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METODOLOGIA DO DIREITO 1

I
Duas prestigiadas e experientes empresas concorrentes do ramo da construção e promoção imobiliária (que
passaremos a designar por A e B) celebraram há seis meses, por documento particular, um contrato-promessa
no qual A prometia vender a B um dos terrenos de que é proprietária (terreno este de resto com licença de
construção devidamente certificada). Tendo sido abordado nas negociações preliminares o problema da
possível invalidade do negócio, os contraentes acabaram por não incluir no contrato qualquer cláusula que
lhe fizesse referência (a começar por aquela que eventualmente os libertaria do reconhecimento presencial
das assinaturas):a promitente vendedora ainda admitiu que tal cláusula pudesse ser relevante, a promitente
compradora argumentou persuasivamente que, no contexto das actividades económicas desenvolvidas pelas
duas empresas, esta lhe parecia «desnecessária». Decorrido o limite temporal convencionado no contrato, B
(promitente compradora), que entretanto adquirira um terreno com dimensões e preço mais vantajosos do que o
primeiro, recusa-se a marcar a escritura correspondente, argumentando que o contrato em causa é nulo (por ter
preterido a exigência do reconhecimento presencial das assinaturas dos promitentes) e admitindo que irá pedir
que A seja condenada a restituir o sinal, acrescido de juros de mora (a contar desde a data da sua citação até
integral pagamento). A (promitente vendedora) responde que, não obstante a ausência do reconhecimento
presencial, a promessa é formalmente válida, pelo que, se B persistir no seu intento, irá por sua vez pedir que esta
seja condenada, por incumprimento, na perda do sinal prestado.

Imagine-se o julgador deste caso-controvérsia (com todos os elementos narrados devidamente comprovados),
admitindo também que, numa primeira abordagem, seleccionou como critérios a ter em conta (a experimentar…) as
normas legais dos art.ºs 410 nº 3 e 334º do Código Civil.
(a) [2,5] Começando por se referir em termos gerais ao sentido que deve ter um juízo autónomo de juridicidade sobre
o caso decidendo (este concebido como prius metodológico), explore depois no caso narrado a questão específica
dos elementos ou circunstâncias que o compõem (distinguindo assim as circunstâncias exemplares e as não
exemplares) [Para distinguir estas circunstâncias considere separadamente a relação com cada uma das normas
seleccionadas].
(b) Concentrando-se na norma hipotética do art.º 410º nº 3 (levada a sério como «norma aplicável») e na
reconstituição da sua ratio legis, admita que seleccionou uma compreensão doutrinal (beneficiando de uma
fortíssima presunção de racionalidade) no qual se reconhece que o propósito da referida norma é proteger o
interesse daquele promitente comprador que (enquanto sujeito individual adquirente de imóveis) se possa
dizer inequivocamente «consumidor» [«A exigência do reconhecimento presencial da assinatura do
promitente ou dos promitentes intenta a protecção dos meros particulares adquirentes de direitos reais
sobre edifícios ou fracções autónomas destes. É uma disciplina que se reconduz ao âmbito de defesa do
consumidor e que se esgota aí…»]. O conceito de «consumidor» que assim se pressupõe é por sua vez
assimilado da «definição legal proposta no nº 1 do artigo 2º da Lei nº 24/96, de 31 de Julho (Lei de Defesa
do Consumidor:) [«[C]onsidera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados
serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter
profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios»].
Tendo em atenção os materiais (legais e doutrinais) assim selecionados, esclareça, ainda em geral:
[2,0] (b)’ o que é que significa a reconstituição da ratio legis e qual é o momento da compreensão da norma-
-problema em que esta se integra;
[2,0] (b)’’ o que é que significa a presunção de racionalidade de que os critérios dogmático-doutrinais beneficiam
e o modo como esta deve ser metodologicamente tratada [Na sua resposta não deixe de se referir ao
chamado direito dos juristas ou jurisprudência em sentido amplo e ao seu contributo, na questão-de-direito em concreto,
para a especificação teleológica da normatividade da norma].
(c) [3,5] Admita por fim que, ao concluir a experimentação da norma hipotética do art.º 410 nº 3, entende
dever extrair desta um critério (uma norma judicativamente apurada) que, ao ser trazida à correspondência
analógica com o caso judicando, dá razão à empresa A. Trata-se na verdade de, à luz do referido critério
doutrinal (supra, alínea b)), defender que, celebrando-se a promessa entre empresas do ramo da construção
civil e da promoção imobiliária (que não são consumidoras mas pessoas que exercem com carácter profissional uma
actividade económica), carece de justificação a exigência formal quanto ao reconhecimento das assinaturas
pelos promitentes. Como designaria o resultado a que chegou (e como reconstituiria os seus pressupostos)?
Está de acordo com a assimilação da controvérsia que este permite ou defenderia antes um tratamento
diferente? Será que para esta sua resposta terá alguma relevância socorrer-se (positiva ou negativamente) da
mediação do critério do art.º 334.º?

II
[5 + 5] Comente dois (e apenas dois) dos quatro textos seguintes, esclarecendo as categorias de inteligibilidade
a que estes aludem (devidamente assinaladas em itálico) e mostrando justificadamente se está ou não de acordo com
cada uma das posições neles defendidas:

(A) «Ao prescrever teoreticamente uma fronteira estanque entre interpretação em abstracto e aplicação (e ao conferir à
sequência destes dois momentos uma identidade não apenas analítica mas também cronológica), o Método
Juridico do século XIX assume explicitamente uma certa relação intencional entre logos e método …»

(B) «Não podemos confundir o discurso que, em nome de uma contemplação de Bens ou valores indisponíveis,
exige uma filosofia especulativa da praxis… com aquele outro que, na perspectiva de uma engenharia social
encore à faire, reduz esta praxis a uma pura techné. A verdade porém é que nenhum destes discursos
corresponde a um autêntico pensamento prático…»

(C) «O momento da prova rompe com a unidade metódica da realização do direito, impondo um discurso
sustentado numa racionalidade teorético-científica…»

(D) «Duas compreensões inconfundíveis da relevância do elemento gramatical distinguem metodologicamente


a interpretação restritiva e a assimilação por adaptação restritiva. O problema que a segunda assume não pode na
verdade confundir-se com a especificação de uma relação lógico-hermenêutica…»

METODOLOGIA DO DIREITO 2
I
Maria é proprietária de uma pequena vivenda, de construção frágil, muito vulnerável a infiltrações, a qual deu
de arrendamento a Pedro há mais de quarenta anos. Pela contrapartida do uso e fruição desta habitação, Pedro
paga actualmente a Maria a renda mensal de 50 €, já actualizada nos termos do NRAU. Com o agravamento
das condições de habitabilidade, provocado por um inverno particularmente rigoroso, Pedro interpela Maria
para proceder à realização de obras. Um parecer assumido na sequência de uma vistoria de obras e
salubridade confirma que as patologias estão relacionadas com a fraca qualidade de construção,
nomeadamente a ausência de isolamento térmico. Não muito tempo depois, Maria é notificada pela Câmara
Municipal para, no prazo de 60 dias, executar as obras no locado, às quais o orçamento elaborado pelo
Departamento de Urbanismo atribui o valor global de 12000 €. Pedro intenta uma acção contra Maria, pedindo
a condenação desta a realizar as obras constantes do auto de vistoria e ainda a pagar-lhe uma quantia de 2000€,
a título de indemnização por danos morais (referidos ao «stress» que as condições da casa lhe têm imposto).
Maria defende-se invocando que, no momento da celebração do contrato de arrendamento, a casa já sofria
das infiltrações em causa e que o arrendatário, não obstante conhecer tais vicissitudes, aceitou celebrá-lo
nestes termos; a renda muito baixa (mesmo depois das actualizações) reflectiria de resto esta circunstância
(pelo que realizar agora as obras representaria uma violação intolerável das exigências de equilíbrio
associadas às prestações contratuais). Pedro riposta, acentuando que as infiltrações se têm acentuado
significativamente nos últimos anos (o estado da casa é agora incomparavelmente outro!) e que Maria tem
condições patrimoniais que lhe permitem facilmente suportar o montante das obras.

Imagine-se o julgador deste caso-controvérsia (com todos os elementos narrados devidamente comprovados),
admitindo também que, numa primeira abordagem, seleccionou como critérios a ter em conta (a experimentar…) as
normas legais dos art.ºs 1074º nº 1 (introduzida pela Lei n.º 6/2006)1 e 334º do Código Civil.
(d) [2,5] Começando por se referir em termos gerais ao sentido que deve ter um juízo autónomo de juridicidade sobre
o caso decidendo (este concebido como prius metodológico), explore depois no caso narrado a questão específica
dos elementos ou circunstâncias que o compõem (distinguindo assim as circunstâncias exemplares e as não
exemplares) [Para distinguir estas circunstâncias considere separadamente a relação com cada uma das normas
seleccionadas].
(e) Admitindo incluir no momento teleológico-sistemático de compreensão da norma hipotética do art.º 1074º nº 1
(levada a sério como «norma aplicável» e assim mesmo reconstituída enquanto juízo problemático) uma
referência ao princípio da responsabilidade enquanto reciprocidade comutativa (ou a este na sua dialéctica
irredutível com o princípio pacta sunt servanda), esclareça, ainda em geral, o que é que significa:
[1,5] (b)’ distinguir na norma-problema as faces-dimensões da decisão impositivo-dogmática e do juízo problemático;
[2,0] (b)’’ distinguir no momento teleológico-sistemático a justificação da decisão e o fundamento do juízo.
(f) [4,0] Admita por fim que, ao concluir a experimentação da norma hipotética do art.º 1074º, entende dever
extrair desta um critério (uma norma judicativamente apurada) que, ao ser trazida à correspondência analógica
com o caso judicando, dá parcialmente razão a Maria, «paralisando» o exercício do direito de Pedro. Trata-
-se na verdade de defender que a citada norma leva referido o princípio suprapositivo da responsabilidade e
que uma das especificações irredutíveis deste princípio corresponde à exigência de uma executio iusti
(associada à responsabilidade por reciprocidade comutativo-contratual e ao equilíbrio das prestações em que esta se
baseia). Como designaria o resultado a que chegou? Está de acordo com a assimilação da controvérsia que
este permite ou defenderia antes um tratamento diferente? Será que para esta sua resposta terá alguma
relevância socorrer-se (positiva ou negativamente) da mediação do critério do art.º 334.º?

1
«Cabe ao senhorio executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes
ou pelo fim do contrato, salvo estipulação em contrário…» (art.º 1074º nº 1)
II
[5 + 5] Comente dois (e apenas dois) dos quatro textos seguintes, esclarecendo as categorias de inteligibilidade
a que estes aludem (devidamente assinaladas em itálico) e mostrando justificadamente se está ou não de acordo com
cada uma das posições neles defendidas:

(E) «Com a ajuda insuspeita da interpretação de HAYEK (embora conferindo ao contraponto nomos /thesis um
sentido distinto), o neologismo metodonomologia permite-nos identificar uma reflexão metodológica que,
sem corresponder às pretensões de uma “metodologia jurídica global”, nos aparece rigorosamente
concentrada no problema da decisão judicativa…»

(F) «O pragmatismo manifestado pelos funcionalismos materiais, ao assumir um explícito teleotecnologismo, situa-
-nos num território único, irredutível às possibilidades quer das racionalidades sujeito/objecto, quer das
racionalidades sujeito/sujeito…»

(G) «Se admitirmos a progressiva integração, no juízo de interpretação em abstracto, de componentes teleológicas
(conjugando a relevância dos elementos extra-textuais com as possibilidades do objectivismo actualista e estas com
a preservação imaculada da teoria da alusão), esbatem-se significativamente as diferenças metodológicas que
separam a interpretação extensiva, a assimilação da relevância por adaptação extensiva e a extensão teleológica…»

(H) «A rejeição do paradigma formalista do silogismo subsuntivo exige que, sem alternativa, atribuamos ao cânone
metódico dos efeitos sociais da decisão um relevo pragmaticamente decisivo …»

METODOLOGIA DO DIREITO 3
I
Há mais de dez anos, Júlia deu de arrendamento a António um grande e velho pavilhão, de construção precária, situado
num terraço (com entrada independente e belíssima vista) de um prédio urbano de que é proprietária, pavilhão este que
se destinava a constituir o estúdio do António, um jovem pintor. António, que entretanto se tornou um artista muito
mediático, tem continuado a trabalhar no pavilhão e paga actualmente a Júlia a renda mensal de 70€. Na sequência de
um inverno particularmente rigoroso, António intenta uma acção contra Júlia (sem falar com ela previamente), pedindo
que esta seja condenada a realizar obras no montante de 15000€ (obras tidas como indispensáveis para preservar o
isolamento do pavilhão) e a pagar-lhe as quantias de 40000€ (a título de indemnização pela deterioração parcial de um
dos seus quadros) e de 5000€ (por danos morais referidos ao «impasse criativo» que as condições do estúdio lhe têm
provocado). Júlia defende-se invocando que, no momento da celebração do contrato de arrendamento para fins não
habitacionais, o pavilhão já sofria das infiltrações em causa e que o arrendatário, não obstante conhecer tais vicissitudes,
aceitou celebrá-lo nestes termos; a renda muito baixa reflectiria de resto esta circunstância (pelo que realizar agora as
obras representaria uma violação intolerável das exigências de equilíbrio associadas às prestações contratuais). António
riposta, acentuando que tem cumprido sempre pontualmente as suas obrigações de pagamento da renda, tendo
inclusivamente concordado com a actualização que há um ano e meio permitiu passar dos 45€ iniciais para 70€; afirma
ainda que as infiltrações se têm acentuado significativamente nos últimos anos (o estado do pavilhão é agora
incomparavelmente outro!) e que Júlia tem condições patrimoniais que lhe permitem facilmente suportar os montantes
solicitados.
Imagine-se o julgador deste caso-controvérsia (com todos os elementos narrados devidamente comprovados),
admitindo também que, numa primeira abordagem, seleccionou como critérios a ter em conta (a experimentar…) as
normas legais dos art.ºs 1074º nº 1 e 334º do Código Civil.
(g) [2,5] Começando por se referir em termos gerais ao sentido que deve ter um juízo autónomo de juridicidade sobre
o caso decidendo (este concebido como prius metodológico), explore depois no caso narrado a questão específica
dos elementos ou circunstâncias que o compõem (distinguindo assim as circunstâncias exemplares e as não
exemplares) [Para distinguir estas circunstâncias considere separadamente a relação com cada uma das normas
seleccionadas].
(h) Admitindo incluir no momento teleológico-sistemático de compreensão da norma hipotética do art.º 1074º nº 1
(levada a sério como «norma aplicável» e assim mesmo reconstituída enquanto juízo problemático) uma
referência ao princípio da responsabilidade enquanto reciprocidade comutativa (ou a este na sua dialéctica
irredutível com o princípio pacta sunt servanda), esclareça, ainda em geral, o que é que significa:
[1,5] (b)’ distinguir na norma-problema as faces-dimensões da decisão impositivo-dogmática e do juízo
problemático;
[2,0] (b)’’ distinguir no momento teleológico-sistemático a justificação da decisão e o fundamento do juízo.
(i) [4,0] Admita por fim que, ao concluir a experimentação da norma hipotética do art.º 1074º, entende dever
extrair desta um critério (uma norma judicativamente apurada) que, ao ser trazida à correspondência analógica
com o caso judicando, dá parcialmente razão a Júlia, «paralisando» o exercício do direito de António. Trata-
se na verdade de defender que a citada norma leva referido o princípio suprapositivo da responsabilidade e
que uma das especificações irredutíveis deste princípio corresponde à exigência de uma executio iusti
(associada à responsabilidade por reciprocidade comutativo-contratual e ao equilíbrio das prestações em que esta se
baseia). Como designaria o resultado a que chegou? Está de acordo com a assimilação da controvérsia que
este permite ou defenderia antes um tratamento diferente? Será que para esta sua resposta terá alguma
relevância socorrer-se (positiva ou negativamente) da mediação do critério do art.º 334.º?
II
[5 + 5] Comente dois (e apenas dois) dos quatro textos seguintes, esclarecendo as categorias de inteligibilidade
a que estes aludem (devidamente assinaladas em itálico) e mostrando justificadamente se está ou não de acordo com
cada uma das posições neles defendidas:

(I) «Se reconstituirmos as decisões judicial e administrativa como exercícios de execução táctica dos
programas legislativos (mobilizando assim as possibilidades da racionalidade instrumental-estratégica e o
teleotecnologismo que esta justifica), estaremos em condições de defender uma metodologia jurídica
integral …»

(J) «Na procura do critério “aplicável”, o que decide é o confronto analógico entre problemas e não a identidade de
situações…»

(K) «Se pressupuser a cisão prescritivo-metódica entre o momento hermenêutico-cognitivo (assumido em


abstracto) e o momento “técnico” da aplicação (cumprido em concreto), poderei decerto chegar ao resultado
interpretação extensiva; não estarei, no entanto, em condições de reconhecer nem de autorizar uma
autêntica extensão teleológica…»
(L) «As possibilidades da correcção dominam toda a questão de direito em concreto, impondo-se-nos (com
pressupostos embora distintos) nos momentos da relevância material, da especificação teleológica e da
interpretação conforme (a)os fundamentos…»

METODOLOGIA DO DIREITO 4
I
Tendo Pedro falecido, Luísa, que vivia com este em união de facto há mais de 20 anos, invoca o direito a uma
pensão de sobrevivência. A instituição bancária A, na qual Pedro, reformado à data do falecimento, trabalhara
durante muitos anos (instituição que assegurava a Pedro uma pensão de reforma), discorda firmemente desta
pretensão, fundamentando a sua posição no Acordo Colectivo de Trabalho vigente e no regime especial de
segurança social (substitutivo do regime geral) que este estabelece… e muito especialmente numa cláusula x
(de tal Acordo), a qual só prevê a concessão de uma pensão mensal de sobrevivência nas situações de
«casamento». Luísa propõe uma acção declarativa pedindo que A seja condenada a pagar-lhe todas as
prestações devidas. A contesta, concluindo pela improcedência da acção.

Imagine-se o julgador deste caso-controvérsia, admitindo também que, numa primeira abordagem, seleccionou
como materiais a ter em conta (a experimentar…) a referida cláusula x do Acordo Colectivo2, o artº 3º nº 1 al. e) da
Lei nº 7/2001 [«Medidas de protecção das uniões de facto»] na sua redacção de 2010 (Lei 23/2010)3 e os art.os
134 e 63 nº 15 da Constituição da República Portuguesa. Admita ainda que o juízo decisório a que chega reconhece
a Luísa (membro sobrevivo de uma união de facto) a titularidade da pensão em causa.
Partindo da citada cláusula x e da sua norma hipotética (levada a sério como «norma aplicável»), procure mostrar
a que momentos do esquema metódico (da questão de direito em concreto) e a que tipos de soluções e de resultados
(incluindo os tradicionais resultados da interpretação) correspondem os argumentos expostos nas alíneas que se
seguem [Na sua resposta, não deixe de apreciar criticamente cada um dos argumentos (repare que os argumentos
c) e d) se mostram claramente discordantes)].

[1,5](a) «A relevância material do caso (envolvendo uma situação jurídica concreta de união de facto) só de
modo muito limitado corresponde à relevância material típica do critério (identificando uma situação de
casamento). A correspondência de relevâncias existente, limitada embora, é no entanto só por si suficiente (no
plano de uma comparabilidade analogicamente sustentada) para justificar que a solução proposta no critério
(a atribuição da pensão de sobrevivência) seja nuclearmente reproduzida no juízo decisório concreto…»

[2,5](b) «Se reconstituirmos a finalidade da cláusula x inscrevendo-a no horizonte definido pela ratio legis do
artº 3º nº 1 al. e) da Lei nº 7/2001 (e por esta ratio legis iluminada pelo contributo do direito dos juristas),
chegaremos à conclusão de que, na perspectiva do caso concreto em causa, importa alargar o campo de

2 «É beneficiário da pensão de sobrevivência o cônjuge sobrevivo, desde que o trabalhador, à data do seu falecimento,
seja casado há mais de um ano…»
3 «As pessoas que vivem em união de facto têm direito a: (…) e) Proteção social na eventualidade de morte do

beneficiário, por aplicação do regime geral ou de regimes especiais de segurança social e da presente lei.»
4 «1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2. Ninguém pode ser privilegiado,

beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça,
língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social
ou orientação sexual.»
5 «Todos têm direito à segurança social.»
aplicação da dita cláusula x a esta situação de união de facto, atribuindo-lhe um sentido que a relevância
negativa das suas significações gramaticais (levada a sério na sua autonomia e no seu valor prescritivo)
certamente excluiria. Estaremos assim a considerar uma possibilidade-resultado que algumas abordagens
tradicionais (ainda fiéis àquela relevância negativa) só admitem se pudermos defender que estamos perante
uma lacuna oculta…»

[1,5] (c) «Se submetermos a cláusula x do Acordo Colectivo e a norma do nº3º nº 1 al. e) da Lei nº 7/2001
(na sua redacção actual) à perspectiva dos art.os 13º e 63º nº 1 da Constituição, chegaremos à conclusão que
é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade e do direito a uma segurança social universal, a interpretação
dos referidos critérios que chegue à conclusão que o membro sobrevivo de união de facto não pode beneficiar
da protecção por morte pelo facto de o falecido estar abrangido por um regime especial de segurança social
(substitutivo do regime geral).»

[2,5] (d) «O facto de o Acordo Colectivo prever, em parte, pressupostos diferenciados dos constantes do
Regime Geral da Segurança Social para atribuição de prestações previdenciais, nomeadamente pensões de
sobrevivência, não constitui violação de qualquer preceito constitucional. O juízo decisório que recusa a
pensão à Luísa poderá no entanto, em concreto, mostrar-se dificilmente compatível com (se não mesmo
frustrar, no todo ou em parte) as exigências dos princípios da igualdade, proporcionalidade e protecção da confiança
(estas agora levadas a sério para além das suas significações constitucionais)…»

II

[6+ 6] Comente dois (e apenas dois) dos quatro textos seguintes, esclarecendo as categorias de inteligibilidade
a que estes aludem (devidamente assinaladas em itálico) e mostrando justificadamente se está ou não de acordo com
cada uma das posições neles defendidas:

(A) «Ao prescrever teoreticamente uma fronteira estanque entre interpretação em abstracto e aplicação (e ao conferir à
sequência destes dois momentos uma identidade não apenas analítica mas também cronológica), o Método Jurídico
do século XIX assume explicitamente uma certa relação intencional entre logos e método …»

(B) «Importa superar a perspectiva que restringe a reflexão metodológica ao problema da realização jurisdicional
do Direito. O nosso contexto contemporâneo impõe-nos na verdade a ambição de uma metodologia jurídica
integral, desde logo capaz de assimilar o problema da realização legislativa…»

(C) «O momento da prova rompe com a unidade metódica da realização do direito, impondo um discurso
sustentado numa racionalidade teorético-científica…»

(D) «Os problemas da norma obsoleta e da norma ferida de caducidade material, dizendo embora respeito à questão
dos limites normativo-temporais da lei, convocam pressupostos distintos e correspondem a momentos
inconfundíveis do esquema metódico…»
METODOLOGIA DO DIREITO 5

I.
Matilde M. foi contactada por Ricardo S., importante connaisseur e colecionador de joias, na sequência de
uma investigação que este desenvolvera, com vista à determinação do paradeiro das peças do acervo privado
da Rainha D. Amélia, doadas pela monarca a alguns dos seus próximos. Alegava o especialista que Matilde
deveria ter em mãos um anel proveniente do espólio de Orleães, provavelmente herdado de uma trisavó
que fora aia no Palácio de Vila Viçosa. Matilde sabia, ainda que vagamente, dos antecedentes que a
relacionavam com o antigo pessoal da casa real, costumando aliás exalçar-se os méritos de algumas pequenas
peças decorativas que se distribuíam por tios e primos afastados, mediante a sua atribuição remota à
generosidade régia. Contudo, do anel em causa, recordava apenas o facto de a avó lhe dizer que era valioso,
porque vinha do tempo dos reis, o que sempre entendera como uma mero sinal de antiguidade, que não de
proveniência real. Achando-se agora possuidora de um bem de valor desproporcionado face ao seu nível
de vida, e mediante a perspectiva de o ver integrar uma pequena mostra permanente num museu local, que
Ricardo S pretendia enriquecer com a oferta de uma parte da sua colecção à entidade de tutela, Matilde
acordou com este a venda do anel. Divulgada entretanto a iniciativa de alargamento do museu, por forma
a exibir ao grande público a conhecidamente valiosa colecção de Ricardo, Matilde acabou por ser bastante
solicitada, recebendo contactos da parte de outros interessados, nomeadamente de representantes de
leiloeiras e de outros museus. Todavia, declinou sempre em favor de Ricardo e da destinação primeva a um
centro cultural da região. Por via de dúvidas, fez o esforço de reforçar o seguro contratado para a protecção
contra riscos do recheio da sua casa, adquirindo mesmo um cofre, até à consumação da venda. Contudo,
escassos meses após a transacção - no seguimento aliás, de uma dissertação em história da arte apresentada
à FLUL - resultou provada a impossibilidade da alegada origem autêntica da peça que fora de Matilde,
através da identificação cabal da joelharia detida pela última rainha portuguesa. Pouco tempo depois, foi
contactada pelos advogados de Ricardo S., que lhe deram conta da intenção deste invocar a invalidade do
negócio, com apelo aos artigos 251.º e 247.º do C.C. do C.C.

Imaginando que era o julgador deste caso-controvérsia (com todos os elementos narrados devidamente
comprovados) e confrontndo com as normas invocadas, a experimentar metodologicamente:

(a) [2] Explore no caso narrado, a questão específica dos elementos ou circunstâncias que o compõem, não
deixando de referir o sentido que um juízo autónomo de juridicidade sobre o caso deve ter, logo que se
conceba como prius e modus metodológico.

(b) [4] Considere em que termos o artigo 334.º Código Civil, esgrimido pelos advogados de Matilde, pode
reconformar significativamente o critério hipoteticamente aplicado ao caso, por um lado, e determinar, por
outro, um resultado interpretativo que lhe seja favorável, a despeito da teleologia da norma, sublinhando, a
propósito, a complexidade que esta assume enquanto norma-problema.

(c) [4] Na sequência do ponto precedente, considere também o eventual relevo de uma invocação a
contrário, do princípio da liberdade de forma, a propósito de uma transacção de montantes elevados, dada
a circunstância de as excepções à disposição (219.º C.C.) em causa datarem de uma época em que os bens
de valor mais elevado e, como tal, as fontes de riqueza, se achavam associadas ainda, substancialmente, à
propriedade de imóveis e de as entretanto acrescidas tenderem a corresponder a coisas móveis com preço
de mercado especialmente elevado.

II. [5+5]
Comente dois (e apenas dois) dos quatro textos seguintes, esclarecendo as categorias de inteligibilidade a
que estes aludem (devidamente assinaladas a itálico) e mostrando justificadamente se está ou não de acordo
com cada uma das posições nela defendidas:

(A) O neologismo metodonomologia, se nos aparta de uma estrita consideração do método de aplicação de
normas, com o ressaltar a prático-normativamente constitutiva realização do direito, igualmente se demarca
das propostas de uma metodologia global do direito, enquanto salienta a especificidade da judicativo-
decisória resolução dos concretos casos decidendos.

(B) Não obstante as observações pertinentes de autores como S. Fish, as reservas a uma dogmática resolução
prescritiva dos problemas metodológicos, longe de imporem uma atitude de puramente descritiva e
explicitante análise da práxis, na pressuposição da sua constitutiva racionalidade imanente, só se
compreendem e justificam, em rigor, atento o cariz reconstrutivamente crítico-reflexivo da relação entre
logos e método, implicado pela realização jurisprudencial do direito como ius.

(C) Rompendo com qualquer pretensa unidade metódica da realização do direito, porquanto impõe um
discurso sustentado numa racionalidade teorético-científica, o momento da prova permite compreender o
sentido último da distinção entre questão-de-direito e questão-de-facto.

(D) O relevo metodologicamente conferido à teleologia normativa, nomeadamente no momento da


questão-de-direito em concreto, implica, em última instância, a subordinação do jurista decidente aos
ditames de um cânone de índole eminentemente consequencialista.

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