frio.
Na minha concepção do certo e do errado, onde eu sempre
execrei as atividades criminosas da minha família, não havia
qualquer diferença entre dar uma ordem e executá-la eu mesmo. O
fato de não puxar o gatilho não fazia de mim menos culpado, menos
assassino, portanto, se a ordem para executar outros seres humanos
precisava vir de mim, eu devia estar preparado para executá-las
também.
Olhei o homem ajoelhado na minha frente, que me encarava
com desprezo, se Lupe não tivesse sido previdente, minha família
estaria entre os mortos, assim como a mulher de Vicentín e seus dois
netos que viviam com eles.
— Você tem ideia de quantas vidas tirou hoje nesta
propriedade que não é sua? — olhei o homem nos olhos, assim
como olhava um criminoso em tribunal. — Compreende que vai
perder a vida por ter executado pessoas que nada têm a ver com
uma guerra que é somente entre mim e o seu jefe?
— Que se vayan al carajo! — respondeu sem aparentar o
mínimo de remorso.
Tentando não demonstrar hesitação ou qualquer
sentimentalismo, estiquei o braço apontando a arma e disparei contra
a sua testa, olhando-o nos olhos, e o som do disparo reverberou por
todo o redor quando o corpo caiu para trás, no chão.
Fiquei imóvel observando a cena como se estivesse em
câmera lenta.
Agora sim, eu era um assassino a sangue frio, nenhuma
desculpa seria boa o suficiente para me fazer não me considerar tão
bandido como todos os que estavam comigo. É claro que
filosoficamente sempre temos escolhas, mas também arcamos, para
o resto da vida, com as consequências de todas elas.
Ouvi alguns murmúrios dos homens à minha volta, mas os
ignorei, somente fiz um gesto para que Lupe e Vicentín me
acompanhassem até o escritório.
Primeiro fui ao banheiro, meu estômago revolto fez me vomitar
a repulsa que eu tinha de mim mesmo, depois lavei o rosto, as mãos,
deixei os sapatos de lado e me livrei da camisa com respingos de
sangue. Quando me senti menos sujo, vesti uma nova camisa e foi
ao escritório.
— Muy bien, Don Alejandro — o tom de Vicentín
demonstrava um nível de respeito que eu ainda não tinha recebido,
pois até esse momento ele me tratava apenas como o filho do
mafioso, e irmão do atual Don, a quem tinha a obrigação de ajudar.
— Estou orgulhosa da sua coragem — completou Lupe, dessa
vez, sem qualquer ironia em sua voz.
— Não tenho nada a agradecer, pois eu não estou contente
com o que eu fiz — sentei-me na poltrona, exausto, mas tentando
não demonstrar a minha fraqueza e ficamos todos em silêncio por um
minuto.
— Esse ataque traiçoeiro, enquanto eu estava com Martin,
prova as más intenções de Don Carlos — esfreguei os olhos com os
dedos.
— Qualquer evento, qualquer contato, sempre há a
possibilidade de ser uma armadilha, só precisamos estar sempre um
passo à frente deles e foi o que fizemos. Se tivessem matado o seu
irmão, o cartel de Durango iria desmoronar e você teria que ceder à
Sinaloa, ou então seria morto ou traído — Lupe afirmou batendo a
ponta do dedo na mesa.
— Eu devia ter previsto isso — culpou-se Vicentín, nervoso
pelo seu erro como conselheiro estrategista.
— Eu previ, é para isso que sou paga, sou a jefe de
segurança — disse Lupe, na vã tentativa de o acalmar — dei ordem
para os meus muchachos que tirassem a sua família da casa assim
que saíssemos daqui e os escondessem na adega. Ninguém aqui
estava despreparado quando os soldados de Sinaloa atacaram, e sei
que foram recebidos com alguns brinquedinhos, essas baixas, em
sua grande maioria, não foram nossas.
— Eu tinha que ter percebido mais cedo, os sinais em Martín
estavam claros — lamentei.
— Não se crucifique, Alejandro. Você percebeu no momento
exato, quando liguei para o meu time e eles redobraram o alerta.
Sinaloa foi recebido com toda a nossa força.
— Lança-foguetes RPG7? — sorriu Vicentín. — Eu vi o
estrago nos carros.
Eu já tinha ouvido falar essa arma, era um lança foguetes
antitanque muito usado por insurgentes do oriente médio.
— Meus muchachos trouxeram alguns brinquedos com eles
— sorriu de forma dura Lupe.
— Eu tenho que te agradecer — voltei meu olhar para a chefe
de segurança, mas ela não se gabou disso, só ficou em silêncio por
um momento.
— Alejandro, esse ataque demonstra as intenções de Don
Carlos, ele não o respeita como homem e menos ainda como jefe,
se você não mandar um recado duro para ele, esses ataques
continuarão até que o seu irmão seja morto — afirmou Vicentín e eu
sabia que ele estava certo.
Lupe me encarou, estudando-me com seus olhos negros.
Ambos sabíamos que eu não podia mais me dar ao luxo de cometer
erros, demonstrações de fraqueza só condenariam a mim e à minha
família à morte.
— Eu errei e não sinto vergonha em admitir, pensei que
poderia não sujar minhas mãos, pensei que poderia resolver todo
esse problema com o mínimo de derramamento de sangue, imaginei
que se negociássemos eu conseguiria ganhar tempo até que o meu
irmão se recuperasse — senti a ira borbulhando enquanto reconhecia
o quão inocente fui nessa jogada — mas aprendi a lição, se tenho
que descer ao nível de nossos inimigos, assim o farei. Se é essa a
coragem que preciso para salvar a minha família, nossos
colaboradores e associados, eu a tenho.
Vicentín e Lupe me encaravam com expectativa.
— Muito bem, Lupe, você tem autorização para dar um recado
ao cartel de Sinaloa, como combinamos, isto é, somente os líderes
— autorizei com a postura dura, mas cheio de pesar em meu íntimo.
Discutimos opções e planos de ataque durante toda
madrugada. Quando Vicentín se recolheu para sua casa aqui mesmo
na propriedade, para juntar-se à sua família, Lupe e eu ficamos
sozinhos no escritório. Ela se levantou e pegou uma garrafa de
tequila no bar, dois copos e nos serviu.
— Beba, guapo, a primeira morte a sangue frio nunca é fácil
— estendeu-me a bebida.
Eu a peguei e entornei de uma vez aquele líquido que desceu
queimando a garganta, enquanto ela fazia o mesmo e novamente
enchia os copos.
— Jamais me passou pela cabeça que um dia eu chegaria a
ponto de fazer isso, também nunca dei ordem para matar e jamais
quis me envolver nessa vida de narco, sempre acreditei no império
da lei, por isso me tornei advogado — desabafei entornando mais um
copo. — Mas, veja que estou aqui há tão pouco tempo e já tirei uma
vida.
Estava sendo difícil processar os meus sentimentos. Era algo
como uma mistura de vazio e nada dentro do peito, uma sensação
estranha de que tudo era um pesadelo e que logo eu acordaria na
minha cama em Manhattan.
— Você fez o que tinha que fazer, se não tivesse ordenado a
morte daquele ratón (rato), se o tivesse deixado sair impune da
hacienda, ou mesmo o entregado para a polícia, você e sua família
estariam com os dias contados — Lupe encheu novamente os copos
—, entenda que agiu de forma certa em ordenar a sua morte, só não
esperava que você tivesse cojones (culhões) para fazer isso com
as suas próprias mãos.
— Será que com o tempo eu vou aprender a aceitar o que eu
fiz? Ou isso só vai deixar de me apertar o peito quando eu entender
que tenho que parar de sentir? — perguntei ao olhar para as minhas
mãos como se isso fosse um pesadelo.
— Isso te muda, guapo, muda algo aí dentro para sempre,
mas não se deixe definir pelo que fez. Situações extremas pedem
medidas extremas e foi o que aconteceu
— Não sei como vocês podem achar que algo assim seja
normal.
— Com o tempo, você se acostuma e aprende a conviver com
as vidas que tirou — deu de ombros.
— Eu nunca vou me acostumar — suspirei decepcionado
comigo mesmo — ordenarei assassinatos e matarei pessoalmente,
se for necessário, para salvar minha família e as vidas de
colaboradores do nosso cartel, mas quando meu irmão se recuperar,
eu pretendo ir embora e nunca mais voltar. Quero esquecer Durango
e tudo o que existe aqui.
— Eu entendo, você não pertence a este mundo, Alejandro,
não o julgo e prometo que farei de tudo para o ajudar nessa situação.
— Obrigado, Lupe.
Deixamos o silêncio pairar entre nós, ele era um silêncio
sofrido e de luto para mim, não sei exatamente o que ele significava
para ela.
— Acho melhor irmos descansar, eu tenho uma operação para
organizar e você tem decisões a serem tomadas — ela se levantou.
— Eu a acompanho — saímos do escritório e da casa.
O terreno já estava limpo, apenas a terra chamuscada
indicava o local onde os veículos de Sinaloa haviam explodido, o
corpo do homem que eu assassinei e dos demais que atacaram a
hacienda também já haviam sumido.
Enquanto caminhávamos em silêncio até o bangalô de
hóspedes em que Lupe estava alojada, o sol incidiu sobre o seu rosto
e senti um aperto no coração, agora aquela estranha e bela mulher
seria colocada à prova, pois ficou acertado que ela seria a
comandante do ataque aos alvos escolhidos por mim. Se ela fosse
realmente boa, como todos diziam, cumpriria a missão, mas se algo
desse errado, isso custaria a sua vida e não tinha certeza se estava
preparado para ter também o sangue dela em minhas mãos.
Eu queria poder pedir a ela para não fazer nada disso. Queria
que Lupe ficasse protegida também, mas as circunstâncias pediam a
minha omissão neste desejo.
— Quero mandar um recado e quem sabe assim poderemos
abrir negociações de paz verdadeira — coloquei, ainda sem saber no
que eu realmente acreditava e, também, senti o olhar de descrença
dela.
Mais do que tudo, eu queria encerrar a guerra, Vicentín me
disse que homens de Sinaloa haviam atacado pontos de
armazenamento e distribuição de drogas em Durango, mas que
nossos homens estavam revidando e vidas eram perdidas de ambos
os lados.
— Muy bien, patrón — disse Lupe, mesmo sabendo que
aquele título me irritava — assim que Vicentín me der a lista e as
informações que conseguir, vou orquestrar um ataque, tenho como
conseguir alguns espiões em Sinaloa, contatos do meu tempo no
cartel de Baja que poderão me auxiliar, vou levar apenas alguns dos
meus muchachos.
— Lembre-se Lupe, não quero vítimas inocentes — olhei para
ela e ficou implícito que isso não foi uma ordem, não queria dar
ordens justamente para ela, mas era um pedido e eu sabia que se o
fizesse nesses termos, ela o acataria — e... por favor, mantenha-se a
salvo.
Por algum motivo, eu tinha uma genuína preocupação com
essa mulher, a quem eu devia a vida e não queria que se ferisse ou
qualquer outra coisa pior, sob as minhas ordens.
Ela me encarou com o tom avaliativo, mas dessa vez não
desviei o olhar, como fiz no helicóptero semanas antes. Se em
Manhattan eu era temido nas mesas de acordos e nos tribunais, aqui,
por ora, seria temido por ser um Don.
— Certo, Alejandro — concordou sem o seu costumeiro meio
sorriso ou suas brincadeiras, enquanto nossos olhares se prendiam
como imã e eu podia ver o seu peito inflar buscando um pouco mais
de ar do que o normal — eu voltarei viva, não precisa se preocupar
com isso — em seguida ela entrou e fechou a porta atrás de si.
Essa jovem devia carregar o peso do mundo nas costas e
parecia estar falando sério e eu, também.
9

De volta ao meu quarto, refleti sobre os meus primeiros dias


no México, dias esses que mudariam a minha vida para sempre.
Abri o frigobar que ficava escondido por um moderno móvel,
peguei duas pedras de gelo e me servi de uma dose de uísque. Sei
que já tinha bebido o bastante com Lupe na sala de trabalho, mas
havia uma escuridão dentro de mim que eu queria conseguir abafar.
Vi a vida passar pela minha mente como um filme, saí do
México para ser um outro alguém, sem me deixar corromper pelo
crime, tudo parecia dar certo, mas eu fui um tolo em achar que
poderia negar as minhas origens.
Em tão pouco tempo perdi a noiva, deixei para trás a posição
de destaque em uma empresa conceituadíssima, para onde nem sei
se serei capaz de voltar, principalmente se o pai de Joane contar a
eles a verdade sobre mim. Perdi o meu pai, que eu tanto reneguei,
sofri um atentado de avião, meu irmão está desacordado em uma
cama e... tornei-me um assassino.
Esfreguei o rosto com as mãos, com ainda mais força na
região dos olhos, na vã tentativa de fazer com que aquela cena
sumisse da minha mente, mas foi inútil. Eu via, vez atrás da outra, os
olhos duros que ocultavam o pavor daquele homem, sob uma face
falsamente fria, suplicando por sua vida.
Virei o copo na boca, servi-me de outra dose.
Sempre fui comedido com o álcool, saboreava o líquido
embriagante a cada gole, mas hoje, eu só preciso esquecer o que é
inesquecível. Jamais me perdoaria, pois isso é algo imperdoável.
Destravei o celular e olhei o perfil social de Joane, havia uma
foto dela em Londres, postada ontem, com a seguinte frase: “não
aceite menos do que a verdade” e imediatamente complementei
mentalmente: “e nem a verdade vai te garantir o perdão!”
Cambaleei até a janela sentindo o bafo quente da noite e virei
metade do segundo copo antes de observar a área da piscina. Ela
estava iluminada com as luzes internas, que vinham de dentro da
água, depois olhei para alguns metros adiante, somente o bangalô de
Lupe tinha as luzes acesas, os demais estavam inabitados.
Virei o resto do segundo copo e me servi de mais, a garrafa
estava comigo na outra mão. Conclui que não era apaixonado por
Joane, então, essa não foi uma dor sufocante, mas saber que a
bagagem que eu carregava fazia de mim um indigno me feria,
reconhecer que agora eu tenho sangue nas mãos, também me
matava um pouco mais por dentro.
Percebi o vulto de Lupe pela janela do seu quarto e fiquei
observando. A sua silhueta surgiu novamente, o contorno dos seus
seios desprotegidos e a curva saliente de sua cintura pareciam traços
perfeitos. Pisquei alguma vezes para firmar a visão, mas, logo a luz
se apagou.
Meu Deus, no que estou pensando?
Eu devia tentar fazer o mesmo que ela e ir dormir, mas só fui
capaz de me sentar em uma cadeira na varanda, tudo ao meu redor
girava, mas isso ainda não era o bastante, precisava de mais uma
dose para tentar expurgar de mim a dor que eu estava sentindo.
Nenhum perdão viria, porque eu jamais poderia me perdoar,
mesmo sabendo que em uma situação como essa eu não tinha
opção, seria a minha família ou o inimigo. Filho da puta bastardo que
disse que sempre temos escolhas em nossa vida, pois é covardia
nos deixar com opções injustas, escolher quem deve viver não é uma
escolha, é uma falta de alternativa.
Sentia o rosto quente, podia ser o álcool, podia ser a dor, a
frustração ou a minha fraqueza querendo se manifestar. Mas aqui
não havia espaço para fraquezas, só o mais forte sobreviveria e eu
sou um sobrevivente.

Don Carlos Rojas estava praticamente inacessível, entocado


em uma propriedade na zona urbana de Culiacán, cercada de altos
muros, eficiente sistema de monitoramento e um significativo time de
segurança, todos armados com fuzis, sem contar a polícia local,
comprada pelo cartel, que fazia patrulhamento constante em seu
bairro. Eu não conseguiria atingi-lo a não ser que Alejandro me
autorizasse a contratar um pequeno exército, coisa que ele não fez,
temendo que a guerra saísse de controle.
“Somos estrategistas, Lupe, temos tempo para fazer do
jeito certo” — argumentou ele tentando controlar a minha
ansiedade.
Sentia pena da situação do jefe guapo, ele não pediu por
esse o cargo, nem aparentava ter a veia psicótica e assassina que
qualquer membro de cartel deveria ter para se dar bem no ramo, por
outro lado, trabalhar com ele exigia mais de mim e estava sendo uma
experiência interessante. Pensar e planejar mais, pedia ele, não
precisamos sair executando se tivermos um plano
estratégico.
Com suas exigências para cumprirmos um protocolo de ações
corretas e certeiras, o bom moço Pérez estava fazendo a minha vida
mais difícil, mas, também era aprendizado trabalhar de um jeito
diferente de Estebam.
Cercando pelas beiradas eu podia acertar os outros membros
do escalão e era justamente para fazer isso que decidi que o melhor
era vir até Culiacan[7], capital de Sinaloa e sede do cartel de mesmo
nome.
Identifiquei Martin, o irmão de Don Carlos, que exercia a
função de cabeça das atividades de vendas e exportações, um nome
pomposo para quem era o braço direito na responsabilidade de
mandar as drogas do cartel para os Estados Unidos e Europa.
Martin é quase tão jovem quanto Alejandro, só que ambicioso
e violento. Diria que a melhor forma de o rotular é como um covarde,
uma vez que somente assassinava inimigos e desafetos quando
estava acompanhado, mandava seus seguranças os dominar e
assim eram levados até a sua propriedade em Navolato, uma cidade
próxima de Culiacán, para o abate.
Foi esse o idiota que se encontrou com Alejandro naquele
restaurante, oferecendo um acordo de paz, enquanto seus capangas
tentavam assassinar Miguel na hacienda.
O espião que eu contratei veio com a informação de que ele
tinha o hábito de frequentar, com outros integrantes do alto escalão,
toda sexta-feira, uma boate exclusiva na cidade, onde o cartel
possuía uma ala VIP. Comportamento muito semelhante ao que
tínhamos no cartel de Baja.
E foi pela porta principal da boate que eu entrei, havia uma fila
de pessoas esperando a vez, só que sabemos como esses lugares
funcionam, mulheres bonitas têm preferência e entrada livre,
bastavam um pouco de postura e atitude, belo corpo e sensualidade.
Esse jogo eu sempre dominei.
Usando um microvestido preto que deixava à mostra as
minhas coxas e realçava os seios, completei o visual com uma
pequena bolsa à tiracolo, onde eu carregava dinheiro e maquiagem,
como qualquer outra garota em busca de curtição. Aproximei-me da
portaria e percebi que três seguranças observavam e controlavam a
entrada, todos armados com pistolas na cintura. Uma hostess fez
sinal para que eu me aproximasse.
— Procurando diversão, querida? — perguntou ao me medir
de cima a baixo.
— Louca por ela — ri tentando demonstrar a empolgação de
uma garota que buscava um drinque grátis e pegação.
— Se quiser, pode até ganhar a oportunidade de ir à ala VIP
— sorriu colocando uma pulseira fosforescente em meu punho — e
se agradar o patrão será bem recompensada — concluiu piscando o
olho para mim.
Um dos seguranças passou um detector de metais em meu
corpo, após abrir minha bolsa e verificar seu interior, satisfeito,
deixou-me entrar e o som alto me atingiu, assim como as luzes
estroboscópicas da enorme pista de dança, onde jovens pareciam
animados e se divertiam com a música eletrônica, alguns excediam-
se nos movimentos e pareciam praticar rituais de acasalamento entre
um passo e outro. Não os julgava, eu mesma já tinha feito muito
daquilo, sexo em ambiente público é delicioso e eu já sentia falta de
um pouco de prazer.
No fundo da pista havia um grande balcão de madeira, onde
bartenders preparavam bebidas de aparências exóticas e por mais
que eu estivesse louca por uma dose de álcool, eu tinha uma missão
a cumprir primeiro.
No canto norte, uma escada dava acesso ao mezanino onde
se localizavam as mesas e a ala VIP. Avistei Martin sentado em um
sofá com visão para a pista, com ele, identifiquei mais três
integrantes do alto escalão do cartel, além de várias mulheres com
trajes tão sumários quanto o meu. Na entrada, quatro seguranças
não faziam esforço para esconder as armas penduradas em coldres
na cintura. Eu sabia que no estacionamento deveria haver mais deles
armados de fuzis, aguardando a ordem dos figurões para encostarem
os carros na entrada da boate quando fossem embora.
Eu precisava chegar até ele, mas não queria forçar a entrada
e gerar suspeitas, necessitava uma manobra inteligente para ser
convidada a entrar em sua roda, pois assim ele e os seguranças
estariam relaxados com minha presença.
Por isso, quando o DJ começou a tocar a música
Despacito [8], soltei um grito agudo e comecei a me requebrar no
centro da pista de dança, atraindo os olhares tanto masculinos
quanto femininos das pessoas em volta, já que a música não era
nem tão agitada e nem tão lenta, permitindo meus movimentos mais
provocativos e sensuais.
Se havia algo que eu adorava era dançar, os movimentos
corporais ritmados faziam-me me esquecer de toda a minha vida
desgraçada e a trilha de morte e sangue que eu deixava a minha
volta, por isso me entregava ao som e energia e me deixava levar,
meu corpo flutuando no ritmo da música.

Pasito a pasito, suave suavecito


Nos vamos pegando poquito a poquito

Quando a música terminou, eu tinha chamado a atenção de


muitos na pista de dança, que fizeram um círculo ao meu redor para
acompanharem a minha coreografia, pasito a pasito, e alguns
presentes bateram palmas. Com um sinal em agradecimento, saí do
meio da multidão e me dirigi até o bar, onde pedi a minha merecida
tequila, se tudo desse certo, agora bastava aguardar pois a isca
estava lançada.
O bartender me serviu com um sorriso, como se aprovasse a
minha apresentação, empurrando o copo em minha direção, e engoli
de uma vez o líquido que desceu ardendo por minha garganta.
Nesse momento, senti que alguém se posicionava ao meu
lado no balcão e, ao olhar, percebi se tratar de um dos seguranças,
um homem enorme usando terno preto, exatamente como seus
colegas no andar de cima, ora ora, tão previsíveis.
— Meu jefe quer te conhecer, chica (menina) — avisou
fazendo um gesto com a cabeça, indicando o mezanino.
— Quanto é? — perguntei fazendo menção de abrir a bolsa
para pagar a minha bebida antes de deixar o balcão.
— Coloque na conta de Don Martin — ordenou o segurança e
o bartender sorriu retirando o copo que eu esvaziei minutos antes.
Com a expressão de quem havia acabado de ganhar um
troféu, acompanhei o segurança até o mezanino e, ao me aproximar,
um deles passou novamente um detector de metais por meu corpo,
antes de me deixar adentrar a área protegida.
O ambiente era decorado com poltronas e sofás com vista
para a pista de dança, em uma mesinha baixa de vidro havia garrafas
de uísque e tequila, além de uma badeja com fileiras de pó branco,
cocaína, como nas festas que participei do cartel de Baja, velando
pela segurança do meu antigo Don.
— Você dança muito bem, señorita! — cumprimentou-me
Martin, que usava um blazer branco, seus cabelos negros penteados
e brilhantes, parecendo um ator de novelas bregas — Cual és tu
nombre?
— Maria — sorri e me aproximei quando ele fez um sinal com
a mão me chamando.
Sentei-me em seu colo e senti suas mãos apalparem minha
coxa, subindo até a minha cintura. Era fácil entrar no jogo, portanto,
com um sorriso de menina, passei as unhas por cima de seu membro
que despontava por baixo da calça.
— Eres muy hermosa, chica — tentou fazer-se sensual,
mas ele não passava de um asqueroso.
Sorri para ele e o beijei na boca, sentindo suas mãos que já
passeavam por outras partes do meu corpo até que pousaram em
meus seios.
— Que tal uma rapidinha, papi? — sussurrei em seu ouvido.
Martin me encarou com olhos de luxúria e se levantou me
puxando pela mão até o banheiro privativo da sala VIP, depois deu
uma boa secada em meu corpo, que sempre esteve em forma dada
a rotina extrema de treinamentos, e fechou a porta atrás de si, para
começar a retirar a gravata.
— Deixe comigo, papi — ri e desfiz o nó, enquanto sua mão
tentava se enfiar por baixo do meu microvestido.
Com um movimento súbito e violento, puxei os dois lados da
gravata em volta de seu pescoço, transformando o tecido em um
laço, ao mesmo tempo em que o fazia girar em volta do próprio eixo,
colocando-o de costas para mim. Usando o salto alto da minha
sandália, pressionei com força a parte de trás de sua perna direita o
fazendo cair de joelhos.
— Don Alejandro manda lembranças — disse em seu ouvido,
usando a minha voz mais sexy, enquanto ele desesperadamente
tentava afrouxar o laço, arranhando minhas mãos.
Ouvi-o arquejar e seus movimentos diminuíram, até que
cessaram, ainda segurando firmemente o tecido, deitei-o no chão e
encarei seu rosto que migrava do vermelho e começava a tomar o
tom azulado, a língua para fora em uma posição grotesca. Deixei-o
ali jogado e fui até o espelho para ajeitar os meus cabelos e alinhei a
minha roupa, em seguida, comecei e gemer e gritar, simulando o ato
sexual, tentando controlar o riso.
Quando achei que era o suficiente, fiquei em silêncio por
alguns minutos e aguardei, não demorou para alguém bater na porta.
— Patrón? — ouvi uma voz masculina, provavelmente de um
segurança.
Destranquei a fechadura e mexi na maçaneta, o homem do
outro lado terminou a abrir e me encarou com um sorriso malicioso.
— Acho que deixei seu patrón acabado — ri de forma alegre.
Deixei-o passar por mim e fechei a porta novamente, ele se
assustou ao ver Martin caído no chão e se virou tentando sacar a
arma da cintura, mas eu o atingi na garganta com um soco, seguido
de um chute em seu genital e uma joelhada em seu queixo, quando
curvou-se de dor.
Como um saco de batatas, o segurança caiu pesadamente
para trás, por cima do corpo de Martin, onde ficou imóvel,
desacordado.
“Sem mortes além dos alvos” disse Alejandro, por isso,
peguei sua arma na cintura e conferi se havia munição na câmara de
disparo, mas não o abati. Satisfeita, coloquei a mão que segurava a
arma para trás e sai do banheiro, a música continuava alta e os
convidados de Martin riam e se divertiam sentados no sofá com suas
acompanhantes, os três seguranças restantes me encararam com
olhar de interrogação, dois deles deram alguns passos em minha
direção com olhares desconfiados, as mãos começando a descer até
a cintura.
Apontei a pistola que tinha o silenciador e disparei acertando-
os no centro da cabeça, o terceiro homem tentou sacar sua arma,
mas disparei contra o seu peito duas vezes.
“Ops!” Talvez o meu patrón pudesse me perdoar por alguns
escorregões.
Com a música alta e a empolgação na boate, quase ninguém
percebeu o que acontecia, mas alguns dos convidados na ala VIP me
olharam espantados ao verem os seguranças no chão. Caminhei até
o centro do sofá e disparei contra a cabeça dos três outros membros
do escalão do cartel, somente aí as mulheres começaram a gritar
desesperadas e correram em direção à saída de emergência,
acompanhei o fluxo, já tinha me livrado da arma e comecei a gritar
como todo mundo, trombando com alguns curiosos que começaram
a subir a escada, incluindo dois seguranças internos que eu
identifiquei quando entrei no local.
Um deles chegou a segurar o meu braço.
— Lá em cima, um atirador, Don Martin foi atingido! — gritei
simulando desespero e o homem me soltou e subiu a escada
enquanto sacava uma arma da cintura.
Como o estouro de uma boiada, o desespero se espalhou e o
resto das pessoas começou a correr para a porta de entrada,
atropelando os seguranças que haviam sido alertados pelos
radiocomunicadores e que tentavam impedir que a multidão deixasse
o local.
O desespero era tanto, que alguns caíram no chão, passei por
cima de um deles, que ainda tentou segurar minha canela, mas eu o
acertei com o salto alto da sandália e o ouvi gritar de dor.
Logo estava correndo com várias pessoas que saíam da boate
e se dispersavam pela rua, até que virei uma esquina e avistei um
carro parado, aproximei-me e abri a porta dianteira do passageiro,
mal sentei e o veículo disparou pela rua.
— E então, jefe? — perguntou Bolívar, um dos meus
muchachos de confiança.
— Don Martin agora deve estar assediando os demônios no
inferno — ri da minha própria piada e aceitei uma garrafa de tequila
que outro dos meus homens, sentado no banco de trás, me passou.
Tomei um grande gole para tirar o sabor do beijo nojento do
traficante, que ainda me causava asco.
Alejandro deveria ficar satisfeito, pensei observando as casas
passarem velozmente pela janela do carro, eu atingi em cheio o
cartel de Sinaloa e mostrei que o cartel de Durango não estava
liquidado.
10

Meu irmão continuava impossibilitado de assumir o comando,


estava fraco e lutava contra a infecção causada pelo ferimento em
um coma induzido, o médico que o acompanhava ainda não o
considerava fora de perigo e insistia para que o levássemos para um
hospital, mas eu sabia que se assim fizesse o estaria condenando à
morte, por isso autorizei o médico a não poupar gastos com melhores
equipamentos para a nossa UTI improvisada no quarto de Miguel.
Lupe havia partido em sua missão há alguns dias e era
incrível como ela ocupava os espaços do casarão com seu riso e
gargalhadas debochadas, pois agora tudo está silencioso. Pensei em
suas brincadeiras inoportunas nos poucos momentos que tivemos
contato e sua presença constante na propriedade, parecia que ela
estava sempre em todos os lugares, ao mesmo tempo.
Minha mãe rapidamente havia se afeiçoado a ela, isso não era
algo comum, mas dava-me a segurança de que seguíamos pelo
caminho certo.
Já, eu, passava os dias empenhado em reerguer os negócios,
estudando tudo o que era feito e como, talvez pudesse legalizar
algumas das transações, seria um pequeno combustível para a
minha consciência, também precisava manter os acordos feitos por
meu pai de pé, não precisámos de outras guerras fora a que
estávamos travando com Sinaloa.
Lupe nos defendia no campo de batalhas e eu, buscava
formas de nos defender sem ter que me fazer valer da arte do
‘colarinho branco’, atacando os nossos inimigos por outros lados.
Tempos atrás, em um dos meus processos penais como
voluntário, fui o defensor de um jovem hacker em Nova Iorque,
acusado de acessar os bancos de dados de órgãos de segurança.
Um garoto inconsequente buscando adrenalina, que não usou
as informações para mal algum, era o desafio que o atraía e não o
crime em si.
Alguns se metiam com drogas, este, brincava com códigos e
portas de acesso, burlava firewalls. Embora ele tenha me prometido
que não mais faria isso, quando eu consegui o absolver por um
detalhe técnico relativo a uma prova ilegal, eu sabia que aquilo para
ele era um vício, ele podia jamais usar as informações para cometer
crime, mas a adrenalina era quase uma necessidade para ele.
Foi por isso que, usando um celular descartável, liguei para o
número que ele me deu quando nos despedimos na Suprema Corte
de Nova Iorque.
— Toupeira? — perguntei quando o telefone foi atendido,
usando seu codinome.
— Quem é? — a voz soou fria do outro lado.
— Alejandro Pérez, você me deu esse número e disse que me
devia um favor, e quando precisasse de qualquer coisa que
dependesse dos seus conhecimentos, bastaria ligar.
— Eu não acredito! Será um prazer o ajudar, doutor, o que
precisa?
— Espero que esteja certo disso, pois o que vou te pedir para
fazer é cometer um crime.
— O senhor me livrou da cadeia, se eu for preso por isso, o
senhor me livrará de novo — ouvi sua risada confiante — e agora
estou mais cauteloso.
— Quero que você vasculhe os bancos de dados do DEA
referentes ao Cartel de Sinaloa, preciso saber tudo o que existe
sobre eles, rotas de drogas, contas bancárias, informantes,
hierarquia de comando, tudo — usei o aplicativo de mensagens e
enviei um arquivo com pistas por onde ele poderia começar — são
algumas informações que consegui — eu tinha compilado tudo o que
sabia sobre os nossos inimigos, mais o que o prisioneiro Mendez
havia nos contado.
— Será um prazer, posso também invadir o sistema do cartel,
se eles tiverem algum — ouvi sua risada novamente — mas vai levar
alguns dias.
— Eu agradeço, leve o tempo que precisar, vou te passar um
e-mail seguro para onde você deve me enviar as informações —
avisei e digitei a mensagem — e, Toupeira, muito obrigado.
— É um prazer, doutor.
Desliguei o telefone, se James Paterson, o Toupeira, tinha
estranhado o meu pedido, ele nada disse, mas eu confiava em sua
habilidade e discrição. Não podia apostar tudo em um único plano, eu
precisava estar preparado para caso o ataque de Lupe não desse
resultado.
Se Sinaloa achava que iria me derrotar facilmente, estavam
enganados, logo aprenderiam que eu era o filho de meu pai.
Mesmo assim, as minhas estratégias alternativas não evitam
que eu me sentisse ansioso e preocupado, ainda me sentia
incomodado em ter autorizado os assassinatos e a vida que eu tirei
me assombrava durante as horas silenciosas da noite, racionalmente
eu sabia que agi certo, mas lidar com o meu tempo de luto era difícil.
Enquanto esperava notícias de Lupe, gastava as minhas
noites trancado no quarto, nem sempre eu conseguia dormir, mas o
uísque vinha sendo o meu companheiro.
No quinto dia de sua partida, pela manhã, fui até a cozinha
para tomar café com a minha mãe, uma rotina que ela instituiu, pois
os membros de uma família deviam fazer as refeições todos juntos,
embora nossa família se resumisse a nós dois no momento.
— Bom dia, mamãe — cumprimentei-a com um beijo no rosto.
Sua resposta veio como todos os dias, em formato de olhos
entristecidos pela morte de meu pai e a condição de meu irmão, era
um presente ter-me por perto e para mim, também era importante
poder estar com ela.
— Sente-se que vou te preparar algo.
Esse era outro ritual que ela mantinha, fazia questão de servir
o café para nós, dispensando as empregadas.
Enquanto ela preparava uma omelete, pois os tamales
(massa de milho cozida envolta a folha), molletes (pão com
feijão e alface) e quesadillas (uma tortilla com vários
recheios) já estavam prontos, liguei a televisão que havia na
cozinha, apesar de mamãe nunca gostar dela ligada no horário das
refeições, e sintonizei no canal de notícias.
Levei a xícara aos lábios e quase queimei a língua com o café,
por estar focado na principal manchete desta manhã, sobre um
assassino que invadiu uma boate em Culiacán e executou quatro
empresários. Mas quando suas identidades foram reveladas eu
soube que o nosso plano havia sido executado.
Mamãe se sentou ao meu lado e assistiu o resto da notícia
junto comigo.
— Martin Rojas? — ela reconheceu o principal nome,
enquanto eu esfregava o rosto com as mãos. — Lupe foi responsável
por isso? — apontou com o olhar a televisão.
— Provavelmente... — mas a única coisa que eu conseguia
pensar era se ela estava viva, pois há dias não tínhamos notícias.
Para Don Carlos, isso era o sinal da retomada de Durango, a
nossa resposta às provocações do nosso oponente, a única forma de
nos protegermos, mesmo assim eu não me sentia vitorioso e sim
frustrado.
— Esta chica é valente — sorriu — mulher de fibra e atitude,
lavando a honra de tu padre com coragem.
— Não se esqueça que ela é uma assassina — adverti,
enquanto aquelas sílabas passaram atravessadas em minha
garganta, causando um gosto amargo.
Ainda tinha dificuldade de associar a pessoa que Lupe se
mostrava com a assassina que a sua fama revelava. Seu jeito ora
sério e ora brincalhão não condizia com alguém que tinha queimado
pessoas vivas no passado.
Repeti para mim mesmo: esse não é o meu mundo.
— Não pense que sou conivente com a violência e a matança,
mas aqui onde vivemos, em algumas circunstâncias, ou mata-se ou
morre — justificou minha mãe, ainda carregando a dor do luto por
meu pai.
— E você acha isso normal, mama?
— Claro que não, hijo, eu faria as coisas diferentes, se eu
pudesse. Entretanto, entenda que aqui não é o mundo cor de rosa
norte-americano que você tem vivido por tantos anos. Nesta área, a
lei da sobrevivência é diferente, e quem não se protege, morre.
— Mas Lupe, ela é uma... — mamãe não me permitiu
completar a frase.
— Assim como seu pai, seu irmão e você, e nem por isso eu
os amo menos — fixou seu olhar em mim — a diferença entre vocês
é que ela suja as mãos pessoalmente e você, Alejandro, somente dá
a ordem.
Senti o rosto corar de vergonha, mamãe estava certa, Lupe
assassinou aqueles homens, mas não podia esquecer que fui eu o
responsável por ela estar lá, nessa missão, de qualquer forma,
também já não tinha as minhas mãos tão limpas.
— Eu não me julgo inocente, mamacita — respondi
amargurado com as lembranças do que fiz voltando à minha mente
—, e isso vem me tirando o sono todas as noites, desde então.
— Eu sei, hijo, e você precisa assimilar que foi o que nos
salvou, muitos que já pensavam em nos abandonar ou trair, por
causa de nossa fraqueza, mudaram de ideia ao verem que aqui há
um Pérez forte, disposto a nos proteger.
— Isso não alivia o meu sentimento de culpa — suspirei.
— Não se sinta mal, nem envergonhado — segurou minha
mão entre as dela —, lembre-se sempre que não foi você quem
provocou essa situação. Você está só se defendendo. Sabe, quando
conheci seu pai eu sabia o tipo de vida que ele poderia me oferecer,
estive ao seu lado e o acompanhei, pois eu o amava. Vivemos em
um mundo criminoso e nos adaptamos a ele para sobrevivermos.
— Isso — apontei para as cenas da televisão — não é quem
eu sou.
Ela suspirou e tomou um gole de seu café, no fundo mamãe
compreendia a minha posição quanto à nossa família.
— Nunca quis esse tipo de vida para você ou seu irmão, mas
Miguel sempre desejou seguir o exemplo de seu pai, você, ao
contrário, sei que jamais aceitou isso para o seu futuro, e eu tive
esperanças de que conseguiria se livrar desse ciclo de violência do
mundo narco.
— Sei que papai se decepcionou comigo quando o abandonei,
não é que eu não gostava dele, eu só não queria levar essa mesma
vida — murmurei amargurado lembrando das nossas discussões
quando eu era adolescente e o condenava por ser jefe de um cartel
de drogas.
— Não! — exclamou mamãe. — Pelo contrário, ele sentia
muito orgulho de você, se não demonstrou foi por ser um velho turrão
e cabeça dura — sorriu de forma doce. — Você teve coragem de sair
daqui e buscar o seu próprio destino, ele reconhecia essa coragem
também.
Sabia que mamãe dizia isso para me dar um pouco de
tranquilidade, mas fato que eu jamais saberia a verdade, pois a única
pessoa capaz de confirmar isso estava morta e era exatamente o
meu pai.
Voltei a pensar em Lupe, a falta de notícias, a confusão dentro
de mim.
— Só não queria ter ordenado essas mortes — apontei para a
televisão, onde uma repórter falava ao vivo em frente à boate.
— Eu sei, cariño, mas como um Pérez você fez o que devia
fazer para proteger sua família — suspirou e se levantou, após beijar
minha testa, para servir-me um pouco mais de omelete — a polícia
jamais pegaria os mandantes da morte de seu pai ou do atentado
que deixou seu irmão em uma cama. Você podia ter morrido também.
Eles vieram para cima de nós e continuarão vindo se nada fizermos.
Fiquei assistindo ao noticiário e imaginando se conseguiria
escapar dessa situação sem me corromper ainda mais. Mas a
verdade é que ainda não sabia nem se sairíamos vivos dessa guerra
sem sentido.
Dois dias depois, durante a manhã, ouvi gritos de vivas e ao
sair do casarão, adentrando a área frontal, avistei Lupe descendo do
carro, com seus muchachos, sob os aplausos dos seguranças da
hacienda.
Ela tinha os cabelos mais bem aparados, os traços de
maquiagem mais expressivos e o par de jeans preto colado no corpo,
com uma camiseta regata igualmente escura, valorizando os seios
fartos e firmes, sobre os saltos que davam a impressão de a deixar
quase tão alta quanto eu.
Rindo, ela caminhou de forma altiva e orgulhosa em minha
direção e não tirei meus olhos dela por sequer um segundo, subiu as
escadas degrau a degrau, sem pressa, até o alpendre onde eu
aguardava.
— Missão cumprida, patrón — então, aproximou-se de mim e
colou os lábios em meus ouvidos para sussurrar — nenhum
verdadeiro inocente ferido, señor guapo.
Respirei aliviado e só consegui pensar que o casarão voltaria
a ter um pouco de barulho e cor.

Como agradecimento, Alejandro me presenteou com o dia de


folga, para que eu pudesse descansar, formalizando somente um
convite para o jantar em família. Vicentín e sua esposa, sua mãe
como a matriarca, ele e eu.
Agora sim, eu fazia jus ao meu posto.
Havia dormido um pouco no meio da tarde, depois fui para a
piscina do casarão, cujo acesso livre me foi concedido, onde
aproveitei o sol ameno do final do dia, embora ainda estivesse
abafado.
Pensei sobre a minha situação, adotada por Durango eu
poderia ter uma nova família. Dona Luzia era carismática comigo,
definitivamente estava sendo um ótimo começo. Evitei relembrar os
momentos de tortura presa no porão do casarão de Baja, onde sofri
abusos psicológicos, físicos e sexuais, até ficar inconsciente.
As pessoas de Durango pareciam diferentes. Embora não
conhecesse Miguel, vinha conhecendo o caráter de Alejandro que se
mostrava singular, concluí que daria a ele a minha fidelidade
enquanto ele estivesse na liderança, faria por merecer, e após
vencermos a guerra contra Sinaloa, quando Alejandro deixasse o
poder, caso seu irmão se recuperasse de forma satisfatória, clamaria
por minha recompensa e daria um jeito de fugir do país.
Vida nova, sonhos novos, assim como Alejandro fez, pois a
forma como ele correu atrás de seus ideais era inspiradora. Eu queria
isso também. Uma página em branco que pudesse recomeçar. Ser a
Lupe que jamais fui.
Comecei a pensar sobre como seria a minha vida se eu não
tivesse sido criada nesse mundo. Qual profissão eu teria? Talvez
veterinária? Ou arquiteta? Viveria em um mundo refinado? Falaria
outras línguas?
Tentei não pensar sobre Baja, aquele lugar e aquelas pessoas
eram parte do meu passado. Mais ainda, eu precisava deixar para
trás tudo o que Estebam havia feito para me corromper. Essa era
uma página da minha vida que eu precisava virar.
Fechei os olhos e, perdida em meus pensamentos, onde meu
jeito debochado não existia, lembrei-me de que eu não tinha motivos
para ser alegre, para fazer piadas ou brincadeiras, na minha mente
vinham somente os flashes dos momentos difíceis. Eu cresci neste
meio e ele passou a fazer parte da minha vida, mas talvez existisse
outra forma de se viver, onde sorrisos fossem reais e piadas
verdadeiramente engraçadas.
A imagem dos meus pais voltaram à minha mente,
preenchendo o vazio dentro de mim, sempre amorosos e alegres,
apesar das dificuldades, operários de uma fábrica na Cidade do
México, lutando por melhores condições para os empregados,
liderando uma greve que foi debelada pela polícia, que agiu com
violência. Os jornais na época diziam que papai e mamãe, além de
outros três funcionários, haviam morrido após trocarem tiros com a
polícia.
Mas eu estava lá, escondida em meio ao maquinário da
fábrica, quando a tropa de choque invadiu o local e prendeu a todos,
levando-os para uma sala isolada, onde foram executados com tiros
no peito. Eu poderia ter gritado e reagido, mas fiquei muda e
encolhida entre as armações de metal, esperei por horas, até que
arrastaram os corpos para fora da fábrica.
Sem saber o que fazer, voltei para casa, não conseguia
derramar uma única lágrima, embora sentisse minha alma quebrada
por dentro, então, a dor da perda deu lugar à revolta. Quando
assistentes sociais vieram me buscar para me levarem para um
orfanato, eu já estava longe, havia fugido em antecipação ao que eu
tinha certeza do que aconteceria.
Sobrevivi procurando comida em latas de lixo de restaurantes,
preferia fazer isso do que me humilhar pedindo esmolas ou ajuda
para estranhos. Envolvi-me com outras crianças de rua e passei a
praticar pequenos furtos.
Havia este homem que comprava os objetos furtados e dirigia
uma pequena gangue de menores infratores, uma noite me
surpreendeu em seu galpão, onde eu costumava levar alguns
aparelhos de som automotivos furtados, ele era asqueroso e
enriquecia à custa de nos explorar.
Enquanto eu contava o dinheiro da venda, ele me agarrou e
me jogou contra um sofá velho, tentei resistir, mas eu era apenas
uma menina franzina, senti seu hálito fétido em minha nuca enquanto
ele introduzia seu pênis em mim, após erguer meu vestido e afastar
minha calcinha, sem se dar o trabalho de se despir, apenas abrindo o
zíper de sua calça, tirando minha virgindade de forma brusca e cruel.
Debati-me em desespero, mas ele era muito pesado e seu
corpo sobre o meu me deixava praticamente imóvel. A dor da sua
invasão me rasgando por dentro, ardendo como se houvesse sal
sobre uma ferida. O trauma de estar sendo violada? Até hoje não sei
explicar esse momento. Só me lembro claramente que esse velho
nojento cheirava a álcool, suor e sebo. Suas mãos tinham o dobro do
tamanho das minhas e foi tão fácil segurar os meus pulsos com uma
delas e a outra foi direto sobre a minha boca, para me impedir de
gritar.
O ato em si não durou cinco minutos e quando terminou ele
levantou e se sentou em sua poltrona atrás da mesa, enquanto eu
tentava ajeitar minhas velhas roupas rasgadas, engolindo a vontade
de chorar e deixando o ódio correr por meu corpo.
— É muito hermosa, chica, se quiser ser minha não
precisará ficar se arriscando na rua — sorriu no que ele imaginou ser
algo sedutor e retirou um maço de dinheiro do bolso, jogando duas
notas na mesa.
Sei que me transformei neste dia. Eu era só uma trombadinha
inofensiva, que roubava pra comer, mas, no momento em que ele
saiu de dentro de mim eu já era outra pessoa, com outros
sentimentos e uma urgência diferente dentro do peito, além da pura
frieza que me congelou a alma.
Aproximei-me dele de cabeça baixa, para que não visse o ódio
que queimava em meu olhar, peguei o dinheiro e vi uma espátula de
carta na mesa. Olhei para aquele ser repugnante, depois voltei-me
para a espátula e retornei a ele, que também me encarou de forma
interrogativa.
— O que me diz da proposta? — perguntou. — Vai ter uma
dessa — balançou uma nota de baixo valor — a cada trepada.
— Aceito — sorri de forma dura e, enquanto ele sorria de volta
já de guarda baixada, agarrei aquele metal e com força enfiei em sua
garganta macia, enterrando o máximo que pude.
Fiquei observando-o gorgolejar e tentar retirar o objeto.
— Hijo de puta! Mételo por el culo (vai tomar no cu)! —
cuspi as palavras e quando ele caiu morto sobre a mesa, roubei todo
o dinheiro que achei e fui embora.
Eu havia ido até lá, naquele dia, e entrado por aqueles portões
do inferno como uma garota que, talvez um dia, pudesse mudar de
vida, mas saí certa de que a única coisa que jamais existiria dentro
de mim era um sentimento, matar não importa quando se faz para
viver.
Semanas depois eu liderava uma gangue, pois uma menina
que também era abusada pelo homem, e estava presa no galpão,
contou para todos o que eu fiz e isso repercutiu, todos passaram a
me respeitar e me nomearam como líder. Durante três anos fomos o
terror da periferia da Cidade do México, roubávamos as casas dos
ricos, seus carros, suas empresas e seus restaurantes.
Mas eu cometi um erro, envolvi-me com o tráfico de drogas e
isso me fez disputar território com outras gangues as dominando,
entretanto, uma delas era associada com o cartel de Baja, liderado
por Don Hernández, e quando recusei a me submeter às suas
ordens, ele destruiu aqueles que eu considerava minha família
através de seu braço direito, que matou um por um na minha frente,
poupando-me apenas para me transformar em seu brinquedo.
Senti um arrepio na coluna ao relembrar os horrores que
passei na hacienda em Baja durante o tempo em que Estebam
esteve por lá e eu ainda era apenas uma adolescente.
Se o que o homem do galpão fez comigo me transformou em
uma garota fria capaz de matar a sangue frio para lavar a honra, os
abusos físicos e psicológicos que sofri nesse meu início em Baja
foram muito piores. Esse homem não me matou da forma
convencional, tirando a minha vida, mas levou com ele a minha alma,
estou morta igual, mesmo ainda estando viva.
Tempos depois ele foi preso e eu passei a ser respeitada pelo
poderoso Don Hernández, pois quanto mais eu sofria com Estebam,
mais dura e implacável me tornava. Ganhei status de perigosa,
minha palavra passou a ser respeitada, meu nome temido por todos
os lugares e jamais alguém voltou a tocar em mim sem a minha
autorização.
Promovida, temida, respeitada! Eu tinha tudo aos meus pés,
até ser pega como traidora.
Fico pensando sobre a Mel e se Matt, o agente que duas
vezes salvou a minha vida, realmente cuidou para que ela ficasse a
salvo. Que ironia, confio nele, sei que ele sempre a considerou sua
prioridade. Foi ele quem começou a me fazer querer ser alguém
melhor.
Ouvi um discreto e quase imperceptível ranger de madeira
que me resgatou dessas lembranças duras e me colocou de volta ao
presente, sentinela e cuidadosa, levei a mão às costas, por baixo da
toalha que cobria a cadeira praiana, para pegar a pistola e apontei
para o lado como em um reflexo, para só depois abrir os olhos.
Deparei-me com o olhar profundo de Alejandro sentado ao
lado, que permanecia fixo em mim, sem se importar com a arma
apontada para ele.
Muitos podiam interpretar a sua resistência em tirar vidas
como covardia, mas aos poucos eu compreendia que era
exatamente o oposto, era coragem, matar para eliminar um problema
é fácil, conviver com ele em uma eterna luta, para se trazer um pouco
de ética demanda força e agora, a forma como ele está encarando o
cano da minha arma sem se abalar, sabendo exatamente quem e
como sou eu, mostra ainda mais dos seus colhões.
— Patrón, não faça isso jamais — pedi a ele ainda com o
cano da pistola apontado para o seu peito, já sentindo surgirem os
olhares inquisitivos dos outros seguranças, gerando um clima de
tensão no ar.
— Alejandro! — insistiu para que eu não o chamasse de
patrón, ao mesmo tempo em que levou as mãos macias de dedos
longos e finos ao cano da pistola e fez-me baixá-la, até que a tirou
das minhas mãos.
— Muy bién, guapo — tentei amenizar o clima entre nós, que
mesmo sem a ameaça da arma, parecia manter-se carregado de
tensão.
Olhei para ele, ainda que sob o calor, ele nunca estava trajado
com roupas de verão, Alejandro tinha um jeito formal de se vestir e
agora, mesmo à beira da piscina, usava jeans escuro e camisa
branca de mangas compridas, estas dobradas até a altura dos
cotovelos e os botões abertos até o início do peito.
Seu porte esguio não ocultava o abdômen trabalhado, difícil
de ignorar, ainda mais para uma mulher na minha situação, que já
não me deitava com um homem visando o meu prazer desde os
momentos quentes que tive com o agente do DEA, quando eu ainda
achava que ele não passava de um capanga a mais contratado pelo
Don do cartel de Baja.
Considerando isso, foi impossível não desejar tocar naquele
peito rijo, enquanto ele ainda continuava a me encarar, como se seus
olhos desafiassem os meus.
Oras que esse guapo está aprendendo a me desafiar em
silêncio e isso é quente.
— Foi um ato de muita coragem, Lupe — declarou ao
descarregar o pente e devolver a arma para mim — a ação na boate
não foi algo para qualquer um, mas hoje você está de folga.
— Não há folga para uma pessoa como eu — voltei a carregá-
la, raramente me permitia ficar desarmada.
— Foram vários dias sem notícias, fiquei me perguntou se
você estava bem — parecia genuína a preocupação, mas eu não
precisava dela.
— Notícias ruins correm rápido, silêncio é sinal positivo —
respondi ignorando a sua preocupação.
— Quero saber de você, como veio parar nessa vida —
perguntou ele sem cerimônia qualquer.
— Nem todos nascem em berço farto, guapo. A vida não é
fácil para a maioria de nós, fazemos o que fazemos para a nossa
sobrevivência, não sei se você entenderia.
— Você me julga por eu ser de uma família rica? — seus
olhos fingiam ser impassíveis, mas havia um brilho de curiosidade
que os faziam buscar os meus.
Alejandro parecia ser um homem complexo, também
demonstrava ter segredos, talvez não tantos quanto eu.
— Não, portanto, também espero que não julgue as minhas
escolhas, pois foram elas que me fizeram sobreviver até aqui. Cada
um precisa fazer o que é necessário, caso não queira perder a vida.
— Estebam a maltratou, não foi? — arregalei os olhos e senti
uma forte pontada no peito, por isso virei-me de encontro a ele e
desafiei o seu olhar, eu era mestre em jogar esse jogo, não ele.
— Por que a pergunta? — não havia qualquer resquício de
brincadeira ou bom humor em mim.
Falar sobre esse verme maldito não só me tirava o humor,
como trazia o pior de mim e isso é a melhor definição da frase ‘o ódio
cega’.
— Porque eu pesquisei sobre você. Eu precisava saber quem
exatamente eu estava colocando debaixo do mesmo teto que a
minha mãe.
— Não farei mal a ela ou a você, pelo contrário, eu me
afeiçoei à dona Luzia e estou aqui para os proteger. Sou leal, não me
julgue pelo que fiz com Don Hernandez pois eu queria proteger...
— A Mel, eu sei.
Alejandro podia ou não acreditar em mim, isso não mudaria o
meu julgamento sobre ele. Era um guapo gringo, que jamais
pertenceu a este mundo e tinha coragem para estar aqui, lutando
para não se corromper, mas não acredito que muitos teriam força
para se manterem inalterados. O ponto sobre ele não era se ele se
corromperia ou não e sim o quanto se corromperia, pois esse mundo
nos dá cicatrizes, quer queiramos ou não.
— Você nunca pensou em abandonar essa vida?
— Claro, tantas vezes quanto sonhei ser salva por um príncipe
encantado montado em um cavalo branco... — fui irônica.
O meu passado me condenava e eu estava marcada para o
resto da vida. Sonhar era muito fácil, mas achar o caminho para que
eles se realizassem, isso era um conto de fadas que as vezes era
doloroso demais de se desejar.
Não sei se ele gostou do meu tom, pois este foi o fim da nossa
conversa e isso me incomodou mais do que o necessário. A verdade
é que eu não deveria estar preocupada com o que ele pensava de
mim, mas, no fundo, eu estava.
— Muito bem, nos encontramos no jantar, mamãe a aguarda
ansiosamente — concluiu para não me abandonar no silêncio.
Arrependi-me de ter assumido aquele tom, mas as minhas
escolhas foram forçadas por um passado que poucos entenderiam,
assuntos que eu não gosto de trazer à pauta. Eu sou Lupe
Gasolina, cruel, quebrada e sem sentimentos, ponto final.
Enrolei-me na toalha para esconder o meu corpo exposto pelo
biquini, peguei a minha pistola e voltei para o bangalô. Tinha algum
tempo para acalmar os meus ânimos antes de aparecer no jantar.
Dona Luzia estaria lá e não queria a aborrecer com o meu
temperamento difícil.
Pensei sobre o que representava, para mim, estar neste jantar
como convidada e não funcionária. Sempre há uma primeira vez para
qualquer coisa, essa era a minha. Portanto, mostrar-me-ia
apresentável e à altura dos Pérez.
Eu tinha trazido comigo, da viagem à Sinaloa, uma mala de
roupas novas, itens de higiene pessoal, maquiagem e o meu perfume
favorito. Carregava a vaidade dentro de mim, ela também era uma
das minhas armas, mas, dessa vez, para o jantar, eu só queria estar
bonita. Nada de botas, calça ou rabo de cavalo. Alejandro pensava
que eu era selvagem por viver uma vida bandida? Pois, eu também
sabia ser polida como ele, quando eu queria.
11

Uma tentativa fracassada de estabelecer o mínimo de diálogo


com Lupe fora de um contexto de trabalho ou de brincadeiras. Eu
tinha me esforçado, mas não sei direito como é a melhor forma de
chegar até ela.
Eu a vi caminhar do bangalô até a piscina enrolada em uma
toalha, quando escolheu uma cadeira embaixo do guarda sol, deixou
a toalha cair de seu corpo esbelto e de curvas bem-feitas e exibiu os
cabelos soltos, nem lisos e nem cacheados, mas o negro dos fios
brilhava com o sol, caindo-lhe pelos ombros desnudos. A linha
delicada de seu rosto valorizada pela pele dourada, o longo e fino
pescoço terminando em um colo muito bem desenhado. Seus braços
eram musculosos, mas não grotescos, igualmente seu abdômen que
se mostrava demarcado pelos traços da boa forma, valorizado pela
cintura fina e os quadris largos como um violão. Seus seios fartos
bastante firmes, desenhados como gotas de orvalho, deixando à tona
a sensualidade de mulher.
Reparei em uma das suas pernas uma cruel cicatriz, grande e
grotesca o suficiente para eu concluir que foi um ferimento grave,
com pontos dados de forma amadora. O quanto ela não tinha sofrido
física e psicologicamente nesta vida? Quantas outras cicatrizes eu
não encontraria em seu corpo?
Mesmo assim, Lupe é linda. Mesmo fantasiada soldado, ela
poderia ser a perdição de qualquer homem.
Respirei fundo, levei a mão à calça, pois os reflexos daquela
imagem estavam surtindo um forte efeito em meu membro, que já
enrijecia enquanto eu não era capaz de deixar de apreciá-la.
Isso é loucura! Não cansava de me recriminar por isso.
Essa mulher é uma perigosíssima assassina, talvez
inconsequente. E mesmo assim me vi querendo aproximar-me dela,
o que não deu muito certo, considerando a minha falta de tato em
levar uma conversa pessoal adiante. Flertar com uma bela
novaiorquina, culta, de classes média e alta, ou colegas de profissão,
não era o mesmo que levar uma conversa adiante com Guadalupe.
Agora já não tinha mais noção de como seria estar cara a cara
com esse furacão ambulante esta noite, pois talvez tenha ficado
algum clima indigesto entre nós.
Voltei ao escritório, passei o final de tarde resolvendo mais
assuntos pendentes e meia hora antes do horário marcado fui me
arrumar.
Cheguei na sala de jantar e minha mãe já nos aguardava,
sentada ao sofá, conversando com Carmelita, a esposa de Vicentín.
Beijei o topo de sua cabeça para que ela não tivesse que se levantar,
seguido de um beijo nas costas da mão de Carmelita e um forte
aperto de mãos em nosso conselheiro, que em seguida serviu-me um
copo de uísque, ao me puxar para o bar da sala.
Brindamos sentados nas cadeiras no canto do bar e após o
primeiro gole quase me engasguei ao ver Lupe, que surgia através
da porta principal com mais uma das suas facetas. Simplesmente
deslumbrante! De onde ela havia saído? Das páginas das revistas
das colunas sociais?
O vestido tomara que caia preto brilhante descendo marcando
seu corpo, deixando seus seios bem desenhados parcialmente
aparentes, o suficiente para provocar imediatos pensamentos
impróprios em um homem viril como eu.
Havia uma fenda na saia do vestido que subia até o início da
coxa, de onde a sexy abertura deixava exposta sua perna torneada.
Os cabelos, parcialmente presos, caindo em cachos fartos somente
do lado direito do ombro e os lábios, vermelhos como sangue,
fazendo ressaltar um toque feminino fatal nesta camaleoa que agora
sorria aos presentes como se fosse a estrela da noite.
E ela é. Definitivamente, Guadalupe é única.
Ela caminhou com a graça de uma dama da sociedade até a
minha mãe e a abraçou com carinho e intimidade, depois fez um
gesto com a cabeça para Carmelita e logo Vicentín foi em sua
direção para também a cumprimentar, enquanto eu não fui capaz de
me mover, somente observava cada um dos gestos como em um
tabuleiro.
Foi assim pelos primeiros minutos da noite, eu a comia com os
olhos e ela não fazia questão de esconder que sabia de cada um dos
meus movimentos, talvez ela fosse até capaz de ler os meus
pensamentos mais indecentes e sim, eu os estava tendo, vívidos e
intensos.
Quando aceitou uma taça de espumante, diferente da
agressividade com a qual ela bebia a tequila, Lupe brindou com a
minha mãe e antes de dar um pequenino gole, jogou o seu olhar para
mim e elevou a taça em um brinde à distância, seduzindo-me com
um largo sorriso, que retribui ao levantar o meu copo de uísque.
Eu não queria ir até ela e quebrar aquele clima de forte tensão
sexual que se formava entre nós. Parecia insano o jogo de flerte que
estava acontecendo, com todos alheios, estávamos imersos em um
mundo só nosso, quente, excitante, erótico, ou talvez fosse algo
somente da minha cabeça cheia de fantasias.
Lupe representava o perigo, assim como a minha vida tinha se
transformado aqui em Durango, e, sem saber explicar ou entender
motivo, eu o desejava intensamente. Chegava a ser um ato que ia
além da inconsequência, soava incrivelmente irresponsável e
delicioso, o tesão e o perigo juntos, vindo dela, me atraindo direto
para o inexplorado.
— Agora que estamos todos aqui, podemos tomar os nossos
lugares — anunciou mamãe e fui até ela para, como um cavalheiro,
dar-lhe o braço, sem, contudo, tirar os olhos da estrela da noite.
Conduzi minha mãe, a matriarca da família, até a cabeceira da
mesa, que antes pertenceu ao meu pai e puxei sua cadeira para que
se sentasse, ansioso para poder fazer o mesmo pela nossa
convidada de honra.
Vicentín fez as honras à sua esposa assim que mamãe tomou
o seu lugar e antes que aquela beldade tivesse que sentar-se por si
só, eu fiz o mesmo por ela, na cadeira que ficaria de frente para a
minha, à esquerda de minha mãe, e fui o último a me sentar, ainda
incapaz de tirar os olhos dela.

Durante todo o jantar não troquei qualquer palavra com


Alejandro, não era preciso porque os nossos insistentes olhares
diziam muito em nosso silêncio.
Todas as nossas atenções iam para dona Luzia, por quem eu
rapidamente tinha criado um carinho especial. Era praticamente uma
figura materna que eu jamais tive contato em minha vida
adolescente.
Ela contava interessantes histórias da infância dos irmãos e,
embora eu não estivesse empolgada com o que ela tinha a dizer de
Miguel, ouvia entretida toda a parte que tinha a ver com o seu filho
mais novo, com quem eu flertava e seduzia com cada um dos meus
sorrisos, entre uma garfada e outra da ceia.
Após o jantar, ainda empolgados com as conversas sociais,
fomos até os espaçosos sofás, na sala, para tomarmos a última
bebida da noite, Alejandro ao lado de sua mãe, eu em uma poltrona
de frente para eles e Vicentín e sua esposa no sofá ao lado.
Conversamos sobre amenidades e a aparente recuperação de
Miguel, que, apesar do coma induzido, parecia estar com seus sinais
vitais estáveis, o que enchia dona Luzia de esperanças de que ele
em breve poderia estar entre nós.
De repente, o encarregado da vigilância noturna bateu de
forma educada no batente da porta, mantendo-se fora da sala.
— Juan? — perguntei ao ver quem era.
— Perdão, jefe, patrón — dirigiu-se a mim e Alejandro —
García, Jimenez e Fernando acabaram de chegar e pedem para ver
o senhor.
— Traga-os até o escritório — Alejandro pediu com a
expressão transparecendo vários questionamentos, pois eles não
estavam sendo esperados, e foi direto para lá.
Pedi licença à matriarca e acompanhei Juan, encontrando os
homens no hall do casarão e os conduzi até o escritório, onde
Alejandro e seu conselheiro já os aguardavam. Os três líderes eram
homens de meia idade, mas no auge do vigor.
Fiz um gesto com a cabeça e Juan saiu do aposento fechando
a porta atrás de si, enquanto eu me encostava sobre ela para ter a
total visão dos quatro cantos do cômodo, observando o que
acontecia.
Vicentín ficou alguns passos para trás, deixando com que
Alejandro tomasse a palavra, apoiando-se na mesa de carvalho, de
frente para os três.
— Desculpe o horário, mas tínhamos que vir vê-lo e
parabenizá-lo pelo sucesso de ontem — sorriu García.
— Espero que estejam satisfeitos com a resposta que demos
ao cartel de Sinaloa, senhores — respondeu Alejandro calmamente,
mas com expressão séria — e que não duvidem mais de que farei de
tudo para proteger a minha família e aos nossos associados, espero
contar com a mesma lealdade que vocês ofereceram para o meu pai
e o meu irmão, se assim for, terão minha amizade verdadeira, mas se
planejam me trair, que o façam bem-feito, pois não perdoarei quem
tiver a ousadia.
Senti a tensão no ar, a força de Alejandro se sobrepondo a
dos líderes narcos.
Os três eram muito experientes quando comparados ao
guapo, todos associados importantes do Cartel de Durango,
comandando vários homens e operações de tráfico. Eles foram leais
ao pai de Alejandro e eram leais a Miguel, o irmão mais velho,
entretanto a sua lealdade sempre esteve condicionada à uma
liderança forte, e com Miguel incapacitado aguardavam para ver se o
novo patrón era forte o suficiente.
Ah sim, e Alejandro é. O fato dele não querer derramar
sangue não fazia dele menos forte, eu começava a enxergar isso
agora. Ele só lutava de uma forma diferente, usava muito da intuição,
sabia jogar, blefar e até manipular.
Já os associados, todos tubarões famintos capazes de trair
Durango se isso significasse alimento, o que eles não esperavam era
que Alejandro cultivava a classe e a força de um golfinho. Essas
criaturas meigas e graciosas são capazes de matar um tubarão, se
isso significar risco aos que protege.
— Sim, Don Pérez — disse García após um momento de
silêncio apertando sua mão.
— Conte comigo, Don Alejandro — confirmou Jimenez
também apertando sua mão e após se curvar levemente a beijou.
— Estamos contigo, Don Alejandro Pérez — Fernando imitou
seus companheiros. — Não o conhecíamos, mas agora vemos o
sangue de um genuíno Pérez correr em suas veias.
Ele conquistou o respeito deles. Pode ter sido um preço alto,
mas ter a lealdade dos associados resgatada representa um
problema a menos para um cartel que tenta se reestruturar de um
golpe tão fatal.
Alejandro me lançou um olhar, seria orgulho e agradecimento
o que eu via nele? De forma discreta, meneei a cabeça em sinal
afirmativo, ele também conquistou o meu respeito. O gringo guapo
podia não saber nada do crime organizado, mas ele era um homem
firme e de pulso.
Alejandro deu mais explicações da situação em que nos
encontrávamos em uma conversa franca acompanhada de uísque,
servido por seu conselheiro, e logo dispensou os homens. Voltamos
para a sala, onde dona Luzia e Carmelita aguardavam conversando
sobre assuntos familiares.
Agora mais relaxados, Vicentín puxou um brinde em minha
homenagem, graças a mim o cartel de Sinaloa estava enfraquecido,
eles tinham recebido o recado que Durango não se renderia sem
lutar.
— Você é uma jovem de muito talento, Lupe — disse o
conselheiro e dirigi o meu olhar para ele, dando-lhe um discreto
sorriso em agradecimento.
— É só o meu trabalho, Vicentín — respondi sem desviar a
minha atenção do herdeiro Pérez — hoje eu pertenço ao cartel de
Durango e a vocês devo a minha fidelidade. Ficarei aqui enquanto o
meu patrón precisar de mim. Agora, se me dão licença, vou me
recolher. Dona Luzia, muito obrigada pelo convite e pela magnífica
refeição — abracei-a com carinho.
— Fique mais um pouco — pediu ela.
Mas eu realmente precisava ir. O silêncio de Alejandro e as
nossas conversas por olhares atrevidos tinham me deixado em um
estado febril, esse gringo guapo está mexendo com um lado meu
que há muito está adormecido e eu preciso extravasar.
Alejandro e eu tanto poderíamos ser uma explosão, como um
grande erro e não sei se estou preparada para qualquer dos dois.
Outra vez, a insônia não me deixava dormir, pousei os olhos
sobre a garrafa de tequila, ao lado da garrafa de uísque, o balde de
gelo e outras bebidas no frigobar, mas isso não está me levando a
nada.
Joguei-me na cama, por cima dos lençóis e fiquei olhando
para o teto. Inquieto com a preocupação com meu irmão,
pensamentos sobre um cartel que eu não desejava, o monstro que
eu sentia estar me transformando, mas era obrigado a liderar essa
guerra.
Tanta coisa ao mesmo tempo que eu praticamente nem me
lembrava mais de como era a vida em Manhattan.
Voltei a pensar sobre o jantar e os estranhos momentos de
flerte com Lupe, nossa atratividade e simultânea inabilidade de nos
darmos bem. O que essa mulher estava fazendo comigo?
Lembrava-me do seu rosto e o fogo me tomava por dentro,
seu corpo moldado pelo vestido, as curvas que faziam da sua
silhueta a visão do puro desejo, ou perdição.
Voltei a me sentar na cama, a noite sendo excessivamente
quente, o ar-condicionado proporcionando uma falsa sensação de
temperatura amena, mas o que eu precisava mesmo era de um
pouco de ar fresco.
Saí do quarto e desci até o andar térreo, tudo era silêncio, ao
deixar o casarão, dois homens sentados em cadeiras no alpendre e
portando fuzis se levantaram e me cumprimentaram.
— Patrón! — odiava ser vigiado o tempo inteiro, mais ainda
ser chamado assim, mas já estava me acostumando com isso,
estávamos em guerra, não estávamos? Eu tinha problemas maiores
para me ocupar.
Desci o lance de escada entre a porta principal e o pátio, após
fazer um gesto para que eles ficassem onde estavam, não queria ser
seguido e sabia que Lupe tinha transformado a hacienda em um
lugar seguro e impenetrável como uma fortaleza.
Tinha que admitir, ela é boa nisso, embora o que fizesse de
melhor era totalmente questionável, sob o ponto de vista moral.
Tentei afastar esses pensamentos da mente, pois não me levariam a
lugar algum, neste momento eu não sou mais um advogado, talvez
nunca mais volte a ser, estar mergulhado na administração do cartel
parecia ser como areia movediça, quanto mais me mexia, mais me
afundava.
Olhei para o céu e a noite estava limpa, com várias estrelas, e
senti a suave brisa resvalar o meu rosto. Respirei fundo, era de um
pouco disso que eu precisava para expurgar parte da sensação
sufocante do meu peito.
Caminhei sem rumo, mas meus passos me levaram ao lado
oposto do que eu deveria ir e fui parar na ala dos bangalôs de
hóspedes. De repente, sem nem perceber, estava em frente à porta
da casa ocupada por Lupe.
Percebi que o som alto atravessava as paredes e chegava até
o terreno. Reconheci a música que parecia estremecer a janela de
vidro da sala, era um rock pesado, bastante antigo.
Aproximei-me da janela que não tinha cortina, avistei a sala e
no meio dela, totalmente nua, de costas, Lupe Gasolina dançava
com uma garrafa de tequila na mão, sua pele totalmente encharcada
de suor, os músculos firmes ao som selvagem. Aquela que eu via
nada tinha a ver com a dama polida que tinha jantado conosco horas
antes.
Como se eu não soubesse que ela é uma camaleoa! Intrigante
pelo seu jeito exótico fascinante.
Fiquei atônito quando ela se virou em um giro, ainda no ritmo
da música, e me encarou com seus olhos negros, surpreendendo-me
como se eu fosse um adolescente espiando a janela da vizinha com
um binóculo.
Sem se importar com a plateia, ela colocou o gargalo da
garrafa na boca e tomou mais um gole, a tequila escorreu por entre
os seus seios firmes de mamilos túrgidos e desceu pelo abdômen
liso, até que se perdeu em meio aos ralos pelos pubianos, cortados
rentes em uma pequena e excitante linha vertical.
Seu sorriso insinuante denunciava o quanto ela gostava de ter
uma plateia e fez um gesto com as mãos me convidando para entrar
e eu, como um robô, totalmente aturdido, fui até a porta, girei a
maçaneta e caminhei até ela.
Tive que concordar com o cantor, eu estava entrando na
estrada do inferno e não queria que ninguém me parasse. Esse foi o
meu último pensamento sóbrio antes que Lupe me envolvesse com
os seus braços e colasse seu corpo molhado de suor ao meu,
beijando-me de forma selvagem, deixando o seu gosto em minha
boca, atingindo-me ainda mais intensamente.
O que quer que essa mulher estivesse carregando dentro
dela, estava me atraindo para um caminho sem volta, ela era feita de
luxúria, minto, ela é a luxúria em pessoa.

Meu interior fervia, estava quente como se ardesse em


chamas, talvez até um pouco embriagada, mas não a ponto de
perder a razão, eu vivia em alerta e sentir Alejandro colar-se a mim
fez-me entrar em combustão. Seu gosto em minha boca, suas mãos
grandes e macias viajando pelo meu corpo nu já molhado.
Quando eu desejo alguém, eu o pego e é isso o que estou
fazendo agora.
Empurrei-o contra a parede, ouvindo o brusco barulho do
choque de suas costas contra a alvenaria e voltei a beijá-lo,
demonstrando todo o meu desejo, enquanto deslizava a mão para
dentro de sua calça para o tocar, já que era evidente a sua ereção.
— Hola, guapo! — exclamei ao sentir as dimensões do seu
membro pulsante, agora sob os meus fortes estímulos. — Qué
fuego!
Ajoelhei-me em sua frente puxando a calça e a cueca em uma
única vez, marcando sua pele e expondo-o extremamente enrijecido,
engolindo-o de uma só vez, ouvindo seu gemido de rendição.
Ele tentou levar sua mão a minha cabeça, mas eu não acato
ordens no sexo, ou tomo pedidos, e para o impedir de voltar a fazê-
lo, segurei-as fortemente contra a parede e continuei a degustá-lo
com fome, brincando com a língua e sentindo seu gosto misturar-se
com a tequila em cada uma das minhas chupadas, uma mais intensa
que a outra.
— Que porra, Lupe... — soltou ele, refém dos meus estímulos
e eu poderia continuar nessa brincadeira a noite inteira, mas tinha
outros planos para o meu próprio benefício.
— Não ainda, guapo.
Abandonei suas mãos e dei dois passos em direção à minha
mala, ainda não totalmente desfeita, e tentei encontrar o pacotinho
que havia trazido da cidade e de lá tirei o invólucro metálico para
entregar a ele.
— É desse jeito que você gosta, Lupe? — agasalhou o seu
membro febril e foi nesse momento que ele me surpreendeu. — Eu
também gosto desse jogo.
Puxou-me firmemente pela cintura, agarrou os meus cabelos e
virou-me de costas para ele, prensando-me contra a parede
imediatamente imobilizando o meu corpo com o dele e as minhas
mãos com as suas.
— Eu adoro meter fundo, chica! — disse ao me invadir de
uma única vez, com o atrito violento de seu corpo contra o meu. —
Eu sei muito bem foder uma boa mandona como você!
Continuou metendo seu membro duro como pedra, causando-
me um incontrolável formigamento em meu centro para, de vez em
quando, reduzir a força, fazendo-me chegar ao limite do início de um
orgasmo e não me deixar o atingir.
E eu que sempre torturei os homens em uma bela foda, me vi
refém, pois era Alejandro quem estava me torturando de tesão e
ansiedade.
— Dê-me carinho, chica, e terás carinho. Dê-me prazer e
terás prazer. Dê-me uma foda firme e será comida como merece.
Agora, dê-me ordens e terá que implorar muito pelo ápice... — voltou
a reduzir a intensidade das estocadas para, outra vez, evitar-me o
orgasmo, deixando-me enlouquecida.
— Alej... — voltou a me foder forte e firme, levando-me a um
outro nível sexual.
Suas invasões eram precisas, usava uma das mãos para me
estimular ao mesmo tempo que ia o mais fundo que conseguia, ele
parecia sempre sentir exatamente o momento que eu estava prestes
a explodir e cessava as investidas, foram múltiplas vezes, e a cada
vez que o orgasmo ameaçava a surgir, parecia que seria mais
potente e ele reduzia a intensidade.
— Diga, Lupe, o que quer de mim? — sussurrou em meu
ouvido quando eu começava a comprimi-lo em meu interior.
— Faça-me gozar, eu preciso que você me deixe gozar — dei-
me por vencida, desesperada.
— Como é?
— Eu preciso... — minha respiração cada vez mais
entrecortada.
Esse ápice passou a ser uma necessidade, as suas
incessantes interrupções deixavam-me à beira do desespero e eu
precisava chegar lá, tinha que expurgar a tensão quando só o
orgasmo fazia isso por mim e eu já estava no limite do que era
suportável.
— Por favor — quase fui incapaz de falar.
Satisfeito com a minha súplica, voltou a dar força às suas
estocadas, fazendo-me chocar cada vez mais intensamente contra a
parede, a mão me massageando de forma sincronizada e finalmente
explodi, pressionando-o dentro de mim, soltando um grito
praticamente felino, perdendo a sustentação nas pernas, com uma
sensação de alívio, cruelmente prazerosa.
Meu sangue, impregnado de álcool, corria forte pelo meu
corpo, o coração gritava, eu precisava de ar para suportar a
sensação de fraqueza junto com a tensão da explosão que formigava
junto com um jato de adrenalina gelado em meu interior, embora eu
pegasse fogo na pele. Até que chegou o seu momento, ele mesmo
se expandiu, ofegante, colando seu rosto na curva do meu pescoço,
deixando-me ciente de sua respiração pesada, firmando o meu corpo
com os braços, em uma explosão tão firme que cheguei a senti-lo
jorrar com toda a sua força.
— Uau, guapo...
Este hombre tinha drenado toda a minha energia, talvez
porque há muito eu não fazia sexo, talvez porque tenha sido forte e
selvagem. Certamente porque ele tinha me dominado por completo e
homens raramente conseguiam essa proeza.
Alejandro tinha dominado uma dominadora.
Ofegante, virou-me de encontro a ele, meus cabelos molhados
de suor, sua camiseta ensopada. Então livrou-se da calça que lhe
caía sobre os pés sem o auxílio das mãos e me carregou até o sofá,
para só depois retirar o preservativo, já deitado ao meu lado e
acomodou-me em seu peito.
Jamais fui mulher de ficar agarradinha depois gozar, fazer
amor nunca foi comigo, eu fodia e era fodida e assim que eu sempre
gostei, só que, dessa vez, já não tinha mais forças nem para falar.
Quando foi que imaginei que aquele guapo refinado
mandasse assim tão bem? Um riquinho com corpo de playboy e
mãos de quem nunca teve trabalho duro na vida, que fode igual a um
macho bruto.
12

Enquanto acariciava os cabelos e a pele sedosa de Lupe,


deitada sobre o meu peito, imaginei o erro que estava cometendo.
Como era possível desejar tanto uma mulher que é tão controversa?
Lupe é uma assassina.
Não que eu seja inocente, agora também sou um executor a
sangue frio, tinha matado o informante de Sinaloa e não podia me
esquecer que as ordens para o assassinato do irmão de Don Carlos
e outros membros do alto escalão foram minhas, o que me tornava
até mais assassino do que ela.
A diferença entre nós é que eu não sinto prazer algum nisso,
ao contrário de Lupe, que parecia muito à vontade com o que fazia.
Mas o que aconteceu, até chegar a ponto de a ter aqui nos
meus braços, foi algo além do meu controle, ela vinha me atraindo,
provocando, flertando. E essa noite, vê-la dançar foi como ser um
vagalume atraído para a luz, mesmo sabendo que ela podia me
queimar.
Era fogo, desejo, perigo, tudo ao mesmo tempo. Gadalupe é
intensidade.
Justo eu que me considero um homem centrado e controlador
dos meus próprios sentimentos e vontades.
Não estou arrependido, eu queria fodê-la e muito, só que, ao
mesmo tempo, isso gera um alerta dentro de mim, essa mulher em
meus braços faz jus ao apelido de Gasolina, pois já incendiou a
minha alma de um jeito que nenhuma outra fez antes.
— No que está pensando, guapo? — perguntou erguendo a
cabeça e me encarando com seus olhos negros.
— Que ainda não estou satisfeito — confessei, colocando de
lado os meus pensamentos de moleque e a segurei firme, girando-a
para que eu ficasse sobre o seu corpo.
Lupe riu alto e me envolveu o pescoço com seus braços
puxando-me para os seus lábios, ela não apenas beijava, ela
mordiscava, às vezes até com demasiada força, enquanto suas mãos
deslizavam pelo meu corpo e as suas unhas marcando a minha pele.
Seu aroma parecia uma mistura de almíscar, tequila e suor
com o sexo que acabáramos de fazer. É inegável que eu preciso
possui-la mais uma vez, por isso deslizei minha boca por seu
pescoço, chupando e o mordiscando, até que alcancei seus seios
perfeitos, explorando-os com as mãos cheias de firmeza, sedento,
suguei-os com voracidade, provoquei um dos mamilos com a ponta
da língua e o outro usei os dedos para o pressionar, fazendo-a soltar
um gemido, mais de prazer do que de dor.
Continuei descendo por seu ventre definido e senti um líquido
escorrendo por sua pele, ao olhar para cima, ela me sorria enquanto
despejava tequila, gota a gota, em seus seios, provocando uma
pequena correnteza que desembocava em sua intimidade. Como ela
pegou a garrafa eu não tenho ideia, lembrava que ela a tinha nas
mãos quando adentrei a sua casa, só isso, mas a abandonou em
algum momento.
Suguei a bebida e lambi sua pele, sentindo o líquido âmbar
queimar a minha garganta, assim como seu corpo parecia queimar
de encontro ao meu.
Alcancei sua área central e comecei a sugá-la, sentindo que
ela jogava mais gotas da bebida para que escorrerem em sua
intimidade, por isso, com certa violência mergulhei a língua em seu
interior, após chupar toda a sua extensão.
Envolvida pelo clima, ela soltou um gemido rouco e alto
quando enfiei dois dedos dentro dela, sentindo sua viscosidade, sem,
contudo, deixar de sugar e lamber o seu clitóris, percebendo que ela
empurrava sua pélvis de encontro a mim e puxava a minha cabeça
de encontro a si.
— Cabrón, la puta madre, cómo me gusta — começou a
murmurar enlouquecidamente, enquanto rebolava em minha boca.
Não satisfeito, desci a outra mão, que estava acariciando seu
seio, e enfiei um dedo em seu ânus, fazendo-a soltar um longo
gemido, até que comecei a os mover em sincronia em seu interior, ao
mesmo tempo em que chupava e lambia seu clítoris, alternando a
velocidade e o ângulo, tentando descobrir, por seus gemidos, o ponto
que mais lhe dava prazer.
— Puta madre! Vou gozar...
— Ainda não, chica — avisei e cessei as carícias, indo até a
mala de onde ela tinha tirado uma camisinha e encontrei outra, em
meio a várias espalhadas, caídas do pacote.
Rapidamente vesti uma, meu membro pulsava dolorosamente
enrijecido, ansiando por estar no interior dela.
Lupe me encarou de forma desafiadora, isso só me dava
tesão de a foder ainda mais duro. Sexo é prazer, mas também é
punição, ela devia saber disso, correção, ela sabe disso.
— Vai me castigar por ser uma menina má, papi? —
perguntou contendo o riso.
Percebi o tom de deboche em sua voz, provavelmente se
referia às suas ações em Culiacán, então, aproximei-me dela e a virei
com brusquidão, colocando-a de quatro.
— É isso que você gosta, não é? — provoquei encostando a
glande do meu membro em sua convidativa entrada.
— Si, si, castígame!
Não fui nada gentil ao penetrá-la até o fim, fazendo-a soltar
um gritinho. Passei a me movimentar com força, firmando os seus
quadris a ponto de deixar os meus dedos marcados em sua pele,
enquanto ela segurava o braço do sofá e gemia cada vez mais alto.
— Me come com força, guapo! — sei que ela queria que isso
fosse uma ordem, mas foi outra súplica quando voltou a cabeça para
mim, mostrando os seus olhos escuros brilhando, os cabelos negros
grudando em sua pele molhada.
Retirei meu membro e o encostei em seu ânus sem que ela se
intimidasse com a proximidade.
— Ai mierda, por favor! — pediu.
Forcei a entrada empurrando lentamente e quando a glande
passou pela sua entrada rígida, fui brusco ao empurrar o meu pênis
inchado e rijo como pedra, a força foi tanta que a fiz gritar.
— Puta madre!
Dor e prazer caminham juntas, uma vez dentro dela, mesmo
que apertado, usava força puxando suas nádegas de encontro a
mim, nossos corpos em atrito e com violência, enquanto ela gemia
alto.
Senti que não suportaria e passei a acariciar seu clitóris com
uma das mãos, porque, nessa jornada, ela tinha que viajar comigo!
— Dios mio! — ela gritou quando os seus músculos internos
começaram a me comprimir de uma forma dolorosamente prazerosa.
Rugi sentindo a pressão chegando, meu pau quente e duro
inchando-se ainda mais e gozei junto com ela, até que ela ficou sem
forças com o corpo relaxando no sofá e eu a segui, mantendo-nos
unidos, colados pele com pele, encaixados em nossa anatomia
perfeita.
Se essa é a estrada para o inferno, eu a percorreria com o
maior prazer, pensei antes de adormecer sob o seu corpo.
Acordei com a claridade da janela invadindo a sala e
aquecendo parte da minha perna, que estava enroscada na de
Alejandro.
Que porra! Eu não costumava dormir agarradinha em homem
nenhum e ele estava todo enroscado a mim. Virei-me de um lado,
virei-me de outro e o guapo é pesado.
— Querendo fugir, Lupe? — perguntou ele afrouxando uma
das pernas e logo pulei do sofá.
— Eu preciso de um banho — respondi sentindo a minha pele
pegajosa do suor, fluídos sexuais e tequila.
— Eu também — disse ele ao esticar o braço e puxar-me pela
mão de volta ao sofá.
— Ótimo, guapo, eu no meu chuveiro e você, no seu, lá no
casarão — olhei firme para ele, embora os meus olhos tenham
escorregado duas ou três vezes pelo contorno de seu corpo, com as
firmes marcas abdominais de seus músculos e as pernas igualmente
marcadas e bem torneadas.
— Pode olhar, Lupe — riu ele e imediatamente voltei a encará-
lo com uma carranca — eu também estou olhando para você — mal
terminou a frase e eu via o seu princípio de ereção.
— Eu tenho um emprego a zelar — joguei sua camiseta sobre
ele — preciso me arrumar e assumir o meu posto. Vencemos uma
batalha, mas a guerra ainda continua lá fora. Enquanto Don Carlos
Rojas estiver vivo Durango estará a perigo. Não podemos nos
descuidar.
— Essa rivalidade ridícula não acaba nunca? — seu tom
frustrado e enfadado fez com que ele se levantasse do sofá e
começasse a se vestir, embora eu ainda continuasse nua.
— Espere retaliação, provavelmente alguns dos nossos
armazéns serão atacados se não os cercarmos primeiro.
— Não tenho a intenção de autorizar a morte de mais
pessoas, já demos o nosso recado. Agora precisamos tentar levar
uma mensagem de paz.
— Você está se iludindo achando que há paz entre cartéis.
Cuidado que essa sua ingenuidade pode matá-lo — ela podia estar
certa, mas eu ainda acreditava na possibilidade de um acordo e não
estava sendo ingênuo, eu vinha me preparando, do meu jeito, com as
minhas armas.
— Isso se chama estratégia, Lupe, tenho pensado muito sobre
uma forma de nos tirar dessa guerra.
— Tem coisas que você não será capaz de fazer sem uma
arma.
— Nunca saberemos se não tentarmos — insistiu ele. —
Encontre-me em meia hora em meu escritório, vou chamar Vicentín,
tomaremos uma decisão juntos sobre o que faremos.
Observei Alejandro deixar o bangalô com o peso da
preocupação em minhas costas, o que esse guapo tem de bom na
cama, tem também de ingênuo quanto a esta vida de narco. Ele se
esforçava, mas não era daqui, jamais compreenderia que a cultura
de tirar sangue estava enraizada em todos nós.

Deixei Lupe ainda nua, tentando parar de olhar seu corpo


perfeito e voltei para o casarão, para tomar uma ducha e me preparar
para um dia duro, cheio de discussões sobre o que faríamos daqui
para frente.
Meu irmão continuava em coma induzido, informou-me a
enfermeira quando passei em seu quarto a caminho da cozinha,
onde mamãe já preparava o café.
— Perdeu a hora, hijo? — perguntou com um meio sorriso,
ela era a minha mãe e esse sorriso podia ser qualquer coisa,
portanto fingi não reparar e observei os alimentos dispostos na mesa.
Neste momento, também senti falta da privacidade de morar
sozinho em Manhattan. Minha família pouco sabia do que eu fazia e
percebi que nem de Joane eles tinham conhecimento. Não me
recordo de algum dia ter o desejo de os apresentar.
Agora percebo a escolha errada que estava fazendo para a
minha vida. Você não deve ter vergonha da sua família, por mais
errada que ela seja, quando escolhe a pessoa com quem dividirá um
teto, amor também significa aceitação e por mais que eu queira ser
diferente, nada vai apagar que sou filho de quem sou, de um mafioso
líder de cartel, título esse que lhe tirou a vida.
— Desculpe o atraso, mamãe — sentei-me à mesa enquanto
ela enchia minha xícara com café.
— Não se preocupe — respondeu sem se importar e mudou
de assunto — o jantar foi muito bom, eu estava precisando de algo
assim para me distrair.
Puxei suas mãos que estavam pousadas sobre a mesa para
um beijo, Dona Luzia sempre foi uma mulher forte, apesar do luto
recente e de ter o filho mais velho em coma, ela jamais foi do tipo
que se entrega à dor e lamúrias e cuidava pessoalmente da gestão
do casarão com toda a fibra de uma mulher que não se deixa cair.
Comi os ovos muito rapidamente, em outros tempos eu teria
tentado reduzir o ritmo e gastar um pouco mais de tempo para fazer
companhia a ela, mas não dessa vez, ainda sentia que corríamos
contra o tempo.
— Tenho uma reunião, mamãe — despedi-me dela e após
beijar sua testa, deixei a cozinha e fui para o escritório, onde Lupe e
Vicentín já me aguardavam.
Ela me encarou normalmente, como se na noite passada nada
houvesse ocorrido entre nós. Para ela, talvez aquilo não tenha sido
nada de mais, só uma foda casual qualquer, ou sabia muito bem
disfarçar, pois somente vê-la usando uma calça jeans, que realçava
suas curvas, com a camiseta branca agarrada ao corpo, senti um
princípio de ereção, que combati me concentrando no relatório que
Vicentín me passou.
As mortes do irmão de Don Carlos Rojas e os outros três
membros do alto escalão haviam repercutido com bons resultados
para nós, depois deste tropeço o jefe de Sinaloa dava sinais de que
desejava a paz e queria marcar uma reunião.
O jogo estava virando, se antes era eu a pedir a paz, agora o
pedido vinha deles. Podia ser uma nova cilada, ou um pedido real,
mas fato que estavam abalados e enfraquecidos.
— Sou contra — opinou Lupe — isso está me cheirando a
mais uma armadilha, eles têm alguma carta na manga que não
estamos antecipando.
— Conquistamos o respeito deles, demos um duro golpe em
seu cartel, a morte de Martin desestruturou suas vendas para o
exterior, o que passa a causar um enorme prejuízo, mas, ainda
assim, Sinaloa é poderoso. É imprescindível ouvirmos a proposta de
paz, mas temos que ter cuidado com as traições e jogos sujos, pois é
assim que joga Don Carlos.
Discutimos por duas horas sobre as possibilidades, Lupe mais
ofensiva, queria que eu atacasse os pontos de armazenagem e
distribuição de drogas, além de tentar matar outros membros do
cartel. Vicentín era mais prudente, queria que continuássemos em
alerta e só respondêssemos na mesma moeda qualquer agressão,
acumulando forças para uma invasão ao território de Sinaloa.
Ao final, eu tinha uma opinião própria. Nenhum time vence só
atacando e menos ainda só defendendo. Eu queria desenhar uma
estratégia híbrida com eles, precisava dos nossos homens de
prontidão e autorizaria Lupe a preparar planos de ataque pontuais,
que somente seriam executados com uma ordem direta minha,
enquanto isso eu aceitaria agendar a conversa com Don Carlos e
continuaria estudando o território em que estava me metendo.
O conselheiro deixou o escritório para cumprir com suas
ordens enquanto eu detinha a minha chefe de segurança por mais
um momento.
— Isso é loucura — reclamou ainda sentada em uma poltrona
na frente da minha mesa — confiar em qualquer proposta de Don
Carlos é colocar a cabeça no cepo para o carrasco decepar.
— Lupe, sobre ontem à noite… — tentei trazer o nosso
assunto pessoal de volta à pauta.
— Não aconteceu nada, patrón — cortou ela — estávamos
um pouco bêbados, cruzamos uma linha e nos divertimos, foi muito
bom, mas só, eu tenho uma missão para cumprir e ela é a minha
prioridade, agora se me dá licença preciso começar os preparativos.
Ela se levantou e saiu do escritório, eu queria dizer que foi
uma noite de sexo maravilhoso, mas Lupe não me deu a chance,
qualquer mulher esperaria um retorno, uma justificativa, alguma
palavra do homem, como ela podia ser assim tão diferente?
O que essa chica escondia dentro do peito? O que a fazia
ocultar o seu lado leve, exatamente aquele que eu sei que há
sufocado dentro dela por essa pose de general?
Durante alguns dias, os preparativos para uma reunião foram
feitos, acertamos nos reunir na Cidade do México, um território
neutro, em um hotel cinco estrelas de um bairro turístico e de alta
classe, Polanco.
Lupe partiu dias antes para organizar o encontro, além de
pensar na logística, alugar um quarto estratégico e verificar a
segurança do local.
Senti que a hacienda, outra vez, ficou vazia sem sua
presença, as lembranças do que fizemos assombravam a minha
mente, fazendo meu corpo arder de desejo por ela, mas sendo eu o
jefe, ainda que provisório, ela parecia querer colocar distância entre
nós.
A boa notícia é que o meu irmão finalmente saiu do coma,
entrei em seu quarto, mamãe estava sentada em uma poltrona na
cabeceira, onde costumava ficar longas horas desde que foi ferido.
— Alejandro... — murmurou com dificuldade em voz baixa.
— Miguel, como está? — perguntei ao me sentar ao seu lado,
na cama.
Meu irmão ainda estava pálido, bem mais magro e parecia
frágil, o médico, ao nosso lado, explicou que ainda teríamos algumas
semanas pela frente até que ele ficasse prontamente restabelecido e
seu estado ainda inspirava muitos cuidados, além de bastante
fisioterapia.
— Deixem-nos — pediu contraindo o rosto de dor.
— Vou preparar uma canja para você, cariño — disse mamãe
beijando a testa de Miguel e saindo na companhia do médico.
— Agora, mi hermano, conte-me tudo, pois sinto que estão
escondendo alguma coisa de mim.
Narrei o que aconteceu desde que o avião caiu, nosso
salvamento por parte de Lupe, a primeira tentativa de paz que não
passou de uma cilada para finalizarem o atentado aqui na hacienda,
minha decisão de atacar Sinaloa em represália, além da futura
tentativa de negociação de paz.
Ele ouviu com os olhos fechados e eu quase pensei que
tivesse dormido, mas quando terminei o relato ele os abriu e me
encarou.
— Eu sabia que você era um Pérez — deu um sorriso torto —
não vou interferir em suas decisões, só peço que não confie em Don
Carlos, aliás, nunca confie em ninguém, a não ser em seu próprio
sangue.
Especulei se ele se referia a Vicentín e Lupe, mas eu não
tinha muita escolha e evitei me prolongar nesta discussão, pois
Miguel não estava em condições se carregar o peso de mais
preocupações, eu não queria jogar mais problemas para ele em um
momento em que não podia o colocar sob esse tipo de estresse,
afinal, mesmo a contragosto eu assumi a direção da família, e a partir
desse momento o compromisso me faz dedicar de corpo e alma a
protegê-la, igualmente à nossa comunidade e associados.
— Não se preocupe — tentei o deixar mais tranquilo.
— Agora, chame o médico, eu ainda sinto muito desconforto.
De volta ao quarto, o médico aplicou um analgésico
intravenoso e logo meu irmão estava dormindo pesadamente.
— Não poupe esforços, doutor — pedi preocupado, ao mesmo
tempo em que me peguei pensando que tipo de médico aceitava
praticar medicina nessas condições.
Ele era um especialista, não um qualquer, e havia
abandonado o hospital para estar conosco em tempo integral, sabia
do que se tratava a família Pérez e não sei se eu mesmo teria feito
algo assim, mesmo que me oferecessem muito dinheiro, como
havíamos feito com ele.
De qualquer forma, eu não era tolo em confiar cegamente em
alguém. Desde que havia tomado as rédeas de Durango, fui atrás
dos meus contatos, obtidos através de agentes das forças de
segurança americanas no passado, que por sua vez tinham seus
contatos na polícia e agências mexicanas, para que efetuassem uma
varredura na vida profissional e particular do médico e até o
momento não havia nada que indicasse que ele nos trairia.
Muitas frequentes trocas de mensagens com Toupeira, o
contato hacker, também me permitiram ter os celulares de todos que
frequentavam a hacienda sob vigilância, se ele descobrisse algo
suspeito, imediatamente me informaria.
— Estamos fazendo tudo o que podemos, Don Alejandro —
disse o médico e podia jurar que senti que ele me temia.
Logo a mim?
— Eu sei disso — tranquilizei-o com um tom de voz mais
suave.
Voltei para o escritório e lá me tranquei, era onde eu vinha
passando a maior parte do meu tempo, tentando arquitetar uma
forma de nos tirar dessa situação.
13

Dois dias depois, com os últimos raios de sol da tarde, um


comboio de SUVs blindadas partia em direção à cidade do México,
após a queda do avião ponderei ser melhor usar qualquer outro meio
que nos possibilitasse uma boa margem de fuga.
Pedi que a nossa viagem fosse irrastreável, ou que
conseguíssemos uma forma de os despistar, detalhei o meu plano
para o Lupe, dando os holofotes ao comboio que seguiria pelas vias
principais para que seguíssemos clandestinamente por outra rota, em
total anonimato.
O sucesso deste plano estaria no sigilo, somente nós três
sabíamos que eu não viajaria com o comboio, além do muchacho
de maior confiança dela, o que ficaria responsável por dirigir o SUV
onde eu fingiria estar.
Vicentín organizava os demais veículos, logo eles saíam da
hacienda. Duas horas depois, disfarçado e vestido discretamente,
Vicentín me levou em uma caminhonete simplória até o limite da
propriedade, onde Lupe, já de volta a Durango, me aguardava em
uma motocicleta trail de alta cilindrada, com dois alforjes laterais,
onde provavelmente deveria haver nossos itens pessoais básicos.
Não desejávamos seguir pelas grandes vias, preferimos rotas
alternativas, isso deixaria a viagem bem mais longa, mas bem longe
dos radares de Sinaloa.
Ela tinha voltado da Cidade do México para me buscar e
vestia um conjunto de roupas de couro.
— Patrón, Vicentín — cumprimentou-nos entregando-me um
capacete — temos pouco mais de dez horas de estrada, é melhor
partirmos.
— Vicentín, cuide de tudo em minha ausência — pedi
apertando sua mão. — Estou confiando a vida da minha mãe e do
meu irmão a você durante a minha ausência.
— Pode deixar, Don Alejandro, boa sorte — desejou.
Coloquei o capacete e subi na garupa me ajeitando, era a
primeira vez que Lupe e eu voltávamos a nos aproximar e embora
ainda agíssemos com certo distanciamento, não pude deixar de
sentir uma ereção quando encostei meu corpo ao dela e abracei sua
cintura.
— Segure-se firme, patrón — ouvi seu riso debochado, pois
sei que ela sentiu a rigidez que se formou.
Em seguida acelerou pela trilha de terra e logo estávamos
longe da hacienda.

O plano era simples, por isso eficaz.


Pilotaria até Fresnillo em Zacatecas, isso nos daria cerca de
quase quatro horas e perto das onze da noite nos hospedaríamos em
uma pousada a alguns quilômetros antes de chegarmos na área
mais urbana da cidade. Seria um local de beira de estrada, mas
limpo, com a facilidade para nos registrarmos com nomes falsos.
Estaríamos ali como um simples casal de mochileiros e passaríamos
sem sermos notados.
Eu sentia o estado de Alejandro colado a mim, em minha
garupa, mas, apesar disso, estava em uma missão e ele precisava
entender, era a vida dele em risco, portanto seguimos em silêncio.
Achei que os dias que passei na Cidade do México serviriam
para baixar o fogo do que tinha acontecido entre nós, mas a verdade
é que não era somente ele que se sentia excitado, a diferença é que
eu aprendi, com a minha vida difícil, a deixar transparecer só o que
eu queria.
Estacionei em frente a uma casa com um letreiro na fachada
onde se lia: “Mama-Maria”, parecia muito com os típicos “Bed &
Breakfast [9]” norte-americanos e, pelas minhas pesquisas,
estaríamos em segurança neste local que era gerido por uma família,
a propriedade tinha seis pequenos quartos independentes da casa,
todos ao redor de um jardim.
Alejandro desmontou primeiro da motocicleta e depois foi a
minha vez, tirando o capacete, deixando os meus cabelos que
estavam presos dentro dele caírem sobre os meus ombros.
Destranquei um dos alforjes e de lá retirei uma mochila, que
entreguei a ele.
— Somos um casal aqui, patrón — expliquei os detalhes para
começarmos o nosso disfarce e ofereci-lhe a mão para que
fingíssemos um certo clima entre nós.
— Somos? — usou um tom insinuador, mas logo ele mesmo
emendou a própria fala. — Entre casais, um não chama o outro de
patrón — soltou a minha mão e puxou-me contra o seu peito,
abraçando-me firme.
— Hoje você se chama Arturo e eu sou Graciela — virei-me
de frente para ele, de supetão, e colei meus lábios em sua bochecha,
em um ato sensual, mas para poder cochichar em seu ouvido sem
chamarmos a atenção — entre outras coisas, há uma pistola nessa
mochila, caso precise — peguei sua mão e a deslizei da minha
cintura lentamente até o meio das minhas pernas, passando pela
minha área mais sensível e a pousando meio palmo após a minha
área central, na lateral da minha coxa — e aqui eu tenho uma faca —
arrastei meus lábios lentamente de seu ouvido até a sua boca —
estamos protegidos — mas não o beijei.
— Lup... — limpou a garganta — Graciela, por que me
provoca tanto?
Eu nada disse, somente toquei a campainha da pousada,
como praxe, e empurrei a porta, que estava destrancada, um sininho
de aviso tocou com o movimento de abertura e em poucos minutos
fomos atendidos por um senhor, com a cara amassada de sono.
— Buenas noches, señor, temos uma reserva para o casal
Ortega, somos Arturo e Graciela.
— Claro, preciso de um documento — mas antes que
terminasse a frase eu já tinha colocado o valor do quarto em dinheiro
sobre o balcão e me peguei aos beijos com Alejandro, deixando o
senhor constrangido a ponto de ele somente colocar a chave sobre o
balcão e nos deixar ali a sós, sem nem explicar o funcionamento da
casa.
Peguei a chave ainda entre passadas de mão insinuantes pelo
corpo do meu acompanhante e rapidamente o puxei pelo corredor,
que dava para área aberta interna, onde assumi que estaria o quarto
de número três, mencionado no chaveiro.
Destranquei a porta, acendi a luz, soltei-me de Alejandro para
pegar a mochila e caminhei até a cama, onde a abri.
— Pistola — tirei-a da mochila e a coloquei sobre a colcha
desbotada — um pouco de munição, uma muda de roupas limpas
para cada um, burritos de carne, uma garrafa de água e uma garrafa
de tequila, é o básico que precisamos esta noite. O lugar é simples,
mas extremamente discreto e seguro, ninguém vai saber que
estamos aqui — virei-me de frente para ele, que me encarava com a
expressão questionadora.
— Você me intriga, Lupe — disse ele ao pegar a garrafa de
tequila de cima da cama.
— Não há nada de intrigantes nisto, patrón, sou uma soldado,
este é um trabalho no qual não há melhor do que eu — ouviu minhas
palavras sem mudar de expressão, depois abriu a garrafa, tomou um
gole da bebida, para em seguida entregá-la para mim e sentou-se em
uma cadeira simplória, esticando seus pés sobre o móvel da
cabeceira, onde estava um antigo modelo de rádio relógio.
Sem dizer mais nenhuma palavra, despi-me em sua frente não
me incomodando com a minha nudez, tentei esticar a musculatura
dos ombros e girei o pescoço para os lados pela tensão muscular de
ter pilotado por horas e fui para o banheiro tomar uma ducha. O dia
tinha sido cansativo e quente, e eu não estava no meu melhor
momento de paciência. Coloquei a música alta para tocar no celular e
bati a porta atrás de mim.
A água da ducha caía dentro da banheira velha e desgastada,
protegida por uma cortina. Até cheguei a considerar a enchê-la e
relaxar, mas desisti de ter todo esse trabalho e simplesmente liguei o
chuveiro com o ralo aberto, deixando a água morna escorrer pelo
meu corpo suado.
— Cansada? — ouvi Alejandro ao entrar no banheiro, mas
não me movi, não abri os olhos.
— Claro que não — menti e antes de voltar a deixá-lo falar
continuei — o que faz aqui? A minha porta fechada significa
privacidade.
Não era do meu feitio abrir as minhas vulnerabilidades ou
compartilhar a minha vida. Será que ele não entendia isso?
Ouvi a cortina se abrir e ele entrou embaixo da ducha comigo,
deixando-me um pouco contrariada.
— Eu não compartilho banho — disse sem tomar nenhuma
ação.
— Não vim compartilhar o banho — respondeu ao deixar
alguma coisa sobre a borda da banheira e levar as mãos aos meus
ombros para começar a os massagear —, você gosta disso? Vejo
que está tensa.
Ao invés de o rejeitar, como faria em qualquer outra situação,
deixei-o continuar a massagear os meus ombros, aliviando a minha
musculatura. Eu sentia uma dor aguda nas costas e o seu toque
firme me deixava mais relaxada, ao mesmo tempo em que ele
deslizava seus dedos macios pela minha pele e alternava a força
com carícias estimulantes.
— Ai, guapo — soltei quase como um sussurro.
— Que tal um pouco disso — massageou-me um pouco mais,
em movimentos circulares — com um pouco disso? — e finalmente
encurralou-me contra a parede de azulejos gelada, pressionando o
seu membro ereto entre a minhas pernas, mas sem me penetrar. —
Ou vai continuar negando fogo para mim, Lupe?
— Eu não nego fogo quando estou fora de serviço — disse ao
elevar a voz e em um movimento rápido virei-me para ele, para
encará-lo em tom de desafio.
Então, Alejandro esticou a mão em direção à borda da
banheira, alcançou o invólucro metálico e de lá tirou o preservativo
para nos proteger. A música se fazia notada mesmo com o barulho
do chuveiro.
Ele levou a mão até o meu queixo e o segurou firme forçando-
me a o encarar.
— Você me intriga, mujer — repetiu ele a mesma colocação
de minutos antes no quarto.
Depois segurou os meus pulsos firmemente e me voltou
contra a parede, de costas para ele, segurando as minhas mãos
acima da minha cabeça, esforçando-se para me deixar prisioneira e
começou a meter fundo e firme dentro de mim, com o máximo de
força que conseguiu, impedindo-me de me mexer.
— Meter assim em mim te faz mais homem, guapo? —
perguntei dominando-o de outra forma, deixando-o submisso pelas
minhas contrações musculares internas, que massageavam o seu
membro duro como pedra.
— Não e nem você tentar me estimular assim a faz mais
mulher. Isso não é uma competição de quem domina mais, hoje é só
prazer, para relaxarmos após uma viagem estressante e cansativa.
Eu já disse, Lupe, eu vou te mapear e você não vai conseguir se
esquivar, eu sou bom em entender as pessoas.
Estimular um homem com a própria contração vaginal, muitas
vezes, o deixava aos pés de uma mulher. Somente essas
compressões, com a firmeza e o ritmo certo, faziam um homem se
render ao orgasmo, por isso que eu não gostava de entregar esse
prazer tão facilmente, pelo menos não aos homens que não se
preocupavam em retribuir. Estuprada, eu já tinha sido algumas vezes,
jurei que nenhum homem jamais gozaria dentro de mim se ele não
me fizesse gozar também.
Foi quando ele me forçou a ficar de joelhos e apoiei as mãos
na borda da banheira, praticamente na submissa posição de quatro e
ele insistiu em suas duras penetrações, nossos corpos em constante
e audível atrito, agora com ele firmando-me pela cintura.
Embora a violência e a força fossem as mesmas, existia uma
grande diferença entre ser violentada e ser fodida com aquele tesão
mútuo e era isso o que Alejandro fazia comigo, cada vez mais firme,
com cada vez mais força, fundo e rápido, fazendo-me amolecer as
pernas, como muito raramente foram as vezes que me senti assim.
A música rolava e eu já nem me importava mais com ela,
porque quando Alejandro pedia a minha atenção, ele a tinha.

I'm here to tell ya honey, that I'm bad to the bones


Eu estou aqui para te dizer, querida, que eu sou mau até os ossos [10]

O que ele estava fazendo comigo e o porquê, eu não tinha


certeza e já estava perdendo a cabeça quando aquela sensação foi
insuportável, eu não podia a vencer ou tinha controle sobre mim
mesma, meus músculos internos eram involuntários e me
denunciavam para Alejandro ao se comprimirem tanto, a ponto de ele
ter dificuldade em continuar me penetrando.
Ele estava certo com os pensamentos que eu assumi que
tinha: este guapo sabia me fazer gozar, conseguia me fazer entregar
ao prazer. Alejandro era o prazer em pessoa. E muito diferente de
tantos, ele prestava atenção ao que eu gostava e principalmente ao
que eu sentia.
Eu não estaria tranquila com a minha reação se eu fosse a
única a explodir com aquela intensidade, mas ouvi o seu grito quase
como um rugido animal na sequência do meu ápice. Seu orgasmo
comigo era tão intenso quanto o meu com ele. Nós entrávamos em
combustão, porque as nossas peles ferviam juntas quando nos
encostávamos, já não sabia explicar direito o que estava
acontecendo, ou o que sentíamos para isso tudo ser possível.
Quanto mais ele me fodia, mais fodida eu queria ser e isso era
complexo demais para eu lidar.
Deixamo-nos desabar na base da banheira, a água da ducha
caindo sobre nós, mas ainda assim incapaz de apagar o fogo que
nos consumia, desconectei-me dele e o empurrei jogando-o de
costas, em seguida montei em cima desse guapo de corpo perfeito e
apoiei minhas mãos em seus ombros.
Ele fixou seu olhar em mim e percebi que tentava se
aproximar, talvez iludido de que eu pudesse sentir algo mais do que
tesão, diria até crente de que eu pudesse ser uma buena chica
(boa moça), mas ele estava errado, redondamente errado.
— É isso que eu sou, guapo, má, má até os ossos, e
ninguém pode me mudar.
Ficamos por alguns minutos ainda embaixo da água para nos
recompormos e depois finalizamos o banho. Eu enrolei uma toalha
na cintura e voltei para o quarto, onde organizei o nosso jantar,
burritos, sobre a minúscula mesa do quarto.
Não fiz questão de me vestir, nem Lupe quando saiu do
banheiro com uma toalha sobre os cabelos, outra cobrindo o seu
corpo e sem dizer muita coisa sentou-se à mesa, por isso empurrei a
garrafa de tequila para ela.
— Com o que realmente você se importa nessa vida? —
deixei a pergunta no ar.
Fazer sexo podia até se transformar em algo íntimo se ela
baixasse a guarda, mas não significava ser capaz de estabelecer um
diálogo pessoal e eu precisava entendê-la melhor.
Algo dentro de mim dizia que eu precisava saber em qual
terreno eu estava pisando, ou as consequências poderiam ser muito
ruins. Além do fato de que ela me intrigava como nenhuma outra
mulher fez antes em minha vida, sua intensidade é algo que eu
nunca vi antes. Lupe é uma mulher complexa e quero muito saber o
que existe por trás dessas mil e uma máscaras que ela usa.
— Sobreviver... — respondeu depois de um longo tempo, não
antes de mais um gole de tequila, até que pegou o seu jantar e o
desembalou.
— Esse é o seu erro, Lupe. Não estamos aqui para sobreviver,
estamos aqui para viver — disse sem deixar de a encarar, pois eu
queria entender a sua reação com a minha observação tão direta.
— Isso é muito fácil para você falar — fechou a fisionomia —
nasceu em uma família rica e poderosa, teve sempre tudo do bom e
do melhor, nunca precisou sobreviver, foi coberto do amor de sua
mãe, virou gringo e conquistou uma profissão fina, no pais onde todo
mundo quer viver e é relevante lá.
— É isso que você pensa? — mirei seus olhos negros, mas
ela nada disse, por isso continuei. — Sim, até minha adolescência
tive uma infância feliz, mas isso mudou quando descobri de onde
vinha a fortuna da minha família, eu me rebelei, não aceitei o modo
de vida de meu pai, fui para os Estados Unidos e lutei muito para ser
o que eu sou, um advogado. Sim, no começo tive que engolir o meu
orgulho e aceitar o dinheiro sujo de meu pai, mas tão logo foi
possível passei a me virar sozinho.
— Bravo! — soltou com a sua ironia e sarcasmo.
Eu sabia que as nossas vidas foram diferentes, que não as
podia comparar, mas talvez se eu a irritasse, ela pudesse ser
honesta comigo.
— Eu vivi o sonho americano e venci, antes de ter que voltar
eu era um advogado em uma grande firma de advocacia, residindo
em um apartamento em Nova Iorque, minha vida americana não é
coberta de luxos, só tenho o que conquistei graças ao meu esforço e
trabalho. Eu corri atrás disso, consegue entender?
— Nossa, estou impressionada — riu outra vez, de forma
sarcástica, e até bateu palmas —, jura mesmo que você vai querer
comparar a minha vida com a sua? Quem diabos você acha que é
para me julgar? Para me dar lição de moral? Para vir com a sua
filosofia barata de advogado e a visão romântica de quem venceu na
vida?
— Não seja petulante — irritei-me com seu deboche, eu tentei
ser gentil e compreensivo, não funcionou, agora tentava só me
aproximar dela.
Contei um pouco da minha história para ver se ela me contava
algo da dela, mas Lupe parecia sempre erguer uma barreira entre
nós. Será que nada funcionaria com ela? Ou...
— Você quer saber da minha vida? Muy bien, patrón —
jogou as palavras com ódio e desprezo, eu finalmente consegui a
irritar e era isso mesmo o que eu buscasse para conseguir penetrar
as suas barreiras — vou te contar, mas primeiro deve saber que a
mesma vida bandida que odiou saber do seu pai é a vida que eu
levo. Por quê? Pois meus pais foram assassinados pela polícia, mas
isso você já sabe, não é? Ah, e eles não eram bandidos, apenas
pobres trabalhadores. Órfã e sem ninguém, me criei nas ruas das
favelas da Cidade do México, cedo aprendi a me virar, comecei
praticando furtos para comer e sobreviver, fui espancada, fui
violentada e você aprende que a violência contra uma mulher só
acaba quando se mata o abusador, e sim, eu sujei as minhas mãos
de sangue, múltiplas vezes, desde garota, e perdi todas as
esperanças de ter uma vida normal, porque normal para mim é
simplesmente o que eu vivo agora.
— Lupe...
— Cala a porra dessa boca e ouça! Afinal, não era isso o que
você queria? Saber da merda toda através de mim? — interrompeu-
me com uma fúria no olhar que eu jamais vi antes. — Entendi que na
selva de pedra vigora a lei do mais forte, aprendi a usar uma arma, a
roubar e a matar, logo eu tinha minha própria gangue...
Ela ficou em silêncio por um minuto, como se estivesse
mergulhada nas recordações e, em silêncio, tentei me colocar em
seu lugar e recriminei-me pelas vezes que a julguei, eu sabia que a
sua vida podia ter sido difícil, mas não a este ponto.
— Então, meu caminho cruzou com o de Don Hernández, o
líder do cartel de Baja. Na minha estúpida arrogância de menina,
achei que podia enfrentar qualquer um, que era independente, mas
sabe o que ele me ensinou? Que sempre tem alguém mais forte,
mais violento e com mais poder — desatou a falar e entornou um
grande gole da tequila. — Ele dizimou a minha gangue, matou cada
um deles. Só que eles eram a minha única família, meus amigos! Só
poupou a mim e não foi por bondade não...
Deixei-a desabafar, eu podia sentir a tensão no ar, seus
músculos no corpo nu pareciam tremer sob a pele.
— Estebam me queria e foi assim que Don Hernández me
mandou para o inferno, entregando-me nas mãos daquele crápula
sujo, para que eu fosse treinada para ser sua assassina — ela voltou
a fixar seus olhos em mim e senti o poder daquele olhar carregado
de mágoa e raiva — sabe o que é o inferno? Acha que sua rebeldia
de adolescente, seus problemas ridículos de homem culto dos
Estados Unidos chegam perto do que eu passei? — perguntou com
desprezo na voz.
— Não...
— Tenha certeza de que não mesmo, porra! — exaltou-se a
ponto de ecoar a voz no quarto. — Durante meses Estebam me
treinou, aprendi a atirar melhor do que qualquer um, a usar uma faca
como arma letal, a lutar e vencer adversários maiores e mais fortes, e
em todo esse tempo eu era espancada ao menor erro ou
insubordinação, na primeira noite em que fiquei sob seu poder
também fui estuprada, não foi como a perda de minha virgindade
para um homem mais velho, fétido e de pau pequeno, cujo ato
nojento durou não mais que uns dois ou três minutos, igual fez o meu
primeiro estuprador — riu de forma diabólica — ele me violentou de
forma brutal, enfiou seu enorme pau em tudo que é buraco de meu
corpo, arrancando sangue, espancando-me e rindo enquanto gozava
e gozava e gozava, fazendo-me engolir sua porra. Ao final, eu era
menos que um trapo, quebrada, machucada e deixada jogada no
chão frio do que seria pelos anos seguintes a minha prisão.
Levantei e me aproximei tentando tocar seu ombro.
— Se afasta de mim, porra! Não me toque! — gritou e me
empurrou de volta com os olhos revoltados e dor.
Lupe finalmente conseguia demonstrar algum sentimento e
infelizmente era dor.
— Eu só quero...
— Você não quer nada! Sabe por quê? Você acha que foi
apenas uma vez? Não! Não foi, sempre que ele tinha vontade me
usava, e para agradá-lo, para não apanhar e ser violentada como da
primeira vez, eu fazia tudo o que ele ordenava. Não podia matá-lo,
mas matei outras pessoas, nossos inimigos, matei cada um deles
vendo o rosto de Estebam na minha frente e passei a gostar do que
fazia, ao menos isso o deixava orgulhoso e ele me dava uma migalha
de bondade, bondade não, ele era incapaz de qualquer tipo de
sentimento nobre, apenas o impedia de ser excessivamente cruel
comigo.
— Lupe, eu sinto muito...
— O que foi? Está com nojo de mim agora? Se estiver não
tem problema, eu mesma tenho nojo do que me tornei — encarou-
me com raiva — mas você não queria saber? Pois bem, então escute
a fodida da história por inteiro, vou contar cada detalhe sujo.
Ela entornou novamente a garrafa, um gole atrás do outro
antes de continuar.
— Me tornei seu brinquedo. Mas a minha coisa com Don
Hernández era diferente, pois para o chefão, tornei-me a sua soldado
mais competente e percebi que quanto mais cruel eu fosse, mais alto
eu subia na organização, impedindo assim de que Estebam
continuasse me dominando. Sabe o porquê? Poder gera poder e
também porque eu não era mais a sua aprendiz, eu era quase o seu
par e um dia ia subir tanto que poderia pisar em sua cabeça de
merda — continuou com a voz carregada de amargura. — Sabe qual
foi o dia mais feliz da minha vida? Foi o dia em que Estebam foi
preso — perguntou e ela mesma respondeu em meio a uma
gargalhada insana.
Lupe se levantou e andou pelo quarto como uma fera
enjaulada.
— Quando ele foi preso eu finalmente me vi livre, não tinha
mais que ter medo nem me sujeitar a ele, ou a qualquer outro homem
e Don Hernández me promoveu para sua jefe de segurança. Eu virei
a sua autoridade máxima. Eu tinha o poder!
— E por que você o traiu? — perguntei curioso.
— Você acha que é porque eu quis fazer a coisa certa os
entregando para a polícia? — voltou seu olhar para mim com um
esgar nos lábios. — Caralho, como você é inocente — riu com
desprezo — eu traí Don Hernández por causa da Melanie, a enteada
dele, mesmo sabendo o risco que corria, pois Estebam tinha saído da
cadeia. Ela foi a única amiga que eu tive enquanto vivia na
hacienda, foi a única que me estendeu a mão, que tentou me ajudar,
mesmo não sabendo o que eu passava. Foi por ela, pois o que eu
vivi com Estebam eu não queria que ela vivesse também com aquele
maldito maníaco do padrasto dela, aquele tarado dos infernos que
matou o pai dela para se casar com a mãe, e depois queria
transformá-la em sua amante. Foi por isso que eu a ajudei, por isso e
pelo agente infiltrado do DEA que me salvou a vida duas vezes,
sendo um dos poucos homens bondosos que eu conheci, e sim,
antes que você se pergunte, eu dei para ele, e dei gostoso, ele me
fodeu com vontade e eu adorei, me fez gozar como nunca — jogou
na minha cara.
— Basta! — exaltei-me com um misto inexplicável de
sentimentos.
Eu queria saber sobre a sua vida e a sua dor, não sobre os
homens com quem ela tinha compartilhado prazer no passado.
Não sei se por sua história pesada, por sua fúria, pela sua dor.
Não importa o que estava me incomodando, mas aquilo não era algo
que qualquer um devia ouvir e pior, não era algo que qualquer um
deveria ter passado na vida, desde tão jovem.
Olhei para ela, que não conseguia me olhar de volta, mas algo
dentro de mim me dizia que eu precisava protegê-la e não mais a
condenar. É cruel dizer que cada um faz as suas escolhas, pois
quando se tem somente as escolhas que foram dadas a ela, você
sobrevive, como ela vinha dizendo. Só que eu queria que ela
somente sobrevivesse, ela tinha o direito de sorrir também.
Eu não conseguia imaginar a vida de Lupe daquela forma e
como os acontecimentos haviam moldado o seu modo de pensar, era
sujo demais, injusto demais. Também estava sentindo um ciúme
doentio, pela primeira vez em minha vida, só de imaginar outro
homem fazendo sexo consensual com ela e quis o matar, mesmo
sabendo que ele havia feito bem a ela.
— O que foi, cabrón? — gargalhou quase fora de si. —
Achou que eu era uma mocinha inocente que apenas perdeu o rumo
da vida? Que você, como um príncipe encantado riquinho, só porque
me fodeu, iria me resgatar e regenerar? Achou que eu não transei
com outros homens e mulheres antes?
— Chega! — rosnei segurando seus braços, não querendo
mais ouvir o seu tom depreciativo com ela mesma.
Ela teria a mim, a qualquer momento, para desabafar a sua
dor, eu queria a apoiar, mas não a deixaria me atingir, era isso que
ela tinha que aprender também, que não adianta condenar e
descontar em pessoas que nada têm a ver com a merda que existe
em nossa vida. Isso não vai mudar nada do que sentimos.
— Eu fodi com o agente, ele sabia como tratar uma mulher —
ainda insistiu enraivecida.
Senti como se uma nuvem vermelha tomasse conta dos meus
olhos, e por um momento tive vontade de a fazer engolir tudo o que
estava dizendo, mas esse não era eu, portanto somente a afastei de
mim. Lupe só queria me provocar, ela estava amargurada com uma
dor que guardava dentro dela e talvez não soubesse a melhor forma
de se expressar, senão com a violência, quer nos atos ou nas
palavras.
Levantei-me da cadeira para poder colocar alguma roupa, eu
não tinha mais condições de dividir o mesmo quarto com ela, não
enquanto ela estivesse fora de controle.
— Cabrón! Maldito seja! Não ouse virar as costas para mim!
— ao perceber que eu não ia fazer a sua vontade, a resposta dela foi
ainda mais agressiva e alcançou-me na tentativa de me golpear,
obrigando-me a segurar o seu pulso no ar com firmeza, talvez até a
estivesse machucando, entretanto, eu não tinha escolha, bem, eu
tinha, podia a deixar me agredir, mas sei que ela se arrependeria
disso depois.
Minha sorte era o quarto ser pequeno e ela não ter espaço
para aplicar seus golpes, aproveitei e me joguei contra ela usando o
peso do meu corpo para jogá-la de encontro a parede, onde suas
costas se chocaram com um estrondo abafado. Segurei-a ainda mais
firmemente pelos punhos, enquanto ela se debatia tentando chutar
os meu genitais e me morder ao mesmo tempo.
— Vai tomar no cu, pajero (punheteiro), cagón (medroso)
— gritava enfurecida.
Conduzi-a com bastante força para que ficasse de costas na
cama e subi em cima dela segurando seus punhos contra o colchão,
meu rosto perto do dela que agora em silêncio me encarava com
uma expressão indefinida, seus cabelos espalhados no travesseiro,
livre da toalha que os prendiam e que eu nem percebi onde foi parar,
a esta altura já estávamos ambos nus.
— Me perdoe — pedi e beijei levemente o canto de sua boca,
ao mesmo tempo em que a soltava e ao invés de ela voltar a me
agredir, agarrou meu pescoço e me puxou de encontro a si,
retribuindo o beijo, tomando os meus lábios de forma violenta, os
mordendo quase arrancando sangue.
Ela me girou na cama, fazendo-me deitar e montou em mim,
não percebi o quanto eu estava excitado até que ela mergulhou em
meu membro de uma vez, deslizando facilmente na umidade em seu
interior.
— Majadero (sem-vergonha) — grunhiu subindo e
descendo, engolindo a minha rigidez, suas unhas cravadas em meu
peito, rompendo a pele e fazendo-a sangrar — quero te sentir,
vamos, fode a minha boceta.
Segurei firme em sua cintura, com uma das mãos, para
impedir que ela se desconectasse de mim, tamanha era a ferocidade
com que me cavalgava, enquanto, com a outra, eu apertava os seus
seios com violência.
Lupe passou a proferir palavras ininteligíveis, enquanto
aumentava a velocidade e cravava ainda mais as unhas em meu
peito.
— Mierda — grunhi tentando não gozar dentro dela.
— Puta madre! — ela gritou e se curvou sobre mim me
beijando com a sede que eu jamais vi, enquanto eu sentia seus
músculos internos se contraindo e me apertando, fazendo com que
pela primeira vez eu gozasse dentro dela sem proteção.
Apertei-a de encontro a mim, como se não desejasse nunca
mais nos desconectar, por alguns minutos ficamos imóveis, nossas
respirações pesadas, seu suor caindo sobre o meu corpo, assim
como seus cabelos espessos.
Até que ela se recompôs e se deitou de costas para mim,
abracei-a por trás e a acomodei na posição de conchinha, como um
casal de namorados e ela não me evitou. De repente seu corpo
começou a tremer e ouvi soluços altos.
Lupe Gasolina, a assassina sádica, fria e impiedosa do
narcotráfico, estava chorando!
Abracei-a com mais força enquanto beijava seu pescoço
carinhosamente e, depois de um longo tempo, seus tremores
cessaram e seus soluços diminuíram, restando apenas alguns
suspiros.
Ela se virou para mim, nossos olhos na mesma altura, os dela
ainda vermelhos em razão do choro.
— Me perdoe, Alejandro… — fungou com o nariz vermelho.
— Não há o que perdoar, Lupe — respondi tocando levemente
seus lábios, sentindo a culpa e a vergonha me corroendo por dentro
— eu que peço desculpas por a julgar.
Ela segurou os meus dedos e os beijou, com minha mão de
encontro a si, aninhada em meus braços. Aquele foi um momento
intenso e dada a sua exaustão, logo estava dormindo, ainda
suspirando sentida.
Fiquei acariciando seus cabelos e velando seu sono, Lupe era
uma mulher de muitas camadas: ódio, mágoa, tristeza, solidão, mas
eu sabia que no fundo ainda existia a menina Guadalupe que foi feliz
até que seus pais foram mortos e ela jogada no mundo cruel que a
moldou.
Há muito tempo que eu não acordava com dor de cabeça.
Sabia que era por causa das minhas lágrimas, tinha anos que
eu não chorava, mas sentia-me melhor dizendo para mim mesma
que não passava de uma simples ressaca, até porque, era inegável
que eu havia me excedido na bebida também, talvez isso tenha
potencializado o meu comportamento com Alejandro.
Eu não sabia o que fazer ou o que dizer agora que pensava
claramente, portanto, simplesmente levantei-me da cama, tomei
outro banho e me arrumei.
Quando deixei o banheiro, já vestida, Alejandro me olhou e
perguntou:
— Você está bem?
— Andale (vamos), não podemos nos atrasar — foi o que
respondi.
Por ora, ele decidiu respeitar o meu espaço. Tomou um banho
rápido e logo estava pronto.
Tínhamos mais de cinco horas de estrada pela frente, mas
antes de deixarmos a cidade eu parei em uma farmácia, nada do que
havia acontecido estava em meus planos, a enxaqueca e o sexo
desprotegido e era melhor eu me precaver. Alejandro ficou me
aguardando na moto e quando voltei com um saquinho de
medicamentos e uma garrafa de água ele franziu a testa.
— Não vai me contar o que está havendo? — insistiu.
— Ressaca — disse ao mostrar o analgésico e o engoli com
um pouco de água — e a foda irresponsável — tomei a pílula do dia
seguinte, por precaução — eu não costumo ser assim
inconsequente. Você tocou em um assunto no qual eu não lido bem,
ainda mais sob o efeito do álcool.
— Lupe... — senti que ele tentava buscar as palavras, mas
acho que não as achou e terminou por dizer algo qualquer — eu me
testei recentemente, estou saudável, também não tenho o costume
de ...
— Foi imprudência minha, não se culpe, e não se preocupe.
Eu estava em um hospital antes de o conhecer naquela queda de
avião, fui incansavelmente testada para muitas coisas, eu estou
saudável — esse não era o tipo de conversa que me imaginei tendo
com um homem como ele.
— E anticoncepcionais?
— Comecei a os tomar recentemente, isso — devolvi a caixa
vazia do medicamento para o saquinho da farmácia — é só por
precaução, pois não faz muito tempo que eu voltei a me cuidar —
atirei o saquinho em uma lixeira próxima de nós e montei na moto —
vamos, não podemos mais perder tempo.
— Lupe — ele era um homem insistente e antes de eu
arrancar, abraçou-me por trás — sinto muito se a fiz sentir que o seu
passado foi menosprezado. Você está certa ao achar que me
comportei como um mimado achando que eu tive uma juventude
difícil. Ela não se compara...
— Vamos deixar isso para trás — involuntariamente pousei
minhas mãos nas suas aceitando o seu abraço, na verdade,
apreciando aquela sensação de importância — precisamos
comemorar, não temos doenças e não teremos um bebê. Podemos
brindar com suco de laranja mais tarde, pois dessa vez, nada de
tequila, eu já gastei a minha cota de insanidade e de ressaca — ri da
minha própria colocação. Fui eu a nos colocar nesse clima horrível e
agora seria eu a nos tirar dele.
Conduzi a motocicleta em uma velocidade confortável,
apreciando a paisagem e aproveitando a sensação reconfortante que
os braços de Alejandro me transmitiam, fazendo com que eu me
sentisse segura e protegida, algo que pensei nunca mais sentir,
desde que meus pais foram mortos.
Enquanto pilotava, recordava-me do que houve na noite
anterior, eu quis ferir Alejandro, não fisicamente, mas sim
sentimentalmente, queria afastá-lo de mim, impedi-lo de quebrar a
camada de gelo e ódio com a qual eu protejo o meu coração.
Mas falhei e sem controle algum sobre os meus atos, comecei
a falar de meu passado sem consegui parar, vomitando todo o ódio
que eu carregava dentro de mim, ao final, somente sobrou a
Guadalupe, não a assassina, mas sim a menina que possuía muitos
sonhos, que foram destruídos quando meus pais foram mortos e me
senti triste com meu destino.
Por que eu não merecia algo melhor?
E falar sobre o meu passado, algo que eu sempre evitei fazer,
no final, foi bom, eu chorei em seus braços sentindo o coração
aliviado pela primeira vez na vida e algo mudou em mim, só não
entendia bem o que era.
Perto do meio-dia, paramos em uma lanchonete de estrada e
comemos um lanche enquanto conversávamos. Alejandro foi gentil e
atencioso e não insistiu sobre o que aconteceu na noite anterior, mas
contou-me passagens de sua adolescência, sua descoberta sobre o
que o pai fazia, a discussão e a decisão de ir embora.
Não pude deixar de admirá-lo, era necessária coragem para
começar uma nova vida em outro país.
Ele narrou também as passagens engraçadas de sua vida nos
Estados Unidos, os anos de estudos, a sensação de vencer
profissionalmente, os casos que atuou e seu serviço voluntário para
uma comunidade carente.
Eu, ao contrário, não tinha muito o que contar, a não ser as
poucas lembranças felizes antes da morte dos meus pais, pois todo o
resto que veio depois eram mortes, dor e carnificina.
Faltava pouco para chegarmos, a viagem após o almoço seria
curta, entretanto, desejei que tivéssemos mais tempo, era gostoso
estar em sua companhia.
— Espero que eu consiga colocar um fim nessa guerra —
disse ele, do nada, me abraçando por trás, em uma atitude protetora
e íntima e permiti o contato, essa era eu baixando a minha guarda e
não sei se era prudente, mas me dei ao luxo de sentir um pouco
disso.
— Não se preocupe, está tudo preparado — afirmei com cada
detalhe do plano gravado em minha memória.
— Eu sei — riu ele feliz como um garotinho — mas o que eu
queria é que pudéssemos continuar a viagem, quem sabe não
esticamos para alguma praia? — sugeriu esperançoso, para a minha
surpresa ele parecia não se incomodar em nada com o que agora já
sabia ao meu respeito.
— Alejandro — escapei de seus braços e o encarei achando
graça em seu momento de garoto adolescente — pare de sonhar e
se concentre no que você deve fazer.
— Lupe, o que é a vida sem sonhos? Você não os tem?
— Eu não faço planos para o futuro, guapo, esse meu estilo
de vida somente leva a um único destino, a morte violenta.
— Não! — embora em tom comedido, ele foi recriminatório. —
Não se eu puder evitar — disse sério deitando a cabeça sobre o meu
ombro, como se quisesse fazer notar o seu carinho.
E eu estranhamente me sentia feliz.
14

Chegamos na Cidade do México no meio da tarde, um dia


antes da conferência, e nos hospedamos na suíte presidencial do El
Presidente, o hotel escolhido a dedo por Lupe.
Entramos pela porta principal e percebi que ela fazia sinais
discretos com a cabeça para alguém, olhei em volta, mas não
identifiquei nenhum dos seus muchachos, apenas homens e
mulheres que pareciam clientes comuns de um hotel de luxo.
— Não se preocupe, eu tenho um pessoal de confiança
vigiando todas as entradas, se tentarem um ataque direto não
conseguirão passar — disse em voz baixa, enquanto entrávamos no
elevador que nos levaria até o último andar.
— E se não for um ataque direto? — perguntei encarando-a
quando as portas se fecharam.
— Nesse caso terão que passar por mim primeiro, estarei
junto de você em todos os momentos — aproximei-me ainda mais
dela e a envolvi pela cintura, puxando-a de encontro a mim.
— Todos os momentos? — insinuei, deixando-a perceber o
desejo que já tomava conta do meu corpo.
— Alejandro — disse com voz rouca empurrando meu peito
com a palma das mãos — não podemos, isso não vai dar certo, não
temos futuro juntos, você é um jefe... E eu estou aqui para o proteger
e não me distrair.
— Apenas um Don interino, até o meu irmão melhorar —
insisti não a soltando — quando tudo isso acabar, pretendo voltar
para Nova Iorque e pensei muito sobre isso. Quero levá-la comigo...
Seus solhos brilharam e por um fugaz momento imaginei ter
visto lágrimas se formando, mas Lupe virou o rosto e usou sua força
para se livrar dos meus braços, encostando-se na parede oposta do
elevador.
— Mais um motivo para darmos um basta nisso — disse com
voz triste sem me encarar — você tem um futuro pela frente, eu sou
apenas uma desgraçada de uma maldita perra loca (maldita
cadela louca) que odeia tudo e todos e que somente sabe ser feliz
assassinando outros seres humanos. Além disso, eu sou uma
foragida da polícia, jamais conseguirei cruzar a fronteira por vias
legais.
— Você não é assim, Lupe — tentei me aproximar, mas nesse
momento o elevador se abriu e ela saiu pela porta com a mão no
cabo da arma, guardada no cós de sua calça, por baixo da jaqueta
de couro.
— Hola, Juanito, tudo tranquilo? — ouvi-a perguntar e sai do
elevador a seguindo.
Um de seus muchachos, que eu conheci na hacienda,
estava de pé, em frente à porta da suíte, visivelmente armado e
tendo ao lado outro jovem. Ela tinha me explicado que havíamos
reservado todo o andar, isso nos daria liberdade para portarmos
armas e nos daria maior segurança.
— Tudo tranquilo, jefe — respondeu o jovem.
Usando o cartão de acesso, entramos na suíte, que tinha sala
com sofás e poltronas, além de um bar com uma infinidade de
bebidas, logo adiante o quarto em si, com uma enorme cama de
casal, mais sofás e um closet, o banheiro era equipado com
hidromassagem e ducha, de uma janela panorâmica tinha-se a vista
dos edifícios da cidade.
— Você vai ficar trancado neste quarto até a reunião marcada
para amanhã às nove horas — avisou Lupe colocando a mochila em
cima de uma poltrona. — Nada de exibir seu corpinho sarado nas
piscinas ou desfilar pelo bar ou restaurante, eu mandarei vir suas
refeições de um local longe daqui — riu com seu jeito extrovertido,
aparentemente esquecida de nossa conversa no elevador.
— E você vai me fazer companhia? — tentei novamente.
— Dormirei no sofá, se é o que está insinuando — respondeu
em tom sério.
— Não me parece uma proteção muito efetiva — ri — como
seu patrón ordeno que fique ao meu lado em todos os momentos,
conforme prometeu, começando agora com um banho relaxante, pois
não sei você, mas minhas nádegas estão doloridas de passar tanto
tempo sentado em uma motocicleta e estou suado por causa do calor
insuportável da estrada.
— Alejandro... — por um momento pensei que ela não fosse
aceitar, pois percebi uma sombra de tristeza cruzando seu olhar, mas
ela riu e caminhou até mim, já jogando a jaqueta longe — como
patrón, você é muito exigente.
Retiramos nossas roupas e logo estávamos debaixo da água,
que caía morna, onde nos banhamos em meio a brincadeiras e
beijos, como dois adolescentes.
Desliguei a ducha sem deixar de beijar os lábios dela, uma
das minhas mãos a segurando firmemente junto a mim.
Com um movimentar súbito, agarrei-a e a carreguei no colo,
enquanto ela envolvia meu pescoço com os seus braços sem deixar
de me beijar com sofreguidão. Deitei-a na espaçosa cama e, como
sempre, ela tentou conduzir a transa, mas eu não queria apenas
fazer sexo selvagem, não depois de tudo o que ela havia me contado
sobre a sua vida e suas experiências.
Eu queria amá-la como uma mulher deveria ser amada.
— Confie em mim, cariño, eu vou a conduzir dessa vez —
murmurei encarando-a fixamente.
Lupe sustentou meu olhar e mordeu os lábios, como se
pensasse em meu pedido. Imperceptivelmente, ela balançou a
cabeça concordando. Levei meus lábios aos dela e a beijei, não com
a voracidade com que ela me beijava, mas sim lenta e
profundamente, explorando sua boca, sentindo seu gosto, enquanto
uma das minhas mãos percorria seu corpo e o outro braço eu usava
para me apoiar na cama e não a esmagar com o meu peso.
Durante um longo tempo ficamos apenas nos beijando, sentia
suas mãos passeando entre a minha nuca até as nádegas, não com
a violência de antes que as vezes deixava a minha pele marcada por
suas unhas, mas com carinho e suavidade, sentia o seu gosto em
minha boca, mas dessa vez sem estar misturado com a tequila e ela
tinha um sabor maravilhoso.
Desci por seu pescoço e me concentrei em seus seios,
sugando-os com delicadeza, para depois descer roçando os meus
lábios por sua pele, até alcançar a sua intimidade.
Por um tempo me concentrei nela, sempre com carinho,
apenas roçando meus lábios e a ponta da língua em suas áreas
erógenas, seguindo para o seu centro sugando o líquido levemente
salgado, ouvindo seus gemidos de prazer, que para mim soavam
como música.
Fiz o caminho inverso até alcançar novamente seus lábios,
que beijei com vagar, mostrando para ela que não era necessário
haver violência para se ter prazer, estimulando a sua pele quente e
arrepiada.
Parei de beijá-la por um momento e a encarei, ela estava com
os olhos fechados.
— Olhe para mim, Guadalupe — pedi em um tom suave.
Ela os abriu, lentamente, eles estavam brilhantes, cheios de
vida. Peguei a camisinha que eu havia deixado na mesa de
cabeceira e rapidamente a vesti, voltando a me postar em cima de
seu corpo.
Encaixei-me em sua entrada quente e molhada e lentamente,
como se tivéssemos toda a eternidade, a penetrei, apreciando a
expressão de prazer em sua face, seus olhos ainda fixos nos meus,
até que a preenchi totalmente, ficando imóvel por um momento, um
dos meus braços apoiado ao seu lado na cama, enquanto com a
outra mão acariciava seus cabelos, depois passei a tocar o seu rosto.
Comecei a me movimentar em seu interior, sempre a
encarando, sentindo suas mãos puxando-me pela cintura de
encontro a ela, como se desejasse que eu aumentasse o ritmo, mas
eu não tinha pressa, queria que aquele prazer durasse por toda a
vida.
Seus gemidos começaram a se tornar mais constantes e altos
e suas mãos deslizaram até a minha nuca forçando-me em sua
direção para um longo e demorado beijo.
— Ai, guapo — foi o que conseguiu gemer com a respiração
entrecortada, sua pélvis em sincronia perfeita com a minha.
— Você é linda e maravilhosa, Guadalupe — sussurrei em seu
ouvido, aproveitando para beijar o seu pescoço, descendo até os
seios e voltando para os lábios, que tinham um sabor especial para
mim.
Aumentei o ritmo das estocadas, sentindo a pressão se
avolumar em meus genitais, eu não resistiria muito mais tempo.
— Eu... vou... gozar… — e aparentemente ela também não.
— Goze comigo, cariño — pedi ao aumentar o ritmo, sempre
mantendo meus olhos fixos nos dela.
Ela gritou quando os seus músculos internos se contraíram.
Não resisti e penetrei-a profundamente mais uma vez, sentindo o
violento ápice, deixando o meu peso cair sobre ela, nossas bocas
coladas em um beijo lento e intenso, suas mãos puxando os meus
cabelos de encontro a si e as minhas acariciando o seu corpo
molhado de suor. Eu tinha a circulação acelerada e o formigamento
intenso nos membros. Gozar com ela era como uma sensação
desesperada, a necessidade do alívio que eu sentia somente quando
jorrava em seu interior.
Ficamos por um momento paralisados, até que ela começou a
se entregar ao relaxamento e voltei a encará-la, havia lágrimas em
seus olhos, mas um sorriso feliz dançava em seus lábios.
— É assim que você merece ser tratada, Lupe, com amor e
carinho — beijei-a novamente, de leve, e nos desconectei, deitando-
me ao seu lado.
Ela se aconchegou em meus braços e começou a acariciar o
meu peito com a ponta dos dedos.
— Nunca ninguém me tratou assim — murmurou sem me
encarar — somente conheci a dor e a violência, e dor e violência é o
que eu sei dar e principalmente de onde eu tiro o prazer.
— Você é o que você escolhe ser — respondi — deixe-me
aproximar-me de você, abra seu coração, não me afaste.
— Isso me dá muito medo.
— Não, por favor, eu não faria nada que a magoasse.
Lupe ficou em silêncio, suas carícias se tornaram mais
espaçadas, nosso silêncio confortável e logo ela estava ressonando
suavemente.

Despertei ainda nos braços de Alejandro, ele aquecia o meu


corpo protegendo-me da sensação fresca do quarto, por causa do ar-
condicionado.
Já tinha amanhecido lá fora, mas o silêncio imperava no local.
— Conseguiu relaxar um pouco? — perguntou ele, que estava
acordado, para a minha surpresa.
Evitei encará-lo de imediato, eu não sabia o que pensar ou
dizer. Talvez algumas coisas estivessem saindo do controle. Não
tinha certeza. Então, virei-me de costas para ele e encostei a minha
lombar em seu abdômen, puxando suas mãos ao redor do meu
corpo, deixando-o saber que eu queria ser envolvida pelo seu
carinho, assim como em nosso momento íntimo. Só não tinha
coragem de olhá-lo nos olhos.
— Você sempre faz amor, Alejandro? — perguntei
introspectiva.
Eu poderia facilmente me acostumar a ser tratada com esse
zelo e isso me angustiava. Ele tentava mostrar-se um homem
irresistível para mim, mas eu não queria e nem podia me deixar
envolver. Não suportaria ser conquistada para depois o perder, sendo
jogada de volta ao mundo podre em que eu vivia.
— Fazer amor é relativo, Lupe — beijou-me o topo da cabeça
e senti ainda mais angustiada — é dar a uma mulher o que ela busca
e o que ela merece de melhor. Não é só porque é lento e profundo
que significa fazer amor e as outras formas não, pois amor também
pode ser firme e fundo, duro e agressivo. Fazer amor é expressar
algo de verdadeiro sem pedir nada em troca. O que nós fizemos foi o
que eu julguei ser o que você precisava, isto é, somente uma das mil
e uma outras formas de termos prazer respeitando uma mulher.
— Por que está fazendo isso comigo?
— Porque você tem o direito de saber como é. Você tem o
direito de se sentir assim. E eu sei que aqui dentro — escorregou a
mão lentamente da minha cintura para o meu peito, sem deixar de
acariciar a minha mama esquerda, mas querendo se referir ao meu
coração — existe uma mulher com vários sentimentos a ponto de
explodirem e você não pode mais os sufocar.
Respirei fundo, eu precisava virar esse jogo, estava me
deixando envolver e isso não era bom para mim. Coloquei um sorriso
no rosto, virei-me de volta para ele e depois posicionei-me sobre o
seu corpo.
— Você filosofa muito, guapo. Por que está acordado? Não
dormiu? — trouxe um tom debochado para a pergunta porque eu não
queria invadir nenhum assunto complexo demais para ser debatido,
principalmente sentimentos.

— Sim, dormi, como uma pedra — deslizei as mãos por suas


costas, descendo até suas nádegas firmes que apertei com vontade.
— Pode parar com essas mãos bobas — riu, como sempre
fugindo, o que mais ela fazia era tentar se esquivar da intimidade —
temos que estar na sala de reuniões às nove em ponto — alertou-me
tentando se levantar, mas eu segurei suas mãos a puxando de volta.
— Está tudo bem? — perguntei intrigado.
— Está tudo ótimo — soltou caminhando em direção ao
banheiro, enquanto eu a observava rebolando.
Madre de Dios, suspirei, que mulher!
Eu não menti quando disse que a queria comigo em Nova
Iorque. Antes de dormir, o meu único pensamento era sobre como
fazê-la atravessar a fronteira, Lupe é uma mulher procurada, não
apenas pela Polícia Federal mexicana, mas também pela
estadunidense.
Com relação às autoridades do México seria fácil conseguir
com os contatos políticos do cartel, que seu mandado de prisão fosse
“esquecido” em uma gaveta qualquer, mas com o DEA a coisa é
diferente, não havia como corromper toda a cadeia de órgãos de
persecução criminal norte americana, incluindo nesse rol a CIA. A
única solução que eu pude pensar era providenciar documentos
falsos para Lupe, o que não era difícil, embora houvesse um risco,
pois alguém sempre saberia da sua nova identidade, mesmo sendo
os mais fiéis ao cartel.
Sem falar que eu estava mergulhando na hipocrisia, eu e a
minha ética agora pensando em como burlar a lei para ter uma
mulher comigo.
Só que, era a chance que ela teria de começar uma nova vida,
esquecendo todos os seus erros passados e seus traumas, a
oportunidade que nunca ninguém deu a ela para se redimir. Mas, por
enquanto, resolvi nada falar, ainda tínhamos que acabar com a
guerra e meu irmão precisava se recuperar para que eu pudesse
deixar o comando do cartel e voltar para minha antiga vida.
Ergui-me de supetão e logo estava debaixo da ducha com ela,
que não evitou os meus carinhos e, depois de mais sexo, nos
trocamos e desfrutamos do café da manhã, que um dos seus
muchachos trouxe de um restaurante escolhido a dedo.
Perguntei o motivo de não podermos sair, eu sou praticamente
um anônimo na Cidade do México. Conheciam meu nome, mas
pouco fui visto no país, há muito havia deixado este lugar, então ela
explicou que os cartéis são eficientes em obter informação. A esta
altura todos já deviam saber de toda a minha ficha, claro, assim
como eu também já tinha descoberto muito sobre eles.
Também não queria deixar-me em lugares públicos sob o
argumento de ser um risco, além do mais, temia que eu fosse
envenenado, os cartéis sempre tinham uma forma de conseguir
provocar esses ‘acidentes’, explicou.
Às nove em ponto, descemos até o centro de convenções,
onde uma sala de reuniões foi reservada. Percebi a presença de
vários homens e mulheres, cada um de um lado do corredor, todos
com volumes na cintura, escondidos por ternos ou camisas folgadas.
Lupe já tinha me avisado que o combinado seria haver apenas
cinco seguranças de cada lado, eles poderiam ficar no corredor de
acesso à sala e apenas uma pessoa acompanharia cada jefe.
Recordei-me da nossa conversa na noite anterior:
— Don Carlos Rojas disse que virá com um novo
conselheiro, já que o seu irmão está morto. Eu estarei ao seu
lado, o certo seria termos Vicentín, pela sua posição, mas
aqui precisamos de segurança e não de um conselheiro.
— Acha que vou conseguir a paz? — perguntei
enquanto deslizava a ponta dos meus dedos por sua pele, até
alcançar seus seios.
— Você sabe o que eu penso — ralhou pegando minha
mão e colocando meus dedos em sua intimidade, onde senti
a umidade em seu interior — apenas peço que não abaixe a
guarda, você é o responsável pela morte do irmão dele e,
nesta hora, não importa quem a executou e sim quem deu a
ordem.
— E ele matou o meu pai e tentou contra mim e meu
irmão, acho que estamos quites — respondi e comecei a
beijar seu pescoço, descendo por seus seios e ventre até
alcançar sua intimidade quente e macia.

Afastei o pensamento dos momentos tórridos da noite anterior


e me concentrei, o futuro da minha família e de muitos dos nossos
colaboradores dependia de eu conseguir a paz entre os cartéis.
Entramos na sala, Don Carlos já estava sentado em uma
poltrona, tendo ao seu lado um homem alto e aparentemente em
forma, usando terno impecavelmente alinhado.
— Don Alejandro — cumprimentou-me levantando-se de sua
poltrona.
— Don Carlos — retribuí o cumprimento e sentei-me em outra
poltrona, tendo uma mesa retangular entre nós e Lupe em pé, ao
meu lado direito.
— Sinto muito que as coisas tenham tomado o rumo que
tomaram — começou com voz suave.
— Eu também sinto, principalmente por meu pai ter sido
assassinado em um primeiro momento e depois o atentado contra
mim e ao meu irmão — tentei manter a voz fria, mas por dentro
sentia a fúria começando a me dominar.
— Não foi nada pessoal, apenas negócios, seu pai não quis
permitir que eu tivesse acesso a uma fatia do mercado de Chihuahua
— fez um gesto de mão.
Don Pérez, meu pai, possuía o controle dos mercados de
drogas e jogos, que se estendiam pelos arredores que extrapolavam
Durango, era pura briga de poder.
— Assim como não foi nada pessoal a morte de seu irmão,
mas eu precisava mostrar que não aceitaríamos a ofensa sem
revidar, ainda mais depois do golpe sujo, quando tentaram me distrair
para invadirem a minha hacienda — respondi e percebi um traço de
dor em sua expressão.
— Sim, eu entendo. Martin era um pouco ousado, confesso. E
sua baixa foi em um ataque igualmente ousado, acredito que essa
bela jovem tenha sido a executora do plano, Lupe Gasolina, certo?
— voltou seu olhar para ela que se mantinha impassível e ela não
confirmou ou negou. — Acho que me recordo de você de algumas
reuniões que tive com Don Hernández, a quem você traiu...
— Creio que os antecedentes de minha funcionária não são o
motivo dessa reunião! — cortei o rumo da conversa, um pouco
irritado. — Estou aqui porque assumi o cartel de Durango e acredito
que uma guerra não seja do interesse de ninguém. Já mostramos do
que somos capazes, acho que foi o suficiente.
Don Carlos levou as pontas dos dedos junto ao queixo,
enquanto seu conselheiro encarava Lupe prestando atenção a cada
um dos seus movimentos, e eu aguardava que ele se manifestasse.
— E o que você sugere, Don Alejandro?
— Paz, eu perdi meu pai, você perdeu seu irmão, acredito que
estejamos quites, se o motivo da guerra foi realmente o mercado de
Chihuahua, creio que podemos chegar a um entendimento, ofereço
uma fatia do território em troca de uma compensação financeira —
sugeri, entregando um pedaço de papel dobrado com a oferta.
Eu conversei muito tempo com Vicentín sobre até onde
poderíamos chegar na proposta, sem parecer que estávamos
cedendo.
Don Carlos pegou o papel e o estudou, em seguida retirou
uma caneta do bolso interno de seu paletó, escreveu algo na folha e
me devolveu.
— Fora de cogitação — sorri e escrevi uma contraproposta.
Durante mais de uma hora enchemos a folha de papel com
anotações, que foi outra orientação de Lupe, que temia que a
conversa fosse interceptada por alguém a mando de Don Carlos, ou
mesmo pela Polícia Federal Mexicana e o DEA que costumava agir
clandestinamente no país.
Ao final, acabamos chegando a um acordo satisfatório para
ambas as partes.
— Você é um negociador mais duro do que o seu pai, Don
Alejandro, espero que uma época de paz e prosperidade, para
nossas famílias, esteja começando — sorriu e estendeu a mão, a
qual apertei com a expressão congelada no rosto, embora minha
vontade fosse quebrar o seu pescoço.
— Assim espero, Don Carlos — engoli a raiva, da mesma
forma como fazia diante de um juiz ou de qualquer empresa
oponente.
— Senhorita Guadalupe, foi um prazer revê-la — dirigiu-se à
Lupe e saiu da sala seguido por seu conselheiro, o qual, antes de
fechar a porta, a encarou mais uma vez.
— Não gostei disso — resmungou ela, enquanto eu voltava a
me sentar na poltrona — pareceu muito fácil.
— Ele é, antes de tudo, um homem de negócios, se nós
tivemos um grande prejuízo em razão da guerra — expliquei, ciente
dos balanços que Vicentín me mostrou — eles também tiveram, e
sem dinheiro não há como comprar a proteção de políticos, juízes e
policiais, ou pagar os soldados, no final tudo se resume a la plata (o
dinheiro).
— Não sei — insistiu — e esse homem ao lado dele? Muito
novo para ser um conselheiro, está mais para um assassino, assim
como eu.
— Ei! Não diga mais isso — puxei-a para perto, fazendo com
que se sentasse em meu colo —, que tal aproveitarmos para
comemorar? Podemos sair, ir ao teatro, almoçar em um restaurante
que conheci quando criança, longe do hotel.
— Não! Você vai ficar quietinho dentro do quarto, até eu ter
certeza de que Don Carlos saiu da cidade com toda a sua corja de
assassinos — puxou a minha gravata para me fazer encará-la.
— Só se você me fizer companhia — sorri e pisquei o olho
para ela.
— Guapo, eres terrible (Bonito, você é terrível) — riu e a
expressão preocupada de seu rosto se desanuviou.
15

Subimos para o quarto, eu ainda estava preocupada, meus


instintos diziam que algo não estava certo, aquele homem ao lado de
Don Carlos Rojas não era um simples conselheiro ou soldado, pelo
contrário, eu podia sentir sua periculosidade.
Ordenei que meu pessoal ficasse alerta, uma equipe estava
seguindo Don Carlos à distância, eu queria ter certeza de que ele
estava saindo da Cidade do México, enquanto Alejandro entrava em
contato com Vicentín, por vídeo conferência, em um aplicativo de
celular protegido de interceptação.
Já sem o terno, só de camisa social branca com as mangas
enroladas, sentou-se à mesa da sala, compenetrado em discutir os
termos do acordo recém-fechado, com toda essa pose consegui o
imaginar como um advogado nos Estados Unidos. Aquele devia ser o
mundo dele, o mundo da lei e da ordem, não essa vida aqui, o podre
e sanguinário ambiente dos narcos.
Alejandro era bom demais para a minha realidade, sua ideia
tresloucada de me levar com ele para Nova Iorque também soava
insana, eu não pertencia a este meio e acabaria destruindo tudo que
ele preza e ama, como uma doença eu infectaria sua alma e
afundaria a sua vida.
Esse era simplesmente um sonho em minha vida, que jamais
se tornaria real.
Perto do meio-dia ele encerrou a teleconferência e me sorriu
feliz.
— Está tudo acertado, essa guerra acabou e em breve estarei
livre para retomar à minha vida normal.
— Isso é ótimo — tentei soar animada, mas não estava
exatamente muito alegre.
Claro que a possibilidade de paz entre cartéis era uma vitória,
queríamos isso e precisávamos celebrar pelas ótimas notícias.
Considerando que tudo estivesse terminado mesmo, somado à
progressiva recuperação de seu irmão, vinha um outro lado, que até
então não tinha deixado me afetar tanto, mas que agora me doía,
pois significava que eu não o veria mais e sei que ele percebeu o
meu estado de espírito, já que veio em minha direção, perto da janela
que dava vista ao movimento lá embaixo.
— O que a preocupa? — perguntou ao me abraçar pela
cintura.
— Nada — desviei o olhar e tentei escapar de seus braços —
logo você voltará para Manhattan, isso é bom, é o que você sempre
quis — simulei um sorriso, mostrando estar feliz por ele.
— Eu quero que você venha comigo, Lupe, já te disse.
Enquanto estiver no México, essa vida a perseguirá e eu posso
ajudá-la a deixar tudo isso para trás. Você pode esquecer o passado
e recomeçar.
— Não seja tolo, Alejandro — tentei controlar a estranha
vontade que sentia de chorar, não queria que ele testemunhasse
mais lágrimas minhas, ainda mais porque desde o episódio no hotel
da estrada, a última vez que eu tinha chorado foi quando meus pais
morreram.
— Eu acredito ni... — Nesse momento bateram na porta e ouvi
a voz de um dos meus muchachos.
— Almoço, jefe.
— Eu pego — disse Alejandro —, nossa conversa não
terminou, cariño.
Estava tão abalada com esse assunto, com a possibilidade de
uma vida normal, que levei um segundo a mais para perceber o que
acontecia.
— Não abra a porta! — gritei correndo em sua direção.
Eu tinha combinado um sistema de senhas para a entrega das
refeições e Munhoz não seguiu o protocolo, mas Alejandro começou
a girar a maçaneta para liberar a trava, ao mesmo tempo em que se
virava para mim confuso.
De repente, ela foi aberta com violência e Munhoz caiu sobre
Alejandro, levando-o ao chão, empurrado pelo conselheiro de Don
Carlos que entrou no quarto armado com uma pistola acoplada a um
silenciador.
Amaldiçoei-me como nunca, pois o sentimento que estava
experimentando por Alejandro tinha me deixado desatenta, minha
arma estava em cima da cama e não na minha cintura, onde deveria
estar.
Ao mesmo tempo em que ele disparou, tendo a mim como
alvo, provavelmente por planejar me eliminar primeiro para não
acabar morto, eu me joguei ao chão, rolando em sua direção, se eu
tentasse correr até a cama, estaria morta sem tê-la alcançado.
O assassino corrigiu a pontaria antes de eu terminar de me
levantar, consciente de que falhei em minha missão de proteger
Alejandro e estava obvio que ambos morreríamos.
Perder minha vida não me importava, era o fim natural para
alguém na minha posição, que viveu mergulhada na violência, mas
morrer sabendo que fui a causadora da morte de Alejandro era um
sentimento insuportável de dor e fracasso na única coisa que eu
sabia fazer na vida.
Encarei o cano da arma e aguardei a minha morte.

Surpreendido pelo grito de Lupe e pela porta que foi aberta de


supetão, vi o corpo de um dos muchachos dela caindo sobre mim,
sua cabeça ensanguentada me molhando de sangue.
Ouvi o som baixo de disparos de arma, abafados pelo
silenciador, o homem que estava, horas atrás, ao lado de Don
Carlos, agora invadia o nosso quarto e tinha Lupe em sua mira.
Senti o ódio queimar a minha alma, mal tínhamos acertado um
acordo de paz e o maldito líder do cartel de Sinaloa tentava nos
assassinar! Filho da puta traidor! Empurrei o corpo de cima de mim e,
ainda deitado, com um giro, usei ambas as pernas para chutar o
joelho do nosso adversário.
Ele se desequilibrou no ato do disparo contra Lupe e os
projéteis foram parar no teto do quarto e antes que eu me levantasse
ela já estava sobre ele, engalfinhados em uma luta feroz.
— Alejandro, fuja! — Lupe gritou acertando uma cotovelada
no rosto do assassino, que apenas grunhiu e contra-atacou
acertando-a de volta.
— Hijo de puta! — ignorei seu pedido e pulei sobre ele.
Entretanto, o homem era bem treinado, pois conseguiu
escapar e se levantar, rolando no chão e pegando a arma que tinha
caído de sua mão. Agora, ajoelhado, ele se voltou apontando a
pistola em minha direção.
— Não! — gritou Lupe e me empurrou no exato momento em
que o assassino acionou o gatilho, fazendo-me cair no chão, onde
senti a forte ardência no ombro e uma mancha vermelha começou a
se espalhar no tecido branco da camisa.
Percebi que o homem tentava disparar novamente, mas a
arma travou em um clique seco, aparentemente sua munição tinha se
esgotado.
Ele se levantou e correu para fora do quarto, enquanto Lupe
se ajoelhava ao meu lado.
— Você foi atingido de raspão no ombro — constatou —
aperte o ferimento, ligue para Vicentín e explique o que aconteceu,
ele enviará uma equipe para buscá-lo.
— E você? — percebi sua intenção enquanto ela se levantava.
— Tenho que pegá-lo, senão ele continuará tentando te matar
— concluiu ao correr até a cama para pegar sua arma, enquanto eu
me levantava.
— Vou com você! — decidi angustiado pela sua segurança.
— Não vai não! — afirmou ao aplicar um golpe me derrubando
novamente no chão. — Você está ferido!
Com o impacto, senti a ardência no braço mais intensa, o que
me impediu de ser ágil ao me levantar e quando consegui me colocar
em pé, ela já havia fechado a porta atrás de si com um estrondo.
— Lupe! Espera! — ainda tentei.
Girei a maçaneta, com o ombro latejando de dor, meus
movimentos estavam mais lentos e a esta altura ela já tinha
desaparecido, não sei se pelo elevador ou pela escada.
— Infierno! — gritei frustrado, pressionando a mão sobre o
ferimento que ainda sangrava.
Liguei para a portaria e avisei sobre a invasão sem dar muitos
detalhes dos cartéis, em breve o hotel estaria repleto de policiais e
eu, como um advogado com licença norte-americana, a passeio na
cidade, estaria acima de quaisquer suspeitas, para eles, o incidente
não passaria de uma tentativa de assalto a um ricaço de férias.
Só que, a minha preocupação era... Guadalupe.
Não podia permitir que Alejandro fosse ferido novamente, a
situação com o tiro de raspão já estava ruim o suficiente, eu daria a
minha vida pela dele, por isso me joguei em sua frente, antes eu do
que ele. E agora corria atrás do assassino que descia pela escada de
emergência.
Havia dois dos nossos seguranças no corredor de acesso do
quarto, ambos estavam mortos, baleados, mas eu não tinha tempo
para prestar o meu luto a eles. Quem quer que fosse aquele homem,
parecia ser muito bom para um simples conselheiro, daí vinha a
minha certeza de que era um assassino com ótimo treinamento.
Chegamos ao fim da escadaria e percebi que abria a porta de
emergência, ele estava um lance de escada abaixo de mim para
entrar no hall do hotel. Apoiei-me no corrimão de metal e saltei pela
abertura do centro, caindo em frente à porta que começava a se
fechar.
Puxei-a com força e continuei a o perseguir e ele logo ganhou
a rua subindo na garupa de uma motocicleta esportiva, que
aparentemente o esperava com o motor ligado e rapidamente
desapareceram no pesado trânsito do Distrito Federal.
— Hijo de puta! — rosnei e olhei em volta, corri para a lateral
do estacionamento do hotel em direção à minha motocicleta, eu não
podia perder mais nem um segundo.
Apalpei o meu bolso e sorri de satisfação, a chave estava
presa em meu chaveiro, com a chave do bangalô da hacienda. Corri
até ela e logo acelerava em perseguição ao assassino.
Percorremos as ruas da cidade em alta velocidade, tinha que
admitir, o condutor da outra motocicleta era bom, mas ele tinha o
assassino na garupa e eu estava sozinha, isso dava-me a vantagem,
além de que, eu conhecia bem as ruas da Cidade do México, por isso
comecei a me aproximar de meu alvo quando ele entrou em um
bairro periférico, um erro, pois as ruas esburacadas de terra não
eram ideais para uma moto esportiva, ao contrário de minha trail.
Entramos no pátio do que parecia uma velha fábrica e os dois
homens na motocicleta a abandonaram e correram para o interior da
estrutura de concreto.
Segui o assassino e senti meu coração se quebrar
novamente, essa era a mesma fábrica em que os meus pais
trabalharam e foram mortos, eu sabia que ela estava fechada desde
alguns anos depois do massacre que aconteceu dentro dos seus
portões.
Mas eu não sou mais uma menina sentimental, inocente e
assustada, sou Lupe Gasolina, não temo nada nem ninguém, nem
mesmo as recordações e os fantasmas do meu passado.
Larguei minha moto e sacando a arma que trazia comigo, corri
atrás deles, o assassino se perdeu na escuridão, enquanto o piloto
da motocicleta se voltou em minha direção, disparando com uma
submetralhadora, mas em um reflexo eu rolei no chão, ao mesmo
tempo em que puxei o gatilho duas vezes e logo vi meu alvo gritar e
cair de costas segurando o peito.
Com cautela, aproximei-me dele. Estava morto.
Fiquei um minuto parada esperando o eco dos disparos
cessarem e me concentrei no ambiente. Pilastras de concreto,
estruturas de dois andares vazias, com ar de abandono. Parecia um
local perfeito para uma tocaia, o assassino me trouxe de propósito
para este local?
Por quê?
Será que eu deveria ir embora e esperar apoio dos meus
muchachos?
Não! Eu tinha que impedir esse homem aqui e agora, se o
deixasse escapar, ele tentaria novamente contra a vida de Alejandro
e eu não queria correr o risco.
Portanto, caminhei pé ante pé adentrando na escuridão do
prédio. Nesse confronto, seria ele, ou eu, só que eu não estava
pronta para morrer, não ainda, não hoje.

Quando liguei para Vicentín contando o ocorrido, pedi que ele


organizasse os nossos soldados em uma força-tarefa. Uma parte
para reforçar a segurança da hacienda, outra, de prontidão para um
possível ataque a Sinaloa.
Preocupado com a nossa situação, ele também me garantiu
que em poucos minutos alguns dos nossos associados chegariam ao
hotel, pois estavam de plantão, eram os homens de confiança de
García, e que eu somente deveria permitir alguém entrar caso
dissesse a senha: Viva Zapata.
— Rastreie o celular de Lupe e me envie a posição dela! —
pedi aflito. Ela não era mais uma simples encarregada de segurança,
ela era a minha Guadalupe!
Eu sabia que todos os celulares dos nossos homens
possuíam um aplicativo de rastreamento por satélite, era uma forma
de saber onde estavam a qualquer momento, servia para serem
vigiados, também servia para os resgatar.
Enquanto aguardava, liguei várias vezes para o celular dela,
mas ele apenas caía na caixa postal. Com o braço ardendo de dor,
tirei a camisa manchada de sangue e tentei uma rápida assepsia no
ferimento, que não parecia, mas ainda sangrava e tentei estancar o
sangue, depois cobri com gaze e esparadrapo de um pequeno kit de
conveniência de primeiros socorros.
Procurei por uma camisa escura, isso tornaria o curativo
menos visível.
Mujer loca! Pensei preocupado e sem conter a minha ira,
liguei para Don Carlos.
— Que porra de traição foi essa! — gritei ao telefone.
— Não sei do que você está falando — respondeu com o seu
cinismo que eu começava a conhecer.
— Seu conselheiro tentou me assassinar há poucos minutos!
— Ele não é meu conselheiro, Don Alejandro, ele é um
representante de um dos meus associados, que tem alguns
interesses na Cidade do México, e participou da reunião como um
observador. Fui pressionado a aceitar a sua presença depois que
vocês eliminaram o meu irmão e se ele fez algo não foi com minha
autorização, isso eu garanto — respondeu com voz fria — espero
que não esteja pensando em romper nosso acordo de paz.
— Se você estiver mentindo usarei todo o poder de Durango
para erradicar você e seu cartel — ameacei tomado pelo ódio.
— Não estou mentindo, mandarei pelo aplicativo do celular os
áudios da minha tratativa de negócios com esse meu associado e
seu pedido para que permitisse que um observador de sua confiança
comparecesse na reunião, a fim de garantir que os seus interesses
também fossem considerados nas negociações.
— Estou esperando — desliguei irritado, ao mesmo tempo em
que ouvia baterem na porta usando também a senha, eram dois
homens trajando roupas normais que se misturariam facilmente na
multidão.
— Sou Alfonsín, Garcia me enviou — apresentou-se o homem
que parecia ser o líder.
Meu celular soou e na tela apareceu um mapa com a posição
de Lupe, aparentemente ela ainda estava se movendo, primeiro alívio
que eu senti desde o atentado, significa que está viva.
— Vamos — ordenei para Alfonsín — agora temos um norte,
sei para onde devemos ir.
Descemos até a entrada do hotel, a polícia parecia estar
organizando a multidão, mas eu não tinha tempo para perder com
eles e entramos em um carro de vidros filmados, onde um motorista
nos aguardava com o motor ligado.
— Siga esse sinal — ordenei ao sentar-me no bando da
frente, mostrando o mapa, como se ele fosse um dos meus
subordinados.
— Pode acatar — ouvi Alfonsín, reforçando a minha ordem,
ele ocupava o banco de trás.
Logo ele estava no rádio, passando mais instruções e ao olhar
pelo retrovisor, percebi que mais duas SUVs pretas nos seguiam.
— Preciso de uma arma — pedi, ainda conferindo o celular
com as coordenadas apontando a posição de Guadalupe.
No mesmo momento, Alfonsín me passou uma pistola calibre
9mm. Eu nunca fui fã de armas, tiro ao alvo, ou qualquer dessas
coisas, mas neste momento crítico, faria qualquer coisa, até matar, e
com um golpe no ferrolho municiei a câmera.
Se Lupe estivesse ferida ou morta eu estava pronto para me
vingar, travaria a guerra mais feroz dos carteis, por ela, pela traição,
pela minha família, por tudo.
Minutos depois, chegamos em um bairro de periferia, longe do
glamoroso Polanco, onde havíamos nos hospedado. O lugar, ao que
me parecia, era uma fábrica abandonada. O motorista freou
bruscamente ao lado da motocicleta de Lupe e antes que ele
desligasse o motor eu já estava descendo e correndo com a arma em
punho.
— Patrón! Espere! — ouvi o grito de Alfonsín.
Continuei correndo para o interior do edifício e passei por
outra motocicleta.
— Vamos! Vamos! Sigam o patrón! — ainda ouvi os gritos de
Alfonsín ao fundo.
A tensão e a adrenalina do momento faziam com que eu nem
me importasse com o incômodo no ombro, a incerteza do que eu
poderia encontrar à frente fazia de mim um homem desesperado,
porque Lupe tinha ido atrás deles sozinha. De repente a avistei
caminhando em minha direção, sua expressão era de raiva.
— Lupe! — corri até ela com um misto de preocupação e
alívio, era difícil definir como aquele peso no meu peito tinha se
aliviado por a ver viva.
— O que você está fazendo aqui? — perguntou recusando
meu abraço. — Eu não disse que era para você ficar no hotel?
— Eu estava preocupado — defendi-me tentando não deixar
transparecer a minha irritação. O que ela estava pensando? — E não
estou sozinho, eu trouxe reforço.
— Eu sei me cuidar, patrón!
— Acalme-se, certo? — pedi, também tentando respirar fundo.
— Onde está o assassino? — perguntei observando os homens de
Alfonsín se espalharem pelo prédio.
— O conselheiro escapou, mas consegui pegar um capanga
dele — apontou para um corpo caído na entrada.
— Voltemos para Durango, imediatamente — avisei e concluí
que a nossa melhor opção seria contratar um avião particular. — É o
melhor a fazer, lá estaremos mais bem amparados e poderemos
averiguar o que houve realmente, já que Don Carlos afirma não ter
nada a ver com isso.
Estávamos correndo contra o tempo e sabia que havia riscos
indo por ar, mas não podíamos nos dar ao luxo de planejarmos uma
nova viagem rodoviária. O piloto que aceitasse nos levar seria
instruído por causa da possibilidade de ataque por ar para que não
fôssemos derrubados novamente.
Dispensei Alfonsín e dali mesmo fui até o hangar, sem avisar
qualquer pessoa sobre o nosso regresso, faria a contratação de um
jatinho particular por conta própria, era o melhor para todos nós, para
contarmos com o fator surpresa.
Aos interessados, avisei somente que eu voltaria para o hotel
e não queria uma escolta para chamar a atenção. Por sorte, o meu
ferimento, um tiro de raspão, tinha parado de sangrar, eu poderia
aguentar a dor até chegar na hacienda para tratá-lo.
Duas horas e meia depois, com uma ainda contrariada Lupe, e
um curativo novo no ombro, estávamos voando em direção a
Durango.
Ela não acreditava na afirmação de Sinaloa, quando Don
Carlos alegou nada ter a ver com o ataque, a verdade que sempre
tive para mim é que somos responsáveis pelos associados que
escolhemos e essa era a visão dela também. Mas, se isso fosse
verdade, quem seria esse seu associado que tanto tinha interesse
em nos ver mortos e qual o motivo?
— Essa guerra transcendeu as divisas de Durango e Sinaloa,
eu era de Baja e estou envolvida, não sabemos se há alguém de
Sonora. Mas está claro que, quem quer que seja, não está do nosso
lado, isso se Don Carlos não estiver mentindo!

Existia um lado de fúria dentro do meu peito, tanto pelo


assassino ter escapado, quanto por Alejandro ter se arriscado indo
atrás de mim, pois ele não tem qualquer experiência nessa vida de
gangues, armas, violência e matança.
Alejandro é só um gringo engravatado acostumado a dar
ordens sentado atrás de uma mesa e o nosso oponente é perigoso,
do tipo “atire primeiro e pergunte depois” e havia muita
ingenuidade nele achando que ao vir me procurar iria me salvar.
Estávamos lidando com gente acostumada a matar sem
misericórdia, sabem o que querem e mais ainda o que estão fazendo.
Terem me trazido direto para a fábrica onde os meus pais foram
assassinados, quando eu era criança, não foi uma coincidência e o
assassino queria me desestabilizar, para que eu baixasse a guarda e
fizesse um péssimo trabalho com o meu patrón, mas eu não daria
esse gostinho a ele.
Eu tenho um trunfo, o homem que abati estava com um celular
e consegui descobrir o número do assassino, afinal, era a única
ligação que havia no histórico perto do horário em que fomos
atacados, provavelmente avisando para preparar a motocicleta da
fuga.
Com alguns contatos nas empresas de telefonia mexicana,
herança dos meus tempos de cartel de Baja, era hora cobrar alguns
favores, pedindo que eles rastreassem o número do assassino que
se chamava apenas “M”, pelo que estava registrado na agenda de
contatos.
O problema era que Alejandro parecia mais um cão de
guarda, preocupado comigo, não me deixando sozinha por momento
algum, portanto, decidi aguardar chegarmos em Durango. Esse
gringo com mania de namoradinho não estava entendendo que as
coisas não funcionam assim.
Descemos na pista particular, perto do fim da tarde, sem
nenhum problema, a estratégia dele de dispensar e mentir para
Garcia e Alfonsín foi esperta, pelo menos ele estava pensando como
um jefe e não apenas como um inocente advogado, evitando que a
nossa rota vazasse.
— Lupe, você está bem? — perguntou-me pela centésima
vez, quando entramos no jeep que nos buscou na pista e depois o
mesmo quando nos deixou em frente à sede da hacienda, que
estava com a segurança reforçada.
— Estou bem — tentei disfarçar —, só um pouco cansada, é
normal, acho que preciso tomar um banho para relaxar os músculos.
Os últimos acontecimentos foram muito tensos.
Eu tinha voltado todo o caminho em silêncio, sentada longe
dele, quase deitada em uma das poltronas, precisava ficar sozinha
para pensar, era muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. O nosso
furo de segurança que quase nos custou a vida, esse envolvimento
com Alejandro que sabíamos ser um erro e agora as lembranças dos
meus pais.
— Eu entendo, cariño, mas venha ao anoitecer, quero
apresentá-la ao meu irmão Miguel, como sabe, ele recobrou a
consciência enquanto você estava na Cidade do México, preparando
a conferência — pediu, outra vez tentando dar um tom íntimo entre
nós, que era o que eu menos queria — depois podemos jantar juntos.
— Está bem — concordei um pouco seca, como precisava ser,
e fui para o meu bangalô.
Havia coisas que eu precisava fazer, urgente, e após fechar a
porta efetuei a ligação para o meu contato na empresa de
telecomunicações. Eu não tinha mais tempo a perder.
No início, o homem foi muito reticente a rastrear o telefone
sem uma ordem judicial, não queria se meter em confusões outra
vez, mas quando cobrei os favores e avisei que ainda tinha alguns
áudios das nossas conversas antigas e que comprovantes de
depósitos em sua conta, em um paraíso fiscal, poderiam aparecer na
mesa de um juiz criminal ou serem estampadas nos noticiários, ele
se mostrou mais solícito.
— Farei o possível — soltou sem opção.
— Não faça o possível, apenas faça o que eu preciso —
ameacei e desliguei.
Ainda nada satisfeita com o rumo da situação, fui tomar uma
demorada ducha, tentando colocar meus pensamentos em ordem,
estava com a mente cheia com as recordações da minha infância,
dos horrores que eu sofri após a morte dos meus pais, dos
sentimentos confusos que eu vinha experimentando em relação a
Alejandro, deixando-me algo que nunca fui: vulnerável; eram muitas
coisas que estavam me drenando.
Talvez, por alguns segundos, eu estivesse desejando aquela
vida que Alejandro insinuou que eu poderia ter, caminhando pelas
ruas lotadas de Manhattan, sendo alguém simplesmente normal, uma
a mais na multidão, com um emprego, contas para pagar e uma casa
para chegar a noite, sem crimes, sem mortes, sem essa porra toda
que fazia de mim um ser repugnante. Mas já é tarde demais para
mim.
Minha vida sempre se resumiria a lutar, me defender e um dia
morrer.
Após o banho, deitei-me e dormi um pouco. Eu estava
cansada do dia tenso, de muita adrenalina, e acordei em cima da
hora combinada com Alejandro, apressei-me em me trocar e fui até o
casarão, tinha chegado o momento de conhecer Don Miguel.

Sem querer aborrecer Lupe e tentando buscar uma alternativa


que fosse melhor para todos nós, deixei-a descansar e fui direto para
o escritório, embora mamãe teimasse que eu deveria deixar a
enfermeira de Miguel dar uma olhada no meu ombro.
— Não foi nada — respondi a ela e tranquei a porta —, parece
pior do que é, um pequeno raspão — ainda gritei lá de dentro.
Havia muito em que eu tinha pensado durante o curto voo
testemunhando o silêncio de Lupe. A mais difícil decisão seria sobre
com o que ir em frente, ou não. Eram coisas que eu vinha
amadurecendo há alguns dias, deixando o meu lado ético
desmoronar face o lado da necessidade e da sobrevivência.
Outra vez o pensamento: “os fins justificam os meios?”,
pergunta que os advogados constantemente se forçam a responder e
a resposta nunca é satisfatória, nada é literal. É muito romantismo
insistir que os fins não justificam os meios, pois situações extremas
podem pedir medidas ainda mais singulares.
Peguei um aparelho celular na gaveta, como sempre modelo
antigo, monocromático e linha não registrada. É incrível como ainda
conseguíamos fazer um desses funcionar.
Qualquer um com objetivos escusos tinha por onde recorrer
para não ser rastreado pelas funcionalidades de um aparelho
moderno, isso era típico do meu pai. Disquei o número que eu tinha
há muito decorado, achando que jamais teria que usá-lo para algo
assim.
— Shawn? É Alejandro Pérez — identifiquei-me de imediato.
— Doutor Pérez?
Um ano atrás eu havia livrado Shawn da prisão em um dos
meus casos pró-bono. Não que ele não tivesse condições, mas ele
precisava de alguém que o defendesse fora do radar dos grandes.
Eu não o teria feito, pois sabia que o ex-militar não era nenhum
inocente de muitas coisas, como ex-ranger ele se tornou quase como
um mercenário, usava suas habilidades em favor de quem pudesse
pagar mais, inclusive serviços não oficiais para governos
estrangeiros, como sabotagens e combate a insurgentes.
Mas Shawn tinha me trazido um caso que julguei valer a pena.
Sua filha panamenha de dezessete anos foi pega ao tentar
cruzar a fronteira ilegalmente junto com a mãe. Em uma cilada com
os coiotes, na travessia, sua mãe acabou sendo morta e a menina
presa por ter atirado em um ato de defesa própria contra o coiote,
que ficou ferido. Jamais fui um advogado de casos que envolvem
imigração, entretanto, a menina estava sendo julgada por lesões
corporais culposas em território norte-americano, com a agravante de
ter cruzado a fronteira ilegalmente. As autoridades ignoravam o
assassinato da mãe.
“Ela não sabe que é a minha filha, sei que isso
facilitaria a sua vida pois daria a ela o direito à cidadania,
mas não a quero envolvida no tipo de coisas que eu faço.
Preciso que seja defendida e inocentada sem que ela saiba
que eu estou por trás ajudando. E se ela for extraditada, eu
vou achar uma forma de a trazer de volta, nome novo,
passaporte novo, seja o que for, mas vou dar a essa menina
uma vida decente, sem que ela jamais tenha qualquer contato
comigo. Ariella não tem culpa e merece um futuro limpo,
longe da sujeira.”
— Eu jamais achei que teria que fazer essa ligação, mas
preciso de uma ajuda sua, dessa vez não é com informações, pois as
que você mandou antes foram de grande serventia para o meu plano.
Aprendi em meus anos nos Estados Unidos, como advogado,
que informação é poder, e quando bem usada pode causar mais
impacto do que uma arma, porque é mais destrutiva que a violência.
Com o dinheiro do cartel, e tudo o que tínhamos levantado até
agora, contratei espiões em Culiacán que devassaram a vida de Don
Carlos e seus homens de confiança, será graças aos serviços desses
homens, mulheres, jovens e até mesmo crianças, que eu conseguirei
os surpreender com um último golpe contra Sinaloa, sem contar a
ajuda especializada do hacker, Toupeira, que desencavava qualquer
informação que estivesse registada em bancos de dados, fazendo jus
ao seu apelido.
Todo mundo esconde verdades, eu também tinha as minhas,
ter contatos e informação nos protege de cairmos em ciladas, eu
fazia isso muito bem nos Estados Unidos, precisei começar a fazer
isso aqui.
Invadir a linha da ética e do crime é uma decisão pessoal de
cada um, eu não era esse, sempre preferi não cruzar essa fronteira
sem volta, mas aqui não estávamos falando de uma guerra de
inocentes e sim sobre ladrões que matam ladrões.
— Nada que eu faça por você pagará o que você fez por mim,
por Ariella! Hoje ela está feliz na Flórida e foi aceita no curso de
veterinária. Peça o que precisar.
E mesmo com pesar de me sentir estar me tornando um
deles, eu pretendia sair vivo dessa.
— Vou te enviar um arquivo com informações sobre depósitos
de drogas no México e gostaria que você montasse uma operação
para os destruir, não confio na Polícia daqui e muito menos quero
envolver o meu pessoal — expliquei.
— Uma operação clandestina desta natureza é cara, vou
precisar de soldados, munição... — ponderou a voz do outro lado.
— Dinheiro não é problema, me mande uma conta segura que
eu deposito cinquenta por cento do valor total adiantado.
— Está certo, envie-me o arquivo pelo e-mail que vou te
passar, use criptografia, e pode depositar o valor na conta que estou
indicando
Olhei para o aplicativo de mensagens, o valor era uma
pequena fortuna, mas não me importei, tínhamos contas correntes
em paraísos fiscais com dinheiro mais que suficiente.
— Prepare a operação, assim que eu te der o sinal a
desencadeie.
— Há algo específico que você queira garantir? Ou posso agir
do meu modo?
Eu tinha alguma ideia sobre o que ele estava me perguntando
nas entrelinhas, só podia imaginar que um ataque daquelas
proporções poderia causar danos colaterais a terceiros de qualquer
natureza, além dos homens que estariam protegendo os depósitos.
— Evite inocentes, se possível concentre-se apenas em alvos
materiais, a não ser que seja inevitável danos pessoais a quem tentar
o impedir.
— Combinado — concordou e eu desliguei.
Recostei-me na poltrona, eu tinha me aprofundado no relatório
que o Toupeira enviou no dia anterior, ele foi capaz não de apenas
invadir o banco de dados do DEA, mas também o da Polícia Federal
mexicana e das empresas que pertenciam a Sinaloa. De sistema a
sistema, conseguiu fazer uma radiografia completa da estrutura
comandada por Don Carlos.
Seu serviço foi tão completo que teve acesso a arquivos de
transações bancárias e troca de mensagens que provavam que o
líder de Sinaloa foi corresponsável pelo ataque em meu quarto de
hotel, por causa da sua associação com outros carteis para derrubar
Durango.
Se ele pensava que iria me enganar dizendo que nada tinha a
ver com a tentativa de assassinato, estava enganado e eu mostraria
para ele o tamanho de seu erro.
16

Meu irmão ainda não estava totalmente recuperado, por isso a


reunião com ele, Vicentín e Lupe ocorreria em seu quarto. Quando
ela chegou, eu a esperava no hall de entrada, nesse meio tempo a
enfermeira que cuidava de Miguel refez o curativo em meu ferimento
e o medicou.
Como sempre, ela se vestia com jeans e camiseta justa de
cores escuras, seus cabelos presos em um rabo de cavalo e usava
uma leve maquiagem, que disfarçava sua expressão cansada, não
era para menos, foi uma longa viagem rodoviária até a Cidade do
México e depois tivemos que enfrentar o ataque de um assassino.
— Holá, patrón — cumprimentou-me com um tom mais
distante.
— Holá, cariño — tentei beijar seu rosto, mas ela se afastou.
— Por favor, Alejandro, não me chame assim, principalmente
quando estivermos na frente de Vicentín e Miguel — pediu com a
expressão fechada. — Eu não posso permitir que você tire a minha
autoridade na frente das pessoas, trazendo isso aqui — apontou para
nós dois — para o lado pessoal.
— Está certo, que seja como prefere — suspirei frustrado com
o seu jeito turrão e arredio, tudo o que eu mais tinha certeza era de
que ela precisava de afeto e quando eu o dava, ela o rejeitava. Bem,
ainda teríamos tempo de nos acertar depois que a situação com
Sinaloa fosse resolvida.
Levei-a até o quarto do meu irmão, onde Vicentín já
aguardava. Miguel estava encostado na cabeceira da cama e parecia
ainda mais forte do que da última vez que o vi, três dias antes.
— Holá, Miguel, esta é Guadalupe — apresentei-lhe a nossa
mais valiosa contratação, responsável por ainda estarmos vivos.
— Apenas Lupe — pediu ela estendendo a mão para o
cumprimentar, rejeitando o seu nome real como se ele fosse um sinal
de fraqueza.
— Bem-vinda, Lupe — respondeu meu irmão a medindo de
cima a baixo — Vicentín me contou sobre os seus serviços, creio que
eu devo minha vida a você, assim como meu irmão. Estou
impressionado com os seus feitos.
— Não foi nada, patrón — respondeu seriamente — eu só
estava no lugar certo, na hora certa e escolhi o cartel certo. Estou
acostumada com missões difíceis, era chefe da segurança em Baja.
— Assim eu soube e não costumo esquecer quem nos ajuda,
você será bem recompensada quando esta guerra terminar — avisou
e olhou em volta — agora, contem-me exatamente tudo o que
aconteceu na Cidade do México, suas desconfianças e conclusões.
Cada um de nós narrou o que presenciou, inclusive Vicentín,
que ficou na hacienda, mas manteve contato constante com García,
o nosso associado na Cidade do México.
Lupe foi enfática ao afirmar que Don Carlos Rojas nos traiu,
apesar de sua negativa.
— De uma coisa Lupe está certa, se ele deu essa autonomia a
um associado, não deixa de ser uma traição, ele pode não ter dado
uma ordem direta, mas aparenta conivente e é mais um sinal de que
não respeitará o acordo — interveio Vicentín com a expressão
carregada de preocupação.
— E o que você tem em mente? — perguntou Miguel
diretamente para mim.
Ele me conhecia, sabia que o meu estilo era ser um homem
prevenido, embora o mundo do cartel já tivesse me pegado de
surpresa inúmeras vezes, a adaptação não estava sendo fácil.
— Terminar com essa guerra de uma vez por todas —
respondi decidido.
— E como você pretende fazer isso? — perguntou
novamente.
— Com inteligência e um ataque cirúrgico — afirmei tentando
pensar como um estrategista que monta um caso a ser apresentado
ao juiz —, preparei um plano, eu vinha ponderando sobre isso caso a
negociação de paz fracassasse, só precisamos ganhar um pouco
mais de tempo para nos organizarmos.
— Que plano? — meu irmão se ajeitou na cama procurando
uma posição menos incômoda.
— Consegui com a rede de inteligência, que montei desde que
assumi seu lugar, informações sobre os vícios e rotinas do alto
escalão de Sinaloa, vamos mandar uma equipe pequena e
especializada em eliminar alvos específicos, para os atacar no
coração de seu território.
— E que equipe seria essa?
— Tenho alguns contatos de mercenários, ex-membros das
forças especiais americanas e até militares que se tornaram
assassinos de aluguel — disse olhando de soslaio para Lupe, sem
saber qual seria a sua reação, jamais falamos a respeito disso e eu
nunca tinha invadido o espaço dela antes.
— Isso é ridículo! — explodiu ela como eu imaginava que faria
— Patrón — voltou-se para o meu irmão, agora tentando buscar
nele uma autoridade que até antes todos buscavam em mim —,
provei minha capacidade, estou plenamente apta para cumprir essa
missão, tenho pessoal de confiança e possuo os meus próprios
espiões em Culiacán.
— Eu não quero que você vá, é extremamente perigoso —
cortei a nossa chefe de segurança, em um misto de conflito entre ela
ser uma funcionária tendo suas responsabilidades e estar envolvida
comigo.
— Você não tem conhecimento de combate para me censurar,
gringo — elevou o tom de voz usando o termo depreciativo que os
mexicanos usavam para se referir aos americanos, só que dessa
vez, não com o tom de brincadeira como sempre, pois agora ela quis
me ofender.
— Ainda sou seu jefe — e devolvi o meu tom de autoridade,
irritado com sua teimosia.
Será que ela não conseguia perceber que eu me preocupava
com sua segurança? Não a queria ferida, não podia a corromper
mais do que ela já se sentia corrompida. Shawn podia me ajudar a
levá-la para Manhattan comigo, assim como fez com sua filha Ariella.
— Certo, sem discussões entre nós! — cortou Miguel sem
paciência. — Muy bien, Lupe, está autorizada a agir conforme
deseja, conheço a sua reputação, sei como era o estilo de Don
Hernandez e está claro o que fez por Baja. Além disso, hoje você é a
nossa chefe de segurança, endosso a sua contratação e tem esta
autonomia.
— Mas... — tentei me fazer ouvir.
— Sinto muito, hermano, não quero interferir em sua
liderança que tem sido acima das minhas expectativas, mas acho
que o seu julgamento está comprometido, pelo que conheci dela e
pelo que você mesmo e Vicentín me contaram ela é perfeita para a
missão.
Miguel sabia, eu não havia contado para ele, mas de alguma
forma ele enxergava que havia algo entre mim e Lupe e talvez até
estivesse certo, mas era dela que estávamos falando e não podia
evitar a querer em segurança, longe da violência e da matança.
Longe desse mundo, para que tivesse a oportunidade que jamais
teve.
— Está bem — concordei tentando esconder minha
insatisfação, odiava saber que os meus sentimentos estavam assim
tão escancarados. Isso também era perigoso para ela. — Podemos
fazer uma mistura de estratégias, pois o time que eu tenho contato é
muito bom, é importante usarmos tudo o que eles podem levantar e
vamos precisar deles nos depósitos e laboratórios de refinamento.
Detalhei o plano, contei sobre toda a informação que os meus
contatos haviam levantado, desde rotinas de cada um, encontros
clandestinos, possíveis brechas de segurança, preferências e
costumes.
Para cada um dos membros importantes de Sinaloa eu tinha
uma estratégia diferente para os encontrar e a partir daí a execução
fina dependeria da capacidade e da criatividade do executor, neste
caso, infelizmente, a nossa chefe de segurança.
Finalmente encerramos a reunião e enquanto nossa mãe
trazia o jantar de Miguel, convidei Lupe para ir comigo até a cozinha,
onde havia uma refeição preparada para nós.
— Lupe, por que você quer ir nessa missão? É muito perigoso
— comecei.
— É a minha função — respondeu colocando um pedaço de
carne na boca, seguido de um gole de cerveja. — Gringo, eu já fazia
isso muito antes de você surgir por aqui, por que quer me mudar, me
moldar? — ela não parecia irritada, somente dava sinais de que não
se importava com a minha opinião, o que gerava uma enorme
frustração dentro de mim.
Eu queria pensar na possibilidade de “nós”... ela pensava em
tudo, menos sobre isso.
— Eu irei com você, então...
— Fora de cogitação, você somente me distrairia e seus
escrúpulos acabariam me atrapalhando — voltou o olhar para mim.
Ela estava certa em uma infinidade coisas. Sim, Lupe era a
melhor no campo de batalhas, verdade que, juntos éramos mútua
distração. Entretanto, nada disso queria dizer que eu estivesse
confortável com o rumo com o qual as coisas vinham tomando. Essa
mulher é indiscutivelmente competente no que faz, mas não quer
dizer que eu goste que se exponha.
Longe de mim ser um homem que poda uma mulher, mas não
estávamos falando de a impedir de trabalhar, ter amigos ou opinião
própria, aqui lidávamos com a vida e a morte e eu a queria viva, para
mim, no meu coração, no meu futuro e na minha cama, em outro
país.
Sei que esse soava um pensamento, até um desejo, insano,
nós mal nos conhecíamos, ela é quem ela é, com valores muito
diferentes dos meus, mas esse estava se mostrando um tipo de
sentimento que eu não conseguia controlar, ou até evitar.
Havia algo sobre Lupe...
— Ao menos me prometa que tomará cuidado — pedi,
segurando sua mão direita que estava pousada na mesa.
— Eu sei me cuidar... — ainda tentou resistir com a imposição
dura de sua voz, mas ela não era capaz de esconder que havia algo
do lado dela também, eu só não sabia exatamente o quê.
— Prometa, cariño, por favor. Essa não é uma missão
qualquer e você não é uma mulher qualquer para mim, preciso que
entenda isso.
— Eu prometo — ela sorriu e dessa vez não evitou o meu
contato, pois estávamos sozinhos, então, finalmente senti-a tomar
uma postura mais leve.
— Ótimo...
E para a minha surpresa, foi ela que me impediu de continuar
falando, pois eu ainda tinha muita coisa para falar.
— Agora, guapo, que tal irmos para o meu quarto? A
adrenalina de uma missão me deixa excitada — riu de forma
descarada, apertando o meu membro por baixo da mesa.
“Que poder essa mulher, aparentemente insana, tem
sobe o meu julgamento?” — Perguntei para mim mesmo,
enquanto quase a arrastava puxando-a pela mão até o seu bangalô.

Mal fechamos a porta atrás de nós e ela me empurrou contra


a parede, tomando a iniciativa, buscando os meus lábios em um beijo
selvagem.
Segurei-a pelos ombros e inverti os papéis, fazendo com que
desse um giro para que fosse eu a poder a encurralar, onde ela se
chocou com força, para depois morder meus lábios em meio a um
beijo faminto.
— Carajo (caralho)! — grunhi, enquanto arrancava a sua
camiseta preta, praticamente o seu uniforme, deixando os seios à
mostra, protegidos apenas pelo sutiã.
— Venha, cabrón — ela arfou ansiosa, quando sem nem
pensar, rasguei sua lingerie para a desnudar e abocanhei um dos
bicos dos seus seios para sugá-lo de forma violenta.
Senti suas mãos puxarem os botões da minha camisa, os
estourando, mas eu também queria me ver livre da minha roupa o
mais rápido possível e a ajudei livrando-me da peça, ansiando por
sentir as suas mãos diretamente sobre a minha pele, as suas unhas
me explorando.
Ajoelhei-me em frente a ela e, com habilidade, desabotoei sua
calça, enquanto ela usava os pés para se descalçar do par de tênis.
Puxei o jeans até a sua canela e ela o retirou, chutando-o para longe
e, ainda ajoelhado, abocanhei o seu sexo molhado, sugando-a com
desejo, deliciando-me com os seus primeiros gemidos de prazer.
— Assim, assim, cabrón... — gemeu colocando a perna
direita em meu ombro, se abrindo ainda mais para mim.
Introduzi a língua em seu interior molhado e seus gemidos se
tornaram mais altos, enquanto suas mãos puxavam meu cabelo de
encontro a si. O seu sabor era inigualável, eu podia a degustar por
toda a noite, mas o desejo era mais forte do que eu e levantei-me
rapidamente para retirar todo o resto da minha roupa, deixando meu
membro exposto, que já pulsava com muita intensidade.
— Eu sei que você quer, Guadalupe, então, pode chupar, ele é
seu — ela riu e se ajoelhou, abocanhando meu membro faminta,
enquanto amassava as minhas bolas.
— Hija de Puta (filha da puta) — grunhi de prazer e de dor.
Ela tinha um jeito violento e prazeroso de fazer sexo, nada
convencional. Essa mulher era uma surpresa a cada fodida e dessa
vez, senti sua mordida em meu pau, a dor e o prazer se misturaram,
Lupe era mais do que uma conquista e um aprendizado, juntos
éramos uma troca. Eu precisava fodê-la de uma forma agressiva,
mas dando amor, porque ‘amor’ era o que ela precisava conhecer.
Precisava levá-la à loucura tanto quanto ela fazia comigo.
— Venha, papi, vamos brincar — gargalhou ao se levantar e
jogou-se em meu colo, passando suas pernas em volta da minha
cintura.
Meu membro deslizou em seu interior, penetrando-a até o fim,
com o impulso que ela deu, se encaixando em mim e imediatamente
a segurei pelas nádegas, apertando-as, fazendo os meus dedos se
cravarem em sua carne macia e firme.
Com três passos estava novamente perto da parede e a fiz se
chocar com ainda mais força. Violência no sexo também era tesão
entre nós e ela gemeu alto, em meio ao beijo profundo que
trocávamos, nossas línguas uma querendo dominar a outra.
Com ela pressionada contra a parede, penetrei-a de forma
firme, viril, a cada arremetida suas costas se chocavam produzindo
um som alto com o impacto do seu corpo na madeira.
— Ahhhh, eu vou gozar — ela gemeu.
— Ainda não, você vai gozar quando seu patrón permitir —
desconectei-me dela e a peguei nos braços, carregando-a até o sofá
do bangalô, onde a virei de costas.
— Ninguém mais toca em você, Guadalupe, porque agora eu
a quero só para mim — rosnei e a penetrei por trás de forma brusca.
— Si, si, patrón, sou toda sua... — ela gemeu alto com as
minhas arremetidas, nossos corpos colados com o impacto e a força
e o suor nos deixando molhados.
Meus dedos se cravaram em sua cintura, puxando-a ainda
mais firme de encontro ao meu corpo, sincronizando o meu
movimento pélvico, para a penetrar o máximo possível. Eu queria ir
fundo, o mais fundo que qualquer homem jamais tinha ido com ela, o
mais fundo no sentido literal e não literal.
— Ahhh, me puna, papi, depois faça-me gozar.... — Lupe
gritou.
Aumentei a velocidade, eu também não estava aguentando a
pressão nas minhas bolas e baixo ventre, queria jorrar dentro dela,
descarregar o tesão que sentia por essa diaba.
— Goza, Lupe, goza para o seu patrón — foi praticamente
uma ordem e acertei um tapa forte em sua nádega.
— Isso, papi, sí... — ela gritou e senti os seus músculos
internos esmagando o meu membro, que continuava forçando
passagem em seu interior.
— Por mis cojones! — gritei e gozei em um jato forte em seu
interior, ainda a penetrando.
Exausto deixei-me cair sobre o seu corpo suado, nossos
corações batendo loucamente, permitindo-nos um momento de
silêncio, imóveis, onde somente o som das nossas respirações era
ouvido, eu me virei deitando-me no sofá e a puxei para se acomodar
em meu peito.
— Lupe, eu não quero que você vá nessa missão — disse
acariciando seus cabelos, em uma última tentativa.
— Não confia em mim, guapo? — perguntou ela com a voz
baixa e pausada, sem nenhum traço de indignação ou rebeldia.
— Confio, mas me preocupo muito, não quero que nada de
mal te aconteça, não quero que você continue se punindo,
assassinando pessoas, acho que para cada morte que cometemos,
um pedaço de nossa alma se perde — lembrei-me do homem que eu
executei a sangue frio e o pedaço de mim que ficou ali.
Ela se apoiou em meu peito me encarando com seus olhos
negros.
— Eu não tenho mais alma para perder, cariño — respondeu,
usando pela primeira vez o tratamento carinhoso e íntimo — sou o
que sou, uma fodida de uma assassina, eu não tenho mais redenção.
— Não é verdade, Guadalupe, você tem uma alma boa e
gentil, apenas a vida que não te deu oportunidade de a expor, que te
forçou a ser o que é — beijei seus lábios levemente — você não se
vê longe desse tipo de vida? Há um mundo de oportunidades para
você reconstruir o seu futuro, inclusive pensar sobre um marido,
filhos, uma vida normal!
— Você é um sonhador romântico, patrón — riu se
levantando, mas apesar do riso, senti tristeza em sua voz, por isso,
levantei-me também e a abracei por trás.
— Apenas pense nisso, cariño, quando esta guerra terminar,
talvez seja a oportunidade para você deixar essa vida narco para
trás — beijei o seu pescoço, tentando ser transparente quanto ao
meu afeto.
— Prometo pensar — ela murmurou — agora venha, ainda
não terminei com você — riu com o tom debochado de sempre e me
puxou pela mão até o banheiro.
Vivemos as horas seguintes entre o paraíso e no inferno, pois
passamos a noite nos amando, transando, fodendo.
E foi na madrugada seguinte que ela partiu com destino a
Culiacán.
17

Na noite anterior à partida de Lupe e sua equipe, reuni a todos


no escritório da casa grande para liberar os últimos dados do plano.
Todos já sabiam mais ou menos o que fazer, estava tudo
muito bem arquitetado e somente para evitar vazamentos dos
detalhes, eu tinha deixado os dados mais cruciais para agora.
Embora ainda estivesse contrariado com o fato de ela
executar pessoalmente uma parte do plano, por causa do perigo que
isso representava, na frente de todos eu atuei o meu papel, de Don
de um cartel, e fui o mais frio possível.
Secretamente, fui meticuloso no nível da investigação que eu
pedi. Toupeira definitivamente é um hacker de primeira linha e junto
com a força especializada de Shawn, praticamente um mercenário
com conhecimento militar, traçamos todas as possibilidades de
localização e brechas de segurança dos nossos alvos.
Sempre acreditei que isso nos daria uma vantagem muito
maior do que teríamos somente com os nossos informantes padrão e
vendo todos ouvindo atentamente às minhas instruções eu tive a
certeza de que a nossa chance de massacrar Sinaloa era grande.
— Senhores e senhoras, apesar das suas aparentes pouca
idade, vocês já provaram que são altamente treinados e leais à sua
jefe, consequentemente a mim e ao cartel que comando — comecei
o meu discurso e, antes de dar uma pausa, encarei cada um deles.
— Lupe está encarregada de uma missão que se for exitosa acabará
com essa guerra de uma vez por todas.
O silêncio era pesado no aposento e a tensão podia ser
sentida como eletricidade estática, todos com os olhos fixos em mim
e curiosos por estarem recebendo instruções diretamente de um
Don, mas foi a forma que encontrei de mostrar o meu poder,
exercendo-o por necessidade e não por vaidade.
— Uma guerra não se vence apenas com força bruta, é
necessário estratégia e inteligência, em nossa jornada, sempre
precisamos saber onde queremos chegar — retornei o discurso — e
nestas pastas — apontei para as mãos de Vicentín, que começou a
distribuir entre todos — estão os alvos escolhidos para o nosso
ataque, há fotografias, locais onde poderão ser encontrados, hábitos,
vícios, rotina, nomes de amantes, locais de encontros sexuais,
restaurantes preferidos, brechas de segurança e tudo mais que
possa ajudá-los a os localizar rapidamente, executando o plano que
já criamos. Como vocês os abordarão, aí sim, será baseado na
criatividade de cada um, uma questão de oportunidade e ocasião.
Aqueles rostos à minha frente, que estavam entre dezoito e
vinte e cinco anos, pareciam concentrados na missão e lamentei por
estarem nessa vida como única forma de sobrevivência. Eles abriram
as pastas com grande interesse, não pareciam estar acostumados a
este nível de dossiês e de forma ávida folhearam o relatório enquanto
os observávamos.
Observei cada um deles durante a leitura enquanto girava o
anel de família de um lado para o outro no dedo, tentando conter a
minha ansiedade.
— Lembrem-se todos, isto vale para você também Guadalupe
— voltei o olhar duro para ela, pois não queria demonstrar predileção
ou favorecimento, enfraquecendo a sua figura de autonomia perante
àqueles jovens e pela primeira vez a senti intimidada — não quero
vítimas inocentes, liquidem os alvos de forma rápida, se tiverem que
matar soldados da escolta dos alvos, assim o façam, estamos em
uma guerra e baixa de soldados é inevitável, mas não admitirei a
morte de pessoas inocentes, entre liquidar seu alvo correndo o risco
de atingir inocentes, é melhor deixá-lo escapar para o pegarmos em
outra ocasião.
— Patrón, não se pode fazer uma omelete sem quebrar ovos
— sorriu José, parecendo desavisado e antes mesmo de eu o
responder percebi Lupe o fuzilar com o olhar.
— José, certo? — eu tinha estudado as fichas de cada
membro da equipe de Lupe, tanto os novos recrutados quanto os que
ela trouxe de tempos antigos, não compraria uma briga com o cartel
rival sem a certeza de conhecer o exército que seria as minhas
mãos, pois esse seria um golpe único, ou tínhamos sucesso ou os
mortos seríamos nós, minha família inclusive.
— Sim senhor — o jovem se remexeu desconfortável na
poltrona em que estava sentado, quando me aproximei para o
encarar de forma severa.
— Então escute bem, José — minha voz baixa e controlada,
como o meu teatro nas reuniões jurídicas frente a frente ao advogado
da outra parte, tomando o cuidado em colocar, em cada sílaba, um
aviso de perigo — após a missão eu vou analisar o resultado, como
eu analisaria um caso em um tribunal, se houver vítimas inocentes
em razão de imperícia, imprudência e negligência, ou mesmo de
caso pensado, eu julgarei, sentenciarei e executarei a pena do
acusado.
— Todos entendemos, patrón, pode ficar sossegado — Lupe
tomou a frente da sua equipe para aliviar a tensão.
— Ótimo, não esperava menos de você Lupe — voltei a me
encostar na mesa, de frente para todos, percebendo a tensão
diminuir um pouco, talvez até com os sinais de suspiros ocultos de
alívio dos jovens cuja vida eu pedia para arriscar neste plano ousado.
— Vocês partirão em grupos de dois ainda nesta madrugada,
com documentos falsos que já foram emitidos. Ao chegarem em
Culiacán, devem me enviar uma mensagem do celular que
receberão, eu responderei informando um endereço onde deverão
buscar as armas que providenciei.
Infelizmente, eram armas não rastreáveis proveniente de
tráfico que eu tinha conseguido com Shawn, infringir a lei com um
negócio ilícito atrás do outro não era o meu objetivo, mas, às vezes,
temos que acreditar que há caminhos justificados pelo fim e o
término dessa guerra soava nobre o suficiente para mais este
deslize. Além disso, usar os fornecedores conhecidos levantaria
suspeitas de Sinaloa e menos ainda queria arriscar levá-las daqui,
não podia dar brecha para sermos pegos no meio do caminho.
— Após pegarem suas armas, vocês estarão por conta
própria, quando liquidarem os alvos devem voltar imediatamente —
voltei a encarar a todos — alguma dúvida?
Respondi a algumas perguntas da equipe tentando ser
didático, dando explicações de forma simples e direta para que não
houvesse quaisquer mal entendimentos e após todas as dúvidas
serem resolvidas os dispensei, ficando apenas Vicentín, Lupe e eu,
quando fiz um gesto para que nos sentássemos nas poltronas,
depois de preparar uma dose de bebida para nós três, pois sei que
precisávamos dela.

Observei cada traço de comportamento de Alejandro, desde a


forma como falava até como se postava. Este já não é mais o mesmo
homem que eu conheci, quanta diferença do gringo engomadinho
dos primeiros dias, indeciso sobre o que fazer para salvar a família
de uma morte certa.
Agora, aqui conosco, usando terno sóbrio e com expressão
séria e dura, ele é a personificação de um grande Don da máfia.
Conquistou o respeito de Vicentín, dos vários associados e dos
nossos soldados, sem falar o meu.
Alejandro constantemente falava sobre corromper a alma, o
quanto dela já estava corrompida para que ele chegasse neste
estágio de poder tão rapidamente? Não sei se eu quero ter esta
resposta.
— Você pensou em tudo, patrón — elogiou o conselheiro.
— É um excelente plano — fui obrigada a concordar, tentando
ignorar o clima frio que se formou entre nós.
Eu sei que ele estava tentando se manter profissional na
frente dos meus muchachos, também estava claro que criar essa
distância tornava a tarefa de me ver partir para uma missão quase
suicida mais fácil para ele. Foi só neste momento eu percebi que
estava sendo difícil para mim também e que tinha me acostumado
com o seu jeito caloroso comigo, mesmo eu o rejeitando tantas
vezes.
Buscando me focar no trabalho e na missão, concluí que o
nível de detalhe de cada dossiê era impressionante e não estávamos
acostumados a operar com este tipo de sofisticação, uma parte do
meu êxito sempre veio da minha capacidade de improvisar e é claro,
da força bruta.
— Espero que sejam as últimas mortes que ordeno e que
coloquemos fim a esta guerra — ele bebericou o uísque de seu copo
ainda cheio.
— Assim também espero, salud — Vicentín ergueu seu copo
em um brinde e depois bebeu um gole, aparentando orgulho do
nosso Don.
— Patrón, deseja que as mortes sejam sangrentas para
mandar um recado a todos que ousarem se colocar no caminho do
cartel de Durango? — perguntei.
Os cartéis de narco eram famosos pelas execuções
sangrentas que promoviam, eu sabia da tradição, mas pouco me
importava com isso, buscava paz e só, já era difícil demais ter que
usar de um caminho sujo para a conquistar.
— Não, Lupe, se for possível lhes dê uma morte limpa e
rápida. Não buscamos os holofotes, só a paz. Mortes violentas geram
revoltas.
Fiquei mais meia-hora no escritório, quando Alejandro
começou a explicar a segunda parte de seu plano, que consistia em
desacreditar os líderes do cartel de Sinaloa junto à imprensa e como
deveríamos nos apropriar de suas rotas, armazéns e equipamentos.
Foi somente neste momento que ele me revelou quais seriam
todos os armazéns atacados pela equipe de mercenários que havia
contratado. Os líderes de cada ponto seriam rendidos e
transferiríamos pessoal nosso para tomar conta do novo ponto.
Quando terminamos de debater sobre a estratégia, com o
intuito de evitar maior contato pessoal com ele, pedi licença para sair,
eu precisava colocar a cabeça no lugar, ganhar concentração, pois
em poucas horas estaria de partida para Culiacán.
— Lupe! — ouvi a voz de Alejandro quando já estava perto da
porta e me voltei para ele.
— Sim?
— Tome cuidado — disse, sem qualquer tom pessoal, e
agradeci por isso.
Eu sabia o que ele queria dizer verdadeiramente, em seu
íntimo, estava claro que não foi fácil, mas, o que Alejandro não sabia
era que também não estava sendo fácil para mim, meu escudo já não
estava intacto e foi um alívio quando ele voltou a sua atenção para
Vicentín, sem me forçar a o encarar.
Eu precisava me afastar de Alejandro e nada melhor do que
me dedicar à missão que me confiaram. Não entendia o que estava
acontecendo comigo. Tinha construído essa fortaleza em volta de
mim, bloqueando toda e qualquer possibilidade de me envolver
sentimentalmente com qualquer pessoa, tudo era apenas sexo e
quanto mais selvagem melhor.
Mas Alejandro foi entrando aos poucos e, sem eu perceber,
estava vencendo o muro de gelo que envolvia o meu coração. Sem
que eu fosse capaz de impedir, era como se tivesse se infiltrado em
minha alma tipo uma doença infecciosa, dominando os meus
pensamentos, os meus desejos, até os meus sonhos.
Era muito gostoso estar com ele, quase que irresistível, mas
esse tipo de sentimento poderia ser fatal para uma mulher como eu,
envolvida no mundo violento do narco.
Ilusão achar que teríamos algum futuro.
Eu acabaria sendo a causadora da sua destruição, não
arriscaria permitir que ele encarasse a morte, não é isso o que eu
desejo para alguém que reluto a admitir que posso estar cultivando
sentimentos. Era imperativo que eu fosse capaz de o esquecer e o
melhor seria mergulhar na missão que eu tinha pela frente.
Fantasiar com uma vida que não foi feita para mim traria
somente um tipo de distração mortal para nós dois, afinal o chefe
nunca fica com a mocinha que limpa a sujeira, sabe por quê? Porque
ela não é uma mocinha!
Principalmente um homem como Alejandro e toda a sua ética.
Saí fechando a porta atrás de mim e com um inédito e confuso
aperto no peito, horas depois, meu time e eu chegamos em nosso
destino, Culiacán, todos separados para não gerarmos suspeitas e
tínhamos um ponto de encontro, uma residência em uma pequena
fazenda bastante afastada das vias acessíveis.
18

Precisava admitir, a rede de espiões que o guapo montou é


excelente, melhor até mesmo do que a que criei em meus tempos no
cartel de Baja, e seus relatórios detalhados ao extremo.
Após pegar as armas conforme o plano, instrui a todos sobre
como deveriam executar a missão, especificando que o trabalho
precisava ser limpo, rápido e sem dramas, algo diferente do típico
exibicionismo de cartéis.
Já com tudo pronto, consegui algumas horas de descanso em
um hotel simples e pensei em Alejandro, em nós, na loucura que eu
sabia que ele desejava comigo e o quão sem noção eu achava que
era tudo isso. Não existem contos de fadas para mim, Guadalupe,
Lupe Gasolina, não foi feita para o caminho cor de rosa da felicidade.
Eu não ia mudar de ideia. Pessoas como nós não se
misturam. Ele é a água limpa, pura, nobre. Eu sou o óleo,
escorregadio e cheio de toxinas.
Além disso, eu tinha outros planos que ele abominaria, mas
era o meu destino e a minha vida dependia de correr atrás disso.
Havia um motivo secreto para que eu desejasse assumir uma
parte da minha missão sozinha em Culiacán, o meu contato na
operadora de telefonia confirmou que o número do celular do
assassino ainda estava ativo. Embora ele tenha trocado o chip, não
trocou o aparelho, assim o número de IMEI[11] era rastreável, com seu
sinal apontando para a cidade.
Mas eu precisava ser paciente para não colocar tudo a perder.
Primeiro o plano para salvar o cartel de Durango, depois assuntos
pessoais e eu seria meticulosa para o golpe certeiro, nem que fosse
o meu último.
Enquanto isso, nosso primeiro desafio era que os alvos de
Sinaloa fossem surpreendidos no mesmo dia, para não dar margem
a alertas que gerariam mobilização de segurança maior, Sinaloa
precisava perder, ao mesmo tempo, os principais associados, o
conselheiro e claro, Don Carlos. Uma estratégia ousada e perigosa.
Um dia de semana típico, sem grandes suspeitas, um estaria
com a amante, outro em seu barco, outro na estrada rumo a
negócios, outro cuidado dos seus interesses em sua rede de jogos e
prostituição.
Dividimo-nos em quatro times, com ataques que
simultaneamente começariam ao meio-dia, não haveria tempo para
que um fosse capaz de se comunicar com o outro. Um alerta jamais
seria emitido. Todos seriam pegos de surpresa.
Estávamos prestes a jogar pesado, rumo ao fim dessa guerra,
porque dessa vez sabíamos quais eram as brechas de segurança,
mesmo que mínimas, de cada um deles. O nosso plano nunca foi tão
sólido.
— Tem certeza, jefe? — perguntou Miguelito.
Tivemos baixas no ataque ao hotel na Cidade do México, e foi
difícil para esses meninos, Miguelito até outro dia era só um garoto,
agora está em missão conosco, ávido pelo sucesso, ávido porque
perdeu o irmão Munhoz no ataque do hotel.
Eu não conseguia salvar nem a mim desta vida, como salvaria
a deles?
— Sim, Don Carlos é o meu prato principal, quem vai acabar
com ele sou eu — afirmei ao distribuir os demais alvos para as
duplas.
A partir daí nos dispersamos. Tínhamos uma semana até o dia
e hora do grande ataque, para nos prepararmos bem era preciso
concentração e que fôssemos meticulosos.
Aguardei as últimas duas noites antes do ataque sincronizado
hospedada, com nome falso, em um hotel de luxo onde o líder do
cartel mantinha encontros clandestinos com uma das amantes, um
clichê, já que era quase vinte anos mais nova que ele, praticamente
uma menina, filha do líder de um cartel menor, associado à Sinaloa.
Todas as quintas-feiras ele aparecia por lá e passavam
algumas horas juntos. A justificativa para ser assim, que ele dava à
garota, era que seu pai não o aceitaria por ele ser muito mais velho e
ela muito jovem, mas sabemos a verdade, Don Carlos tinha amantes
em vários lugares, todas nesta faixa, muitas sustentadas sem
regalias por ele, morando em casas humildes do subúrbio em zonas
predominantemente dominadas por membros do cartel.
Já Lorena, uma jovem de não mais que dezoito anos, era a
única da sociedade emergente, de posses, que havia caído na
conversa dele, também a única tratada com um pouco mais de luxo,
como estava acostumada, por isso o hotel e ao sair do seu modus
operandi vinha a brecha, pois sendo um local de fácil acesso
público, não território de cartel, tinha limitado controle geográfico e de
segurança, a troco de um pouco de luxo sobre as caríssimas
instalações.
Eu já tinha mapeado tudo, sabia onde ficava o vestiário das
camareiras, os suprimentos de limpeza e os produtos de amenidades
para os banheiros. Seis da tarde terminava o turno de grande parte
das camareiras e a partir deste horário ficavam ali somente duas
para emergências. Entre seis e sete as camareiras diurnas, uma para
cada dois andares, começavam a se arrumar para irem embora do
serviço portanto, sete e quinze o vestiário já estava vazio novamente.
Joselita, armário de número três, a camareira mais antiga do
hotel, era o meu alvo. Abri a fechadura com uma simples chave de
fenda, sem danificar a tranca e peguei de lá a sua muda de uniforme,
o crachá de acesso às portas dos quartos dos hóspedes e depois
passei no depósito e peguei duas cestas com produtos de higiene
como xampus, toucas e sabonetes.
Miguelito era a minha dupla para este ataque, ele tinha a
missão de vigiar o hotel e me alertar de cada passo, não só da
amante, mas como também de Don Carlos, pois era essencial saber,
de forma sincronizada, o momento em que ele chegaria.

Lito: Ela acaba de chegar

Foi a sua mensagem e não precisei respondê-la. Eu já estava


dentro do quarto que era permanentemente reservado para eles,
disfarçada de camareira, e corri para o banheiro para fingir que
organizava o kit de amenidades.
Quando ela adentrou, vestida de socialite, óculos escuros de
marca prendendo os cabelos no topo da cabeça pois já estava
escurecendo, e carregando uma sacola de compras, nem desconfiou
de nada.
— Sinto muito señorita — disse de cabeça baixa juntando o
resto dos vidros na cesta de amenidades — acho que me atrasei
hoje.
E em um movimento rápido e certeiro corri para cima dela,
prendendo ambos os seus pulsos com a mão direita e tampando sua
boca com a esquerda. Quase uma injustiça pegar um alvo assim tão
fácil.
— Eu não vou te machucar, chica. Só não grite e não reaja
que você ficará bem. Minhas contas não são contigo.
Coloquei uma fita em sua boca, amarrei seus pulsos e pernas,
depois a coloquei dentro da banheira cheia de água para evitar que
ela fizesse barulho ao se debater, pois ela tentaria fugir, todas
tentam. Amarrei-a bem para que não houvesse qualquer acidente
como escorregar dentro da água e se afogar.
Durante todo o tempo ela me olhava com aqueles olhos de
pavor.
— Já falei, não vou machucá-la — repeti colocando os seus
óculos escuros sobre os seus olhos para não ter que continuar
encarando o seu pavor. — Não se debata, não faça qualquer barulho
que tudo ficará bem.
Depois fui para o quarto preparar o ambiente, odor de rosas,
música romântica, cortinas fechadas e velas.
Quando ele chegou, eu já tinha trocado de roupa e estava
deitada na cama, na penumbra do quarto, curtindo aqueles minutos
de solidão romântica que eu nunca teria para mim mesma.
— Minha pombinha está preparada para mim? — riu Don
Carlos ao observar o ambiente em clima de sedução. — Será que eu
vou ganhar uma surpresa hoje com toda essa preparação?
— Sí, papi — disfarcei a voz, escondida na penumbra.
O homem riu como uma hiena e dispensou os quatro
seguranças, que ficaram do lado de fora, vigiando a porta, e se
aproximou, foi aí que eu me descobri dos lençóis e pulei na frente
dele.
— Don Alejandro manda lembranças, cabrón — anunciei
calmamente e, antes que ele se recuperasse do choque, usando
minha pistola com silenciador, disparei contra o centro de sua
cabeça, morte limpa, rápida e indolor, como pedido por Alejandro. —
Essa foi fácil, papi. Na próxima vida valorize menos o seu pau e mais
a honra da sua palavra.
Para evitar surpresas, fui até a sacada do quarto, de onde
pulei para o quarto vizinho e de lá desci mais dois andares, tendo o
cuidado para que não fosse vista por ninguém, até que alcancei a
suíte em que eu me hospedava.
Estava feito, Don Carlos Rojas, o líder do nosso maior cartel
rival, estava morto e levariam algum tempo para perceberem, pois
normalmente ele passava horas trancado com a amante.
Sinaloa tinha cavado a própria cova, evaporaria como pó.
Idiota, tinha acreditado que podia fazer um acordo conosco,
nos trair, matar gente minha e se safar. No momento em que ele mais
precisava ter cuidado baixou a guarda, perdeu a vida por causa de
um deslize para garantir uma foda. O pau não tem cérebro, é sempre
a perdição dos homens!
Sem pressa, tomei um banho e guardei as minhas coisas.
Deixei o hotel e dois dos meus muchachos, junto com Miguelito, já
me aguardavam em um veículo popular, para que não chamássemos
a atenção.
— Sinaloa não tem mais um chefe — disse ao entrar no carro,
mas minha afirmação já não me trazia a satisfação que eu tinha no
passado ao vencer batalhas de uma guerra.
— E agora, jefe? — perguntou um deles.
— Encontraram o Julio? — perguntei curiosa, a minha parte
era só uma das ramificações do plano.
Matar o líder só seria efetivo se também não tivessem mais o
segundo em comando.
— Sim, como constava no relatório, ele realmente costumava
ir jantar em seu restaurante predileto. Estava com o motorista e um
segurança no banco da frente. Essa foi uma tarefa fácil — riu
Miguelito —, Manoel e Vitória trabalharam no carro dele, o cabrón
sofreu um trágico acidente automobilístico, limpo, sabotagem sem
possibilidade de rastreio — meu muchacho fez uma cara de
piedade.
— E Gimenez? O associado? — perguntei querendo saber a
posição de cada um dos nossos alvos. — Alguma notícia?
— Acabamos de falar com a equipe que foi para
Topolobampo[12] — respondeu ele olhando para o relógio, que
apontava ser vinte e duas horas e dez minutos —, ele acabou de
fazer um mergulho.
Meus muchachos riram, segundo o dossiê Gimenez gostava
de fazer festinhas noturnas em seu iate, na cidade portuária. O agito
acontecia a metros da margem, com modelos dispostas a tudo por
um pouco a mais de dinheiro. Ele era o homem que estava sempre
envolvido nos eventos sociais de alta classe, uma ótima fachada para
os negócios do tráfico, mansões, iates, jatos particulares, boas
bebidas e comida sofisticada, tudo regado a muita promiscuidade,
mas dessa vez ele embarcaria em uma festa sozinho.
Minha equipe tinha ordens de se misturar na festa e o
sequestrar para o levar até o meio do Golfo da Califórnia. Que triste,
um homem lançado ao mar, quem desconfiaria, já que ele sempre
amou passar mais tempo na água do que em solo?
Encontrá-lo em uma festa de celebridades locais não foi difícil,
nestes lugares que eles tinham dificuldade de levar o excedente de
proteção do narcotráfico, ficando suscetíveis somente aos guarda-
costas mal treinados dos modelos, atores e cantores, além da
medíocre segurança no canal de TV local.
Dois dos meus muchachos disfarçados de seguranças, a TV
acharia que eles eram a proteção particular de alguma celebridade, a
equipe de Sinaloa acharia que eles poderia ser da rede de tevê e
assim sucessivamente e no cartel já estavam habituados que após
eventos como este, ele seguia com uma ou duas modelos para o
iate, além de mais alguns figurões e prostitutas de luxo. Uma presa
fácil quando se tinha os detalhes para nos infiltrarmos.
Em uma orgia assim, levaria horas até darem conta de seu
sumiço e os convidados ainda serviriam de álibi, testemunhando que
não houve ataque. Quem sabe, somente um homem bêbado que
tenha caído no mar, cujo corpo jamais seria encontrado.
— Já nos livramos do jefe, do segundo em comando e do
principal associado. E quanto a Ramiro, o conselheiro? — perguntei
sobre outro homem do alto escalão.
— Está na casa que os espiões informaram, usada como
bordel, em um bairro pobre aqui em Culiácan — avisou o outro
muchacho, sentado no banco da frente.
— Ainda não foi abatido? — perguntei preocupada.
— Houve um incidente não previsto, Ramiro se atrasou para
chegar, como temos ordens para evitar baixas de terceiros, Javi e
Jose resolveram esperar e não mudaram o plano porque o alvo está
muito bem monitorado.
— Vamos para lá, talvez possamos ajudá-los.
19

Pobres e belas órfãs do cartel, que não tinham condições de


se sustentarem nessa terra de ninguém, endividavam-se com ele
primeiramente em troca de moradia e comida, o problema é que
rapidamente essa dívida se alastrava e o pagamento não era barato
porque ele cobrava por cada centavo com juros, no fim, só restava as
vender para países do oriente médio como escravas de trabalhos
forçados ou sexuais.
Era uma promessa furada de ganharem muito dinheiro,
viverem com dignidade ao lado de um marido rico. Sabe-se lá o que
poderia acontecer com elas depois, viravam escravas, sumiam ou
quem sabe eram assassinadas depois que perdiam o interesse em
seus corpos?
Meninas e mulheres entre treze e vinte e um anos, mandadas
só com passagem de ida e roupas o suficiente somente para estarem
bem apresentáveis ao seu comprador. Eu não sabia muito sobre isso,
sempre me mantive distante, mas tinha o conhecimento do suficiente:
quem ia, jamais voltava ou mandava notícias. Essa era a dura
realidade.
O nosso plano para o aniquilar era que dois dos meus
muchachos estariam responsáveis por emboscá-lo dentro do bordel.
O primeiro plano era que entrassem lá dentro como clientes,
buscando prostitutas para uma rapidinha, mas isso não garantiria
acesso a Ramiro. Portanto, foi necessário serem mais ousados e
Jose e Javi entraram disfarçados de coiotes que levariam as meninas
para fora do país.
O quanto desse plano estava dando certo e o quanto foi
replanejado eu não tinha certeza, só sabíamos que eles ainda
estavam tentando cumpri-lo sem grande alarde ou tumulto.
Quando chegamos no casarão, no meio de uma favela,
avistamos dois SUVs parados na porta e seis homens em pé,
provavelmente os seguranças. Nosso carro havia ficado na rua ao
lado e observamos até que qualquer cliente se aproximasse do local,
neste momento, um dos meus muchachos surgiu com uma garrafa
de tequila na mão e maltrapilho, aparentando bêbado, chamando a
atenção dos homens enquanto eu rapidamente me engraçava com o
recém-chegado, antes de ele chegar na portaria.
— Hoje é o meu dia de sorte, a fim de um a três lá dentro? —
apontei para o casarão e vi surgir o seu sorriso, quando ele tentou
me beijar ali na calçada mesmo.
— Gostosa, vamos lá, deixa eu te tocar, assim a gente nem
precisa entrar lá, vamos para a minha casa mesmo.
— Ah-ah... — sorri e fiz o gesto negativo com o dedo, de um
lado para o outro — somente a três, ali dentro, você paga a trepada e
eu escolho a gostosa — sorri com a minha melhor cara de garota
safada.
Com a distração do fingimento do meu muchacho bêbado de
um lado e eu acompanhando um cliente frequente do outro, foi fácil
entrar diante do desinteresse dos seguranças de Ramiro.
— Por que não vamos só nós dois lá para cima? Pra mim tá
bom só você mesma — o homem repugnante tentou me tocar outra
vez.
— Na-não, minha fantasia é a três, vá lá me trazer uma bebida
— apontei para o bar — e eu já volto com a mulher que vou escolher
para nós dois, confie em mim, eu tenho bom gosto.
Ele foi como um trouxa buscar a bebida e corri para me
misturar entre os frequentadores que quebravam o gelo fumando nas
mesas, bebendo, jogando cartas e até se amassando sob a música
que tocava para dar ritmo à pista improvisada.
O corredor que dava acesso à área reservada do escritório da
cafetina era o mesmo dos banheiros e segui naquela direção, onde
deixei-me escorregar lentamente de costas para a parede até cair
sentada, simulado embriaguez, para que pudesse ficar ali pelo tempo
necessário sem chamar a atenção, até que a reunião lá dentro
terminasse.
Javi havia nos informado por mensagem que Ramiro estava
com um segurança. Um intermediário fazia as negociações das
cincos jovens que estavam sentadas no sofá, acompanhado de mais
um segurança e Jose se fingia de coiote líder, discutindo a quantia
necessária para as levar ao oriente médio. Javi já tinha passado uma
mensagem de texto, minutos antes, avisando que precisariam
abortar, pois com o atraso, a casa estava ficando muito cheia e as
meninas continuavam presentes no escritório durante toda a
negociação, aparentemente havia uma mudança no protocolo que
Ramiro usava e talvez estivesse sendo assim porque os meus
muchachos eram rostos novos na gangue de coiotes.

Lupe: eu vou agir

Avisei a Alejandro, por mensagem, com o celular clandestinos


que tínhamos.

Alejandro: Lupe, não! Abortar a missão, é perigoso demais para você.


Ignorei a sua opinião, eu sabia que ele sempre diria não a
qualquer coisa que eu estivesse envolvida e no meu julgamento, era
agora ou nunca. Eu não estava pedindo permissão, o guapo
precisava entender que eu só o estava comunicando.
Quando as garotas foram escoltadas para fora da sala em
direção à porta dos fundos, levantei-me de imediato, na penumbra, e
invadi a área. Era a nossa única chance, não podíamos deixar o
conselheiro escapar, precisávamos evitar que ele se juntasse a
qualquer outro cartel para uma retaliação, o que tornaria essa guerra
sem fim.
Eu não tinha me arriscado a entrar armada, mas Jose e Javi
estavam preparados. Tranquei a porta do corredor atrás de mim e
sabia que dois passos mais chegaria ao escritório, eles estavam
tratando do pagamento da viagem das escravas, já que o processo
da escolha tinha terminado. As fotos para o passaporte e visto já
haviam sido tiradas ali mesmo, usando uma parede branca e sem
decoração como fundo.
No fim, eu era Lupe Gasolina, não era? Tinha que pensar
rápido.
— Nem sempre dá para fazer um serviço limpo — disse alto e
em bom som quando escancarei a porta e o reflexo rápido de Javi foi
direto para o segurança da escolta que também havia sacado a
arma.
Um tiro certeiro com silenciador no segurança e ele não teve
nem tempo de tocar no gatilho, tudo sincronizado com Jose, que
avançou sobre a cafetina que tentou buscar uma arma na gaveta da
escrivaninha, então, caminhei calmamente em direção a Ramiro,
olhando-o nos olhos.
— Fico imaginando se a ideia da traição veio de você, já que é
o conselheiro — sorri para ele.
A cafetina rendida por Jose e Ramiro sob a mira de Javi.
— Não sei do que está falando — o brilho do medo em seus
olhos chegava a me dar prazer de saber que ele estava
desesperado.
— Sabe, nem sempre é preciso ser cruel fisicamente para
torturar alguém e acho que gosto de saber que traidores sofreram o
dobro — deslizei o dedo indicador pela lateral do seu rosto, desde a
testa até o maxilar. — Desejo a você um bom fim — acariciei sua
bochecha com os dedos — talvez, um dia, nos encontremos no
infierno.
Dei as costas a ele e após um passo, antes que ele erguesse
o braço para me agredir, pois senti a tentativa do movimento, Javi já
tinha furado os seus miolos ao som da música popular e alta no
salão.
— Amarre-a e vamos embora — pedi a Jose e ao me dirigir à
cafetina simplesmente disse — não se meta nisso e bico calado que
estará protegida. Nossos negócios não têm a ver com você, diga que
foi emboscada junto com eles e que não sabe do que se tratava, siga
essas orientações que a sua vida vai continuar sem problema algum.
Deixamos o escritório e saímos por trás, pelo mesmo lugar
que as garotas foram levadas mais cedo pelos outro seguranças,
voltamos para o veículo e saímos em disparada para fora da cidade,
onde nos encontramos com Manoel e Vitória, que haviam trabalhado
na sabotagem do carro.
O ataque foi limpo, um sucesso absoluto, quase nenhuma
baixa não planejada, só os seguranças, e sorri satisfeita ao receber a
mensagem de confirmação avisando que Gimenez já estava
“dormindo com os peixes”.
Agora eu tinha que encontrar o assassino responsável pelo
nosso ataque na Cidade do México, mas essa é uma questão
pessoal. Alejandro nada tem a ver com isso e daqui para frente não
receberia mais notícias minhas.
O nosso confronto na fábrica onde os meus pais foram
assassinados já dizia tudo, esse era um assunto entre mim e o
assassino e eu não envolveria mais ninguém na merda que rodeava
a minha vida, o guapo muito menos.
Cinco dias depois da partida de Lupe da hacienda, junto com
a equipe, os noticiários anunciavam o maior escândalo da história do
cartel de Sinaloa.
Don Carlos Rojas estava morto, assassinado enquanto se
encontrava com uma amante em um quarto de hotel em Culiacán. A
identidade dela foi preservada, mas a foto do líder do cartel, sendo
referenciado como um grande empresário local, estampava todas as
redes de notícias e especulavam mil e um motivos para isso,
inclusive a possibilidade de ser um crime passional, entretanto, em
nenhum deles qualquer referência a Durango, guerra de cartéis ou ao
ocorrido ao meu pai, motivo original da minha vinda ao México.
O segundo-em-comando, anunciado morto no mesmo dia,
vítima de um acidente automobilístico. A repercussão se deu quando
o identificaram como um próspero comerciante regional, as primeiras
evidências do laudo pericial indicavam que o motorista havia perdido
o controle do veículo por estar em alta velocidade em um carro
esportivo.
O conselheiro, Ramiro, foi dado como executado por crime de
vingança. Embora as primeiras notícias vinham como ele sendo um
civil, parente de alguma garota traficada. Logo foram surgindo as
especulações que ninguém conseguiu abafar e o escândalo do seu
possível envolvimento com o tráfico de mulheres. A pergunta que não
se calava era: “quantas mulheres ele já tinha tirado do país?” e
uma rede de investigação foi instaurada.
Havia um membro do alto escalão ainda desaparecido,
Gimenez, seu iate foi encontrado e vistoriado, nenhum dos
participantes da orgia da noite anterior sabia dele, mas
testemunharam que ele costumava ficar constantemente bêbado até
perder a consciência nessas festas. A guarda costeira especulava se
ele não havia caído no mar e estava empenhada nas buscas.
A imprensa evitava os associar ao cartel, pois se isso
acontecesse deixaria escancarado para o mundo que o México vivia
um estado de conflito de largas proporções. Para nós a discrição
também era conveniente, pois esse escândalo poderia nos colocar
no radar.
Óbvio que também havia outros interesses da polícia em
manter-se discreta sem divulgar informações que pudessem gerar
caos ou pânico de outros cartéis, embora todos soubessem que era
muita coincidência três mortes e um desaparecimento, sendo eles os
principais líderes de Sinaloa.
E entre os cartéis, muitos especulavam que Durango não era
inocente, mas agora causávamos medo em todos eles, a maioria já
enfraquecidos. A verdade é que estávamos em uma guerra e
usávamos as armas que tínhamos: inteligência e dinheiro.
Embora aliviado por ninguém do nosso lado ter sido ferido e
não haver qualquer implicação com Durango, não podia deixar de
pensar sofre o nosso futuro, sabia somente que a máfia mexicana
jamais seria a mesma.
Sem falar em... Guadalupe...
Depois de eu ter tentado fazê-la abortar a missão por causa
do improviso no caso de Ramiro, Lupe não voltou a se comunicar
comigo, a angústia me tomava, mas eu tinha que acreditar que ela e
o seu time estavam bem e agora eu ia seguir com a minha parte,
dando início a segunda fase do plano, que ia um pouco além dessas
mortes, já que não me bastava a execução dos cabeças do cartel, eu
precisava destruir ou tomar as suas instalações, reduzindo-os a
praticamente nada.
Disparei a frase código para Shawn: Céu em chamas.
Era a senha para deflagar o ataque contra os principais
depósitos de drogas de Sinaloa, e quando a imprensa noticiou um
incêndio de grandes proporções em uma área industrial de Culiacán,
tive certeza de que ele teve sucesso com a missão, pois eles iriam
primeiro tomar os pequenos armazéns e por último seguiriam para
destruir o depósito central.
Ao mesmo tempo, usando as informações do Toupeira e os
contatos que meu pai e irmão tinham no governo e que passaram a
me respeitar depois do ataque contra o irmão de Don Carlos, eu
avisei as autoridades fiscais mexicanas, as quais iniciaram uma
fiscalização nas empresas que Sinaloa usava para lavar dinheiro,
bloqueando seus ativos e saldos em contas correntes.
Além disso, entreguei informações sobre integrantes do
segundo escalão para as autoridades policiais que se viram
obrigadas a agir, o que resultou em buscas e prisões.
Todas essas ações tiveram um custo financeiro significativo,
mas foi um dinheiro bem gasto, concordou o meu irmão, pois isso
dava visibilidade, na mídia, de toda uma vida de atrocidades dos
membros de Sinaloa e suas atividades, coisa que em Durango não
acontecia. Não que fôssemos inocentes, isso jamais seríamos.
Após esse ataque, os poucos membros que sobraram da
liderança de Sinaloa vieram a nós e nos imploraram para que
assumíssemos o comando, pois cartéis são como empresas e há
funcionários, salários sendo pagos, pessoas humildes dependendo
deste ordenado para o sustento em suas mesas.
No fim, se a paz não veio por meio de um acordo do bem,
agora ela chegava por mal. Algumas vidas perdidas em troca de
muitas outras que poderiam seguir em tempos de paz, pagamos o
preço, mas ele não foi tão alto perto dos benefícios.
Uma guerra vencida, mas que custou um pedaço grande
demais da minha alma e uma boa parcela do meu orgulho. Resta
saber como eu seria capaz de seguir em frente com todo esse
sangue sujando as minhas mãos.
— Shawn, muito obrigado, desta vez sou eu quem está em
dívida com você — ainda usamos o telefone de linha de difícil
rastreio.
— Espero que não, amigo. Sei que foi uma emergência, mas
eu não te vejo deste lado da guerra, você é um dos mocinhos —
respondeu ele e sei do que ele estava falando.
Não sou, jamais fui e não serei um Don. E se eu fosse capaz,
tiraria toda a minha família dessa vida. Não podemos apagar os
nossos erros, mas podemos escrever uma nova história.
Não recuperaremos o nosso sono pelo mal que já foi feito,
isso, ao menos para mim, me acompanharia eternamente, mas
sempre é possível tentar pensar em algo que possa compensar.
Quisera eu que Miguel pensasse o mesmo.
Minha contribuição ao Cartel de Durango estava chegando ao
fim. Agora, mais do que nunca, eu desejava voltar para Nova Iorque!
Entretanto, um único assunto ainda me prendia aqui: Lupe.
Dois dias se passaram desde que os noticiários anunciaram
as mortes e ela nunca voltou a falar comigo ou retornou qualquer um
dos meus telefonemas. Era difícil dormir porque sentia uma profunda
preocupação.
— Mama, voltaremos aos tempos de paz — disse a ela
enquanto aguardávamos Miguel chegar à mesa, pois ele já podia
caminhar desde que não exagerasse no esforço — espero que o
meu irmão saiba administrar essa trégua e passe a pensar mais no
bem do povo.
— Hijo — foi só o que vocalizou, ao segurar a minha mão e
aquele toque carinhoso disse tudo.
Rolava de um lado para o outro na cama e condenava-me por
estar no conforto do meu quarto, vivendo neste luxo com lençóis de
seda, comida de primeiríssima qualidade e Lupe perdida por aí, com
as mãos sujas e se esgueirando por locais sombrios. Fugindo... mas
de quem ou do quê?
Os seus muchachos evitavam falar comigo e eu precisava
dar um basta nisso.
Tomado pela angústia, só podia assumir que algo estava
errado, portanto, mesmo contra as opiniões de Vicentín e Miguel,
voei até Culiacán, na companhia de quatro seguranças.
Aproveitei o rastreio dos celulares que havia deixado com
Lupe e seu time e por isso sabia que ela ainda estava na cidade, ou
pelo menos os aparelhos estavam.
Segui todo o trajeto torcendo para que não tivesse acontecido
o pior. A esta altura, eu já não sabia se algum dia Lupe deixaria de
ser uma prioridade para mim e nesta loucura sentimental, mesmo
sem verbalizar qualquer insinuação de que sabia de alguma coisa,
havia somente uma pessoa torcendo por mim, a minha mãe.
Normalmente, ninguém ia querer uma mulher disfuncional ao
lado do filho, mas mamacita, assim como eu, via o lado bom do
coração de Lupe. Mama foi a primeira a dar uma chance a ela,
quando endossou a sua permanência em nossa casa, assim que ela
chegou no helicóptero comigo, quando salvou Miguel.
Eu confiava no julgamento da minha mãe, confiava no meu
também.
20

Meu contato finalmente reapareceu com notícias, informando


que o sinal do celular do homem que havia atentado contra mim e
Alejandro agora estava em Altata[13], na zona rural da cidade costeira
que fica cerca de uma hora de Culiacán.
Não foi difícil, com as coordenadas que recebi cheguei em
uma fábrica de peixes em conserva abandonada, uma propriedade
decadente próxima do mar. Alguns pescadores com quem conversei
afirmaram que havia um homem morando no local.
Será que o assassino, ao tomar conhecimento da queda do
cartel de Sinaloa, tentava se esconder?
Decidi ir atrás do homem sozinha, não queria arriscar a vida
dos meus muchachos, e tinha mais chances de surpreendê-lo se eu
não gerasse muito alarde. De qualquer forma, eles estavam de
sobreaviso na cidade, se eu não ligasse em até duas horas
poderiam, então, vir atrás de mim.
Outra instrução que eu passei foi que cessassem o contato
com Alejandro até que toda essa minha situação fosse resolvida. Era
para o bem do próprio guapo.
Cheguei ao local pilotando uma velha motocicleta, que deixei
a centenas de metros antes da propriedade. Com os primeiros raios
de sol, avistei apenas um veículo parado e avancei pelo interior do
prédio, havia esteiras vazias e empoeiradas no grande galpão, onde
a claridade do dia adentrava por janelas quebradas, o odor de poeira
e peixe em decomposição, misturado com a maresia, permeava todo
o lugar.
De repente, ouvi sons abafados, cacos de vidro sendo
quebrados, passos rápidos e até mesmo um riso ecoando, o
assassino deveria estar tentando brincar com os meus nervos, mas
nem isso e nem qualquer outra coisa me abalaria dessa vez!
Será que nada mesmo?
Uma voz em minha mente cochichou: “E Alejandro? Não
estaria ele abalando os seus sentimentos?” Irritada, afastei
aquele pensamento, eu deveria me concentrar ou não escaparia com
vida deste prédio, foi quando ouvi um som alto pela minha direita e
disparei contra um vulto que se escondeu atrás de uma pilastra de
concreto.
— Eu te vi, maldito! Seja homem e pare de se esconder! —
gritei enfurecida. — Parece de golpes baixos, usar as lembranças
que eu tenho dos meus pais não vai funcionar.
Alinhei a mira, atenta, esperando que ele se mostrasse, esse
foi o meu erro, tarde demais!
Ouvi passos correndo que se aproximaram de mim. Tentei me
virar com a arma apontada, mas fui golpeada no tronco por um chute
forte que me levou ao chão e com um grito que tentei abafar
mordendo os lábios, concluí que provavelmente estava com alguma
costela fraturada ou, no mínimo, trincada, mas eu podia suportar a
dor, eu precisava!
Tudo na minha vida, até foi hoje, foi uma questão de
sobrevivência. Só os fortes conseguem seguir adiante, foi por isso
que eu tinha sido capaz de chegar até aqui, eu tinha sido forte para
enfrentar a violência e os abusos, além de aprendido a canalizar a
minha raiva e o desejo de vingança para não me autodestruir, ao
menos não mais do que eu já estava destruída. E eu sobreviveria a
hoje também!
Firmei a vista que estava nublada pela dor e foquei em meu
atacante. Era esse o assassino que eu vinha perseguindo, ou teria
caído em mais uma armadilha?
Tentei alcançar a arma que havia escapado da minha mão,
mas o homem simplesmente a chutou para longe.
— Hijo de puta! — gritei ao encher o pulmão de ar.
O homem, que era bastante jovem, apenas me encarou
friamente, segurando uma pistola na mão, eu estava na sua mira,
mas ele nada fez, além de me encarar com satisfação. Foi quando
ouvi passos se aproximando e virei a cabeça em direção à pilastra,
onde vi um vulto se esconder. Agora eram dois contra uma.
— Covarde, vocês são a maioria — fiz um gesto de rendição
com as mãos, mas eu não pretendia me render de verdade sem lutar
—, seja homem e apareça! — gritei para o outro que se escondia,
ainda sob a mira do mais jovem.
— Hola, Lupe — sorriu o misterioso ao surgir da escuridão,
mas eu não precisava vê-lo saber quem era, conhecia muito bem a
voz que ecoou demoniacamente pela construção.
O frio me tomou o corpo e a náusea invadiu o meu estômago,
todos aqueles meus mais temidos pesados de volta, em um flash de
segundos, pois só existia uma pessoa que me fazia transpirar frio
desta maneira e com a velocidade em que a taquicardia se instalou
dentro de mim, eu sabia que dificilmente me salvaria dessa.
— Puta madre! — exclamei raivosa, arregalando os olhos na
tentativa de entender se isso era mesmo verdade.
Eu morreria lutando.
— Surpresa, preciosa?
— Você deveria estar preso! — sentei-me no chão sujo, ainda
um pouco dolorida.
— Para a imprensa e todo o resto do mundo eu ainda estou, o
julgamento nem começou, mas o sistema americano de justiça é
muito benevolente, quando me ofereci para contar tudo que eu sei
sobre o cartel de Baja e até sobre o pequeno cartel de Zeta que se
alimenta das ruínas de Baja, deixei claro que isso envolveria
políticos, juízes, oficiais policiais e das forças armadas que estavam
em nossa folha de pagamento, consegui um acordo de delação e fui
incluído no programa de proteção à testemunha, tudo tão rápido e
eficiente — explicou Estebam, o monstro que me violentou por anos
seguidos, ao mesmo tempo que foi meu tutor nessa vida assassina.
— Então, quando soube que você estava trabalhando para o cartel
de Durango não consegui resistir. Claro que Don Hernández também
ajudou, a minha delação foi somente uma forma de termos um de
nós fora da prisão para trabalharmos na reconstrução de Baja, a
aliança com Sinaloa nos pareceu providencial para isso. Foi com a
nossa força que a guerra contra Durango se iniciou no passado e
mesmo com a sua traição, que os levou a sermos pegos pela polícia
norte-americana, ainda tínhamos força para apoiar Sinaloa. Tenho
acompanhado os resultados, até que soube que você estava de
volta. Don Hernandez ainda quer a sua cabeça, sabe? É possível
que em um futuro breve ele seja extraditado. Mas fique tranquila, ele
me mandou atrás de você e eu, certamente quero outra coisa.
— Don Hernandez, pelo menos, vai apodrecer na cadeia,
conseguindo ou não o que quer de mim! — analisava as minhas
alternativas enquanto ganhava tempo com essa conversa fiada.
— Talvez — deu de ombros como quem não se importa —,
não há acordo que o livre da prisão, mas ele tem planos de reerguer
o cartel de Baja, mesmo encarcerado. Ele é mestre em manipular as
pessoas, além do que, sabe muita coisa sobre muita gente, ele lá e
eu aqui, logo voltaremos a gerir o maior e mais relevante cartel do
México.
Como fui ingênua ao pensar que a polícia norte-americana os
deteria. Não há fim da linha para os verdadeiros terrores do mundo,
salvo a morte.
— Maldito, o que você quer de mim? — não conseguia sentir
nada além de nojo, repulsa desse homem.
— Meu “afilhado” aqui — apontou para o homem que havia
tentado nos matar no hotel, na Cidade do México — deveria ter
assassinado você e Alejandro, ainda não a perdoei por ter nos traído.
— Então me mate e acabe logo com isso — desafiei-o a ir em
frente. Por que levar esse drama adiante?
Eu estava pronta para morrer, qualquer pessoa sabe que estar
em um cartel dá vida curta a um soldado e eu tinha a paz dentro de
mim para aceitar o meu destino, entretanto, sabendo que quem
estava na minha frente era Estebam, eu não iria para o inferno sem o
levar junto comigo.
— Eu tinha essa intenção, mas sua perseverança em
perseguir o meu afilhado, ou melhor, novo aprendiz, me fez mudar de
ideia. Você é única, Lupe, e sabe isso, preciosa.
Encarei-o intrigada.
— Ah sim, eu sabia que você o estava perseguindo, por que
acha que ele não trocou o celular? Sei até mesmo que os seus
rapazes estão aguardando na cidade, não acha que eu seria tolo em
a esperar se você viesse acompanhada, acha? Eu a conheço melhor
do que você mesma.
— Maldito cabrón! — soltei irritada comigo mesma, por ter
sido tão inocente, com esse homem eu nunca seria a caçadora, mas
sim a caça, de alguma forma estava amarrada a ele e agora percebia
que, desde que o meu nome surgiu como alguém de Durango, eu
vinha sendo monitorada e manipulada por essa corja.
— É impressionante que não tenha perdido nenhuma das
habilidades que ensinei, você é realmente muito boa. É por isso que
quero lhe oferecer uma chance, una-se a mim e juntos vamos
refundar o cartel de Baja. Com a derrota de Don Carlos Rojas não
precisamos mais dessa parceria! Podemos expandir nosso próprio
negócio até Sinaloa, basta o tomarmos de Don Hernandez, que está
preso mesmo, e no futuro lutaremos pela tomada de Durango, com
essa trajetória de vitórias, não será difícil dominar todo o México e
logo as Américas — ofereceu com o sorriso frio.
— E se eu recusar? — perguntei desafiadoramente.
— Então irei me divertir com você, depois a darei para o meu
afilhado e, quando ele terminar, você implorará pela morte.
— Vá à merda! — nada nesse mundo faria com que eu me
unisse ao homem que tanto abusou de mim, contribuído para eu ser
uma aberração cercada de assassinatos, sangue e dor.
Bela escolha a vida me deu, desde menina: Estebam ou a
morte. A diferença é que a minha escolha de sobreviver, no passado,
não seria a mesma de agora.
— É uma pena, essa seria a sua única chance de se redimir
comigo e ser grata por tudo o que te ensinei — pareceu pouco se
importar e fez um sinal para o rapaz, que se aproximou com um
sorriso sádico e interesseiro.
Antes que eu fizesse algo, ele chutou o meu rosto, mas
consegui desviar, mesmo assim senti sua bota atingir os meus lábios,
de raspão, e o gosto de sangue já presente se intensificou em minha
boca.
Não satisfeito, chutou novamente atingindo minhas costelas e,
dessa vez, gritei de dor e me encolhi em posição fetal, para a minha
própria proteção, enquanto ele desferia mais chutes em minhas
pernas, costas e cabeça, que eu protegia com os braços.
— Quero vê-la nua — ordenou Estebam ao seu comparsa. —
Será um desperdício matá-la sem nos aproveitarmos dela antes, em
nome dos velhos tempos.
O rapaz arrancou a minha blusa de forma brutal, deixando à
mostra os meus seios protegidos pelo sutiã, já manchados de
sangue. Tentei socá-lo, mas ele me atacou com golpes de mão
fechada em meu peito e abdômen, o que me fez despencar no chão,
novamente em posição fetal.
— Adoro seu espírito feroz! — ouvi a risada de Estebam ecoar
divertindo-se com a cena e aquilo trouxe-me ainda mais lembranças
desgostosas do meu passado. — Parece um cachorrinho marrento
querendo se defender.
Foram inúmeras vezes que fui tratada como lixo, abusada,
espancada, pior que um animal. Estebam havia tentado me fazer à
sua imagem, entretanto a única coisa que conseguiu foi criar alguém
com coragem o suficiente para o encarar nos olhos, com a raiva
necessária para ir em frente, ninguém seria capaz de me impedir de
mostrar que eu não era mais um objeto que devia respeito a alguém
assim tão deplorável.
Senti a raiva borbulhar em meu íntimo, aquele homem foi o
responsável por eu ter me transformado na perra loca (cadela
louca) que eu sou hoje, mas eu morreria tentando fazê-lo pagar por
isso.
Percebi que o assassino se aproximava em mais uma
tentativa de me espancar e, ainda encolhida, apalpei o cano alto da
minha bota, mas, rapidamente suas mãos fortes me agarraram pelos
ombros e me ergueram do solo, fazendo-me encarar os seus olhos
frios de assassino.
— Vadia — rosnou ao ver o meu sorriso feroz.
Sou o que fui moldada para ser, uma mulher perigosamente
mortal, ainda mais quando eu me via decidida a me vingar de tanta
humilhação e sofrimento. Mas, Alejandro estava certo, havia um
outro lado meu que surgia quando eu estava com ele e talvez eu não
tivesse que sempre viver essa vida suja e de violência, eu só
precisava dar um fim a isso, um fim definitivo que resultaria em ou
morrer ou me alforriar.
Foi aí que eu entendi que o que eu buscava não era
exatamente vingança, era libertação.
De repente, a expressão do pau mandado de Estebam mudou
de determinação para espanto e depois dor, pego de surpresa, ele
olhou para baixo e viu a minha mão enterrando uma fina lâmina em
seu corpo, eu jamais andava sem uma faca, e quando tentou se
afastar, abracei o seu ombro e o puxei para mim.
— Dance comigo, cabrón — gargalhei e subi a lâmina por seu
abdômen e depois o empurrei fazendo-o cair de costas, a expressão
da dor e do pânico tomando o seu rosto, enquanto a poça de sangue
começava a se formar no chão.
— Você não desiste nunca, perra loca? — irritou-se
Estebam, sua voz já mais aguda de irritação, quando me virei para
ele, para testemunhar a sua primeira derrota.
Mestre e aprendiz, ele, frente a frente comigo, a fúria dentro
de mim e a raiva fervilhando dentro dele. Mas agora o duelo seria
justo, mano a mano, o seu afilhado já devia estar de viagem sem
volta para o inferno.
“Os aprendizes têm a obrigação de superar os seus
mestres. Os filhos precisam ser melhores que os seus pais!”
— tentava ganhar motivação ignorando a dor dos ferimentos.
— Vamos brincar, papi — gargalhei e antes que ele
conseguisse sacar a sua arma da cintura, eu já estava em cima do
bastardo, atingindo-o com uma cotovelada em seu queixo, que o
levou até o chão.
Ouvi o seu grunhido de dor e quando tentou se levantar chutei
seu genital fazendo-o perder o ar dos pulmões, obrigando-me a sentir
que a satisfação de me liberar era superior a qualquer dor que o meu
corpo pudesse se submeter neste momento, foi assim que tive forças
para continuar chutando-o até que percebi que ele não se movia
mais.
Conforme a adrenalina passava, voltando a ser dominada pela
atroz dor dos meus próprios ferimentos, entendi que precisava agir
rápido aproveitando a oportunidade e enquanto Estebam estava
inconsciente, fui até o veículo abandonado que eu vi na área interna
do pátio da fábrica.
Eu mostraria para esse cabrón que ele era um excelente
professor nos ensinamentos de crueldade.
Seguindo o sinal do celular de Lupe, chegamos em uma
propriedade localizada em uma das zonas mais de Altata. O lugar, ao
que me parecia, era outra fábrica abandonada.
O segurança, que dirigia o veículo que alugamos no aeroporto
em Culiacán, freou bruscamente ao lado de outro carro abandonado,
que estava com o capô e todas as portas abertas, olhei ao redor e
empunhei a arma. Qualquer um podia dizer que o local estava
deserto, havia somente o discreto barulho do mar próximo., mas o
aplicativo de rastreio me dizia algo oposto e permanecia apontando
para este local, portanto, ela estava realmente lá dentro.
Desde que ela tinha desaparecido e parado de responder às
minhas mensagens, após executar o plano contra Sinaloa, que eu
vinha tentando entender o que estava acontecendo. Eu sabia que
Lupe não havia sido sequestrada ou morta, porque estava
acompanhada de seus muchachos, um deles, ainda com o mínimo
de contato comigo, mas que insistia em dizer que tinha ordens para
não revelar onde estavam ou o que faziam, ele só dizia: “no te
preocupes, patrón, nuestra jefe sabe lo que hace.”
Como não me preocupar? Um de nós não estava no juízo
perfeito, ou, talvez, nenhum de nós, porque ansioso pela falta de
notícias, decidi ir atrás dela, pessoalmente.
Desci do carro em disparada, alguma coisa me dizia que, o
que quer que estivesse acontecendo, não era nada bom.
— Patrón! Espera! — chamou-me um dos meus seguranças.
Agora, sem a interferência do motor do carro, ouvi nitidamente
passos ecoando no interior da construção e alcancei um espaço
aberto dentro do galpão abandonado, ignorando os alertas do
segurança, foi quando a encontrei.
— Lupe! — chamei entre alívio e horror.
Não estava preparado para ver, com os meus próprios olhos,
o que ela estava prestes a fazer. Sei que essa garota acredita que
não pode mudar, que esse é o seu eu verdadeiro, mas tenho plena
certeza de que está errada, sempre há uma chance para cada um de
nós.
Quando se voltou para mim, vi seu rosto coberto de sangue e
estava sem camisa, apenas de sutiã, em suas mãos um galão de
plástico, parecia gasolina, em razão do cheiro que exalava no local.
Havia um homem ajoelhado no chão, amarrado com o que
parecia ser a faixa do cinto de segurança, provavelmente retirado do
carro abandonado na área externa, outro estava caído, inerte em
meio a uma poça de sangue.
Não mudou a sua expressão quando ela olhou para mim,
parecia entorpecida.
— Vá embora, Alejandro! Você não precisa ver isso! — pediu
enquanto eu me aproximava devagar, guardando a arma no cós da
calça.
— Quem é ele? O que você está fazendo? — perguntei,
embora pudesse inferir o que ela tinha em mente, em razão do
isqueiro em uma das mãos. Eu só queria ganhar tempo.
— Esse é Estebam, o homem que me transformou no que eu
sou... — respondeu sem me encarar, acho que ela não conseguia me
olhar nos olhos, sua raiva parecia tanta que a única coisa que
enxergava de verdade, em tom de desafio, era o homem refém à sua
frente.
— Mas ele não estava preso? — lembrava-me bem do seu
histórico e não me ocorreu pedir a Shawn ou Toupeira que
pesquisassem Baja.
Minha forma de indagar Lupe era cautelosa e lenta, pois o
homem já imobilizado não parecia oferecer perigo algum e, atrás de
mim, os meus homens nos cercavam.
— Isso não importa, foi ele quem orquestrou a tentativa do
nosso assassinato, provavelmente com a ajuda de Don Carlos, ou no
mínimo com a sua conivência.
— Acabou Lupe, você já matou um deles, sei que foi para se
defender — apontei para o corpo a alguns passos de distância vendo
que ela estava bastante machucada e ensanguentada —, deixe o
outro a cargo das autoridades, ou, se preferir, entregue-o para os
meus homens — apontei para os seguranças ainda de prontidão,
aguardando qualquer sinal meu.
— Não vai acabar nunca! Você não entende? — quantas
vezes Estebam será capturado, para logo em seguida conseguir se
livrar das autoridades e voltar a me assombrar?
— Sempre há um fim e você não precisa arcar com mais essa
morte em suas costas, não é sendo como eles, fazendo o que
fizeram contigo, que você trará a sua paz interior — talvez ela
encarasse tudo isso como um ciclo que precisava se fechar, mas
qual o preço que pagaria trazendo de volta o pior dela?
— Enquanto ele estiver vivo, esse será o meu pesadelo, dia
após dia, noite após noite, é só essa cara imunda que eu vejo
quando fecho os olhos! — pude sentir o desespero em sua voz, ele
era real e também me feria por dentro, diante da minha impotência
em mudar o seu passado, expurgar-lhe as memórias duras.
Não podia dizer que sabia como ela se sentia, menos ainda
tinha a resposta para a sua salvação, não queria ser hipócrita para
alegar que bastava ela decidir mudar, mas era o meu papel fazer
alguma coisa, eu precisava pelo menos tentar salvá-la dela mesma.
— Vai me queimar vivo? Usar contra mim aquilo que eu te
ensinei? — grasnou o homem, ainda um pouco atordoado, mas
assistindo de camarote a minha argumentação com Lupe. — Um
aprendiz tentando superar o seu mestre?
— Cale-se! — gritou ela, ao acertá-lo com o galão de plástico,
que depois de o atingir na cabeça voou longe e o homem se
desequilibrou voltando ao chão.
Havia nele os mesmos traços de falta de humanidade que eu
via nela, mas a diferença era que eu tinha fé na mulher por quem eu
estava apaixonado. Tinha essa convicção porque conheci o seu outro
lado, justamente o que ela teimava em esconder para se proteger,
afinal, era nele que ela guardava a sua inocência perdida, os sonhos
de uma menina cuja juventude lhe foi tirada, o desejo de viver e não
só sobreviver.
— Sua vadia traidora! — gritou ele com o mais puro ódio no
olhar, imobilizado, ferido e ainda externando o desprezo.
— Você é o próprio diablo! Você me violentou e transformou a
minha vida em um inferno! Deixou a minha alma tão obscura quanto
a sua! Transformou-me em tudo aquilo eu percebo que abomino ser
— chutou Estebam ao mesmo tempo em que acendia o isqueiro.
— Assim diz essa vadia que nem donzela era mais.
Se, por um lado, a vida daquele homem não valia nada, sendo
ele um total desserviço, a de Guadalupe merecia ser poupada. Essa
era uma morte que ela não precisava carregar nas costas, não desta
forma.
— Lupe! Por favor — pedi com voz firme —, não faça isso,
você é melhor do que ele, se o matar, ainda mais usando deste tipo
de crueldade, se igualará a quem mais abomina!
— E por que você se importa tanto? — voltou o olhar
marejado de lágrimas para mim.
— Eu me importo porque gosto muito de você, porque você
me tocou de uma forma que eu jamais imaginei e sei que no fundo
você não é assim má quanto acredita ser — estendi a mão para ela e
dei mais um passo em sua direção.
— Eu fiz coisas horríveis, Alejandro! Você não imagina o
quanto... as vezes, injustificáveis. Você deveria manter-se distante de
mim, eu sou tóxica e cruel.
— Eu sei sobre o seu passado, muito além do que já me
contou, mas isso não me importa. Todos nós sairemos dessa guerra
com algo horrível que fizemos nas costas. Entenda que você foi só
uma arma nas minhas mãos e eu também tenho que conviver com
as ordens que dei, com a culpa que carrego por autorizá-la a matar
por mim, pelo sangue que eu arranquei das pessoas que sujaram as
suas mãos.
— Não é a mesma coisa! — virou-se para o seu prisioneiro e
pareceu decidida, como se a gota de humanidade que existia em seu
coração estivesse se esvaindo, deixando-a seca outra vez.
— Sim, é, cariño, você só não quer acreditar, mas saiba que
tem a escolha de recomeçar, comigo.
— Não! Isso tem que acabar hoje — disse alguns passos mais
próxima de Estebam e percebi que ela jogaria mesmo o isqueiro no
homem coberto de gasolina e ele estava vivo.
É inquestionável o quanto esse homem ainda é capaz de
mexer com a mente dela, com as suas emoções, mantendo-a
psicologicamente prisioneira.
Senti o grau da culpa por contribuir com todo esse peso que
ela carrega nas costas. Sei que ser chefe de segurança de qualquer
lugar, seja um cartel ou não, é um trabalho, mas eu jamais deveria tê-
la permitido chegar a este ponto. Devíamos a nossa sobrevivência e
a vitória a ela, sim, mas a que preço?
Por que Lupe tinha que pagar esse preço tão alto?
Se eu não achasse uma forma de a impedir, ela mostraria que
faz jus ao seu apelido, Gasolina. Ele seria queimado vivo.
— Lupe, se você fizer isso eu não conseguirei ficar ao seu
lado, sempre me lembrarei que você teve a chance de ser uma
pessoa melhor, mas escolheu o caminho mais fácil — chamei sua
atenção —, pois matar é mais fácil que não o fazer.
Guadalupe me encarou fixamente e pude ver o dilema que
enfrentava em sua mente, agora eu somente podia torcer para que
ela sentisse algo por mim e que fosse forte o suficiente para que não
a permitisse ir adiante com o que estava perto de fazer.
Como ajudar uma pessoa que, por tantas vezes, chegou ao
inferno em vida? Ainda mais quando eu tinha a minha parcela de
culpa, imensa. Que tipo de ‘deus’ eu me achava por julgar que matar
por Durango estava tudo bem? Esse é o peso do mal que eu fiz para
ela, que eu carregaria pelo resto da vida e não permitiria que ela o
carregasse também.
Neste momento ela precisava ser salva dela mesma e eu faria
qualquer coisa.
Qualquer coisa!
21

O que se passou naquele galpão minutos depois que Lupe


pegou o isqueiro na mão foram momentos de muita tensão,
determinantes para o que seria de nós três.
Conhecendo a reputação de Estebam e o vendo com os meus
próprios olhos, sua postura, arrogância, a forma nojenta como
pronunciava o nome dela, tinha certeza de que talvez o matasse eu
mesmo, usando minhas próprias mãos, sem arma qualquer. Por isso
eu podia compreendê-la e a sua dor.
Como julgá-la?
Agora olho para ela, adormecida, sob o efeito de fortes
analgésicos, deitada na cama do meu quarto já de volta à hacienda.
Eu não podia deixá-la neste estado sozinha em seu bangalô.
Psicologicamente abalada, fisicamente esgotada, ferida. Queria ter
podido ajudá-la mais.
Quando pousamos em Durango, horas atrás, o médico de
Miguel já nos aguardava na pista de pouso, onde Lupe recebeu os
primeiros atendimentos. Mamãe e a enfermeira do meu irmão ficaram
com a tarefa de banhá-la, pois ela já estava desacordada pela forte
dose dos remédios.
Foram necessários alguns pontos em seu supercílio esquerdo,
seu tronco envolvido por uma faixa torácica por causa das costelas,
um dos joelhos foi imobilizado com uma joelheira especial, além de
pequenos outros cortes espalhados pelo corpo e inúmeros
hematomas. Olhei para ela, com o sono pesado, o cateter de soro na
veia do braço direito.
— Deixe-a descansar um pouco, Alejandro — pediu minha
mãe adentrando o quarto —, essa menina precisa de paz —
completou ao aproximar-se de mim, talvez tentando entender algo
que nem eu entendia ao meu próprio respeito. — O jantar está
pronto. Você também precisa se alimentar.
— Como posso deixá-la aqui? Assim? — toquei o seu rosto
com cautela, seus ferimentos doíam em mim.
Apesar do seu aspecto, o sono estava sereno. Acho que
jamais a tinha visto assim tranquila, pois essa mulher vivia com a
guarda levantada, era o seu modo de sobrevivência.
Sabendo de sua história e tendo clareza dos meus
sentimentos por ela, queria que soubesse que jamais precisaria ser
assim novamente, porque eu estaria ao seu lado. Tudo o que eu
queria era cuidar dela.
— Você gosta muito desta chica, não é? — perguntou, muito
mais em tom de afirmação, ao acariciar os meus cabelos com o
carinho de mãe.
— Eu não sei explicar, somos muito diferentes, ela já passou
por tantas coisas, mesmo assim... só consigo me culpar por ter sido
ela a ir nessa missão. Salvamos Durango, mas e quanto a ela? Será
que salvamos Lupe, ou a destruímos um pouco mais?
Acariciei sua face, ainda inchada, com bastante cuidado, seus
lábios cortados. Se antes eu só desejava beijá-la e fodê-la
satisfazendo todo o tesão que sempre explodia dentro de mim, hoje
eu só precisava abraçá-la. Vê-la desse jeito fazia-me ferver o
desespero. Preferia mil vezes que a surra tivesse sido em mim. Já
não bastava todo o sofrimento de Lupe durante tantos anos em sua
vida?
— Eu entendo o que sente por ela. É como o que senti por
seu pai. Sempre soube sobre as coisas que ele fazia, seus negócios
duvidosos e ilícitos, jamais me orgulhei dos erros que ele cometia na
vida, mas eu o amei da mesma forma, eu o aceitei por ser um
homem maravilhoso para mim e um excelente pai.
— É um conflito interior, mamacita. Sei que amar é aceitar ao
outro, mas eu preciso que este lado cruel de Lupe mude. Posso
aceitar tudo o que ela fez, mas jamais iria adiante se ela continuar o
fazendo. É errado, muito errado.
— Seja o que for o que busca, meu filho, tenho certeza de que
seu coração saberá até quando continuar e quando desistir.
— Será?
— Eu não mudei o seu pai totalmente, mas fiz uma escolha
em minha vida, certa ou errada, só eu posso julgar a mim mesma. A
única coisa de que me orgulho é que o seu pai ajudou muitas
pessoas em momentos de dificuldades. Eu aceitei o seu lado bom e
ignorei os seus defeitos. Talvez seja o mesmo dilema que você
enfrenta, uma briga interna entre a sua ética e o seu coração.
Qualquer que seja a sua escolha, precisará entender que terá que
abrir mão de algo. Sei que será uma decisão difícil.
Mamãe está certa.
Peguei-me tentando imaginar o que se passava por sua
mente, como estavam os seus sentimentos. Havia muito o que ser
digerido por nós dois depois do que aconteceu naquela fábrica.
— Sei que quer estar ao seu lado neste momento, mas, ela
não vai a lugar algum. Deixe-a descansar e venha jantar — mamãe
me puxou pela mão e não pude recusar, embora estivesse sem fome.
Fiz companhia a ela na mesa, belisquei um pouco do prato,
depois dei boa noite e voltei para ficar com Lupe. Tomei um longo
banho, estava cansado e deitei-me ao seu lado.
“Lupe, Lupe, o que eu faço com você?”
Na manhã seguinte, deixei Lupe aos cuidados do médico e fui
até o quarto do meu irmão, onde Vicentín já me aguardava.
Meu irmão evitava se esforçar, saía do quarto somente para
algumas refeições, mas já não tinha mais o rosto pálido, sua voz
firmava-se cada vez mais e isso era bom sinal.
— Hermano, como você está? Estou ansioso para saber
exatamente o que houve.
Sua ansiedade e a empolgação não refletiam em mim, para
Miguel, a realidade à sua frente era que grande parte dos seus
problemas haviam acabado, a minha, era outra completamente
diferente e não parava de pensar em como retomar a vida
carregando o peso de tudo o que havia acontecido aqui.
— Buenos dias Miguel, Vicentín — puxei uma cadeira e
sentei-me ao lado do conselheiro, de frente para o meu irmão.
— Soube que, mesmo da prisão, Don Hernández estava
envolvido na emboscada — começou ele, sem conter a ansiedade.
— Don Carlos estava mancomunado com Don Hernández
desde a época em que começaram os conflitos entre os carteis de
Baja e Sonora. Estar em uma prisão norte-americana não o impediu
de ainda manter contato com o mundo exterior, embora agora, com a
aniquilação dos líderes de Sinaloa, eu ache difícil que eles voltem a
ter força. São dois cartéis enfraquecidos e desgovernados.
— Que história é essa de Estebam estar no México? —
indagou nosso conselheiro, ganhando a atenção do meu irmão.
— Pelo que me parece, ele foi solto por colaborar com o DEA,
era o acordo. Os norte-americanos não admitem para a mídia que o
soltaram, por isso que os noticiários ainda dizem que ele está sob o
poder federal, mas a verdade é que essa é uma desculpa por não
poderem divulgar que ele entrou para o programa de proteção a
testemunhas por fazer delação dos peixes grandes. Neste
processo, o que eu descobri é que foi deportado para o México sob
nova identidade, o que deu a ele a oportunidade de trabalhar como o
cabeça de Don Hernández neste acordo com Sinaloa. A vinda de
Lupe para Durango foi providencial para ele. Lupe era capaz de nos
proteger do Cartel e assim o fez com maestria, só que, no que se
reveria aos interesses particulares de Estebam, ele podia prever
alguns dos nossos passos, já que ele ensinou a ela muito do que
sabe.
Miguel não estava chocado, talvez a vida neste mundo o
tivesse feito mais insensível do que eu presumi, mesmo assim era
possível ver alguns traços de preocupação em sua expressão. Não
sei se por ter sido tão fácil para Estebam voltar à ativa ou por
finalmente compreender a dimensão de tudo em que estávamos
envolvidos.
— Eles conseguiram matar o nosso pai, agora preocupo-me
com Lupe. Ela ainda corre perigo? — perguntou, talvez temendo
mais por mim do que por ela. — Mamãe me contou que ela chegou
carregada, está bastante machucada.
— Os ferimentos são graves, mas não oferecem risco de
morte, também não corre perigo por parte de Estebam — respirei
fundo tendo as lembranças da velha fábrica gritando de volta na
minha mente.
— Como assim?
— Ele está morto — revelei, ainda processando eu mesmo a
informação.
Senti o franzir da testa de Miguel, sei que havia muito que ele
queria saber com essa expressão, anos vivendo longe dele, mas
ainda o conhecia muito bem, mesmo assim, ele nada perguntou.
— E Don Hernández? — foi a vez de Vicentín.
— Haverá uma denúncia formal do México aos Estados
Unidos, com provas de que mesmo detido ele continua chefiando o
cartel, esperamos que isso faça as autoridades norte-americanas
sensíveis ao que ocorreu e ele seja colocado incomunicável. Usamos
nossos contatos daqui e cobrei alguns favores no supremo tribunal
americano para conseguirmos fazer a notícia propagar. Ele ainda não
foi julgado, isso pode elevar a sua pena para uma penitenciária de
segurança máxima e até levar a uma pena perpétua.
— Então acabou, vencemos essa guerra, Sinaloa e Baja não
têm condições de se reerguerem — interveio Miguel, otimista.
— É o que veremos — o conselheiro era um pouco mais
realista sobre a situação.
— Foi um golpe magistral o que você aplicou em Sinaloa, nem
eu, nem papai, teríamos feito melhor, o viejo (velho) ficaria
orgulhoso de você, lamento que ele tenha sido tirado de nós sem
conhecer a sua capacidade de cuidar da família — meu irmão
balançou a cabeça em sinal de aprovação.
Mas e eu? Estava orgulhoso com tudo o que fiz? Claro que
estava satisfeito por ter mantido a minha família viva, mas, não, não
me orgulhava das mortes que fui responsável direta e indiretamente,
apesar de ter escolhido manter os que amo em segurança.
— Eu lamento que papai tenha partido sem que tivéssemos a
oportunidade para uma última conversa — ele era o meu pai, eu não
o odiava, só não aprovava a vida que ele tinha escolhido para todos
nós.
— E você está lidando bem com a situação de Lupe? —
Miguel parecia curioso, mesmo sabendo que adentrava em um tema
delicado.
Eu sabia que ele enxergava o cunho dos meus sentimentos,
também não fazia mais questão de negar ou esconder. O que eu
ganharia com isso?
— Fisicamente ela vai se recuperar em breve — expliquei,
mas o tempo inteiro eu me questionava sobre como ela lidaria
psicologicamente com tudo o que aconteceu. Será que um dia ela
seria uma pessoa normal? — Miguel, assim que ela se recuperar e
você sair dessa cama vou voltar para Nova Iorque — avisei, convicto
da decisão que eu tinha tomado.
— Você poderia ficar aqui comigo, juntos podemos liderar
Durango — pediu em uma desnecessária tentativa de me convencer
a algo que eu realmente não queria fazer —, você cuidou de tudo por
aqui de uma forma excepcional, seu plano desestruturou, em pouco
tempo, um dos grandes cartéis do México, se não fosse você
provavelmente estaríamos todos mortos.
— Obrigado, mi hermano, mas a minha vida não é essa.
— Bueno, apenas pense a respeito, depois voltamos a nos
falar sobre este tema.
Deixei o quarto de Miguel e fui até o meu, onde Lupe ainda
dormia profundamente em minha cama, sentei-me em uma cadeira
ao lado da cabeceira e fiquei acariciando os seus cabelos.
Eu desejava ter o poder de mudar o destino dela, pensei
comigo mesmo sobre inúmeras coisas que poderíamos tentar. Nem
sempre temos boas opções para as nossas escolhas, mas estava
ciente de ter seguido pelo que representava um bem maior.
“Algumas mortes para evitar centenas” — era um preço
baixo a pagar, apenas um pedaço de minha alma, bastava aprender
a conviver com isso.
Entretanto, eu estava farto de tudo, pretendia ir embora e
nunca mais me envolver nos negócios da família, e desejava, de todo
o coração, que Lupe viesse comigo.
Estaria eu sendo inocente e ingênuo?
Será que uma mulher como ela, com um passado que a
moldou em uma assassina sanguinária, teria ou desejaria uma
chance de redenção? Eu queria acreditar que sim e estava disposto
a fazer tudo ao meu alcance para ajudá-la.
Quanto ao ex-líder do cartel de Baja, caso meu irmão
desejasse seguir por caminhos não muito éticos, sem esperarmos a
justiça, ele não deveria contar comigo.
Eu soube sobre os contatos que papai tinha com as
organizações que operam nos presídios de segurança máxima dos
Estados Unidos e do México, que com trocas de favores, uma
sentença de morte poderia ser colocada pedindo a cabeça de Don
Hernandez a prêmio, e quanto mais eu pensava sobre isso, mais
rápido eu queria ir embora, porque nada mais me segurava no
México, nem o amor que eu tinha pela minha família.
Era hora de eu retomar a construção do meu próprio legado,
voltando para minha vida normal em Nova Iorque.
Precisava resolver apenas mais um assunto, Guadalupe, eu a
queria ao meu lado, será que ela também queria isso? Ou desejava
continuar no mundo narco.

Sentia o corpo duro e a cabeça pesada quando acordei. A


minha última recordação era de ver o médico de Don Miguel entrar
no avião assim que pousamos.
Ele me fez algumas perguntas, que não me recordo quais
foram, aplicou-me uma injeção enquanto Alejandro não se permitiu
sair de perto de mim e todo o resto era um branco total na minha
mente.
Respirei fundo e voltei a fechar os olhos por um momento, a
minha cabeça latejava demais e tentei me acomodar melhor na
cama, mas percebi algo em meu braço e foi quando voltei a abrir os
olhos, para constatar que havia um cateter.
— Cariño, você está bem? — era a voz de Alejandro e foi só
então que senti o calor do seu corpo próximo ao meu e logo uma de
suas mãos acariciava os meus cabelos.
— Quanto tempo fiquei apagada? — perguntei com uma
incômoda ardência na garganta e ao perceber, ele colocou, com
cuidado, um segundo travesseio atrás de mim e esticou o braço para
pegar um copo de água.
— Dois dias, entre idas e vindas, mas nenhuma lucidez —
entregou-me o copo, ainda muito atento para me ajudar —, eu já
estava ficando aflito, mas do doutor Enrico disse que é normal. Como
você se sente?
“Como se tivesse sido atropela” — tive a intenção de dizer,
mas preferi mentir.
— Bem... estou bem — ainda havia muita incerteza dentro de
mim, sentimentos e opiniões conflitantes com a minha razão.
Mesmo a presença de Alejandro era confusa, ele fazia vir à
tona as minhas mais complexas perguntas sobre quem eu sou e
quem eu quero ser, mas tudo girava na minha mente e eu chegava
no mesmo lugar, na certeza de que alguns caminhos não tinham
mais volta.
— Vou avisar ao doutor que você despertou, quero que ele
reavalie a sua situação.
— Não — apressei-me em pedir — se não se importa, eu
ainda não quero ver ninguém.
Pessoas significam perguntas e eu não me sentia preparada
para nenhuma delas, a começar pelo que eu estava fazendo na
cama de Alejandro e não no meu bangalô.
— Ele não é uma visita, Guadalupe, é um médico.
— Eu sei, mas não agora, por favor — pedi e talvez tenha sido
o meu primeiro momento de vulnerabilidade consciente.
Alejandro pareceu muito bom em lidar com isso, pois
simplesmente me abraçou como pode, dado o meu estado físico e
ficou um longo tempo comigo em seus braços.
Também senti um enorme bolo na garganta e este, nenhum
copo de água seria capaz de fazer melhorar. Jamais fez parte de mim
ser chorona e foi preciso focar toda a minha força para evitar que as
lágrimas rolassem, porque era esse tipo de vulnerabilidade que eu
estava sentindo.
Foi com esse mesmo cuidado que eu vi os dias passarem,
lentamente, confusos, diferentes de tudo o que eu estava
acostumada, cercada de atenção. Era maravilhoso e sufocante ao
mesmo tempo. Eu não tinha ideia, até agora, do que significava ser
cuidada e ter carinho, envolta à preocupação real das pessoas.
Desde o ocorrido naquele galpão que Alejandro e eu não
voltamos mais a falar sobre o assunto. Ele sabia o quanto o tema me
afetava, por mais que eu tentasse esconder, e seria um longo tempo
para eu aprender a lidar com o passado, o presente e a minha
incerteza de futuro.
Durante toda a minha recuperação ele também não me deixou
ir para o bangalô. Dona Luzia vinha me trazer as refeições
pessoalmente e fazia-me companhia enquanto Alejandro gastava a
maior parte do tempo com o irmão, que aos poucos começava a
reassumir a liderança do cartel.
Eu ainda não sabia explicar como me sentia em relação a tudo
o que havia acontecido. Muito menos compreendia a minha posição
em relação a Alejandro. Estava quebrada por dentro. Cada vez mais
me convencia de que a vida dele nada tinha a ver comigo.
Eu, Guadalupe Martinez, não passava de uma boa soldado.
Meu rosto já estava curado, havia uma discreta cicatriz em
meu olho esquerdo, quase imperceptível, sabia que precisava de
quatro a seis semanas para curar a minha costela trincada, mas eu já
podia me mover com parcimônia. A família Pérez foi muito paciente
comigo. Alejandro era carinhoso, passávamos as noites na mesma
cama, entretanto ele não me tocava como mulher. No fundo, acho
que tinha medo de me machucar.
O que ele não sabia era que não havia como eu ficar mais
machucada.
Sentia-me completamente despedaçada por dentro, minha
mente, meu coração, minha alma. Principalmente porque eu não
tinha nada a oferecer a um homem como ele.
Alejandro merecia mais.
Entrei no quarto e encontrei Lupe ajeitando seu sutiã, já
vestida com calça jeans, seu tronco e braços ainda cheios de
hematomas roxos. Ela pegou uma camisa xadrez e vestiu,
abotoando-a devagar.
— Onde você pensa que vai? — perguntei.
— Já estou bem, patrón, vou voltar para o meu bangalô.
— Lupe, quero que você fique comigo — como podia existir
uma mulher assim tão teimosa?
— Aqui no seu quarto? — riu — Dona Luzia já está me
olhando torto, acho que não aguenta mais trazer as refeições na
cama para mim. Além disso, não sou da família para ficar na sede da
hacienda.
— Você entendeu, cariño, sabe a que me refiro com este
‘fique comigo’. Quantas vezes já disse que quero levá-la para os
Estados Unidos?
— Você é loco, guapo — riu, mas dessa vez seu riso tinha
um tom de tristeza — já me imaginou o acompanhando em seus
jantares sociais? Enchendo a cara de tequila, falando alto, o
envergonhando?
— Eu não me importo com isso, cariño, e você sabe muito
bem que não, podemos nos ajustar, você é quem melhor se ajusta a
ambientes.
— Por favor, Alejandro, não me chame assim — suspirou ao
se sentar na cama, sua total frustração aparente, e eu puxei a
cadeira que havia ao lado me posicionando na sua frente.
— Estou apaixonado por você, não é segredo, acho que fui
bem claro nestes últimos dias — insisti.
— Alejandro…
— Deixe-me falar — impedi que ela continuasse com um
gesto de mão — eu sempre fui uma pessoa solitária, tive poucos
amigos na infância e na adolescência por causa dos negócios da
família, quando fui para os Estados Unidos me dediquei aos estudos
e evitei relações muito próximas, em razão do medo de que o meu
passado viesse à tona.
Lupe me encarou em silêncio e percebi que suas mãos se
torciam em cima do colo.
— Claro que eu tive mulheres, algumas..., tudo bem, várias,
mas o sexo causal era bom e me ajudava a não ter que abrir a minha
vida para ninguém — eu falava a verdade, mesmo com Joane eu
nunca me abri verdadeiramente. — Era do tipo “conte-me sobre a
sua família!” e eu respondia com um amasso. Sempre foi fácil fugir
do assunto.
— Eu sou uma boa foda também, é só e sabe disso — tentou
sorrir sem sucesso — você pode encontrar outras, qualquer mulher
seria feliz ao seu lado.
— Não! Não quero qualquer mulher, quero você! Você é uma
mulher maravilhosa, há algo em seu espírito que arde, queima e a
transforma em uma pessoa única — continuei — você apenas
precisa direcionar essa sua energia para construir algo bom para si
mesma.
— Acha que eu tenho salvação? — sua fisionomia
demonstrou toda a angústia que sentia — Depois de tudo que eu fiz
na vida? Está delirando, guapo, a vida não tem opção para mim.
— Todos merecem uma segunda chance, você, eu, todos!
Aprendi que um homem deve fazer suas escolhas, certas ou erradas,
e as aceitar e conviver com as consequências. Ele só não pode
desistir de buscar ser alguém melhor, porque o gatilho da mudança
está dentro da gente.
— Eu mataria mais mil se você pedisse — afirmou com
lágrimas se formando nos olhos. — Mas...
— Eu desejo nunca mais te dar esse tipo de ordem, não quero
que você volte a matar, seja por mim ou por qualquer outro jefe.
Aliás, eu desejo nunca mais te dar uma ordem.
Longe deste ambiente tóxico, com uma nova oportunidade de
vida, eu tinha certeza de que ela poderia seguir um caminho
diferente, essa seria a oportunidade que nunca deram a ela nesta
vida.
— Alejandro, eu não sei...
— Mas eu sei, também sei que estou apaixonado por você —
tentei segurar suas mãos, mas ela se levantou de supetão virando as
costas para mim.
Estava sendo difícil entender o motivo de tanta resistência
dela para encarar uma vida melhor. Fato que conseguir tirá-la do país
seria algo complicado, mas depois Lupe poderia começar do zero,
havia um mundo de oportunidades, poderia voltar a estudar, investir
em uma profissão, eu poderia dar todo o apoio que ela precisava.
— Tenho que pensar — disse após um minuto em silêncio, em
seguida enfiou as poucas roupas e objetos de higiene pessoal em
uma sacola e saiu do quarto sem me encarar.
Fiquei sentado olhando para o vazio das paredes, desejando
estar a milhares de quilômetros de distância, com ela ao meu lado.
Não conseguia entender o que se passava dentro dela para ser tão
resistente à oportunidade de uma vida melhor.
Ou... talvez... ela simplesmente não sentisse, mesmo, nada
realmente especial por mim.

Voltei para o meu bangalô, não queria ficar na sede da


hacienda onde constantemente eu encontraria Alejandro.
Estar perto dele me fazia desejar coisas impossíveis, mas a
vida não é uma ficção, ela é real e nem todos os finais são felizes, eu
precisava de tempo e espaço para decidir o que fazer da minha vida
e ficar sonhando com contos de fadas não estava ajudando em nada.
Mal tive tempo de me acomodar e poucos dias depois Vicentín
me chamou até o escritório, ao entrar, observei Miguel sentado na
grande poltrona atrás da mesa, o que era surpreendente ver o quão
bem parecia, como se a sua recuperação tivesse sido quase total.
— Sente-se Lupe — convidou com um gesto de mão.
Sentei-me em uma poltrona de frente para ele, enquanto o
conselheiro ocupava a outra ao meu lado.
— Don Alejandro não participará da reunião? — perguntei
olhando em volta.
— Mi hermano não faz mais parte dos assuntos do cartel, ele
deixou isso bem claro, embora eu preferisse tê-lo ao meu lado.
— Estamos aqui para lhe oferecer oficialmente o cargo de jefe
de segurança — explicou Vicentín.
— Você terá todos os benefícios e mordomias do cargo,
somente responderá a mim e a Vicentín e terá total autonomia —
disse Miguel e estendeu um pedaço de papel para mim, que retirou
de seu bloco de notas — este primeiro valor é o que vamos depositar
em qualquer conta corrente que você indicar, como remuneração dos
serviços que nos prestou até o momento, entenda isso como o nosso
acerto de dívida. O valor de baixo será o seu salário mensal.
— É muito generoso, patrón – agradeci olhando a alta soma
anotada no papel — mas eu sou uma foragida da polícia.
— Não se preocupe quanto a isso, daremos um jeito, meu
contato do Ministério da Justiça está preparando um acordo de
delação que você assinará contando apenas o que desejamos que
eles saibam sobre Baja e Sinaloa, em troca conseguiremos uma
pena baixa que será cumprida em regime domiciliar, e seu domicílio
será aqui na hacienda — sorriu largamente.
Se a proposta tivesse vindo de qualquer outro cartel, qualquer
outra família, é provável que eu não acreditasse nela, pois o acordo
parecia bom demais. Mas estávamos falando de Durango e a família
Perez parecia ser diferente, eram pessoas de palavra, ao menos,
Alejandro e dona Luzia haviam me acolhido como um ser humano.
— Não tenho como agradecer, patrón...
— Apenas continue prestando seus serviços com eficiência e
lealdade — completou Vicentín.
— Preciso pensar — respondi indecisa.
Eu tinha uma proposta de ficar, ter um emprego, apesar da
possível prisão domiciliar e estar perto de dona Luzia, mas longe de
Alejandro. Entretanto, vivendo a vida que eu melhor conhecia, zona
segura para mim.
Aquele guapo com seus sonhos impossíveis ainda fazia-me
perder o sono com sua proposta insana. Eu tinha verdadeiros
sentimentos por ele, havia deixado a minha guarda baixar e ele tinha
invadido o meu coração sem nem pedir licença. Como eu fui capaz
de permitir isso acontecer? Logo eu, Lupe Gas... Guadalupe
Martinez.
Agora estava diante de duas propostas, cada uma delas
levaria o meu futuro para um caminho diferente. Uma induzia-me
acreditar em um mundo quase perfeito, eu seria a eterna foragida
vivendo clandestinamente, ou sob uma identidade falsa nos Estados
Unidos, a outra, se eu tivesse sorte, poderia me tornar uma pessoa
livre, sem necessidade de continuar fugindo, mas me manteria na
vida bandida.
Como eu disse, não há contos de fadas, todos os caminhos
têm um preço. Essa era só mais uma alternativa para eu pensar,
enquanto a verdade era que eu não queria nenhuma delas. Eu não
queria as condições.
— É justo — concordou Miguel —, enquanto pensa, quero que
você seja a minha convidada de honra para a festa que darei para
comemorar a minha recuperação e a nossa vitória. Acho que um
pouco de diversão poderá distrai-la.
— Aceito o convite, pode contar comigo, Don Miguel. Muito
obrigada.
Após tomar conhecimento dos detalhes da festa, saí para
começar os preparativos, eu era convidada, mas não deixaria de
planejar a segurança, pois era justamente o que eu precisava e fazia
de melhor, uma tarefa para tirar os pensamentos sombrios da minha
mente e afastar Alejandro dos meus pensamentos.

Dias depois da conversa com Lupe em meu quarto, observei


meu irmão sentado atrás da mesa do escritório segurando um copo
de uísque e usando um terno feito sob medida. Ele estava magro,
longe de sua antiga compleição física forte, sua pele ainda se
encontrava um pouco pálida, mas estava plenamente recuperado e
nessa noite eu havia passado oficialmente o comando do cartel para
suas mãos.
Expliquei todos os detalhes das minhas ações, minhas
decisões empresariais, incluindo o processo de legalização de parte
dos nossos empreendimentos para que eles pudessem dar lucro sem
a necessidade de lavar o dinheiro sujo do tráfico, as novas relações
com políticos, policiais e empresários que eu construí, minhas
decisões e direcionamentos com relação aos negócios narco e até
mesmo minha ordem de libertar o nosso prisioneiro, que chorou
aliviado, principalmente quando soube que jamais foi verdade a
história em que ameaçamos a sua filha.
— Você nos salvou, hermano, salvou nossa família e a nossa
organização — ergueu seu copo em minha direção em um brinde —
salud (saúde)!
Vicentín, ao seu lado, em pé, também ergueu seu copo, assim
como García, Jimenez, Fernando e outros quatro homens de
confiança do alto escalão, sentados em poltronas.
— Obrigado, Miguel — agradeci retribuindo o brinde e tomei
um gole do copo de uísque em minha mão.
— Quero que você fique aqui comigo, Alejandro, juntos
podemos comandar o cartel — convidou-me novamente.
Dias depois, na data da sua festa de comemoração, Miguel
ainda voltou a tentar me convencer a ficar.
— Não, Miguel, eu nunca quis assumir o comando, você sabe
disso, agora que você está bem vou voltar para a minha casa, nos
Estados Unidos — respondi com firmeza. — É lá que eu sou feliz!
Agora era hora de deixar tudo isso para trás e me focar em
reconstruir o que eu perdi da vida de um advogado de carreira.
— Mesmo com Lupe aqui? Ela aceitou o meu convite de ser
oficialmente nossa jefe de segurança — sorriu de forma maliciosa.
— Ela aceitou? — eu vinha respeitando o pedido dela para me
manter afastado, pois sabia que precisava de espaço, tempo para
pensar.
Mas Lupe tinha aceitado ficar?
Foi um golpe difícil e doloroso, ainda mais ter ouvido isso de
Miguel e não dela própria, mas eu, mais do que qualquer outra
pessoa, precisava a entender que era direito dela, não só como
homem, também como ser humano.
Respeito, eu mesmo pregava que era isso que ela precisava
para recomeçar a sua vida e não a forçaria ao contrário.
— Aceitou. Lamento, ela é importante para nós também,
alguém como ela é raro encontrar e não podemos desperdiçar o seu
talento.
— Mesmo assim, hermano, estou partindo amanhã cedo —
fechei a fisionomia ao decidir, de supetão, antecipar a minha viagem.
Agora eu realmente não tinha mais motivo algum para
permanecer em Durango. Lupe não tinha escolhido a mim.
— Se é o que deseja — tornou a erguer o copo.
— Sim, preciso retomar a minha vida. Portanto, se me dão
licença, vou me preparar para a festa e depois arrumar as malas —
avisei ao me levantar para sair da sala.
Os assuntos que eles tratariam não eram mais do meu
interesse.
Para comemorar seu restabelecimento e nossa vitória sobre
Sinaloa, Miguel organizou uma festa convidando políticos, oficiais,
juízes e empresários.
Mesmo sem qualquer vontade de celebrar ou até me misturar
à multidão, vesti a camisa impecavelmente bem passada, coloquei o
terno e desci para a área aberta do casarão.
A hacienda estava iluminada por centenas de luzes, homens
usando social e mulheres trajando vestidos longos circulavam na
área da piscina em rodas de conversas animadas, enquanto garçons
com seus trajes brancos caminhavam pelo espaço carregando
bandejas com aperitivos e bebidas das mais variadas.
Circulei entre os convidados, recebendo o cumprimento
daqueles que me conheciam, ou ao menos sabiam da minha
reputação por causa do que eu fiz desde que cheguei no país, mas
ignorei aos demais, procurava apenas uma pessoa.
Então a vi, um pouco afastada, trajando um vestido longo
negro que moldava suas curvas e possuía um decote generoso que
deixava à mostra o colo dos seios, seus cabelos negros estavam
presos em um penteado alto e tinha alguns fios caindo por sobre seu
rosto valorizando o seu pescoço esguio. A maquiagem discreta
realçava a bela de cor bronzeada de sua pele e os saltos altos a
deixavam ainda mais alta e imponente. A tiracolo, carregava uma
bolsinha preta, onde, com certeza, deveria haver uma arma.
Percebi que ela tocava a orelha direita com o dedo e seus
lábios se moviam, provavelmente conversava com os seguranças por
meio de um radiocomunicador.
Eu ainda tinha a esperança de receber uma resposta dela
sobre a proposta que fiz, já sabia sobre a sua decisão, mas acho que
merecia ouvir dela mesma. Certo ou errado, eu não a havia
pressionado durante os dias que antecederam a festa e acreditava
que, se ela realmente havia decidido ficar, teria que ser corajosa o
suficiente para me contar pessoalmente.
A única constatação que eu tinha era que Lupe procurava me
evitar, mas o tempo tinha se esgotado e eu precisava da verdade,
olhos nos olhos, vinda diretamente dela.
Caminhei lentamente em sua direção e ela me encarou, por
um momento tive a impressão de que seus lábios tremeram, mas
quando cheguei em frente a ela, sua expressão estava calma e
contida.
— Hola, guapo — cumprimentou-me com um sorriso.
— Hola, cariño...
— Por favor, não me chame assim — pediu perdendo o tom
de voz divertido com que me cumprimentou.
— Por que não? Meus sentimentos por você não mudaram,
mas hoje preciso de uma resposta. O tempo se esgotou — decidi ser
direto nessa dura conversa.
Aqueles segundos de silêncio foram uns dos mais longos da
minha vida. Ela sabia exatamente o que falar, mas parecia ser difícil
verbalizar aquelas palavras, ao mesmo tempo que eu não as queria
ouvir, só precisava acabar logo com a minha angústia.
— Eu avisei que não tínhamos futuro.
— Isso é julgamento só seu. Minha opinião é completamente
diferente.
— Pessoas têm opiniões distintas, é saudável, não acha?
— Pessoas também conversam abertamente para tentarem
entrar em um consenso, quando trata-se de um tema que afeta a
ambas.
— Você está partindo e eu vou ficar. Essa é a única verdade
das nossas vidas e você precisa entender que algumas coisas não...
— Não, o quê? — insisti para ela continuar, já que houve outro
longo segundo de silêncio entre nós.
— Eu aceitei o convite do seu irmão para assumir oficialmente
a segurança do cartel — explicou. — Por que você não fica? Seu
irmão o admira e sabe o talento que você tem — ficou um momento
em silêncio e completou — e poderemos...
— Não é esse tipo de futuro que eu escolhi para mim, quero
um dia poder me casar, ter filhos, viver uma vida tranquila, com
churrascos e viagens nos finais de semana e férias, ser um pai
melhor do que o meu foi — respondi segurando suas mãos entre as
minhas. — Venha comigo, deixe essa vida que só te trouxe dor,
juntos podemos criar algo bom, um futuro melhor, uma família...
— Eu não sei se quero mudar e, ainda que quisesse, não sei
se conseguiria, sou má até os ossos, acabaria o deixando infeliz e
destruiria sua vida — seus olhos marejaram de lágrimas.
Não é que ela não me amasse, eu podia ver em seu tom de
voz, na forma como me olhava. Ela só não confiava nela mesma o
suficiente para se dar uma chance.
— Dance comigo — pedi quando a banda começou a tocar
uma música lenta.
Ela não recusou o meu pedido e permitiu que eu segurasse
sua mão com a minha junto ao meu peito, enquanto a envolvia pela
cintura, sua outra mão em volta do meu ombro.
Eu sabia que ela não estava totalmente recuperada, não
podíamos fazer movimentos bruscos mesmo em uma dança lenta
mas tudo bem, pois eu só precisava ficar um pouco ao lado dela
novamente, senti-la em meus braços, ter o calor do seu corpo
aquecendo o meu.
Fixei o meu olhar no dela, aspirando seu perfume, sentindo
seu corpo firme que se moldava à perfeição à minha anatomia. Só eu
sabia o quanto sentia a sua falta. Encostei meu rosto no dela, para
sentir sua pele junto à minha mais uma vez, depois voltei a encarar
os seus olhos negros e profundos.
— Estou vazio do teu amor — sussurrei junto com a música
que tocava.
— Alejandro... — ela sussurrou de volta, mas congelou de
imediato.
— Acho que isso que eu sinto, Lupe, é porque eu a amo —
declarei-me, incapaz de esconder os meus sentimentos.
Havíamos chegado a um impasse e para este eu não poderia
ceder, não importava o quão forte fosse o meu sentimento por ela, o
meu tempo em Durango tinha chegado ao fim. Esta decisão não era
um puro capricho da minha parte, ela tinha a ver com o meu futuro e
tudo o que eu acreditava ser correto e ético para a minha vida.
O que não quer dizer que isso não doía além do suportável.
Durante os longos dias em que aguardei por sua resposta,
analisei profundamente os meus sentimentos e constatei que o que
eu sentia não era uma paixão meramente carnal, eu não estava
apenas apaixonado, sentia tudo muito diferente, só podia ser amor e
fazia com que eu não me importasse com o passado sangrento dela,
ou seus crimes.
O meu julgamento dizia que, no fundo, ela não era de todo
culpada, foi moldada pelo mundo para ser o que era. Claro que ela
viveria com essa responsabilidade para o resto de sua vida, mas eu
acreditava no seu lado bom. Lupe só precisava acreditar nisso
também.
E eu tive essa certeza quando olhei fundo em seus olhos,
naquele galpão em Altata, ela estava em fúria, ferida física e
psicologicamente, gasolina espalhada por todo o corpo de Estebam,
o objeto da ruína de sua vida, o isqueiro acesso e as lágrimas
escorrendo por seus olhos.
Existia dor ali, intensa, cruel. Ela era a maior vítima de todas.
Lentamente ela apagou o isqueiro, caminhou em minha
direção e eu a tomei nos braços, protegendo-a como se fosse uma
criança assustada, dando-lhe o amparo que ela sempre precisou.
Seu ato de não queimar Estebam vivo mostrava que ela podia
ser uma pessoa melhor, e era essa Guadalupe, perdida em meio à
dor, ódio e rancor, que eu amava e desejava salvar.
Quando saímos de lá, denunciamos Estebam às autoridades.
Soube que ele era um homem com muitas inimizades aqui no Mexico
e sendo assim, a notícia que veio até nós foi que ele chegou vivo na
delegacia de polícia, mas amanheceu misteriosamente morto.
Corrupta ou não, diziam que a Justiça era cega, mas que enxergava
no escuro. Estava aliviado que ele jamais faria mal à minha Lupe e
mais ainda por não ter sido ela, ou qualquer um de nós, a carregar
essa culpa.
E agora, com ela ainda junto a mim, o calor de seu corpo
consumindo o meu, nossos lentos movimentos no meio da dança,
existia a intensa necessidade de continuar a protegendo, eu a queria
em minha vida, essa era a única certeza dentro do meu peito.
Mas eu não podia forçar que fosse recíproco.
Ela ficou em silêncio por todo o resto da música, até que se
afastou um passo de mim, uma lágrima solitária escorreu de um de
seus olhos, mas ela a enxugou e endureceu a fisionomia.
— Eu não te amo, Alejandro, nem sei se tal sentimento existe,
o melhor que você pode fazer é partir e me esquecer, vá embora ter
o seu futuro lindo e brilhante, ele não é para mim — disse e começou
a caminhar para longe de mim.
Segurei sua mão, impedindo-a de continuar e a puxei de
encontro a mim, fixando o meu olhar no dela, sentindo seu peito arfar
no apertado vestido. Existia a possibilidade de ela estar mentindo,
mas o que eu podia fazer?
— Bem, é uma pena, porque eu te amo Lupe — voltei a
insistir, quase me arrastando mendigando por um pouco de carinho
—, amanhã cedo vou embora. Estarei a sua espera na pista de
pouso, se você não aparecer saberei que realmente não me ama —
beijei levemente seus lábios. — A escolha é sua, sempre foi. Você é
a dona do nosso futuro, não se esqueça.
Em seguida a deixei com seus pensamentos, rezando para
que ela me amasse o suficiente para partir comigo, deixando o
pesadelo desse mundo narco para trás.
22

Alejandro parecia ter um coração bom e um futuro tão


brilhante, por mais que eu tivesse que admitir para mim mesma que
gostava dele, não podia o condenar a ficar ao lado de uma fugitiva da
polícia, uma criminosa.
Recusar-me a ir embora com ele tinha mais a ver com a
intensidade dos meus sentimentos, porque eu queria resguardá-lo.
Quem se importa abre mão, quem ama protege. Precisava protegê-lo
de mim.
Seu futuro seria muito mais tranquilo e ético se eu não
estivesse ao seu lado. E com o tempo ele me esqueceria, assim
como eu trataria de curar o meu coração para o esquecer também.
A proposta de Miguel para limpar o meu nome era tentadora.
Isso poderia ser a alforria que eu sempre sonhei em ter e jamais
acreditei ser possível. A recompensa, o salário, tudo poderia ser
usado para eu recomeçar a vida longe daqui e longe da única pessoa
que eu não queria ferir nessa vida. Só precisava pagar o pedágio de
estar à disposição da justiça pelo tempo que me pedissem, para
então ter uma ficha limpa.
Não havia como negar, essa era a minha melhor chance de
vislumbrar um futuro melhor, sem ter que fugir. Um pedágio barato a
se pagar por alguns meses, ou talvez poucos anos, para ter de volta
a chance de recuperar a vida que eu não nunca tive.
Olhei para Alejandro ao longe, ainda com seu cheiro em meu
corpo, que ficou impregnado em mim depois da dança, era difícil me
concentrar assim, porque pensar sobre ele fazia o meu coração
borbulhar.
Permiti-me assistir a uma cena entre mãe e filho. Ele parecia
gostar muito dela, embora sempre tenha preferido viver afastado,
quem poderia julgá-lo?
E pensando sobre nós, um dia ele me perdoaria por partir o
seu coração. Talvez compreendesse que tudo o que eu estava
fazendo era para o seu próprio bem.
Terminei de coordenar a equipe de segurança, olhei uma
última vez para aquele que tinha penetrado o muro de gelo que
protegia o meu peito. A dor era quase insuportável, eu não seria
capaz de ficar nem mais um minuto ao redor dessas pessoas
sabendo que ele estava entre elas. Tirei o fone do rádio e o entreguei
a um dos seguranças para poder voltar ao meu bangalô.
Eu não sou mais Lupe Gasolina e a Guadalupe Martinez
dentro de mim parecia uma garota acuada. Joguei as roupas pelo
chão, apaguei a luz do quarto e mergulhei no escuro, deitada na
cama, entre lágrimas e suspiros.

Passei o restante da festa ao lado de minha mãe, foram várias


das minhas tentativas de a convencer a ir embora de Durango
comigo. Mamãe, agora viúva, vivendo a vida de um cartel, ela não
precisava disso. Mas sua opinião foi que essa era a sua vida, que o
seu lugar era na hacienda e que já estava velha demais para querer
começar tudo de novo.

— Aqui é o meu lar — insistiu — é onde meu amado


esposo está enterrado, é onde eu quero ser enterrada, é a
nossa terra, e ainda tem o seu irmão, preciso conseguir uma
boa esposa para ele — brincou sobre essa última parte.
— Não sei se voltarei um dia, mama...
— La chica, não vai com você? — finalmente
questionou apontando com o olhar. Lupe estava ao lado do
meu irmão, na companhia de Vicentín e outros
associados.
— Amanhã cedo saberei...
— Então, terá uma boa companhia, hijo, não precisará
de mim e sei que será feliz. Prometo o visitar sempre que
possível. Você está certo em escapar dessa vida enquanto
ainda há tempo — concluiu fazendo um gesto com a mão em
direção aos convidados.

Acordei com os primeiros raios de sol e após me trocar e


pegar a mala, com os poucos objetos que levaria de volta, desci até a
cozinha onde mamãe aguardava com a mesa do café preparada.
— Não vai esperar seu irmão? — perguntou-me servindo uma
xícara.
— Despedi-me dele durante a festa, Miguel não gosta de
sentimentalismos, mas prometeu me visitar quando possível — sorri.
Tomamos o café em silêncio, não havia muito o que dizer,
aquela casa já não era um lar para mim desde que eu fui embora na
adolescência, portanto, havia pouco ou quase nada que me faria
falta.
— Eu também não gosto de despedidas — disse mamãe e
beijou minha testa. — Que la Nuestra Señora de Guadalupe
siga acompanhando-te y protegiendo a ti.
Retribuí o beijo e saí da casa, onde encontrei Vicentín me
esperando no alpendre.
— Está tudo pronto, Don Alejandro — sorriu.
— Não sou mais Don, Vicentín — respondi e apertei sua mão
— apenas Alejandro.
— Claro, Alejandro, mas saiba que você foi um excelente
Don, foi uma honra o seguir — mostrou-se orgulhoso de mim e
caminhamos até um jeep que nos aguardava.
Do casarão, fomos até a pista particular da hacienda, onde
um monomotor me levaria até o aeroporto da Cidade do México. Ao
chegarmos, o piloto iniciou o motor enquanto Vicentín me
acompanhava até a escada, mas estávamos em silêncio. Dois
degraus acima, olhei para o horizonte, onde a sede da propriedade
era visível.
— Se está esperando por Lupe, ela saiu de madrugada
dizendo que precisava tratar de alguns assuntos na cidade — avisou
Vicentín fingindo não perceber a minha decepção.
Concordei meneando a cabeça e compreendi que foi a sua
decisão.
— Obrigado por tudo Vicentín, cuide de minha mãe e Miguel,
por favor. Eles precisam de alguém como você. E muito obrigado por
sua lealdade a esta família.
— Sempre.
Adentrei a aeronave e fechei a porta. Logo já voava por cima
dos cerros em direção à Cidade do México, onde tivemos um pouso
tranquilo e depois embarquei em um voo comercial para Nova Iorque.
Dessa vez como uma pessoa comum, sem luxos, sem guarda-
costas, somente um homem com um green card [14] nas mãos.
Até o último segundo, antes da comissária fechar as portas,
tive esperanças de que Lupe aparecesse. Sabia que era um
devaneio meu. Mas, obviamente ela não me amava o suficiente para
deixar o seu medo de lado e seguir comigo.
Agora, precisava me focar em uma única coisa, recomeçar a
vida que foi interrompida meses antes, em Nova Iorque, sem a sua
companhia.

Soube por meus liderados que a festa acabou perto das


quatro da manhã, muitos convidados passariam a noite na hacienda
enchendo os vários quartos de visitas, ou os outros bangalôs.
Poucos seguiram em um comboio de retorno, ou partiram na
madrugada em seus helicópteros e até mesmo aviões particulares.
O sucesso da festa mostrava o quão poderoso se tornou o
cartel de Durango e seu líder, agora Don Miguel, comemorava um
tipo de poder e prestígio que Alejandro dispensou.
Sem condições de passar por mais uma despedida, acordei
na primeira hora e me preparei para resolver algumas pendências.
Tinha combinado com um dos motoristas para ficar de prontidão para
me levar para longe da hacienda e ao deixar o bangalô avistei
Vicentín se aproximando de mim. O viejo estava com olhar cansado,
talvez pelas poucas horas de sono, mas alerta.
— Tudo certo? — perguntou.
— Acho que a festa foi um sucesso e a segurança impecável.
— Graças a sua ajuda Lupe, a paz voltará a reinar nessas
terras. Muito obrigado. Logo mais acompanharei Alejandro até a pista
de pouso, é uma pena que ele esteja nos deixando — pareceu
aguardar alguma reação minha, mas mantive-me firme. Eu
simplesmente não seria capaz — a não ser que você queira fazer
essa honra — ainda insistiu ao apontar para o veículo já estacionado
na frente da casa.
— Obrigada, mas tenho alguns assuntos para resolver na
cidade — apontei para o outro jeep me aguardando.
— Certo, nos vemos mais tarde na reunião com Don Miguel
— não pareceu surpreso e nem decepcionado — e Lupe, é bom ter
você conosco.
Agradeci com um sorriso forçado e depois que ele se afastou
segui o meu caminho. Eu ainda não podia abusar dos esforços,
portanto não era capaz de dirigir eu mesma, caso contrário teria
subido em minha motocicleta e já estaria longe. Longe da tentação
de me jogar nos braços de Alejandro.
Pedi para ser deixada sozinha no alto de uma colina de onde
se podia avistar a pista de pouso e o avião que o levaria embora da
minha vida. Peguei um binóculo da mochila e foquei no monomotor.
Observei com a aguda dor no peito, Vicentín e Alejandro pareciam
conversar antes do embarque.
Alejandro subiu a escadinha que dava acesso a aeronave e
parou um momento observando o entorno. Estaria me esperando?
Perguntei para mim mesma, sentindo o coração em pedaços.
Vicentín disse algo para Alejandro e ele, após mais um
segundo de indecisão, entrou no pequeno monomotor, que não
demorou para correr pela pista e levantar voo.
Após a decolagem, aeronave fez uma curva e tomou o sentido
da Cidade do México, enquanto uma lágrima solitária escorria pelo
meu rosto. Estava feito. Alejandro estava livre para viver a sua vida
longe de mim.
23

Cheguei em Nova Iorque e só tive tempo para tomar um


banho e me arrumar, precisava ir até o escritório, isso era uma
prioridade.
Depois de tanto tempo só me desculpando por mensagens,
sem entrar em detalhes, alegando somente que o meu irmão ficou
enfermo após o falecimento do meu pai, o time no escritório parecia
compreensivo, mas eu precisava saber se ainda tinha um emprego
esperando por mim.
Terno, gravata, camisa impecável, a vestimenta de festas do
cartel era praticamente o meu uniforme do dia a dia aqui em Nova
Iorque.
Com os sapatos impecavelmente lustrados e brilhantes,
caminhei pelo saguão do prédio e peguei o elevador rumo ao décimo
sexto andar e constatei que o meu crachá ainda funcionava. Deixei a
maleta na minha sala, que aparentemente não foi ocupada por mais
ninguém e fui procurar Mitchel, o sócio sênior.
Parei em frente a parede de vidro de sua sala e ele levou
alguns segundos para me notar do lado de fora. Suzanne, sua
assistente, estava com ele e percebi que imediatamente ele a
dispensou e fez um sinal com a mão direita para que eu entrasse.
— Alejandro! Ora, ora... Eu já estava perdendo a esperança
de que você voltasse — apontou a cadeira para mim, onde sentei-me
tentando me sentir à vontade, embora os meses que eu tenha ficado
fora fizeram parecer que havia anos que eu estava longe.
— Eu não podia voltar antes de garantir que o meu irmão se
mostrasse firme sobre as próprias pernas — não menti, embora a
maior parte da história jamais seria contada —, minha mãe não
entende nada dos negócios e alguém precisava cuidar da fazenda
para que não a perdêssemos.
— Deve ter sido difícil para ela, primeiro a morte de seu pai,
em um acidente, não foi? — perguntou ele, mas não esperou a
resposta. — Logo em seguida o seu irmão ficar enfermo.
É sempre melhor não dar detalhes do que mentir, por anos e
anos usei essa tática para me proteger e continuaria assim.
— Mamãe é uma mulher forte, ela aguentou firme e Miguel já
está bem, estou de volta e preciso saber se ainda há um lugar para
mim nesta firma.
Por sorte, lá no México, a imprensa nunca publicou qualquer
coisa a meu respeito como chefe interino de um cartel, acho que
ninguém nem sabia, fora os nossos líderes rivais e associados, então
quanto a essa fase obscura da minha vida eu não precisava me
justificar para ninguém e, mesmo se soubessem eu também não
faria.
— Joane esteve por aqui poucas semanas após a sua partida,
ela nos contou sobre o término do noivado...
— Eu compreendo, a conta das empresas da família dela era
grande — bem, talvez eu estivesse otimista demais, perder um
grande cliente e ficar longe por meses poderia afundar a carreira de
qualquer um, mesmo alguém que não tivesse uma família ligada ao
crime organizado.
— Hey, calma, isso para nós não é um problema —
antecipou-se Mitchel — eu só queria dizer que estamos aqui para
apoiá-lo, acho que você viveu, ou está vivendo, um momento
conturbado. O pai, a enfermidade do irmão, a noiva.
— Joane e eu, tudo bem, obrigado pela sua preocupação,
mas acho que foi melhor assim. Um compromisso para a vida pede
algo um pouco mais sério do que compatibilidade na cama —
respondi sem poder dizer como eu verdadeiramente me sentia a este
respeito.
Não tinha certeza se ela, ou alguém da família dela, tinha
aberto alguma informação sobre a verdade da minha vida e isso sim
representaria um risco profissional para mim.
— Ela e Rupert só nos pediram que os processos deles, que
estavam em suas mãos, fossem transferidos para outra pessoa, o
que teríamos feito de qualquer forma, já que você não estava aqui.
— Entendo e acredito que foi prudente. Somos todos
profissionais e adultos, mas sou a favor de que outra pessoa os
atenda permanentemente.
— Tendo dito isso Alejandro, seja bem-vindo de volta. Alguns
dos seus casos você poderá retomar, outros já estão encaminhados
com os demais times, mas tenho certeza de que com algumas
semanas você voltará a ser um dos advogados mais ocupados aqui
da firma — disse ele estendendo a mão para um aperto, o que
retribui até um pouco aliviado.
— Confesso que eu não tinha certeza se o meu espaço aqui
ainda existiria depois de eu ter abandonado tudo às pressas.
— Você é jovem, bom no que faz, ambicioso e saiba que a
sua posição como futuro sócio júnior ainda está de pé, depende
apenas de você mesmo e do seu trabalho.
Em poucos dias voltei ao ritmo normal e novamente era um
neurótico por trabalho, havíamos assumido uma grande conta para o
suporte jurídico em um processo complexo de fusão e trabalhar era o
melhor remédio para esquecer Guadalupe, além do que vivi em
Durango. Eram essas incansáveis horas de trabalho que me
ajudavam na árdua tarefa de tentar recomeçar.
Quase duas semanas depois do meu retorno tive uma
surpresa, que me deixou até um pouco chocado, talvez sem reação.
São esses momentos complexos em que o passado volta a bater em
nossa porta.
— Isso é inesperado — disse ao adentrar o apartamento,
arregalando os olhos, ainda buscando um motivo para a cena à
minha frente.
Dei de cara com ela, sentada no sofá da sala, sem muita
cerimônia e acho que os segundos iniciais daquele momento deixou
aos dois sem muitas palavras.
Será que eu sabia como me sentia ao voltar a vê-la? Não
acho que algum dia sequer acreditei que isso fosse acontecer, não
era algo esperado.
— Como você entrou? — perguntei deixando a minha pasta
executiva em cima da mesinha de centro, olhando para ela, com o
olhar especulativo, ainda sem ser capaz de descrever o que aquele
encontro significava para mim.
O meu coração não se acelerou, eu não transpirei frio, não
houve adrenalina, menos ainda senti aquele formigamento no baixo
ventre. Sem sombra de dúvidas ela continuava linda e deslumbrante,
exatamente como me lembrava, mas, também estava diante de uma
mulher que já não fazia diferença na minha vida.
A mulher que me rejeitou.
Bem... pelo menos uma delas.
— Eu não devolvi a chave, lembra? — foi a resposta de frase
curta que eu recebi, enquanto recostava-me no balcão de refeições
que dividia a sala da cozinha.
Era verdade, eu tinha dado uma chave do meu apartamento
para Joane quando o nosso relacionamento se tornou sério, mas a
última coisa que eu esperava era voltar a vê-la, ainda mais em minha
casa. Não tinha ideia nem de como ela ficou sabendo que eu estava
de volta e não sei se, a esta altura, isso me interessava.
Ela se levantou e se aproximou de mim, parecia ter vindo do
trabalho, pois ajudava ao pai nos negócios, vestia um conjunto de
calça e camisa social, seus cabelos soltos e a maquiagem impecável,
exalando a alta classe.
— O que você deseja, Joane? Pensei que tivesse terminado
por eu ser o filho de um mafioso, indigno ao seu nível social. Ou
talvez tenha me julgado tão bandido quanto.
— Sobre isso — ela mordeu os lábios levemente —, eu pensei
muito depois que você viajou, foi um momento de impulso, fiquei
enraivecida pela mentira, mas a verdade é que jamais conversamos,
você foi embora do país.
— Lembre-se, mentir é diferente de ocultar. Jamais menti
sobre os meus pais. E você também foi embora, por alguns dias,
acho, para a Europa, não foi? — recordei-me de prestar atenção
nesta única postagem nas redes sociais, sobre a sua indireta de
“não aceitar menos do que merece”.
— Eu sei Alejandro, mas você precisa concordar comigo que a
notícia foi um choque — colocou-se frente a frente comigo, levou a
mão até a minha gravata e a afrouxou, como costumava fazer. —
Depois de todo esse tempo sem nos falarmos, sem notícias, sem
saber se um dia você voltaria ou não, sem termos conversado direito,
acho que me arrependi de ter terminado nosso relacionamento da
forma que fiz. Eu senti a sua falta.
Ergui uma sobrancelha surpreso e para evitar que ela
continuasse brincando com a gravata, pousei a mão sobre a dela,
que tinha a agradável textura macia como me recordava e a tirei do
tecido, para que eu mesmo pudesse tirá-la e desabotoei o colarinho
da camisa.
— Conversei com os meus pais, também os convenci de que,
apesar de suas raízes, você é um homem excepcional, que sempre
foi correto em seu julgamento, que não me parecia nada de errado
podermos o aceitar em nossa família. O fato de você sempre ter sido
sozinho aqui, de nunca ter se misturado com eles, isso mostra que
tem um pensamento diferente de seja lá o que for que aquelas
pessoas fazem por lá.
— “Aquelas pessoas” são a minha família — franzi a testa
tentando entender o que ela queria dizer com aquilo, isto é, o
significado por trás das suas palavras.
— Você não é como eles — tentou refrasear, mas sabendo do
que eu mesmo fiz nesses meses em Durango, ela estava
completamente errada, eu era sim exatamente como qualquer um
deles.
Reprimi o desejo de gargalhar, depois de tudo que ela me
disse agora aparecia querendo reatar o nosso relacionamento, e
mesmo assim, ainda se portava como a filha mimada e esnobe de
um rico empresário.
Por algum tempo eu acreditei que ela poderia ser o meu
futuro, que em sua companhia eu deixaria o meu passado para trás,
mas percebi que cada um dos momentos da nossa vida é parte do
que somos, molda todo o nosso presente e constrói o nosso futuro.
São as nossas escolhas que fazem de nós o que somos e
escolhemos com o aprendizado desse passado.
Eu podia não concordar com o estilo de vida do meu pai e
irmão, mas os amava, não negaria também a minha origem, eu sou
mexicano, um latino aqui para os norte-americanos, nasci em um
país que, apesar de inúmeros problemas, possuía uma rica cultura e
que tinha muitas pessoas do bem.
— Joane, minha querida, eu agradeço a sua visita e mais
ainda a oferta, mas não tenho interesse de reatar com você ou fazer
parte da sua família — dessa vez, quem foi duro com as palavras fui
eu, claro que poderia ter sido mais polido, menos direto, mas será
que ela merecia a minha cordialidade? — Ah, e se você puder, antes
de sair, deixe a minha chave sobre o balcão, eu agradeço.
Ela ficou vermelha de indignação, provavelmente essa foi a
primeira vez na vida que era dispensada.
— Eu posso pedir para o meu pai trocar de firma de advocacia
— ameaçou — eu posso até pedir para que ele peça para o
mandarem embora e você não vai conseguir emprego em nenhuma
firma decente nos Estados Unidos.
Como eu pude ser tão cego quanto à personalidade de
Joane? Lupe, apesar de ser membro de um cartel era transparente
em seus sentimentos, ao contrário daquela mulher dissimulada na
minha frente.
— Joane, faça o que quiser, mas se o seu pai me perseguir,
lembre-se de que eu sou o filho de um mafioso, que foi líder de um
cartel de narcotraficantes, que agora tem o meu irmão como o
grande chefão, imagine o que ele faria se soubesse que estou sendo
perseguido? — dei um sorriso torto avançando em sua direção.
Joane empalideceu assustada dando um passo para trás. Em
seguida, ela colocou a cópia da chave do meu apartamento onde eu
havia indicado e saiu pela porta e da minha vida, sem dizer qualquer
outra coisa.
Obviamente eu jamais pediria para o meu irmão agir contra
ela ou sua família e se um dia alguém chegasse a fazer algo contra a
minha posição profissional, sei que sou competente o suficiente para
abrir até mesmo a minha própria firma, ou advogar de forma
independente. Começaria pequeno, claro, mas sei da minha
capacidade. Além disso, todas as empresas já foram pequenas um
dia.
O que Joane não tinha aprendido, depois de tanto tempo
juntos, era que eu não gostava de ser ameaçado.
24

Mais de um ano depois

As estações do ano vinham passando rápido, uma atrás da


outra, mas eu andava ocupado demais para prestar atenção em tudo
isso. Fora hoje... pois o inverno tinha chegado mais uma vez e uma
nevasca na madrugada deixou a cidade linda, embora com o correr
do dia parte da neve se tornaria lama, fazendo o cenário perder o
encanto.
Observei a rua da janela do meu apartamento, os carros
estacionados no meio-fio estavam cobertos de flocos brancos, eu
tinha acordado com o barulho de um trator limpa-neve deixando a via
transitável.
Pensei em minha casa no México, o inverno lá nunca foi
rigoroso como o dos Estados Unidos, não pude deixar de pensar
também em Lupe, sempre me perguntava como ela estaria e jamais
verbalizava essa pergunta ao meu irmão, ou mesmo minha mãe. Era
mais uma questão de autoproteção.
Mas eu sabia que provavelmente ela estava nos negócios do
cartel, agora com uma das posições mais relevantes e isso me
deixava um pouco amargurado. Foi uma péssima experiência ter que
liderar os negócios da família, as decisões que eu tomei ainda me
assombravam durante a noite e lembrar que ela estava lá doía.
Suspirei para me recompor e fechei a cortina, tinha que me
preparar para o dia que começava. Desde que eu voltei, há pouco
mais de um ano, só tinha mergulhado no trabalho, foi a forma que eu
encontrei para seguir adiante.
Inexperiente nessa coisa de sentir algo tão profundo, entendi
que quando a gente gosta de verdade é difícil superar e dolorido
conviver com o vazio.
Foi bastante difícil no começo, mas com o passar do tempo a
dor se anestesiou. Sempre diziam que não há nada que o tempo não
cure, embora feridas curadas sempre deixem cicatrizes, por isso eu
sabia que jamais voltaria a ser a mesma pessoa.
Quer fosse pela cicatriz no meu coração e mesmo pelas
coisas que eu fiz, mais ainda pelas que eu comandei Lupe a
executar, só me restava manter-me na linha. Curioso que eu criticava
a ética, ou falta dela, nos cartéis, mas agora via que a falta de ética
existia em todos os lugares. Interesses ocultos, suborno, a vida difícil
dos mais fracos.
Terminei de me arrumar, terno, gravata, casaco de neve.
Sabia que seria um erro optar pelo taxi ao invés do metrô, dado o
trânsito caótico da cidade, mas eu queria um pouco de silêncio e
assim fui para o escritório na área de negócios de Manhattan, onde
trabalhei até o meio-dia. A vida vinha sendo algo estilo no piloto
automático para mim.
E estava tudo bem ser assim, eu me focava no trabalho, era o
que eu precisava, não que eu não tivesse saído casualmente
algumas vezes com alguma mulher, nada que me fizesse inflar o
peito e sentir entusiasmo. Mas, hoje seria diferente. Existia esse
outro lado da minha vida que eu precisava retomar, portanto, teria um
encontro com uma ex cliente, dado o fato de ser uma pessoa
conhecida, Britney não era alguém que se rolasse alguma coisa eu
poderia simplesmente dar as costas.
Talvez já tenha chegado a hora, é... talvez. Por que não?
Ela é uma empresária que precisou dos nossos serviços por
causa do divórcio litigioso. Era um claro caso de recorte das
empresas, pois seria impossível ela continuar sócia de seu marido,
não conseguiam conversar civilizadamente.
Especializado em fusões e aquisições, esse era um caso
totalmente oposto do que eu fazia, mas a pedido de um sócio sênior
assumi a negociação por causa de conflitos de interesses que ele
teria com uma das partes. Disse-me ele, na época, que embora não
fosse a minha especialidade, o caso era fácil e era importante
agradá-la, pois com a divisão das empresas era possível que
ganhássemos a conta das empresas que ficariam com ela.
Realmente, uma cliente de calibre.
Logo nas primeiras reuniões no escritório, para tratar do caso,
ela começou a flertar comigo descaradamente, e não pude deixar de
reparar no quão bela é. Trinta e cinco anos, no auge da forma física e
da libido, com um corpo curvilíneo, seios fartos e firmes. Sua
cabeleira loira e volumosa harmonizada aos olhos azuis e lábios
carnudos, embora eu acreditasse que parte daqueles encantos eram
devidos a cirurgias plásticas ou harmonizações.
Finalizamos o processo de recorte empresarial dias atrás e daí
veio o convite para um almoço. Mitchel, o sócio sênior me avisou que
se eu conseguisse que ela se tornasse nossa cliente fixa, trazendo a
conta das suas empresas para o escritório, a minha promoção
poderia ser acelerada. Bem eu já tinha sido promovido a sócio júnior
e o que estava em questão era a posição de sócio sênior.
Só que eu não tinha a intenção de fazer nada disso por uma
promoção. E se antes, quando retornei a esta vida, eu não desejava
me envolver de verdade com ninguém, ainda mais com uma cliente,
pensei se já não era hora de tentar, de me permitir abrir o coração.
Eu não podia carregar a Guadalupe dentro do meu peito para
sempre, podia?
E a manhã passou voando quando me vi olhando para a tela
do computador diversas vezes, trancado em minha sala, pensando
sobre o que eu estava fazendo da minha vida.
Cansado do trabalho, cansado dos clientes ricos que nos
procuravam com seus problemas, muitas vezes insignificantes em
comparação com a vida real daqueles que tinham que lutar
diariamente pelo seu sustento.
O que tinha acontecido com o meu tesão em trabalhar no
mundo corporativo? Conclui que estava frustrado e infeliz no amor,
pois desde que voltei do México, nada voltou a ser como antes.
Lupe havia deixado marcas, não apenas em meu corpo, mas
em todo o meu íntimo, incendiando-me por completo. Entretanto, se
eu não me esforçasse, jamais iria superá-la.
Talvez eu devesse entrar no jogo de sedução da cliente, afinal,
ela era divorciada e uma mulher independente, poderíamos nos
divertir juntos e quem sabe eu não acabaria aplacando a saudade
que me corroía dia e noite?
Conferi o relógio, já estava em cima da hora, portanto, vesti o
sobretudo e pronto para deixar o prédio, caminharia até um
restaurante nas proximidades, foi quando Mitchel bateu na porta e
entrou sem pedir licença.
— Tudo certo para o almoço com a senhora Van Heusen? —
perguntou de forma maliciosa usando o sobrenome da cliente rica.
— Vamos nos encontrar no Maximus — respondi tentando
disfarçar a irritação, sempre tentei ser um homem discreto.
— Ótimo, um lugar de classe com mesas reservadas e íntimas
— riu animado — consiga essa conta para nós, Alejandro, e as
portas de mais essa promoção estarão abertas para você.
— Obrigado, senhor — soltei quase como uma frase
automática.
Mas, outra vez, não fazia isso pela conta ou pela promoção,
era por mim mesmo, para tentar sair do buraco sentimental que eu
tinha me enfiado.
Desci para a rua e me encolhi no sobretudo sentindo o vento
gelado que corria entre os prédios, por sorte o restaurante era a
menos de duas quadras e caminhei entre a multidão, que cuidava de
seus afazeres, com seus próprios problemas.
Adentrei o local e senti a arfada do ar quente e seco que
aclimatizava o ambiente e o maitre me recepcionou com a
tradicional cortesia.
— Reserva em nome da senhora Van Heusen — avisei.
— Perfeitamente, ela já chegou, vou levá-lo até a mesa —
respondeu com ar superior e esnobe que ele acreditava que os
franceses possuíam, embora seu sotaque parecesse forçado demais
para não o denunciar.
Segui seus passos pelo ambiente sofisticado e levemente
escuro do restaurante até um conjunto de mesas reservadas,
cercadas por biombos em um canto mais discreto do salão.
Ele me indicou um reservado e lá estava Britney Van Heusen
me aguardando. Ela se levantou, embora eu tenha sinalizado que
não era necessário. Vestia um conjunto social de cor clara, seus
cabelos estavam soltos e a maquiagem realçando seus olhos e
lábios.
— Que bom podermos almoçar longe do escritório e sem a
pressão dos negócios — sorriu ao voltar a se sentar e eu a imitei,
ocupando o assento que estava posto à mesa, não em frente a ela,
mas na lateral ao seu lado esquerdo, em uma mesa íntima e
quadrada, dando-nos maior proximidade.
— Gostariam de fazer os pedidos? — perguntou o maitre
solícito para Britney.
— Não temos pressa, Pierre, traga-me uma garrafa de
Château Haut — respondeu pedindo um fino vinho francês — hoje
eu quero comemorar.
— Perfeitamente, mademoiselle — sorriu animado,
parecendo já estar habituado com os costumes de Britney.
Quando o maitre nos deixou a sós, começamos uma
conversa sobre amenidades, até que o homem voltou na companhia
do sommelier, que serviu o vinho em taças de cristal e após a
degustação e aprovação da bebida, eles se retiraram novamente.
Bebemos por um momento em silêncio, quando Britney
colocou sua mão sobre a minha e eu voltei a minha taça para a
mesa.
— Alejandro, sou uma mulher de negócios e direta —
começou me encarando sem desviar o olhar — desde que o conheci
no escritório o achei sexy e inteligente, seu sutil sotaque espanhol
me deixa doida.
— Eu... — não me expressei de imediato, será que eu
realmente me sentia assim tão aberto a algo que conotasse que
poderia ser além de sexo?
Quantas vezes eu mesmo já não tinha sido direto e agressivo
nas táticas de sedução? Mas eu sempre soube o que queria.
— O que eu quero dizer é que o desejo, somos ambos livres e
desimpedidos, podemos nos divertir muito juntos — disse com voz
ligeiramente rouca e os olhos brilhando — e diversão pode sempre
seguir para algo além.
Ela se curvou na mesa, oferecendo seus lábios para que eu
os beijasse.
Havia chegado a hora de deixar o meu luto afetivo de lado e
voltar a viver. Portanto, curvei-me em sua direção, não foi onde e
como eu pensei que o beijo aconteceria, mas estávamos em uma
área privada e se o beijo resultasse em química, eu poderia levá-la
para qualquer quarto de hotel ao redor, pois estávamos cercados das
bandeiras de maior luxo da cidade e faríamos isso de novo, de novo
e de novo sem que eu desse adeus após a primeira.
Coloquei a mão sobre a sua coxa e a deslizei lentamente,
enquanto nossos lábios se aproximavam, mas parei por um
momento, quando percebi uma sombra ao meu lado, imaginando que
um dos garçons tinha acabado com o clima.
Qual não foi a minha surpresa, pois ao invés de ser alguém do
restaurante, encontrei o olhar severo de Guadalupe Martinez,
vestindo calças de couro que moldavam suas pernas torneadas e
uma jaqueta do mesmo material. Seus cabelos estavam soltos, um
pouco mais cumpridos do que eu me lembrava, e um sorriso feroz
dançava em seus lábios pintados de vermelho fogo.
— Quem é você? — perguntou Britney irritada, medindo a
mexicana de cima a baixo. — Este é um ambiente reservado.
— Cai fora, bitch (puta) — soltou com uma mescla de inglês
com espanhol voltando o olhar de desprezo para a americana — se
eu a encontrar novamente ao lado de meu guapo juro que corto
essas suas tetas siliconadas e as enfio onde o sol não atinge.
— Como? Eu.... — gaguejou Britney, horrorizada e de olhos
mais que arregalados. — Alejandro, diga alguma coisa, chame os
seguranças.
Olhei para Britney, depois para Lupe e então voltei a encarar
Britney, sendo severamente observado pelas duas, como se eu fosse
o juiz de uma disputa.
— Sinto muito — dei um passo atrás ao levantar-me da
cadeira e voltei a olhar para as duas.
— Fora! — Lupe não hesitou em levantar a voz. — Eu não
tenho tempo para o excesso de polidez do guapo, ele é certinho
demais.
— Vocês são loucos! — reclamou ao se levantar e pegou a
bolsa. — Vou reclamar com o seu escritório! Mitchel não vai gostar
nada disso! — voltou o olhar para mim me ameaçando e saiu
batendo os saltos altos. — Pierre! Pierre!
Lupe gargalhou de forma debochada e se sentou
esparramada na cadeira almofadada, em seguida pegou a taça que
estava comigo e tomou um gole do vinho, cuspindo em seguida, de
volta no próprio cristal.
— Que porcaria é essa? — fez uma careta enojada enquanto
eu me mantinha atônito.
O maitre entrou nesse momento com fisionomia irritada, mas
ao encarar o olhar feroz que Lupe lhe dirigiu, sabiamente ele saiu do
reservado.
— Gadalupe, o que você está fazendo aqui? — consegui
vencer o meu mutismo.
— Hã? Quem é essa? — deu uma piscadinha rápida. — Está
me confundindo, hombre? Eu sou Graciela Alvarez, muito prazer.
Talvez você estivesse um pouco borracho quando nos conhecemos,
lembra que nos hospedamos na beira da estrada certa vez? Em uma
viagem de moto?

Muita coisa aconteceu, e quase nada, ao mesmo tempo, neste


pouco mais de um ano, mas saber que Estebam estava morto trouxe
uma leveza maior para a minha vida, parece que eu aprendi a viver
sem ter que estar em alerta todo tempo.
Don Hernández realmente foi condenado à prisão perpétua
nos Estados Unidos, onde cumpria sua pena em um presídio federal
de segurança máxima e os seus planos de seguir liderando o cartel,
junto os com líderes de Zeta, não deram em nada sem o braço firme
de Estebam.
A minha impressão foi que o serviço secreto norte-americano
percebeu o erro em terem colocado Estabam no serviço de proteção,
haja visto tudo o que ele fez após se livrar da prisão. Para abafarem
o caso, sepultaram o seu corpo sob o seu nome e identidade novos,
ao mesmo tempo que levaram adiante a farsa de o manterem preso
sob o nome real, para poderem executar a pena fictícia de pena de
morte pelo Estado do Texas.
Em toda essa história, uma única coisa me abalou, que foi o
sumiço de Matt Spencer, o agente do DEA que tanto tinha me
ajudado em Baja. Ele não estava com a Mel, por mais que eu não
tivesse coragem de falar com ela, sabia que ela tinha ido embora
com o amigo que a resgatou e era melhor assim, quanto menos
pessoas pudessem rastreá-la, um tanto melhor.
Já o sumiço de Matt poderia significar qualquer coisa,
principalmente “queima de arquivo”, o que eu esperava que não,
talvez eu lamentasse pelo resto da vida não ter sido capaz de
agradecer a ele por ter salvado a minha vida duas vezes.
Já, a minha decisão de ficar em Durango e ser o braço direito
de Don Miguel, talvez tenha sido polêmica, mas eu precisava ficar lá
para descobrir quem eu sou sem a existência de Estebam e não
posso dizer que me arrependo, apesar da dor que eu senti por estar
longe de Alejandro.
E não espero que ele me aceite de volta, mas só que
compreenda que eu precisava mudar por mim mesma.
A raiva, a fúria, a necessidade violenta que queimavam dentro
de mim já não estão mais aqui. Durango jamais foi um cartel violento
e este tempo todo cuidando da segurança deles não demandou
atrocidades de mim. Eu não matei uma única pessoa desde que
vencemos Sinaloa e embora nada possa apagar tudo o que eu fiz no
passado, hoje eu já começo a acreditar que um recomeço seja
possível.
E estou aqui para dizer isso ao homem que me mostrou que
eu sou capaz de amar, mesmo que ele não me ame mais.
Ficamos algum tempo em silêncio, olhando um para o outro,
até que Alejandro me tomou pela mão e me tirou do restaurante.
Disse ele que ali não era o melhor lugar para conversarmos, por isso
caminhamos alguns metros, o vento frio chicoteando a pele do meu
rosto e adentramos uma estação de metrô.
— Para onde está me levando, guapo? — perguntei quando
já estava farta do seu silêncio.
— Não faço ideia, Lupe...
— Graciela.
— Tudo bem, Graci... — tropeçou nas palavras, um pouco
confuso.
— Acho que devemos descer aqui — disse quando paramos
na estação e saí do vagão, esperando que ele viesse atrás de mim,
pois eu precisava de respostas e um vagão de metrô tampouco era
local para se conversar.
— Por que aqui? — referiu-se à estação escolhida.
— Pois você só está tentando ganhar tempo comigo dentro de
um vagão lotado de pessoas. Eu sei que eu te abandonei, foi decisão
minha não vir embora com você e se a minha presença aqui é
inconveniente, pode falar — ele olhava para mim sem dizer qualquer
palavra —, eu aguento a verdade e sei que tem um alto risco de você
querer me enxotar. Estou preparada.
— Eu... — começou, mas voltou atrás e calou-se novamente.
— Tudo bem, deixa para lá — dei as costas e segui para a
escadaria da estação.
Como não conhecia nada desses metrôs da cidade, chegaria
na rua, pegaria um taxi, voltaria para o aeroporto e partiria para
qualquer lugar do mundo. Recomeçaria a minha vida, mesmo que
sem ele, sempre foi esse o plano se eu recebesse uma negativa, eu
estava preparada, embora tivesse esperança.
— Espere — foi atrás de mim e me puxou pela mão, depois
olhou em volta — estamos na Hudson Yards Station, venha.
Apesar do frio e da neve que cobriu a cidade pela manhã, o
dia estava incrivelmente ensolarado e caminhamos alguns passos
até atravessarmos a rua e entramos em um prédio incrivelmente alto.
Alejandro comprou dois ingressos e no quarto andar
embarcamos em um elevador impressionante. Tinha as paredes com
projeções cinematográficas da cidade e subimos os cem andares a
uma velocidade meteórica.
Descemos em um dos lugares mais impressionantes que eu já
vi na vida e sentamo-nos em um bar com a vista das alturas,
acompanhados de uma boa dose de tequila.
— O que está fazendo aqui, Lupe? — perguntou ele,
finalmente.
— Graciela... — retruquei impaciente e ele franziu a testa
aguardando uma resposta minha.
— Já tem mais de um ano, é muito tempo, você não acha? —
perguntou em tom indecifrável.
Olhei pela janela, ao longe, o mundo visto do alto era tão
pequenino. Foi assim que eu me senti durante todo esse tempo,
pequena, irrelevante.
No início, quando tomei a decisão de ficar em Durango, a ideia
era jamais voltar a vê-lo depois que ganhasse a minha alforria. Iria
embora, para longe, uma vida nova em algum lugar onde ninguém
tivesse ouvido falar da minha verdadeira eu, provavelmente do outro
lado no mundo.
Mas eu não consegui. Os dias e noites sem ele pareciam não
ter qualquer sentido para mim. Eu aguentei esse tempo todo, pois
sabia que jamais o envolveria com a minha má reputação. Não
queria o comprometer.
Só que agora, com uma nova identidade, obtida legalmente,
eu vi uma possibilidade. Meus documentos nada tinham de
falsificações, nada de crimes ou ações que burlassem a lei do meu
país. Eu tinha feito jus a isso, delatando quem eu precisava delatar
em um esquema que ia muito além de carteis, era isso o que eles
queriam de mim. E agora havia o sigilo governamental e uma
segunda chance para viver uma nova vida, deixando os meus crimes
para trás, mas também tentando ser uma nova EU.
Durante esse tempo todo eu andei na linha, colaborando com
a polícia, delatando, ajudando com todo e qualquer pedaço de
informação sobre outros líderes do crime no país. Claro que foi uma
situação delicada, Durango era um cartel, mas não competia a mim
saber como esses acordos funcionavam, o acordo estava valendo
para Miguel também, eu só não sabia como.
E foi com o passar do tempo que eu comecei a enxergar que
Alejandro estava certo, fui moldada pela violência, mas eu não
precisava a carregar comigo para o resto da minha vida.
Eu já não queria ser esse ser humano tão pequeno. E se
ainda houvesse a mínima chance de ele me querer de volta eu seria
a mulher mais feliz do mundo. Ao menos precisava tentar!
— Achei que poderia viver longe de você, mas não fui capaz.
Enquanto eu podia o comprometer e a sua segurança, eu resisti
bravamente, mas Lupe não existe mais. Eu sou uma cidadã que
ganhou o perdão da lei, uma nova identidade, uma nova vida. Com
isso achei que talvez você pudesse me dar uma segunda chance. Eu
não tenho estudo, não tenho profissão, mas tenho força de vontade
para ficar longe do mundo do crime e posso aprender a ser alguém
decente, para merecer o amor que você tem por mim. Eu estou
disposta a trabalhar e ser alguém longe da matança.
Ele tomou a segunda dose, virando o copo de uma única vez,
depois puxou-me pela mão para me levar para o terraço.
— Está muito quente aqui dentro — disse ao dar passagem
para que eu cruzasse pela porta giratória e em seguida veio atrás de
mim, inquieto, incomodado.
Fui atingida pelo forte vento frio que quase me fez congelar,
mas eu nada disse. Ele parecia precisar estar ali, respirando o ar
gelado.
— Este é o Observatório Edge[15] — explicou ao puxar-me pela
mão outra vez e subimos alguns degraus de uma larga escada que
dava em lugar algum, mas permitia uma vista incrivelmente aberta e
estonteante do mundo lá fora, como se estivéssemos em um lugar
sem cercas, sem proteção, sem fronteiras.
Liberdade, era isso o que a vista sem paredes proporcionava
para mim.
— Alejandro, eu não sou uma pessoa perfeita, há muitas
coisas que eu gostaria de não ter feito — comecei tentando encontrar
as palavras certas no fundo de minha alma — mas eu continuo
aprendendo, se você não me desejar mais eu entendo, apenas quero
que você saiba, eu encontrei uma razão minha para mudar quem eu
costumava ser, uma razão para recomeçar.
Senti que lágrimas começavam a se formar em meus olhos,
mas dessa vez não tentei impedi-las ou disfarçar. Desde que esse
homem havia tocado o meu coração eu tinha aprendido a chorar,
existia um lado de vulnerabilidade exposto em mim que só ele podia
enxergar, ou talvez, só ele quisesse ou desejasse que eu tivesse.
Eu já não me importava mais com o vento, com o frio ou com
a dor da sensação congelante em meu corpo, só precisava acabar
com tudo aquilo de uma vez e logo iria embora, deixando-o livre de
mim.
— Outra razão para mudar também é você, sinto muito por ter
te magoado e por toda a dor que eu te fiz passar, é algo com que
devo conviver todos os dias, por isso que eu preciso que você
escute. Você foi a razão para eu entender que era necessário mudar
quem eu costumava ser, uma razão para começar de novo, para
mostrar um lado meu que você não conhece, mas que existe
adormecido dentro de mim.
— Lupe... — ele tentou falar, mas agora que eu tinha
começado, precisava colocar tudo para fora.
— Alejandro, o que eu quero dizer é que eu te amo!
— Por que demorou tanto? — finalmente perguntou tomando-
me nos braços, ali no meio daquela imensidão de liberdade, tocando
seus lábios frios sobre os meus e de repente eu estava pegando fogo
com o seu beijo, voltando a sentir o seu sabor. Eu estava de volta à
vida!
Como eu havia sentido saudades desse guapo!
Jamais achei que voltaria a vê-la, até porque, havia prometido
a mim mesmo que, se dependesse de mim, eu não voltaria à
hacienda, não queria recordar tudo o que houve lá. E deparar-me
com ela no restaurante foi inesperado.
Também não acho que estivesse muito preparado para saber
o que dizer, afinal, pouco mais de um ano já havia se passado e eu já
tinha cessado a minha esperança de voltar a vê-la.
Mas quando Lupe disse que me amava, aquilo gerou uma
incontrolável explosão dentro de mim e desejei saber como lidar com
isso, só que não tem como prever uma reação, um sentimento, uma
emoção, a não ser quando os sentimos.
Saímos do Observatório Edge como dois adolescentes
enamorados, nos beijando sem parar no elevador e continuamos no
táxi que nos levou até o meu apartamento. Quando fechei a porta
atrás de nós, não houve tempo para mais nada e já estávamos quase
nus da cintura para cima, nossos casacos, cachecóis, as blusas,
todos espalhados para os lados e os sapatos jogados em um canto,
enquanto, ainda agarrado a ela, passo após passo, conduzi-a até o
quarto onde a deitei em minha cama.
Nossa cama!
— Lupe... — suspirei quando ela retirou o sutiã deixando seus
belos seios à mostra e eu cuidava de me livrar da minha calça e
nunca o fiz tão rápido.
— Graciela! E cale-se, guapo, apenas me ame — pediu com
os olhos brilhando enquanto já deslizava a calcinha, cujo tecido
acariciava a sua pele lentamente.
Já estávamos completamente nus e ajoelhei-me entre suas
pernas, deslizando minha mão por suas coxas, massageando-as até
alcançar sua intimidade, sentindo-a encharcada. Beijei o contorno
torneado, subindo e descendo, cada vez mais próximo de seu centro,
para começar a me deliciar com o seu sabor, forçando minha língua
em seu interior, fazendo-a gemer alto.
Tudo o que eu menos tinha era pressa, embora a saudade me
consumisse.
Lupe merecia ser amada, jamais seria sexo, nada de uma
trepada, todas as vezes foram e seriam amor, independente da forma
selvagem com que às vezes nos amávamos. Deitei-me sobre ela
beijando sua boca com volúpia e fui retribuído com sua receptividade,
suas mãos me estimulando, enquanto as minhas deslizavam pelo
seu corpo, das coxas aos seios, que eu massageava louco de tesão.
— Guapo, eu só preciso que faça aquilo que só você fez até
hoje, me amar — implorou Lupe.
Ela em minha cama significava uma única coisa:
compromisso.
Estiquei o braço e peguei o preservativo na gaveta da
cabeceira, apressei-me em nos proteger e quando estava prestes a
penetrá-la, ansioso, cheio de necessidade, ainda consegui respirar
fundo e dizer:
— Eu te amo, cariño.
— Eu amo você também, guapo — retribuiu a declaração —
eu só não tinha coragem de admitir, com medo de estragar a sua
vida.
Quando mergulhei dentro dela, nossos movimentos tornaram-
se uma sincronia perfeita, seus lábios colados aos meus em um
longo beijo, abafando os gemidos de prazer, minhas mãos apertando
suas coxas firmando-a de encontro a mim, as dela deslizando pelas
minhas costas, apertando, arranhando, acariciando.
Sua pele macia colada à minha, nossos corpos molhados de
calor, mesmo com a neve que voltava a cair lá fora. Havia adrenalina
correndo em minhas veias deixando-me tão elétrico que ficava difícil
até de respirar. Tudo me estimulava, o seu cheiro, os seus gemidos,
as carícias, a pressão que ela fazia sobre a minha rigidez, até que,
em uma explosão conjunta, chegamos ao ápice, ela gritando meu
nome, eu o dela e suas contrações deliciosas.
Ficamos imóveis, ainda conectados, olhos nos olhos, nossa
respiração ofegante, o suor escorrendo por nossos corpos, pois o
fogo incontrolável do desejo nos consumia, palavras se fizeram
desnecessárias, eu podia enxergar tudo o que eu precisava através
do seu olhar e em seu sorriso.
Com Lupe ao meu lado, eu finalmente estava completo.
— Você vai passar essa noite comigo? — perguntei, depois
que retomamos o fôlego.
— Eu esperava poder ficar aqui, guapo — riu ela, acariciando
os meus cabelos — minha bagagem ainda está em um armário no
aeroporto.
25

Morar junto com Graci, que em nossa intimidade eu


continuava chamando de Lupe, não foi um processo fácil, ela era
extremamente independente, não tinha a experiência da convivência
do dia a dia com ninguém, sem falar do seu humor volátil. Mas esses
eram só momentos de uma vida que se tornava completa quando
estávamos juntos.
Nos primeiros dias, enquanto eu ia trabalhar, ela ficava no
apartamento lendo, assistindo filmes ou estudando inglês, que ela
conhecia, mas não o suficiente.
— Cariño, o que te preocupa — perguntei certa noite, após
fazermos amor.
Embora tivesse toda a liberdade para sair pela cidade, acho
que ela ainda tinha receio do impacto do seu passado, mesmo
estando em um país completamente diferente, foi aí que eu percebi
que ela estava impaciente, como uma fera enjaulada.
— Eu não sei, guapo — respondeu após um momento em
silêncio — é muito difícil, sinto-me sufocada neste apartamento
quando você não está.
— Talvez você precise encontrar algo que goste, um emprego,
qualquer coisa para ocupar-lhe a mente.
— Um emprego? — riu amarga. — Eu não acho que tenho
muitas qualificações para aplicar para um trabalho honesto.
— Não diga isso, o que mais existe neste país é trabalho
honesto para qualquer pessoa com ou sem experiência. Acho que
você deveria tentar qualquer coisa.
— Mas o sangue que derramei vai estar sempre sujando as
minhas mãos.
— Enquanto você continuar se torturando pelo que fez no seu
passado, acho que nunca vai superar tudo aquilo. Você tem que
seguir adiante. Que tal você fazer análise? — sugeri ainda sem a
certeza de que era isso mesmo que ela precisava. — Obvio que seria
importante tomar um pouco de cuidado com o que abre, pois embora
tenha sido anistiada, você jamais deixará de ser uma pessoa que
trocou de identidade e isso significa a sua segurança.
— Eu não sei... — colocou indecisa — é arriscado, eu ainda
não me sinto totalmente Graciela, não quero dizer nada que possa
colocar a nossa vida em perigo, mesmo sabendo que Estebam, o
nosso maior problema, não está mais por aqui.
— Lupe, eu entendo todos os seus receios, mas você ganhou
uma nova chance, precisa acreditar que você a merece e tem que
aprender a vivê-la aproveitando cada momento, do jeito certo.
Ninguém espera que você seja outra pessoa de uma hora para outra,
mas você precisa se esforçar. Jamais a vi se abater diante das
dificuldades, não é diferente aqui.
Eu a amava muito e estava disposto a ajudá-la, ela só tinha
que entender que muito precisava vir dela mesma.
Com a nossa conversa em mente, semanas depois ela
conseguiu um emprego no turno diurno de um sofisticado restaurante
Espanhol como hostess. O que foi providencial, ela podia manter-se
ocupada durante o dia, beneficiava-se da vantagem da fluência no
idioma que lhe era nativo e mantínhamos a noite para nós dois e a
posição não exigia experiência.
E sim, ela atraía a atenção dos frequentadores do local,
principalmente com os sofisticados trajes que usava no dia a dia para
estar à altura dos clientes, o que me deixava um pouco enciumado,
sentimento que eu não estava habituado.
Aos poucos ela passou a se sentir menos desconfortável em
me acompanhar nos eventos do meu círculo profissional, onde
também atraía atenção, recebendo os olhares de homens e até
mesmo de mulheres. Seu jeito franco e verdadeiro, sua beleza latina,
o corpo escultural que ela fazia questão de mostrar com vestidos
colantes, eram um chamariz, onde o orgulho de poder desfilar ao
lado de uma mulher assim se misturava com um comportamento
mais possessivo e protetor para com ela.
— Eu fico excitada quando o vejo enciumado com os olhares
que recebo — murmurava em meu ouvido nesses eventos, isso
quando ousadamente não encontrava uma forma de passar a mão
pelo meu membro, fosse em um canto, no privado do elevador,
sentados à mesa.
Nosso sexo muitas vezes beirava o selvagem, mas ela
também apreciava de forma lenta e suave.
E em todo esse processo adaptativo eu também percebi que,
às vezes, todo o agito de uma cidade tão grande como Nova Iorque a
deixava inquieta, por isso, em alguns finais de semana tentávamos
viajar para o interior e nos hospedávamos em lugares em meio à
natureza, era quando Lupe parecia ficar mais tranquila e feliz.
— Hola, cariño, cheguei! — tranquei a porta atrás de mim. —
Trouxe a sua pizza de pepperoni com abacaxi, de onde veio essa
fome? Não sei como você foi viciar nessa coisa horrível... Graci? —
percebi um forte cheiro de tequila e vi uma garrafa quebrada e o
líquido por todo o piso da cozinha. — Graci? Lupe?
Algo não parecia estar certo. O cheiro da bebida, o
apartamento silencioso, quase todo no breu.
— Lupe?
Senti o desespero tomar conta de mim, Lupe tinha tendência a
desorganização, mas os cacos de vidro, o chão sujo, a casa escura e
o silêncio, temi que algo tivesse acontecido a ela. Será que foi
encontrada? Raptada? Machucada?
— Guadalupe? — murmurei, indeciso se continuava gritando
por ela ou se a procurava em silêncio.
Talvez algum cartel rival a tenha descoberto para cobrar as
muitas mortes que ela carregava nas costas? Ou estivessem atrás de
mim em busca de vingança e a encontraram primeiro? Algum ladrão
que a surpreendeu e houve luta corporal? Ela não se renderia assim
nem se houvesse uma arma apontada para a sua cabeça. Eram
muitas as hipóteses que jorravam na minha mente face ao desespero
que eu começa a sentir nestes segundos de incerteza.
Amaldiçoei-me por não ter uma arma, eu poderia conseguir
uma licença de porte, isso jamais havia passado pela minha cabeça,
que talvez precisássemos de proteção.
Seja lá quem houvesse burlado a segurança do prédio e
invadido o nosso apartamento era um profissional, pois não havia
marcas de arrombamento, o que aumentou o meu medo de que algo
tivesse ocorrido com minha amada.
Peguei uma faca afiada na cozinha e com os sentidos em
alerta, caminhei passo a passo até o nosso quarto, quando o meu
desespero aumentou, pois havia um rastro de sangue, que pareciam
pegadas de pés descalços que levavam até o aposento. A porta
estava entreaberta, as luzes apagadas, apenas a claridade da
iluminação da cidade adentrava pela janela. Percebi a fresta de
iluminação vindo da porta do banheiro, que estava fechada e,
cauteloso, tentei ouvir algum barulho. Silêncio...
Dei alguns passos a mais e só havia o som de respiração
entre lágrimas.
Lupe, Lupe, Lupe... não!
Invadi o banheiro com a faca em punho, preparado para
qualquer coisa, mas lá estava ela, sentada sobre a privada com a
tampa abaixada, um dos pés sangrando e as lágrimas fartas no
rosto.
— Lupe? — murmurei ao deixar faca de lado e a abracei
firme, apertando-a contra mim, acariciando os seus cabelos, quando
ela retribuiu ao meu abraço.
— Guapo...
— Cariño, o que aconteceu? — ela começou a soluçar, agora
com o choro mais intenso e assim continuou por um tempo, até que
seus soluços foram se espaçando e não a soltei por nem um
segundo. — Você precisa me dizer o que aconteceu. Quem a feriu?
Quando ela afrouxou os seus braços e me permitiu que
olhasse para os seus olhos, eles estavam vermelhos e inchados de
tanto chorar e a expressão era de sofrimento.
— Eu pisei sobre os cacos de vidro. Pensei em tomar um gole
de tequila enquanto esperava por você, mas o meu estômago ficou
muito revolto com a bebida queimando na minha boca, eu derrubei o
copo, a garrafa, tive que vir correndo para cá, coloquei tudo para fora
e pisei sobre o vidro quebrado.
— Ah, meu amor, você não devia beber tanto assim, deve ter
criado uma gastrite — beijei-lhe a testa e peguei um dos seus pés
para ver a gravidade do corte.
— Não, não é uma gastrite.
— Como pode ter tanta certeza? Há semanas que você só
quer comer pizza de pepperoni com abacaxi, agora está com uma
indisposição estomacal. Esse excesso de gordura com álcool não
está te fazendo bem.
Peguei uma toalha úmida e comecei a limpar o sangue dos
seus pés, por sorte, os cortes não pareciam profundos.
— Alejandro, não sei como aconteceu — ela entregou uma
caneta para mim.
— O que é isso? — prestei mais atenção e não era
exatamente uma caneta e quando entendi o que aquilo queria dizer
congelei-me de imediato, o meu coração faltou sair pela boca.
— Pois é, eu estou grávida...
Foi um baque, uma mistura de emoções, felicidade,
preocupação, confusão. Quando Lupe começou a morar comigo
fomos em um médico, eu insisti que ela passasse por um check-up
completo, afinal, desde que seus pais morreram ela foi submetida a
torturas físicas e mentais. Não podíamos negar que ela tinha um
histórico de abuso de álcool, embora hoje em dia bebesse com certa
moderação. Sei que houve, em dado momento de sua vida, o
consumo de drogas, apesar de que ela não adquiriu o vício, o que foi
muita sorte.
Em um dos exames, uma médica ginecologista afirmou que
dificilmente ela conseguiria engravidar, apresentando quadro de
anovulação. Lupe tinha um histórico não muito saudável dado a tudo
o que já havia passado na vida, desde a adolescência.
Na ocasião me senti triste, eu tinha sonhos de termos os
nossos próprios filhos, mas Lupe pareceu não se importar muito,
afirmou que não desejava ser mãe, então para ela nada havia
mudado com a notícia e assim cessou a ingestão dos métodos
contraceptivos.
“Uma merda a menos no meu organismo” — alegou e
isso foi há pelo menos uns sete meses atrás.
A médica sugeriu outros exames para reforçar o diagnóstico e
nos explicou que quando fosse o momento certo, poderia iniciar um
tratamento de fertilidade, mas Lupe não fez questão de querer saber
mais sobre o tema, ela realmente jamais desejou constituir uma
família e na única vez que tentei abordar o assunto, insistiu em se
mostrar convicta.
“Eu não quero ser mãe, Alejandro, como posso trazer
uma criança ao mundo? Como posso cuidar de uma criança,
se a única coisa que aprendi foi a causar dor e morte. Não é
esse tipo de exemplo que eu quero passar.”
O que fiz foi me conformar. Eu podia aceitar que seríamos
somente nós dois para o resto da vida, esse não era o fim do mundo.
Fim do mundo sereia ficar sem ela ao meu lado.
— Lupe, meu amor, essa é uma notícia maravilhosa — beijei-a
emocionado, pegando-a no colo para a carregar para a cama,
aliviado e feliz como nunca estive na vida.
— Jamais fui muito regulada, mas houve um atraso além do
normal, mesmo incrédula eu cheguei a comprar este teste, mas como
o fluxo veio no dia seguinte, eu não cheguei a usá-lo. Deixei aqui
guardado na gaveta, isso foi há três semanas. Mas de uns dias para
cá estava tendo muitos enjoos, me sentia estranha, esse desejo
louco de pizza e ao tentar beber um gole da tequila, o enjoo de hoje
foi o pior da minha vida. Saí correndo, machuquei os pés e lembrei
do teste na gaveta...
— Como pode estar tão frustrada? — coloquei a mão sobre a
sua barriga. — Nós vamos ter um bebê, é uma vida crescendo aqui
dentro — levantei sua camiseta e beijei seu abdômen ainda reto e rijo
da musculatura do treino.
— Guapo, te xinguei tanto, como você pode fazer isso
comigo? Como é que você pode me engravidar? — ela pareceu
muito irritada, mas depois amenizou a voz. — Só que eu percebi que
a culpa não é sua, é minha, eu que parei de tomar anticoncepcionais,
eu que me recusei a continuar os exames com a ginecologista, me
perdoe...
— Cariño, não há nada o que perdoar, essa é a notícia mais
incrível e maravilhosa que já recebi.
— Você não entende, Alejandro, eu não vou ser uma boa
mãe! — Lupe se levantou irritada. — É por isso que eu preciso do
seu perdão, eu não sei ser essa coisa de mãe.
— Acalme-se, amor...
— Como posso ensinar uma criança? O que eu tenho de bom
para transmitir? A melhor coisa que posso fazer é abortar enquanto
ainda é cedo.
— Não diga isso! — agarrei-a pelos braços com força,
horrorizado com tal ideia.
— Você não manda em mim! — a Lupe selvagem aflorou e
em um ato contínuo me desferiu uma joelhada nos genitais.
— Mierda! — grunhi me curvando de dor enquanto ela correu
de volta para o banheiro e se trancou nele.
— Cariño, por favor, abra a porta — bati na madeira de forma
firme depois que me recuperei do golpe baixo.
— Me deixe em paz, gringo desgraçado! Isso tudo é culpa
sua!
— Lupe, você não vai me ferir com palavras, não vai
conseguir me afastar de você, não importa o tamanho do muro que
construa para me impedir de me aproximar — disse com a cabeça
encostada na madeira fria — você sabe que eu te amo, amo seu jeito
de ser, amo você todinha do jeito que é, o interior e o exterior, já amo
a nossa criança que você está gerando, e tenho certeza absoluta que
você será uma excelente mãe, o que você sente é medo do
desconhecido, e confesso que também sinto medo, a
responsabilidade de um filho é enorme para nós dois, mas ele será
muito amado e o protegeremos de toda a maldade do mundo, isso eu
prometo.
Por um momento recebi apenas o silêncio do outro lado da
porta, mas logo ouvi um choro baixinho e o som do trinco sendo
aberto e aproveitei para empurrá-la devagar. Ela estava encolhida no
box do chuveiro, como uma fera ferida, as pernas dobradas junto ao
corpo, os braços a envolvendo.
— Lupe, cariño — murmurei me sentando ao seu lado e a
puxando para os meus braços — tudo vai dar certo, seremos pais
incríveis e especialmente você será uma mãe maravilhosa.
— Você acha? — ela me encarou com os olhos marejados. —
Alejandro, eu tenho tanto medo...
— Estaremos juntos, isso é o que importa, e juntos
venceremos todos os desafios que aparecerem.
— Eu te amo, Alejandro Pérez, sei que não sou dessas
mulheres que vivem falando isso para os seus homens a todo
momento, mas não quer dizer que eu o ame menos, eu o amo com
todas as fibras do meu corpo e alma, você me tirou do inferno em
que eu vivi mergulhada, se você acredita que eu poderei ser uma boa
mãe, então eu prometo que tentarei ser a melhor mãe do mundo.
— Ah, cariño — levantei-me e a peguei no colo, para outra
vez a levar para a nossa cama, onde nos deitamos e ficamos
abraçados, até que ela mergulhou em um sono, no começo agitado,
mas depois suave e profundo, enquanto eu ficava acariciando seus
cabelos.
Eu a amava e juntos construiríamos uma família, era
inesperado, eu estava desacreditado, mas, nada além de alegria me
consumia.
Na manhã seguinte, apesar de ser quarta-feira, resolvi avisar
no escritório que iria me ausentar até segunda-feira e quando Lupe
acordou eu já havia preparado as nossas malas.
— Vamos viajar? — perguntou ela apontando para duas malas
no canto do quarto, quando eu coloquei a bandeja com o desjejum
em seu colo.
— Acho que precisamos de um momento só nosso, longe da
agitação daqui — avisei sentando-me ao seu lado — um final de
semana prolongado é o que teremos.
— Obrigada, Alejandro — o largo sorriso com o brilho lágrimas
afloraram em seus olhos, daquela que há muito já havia aprendido a
demonstrar um pouco da sua vulnerabilidade para mim, sem sentir-
se envergonhada ou enfraquecida.
— Eu que agradeço, meu amor, agradeço todos os dias por
você estar em minha vida.
— Eu odeio esses hormônios — riu com seu jeito debochado
enquanto enxugava as lágrimas — estou me irritando com facilidade,
choro com facilidade, você vai ter que ter muita paciência comigo,
papi — completou acariciando o ventre.
— Nada muito diferente do seu jeito normal, mamacita — ri
quando ela socou meu ombro com força.
Após o desjejum e uma ducha revigorante, refiz o curativo em
seus pés e viajamos para uma das cabanas que costumávamos
alugar sempre que queríamos sair da cidade. Em baixa temporada,
era muito fácil conseguirmos a disponibilidade.
Eu tinha uma proposta para fazer e queria que fosse naquele
lugar especial para nós dois. E foi durante a noite, sentados em um
tapete felpudo, de frente para a lareira acesa, que resolvi fazer o
pedido.
— Cariño, que tal deixarmos Nova Iorque?
— Você quer dizer, férias? Algo mais longo do que um final de
semana prolongado por um feriado?
— Não, eu digo ir embora de vez.
— E o seu emprego?
Eu vinha ganhando cada vez melhor, destacando-me cada vez
mais, já era um sócio sênior, porém, estava insatisfeito. Jamais fui
exatamente o mesmo depois da minha experiência em Durango,
alguns dos meus valores haviam mudado, também desejava mudar a
minha vida, e com a gravidez de Lupe, esse parecia ser o momento
perfeito para iniciar um novo caminho.
— Pensei em comprar um pedacinho de terra na Austrália, um
velho sonho que cheguei a compartilhar com meu pai quando eu era
adolescente, lá poderemos criar o nosso bebê, o que você acha?
— Adorei a ideia — respondeu sem pensar duas vezes e me
abraçou beijando-me com paixão.
— Agora tenho outra proposta — sorri animado —, Lupe, você
quer se casar comigo?
— O quê? — ela se espantou, seus olhos arregalados
piscando múltiplas vezes.
— Não penso em nada muito grande, apenas uma
formalização civil, ou uma pequena cerimônia religiosa, podemos
chamar a minha mãe.
— Alejandro, sobre isso eu não sei, o que importa um pedaço
de papel? Eu já sou sua esposa no coração — ela apontou para o
dela em seu próprio peito — mas estou feliz que tenha feito a
proposta.
— Certo, quem sabe em outra ocasião — sorri disfarçando
minha pequena decepção, mas ela estava certa, casar no papel e no
religioso não era importante, não quando sabíamos do amor que
sentíamos um pelo outro.
— E te amo, guapo. Isso já me basta.
— É, eu sei, eu te amo também, Lupe — eu sabia disso, não
era falta de amor, ela ainda sofria de falta de fé, talvez.
Nem sempre nossas crenças eram as mesmas, de qualquer
forma, em um de seus rompantes ela se jogou em meus braços me
beijando com violência, rapidamente nos desnudamos e eu apreciei
sua beleza iluminada pela luz suave que vinha da lareira.
Beijei seu ventre, agora com cuidado, continuei descendo até
sua vagina na qual me concentrei, beijando, lambendo, mordiscando,
usando a língua em seu clitóris, até que Lupe começou a se
contorcer com um orgasmo iminente.
— Venha, Alejandro, quero gozar com você dentro de mim —
implorou.
Atendi ao seu pedido e me posicionei entre as suas pernas e
lentamente a penetrei, nossos olhos fixos um no outro, as
respirações profundas e o silêncio já dizia tudo o que não
precisávamos verbalizar. Ela me puxou contra o seu corpo com força,
envolvendo-me com suas pernas, prendendo-me dentro de si,
enquanto eu me curvava, beijando-a com paixão, uma das minhas
mãos apertando sua coxa e a outra acariciando seu seio.
Nos movimentamos em um ritmo lento e sincronizado, como
uma dança que somente os amantes conseguiam dançar. Seus
gemidos começara a surgir junto com palavras aleatórias em inglês e
espanhol, incluindo alguns palavrões que vindo dos seus lábios eu
achava mais do que excitante.
Aumentei o ritmo, deslizando dentro dela, encaixando nossas
curvas, moldando os nossos corpos, eu também estava perto de um
orgasmo.
— Goze no meu pau, mi carinõ — sussurrei em seu ouvido
penetrando-a com mais força e velocidade.
— Si, si, patrón, eu... vou... gozar...
Lupe soltou um grito que abafou mordendo meu ombro
enquanto eu continuava a penetrá-la, sentindo seus músculos
internos esmagarem o meu membro de uma forma com tanta avidez
que quase não era mais capaz de deslizar em seu interior e com um
grunhido abafado na garganta, gozei com um jato intenso e firme,
ainda com penetrações ritmadas.
— Lupe, você me faz perder a razão, estou viciado no seu
corpo, em seu gosto, seu cheiro — disse com voz rouca enquanto
deixava meu peso cair sobre ela.
— Alejandro, você me transformou em uma pessoa melhor —
respondeu buscando meus lábios para um longo beijo. — Quem está
viciada em você sou eu.
Na segunda-feira voltamos para Nova Iorque e, quatro meses
depois deixávamos os Estados Unidos em direção à Austrália e a
uma nova vida.
26

A melhor decisão da minha vida foi optar por ganhar a anistia,


através da minha colaboração com a polícia.
Até então, eu não tinha planos de ir atrás de Alejandro, eu não
sabia que seria tão difícil viver sem ele e menos ainda que teria
coragem de ir atrás dele em Nova Iorque.
Quando ele deixou a hacienda uma parte de mim decolou
com ele no avião, uma parte que eu mesma desconhecia,
exatamente a que guardava o melhor de mim.
Eu sentia falta do guapo todo santo dia, de seu carinho, do
nosso sexo, de seu jeito de bom moço, mas que se revelou um Don
inflexível e astuto, mas principalmente, eu sentia falta da forma como
ele acreditava em mim de um jeito que nem eu mesma conseguia
fazer. Percebi que poderia ter qualquer homem ou mulher, e não vou
esconder que tive muitos, mas nenhum me interessava, era somente
nele que eu pensava, nas minhas noites solitárias eu me masturbava
pensando que aquele era o seu toque.
Não posso dizer que eu conseguia ser feliz. Tudo bem, eu não
sabia o que era a felicidade, salvo durante aquelas poucas semanas
que passei com ele e foi dona Luzia, a mãe de Alejandro, que
enxergou isso dentro de mim e me convenceu a procurá-lo.
— Chica, venho te observando desde que mi hijo voltou para
o Estados Unidos — disse certa manhã quando tomávamos café
juntas na cozinha, um hábito que foi adquirido por causa de um
carinho gratuito que ela criou por mim — você se tornou uma pessoa
triste.
— É impressão sua, dona Luzia — tomei um gole do café que
quase queimou minha língua.
— Não, não é, sei quando vejo alguém infeliz, você se
apaixonou por Alejandro, assim como ele se apaixonou por você.
Senti meu rosto corar com aquela verdade jogada diretamente
na minha cara, sem nem haver qualquer preparação ou introdução. O
problema é que isso era verdade, eu estava loucamente apaixonada
por Alejandro, era um sentimento novo que eu nunca tinha
vivenciado antes de o conhecer.
Eu andava infeliz pela hacienda imaginando sua vida em
Nova Iorque, cercado de belas mulheres de alta classe que sabiam
se vestir e se comportar em sociedade, verdadeiras damas e não
uma desbocada sem modos.
Alejandro me mostrou que o amor existia, que por amor
poderíamos nos tornar pessoas melhores, eu me imaginava ao seu
lado, longe do mundo narco, mas tinha medo.
— Chica, eu escolhi viver neste mundo por amor ao meu
marido, continuo nesse mundo por amor ao meu filho Miguel, porque
ele precisa de mais ajuda do que Alejandro, que é forte e destemido
— dona Luzia continuou segurando minha mão entre as suas — e é
por amor que você deveria sair desse mundo, procurar a mi hijo e
iniciar uma nova vida ao lado dele. Não é de mim que ele precisa, é
de você.
— Eu não sei se ele me aceitaria.
— E por que não? Eu vi como ele te amava, embora tentasse
esconder de todos, eu o conheço desde que saiu daqui de dentro —
ela apalpou o ventre — Alejandro e Miguel são muito diferentes, mas
têm algo em comum, nenhum deles consegue esconder algo de mim,
embora acreditem que possam — sorriu de forma matreira.
E foi assim que decidi que se conseguisse a nova identidade,
após terminar a minha colaboração com a polícia, eu tentaria ir atrás
dele. Ele merecia alguém que não precisasse de passaporte e
documentos falsos, que estivesse limpa para poder correr o mundo
ao seu lado, se necessário fosse, e era isso o que eu estava
esperando da polícia federal mexicana, a minha nova identidade.
Don Miguel entendeu quando eu disse que queria sair da
organização e procurar Alejandro, tanto ele como Vicentín ficaram
felizes com a minha decisão e, usando os novos documentos, recém
adquiridos, viajei para os Estados Unidos e o reencontrei.
Viver com Alejandro era um sonho que se realizava e quando
senti os enjoos e percebi mudanças sutis em meu corpo, o que para
mim era impossível, tornou-se uma realidade. Justamente a realidade
do que era praticamente um sonho para ele.
Só não esperei que fosse sentir tanto pânico.
Eu só pensava em como seria se um dia esta criança
descobrisse sobre as coisas que eu fiz no passado. Ter sofrido como
eu sofri jamais seria uma desculpa para justificar o que eu fiz.
E como evitar que os meus filhos fossem pelo mesmo
caminho? E se esta personalidade louca que eu tinha fosse herdada
por eles?
Havia inúmeros pensamentos e receios sobre a minha
capacidade de não errar e eu não tinha convicção para nada, só a
pior pergunta de todas: “Como eu poderia criar e educar uma
criança para ser uma pessoa boa?”
Mas Alejandro sempre foi excepcional comigo e sempre
acreditou em mim. Agora estamos aqui, no aeroporto JFK, onde logo
embarcaríamos em um voo para a Austrália, onde ele encontrou uma
pequena fazenda e conseguiu comprá-la. Depois demitiu-se do
escritório de advocacia onde trabalhava.
— Tudo pronto, meu amor. E você, mi hijo? — ele acariciou
meu ventre dilatado e sem se importar com os demais passageiros
se curvou e o beijou.
— Estamos ambos cansados e com fome — sorri, sentindo o
peso da barriga deixando-me cada dia mais lenta nos movimentos.
— Ainda dá tempo de jantarmos antes do embarque, embora
eu tenha certeza de que a refeição do avião também não vá demorar
a ser servida. É um voo noturno.
Seguimos pelos corredores do aeroporto até um restaurante
onde jantamos observando, por uma janela panorâmica, a
movimentação de aviões subindo e descendo.
— Alejandro, eu quero que você saiba que sou feliz por ter
você ao meu lado e por estar carregando em meu ventre um filho
nosso — disse após jantarmos. — Você me ensinou que nunca é
tarde para nos arrependermos das burradas que fazemos na vida e
quero aproveitar para me desculpar pelo pânico que eu senti quando
descobri que esperava essa criança. Este bebê está me fazendo
aprender o que é cultivar o amor.
— Ah, cariño, eu sempre soube que ela a mudaria, pois está
mudando a mim também. Essa família vai crescer com muito amor —
ele beijou meus lábios levemente.
Exatamente, uma vida de amor e com um recomeço perfeito.
Estávamos deixando todo e qualquer resquício das nossas vidas
passadas para atrás. Seríamos dois fazendeiros, pais de uma linda
família que estava só começando.
27

Olhei para o gado sendo juntado pelos peões para serem


levados para um novo pasto, dois deles eram jovens, Antônio, um
menino de quatorze anos, alto para a idade e com cabelos rebeldes,
a outra era Catherina, uma menina de doze, com cabelos ondulados
e tão negros quanto os do irmão e como ele, uma excelente
amazona.
Há quase quinze anos, quando soube da gravidez de Lupe, eu
tinha abandonado a vida agitada de Nova Iorque e um emprego que
eu começava a odiar, para iniciar uma nova vida, dessa vez, a
intenção era de a construirmos juntos.
Desde então, posso dizer que é uma boa vida, porém simples.
Não estou reclando, pelo contrário, o trabalho duro, mas gratificante,
nos deixava felizes. Possuíamos bons funcionários que se tornaram
amigos, assim como os vizinhos. Nossas terras são próximas de
Rockhampton[16], onde as crianças estudam, assim podemos ter o
melhor dos dois mundos, isolamento e o contato com a natureza,
além dos benefícios da vida moderna.
Peguei o cantil pendurado na sela da minha montaria e
quando fui colocar na boca para beber no gargalo, uma mão ágil o
tomou de mim, olhei para o lado, Guadalupe, ou melhor, Graciela, me
sorriu feliz e bebeu um pouco antes de me devolvê-lo.
— Sonhando acordado, guapo? — perguntou aproximando
ainda mais sua montaria da minha e se curvou para beijar os meus
lábios.
— Estava vendo os nossos niños — apontei para os dois que
tocavam algumas cabeças que se extraviaram do rebanho que
começava a se mover.
— Crescem muito rápido — ela acompanhou meu olhar.
— Verdade, quando somos felizes parece que não sentimos o
tempo passar — afirmei.
Não foi fácil para ela, seu passado a perseguiu durante muito
tempo em seus pesadelos, mas eu sempre estive ao seu lado e o
amor que sentíamos um pelo outro foi o alicerce para que Lupe
superasse os seus traumas.
Não que eu também não os tivesse, as decisões que tomei
ainda me assombravam de vez em quando, mas eu já tinha aceitado
os meus pecados, suas consequências e não me arrependia dadas
as circunstâncias de quando tudo ocorreu.
Eu não acreditava em impunidade, também sabia que certas
coisas não davam vez à redenção, éramos um caso de ladrão que
mata ladrão. Esquecer os erros era diferente de se conscientizar
deles e tanto ela quanto eu vivíamos na linha, com toda essa
conscientização.
Depois que parti de Durango, meu irmão se tornou ainda mais
poderoso e começou a seguir um plano de legitimação dos negócios
que eu tracei para ele, tanto que agora, anos depois, ele é um
deputado no parlamento mexicano, está casado e tem um filho de
oito anos. Falamo-nos por telefone de vez em quando e um ano
antes minha mãe veio com Pedro, meu sobrinho, nos visitar.
Don Hernández morreu de um enfarto na cadeia cinco anos
após eu deixar Durango, quando contei para Lupe ela simplesmente
abriu uma garrafa de vinho e bebemos em silêncio. Com a vasta
gama dos excelentes vinhos australianos, eu a ensinei a apreciar a
bebida.
E, o que mais importava para nós, é que com a chegada de
Antônio, Lupe se mostrou uma ótima mãe, a maternidade a deixou
mais calma, mas ainda assim, às vezes algo parecia queimar em seu
espírito, nessas ocasiões ela saía com sua motocicleta, uma grande
custom, e pilotava por horas, quando voltava estava mais calma.
— Eu nunca imaginei que seria tão feliz como sou com você e
os nossos filhos — afirmou ela observando as crianças se
aproximando, trotando em suas montarias.
— E eu sou feliz por ter você ao meu lado — respondi.
Tínhamos o nosso pedaço de terra, dois filhos lindos e
amorosos, nosso amor ainda queimava como fogo, todos os dias. O
que ainda faltava em minha vida? Olhei para ela, acariciei seu rosto
protegido do sol pela aba de um boné e sorri. Sim, eu sabia o que
nos faltava.
— Lupe, quer se casar comigo?
Nós nunca formalizamos a nossa união através de um
casamento. Ela não acreditava em Deus, ao menos não até os
últimos dois anos quando conhecemos o novo pastor local, um bom
homem que se tornou nosso amigo e vinha jantar duas vezes por
mês em nossa casa. Foi com suas conversas tranquilas que ele
acabou despertando a espiritualidade de Lupe.
Ela me encarou intrigada com seus olhos negros e profundos.
— Você tem certeza? — perguntou e percebi que os seus
fantasmas do passado deveriam estar assombrando sua mente.
— Nunca duvidei de que você é a mulher da minha vida, com
quem eu quero passar o resto dela — respondi — temos até filhos!
Dois!
— O que está acontecendo? — perguntou Catherina, que
chegou junto com Antônio.
— Seu pai me pediu em casamento — Lupe respondeu com
os olhos marejados de lágrimas.
— E o que você vai dizer, mamacita? — perguntou Antônio.
— Que eu aceito — riu feliz.
Desci de minha montaria e a retirei da dela, colando meu
corpo ao dela. Será que eu estava mesmo ouvindo isso? Com o
sorriso no rosto girei com ela e voltei a beijá-la.
— Eu te amo, cariño — declarei pela milionésima vez.
— Así como yo, guapo também amo você — respondeu.
Beijamo-nos longamente no crepúsculo que se aproximava,
sob as risadinhas felizes de nossos filhos.

Entrei no templo protestante que havia na cidade usando um


vestido simples e branco, segurando o buquê de flores naturais,
acompanhada por Antônio, enquanto Catherina levava as alianças
como minha dama de honra.
Apenas alguns funcionários e suas famílias, além dos poucos
amigos que fizéramos, estavam presentes nos prestigiando.
Eu nunca fui uma pessoa religiosa, na verdade não acreditava
em Deus, não depois que os meus pais foram mortos e conheci toda
a violência, maldade e degradação que um ser humano podia
praticar e ser vítima. Mas já precisava admitir que estive dos dois
lados dessa vida, pois também fui presenteada com um homem
correto, amoroso, preocupado com a minha felicidade, que também
foi quem me deu dois filhos maravilhosos.
E graças ao pastor Smith, que nos jantares que dávamos para
ele em nossa casa comecei a compreender que, se Ele realmente
existia, não era culpado por nossas escolhas ou por nossos
sofrimentos, encontrei consolo para minha alma atormentada e até
mesmo esperança de perdão.
O amor da minha família vinha me ajudando a curar as
cicatrizes em meu coração, que durante anos infectaram a minha
alma.
Quando eles alcançaram a idade necessária para entender o
que era certo e errado contamos a nossa história, ao menos parte
dela, somente o suficiente para entenderem que eu nem sempre fui
como sou hoje e que há caminhos que jamais deveriam ser seguidos.
Ser transparente com o fato de que nem sempre eu fui uma
pessoa boa me ajudava a mostrar aos meus filhos o quão importante
era a honestidade e o perdão. Tentava também compensar os meus
muitos crimes ajudando as pessoas carentes de nossa comunidade.
Jamais me esquecerei de todo o meu processo de mudança e
aceitação, que culminou na concepção de Antônio, que veio a nascer
já em nossa fazenda, uma parteira me apoiou durante todo o
processo.
Os dias que antecederam o nascimento dele foram de muita
ansiedade e tensão para mim, pois eu ainda tinha dúvidas se seria
capaz de amar alguém tão indefeso, que dependia integralmente da
minha capacidade em o manter vivo.
Mas quando a parteira colocou aquele pequeno ser inocente
em meus braços, que chorava desesperadamente e somente se
acalmou quando coloquei meu seio em sua boca, senti um amor
imensurável me inundar, e sabia que por ele, ao mesmo tempo que
eu jamais voltaria a fazer algo de errado na vida, também seria capaz
de voltar matar facilmente, desde que fosse para a sua única e
exclusiva proteção.
Meu bebê foi a melhor coisa que eu fiz em minha vida e me
transformei em uma mãe devotada. Cada sorriso, cada pequena
estripulia, era um motivo de comemoração, tudo novidade para mim.
Catherina, que nasceu dois anos depois, foi outro milagre em
minha vida, era nossa princesinha, meiga e arteira, seus vestidos cor
de rosa escondiam um gênio semelhante ao meu, enquanto Antônio
é mais a fotografia do pai.
Nossos filhos estão crescendo em um lar repleto de amor e
venho admitindo todo os dias, desde então, que nunca fui tão feliz na
vida.
Aprendi a cuidar de uma casa, a criar gado e principalmente
criar as minhas crianças para o bem. Também percebi que, apesar
de ainda ter alguns dias ruins, eles fazem parte do milagre de uma
vida que é o mais próximo da perfeição.
Hoje eu vivo e não mais só sobrevivo e acho que foi isso o
que me fez aceitar o pedido de casamento de Alejandro, tantos anos
depois, pois tenho a certeza de que ele é o único homem que amarei
na vida.
Agora eu o observo me aguardando no altar, usando um terno
claro de verão e com um largo sorriso nos lábios me olhando
embevecido. Antônio entregou-me ao pai e colocou-se ao lado de
Catherina e eu, postei-me de frente para o homem que me tem por
completo.
O pastor celebrou o rito e após pegar as alianças com
Catherina, fizemos nossos votos.
Alejandro parecia trêmulo, jamais o vi tão emocionado, e sem
conseguir esconder seus sentimentos proferiu seus votos colocando
a aliança em meu dedo:
“— Quando encontrar alguém e esse alguém fizer parar
de funcionar o seu coração por alguns segundos, preste
atenção: pode ser a pessoa mais importante da sua vida. Se
os olhares se cruzarem e, neste momento, houver o mesmo
brilho intenso entre eles, fique alerta: pode ser a pessoa que
você está esperando desde o dia em que nasceu. Se o toque
dos lábios for intenso, se o beijo for apaixonante, e os olhos
se encherem d’água neste momento, perceba: existe algo
mágico entre vocês. Se o primeiro e o último pensamento do
seu dia for essa pessoa, se a vontade de ficar juntos chegar
a apertar o coração, agradeça: Deus mandou-lhe um
presente: O Amor.”
Seus votos foram perfeitos, preenchendo a minha alma,
fazendo-me sentir a garota sonhadora que jamais fui. Um sonho de
princesa que jamais acreditei.
Emocionada, coloquei a aliança no dedo anelar da mão
esquerda de Alejandro e tentando controlar as lágrimas que se
formavam em meus olhos proferi aquilo que eu acreditava:
“— Olho para o passado, mas não é nele que me foco.
Vivo o hoje e não é com menos deslumbramento que encaro
o nosso futuro. Eis-nos, agora, um do outro para todo o
sempre, sem ansiedades, sem inquietações, sem angústias.
Atravessamos e vencemos tudo o que era mau e que poderia
ser fatal. Estamos na plena posse dos nossos dois destinos
fundidos num só. O nosso amor não terá a frescura dos
primeiros tempos, mas é um amor posto à prova, um amor
que conhece a sua força e que mesmo para além do túmulo,
espera ser infinito. O amor, quando nasce, só vê a vida, o
amor que dura vê a eternidade.”
Em seguida beijei sua mão.
— Com o poder a mim instituído pela Igreja e pelo governo
australiano eu vos declaro marido e mulher — sorriu o pastor, tão
cheio de satisfação como nós — pode beijar a noiva.
Alejandro tomou meu rosto entre suas mãos e beijou
docemente os meus lábios.
— Jamais haverá amor mais forte do que o que eu sinto por
você, Graci-Lupe-ela — ele disse olhando no fundo dos meus olhos.
— Eu sei guapo, pois ele é recíproco — respondi com a
certeza de que não existia mulher mais feliz neste mundo.
— Certa vez eu achei que eu tinha entrado na vida do cartel
sem opção, sem escolha, mas que você, você tinha escolhido aquela
vida. Hoje eu sei que nós dois estávamos lá sem termos podido
escolher, não tínhamos opção. Estou feliz que eu a vida tenha te
dado uma chance, pois hoje você é a mãe das duas crianças mais
lindas e extraordinárias do mundo.
Não consegui evitar o choro. Acho que os hormônios da
gravidez nunca mais me abandonaram e o amor dele e o dos nossos
filhos eram a redenção dos meus pecados.
***

Quer conhecer um pouco mais do passado de Lupe? Sua


história começa em Paixão Proibida.
Encostei o sedã esportivo blindado no acostamento, a
tempestade desabava de forma violenta e era mais seguro parar,
ainda mais durante a noite e trafegando por uma estrada em
péssimas condições.

Ainda estávamos distantes do rancho de Don Hernández


Vasquez, ou como era conhecido: El Coyote (O Coiote), ou El
Jefe (O Chefe), o líder incontestável do Cartel de Baja[17], uma
organização criminosa responsável pelo tráfico de drogas para os
Estados Unidos, em especial a heroína.

Olhei pelo retrovisor e Mel, sustentou o meu olhar com seus


belos olhos verdes. Ela é uma mulher exuberante, vinte e nove anos,
um metro e setenta e cinco bem distribuídos, com cabelos negros
como azeviche e a pele branca, o que denunciava sua descendência
méxico-americana.

Filha de Don Hernández, ela não passava de uma mulher


proibida para qualquer um, inclusive e principalmente para mim, que
sob disfarce da polícia federal estou infiltrado no cartel como seu
guarda-costas, encarregado por seu pai de protegê-la.

— Matt — ouvi sua voz cheia de segundas intenções —,


venha para o banco de trás.
— Mel… — suspirei avaliando a situação em que nos
encontrávamos. — Já conversamos sobre isso, não podemos nos
envolver aqui no México, é perigoso demais, se Don Hernández
descobrir... — não que eu não tivesse as mesmas intenções, mas
bastaria um deslize nosso para que pagássemos caro e eu não podia
arriscar, havia muito mais em jogo do que só o que sentíamos um
pelo outro.

A guerra entre os cartéis vinha deixando muitas baixas e ela


havia se tornado um alvo fácil para qualquer vingança.

— Não sei se aguentarei ficar longe de você — é difícil fingir


que eu também não sentia o mesmo, foi quando, ao olhar pelo
retrovisor, vi que ela já havia retirado a blusa, ficando apenas com a
lingerie preta de renda que apertava os seus belos seios.

Essa mulher sabia exatamente como me provocar e é difícil


resistir a ela, os dias que teríamos pela frente, na hacienda de seu
pai, seriam torturantes.

Loucura ou não, é impossível fechar os olhos aos seus


encantos. Desde que a conheci, apesar de errado, proibido, além de
extremamente perigoso, eu estava irremediavelmente apaixonado.

Passei para banco de trás e ela me abraçou, beijando-me com


sofreguidão, enquanto retirava a minha camisa. Ajudei-a sem parar
de beijá-la e tirei o coldre de axila, onde estava a pistola Glock 9mm
que eu pedi como cortesia junto com o carro, deixando-o cair no
assoalho. É mais fácil conseguir armamento nesta cidade do que ter
um prato de comida, lamentavelmente.

Ela se afastou um momento, seus olhos brilhando, com os


lábios rubros úmidos e entreabertos em um sorriso de satisfação,
enquanto desabotoava minha camisa, o toque de seus dedos em
minha pele me arrepiando. É insano o efeito que a Mel tem sobre
mim e isso só m causa mais necessidade e no instante seguinte eu já
estava com a calça abaixada, meu membro latejando apertado pelo
tecido da cueca e só fiz erguer a sua saia até a cintura, deixando à
mostra a calcinha, que perdição!

Deitei-a no banco com as pernas entreabertas e me encaixei


entre elas, para primeiro tomar os seus lábios, sentindo o seu gemido
em minha boca, para depois friccionar o corpo contra a sua pélvis,
forçando meu membro que deslizou apertado, mas suave em sua
prontidão, permitindo que eu me afundasse em sua carne úmida.

A chuva batia com força no teto e nas janelas do carro que,


mesmo com o ar-condicionado ligado, estava com os vidros
embaçados. Nossos olhares se cruzaram e por um momento nos
encaramos, esquecendo dos nossos problemas.

— Venha… — sussurrou ela.

Penetrei-a outra vez, ainda mais fundo, deslizando-me até o


fim, fazendo com que ela gemesse alto, e começamos a sincronizar
os nossos movimentos, mesmo no desconforto do carro. O lugar não
fazia qualquer diferente quando o que existia entre nós era pura
necessidade.

Posicionados em diagonal, consegui segurar suas mãos


acima da cabeça e enquanto entrava e saía de seu interior quente e
apertado, beijava seu pescoço, estimulando os seus seios por cima
do sutiã.

Melanie envolveu-me a cintura com suas pernas bem


torneadas me prendendo junto a si. Por algum tempo, somente o
som da chuva, nossos gemidos, arquejos e os corpos se chocando
eram ouvidos.
— Matt… não vou aguentar — gemeu mais alto — goze
comigo.

Grunhi em resposta e aumentei a velocidade das estocadas,


beirando quase a violência.

— Não pare, por favor, não pare — ouvia-a gritar enquanto


seus músculos internos se contraíam apertando meu membro de
uma forma dolorosamente prazerosa no momento de seu ápice de
prazer o que foi combustível para me excitar ainda mais.

— Mel… — gemi em resposta e em uma estocada final, senti


que gozava em seu interior, movimentando-me mais algumas vezes
enquanto meu membro pulsava sem parar, trazendo-me uma
explosão de alívio.

Ela me abraçou com mais força aguardando que nossos


corações se acalmassem e beijei-a ternamente, depois me afastei
para observá-la, ainda com o coração batendo de forma irregular
pela intensidade do momento. Ela abriu os olhos e me encarou com
uma ruga de preocupação que tomava a sua expressão, eu sabia
exatamente o que ela queria saber, porque eu também tinha a
mesma pergunta desde que começamos o nosso caso proibido:
“quando tudo isso terminaria”?

— Matt, o que vai ser de nós? — perguntou e percebi que


seus olhos marejavam. Não podíamos nos enganar, esse era só
começo da guerra, muita coisa ainda estava por vir.

— Ainda não sei, mas eu vou resolver tudo isso, eu só preciso


achar uma brecha — respondi e beijei-a novamente.

Corríamos um perigo mortal, El Coyote era famoso por sua


crueldade e pelo ciúme quase doentio que sentia pela filha.
Sinopse:

Matthew é um agente federal do DEA cuja missão é se infiltrar em um cartel para


desmantelar o maior grupo de narcotráfico da fronteira entre o México e os Estados Unidos.

Durante a sua missão ele conhece Melanie, uma médica pediatra que é a enteada do
líder do cartel, e uma forte paixão surge entre os dois, mesmo sendo ela a mulher mais
proibida de toda a Baja Califórnia.

Será Matt capaz de cumprir a sua missão delatando o cartel e ainda manter vivo o
amor de Mel por ele?

Dos mesmos autores dos BestSellers "O Agente " e "Delegado Hermes"

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Leiloada
Geane Diniz & A.G. Clark

" Vo c ê t e r i a c o r a g e m d e d a r u m l a n c e p a r a c o m p r a r u m
ser humano?"

Capturada na fronteira entre o México e os Estados Unidos em uma travessia ilegal,


Pearl se vê nas mãos de grupos organizados que fazem dos reféns seus escravos humanos
e vai parar em um clube privê como parte de um leilão, sendo vendida como uma virgem
selvagem.

Max, um bem-sucedido empresário, durante a visita a este clube dedicado aos


prazeres sem restrições do sexo, presencia o leilão e é o responsável pelo maior lance.
Agora ele a tem, mas não era em sua virtude que ele estava interessado e o clube parece
esconder mais mistérios do que aparenta.

Esse livro contém gatilhos como cenas de descrições não detalhadas de violência à
mulher e insinuações de abusos.

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Pelos seus olhos
Geane Diniz & A.G. Clark

"Quando o verdadeiro amor te permite enxergar com


os olhos da alma"

Júlio Cesar é o CEO de uma das mais importantes empresas privadas de mineração
do Brasil, para o mundo exterior ele é um playboy aficionado em carros velozes, esportes
radicais e belas mulheres, mas poucos sabem que sua alma é marcada por uma dura
tragédia.
Catarina é uma escultora de talento, uma jovem meiga, batalhadora e independente,
sua restrição social por ser deficiente visual não permitiu que ela conhecesse o amor.
Quando os caminhos deles se cruzam surge também uma intensa atração, mas não é
só o amor que vai marcar a vida desses dois jovens, pois eles terão que enfrentar um terrível
perigo para poderem ficar juntos.
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O Agente

Eles se odiaram à primeira vista, mas muita coisa


aconteceu à segunda!

Camila, a CEO de uma empresa em ascensão, se vê vítima de uma tentativa de sequestro.


Com sua vida em perigo e, mesmo contra a sua vontade, ela ganha escolta da Polícia
Federal.
O policial designado é Nicolas (Nick), um indisciplinado agente marcado por um passado
obscuro, que recebeu uma árdua missão como punição: proteger a CEO.

Será ele capaz de domá-la, ou se deixará ser domado pela ousada e teimosa Camila?

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Delegado Hermes

Uma antiga paixão, um crime e um reencontro.

Fernanda é a esposa de um poderoso empresário do ramo de imóveis, mas que no


passado foi o grande amor da vida de Hermes. Eles formavam um casal quente e
apaixonado, quando, por motivos inesperados seguiram caminhos diferentes... até que... no
tempo presente, acontece um crime... o marido dela é assassinado.
ELA? É a principal suspeita.
ELE? O delegado que lidera as investigações.
Seria Nanda uma assassina fria ou uma vítima inocente de um complô? E delegado
Hermes, conseguirá elucidar o crime?
Geane Diniz e A.G. Clark convidam vocês a um mergulho neste mistério com um
clima de muita sensualidade e sedução.

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Toques de Sedução
Geane Diniz

S é r i e “ To q u e s d e S e d u ç ã o ”

Provocação, Desejo, Tentação e Malícia.

Quatro livros, quatro homens apaixonantes, quatro mulheres admiráveis. Amor,


paixão, sedução em histórias intensas que vão fazer o seu coração bater mais forte.

Fabi está de passagem por São Paulo e vive uma noite de amor com Jota. Sem
esperança de que tudo vá além do casual ela volta para Londrina sem deixar rastros. Será
que a história desses dois ficará por isso mesmo?

Rosana finalmente consegue consumar uma noite quente com o seu grande crush,
até descobrir que esse envolvimento pode trazer à tona todo o seu passado, será que ela
está preparada para reviver o que ficou para trás?

Lia está cansada de ser traída e decide que nunca mais vai se apaixonar, só que ela
não contava com o surgimento de Guto em sua vida. Só que, ele tem um segredo.

Claudinha precisa tomar uma decisão entre amor e a profissão, enquanto Rafa se vê
perdidamente apaixonado por ela e capaz de fazer qualquer coisa por esse amor.
Quatro histórias independentes que vão te fazer se apaixonar pelos crushes e
admirar as mocinhas.

A série pode ser encontrada no formato box, ou em livros individuais.

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Amor sem Fronteiras
A.G. Clark

Marcos nasceu e foi criado em uma comunidade carente por sua mãe. Com sacrifícios
e dedicação se formou em medicina.

Sthefany nasceu em berço de ouro, filha do proprietário do mais prestigiado hospital


da América Latina, sempre teve tudo que desejou.

Frente à frente, foram incapazes de evitar uma paixão avassaladora, que precisará
derrubar muros criados pelo preconceito e diferenças sociais.

Dos ambientes sofisticados de São Paulo às ruas de uma comunidade, da


glamourosa Dubai à destruída Aleppo, na Síria, será o amor forte o suficiente para vencer as
armadilhas do destino?

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Amazon: https://amzn.to/3b2Pjci
Agradecimentos
Cada novo livro terminado é uma conquista e dividimos essa alegria com todos os
nossos leitores, que têm nos acompanhado nesses mais de dois anos de escrita conjunta.

Agradecemos também aos novos leitores, que lançamento a lançamento vêm se


juntando a nós, fazendo com que nos tornemos uma família.

A todos vocês, o nosso carinho e é para vocês que dedicamos mais esta história.

Bjks
Gê & AG
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Geane Diniz A.G.Clark


geane.jean.diniz@gmail.com a.g.clark1@hotmail.com

Com carinho
Gê&AG

[1] A Guarda Nacional é uma instituição que serve como polícia nacional do México, cuja função é
fornecer segurança pública ao país. É um órgão descentralizado da Secretaria de Segurança e Proteção do
Cidadão, criado por decreto no Jornal Oficial da Federação, em 26 de março de 2019, pelo presidente
Andres Manuel Lopez Obrador para combater o crime organizado.
[2] A Procuradoria-Geral da República (PGR) é o gabinete do poder executivo federal com funções de
procuradoria, instituição encarregada de investigar e processar os crimes federais.
[3] WASP é o acrônimo que em inglês significa "Branco, Anglo-Saxão e Protestante" (White, Anglo-Saxon
and Protestant). Com frequência usada em sentido pejorativo, presta-se a designar um grupo relativamente
homogêneo de indivíduos de religião protestante e ascendência britânica que supostamente detêm enorme
poder econômico, político e social.
[4] A Drug Enforcement Administration (DEA; Administração de Fiscalização de Drogas) é um órgão de
federal de segurança do Departamento de Justiça dos Estados Unidos encarregado da repressão e controle
de narcóticos.
[5] A história da rivalidade entre os carteis de Baja e Sonora faz parte do livro PAIXÃO PROIBIDA,
disponível na Amazon. Nele, o agente Matt Spencer é um agente federal infiltrado no cartel de narcotráfico e
Lupe a chefe interina da segurança do cartel.
[6] Referência à narrativa do capítulo 1 – trecho introdutório
[7] Culiacán ou Culiacán Rosales é a capital e a maior cidade do Estado de Sinaloa, no México. Localiza-
se na costa do Golfo da Califórnia. Tem 858 638 habitantes. Foi fundada pelos espanhóis em 1531 com o
nome de San Miguel de Culiacán.
[8] Despacito – Luis Fonsi - Despacito ft. Daddy Yankee

[9] Bed & Breakfast – Cama e café da manhã. Típica pousada onde tanto pode ser um hotel de pequeno
porte ou uma casa de família onde os donos alugam os quartos remanescentes
[10] Bad to the Bone – Canção por George Thorogood

[11] IMEI número de registro do aparelho celular.

[12] Topolobampo é um porto no Golfo da Califórnia, no noroeste de Sinaloa, no México.


[13] Traduzido do inglês-Altata é uma pequena cidade no município de Navolato conectada ao Oceano
Pacífico, localizada a cerca de 72 km a oeste de Culiacán, Sinaloa no México pela Freeway 30.
[14] Green card – O green card, oficialmente o US Permanent Resident Card é um visto permanente de
imigração concedido pelas autoridades daquele país. Diferentemente dos outros tipos de vistos ele não
restringe ou limita as ações de quem o tem. Fonte: wikipedia
[15] Observatório Edge em Nova York é o mirante a céu aberto mais alto do ocidente, com 335 metros
(cinco a mais que o mirante aberto do Empire State).
[16] Rockhampton é uma cidade em área do governo local de Queensland, Austrália
[17] Baja - A Baixa Califórnia é um estado mexicano na Península da Baixa Califórnia, na fronteira com o
estado americano da Califórnia. A paisagem se estende por montanhas e praias na costa do Oceano
Pacífico e do Golfo da Califórnia. Entre as cidades próximas à fronteira americana estão Tijuana, famosa
pela vida noturna e como destino de compras, e Rosarito, com suas praias largas e arenosas do Pacífico.

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