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DADOS DE ODINRIGHT

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SÉRIE FAIR PLAY
Fair Play
Overtime (Uma história de Fair Play)
End Game (Um Spin-Off de Fair Play)

ALÉM DE MIM
Além de Mim

SÉRIE ESTAÇÕES
De Onde Vem o Frio
TÍTULO: De Onde Vem o Frio
AUTORA: Beatriz Garcia
PREPARAÇÃO E REVISÃO DE TEXTO:
Clarissa Progin
DIAGRAMAÇÃO: Beatriz Garcia
FOTO DE CAPA: Designed by Aleksandr
– StockAdobe.com
DIAGRAMAÇÃO DE CAPA: Fernanda
Freitas
ILUSTRAÇÃO: Gabriela Gois
Copyright © 2022 Beatriz Garcia
Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução, transmissão ou
distribuição não autorizada desta obra,
seja total ou parcial, de qualquer forma
ou quaisquer meios eletrônicos,
mecânicos, sistema de banco de dados
ou processo similar, sem a devida
autorização prévia e expressa do autor.
(Lei 9.610/98)
AVISO DE GATILHO E NOTAS DA AUTORA

PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPITULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS
AVISO DE GATILHO E NOTAS DA AUTORA

Olá, leitor.
De Onde Vem o Frio é um New Adult que vai falar
sobre uma imigrante chilena e um jogador de hockey
canadense vivendo fora de seu país de origem,
mostrando as diferentes vivências que ambos tem
mesmo estando na mesma posição: Manuela e Nathan
não são suecos, mas a forma como o país os acolhe é
completamente diferente.
Esse livro vai falar sobre xenofobia e, por isso, ao
longo da narrativa, você vai encontrar algumas situações
desconfortáveis, preconceitos e uso de palavras
pejorativas utilizadas para descriminar pessoas por conta
de sua origem. Quero deixar bem claro que não
concordo, não compactuo e em momento algum
qualquer opinião expressa aqui condiz com o que
penso. Qualquer diálogo, fala ou pensamento
expressos nesse livro tem o único intuito de trazer a
construção dos personagens e da história. Elas não
condizem com o que penso como autora e como pessoa.
A xenofobia neste livro em momento algum é
romantizada.
Neste livro você vai encontrar diferentes
nacionalidades, vivências e histórias de vida e decidi
trazer isso como tema desta história porque somos seres
plurais. Esse livro é recomendado para maiores de 18
anos pois contém cenas de sexo explícito, consumo de
bebidas alcoólicas, temáticas como machismo, racismo e
abandono parental. Se qualquer um desses temas
incomodar a você, não prossiga a leitura. Sua saúde
mental deve estar sempre em primeiro lugar.
Dados esses recados, eu espero, do fundo do meu
coração, que essa história e esses personagens
conquistem seu coração assim como fizeram com o meu.
Com todo meu amor, Bia.
— Como é que é?
A mulher à minha frente puxa o copo de papel com
café para si e o afasta das minhas mãos. Encaro seu
rosto de forma séria, mas não consigo evitar de pensar
que, talvez, a tática de ir direto ao assunto não tenha
sido a melhor estratégia.
— Eu sei que não faz sentido, mas, aconteceu. Eu
fiquei nervoso e acabei falando seu nome durante a
reunião — explico a ela, tentando manter a voz firme,
mas falhando em certo ponto.
— Díos mio[1]! — Ela fala alguma coisa na sua
língua materna, mas mesmo sem entender o idioma, não
é difícil imaginar que o significado não é algo bom —
Você não me conhece, não somos amigos, nunca
trocamos mais do que “oi” e “obrigada” e, está me
dizendo, agora, que, simplesmente do nada, você disse
para seus empresários e seja lá quem mais que cuida da
sua carreira, que nós somos namorados?
— Quando você expõe dessa forma parece uma
loucura, mas eu posso explicar — digo, sem ter metade
da convicção com a qual pronuncio essas palavras.
Manuela — a “garota do café”, como eu
particularmente a chamo — balança a cabeça incrédula.
Não a julgo, porque também não faço ideia do que
aconteceu comigo durante a reunião de hoje.
Eu só me lembro de estar exausto, cansado de
responder às mesmas perguntas nas entrevistas, de ser
confrontado por todos a minha volta a respeito de tomar
um rumo em minha vida.
Eu sou um jogador de hockey, minhas estatísticas
são incríveis, sou o maior pontuador atual do time em
que jogo e também da temporada, adorado pela torcida
e o destaque no campeonato escandinavo. Atravessei o
mundo para ter uma conta bancária mais cheia, com a
promessa de erguer o time em que estou jogando. E, se
quer saber, estou fazendo isso com maestria.
Mas, por aqui, não basta apenas ser bom na arena
enquanto eu patino pelo gelo, eu preciso ter uma boa
reputação em minha vida pessoal. E, nesse quesito, para
meus empresários, técnicos, delegação e a comissão
toda do time, eu estou falhando. As noites regadas a
bebida, música alta, mulheres, carros de luxo e todas
essas regalias não podem ser usufruídas da forma como
estou fazendo.
As cobranças começaram logo que cheguei à
Suécia, mais precisamente em Estocolmo, para assumir a
posição de ponta lança no time do Stockholm Älg, um
dos principais da liga. Um país novo e literalmente tudo
aos meus pés… Como não me deixar levar?
Admito que, em alguns momentos, as coisas
saíram do controle, mas qual o problema? Nunca me
envolvi com drogas, continuei testando negativo no
antidoping, meu desempenho não caiu em nenhum jogo,
só tenho trazido alegria ao time e aos torcedores. Não há
nada de errado.
Entretanto, as pressões começaram a aumentar
gradativamente, principalmente porque a grande maioria
dos jogadores já é casado, alguns até mesmo têm filhos.
Enquanto no Canadá, minhas farras com os colegas de
time e amigos ficavam por debaixo dos panos, em um
país pequeno como a Suécia, não há muito sobre o que
fofocar.
E o hockey, por ser um esporte muito adorado por
aqui, faz com que os jogadores estejam em evidência o
tempo todo. Não preciso dizer que minhas escapadas e
noitadas viraram um banquete cheio para a imprensa.
Tentei manter o decoro nos últimos dias, mas não
deu muito certo, continuei sendo um destaque negativo.
Uma das manchetes em questão dizia o seguinte:
“O novato que desliza seu taco por todos os
lugares fora da arena”.
A imprensa consegue ser nojenta quando quer.
Durante a reunião de hoje, horas mais cedo, eu não
aguentava mais ouvir broncas e muito menos era capaz
de lidar com a pressão de todos à minha volta, eu só
queria silenciá-los, só queria acabar com o tormento.
Nervoso e exausto, procurando uma solução, fosse
qual fosse, enquanto ainda segurava o copo de café que
havia comprado em uma das franquias da cafeteria onde
Manuela trabalha, eu simplesmente lembrei do seu
nome.
— Se querem saber, essas broncas todas são
inúteis, porque, na verdade, eu estou saindo com uma
garota.
— Você tem saído com várias garotas, Nathan —
desdenhou um dos chefes do alto escalão do time,
acompanhado de uma risada fraca do agente de
imprensa.
— Não, é sério, tem uma garota… — continuei,
empolgado com a ideia de calar a todos eles, ainda que
estivesse mentindo — O nome dela é Manuela, a conheci
em um café perto da minha casa. Ela me atende todos os
dias, acabamos por ficar amigos e uma coisa levou a
outra. Chamei-a para sair recentemente.
Meu empresário me observou de forma atenta e
depois deu um sorriso satisfeito em minha direção. Pouco
a pouco, cada um dos presentes na reunião sorriu
triunfante, como se eu houvesse acabado com todos os
problemas os quais discutimos minutos antes.
— Então faça questão de começar a trazê-la para
os jogos, procurar lugares para que vocês sejam vistos
juntos. Esse sim é um momento para não ser discreto,
Nathan — pontuou o assessor de imprensa do time.
Depois da reunião geral, tive que conversar com
meu empresário e confidenciei a ele que se tratava de
uma mentira. Ele sabia. Porque, afinal de contas, o cara é
quem encobre boa parte dos problemas em que me
envolvo, ele sabe cada passo que dou e, por isso, sabia
que eu estava mentindo de forma descarada na frente de
todos.
Foi ele quem me convenceu que,
independentemente da mentira, eu deveria tentar algo
com a garota que, neste momento, está parada a minha
frente me olhando incrédula. Segundo ele, não seria
nada ruim tentar arranjar uma companhia que pudesse
entreter a imprensa e me tornar um tédio completo para
as manchetes e fofocas.
Por isso, depois de receber suas instruções e do
treino denso de academia junto ao restante do time, eu
saí do complexo esportivo aliviado por acabar com a
pressão à minha volta, mas, infelizmente, com uma
bomba em mãos.
Eu precisava dizer à garota em questão que havia
jogado seu nome em uma reunião importante e, agora,
tinha que contar com sua boa vontade para me ajudar.
Entretanto, Manuela não parece ser uma mulher
fácil. Nós não trocamos muitas palavras além do
essencial, ela costuma me atender na maioria das vezes
em que venho aqui. Eu não a conheço, não sei o que faz
além de trabalhar na cafeteria, mas, apesar disso,
reconheço algum potencial de beleza nela. Apesar de
estar sempre com os cabelos castanhos presos e um
semblante em sua maioria cansado, já flagrei um sorriso
gentil para com os clientes, ainda que, para mim, ela
sempre esteja com o semblante meio rígido.
De resto, não sei muito mais a seu respeito. Mas,
por hora, não preciso conhecê-la a fundo para
reconhecer a feição que emoldura seu rosto. A ira
transborda até mesmo no tom de suas palavras.
— Isso só pode ser algum tipo de piada de mau
gosto — ela afirma e deposita o café na bancada. — O
que deu na sua cabeça?
— Passei mais de duas horas enfiado em uma
reunião insuportável que mais parecia uma bronca de
pais com o filho mal-educado — começo a explicar,
deixando presente em minha voz a insatisfação — meus
colegas de time, os técnicos, os assessores, todo mundo
estava me pressionando por conta das minhas atitudes,
por ser um…
— Babaca? — Completa. — Me conte algo que eu
não saiba.
Reviro os olhos e passo os dedos pelos cabelos,
irritado tanto quanto ela pela situação.
— Olha, é o seguinte: aparentemente, por aqui, um
jogador de hockey não pode simplesmente curtir a vida
como qualquer outra pessoa faria no meu lugar. Existe
uma regra não explícita de que temos que passar uma
boa imagem dentro e fora do rinque de patinação. Eles
estavam me cobrando um posicionamento adequado e
eu só queria silenciá-los. Eu estava com um copo de café
na mão e lembrei de você. Disse seu nome, falei que
estávamos saindo e uma coisa levou a outra. E agora, eu
preciso continuar com o plano.
— Deixa eu ver se entendi bem — a mulher à
minha frente, que não parece ter muito mais do que a
minha idade, começa a falar, mas ao desviar o olhar para
a entrada do café, começa a andar em direção ao caixa.
Como só ela cuida do atendimento, nossa conversa é
interrompida com a chegada de mais um cliente.
Já a vi atender inúmeras pessoas nas muitas vezes
por semana que venho aqui, mas dessa vez, reparo mais
na forma como ela tenta ser simpática. Sei que ela não é
daqui por conta do nome e também porque ela fala boa
parte do tempo em inglês, e a língua nativa aqui é o
sueco.
Noto que ela se esforça para entender o que a
mulher de meia idade pede, e quando finaliza o
pagamento, ela volta para o local onde estávamos
conversando e prossegue o assunto enquanto começa os
preparos do café.
— Deixa eu ver se eu entendi bem — ela repete. —
Você, e sua atitude de astro do hockey, não deram muito
certo por aqui, e aí você decidiu falar que nós estamos
saindo e agora, você quer que eu seja sua “namorada de
mentirinha”?
— Exatamente — afirmo. — Não precisa durar
muito, podemos ficar um tempo juntos e aí eu termino
com você — dou um sorriso de lado mostrando a covinha
que tenho do lado direito da bochecha.
— Simples assim? — Questiona, com um sorrisinho
mínimo nos lábios.
Pela expressão em seu rosto, acredito que ela
tenha se compadecido com a minha situação, a transição
é sútil, mas acho que está dando certo.
— Simples assim. E no final das contas pode ser
legal. Pense comigo: podemos ir jantar em restaurantes
caros, você ficaria nas cadeiras exclusivas para os
familiares dos jogadores, podemos fazer alguns passeios,
o que você quiser. É só por um tempo, eu prometo.
— Jogos, restaurantes caros…. Uau! — ela exclama
enquanto vaporiza um pouco de leite em uma caneca e
seu sorriso se expande um pouco mais.
“Estou conseguindo”, penso comigo e,
mentalmente, me dou um tapinha nas costas. Essa ideia
maluca está dando certo, a surpresa e o alívio me
dominam.
— E então, você topa? — Pergunto esperançoso.
Manuela dá algumas batidinhas na pequena
caneca onde vaporizou o leite e preenche a xícara com
maestria, fazendo um desenho de coração na borda
através da mistura. Ela segura a xícara e vem até a
minha direção, depositando no balcão para que a
senhora pegue seu pedido.
— Latte descafeinado — ela anuncia e a mulher se
materializa ao meu lado e agradece, pegando alguns
sachês de açúcar e voltando para a mesa.
— E então, gata, você topa? — Repito a pergunta,
aguardando de forma esperançosa sua resposta.
E então, da mesma forma como o sorriso surgiu em
seus lábios, ele desaparece e dá lugar a uma expressão
fechada. Os olhos castanhos de Manuela ficam densos e
mesmo sem conhecê-la, reconheço o significado de seu
olhar.
Raiva.
Raiva de mim.
— Olha aqui, Nathan — ela aponta com o indicador
em direção ao meu rosto, e apesar de ser bem mais alto
que ela, Manuela sabe intimidar. — Não sei que merda de
joguinho é esse seu, mas não estou interessada em você,
nem em nada que tenha a me oferecer. Fique longe de
mim!
Ela parece ainda mais irritada e antes que eu possa
abrir a boca e me justificar, um grupo de estudantes
adentra ao café e alguns dos garotos me reconhecem.
Eles vêm até mim para tirar fotos e conversar. Manuela
atende aos demais e percebo que não vou conseguir
mais dialogar com ela. Ao menos não hoje.
Falar de forma despretensiosa com ela, como se
estivesse fazendo meu pedido habitual de café não deu
certo. Em um cenário muito mais comum do que esse,
tenho certeza que qualquer garota aceitaria a proposta
de um namoro falso com um jogador em ascensão, mas
não é o caso aqui.
Manuela não vê isso como uma chance para me
conquistar, como uma forma de tirar a sorte grande. Para
ela, é um grande pesadelo, isso ficou claro na nossa
curta conversa. E em certo ponto, não posso culpá-la.
Não nos conhecemos. Assim como para mim, ela é
apenas a garota do café, eu só apenas mais um cliente
que ela precisa lidar dia sim, dia não. Não foi a melhor
ideia de todas, eu nem mesmo planejei dizer seu nome
no meio da reunião, simplesmente aconteceu. E para o
meu próprio bem, para o bem da minha carreira, eu
preciso continuar com esse plano.
Posso ficar sem as modelos, festas milionárias e
todas as noites regadas a diversão. Posso aguentar, ou
pelo menos me esforçar para isso. Mas preciso desse
relacionamento de mentira, preciso mostrar ao meu time
e aos fãs que eles podem confiar em mim dentro e fora
da arena, preciso mostrar que sou alguém de confiança.
E, se para isso, tiver que fingir estar namorando
com uma completa desconhecida, assim eu farei.
Uma coisa que sempre me falaram quando decidi
aceitar minha bolsa de doutorado na Suécia é que eu iria
me acostumar com o frio.
Essa foi a pior mentira que me contaram.
Esqueça a fada do dente, o papai Noel,
assombrações no Dia das Bruxas…. Nenhuma dessas
mentiras se compara ao que me disseram a respeito do
frio, sobre encará-lo como algo do dia-a-dia e sair com
roupas térmicas e casacos à prova d’água.
O frio latente que faz todos os dias nesse país é
assustador. Não há uma manhã em que eu não lamente
e não sinta saudades dos dias ensolarados que meu país
de origem me presenteava durante boa parte do ano. É
até pecado dizer que faz frio no Chile, nada do que eu
enfrentei lá se compara ao clima de agora.
Cheguei aqui no verão e, realmente, quando não se
tem sol boa parte do ano, você passa a celebrar qualquer
raio de luz que seja, e os suecos sabem fazer isso com
maestria. Às sextas-feiras, durante os meses de calor, as
pessoas param de trabalhar às três da tarde para ficarem
no bar e aproveitarem a luz do sol que dura até às onze
da noite.
Mas, os dias de verão são apenas uma lembrança.
Estamos no meio de setembro e a noite chega antes das
seis da tarde. O contraste é gigantesco. Tive que gastar
um pouco mais de dinheiro esse mês para a compra de
um novo conjunto de roupas térmicas e botas realmente
quentes.
“O inverno está chegando”, penso comigo, usando
como referência a frase clássica de uma das minhas
séries favoritas da vida.
O Chile é um país frio e que neva, eu deveria estar
acostumada, mas é diferente. É completamente diferente
o frio que faz aqui e o frio que fazia em Santiago.
Não tenho filhos, mas acredito fielmente que a
frase “leve um agasalho”, proferida por todas as mães
que já conheci, aqui não existe, porque não há a remota
possibilidade de andar sem blusa de frio.
É fato que ter calefação e aquecimento onde quer
que você vá, transforma a experiência com o frio
diferente, a deixa de certa forma mais tolerável. Meu
verdadeiro problema é o vento. É como se meu rosto
fosse chicoteado várias vezes.
Essas reflexões todas sobre o frio me passam pela
cabeça enquanto aguardo Mahara do lado de fora da
sala, longe da calefação e com uma corrente de ar
gelada entrando pela porta.
Temos aulas às terças e quintas neste primeiro
semestre do doutorado e, por isso, meu turno começa só
depois do almoço. No entanto, se ela demorar mais um
pouco, vou precisar correr para almoçar a fim de evitar
me atrasar para o trabalho.
Como se tivesse o poder de escutar meus
pensamentos, ela desponta pelo corredor e caminha a
passos rápidos em minha direção. Sorrio por ver minha
amiga e a bolsa que ela carrega. “Libertem a Palestina”
está estampado na ecobag e eu gosto de pensar que,
mesmo do outro lado do mundo, fui capaz de encontrar
uma amiga que tem os mesmos ideais que eu.
Mahara é sueca mas tem esse nome por conta da
mãe paquistanesa, que veio jovem para a Suécia e se
apaixonou por um sueco que a engravidou. A mãe ainda
mantém os costumes da religião e do país de onde veio.
Ela já me contou que isso ainda é uma questão entre as
duas, mas minha amiga tenta convencer a mãe que o
fato de não usar o lenço, não significa que ela não tenha
uma ligação com Deus ou que não honre sua origem. Os
cabelos castanhos e escuros de Mahara balançam
quando ela chega ao meu lado.
— Desculpa o atraso, amiga. — Ela me saúda
enquanto pisca seus cílios grossos e levantados por
conta da maquiagem que usa. — Minha turma se
empolgou no debate e o professor esqueceu do tempo.
— Sem problemas — dou de ombros e começo a
andar ao seu lado. — Como foi a apresentação?
— Poderia ter sido melhor, entramos em um debate
sobre um ponto super específico na apresentação de
uma das colegas de classe e aí, bom...
— Esses acadêmicos amam uma discussão, não é?
— Brinco com ela, que concorda comigo e me entretém,
contando sobre sua aula enquanto seguimos nosso
caminho usual pelas ruas, indo em direção ao nosso
restaurante favorito.
O atendente, que já nos conhece, nos diz quais são
os pratos do dia, e Mahara e eu fazemos nossos pedidos.
Eu e minha amiga somos o completo oposto, ela sempre
preza por comidas menos calóricas e muitas saladas,
enquanto eu adoro comer carne e massas.
— E você? — Pergunta, depois que nossas bebidas
chegam à mesa. — Conseguiu entrar em contato com o
proprietário do seu apartamento?
— Parece que você não conhece o país que mora —
reviro os olhos, brincalhona. — A mulher de quem
aluguei o apartamento disse que a proprietária ainda não
voltou da viagem de férias.
— Daria tudo para que você pudesse alugar um
lugar sendo a primeira inquilina.
— Eu que o diga.
Continuo conversando com minha amiga, mas
apesar de tentar demonstrar não estar tão preocupada
com o assunto, isso tem tirado meu sono nos últimos
dias.
Conseguir alugar um lugar para morar foi a maior
dificuldade que encontrei assim que cheguei em
Estocolmo. Aparentemente, apesar de ser um país
pequeno e com uma população também pequena, isso
não impede que falte moradia.
Eles possuem um sistema de aluguel
completamente diferente do que já vi em toda a minha
vida. Você pode alugar um espaço diretamente com o
proprietário, mas também pode alugar diretamente com
um inquilino, o “aluguel do aluguel” como eu
particularmente chamo.
Tentei explicar para minha irmã, Tonia, uma vez, e
ela não entendeu nada. Quando tentei uma segunda,
caímos na gargalhada durante a ligação. Entretanto,
apesar de soar engraçado, neste momento, o assunto
deixou de ser um tópico pertencente à lista “esquisitices
da Suécia” e faz parte da minha “lista vermelha
escarlate” em alerta.
Estou com um problema. O contrato de aluguel
vence em duas semanas e eu não tenho para onde ir,
estou procurando há três meses uma moradia, mas nada
atende às minhas necessidades — que não são tantas
assim, além de precisar de um local já mobiliado. Todas
as vezes em que encontrei, o valor era superior ao que
eu poderia pagar.
Não adianta estar na Europa, um dos países mais
bem desenvolvidos do mundo, a pesquisa na área de
humanidades ainda assim não é valorizada. E a Suécia é
um país caro, por isso, não posso comprometer muito
mais da minha bolsa em um aluguel, eu teria que
trabalhar ainda mais no café.
— Ei — Mahara chama minha atenção e me dou
conta de que fiquei aérea nos últimos minutos. — Você
vai dar um jeito, Manu. Eu vou te ajudar no que puder.
— Obrigada, Mah — aperto a palma de sua mão
gentilmente e nos separamos quando nosso garçom,
finalmente, traz nossos pratos.
A salada Caesar de minha amiga contrasta com
meu prato suculento de carne e batatas, é
impressionante como esse legume é consumido o tempo
todo por aqui.
Deixo meus problemas de lado e me deleito com
meu almoço. Mahara me conta sobre seus próximos dias
e nos atualizamos a respeito da vida uma da outra.
Quando o semestre acabar, não vamos nos ver toda a
semana com a mesma regularidade, e eu já imagino que
vou sentir sua falta.
O restaurante é tomado pelo som das conversas ao
nosso redor e também pela televisão alta que mostra as
principais notícias do país e do mundo. É também o
horário em que os repórteres falam sobre esportes, entre
eles, o hockey.
Sei disso porque minha amiga é apaixonada por
hockey e sempre para de comer para acompanhar as
atualizações sobre o time que ela e o pai acompanham, o
Stockholm Älg.
Só conheço mais do que o básico sobre hockey
porque Mahara tenta sempre me convencer de que é um
esporte incrível — apesar de eu ter minhas dúvidas — e
porque a estrela do time frequenta o café onde trabalho.
— Olha, é o Nathan! — Minha amiga aponta para a
TV e me viro para olhar a tela.
— O que estão falando? — Questiono, porque não
entendo direito sobre o que se trata, afinal de contas, os
apresentadores falam em sueco, e eu ainda não atingi
esse nível de fluência.
— Estão falando das estatísticas dele e… — ela
pausa e sua expressão se choca — Parece que ele
arrumou uma namorada.
— É um programa sobre esportes ou fofocas? —
Dou risada e Mahara pede silêncio com a mão.
— É isso mesmo — ela volta a falar depois que a
vinheta dos esportes, que eu já conheço tão bem, toca
novamente e o jornalista volta a falar de outros assuntos.
— Estão correndo boatos de que ele está namorado.
Quem será a sortuda? — Mahara apoia a mão no queixo
e com a outra, pega mais um pouco de salada para
comer.
— Não faço a menor ideia. Só consigo desejar boa
sorte para a garota.
— Você não reparou em nada? Ele não foi
acompanhado até o café nenhum dia desses? —
Questiona curiosa.
— Não, ele só aparece para pedir o café dele e ser
meio babaca. Parece que tem o rei na barriga, e você
sabe que eu detesto pessoas assim.
— Eu entendo. Mas a beleza dele compensa toda
essa chatice, confia em mim. Além disso, nos fóruns que
eu acompanho, as mulheres tecem vários elogios para
ele. Isso sem contar que ele joga bem demais. Sério,
você devia assistir um jogo comigo.
— Você não desiste, não é? — Tanto ela, quanto eu,
rimos.
— Não custa tentar. Mas, de verdade, em
consideração ao carinho e afeto que você tem por mim,
tenta ver se descobre algo, por favor — ela alonga a
última sílaba e eu dou risada.
— Darei o meu melhor, maria-patins — brinco,
usando um termo que ela me ensinou recentemente.
Terminamos de almoçar e vamos para o ponto de
ônibus juntas, ela segue para o lado oposto, em direção
ao grande centro, e eu, para uma área mais afastada,
mas ainda assim, movimentada. A área mais rica da
cidade, se é que dá para diferenciar Estocolmo dessa
forma.
Não demoro muito para chegar ao meu trabalho e
logo faço a troca de turno com minha colega, o horário
pós almoço é um dos momentos mais movimentados do
café onde trabalho, apesar disso, conheço muitos dos
frequentadores e em certos casos, já até mesmo decorei
os pedidos deles.
A música ambiente toca uma playlist de rock indie
que adoro e me distraio com ela enquanto atendo as
pessoas, observo os estudantes e workaholics
trabalhando em seus notebooks. É um ambiente
silencioso e a dona é super gente boa, tanto que não se
importa se precisarmos atender alguma ligação ou mexer
no telefone durante o expediente.
Verifico minha caixa de entrada do e-mail quando o
movimento se acalma e não encontro nenhuma resposta
da imobiliária. Céus! Eu não sei o que vou fazer.
Mexo nos fios de cabelo que escapam do meu rabo
de cavalo quando o sino toca avisando que mais um
cliente entrou na loja. E este eu conheço bem.
É Nathan LeBlanc, o jogador que Mahara e eu
falávamos mais cedo durante o jornal. Os cabelos
castanhos mais compridos estão jogados para trás e ele
veste um casaco grande e jeans escuros, ele raramente
anda de luvas ou de touca, talvez por estar acostumado
com o frio.
Segundo o que Mahara me contou, ele veio do
Canadá, jogava em um dos principais clubes de hockey
no país e se mudou depois de aceitar uma proposta
milionária para jogar aqui. Quando eu o atendi pela
primeira vez, ele mal olhou na minha cara.
É o típico esportista que acha que tudo e todos
precisam servi-lo. É o tipo de pessoa com quem evito
conviver. E o tipo de beleza que não dou importância por
conta da atitude de “superior”, por mais que ele seja
bonito, me recuso a dar o braço a torcer.
Todavia, hoje, ele caminha em minha direção sem
tirar os olhos dos meus, acho que nunca olhamos tanto
tempo um para o outro. Quando ele chega ao caixa, nem
eu ou ele falamos nada. Ele fica simplesmente parado
me encarando.
Os olhos castanhos dele são bem escuros, o que
acho que só ganha esse contraste todo porque Nathan
tem a pele bem clara, ele parece até pálido de certa
forma. Talvez eu tenha essa impressão porque todo
mundo neste país é muito branco. Como sul-americana,
ainda que eu seja considerada “branca” para o lugar de
onde venho, nossas peles contrastam de maneira
significativa.
Ele continua a me olhar e vejo um sorrisinho
mínimo despontar em seus lábios. Não sei o que está se
passando na cabeça dele e, por isso, decido quebrar o
silêncio entre nós.
— Oi, o que vai querer?
— Bom, eu…. — ele pondera um tempo olhando o
cardápio preso na parede e eu, pacientemente, espero.
Nathan é um dos clientes que acabei decorando os
pedidos, ele transita entre três cafés: Cappuccino
clássico, Latte Caramelo ou Expresso Americano, em dias
que ele está mais apressado, talvez atrasado para um
treino ou qualquer outra coisa.
Mas, hoje, ele está demorando demais. E quando
escolhe a primeira opção de sempre, contenho meu
hábito de revirar os olhos. Ficamos em silêncio depois
disso porque ele conhece o ritual e eu também: ele
aproxima o cartão da máquina, não aceita a nota fiscal e
eu me posiciono na bancada de preparos.
Vejo que, ao invés de se afastar e esperar que eu
chame seu nome, ele fica parado na bancada de espera,
noto pelo canto do olho que ele me observa, mas ignoro,
ele deve estar com alguma questão interna e não tenho
interesse em saber do que se trata.
— Nathan — digo baixo seu nome já que ele está à
minha frente.
Ele não pega o copo que eu estendo em sua
direção e eu o encaro.
— Algum problema? — Pergunto de forma gentil,
tentando entender qual é a dele.
Nathan respira fundo e estica a mão devagar em
minha direção enquanto começa a falar.
— Sabe, aconteceu uma coisa engraçada hoje —
ele joga os cabelos para trás e uma risada escapa de
seus lábios. Não sei do que ele acha graça, mas logo
prossegue — Eu estava numa reunião mais cedo e disse
para meus agentes e para os assessores de imprensa
que estávamos namorando. E aí, o que acha de ser
minha namorada de mentirinha?
Eu não processo suas palavras, não por completo.
Só absorvo o “estávamos namorado” e o pedido para
“ser sua namorada de mentirinha”.
— Como é que é?
Dave Bennett é o melhor amigo que eu poderia ter
no mundo. Sem brincadeira, eu confiaria nele de olhos
fechados a minha vida, minha família, minhas finanças,
qualquer que fosse a questão.
Dave sempre foi leal comigo, mas acho que isso é
esperado, considerando que nos conhecemos desde que
me entendo por gente.
Trilhamos caminhos semelhantes desde que
nascemos, quando eu ainda era uma criança pequena de
colo e ele quase dois anos mais velho. Filhos de pais
melhores amigos, não me surpreende que tanto ele,
quanto eu, tenhamos seguido passos semelhantes aos
dos nossos pais.
Lewis LeBlanc, o meu pai, jogou hockey boa parte
de sua vida, assim como Jonathan Bennett, o pai da
Dave. Os dois eram jogadores importantes em seus times
na faculdade. Meu pai aposentou o taco e os patins
quando não foi draftado e, hoje, ele diz com felicidade
que foi a melhor coisa que lhe aconteceu.
Cuidar de mim e me proporcionar a vida que tive
era mais importante do que sua paixão pelo hockey.
Entretanto, ele arranjou um jeito do esporte estar sempre
em nossa vida. Tanto é verdade que, além de amar
hockey, sempre me sinto honrado por dar continuidade
ao legado que meu pai começou, mas que não pôde
continuar.
Para Dave é um pouco diferente. O pai dele nunca
tratou o esporte como prioridade em sua vida, era
apenas um meio para o fim, uma forma de cursar a
faculdade com uma bolsa de estudos e depois trilhar seu
caminho na área que cursava.
Jonathan conseguiu um emprego na área de
engenharia desejada e o filho seguiu para o mesmo lado.
Formado em engenharia de computação, Dave é
brilhante no que faz — seja lá o que for, já que eu não
entendo nem um pouco sobre sua profissão e os códigos
com os quais ele mexe.
Ele é meu melhor amigo, nos falamos pelo menos
uma vez por semana, fomos criados boa parte da vida
juntos, quase como irmãos. Por isso, não me surpreende
nem um pouco que, neste momento, ele esteja rindo da
situação que relato para ele via chamada de vídeo.
— Você, realmente, faz jus ao ditado que todos os
atletas são babacas — ele ri da minha cara e passa a
mão no queixo. — Chegar do nada, pedir um café e
contar sem contexto algum que você tinha dito que ela
era sua namorada? Sinceramente, Nate, achei que você
entendesse melhor a dinâmica das mulheres.
— Por que eu ainda insisto em te chamar de
amigo? — Pergunto, enquanto levo uma garrafa de água
aos lábios.
— Talvez porque eu seja o único idiota que aguenta
suas histórias malucas — ele ergue uma sobrancelha
loura para mim e, pelo vídeo, começamos a rir
novamente. — Mas, vamos recapitular: você não apenas
se tornou o maior festeiro do time…
— Eu sou um dos únicos festeiros do time, eu diria
— corto sua linha de raciocínio e completo baixo
enquanto ele continua a racionalizar minha questão toda,
uma característica de Dave.
— Certo, então você é o maior festeiro do
time. Não satisfeito com isso, você levou bronca dos
agentes e demais caras que cuidam da sua imagem e aí,
simplesmente, você disse o primeiro nome de garota que
veio a sua mente para despistar todos os sermões?
— Isso — afirmo, mordendo o lábio inferior. — Eu
sei que é ridículo, mas você sabe como eu fico ansioso
para achar uma solução para qualquer problema que
seja.
— Eu bem sei, você quer dizer — afirma, dando
mais uma risada. — Essa sua mania de ser imediatista já
me meteu em várias roubadas. Mas, continuando. Não
contente, o nome da garota, por “ironia do destino” —
ele faz aspas no ar — é o nome da atendente do café
que você vai todos os dias, cuja pessoa você nunca
trocou mais do que um “oi, um expresso para viagem”.
— Ele faz uma péssima imitação da minha voz e
continua. — E então, sem mais nem menos, sem nem ao
menos um contexto, você decidiu propor a ela um
relacionamento de mentira? — Meu melhor amigo segura
a risada novamente e eu me vejo obrigado a fazer a
mesma coisa.
— Você conseguiu fazer com que eu me sinta ainda
mais idiota — reviro os olhos.
— Cara, você também não ajuda — pontua Dave
enquanto se encosta em sua cadeira grande de trabalho.
— Sinceramente, ninguém no mundo iria achar um
diálogo como esses aceitável. Você não pode,
simplesmente, dizer que não é verdade e esquecer essa
ideia idiota?
— Dave, essa mentira é a única forma de fazer com
que as pessoas parem de olhar torto pra mim — explico,
porque ninguém faz ideia do quanto, depois que o boato
correu, as pessoas dentro do time comentaram a respeito
e algumas mudanças sutis aconteceram.
Conto a ele a mudança de humor do nosso técnico,
um cara de meia idade que me adorava assim que
cheguei, mas que depois das manchetes exageradas da
imprensa, passou a me ignorar por completo.
Porém, durante o treino de hoje, ele voltou a sorrir
da forma como fazia antes. Elogiou meu desempenho,
me usou até mesmo como comparativo sobre como
acertar tiros de longa distância.
— Qual é a dessa galera com a questão de festejar
um pouco? — Questiona meu amigo enquanto desalinha
os fios loiros de cabelo — Eles não fazem a menor ideia
do que você fez durante a faculdade, não é? Imagina se
descobrissem que, antes de uma semifinal de
campeonato, você passou quase que a noite em claro
por conta de um ménage?
— Bons tempos inclusive… Esses dias de celibato
estão acabando comigo — relembro o fato de que minha
reclusão é um saco e olho novamente para a tela do
celular — Mas, de verdade, cara, eu não sei. A grande
questão é manter o decoro, se eu tivesse sido discreto
desde o início, não teria problema algum. Mas, agora, as
pessoas já me conhecem, e uma fofoca leva a outra,
você sabe. Todos estão de olho em mim: meu
empresário, a imprensa, a comissão técnica, os
assessores do time. Eu preciso mostrar que consigo ser
um cara responsável e, por isso…
— Assumir um relacionamento sério parece a
melhor escolha — conclui ele. — E, se você falar sobre
outra garota agora, depois de já ter dito o nome de uma,
vai soar ainda mais como uma mentira deslavada.
— Exatamente. Eu preciso manter as aparências
pelo menos por um tempo — completo a linha de
raciocínio dele.
— Bom, então você precisa convencer essa tal de
Manuela. Você precisa conhecê-la melhor, explicar de
forma mais coerente a situação, ser sincero com ela.
— Mais do que eu já fui? — exclamo.
— Nate, pedir à garota que você, particularmente,
se refere como “garota do café” em namoro, um namoro
de mentira, diga-se de passagem, dessa forma tão…
Espontânea — ele estala a língua no céu da boca — está
longe de ser a melhor forma de fazer um tipo de
proposta.
— O que você sugere então, gênio? — Pergunto de
forma irônica.
— Sinceramente? Você precisa de uma moeda de
troca — responde de forma objetiva. — Precisa ser uma
relação de benefícios, tanto para você como para ela.
Fazer por caridade ou pelo simples fato de que você é
um jogador famoso não parece o tipo de coisa que a
interesse. Já tem garotas demais ao seu lado que te
carregam como troféu, ela não me parece querer ser
mais uma.
— Você tem razão, eu sei que tem… — afirmo,
exausto. — Queria tanto que você estivesse aqui, você
saberia explicar exatamente o que preciso para ela.
— Você também sabe fazer isso, Nate. Você faz
isso todas as noites quando saí com uma garota — ele
nota meu rosto confuso e continua. — Trate como uma
transação mais longa, só isso. Quando você se interessa
por uma garota, numa balada, por exemplo, você diz a
ela o que quer, não é? — Assinto e ele prossegue. — Você
precisa explicar a Manuela o que precisa e fechar um
acordo com ela.
— Quando foi que você se tornou tão bom com as
mulheres? — Brinco, provocando-o a respeito de sua
dificuldade de lidar com o sexo oposto.
— Anos de erros me fizeram aprender alguma
coisa — a voz de Dave fica grave e apesar do tom
brincalhão, sei exatamente ao que ele se refere.
— E como está Nick? Já matriculou ele nas aulas de
hockey? — Pergunto.
— Já sim, vamos comprar patins para ele esse final
de semana… Se tudo der certo e eu conseguir vê-lo.
Assinto, triste, porque sei que esse é um assunto
que magoa meu melhor amigo, não conseguir conviver
direito com o filho o deixa terrivelmente chateado.
Continuamos a conversar sobre outros temas e, logo,
estamos nos provocando novamente, principalmente
quando eu cito seu péssimo desempenho em sair com
garotas.
— Posso ser o cara que precisa de um
empurrãozinho do amigo para conseguir um encontro,
mas não sou eu quem está precisando “fingir um
namoro” — ele rebate e cerra os olhos em minha direção,
como se estivesse intimidando um jogador do time
adversário, assim como fazia quando jogávamos juntos.
— Odeio você. — Desdenho.
— Também te amo, irmão.
Dave e eu continuamos a conversar e, ainda que
eu tenha um assunto pendente para resolver e que ele
também tenha sua cota de problemas, vibro feliz com a
possibilidade que ele me apresenta. Ele está concorrendo
a uma vaga importante em uma empresa grande com
sede na Suécia.
— Ter você aqui vai ser legal, trate de passar neste
processo seletivo. E traga o Nick com você.
— Não vou me esforçar tanto assim — desdenha
ele. — Imagina precisar morar perto de você de novo,
não iria aguentar. Você longe já é um problema demais,
perto então…
— Cala a boca — ralho, fingindo estar irritado. —
Nós dois juntos iríamos viver poucas e boas e você sabe
disso.
— Não se esqueça, garotão, que eu sou pai de uma
criança e que você precisa se manter na linha. E, se
quiser mesmo conquistar a confiança da Manuela, vai
precisar ser beeeem mais discreto — ele me alerta e
volta a falar sobre a minha suposta namorada. — Eu
gosto desse nome, aliás. Manuela — diz de forma
eloquente, como se estivesse recitando um poema. —
Ela, com certeza, não é sueca — ele vira seu rosto para o
computador que tem a sua frente e começa a bater no
teclado.
— Acho que já a ouvi falando em espanhol ou algo
parecido…
— Segundo o Google, esse é um dos nomes mais
comuns de mulheres na América Latina — ele me fala
algumas estatísticas a respeito do nome e continua. —
Bom, está mais do que na hora de descobrir mais a
respeito dela. O que faz, suas redes sociais, se tem
namorado ou namorada, interesses, de onde ela é, são
tantas coisas…
— Por que eu tinha que falar o nome de uma
pessoa que eu nem ao menos conheço? — Repouso o
celular no apoio e escondo o rosto entre as mãos. —
Agora, além de precisar conhecer alguém como se
estivesse na porcaria de um encontro às cegas, eu ainda
preciso convencê-la a topar essa proposta. E não sei
como fazer isso.
— E muito menos eu, cara.

Desligo tarde da noite a ligação com Dave e, na


manhã seguinte, vou em direção ao centro esportivo
onde treino, preparado para dar meu melhor. Faço com
afinco e dedicação o treino pesado de musculação na
academia e depois, patino pela arena e acerto todos os
discos no gol.
Faço tudo isso me esforçando mais do que
qualquer outro dia para me concentrar. Porque, depois do
treino, tenho um desafio maior que preciso enfrentar. Em
um dia normal, eu teria passado na cafeteria que
Manuela trabalha e levaria um café para a viagem.
Entretanto, preciso guardar minhas fichas para
conversar com ela uma vez só e não cometer falhas.
Dave foi quem mencionou que seria melhor gastar mais
tempo em uma conversa única do que persistir na ideia
com diálogos rápidos.
Por isso, quando alguns colegas de time me
chamam para almoçarmos juntos, aceito a oferta e opto
por passar no café já próximo do final da tarde, já está
escurecendo e, hoje, apesar de fazer sete graus, o vento
gelado chicoteia meu rosto sem piedade.
Um café não vai cair mal agora.
Um café e uma conversa difícil. Ótima combinação.
Caminho em direção a cafeteria e vejo pelo vidro
Manuela atendendo um cara que não deve ter mais do
que a minha idade, ela sorri para ele e se vira para
colocar um lanche para aquecer. Estou olhando de longe
e reparo quando o cara checa o corpo de Manuela.
Sei que é babaca, mas, mesmo pelo vidro da janela
acabo por fazer o mesmo. Os jeans de lavagem escura
que ela usa marcam seu corpo. Eu nunca tinha reparado
como suas pernas são grossas. Ela realmente tem um
corpo com curvas.
Penso, mentalmente, que Dave daria um tapa em
minha cabeça se me visse olhando para ela dessa forma.
Sei que é errado, mas infelizmente, sou um cara visual.
Decido me concentrar no que realmente importa e
noto que o café está vazio, respiro ainda mais aliviado ao
ver que o cara fez o pedido para a viagem, o que
significa que Manuela ficará sozinha em instantes.
Quando o rapaz pega seu copo e saco de papel,
caminho em direção à porta e entro ao mesmo tempo em
que ele sai. Ele dá um sorriso cordial e logo em seguida,
arregala os olhos, deve ter me reconhecido, mas se o fez,
não tece nenhum comentário.
Manuela olha em minha direção e o sorriso que
emoldurava seu rosto segundos atrás é tomado por uma
expressão dura e fechada. Estou longe de ser a pessoa
favorita dela e sei disso.
Mas, não preciso que ela goste de mim, preciso
apenas que aceite minha proposta. Não precisamos nos
amar, eu nem mesmo quero algo semelhante a isso. É
uma transação, repito para mim mesmo.
Caminho em sua direção e aproveito o momento
para reparar melhor nela. Não tinha notado até o
momento e, caramba… Ela é bem bonita. É bem
diferente de todas as mulheres com quem costumo ficar.
Em sua maioria elas são loiras, e Manuela tem os cabelos
castanhos bem escuros que, como sempre, estão presos
no seu usual rabo de cavalo. A pele dela, em contraste
com a minha, é como se ela estivesse todos os finais de
semana se bronzeando na praia e eu nunca tivesse
tomado sol. Seus olhos também são castanhos escuros,
até parecem um pouco com os meus. Os lábios são um
pouco mais cheios e estão levemente corados hoje,
assim como suas bochechas.
Ela não é de se jogar fora, com certeza não é, e
adiciono isso a lista de prós e contras que fiz
mentalmente sobre porque continuar com esse plano.
Quando chego ao caixa, ela abaixa o rosto e se
concentra no computador onde realiza os pedidos.
— O que vai querer? — Pergunta ela sem nem
mesmo me saudar com um “boa tarde”.
— Um expresso americano — respondo, deixando
de lado sua indiferença e assumindo minha postura
séria. — E alguns minutos para conversarmos, por favor.
— Não temos isso no cardápio — ela responde
secamente. — Quarenta e duas coroas, por favor.
Posiciono o cartão na máquina e quando a nota
começa a ser impressa, ela arranca o papel rapidamente
e vai para a bancada de preparos.
— Manuela, só preciso de alguns minutos — peço,
enquanto aguardo meu pedido e a assisto moer o café.
— Primeiro de tudo, devo um pedido de desculpas a você
— uso meu tom mais cordial, porque preciso que ela me
dê uma chance.
Manuela suspira enquanto termina de preparar o
café e quando olha para mim, dou o meu melhor para
manter o rosto sério e não soltar nenhuma brincadeira ou
piscadinha fora de hora. Qualquer passo em falso pode
fazer com que ela recue e não é isso que quero. Ela
balança a cabeça para os lados e vem até mim com a
caneca em mãos.
— Estou ouvindo — responde, depois de me
entregar a bebida e em seguida, cruza os braços sobre o
peito, escondendo o logo da cafeteria estampado em seu
avental.
— Desculpa pela conversa estranha de dois dias
atrás, acabei soando como um babaca e não era essa a
intenção.
— Ainda bem que você sabe que foi bem babaca —
responde enquanto morde o canto da unha do polegar. —
De verdade, até agora eu não entendi direito o que
aconteceu. Horas antes, eu estava almoçando com uma
amiga e ouvimos uma notícia a seu respeito que falava
sobre um suposto namoro, e então, você chegou aqui e
começou com aquela conversa estranha de que…
Faço um esforço descomunal para não rir de seu
raciocínio, ainda mais quando o rosto dela adquire uma
expressão de espanto e ela se dá conta do que
aconteceu.
— Não me diga que a garota do jornal sou eu? —
Ela tampa o rosto com as mãos e percebo que a
conversa precisará e exigirá mais tempo.
— Manuela, podemos conversar? Se você me der
alguns minutos, garanto sanar todas as suas dúvidas.
As palavras que saem de seus lábios são um
amontoado de letras que não compreendo, ela deve
estar falando em sua língua nativa. E devem ser
xingamentos.
— Fecho o café em cinco minutos, e aí podemos
sentar e você me explica direito o que aconteceu, pode
ser? — Ela massageia a têmpora e, no placar invisível
entre nós, marco um ponto para mim, por ver que ela
baixou a guarda.
— Vou me sentar ali — aponto para uma mesa ao
canto e saio de fininho quando ela acena e, na
sequência, começa a atender duas mulheres que
acabaram de entrar.
Me acomodo na cadeira e mexo um pouco no
celular, envio uma mensagem para Dave, comentando
que estou no café e ele me deseja boa sorte. Releio as
mensagens do meu empresário, perguntando a respeito
de Manuela, mas as ignoro, assim como as demais
mensagens do meu agente, que está procurando novos
patrocinadores e que também quer falar sobre meu novo
namoro.
Não posso conversar sobre isso ainda, não quando
minha “namorada” ainda não aceitou minha proposta.
A ideia de namorar era tão distante dias atrás. Não
consigo acreditar que, além de precisar assumir um
relacionamento publicamente, ele também será de
mentira. Será que isso vai limitar minhas saídas?
Uma coisa de cada vez, repito a mim mesmo
tentando controlar a ansiedade de resolver tudo de uma
vez. Primeiro, preciso selar esse acordo com Manuela.
Capturo seus movimentos com o canto dos olhos e
a assisto atender aos clientes e começar a fechar o local,
ela corre de um lado para o outro e faz tudo com rapidez
e maestria, ela parece saber a rotina de cor e salteado.
Não consigo deixar de notar que ela murmura bem baixo
a música que toca na caixa de som. É Billie Eilish, não faz
muito meu estilo, mas admito que um de seus últimos
trabalhos ficou durante dias tocando em looping em
casa.
Quando termino o café, Manuela também fecha a
porta de ferro do estabelecimento e logo, estamos
apenas nós ali dentro.
— Pronto, agora sim — ela começa a falar
enquanto caminha em minha direção e retira o avental.
— Obrigado por aceitar conversar comigo —
agradeço novamente e me concentro em seu rosto e
todas as expressões faciais dele.
— Bom, você realmente conseguiu ganhar minha
atenção com essa história toda — responde, passando a
mão no cabelo. — Vamos, me diga o que houve.
Respiro fundo e confidencio tudo a Manuela, ativo o
modo “Nathan sincero” e explico a ela o que houve.
Conto que, desde que cheguei, tenho aproveitado as
regalias, ido a festas, curtido a vida como qualquer cara
em meu lugar faria. Não preciso conhecer Manuela para
saber que ela deve estar me achando o maior babaca da
face da terra, mas não posso esconder as coisas dela,
não quando preciso de sua ajuda e que ela aceite
namorar comigo.
— Então, durante uma reunião, com todo mundo
que cuida da sua carreira, você mentiu e disse que
estávamos namorando? — Fala ao final, como se
estivesse resumindo tudo que lhe contei nos últimos
minutos.
— É, eu me vi pressionado de todos os lados e
tinha um copo daqui do café em mãos, seu rosto
simplesmente me veio à mente e eu disse seu nome. Foi
puro impulso, mas isso agradou a todos, tanto é verdade
que meu empresário está mandando mensagens para
mim desde então perguntando quando irá te conhecer.
— Que loucura — Manuela responde e balança a
cabeça em negação.
— De novo, quero te pedir desculpas pela última
conversa que tivemos — prossigo. — Mas o pedido e,
implicitamente, a proposta que fiz continua de pé. Eu
preciso que você seja minha namorada…
— De mentira, certo? — Completa.
— Exatamente. É um namoro falso. Eu só preciso
acalmar os ânimos da imprensa e da comissão toda por
um tempo. Podemos estabelecer regras, tanto para mim,
quanto para você — começo a falar com cautela,
pensando em cada uma das palavras que vou dizer. — Eu
não sei o que você faz fora do café, se estuda ou algo do
gênero, mas podemos alinhar nossas agendas de forma
que não prejudique nem um nem outro — pondero. —
Aliás, quantos anos você tem?
— Vinte e sete. E eu faço doutorado na
Universidade de Estocolmo.
Fico surpreso ao receber essas duas informações.
Potencialmente bonita, mais velha e, claramente, muito
mais inteligente do que eu. Pessoas inteligentes fazem
doutorado, com toda a certeza.
— Ótimo, podemos alinhar nossos horários. Eu
posso, de repente, te buscar na faculdade nos dias que
tiver aula, levar você para jantar, te trazer para o
trabalho… Eu precisaria que você fosse aos jogos, mas
não se preocupe, você não precisaria pagar nenhum
ingresso, temos cadeiras exclusivas para familiares e
amigos… — continuo a falar e ela me interrompe.
— Você fala como se eu já tivesse aceitado. Não
passou, em momento algum pela sua cabeça, que eu
posso estar em um relacionamento? — Ela ergue uma
sobrancelha e me dou conta de que essa é uma pergunta
crucial. Mas me recuso a deixar que ela perceba essa
falha no meu discurso tão bem ensaiado.
— Você está? — Pergunto sério.
— Não que isso seja da sua conta, mas não estou.
— Você se relaciona com homens? — Rebato a
questão e vejo que ela me olha irritada, o que me faz
consertar a frase rapidamente. — Não que isso também
seja da minha conta, mas…
— Sim, me relaciono com homens — ela responde
séria e não se aprofunda na questão.
— Então, está tudo certo. Podemos seguir com o
plano, é só você aceitar. Não acho que vamos precisar
ficar muito tempo juntos, é só até os ânimos se
acalmarem.
Manuela pega uma mecha de cabelo solta e coloca
atrás da orelha e, logo em seguida, esfrega a mão em
seu rosto. Ela parece exausta, mas ainda assim, neste
momento, ela tenta suavizar um pouco a expressão
dura.
— Nathan, eu não posso dizer que entendo sua
situação porque nunca passei por nada como isso, mas
sou empática a ela. De verdade, sinto muito por tudo
isso, por toda essa pressão e etc., mas não vou aceitar
sua “proposta” — ela faz aspas no ar — não posso
aceitar, não tenho tempo na minha vida para lidar com…
isso. — Aponta algumas vezes para mim e para ela.
— Manuela, olha, não é por muito tempo, e eu
garanto que tornarei o período que precisarmos fazer
isso o mais agradável possível para nós dois.
— A questão não é essa — afirma ela. — Eu tenho
minha própria vida para cuidar, não tenho tempo nem
disposição para lidar com um relacionamento normal,
que dirá um de mentira. Além disso, envolveria
imprensa, contratos e todas essas coisas que vocês,
famosos, jogadores ou qualquer coisa precisam para se
resguardar, não é?
— Só a parte da imprensa, eu diria. Meu
empresário sabe, mas ele só vai interferir se achar que é
realmente necessário. De verdade, é por pouco tempo
eu…
— Não posso, Nathan — ela me corta. — Sinto
muito, mas não vai rolar.
Ela me olha séria, os braços estão cruzados em seu
peito e seu corpo está encostado na cadeira. Não posso
desistir tão fácil, ela tem que aceitar. Tive dois dias de
folga das broncas e das péssimas manchetes de jornal,
preciso me tornar um tédio para a imprensa.
Mordo o lábio inferior e mexo na caneca vazia,
pensando no que posso fazer para reverter a situação.
Dura segundos até que eu me lembre das palavras de
Dave. “Você precisa de uma moeda de troca”.
— O que você quer? — Pergunto sem pestanejar.
— Como assim o que eu quero? — Manuela eleva
um pouco a voz.
— O que você quer em troca? — Arrumo minha
postura de derrota e quem assume o meu lugar é o
“Nathan negociador” — Roupas? Joias? Algum passe vip
para show? Dinheiro? Eu posso pagar, seja qual for a
quantia, gata, eu pago. Vinte, trinta mil…
Manuela se levanta da cadeira e a arrasta alto pelo
chão.
— Sinceramente, você é sempre idiota assim? —
Ralha alto. — Primeiro, não me chame de gata, não te dei
essa intimidade e é a segunda vez que você faz isso —
ela ergue o indicador e, na sequência, o dedo médio,
contabilizando dessa forma meus “erros”. — Segundo, só
porque você tem dinheiro, não significa que pode
comprar tudo e todos a sua volta. Não é assim que as
coisas funcionam no mundo real, garotão — o sarcasmo
vem carregado em sua fala. — E pensar que eu estava
com certa pena de você segundos atrás…
— Calma, me deixa explicar, eu não quis te
comprar… — lamento, sabendo que é tarde demais e que
ela entendeu tudo errado.
— Quis sim. — Manuela retruca. — Você quer me
comprar. De alguma forma e em algum grau, você acha
que tenho um preço, que alguma quantia pode me
convencer a ajudar você, mas eu não sou um objeto
exposto em uma vitrine, Nathan. Nem uma
acompanhante. Se você faz isso com outras mulheres…
— Nunca paguei nenhuma garota para ficar comigo
— agora, é minha vez de ficar ofendido. — Não quis
insinuar isso, estou apenas fazendo uma proposta para
você, são negócios… — ela abre a boca para falar e eu a
corto brevemente. — Se dei a entender isso, peço
desculpas, mas, como você pode perceber, eu estou
desesperado por uma solução, Manuela. Eu não quis
oferecer dinheiro no sentido de compra, não quero te
comprar, quero retribuir sua ajuda.
— Bom, você não vai poder contar com a minha
ajuda, então não tem um valor para isso — ela anda até
a porta, enquanto eu ainda estou parado esperando-a. —
Você precisa ir.
— Manuela…
— Sério, para o seu próprio bem, vá embora — ela
pede novamente, dessa vez sendo ainda mais incisiva. —
Agora.
Respiro fundo e tenho vontade de bater a cabeça
na parede algumas vezes. E brigar com Dave por me
sugerir essa ideia idiota de “moeda de troca”, porque,
claramente, não funcionou.
Caminho até ela a passos lentos, torcendo para
que ela volte atrás, mas Manuela apenas segura a porta
de ferro aberta, enquanto o vento adentra o espaço que
antes estava quente.
Quando me aproximo dela, paro a sua frente.
Nunca ficamos próximos assim, nossa diferença de altura
é significativa, ela deve ter por volta de um e setenta no
máximo, enquanto eu passo dos um e noventa. Ainda
assim, ela precisa se inclinar para me olhar.
— Por favor, me deixa explicar e encontrar algo
que beneficie a nós dois — peço próximo ao seu rosto.
— Não tem o que explicar, Nathan, por favor, saia.
Olho em seus olhos castanhos por mais alguns
segundos e quando noto que ela não vai voltar atrás,
respiro fundo e, irritado, saio da cafeteria sem ter
resolvido o assunto e sem uma namorada falsa.
— Por favor, mais um mês. Eu só preciso de mais
um mês. — Suplico ao telefone. — Eu prometo encontrar
um lugar, eu só preciso de mais tempo. Eu não tenho
para onde ir.
— Srta. González, eu gostaria de ajudar, mas
infelizmente não podemos, é o acordo no contrato. A
senhorita estava ciente quando assinou. O apartamento
só podia ser alugado por quatro meses, a proprietária já
tem outro inquilino à vista.
— Mas, eu posso continuar pagando, ela não
precisa trocar de morador — justifico, enquanto mordo o
canto da unha para conter o nervosismo.
— Nós sabemos disso, mas…
Não consigo absorver o que a mulher da imobiliária
me diz. Estou exausta dessa conversa que não leva a
lugar nenhum, estou cansada de procurar um lugar novo
para morar. Desde o dia em que entrei no apartamento,
eu venho procurando outra casa porque sempre soube
que era temporário.
Estou sem ter para onde ir não porque quero, eu
teria aceitado qualquer espaço, mas simplesmente nada
entra no meu orçamento, absolutamente nada. Fiquei por
dias procurando a proprietária para tentar negociar o
prazo e ela só retornou os contatos agora, faltando uma
semana para o fim do contrato. Ainda por cima, disse
que só trata desses assuntos através da imobiliária.
Eu não tenho para onde ir. Eu, sinceramente, não
sei o que fazer.
Continuo a falar com a mulher ao telefone e
quando vejo que não há o que fazer, pergunto se posso
ter pelo menos dois dias para fazer a mudança. Ela
afirma que sim e rendida, desligo a ligação e volto para o
meu turno.
Ainda preciso trabalhar no dia de hoje mas, por
sorte, já estamos na sexta-feira, vou usar o final de
semana para organizar minhas coisas e encontrar um
hotel que caiba no meu orçamento, até conseguir achar
alguma solução.
Assim que desligo o telefone, um grupo de pessoas
chega para ser atendido e tento dar o meu melhor, mas
minha cabeça está em outro lugar, mais precisamente
em busca da solução para meu problema de moradia.
Passo as horas seguintes procurando alguma
alternativa e roendo as unhas das mãos, o que faz com
que eu precise lavá-las de minuto em minuto. É perto da
hora do almoço e o movimento aumenta.
Todos os dias, nesse horário, tenho vontade de
mandar uma mensagem para minha chefe e perguntar
porque ela não contrata mais uma pessoa. Sei que,
considerando as demais filiais do café em que trabalho,
esta é pequena e eu sou capaz de dar conta, mas nos
momentos de grande fluxo, um outro par de mãos para
ajudar não seria de todo ruim.
Dou meu melhor para atender a todos e quando a
tarde começa, fico parada no balcão olhando para o
horizonte, esperando que algo ou alguma ideia brilhante
caia do céu para solucionar meu problema.
Meus pensamentos são interrompidos quando vejo
um rosto conhecido entrar no café. É Mahara, os lábios
dela estão levemente pintados de vermelho e ela exibe
sorriso gentil.
Ela vem ao meu trabalho de vez em quando, nas
primeiras vezes era apenas para me encontrar, mas
quando descobriu que Nathan, um de seus jogadores
favoritos de hockey, vinha aqui, ela passou a frequentar
o café nos horários da manhã. Apesar dela nunca ter tido
coragem de falar com ele. Reclamei que suas visitas
eram muito mais para ver o jogador que ela adora, do
que para me encontrar e ela passou a intercalar os
horários. Entretanto, hoje, ela não me avisou que viria.
— O que faz aqui? — Pergunto quando ela se
aproxima de mim no caixa.
— Vim ver você, saber se está tudo bem… — sonda
ela.
— Tirando o fato de que estou oficialmente sem
teto, acho que tudo bem — falo sem muita emoção na
voz porque estou apática diante da situação.
— Droga! Eu sinto muito, Manu — lamenta Mahara
e aperta gentilmente minha mão. — Você já sabe para
onde vai? Você pode ficar na minha casa.
Sorrio para ela com carinho, porque essa não é a
primeira vez que Mahara oferece a casa que mora com
os pais a mim, e apesar de saber que é uma oferta
sincera, não posso aceitar. Ela tem mais um irmão e a
casa onde mora não é tão grande, não posso atrapalhar
a dinâmica familiar dessa forma.
Além disso, tenho vinte e sete anos, sei cuidar de
mim, vai dar tudo certo, só não vai ser tão fácil.
— Obrigada, amiga, mas eu vou dar um jeito, de
verdade.
— Eu sei que vai — responde ela enquanto anda
até a vitrine onde os lanches, doces, bolinhos e afins
ficam expostos — E o Nathan, apareceu por aqui? —
Questiona de forma despretensiosa.
Contei a Mahara por telefone o que tinha
acontecido na noite em que Nathan me encontrou aqui, e
ela achou uma loucura completa nos primeiro minutos.
Pouco depois, ainda durante a ligação, ela tentou
argumentar e me incentivar a aceitar a proposta dele.
— Não. Ao menos, alguma coisa no universo está a
meu favor — brinco, com um pouco de verdade. — Pode
esquecer, Mah, não vou aceitar aquela proposta maluca,
minha vida está um caos e ele é um idiota que tentou me
comprar.
Mahara tem os olhos em um brownie e aponta para
ele, seu pedido clássico quando vem aqui.
— Você deveria repensar — ela comenta, dando de
ombros e soando quase despretensiosa.
— Mah, sei que você acha que seria incrível ter um
jogador do seu time do coração por perto, mas não há a
mais remota possibilidade de isso acontecer, é sério —
pego o brownie e o coloco no prato. — Esquenta?
— Por favor — ela pede e eu me viro de costas para
ela. — Você deveria repensar, Manu, de verdade,
porque… — ouço sua pausa e também quando ela
respira fundo — Meio que todo mundo já sabe.
Bato a porta do forno e tento processar suas
palavras. Leva um segundo para que eu entenda o que
aconteceu.
— Mah... — me viro ao mesmo tempo que chamo
seu nome. E não preciso mais do que seu olhar para
compreender exatamente ao que ela se refere. — Onde?
Ela abre a boca e fecha algumas vezes, como se
ponderasse sua resposta. Quando desiste de encontrar
as palavras certas, ela abre a bolsa transversal que está
usando e pega o celular, bate algumas vezes na tela e
me estende o aparelho, no mesmo instante em que o
forno apita que seu brownie já esquentou.
— Está no Daily Sweden, nos jornais matinais, no
Twitter… Ok, em todos os lugares.
Pego o celular de suas mãos e vejo a foto.
Tirada por algum fã ou paparazzi, somos eu e Nathan
vistos do vidro do café, sentados próximos. Não há como
me reconhecer por completo, por conta da luz, estamos
meio desfocados. A outra foto é minha e dele próximos o
suficiente para parecer suspeito, quem olha a imagem
pode achar que estamos nos despedindo com um beijo,
mas a verdade é que Nathan só estava me olhando e
pedindo para que eu considerasse seu pedido. As duas
fotos tem péssima qualidade. Deve ser proposital, acho
que faz parte do rito “foto vazada” ter uma resolução
baixa, e nesse caso, fico grata por isso.
A manchete, por outro lado, não poderia ser mais
clara:
“LeBlanc é visto com uma garota misteriosa em
cafeteria”.
— Sinceramente, ainda bem que não tem como
saber que sou eu, porque isso poderia prejudicar meu
trabalho. — Entrego o celular a ela e me viro para pegar
o brownie no forno enquanto continuo a falar — e ainda
bem que esse babaca não veio aqui hoje, porque, Mah,
sinceramente, eu seria capaz de…
Me viro para entregar o celular e o bolo a Mahara e
paraliso. Porque, como se tivesse brotado do chão,
Nathan se materializa ao lado da minha amiga.
O dia de hoje tem como ficar pior?
— Acho que a essa altura, o babaca sou eu e você
já sabe o que houve, não é? — Nathan passa a mão no
queixo, como se tentasse aliviar a tensão do momento.
Fuzilo-o com o olhar e Mahara pega o prato que
tenho em mãos e também seu telefone.
— Culpada! — Ela anuncia — Eu que contei,
desculpa.
— Ela ia descobrir uma hora ou outra — responde
ele dando de ombros. — Nathan LeBlanc, e você é…
— Mahara Jakobsson, mas pode chamar de Mahara,
ou Mah, o que você achar melhor — minha amiga fala
rápido e posso conhecê-la a alguns meses apenas, mas
sei que está nervosa por estar falando com um jogador
do time que ama. — Sou uma grande fã — confessa de
uma vez.
— Gosta de hockey? — Ele pergunta com um
sorriso nos lábios.
— Eu e meu pai somos fãs, torcemos pro Älg desde
que sou pequena — ela sorri orgulhosa.
— Adorei saber disso — ele responde de forma
doce e gentil e eu reviro os olhos.
Nathan flagra meu gesto e Mahara também pelo
visto.
— Eu estarei ali na mesa, acho que vocês precisam
conversar — Mah deixa uma piscadela para mim e eu
cruzo os braços.
Ela vai para uma mesa próxima a nossa e logo,
Nathan e eu estamos sozinhos. Não consigo conter a
irritação por conta da situação. Tantas coisas
acontecendo na minha vida, a adaptação em um país
novo, a distância da minha família, iniciando um
doutorado, sem um lugar para morar… Sinceramente,
mais essa?
Não estou com nenhum pingo de paciência para
lidar com um jogador que sabe-se lá por qual motivo, me
escolheu para ser seu mais novo passatempo.
— Eu quero começar pedindo desculpas,
novamente, pelo inconveniente — ele apoia a mão no
balcão e se inclina um pouco em minha direção.
— Você deve estar, realmente, muito triste por seu
plano idiota estar dando certo — pontuo irônica enquanto
desvio o olhar na direção da porta, para ver se não tem
ninguém entrando.
— Acredite em mim, Manuela — seu rosto se fecha
e sua voz fica séria — não era minha pretensão que as
pessoas soubessem sem que você de fato aceitasse a
proposta. Estava até agora negociando com meu
empresário alguma forma de tirar a notícia do ar, ou
soltar outra nota que despistasse as pessoas de nós, mas
não deu certo.
Nathan tem uma expressão firme no rosto e suas
mãos não ficam paradas, ele as coloca repetidas vezes
dentro dos bolsos da jaqueta que está usando. Em
qualquer outro momento, eu poderia simplesmente
contra-argumentar com ele, mas agora, no dia de hoje,
estou exausta, cansada demais para rebater suas
respostas, ou mesmo brigar com ele por esse motivo
besta.
Sinto falta de quando nós só éramos barista e
cliente.
— Para ser bem sincera, Nathan, tem coisas muito
mais importantes para me preocupar do que o fato de
uma foto que parece ter sido tirada com uma primeira
versão de iPhone e uma manchete que me reduz a
“garota de jogador de hockey”. — Enquanto respondo a
ele, começo a organizar um pote de sachês de açúcar
para tentar aliviar meu nervosismo.
— Bom, é um saco. Acredite em mim, eu também
me irrito com a imprensa, muito para ser sincero. Mas…
— ele faz uma pausa e se posiciona bem à minha frente,
recolhendo um pacote de açúcar, como se estivesse me
ajudando no “trabalho”. — As pessoas meio que já
sabem, então pensei que isso poderia te fazer mudar de
ideia…
— E aceitar sua proposta de namoro de mentira? —
Ralho irritada e coloco os sachês de lado, olhando firme
para ele. — Quantas vezes vou precisar deixar claro que
não quero e que não tenho tempo para essa bobeira? Me
deixe em paz, Nathan — respondo, exausta.
— Por favor, Manuela. Por favor, eu imploro — ele
tira a touca que estava usando até segundos atrás e seus
fios longos ficam bagunçados. — Eu preciso da sua ajuda
— ele suplica e junta as mãos à sua frente, em um sinal
de reza.
— Cara, eu tenho certeza que tem um país inteiro
que faria qualquer coisa para estar no meu lugar, sabe-
se lá por qual motivo — pondero, assumindo uma
postura mais firme — por que você está insistindo nessa
ideia justamente comigo, que não tenho nenhum
interesse? Essa é uma ideia completamente maluca, por
que você simplesmente não faz como qualquer outro
jogador famoso e desmente o boato?
— Porque preciso passar uma reputação melhor
para o time — explica. — Se eu falar que não estou
namorando, além de mentiroso, ainda vou dar margem
para que continuem a achar que só vivo de farra.
— O que não é mentira — retruco.
Olho para o lado, novamente checando se não há
ninguém por perto, mas só vejo Mahara sentada em sua
mesa, olhando atentamente para nós.
— Mas se estivermos juntos, essa vai ser a única
coisa que as pessoas vão saber — ele devolve — não
estou pedindo que você namore comigo de verdade, nós
nem nos conhecemos. Eu só preciso que você aceite
fazer parte dessa mentira. Se eu falar que estou com
outra mulher, como você sugeriu, vão achar que eu não
sei assumir um relacionamento sério com ninguém.
— Bom, felizmente, isso não é problema meu —
bato as mãos na lateral do corpo, mostrando a ele que
estou encerrando nossa conversa e começo a caminhar
em direção à grande máquina de café — Agora, por
favor, me deixe em paz.
— Por favor — Nathan segura meu braço sem
força, apenas me parando no lugar antes que eu
continue a lhe dar as costas. — Eu faço qualquer coisa.
Do que você precisa? Eu consigo, eu dou um jeito, por
favor, Manuela. Por favor, qualquer coisa — ele afasta a
mão quando paro e se inclina mais para a frente. Ele
parece desesperado, ainda mais quando empurra os
cabelos com os dedos, jogando-os para trás.
— Ela precisa de um apartamento.
A voz que se sobressalta entre nós dois é da minha
amiga, ela está ao lado de Nathan neste momento, e eu
a repreendo no mesmo instante.
— Mahara! — Exclamo.
— Um apartamento? Como assim? — Questiona
Nathan, voltando sua atenção para Mahara.
— Não é nada — respondo de bate e pronto e ela
prossegue, ignorando totalmente meu pedido.
— Ela estava num apartamento temporário, precisa
sair às pressas e não tem para onde ir — explica ela de
forma objetiva enquanto segura o prato do brownie com
as duas mãos, como uma criança pequena.
— Eu tenho um apartamento — Nathan responde
com um sorriso no rosto.
É claro que ele tem, penso comigo.
Seus dentes são brancos e seus olhos estão
brilhando, como se, num passe de mágica, ele tivesse
desvendado um segredo poderoso e a chave para
solucionar um mistério.
— Eu juro que se você falar “tem um quarto na
minha casa” ou qualquer coisa do gênero, eu vou chutar
a sua bunda — falo entre os dentes. — E aí a imprensa
vai ter material de sobra para falar sobre você — ergo
uma sobrancelha como forma de intimidá-lo.
— Ela é sempre brava assim? — Ele questiona
Mahara, que nos assiste enquanto termina de comer seu
brownie.
— Acho que esse lado se aflora mais por sua causa
— responde, enquanto esfrega o garfo no chocolate
derretido e depois o lambe devagar.
— Bom saber — diz ele, com a voz um pouco mais
baixa e volta seus olhos em minha direção. — De todo
modo, não deixa de ser verdade, eu tenho um
apartamento vago. Ele não é muito grande, mas você
pode ficar nele — explica. — É perto daqui, não fica tão
longe da faculdade que você mencionou estudar, é
perfeito — elenca de forma perspicaz todos os prós.
— Não quero nenhum favor vindo de você.
— Mas é aí que está a questão — Nathan estala os
dedos, chamando minha atenção, ao mesmo tempo em
que balança a cabeça de uma lado para o outro — O que
eu tentei conversar com você da última vez era
justamente isso. Nós podemos fazer uma espécie de
acordo: você mora no apartamento, por quanto tempo
precisar, e em troca, me ajuda com esse lance do
namoro de mentira.
Passo a mão pelos cabelos e esfrego um pouco o
rosto, tentando controlar a irritação latente que reina em
mim. Deus, o que quer que eu tenha feito, ou qual tenha
sido o pecado que cometi para merecer isso, me perdoe,
por favor. Eu suplico, acabe com esse martírio.
— E no que consistiria esse namoro de mentira? —
Quem faz a pergunta é Mahara, enquanto deposita o
prato sujo no balcão — O que você está considerando
como parte desse acordo?
Nathan pondera o questionamento enquanto
massageia o queixo com uma mão, como se também
estivesse pensando nas condições.
— Precisamos ser vistos. Isso é um fato. Eu
precisaria que você fosse aos jogos, talvez deixar que
alguns fotógrafos nos flagrem juntos, propositalmente,
algumas idas a eventos, essas coisas. — Ergo uma
sobrancelha, me perguntando se seria mesmo só essas
as condições e ele prossegue: — Precisamos agir como
namorados, então teríamos que andar de mãos dadas,
trocar carícias, beijos, um selinho aqui e ali…
— Não vou dormir com você — respondo na lata e
ele arregala os olhos em surpresa.
— Não precisa ser um gênio para saber disso,
Manuela. E eu jamais pediria algo assim — ele se
aproxima do balcão mais um pouco. — Se formos transar,
vai ser porque nós dois queremos — sua voz sai rouca,
quase de forma sedutora. Mas eu estou longe de me
sentir atraída por ele.
— Eu não vou querer transar com você — retruco e
reforço mais uma vez o fato.
— Ótimo, não precisa querer transar comigo — ele
dá de ombros, agindo com indiferença. — Mas, com os
beijos você concorda?
— Não me lembro de ter dito que estava
concordando com algo em momento algum — passo as
mãos no cabelo enquanto olho para Nathan.
— Mas, se você está dizendo isso, se estamos
negociando beijos ou não beijos, significa que você está
considerando minha proposta — ele observa de forma
perspicaz.
Olho para ele e depois para Mahara, que me
encara com um sorrisinho no rosto e ergue as duas
sobrancelhas grossas e bem delineadas em minha
direção. Ela quer que eu aceite, ela está me incentivando
a fazer isso.
— Veja por esse lado, eu posso te acompanhar aos
jogos, já vai ser um pouco menos entediante para você
— minha amiga comenta, como se estivesse me
ajudando nessa empreitada maluca.
— É uma ótima ideia! — Exclama Nathan — Pode
levar seu pai se quiser também, vocês ficariam nas
cadeiras exclusivas dos familiares. — Completa enquanto
pega o celular do bolso e começa a dar alguns cliques na
tela.
Os olhos de Mahara brilham com a possibilidade e
ela acena em concordância.
— Esse aqui é o apartamento — Nathan estende o
aparelho e vai passando as fotos com o dedo — Como eu
disse é simples, mas se você estiver de acordo, pode ser
seu.
Pego o telefone de suas mãos e vou olhando as
fotos. A cada imagem que vejo, constato que o conceito
de simplicidade dele é bem diferente do meu, e minha
expressão deve demonstrar isso. As fotos que ele me
mostra são de um apartamento lindo e enorme. A
cozinha tem uma ilha bem no centro e os móveis são
todos em tons de branco, a sala tem uma ótima
disposição e um sofá com cara de conforto. O quarto tem
uma cama enorme e é pintado em tons de um bege bem
claro.
Esse lugar está mais do que bom, até mesmo os
lustres são bonitos. Mas, não quero que ele ache que me
comprou com isso, então faço uma contraproposta.
— Quero pagar aluguel — devolvo o celular para
ele e cruzo os braços novamente.
Mahara revira os olhos e Nathan também. O
movimento me faz achar graça, visto que eles se movem
quase que simultaneamente, mas engulo o riso.
— Manuela, confie em mim quando digo que quem
está me prestando um favor é você e não o contrário —
argumenta, e antes que eu possa retrucar, ele me
interrompe. — Que tal assim? Você fica, pelo tempo que
durar nosso “relacionamento” — ele faz aspas no ar e
prossegue — sem precisar pagar e depois, se você ainda
quiser continuar morando nele, podemos negociar um
aluguel. O que acha?
Respiro fundo, contando até dez e fecho os olhos.
Sei que Mahara e Nathan continuam me olhando, e
também sei o que os dois estão esperando que eu diga.
Eles estão aguardando meu sim. E no fundo, sei que não
tenho muita escolha.
Quero dizer, eu sempre posso dizer não, mas o
cara está me oferecendo um apartamento sem ter que
pagar aluguel e, sinceramente, no momento atual, isso
me pouparia de precisar me preocupar com mais esse
problema.
É pegar ou largar, e eu opto pela primeira opção.
Abro os olhos e vejo que Nathan me observa com
expectativa, ele morde o lábio inferior e, nas três curtas
conversas que tivemos recentemente, noto que essa é
uma mania que ele tem. Percebo também que sua
expressão, ainda que animada e com certa expectativa,
também apresenta um pouco de cansaço. Ele parece
exausto de alguma forma, e uma parte de mim passa a
acreditar mais um pouco que talvez esse assunto
realmente o consumiu mais do que o desejado.
— Tá legal, eu topo — respondo por fim e estendo o
celular em sua direção.
— Porra! Caralho! Finalmente! — Ele vibra
enérgico, mas eu corto sua empolgação.
— Calma! Eu não disse que concordo com tudo —
afirmo.
Tão rápido quanto veio, a empolgação e o sorriso
branco de Nathan desaparecem.
— Você sempre tem esse dom de estragar
momentos felizes? — Pergunta ele e, em seguida, respira
fundo. — Certo, quais são suas condições?
— Quando você diz selinhos e beijos… Quantos
seriam? Quantas vezes eu teria que te beijar? —
Questiono séria, porque é algo importante para mim.
— Não sei quantificar isso, não nesse momento ao
menos — ele responde pausadamente, como se
estivesse tentando fazer uma conta mentalmente. —
Podemos discutir esse detalhe depois?
— Isso não é um detalhe, é uma cláusula
importante — reafirmo.
— Tá, tudo bem, podemos discutir essa cláusula
importante depois, durante um jantar de repente? —
Nathan dá uma breve piscadinha em minha direção e
Mahara dá um joinha discreto para mim.
— Ok, parece justo. — Dou de ombros.
— Hallelujahs[2]! — Mahara exclama em sueco e dá
soquinhos no ar. Nathan vibra junto dela e a abraça.
Ouço quando ele agradece a ela pela ajuda e a
expressão da minha amiga é impagável.
Nesse breve momento, fico feliz em ter aceitado
esse acordo. Nunca vi Mahara corar tanto como agora,
acho que ela foi às nuvens e voltou.
— Desculpa por isso, por essa reação — Nathan
pede à minha amiga depois de colocá-la novamente no
chão.
— Ah, não se desculpe — comento com um tom
brincalhão — Pode ter certeza que ela ganhou o dia com
isso.
Mahara me encara brava e não deixa passar
barato.
— Vou considerar isso como um “estamos quites”,
por conta do apartamento — responde com os olhos
semicerrados em minha direção. Em troca, eu assopro
um beijo para ela.
— Bom, com essa parte resolvida, me passa seu
número para que possamos conversar e acertar detalhes
— ele desbloqueia o celular novamente e continua a falar
— Que tal jantar comigo amanhã?
— Tenho algumas coisas para fazer, preciso
começar a organizar minhas coisas para fazer a futura
mudança… — Começo a argumentar porque não sei se já
quero sair com ele logo no dia seguinte.
— Legal, eu posso pegar você no seu apartamento
e fazemos sua mudança no final da tarde, assim você já
se muda de uma vez e tem tempo de organizar as coisas
— responde ele ao mesmo tempo em que me estende o
aparelho, como se tivesse encontrado a solução perfeita.
— Levamos suas coisas para o novo apartamento e de lá
podemos ir jantar. Que tal?
Mahara me encara com os olhos brilhando pela
expectativa, como se fosse ela a estar recebendo o
convite.
— Tudo bem, parece bom — dou de ombros,
deixando de lado essa luta em que, claramente, eu não
vou ganhar. Nathan sorri, eu anoto meu número e, em
seguida, devolvo o aparelho novamente para ele.
Ele pega o mesmo em mãos e bate na tela.
Segundos depois, sinto meu telefone vibrando no bolso.
Olho para o visor e logo entendo que é ele quem está me
telefonando.
— Só checando se você me passou o número certo
— ele responde no bocal do celular, por mais que
estejamos na frente um do outro e encerra a ligação. —
Combinado, baby, te vejo amanhã.
— Não me chame de baby. — Pontuo séria e assisto
Mahara segurar o riso entre os lábios.
— Claro que você não iria facilitar as coisas agora
— desdenha de forma irônica. — Linda é melhor? —
pergunta sério. — Gatinha? Gata? — Ele dá outras opções
e me olha, esperando uma resposta sobre minha
preferência.
— Manuela é melhor — afirmo séria.
— Vamos precisar de apelidinhos, mas amanhã
decidimos sobre isso. Até mais, Manuela.
Nathan sorri e deixa uma piscadela no ar, não me
permitindo responder quando se vira, dando as costas
para mim e saindo rumo à rua.
— Ele está certo, namorados tem apelidinhos —
comenta Mahara com um sorriso de orelha a orelha.
Sinceramente, onde me meti nessa história toda?
Nem eu consigo acreditar que deu certo. Essa ideia
mirabolante que começou com uma mentira deslavada
agora é verdade.
Ao menos, em partes.
Manuela não é minha namorada de verdade, mas
para aqueles que precisam saber, ela não poderia ser
mais real. Dave ficou tão surpreso quando contei a ele
que ela havia aceitado, que foi incisivo ao afirmar que,
seja de mentira ou de verdade, ele quer muito conhecê-
la. Em algum momento, vou precisar fazer uma chamada
com meu amigo para apresentá-los.
Mas, por hora, no dia de hoje, meu foco está em
levá-la para o apartamento em que vai morar e depois
vamos jantar, acertar nossos detalhes e cláusulas, como
ela mesma afirmou ontem.
Por ser sábado e já termos jogado na terça-feira e
na quinta, estamos de folga. Fui cedo para a academia e
depois emendei uma corrida pelo bairro. Ao voltar,
agradeço mentalmente pela Sra. Nilsen, que deixou
comida pronta para boa parte da semana. Ela é a
responsável pela limpeza, organização e, como diz minha
mãe, por me manter vivo, já que sou uma negação na
cozinha.
Perto do almoço, esquento um pouco de comida e
envio uma mensagem para Manuela perguntando que
horas ela estará livre para que eu a busque. Ela me
responde que eu posso buscá-la próximo das cinco da
tarde e me passa seu endereço.
Decido tomar banho e já ficar pronto para
podermos ir jantar na sequência. A água morna me ajuda
a relaxar e, depois de lavar os cabelos, dou o meu
melhor para ficar apresentável. Visto uma calça de sarja
preta e uma camisa cinza, deixando um dos botões
abertos e completo com uma jaqueta recém comprada.
Penteio os cabelos, deixando-os jogados para trás e faço
a barba, mesmo que haja poucos pelos aparecendo.
Sorrio para meu reflexo e assumo minha postura
confiante, tal qual dentro da arena. Vai dar tudo certo, a
pior parte desse acordo já foi.
Gosto de andar com minha Mercedes sedan, mas
como não sei a quantidade de coisas que Manuela
precisa carregar, opto por pegar a SUV dessa vez, que
tem um porta-malas grande. Digito no GPS o endereço
que ela me passou mais cedo e dirijo até o local.
Manuela mora numa região mais afastada do
centro de Estocolmo, uma área conhecida por ser
residência de estudantes. O apartamento fica em cima
de um centro comercial com um mercado e os fundos de
dois restaurantes.
Aviso a ela que cheguei e ela me passa a senha
para abrir a porta. Adentro ao local, chamo o elevador e
aguardo ele chegar. Quando as portas se abrem, me
deparo com minha namorada de mentirinha abaixada
segurando alguns pedaços de madeira.
— Já desceu sua mudança toda? — Questiono
rapidamente e levemente surpreso.
— Já, não são muitas coisas. O mais pesado é essa
caixa aqui — ela aponta. — Consegue levá-la?
A pergunta me faz rir. Ela não faz ideia de quantos
quilos eu puxo na academia.
— Claro — respondo de prontidão e pego a mesma
com as duas mãos. Ela realmente está pesada, mas nada
que eu não consiga levar. — Não precisa carregar tudo,
deixe algumas coisas para que eu te ajude — pontuo
enquanto começo a andar novamente rumo à saída.
Manuela resmunga algo que não consigo ouvir,
mas deixo isso de lado e aperto o botão que aciona a
abertura da porta. Ela se abre e eu destravo o carro,
fazendo com que o porta-malas abra. Deposito a caixa
com cuidado e espio rapidamente seu conteúdo.
Livros. Deve ter uns trinta quilos de livros.
Manuela aparece em seguida com algumas partes
de madeira debaixo do braço e arrastando sua mala.
— Isso é tudo — ela tem a voz cansada e não
consigo evitar revirar os olhos, assim como ela faz
algumas vezes para mim. Mais vezes do que qualquer
pessoa normal.
— Custava esperar minha ajuda? Não precisa
carregar tudo sozinha — retiro as mãos do bolso e tento
ajudá-la, mas ela rapidamente se afasta.
— Sou perfeitamente capaz de carregar uma mesa
de cabeceira desmontada e arrastar minha mala —
afirma de forma categórica enquanto deposita os
pedaços de madeira, organizando-os de forma que não
estraguem.
— Eu sei que é — pontuo, jogando os fios de cabelo
que escapam para trás novamente. — Mas, não precisa.
Essa é a questão, eu posso te ajudar, estou aqui para
isso — pego a alça de sua mala grande ao mesmo tempo
que ela. Nós dois franzimos as sobrancelhas um para o
outro. — Me deixa ajudar, mulher.
Ela ergue as mãos para o alto em sinal de rendição
e eu pego a mala rapidamente, colocando-a no último
espaço vazio do porta-malas.
— Satisfeito? — Questiona séria, mas com um leve
sorriso nos lábios.
— Muito. Agora, vamos — começo a andar sentido
a porta do motorista, mas ainda assim, flagro ela fazendo
uma breve continência.
Essa é a primeira observação que faço a respeito
de Manuela. Ela sabe ser irritante quando quer.
Ela pede licença para entrar no carro e enquanto
afivela o cinto, dou partida no veículo. Ao ligar, o rádio
volta a tocar a música que havia parado e as caixas de
som tocam alto uma música do *NSYNC.
— Boybands? — Manuela pergunta e uma breve
risada escapa dos lábios.
— Se você disser que não gosta deles, é melhor
sair desse carro agora — pontuo firme, dando muito mais
importância ao fato do que ligo realmente.
— É um crime não gostar de *NSYNC, ou mesmo de
Backstreet Boys.
— Bom saber que você pensa isso — sorrio,
olhando para a rua. — Mas, de qualquer forma, se quiser
já ir anotando as coisas que seu namorado gosta, eu sou
mais dos clássicos — aponto para mim mesmo.
— Rock clássico?
— Isso aí.
— Pelo menos no quesito musical não vamos ter
brigas para disputar quem vai controlar o rádio — vibro
mentalmente ao ver que ela parece encarar melhor a
ideia do relacionamento se comparado ao dia anterior. —
Mas já adianto que não vamos ouvir rock o tempo todo.
— Como quiser, baby.
— Não me chame de baby — ela diz séria — Já
falamos sobre isso ontem.
Sorrio novamente porque, dessa vez, fiz de
propósito, para testar em que pé estávamos. E bem,
como podemos ver, não progredimos tanto assim.
— Discutimos isso depois — comento.
— Isso não é discutível.
— Tudo é discutível, Manuela.
Seguimos o restante do caminho até a região onde
o apartamento fica, em silêncio. Vejo que Manuela se
encolhe no banco ao ver a fachada do prédio, mas antes
que eu possa perguntar se ela está bem, ela logo corta o
silêncio.
— Obrigada por me deixar ficar aqui, sério —
desligo o carro bem nesse momento e viro em sua
direção para prestar mais atenção no que ela está
falando. — Isso me poupou trabalho para procurar um
lugar às pressas e dinheiro de hospedagem em hotel.
— Não precisa agradecer, faz parte do nosso
acordo, como mencionei — afirmo, olhando em seus
olhos. — Além disso, não posso deixar minha namorada
sem um teto — comento de forma descontraída.
— Vamos descarregar logo essas coisas.
— Sim, senhora — resmungo com um riso nos
lábios e abro a porta junto dela para começar a descer as
coisas.
Digito a senha em voz alta, mencionando a ela a
sequência numérica e comento também que irei mandar
por mensagem. Antes que Manuela possa pegar todas as
coisas sozinhas, me apresso e começo a empilhar os
pedaços de madeira em cima da caixa pesada, deixando
para ela apenas a mala grande para que carregue.
Caminhamos juntos em direção ao elevador e em
uma viagem só, conseguimos ir junto com todas as
coisas até o nono andar, onde fica a nova residência
dela. Ao pararmos em frente à porta, deposito a caixa no
chão e pego a chave em meu bolso.
— Essa aqui abre a porta — aponto para a maior do
chaveiro. — Essa aqui abre a caixa dos correios — mostro
a segunda e menor chave e entrego para ela.
— E eu suponho que o chaveiro seja sua camiseta
do time? — Ela ergue o objeto entre nós e vejo o número
23 e meu sobrenome estampado no pedaço de plástico,
com o símbolo do alce do outro lado.
— Nada mais justo, apenas uma namorada
demonstrando seu afeto, até mesmo nos pequenos
detalhes — pisco para Manuela e ela balança a cabeça
em negação.
Adentramos o ambiente e fico feliz por sentir o
cheiro de limpeza que ele exala. Assim que saí do café no
dia anterior, pedi que alguém viesse limpar às pressas o
local. Pelo visto, o dinheiro pelo turno dobrado deu mais
do que certo, está tudo brilhando.
— Depois me diga o valor da limpeza — Manuela
pede enquanto retira os tênis que usa e coloca no canto
próximo a porta.
— Não vou te falar valor nenhum, como
proprietário, está no contrato que eu preciso entregar o
apartamento limpo.
Não deixa de ser verdade. Aqui, todas as casas são
entregues aos inquilinos e proprietários limpas, faz parte
do processo.
— Não temos um contrato — ela me lembra.
— Temos um contrato imaginário e, neste contrato,
eu entrego o apartamento limpo e pronto — respondo,
irritado. Ela não pode simplesmente aceitar? Manuela me
observa séria e ainda parada ao lado de seu tênis. —
Você me entrega limpo, para honrarmos o combinado,
pode ser? — Pergunto de forma cética.
— Combinado. Agora sim temos um acordo —
satisfeita, ela adentra ao espaço e carrega consigo sua
mala. — Posso colocá-la no quarto?
— A casa é sua, faça o que quiser.
Ela começa a adentrar mais ao ambiente e,
seguindo pelo corredor, ouço quando ela volta a falar
comigo.
— Você, por um acaso, não tem uma parafusadeira
aqui, não é?
— O que você precisa? — Questiono indo até ela
com a caixa de livros em mãos e depositando a mesma
em um dos cantos do quarto.
— Queria montar minha mesa de cabeceira, mas
são mais de vinte e cinco parafusos, levou uma
eternidade para montar quando a comprei, e também
quando desmontei. Queria poupar um pouco de
trabalho.
— Você quer fazer isso agora? — Pergunto e ela
assente — Fiz uma reserva para nós às sete… — Pondero
enquanto olho no celular às horas. — Que tal o seguinte:
eu monto enquanto você ajeita as coisas, pode ser?
— Não, tudo bem, não precisa — ela balança as
mãos em negação. — Me deixa só tomar um banho e já
vamos — Manuela abre sua mala grande no chão e
começa a procurar por algumas coisas.
Ela fala como se estivesse me atrapalhando, ou
exigindo demais de mim, o que não é o caso. Manuela
claramente precisa entender que, apesar de ser
independente, não faz mal nenhum aceitar ajuda. Não é
porque não temos um contrato que não posso fazer um
favor a ela. Faria isso por qualquer pessoa, essa é a
questão.
— Não tem problema, não vou me importar em
montar, sério — afirmo e ela volta seu olhar para mim. —
Tome seu tempo, faça o que precisa, eu te espero. Vai ser
bom ter algo para me entreter enquanto isso, de
verdade.
Ela hesita alguns segundos e eu espero sua
permissão para poder fazer de fato o que me propus.
Manuela respira fundo e tira de um dos cantos da mala
uma caixa pequena que contém um kit simples de chave
de fenda e phillips.
— Obrigada — agradece ao me estender a caixa.
— Sempre que precisar, baby.
Não espero ela resmungar ou reclamar por conta
do apelido, apenas sigo o caminho para a entrada e pego
os pedaços de madeira. Por sorte, é um móvel comum e
encontro o manual de instruções de montagem com
facilidade na internet.
O silêncio se faz presente e só quando aguço
minha audição é que reconheço o som do chuveiro da
suíte ligado. Encontro um vídeo que mostra a montagem
do móvel e vou seguindo o passo a passo. Não demora
muito para ele começar a tomar forma e me dou por
satisfeito quando termino de encaixar a gaveta.
Sento-me no sofá, enquanto guardo as chaves da
mesma forma que encontrei e ergo meu olhar quando
ouço passos em minha direção. E por um segundo,
preciso relembrar que quem está ali é Manuela. Ela está
usando jeans claros e uma blusa de lã cinza clara, os
cabelos pretos estão soltos e emolduram seu rosto. É a
primeira vez que os vejo assim, livres de um rabo de
cavalo. Ela não parece ser adepta a muita maquiagem, e
por isso, só percebo que de fato passou alguns produtos
porque seus lábios estão tingidos de um vermelho claro,
quase como se fosse sua cor natural.
Fico tão surpreso por vê-la dessa forma com roupas
casuais, que não consigo tirar os olhos dela. A roupa
marca as curvas que seu uniforme da cafeteria esconde.
— Deu certo? — Ela me desperta do transe quando
para a minha frente e analisa o trabalho feito — Como
você conseguiu tão rápido? — Pergunta ao se inclinar um
pouco para olhar e testar a abertura da gaveta.
— Vi um tutorial no Youtube — comento
rapidamente, balançando a cabeça para desanuviar os
pensamentos e me levanto de supetão.
— Ótimo — responde ela, virando-se novamente
para mim e só então, se dá conta de como estamos
próximos.
Mesmo com alguns centímetros de vantagem por
conta das botas, eu continuo a ser mais alto que ela.
— Podemos ir? — Pergunto.
— Claro — responde ela um pouco tensa, mas
tenta suavizar a expressão o máximo que consegue.
Caminhamos em um silêncio quase completo, a
não ser pelos saltos da bota que ela usa. Saio primeiro
pela porta e Manuela tranca a mesma enquanto chamo o
elevador.
Quando entramos nele, percebo que não sei como
conduzir a conversa a partir de agora. Não estamos mais
no café, não temos mais a mudança para falar, nossos
assuntos tão rápido quanto vieram, se esgotaram.
Não sei nada a seu respeito, não sei o que ela faz
fora estudar e trabalhar, não sei de onde vem, ou mesmo
seus hobbies, nem mesmo seu sobrenome. A pessoa à
minha frente é uma completa desconhecida.
Olho para ela através do vidro que serpenteia o
elevador e vejo seu rosto pelo reflexo, nossos olhares se
encontram e reconheço neles, de alguma forma, o
mesmo impasse que o meu.
Como vamos fazer isso dar certo?
Andamos até o carro e permanecemos em silêncio
até chegarmos ao restaurante. O restaurante francês
com ótimos reviews é um lugar calmo, reservado… E
perfeito para que paparazzis nos encontrem. Afinal de
contas, é por isso que estamos juntos, é pelas
aparências.
Meu empresário foi quem me instruiu a ir para
lugares que pudéssemos ser vistos. Quanto mais rápido
esse relacionamento de mentira parar na imprensa, mais
cedo eu passarei a ser um tédio para os tabloides.
O manobrista se surpreende um pouco ao me ver
sair do carro e eu agradeço quando ele abre a porta para
Manuela. Em seguida, contenho a risada quando vejo a
expressão fechada dela. Faço uma nota mental de que
esse tipo de cavalheirismo, de certo modo até antiquado,
com toda certeza, não funciona com Manuela.
Entrego as chaves ao manobrista e caminho ao
lado da minha namorada, repousando a mão em sua
lombar. É só uma nuance de toque, o tecido do sobretudo
não me permite muito, mas, quase que
automaticamente, ela se retrai quando sente o que estou
fazendo e o quão perto estou.
— Entra na onda — murmuro baixo, para que só ela
possa me ouvir — Só agora, depois, estabelecemos as
cláusulas certinhas — uso a palavra para mostrar a ela
que estou respeitando seu pedido.
— Vou cobrar isso — pontua Manuela de forma
incisiva.
Sorrio de canto enquanto caminho ao seu lado e
quando a hostess nos recepciona, fico feliz ao ver
Manuela sorrir de forma gentil para a garota. Ela tem um
sorriso bonito, devia mostrá-lo mais vezes. Agradeço a
atendente quando ela nos conduz até a mesa que
reservei.
Estrategicamente posicionada em uma janela,
ótima para que nos vejam. Só há um problema: o garçom
nos coloca frente a frente, e para uma possível foto
perfeita, que satisfaça a imprensa e meus agentes,
preciso que fiquemos lado a lado.
Começo a arrastar minha cadeira centímetro por
centímetro, de uma forma bem sutil, mas paro o
movimento quando o garçom chega até nós e entrega os
cardápios. Ele oferece uma cartela de vinhos para mim,
mas entrego a mesma a Manuela.
— Você bebe? Quer escolher? — Questiono.
Vejo que ela se surpreende com minha atitude e
sorrio por isso.
— Claro — responde ela, abrindo a cartela e
passando os olhos pelas páginas. Depois de ponderar um
pouco, ela aponta para uma página. — Vamos querer
esse chileno aqui.
— Garrafa ou taça? — Questiona o garçom.
— Taça.
— Garrafa.
Nós dois respondemos ao mesmo tempo.
— Você só quer uma taça? — Pergunto surpreso a
ela.
— Você está dirigindo, não pode beber mais que
isso.
Por que não me surpreende que ela seja um poço
de responsabilidade também?
— Ah! Preocupada comigo, baby? — Arrasto minha
mão pela mesa até alcançar a ponta de seus dedos.
— É claro que sim, baby — a resposta, carregada
de sarcasmo, passa despercebida pelo rapaz que nos
atende. E fico feliz quando ele não percebe que ela,
gentilmente e de forma sorrateira, retira sua mão da
minha.
— Então, que seja uma taça — digo ao garçom, que
anota com um risinhos lábios e pergunta o que vamos
querer de entrada.
Manuela e eu tomamos um tempo para decidir os
pratos, principalmente porque ela parece ponderar entre
vários deles. Começo a checar os nomes que ela fala em
voz baixa e só então, me dou conta de que ela está
escolhendo os pratos mais baratos do cardápio.
Deixo que ela termine o pedido e quando o garçom
nos deixa a sós, me aproximo para falar um pouco mais
baixo, para que só ela consiga me ouvir.
— Não vou deixar você pagar a conta — afirmo.
— Não me lembro de pedir sua permissão para
pagar ou não — ela rebate.
Passo as mãos no cabelo e sei que estou
despenteando os fios, mas é isso que essa mulher faz
comigo. Sua teimosia me deixa maluco.
— Manuela, fui eu quem te convidou para jantar,
em um lugar caro, nos fazendo sentar, propositalmente,
numa mesa estratégica para que qualquer pessoa ou
paparazzi nos veja — aponto para os vidros de forma
discreta, para mostrar como estamos expostos e ela
arregala os olhos ao perceber. — O mínimo que posso
fazer é pagar a conta. Quando você me convidar, você
paga, combinado?
Minha pseudo-namorada abre e fecha a boca
algumas vezes, como se tentasse encontrar uma
resposta para essa discussão, mas respira fundo e dá de
ombros.
— Tá, tudo bem — ouço seu suspiro e repito o
mesmo movimento que ela ao dar de ombros.
— Toda vez que consigo te convencer de algo, por
mais bobo que seja, a sensação é como se estivesse
vencendo uma partida importante do campeonato sueco
— comento com uma risada nos lábios e começo a
dobrar as mangas da camisa que estou usando.
Reparo que, conforme vou erguendo as mangas,
Manuela me observa. Sei que sou um cara bonito. Nós,
jogadores de hockey, muitas vezes por conta do esporte,
temos os dentes tortos ou algumas cicatrizes no rosto.
Tenho sorte por, até o momento, estar inteiro e não ser
de se jogar fora. Vejo que ela observa as tatuagens que
tenho no braço esquerdo. Gosto de cada uma delas, mas
por causa das blusas de manga comprida, elas quase não
ficam à mostra.
Aproveito que estamos sozinhos novamente e volto
a puxar um pouco mais a cadeira em sua direção. Noto
que ela ainda me observa, mas quando flagro seu olhar,
ela tenta disfarçar jogando os cabelos para um lado só.
E sob a luz baixa que estamos, reparo na cor dos
olhos de Manuela. São amendoados e um pouco mais
claros no centro, é bem sutil, mas consigo ver a
diferença. Os cílios volumosos batem conforme ela pisca
e seus lábios levemente vermelhos são carnudos.
Noto que Manuela percebe que estou analisando-a
e a vejo engolir seco.
Penso em puxar algum assunto para tentar
conhecê-la melhor, mas, bem neste momento, noto pela
visão periférica que um carro está estacionando do outro
lado da rua.
É uma SUV preta um pouco antiga. Não preciso me
esforçar muito para me dar conta exatamente de quem
é.
Papparazzis.
Manuela olha discretamente para a direção que
detém minha atenção e vejo sua expressão mudar para o
mais completo espanto.
— É o que eu estou pensando? — Murmura baixo,
escondendo um pouco do rosto com o cabelo e mexendo
os lábios de uma forma mínima, de um jeito muito sutil.
— Sim, são eles — confidencio a ela.
— O que devemos fazer? — Pergunta, parecendo
ainda mais tensa e receosa.
— Vamos fazer o que temos que fazer — explico,
de forma séria — Vamos dar algo a eles — elevo meus
olhos em sua direção.
Noto rapidamente que a janela do SUV abaixa um
pouco, o paparazzi está se preparando para o close
certo. Olho para Manuela e vejo seu olhar transitar por
tudo ao nosso redor. Não a conheço de verdade, mas
reconheço o olhar que ela direciona a mim.
Tem um pouco de surpresa, raiva e talvez medo,
mas não sei dizer ao certo.
— O que exatamente eu devo fazer?
— É simples — dou de ombros. — Siga a minha
deixa.
Puxo a cadeira mais um pouco em sua direção e
percebo que já estamos realmente mais próximos. Para
que ela não se assuste ou se retraia, começo a narrar de
forma sutil e com a voz baixa, cada um dos meus
passos.
— Vou me aproximar um pouco mais de você —
começo a falar e me inclino. — E agora, vou repousar
minha mão direita na mesa, em cima da sua — faço o
movimento devagar e com cautela. — Agora, vou afastar
um pouco seu cabelo para o lado — eu pego o punhado
grosso de seus fios ondulados e os jogo lentamente para
trás de seu ombro. — E vou me aproximar do seu
pescoço, como se estivesse sussurrando um segredo
para você.
Faço cada uma das ações de forma lenta e gradual,
deixando que Manuela compreenda cada um dos meus
passos e não se sinta invadida. Não nos conhecemos,
não posso simplesmente assumir que ela aceitará
qualquer tipo de toque ou algo do gênero.
Sei que beijos estão muito mais próximos da lista
de “proibido” do que “permitido”. Posso não conhecer a
fundo a mulher à minha frente, mas a conversa de ontem
deixou isso bem claro.
Isso é uma transação, são negócios, uma desculpa
perfeita para despistar broncas e a imprensa da minha
cola. Não vou beijá-la, não é isso que tenho em mente
neste momento. O que pretendo fazer não é algo que
tenhamos conversado até o momento, é de certa forma
ousado, mas decido arriscar, porque, afinal de contas,
sou um jogador. É o que faço, tento pontuar de acordo
com as circunstâncias e fatores que tenho ao meu favor.
Quando estou a centímetros de sua pele, Manuela
parece prender a respiração, principalmente quando roço
meu nariz em seu pescoço.
— Sei que comentei a respeito de beijos com você
ontem… E ainda quero debater essa cláusula — comento
baixo e próximo ao seu ouvido — Mas quero conversar
com você primeiro antes de qualquer coisa, então, só
vou fingir que estou fazendo algo a mais. Haja
naturalmente.
Manuela maneia a cabeça de forma bem sutil,
mostrando para mim que compreendeu minhas palavras
e, neste momento, próximo ao seu pescoço, consigo
sentir seu cheiro. É delicioso e divino, é como se tudo de
mais perfumado no mundo estivesse concentrado em um
único pedaço de pele. Tem um pouco de baunilha e
pimenta rosa, é realmente muito bom.
Fico alguns segundos ali, parado, só para garantir
que o paparazzi vai conseguir obter a foto perfeita.
Apesar de não conhecer Manuela, isso não impede
que, em algum grau, sua beleza e seu cheiro me
atraiam.
— Ele já foi? — Sussurro baixo, novamente perto de
seu ouvido.
— Já, o carro acabou de dar a partida — responde
com o rosto inclinado para baixo, a voz ainda mais
abafada do que antes.
Coloco uma expressão neutra no rosto e vou me
afastando lentamente dela. Quando seu rosto se ergue
em direção ao meu, me perco brevemente nas íris
castanhas. Ela tem olhos lindos, isso é um fato.
Encosto na cadeira novamente, mas não me
afasto. Já que conquistei esses centímetros próximos
dela, é melhor me resguardar para caso novos
paparazzis nos encontrem.
Manuela ainda está me olhando, mas não consigo
compreender o que ela está sentindo, tenho muito o que
conhecê-la ainda. Ela quebra o silêncio quando joga os
cabelos, novamente, sobre seu ombro e me pergunta de
forma cética.
— Isso foi suficiente?
— Não é nem de perto o suficiente — respondo
firme e um pouco mais baixo — mas, por hora, vai bastar.
Sinto um frio na barriga no segundo em que ele se
aproxima de mim. O cara que, dias atrás, era apenas
mais um cliente que eu precisava atender no café, em
menos de uma semana, se torna meu namorado de
mentira e me vejo na situação de sentir coisas quando
ele se aproxima demais do meu corpo.
Ao mesmo tempo em que penso isso, quando o
carro dos paparazzis se afasta, me dou conta que, em
questão de minutos, minha vida se tornou de certa forma
pública e tudo por conta de uma foto tirada.
Se me falassem que eu teria que lidar com isso em
algum momento da vida, eu iria rir, porque sempre prezei
por ser discreta com meus relacionamentos, mas, até aí,
encarar um namoro de mentira nunca me passou pela
cabeça e bem… aqui estamos nós.
Nunca tive que fingir que estava namorando com
alguém, meus breves relacionamentos sempre foram
curtos, mas intensos, com sentimentos envolvidos,
fossem eles apenas o desejo sexual ou a ideia de estar
apaixonada por alguém.
Sempre prezei muito por sentir o corpo aquecer por
alguém, sempre teve muito mais a ver com o toque, com
as sensações e afins. E por isso, acredito que meu corpo,
de alguma forma, deletou a informação de que o cara à
minha frente é meu pseudo-namorado e um completo
desconhecido.
Meu corpo só processou a proximidade de Nathan na
região do meu pescoço e me rememorou a sensação. É
algo completamente físico, assim como não conseguir
evitar olhar um corpo nu. Às vezes não há interesse, mas
os seres humanos, por serem visuais, não conseguem
conter os olhos. É só meu corpo reagindo a um quase
toque. Sou sensível nessa região, é só isso.
Ao racionalizar dessa forma, me sinto mais
aliviada. Nathan e eu estamos em silêncio, mas nós dois
suspiramos ao mesmo tempo quando o garçom vem até
nós novamente e nos serve uma taça de água e também
a do vinho tinto que escolhi.
Damos um gole assim que o atendente nos serve,
e Nathan acena gentilmente a cabeça, como se
dissessem em uma linguagem silenciosa que aprova o
vinho. O rapaz completa nossas taças e se retira quando
agradecemos.
Quando ele nos deixa a sós novamente, eu dou
uma golada generosa no vinho recém colocado no
recipiente. Não olho na direção de Nathan, mas absorvo
o que aconteceu entre nós alguns segundos atrás. Nós
estamos tratando isso como uma transação de fato.
Tanto é verdade que, por não termos estabelecido
limites, Nathan não ousou me tocar de forma alguma. Fui
surpreendida de um jeito positivo com a atitude. Fiquei
chocada porque, com a reputação dele e a pose que
conheço a seu respeito, eu esperaria que ele fosse muito
mais ousado e se achasse no direito de fazer o que bem
entendesse, com a justificativa de que meu “sim” para
este acordo era um consentimento para tudo. Estava
esperando o pior dele, mas fui completamente surpresa.
E é por isso que, quando nós dois depositamos a
taça de vinho que temos em mãos novamente na mesa,
eu corto o silêncio que se faz entre nós.
— Obrigada por me explicar como ia funcionar toda
essa dinâmica — comento de forma sincera. — Não faço
ideia de como é lidar com câmeras à minha volta.
— Sem problemas. Obrigada por ter encarado bem
a situação — Nathan agradece e puxa mais um pouco as
mangas da camisa cinza que está usando para cima dos
braços. — Você se saiu bem, logo você se acostuma —
ele dá de ombros e em seguida, arruma a postura. —
Mas, acho que depois desse momento, precisamos
estabelecer as regras e cláusulas logo — pontua de
forma séria. — Numa próxima vez, eu talvez precise te
beijar ou te tocar de alguma forma sem que pareça tão
ensaiado.
A ideia de beijá-lo não me soa nem um pouco boa
aos ouvidos.
— Achei que havia deixado claro que beijos não
fazem parte do nosso contrato — comento de maneira
incisiva.
— Manuela, sei que pode parecer estranho porque,
afinal de contas, nós dois não nos conhecemos. Mas
ninguém vai acreditar nesse relacionamento se eu não
puder te tocar — explana com a voz baixa e um pouco
mais rouca.
— Isso não é negociável, Nathan — reafirmo minha
condição. — Não quero beijar você dessa forma, não
quero beijar nem você nem ninguém apenas pelas
aparências. Não funciono desse jeito — pontuo enquanto
dou um novo gole no vinho e observo os olhos castanhos
de Nathan atentos a mim.
— Nunca tive que beijar alguém pelas aparência
também, Manuela. Acredite, esse acordo é uma novidade
tanto para mim quanto para você — uma risada breve
escapa de seus lábios e noto o sarcasmo nela. — Mas,
para isso dar certo, precisamos parecer verdadeiros —
explica pacientemente. — Não vai adiantar apenas dizer
que você é minha namorada, se nossas atitudes não
condizerem com as de um casal.
Massageio as têmporas e respiro fundo. Eu achei
que ele estava indo bem, mas claramente me enganei.
Eu sabia que não iria ser fácil, mas não achei que iria
precisar ficar discutindo sobre enfiar ou não minha língua
em sua boca.
— Não vou voltar atrás nisso — digo novamente e
ele respira fundo. — Se quer um contrato, essa é minha
cláusula número um.
— Certo — ele se dá por vencido e bagunça os fios
castanhos do cabelo — beijos de verdade não entram no
acordo, mas, e quanto a selinhos?
Jesus. Eu realmente não quero dar margem para
isso. Como vou reagir de forma natural a um beijo
inesperado? Não quero aceitar essa cláusula, mas
também não posso ser tão irredutível. Ele me ofereceu
um apartamento para morar, montou minha mesa de
cabeceira sem pestanejar, não me tocou de forma
inapropriada.
E eu sei que em certo grau ele está certo. Preciso
ceder, nem que seja um pouquinho. Se não quero que ele
me faça favores por caridade, se quero tratar isso como
uma transação, preciso dar algo em troca, preciso
equilibrar a balança. “É só um selinho”, penso comigo. Se
eu ceder agora, posso reivindicar alguma outra cláusula
mais para frente.
— Com que frequência? — Questiono, e vejo que
ele entende isso como um “sim” para sua pergunta.
— Não sei quantificar isso, Manuela. Mas, muito
provavelmente, só precise acontecer quando eu
suspeitar que tem alguém nos vendo, alguém que
realmente seja relevante que veja — afirma sério. — Mas,
eu preciso que você esteja preparada para essa ação a
qualquer momento, porque talvez não consiga fazer o
que fiz minutos atrás, de recitar cada uma das minhas
ações para prepará-la. Não estamos numa peça de
teatro, com tudo ensaiado, é a vida real. E de alguma
forma, você também precisa parecer como uma
namorada.
— O que quer dizer com isso? — Pergunto,
tentando entender por completo suas palavras.
— Que, do mesmo jeito que você espera certas
coisas de mim, eu também espero algumas coisas de
você — começa a explicar e levanta o indicador para
explicar. — Por exemplo, preciso que você pareça menos
robótica quando eu chegar próximo a você.
— Não é tão fácil quanto parece, Nathan. Se as
modelos com quem você sai sempre encaram numa boa,
para mim não é tão fácil.
— Sei que não é fácil, Manuela… — ele faz uma
pausa quando o garçom nos traz a entrada e nós dois
agradecemos ao mesmo tempo.
Pego uma fatia de pão e começo a passar um
pouco da manteiga e aceno com a cabeça para que
Nathan continue.
— Sei que não é fácil — ele repete para retomar o
assunto. — Mas, já estou avisando de antemão que vou
precisar encostar em você. Preciso de mãos dadas,
abraços, uma mão ou outra na cintura… E preciso de um
ou outro selinho — completa. — Você pode beijar minha
bochecha também, demonstração de carinho vindo de
você também é importante.
Faz tanto tempo desde a última vez que tive um
relacionamento, não me lembrava de todas essas
questões. Ou, talvez, isso se deva ao fato de que nunca
precisei ficar pensando a respeito do que tinha ou não
que fazer, porque, afinal de contas, eu estava em um
namoro de verdade.
Namoros de mentira são bem mais difíceis do que
os reais, faço uma nota mental a respeito disso.
Antes que eu responda, acho que Nathan consegue
decifrar minha expressão e ele encontra algum jeito de
me ajudar com a questão em aberto.
— Não vamos nos beijar de língua, eu prometo. Eu
só preciso de beijos rápidos, leves roçadas de boca. Acha
que pode lidar com isso?
Ele está sendo paciente e vejo em seu olhar um
leve quê de súplica, não posso ser tão dura, nem mesmo
tão difícil de lidar. Ele foi realmente um cara legal comigo
hoje, por que não retribuir o favor?
— Ok, estamos de acordo com os selinhos. Sempre
que você achar necessário, pode me beijar.
— Ótimo! — Exclama ele e, em seguida, respira
aliviado. — Carinhos no rosto, abraços, mãos na cintura,
tudo bem por você? — Franzo a testa e ele continua. —
Só quando necessário ou quando estivermos perto de
alguém — reforça.
— Tudo bem — respondo depois de alguns
segundos em silêncio. Concordo com os termos porque
não me parece nada de muito comprometedor.
— Sei que pode ser meio estranho, mas é legal que
você tome a atitude algumas vezes, ok? — Ele afirma. —
E, bem, como mencionei ontem, preciso que você vá em
alguns jogos, me acompanhe em eventos, podemos
jantar juntos durante a semana, posso te buscar na
faculdade, esse tipo de coisa.
— Ok para todos esses pontos — afirmo. —
Atualmente, meus dias mais comprometidos são de
terças e quintas-feiras. Mas preciso ser avisada com
antecedência, não tenho tanta flexibilidade de agenda.
— Eu também não — ele comenta. — O que me
lembra que, na próxima quinta-feira tenho jogo, você
acha que consegue ir?
— Não consigo garantir, porque esse é um dia que
entro tarde no trabalho, justamente por conta do
doutorado — explico pacientemente, mostrando que não
é falta de vontade.
— E no sábado? Nós vamos jogar contra o
Frölunda, que é um dos nossos maiores rivais. Seria legal
se você fosse.
— Você vai jogar na terça e no sábado? — Pergunto
curiosa e ele confirma. — Quantas vezes vocês jogam por
semana?
— Geralmente duas, às vezes três.
— E como você arruma tempo para estar em festas
e fazer farra por aí? — Faço uma cara de dúvida porque,
se ele joga dois dias por semana e também treina, ele
precisa estar cansado em algum momento.
— Para tudo na vida se arruma um jeito, basta
querer — ele enfia um pedaço de pão na boca e fala de
boca cheia. — Sábado. Posso contar com você lá?
— Tudo bem se eu chamar a Mahara para me
acompanhar? — Pergunto com um sorriso nos lábios ao
pensar na minha amiga. — Ela vai conseguir me
entreter.
— Claro. Quanto mais torcida, melhor — ele sorri e
prossegue. — E, confia em mim, vocês não vão ter tanto
tempo assim para conversar. São três tempos de jogo,
eles passam voando.
— Aham, que seja — desdenho um pouco e dou um
gole no vinho.
Ele me encara e noto quando morde a bochecha
por dentro da boca.
— Você não gosta de hockey, não é? — Nathan
cruza os braços e noto que sua expressão se fecha.
Quando demoro para responder, ele ri nasalado e
balança a cabeça. — Eu consegui não apenas uma
namorada de mentira, como também uma namorada de
mentira que não é fã de hockey. Você gosta de algum
esporte, afinal de contas? — Pergunta sério.
— Futebol, definitivamente.
— Hockey é um jogo muito mais empolgante do
que futebol, vai por mim — ele infla o peito, como se
estivesse revelando de forma óbvia a solução de um
problema e eu dou de ombros.
— Aham, claro — respondo no mesmo tom usado
anteriormente e ele dá outro gole no vinho.
— Mas, para evitar que eu passe a noite falando
sobre meu trabalho e tentando te convencer de que é
um esporte incrível, vou deixar que você descubra por si
só — dá de ombros e continua. — Por agora, vamos ao
que interessa, precisamos nos conhecer de verdade —
explana. — Acho que a primeira coisa que notei é o fato
de você só falar em inglês, e você fala bem. De onde
você é?
O pedaço de pão que acabo de colocar na boca fica
ali parado. Eu perco as contas de quantas vezes ouço
isso por semana. No começo, eu encarava como
curiosidade, mas depois de ler uma matéria que minha
irmã me enviou, entendi que, na verdade, essa frase era
uma forma sútil de ser xenofóbico. Passa despercebido
na maioria das vezes, fiquei meses ouvindo isso até que
entendesse o significado. E uma vez que você entende
esses preconceitos, você não consegue escolher hora
certa para falar a respeito, porque para assuntos como
esse, não há hora certa.
Vejo que Nathan me olha atento, esperando minha
resposta.
— Eu sou chilena, nasci lá — respondo depois de
engolir o pedaço de pão. — Eu sei que talvez não tenha
sido essa a sua intenção com essa pergunta, mas preciso
dizer uma coisa a você.
— O que houve? — Ele se inclina na mesa e fica um
pouco mais próximo de mim.
— Quando você diz que eu falo bem inglês, o que
você quer dizer com isso? — Questiono.
— Eu acho que é só uma pergunta de…
Curiosidade, talvez? O idioma daqui é o sueco, e eu já vi
você falar algumas coisas em outra língua que não o
inglês, só tentei interligar os pontos…
Ele não fez a pergunta de forma pejorativa e isso
só se confirma quando ele não fala sobre minha
aparência física, reafirmando minha diferença,
reafirmando que, “dentro dos padrões”, eu não me
encaixo aqui. Por isso, decido explicar de uma forma que
ele entenda a questão.
— Você perguntou isso alguma vez para os seus
amigos de time, quando eles falaram em inglês com
você?
— Não — ele responde com a voz um pouco mais
baixa.
— Quando você faz essa pergunta, de alguma
forma, você afirma que notou que sou diferente, seja
pela minha aparência ou por alguma outra coisa. Que eu
não me encaixo nos padrões suecos, você reafirma
minha diferença, entende? — Olho para Nathan e quase
consigo ver as engrenagens de seu cérebro se
movimentando. — Por exemplo, alguém pergunta para
você de onde você é?
— Não… — ele responde baixo e abaixa a cabeça,
como se tivesse compreendido — Isso faz tanto sentido.
Como nunca reparei nisso?
— Porque a xenofobia também sabe ser “sutil” —
coloco aspas no ar. — Sou uma mulher latino-americana
e tenho muito orgulho disso, mas as pessoas às vezes
usam isso para reafirmar minha diferença. Posso não
sofrer das violências que pessoas negras, por exemplo,
passam, mas a forma como eu falo, o jeito como
gesticulo… De alguma forma isso me torna diferente. Sei
que sua pergunta foi por curiosidade e uma forma de nos
conectarmos, mas, se estamos nos conhecendo, achei
que era legal te falar.
— Nossa, eu… — Nathan parece ter perdido as
palavras e reconheço em sua falta de ação que ele
entendeu, ele realmente compreendeu. Talvez ele não
seja tão ruim quanto eu tinha pensado. — Eu sinto muito,
foi realmente uma pergunta para nos conhecermos, mas
agora, eu só consigo me sentir um completo babaca.
— Pensa por esse lado: agora você já sabe, não vai
mais falar isso de forma que soe xenofóbica. — Explico a
ele. — Já fiz comentários assim, mais vezes do que
consigo me lembrar, e não há nada que possa consertar.
Mas aprendi com o erro e o importante é o que você faz
com o conhecimento daqui em diante.
Dou um sorriso gentil em sua direção, mostrando
empatia ao momento, e o admiro por não assumir uma
postura defensiva como a maioria das pessoas faria.
— Você tem razão — ele pega a taça em mãos e a
ergue. — Um brinde a esse primeiro ensinamento. E me
desculpe pelo mal-entendido.
— Está tudo bem — eu estendo a mesma e
batemos o cristal um no outro. — Bom, continuando —
dou segmento depois de beber um gole da bebida — eu
sou do Chile, de Santiago.
— E faz doutorado, certo? — Pergunta ao arrumar
sua postura — Em que área?
— Estudo sobre os povos originários na América
Latina.
— Incrível — ele afirma. — E a sua família?
— Minha mãe morreu de câncer há alguns anos —
começo a explicar e Nathan fica novamente
constrangido. — Tá tudo bem. Depois de um tempo, você
aprende a conviver com a dor. Já o meu pai, nunca me
assumiu, minha mãe foi casada com o primeiro marido,
com quem teve minha irmã, mas eles se separaram dois
anos depois.
— Caramba, que merda — exclama Nathan.
— Realidades como essa são mais comuns do que
você imagina — afirmo. — Mas, mesmo com toda essa
confusão, eu tenho uma família maravilhosa. Minha mãe
foi uma mulher muito batalhadora e que nos ensinou
muito. Minha irmã é casada com um cara incrível e eu
tenho uma sobrinha linda, a Martina — pego meu celular
na bolsa e mostro o bloqueio de tela. — Cinco adoráveis
anos de muitas brincadeiras e paredes pintadas pela
casa.
— Ela é linda. — Nathan tem um sorriso no rosto e
eu não deixo de notar que, quando ele sorri, seus lábios
tendem mais para um dos lados.
O “sorriso torto e charmoso” que Mahara tanto fala.
E, me vejo obrigada a concordar com ela, é bonito.
— Mas e você, qual é a sua história? — Questiono
— Quem é você sem os patins, o taco de hockey e sem
as manchetes de jornal?
— Um cara normal — ele comenta sem
empolgação, mas para quando o garçom, finalmente,
traz nossos pratos.
Ele espera que o rapaz saia para continuar, e não
consigo deixar de pensar que isso só acontece porque
ele tem medo que qualquer informação dita fora de hora
ou contexto, possa ser usada contra ele. Deve ser um
saco ter a vida, de certa forma, vigiada.
Noto que ele permanece em silêncio mesmo
quando ficamos sozinhos novamente e, para descontrair
um pouco, brinco com ele.
— Não vai adiantar apenas dizer que você é meu
namorado se eu não souber nada a seu respeito —
parafraseio uma frase que ele disse no início da noite e
Nathan dá uma risada breve.
— Teimosa e perspicaz — movo a cabeça para o
lado, para entender o que quer dizer com isso. —
Comecei a listar algumas características suas, a primeira
com certeza é sua teimosia, que ficou em evidência
durante a mudança. E agora, a forma como você é
perspicaz.
— Não deixe de me contar tudo que você for
elencando a meu respeito — provoco-o e começo a cortar
um pedaço de carne suculento em meu prato.
— Sou de Calgary, no Canadá — ele começa por
fim. — Minha mãe é formada em Literatura e foi
professora durante sua vida toda. Meu pai tentou seguir
no hockey, mas não foi draftado[3]. Ele deixou a ideia de
lado e se especializou em Relações Internacionais, com
foco em Comércio Exterior. Trabalhou a vida toda na
mesma empresa, e assistiu a todos os meus jogos —
Nathan sorri ao dizer essa última frase. — Meu pai é meu
fã número um.
— Irmãos?
— Tenho um melhor amigo que considero meu
irmão. O nome dele é Dave, ele tem um filho, Nicholas —
ele repete a ação que eu fiz minutos atrás e pega o
celular para me mostrar uma foto do amigo e do
pequeno Nicholas.
O rapaz na foto tem os cabelos loiros curtos, bem
diferentes dos de Nathan, olhos azuis e claros, numa
tonalidade linda. O garotinho é uma cópia sua, chega a
ser assustador, mas de um jeito fofo.
— Eles são lindos — pontuo e Nathan guarda o
celular novamente no bolso.
— Nicholas realmente é lindo, o pai, nem tanto… —
ele desdenha.
Nathan emenda novas perguntas a meu respeito,
questiona sobre o trabalho no café, porque decidi
estudar tão longe e pela próxima hora, descubro mais a
respeito dele e deixo que ele me conheça um pouco. O
fato de não sermos um casal de verdade não exclui a
possibilidade de saber mais sobre ele.
Não precisamos trocar confidências, mas não é de
todo ruim saber um pouco sobre o cara que, para todos
os efeitos, é alguém com quem estou me relacionando.
Para as lentes, tabloides e para quem mais importa,
somos um casal. E, neste momento, entre nós, Nathan
deixa de ser apenas o jogador babaca com uma proposta
maluca de namoro de mentira, para ser apenas…
Nathan.
E apenas Nathan não é de todo ruim.
Manuela González, vinte e sete anos, doutoranda
na Universidade de Estocolmo, tia da Martina, barista
cinco dias por semana, fã de futebol e zero por cento
interessada em hockey.
Teimosa e perspicaz.
São essas as anotações mentais que faço da minha
namorada de mentira, uma mulher fechada, reservada
mas que, durante a última hora, se tornou alguém bem
mais agradável para se conviver se comparado a dias
atrás.
Sei que mais perguntas e mais informações a seu
respeito virão com o tempo, e por hoje, considero um
progresso. Tivemos alguns minutos de silêncio, como
acontece neste momento, mas encaro isso da melhor
forma possível. É compreensível, afinal de contas,
estamos nos conhecendo de maneira gradual.
Consegui acertar com ela a maioria dos detalhes a
respeito do nosso “relacionamento”, mas opto por
retomar o assunto para quebrar nosso silêncio e para que
consigamos definir mais alguns pontos importantes.
— Acho que seria legal esclarecermos mais
algumas coisas, a respeito do nosso “namoro” — faço
aspas no ar e aponto para ela e para mim.
— O que tem em mente? — Manuela dá um gole na
taça de água, já que nosso vinho acabou e, no momento,
só estamos esperando pela sobremesa.
— Não somos namorados de verdade, certo? — Ela
revira os olhos e assente — Como você se sente comigo
ficando com outras mulheres?
Menciono isso pensando no quanto será difícil
manter um celibato se ela disser que não se sente
confortável. Nosso acordo não inclui nada além de ações
de fachada, não acho que tenha problema ficar com
outras pessoas enquanto isso, afinal de contas, nenhum
de nós deve fidelidade ao outro.
— Completamente indiferente — Manuela responde
sem hesitar e eu respiro aliviado. — Quem precisa
manter as aparências é você. Mas… — ela pausa. — Por
conta do nosso acordo, minha vida também se tornou
pública em algum grau, então, vamos estabelecer uma
nova cláusula: você pode sair com quem quiser, eu
também, desde que nós sejamos discretos, não quero
que, além de ser uma namorada de mentira, eu também
ganhe o rótulo de mulher traída.
— Sem dúvida — concordo com ela. — Acho que é
de comum acordo então que, para todos os efeitos,
namoramos na frente de quem precisarmos fingir, mas
mantemos nossa vida pessoal e amorosa de forma
discreta — ela assente e eu completo. — Para sermos
ainda mais transparentes, o que acha de falarmos
quando formos encontrar alguém?
— Por mim tudo bem — ela dá de ombros.
— Então, só pra deixar claro, vou encontrar uma
pessoa quando sair daqui.
— Tudo bem — ela responde mais uma vez.
“Obrigada, Deus”, agradeço mentalmente e penso
na mensagem no meu celular que ainda não abri, mas
que, neste momento, indiretamente ganhou uma
resposta. Manuela é uma pessoa difícil de lidar, mas
percebo que tudo depende da transparência.
Essa noite realmente pode ser considerada um
sucesso, penso comigo e decido que, por hora,
precisamos alinhar só mais um detalhe.
— E tem só uma última coisa que vai ser legal
estabelecermos desde já — começo a falar e Manuela me
olha atenta — precisamos definir uma história sobre
como nos conhecemos. Se a foto que tiraram hoje sair no
jornal, eu devo começar a responder perguntas sobre
isso logo, e é bom que esteja tudo alinhado entre nós —
passo a mão pelos cabelos e continuo a falar — o que
acha de mencionar que nos conhecemos no café, e aí
você anotou seu número no meu copo de café? É
simples, romântica, você estava caidinha por mim e aí
nós começamos a sair…
— Por que eu é quem tenho que correr atrás de
você e não o contrário? — Manuela cruza os braços e
cerra os olhos em minha direção. — E se, ao invés disso,
você passou a frequentar o café mais vezes por minha
causa e ficou semanas me chamando para um encontro?
— Ela pergunta e sinto o tom de desafio em sua voz.
— Bom, se formos por essa linha, para realmente
parecer real, agradável como você sempre é — ressalto
essa parte carregado de ironia e vejo ela fechar ainda
mais a expressão. — Depois de muito pedir, você aceitou
meu convite e então, percebeu que estava apenas se
enganando, porque, na verdade, você queria e muito sair
comigo.
— Claro que eu queria — ela desdenha. — Foi
nesse momento também que eu percebi que não havia
mais nada no mundo que eu quisesse fazer além de sair
com você. Porque, afinal de contas, você é irresistível, é
impossível dizer não.
Teimosa, perspicaz e um poço de ironia. Essa é a
terceira característica que anoto mentalmente a respeito
de Manuela.
— E agora, você está terrivelmente apaixonada por
mim — complemento, mostrando a ela que também sei
ser irônico.
— E você por mim — rebate.
— E no sábado, você vai usar uma camiseta minha
e gritar para toda a arena ouvir que eu sou o jogador
mais gostoso de toda a face da terra — jogo uma
piscadinha na direção dela e, quando Manuela demora
para responder, sei que não encontrou uma resposta
esperta.
Um a zero para Nathan LeBlanc.
— Não vou usar sua camiseta no sábado. Não
estamos na escola ou na faculdade onde é descolado
exibir a camiseta do namorado por aí.
— Todas as esposas e namoradas dos caras usam,
é quase uma tradição — explico, mostrando que não tirei
a ideia da minha cabeça.
— Não vou ser esse tipo de namorada, até porque,
eu não sou sua namorada — ela completa.
— Na verdade — me inclino mais em sua direção,
repousando o rosto na mão direita — você é sim.
— Não de verdade, é um namoro falso.
— Vou levar a camiseta para você essa semana —
encosto na cadeira novamente e cruzo os braços sobre o
peito.
— Não vou usar, Nathan — ela responde séria.
— Vou deixar com você de qualquer jeito, Manuela,
até porque, essa é uma ótima desculpa para ver minha
amada namorada. — Respondo, dando a conversa por
finalizada.
Ela revira os olhos, mas não consegue evitar que
uma risada breve escape de seus lábios. Nossa discussão
boba não prossegue porque o atendente vem até nossa
mesa e nos entrega nossa sobremesa.
E quando ela não retoma o assunto, fico feliz em
perceber que na nossa briga boba, eu pontuei
novamente.

— Obrigado pelo jantar — o silêncio no carro é


quebrado quando paramos em frente ao apartamento de
Manuela e eu a agradeço — E não se preocupe quanto a
nada do apartamento, se precisar ou quiser furar as
paredes, pintar, colocar quadros, o que quiser. Sinta-se
em casa, ela é sua.
— Certo — ela tem os olhos voltados para baixo, e
parece ponderar as palavras enquanto mexe no anel que
usa no dedo médio. — Obrigada por hoje também, com a
ajuda na mudança e… Bem, com isso — Manuela faz
uma pausa e desafivelar o cinto, apontando para a
entrada do prédio. — Espero que essa maluquice
funcione pra você, deve ser um saco ter um monte de
gente cuidando da sua vida pessoal. Senti um leve
gostinho disso hoje.
— É, tem seus pontos positivos e negativos, como
qualquer coisa na vida. Mas, me diga, preparada para
aparecer nos tabloides suecos? — Pergunto, tirando sarro
da situação.
— Não parei para pensar nisso ainda — Manuela
revira os olhos, sua marca registrada até o momento, e
abre a porta do carro. — Até mais.
— Mando as informações do jogo para você por
mensagem, ok? Caso eu não consiga te ver antes —
digo, quando ela desce do carro.
— Combinado.
Manuela acena brevemente com a mão e logo se
vira na direção da entrada, fechando o sobretudo para
evitar o vento gelado.
Espero ela entrar e quando isso acontece, dou
partida novamente no carro e bato algumas vezes na tela
do computador de bordo, realizando uma ligação. O
número toca duas vezes até que uma voz aveludada
atenda.
— Oi, gostoso — Zara ronrona nos alto falantes e
meu corpo entra em alerta.
— Já está sem roupa me esperando? — Pergunto
com a voz levemente sensual.
— Só a calcinha, estou esperando você vir tirá-la…
E ela é tão fina, Nathan — ela fala meu nome como se já
estivesse gemendo.
Meu pau acorda no mesmo instante.
— Chego em quinze minutos.

É quinta-feira e nós estamos nos aquecendo para o


jogo, a playlist da arena, como sempre são clássicos do
rock e eu pareço ser o único que tem minimamente os
ânimos controlados. O time que vamos enfrentar é um
dos maiores vencedores do campeonato sueco e um rival
de respeito. Mas eu estou confiante, temos treinado e
nos dedicado muito, esse jogo é nosso.
Alguns jogadores do Älg cumprimentam colegas do
outro time durante o aquecimento e retribuo breves
acenos. Antes de sairmos do rinque, fazemos alguns
disparos do disco para o gol e depois voltamos para o
vestiário momentaneamente, para voltarmos para a
arena. Estamos fora de casa e por isso, toda a pompa
para nos receber não existe, nós entramos apenas pela
pequena porta de acrílico do banco com as vaias da
torcida adversária nos recebendo, jogar fora de casa é
intimidante, mas eu estou com sangue nos olhos, nós
vamos vencer a partida.
O jogo é extremamente disputado e logo nos
primeiros minutos, nós tomamos um gol. Se antes eu
estava focado, neste momento, nada mais ao meu redor
existe, só o disco, o gelo e minha sede de marcar um gol.
Deslizo pelo gelo e não ligo de empurrar alguns
jogadores para disputar o disco, hockey é um jogo de
contato e ninguém aqui está para brincadeira. Roubo o
disco em um ataque do time adversário e disparo na
direção do gol, estou próximo do acrílico e sou
surpreendido quando um lateral direita do outro time me
prensa tão forte que dou uma cabeçada com tudo no
acrílico bem na frente do narrador.
— Vai se foder! — respondo a ele enquanto tento
recuperar a posse do disco.
Não dá certo, eu perco e ele avança para nossa
área. Olho para nosso central rapidamente e com um
aceno, ele sabe exatamente o que fazer. Nós dois
trabalhamos bem juntos e ele corre para caralho pelo
gelo. O jogo fica ainda mais pegado depois disso, mas dá
resultado. Dou assistência para uma jogada e o primeiro
gol do Älg é marcado pelo nosso lateral esquerdo, em um
momento de distração do goleiro. Depois disso, a maioria
das jogadas do primeiro tempo acontecem em nossa
área de ataque, o que é ótimo para nós.
Fico bravo quando o juiz me coloca na geladeira
por dois minutos porque todo tempo dentro do rinque é
fundamental, continuo assistindo as jogadas e
angustiado por poder entrar novamente e ajudar o time.
A raiva é tanta que, faltando dez segundos para minha
punição acabar, eu já estou de pé. Quando sou liberado,
saio deslizando rápido pelo rinque e roubo o disco de
uma jogador adversário com maestria, domino o disco
entre o taco e o patins e nosso central me ajuda na
jogada. Eu encontro uma brecha perfeita e disparo o
disco no canto direito do gol, o goleiro não tem chance e
nós marcamos nos segundos finais do primeiro tempo.
Saio comemorando o primeiro tempo e isso é só
uma prévia dos outros dois, quando marcamos os outros
três gols e saímos vencedores da partida jogando fora de
casa. É um grande dia.
Eu atendo a imprensa, que me elogia pelo
desempenho e pergunta o que vou fazer para
comemorar a vitória. Odeio essa pergunta, porque eu
costumava responder com um sorrisinho nos lábios e
deixar subtendido que iria farrear. Mas, agora, eu estou
esperto e tenho uma namorada de mentira para
“honrar”. E é por isso que quando o jornalista aguarda a
resposta, eu não dou o que ele quer.
— Vou descansar no hotel e comemorar a vitória
ouvindo a voz da minha namorada ao telefone.
Ele me olha surpreso e eu me despeço com um
meio sorriso, satisfeito por ter tido uma ideia genial de
assumir um namoro de mentira. Não vejo a hora de
Manuela assistir a um jogo, vai ser incrível ver todos de
queixo caído.
— Falta muito tempo para o sábado? — Mahara
exclama depois de pegarmos um café para a viagem. —
Não vejo a hora! Já comentei que esse é o melhor
programa que vamos fazer desde que nos conhecemos?
Desde que eu a chamei para ir comigo no jogo,
esse é o assunto mais frequente entre nós, tanto
presencialmente quanto por mensagem. Primeiro, eu tive
que acalmá-la em relação a mim e Nathan, porque, como
boa romântica que é, Mahara começou a criar teorias de
que o namoro de mentira seria o pivô para que Nathan e
eu nos apaixonássemos. E não há a menor chance de
algo entre nós acontecer, ele pode ser alguém legal, mas
isso não muda o fato de que não nos conhecemos. E de
que não estou em busca de um relacionamento.
Quando entendeu esse ponto, Mahara mudou o
foco de sua empolgação para o jogo de sábado, e desde
então, ela está a semana toda me enviando matérias,
notícias e tudo o que ela considera importante para que
eu entenda o esporte e vá para o jogo preparada.
— Mah, você poderia ao menos disfarçar sua clara
preferência pelo Nathan, não é? — Afasto os cabelos do
rosto por conta do vento e dou um gole no meu café.
— Não prefiro ele — viro meu rosto em sua direção
e Mahara cede. — Tá, não é bem uma preferência, mas é
que… Qual é, Manu? Ele joga no time que eu torço, é
lindo, simpático… Aliás, você leu a matéria que te enviei
falando sobre as estatísticas dele?
— Não, mas vou ler — minto descaradamente.
— Não vai, não é?
— Quero guardar surpresa para sábado — minto
novamente e Mahara balança a cabeça em negação, mas
dá uma risadinha discreta.
Não tenho o menor interesse em hockey, não por
nada, respeito o esporte e etc., mas… Qual é? Eu sou
latino-americana, o futebol está nas nossas veias.
Algumas pessoas podem até não gostar, não torcer para
nenhum time em específico, mas todo mundo tem
contato com futebol em algum momento da vida, ou tem
alguma memória afetiva com jogos de Copa do Mundo.
Um esporte em que as pessoas jogam com um taco
e patinam sobre o gelo correndo atrás de um disco?
Admiro o esforço, mas não me empolga muito.
— Bom, você pode até esperar o sábado para
entender o jogo, mas não vai precisar esperar muito
tempo para ver Nathan — Mahara comenta e aponta na
direção da porta da faculdade. Demoro alguns segundos
para reconhecer que a figura parada em um sedan preto
é ele. Quando me vê, ele acena discretamente e juro que
consigo ouvir um gritinho empolgado de Mahara ao meu
lado.
O clima está frio, mas Nathan não está envolto por
várias blusas, os cabelos estão soltos e penteados para
trás e ele está usando um conjunto de moletom, deve ter
acabado de vir do treino.
— O que faz aqui? — pergunto assim que Mahara e
eu nos aproximamos dele.
— Oi, para você também. Oi, Mah — ele saúda a
mim e minha amiga, que sorri animada. — Vim oferecer
uma carona, estava por perto e pensei, por que não? —
Nathan olha rapidamente para o lado esquerdo, e noto
algumas pessoas nos observando. — Se quiser, podemos
almoçar juntos, que tal? — Pergunta, enquanto estica a
mão para tocar a minha.
Olho de relance para ver o grupo atento a nós e
aceito sua mão, porque esse é um dos momentos em
que precisamos fingir.
— Não consigo almoçar porque preciso ir para o
trabalho, mas a carona me parece boa — entrelaço meus
dedos em sua mão e dou um leve aperto.
Nathan sorri e numa linguagem não dita, eu
demonstro a ele que compreendi sua ação e que o modo
“fingimento” está ativado. Mahara, que também faz
parte dessa mentira, nos observa atenta.
— Sem problemas, levar você está de bom
tamanho.
— Mah, você vem conosco? — Eu pergunto a ela,
mas também faço um pedido, para que eu não tenha que
ir sozinha. Graças a Deus, ela entende.
— Claro.
O grupo que outrora nos olhava, volta a caminhar e
quando somem de vista, Nathan e eu soltamos nossas
mãos.
— Obrigado — ele sussurra e eu assinto. — Vamos
nessa?
Mahara e eu concordamos e Nathan destrava o
carro. Minha amiga vai no banco do passageiro e eu
assumo o lugar de copiloto. O carro dele Nathan tem
cheiro de hortelã e algo a mais, é fresco e agradável.
Ele dá partida e o rádio embala nosso caminho
durante alguns segundos, até que Nathan quebra o
silêncio no carro.
— Animadas para o jogo no sábado? — Pergunta,
olhando brevemente para mim e pelo retrovisor para
minha amiga.
— Muito!
— Aham, claro.
A diferença na empolgação com a qual Mahara e
eu respondemos faz com que nós três comecemos a rir.
— Estou tentando ensiná-la sobre o jogo até lá,
Nathan, mas ela não ajuda — explica Mah para ele.
— Obrigado por tentar, Mahara — ele agradece e
prossegue. — Isso me lembra uma coisa — Nathan ergue
o braço e aponta para o banco. — Você pode pegar essa
sacola no chão?
Ouço quando minha amiga diz “claro” e se abaixa
para pegar algo, o barulho de uma sacola de papel
ressoa ao meu ouvido e Nathan pede que ela me
entregue. A sacola azul tem o nome e o logo do alce do
time Stockholm Älg e eu não preciso pensar muito sobre
o conteúdo.
— Achei que tinha deixado claro que não ia usar —
começo a falar enquanto retiro a camiseta grande de
dentro da sacola.
— Achei que tinha deixado claro que ia trazer para
você de qualquer jeito — ele tem as duas mãos no
volante, mas vejo um lampejo de riso de seus lábios. —
Ela é nova, fiz questão de ir pessoalmente na loja do
estádio comprar.
— Por que você não quer usar? — Mahara, que
estava em silêncio, pergunta para mim, se esticando um
pouco no banco para olhar. — Além de ser uma camiseta
linda, ela tem cores neutras, é azul e cinza, vai combinar
com seu armário monocromático.
— Viu? Não tem por que não usar — Nathan
concorda com Mahara e desvia o olhar rapidamente para
mim.
— Não vou usar sua camiseta, Nathan, seja ela sua
mesmo ou nova.
— Mahara, me ajuda aqui — ele suplica depois de
deixar um suspiro no ar.
— Fica tranquilo, ela vai usar — minha amiga
garante e eu viro rapidamente para ela.
— Eu não vou usar — digo séria — Podem
esquecer.
Mahara assume o caminho para nos levar até os
nossos lugares reservados.
Lugares reservados para familiares e amigos, na
arena de jogo do time de Nathan. Meu namorado, para
todos os efeitos. O cara que, neste momento, tem o
sobrenome estampado na camiseta que estou usando.
Não acredito que estou me prestando a esse
papel.
Me sinto levemente patética, fora que, neste
momento, vejo alguns olhares voltados para mim e para
Mahara, somos um ponto de destaque no meio de toda
essa multidão. Fora isso, estou entregando quem eu sou.
A ideia de ir ao jogo era apenas cumprir o "protocolo" e
não chamar toda essa atenção, mas agora, a cada passo
que dou, sinto que estou esfregando na cara das pessoas
quem sou, dando margem para que elas me notem.
Quando você é estranha em um lugar, quanto mais
discreta você for, melhor é. Usar uma camiseta com
LeBlanc nas costas é algo bem distante do contexto
discreto que eu conheço.
— Aqui. São esses — Mahara aponta para a fileira
com duas cadeiras enormes, pertencentes à área vip da
arena.
— Finalmente — exclamo, depois de pedir licença
algumas vezes e me sentar. — Pelo menos as cadeiras
são confortáveis, parece que estou sendo abraçada —
me aconchego mais e Mah dá risada.
— Você está tendo uma experiência bem melhor do
que a minha, no meu primeiro jogo. Meu pai não
conseguiu comprar bons lugares, e nós ficamos ali em
cima — ela aponta para a parte mais alta da arena, no
canto direito. — Dava para ver bem, mas ficamos
sentados no concreto, porque não tinha mais cadeiras.
— E a sua mãe? — pergunto. — Ela não costuma vir
com vocês?
— Não, mamãe não curte muito… — Mahara não
fala muito da mãe, mas eu respeito isso.
Ela mexe no celular e eu aproveito esse momento
para olhar para a arena e observar o movimento. O time
adversário tem alguns poucos torcedores acumulados em
uma área reservada, eles se destacam porque, diferente
do time de Nathan, as cores deles são vermelho, branco
e verde. O símbolo do time é um índio, e faço uma nota
mental para tentar descobrir depois porquê e continuo a
observar.
A arena está iluminada e há um narrador falando
algumas coisas sobre patrocinadores, enquanto vídeos
são projetados nos telões que ficam bem no alto da
arena.
O mascote do Älg entra na arena patinando e vejo
as crianças animadas. Não consigo evitar de pensar que
o símbolo do time se parece exatamente com o alce de
um clipe do Gorillaz, comentei uma vez com Mahara,
mas ela não fazia ideia do que eu estava falando.
— Com licença, senhorita? — um rapaz me chama
e eu me viro para olhá-lo. — Meu nome é Michael, sou o
empresário de Nathan — ele estende a mão e eu a
aceito. — Manuela, certo? E você deve ser Mahara.
— Sim, somos nós. — Confirmo.
— Fico feliz que tenham vindo, se precisarem de
algo, estarei algumas cadeiras atrás — ele aponta para
as fileiras além de nós e prossegue. — Só vim me
apresentar e dizer que vocês podem ficar à vontade. Há
alguns garçons que podem trazer o que vocês quiserem
beber, ok?
— Claro, obrigada — agradeço e o homem dá um
sorriso gentil.
— E Srta. González — ele me chama e se aproxima
um pouco mais de mim, para falar ao meu pé do ouvido.
— Obrigado por ajudar o Nathan, tem sido dias mais
fáceis de contornar…
— Fico feliz em saber disso — respondo de forma
polida.
— Aproveitem o jogo. Ah! — Ele exclama. —
Quando a partida acabar, vá até o corredor — ele aponta
para a extremidade esquerda — as namoradas, esposas
e familiares encontram os jogadores no túnel. É onde a
imprensa faz suas breves entrevistas…
A essa altura do campeonato, sei exatamente
porque ele está falando isso. A camiseta do time, minha
ida ao jogo, encontrar Nathan no túnel, tudo isso ajuda
na reconstrução da imagem dele.
Balanço a cabeça para ele, para confirmar que
entendi e ele se despede de nós. Mahara acena de forma
gentil para ele e nós duas nos encostamos um pouco
mais nas cadeiras, estamos em silêncio, e com isso,
consigo notar mais uma vez os olhares em nossa direção.
Noto que Mahara também percebe, e não consigo evitar
de pensar no que estão falando de nós entre si.
— Temos cinco minutos antes do jogo começar —
Mahara me cutuca nos ombros. — Quer beber algo?
— Com certeza!
Mahara e eu tomamos um tempo procurando uma
das pessoas que estão cuidando do atendimento nessa
área e, quando o encontramos, dois copos generosos de
cerveja são colocados em nossas mãos sem nenhuma
dificuldade. Pelo menos nessa parte, vai ser algo fácil de
se acostumar, essas regalias.
O narrador anuncia a entrada dos times e a torcida,
que antes já estava animada, aumenta
exponencialmente os gritos de incentivo. O time
adversário, o Frölunda, entra na arena e as vaias
começam. Todos à minha frente se levantam e Mahara
também.
— Ninguém vê hockey sentado, amiga — ela me
explica. — Vem.
Com a mão estendida em minha direção, tomo a
de Mahara e me levanto, juntamente com meu copo de
cerveja. Não há um espaço vazio na arena e se torna
ensurdecedor ouvir qualquer coisa quando o narrador
começa a anunciar a entrada do time do Älg.
Em segundos, as bandeiras são erguidas e ouço o
bumbo, tão característico de torcidas organizadas,
começar a tocar. Por essa eu não estava esperando, os
jogadores entram por um túnel inflável com a cabeça do
alce, símbolo do time, há fogos de artifício sendo
disparados, é um show e tanto. E fico ainda mais
surpresa ao ver que, muito próximo a nós, a torcida do
time de Nathan ganha fôlego e começa a cantar músicas
de incentivo ao time.
É incrível.
Meu rosto deve transparecer minha surpresa,
porque Mahara se aproxima do meu ouvido para falar
comigo.
— Eu te disse que nós, suecos, levamos o esporte a
sério.
Ao terminar de falar, o time do Älg começa a de
fato entrar e Mahara grita alto junto com a torcida. Bato
palmas e procuro Nathan no gelo, reconheço seu número
quando o narrador o anuncia, mas quase não vejo seu
rosto por conta do capacete que usa.
— Vai começar — minha amiga me avisa.
Um dos juízes se posiciona no centro e vejo que ele
tem a mão fechada, deve estar segurando o disco.
Dura segundos o momento: o apito ressoa, ele
solta o discos e a torcida começa a gritar ainda mais
alto.
O jogo começa.

Estou pagando minha língua.


É só nisso que consigo pensar depois de dois
tempos decorridos. Não entendo o jogo ainda, Mahara
não teve tempo de me explicar, por exemplo, porque
eles trocam de jogadores do nada, o que justifica uma
falta, porque alguns jogadores ficam sentados no banco e
depois podem voltar.
Não estou entendendo nada, mas grito como se eu
fosse uma torcedora assídua assim como Mahara. É
empolgante, disso não posso reclamar. Além do fato de
que é impossível ver o disco, ele se move muito rápido e
os jogadores voam na arena. E Nathan realmente joga
bem.
Quero dizer, tenho que dar o braço a torcer, ele é
um monstro. O time só está ganhando por causa dele,
toda vez que o disco para em seu taco, ele pontua, é…
Impressionante. O juiz apita e há apenas mais um tempo
de jogo, eu me sento um pouco e Mahara me
acompanha, sem perder a chance de tirar com a minha
cara.
— O que foi que você me disse no começo da
semana? — Ela coloca o dedo no queixo e mexe o rosto
de um lado para o outro. — Ah, é. Que o hockey parecia
ser um jogo “parado”... Parece que a opinião de alguém
mudou, não é mesmo?
— Eu fui surpreendida, ok? — Dou de ombros. —
Vim esperando o pior, mas… é legalzinho.
— Você não dá mesmo o braço a torcer — Mahara
balança a cabeça em negação e dá risada.
A arena está iluminada e há um repórter que fala
com alguns torcedores durante o intervalo, assisto ele
conversar com um jovem torcedor empolgado e
enquanto aguardamos o retorno da partida, mexo no
meu celular brevemente. Pelo canto dos olhos, noto
quando as pessoas começam a olhar na minha direção,
me viro e vejo que todas sorriem para mim.
— Mah, o que…
Minha amiga está rindo disfarçadamente e aponta
para o telão. E quando ergo os olhos, endireito a postura
e tento conter minha feição de surpresa. A câmera está
focada em mim e a legenda embaixo declara para todo
mundo presente na arena a meu respeito. “A garota de
ouro de LeBlanc”.
— Eu vou matar ele — eu falo baixo, quase sem
mover os lábios e Mahara ri ainda mais.
— Sorria e acene, Manu — minha amiga fala ao
meu lado e acena olhando para o telão. — Vem, eu faço
com você.
Nós duas aparecemos no grande telão da arena e
todos os presentes nos aplaudem. Ouço alguns
comentários em sueco e agradeço por não entender o
que estão dizendo. Neste momento, é uma dádiva não
entender essa língua e não consigo deixar de rir da
ironia.
Por sorte, não dura muito tempo minha aparição,
porque os times se posicionam novamente para entrar
no ringue.
Nathan não voltou os olhos em nenhum momento
para o lugar onde estou, ele está completamente focado
no jogo e admiro isso, não preciso conhecê-lo a fundo
para saber que o hockey é o ar que ele respira, é seu
trabalho, mas também é sua paixão, ele dá tudo de si, é
notável.
E isso só se confirma quando o juiz apita o início do
último tempo e Nathan marca mais dois gols. O placar
finaliza com seis a dois e Mahara está em êxtase.
Segundo o que ela conseguiu me falar nos momentos em
que não estava gritando loucamente, o time com o qual
os Älgs jogaram hoje é um dos mais fortes, uma vitória
contra eles é motivo de sobra para comemorar.
Quando o jogo de fato acaba, vejo os jogadores do
Älg patinarem na direção da torcida organizada e eles
vão batendo o taco no gelo, a galera vai ao delírio e não
consigo conter o sorriso. É bonito que todas essas
pessoas podem não se conhecer, mas algo as une de
alguma forma: o amor que tem pelo time. É uma
conexão incrível.
— Anda, vamos até o túnel — Mahara me cutuca,
me impulsiona para a frente e eu começo a andar.
Sigo o caminho em direção ao túnel e noto
algumas crianças e mulheres indo para o mesmo lugar
que eu, devem ser as esposas e namoradas do caras do
time. Nathan não mentiu quando disse que todas elas
usam a camiseta dos companheiros.
Um segurança olha para mim e para Mahara e eu
já me preparo para mostrar minha identidade a ele, mas,
diferente disso, ele dá um aceno discreto de cabeça e um
meio sorriso.
Continuamos a seguir pelo túnel e não demora
muito para que eu encontre Nathan em volta de várias
câmeras e jornalistas, o amontoado de pessoas a sua
volta só cresce, mas também noto que outros jogadores
estão dando entrevistas.
Ele vira a cabeça em minha direção e seu rosto se
expande em um sorriso enorme. Me lembro de suas
palavras sobre tentar agir naturalmente e estico os lábios
em um meio sorriso. Não consigo ouvir muito bem o que
ele diz para os jornalistas porque o barulho é grande,
mas vejo quando o caminho se abre para ele e Nathan,
ainda com os patins, começa a andar na minha direção.
Percebo que ele caminha de certa forma devagar e
reparo mais em sua expressão, ele continua sorrindo,
mas parece cauteloso ao mesmo tempo, os cabelos
estão grudados em sua testa por conta do suor e quando
finalmente nos encontramos, ele quase não move os
lábios, mas consigo entender o que ele fala.
— Por favor, não surta.
Eu mal processo suas palavras quando sinto seu
braço direito me segurar pela cintura com uma facilidade
absurda, ao mesmo tempo em que ele me ergue um
pouco mais em sua direção, dado a nossa diferença de
altura e sela os nossos lábios.
É um breve roçar de lábios, mas as câmeras logo
começam a disparar flashes em nossa direção.
Quando ele desgruda, fala bem próximo a mim:
— Me espera lá fora?
E eu assinto, como a boa namorada de mentira que
eu sou.
Uma hora ou outra, você aprende a lidar com
derrotas, principalmente quando você é jogador, faz
parte de um time ter ciência de que não depende só de
você para que o resultado desejado seja alcançado. Mas
tem algo que é muito mais fácil de se acostumar: às
vitórias.
E na noite de hoje eu ganhei em todos os
aspectos.
Marquei a maioria dos pontos do jogo, não precisei
encher nenhum jogador do time adversário de porrada e
ganhei sorrisos de todo mundo do time. Termino de me
trocar no vestiário, borrifo um pouco de perfume e
enquanto guardo as coisas, nosso guarda-rede, Peter
Gotlander, abre seu armário e começa a conversar
comigo.
— Belo jogo hoje, LeBlanc, quase não precisei me
preocupar em defender o gol, eles não tiveram a menor
chance.
— Valeu, cara. Que todos os jogos sejam assim de
agora em diante — comento com um risinho nos lábios.
— Fiquei feliz em ver você com uma garota.
Manuela o nome, não é? — Ele comenta e eu concordo
com um aceno. — Ela é linda, com todo o respeito.
— Devo avisar sua esposa a respeito de você estar
de olho na minha garota? — Brinco com ele porque
Helen, sua esposa, é uma das pessoas mais doces que já
conheci desde que cheguei ao time.
— Por favor, nem ouse dizer algo do tipo para ela
— ele comenta com um tom de súplica e juntos rimos
porque, numa das vezes em que jantei na casa dele,
Helen demonstrou o quanto é ciumenta. Disse que não
via a hora que eu encontrasse alguém para me colocar
na linha.
— Fique tranquilo, esse será um segredo nosso —
pisco para ele e termino de recolher minhas roupas. — Se
não se importa, vou indo nessa, preciso encontrar
Manuela.
— Vamos marcar para vocês dois jantarem
conosco, tenho certeza que Helen vai adorar conhecê-la.
— Claro, só falar uma data — sorrio para ele em
resposta.
Me despeço de Peter e vou caminhando pelo
vestiário cumprimentando os demais jogadores. O
técnico me parabeniza mais uma vez pelo meu
desempenho e eu agradeço a ele, não consigo esconder
o sorriso largo do rosto, hoje está sendo um ótimo dia.
Encontro Michael, meu empresário, na saída do
vestiário e paro rapidamente para falar com ele.
— Achei que já estivesse em casa — comento
brincalhão. — Não quero Blenda dizendo que estou
fazendo você trabalhar demais.
É impressionante como as mulheres adoram brigar
comigo por qualquer motivo que seja.
— Só esperei você sair para alertar que você deve
encontrar mais alguns repórteres agora do lado de fora
— assinto e ele prossegue. — Eles estão agitados por
conta da Manuela, querem falar sobre o jogo, mas
também conhecer e saber mais a respeito dela. Fechei
um acordo com a maioria deles para não a perturbar no
ambiente de trabalho, dar a devida privacidade a vocês,
mas em troca, precisamos dar algumas coisas a eles.
— Sem problemas, Mick — afago o ombro do meu
empresário. — Temos uma história sólida, ela já está
entendendo bem como as coisas funcionam, vai dar tudo
certo.
— Quem diria que esse seu plano maluco daria
certo, garoto — Mick sempre me chama de garoto
porque, para ele, eu tenho idade para ser seu filho. Não
deixa de ser verdade, mas ele não chegou aos cinquenta
anos, é uma piada nossa de toda forma. — Se cuida, ok?
E vê se descansa, ouviu? Pessoas que namoram
descansam — ele pisca para mim e entendo o que ele
quer dizer nas entrelinhas.
Seja discreto.
Balanço a cabeça em sinal de afirmação e vou em
direção à saída da arena. Pedi que Manuela me
esperasse perto do meu carro, depois do nosso momento
em frente às câmeras, e tentei ser o mais rápido que
pude no banho para não deixar que ela esperasse tanto
tempo sozinha.
Ao sair do estádio, os jornalistas me param mais
uma vez, mas eu os corto brevemente, respondo apenas
coisas sobre a partida da noite e digo que preciso ir para
casa. Apesar de a imprensa ser bem chata quando quer,
de uma coisa não posso reclamar, eles sabem respeitar o
espaço pessoal, pelo menos na maioria das vezes. Os
paparazzis existem, a imprensa sensacionalista também,
mas nenhum deles força a barra de forma muito
invasiva, eles respeitam o mínimo de espaço.
Depois de passar por eles, continuo a caminhar em
direção ao estacionamento, só há carros dos meus
colegas de time, são poucos e eu não demoro para
reconhecer Manuela parada em frente ao meu. Ao seu
lado, há outra figura parada e reconheço a amiga dela,
Mahara, que é sempre muito gentil comigo.
— Desculpa a demora, dei meu melhor para sair
logo — comento quando chego próximo às duas.
— Tudo bem, aproveitamos o tempo para conversar
um pouco — Manuela responde e vejo que ela tem o
rosto todo coberto por conta do frio, só consigo
reconhecê-la por conta dos olhos.
— Belo jogo, Nate — Mahara me cumprimenta e
vejo a alegria estampada em seu rosto. — Meu pai está
vibrando em casa, não para de ligar para o meu tio para
tirar com a cara dele por conta do Frölunda.
— Traga o seu pai na próxima vez, vou adorar
conhecê-lo — sou sincero ao dizer isso porque Mahara é
uma mulher muito legal, e adoro o fato dela ser
torcedora do time. — Mas, e aí, o que achou do jogo? —
Direciono a pergunta a Manuela.
— É… legalzinho — ela responde com desdém.
— Legalzinho? — Mahara cruza os braços e se vira
na minha direção. — Adicione a sua definição de
legalzinho, Nathan, pular, gritar e xingar o juiz em
espanhol. Ninguém entendeu nada do que ela estava
falando.
— É mesmo, Mah? — Cruzo os braços e seguro a
risada que está presa em meus lábios. — Bom saber que
o hockey é esse tédio todo para você, Manuela.
— Díos mio! — Manuela exclama. Da primeira vez
que ouvi essa frase, eu não fazia ideia do que significava,
mas joguei no Google e descobri seu significado. — O
que foi que eu fiz de tão errado para merecer vocês dois
me enchendo o saco?
— Também amo você — Mahara abraça a amiga de
lado e volta a falar comigo. — E, apesar de adorar ficar
aqui conversando com vocês, preciso ir para casa.
— Tem certeza, não quer fazer algo agora? —
Manuela pergunta à amiga.
— Preciso ir para casa, minha mãe… Sabe como
é…
Manuela mexe a cabeça em concordância e
percebo que há algum contexto que não entendo e que
não tenho conhecimento e deixo para lá. Pergunto se
Mahara não quer uma carona, mas ela diz que ainda
consegue pegar o metrô para casa, e logo, se despede
de nós dois, deixando a mim e Manuela sozinhos no
estacionamento.
— Quer dizer então que o hockey não é tão chato
assim? — Retomo o assunto e vejo ela remover o rosto
do cachecol e dar uma breve risada.
— Tolerável eu diria, vou tentar dar mais uma
chance — ela dá um sorriso breve e não deixo de sorrir
também. — Eu só acho engraçado o mascote de vocês.
Provavelmente você não saiba ou conheça, mas tem um
clipe do Gorillaz, uma banda que eu gosto bastante por
sinal, que tem uma música…
— 19-2000, o alce! — Exclamo e vejo que os olhos
dela se arregalaram. — O alce do time é igualzinho ao do
clipe.
— Meu Deus, exatamente! Eu comentei isso com a
Mahara uma vez e ela não fazia ideia sobre o que eu
estava falando.
— Acho que nosso gosto musical é mais parecido
do que imaginávamos — faço essa observação, tão
empolgado quanto ela por ver que mais alguém pensou a
mesma coisa que eu.
Ficamos alguns instantes em silêncio e me dou
conta de que ter a companhia de Manuela não seria de
todo ruim. Seria bom porque eu poderia ficar tranquilo,
manteríamos as aparências e além disso, hoje ela parece
mais receptiva a conversar. Já que preciso ser discreto,
nada melhor do que sair com minha namorada.
— Está com fome? — Pergunto a ela. — Podemos
jantar em algum lugar, ir em algum bar…
— Mais imprensa? — Ela questiona e vejo que,
tanto ela quanto eu não queremos a atenção voltada
para nós.
Meu comportamento depois dos jogos varia, ou eu
vou para alguma balada e aproveito, ou vou direto para
casa, são dois opostos completos. Lembro das palavras
de Michael, sobre ser discreto, seria bom conseguir fugir
de atenção excessiva.
— Eu daria tudo para evitar a imprensa, sei que
eles não vão abusar muito, mas ainda assim, é difícil, não
sei como seria possível.
Manuela morde o lábio e se encolhe um pouco
mais por conta do vento. Ela fica alguns segundos com a
cabeça baixa, mas logo volta a me olhar.
— Então, vamos inverter os papéis — ela pondera.
— Eu vou te levar para sair hoje, o que acha? — Manuela
ergue as sobrancelhas, em um sinal de desafio, para
aceitar sua proposta a respeito de comer em algum lugar
que ela conheça.
— Me surpreenda, Manuela.

E ela o faz.
Estou sentado numa mesa de madeira simples num
bar que está praticamente vazio, com exceção de uma
mesa com dois homens mais a lateral. O bar fica próximo
à Universidade de Estocolmo, mas diferente da agitação
que há na rua paralela a que estamos, a tranquilidade
reina aqui.
Manuela fez com que eu me sentasse assim que
entramos e, neste momento, ela está inclinada no balcão
conversando com um homem mais velho, enquanto ele
enche uma jarra grande de cerveja. Tiro minha jaqueta,
penduro ela na cadeira e observo tudo ao meu redor,
ainda impressionado com o quanto o lugar é tranquilo e
vazio.
— Prontinho — Manuela me desperta do transe
quando deposita os dois copos e a jarra na mesa. — Pedi
uma porção de homus e pão.
— Parece ótimo — comento enquanto começo a
nos servir e Manuela retira o casaco excessivamente
grande que usa, juntamente com a touca e o cachecol. A
quantidade de blusas para a estação que estamos só
prova o quanto Manuela não está acostumada com o frio.
Não consigo deixar de sorrir quando vejo a camiseta
igual à que eu usava pouco tempo atrás cobrindo seu
corpo. — Adorei a camiseta, ótimo jogador esse cara —
pisco pra ela.
— Engraçadinho — ela joga os cabelos pelas costas
e só então me dou conta do cheiro que ela emana.
Sentada à minha frente, mas ainda assim
próximos, consigo sentir um leve cheiro de flores e o
aroma de baunilha e pimenta rosa, que senti uma outra
vez, adocicado mas também suave, e que de certa forma
contrasta com a mulher séria a minha frente.
— Como você conheceu esse lugar? — Pergunto
quando ela finalmente se ajeita e dá uma golada
generosa na cerveja. — Quero dizer, ele é ótimo, mas é
tão…
— Tranquilo? — Ela completa e eu assinto. — Comi
aqui uma vez durante a semana, o dono, aquele senhor
ali — aponta discretamente para o homem que a atendia
— é judeu, e ele e a esposa cozinham como ninguém.
Mas, por conta da religião, eles não abrem durante a
sexta à noite. Só voltam a funcionar no final do sábado,
isso faz com que ninguém conheça ou venha aqui. Além
disso, como você pode ver, não é um lugar com muitos
atrativos para os jovens.
— Faz sentido — afirmo. — Ótima escolha. É como
se tivesse sido transportado para um lugar onde
ninguém me conhece — comento com um riso nos
lábios.
— E provavelmente eles não te conheçam mesmo,
o Sr. Baruc não é muito fã de esportes.
— É um prazer pessoal seu me apresentar para
pessoas que não são fãs de hockey, não é? — Brinco com
ela.
— Só um pouco — Manuela dá de ombros e para de
falar quando uma senhora simpática, que deve ser a
esposa do dono, chega até a nossa mesa e deposita um
pote grande de homus e um cesto generoso de pão.
Manuela e eu começamos a comer em silêncio e
quando nós dois soltamos um breve gemido de prazer
por conta da comida, tanto ela quanto eu começamos a
rir.
— Já dá pra dizer que temos algumas coisas em
comum — começo a falar enquanto preparo um novo
pedaço de pão para comer. — Gostamos de Gorillaz, de
homus, você está aprendendo a gostar de hockey...
Parece que estamos progredindo como casal, não acha?
— Não se iluda — ela cruza os braços e revira os
olhos — há muitas facetas para se conhecer, tanto
minhas quanto suas — Manuela desdenha.
— Vamos nos conhecer então — lanço a ideia. —
Não namoramos de verdade, mas isso não impede que a
gente saiba mais a respeito um do outro. Temos que
passar um tempo juntos mesmo, então — dou de ombros
e completo — não precisa ser algo entediante.
— E quem disse que eu quero saber mais sobre
você? — Manuela fala sério e, antes que eu fique ainda
mais chocado com sua resposta, ela começa a rir. — É
brincadeira, eu concordo. Você tem sido um cara mais
legal do que eu achava que era.
— Eu sou incrível, vai por mim — inflo o peito e dou
risada.
— Claro que é — ela assente e dá um novo gole da
cerveja. — Mas, já que estamos aqui mesmo e já que foi
você quem deu a ideia, me fale mais sobre você. Me
surpreenda — Manuela usa a mesma frase que eu antes
de sairmos do estádio e sorrio.
Ela sabe me desafiar o tempo todo e meio que
gosto disso.
Dou início a uma longa e muito proveitosa
conversa. Enquanto comemos e bebemos, conto a ela
sobre minha infância, sobre como foi crescer sendo filho
único, sobre como comecei no hockey desde muito novo.
Falo sobre a faculdade e o curso de administração, o
diploma que tenho apenas para cumprir tabela, sobre
jogar na liga universitária e assinar um contrato com um
time da CHL.
Em um dado momento, o foco muda para Manuela
e ela conta mais sobre si mesma. Enquanto minha vida
foi dedicada ao esporte, Manuela sempre focou nos
estudos. Ela explica como foi importante ela e a irmã
estudarem em faculdades públicas, fala um pouco mais
sobre a mãe e o câncer no fígado que não teve cura
devido ao estágio avançado. Fala muito sobre a sobrinha
e é perceptível o amor que ela tem pela garotinha e pela
irmã.
Quando ela começa a contar sobre sua atuação em
movimentos estudantis, não fico nem um pouco
surpreso.
— Uma jovem revolucionária! — Exclamo depois de
encher nossos copos de cerveja novamente — Não
esperaria menos de você.
— Meio que não tinha como fugir. Quando você
nasce em um país que viveu numa ditadura militar até os
anos noventa é difícil não se envolver com certas pautas.
— Ela pondera.
— É engraçado como eu ouvi falar pouco sobre isso
— observo. — Quero dizer, sei que existiu, conheço os
nomes, estudei na escola alguma coisa, mas não tive
nenhum grande contexto.
— A história dos povos colonizados nunca é mais
importante que a dos colonizadores — Manuela fala de
forma séria e com um leve sarcasmo. — Fique tranquilo,
posso te ensinar bastante coisa.
— Gosto disso. Podemos fazer essa uma nova
transação, eu te ensino sobre hockey e você sobre
política, história, movimentos sociais e basicamente
todos os outros assuntos do mundo — pisco para ela e
noto quando ela revira os olhos, mas sorri um pouco ao
ver meu interesse. — Cada um transmite o conhecimento
que tem. E você é inteligente demais para que eu não
usufrua disso — a elogio e dou sequência para outro
assunto. — Mas tem uma coisa que não falamos até
agora… — faço um breve suspense e Manuela ergue uma
das sobrancelhas — relacionamentos.
— Nada de legal para contar, só isso… sabe como
é, um namoro aqui, outro ali, namorados de mentira —
ela sorri por conta da piada e logo estamos os dois rindo.
— Não tem muito o que falar.
— Não conheceu ninguém interessante desde que
chegou aqui? — Pergunto curioso.
— Ninguém que despertasse meu interesse
genuíno — ela comenta enquanto ajeita os cabelos em
um coque na cabeça, deixando as argolas douradas que
usa em evidência. — Tive um namorado sério durante a
faculdade, achei que ia dar certo, tinha tudo para dar
certo, mas ele me traiu com uma amiga, então…
— Você fala com uma normalidade a respeito disso
— a interrompo e ressalto. — Qualquer pessoa
comentaria de forma muito mais hostil ou até mesmo
com ódio a respeito de uma traição, mas você parece tão
indiferente…
— Acho que é uma somatória de fatores — ela
ergue a mão esquerda e começa a elencar os pontos. —
Eu aceitei migalhas, achava que o fato de seguirmos na
mesma área, sermos do mesmo curso e nossas famílias
gostarem de nós dois juntos era suficiente. Quando
descobri que ele estava me traindo e não senti toda essa
raiva que você mencionou, percebi que no fundo eu não
gostava tanto dele como achava.
— Faz sentido — pondero. — Mas você não se sente
sozinha? Quero dizer, você não tem ninguém aqui até
onde eu saiba.
— É, não tenho, mas não faz sentido para mim.
Sair com qualquer pessoa, sem ter o mínimo de
interesse, só para suprir a falta de algo, entende? —
Manuela explica e eu a compreendo, porque de certa
forma, ainda que goste muito de curtir, não posso negar
que já fiz isso algumas vezes. Acho que Manuela percebe
que sua frase me atingiu de alguma forma, e por isso,
assume um tom mais leve ao falar novamente. — Mas, e
você? Do que sabemos pela imprensa, ficar sozinho não
é muito a sua praia, não é? Mulheres aos seus pés e
todas essas coisas — ela gesticula com as mãos e mostra
a língua ao mesmo tempo que revira os olhos.
— Não posso negar que gosto de me divertir,
sempre fui assim. Mas, apesar de parecer que eu tenho
uma mulher diferente a cada noite, não é bem assim. Eu
tenho… parceiras fixas, eu diria.
— Tipo aquela modelo? Zara alguma coisa? — Ela
comenta e eu estreito os olhos em sua direção.
— Então você gosta de ler coisas sobre mim? —
Brinco com ela.
— Não preciso sair por aí procurando as
informações, elas chegam até mim de uma forma ou
outra. Os jornais de TV, as revistas, Mahara… — rimos e
ela continua. — Afinal de contas, se você precisou
recorrer a uma desconhecida para se livrar das notícias,
não é como se precisasse de muito esforço para saber da
sua reputação.
— Você tem um ponto — pondero. — Mas sobre a
Zara, acho que é algo mais… carnal, sabe? Não
conversamos muito, para ser sincero.
— É uma relação de benefícios? — Conclui.
— É, meio que isso — dou um gole na cerveja e
continuo. — É bom porque ela fica em evidência nas
manchetes, é bom para o marketing ou qualquer coisa e
é bom porque somos bons na cama.
— Uh! Detalhes demais — Manuela balança as
mãos na frente do rosto. — Ainda assim, me parece
meio…
— Vazio — eu completo — e de fato é. Acho que
sinto muita falta de amigos, de ter com quem sair. Sinto
falta do Dave, mas nunca diga isso a ele — ela ri um
pouco, mas vejo que ela me observa de forma atenta. —
Sinto falta dos meus pais, mesmo que eles sejam mais
fechados, falta da familiaridade de tudo…
— Eu que o diga — Manuela comenta enquanto
segura o copo de cerveja perto do rosto. — Toda vez que
encontro algum desconhecido que seja falando espanhol,
não consigo evitar de sorrir. É um ambiente
completamente diferente estar aqui, as pessoas, a forma
como as coisas funcionam, ainda hoje, a depender do
que vou fazer, me deparo com alguma novidade. Isso
sem falar do clima.
— Você sofre com isso, não é? — Rio da cara de
desespero que Manuela tem no rosto ao falar do frio. —
Em Santiago não neva ou coisa assim? Achei que você
estaria acostumada.
— Vai por mim, é completamente diferente. Sério,
de onde vem o frio desse lugar? — Ela brinca. — Mas, eu
entendo o que você quer dizer. E apesar de não
concordar com a sua forma de lidar com a solidão, eu
entendo. Só deve ser pior porque, afinal de contas, todo
mundo fica sabendo sobre tudo a seu respeito.
Maneio a cabeça em concordância e dou um gole
final na minha cerveja. Toda vez que falo sobre isso, que
verbalizo a falta que sinto a respeito de certas coisas,
percebo o quanto, apesar de ter tudo o que quero,
apesar da conta bancária cheia e do sucesso no hockey,
algumas coisas não são capazes de suprir outras.
Todavia, hoje foi um dia realmente bom. A vitória
no jogo, a imprensa sem ter com o que me encher o
saco, a companhia de Manuela... Não imaginei que, em
pouco tempo, nós pudéssemos nos conhecer um pouco
mais, mas essa é uma surpresa boa.
Podemos ter um contrato fictício que nos une, mas
nesta noite, me senti como se estivesse não apenas
fingindo um namoro, mas também, conversando com
uma… Amiga.
— Nós dois podíamos unir forças, sabe? — Começo
a falar assim que o pensamento me vem à mente.
— Como assim? — Pergunta Manuela enquanto
lambe a ponta do dedo com um resto de homus.
— Temos que ficar juntos, afinal de contas, para
todos os efeitos, nós namoramos. Mas, nós podíamos
estabelecer alguma verdade no meio dessa mentira.
Podíamos ser amigos.
— Não sei se quero ser sua amiga…
— Pode parar com essa sua pose toda de
indiferença — jogo os fios do cabelo para trás e me
inclino mais na mesa. — Já provamos muito bem hoje
que não faltam assuntos para conversarmos, além disso,
gostei da sua companhia. E sei que você gostou da
minha.
— Você é muito convencido, não daria certo nada
entre nós — Manuela revira os olhos, mas se inclina na
mesa em minha direção.
— Não é o que a imprensa acha — comento mais
baixo. — Para falar a verdade, a imprensa já nos adora.
Acho que damos muito certo e acho que podemos nos
dar bem numa relação de verdade. De amigos, é claro —
completo ao final.
Manuela umedece os lábios com a pontinha da
língua e vejo quando seu rosto se estica em um sorriso
mínimo. Não consigo deixar de pensar que hoje ela está
bem bonita, talvez seja uma junção de tudo: o bom
humor, nossa conversa descontraída e natural. Ela seria
uma ótima amiga.
— Amigos então? — Pergunta e estende a mão em
minha direção.
— Amigos — respondo e toco sua mão com a
minha.
Sinto a textura de sua pele com a minha e noto
como as mãos dela são sedosas e lisas, diferente da
minha, que tem alguns calos por conta do esporte.
Estamos olhando um para o outro e noto as íris
castanhas dela cintilarem de uma forma diferente. Talvez
eu esteja adentrando seus muros, assim como ela fez de
certa forma comigo hoje.
— Então, já que somos amigos, você pode me
chamar de Manu — ela puxa a mão para quebrar o
contato e encosta na cadeira novamente.
— Manu — eu repito. — É bonito, eu gosto. E você
pode me chamar de Nate. Nathan é muito formal.
— Então, que seja Nate — ela ergue seu copo meio
cheio em minha direção e brindamos.
E, neste brinde, eu comemoro os acasos da vida.
Porque eu precisava de uma namorada de mentira, mas
neste momento, acabo de ganhar uma amiga.
— Eu fico duas semanas sem te ligar e, do nada,
você está namorando?
Antonia, minha irmã, é uma mulher incrível. Ela é
dois anos mais velha que eu, casada com o primeiro
namorado que teve, mãe da sobrinha mais linda do
mundo e uma mulher dedicada em seu trabalho como
orientadora pedagógica.
Minha irmã também é uma romântica incurável, e
por conta de sua história com o marido, Pablo, seu maior
sonho é que eu também viva minha própria história de
amor. E é por isso que, de tudo que eu contei desde o
momento em que atendi sua ligação, ela só conseguiu
absorver o “namorando” e ignorou todo o restante do
contexto. Nossa mãe tinha o mesmo hábito.
— Tonia, você precisa aprender a ouvir direito o
que eu falo. Eu disse que estou namorando de “mentira”
— faço aspas no ar e ela revira os olhos. Outro hábito de
família.
— Como é que se namora de mentira, Manuela? —
Ela exclama de boca cheia, por conta da maçã que está
comendo. — Para começo de conversa, você nem
namora direito, Deus sabe como eu queria que você
arrumasse qualquer pessoa…
— Tonia — eu a chamo e olho para a parte da
frente da bancada onde estou sentada. Mahara tirou o
dia para estudar comigo e está segurando a risada, ela
pode não entender muito porque estamos falando em
espanhol, mas Mahara é ótima de linguagem corporal.
Minha irmã continua a falar, mesmo que seja sozinha. —
Tonia, me escuta, por favor — eu a chamo novamente e
ela para. — Deixa eu te contar a história toda.
Eu massageio as têmporas e recomeço a contar
tudo a ela. Falo sobre Nathan, sobre sua atuação no
hockey, explico a questão da imprensa e a proposta
maluca que ele me fez uma tarde no café. Falo sobre
minha resistência no começo e depois, menciono que
encontramos um meio termo para que houvesse um
acordo entre ambas as partes; falo sobre o apartamento
e durante meu breve monólogo, vejo que Tonia começa a
pesquisar algo na internet, no celular que tem em mãos.
Quando ela dá um grito no meio da chamada, sei que
encontrou algo.
— ¡ No me lo puedo crer[4]! — Tonia exclama. — É
você nessa matéria! — Ela envia o link e eu o abro,
mesmo sabendo exatamente ao que ela se refere.
É uma foto minha e de Nathan tirada no dia do
jogo, ele havia acabado de me dar um selinho e
estávamos abraçados, é uma fotografia boa para todos
os efeitos e engana bem a respeito do que somos. Ela
começa, novamente, a falar empolgada e eu, mais uma
vez, me pego explicando que não é o que ela está
pensando.
Tonia pode ser ansiosa e adora brincar comigo,
mas quando peço sua atenção pela terceira vez e digo
que o beijo também faz parte do nosso acordo, ela me
escuta atentamente.
— Então é realmente um namoro de mentira? —
Não consigo conter a risada ao ouvir o desânimo de sua
voz. — Nenhuma chance de isso mudar?
— Não, Tonia, não tenho essa pretensão. Estou aqui
para estudar, lembra? — Questiono e dou um gole em
minha água.
— O que sua irmã está falando? — pergunta
Mahara — Pela sua revirada de olhos…
— Ela está perguntando se não é mesmo um
namoro de verdade, se não tem como mudar esse status
— contextualizo Mahara em inglês e ela logo se endireita
na cadeira.
— Já tentei sugerir dela mudar esse status, Tonia —
Mahara fala mais alto e minha irmã começa a rir.
— Ainda bem que ela tem você por aí, Mah — ela
grita de volta, como se minha amiga estivesse há
quilômetros de distância e começa a falar em inglês para
que Mahara também consiga entender. — De toda forma,
estudar não é motivo para não namorar, mas tudo bem
— ela ergue as mãos para o alto quando fecho a
expressão em sua direção. — Ele pelo menos é bonito?
Não consigo ver nada por essa foto da manchete.
— Não sei, não fico reparando nisso — respondo de
forma indiferente e Mahara se levanta em um pulo.
— Ah, fala sério, Manuela! — Ralha vindo em minha
direção. — Oi, Tonia, pesquise por esse nome aqui.
Mahara digita no chat o nome completo de Nathan
e em segundos, vejo minha irmã fazendo a busca e sua
expressão de surpresa faz com que eu não consiga evitar
a risada.
— Ma-nue-la Gon-zá-lez! — Ela recita meu nome de
forma pausada. — Você só pode estar de brincadeira!
Esse homem é um deus.
— Eu sei, falo isso para ela sempre — Mahara toma
a frente da conversa. — E as fotos não fazem jus à beleza
dele, pessoalmente é ainda melhor.
Reviro os olhos enquanto as duas continuam a
conversar pela tela do notebook, mas, em um ímpeto de
curiosidade, eu decido ver o Instagram de Nathan, coisa
que nunca fiz antes, a não ser que fosse Mahara me
mostrando algo. Não fico reparando nele dessa forma,
mas meu corpo e minha mente me traem quando
começo a olhar suas fotos.
Meu namorado de mentira é bonito. Penso comigo
mesma que não estou sendo cem por cento sincera e,
como ninguém pode ler meus pensamentos, opto por
dizer a verdade. Ele não é apenas bonito, ele é lindo. Os
cabelos castanhos de Nathan são de um tom escuro, ele
não os mantém curto, mas também não são longos, são
o tamanho perfeito para que ele tenha a mania de alisar
os fios com os dedos, jogando-os para trás. Ele tem o
queixo um pouco arredondado e as sobrancelhas são
levemente arqueadas. Em uma das fotos, ele está com o
equipamento de hockey e o rosto virado de perfil, dá pra
ver que está sorrindo de leve, mas parece concentrado.
Ele é mais novo que eu e em algumas fotos, isso
fica bem evidente, mas em outras, eu jamais daria a ele
vinte e três anos. Continuo rolando o feed e vejo uma
postagem em que ele está sem camiseta, posando para
uma marca de roupas. Eu nem sabia que jogadores de
hockey eram procurados para essas publicidades, mas
esse pensamento fica completamente ofuscado quando
começo a contar cada um dos gomos de sua barriga. Eles
estão todos lá, é um absurdo. Eu nunca fui uma garota
apreciadora de corpos malhados e sarados, mas ao ver a
linha V marcada e o leve rastro de pelos no final da
barriga, adentrando a calça, percebo que nunca havia
ligado para isso porque nunca havia visto um corpo como
o dele.
Minha irmã e Mahara continuam a falar, mas assim
como eu, se assustam quando o toque do meu celular
ressoa alto entre nós.
É Nate. Como se ele pudesse pressentir que era a
pauta da conversa até segundos atrás.
— É ele! — Exclama Mahara.
— Não o deixe esperando, Manu, atende! — Minha
irmã fala quase como um tom de bronca.
Sinceramente, o que eu fiz para merecer essas
duas?
Peço silêncio com o dedo e deslizo o dedo na tela
para atendê-lo.
— Oi, Nate.
— Oi, Manu. Está ocupada? Pode falar? — Pergunta
do outro lado da linha.
— Não estou ocupada, fiz uma pausa nos estudos.
— Ah, é por isso que não te encontrei no café… —
ele menciona. — E está progredindo por aí?
— Não muito para ser sincera, pedi folga para
colocar meu doutorado em dia, estou tentando escrever
a introdução da minha tese, mas… Muitas distrações no
meio do caminho — comento, me referindo a Mahara e
Tonia.
— Considere então minha ligação uma forma de
salvar sua vida — ele começa a falar de forma
convencida. — Um dos jogadores do time vai fazer uma
festa de aniversário hoje, é em um bar bem legal, chama
The Tweed, topa ir comigo?
Penso em responder não logo de cara, porque
realmente não estava nos meus planos sair de casa hoje,
mas tento ser mais solícita.
— O quanto é obrigatória sua presença? —
Questiono.
— Muito obrigatória — responde quase que
imediatamente. — Além de ser um jogador do time, eu e
você estamos meio sumidos da imprensa. Você não foi
mais em nenhum jogo, não tivemos fotos novas, sabe
como é, já saíram alguns comentários a respeito.
Respiro fundo e vejo Mahara e minha irmã, através
do vídeo, me olhando atentas, com expectativa.
— Tudo bem, que horas? — Cedo por fim.
— Me espere pronta às nove, passo para te pegar.
— Combinado.
Nos despedimos com um tchau breve e quando
finalizo a chamada, tanto minha irmã, quanto Mahara
exigem saber aonde vou. Elas falam empolgadas comigo
e começam a discutir com que roupa devo ir. Apesar de
não ser o assunto mais interessante do mundo, me
divirto com as duas e as coisas melhoram ainda mais
quando Martina e meu cunhado aparecem durante a
vídeo chamada. Minha sobrinha é um doce de criança e
me entretenho com suas histórias da escola.
Por fim, quando minha irmã convoca a filha para
tomar banho, nós desligamos a ligação e Mahara assume
o posto de stylist e me ajuda a escolher uma combinação
de roupa que faça jus ao lugar aonde iria e que também
me manteria aquecida. Mahara adora moda, ela está
sempre bem vestida, com o cabelo impecável e bem
maquiada, é uma das mulheres mais lindas que já
conheci e por isso, aceito suas dicas de moda. Como
ainda é cedo, convenço ela a nos dedicarmos mais um
pouco aos estudos e não demora para que estejamos as
duas com xícaras de café recém feito e os narizes
enfiados em nossos textos, teses e derivados.
Infelizmente, quando consigo finalmente ter foco
completo, o relógio mostra que já está tarde e Mahara se
despede de mim, me fazendo prometer que vou contar
em detalhes para ela como foi a noite, como se algo
extraordinário fosse acontecer.
Fico algum tempo procrastinando no sofá antes de
finalmente criar coragem para começar a me arrumar.
Tomo um banho demorado, passo um bom tempo
hidratando meu corpo porque minha pele tem sofrido
com o clima seco e dedico um tempo para arrumar meu
cabelo.
Passo tanto tempo com ele preso que às vezes me
esqueço de como os fios castanhos ficam em ondas bem
delineadas quando soltos. Passo um pouco de
maquiagem, deixando meus lábios levemente
avermelhados e por fim, coloco um vestido preto de gola
alta e mangas compridas que é justo e marca meu corpo
nos lugares certos. Visto uma meia grossa, junto com
uma calça térmica por baixo e botas de cano curto com
um salto mais grosso porque não vou precisar andar
muito. Ou assim espero.
Pontualmente às nove, o interfone toca e Nate
avisa que está me esperando. Visto o sobretudo e um
cachecol, porque, afinal de contas, é sempre frio aqui.
Ajeito minha bolsa dentro do elevador, conferindo se
peguei tudo e vou em direção à saída do prédio. A
Mercedes sedan dele está estacionada e eu lamento um
pouco usar vestido quando sinto o vento gelado bater em
minhas pernas.
— Ei — Nathan me saúda quando abro a porta do
carro. — Estou surpreso. Você já estava pronta, achei que
ia precisar ficar algum tempo te esperando.
— Combinamos às nove, não foi? — Pergunto
quando entro no carro e não contenho a puxada de ar
mais forte que faço com o nariz por conta do perfume
dele. O cheiro de hortelã, um pouco de limão talvez e as
notas amadeiradas… É delicioso e fresco. Quando viro
meu rosto, não consigo controlar o impulso de admirá-lo
de perto.
Nathan está usando uma calça preta mais justa e
uma camisa jeans de botões, ele parece nunca estar com
frio, mas acho que, quando você mora em um país que
faz temperaturas mais baixas do que aqui, seu corpo cria
certa resistência. Se formos comparar, eu estou sempre
agasalhada para um frio sobrenatural e Nathan parece
vestir um casaco só para completar o look e não por
necessidade. Eu percorro os olhos por seu corpo e a foto
que vi sua mais cedo e o homem à minha frente se
fundem. “Eu sei o que há por baixo dos botões
perolados”.
Afasto o pensamento ao dirigir meu olhos para o
seu rosto e noto que estamos os dois em silêncio por
tempo demais e há uma pergunta que ainda não foi
respondida.
— Não foi? — Repito a última frase e Nate balança
a cabeça, como se tivesse sido despertado de um
transe.
— Foi, claro — ele começa a se explicar. — É que
vocês mulheres costumam levar tempo nessa coisa de se
arrumar e etc., mas, você… — a voz de Nathan fica rouca
e ele limpa a garganta — você fez um bom trabalho com
o tempo.
Franzo a sobrancelha tentando entender se isso foi
um elogio à minha roupa ou a minha pontualidade, mas
deixo esse pensamento de lado. Nate vira o corpo para
frente e liga o carro novamente, iniciando um assunto
genérico quando dá partida e acabando com o momento
levemente estranho entre nós.
Desde que decidimos estabelecer uma amizade,
tem sido muito mais fácil conversar com ele e de fato,
não falta assunto entre nós. Nathan LeBlanc é um cara
realmente divertido e, apesar de ser mais novo que eu,
essa diferença de idade não fica em evidência entre nós.
Ele sempre me pergunta sobre a faculdade, o trabalho e
se mostra preocupado que nosso acordo prejudique
minha vida pessoal. Sei que ele continua a sair com Zara,
uma modelo famosa com quem ele se encontra de vez
em quando e acho legal da parte dele em sempre me
avisar, temos uma relação de transparência e considero
isso fundamental.
Conforme vamos conversando, a cidade de
Estocolmo vai ganhando vida pela janela do carro e
quando ele estaciona em frente a um bar movimentado
numa rua badalada, uma parte de mim se sente
intimidada. Todavia, não tenho tempo de pensar muito a
respeito disso, porque Nate abre a porta e eu o
acompanho quase que instantaneamente, ativando
nosso modo “namoro de mentira”.
Nathan veste seu sobretudo preto, bem parecido
com o meu, enquanto passa pela frente do carro. Eu
aceito a mão que ele me estende, depois de deixar as
chaves com o manobrista e juntos, caminhamos em
direção a porta. Fico impressionada quando ele murmura
alguma coisa mais próximo ao segurança e este levanta
a corrente para nos deixar passar. Ninguém pede nossos
documentos, ninguém se dirige a mim sem que esteja
sorrindo. Em momentos como esse, é impossível não
pensar a respeito da diferença de tratamento entre ele e
eu. Nós dois somos imigrantes, não pertencemos a esse
país, mas para Nate, as coisas são bem mais fáceis, é
fato.
— Tudo bem com você? — A voz dele ressoa ao
meu lado e bem próximo ao meu ouvido.
— Claro — respondo com um aceno de cabeça e
ele dá um sorriso para mim e continua a me conduzir.
Passamos por mais algumas pessoas e mesas até
encontrarmos uma área mais exclusiva e uma
quantidade excessiva de homens altos, que eu logo
reconheço como jogadores. Há muitas mulheres também,
todas deslumbrantes e lindas, me sinto ainda mais
intimidada do que antes, não por me considerar feia ou
algo do tipo. Mas porque não faço nem um pouco parte
dessa realidade.
— LeBlanc, que bom que veio — um homem alto
saúda Nate e ele solta minha mão para abraçá-lo. — E
você deve ser a Manuela, certo? — O cara volta seus
olhos para mim e aceno de forma breve.
— Como vai? — Tento fingir que não digo seu nome
por pura casualidade e não pelo fato de não saber e o
rapaz parece não se importar. Ele estende a mão e eu
faço o mesmo, num cumprimento polido.
— Obrigado por nos convidar, James — Nathan
agradece e eu sorrio levemente por, agora, saber o nome
do aniversariante.
Nate toma minha mão novamente e eu aproveito a
deixa para sussurrar próximo a seu ouvido:
— Me apresente as pessoas, não sei o nome de
ninguém aqui.
— Combinado, foi mal — ele responde no mesmo
tom e volta a andar na direção dos demais presentes.
Logo, os rostos vão ganhando nomes e me vejo
rodeada de jogadores de hockey, apreciadores do time,
influencers e mais uma porção de pessoas que não
conhecia até então. Quando todas as apresentações são
feitas, Nathan e eu encontramos cadeiras para nos
sentar e eu aproveito para tirar meu sobretudo, o
ambiente está agradável e não preciso ficar toda
coberta.
Removo a peça de roupa e percebo quando Nate
me olha de forma atenta, deve ser parte da encenação
de namorado, ele cumpre bem o papel e eu faço o
mesmo, dando um sorriso leve para ele. Noto que há
mais olhares em minha direção e isso me intimida ainda
mais. Nunca tive essa sensação de não pertencimento
tão forte quanto agora, é algo que aconteceu muito
quando cheguei à Suécia, mas neste momento, se torna
mais latente porque sou completamente diferente dos
presentes.
Não tenho dinheiro, fama, nem mesmo suas roupas
caras ou status. Nunca me importei com isso, essa é a
grande verdade. Entretanto, me sentir estranha dessa
forma é algo bem ruim de lidar. Por alguns minutos fico
completamente em silêncio apenas balançando a cabeça
em concordância com o que quer que esteja sendo o
assunto à minha volta.
Nathan me entrega um cardápio e eu opto por
beber uma cerveja igual a ele. Quando sua mão repousa
sobre a minha na mesa, faço um carinho breve em seus
dedos. Tento encontrar alguma brecha para conseguir me
inteirar do assunto, mas nunca encontro.
Peter, um outro jogador do time chega à mesa e
quando sua esposa, Helen, me cumprimenta, ela logo se
senta ao meu lado. Peter é alto e como a maioria das
pessoas aqui, loiro, está bem vestido com um blazer e
uma blusa de gola V azul marinho. Já Helen tem a pele
negra, os cabelos em cachos moldam seu rosto e ela usa
uma armação de óculos prateada que ressalta ainda
mais seus olhos e a maquiagem.
— Pronta para adentrar ao mundo entediante de
jogadores de hockey e pessoas com dinheiro? — Ela
pergunta assim que pega o cardápio em mãos e me olha
pelo canto dos óculos.
— Nem um pouco pronta — confidencio, pois gosto
dela instantaneamente.
— Então vamos tornar essa noite mais tolerável
juntas — ela pisca para mim e dá um sorriso gentil.
Retribuo o mesmo e respiro um pouco mais
aliviada. Talvez haja uma esperança no final das contas.
A ideia de ter um namoro de mentira desde o
princípio me pareceu um excelente plano: silenciar a
imprensa, acabar com os boatos da minha má reputação,
não precisar me comprometer de verdade com alguém.
Era a ideia perfeita. Ainda acho uma ótima sacada, para
falar a verdade.
Depois que eu e Manuela estabelecemos os termos
e também nos abrimos para uma amizade, as coisas se
tornaram ainda mais fáceis. A resistência presente nela
nas primeiras vezes que saímos, é bem diferente da
mulher que hoje, aceitou de bom tom minha mão dada,
não se importou com toques, ela parece estar lidando
melhor com isso.
Claro que nunca precisamos passar disso, nunca
precisei tocá-la de forma mais “ousada” para que
mantivessem as aparências.
Entretanto, precisar e querer são verbos
completamente diferentes. E na noite de hoje, não é
como se eu precisasse tocá-la o tempo todo. Mas uma
parte de mim meio que quer fazer isso.
Tudo começou quando ela entrou no carro
cheirando a baunilha e pimenta rosa, os cabelos soltos
estavam com ondas perfeitas e tão perfumados quanto
ela. E os lábios vermelhos…
Esse é o primeiro conflito que se passa pela minha
cabeça, mas ele mudou rapidamente quando entramos
no bar e Manu removeu o sobretudo que estava usando,
revelando o vestido preto justo que abraça suas curvas.
“É errado que eu tenha ficado um pouco
hipnotizado por sua beleza?” é a pergunta que martela
na minha cabeça ao decorrer da noite. Não tenho
problemas em admitir que Manuela é bonita, pelo
contrário, reconheço isso desde quando ela era apenas a
atendente do café que eu frequentava. Confesso que eu
não prestava muita atenção nela, mas agora as coisas
mudaram. E foram mudando gradativamente, primeiro
conheci a “garota do café”, depois a Manuela, a mulher
que aceitou uma proposta maluca de relacionamento
falso e, agora, começo a conhecer a Manu, uma mulher
divertida, sarcástica, inteligente, perspicaz… E linda.
Essas são as novas características que anoto
mentalmente a respeito dela.
Depois que cumprimentamos a todos, nos
sentamos um ao lado do outro e notei como ela ficou
calada ao meu lado. Calada até demais, algo que não é o
seu normal. Ponderei em perguntar se havia algo de
errado, mas os ânimos mudaram com a chegada de
Peter e Helen e, na escala de pessoas favoritas do
mundo, a esposa do meu colega de time sobe mais
algumas posições, porque ela e Manuela engatam uma
conversa animada e tão logo, sou deixado de lado.
Fico mais aliviado por ver Manu mais participativa e
muito mais enérgica. Elas ficam tão à vontade uma com
a outra, que logo começam a rir juntas, dividem um
lanche e quando a pista de dança abre, elas são as
primeiras a levantar.
O que me leva ao momento presente, onde uma
batalha está sendo travada mentalmente na minha
cabeça, porque, agora, a música que ressoa nas caixas
de som é um remix dançante de alguma música que não
conheço, mas que faz com que minha falsa namorada
balance os quadris de uma forma extremamente
sensual.
Estou bebericando minha cerveja enquanto tento
não ficar olhando na direção da pista o tempo todo, o bar
está com as luzes apagadas e o que era um ambiente
tranquilo, se tornou uma balada. As luzes piscantes, o
som mais alto, bebidas sendo carregadas para todos os
lados, estou acostumado com o ritmo de lugares assim,
só nunca estive acompanhado de alguém.
Não estou acostumado a ter meus olhos presos a
somente uma mulher. Mas hoje, só tem uma que detém
minha atenção. Me pego olhando mais vezes do que
consigo contabilizar na direção de Manu, e sei que não
sou o único. Já reparei em James observando-a, mais dois
outros caras que são seus convidados e tudo isso só
colabora com meu conflito.
Como namorado, é completamente aceitável que
eu fique hipnotizado pela minha namorada e seus
movimentos na pista de dança, é natural e esperado.
Mas, eu e Manuela não somos namorados de verdade, eu
não preciso desempenhar esse papel tão bem assim.
Não estou entendendo minhas atitudes, isso está
confundindo e muito minha cabeça.
Caralho.
Peter está sentado do meu lado e conversa
animado com mais alguns caras sobre algum assunto
que já não me lembro mais. Quando ele pousa a mão
gentilmente em meu ombro, volto meu rosto para sua
direção rapidamente, desviando da direção de Manu.
— Quer ir encontrar sua garota na pista? Helen
está me olhando daqui e reconheço quando minha
mulher está me chamando para dançar, ou melhor
dizendo, me convocando para me juntar a ela. — Peter
pisca para mim e sorrio para ele.
— Senhores, se não se importam — comento ao me
levantar junto com meu colega e dar um último gole em
minha cerveja.
Ajeito minha camisa e puxo um pouco as mangas
para cima, está quente aqui. Nossa breve roda de
conversa se dispersa e Peter e eu começamos a
caminhar na direção de Helen e Manu. As duas estão
dançando juntas e rindo e quando Helen capta pela visão
que estamos nos aproximando, ela toca em Manu e os
olhos castanhos da minha namorada encontram os
meus. Por alguns segundos fico hesitante, sem saber se
é realmente prudente me aproximar, mas, para todos os
efeitos, somos um casal para os que estão aqui
presentes. E casais dançam juntos, certo?
É uma distância curta a que percorro enquanto
tento ser racional e saber qual a melhor forma de agir,
todavia, meu receio acaba quando me aproximo de
Manuela e ela sorri para mim.
— Se divertindo? — Pergunta, se erguendo um
pouco para chegar próximo ao meu ouvido. Mesmo com
as botas de salto, ela ainda é mais baixa e precisa ficar
na ponta dos pés para falar comigo.
— Mais ou menos, falar de hockey o tempo todo
também cansa — comento sincero e ela ri.
Não ouço direito o que ela fala a seguir, mas sei
que teve algo a ver com hockey ser um assunto
entediante em qualquer momento. Manuela para de
dançar para poder falar comigo e noto quando ela olha
de relance para Peter e Helen, a mulher pisca em nossa
direção e logo em seguida, enrosca os braços no pescoço
do marido e o envolve na música que toca alto pelas
caixas. Meu colega de time não tem a menor
coordenação para dançar e reprimo uma risada ao
observar isso.
— É maldade rir de quem não sabe dançar, Nate —
Manuela fala ao meu ouvido novamente. — Pelo menos
ele está tentando.
— Tentando e falhando — brinco com ela —
Gotlander não tem ritmo algum — afirmo.
— E você por um acaso tem algum ritmo? — Ela
pergunta e ergue uma sobrancelha para me encarar.
Gosto desse movimento, não tenho habilidade para fazer
a mesma coisa, mas já notei que é uma marca registrada
dela, assim como o revirar de olhos. — Até onde eu sei,
atletas não costumam ser bons com ritmo musical e
dança de forma geral — completa.
— Você poderia se surpreender com as minhas
habilidades — não consigo conter o tom de voz meio
carregado de duplo sentido e, como se não tivesse
controle das minhas mãos, a direita repousa na cintura
de Manuela.
Ela não recua e eu encaro como um incentivo para
permanecer. Antes que ela possa responder algo esperto,
o DJ faz uma mixagem e a música muda para um ritmo
que reconheço. Olho para Manu e vejo que ela reconhece
a voz da cantora e a letra.
— Se você dança bem mesmo, mostre-me! — Ela
fala bem ao pé do meu ouvido e eu a puxo bem
levemente para mais próximo do meu corpo, já
planejando meu próximo passo — É reggaeton e Shakira,
duas coisas que eu conheço bem, então…
Não deixo que ela termine de falar, colo nossos
corpos em um movimento só e começo a mover meus
pés, arrasto o esquerdo num passo longo e faço um curto
com o direito. Manu fica levemente surpresa pela atitude,
mas logo volta sua atenção para nossos corpos. Prendo a
cintura de Manuela um pouco mais forte com meu braço
e ela rapidamente me acompanha. Sua mão direita
pousa no meu ombro e a esquerda vai para minha nuca,
ela me acompanha sem dificuldade alguma e nossos
corpos se tocam em todos os lugares.
“O reggaeton é basicamente sobre mexer o
quadril”, me lembro das palavras do professor de dança
e olho o movimento que tanto eu quanto ela fazemos
juntos. É completamente sensual, e a atmosfera, o calor,
o cheiro que emana de Manuela fazem com que tudo se
torne ainda mais… Quente. E isso fica evidente quando
ela passa a mover ainda mais os quadris, rebolando mais
do que antes, exigindo mais de mim para acompanhá-la.
Nós dois estamos olhando para nossos corpos, para
o movimento e a fricção que fazem juntos, porém,
quando sinto seus dedos massagearem levemente os fios
do meu cabelo, eu ergo o rosto em direção ao seu e
nosso olhar se prende ao outro como magnetismo.
O peito de Manuela roça no meu, sua mão
escorrega um pouco do meu ombro e nossas virilhas
roçam sem pudor uma na outra. Preciso me controlar
para que meu pau não fique confuso e comece a ganhar
vida. O refrão começa, ainda mais dançante, e nós
estamos completamente sincronizados nos passos,
seguro-a firme pela cintura e não consigo conter meus
dedos de passearem por seu corpo, sentindo e
delineando suas curvas.
Manu afasta o cabelo solto jogando para um lado
só dos ombros. Não consigo parar de olhá-la, não consigo
parar de tocá-la. É mais forte do que eu.
A música continua e quando o DJ muda o ritmo,
penso que ela vai se afastar, mas num movimento
rápido, Manuela vira o corpo e agora, suas costas estão
coladas ao meu peito, e minhas mãos continuam presas
em sua cintura, encaixadas de um modo perfeito. O ritmo
é mais lento agora, porém, nem um pouco menos
sensual, e quando Manu repousa a cabeça em meu peito,
seu cheiro preenche ainda mais minhas narinas.
Tomo a liberdade de afastar seus cabelos para o
ombro direito e repouso o queixo bem próximo do
esquerdo, aproximando minha boca de seu ouvido e
pescoço.
— E então, surpresa com as minhas habilidades? —
Pergunto e vejo quando ela dá uma risada contida.
— Dá pro gasto — ela responde virando o rosto na
minha direção, nenhum de nós parou de se mover e isso
favorece com que sua boca fique próxima a minha.
É tentador…
— Olha só esses movimentos! — A voz de Helen
ressoa entre nós e quebra o magnetismo antes presente
— Vocês dois dançando é algo incrivelmente sensual.
E ao verbalizar isso, Manu e eu nos afastamos em
um salto, minhas mãos recaem e ela vira de frente,
descolando nossos corpos. Ela mantém a expressão
impassível e me pergunto como a atmosfera conseguiu
mudar tão rapidamente.
— Achei que você iria mostrar a Helen que não sou
o único jogador que manda mal na pista de dança,
LeBlanc — completa Peter com uma risadinha nos lábios.
— Não é nada demais — falo mais alto, para que
todos possam me ouvir. — Minha mãe quis fazer aulas de
dança durante uma época, um pouco antes deu me
mudar, e eu cedi ao desejo dela e fiz junto — dou de
ombros e noto que minhas mãos ainda estão buscando
pelo corpo de Manuela, mas ela já está muito mais
próxima de Helen do que de mim.
— Ouviu, querido? Você podia fazer o mesmo — ela
brinca com o marido, que balança a cabeça em negação,
mas logo volta a falar conosco. — Estamos indo pegar
um drink, mas podem continuar dançando.
Abro a boca para chamar Manu para perto de mim,
mas ela tem outros planos.
— Na verdade, acho que preciso de água — ela
abana a mão em frente ao rosto e dá uma risada sem
graça. — Está muito quente aqui.
— Vou com você — anuncio e estendo a mão para
guiá-la em direção ao bar.
Helen e Peter acenam e começam a guiar nosso
pequeno comboio em direção ao bar e quando Manu
aceita minha mão, deixo que ela vá na frente.
E conforme vamos andando, todos os
questionamentos que tive ao longo da noite voltam com
força total e me dou conta de que estou misturando as
coisas. Manuela não é minha namorada de verdade e
nem mesmo uma pessoa com quem posso cruzar a linha
da amizade. Meu corpo respondeu ao dela como teria
acontecido com qualquer outra mulher, mas eu não
posso misturar as coisas, nosso acordo é para um
namoro de mentira.
“Você também não tem esse interesse por ela”,
lembro-me desse detalhe e decido que, melhor do que
ficar racionalizando demais o que aconteceu, é agir
normalmente. Por isso, quando Helen puxa um banco
vazio para se sentar e começa a conversar
animadamente comigo e com Manuela, eu assumo minha
postura de namorado de mentira e fico próximo dela
apenas o suficiente para manter as aparências.
Porque é isso que nós somos, um casal de
fachada.
A noite segue seu curso, Peter faz um convite
formal a mim e Manuela para jantarmos em sua casa e é
fácil perceber que Manu já aceitou a ideia, não porque
precisa ir, mas porque vai adorar encontrar novamente
com Helen. As duas conversam animadas e quem olha
de fora, com certeza nos vê como dois casais que saem
constantemente juntos.
Não voltamos mais à pista de dança e, em um
dado momento, os ânimos diminuem e optamos por ir
embora, me despeço dos convidados e colegas de time
que ainda restaram na festa e não me surpreendo ao ver
que James, o próprio aniversariante, sumiu de sua festa.
A diferença entre mim e James é que ele realmente sabe
ser discreto.
Ao sairmos, Manu aperta mais o casaco contra o
corpo e em um impulso, a puxo para mais perto do meu
corpo.
— Muito frio por aí? — Questiono a ela.
— Só um pouco — ela fala com a boca escondida
no cachecol. — Muitos toques por aqui no dia de hoje,
não? — Ela procura meus olhos e não me abalo com o
comentário.
— Estou só cumprindo meu papel de namorado,
baby — pisco para ela e afago suas costas.
— Você é realmente um sonho de namorado, baby
— a voz é carregada de ironia, mas antes que eu possa
responder, Helen e Peter chamam nossa atenção e nos
despedimos oficialmente.
Meu carro é o próximo a ser entregue e quando
entramos no veículo, aumento o ar para aquecer
Manuela. O celular e o computador de bordo se
conectam automaticamente e algumas mensagens
começam a apitar, vejo que ela se assusta com o som,
mas um nome chama sua atenção e a minha também.
Zara, e uma notificação de que ela me enviou uma foto.
— Há chances de isso ser um nude, não é? —
Desvio o olhar rapidamente para Manu e ela está
segurando a risada.
— É… talvez — dou de ombros. — Mas se eu sair
com ela, você sabe que vou te contar, né? Faz parte do
nosso acordo.
— Eu sei e não estou preocupada com isso, só acho
engraçado — Manuela endireita a postura no banco. —
Você meio que tem um “namoro” público agora — ela faz
aspas no ar. — Mas isso não é empecilho para que as
mulheres caiam matando em cima de você, reparei hoje
no bar.
— Está com ciúmes, é? — Umedeço os lábios e tiro
uma das mãos do volante. — Não precisa ficar, tem
Nathan para você também — repouso em seu joelho.
— Primeiro: eca. Segundo: muitos toques pro dia
de hoje. Terceiro: você se acha, né? — Manu retira minha
mão de seu joelho.
— Só estou trabalhando com fatos — brinco. —
Mas, agora, falando sério, eu não fui o único a ter a
atenção voltada para mim — olho de canto e vejo Manu
com a expressão atenta. — Todo mundo ficou babando
em você.
— Está com ciúmes, é? — Ela devolve a pergunta
que fiz anteriormente e não contenho a risada.
— Você se acha, né? — Repetimos o diálogo
novamente e o carro explode em risadas, não consigo
deixar de pensar que adoro esse clima leve entre nós e
cheio de provocações bobas. — De qualquer forma, não
estou mentindo, você deixou boa parte dos caras
naquele bar interessados.
— Bobeira. É que meus cabelos são castanhos,
num país onde todo mundo é loiro e se veste do mesmo
jeito, eu acabo fugindo um pouco do padrão…
— Não é só isso, Manu — comento quando
paramos em frente ao apartamento dela e me viro para
olhá-la. — Você é uma mulher linda — faço uma pausa
breve e completo. — Palavra de amigo.
— Não seria de escoteiro o ditado?
— Eu nunca fiz escotismo, então só posso jurar
como amigo — dou de ombros. — E amigos não mentem,
como já diria a Eleven em Stranger Things[5].
Manuela sorri para mim e, em seguida, começa a
soltar o cinto de segurança. Quando acho que ela vai sair
do carro sem se despedir, ela pega a bolsa do chão e,
com a mão na maçaneta, volta a me olhar.
— É, você também é bonitinho… E um amigo
aceitável.
Ela sorri e se despede de mim, e enquanto a
assisto caminhar para o prédio, não consigo deixar de
pensar que ela também é uma amiga aceitável.
Os últimos dias e, por consequência, o fim de
setembro passam por meus olhos sem que eu perceba,
tenho feito tanta coisa que estou quase funcionando no
modo automático. Apresentei ao meu orientador o
primeiro esboço da minha tese e ele me recomendou
novas leituras, me inscrevi em uma nova bolsa de
estudos e finalmente voltei a guardar dinheiro. Não
precisar pagar aluguel tem sido um alívio para meu
bolso.
Enquanto atendo a fila de clientes que se forma,
não consigo deixar de ponderar minha saída do café para
poder me dedicar aos estudos. Não tem jeito, todas as
vezes que tenho reunião sobre o doutorado, esse
pensamento sempre me passa pela cabeça.
A voz do meu orientador ressoa como um sino em
minha cabeça: “dedicação e tempo para com o
doutorado nunca é demais”. Posso estar em outro país,
em outra faculdade e já ter provado por uma série de
razões que sou completamente capaz de lidar com um
trabalho comum e os estudos, mas as cobranças são
sempre as mesmas, independentemente da parte do
mundo que você esteja.
A academia sempre vai achar que você não está se
dedicando o suficiente para a pesquisa.
Balanço a cabeça para afastar o pensamento e é
quando me dou conta de que não me lembro se coloquei
o xarope de caramelo no café que estou preparando.
Paro alguns segundos e olho para a xícara tentando
lembrar de cada passo dos preparos, mas não adianta.
Estou no automático e isso é péssimo.
Por via das dúvidas, adiciono um pouco do xarope
ao café recém feito e finalizo os preparos. Não é mentira
dizer que, quanto mais as temperaturas abaixam, maior
a quantidade de café consumida pelas pessoas. Outubro
também é a época dos cafés sazonais e não me
surpreendo quando os pedidos começam a aumentar
exponencialmente por conta deles. Além disso, é hora do
“Fika”, o termo que não tem tradução e quase que
exclusivo da língua sueca, que significa “pausa para um
bolo e um café”. Essa “pausa” acontece geralmente no
meio da tarde e por isso, o café fica mais cheio e os
pedidos dobram. É exaustivo e sei que mereço trabalhar
em um lugar melhor do que uma simples cafeteira, mas
uma parte de mim gosta bastante de estar sempre
sentido o aroma da bebida que tanto gosto.
— Camille — chamo a cliente cujo café acabei de
preparar e ela vem até mim e retira seu pedido.
Termino de preparar outros pedidos e quando
entrego o último, olho na direção da entrada e fico feliz
ao ver que não há ninguém na fila. O expediente
continua e conforme as horas passam, eu consigo voltar
a relaxar um pouco e até mesmo encostar no balcão para
descansar um pouco.
Pego meu celular do bolso e respondo algumas
mensagens de Mahara, não conseguimos nos encontrar
essa semana e, ainda por cima, ela assumiu uma
monitoria na universidade e tem estado ocupada em
ajudar jovens estudantes a compreenderem melhor uma
das matérias mais difíceis do curso de Letras. Mahara é
minha professora de sueco nas horas vagas — ou
melhor, quase escassas — mas eu não me importo,
porque minha amiga é um poço de dedicação em tudo
que faz e eu a admiro demais pela área que escolheu
estudar. Todas as vezes que Mahara tentou me explicar
sobre fonética foram um desastre. Mas eu passei a
admirá-la ainda mais por seguir na área da linguística.
O sino da porta de entrada toca e quando olho na
direção da porta, vejo Nathan entrando e sorrindo em
minha direção. Ele está com sua costumeira jaqueta
jeans, que descobri ser muito bem forrada e quente, já
que eu o julgava por nunca parecer que está com frio.
Ele caminha seguro de si, mas eu já aprendi que é só o
jeito dele.
— Olá, o de sempre, por favor — Nate remove a
touca que está usando e, com seu jeito despojado e o
sorrisinho torto, encosta no balcão.
— E qual seria o de sempre? — Pergunto, cerrando
os olhos em sua direção.
— Que tipo de namorada é você que não sabe o
pedido do próprio namorado? — Ele fala baixinho e eu
reconheço o tom de brincadeira em sua voz.
— Nate, você tem três tipos de pedido: Cappuccino
clássico, Latte Caramelo ou Expresso Americano, então,
quando você fala “o de sempre” — faço aspas no ar e
prossigo — existem três variantes como resposta. Por
isso, me ajude, o que você quer? — Cruzo os braços no
peito e ergo uma sobrancelha quando Nathan fica parado
me olhando.
— Cara, como uma conversa sobre café pode soar
sexy, você não acha? — Ele se inclina na minha direção e
fala com sua voz levemente sussurrada — Variantes,
tipos de café, ver você recitar meus pedidos, você
decorou mesmo… — ele pisca para mim e eu reviro os
olhos.
— Não se sinta especial, Nate, você não é o único.
Tem mais tantas outras pessoas que são clientes
frequentes — pontuo com desdém e me posiciono no
computador. — E então, qual vai ser o de hoje?
— Você não cansa de destruir o meu ego? —
Responde, simulando ter sido ferido no peito — Que seja,
o de hoje é um Expresso Americano… E eu queria te
convidar pra jantarmos também.
— Hoje? — Pergunto enquanto computo seu
pedido. — Para ser bem sincera, eu queria tirar a noite
para descansar, tive reunião hoje com meu orientador e
estou com a cabeça cheia.
— É, hoje, mas eu pensei em jantarmos juntos mais
como… Amigos — Nathan explica enquanto tira a
carteira do bolso e faz o pagamento. — Podemos comer
algo na minha casa, tomar uma cerveja, sei lá.
— Levou um fora da Zara, é? — Falo essa última
parte mais baixo, mesmo que só haja nós e mais uma
cliente aos fundos que conversa ao telefone animada.
— Só transar cansa, vai por mim — ele brinca
porque sabe que esse tipo de detalhe não é algo que eu
curta saber e continua. — Mas, é sério. Como eu não
tenho o Dave aqui, você é a minha candidata perfeita ao
título de amiga, e amigos tem jantares despretensiosos
durante a semana.
— E quem disse que eu sou sua amiga a esse
ponto? — Pergunto, fingindo desdém enquanto termino
de moer o café e pressiono o mesmo no filtro antes de
inserir na máquina.
— Ah, Manu, deixa dessa, já passamos dessa fase.
Somos amigos, pode parar com essa pose toda. — Nate
balança os braços no ar e continua a acompanhar o
processo de preparo de seu café. — Vamos, vai ser legal
ter a sua companhia, agora que você pelo menos não me
detesta tanto.
Dou risada de sua observação e concordo com um
aceno de cabeça. Desde que saímos depois do primeiro
jogo que vi de Nate, nós estabelecemos uma relação
mais próxima de amizade. Cumprimos nosso papel como
namorados de mentira bem diante das câmeras e de
quem mais estiver por perto, mas quando estamos
sozinhos, não agimos mais como se não nos
conhecêssemos. Porque estamos mais próximos um do
outro.
— Ok, pode ser — estendo o café finalizado e Nate
sorri de lado. — Mas quero comida de verdade, preciso
de uma refeição decente.
— Combinado, a Sra. Nilsen abasteceu a geladeira
hoje então deve ter alguma coisa para comer — ele
beberica o café e completa. — Vou te esperar sentado na
mesa de sempre, ok?
Confirmo com um aceno de cabeça para ele e bem
nesse instante, um casal de garotas entra pela porta e
Nate manda um beijo no ar para mim, que eu retribuo
fazendo o mesmo. Nunca se sabe quem pode ou não
reconhecê-lo.
É engraçado como me acostumei com essas
pequenas coisas, no final das contas, foi mais fácil do
que imaginei que seria.
Nathan tem tentado me buscar na faculdade pelo
menos um dia por semana, eu estou tentando ir aos
jogos sempre que posso, principalmente quando eles são
na cidade e não preciso dormir fora. Trocamos algumas
mensagens sobre como está a semana, jantamos juntos
aos finais de semana, estamos dando nosso melhor.
Ele deixou de ter manchetes constrangedoras e o
foco está sendo mais em seu desempenho no time. E
nosso namoro, é claro. Para a imprensa, ainda vamos
completar um mês nesse relacionamento, então é
importante manter uma constante nas nossas aparições
em público.
Começo a atender as duas garotas e noto que elas
falam algo uma para a outra enquanto olham
disfarçadamente para mim e Nathan. Já tive algumas
pessoas vindo até a cafeteria e me reconhecendo, mas o
bom de morar em um país como a Suécia, é que não é só
o clima que é frio, as pessoas também são mais frias e
distantes, então, elas podem até me reconhecer das
fotos que saem em matérias de jornal e revista
esporadicamente, mas não me abordam ou assediam.
É bom, isso torna as coisas mais fáceis. Minha
chefe mesmo, não teve nenhum problema com a
questão, algo que me preocupou no começo, mas muito
pelo contrário, ela foi a primeira a me dizer que eu
deveria sair do café e aproveitar as regalias.
Certas coisas não mudam mesmo, esteja você na
América do Sul, Central ou na Europa.
Olho para Nathan enquanto termino de preparar
um dos últimos pedidos do dia e acho engraçado a forma
como ele está concentrado no celular, com os fones de
ouvido conectados e o pé balançando sem parar. Ele
quase não cabe na mesa que está sentado, as pernas
longas não ficam acomodadas de uma forma que seja
confortável.
Como se sentisse que eu o estou olhando, Nate
levanta a cabeça e encontra meus olhos, ele pisca para
mim brevemente e volta sua atenção para a tela.
Quando o relógio marca seis da tarde, eu declaro o
expediente encerrado e começo a organizar tudo que
preciso para fechar o café. Alguns minutos a mais
necessários e tão logo, eu apareço com minha bolsa e
Nate já está de pé me esperando.
— E então, como foi a reunião com o orientador? —
Acostumado com essa rotina de me esperar, Nathan abre
a porta de ferro para saída dos funcionários e me
aguarda enquanto confiro mais uma vez o caixa. — Você
mencionou que não era algo tão importante, mas dá pra
ver a fumaça saindo da sua cabeça.
— De fato não era nada que poderia definir minha
vida academicamente falando, mas tudo que eu faço
nunca parece o suficiente — explico, enquanto passo
pela porta e pego a chave grande para terminar de
trancar tudo. — É normal, durante o mestrado inteiro foi
assim.
— Você acha que não está dando conta? — Ele me
pergunta e estende a mão para mim. — Quero dizer,
você acha que se daria melhor se estivesse “só
estudando”? — Ele enfatiza o “só estudando” e fico feliz
de ele entender que isso é trabalho também.
— A verdade? — Observo, enquanto tomo sua mão
com a minha. — Sim, provavelmente eu me permitiria
folgas, teria meus bloqueios, mas não ia me sentir
culpada se escolhesse descansar quando chegasse em
casa, talvez eu me cobrasse menos. Mas a vida não é
assim, tenho que trabalhar, e gosto de trabalhar.
— E aquela bolsa que você se inscreveu? — O
vento forte atinge a nós dois quando saímos da parte
coberta e Nathan me puxa um pouco mais para perto
dele.
— Preciso fazer mais algumas etapas, entrevistas,
devo demorar para ter a resposta — pontuo e sinto um
arrepio percorrer meu corpo. — Céus! Que vento gelado.
— Vem aqui — Nate me puxa para ainda mais perto
e aceito quando me envolve em seus braços.
E, ao me aproximar dele, o cheiro de seu perfume
invade minhas narinas, é gostoso. Todas as vezes que o
sinto tão próximo assim, sou automaticamente
transportada para a noite que dançamos juntos, a forma
como fiquei entorpecida por seus movimentos e pela
nossa proximidade. Foi… quente.
— Vai ser positiva — Nathan continua a falar, me
fazendo voltar ao momento presente. — Você é a mulher
mais esforçada que eu conheço, impossível a resposta
ser outra além de um grande sim — ele fala com
confiança e eu não consigo evitar o sorriso.
— Bom saber que tenho torcida ao meu favor —
viro meu rosto em sua direção e Nathan inclina o rosto
em direção ao meu.
— Um torcendo pelo outro, não é mesmo? Você nas
arquibancadas e eu… Bom, eu aqui.
Ele sorri e, mesmo sendo mais alto que eu, nossos
rostos estão próximos, estamos andando, mas por alguns
segundos, eu não saberia dizer quantos, o tempo meio
que congela. Nathan tem um sorriso gentil nos lábios, e
de perto assim, consigo ver os pontos da barba por fazer
e as pintinhas que ele tem na região do nariz. Às vezes,
nossa diferença de idade fica mais em evidência, mas em
outras, eu me esqueço completamente que sou quatro
anos mais velha que ele.
Nesse breve tempo, não consigo deixar de me
perguntar o que será que ele está pensando e, ao
mesmo tempo, me esqueço brevemente que, para
amigos, estamos muito próximos um do outro. Próximos
demais.
— Oi, desculpa atrapalhar — um grupo de
adolescentes chama nossa atenção e quebra a tensão no
ar. — Só queríamos dizer que somos seus fãs, Nathan, e
vocês são um casal lindo.
— Valeu, galera — meu namorado de mentira limpa
a garganta e responde por nós dois.
O grupo segue seu caminho assim como nós mas,
dessa vez, andamos um pouco mais distantes, sem tanta
proximidade como anteriormente. É melhor assim.
Chegamos ao carro dele e fico grata quando ele já o liga
e aumenta o ar quente.
— Minha casa, então, namorada? — Nathan sorri
para mim e eu reviro os olhos.
— Sua casa, namorado.
— Salmão e aspargos ou massa?
Nathan pergunta enquanto eu deixo minha bolsa
no canto da sala e coloco meu celular para carregar na
tomada.
— Salmão — respondo.
— Vinho tinto, branco, cerveja… O que você
prefere?
— Branco, combina mais com peixe.
Caminho em direção a grande bancada de
mármore preto e me sento enquanto Nate serve uma
taça de vinho para mim, ele repete o processo para si e
depois, estende em minha direção.
— Saúde, amiga — ele sorri docemente para mim e
eu faço o mesmo, batendo o cristal com o dele.
— Saúde, amigo.
Damos um gole generoso e eu me permito soltar o
cabelo, fico o dia todo com ele preso e no final do dia,
minha cabeça sempre está doendo. Noto que Nate não
tira os olhos de mim e me pergunto se tem algo de
errado. Entretanto, antes que possa dizer algo, ele se
vira para checar o forno e coloca a travessa de salmão
para aquecê-lo.
— Em quinze minutos teremos nosso jantar pronto
— ressalta e se vira em minha direção.
Sem todas as blusas de sempre, Nate está com
uma camiseta preta básica com o símbolo de uma marca
de esportes em branco, mas não é nisso que reparo, mas
sim, em seu braço esquerdo. O frio impede que nossa
pele fique à mostra, e por isso, é raro que eu veja as
tatuagens dele.
— Às vezes eu esqueço que você tem um braço
quase inteiro fechado — pontuo e ele dá um risinho de
lado e estende o braço para que eu veja os desenhos. —
Elas não têm um padrão — observo, admirando os
desenhos mesclados.
— Não, eu só fui enchendo o braço, tentando ornar
o estilo apenas. Eu chegava no estúdio, escolhia o
desenho e fazia — observa — mas todas são pretas, eu
gosto.
— Eu também — falo em voz alta e logo completo
— gosto de tatuagens de modo geral.
— E gosta de mim também, Manu — ele pega a
taça de vinho e dá um gole breve. — Eu sei que você
gosta. Afinal de contas, como não gostar? Somos um
casal lindo — Nate faz uma breve imitação da frase que
ouvimos mais cedo e dou uma risada curta.
— Só bebendo para aguentar sua presença —
desdenho e logo em seguida, bebo um gole de vinho
também. — Mas, por falar em presença, eu achei que
você iria encontrar a Zara, você tinha comentado algo a
respeito. Você não respondeu mais cedo e isso só
confirma minha teoria: levou um fora, é? — Pergunto,
segurando a risada.
Nate está mexendo no celular, mas ergue os olhos
em minha direção e os fecha levemente. Ele permanece
mais alguns segundos em silêncio e logo, conecta o
aparelho com uma caixa de som e deixa baixo uma
música ambiente.
— Ela teve um compromisso de última hora,
alguma coisa que não fiz questão de entender para ser
sincero — ressalta. — Gosto de estar com ela, gosto de
transar com ela, para caralho, mas…
— O que?
— Às vezes me cansa essa relação superficial,
sabe? — Comenta sério e eu afirmo com a cabeça em
positivo. — Nos encontramos, transamos loucamente,
trocamos meia dúzia de palavras e é isso.
— Bom, já diria minha irmã, melhor transar do que
não transar, e nesse placar, você está bem melhor que
eu — pontuo, esticando os braços para o alto. — Metade
dos meus problemas se resolveria com uma boa rodada
de sexo.
— Você sabe que não transa porque não quer,
certo? — Nate inclina o corpo na bancada. — É você
estalar os dedos assim — ele faz o gesto com a mão
direita — e uma fila de caras aparece.
— Eu não transo porque não tenho tempo, isso sim
— dou um gole no vinho e prossigo. — Entre trabalhar,
estudar, ir para a faculdade e ainda dar conta de um
namoro de mentira — aponto para ele. — Não sobra
tempo. Você tem culpa nisso.
— Não jogue a culpa em mim — ele observa e
segura meu indicador com sua mão direita. — Além do
mais, eu posso solucionar seu problema.
— É mesmo? — Ergo uma sobrancelha para
intimidá-lo. — E qual seria sua grande solução?
Nate dá um riso baixo e inclina o corpo na minha
direção, ficando ainda mais próximo de mim.
— Eu. Por que nós não transamos?
As palavras escorrem da minha boca. Amor à
minha vida? Definitivamente eu não tenho, porque a
feição que Manuela tem neste momento não me deixa
margem alguma para saber se devo correr, ou afastar a
garrafa de vinho para longe dela. Não sei ler o que está
se passando na cabeça dela. São os segundos mais
longos que já vivi.
E então, ela começa a rir. E eu fico ainda mais sem
saber o que está acontecendo.
— O que foi? — Pergunto, com um sorriso nos
lábios, nada muito exagerado, afinal de contas, não sei
em que terreno eu estou pisando.
— Só você para sugerir uma coisa dessas — ela
coloca a mão no peito e continua rindo. — Foi uma ótima
piada.
Ok, não quero sentir isso, mas estou levemente
ofendido, e isso faz com que meu lado racional vá para o
inferno de vez.
— Por que seria uma piada? — Questiono —
Estamos namorando para todos os efeitos, somos
amigos, seria divertido.
Manu para de rir e olha para mim, os olhos
castanhos estão escuros e posso jurar ver suas pupilas
dilatarem, mantenho firme meus olhos nos seus e ergo
as duas sobrancelhas levemente, já que sou incapaz de
fazer da mesma forma que ela.
— Pode esquecer, Nathan. De você eu já tenho
minha cota, já me basta um relacionamento de mentira
— ela dá um gole no vinho e continua. — Sua cama não
vai ser um caminho que vou explorar.
— É uma pena — dou de ombros. — Você iria
gostar — minha voz sai banhada de malícia.
— Claro que eu iria, não é mesmo?
Manu desdenha e antes que eu possa encontrar
outra resposta esperta, o timer do forno apita e me viro
para pegar nosso jantar. Peço que Manu pegue os pratos
no armário ao lado da geladeira e enquanto começamos
a organizar a bancada para jantarmos, uma parte de
mim se pergunta porque arriscou irritar Manu e talvez
arrumar uma briga daquelas com ela sem motivo.
Quero dizer, desde quando eu quero dormir com
ela? Não existe nenhuma chance de que isso aconteça e
que eu queira. Certo?
Minha mente grita um “errado” em letras grandes
e brilhantes, mas deixo de lado essa ideia, foi só um
impulso, pensei com a cabeça de baixo, acontece. Manu
é uma mulher bonita e estava falando sobre sexo, eu
quis unir o útil ao agradável, mas não há a menor chance
disso acontecer, isso não faz parte do nosso acordo.
Deixo a conversa morrer e começo a servir nossa
comida enquanto Manu enche nossas taças de vinho.
Quando nos sentamos, ela dá uma garfada generosa no
peixe e eu faço o mesmo.
— Ok, quero jantar aqui mais vezes — ela comenta
e limpa a boca em um guardanapo. — A Sra. Nilsen está
de parabéns.
— Ela é um anjo na minha vida — pontuo com um
sorrisinho nos lábios. — Agora falando sério, sobre não
transar…
Eu devo realmente gostar de me torturar ou de
correr perigo, porque Manu vira para mim e começa a
falar enquanto segura a faca na minha direção.
— Nate, não vamos transar, esquece essa ideia
maluca — ela revira os olhos e volta a cortar o peixe,
tirando a faca da minha direção.
— Tá, que seja, quem está perdendo é você —
mordo um aspargo e depois de engolir, continuo. — Eu só
quero saber se você acha que nosso namoro está te
atrapalhando — questiono.
— Não sei. Não brinquei quando disse que não
tenho tempo para isso, é sério. Não é como se eu tivesse
tentado algo desde que começamos a “namorar” —
ressalta fazendo aspas no ar.
— Você devia — pondero. — Afinal de contas, não
quero que pareça que só eu posso sair com outras
pessoas ou algo do gênero. Nosso acordo tem que ser
bom para ambas as partes.
— Eu vou pensar a respeito — Manu dá um gole em
seu vinho, e antes que eu prossiga o assunto, meu
celular começa a tocar e o nome de Dave aparece na
tela.
— Se importa? — Mostro o visor para ela.
— Não, vá em frente, fico quietinha aqui.
Aceno em positivo e deslizo o botão para aceitar a
chamada, tirando do modo bluetooth para poder ouvir
Dave melhor.
— E aí, cara — saúdo meu amigo.
— Céus, o seu cabelo está maior ainda. Quando
você vai cortar ele? — Vejo Manu segurar a risada e eu
balanço a cabeça no vídeo.
— Você ligou para dar uma de cabelereiro ou tem
alguma atualização realmente importante?
— Para os dois, afinal de contas, está no código de
regras de amizade alertar quando seu amigo está com
um corte de cabelo horrível — Dave dá risada.
— As mulheres não pensam o mesmo que você —
provoco e vejo Dave e Manu fazerem uma careta.
— Que seja. Liguei para contar que estou na última
fase do processo seletivo que mencionei.
— É sério? — Exclamo empolgado — Se você
passar você vem para cá?
— Basicamente. Eu posso escolher outros lugares,
mas…
— Mas você não vai ousar escolher outro lugar
porque ficar perto do seu melhor amigo é primordial —
completo sua frase.
— Como se você fosse me dar muita atenção eu
estando aí — ele provoca, porque sabe que me irrito
quando ele diz que não sou um amigo preocupado com
ele — além do mais, não estou para farra, Nate, sua vida
é uma loucura que é bom estar distante.
Olho por cima da tela e vejo Manu com a
sobrancelha arqueada, como se estivesse concordando
com Dave.
— Quando você morar aqui, não vou sair da sua
casa, você vai ver. E vou te levar para conhecer a cidade,
as pessoas…
— As mulheres — ele completa — Nem inventa,
Nate. Já tive minha cota de relações superficiais, nunca
estive tão bem com essa folga que estou tendo. Além
disso, eu sou pai de família, quantas vezes preciso te
lembrar disso?
— Você precisa namorar, cara — comento para
Dave. — Ficar sozinho não é legal, vai por mim. Mas,
vamos falar do que importa, como vai funcionar agora?
Quais os próximos passos?
Dave começa a me explicar que agora, ele vai
passar por algumas entrevistas com gestores e o diretor
da área onde possivelmente irá trabalhar. Ele me mostra
o livro que está usando para estudar e não consigo
deixar de sentir um orgulho enorme dele e de sua
dedicação. Dave é incrível e merece a oportunidade de
crescer ainda mais profissionalmente.
— E o Nick? — Pergunto sério. — Você tem pensado
nisso?
— O que você acha? — Ele passa as mãos pelos
cabelos curtos loiros e vejo quando seus olhos ficam em
um tom de azul mais escuro. — Penso nisso o tempo
todo. Já fico longe do meu filho morando no mesmo país
que ele, imagine mudar de continente? Andei dando uma
pesquisada, a Suécia é um ótimo país em níveis
educacionais, as escolas são bilíngues, ele poderia
aprender os dois idiomas, eu só preciso ver a questão de
escolas que se adaptem as necessidade dele…
— Você já cogitou falar com Hannah para trazê-lo?
— Sei que ela é a mãe do filho do meu amigo, mas só de
pronunciar seu nome, sinto a raiva tomar conta do meu
corpo. É uma história que não cabe a mim contar, mas
Dave sofre muito com toda essa situação. Noto que Manu
já terminou de comer, mas ouve atenta a nossa
conversa.
— Cogitei pedir a guarda dele, cogitei pedir que ele
se mudasse comigo, penso nisso todos os dias, Nate,
mas não sei nem como introduzir esse assunto…
Problemas para o Dave do futuro, afinal de contas, não
há nenhuma certeza de que eu vou passar.
— Não adie essa questão, cara, você e eu sabemos
que as chances são grandes.
Noto que meu amigo fica em silêncio alguns
segundos, acenando em positivo com a cabeça e sei que,
independentemente do que aconteça, se der certo, vou
ajudá-lo no que precisar, porque é isso que irmãos fazem
um pelo outro. E amo Dave como se ele fosse um irmão
mais velho.
— Mas chega de falar de mim, e você — ele
comenta, se encostando na sua usual cadeira de
trabalho. — Tirando os jogos e o fato de que seu time
finalmente avançou no campeonato depois de anos e
que vocês tem chances de disputar os play-offs, como
vai o namoro de mentira?
— Bem, sem novidade — comento breve porque,
afinal de contas, minha namorada de mentira está
sentada à minha frente.
— Hm, muito monossilábico — observa Dave. — E
quando eu vou conhecê-la? Não ligo se ela não é uma
namorada de verdade, se é alguém com quem você está
passando o tempo, quero conhecer — Olho para Manu
brevemente e vejo que ela está atenta ao que estamos
conversando. — Ela está aí, não está?
Manu dá de ombros e entendo isso como uma
deixa para que eles se conheçam. Peço para que ela
venha até o meu lado e logo, a tela se enche com a
imagem de Manu pela câmera.
— Ei, Dave, como vai? — Minha namorada o saúda
e vejo na expressão de Dave, que eu conheço há anos, a
surpresa presente.
— Vou bem, Manu. Quer dizer então que você é
quem está aguentando o Nate no meu lugar?
— É, parece que você deixou o trabalho sujo para
mim — ela pontua e os dois começam a rir.
Eles continuam a conversar e Manu pergunta em
detalhes o que Dave faz, eles começam a compartilhar
suas experiências profissionais, meu amigo fica surpreso
com a especificidade da pesquisa que ela está
produzindo e, como curioso que sempre foi, começa a
perguntar mais sobre sua pesquisa.
E apesar de estar conversando com os dois, duas
coisas não conseguem parar de martelar em minha
mente. A primeira é que Manuela é uma mulher incrível.
Posso não entender cem por cento sobre o que ela
estuda, posso ter o conhecimento de certa forma
limitado, mas é fascinante ouvi-la falar com tanta paixão,
é… Sexy.
O que me leva a um outro questionamento: que
merda me deu na cabeça de sugerir uma amizade
colorida para Manuela?
Não posso misturar as coisas, ela é uma das
poucas coisas que tenho controle em minha vida. Nosso
acordo tem acalmado cada dia mais a imprensa, meu
lugar de destaque no time se mantém a cada jogo, meu
treinador e os demais caras do time voltaram a me
respeitar, e no final de contas, somos amigos. Não posso
jogar tudo pro alto só porque acho Manu linda, porque
gosto do cheiro de café que ela emana, porque fico
levemente hipnotizado quando ela solta os cabelos, ou
porque daria tudo para ir numa balada com ela
novamente e dançar agarrado com ela…
— Nate? — A voz de Manu ressoa ao meu lado e
percebo que não faço ideia sobre o que ela e Dave
estavam conversando nos últimos minutos.
— Foi mal, acho que o cansaço bateu — respondo
rapidamente e os dois assentem e repetem a pergunta
que fizeram.
Nós continuamos a conversar e eu mando para
longe os pensamentos que tenho com relação a
Manuela.
Temos um acordo e uma relação boa como amigos,
é isso que tem que ser.
É isso que será.

Sexta-feira, depois do treino, tenho uma reunião


com meu empresário e agente do time e, dado a
calmaria das últimas semanas, nós não temos que lidar
com a imprensa ou com formas para acalmá-la, o que é
ótimo e sempre me faz pensar que sou um gênio pela
ideia de ter um namoro de mentira.
As coisas estão tão bem, que há uma revista doida
para fazer uma matéria exclusiva comigo para falar de
bem estar, vida pessoal e claro, de hockey. Não só isso,
eles querem que Manu vá comigo e ainda por cima,
pagando nossa estadia. É uma proposta e tanto, mas
preciso ver se minha namorada topa a ideia e por isso,
não dei a resposta para eles ainda.
Saio do complexo esportivo e envio uma
mensagem para ela perguntando se podemos nos
encontrar. Temos feito isso com frequência, essa semana
mesmo jantamos fora e ela foi ao jogo ontem, pela
primeira vez sozinha. Mahara, sua companhia de sempre,
parece estar com o doutorado consumindo cada segundo
de seus dias.
Ao entrar no carro, duas mensagens apitam em
meu telefone, uma de Zara e outra de Manu.

Manu: Não consigo encontrar você hoje, Nate,


preciso voltar para casa e colocar meus textos em
dia, devo virar a noite… Nos encontramos no jogo,
pode ser?
Eu: Tudo bem, bons estudos
Manu: ��
Em seguida, abro a mensagem de Zara e não me
surpreendo com o conteúdo da mesma:
Zara: eu, você e nenhuma roupa.. o que acha?
Essa mulher sabe como me fazer uma proposta
boa depois do treino.
Eu: estou a caminho.
Penso em mandar uma mensagem para Manu
avisando que vou encontrar Zara, mas uma parte de mim
se pergunta se ela não interpretaria como se eu a
estivesse trocando. Algumas vezes, fico confuso com as
atitudes que devo tomar a respeito dela, sei que avisar é
importante, que faz parte do nosso combinado, mas às
vezes tenho medo que ela fique magoada.
Nessas horas, fico repetindo mentalmente que não
há motivos para ela ficar chateada porquê… Não somos
namorados de verdade.
Às vezes parece que namorar de mentira é muito
mais difícil do que ter um relacionamento sério.
Decido que vou avisá-la depois e dirijo na direção
da casa de Zara. Ela mora um pouco mais longe de mim,
mas ainda assim, em um bairro incrível e muito
badalado. Já está escurecendo quando estaciono
algumas ruas antes do prédio e desço do carro, tomando
cuidado para ver se ninguém me reconhece. Por sorte,
ela mora em uma região bem tranquila e ninguém nota
minha presença.
Digito o código que já conheço para destrancar a
porta da frente e subo ao elevador com expectativa. Zara
mora em um apartamento onde cada andar é exclusivo
para um morador, assim como o meu, por isso, quando
as portas de metal se abrem, não me surpreendo nem
um pouco ao vê-la parada na porta usando nada mais do
que um roupão de seda preto.
— Oi, gostoso — a voz aveludada me saúda e não
consigo evitar o sorriso.
— Oi, gata — respondo no mesmo tom e tão rápido
quanto começou, o assunto entre nós morre.
Enfio os dedos nos cabelos loiros claros de Zara e
grudo sua boca com a minha, porque é assim que
funcionamos. Menos conversa, mais sexo.
Demora segundos para que a porta seja fechada
com um empurrão de pé e para que ela esteja com as
pernas entrelaçadas em meu corpo, o nó do roupão está
se desfazendo e, como eu suspeitava, ela não está
usando nada por baixo.
Zara e eu transamos como animais, é rápido, bruto
e satisfatório. É ótimo e é exatamente o que preciso,
mas, quando terminamos, a respiração ofegante é o
único som que se estabelece entre nós.
E por breves instantes, eu só gostaria que a mulher
ao meu lado soltasse comentários ácidos e erguesse a
sobrancelha de forma intimidadora. Ou que estivéssemos
cantando a plenos pulmões System Of A Down e eu
estivesse impressionado com a performance e a
facilidade como ela recita as letras com maestria.
E por breves segundos, me dou conta de que eu
preferiria estar sem transar, mas com a presença de
Manuela.
Alto, cabelos raspados, pele negra, sorriso
brilhante e simpático.
É, definitivamente esse cara me agrada, penso
comigo mesma, enquanto Joe, o rapaz responsável por
fazer as entregas de café e demais matérias-primas
carrega sacos e caixas pesadas. Eu era próxima do
antigo funcionário, que sempre realizava as entregas
com agilidade e sempre fazia questão de mostrar a
qualidade dos produtos.
Mas, Joe… Bom, ele pode não ser tão prestativo
como o cara anterior, mas no quesito beleza, ele dá de
dez a zero. Normalmente, eu não estaria dando tanta
atenção, mas desde a conversa maluca de Nate sobre
transarmos, é como se uma sirene tivesse decidido apitar
todos os dias na minha cabeça para me lembrar que não
estou transando. E mais, de que faz um bom tempo
desde que fiquei com alguém.
E é um saco quando você percebe que sua vida se
tornou muito mais trabalho do que diversão.
“Estamos namorando para todos os efeitos, somos
amigos, seria divertido”. O rosto de Nate ganha vida na
minha mente e passo a roer com mais força o cantinho
do dedo. Não consigo controlar a revirada de olhos,
mesmo que ele não esteja presente aqui e que a
conversa já tenha acontecido há alguns dias. Só Nathan
mesmo para sugerir uma maluquice como essa, como se
eu fosse cogitar transar com ele, quando eu nem mesmo
me sinto atraída por ele. Minha mente grita um
“mentirosa”, mas eu simplesmente ignoro.
Bufo alto. Não. Eu e Nathan somos um acordo
muito bem feito que tem tudo para continuar dando
certo até o tempo que for necessário, depois disso,
seremos amigos e fim. Minha vida já é complicada
demais para que eu acrescente uma relação que exija
mais de mim. Amizades coloridas, namoros, não tenho
tempo para isso.
Em contrapartida, Joe se encaixa no que preciso.
Ele é uma ficada rápida que eu pretendo concretizar em
breve, que não vai me tomar tempo e se tudo correr
bem, vai tirar toda a tensão existente em meu corpo. E é
por isso que quando ele aparece na minha frente, com a
nota fiscal para que eu assine, estou disposta a flertar
com ele.
— Pronto, tudo entregue — comenta ao estender a
nota em minha direção.
— Você fez um ótimo trabalho, Joe — pisco para ele
e pego a folha. — Ficou faltando apenas aquele
carregamento de leite desnatado, certo? — Eu solto o
cabelo, que está preso no coque feito com uma caneta, e
jogo os fios castanhos em ondas pelos ombros. Noto
quando ele me observa atento.
— É… Isso… Isso mesmo — ele gagueja de leve e
eu sorrio antes de abaixar para assinar meu nome. Está
dando certo.
O balcão é mais baixo e uso isso ao meu favor para
me inclinar um pouco mais e empinar minha bunda. Joe
desvia rapidamente o olhar em direção ao meu quadril e
eu sorrio por dentro, ele está caindo direitinho.
— Aqui — estendo o papel para ele. — Se você
conseguir entregar ainda essa semana, seria perfeito, o
estoque está bem baixo, posso anotar meu número e
você me avisa quando puder…
— Ah! Eu sabia! — Joe pontua alto e estala o dedo
da mão esquerda, como se tivesse desvendado um
mistério, assim como um personagem do Scooby Doo[6].
— Desculpa, o que você sabia? — Questiono.
— Sabia que te conhecia de algum lugar — ele
explica surpreso. — Você é a namorada do LeBlanc!
E todo o meu plano vai por água abaixo. Meu
sorriso começa a morrer lentamente conforme ele
começa a falar empolgado como é torcedor do time,
sobre as estatísticas do meu namorado falso e como o
Älg está indo bem no campeonato esse ano por conta de
Nathan.
Mantenho minha feição neutra e respiro fundo,
esperando pacientemente que ele pare de falar logo,
porque, diferentemente de antes, agora eu só quero que
ele vá embora. Gastei parte do meu repertório de flertes
descarados com um cara que nem ao menos vou
conseguir beijar, que tem a língua ocupada demais e
está gastando meu minutos preciosos falando do maldito
do meu namorado de mentirinha.
— Diga ao LeBlanc que sou fã dele e que estou
confiante de que o campeonato será nosso esse ano. VAI
ÄLG! — Ele dá um grito e eu me assusto com a
empolgação.
Perco a capacidade de fala e sorrio amarelo
enquanto ele se despede. Fico grata por ele não ter
entendido a deixa do telefone e ainda mais feliz por ele
ter se empolgado mais com o fato de me reconhecer dos
jornais e não ter notado minhas investidas.
Continuo a cumprir com minhas obrigações de
trabalho, pego alguns papéis para fazer inventários, mas
não consigo controlar os pensamentos, não consigo
deixar de pensar que Nate estava certo sem nem ao
menos saber.
Nosso relacionamento, oficialmente, está me
atrapalhando em me relacionar com outras pessoas. Eu
nem precisei me esforçar muito para constatar isso.
— Merda! — Digo em voz alta para ninguém mais
além de mim.

— Mah, você poderia parar de rir da minha cara?


Estamos no estádio do Älg, o aquecimento dos
times acabou há alguns minutos e nós aproveitamos o
momento para buscar uma bebida. É sábado e por isso,
consegui vir mais cedo para poder acompanhar todo o
pré-jogo. Eu deveria ficar estudando, aproveitando o
tempo livre para colocar minhas infinitas leituras em dia,
mas ele me chamou para ir ao jogo e Mahara finalmente
disse que estava livre. Faz tempo que não saímos juntas,
e eu adoro sua companhia em dias de jogos.
Mahara está usando uma camiseta do time de
Nathan, assim como eu, que fica duas vezes maior nela
por conta de sua baixa estatura, os cabelos estão soltos
e brilhosos por suas costas e hoje, diferente dos demais
dias, ela está com as armações de óculos preta que tanto
gosta. Ela retira a armação para poder enxugar as duas
lágrimas solitárias que escorrem devido a sua crise de
riso.
Já estou arrependida de ter contado a ela sobre o
incidente desastroso com o fornecedor da cafeteria.
— Manu, sério, essa história, se não fosse
comprometedora, precisava ser contada para todo
mundo, é aquele tipo de coisa que você conta em
programas de auditório — ela comenta, ainda
recuperando o fôlego e coloca novamente os óculos.
— Você acha engraçado? — Ralho, fingindo falsa
irritação, ao mesmo tempo em que agradeço pelos dois
copos generosos de cerveja que a atendente do
camarote me entrega e falo mais baixo. — Não vou
conseguir transar com ninguém nunca mais por conta
dessa história maluca de namoro. E isso tem culpa sua —
aponto para ela com o copo de cerveja enquanto
caminhamos de volta para nossos lugares.
— Ah, Manu, fala sério! — Mahara responde no
mesmo tom. — Que grande inferno é ser a namorada do
cara mais gostoso do hockey sueco, não é mesmo? Aliás
— minha amiga me para no meio do caminho, mas antes
de falar, dá um gole em sua cerveja. — Você devia unir o
útil ao agradável.
— Como assim?
— Você já tem o título, por que não aproveita para
ter os benefícios? Transa com ele — explica e mordo
minha bochecha. — Aposto todo o dinheiro que você
quiser que, — ela ergue o indicador — um, Nate toparia
e, dois, seria incrível e bom.
— Você anda lendo romances demais, não viaja.
— Definitivamente, você é a pessoa mais cabeça
dura que eu conheço.
Minha amiga revira os olhos e dá risada quando eu
a empurro de leve para que continue a andar. Enquanto
sigo atrás dela, por breves segundos, não consigo deixar
de pensar que talvez esse seja um sinal do universo. Não
contei a Mahara a conversa maluca de Nate, mas ela
mesmo sem saber, sugeriu o mesmo que ele. “Seria de
todo tão ruim assim?”, penso comigo. A dúvida perdura
por segundos dentro de mim, porque logo, meu lado
racional, graças a Deus, volta à ativa e eu jogo essa ideia
para o fundo da mente.
— Bom, chega de falar de mim — volto a falar
quando entramos na nossa fileira de poltronas. — E
você? Como está sua vida? Tirando a monitoria e o
doutorado?
— Ah, nada de novo para contar — Mahara
comenta com certo pesar na voz. — Meu irmão começou
a falar que quer ir estudar fora, e isso tem deixado
mamãe maluca. Meu pai, como sempre, neutro, na dele e
tentando apaziguar conflitos. E claro, minha mãe todo os
dias insistindo na ideia de preservar costumes — ela
comenta séria. — Na cabeça dela, eu estou ficando velha
e preciso me casar logo, ou vai ser “tarde demais”. Se
ela ao menos soubesse que eu só queria transar mais...
Bom, ela não pode nem sonhar que eu penso em coisas
assim.
— Sua mãe sabe que estamos no século vinte e
um, certo? — Pergunto em um tom de brincadeira, para
tentar quebrar a tensão latente na voz de Mahara.
— Eu gostaria que ela se lembrasse disso, porque,
não obstante, ela quer que eu me case com alguém que
seja descendente de paquistaneses.
— É tão estranho essas ideias da sua mãe… Quero
dizer, eu entendo a questão de tradições e afins, mas
isso não se encaixa para você e nem para ela, afinal de
contas, se for para falar de quebra de tradição, sua mãe
rompeu o pacto…
— Casando com meu pai — completa Mahara. — Eu
sei. Mas se falar isso é pior, e além do mais, ela acha que
isso não é desculpa para querer que mantenhamos os
costumes. Ela já não aceita o fato de que eu não uso o
hijab[7], ou que não sou muito religiosa, então…
Aceno em positivo para Mahara e lamento
internamente por não poder ajudá-la. A mãe dela veio
para a Suécia anos atrás ajudar uma prima da família
quando esta engravidou, e ao chegar aqui, ela acabou
conhecendo o pai de Mahara e também ficou grávida.
Mesmo que, segundo Mahara, a mãe ame o marido, ela
não deixa de lamentar pela falta de costumes na família.
Ela permaneceu usando o hijab, mas, como minha amiga
mesmo explicou, o hijab é forma de estar conectada com
Deus e também uma escolha pessoal e ela prefere não
usar.
Entretanto, mesmo conhecendo Mahara há pouco
tempo, sei que isso é um assunto que a incomoda
bastante, a relação dela e da mãe é um pouco
conturbada. Lamento por saber que não posso interferir
ou ajudá-la, mas dou meu melhor em ouvir minha amiga.
— Sinto muito, amiga, é um saco essa situação
toda.
— Tudo bem, dias e dias — Mahara dá de ombros.
— Olha, o jogo vai começar! — Ela exclama e a arena se
enche de gritos.
Semanas atrás, eu teria afirmado, sem nem ao
menos dar uma chance, que hockey era um jogo de certa
forma bobo e entediante. Mas a verdade é que já me
acostumei com o esporte, a energia da torcida é algo que
me pegou de jeito, me lembra muito as torcidas
organizadas do futebol, que convivi um pouco por conta
do meu avô materno e seu amor pelo Universidad
Católica. [8]
A energia dos torcedores de hockey é incrível, me
acostumei a estar no rinque pelo menos uma vez por
semana e torcer para Nathan é muito legal. Usar a
camiseta com o número dele nas costas também se
tornou meu uniforme e, aos poucos, eu começo a
entender mais as regras, como o fato de substituições
serem permitidas a todo tempo, ou como o jogo é
interrompido quando o gol sai do lugar e também que há
penalidades de diferentes tempos, às vezes, um jogador
fica dois minutos fora e outras vezes até cinco.
Nathan e Mahara estão empenhados em me fazer
entender cada vez mais e eu tenho sido uma boa aluna.
Na noite de hoje, os Älgs vai jogar hoje contra Malmö, um
time que, segundo Mahara, é bom, mas não vai ser páreo
para o time de Nathan. Eu apenas aceito sua
constatação.
O time de Nathan entra primeiro, com toda a
pompa e exagero que só os suecos sabem fazer. Os
jogadores entram por um túnel inflável e pequenos fogos
de artifício são disparados, Mahara comentou comigo
que a equipe do time conta até com técnicos de
pirotecnia. A torcida vai à loucura. O time de Malmö
entra e recebe as tão famosas vaias da torcida. O
narrador continua a falar sobre a escalação dos times e
quando chega a vez de Nate, diferente de antes, passa a
falar em inglês.
“E, na noite de hoje, não podemos deixar de
parabenizar Nathan LeBlanc por seus vinte e quatro
anos. Jogando no dia de seu aniversário, vamos saudá-lo
com uma grande salva de palmas”.
E só então me dou conta do que aconteceu.
—Droga! — Exclamo alto. — Eu esqueci
completamente que era aniversário dele!
— Mas você sabia, certo? — Pergunta Mahara.
— Sim, nós conversamos a respeito uma vez e eu
ainda brinquei que ele não combinava muito com o signo
de virgem…
— Você é uma péssima namorada, Manuela
González — Mahara brinca comigo e eu semicerro os
olhos na direção dela.
Vejo Nathan acenar para a multidão, agradecendo
as salvas de palmas e fico surpresa quando ele olha bem
na direção onde estou, me encontrando. Ele patina até a
parte onde estamos e, mesmo que o capacete dificulte
que eu veja seus olhos, noto o sorriso em seus lábios. É a
primeira vez que isso acontece, e como forma de
começar a consertar meus erros, mando um beijo para
ele, assoprando-o com os lábios e sorrio quando Nate
simula pegá-lo no ar e deposita em seu peito.
Ele volta a patinar pelo gelo, assumindo sua
posição, ao lado do outro jogador que vai disputar o
disco. O juiz se posiciona no meio do ringue e segura o
disco em mãos, ele solta o mesmo e a arena vai à
loucura. É hora do jogo, e eu opto por torcer com tanta
paixão como fazia nos estádios de futebol. Eu decido
torcer como uma namorada faria, e como ele merece no
dia do seu aniversário. Quando o primeiro gol feito por
Nate acontece, os fogos de artificio são disparados, o
telão se enche com “Mäl”, que significa gol em sueco, e
eu berro a plenos pulmões de alegria.
No último tempo, o placar é de cinco a um para o
Älg, com os cinco pontos sendo marcados por Nathan, é
impressionante. A forma como ele desliza no gelo, como
domina o disco entre o taco e os patins, a mira certeira a
longa distância e rapidez com que as jogadas
acontecem, dos cinco gols, só três eu consigo ver
acontecer, os outros dois eu só comemoro porque a
torcida ao meu lado vibra alto, é tudo muito
rápido. Houve um momento de disputa séria entre os
dois times pelo disco e uma briga deu-se início, fiquei um
pouco assustada, mas Mahara me tranquilizou e logo a
posse do disco voltou para o Älg.
Ele tenta marcar mais um ponto nos segundos
finais, mas o apito do juiz ressoa e a arena grita em
comemoração, é realmente uma temporada e tanto para
o Stockholm Älg, e o narrador não esconde sua alegria ao
final da partida. E, como de costume, o time todo vem
para o nosso lado, batendo os tacos no gelo, a galera
grita ensandecida e minha voz se mistura à deles.
Quando as pessoas começam a dispersar, eu
chamo Mahara para ir comigo até o túnel onde as
entrevistas acontecem, o segurança, que já me conhece
a essa altura, me saúda com um aceno de cabeça e ao
começar a andar, encontro com Michael, o empresário de
Nate.
— Vai dar parabéns para o nosso astro? — Pergunta
ele e dá uma piscadinha discreta em minha direção.
— É a ideia — sorrio para ele.
Michael continua a andar na direção oposta e não
demora muito para que eu encontre Nate. Com os fones
de ouvido e os cabelos castanhos grudados na testa por
conta do suor, vejo ele focado, apertando o fone mais em
seu ouvido, provavelmente se concentrando na pergunta
que está sendo feita.
Mahara, que também se tornou um rosto conhecido
por aqui, acena para alguns conhecidos e até mesmo
jogadores do time e sorrio por vê-la empolgada. Volto a
olhar para Nathan e reparo quando ele dá uma risadinha
e um sorriso de lado antes de remover os fones de
ouvido e virar para a direção onde estou.
Aceno brevemente e ele começa a caminhar na
minha direção, ainda usando os equipamentos e os
patins, ele vem a passos lentos, assim como fez da
primeira vez em que estive aqui. Entre nosso primeiro
encontro nos túneis e este agora, não se passou tanto
tempo assim, mas entre nós, é engraçado ver como já
nos acostumamos com a presença um do outro e como
encaro essa realidade toda como algo de rotina.
Quando ele chega até nós, Mahara chama sua
atenção primeiro.
— O aniversário é seu, mas o presente é nosso por
ter um jogador como você — não contenho a revirada de
olhos, porque minha amiga é incapaz de deixar o lado fã
e torcedora de lado.
— Tudo pelo time, Mah! — Nathan se inclina para
abraçá-la e minha amiga, agora mais acostumada com o
jogador que tanto gosta, o felicita pelo aniversário e pela
vitória.
Eles se afastam e Nate olha para mim, dando um
passo para ficar mais perto. Com um sorriso brilhante
nos lábios, ele afasta um pouco os fios presos em sua
testa.
— Eu esqueci completamente, Nate — começo a
falar. — Me desculpa? — Peço sincera e sua risada
preenche o ambiente.
— É, eu não sei, vou precisar dar o meu melhor
para te perdoar — ele pondera com o indicador no
queixo.
— Não exagera. Seja mais generoso comigo, baby
— dou risada quando ele arregala os olhos ao ouvir o
apelido bobo que usamos um com outro na frente das
pessoas.
— Você pode começar a consertar seu erro agora
— ele se aproxima e fala próximo ao meu ouvido — Que
tal um beijinho para que as pessoas parem de nos olhar?
— Ele sussurra e olho disfarçadamente ao redor, notando
como estamos sendo observados.
— Não se acostume, é só porque é seu aniversário
— murmuro e na sequência, puxo seu rosto com minhas
mãos e selo meus lábios com o dele numa carícia breve.
Quando abro os olhos, vejo que as íris de Nate cintilam e
brilham de uma forma diferente. — E aí, quais os planos?
— Topa comemorar com um time de hockey inteiro
depois daqui? — Ele pergunta.
— Claro, a noite é sua, você escolhe.
O bar onde estamos é um dos mais caros e
badalados de Estocolmo, estamos em uma parte
reservada e exclusiva e as bebidas não param de chegar.
Diferente da outra vez em que estive em um ambiente
assim, fico bem mais à vontade, já que Mahara e Helen
me fazem companhia. Há outras esposas e namoradas
de jogadores e, claro, muita gente de dinheiro, mulheres
lindas e todas essas coisas comuns entre pessoas de
status elevado.
Mahara conversa animada conosco, mas não deixo
de notar que ela olha toda hora no celular e vez ou outra,
precisa parar e responder alguma mensagem, flagrei
duas vezes o nome da mãe dela, provavelmente elas
estejam brigando por minha amiga ainda estar fora de
casa. Em certos momentos, me pergunto como Mahara
aguenta essa pressão toda, afinal de contas, ela é
apenas dois anos mais nova que eu.
— Eu gosto de vocês dois juntos — comenta Helen
depois de bebericar seu drink recém-chegado. — Gosto
muito do Nathan, ele é um bom rapaz, só precisava de
alguém para colocá-lo no caminho certo.
— Helen, já falamos sobre isso — brinco com ela. —
Não é nosso dever “consertar” homens — faço aspas no
ar e minha amiga inclina a cabeça para rir.
— Você não deixa passar uma, né Manu? — Helen
me cutuca com o ombro — Não quis dizer nesse sentido,
ele provavelmente tenha para sempre esse jeitão mais
brincalhão, meio garotão, mas é perceptível que vocês
fazem bem um ao outro — observa. — E ele não tira os
olhos de você.
— Isso é verdade — completa Mahara, ainda que
seus olhos estejam grudados na tela do celular.
Não posso corrigir minha amiga porque, para
Helen, eu e Nate realmente namoramos, mas quando ela
comenta sobre ele estar sempre me olhando, procuro-o
no meio dos demais e encontro seus olhos rapidamente.
Ele dá um sorriso e lança um beijo com os lábios
brevemente, voltando a conversar com o grupo onde
está.
— É… Ele é um cara legal — comento, sem dar
muita margem para prosseguirmos o assunto tendo Nate
e eu como foco. Mahara entende o recado e logo começa
a puxar um novo assunto com Helen.
Mesmo que esteja prestando atenção no que as
duas conversam, não deixo de reparar um pouco em meu
namorado de mentira. Depois do jogo, ele apareceu
vestindo uma calça de sarja preta e uma camisa da
mesma cor, dessa vez, usando sobretudo e um cachecol,
porque o clima nos últimos dias tem sido cada vez mais
gelado.
Mas, agora, dentro do bar, as mangas de sua
camisa estão dobradas e o braço cheio de tatuagens está
em evidência, os cabelos dele estão maiores do que
quando o conheci, mas diferente do amigo dele, Dave,
não acho de todo ruim. Quando eles secam ao natural,
como no dia de hoje, eles formam algumas ondas e é
realmente bonito.
Repreendo-me por estar reparando tanto em Nate
dessa forma e volto a prestar atenção na conversa que
acontece ao meu redor. Helen é uma mulher enérgica e
muito animada, formada em Direito, ela trabalha com
Direito da Família e cuida, de forma gratuita, de casos de
racismo, xenofobia e também violência contra a mulher.
Posso ter poucas amigas aqui, mas com ela e Mahara
junto comigo, me considero sortuda demais. Somos
diferentes em muitos aspectos, tanto culturais, como
socioeconômicos, mas é incrível ver como isso torna
nossa conversa muito mais enriquecedora.
Ficamos ali mais um tempo conversando até que as
luzes do local onde estamos diminua ainda mais e alguns
atendentes comecem a andar até nós com um balde de
champanhe com velas piscantes e um bolo pequeno até
a nossa mesa.
— De onde veio isso? — Pergunto para Helen e
Mahara.
— Faz parte do combo do aniversariante no time, o
aniversário é todo pago pelo clube, é bem legal.
Aceno surpresa com a constatação e Nathan se
posiciona na ponta da mesa, em frente ao bolo e com o
balde ao lado. O burburinho das conversas é grande, mas
aumenta ainda mais quando começam a chamar meu
nome.
— Vai até ele, Manu — é Helen quem fala e começa
a gritar alto um “Manu, Manu, Manu”, que logo, todos
começam a repetir.
Olho na direção de Nathan e ele faz um movimento
com o indicador, me chamando para ele. Ele tem um
sorriso travesso nos lábios e as bochechas estão um
pouquinho mais coradas, ele está se divertindo hoje, e
está certo em fazer isso.
Reviro os olhos e dou mais um gole em meu drink,
indo até ele e todos os presentes comemoram. Quando
chego ao seu lado, ele enlaça minha cintura com seu
braço direito.
— Adoro que você esteja com a minha camisa —
ele comenta mais baixo e próximo ao meu ouvido.
— Fico feliz que você esteja curtindo seu dia. E
desculpa mais uma vez por esquecer.
— O importante é você estar aqui agora, baby —
Nathan brinca, dá uma piscadinha com o olho direito e
deposita um beijo em minha bochecha.
— No três pessoal — a voz grossa vem de um dos
ala atacantes do time — Um, dois, três!
E diferente do que eu imaginei, o parabéns em alto
e bom som começa a ser cantado em inglês, ainda bem,
porque eu não saberia de forma alguma como cantar a
versão em sueco. Noto que as velas em cima do bolo,
com os números dois e quatro, estão apagadas, e peço
rapidamente um isqueiro para acendê-la. Um dos caras
me estende um zippo e eu trato de acendê-las, ainda
cantando os parabéns em alto e bom tom.
— Happy Birthday, dear Nathan… Happy birthday
to you! [9]
Ao final do último verso, meu namorado se abaixa
para apagar as velas, mas seu braço permanece em
volta da minha cintura, é engraçado porque ele fica mais
torto ainda, por conta do contraste da altura entre a
mesa e ele.
— Faz um pedido — eu falo mais alto e ele assopra
com força as duas velas, que se acendem mais duas
vezes, até apagarem definitivamente. — O que você
pediu? — Pergunto quando ele se levanta e fica
novamente ao meu lado.
— É segredo e você sabe disso — ele pisca e não
consigo deixar de sorrir com a alegria contagiante que
está irradiando de Nate hoje.
— Vamos, casal, um beijo! — É Peter quem grita.
Olho para Nathan e ele se inclina na minha direção
depositando um beijo breve e rápido nos meus lábios.
— Ah, pode parar, um beijo de verdade — alguém
grita e eu não consigo encontrar o dono da voz, porque
um coro de vozes começa a nos incentivar a dar um beijo
de verdade.
Eu começo a dar uma risada de nervoso e me
perguntar como vamos nos livrar dessa situação, olho
para Mahara e ela me observa por debaixo dos óculos, eu
noto com ela segura a risada enquanto incentiva junto
dos demais para que nos beijemos.
— Acho que vamos ter que fazer isso — Nate
sussurra em meu ouvido e afasta meu cabelo para o lado
— Vamos ter que dar ao povo o que eles querem.
Sinto meu estômago revirar e tento conter o
arrepio que corre meu corpo quando a mão de Nate
repousa em minha bochecha, ela é tão grande que quase
esconde meu rosto por inteiro. Ele faz um breve carinho
com o polegar e quando olho para ele, vejo a expectativa
presente.
“Não pode ser tão ruim assim”, penso comigo.
— Só dessa vez — sussurro quase sem mover os
lábios e os aproximo rapidamente dos de Nathan.
E então, acontece. Nós nos beijamos. Primeiro, é só
um encostar de lábios mais demorado, mas então, eu
entreabro a boca só um pouquinho e a língua de Nate
pede passagem, indo de encontro a minha.
Neste momento, não importa as pessoas à nossa
volta gritando animadas, não importa Mahara, não
importa que estamos namorando de mentira. Eu
aproveito esse beijo como se estivesse me entregando
de verdade a ele. Nossas línguas se encontram e eu sinto
o gosto de cerveja, mas eu não me importo. Seu cheiro
invade minhas narinas e eu fico impressionada com
como ele beija bem. O estalo de nossas bocas é o som
que só nós somos capazes de ouvir, e por mais que haja
uma boa parcela de mim que queira permanecer
congelada nesse momento, eu quebro o contato, e Nate
faz o mesmo, nos afastando para que possamos
conversar brevemente entre nós.
— Isso foi o suficiente? — Pergunto, tentando
ignorar todas as sensações que meu corpo transmite.
— Não… — ele sussurra ainda perto de mim e com
seu hálito batendo em meus lábios. — Mas acho que, por
hora, vai bastar.
Há coisas na vida que você pode se forçar a
esquecer, mas que, simplesmente, sua mente por algum
motivo considera algo importante demais e necessário
de se armazenar. É a memória seletiva. Eu aprendi isso
em uma aula de história muitos anos atrás, quando
minha professora explicava sobre as diferenças entre as
espécies de homo, ou algo do tipo, não me lembro ao
certo.
Tento me convencer de que o fato de não conseguir
esquecer o beijo entre mim e Manu, é muito mais por
conta da memória seletiva, que escolheu aleatoriamente
que isso é algo importante de reter como informação, do
que por qualquer outro motivo. Tento também me
convencer e, mais do que isso, esquecer a imagem que
minha mente projeta diversas vezes, como se fosse uma
premonição, onde, eu e Manu estamos sozinhos no bar e
eu a beijo até que estejamos os dois nus fodendo na
mesa larga.
— Caralho!
Exclamo alto enquanto a água do chuveiro escorre
pelo meu corpo, já diminui duas vezes a temperatura,
mas nem isso é suficiente para esfriar o calor que sinto
ao lembrar dos lábios avermelhados de Manu e suas
pupilas dilatadas depois de beijá-la.
Meu aniversário foi no sábado e, depois do jogo,
como de praxe, a festa foi oferecida e bancada pelo time
do Älg. Tudo ia bem, Manuela e eu estávamos cumprindo
bem com nosso papel de casal, mas as coisas mudaram
de cenário quando todos os convidados começaram a
pedir por um beijo de verdade.
Eu sabia que Manu iria entender que era o que a
situação pedia, se fosse há algum tempo atrás, eu acho
que ela teria arrumado alguma desculpa para escapar ou
qualquer outra coisa. Mas ela aceitou. E mais do que
isso: ela me beijou de volta. E que beijo.
Infelizmente, depois do nosso momento, algum
idiota inventou que todos deveríamos beber um shot de
alguma coisa, um copo com um líquido verde que vejo
muito as pessoas tomarem por aqui.
Infelizmente, assim como a kriptonita para o
Superman, o shot foi minha fraqueza. O restante da noite
se tornou um borrão, eu só me lembro de Manu dirigir
meu carro e me depositar na cama como um saco de
batatas. Eu não tive forças para conversar com ela, acho
que fiquei apenas resmungando sobre nunca mais
aceitar bebidas verdes.
No outro dia, havia uma mensagem dela
recomendando que eu me hidratasse e outra de Peter,
querendo confirmar comigo a presença no jantar em sua
casa na terça-feira.
O jantar para o qual estou me arrumando neste
momento. O jantar que eu e Manuela fomos convidados.
A primeira vez que vamos nos ver desde que nos
beijamos. E, sinceramente, não sei como agir. Manu não
falou sobre o assunto e eu tampouco. Não sei se algo
precisa ser dito, não é como se eu tivesse forçado
alguma coisa, nós nos beijamos porque era o que a
situação pedia.
Estávamos no meio de pessoas que, com exceção
de Mahara, não sabem que nosso namoro é falso, o beijo
foi dado única e exclusivamente para manter as
aparências, não é como se ele fosse acontecer mais
vezes. Não é como se tivéssemos que nos beijar
novamente ou qualquer coisa… Por que raios a ideia de
não beijar mais Manuela me deixa tão incomodado?
Encosto a cabeça no azulejo e a água escorre pelos
fios do meu cabelo que, quando molhados, ficam ainda
mais compridos. Meu rosto recebe a água que escorre
pelos fios em uma leve enxurrada e eu mantenho a boca
aberta para respirar. Preciso parar de pensar tanto nesse
assunto, preciso parar de pensar nesse beijo, preciso
parar de misturar as coisas. Repito mais uma vez para
mim mesmo que a beijei única e exclusivamente para
manter as aparências.
Como em um desenho animado, sinto um pequeno
diabo sentado em meu ombro esquerdo dando gostosas
gargalhadas.
Termino de lavar o cabelo e o corpo e saio do
chuveiro indo em direção ao closet, vamos jantar na casa
de Peter e por isso, não preciso me arrumar tanto. Opto
por vestir uma calça jeans de lavagem mais clara e uma
camiseta mais despojada. Combinei com Manuela de
buscá-la às sete em sua casa e, atualmente, sei que ela é
pontual com horário, então não demoro para terminar de
me arrumar. Borrifo um pouco de perfume no pescoço,
ajeito meus cabelos, passando um spray que meu
cabeleireiro recomendou para que os fios fiquem no lugar
e visto minhas botas.
Desço até o estacionamento e pego meu carro,
dando partida e saindo pelas ruas na direção da casa da
minha namorada. No caminho, recebo mais uma
mensagem de Zara, é a segunda do dia, é difícil isso
acontecer, mas decido não responder, essa não é uma
noite para responder mensagens picantes, eu preciso me
manter centrado para encontrar Manuela.
Pontualmente às sete, eu estaciono em frente à
entrada do prédio e envio uma mensagem para avisar
que já cheguei. No mesmo instante em que ela aparece
como visualizada, Manuela aparece pelas portas e
preciso me controlar para que minha mente não misture
as coisas, porque os lábios dela estão tingidos de um tom
de vermelho carmesim e parecem ainda maiores do que
já são. Os cabelos estão presos em um rabo baixo e,
como de costume, ela está de preto dos pés à cabeça.
— Ei, Nate — ela me saúda enquanto abre a porta
do carro e adentra. Infelizmente, eu ainda estou mudo. —
Tudo bem por aí? — Pergunta colocando a bolsa no chão.
— Você está linda.
“Sério, Nathan? Onde está todo o seu esforço para
se manter centrado?”, penso comigo mesmo.
— Obrigada, foi o que consegui fazer com o tempo
que tinha, saí correndo da cafeteria — explica, enquanto
afivela o cinto. — Vamos?
— Vamos — limpo a garganta e dou novamente
partida no carro.
O silêncio presente no carro por alguns segundos
logo acaba quando Manu começa a cantar a música que
toca nas caixas de som. A discografia do ‘N Sync que
tanto gosto e que Manu adora me provocar a respeito.
Ela dá um sorrisinho de lado, mas, ao invés de fazer
piada a respeito da boyband, ela puxa outro assunto.
— Está melhor da ressaca? Você bebeu feito um
adolescente — ela ri.
— Na próxima, seja uma boa garota e não deixe
que eu beba tanto assim — peço, tentando parecer
descontraído o suficiente.
— Você já é bem grandinho para saber tomar suas
decisões, Nate, não vou ficar dando uma de babá — ela
gesticula enquanto fala. — Além disso, eu não sou uma
boa garota.
Essa pequena frase pode ser interpretada de
tantas formas, com tantas conotações diferentes que é
impossível não deixar que minha cabeça viaje por
caminhos sinuosos, como, por exemplo, se ela estivesse
falando isso ao pé do meu ouvido, enquanto desliza a
mão pela minha calça e para bem em cima do meu pau…
— Nathan? Você ouviu o que eu falei? — A imagem
deliciosa e tentadora que se forma na minha cabeça se
perde e eu sou despertado com a voz de Manu
chamando minha atenção.
— Não, desculpa, o que você disse?
Manuela repete a pergunta e começa a falar de
algum assunto aleatório e cotidiano. Eu me forço a
prestar atenção e a agir normalmente, mas uma parte de
mim — certamente aquela que gosta de me torturar —
passa o caminho todo se perguntando se Manuela não
vai tocar no assunto do beijo. Torcendo para que ela fale
a respeito, só para eu não me sinta o único idiota a ainda
estar pensando no que aconteceu na noite de sábado.
Infelizmente, quando paramos na casa de Peter e
Helen, nenhuma menção foi feita e, como bom ator que
me tornei, eu coloco um sorriso no rosto quando paramos
na porta da casa deles.

Gotlander é um cara incrível e com quem criei


afinidade desde o primeiro dia em que fui apresentado
ao time. Ele foi um dos primeiros a me receber e falar
que acompanhava meu time enquanto eu jogava no
Canadá. Diferente dos demais jogadores, que passaram a
olhar torto conforme as manchetes a meu respeito iam
aumentando progressivamente, Peter se manteve ao
meu lado, me dando conselhos.
Em dias meio solitários, ele e Helen me chamaram
algumas vezes para jantar aqui, por isso, a casa deles é
um lugar familiar para mim. E ao longo do jantar,
percebo que Manu também parece se sentir bem à
vontade.
— Então filhos não estão em pauta no momento?
— pergunto para os dois enquanto corto mais um pedaço
de carne.
— Não, nem um pouco — comenta Peter. — E não
sei quando entrarão, não é, querida?
— Ainda que este país apoie e incentive que os
casais tenham filhos, eu quero me cansar do Direito
primeiro. — explica Helen. — E isso pode levar um
tempo.
Dou risada do comentário e Manu e ela continuam
a conversar a respeito de como a maternidade sempre
parece ser o fim da linha para a carreira profissional das
mulheres, ainda que aqui haja incentivo financeiro do
governo, ótimas escolas e todo o apoio necessário para
ter filhos. As duas poderiam sustentar sozinhas uma
noite inteira de conversa, mas Peter e eu nos esforçamos
para acompanhá-las.
— Vamos falar de coisas mais legais — pontua
Helen, dando um gole em seu vinho — E vocês dois,
como começou a história de vocês?
Tanto eu quanto Manu paramos os talheres no
prato, levemente surpresos, porque nunca tivemos que
responder essa pergunta os dois juntos. Temos uma
história para contar, estabelecemos os detalhes dela,
mas nem a imprensa, nem as pessoas à nossa volta
perguntaram de maneira incisiva a respeito.
— É bem simples, na verdade, e bem sem sal
também — minha namorada toma a frente e eu me viro
para observá-la. — Como vocês sabem, eu trabalho em
uma cafeteria e ela fica perto do apartamento de Nate,
ele passou a frequentar o café, e aí pedido sim, pedido
não, ele me chamou para sair.
— Sem nem ao menos conhecê-la? — Questiona
Peter com curiosidade.
— Pois é. Imagine um desconhecido parar do nada,
em um belo dia de trabalho e chamar você para sair,
sendo que as únicas palavras que vocês trocaram na
vida foram: “oi, qual o seu pedido?”, “com creme ou
sem?”.
Peter e Helen gargalham na mesa e Manu olha
para mim e dá uma breve piscadinha. Não controlo a
risada também, porque só ela para conseguir montar um
paralelo com a verdadeira história de uma forma que
pareça tão real. Essa mulher é genial.
— Quem ouve isso acha que eu sou maluco —
observo, colocando o braço sobre o encosto de sua
cadeira. — Eu notava que ela me olhava…
— Com tédio — Manu completa e eles voltam a rir.
— Imaginem a cena — ela se inclina na mesa e começa a
gesticular. — Você está lá, tentando trabalhar da melhor
forma que pode e um jogador de hockey, que todo
mundo conhece menos você, decide te chamar para sair?
Eu não dei a menor chance.
— Então você teve que pelejar, LeBlanc? —
Pergunta Peter cruzando os braços e com um risinho nos
lábios.
— E como! — Exclamo, fingindo estar cansado —
Foram algumas idas ao café até que eu criasse coragem
para chamá-la e quando o fiz e ela me respondeu não, eu
me recusei a desistir — olho para Manu e ela tem um
sorriso mínimo nos lábios tingidos de vermelho.
— Como você a convenceu no final das contas? —
Helen segura a taça de vinho tinto e dá um gole breve. —
Adoro histórias de casais se conhecendo — comenta
empolgada.
— Bom, eu esperei um dia ela fechar o café a
chamei para conversar — começo a contar e relembrar
aquele dia. — E lembro que, enquanto esperava que
ela organizasse tudo e viesse se sentar comigo, fiquei
olhando seus movimentos, e sério, essa mulher não é
capaz de parar um segundo — aponto para ela com o
polegar e Peter e Helen riem — ela corria para todos os
lados, fazendo mil preparos, atendendo aos clientes.
Mas, acho que minha ruína foi que, eu me lembro que
estava tocando Billie Eilish — sorrio ao me recordar desse
detalhe. — E reparei que ela murmurava a música,
mexendo os lábios só um pouquinho. Fiquei
simplesmente fascinado… Por ela — completo e olho
para Manuela.
Nossa diferença de altura faz com que eu precise
inclinar um pouco a cabeça para baixo, mas isso só
facilita com que nossos olhares fiquem ainda mais presos
um no outro. Posso não a conhecer há anos, mas noto a
diferença do brilho de suas íris castanhas. É lindo. Essa é
a mulher mais linda em que já coloquei meus olhos.
— Devemos sair e deixar vocês à sós? — A voz de
Peter quebra nosso contato e nós dois damos um riso
sem graça, enquanto Helen dá um tapa no braço do
marido.
— Bom — Manu vira para nossos amigos e continua
— e foi assim que começou, tivemos alguns encontros,
jantares e… Aconteceu — Manuela tem a voz um pouco
mais rouca, mas logo dá um gole em seu vinho para
limpar a garganta.
— Vocês formam um casal lindo, nunca vou cansar
de repetir isso — Helen completa e, tanto eu quanto
Manu damos um sorriso amarelo e seguimos com o
jantar.
Passamos mais algum tempo na casa de nossos
amigos e quando nos despedimos, me lembro que há um
assunto que preciso falar com Manu o quanto antes.
Quando ela entra no carro, aumento a temperatura do ar
e enquanto manobro, introduzo a conversa.
— Preciso te fazer uma proposta.
— Quem eu vou ter que namorar de mentira
agora? — Ela brinca e eu começo a rir. O senso de humor
desta mulher e o sarcasmo dela, eu simplesmente
adoro.
— Por enquanto só eu — prossigo enquanto engato
o modo drive no câmbio — Eu recebi uma proposta para
estar na capa de uma revista masculina sobre esportes,
saúde e afins, e eles querem fazer uma sessão de fotos e
a entrevista em um lugar diferente, em um resort mais
ao norte. E eles ofereceram a estadia para nós dois.
— Eles querem que eu participe da entrevista
também? — Manu pergunta um pouco surpresa.
— Talvez, eu não sei dizer. Mas acho que estão
oferecendo mais porque somos um casal e por isso
acham que…
— Não queremos ficar separados — ela completa.
— Faz sentido. Quando seria?
— No final de novembro, é um resort com ski, se
tivermos sorte de já ter neve posso te ensinar a esquiar
— sorrio ao pensar na ideia.
— Nate, eu morava em Santiago, você acha que eu
fazia o que durante o inverno? — ela brinca. — Sei
esquiar e se quer saber, provavelmente deixaria você
comendo neve.
— Adoro a forma como você também é competitiva
quando quer — sorrio, ainda olhando para a rua. — Mas
que seja, você topa?
— Sim, tudo bem — responde Manu. Eu olho de
relance em sua direção e noto que ela tem seu
calendário do celular aberto na agenda de novembro. —
Me avisa a data direitinho para eu poder me preparar.
Mas, agora é sério, vou precisar ficar alguns dias mais
reclusa nas próximas semanas, eu preciso estudar,
preciso me dedicar à minha tese.
— Claro, o que você precisar — pondero. —
Desculpa te fazer sair hoje, sei que dias de semana são
complicados para você, ainda mais às terças-feiras, como
hoje, em que você foi para a aula e trabalhou meio
período… — começo a me justificar e Manu pousa a mão
em minha perna de leve.
— Ei, está tudo bem — ela faz um carícia leve na
região. — Se eu vim é porque queria e porque consegui
ajustar meus horários. Fora isso, gosto deles, Peter e
Helen são ótimas pessoas.
— Fico feliz em saber disso — toco sua mão com a
minha e quando ela não retira a mesma, me sinto
confiante para permanecer assim.
E quando me dou conta, seguimos o caminho todo
de mãos dadas, até chegar à frente de seu apartamento.
Uma parte de mim lateja para falar sobre o beijo, eu
preciso saber o que ela pensou a respeito dele, preciso
saber se ela pensou… Em mim. Prometi no começo da
noite que ia deixar esse assunto morrer, mas não vou
conseguir. Por isso, quando ela remove a mão da minha,
eu rapidamente seguro-a gentilmente.
— Manu, eu preciso te perguntar uma coisa —
engulo a saliva que se forma em minha boca e procuro
seus olhos.
— Sim? — Ela fala, mas seus olhos correm
rapidamente para nossas mãos juntas e depois para meu
rosto. Ela ergue uma sobrancelha quando fico segundos
demais em silêncio, enquanto reúno coragem e
simplesmente opto por falar de uma vez.
— Sobre sábado, no meu aniversário, o beijo…
— É por isso que você está meio estranho? —
Pergunta ela, me interrompendo. — Se você está com
medo de que eu tenha ficado brava, está tudo bem — dá
de ombros. — Era o que a situação pedia, temos que agir
como o casal de mentira que somos, certo?
Quando ouço ela falar “casal de mentira”, algo
dentro de mim incomoda, de uma forma que não deveria
ser considerada normal.
Ela está certa. Fui eu quem firmou este contrato,
fui eu que disse para sermos namorados de mentira, fui
eu quem propôs de fingirmos um relacionamento e que
isso poderia implicar em várias atitudes, como, por
exemplo, um beijo. Foi um beijo para cumprir protocolos
e eu estou valorizando demais o caso.
— É, fiquei preocupado e receoso, temendo que
você achasse ruim, mas… — limpo a garganta. — Fico
aliviado que não tenha ficado estranho para você. Afinal
de contas, como você bem disse, era o que a situação
pedia.
— Relaxa, Nate, está tudo bem, sério — ela sorri e
eu afrouxo o aperto de sua mão, quando percebo que ela
quer se afastar. Manu se abaixa para pegar a bolsa aos
seus pés. — Nos falamos depois?
— Claro, te mando mensagem — respondo sem
metade do ânimo de antes.
Manu anui com a cabeça e se despede com um
aceno breve de mão antes de sair do carro e entrar às
pressas no prédio.
Fico alguns segundos parado, mordendo o lábio
inferior e mexo nos fios de cabelo, antes de encostar a
cabeça no encosto do banco. Fecho os olhos e tento
colocar meus pensamentos em ordem, mas sou
interrompido por um bip do celular. É uma mensagem de
Zara:
Zara: Tem certeza que vai continuar me
ignorando?
E na sequência, uma foto somente de seu busto
com uma lingerie amarela transparente. Em qualquer
outro dia, eu passaria alguns segundos dando zoom na
foto e responderia um “estou a caminho” na sequência.
Meu pau reagiria quase que automaticamente. Mas não é
isso que acontece, porque… Não quero ver Zara. Não
quero transas vazias e que vão me entorpecer por
algumas horas e depois me fazer voltar para casa
satisfeito e solitário.
Não quero Zara, nem qualquer outra mulher, nem
mesmo as garotas que vivem mandando solicitações de
mensagens em minhas redes sociais. Eu quero…
— Eu quero você, droga — falo olhando na direção
do prédio ao qual ainda estou parado.
Merda.
Merda, merda, merda.
Dou partida no carro e dirijo um pouco acima da
velocidade para poder chegar logo, no caminho, quando
paro em um farol, envio uma mensagem para Dave e
pergunto se ele está em casa e se pode conversar.
Ao entrar no estacionamento, saio do carro e
recebo a resposta do meu amigo de que posso ligar para
ele. Subo no elevador sentindo meu coração bater um
pouco acelerado devido a adrenalina, porque, agora,
talvez eu esteja entendendo o que está acontecendo. E
em certo ponto é assustador, mas em outro, a
constatação me traz paz e alívio.
Abro a porta do apartamento e a tranco enquanto
retiro as botas que estou usando às pressas, removo as
blusas e caminho até a sala, me jogando no sofá e em
seguida, teclando o número de Dave para fazermos uma
chamada de vídeo. Ele atende no segundo toque.
— Sei que você não acredita nesse lance de
conexão, mas eu preciso dizer que talvez isso exista
mesmo — meu amigo começa a falar sem nem ao menos
dar oi.
— Do que você está falando? — Pergunto.
— Você disse que precisava falar comigo e eu
estava teclando uma mensagem para perguntar se você
ainda estava acordado para conversarmos — ele sorri e
cruza os braços sobre o peito. — Tenho novidades para
contar.
— Tá legal, você primeiro — peço.
— Passei na vaga. Vou me mudar!
— Você está brincando? — Me levanto um pouco do
sofá e não consigo controlar o sorriso enorme que cresce
em meu rosto. — Caralho, Dave! Você é o cara mais
inteligente desse mundo, eu sabia que você e essa sua
cabeça enorme iam longe.
— A minha cabeça é enorme? Cara, você não está
se olhando no espelho, né? Esse cabelo comprido te
deixa cabeçudo. E não ligo se alguma mulher disse que
está bonito.
— Eu menti, ninguém falou nada sobre o corte,
mas sei lá... Eu estou gostando — mexo nos fios e penso
nos dedos de Manu massageando-os nas vezes em que
precisamos ficar mais perto um do outro, como hoje,
durante o jantar.
— Que cara é essa? — Pergunta Dave.
— Acho que me fodi, cara.
— O que houve? O que você aprontou dessa vez,
Nathan?
Respiro fundo e como um juiz em séries criminais,
faço uma pausa dramática antes de ler a sentença final
do meu caso.
— Acho que me apaixonei pela minha namorada de
mentira.
Esfrego o rosto com as mãos e pego minha garrafa
de água, dando um gole generoso e olhando mais uma
vez para a tela do computador. Espremo os olhos diante
das palavras, torcendo para que a força do ódio faça com
que, magicamente, minha tese comece a se
desenvolver.
Não sei o que é pior, não saber o que precisa ser
escrito e precisar extrair de algum lugar obscuro da
mente o texto, ou saber o que precisa ser escrito, mas
simplesmente não conseguir colocar no arquivo. Bloqueio
é uma droga, e eu não posso me dar ao luxo de perder
esse tempo livre. Precisei trabalhar no final de semana
passado meio período na cafeteria e, por conta disso,
não consegui fazer muita coisa. Nem mesmo com Nate
eu me encontrei, não fui a nenhum jogo e só almocei
decentemente no domingo porque ele apareceu de
surpresa com uma refeição feita pela Sra. Nilsen.
A imagem dele chegando com uma bolsa térmica e
uma vasilha com arroz, frango grelhado e vegetais
assados foi fofa. Não foi difícil perceber que ele havia
saído do conforto de casa apenas para trazer o almoço
para mim e, mesmo que eu tenha dito a ele que não
poderíamos sair, ele fez questão de esperar meu
expediente acabar e me levar para casa.
Nate foi a adesão que eu não sabia que precisava
ter em minha vida, mas que, neste momento, não me
vejo sem. Infelizmente, da mesma forma como meu
coração se irradia ao lembrar do jogador de hockey que
chamo de namorado falso, a chateação vem com a
mesma intensidade, na amargura ao lembrar das
palavras do meu orientador no e-mail enviado por ele
nesta semana.
“Srta. González, realizei novas correções em seu
texto e envio em anexo novos artigos para ajudar a
complementar sua tese. Como seu orientador, preciso
dizer que não vi mudanças significativas nesta segunda
correção com relação à primeira e, por isso, acredito que
talvez esteja faltando algum comprometimento a mais.
Sei que a senhorita trabalha e tem seus outros assuntos
para lidar, e acredito que não preciso lembrá-la que um
doutorado é tão, senão mais, denso do que um
mestrado.
Mantenha-se focada, Srta. González.”
É como dizia minha mãe: “para bom entendedor,
meia palavra basta”. Meu orientador pode ser mais
velho, mas eu não duvidaria se ele soubesse a respeito
de mim e Nathan, e por mais que eu queira dizer a ele,
em um outro e-mail, que minha vida pessoal não está
atrapalhando meu rendimento, não posso afirmar isso
com toda a convicção do mundo. Já abri mão de alguns
dias de estudo para estar com Nate, fosse cumprindo
com nosso acordo, indo aos jogos ou em jantares
“públicos”, ou mesmo em noites só nossas.
Isso sem contar as distrações que eu mesma me
permito ter com relação a Nathan, como, por exemplo,
lembrar mais vezes do que o aceitável de um beijo que
teve duração de menos de um minuto. Só de lembrar da
proximidade dos nossos corpos, a forma como seu braço
me segurava, como se eu fosse algo que ele não soltaria
nem por decreto, nossos lábios na mais perfeita
sincronia…
Solto um gemido involuntário de frustração e
encosto minha cabeça na cadeira. Definitivamente, não
sei mais o que fazer, mas eu preciso me concentrar de
alguma forma, tem que haver uma forma.
O celular toca e eu me assusto ao ouvir o barulho,
olho para o visor e solto um risinho.
“Falando no demônio…” , digo para ninguém além
de mim mesma e aceito a chamada.
— Oi, Nate.
— Oi. Te atrapalhei, não é? — Pergunta com a voz
levemente preocupada. — Desculpa, Manu, achei que era
melhor ligar de uma vez do que encher você de
mensagens.
— Você não atrapalhou — não é cem por cento
verdade, mas não digo isso a ele. — Para me atrapalhar,
eu precisaria estar produzindo algo, mas estou parada
olhando para o documento de Word aberto.
— Ainda travada?
— E como, não sei mais o que fazer, eu preciso
escrever, eu realmente preciso corrigir essas alterações
todas e me concentrar de verdade, mas não está dando
certo.
— Eu sei que precisa, mas não sei até que ponto
vale a pena ficar se torturando dessa forma. Você precisa
esfriar a cabeça um pouco, Manu — Nate fica alguns
segundos em silêncio e volta a falar. — Topa sair um
pouco?
— Nate, não posso, eu preciso focar…
— Não, você não entendeu — ele me corta. — É
algo para te ajudar, eu juro. Nada de restaurantes,
imprensa, aparições ou qualquer coisa, é só para você
esfriar a cabeça — a voz dele soa com empolgação e eu
não consigo conter a curiosidade.
— O que você tem em mente? — Ele não pode ver,
mas estou sorrindo do outro lado da linha.
— Me espere pronta em vinte minutos e você verá.

— Sem chance, Nathan! — Ralho de braços


cruzados quando ele me estende um par de patins. — Eu
não sei patinar.
Quando Nate me buscou em casa, vinte minutos
depois, conforme ele havia combinado, achei que ele iria
me levar em algum lugar mágico de Estocolmo, um
parque, ou qualquer coisa, mas quando ele estacionou o
carro na arena de seu time, eu comecei a desconfiar que
viria alguma ideia ruim disso. Dito e feito.
— Eu vou entrar no gelo com você, prometo te
segurar — ele pisca e deixa que seu sorrisinho torto de
lado preencha seus lábios.
— Não, nada disso — balanço a cabeça. — Muito
legal a metáfora de “esfriar a cabeça” e tudo mais, mas
não vai rolar. Não quero correr o risco de ficar cheia de
roxos pelo corpo por conta de tombos.
— Ah, fala sério! Como se eu fosse deixar você cair
— ele desdenha. — Tenho um metro e noventa, patino
por esse gelo mais do que ando a pé, não existe a menor
chance de você se machucar. E outra — ele começa a
remover as botas que está usando. — Você mesma disse
que nunca patinou, vai mesmo deixar essa oportunidade
passar? Além disso, o Mikkel, um dos responsáveis pela
segurança da arena, se disponibilizou para vir até aqui
abrir a porta para nós.
Cerro os olhos em sua direção e ele sustenta meu
olhar. Nathan está usando calças de moletom, uma
camiseta tie-dye[10] que não combina nem um pouco com
ele e uma touca cinza, os cabelos escapam pelas laterais
e adornam seu rosto. Ele está com os braços cruzados, e
as tatuagens todas pretas, trazendo a vibe bad boy, não
ornam nem um pouco com a aparência dele agora.
— Falar de um pobre trabalhador que se ofereceu
para vir até aqui é golpe baixo, Nathan LeBlanc — aponto
para os patins ao seu lado. — Vamos logo com isso.
— Um bom jogador sabe usar tudo a seu favor —
comenta convencido enquanto começa a calçar seus
próprios patins. — Senta aí, vou calçar em você.
— Por um acaso eu não sou capaz de calçar
sozinha? — Desdenho enquanto o assisto vestir em
segundos os próprios patins.
— Claro que você é capaz, Manuela — Nate revira
os olhos e coça a cabeça por cima da touca. — Mas eu só
quero ser um cara gentil e evitar que você se machuque
com uma lâmina afiada, juro que não tem nada a ver
com a sua capacidade de dar nó em um cadarço.
Esclarecida a questão, você me daria a honra de vestir
essa bota cortante nos seus delicados pés?
Dou risada do tom sério e cheio de ironia dele e,
rendida, me sento ao seu lado, em uma das repartições
dos jogadores. Depois de remover minhas botas, deixo
minhas meias de bolinhas pretas em cima do banco de
madeira enquanto ele termina de calçar os próprios
patins.
Ele pega meu pé direito e veste o primeiro, ele
aperta a ponta para ver se o tamanho está muito grande,
mas, incrivelmente, ele calça até que bem.
— Esse patins é bem diferente do seu, ele parece
muito mais para patinação artística, onde você
conseguiu? — Pergunto enquanto ele começa a puxar os
cadarços.
— Perguntei se a Helen tinha e ela aceitou me
emprestar.
— Você foi até a casa deles buscar um par de
patins? — Questiono surpresa.
— É, eu queria te ajudar — ele comenta e bate na
bota branca, colocando o protetor para que eu possa
andar até o rinque e, em seguida, pedindo que eu troque
de pé. — Sei que você precisa escrever sua tese, mas
descansar também é importante. Às vezes, uma pausa
não faz mal. E, bom, como eu não entendo nada do que
você estuda, posso tentar te ajudar do meu jeito.
Nathan para de amarrar os cadarços e sorri para
mim e, droga! Quando foi que eu passei a achar esse
sorriso tão bonito? Balanço a cabeça para afastar o
pensamento e quebro nosso contato.
— Pronto por aí? — Pergunto, apontando com o
queixo para os patins.
— Para quem não queria fazer isso até poucos
segundos atrás, você até que está bem empolgada e
com pressa — Nate desdenha e continua a amarrar os
cadarços. Quando termina, eu removo o pé de seu colo e
ele se levanta com confiança, estendendo a mão para
mim. — Vamos nessa? — Coloco os pés no chão e fico
sem saber muito como me movimentar, aceito sua mão e
a aperto firme. — Relaxa. Eu jamais deixaria você cair,
Manu.
Balanço a cabeça para mostrar a ele que entendi e
para tentar afastar o breve arrepio que senti ao ouvir
essas palavras saírem de sua boca. Deixo que ele me
guie para fora dos vestiários, em direção ao túnel que
leva até o rinque. As luzes já estão acesas e só então, eu
me permito ficar realmente empolgada com a
perspectiva.
— Queria tanto uma trilha sonora para este
momento — eu confidencio quando nos aproximamos da
borda da pista.
— Não consigo ter acesso às caixas de som, mas
posso colocar algo no celular — Nathan pega o aparelho
do bolso e, quando garante que estou segura na borda,
ele tira os protetores da lâmina e entra no rinque,
deslizando como se estivesse andando normalmente em
uma rua asfaltada, mexendo no celular de forma
despojada. — O que quer ouvir?
Penso um pouco, ponderando o que poderia ser a
música perfeita e sorrio ao ter uma ideia brilhante.
— Me dá aqui o celular — peço e ele desliza até
mim rapidamente.
Pego o aparelho, começo a mexer no aplicativo de
música, procurando uma playlist com a trilha sonora do
filme que pensei e quando reconheço o nome da música
com uma parte da letra que conheço, dou play.
— Agora sim, estou pronta — deposito o telefone
na borda, crio coragem de me movimentar sozinha e tiro
os protetores de lâmina, na sequência, me colocando
diante da abertura para entrar no gelo.
Nathan pega minhas duas mãos e começa a me
dar instruções.
— Devagar, coloque um dos pés no gelo, e não
esqueça, eu não vou te deixar cair — coloco o primeiro
pé e meu Deus, isso é impossível e Nathan parece
pressentir meu medo. — Vamos conversar de outra coisa
até você se acostumar com a ideia. Que música é essa
afinal de contas?
— Trilha sonora de Sonhos no Gelo — respondo
rápido, tentando controlar meu medo quando coloco o
segundo pé sobre a superfície lisa.
— E eu deveria saber o que é isso? — Nathan
comenta e aperta minhas mãos. — Olha pra cima, olhar
para os seus pés não vai te fazer ficar em pé.
— É um filme da Disney sobre patinação artística,
eu adorava quando mais nova — respondo com a voz
falhando e ouço a risada de Nate. — Qual a graça? —
Ergo o rosto para olhá-lo.
— Várias, eu diria. Primeiro, o fato de você estar
com medo, sendo que você é a pessoa mais destemida
que eu conheço, e segundo, o fato de você gostar de
filmes da Disney. Não faz seu estilo.
— E qual o meu estilo? — Pergunto enquanto
aperto ainda mais forte sua mão, mas notando que
estamos nos movendo no gelo lentamente.
— Guerreiras fortes, com certeza! — ele responde
sem hesitar. — Talvez algo com Sansa Stark, ou Arya
Stark[11]… Se fosse falar de princesas, a Mulan acho que é
o mais próximo de combinar com você.
— Gosto das três, mas amo a Sansa com todas as
minhas forças — sorrio para ele e tento relaxar um pouco
conforme noto que estamos nos movendo mais pelo
gelo. — Odeio o arco de rendição dela usar o estupro
como forma de torná-la uma mulher forte, mas que seja,
quem está aqui para discutir sobre isso, não é mesmo?
— Você consegue tornar qualquer assunto numa
discussão profunda, é tão sexy — Nathan brinca e eu
reviro os olhos. Ele se abaixa para ficar um pouco mais
próximo da minha altura e continua com as instruções. —
Pronta para soltar uma mão e patinar de verdade? Nós já
estamos na metade do rinque.
Olho ao redor e vejo que estamos muito próximos
do centro, onde a disputa do disco acontece. Respiro
fundo três vezes para reunir coragem e faço um sinal
positivo com a cabeça.
— Estou.
— Boa garota — ele comenta e solta minha mão
esquerda, eu flexiono ainda mais os joelhos e fico
curvada, como se isso pudesse me dar mais estabilidade.
Nathan desliza para meu lado direito e eu olho para ele
sem mover muito o rosto. — Agora, relaxa um pouco as
pernas e para de ficar corcunda como uma idosa, você é
velha mais nem tanto.
— Vai se foder, Nate — ralho brava.
— Ah! Agora sim, bem melhor — ele ri e começa a
me puxar. — Aproveita o gelo. A metáfora é boba, mas
esfria a cabeça um pouco, se distrai. E não esquece, não
vou te deixar cair, baby.
E a forma como ele diz baby, sem a conotação
nossa usual de fingimento, faz com que eu respire fundo
e relaxe mais um pouco, tentando deixar o corpo o
menos tenso possível.
— Pode me puxar — eu peço para ele e sinto
quando sua mão começa a me arrastar para frente.
De forma mágica, porque não há outra explicação
para o que está acontecendo, eu começo a deslizar e a
sensação de medo vai passando gradativamente.
— Abre os olhos, Manu — Nate pede. — Olha para
mim.
Faço o que ele pede e sorrio. Estico meus lábios
num sorriso sincero, verdadeiro e leve, rindo.
— Não acredito que estou viva até agora — brinco,
ficando um pouco menos curvada e me esticando mais.
— Eu sabia que você ia conseguir, dá medo no
começo, mas depois passa — Nate dá de ombros. —
Vem, vamos dar uma volta de verdade, agora que você
se sente mais segura.
Continuo a segurar sua mão e ele volta a patinar,
dessa vez um pouquinho mais rápido, mas ainda assim,
patinando de costas e me puxando com ele, a música no
celular já acabou, mas eu continuo a me sentir como a
garota do filme, fascinada por estar deslizando no gelo.
Nós passamos a conversar enquanto ele me guia
pelo rinque e me divirto com as histórias que Nate me
conta sobre suas primeiras vezes patinando e jogando
hockey, é incrível como o esporte está na vida dele
desde pequeno, é bonito ver essa dedicação toda. O
tempo passa e quando Mikkel, a única outra pessoa
presente na arena, aparece, nós damos pôr fim a sessão
de patinação.
— Pronta para arrebentar na sua tese agora? —
Pergunta Nate, enquanto sai e veste os protetores.
— Bom, primeiro eu preciso comer alguma coisa,
mas não faço ideia do que tem na geladeira para fazer —
começo a fazer uma lista mental dos ingredientes
enquanto Nate me puxa para fora e pega os protetores
da lâmina para ajudar a colocá-los.
— E se eu fizesse um jantar para gente? — Ele joga
a ideia entre nós e eu ergo a cabeça em surpresa.
— Você? Cozinhando? Desde quando, Nathan? Você
só consegue se alimentar porque a Sra. Nilsen deixa a
geladeira cheia de coisas para você, convenhamos.
— Tá, mas eu poderia tentar — explica. — Pensa
assim: nós passamos no mercado, compramos algo para
uma janta simples, eu preparo e enquanto isso, você se
isola para tentar escrever. O que acha?
— Por que você quer me ajudar tanto? — Questiono
um pouco mais séria.
— É o mínimo que posso fazer para te ajudar, além
disso, não quero ficar sozinho em casa, então, eu
também me beneficiaria de alguma forma — ele dá de
ombros. — É o que os amigos fazem um pelo outro, eles
se ajudam.
Amigos.
Tenho rememorado essa palavra para mim mesma
muito mais vezes do que quero admitir, e ele não deixa
de estar certo. Fiz a mesma coisa, por amigos e colegas
de mestrado muito mais vezes do que me lembro,
quando ainda morava em Santiago. Quantas vezes
unimos nossas forças para nos ajudar?
Nate quer ser solícito, ele está tentando ser um
cara gentil, e para falar a verdade… Também não quero
ficar sozinha. Está mais frio do que todos os outros dias,
o inverno está chegando e o silêncio, graças ao
isolamento acústico das casas, transmite mais ainda esse
ar de solidão.
Nem tudo precisa ser frio, penso comigo. Não
precisamos ter uma relação fria só porque temos um
acordo. Já passamos dessa fase e isso fica mais claro a
cada dia. Não somos mais estranhos, não mais.
— Tudo bem, eu topo, mas vou precisar mesmo
escrever um pouco, ok?
— Sim, senhora.

Nathan e eu fazemos compras rápidas no mercado.


Ando pelos corredores, já ciente dos lugares onde cada
item fica, e o guiando a comprar as marcas baratas, mas
que ainda são boas. Decidimos juntos fazer um macarrão
simples e quando encontramos um pacote de capeletti
de carne em promoção, pego dois pacotes a mais para
mim e vamos para o caixa.
— Me deixa pagar, Nathan — ralho brava. — Tem
compras pessoais minhas aí.
— Jesus, são dois pacotes de macarrão, um suco e
iogurte, isso não vai fazer diferença — ele revira os olhos
e tenta colocar o cartão novamente no leitor, mas eu o
impeço.
— Não quero saber, eu vou pagar e ponto final —
ficamos os dois brigando para ver quem vai colocar o
cartão primeiro, mas noto que ele se recusa a afastar
minha mão com força, o que me dá vantagem para
aproximar o cartão do leitor.
— Você é impossível, Manuela! — Com as mãos na
cintura, ele se dá por vencido e começa a se abaixar
para pegar as sacolas do caixa. — Posso, ao menos, levar
as sacolas?
— Pode, estou com preguiça de carregar peso hoje
— desdenho e aguardo a máquina imprimir o cupom
fiscal.
Quando começamos a caminhar para fora, fico com
a nota nas mãos, aguardando a conferência dos
seguranças do mercado, mas, ao passar por eles, há um
breve aceno de cabeça para mim e Nate e, pela primeira
vez, passo pelas portas sem ser revistada.
Solto um riso sem graça e fecho mais a jaqueta
que uso ao entrar em contato com o vento, puxando a
touca na cabeça.
— O que foi? — Pergunta Nate.
— Essa é a primeira vez que ninguém revista
minhas compras nesse mercado.
— Revistar suas compras? Como assim? É por isso
que você esperou o cupom ser impresso? — Questiona
surpreso.
— Desde que me mudei para cá, para Estocolmo,
minhas compras são sempre revistadas, sempre
conferem se paguei por tudo. Quando vou na loja de
bebidas, a mesma coisa, sempre conferem duas vezes
meus documentos — explico para ele, enquanto
andamos até o carro.
— Mas isso não faz o menor sentido, por que
fazer…
E então, Nate para no meio do caminho e eu faço o
mesmo. Quase consigo ver as engrenagens de sua
cabeça funcionando quando ele começa a entender o
que acontece comigo e com mais uma porção de outros
imigrantes.
— Por que o mundo é assim? — Há indignação e
irritação latente em sua voz. — Sério, eu acho que nunca
vou entender isso. Como podemos fazer com que isso
acabe?
— Lutando. É por isso que as pessoas lutam, Nate.
Porque cansa ficar calado diante de injustiças, da
pobreza, do racismo, da xenofobia, do machismo. Temos
que lutar todos os dias, em memória dos que fizeram
isso por nós no passado e por aqueles que virão depois,
para que eles não tenham que passar por coisas assim.
— Obrigado — ele suspira e se vira para mim. Eu o
encaro e ele continua. — Obrigado por me ensinar tanto,
o tempo todo. Não tem um dia em que eu não esteja com
você e não saia reflexivo a respeito de algum assunto.
A forma como ele fala, sincero em suas palavras,
me toca, e pode ser errado, pode ser uma atitude
inusitada e até mesmo ousada demais para dois amigos,
mas não ligo. Fico levemente na ponta dos pés e
deposito um beijo em sua bochecha.
— Você é um cara incrível, Nate.
— E você é excepcional, Manu.
Sorrio para ele e um arrepio, dessa vez de frio, me
percorre o corpo.
— De onde vem o frio desse país? — Tremo os
lábios e aperto mais a jaqueta contra o corpo. Nathan ri e
continua a andar com as sacolas em mãos até o carro.
— Vem, vamos para a casa — me chama. — Vou
fazer um jantar medíocre para nós dois e depois, quem
sabe, um café minimamente decente.
Dou risada de suas observações e não consigo
deixar de pensar que eu jamais poderia imaginar que um
jantar sem graça era tudo que eu iria desejar. Ou, até
mesmo, que eu iria querer tanto a companhia de um
jogador de hockey mais novo do que eu numa noite de
estudos no sábado, do outro lado do mundo.
Mexo na panela mais uma vez, verificando
novamente se a massa não passou do ponto, não tenho
muita noção de cozinha, mas saber se uma massa está
pronta ou não, ao menos esse conhecimento básico eu
tenho. Ou espero ter.
O apartamento de Manu está silencioso, ela se
isolou no quarto para conseguir se concentrar e a TV da
sala está ligada em um canal de esportes. Cruzo os
braços e apoio o corpo na bancada enquanto presto
atenção no jogo de futebol que está passando.
Quem diria que eu estaria cozinhando para uma
garota num sábado à noite. Se alguém tivesse me dito
isso alguns meses atrás, eu teria dado gostosas
gargalhadas. Todavia, não estou só cozinhando para uma
garota, estou cozinhando para minha namorada de
mentira. Que eu quero que se torne minha namorada de
verdade.
Não me dou ao trabalho de pronunciar isso em voz
alta, porque parece uma grande insanidade.
Balanço a cabeça e viro novamente para o fogão, a
massa está branca demais, acho que deixei passar o
tempo. Pego um pedaço, mordo e sinto que está muito
mole. “Droga”, digo a mim mesmo e desligo a água,
pegando a panela com cuidado para despejar o macarrão
em uma peneira. Com dois pratos colocados na bancada,
sirvo um pouco de massa e molho e completo com queijo
parmesão ralado. O resultado final é melhor do que o
esperado.
— Nada mal, Nathan — a voz de Manu soa atrás de
mim e vejo que ela está na ponta dos pés para olhar por
cima do meu ombro.
— Deixei a massa cozinhar demais — lamento e
viro para pegar os talheres em uma gaveta.
— Massa nunca fica ruim, cozida demais ou de
menos, sempre é bom, só não diga isso para um italiano
— ela brinca e pega o prato nas mãos. — Quem está
jogando?
— Seleção feminina de futebol, Estados Unidos e
México, tem uma jogadora estreante estadunidense —
aponto para a TV com o garfo — a número onze, Heather
Cooper[12], joga muito.
— Droga, eu adoro futebol feminino — lamenta ela
— eu adoraria assistir, mas estou conseguindo escrever,
então vou voltar — Manu pega um capeletti com o garfo
e com a massa na boca, começa a soprar.
— Não vai comer aqui? — Pergunto.
— Vou comer na frente do computador. Se tudo der
certo, consigo terminar essa correção logo e escrever o
começo do tópico um — com a boca levemente cheia, ela
me explica e começa a caminhar na direção do corredor
— Está delicioso, sério. Obrigada, Nate.
E o sorriso que ela esboça faz com que meu
coração erre um pouco as batidas.
— Sempre que precisar — pisco para Manu e com
um breve aceno de cabeça, ela some de vista e eu me
sento no sofá para continuar a assistir ao jogo.
Me acomodo confortavelmente e, enquanto eu
como, ainda que meus olhos estejam voltados para a
tela, penso na conversa que tive com Dave e, alguns dias
depois, com minha mãe. Apesar da vida amorosa do meu
melhor amigo ser considerada um desastre, ele tem
experiências com relacionamentos sérios, algo que
nunca tive, a não ser por namoros breves de ensino
médio e um no primeiro ano da faculdade. Já Dave,
sempre foi mais romântico do que eu, ele sempre foi um
cara de namorar.
Foi uma surpresa para todos quando ele disse que
não iria ficar junto com Hannah, a mãe de Nick, eles
estavam namorando há pouco tempo, mas eu sabia que
nem tudo eram flores no relacionamento deles.
Apesar disso, confio no meu amigo de olhos
fechados e, quando contei para ele que estava me
apaixonando por Manu, ele foi incisivo em dizer que eu
precisava ser paciente, ir com calma se quisesse que
realmente desse certo entre ela e eu. E, convenhamos,
ele está certo. Sabemos que eu sou um cara imediatista
e que isso me levou a oferecer um relacionamento de
mentira a uma desconhecida.
Mas, agora, o cenário é outro, Manu e eu não
somos mais desconhecidos e eu começo a me ver cada
vez mais disposto a fazer e ser o que ela precisar. Parte
de mim quer firmar outro contrato com ela, de
preferência um que envolva muitas mãos, toques, beijos
e sexo. Entretanto, se tem uma coisa que eu sei a
respeito de Manu é que não posso dizer a ela da noite
para o dia que quero isso. Não, precisamos ir com calma.
Eu preciso ir com calma. É o mantra que tenho repetido
para mim mesmo nos últimos dias, estou tentando
mostrar de todas as formas para ela que estou aqui, não
apenas para manter as aparências de um
relacionamento, mas por ela, para ser o que ela precisar
e querer.
Calma. É disso que preciso. E por esse motivo, eu
afasto todos os pensamentos, termino de comer o
macarrão que, realmente, não está ruim, e me concentro
no jogo que passa na TV. A tal jogadora, Heather Cooper,
marca mais um gol e fico impressionado com a
habilidade dela. E pensar que ainda há homens que
acham que futebol, ou que os esportes no geral, não são
coisas para mulheres. Há! Grandes idiotas.
Manu aparece rapidamente para deixar o prato na
pia e avisa que vai voltar para o quarto e eu limpo os
utensílios e panelas, colocando tudo no lava-louças. O
jogo termina, mas um programa sobre esportes começa
e eu permaneço ali, sentado no sofá, prestando atenção
na TV e olhando minhas redes sociais.
Enquanto rolo o feed, vejo duas postagens de duas
garotas diferentes com quem saí quando cheguei aqui,
uma delas, foi protagonista de uma das fotos péssimas
que a imprensa jogou nos tabloides. Lembrar desse
Nathan, o jogador recém-chegado e que só queria festa,
bebida e mulheres, e compará-lo com essa minha nova
versão é surpreendente.
Sempre fui um cara que prezava por diversão,
nunca fui alguém de recusar uma boa farra, ou uma noite
de sexo sem compromisso. E verdade seja dita, talvez eu
sempre vá gostar de ser um cara agitado e festivo, mas
neste momento, essa realidade não faz mais sentido
para mim. Não quero mais sair com essas mulheres, não
quero transar com Zara e tenho sido incisivo em recusar
suas ofertas. Já passei a ignorar suas mensagens e da
última vez, disse a ela que não estava mais interessado
nesse tipo de relação, que eu gostaria que ela
respeitasse meu espaço e meu relacionamento. Ela
desdenhou sobre ser um namoro de mentira, mas nem
ela e nem eu devemos satisfação sobre a vida um do
outro.
Bloqueio a tela do celular e volto a prestar atenção
na televisão, os comentaristas continuam a falar sobre
futebol, sobre os campeonatos ao redor do mundo, falam
um pouco sobre hockey e fico feliz de ver que o
desempenho do Älg está sendo elogiado, não é surpresa
para ninguém que estamos indo bem nessa temporada.
Não posso negar que fico orgulhoso quando uma foto
minha aparece e alguns lances começam a ser
mostrados, eles falam das minhas estatísticas, sobre
meu desempenho e me sinto aliviado de ver que, em
momento algum, minha vida pessoal é citada. Gosto de
ser só Nathan LeBlanc, o jogador de hockey que está
mandando bem no gelo.
Sorrio satisfeito e quando eles anunciam o
intervalo, começo a zapear os canais em busca de
alguma outra programação. Paro em um canal em
específico quando vejo que está tendo uma maratona de
Chicago P.D[13]. “Ainda assistem isso por aqui?”, penso
comigo mesmo, mas acabo deixando no canal só por
conta da nostalgia.
Não sei quanto tempo se passa, mas já estou
deitado de forma despojada quando o corpo esguio de
Manu aparece na entrada da sala.
— Ainda aqui? — Pergunta ela esticando os braços
para o alto, se alongando. A blusa de lã que ela usa sobe
um pouco e tenho um vislumbre de sua pele.
— Me distraí assistindo TV, não vi o tempo passar
— explico enquanto observo ela caminhar até onde
estou. Me sento, endireitando minha postura e Manu fica
na outra ponta do sofá.
— Eles gostam de séries assim por aqui, não é? —
Aponta para a TV. — Eu sempre dou risada, porque
assistia isso quando mais nova, durante umas reprises
nos canais de sinal aberto.
— É, eu também assisti esse tipo de série há uns
bons anos atrás — com a cabeça apoiada na mão, me
viro para olhá-la, desviando da TV. — E então, sucesso?
— Podemos dizer que sim — comenta com um
sorriso no rosto, sua feição parece cansada e seu cabelo
está levemente bagunçado, mas isso não tira a beleza
dela. — Introdução corrigida e consegui progredir bem
com o tópico um. Pretendo revisá-lo amanhã, talvez a
tarde, mas por agora, chega — explica Manu e estica o
corpo em um estirão. — Estou morta de cansaço.
— Relaxa um pouco — começo a falar e pego seus
pés, puxando-os para minha perna, colocando em meu
colo. — Vou te fazer uma massagem.
— Deus, isso seria ótimo! — Responde levemente
empolgada enquanto se ajeita no sofá e estica um pouco
mais as pernas em meu colo.
Sorrio quando ela fecha os olhos e começo a
massagear seu pé esquerdo com as mãos, dou leves
apertos no meio da sola e Manu solta um gemido
involuntário. Olho para ela, desviando a atenção do
movimento que minhas mãos fazem e admiro seu rosto,
ela está com os olhos fechados, mas quando aperto mais
uma vez seu pé, ela solta mais um gemido baixo. A boca
se entreabre levemente e ela arqueia um pouco o
corpo. E isso é material o suficiente para que meu pau
acorde. E para que minha mente projete as imagens
mais obscenas e maravilhosas possíveis.
Limpo a garganta em um pigarro baixo e me movo
um pouco no sofá, não parando com os movimentos das
mãos. Manu abre os olhos e encontra os meus. Nenhum
de nós abre a boca para dizer algo, eu não paro de fazer
a massagem e não desgrudo os olhos dos dela, não
consigo, sou incapaz de desviar e de evitar que minha
imaginação projete os mais diversos cenários, com
Manuela sentada em meu colo, me cavalgando, com
meus lábios entre suas pernas meu perdendo e me
deliciando com seu gosto. Meu corpo está paralisado,
mas minha mente corre por todas as direções: avançar?
Continuar com o plano de ir com calma? Abrir a boca
para falar que os gemidos dela por conta de uma
massagem me excitam?
Não faço nada. Não falo nada do que me vem à
mente, Manuela tampouco verbaliza o que quer que
esteja se passando em sua cabeça, mas seus olhos
continuam presos aos meus por sabe-se lá quanto
tempo.
Até o momento em que ela quebra a bolha de
silêncio que nos envolve.
— Ah, que droga, Nathan!
E em um piscar de olhos, ela se levanta num
movimento rápido e puxa meu pescoço em sua direção,
selando nossas bocas.
Neste momento, eu mando para o inferno a ideia
de ir com calma. Puxo sua cintura com as duas mãos e
não preciso mais do que isso, do que esse breve gesto,
para que Manuela coloque suas pernas, cada uma de um
lado do meu corpo e sente em meu colo. Nossas línguas
se encontram e um gemido escapa dos lábios dela, é o
combustível que preciso para continuar.
Enrosco uma mão em seus cabelos e com a outra,
aperto firme sua cintura, Manu move sua cabeça para o
lado, permitindo com que o beijo se aprofunde ainda
mais, desço a mão que estava em seus cabelos por seu
corpo numa carícia lenta que parece casta, mas que
percorre brevemente a lateral de seu seio e chega até
sua bunda, onde dou um aperto forte, fazendo com que
ela faça um movimento de vai e vem que desperta ainda
mais meu pau. Não tenho mais controle dos gemidos e
das mãos, é quase como se estivéssemos fodendo.
Infelizmente, ainda estamos de roupa.
Eu ficaria assim pelo resto da noite, mas o ar falta
em meus pulmões e nos de Manuela também, porque ela
se afasta alguns centímetros, descolando nossas bocas,
mas ainda assim, respirando perto demais dos meus
lábios.
— O que foi isso? — Pergunto em um sussurro.
— Não sei, eu… Eu queria muito te beijar — Manu
abre os olhos e afasta um pouco mais o rosto. Seus
lábios estão inchados e levemente brilhantes por conta
do nosso beijo. — Eu não sei, eu só…
— Eu também queria — respondo rapidamente. —
Eu quero te beijar faz muito tempo, desde o meu
aniversário. Sei que nós estávamos seguindo o protocolo,
mas… Pra mim não foi só isso — afasto uma mecha de
seu cabelo e Manu balança o rosto para jogar os fios
pelas costas. — Quero isso, Manu. Eu realmente quero —
confesso, sem o menor pudor. — Quero você pra caralho.
Não tenho saído com mais ninguém há algum tempo —
fico aguardando sua resposta por alguns segundos, mas
ela não vem, Manuela nunca foi uma mulher de poucas
palavras e isso me deixa incomodado. — Você está
saindo com alguém? — Pergunto, temendo pela resposta
que posso receber.
— Como se fosse possível! — Exclama com
sarcasmo na voz e revirando os olhos. — Você estragou
toda e qualquer chance que eu viesse a ter de transar.
— O que eu fiz? — Questiono sem entender direito.
— Todo mundo me conhece como a “namorada do
LeBlanc” — ela faz aspas no ar e faz uma imitação de voz
infantil. — Para a Suécia inteira, eu estou sexualmente
satisfeita graças ao “taco do LeBlanc”.
Não consigo segurar a gargalhada quando Manu
faz um paralelo com uma notícia de jornal que tinha uma
frase bem semelhante a essa, fazendo uma metáfora do
esporte para falar da minha vida sexual.
— Você não está satisfeita porque não quer — ergo
as sobrancelhas e a encaro.
— Bom, as coisas mudaram — ela volta a encostar
o corpo no meu e sua boca está a um fio de distância da
minha. — Lembra da proposta de transarmos? Estou
dizendo sim para ela nesse momento — Manu deposita
um beijo mínimo em meus lábios e puxa o inferior com
os dentes, bem de leve, soltando-o na sequência. — É
seu slapshot[14], Nate. E aí, o que me diz?
Sua pergunta fica sem uma resposta verbal. Eu
tomo sua boca com a minha e não há nada de gentil
nesse beijo. Ele é quente, cheio de desejo e responde à
pergunta dela melhor do que qualquer coisa que eu
poderia dizer. Eu não teria capacidade de formular uma
resposta usando metáforas esportivas mesmo que
quisesse, mesmo que seja eu o jogador de hockey da
relação.
Não sei o que vamos ser desse momento em
diante, será que gosto dela já ao ponto de introduzir um
relacionamento? Não sei, essa atitude de Manuela
bagunçou ainda mais meus planos, mas que se foda. Eu
aceito o que ela tiver para mim, esse é o quão rendido
estou por essa mulher.
— Quarto… agora — ela murmura entre os beijos e
eu a seguro firme em meu colo, me levantando do sofá e
dando início a uma caminhada que exige mais
concentração de mim do que em qualquer outro
momento da vida.
Continuo beijando Manuela enquanto aperto de
forma nada gentil sua bunda e nos guio até o quarto.
Abro os olhos rapidamente, só para ver onde a cama está
e quando chego até ela, deito seu corpo, colocando Manu
bem no centro. Eu me levanto para remover a camiseta
que estou usando, mas ela se ergue do colchão e
estende a mão direita para frente.
— Não, espera — pede e eu paraliso as mãos na
barra da camiseta. — Precisamos estabelecer algumas
regras.
Sério? Agora? Essa mulher é impossível.
— Tem certeza que quer falar disso neste
momento? — Pergunto e removo a camiseta de uma vez,
notando que seus olhos percorrem meu corpo e que seus
lábios se abrem um pouco. — Porque eu, de verdade, só
quero foder você — me inclino na cama, bem próximo ao
seu rosto. — E sentir o seu gosto — enfio o rosto entre
seus cabelos e deposito um beijo molhado em seu
pescoço. — E segurar seus cabelos entre os dedos
enquanto eu como você de quatro em cima dessa cama
— um gemido escapa dos lábios dela quando eu chupo o
lóbulo de sua orelha e falo baixo em seu ouvido. — E
então, Manu, o que você quer?
— Definitivamente, eu quero você.
— Ótima escolha.
Tomo os lábios de Manu novamente nos meus e ela
me puxa para cima de seu corpo. Antes que possamos
nos deitar, eu removo de uma vez a blusa que ela está
usando e me deleito com a visão de seus seios
adornados por um sutiã preto. Eles não são enormes e
também não são pequenos, são perfeitos e imploram por
minha atenção. Deito nossos corpos sobre o colchão e
uso a mão que está em suas costas para soltar o sutiã,
removendo-o num gesto rápido.
Repouso seu corpo no centro da cama e começo a
beijar seu queixo, indo para o pescoço, até chegar em
seu busto e finalmente, em seus mamilos. Eu chupo o
direito, enquanto massageio o esquerdo.
— Nate — Manu geme meu nome e isso só me
instiga a continuar.
Fico por ali mais um tempo e começo a descer mais
um pouco meus lábios por sua barriga até chegar ao
botão de sua calça. Deslizo a peça por seu corpo,
removendo de uma vez a calcinha junto, e quando olho o
corpo de Manuela completamente nu, perco o fôlego por
alguns segundos.
— Você é linda. E gostosa.
— Você também. Que saco, como você tem tantos
gominhos na barriga? —pergunta ela e dou risada do tom
de sua voz.
— Hockey, conhece? — Ergo as sobrancelhas e
volto a me abaixar para me colocar entre suas pernas —
Aquele esporte que você acha um tédio, sabe?
— Você podia parar de falar e usar essa sua boca
linda para fazer…
Não deixo que ela termine o raciocínio, abro suas
pernas e deposito um beijo em sua boceta, e esse gesto
breve faz com que Manu arqueie o corpo para cima, me
dando o combustível necessário para continuar. Começo
dando longas lambidas, saboreando seu gosto, me
deleitando de seu cheiro e de sua maciez. Envolvo meus
dois braços em suas coxas e coloco Manu exatamente no
lugar onde quero e preciso que ela esteja, chupando seu
clitóris e o soltando com um estalo.
— Ah! Isso! Bem aí — as mãos de Manuela
envolvem meus cabelos e eu me deleito, eu mantenho o
ritmo lento até que ela implore por mais.
Quando ela começa a esfregar a boceta em meu
rosto, sei que precisa de mais, mas não aumento a
frequência dos movimentos, quero enlouquecê-la assim
como ela tem feito comigo.
— Você vai me fazer implorar por mais, Nathan? —
Pergunta ela com a voz entrecortada e apenas ergo os
olhos em sua direção, encontrando os dela. Ainda estou
com a boca entre suas pernas, mas meus olhos devem
transmitir a resposta, porque ela dá exatamente o que eu
quero. — Por favor, mais.
Solto com um estalo seu clitóris e volto a chupá-lo
com um pouco mais de pressão e rapidez, conforme ela
se movimenta, eu vou acompanhando seu corpo, dando
o que ela precisa.
Os gemidos aumentam gradativamente e eu não
paro, eu continuo mais e mais e mais, meu pau lateja em
minha calça, implorando para ser liberto, mas não há a
menor chance de parar enquanto Manuela geme dessa
forma. Solto uma de suas pernas e a preencho apenas
com a pontinha do indicador.
— Para de me torturar. Eu quero mais — a voz de
Manu sai como um gemido exasperado.
— Pede, Manu — eu circundo sua entrada com o
indicador e entro só um pouco — É só você pedir, linda,
qualquer coisa.
— Me fode com seus dedos.
E eu faço o que ela pede, enfio dois dedos de uma
vez e os coloco levemente curvados, atingindo o ponto
certo para dar prazer a ela. Manuela arqueia o corpo até
quase estar sentada e se deita com um baque quando eu
continuo a fodê-la.
Não demora muito mais para que sinta suas
paredes internas me apertando e os espasmos tomem
conta de seu corpo. Quando ela goza, eu deixo de assisti-
la e me deito novamente para lamber todo o seu prazer.
— Porra! — Ela exclama assim que a respiração fica
menos ofegante e eu me ergo para olhá-la. — Era isso
que eu estava perdendo esse tempo todo?
— Não, linda — eu me levanto, só o suficiente para
ficar na altura de seu rosto e beijá-la rapidamente nos
lábios e me afastar. — Isso é o que você perdeu esse
tempo todo. — Digo em um sussurro e afasto seu cabelo
para poder falar ao pé de seu ouvido. — Fica de quatro
para mim?
Me levanto de cima do seu corpo e fico de pé,
removendo a calça de moletom e a cueca em um
movimento só. Manuela está ajoelhada na cama, mas,
antes de fazer o que lhe pedi, ela observa cada
centímetro do meu corpo e quando se aproxima de mim,
preciso me controlar para não dissolver em suas mãos
quando ela envolve meu pau com a direita. Puxo seu
rosto até o meu, dando um beijo caloroso em seus lábios,
enquanto ela faz movimentos de vai e vem.
— Fica de quatro, linda — eu peço em sussurro
novamente. — Eu quero foder você.
Manu se afasta e faz o que eu peço, eu me abaixo
para pegar uma camisinha de dentro da carteira e a visto
na velocidade da luz, enquanto admiro o corpo de
Manuela curvado sobre a cama e a bunda redonda, firme
e no tamanho certo, empinada em minha direção.
Devidamente vestido, eu massageio sua bunda
com uma das mãos enquanto a outra vai para a sua
cintura, puxando-a para mais perto. Me posiciono em sua
entrada e me seguro para não dar um tapa estalado em
sua carne macia.
— Prometo ir devagar em um outro momento, mas
agora, eu preciso…
— Só cala a boca, Nate — Manu vira o rosto para
mim no mesmo instante em que eu a preencho em um
movimento só, e a frase morre, dando lugar a um gemido
alto, tanto meu quanto dela.
Eu vou aos céus. Eu juro que sou capaz de ouvir
um coro de anjos me recepcionando em um portão
dourado, eu estou no paraíso. Eu perco os sentidos, entro
e saio dela novamente com rapidez. É bruto, é selvagem,
nossas carnes batem uma na outra dando som ao ritmo
estabelecido, eu seguro sua cintura com as mãos, mas
quando ela passa a rebolar e a ajudar a manter o ritmo,
eu perco tudo. Envolvo seus cabelos longos e castanhos
com a mão e puxo levemente para que ela arqueie o
corpo, até que meu peito e suas costas estejam
encostados.
— Isso! Ah!
Manuela geme alto e eu mantenho o ritmo, deslizo
a outra mão entre o meio de suas pernas e massageio
seu clitóris.
— Goza comigo, linda — murmuro entre os dentes.
E ela faz. Manuela solta um gemido tão alto que, se
as casas não fossem tão bem isoladas acusticamente, eu
poderia jurar que os vizinhos do andar todo ouviriam. Eu
continuo por mais alguns breves movimentos, até que
gozo tão forte que minha visão fica levemente turva.
Solto o corpo de Manu do meu aperto e ela
despenca na cama, com os braços abertos enquanto
respira ofegante. Eu retiro a camisinha, dando um nó e
colocando-a novamente dentro da embalagem e me
deito ao seu lado, ainda tentando controlar minha
respiração e normalizar as batidas do meu coração.
— Me diz… — ela começa a falar, com o rosto
escondido entre os lençóis e a voz abafada. — Me diz que
você aguenta mais.
Ela vira o rosto na minha direção e eu sorrio,
afastando os cabelos do rosto por conta do suor e
sorrindo de um jeito sacana.
— Nós ainda nem começamos, linda.
Manu sorri, ainda com os olhos fechados e quando
os abre, eles estão banhados em luxúria, desejo e algo a
mais que não consigo identificar.
— Que bom — ela pronuncia e passa as pernas por
meu colo até que esteja em cima do meu pau, que
parecia morto até segundos atrás, mas volta a ganhar
vida — Porque eu também vou te mostrar o que você
estava perdendo.
Mahara é uma das poucas pessoas que, assim
como eu, não ficam caladas durante muito tempo. Acho
que esse é um dos motivos pelos quais nos aproximamos
tanto, sustentamos uma conversa de horas, sem precisar
de pausas ou de vácuos de silêncio.
Essa nossa característica é o que me faz estranhar
tanto o fato de, no momento, eu estar fazendo um
monólogo enquanto Mahara tem a boca escondida pelas
mãos. Os olhos, marcados pelo kajal preto que ela usa de
vez em quando, me olham de forma atenta. A única
resposta que tenho é, vez ou outra, um aceno de
cabeça.
Estamos no curto intervalo de nossas aulas
sentadas em uma das lanchonetes que frequentamos
dentro do prédio da faculdade. Estou contando para ela
sobre Nathan e eu, e apesar de ocultar certos detalhes e
as nuances a respeito do que aconteceu entre nós desde
então, meu corpo faz questão de lembrar cada maldita
palavra dita por Nathan LeBlanc.
“Fica de quatro, linda. Eu quero foder você”.
Balanço meu corpo na tentativa de afastar o
arrepio que percorre minha pele e o choque que é
enviado para o meio das minhas pernas. É terça-feira,
mas eu daria tudo para voltar para aquela noite.
— Você está muito quieta — pego a xícara a minha
frente e dou um gole — eu achei que esse seria um
assunto que você teria muito o que falar.
Mahara franze a testa e seus olhos se fecham
levemente em minha direção. Nesse momento, ela
finalmente remove a mão da frente da boca, revelando
um sorriso gigante delineado em seus lábios.
— Tive que ficar assim para poder evitar que eu
gritasse tamanha a empolgação — ela dá de ombros e eu
reviro os olhos. — Mas, e agora, isso muda o status das
coisas, não? Vocês estão oficialmente namorando?
— Não, continuamos na mesma.
— Como assim, Manu? — Questiona Mahara — As
circunstâncias mudaram completamente, vocês
transaram, qual o problema de assumir um
relacionamento real agora?
— Não sei, Mah — solto um suspiro alto e continuo
— Não sei como me sinto com relação a ele, com relação
ao que temos…
— Por que você fica se enganando? — A postura de
Mahara muda e ela fica mais séria. — Eu sei que a
história de vocês começou estranha, e acredite em mim,
eu apoiei essa ideia porque uma parte de mim sabia que
seria divertido e que seria, no mínimo, engraçado pra
você. Mas não é só mais um entretenimento, Manu — ela
balança a cabeça e continua. — Vocês se gostam, é
nítido, mas por algum motivo, você não está se
permitindo viver, por quê?
— Eu acho que as coisas são mais complicadas do
que parecem — começo a explicar e noto que Mahara se
inclina para me ouvir. — Ele tem o mundo nas mãos,
Mah. Nate poderia simplesmente assumir um namoro
com qualquer mulher que quisesse, mas preferiu jogar o
nome de uma desconhecida durante uma reunião. Ele
preferiu ter um relacionamento de mentira. Não acho que
uma noite de sexo vai fazer com que as coisas mudem.
— Você tem medo? — Pergunta, com a voz mais
séria. — Você tem medo de se deixar sentir algo por ele?
— Talvez, Mah — não confesso que sim, mas
também não deixo minha amiga sem uma resposta com
pelo menos um pouco de verdade. — Eu vim para cá por
um motivo, atravessei o mundo, deixei de lado meus
costumes, minha família, minha sobrinha porque queria
honrar o esforço da minha mãe, porque queria que… do
lugar onde ela está, ela soubesse que eu guardei suas
palavras. “O estudo é a única coisa que ninguém pode
tirar de nós” — eu recito e sinto meus olhos arderem
levemente. — Nunca esteve nos meus planos me
envolver com alguém, o amor nunca foi uma prioridade
na minha vida, e acho que na de Nathan também não,
então… por que complicar as coisas? Além disso, se meu
coração se quebrar, eu só tenho você para me ajudar a
remendar os pedaços, mas, se eu puder evitar que ele se
quebre, é melhor, você não acha?
— Eu acho — ela responde sincera. — Eu entendo a
sua desconfiança toda e também o seu medo, mas você
não pode deixar de viver, Manu. Não deixe suas
muralhas se tornarem impenetráveis, você é uma mulher
forte, incrível, inteligente e que merece ser feliz. E você
tem a chance de ser feliz com quem quiser, não ter
ninguém que queira controlar sua vida amorosa é uma
dádiva e talvez você esteja desperdiçando isso por
medo…
A última parte é dita com a voz um pouco mais
baixa, e antes que eu tenha tempo de confrontar minha
amiga, meu telefone toca e o visor mostra o nome de
Nate. Ela acena com a mão para que eu atenda e eu
deslizo o dedo pela tela.
— Oi — digo brevemente e, por algum motivo,
como há anos não acontece, sinto minhas bochechas
esquentarem. Que merda é essa?
— Oi, linda — a voz de Nathan é um ronronar e
meu Deus, quando ele me chama de linda eu sou
automaticamente transportada para a noite que
passamos em minha cama. — Está no intervalo de aulas,
certo?
— Sim, devo voltar logo, então seja breve.
— Ok, então me diga, o que você vai fazer na
sexta-feira?
— Deixa eu olhar a minha agenda — brinco com
ele e começo a folhear um livro que tenho ao meu lado.
— Hm, tenho um horário vago, para o que seria?
— O time do Älg tem uma série de patrocinadores
e, anualmente, eles fazem uma espécie de evento
beneficente para arrecadar fundos para algumas
organizações. Os jogadores sempre comparecem e
bom…
— Pessoas ricas têm essa mania de eventos cheios
de elegância para fazer caridade, né?
— Champanhe bom e comidas sofisticadas sempre
ajudam os ricaços a tirarem dinheiro do bolso — ouço a
risada de Nathan do outro lado da linha. — Peter disse
que costuma ser legal de qualquer forma, então, nada
melhor do que ir acompanhado.
— Preciso de alguma roupa especial? Geralmente
eventos assim tem algum código de vestimenta.
— O convite diz… — ouço ele mexer em alguns
papéis. — Esporte chique. Eu provavelmente me vista
um pouco formal, mas nem tanto. Qualquer coisa,
pergunte para Helen, ela deve saber melhor do que eu.
— Combinado — respondo. — Mais alguma coisa?
— Sim. Você nua na minha cama hoje à noite.
Minhas bochechas esquentam um pouco mais e
pela cara de Mahara, eu com certeza estou corando, isso
aconteceu poucas vezes na minha vida, não acredito que
aos vinte e sete, por conta de uma ligação telefônica, eu
estou me sentindo assim.
— Não posso, tenho alguns textos bem densos
para ler e também a transcrição de uma entrevista para
começar.
— Blá-blá-blá, tudo muito chato, eu acho que o
orgasmo que eu quero te dar pode ser muito melhor que
isso.
— Não posso, Nathan — respondo séria.
— Tá, tudo bem, eu tentei. Vamos torcer para até o
final do dia você mudar de ideia.
— Preciso desligar, até o final do dia tem muitas
coisas com as quais preciso lidar.
— Tudo bem, linda, boa aula.
Nos despedimos e o sorriso em meus lábios é
impossível de ser disfarçado, coloco o celular no bolso e
tento esconder a alegria de uma ligação feita por Nathan
bebericando o restante do meu café.
— E com esse sorriso enorme no rosto, você ainda
acha que não está sentindo nada? Tem certeza que não
quer sentir nada? — Mahara tem os braços cruzados e
balança a cabeça de um lado para o outro. — Você está
com a chance de ser feliz à sua frente, Manu, não deixe
que ela escape.
— Por que eu sinto que você fala desse jeito como
se só eu pudesse ser feliz? — Pergunto com certa
preocupação na voz.
— Porque quando sua mãe fica insistindo que você,
aos vinte e cinco anos, não ser uma mulher casada é um
problema, se torna difícil acreditar que você vai ter
liberdade para amar quem quiser e quando quiser.
— Sua mãe voltou a falar sobre isso? Sobre você se
casar logo e, de preferência, com alguém que ela
aprove?
Minha amiga respira fundo e olha para o celular
que tem em mãos.
— Falamos disso outra hora — comenta e pega sua
bolsa. — Vamos nessa?
Respeito a decisão de Mahara sobre não falar mais
sobre o assunto, mas faço uma nota mental para
questioná-la em outro momento, quero ser seu ombro
amigo assim como ela é o meu. Nos despedimos nos
corredores e eu vou para meu segundo período.
Enquanto aguardamos o professor chegar, não consigo
deixar de pensar na ligação. Eu poderia aceitar a
proposta, uma parte bem grande de mim quer correr e
digitar uma mensagem para dizer que estarei em sua
casa depois do expediente na cafeteria, mas eu preciso
me resguardar, preciso organizar minha cabeça e os
meus sentimentos.
A aula começa e eu deixo o celular no bolso da
blusa que estou usando, no meio de uma explicação,
sinto ele vibrar e o pego apenas para visualizar a
mensagem por cima.
Nathan: Esqueci de perguntar, aquela marca que
eu deixei no seu pescoço, você ainda está precisando
esconder?
Automaticamente, minha mão esquerda vai para o
meu pescoço, que, por sinal, está desde segunda-feira
sendo adornado por um cachecol, tanto pelo frio quanto
para esconder a maldita marca deixada pelos lábios de
Nathan. A lembrança de nós dois, sentados um de frente
para o outro, enquanto ele segurava meus cabelos e
chupava meu pescoço enquanto nós transávamos pela
terceira vez invade minha mente.
Me remexo na cadeira, fechando um pouco mais as
pernas.
Maldito Nathan LeBlanc.

São quatro da tarde e eu definitivamente estou a


um fio de desistir do meu trabalho. O que não contam
sobre o sexting[15] é que, se você está tentando resistir às
investidas do outro lado, é quase impossível de
conseguir.
Nate está de hora em hora mandando mensagens
quentes para mim, depois de ignorar as duas primeiras,
eu acabei respondendo a ele, dizendo de forma curta e
breve que aquele joguinho não ia dar certo. Obviamente,
isso se tornou combustível para ele continuar.
Faltam duas horas para que eu possa fechar a
cafeteria, e eu sinceramente não vejo a hora que isso
aconteça, a força e a concentração que estou precisando
ter hoje é ridícula. Eu deveria não olhar o celular mais,
jogá-lo no fundo da minha bolsa e esquecê-lo. Mas, no
dia de hoje, também descobri um lado masoquista meu
que adora ficar se torturando e não consegue controlar a
curiosidade a cada bip.
Entrego um muffin e um café grande gelado para
uma cliente e no mesmo instante, meu celular vibra no
bolso. “Não olha, não olha, não olha”, repito algumas
vezes para mim mesma, mas segundos depois, eu falho
e pego o telefone em mãos.
Nathan: Está precisando fechar as pernas para
tentar conter o tesão?
Olho para baixo e vejo que estou fazendo
exatamente isso, ele está mexendo com a minha cabeça
e neste momento, eu já estou exausta de resistir.

Fecho a porta de metal do café às pressas depois


que o expediente acaba e dou início a uma caminhada
que, em dias normais, levaria pelo menos vinte minutos
para ser feita até o apartamento de Nathan, mas a faço
em dez. O vento gelado castiga meu rosto, mas até
mesmo o frio eu estou conseguindo ignorar, tamanha
minha determinação. A expectativa cresce dentro de
mim e só vai aumentando depois que digito o código
para abrir o portão de entrada e quando aperto o andar
dele no elevador.
Com um apartamento por andar, quando as portas
de metal se abrem, eu toco a campainha duas vezes.
Escuto a voz de Nathan dizendo “já vai” e sei que ele me
vê pelo olho mágico. Quando a porta é aberta, ele está
usando apenas uma calça de moletom do time do Älg, a
barriga está exposta e o peito também.
— Cansou de resistir? — Pergunta com um sorriso
presunçoso nos lábios.
— Você é a pior pessoa que eu já tive o prazer de
conhecer.
E antes que ele dê uma resposta esperta, eu fico
na ponta dos pés, puxo seu pescoço e selo nossos lábios,
não dando tempo para que ou ele ou eu pensemos
demais. Nathan vai puxando meu corpo para dentro e
quando a porta bate, me afasto rapidamente dele para
remover minhas botas e deixar minha bolsa pendurada
no cabideiro.
— Manu, eu só preciso…
Não deixo que ele termine de falar e volto a beijá-lo
de forma afobada, como quis fazer durante todo o dia,
vou empurrando seu corpo para que ele adentre ainda
mais ao apartamento e nossas línguas dançam de forma
sensual. Ele me para no meio da cozinha, mas eu
continuo a beijá-lo. Chupo sua língua e ele solta um
gemido, suas mãos vão para minha bunda e ele a aperta
de forma nada gentil.
— É… pessoal, eu ainda estou aqui.
Eu abro os olhos e me afasto rapidamente de Nate,
procurando de onde vem a voz, e quando olho para a
bancada da cozinha, vejo o celular dele apoiado em um
suporte e o rosto de Dave, seu amigo, preenchendo a
tela. Viro para Nate e o fuzilo com o olhar.
— Eu tentei te avisar, mas você começou a me
atacar — ele ri e fala com falsa inocência. — É isso que
acontece quando você fica reprimindo tesão. A culpa não
é minha.
— Eu vou matar você, eu juro que vou — falo entre
os dentes. — Mas, antes, vou falar com seu amigo —
empurro seu ombro e caminho até onde o celular está. —
Desculpa pela cena, Dave.
— Está tudo bem, Manu — o amigo de Nathan
segura a risada e sorri de forma gentil para mim. —
Prometo ajudar você a matá-lo quando estiver aí.
— Vou, com certeza, cobrar o favor — reforço. — E
por falar nisso, quando você vem?
— No final de novembro, estou ajeitando alguns
documentos, vendo a questão do Nick, enfim, assuntos
da vida adulta.
— O que precisar de ajuda, me avise.
— Combinado. Obrigado pela gentileza — ele dá
um sorriso largo, mas vejo que está segurando a risada.
— Agora, se quiser desligar… Eu vou entender, sem
problemas. — Dave lança uma piscadela para mim e eu
aceno com a cabeça.
— Te ligo depois, cara — Nate aparece ao meu lado
e dá um aceno breve para o amigo.
Nos despedimos e quando a chamada é encerrada,
Nate para a minha frente e me pega pela cintura, me
levantando com uma facilidade impressionante e me
colocando sentada no mármore.
— Onde estávamos mesmo? — Ele puxa meus
cabelos do elástico e eles caem por meus ombros. — Ah,
paramos na parte que você ia ficar nua na minha cama
— Nate passeia com a boca por meu pescoço e vai
depositando beijos molhados. — Você cheira a café, é a
coisa mais deliciosa do mundo.
— Por mais que você goste desse cheiro, eu
adoraria um banho para tirar ele do corpo — ele se
afasta e eu ergo uma sobrancelha, mostrando que não
tem nenhuma conotação inocente no que acabei de
dizer. Dois podem jogar esse jogo.
Nate tem as pupilas dilatadas e noto a malícia em
seu olhar.
— Faço exames periodicamente e estou
completamente limpo.
— Tomo anticoncepcional há anos.
Ele assente e beija meus lábios novamente, dessa
vez com ainda mais fome. Ele se afasta um pouquinho e
sussurra mais uma de suas sacanagens.
— Bom, então eu vou adorar foder você no
chuveiro.
E essa curta frase determina o rumo da minha
noite, e eu jogo para o fundo da mente a ideia de tentar
resistir, pelo menos por agora.

O vestido preto que usei no casamento de Tonia, foi


uma peça de roupa que eu acabei trazendo comigo
porque minha irmã insistiu que eu poderia usar em
algum momento. Nunca achei que iria agradecê-la por
me fazer trazer uma roupa mais formal. Como Tonia e
meu cunhado se casaram numa cerimônia simples, o
vestido que estou usando é de cetim e vai até as
canelas, com uma fenda lateral que deixa minha perna à
mostra. Estamos no final de outubro e o frio aumenta
gradativamente a cada dia, mas a ocasião pede uma
roupa mais formal.
Nathan tentou me convencer a me arrumar em seu
apartamento, mas eu gosto de fazer as coisas ao meu
tempo e uma parte de mim queria surpreendê-lo. Por
isso, quando estou finalizando o batom nude na boca,
meu celular apita e eu vejo que é ele me avisando que
está me esperando.
Finalizo os últimos retoques, fico feliz com o
resultado que o espelho me mostra e pego meu casaco
mais quente para colocar por cima, sei que vou passar
frio hoje, mas tento mentalizar que é só por uma noite.
Pego minha bolsa, tranco o apartamento e, quando
chego ao térreo, fico surpresa ao ver Nate me esperando
na entrada. Preciso me lembrar brevemente de como se
respira, porque, o homem parado à minha frente
consegue estar ainda mais bonito do que nos demais
dias.
A calça preta social e a camisa branca são simples
e uma roupa padrão para esse tipo de evento, mas em
Nate parece que tudo cai bem, seja roupas de esporte, o
uniforme do time, calças e a jaqueta jeans que ele adora
usar ou mesmo agora, a roupa social. Os cabelos estão
bem penteados, mas por conta do tamanho mais
comprido, formam leves ondas.
Ele não tira os olhos de mim nos curtos passos que
dou até chegar a ele.
— Caralho! Você está linda.
— Você não está de todo ruim também — respondo
com desdém e Nate revira os olhos.
— O seu olhar de quem quer me comer aqui e
agora não faz jus para alguém que só esteja “não tão
ruim”.
Fico surpresa quando ele enlaça minha cintura e
deposita um beijo breve em meus lábios. Sei que já
transamos duas vezes essa semana, mas não
conversamos sobre toques, ou como vamos agir agora
diante de todos. Quero dizer, vamos agir como
namorados de mentira? Isso significa que ele está me
tocando porque quer ou porque precisa, para manter as
aparências?
— Vamos? — Ele diz ainda próximo aos meus
lábios.
— Claro — respondo com um sorriso, tentando
silenciar minha mente.
O caminho até o local do evento não toma muito
tempo. Quando Nate estaciona na frente do restaurante
e entrega a chave a um manobrista, me sinto na minha
própria versão de evento de gala, onde os famosos se
amontoam no tapete vermelho e os paparazzis tiram
fotos. Não há tantos assim, mas a quantidade presente,
na minha concepção, já é motivo de sobra para sentir
algumas gotículas de suor na palma da mão.
Nate e eu nos posicionamos na frente do painel
com o nome do evento e ele me segura pela cintura
enquanto tiramos algumas fotos. Quando o fotógrafo
agradece, meu namorado de mentira tira o telefone de
dentro do paletó e estende para o rapaz.
— Você pode tirar uma foto nossa? — O cara
assente e eu olho para Nathan. — O que? Você está linda
demais para que eu não tenha uma foto nossa também.
Não consigo evitar o frio na barriga que sinto ao
ouvir suas palavras, mas, só para não perder o costume,
reviro de olhos e poso novamente para a foto, dessa vez,
dando um sorriso um pouco mais largo. Nate pega seu
celular novamente e com isso, adentramos ao evento. O
restaurante foi reservado essa noite especialmente para
a ocasião e envolta de todo o luxo, não consigo conter o
sentimento de não pertencimento. Não faço parte dessa
realidade, ela não combina comigo.
E isso fica ainda mais evidente quando Nathan
começa a me apresentar para as pessoas e eu vejo seus
olhares julgadores, não são apenas as mulheres que me
olham de cima a baixo, os homens fazem o mesmo, em
alguns eu noto o olhar julgador e em outros, eu vejo
cobiça. A objetificação fica presente em suas palavras e
na forma sutil quando perguntam o que eu faço e quando
menciono que não sou daqui, na tentativa de evitar que
eles façam comentários xenofóbicos. Não sou de tolerar
essas coisas, mas sei que aqui, no meio dessas pessoas,
minha voz não é tão forte, não quero correr o risco de
prejudicar Nathan.
Depois de uma rodada exaustiva de apresentações,
eu respiro aliviada ao encontrar Helen e Peter, ela está
deslumbrante com um vestido vermelho e Peter também
não está muito atrás, vestido igual a Nate. Nos sentamos
em uma mesa e não demora muito para que os discursos
comecem, há um apresentador que comenta sobre a
quantidade de dinheiro arrecadada durante o ano e fico
surpresa com o valor, é alto e há muito a se fazer com
ele.
As pessoas começam a discursar, vez ou outra,
alguém para na mesa para falar com Nathan e elogiar
seu desempenho e me sinto mais à vontade quando ele
tenta me inteirar nas conversas, ele não solta minha mão
e esses pequenos gestos me deixam levemente confusa.
O que é encenação? O que é real? Por que estou
tão preocupada e repetindo essa mesma pergunta tantas
vezes? É por isso que nós não podemos ser nada mais do
que isso, é por esse motivo que não posso me deixar
levar pelas atitudes, somos namorados de mentira, isso
não vai mudar.
— E agora, nós gostaríamos de chamar ao palco a
estrela do nosso time, ele que chegou esse ano para
trazer o fôlego que o Stockholm Älg precisava. Senhoras
e senhoras, o nosso camisa vinte e três, Nathan LeBlanc.
Uma salva de palmas preenche o salão e noto que
todos estão nos olhando.
— Não sabia que você ia falar — comento mais
baixo.
— É rápido, eu prometo — Nate rouba um beijo dos
meus lábios e se levanta para ir em direção ao palco.
Ao chegar, ele agradece ao apresentador e vejo
que fica levemente tímido, apesar de jogar em uma
arena lotada e cheia de pessoas o assistindo, ele está
nervoso e isso fica perceptível quando ele gagueja nas
primeiras palavras e pede desculpas por não ser tão bom
em falar em público. Dou risada, mas não deixo de
prestar atenção nele e no que está falando. Aos poucos,
ele vai se soltando mais e seu discurso ganha mais
fôlego.
— Fico muito feliz de fazer parte de um time que se
preocupa em ajudar os outros, em trazer não apenas
entretenimento para as pessoas, mas que também se
preocupa com formas de contribuir para um mundo
melhor. Nesses últimos meses, eu tenho pensado muito
sobre meu papel aqui, a mensagem que quero deixar
para as futuras gerações, para além do esporte.
Recentemente, um pensamento frequente me vem à
mente, algo que eu nunca havia parado para pensar de
verdade. Sou imigrante — Nate faz uma pausa e eu apoio
meu queixo na mão, prestando mais atenção nele. — E
apesar de ser um imigrante, não me sinto dessa forma,
sempre me senti muito acolhido, como se não estivesse
a um continente de distância de casa. Mas é importante
que nós saibamos que isso não acontece para todo
mundo, nem aqui nem em outros países. E é por isso que
eu queria anunciar que, realizei uma conversa com
alguns patrocinadores e parte do dinheiro arrecadado
nesta noite será destinado para uma organização sem
fins lucrativos que cuida de imigrantes na Suécia,
auxiliando no acolhimento, dando suporte para famílias
mais carentes e na busca de empregos.
Sinto meu coração aquecer ao ouvir suas palavras,
mas tento não demonstrar que estou levemente
emocionada, mas meu plano vai por água abaixo quando
ele termina seu discurso.
— Uma pessoa incrível me ensinou recentemente
que temos que lutar todos os dias, em memória dos que
fizeram isso por nós no passado e por aqueles que virão
depois, para que eles não tenham que passar pelos
mesmos problemas que nós. E, bom, nós lutamos com
aquilo que temos em mãos. Então, se eu puder
transformar a vida dessas pessoas em algo melhor, eu
farei. Obrigado.
Nathan é ovacionado por uma salva de palmas e
eu acompanho o salão, sentindo meu coração bater forte
em meu peito.
— Quem será que ensinou isso para ele, huh? — É
Helen quem sussurra em meu ouvido.
Dou um sorriso gentil para ela, mas me viro para
continuar a ver Nathan caminhando até mim, sendo
parado e cumprimentado pelos convidados. E então,
percebo que é tarde demais.
Eu estou me apaixonando pelo meu namorado de
mentira.
O rádio do carro toca uma música baixa e esse é o
som que embala o caminho que eu e Manuela estamos
fazendo até o Resort onde temos reserva para esse final
de semana. É sábado de manhã e o sol ainda está
nascendo, mas faz três graus fora do carro. Tive que
conciliar minha agenda para ter esse final de semana
livre, já que, geralmente, jogamos aos sábados. Jogamos
na terça e na quinta e, por conta disso, tenho esses dois
dias livres, o que possibilitou conciliar com a revista para
fazer a viagem e, por consequência, a entrevista que eles
tanto querem.
Sei que Manu está cansada, ela tem trabalhado
bastante e dedicado cada minuto livre de sua agenda
para os estudos e o doutorado. E, neste momento, ela
dorme com a cabeça encostada no vidro do carro. Tento
ser empático e entender que o problema não sou eu,
estou me esforçando para acreditar fielmente nisso. Mas
não está dando muito certo.
Desde o evento beneficente que o meu time
ofereceu, Manu e eu ficamos um pouco mais distantes,
não por vontade minha, mas por conta dela. Saímos uma
vez ou outra, mas ela sempre parecia distante demais,
preocupada demais com suas obrigações. Nos primeiros
dias, quando comecei a perceber que ela estava mais
distante, continuei com meus joguinhos de provocação,
achei que iríamos tornar as transas algo frequente, para
valer. Mas não foi bem o que aconteceu.
Não consigo deixar de pensar que talvez ela não
queira mais estar comigo, nunca conversamos a respeito
do que éramos e, depois do nosso primeiro beijo, ainda
na minha festa de aniversário, por mais que eu tenha
começado a ter consciência de que estava me
apaixonando por ela, tentei seguir o conselho de Dave e
ir devagar. Eu não contava com a possibilidade de
transarmos no meio do caminho, tampouco me importei
com a possibilidade de desenvolvermos uma amizade
colorida. Uma coisa não iria excluir a outra e eu poderia
tomar esse tempo para entender o que estava sentindo
de verdade.
Mas, neste momento, há uma barreira entre nós,
uma muralha que eu não participei da construção. Não
somos mais estranhos, também não somos apenas
amigos, mas não somos namorados de verdade. E para
mim, também não estamos mais em um relacionamento
de mentira.
Ou seja, não faço a menor ideia de em que pé
estamos. E isso é uma merda.
Eu vejo a placa anunciando que estamos próximos
do Resort e decido que, já que estaremos juntos esse
final de semana todo, teremos tempo para
conversarmos, vamos nos acertar, seja lá o que acertar
signifique em nosso contexto. Estaremos juntos o tempo
todo, não tem como ficar sem nos falarmos ou nos
vermos.

Aparentemente, é possível evitar uma pessoa


mesmo estando no mesmo ambiente que ela. Manuela
estava me provando como fazer isso com maestria
durante todo o dia.
Logo que chegamos ao hotel, fizemos o check-in e
a produtora da revista me enviou uma mensagem
dizendo que eles já estavam a caminho e que eu não iria
precisar esperar por muito tempo.
Como a reserva contempla todas as refeições e nós
havíamos saído cedo, chamei Manuela para tomarmos
café juntos, pareceu uma boa oportunidade para
conversarmos. Eu só não contava com a possibilidade de
Manu tomar café na velocidade da luz e sair às pressas
da mesa dizendo que iria aproveitar uma sala mais
reservada do hotel para escrever um pouco e fazer
algumas leituras para seu doutorado.
Eu tentei convertê-la a ficar mais um tempo
comigo, mas o fato dela estar mais fechada me deixou
inseguro, não soube dimensionar até que ponto poderia
forçá-la, insistir que ela ficasse por perto.
Depois de se despedir, eu segui tomando meu café
e não demorou muito mais para a equipe da revista
chegasse, mudando meu foco. As duas repórteres, a
fotógrafa e a maquiadora se apresentaram e nos
sentamos para prosseguir com o café. Elas me deram um
roteiro detalhado sobre como seria o dia e que a
entrevista será feita em duas partes, conforme
conversado com meu empresário, uma para falar sobre
esporte e carreira no hockey e outra para falar sobre vida
pessoal, hobbies e outros assuntos, eu serei o destaque
da edição de dezembro e também a capa.
Conforme solicitado, me dirigi juntamente da
fotógrafa e maquiadora até o chalé em estou hospedado
para ir selecionar as roupas que elas gostariam que eu
usasse. Trouxe uma quantidade generosa de opções,
apesar de nunca ter entendido muito a dinâmica de fazer
tantas fotos, sendo que, no final das contas, as que vão
de fato para a revista são apenas algumas. Entretanto,
cada um tem o seu trabalho e eu estava ali para fazer o
meu.
Manu e eu estamos hospedados em um chalé mais
afastado, com sala de estar, cozinha e até mesmo uma
banheira. Não pude deixar de pensar o quanto queria
usar a instalação com ela junto a mim num banho
quente, mas, como se estivesse recebendo um novo
balde de água fria, o chalé estava vazio quando o abri e
mais uma vez, constatei que ter um tempo com Manuela
seria difícil, muito mais do que eu havia imaginado.
A revista reservou uma sala para fazer as fotos
internas e a fotografa comentou que faríamos fotos
externas também. Enquanto a maquiadora arrumava
meu cabelo e passava um pouco de maquiagem, apenas
o mínimo para não deixar meu rosto brilhoso, decidi
deixar de lado o fato da ausência da minha namorada e
me esforcei para demonstrar que seu distanciamento era
algo completamente normal, se tratava apenas de uma
mulher ocupada com seu doutorado.
A primeira sessão de fotos foi com um traje mais
social, bem semelhante ao que eu tinha usado durante o
evento de caridade. A fotógrafa era incrível e o resultado
estava ótimo. Depois, fizemos algumas fotos minhas com
a camiseta do Älg, elas perguntaram se eu queria ouvir
alguma coisa para entrar no clima e optei por colocar
umas das minhas playlists pessoais.
Enquanto as fotos eram tiradas, não pude deixar
de pensar que queria Manuela comigo para fazer piada
sobre como eu não levava jeito para fazer qualquer pose
que não fosse ou segurar um taco de hockey ou apenas
ficar parado com os braços duros ao lado do corpo.
Na hora do almoço, quando fizemos uma pausa,
mandei novamente uma mensagem para saber se Manu
viria almoçar comigo, mas a resposta, além de demorar a
vir, chegou brevemente com as palavras: “Já almocei,
estou focada por aqui, depois nos falamos”. Minha
frustração foi tanta que não me importei em dar alguma
justificativa para a equipe da revista que não fosse “ela
está ocupada, não vai poder vir”. Eu só quero que o dia
acaba logo para poder encontrá-la de uma vez.
Depois do almoço, fizemos mais uma sessão de
fotos, dessa vez mais breve, e em seguida, as repórteres
aproveitaram o primeiro espaço reservado para fazermos
de fato as entrevistas. Foi divertido, elas souberam
conduzir com maestria as perguntas, não tornando o
processo entediante e muito menos monótono ou
robótico, me soltei e respondi as perguntas da melhor
maneira possível.
Já estava escuro quando finalizamos, não que fosse
muito tarde, já que os dias estão com uma duração
menor de horas. Durante as estações mais frias, a Suécia
tem dias mais curtos, com o sol se pondo antes das cinco
da tarde e durante o verão, dias que duram até às onze
da noite. É bizarro de se pensar, mais estranho ainda de
se viver e o verão é a estação mais esperada pelo país
inteiro.
Me despedi delas mais uma vez, agradecendo pelo
trabalho incrível e pela hospedagem durante o final de
semana todo. Eu estava curioso para ver o resultado e
elas me avisaram que mandariam uma prévia para
aprovação. Caminho na direção do chalé, fechando a
jaqueta um pouco mais por conta do frio e coloco o
cartão chave para abrir a porta.
Ao abri-la, a música preenche meus ouvidos e vejo
que Manuela canta baixinho e dança devagar pela
cozinha, ela parece estar lavando um copo, mas por
estar de costas, não consigo visualizar por completo suas
ações. Fico em silêncio e fecho a porta devagar, sem que
ela note minha presença.
Ela está linda. Os cabelos estão soltos, o que é
raro, a blusa de lã comprida cobre boa parte de seu
corpo e ao me aproximar, vejo que ela está realmente
lavando algumas louças. Talvez tenha comido algo
durante o dia aqui, mas não me atento a isso, me atento
ao fato de como gosto dessa versão dela, em sua forma
mais caseira possível.
A música preenche o ambiente e em um impulso,
caminho até ela e seguro sua mão, que balança no ar
enquanto ela canta e a puxo para dançar comigo.
Manuela solta um gritinho assustado e parece ainda mais
tensa ao me ver.
— O que faz aqui?
— Até onde eu saiba, ainda estou hospedado aqui
— comento descontraído, ainda balançando nossos
corpos no ritmo lento da música.
— Preciso olhar uma coisa no forno — Manu tenta
se afastar de mim, mas eu a prendo um pouco mais em
meu corpo.
Noto que o forno não está ligado, mas não digo
isso.
— Dança comigo? — Peço, numa súplica baixa. —
Só uma dança.
Manuela está com a cabeça baixa, mas ao ouvir
meu pedido, ela ergue o rosto, me olha por alguns breves
instantes e assente minimamente. Dou um sorriso fraco
e continuo a nos guiar pela cozinha.
— Quem canta essa música? — Pergunto, mais
próximo ao seu ouvido.
— Paolo Nutini — Manu fala com a voz levemente
falhando. Ela pode estar me evitando, mas eu ainda
mexo com ela, é perceptível. — Minha mãe amava essa
música, sempre que ouço me lembro dela.
— Sei que já disse isso, mas sinto muito pela morte
dela, não consigo nem imaginar como deve ser para
você e para Tonia — comento sincero.
— Há dias e dias — sinto Manu relaxar um pouco
sobre meu toque. — Há momentos em que eu só gostaria
que ela estivesse aqui, para me dar conselhos, mesmo
que eu não fosse segui-los — uma risada baixa escapa de
seus lábios.
— O que ela diria sobre nós? — Pergunto sem
rodeios e afasto meu rosto para olhá-la. — O que ela diria
sobre o fato de você estar me evitando?
— Não estou te evitando, Nate, eu só… Eu tenho
minhas coisas para fazer também — Manu aproveita o
momento de baixa guarda e solta suas mãos das
minhas.
— O que aconteceu, Manu? — Questiono quando
ela desliga a música. — Sinto que preciso te pedir
desculpas, mas não sei pelo que, sinto que estou fazendo
algo de errado, mas… — passo a mão nos cabelos,
desajeitando os fios. — Mas não sei o que fiz.
— Não é nada disso, é só… — ela está de costas e
eu posso ver a tensão presente em seus ombros. — O
que eu estou fazendo aqui, Nate? — Indaga, virando para
me olhar.
— Me acompanhando na viagem e…
— Não, o que eu estou fazendo aqui? — Enfatiza
novamente. — Você conseguiu o que queria. Acalmou a
imprensa, suas manchetes agora são voltadas para o
esporte e para nosso “relacionamento” — comenta
fazendo aspas no ar. — Você já sabe o que deve ou não
fazer, como evitar que você seja um destaque negativo.
O que eu estou fazendo aqui? Não tem mais porquê fingir
um relacionamento, nosso contrato já deveria ter
acabado.
As palavras duras de Manuela agitam algo dentro
de mim como uma sirene, um alerta de que não há
melhor momento do que este para dizer a ela a verdade.
— Eu não quero mais fingir esse relacionamento,
quero que ele seja real — sou direto e sincero em minhas
palavras.
E pela primeira vez, vejo Manu hesitar e não ter
uma resposta pronta nos lábios. Eu não costumo falhar
em meus palpites, mas com ela, eu sempre fico de certa
forma inseguro, mas não há mais motivo para isso. Eu
havia firmado um namoro de mentira com uma mulher
de quem não tinha nenhuma informação além do nome,
mas agora, eu a conheço. Eu sei interpretar melhor suas
expressões.
E Manuela está chocada.
— Você quer um relacionamento real? Comigo? —
Ela aponta para si mesma. — Por quê?
— Porque me apaixonei por você, Manu —
respondo da forma mais sincera possível e um sorriso se
expande em meus lábios. — Na verdade, eu poderia
listar vários os motivos. Primeiro, você é fascinante.
— Fascinante? — Ela repete, como se estivesse
duvidando do que eu estou falando.
— Sim. Você é fascinante. Você também é
completamente e terrivelmente sarcástica, teimosa,
irônica e engraçada — completo, dando um passo em
sua direção. — Toda vez que vou te encontrar, fico
pensando em piadas inteligentes que posso soltar perto
de você, ou tentando encontrar algum assunto, além de
hockey, que eu consiga falar com mais propriedade que
você. E quer saber? Eu falho todas as vezes. E amo falhar
em todas elas, porque ouvir você falar sobre qualquer
coisa é fascinante.
— Nate…
— E tem mais — continuo, dando mais um passo
em sua direção. — Eu sou completamente doido pelo seu
corpo — Manu dá uma risada fraca, mas continua a me
olhar. — Parando para pensar hoje, mesmo quando você
era só a garota que me atendia no café, eu acho que
sempre te desejei. Sou completamente louco pela versão
Manuela de calças leggings e blusas largas — comento,
apontando para ela. — E pela versão que sempre me
deixa babando quando você gasta meia hora pra se
produzir. Adoro conversar com você, sou completamente
apaixonado pelo fato de você cantar as letras mais
impossíveis do System Of A Down, ou pela forma como
você fala da sua irmã e da sua sobrinha — dou mais um
passo em sua direção e quando Manu não se afasta,
seguro-a pela cintura e num gesto rápido, coloco-a em
cima da pequena bancada, para ficarmos com os rostos
nivelados. — Eu estou completamente apaixonado por
você, Manu. E essa nossa distância está acabando
comigo — confesso. — Se for para não ter você na minha
vida, eu preciso que você diga agora. Talvez eu tenha
interpretado errado os sinais, talvez eu tenha sido só
uma transa casual e eu sei que vai doer, mas se for isso,
eu vou entender e te deixar em paz. Não estou ligando
para imprensa nem nada do tipo. Sei que começou
assim, sei que te tratei como uma mentira, mas hoje,
você é o que há de mais verdadeiro na minha vida.
— E o hockey? — Manu ergue uma sobrancelha em
minha direção.
— De tudo que eu disse, você só conseguiu pensar
em hockey? — Indago. — Me ajuda aqui, Manu.
A gargalhada dela se espalha pelo ambiente e
aquele gesto simples, mas tão verdadeiro, faz com que
meu coração se aqueça. Como eu senti sua falta nesses
últimos dias, como fui tolo de não ter dito logo o que
estava sentindo, como estava com medo que ela
rejeitasse todo esse sentimento. Manu limpa uma
lágrima solitária que escorre de seu olho direito, por
conta das risadas, e passa as mãos no rosto, respirando
fundo.
— Como foi que isso aconteceu? — Pergunta, talvez
para mim ou para si mesma. — Eu confesso para você
que atravessei o mundo para estudar, Nate, nunca tive a
pretensão de fazer nada além de conseguir meu título
como doutora. Quando cheguei aqui, o inverno ainda não
tinha chegado, mas eu achava que sabia o que iria
enfrentar. Me enganei muito — confessa enquanto
esfrega as mãos. — Venho de uma cidade onde neva,
onde faz frio uma certa parte do ano, mas nada se
compara ao frio daqui. As pessoas são mais frias, o clima
é mais frio, as conversas são mais distantes… Me lembro
que, durante as primeiras semanas, eu não conseguia
deixar de me perguntar: de onde vem o frio? — Manuela
para de falar e então, olha novamente para mim. — Por
que eu me sentia tão deslocada e por que achava as
pessoas, os ambientes e tudo ao meu redor, tão frio? E
então, você apareceu, com a ideia mais maluca do
mundo. E você trouxe o calor que eu precisava sentir
novamente. Você me fez voltar a dar boas risadas, eu me
lembrei de que podia sorrir mais e me lembrei de que,
mesmo estando aqui por um objetivo, eu também tenho
direito de ser feliz, de me divertir, de viver intensamente.
Você fez com que me sentisse acolhida. Você me aquece,
Nate. E isso é uma loucura.
— Essa metáfora bonita é para dizer que você
também gosta de mim? — Questiono-a — Porque eu sou
meio ruim de interpretação de texto, mas eu prometo
melhorar se você for minha professora, eu só quero ter…
Não consigo concluir minha fala, porque Manuela
toma meu rosto com suas mãos e gruda os nossos lábios
numa carícia deliciosa, doce, calma… Quente. Porque lá
fora pode fazer frio, mas entre nós, há calor, há muito
mais.
— Isso foi suficiente para responder sua pergunta?
— Não… Não é nem de longe o suficiente —
Respondo, da mesma forma como já fiz outras vezes
quando esse curto diálogo aconteceu entre nós.
— Bom, então eu vou precisar te mostrar de muitas
outras maneiras — pontua, fazendo uma carícia doce em
meu rosto e afastando meu cabelo com a outra mão. —
Só me promete uma coisa?
— O que quiser — anuo de forma sincera.
— Não quebre meu coração, Nate — o pedido sai
em um tom baixo de seus lábios e eu rapidamente coloco
sua mão do lado esquerdo do meu peito e faço o mesmo
com a minha, sentido seu coração sob minha palma.
— Eu prometo, linda. Se o seu coração partir, o
meu também se partirá. Porque estou entregando-o em
suas mãos.
Manu respira fundo e fecha os olhos, como se
estivesse se concentrando nos meus batimentos
cardíacos e nos dela também. E quando ela volta a abri-
los, o brilho da íris castanha é diferente.
— Me ame essa noite, Nathan.
E qualquer coisa que ela me peça, eu farei. Eu farei
tudo por ela, porque Manuela também é a fagulha de
calor que me aquece.
Não me lembro da última vez que senti meu
coração bater dessa forma, tão descompassado e com
tanta rapidez. Talvez seja apenas impressão ou alguma
forma metafórica do meu corpo mostrar o efeito que
Nathan LeBlanc tem sobre mim, mas seja o que for, não
me importo. Não me importo que meu coração esteja
batendo dessa forma.
Porque estou assim por causa dele, por causa de
Nathan, o acontecimento mais surreal da minha vida.
Meu coração pode estar batendo descompassado,
num ritmo acelerado, mas a forma como Nathan me
beija, como suas mãos me tocam é leve, é calma, é
calorosa, é como uma carícia de vento em um dia de
verão. Ainda estou sentada na bancada, beijando seus
lábios e segurando-o pelos ombros, enquanto minhas
pernas o envolvem.
Quando ele finalmente me pega no colo e começa
a caminhar pelo nosso pequeno chalé, sinto a
antecipação do que estar por vir. Já transamos algumas
vezes, já provamos um para o outro como podemos ser
bons juntos, mas por algum motivo sinto que será
diferente.
— Você está tão calmo — digo ainda com a boca
em seus lábios, num murmúrio baixo.
— Não tem por que ir rápido hoje, linda — ele
responde e dou risada ao ver que ele remove uma mão
do meu corpo para tatear a parede.
— Gosto quando você me chama de linda — digo
sincera e dou mais uma risada ao ver que ele se perde
no caminho e, ao abrir os olhos, eu encontro os dele
também abertos, tentando encontrar a porta do quarto.
— Por que eu simplesmente não desço do seu colo para
chegarmos logo? — Faço menção de descer, mas Nate
aperta minha bunda com firmeza.
— Porque eu não quero desgrudar de você um
segundo que seja — explica, como se fosse óbvio e,
quando finalmente encontra a porta do quarto, ele
murmura um “finalmente”, dá os passos restantes para
chegarmos na cama e se senta comigo ainda em seu
colo.
Seguro minha blusa de lã rapidamente pela barra,
mas Nate para minhas mãos e eu me afasto.
— Quero muito ficar nua agora, Nate, você jura
mesmo que não vai deixar?
Os cabelos dele estão bagunçados e ele tem um
sorriso singelo e lindo nos lábios, é o sorriso que me faz
imaginar que, se pegar fotos dele quando criança, ainda
é o mesmo. Tem uma mistura de garoto, de juventude,
mas também é sexy e apaixonante.
— Eu vou deixar — ele deposita um beijo na minha
bochecha e continua a falar. — Confie em mim, linda,
quando eu digo que você só vestirá uma peça de roupa
agora quando formos sair desse quarto — um beijo
molhado é dado na minha outra bochecha e ele,
finalmente, puxa minha blusa de lã lentamente,
removendo a peça. — Mas você me pediu para amar
você essa noite. E eu vou te amar, Manu. Eu vou amar
cada parte de você e mostrar o quanto eu quero você na
minha vida.
Eu derreto, eu me sinto escorrer pelo chão ao ouvir
suas palavras, Nate me segura pelas costas e me beija
novamente, transmitindo nesse gesto tudo o que quer
dizer com essas palavras. Ele inverte nossas posições e
me deita na cama enorme, está escuro lá fora, mas fico
feliz quando ele acende o abajur ao lado da cama e eu
consigo olhá-lo ainda melhor e mais de perto.
— Gosto tanto das suas pintinhas aqui — aponto
para seu nariz e comento quando ele se aproxima
novamente do meu rosto.
— Gosto dessa tatuagem aqui — ele aponta para o
único traço de tinta preta que tenho no corpo, bem na
lateral direita da costela.
— Achei que você não tinha visto — comento
massageando seus cabelos.
— Estou decorando cada pedaço do seu corpo —
deposita um beijo bem onde as letras estão tatuadas —
“Mujer bonita es la que lucha” — ele arranha o espanhol
de um jeito engraçado e não consigo evitar a risada — o
que significa?
— “Mulher bonita é a que luta” — digo a frase em
inglês.
Noto que ele me olha com atenção, observando
cada pedaço do meu rosto, como se estivesse de fato me
memorizando, me gravando em sua mente e em seu
coração.
— Eu gosto de tudo em você — diz, em um suspiro.
— Clichê — desdenho. — Mas eu meio que gosto.
— Você vai gostar ainda mais agora.
Nos beijamos de novo e dessa vez, não há tanta
calma como antes, minhas mãos correm pelo corpo de
Nathan, que ainda está coberto por uma blusa de lã fina
e eu começo a puxá-la para cima, ele se levanta e a
remove em um movimento só. Sorrio ao ver que ele só
está usando isso. Em qualquer outro momento, eu iria
perguntar se ele não está com frio, mas quando pouso a
mão em seu peito, noto como ele está quente e
perguntar isso seria uma completa idiotice.
Nathan pega minha mão e me puxa levemente
para que ele possa remover meu sutiã, ele o joga junto
de sua blusa no chão e logo, dá um aperto gentil em
meus mamilos. Nate me olha com desejo, como se eu
fosse a coisa mais incrível que já colocou os olhos, ele se
inclina para deitar-se novamente sobre mim e volta a me
beijar.
Seus lábios começam a caminhar pela minha
bochecha, indo em direção ao meu pescoço, onde ele
deixa pequenas lambidas e tremo levemente quando ele
chupa o lóbulo da minha orelha.
— Senti tanta falta do seu gosto, linda. E eu vou
provar você lentamente, mesmo sabendo que posso ter
você de novo, e de novo e de novo — um gemido
involuntário escapa dos meus lábios e suspiro quando ele
me acaricia ainda por cima da legging. — Você está
molhada, não está?
Não respondo com palavras, mas balanço a cabeça
levemente em afirmação e me delicio quando ele
começa a mover a boca até chegar nos meus seios, ele
suga um mamilo, soltando com um estalo e eu arqueio
meu corpo em direção ao seu rosto, precisando de mais
dele. Nate gasta mais um tempo ali até começar a
descer por meu tronco, se posicionando no final da cama
e puxando minha calça pelas pernas, me deixando
completamente nua e exposta para ele.
— Você é a porra da visão do paraíso, Manu.
Ele se debruça e deposita beijos pelas minhas
coxas até chegar no meio das minhas pernas. Nate
lambe lentamente, indo do início ao fim e eu solto outro
suspiro alto. Sua língua se move devagar, me torturando
lentamente, fazendo com que eu me esfregue em seu
rosto, implorando por mais.
— Nate, por favor… Mais.
Olho para ele e vejo que, mesmo com a boca ainda
entre minhas pernas, ele sorri, os olhos se esticam um
pouco e então, ele me dá o que preciso. Sua língua se
move com firmeza e ele acelera os movimentos, não dou
a mínima para o quanto meus gemidos estão altos, não
me importo com nada, só com esse momento, com o
prazer que ele está me proporcionando.
Quando chego ao meu orgasmo, meus dedos estão
segurando o lençol de forma firme e eu me dissolvo por
completo, deixando que os espasmos tomem conta do
meu corpo.
— Eu poderia passar horas e horas te chupando,
linda — sua boca encontra a minha e nos beijamos,
comigo sentindo meu gosto em sua língua.
— Quero você — peço, ainda recuperando o fôlego
— Quero tanto você, por favor, pare de me fazer implorar
por isso.
— Tome o que é seu, Manu — abro meus olhos e
nos afastamos só o mínimo para que possamos nos olhar
nos olhos. — Eu sou seu, linda. Eu sou seu por essa noite,
pela próxima, eu sou completamente seu.
Deixo que suas palavras me preencham, que
confirmem em meu coração a certeza que eu tive ainda
no evento de caridade, mas que tive medo de acreditar.
Tive medo de deixar Nathan adentrar meus muros, tive
medo e até mesmo pavor de me permitir sentir algo por
ele, mas agora, é tarde demais. E eu deixo que essa
verdade seja concretizada.
Inverto nossas posições e removo a calça que ele
está usando com rapidez e um pouco de confusão, o que
não passa despercebido por ele e juntos, damos risada.
Quando removo sua boxer, seu pau salta para fora e eu o
envolvo com meus lábios, chupando lentamente e me
deliciando quando ouço os gemidos e murmúrios baixos
de Nathan. Engulo seu comprimento de uma vez só e
quando solto com um estalo, ele me puxa gentilmente
pelo queixo e deposita um beijo em minha boca.
— Assim eu não vou aguentar, linda, preciso estar
dentro de você.
Nate aponta para a gaveta da mesa de cabeceira e
fico surpresa ao ver uma caixa de camisinhas ali.
— Fazia parte do serviço de quarto? — Pergunto,
me deitando por cima de seu corpo para pegar uma.
— Não, essa foi por minha conta, mas fica
tranquila, se elas acabarem eu dou um jeito de conseguir
mais — começo a rir, enquanto volto a sentar em seu
colo e abro a embalagem e começo a deslizar por seu
pau. — Monta em mim, linda.
E eu faço, deslizo milímetro por milímetro até que
ele esteja por completo dentro de mim. Tanto ele quanto
eu gememos ao mesmo tempo e, me segurando pela
cintura, ele se ergue um pouco na cama, só o bastante
para ficar levemente sentado e para que nossos corpos
fiquem um pouco mais no mesmo nível.
— O que foi? — Pergunto, me movendo devagar,
para que ele me preencha de novo.
— Só quero olhar para você enquanto te dou
prazer.
Envolvo meus braços em seu pescoço e juntos, nos
movemos, damos prazer um ao outro, eu engulo seus
gemidos e ele os meus, suamos juntos, nos deleitamos
um no outro, como tem que ser. Aumento a velocidade
progressivamente, mas Nate me ajuda a manter um
ritmo que seja torturante para nós dois, me movendo
devagar enquanto me preenche. Sinto a ponta dos meus
cabelos colando em minhas costas e o prazer me
inundando.
— Abre os olhos, Nate — peço ofegante. — Quero
que você assista enquanto eu me entrego para você.
E quando nossos olhares se encontram, não há
mais volta, eu estou cem por cento entregue a Nathan
LeBlanc. E pelo brilho da íris castanha dele, sei que ele
também é meu.
— Porra!
Nos beijamos novamente e gozamos juntos,
soltando murmúrios baixos e com as respirações
ritmadas. Ele me abraça pela cintura, enquanto sinto seu
coração batendo descompassado e os ombros subindo e
descendo, tentando regularizar a respiração. Nate pede
que eu me levante e com delicadeza, saio, deixando que
ele remova a camisinha e a descarte dando um nó.
Me deito para olhá-lo e quando ele se aproxima de
mim, envolvo minhas pernas em seu corpo e ele me
coloca em cima dele novamente.
— Obrigada por me propor um namoro de mentira
— comento depositando um beijo em seus lábios.
— Não por isso — responde sorrindo.

Desperto na manhã seguinte com um raio de sol


fraco entrando pela janela, as cortinas são sempre
blackout, mas nenhum de nós se preocupou em fechá-las
direito para evitar que o sol entrasse. Sinto minhas
pernas doloridas e sorrio no mesmo instante, sabendo o
exato motivo que me levou a estar assim. Abro os olhos
devagar e não encontro Nathan deitado. Entretanto,
depositado em cima do travesseiro, há um buquê de
flores lindo e colorido.
Me levanto devagar e pego o mesmo em mãos,
cheirando as flores e sentindo o aroma de natureza que
exalam. É lindo, estonteante e me deixa sem palavras.
Automaticamente, penso no que Tonia, minha irmã, diria
se me visse nesse momento sorrindo por conta de flores,
justamente eu, que sempre achei algo clichê e previsível.
“O amor chega para todos, Manuela”, recito como se ela
estivesse ao meu lado e dou um risinho baixo.
Noto que tem um cartão dentro do buquê e quando
abro, sorrio ao ver a curta frase escrita.
“Vem tomar café da manhã comigo?”
Me estico um pouco, ainda segurando o buquê em
mãos e criando coragem de me levantar, pego a calcinha
do chão, quando finalmente a encontro e visto uma
camiseta que trouxe na mala, a do meu pijama que,
felizmente, não foi usado.
Saio do quarto e olho pelo corredor, avistando Nate
sentado na pequena mesa disposta no canto da sala. Ele
está usando uma calça de moletom cinza e uma
camiseta preta. Vejo que foi malhar, porque sua bolsa de
ginástica está próxima a porta. Ele segura uma caneca
de café entre os dedos, mas quando ergue a mesma para
tomar um gole, ele me capta pela visão e sorri
lindamente para mim.
— Bom dia, linda — dá um gole breve no café e se
levanta para vir até mim, enlaçando meu corpo com os
braços e não me dando tempo para responder ao
cumprimento, reivindicando minha boca para si. — Não
tínhamos combinado sobre nada de roupa por aqui?
— Você também está vestido — comento quando
ele se afasta por completo.
— Fui fazer exercícios enquanto você dormia e
também providenciar nosso café — ele aponta para a
mesa e sorrio com a fartura de opções. — Com fome?
— Morta.
— Então, venha tomar café comigo.
Nate me puxa e eu me permito ser levada por ele,
há uma cadeira vazia, mas ele não deixa que eu me
sente nela e me puxa para seu colo. E, só por hoje, eu
me deixo ser mimada, não reclamo quando ele vai me
perguntando o que quero comer e dou risada da forma
como ele faz um malabarismo para me deixar em seu
colo e ainda assim, cortar os alimentos que precisa para
mim.
— Escuta — ele chama minha atenção quando
mordo um pedaço de kanelbulle, um pão doce de canela
que sou apaixonada, uma especialidade sueca. —
Ironicamente, recebi um e-mail esquisito hoje e acho que
está em espanhol, você pode me ajudar a entender?
— Claro — respondo de boca cheia e ele pede que
eu me levante para ir até a bolsa e pegar o telefone.
Ele estende o mesmo em minha direção e o pego
entre as mãos, mas, não há um e-mail aberto e sim, uma
anotação em seu bloco de notas, de fato em espanhol.
Mas não é isso que me deixa sem reação, mas sim, o
conteúdo ali presente.
“Te quiero, Manu[16]”.
— Nate — eu o chamo e vejo que ele tem um
sorriso nos lábios. Ele se agacha para ficar mais próximo
a mim e eu começo a balançar a cabeça, tentando conter
a emoção em todos os pequenos gestos feitos por ele
somente nesta manhã.
— Eu sempre fui desprendido de sentimentos,
Manu — Nate pega minhas mãos e as segura junto a
dele. — Me lembro que quando o Dave começou a
namorar pela primeira vez, eu zombei dele, disse que era
um idiota por se apegar a alguém. Não posso ser
hipócrita e dizer que você é a primeira mulher por quem
me apaixonei, porque não é verdade. Mas acho que você
é a primeira mulher por quem realmente tive que
segurar que essas palavras saíssem dos meus lábios.
Talvez seja cedo, mas eu não me importo com tempo,
não ligo para nada disso. Pesquisei brevemente e
descobri que “te amo” no espanhol é meio fora de moda,
então — ele faz uma pausa breve e limpa a garganta. —
Te quiero, Manu, de verdade. Você aceita namorar
comigo, e dessa vez, para valer?
Respiro fundo ao ouvir seu pedido e a Manuela
racional se rende ao pedido. Sempre fui guiada pela
razão e sempre tentei ser o mais pragmática possível,
não tive uma vida fácil que me permitisse sonhar
demais, a realidade sempre foi nua e crua, mas não há
nada no mundo, neste momento, que eu queira mais do
que mandar a merda toda a minha razão. Meu coração
está batendo forte e isso é resposta o suficiente para
mim. Atravessei o mundo para conquistar meu título de
doutora e também para encontrar o amor e vou me
agarrar a ele com unhas e dentes.
— Yo también te quiero, Nate[17].
— Isso é um sim, né? — Pergunta, com sua
expressão boba no rosto.
— É a porra de um sim, Nathan — explico,
revirando os olhos e segurando a risada.
— Prometo aprender espanhol, prometo.
E com a promessa mais boba possível, eu me torno
namorada de Nathan LeBlanc. Dessa vez, para valer.
Manuela suspira baixo e ouço quando me chama.
— Nate?
— Oi, linda.
— Para de me olhar assim — ela murmura com o
rosto enfiado no travesseiro. — Não tenho mais forças,
meu corpo inteiro dói.
É impossível conter o sorriso que se espalha em
meu rosto, não tem nada melhor do que saber que minha
namorada está completamente exausta e satisfeita por
minha causa. Também estou cansado, mas não digo isso
para ela. É impossível parar de tocá-la, é impossível não
olhá-la.
Manu está deitada de bruços e nua, a bunda
redonda e firme está exposta e eu não consigo evitar o
tesão. Passeio a mão por suas costas, numa carícia
torturante e sorrio quando vejo os braços de Manuela se
arrepiarem.
— Como você ainda tem forças? — Pergunta,
levantando o rosto só um pouco e removendo os cabelos
dos olhos. — Ryan Gosling ensina em Diário de uma
paixão [18]que homens também cansam de tanto transar.
— Esse não é aquele filme super água com açúcar
que o cara fica tentando fazer a esposa se lembrar dele?
— Questiono, ainda massageando suas costas.
— Então você já assistiu? — Manu abre os olhos e
eu noto que segura a risada.
— Todo mundo tem sua lista pessoal de filmes ruins
que já assistiu — desdenho — e, de qualquer forma, esse
cara tá errado, não existe a menor chance de cansar de
transar, ainda mais com você, linda.
Me inclino para beijá-la nos lábios e rio. Peço
passagem com a língua e quando ela concede, uma
chama acende dentro de mim. Manu ronrona baixinho,
mas logo começa a ceder e se arrastar para cima do meu
corpo.
Quando ela está em cima de mim, nosso beijo volta
a ganhar fôlego, com movimentos de vai e vem, sinto
que vamos começar tudo de novo.
— Não, é sério — ela se levanta, sentando-se bem
em cima do meu pau e afasta os cabelos do rosto — eu
estou cansada, preciso de meia hora pelo menos — dou
risada da forma como ela diz isso com certa lamentação
na voz. — Além do mais, nós não saímos desse quarto
ainda.
— Pra que sair do quarto? Está frio pra caralho, não
tem neve ainda para que possamos esquiar, não tem
nada para fazer. Além disso, transar com a minha
namorada é muito mais legal que qualquer outro
programa.
Manu sorri e eu também.
Namorada.
Quem diria, não é mesmo?
Meu coração aquece um pouco mais ao dizer essas
palavras em voz alta e vejo que Manu me observa com
ternura nos olhos. Sou apaixonado por essa mulher,
completamente rendido por seus olhos castanhos e a
boca inchada por conta dos beijos.
— O que acha de tomarmos um banho de
banheira? — Sugiro e, antes que ela recuse a oferta, eu a
corto brevemente. — Dessa vez não tenho segundas
intenções… Quer dizer, até tenho, mas quero, antes de
tudo, tomar um banho quente com você.
— Tudo bem, vamos.
Removo ela do meu colo e vou até o banheiro,
deixando que ela enrole um pouco mais na cama. Ligo a
torneira no jato quente, mesclando um pouco com a
água fria para que se torne tolerável para entrarmos e
despejo um pouco dos sais de banho disponíveis ali.
Quando a banheira fica cheia, eu coloco um pé para
sentir a temperatura e entro de uma vez.
— Traga essa bunda linda até aqui, Manuela — falo
mais alto e ouço a risada da minha namorada um pouco
ao longe.
Manu finalmente aparece em meu campo de visão,
completamente nua e linda, com os cabelos desalinhados
e a feição de quem está relaxada.
— Nossa! Olha a vista desta janela — observa ela,
enquanto encosta o corpo no batente.
Olho para a janela e depois para ela novamente.
— Tem um jogador de hockey gostoso dentro de
uma banheira cheia de espuma, e a única coisa que você
é capaz de elogiar é a visão da janela? — Pergunto,
fingindo estar irritado. — Por que você gosta tanto de
acabar com a minha moral?
— Prazer pessoal, acostume-se, isso não vai mudar
só porque namoramos agora — ela dá de ombros.
Ela dá passos em minha direção, segurando o riso
nos lábios, mas ainda assim, andando lentamente, me
fazendo babar mais ainda em seu corpo, como se isso
fosse possível. Manu estende a mão para que eu a ajude
a entrar e quando o faz, senta-se no meio das minhas
pernas, e eu a envolvo com meus braços.
— Tem como isso ficar melhor? — Pergunto ao pé
de seu ouvido. — Quero dizer, será que é possível ser
mais feliz do que agora, neste momento, com você
assim, junto de mim?
— Espero que sim, porque não sei quando vamos
ter a chance de voltar aqui novamente — ela deita a
cabeça em meu ombro e observo seu peito subir e
descer enquanto ela respira e inspira devagar. — Fico
pensando o que vão falar de nós na internet ou nas
revistas de fofoca.
— Como assim? — Questiono-a.
— Não sei, fico pensando naquelas fofocas de sites
fúteis, falando sobre nós dois não termos saído do quarto
para nada, nem para tomar café. Vão pensar que somos
ninfomaníacos — uma risada escapa de seus lábios, mas,
por conta da nossa altura, consigo ver que ela tem uma
feição um pouco mais séria.
— Você se incomoda com isso? Com a imprensa? —
Começo a falar e enquanto isso, massageio seu corpo,
deslizando as mãos na pele sedosa, fazendo carícias
lentas.
— Não posso dizer que acho normal ser citada em
notícias, Nate — ela respira fundo. — É engraçado
algumas vezes, em outras… nem tanto. Eu nunca fui uma
pessoa que gosta de atenção, acho que a única vez que
cheguei realmente próxima da mídia, foi sair em uma
foto no jornal da faculdade, quando fizemos protesto em
frente a reitoria.
— Nem um pouco surpreso com isso — dou risada
e deposito um beijo em seus cabelos. — Sinto muito por
qualquer coisa que venha aparecer na mídia, de verdade.
E saiba que o que eu puder fazer para te defender, eu
farei. Mick pode cuidar também dessas questões,
podemos tentar alguma moeda de troca ou…
— Fica tranquilo, Nate — ela vira o rosto na minha
direção e deposita um beijo em meus lábios. — Sou forte,
comentários maldosos não vão me derrubar tão
facilmente assim.
— Eu espero que sim, linda. Mas não esquece que
mesmo sendo forte, não me importo em te defender.
Manu assente e me beija novamente. Ficamos os
dois ali, admirando a vista, aproveitando a presença um
do outro, dando risadas e aquecendo nosso corpo com a
água quente e através do sentimento que nasce entre
nós.
Faz uns cinco minutos que não paro de rir,
assistindo a cena à minha frente. Não entendo nada do
que está sendo falado, mas pela forma como Manu
gesticula na frente do celular com a irmã — e pela
quantidade de vezes que ela revira os olhos — eu
chutaria que elas estão falando de mim, mais
especificamente do namoro oficial que eu e Manuela
estabelecemos.
Depois de voltarmos da viagem, eu precisei me
concentrar mais nos treinos e ajudei Dave em alguns
procedimentos para sua mudança, deixando que ele
usasse meu endereço de forma provisória e, também,
procurando um apartamento para ele. Alugar qualquer
coisa por aqui é bem difícil, mas eu estou dando o meu
melhor para ajudá-lo. Manuela e Mahara também estão
ajudando como podem no processo.
Fora a minha rotina pesada de jogos, Manu
também está focada em seu doutorado, estamos nos
aproximando do final do ano e ela precisará mostrar uma
versão oficial da primeira parte da tese, não entendo
muito, mas nunca vi uma pessoa ler tanto na vida.
Mesmo com a rotina turbulenta, encontramos brechas de
tempo para nos encontrarmos, ela continua a ir aos jogos
quando pode e dormimos juntos sempre que possível,
um na casa do outro.
Liguei para meus pais alguns dias depois de pedir
Manu em namoro e contei a eles sobre tudo, minha mãe
ficou feliz de finalmente me ver tomar um rumo e eu
expliquei para o meu pai, pela terceira vez, que agora
era um namoro oficial. Ele achou, num primeiro
momento, que eu havia trocado de namorada pela
segunda vez. Meus pais são mais reservados, não
conversamos com tanta frequência, como Manuela faz
com a irmã, mas nós nos amamos muito e isso é tudo
que importa. Sei que eles me apoiam em tudo.
Depois de comunicar meus pais, agora é a vez de
Tonia, a irmã da minha namorada. Manuela disse que iria
falar com ela antes, para explicar como tudo tinha
acontecido e que me chamaria na hora certa. Estou
observando as duas e aguardando o meu momento.
Quando minha namorada me chama com a mão, eu vou
até ela e sorrio para a tela.
— Oi, Tonia — aceno com a mão. — É um prazer
finalmente te conhecer.
— Uau! — ela exclama — Você é ainda mais bonito
por vídeo do que por fotos. Como você pode demorar
tanto para namorar com ele, Manu?
— Tonia, para de ser inconveniente — minha
namorada fala entre os dentes, enquanto revira os olhos
e eu não contenho a risada.
— Sua irmã é muito cabeça dura, Tonia, sinto muito
por você ter que aguentar ela há tanto tempo — solto
uma piscadinha para ela, que cai na risada.
— Tá vendo? É por esse motivo que eu não queria
que esse “encontro” acontecesse — Manu reclama e eu a
envolvo em um abraço apertado pela cintura e deposito
uma série de beijos em seu rosto.
— Você fica linda quando finge estar irritada.
— E vocês são lindos juntos, Díos mio! — Exclama
minha cunhada.
Tonia continua a conversar comigo e deixo que ela
faça o interrogatório completo, me divirto muito com o
jeito despojado e descontraído dela, principalmente com
sua mania de irritar Manuela. Em alguns momentos, elas
falam em espanhol entre si, mesclando com o inglês e eu
faço uma nota mental para, realmente, começar a
estudar a língua.
A sobrinha de Manu aparece no vídeo em um dado
momento e eu logo compreendo por que ela é
apaixonada pela garotinha. Ela, claro, não sabe falar
inglês ainda, mas mostra orgulhosa a contagem do um
ao dez. Martina conta algumas histórias empolgadas
para a tia querida e não me importo em não entender o
conteúdo, ela é uma garotinha encantadora, e o sorriso
que nasce nos lábios da minha namorada a cada vez que
ela ouve a sobrinha falar já o suficiente para que eu
compreenda tudo.
E me apaixone um pouco mais por Manuela.

— Por que raios estamos na sua faculdade no


sábado? — Pergunto, ao estacionarmos alguns metros
distantes do prédio imponente da Universidade que Manu
estuda. — Eu sei que você curte o ambiente e tal, mas eu
gostaria de passar longe se possível.
— Quer parar de reclamar? Me deixa fazer um
programa romântico com você — ela me puxa pela mão,
depois de colocar a alça da bolsa transversal pelos
ombros, eu não faço ideia do que tem dentro.
— Você quer me levar para um encontro
romântico? Quer dizer que dentro desse peito bate um
coração? — Brinco com ela, porque minha namorada é
um pouco mais fechada do que eu. Manu vira o rosto
séria para mim e semicerra os olhos em minha direção.
— Juro que parei, lidere o caminho, linda — dou uma
piscadinha e continuo a caminhar.
O dia está escuro e há um pouco de neblina e
estamos enfrentando as primeiras temperaturas
negativas. Manuela não para de reclamar do frio e está
usando uma quantidade exagerada de blusas. O feriado
de Ação de Graças foi nessa semana, mas estando em
um país diferente, eu não comemorei a festividade, não
da forma como fazia em casa. Todavia, tentei trazer um
pouco da tradição para a fatídica quinta-feira e preparei
um jantar em casa. A Sra. Nilsen me ajudou bastante nos
processos, mas fiquei feliz ao poder apresentar uma
versão minha, bem menos saborosa, mas igualmente
gostosa, da torta de abóbora para Manuela.
Manu continua a me guiar e vejo ela sorrir travessa
quando, depois de andar por alguns corredores, ela me
puxa para uma sala aberta e com janelas do chão ao
teto.
— Uma sala de artes? — Pergunto, quando ela
fecha a porta.
— É — ela tira a alça da bolsa e me para a sua
frente. — Você me pediu esses dias para que eu te
contasse um segredo, e eu acabei dando uma resposta
genérica para você.
— Desde quando participar de menáge é uma
resposta genérica? — Indago sério — Eu sei que não
tenho direito, sei que eu nem te conhecia, mas confia em
mim, a pontinha de ciúmes ainda está aqui — aponto
para o meu peito com o indicador. E Manu, claro, revira
os olhos.
— Nate, supera — ela diz séria, mas reconheço o
leve tom de brincadeira presente. — De toda forma, essa
foi uma resposta falsa, esse não é o segredo que eu
queria te contar. Mas, melhor do que contar, eu quero te
mostrar — ela explica depois de retirar todas as blusas e
sua touca e abre a bolsa, pegando na sequência um
caderno grande de desenhos bem como alguns outros
materiais. — Eu gosto muito de desenhar.
Me surpreendo porque Manu nunca revelou esse
traço artístico antes.
— Por que nunca me mostrou nada? — Questiono
puxando seu rosto para cima e depositando um beijo
rápido em seus lábios.
— Porque deixei esse hobby de lado, não dava para
trazer meus materiais quando me mudei. Parecia uma
bobeira também porque eu não sou uma artista que
deveria estar expondo quadros por aí. É só uma mania
boba — ela dá de ombros e continua. — E quando
cheguei aqui, não foi como se tivesse muito tempo para
isso, sabe como é, só uma imigrante tentando sobreviver
um dia de cada vez — ela sorri fraco e eu massageio
seus cabelos. — Mas, Tonia me mostrou um desenho de
Martina essa semana e disse que ela tinha encontrado
alguns lápis meus… E fiquei com tantas saudades…
Então — ela abre os braços e aponta para a sala. —
Decidi aproveitar que essa sala fica aberta durante os
sábados e reservei um horário para desenhar… Você! —
Completa, com um sorriso no rosto.
— Você vai me pintar como uma de suas
francesas[19]? — Dou uma piscadinha para ela e me
derreto ao ouvir o som de sua risada.
— É, Rose — completa Manu, mostrando que
entendeu a referência. — Só que não vamos poder
desenhar você nu, será de roupa mesmo.
— Droga! Eu achei que essa seria minha chance de
modelar nu, igual naquelas aulas de curso de artes
mesmo, sabe? — Coloco as mãos na cintura. — Mas, tudo
bem, onde você quer que eu fique?
Manu olha para a sala vazia e pondera, vejo as
engrenagens de sua cabeça entrando em ação e não me
surpreendo quando ela escolhe uma das muitas cadeiras
encostadas próximas à janela.
— Sente-se ali e relaxe — pede. — Se quiser, você
pode ser responsável pela música, nisso eu confio no seu
bom gosto — ela dá uma piscadinha e volta a pegar os
materiais.
— Você deveria confiar sempre no meu bom gosto,
olha a gostosa com quem eu namoro — respondo e vou
para o lugar onde ela indicou.
— É, ela realmente é uma mulher de sorte.
Ela pisca para mim e eu me acomodo
confortavelmente. Começo a procurar no aplicativo de
músicas algo para ouvirmos, pergunto se Manu tem
preferências por músicas mais agitadas ou se quer algo
tranquilo. Ela opta pela segunda opção e eu deixo uma
playlist completa do Greta Van Fleet [20]começar a tocar.
Noto o sorrisinho no rosto da minha namorada
quando coloco uma banda que tanto ela quanto eu
gostamos. Ela começa a se balançar e cantarolar
enquanto seleciona todos os materiais que usará e
quando está pronta, se senta próxima a mim, com um
cavalete junto.
— Quanto profissionalismo — brinco com ela,
quando se posiciona em um banquinho e coloca os lápis
ao seu lado em uma latinha suja de tinta. — Como você
quer que eu fique? De frente? De que lado? Posso tentar
ficar de ponta cabeça se for preciso…
— Fica parado, olhando para a janela, sou melhor
desenhando perfis… quero dizer, eu não sei desenhar
nada direito, mas vou tentar fazer algo minimamente
decente… — ela prende os cabelos em um coque e noto
que ela parece…Insegura?
— Por que você ficou nervosa de repente? —
Pergunto, me inclinando para ficar mais perto dela e
desviando o rosto do cavalete. — Você está com medo de
eu não gostar ou algo assim?
— É... Sei lá — desdenha. — Desenhar sempre foi
algo pessoal meu, fiz o máximo de cursos gratuitos que
pude ao longo da vida, mas meus desenhos nunca
saíram da parede de casa, foi o máximo de exposição
que tiveram. Minha mãe sempre amou e me incentivou,
então achei que seria legal te mostrar, mas agora, me
parece uma péssima ideia porque não vou te mostrar
nada impressionante.
— Manu — vou até ela e me agacho, puxando seu
rosto para que ela olhe para mim. — Não espero que
você me mostre um esboço que poderia ser feito pelo
Picasso [21]ou um pedaço da Capela Sistina [22]— ela ri
baixinho e roubo um beijo de seus lábios. — Você
desenha. Eu sou só um cara que desliza pelo gelo, não
sei nem apontar um lápis direito. Estou feliz só pelo fato
de você me mostrar um lado tão seu, algo tão íntimo, me
sinto honrado com isso. Mas, você sabe o que eu mais
gosto em você?
— O quê? — Ela indaga.
— Sua confiança — respondo e ela sorri. — Você é
a mulher mais foda que eu já conheci, Manu. Você faz o
que quer, o que bem entende, defende aquilo no qual
acredita e eu adoro como você não se abala. Você tem
todos os motivos do mundo para se retrair, mas você
escolhe todos os dias ser essa mulher forte, linda,
deslumbrante e pela qual eu sou apaixonado. Então… —
puxo seu rosto com as mãos e encaro a íris castanha
dela. — Você pode me desenhar com palitinhos e eu não
vou estar nem aí para isso.
— Quando foi que você assumiu esse papel de
coach motivacional? — Ela ergue a sobrancelha de forma
intimidante e eu começo a rir. — Obrigada por me ver
assim, obrigada por me lembrar disso. Eu sou meio difícil
de me abrir, então, acho que quando deixo as pessoas
adentrarem um pouquinho mais em minha vida, fico
insegura.
— Bom, então se acostume, porque minha meta é
conhecer você cada dia mais e mais — roubo um último
beijo em seus lábios e volto a me sentar. — Agora,
vamos, quero esse desenho pronto.
Manu bate as duas mãos na perna e pega um lápis
da lata, ela morde a pontinha dele, movimento que não
passa despercebido por mim, e então, ela respira fundo
e, quando olha para mim, faz um sinal para que eu vire o
rosto para a lateral. Balanço a cabeça em negativo e eu
sussurro um “você é linda demais, não consigo deixar de
te olhar”. Ela sorri de um jeito meigo, que eu, felizmente,
já adicionei a minha lista de “sorrisos favoritos da minha
namorada” e por fim, eu mando um beijo para ela e viro
meu rosto.
Greta Van Fleet embala o ambiente e nós dois
cantamos baixinho as músicas, pergunto se posso
conversar com ela ou se isso a atrapalha, mas Manu
responde que não tem problema algum. Conversamos
sobre a vida, debatemos desde a concepção do mundo, a
existência de vida em outros planetas e até sobre como
ajudar Dave quando ele chegar. Adoro o fato de que as
duas pessoas que mais gosto no mundo estão super
entrosadas e conversam como se fossem amigos de
longa data.
Não sei quanto tempo se passa, mas observo com
o canto dos olhos Manu se abaixar de tempos em tempos
para apontar o lápis e pegar outros, rabiscando em sua
folha de forma concentrada. Ela tem os cabelos presos
em um coque bem malfeito, que não pretende metade
dos fios direito, mas ela diz que ajuda a tirar os fios do
rosto e eu não me importo nem um pouco, acho ela linda
de qualquer jeito.
— Ok, acho que acabei — diz em um suspiro. —
Pode se mexer.
— Posso ver também? — Pergunto ao me levantar.
— Pode — com os braços cruzados, ela encara o
desenho e percebo que ela tem um sorrisinho no rosto.
Caminho em sua direção e me posiciono atrás dela,
massageando seus ombros. Quando olho para a folha,
fico impressionado e meus lábios e meu silêncio mostram
bem minha surpresa. O desenho é lindo, é extremamente
realista e a parte arborizada, refletida pelos vidros da
janela, traz a sensação de que ela colheu galhos das
árvores calejadas pelo frio e os colocou na folha, é
perfeito. E é como se eu enxergasse mais uma camada
da minha namorada. Ela foi modesta, como sempre, ela é
uma artista.
Só então noto que há algumas letras bem
pequenas em um dos vidros da janela do desenho, e me
inclino para ler o que está escrito.
“Você aqueceu a minha vida.”
— Diz alguma coisa — pede Manu, colocando as
mãos em cima das minhas.
Eu me movo para o seu lado e a puxo para mim,
quando está de pé, eu a ergo do chão. Beijo seus lábios
com calma, saboreando Manuela como se fosse a
primeira vez, mas também a última, é um beijo cheio de
sentimento, como se nossas línguas estivessem dizendo
as palavras que só falamos uma vez, mas em outro
idiota.
— Esse beijo foi um “nossa, que desenho perfeito,
como minha namorada é talentosa” — Manu fala com a
boca ainda próxima a minha. — Ou foi um “deixa eu
beijar ela para não ter que comentar sobre o desenho
horrível”?
Dou risada de suas palavras e meu peito se enche
ainda mais de amor, como se ainda fosse possível que
cada um dos meus batimentos cardíacos pertençam
ainda mais a ela.
— Esse beijo foi um: “Caralho, acho que amo você”
— deixo as palavras saírem com leveza, demonstrando
que é exatamente essa reação que Manu causa em mim.
A sensação de paz e de que tudo na minha vida está no
lugar.
Ela permanece em silêncio, olhando para mim
como se pudesse enxergar a minha alma, e eu permito.
Deixo que todas as pedras que ainda poderiam nos
separar caiam e olho para ela como nunca olhei para
ninguém, me deixando exposto, assim como ela fez hoje
comigo.
— Caralho, acho que eu também amo você.
E ela volta a me beijar, fazendo com que meu
coração acelere, com que eu me preencha de seu amor,
de suas palavras e dela por completo. Me entregando da
mesma forma como faço quando estou deslizando pelo
gelo.
Amar essa mulher é simplesmente a melhor coisa
que poderia me acontecer.
Eu estou deslizando pelo gelo com o taco em mãos
e a torcida está gritando ensandecida, é quinta-feira, dia
de jogo, estamos na nossa arena, mas eu não estou
sorrindo. Estamos empatados com o time de Rögle. Zero
a zero, eu odeio esse placar. Faz tempo que não
empatamos um jogo, nesta temporada estamos indo
muito bem, em segundo lugar no campeonato e com
uma ótima pontuação. Estou com ódio e raiva correndo
nas veias, sei que não será um problema se perdermos,
sei que não vamos cair de colocação nem nada do tipo.
Mas odeio perder.
Cristian, um dos laterais, está brigando com um
outro jogador pela posse do disco, quando consegue
capturá-lo, ele lança para mim e eu deslizo ainda mais
rápido em direção ao lado adversário. Os jogadores
batem em mim na tentativa de tirar o disco, mas eu os
empurro com força. Hockey é um jogo de contato, sei
que vou ter alguns roxos ao final desse jogo, mas foda-
se. Estamos no último tempo de jogo, falta pouco para a
partida acabar e eu preciso dar o meu melhor, preciso
tentar marcar um ponto.
Noto que estou sendo muito marcado e lanço o
disco para o lateral direito, Andreas, o garoto tem vinte
anos, dois metros de altura e patina com mais rapidez do
que eu. Ele pega o disco e o domina com o taco, dando
breves toques, mas quando se prepara para dar um tiro
curto, um jogador do time adversário o encurrala na
parede de acrílico e o baque é alto, ele perde a posse do
disco. Grito alto de nervoso e avanço para cima do
jogador que briga com o garoto, ninguém agride um
colega meu de time.
Estamos o jogo inteiro nessa briga, nenhum dos
times conseguiu marcar pontos, os goleiros dos dois
times, tanto do nosso, como do Rögle, trabalharam bem
no jogo. Nosso melhor lateral direita se machucou hoje e
está impedido de entrar quando é feita as substituições.
Eu saio e me coloco no banco de reserva, olhando o jogo
de forma atenta e limpando o suor da testa.
Estou com um pressentimento ruim essa noite, e
ele só piora quando um dos jogadores do Rögle acerta o
disco no canto direito e marca um ponto. Temos poucos
minutos para tentar reverter esse placar. Eu entro
novamente e todas as vezes que tenho a posse do disco,
falho em acertar a rede, é horrível, é frustrante. E
quando o juiz apita o final da partida, eu deslizo
frustrado, lamentando pelo resultado. Agradeço ao
público, mas não consigo esconder minha feição de
tristeza e raiva, olho na direção das cadeiras onde Manu
fica, mas não a encontro. Hoje ela veio sozinha porque
Mahara teve alguns problemas, mas minha namorada
disse que viria de qualquer forma.
Entro nos túneis que dão para o vestiário e atendo
aos jornalistas que me chamam e fazem as fatídicas
perguntas do que aconteceu no rinque hoje, tento
responder da melhor forma que posso, demonstrando
confiança e afirmando que uma derrota não vai definir o
restante de nossa temporada e tentando encontrar, junto
deles, os possíveis problemas e o que causou nossa
derrota. Mas a verdade é que não sei, não faço ideia do
que aconteceu nesta noite, me esforcei, dei o meu
melhor, fiz tudo o que podia e ainda assim, não consegui
levar o time para a vitória. Sei que a culpa de uma
derrota não é só minha, mas não consigo evitar me
culpabilizar mais por isso.
Quando se dão por satisfeitos, olho para os lados à
procura de Manuela e quando a vejo, ela sorri para mim
de um modo acolhedor. Eu caminho até ela, para os
braços que me acalentam e me enchem de amor.
— Que cara mais triste — ela envolve seus braços
em meu pescoço, não dando a mínima para o meu suor.
— Fiquei preocupada com aquelas batidas que você deu
no acrílico, está com dor?
— Um pouco, mas vou colocar uma bolsa de gelo e
ficarei melhor.
— Prometo beijar cada um dos seus machucados,
combinado? — Ela fala próximo ao meu ouvido. Dou uma
risada fraca e só a aperto mais em meu abraço. — Sem
nenhuma piadinha maliciosa? O que fizeram com o meu
Nate?
— Perdi uma partida, linda — ela afasta para me
olhar e massageia meu rosto com uma das mãos. —
Estou triste, desculpa pela falta de humor.
— Estou aqui por você — beija meus lábios
rapidamente e volta a falar. — Toma um banho, vou te
esperar no carro.
Assinto, ainda cabisbaixo, e nos afastamos, comigo
caminhando para o vestiário e ela indo em direção a
saída e ao estacionamento. O vestiário está silencioso
durante o banho, mas os treinadores, assistentes
técnicos e demais membros do time ficam alguns
minutos falando com todos nós. O treinador aponta
nossas falhas, dá uma bronca em nossos dois defesas,
por terem deixado o disco passar tantas vezes. Um a um
ele vai apontando os erros, não fico de fora na bronca, e
aceito tudo que ele fala.
Saio do vestiário e me encontro com Mick, ele me
dá alguns recados breves, avisa que a revista irá mandar
a prévia da matéria ainda essa semana e nós
combinamos uma reunião para lermos juntos. Ele
lamenta a derrota, mas tenta me dar seu melhor discurso
motivacional. Mick pede que eu mande lembranças à
Manu, já que não conseguiu encontrá-la antes do jogo e
eu me despeço dele.
Minha namorada me espera na parte de dentro do
carro e me permite ficar em silêncio durante o caminho,
estou me sentindo muito frustrado no dia de hoje, e a
sensação ruim ainda não passou.
— Dorme comigo? — Peço quebrando o silêncio do
carro. — Estou… angustiado, não sei explicar. Com um
mau pressentimento, não quero ficar sozinho.
— Claro, me leva só até meu apartamento para
que eu pegue algumas coisas.
Manu massageia meus cabelos e mantém a mão
ali, o calor de seu toque faz com que eu me sinta um
pouco melhor, mas ainda assim, não consigo saber o que
está acontecendo comigo. Não consigo me livrar dessa
sensação.
Passamos no apartamento de Manu, ela sobe
rapidamente para pegar suas coisas e depois vamos para
minha casa. Ao estacionar o carro na garagem, subimos
ainda em silêncio e quando entramos em casa, minha
namorada toca minha mão gentilmente e chama minha
atenção.
— Deixa eu cuidar de você hoje? — Pede com
doçura na voz. — Deixa eu ser sua fortaleza hoje.
Balanço a cabeça e Manu nos leva para o meu
quarto, ela remove minha roupa, peça por peça de forma
lenta e quando vê o roxo na lateral do meu corpo, seus
olhos se arregalam. Ela passa a ponta do dedo, a unha
pintada de preto delineando o machucado e se abaixa
para plantar um beijo suave, quase impossível de senti-lo
ali. Respiro baixo e quando ela se levanta, seguro seu
rosto com minhas mãos e a beijo de forma apaixonada.
— O que você precisa, Nate? Me diga e eu farei.
— Preciso de você, linda. Só de você.
— Eu sou sua, mi amor — fala baixinho o apelido
carinhoso, mas em sua língua materna.
Ela remove as peças de roupa que está usando e
fica nua à minha frente, eu abaixo a cueca, a única peça
que ainda me impede de estar nu e ao mesmo tempo,
nos aproximamos para o beijo. É um acalento na alma, é
quente, é vívido e nesse instante, não existe nada, não
existe insegurança, não existe medo, não existe a
derrota de hoje.
Deitamo-nos na cama e fazemos tudo com calma,
beijo seu corpo inteiro, sentindo seu cheiro, adorando-o
da forma que ela merece. Manu repete o processo,
beijando cada parte de mim com amor e devoção.
Quando eu coloco a camisinha e a penetro, nós não
transamos. Eu faço amor com ela. Seguro suas mãos
entre as minhas e continuo com a boca colada a dela,
engulo todos os gemidos dela e ela faz o mesmo com os
meus. Manu me ama nesta noite e eu a amo também.
Quando eu gozo, ela ainda não chegou ao ápice e
eu continuo até que ela esteja satisfeita. Quando ela
chega lá, eu a beijo e digo que a amo. Ela faz o mesmo.
Durmo com o corpo de Manu aninhado ao meu,
adormeço com seu cheiro e com o calor do seu corpo
junto ao meu. Desperto no meio da madrugada, ainda
sentindo meu peito se comprimir, levanto-me devagar
para evitar que Manuela acorde e vou até a cozinha
beber um copo de água. Bebo em goles lentos, mas o
silêncio quase sepulcral da casa faz com que eu ouça
meu celular vibrando.
Caminho até minha mala e pego o aparelho. Ao ver
o nome no visor, não consigo conter o revirar de olhos. É
Zara, faz dias que ela está me procurando, tenho
ignorado as mensagens, tentando mostrar que não há
mais nada para tratarmos, afinal de contas, ela não
passava de uma transa casual e eu também, nós nos
divertimos, mas nosso tempo acabou.
Ela comentou sobre Manu, falando que não via por
que não podíamos nos encontrar se eu tinha uma
namorada de mentira, e ainda que eu não devesse
nenhuma satisfação a ela, contei que não estava mais
fingindo estar em um relacionamento, disse que estava
apaixonado por Manuela e que não queria mais que ela
insistisse nas mensagens. Achei que ela havia entendido
o recado quando parou de enviar mensagens, mas nos
últimos dias, ela voltou a me ligar de forma insistente e
neste momento, meu visor brilha com uma mensagem
sua.
Zara: Precisamos conversar, Nathan.
Penso em responder, mas estou exausto e decido
deixar para lá, ignorar vai ser a melhor solução. Bloqueio
o telefone e o deixo na bancada, indo pegar mais um
copo de água. Ouço ele vibrar novamente e resmungo,
ainda é Zara.
Zara: Sei que você está online, consigo ver
Zara: Já que quer me ignorar, você não me deixa
escolha…

A próxima mensagem é um anexo de foto.


Desbloqueio o telefone quando a foto faz download o ar
todo some de meus pulmões. É uma foto minha e dela,
deitados em uma cama, ela está nua e dá nitidamente
para ver que eu também estou. Na foto, estou dormindo,
mas sei exatamente que dia foi esse, a última vez em
que nos vimos, há quase dois meses atrás.
Na sequência, outra foto aparece e essa imagem
faz com que tudo desmorone. O palito de plástico com a
ponta azul tem um pequeno visor ao meio escrito
“grávida 1-2”.
Zara: Nós PRECISAMOS conversar, Nathan.
Tive, ao longo da vida, amigos que almejaram a
fama, estar sob os holofotes, ter a vida vigiada e ser
adorado por uma série de pessoas desconhecidas. Nunca
quis nada disso para mim, muito pelo contrário, no meu
cenário ideal, eu seria apenas professora de faculdade,
de preferência, muito adorada pelos alunos e que os
motivaria a continuar a estudar. Enriquecer, viver
cercada de luxo e coisas semelhantes nunca foi uma
meta. Como bem diria minha mãe, eu sempre quis ter o
suficiente para ter uma vida boa, colocar comida na
mesa e me divertir um pouco nos finais de semana.
Ter meu nome em destaque em matérias de
revistas e jornais nunca me passou pela cabeça. Ou ter
que restringir o acesso às minhas redes sociais por conta
de uma superlotação e fluxo intenso de seguidores, cuja
procedência não faço ideia de qual seja. Ou, mais do que
isso, me deparar com ataques preconceituosos e
xenofóbicos gratuitos e sem motivo algum.
@anonkalinamaster: será que eles conseguem
se entender? quero dizer, ela nem é daqui… Onde fica a
porra do Chile?????
@jonhxxx453: aposto que o Nate só está com ela
porque é boa de cama, sabemos como as latinas são

@lise_goblerm: as latinas tem um tom de pele..


diferente, né?
— Para de ler comentários, Manu — a voz de
Mahara me desperta e eu ergo os olhos para ela. — É a
regra número um quando você se torna “famosa”.
— Acho que essa é a pior parte, sabia? — Suspiro
alto, passando as mãos no cabelo. — Quem é famoso é o
Nate, não eu. Eu sei que os ataques viriam, mas… quero
dizer, se um jogador de hockey da liga sueca é capaz de
causar isso, eu não quero pensar o que artistas maiores
ou sei lá, as Kardashians passam.
— Dizem que esse é o preço da fama — minha
amiga dá de ombros e dá uma generosa garfada no prato
à sua frente.
— Mas essa é a questão toda — explico e bloqueio
meu celular, colocando-o em cima da mesa. — Eu não
quero ser famosa, eu namoro um jogador, não tenho
nada a ver com esse mundo, o fato de estar com uma
pessoa de destaque não devia ser considerado passe
livre para falarem de mim. Ou comentarem de forma
sexista, xenofóbica, me objetificando por conta da minha
origem, pela minha língua. Tiveram a coragem de falar
sobre “tom de pele latino”. Qual a chance? Nós, mulheres
latino-americanas, não temos um “tom de pele”.
Preconceituosos de merda — falo essa parte mais baixo e
bufo.
— Eu sinto muito por isso, Manu — Mah pega
minha mão na mesa e faz um carinho com o polegar. —
Se eu pudesse, ia atrás de cada um desses idiotas nos
comentários, mas não posso, e nem você pode. A melhor
resposta que você pode dar a eles é a indiferença, é
mostrar que não se importa, é ser feliz com o Nathan,
como eu sei que você é. E qualquer coisa, fala com ele
sobre isso, seu namorado deve saber lidar melhor com a
imprensa e com a fama do que eu.
— É bobeira, não vou encher a cabeça dele com
essas coisas — comento e, finalmente, começo a comer.
— Dave, o amigo dele, chega essa semana, vamos ajudá-
lo com tudo que pudermos, eu tenho meu doutorado
para cuidar e, além disso, o Nate está meio amuado
esses dias.
— Aconteceu alguma coisa?
— Não sei, ele ficou meio triste com a derrota na
quinta-feira passada, acho que isso abalou a confiança
dele, estou me mostrando presente para ele, para o que
ele precisar e ele está bem comigo, só parece mais
distraído.
— Finais de ano são sempre complicados para
todos, acho que ele deve estar com saudades da família
também, assim como você, não é?
— Com certeza, daria tudo para ver Tina e Tonia
agora no final do ano — comento de forma saudosista. —
Vai ser um final de ano diferente, mas terei outras
pessoas para me fazerem companhia — pisco para ela.
— Conte comigo para o que você precisar, Manu —
Mahara fala com a boca levemente cheia e rimos. —
Você foi o ponto alto do meu ano, no meio de tudo, do
preconceito enraizado dos meus pais, das questões com
meu irmão, você me lembra que dá pra ser feliz. Quero
dizer, olha para você, olha tudo que aconteceu — ela
aponta para mim e ri. — Dá para acreditar que eu, logo
eu, que tenho a vida amorosa esse verdadeiro desastre,
uni vocês dois?
— Você foi meu ponto alto também esse ano, Mah
— minha amiga me encara e eu complemento. — Eu
posso até amar meu namorado, você estava aqui
primeiro, Mahara Al-Sabbah Jakobsson — aponto para o
meu coração. — E agora, chega de falar de mim, que
história é essa de ter um encontro?
Mahara suspira e revira os olhos, mas noto que há
um sorrisinho em seu rosto, o que já me alivia um
pouco.
— Minha mãe que me apresentou esse cara —
minha feição se fecha e Mahara logo explica. — Apesar
do contexto, ela estava com boas intenções, ele é filho
de uma das amigas da mesquita que minha mãe
frequenta. O filho, assim como eu, não é muito praticante
e as duas mães que acharam que seria uma forma de
nos trazer mais para dentro dos costumes paquistaneses
e essa coisa toda. Ela me deu o número dele, eu ignorei,
mas ele me mandou mensagem e acabou que a conversa
fluiu.
— Ok, eu trabalho com imagens, me deixa ver uma
foto dele — peço e Mahara pega o telefone em mãos e
começa a bater algumas vezes na tela, quando vira o
celular para mim, me surpreendo ao ver um rapaz lindo
na foto. — Nossa! Ele é bonito.
— Não é? E ele também é bom de papo — comenta
com um sorriso no rosto. — Ele se chama Kalil, os pais
moram aqui desde que ele nasceu, vieram do Paquistão
porque o pai conseguiu um emprego bom. Ele trabalha
com biomedicina, é bem interessante.
— Que bom que, mesmo com essas ideias da sua
mãe de querer que você se case com alguém que tenha
os mesmos costumes que vocês e afins, você tenha
conhecido alguém legal. Quando vocês vão sair?
— Amanhã de noite, vamos em um pub que ele
recomendou.
— Legal, isso não atrapalha os planos. Dave vai
chegar no sábado bem de manhã e eu e Nate vamos
buscá-lo no aeroporto, podemos sair todos juntos.
— Minha mãe não vai gostar da ideia de me ver
saindo dois dias seguidos, mas se o encontro amanhã for
bom, ela pode ficar bem feliz e não se importar tanto.
— Estou feliz que você vai se distrair um pouco,
você está precisando — comento com ela. — Depois que
você começou a cuidar dessa turma de linguística, você
ficou ocupada demais, quase não conseguimos nos
encontrar — faço um biquinho e Mahara estreita os olhos
e ergue a armação de óculos com o indicador.
— Disse a mulher que namora o astro de hockey da
Suécia, cheia de eventos, jantares e transando mais do
que coelhos.
Dou risada das palavras que ela usa e o clima
pesado dos comentários negativos na internet some, eu
me esqueço das pessoas ruins que existem no mundo,
porque Mahara é um ser humano que faz com que eu me
lembre que há esperança no mundo.

Quando o expediente se encerra, eu aproveito a


folga para poder ajeitar um pouco do estoque, houve um
carregamento grande de suprimentos hoje e eu não tive
tempo de colocar tudo em seu devido lugar por conta do
fluxo denso de clientes. Quando coloquei o rosto para
fora de casa hoje, não pude evitar sorrir. Está nevando.
É a primeira vez que vejo neve em Estocolmo. Em
Santiago, no inverno, a cidade ficava linda, mas no
hemisfério sul, o inverno acontece no meio do ano,
diferente daqui. Por isso, o ambiente está ainda mais
bonito. A cidade está toda decorada para o Natal, as
vitrines são um verdadeiro festival de renas, velas,
candelabros, papais-noéis e tudo mais o que se tem
direito, afinal de contas, os suecos estão bem próximos
da terra do papai-noel. Neve é um fenômeno que
acontece quando uma série de fatores climáticos
concilia, para que ela fique realmente acumulada, como
é o caso de hoje, é raro. Tudo isso deixa a experiência
ainda mais especial.
Ajeito tudo que é necessário e, depois de trancar o
café, caminho pela neve até o ponto de ônibus, com ela
acumulada e caindo o dia todo, além do frio que está
fazendo, não vou andar a pé até a casa de Nate. Espero o
ônibus passar e ando os poucos pontos que me separam
da casa do meu namorado. Combinamos que eu iria
dormir lá e por isso, minha bolsa também está um pouco
mais pesada por conta das mudas de roupa que carrego.
Ao chegar à entrada, vejo uma mulher loira saindo
do prédio e em um relance, quase acho que é Zara
Holmgren, a modelo com quem Nate saía. Sinto meu
coração errar as batidas e viro para ver se é ela mesmo,
mas, a mulher se vira e me dá um sorriso gentil, não é
ela. Deixo o pensamento estranho de lado e enfio as
mãos ainda mais fundo nos bolsos, hoje deve continuar
nevando e a temperatura deve cair ainda mais. Quase
menos dez, sinceramente, não entendo as pessoas que
gostam do frio.
Chamo o elevador e subo até o andar onde Nate
mora, ele deixou a chave reserva comigo e por isso,
consigo entrar sem problema algum. A TV está alta e eu
reconheço o narrador do canal de esportes que meu
namorado tanto assiste. Tiro as botas e o casaco pesado
que estava usando, juntamente com a touca e o cachecol
e fico feliz com o calor do apartamento de Nate.
— Tem alguém aí? — Chamo por ele.
— Aqui, linda — a voz dele soa fraca, mas ando até
a sala espaçosa e o encontro usando seu conjunto de
moletom do time e uma camiseta branca lisa. Os cabelos
levemente compridos estão moldando seu rosto e
mesmo sorrindo, percebo que ele está um pouco
desanimado.
— Quem está jogando? — Pergunto apontando para
a TV, antes de me sentar ao seu lado e depositar um
beijo em sua boca.
— Liga universitária de hockey americana — ele
comenta com os olhos na TV. — Esse time da
Universidade de Paradise é incrível. Esse garoto mesmo
— ele aponta para a tela — Trevor Gallagher[23] é um
monstro e aquele ali — ele aponta para outro local na
tela — Luca Capone, acho, é um talento nato.
— Pensando nos futuros prodígios do seu esporte?
— Questiono ao me aninhar em seus braços.
— Sempre bom estar de olho nos novos talentos,
enquanto Nick, o filho de Dave não compete de verdade,
preciso arrumar outros novatos para torcer.
— Eles provavelmente têm um pouco menos que a
sua idade, você fala como se fosse muito mais velho.
— É que tenho experiência, linda — responde e em
seguida, deposita um beijo demorado em meus cabelos.
— Estou feliz que você está aqui, você me acalma só de
conversar comigo.
— O que está acontecendo, Nate? — Pergunto e
viro meu rosto na direção dele. — Você parece tenso, sei
que você está abalado por conta dos últimos jogos, mas
você é um ótimo jogador, lindo, tudo vai dar certo. E olha
que eu nem gosto de hockey — pisco para ele e uma
risadinha escapa de seus lábios.
Nate me encara e vejo amor e alguma outra coisa
que não consigo reconhecer, por um instante, acho que
estou vendo um lampejo de medo, mas antes que possa
dizer algo, ele beija meus lábios com urgência. Enfio os
dedos em seu cabelo e respiro seu cheiro maravilhoso,
gosto tanto dessa proximidade, gosto tanto de estar com
ele. Amo tanto esse homem.
— Tomara, linda — ele diz baixinho, eu quase não
consigo ouvir. — Tomara que dê tudo certo.

Nathan e eu estamos parados em frente ao portão


de desembarque do aeroporto de Arlanda, que fica em
uma cidade menor ao norte de Estocolmo. O avião de
Dave já pousou e ele vai passar pelo portão a qualquer
momento. Nathan parece mais animado e isso me deixa
feliz junto com ele. Sei que ele está feliz porque vai ter o
melhor amigo morando próximo dele.
Dave é quase dois anos mais velho que Nathan,
mas os dois cresceram juntos e nutrem um carinho
especial um pelo outro. Já conversei algumas vezes com
ele e simpatizei logo de cara. Sei que Dave está se
mudando para encarar uma oportunidade de ouro em um
emprego na área de engenharia, mas também sei que o
fato de deixar o filho em outro continente está deixando-
o de cabelos em pé. Não sei nada sobre a história dele
com a mãe de Nick, seu filho, mas admiro a coragem, eu
provavelmente enlouqueceria de ficar longe.
— É ele! — Nate exclama e acena para frente.
Olho na direção que ele me aponta a reconheço o
cara que, até então, só havia visto por chamadas de
vídeo. Dave Bennet acena e sorri quando nos vê, ele é
ainda mais bonito pessoalmente, tem os cabelos bem
mais curtos que Nathan, e estes são loiros. Ele tem os
olhos claros, numa tonalidade de azul linda, que dá pra
ver a metros de distância. Depois que me mudei para
Estocolmo, sempre brinquei com Tonia e Mahara que
homens loiros e de olhos claros não me encantavam
mais, porque aqui, esse é o padrão, mas Dave é uma
exceção, ele é um dos caras mais lindos que já vi na
vida.
— Por favor, disfarça que você está babando no
meu amigo, não quero ter que quebrar a cara dele —
Nate sussurra e eu reviro os olhos.
Não consigo dar uma resposta para ele porque
Dave chega até nós e larga o carrinho que carrega as
duas malas que traz consigo.
— Não acredito que você está aqui — é Nate quem
fala e, em seguida, envolve os braços compridos no
amigo, em um abraço caloroso.
Os dois são da mesma altura e tem o mesmo porte
atlético, Dave deve malhar com certeza. Mas apesar de
estar babando no amigo do meu namorado, sorrio
mesmo é pelo carinho que vejo emanar dos dois num
abraço caloroso. Quando eles se separam, olho para
Dave e ele para mim.
— Então você é a mulher que está colocando meu
melhor amigo na linha?
— Eu mesma. E você é o cara que ele mais gosta
no mundo?
— Eu mesmo.
Rimos juntos e ele me cumprimenta finalmente,
me envolvendo num abraço mais contido, porém
igualmente gentil, como se nós nos conhecêssemos de
verdade, para além das chamadas de vídeo. Ele e Nathan
andam lado a lado e eu insisto em carregar o carrinho
com as malas dele, já fiz essa mesma viagem, sei o
quanto ela é cansativa. Dave agradece e vai nos
contando como foi sua viagem, diz que, mesmo com dor
no corpo, conseguiu dormir o voo todo e que, assim que
chegar em casa, precisa ligar para Nick.
Ajudamos o amigo de Nathan a encontrar uma
casa temporária, ele vai ficar dois meses em um
apartamento no centro de Estocolmo, próximo ao
trabalho novo, até que encontre um lugar para chamar
de seu. Nós caminhamos para a saída e Nate entrega a
ele o chip de celular que compramos e mais algumas
outras pendências, passamos no mercado também antes
de buscá-lo para que ele tivesse o mínimo para
sobreviver. Fico feliz de tornar o processo para Dave mais
fácil do que foi para mim, ninguém precisa passar pelas
mesmas dificuldades que eu, como não saber para onde
ir, em que parte fica cada item no mercado e tantas
outras coisas que você só sente dificuldade quando
chega em um lugar completamente diferente da sua
realidade.
Insisto para que ele vá no banco da frente para ir
conversando com Nate, mas Dave diz que não há
necessidade e dessa forma seguimos caminho. Levamos
ele até seu apartamento, o ajudamos a se instalar e ele
aproveita o wi-fi para falar com o filho. É só nesse
momento que me dou conta de que há uma informação
da qual eu não tinha conhecimento, ouço ele falar com a
mãe da criança e ouço ele dizer o nome de Nick, mas
Dave também mexe as mãos.
Ele está sinalizando, está usando a língua de
sinais.
— Nick nasceu com surdez severa — Nate comenta
baixinho ao meu lado. — Dave sofreu muito no começo,
mas hoje, eles encaram bem essa questão e Nick é uma
criança linda.
— Para ele deve estar sendo horrível estar longe do
filho — digo em um sussurro, com os braços cruzados.
— Ele paga um alto preço por não ter ficado com
Hannah, ela o pune por não terem ficado juntos. Dave
faria muito mais pelo filho se a mãe deixasse… — sinto a
dor nas palavras de Nate e noto que seu olhar fica
perdido olhando para o amigo que continua a sinalizar,
falando baixo as palavras que sinaliza.
Noto que Nathan parece ir para longe, talvez
pensando na história de Dave e o abraço de lado. Ele
parece despertar do transe, mas se afasta dizendo que
precisa fazer uma ligação para Mick. Anuo com a cabeça
para ele e me sento no sofá pequeno que há na sala, fico
ali por um tempo, mexendo no meu celular, coloco os
fones de ouvido para que o amigo de Nathan tenha
privacidade para falar com o filho. Envio uma mensagem
para Mahara, perguntando como foi o encontro e
também para saber se ela irá nos encontrar mesmo de
noite e ela confirma.
Dave desliga um tempo depois e me dá um sorriso
fraco, eu não pergunto nada, mas fico feliz e sorrio
quando ele começa a contar de forma espontânea sobre
o filho, ele relata um pouco da dificuldade que foi no
primeiro momento e como hoje, por conviver com uma
criança surda, ele acha mais do que necessário que haja
o ensino da linguagem de sinais americana nas escolas.
Dave menciona a preocupação sobre estar longe, não
poder ficar perto do filho e até mesmo conta sobre uma
remota possibilidade de Nick se mudar e morar com ele
aqui.
Nate aparece um pouco depois, com a expressão
fechada e passando a mão várias vezes no cabelo, ele
parece nervoso, mas quando Dave o confronta, ele
suaviza a expressão e diz que é apenas questões
contratuais chatas com as quais está tendo que lidar. Por
fim, devidamente instalado, nós deixamos Dave à
vontade e vamos para o meu apartamento, passamos a
tarde descansando um pouco e debaixo das cobertas,
iniciamos uma série nova que eu estou realmente curiosa
com os desfechos. Quando Nate adormece, eu desligo a
TV e decido ler um pouco até a hora de irmos para o bar.
Ao cair da noite, chamamos um Uber para irmos
até o bar que combinamos. Nate está carinhoso comigo e
eu aproveito para beijá-lo algumas boas vezes e mimá-lo
um pouco mais. Dave não demora muito para chegar e,
tão logo, nossos casacos estão amontoados em uma das
cadeiras e estamos brindando com copos grandes de
cerveja.
— Bem-vindo à Suécia, irmão — Nate estende o
copo para o brinde e fazemos o mesmo. — Que esse seu
cabeção enorme faça muitas coisas incríveis no seu novo
trabalho.
— Valeu, cara — o loiro comenta. — Vai ser bom te
ver jogando novamente.
— Você vai ter que disputar cadeiras com a… —
não tenho tempo de finalizar minha frase porque Mahara
aparece na mesa.
— Oi, gente, foi mal a demora — minha amiga se
desculpa, enquanto tira seu casaco pesado. — Eu
precisei resolver uma questão no computador da minha
mãe e…
Mahara arregala os olhos quando nota Dave e os
dois passam alguns segundos se olhando, até que ele se
levanta e eu inicio as apresentações.
— Dave, essa é Mahara, minha amiga — estendo a
mão para apontar para ela. — Mah, esse é Dave.
— É um prazer te conhecer, Mah — Dave estende a
mão para ela.
— Desculpa o falatório todo — ela lamenta. — É um
prazer conhecer você também.
— Você tem um nome lindo — Dave sorri tímido
para minha amiga e vejo que ela fica levemente
envergonhada.
Dura dois segundos no máximo, mas tanto Mahara
como Dave não conseguem tirar os olhos um do outro,
eles parecem imersos em uma bolha particular deles,
não há nada sendo dito, mas também há muita coisa
sendo transmitida.
— Você sentiu isso? — Nate fala ao meu ouvido e
eu balanço a cabeça em positivo, no mesmo momento
em que nossos dois amigos se sentam na mesa e Dave
serve a Mah um copo de cerveja.
O clima ou qualquer coisa que tenha acontecido
entre minha amiga e o amigo de Nate não volta a
acontecer, nós nos divertimos, rimos, cantamos, Mahara
me conta, em uma ida breve ao banheiro sobre seu
encontro com Kalil e eu fico feliz de ver que ela está
bem. Nathan e Dave riem na mesa contando histórias
engraçadas da adolescência deles, fico feliz por descobrir
mais sobre meu namorado, conhecer um pouco mais
sobre ele e sua vida e deixo que ele se divirta.
Alguns fãs param para cumprimentar Nathan, ele
retribui os elogios e os trata da melhor forma possível e o
admiro ainda mais pela paciência, pelo carinho e por
saber que isso é uma parte importante de seu trabalho. A
torcida é fundamental para um jogador e ele agradece o
apoio de cada um que vai falar com ele. Nessas horas e
também nos momentos em que ele está arrebentando no
rinque, sinto um orgulho imenso dele, de quem é e do
que faz. Não mudaria nada em Nate, mesmo que sua
fama de alguma forma e em algum grau me afete, não
mudaria.
Ele tira mais uma foto com um casal torcedor do
Älg e quando se senta na mesa, aproveito que Mahara e
Dave estão conversando sobre o doutorado da minha
amiga e roubo um beijo do meu namorado. Puxo seu
rosto rapidamente para próximo do meu e selo seus
lábios.
— Tenho muito orgulho de você, sabia disso? —
Massageio seus cabelos e Nate sorri, ele estica os lábios
para o canto de uma forma que deixa o sorriso um pouco
torto. É lindo. — Acho linda a forma como você se dedica
ao hockey, ao esporte que ama, não só na arena, mas
também fora dela, falando com os fãs, dando seu melhor
em tudo. Hoje eu entendo por que você sugeriu um
namoro de mentira com uma desconhecida, você faria
tudo para preservar sua carreira, para cuidar do seu
sonho e eu entendo isso.
Vejo que os olhos castanhos de Nate ficam
levemente marejados, como se ele quisesse realmente
chorar e isso me compadece, sinto meu coração se
espremer no peito.
— Eu te amo, Manu — sorrio para ele. — E saiba
que, para mim, nada mais importa do que a sua
felicidade, você sabe disso não sabe?
— Sei. E você me faz muito feliz, amor — beijo
novamente os lábios dele.
Ao me afastar dele, Nate abaixa a cabeça
brevemente e quando me olha novamente, sinto que ele
quer dizer algo, ele abre um pouquinho a boca, mas seja
qual for a frase que ele ia falar ela se perde no tempo e
espaço, porque nossos amigos chamam nossa atenção
na mesa para pedirmos algo para comer e saímos da
nossa bolha particular.
Noite adentro, nos divertimos juntos e percebo que
há tempos não ria tanto assim, somos um grupo
completamente diferente, com histórias, vivências,
costumes e até mesmo crenças distintas uns dos outros,
mas nos completamos de alguma forma. Posso estar
muito longe, há quilômetros de distância de casa, mas
neste momento, com os braços de Nate a minha volta e
rodeada de pessoas incríveis, lar não me parece um
lugar tão mais distante como antes. E ao final da noite,
quando Nate me abraça por debaixo das cobertas, com a
respiração próxima ao meu pescoço, eu me dou conta de
que não mudaria nada neste ano tão diferente da minha
vida.
Eu tinha que estar aqui, eu precisava atravessar o
mundo para encontrar com ele, para que pudéssemos
ficar juntos.
— Nate? — Eu o chamo.
— Oi, linda — ele fala baixinho e noto que está
quase adormecendo.
— Consegue ouvir só mais uma coisa?
— Aham — ele responde e eu me viro para ficar de
frente para ele
— Eu te amo tanto, Nate — sussurro bem baixinho
e bem próxima ao seu lábio. — Eu te amo mais do que
imaginei que poderia amar, você faz com que eu me
sinta viva. E nós ainda vamos ser muito felizes juntos. —
Digo as palavras enquanto enrolo uma mecha de seu
cabelo com o indicador.
— Manu? — Ele resmunga baixinho.
— Oi.
— Eu só quero que você saiba que eu te amo mais
do que já amei qualquer pessoa — ele diz com os olhos
fechados e a voz rouca. — E que eu vou fazer de tudo
para que você seja feliz, sua felicidade é a minha
prioridade e eu não vou deixar que nada te atinja.
Encosto nossas testas e dessa forma, com essa
certeza, com esse amor transbordando dentro de mim e
dele, nós adormecemos.
Afasto meus cabelos com as mãos, esfregando
tantas vezes o couro cabeludo que sinto toda a raiva
contida no movimento. Como foi que isso aconteceu
comigo? Como isso foi acontecer bem agora, quando
tudo estava dando tão certo? No momento em que
minha vida estava entrando nos eixos, tudo
simplesmente decidi ruir. Como? Por quê?
O homem engravatado fala, fala, fala, mas eu não
sou capaz de absorver suas palavras, não processo nada
do que ele está dizendo, eu ainda estou tentando digerir
a conversa que tive dias atrás com a mulher loira que
está sentada do outro lado da mesa. A mulher que eu
jurava conhecer, com quem tive bons momentos, mas
agora, é uma completa estranha. Uma completa
estranha que está me chantageando e, ainda por cima,
carregando um possível filho meu em seu ventre.
Pelo amor de Deus, como foi que nós chegamos até
aqui?
Quando Zara enviou a mensagem com as duas
fotos em anexo, eu perdi o ar. Me ver exposto daquela
forma, em uma foto que havia sido tirada sem meu
consentimento e logo depois, o anúncio de uma gravidez.
Voltei para o quarto para ver se Manuela ainda dormia e
saí do apartamento, indo em direção a escada de
emergência, sentindo as mãos tremerem e o celular
vacilar em minha mão. Apertei o contato de Zara no
aparelho e ela atendeu em sequência.
— Consegui chamar sua atenção pelo jeito — a voz
dela soou carregada de cinismo.
— É meu? — Perguntei sem pestanejar.
— O que você acha? — Ela respondeu irritada.
— Eu acho que nós sabemos que eu não era o
único a transar com outras pessoas — comento com a
voz baixa, contrapondo totalmente o tom usado por Zara
do outro lado da linha.
— Você está me chamando de vadia na cara dura?
— Zara… — sinto meu coração disparado e o ar
faltar em meus pulmões. — Eu não disse isso, eu só
quero saber se é meu. Se for, vou cuidar dessa criança,
vou dar tudo que ela precisar e mais um pouco, mas
você sabe que com a vida pública que temos, isso muda
as coisas.
— Está preocupado com sua namoradinha? — O
veneno goteja em suas palavras. — Você queria o melhor
dos dois mundos, não é, Nathan? Transar comigo
enquanto sua namorada de mentira não caísse nas suas
garras e, agora, como você já conseguiu o que queria,
acha que tem o direito de me descartar, não é? Bom,
lindinho, toda ação tem uma reação e agora nós temos
uma criança para cuidar.
— Podemos nos encontrar para conversar
pessoalmente? — Pedi. Notei que meus lábios tremiam e
que meu corpo todo estava tremendo também.
— Ligo para você quando tiver um horário na
minha agenda.
A ligação se encerrou e eu comecei a chorar. Não
contive as lágrimas que escaparam dos meus olhos e
naquele momento, agradeci a acústica que isola as casas
neste país, porque, em qualquer outra condição, os
soluços e a falta de ar que a ligação me causou seriam
ouvidos pelo prédio todo.
— O Sr. LeBlanc é um jovem jogador com uma
carreira promissora, e a Srta. Holmgren é uma modelo
reconhecida mundialmente, seria uma união de muito
benefício para a imagem de ambos.
Não consigo olhar para o rosto do homem de meia-
idade, engravatado, que fala com a voz mansa um
discurso que foi ensaiado com o intuito de anunciar a
ruína da minha vida.
Vou ser pai. Até que se prove o contrário, Zara está
gerando um filho meu, ainda vamos fazer o teste de
paternidade, mas não agora, afinal de contas, um teste
de paternidade neste momento é um risco para a
criança. Não posso ser responsável pela perda desse
bebê. E, apesar de ter todos os motivos para desconfiar
da palavra de Zara, também tenho motivos para
acreditar no que está dizendo. Não é como se uma
mulher qualquer estivesse dizendo que eu a engravidei
em uma noite de bebedeira. Eu transava com Zara, eu
transei com ela algumas boas vezes. A primeira coisa
que Mick me perguntou quando expliquei o que estava
acontecendo é se eu usava camisinha, disse a ele que
sim, todas as malditas vezes eu transei usando
camisinha, em todas elas me protegendo e protegendo a
ela não apenas de uma gravidez, mas também de
doenças. Todas as malditas vezes. Mas sabemos que
sempre há uma chance, sempre há um risco e parece
que, mesmo que as estatísticas sempre estejam ao meu
favor, neste caso, elas escolherem estar contra mim.
Zara está grávida, os três exames de farmácia e o
envelope branco com o logo do laboratório são as provas
concretas. Ela está grávida e aparentemente eu sou o
pai.
Mas não é só essa a questão. A gravidez, neste
momento, seria fácil de lidar, eu continuaria a estar ao
seu lado, a fazer tudo e mais um pouco o que fosse
preciso, mas não é o suficiente. Não posso ser apenas pai
dessa criança, estou sendo forçado a ficar com uma
pessoa de quem não gosto. Estou sendo chantageado e,
mais do que isso, corro o risco de machucar uma pessoa
que não merece isso, que não merece passar e muito
menos lidar com tudo que a merda da minha vida está
me proporcionando. Repito a mesma pergunta: como foi
que isso aconteceu? Como deixei que minha vida
desregrada me atingisse assim? Como tudo pode se virar
contra mim?
— Veja bem, Sr. Falk — a voz de Mick me desperta.
— Meu cliente não vai se recusar a ser pai dessa criança,
muito pelo contrário, ele está disposto a dar muito mais
do que for proposto, arcar com tudo e ter a guarda
compartilhada, estar presente na vida dessa criança de
todas as formas possíveis. Mas não achamos que seja
necessário que a Srta. Holmgren e meu cliente estejam
juntos para isso, eu passaria a tarde toda aqui citando os
mais diferentes casais que não estão juntos, mas que
têm filhos juntos.
— Mas é de conhecimento de todos nesta sala que
o Sr. LeBlanc tinha uma relação com a Sra. Holmgren,
precisamos pesar os dois lados da balança, não fica bem
para minha cliente ser uma mãe solo. Além disso — o
homem se inclina na mesa para ficar mais próximo a nós.
— Nós sabemos que o relacionamento do Sr. LeBlanc é
algo de fachada.
— Era — eu me prontifico a falar. — Ele começou
como um relacionamento de fachada, mas não é mais,
estou em relacionamento sério.
— Bom, Sr. LeBlanc, acho que isso é ainda mais um
prato cheio para a mídia, o senhor não acha? — Ele
remove os óculos e os coloca em cima da mesa. — Um
astro do hockey que, além de engravidar uma modelo
jovem, mente sobre relacionamentos. Sabemos que, pela
contagem de semanas que a Sra. Holmgren está, o
senhor e ela tiveram relações quando seu namoro já era
de conhecimento público. — Ele estende um tablet e meu
corpo, minha vida e tudo o que mais se tem direito fica
exposto. — Uma imagem diz mais que mil palavras e,
bem, minha cliente tem mais algumas outras que podem
provar isso.
Olho para Zara e vejo a sobrancelha castanha, bem
delineada e que contrasta tanto com a cor de seus
cabelos, levemente arqueada. Eles me colocaram contra
a parede e sabem disso. Eu fecho os olhos e faço uma
prece. “Deus, eu nunca fui religioso, nós nunca
conversamos muito, sei que não temos nenhuma
intimidade, mas, eu imploro, me acorde deste
pesadelo”.
Se esse filho ou filha que Zara está gerando for
mesmo meu, ela engravidou na última vez que
transamos. Na exata última vez em que eu atendi as
suas mensagens e quando me dei conta que estava
começando a gostar de Manuela. É pior do que eu
pensava, é muito pior do que qualquer mancha de
carreira que eu poderia causar. Inferno, eu nem mesmo
estou me importando com minha carreira agora, eu
mudaria de time, eu mudaria de país se fosse preciso, se
isso me desse garantias de que eu não iria precisar
quebrar o coração da pessoa que eu amo.
— Srta. Holmgren — Mick chama atenção de Zara,
que se ajeita ainda mais na cadeira, numa posição
robótica — a senhorita tem certeza que quer seguir com
essa ideia? Entenda, Nathan está disposto a dar toda a
assistência se o filho for mesmo dele.
— É dele — ela interrompe. — Este filho é de
Nathan, não há uma possibilidade, isso é uma certeza.
— Nós ainda temos um teste de paternidade para
fazer — diz Mick, de forma paciente.
— E nesse teste a paternidade de Nathan vai se
confirmar, eu sei que vai. Conheço meu corpo, Sr.
Petterson, esse filho é do seu cliente — as palavras
escorrem de seus lábios. — E se vocês não colaborarem,
as coisas podem ficar piores. Eu estou livre, não tenho
um relacionamento com o qual me preocupar, é o seu
cliente quem foi infiel e mulherengo, o que,
convenhamos, não surpreenderia a imprensa. E sejamos
sinceros — ela se inclina na mesa, assumindo a mesma
postura do homem ao seu lado. — Sabemos que essa
reunião toda é um pedido encarecido de Nathan para
tentar evitar magoar a garotinha com quem ele diz agora
estar namorando — o veneno volta a escorrer de suas
palavras e ela me olha. — Você sabe que um término
agora vai ser bem melhor do que uma chuva de
repórteres fazendo acampamento na frente da cafeteria
em que ela trabalha. Ou prejudicando o que quer que ela
faça na faculdade — Zara faz uma cara de nojo e eu sinto
o ódio preencher meu corpo. Ódio por vê-la falar de
Manuela e mais ainda por saber que ela está certa. — Vai
ser ainda pior quando as coisas estiverem na imprensa,
quando você tiver que explicar que transou comigo
enquanto estava fingindo namorar com ela. Imagine as
perguntas — ela pega uma caneta na mesa e simula ser
um microfone. — “Você sabia que seu namorado dormia
com outras pessoas?”; “Como você se sente sendo
apenas uma marionete de imprensa para LeBlanc?”.
Fecho os olhos e as mãos em punhos, quero gritar,
quero esbravejar na frente deles, mas não posso. Não
posso porque eles estão certos, o estrago será ainda
maior se as fotos forem a público, vai ser ainda pior
quando toda essa história vier à tona.
Não posso deixar que isso atinja a ela, não posso
deixar que vá a público que nosso namoro era de
mentira, a imprensa não vai se importar se agora isso
não for mais a verdade, eles não querem saber disso,
eles só querem ver o circo pegar fogo. Não posso deixar
que nada disso vá para a imprensa, não posso fazer isso.
Fecho os olhos, fazendo força até que veja pontos
brancos na minha visão. Entretanto, minha mente só
projeta um rosto. Manuela. “Você não merece nada disso.
Não posso estragar seu doutorado, não posso estragar a
sua vida, você não aguentaria, você não suportaria nada
disso”.
O que eu fiz conosco, linda?
Mick parece não saber o que dizer, talvez porque
nunca precisou lidar com nada nesse estilo. Vejo as
engrenagens de sua cabeça tentando encontrar uma
solução, mas não há. Até que esse teste de paternidade
seja feito, sou o pai dessa criança. Se não me
comprometer desde agora, posso perder os primeiros
nove meses do meu filho ou filha. Se não assumir essa
criança, se não ficar com Zara, ela pode fazer o mesmo
que Hannah fez com Dave, que não consegue estar
próximo do filho porque a mãe não permite. Se não
assumir minhas responsabilidades, vou machucar mais
pessoas à minha volta, posso prejudicar Manuela, sei que
ela se atinge com a forma como nosso relacionamento é
público. Ela entenderia uma gravidez, eu acho. Gosto de
acreditar que ela entenderia, porque essa é a mulher que
eu amo, ela jamais permitiria que eu abandonasse essa
criança, mas não posso deixar que ela sofra mais um
pouco com o fato de ter a vida pública. Ela tem
conseguido contornar bem essa questão, mas uma
bomba dessas, essa foto espalhada pelos jornais, nos
portais de internet e afins… Isso não teria como
controlar. Manuela seria atingida diretamente e sem
nenhuma forma de proteção. Zara está certa, até que se
prove o contrário, de que essa criança é ou não minha,
há muito a perder, há muitas pessoas em jogo. Fora a
minha carreira.
Eu abro os olhos e vejo tudo desmoronando na
minha frente, eu não tenho escolha, eu vou precisar
sacrificar aquilo que mais amo. Durante a vida toda jurei
que o hockey era o que me faria dar o sangue, a vida,
tudo e mais um pouco, mas eu estava enganado. Eu vou
fazer tudo que puder para proteger a mulher que amo.
Mesmo que isso signifique quebrar meu coração, quebrar
o coração dela e fadar a minha vida a não tê-la ao meu
lado. Essa criança, que está sendo gerada dentro de
Zara, não merece nada disso também. É inocente e não
merece pagar por nada disso. E é por esse bebê e pela
mulher que eu amo, que me permito pronunciar as
palavras que vem a seguir.
— Não vamos revelar nada por agora — minha voz
quebra o silêncio. — Você vai me deixar terminar meu
relacionamento em paz, não vai dirigir a palavra a
Manuela, nem a qualquer pessoa que tenha ligação a ela.
Não vamos contar que estamos juntos, não vamos falar
sobre a gravidez, mas eu estarei presente em tudo, eu
darei tudo que você e essa criança precisarem. Você não
precisa trabalhar se não quiser, vou cuidar de vocês,
vamos esperar mais um tempo até que essa gravidez
possa vir a público. Essas são minhas condições — digo
de forma séria, me mostrando irredutível.
Vejo um lampejo de sorriso no rosto de Zara e ela e
o agente conversam numa linguagem que é só dos dois,
os sussurros são baixos e enquanto dialogam, Mick se
inclina para falar próximo a mim.
— Nathan, eu…
— Está tudo bem, Mick — o corto. — Não tenho o
que fazer. A única coisa que vou me esforçar é para que
isso não atinja Manuela de forma alguma, consegue me
ajudar? — Pergunto, com uma leve súplica na voz.
Ele assente e voltamos nossos olhares para Falk e
Zara.
— Tudo bem, de acordo com seus termos, Sr.
LeBlanc.
— Nada, nenhuma palavra com Manuela,
entendido? — Digo aos dois.
— Combinado — responde Zara com a voz tediosa.
— Agora, podemos ir logo? Estou com fome, sabe como
é, não é? Comendo por dois.
Ela aponta para a barriga e eu respiro fundo. “Se
você for mesmo meu, prometo recompensar esse
começo de merda da sua vida”, penso comigo o que
estaria dizendo para a criança que está crescendo no
corpo de Zara.
Mick e Falk abrem seus computadores e os dois
começam a formalizar um contrato de confidencialidade.
Confio no trabalho de Mick e aguardo minha sentença, só
quero sair dessa sala logo. Me sinto claustrofóbico, é
como se as paredes estivessem me prensando, como se
todo o ar estivesse sendo retirado do meu peito, a
sensação de que tudo de ruim está para acontecer, o
prenúncio do caos.
Meu celular vibra e eu olho rapidamente para o
visor, não sei o que doí mais: a foto minha e de Manuela
como protetor de tela, a foto linda que tiramos no evento
de arrecadação de fundos do time, ou a mensagem que
ela digita para mim.
Manu: Você deve estar treinando, quando estiver
livre, passe aqui no café, vou preparar um Latte
caprichado para você.
Reprimo as lágrimas que querem escorrer dos
meus olhos, me recuso a chorar aqui, não posso. Não
posso cair, não posso mostrar o quanto estou no fundo
do poço. Deus, o que meu amigo não teve que enfrentar
também. Parando para pensar, agora, eu deveria ter
dado muito mais apoio para Dave. Nossas histórias são
completamente diferentes, e ao mesmo tempo ele é um
dos únicos capaz de me entender nesse momento. Só
consigo pensar que, para o bem de todos, vou ter que
esconder tudo dele também. Vou mentir para todas as
pessoas que amo, mas talvez esse seja o preço por ter
inventado um namoro de mentira, talvez esse seja o
preço a ser pago pelas minhas ações.
Mick e o advogado de Zara nos chamam para
conversar mais afastados e meu empresário mostra
todas as cláusulas, explica tudo a respeito do termo de
confidencialidade e quaisquer outras merdas necessárias
para preservar minha carreira e a dela também. E mais
ainda, para preservar Manuela e essa criança que está
sendo gerada. É por esses dois motivos que pego a
caneta, destampo e rubrico as folhas.
Nos despedimos com um aceno breve, como dois
grandes desconhecidos que partilham uma vida em
comum. Mick me puxa para conversarmos, ele fala, fala e
fala, mas não absorvo nenhuma de suas palavras, só
consigo pensar que não posso adiar o fim, não posso
prolongar meu sofrimento e o de Manuela, não posso
adiar o que estou prestes a fazer, eu preciso retirá-la da
minha vida, não posso deixá-la no meio dessa merda
toda.
— Nathan, eu sinto muito por tudo isso — Mick
aperta meu ombro e só então foco em seus olhos.
— Não sinta, cara — digo sério e de forma fria. —
Eu mereço isso. Estou colhendo o que plantei. Fui
irresponsável, achei que era o dono do mundo, que podia
fazer o que bem quisesse, com quem quisesse e que isso
não teria consequências, e agora, preciso machucar não
só a mim, como aqueles à minha volta.
— Eu queria muito encontrar uma alternativa e
saiba que vou tentar com todas as minhas forças, mas
enquanto não tivermos o teste de paternidade…
— Não vou obrigar Zara a fazer isso, não vou correr
o risco de prejudicar uma vida que não tem nada a ver
com a história ou com a vida de merda dos pais. Vou
assumir essa criança desde agora, porque se for minha,
vou me arrepender todos os dias se a tiver rejeitado. E,
além disso, eu não quero ser esse cara, eu me recuso a
ser o pai que não assumiu o filho.
Vejo que Mick parece surpreso e também noto
quando ele balança a cabeça em concordância comigo.
Não preciso que ele diga nada para saber que me
compreende, que sabe que é o certo a se fazer.
— Você sabe o que precisa fazer agora, não sabe?
— Pergunta. — Você sabe que vai doer, mas você precisa
ser forte, Nathan, precisa agir como um jogador, assim
como faz no gelo, você não pode hesitar…
— Eu sei.
Não sou capaz de responder outra coisa além
dessas duas palavras e Mick me entende. Quebrando
todos os padrões, ele me puxa para um abraço, porque
sabe que, neste momento, ele é o único que pode me dar
apoio, é o único que vai me entender e poder me dar
apoio para o que eu vou fazer, é o único capaz de me dar
forças para concretizar o que, provavelmente, será a
coisa mais difícil que já fiz na vida.
Quebrar o meu coração e o coração da pessoa que
eu amo.
Nos despedimos sem dizer nada e eu entro em
meu carro, ligo o ar quente, mas não me esforço tanto
em me aquecer, não mereço nem mesmo que meu corpo
se sinta acolhido dentro deste carro. Não ligo o rádio,
percorro o caminho até meu apartamento em silêncio,
um vazio que só está presente dentro do carro, porque
em minha cabeça, há muitas vozes falando comigo. Zara,
Mick, o empresário babaca dela, Dave… Manuela.
“Não quebre meu coração, Nate”, as palavras dela
voltam com força.
— Me desculpa, linda.
Digo para ninguém além de mim mesmo e choro.
Derramo todas as lágrimas que estão presas desde
a maldita mensagem de Zara, as lágrimas que não foram
derramadas naquela quinta-feira à noite, no dia que
perdi o jogo contra Rögle. Choro porque não sei o que
vou dizer aos meus pais, não sei o que vou dizer a Helen
quando ela perguntar onde está a amiga que tanto
gosta, choro porque as cadeiras reservadas para meus
convidados na arena vão ficar vazias novamente. Choro
porque não vou poder contar a Dave o que aconteceu,
choro porque não vou poder rir das frases sem filtro de
Mahara. Choro porque não posso ficar com Manuela,
porque vou precisar mentir para ela, porque terei que
dizer que ela não significa nada para mim, quando na
verdade, ela é meu mundo inteiro.
Choro porque vou ter que quebrar seu coração de
uma forma que ela acredite e não queira mais ter
contato comigo, porque se hesitar, se eu ao menos
deixar uma brecha que seja, ela não vai acreditar. Se eu
mostrar um pingo de piedade, ela não vai acreditar em
mim. Esse é o preço que vou pagar: vou precisar destruir
a pessoa que amo de uma forma que me torne
irreconhecível para ela.
Não posso ser o Nate, nem o lindo, muito menos o
“mi amor”. Preciso que ela me odeie e para isso, vou
precisar dizer coisas que não acredito, coisas que não
penso.
Vou precisar ser frio.
Quando chego à garagem do meu prédio,
estaciono o carro de qualquer jeito e seguro o celular
com força entre os dedos, as portas de metal do elevador
se fecham e eu desbloqueio a tela. Olho para as
mensagens não lidas da minha namorada e um filme se
passa em minha cabeça. A primeira vez que a vi no café,
assim que me mudei, em um dos primeiros treinos que
estava a caminho, a forma como li seu nome no crachá e
agradeci pelo café quando ela me estendeu. Lembro do
exato momento em que joguei seu nome durante a
reunião com meu empresário, agentes do time e outras
pessoas da comissão, como parecia uma ideia incrível e
depois, a prova de fogo que foi tentar convencê-la a
aceitar.
Nosso primeiro jantar, minha aproximação para
que os paparazzis pudessem tirar a foto perfeita; seu
primeiro jogo e a forma como minha camiseta sempre
ficou gigante nela. O momento em que percebi que
estava me apaixonando por ela. O primeiro beijo, em
meu aniversário, quando patinamos juntos, nossa
primeira noite de sexo, o pedido de namoro, nós dois
fazendo amor tantas e tantas vezes, de tantas formas
diferentes.
As lágrimas escorrem ainda mais e eu mal consigo
enxergar a porta do elevador se abrindo e nem mesmo a
chave na fechadura da porta. Seguro o celular com mais
força ainda entre a mão direita. Entro em casa e sinto o
cheiro de seu perfume, vejo o cachecol preto que ela
esqueceu aqui, vejo o chinelo que ela deixou aqui e que
prometeu comprar um igual para mim, de uma marca
brasileira que é apaixonada.
Ela está em todos os lugares. Manuela está em
tudo.
Puxo o ar para dentro dos pulmões, mas ele não
entra, ele simplesmente não preenche meu corpo. Ando
até a cozinha e jogo o celular na bancada, pouco me
importando se ele pode quebrar. Seguro os fios de cabelo
com força entre os dedos, nunca foi tão bom ter cabelos
levemente compridos, eles são a forma perfeita de
descontar minha raiva. Puxo-os com tanta força que sinto
a pele repuxar.
Preciso fazer isso. Preciso fazer isso.
Apanho o celular novamente e desbloqueio a tela,
entro na minha conversa com Manuela, bato na tela para
que o teclado apareça e eu comece a digitar. “Não
consigo, não consigo, não consigo”. Largo o telefone
novamente e ando de um lado para o outro. Necessito de
algo que me dê coragem. Olho para a adega de bebidas
que tenho guardadas e pego aquela que mais detesto:
uísque puro, um presente de um patrocinador do time.
Pego um copo no armário e despejo uma quantidade
grande. A bebida desce rasgando em minha garganta,
sinto tudo queimar, exatamente da forma como sinto
tudo ao meu redor. Queimando.
Fecho os olhos e me concentro na minha
respiração. Preciso ser um jogador agora, preciso apagar
todos os sentimentos, todas as sensações, tudo aquilo
que sinto por Manuela precisa ir embora. Pego o telefone
novamente e olho as horas, ela vai trabalhar por mais
algum tempo, três horas para ser exato. Tenho três horas
para me preparar para o fim, tenho três horas para
preparar cada uma das minhas palavras e fazer com que
minha namorada me odeie mais do que qualquer pessoa
no mundo.
Deito a cabeça na bancada e respiro mais algumas
vezes, tentando controlar meus batimentos.
Ao abrir os olhos, deixo que todas as muralhas
sejam erguidas, me transformo em gelo, assim como o
rinque em que patino, me torno um bloco de neve
acumulada. Deixo que a frieza tome conta de mim. E
dessa forma, digito uma mensagem para Manuela.
Nathan: Precisamos conversar, você pode vir até minha
casa hoje?
Nate sumiu durante o dia todo e isso é estranho.
Sabemos respeitar o espaço um do outro, sabemos que
temos horários e rotinas diferentes, não somos o casal
mais ativo no mundo por mensagens, mas trocamos o
mínimo: “bom dia”, “o que está fazendo?”. “como foi o
treino?”, “vem aqui para casa”, essas coisas. Mas, hoje,
eu passei a manhã toda e boa parte da tarde sem ter
notícias suas. E, agora, ignorando minha mensagem para
que ele viesse até o café, ele me enviou uma mensagem
dizendo que precisamos conversar.
A primeira coisa que me passa pela cabeça é que
ele quer terminar comigo, mas na mesma hora descarto
essa possibilidade. Não nos vimos ontem porque eu
precisava me concentrar na minha tese, e por mais que
Nate respeite meu tempo, ele também é uma distração.
Entre ler um texto denso, que me demanda concentração
única e exclusiva, e deitar a cabeça no peito do meu
namorado e inspirar seu cheiro, eu sou bem mais a
segunda opção. Fizemos uma ligação antes que ele fosse
dormir e tudo estava bem.
Tudo está bem, digo a mim mesma. Dou meu
melhor sorriso e atendo mais um novo cliente que entra
no café. O turno de trabalho segue e eu quase me
esqueço da mensagem. Ao final do expediente, eu
arrumo minhas coisas, tiro meu avental e fecho o casaco
até o topo. A neve caiu por dois dias seguidos, as ruas
estão limpas para que a cidade continue a funcionar
mesmo com a neve acumulada, acho essa a pior parte,
ter que lidar com a sujeira da neve.
O vento frio me obriga a pegar o transporte público
e não demora muito para que eu chegue à casa de Nate.
Digito o código do portão e subo até seu apartamento,
destravo a porta e quando chego, há um silêncio
estranho no ambiente.
— Nate?
— Cozinha.
Ando até o espaço aberto da cozinha e me
aproximo de Nathan, os cabelos estão emoldurando seu
rosto e ele está com o mesmo apoiado na mão, ele
parece sereno.
— Oi — digo ao me inclinar e deposito um beijo em
seus lábios, ele não reage. — Tudo bem?
— Precisamos conversar.
— Ah… Ok — respondo, estranhando seu estado
monossilábico e me sentando ao seu lado. — O que
houve? Você está bem?
— Estou… Estou ótimo na verdade — Nate me olha
sério e cruza os braços sobre o peito. Ele balança a
cabeça para trás, fazendo com que seus cabelos sejam
jogados para trás e em seguida, volta a me olhar. —
Conversei com o Mick hoje, tivemos uma reunião bem
produtiva sobre meus próximos passos, minha carreira…
— Isso é ótimo, Nate — sorrio para ele.
— Quando eu propus nosso relacionamento de
mentira, eu precisava acalmar a imprensa e deu certo,
acho que nunca estive tão bem aos olhos do time, dos
torcedores e até mesmo dos patrocinadores.
— É, quem diria que esse namoro de mentirinha
renderia tantas coisas boas para você, não é? — Brinco
com ele, mas Nate não ri.
— É, parece que sim, mas a verdade é que… Não
estou satisfeito com isso, Manu — ele continua. — Nunca
fui um cara de relacionamentos, não combino muito com
essa coisa de monogamia.
Sinto meu coração disparar por alguns instantes e
inclino a cabeça para o lado, numa tentativa de
compreender o que Nathan quer dizer com essas
palavras.
— O que você…
— Nosso lance foi legal, mas não está funcionando
mais para mim, nos divertimos, fizemos minha imagem
na imprensa melhorar, mas é isso, Manu.
— Você… — começo a falar, mas meu coração está
disparado, sinto as mãos suarem. — Nate, se isso for
uma brincadeira sua…
— Por um acaso eu estou soando como alguém que
está brincando?
Não, penso comigo mesma. E é exatamente isso
que está me assustando, eu nunca vi esse Nate antes,
nunca o ouvi falar tão sério, ele soa muito mais como o
Nathan LeBlanc, o jogador que me convenceu a entrar
em um relacionamento de mentira, o cara que tratou
nossa relação como se fosse um contrato de negócios.
Não há nada do Nate que eu aprendi a amar.
— Isso não faz sentido… — respondo em um
sussurro. — Nós estávamos tão bem, o que aconteceu?
— Eu só percebi que não precisava mais manter as
aparências, Manuela — ele diz meu nome inteiro, sem
nenhum sentimento em sua voz. — Nunca quis um
relacionamento de verdade, afinal de contas, se eu
quisesse, não teria escolhido uma pessoa que nem
conhecia para isso.
Suas palavras me quebram. É como se todos os
meus medos, como se todos os meus monstros internos
estivessem personificados na minha frente, tudo aquilo
que eu sempre temi, todas as inseguranças que me
assombraram tanto, tudo aquilo que Nathan me fez
acreditar que não eram verdades, se voltassem contra
mim.
— Nate — digo seu nome, como em uma tentativa
de chamá-lo de volta, como se pudesse nos despertar
desse pesadelo. — Por favor, eu… Eu não entendo.
— Manu, não precisamos desse drama, vamos lá —
ele se levanta do banco em que está sentado e fica de pé
à minha frente. Ele parece maior do que já é, o braço
tatuado neste momento parece intimidante e não sexy
como antes. — Você é grandinha o suficiente para lidar
com um término. Nós nem tivemos nada de verdade.
— Como não tivemos nada de verdade? — Eu
explodo e me levanto do banco. — Eu sou mulher o
suficiente para lidar com um término, realmente, eu só
quero entender os motivos. Foi algo que eu fiz? Foi algo
que falaram para você? É para cuidar da porra da sua
imagem ou qualquer merda dessa? — Ralho. — Porque
essa pessoa que está falando comigo não parece o Nate
que eu conheço.
— Talvez não seja o Nate que você gostaria que eu
fosse — ele desdenha. — Porque esse sou eu, Manuela.
Você não pode querer que eu aja conforme as suas
expectativas. O que eu estou tentando te dizer é que não
tem mais necessidade de fingir esse relacionamento,
você já cumpriu sua parte no contrato…
— Vai se foder você e seu contrato, Nathan —
xingo. — Você sabe que não estou aqui por uma merda
de acordo com você, essa fase entre nós já passou faz
tempo. Não existe essa de contrato, eu estou aqui
porque te amo… — sinto minha voz falhar e as lágrimas
de confusão e medo brotarem em meus olhos. — Você
disse que me amava, Nate. Você olhou nos meus olhos e
disse que me amava, mais de uma vez…
Nathan fica em silêncio, com o rosto voltado para
baixo. Não digo nada pelos breves segundos em que ele
fica quieto, mas por dentro, faço uma prece. Volte para
mim, Nate, por favor. Não quebre meu coração, por favor,
volte para mim. Não faça com que eu me sinta sozinha
novamente. Me aqueça novamente, Nate.
Mas, quando ele levanta o rosto, há um repuxar de
lábio, é como se um sorriso estivesse tentando despontar
em seu rosto, é como se ele estivesse segurando o riso. E
as palavras que ele diz em seguida, me dilaceram por
completo.
— Se eu soubesse que iria comer você depois de
dizer essas palavras, eu provavelmente teria dito antes…
Não deixo que ele termine, minha mão se ergue e
desfiro um tapa forte em seu rosto e ele vai para a
esquerda com força. Nate não reage, ele nem toca a
bochecha, é como se não tivesse sentido, como se nada
tivesse acontecido. Ele nem mesmo parece me ver. Ele
me olha, mas não está ali, não há sentimento nos olhos
castanhos dessa pessoa parada à minha frente. Não há
nada de Nate.
Eu não conheço esse homem.
Não sei quando as lágrimas começaram a cair, mas
eu simplesmente não consigo controlá-las.
— Vai se foder. Foda-se você, essa merda toda,
seus amigos, sua carreira e tudo isso. Não ouse me
procurar nunca mais, Nathan — digo, segurando meu
lábio inferior para que ele não seja capaz de ver o quanto
estou tremendo. — Você é sujo. Você é exatamente o que
sempre achei que era, mas eu preciso te dar os
parabéns, você atuou bem, eu acreditei, por algum
tempo, eu realmente achei que você não era essa
pessoa, mas você é tudo que sempre falaram a seu
respeito. Você é a pior pessoa que eu tive o desprazer de
conhecer. Esqueça da minha existência.
Ele não diz nada, é um grande silêncio e enquanto
me viro, enquanto caminho para a porta de entrada e
começo a vestir minha bota, uma parte de mim torce
para que ele me chame, para que volte atrás, para que
tudo não passe de uma grande piada horrível, de uma
péssima brincadeira que ele está fazendo comigo. Posso
ficar irritada com ele, até mesmo passar uns dias o
ignorando por brincar comigo dessa forma. Mas não vou
conseguir me recuperar se ele estiver falando a verdade,
se ele tiver realmente dito todas aquelas coisas,
prometido tudo aquilo apenas para… Apenas para nada.
Apenas para me destruir.
Quando termino de vestir minha bota, o silêncio é
completamente ensurdecedor, eu fico parada e um
soluço escapa dos meus lábios, tampo a boca para evitar
que ele possa ouvir, mas sou surpreendida quando Nate
aparece no corredor.
— Ainda está aqui? — Questiona e eu perco
novamente o ar dos pulmões quando ele segue falando
— Bom, é até melhor que esteja. Preciso que deixe a
chave que estava com você e também que leve suas
coisas — ele aponta para o cabideiro e para o chão. —
Ah, e quanto ao apartamento que você está, talvez seja
bom começar a procurar outro lugar… Sabe como é, o
Dave está precisando de uma casa, então…
Pego a chave que está no bolso da calça e
arremesso nele, eu estou com tanto ódio, eu quero socar
a cara dele. Deus, eu estou quebrando, eu estou caindo,
tudo está desmoronando à minha volta. Não há nada
onde eu possa me segurar, não tenho ninguém para me
segurar, para me agarrar. Todo o calor está se esvaindo
do meu corpo, do meu coração.
— Eu odeio você — digo às palavras com o fôlego
que me resta — Tenha uma péssima vida, Nathan.
Termino de vestir meu casaco e dou as costas para
ele. Fecho a porta e chamo o elevador na sequência.
Tudo está silencioso e por esse motivo, sou capaz de
ouvir com precisão as batidas do meu coração, ele bate
completamente descompassado, acelera e desacelera,
meu estômago está gelado, minhas mãos estão
tremendo. Mas é quando entro dentro do elevador e as
portas se fecham é que me dou conta do que aconteceu.
E eu caio em um choro profundo, dolorido e alto.
Como ele pode fazer isso comigo? Para onde foram todas
as promessas, os segredos que compartilhamos, os
momentos que vivemos, as palavras ditas? Como eu
pude ser tão tola ao ponto de deixá-lo entrar em minha
vida para fazer isso, para fazer exatamente o que eu
desconfiei que faria?
Choro com tanta força que começo a perder o ar
em meus pulmões, não consigo respirar, não consigo
entender o que houve. Quero Tonia aqui, quero um
abraço da minha irmã, quero correr para sua casa e
tomar o chá de camomila que ela tantas vezes me
oferece. Quero sentar com minha sobrinha e brincar com
suas bonecas, quero meu material de desenho, minha
cama antiga na casa da minha irmã. Quero a
familiaridade da língua, o calor de dezembro, o cheiro da
cidade em que nasci, o barulho dos carros, o som do bar
próximo de casa que não me deixa dormir em noites
exaustivas.
Eu estou tão longe de casa, eu estou tão longe de
tudo. Eu estou sozinha.
Saio do elevador e ando a passos firmes em
direção à saída, o vento parece estar ainda mais gelado,
sinto as lágrimas ainda mais geladas em meu rosto,
esqueci de vestir a touca hoje pela manhã e o vento
castiga meus cabelos e minha face. Faz com que tudo
doa ainda mais. Não consigo parar de chorar, não
consigo parar de tremer. Eu preciso de alguém, qualquer
pessoa, eu não vou aguentar ficar sozinha, não hoje.
Pego o celular na bolsa e disco o número da única
pessoa com quem posso contar aqui, da única pessoa
que eu tenho.
— Oi, amiga — a voz animada de Mahara é um
acalento, um sopro quente e eu soluço forte ao bocal do
telefone. — Manu, o que houve?
— V-você p-pode me encontra… — céus, eu não
consigo completar uma frase sem gaguejar — você pode
me encontrar em casa? — Digo rápido antes de uma
nova onda de soluços me atingir.
— Posso, eu estou indo pra aí — responde com a
voz cheia de preocupação. — Manu, o que houve?
— T-t-e conto em casa, por fav-v-or — limpo meu
rosto com o dorso da mão e me forço a respirar, mas o ar
não entra, ele simplesmente não enche meus pulmões.
— Estou indo, amiga.
Desligo o telefone e caminho em direção ao ponto
de ônibus, não consigo parar de chorar, não consigo
parar de soluçar. Há duas meninas paradas no ponto,
elas me olham assustadas, mas eu estou pouco me
fodendo para o que estejam pensando. Sinto esses
olhares julgadores o tempo todo, me sinto uma estranha
o tempo todo aqui, hoje não seria diferente.
Esfrego o rosto várias vezes com as mãos, a ponta
dos meus dedos estão geladas e sinto as juntas doerem.
Maldito frio, maldita neve, maldito país, maldita
distância… Maldito Nathan LeBlanc.
Sinto uma mão em meu ombro e me viro
assustada. É uma das garotas que estavam me olhando.
Ela diz algo em sua língua, mas eu não entendo, digo a
ela que não falo sueco e ela volta a falar, dessa vez em
inglês.
— Posso te dar um abraço?
Fico completamente surpresa pela pergunta, pela
sensação de acolhimento que seus olhos transmitem.
Fico chocada com sua reação, mas quando ela abre de
forma tímida os braços, eu a abraço. Envolvo meus
braços em torno de uma completa desconhecida e choro
copiosamente em seus ombros, não demora muito para
que eu note que ela também está chorando. A outra
garota nos observa, mas vem logo em seguida e envolve
a amiga e a mim em um abraço. Não faço ideia quem
elas são, quais são suas histórias, não falamos nem
mesmo a mesma língua, mas neste momento, elas me
compreendem, elas me acalentam, elas são exatamente
aquilo que preciso. Nós nos entendemos em uma
linguagem que é universal: o abraço.
Ouço o barulho de um ônibus se aproximando e
nós nos afastamos, é o meu. Percebo que elas ainda vão
ficar ali e aponto para o veículo. A garota que me
abraçou limpa as lágrimas e segura forte a minha mão.
— Vai ficar tudo bem — diz baixinho.
— Obrigada — é tudo que posso dizer.
Entro no ônibus e aceno para elas pela janela,
nunca vou me esquecer de seus rostos, não faço ideia de
quem são ou de quais são seus nomes, mas elas não
fazem ideia do que fizeram por mim hoje. O caminho
passa como um grande borrão por meus olhos e quando
chego ao meu destino, eu ando de forma apressada para
o meu prédio, subo às pressas e ao chegar em meu
andar, Mahara está parada na porta.
— O que ele fez, Manu? — Pergunta preocupada.
E eu desabo novamente, eu corro até seus braços e
me desmancho em Mahara, eu quebro por completo.
Nathan me quebrou, ele dilacerou meu coração sem
piedade, ele fez exatamente o que eu tanto temia e o
que pedi para que não fizesse. Eu odeio tudo à minha
volta, odeio tê-lo conhecido, odeio ter acreditado nele,
odeio ter me entregado a ele. Odeio amá-lo com todas as
minhas forças.
— Ele partiu meu coração, Mah.
A mesa está farta e o cheiro das comidas
preparadas pela minha mãe invade minhas narinas. É
domingo, e como sempre, o almoço é farto na casa dos
Jakobsson. O Natal está chegando e o frio se faz presente
lá fora. Dentro de casa, o clima é agradável e esse é
mais um domingo normal. Meu irmão está concentrado
em seu videogame, já que, segundo ele, um jogo novo
da Nintendo foi lançado e ele está focado em zerar o
mesmo o quanto antes.
Não entendo qual a graça de comprar um jogo e
não degustá-lo, meu irmão não sabe dosar as coisas,
quando vicia em alguma coisa, ele não sabe falar de
outro assunto; se gosta de uma banda, ele ouve até
saber de cor todas as letras. Lembro que, quando era
mais novo, ele decidiu que iria aprender a discografia
inteira do Ramones, são mais de dezesseis álbuns e ele
decorou cada uma das músicas. E enlouqueceu a minha
mãe na época, vestido todo de preto, aderindo à
jaquetas de couro e aparecendo com um piercing no
nariz.
Claro que coube a mim controlar os ânimos, como
de costume. Sempre sobra para eu amenizar a situação
na minha casa e com a minha mãe, mostrar a ela que os
filhos não estão no “caminho da perdição”. Zayn sempre
foi terrível, sempre esteve fora dos padrões que minha
mãe nos impôs. Nossa progenitora fica de cabelos em pé
com suas “rebeldias”. Palavras dela, não minhas. Cabe a
mim acalmar os ânimos da minha mãe e fazê-la acreditar
que um dos filhos “deu certo”, por mais que Zayn seja
um garoto incrível. Infelizmente, no final das contas, é
em mim que ela despeja suas expectativas quanto a ser
uma filha perfeita de acordo com seus padrões.
Meu pai está sentado no sofá assistindo uma
competição de cavalos. Contrastando com a esposa, meu
pai é quieto, mais fechado e não interfere nos assuntos
de casa quase nunca. Sua função é trazer alimento para
a mesa e garantir que os filhos estejam bem, vestidos e
alimentados. É uma visão bem patriarcal, mas não é só
culpa dele, minha mãe incentiva esse processo todo, eles
são de outra geração e eu meio que já desisti de mudar a
cabeça deles.
— Vamos comer? — Minha mãe aparece na sala e
chama atenção do meu irmão e do meu pai. — Tudo bem,
querida? — Ela pergunta para mim e se aproxima mais.
— Que carinha de preocupação é essa? É a sua amiga
Manuela?
— Sim — respondo em um suspiro, olhando para o
telefone, vendo as mensagens de Manuela. — A senhora
se importa se depois de almoçar, eu levar um pouco de
comida para ela? Estou preocupada que ela não esteja
comendo.
— Ela está tão mal assim? — Ela pergunta e acena
com a cabeça para que eu a siga na direção da sala de
jantar. — Eu confesso que pelo que você falou, eu não
entendi nada do que aconteceu.
— Você não é a única, mãe — suspiro pesarosa e
me sento junto a minha família na mesa.
A comida cheira maravilhosamente bem e nós
começamos a nos servir, não sem antes Zayn receber
uma bronca para largar o videogame. Ele faz uma careta
e, infelizmente, meu irmão é carismático demais, o que
me faz precisar me esforçar para segurar a risada.
Apesar das diferenças, somos muito unidos e eu amo que
ele confie em mim para tudo, para falar sobre estudos,
sobre seus pensamentos a respeito do mundo, e também
sobre os garotos com quem fica. Ter um irmão gay em
uma família com costumes tradicionais é um desafio e
por isso, fico feliz de saber que meu irmão conta comigo
para tudo.
Deixo o celular na mesa e olho para a tela de
minuto em minuto, esperando uma resposta de Manuela,
estou tão preocupada com ela. O término entre ela e
Nathan aconteceu há duas semanas, mas Manu está
arrasada, é perceptível que perdeu peso e seu semblante
voltou a ficar duro. Ela está voltando a ser a versão
fechada que conheci.
Eu e Manu cruzamos nossos caminhos no primeiro
dia de aula. Nessa primeira parte do doutorado, nós
temos um semestre de aulas presenciais, eu estava
procurando minha sala, ela também e isso bastou. Me
aproximei para tentar puxar assunto e Manuela foi super
receosa, ela logo anunciou que não falava sueco e
parecia disposta a sair dali, mas quando comecei a falar
em inglês com ela, sua expressão suavizou.
Em uma casa com um pai sueco e uma mãe
paquistanesa, por mais que todos nós saibamos o sueco,
o inglês é a língua universal, falo sem nenhuma
dificuldade, acho que isso só contribuiu para minha
paixão de estudar e compreender sobre línguas. Manu e
eu nos aproximamos instantaneamente, mas há uma
grande diferença entre a Manuela González que conheci
naquele primeiro dia e a mulher que se deixou viver um
amor.
A tela do meu celular acende e eu mostro o visor
para minha mãe, para sinalizar que vou mexer no
aparelho só porque é uma mensagem da minha amiga.
Manuela: Acordei agora, mais de uma da tarde,
mas pelo menos dormi melhor.
Manuela: Vou tentar escrever um pouco do tópico
dois hoje.
Manuela: Fica tranquila, como o que tiver por
aqui.
— Mãe — digo enquanto teclo uma mensagem
rápida. — Vamos caprichar no pote de comida, ok?
Está frio para sair de casa. Posso ter nascido na
Suécia e convivido com esse clima a vida toda, mas isso
não me impede de me incomodar com a quantidade
exagerada de roupas que preciso vestir apenas para
visitar minha amiga. Pelo menos estou de carro, meu pai
deixou que eu usasse o dele para poder me esquentar e
chegar mais rápido. Estaciono em frente ao prédio e
pego uma ecobag recheada de comidas que minha mãe
preparou para Manu, tem comida para três dias pelo
menos, o que acho ótimo, porque minha amiga precisa.
Tem um rapaz jovem saindo pelo portão e agradeço
quando ele segura a porta para mim, continuo a
caminhar em direção ao elevador e quando chego ao
andar de Manuela, toco a campainha.
E a imagem que a porta aberta me revela só faz
com que eu sinta mais tristeza pela minha amiga. E
raiva, muita raiva. Eu quero quebrar o rostinho bonito de
Nathan LeBlanc.
— Não precisava vir, Mah — os cabelos de Manu
estão presos em um coque que, dias atrás, poderia até
parecer bonito, mas neste momento, só mostram o quão
mal ela está.
— E deixar você passando fome? Minha mãe jamais
permitiria isso — comento assim que ela me dá espaço
para entrar.
— Não estou passando fome, já passei dessa fase,
Mah, sou uma mulher adulta — ela dá uma risada fraca.
— Você não precisa provar para mim que é uma
mulher forte, Manu. E sofrer por amor não é sinônimo de
fraqueza — tiro minhas botas e a jaqueta pesada que
estou usando. — Eu só não quero te ver assim.
Olho para minha amiga e, assim como nos últimos
dias, vejo seus olhos levemente marejados. Manuela
chorou copiosamente na noite em que Nathan terminou
com ela, mas no outro dia, ela voltou a erguer suas
muralhas. Quem não a conhece não percebe a mudança,
mas eu vejo, é perceptível que o brilho em seu olhar se
esvaiu. Além do mais, sua atenção e foco para o
doutorado estão prejudicados. Ela entregou uma nova
versão para seu orientador e ainda está aguardando as
correções, mas nós duas sabemos que sua concentração
na parte final da entrega não foi a das melhores.
— São dias e dias, Mah — ela começa a falar com a
voz baixa. — No momento, eu estou mais preocupada em
precisar sair daqui o quanto antes.
Sinto meu sangue borbulhar porque, não bastasse
ser o maior babaca da face da terra, Nathan ainda
sugeriu que Manu começasse a procurar outro lugar para
morar, como se fosse fácil e simples. Como se ele não
soubesse que ter um lugar para morar foi uma das
maiores dificuldades de Manu desde que ela chegou
aqui. É insensível e cruel da parte dele. Fecho minha mão
direita em punho para tentar conter a raiva.
— Enquanto ele não falar que você precisa de fato
sair, você vai ficar aqui, Manuela — digo séria e, ainda
que minha amiga se sente no sofá, eu vou em direção a
cozinha e começo a lavar a louça da pia.
— Eu já ia colocar na máquina de lavar, você não
precisa fazer isso — comenta de forma pesarosa. —
Deus, eu não tenho nem ânimo para lavar dois copos e
três pratos.
— Está tudo bem, amiga, me deixe cuidar de você
— me viro para ela e sorrio fraco. — Enquanto eu lavo
isso aqui, que tal comer um pouco, huh? Mamãe fez purê
de batata e almôndegas de carne. Além disso, eu trouxe
kanelbulle e o arroz doce paquistanês.
— Meu estômago doeu só de pensar — ela brinca e
vem até a cozinha.
Manuela elogia o cheiro que exala das comidas que
minha mãe enviou para ela e começa se servir de um
prato generoso, quando dá a primeira garfada, meu
coração se suaviza. Como é bom vê-la comer, o sorriso
ainda é fraco em seu rosto, mas só de vê-la levemente
animada falando sobre os temperos infinitos que minha
mãe usa, fico aliviada.
Lavo os utensílios da pia rapidamente e dou uma
circulada pelo apartamento, mesmo em meio ao caos
que está seu coração e sua mente, a casa de Manu
parece minimamente organizada. Coloco algumas roupas
no cesto, recolho outras e boto na secadora algumas que
estão úmidas. É o mínimo que posso fazer para ajudá-la.
Depois de tudo feito, volto a me sentar ao seu lado no
sofá e apoio a cabeça na mão.
— Como você está, de verdade? Sem toda a pose
de mulher forte — pergunto e ela suspira. — Você não
tem que me provar nada, eu só quero que você fique
bem, amiga.
— Estou… mal — ela ri baixo e sem graça. — Triste
ainda, odiando cada parte do meu corpo que sente falta
dele, irritada com os olhares que me lançam no café,
essas coisas.
— Você parou de olhar comentários e notícias? —
Questiono de forma séria.
Alguns dias depois do término, os sites de fofoca e
jornais publicaram uma matéria sobre Nathan, dizendo
que fontes próximas revelaram que ele e Manu haviam
terminado. “Fontes próximas”, fala sério. Seria tão mais
nobre dizer a verdade, que alguém vazou a informação.
Fiquei tão irritada com isso que nem consegui curtir as
duas vitórias recentes do time do Älg. Nesse momento,
estou pouco me importando com o desempenho do meu
time no campeonato.
— Parei. Depois daquela primeira notícia, deixei de
olhar tudo. Minhas redes sociais pioraram ainda mais, há
um monte de solicitações de curiosos querendo saber
como eu estou. Excluí os aplicativos do celular — Manu
mastiga mais um pedaço da almôndega e depois de
engolir, continua. — No momento, eu só quero sair daqui
o quanto antes, não quero sentir que preciso dele para
nada. E sei que o Dave também precisa de um lugar…
— Eu quero que o Dave vá para o inferno! — Ralho
irritada e Manu arregala os olhos, surpresa com minha
expressão. — Não quero saber sobre o bem-estar dele, se
ele precisa ou não de uma casa ou qualquer outra coisa.
Você também não tem para onde ir, Manu, e você sabe
que encontrar algo aqui não é tão fácil assim. E por falar
no Dave, esse idiota não falou nada com você?
— Não, ele não enviou nenhuma mensagem, não
que ele tenha alguma obrigação de qualquer forma…
— Idiota — digo novamente.
— Você nem o conhece, Mah — diz minha amiga
com um sorriso bem pequeno no rosto. — Ele não tem
culpa de ter um amigo como Nathan — ela pronuncia as
cinco letras e consigo sentir a dor em sua voz. — Além
disso, ele é uma pessoa muito legal para sentir raiva de
forma gratuita. E bem bonito, não é? — Ela me cutuca
com o indicador — Não tivemos muito tempo para falar
sobre isso, mas eu vi o momento de vocês quando
saímos aquela vez.
— Ele pode ter um rosto lindo, mas se está
tomando partido do amigo idiota, ele não merece meu
respeito.
Manu solta um riso fraco e sorrio para ela, feliz por
ver que minha irritação latente ao menos a está
divertindo. O momento feliz logo desaparece de seu rosto
e noto que seus lábios começam a tremer.
— Eu queria tanto que Tonia estivesse aqui — a voz
de Manu soa embargada e eu me aproximo mais dela,
deslizando pelo sofá. — Eu sou muito grata por você e
por tudo que está fazendo, não me entenda mal, eu só…
— Você queria algo familiar — completo e ela
assente. — Eu daria tudo para poder te levar para o Chile
agora, mi amor — digo em espanhol e a envolvo em um
abraço, deixando que ela chore, que suas lágrimas
molhem minha blusa de lã.
— Me sinto tão imunda, tão usada, Mah. Tão…
Quebrada. Eu acreditei tanto nas palavras, me deixei
levar tanto por suas ações. Não consigo acreditar que
baixei tanto a guarda a esse ponto, não consigo acreditar
que… Que enxerguei um Nathan que nunca existiu — ela
funga, coloca o prato na mesa de cento e volta para meu
abraço. — Toda vez que lembro das palavras dele, sobre
dizer que me amava só para…
Eu nunca senti tanta raiva na minha vida quanto
nesses últimos dias, nem mesmo quando minha mãe ou
meu pai soltam um comentário pejorativo sobre algo, ou
quando minha progenitora insiste que preciso arrumar
um marido logo. É a mesma raiva que sinto quando meu
irmão se retrai por conta de uma piada homofóbica solta
em casa. Eu estou borbulhando de ódio por conta de
Nathan e de tudo que fez, porque entendo
completamente o sentimento e as sensações que estão
dominando o coração da minha amiga. Ela não é a única
confusa com a mudança repentina e o término do
relacionamento dos dois, eu estou igualmente surpresa e
sem entender absolutamente nada do que houve.
Afago os cabelos de Manu e deixo que ela chore
deitada em meu peito, não digo nada porque, diferente
do normal, não tenho uma resposta esperta para dar a
ela, não tenho a solução para seus dilemas porque estes
são os mesmos que os meus.
Sou torcedora do time do Älg desde criança, cresci
assistindo aos jogos, indo à arena vez ou outra, é uma
das coisas que meu pai e eu compartilhamos. Apesar de
ser conservador à sua maneira, ele nunca me impediu de
gostar do esporte e de ser uma torcedora assídua. Isso
acabou sendo um pesadelo para minha mãe, porque ela
não gostava nem um pouco de me ver andando por aí
com “roupas de garoto”, exibindo o alce que é mascote
do time. Por ser torcedora desde pequena, eu
acompanho as notícias, estatísticas e todas as novidades
sobre o meu time de hockey do coração desde muito
nova.
Quando a contratação de Nathan foi anunciada,
todos ficaram empolgados. Alguns torcedores podem
torcer o rosto para isso, mas o hockey canadense é tão
bom quanto o sueco. As grandes estrelas no esporte vêm
do Canadá, não é à toa que o país para em finais de
campeonato, uma colega minha de faculdade mencionou
que, durante as disputas de uma olimpíada de inverno,
em um ano qualquer, passaram um decreto de lei só
para que, no dia da final do hockey, os bares pudessem
começar a vender bebida mais cedo por conta do fuso
horário. Ninguém tinha dúvidas de que Nathan iria
realmente erguer o Stockholm Älg e trazer meu time
para o lugar de destaque que ele merece.
E, para ser sincera, nunca me surpreendeu o fato
de que ele fosse um festeiro de mão cheia. No lugar dele,
quem faria diferente? O grande problema é que, mesmo
diante das notícias escandalosas, ninguém nunca pode
dizer uma palavra sequer com relação ao carisma de
Nate. Ele saía com as garotas, farreava o quanto queria,
tinha o mundo aos pés dele… Mas nunca se teve notícias
dele pisando em ninguém. Muito pelo contrário. Brinquei
uma vez com Manu sobre o termo “maria-patins” e não
menti quando disse que existem mulheres que têm como
objetivo dormir com a maior quantidade de jogadores
que conseguirem. E é claro que, em uma época em que
tudo é motivo para se exibir, o que não falta são fóruns
ou perfis nas redes sociais para comentar sobre a
performance de jogadores e todos esses assuntos. Como
boa curiosa que sou, sempre acompanhei as fofocas.
Nunca houve sequer uma notícia que pudesse dar a
entender que Nathan era esse tipo de cara, canalha a
esse ponto. Muito pelo contrário, os elogios iam desde de
“bom demais de cama” até “gentil, fofo e muito
atencioso”.
A imagem que eu construí de Nate nasceu dessas
fofocas e só se intensificou depois que ele conheceu
Manuela e a partir do momento que o relacionamento de
mentira deles começou, e depois, quando passou a ser
de verdade. Nathan já tinha minha admiração no
momento em que começou a trazer as vitórias para o
meu time, mas ele ganhou meu coração por completo
quando começou a derrubar os muros da minha amiga,
quando mostrou a ela que a felicidade também poderia
ser sentida do outro lado do mundo.
O Nathan que eu conheci não quebraria o coração
da minha amiga, não mesmo. Ele não diria “eu te amo”
para ela só para transarem. Céus, só de pensar em
Manuela ouvindo uma coisa dessas, eu juro que tenho
vontade de atravessar a cidade e riscar com a chave de
casa a Mercedes de babaca dele.
Minha cabeça está há dias tentando encontrar uma
resposta, uma brecha que faça sentido nessa história
toda, mas não consigo encontrar nada, nenhum indício
de que ele sempre foi canalha a esse ponto. É como se o
homem que terminou o relacionamento com Manuela, e
aquele com quem eu convivi de perto fosse outro.
Fico tanto tempo absorta em meus pensamentos
que não noto que Manu adormeceu em meus braços,
olho para seu rosto e vejo as olheiras embaixo de seus
olhos, minha amiga está quebrada. E eu odeio a pessoa
que fez isso com ela. Preciso de respostas. Penso em
suas palavras, em vê-la preocupada por precisar deixar o
apartamento só para que o amigo idiota de Nathan possa
vir morar.
Ao pensar em Dave, uma ideia se acende em
minha mente. Nathan jamais iria aceitar falar comigo e
eu não sei se estou disposta a dialogar com ele, mas
Dave pode ser uma boa ponte. Eu só quero respostas, eu
só quero saber se ele realmente é esse idiota completo
que partiu o coração da minha amiga de forma gratuita.
Ou se tem algo a mais na história.
— Manu? — Eu a chamo baixinho e ela desperta.
— Mah, desculpa, eu só… — ela começa a se
explicar mas eu a interrompo.
— Vem, vamos descansar um pouco, vai ser bom
para você, amiga — comento com amor e me levanto,
estendendo a mão para ela. — Vem bebê, vou te colocar
na cama.
Ela dá uma risada fraca mas aceita minha mão, a
conduzo pelo corredor e ela se deita na cama, se
enrolando com as cobertas até quase cobrir a cabeça.
Fico ao seu lado, massageando seus cabelos e não
demora muito para que a respiração dela volte a ficar
pesada. Quando vejo que ela realmente está dormindo,
beijo seus cabelos jogados pelo travesseiro e saio de
mansinho. Deixo um bilhete colado na geladeira, com o
único imã que ela tem ali e saio de seu apartamento.
Chego ao meu carro e a determinação para
descobrir a verdade me invade, preciso de respostas.
Como minha mãe sempre diz, sou curiosa demais para o
meu próprio bem, mas neste momento, vou tirar proveito
disso e também do fato de que sei onde Dave mora.
Na única noite em que saímos, enquanto Manu e
Nate foram embora em um Uber, eu e Dave fomos em
outro, já que ele mora próximo a minha casa, mais ao
centro da cidade. Passamos o curto caminho
conversando sobre seu novo emprego e também sobre
Nick, seu filho. Cheguei a mencionar a ele que sabia a
língua de sinais e ele ficou muito curioso para saber as
mudanças entre a língua de sinais americana e sueca,
comentei com ele sobre como o ensino era feito na
maioria das escolas e isso o tranquilizou quanto a uma
possível vinda de Nicholas para cá. Além de lindo, ele é
um pai maravilhoso.
— Foco, Mahara — digo a mim mesma dentro do
carro. — Rostos bonitos e pais solos também sabem ser
idiotas.
Continuo a dirigir, tentando me lembrar do
caminho exato que o motorista fez para deixar Dave em
seu apartamento e depois de errar algumas vezes a
entrada, encontro o prédio de fachada simples em que
ele mora. Não pensei muito em como irei confrontá-lo, já
que não sei nem mesmo em que andar ou qual o número
de seu apartamento, mas estou cega por respostas, a
raiva me atinge de diversas formas e eu decido que vou
encontrá-lo a qualquer custo. Em um golpe de sorte,
Dave mora em um daqueles apartamentos em que o
interfone fica bem na entrada e tem o nome dos
moradores ao lado do número. Ao encontrar o sobrenome
Bennet, eu aperto com força e por um tempo longo
demais.
— Oi? — ouço a voz dele do outro lado.
— Oi, Dave, é a Mahara.
Ele fica alguns segundos em silêncio, mas quando
penso em completar a frase, ele aciona algum botão e
libera minha entrada. Dou mais uma conferida no
número de seu apartamento e ao chegar no elevador
antigo, aciono o botão do quinto andar. A caixa metálica
leva um tempo longo para me levar ao andar, mas
quando se abre, ao sair, dou de cara com ele me
esperando na porta.
Encostado no batente, Dave está usando um
conjunto cinza de moletom e os braços estão expostos,
eu já tinha visto um pouco de suas tatuagens na única
vez em que nos encontramos, mas não fazia ideia de que
elas realmente cobriam seus dois braços por completo,
achei que eram apenas alguns desenhos mais concisos
nos antebraços. Os cabelos loiros estão um pouco
despenteados e, mesmo com uma expressão de
surpresa, ele sorri ao me ver.
E isso é combustível para me despertar ira
suficiente para acordar um país inteiro. É por sorrisos
como o de Dave que nós mulheres nos enganamos com
os homens. E é por causa do amigo babaca dele que
minha amiga está arrasada.
— Oi, Mahara, estou…
— Olha aqui seu idiota — começo a falar indo em
sua direção e os olhos dele se arregalam enquanto dá um
passo mais para trás. — Se você acha que vai tirar minha
amiga do apartamento em que ela está morando, você
está muito enganado, ouviu bem?
— Do que você….
— Ela vai sair, tá legal? Mas ela precisa de um
tempo para procurar um lugar. Onde já se viu? Você sabe
as dificuldades para encontrar lugar vago por aqui, sabe
como aluguéis são difíceis de ser firmados e agora, você
quer expulsá-la? Isso é muito baixo, vocês dois são
baixos — ele continua a andar de costas e eu continuo a
avançar em sua direção, entrando cada vez mais em seu
apartamento. — Além disso, você tem muito mais
dinheiro do que ela para conseguir uma casa melhor do
que aquele apartamento de babaca do seu amigo.
— Mahara, eu…
— Eu não terminei de falar — o corto novamente.
— Você e seu amigo são uns idiotas, só porque vocês
têm esse rostinho bonito, esse corpo que deixa qualquer
mulher derretida, esses lábios que parecem altamente
beijáveis e braços tatuados que passam essa pose de
bad boy de livro de romance — noto que Dave arregala
os olhos e um sorrisinho cresce em seus lábios. — Não
significa que vocês são os donos do mundo, que podem
destruir as pessoas e achar que vão passar ilesos…
— Mahara…
— Eu juro, eu juro por Deus que quero quebrar a
cara do seu amigo de merda por ele ter terminado com a
Manuela e por tê-la deixado em pedaços da forma que
ela está, com que direito ele diz que falava que a amava
só para levá-la para cama? Ele por um acaso tem
distúrbio de personalidade, ou um irmão gêmeo do mal?
Porque…
— Mahara! — Dave fala só um pouquinho mais alto
e eu olho para ele, como se tivesse saído do meu transe
de ódio e raiva.
— O quê?
— Que história é essa de que o Nathan e a Manu
terminaram?
Eu arregalo os olhos ainda mais surpresa com essa
reviravolta.
É domingo e o tédio é meu maior aliado. Estou
assistindo um documentário sobre fórmula um, mas
confesso que estou quase dormindo. Domingos são
tediosos em qualquer parte do mundo, era assim quando
ainda morava em Calgary, no Canadá, continua a ser
assim do outro lado do mundo. Pego o celular novamente
e olho para a foto de Nick, meu filho. Daria tudo para que
ele estivesse aqui.
Ao ouvir o som do interfone, encaro a TV, tentando
pensar em quem pode ser. Quando ouço a voz de Mahara
do outro lado, não posso negar que fico realmente
chocado, de certa forma intrigado… e feliz. Nós nos
encontramos apenas uma vez, mas foi o suficiente para
que eu me encantasse por ela, como há tempos não
acontecia. A primeira coisa que me chamou a atenção
em Mahara foram seus olhos expressivos, ela tem olhos
lindos, as íris castanhas são bem escuras e a maquiagem
que ela usava ressaltou ainda mais. Passei a noite
conversando com ela e fiquei feliz por não notar nenhum
traço de pena ou julgamento em sua feição por eu
revelar que já sou pai de uma criança.
Sei que para as mulheres, a situação é
completamente diferente e os julgamentos são muito
maiores, mas eu também tive minha conta de
preconceitos com relação a ser um pai tão novo. São
várias nuances: primeiro, espera-se que você já chegue
se apresentando e dizendo que é pai. “Oi, meu nome é
Dave, eu tenho um filho de cinco anos”. Se você não fala,
parece que está escondendo a criança. A verdade é que
não há uma forma certa de agir, mas de todo modo, é
realmente legal quando as pessoas tratam isso como
apenas mais uma informação sobre você, como se você
estivesse falando qual sua cor favorita ou com o que
você trabalha.
Mahara e eu passamos a noite falando sobre Nick,
mas não só sobre ele. Falamos também sobre educação,
sobre a área que ela realiza pesquisa, sobre meu
trabalho, sobre como era mudar de país e tantos outros
assuntos. Fazia tempo que eu não me sentia tão à
vontade com alguém como foi com ela, Nate e Manu.
Parecia que nós nos conhecíamos há décadas, como se
aquela fosse só mais uma saída dentre tantas outras.
Por me sentir tão bem naquela noite, minha
expectativa ao ouvir sua voz no interfone gera certa
euforia, que há tempos eu não sentia. Libero sua entrada
e me vou até o espelho ajeitar os cabelos.
Espero ela na soleira da porta, mas quando digo
“oi”, Mahara dispara uma série de palavras, frases e
ameaças, eu não estou entendendo nada do que está
acontecendo. Que história é essa de querer tirar Manuela
do apartamento dela? Ou que eu estava sendo insensível
a esse ponto? Tento ser educado e chamar sua atenção,
mas ela simplesmente não para, as palavras saem
apressadas e eu quase não consigo me concentrar no
que ela está dizendo. Até que um ponto me chama a
atenção.
— Eu juro, eu juro por Deus que quero quebrar a
cara do seu amigo de merda por ele ter terminado com a
Manuela e por tê-la deixado em pedaços da forma que
ela está, com que direito ele diz que falava que a amava
só para levá-la para cama? Ele por um acaso tem
distúrbio de personalidade, ou um irmão gêmeo do mal?
Porque…
— Mahara! — eu a chamo e, finalmente, ela me
deixa falar.
— O quê?
— Que história é essa de que o Nathan e a Manu
terminaram?
Mahara arregala os olhos, mostrando completa
surpresa e só então ela para no lugar onde está, me
encarando incrédula. O apartamento da frente está com
a porta aberta e noto a surpresa do casal que mora à
minha frente, não sei o quanto eles escutaram, mas deve
ter sido uma cena e tanto, principalmente em um local
calmo como este prédio.
— Você está brincando comigo? — Pergunta depois
de passado o choque.
— Eu é que te pergunto. Você está brincando
comigo? — Indago, me colocando mais ereto e me
distanciando da parede. — Quando? Como isso…
— Faz mais de duas semanas, Dave — Mahara
coloca as mãos na cintura e inclina a cabeça para o lado.
— Sinceramente, que amizade é essa sua e do seu amigo
babaca?
Minha cabeça está em parafusos. Ela está falando
realmente sério? Nathan e Manu terminaram? Mas,
como? Por quê? Decidido a entender o que está
acontecendo de verdade, passo por Mahara rapidamente
e fecho a porta, me virando em seguida para olhar para
ela.
— Eu… — o choque é perceptível em minha fala. —
Eu comecei a trabalhar assim que cheguei aqui, tenho
ido para a empresa a semana toda, sei que vai soar
idiota, mas não tive muitas oportunidades de falar com
ele. Além disso, ele não tem respondido muito às minhas
mensagens, achei que ele estivesse ocupado com a
Manu… — falo a última parte mais baixo, tentando
interligar os pontos.
— Bom, sinto muito dar a notícia dessa forma, mas
é o que aconteceu. Nathan terminou com a Manu. E além
de ser um babaca de primeira categoria, ele também
falou que ela precisava sair logo do apartamento porque
você precisa de um lugar — a ira é palpável nas palavras
de Mahara e seus olhos estão cerrados em minha
direção.
— Olha, talvez você não acredite em mim, mas eu
não tenho pretensão nenhuma de tirar Manu do
apartamento dela, muito pelo contrário, eu jamais contei
com esse apartamento para algo do gênero — comento
da forma mais sincera possível, porque posso ver que
Mahara ainda está duvidando das minhas palavras.
— Você realmente não está sabendo de nada
disso? Do término e dessa coisa de querer que a Manuela
saia do apartamento? Saiu até no jornal e naqueles
revistas de fofoca horríveis que ficam expostas no
supermercado — Questiona ainda com as mãos na
cintura.
— Não estou, Mahara, eu juro — levanto as mãos
na defensiva. — Eu e Nate não conversamos mesmo faz
um tempinho, mas é um jeito nosso, não nos falamos
todos os dias, quando um não procura o outro, é porque
está ocupado, nossos vácuos de silêncio não são tão
grandes, mas não estranhei. E eu não comecei a
acompanhar as notícias daqui, tem tanta coisa
acontecendo que…. Fiquei tão ocupado nos últimos dias
que não me dei conta da ausência de mensagens dele.
— Bom… — Mahara solta as mãos da cintura e
mexe nos cabelos. — Não tem muito mais o que dizer.
Minha vinda aqui não valeu de nada, achei que iria
conseguir extrair informações suas, mas você consegue
saber menos ainda do que eu — ela faz menção de virar
para a porta e eu seguro sua mão.
— Não, espera — peço, tentando ignorar a
sensação de calor ao tocar a pele de Mahara. Noto que
ela olha para nossas mãos, mas logo volta seus olhos
para mim. — Me conta direito essa história, ou pelo
menos o que você sabe.
Ela pondera alguns segundos, mas assente. E é
dessa forma que nós finalmente saímos do pequeno
corredor que separa a entrada do apartamento da sala.
Mahara descalça as botas que está usando e eu
aproveito para oferecer algo para beber. Ela aceita um
copo de água e, em meio a minha cozinha, ela começa a
contar o que houve. Mahara detalha como a notícia a
pegou de surpresa, o estado em que Manuela ligou e
como a namorada, ou melhor, ex-namorada do meu
melhor amigo está arrasada. Enquanto ela me conta, só
há uma pergunta que se faz presente dentro de mim.
— Mas que porra aconteceu com o Nathan? — Eu
verbalizo depois que ela termina de falar. — Eles
estavam tão bem, quero dizer, ele parecia tão…
— Apaixonado? — Completa. — Pelo menos isso
prova que eu não estou maluca de vez — ela cruza os
braços sobre o peito e suspira alto. — Olha, eu queria
pedir desculpa a quantidade exacerbada de palavras que
joguei em cima de você quando cheguei, eu só… estou
tentando entender tudo isso — ri sem graça. — Caramba,
parando para pensar agora, eu nem sei direito o que te
falei.
Uma breve risada escapa dos meus lábios por
conta da expressão que emoldura o rosto de Mahara e
dou de ombros. Sei que ela falou no calor do momento,
sei que só está preocupada com a amiga, e mesmo
conhecendo Manu há pouco tempo, criei carinho por ela,
por ver o quão bem ela estava fazendo a Nate, e isso só
faz com que eu compreenda menos ainda o porquê
terminar um relacionamento que estava indo tão bem.
Não faz o menor sentido. Faz menos sentido ainda
Nathan não ter me procurado para conversar, sendo que
nós sempre falamos sobre tudo abertamente um com o
outro.
— Está tudo bem, não se preocupe com isso —
sorrio fraco para ela. — Se fosse o contrário, eu
provavelmente faria o mesmo. Se visse meu amigo
magoado da forma como você está me dizendo que a
Manu está, talvez eu também ficaria irado. Eu só queria
poder ajudar, mas estou tão perdido quanto você nessa
história toda.
— Bom, tem uma coisa que você pode fazer —
Mahara morde a bochecha internamente e eu não
preciso me esforçar para saber exatamente do que ela
está falando.
— Eu sei… E eu vou.

Definitivamente tem algo de muito errado


acontecendo.
Depois que Mahara se despediu de mim quando
apareceu em minha casa, mandei uma mensagem para
Nate perguntando como ele estava, primeiro sondando o
território, na tentativa de ver se ele iria me contar.
Acontece que ele demorou dois dias para me responder e
disse que estava treinando muito, já que estava na
última semana antes da pausa do campeonato para as
festas de final de ano. Nathan leva muito a sério o
esporte, sempre admirei sua responsabilidade com o
esporte e sempre o respeitei e muito por isso. Deixei
essa demora na resposta passar. Enviei outra mensagem
perguntando se podíamos nos ver, passei um dia todo
esperando sua resposta, mas quando ela não veio, liguei
para ele.
Três vezes. As três não foram atendidas.
Estamos quase no final da semana e eu
definitivamente cansei de bancar o paciente. Quando
meu expediente termina, envio uma mensagem avisando
a Nate que estou indo para a casa dele, espero
pacientemente em meio ao frio o ônibus chegar, mas não
reclamo tanto da temperatura porque já enfrentei
invernos bem piores e também porque a neve já derreteu
boa parte. Acordei hoje com alguns poucos flocos caindo
e me lembrei automaticamente de casa, da primeira vez
que Nick viu a neve.
Olho para o meu celular e vejo a foto do meu filho,
sorrio para a expressão sapeca da melhor coisa que me
aconteceu na vida, mas ao mesmo tempo, lamento pela
ausência de uma resposta do meu amigo. Tomo o ônibus
que leva até a casa dele e me concentro no caminho,
aproveitando o momento para mandar uma mensagem
para Hannah, a mãe de Nick, perguntando como ele
está.
Ao chegar no prédio onde Nate mora, eu interfono
para seu apartamento, faz quase três semanas que me
mudei e vim aqui apenas uma vez, o que só faz com que
eu me sinta mais relapso ainda com relação ao meu
amigo. Preciso vê-lo urgentemente. Toco duas vezes o
interfone até que ouço a voz de Nathan do outro lado.
— Que foi? — Ele pergunta e eu fico surpreso ao
ouvir o tom que ele fala. Ele está… bêbado?
— Sou eu, Nate… Dave.
Ele respira fundo e isso causa um chiado alto no
alto-falante, ele resmunga alguma coisa, mas antes que
possa responder, ouço o som de um botão sendo
acionado e a porta se abre, me saudando com o fatídico
“bem-vindo” em sueco. Subo até o andar de Nathan e
vejo que a porta está aberta.
— Cara, está aí? — Pergunto já entrando no local e
tirando meus sapatos.
— Oi… Aqui — ele responde e vejo sua mão dando
um breve aceno no corredor.
Caminho apartamento adentro até chegar à
cozinha e vejo Nathan sentado em uma das banquetas
dispostas ao redor da bancada e um copo à sua frente.
Ele está com os fios de cabelo bagunçados, mas noto um
sorriso dançando em seus lábios. Conheço esse sorriso,
aprendi a reconhecer desde os nossos primeiros porres
juntos, é o sorriso do Nate meio bêbado.
— E aí, cara? — Saúdo-o indo em sua direção. —
Esqueceu de mim?
— Foi mal, irmão, muita correria nesses últimos
dias — responde dando de ombros.
— Dias não, semanas — corrijo-o. — Faz quase três
semanas que não nos falamos, cara. No começo, eu
achei que era por conta do trabalho, do hockey, mas não
acho que seja só isso… — começo a sondá-lo.
— Não, você está certo, é só o campeonato, joguei
a última partida ontem, agora, só ano que vem — Nate
dá uma risada sem graça e soluça.
— E esse copo de “água” — faço aspas no ar e
pego o vidro em mãos, aproximo o copo do nariz e
constato o que já sabia. Vodka. — É para comemorar o
recesso do campeonato? — Questiono com a feição
fechada.
— Você não vai dar uma de irmão mais velho
agora, não é? — A voz de Nathan soa séria e rouca. —
Sou adulto e sei das minhas responsabilidades, posso
beber a hora que quiser e quando quiser.
— Se você realmente fosse adulto, Nathan, estaria
conversando com seu amigo — me sento em um dos
bancos e removo a touca que estou usando. — O que
está acontecendo, cara? Que história é essa de ter
terminado com a Manuela? — Ao dizer o nome dela, Nate
ergue a cabeça, como se uma sirene estivesse tocando
em sua cabeça, despertando-o do transe. Ele olha para
mim e não preciso que diga nada, sei que está surpreso
por eu saber. — Quando você ia me contar? — Ralho
bravo. — Tem noção de como fiquei quando a Mahara
apareceu no meu apartamento e me disse o que tinha
acontecido?
— Viu? É por isso que eu não namoro — ele
desdenha e dá mais um gole em seu copo, mexendo nos
fios longos do cabelo, que parecem mais desalinhados do
que antes. — Mulheres só sabem fazer drama. É drama o
tempo todo — Nate balança a cabeça de um lado para o
outro, mas não olha para mim. — Com que direito ela
acha que pode ir te cobrar algo? O assunto é entre mim e
a Manuela.
— Mahara não tem culpa, Nate — eu o repreendo.
— No lugar dela, eu faria o mesmo. Se Manuela tivesse
quebrado seu coração do dia para a noite e eu visse você
arrasado, eu faria o mesmo, eu iria querer respostas. Eu
quero respostas, cara — me inclino para olhar em seu
rosto. — Qual é o problema, Nate? Você parecia tão feliz
com ela, não tem motivos para isso, não que eu saiba ao
menos, já que você está me deixando no escuro aqui.
— Dave, qual é, cara? — Um sorriso irônico dança
em seu rosto. — Você sabe que eu não sou um cara de
namorar. Eu só estabeleci esse relacionamento de
mentira para silenciar a mídia. E consegui. Manuela
cumpriu o papel dela e eu cumpri o meu. Fim da história.
— Isso não faz sentido — digo com pesar. — Você
me ligou para dizer que estava se apaixonando, deixou
claro que o “contrato” de vocês tinha perdido a validade
e que agora as coisas eram sérias.
— Dave, eu queria me divertir — ele sorri com
escárnio. — Você nunca fingiu estar apaixonado para
transar com uma garota? Qual é, você não pode ser tão
santo assim — o veneno escorre em suas palavras e eu
realmente não reconheço o cara parado à minha frente.
— Você sabe que eu nunca fiz isso — digo de forma
dura. — E quer saber quem nunca fez isso também? —
Questiono ele, apertando seu ombro. — Você. É verdade,
você sempre gostou de pegar todo mundo, ser o cara
famoso por ficar todas as garotas nunca foi um problema
para você. Mas eu te conheço, sei que você nunca iludiu
nenhuma delas, nunca disse que amava uma garota para
transar com ela e depois descartar — uso de uma
informação que Mahara me deu e noto que ele arregala
um pouco os olhos. — E por saber que você não é assim,
eu só posso supor duas coisas — começo a elencar,
levantando o indicador. — Ou você está tentando se
convencer disso, ou está tentando me convencer dessa
besteira. Ou os dois juntos, que é a possibilidade que eu
apostaria mais.
— Não sabia que você, além de programador,
também era psicólogo. Me diga, quanto te devo pela
sessão? — Nathan entorna o copo, engolindo de uma vez
o líquido transparente e fazendo uma careta ao final. —
Quer saber de verdade o que aconteceu? Bom, eu enjoei
da Manuela, não nasci para essa coisa de monogamia. Se
você acha isso coisa babaca, então, sinto muito, amigão
— Nathan abre os braços de forma exagerada. — Eu sou
um grande babaca mesmo. Se você veio aqui em busca
de uma resposta para a Mahara, diga a ela o que eu sou.
Diga que sou um babaca. E quer saber mais? Se a
Mahara te procurar novamente — ele se levanta do
banco e cambaleia um pouco para o lado — ao invés de
perder tempo falando de mim, tenta transar com ela,
aproveita a chance.
Sinto meu sangue borbulhar pela forma com a qual
ele fala. Nate nunca age assim, só tem uma combinação
que o faça dizer coisas tão frias dessa forma: problemas
pessoais e bebida. Se ele está tentando esconder o que
está acontecendo, ao agir e falar dessa forma, ele me
prova mais do que nunca que está falhando, está bem
claro para mim que não está tudo bem. Não sou um cara
violento, mas não consigo conter minhas mãos quando
estas agarram a camiseta de Nathan e puxam ele para
mais perto de mim.
— Qual é o seu problema? — Rosno para ele. —
Você não é assim, cara. Que jeito nojento de falar de uma
pessoa que nem mesmo está aqui para se defender. Qual
é a porra do seu problema? — Pergunto de forma firme e
com a voz mais alta.
— O meu problema é que está todo mundo
tentando me controlar — ele puxa com força o corpo e eu
solto o aperto. — Está todo mundo dizendo que eu estou
estranho, que não estou agindo do mesmo jeito de antes
e todas essas merdas — ele responde com amargura na
voz. — O que vocês querem de mim afinal de contas? —
Grita.
— Eu quero que você converse comigo, seu idiota
— respondo na mesma altura. — Você não é assim,
Nathan. Me diga o que está acontecendo, me diga o que
aconteceu. Não faz o menor sentido se separar da
pessoa que estava fazendo você feliz, cara. Eu vi —
aponto para meu peito. — Eu vi vocês dois juntos, eu vi a
forma como você olhava para ela. Você nunca olhou para
nenhuma mulher dessa forma, você nunca pareceu tão
feliz, tão cheio de vida do que com ela ao seu lado.
Nathan está de costas para mim com os braços
flexionados enquanto ele segura a nuca com força.
— Cara, eu só não queria mais, é só isso… — a voz
dele sai enrolada.
— Você está mentindo, Nate.
— Por que você insiste nisso?
— Porque você não está olhando para mim — toco
seu ombro e então ele se vira. E confirmo que estou
certo, porque os olhos dele estão marejados. — Vi você
nascer, LeBlanc. Você é meu irmão mais novo, o garoto
que eu ajudei a cuidar, o cara com quem eu dividi o gelo
durante o curto período de vida em que joguei hockey —
seguro seus ombros e forço ele a me olhar. — O tio do
meu filho. Eu vou repetir a pergunta para você.
O.Que.Está.Acontecendo.Nate? — Digo cada uma das
palavras de forma pausada.
Meu amigo respira fundo e eu consigo captar toda
a tristeza contida em seus olhos, seus ombros tremem
um pouco e quando ele relaxa os músculos, eu o puxo
para um abraço. Aperto ele com meus braços e sinto
quando começa a chorar, quando a dor o atinge de uma
vez só.
— Eu vou ser pai.
Ele diz as palavras em um sussurro e me sinto em
um dejavú, revivendo uma cena bem semelhante a essa,
quando eu descobri a respeito da gravidez de Hannah.
— Não é da Manuela, não é? — Pergunto, mesmo já
sabendo a resposta. E ele assente. — Você a traiu?
— Não — ele responde com a voz embargada. —
Eu jamais faria isso com ela. Eu a amo tanto, Dave, mas
não posso fazer isso com ela. Não posso arrastá-la para o
inferno que é a minha vida.
Ele me abraça mais forte e permito que meu amigo
chore em meus ombros, da mesma forma como fiz com
ele anos atrás, da mesma forma como ele foi meu
alicerce em meio ao caos da minha vida, em meio a uma
gravidez no final da faculdade e junto de uma pessoa de
que eu não gostava. Nesse momento, mesmo sem ele ter
me dito nada, eu o entendo, porque ele está passando
pelo mesmo dilema que eu passei.
— É da Zara — ele diz por fim, quando começa a se
acalmar. — A modelo com que eu saía antes de começar
a namorar sério com a Manuela — aceno em positivo
com a cabeça e nos separamos. — Eu não sei o que é
pior, Dave — ele se senta novamente no banco e apoia a
cabeça nas mãos, mostrando o quanto está perdido. —
Não saber se o filho é realmente meu ou precisar romper
com a única mulher que eu já amei. Que eu amo. Ter que
quebrar o coração dela só para preservá-la de cenários
ainda piores e, de certa forma, para preservar a mim, a
minha carreira e a vida de uma criança que nem mesmo
nasceu.
Olho para ele confuso com todas as informações
que estão sendo jogadas e Nathan suspira fundo antes
de começar a me contar tudo o que aconteceu. Ele fala
sobre seu envolvimento com Zara, que eu já sabia,
menciona que quando ele e Manu firmaram um
relacionamento de mentira, eles ainda assim, poderiam
ficar com outras pessoas, desde que tudo ficasse às
escondidas. Nate me confidencia que, quando viu que
estava apaixonado por Manuela, ele deu um basta em
tudo. Infelizmente, foi tarde demais. Ele me relata a
maior ironia do destino. Ele conta sobre a foto dele e de
Zara nus na cama e a ameaça de que tudo isso seja
jogado na mídia, fala do teste de gravidez e o que ele
precisou fazer.
— Se esse filho for meu, ela engravidou na última
vez que transamos — ele ri nervoso — na maldita última
vez, quando me dei conta de que não queria ficar com
mais ninguém, que Manuela era a única pessoa que eu
gostaria de ter por perto.
— Mas… E se você contar para Manuela… —
pondero.
— Ninguém vai deixá-la em paz, Dave. Nosso
relacionamento de fachada virá à tona e ela será
considerada uma mulher traída, como eu vou provar para
ela e para todo mundo que foi antes de tudo? Nem eu sei
se acreditaria — ele ergue o rosto em minha direção e
vejo toda a dor contida em sua expressão. — Não posso
deixar que a imprensa, que as fofocas ou qualquer outra
coisa a atinjam ainda mais. Ela deu a entender algumas
vezes que isso a incomodava, não posso prejudicá-la,
não posso prejudicar seu doutorado, a vida que ela tem,
o emprego. Ela não merece isso.
— Eu entendo — assinto. — Foi por isso, por todos
esses motivos que você preferiu quebrar o coração dela
— digo em voz alta, mostrando que entendi seu ponto. —
Você fez com que ela acreditasse que você é um
completo idiota, porque é preferível que ela te odeie do
que enfrente tudo isso e mais um pouco.
— É. Eu tive que quebrar a única promessa que fiz
a ela. Quebrei o coração dela e quebrei o meu, mas
Manuela não merece enfrentar o inferno da minha vida,
Dave — Nate repete e funga o nariz, na sequência,
limpando as lágrimas que ainda escorrem. — Eu amo
essa mulher, cara. Com todas as minhas forças. Não iria
conseguir viver com a ideia dela ter a imagem deturpada
pela mídia. E é por amá-la que preciso preservar sua
felicidade.
— Ela mudou você, Nate — digo com a voz
embargada, porque consigo ter dimensão do quanto está
sendo difícil para ele. — Mas você não precisa pelejar
sozinho, cara. Eu estou aqui por você — estendo a mão
para ele. — Você esteve ao meu lado no passado e eu
estarei ao seu lado também.
— Não posso recusar essa criança, você entende,
não é? — Ele pergunta com a voz embargada e eu
confirmo, porque sei exatamente como é esse
sentimento. — Se fizer isso, nunca vou me perdoar. Pode
ser que esse filho não seja meu, mas não posso arriscar
perder seus primeiros meses de vida, não posso ser esse
cara. Não quer ser esse cara.
— Você não vai recusá-la, seja essa criança sua ou
não, você vai cuidar dela. E eu vou estar aqui para te
apoiar — aperto sua mão com a minha. — Você não está
sozinho nessa, irmão, eu estou com você. Entendeu? —
Pergunto e vejo quando as lágrimas começam a escorrer
dos olhos dele e dos meus. — Estamos juntos nessa,
você é meu melhor amigo, meu irmão de coração e eu
vou te apoiar.
— Se você vai me apoiar, então você sabe que não
vai poder contar nada disso nem para Mahara e muito
menos para a Manuela, certo? Só vai funcionar se ela
realmente me odiar, Dave. Ela precisa me odiar. Se eu a
amo, preciso saber que ela vai ser feliz.
— Eu sei — digo com a voz embargada. — Eu só…
Só queria que você não tivesse que abrir mão da sua
felicidade para isso.
— Não vai ser fácil, não está sendo fácil — ele diz
baixo. — Mas, de alguma forma, se eu souber que ela
está feliz sem mim, já vai ser o suficiente. Significa que
eu não terei a destruído por completo. A felicidade dela é
mais importante que tudo para mim, porque eu a amo.
Olho para o meu amigo com admiração, porque
apesar de tudo, ele sempre priorizou e muito a própria
felicidade, os interesses deles e os objetivos, Nathan
nunca pisou em ninguém para isso, mas ele sempre
correu atrás dos próprios desejos. Entretanto, o homem à
minha frente está abrindo mão da felicidade dele por
outras pessoas, está fadando seu coração a tristeza por
aqueles que ama. Pela criança que ainda não nasceu e
pela mulher que o têm por completo.
— Você vai ser um pai incrível, cara — digo a ele
com a voz embargada.
— Tive o melhor amigo do mundo para me
espelhar.
E com essas palavras, nós dois nos permitimos
chorar mais um pouco, porque, às vezes, a vida é
horrível conosco.
Não sinto o Natal passar, não sei o que disse para
os meus pais durante nossa ligação, não lembro do jantar
na casa do Gotlander, não lembro o que disse para Helen
para justificar a ausência dela ou para dizer o porquê de
não estarmos mais namorando. Não lembro dos drinks
que tomei, não me lembro de nada. Tudo se tornou um
grande borrão de dias, horas, minutos, segundos. Todos
sem que Manuela esteja ao meu lado.
Não tenho motivos para comemorar o ano novo,
simplesmente rejeito todos os convites de festas e me
recuso a abrir qualquer notificação em minhas redes
sociais, porque sei o que haverá em cada uma delas:
propostas; especulações; pessoas que acham que sabem
o que está acontecendo na minha vida, mas que não
fazem ideia do verdadeiro inferno pelo qual estou
passando. A única pessoa capaz de me entender de
verdade é Dave e eu amo o cara por estar ao meu lado.
Neste momento, é ela quem tem me mantido são no
meio de toda essa tristeza.
— Nate — meu amigo me chama. — Pelo menos
come um pedaço de pizza. Se vamos encher a cara
juntos, que nenhum de nós passe mal. Eu amo você, mas
limpar vômito na virada do ano não dá.
Só Dave para conseguir arrancar uma risada dos
meus lábios, sei que ele está certo e por isso, pego uma
fatia de uma das pizzas prontas que preparamos no forno
e mordo um pedaço.
— Não é tão ruim quanto eu pensei — pondero e dou
mais uma mordida, em seguida, dando outro gole em
minha cerveja. — Não imaginei que nosso final de ano
seria dessa forma, tão melodramático.
— Eu sabia que o meu não estaria completo, afinal
de contas, não tenho Nick aqui comigo. Não que eu
tenha tido muitas oportunidades de passar a virada do
ano com ele de qualquer forma…
Dave dá um gole em sua cerveja e vejo sua
expressão séria no rosto, mas também triste. Ficar longe
do filho é o que mais dói no meu amigo e agora, com
essa novidade me rondando, começo a entender um
pouco mais esse sentimento. Não planejava ter filhos
agora, muito menos com uma pessoa que não fosse
minha namorada, mas as coisas mudam. E mesmo que
eu ainda não saiba se o bebê que Zara carrega é meu
mesmo, não consigo deixar de pensar que não quero que
isso aconteça. Não quero ter uma relação ruim com a
mãe do meu filho, não quero ficar longe dele.
— Zara tem uma consulta agora na primeira semana
do ano — falo sem olhar para Dave. — Pedi a ela para ir
junto. É algo de rotina, para saber se está tudo bem com
o bebê…
— Eu sei — meu amigo dá um gole em sua cerveja.
— Lembro da primeira consulta que fui com Hannah.
Ouvir o coração de Nick foi uma das coisas mais
emocionantes da minha vida, saber que tinha outra vida
sendo gerada ali, por mais que eu não amasse Hannah…
Foi emocionante.
Dave sempre se emociona ao falar de Nick, sempre
admirei muito isso, sou apaixonado pelo meu sobrinho do
coração, mas agora, começo a entender o quão singular
é esse sentimento. Eu jamais poderia sentir raiva desse
bebê, ele não tem culpa de tudo que está acontecendo
em minha vida, não tem culpa de ser usado como moeda
de troca de certa forma entre mim e a mãe dele. Não
consigo mais considerar a possibilidade dessa criança
não ser minha, sempre soube que Zara não era a melhor
pessoa do mundo para se relacionar, tanto é verdade
que nunca nutri nenhum sentimento por ela. Nós éramos
bons na cama, era satisfatório, era divertido. Mas minhas
ações e as dela tiveram consequências e, agora, há uma
criança em jogo.
— É estranho que eu imagine como seria dividir essa
notícia com Manuela? — Verbalizo a questão porque sei
que Dave é a única pessoa que não vai me julgar. — Fico
pensando o que ela diria sobre isso, fico pensando nas
formas como ela iria brincar comigo, dizendo que eu
seria um péssimo pai — dou risada e é quase como se
ouvisse a risada de Manu ao meu lado. — Fico pensando
se…
— Se essa criança fosse sua e dela? — Completa
ele.
— Por que, Dave? — Pergunto, sentindo meus olhos
arderem. — Por que tudo tinha que dar tão errado?
Meu amigo se aproxima de mim e passa os braços
por meu ombro, mostrando que está ali por mim, como
eu sei que sempre esteve. Não falamos mais nada, mas
deixo que lágrimas escorram dos meus olhos. Por sorte, o
telefone de Dave toca e a imagem de Nicholas preenche
a tela do telefone. Faz tempo que não o vejo e me
assusto com o quanto ele parece grande. Estou
enferrujado na linguagem de sinais, mas tento sinalizar o
máximo possível para ele, dizendo que estou com
saudades e que quero que ele venha nos visitar logo.
Dave dá feliz ano novo para o filho e sorrio ao ver a
emoção dele.
Pego meu telefone ao sentir ele vibrar, mas ignoro
todas as notificações. Meu fundo de tela ainda é a foto
que eu e Manuela tiramos no evento de caridade, estive
tão afundando na tristeza que não me dei conta desse
detalhe. Procuro a foto na galeria e passo alguns
segundos olhando. Observo meu sorriso ao olhar para ela
e também o sorriso dela olhando para a lente. Neste
momento, parece que está olhando para mim, sinto tanto
sua falta, queria tanto que ela estivesse aqui. Ainda não
é meia-noite, mas é bem próximo para que possa
sussurrar baixo as palavras, enquanto Dave ainda fala
com Nick.
— Feliz ano novo, linda. Eu sinto muito por tudo.

Na primeira semana de janeiro o time ainda está


de folga dos jogos, mas os treinos voltam com força total
e eu não poderia estar mais feliz por isso, ficar em casa
sem ter o que fazer estava me enlouquecendo, ouvir
meus próprios pensamentos estava me consumindo, mas
agora, enquanto deslizo pelo gelo e disparo o disco na
direção da rede, nada é mais importante. Vou me
esforçar ainda mais para ganhar esse campeonato, o
esporte é a única coisa capaz de me manter bem neste
momento atual.
Entretanto, ainda que eu esteja concentrado cem
por cento em dar o meu melhor, em provar para o meu
time que vou ser o melhor ponta-lança que eles já
tiveram, minha cabeça está em outro lugar, e é
exatamente para ele que eu vou quando o treino acaba.
Me despeço de todos do time e vou em direção a clínica
médica que fica em uma cidade menor próxima a
Estocolmo. Zara está encostada no carro quando chego e
eu a cumprimento brevemente.
— Não precisava ter me esperado aqui fora, está
frio — comento.
— Não quero entrar sozinha, estou…
— Nervosa? — Pergunto e ela não responde. Não é
necessário, sei que ela está se sentindo assim. —
Também estou, mas vamos enfrentar isso juntos.
— O que aconteceu com você para mudar da água
pro vinho? — Ela pergunta, cruzando os braços sob o
peito. — Nem parece que ficou me chamando de vadia e
dizendo que o filho não era seu.
Respiro fundo, tentando conter minhas palavras.
— Eu não disse nada disso, Zara, eu.. Queria que
as circunstâncias fossem outras, acho que nem eu nem
você planejamos ter um filho juntos, mas já que
aconteceu, de todo o meu coração, só quero que
possamos nos dar bem, dar uma vida boa para essa
criança, ela não tem culpa de todo o contexto em que
está inserida.
Vejo que Zara fica surpresa com minhas palavras e
por alguns segundos, acho que ela vai chorar, noto que
seu lábio está tremendo. Penso em perguntar se ela está
bem, mas Zara resmunga baixo e diz para irmos logo.
Caminho bem atrás dela e fico aliviado por ninguém se
importar muito com a nossa presença, ao menos para o
sistema de saúde, nosso status não significa nada.
Todavia, sei que a clínica que estamos é particular, o
sigilo também deve ser algo prezado e que foi acordado
previamente.
Aguardo junto a ela e tento conter meu
nervosismo, não consigo parar de bater os pés no chão, é
quase como se estivesse tocando bateria, ainda que
nunca tenha feito aulas nem nada do tipo. Envio uma
mensagem para Dave, conto a ele que estou na clínica e
fico feliz quando ele me deseja boa sorte. O cara não
desgruda de mim nos últimos tempos, desde que
descobriu sobre tudo, não sei como agradecer a ele por
todo apoio, mas acho que, quando você considera a
outra pessoa como um irmão, agradecimentos ou
grandes gestos deixam de ser necessários.
— Sra. Holmgren?
O médico chama o nome de Zara e nos levantamos
ao mesmo tempo, sinto meu coração bater um pouco
mais acelerado, mas tento controlar o nervosismo. Nós
nos sentamos e o médico começa a falar em sueco com
ela, fico alguns segundos perdido no que estão falando
até que Zara aponta para mim e eu deduzo que,
provavelmente, esteja perguntando se o médico fala em
inglês para que eu possa compreender a consulta. Ele dá
um sorriso gentil e rapidamente volta a falar, dessa vez
no idioma em que eu sou capaz de compreender.
— Então o senhor é o pai, senhor…
— LeBlanc. Nathan LeBlanc, e…
— Sim, ele é o pai — Zara me interrompe e toma
minha mão de forma abrupta. — Estamos muito felizes
com essa notícia, não é amor?
Balanço a cabeça e dou meu melhor sorriso, mas é
impossível não me sentir estranho com tudo isso, com
tudo que está acontecendo. Minha pele não se aquece
com a mão de Zara, meu coração não reage quando
ouço ela me chamar de amor, nada me traz a sensação
de calor que existia com Manuela. Como pode tudo a
minha volta ter se tornado tão frio? “De onde vem o
frio?” Relembro das palavras dela, da forma como ela
soou poética ao dizer que eu aquecia sua vida.
Você também aquecia a minha, Manu.
Volto a me concentrar no que o médico está
falando, ainda segurando a mão fria de Zara. Ele
pergunta como ela está, pede o resultado do exame de
sangue, pergunta como ela tem se sentido e Zara
começa a relatar sobre os enjoos e o cansaço
exacerbado. O médico mede a pressão dela, pede que
ela vá até a balança para pesá-la e então, pede que ela
vá até o banheiro para que se troque e possa realizar o
primeiro ultrassom.
O médico me fez algumas perguntas e sinto uma
gota de suor escorrer em minhas costas, ele pergunta se
está tudo bem, se estamos de fato tranquilos com essa
gravidez e tento dar o meu melhor para disfarçar as
circunstâncias todas que nos rondam, ele não precisa
saber que estou nervoso.
— A primeira gravidez sempre gera esse
nervosismo em nós — o homem à minha frente sorri de
forma gentil e quando ouvimos a porta do banheiro se
abrir, ele nos chama. — Vamos lá?
Deixo que Zara caminhe na frente, indo para um
anexo da sala. Ela se deita na cama e eu me sento em
um banco ao seu lado esquerdo. O médico se posiciona,
faz alguns ajustes na máquina e então avisa que vai
passar o gel na barriga de Zara para que possa fazer o
exame. Respiro fundo quando ele começa a passar o
transdutor pela barriga dela. Ele começa a apontar para
algumas imagens na tela, mas eu confesso que não
consigo ver muita coisa, estou nervoso e isso deve ser
perceptível.
— Vamos ouvir o coração do bebê? — O médico
pergunta e nenhum de nós diz nada, apenas balançamos
a cabeça em concordância.
E então acontece. O barulho forte invade o
consultório e eu reconheço o som ritmado. Há realmente
uma vida nascendo ali. Olho para Zara e vejo que ela
também está emocionada, com uma das mãos apoiando
a cabeça para olhar melhor, ela parece tão em choque
quanto eu. Dessa vez, quem faz o movimento sou eu,
tomo sua mão com a minha e vejo o quão surpresa ela
fica com o gesto, mas aceita. Ela sorri para mim e não
importa as circunstâncias, eu vou cuidar dessa criança.
Seguro as lágrimas que lutam para sair e o médico
silencia novamente o monitor e continua a explicar sobre
o que Zara pode ou não fazer, fala sobre algumas
vitaminas que vai receitar para ela e minha mente viaja
pelo restante do tempo. Me despeço de Zara no
estacionamento e enquanto dirijo de volta para casa, me
permito chorar. Nos últimos dias, tenho reprimido a
tristeza de todas as formas que posso, mas neste
momento, não sou capaz de controlar as emoções. Dirijo
no modo automático e, quando dou por mim, estou
passando em frente ao café que Manuela trabalha.
Fico estacionado do outro lado da rua e observo
pelo vidro, à distância, a mulher que eu amo se
movimentar por seu trabalho. Não consigo vê-la com
clareza, mas reconheço os cabelos castanhos e o
avental, o uniforme de trabalho, e sei que é ela.
— Oi, linda — digo para ninguém além de mim
mesmo dentro do carro, mas olho na direção dela, como
se Manuela pudesse me ouvir. — Queria tanto poder te
contar o que está acontecendo na minha vida. Mas, se eu
te contar, se eu permitir que você saiba, vou estragar a
sua vida, vou estragar a vida de outra pessoa que não
precisa ter um começo ainda mais conturbado — abaixo
o rosto e esfrego a mão no rosto, jogando os cabelos
para trás. — Se eu pudesse te contar, diria que vou ser
pai. Eu não consigo mais acreditar que essa criança não
seja minha, Manu, porque eu transei com a Zara. Sabe o
que é o pior disso tudo? Eu provavelmente concebi essa
criança enquanto tentava fugir do meu sentimento por
você — rio baixo, passando a mão no volante. — Se não
fosse por isso, essa criança poderia ser nossa. Minha e
sua. Um filho gerado através do amor mais puro que já
senti na vida. Gosto de pensar que, se você soubesse
disso, estaria feliz por saber que não fiz igual ao seu pai.
Eu não fugi da responsabilidade, eu não rejeitei esse
bebê — um soluço escapa dos meus lábios quando vejo
Manuela mais próxima do vidro, entregando uma bandeja
com café e mais alguma coisa. — Você entenderia, não é,
linda? Você entenderia que eu não poderia rejeitar essa
criança, mesmo sem saber se ela é minha mesmo. Você
entenderia que eu fiz tudo isso, que tudo o que fiz com
você, foi para preservar sua vida, seu doutorado, sua
carreira… Eu tinha que te destruir, linda, para que você
pudesse ser feliz, para que você pudesse continuar a ter
sua vida comum, porque você não merece a nojeira que
fariam contra você.
Choro novamente e sinto meu corpo inteiro tremer.
Como foi que tudo isso aconteceu comigo? Como posso
estar vivendo um momento único na vida, que é ter um
filho, e ainda assim, não me sentir completo e feliz?
— Eu queria poder voltar no tempo — volto a falar,
com a voz embargada. — Voltar ao dia que nós nos
conhecemos. Não o dia em que propus a você um
namoro de mentira, mas a primeira vez que nos vimos.
Queria que a história que inventamos juntos fosse
verdade — continuo a olhar para a cafeteria e imagino o
cenário. — Eu iria me aproximar, faria meu pedido de
café, você iria sorrir para mim e eu voltaria no outro dia,
só para te ver de novo. Chamaria você para sair e nós
iríamos viver nossa história de amor, do jeito como
deveria ter sido. Sem que algum dia eu tivesse tratado
você como uma mentira. Você é tudo de mais verdadeiro
que eu já tive na vida, Manuela González, mas eu não te
mereço, você merece ser feliz e eu não posso te fazer
feliz.
Respiro fundo uma última vez, reunindo coragem
para ligar o carro. Quando o faço, dou adeus novamente
a Manuela, tendo ciência de que, mesmo se quisesse, eu
jamais conseguiria apagá-la da minha vida.

Os jogos voltam alguns dias depois e, dessa vez,


na partida de hoje, nós vamos jogar fora, em uma cidade
mais ao oeste de Estocolmo, vamos com o ônibus do
time e apesar de tudo, eu tento me divertir com meus
colegas de equipe. As perguntas sobre meu
relacionamento pararam e o fato de não estar agindo
como o babaca que eu era antes, contribuem para que
todo mundo continue a me tratar bem.
Mick conseguiu negociar com boa parte da
imprensa e dos jornalistas para que eles não façam
perguntas sobre minha vida pessoal, só quero falar de
hockey, é a única coisa que ainda tenho controle em
minha vida. Quando deslizo pelo gelo na arena
adversário, deleto todos os pensamentos da minha
mente e me concentro na partida, nos três tempos de
vinte minutos e no que preciso fazer. Não respondo às
provocações, deixo que os três gols que eu faço na
partida respondam por mim. Auxílio em duas jogadas e
comemoro quando um dos jogadores mais velhos do
time, Joakin, marca um ponto para nós. Ele vai se
aposentar neste ano e me pediu ajuda para melhorar seu
tiro curto. Ao ver que o treino que fizemos juntos deu
resultado, ele me agradece e eu me sinto capaz de fazer
alguma coisa direito em minha vida.
Comemoramos a vitória de quatro a um e respiro
aliviado quando alguns jornalistas dão maior atenção
para o Joakin do que para mim, é um sopro de força em
meio a tantas derrotas. É irônico pensar que no meu
melhor momento como jogador de hockey, eu estou no
momento mais conturbado em minha vida pessoal.
O time volta de ônibus para o centro esportivo
onde treinamos e cada um vai para o seu carro, respondo
uma mensagem de Dave enquanto saio do ônibus e me
despeço dos demais colegas de time. Vejo que Zara não
respondeu minha mensagem sobre como está e decido
que vou ligar para ela no caminho. Entretanto, quando
chego próximo ao meu carro, noto que há um sedan
parado ao lado dele e que um homem sai do carro assim
que me vê.
— Nathan LeBlanc? — Ele me chama. — Desculpa
te atrapalhar, posso trocar algumas palavras com você?
— Estou indo para casa agora, cara, acabei de
voltar de uma partida — respondo de forma educada.
— Eu sei, é que só tenho esses minutos agora
antes de ir para o meu turno na empresa. — Quando ele
diz isso, reparo em suas roupas, o logo de uma marca de
carros sueca está estampado na lateral da jaqueta que
ele usa. — É rápido, eu prometo.
Intrigado para saber o que ele quer comigo, abro a
porta do meu carro e jogo a bolsa no banco do
passageiro e me viro novamente para ele.
— Não perguntei o seu nome — questiono.
— Desculpa, eu também não me apresentei, me
chamo Erik. Erik Libberson — ele estende a mão e eu a
aceito. — Preciso ir direto ao ponto. Você conhece a Zara
Holmgren, certo? A modelo?
Franzo as sobrancelhas e isso me intriga ainda
mais.
— Sim, conheço. Por que quer saber?
— Ela está grávida, não está? — Ele pergunta sem
rodeios e tento manter minha expressão o mais neutra
possível. Fico me perguntando se esse cara é um
jornalista disfarçado que está tentando especular sobre
minha vida e sinto a raiva borbulhar em meu corpo.
— Não sei dizer, cara, não tenho contato com ela,
não somos próximos a esse nível. Era sobre isso que
você queria falar? — cruzo os braços, mostrando pela
minha linguagem corporal que ele não vai extrair
informação alguma de mim.
— Eu sei que você não deve estar entendendo
nada, mas, também sei que não adianta esconder. Sei da
gravidez dela — ele suspira e coça a cabeça por cima da
touca. — Eu a conheço, mas Zara tem evitado minhas
ligações e mensagens e eu precisava falar com alguém
próximo a ela. Quando ela descobriu a gravidez… Eu
apareci em sua casa e ela disse que você era o pai,
mas… — Os pontos começam a se interligar em minha
cabeça e sinto como se todo o ar sumisse do mundo. Mas
quando Erik verbaliza, tudo desaparece à minha volta. —
Eu acho que posso ser o pai dessa criança.
Seguro o cigarro entre o indicador e o médio e
sinto as juntas dos dedos doerem. “Deus, de onde vem
esse frio?”, penso comigo. Coloco o filtro na boca e junto
as mãos em uma concha para poder acionar o isqueiro.
Puxo o ar e isso faz com que o cigarro acenda, dou uma
forte tragada e sinto a nicotina entrar em meus pulmões.
Meu primeiro namorado na faculdade me chamava de
“sortuda na loteria do vício”, ele fumava um maço por
dia, enquanto eu era capaz de ficar meses sem fumar e
sem sentir falta. Passei a fumar em ocasiões esporádicas:
quando estava na presença de amigos, sentada na mesa
do bar, em alguma festa, ou sob muita pressão.
Situações bem específicas para ser mais exata.
Quando fiz meu primeiro ano de iniciação
científica, eu carregava um maço na bolsa só por
precaução, para caso precisasse relaxar. Mesmo
carregando-o comigo o tempo todo, eu ainda assim era
capaz de ficar sem por meses a fio. Os anos passaram,
as cargas emocionais aumentaram, mas isso não
interferiu na questão, continuei a ter um maço comigo
para quando precisasse sempre ter fácil acesso. Estou
tragando um dos meus “cigarros de fácil acesso”, o que
trouxe comigo jogado na bolsa, para eventuais
emergências. Neste momento, ele está chegando ao fim.
Tenho apenas mais dois.
Fumei um maço inteiro em pouco mais de um mês,
é meu recorde. E nem mesmo exagerando no vício que
não tenho, nem mesmo isso é capaz de me manter
relaxada. A sensação dura pouco tempo, não é suficiente
para que eu consiga me concentrar no documento word
aberto em meu computador, ou nas minhas leituras, ou
em qualquer outra coisa.
Apago a guimba na lixeira e vou novamente para
dentro do apartamento, o fato de precisar descer até o
térreo para poder fumar é outra coisa que torna o
processo muito mais estressante do que algo prazeroso.
Enquanto entro pelo hall, vejo um casal de jovens saindo
do elevador, eles estão vestindo uma camiseta que eu
conheço bem. As mangas são compridas, no tom azul
escuro quase preto, com faixas em cinza e o alce bem no
centro. É a camiseta do time de Nathan, eu tenho uma
igual ainda guardada comigo.
Só então me dou conta de que é terça-feira, deve
ser dia de jogo. Nenhum deles nota minha presença ou
me dirige o olhar e eu sou grata por isso, grata por ser
invisível nesse momento. Grata por ter voltado a ser
invisível.
Quando Nathan terminou comigo, eu perdi o chão,
eu simplesmente desmoronei. Mas se tem uma coisa que
nunca deixa de ser verdade é que, na vida, nada como
um dia após o outro. Não estou cem por cento, mas
estou melhor que ontem e muito melhor se comparado
com a semana após o término, o momento em que eu
senti e vi que minha vida realmente havia sido exposta
para um país inteiro. Na faculdade, eu já vinha notando
alguns olhares em minha direção, pessoas que
provavelmente conheciam Nathan por conta do hockey,
pessoas que tinham visto nossas fotos e que me
reconheciam. Até mesmo meu orientador deixou
algumas indiretas escaparem sobre meu relacionamento
com Nate, mesmo quando ainda não éramos um casal de
verdade.
Entretanto, eu só fui sentir verdadeiramente o peso
da exposição dias depois, ainda arrasada, enquanto
trabalhava. Uma jornalista veio me procurar no meu
trabalho. Ela chegou de mansinho, pediu um café e um
pedaço de bolo e quando entreguei o pedido, ela
perguntou se eu tinha algo a declarar a respeito do
término com Nathan. Fechei o rosto, disse que não queria
ser importunada sobre o assunto, que ela deveria
respeitar meu ambiente de trabalho e ela foi educada em
pedir desculpas e não insistir no assunto. No final das
contas, ela foi só uma das primeiras a aparecer, foram
mais três repórteres depois dela. Eu não abri minha
boca.
Isso, infelizmente, só gerou ainda mais a sensação
de que estava todo mundo me observando o tempo todo,
que os cochichos ao meu redor eram sobre mim. Foi
difícil aprender a driblar mais esses olhares e
comentários. Não pensei que sentiria a xenofobia de
forma tão latente quando decidi aceitar a bolsa de
estudos, tenho ciência de que o que passo, não é nada
comparado ao que muitas outras pessoas enfrentam. As
“violências” para comigo são de certa forma “leves” se
comparamos a violência policial ou o racismo. Não sou
uma mulher de pele branca como as pessoas daqui,
também não tenho a pele negra, mas sei que a minha
cor, os meus cabelos escuros, o jeito como eu falo, como
articulo, o fato de falar inglês já mostra que não sou
daqui, que não pertenço a essa realidade.
Não foram dias fáceis, mas estou melhorando.
Preciso melhorar, preciso me reerguer. Não posso
continuar de cabeça baixa. Tenho repetido essas frases
motivacionais todos os dias, como se de alguma forma
isso pudesse me ajudar. Penso em Mahara e todo o seu
apoio e agradeço mentalmente por minha amiga ter
puxado assunto comigo naquele primeiro dia de aula.
Saio do elevador, entro no apartamento, tiro meus
sapatos e também a jaqueta pesada e volto para o
computador, olho para alguns textos, livros, minhas
anotações. Olho, olho, olho. Não consigo digitar nenhuma
palavra. Suspiro frustrada.
O telefone toca e ao olhar para o visor vejo que é
Tonia. Deslizo o dedo pela tela e aceito a chamada.
— Hola, mi amor[24]! — minha irmã me saúda. —
Como você está?
— Hola, Ton-Ton — digo o apelido que tinha com ela
quando criança e vejo um sorriso fraco moldar seus
lábios. — Estou bem, só com dificuldades em escrever.
— Seu orientador devolveu as correções?
— Se com “correções” você quer dizer “detonou
todos os pontos já escritos e ainda enviou um e-mail
cheio de insinuações de que eu não estou me
esforçando”, então sim, ele devolveu.
— Já mencionei hoje como eu odeio a instituição
acadêmica? — Ela diz com irritação na voz e eu dou uma
risada fraca.
Tonia fez seu mestrado na área da pedagogia e
quando estava finalizando, ela engravidou de Martina e
acabou encarando isso como um sinal divino — nas
palavras dela — para dar um tempo da pesquisa
acadêmica. Eu, em contrapartida, emendei tudo sem ter
nenhum momento de pausa, minha meta é conseguir o
título de doutora e aí sim, analisar a possibilidade de
parar. Sempre gostei de estudar, sempre me imaginei
fazendo exatamente o que faço hoje, debruçada em
textos e estudando sobre os povos originários. Mas,
neste momento, não sei o que estou fazendo, porque
minha concentração está péssima há semanas.
Converso com minha irmã sobre assuntos
corriqueiros, me atualizo das novidades tanto de sua vida
como das notícias do meu país, me entretenho quando
Tina aparece na ligação e me conta sobre suas novas
aventuras, já que Tonia e Pablo colocaram ela em um
grupo de escotismo, ela está amando. Ouço com atenção
suas histórias e o jeito único como ela conta, de forma
enrolada, tudo que está aprendendo e sinto a saudade
apertar em meu peito. Me sinto mais sozinha do que
nunca aqui, sinto falta da minha família, sinto falta de
calor… Sinto falta de Nathan e me odeio por isso.
Antonia, com seu incrível poder de decifrar minhas
expressões, nota que estou com os olhos marejados e
pede para que minha sobrinha vá brincar para que nós
duas possamos conversar.
— Como você está? — Pergunta séria — Como você
está de verdade? — Sinto meu lábio inferior tremer por
conta da pergunta e começo a balançar a cabeça em
negação. — Você não precisa ser forte o tempo todo,
Manu, você está falando com a sua irmã. Converse
comigo, por favor.
— Queria ir para casa — digo de uma vez, sentindo
a garganta queimar. — Queria nunca ter vindo para cá,
queria nunca ter aceitado um relacionamento de mentira
com ele. Eu… eu simplesmente não aguento mais sentir
falta dele, Tonia — o soluço escapa dos meus lábios. —
Eu amo o Nate e odeio cada fibra do meu corpo que
ainda é capaz de sentir esse amor por ele.
— Eu sei que você não quer se sentir assim, sei
que você acha que é a maior idiota do mundo por ainda
nutrir algo por ele, mas, Manu — ela chama minha
atenção — aceitar esse sentimento também significa
respeitar a si mesma, entende? Você lembra quando
nossa mãe falava do seu pai e a forma como ela agia
com indiferença?
— Claro que me lembro, eu nunca entendi como
ela podia não o odiar.
— Mas é essa a questão — ela explica. — Ela o
odiava, odiava o que ele tinha feito com você e o fato de
ter rejeitado a filha, mas com relação a ela, ao
sentimento que ela nutriu, ela demorou, mas aceitou.
Você acha que isso aconteceu do dia pra noite? É claro
que não — diz de forma óbvia. — Doeu muito na nossa
mãe. Você pode não se lembrar, mas eu a ouvi chorando
muito pela casa, porque ela gostava do seu pai, Manu —
as emoções, presas em mim há tanto tempo e por tantos
motivos, escorrem por meus olhos em forma de lágrimas.
— Mamãe se permitiu sentir tudo aquilo até que um dia
ela finalmente o deixasse ir, até que ela finalmente
conseguisse seguir em frente. É óbvio que ela nunca o
perdoou por não assumir você. Eu não perdoei, você não
perdoou. Mas ela aceitou que sentia algo por ele mesmo
em meio a decepção. E foi dessa forma que ela permitiu
que ele fosse embora por completo do coração dela.
Você precisa deixar esses sentimentos todos virem à
tona, maninha. Nathan pode ter quebrado seu coração,
mas o sentimento que nasceu em você não vai embora
de uma hora para outra, então: permita-se sofrer.
Quando Tonia fala essa última frase eu me debruço
sobre a mesa e choro ainda mais forte. Minha irmã me
conhece, sabe mais do que ninguém que eu tenho mania
de reprimir meus sentimentos, de não me permitir ser
sincera cem por cento nem comigo mesma, nem com os
outros. Eu me espelho tanto em mulheres fortes, me
espelho tanto em minha mãe e em sua força que, de
alguma forma, acho que para ser forte, para não cair, eu
não posso me deixar sentir. Tenho muros erguidos à
minha volta, essa é minha forma de me blindar do
mundo e por isso, quando eles caem, quando eu deixo
que alguém adentre e me conheça de verdade, me sinto
vulnerável. A verdade é que deixei Nathan conhecer
todas as minhas facetas: ele viu a Manuela forte,
decidida, cheia de opiniões; ele conheceu a Manu, a
amiga divertida, cheia de piadas perspicazes, que adora
dançar, que milita sobre tudo a todo tempo; e me
conheceu, a Manuela González, a mulher que também
sabe ser insegura, que também sente medo, que evita
sentimentos, relacionamentos e relações mais sérias
porque vive intensamente, porque se entrega de cabeça
a elas.
Nathan me conheceu por completo. E quebrou meu
coração. Ele fez com que eu me lembrasse do porquê
nunca abaixo a guarda.
— Eu só queria entender, Tonia — ergo o rosto
novamente, depois de chorar copiosamente por um ou
dois minutos. — Eu só queria entender o que se passa na
cabeça de uma pessoa para que ela seja tão fria como
ele foi. Eu só queria não me odiar por ter acreditado nas
palavras dele, por ter visto amor onde não existia. Eu
odeio a forma como sinto falta do corpo dele, do toque
dele, da voz dele. Eu sinto falta até do hockey —
comento com uma risada nos lábios. — Deixei que um
homem mais novo do que eu e cheio de status entrar na
minha vida. Fala sério, Tonia, o que eu usei para me
deixar levar por esse tipo de cara? — Limpo as lágrimas
dos olhos.
— Esse tipo de cara foi a imagem que você torceu
para que ele tivesse — minha irmã cruza os braços sobre
o peito e me encara com uma sobrancelha erguida, o
movimento que minha mãe, ela e eu fazemos. — Por que
a gente não começa, primeiro, falando de tudo que você
sente falta e de quem ele realmente era? Que tal assim?
Balanço a cabeça em negação, mas lembro do que
ela falou antes, sobre aceitar meus sentimentos e dessa
forma, me permito falar.
— Sabe quando eu descobri que estava me
apaixonando por ele? — Começo a falar, dessa vez séria.
— Foi na noite do evento de caridade, aquela baboseira
de gente rica, comentei com você sobre o discurso,
lembra? — Minha irmã confirma com um aceno e eu
prossigo. — Quando ele desceu do palco, ele depositou
um beijo rápido nos meus lábios, nós ainda ficamos na
mesa, conversando com todas as pessoas que paravam
para cumprimenta-lo. No final da noite, ele me chamou
para ir para casa dele, eu sabia quais eram as intenções
por trás do convite, e eu queria muito aceitar, mas
recusei — fecho os olhos e é quase como se estivesse
revivendo aquele dia — eu disse que precisava fazer
qualquer coisa, que não era a verdade, mas Nathan
entendeu. Quando paramos em frente ao apartamento,
ele disse: “Posso, pelo menos, ter um beijo de boa
noite?”, e eu me aproximei e o beijei. Nunca dei um beijo
tão lento em minha vida, um beijo em que eu pudesse
sentir tudo — respiro fundo e juro que sou capaz de
sentir o cheiro dele. — Quando nos separamos, eu não
disse nada, sorri fraco e apenas segui meu caminho para
dentro do prédio, mas, ao invés de subir correndo, eu
fiquei na parte de dentro do hall, esperando ele ir
embora. Ele saiu do carro, Tonia, ele começou a dar
passos em direção a entrada mas parou no meio do
caminho e voltou — deixo que as lágrimas voltem a
escorrer — Naquele momento, eu achei que era a única a
estar sentindo alguma coisa por ele, e eu não podia.
Ergui meus muros novamente, passei dias evitando Nate,
até que veio a viagem e… — sorrio, porque quando me
lembro daquele final de semana, ainda sou capaz de
sentir frio na barriga. — O que aconteceu, Tonia? —
pergunto com a voz embargada.
— Eu também queria saber, mi amor — minha irmã
tem os olhos marejados, mas ela abre os braços e eu
faço o mesmo. Damos um abraço virtual, não nos
tocamos, mas sinto o todo o carinho e o calor dela.

Os dias seguem, o frio parece um pouco mais


ameno e as minhas lágrimas já não escorrem com tanta
frequência. A ligação de Tonia e a nossa conversa sincera
sobre sentimentos me permitiu ficar mal de novo, passei
mais alguns dias cabisbaixa, passando pelas fases da
separação, mais uma das pérolas da minha irmã e,
agora, realmente me sinto melhor.
Conversei com meu orientador, pedi a ele desculpa
por estar relapsa nos últimos tempos e apresentei para
ele uma nova versão de alguns pontos que ele havia
apontado, a reunião que tivemos por videoconferência,
com ele elogiando meu trabalho me deu um novo ânimo,
um fôlego a mais. Mahara tem passado algum tempo
comigo sempre que pode, ela está saindo com certa
frequência com Kalil, ela parece bem com isso, mas não
deixa de enfatizar que, entre eles, é muito mais uma
relação de amizade do que qualquer outra coisa.
— Mas, você não se vê dando uma chance para
ele? — Pergunto a Mahara enquanto preparo um café
macchiato para ela.
— Com o Kalil? Bom… Sim, mas…
— O que está te impedindo então? Você mesmo já
disse que ele é uma ótima pessoa, que a conversa flui e,
sinceramente, pelo que você me relata e pela frequência
com que ele te procura, eu acho que ele está bem
interessado. Acho que a história de agradar a mãe dele já
está meio por fora.
— É, talvez seja, eu só… — minha amiga joga os
cabelos pelas costas e noto um sorriso mínimo em seus
lábios quando ela pega o café de minhas mãos. — Acho
que não combinamos muito, só isso.
Cruzo os braços e encaro Mahara, tem algo
estranho nisso tudo. Quando ela me falou sobre Kalil, ela
não descartou a possibilidade de conhecê-lo melhor, no
começo foi algo para agradar a mãe, mas ela estava
empolgada depois do primeiro encontro que tiveram.
Mordo a parte interna da bochecha e começo a interligar
os pontos.
— Tem outra pessoa, não é? — Questiono sem
rodeios.
— O quê? Claro que não. Por que está dizendo
isso?
— Não sei, estou com essa sensação — continuo a
olhá-la e ela mantém os olhos castanhos marcados pelo
kajal e o rímel nos meus. — Mas, também tenho a
sensação de que você não vai me revelar muita coisa por
agora, então, vou deixar você em paz. Estou aqui pro que
precisar, ok? Não ligo se você quiser me contar detalhes
mais “sujos” — nós damos risada e ela me olha com
ternura.
— Tão bom te ver mais animada — ela comenta e
dou um sorriso em sua direção. — Você sabe que vai ficar
bem, não sabe? Você é incrível, Manu, é uma honra ter
você como amiga.
— É uma honra ter você como amiga, Mah — tomo
sua mão e a aperto num gesto carinhoso. — Nunca serei
grata o suficiente por tudo que você fez por mim. Pelo
que você está fazendo por mim.
— Estou aqui para tudo, Manu. Há quem diga que
depois de velho você não faz mais amizades duradouras,
mas eu sinto aqui — ela aponta para seu coração — que
nós temos muito ainda para viver.
— Eu também penso isso, Mahara.
Alguns clientes entram no café e eu vou atendê-
los, e pela primeira vez em um bom tempo, me sinto
capaz de dizer que estou em um bom dia.
É domingo e eu decido fazer algo diferente e
prazeroso, vou até uma papelaria no centro da cidade e
compro alguns materiais de arte, como uma caixa de
lápis de cor, lápis próprios para desenhos e um caderno
novo. Foi Tonia quem disse que eu deveria me desapegar
das coisas que eu havia deixado para trás em Santiago e
começar a montar um novo kit de artes. Minha irmã
brincou que, entre gastar dinheiro em um maço de
cigarro na Europa, era muito melhor gastar com isso,
com um vício que não prejudicava a saúde. Ela está certa
e é por isso que levo em consideração o conselho da
minha irmã mais velha e neste momento, carrego uma
sacola com tudo que preciso para ter um dia relaxante e
só meu.
Caminho um pouco mais pela cidade e me permito
admirar a paisagem. Estocolmo é uma cidade linda, que
mescla a modernidade dos prédios altos, sempre com
turistas pagando entradas caras para ver a cidade do
alto e também a parte antiga, as construções de séculos
atrás, que mostram a arquitetura de um país que é cheio
de história e da qual não tenho muito conhecimento. Sei
que há um acervo gigantesco de artefatos indígenas em
uma cidade mais ao oeste do país e isso contribuiu muito
para que minha pesquisa sobre povos originários
interessasse a Universidade. Mas fora isso, há muito
ainda a se conhecer. Faço uma nota mental para dedicar
esse ano a conhecer a cidade e o país onde moro.
Paro em um restaurante pequeno que tem um
preço aceitável e aproveito minha própria companhia,
coloco meus fones de ouvido e enquanto como, desenho
em meu novo caderno. É uma nova versão da Manuela
dentro dessa realidade tão diferente da que sempre vivi,
mas ao mesmo tempo, é também a versão mais real de
mim mesma. Essa sou eu e mesmo que eu ainda esteja
triste, ainda que todos os dias eu me lembre da falta que
ele me faz, sinto que vou conseguir esquecê-lo.
Mas, por hora, me permito mais uma vez desenhá-
lo, deixo que o lápis assuma o controle e flua pela
página, rabisco duas mãos dadas, algo simples mas tão
significativo para mim. Fecho os olhos e é quase como se
pudesse sentir a textura dos calos de seus dedos juntos
aos meus, me ajudando a desenhar. Quando termino,
olho pela janela e vejo pequenos flocos de neve caindo,
tem acontecido algumas vezes ao longo dos últimos dias,
a neve se forma, mas não acumula, os flocos derretem
assim que tocam o chão. Em algum grau, o tempo está
se tornando mais tolerável, a vida está voltando ao seu
normal, a dor ainda existe, mas há de passar. Tudo passa.
Ainda assim, eu rabisco uma frase curta no papel.
“Ainda sinto falta do seu calor”.
Termino de almoçar algum tempo depois e vou
para casa, pego um ônibus que faz o caminho mais
rápido e enquanto caminho para o elevador, digito uma
mensagem para Mahara. Estou terminando de digitar a
mensagem quando o elevador se abre, eu coloco o pé
para fora e ouço uma voz.
— Manu?
Deixo a sacola cair assim que reconheço a voz e
vejo a figura parada a minha frente. É como se meu
maior pesadelo e ao mesmo tempo, a imagem de alegria
que preenche meus sonhos estivessem fundidas em
minha mente.
— Nathan?
Alguns dias antes
— Quando foi que a sua vida virou esse roteiro de
filme de romance água com açúcar?
Já mencionei o quanto eu amo esse cara?
Sinceramente, Dave Bennet é a única pessoa capaz de
soltar um comentário desses depois de tudo que acabei
de contar. Ele está sentado em meu sofá e tem uma
garrafa de água nas mãos, quase no fim. Sei que, apesar
da frase engraçadinha, ele está tão chocado quanto eu
diante da situação.
— Eu também não sei, cara. Mas tudo que disse é
exatamente o que ele me contou — cruzo os braços um
pouco mais forte e apoio o corpo na bancada da cozinha.
— Ele e Zara tiveram relações na mesma semana em
que eu a encontrei pela última vez, as chances existem.
— Então pode ser que essa criança não seja sua?
— Dave verbaliza a única coisa que eu não fui capaz de
dizer em voz alta.
Porque, sim: talvez esse filho não seja meu. E eu
não faço ideia do que fazer com essa informação. A
conversa que tive com Erik se repete em um looping na
minha cabeça desde então.
— Eu acho que posso ser o pai dessa criança.
Olho para ele tentando assimilar suas palavras e
dar uma resposta, mas sou incapaz. Abro e fecho a boca
duas vezes até que consiga realmente balbuciar
qualquer coisa.
— O que disse? Mas, como…
— Zara e eu nos conhecemos em uma balada —
ele ri sem graça. — Eu estava de folga naquela noite, foi
um golpe de sorte. Nós nos esbarramos e eu fiquei
hipnotizado por ela, nunca achei que teria uma chance,
mas ela começou a flertar de volta, aceitou quando eu
ofereci pagar uma bebida para ela, foi incrível. Nós
saímos aquela noite e trocamos telefones. E aí, meio que
um sempre recorria ao outro, claro que, com rotinas
diferentes, nós tínhamos que encontrar brechas nas duas
agendas. Quando ela descobriu a gravidez, eu estava
indo para o apartamento dela, tínhamos combinado de
nos encontrar, mas quando eu cheguei, ela estava
transtornada, disse que não queria mais me ver, que eu
não tinha dinheiro, nem onde cair morto, que não servia
para ela — Erik abaixa a cabeça e eu balanço a cabeça
em negação, ainda tentando entender tudo que ele está
me falando. — Perguntei o que estava acontecendo e ela
explodiu: disse que estava grávida e que não queria mais
me ver. Eu sabia que tinha possibilidade de ser meu
porque, afinal de contas, nós só nos encontrávamos para
transar e, bem… Não usamos proteção todas às vezes.
Sinto o ar faltar em meus pulmões, isso não pode
estar acontecendo comigo, não de verdade. Não me
sinto aliviado como alguns homens poderiam ficar, me
sinto ainda mais confuso, usado e duvidando de tudo à
minha volta.
— Cara, eu… — tento falar algo, mas as palavras
fogem da minha boca.
— Eu sei, para mim também está sendo bem foda
— ele me olha sério. — Eu perguntei se o filho era meu,
perguntei porque sabia que haviam chances, mas isso só
piorou a situação. Zara começou a gritar ainda mais
comigo, disse que não, que a criança era sua, de alguém
que poderia dar um futuro melhor para ela e para o
bebê.
Um gemido de frustração escapa dos meus lábios e
eu esfrego o rosto com as mãos e empurro os cabelos
ainda mais para trás. Erik faz uma pausa breve mas logo
prossegue.
— Quando ela mencionou seu nome, eu interliguei
os pontos, claro que o Nathan LeBlanc a quem ela
poderia se referir era você. E não posso negar, cara, por
um momento, ela falou com tanta convicção que eu
achei que vocês estavam em alguma espécie de
relacionamento e que essa criança realmente era sua. E
ela está certa, você pode ver pelo meu uniforme — ele
aponta para a jaqueta. — Eu não sou um cara de
dinheiro, sou um trabalhador comum. No começo, eu
aceitei que ela ficasse irritada e fui embora, ia deixar isso
de lado, mas… — ele respira fundo e sinto que reúne
coragem para falar. — Como eu vou rejeitar essa
criança?
E o dilema se repete para duas vidas
completamente diferentes.
— A loteria está mais a favor dele se for parar para
pensar — Dave me desperta do devaneio. — Você
sempre transou de camisinha, certo?
— Cara, você me conhece, você teve aula com o
mesmo professor de saúde sexual, lembra como o Sr.
Sanders apavorava as turmas todas com as imagens de
doenças sexualmente transmissíveis? — Relembro meu
amigo do professor que nós dois tivemos, em anos
diferentes, na escola e ele ri baixinho.
— Lembro, claro que me lembro… Mas isso não me
impediu de ter Nick, cara.
— Bom, que seja, eu sempre usei, mas sabemos
que nem sempre significa que funciona.
— É, eu sei.
Dave volta a ficar em silêncio e nós dois passamos
um tempo olhando para um ponto fixo, concentrados em
nossos próprios pensamentos. Não preciso me esforçar
muito para saber exatamente o que ele está pensando,
porque é a mesma coisa que eu estou pensando.
— O que você vai fazer? — Pergunta.
— Não faço a menor ideia.

Tento fazer com que minha cabeça pense em uma


solução, que eu seja capaz de ter uma ideia do que devo
fazer, mas nada me vem à mente. Não consigo deixar de
pensar no assunto e me pego revisitando a conversa com
Erik, a noite que passei com Zara, a conversa com Manu,
o dia do ultrassom. Não aguento mais me fazer a mesma
pergunta o tempo todo. Como foi que tudo deu tão
errado?
Entretanto, as coisas mudam um pouco quando
Mick me chama para uma reunião breve de manhã antes
do treino.
— O empresário de Zara entrou em contato comigo
— ele diz assim que me sento. — Eles querem que você
comece a ajudar nos custos da criança e dela, porque,
afinal de contas, se quisermos manter a gravidez em
sigilo, ela precisará parar de trabalhar em breve, então…
— Então ela quer uma pensão desde agora —
completo e apoio a cabeça nas mãos. — Acho que isso é
um sinal de que precisamos conversar, eu e você, sobre
esse assunto.
— O que houve agora? — Pergunta Mick já
receoso.
Eu conto para ele tudo, falo sobre a conversa que
tive com Erik, todos os detalhes que ele me relatou e
vejo o pescoço de Mick ficar vermelho, reconheço esse
sinal, ele está nervoso e tentando colocar seus neurônios
para funcionar.
— Você tem o contato desse cara? — Questiona. —
Acho que precisamos ouvir ele novamente antes de
traçar um plano.
— Eu tenho, posso enviar uma mensagem para ele.
Mas você tem algo em mente?
— Não, mas vou ter. Preciso ter — respira fundo e
massageia as têmporas. — Se isso for verdade, esse filho
pode não ser seu e todas as coisas com as quais eles
ameaçaram você não farão sentido. A imagem dela é que
ficará suja.
— Eu não quero prejudicar a Zara, Mick — digo
baixo, porque esse foi um dos motivos pelos quais ainda
não havia contado nada a ele. — Sinceramente, eu só
quero que tudo se resolva.
— Por isso é que nós vamos pensar em tudo com
calma e ouvir todos os lados — explica de forma paciente
— Mas, Nathan, você precisa entender que isso agora
não se trata mais sobre um erro seu, não há motivos
para eles te chantagearem com a foto, por exemplo, se
não houver certezas de que essa criança é sua. Antes,
você não tinha como provar que ela transava com outras
pessoas, mesmo que o relacionamento de vocês fosse
puramente casual, mas, agora — ele bate o indicador na
mesa — se isso for verdade e se confirmar, é
cinquenta/cinquenta. Pode ser seu e pode não ser seu.
Se tudo isso se confirmar, você pode contar para a
Manuela toda a história e resolver sua vida.
— Mas ainda tem o relacionamento de mentira —
digo pesaroso. — Ainda podem usar isso contra mim e
contra Manuela.
— Vamos por partes, garoto — Mick me tranquiliza.
— Procure esse tal de Erik e diga a ele que queremos
uma reunião.

Alguns dias depois, estou sentado novamente no


escritório de Mick, dessa vez, acompanhado de Erik e
ouço, com ainda mais detalhes e atenção, a história do
envolvimento dele com a Zara. Mick, como o bom
empresário e advogado que é, faz perguntas precisas e
exatas para ele, pede datas e todas as informações que é
capaz de extrair para que consiga bolar uma estratégia,
um plano.
— Inacreditável — ele diz por fim, se encostando
na grande cadeira de couro do escritório. — Essa criança
realmente pode ser de vocês dois, pelo menos com
relação a linha cronológica.
— O que faremos? — Quem pergunta é Erik. — Eu
continuo tentando entrar em contato com Zara, mas ela
simplesmente não responde minhas mensagens e acho
que bloqueou meu número, porque ele só cai na caixa
postal.
— Vocês vão ter que trabalhar juntos — Mick
aponta para nós. — Nate, peça para encontrar com a
Zara, em seu apartamento, o quanto antes você puder.
Vocês dois vão confrontá-la, ela precisa falar a verdade
para os dois, se ela afirma saber de quem é o filho, então
ela vai saber dizer. Ela vai ter que dizer.

Sinto pequenas gotículas de suor se formarem na


palma da mão enquanto espero por Zara em meu
apartamento, quando chamei-a para conversar, ela
tentou despistar e disse que estava se sentindo
indisposta. Deixei que ela escolhesse o dia para me
encontrar, desde que não fosse nos dias de jogo, e
agora, estou esperando que ela apareça. Erik está ao
meu lado e parece tão desconfortável quanto eu.
— O que você acha que ela vai dizer? — Pergunta
ele para mim. — Você acha que ela vai ficar irritada?
— Feliz e radiante ela com certeza não ficará, mas
nós precisamos saber a verdade.
Ele afirma com a cabeça e alguns segundos de
silêncio depois, o interfone toca, sinto meu estômago
revirar em uma cambalhota, é agora ou nunca. Atendo
rapidamente e libero a entrada de Zara. Aguardo ela na
porta e quando ela aparece, uma parte de mim se sente
estranho ao vê-la, ela parece diferente, o rosto está
carregado de uma maquiagem forte, ela parece ter
acabado de sair de uma sessão de fotos, o que não seria
uma surpresa. Zara completou mais de três meses, mas
não há um sinal, ao menos para mim, de que esteja
grávida, ela parece normal.
— Ei — me saúda com a voz baixa. — Desculpe o
atraso, eu precisei fazer mais algumas fotos e a produção
toda atrasou.
— Sem problemas — respondo, tentando controlar
meu nervosismo. — Entra — abro espaço para que ela
possa entrar no apartamento e fecho a porta.
Zara senta-se no banco que tenho na entrada para
tirar suas botas e volta a falar.
— Você queria conversar comigo? — Pergunta ao
remover a jaqueta e pendurá-la. — Já adianto que se for
sobre a questão do dinheiro, é melhor estarmos com
nossos advogados presentes — ela começa a falar e vai
adentrando ao apartamento.
— Na verdade, precisamos tratar de outro assunto
antes de qualquer coisa — dou alguns passos para
alcançá-la e quando chegamos a cozinha ela para assim
que vê Erik. — Nós três precisamos conversar.
Zara está estática na entrada da cozinha, ela tem
os olhos azuis presos em Erik e eu noto a postura rígida
dos dois.
— O que é isso? Algum tipo de piada de mal
gosto?
— Zara, eu…
— Não acredite em nada do que esse cara diz,
Nathan — ela não deixa Erik falar. — Ele tem me
perseguido, não conseguiu aceitar o fato de que não quis
ficar com ele e, agora, vive insistindo em me procurar de
todas as formas possíveis.
Respiro fundo ao ouvir suas palavras e ao ver a
expressão que molda o rosto dela, noto que Zara está na
defensiva, da mesma forma com Erik mencionou que ela
estava agindo. Sei que nosso meio é comum mesmo que
haja pessoas que façam exatamente isso que ela relatou,
que nos persigam, se aproveitem de qualquer status,
seja ele qual for, que possa ser oferecido, e em outro
momento, eu poderia comprar esse discurso, acreditar
no que ela está alegando, mas não é o caso aqui. Erik
mostrou as mensagens dos dois, está tudo muito claro. E
a forma como ela está agindo neste momento só me faz
acreditar mais um pouco que realmente há algo de
errado.
— Zara, precisamos conversar — repito. — E essa
sua atitude defensiva só faz com que as desconfianças
sejam maiores.
— Que desconfianças? — Questiona com
incredulidade.
— De quem é esse bebê, Zara? — É Erik quem fala
e se levanta do banco onde estava sentado. — Eu
mereço a verdade e Nathan também.
— É seu, Nathan — ela responde, ignorando Erik. —
É seu, eu já disse que é seu.
— Como você pode ter certeza? — Ele fala com
amargor na voz. — Como pode ter certeza que é dele
sendo que eu também transei com você?
— Nathan, não escute o que ele…
— Zara, sou eu quem está falando com você — a
voz de Erik se eleva. — Pare de me ignorar, pare de fingir
que eu não existo. Olhe para mim!
— Por que quer que eu olhe para você? — Ela
explode, gritando ao finalmente olhar para ele. — Qual é
a porra do seu problema? Por que continua insistindo em
me procurar?
— Porque preciso voltar a dormir, Zara — ele diz
ainda mais irritado do que antes, mas posso ver a dor
nos seus olhos. — De quem é essa criança?
Ela balança a cabeça e fecha os olhos, noto que ela
morde os dentes porque seu maxilar fica ainda mais
marcado. Eu estou tão irritado e maluco com essa
situação quanto os dois, eu consigo entender a angústia
de Erik, porque também é a minha.
— Zara — eu falo com a voz um pouco mais baixa.
— Por favor, olhe para mim — peço gentilmente e ela
balança a cabeça em negação. — De quem é essa
criança, Zara?
E então, ela diz a resposta que, no fundo, todos
nesta cozinha já sabíamos.
— Eu não sei — as lágrimas começam a escorrer
com força de seus olhos. — Eu realmente não sei. Transei
com você no sábado — ela aponta para Erik. — E transei
com você na segunda-feira — ela aponta para mim. —
Minha menstruação não veio mais depois. Pode ser de
um dos dois, mas eu sinto que é seu, Nathan, tem que
ser seu.
— Qual é o problema se for meu? — Pergunta Erik
enquanto esfrega a mão nos cabelos ralos.
— O problema é que você não tem nada a me
oferecer — a raiva é latente em sua voz. — Se essa
criança for sua, não terei garantia alguma de que ela terá
tudo que precisa. Você acha que eu vou conseguir
continuar com a minha carreira? — Ralha. — Minha
carreira de modelo acabou porque estou gerando um
filho e eu nem sei quem é o pai. As pessoas vão apontar
o dedo para sempre e dizer que sou uma vadia com uma
vida cheia de libertinagem, eu vou perder toda a minha
credibilidade — Zara começa a chorar com mais força e
começo a entender tudo. — Eu… Eu estou fadada ao
fracasso, eu vou perder tudo…
O choro fica ainda mais alto e noto que, tanto eu
quanto Erik, estamos emotivos por conta das emoções
todas, por causa de tudo que está acontecendo. Tenho
certeza de que, depois de tudo isso, meu corpo será
incapaz de produzir tantas lágrimas, porque nunca chorei
tanto como nas últimas semanas. Eu deveria sentir raiva
de Zara, mas sou incapaz disso, ela está mais perdida do
que Erik e eu nessa história toda. E é por isso que eu
decido tomar a frente da situação.
— Nós vamos fazer o teste de paternidade — digo,
chamando atenção dos dois. — E até lá, nós dois vamos
participar dessa gravidez. Nós vamos ir às consultas, nós
vamos ajudar em tudo que você precisar, certo?
— Com certeza — ele diz sem hesitar. — Só fiz tudo
isso, Zara, só procurei Nathan, porque eu jamais iria
conseguir dormir em paz sabendo que… Que há uma
possibilidade dessa criança ser minha.
Zara chora mais um pouco e então abraça Erik,
ouço quando ela pede desculpas pelo que disse e por
mais estranho, maluco e fora da realidade que pareça,
sei que tudo vai ficar bem com essa criança. Talvez ela
tenha dois pais no final das contas.
Mentalmente, faço uma lista e marco como
resolvida a questão interna entre mim, Zara e Erik.
Faltam dois tópicos ainda, e um deles é o mais
importante de todos, mas ao mesmo tempo, aquele que
não tenho certeza se conseguirei resolver.
Manuela.
Pisco algumas vezes para ter certeza que não
estou delirando, mas todas as vezes que abro os olhos,
continuo a ver Nathan parado a minha frente, agora, de
pé, me encarando à distância.
— O que está fazendo aqui? — Pergunto ao tentar
recompor minha postura e me abaixo para recolher todos
os materiais que caíram da sacola.
— Eu… Eu preciso… — ele me ajuda a recolher os
lápis e percebo o nervosismo em sua voz. — Preciso
conversar com você, Manu.
Sei que ele quer falar comigo, mas sobre o quê? O
que mais ele quer me dizer? Não sei se estou disposta a
ouvir suas palavras, sejam elas sobre qualquer assunto.
Eu achava que conhecia Nathan, mas a verdade é que o
cara que me conquistou de forma gradual, que me fez
declarações lindas e aquele que quebrou meu coração
sem piedade não são a mesma pessoa. Essa dualidade é
o que me mata, eu não sei quem ele é. E o fato de estar
aqui parado, com os cabelos bagunçados e as bochechas
rosadas por conta do frio, e os olhos no tom de castanho
mais comum, mas igualmente apaixonantes, só me faz
sofrer ainda mais. Não, eu não posso ceder.
— Se for sobre o apartamento, eu juro que estou
tentando encontrar um lugar. Me diga o valor do aluguel
e eu te pago os meses que devo — digo de uma vez, me
aproximando mais para tentar chegar à porta. — Se você
tiver um pingo de piedade que seja, me dê ao menos um
ou dois dias, eu saio, eu só… — meu orgulho se fere ao
dizer isso, ao precisar dele, mas não tenho alternativa.
— Por favor, Manu, para. Para, para, para — ele
pede com os olhos fechados. — Eu não me importo nem
um pouco com esse apartamento, não quero seu
dinheiro, nem nada disso. Eu só preciso falar com você.
— Nós não temos o que conversar, Nathan — sinto
minha voz embargar, mas me recuso a me mostrar fraca.
— Por favor, me deixe passar.
— Linda — ele estica a mão para me tocar, mas eu
me afasto, tremendo só de ouvir ele me chamar dessa
forma.
— Não me chama assim — digo de forma mais
dura. — Você não tem esse direito.
— Eu sei — vejo seus olhos brilharem mais um
pouco, mas não consigo olhá-lo por muito tempo. — Eu
sei que não tenho direito de falar com você, de tocar
você, de pedir nada a você, mas eu preciso que você
ouça o que tenho a te dizer, preciso que você entenda
sobre tudo. Por favor, eu só preciso falar com você, eu
tenho que esclarecer tudo, mesmo que isso custe perder
você para sempre.
Sinto meu coração doer e quase consigo sentir
minhas mãos tremendo. Seja lá o que ele tem a me falar,
uma grande parte de mim só quer dar meia volta e voltar
a andar pelas ruas, torcer para que ele suma e eu não
precise mais olhar para ele. Mas há uma porcentagem
pequena de mim, talvez uma que goste de se torturar,
que quer ouvir o que ele tem a dizer, talvez porque eu
também precise de um fechamento de ciclo. Talvez eu
seja tola por considerar aceitar ouvir o que ele tem a
dizer, mas por não ter forças para brigar contra mim
mesma, eu, por fim, permito. Eu aceno em positivo com
a cabeça e ele sai da frente da porta, me dando a chance
de abri-la. Nós dois nos colocamos um ao lado do outro
para tirar nossos sapatos e o silêncio é presente entre
nós.
Caminho na direção da cozinha e ouço os passos
baixos de Nathan logo atrás de mim. Vejo que ele fica
parado me observando e eu aponto para o banco alto a
minha frente, para que ele se sente.
— Água? — Pergunto.
— Por favor.
Encho dois copos para nós e coloco um à sua
frente, em movimentos sincronizados, tanto ele quanto
eu bebemos todo o conteúdo, Nathan passa o dedo pela
bancada, como se estivesse limpando alguma sujeira,
mas quando olha para mim, mesmo que doa, eu decido
adotar minha postura mais séria. Ergo o queixo e a
sobrancelha, incentivando-o a começar a falar logo.
— Como você está? — Questiona, com a voz mais
baixa.
A pergunta me irrita porque, sinceramente, quem
ele pensa que é para me perguntar como estou depois
do que fez?
— Não pergunte sobre mim como se realmente se
importasse, você fez o oposto disso não muito tempo
atrás.
Nathan passa as mãos no cabelo e noto que
minhas palavras o desestabilizaram.
— Você está certa, eu não tenho direito de
perguntar isso quando fiz tudo aquilo com você — sua
voz sai rouca e ele logo limpa a garganta. — Eu sei que o
que fiz foi horrível, mas eu preciso dizer que eu tinha um
motivo — ele fica ereto no banco e então, finalmente,
olha dentro dos meus olhos. — E eu vou te contar tudo
agora, olhando nos seus olhos, porque só assim você vai
conseguir ver que eu estou falando a verdade — as írises
castanhas de Nathan ficam um pouquinho mais claras e
então, ele começa. — Você se lembra quando
estabelecemos as regras do nosso namoro de mentira?
Lembra que eu perguntei sobre sair com outras
pessoas?
— Lembro, Nathan, eu me lembro — digo sem
muita paciência. — Só gostaria de saber o que essa
pergunta tem de relevante a essa altura do campeonato.
— Eu fui um idiota a minha vida toda, Manu — diz
de forma pesarosa. — Quando cheguei aqui, eu me
achava o rei do mundo. Uma conta bancária cheia, festas
insanas, pessoas que vinham de todos os cantos só para
me conhecer, bajulações, eu saí com muitas garotas, é
verdade. Quando eu conheci Zara, as coisas se
acalmaram um pouco. E quando a imprensa começou a
pesar a mão ao falar de mim, eu…
— Você me chamou para brincar de namoro de
mentirinha — completo sem ânimo nenhum. — Se você
veio até aqui para dizer que tudo não passou de um
fingimento, eu sei, Nathan. Eu entendi. Eu já entendi que
você estava só atuando, não preciso que você me
relembre, que olhe nos meus olhos só para me dizer isso,
só pra esfregar na minha cara que você aproveitou para
se divertir um pouco as minhas custas.
— Não é nada disso — a voz de Nathan falha e ele
se inclina mais na bancada, tentando se aproximar mais
de mim, sem nunca tirar os olhos dos meus. — Você é a
coisa mais real que eu já tive na vida, Manu. Eu tratei
você como uma mentira no começo, e infelizmente, eu
tive que mentir para você quando terminei tudo, eu tive
que dizer coisas as quais eu nunca acreditei para quebrar
seu coração, para evitar que você sofresse de verdade.
Esfrego as mãos no rosto, tentando controlar a
vontade de chorar que sinto, todas as emoções que se
afloram nesse momento. Respiro fundo, mas antes que
possa falar algo, perguntar o que ele quer dizer com
essas palavras meio enigmáticas, ele diz algo ainda mais
surpreendente.
— Eu vou ser pai — afasto uma das mãos do rosto
e volto a olhá-lo. — Quero dizer, existe cinquenta por
cento de chance de que eu seja pai, e eu preciso que
você escute tudo com atenção.
Todos os segundos que Nathan hesitou em falar,
ele compensa neste momento. Ele fala, fala e fala,
explica absolutamente tudo, desde o início. O momento
em que conheceu Zara, a forma como eles
estabeleceram uma relação casual, as fofocas que a
imprensa fez, o que era verdade e o que não era. Ele
desmistifica todas as histórias a respeito dele e então,
conta o que aconteceu antes dele me pedir em namoro
de verdade.
— Transei com a Zara pela última vez antes mesmo
de nos beijarmos no meu aniversário — ele confidencia.
— Eu já estava me apaixonando por você, mas estava
com medo. Como eu poderia estar me apaixonando por
uma mulher que eu nem ao menos tinha beijado? —
Nathan sorri fraco, ele sorri do jeito doce que eu
costumava conhecer e sinto meu coração despedaçar
ainda mais. — O problema é que essa fuga me custou o
que eu tinha de mais precioso: você.
Ele continua a falar sobre o que acontecia nos
bastidores: as mensagens de Zara para que eles
voltassem a se ver, a forma como ele passou a ignorá-la,
o início do nosso namoro de verdade e a notícia de que
ela estava grávida. Quando ele conta isso, me lembro
daqueles dias, de como ele ficou estranho e parecia
tenso com tudo à sua volta. Ele conta da chantagem e da
foto que foi usada contra, sobre ameaçarem falar sobre o
namoro de mentira e por fim, Nathan me conta sobre
Erik e Zara, a possibilidade de que a criança que ela está
gerando não seja dele.
— Quando eles me chantagearam com a foto, eu
fiquei com tanto medo de isso quebrar você, de essas
coisas todas irem à mídia e te prejudicarem,
prejudicarem seu emprego, seu doutorado… Fiquei tão
apavorado que a única solução que encontrei foi quebrar
você — um soluço escapa de sua boca e quando dou por
mim, percebo que há lágrimas escorrendo dos meus
olhos também. — Eu tinha que te proteger de alguma
forma, porque era injusto que você também pagasse
pelos meus erros. Eu tinha que cuidar de você, Manu,
mesmo que isso me destruísse por dentro e destruísse
você também — ele limpa as lágrimas e não deixa de me
olhar um segundo que seja. — Eu te amo, Manuela. Eu
provavelmente nunca vou amar tanto uma pessoa como
te amei. Como ainda te amo. Eu queria poder consertar
meus erros, mas a única forma de fazer isso era sendo
sincero com você. E é o que estou fazendo agora. Eu
estou te pedindo perdão por quebrar seu coração, por
descumprir a única promessa que te fiz.
Eu olho profundamente em seus olhos e mesmo
com as minhas lágrimas e as dele, eu vejo: eu vejo
novamente o Nathan que me conquistou, o cara que
derrubou cada uma das pedras que compunham meus
muros, o homem que fez com que eu me sentisse
acolhida, aquecida, amada. Eu vejo o Nate, o meu Nate.
Relembro das palavras da minha mãe, sobre a
sinceridade contida em um olhar, a forma como ela
sempre soube ler a mim e minha irmã através do olhar e
entendo exatamente o que minha mãe dizia. “Os olhos
são o espelho da alma” e agora, neste momento, eu
consigo ver que a alma de Nathan está tão quebrada
quanto a minha. Vejo arrependimento, vejo verdade.
— Díos mio! — Exclamo alto, esfregando o rosto
com as mãos.
— Você sempre usa essa expressão quando está
com raiva de mim — ele diz, de um modo quase
brincalhão. — Isso é bom.
— Você acha? — Pergunto de forma séria.
— Acho — responde na sequência, enquanto
balança a cabeça. — Porque se você está com raiva de
mim, significa que ainda sente algo por mim, e isso já é
muita coisa.
— Você não quer me ver com raiva sua, não de
verdade — as palavras saem entre meus dentes. — Sabe
o que é o pior disso tudo? Eu não sinto raiva de você,
Nathan. Raiva é muito pouco para traduzir o que estou
sentindo — digo de forma dura. — Eu estou furiosa — me
levanto do banco e começo a andar de um lado para o
outro. — Deus, eu te odeio neste momento.
— Manu — ele me chama com súplica.
— Não, não use esse tom de voz! — Ralho. — Você
não faz ideia de como eu me senti, da dor dilacerante
que foi ter meu coração quebrado por você, seu idiota!
Eu me senti usada, eu me senti como uma adolescente
iludida e boba que acreditou no primeiro idiota que disse
palavras bonitas para me conquistar.
— Eu sei que sim, eu sei que fiz tudo isso com
você. E naquele momento, eu fiz aquilo de propósito,
porque queria te proteger. Mas eu me destruí junto, eu
também sofri, Manu, eu sofri tanto e todos os dias,
linda…
— Não me chame de linda! — Digo com a voz
ainda mais alta. — Odeio que você tenha escondido isso
de mim, odeio que tenha me feito sofrer dessa forma só
porque me subestimou.
— Como assim? — Ele pergunta, descendo do
banco onde estava sentado.
— Você tentou me proteger de uma coisa porque
achou que eu não aguentaria o baque — explico. — Eu
tive que aguentar a imprensa mesmo com você me
“protegendo” — faço aspas no ar e noto que ele arregala
os olhos. — Você acha que não sofri as consequências da
sua “boa ação para me proteger”? Eu aguentei os
olhares, os cochichos, os jornalistas que só queriam uma
resposta que detonasse você, uma declaração que
mostrasse qualquer deslize, que me diminuísse a nada. E
sabe o que eu fiz? Eu sobrevivi, Nathan — cruzo os
braços sobre o peito. — E quer saber? Eu teria aguentado
tudo isso que você diz ter me protegido se você estivesse
do meu lado, eu teria driblado com mais afinco ainda
comentários maldosos se tivesse seu amor, se você não
tivesse me subestimado.
— Eu sinto tanto, Manu. Eu só… ainda tinha a
gravidez… — ele dá um passo em minha direção. — Eu
achei que você nunca iria entender, achei que iria pensar
que eu tinha te traído, sendo que… Meu Deus, nunca foi
isso. Nunca, nunca, nunca! — Exclama com dor na voz e
com os olhos novamente marejados, as lágrimas
escorrem e eu sinto meu coração disparar novamente. —
Eu jamais poderia trair você, eu jamais poderia me
envolver com outra pessoa, fosse quem fosse, sendo que
eu tinha você, nunca poderia ter olhos para outra pessoa
sendo que só existe você na minha vida, na minha
mente, no meu coração — ele fala e coloca o punho
direito fechado em cima do peito. — Eu tive medo por
conta dessa criança e da circunstância toda em que ela
está inserida.
— Você acha que eu fico chateada com uma
gravidez? — Questiono, com certa incredulidade na voz.
— Não vou bater palmas para você e elogiar a forma
como você está fazendo o certo, porque isso é o mínimo.
Ainda que existam chances dessa criança não ser sua,
você assumi-la é o mínimo. Se você tivesse me contado
desde o início, Nathan, eu teria te apoiado. E talvez eu
seja uma idiota para o restante do mundo, mas se quer
saber, eu não ligo. Eu iria saber que essa criança não era
fruto de uma traição, porque eu sempre soube o que
você estava fazendo, você sempre foi sincero, desde o
dia um.
— Desculpa ter estragado tudo, linda — mais um
soluço escapa dos seus lábios. — Me desculpa por tudo,
me desculpa por ter dito todas aquelas coisas horríveis —
ele me toca em meu braço e eu me arrepio. — Deus, eu
te amo tanto, te ver chorando naquela noite e agora,
isso… Isso acaba comigo.
— Eu odeio olhar para o seu rosto agora — sinto
meu coração bater mais forte. — Odeio que você não
tenha sido sincero comigo — me viro para ele e dou um
soco em seu peito. — Odeio que você tenha achado que
meia dúzia de manchetes sensacionalistas iriam me
destruir. Odeio o fato de te amar tanto que dói. — digo a
última frase em um sussurro.
— Você ainda é capaz de me amar, Manu? —
Nathan segura meu pulso de forma quase leviana, mas
se aproxima mais um pouco de mim. — Você é capaz de
me perdoar depois de tudo isso? Você é capaz de me
amar mesmo sabendo que tem uma criança sendo
gerada e que eu vou dar minha vida por ela? Porque você
precisa saber que eu te amo. Eu te amo muito, muito e
muito. Eu senti sua falta a cada segundo, minha vida é
um completo limbo sem você ao meu lado e, se você me
deixar, eu vou passar todos os dias daqui em diante
tentando te reconquistar, eu vou te amar todos os dias
Manuela González, a porra de todos os dias da minha
vida.
— Você não merece o meu amor — balanço a
cabeça e tento me afastar dele. — Você não me merece.
— Não mesmo — ele responde com firmeza na voz.
— Mas eu vou lutar a cada segundo, minuto, hora, dia,
semana, mês e ano para merecer o seu coração. Todos
os dias eu vou te amar, Manu. Por favor, se você ainda
sente algo por mim, me deixa te amar — Nathan toca de
forma gentil meu rosto e o puxa em sua direção. — Seja
minha novamente, Manu.
— Não posso ser sua, Nathan.
— Por que? — sua voz soa com desespero.
— Porque para ser sua, eu tinha que ter deixado
em algum momento de ser. E eu não consegui, nem por
minuto sequer. Droga, eu odeio amar você…
Nathan não me deixa terminar a frase, seus lábios
esmagam os meus e eu reconheço o toque, a
familiaridade.
Eu.
Ele.
Nós.
Meu Nate.
Ele se afasta e nossas testas ficam coladas, sinto
sua respiração bater em meu rosto e sinto as lágrimas
que escorrem dos olhos dele se misturarem as minhas.
— Eu achei que ia te perder para todo sempre —
sua voz soa embargada. — No meu coração, eu só
conseguia pensar o quanto queria te contar, como eu
queria poder dizer tudo isso para você. Eu senti tanto sua
falta linda, tanto, tanto, tanto, tanto.
Nate me beija novamente e eu me perco em seus
lábios, em seu gosto, em seu toque, no calor que ele
emana para o meu. Quando sua língua toca a minha, eu
me dissolvo, mas ao mesmo tempo renasço, é como se
estivesse revivendo, como se tivesse ficado sem respirar
todo esse tempo e agora, estivesse voltando à vida.
Nathan transmite a sensação de amor que eu sempre
sonhei e almejei para minha vida. Eu sou capaz de viver
sem ele. De verdade, posso viver sem tê-lo na minha
vida, porque sou completa só comigo, mas ter Nate ao
meu lado é uma escolha. Eu escolhi ter ele em meu
coração e em minha vida, escolhi ele antes e estou
escolhendo-o agora.
Agarro seus ombros para tê-lo mais próximo de
mim e o beijo ainda mais, suspirando em seus lábios.
Nate me segura em seus braços e esmaga meu tronco,
como se estivesse realmente com medo de me perder.
Por mais que não queira, eu diminuo o ritmo de nossas
bocas e me afasto para olhá-lo.
— Tenho muitas coisas para te perguntar, tenho
muitas coisas para dizer, mas antes, eu quero garantias
suas — falo de forma séria. — Se você me quiser de volta
mesmo, Nathan, você precisa ser verdadeiro comigo,
sincero e não esconder mais nada de mim. Você está me
entendendo?
— Sim, linda. Eu sei disso e eu aceito todas as
condições. O que você precisar, o que você quiser.
— Então eu vou perguntar uma última vez: essa
criança foi gerada antes de tudo acontecer entre nós?
— Sim — ele responde sem hesitar e sem desviar
os olhos dos meus. — Eu posso te mostrar as
mensagens, posso fazer com que você converse com a
Zara, qualquer coisa para te provar que eu não te
enganei.
— Eu acredito em você, Nathan — digo de modo
sincero. — E entenda que, se esse filho for seu, você não
está sozinho nessa, eu estarei com você. Eu vou ajudar.
Não me subestime, porque eu jamais faria você escolher
entre mim e um filho. Nunca. — Seguro o rosto dele com
as mãos e vejo que ele tem os olhos fechados, mas as
lágrimas continuam a cair, assim como as dos meus. —
Olha para mim — peço com a voz embargada e ele abre
os olhos. Com o rosto inclinado por conta da nossa
diferença de altura, ele se distancia um pouco para me
olhar diretamente. — Nós vamos esperar essa criança
nascer e, se for seu, nós vamos cuidar. Eu e você, Nate,
porque se você me quer na sua vida, vai ser por inteiro.
— Você me chamou de Nate… — ele diz em um
sussurro. — Eu senti tanto sua falta, linda, tanto. Todos os
dias, e eu sei que subestimei sua força, nunca mais farei
isso. Obrigado por me mostrar o que eu já sabia — ele
segura meu rosto com suas duas mãos e me puxa para
ainda mais perto do seu rosto, me fazendo ficar na ponta
dos pés. — Que você é a mulher que eu quero do meu
lado para o resto da vida.
— Eu te amo. Que inferno, Nate, eu te amo tanto.
Me beija, por favor — peço em tom de súplica.
E ele faz. Nate me beija e eu me sinto completa.
Eu beijo Manuela como se ela fosse sumir a
qualquer instante, fecho meus olhos tão forte que sinto
minha visão ficar cheia de desenhos coloridos, mas faço
isso porque tenho medo de abri-los e tudo isso não
passar de uma ilusão, de uma projeção da minha mente.
Mas, por mais que eu tenha medo, todas as vezes em
que ela massageia meu rosto ou que seus dedos
encontram os meus fios de cabelo, eu me lembro de que
isso não é um sonho, é real. Eu estou ganhando a chance
de ter a mulher da minha vida de volta, e não há a
menor chance de eu deixar que ela escape novamente.
Beijo ela com cuidado, tentando mostrar neste ato
o quanto a amo, mas nossa urgência vai aumentando
progressivamente, precisamos um do outro de todas as
formas possíveis.
— Linda… — eu a chamo quando a falta de ar se
faz presente e nossas bocas se afastam um pouco.
— Me mostra — pede. — Me mostra o quanto
sentiu minha falta.
Eu a envolvo novamente em meus braços e dessa
vez, não há gentileza nesse beijo. Há pressa,
necessidade, fogo e saudade, tudo misturado. Seguro
sua cintura com as duas mãos e a coloco em cima da
bancada, Manu envolve suas pernas em meu tronco e
suas mãos vão para a barra da blusa de moletom que
estou usando, quando ela começa a puxar para cima, eu
me afasto rapidamente e levanto os braços para que ela
remova a peça por completo junto com a camiseta.
Aproveito que estamos afastados e faço a mesma coisa
com ela, tiro a camiseta e a blusa térmica que está
usando e sinto todo o ar escapar dos meus pulmões ao
ver seus seios livres.
Meu pau, que já estava acordado antes, ganha
ainda mais vida.
— Meu Deus, eu senti tanto a sua falta, porra —
rosno baixinho e tomo sua boca com urgência
novamente.
Manu me prende em seus braços e eu a seguro
forte pela cintura, subindo lentamente as duas mãos até
chegar em seus seios e dar um aperto nada gentil. Ouço
ela gemer em minha boca e tento conter o tesão e toda a
saudade reprimida, preciso ir com calma. Entretanto,
como sempre, ela me surpreende e coloca suas mãos em
cima das minhas e faz pressão sobre elas, me mostrando
como quer que eu a toque.
Eu aperto novamente, com um pouco mais de força
e Manuela arfa, inclinando mais o corpo em minha
direção. Nossas bocas dançam de forma sensual e cheia
de urgência, mas quando ela começa a depositar beijos
pelo meu rosto e chega até meu ouvido, sinto meu corpo
inteiro vibrar pelas palavras que saem de sua boca.
— Quero fazer amor com você muitas vezes, Nate,
muitas mesmo — ela morde meu lóbulo e volta a falar. —
Mas agora eu quero que você me foda como se nossas
vidas dependessem disso.
Eu perco completamente os sentidos, nada mais
neste momento importa a não ser dar prazer a essa
mulher. Eu a beijo com voracidade, eu aperto os
biquinhos de seus seios com um pouco de força e engulo
cada um dos seus gemidos. Suas mãos passeiam pelo
meu corpo e eu faço o mesmo, exploro Manuela como se
fosse a primeira vez.
Quando o espaço que temos se torna insuficiente
para nos tocarmos, eu peço para que ela enrosque suas
pernas em meu quadril e a ergo da bancada, indo em
direção ao quarto. Estamos afobados, com sede um do
outro, com saudades um do outro, eu pouco me importo
com as marcas que as unhas de Manuela estão deixando
em minhas costas, eu preciso dela tanto quanto ela
precisa de mim.
Abro os olhos para ver o caminho, mas uma ideia
melhor do que ir para a cama me passa pela cabeça.
Ando até a cômoda em frente ao espelho horizontal que
há no quarto e a coloco em cima.
— O que você está fazendo? — Pergunta com a voz
falhando e soltando um suspiro longo quando eu beijo e
deixo algumas lambidas em seu pescoço.
— Você quer que eu te foda, não é? — Desço a mão
esquerda por sua barriga e adentro um pouco pelo botão
do jeans — E eu vou, Manu. Eu vou provar cada pedaço
de você, começando agora — removo a mão e com ajuda
da outra, desabotoo com rapidez a peça. — Eu vou
comer você inteira.
Manu sorri de uma forma perversa, de uma das
formas que eu amo e que faz com que eu a deseje ainda
mais. Quando eu tiro o jeans junto da calcinha e me
abaixo, puxo seu corpo mais para a beirada da cômoda e
coloco suas pernas sobre meus ombros. Vou depositando
beijos em sua pele macia e vou ao paraíso, assim como
da primeira vez, quando deposito um beijo em sua
boceta e ela arfa. Começo devagar, dando lambidas
longas, graduais e firmes. Entretanto, nem eu nem ela
somos capazes de aguentar muito tempo o ritmo
torturante, eu logo acelero, principalmente quando as
mãos de Manu agarram meu cabelo. Eu dou a ela o que
ela precisa, chupo seu clitóris com força e o solto com
um estalo, devorando-a novamente.
Eu a adoro como ela merece ser adorada. Quando
os gemidos aumentam e ela começa a esfregar a boceta
em minha cara, eu a seguro ainda mais forte pelas
pernas.
— Eu vou gozar… Nate!
Sinto os músculos de sua perna se esticarem e seu
corpo ter leves espasmos. Quando ela chega ao
orgasmo, eu lambo cada gota, apreciando a visão de seu
rosto no mais puro e verdadeiro prazer. Manu puxa só um
pouquinho meus cabelos para cima, pedindo para que eu
me erga e eu o faço, colando nossas bocas num beijo
feroz, cheio de desejo e de tesão.
— Quero chupar você — diz, enquanto se estica
para tocar meu pau por cima da calça.
— Não vai rolar, linda — respondo enquanto
seguro-a pela cintura e a coloco de pé. — Se você colocar
as mãos ou a boca em mim eu vou me dissolver, e eu
preciso cumprir minhas promessas, lembra? Começando
pela parte em que eu vou foder você como se minha vida
fosse acabar.
— Então faça logo — suplica Manu.
Eu a seguro em meus braços e envolvo seu corpo
nu com eles, enquanto saboreio seus lábios molhados e
inchados por conta dos beijos, desço uma mão até sua
bunda e dou um tapa estalado na carne. Manu geme com
a boca grudada na minha e as mãos ágeis começam a
desabotoar minha calça, eu me afasto um pouco, só a
distância necessária para remover a cueca e os jeans e
em seguida, pego em minha carteira a embalagem
prateada. Ela me olha com expectativa e só desvio o
olhar dela para poder vestir a camisinha rapidamente.
— Vira — peço e com as duas mãos, giro seu corpo
devagar até que ela esteja de costas para mim e de
frente para o espelho. — Eu vou assistir você gozar e
você vai ver pelos meus olhos através do reflexo o
quanto eu senti sua falta.
Manu inclina a bunda só um pouco, o suficiente
para que eu me posicione em sua entrada e a preencha
em um movimento só. Nós dois gememos e quando olho
no reflexo do espelho, vejo que ela está com os olhos
fechados e mordendo o lábio inferior. Incomodada com o
fato de eu estar parado, ela abre os olhos e nossas íris se
encontram no reflexo do vidro.
— Não vai se mexer? — Pergunta de forma
sedutora e eu me inclino para colar meu peito por
completo em suas costas.
— Agora eu vou — saio um pouco de dentro dela e
entro de novo, dessa vez mais fundo. Aproximo meus
lábios de seu ouvido e sussurro baixo. — Olhos em mim,
linda, porque, agora, eu não vou ser gentil.
Saio novamente e entro nela com força, com
desejo, com saudades, não tiro os olhos do espelho e ela
também não, nós olhamos o tempo todo um para o
outro, vemos tudo. Ouvimos tudo: os gemidos, os
sussurros, o som de nossos corpos se chocando um no
outro. Estamos entregues um ao outro, ela é minha e eu
sou completamente dela.
— Mais, por favor, mais — pede com a voz
entrecortada e eu aumento o ritmo, me segurando ao
máximo para não gozar agora, não quando ela ainda não
está satisfeita. É tudo sobre ela, é para ela. Eu sou dela.
A cômoda começa a bater na parede, mas eu não
importo, não quando o rosto de Manu está
completamente tomado pelo prazer, seguro seus seios
com as mãos e ela repousa as dela sobre as minhas.
Nossos olhos não desgrudam um do outro e sinto gotas
de suor escorrerem por minhas costas, deposito beijos
em seu pescoço ainda com os olhos abertos e sinto seus
músculos internos apertando meu pau.
— Nate…
— Goza comigo, linda? — Peço. — Se você estiver
longe, eu seguro.
— Não se poupe, me faça gozar com você.
Ela pede e eu faço. Acelero nossos movimentos
ainda mais e desço uma das mãos até o meio de suas
pernas, tocando o ponto inchado que implora por minha
atenção, faço movimentos circulares com o polegar e vou
até a porra do céu olhando Manuela pelo espelho se
entregar ao prazer.
Quando ela explode, eu me movo mais algumas
vezes e a acompanho, gozando tão forte que sinto minha
visão embaçar. O corpo de Manu fica mole e eu a seguro
junto a mim.
— Deus, eu senti tanto sua falta — ela diz com a
respiração falhando e levemente debruçada na cômoda.
Saio devagar de dentro dela e removo a camisinha,
dando um nó e colocando-a dentro do pacote,
descartando, por hora, em cima da cômoda. Me debruço
sobre o corpo de Manu e beijo suas costas, trilhando um
caminho por sua pele.
— Eu também senti sua falta — digo baixinho. —
Todos os dias, todos os segundos.
Olho em seu rosto e vejo um sorriso mole moldar
seus lábios, é o sorriso de quem está relaxada e
satisfeita, eu o reconheceria de longe. Mas eu ainda
tenho planos para Manu e eu, e eles envolvem
continuarmos pelados, mas agora, deitados na cama que
está a poucos passos de nós.
— Vem aqui — peço com a boca próxima ao seu
ouvido e Manu vira de frente para mim.
Seguro-a novamente pelas pernas, com ela
envolvendo meu tronco e caminho poucos passos até o
colchão, caímos juntos e eu sinto meu coração disparar
ainda mais quando ela dá uma risada abafada em minha
pele.
— Isso é tão… — ela fala perto do meu ouvido e eu
completo.
— Nós?
— É — responde e eu me ergo para olhar em seus
olhos, indo em seguida até o abajur rapidamente para
acedê-lo e poder olhá-la com ainda mais clareza. — Eu
me senti tão perdida quando você terminou comigo.
Achei que tinha ficado maluca, achei que tinha
enxergado errado todos os sinais, eu sei que dizer isso
agora não serve de nada, mas doeu tanto, Nate — eu
sinto a dor em sua voz e isso acaba comigo.
— Eu nunca vou conseguir consertar esse erro,
linda. Nunca — digo de forma sincera — mesmo que eu
tente, eu nunca vou ser capaz de reparar esse dano no
seu coração e entenda que eu vou lamentar todos os
dias da minha vida ter te machucado dessa forma —
deposito um beijo leve em seus lábios e afasto as
mechas do cabelo dela. — Eu não posso voltar no
passado e desfazer tudo, mas eu posso te prometer o
amanhã. E eu vou te fazer feliz, Manu.
Vejo as íris castanhas da mulher que eu amo
brilharem um pouco mais e a beijo de novo, dessa vez
com calma, com amor e com tudo que há dentro de mim.
Meu corpo se aquece por conta do calor que ela emana
para o meu, meu pau fica duro novamente e Manu roça a
pélvis em mim.
— Eu te amo, Nate — ela diz com a boca ainda na
minha.
— Eu te amo muito mais, linda. Muito mais — me
afasto para olhar mais uma vez em seus olhos e suplico.
— Posso fazer amor com você agora?
Ela ri um pouquinho e faz um carinho gentil em
meu rosto.
— Assim vai parecer que eu sou a tarada sexual da
relação — Manu umedece os lábios com a pontinha da
língua e dá um sorriso contido.
— Mas você é um pouquinho, e eu amo isso. Amo
quando você pede que eu vá fundo, porque sei que você
fica sentindo a sensação por um bom tempo — comento
de forma sacana e ela revira os olhos. — Mas agora eu
quero fazer tudo com calma, eu quero te amar com todo
o meu ser. Eu sou completamente e totalmente seu, mi
amor.
— Te quiero tanto[25].
— Yo también![26]
Nos beijamos lentamente, saboreando um ao outro,
dizendo através do movimento de nossas línguas o
quanto nós nos amamos. Manu massageia meus cabelos
com delicadeza e eu tomo todo o tempo do mundo para
alisar seu corpo com minhas mãos, como se estivesse
descobrindo cada uma de suas curvas novamente,
tocando seu corpo da forma como ela merece. Uso meus
lábios também para demarcá-lo, começando pelo rosto,
beijando os olhos, a pontinha do nariz, as bochechas que
estão levemente coradas e depois os lábios novamente.
Continuo a trilhar o caminho deixando beijos em seu
pescoço, depois na clavícula, nos seios, viro seu corpo de
lado e beijo sua única tatuagem, a que descreve
perfeitamente Manuela. Beijo, beijo e beijo até que ela
me pede para fazer o mesmo.
— Deixa eu te amar também — sua voz sai baixa.
— Deixa eu matar a saudade de você.
Sorrio para ela e inverto nossas posições,
permitindo que Manu fique por cima. Só a imagem dessa
mulher, dessa forma, nua e completamente minha faz
com que meu coração dispare, com que eu agradeça aos
céus por ter cruzado o caminho dela meses atrás,
naquela cafeteria.
Manu beija meu corpo da mesma forma como fiz
com o dela, a cada lugar que sua boca encosta, ela
murmura baixinho que me ama. A cada vez que ela diz
as palavras, eu me entrego ainda mais a ela, como se já
não estivesse cem por cento rendido. Quando chega ao
meu pau, ela envolve devagar a cabeça e suga,
lambendo o entorno e depois engolindo meu
comprimento lentamente. É torturante, é bom, é cheio
de luxúria, mas também de amor. Ela suga, fazendo um
pouco mais de pressão e também usa as mãos para fazer
movimentos de vai e vem, eu me seguro para não chegar
ao ápice, mas a imagem é tão excitante quanto o que ela
está fazendo com a boca.
— Linda? — Eu a chamo com a voz entrecortada e
ela não para com os movimentos, apenas me olha. Porra,
eu gozaria só assim. — Senta aqui — aponto para o meu
rosto — preciso me distrair antes que haja como um
adolescente e goze em segundos.
Manu solta meu pau com um estalo e dá uma
risada contida, mas faz exatamente o que peço. Ela
coloca as pernas de cada lado do meu rosto e eu me
deleito novamente com ela, os sons de gemidos,
lambidas e sussurros são as únicas coisas capazes de
serem ouvidas. Não sei dizer quanto tempo ficamos
nessa posição, mas quando estamos muito próximos do
nosso ápice, Manu sai de cima de mim e vai até a mesa
de cabeceira, abrindo a gaveta, pegando uma camisinha
e vestindo de forma ágil em mim. Seguro seu corpo em
meus braços e a coloco debaixo de mim, ficando por
cima e olhando em seus olhos enquanto entro milímetro
por milímetro nela.
— Eu te amo — digo quando me movo para sair e
entrar novamente. — Eu te amo — saio novamente e
repito. — Eu te amo.
Repito as três palavras todas as vezes que entro
em Manuela, todas as vezes em que a penetro. Digo que
a amo com todo o meu coração, porque só existe essa
mulher em minha vida. Nunca achei que iria me
apaixonar com toda essa intensidade, mas aconteceu e
eu não poderia ser mais feliz do que ao lado dela. Sei que
ainda vamos ter dificuldades, sei que ainda temos
obstáculos a enfrentar e sei que ainda vou precisar
provar muito mais do meu amor para ela, mas agora, me
sinto preparado para tudo, sinto que finalmente
poderemos ficar juntos. E isso é tudo que eu quero.
Tomo suas mãos com as minhas e às seguro em
cima de sua cabeça, nossos olhos estão presos um ao
outro, eu permito que ela veja minha alma, e juro que
sou capaz de ver a dela. Movimentamos nosso corpo de
forma lenta até que nós dois estejamos sedentos por
mais, e quando acontece, ela se move junto comigo e
gozamos ao mesmo tempo.
Fico deitado em cima de seu corpo por alguns
segundos e saio novamente devagar, rindo do gemido
estrangulado que escapa dos lábios dela.
— Eu não vou conseguir andar amanhã — reclama
Manu e eu sorrio todo orgulhoso para ela — Ah, droga,
acabo de inflar seu ego. Pode tirar esse sorrisinho de lado
da cara.
— Ah, linda, me dá um crédito, vai — dou de
ombros enquanto removo a camisinha, dou um nó,
descarto-a e me deito novamente ao seu lado. — Seja
gentil comigo pelo menos agora. E outra, não é só você
que está dolorida, o treino amanhã na academia é de
perna e eu estou morto, você acabou comigo — Manu
remove os fios de cabelo do rosto e morde os lábios de
uma forma quase travessa. — Viu? Quem é que está
sorrindo toda presunçosa agora?
Manu ri e eu a puxo para mais perto, deixando
nossas pernas entrelaçadas, ela repousa a mão direita
em cima do meu peito, bem onde o coração fica e em um
silêncio confortável, ficamos abraçados, ouvindo apenas
nossa respiração. Eu achei que nunca mais iria poder
desfrutar de momentos como esse com ela, me sinto tão
sortudo por ter a chance de tê-la de volta, eu só quero
que esse momento dure para sempre.
— O que nós fazemos agora? — Pergunta ela. —
Sei que dentro dessas quatro paredes, nada pode nos
atingir, mas tem uma vida real nos esperando lá fora.
Suspiro fundo porque ela está certa. Amanhã,
quando acordarmos, nossas vidas estarão interligadas
novamente, ela vai ser minha namorada, mas eu vou
precisar tomar atitudes, cuidar não apenas de Manuela,
como também do meu filho ou filha.
— Eu quero fazer uma coletiva de imprensa — digo
com a voz fraca. — Mick sugeriu que eu fizesse isso
depois da conversa com Zara, quando ela confessou
tudo. Quero contar a todos sobre nosso namoro de
mentira, como nos conhecemos, porque assim, ninguém
vai ter o poder de distorcer a história. Vou contar que
fizemos um acordo, explicar que tivemos um namoro de
fachada, mas que agora, você e eu estamos realmente
juntos. Vou contar que transei com outras pessoas
durante o momento em que fingimos, mas que uma vez
que nos apaixonamos, tudo mudou. Vou expor minha
vida, linda — massageio seus cabelos. — Vou expor a
nossa vida. E eu preciso saber se você está pronta para
isso, se você aceita.
— Vamos enfrentar isso juntos — diz decidida. —
Nunca achei que iria precisar passar por isso, confesso
que não sei o que esperar, mas se essa é a forma que
temos de ficar juntos, eu estou disposta a enfrentar.
— Me perdoe por ter que expor sua vida dessa
forma — peço novamente, sentindo todo o peso sobre
minhas costas. — Você não merecia nada disso, eu tenho
tanto medo de isso prejudicar seu doutorado, seu
emprego…
— Não vai acontecer, Nate — ela balança a cabeça
negativamente. — Meu orientador pode ser meio
inconveniente, mas se for preciso, vou colocá-lo no lugar.
Sei que minha pesquisa tem muito a agregar e sei que
ele não vai me prejudicar. Se estou aceitando isso é
porque estou disposta a correr os riscos — Manu me
mostra mais uma vez a força que tem e eu deposito um
beijo leve em seus lábios antes que ela volte a falar. — E
o bebê? — ela massageia meu rosto. — O que você vai
dizer a respeito disso?
— Vou esperar que a Zara se manifeste primeiro.
Conversamos sobre isso junto com nossos empresários,
ela quer esperar mais um pouco, tem medo pela carreira
dela e eu vou respeitar a vontade dela — explico. — E se
você quiser, posso falar com ela para que vocês se
conheçam, para que ela possa te contar tudo, sanar suas
dúvidas e qualquer outra coisa.
— Tudo bem, vamos com calma com ela — diz de
forma doce — não quero prejudicá-la ou estressá-la mais
ainda. Para ela com certeza não vai ser fácil e no que eu
puder ajudar, se ela permitir, eu farei.
— Só você para pensar nos outros numa situação
como essa. — Deposito um beijo nos lábios dela porque
isso só faz com que eu a ame mais. — Você confia em
mim?
— Por algum motivo desconhecido e que eu não sei
explicar, eu confio. Eu, incrivelmente, confio nessa sua
cabeça enorme e nesse seu coração gigante — ela diz de
um jeito brincalhão, mas vejo a verdade em suas
palavras, principalmente quando ela aponta para meu
peito.
— Isso é bom — respondo. — Mas tem outras
coisas em mim que são grandes e que você adora,
admita — dou uma piscadinha em sua direção e Manu
abre a boca em um perfeito “o” e começa a rir. —
Falando sério, agora, você realmente confia em mim? Eu
temi tanto que você não acreditasse mais em minhas
palavras…
— Você me mostrou sua alma, Nate — explica. —
Você derrubou os meus muros de forma lenta e gradual.
Nós nos apaixonamos um pelo outro e eu conheci você.
Fiquei perdida quando você terminou comigo porque não
reconheci aquele cara, o homem que era completamente
diferente daquele que eu atendia até mesmo no café,
quando você era apenas mais um cliente. Mas esse —
aponta para mim — esse é o Nathan LeBlanc, o homem
mais novo que eu, comprometido com o esporte que
ama, o amigo dedicado, o tio do Nick, que aprendeu a
língua de sinais para falar com o sobrinho — fico
novamente emocionado ao ouvir suas palavras. — O cara
que está pagando por seus erros, porque a vida é assim.
O homem que eu escolhi ter ao meu lado não porque
preciso, mas porque quero… E que vai ser um pai
incrível.
Sinto novas lágrimas escorrerem e me permito
chorar nos braços da mulher que eu amo. Eu não a
mereço, ela é muito mais do que eu poderia sonhar e
querer para a minha vida, mas eu vou fazer tudo que
estiver ao meu alcance e além, para provar e ser digno
dela.
— Obrigado, linda. Obrigado por me enxergar de
verdade — agradeço com a voz levemente embargada.
— Não por isso — ela limpa minhas lágrimas com o
polegar. — Estamos juntos nessa, ok? Nada mais dessa
história de subestimar minha força e esconder qualquer
que seja o assunto de mim, combinado? — Ela ergue
uma sobrancelha.
— Combinado — eu afirmo. — E você aceita ser
minha namorada de novo?
— Namorada de mentirinha ou de verdade?
— De verdade, provavelmente minha namorada,
depois noiva, depois esposa, aquele ciclo todo, sabe? —
Comento de forma despretensiosa, mas no fundo,
pensando que eu poderia realmente seguir essa ordem
cronológica com Manuela.
— Bom, vamos precisar fazer um novo acordo, mas
tudo bem, eu aceito — responde ela com o leve
sarcasmo tão característico seu. — Estou com você
nessa, tá bom? Seja qual for o desfecho dessa história,
seja essa criança sua ou não, eu estou com você.
— Eu sei disso. Agora eu sei.
Abraço ela mais forte e deixo que ela me acalente
mais um pouco.
— Olha, está nevando de novo — Manu aponta
para a janela e eu me viro para ver a neve fraca que está
caindo. São pequenos flocos, são pequenas fagulhas que
provavelmente fazem com que o clima lá fora esteja
mais frio do que antes, mas com ela ao meu lado, eu me
sinto mais aquecido do que nunca.
— Obrigado por aquecer minha vida — digo ao
olhar para ela novamente.
— Obrigada por fazer eu me sentir em casa.
E essa frase significa ainda mais do que um eu te
amo.
O astro do Stockholm Älg, Nathan LeBlanc, 24
anos, convocou uma coletiva de imprensa na última
quarta-feira (29), para esclarecer questões polêmicas
envolvendo seu nome, e admitiu que, entre outras
questões, teve um namoro de fachada. Leia a matéria na
íntegra.
O jovem jogador falou sobre relacionamentos e a
pressão que sentiu desde o momento em que
desembarcou na capital sueca. “Senti como se não
pudesse ser eu mesmo, como se estivessem projetando
em mim mais expectativas do que minha própria
família”, comentou o ponta-lança no início da coletiva a
respeito das festas e a vida agitada que levou no começo
de sua mudança. LeBlanc explicou que sempre teve um
estilo de vida regado de diversão, mas que isso nunca o
impediu de honrar com seus compromissos e ter no
esporte seu maior foco: “[...] o fato de gostar de festejar
e aproveitar não limitou em momento algum meu
desempenho, mas ao chegar aqui, foi como se minha
vida fora do rinque não pudesse fugir à regra. Esperaram
de mim comportamentos e tentaram me limitar”.
O canadense falou ainda sobre as manchetes
sensacionalistas e destacou que isso prejudicou sua
imagem dentro do time: “[...] Eu chegava para o treino e
tinha que lidar com olhares tortos, burburinhos e fofocas,
como se eu estivesse com uma doença contagiosa só por
ter ficado até duas da manhã fora de casa bebendo com
amigos. E sei que isso não é culpa dos meus colegas e
amigos de time, mas da pressão para que nós tenhamos
vidas perfeitas, para que a imagem do time não seja
manchada, sendo que, o que fazemos fora do rinque, não
tem a ver com nosso desempenho no hockey ”.
Segundo Nathan, ser o foco da imprensa fez com
que tomasse atitudes um tanto quanto ousadas.
“Conheci Manuela porque ela me atende na cafeteria que
frequento. Certo dia, estava tão sobrecarregado de
cobranças e exausto de uma reunião para falar sobre
minha imagem na mídia que, quando dei por mim,
inventei que estava namorando com ela só para silenciar
os boatos e histórias que não eram todas verdadeiras”.
O jogador, então, revelou que seu namoro com
Manuela González, 27 anos, deu-se através de um acordo
mútuo entre os dois, algo de fachada na tentativa de
desviar o foco de sua vida pessoal, visto que, segundo
ele ,“[...] um relacionamento sério foi a forma que
encontrei para me tornar um tédio para a imprensa”. Os
burburinhos na sala de imprensa do time do Stockholm
Älg aumentaram, mas LeBlanc continuou a falar: “Meu
relacionamento começou como uma mentira, mas me
apaixonei por ela. Nossa aproximação aconteceu de
forma inusitada, mas começamos a nos conhecer de
forma gradual, quando dei por mim, já estava lambendo
o chão que ela pisava [...]”, comentou aos risos. “No
começo, nossa relação acontecia apenas na frente das
câmeras, tudo de forma armada para que vocês
flagrassem a nós dois e presumirem que estávamos
apaixonados. Tanto é verdade que tanto Manuela quanto
eu tínhamos relações com outras pessoas por trás das
câmeras. E é por conta delas que eu convoquei esta
coletiva de imprensa. Fui chantageado por conta de fotos
comprometedoras e que poderiam passar a imagem
errada a meu respeito e a respeito de minha namorada.
Então, optei por vir até aqui e me expor por livre e
espontânea vontade: mantive uma relação casual
durante os dois primeiros meses em que assumi um
namoro de fachada com Manuela. Mas, a partir do
momento em que me apaixonei por ela e assumimos
uma relação de verdade, fui fiel. Sempre fui muito
transparente com ela a respeito disso e a recíproca era a
mesma. Minha namorada sabe disso, meus amigos
próximos também e esse era um assunto que ficaria
apenas entre nós, mas, infelizmente, me vi obrigado a
expor não só a minha vida pessoal como a de Manuela”.
Por fim, Nathan falou sobre seu status atual:
“Rompi com Manuela com medo que todas essas
ameaças pudessem prejudicá-la, mas, neste momento,
ao fazer essa coletiva e colocar tudo em pratos limpos,
eu peço que vocês respeitem nosso espaço. Estamos
juntos e tudo o que quero é trazer o campeonato para o
time do Älg, fazer meus torcedores felizes e poder ser
feliz com quem eu escolhi ter ao meu lado”.
LeBlanc deixou claro que todos que fazem parte do
time do Älg estão cientes sobre sua vida, sobre suas
questões pessoais e que contar com o apoio do clube foi
essencial. Ele respondeu a algumas perguntas antes de
finalizar a coletiva e pediu, novamente, que sua vida
pessoal fosse respeitada. O Stockholm Älg joga nesta
quinta-feira contra o Luleå HF.
Dou um gole no copo de cerveja recém abastecido
e seguro o riso nos lábios por conta de Mahara, amo essa
amiga com todas as minhas forças e amo que ela esteja
fazendo um interrogatório completo com Nathan a
respeito de tudo que aconteceu.
— Então, você quebrou o coração da minha amiga
à toa? — Pergunta ela cerrando os olhos na direção de
Nate. Ele deve ter, pelo menos, vinte centímetros a mais
que Mahara, mas minha amiga sabe ser intimidante.
— Quando você expõe dessa forma… — meu
namorado hesita e tanto eu quanto Dave começamos a
rir.
— Você o conhece há pouco tempo ainda, Mah —
completa o loiro. — O Nathan tem costumes de agir
desse jeito burro mesmo.
— E você é o Sr. Esperto, não é? — Desdenha
Mahara, virando para a esquerda e ficando de frente para
ele. — Você ficou mais de duas semanas sem falar com
seu amigo, fala sério. Fui eu quem teve que avisar que
eles tinham se separado.
Dave abre e fecha a boca duas vezes e começa a
rir, é engraçado porque ele tem a mesma altura de Nate,
os dois braços completamente tatuados e ainda assim,
Mahara é capaz de intimidá-lo, eu quase noto um rubor
nas bochechas dele.
— Que tal voltarmos o foco para o Nathan? —
Brinca ele. — Ou melhor, que tal falarmos que você
nunca pediu desculpas por ter soltado os cachorros em
mim de forma gratuita?
— Pode esquecer, Dave — Mahara dá um gole em
seu drink e desdenha. — Eu estava defendendo a Manu,
estava fazendo o certo.
— Ela tem razão — diz Nate e dá uma piscadinha
para minha amiga. — Eu teria feito a mesma coisa.
— Viu? — Ela aponta para meu namorado. — Acho
que sabemos quem é o errado da história.
— Bom, que seja — ele dá de ombros. — Um brinde
ao casal favorito da Suécia, à nossa união e também às
muitas coisas que ainda estão por vir — Dave dá um
sorriso contido para nós e ergue seu copo.
— Saúde, pessoal — bato meu copo com os
demais. — Vocês são especiais demais, vocês fazem com
que eu me sinta acolhida, em casa. — comento de forma
sincera.
— Do que depender de mim, linda, você vai se
sentir em casa para sempre — meu namorado dá um
beijo em minha testa e eu o envolvo em um abraço.
— Sem toda essa melação perto de nós — minha
amiga brinca. — É muita maldade com dois solteiros na
mesa.
— Mah, fala sério! — chamo a atenção dela. —
Você saiu ontem com o Kalil, o cara está rendido, você só
está enrolando-o.
Mahara dá um gole em sua bebida e vejo que Dave
olha com o canto dos olhos para ela, mas dá uma
risadinha.
— E o Dave provavelmente vai morrer sozinho, já
que ele se recusa a ter qualquer tipo de relacionamento
— completa Nate.
— Eu não me recuso — o amigo se defende. — Eu
só estou… Bem dessa forma, feliz comigo mesmo — ele
dá com os ombros. — Nunca pensei que ia ver você me
incentivar a ter um namoro ou coisa do tipo. Obrigado
por transformá-lo, Manu.
— Não por isso — sorrio para ele e abraço Nate.
Nós continuamos a conversar sobre outros
assuntos, Dave fala sobre seu trabalho, Mahara e eu
compartilhamos nossas dificuldades com o doutorado,
mas fico feliz de ter voltado ao meu ritmo normal de
escrita. Meu orientador não fez nenhum comentário a
respeito da minha vida pessoal, acho que o fato de
apresentar as correções e ele não ter mudanças
significativas para fazer, não permitiu que ele se sentisse
no direito de comentar sobre minha vida. Não que ele
tivesse algum direito de falar sobre o que faço fora da
faculdade, mas sabemos como as coisas funcionam.
Por exemplo, estamos em um bar sentados entre
amigos, mesmo que seja um lugar mais reservado e que
os suecos de modo geral sejam discretos, não é difícil
notar um ou outro olhar em nossa direção. As pessoas
sempre vão falar, mesmo com Nathan expondo sua vida,
sua verdade e nossa história, sempre haverá pessoas
que vão comentar coisas negativas. Aqueles que vão me
chamar de idiota por acreditar nele, aqueles que sempre
vão duvidar da índole de Nate, ou que vão torcer contra
nós. Todavia, o que importa é o que acontece entre nós,
é a nossa verdade.
Aproveitamos o restante da noite, Dave nos conta
que está pensando na possibilidade de trazer Nick para
passar um tempo com ele durante o verão, a época que
mais estamos ansiosos para chegar. O amigo de Nathan
tem contado em doses homeopáticas a respeito de
Hannah, a mãe de Nick, sempre que ele a cita, que conta
das dificuldades que enfrenta por conta da relação entre
os dois que não deu certo, eu respiro aliviada por ver
que, mesmo agora no começo, Zara e Nathan estão
comprometidos a se darem bem por conta da criança.
Ela e Erik conseguiram se acertar, ela está
permitindo que ele participe do processo todo também.
Eu a conheci recentemente, foi um encontro arquitetado
por Nathan e foi verdadeiramente bom. Apesar de ela ter
contribuído para nossa separação, apesar de chantagear
meu namorado com as fotos — que Nathan me mostrou
depois de eu insistir — eu entendi completamente sua
situação. Vivemos em um mundo que cobra a perfeição
das mulheres, que nos bombardeia com regras e
imposições. Zara trabalha como modelo, a exigência pela
perfeição, o preço que ela paga para que seja notada é
alto e, infelizmente, uma gravidez repentina para ela,
inserida nesse meio tóxico, é um motivo para temer por
sua carreira. Sou empática com seu desespero, ainda
mais agravado pelo fato de não saber quem é o pai da
criança. Se Dave andasse com Nick pelas ruas, todo
mundo iria admirá-lo e comentar o quanto ele é
esforçado por ser pai solo. No caso de Zara, a primeira
coisa que, com toda a certeza perguntariam a ela, seria
quem é o pai. Entendo e respeito sua decisão de manter
em segredo a gravidez até que se sinta pronta para
revelar.
De todo modo, nós nos conhecemos e, ainda que
eu sinta certa resistência da parte dela, estou
respeitando seu espaço e me mostrando disposta a
ajudar no que for preciso. Zara tem toda uma pose
diante das câmeras, por ser uma modelo mundialmente
conhecida, mas reconheço nela inseguranças e
dificuldades em aceitar ajuda. Sei disso porque também
sou assim. Mas, mulheres bonitas são as que lutam,
como eu sempre digo, e Zara é uma guerreira.
— Eu adoro essa música — diz Nate, me
despertando do devaneio.
Ouço o assobio tão familiar e reconheço na hora a
melodia.
— Gostar de Guns N’ Roses é tão… coisa de
[27]

adolescente — desdenho.
— É verdade, meu irmão quando tinha quatorze
anos aprendeu a tocar violão só para dedilhar essa
música — Mahara completa.
Noto que Dave e Nathan se olham por um ou dois
segundos e meu namorado apoia os cotovelos na mesa,
inclinando o corpo para mais perto do amigo.
— Não vai contar para elas, Dave? — ele chama o
amigo. — Você não vai contar que adora Guns? Que você
queria deixar seu cabelo comprido quando mais novo só
para tentar imitar o visual do Duff McKagan[28]?
Mahara e eu olhamos para os dois e
automaticamente começamos a rir.
— Você é um idiota, LeBlanc — o loiro revira os
olhos. — Mas, bem, que seja, eu gosto mesmo, tenho
muitas memórias por conta da banda, fez parte da minha
vida.
— Tudo bem, Dave — pouso minha mão em cima
da dele. — Mesmo pessoas bonitas precisam ter defeitos.
— É verdade — completa Mahara. — Não dá pra ser
perfeito.
— É, você está certa — ele se vira na direção da
minha amiga e continua. — Eu tinha que ter algum
defeito, já que eu tenho esse “rostinho bonito”, o “corpo
que deixa qualquer mulher derretida”, “esses lábios que
parecem altamente beijáveis” e... — ele põe a mão no
queixo e em seguida, cruza os braços — os “braços
tatuados de bad boy de livro de romance”, não é?
Mahara arregala os olhos em sinal de surpresa e eu
vejo que ela fica tímida, Dave tem um sorriso presunçoso
nos lábios, mas nenhum dos dois diz nada, eles apenas
se encaram.
— O que eu perdi? — Nate sussurra próximo ao
meu ouvido.
— Eu não sei, mas vou descobrir — respondo no
mesmo tom e me viro para ele.
— Quer dançar comigo? — Nate desce do banco e
me estende a mão.
— Não tem ninguém dançando — digo, mas
estendo a mão para ele.
— Não me importo com o restante do mundo, só
com você — ele pega minha mão de forma leviana e se
aproxima do meu corpo, me balançando bem
devagarzinho no ritmo da voz de um dos cantores que
marcou minha adolescência.
Fecho os olhos e deixo que a voz rouca de Nate
embale a nós dois, me aqueço com seu corpo, com suas
palavras e com a forma como me sinto completa com
ele. Ele sussurra baixinho os últimos versos, dizendo o
quanto precisa de mim e eu sorrio.
Atravessei o mundo para estudar, para provar a
mim mesma que era capaz de conseguir meu título de
doutora. Vim para cá com meu coração fechado e com a
certeza de que ficaria aqui só para cumprir meu papel e
depois voltaria para casa, para meu lar. Mas, neste
momento, nos braços desse homem, eu sinto que já
estou em casa, sinto que encontrei um lugar para me
aquecer, alguém que sonha junto comigo, que me
permite ser livre e que escolhe todos os dias caminhar
comigo lado a lado. Escolhi Nathan LeBlanc para estar
em minha vida e do que depender de mim, ele
permanecerá ao meu lado. Eu me perguntava
constantemente de onde vinha o frio, mas mesmo que as
temperaturas sejam baixas, me sinto aquecida com ele.
Nathan é meu dia de calmaria, é uma xícara de café
quentinha no meio da tarde, ele é quente como os dias
de verão que ainda virão.
— Eu amo você — digo baixinho em seu ouvido.
— Eu te amo muito mais, linda.
Ele deposita um beijo em meus cabelos e não
existe mais nada à nossa volta. Só eu e ele, para o resto
de nossas vidas.
Zara, quatro meses de gravidez
Estamos em uma nova clínica, dessa vez, em outra
cidade mais ao norte de Estocolmo, ela é bem
conceituada e não poupamos esforços para que
houvesse sigilo absoluto agora, neste novo
acompanhamento. Zara escolheu a dedo uma médica
que pudesse cuidar de toda a gestação e em quem ela
teria confiança de levar dois homens juntos na consulta
sem ser julgada.
Erik está sentado do lado esquerdo de Zara e eu do
direito, estamos aguardando a médica e vejo que ele
está mais nervoso do que eu, é sua primeira consulta e
eu entendo perfeitamente. Eu também estou ansioso
porque, ao que tudo indica, hoje poderemos descobrir o
sexo do bebê. E eu sinto que será um garoto.
Olho meu celular e vejo que minha mãe me enviou
uma mensagem perguntando se já sei o sexo do neto ou
neta dela. Sorrio por ver que ela está encarando bem
melhor a circunstância. Meu pai e ela ficaram bem
chocados com toda a situação, contei a eles o que estava
acontecendo antes de dar a coletiva de imprensa porque
sabia que depois dela, tudo e todos a minha volta
ficariam expostos para as pessoas e eles mereciam saber
antes. Fiz uma ligação para contar sobre a gravidez e
Manu esteve presente, segurando minha mão e
conversando com meus pais, tranquilizando a eles e
dizendo que está tudo sob controle. Minha mãe chorou,
meu pai também, eu e Manuela igualmente derramamos
lágrimas, mas prometemos a eles fazermos uma visita
assim que eu tiver férias. Eles estão ansiosos para
conhecer minha namorada e eu não vejo a hora de matar
as saudades dos dois.
— Srta. Holmgren?
Olho para cima e vejo a obstetra, ela tem um
sorriso gentil nos lábios e nós três nos levantamos e
caminhamos para dentro do consultório. A médica faz as
perguntas padrões sobre como Zara tem se sentido, as
vitaminas que está tomando e a consulta — como deve
ser — tem como foco ela e o bebê. Zara passa pela
pesagem, relata tudo e mais um pouco e quando dá a
hora, a médica solicita que ela vá até o banheiro vestir o
avental para que possa fazer o ultrassom. Quando Zara
sai, a médica tira um tempo para conversar comigo e
com Erik, dá algumas orientações para nós, diz que é
muito importante que, independentemente das
circunstâncias, os dois estejam presentes, para que a
mãe possa ter todo o amparo necessário. Erik e Zara
estão se acertando, ela passou a aceitar mais a presença
dele e eu tenho dado o meu melhor, juntamente com
Manu. Esses dias mesmo, Zara comentou que estava
com vontade de comer nachos com carne e minha
namorada fez questão de preparar ela mesma a carne
moída com temperos. Passamos algumas horas juntos
comendo e foi um ótimo tempo.
A médica nos chama para ir até a outra sala e eu e
Erik nos posicionamos em dois bancos, de lados opostos.
Zara se deita na maca e o procedimento padrão do
ultrassom começa. Quando a obstetra pergunta se
queremos saber o sexo do bebê, olhamos um para o
outro e acenamos em positivo, o suspiro audível vindo de
nós três faz com que soltemos uma risada em conjunto e
a médica nos acalma. Ela volta a mover o transdutor pela
barriga e faz um breve suspense antes de nos deixar
completamente emocionados.
— É um menino, mamãe e papais. Um meninão.
Lágrimas escapam dos meus olhos, dos de Erik e
quando olho para Zara, ela também está emocionada.
Um menino. O meu menino. Meu filho.
E dessa vez, com tudo em seu devido lugar e
minha vida nos trilhos, me sinto verdadeiramente feliz.

Zara, seis meses de gravidez


— É sério que vocês não conseguem montar uma
cômoda? — Questiona Zara.
Ela e Manu estão paradas na porta do quarto do
bebê e seguram a risada nos lábios. Erik e eu, em
contrapartida, estamos quebrando a cabeça para montar
a primeira gaveta da cômoda que foi comprada
recentemente. São três pequenas e duas grandes, é bem
mais difícil do que parece.
— Se você tivesse sido uma boa namorada, teria
me deixado comprar um modelo igual na IKEA[29] — é Erik
quem comenta fingindo falsa irritação com Zara.
Manu e eu damos risada porque é engraçado ver a
interação dos dois, eles estão sempre se provocando, se
irritando, mas a verdade é que se gostam intensamente.
Fico feliz que, mesmo diante de um começo turbulento,
os dois conseguiram encontrar um meio termo, e ele foi
muito importante para apoiá-la durante a última semana,
quando uma foto de Zara vazou na imprensa e as
especulações sobre sua gravidez começaram. Ela ainda
não decidiu se vai contar ou não, mas já declaramos total
apoio a qualquer que venha ser sua decisão.
— Eu não compro móveis da IKEA, amor —
desdenha.
— Você continua errada nesse posicionamento,
porque até mesmo o Ibrahimović[30] já declarou que
compra lá.
— Quem é esse? — Pergunta.
— Um jogador de futebol muito famoso — quem
toma a frente do diálogo é Manuela. — Ele é adorado
pelos suecos — minha namorada explica e Zara balança
a cabeça de forma negativa. — Você precisa acompanhar
outros esportes além do hockey.
— Ei! — Chamo sua atenção. — Até quando você
vai ficar desdenhando meu emprego?
— Até quando você vai sofrer toda vez que eu falar
de futebol? Só porque é meu esporte favorito, não
significa que eu não goste de hockey.
— Seu placar está péssimo, LeBlanc — Erik me
cutuca com o ombro e eu inevitavelmente começo a rir.
Nós todos damos risadas e Manuela se rende a vir
nos ajudar, ela é incisiva com Zara, alegando que ela
tem que ficar sentada e apenas nos observar,
enfatizando que é a chance que ela tem de apenas nos
dar ordens. Zara está com seis meses, mas ainda assim,
a barriga dela não está enorme, eu brinco que parece
que ela engoliu um melão e ainda está em processo de
digestão. Mesmo que não esteja com ela, sempre que
estou perto toco sua barriga, converso com meu filho.
Recentemente, comprei um estetoscópio só para poder
ouvir os batimentos cardíacos dele, Manu deu risada da
compra, mas se emocionou quando me viu usando o
aparelho com os olhos marejados.
Ela me ajuda a colocar alguns parafusos nas
madeiras e olho para ela com amor. Eu jamais poderia
imaginar que seria pai tão cedo, ou mesmo que a mãe do
meu filho não seria minha namorada. Sei que as pessoas
de fora podem achar surreal um cenário como esse: os
dois possíveis pais dessa criança, montando um móvel
do quarto, junto com a mãe e a namorada de um deles.
Mas não precisa fazer sentido para os outros, precisa
fazer sentido para nós e de alguma forma maluca, nós
conseguimos encontrar um equilíbrio.
— Pronto — exclama Manu e me estende a gaveta
pequena pronta. — Me passa a outra?
Olho para ela surpreso e Erik tem a boca aberta em
um perfeito “o”.
— Como você conseguiu? — Pergunta, indignado.
— Montei muitos móveis sozinha durante a vida, o
quarto inteiro da Tina, minha sobrinha, foi eu e meu
cunhado que montamos.
Zara se levanta e passa por nós rindo.
— No placar de “pai do ano”, Manu está ganhando
de dez a zero de vocês.
Minha namorada pisca para mim e para Erik e pede
novamente o pedaço de madeira, que eu estendo para
ela.
— Quer uma cerveja, cara? — Questiona Erik se
levantando. — Não temos a menor chance contra ela.
Bufo exausto e aceno com a cabeça para meu
amigo, ele pergunta se Manu aceita uma, ela recusa e
ele segue sua namorada em direção a cozinha. Eu me
acomodo atrás dela e beijo seus cabelos.
— Obrigado por fazer parte disso — digo próximo a
seu ouvido. — Eu te amo tanto.
— Não por isso. E eu também te amo — ela dá de
ombros — Mas saiba que vou fazer esse bebê gostar de
futebol.
— Ele pode até gostar, mas vai jogar hockey —
digo sério.
— Ele vai jogar o que quiser, baby.
— Você é má.
— E você me ama mesmo assim.
Ela pega a parafusadeira e continua a fazer o
serviço, não respondo nada porque ela está certa. Eu a
amo.
Zara, oito meses de gravidez
Estamos todos em volta de Zara enquanto um
médico a examina. Manu está afagando minhas costas,
mas tem a mão direita na boca, comendo o cantinho da
unha e roendo o esmalte, conheço bem minha namorada
e sei que ela está nervosa. Erik está ao meu lado e
também está tenso.
Com recém oito meses completados, Zara está
passando boa parte do tempo em casa e em repouso.
Seus pés estão inchados, ela tem sentido constante
cansaço e falta de ar. Durante a manhã, Erik enviou uma
mensagem dizendo que tinha chegado do trabalho, já
que havia feito seu turno na madrugada, e encontrado
Zara em pé organizando as roupinhas do bebê pela
milésima vez e reclamando um pouco de cólica. Ela está
estressada com muitas coisas e isso está mexendo com
seu emocional e também com o bebê.
Ela passou o dia dizendo que estava com cólica e
isso acendeu uma sirene em nossas cabeças, essa
criança pode nascer, as coisas já estão preparadas, mas
sabemos que ela está nervosa e preocupada de que isso
possa acontecer. A data do parto já está marcada, mas
quem manda em tudo é ela e o meu filho, então, não é
garantia de nada a data.
O médico mede a pressão dela, ouve seu coração e
o do bebê e receita um remédio para cólica. Ele
conversou com a obstetra de Zara, que disse que ficará
em alerta durante a madrugada caso algo aconteça, ela
também nos acalmou e disse que pode não ser nada,
mas não descartou completamente a possibilidade.
Decidimos montar um acampamento aqui essa noite
porque, se algo acontecer, poderemos ir todos juntos
para o hospital.
— Você precisa repousar, Srta. Holmgren, é
importante ficar calma e se preparar para todas as
situações. A senhorita está com oito meses, é a reta
final.
— Eu sei, eu sei — diz sem paciência. — Eu estou
bem, são eles que estão preocupados demais — ela
aponta em nossa direção. — Não se esqueçam que sou
eu quem vai parir esse bebê, não consigo cuidar dos
ânimos acalorados de vocês também.
Damos risada da forma irritada como ela soa, o
humor de Zara está terrível nos últimos tempos, mas
temos tratado a questão com leveza, porque é coisa da
gravidez. O médico se despede de nós e voltamos a nos
sentar em volta dela.
— O que você quer fazer? — Pergunta Manu. — O
que vai te relaxar agora?
— Sinceramente? Vestir um vestido Versache[31] e
tomar uma boa taça de champanhe — as duas começam
a rir e eu e Erik perguntamos baixinho um para o outro o
que seria um “Versache”. — Uma massagem também
cairia bem, aquelas pedras quentes relaxantes, uma aula
de ioga…
— Podíamos meditar, o que acha? — sugere Manu.
— Eu posso te acompanhar.
— Nós também — digo e Erik assente.
— Acho que gosto da ideia — ela diz enquanto
passa a mão na barriga. — Que tal, filho? Vamos meditar
com essa família maluca que é a sua?
Sorrio por ver ela falando com nosso filho e fico
pensando que, por mais que seja precipitado, que ainda
não esteja na hora, eu iria adorar conhecer o rosto do
meu menino logo. Estou tão ansioso para que ele nasça,
para que eu possa conhecê-lo. Quero ser tudo para ele,
quero ser o melhor pai do mundo. Nós ainda vamos fazer
o teste de paternidade, queremos todos saber de quem é
essa criança, até para poder fazer todos os processos
legais, registrá-lo e etc. Mas, uma coisa é fato, mesmo
que não seja meu ou de Erik, nós dois seremos o pai
dele. Manu não disse isso em voz alta, mas sei que em
seu coração, ela vai cuidar dele como se também fosse
seu filho. Eu amo ver a cumplicidade que nasceu de
forma natural entre ela e Zara, não consigo deixar de
pensar que sou um filha da puta de sorte por tudo ter
dado tão certo.
Zara se levanta, com a ajuda de Manu e nós nos
organizamos para fazer a tal meditação. Primeiro,
fazemos uma refeição leve, onde todos nós comemos a
mesma coisa que a mãe do meu filho, muito para dar
apoio moral, já que Zara teve alguns problemas de
vitamina ao longo da gestação. Devidamente
alimentados e com a cozinha e demais cômodos
organizados, optamos por fazer a meditação no quarto
de Zara e Erik, para que ela possa ficar deitada e o mais
confortável possível.
Devidamente prontos, Manu coloca uma meditação
guiada de trinta minutos e nós relaxamos, eu nunca fui
de fazer essas coisas, mas me concentro assim como
faço antes de uma partida importante. Eu inspiro e expiro
profundamente e mentalizo coisas boas. Que meu filho
nasça com saúde, que Zara faça um bom parto, que ele
seja feliz, que entenda que as circunstâncias tão
diferentes que o cercam só o farão ser mais amado.
Imagino ele brincando com Nick, imagino a relação que
os dois terão, imagino eu o levando para patinar,
ensinando sobre hockey e trazendo para ele a mesma
sensação que tenho quando estou deslizando pelo gelo.
Penso em todas as coisas que quero proporcionar a ele,
penso em como será incrível se ele tiver irmãos e como
vai ser incrível ter filhos com Manuela. Abro o olho
rapidamente e espio minha namorada completamente
concentrada em sua respiração.
Eu a amo tanto e amo o amor que ela já tem por
esse bebê.
“Você vai ser muito amado, filho”.

E então, acontece.
A meditação guiada funciona e Zara dorme assim
que ela termina, nós saímos de fininho do quarto, mas
em um dado momento da noite acordamos com Erik nos
chamando. Ela levantou para ir ao banheiro e a bolsa
estourou assim que Zara colocou os pés no chão. Manu e
eu nos organizamos, ajudamos a pegar todas as malas e
demais coisas que ela venha a precisar e a mãe do meu
filho logo começa a sentir as contrações. O caminho
passa como um borrão por meus olhos, quando chego ao
hospital, ela já está urrando de dor, a obstetra já está a
caminho e nós todos nos acomodamos no quarto,
estamos todos ansiosos, nervosos e com expectativa.
Manu está ao meu lado usando um conjunto de
moletom cinza, ela, infelizmente, não poderá ir conosco
na sala de parto, porque eu e Erik fazemos questão de
estar os dois junto de Zara. Eu a abraço pela cintura
assim que saio do banheiro devidamente vestido com a
roupa verde cirúrgica.
— Ele vai nascer, Nate — a voz da minha namorada
soa um pouco mais baixa e quando olho para ela, nós
dois estamos com uma lágrima solitária escorrendo pela
bochecha. — Não vejo a hora de conhecê-lo.
Eu a envolvo em um abraço apertado e colo nossas
testas, sentindo seu cheiro, seu calor e todo o amor que
ela emana para mim.
— Eu amo tanto você — digo baixo as palavras. —
Obrigado por ter me escolhido, por ter me deixado te
amar mesmo quando eu não merecia. Obrigado por amar
essa criança.
— Seria impossível não amar ele e você — ela dá
um sorriso doce e deixo a pergunta que tanto quero fazer
escorrer por meus lábios.
— Preciso te perguntar uma coisa.
— O quê?
— Casa comigo? — O ar falta em meus pulmões e
abro os olhos para ver a íris de Manuela brilhar. Ela é o
amor da minha vida. — Depois que ele nascer, que as
coisas se acertarem de uma vez, casa comigo? Fica
comigo para sempre, por favor.
Manu respira fundo e cola nossas testas
novamente uma na outra.
— Me pergunte de novo depois — ela dá um beijo
breve em meus lábios.
Nos afastamos quando ouvimos a voz da médica
obstetra de Zara entrar no quarto juntamente com mais
alguns membros da equipe médica. Ela começa a
conversar com Zara e explicar como tudo vai funcionar e
eu me permito ficar realmente nervoso, tento controlar
minha respiração e me atento a tudo que ela explica.
Zara está com dilatação suficiente para começarmos o
parto. Está mesmo acontecendo, ele vai nascer. Meu
menino vai nascer.
A médica pergunta se eu e Erik vamos mesmo
acompanhar Zara e nenhum de nós hesita, ele está tão
nervoso quanto eu, mas tentamos dar o nosso melhor. Os
médicos ajudam Zara a se sentar na cadeira de rodas
para que possa ir para a sala de parto. Manu avisa que
vai esperar na sala de espera e antes que saia, Zara a
chama.
— Manu? Vem aqui — pede com a voz fraca,
claramente tentando controlar a dor que está sentindo.
Minha namorada se abaixa para ficar na altura de
Zara e as duas dão as mãos uma para a outra.
— Eu nunca encontrei o momento certo para fazer
isso, então vou aproveitar que todas as minhas emoções
estão à flor da pele e usar isso a meu favor — ela se
mexe na cadeira, visivelmente com dor, mas continua a
falar. — Desculpa por tudo que fiz com você.
— Zara…
— Você pode dizer que não, mas eu te magoei, eu
quase deixei que vocês dois fossem infelizes longe um do
outro com medo do que poderia acontecer, com medo de
julgamentos. Você tinha todos os motivos do mundo para
me odiar, você não precisava me ajudar, você nem
mesmo precisava gostar do meu filho — ela deixa um
soluço escapar e as duas começam a chorar. — Mas você
nem mesmo hesitou, você simplesmente viveu essa
gravidez junto conosco…
Manu apoia a cabeça nas mãos de Zara e as duas
choram juntas, Erik e eu também estamos derramando
nossas lágrimas e quando olho para a equipe médica,
estão todos igualmente emocionados.
— Eu nunca vou ser grata o suficiente a você por
tudo. Obrigada por tudo que você fez por mim e pelo
meu bebê — ela diz com a voz embargada.
— Não foi nada, Zara. Conte comigo para tudo,
você e ele — minha namorada levanta o rosto e limpa as
lágrimas dos olhos. — Agora, por favor, você deve estar
morrendo de dor, vai parir essa criança. Díos mio!
Dou uma breve risada ao ouvir as palavras em
espanhol de Manu e Zara assente. Antes, ela pede que
alguém tire uma foto desse momento e eu faço, Manu
beija as mãos de Zara e a mãe do meu filho olha com
admiração para a amiga. É uma foto linda, de duas
mulheres fortes e incríveis que mesmo diferentes em
muitos aspectos, foram capazes de se entender, de
superar adversidades.
— Vamos? — Zara pergunta para mim e para Erik e
nós assentimos.
A equipe médica volta a se movimentar e quando
passamos pela sala, deposito um beijo nos lábios de
Manu antes de nos despedirmos.
— Eu amo você.
— Eu também amo você — diz com a voz ainda
embargada. — Só volte aqui quando ele já tiver nascido.
Balanço a cabeça em positivo e me afasto dela,
indo em direção ao centro cirúrgico juntamente com Zara
e Erik. Estou sorrindo, estou cheio de expectativa, só
quero que fique tudo bem.
Ao chegar na sala de cirurgia, os procedimentos
todos começam e como sempre, Erik e eu nos
posicionamos um de cada lado de Zara, damos as mãos
para ela e a médica pede para que ela comece a fazer
força. Sou completamente inútil neste momento, não
estou fazendo nada, dizer que estou ajudando meu filho
vir ao mundo é uma grande mentira, é Zara quem está
fazendo tudo, Erik e eu só damos incentivo.
— Força, amor — ele diz.
— E você acha que eu estou fazendo o que? —
Responde ela entre os dentes e apertando com ainda
mais força minha mão. — E você, não ouse comentar o
óbvio — ela diz para mim e eu sorrio.
— Sim, senhora.
Ela continua a fazer força e eu continuo a
mentalizar que ela consiga.
Na sexta vez, Zara grita tão alto e aperta tão forte
minha mão que vejo ela perder a cor, mas então, um
choro alto irrompe a sala.
— Nasceu, mamãe. Nasceu.
Erik desaba de chorar, eu também e Zara tenta
controlar a respiração enquanto também chora. Mesmo
com as vistas embaçadas por conta das lágrimas, eu
tento procurar por meu filho, mas a equipe médica está
fazendo seu trabalho. Quando uma enfermeira caminha
em nossa direção com um embrulho em seus braços, eu
sinto meu coração disparar ainda mais, ela coloca meu
filho nos braços de Zara e eu o vejo. Ele é perfeito, ele
chora alto e eu o amo.
— Eu te amo — diz Erik para Zara e se abaixa para
depositar um beijo na testa dela.
Eu olho para ele, como se, em um pedido mudo,
pedisse permissão para me aproximar e fazer o mesmo.
Posso não amar Zara como uma mulher, da mesma
forma como amo Manuela, mas eu a amo por trazer ao
mundo essa criança. Ele assente e eu me abaixo para dar
um beijo em sua testa.
— Obrigado.
Zara olha para mim, com seus grandes olhos azuis
e sorri.
— Oi… Louis — ela diz para o bebê em seu colo e
nós todos sorrimos. Decidimos o nome dias atrás e não
poderia ser mais perfeito para ele.
— Oi, Lou — eu digo olhando para o meu filho e me
aproximando mais. — Eu amo você, filho.
Nós todos continuamos a chorar até que peguem
Louis novamente, nós saímos do centro cirúrgico, para
que eles possam levar Zara para o quarto e ela também
descanse e eu ando até a sala de espera, para encontrar
o outro amor da minha vida.
Manuela está sentada em uma das cadeiras, mas
quando me vê se levanta às pressas.
— Quer conhecer o Louis? — Pergunto e ela
começa a chorar no mesmo instante, enquanto balança a
cabeça dizendo que sim.
Seguro sua mão e a levo até o berçário, são quase
seis da manhã, não há muitos bebês ali, mas eu
reconheceria o meu em qualquer lugar. Quando paramos
em frente ao vidro, eu aponto para o terceiro bebê da
segunda fileira. Manu se aproxima mais do vidro e olha
para Louis, um sorriso gigante se expande em seu lábio e
eu a amo. Eu a amo tanto. As duas pessoas que mais
amo estão se conhecendo neste momento e eu sou o
homem mais feliz do mundo.
— Eu aceito — a voz de Manu soa baixa e
embargada. Eu me viro para olhá-la e Manu faz o mesmo.
— Eu aceito me casar com você.
Eu a envolvo em um abraço, tomo sua boca com a
minha e deixo que nossas lágrimas de felicidade se
misturem em nosso beijo. Vou fazer o pedido oficial
quando tudo estiver resolvido, mas vou me casar com
essa mulher, vou fazê-la minha de todas as formas
possíveis e impossíveis. Nós nos separamos, para não
darmos um show e tanto no hospital e eu a abraço,
enquanto voltamos a olhar para o meu filho através do
vidro.
— Tia Manu ama muito você, Lou. E seu pai
também.
Fizemos o teste de paternidade alguns dias depois
que Louis nasceu. Recolhemos DNA dele, meu e de Erik.
Quando falamos sobre isso a primeira vez, meses atrás,
no início da gestação, no momento em que Zara me
ameaçou e tudo aconteceu, naquele momento, eu só
conseguia pensar que o teste seria a única alternativa
para que eu e Manuela ficássemos juntos. Mas as
circunstâncias mudaram e eu nunca serei capaz de
agradecer ao universo, Deus ou quem quer que seja,
pela generosidade para comigo, por ter a mulher que eu
amo ao meu lado, por estar no meu melhor momento
profissionalmente, tendo trazido o campeonato para o
meu time, por ter amigos incríveis ao meu lado. E mais
do que isso, por ter um filho saudável e que será muito
amado por mim, independente do resultado que esteja
escrito no exame que tenho em mãos.
— Pronto? — A voz de Manu soa ao meu lado e me
viro para olhá-la.
Os cabelos estão soltos por suas costas e sua mão
esquerda, agora, tem um pequeno pontinho brilhante,
um lembrete de que ela mais uma vez disse sim, de que
ela aceitou estar na minha vida para sempre.
— Pronto.
Ela faz carinho em meus cabelos recém cortados,
mas que, ainda assim, continuam levemente compridos.
Eu removo o lacre e pego os papéis em mãos, começo a
ler as análises clínicas, mas por não entender nada, vou
logo para a última página para ler o laudo final.
Meu coração dispara e minhas mãos tremem mais
do que antes. As lágrimas começam a escorrer dos meus
olhos e eu respiro fundo.
— É meu. Eu sou o pai dele.
Três anos depois
Seguro o celular nas mãos enquanto olho para o
rinque de gelo onde uma figura alta segura, com cuidado
e com as duas mãos, um garotinho com seus três anos.
Nathan disse que, quanto antes Louis começasse a
pegar gosto pelo gelo e pelo rinque, melhor seria. Eu
tentei convencê-lo a deixar que Lou escolhesse por livre
e espontânea vontade o hockey, mas estamos falando de
Nathan LeBlanc, o astro do hockey escandinavo, um dos
maiores pontuadores de todos os tempos, o cara que
ergueu o time do Stockholm Älg e que se recusa a pensar
que seu filho pode não ter o mesmo interesse pelo
esporte que ele tanto ama. Juro que todas as vezes que
ele vê Louis jogando bola, ele sua frio. Meu marido não
tem jeito.
Apesar disso, ainda que eu ache que ele está
levando Louis para o rinque para influenciar o filho a
escolher o hockey, a cena não deixa de ser linda. O
pequeno garotinho, de olhos azuis como os da mãe e
cabelos castanhos escuros como o do pai, não para de rir
e dar gritinhos baixos enquanto desliza pelo gelo com
seus patins minúsculos. Eu até poderia estar junto, mas
eu confio mais em meu potencial esquiando do que
deslizando pelo gelo.
Encerro a gravação e encaminho para Zara e Erik,
os dois tiraram o final de semana de folga e foram viajar
para descansar um pouco, mas foram incisivos em dizer
que queriam ver a primeira vez de Louis no gelo. Assim
que encaminho o vídeo para eles, ouço uma voz aguda
me chamar.
— Tia Manu! Tia Manu!
— Oi, meu amor — eu grito de volta.
— Olha só, eu tô deslizando.
— Eu estou vendo, Lou.
Nathan pisca para mim e eu sorrio para ele. Eu os
amo tanto, eu amo tanto a família que ganhei, amo
nossa história e amo que, no final das contas, tudo deu
mais do que certo na minha vida. Sempre vou sentir falta
do meu país, sempre vou sentir falta do acolhimento, de
familiaridades que só o meu país de origem, Tonia,
Martina e Pablo podem me proporcionar, mas todos os
dias se torna mais fácil controlar as saudades. Eu me
sinto em casa, eu estou em casa.
— Chega por hoje? — Diz Nathan para o filho,
pegando-o no colo. — Tia Manu está cansada e o papai
também.
— Você vai me trazer de novo? — Pergunta Louis
para o pai e eu juro que meu marido solta fogos de
artifício ao ouvir isso.
— Claro que vou, quando você quiser — Nate beija
as bochechas rosadas de Louis e o pequeno ri. — Quando
você crescer mais um pouquinho, nós vamos comprar
tacos e aí você vai jogar igual o papai.
Nate desliza com Lou no colo até chegar na
entrada do rinque e eu pego os protetores de patins para
os dois. O protetor de Louis é minúsculo, mas é
completamente fofo, assim como ele. Eu o ajudo a sair
do rinque e entrego os protetores maiores para Nate, que
se curva para depositar um beijo em meus lábios.
— Tudo bem por aí? — Pergunta olhando para mim
e deposita a mão livre em minha barriga.
— Estamos bem — dou um sorriso gentil para ele.
Ficar grávida não estava nos meus planos, mas
muitas coisas na minha vida, nos últimos anos, não
faziam parte das minhas metas e no final das contas,
eram exatamente o que eu precisava e não sabia.
— Podemos comer aquele bolo gostoso rosinha? —
Lou chama nossa atenção e dou risada.
Na última vez que ele estava conosco, nós
estávamos voltando de um passeio e passamos em
frente a cafeteria que eu trabalhava quando conheci
Nate. Por conta da nostalgia, decidimos parar para tomar
um café e Louis provou o típico bolo sueco que era um
dos mais pedidos na cafeteria.
— Topa? — Nate pergunta para mim.
— Claro. Está meio frio, será ótimo tomar um café
para acompanhar.
Meu marido sorri e de mãos dadas, caminhamos
pelo túnel tão familiar para nós indo em direção ao
vestiário do Älg, para que eles possam trocar seus patins
pelos sapatos e assim possamos ir para o café. Ajudo
Louis a tirar seus patins e os guardo na mochila de Nate.
Lou é uma criança linda, agitada e que tem o potencial
de quem ainda vai aprontar muito, mas sendo filho de
Nate, eu não poderia esperar menos. Fico pensando se a
criança que estou gerando será mais como eu ou como
ele, tenho pensado muito sobre isso, é engraçado
imaginar os mais diferentes cenários. É engraçado
imaginar que vou ser mãe.
— Vamos? — Nate estende a mão para mim e nós
caminhamos em direção a saída.
O vento gelado bate em meu rosto e eu tremo um
pouco os lábios, depois que descobri a gravidez, parece
que voltei a sentir frio assim como nos primeiros meses
em que cheguei aqui.
— Muito frio por aí, linda? — Pergunta Nate me
puxando para mais perto de seu corpo.
— Só um pouquinho — respondo e envolvo sua
cintura com meu braço.
— Eu esquento você também, tia Manu. E o meu
irmãozinho ou irmãzinha também — Lou vem até mim e
abraça minhas pernas. Eu não consigo andar por conta
do movimento, mas me abaixo para pegá-lo no colo.
— Um abraço quentinho seu vai me aquecer e
muito, Lou-Lou — deposito um beijo em suas bochechas
e ele começa a dar gostosas gargalhadas.
Nate abre a porta do carro e eu coloco Louis na
cadeirinha e entro no banco da frente, meu marido toma
a liderança no volante e nós vamos até a cafeteria que
eu trabalhava enquanto cantamos, à nossa maneira, as
músicas que tocam no rádio. Nate tem a mão direita em
minha barriga o tempo todo, mesmo que as blusas todas
não deixem que ele consiga sentir muita coisa, ele tem
estado assim o tempo todo, desde que descobrimos.
A cafeteria não mudou muito depois que saí do
trabalho para assumir um cargo em um museu de
Estocolmo, cuidando da curadoria. Entramos pela porta,
que ainda tem o mesmo sino de quando era eu a estar
atrás do balcão e o cheiro tão familiar me invade as
narinas. Louis dispara assim que a porta se abre e vai até
a vitrine para ver se encontra o bolo que tanto quer
comer.
— Lembra quando eu entrei aqui e pedi para você
ser minha namorada de mentira? — Nate sussurra baixo
em meu ouvido e eu dou risada.
— Claro que me lembro — respondo me virando
para ele. — Ainda hoje, eu acho inusitado a sua audácia
de aparecer do nada e sugerir uma coisa daqueles sem
nem mesmo um contexto.
— Nunca tomei uma decisão precipitada tão certa
em minha vida — Nate diz orgulhoso. — De garota do
café para mãe dos meus filhos — ele rouba um beijo dos
meus lábios e eu sinto o calor dele dominar todo o meu
corpo — Sabe o que eu estou pensando? Eu e você, na
nossa cama, fodendo baixinho para não acordar o Lou —
Nate fala baixinho ao meu ouvido e fico excitada
automaticamente.
— Vou cobrar a promessa — digo em um sussurro e
ele me beija de novo.
— Eca, papai! — A voz de Louis ressoa entre nós e
ele tenta nos afastar. — Isso é nojento.
Nate se abaixa para pegar o filho no colo e faz
cosquinhas na barriga dele.
— Vamos ver se depois de grande você vai
continuar a pensar assim.
Nós seguimos pela fila e fazemos nosso pedido, eu
peço um café simples, Nate pede seu Latte Caramelo e
pedimos um pedaço do bolo para Louis. Nos sentamos
em uma mesa próxima a janela e quando coloco Louis
em sua cadeirinha, enquanto tiro a jaqueta dele, o
pequeno me faz uma pergunta engraçada.
— Tia Manu, de onde vem o frio?
Olho para ele com carinho e com amor e respondo
a verdade para ele.
— O frio vem de vários lugares, meu amor: das
montanhas geladas que eu e seu pai te levamos aquela
vez para passear, do vento forte que bate no nosso
rostinho, o frio vem da neve que às vezes cai do céu. Ele
vem de muitas partes, de formas muito diferentes, mas,
sabe como a gente pode sempre ficar quentinho? —
Pergunto e ele balança a cabeça. — Estando sempre
perto daqueles que amamos. Sabe por que a tia Manu
não está com frio agora? Porque você, o papai e seu
irmãozinho ou irmãzinha, que está crescendo aqui —
coloco a mão em minha barriga — me aquecem muito.
Assim como a sua mamãe, seu papai Erik, o tio Dave, a
tia Mahara, o Nick, sua prima Martina…
Ele fica alguns segundos em silêncio e coloca a
mão pequena em meu rosto. Os olhos azuis, que mais
parecem duas bolinhas de gude de tão claros, piscam
para mim e ele volta a falar com a voz fininha.
— Eu te amo, tia Manu.
— Eu também te amo, Lou.
Ele me abraça e eu faço o mesmo, sentindo
pequenas lágrimas brotarem em meus olhos. Olho para
Nate e ele nos observa com amor, com admiração, ele
olha para nós como se nós fossemos o seu mundo. E eu
sei que somos, porque eles também são o meu.
Anos atrás, um jogador que tinha o nome na boca
do povo me ofereceu um acordo bobo para que eu fosse
sua namorada de mentirinha e eu jamais, em momento
algum, iria imaginar que ele poderia me fazer sentir em
casa em um lugar tão diferente da minha realidade. Mas
Nate sonhou os meus sonhos, me ajudou a realizar
alguns deles, me deu uma família, amigos e amor. Nate
me escolheu e eu o escolhi. Ele me ama por tudo que sou
e eu o amo por tudo que ele é. E todas as vezes que eu
penso em casa, eu não penso mais em Santiago, ou em
Estocolmo, ou em qualquer outro lugar do mundo, um
lugar fixo no planeta. Eu penso nele. Porque, para mim,
casa é onde quer que Nate, Lou e meu bebê estejam
comigo.
F.I.M

Mas, se eu fosse você, virava a


página...
Prólogo
Mahara Jakobsson
— Mahara Al-Sabbah Jakobsson, você aceita se
casar comigo?
Toda e qualquer mulher no mundo ficaria em
êxtase com uma pergunta dessas. É fato que, para a
maioria de nós, o pedido de casamento é considerado
um evento importante na vida. Talvez o evento mais
importante.
Sempre imaginei que lágrimas iriam escorrer dos
meus olhos, que os meus lábios iriam se esticar em um
sorriso tão grande que seria possível enxergar de longe.
Imaginei e acreditei fielmente que esse seria um dia
inesquecível na minha vida.
Nunca duvidei que diria sim, nunca me passou pela
cabeça que eu cogitaria dizer não, eu nem sequer
hesitaria. Se alguém me pedisse em casamento, nos
meus sonhos, eu jamais iria pensar muito a respeito,
apenas diria que sim. Porque estaria completamente e
perdidamente apaixonada.
Dizem que quando você morre, você vê a sua vida
inteira em segundos durante aquele último suspiro de
vida. Não estou morrendo e tampouco vejo a minha vida
diante dos meus olhos.
Eu vejo memórias, eu vejo as coisas que vivi no
verão passado. Eu vejo aquilo que não poderei ter se
disser sim. Se eu aceitar este pedido, a única coisa que
consigo pensar é que nunca mais vou poder beijá-lo
novamente. Se disser sim, nunca terei a chance de tocar
seus cabelos loiros novamente, nunca mais vou poder
olhar em seus olhos azuis e admirar o quão profundo eles
são. Nunca mais vou sentir suas mãos me tocando nos
lugares certos, nunca mais vou sentir ele me dando
prazer, entrando e saindo de mim com delicadeza, mas
também com brutalidade, do jeito que só ele sabe fazer.
Nunca vou poder massagear suas costas enquanto
ele trabalha, nunca vou poder brincar a respeito dele
trabalhar digitando qualquer coisa em uma tela preta no
computador. Nunca vou saber como é esperá-lo com
expectativa, ansiosa para que ele retorne para casa.
Nunca poderei brigar com ele porque quero colocar uma
nova prateleira para meus livros no escritório. Nunca
poderei cuidar de Nick, a criança mais adorável que
conheço e que aprendi a amar.
Se disser sim para este pedido, nunca poderei
amar Dave Bennet.
Vejo vocês em breve.
AGRADECIMENTOS
Esse talvez seja o agradecimento mais esquisito
que farei, mas, em primeiro lugar, eu gostaria de
agradecer ao destino, essa força maior ou qualquer coisa
que seja, que me trouxe exatamente até onde estou
agora: sentada em minha mesa de trabalho em minha
casa... Na Suécia. Essa mudança tão radical, tão
diferente e tão desafiadora foi fundamental para que a
história de Manuela e Nathan nascesse. Nunca escrevi
um livro tão pessoal e no mesmo nível tão diferente da
minha realidade e de tudo que já vivi. Obrigada, vida, por
ser uma caixinha de surpresas.
Obrigada ao meu amor, Felipe, por viver
intensamente minhas histórias, pelas xícaras de café,
almoços e jantares, pela paciência e pelo
companheirismo. Você faz com que a ideia de almas
gêmeas não soe tão piegas.
Obrigada à minha mãe, meu pai, meu padrasto e
irmão por serem meu alicerce. Obrigada aos meus
amigos Eduardo, Ana Carol, Gi Leão, Fernanda e Thais. O
apoio de vocês é fundamental e eu amo vocês.
Obrigada às minhas leitoras betas: Caroline Dias,
com seus áudios de sofrimento; Fer Martins, que se
preocupa com meus horários de sono; Fer Freitas, que,
literalmente, viu esse livro nascer em cada sprint de
escrita; Laura Vitelli, por ser meu alicerce o tempo todo;
Olivia Ayres, por se emocionar e muito e ser essa pessoa
maravilhosa; Milena Fernandes, por acreditar em mim
desde o primeiro dia. Amo vocês.
Obrigada Clarissa Progin por revisar mais um livro e
Gabi Goes por fazer o logo do Stockholm Älg ganhar vida,
assim como a ilustração Manu e Nate.
Obrigada às minhas leitoras e leitores que sempre
agarram com unhas e dentes a ideia de um novo livro,
vocês são fundamentais e, sem vocês, minha carreira de
escritora jamais existiria. É por causa de vocês que o
maior sonho da minha vida é realizado a cada livro
publicado. Vocês são tudo.
Sobre mim
Nascida na Grande São Paulo, Beatriz formou-se em Letras pela
Universidade de São Paulo. Quando não está escrevendo, passa a maior
parte do tempo lendo, ouvindo música, vendo filmes e planejando viagens.
Não dispensa um café quentinho, shows e uma tarde com os amigos. Não
necessariamente nessa ordem. Atualmente, passando muito frio, mora na
Suécia com o marido e seu cachorro Baleia.
Suas publicações incluem: Além de Mim, escrito juntamente com sua melhor
amiga e publicado pela Editora Sinna no primeiro semestre de 2021. Fair
Play, Overtime, uma história de Fair Play e End Game (Um Spin-Off de Fair
Play) publicações independente lançadas no segundo semestre de 2021.
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Outros livros da autora

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Nash Sullivan está vivendo sua melhor fase: último ano da faculdade de
engenharia, um emprego legal e claro: muitas festas, garotas e diversão.
Entretanto, mesmo com uma vida social agitada, ele não é capaz de ignorar
a presença de um rosto familiar.
Para Heather Cooper — a capitã do time de futebol da Universidade de
Washington —, suas maiores preocupações são as notas boas e ganhar o
campeonato nacional. Apesar de ter a vida regrada, seus olhos, vez ou
outra, se voltam para o cara de cabelos loiros que ela tão bem conhece.
Duas pessoas. Um sentimento em comum.
Seria fácil resolver a questão se os dois não tivessem um passado marcado
por desencontros.
Quando um acaso do destino os une, torna-se inevitável ignorar a atração
física que existe entre eles. Assim como será difícil reprimir os sentimentos
que vão voltar com força total.
Em uma relação como essa, será difícil jogar limpo.
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Hunter Donavan teve seu coração quebrado. De novo.

Ele está frustrado e cansado de procurar alguém que possa preencher seu
coração e corresponder a todos os grandes gestos que é capaz de fazer.

Quase não há mais esperança.

O grande problema é que Hunter está olhando para todos os lados e


procurando em todos os lugares possíveis, quando na verdade, o amor está
ao seu lado há anos.

Ele pode até pensar que o jogo acabou, mas tudo pode mudar na
prorrogação.

(Apesar de ser uma história independente, recomenda-se ler Fair


Play para uma melhor compreensão).
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Os pais deles se conheceram na faculdade, criaram laços, amadureceram…
Tiveram filhos. Os anos se passaram, o curso da vida seguiu e, agora, é a
vez da nova geração.

Emma Kim Campbell McGlam sabe da importância que o ambiente


universitário tem em sua vida e agora, ela está pronta para traçar seu
caminho. Estudar é a sua prioridade número um.

A segunda é evitar ao máximo Colin Cooper Sullivan, o mais novo jogador


do time de futebol americano da faculdade, estudante de arquitetura e o
sobrinho favorito de seus pais.

Eles cresceram juntos, mas tanto Colin, quanto Emma adoram se irritar. Eles
acreditam fielmente que não se importam tanto assim um com outro. Mas
isso vai mudar com a maturidade, com o ambiente universitário e a partir do
momento em que apelidos infantis adquirirem um novo significado.

Eles juram que o placar já está definido, mas ainda estão longe do final do
jogo.
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Beatriz Garcia e Natália Loureda

A vida de Georgia Williams não tem nada de espetacular, entre fazer


faculdade e trabalhar em um cinema local, seus problemas diários ocupam
sua mente quase todo o tempo.
Em contraste, Noah Baker está aproveitando a vida da melhor maneira
possível. Como baterista de uma banda em ascensão, ele leva a vida com
positividade, ainda que tenha sua parcela de problemas para lidar.
Quando os destinos dos dois se cruzam, a mente racional de Gia e o coração
puro de Noah os levam a uma jornada incerta.
Será que existirá espaço para Noah em um coração tão cheio de mistérios
quanto o de Gia?

[1]
“Meu Deus”, em espanhol.
[2]
“Aleluia” em sueco.
[3]
Processo de seleção de jogadores.
[4]
“Eu não posso acreditar”, em espanhol.
[5]
Série produzida pelo Netflix.
[6]
Desenho animado criado por Joe Ruby e Ken Spears.
[7]
Tipo de cobertura usada por muitas mulheres muçulmanas.
[8]
Time de futebol chileno.
[9]
“Parabéns, querido Nathan. Parabéns pra você”. Música de aniversário
em inglês.
[10]
Técnica artística de tingimento de tecidos.
[11]
Personagens femininas da série Game Of Thrones.
[12]
Heather Cooper é uma jogadora de futebol, cuja história é apresenta em
Fair Play.
[13]
Chicago PD é uma série de televisão estadunidense.
[14]
No hockey, o slapshot é uma jogada executada com apenas um
movimento com o taco e o disco, considerada um das jogadas mais difíceis
de ser feita.
[15]
Troca de mensagens com conteúdo sexual.
[16]
“Eu te amo, Manu”, em espanhol.
[17]
“Eu também te quero, Nate”, em espanhol.
[18]
Filme de 2004 baseado no livro de mesmo nome de Nicholas Sparks.
[19]
Referência ao filme Titanic, de 1997.
[20]
Banda de hard rock americana.
[21]
Pablo Ruiz Picasso um famoso pintor espanhol.
[22]
A Capela Sistina é uma capela situada no Palácio Apostólico, no
Vaticano. Foi pintada por Michelangelo.
[23]
Trevo Gallagher e Luca Capone são personagens da Série Paradise, de
Fernanda Freitas.
[24]
“Olá, meu amor”, em espanhol.
[25]
“Eu amo você”, em espanhol.
[26]
“Eu também”, em espanhol.
[27]
Banda de Hard Rock estadunidense.
[28]
Baixista do Guns N’ Roses.
[29]
É uma empresa global de origem sueca, especializada na venda de
móveis domésticos de "baixo custo".
[30]
Zlatan Ibrahimović é um jogador sueco, considerado um dos maiores
atacantes do mundo.
[31]
Marca de luxo famosa italiana.

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