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Vínculo - Revista do NESME

ISSN: 1806-2490
bibitriz@terra.com.br
Núcleo de Estudos em Saúde Mental e
Psicanálise das Configurações Vinculares
Brasil

Santos, Manoel Antônio dos


"Nós na fita": terapia de casal na abordagem sistêmica sob o enfoque construcionista social
Vínculo - Revista do NESME, vol. 2, núm. 2, diciembre, 2005
Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares
São Paulo, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=139420849007

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Vín cu lo - Re vist a do N ESM E
ISSN Impreso: 1806-2490
Número 2, Volumen 2, diciembre 2005
Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares, Brasil.

ARTI GOS

" N ós n a fit a " : t e r a pia de ca sa l n a a bor da ge m sist ê m ica sob o e n foqu e


con st r u cion ist a socia l 1

" W e 'r e be e n t a pe d" : socia l con st r u ct ion ist a ppr oa ch t o syst e m ic


cou ple t he r a py

" N osot r os e m la cin t a " : t e r a pia de pa r e j a e n e l a bor da j e sist é m ico


ba j o u n e n foqu e con st r u ccion ist a socia l

M a n oe l An t ôn io dos Sa n t os 2
Faculdade de Filosofia, Ciências e Let ras de Ribeirão Pret o da Universidade de
São Paulo
Sociedade de Psicot erapias Analít icas Grupais do Est ado de São Paulo

RESUM O

Nest e t rabalho apresent am os os pressupost os t eóricos que sust ent am um a


int ervenção com casais fundam ent ada na abordagem sist êm ica, orient ada por um
enfoque const rucionist a social. Nessa propost a de int ervenção a escut a dos cônj uges
é orient ada para a busca de ferram ent as facilit adoras de conversações dialógicas que
podem gerar um a reconst rução de significados e, port ant o, a criação de um cont ext o
de m udança. O form at o do at endim ent o prevê a at uação de um a dupla de
t erapeut as de cam po, assessorada por um a equipe reflexiva, const it uída de
profissionais que não int eragem diret am ent e com o casal e a dupla de t erapeut as. A
propost a conversacional cont ribui para aj udar os cônj uges a const ruir novas
narrat ivas, que possam gerar realidades alt ernat ivas àquelas que são inst auradas
pelas hist órias de desencont ro, sofrim ent o e dor.

Pa la vr a s- ch a ve : Const rucionism o social, Terapia de casal, Reconst rução de


significado.
Vín cu lo - Re vist a do N ESM E
ISSN Impreso: 1806-2490
Número 2, Volumen 2, diciembre 2005
Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares, Brasil.

ABSTRACT

We present in t his work t he t heoret ical assum pt ions t hat sust ain int ervent ions in
syst em ic couple t herapy orient at ed by a social const ruct ionist approach. According t o
t his proposal couples are challenged t o develop bet t er st rat egies of dialogical
conversat ions t hat m ay onset m eaning reconst ruct ions and t hus, t he creat ion of a
changing cont ext . The at t endance set t ing is com posed by t wo t herapist s and a
support ing reflexive t eam form ed by professionals t hat don't direct ly int eract wit h
t he couple and t he t herapist s. The conversat ional proposal cont ribut es t o help t he
spouses t o build new narrat ives t hat m ay fost er realit ies different from t hose ones
m arked by m ism at ches, incom prehension, suffering and pain.

Ke yw or ds: Social const ruct ionism , Couple t herapy, Meaning reconst ruct ion.

RESUM EN

En est e t rabaj o present am os los presupuest os t eóricos que sost ienen una
int ervención con parej as fundam ent adas en el abordaj e sist ém ico, orient ada por un
enfoque const ruccionist a social. En esa propuest a de int ervención la escucha de las
parej as est á orient ada hacia la búsqueda de herram ient as que facilit en las
conversaciones dialógicas que pueden generar una reconst rucción de significado
y, por t ant o, la creacción de un cont ext o de cam bio. El form at o del at endim ient o
predice la act uación de una dupla de t erapéut as de cam po, acesorada por un equipo
reflexivo, const it uída de profesionales que no int ervienen direct am ent e en la parej a,
y de la dupla de t erapéut as. La propuest a conversacional cont ribuye para ayudar a
las parej as a const ruir nuevas narrat ivas, que pueden generar realidades
alt ernat ivas aquellas que son inst auradas por hist órias de desencuent ro, sufrim ient o
y dolor.

Pa la br a s cla ve : Const ruccionism o social, Terapia de casal, Reconst rucción de


significado.

Nest e t rabalho apresent am os os pressupost os t eóricos que nort eiam e sust ent am
um a int ervenção com casais fundam ent ada na abordagem sist êm ica, orient ada por
um enfoque const rucionist a social. Nossa propost a de int ervenção consist e em um a
escut a dos cônj uges orient ada para a busca de recursos t erapêut icos que possam ser
ut ilizados com o ferram ent as para a const rução e reconst rução de significados.

Nessa perspect iva t eórica ganha corpo o pressupost o de que o profissional deve
est ar em penhado em um esforço de co- const rução de cont ext os dialógicos fecundos,
que possam inspirar a descobert a de ferram ent as út eis para diversos cont ext os –
pessoais, fam iliares, grupais, com unit ários, educat ivos e de resolução de conflit os.
No que concerne especificam ent e à psicot erapia de casal, o profissional é um a
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pessoa int eressada em aprender a escut ar o casal, a m anej ar conversações por


vezes m uit o difíceis, buscando facilit ar um cont ext o auspicioso para const ruir boas
conversações ent re os parceiros, possibilit ando a descrição de hist órias m elhores e
ident idades m ais criat ivas e posit ivas. Mas isso sem esquecer de que falar de um
t rabalho de t erapia ou de um a conversação bem sucedida é falar de alguém que se
percebe adequadam ent e escut ado pelo t erapeut a ou int erlocut or.

Nesse sent ido, discut irem os alguns dos recursos de que lançam os m ão durant e o
processo t erapêut ico e que nos parecem ser facilit adores de conversações dialógicas
que podem gerar um a reconst rução de significados e, port ant o, a criação de um
cont ext o de m udança.

D e on de fa la m os?

Cuidar de um casal im plica em assum ir a é t ica do de sve lo com o um guia que paut a
nossas ações. Poder assum ir um a post ura de quem acredit a que é possível
descort inar novos horizont es e t ornar possível o que, at é ent ão, não era vist o ou
concebido com o t al.

A est rat égia de que lançam os m ão no curso de form ação em t erapia fam iliar e de
casal é de duração lim it ada a oit o encont ros. Port ant o, é um a int ervenção fam iliar
breve. Esses encont ros ocorrem dent ro de um enquadre inst it ucional e de form ação
de psicot erapeut as pelo I nst it ut o Fam ilae de Ribeirão Pret o.

Nesse at endim ent o, um a dupla de t erapeut as de cam po se em penha para const it uir
um am bient e acolhedor para as fant asias, angúst ias e desconfort os do casal. Há
t am bém um a equipe ( equipe reflexiva) , const it uída de cinco profissionais ( t rês
t erapeut as em form ação e duas supervisoras) , que não int eragem diret am ent e com
o casal e a dupla de t erapeut as.

A idéia é oferecer um set t ing com poder m ult iplicador de gerar enquadres
inovadores, am pliando narrat ivas. As sessões são gravadas em vídeo para fins
didát icos, m ediant e consent im ent o prévio do casal.

A pa r t ir de qu e visã o de h om e m e de m u n do in t e r vim os?

A perspect iva t eórica que inform a nossa prát ica é o const rucionism o social. Trat a- se
de um a perspect iva epist em ológica que nort eia nosso fazer de psicot erapeut as. Não
se t rat a de um a t écnica ( m era aplicação de t écnicas e m ét odos) , m as de um a
post ura filosófica, um olhar epist em ológico que inclui algum as dim ensões t eóricas. O
const rucionism o social diz que é essencial que explicit em os o olhar epist em ológico
que fundam ent a nosso t rabalho. Est am os a t odo m om ent o fazendo pergunt as: quem
est á falando, com o, desde que lugar e para quem ? Que visão de hom em e de m undo
sust ent a nossas ações?
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Vej am os alguns dos pressupost os que orient am nossa ação no enfoque


const rucionist a social ( Gergen, 1985) . Essa propost a desafia os pressupost os da
ciência m oderna, ou sej a: ( 1) a idéia de que o hom em é um ser racional, ( 2) a
cent ralidade do conhecim ent o cient ífico e o ( 3) pressupost o da ve r da de ú n ica com
seu carát er universal e t ranscendent al. Cai por t erra a concepção de que o
profissional det ém o saber. No CS consideram os o clie n t e com o e spe cia list a .

O casal, ao se encont rar com o t erapeut a/ equipe, const it ui um grupo. Os indivíduos,


no grupo, est ão perm anent em ent e reflet indo, agindo e const ruindo suas realidades.
A psicot erapia é um cont ext o/ celeiro de produção de sent idos e, com o t al, fom ent a
possibilidades de ressignificação que podem anim ar os processos de m udança,
at ivando as forças criat ivas e inovadoras do casal.

Com qu e m fa la m os?

Ao prat icarm os a psicot erapia de casal, vam os t ent ar criar um cont ext o que favoreça
possibilidades de const rução e reconst rução dos significados das experiências do
casal. Est am os, assim , buscando a com preensão do processo de const rução
com part ilhada de sent idos, at ent ando para as diferent es vozes, pensam ent os,
sent im ent os e int erpret ações que os cônj uges const róem e que dão sent ido às suas
experiências no m undo, levando- os a se posicionarem de diversas m aneiras em
relação ao out ro ( Harré e Gillet , 1999) .

Segundo Grandesso ( 2000) , o hom em é um ser im erso em um a t ram a de


significados que ele próprio const rói no convívio e no diálogo com os out ros ( p.
31) . Cada ser hum ano é um gerador pot encial de significados, que const rói seu
m undo nas t rocas est abelecidas com os dem ais. Os significados nascem dos
int ercâm bios dialógicos produzidos nos espaços com uns de convívio das pessoas.

A psicot erapia é um cont ext o de produção de sent idos e, com o t al, fom ent a
possibilidades de ressignificação que podem anim ar os processos de m udança,
at ivando as forças criat ivas e inovadoras do casal. Os indivíduos, no grupo, est ão
perm anent em ent e reflet indo, agindo e const ruindo suas realidades.

A int eranim ação dialógica pode cont ribuir para aj udá- los a const ruir novas
aut onarrat ivas ( Gergen, 1996; Spink & Medrado, 1999) , que possam gerar
realidades alt ernat ivas àquelas que são inst auradas pelas narrat ivas de dor e
sofrim ent o hum ano.

Segundo Gergen ( 1996, apud Cam pos- Brust elo, 2003) , as aut onarrat ivas são
produt os do int ercâm bio social, o que im plica em ser um eu com um passado e
com um possível fut uro im erso na int erdependência das relações. Que possam
perceber um eu passado de form a diferent e do eu present e e do eu
fut uro. Nest e cont ext o, as narrat ivas de self e do casal const ruídas perm it em
elaborar as cont radições e dissonâncias da vivência experiencial. 3
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Vam os at rás de out ras possibilidades de cont ar e recont ar a hist ória desse casal,
out ras hist órias que possam est ar em gest ação dent ro deles.

M ATERI AL CLÍ N I CO

Osvaldo e Am anda ( nom es fict ícios) form am um casal j ovem , por volt a de 30 anos,
dois filhos ( de 7 e 2 anos) . Casados há 9 anos, nam oraram por 5 anos. Ele t em 30
anos, é vidraceiro e t rabalha para um a firm a com venda e colocação de box. Ela t em
a m esm a idade e é dona de casa.

Desde os 16 anos est ão j unt os! Assim , eles t êm o m esm o t em po de convívio com a
fam ília at ual do que t iveram com suas respect ivas fam ílias de origem . Ele t em m uit o
m ais esse sent im ent o de que a fam ília dele é a at ual. Ela est á ainda m uit o ligada à
fam ília de origem dela. Tem na fam ília de origem o m odelo de fam ília ideal: eu
m am ei at é t ant os anos, m eu filho t am bém t em de m am ar... m eu pai conversa,
dialoga com os filhos, o Osvaldo t am bém deveria ser assim ...

1 ª se ssã o:

Cont am que est avam brigando m uit o e que, durant e as discussões, ofendem - se
com palavras de baixo calão que é at é chat o de dizer... ( ...) Ela coloca diversos
codinom es em m im ... ( Osvaldo)

Osvaldo se queixa da falt a de at enção por part e da esposa:

Osvaldo: Eu chego em casa, a Am anda est á dando de m am ar para o Paulo Daniel


( filho de dois anos e m eio) , na hora do alm oço t am bém , no final da t arde... às vezes
dorm e no sofá dando de m am ar. Ela alega que não consegue desm am ar porque se
ele ficar doent e vai sent ir- se culpada.

Osvaldo t am bém denuncia um a falt a de lealdade:

Osvaldo: A gent e não t em privacidade, ela cont a t udo para o pai. Ela t em cont a-
corrent e com o pai, eu pedi um cheque em prest ado para ela, ela cont ou pro pai o
valor do cheque e para que ia usar e t udo.

Tant o ele quant o ela descrevem a est agnação que t om ou cont a da vida do casal, e a
falt a de criat ividade na vida de um m odo geral:

Am anda: Quando a gent e sai de carro para ir à lanchonet e ele faz sem pre o
m esm o cam inho.

Além disso, const róem narrat ivas que explicit am a t irania do filho caçula, que apesar
da pouca idade parece dom inar os pais. Osvaldo cont a de sua insat isfação por
Am anda não conseguir desm am á- lo.
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Am anda: Me ensinaram a passar bolso no peit o. Ele m am ou e com eçou a vom it ar.
Aí eu não agüent ei... ( ...) Ele acorda à noit e só pra m am ar... Ele não pára de chorar
enquant o eu não dou.

Not am os t am bém diversos aspect os posit ivos nesse casal. O sent im ent o am oroso
parece perdurar. Am bos dizem que se am am e que querem m elhorar seu
relacionam ent o. No final da sessão, Am anda diz, sorrindo: Ele acha que gost a de
m im m ais do que eu dele, m as eu é que gost o m ais dele do que ele de m im .

2 ª se ssã o:

Tão logo t em início a sessão Am anda diz: Depois que saím os daqui nós saím os
bem , at é nam oram os. Mas agora com eçaram as brigas t udo de novo.

Osvaldo parece est ar de cara am arrada, visivelm ent e incom odado.

Volt a ao t em a do uso que Am anda faz de codinom es ( adj et ivos pej orat ivos que
ut iliza para desqualificá- lo) :

Osvaldo: Eu j á não t enho nom e, ela m e cham a de vários codinom es. Você é um
anim al. Você é um alcoólat ra.

Aparece pela prim eira vez o problem a de Osvaldo com bebida.

Am anda: No out ro dia ele esquece o que falou. ( e a briga que t iveram )

Am anda cont a que m arcou consult a com um psiquiat ra. Ele esqueceu , não a
acom panhou à consult a e por isso est ão brigados. Ela se queixa de sent ir- se m uit o
irrit ada. O psiquiat ra prescreveu fluoxet ina para ela, ela quer usar e ele é cont ra,
acha que por si só não resolve, que ela t inha que fazer algo por ela m esm a, senão,
depois no dia em que t irar o rem édio vai volt ar t udo de novo. Ela t em receio de
ut ilizar porque ainda est á am am ent ando. Revela desej o de desm am ar o filho caçula,
m as t em receio de que ele fique fraquinho e cont raia um a doença, deixando- a
arrependida depois.

I m pulsiva, Am anda dispara a falar com o um papagaio. Osvaldo espera ela acabar e
depois ret om a do pont o exat o em que havia parado devido à int errupção da esposa.

3 ª se ssã o:

Chegam em alt o ast ral. Cont am com alegria que desde aquele dia [ últ im a sessão]
nós não brigam os . Est ão conversando m ais e se ent endendo m elhor. Não est ão se
envolvendo com a briga de out ros casais ( am igos, pais dela) . Eu saio , ele diz,
e falo pra Am anda: Vam os com igo no post o com prar um a cervej a?

Ou sej a, ele t em procurado se preservar e t am bém a convida a se ret irar da sit uação
de conflit o.
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Pergunt o se conversaram sobre o at endim ent o passado, dizem que não, não
conseguem falar sobre o que falam ali na t erapia. Osvaldo: Vocês viram a fit a?
Respondo que é com o se pergunt assem : vocês conversaram sobre nós?, m ant iveram
suas m ent es ocupados conosco, se lem braram , cuidaram de nós?

Osvaldo: Agora est ou indo sozinho para o t rabalho e no cam inho vou reflet indo
sobre o dia ant erior, eu consigo lem brar das coisas que acont eceram . Menciona
que agora est á m ais reflexivo e fazendo quest ão de recordar os m om ent os
grat ificant es do dia ant erior.

Diz t am bém que t em feit o carinho nos filhos e na esposa, quando est ão dorm indo.

Osvaldo: Agora est ou percebendo que não dava at enção, carinho, não t inha
paciência nem com ela nem com os m eus filhos.

Am anda reforça: Eles ( filhos) nem podiam conversar nada com ele. Nem eu. Eu
cham ava ele pra assist ir um a fit a ( de vídeo) e ele dorm ia, aí eu xingava, dizia que
ele não dava at enção pra m im nem pra assist ir um film e j unt o, nunca t inha t em po
pra m im .

Mesm o que ela est ej a dando de m am ar para o filho, ele agora consegue se
aproxim ar dela e fazer um carinho. Cont a de um dia em que ela est ava dorm indo e
ele ficou um longo t em po acariciando suas cost as.

Sobre essa quest ão do carinho, const rói um a bela m et áfora: Se a gent e não j oga
água na plant a t odo dia, ela não cresce. Osvaldo dem onst ra sua grat idão: Vocês
t êm sabedoria.

Am anda: Agora eu est ou t ent ando ouvir. Est ou t endo consciência de que ant es
queria cham ar a at enção dele nem que fosse brigando, ofendendo, xingando,
pegando no pé, que era o único j eit o de ele m e olhar, m e dar at enção...

Em um out ro m om ent o, acrescent a:

Am anda: Ele não é de falar. Eu est ou at é espant ada do j eit o que ele t á
conversando aqui. [ Quando ela est ava irrit ada com ele, falava m uit o e ele a
ignorava, parecia não ouvir.] Eu m e surpreendi na últ im a vez que est ivem os aqui, e
que ele falou que m e ouvia quando eu brigava com ele. Eu achava que ele não ouvia
e por isso falava m ais, xingava ele, ficava m ais irrit ada ainda.

Osvaldo: Eu olhava pra você, eu via sim , ouvia m as ficava quiet o, fazia que não
ouvia para não provocar briga.

Am anda: Eu descobri isso aqui, que ele m e ouve. ( ...) Aqui que eu fui perceber
que ele fala t am bém , e que ele m e escut ava.

Com eçam a ressignificar aquele ciclo: bebida- briga- esquecim ent o.


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No final da sessão, quando a t erapeut a t ent a falar, Am anda a at ropela por várias
vezes seguidas, dizendo que não consegue ouvir o que o out ro fala , at é que
Osvaldo observa: Ent ão escut a ela!

Am anda: É verdade! Eu falo m uit o e at ropelo as pessoas!

Podem os pergunt ar- lhe ent ão: O que t e fez pensar isso? Com o const ruiu isso em
sua hist ória?

Am anda: Eu j á est ou m elhorando, m as t em por onde m elhorar m ais. ( ...)


Agora eu est ou vendo que é bom falar pra a out ra pessoa saber o que se passa na
m inha cabeça. E que é bom o out ro falar t am bém pra eu saber e poder ouvir, porque
ant es eu não est ava podendo ouvir. ( ...) A gent e nunca conhece com o a pessoa
é, t em que dizer pra gent e saber. ( ...)

Osvaldo m enciona que j á est á indo para o clube com Am anda e com as crianças no
dom ingo, e que agora m udou de cam inho. Ant es eu via só aquele cam inho, com o
se t ivesse um t apa- olho ( viseira) .

No final da 3ª sessão:

Osvaldo: Vocês são nossos verdadeiros am igos.

Am anda: Tá falt ando alguém aqui hoj e.

Osvaldo ( j á em pé, se despendindo) : Manda um abraço para m inha am iga.

Osvaldo: Deve dem orar uns dois anos para t erm inar a t erapia, né? Porque depois
os filhos crescem ... e a adolescência deles, com o que fica?

Nas descrições ( de si e do out ro) que m arido e m ulher ofereceram ao longo dessas
sessões iniciais podem os ident ificar alguns t em as recorrent es, que m arcaram cada
encont ro de m aneira especial. Vej am os, a part ir de um olhar ret rospect ivo, o que se
pode depreender das t rês prim eiras sessões:

1 ª se ssã o: t em po da queixa: falam que brigam


2 ª se ssã o: t em po da ação: brigam ( ent ram brigados )
3 ª se ssã o: t em po da reconciliação e grat idão à equipe ( do brigado para o
obrigado , fazendo quest ão de se m ost rarem agradecidos por t erm os facilit ado
abert uras)

1 ª se ssã o: O casal nos convida a endossar um a descrição de que o pivô das


desavenças conj ugais é a relação com os filhos. Osvaldo alega que as brigas e o m al-
est ar do casal se devem ao fat o de Am anda não conseguir desm am ar o filho caçula.
Not a- se que Osvaldo se sent e insat isfeit o, excluído da relação Am anda- Paulo Daniel.

2 ª se ssã o: O casal nos convida a um a out ra descrição acerca das desavenças.


Am anda explicit a seu incôm odo e insat isfação, apont ando que Osvaldo bebe m uit o e
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se dist ancia dela e dos filhos ( logo, não consegue se desm am ar da cervej a) . O
sist em a t erapêut ico procura m ost rar os diferent es m odos com o cada um est á
vivenciando essa sit uação part icular, explicit ando suas especificidades. A m aneira
com o cada um vivencia o problem a do abuso da bebida por part e de Osvaldo e
descreve seu relacionam ent o com e sem a bebida im plica no seu m odo part icular de
descrever sua relação com o out ro.

3 ª se ssã o: O casal nos cont a que est á bem . Elabora novas descrições sobre o viver
a dois, incluindo a possibilidade de m udanças, apont ando a t erapia com o indut ora
dessas t ransform ações que t êm possibilit ado novas conversas e um m elhor convívio
conj ugal durant e as últ im as sem anas:

Osvaldo: A gent e sai fort alecido daqui.

Nas descrições é digno de at enção a m ult iplicidade de sent idos at ribuídos à função
do diálogo ent re m arido e m ulher.

A equipe reflexiva indaga: O que dela despert a o m elhor dele e o que dele favorece
o m elhor dela? Pont ua a im port ância de serem capazes de perceberem em que
sit uações Am anda t ira o pior dele, e vice- versa. E em que sit uações cada um pode
t irar o m elhor do out ro.

Se o casal vem cheio de problem as, a gent e se const rói de um a det erm inada
m aneira. Se o casal vem com coisas boas, nós nos const ruím os de out ro j eit o.
Am anda e Osvaldo são client es com pet ent es – pessoas que est ão olhando por
out ros ângulos ( out ros cam inhos ) e que vão podendo const ruir out ras narrat ivas
que podem am pliar as narrat ivas que t razem . Vem os assim com o um a narrat iva
pode t ransform ar um casal em at endim ent o.

Na 2ª sessão havíam os colocado a necessidade de eles acharem um espaço para


usufruírem do am oroso – j ust am ent e quando est avam brigados. Nós valorizam os
esse out ro lado, não o fat o de est arem se desent endendo. Foi im port ant e t erm os
apost ado nisso porque deu abert ura para eles darem um a t régua na briga deles e
encont rarem um novo cam inho no int ervalo ent re a 2ª e a 3ª sessão.

Os exercícios que fazem os ao assist irm os à fit a de vídeo com as sessões gravadas
nos perm it em reflet ir sobre nossa at uação. Que pergunt as poderíam os t er feit o que
possibilit ariam abert ura, facilit ariam am pliação? Que abert uras poderíam os t er criado
e não exploram os? O que nos deixa m ais curiosos para est am os explorando m ais?
Com o podem os t ransform ar isso num a pergunt a que possa ser út il nesse m om ent o?

REFERÊN CI AS BI BLI OGRÁFI CAS

CAMPOS- BRUSTELO, T. N. Part icipação religiosa e relacionam ent os afet ivo- sexuais
de j ovens evangélicos. D isse r t a çã o [ Mest rado] . Faculdade de Filosofia, Ciências e
Let ras de Ribeirão Pret o, USP, 2003, 255 p.
Vín cu lo - Re vist a do N ESM E
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GERGEN, K. J. The social const ruct ionist m ovem ent in m odern psychology.
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GERGEN, K. J. La aut onarración en la vida social. I n: ___________ ( Ed.) Re a lida de


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En de r e ço pa r a cor r e spon dê n cia


E- m ail: m asant os@ffclrp.usp.br

1
Trabalho apresent ado no V Congresso do NESME
2
Dout or em Psicologia Clínica pelo I nst it ut o de Psicologia da Universidade de São
Paulo, bolsist a de Produt ividade e Pesquisa do CNPq, m em bro do corpo docent e da
SPAGESP, do curso de graduação e do Program a de Pós- graduação em Psicologia da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Let ras de Ribeirão Pret o ( USP) .
3
Para Mendes ( 2002) , não há um a ident idade im ut ável, m as um a ident idade
diversificada e narrat ivam ent e const ruída, art iculando as m últ iplas experiências por
m eio da ident idade narrat iva em virt ude da necessidade de preservar a coerência
int erna, o sent im ent o de perm anência ident it ária.

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