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Obras publicadas da autora
SÉRIE FAIR PLAY
Fair Play
Overtime (Uma história de Fair Play)
End Game (Um Spin-Off de Fair Play)
ALÉM DE MIM
Além de Mim
SÉRIE ESTAÇÕES
De Onde Vem o Frio
TÍTULO: De Onde Vem o Frio
AUTORA: Beatriz Garcia
PREPARAÇÃO E REVISÃO DE TEXTO:
Clarissa Progin
DIAGRAMAÇÃO: Beatriz Garcia
FOTO DE CAPA: Designed by Aleksandr
– StockAdobe.com
DIAGRAMAÇÃO DE CAPA: Fernanda
Freitas
ILUSTRAÇÃO: Gabriela Gois
Copyright © 2022 Beatriz Garcia
Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução, transmissão ou
distribuição não autorizada desta obra,
seja total ou parcial, de qualquer forma
ou quaisquer meios eletrônicos,
mecânicos, sistema de banco de dados
ou processo similar, sem a devida
autorização prévia e expressa do autor.
(Lei 9.610/98)
AVISO DE GATILHO E NOTAS DA AUTORA
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPITULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS
AVISO DE GATILHO E NOTAS DA AUTORA
Olá, leitor.
De Onde Vem o Frio é um New Adult que vai falar
sobre uma imigrante chilena e um jogador de hockey
canadense vivendo fora de seu país de origem,
mostrando as diferentes vivências que ambos tem
mesmo estando na mesma posição: Manuela e Nathan
não são suecos, mas a forma como o país os acolhe é
completamente diferente.
Esse livro vai falar sobre xenofobia e, por isso, ao
longo da narrativa, você vai encontrar algumas situações
desconfortáveis, preconceitos e uso de palavras
pejorativas utilizadas para descriminar pessoas por conta
de sua origem. Quero deixar bem claro que não
concordo, não compactuo e em momento algum
qualquer opinião expressa aqui condiz com o que
penso. Qualquer diálogo, fala ou pensamento
expressos nesse livro tem o único intuito de trazer a
construção dos personagens e da história. Elas não
condizem com o que penso como autora e como pessoa.
A xenofobia neste livro em momento algum é
romantizada.
Neste livro você vai encontrar diferentes
nacionalidades, vivências e histórias de vida e decidi
trazer isso como tema desta história porque somos seres
plurais. Esse livro é recomendado para maiores de 18
anos pois contém cenas de sexo explícito, consumo de
bebidas alcoólicas, temáticas como machismo, racismo e
abandono parental. Se qualquer um desses temas
incomodar a você, não prossiga a leitura. Sua saúde
mental deve estar sempre em primeiro lugar.
Dados esses recados, eu espero, do fundo do meu
coração, que essa história e esses personagens
conquistem seu coração assim como fizeram com o meu.
Com todo meu amor, Bia.
— Como é que é?
A mulher à minha frente puxa o copo de papel com
café para si e o afasta das minhas mãos. Encaro seu
rosto de forma séria, mas não consigo evitar de pensar
que, talvez, a tática de ir direto ao assunto não tenha
sido a melhor estratégia.
— Eu sei que não faz sentido, mas, aconteceu. Eu
fiquei nervoso e acabei falando seu nome durante a
reunião — explico a ela, tentando manter a voz firme,
mas falhando em certo ponto.
— Díos mio[1]! — Ela fala alguma coisa na sua
língua materna, mas mesmo sem entender o idioma, não
é difícil imaginar que o significado não é algo bom —
Você não me conhece, não somos amigos, nunca
trocamos mais do que “oi” e “obrigada” e, está me
dizendo, agora, que, simplesmente do nada, você disse
para seus empresários e seja lá quem mais que cuida da
sua carreira, que nós somos namorados?
— Quando você expõe dessa forma parece uma
loucura, mas eu posso explicar — digo, sem ter metade
da convicção com a qual pronuncio essas palavras.
Manuela — a “garota do café”, como eu
particularmente a chamo — balança a cabeça incrédula.
Não a julgo, porque também não faço ideia do que
aconteceu comigo durante a reunião de hoje.
Eu só me lembro de estar exausto, cansado de
responder às mesmas perguntas nas entrevistas, de ser
confrontado por todos a minha volta a respeito de tomar
um rumo em minha vida.
Eu sou um jogador de hockey, minhas estatísticas
são incríveis, sou o maior pontuador atual do time em
que jogo e também da temporada, adorado pela torcida
e o destaque no campeonato escandinavo. Atravessei o
mundo para ter uma conta bancária mais cheia, com a
promessa de erguer o time em que estou jogando. E, se
quer saber, estou fazendo isso com maestria.
Mas, por aqui, não basta apenas ser bom na arena
enquanto eu patino pelo gelo, eu preciso ter uma boa
reputação em minha vida pessoal. E, nesse quesito, para
meus empresários, técnicos, delegação e a comissão
toda do time, eu estou falhando. As noites regadas a
bebida, música alta, mulheres, carros de luxo e todas
essas regalias não podem ser usufruídas da forma como
estou fazendo.
As cobranças começaram logo que cheguei à
Suécia, mais precisamente em Estocolmo, para assumir a
posição de ponta lança no time do Stockholm Älg, um
dos principais da liga. Um país novo e literalmente tudo
aos meus pés… Como não me deixar levar?
Admito que, em alguns momentos, as coisas
saíram do controle, mas qual o problema? Nunca me
envolvi com drogas, continuei testando negativo no
antidoping, meu desempenho não caiu em nenhum jogo,
só tenho trazido alegria ao time e aos torcedores. Não há
nada de errado.
Entretanto, as pressões começaram a aumentar
gradativamente, principalmente porque a grande maioria
dos jogadores já é casado, alguns até mesmo têm filhos.
Enquanto no Canadá, minhas farras com os colegas de
time e amigos ficavam por debaixo dos panos, em um
país pequeno como a Suécia, não há muito sobre o que
fofocar.
E o hockey, por ser um esporte muito adorado por
aqui, faz com que os jogadores estejam em evidência o
tempo todo. Não preciso dizer que minhas escapadas e
noitadas viraram um banquete cheio para a imprensa.
Tentei manter o decoro nos últimos dias, mas não
deu muito certo, continuei sendo um destaque negativo.
Uma das manchetes em questão dizia o seguinte:
“O novato que desliza seu taco por todos os
lugares fora da arena”.
A imprensa consegue ser nojenta quando quer.
Durante a reunião de hoje, horas mais cedo, eu não
aguentava mais ouvir broncas e muito menos era capaz
de lidar com a pressão de todos à minha volta, eu só
queria silenciá-los, só queria acabar com o tormento.
Nervoso e exausto, procurando uma solução, fosse
qual fosse, enquanto ainda segurava o copo de café que
havia comprado em uma das franquias da cafeteria onde
Manuela trabalha, eu simplesmente lembrei do seu
nome.
— Se querem saber, essas broncas todas são
inúteis, porque, na verdade, eu estou saindo com uma
garota.
— Você tem saído com várias garotas, Nathan —
desdenhou um dos chefes do alto escalão do time,
acompanhado de uma risada fraca do agente de
imprensa.
— Não, é sério, tem uma garota… — continuei,
empolgado com a ideia de calar a todos eles, ainda que
estivesse mentindo — O nome dela é Manuela, a conheci
em um café perto da minha casa. Ela me atende todos os
dias, acabamos por ficar amigos e uma coisa levou a
outra. Chamei-a para sair recentemente.
Meu empresário me observou de forma atenta e
depois deu um sorriso satisfeito em minha direção. Pouco
a pouco, cada um dos presentes na reunião sorriu
triunfante, como se eu houvesse acabado com todos os
problemas os quais discutimos minutos antes.
— Então faça questão de começar a trazê-la para
os jogos, procurar lugares para que vocês sejam vistos
juntos. Esse sim é um momento para não ser discreto,
Nathan — pontuou o assessor de imprensa do time.
Depois da reunião geral, tive que conversar com
meu empresário e confidenciei a ele que se tratava de
uma mentira. Ele sabia. Porque, afinal de contas, o cara é
quem encobre boa parte dos problemas em que me
envolvo, ele sabe cada passo que dou e, por isso, sabia
que eu estava mentindo de forma descarada na frente de
todos.
Foi ele quem me convenceu que,
independentemente da mentira, eu deveria tentar algo
com a garota que, neste momento, está parada a minha
frente me olhando incrédula. Segundo ele, não seria
nada ruim tentar arranjar uma companhia que pudesse
entreter a imprensa e me tornar um tédio completo para
as manchetes e fofocas.
Por isso, depois de receber suas instruções e do
treino denso de academia junto ao restante do time, eu
saí do complexo esportivo aliviado por acabar com a
pressão à minha volta, mas, infelizmente, com uma
bomba em mãos.
Eu precisava dizer à garota em questão que havia
jogado seu nome em uma reunião importante e, agora,
tinha que contar com sua boa vontade para me ajudar.
Entretanto, Manuela não parece ser uma mulher
fácil. Nós não trocamos muitas palavras além do
essencial, ela costuma me atender na maioria das vezes
em que venho aqui. Eu não a conheço, não sei o que faz
além de trabalhar na cafeteria, mas, apesar disso,
reconheço algum potencial de beleza nela. Apesar de
estar sempre com os cabelos castanhos presos e um
semblante em sua maioria cansado, já flagrei um sorriso
gentil para com os clientes, ainda que, para mim, ela
sempre esteja com o semblante meio rígido.
De resto, não sei muito mais a seu respeito. Mas,
por hora, não preciso conhecê-la a fundo para
reconhecer a feição que emoldura seu rosto. A ira
transborda até mesmo no tom de suas palavras.
— Isso só pode ser algum tipo de piada de mau
gosto — ela afirma e deposita o café na bancada. — O
que deu na sua cabeça?
— Passei mais de duas horas enfiado em uma
reunião insuportável que mais parecia uma bronca de
pais com o filho mal-educado — começo a explicar,
deixando presente em minha voz a insatisfação — meus
colegas de time, os técnicos, os assessores, todo mundo
estava me pressionando por conta das minhas atitudes,
por ser um…
— Babaca? — Completa. — Me conte algo que eu
não saiba.
Reviro os olhos e passo os dedos pelos cabelos,
irritado tanto quanto ela pela situação.
— Olha, é o seguinte: aparentemente, por aqui, um
jogador de hockey não pode simplesmente curtir a vida
como qualquer outra pessoa faria no meu lugar. Existe
uma regra não explícita de que temos que passar uma
boa imagem dentro e fora do rinque de patinação. Eles
estavam me cobrando um posicionamento adequado e
eu só queria silenciá-los. Eu estava com um copo de café
na mão e lembrei de você. Disse seu nome, falei que
estávamos saindo e uma coisa levou a outra. E agora, eu
preciso continuar com o plano.
— Deixa eu ver se entendi bem — a mulher à
minha frente, que não parece ter muito mais do que a
minha idade, começa a falar, mas ao desviar o olhar para
a entrada do café, começa a andar em direção ao caixa.
Como só ela cuida do atendimento, nossa conversa é
interrompida com a chegada de mais um cliente.
Já a vi atender inúmeras pessoas nas muitas vezes
por semana que venho aqui, mas dessa vez, reparo mais
na forma como ela tenta ser simpática. Sei que ela não é
daqui por conta do nome e também porque ela fala boa
parte do tempo em inglês, e a língua nativa aqui é o
sueco.
Noto que ela se esforça para entender o que a
mulher de meia idade pede, e quando finaliza o
pagamento, ela volta para o local onde estávamos
conversando e prossegue o assunto enquanto começa os
preparos do café.
— Deixa eu ver se eu entendi bem — ela repete. —
Você, e sua atitude de astro do hockey, não deram muito
certo por aqui, e aí você decidiu falar que nós estamos
saindo e agora, você quer que eu seja sua “namorada de
mentirinha”?
— Exatamente — afirmo. — Não precisa durar
muito, podemos ficar um tempo juntos e aí eu termino
com você — dou um sorriso de lado mostrando a covinha
que tenho do lado direito da bochecha.
— Simples assim? — Questiona, com um sorrisinho
mínimo nos lábios.
Pela expressão em seu rosto, acredito que ela
tenha se compadecido com a minha situação, a transição
é sútil, mas acho que está dando certo.
— Simples assim. E no final das contas pode ser
legal. Pense comigo: podemos ir jantar em restaurantes
caros, você ficaria nas cadeiras exclusivas para os
familiares dos jogadores, podemos fazer alguns passeios,
o que você quiser. É só por um tempo, eu prometo.
— Jogos, restaurantes caros…. Uau! — ela exclama
enquanto vaporiza um pouco de leite em uma caneca e
seu sorriso se expande um pouco mais.
“Estou conseguindo”, penso comigo e,
mentalmente, me dou um tapinha nas costas. Essa ideia
maluca está dando certo, a surpresa e o alívio me
dominam.
— E então, você topa? — Pergunto esperançoso.
Manuela dá algumas batidinhas na pequena
caneca onde vaporizou o leite e preenche a xícara com
maestria, fazendo um desenho de coração na borda
através da mistura. Ela segura a xícara e vem até a
minha direção, depositando no balcão para que a
senhora pegue seu pedido.
— Latte descafeinado — ela anuncia e a mulher se
materializa ao meu lado e agradece, pegando alguns
sachês de açúcar e voltando para a mesa.
— E então, gata, você topa? — Repito a pergunta,
aguardando de forma esperançosa sua resposta.
E então, da mesma forma como o sorriso surgiu em
seus lábios, ele desaparece e dá lugar a uma expressão
fechada. Os olhos castanhos de Manuela ficam densos e
mesmo sem conhecê-la, reconheço o significado de seu
olhar.
Raiva.
Raiva de mim.
— Olha aqui, Nathan — ela aponta com o indicador
em direção ao meu rosto, e apesar de ser bem mais alto
que ela, Manuela sabe intimidar. — Não sei que merda de
joguinho é esse seu, mas não estou interessada em você,
nem em nada que tenha a me oferecer. Fique longe de
mim!
Ela parece ainda mais irritada e antes que eu possa
abrir a boca e me justificar, um grupo de estudantes
adentra ao café e alguns dos garotos me reconhecem.
Eles vêm até mim para tirar fotos e conversar. Manuela
atende aos demais e percebo que não vou conseguir
mais dialogar com ela. Ao menos não hoje.
Falar de forma despretensiosa com ela, como se
estivesse fazendo meu pedido habitual de café não deu
certo. Em um cenário muito mais comum do que esse,
tenho certeza que qualquer garota aceitaria a proposta
de um namoro falso com um jogador em ascensão, mas
não é o caso aqui.
Manuela não vê isso como uma chance para me
conquistar, como uma forma de tirar a sorte grande. Para
ela, é um grande pesadelo, isso ficou claro na nossa
curta conversa. E em certo ponto, não posso culpá-la.
Não nos conhecemos. Assim como para mim, ela é
apenas a garota do café, eu só apenas mais um cliente
que ela precisa lidar dia sim, dia não. Não foi a melhor
ideia de todas, eu nem mesmo planejei dizer seu nome
no meio da reunião, simplesmente aconteceu. E para o
meu próprio bem, para o bem da minha carreira, eu
preciso continuar com esse plano.
Posso ficar sem as modelos, festas milionárias e
todas as noites regadas a diversão. Posso aguentar, ou
pelo menos me esforçar para isso. Mas preciso desse
relacionamento de mentira, preciso mostrar ao meu time
e aos fãs que eles podem confiar em mim dentro e fora
da arena, preciso mostrar que sou alguém de confiança.
E, se para isso, tiver que fingir estar namorando
com uma completa desconhecida, assim eu farei.
Uma coisa que sempre me falaram quando decidi
aceitar minha bolsa de doutorado na Suécia é que eu iria
me acostumar com o frio.
Essa foi a pior mentira que me contaram.
Esqueça a fada do dente, o papai Noel,
assombrações no Dia das Bruxas…. Nenhuma dessas
mentiras se compara ao que me disseram a respeito do
frio, sobre encará-lo como algo do dia-a-dia e sair com
roupas térmicas e casacos à prova d’água.
O frio latente que faz todos os dias nesse país é
assustador. Não há uma manhã em que eu não lamente
e não sinta saudades dos dias ensolarados que meu país
de origem me presenteava durante boa parte do ano. É
até pecado dizer que faz frio no Chile, nada do que eu
enfrentei lá se compara ao clima de agora.
Cheguei aqui no verão e, realmente, quando não se
tem sol boa parte do ano, você passa a celebrar qualquer
raio de luz que seja, e os suecos sabem fazer isso com
maestria. Às sextas-feiras, durante os meses de calor, as
pessoas param de trabalhar às três da tarde para ficarem
no bar e aproveitarem a luz do sol que dura até às onze
da noite.
Mas, os dias de verão são apenas uma lembrança.
Estamos no meio de setembro e a noite chega antes das
seis da tarde. O contraste é gigantesco. Tive que gastar
um pouco mais de dinheiro esse mês para a compra de
um novo conjunto de roupas térmicas e botas realmente
quentes.
“O inverno está chegando”, penso comigo, usando
como referência a frase clássica de uma das minhas
séries favoritas da vida.
O Chile é um país frio e que neva, eu deveria estar
acostumada, mas é diferente. É completamente diferente
o frio que faz aqui e o frio que fazia em Santiago.
Não tenho filhos, mas acredito fielmente que a
frase “leve um agasalho”, proferida por todas as mães
que já conheci, aqui não existe, porque não há a remota
possibilidade de andar sem blusa de frio.
É fato que ter calefação e aquecimento onde quer
que você vá, transforma a experiência com o frio
diferente, a deixa de certa forma mais tolerável. Meu
verdadeiro problema é o vento. É como se meu rosto
fosse chicoteado várias vezes.
Essas reflexões todas sobre o frio me passam pela
cabeça enquanto aguardo Mahara do lado de fora da
sala, longe da calefação e com uma corrente de ar
gelada entrando pela porta.
Temos aulas às terças e quintas neste primeiro
semestre do doutorado e, por isso, meu turno começa só
depois do almoço. No entanto, se ela demorar mais um
pouco, vou precisar correr para almoçar a fim de evitar
me atrasar para o trabalho.
Como se tivesse o poder de escutar meus
pensamentos, ela desponta pelo corredor e caminha a
passos rápidos em minha direção. Sorrio por ver minha
amiga e a bolsa que ela carrega. “Libertem a Palestina”
está estampado na ecobag e eu gosto de pensar que,
mesmo do outro lado do mundo, fui capaz de encontrar
uma amiga que tem os mesmos ideais que eu.
Mahara é sueca mas tem esse nome por conta da
mãe paquistanesa, que veio jovem para a Suécia e se
apaixonou por um sueco que a engravidou. A mãe ainda
mantém os costumes da religião e do país de onde veio.
Ela já me contou que isso ainda é uma questão entre as
duas, mas minha amiga tenta convencer a mãe que o
fato de não usar o lenço, não significa que ela não tenha
uma ligação com Deus ou que não honre sua origem. Os
cabelos castanhos e escuros de Mahara balançam
quando ela chega ao meu lado.
— Desculpa o atraso, amiga. — Ela me saúda
enquanto pisca seus cílios grossos e levantados por
conta da maquiagem que usa. — Minha turma se
empolgou no debate e o professor esqueceu do tempo.
— Sem problemas — dou de ombros e começo a
andar ao seu lado. — Como foi a apresentação?
— Poderia ter sido melhor, entramos em um debate
sobre um ponto super específico na apresentação de
uma das colegas de classe e aí, bom...
— Esses acadêmicos amam uma discussão, não é?
— Brinco com ela, que concorda comigo e me entretém,
contando sobre sua aula enquanto seguimos nosso
caminho usual pelas ruas, indo em direção ao nosso
restaurante favorito.
O atendente, que já nos conhece, nos diz quais são
os pratos do dia, e Mahara e eu fazemos nossos pedidos.
Eu e minha amiga somos o completo oposto, ela sempre
preza por comidas menos calóricas e muitas saladas,
enquanto eu adoro comer carne e massas.
— E você? — Pergunta, depois que nossas bebidas
chegam à mesa. — Conseguiu entrar em contato com o
proprietário do seu apartamento?
— Parece que você não conhece o país que mora —
reviro os olhos, brincalhona. — A mulher de quem
aluguei o apartamento disse que a proprietária ainda não
voltou da viagem de férias.
— Daria tudo para que você pudesse alugar um
lugar sendo a primeira inquilina.
— Eu que o diga.
Continuo conversando com minha amiga, mas
apesar de tentar demonstrar não estar tão preocupada
com o assunto, isso tem tirado meu sono nos últimos
dias.
Conseguir alugar um lugar para morar foi a maior
dificuldade que encontrei assim que cheguei em
Estocolmo. Aparentemente, apesar de ser um país
pequeno e com uma população também pequena, isso
não impede que falte moradia.
Eles possuem um sistema de aluguel
completamente diferente do que já vi em toda a minha
vida. Você pode alugar um espaço diretamente com o
proprietário, mas também pode alugar diretamente com
um inquilino, o “aluguel do aluguel” como eu
particularmente chamo.
Tentei explicar para minha irmã, Tonia, uma vez, e
ela não entendeu nada. Quando tentei uma segunda,
caímos na gargalhada durante a ligação. Entretanto,
apesar de soar engraçado, neste momento, o assunto
deixou de ser um tópico pertencente à lista “esquisitices
da Suécia” e faz parte da minha “lista vermelha
escarlate” em alerta.
Estou com um problema. O contrato de aluguel
vence em duas semanas e eu não tenho para onde ir,
estou procurando há três meses uma moradia, mas nada
atende às minhas necessidades — que não são tantas
assim, além de precisar de um local já mobiliado. Todas
as vezes em que encontrei, o valor era superior ao que
eu poderia pagar.
Não adianta estar na Europa, um dos países mais
bem desenvolvidos do mundo, a pesquisa na área de
humanidades ainda assim não é valorizada. E a Suécia é
um país caro, por isso, não posso comprometer muito
mais da minha bolsa em um aluguel, eu teria que
trabalhar ainda mais no café.
— Ei — Mahara chama minha atenção e me dou
conta de que fiquei aérea nos últimos minutos. — Você
vai dar um jeito, Manu. Eu vou te ajudar no que puder.
— Obrigada, Mah — aperto a palma de sua mão
gentilmente e nos separamos quando nosso garçom,
finalmente, traz nossos pratos.
A salada Caesar de minha amiga contrasta com
meu prato suculento de carne e batatas, é
impressionante como esse legume é consumido o tempo
todo por aqui.
Deixo meus problemas de lado e me deleito com
meu almoço. Mahara me conta sobre seus próximos dias
e nos atualizamos a respeito da vida uma da outra.
Quando o semestre acabar, não vamos nos ver toda a
semana com a mesma regularidade, e eu já imagino que
vou sentir sua falta.
O restaurante é tomado pelo som das conversas ao
nosso redor e também pela televisão alta que mostra as
principais notícias do país e do mundo. É também o
horário em que os repórteres falam sobre esportes, entre
eles, o hockey.
Sei disso porque minha amiga é apaixonada por
hockey e sempre para de comer para acompanhar as
atualizações sobre o time que ela e o pai acompanham, o
Stockholm Älg.
Só conheço mais do que o básico sobre hockey
porque Mahara tenta sempre me convencer de que é um
esporte incrível — apesar de eu ter minhas dúvidas — e
porque a estrela do time frequenta o café onde trabalho.
— Olha, é o Nathan! — Minha amiga aponta para a
TV e me viro para olhar a tela.
— O que estão falando? — Questiono, porque não
entendo direito sobre o que se trata, afinal de contas, os
apresentadores falam em sueco, e eu ainda não atingi
esse nível de fluência.
— Estão falando das estatísticas dele e… — ela
pausa e sua expressão se choca — Parece que ele
arrumou uma namorada.
— É um programa sobre esportes ou fofocas? —
Dou risada e Mahara pede silêncio com a mão.
— É isso mesmo — ela volta a falar depois que a
vinheta dos esportes, que eu já conheço tão bem, toca
novamente e o jornalista volta a falar de outros assuntos.
— Estão correndo boatos de que ele está namorado.
Quem será a sortuda? — Mahara apoia a mão no queixo
e com a outra, pega mais um pouco de salada para
comer.
— Não faço a menor ideia. Só consigo desejar boa
sorte para a garota.
— Você não reparou em nada? Ele não foi
acompanhado até o café nenhum dia desses? —
Questiona curiosa.
— Não, ele só aparece para pedir o café dele e ser
meio babaca. Parece que tem o rei na barriga, e você
sabe que eu detesto pessoas assim.
— Eu entendo. Mas a beleza dele compensa toda
essa chatice, confia em mim. Além disso, nos fóruns que
eu acompanho, as mulheres tecem vários elogios para
ele. Isso sem contar que ele joga bem demais. Sério,
você devia assistir um jogo comigo.
— Você não desiste, não é? — Tanto ela, quanto eu,
rimos.
— Não custa tentar. Mas, de verdade, em
consideração ao carinho e afeto que você tem por mim,
tenta ver se descobre algo, por favor — ela alonga a
última sílaba e eu dou risada.
— Darei o meu melhor, maria-patins — brinco,
usando um termo que ela me ensinou recentemente.
Terminamos de almoçar e vamos para o ponto de
ônibus juntas, ela segue para o lado oposto, em direção
ao grande centro, e eu, para uma área mais afastada,
mas ainda assim, movimentada. A área mais rica da
cidade, se é que dá para diferenciar Estocolmo dessa
forma.
Não demoro muito para chegar ao meu trabalho e
logo faço a troca de turno com minha colega, o horário
pós almoço é um dos momentos mais movimentados do
café onde trabalho, apesar disso, conheço muitos dos
frequentadores e em certos casos, já até mesmo decorei
os pedidos deles.
A música ambiente toca uma playlist de rock indie
que adoro e me distraio com ela enquanto atendo as
pessoas, observo os estudantes e workaholics
trabalhando em seus notebooks. É um ambiente
silencioso e a dona é super gente boa, tanto que não se
importa se precisarmos atender alguma ligação ou mexer
no telefone durante o expediente.
Verifico minha caixa de entrada do e-mail quando o
movimento se acalma e não encontro nenhuma resposta
da imobiliária. Céus! Eu não sei o que vou fazer.
Mexo nos fios de cabelo que escapam do meu rabo
de cavalo quando o sino toca avisando que mais um
cliente entrou na loja. E este eu conheço bem.
É Nathan LeBlanc, o jogador que Mahara e eu
falávamos mais cedo durante o jornal. Os cabelos
castanhos mais compridos estão jogados para trás e ele
veste um casaco grande e jeans escuros, ele raramente
anda de luvas ou de touca, talvez por estar acostumado
com o frio.
Segundo o que Mahara me contou, ele veio do
Canadá, jogava em um dos principais clubes de hockey
no país e se mudou depois de aceitar uma proposta
milionária para jogar aqui. Quando eu o atendi pela
primeira vez, ele mal olhou na minha cara.
É o típico esportista que acha que tudo e todos
precisam servi-lo. É o tipo de pessoa com quem evito
conviver. E o tipo de beleza que não dou importância por
conta da atitude de “superior”, por mais que ele seja
bonito, me recuso a dar o braço a torcer.
Todavia, hoje, ele caminha em minha direção sem
tirar os olhos dos meus, acho que nunca olhamos tanto
tempo um para o outro. Quando ele chega ao caixa, nem
eu ou ele falamos nada. Ele fica simplesmente parado
me encarando.
Os olhos castanhos dele são bem escuros, o que
acho que só ganha esse contraste todo porque Nathan
tem a pele bem clara, ele parece até pálido de certa
forma. Talvez eu tenha essa impressão porque todo
mundo neste país é muito branco. Como sul-americana,
ainda que eu seja considerada “branca” para o lugar de
onde venho, nossas peles contrastam de maneira
significativa.
Ele continua a me olhar e vejo um sorrisinho
mínimo despontar em seus lábios. Não sei o que está se
passando na cabeça dele e, por isso, decido quebrar o
silêncio entre nós.
— Oi, o que vai querer?
— Bom, eu…. — ele pondera um tempo olhando o
cardápio preso na parede e eu, pacientemente, espero.
Nathan é um dos clientes que acabei decorando os
pedidos, ele transita entre três cafés: Cappuccino
clássico, Latte Caramelo ou Expresso Americano, em dias
que ele está mais apressado, talvez atrasado para um
treino ou qualquer outra coisa.
Mas, hoje, ele está demorando demais. E quando
escolhe a primeira opção de sempre, contenho meu
hábito de revirar os olhos. Ficamos em silêncio depois
disso porque ele conhece o ritual e eu também: ele
aproxima o cartão da máquina, não aceita a nota fiscal e
eu me posiciono na bancada de preparos.
Vejo que, ao invés de se afastar e esperar que eu
chame seu nome, ele fica parado na bancada de espera,
noto pelo canto do olho que ele me observa, mas ignoro,
ele deve estar com alguma questão interna e não tenho
interesse em saber do que se trata.
— Nathan — digo baixo seu nome já que ele está à
minha frente.
Ele não pega o copo que eu estendo em sua
direção e eu o encaro.
— Algum problema? — Pergunto de forma gentil,
tentando entender qual é a dele.
Nathan respira fundo e estica a mão devagar em
minha direção enquanto começa a falar.
— Sabe, aconteceu uma coisa engraçada hoje —
ele joga os cabelos para trás e uma risada escapa de
seus lábios. Não sei do que ele acha graça, mas logo
prossegue — Eu estava numa reunião mais cedo e disse
para meus agentes e para os assessores de imprensa
que estávamos namorando. E aí, o que acha de ser
minha namorada de mentirinha?
Eu não processo suas palavras, não por completo.
Só absorvo o “estávamos namorado” e o pedido para
“ser sua namorada de mentirinha”.
— Como é que é?
Dave Bennett é o melhor amigo que eu poderia ter
no mundo. Sem brincadeira, eu confiaria nele de olhos
fechados a minha vida, minha família, minhas finanças,
qualquer que fosse a questão.
Dave sempre foi leal comigo, mas acho que isso é
esperado, considerando que nos conhecemos desde que
me entendo por gente.
Trilhamos caminhos semelhantes desde que
nascemos, quando eu ainda era uma criança pequena de
colo e ele quase dois anos mais velho. Filhos de pais
melhores amigos, não me surpreende que tanto ele,
quanto eu, tenhamos seguido passos semelhantes aos
dos nossos pais.
Lewis LeBlanc, o meu pai, jogou hockey boa parte
de sua vida, assim como Jonathan Bennett, o pai da
Dave. Os dois eram jogadores importantes em seus times
na faculdade. Meu pai aposentou o taco e os patins
quando não foi draftado e, hoje, ele diz com felicidade
que foi a melhor coisa que lhe aconteceu.
Cuidar de mim e me proporcionar a vida que tive
era mais importante do que sua paixão pelo hockey.
Entretanto, ele arranjou um jeito do esporte estar sempre
em nossa vida. Tanto é verdade que, além de amar
hockey, sempre me sinto honrado por dar continuidade
ao legado que meu pai começou, mas que não pôde
continuar.
Para Dave é um pouco diferente. O pai dele nunca
tratou o esporte como prioridade em sua vida, era
apenas um meio para o fim, uma forma de cursar a
faculdade com uma bolsa de estudos e depois trilhar seu
caminho na área que cursava.
Jonathan conseguiu um emprego na área de
engenharia desejada e o filho seguiu para o mesmo lado.
Formado em engenharia de computação, Dave é
brilhante no que faz — seja lá o que for, já que eu não
entendo nem um pouco sobre sua profissão e os códigos
com os quais ele mexe.
Ele é meu melhor amigo, nos falamos pelo menos
uma vez por semana, fomos criados boa parte da vida
juntos, quase como irmãos. Por isso, não me surpreende
nem um pouco que, neste momento, ele esteja rindo da
situação que relato para ele via chamada de vídeo.
— Você, realmente, faz jus ao ditado que todos os
atletas são babacas — ele ri da minha cara e passa a
mão no queixo. — Chegar do nada, pedir um café e
contar sem contexto algum que você tinha dito que ela
era sua namorada? Sinceramente, Nate, achei que você
entendesse melhor a dinâmica das mulheres.
— Por que eu ainda insisto em te chamar de
amigo? — Pergunto, enquanto levo uma garrafa de água
aos lábios.
— Talvez porque eu seja o único idiota que aguenta
suas histórias malucas — ele ergue uma sobrancelha
loura para mim e, pelo vídeo, começamos a rir
novamente. — Mas, vamos recapitular: você não apenas
se tornou o maior festeiro do time…
— Eu sou um dos únicos festeiros do time, eu diria
— corto sua linha de raciocínio e completo baixo
enquanto ele continua a racionalizar minha questão toda,
uma característica de Dave.
— Certo, então você é o maior festeiro do
time. Não satisfeito com isso, você levou bronca dos
agentes e demais caras que cuidam da sua imagem e aí,
simplesmente, você disse o primeiro nome de garota que
veio a sua mente para despistar todos os sermões?
— Isso — afirmo, mordendo o lábio inferior. — Eu
sei que é ridículo, mas você sabe como eu fico ansioso
para achar uma solução para qualquer problema que
seja.
— Eu bem sei, você quer dizer — afirma, dando
mais uma risada. — Essa sua mania de ser imediatista já
me meteu em várias roubadas. Mas, continuando. Não
contente, o nome da garota, por “ironia do destino” —
ele faz aspas no ar — é o nome da atendente do café
que você vai todos os dias, cuja pessoa você nunca
trocou mais do que um “oi, um expresso para viagem”.
— Ele faz uma péssima imitação da minha voz e
continua. — E então, sem mais nem menos, sem nem ao
menos um contexto, você decidiu propor a ela um
relacionamento de mentira? — Meu melhor amigo segura
a risada novamente e eu me vejo obrigado a fazer a
mesma coisa.
— Você conseguiu fazer com que eu me sinta ainda
mais idiota — reviro os olhos.
— Cara, você também não ajuda — pontua Dave
enquanto se encosta em sua cadeira grande de trabalho.
— Sinceramente, ninguém no mundo iria achar um
diálogo como esses aceitável. Você não pode,
simplesmente, dizer que não é verdade e esquecer essa
ideia idiota?
— Dave, essa mentira é a única forma de fazer com
que as pessoas parem de olhar torto pra mim — explico,
porque ninguém faz ideia do quanto, depois que o boato
correu, as pessoas dentro do time comentaram a respeito
e algumas mudanças sutis aconteceram.
Conto a ele a mudança de humor do nosso técnico,
um cara de meia idade que me adorava assim que
cheguei, mas que depois das manchetes exageradas da
imprensa, passou a me ignorar por completo.
Porém, durante o treino de hoje, ele voltou a sorrir
da forma como fazia antes. Elogiou meu desempenho,
me usou até mesmo como comparativo sobre como
acertar tiros de longa distância.
— Qual é a dessa galera com a questão de festejar
um pouco? — Questiona meu amigo enquanto desalinha
os fios loiros de cabelo — Eles não fazem a menor ideia
do que você fez durante a faculdade, não é? Imagina se
descobrissem que, antes de uma semifinal de
campeonato, você passou quase que a noite em claro
por conta de um ménage?
— Bons tempos inclusive… Esses dias de celibato
estão acabando comigo — relembro o fato de que minha
reclusão é um saco e olho novamente para a tela do
celular — Mas, de verdade, cara, eu não sei. A grande
questão é manter o decoro, se eu tivesse sido discreto
desde o início, não teria problema algum. Mas, agora, as
pessoas já me conhecem, e uma fofoca leva a outra,
você sabe. Todos estão de olho em mim: meu
empresário, a imprensa, a comissão técnica, os
assessores do time. Eu preciso mostrar que consigo ser
um cara responsável e, por isso…
— Assumir um relacionamento sério parece a
melhor escolha — conclui ele. — E, se você falar sobre
outra garota agora, depois de já ter dito o nome de uma,
vai soar ainda mais como uma mentira deslavada.
— Exatamente. Eu preciso manter as aparências
pelo menos por um tempo — completo a linha de
raciocínio dele.
— Bom, então você precisa convencer essa tal de
Manuela. Você precisa conhecê-la melhor, explicar de
forma mais coerente a situação, ser sincero com ela.
— Mais do que eu já fui? — exclamo.
— Nate, pedir à garota que você, particularmente,
se refere como “garota do café” em namoro, um namoro
de mentira, diga-se de passagem, dessa forma tão…
Espontânea — ele estala a língua no céu da boca — está
longe de ser a melhor forma de fazer um tipo de
proposta.
— O que você sugere então, gênio? — Pergunto de
forma irônica.
— Sinceramente? Você precisa de uma moeda de
troca — responde de forma objetiva. — Precisa ser uma
relação de benefícios, tanto para você como para ela.
Fazer por caridade ou pelo simples fato de que você é
um jogador famoso não parece o tipo de coisa que a
interesse. Já tem garotas demais ao seu lado que te
carregam como troféu, ela não me parece querer ser
mais uma.
— Você tem razão, eu sei que tem… — afirmo,
exausto. — Queria tanto que você estivesse aqui, você
saberia explicar exatamente o que preciso para ela.
— Você também sabe fazer isso, Nate. Você faz
isso todas as noites quando saí com uma garota — ele
nota meu rosto confuso e continua. — Trate como uma
transação mais longa, só isso. Quando você se interessa
por uma garota, numa balada, por exemplo, você diz a
ela o que quer, não é? — Assinto e ele prossegue. — Você
precisa explicar a Manuela o que precisa e fechar um
acordo com ela.
— Quando foi que você se tornou tão bom com as
mulheres? — Brinco, provocando-o a respeito de sua
dificuldade de lidar com o sexo oposto.
— Anos de erros me fizeram aprender alguma
coisa — a voz de Dave fica grave e apesar do tom
brincalhão, sei exatamente ao que ele se refere.
— E como está Nick? Já matriculou ele nas aulas de
hockey? — Pergunto.
— Já sim, vamos comprar patins para ele esse final
de semana… Se tudo der certo e eu conseguir vê-lo.
Assinto, triste, porque sei que esse é um assunto
que magoa meu melhor amigo, não conseguir conviver
direito com o filho o deixa terrivelmente chateado.
Continuamos a conversar sobre outros temas e, logo,
estamos nos provocando novamente, principalmente
quando eu cito seu péssimo desempenho em sair com
garotas.
— Posso ser o cara que precisa de um
empurrãozinho do amigo para conseguir um encontro,
mas não sou eu quem está precisando “fingir um
namoro” — ele rebate e cerra os olhos em minha direção,
como se estivesse intimidando um jogador do time
adversário, assim como fazia quando jogávamos juntos.
— Odeio você. — Desdenho.
— Também te amo, irmão.
Dave e eu continuamos a conversar e, ainda que
eu tenha um assunto pendente para resolver e que ele
também tenha sua cota de problemas, vibro feliz com a
possibilidade que ele me apresenta. Ele está concorrendo
a uma vaga importante em uma empresa grande com
sede na Suécia.
— Ter você aqui vai ser legal, trate de passar neste
processo seletivo. E traga o Nick com você.
— Não vou me esforçar tanto assim — desdenha
ele. — Imagina precisar morar perto de você de novo,
não iria aguentar. Você longe já é um problema demais,
perto então…
— Cala a boca — ralho, fingindo estar irritado. —
Nós dois juntos iríamos viver poucas e boas e você sabe
disso.
— Não se esqueça, garotão, que eu sou pai de uma
criança e que você precisa se manter na linha. E, se
quiser mesmo conquistar a confiança da Manuela, vai
precisar ser beeeem mais discreto — ele me alerta e
volta a falar sobre a minha suposta namorada. — Eu
gosto desse nome, aliás. Manuela — diz de forma
eloquente, como se estivesse recitando um poema. —
Ela, com certeza, não é sueca — ele vira seu rosto para o
computador que tem a sua frente e começa a bater no
teclado.
— Acho que já a ouvi falando em espanhol ou algo
parecido…
— Segundo o Google, esse é um dos nomes mais
comuns de mulheres na América Latina — ele me fala
algumas estatísticas a respeito do nome e continua. —
Bom, está mais do que na hora de descobrir mais a
respeito dela. O que faz, suas redes sociais, se tem
namorado ou namorada, interesses, de onde ela é, são
tantas coisas…
— Por que eu tinha que falar o nome de uma
pessoa que eu nem ao menos conheço? — Repouso o
celular no apoio e escondo o rosto entre as mãos. —
Agora, além de precisar conhecer alguém como se
estivesse na porcaria de um encontro às cegas, eu ainda
preciso convencê-la a topar essa proposta. E não sei
como fazer isso.
— E muito menos eu, cara.
E ela o faz.
Estou sentado numa mesa de madeira simples num
bar que está praticamente vazio, com exceção de uma
mesa com dois homens mais a lateral. O bar fica próximo
à Universidade de Estocolmo, mas diferente da agitação
que há na rua paralela a que estamos, a tranquilidade
reina aqui.
Manuela fez com que eu me sentasse assim que
entramos e, neste momento, ela está inclinada no balcão
conversando com um homem mais velho, enquanto ele
enche uma jarra grande de cerveja. Tiro minha jaqueta,
penduro ela na cadeira e observo tudo ao meu redor,
ainda impressionado com o quanto o lugar é tranquilo e
vazio.
— Prontinho — Manuela me desperta do transe
quando deposita os dois copos e a jarra na mesa. — Pedi
uma porção de homus e pão.
— Parece ótimo — comento enquanto começo a
nos servir e Manuela retira o casaco excessivamente
grande que usa, juntamente com a touca e o cachecol. A
quantidade de blusas para a estação que estamos só
prova o quanto Manuela não está acostumada com o frio.
Não consigo deixar de sorrir quando vejo a camiseta
igual à que eu usava pouco tempo atrás cobrindo seu
corpo. — Adorei a camiseta, ótimo jogador esse cara —
pisco pra ela.
— Engraçadinho — ela joga os cabelos pelas costas
e só então me dou conta do cheiro que ela emana.
Sentada à minha frente, mas ainda assim
próximos, consigo sentir um leve cheiro de flores e o
aroma de baunilha e pimenta rosa, que senti uma outra
vez, adocicado mas também suave, e que de certa forma
contrasta com a mulher séria a minha frente.
— Como você conheceu esse lugar? — Pergunto
quando ela finalmente se ajeita e dá uma golada
generosa na cerveja. — Quero dizer, ele é ótimo, mas é
tão…
— Tranquilo? — Ela completa e eu assinto. — Comi
aqui uma vez durante a semana, o dono, aquele senhor
ali — aponta discretamente para o homem que a atendia
— é judeu, e ele e a esposa cozinham como ninguém.
Mas, por conta da religião, eles não abrem durante a
sexta à noite. Só voltam a funcionar no final do sábado,
isso faz com que ninguém conheça ou venha aqui. Além
disso, como você pode ver, não é um lugar com muitos
atrativos para os jovens.
— Faz sentido — afirmo. — Ótima escolha. É como
se tivesse sido transportado para um lugar onde
ninguém me conhece — comento com um riso nos
lábios.
— E provavelmente eles não te conheçam mesmo,
o Sr. Baruc não é muito fã de esportes.
— É um prazer pessoal seu me apresentar para
pessoas que não são fãs de hockey, não é? — Brinco com
ela.
— Só um pouco — Manuela dá de ombros e para de
falar quando uma senhora simpática, que deve ser a
esposa do dono, chega até a nossa mesa e deposita um
pote grande de homus e um cesto generoso de pão.
Manuela e eu começamos a comer em silêncio e
quando nós dois soltamos um breve gemido de prazer
por conta da comida, tanto ela quanto eu começamos a
rir.
— Já dá pra dizer que temos algumas coisas em
comum — começo a falar enquanto preparo um novo
pedaço de pão para comer. — Gostamos de Gorillaz, de
homus, você está aprendendo a gostar de hockey...
Parece que estamos progredindo como casal, não acha?
— Não se iluda — ela cruza os braços e revira os
olhos — há muitas facetas para se conhecer, tanto
minhas quanto suas — Manuela desdenha.
— Vamos nos conhecer então — lanço a ideia. —
Não namoramos de verdade, mas isso não impede que a
gente saiba mais a respeito um do outro. Temos que
passar um tempo juntos mesmo, então — dou de ombros
e completo — não precisa ser algo entediante.
— E quem disse que eu quero saber mais sobre
você? — Manuela fala sério e, antes que eu fique ainda
mais chocado com sua resposta, ela começa a rir. — É
brincadeira, eu concordo. Você tem sido um cara mais
legal do que eu achava que era.
— Eu sou incrível, vai por mim — inflo o peito e dou
risada.
— Claro que é — ela assente e dá um novo gole da
cerveja. — Mas, já que estamos aqui mesmo e já que foi
você quem deu a ideia, me fale mais sobre você. Me
surpreenda — Manuela usa a mesma frase que eu antes
de sairmos do estádio e sorrio.
Ela sabe me desafiar o tempo todo e meio que
gosto disso.
Dou início a uma longa e muito proveitosa
conversa. Enquanto comemos e bebemos, conto a ela
sobre minha infância, sobre como foi crescer sendo filho
único, sobre como comecei no hockey desde muito novo.
Falo sobre a faculdade e o curso de administração, o
diploma que tenho apenas para cumprir tabela, sobre
jogar na liga universitária e assinar um contrato com um
time da CHL.
Em um dado momento, o foco muda para Manuela
e ela conta mais sobre si mesma. Enquanto minha vida
foi dedicada ao esporte, Manuela sempre focou nos
estudos. Ela explica como foi importante ela e a irmã
estudarem em faculdades públicas, fala um pouco mais
sobre a mãe e o câncer no fígado que não teve cura
devido ao estágio avançado. Fala muito sobre a sobrinha
e é perceptível o amor que ela tem pela garotinha e pela
irmã.
Quando ela começa a contar sobre sua atuação em
movimentos estudantis, não fico nem um pouco
surpreso.
— Uma jovem revolucionária! — Exclamo depois de
encher nossos copos de cerveja novamente — Não
esperaria menos de você.
— Meio que não tinha como fugir. Quando você
nasce em um país que viveu numa ditadura militar até os
anos noventa é difícil não se envolver com certas pautas.
— Ela pondera.
— É engraçado como eu ouvi falar pouco sobre isso
— observo. — Quero dizer, sei que existiu, conheço os
nomes, estudei na escola alguma coisa, mas não tive
nenhum grande contexto.
— A história dos povos colonizados nunca é mais
importante que a dos colonizadores — Manuela fala de
forma séria e com um leve sarcasmo. — Fique tranquilo,
posso te ensinar bastante coisa.
— Gosto disso. Podemos fazer essa uma nova
transação, eu te ensino sobre hockey e você sobre
política, história, movimentos sociais e basicamente
todos os outros assuntos do mundo — pisco para ela e
noto quando ela revira os olhos, mas sorri um pouco ao
ver meu interesse. — Cada um transmite o conhecimento
que tem. E você é inteligente demais para que eu não
usufrua disso — a elogio e dou sequência para outro
assunto. — Mas tem uma coisa que não falamos até
agora… — faço um breve suspense e Manuela ergue uma
das sobrancelhas — relacionamentos.
— Nada de legal para contar, só isso… sabe como
é, um namoro aqui, outro ali, namorados de mentira —
ela sorri por conta da piada e logo estamos os dois rindo.
— Não tem muito o que falar.
— Não conheceu ninguém interessante desde que
chegou aqui? — Pergunto curioso.
— Ninguém que despertasse meu interesse
genuíno — ela comenta enquanto ajeita os cabelos em
um coque na cabeça, deixando as argolas douradas que
usa em evidência. — Tive um namorado sério durante a
faculdade, achei que ia dar certo, tinha tudo para dar
certo, mas ele me traiu com uma amiga, então…
— Você fala com uma normalidade a respeito disso
— a interrompo e ressalto. — Qualquer pessoa
comentaria de forma muito mais hostil ou até mesmo
com ódio a respeito de uma traição, mas você parece tão
indiferente…
— Acho que é uma somatória de fatores — ela
ergue a mão esquerda e começa a elencar os pontos. —
Eu aceitei migalhas, achava que o fato de seguirmos na
mesma área, sermos do mesmo curso e nossas famílias
gostarem de nós dois juntos era suficiente. Quando
descobri que ele estava me traindo e não senti toda essa
raiva que você mencionou, percebi que no fundo eu não
gostava tanto dele como achava.
— Faz sentido — pondero. — Mas você não se sente
sozinha? Quero dizer, você não tem ninguém aqui até
onde eu saiba.
— É, não tenho, mas não faz sentido para mim.
Sair com qualquer pessoa, sem ter o mínimo de
interesse, só para suprir a falta de algo, entende? —
Manuela explica e eu a compreendo, porque de certa
forma, ainda que goste muito de curtir, não posso negar
que já fiz isso algumas vezes. Acho que Manuela percebe
que sua frase me atingiu de alguma forma, e por isso,
assume um tom mais leve ao falar novamente. — Mas, e
você? Do que sabemos pela imprensa, ficar sozinho não
é muito a sua praia, não é? Mulheres aos seus pés e
todas essas coisas — ela gesticula com as mãos e mostra
a língua ao mesmo tempo que revira os olhos.
— Não posso negar que gosto de me divertir,
sempre fui assim. Mas, apesar de parecer que eu tenho
uma mulher diferente a cada noite, não é bem assim. Eu
tenho… parceiras fixas, eu diria.
— Tipo aquela modelo? Zara alguma coisa? — Ela
comenta e eu estreito os olhos em sua direção.
— Então você gosta de ler coisas sobre mim? —
Brinco com ela.
— Não preciso sair por aí procurando as
informações, elas chegam até mim de uma forma ou
outra. Os jornais de TV, as revistas, Mahara… — rimos e
ela continua. — Afinal de contas, se você precisou
recorrer a uma desconhecida para se livrar das notícias,
não é como se precisasse de muito esforço para saber da
sua reputação.
— Você tem um ponto — pondero. — Mas sobre a
Zara, acho que é algo mais… carnal, sabe? Não
conversamos muito, para ser sincero.
— É uma relação de benefícios? — Conclui.
— É, meio que isso — dou um gole na cerveja e
continuo. — É bom porque ela fica em evidência nas
manchetes, é bom para o marketing ou qualquer coisa e
é bom porque somos bons na cama.
— Uh! Detalhes demais — Manuela balança as
mãos na frente do rosto. — Ainda assim, me parece
meio…
— Vazio — eu completo — e de fato é. Acho que
sinto muita falta de amigos, de ter com quem sair. Sinto
falta do Dave, mas nunca diga isso a ele — ela ri um
pouco, mas vejo que ela me observa de forma atenta. —
Sinto falta dos meus pais, mesmo que eles sejam mais
fechados, falta da familiaridade de tudo…
— Eu que o diga — Manuela comenta enquanto
segura o copo de cerveja perto do rosto. — Toda vez que
encontro algum desconhecido que seja falando espanhol,
não consigo evitar de sorrir. É um ambiente
completamente diferente estar aqui, as pessoas, a forma
como as coisas funcionam, ainda hoje, a depender do
que vou fazer, me deparo com alguma novidade. Isso
sem falar do clima.
— Você sofre com isso, não é? — Rio da cara de
desespero que Manuela tem no rosto ao falar do frio. —
Em Santiago não neva ou coisa assim? Achei que você
estaria acostumada.
— Vai por mim, é completamente diferente. Sério,
de onde vem o frio desse lugar? — Ela brinca. — Mas, eu
entendo o que você quer dizer. E apesar de não
concordar com a sua forma de lidar com a solidão, eu
entendo. Só deve ser pior porque, afinal de contas, todo
mundo fica sabendo sobre tudo a seu respeito.
Maneio a cabeça em concordância e dou um gole
final na minha cerveja. Toda vez que falo sobre isso, que
verbalizo a falta que sinto a respeito de certas coisas,
percebo o quanto, apesar de ter tudo o que quero,
apesar da conta bancária cheia e do sucesso no hockey,
algumas coisas não são capazes de suprir outras.
Todavia, hoje foi um dia realmente bom. A vitória
no jogo, a imprensa sem ter com o que me encher o
saco, a companhia de Manuela... Não imaginei que, em
pouco tempo, nós pudéssemos nos conhecer um pouco
mais, mas essa é uma surpresa boa.
Podemos ter um contrato fictício que nos une, mas
nesta noite, me senti como se estivesse não apenas
fingindo um namoro, mas também, conversando com
uma… Amiga.
— Nós dois podíamos unir forças, sabe? — Começo
a falar assim que o pensamento me vem à mente.
— Como assim? — Pergunta Manuela enquanto
lambe a ponta do dedo com um resto de homus.
— Temos que ficar juntos, afinal de contas, para
todos os efeitos, nós namoramos. Mas, nós podíamos
estabelecer alguma verdade no meio dessa mentira.
Podíamos ser amigos.
— Não sei se quero ser sua amiga…
— Pode parar com essa sua pose toda de
indiferença — jogo os fios do cabelo para trás e me
inclino mais na mesa. — Já provamos muito bem hoje
que não faltam assuntos para conversarmos, além disso,
gostei da sua companhia. E sei que você gostou da
minha.
— Você é muito convencido, não daria certo nada
entre nós — Manuela revira os olhos, mas se inclina na
mesa em minha direção.
— Não é o que a imprensa acha — comento mais
baixo. — Para falar a verdade, a imprensa já nos adora.
Acho que damos muito certo e acho que podemos nos
dar bem numa relação de verdade. De amigos, é claro —
completo ao final.
Manuela umedece os lábios com a pontinha da
língua e vejo quando seu rosto se estica em um sorriso
mínimo. Não consigo deixar de pensar que hoje ela está
bem bonita, talvez seja uma junção de tudo: o bom
humor, nossa conversa descontraída e natural. Ela seria
uma ótima amiga.
— Amigos então? — Pergunta e estende a mão em
minha direção.
— Amigos — respondo e toco sua mão com a
minha.
Sinto a textura de sua pele com a minha e noto
como as mãos dela são sedosas e lisas, diferente da
minha, que tem alguns calos por conta do esporte.
Estamos olhando um para o outro e noto as íris
castanhas dela cintilarem de uma forma diferente. Talvez
eu esteja adentrando seus muros, assim como ela fez de
certa forma comigo hoje.
— Então, já que somos amigos, você pode me
chamar de Manu — ela puxa a mão para quebrar o
contato e encosta na cadeira novamente.
— Manu — eu repito. — É bonito, eu gosto. E você
pode me chamar de Nate. Nathan é muito formal.
— Então, que seja Nate — ela ergue seu copo meio
cheio em minha direção e brindamos.
E, neste brinde, eu comemoro os acasos da vida.
Porque eu precisava de uma namorada de mentira, mas
neste momento, acabo de ganhar uma amiga.
— Eu fico duas semanas sem te ligar e, do nada,
você está namorando?
Antonia, minha irmã, é uma mulher incrível. Ela é
dois anos mais velha que eu, casada com o primeiro
namorado que teve, mãe da sobrinha mais linda do
mundo e uma mulher dedicada em seu trabalho como
orientadora pedagógica.
Minha irmã também é uma romântica incurável, e
por conta de sua história com o marido, Pablo, seu maior
sonho é que eu também viva minha própria história de
amor. E é por isso que, de tudo que eu contei desde o
momento em que atendi sua ligação, ela só conseguiu
absorver o “namorando” e ignorou todo o restante do
contexto. Nossa mãe tinha o mesmo hábito.
— Tonia, você precisa aprender a ouvir direito o
que eu falo. Eu disse que estou namorando de “mentira”
— faço aspas no ar e ela revira os olhos. Outro hábito de
família.
— Como é que se namora de mentira, Manuela? —
Ela exclama de boca cheia, por conta da maçã que está
comendo. — Para começo de conversa, você nem
namora direito, Deus sabe como eu queria que você
arrumasse qualquer pessoa…
— Tonia — eu a chamo e olho para a parte da
frente da bancada onde estou sentada. Mahara tirou o
dia para estudar comigo e está segurando a risada, ela
pode não entender muito porque estamos falando em
espanhol, mas Mahara é ótima de linguagem corporal.
Minha irmã continua a falar, mesmo que seja sozinha. —
Tonia, me escuta, por favor — eu a chamo novamente e
ela para. — Deixa eu te contar a história toda.
Eu massageio as têmporas e recomeço a contar
tudo a ela. Falo sobre Nathan, sobre sua atuação no
hockey, explico a questão da imprensa e a proposta
maluca que ele me fez uma tarde no café. Falo sobre
minha resistência no começo e depois, menciono que
encontramos um meio termo para que houvesse um
acordo entre ambas as partes; falo sobre o apartamento
e durante meu breve monólogo, vejo que Tonia começa a
pesquisar algo na internet, no celular que tem em mãos.
Quando ela dá um grito no meio da chamada, sei que
encontrou algo.
— ¡ No me lo puedo crer[4]! — Tonia exclama. — É
você nessa matéria! — Ela envia o link e eu o abro,
mesmo sabendo exatamente ao que ela se refere.
É uma foto minha e de Nathan tirada no dia do
jogo, ele havia acabado de me dar um selinho e
estávamos abraçados, é uma fotografia boa para todos
os efeitos e engana bem a respeito do que somos. Ela
começa, novamente, a falar empolgada e eu, mais uma
vez, me pego explicando que não é o que ela está
pensando.
Tonia pode ser ansiosa e adora brincar comigo,
mas quando peço sua atenção pela terceira vez e digo
que o beijo também faz parte do nosso acordo, ela me
escuta atentamente.
— Então é realmente um namoro de mentira? —
Não consigo conter a risada ao ouvir o desânimo de sua
voz. — Nenhuma chance de isso mudar?
— Não, Tonia, não tenho essa pretensão. Estou aqui
para estudar, lembra? — Questiono e dou um gole em
minha água.
— O que sua irmã está falando? — pergunta
Mahara — Pela sua revirada de olhos…
— Ela está perguntando se não é mesmo um
namoro de verdade, se não tem como mudar esse status
— contextualizo Mahara em inglês e ela logo se endireita
na cadeira.
— Já tentei sugerir dela mudar esse status, Tonia —
Mahara fala mais alto e minha irmã começa a rir.
— Ainda bem que ela tem você por aí, Mah — ela
grita de volta, como se minha amiga estivesse há
quilômetros de distância e começa a falar em inglês para
que Mahara também consiga entender. — De toda forma,
estudar não é motivo para não namorar, mas tudo bem
— ela ergue as mãos para o alto quando fecho a
expressão em sua direção. — Ele pelo menos é bonito?
Não consigo ver nada por essa foto da manchete.
— Não sei, não fico reparando nisso — respondo de
forma indiferente e Mahara se levanta em um pulo.
— Ah, fala sério, Manuela! — Ralha vindo em minha
direção. — Oi, Tonia, pesquise por esse nome aqui.
Mahara digita no chat o nome completo de Nathan
e em segundos, vejo minha irmã fazendo a busca e sua
expressão de surpresa faz com que eu não consiga evitar
a risada.
— Ma-nue-la Gon-zá-lez! — Ela recita meu nome de
forma pausada. — Você só pode estar de brincadeira!
Esse homem é um deus.
— Eu sei, falo isso para ela sempre — Mahara toma
a frente da conversa. — E as fotos não fazem jus à beleza
dele, pessoalmente é ainda melhor.
Reviro os olhos enquanto as duas continuam a
conversar pela tela do notebook, mas, em um ímpeto de
curiosidade, eu decido ver o Instagram de Nathan, coisa
que nunca fiz antes, a não ser que fosse Mahara me
mostrando algo. Não fico reparando nele dessa forma,
mas meu corpo e minha mente me traem quando
começo a olhar suas fotos.
Meu namorado de mentira é bonito. Penso comigo
mesma que não estou sendo cem por cento sincera e,
como ninguém pode ler meus pensamentos, opto por
dizer a verdade. Ele não é apenas bonito, ele é lindo. Os
cabelos castanhos de Nathan são de um tom escuro, ele
não os mantém curto, mas também não são longos, são
o tamanho perfeito para que ele tenha a mania de alisar
os fios com os dedos, jogando-os para trás. Ele tem o
queixo um pouco arredondado e as sobrancelhas são
levemente arqueadas. Em uma das fotos, ele está com o
equipamento de hockey e o rosto virado de perfil, dá pra
ver que está sorrindo de leve, mas parece concentrado.
Ele é mais novo que eu e em algumas fotos, isso
fica bem evidente, mas em outras, eu jamais daria a ele
vinte e três anos. Continuo rolando o feed e vejo uma
postagem em que ele está sem camiseta, posando para
uma marca de roupas. Eu nem sabia que jogadores de
hockey eram procurados para essas publicidades, mas
esse pensamento fica completamente ofuscado quando
começo a contar cada um dos gomos de sua barriga. Eles
estão todos lá, é um absurdo. Eu nunca fui uma garota
apreciadora de corpos malhados e sarados, mas ao ver a
linha V marcada e o leve rastro de pelos no final da
barriga, adentrando a calça, percebo que nunca havia
ligado para isso porque nunca havia visto um corpo como
o dele.
Minha irmã e Mahara continuam a falar, mas assim
como eu, se assustam quando o toque do meu celular
ressoa alto entre nós.
É Nate. Como se ele pudesse pressentir que era a
pauta da conversa até segundos atrás.
— É ele! — Exclama Mahara.
— Não o deixe esperando, Manu, atende! — Minha
irmã fala quase como um tom de bronca.
Sinceramente, o que eu fiz para merecer essas
duas?
Peço silêncio com o dedo e deslizo o dedo na tela
para atendê-lo.
— Oi, Nate.
— Oi, Manu. Está ocupada? Pode falar? — Pergunta
do outro lado da linha.
— Não estou ocupada, fiz uma pausa nos estudos.
— Ah, é por isso que não te encontrei no café… —
ele menciona. — E está progredindo por aí?
— Não muito para ser sincera, pedi folga para
colocar meu doutorado em dia, estou tentando escrever
a introdução da minha tese, mas… Muitas distrações no
meio do caminho — comento, me referindo a Mahara e
Tonia.
— Considere então minha ligação uma forma de
salvar sua vida — ele começa a falar de forma
convencida. — Um dos jogadores do time vai fazer uma
festa de aniversário hoje, é em um bar bem legal, chama
The Tweed, topa ir comigo?
Penso em responder não logo de cara, porque
realmente não estava nos meus planos sair de casa hoje,
mas tento ser mais solícita.
— O quanto é obrigatória sua presença? —
Questiono.
— Muito obrigatória — responde quase que
imediatamente. — Além de ser um jogador do time, eu e
você estamos meio sumidos da imprensa. Você não foi
mais em nenhum jogo, não tivemos fotos novas, sabe
como é, já saíram alguns comentários a respeito.
Respiro fundo e vejo Mahara e minha irmã, através
do vídeo, me olhando atentas, com expectativa.
— Tudo bem, que horas? — Cedo por fim.
— Me espere pronta às nove, passo para te pegar.
— Combinado.
Nos despedimos com um tchau breve e quando
finalizo a chamada, tanto minha irmã, quanto Mahara
exigem saber aonde vou. Elas falam empolgadas comigo
e começam a discutir com que roupa devo ir. Apesar de
não ser o assunto mais interessante do mundo, me
divirto com as duas e as coisas melhoram ainda mais
quando Martina e meu cunhado aparecem durante a
vídeo chamada. Minha sobrinha é um doce de criança e
me entretenho com suas histórias da escola.
Por fim, quando minha irmã convoca a filha para
tomar banho, nós desligamos a ligação e Mahara assume
o posto de stylist e me ajuda a escolher uma combinação
de roupa que faça jus ao lugar aonde iria e que também
me manteria aquecida. Mahara adora moda, ela está
sempre bem vestida, com o cabelo impecável e bem
maquiada, é uma das mulheres mais lindas que já
conheci e por isso, aceito suas dicas de moda. Como
ainda é cedo, convenço ela a nos dedicarmos mais um
pouco aos estudos e não demora para que estejamos as
duas com xícaras de café recém feito e os narizes
enfiados em nossos textos, teses e derivados.
Infelizmente, quando consigo finalmente ter foco
completo, o relógio mostra que já está tarde e Mahara se
despede de mim, me fazendo prometer que vou contar
em detalhes para ela como foi a noite, como se algo
extraordinário fosse acontecer.
Fico algum tempo procrastinando no sofá antes de
finalmente criar coragem para começar a me arrumar.
Tomo um banho demorado, passo um bom tempo
hidratando meu corpo porque minha pele tem sofrido
com o clima seco e dedico um tempo para arrumar meu
cabelo.
Passo tanto tempo com ele preso que às vezes me
esqueço de como os fios castanhos ficam em ondas bem
delineadas quando soltos. Passo um pouco de
maquiagem, deixando meus lábios levemente
avermelhados e por fim, coloco um vestido preto de gola
alta e mangas compridas que é justo e marca meu corpo
nos lugares certos. Visto uma meia grossa, junto com
uma calça térmica por baixo e botas de cano curto com
um salto mais grosso porque não vou precisar andar
muito. Ou assim espero.
Pontualmente às nove, o interfone toca e Nate
avisa que está me esperando. Visto o sobretudo e um
cachecol, porque, afinal de contas, é sempre frio aqui.
Ajeito minha bolsa dentro do elevador, conferindo se
peguei tudo e vou em direção à saída do prédio. A
Mercedes sedan dele está estacionada e eu lamento um
pouco usar vestido quando sinto o vento gelado bater em
minhas pernas.
— Ei — Nathan me saúda quando abro a porta do
carro. — Estou surpreso. Você já estava pronta, achei que
ia precisar ficar algum tempo te esperando.
— Combinamos às nove, não foi? — Pergunto
quando entro no carro e não contenho a puxada de ar
mais forte que faço com o nariz por conta do perfume
dele. O cheiro de hortelã, um pouco de limão talvez e as
notas amadeiradas… É delicioso e fresco. Quando viro
meu rosto, não consigo controlar o impulso de admirá-lo
de perto.
Nathan está usando uma calça preta mais justa e
uma camisa jeans de botões, ele parece nunca estar com
frio, mas acho que, quando você mora em um país que
faz temperaturas mais baixas do que aqui, seu corpo cria
certa resistência. Se formos comparar, eu estou sempre
agasalhada para um frio sobrenatural e Nathan parece
vestir um casaco só para completar o look e não por
necessidade. Eu percorro os olhos por seu corpo e a foto
que vi sua mais cedo e o homem à minha frente se
fundem. “Eu sei o que há por baixo dos botões
perolados”.
Afasto o pensamento ao dirigir meu olhos para o
seu rosto e noto que estamos os dois em silêncio por
tempo demais e há uma pergunta que ainda não foi
respondida.
— Não foi? — Repito a última frase e Nate balança
a cabeça, como se tivesse sido despertado de um
transe.
— Foi, claro — ele começa a se explicar. — É que
vocês mulheres costumam levar tempo nessa coisa de se
arrumar e etc., mas, você… — a voz de Nathan fica rouca
e ele limpa a garganta — você fez um bom trabalho com
o tempo.
Franzo a sobrancelha tentando entender se isso foi
um elogio à minha roupa ou a minha pontualidade, mas
deixo esse pensamento de lado. Nate vira o corpo para
frente e liga o carro novamente, iniciando um assunto
genérico quando dá partida e acabando com o momento
levemente estranho entre nós.
Desde que decidimos estabelecer uma amizade,
tem sido muito mais fácil conversar com ele e de fato,
não falta assunto entre nós. Nathan LeBlanc é um cara
realmente divertido e, apesar de ser mais novo que eu,
essa diferença de idade não fica em evidência entre nós.
Ele sempre me pergunta sobre a faculdade, o trabalho e
se mostra preocupado que nosso acordo prejudique
minha vida pessoal. Sei que ele continua a sair com Zara,
uma modelo famosa com quem ele se encontra de vez
em quando e acho legal da parte dele em sempre me
avisar, temos uma relação de transparência e considero
isso fundamental.
Conforme vamos conversando, a cidade de
Estocolmo vai ganhando vida pela janela do carro e
quando ele estaciona em frente a um bar movimentado
numa rua badalada, uma parte de mim se sente
intimidada. Todavia, não tenho tempo de pensar muito a
respeito disso, porque Nate abre a porta e eu o
acompanho quase que instantaneamente, ativando
nosso modo “namoro de mentira”.
Nathan veste seu sobretudo preto, bem parecido
com o meu, enquanto passa pela frente do carro. Eu
aceito a mão que ele me estende, depois de deixar as
chaves com o manobrista e juntos, caminhamos em
direção a porta. Fico impressionada quando ele murmura
alguma coisa mais próximo ao segurança e este levanta
a corrente para nos deixar passar. Ninguém pede nossos
documentos, ninguém se dirige a mim sem que esteja
sorrindo. Em momentos como esse, é impossível não
pensar a respeito da diferença de tratamento entre ele e
eu. Nós dois somos imigrantes, não pertencemos a esse
país, mas para Nate, as coisas são bem mais fáceis, é
fato.
— Tudo bem com você? — A voz dele ressoa ao
meu lado e bem próximo ao meu ouvido.
— Claro — respondo com um aceno de cabeça e
ele dá um sorriso para mim e continua a me conduzir.
Passamos por mais algumas pessoas e mesas até
encontrarmos uma área mais exclusiva e uma
quantidade excessiva de homens altos, que eu logo
reconheço como jogadores. Há muitas mulheres também,
todas deslumbrantes e lindas, me sinto ainda mais
intimidada do que antes, não por me considerar feia ou
algo do tipo. Mas porque não faço nem um pouco parte
dessa realidade.
— LeBlanc, que bom que veio — um homem alto
saúda Nate e ele solta minha mão para abraçá-lo. — E
você deve ser a Manuela, certo? — O cara volta seus
olhos para mim e aceno de forma breve.
— Como vai? — Tento fingir que não digo seu nome
por pura casualidade e não pelo fato de não saber e o
rapaz parece não se importar. Ele estende a mão e eu
faço o mesmo, num cumprimento polido.
— Obrigado por nos convidar, James — Nathan
agradece e eu sorrio levemente por, agora, saber o nome
do aniversariante.
Nate toma minha mão novamente e eu aproveito a
deixa para sussurrar próximo a seu ouvido:
— Me apresente as pessoas, não sei o nome de
ninguém aqui.
— Combinado, foi mal — ele responde no mesmo
tom e volta a andar na direção dos demais presentes.
Logo, os rostos vão ganhando nomes e me vejo
rodeada de jogadores de hockey, apreciadores do time,
influencers e mais uma porção de pessoas que não
conhecia até então. Quando todas as apresentações são
feitas, Nathan e eu encontramos cadeiras para nos
sentar e eu aproveito para tirar meu sobretudo, o
ambiente está agradável e não preciso ficar toda
coberta.
Removo a peça de roupa e percebo quando Nate
me olha de forma atenta, deve ser parte da encenação
de namorado, ele cumpre bem o papel e eu faço o
mesmo, dando um sorriso leve para ele. Noto que há
mais olhares em minha direção e isso me intimida ainda
mais. Nunca tive essa sensação de não pertencimento
tão forte quanto agora, é algo que aconteceu muito
quando cheguei à Suécia, mas neste momento, se torna
mais latente porque sou completamente diferente dos
presentes.
Não tenho dinheiro, fama, nem mesmo suas roupas
caras ou status. Nunca me importei com isso, essa é a
grande verdade. Entretanto, me sentir estranha dessa
forma é algo bem ruim de lidar. Por alguns minutos fico
completamente em silêncio apenas balançando a cabeça
em concordância com o que quer que esteja sendo o
assunto à minha volta.
Nathan me entrega um cardápio e eu opto por
beber uma cerveja igual a ele. Quando sua mão repousa
sobre a minha na mesa, faço um carinho breve em seus
dedos. Tento encontrar alguma brecha para conseguir me
inteirar do assunto, mas nunca encontro.
Peter, um outro jogador do time chega à mesa e
quando sua esposa, Helen, me cumprimenta, ela logo se
senta ao meu lado. Peter é alto e como a maioria das
pessoas aqui, loiro, está bem vestido com um blazer e
uma blusa de gola V azul marinho. Já Helen tem a pele
negra, os cabelos em cachos moldam seu rosto e ela usa
uma armação de óculos prateada que ressalta ainda
mais seus olhos e a maquiagem.
— Pronta para adentrar ao mundo entediante de
jogadores de hockey e pessoas com dinheiro? — Ela
pergunta assim que pega o cardápio em mãos e me olha
pelo canto dos óculos.
— Nem um pouco pronta — confidencio, pois gosto
dela instantaneamente.
— Então vamos tornar essa noite mais tolerável
juntas — ela pisca para mim e dá um sorriso gentil.
Retribuo o mesmo e respiro um pouco mais
aliviada. Talvez haja uma esperança no final das contas.
A ideia de ter um namoro de mentira desde o
princípio me pareceu um excelente plano: silenciar a
imprensa, acabar com os boatos da minha má reputação,
não precisar me comprometer de verdade com alguém.
Era a ideia perfeita. Ainda acho uma ótima sacada, para
falar a verdade.
Depois que eu e Manuela estabelecemos os termos
e também nos abrimos para uma amizade, as coisas se
tornaram ainda mais fáceis. A resistência presente nela
nas primeiras vezes que saímos, é bem diferente da
mulher que hoje, aceitou de bom tom minha mão dada,
não se importou com toques, ela parece estar lidando
melhor com isso.
Claro que nunca precisamos passar disso, nunca
precisei tocá-la de forma mais “ousada” para que
mantivessem as aparências.
Entretanto, precisar e querer são verbos
completamente diferentes. E na noite de hoje, não é
como se eu precisasse tocá-la o tempo todo. Mas uma
parte de mim meio que quer fazer isso.
Tudo começou quando ela entrou no carro
cheirando a baunilha e pimenta rosa, os cabelos soltos
estavam com ondas perfeitas e tão perfumados quanto
ela. E os lábios vermelhos…
Esse é o primeiro conflito que se passa pela minha
cabeça, mas ele mudou rapidamente quando entramos
no bar e Manu removeu o sobretudo que estava usando,
revelando o vestido preto justo que abraça suas curvas.
“É errado que eu tenha ficado um pouco
hipnotizado por sua beleza?” é a pergunta que martela
na minha cabeça ao decorrer da noite. Não tenho
problemas em admitir que Manuela é bonita, pelo
contrário, reconheço isso desde quando ela era apenas a
atendente do café que eu frequentava. Confesso que eu
não prestava muita atenção nela, mas agora as coisas
mudaram. E foram mudando gradativamente, primeiro
conheci a “garota do café”, depois a Manuela, a mulher
que aceitou uma proposta maluca de relacionamento
falso e, agora, começo a conhecer a Manu, uma mulher
divertida, sarcástica, inteligente, perspicaz… E linda.
Essas são as novas características que anoto
mentalmente a respeito dela.
Depois que cumprimentamos a todos, nos
sentamos um ao lado do outro e notei como ela ficou
calada ao meu lado. Calada até demais, algo que não é o
seu normal. Ponderei em perguntar se havia algo de
errado, mas os ânimos mudaram com a chegada de
Peter e Helen e, na escala de pessoas favoritas do
mundo, a esposa do meu colega de time sobe mais
algumas posições, porque ela e Manuela engatam uma
conversa animada e tão logo, sou deixado de lado.
Fico mais aliviado por ver Manu mais participativa e
muito mais enérgica. Elas ficam tão à vontade uma com
a outra, que logo começam a rir juntas, dividem um
lanche e quando a pista de dança abre, elas são as
primeiras a levantar.
O que me leva ao momento presente, onde uma
batalha está sendo travada mentalmente na minha
cabeça, porque, agora, a música que ressoa nas caixas
de som é um remix dançante de alguma música que não
conheço, mas que faz com que minha falsa namorada
balance os quadris de uma forma extremamente
sensual.
Estou bebericando minha cerveja enquanto tento
não ficar olhando na direção da pista o tempo todo, o bar
está com as luzes apagadas e o que era um ambiente
tranquilo, se tornou uma balada. As luzes piscantes, o
som mais alto, bebidas sendo carregadas para todos os
lados, estou acostumado com o ritmo de lugares assim,
só nunca estive acompanhado de alguém.
Não estou acostumado a ter meus olhos presos a
somente uma mulher. Mas hoje, só tem uma que detém
minha atenção. Me pego olhando mais vezes do que
consigo contabilizar na direção de Manu, e sei que não
sou o único. Já reparei em James observando-a, mais dois
outros caras que são seus convidados e tudo isso só
colabora com meu conflito.
Como namorado, é completamente aceitável que
eu fique hipnotizado pela minha namorada e seus
movimentos na pista de dança, é natural e esperado.
Mas, eu e Manuela não somos namorados de verdade, eu
não preciso desempenhar esse papel tão bem assim.
Não estou entendendo minhas atitudes, isso está
confundindo e muito minha cabeça.
Caralho.
Peter está sentado do meu lado e conversa
animado com mais alguns caras sobre algum assunto
que já não me lembro mais. Quando ele pousa a mão
gentilmente em meu ombro, volto meu rosto para sua
direção rapidamente, desviando da direção de Manu.
— Quer ir encontrar sua garota na pista? Helen
está me olhando daqui e reconheço quando minha
mulher está me chamando para dançar, ou melhor
dizendo, me convocando para me juntar a ela. — Peter
pisca para mim e sorrio para ele.
— Senhores, se não se importam — comento ao me
levantar junto com meu colega e dar um último gole em
minha cerveja.
Ajeito minha camisa e puxo um pouco as mangas
para cima, está quente aqui. Nossa breve roda de
conversa se dispersa e Peter e eu começamos a
caminhar na direção de Helen e Manu. As duas estão
dançando juntas e rindo e quando Helen capta pela visão
que estamos nos aproximando, ela toca em Manu e os
olhos castanhos da minha namorada encontram os
meus. Por alguns segundos fico hesitante, sem saber se
é realmente prudente me aproximar, mas, para todos os
efeitos, somos um casal para os que estão aqui
presentes. E casais dançam juntos, certo?
É uma distância curta a que percorro enquanto
tento ser racional e saber qual a melhor forma de agir,
todavia, meu receio acaba quando me aproximo de
Manuela e ela sorri para mim.
— Se divertindo? — Pergunta, se erguendo um
pouco para chegar próximo ao meu ouvido. Mesmo com
as botas de salto, ela ainda é mais baixa e precisa ficar
na ponta dos pés para falar comigo.
— Mais ou menos, falar de hockey o tempo todo
também cansa — comento sincero e ela ri.
Não ouço direito o que ela fala a seguir, mas sei
que teve algo a ver com hockey ser um assunto
entediante em qualquer momento. Manuela para de
dançar para poder falar comigo e noto quando ela olha
de relance para Peter e Helen, a mulher pisca em nossa
direção e logo em seguida, enrosca os braços no pescoço
do marido e o envolve na música que toca alto pelas
caixas. Meu colega de time não tem a menor
coordenação para dançar e reprimo uma risada ao
observar isso.
— É maldade rir de quem não sabe dançar, Nate —
Manuela fala ao meu ouvido novamente. — Pelo menos
ele está tentando.
— Tentando e falhando — brinco com ela —
Gotlander não tem ritmo algum — afirmo.
— E você por um acaso tem algum ritmo? — Ela
pergunta e ergue uma sobrancelha para me encarar.
Gosto desse movimento, não tenho habilidade para fazer
a mesma coisa, mas já notei que é uma marca registrada
dela, assim como o revirar de olhos. — Até onde eu sei,
atletas não costumam ser bons com ritmo musical e
dança de forma geral — completa.
— Você poderia se surpreender com as minhas
habilidades — não consigo conter o tom de voz meio
carregado de duplo sentido e, como se não tivesse
controle das minhas mãos, a direita repousa na cintura
de Manuela.
Ela não recua e eu encaro como um incentivo para
permanecer. Antes que ela possa responder algo esperto,
o DJ faz uma mixagem e a música muda para um ritmo
que reconheço. Olho para Manu e vejo que ela reconhece
a voz da cantora e a letra.
— Se você dança bem mesmo, mostre-me! — Ela
fala bem ao pé do meu ouvido e eu a puxo bem
levemente para mais próximo do meu corpo, já
planejando meu próximo passo — É reggaeton e Shakira,
duas coisas que eu conheço bem, então…
Não deixo que ela termine de falar, colo nossos
corpos em um movimento só e começo a mover meus
pés, arrasto o esquerdo num passo longo e faço um curto
com o direito. Manu fica levemente surpresa pela atitude,
mas logo volta sua atenção para nossos corpos. Prendo a
cintura de Manuela um pouco mais forte com meu braço
e ela rapidamente me acompanha. Sua mão direita
pousa no meu ombro e a esquerda vai para minha nuca,
ela me acompanha sem dificuldade alguma e nossos
corpos se tocam em todos os lugares.
“O reggaeton é basicamente sobre mexer o
quadril”, me lembro das palavras do professor de dança
e olho o movimento que tanto eu quanto ela fazemos
juntos. É completamente sensual, e a atmosfera, o calor,
o cheiro que emana de Manuela fazem com que tudo se
torne ainda mais… Quente. E isso fica evidente quando
ela passa a mover ainda mais os quadris, rebolando mais
do que antes, exigindo mais de mim para acompanhá-la.
Nós dois estamos olhando para nossos corpos, para
o movimento e a fricção que fazem juntos, porém,
quando sinto seus dedos massagearem levemente os fios
do meu cabelo, eu ergo o rosto em direção ao seu e
nosso olhar se prende ao outro como magnetismo.
O peito de Manuela roça no meu, sua mão
escorrega um pouco do meu ombro e nossas virilhas
roçam sem pudor uma na outra. Preciso me controlar
para que meu pau não fique confuso e comece a ganhar
vida. O refrão começa, ainda mais dançante, e nós
estamos completamente sincronizados nos passos,
seguro-a firme pela cintura e não consigo conter meus
dedos de passearem por seu corpo, sentindo e
delineando suas curvas.
Manu afasta o cabelo solto jogando para um lado
só dos ombros. Não consigo parar de olhá-la, não consigo
parar de tocá-la. É mais forte do que eu.
A música continua e quando o DJ muda o ritmo,
penso que ela vai se afastar, mas num movimento
rápido, Manuela vira o corpo e agora, suas costas estão
coladas ao meu peito, e minhas mãos continuam presas
em sua cintura, encaixadas de um modo perfeito. O ritmo
é mais lento agora, porém, nem um pouco menos
sensual, e quando Manu repousa a cabeça em meu peito,
seu cheiro preenche ainda mais minhas narinas.
Tomo a liberdade de afastar seus cabelos para o
ombro direito e repouso o queixo bem próximo do
esquerdo, aproximando minha boca de seu ouvido e
pescoço.
— E então, surpresa com as minhas habilidades? —
Pergunto e vejo quando ela dá uma risada contida.
— Dá pro gasto — ela responde virando o rosto na
minha direção, nenhum de nós parou de se mover e isso
favorece com que sua boca fique próxima a minha.
É tentador…
— Olha só esses movimentos! — A voz de Helen
ressoa entre nós e quebra o magnetismo antes presente
— Vocês dois dançando é algo incrivelmente sensual.
E ao verbalizar isso, Manu e eu nos afastamos em
um salto, minhas mãos recaem e ela vira de frente,
descolando nossos corpos. Ela mantém a expressão
impassível e me pergunto como a atmosfera conseguiu
mudar tão rapidamente.
— Achei que você iria mostrar a Helen que não sou
o único jogador que manda mal na pista de dança,
LeBlanc — completa Peter com uma risadinha nos lábios.
— Não é nada demais — falo mais alto, para que
todos possam me ouvir. — Minha mãe quis fazer aulas de
dança durante uma época, um pouco antes deu me
mudar, e eu cedi ao desejo dela e fiz junto — dou de
ombros e noto que minhas mãos ainda estão buscando
pelo corpo de Manuela, mas ela já está muito mais
próxima de Helen do que de mim.
— Ouviu, querido? Você podia fazer o mesmo — ela
brinca com o marido, que balança a cabeça em negação,
mas logo volta a falar conosco. — Estamos indo pegar
um drink, mas podem continuar dançando.
Abro a boca para chamar Manu para perto de mim,
mas ela tem outros planos.
— Na verdade, acho que preciso de água — ela
abana a mão em frente ao rosto e dá uma risada sem
graça. — Está muito quente aqui.
— Vou com você — anuncio e estendo a mão para
guiá-la em direção ao bar.
Helen e Peter acenam e começam a guiar nosso
pequeno comboio em direção ao bar e quando Manu
aceita minha mão, deixo que ela vá na frente.
E conforme vamos andando, todos os
questionamentos que tive ao longo da noite voltam com
força total e me dou conta de que estou misturando as
coisas. Manuela não é minha namorada de verdade e
nem mesmo uma pessoa com quem posso cruzar a linha
da amizade. Meu corpo respondeu ao dela como teria
acontecido com qualquer outra mulher, mas eu não
posso misturar as coisas, nosso acordo é para um
namoro de mentira.
“Você também não tem esse interesse por ela”,
lembro-me desse detalhe e decido que, melhor do que
ficar racionalizando demais o que aconteceu, é agir
normalmente. Por isso, quando Helen puxa um banco
vazio para se sentar e começa a conversar
animadamente comigo e com Manuela, eu assumo minha
postura de namorado de mentira e fico próximo dela
apenas o suficiente para manter as aparências.
Porque é isso que nós somos, um casal de
fachada.
A noite segue seu curso, Peter faz um convite
formal a mim e Manuela para jantarmos em sua casa e é
fácil perceber que Manu já aceitou a ideia, não porque
precisa ir, mas porque vai adorar encontrar novamente
com Helen. As duas conversam animadas e quem olha
de fora, com certeza nos vê como dois casais que saem
constantemente juntos.
Não voltamos mais à pista de dança e, em um
dado momento, os ânimos diminuem e optamos por ir
embora, me despeço dos convidados e colegas de time
que ainda restaram na festa e não me surpreendo ao ver
que James, o próprio aniversariante, sumiu de sua festa.
A diferença entre mim e James é que ele realmente sabe
ser discreto.
Ao sairmos, Manu aperta mais o casaco contra o
corpo e em um impulso, a puxo para mais perto do meu
corpo.
— Muito frio por aí? — Questiono a ela.
— Só um pouco — ela fala com a boca escondida
no cachecol. — Muitos toques por aqui no dia de hoje,
não? — Ela procura meus olhos e não me abalo com o
comentário.
— Estou só cumprindo meu papel de namorado,
baby — pisco para ela e afago suas costas.
— Você é realmente um sonho de namorado, baby
— a voz é carregada de ironia, mas antes que eu possa
responder, Helen e Peter chamam nossa atenção e nos
despedimos oficialmente.
Meu carro é o próximo a ser entregue e quando
entramos no veículo, aumento o ar para aquecer
Manuela. O celular e o computador de bordo se
conectam automaticamente e algumas mensagens
começam a apitar, vejo que ela se assusta com o som,
mas um nome chama sua atenção e a minha também.
Zara, e uma notificação de que ela me enviou uma foto.
— Há chances de isso ser um nude, não é? —
Desvio o olhar rapidamente para Manu e ela está
segurando a risada.
— É… talvez — dou de ombros. — Mas se eu sair
com ela, você sabe que vou te contar, né? Faz parte do
nosso acordo.
— Eu sei e não estou preocupada com isso, só acho
engraçado — Manuela endireita a postura no banco. —
Você meio que tem um “namoro” público agora — ela faz
aspas no ar. — Mas isso não é empecilho para que as
mulheres caiam matando em cima de você, reparei hoje
no bar.
— Está com ciúmes, é? — Umedeço os lábios e tiro
uma das mãos do volante. — Não precisa ficar, tem
Nathan para você também — repouso em seu joelho.
— Primeiro: eca. Segundo: muitos toques pro dia
de hoje. Terceiro: você se acha, né? — Manu retira minha
mão de seu joelho.
— Só estou trabalhando com fatos — brinco. —
Mas, agora, falando sério, eu não fui o único a ter a
atenção voltada para mim — olho de canto e vejo Manu
com a expressão atenta. — Todo mundo ficou babando
em você.
— Está com ciúmes, é? — Ela devolve a pergunta
que fiz anteriormente e não contenho a risada.
— Você se acha, né? — Repetimos o diálogo
novamente e o carro explode em risadas, não consigo
deixar de pensar que adoro esse clima leve entre nós e
cheio de provocações bobas. — De qualquer forma, não
estou mentindo, você deixou boa parte dos caras
naquele bar interessados.
— Bobeira. É que meus cabelos são castanhos,
num país onde todo mundo é loiro e se veste do mesmo
jeito, eu acabo fugindo um pouco do padrão…
— Não é só isso, Manu — comento quando
paramos em frente ao apartamento dela e me viro para
olhá-la. — Você é uma mulher linda — faço uma pausa
breve e completo. — Palavra de amigo.
— Não seria de escoteiro o ditado?
— Eu nunca fiz escotismo, então só posso jurar
como amigo — dou de ombros. — E amigos não mentem,
como já diria a Eleven em Stranger Things[5].
Manuela sorri para mim e, em seguida, começa a
soltar o cinto de segurança. Quando acho que ela vai sair
do carro sem se despedir, ela pega a bolsa do chão e,
com a mão na maçaneta, volta a me olhar.
— É, você também é bonitinho… E um amigo
aceitável.
Ela sorri e se despede de mim, e enquanto a
assisto caminhar para o prédio, não consigo deixar de
pensar que ela também é uma amiga aceitável.
Os últimos dias e, por consequência, o fim de
setembro passam por meus olhos sem que eu perceba,
tenho feito tanta coisa que estou quase funcionando no
modo automático. Apresentei ao meu orientador o
primeiro esboço da minha tese e ele me recomendou
novas leituras, me inscrevi em uma nova bolsa de
estudos e finalmente voltei a guardar dinheiro. Não
precisar pagar aluguel tem sido um alívio para meu
bolso.
Enquanto atendo a fila de clientes que se forma,
não consigo deixar de ponderar minha saída do café para
poder me dedicar aos estudos. Não tem jeito, todas as
vezes que tenho reunião sobre o doutorado, esse
pensamento sempre me passa pela cabeça.
A voz do meu orientador ressoa como um sino em
minha cabeça: “dedicação e tempo para com o
doutorado nunca é demais”. Posso estar em outro país,
em outra faculdade e já ter provado por uma série de
razões que sou completamente capaz de lidar com um
trabalho comum e os estudos, mas as cobranças são
sempre as mesmas, independentemente da parte do
mundo que você esteja.
A academia sempre vai achar que você não está se
dedicando o suficiente para a pesquisa.
Balanço a cabeça para afastar o pensamento e é
quando me dou conta de que não me lembro se coloquei
o xarope de caramelo no café que estou preparando.
Paro alguns segundos e olho para a xícara tentando
lembrar de cada passo dos preparos, mas não adianta.
Estou no automático e isso é péssimo.
Por via das dúvidas, adiciono um pouco do xarope
ao café recém feito e finalizo os preparos. Não é mentira
dizer que, quanto mais as temperaturas abaixam, maior
a quantidade de café consumida pelas pessoas. Outubro
também é a época dos cafés sazonais e não me
surpreendo quando os pedidos começam a aumentar
exponencialmente por conta deles. Além disso, é hora do
“Fika”, o termo que não tem tradução e quase que
exclusivo da língua sueca, que significa “pausa para um
bolo e um café”. Essa “pausa” acontece geralmente no
meio da tarde e por isso, o café fica mais cheio e os
pedidos dobram. É exaustivo e sei que mereço trabalhar
em um lugar melhor do que uma simples cafeteira, mas
uma parte de mim gosta bastante de estar sempre
sentido o aroma da bebida que tanto gosto.
— Camille — chamo a cliente cujo café acabei de
preparar e ela vem até mim e retira seu pedido.
Termino de preparar outros pedidos e quando
entrego o último, olho na direção da entrada e fico feliz
ao ver que não há ninguém na fila. O expediente
continua e conforme as horas passam, eu consigo voltar
a relaxar um pouco e até mesmo encostar no balcão para
descansar um pouco.
Pego meu celular do bolso e respondo algumas
mensagens de Mahara, não conseguimos nos encontrar
essa semana e, ainda por cima, ela assumiu uma
monitoria na universidade e tem estado ocupada em
ajudar jovens estudantes a compreenderem melhor uma
das matérias mais difíceis do curso de Letras. Mahara é
minha professora de sueco nas horas vagas — ou
melhor, quase escassas — mas eu não me importo,
porque minha amiga é um poço de dedicação em tudo
que faz e eu a admiro demais pela área que escolheu
estudar. Todas as vezes que Mahara tentou me explicar
sobre fonética foram um desastre. Mas eu passei a
admirá-la ainda mais por seguir na área da linguística.
O sino da porta de entrada toca e quando olho na
direção da porta, vejo Nathan entrando e sorrindo em
minha direção. Ele está com sua costumeira jaqueta
jeans, que descobri ser muito bem forrada e quente, já
que eu o julgava por nunca parecer que está com frio.
Ele caminha seguro de si, mas eu já aprendi que é só o
jeito dele.
— Olá, o de sempre, por favor — Nate remove a
touca que está usando e, com seu jeito despojado e o
sorrisinho torto, encosta no balcão.
— E qual seria o de sempre? — Pergunto, cerrando
os olhos em sua direção.
— Que tipo de namorada é você que não sabe o
pedido do próprio namorado? — Ele fala baixinho e eu
reconheço o tom de brincadeira em sua voz.
— Nate, você tem três tipos de pedido: Cappuccino
clássico, Latte Caramelo ou Expresso Americano, então,
quando você fala “o de sempre” — faço aspas no ar e
prossigo — existem três variantes como resposta. Por
isso, me ajude, o que você quer? — Cruzo os braços no
peito e ergo uma sobrancelha quando Nathan fica parado
me olhando.
— Cara, como uma conversa sobre café pode soar
sexy, você não acha? — Ele se inclina na minha direção e
fala com sua voz levemente sussurrada — Variantes,
tipos de café, ver você recitar meus pedidos, você
decorou mesmo… — ele pisca para mim e eu reviro os
olhos.
— Não se sinta especial, Nate, você não é o único.
Tem mais tantas outras pessoas que são clientes
frequentes — pontuo com desdém e me posiciono no
computador. — E então, qual vai ser o de hoje?
— Você não cansa de destruir o meu ego? —
Responde, simulando ter sido ferido no peito — Que seja,
o de hoje é um Expresso Americano… E eu queria te
convidar pra jantarmos também.
— Hoje? — Pergunto enquanto computo seu
pedido. — Para ser bem sincera, eu queria tirar a noite
para descansar, tive reunião hoje com meu orientador e
estou com a cabeça cheia.
— É, hoje, mas eu pensei em jantarmos juntos mais
como… Amigos — Nathan explica enquanto tira a
carteira do bolso e faz o pagamento. — Podemos comer
algo na minha casa, tomar uma cerveja, sei lá.
— Levou um fora da Zara, é? — Falo essa última
parte mais baixo, mesmo que só haja nós e mais uma
cliente aos fundos que conversa ao telefone animada.
— Só transar cansa, vai por mim — ele brinca
porque sabe que esse tipo de detalhe não é algo que eu
curta saber e continua. — Mas, é sério. Como eu não
tenho o Dave aqui, você é a minha candidata perfeita ao
título de amiga, e amigos tem jantares despretensiosos
durante a semana.
— E quem disse que eu sou sua amiga a esse
ponto? — Pergunto, fingindo desdém enquanto termino
de moer o café e pressiono o mesmo no filtro antes de
inserir na máquina.
— Ah, Manu, deixa dessa, já passamos dessa fase.
Somos amigos, pode parar com essa pose toda. — Nate
balança os braços no ar e continua a acompanhar o
processo de preparo de seu café. — Vamos, vai ser legal
ter a sua companhia, agora que você pelo menos não me
detesta tanto.
Dou risada de sua observação e concordo com um
aceno de cabeça. Desde que saímos depois do primeiro
jogo que vi de Nate, nós estabelecemos uma relação
mais próxima de amizade. Cumprimos nosso papel como
namorados de mentira bem diante das câmeras e de
quem mais estiver por perto, mas quando estamos
sozinhos, não agimos mais como se não nos
conhecêssemos. Porque estamos mais próximos um do
outro.
— Ok, pode ser — estendo o café finalizado e Nate
sorri de lado. — Mas quero comida de verdade, preciso
de uma refeição decente.
— Combinado, a Sra. Nilsen abasteceu a geladeira
hoje então deve ter alguma coisa para comer — ele
beberica o café e completa. — Vou te esperar sentado na
mesa de sempre, ok?
Confirmo com um aceno de cabeça para ele e bem
nesse instante, um casal de garotas entra pela porta e
Nate manda um beijo no ar para mim, que eu retribuo
fazendo o mesmo. Nunca se sabe quem pode ou não
reconhecê-lo.
É engraçado como me acostumei com essas
pequenas coisas, no final das contas, foi mais fácil do
que imaginei que seria.
Nathan tem tentado me buscar na faculdade pelo
menos um dia por semana, eu estou tentando ir aos
jogos sempre que posso, principalmente quando eles são
na cidade e não preciso dormir fora. Trocamos algumas
mensagens sobre como está a semana, jantamos juntos
aos finais de semana, estamos dando nosso melhor.
Ele deixou de ter manchetes constrangedoras e o
foco está sendo mais em seu desempenho no time. E
nosso namoro, é claro. Para a imprensa, ainda vamos
completar um mês nesse relacionamento, então é
importante manter uma constante nas nossas aparições
em público.
Começo a atender as duas garotas e noto que elas
falam algo uma para a outra enquanto olham
disfarçadamente para mim e Nathan. Já tive algumas
pessoas vindo até a cafeteria e me reconhecendo, mas o
bom de morar em um país como a Suécia, é que não é só
o clima que é frio, as pessoas também são mais frias e
distantes, então, elas podem até me reconhecer das
fotos que saem em matérias de jornal e revista
esporadicamente, mas não me abordam ou assediam.
É bom, isso torna as coisas mais fáceis. Minha
chefe mesmo, não teve nenhum problema com a
questão, algo que me preocupou no começo, mas muito
pelo contrário, ela foi a primeira a me dizer que eu
deveria sair do café e aproveitar as regalias.
Certas coisas não mudam mesmo, esteja você na
América do Sul, Central ou na Europa.
Olho para Nathan enquanto termino de preparar
um dos últimos pedidos do dia e acho engraçado a forma
como ele está concentrado no celular, com os fones de
ouvido conectados e o pé balançando sem parar. Ele
quase não cabe na mesa que está sentado, as pernas
longas não ficam acomodadas de uma forma que seja
confortável.
Como se sentisse que eu o estou olhando, Nate
levanta a cabeça e encontra meus olhos, ele pisca para
mim brevemente e volta sua atenção para a tela.
Quando o relógio marca seis da tarde, eu declaro o
expediente encerrado e começo a organizar tudo que
preciso para fechar o café. Alguns minutos a mais
necessários e tão logo, eu apareço com minha bolsa e
Nate já está de pé me esperando.
— E então, como foi a reunião com o orientador? —
Acostumado com essa rotina de me esperar, Nathan abre
a porta de ferro para saída dos funcionários e me
aguarda enquanto confiro mais uma vez o caixa. — Você
mencionou que não era algo tão importante, mas dá pra
ver a fumaça saindo da sua cabeça.
— De fato não era nada que poderia definir minha
vida academicamente falando, mas tudo que eu faço
nunca parece o suficiente — explico, enquanto passo
pela porta e pego a chave grande para terminar de
trancar tudo. — É normal, durante o mestrado inteiro foi
assim.
— Você acha que não está dando conta? — Ele me
pergunta e estende a mão para mim. — Quero dizer,
você acha que se daria melhor se estivesse “só
estudando”? — Ele enfatiza o “só estudando” e fico feliz
de ele entender que isso é trabalho também.
— A verdade? — Observo, enquanto tomo sua mão
com a minha. — Sim, provavelmente eu me permitiria
folgas, teria meus bloqueios, mas não ia me sentir
culpada se escolhesse descansar quando chegasse em
casa, talvez eu me cobrasse menos. Mas a vida não é
assim, tenho que trabalhar, e gosto de trabalhar.
— E aquela bolsa que você se inscreveu? — O
vento forte atinge a nós dois quando saímos da parte
coberta e Nathan me puxa um pouco mais para perto
dele.
— Preciso fazer mais algumas etapas, entrevistas,
devo demorar para ter a resposta — pontuo e sinto um
arrepio percorrer meu corpo. — Céus! Que vento gelado.
— Vem aqui — Nate me puxa para ainda mais perto
e aceito quando me envolve em seus braços.
E, ao me aproximar dele, o cheiro de seu perfume
invade minhas narinas, é gostoso. Todas as vezes que o
sinto tão próximo assim, sou automaticamente
transportada para a noite que dançamos juntos, a forma
como fiquei entorpecida por seus movimentos e pela
nossa proximidade. Foi… quente.
— Vai ser positiva — Nathan continua a falar, me
fazendo voltar ao momento presente. — Você é a mulher
mais esforçada que eu conheço, impossível a resposta
ser outra além de um grande sim — ele fala com
confiança e eu não consigo evitar o sorriso.
— Bom saber que tenho torcida ao meu favor —
viro meu rosto em sua direção e Nathan inclina o rosto
em direção ao meu.
— Um torcendo pelo outro, não é mesmo? Você nas
arquibancadas e eu… Bom, eu aqui.
Ele sorri e, mesmo sendo mais alto que eu, nossos
rostos estão próximos, estamos andando, mas por alguns
segundos, eu não saberia dizer quantos, o tempo meio
que congela. Nathan tem um sorriso gentil nos lábios, e
de perto assim, consigo ver os pontos da barba por fazer
e as pintinhas que ele tem na região do nariz. Às vezes,
nossa diferença de idade fica mais em evidência, mas em
outras, eu me esqueço completamente que sou quatro
anos mais velha que ele.
Nesse breve tempo, não consigo deixar de me
perguntar o que será que ele está pensando e, ao
mesmo tempo, me esqueço brevemente que, para
amigos, estamos muito próximos um do outro. Próximos
demais.
— Oi, desculpa atrapalhar — um grupo de
adolescentes chama nossa atenção e quebra a tensão no
ar. — Só queríamos dizer que somos seus fãs, Nathan, e
vocês são um casal lindo.
— Valeu, galera — meu namorado de mentira limpa
a garganta e responde por nós dois.
O grupo segue seu caminho assim como nós mas,
dessa vez, andamos um pouco mais distantes, sem tanta
proximidade como anteriormente. É melhor assim.
Chegamos ao carro dele e fico grata quando ele já o liga
e aumenta o ar quente.
— Minha casa, então, namorada? — Nathan sorri
para mim e eu reviro os olhos.
— Sua casa, namorado.
— Salmão e aspargos ou massa?
Nathan pergunta enquanto eu deixo minha bolsa
no canto da sala e coloco meu celular para carregar na
tomada.
— Salmão — respondo.
— Vinho tinto, branco, cerveja… O que você
prefere?
— Branco, combina mais com peixe.
Caminho em direção a grande bancada de
mármore preto e me sento enquanto Nate serve uma
taça de vinho para mim, ele repete o processo para si e
depois, estende em minha direção.
— Saúde, amiga — ele sorri docemente para mim e
eu faço o mesmo, batendo o cristal com o dele.
— Saúde, amigo.
Damos um gole generoso e eu me permito soltar o
cabelo, fico o dia todo com ele preso e no final do dia,
minha cabeça sempre está doendo. Noto que Nate não
tira os olhos de mim e me pergunto se tem algo de
errado. Entretanto, antes que possa dizer algo, ele se
vira para checar o forno e coloca a travessa de salmão
para aquecê-lo.
— Em quinze minutos teremos nosso jantar pronto
— ressalta e se vira em minha direção.
Sem todas as blusas de sempre, Nate está com
uma camiseta preta básica com o símbolo de uma marca
de esportes em branco, mas não é nisso que reparo, mas
sim, em seu braço esquerdo. O frio impede que nossa
pele fique à mostra, e por isso, é raro que eu veja as
tatuagens dele.
— Às vezes eu esqueço que você tem um braço
quase inteiro fechado — pontuo e ele dá um risinho de
lado e estende o braço para que eu veja os desenhos. —
Elas não têm um padrão — observo, admirando os
desenhos mesclados.
— Não, eu só fui enchendo o braço, tentando ornar
o estilo apenas. Eu chegava no estúdio, escolhia o
desenho e fazia — observa — mas todas são pretas, eu
gosto.
— Eu também — falo em voz alta e logo completo
— gosto de tatuagens de modo geral.
— E gosta de mim também, Manu — ele pega a
taça de vinho e dá um gole breve. — Eu sei que você
gosta. Afinal de contas, como não gostar? Somos um
casal lindo — Nate faz uma breve imitação da frase que
ouvimos mais cedo e dou uma risada curta.
— Só bebendo para aguentar sua presença —
desdenho e logo em seguida, bebo um gole de vinho
também. — Mas, por falar em presença, eu achei que
você iria encontrar a Zara, você tinha comentado algo a
respeito. Você não respondeu mais cedo e isso só
confirma minha teoria: levou um fora, é? — Pergunto,
segurando a risada.
Nate está mexendo no celular, mas ergue os olhos
em minha direção e os fecha levemente. Ele permanece
mais alguns segundos em silêncio e logo, conecta o
aparelho com uma caixa de som e deixa baixo uma
música ambiente.
— Ela teve um compromisso de última hora,
alguma coisa que não fiz questão de entender para ser
sincero — ressalta. — Gosto de estar com ela, gosto de
transar com ela, para caralho, mas…
— O que?
— Às vezes me cansa essa relação superficial,
sabe? — Comenta sério e eu afirmo com a cabeça em
positivo. — Nos encontramos, transamos loucamente,
trocamos meia dúzia de palavras e é isso.
— Bom, já diria minha irmã, melhor transar do que
não transar, e nesse placar, você está bem melhor que
eu — pontuo, esticando os braços para o alto. — Metade
dos meus problemas se resolveria com uma boa rodada
de sexo.
— Você sabe que não transa porque não quer,
certo? — Nate inclina o corpo na bancada. — É você
estalar os dedos assim — ele faz o gesto com a mão
direita — e uma fila de caras aparece.
— Eu não transo porque não tenho tempo, isso sim
— dou um gole no vinho e prossigo. — Entre trabalhar,
estudar, ir para a faculdade e ainda dar conta de um
namoro de mentira — aponto para ele. — Não sobra
tempo. Você tem culpa nisso.
— Não jogue a culpa em mim — ele observa e
segura meu indicador com sua mão direita. — Além do
mais, eu posso solucionar seu problema.
— É mesmo? — Ergo uma sobrancelha para
intimidá-lo. — E qual seria sua grande solução?
Nate dá um riso baixo e inclina o corpo na minha
direção, ficando ainda mais próximo de mim.
— Eu. Por que nós não transamos?
As palavras escorrem da minha boca. Amor à
minha vida? Definitivamente eu não tenho, porque a
feição que Manuela tem neste momento não me deixa
margem alguma para saber se devo correr, ou afastar a
garrafa de vinho para longe dela. Não sei ler o que está
se passando na cabeça dela. São os segundos mais
longos que já vivi.
E então, ela começa a rir. E eu fico ainda mais sem
saber o que está acontecendo.
— O que foi? — Pergunto, com um sorriso nos
lábios, nada muito exagerado, afinal de contas, não sei
em que terreno eu estou pisando.
— Só você para sugerir uma coisa dessas — ela
coloca a mão no peito e continua rindo. — Foi uma ótima
piada.
Ok, não quero sentir isso, mas estou levemente
ofendido, e isso faz com que meu lado racional vá para o
inferno de vez.
— Por que seria uma piada? — Questiono —
Estamos namorando para todos os efeitos, somos
amigos, seria divertido.
Manu para de rir e olha para mim, os olhos
castanhos estão escuros e posso jurar ver suas pupilas
dilatarem, mantenho firme meus olhos nos seus e ergo
as duas sobrancelhas levemente, já que sou incapaz de
fazer da mesma forma que ela.
— Pode esquecer, Nathan. De você eu já tenho
minha cota, já me basta um relacionamento de mentira
— ela dá um gole no vinho e continua. — Sua cama não
vai ser um caminho que vou explorar.
— É uma pena — dou de ombros. — Você iria
gostar — minha voz sai banhada de malícia.
— Claro que eu iria, não é mesmo?
Manu desdenha e antes que eu possa encontrar
outra resposta esperta, o timer do forno apita e me viro
para pegar nosso jantar. Peço que Manu pegue os pratos
no armário ao lado da geladeira e enquanto começamos
a organizar a bancada para jantarmos, uma parte de
mim se pergunta porque arriscou irritar Manu e talvez
arrumar uma briga daquelas com ela sem motivo.
Quero dizer, desde quando eu quero dormir com
ela? Não existe nenhuma chance de que isso aconteça e
que eu queira. Certo?
Minha mente grita um “errado” em letras grandes
e brilhantes, mas deixo de lado essa ideia, foi só um
impulso, pensei com a cabeça de baixo, acontece. Manu
é uma mulher bonita e estava falando sobre sexo, eu
quis unir o útil ao agradável, mas não há a menor chance
disso acontecer, isso não faz parte do nosso acordo.
Deixo a conversa morrer e começo a servir nossa
comida enquanto Manu enche nossas taças de vinho.
Quando nos sentamos, ela dá uma garfada generosa no
peixe e eu faço o mesmo.
— Ok, quero jantar aqui mais vezes — ela comenta
e limpa a boca em um guardanapo. — A Sra. Nilsen está
de parabéns.
— Ela é um anjo na minha vida — pontuo com um
sorrisinho nos lábios. — Agora falando sério, sobre não
transar…
Eu devo realmente gostar de me torturar ou de
correr perigo, porque Manu vira para mim e começa a
falar enquanto segura a faca na minha direção.
— Nate, não vamos transar, esquece essa ideia
maluca — ela revira os olhos e volta a cortar o peixe,
tirando a faca da minha direção.
— Tá, que seja, quem está perdendo é você —
mordo um aspargo e depois de engolir, continuo. — Eu só
quero saber se você acha que nosso namoro está te
atrapalhando — questiono.
— Não sei. Não brinquei quando disse que não
tenho tempo para isso, é sério. Não é como se eu tivesse
tentado algo desde que começamos a “namorar” —
ressalta fazendo aspas no ar.
— Você devia — pondero. — Afinal de contas, não
quero que pareça que só eu posso sair com outras
pessoas ou algo do gênero. Nosso acordo tem que ser
bom para ambas as partes.
— Eu vou pensar a respeito — Manu dá um gole em
seu vinho, e antes que eu prossiga o assunto, meu
celular começa a tocar e o nome de Dave aparece na
tela.
— Se importa? — Mostro o visor para ela.
— Não, vá em frente, fico quietinha aqui.
Aceno em positivo e deslizo o botão para aceitar a
chamada, tirando do modo bluetooth para poder ouvir
Dave melhor.
— E aí, cara — saúdo meu amigo.
— Céus, o seu cabelo está maior ainda. Quando
você vai cortar ele? — Vejo Manu segurar a risada e eu
balanço a cabeça no vídeo.
— Você ligou para dar uma de cabelereiro ou tem
alguma atualização realmente importante?
— Para os dois, afinal de contas, está no código de
regras de amizade alertar quando seu amigo está com
um corte de cabelo horrível — Dave dá risada.
— As mulheres não pensam o mesmo que você —
provoco e vejo Dave e Manu fazerem uma careta.
— Que seja. Liguei para contar que estou na última
fase do processo seletivo que mencionei.
— É sério? — Exclamo empolgado — Se você
passar você vem para cá?
— Basicamente. Eu posso escolher outros lugares,
mas…
— Mas você não vai ousar escolher outro lugar
porque ficar perto do seu melhor amigo é primordial —
completo sua frase.
— Como se você fosse me dar muita atenção eu
estando aí — ele provoca, porque sabe que me irrito
quando ele diz que não sou um amigo preocupado com
ele — além do mais, não estou para farra, Nate, sua vida
é uma loucura que é bom estar distante.
Olho por cima da tela e vejo Manu com a
sobrancelha arqueada, como se estivesse concordando
com Dave.
— Quando você morar aqui, não vou sair da sua
casa, você vai ver. E vou te levar para conhecer a cidade,
as pessoas…
— As mulheres — ele completa — Nem inventa,
Nate. Já tive minha cota de relações superficiais, nunca
estive tão bem com essa folga que estou tendo. Além
disso, eu sou pai de família, quantas vezes preciso te
lembrar disso?
— Você precisa namorar, cara — comento para
Dave. — Ficar sozinho não é legal, vai por mim. Mas,
vamos falar do que importa, como vai funcionar agora?
Quais os próximos passos?
Dave começa a me explicar que agora, ele vai
passar por algumas entrevistas com gestores e o diretor
da área onde possivelmente irá trabalhar. Ele me mostra
o livro que está usando para estudar e não consigo
deixar de sentir um orgulho enorme dele e de sua
dedicação. Dave é incrível e merece a oportunidade de
crescer ainda mais profissionalmente.
— E o Nick? — Pergunto sério. — Você tem pensado
nisso?
— O que você acha? — Ele passa as mãos pelos
cabelos curtos loiros e vejo quando seus olhos ficam em
um tom de azul mais escuro. — Penso nisso o tempo
todo. Já fico longe do meu filho morando no mesmo país
que ele, imagine mudar de continente? Andei dando uma
pesquisada, a Suécia é um ótimo país em níveis
educacionais, as escolas são bilíngues, ele poderia
aprender os dois idiomas, eu só preciso ver a questão de
escolas que se adaptem as necessidade dele…
— Você já cogitou falar com Hannah para trazê-lo?
— Sei que ela é a mãe do filho do meu amigo, mas só de
pronunciar seu nome, sinto a raiva tomar conta do meu
corpo. É uma história que não cabe a mim contar, mas
Dave sofre muito com toda essa situação. Noto que Manu
já terminou de comer, mas ouve atenta a nossa
conversa.
— Cogitei pedir a guarda dele, cogitei pedir que ele
se mudasse comigo, penso nisso todos os dias, Nate,
mas não sei nem como introduzir esse assunto…
Problemas para o Dave do futuro, afinal de contas, não
há nenhuma certeza de que eu vou passar.
— Não adie essa questão, cara, você e eu sabemos
que as chances são grandes.
Noto que meu amigo fica em silêncio alguns
segundos, acenando em positivo com a cabeça e sei que,
independentemente do que aconteça, se der certo, vou
ajudá-lo no que precisar, porque é isso que irmãos fazem
um pelo outro. E amo Dave como se ele fosse um irmão
mais velho.
— Mas chega de falar de mim, e você — ele
comenta, se encostando na sua usual cadeira de
trabalho. — Tirando os jogos e o fato de que seu time
finalmente avançou no campeonato depois de anos e
que vocês tem chances de disputar os play-offs, como
vai o namoro de mentira?
— Bem, sem novidade — comento breve porque,
afinal de contas, minha namorada de mentira está
sentada à minha frente.
— Hm, muito monossilábico — observa Dave. — E
quando eu vou conhecê-la? Não ligo se ela não é uma
namorada de verdade, se é alguém com quem você está
passando o tempo, quero conhecer — Olho para Manu
brevemente e vejo que ela está atenta ao que estamos
conversando. — Ela está aí, não está?
Manu dá de ombros e entendo isso como uma
deixa para que eles se conheçam. Peço para que ela
venha até o meu lado e logo, a tela se enche com a
imagem de Manu pela câmera.
— Ei, Dave, como vai? — Minha namorada o saúda
e vejo na expressão de Dave, que eu conheço há anos, a
surpresa presente.
— Vou bem, Manu. Quer dizer então que você é
quem está aguentando o Nate no meu lugar?
— É, parece que você deixou o trabalho sujo para
mim — ela pontua e os dois começam a rir.
Eles continuam a conversar e Manu pergunta em
detalhes o que Dave faz, eles começam a compartilhar
suas experiências profissionais, meu amigo fica surpreso
com a especificidade da pesquisa que ela está
produzindo e, como curioso que sempre foi, começa a
perguntar mais sobre sua pesquisa.
E apesar de estar conversando com os dois, duas
coisas não conseguem parar de martelar em minha
mente. A primeira é que Manuela é uma mulher incrível.
Posso não entender cem por cento sobre o que ela
estuda, posso ter o conhecimento de certa forma
limitado, mas é fascinante ouvi-la falar com tanta paixão,
é… Sexy.
O que me leva a um outro questionamento: que
merda me deu na cabeça de sugerir uma amizade
colorida para Manuela?
Não posso misturar as coisas, ela é uma das
poucas coisas que tenho controle em minha vida. Nosso
acordo tem acalmado cada dia mais a imprensa, meu
lugar de destaque no time se mantém a cada jogo, meu
treinador e os demais caras do time voltaram a me
respeitar, e no final de contas, somos amigos. Não posso
jogar tudo pro alto só porque acho Manu linda, porque
gosto do cheiro de café que ela emana, porque fico
levemente hipnotizado quando ela solta os cabelos, ou
porque daria tudo para ir numa balada com ela
novamente e dançar agarrado com ela…
— Nate? — A voz de Manu ressoa ao meu lado e
percebo que não faço ideia sobre o que ela e Dave
estavam conversando nos últimos minutos.
— Foi mal, acho que o cansaço bateu — respondo
rapidamente e os dois assentem e repetem a pergunta
que fizeram.
Nós continuamos a conversar e eu mando para
longe os pensamentos que tenho com relação a
Manuela.
Temos um acordo e uma relação boa como amigos,
é isso que tem que ser.
É isso que será.
adolescente — desdenho.
— É verdade, meu irmão quando tinha quatorze
anos aprendeu a tocar violão só para dedilhar essa
música — Mahara completa.
Noto que Dave e Nathan se olham por um ou dois
segundos e meu namorado apoia os cotovelos na mesa,
inclinando o corpo para mais perto do amigo.
— Não vai contar para elas, Dave? — ele chama o
amigo. — Você não vai contar que adora Guns? Que você
queria deixar seu cabelo comprido quando mais novo só
para tentar imitar o visual do Duff McKagan[28]?
Mahara e eu olhamos para os dois e
automaticamente começamos a rir.
— Você é um idiota, LeBlanc — o loiro revira os
olhos. — Mas, bem, que seja, eu gosto mesmo, tenho
muitas memórias por conta da banda, fez parte da minha
vida.
— Tudo bem, Dave — pouso minha mão em cima
da dele. — Mesmo pessoas bonitas precisam ter defeitos.
— É verdade — completa Mahara. — Não dá pra ser
perfeito.
— É, você está certa — ele se vira na direção da
minha amiga e continua. — Eu tinha que ter algum
defeito, já que eu tenho esse “rostinho bonito”, o “corpo
que deixa qualquer mulher derretida”, “esses lábios que
parecem altamente beijáveis” e... — ele põe a mão no
queixo e em seguida, cruza os braços — os “braços
tatuados de bad boy de livro de romance”, não é?
Mahara arregala os olhos em sinal de surpresa e eu
vejo que ela fica tímida, Dave tem um sorriso presunçoso
nos lábios, mas nenhum dos dois diz nada, eles apenas
se encaram.
— O que eu perdi? — Nate sussurra próximo ao
meu ouvido.
— Eu não sei, mas vou descobrir — respondo no
mesmo tom e me viro para ele.
— Quer dançar comigo? — Nate desce do banco e
me estende a mão.
— Não tem ninguém dançando — digo, mas
estendo a mão para ele.
— Não me importo com o restante do mundo, só
com você — ele pega minha mão de forma leviana e se
aproxima do meu corpo, me balançando bem
devagarzinho no ritmo da voz de um dos cantores que
marcou minha adolescência.
Fecho os olhos e deixo que a voz rouca de Nate
embale a nós dois, me aqueço com seu corpo, com suas
palavras e com a forma como me sinto completa com
ele. Ele sussurra baixinho os últimos versos, dizendo o
quanto precisa de mim e eu sorrio.
Atravessei o mundo para estudar, para provar a
mim mesma que era capaz de conseguir meu título de
doutora. Vim para cá com meu coração fechado e com a
certeza de que ficaria aqui só para cumprir meu papel e
depois voltaria para casa, para meu lar. Mas, neste
momento, nos braços desse homem, eu sinto que já
estou em casa, sinto que encontrei um lugar para me
aquecer, alguém que sonha junto comigo, que me
permite ser livre e que escolhe todos os dias caminhar
comigo lado a lado. Escolhi Nathan LeBlanc para estar
em minha vida e do que depender de mim, ele
permanecerá ao meu lado. Eu me perguntava
constantemente de onde vinha o frio, mas mesmo que as
temperaturas sejam baixas, me sinto aquecida com ele.
Nathan é meu dia de calmaria, é uma xícara de café
quentinha no meio da tarde, ele é quente como os dias
de verão que ainda virão.
— Eu amo você — digo baixinho em seu ouvido.
— Eu te amo muito mais, linda.
Ele deposita um beijo em meus cabelos e não
existe mais nada à nossa volta. Só eu e ele, para o resto
de nossas vidas.
Zara, quatro meses de gravidez
Estamos em uma nova clínica, dessa vez, em outra
cidade mais ao norte de Estocolmo, ela é bem
conceituada e não poupamos esforços para que
houvesse sigilo absoluto agora, neste novo
acompanhamento. Zara escolheu a dedo uma médica
que pudesse cuidar de toda a gestação e em quem ela
teria confiança de levar dois homens juntos na consulta
sem ser julgada.
Erik está sentado do lado esquerdo de Zara e eu do
direito, estamos aguardando a médica e vejo que ele
está mais nervoso do que eu, é sua primeira consulta e
eu entendo perfeitamente. Eu também estou ansioso
porque, ao que tudo indica, hoje poderemos descobrir o
sexo do bebê. E eu sinto que será um garoto.
Olho meu celular e vejo que minha mãe me enviou
uma mensagem perguntando se já sei o sexo do neto ou
neta dela. Sorrio por ver que ela está encarando bem
melhor a circunstância. Meu pai e ela ficaram bem
chocados com toda a situação, contei a eles o que estava
acontecendo antes de dar a coletiva de imprensa porque
sabia que depois dela, tudo e todos a minha volta
ficariam expostos para as pessoas e eles mereciam saber
antes. Fiz uma ligação para contar sobre a gravidez e
Manu esteve presente, segurando minha mão e
conversando com meus pais, tranquilizando a eles e
dizendo que está tudo sob controle. Minha mãe chorou,
meu pai também, eu e Manuela igualmente derramamos
lágrimas, mas prometemos a eles fazermos uma visita
assim que eu tiver férias. Eles estão ansiosos para
conhecer minha namorada e eu não vejo a hora de matar
as saudades dos dois.
— Srta. Holmgren?
Olho para cima e vejo a obstetra, ela tem um
sorriso gentil nos lábios e nós três nos levantamos e
caminhamos para dentro do consultório. A médica faz as
perguntas padrões sobre como Zara tem se sentido, as
vitaminas que está tomando e a consulta — como deve
ser — tem como foco ela e o bebê. Zara passa pela
pesagem, relata tudo e mais um pouco e quando dá a
hora, a médica solicita que ela vá até o banheiro vestir o
avental para que possa fazer o ultrassom. Quando Zara
sai, a médica tira um tempo para conversar comigo e
com Erik, dá algumas orientações para nós, diz que é
muito importante que, independentemente das
circunstâncias, os dois estejam presentes, para que a
mãe possa ter todo o amparo necessário. Erik e Zara
estão se acertando, ela passou a aceitar mais a presença
dele e eu tenho dado o meu melhor, juntamente com
Manu. Esses dias mesmo, Zara comentou que estava
com vontade de comer nachos com carne e minha
namorada fez questão de preparar ela mesma a carne
moída com temperos. Passamos algumas horas juntos
comendo e foi um ótimo tempo.
A médica nos chama para ir até a outra sala e eu e
Erik nos posicionamos em dois bancos, de lados opostos.
Zara se deita na maca e o procedimento padrão do
ultrassom começa. Quando a obstetra pergunta se
queremos saber o sexo do bebê, olhamos um para o
outro e acenamos em positivo, o suspiro audível vindo de
nós três faz com que soltemos uma risada em conjunto e
a médica nos acalma. Ela volta a mover o transdutor pela
barriga e faz um breve suspense antes de nos deixar
completamente emocionados.
— É um menino, mamãe e papais. Um meninão.
Lágrimas escapam dos meus olhos, dos de Erik e
quando olho para Zara, ela também está emocionada.
Um menino. O meu menino. Meu filho.
E dessa vez, com tudo em seu devido lugar e
minha vida nos trilhos, me sinto verdadeiramente feliz.
E então, acontece.
A meditação guiada funciona e Zara dorme assim
que ela termina, nós saímos de fininho do quarto, mas
em um dado momento da noite acordamos com Erik nos
chamando. Ela levantou para ir ao banheiro e a bolsa
estourou assim que Zara colocou os pés no chão. Manu e
eu nos organizamos, ajudamos a pegar todas as malas e
demais coisas que ela venha a precisar e a mãe do meu
filho logo começa a sentir as contrações. O caminho
passa como um borrão por meus olhos, quando chego ao
hospital, ela já está urrando de dor, a obstetra já está a
caminho e nós todos nos acomodamos no quarto,
estamos todos ansiosos, nervosos e com expectativa.
Manu está ao meu lado usando um conjunto de
moletom cinza, ela, infelizmente, não poderá ir conosco
na sala de parto, porque eu e Erik fazemos questão de
estar os dois junto de Zara. Eu a abraço pela cintura
assim que saio do banheiro devidamente vestido com a
roupa verde cirúrgica.
— Ele vai nascer, Nate — a voz da minha namorada
soa um pouco mais baixa e quando olho para ela, nós
dois estamos com uma lágrima solitária escorrendo pela
bochecha. — Não vejo a hora de conhecê-lo.
Eu a envolvo em um abraço apertado e colo nossas
testas, sentindo seu cheiro, seu calor e todo o amor que
ela emana para mim.
— Eu amo tanto você — digo baixo as palavras. —
Obrigado por ter me escolhido, por ter me deixado te
amar mesmo quando eu não merecia. Obrigado por amar
essa criança.
— Seria impossível não amar ele e você — ela dá
um sorriso doce e deixo a pergunta que tanto quero fazer
escorrer por meus lábios.
— Preciso te perguntar uma coisa.
— O quê?
— Casa comigo? — O ar falta em meus pulmões e
abro os olhos para ver a íris de Manuela brilhar. Ela é o
amor da minha vida. — Depois que ele nascer, que as
coisas se acertarem de uma vez, casa comigo? Fica
comigo para sempre, por favor.
Manu respira fundo e cola nossas testas
novamente uma na outra.
— Me pergunte de novo depois — ela dá um beijo
breve em meus lábios.
Nos afastamos quando ouvimos a voz da médica
obstetra de Zara entrar no quarto juntamente com mais
alguns membros da equipe médica. Ela começa a
conversar com Zara e explicar como tudo vai funcionar e
eu me permito ficar realmente nervoso, tento controlar
minha respiração e me atento a tudo que ela explica.
Zara está com dilatação suficiente para começarmos o
parto. Está mesmo acontecendo, ele vai nascer. Meu
menino vai nascer.
A médica pergunta se eu e Erik vamos mesmo
acompanhar Zara e nenhum de nós hesita, ele está tão
nervoso quanto eu, mas tentamos dar o nosso melhor. Os
médicos ajudam Zara a se sentar na cadeira de rodas
para que possa ir para a sala de parto. Manu avisa que
vai esperar na sala de espera e antes que saia, Zara a
chama.
— Manu? Vem aqui — pede com a voz fraca,
claramente tentando controlar a dor que está sentindo.
Minha namorada se abaixa para ficar na altura de
Zara e as duas dão as mãos uma para a outra.
— Eu nunca encontrei o momento certo para fazer
isso, então vou aproveitar que todas as minhas emoções
estão à flor da pele e usar isso a meu favor — ela se
mexe na cadeira, visivelmente com dor, mas continua a
falar. — Desculpa por tudo que fiz com você.
— Zara…
— Você pode dizer que não, mas eu te magoei, eu
quase deixei que vocês dois fossem infelizes longe um do
outro com medo do que poderia acontecer, com medo de
julgamentos. Você tinha todos os motivos do mundo para
me odiar, você não precisava me ajudar, você nem
mesmo precisava gostar do meu filho — ela deixa um
soluço escapar e as duas começam a chorar. — Mas você
nem mesmo hesitou, você simplesmente viveu essa
gravidez junto conosco…
Manu apoia a cabeça nas mãos de Zara e as duas
choram juntas, Erik e eu também estamos derramando
nossas lágrimas e quando olho para a equipe médica,
estão todos igualmente emocionados.
— Eu nunca vou ser grata o suficiente a você por
tudo. Obrigada por tudo que você fez por mim e pelo
meu bebê — ela diz com a voz embargada.
— Não foi nada, Zara. Conte comigo para tudo,
você e ele — minha namorada levanta o rosto e limpa as
lágrimas dos olhos. — Agora, por favor, você deve estar
morrendo de dor, vai parir essa criança. Díos mio!
Dou uma breve risada ao ouvir as palavras em
espanhol de Manu e Zara assente. Antes, ela pede que
alguém tire uma foto desse momento e eu faço, Manu
beija as mãos de Zara e a mãe do meu filho olha com
admiração para a amiga. É uma foto linda, de duas
mulheres fortes e incríveis que mesmo diferentes em
muitos aspectos, foram capazes de se entender, de
superar adversidades.
— Vamos? — Zara pergunta para mim e para Erik e
nós assentimos.
A equipe médica volta a se movimentar e quando
passamos pela sala, deposito um beijo nos lábios de
Manu antes de nos despedirmos.
— Eu amo você.
— Eu também amo você — diz com a voz ainda
embargada. — Só volte aqui quando ele já tiver nascido.
Balanço a cabeça em positivo e me afasto dela,
indo em direção ao centro cirúrgico juntamente com Zara
e Erik. Estou sorrindo, estou cheio de expectativa, só
quero que fique tudo bem.
Ao chegar na sala de cirurgia, os procedimentos
todos começam e como sempre, Erik e eu nos
posicionamos um de cada lado de Zara, damos as mãos
para ela e a médica pede para que ela comece a fazer
força. Sou completamente inútil neste momento, não
estou fazendo nada, dizer que estou ajudando meu filho
vir ao mundo é uma grande mentira, é Zara quem está
fazendo tudo, Erik e eu só damos incentivo.
— Força, amor — ele diz.
— E você acha que eu estou fazendo o que? —
Responde ela entre os dentes e apertando com ainda
mais força minha mão. — E você, não ouse comentar o
óbvio — ela diz para mim e eu sorrio.
— Sim, senhora.
Ela continua a fazer força e eu continuo a
mentalizar que ela consiga.
Na sexta vez, Zara grita tão alto e aperta tão forte
minha mão que vejo ela perder a cor, mas então, um
choro alto irrompe a sala.
— Nasceu, mamãe. Nasceu.
Erik desaba de chorar, eu também e Zara tenta
controlar a respiração enquanto também chora. Mesmo
com as vistas embaçadas por conta das lágrimas, eu
tento procurar por meu filho, mas a equipe médica está
fazendo seu trabalho. Quando uma enfermeira caminha
em nossa direção com um embrulho em seus braços, eu
sinto meu coração disparar ainda mais, ela coloca meu
filho nos braços de Zara e eu o vejo. Ele é perfeito, ele
chora alto e eu o amo.
— Eu te amo — diz Erik para Zara e se abaixa para
depositar um beijo na testa dela.
Eu olho para ele, como se, em um pedido mudo,
pedisse permissão para me aproximar e fazer o mesmo.
Posso não amar Zara como uma mulher, da mesma
forma como amo Manuela, mas eu a amo por trazer ao
mundo essa criança. Ele assente e eu me abaixo para dar
um beijo em sua testa.
— Obrigado.
Zara olha para mim, com seus grandes olhos azuis
e sorri.
— Oi… Louis — ela diz para o bebê em seu colo e
nós todos sorrimos. Decidimos o nome dias atrás e não
poderia ser mais perfeito para ele.
— Oi, Lou — eu digo olhando para o meu filho e me
aproximando mais. — Eu amo você, filho.
Nós todos continuamos a chorar até que peguem
Louis novamente, nós saímos do centro cirúrgico, para
que eles possam levar Zara para o quarto e ela também
descanse e eu ando até a sala de espera, para encontrar
o outro amor da minha vida.
Manuela está sentada em uma das cadeiras, mas
quando me vê se levanta às pressas.
— Quer conhecer o Louis? — Pergunto e ela
começa a chorar no mesmo instante, enquanto balança a
cabeça dizendo que sim.
Seguro sua mão e a levo até o berçário, são quase
seis da manhã, não há muitos bebês ali, mas eu
reconheceria o meu em qualquer lugar. Quando paramos
em frente ao vidro, eu aponto para o terceiro bebê da
segunda fileira. Manu se aproxima mais do vidro e olha
para Louis, um sorriso gigante se expande em seu lábio e
eu a amo. Eu a amo tanto. As duas pessoas que mais
amo estão se conhecendo neste momento e eu sou o
homem mais feliz do mundo.
— Eu aceito — a voz de Manu soa baixa e
embargada. Eu me viro para olhá-la e Manu faz o mesmo.
— Eu aceito me casar com você.
Eu a envolvo em um abraço, tomo sua boca com a
minha e deixo que nossas lágrimas de felicidade se
misturem em nosso beijo. Vou fazer o pedido oficial
quando tudo estiver resolvido, mas vou me casar com
essa mulher, vou fazê-la minha de todas as formas
possíveis e impossíveis. Nós nos separamos, para não
darmos um show e tanto no hospital e eu a abraço,
enquanto voltamos a olhar para o meu filho através do
vidro.
— Tia Manu ama muito você, Lou. E seu pai
também.
Fizemos o teste de paternidade alguns dias depois
que Louis nasceu. Recolhemos DNA dele, meu e de Erik.
Quando falamos sobre isso a primeira vez, meses atrás,
no início da gestação, no momento em que Zara me
ameaçou e tudo aconteceu, naquele momento, eu só
conseguia pensar que o teste seria a única alternativa
para que eu e Manuela ficássemos juntos. Mas as
circunstâncias mudaram e eu nunca serei capaz de
agradecer ao universo, Deus ou quem quer que seja,
pela generosidade para comigo, por ter a mulher que eu
amo ao meu lado, por estar no meu melhor momento
profissionalmente, tendo trazido o campeonato para o
meu time, por ter amigos incríveis ao meu lado. E mais
do que isso, por ter um filho saudável e que será muito
amado por mim, independente do resultado que esteja
escrito no exame que tenho em mãos.
— Pronto? — A voz de Manu soa ao meu lado e me
viro para olhá-la.
Os cabelos estão soltos por suas costas e sua mão
esquerda, agora, tem um pequeno pontinho brilhante,
um lembrete de que ela mais uma vez disse sim, de que
ela aceitou estar na minha vida para sempre.
— Pronto.
Ela faz carinho em meus cabelos recém cortados,
mas que, ainda assim, continuam levemente compridos.
Eu removo o lacre e pego os papéis em mãos, começo a
ler as análises clínicas, mas por não entender nada, vou
logo para a última página para ler o laudo final.
Meu coração dispara e minhas mãos tremem mais
do que antes. As lágrimas começam a escorrer dos meus
olhos e eu respiro fundo.
— É meu. Eu sou o pai dele.
Três anos depois
Seguro o celular nas mãos enquanto olho para o
rinque de gelo onde uma figura alta segura, com cuidado
e com as duas mãos, um garotinho com seus três anos.
Nathan disse que, quanto antes Louis começasse a
pegar gosto pelo gelo e pelo rinque, melhor seria. Eu
tentei convencê-lo a deixar que Lou escolhesse por livre
e espontânea vontade o hockey, mas estamos falando de
Nathan LeBlanc, o astro do hockey escandinavo, um dos
maiores pontuadores de todos os tempos, o cara que
ergueu o time do Stockholm Älg e que se recusa a pensar
que seu filho pode não ter o mesmo interesse pelo
esporte que ele tanto ama. Juro que todas as vezes que
ele vê Louis jogando bola, ele sua frio. Meu marido não
tem jeito.
Apesar disso, ainda que eu ache que ele está
levando Louis para o rinque para influenciar o filho a
escolher o hockey, a cena não deixa de ser linda. O
pequeno garotinho, de olhos azuis como os da mãe e
cabelos castanhos escuros como o do pai, não para de rir
e dar gritinhos baixos enquanto desliza pelo gelo com
seus patins minúsculos. Eu até poderia estar junto, mas
eu confio mais em meu potencial esquiando do que
deslizando pelo gelo.
Encerro a gravação e encaminho para Zara e Erik,
os dois tiraram o final de semana de folga e foram viajar
para descansar um pouco, mas foram incisivos em dizer
que queriam ver a primeira vez de Louis no gelo. Assim
que encaminho o vídeo para eles, ouço uma voz aguda
me chamar.
— Tia Manu! Tia Manu!
— Oi, meu amor — eu grito de volta.
— Olha só, eu tô deslizando.
— Eu estou vendo, Lou.
Nathan pisca para mim e eu sorrio para ele. Eu os
amo tanto, eu amo tanto a família que ganhei, amo
nossa história e amo que, no final das contas, tudo deu
mais do que certo na minha vida. Sempre vou sentir falta
do meu país, sempre vou sentir falta do acolhimento, de
familiaridades que só o meu país de origem, Tonia,
Martina e Pablo podem me proporcionar, mas todos os
dias se torna mais fácil controlar as saudades. Eu me
sinto em casa, eu estou em casa.
— Chega por hoje? — Diz Nathan para o filho,
pegando-o no colo. — Tia Manu está cansada e o papai
também.
— Você vai me trazer de novo? — Pergunta Louis
para o pai e eu juro que meu marido solta fogos de
artifício ao ouvir isso.
— Claro que vou, quando você quiser — Nate beija
as bochechas rosadas de Louis e o pequeno ri. — Quando
você crescer mais um pouquinho, nós vamos comprar
tacos e aí você vai jogar igual o papai.
Nate desliza com Lou no colo até chegar na
entrada do rinque e eu pego os protetores de patins para
os dois. O protetor de Louis é minúsculo, mas é
completamente fofo, assim como ele. Eu o ajudo a sair
do rinque e entrego os protetores maiores para Nate, que
se curva para depositar um beijo em meus lábios.
— Tudo bem por aí? — Pergunta olhando para mim
e deposita a mão livre em minha barriga.
— Estamos bem — dou um sorriso gentil para ele.
Ficar grávida não estava nos meus planos, mas
muitas coisas na minha vida, nos últimos anos, não
faziam parte das minhas metas e no final das contas,
eram exatamente o que eu precisava e não sabia.
— Podemos comer aquele bolo gostoso rosinha? —
Lou chama nossa atenção e dou risada.
Na última vez que ele estava conosco, nós
estávamos voltando de um passeio e passamos em
frente a cafeteria que eu trabalhava quando conheci
Nate. Por conta da nostalgia, decidimos parar para tomar
um café e Louis provou o típico bolo sueco que era um
dos mais pedidos na cafeteria.
— Topa? — Nate pergunta para mim.
— Claro. Está meio frio, será ótimo tomar um café
para acompanhar.
Meu marido sorri e de mãos dadas, caminhamos
pelo túnel tão familiar para nós indo em direção ao
vestiário do Älg, para que eles possam trocar seus patins
pelos sapatos e assim possamos ir para o café. Ajudo
Louis a tirar seus patins e os guardo na mochila de Nate.
Lou é uma criança linda, agitada e que tem o potencial
de quem ainda vai aprontar muito, mas sendo filho de
Nate, eu não poderia esperar menos. Fico pensando se a
criança que estou gerando será mais como eu ou como
ele, tenho pensado muito sobre isso, é engraçado
imaginar os mais diferentes cenários. É engraçado
imaginar que vou ser mãe.
— Vamos? — Nate estende a mão para mim e nós
caminhamos em direção a saída.
O vento gelado bate em meu rosto e eu tremo um
pouco os lábios, depois que descobri a gravidez, parece
que voltei a sentir frio assim como nos primeiros meses
em que cheguei aqui.
— Muito frio por aí, linda? — Pergunta Nate me
puxando para mais perto de seu corpo.
— Só um pouquinho — respondo e envolvo sua
cintura com meu braço.
— Eu esquento você também, tia Manu. E o meu
irmãozinho ou irmãzinha também — Lou vem até mim e
abraça minhas pernas. Eu não consigo andar por conta
do movimento, mas me abaixo para pegá-lo no colo.
— Um abraço quentinho seu vai me aquecer e
muito, Lou-Lou — deposito um beijo em suas bochechas
e ele começa a dar gostosas gargalhadas.
Nate abre a porta do carro e eu coloco Louis na
cadeirinha e entro no banco da frente, meu marido toma
a liderança no volante e nós vamos até a cafeteria que
eu trabalhava enquanto cantamos, à nossa maneira, as
músicas que tocam no rádio. Nate tem a mão direita em
minha barriga o tempo todo, mesmo que as blusas todas
não deixem que ele consiga sentir muita coisa, ele tem
estado assim o tempo todo, desde que descobrimos.
A cafeteria não mudou muito depois que saí do
trabalho para assumir um cargo em um museu de
Estocolmo, cuidando da curadoria. Entramos pela porta,
que ainda tem o mesmo sino de quando era eu a estar
atrás do balcão e o cheiro tão familiar me invade as
narinas. Louis dispara assim que a porta se abre e vai até
a vitrine para ver se encontra o bolo que tanto quer
comer.
— Lembra quando eu entrei aqui e pedi para você
ser minha namorada de mentira? — Nate sussurra baixo
em meu ouvido e eu dou risada.
— Claro que me lembro — respondo me virando
para ele. — Ainda hoje, eu acho inusitado a sua audácia
de aparecer do nada e sugerir uma coisa daqueles sem
nem mesmo um contexto.
— Nunca tomei uma decisão precipitada tão certa
em minha vida — Nate diz orgulhoso. — De garota do
café para mãe dos meus filhos — ele rouba um beijo dos
meus lábios e eu sinto o calor dele dominar todo o meu
corpo — Sabe o que eu estou pensando? Eu e você, na
nossa cama, fodendo baixinho para não acordar o Lou —
Nate fala baixinho ao meu ouvido e fico excitada
automaticamente.
— Vou cobrar a promessa — digo em um sussurro e
ele me beija de novo.
— Eca, papai! — A voz de Louis ressoa entre nós e
ele tenta nos afastar. — Isso é nojento.
Nate se abaixa para pegar o filho no colo e faz
cosquinhas na barriga dele.
— Vamos ver se depois de grande você vai
continuar a pensar assim.
Nós seguimos pela fila e fazemos nosso pedido, eu
peço um café simples, Nate pede seu Latte Caramelo e
pedimos um pedaço do bolo para Louis. Nos sentamos
em uma mesa próxima a janela e quando coloco Louis
em sua cadeirinha, enquanto tiro a jaqueta dele, o
pequeno me faz uma pergunta engraçada.
— Tia Manu, de onde vem o frio?
Olho para ele com carinho e com amor e respondo
a verdade para ele.
— O frio vem de vários lugares, meu amor: das
montanhas geladas que eu e seu pai te levamos aquela
vez para passear, do vento forte que bate no nosso
rostinho, o frio vem da neve que às vezes cai do céu. Ele
vem de muitas partes, de formas muito diferentes, mas,
sabe como a gente pode sempre ficar quentinho? —
Pergunto e ele balança a cabeça. — Estando sempre
perto daqueles que amamos. Sabe por que a tia Manu
não está com frio agora? Porque você, o papai e seu
irmãozinho ou irmãzinha, que está crescendo aqui —
coloco a mão em minha barriga — me aquecem muito.
Assim como a sua mamãe, seu papai Erik, o tio Dave, a
tia Mahara, o Nick, sua prima Martina…
Ele fica alguns segundos em silêncio e coloca a
mão pequena em meu rosto. Os olhos azuis, que mais
parecem duas bolinhas de gude de tão claros, piscam
para mim e ele volta a falar com a voz fininha.
— Eu te amo, tia Manu.
— Eu também te amo, Lou.
Ele me abraça e eu faço o mesmo, sentindo
pequenas lágrimas brotarem em meus olhos. Olho para
Nate e ele nos observa com amor, com admiração, ele
olha para nós como se nós fossemos o seu mundo. E eu
sei que somos, porque eles também são o meu.
Anos atrás, um jogador que tinha o nome na boca
do povo me ofereceu um acordo bobo para que eu fosse
sua namorada de mentirinha e eu jamais, em momento
algum, iria imaginar que ele poderia me fazer sentir em
casa em um lugar tão diferente da minha realidade. Mas
Nate sonhou os meus sonhos, me ajudou a realizar
alguns deles, me deu uma família, amigos e amor. Nate
me escolheu e eu o escolhi. Ele me ama por tudo que sou
e eu o amo por tudo que ele é. E todas as vezes que eu
penso em casa, eu não penso mais em Santiago, ou em
Estocolmo, ou em qualquer outro lugar do mundo, um
lugar fixo no planeta. Eu penso nele. Porque, para mim,
casa é onde quer que Nate, Lou e meu bebê estejam
comigo.
F.I.M
Ele está frustrado e cansado de procurar alguém que possa preencher seu
coração e corresponder a todos os grandes gestos que é capaz de fazer.
Ele pode até pensar que o jogo acabou, mas tudo pode mudar na
prorrogação.
Eles cresceram juntos, mas tanto Colin, quanto Emma adoram se irritar. Eles
acreditam fielmente que não se importam tanto assim um com outro. Mas
isso vai mudar com a maturidade, com o ambiente universitário e a partir do
momento em que apelidos infantis adquirirem um novo significado.
Eles juram que o placar já está definido, mas ainda estão longe do final do
jogo.
Clique aqui para baixar
[1]
“Meu Deus”, em espanhol.
[2]
“Aleluia” em sueco.
[3]
Processo de seleção de jogadores.
[4]
“Eu não posso acreditar”, em espanhol.
[5]
Série produzida pelo Netflix.
[6]
Desenho animado criado por Joe Ruby e Ken Spears.
[7]
Tipo de cobertura usada por muitas mulheres muçulmanas.
[8]
Time de futebol chileno.
[9]
“Parabéns, querido Nathan. Parabéns pra você”. Música de aniversário
em inglês.
[10]
Técnica artística de tingimento de tecidos.
[11]
Personagens femininas da série Game Of Thrones.
[12]
Heather Cooper é uma jogadora de futebol, cuja história é apresenta em
Fair Play.
[13]
Chicago PD é uma série de televisão estadunidense.
[14]
No hockey, o slapshot é uma jogada executada com apenas um
movimento com o taco e o disco, considerada um das jogadas mais difíceis
de ser feita.
[15]
Troca de mensagens com conteúdo sexual.
[16]
“Eu te amo, Manu”, em espanhol.
[17]
“Eu também te quero, Nate”, em espanhol.
[18]
Filme de 2004 baseado no livro de mesmo nome de Nicholas Sparks.
[19]
Referência ao filme Titanic, de 1997.
[20]
Banda de hard rock americana.
[21]
Pablo Ruiz Picasso um famoso pintor espanhol.
[22]
A Capela Sistina é uma capela situada no Palácio Apostólico, no
Vaticano. Foi pintada por Michelangelo.
[23]
Trevo Gallagher e Luca Capone são personagens da Série Paradise, de
Fernanda Freitas.
[24]
“Olá, meu amor”, em espanhol.
[25]
“Eu amo você”, em espanhol.
[26]
“Eu também”, em espanhol.
[27]
Banda de Hard Rock estadunidense.
[28]
Baixista do Guns N’ Roses.
[29]
É uma empresa global de origem sueca, especializada na venda de
móveis domésticos de "baixo custo".
[30]
Zlatan Ibrahimović é um jogador sueco, considerado um dos maiores
atacantes do mundo.
[31]
Marca de luxo famosa italiana.