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O NOVO MARCO LEGAL


DAS CONTRATAÇÕES
PÚBLICAS: PERSPECTIVAS
TEÓRICAS E PRÁTICAS
Organizadores
Thiago Anastácio Carcará
Leda Maria Eulálio Dantas Luz Costa

Autores
Amanda Leite e Silva Borges Luciana Spindola Monteiro Toussant
Clarice Mauriz Lira Annderson Felipe Bandeira Silva
Gabriela Carvalho de Aguiar Letícia Rocha Pires Ferreira Nogueira
Gerson de Sousa Vieira Jessica Kelly de Sousa Carvalho
Marlene de Sousa Vieira Luana Ravenna Araújo Campelo
Liviane Maria Carvalho Mendes Marciano Machado de Oliveira
Idelfonso Barbosa Atenas Valéria de Sousa Santos
Lucas de Assunção Xavier Gomes Nathaniel de Moura Aguiar
Jadylson Felix dos Santos Thiago Auster de Olveira Campos
João Batista de Carvalho Neto Nelma Lopes da Silva
Lucas Matos de Abreu Francinete de Barbosa de S. Castelo Branco
Antonio Rodrigues de Sousa Neto Gabriela Silva de Melo Pereira
Larissa Rocha Pires Ferreira Silvânia da Silva Carvalho
Leonardo Bruno Carvalho Avelino Julia Felipe Lacerda
Gabriela Oliveira Lima

Teresina - PI
2023
Sumário

SUMÁRIO

7 SERVIÇOS CONTÍNUOS DE TERCEIRIZAÇÃO COM REGIME DE DEDICAÇÃO


EXCLUSIVA DE MÃO DE OBRA (DEMO) NA NOVA LEI DE LICITAÇÕES E
CONTRATOS (LEI 14.133/2021)
Jessica Kelly de Sousa Carvalho, Luana Ravenna Araújo Campêlo

42 OS DESAFIOS DA IMPLANTAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL:


PRINCIPIO E OJETO DA NOVA LEI DE LICITAÇÃO E CONTRATOS
Leonardo Bruno Carvalho Avelino

62 A IMPORTÂNCIA DA COMISSÃO DE SANÇÕES ADMINISTRATIVAS NA


IMPLEMENTAÇÃO DO COMPLIANCE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DO
ESTADO DO PIAUÍ
Amanda Leite e Silva Borges, Clarice Mauriz Lira

85 A APLICABILIDADE DOS MEIOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE


DISPUTAS NOS CONFLITOS CONTRATUAIS DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA SOB A PERSPECTIVA DA NOVA LEI DE LICITAÇÕES (LEI N
14.133/2021)
Annderson Felipe Bandeira Silva

110 EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DOS CONTRATOS NA


ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO ESTADO DO PIAUÍ NO PERÍODO PÓS-
PANDEMIA 102
Nelma Lopes da Silva, Francinete de Barbosa de Sousa Castelo Branco

126 CONTRATAÇÃO DIRETA VIA SISTEMA DE REGISTRO DE PREÇO: as


inovações trazidas pela lei 14.133/2021
Gabriela Silva de Melo Pereira, Silvânia da Silva Carvalho

144 PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA LEI Nº


14.133/2021: AS COMPRAS PÚBLICAS E SUA RELAÇÃO COM O
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, SOCIAL E AMBIENTAL
Gerson de Sousa Vieira, Marlene de Sousa Vieira

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 5




159 A APLICABILIDADE DA GOVERNANÇA NOS CONTRATOS DA


ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SOB A PERSPECTIVA DA NOVA LEI DE
LICITAÇÕES E CONTRATOS (LEI Nº 14.133/2021)
Liviane Maria Carvalho Mendes, Idelfonso Barbosa Atenas

177 CENTRAL DE COMPRAS: A CONDUTORA DE EFICIÊNCIA E


PADRONIZAÇÃO NAS COMPRAS PÚBLICAS DA ADMINISTRAÇÃO
GERENCIAL
Lucas de Assunção Xavier Gomes, Jadylson Felix dos Santos

198 OS CONFLITOS DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS SOB A ÉGIDE DA


NOVA LEI DE LICITAÇÃO (14.133/2021)
João Batista de Carvalho Neto, Lucas Matos de Abreu

213 A PONDERAÇÃO DAS IRREGULARIDADES NA LICITAÇÃO OU NA


EXECUÇÃO CONTRATUAL FACE AO INTERESSE PÚBLICO NA LEI
14.133/2021
Marciano Machado de Oliveira, Valéria de Sousa Santos

235 UM ESTUDO SOBRE O TRATAMENTO DIFERENCIADO DADO ÀS


MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTENA NOVA LEI DE
LICITAÇÕES E CONTRATOS
Gabriela Carvalho de Aguiar

253 A APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA NA UTILIZAÇÃO


DO SORTEIO COMO CRITÉRIO DE ESCOLHA NO INSTITUTO DO
CREDENCIAMENTO
Nathaniel de Moura Aguiar, Thiago Auster de Oliveira Campos

274 MARKETPLACE NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS COMO FERRAMENTA DE


FOMENTO AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL SOB A PERSPECTIVA
DA NOVA LEI DE LICITAÇÕES (LEI Nº 14.133/2021)
Antônio Rodrigues de Sousa Neto, Larissa Rocha Pires Ferreira

296 A RELEVÂNCIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE A NULIDADE DO


CONTRATO ADMINISTRATIVO NA LEI Nº 14.133/2021
Gabriela Oliveira Lima, Julia Felipe Lacerda

6 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


Jessica Kelly de Sousa Carvalho e Luana
Ravenna Araújo Campêlo
Serviços contínuos de terceirização com regime de dedicação exclusiva de mão de obra (demo) na nova lei de licitações e contratos
(Lei 14.133/2021)

SERVIÇOS CONTÍNUOS DE TERCEIRIZAÇÃO COM


REGIME DE DEDICAÇÃO EXCLUSIVA DE MÃO DE OBRA
(DEMO) NA NOVA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS (LEI
14.133/2021)

Jessica Kelly de Sousa Carvalho1


Luana Ravenna Araújo Campêlo2

RESUMO
Esse estudo objetiva expandir as considerações acerca das inovações trazidas pela Lei nº
14.133/2021, a nova Lei de Licitações e Contratos, especificamente no que diz respeito aos
serviços contínuos de terceirização com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, tecendo
alguns comentários acerca dos conceitos e legislações acerca do instituto de terceirização
para então discorrer acerca das principais alterações relativas à prestação de serviços de
terceirização na Administração Pública desenvolvendo um paralelo entre a Lei nº 8.666/1993 e
o novel diploma. Para tanto, os estudos basearam-se em trabalhos específicos da área, bem
como, leituras sistemáticas de documentos, caracterizando-se desse modo como um estudo
bibliográfico, com o principal objetivo de retirar das obras ideias para consubstanciar a discussão
sobre a temática abordada.
Palavras-chave: Serviços contínuos. Terceirização de mão de obra. Instrução Normativa nº
05/2017. Lei nº 14.133/2017.

ABSTRACT
This study aims to expand the considerations about the innovations brought by Law nº 14.133/2021,
the new Bidding and Contracts Law, specifically with regard to continuous outsourcing services
with exclusive dedication of labor, making some comments about the concepts and legislation
about the outsourcing institute and then discuss the main changes related to the provision of
outsourcing services in Public Administration. To this end, the studies were based on specific
works in the area already carried out by the aforementioned authors, among others, as well as
systematic readings of documents, characterizing this way as a bibliographical study, with the main
objective of removing from the works ideas for substantiate the discussion on the topic addressed.
Keywords: Continuous services. Labor outsourcing. Normative Instruction No. 05/2017. Law
No. 14.133/2017.

1
Bacharel em Direito pela Faculdade Santo Agostinho – FSA, Licenciada em Filosofia pela Universidade Federal do Piauí
-UFPI, Especialista em Direito Trabalhista e Previdenciário, Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Piauí – UFPI.
2
Bacharel em Direito pelo Centro de Ensino Unificado de Teresina – CEUT, Advogada, Especialista em Direito de Família e
Sucessões, Especialista em Direito Público.

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Jessica Kelly de Sousa Carvalho e Luana Ravenna Araújo Campêlo

1 INTRODUÇÃO

Os serviços contínuos de terceirização com regime de dedicação


exclusiva de mão de obra, caracterizam-se como um modelo de gestão
de contratação que permite a Administração Pública contratar serviços
de terceiros através da iniciativa privada para realização de atividades
executivas sob o regime de execução indireta, o que o torna um serviço
de alta complexidade dentro da temática das contratações públicas.
Diante da necessidade de garantia de uma contratação segura
para as partes envolvidas no processo de contratação pública, se faz
necessário um tratamento especial pelo ordenamento jurídico brasileiro,
que ao longo dos anos vem apresentando evolução legislativa acerca dos
serviços contínuos de terceirização com regime de dedicação exclusiva
de mão de obra, os chamados contratos DEMO.
A Lei nº 8666/1993 não apresentava disposições sobre os serviços
contínuos de terceirização com regime de dedicação exclusiva de mão
de obra, nesse contexto surgiu a Instrução Normativa nº 05 de 2017,
apresentando disposições sobre as regras e diretrizes a serem aplicadas
no procedimento de contratação de serviços sob o regime de execução
indireta, dispondo acerca da reestruturação do modelo de contratação de
serviços terceirizados.
A Nova Lei de Licitações e Contratos (Lei 14.133/2021) trouxe
expressamente em seu bojo contornos precisos sobre o modelo de
execução de contratos e conceituação dos serviços de terceirização com
regime de dedicação exclusiva de mão de obra.
Atuando na Administração Pública do Estado do Piauí no âmbito de
licitações e contratos, observa-se a necessidade de investigar se realmente
ocorreram inovações trazidas pela Nova Lei de Licitações e Contratos
(Lei 14.133/2021) no que se refere à execução contratual dos Serviços
Contínuos de Terceirização com Regime de dedicação exclusiva de mão

8 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


Serviços contínuos de terceirização com regime de dedicação exclusiva de mão de obra (demo) na nova lei de licitações e contratos
(Lei 14.133/2021)

de obra, ou o legislador apenas incorporou orientações normativas dos


Tribunais e Diretrizes contidas na Instrução Normativa 05/2017.
Tratou-se de um trabalho que reuniu revisão bibliográfica e
jurisprudencial a respeito da temática com o objetivo de posicionar o leitor em
torno dos principais temas. Utilizar-se-á como critério de inclusão os trabalhos
específicos da área já realizados pelos autores mencionados, dentre outros,
bem como, leituras sistemáticas de documentos, caracterizando-se desse
modo como um estudo bibliográfico, com o principal objetivo de retirar das
obras ideias para consubstanciar a discussão sobre a temática abordada.
Sendo este o cenário se questiona: quais as principais alterações
trazidas pela nova Lei de Licitações e Contratos no que se refere à
execução contratual dos Serviços Contínuos de Terceirização com Regime
de dedicação exclusiva de mão de obra, os chamados contratos DEMO?
Tencionando responder a este questionamento teceremos breves
considerações acerca da terceirização de mão de obra trazendo em linhas
gerais seus conceitos e a evolução normativa deste importante instituto.
Posteriormente discorreremos acerca dos contratos de serviços contínuos
de terceirização em regime de dedicação exclusiva de mão de obra na
Instrução Normativa 05/2017 e, por fim, trataremos das principais inovações
trazidas pela lei 14.133/2021 para os serviços contínuos de terceirização
com regime de dedicação exclusiva de mão de obra.

2 CONCEITUAÇÃO E EVOLUÇÃO NORMATIVA DO INSTITUTO DA


TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS CONTÍNUOS

2.1 Conceito

A terceirização é um instituto que, em linhas iniciais, consiste


basicamente na existência de uma pessoa jurídica que atua cedendo
uma ou mais de suas atividades a outras pessoas jurídicas, possibilitando
maior desimpedimento de recursos para as agendas que estas julgam

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Jessica Kelly de Sousa Carvalho e Luana Ravenna Araújo Campêlo

mais importantes. Vilson Antonio Rodrigues Bilhalva (1997, p.22) remata


esse conceito definindo terceirização como “a transferência da execução
de determinadas atividades empresariais, até então realizadas por pessoal
próprio, para parceiros idôneos e especializados”.
Sob a ótica trabalhista, Maurício Godinho Delgado (2020, p.473)
explica que “a expressão terceirização resulta de neologismo oriundo
da palavra terceiro, compreendido como intermediário, interveniente”. O
autor frisa que tal fenômeno faz surgir uma relação trilateral entre obreiro,
prestador de serviços e empresa tomadora dos serviços.
Sérgio Pinto Martins (2017, p.10), por sua vez, prefere definir a
terceirização de modo mais amplo, in verbis:

Consiste a terceirização na possibilidade de contratar terceiro


para a realização de atividades que geralmente não constituem
o objeto principal da empresa. Essa contratação pode
compreender tanto a produção de bens como serviços, como
ocorre na necessidade de contratação de serviços de limpeza,
de vigilância ou até de serviços temporários. Terceirização
da atividade diz respeito à empresa. Terceirização da mão
de obra diz respeito ao serviço.

Este conceito, no entanto, abre espaço para um ainda mais extensivo,


o que considera as atividades-fim como passíveis de terceirização. É o
que preleciona o art. 4º-A da Lei nº 13.467/2017:

Art. 4º-A: Considera-se prestação de serviços a terceiros a


transferência feita pela contratante da execução de quaisquer
de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa
jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua
capacidade econômica compatível com a sua execução.

A Administração Pública, por seu turno, passou a se valer também


da terceirização. Os autores publicistas debruçaram-se sobre o tema
apresentando seus conceitos sobre tal figura. De forma muito ampla,

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Serviços contínuos de terceirização com regime de dedicação exclusiva de mão de obra (demo) na nova lei de licitações e contratos
(Lei 14.133/2021)

Celso Antônia Bandeira de Mello (2021, p.228) explica o fenômeno do


seguinte modo:

Terceirização significa, pura e simplesmente, passar para


particulares tarefas que vinham sendo desempenhadas
pelo Estado. Daí, que este rótulo abriga os mais distintos
instrumentos jurídicos, já que se pode repassar a particulares
atividades públicas por meio de concessão, permissão,
delegação, contrato administrativo de obras, de prestação
de serviços etc. Com isso, é bem de ver, falar em terceirização
não transmite ao interlocutor a mínima ideia sobre aquilo
que está de direito a ocorrer. Isto é, não se lhe faculta noção
alguma sobre a única coisa que interessa a quem trata com o
Direito: a identificação de um regime jurídico incidente sobre
a espécie cogitada.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2022) explicita que a terceirização


está intimamente relacionada à ideia de parceria e tem por vantagens
a especialização da empresa contratada (o que permite à tomadora do
serviço concentrar-se em sua atividade fim, à diminuição dos encargos
trabalhistas e previdenciários (o que reduz o preço do produto ou serviço)
e à simplificação da estrutura empresarial.
Para fins deste estudo, entende-se por terceirização de atividade
estatal o contrato entre Poder Público (tomador) e pessoa jurídica
da iniciativa privada (empresa terceirizada), que tem por objeto: a) o
fornecimento de um serviço relativo às suas atividades-meio; b) a prestação
de serviços, executados em nome da Administração Pública, através da
empreitada de obra e de serviço ou execução de serviço público em nome
da Administração; e c) a execução, em nome da Administração Pública,
de atos de consentimento e de fiscalização pertinente ao ciclo de polícia.
Dessa forma, tem-se que os serviços de terceirização prestados de
forma contínua caracterizam-se como aqueles que, pela sua essencialidade,
visam atender à necessidade pública de forma contínua, via de regra, por

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mais de um exercício financeiro, assegurando a integridade do patrimônio


público e o funcionamento das atividades finalísticas da Administração
Pública, bem como possuem um modelo de gestão em que as atividades
não essenciais são transferidas para uma empresa especializada na
prestação dos serviços para fins de garantir a eficiência e garantia de
continuidade de suas atividades.

2.2 Evolução Normativa

O modelo neoliberal ganhou força no Brasil nos anos 90, afetando


drasticamente as relações trabalhistas e flexibilizando as formas de vínculo
jurídico. Desde então, o fenômeno da terceirização tem se expandido no
país, sob a justificativa de que se apresenta como estratégia segura e
moderna de desenvolvimento econômico (DELGADO; AMORIM, 2015).
A primeira reforma representou a substituição da administração
patrimonial pela burocrática. Iniciada em 1936, no Governo de Getúlio
Vargas, a Reforma Burocrática preocupou-se com o controle político da
corrupção e a incompetência e o desperdício de recursos públicos. O
principal símbolo formulador e executor desse período foi o Departamento
Administrativo do Serviço Público – DASP. Esse órgão atuou em importantes
mudanças na administração de pessoal e de material, no orçamento e na
administração financeira e na revisão de estruturas e na racionalização
de métodos (BRESSER-PEREIRA, 1998).
A segunda reforma administrativa teve suas diretrizes estabelecidas
pelo Decreto-Lei nº 200/67, marco jurídico da desburocratização da máquina
pública. Essa reforma, denominada Reforma Desenvolvimentista, se
fundamentou nos princípios de planejamento, descentralização, delegação
de competência, coordenação e controle (BRESSER-PEREIRA, 1998).
Em pioneira previsão, a terceirização (chamada de execução indireta,
mediante contrato) é prevista para o setor público, com o objetivo de ser
uma prestação de serviços mais especializada, sujeita a uma medição

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Serviços contínuos de terceirização com regime de dedicação exclusiva de mão de obra (demo) na nova lei de licitações e contratos
(Lei 14.133/2021)

de alcance dos resultados mais facilmente apurável. Tudo isso para que
os esforços (financeiros, pessoais e tecnológicos) estejam concentrados
no fim público.
É o que se observa da redação do artigo 10, § 7º do Decreto-
Lei nº 200/67:
Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal
deverá ser amplamente descentralizada.
[...]
§7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento,
coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir
o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a
Administração procurará desobrigar-se da realização material
de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível,
à execução indireta, mediante contrato, desde que exista,
na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida
e capacitada a desempenhar os encargos de execução.
(BRASIL, 1967).

Em termos legais, a terceirização tem em sua essência a natureza


de descentralização, tencionado tornar a máquina pública mais eficiente.
Maurício Godinho Delgado (2016) estabelece que a intenção do dispositivo
acima transcrito era prescindir a Administração Pública da execução de
tarefas meramente executivas apresentando essa alternativa de execução
indireta de tais funções. Destaca-se que o Decreto-Lei nº 200/1967 é
aplicável especificamente à Administração Pública subordinada à União.
A Lei nº 5.645, de 10 de dezembro de 1970, estabeleceu diretrizes para
a classificação de cargos do Serviço Civil da União e das autarquias federais,
prevendo que as atividades relacionadas com transporte, conservação,
custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas deveriam
ser, preferencialmente, objeto de execução indireta, mediante contrato de
prestação de serviços (art. 3º, parágrafo único, da Lei nº 5.645/1970). Esse
dispositivo se encontra revogado, mas enquanto vigorou deixou claro que

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as atividades passíveis de terceirização seriam aquelas não finalísticas.


Seguidamente ao Decreto-Lei nº 200/1967, a Lei nº 6.019/1974
regulamentou a possibilidade de terceirização de atividade-fim em
caso de trabalho temporário. Definiu, também, o que deveria ser visto
como prestação de serviços a terceiros no âmbito destas contratações
temporárias. Em 2017, através da Lei nº 13.429/2017, este diploma sofreu
diversas modificações.
A popularmente conhecida como Lei das Terceirizações, Lei nº
13.429/2017, suscitou, pioneiramente, a possibilidade de terceirização da
atividade-fim. É o que se pode inferir do já mencionado art. 4º-A. Todavia,
o fato de se definir a terceirização não necessariamente representa a
possibilidade de a Administração Pública poder se valer de tais serviços.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a fim de
evitar o desvirtuamento do instituto, estabeleceu-se uma limitação de
ordem constitucional à terceirização de serviços no âmbito público. Com
o artigo 37, inciso II, da Constituição Federal, a investidura em cargo ou
emprego de natureza pública ficou limitada à aprovação prévia em concurso
público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a
complexidade do cargo ou emprego.
Esse terceiro movimento, chamado de Reforma Gerencial (ou de
Nova Gestão Pública), propagava mudanças de estruturas e processos
nas organizações do setor público com o objetivo de obter melhores
desempenhos (CAVALCANTE, 2017). Ganhou destaque no Brasil durante
o primeiro governo Fernando Henrique Cardoso, com aprovação do Plano
Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) em 1995. Um dos
seus componentes básicos foi a delimitação do papel do Estado por meio
dos processos de privatização, publicização e terceirização. Também se
definiu que as atividades auxiliares deveriam ser terceirizadas, ou seja,
submetidas à licitação pública e formalizadas por contrato administrativo
(CAVALCANTE, 2017).

14 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


Serviços contínuos de terceirização com regime de dedicação exclusiva de mão de obra (demo) na nova lei de licitações e contratos
(Lei 14.133/2021)

Nesse sentido, no âmbito da Administração Pública direta federal, foi


publicado o Decreto nº 2.271, de 07 de julho de 1997, que ao dispor sobre
a contratação de serviços, enumerava que as atividades de conservação,
limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem,
recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios,
equipamentos e instalações seriam desenvolvidas, preferencialmente,
por terceiros.
Outro importante avanço decorrente da Reforma Gerencial foi a
incorporação da eficiência de forma explícita como princípio norteador da
Administração Pública (art. 37, caput, da CF/88), pela Emenda Constitucional
nº 19/1998. Dessa forma, observa-se que, até então, somente poderiam ser
terceirizadas as atividades-meio, ou seja, aquelas consideradas auxiliares,
instrumentais ou acessórias ao desenvolvimento das atividades-fim,
tidas como razão de ser da organização e exercidas diretamente pelo
Poder Público.
Observa-se que por diversos anos poucos foram os diplomas
normativos voltados à normatização da execução indireta na esfera da
Administração Pública. Considerando as exíguas referências legais acerca
desta temática, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula nº 331,
que sofreu diversas modificações ao longo dos anos. A versão final destaca
dois pontos acerca das relações entre terceirizados e administração
pública, abaixo sublinhados:

SÚMULA 331: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS.


LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens
V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27,
30 e 31.05.2011
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta
é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador
dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº
6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante

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empresa interposta, não gera vínculo de emprego com


os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou
fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a
contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de
20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de
serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador,
desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte
do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do
tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que
haja participado da relação processual e conste também do
título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta
e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas
condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta
culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º
8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do
cumprimento das obrigações contratuais e legais da
prestadora de serviço como empregadora. A aludida
responsabilidade não decorre de mero inadimplemento
das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa
regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços
abrange todas as verbas decorrentes da condenação
referentes ao período da prestação laboral. (grifo nosso)

Mais adiante, a Lei nº 8.666/1993 trata da matéria quando versa


sobre as contratações de terceiros para a execução de ações e serviços
relacionados à Administração. É o que preconiza o inc. VIII, do art. 6º, da
Lei Geral de Licitações e Contratos:

Art. 6º Para os fins desta Lei, considera-se:


[…]
VIII - Execução indireta - a que o órgão ou entidade contrata
com terceiros sob qualquer dos seguintes regimes: (Redação
dada pela Lei nº 8.883, de 1994)

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Serviços contínuos de terceirização com regime de dedicação exclusiva de mão de obra (demo) na nova lei de licitações e contratos
(Lei 14.133/2021)

a) empreitada por preço global - quando se contrata a execução


da obra ou do serviço por preço certo e total;
b) empreitada por preço unitário - quando se contrata a
execução da obra ou do serviço por preço certo de unidades
determinadas;
c) (Vetado). (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
d) tarefa - quando se ajusta mão-de-obra para pequenos
trabalhos por preço certo, com ou sem fornecimento de
materiais;
e) empreitada integral - quando se contrata um empreendimento
em sua integralidade, compreendendo todas as etapas
das obras, serviços e instalações necessárias, sob inteira
responsabilidade da contratada até a sua entrega ao
contratante em condições de entrada em operação, atendidos
os requisitos técnicos e legais para sua utilização em condições
de segurança estrutural e operacional e com as características
adequadas às finalidades para que foi contratada;

O art. 71, do mesmo diploma normativo, determina os limites à


responsabilização da Administração pelos encargos trabalhistas e
previdenciários da empresa terceirizada:

Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas,


previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução
do contrato.
§ 1º A inadimplência do contratado, com referência aos
encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à
Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento,
nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a
regularização e o uso das obras e edificações, inclusive
perante o Registro de Imóveis. (Redação dada pela Lei nº
9.032, de 1995)
§2º A Administração Pública responde solidariamente com
o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da
execução do contrato, nos termos do art. 31 da Lei nº 8.212,
de 24 de julho de 1991.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 17


Jessica Kelly de Sousa Carvalho e Luana Ravenna Araújo Campêlo

Após um grande salto temporal, já em agosto de 2018, o Supremo


Tribunal Federal (STF) reconheceu a constitucionalidade da terceirização
de todas as etapas do processo produtivo das empresas, inclusive das
atividades-fim. Ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental ADPF 324/DF e o RE 958.252/MG, fixou-se, a seguinte tese
de repercussão geral: “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de
divisão do trabalho em pessoas jurídicas distintas, independentemente
do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade
subsidiária da empresa contratante”. Veja-se:

Ementa: Direito do Trabalho. Arguição de Descumprimento


de Preceito Fundamental. Terceirização de atividade-fim e
de atividade-meio. Constitucionalidade. 1. A Constituição
não impõe a adoção de um modelo de produção específico,
não impede o desenvolvimento de estratégias empresariais
flexíveis, tampouco veda a terceirização. Todavia, a
jurisprudência trabalhista sobre o tema tem sido oscilante e
não estabelece critérios e condições claras e objetivas, que
permitam sua adoção com segurança. O direito do trabalho e
o sistema sindical precisam se adequar às transformações no
mercado de trabalho e na sociedade. 2. A terceirização das
atividades-meio ou das atividades-fim de uma empresa tem
amparo nos princípios constitucionais da livre iniciativa e da
livre concorrência, que asseguram aos agentes econômicos a
liberdade de formular estratégias negociais indutoras de maior
eficiência econômica e competitividade. 3. A terceirização
não enseja, por si só, precarização do trabalho, violação
da dignidade do trabalhador ou desrespeito a direitos
previdenciários. É o exercício abusivo da sua contratação
que pode produzir tais violações. 4. Para evitar tal exercício
abusivo, os princípios que amparam a constitucionalidade
da terceirização devem ser compatibilizados com as
normas constitucionais de tutela do trabalhador, cabendo
à contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade
econômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente
pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como
por obrigações previdenciárias (art. 31 da Lei 8.212/1993).
5. A responsabilização subsidiária da tomadora dos serviços

18 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


Serviços contínuos de terceirização com regime de dedicação exclusiva de mão de obra (demo) na nova lei de licitações e contratos
(Lei 14.133/2021)

pressupõe a sua participação no processo judicial, bem como


a sua inclusão no título executivo judicial. 6. Mesmo com a
superveniência da Lei 13.467/2017, persiste o objeto da ação,
entre outras razões porque, a despeito dela, não foi revogada
ou alterada a Súmula 331 do TST, que consolidava o conjunto
de decisões da Justiça do Trabalho sobre a matéria, a indicar
que o tema continua a demandar a manifestação do Supremo
Tribunal Federal a respeito dos aspectos constitucionais da
terceirização. Além disso, a aprovação da lei ocorreu após
o pedido de inclusão do feito em pauta. 7. Firmo a seguinte
tese: “1. É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade,
meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a
contratante e o empregado da contratada. 2. Na terceirização,
compete à contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade
econômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente
pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como
por obrigações previdenciárias, na forma do art. 31 da Lei
8.212/1993”. 8. ADPF julgada procedente para assentar
a licitude da terceirização de atividade-fim ou meio.
Restou explicitado pela maioria que a decisão não afeta
automaticamente decisões transitadas em julgado. (ADPF 324,
Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em
30/08/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG
05-09-2019 PUBLIC 06-09-2019)

Indo ao encontro da decisão acima ementada, exaradas em relação


à iniciativa privada, parece ter sido ampliado, no âmbito da Administração
Pública Federal direta, autárquica e fundacional, das empresas públicas e das
sociedades de economia mista da União, o uso da terceirização no serviço
público para qualquer atividade. Por meio do Decreto nº 9.507/2018, de 21
de setembro de 2018, que revogou o Decreto nº 2.271/97, possibilitou-se,
genericamente, a forma indireta de execução, tratando de maneira indistinta as
atividades acessórias (atividades-meio) e as atividades-fim do órgão público.
Em atendimento ao disposto no art. 2º do Decreto nº 9.507/2018,
o então Ministro de Estado do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão
publicou a Portaria nº 443/2018, de 27 de dezembro de 2018, que

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 19


Jessica Kelly de Sousa Carvalho e Luana Ravenna Araújo Campêlo

estabeleceu os serviços que serão preferencialmente objeto de execução


indireta mediante contratação, ou seja, serviços terceirizados.
A portaria apresenta uma lista exemplificativa dos serviços que podem
ser terceirizados, todos de caráter auxiliar, instrumental ou acessório,
aplicável às contratações realizadas pela administração pública federal
direta, autárquica e fundacional, às empresas públicas e às sociedades
de economia mista controladas pela União. Prevê também que outras
atividades, que não estejam contempladas na lista, poderão ser passíveis
de execução indireta, desde que atendidas as vedações constantes no
Decreto nº 9.507/2018.
Em suma, percebe-se que a base legal da terceirização no âmbito
da administração pública encontra-se inicialmente prevista no Decreto-Lei
nº 200, de 1967, o qual prevê a possibilidade de a Administração utilizar
o modelo de gestão de execução indireta, através de contrato oriundo de
procedimento licitatório; o Decreto nº 2.271, de 7 de julho de 1997 que dispõe
sobre a contratação de serviços pela Administração Pública Federal direta,
autárquica e fundacional e dá outras providências; a Portaria nº 409, de 21
de dezembro de 2016 que define regras para assegurar aos trabalhadores
terceirizados o recebimento de direitos, com maior segurança jurídica nas
relações contratuais; e, surgiu a Instrução Normativa 02/2008 que trouxe um
novo formato de contratação, sendo reformulada pela Instrução Normativa nº
05/2017, considerando a necessidade de adequar as disposições normativas
aos entendimentos dos Tribunais, bem como sistematizar as matérias que
foram objeto de alterações jurisprudenciais e doutrinárias.

3 CONTRATOS DE SERVIÇOS CONTÍNUOS DE TERCEIRIZAÇÃO


EM REGIME DE DEDICAÇÃO EXCLUSIVA DE MÃO DE OBRA NA
INSTRUÇÃO NORMATIVA 05/2017

Intentando consolidar a sistematização nas aquisições e contratações


de serviços na esfera do Executivo Federal, o Ministério do Planejamento,

20 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


Serviços contínuos de terceirização com regime de dedicação exclusiva de mão de obra (demo) na nova lei de licitações e contratos
(Lei 14.133/2021)

Desenvolvimento e Gestão publicou em 26 de maio de 2017 a Instrução


Normativa nº 5, que “Dispõe sobre as regras e diretrizes do procedimento
de contratação de serviços sob o regime de execução indireta no âmbito da
Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional”, revogando
a Instrução Normativa nº 02/2008.
Esse normativo centralizou seu objetivo no aumento da produtividade,
inovação e redução de custos nas contratações de serviços prestados,
prescrevendo regras e diretrizes do procedimento de contratação de
serviços sob o regime de execução indireta no âmbito da Administração
Pública Federal direta, autárquica e fundacional.
Prescreveu-se os tipos de serviços que admitiriam a execução indireta
e os que não seriam suscetíveis a esse tipo de prestação de serviços.
Essa instrução normativa precisa o que dever ser atentado na terceirização
de serviços, incluindo aqui a questão da responsabilidade subsidiária da
Administração já examinada pela mencionada Súmula 331, do TST.
Para além disso, consolidou a ideia das condições necessárias
à aceitação de cooperativas como prestadoras de serviços e introduziu
requisitos caracterizadores para contratação de instituições sem fins
lucrativos. Ponderou, também, acerca dos conceitos de serviços comuns
e não-comuns, bem como do sentido de serviços continuados e não
continuados.
O Capítulo I, seção II, da IN 05/2017, traz em seus dispositivos as
características da contratação de serviços terceirizados. Os artigos 3º a 5º
dedicam-se, especialmente, à caracterização da contratação de serviços
terceirizados a fim de que estes não sejam deturpados para hipóteses em
que é vedada a utilização da terceirização:

Art. 3º O objeto da licitação será definido como prestação de


serviços, sendo vedada a caracterização exclusiva do objeto
como fornecimento de mão de obra.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 21


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Art. 4º A prestação de serviços de que trata esta Instrução


Normativa não gera vínculo empregatício entre os empregados
da contratada e a Administração, vedando-se qualquer relação
entre estes que caracterize pessoalidade e subordinação
direta.
Art. 5º É vedado à Administração ou aos seus servidores
praticar atos de ingerência na administração da contratada,
a exemplo de:
I - possibilitar ou dar causa a atos de subordinação, vinculação
hierárquica, prestação de contas, aplicação de sanção e
supervisão direta sobre os empregados da contratada;
II - exercer o poder de mando sobre os empregados da
contratada, devendo reportar-se somente aos prepostos ou
responsáveis por ela indicados, exceto quando o objeto da
contratação previr a notificação direta para a execução das
tarefas previamente descritas no contrato de prestação de
serviços para a função específica, tais como nos serviços de
recepção, apoio administrativo ou ao usuário;
III - direcionar a contratação de pessoas para trabalhar nas
empresas contratadas;
IV - promover ou aceitar o desvio de funções dos trabalhadores
da contratada, mediante a utilização destes em atividades
distintas daquelas previstas no objeto da contratação e em
relação à função específica para a qual o trabalhador foi
contratado;
V - considerar os trabalhadores da contratada como
colaboradores eventuais do próprio órgão ou entidade
responsável pela contratação, especialmente para efeito de
concessão de diárias e passagens;
VI - definir o valor da remuneração dos trabalhadores da
empresa contratada para prestar os serviços, salvo nos
casos específicos em que se necessitam de profissionais
com habilitação/experiência superior à daqueles que, no
mercado, são remunerados pelo piso salarial da categoria,
desde que justificadamente; e
VII - conceder aos trabalhadores da contratada direitos típicos
de servidores públicos, tais como recesso, ponto facultativo,
dentre outros.

22 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


Serviços contínuos de terceirização com regime de dedicação exclusiva de mão de obra (demo) na nova lei de licitações e contratos
(Lei 14.133/2021)

O art. 3º, retro, revela em seu bojo, de forma óbvia, que o objeto
da contratação deve ser uma prestação de serviços, vedando sua
caracterização como fornecimento de mão de obra. A locação de mão
de obra é a forma írrita de terceirização. Os arts. 4º e 5º, por sua vez,
ocupam-se em comunicar as diretrizes que devem nortear a execução
desses contratos de terceirização, com a finalidade de que eles não sejam
levados à terceirização ilegal.
O art. 5º da IN 05/2017/MPDG veda à Administração contratante
praticar atos de ingerência na administração da contratada. Em seguida,
seus incisos oferecem um rol exemplificativo de atos que estariam inseridos
nessa vedação. Todo esse arcabouço normativo tem a finalidade de
rechaçar da execução desses serviços de terceirização qualquer ato
que possa caracterizar o contrato de terceirização como contratação por
interposta pessoa.
Prosseguindo, o art. 9º, determina as atividades que não poderão
ser executadas por terceirizados, dentre as quais expressamente se vê
a atividade-fim. Embora vincule apenas os órgãos e entidades federais,
a Instrução Normativa em comento é sabidamente uma compilação dos
entendimentos consolidados pelas cortes de contas:

Art. 9° não serão objeto de execução indireta na Administração


Pública federal direta, autárquica e fundacional:
I – atividades que envolvam a tomada de decisão ou
posicionamento institucional nas áreas de planejamento,
coordenação, supervisão e controle;
II – as atividades consideradas estratégicas para o órgão ou
entidade, cuja terceirização possa colocar em risco o controle
de processos e de conhecimentos e tecnologias;
III – as funções relacionadas ao poder de polícia, de regulação,
de outorga de serviços públicos e de aplicação de sanção; e
IV – As atividades inerentes às categorias funcionais
abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, salvo

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 23


Jessica Kelly de Sousa Carvalho e Luana Ravenna Araújo Campêlo

expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar


de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro
geral de pessoal.  

Além desses dispositivos supratranscritos tem-se também que o


Planejamento da Contratação foi uma das grandes inovações trazidas pela
IN 05/2017, trazendo os Estudos Preliminares que permitem a definição
detalhada do objeto e a factibilidade da execução. E ainda, o Gerenciamento
de Risco que compreende todo o procedimento da contratação retificando
incongruências e omissões na prestação dos serviços e trazendo consigo a
possibilidade de utilização de ferramentas administrativas com a finalidade
de auxiliar na confecção do mapa de risco que consiste na materialização
do Gerenciamento de Risco.
Outro ponto que merece destaque nesse instrumento é a Gestão do
Contrato. O art. 39 traz a bipartição entre gestão e fiscalização contratual,
contando as necessárias subdivisões das funções do fiscal do contrato,
essencial para o melhor exercício no controle das obrigações:

Art. 39. As atividades de gestão e fiscalização da execução


contratual são o conjunto de ações que tem por objetivo aferir
o cumprimento dos resultados previstos pela Administração
para os serviços contratados, verificar a regularidade das
obrigações previdenciárias, fiscais e trabalhistas, bem como
prestar apoio à instrução processual e o encaminhamento
da documentação pertinente ao setor de contratos para a
formalização dos procedimentos relativos à repactuação,
alteração, reequilíbrio, prorrogação, pagamento, eventual
aplicação de sanções, extinção dos contratos, dentre outras,
com vista a assegurar o cumprimento das cláusulas avençadas
e a solução de problemas relativos ao objeto.

A bipartição acima destacada diz respeito às funções que serão


exercidas pelo Gestor do Contrato, quais sejam, aquelas relacionadas à
relação contratual propriamente dita; e às atividades exercidas pelo Fiscal do

24 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


Serviços contínuos de terceirização com regime de dedicação exclusiva de mão de obra (demo) na nova lei de licitações e contratos
(Lei 14.133/2021)

Contrato, que diz respeito à execução contratual e às obrigações. Entretanto,


a depender do grau de risco do contrato, manifesta-se a possibilidade de
subdivisões na fiscalização contratual. É o que preconiza o art. 40:

Art. 40. O conjunto de atividades de que trata o artigo anterior


compete ao gestor da execução dos contratos, auxiliado pela
fiscalização técnica, administrativa, setorial e pelo público
usuário, conforme o caso, de acordo com as seguintes
disposições:
I - Gestão da Execução do Contrato: é a coordenação das
atividades relacionadas à fiscalização técnica, administrativa,
setorial e pelo público usuário, bem como dos atos
preparatórios à instrução processual e ao encaminhamento
da documentação pertinente ao setor de contratos para
formalização dos procedimentos quanto aos aspectos que
envolvam a prorrogação, alteração, reequilíbrio, pagamento,
eventual aplicação de sanções, extinção dos contratos, dentre
outros;
II - Fiscalização Técnica: é o acompanhamento com o objetivo
de avaliar a execução do objeto nos moldes contratados e,
se for o caso, aferir se a quantidade, qualidade, tempo e
modo da prestação dos serviços estão compatíveis com os
indicadores de níveis mínimos de desempenho estipulados
no ato convocatório, para efeito de pagamento conforme o
resultado, podendo ser auxiliado pela fiscalização de que
trata o inciso V deste artigo;
III - Fiscalização Administrativa: é o acompanhamento dos
aspectos administrativos da execução dos serviços nos
contratos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra
quanto às obrigações previdenciárias, fiscais e trabalhistas,
bem como quanto às providências tempestivas nos casos
de inadimplemento;
IV - Fiscalização Setorial: é o acompanhamento da execução
do contrato nos aspectos técnicos ou administrativos quando
a prestação dos serviços ocorrer concomitantemente em
setores distintos ou em unidades desconcentradas de um
mesmo órgão ou entidade; e
V - Fiscalização pelo Público Usuário: é o acompanhamento

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 25


Jessica Kelly de Sousa Carvalho e Luana Ravenna Araújo Campêlo

da execução contratual por pesquisa de satisfação junto ao


usuário, com o objetivo de aferir os resultados da prestação dos
serviços, os recursos materiais e os procedimentos utilizados
pela contratada, quando for o caso, ou outro fator determinante
para a avaliação dos aspectos qualitativos do objeto.
§ 1º No caso do inciso IV deste artigo, o órgão ou entidade
deverá designar representantes nesses locais para atuarem
como fiscais setoriais.
§ 2º O recebimento provisório dos serviços ficará a cargo do
fiscal técnico, administrativo ou setorial, quando houver, e o
recebimento definitivo, a cargo do gestor do contrato.
§ 3º As atividades de gestão e fiscalização da execução
contratual devem ser realizadas de forma preventiva, rotineira
e sistemática, podendo ser exercidas por servidores, equipe
de fiscalização ou único servidor, desde que, no exercício
dessas atribuições, fique assegurada a distinção dessas
atividades e, em razão do volume de trabalho, não comprometa
o desempenho de todas as ações relacionadas à Gestão do
Contrato.

Em vista disso, a divisão basilar é entre Gestor e Fiscal de Contrato.


A depender do risco contratual, a exemplo dos contratos de terceirização
de mão de obra, sugerem as boas práticas que haja a divisão entre Gestor,
Fiscal Técnico e Fiscalização Administrativa, nos moldes acima delineados.
Todas essas cautelas são devidas considerando a divisão de
competências entre esses atores. Ao passo que o Fiscal Técnico afere toda
a execução com enfoque no objeto contratual, a Fiscalização Administrativa
analisará as questões relativas à regularidade previdenciária, social e
trabalhista, objetivando à verificação do cumprimento das obrigações
estabelecidas contratuais.
Além disso, a IN 05/2017 trouxe ainda a Fiscalização Setorial, que
ocorrerá quando a execução dos serviços ocorrer em outros locais, surgindo
a necessidade de nomeação de fiscais nos locais onde os serviços serão

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Serviços contínuos de terceirização com regime de dedicação exclusiva de mão de obra (demo) na nova lei de licitações e contratos
(Lei 14.133/2021)

efetivamente prestados; e a Fiscalização pelo Público Usuário, que pode


se dá, por exemplo, por meio das pesquisas de satisfação.
Do exposto vê-se as principais considerações trazidas por esta
importante Instrução Normativa, sobretudo quanto à normatização atinente
à execução de contratos de serviços sob o regime de execução indireta
no âmbito da Administração Pública, considerando que a Lei de Licitações
até então vigente não descia às minúcias tecidas pela IN.

4 INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI 14.133/2021 PARA OS SERVIÇOS


CONTÍNUOS DE TERCEIRIZAÇÃO COM REGIME DE DEDICAÇÃO
EXCLUSIVA DE MÃO DE OBRA

Sancionada em 1º de abril de 2021, a Lei nº 14.133/2021, estabelece


as regras da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, em
substituição à Lei de Licitações (Lei nº 8.666/1993), Lei do Pregão (Lei
nº 10.520/2002) e Lei do Regime Diferenciado de Contratações – RDC
(Lei nº 12.462/11).
Ao contrário da Lei nº 8.666/1993, a Nova Lei de Licitações e
Contratos Administrativos inovou ao trazer regras específicas atinentes
aos serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de
obra, assim definidos pelo inciso XVI, do art. 6º:

Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se:


[…]
XVI - serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva
de mão de obra: aqueles cujo modelo de execução contratual
exige, entre outros requisitos, que:
a) os empregados do contratado fiquem à disposição nas
dependências do contratante para a prestação dos serviços;
b) o contratado não compartilhe os recursos humanos e
materiais disponíveis de uma contratação para execução
simultânea de outros contratos;

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 27


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c) o contratado possibilite a fiscalização pelo contratante


quanto à distribuição, controle e supervisão dos recursos
humanos alocados aos seus contratos;

Ficou estabelecido que na hipótese de contratação dos referidos


serviços, o contratado compartilhe os recursos humanos e materiais
disponíveis de uma contratação para execução simultânea de outros
contratos, sendo permitido ao contratante que fiscalize a distribuição,
controle e supervisão dos recursos humanos alocados aos seus contratos.
O novel diploma previu, ainda, de forma expressa, que o instituto
de reequilíbrio de preços utilizado para fins de manutenção do equilíbrio
econômico-financeiro desses contratos utilizado fosse a repactuação
mediante solicitação do contratado acompanhada de demonstração analítica
da variação dos custos, com data vinculada à apresentação das propostas,
para os custos decorrentes do mercado, ou ao acordo, convenção coletiva
ou dissídio coletivo ao qual o orçamento esteja vinculado, para os custos
decorrentes da mão de obra, observado o interregno mínimo de 1 (um) ano.
Ainda acerca da repactuação, a inovação acerca da repactuação de
preços dessa espécie de contrato é que o prazo para resposta ao pedido
de repactuação será preferencialmente de 1 (um) mês, contado da data
do fornecimento da planilha de custos e formação de preços, ou do novo
acordo, convenção ou sentença normativa que fundamenta a repactuação.
A repactuação de preços previstos no próprio contrato poderá ser realizada
por simples apostila, dispensada a celebração de termo aditivo:

Art. 92. São necessárias em todo contrato cláusulas que


estabeleçam:
§ 4º Nos contratos de serviços contínuos, observado o
interregno mínimo de 1 (um) ano, o critério de reajustamento
de preços será por:
I - reajustamento em sentido estrito, quando não houver regime
de dedicação exclusiva de mão de obra ou predominância

28 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


Serviços contínuos de terceirização com regime de dedicação exclusiva de mão de obra (demo) na nova lei de licitações e contratos
(Lei 14.133/2021)

de mão de obra, mediante previsão de índices específicos


ou setoriais;
II - repactuação, quando houver regime de dedicação exclusiva
de mão de obra ou predominância de mão de obra, mediante
demonstração analítica da variação dos custos.
[…]
§ 6º Nos contratos para serviços contínuos com regime de
dedicação exclusiva de mão de obra ou com predominância de
mão de obra, o prazo para resposta ao pedido de repactuação
de preços será preferencialmente de 1 (um) mês, contado
da data do fornecimento da documentação prevista no § 6º
do art. 135 desta Lei.

Em que pese tais novidades, a Administração não se vincula às


disposições contidas em acordos, convenções ou dissídios coletivos
de trabalho que tratem de matéria não trabalhista, de pagamento de
participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados do contratado, ou
que estabeleçam direitos não previstos em lei, como valores ou índices
obrigatórios de encargos sociais ou previdenciários, bem como de preços
para os insumos relacionados ao exercício da atividade, sendo vedado
ainda disposições que tratam de obrigações e direitos que somente se
aplicam aos contratos com a Administração Pública. É o que preconiza o
art. 135, desse diploma:

Art. 135. Os preços dos contratos para serviços contínuos


com regime de dedicação exclusiva de mão de obra ou com
predominância de mão de obra serão repactuados para
manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, mediante
demonstração analítica da variação dos custos contratuais,
com data vinculada:
I - à da apresentação da proposta, para custos decorrentes
do mercado;
II - ao acordo, à convenção coletiva ou ao dissídio coletivo
ao qual a proposta esteja vinculada, para os custos de mão
de obra.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 29


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§ 1º A Administração não se vinculará às disposições contidas


em acordos, convenções ou dissídios coletivos de trabalho
que tratem de matéria não trabalhista, de pagamento de
participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados do
contratado, ou que estabeleçam direitos não previstos em
lei, como valores ou índices obrigatórios de encargos sociais
ou previdenciários, bem como de preços para os insumos
relacionados ao exercício da atividade.
§ 2º É vedado a órgão ou entidade contratante vincular-se às
disposições previstas nos acordos, convenções ou dissídios
coletivos de trabalho que tratem de obrigações e direitos
que somente se aplicam aos contratos com a Administração
Pública.
§ 3º A repactuação deverá observar o interregno mínimo de
1 (um) ano, contado da data da apresentação da proposta
ou da data da última repactuação.
§ 4º A repactuação poderá ser dividida em tantas parcelas
quantas forem necessárias, observado o princípio da
anualidade do reajuste de preços da contratação, podendo
ser realizada em momentos distintos para discutir a variação
de custos que tenham sua anualidade resultante em datas
diferenciadas, como os decorrentes de mão de obra e os
decorrentes dos insumos necessários à execução dos serviços.
§ 5º Quando a contratação envolver mais de uma categoria
profissional, a repactuação a que se refere o inciso II
do caput deste artigo poderá ser dividida em tantos quantos
forem os acordos, convenções ou dissídios coletivos de
trabalho das categorias envolvidas na contratação.
§ 6º A repactuação será precedida de solicitação do contratado,
acompanhada de demonstração analítica da variação dos
custos, por meio de apresentação da planilha de custos
e formação de preços, ou do novo acordo, convenção ou
sentença normativa que fundamenta a repactuação.

Recorde-se que este instituto foi amplamente manejado na


jurisprudência do TCU. O Acórdão 1.827/2008-Plenário já trazia em seu
bojo a diferenciação entre reajuste e repactuação na contratação de
serviços continuados:

30 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


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(Lei 14.133/2021)

SUMÁRIO: REPRESENTAÇÃO. AUDITORIA NO MINISTÉRIO


DOS TRANSPORTES COM O OBJETIVO DE AVALIAR
A TERCEIRIZAÇÃO NO SETOR DE INFORMÁTICA.
POSSÍVEIS IRREGULARIDADES EM CONTRATO
CUJO OBJETO FOI A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
ESPECIALIZADOS DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO DE
NATUREZA CONTINUADA. ACOLHIMENTO PARCIAL DAS
ALEGAÇÕES APRESENTADAS. PROCEDÊNCIA PARCIAL.
DETERMINAÇÕES. 1. O Decreto nº 6.042/07, que altera o
Regulamento da Previdência Social, disciplina a aplicação,
o acompanhamento e a avaliação do Fator Acidentário de
Prevenção (FAP) e o Nexo Técnico Epidemiológico, apenas
passou a produzir efeitos quanto à nova redação do Anexo
V do Regulamento da Previdência Social a partir do primeiro
dia do quarto mês subseqüente ao de sua publicação, isto é,
1º/6/2007 (ex vi do artigo 5º, inciso II, do Decreto nº 6.042/07).
Antes disso, encontrava-se em vigor o Decreto nº 3.048/99,
que previa que o percentual a título de seguro de acidentes
de trabalho que deveria ser utilizado nas planilhas de custo
e formação de preços de empresas cuja atividade econômica
principal fosse descrita como “outras atividades de serviços
prestados principalmente às empresas não especificadas
anteriormente” (artigo 22 da Lei nº 8.212/91) era de 2%.
Somente a partir de 1º/6/2007 é que o referido percentual
passou a ser de 1%, nos termos do Decreto nº 6.042/07.
2. No caso de empresas tributadas sobre o lucro real, o
percentual reservado ao Cofins e ao PIS nas planilhas de custo
e formação de preços, conforme expressamente determinam
os artigos 2º da Lei nº 10.833/03 e 2º da Lei nº 10.637/02,
seria, respectivamente, 7,6% e 1,65%. Em acréscimo, o
artigo 30 da Lei nº 10.833/03 determina que os pagamentos
efetuados pelas pessoas jurídicas a outras pessoas jurídicas
de direito privado pela prestação de serviços de locação de
mão-de-obra, dentre outros, estão sujeitos à retenção na
fonte da Cofins e da contribuição para o PIS/PASEP com os
respectivos percentuais de 3% e 0,65%, de acordo com o
disposto no artigo 31 da mesma Lei. 3. Considera-se noturno,
nos termos do artigo 73, § 2º, da Consolidação das Leis
Trabalhistas, o trabalho executado entre as vinte e duas
horas de um dia e as cinco horas do dia seguinte. 4. O artigo

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 31


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2º da Lei Complementar nº 110/01 majorou a contribuição


vinculada ao FGTS devida pelos empregados em 0,5%.
Todavia, o § 2º do mesmo diploma legal estabeleceu que a
contribuição majorada seria devida por 60 (sessenta) meses,
a contar de sua exigibilidade (1/1/2002), sendo extinta, por
conseqüência, em 1/1/2007. 5. Notas fiscais que, por ausência
de informações, impossibilitam a aferição de que as despesas
nelas descritas tenham sido efetivadas no âmbito do convênio
que se examina não se prestam a comprovar eventuais gastos
despendidos. 6. A repactuação de preços não foi editada pelo
Decreto nº 2.271/97 como figura jurídica autônoma, mas
como espécie de reajuste de preços, a qual, ao contrário de
valer-se da aplicação de índices de preços, adota apenas
a efetiva alteração dos custos contratuais. Desse modo,
não há se falar em inconstitucionalidade quanto ao aspecto
previsto no artigo 84, inciso IV, da Constituição Federal. 7.
Sendo a repactuação contratual um direito que decorre de
lei (artigo 40, inciso XI, da Lei nº 8.666/93) e, tendo a lei
vigência imediata, forçoso reconhecer que não se trata, aqui,
de atribuição, ou não, de efeitos retroativos à repactuação
de preços. A questão ora posta diz respeito à atribuição de
eficácia imediata à lei, que concede ao contratado o direito
de adequar os preços do contrato administrativo de serviços
contínuos aos novos preços de mercado. 8. A partir da data
em que passou a viger as majorações salariais da categoria
profissional que deu ensejo à revisão, a contratada passou
deter o direito à repactuação de preços. Todavia, ao firmar
o termo aditivo de prorrogação contratual sem suscitar os
novos valores pactuados no acordo coletivo, ratificando os
preços até então acordados, a contratada deixou de exercer
o seu direito à repactuação pretérita, dando azo à ocorrência
de preclusão lógica. (grifo nosso)

Além das diversas alterações que atingem o Direito Administrativo,


as mudanças atingiram também a seara trabalhista. Apesar de informar
que somente o contratado pela Administração será responsável pelos
encargos trabalhistas, expressamente reconhece a responsabilidade

32 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


Serviços contínuos de terceirização com regime de dedicação exclusiva de mão de obra (demo) na nova lei de licitações e contratos
(Lei 14.133/2021)

subsidiária se for comprovada a falha na fiscalização do cumprimento


das obrigações do contratado:

Art. 121. Somente o contratado será responsável pelos


encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais
resultantes da execução do contrato.
[...]
§ 2º Exclusivamente nas contratações de serviços contínuos
com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, a
Administração responderá solidariamente pelos encargos
previdenciários e subsidiariamente pelos encargos trabalhistas
se comprovada falha na fiscalização do cumprimento das
obrigações do contratado.

Foi um avanço legislativo o reconhecimento dessa responsabilidade


há muito consolidada no âmbito do TST, especialmente na já mencionada
Súmula 331. A norma fomentou o conjunto de medidas que o administrador
público poderá adotar para obstar que o ônus financeiro retorne para o órgão
ou entidade contratante. O §3º, do art. 121 trouxe uma série de medidas
que ajudam a assegurar que o contratado arcará com suas obrigações:

Art. 121. Somente o contratado será responsável pelos


encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais
resultantes da execução do contrato.
[…]
§ 3º Nas contratações de serviços contínuos com regime
de dedicação exclusiva de mão de obra, para assegurar o
cumprimento de obrigações trabalhistas pelo contratado, a
Administração, mediante disposição em edital ou em contrato,
poderá, entre outras medidas:
I – exigir caução, fiança bancária ou contratação de seguro-
garantia com cobertura para verbas rescisórias inadimplidas;
II – condicionar o pagamento à comprovação de quitação
das obrigações trabalhistas vencidas relativas ao contrato;
III – efetuar o depósito de valores em conta vinculada;

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 33


Jessica Kelly de Sousa Carvalho e Luana Ravenna Araújo Campêlo

IV – em caso de inadimplemento, efetuar diretamente o


pagamento das verbas trabalhistas, que serão deduzidas
do pagamento devido ao contratado;
V – estabelecer que os valores destinados a férias, a décimo
terceiro salário, a ausências legais e a verbas rescisórias dos
empregados do contratado que participarem da execução
dos serviços contratados serão pagos pelo contratante ao
contratado somente na ocorrência do fato gerador.

Como mencionado, o entendimento jurisprudencial sedimentado no


âmbito do TST passa a compor a Lei de Licitações e Contratos, quando a Lei
nº 14.133/2021 estatui que nas contratações relativas a serviços contínuos
com regime de dedicação exclusiva de mão de obra a Administração
Pública responsabilizar-se-á solidariamente pelos encargos previdenciários
e subsidiariamente pelos débitos trabalhistas se atestada imperfeição no
que diz respeito à fiscalização.
Por fim, no que concerne ao controle das contratações, outro
entendimento há muito explanado pela Corte de Contas da União, foi
incorporado pela Nova Lei de Licitações, qual seja, a imposição de práticas
de planejamento, gestão de riscos e melhor governança nas contratações
públicas (Acórdão nº 2.622/201-Plenário).
Acerca dessa temática o art. 169, da nova lei dispõe:

Art. 169. As contratações públicas deverão submeter-se a


práticas contínuas e permanentes de gestão de riscos e de
controle preventivo, inclusive mediante adoção de recursos de
tecnologia da informação, e, além de estar subordinadas ao
controle social, sujeitar-se-ão às seguintes linhas de defesa:
I - primeira linha de defesa, integrada por servidores e
empregados públicos, agentes de licitação e autoridades
que atuam na estrutura de governança do órgão ou entidade;
II - segunda linha de defesa, integrada pelas unidades de
assessoramento jurídico e de controle interno do próprio
órgão ou entidade;

34 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


Serviços contínuos de terceirização com regime de dedicação exclusiva de mão de obra (demo) na nova lei de licitações e contratos
(Lei 14.133/2021)

III - terceira linha de defesa, integrada pelo órgão central de


controle interno da Administração e pelo tribunal de contas.
§ 1º Na forma de regulamento, a implementação das práticas
a que se refere o caput deste artigo será de responsabilidade
da alta administração do órgão ou entidade e levará em
consideração os custos e os benefícios decorrentes de sua
implementação, optando-se pelas medidas que promovam
relações íntegras e confiáveis, com segurança jurídica para
todos os envolvidos, e que produzam o resultado mais
vantajoso para a Administração, com eficiência, eficácia e
efetividade nas contratações públicas.
§ 2º Para a realização de suas atividades, os órgãos de
controle deverão ter acesso irrestrito aos documentos e às
informações necessárias à realização dos trabalhos, inclusive
aos documentos classificados pelo órgão ou entidade nos
termos da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, e o órgão
de controle com o qual foi compartilhada eventual informação
sigilosa tornar-se-á corresponsável pela manutenção do seu
sigilo.
§ 3º Os integrantes das linhas de defesa a que se referem os
incisos I, II e III do caput deste artigo observarão o seguinte:
I - quando constatarem simples impropriedade formal,
adotarão medidas para o seu saneamento e para a mitigação
de riscos de sua nova ocorrência, preferencialmente com
o aperfeiçoamento dos controles preventivos e com a
capacitação dos agentes públicos responsáveis;
II - quando constatarem irregularidade que configure dano
à Administração, sem prejuízo das medidas previstas no
inciso I deste § 3º, adotarão as providências necessárias
para a apuração das infrações administrativas, observadas a
segregação de funções e a necessidade de individualização
das condutas, bem como remeterão ao Ministério Público
competente cópias dos documentos cabíveis para a apuração
dos ilícitos de sua competência.

O gerenciamento de riscos, segundo a Nova Lei de Licitações e


Contratos, é instrumento fundamental que não pode ser prescindido, ainda
que nas contratações diretas, mesmo que os estudos técnicos preliminares
possam ser dispensados nesse tipo de contratação. Assim, infere-se que,

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 35


Jessica Kelly de Sousa Carvalho e Luana Ravenna Araújo Campêlo

quanto mais dificultosa ou vultuosa for o objeto da contratação, mais


necessário se faz a efetivação proporcional do gerenciamento de riscos.
Com o advento desse diploma houve a valorização do gerenciamento
de riscos, sendo este tópico inserido na fase preparatória das licitações
(vide caput do art. 169, supratranscrito).
Tal inovação legislativa confere à Administração Pública a importante
prática de governança e de gestão de riscos de controle preventivo nas
contratações públicas, inclusive fazendo uso de recursos de tecnologia
da informação.
Estabelecendo um parâmetro entre a multicitada IN nº 05, já em
observância durante a vigência da Lei nº 8.666/1993, e a Nova Lei de
Licitações e Contratos, percebe-se que muitas das diretrizes ali estabelecidas
foram incorporadas pelo novel diploma norteador das contratações públicas.

5 CONCLUSÃO

A Lei nº 8666/1993 não apresentava disposições sobre os serviços


contínuos de terceirização com regime de dedicação exclusiva de mão
de obra, nesse contexto surgiu a Instrução Normativa nº 05 de 2017,
apresentando disposições sobre as regras e diretrizes a serem aplicadas
no procedimento de contratação de serviços sob o regime de execução
indireta, dispondo acerca da reestruturação do modelo de contratação de
serviços terceirizados.
A Nova Lei de Licitações e Contratos (Lei 14.133/2021) trouxe
expressamente em seu bojo contornos precisos sobre o modelo de execução
de contratos e conceituação dos serviços de terceirização com regime
de dedicação exclusiva de mão de obra, e ainda, incorporou diversos
entendimentos doutrinários e jurisprudenciais aos seus dispositivos.
Nesse contexto, abordamos as principais alterações trazidas pela
nova Lei de Licitações e Contratos no que se refere à execução contratual

36 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


Serviços contínuos de terceirização com regime de dedicação exclusiva de mão de obra (demo) na nova lei de licitações e contratos
(Lei 14.133/2021)

dos Serviços Contínuos de Terceirização com Regime de dedicação


exclusiva de mão de obra, os chamados contratos DEMO.
Fizemos breves considerações acerca da terceirização de mão de
obra trazendo em linhas gerais seus conceitos e a evolução normativa
deste importante instituto. Posteriormente discorremos acerca dos contratos
de serviços contínuos de terceirização em regime de dedicação exclusiva
de mão de obra na Instrução Normativa 05/2017 e, por fim, tratamos das
principais inovações trazidas pela lei 14.133/2021 para os serviços contínuos
de terceirização com regime de dedicação exclusiva de mão de obra.
De todo o estudo se tem que, sobretudo, a Nova Lei de Licitações
e Contratos trouxe regras específicas atinentes aos serviços contínuos
com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, notadamente quanto
à previsão expressa da repactuação enquanto instituto adequado ao
reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos de terceirização de
mão de obra. E ainda, estabeleceu que nas contratações relativas a
serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra a
Administração Pública responsabilizar-se-á solidariamente pelos encargos
previdenciários e subsidiariamente pelos débitos trabalhistas se atestada
imperfeição no que diz respeito à fiscalização.
Em que pese a pouca doutrina acerca dessa temática, considerando
o exíguo tempo de existência do novel diploma em comento, interessante
seria que novas pesquisas fossem realizadas no intuito de sanar as dúvidas
acerca desse riquíssimo assunto.

REFERÊNCIAS

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em 5 de outubro de 1988. Disponível em: < https://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 22 nov. 2022.

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O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 37


Jessica Kelly de Sousa Carvalho e Luana Ravenna Araújo Campêlo

a contratação de serviços pela Administração Pública Federal direta,


autárquica e fundacional e dá outras providências. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d2271.htm> Acesso em:
21 nov. 2022.

_________. Decreto nº 9.507, de 21 de setembro de 2018. Dispõe sobre


a execução indireta, mediante contratação, de serviços da administração
pública federal direta, autárquica e fundacional e das empresas públicas
e das sociedades de economia mista controladas pela União. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/decreto/
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_________. Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000. Estabelece


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_________. Lei n° 5.645, de 10 de dezembro de 1970. Estabelece


diretrizes para a classificação de cargos do Serviço Civil da União
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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5645.htm#:~:text=LEI%20
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_________. Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão


(MP). Portaria nº 443, de 27 de dezembro de 2018. Estabelece os
serviços que serão preferencialmente objeto de 113 execução indireta,
em atendimento ao disposto no art. 2º do Decreto nº 9.507, de 21 de
setembro de 2018. Disponível em: <https://www.gov.br/compras/pt-br/

38 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


Serviços contínuos de terceirização com regime de dedicação exclusiva de mão de obra (demo) na nova lei de licitações e contratos
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Lei n o 6.019, de 3 de janeiro de 1974, que dispõe sobre o trabalho
temporário nas empresas urbanas e dá outras providências; e dispõe
sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços
a terceiros. Disponível em:<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
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Terceirização de atividade-fim e de atividade-meio. Constitucionalidade.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 39


Jessica Kelly de Sousa Carvalho e Luana Ravenna Araújo Campêlo

Rel. Min. Roberto Barroso. Julgado em 30.08.2018. Publicado


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EM: https://www.gov.br/compras/pt-br/acesso-a-informacao/legislacao/
instrucoes-normativas/instrucao-normativa-no-5-de-26-de-maio-de-
2017-atualizada

40 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


Serviços contínuos de terceirização com regime de dedicação exclusiva de mão de obra (demo) na nova lei de licitações e contratos
(Lei 14.133/2021)

MARTINS, Sérgio Pinto. Terceirização no Direito do Trabalho. 14


ed. São Paulo: Saraiva Jur. 2017.

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo.


35 ed. São Paulo: Malheiros, 2021.

PINHEIRO, Iuri; MIZIARA, Raphael. Manual da Terceirização: teoria


e prática. 2. Ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2020.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 41


Leonardo Bruno Carvalho Avelino e
Luciana Spindola Monteiro Toussaint
Leonardo Bruno Carvalho Avelino e Luciana Spindola Monteiro Toussaint

OS DESAFIOS DA IMPLANTAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO


SUSTENTAVEL: PRINCÍPIO E OBJETO DA NOVA LEI DE
LICITAÇÃO E CONTRATOS

Leonardo Bruno Carvalho Avelino1


Luciana Spindola Monteiro Toussaint2

RESUMO
Diante do crescimento acelerado da degradação ambiental a sociedade clama por mecanismos
capazes de garantir a renovação dos recursos naturais e matérias primas de forma ambientalmente
adequada, sendo necessário mudança nos padrões de utilização desses recursos. Por isso, este
artigo analisa a inserção da sustentabilidade nas contratações públicas brasileiras, através da Nova
Lei de Licitações e Contratos, uma vez que o poder de aquisição estatal é extremamente relevante
e por essa razão, deve partir do poder público as mudanças na forma de adquirir e consumir seus
bens e serviços, realizando aquisições e contratações de serviços com políticas de sustentabilidade.
O foco nas licitações sustentáveis ocorre tendo em vista que a principal forma de contratação com
o poder público se dá por meio de licitação, sendo assim é necessário a inserção e aplicação de
critérios de sustentabilidade nos certames licitatórios para fomentar o desenvolvimento sustentável.
Palavras-chave: Desenvolvimento Sustentável. Sustentabilidade.Nova Lei de Licitações
e Contratos.

ABSTRACT
Faced with the accelerated growth of environmental degradation, society calls for mechanisms
capable of guaranteeing the renewal of natural resources and raw materials in an environmentally
appropriate manner, requiring a change in the patterns of use of these resources. For this reason,
this article analyzes the insertion of sustainability in Brazilian public procurement, since the state
purchasing power is extremely relevant and for this reason, changes in the way of acquiring and
consuming its goods and services must start from the public power, carrying out acquisitions and
contracting of services with sustainability policies. The focus on sustainable bidding takes place
considering that the main form of contracting with the government is through bidding, so it is
necessary to insert and apply sustainability criteria in bidding processes to promote sustainable
development.
Keywords: Sustainable development. Sustainability. New Bidding and Contracts Law.

1
Graduado em Direito pela Faculdade Integral Diferencial - FACID WYDEN, Teresina-PI. E-mail:lelisavelino@gmail.com
2
Especialista em Administração Hospitalar pela Faculdade Santo Agostinho-FSA. Especialista em Gestão de Pessoas pela Uni-
versidade Estadual do Piaui-UESPI. Graduada em Administração de Empresas pela Universidade Estadual do Piaui-UESPI.
Administradora de Empresa da Secretaria de Estado da Saude do Piaui-SESAPI. E-mail:lucianaspindola09@gmail.com

42 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


Os desafios da implantação do desenvolvimento sustentavel: princípio e objeto da nova lei de licitação e contratos

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como eixo central os desafios do Poder


Público na implantação de práticas de sustentabilidade nas contratações
públicas, pautado na problemática de como o poder público efetiva práticas
de sustentabilidade nas contratações públicas.
Inicialmente é feita uma contribuição à tarefa de conceituação sobre
a nova lei de licitações e contratos, bem como todas as novidades trazidas
no seu bojo.
De modo contínuo o trabalho apresenta os marcos normativos do
desenvolvimento sustentável na administração pública brasileira com
abordagem dos pontos que devem ser levados em consideração na
promoção do desenvolvimento nacional sustentável. Primeiramente,
se relaciona ao fomento das atividades produtivas brasileiras, visando
garantir tratamento especial as empresas localizadas no Brasil. Já em
segundo ponto, ressalta o viés ambiental e fomenta a narrativa de que
as contratações da administração devem almejar práticas favoráveis ao
meio ambiente.
Em ato contínuo o trabalho destaca o objetivo das Contratações
Públicas Sustentáveis, através dos pilares ambiental, social e econômico,
como efetivação do desenvolvimento sustentavel, enquanto procedimento
que visa a inclusão de critérios de sustentabilidade ambiental, social e
econômica nas compras públicas, em que é possível usar o significativo
poder de compras do Estado para influenciar a sociedade e o mercado.
O estado enquanto consumidor passa a comprar produtos sustentáveis
e reflete nos setores produtivos a necessidade de uma nova postura
comercial, razão pela qual justifica a escolha do presente tema.
Portanto, o foco nas licitações sustentáveis ocorre tendo em vista
que a principal forma de contratação com o poder público se dá por
meio de licitação, sendo assim é necessário a inserção e aplicação de

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 43


Leonardo Bruno Carvalho Avelino e Luciana Spindola Monteiro Toussaint

critérios de sustentabilidade nos certames licitatórios para fomentar o


desenvolvimento sustentável.
Sendo assim, a licitação sustentável não pode mais ser considerada
como exceção no cotidiano da Administração Pública. Ao contrário, ainda
que sua implantação esteja ocorrendo de uma maneira gradativa, a
realização da licitação sustentável deixou de ser medida excepcional
para ser a regra geral.
Nesse contexto, os princípios da Lei 14.133/21 art.5° na aplicação
desta lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade,
da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da
probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência,
da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao
edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da
competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade
e do desenvolvimento nacional sustentável.
De acordo com o art. 11 da referida lei, o processo licitatório tem
por objetivos: I - assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado
de contratação mais vantajoso para a Administração Pública, inclusive
no que se refere ao ciclo de vida do objeto, já no inciso IV - incentivar a
inovação e o desenvolvimento nacional sustentável.
Desse modo, na nova Lei de licitação o desenvolvimento nacional
sustentavel passa a ser um das finalidades da licitação publica junto com
a garantia de isonomia e visando a proposta mais vantajosa ao interesse
publico, gerando um grande beneficio a saude humana, aos direitos
humanos e ao meio ambiente.
Destaca-se que o Governo Federal já dispõe de catálogos de
materiais e serviços sustentáveis, desenvolvido pelo Sistema Integrado de
Administração e Serviços Gerais – SIASG. O sistema também disponibiliza
para consultas os bens sustentáveis já adquiridos pela Administração

44 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


Os desafios da implantação do desenvolvimento sustentavel: princípio e objeto da nova lei de licitação e contratos

através do sistema Comprasnet. Vale ressaltar que esse catálogo vem


sendo aprimorado, atualizado e divulgado.
Ou seja, o Estado enquanto grande consumidor de bens, serviços e
obras, deve dar o exemplo, sensibilizando os demais consumidores sobre
as complicações ambientais e sociais associadas aos diferentes tipos de
compras, reafirmando o comprometimento com empresas que possuam
ética e boas práticas em relação ao meio ambiente e ao desenvolvimento
econômico e social.
Percebe-se que licitação não é somente um procedimento
administrativo que visa suprir a administração com bens, serviços e obras
necessárias ao seu funcionamento. Deve ser orientada para implementar
políticas públicas que induzam a um padrão de consumo e produção que
atenda ao interesse público de uma sociedade mais justa, sem comprometer
o bem-estar das gerações futuras.
Portanto o simples fato de o Estado optar por formas de consumo
mais sustentáveis já implicaria em significante redução do impacto
ambiental. No entanto, como anteriormente afirmado, as consequências
dessa opção vão além da redução direta da degradação ambiental. Com
essas medidas, haveria uma sinalização para o setor privado de um novo
paradigma de consumo, no qual ganha força a questão ecológica.
Dessa forma, deve-se destacamos o papel indutor do Estado, pois,
a medida em que o setor privado for estimulado a ofertar produtos e
serviços ecologicamente sustentáveis, a tendência é a majoração dos
investimentos em busca de novas tecnologias e produção nessa seara.
Quanto aos aspectos metodologicos foi adotada a pesquisa com
abordagem qualitativa, cujo objeto será de natureza exploratória, realizada
por meio de pesquisa bibliografica, com coleta de dados em livros, artigos
juridicos, textos em meio virtual e atraves de legislação.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 45


Leonardo Bruno Carvalho Avelino e Luciana Spindola Monteiro Toussaint

2 APROXIMAÇÕES CONCEITUAIS SOBRE A NOVA LEI DE LICITAÇÕES


E CONTRATOS

Um procedimento licitatorio tem como objetivo selecionar a proposta


mais vantajosa para a administração pública e deve observar os princípios
constitucionais previamente estabelecidos, em particular os princípios da
isonomia, competitividade, economia e eficiência, e é justamente porque,
respeitando esses princípios, eles devem escolher uma proposta que
melhor atenda às suas necessidades, protegendo valores importantes
para a sociedade.
O termo desenvolvimento nacional sustentável foi citado no art.
3º da Lei 8.666/93, porém somente na Nova Lei Geral de Licitações e
Contratos que foi definido o desenvolvimento sustentavel como principio de
observancia obrigatória e como objetivo explicitos nas contratações,no art.
11, assegurando a contratação mais vantajosa para a administração pública.
A nova Lei de Licitações,em seu art. 5º, determina que:

Na aplicação da lei se observarão os princípios


dalegalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade,
eficiência, interessepúblico, probidade administrativa,
igualdade, planejamento, eficácia, segregaçãode funções,
motivação, vinculação ao edital, do julgamento objetivo,
dasegurança jurídica, razoabilidade, da competitividade, da
proporcionalidade, daceleridade, da economicidade e do
desenvolvimento nacional sustentável.

A Lei nº 14.133/21, tem a finalidadede modernizar e desburocratizar


os processos licitatórios e, ao mesmo tempo, fortalecer as chamadas
ações afirmativas, cujo objetivo é incluir pequenos grupos considerados
pelas empresas como desfavorecidos.
De acordo com o Guia Nacional de Contratações Sustentáveis.
(BRASIL,2022),o procedimento nacional sutentável possui quatro
passos: 1º passo:necessidade da contratação e a possibilidade de reuso/

46 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


Os desafios da implantação do desenvolvimento sustentavel: princípio e objeto da nova lei de licitação e contratos

redimensionamento ou aquisição pelo processo de desfazimento; 2º


passo: planejamento da contratação com parâmetros de sustentabilidade;
3º passo: análise do equilíbrio entre os princípios licitatórios da isonomia,
da vantajosidade e da sustentabilidade; 4º passo: gestão e fiscalização
do contrato, bem como gestão de resíduos.
A Lei nº14.133/2021, trouxe como inovação a importancia do ciclo
de vida dos bens e materias em suas contas publicas, no art. 6º XXIII
exige que no termo de referência possua um documento necessário para a
contratação de bens eserviços, que deve conter os seguintes parâmetros e
elementos descritivos a descrição da solução como um todo, considerado
todo o ciclo de vida do objeto. No art. 11, inc.I , prescreve que o processo
licitatorio tem por objetivo assegurar a seleção da proposta apta agerar
o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública,
inclusive no que se refere ao ciclo de vida doobjeto.
Outra grande novidade nessa lei no que tange a sustentabilidade na
dimensão ambiental é que no estudo técnico preliminar deverá evidenciar
o problema a ser resolvido e a sua melhor solução, de modo a permitir a
avaliação da viabilidade técnica e econômica da contratação, e conterá
os seguintes elementos: descrição de possíveis impactos ambientais e
respectivas medidas mitigadoras, incluídos requisitos de baixo consumo de
energia e de outros recursos, bem como logística reversa para desfazimento
e reciclagem de bens e refugos, quando aplicável; Art. 18. § 1º XII.
Para o edital de obra e serviço: art. 25§ 5º, O edital poderá prever a
responsabilidade do contratado pela obtenção do licenciamento ambiental
e realização da desapropriação autorizada pelo poder público e § 6º os
licenciamentos ambientais de obras e serviços de engenharia licitados
econtratados nos termos desta Lei terão prioridade de tramitação nos órgãos
e entidades integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama)
e deverão ser orientados pelos princípios da celeridade, dabcooperação,
da economicidade e da eficiência.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 47


Leonardo Bruno Carvalho Avelino e Luciana Spindola Monteiro Toussaint

Art.42, inc. III da fase preparatória determina que a prova de qualidade


de produto apresentado pelos proponentes como similar ao das marcas
eventualmente indicadas no edital será admitida, dentre outros meios,
pela certificação, certificado, laudo laboratorial ou documento similar que
possibilite a aferição da qualidade e da conformidade do produto ou do
processo de fabricação, inclusive sob o aspecto ambiental, emitido por
instituição oficial competente ou por entidade credenciada.
Outra inovação em matéria de desenvolvimento nacional sustentável
na Nova Lei de Licitações e Contratos é sobre contratações diretas: É
inexigível a licitação quando inviável a competição, em especial nos casos
de contratação dos seguintes serviços técnicos especializados de natureza
predominantemente intelectual com profissionais ou empresas de notória
especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e
divulgação de controles de qualidade e tecnológico, análises, testes e
ensaios de campo e laboratoriais, instrumentação e monitoramento de
parâmetros específicos de obras e do meio ambiente e demais serviços
de engenharia que se enquadrem no disposto neste inciso (art.7,4 inciso
III, alínea h).
A novidade em relação dos contratos administrativos, é sobre a
extinção contratual por atraso na obtenção da licença ambiental, ou
impossibilidade de obtê-la, ou alteração substancial do anteprojeto que dela
resultar, ainda que obtida no prazo previsto. Nessas circunstâncias, falta o
compromisso do indivíduo com suas obrigações de natureza ambiental. E
por fim o art. 147 inciso II e III sobra a nulidade dos contratos: Constatada
irregularidade no procedimento licitatório ou na execução contratual,
caso não seja possível o saneamento, a decisão sobre a suspensão da
execução ou sobre a declaração de nulidade do contrato somente será
adotada na hipótese em que se revelar medida de interesse público,
com avaliação, entre outros, dos seguintes aspectos: II - riscos sociais,
ambientais e à segurança da população local decorrentes do atraso

48 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


Os desafios da implantação do desenvolvimento sustentavel: princípio e objeto da nova lei de licitação e contratos

na fruição dos benefícios do objeto do contrato; III - motivação social e


ambiental do contrato.

3 MARCOS NORMATIVOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL


NA ADMINISTRACAO PUBLICA BRASILEIRA

A Constituição Federal de 1988 ficou conhecida como a “Constituição


Verde” porque garantiu o direito à vida de todos os seus cidadãos a viver
em um meio ecologicamente equilibrado e impondo ao poder público o
dever de cuidado e proteção do meio ambiente.

Art. 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente


equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e
à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações (Brasil, 1988).

O desenvolviemnto econômico relacionado a proteção ambiental


foi consagrado na Constituição Federal, ondeela determina que, a ordem
econômica assegure adefesa ao meio ambiente como princípio geral,
transcrito abaixo:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do


trabalho humano ena livre iniciativa, tem por fim assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional; II- propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV- livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento
diferencia do conforme o impacto ambiental dos produtos e
serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII- busca do pleno emprego;

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 49


Leonardo Bruno Carvalho Avelino e Luciana Spindola Monteiro Toussaint

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno


porte constituídassob as leis brasileiras e que tenham sua
sede e administração no País.

A temática ambiental, progressivamente, passou a integrar as


discussões políticas, sociais e econômicas na sociedade. Os impactos
sobre o meio ambiente passaram a criar a necessidade pela busca de
soluções que auxiliem na redução de sua degradação. Cabe ressaltar que
o Estado possui uma grande capacidade de influenciar o mercado. Ele
é um dos grandes consumidores de produtos, contrata serviços e deve
assumir sua parcela de responsabilidade quanto às questões ambientais.
E esse consumo de produtos e contratação de serviços é realizado pela
Administração Pública mediante a utilização de licitação pública que,
segundo Niebuhr (2015, p. 33) é entendido como sendo um:

Licitação pública é um procedimento administrativo condicional


à celebração de contrato administrativo mediante o qual
a Administração Pública expõe sua intenção de firmá-lo,
esperando que, com isso, terceiros se interessem e lhe
ofereçam propostas, a fim de selecionar a mais vantajosa
ao interesse público. (Niebuhr 2015, p. 33)

A promoção do desenvolvimento nacional sustentável como finalidade


a ser alcançada pelas licitações está prevista no artigo 5º da Lei nº
14.133/2021 e anteriormente no artigo 3º da Lei nº 8.666/1993, que foi
modificado pela Lei nº 12.349/2010 onde inseriu no ordenamento jurídico
brasileiro o Princípio do Desenvolvimento Nacional Sustentável, indicando
que as contratações públicas devem prever critérios de sustentabilidade.
O Estado deve, por meio de procedimento licitatório, atingir este fim
juntamente com a observância de outros princípios previstos no mesmo
dispositivo legal, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657/42,
Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.

50 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


Os desafios da implantação do desenvolvimento sustentavel: princípio e objeto da nova lei de licitação e contratos

Art. 5º Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da


legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade,
da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa,
da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia,
da segregação de funções, da motivação, da vinculação
ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da
razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da
celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional
sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº
4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas
do Direito Brasileiro).

A Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, regulamenta o art. 37, inciso


XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da
Administração Pública e dá outras providências, a princípio, tinha como
finalidade da licitação, previsto em seu artigo 3º, o tratamento isonômico
dos interessados em fornecer para a Administração Pública e à obtenção
da proposta mais vantajosa.
Já que a principal forma de contratação com o poder público se dá por
meio de licitação pública, que tem como pilar a busca pela proposta mais
vantajosa para a Administração, é necessário a inserção e aplicação de
critérios de sustentabilidade nos editais licitatórios para operacionalização
da mudança dos padrões de consumo e fomentar a sustentabilidade.
É importante que a Administração Pública fomente essas mudanças,
pois ela adquire muitos produtos e serviços, com um poder de compra
capaz de impulsionar a inovação nos padrões de consumo atual. Produtos
e serviços sustentáveis, embora atualmente mais caros, têm o potencial
de gerar maior economia a longo prazo e reduzir o impacto ambiental,
talvez o benefício mais importante de todos. Assim, a diferença de preço
entre um produto ou serviço sustentável e um tradicional é mínima em
comparação com os benefícios da versão verde.
Por essa razão, o setor público deve mostrar mudanças na forma de
adquirir e consumir seus bens e serviços, conscientizar seus colaboradores,

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 51


Leonardo Bruno Carvalho Avelino e Luciana Spindola Monteiro Toussaint

parceiros e empresas fornecedoras, realizando aquisições com políticas


de sustentabilidade.
Ao definir sustentabilidade, é possível perceber que os conceitos
de sustentabilidade e desenvolvimento sustentável são indissociáveis,
pois a sustentabilidade representa o objetivo a ser alcançado por meio
do desenvolvimento sustentável.
Nesse sentido, Juarez Freitas (2019) traz o Princípio da
Sustentabilidade:

O princípio da sustentabilidade consiste em princípio


constitucional que determina, independentemente de
regulamentação legal, com eficácia direta e imediata, a
responsabilidade do Estado e da sociedade pela concretização
solidária do desenvolvimento material e imaterial, socialmente
inclusivo, durável e equânime, ambientalmente limpo, inovador,
ético e eficiente, no intuito de assegurar, preferencialmente de
modo preventivo e precavido, no presente e no futuro, o direito
ao bem-estar físico, psíquico e espiritual, em consonância
homeostática com o bem de todos. (FREITAS, 2019).

Portanto, a preocupação e o empenho em alcançar a sustentabilidade


é algo imediato, nesse sentido, afirma-se que a sustentabilidade não é
para longo prazo, deve ser breve, e é para quem age no presente, pois a
necessidade de criar uma sociedade justa socialmente e ambientalmente
ecológica é agora.
Para Borges (2011), trata-se de uma legitimação de uso do poder
de compra do Estado na efetivação de políticas públicas, fazendo com
que atenda não apenas as demandas da Administração Pública, como
também fomentando a implementação de estratégias de Governo para
atendimento à sociedade. A margem de preferência é um exemplo de
fomento à sustentabilidade nacional, ao privilegiar produtos nacionais em
relação ao importado, e, o nacional com inovação tecnológica em relação
ao nacional comum.

52 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


Os desafios da implantação do desenvolvimento sustentavel: princípio e objeto da nova lei de licitação e contratos

Examinando o artigo 225, “caput”, da Constituição Federal, o comando


que atribui ao Poder público o dever de defender e preservar o meio ambiente
para as presentes e futuras gerações é fundamentado para as licitações
sustentáveis no Brasil. Como o direito administrativo brasileiro funda-se na
estrita legalidade, a inserção do tema na Lei n 8.666/93, afastou dúvidas
jurídicas que pudessem subsistir quanto a sua legalidade.
Outra iniciativa fomentadora em aspecto qualitativo com um modelo
de desenvolvimento brasileiro com diretrizes atinentes ao bem estar
humano e ambiental é o Programa Governamental Agenda Ambiental na
Administração Pública (A3P) do Ministério do Meio Ambiente, que atua em
rede colaborativa nacional. É um programa oficial do governo brasileiro
criado em 2009 com o objetivo de imprimir práticas de sustentabilidade
na administração pública.
A sustentabilidade da gestão pública exige mudanças de atitudes e
de práticas. O grande desafio consiste em transpor o discurso meramente
teórico e concretizar a boa intenção num compromisso sólido. Os princípios
da responsabilidade socioambiental demandam cooperação e união de
esforços visando a minimização dos impactos sociais e ambientais que
tanto incidem sobre as mudanças climáticas.
Nesse sentido, a Agenda Ambiental na Administração Pública – A3P
é uma ação proposta pelo MMA que visa a construção de uma nova cultura
institucional. Esta ação prevê a inserção de critérios socioambientais
em todas as esferas da administração pública. A A3P tem como objetivo
estimular os gestores públicos a incorporar princípios e critérios de gestão
socioambiental em suas atividades rotineiras, levando à economia de
recursos naturais e à redução de gastos institucionais por meio do uso
racional dos bens públicos, da gestão adequada dos resíduos, da licitação
sustentável e da promoção da sensibilização e capacitação e qualidade
de vida no ambiente de trabalho.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 53


Leonardo Bruno Carvalho Avelino e Luciana Spindola Monteiro Toussaint

Com essa mesma proposta e com o objetivo oferecer segurança aos


gestores públicos na implementação de práticas socioambientais, a CGU
em 2016 introduziu uma nova parte inicial à legislação de incidência nos
editais o Guia Nacional de Licitações Sustentáveis, com orientação sobre
conceito, fundamentos jurídicos e passo a passo para a implementação
das contratações sustentáveis e já se encontra na 4ª edição publicada
em 2021 já considerando a NLLC.

Além disso, esta edição acrescenta textos sobre a dimensão


cultural da sustentabilidade nas contratações públicas;
demonstra como sustentabilidade e inovação andam juntas
e indissociáveis; chama atenção para a necessidade de
inclusão de critérios de sustentabilidade nos convênios e
demais parcerias celebradas com a Administração Pública
Federal; sobre a importância da exigência do Cadastro Técnico
Federal do Ibama como critério de sustentabilidade nas
contratações públicas; e, por fim, mas não menos importante,
esta edição traz um texto que fala da amplitude do conceito
de acessibilidade e sua importância para uma sociedade
moderna, culta, respeitadora dos direitos humanos e que
zela pela inclusão social.

4 OS PILARES AMBIENTAL,SOCIAL E ECONÔMICO, COMO


EFETIVAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL

Segundo o Manual da AGU de Implementação das Licitações


Sustentáveis na Administração Publica Federal (BRASIL,2013), o
desenvolvimento sustentavel possui três pilares de incidência: ambiental,
social e economica, deriva daí a expressão triple bottom line, que significa
tripé da sustentabilidade.
Porém, segundo Cruz, Ferrer e Glasenapp, a sustentabilidade
“deverá ser construída a partir de múltiplas dimensões, que incluem as
variáveis ecológicas, sociais, econômicas e tecnológicas, sem esquecer-se

54 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


Os desafios da implantação do desenvolvimento sustentavel: princípio e objeto da nova lei de licitação e contratos

da jurídica, num contexto de comunicação ecológica,deliberação, e


decomunhão dos sistemas.” (2014, p.1.459).
Para Freitas, 2019, a sustentabilidade deve ser compreendida por
cinco dimensões: social, ética, juridico-politica, economica e ambiental.
Nessa mesma linha de raciocínio, observa-se que a constituição
das licitações sustentáveis com ênfase no tripé da sustentabilidade,
ambiental, social e econômico, por si só em muito avança se considerada
a neutralidade defendida ao mundo jurídico. Assim, considerando que o
desenvolvimento brasileiro fundou-se na prevalência do lucro sobre as
necessidades sociais, a consideração do triple bottom line nas contratações
públicas nacionais não é um aspecto a se criticar, pelo contrário, é um
salto considerável em relação ao paradigma vigente da licitação como
ferramenta operacional para um determinado fim: aquisição, contratação
de um serviço ou uma obra.
A dimensão econômica já era e continua sendo norteadora das
licitações brasileiras calcadas predominantemente na busca do menor
preço de contratação que não considera o custo total de propriedade, os
impactos gerados desde sua extração, produção, distribuição e descarte.
Há que se ter preocupação na definição de objetivos ambientais,
sociais e econômicos em cada etapa do processo de aquisição
ou contratação, caso se esteja buscando a melhor aquisição para a
administração pública, e consequentemente, para a sociedade. O custo,
nesse caso, não é apenas o econômico, mas engloba o social, o ambiental,
ou seja, o custo para futuras gerações.
A prevalência de uma abordagem economicista na análise do ciclo
produtivo pode ser rompida pela consideração do custo total de propriedade
do bem a ser adquirido pelo setor público em seus aspectos sociais,
ambientais, éticos e humanos, Aqui efetiva-se a sustentabilidade como
um valor na análise de ciclo de vida e a ênfase não é o ciclo do bem mas
ao ciclo das vidas natural e humana envolvidas nesse processo.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 55


Leonardo Bruno Carvalho Avelino e Luciana Spindola Monteiro Toussaint

Já a dimensão social é inserida por meio da normatização como por


exemplo a vedação ao trabalho infantil, a necessidade de atendimento da
legislação trabalhista e previdenciária pelas contratadas e as licitações
exclusivas para as micro e pequenas empresas, empresas de pequeno
porte e cooperativas.
Desta forma, o que se verifica é que as licitações sustentáveis,
nos moldes trazidos pela Nova Lei de Licitações e Contratos, afastaram
a neutralidade do direito ainda predominante e reforçaram sua atuação
propositiva para redução dos impactos ambientais e das desigualdades
sociais. Esta inovação leva o procedimento licitatório para outro patamar
no âmbito da gestão pública, não mais mecânico e que demanda novos
pensares e relações.
Ademais, aspectos ambientais ganharam relevo para além da
atuação fiscalizatória e ingressaram na disciplina legal das contratações
públicas, assim como os regramentos específicos para as micro e pequenas
empresas, a inserção de associações e cooperativas de catadores na
gestão dos resíduos recicláveis decorrentes das contratações públicas
e, mas recentemente, aquisições de agricultores familiares, produtores
rurais, pessoas físicas, pescadores, povos indígenas e remanescentes
de quilombos configuram opções políticas por um desenvolvimento mais
horizontal e menos centralizado em grandes empresas.
Assim, a dimensão ambiental nas contratações governamentais
não se restringe a aquisições ou serviços, destacando-se os edifícios
públicos pelo uso de critérios ambientais que ocasionem menor impacto,
reduzam o consumo de água e energia por meio de novas tecnologias
nas construções, promovendo a inovação.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sustentabilidade se baseia na garantia do acesso das gerações


futuras aos recursos naturais, o que inclui preocupações sociais, políticas

56 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


Os desafios da implantação do desenvolvimento sustentavel: princípio e objeto da nova lei de licitação e contratos

e econômicas, além da questão ambiental, e compartilha do ideal de uma


sociedade mais justa. Nesse sentido, é preciso mudar a forma insustentável
de produção e consumo, que agride o meio ambiente, para uma forma
social e ambientalmente mais adequada.
Assim, as contratações públicas brasileiras, pela inserção da
sustentabilidade, estão em processo de reconfiguração de significados e
esta razão vai sendo questionada e segue em transição para outros cenários.
Deve-se observar que o desenvolvimento sustentável consiste
na conciliação dos elementos apresentados não só no tempo presente,
mas o crescimento econômico e a justiça social devem ser duráveis,
garantindo seus benefícios às gerações futuras, as quais devem ter acesso
aos recursos naturais dos quais dispomos na atualidade (artigo 225 da
Constituição Federal).
Conforme analisado, a promoção do desenvolvimento sustentável
depende da mudança dos nossos padrões de produção e consumo, de
modo que o Estado tem papel central na efetivação desse novo modelo.
Assim, uma das formas de fazê-lo é adotando critérios sustentáveis na
aquisição de produtos e serviços.
Ressalta-se que sustentáveis serão aquelas compras públicas que
visem a conciliar o crescimento econômico e a redução das desigualdades
sociais, preservando-se o meio ambiente. Isto é, não são aquelas que
colocarão o aspecto ecológico acima de todos os demais, pois nosso
ordenamento tem um viés altamente antropocêntrico, privilegiando a
dignidade da pessoa humana.
Demonstrou-se ainda que a inserção de critérios sustentáveis nos
processos de compras publicas não só possui base constitucional, como
também legal. Ademais, o emprego de regras sustentáveis não é uma
faculdade do gestor público, mas sim é seu dever na busca da promoção
do desenvolvimento nacional sustentável.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 57


Leonardo Bruno Carvalho Avelino e Luciana Spindola Monteiro Toussaint

Nesse sentido, não se pode deixar de observar que embora o enfoque


deste presente trabalho seja com relação ao processo previsto na Lei
8.666/93 e na Lei 14.133 (Nova Lei de Licitação), as recomendações no
sentido de adoção de critérios sustentáveis aplicam-se a todas as compras
públicas, sejam elas efetivadas por via de licitação ou não.
Uma das formas de fazê-lo é através da definição sustentável do
objeto da licitação, que pode ser muito bem executada através da avaliação
do ciclo de vida do produto ou das etapas do serviço.
Outro ponto de bastante celeuma ao se falar em compras públicas
sustentáveis diz respeito ao seu custo. No entanto, sabe-se que nem
sempre este é superior, com relação ás aquisições tradicionais, quando
considerado a longo prazo.
Ademais, é necessário destacar que não há apenas custos financeiros
envolvidos na aquisição de produtos ou serviços, mas também ecológicos,
pois praticamente toda atividade humana tem impactos ambientais, sendo
desejável que esse elemento, alheio à contabilidade seja levado em
consideração.
Dessa forma, ainda que não haja uma vantagem econômica nem
no longo prazo do produto/serviço sustentável com relação ao tradicional,
a Administração deve considerar a possibilidade de sua aquisição ser
conveniente, pois há o custo ecológico na produção/prestação do bem/
serviço a ser adquirido.
Dentro do recorte adotado neste estudo, constatou-se que é necessário
o uso de instrumentos econômicos nas políticas públicas de defesa do
meio ambiente, para harmonizá-la com o crescimento econômico e com
a equidade social, introduzindo o desenvolvimento sustentável. Também,
defende-se a tese de ser possível o estabelecimento de preferências para
produtos, serviços e licitantes sustentáveis, pois isso além de permitir um
aumento da concorrência, favorecendo a Administração (e por consequência
a coletividade) ao promover uma redução dos preços, permite a todos os

58 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


Os desafios da implantação do desenvolvimento sustentavel: princípio e objeto da nova lei de licitação e contratos

agentes econômicos interessados participar da licitação, enfraquecendo


possíveis alegações de que esta foi direcionada.
Em encaminhamento conclusivo e em resposta à pergunta de
pesquisa entendo que seja possível efetivar critérios de sustentabilidade
nas contratações públicas, porém é preciso alinhar os processos licitatórios
com todo o arcabouço normativo disponível.
As licitações devem ser instruídas de forma a implementar políticas
públicas que induzam a um padrão de consumo e produção que atenda
ao interesse público de uma sociedade mais justa, sem comprometer o
bem-estar das gerações futuras.
Ou seja, para que as Compras Públicas Sustentáveis se tornem
efetivas é necessário que todos os atores envolvidos no processo
estejam sensibilizados para a importância da sustentabilidade. Não se
pretende esgotar as possibilidades de inclusão de critérios e práticas de
sustentabilidade nas contratações que venham a ser realizadas, mas
estimular um processo contínuo de aperfeiçoamento, dando ênfase ao
dever de realizar compras sustentáveis, selecionando as propostas mais
vantajosas para a Administração, ao mesmo tempo em que promovam o
desenvolvimento nacional sustentável.

REFERÊNCIAS

BRASIL.Decreto-Lei nº 4.657/42, Lei de Introdução às normas do


Direito Brasileiro. Rio de Janeiro, DF, 04 set. 1942. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657.htm. Acesso
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do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Brasília, DF, 05 out. 1988.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
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O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 59


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Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso


XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos
da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 22 jun. 1993 e republicação Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 6 jul. 1994. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm>. Acesso em: 01. dez. 2022

_________-Advocacia Geral da União (AGU). Consultoria Geral da


União. Implementando licitações sustentáveis na Administração
Publica Federal. Brasilia: AGU,2013. Disponível em :https://www.
gov.br/agu/pt-br/composicao/cgu/arquivos/ManualImplementando
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28. nov. 2022

-----------. Advocacia Geral da União (AGU). Consultoria Geral da União.


Guia Nacional de Contratações Sustentáveis.5.ed. Brasília: AGU,
julho, 2022. Disponível em: https://www.gov.br/agu/pt-br/comunicacao/
noticias/AGUGuiaNacionaldeContrataesSustentveis4edio.pdf. Acesso
em 01.dez.2022.

-------------. Lei n° 14.333, de 1º de abril de 2021. Lei de Licitações e


Contratos Administrativos. Disponível em :http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14133.htm

BORGES, J. C. P. Licitações sustentáveis: seu desdobramento no


âmbito das instituições de federais de ensino superior (IFES): o caso
da universidade federal do Paraná. 2011. Dissertação (Mestrado).
Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, Santa Catarina, 2011.

CRUZ, Paulo; FERRER, Gabriel; GLASENAPP, Maikon. “Sustentabilidade:


um novo paradigma para o direito.” In: Novos Estudos Jurídicos. V.
19, n. 4, 2014.

60 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


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FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: Direito ao Futuro. GRAU, Eros.


A ordem econômica na Constituição de 1988. 8ed. Rev. Atual. São
Paulo: Malheiros, 2003.

FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: Direito no Futuro. 4.ed.Belo


Horizonte: Fórum,2019.

NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato


administrativo. 4. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015.

VILLAC, Teresa. Licitações Sustentáveis no Brasil. Belo Horizonte:


Fórum, 2020.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 61


Amanda Leite e Silva Borges e
Clarice Mauriz Lira
Amanda Leite e Silva Borges e Clarice Mauriz Lira

A IMPORTÂNCIA DA COMISSÃO DE SANÇÕES


ADMINISTRATIVAS NA IMPLEMENTAÇÃO DO
COMPLIANCE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DO
ESTADO DO PIAUÍ

Amanda Leite e Silva Borges1


Clarice Mauriz Lira2

RESUMO
A Administração Pública vem passando por grandes mudanças ao longo do tempo, em busca de
excelência. Atualmente, passamos por um período de melhorias na governança em busca de mais
ética e transparência dos atos administrativos para a sociedade. Com isso, ganhou força o termo
compliance - simplificadamente, é o conjunto de normas, regras e procedimentos elaborados de acordo
com as necessidades de uma instituição, para serem seguidos de modo a prevenir e detectar desvios
de conduta e atos lesivos praticados contra a Administração Pública, incluindo aqueles relacionados
à fraude e à corrupção. Nessa linha, vimos surgir a Lei 12.813/13 (Lei de Conflito de Interesses),
a Lei 12.850/13 (Lei de Combate às Organizações Criminosas), o Decreto 9.203/17 (Decreto da
Governança Pública). E, agora, temos a Nova Lei de Licitações e Contratos - Lei 14.133/2021 - que
trouxe a previsão de um Programa de Integridade dentro do âmbito das Compras Públicas. Nesse
sentido, o Estado do Piauí, acompanhando a esfera federal, vem caminhando para implementar o
compliance em sua administração. E uma de suas medidas foi a criação da Comissão de Sanções
Administrativas para que sejam analisadas condutas inidôneas dentro do processo das compras
públicas, e ela vem se mostrando um importante instrumento de colaboração na busca de maior
ética e transparência na administração estadual. É sobre sua importância e relevância que este
artigo vai discorrer através de pesquisa teórica, bibliográfica fundamentada em artigos científicos
e livros acadêmicos, lei, doutrina e jurisprudência.
Palavras-chave: Governança, Compliance, Administração Pública, Sanções.

ABSTRACT
Public Administration has been undergoing major changes over time, in search of excellence.
Currently, we are going through a period of improvements in governance in search of more
ethics and transparency of administrative acts for society. With this, the term compliance gained
strength - simply put, it is the set of norms, rules and procedures designed according to the
needs of an institution, to be followed in order to prevent and detect misconduct and harmful acts
committed against the Public Administration , including those related to fraud and corruption. In

1
Bacharel em Direito, Gestora Governamental do Estado do PI, Pós graduada em Licitações e Contratos com Ênfase na Lei N.
14.133/2021 e Habilitação em Pregoeiro pela ESA, e em Gestão Pública pela ALEPI. Atualmente é Presidente da Comissão
de Sanções Administravas/SEAD/PI, além de Sindicante Administrativa no mesmo órgão.
2
Formada em Administração de Empresas, pós graduada em Gestão de Políticas de Saúde Informadas por Evidência pelo
Sírio Libanês, e em Licitações e Contratos com Ênfase na Lei N. 14.133/2021 e Habilitação em Pregoeiro pela ESA; possui
MBA em Licitações e Contratos pelo IPOG. Atualmente exerce a Função de pregoeira e é membro de comissão de licitação
na SEMARH/PI.

62 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


this line, we saw the emergence of Law 12.813/13 (Law on Conflict of Interests), Law 12.850/13
(Law to Combat Criminal Organizations), Decree 9.203/17 (Decree on Public Governance).
And now, we have the New Bidding and Contracts Law - Law 14,133/2021 - which brought the
forecast of an Integrity Program within the scope of Public Procurement. In this sense, the State
of Piauí, following the federal sphere, has been moving towards implementing compliance in
its administration. And one of its measures was the creation of the Administrative Sanctions
Commission to analyze disreputable conduct within the public procurement process, and it has
been proving to be an important instrument of collaboration in the search for greater ethics and
transparency in state administration. It is about its importance and relevance that this article will
discuss through theoretical and bibliographical research based on scientific articles and academic
books, law, doctrine and jurisprudence.
Keywords: Governance, Compliance, Public Administration, Sanctions.

1 INTRODUÇÃO

Tendo em vista a importância da maneira como se efetivam as


aquisições de produtos e serviços na Administração Pública através das
licitações bem como do crescimento dos programas de compliance em
busca de integridade dentro das instituições, ganhou relevância o tópico
das Sanções Administrativas – presente tanto na antiga lei 8.666/1993 bem
como na Nova Lei de Licitações 14.133/2021 e, nessa última, o tratamento
de sanções foi ampliado. Isso demonstra que o próprio legislador sentiu as
necessidades dos operadores desses instrumentos legais de um arcabouço
mais relevante para garantir celeridade e integridade nos processos de
compras públicas, inibindo práticas consideradas reprováveis ou abusivas;
e comprova que já se vislumbram desdobramentos que o tema vai trazer.
Com a Nova Lei, começaram os treinamentos e congressos para
discutir as mudanças e melhorias nesse novo momento dentro das licitações
e o tema das sanções administrativas ganhou palestras específicas para
ser analisado e muita coisa ainda está por vir pois é um cenário novo que
está sendo vivenciado e que começará a valer totalmente em 1º de abril
de 2023. Uma rápida pesquisa em sítios da internet mostra que já existem
departamentos próprios para tratar desse assunto na esfera federal e em
vários estados.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 63


Amanda Leite e Silva Borges e Clarice Mauriz Lira

Assim, o objetivo desse trabalho é demonstrar a importância da


Comissão de Sanções no Estado do Piauí, seguindo uma tendência que
se alastra no país, através de pesquisa bibliográfica e demonstração de
casos práticos.
Este trabalho apresentará um tópico para tratar sobre Governança e
compliance com rápida explicação sobre os termos; um tópico sobre sanções
administrativas tanto na lei antiga, quanto na nova lei de licitações; outro
falando sobre a importância da Comissão de Sanções na implementação
do compliance na Administração Pública do Estado do Piauí, oportunidade
que em todos os tópicos se complementam; e, por fim, exemplos de casos
práticos da atuação da Comissão de Sanções.

2 GOVERNANÇA E COMPLIANCE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


2.1 Governança

O termo governança tem origem grega e vem de uma palavra que


significa direção. Sendo assim, trazendo para a esfera pública, governança
é conjunto de procedimentos ou formas de governar e se relaciona com
o modo de gerir ou comandar as instituições. Para isso, será necessário
a existência de um regramento a ser seguido para que haja organização
nesse governar.
O documento Governance and Development, de 1992, produzido
pelo Banco Mundial traz uma definição de governança como sendo “o
exercício da autoridade, controle, administração, poder de governo. (...)
é a maneira pela qual o poder é exercido na administração dos recursos
sociais e econômicos de um país visando o desenvolvimento”. Uma
“boa” governança é um requisito fundamental para um desenvolvimento
sustentado, que incorpora ao crescimento econômico equidade social e
também direitos humanos (Santos, 1997, p. 340-341).

64 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


Como observa o mesmo autor, Santos (1997, p. 341) “o conceito
(de governança) não se restringe, contudo, aos aspectos gerenciais e
administrativos do Estado, tampouco ao funcionamento eficaz do aparelho
de Estado”. A governança refere-se a “padrões de articulação e cooperação
entre atores sociais e políticos e arranjos institucionais que coordenam e
regulam transações dentro e através das fronteiras do sistema econômico”,
incluindo-se aí “não apenas os mecanismos tradicionais de agregação e
articulação de interesses, tais como os partidos políticos e grupos de pressão,
como também redes sociais informais (de fornecedores, famílias, gerentes),
hierarquias e associações de diversos tipos” (Santos, 1997, p. 342).

2.2 Governança e integridade na administração pública

Entretanto, há uma outra faceta da Governança, e é ela que se


destaca no campo de estudo do presente trabalho - como a governança
é importante para a integridade da administração pública.
Assim está o conceito e finalidade de Governança para o Tribunal
de Contas na sua revista X, p. 15:

“É a aplicação de práticas de liderança, de estratégia e de


controle que permitem aos mandatários de uma organização
pública e às partes nela interessadas avaliar sua situação
e demandas, direcionar a sua atuação e monitorar o seu
funcionamento, em termos de serviços e políticas públicas. ”
“O propósito da governança não é, nem poderia ser, a criação
de mais controles e de mais burocracia. Ao contrário, a
governança prevê formas de descobrir oportunidades de
remover controles desnecessários, que se tornam empecilhos
à entrega de resultados, pois seu objetivo é a melhoria do
desempenho da organização para geração de valor.”.

A mesma fonte conceitua os princípios da Governança como “valores


interdependentes, servindo de guia para a atuação das organizações
públicas (...) na busca dos resultados pretendidos e fortalecendo a confiança

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 65


Amanda Leite e Silva Borges e Clarice Mauriz Lira

da sociedade nessas organizações”. São eles: capacidade de resposta,


integridade, transparência, equidade e participação, Accountability,
confiabilidade, melhoria regulatória. Todos eles estão englobados na
premissa de “combate à corrupção” na esfera pública.

2.3 Compliance – origem e significado

A palavra compliance tem origem no verbo em inglês “to comply”,


que quer dizer cumprir, seguir normas, agir em conformidade, aplicar
um programa de integridade. Ainda, meio de aplicabilidade de sanções
jurídicas, credibilidade, regulamentos, códigos de conduta e prevenção
da lavagem de capitais.
Eduardo Saad Diniz conceitua os programas de compliance como
um programa amplo de adoção de política de prevenção a infrações
econômicas, através da implementação de mecanismos de controle interno
e canais de comunicação externos, sob estabelecimento de diretrizes
básicas de governança regulatória. A combinação destes elementos
conduz a novos padrões de comportamento e cumprimento de dever e
controle da tomada de decisões.
Compliance não é apenas estar de acordo com regras formais
e informais estabelecidas por um ordenamento jurídico; é uma real
preocupação em orientar a conduta dos integrantes de uma instituição
de acordo com os preceitos éticos que norteiam a missão da instituição
e aceitos pelo contexto social vigente.
É certo que a implementação de um programa de compliance não
elimina de forma absoluta os riscos aos quais uma instituição está exposta,
mas contribui efetivamente para considerável diminuição.

2.4 Aplicação do compliance na administração pública brasileira

Por volta de 1990 é que o compliance surge na administração pública


brasileira com destaque nos setores bancários e farmacêuticos após o

66 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


surgimento de casos de corrupção de ampla notoriedade envolvendo
grandes empresas em conjunto com o setor público, mostrando a
necessidade de alguma providência para devolver a característica da
integridade à seara pública.

“Ademais, foi neste período também que o país abriu o mercado


nacional, fomentando transações com empresas estrangeiras,
de forma tardia, adequou os padrões éticos de combate à
corrupção. É possível perceber o quão extenso é o período
entre o debate da necessidade de práticas de compliance
no país e a efetivação normativa no ordenamento jurídico
brasileiro. Apesar de precária, a Lei nº 9.613/1998, conhecida
por lei de “lavagem” de capitais, obrigava os setores do art. 9º
a adotarem práticas tidas como de compliance. No entanto,
em uma linha temporal, o marco do compliance no Brasil é
visto com a Lei nº 12.846/13. Isto pois, no ano de 2014 foram
descobertos esquemas de corrupção envolvendo empresas
públicas e privadas, principalmente a Petrobras, através da
operação Lava-Jato. Após os eventos ocorridos, embasados
na lei mencionada, a Petrobrás tornou-se referência no uso
de práticas de compliance e criou a Diretoria de Governança
e Conformidade e o Programa Petrobras de Prevenção da
Corrupção. (Santos, 2022, pág. 27)”

Como no Brasil as atividades econômicas privadas sempre tiveram


ligações próximas com governo através de parcerias públicas privadas, o
compliance é muito interligado à Administração Pública. A Administração
Pública é setorizada e organizada, e cada órgão tem suas funções
determinadas. Em âmbito federal, segundo (Brasil, 2018) a Controladoria
Geral da União é responsável por realizar atividades relacionadas à defesa
do patrimônio público e pelo incremento da transparência da gestão, por
meio de ações de auditoria pública, correição, prevenção e combate à
corrupção e ouvidoria.
Também, a CGU através da portaria nº 57, de 04 de janeiro de 2019,
que alterou a Portaria nº 1.089, de 25 de abril de 2018, determina em seu

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 67


Amanda Leite e Silva Borges e Clarice Mauriz Lira

art. 1º: Os órgãos e as entidades da administração pública federal direta,


autárquica e fundacional deverão instituir Programa de Integridade que
demonstre o comprometimento da alta administração e que seja compatível
com sua natureza, porte, complexidade, estrutura e área de atuação.
(BRASIL, 2019), e o §1º também estabelece que, a alta administração,
deverá refletir elevados padrões de gestão, ética e conduta, bem como
estratégias e ações para a disseminação da cultura de integridade no
órgão ou entidade.
A Portaria ainda estabelece como deve funcionar um programa
de integridade, para a prevenção, detecção, punição e remediação de
práticas de corrupção, fraudes, irregularidades e desvios éticos e de
conduta, que deve ser realizado em três fases, sendo a última a execução
do programa, bem como, o monitoramento da CGU ao atendimento dos
preceitos formulados.
Se constata que, na Administração Pública Direta e Indireta, o
compliance atua como meio de gestão e prevenção de casos de corrupção. É
viável para a Administração cobrar programas de integridade das empresas
que contratam com ela. E a Nova Lei de Licitações, Lei 14.133/2021, traz
benefícios para empresas que adotam a ferramenta em seu organograma.

2.5 Compliance na Nova Lei de Licitações

A Lei 8.666/93 - Antiga Lei de Licitações - e o Decreto 10.520/2002


que regulava a modalidade do Pregão e a Lei nº 12.462/2011 que trata
do Regime Diferenciado de Contratações – RDC foram substituídas pela
Lei 14.133/2021.
A Lei 8.666/93 já vinha sofrendo inúmeras críticas por parte dos
seus operadores que já a consideravam obsoleta desde a sua publicação.
Com a pandemia da Covid 19, intensificaram-se os clamores por uma
legislação de compras de forma mais moderna e fluida, que acompanhasse
as necessidades sociais e tecnológicas do setor de compras.

68 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


Dito isso, com a publicação da Nova Lei de Licitações e Contratos -
NLLC - 14.133/2021, pode-se ver um grande avanço com a simplificação
das contratações e formalismo moderado, adoção verdadeira do princípio
da eficiência, proximidade das relações contratuais recorrentes. A Lei
Nova trouxe muitas melhorias, dentre elas a adoção dos programas de
integridade, como por exemplo, os artigos 25, 60 e 156 e, dos quais se
depreende que, a depender da licitação, a empresa que vai concorrer
tem que ter programa de integridade; em situação diversa poderá ser
critério de desempate a adoção pela empresa de sistemas de integridade;
finalmente, na aplicação de sanções será considerado a implantação
ou o aperfeiçoamento de programa de integridade, conforme normas e
orientações dos órgãos de controle.

3 SANÇÕES ADMINISTRATIVAS

3.1 Sanções na lei 8.666/93 e na nova lei de licitações 14.133/2021

Após toda essa explanação, inicia-se este tópico com a manifestação


da CGU através do Parecer n.00231/2018/CONJUR-CGU/CGU/CGU:

“O princípio da obrigatoriedade é fundamental no direito


sancionador. Na esfera penal, a autoridade policial não pode
se recusar a proceder às investigações preliminares nem
arquivar o inquérito policial e o membro do Ministério Público,
via de regra, não pode desistir da ação e do recurso. Na seara
administrativa, a autoridade que tiver ciência da irregularidade
é obrigada a apurar o ilícito.”.

“Qualquer que seja a penalidade decorrente do direito


sancionador, todavia, não pode ela ser aplicada arbitrariamente.
Para infligir uma sanção à uma pessoa, seja ela física ou
jurídica, o Estado não pode prescindir de observância de um
devido processo legal.”.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 69


Amanda Leite e Silva Borges e Clarice Mauriz Lira

Quando há conduta irregular, ela DEVE ser investigada e devidamente


sancionada, se for o caso, DESDE QUE se assegure o devido processo
legal, que a parte tenha direito à ampla defesa e ao contraditório.
Da mesma forma, ao aplicar as sanções, deverá haver uma relação
de proporcionalidade e razoabilidade entre a conduta analisada e a sanção
aplicada, como indica o art. 5º da Lei 14.133/21. A ponderação desses
valores se dará na forma do art. 156, §1º:

I. a natureza e a gravidade da infração cometida;


II. as peculiaridades do caso concreto;
III. as circunstâncias agravantes ou atenuantes;
IV. os danos que dela provieram para a Administração Pública; e
V. a implantação ou aperfeiçoamento de programa de integridade,
conforme normas e orientações dos órgãos de controle.
Considerando que, havendo indício/ possibilidade de conduta
reprovável no âmbito da administração, e sabendo isso inclui condutas
no âmbito de uma licitação, há dever de apuração de responsabilidade e
aplicação da devida sanção usando de razoabilidade e proporcionalidade,
assegurados a ampla defesa e o contraditório, passemos à importância
desse tema dentro da Nova Lei de Licitações.
Uma das principais novidades da Lei nº 14133/ 2021 é a disciplina das
infrações e sanções administrativas, evoluindo para a previsão expressa,
em norma geral, de regras a serem cumpridas no procedimento sancionador
de licitantes e contratados (MANFISSONI, 2021). A matéria encontra-se
no Título IV - Das Irregularidades, e capítulo específico intitulado “Das
infrações e Sanções Administrativas”.
As inovações começam já na quantidade de artigos - a lei anterior
tratava desse assunto em apenas 1 artigo (art. 87). A Nova Lei dedica 9
artigos (art. 155 ao 163). O artigo 155 já começa trazendo a descrição das
infrações administrativas e o inc. II traz mais destaque para a conduta de

70 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


inexecução contratual parcial, quando causar grave dano à Administração,
ao funcionamento dos serviços públicos ou ao interesse coletivo. O inc.
VIII traz uma nova infração - fazer declaração falsa. O inc. XII, que fala da
prática de atos lesivos previstos no art. 5º da Lei nº 12.846/2013. A nova
norma não contempla mais a conduta de cometer fraude fiscal haja vista
que essa conduta já possui regramento em normas específicas.
Quanto às sanções, foi excluída a suspensão temporária de
participação em licitações e impedimento de contratar com a Administração
por prazo não superior a 2 anos, (do art. 87, III da Lei nº 8.666/1993), mas
continuam a advertência, a multa, o impedimento de licitar e contratar (da
Lei nº 10.520/2020) e a declaração de inidoneidade.
O § 4º que traz a sanção de impedimento, impede o responsável
de licitar ou contratar no âmbito da Administração Pública direta e indireta
do ente federativo que tiver aplicado a sanção, pelo prazo máximo de 3
(três) anos, e não mais 5 (cinco) anos como legislava o antigo normativo.
O § 5º traz a sanção de inidoneidade impedindo o responsável de licitar
ou contratar no âmbito da Administração Pública direta e indireta de todos
os entes federativos, pelo prazo mínimo de 3 (três) anos e máximo de 6
(seis) anos - diferente da Lei nº 8.666/1993 que não trazia prazo específico
para a pena de inidoneidade.
A proporcionalidade e o devido processo legal são estabelecidos
no § 1º do art. 156, para nortearem a natureza e a gravidade da infração,
as circunstâncias agravantes e atenuantes, os danos que dela vierem e
a implantação ou aprimoramento de programa de integridade. No mesmo
artigo, os parágrafos 2º, 3º, 4º e 5º do vinculam infração específica ao tipo
de sanção a ser aplicada. A sanção de multa passa a poder ser aplicada
a qualquer das infrações do art. 155, e permite forma cumulativa com as
demais sanções, porém com percentual não inferior a 0,5% e nem superior
a 30% do valor do contrato licitado ou celebrado.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 71


Amanda Leite e Silva Borges e Clarice Mauriz Lira

A Nova Lei nº 14.133/2021 aumentou o prazo de defesa do


interessado para 15 dias úteis - prazo com início de contagem na data
de sua intimação - sempre assegurando o contraditório e a ampla defesa
no processo administrativo. Além disso, trouxe a previsão da necessidade
de prévia análise de determinados procedimentos pelas assessorias
jurídicas, entre eles, no caso de aplicação da sanção de inidoneidade;
quando da decisão de desconsideração da personalidade jurídica; e, na
análise de reabilitação. Aqui, vou adiantar 2 assuntos que serão tratados
nos artigos seguintes desta lei.
O primeiro é quanto à desconsideração da personalidade jurídica
e, aqui, é uma grande novidade no art. 160, que preceitua a possibilidade
de desconsideração da personalidade jurídica no caso desta ser utilizada
com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos
atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial,
estendendo todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica
aos seus administradores e sócios com poderes de administração, à
pessoa jurídica sucessora ou à empresa do mesmo ramo com relação de
coligação ou controle (de fato ou de direito) com o sancionado, observando
o contraditório, a ampla defesa e a obrigatoriedade de análise jurídica prévia.
O segundo está no art. 163 e trata da reabilitação; preceitua a observância
de exigências cumulativas para a reabilitação - transcurso mínimo de 1 ano
da sanção de impedimento e de 3 anos no caso da aplicação da sanção
de inidoneidade. Ainda prevê, neste caso, a obrigatoriedade de análise
jurídica prévia, com posicionamento conclusivo sobre o cumprimento
dos requisitos de reabilitação, a reparação integral do dano causado,
o pagamento da multa aplicada e o cumprimento de demais condições
previstas no ato punitivo (é obrigatória a descrição das condições de
reabilitação no ato de punição).
O art. 158 destaca que o processamento do licitante ou contratado
deve se dar pela instauração de processo de responsabilização por

72 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


comissão formada por no mínimo 2 (dois) servidores estáveis para órgão
de regime exclusivamente estatutário ou, no caso de órgão cujo regime não
seja estatutário, a comissão será formada de 2 (dois) ou mais empregados
públicos pertencentes aos seus quadros permanentes, preferencialmente
com, no mínimo, 3 (três) anos de tempo de serviço no órgão ou entidade.
A intimação para manifestação do licitante ou contratado em 15 (quinze)
dias úteis; da possibilidade de solicitação do licitante ou contratado para
produção de provas e do deferimento desse pedido ou com provas juntadas
pela comissão, possibilidade de o interessado apresentar alegações finais
no prazo de 15 (quinze) dias úteis.
O § 4º do art. 158 trata sobre a prescrição, que ocorrerá em 5 anos,
contados da ciência da infração pela Administração, e será interrompida
pela instauração do processo de responsabilização a que se refere o caput
deste artigo; suspensa pela celebração de acordo de leniência previsto
na Lei nº 12.846/2013 e suspensa por decisão judicial que inviabilize a
conclusão da apuração administrativa. Além disso, as infrações desta
Nova Lei e as descritas na Lei nº 12.846/2013, serão apuradas e julgadas
conjuntamente, nos mesmos autos, observados o rito procedimental e a
autoridade competente definidos na Lei.
O art. 161, preceitua que as sanções por eles aplicadas pelos órgãos
ou entidades devem ser incluídas nos portais informativos: Cadastro
Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS) e no Cadastro
Nacional de Empresas Punidas (Cnep), instituídos no âmbito do Poder
Executivo federal. O § único fala que o poder executivo respectivo deve
regulamentar a forma de cômputo e as consequências da soma de diversas
sanções aplicadas a uma mesma empresa e derivadas de contratos
distintos. O art. 162 trata da multa de mora em caso de atraso injustificado
da execução, que poderá ser convertida em compensatória.
E, finalmente, art. 163 § único preceitua que a aplicação de sanção
para as infrações previstas nos incisos VIII e XII do caput do art. 155 exigirá,

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 73


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como condição de reabilitação do licitante ou contratado, a implantação


ou aperfeiçoamento de programa de integridade pelo responsável.
O destaque dado ao tópico das Sanções Administrativas na Nova
Lei de Licitações tanto é significativo como demonstra os novos deslindes
que daí virão que, em 24 de novembro de 2022, foi publicado o Decreto
Estadual 1.525/2022 regulamentando a Lei 14.133/2021 no âmbito da
Administração Pública estadual direta, autárquica e fundacional, e dedicou
mais de 30 artigos tratando das infrações e sanções. Essa regulamentação
estadual será uma tendência nos demais estados.

4 A IMPORTÂNCIA DA COMISSÃO DE SANÇÕES ADMINISTRATIVAS


NA IMPLEMENTAÇÃO DO COMPLIANCE NA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA DO ESTADO DO PIAUÍ

A Comissão de Sanções Administrativas do Estado do Piauí foi


estabelecida originalmente pela PORTARIA GAB.SEADPREV Nº 104/16, e
após passar por atualizações, atualmente a portaria vigente é a PORTARIA
GAB.SEADPREV Nº 159/19. Foi criada no intuito de analisar condutas
consideradas prejudiciais ao procedimento licitatório, desde a fase interna
até a fase de contratação e durante a execução contratual; condutas
que estavam previstas em nos termos de referência, editais e contratos
dos certames.
Sentiu-se a necessidade de sua criação após a publicação da Lei
Estadual 6.782/2016 - Lei do Processo Administrativo Estadual, que em
seu art. 15, §1º preceitua que “Todo órgão e ente público deverá indicar,
nos seus regulamentos internos, o servidor ou autoridade competente
para instruir os processos administrativos de sua competência”. Essa é a
Lei que rege o processo sancionatório no Estado do Piauí, e a Comissão
de Sanções a utiliza como a principal regente de seus processos, além
da Lei 8.666/93 e 10.520/2002, por ainda estarem vigentes. Em breve, as
devidas alterações para as inovações da Lei 14.133/2021 serão analisadas

74 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


e adotadas nos processos que utilizarem a Nova Lei de Licitações, já
que a própria lei nova diz que os dois regimes (da lei nova e lei antiga)
não podem coexistir em um só certame. A partir de 1º de abril de 2023,
somente a Lei 14.133/2021 poderá ser utilizada.
Destaca-se, aqui, seus pontos mais importantes. Inicialmente, deixa-
se claro que a Comissão de Sanções trabalha com a Lei do Processo
Administrativo Estadual inteira, mas, principalmente (e não unicamente)
com o Título V, Seção III - Do Procedimento Sancionatório. Dito isso,
passa-se a expor os pontos julgados mais relevantes.
Em seu art. 1º, dentre outras definições, estabelece quem será a
autoridade instrutora do processo e quem será a autoridade julgadora.
Esclarece, em seu art. 1, §3º que os processos e procedimentos regulados
por lei específica observarão os termos da Lei 6.782/2016 subsidiariamente.
Traz, explicitamente em seu art. 2º que o processo obedecerá, dentre
outros, aos princípios da transparência, legalidade, finalidade, motivação,
razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, publicidade,
participação, proteção da legítima confiança e interesse público.
O art. 10 traz os requisitos do âmbito da publicidade:

“A publicidade do ato de instauração pode limitar-se à sua


divulgação no boletim ou mural dos órgãos ou ente, salvo
se a deliberação a ser tomada puder repercutir sobre bens,
direitos e interesses de particulares, caso em que o ato de
instauração ser-lhe-á comunicado formalmente bem como
remetido à publicação na imprensa oficial”.

Fala sobre os atos de comunicação no Título I, Seção III, trazendo


seus requisitos mínimos: nome do destinatário da comunicação; a finalidade
da comunicação; o prazo para a prática ou abstenção de ato; o local
e horário para a prática do ato; o nome, cargo ou função do servidor
ou autoridade que ordenou a expedição da comunicação; número do
processo administrativo referente à publicação. O Título I, Seção IV fala

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 75


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sobre os atos de Instrução, inclusive do requerimento de produção de


prova e requerimento de perícia, proibindo produção de provas inúteis
ou meramente protelatórias. A parte intimada tem 15(quinze) dias para
se manifestar, após recebida a intimação (art. 58, III).
Concluída a Instrução, o servidor ou autoridade responsável elaborará
relatório dirigido à autoridade julgadora, em que resumirá o objeto do
processo administrativo e a prova produzida, apontando desde logo os fatos,
provados ou presumidos, e as normas jurídicas pertinentes a tal objeto,
com sugestão da opinião a ser tomada (art.31). A autoridade julgadora
não está vinculada ao que constar o relatório da autoridade instrutora,
mas deve decidir o processo apontando para os fundamentos de fato e
de direito que subsidiaram a conclusão. (Art.32). Por força do art. 58, VI,
antes da decisão, será ouvido o órgão da Consultoria Jurídica, no caso,
a Procuradoria Geral do Estado - PGE.
Após análise da Consultoria Jurídica, o relatório é enviado para
autoridade julgadora que tem até 10 (dez) dias para aprovar ou não o
relatório e tomar a decisão (art. 35, II). Tomada a decisão, ela será publicada
e intimado o titular da conduta analisada no processo administrativo
sancionatório. Da decisão da autoridade julgadora, salvo se esta for o
Secretário de Estado ou dirigente máximo da entidade pública, caberá
recurso no prazo de 5(cinco) dias. As decisões das autoridades citadas
acima podem ser revistas por pedido de reconsideração, com prazo de
10(dez) dias, fundado em fato ou fundamento jurídico novo e incontroverso
nos autos, mas não analisado na decisão (art. 41 e seu § único).
Toda essa explanação foi feita para mostrar a atuação da Comissão
de Sanções Administrativas, que vem ganhando mais espaço a cada dia
e até a nova Lei de Licitações destinou uma parte sua para tratar mais
detalhadamente das condutas prejudiciais às licitações e, por consequência,
do dever de apuração dessa conduta e a possível aplicação de uma
sanção administrativa.

76 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


O compliance é importante no âmbito das instituições públicas; foi
demonstrado que sua implantação no Brasil vem crescendo, sempre no
intuito de garantir mais integridade, transparência e menos corrupção
na administração pública. O alcance do compliance é bem amplo, e a
Comissão de Sanções está em um desses campos alcançados por ele - o
setor das compras públicas. E essa é uma parte super importante. Fazer
uma licitação tem custo financeiro, custo de uso do aparato estatal, do
serviço público, do tempo despendido, da expectativa de contratação frente
a uma necessidade de produto ou serviço que gerou aquela licitação,
dentre outros aspectos.
Nesse cenário, é injusto e incorreto (para dizer o mínimo) que um
particular participe da licitação apenas no intuito de prejudicá-la; fazer
sua composição de preços errada e depois se negar a assinar o contrato
sob justificativa de defasagem de preços. Ou, o particular até atende a
convocação para firmar o contrato, mas não o cumpre ou não o cumpre
a contento. Ou é aquele registro de preços com valores cadastrados para
disputa baixos demais que, após a assinatura da Ata de Registro de Preços,
nenhuma empresa quer fornecer os objetos pelos preços que elas mesmas
ofertaram… São várias possibilidades. E essas condutas prejudicam o
Estado, colocam a Administração numa situação de vulnerabilidade e
incerteza, pois ela, na maioria das vezes, agiu com a cautela necessária,
com tempo suficiente para contratação para atender às demandas do
Estado, e uma conduta inadequada de um potencial fornecedor pode
trazer grandes prejuízos.
Por isso, a Comissão de Sanções Administrativas é tão importante. Ao
tomar conhecimento da conduta de uma empresa, notificá-la e dar a ela a
oportunidade de ampla defesa e contraditório, caso ela não apresente uma
defesa satisfatória, nos termos da lei, a Comissão vai aplicar uma penalidade
prevista em lei, no Edital ou Contrato, observadas a proporcionalidade e a
razoabilidade. Essa penalidade terá caráter educativo, no sentido daquela

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 77


Amanda Leite e Silva Borges e Clarice Mauriz Lira

conduta não se repetir mais, ou inibir que outras empresas/ fornecedores


tenham a mesma conduta. A depender do caso, a empresa pode ficar um
período proibida de contratar com o poder público.
O objetivo da Comissão de Sanções Administrativas é não sair
aplicando penalidades sem critério algum em qualquer empresa. O intuito
é agir para salvaguardar o interesse público, que é muito importante - que
é o mais importante.
Considerando que o Brasil já vem adotando práticas de compliance
e a tendência haver ramificação pelos Estados e Municípios; que o Piauí
tem o Tribunal de Contas com uma das melhores auditorias do país; que a
Nova lei de Licitações será adotada pelo estado e que a legislação estadual
vai passar por uma renovação para se adequar à Nova Lei de Licitações e
a outras leis que já estão em vigor, e assim o fará com as novas que virão,
o Piauí está interessado em melhorar, sim, suas práticas administrativas,
com a adoção de práticas que coíbam a corrupção e proporcionem mais
transparência aos atos da administração pública estadual. E a Comissão
de Sanções Administrativas é parte importante nessa fase.

5 EXEMPLOS DE CASOS PRÁTICOS

No Portal SEI (https://portal.pi.gov.br/) é possível acessar através


do link Consulta Pública, alguns processos de atuação da Comissão
de Sanções Administrativas. Os processos são públicos. Destacam-se
dois exemplos – aqui não colocaremos os nomes das empresas, mas os
dados podem ser conferidos através do número do processo no endereço
eletrônico informado:
O primeiro deles é o SEI 00002.003168/2022-71. Aqui temos uma
empresa C, que assinou contrato com a SEADPREV para execução de
obra no Espaço da Cidadania de Bom Jesus/PI. O prazo de entrega era
de 30 dias. A empresa assinou o contrato mas não o cumpriu. A Comissão

78 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


de Sanções foi notificada e seguiu os passos preceituados em lei: publicou
no DOE PI sobre a abertura de processo administrativo na Comissão de
Sanções; notificou a empresa por ofício (a empresa não respondeu); fez
a citação por edital, através de publicação no DOE PI (a empresa não
respondeu, novamente); elaborou relatório e enviou para análise Consultoria
Jurídica e, após isso o enviou para aprovação do representante do órgão,
publicação e notificação da empresa.
A análise dos autos nos mostra que o processo é de 2018. Em
2022, o Ministério Público do PI teve acesso ao processo e oficiou a
SEADPREV – Ofício n. 216/2022.285-08I/20I8/SUPJBJ-MPPI - para
saber quais providências tinham sido tomadas em relação à conduta da
empresa, solicitando cópia do processo, o parecer da Consultoria Jurídica
e o Relatório para saber quais penalidades haviam sido aplicadas. A
SEADPREV havia sido diligente e agiu conforme preceitua a lei, pois
tem o dever de agir, e não uma faculdade, ao saber de uma infração em
assuntos na sua esfera de competência.
O segundo exemplo é SEI 00002.007349/2021-95 (mais alguns
processos relacionados a esse, citados nos atos do processo principal),
que trata de uma empresa A, que ao participar de uma licitação apresentou
atestados de capacidade técnica com dados falsos. A denúncia foi feita
por outra empresa participante da licitação. Após feito o procedimento
prescrito em lei, detalhado no exemplo 1, oportunizado o contraditório e
ampla defesa, a empresa não apresentou nenhum fato que demonstrasse
que a denúncia da empresa concorrente era mentira - fato, inclusive,
analisado pela consultoria jurídica após o relatório da Comissão de
Sanções. A empresa foi sancionada nos termos do disposto na
legislação de licitação e edital do certame e a Comissão recomendou que
o caso fosse informado ao Ministério Público do Piauí para as devidas
providências.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 79


Amanda Leite e Silva Borges e Clarice Mauriz Lira

A empresa sancionada ingressou com demanda judicial no intuito


de suspender a sanção, e entre os atos da ação judicial, até a presente
data, a sanção está mantida, publicada e válida. O processo iniciou em
2018 e até 2022 ainda houve atos administrativos no processo principal
e nos correlatos a esse.
O que se quer demonstrar com esses casos práticos: a atividade
da Comissão de Sanções é expressiva e substancial e de seus atos
podem advir desdobramentos importantes. O volume de processos está
crescendo, a Nova Lei de Licitações chegou e trouxe mais dispositivos
dedicados a esse tema de maneira mais detalhada - é uma resposta às
demandas dos operadores das compras públicas. É vital que o Estado
incentive e fortaleça suas atividades.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse trabalho foi iniciado falando sobre governança e governabilidade,


trazendo a origem desses termos e a diferença entre os institutos. Em
seguida, explanou-se sobre compliance, sobre os primeiros atos legislativos
pelo mundo e, também, no Brasil que foram criando um arcabouço chamado
de Sistema de Integridade, que tem o objetivo de trazer mais transparência,
clareza, menos corrupção, mais integridade à Administração Pública
como um todo.
Falou-se em como o compliance está intimamente ligado à governança,
que além do setor público, o setor privado apoia veementemente empresas
que possuam um sistema de integridade; que na legislação brasileira a
mais nova apoiadora das práticas anticorrupção é a Nova Lei de Licitações,
que deu importância expressa ao compliance ao estabelecer algumas
vantagens à empresas que tenham um sistema de integridade.
E, por fim, trouxemos a importância da Comissão de Sanções
Administrativas, que trabalha com a Lei do Processo Administrativo

80 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


Estadual, e vem a ser um importante componente na implantação do
compliance no estado do Piauí.
É fato que a adoção de um Programa de Integridade e Compliance
colabora para a proteção dos próprios agentes públicos e do próprio ente
público que o implanta. É uma ferramenta de prevenção de risco e gera
aumento de confiança da sociedade já que o objetivo é controlar os riscos
administrativos, jurídicos e financeiros e melhorar o resultado da entrega
de políticas públicas aos cidadãos.
Nesse sentido, a Comissão de Sanções Administrativas possui
papel relevantíssimo: atua junto a um dos setores mais sensíveis da
administração, que é o setor das compras públicas; sua atuação é educativa,
no sentido de inibir futuras transgressões, tanto do licitante sancionado
como de outros licitantes que poderão comprovar que as cláusulas de
sanções da lei, do edital e do contrato são efetivamente cumpridas; gera
economicidade para o Estado, uma vez seleciona melhor os licitantes que
participarão dos certames, além de torná-los mais efetivos em termos de
alcance de objetivo - aquisição de determinado produto ou serviço que
é necessário para a continuidade de prestação do serviço público. E só
quem ganha com tudo isso é a própria sociedade, pois uma máquina
pública eficiente dá retorno positivo aos seus administrados através de
uma gestão de recursos mais inteligente e uma prestação de serviços
públicos satisfatória, dentro do que seja o melhor possível a ser entregue
pela gestão.

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84 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


Annderson Felipe Bandeira Silva e
Letícia Rocha Pires Ferreira Nogueira

A aplicabilidade dos meios alternativos de resolução de disputas nos conflitos contratuais da administração pública sob a
perspectiva da nova lei de licitações (Lei n 14.133/2021)

A APLICABILIDADE DOS MEIOS ALTERNATIVOS


DE RESOLUÇÃO DE DISPUTAS NOS CONFLITOS
CONTRATUAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SOB
A PERSPECTIVA DA NOVA LEI DE LICITAÇÕES (LEI N
14.133/2021)

Annderson Felipe Bandeira Silva1


Letícia Rocha Pires Ferreira Nogueira2
RESUMO
A nova Lei de Licitações e Contratos buscou trazer segurança jurídica ao gestor público na
aplicação dos meios alternativos de resolução de conflitos nos contratos públicos. Em que pese
já terem sua utilização permitida por outros institutos, o legislador ordinário entendeu necessário
prever expressamente sua utilização para que tanto gestores quanto órgãos de controle se
sentissem confortáveis com o seu emprego. Resta aos estados e municípios coragem para
regulamentarem a lei federal em suas especificidades o que, no que diz respeitos à utilização de
meios alternativos de resolução de controvérsias, dá azo a efetividades do sistema multiportas
em que a inafastabilidade de jurisdição é entendida como dar opção ao usuário de recorrer
tanto a seara judicial como a meios alternativos. Infelizmente, vislumbra-se a inatividade em
regulamentar e até deturpações de institutos movidos pelo desconhecimento e temor por
represálias. É certo que os contratos administrativos e, por tanto, a coletividade só tem a ganhar
com a utilização destes instrumentos que se balizam pela harmonização da relação entre as
partes e a continuidade dos acordos.
Palavras-chave: Nova Lei de Licitações e Contratos; Meios alternativos de Resolução de
Disputas; Regulamentação.

ABSTRACT
The new Bidding and Contracts Law sought to bring legal certainty to the public manager in the
application of alternative means of conflict resolution in public contracts. Despite already having
their use permitted by other institutes, the ordinary legislator deemed it necessary to expressly
provide for their use so that both managers and control bodies would feel comfortable with their
use. It remains for the states and municipalities to have the courage to regulate the federal law in
its specificities, which, with regard to the use of alternative means of dispute resolution, gives rise
to the effectiveness of the multidoor system in which the inalienability of jurisdiction is understood
as giving an option to the user to resort to both judicial and alternative means. Unfortunately,
there is inactivity in regulating and even misrepresentation by institutes driven by ignorance and
fear of reprisals. It is true that administrative contracts and, therefore, the community can only
benefit from the use of these instruments, which are based on the harmonization of the relationship
between the parties and the continuity of agreements.
Keywords: New Bidding and Contracts Law; Alternative means of Dispute Resolution; Regulation.

1 Bacharel em Ciências Contábeis pelo Centro Universitário Santo Agostinho.


2 Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Piauí – UESPI. Pós Graduada em Direito Constitucional e Administrativo
pela Escola Superior de Advocacia ESA/PI.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 85


Annderson Felipe Bandeira Silva e Letícia Rocha Pires Ferreira Nogueira

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo apresenta-se como requisito para conclusão do


curso de pós-graduação em Licitações e Contratos com ênfase na Lei
nº 14.133/2021 e habilitação em pregoeiro.
Aborda-se a temática dos mecanismos alternativos de resolução de
disputas na nova lei de licitações e mais especificamente, a oportunidade
que a Administração Pública tem de dar efetividade a esses instrumentos
em seus contratos.
O problema que se discute é: com a nova lei de licitações, o que
muda na utilização que a Administração Pública faz dos mecanismos
alternativos de resolução de disputas?
A hipótese levantada é que utilizar meios alternativos de resolução
de disputas nas contratações públicas de forma pontual, quando da
imposição pelos organismos internacionais financiadores por exemplo, não
facilitará a gestão desses mecanismos pela Administração Pública já que
os entes ainda precisarão regular a Nova Lei de Licitações e Contratos
para a sua adoção.
O Objetivo geral deste artigo é analisar o tratamento despendido
pela Administração Pública dos mecanismos alternativos de resolução
de disputas em contratos. Como objetivos específicos tem-se alertar os
gestores da necessidade de difundir os mecanismos alternativos de solução
de controvérsias para além dos já praticados; compreender os meandros
que envolvem o procedimento de solução alternativa para bem resguardar
os gestores nas suas tomadas de decisão e entender até que ponto os
gestores podem compor uma solução consensual sem comprometer o
interesse público.
Ainda que amplamente difundido e cada vez mais utilizado na
seara judicial, a composição de litígios com o emprego de mecanismos
alternativos de resolução de disputas ainda encontra desconfiança no seio

86 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


A aplicabilidade dos meios alternativos de resolução de disputas nos conflitos contratuais da administração pública sob a
perspectiva da nova lei de licitações (Lei n 14.133/2021)

da Administração Pública uma vez que se entende os recursos públicos


como indisponíveis. A publicação da Nova Lei de Licitações e Contratos,
trouxe à baila o tema e provoca à Administração Pública a discutir e tornar
efetivo seu emprego.
No que concerne à metodologia utilizada para desenvolver a pesquisa
adverte-se que é observada a técnica de pesquisa bibliográfica com
procedimento de leitura e fichamento de textos em livros e artigos científicos,
no período de 2021 a 2022 em virtude de ter sido a Nova Lei de Licitações
e Contratos recentemente publicada, abril de 2021, além de consulta de
legislação e jurisprudência sobre o tema proposto.
Quanto aos métodos de procedimento para o desenvolvimento
do trabalho, são empregados os métodos histórico, comparativo e
interpretativo. O primeiro tem papel fundamental na investigação sobre a
evolução histórica dos mecanismos alternativos de resolução de disputas,
bem como na análise das transformações ocorridas nas relações jurídicas
advindas com a publicação da Nova Lei de Licitações e Contratos.
O presente artigo é composto por capítulos. No primeiro, é
apresentado o macro tema, o que a Nova Lei de Licitações intenta ao
inovar trazendo a utilização de meios alternativos de resolução de disputas
no âmbito dos contratos administrativos.
O segundo capítulo apresenta o que se entende por meios alternativos
de resolução de conflitos com a explicitação dos termos “justiça multiportas”,
autocomposição, heterocomposição e das modalidades conciliação,
mediação e arbitragem.
O último capítulo apresenta como a Administração Pública utilizava os
meios alternativos de resolução de disputas nos contratos administrativos
sob a égide da lei pretérita e pondera acerca da hipótese levantada ao
discutir a falta de regulamentação federal sobre a matéria, a regulamentação
do Estado do Paraná, uma das primeiras regulamentações estaduais, e
os impactos que a falta de regulamentação pode ocasionar.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 87


Annderson Felipe Bandeira Silva e Letícia Rocha Pires Ferreira Nogueira

2 A NOVA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS E OS MEIOS


ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS

No Estado democrático de direito, o acesso à justiça é o direito de


acionar o sistema jurisdicional. É importante que seja desconstruído da
mente do operador do direito essa premissa tão bem sedimentada. Uma
vez que o nosso documento supremo, a Constituição Federal de 1988,
traz expressamente em seu art. 5º, XXXV que “a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, é tão somente
justo entender o acesso à justiça como inerente ao direito conferido ao
cidadão de acesso ao Poder Judiciário em que postula ao Estado solução
para os mais diversos conflitos.
Essa noção tem se tornado defasada com os avanços legislativos
das últimas décadas. Como bem leciona Vera Leilane Mota Alves de
Souza, a criação de Juizados Especiais Cíveis e Criminais, a interiorização
das varas federais e a criação de novos instrumentos que objetivam a
defesa coletiva de direitos tais como o mandado de segurança coletivo
e o mandado de injunção, previstos constitucionalmente, são alguns dos
diversos exemplos de acesso à justiça desvinculado da ideia tradicionalista
de litígio pelo Poder Judiciário.
A autora cita Luciana Morallez ao tempo em que compartilha da
visão de acesso à justiça como sinônimo de acesso ao Poder Judiciário
pela perspectiva interna do processo:

Luciana Camponez Pereira Moralles, utilizando-se de conceito


formulador por Kazuo Watanabe, classifica o acesso à justiça
sob a perspectiva interna e externa: “ A primeira é a que
caracteriza acesso à justiça como sinônimo de acesso ao
Judiciário, ou seja, ingresso em juízo (perspectiva interna
do processo), e a segunda, significa acesso a uma ordem de
valores e direitos consagrados pelo Estado Democrártico de
Direito, permitindo o acesso à ordem jurídica justa (perspectiva

88 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


A aplicabilidade dos meios alternativos de resolução de disputas nos conflitos contratuais da administração pública sob a
perspectiva da nova lei de licitações (Lei n 14.133/2021)

externa do processo/instrumento ético para a realização da


justiça. (MORALLES, 2006).

Assim, acesso à justiça como sinônimo de acionamento do Poder


Judiciário é tão somente sua concepção interna. Pela perspectiva externa,
é sinônimo de acesso aos direitos e valores consagrados pelo Estado
Democrático de Direito.
Foi justamente esta dicotomia que a Nova Lei de Licitações e
Contratos trouxe. Trata-se de uma mudança de paradigma. Sedimentar que
poderão ser utilizados os meios alternativos de prevenção e resolução de
controvérsias é incorporar oficialmente o sistema multiportas às licitações
e contratações administrativas.
A Lei nº 14.133 entrou em vigor na data de sua publicação, 1º de abril
de 2021, estabelecendo normas gerais de licitação e contratação para as
Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Seu campo de abrangência
abarca órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, dos Estados
e do Distrito Federal e os órgãos do Poder Legislativo dos Municípios,
quando no desempenho de função administrativa bem como os fundos
especiais e as demais entidades controladas direta ou indiretamente pela
Administração Pública, conforme incisos I e II do art. 1º.
A Lei 8.666/1993 não trazia dispositivo expresso acerca do uso
dos meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias. Sua
utilização era apenas admitida com a interpretação do art. 54:

“os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-


se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público,
aplicando-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral
dos contratos e as disposições de direito privado”.

Em que pese a antiga lei de licitações e contratos conter dispositivo que


permitisse o uso dos princípios da teoria geral dos contratos e as disposições

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 89


Annderson Felipe Bandeira Silva e Letícia Rocha Pires Ferreira Nogueira

de direitos público, o que significava a legalidade da aplicação dos meios


alternativos de resolução de controvérsias aos contratos administrativos, os
gestores públicos não se sentiam seguros na utilização desta ferramenta
focando sempre nos princípios da legalidade, indisponibilidade do interesse
público e reserva de jurisdição.
Ademais, como bem aponta Oliveira (CARVALHO e OLIVEIRA, 2022,
pg. 670), a Fazenda Pública sempre considerou a utilização de meios
alternativos de solução de controvérsias obstaculizada pelas cláusulas
exorbitantes, a autoexecutoriedade dos atos administrativos e o elevado
custo que sua utilização representaria para a Administração Pública.
O legislador não agiu de forma leviana. Ao inserir a previsibilidade
de uso dos meios alternativos de resolução de disputas dentro do título
de contratos administrativos, quis trazer ao gestor público a segurança
que este necessitava para embasar suas ações e apagar qualquer mácula
que estas poderiam ter frente aos órgãos de controle pelo simples fato
do gestor ousar utilizá-las.
A previsão da possibilidade de utilização de Meios Alternativos de
Resolução de Controvérsias foi uma das inovações trazidas pela Nova Lei
de Licitações e Contratos. Mais do que lhe dar previsibilidade, a NLLC o
considerou relevante o suficiente para ganhar capítulo próprio, CAPÍTULO
XII composto por quatro artigos, artigos 151 à 154 . O Capítulo XII é o
último capítulo do Título III - DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS.

CAPÍTULO XII
DOS MEIOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE
CONTROVÉRSIAS
Art. 151. Nas contratações regidas por esta Lei, poderão
ser utilizados meios alternativos de prevenção e resolução
de controvérsias, notadamente a conciliação, a mediação, o
comitê de resolução de disputas e a arbitragem. (BRASIL,
2021)

90 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


A aplicabilidade dos meios alternativos de resolução de disputas nos conflitos contratuais da administração pública sob a
perspectiva da nova lei de licitações (Lei n 14.133/2021)

O artigo 151 trouxe para os gestores públicos a faculdade de


utilização de meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias.
Ademais, arrolou de forma não exaustiva, algumas de suas ferramentas:
conciliação, mediação, comitê de resolução de disputas e a arbitragem
que serão apresentados em outro momento deste mesmo trabalho.

Art. 151 [...]


Parágrafo único. Será aplicado o disposto no caput deste artigo
às controvérsias relacionadas a direitos patrimoniais disponíveis,
como as questões relacionadas ao restabelecimento do
equilíbrio econômico-financeiro do contrato, ao inadimplemento
de obrigações contratuais por quaisquer das partes e ao cálculo
de indenizações. (BRASIL, 2021)

No parágrafo único do artigo 151, o legislador fez uma ressalva


na aplicabilidade dos meios alternativos de prevenção e resolução de
controvérsias. A Lei nº 14.133/2021 entende que apenas os conflitos que
versarem sobre direitos patrimoniais disponíveis poderiam ser dirimidos pelos
meios alternativos o que condiz com o art. 1º, § 1º da Lei de Arbitragem
e o art. 2º do Decreto nº 10.025/2019 que regulamentou a utilização da
arbitragem para dirimir litígios Administrativos, conforme lê-se:

Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da


arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais
disponíveis.
§ 1o A administração pública direta e indireta poderá utilizar-
se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos
patrimoniais disponíveis.(Brasil, 1996)
Art. 2º Poderão ser submetidas à arbitragem as controvérsias
sobre direitos patrimoniais disponíveis.
Parágrafo único. para fins do dispostos neste Decreto,
consideram-se controvérsias sobre direitos patrimoniais
disponíveis, entre outras:
I - as questões relacionadas à recomposição do equilíbrio
econômico-financeiro dos contratos;

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 91


Annderson Felipe Bandeira Silva e Letícia Rocha Pires Ferreira Nogueira

II - o cálculo de indenizações decorrentes de extinção ou de


transferência do contrato de parceria; e
III - o inadimplemento de obrigações contratuais por quaisquer
das partes, incluídas a incidência das suas penalidades e o
seu cálculo. (BRASIL, 2019).

Desde 1996 a Administração Pública está autorizada a utilizar-se da


arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis
tendo vindo o Decreto 10.025 em 2019 listando rol exemplificativo de
situações em que seria aceitável ao gestor público empregá-la.
Os autores Oliveira e Carvalho (2022, p.151), ponderam que para
viabilizar a utilização dos mecanismos em estudo deve ser afastado o
entendimento de que todo o direito do Poder Público estaria abarcado pelos
princípios da indisponibilidade do interesse público e da supremacia do
interesse público. Se assim fosse, os dispositivos supracitados restariam
letra morta o que vai de encontro aos ensinamentos hermenêuticos.
Os autores entendem que, em termos de disponibilidade do interesse
em conflito, não haveria diferença para a Administração Pública em acionar
a esfera judiciária ou a de um juízo arbitral já que em ambas “o árbitro, em
posição de imparcialidade, irá conhecer e decidir sobre uma determinada
lide instaurada entre as partes, aplicando o direito ao caso concreto”.
A dicotomia que pode ser elencada entre a utilização de uma ou outra
via, seria facilmente resolvida quando ponderado que a melhor forma
de resguardar o interesse público seria empregar ao caso concreto um
procedimento mais célere e eficaz.
Para Hanthorne, direito patrimonial disponível é o que pode ser
transferido ou cedido a terceiro de forma onerosa ou gratuita. No que
compete à Administração Pública, estariam excluídos do rol de direitos
disponíveis aqueles que tratam sobre os direitos fundamentais da sociedade
(HANTHORNE, 2022, pág. 142).

92 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


A aplicabilidade dos meios alternativos de resolução de disputas nos conflitos contratuais da administração pública sob a
perspectiva da nova lei de licitações (Lei n 14.133/2021)

Art. 152. A arbitragem será sempre de direito e observará o


princípio da publicidade

Em que pese os princípios da legalidade e da publicidade já terem


sido elencados no artigo 5º da NLLC, o legislador entendeu por bem frisá-
los no art. 152. A escolha é compreensível quando se entende as nuances
que envolvem a utilização da arbitragem.
Arbitragem de direito opõe-se à arbitragem por equidade. Quando
da apreciação do caso posto, o árbitro poderá recorrer apenas ao Direito
para elucidação da demanda se estiver diante de arbitragem de direito.
Se diante de uma situação que aceite a arbitragem por equidade, o árbitro
poderá utilizar-se de qualquer conhecimento que disponha. Neste artigo o
legislador prestigiou o princípio da legalidade ao dispor que, nos contratos
em que figurarem como parte a Administração Pública, a solução para a
controvérsia poderá ser encontrada com ajuda apenas do repositório legal.
Cláusulas de confidencialidade é uma ferramenta muito popular
em procedimentos envolvendo arbitragem. Ao lançar holofote sobre o
princípio da publicidade, o legislador fez mais do que banir as cláusulas
de confidencialidade das controvérsias envolvendo o Poder Público, aqui
foi reiterado que a publicização das soluções encontradas é condição de
validade das mesmas.

Art. 153. Os contratos poderão ser aditados para permitir a


adoção dos meios alternativos de resolução de controvérsias.

O legislador oportunizou ao gestor recorrer aos meios alternativos


de resolução de controvérsias mesmo nos contratos constituídos sob
a égide da Lei. nº 8.666/1993 e foi além, mesmo sob a nova lei, se o
contrato tiver sido constituído sem fazer menção a tais dispositivos, em
nada obstaculiza seu uso bastando para tanto que a Administração Pública
realize o aditamento do contrato.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 93


Annderson Felipe Bandeira Silva e Letícia Rocha Pires Ferreira Nogueira

Aqui, foi concedido aos gestores mais uma prerrogativa quando


da busca pela preservação do interesse público. Uma vez instaurada
uma controvérsia, a Administração Pública, por mera discricionariedade,
poderá adotar meios consensuais de resolução de conflitos sem com isso
pôr em cheque o respeito aos princípios da isonomia, competitividade e
vinculação ao instrumento convocatório.
A supremacia e a indisponibilidade do interesse público que outrora
colocaram o Poder Público em posição de superioridade frente ao particular
e deram-lhe prerrogativas e cláusulas exorbitantes como meios de efetivá-
las vêem agora estimular a Administração Pública a cultivar um melhor
relacionamento com o contratado para viabilizar a construção de soluções
conciliatórias.

Art. 154. O processo de escolha dos árbitros, dos colegiados


arbitrais e dos comitês de resolução de disputas observará
critérios isonômicos, técnicos e transparentes.

O último artigo do capítulo XII vem trazer a paridade entre as partes


Administração Pública e particular no processo de escolha dos árbitros,
dos colegiados arbitrais e dos comitês de resolução de disputas primando
por parâmetros técnicos e transparentes.
Iniciou-se esse trabalho tratando da sedimentação da ideia que o
Poder Judiciário é pensamento lógico quando se trata de acesso à justiça.
Por mais insatisfeita que uma parte fique quando da prolação de uma
sentença, não se discute acerca da imparcialidade do juízo, não à primeira
vista. É justamente esse tipo de confiança que as decisões advindas de
meios alternativos de solução de disputas almejam alcançar.
Para tanto, é imprescindível que quando da escolha do juízo
competente para prolatar a decisão, esta decisão recaia de forma igualitária
entre as partes. Não cabe aqui falar em poder de império ou supremacia
de decisão por parte da Administração Pública. Mais do que justa, a

94 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


A aplicabilidade dos meios alternativos de resolução de disputas nos conflitos contratuais da administração pública sob a
perspectiva da nova lei de licitações (Lei n 14.133/2021)

decisão deve aparentar ser justa, só assim poder-se-á dar confiabilidade


suficiente ao procedimento para que ganhe cada vez mais adeptos e
benefícios para a coletividade.

3 MEIOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS

Hanthorne apresenta seu trabalho sobre Métodos consensuais de


solução de conflitos asseverando que:

“não há liberdade quando é negada ao indivíduo a possibilidade


e/ou o incentivo pela busca de outras formas de solução de
conflitos, para além das portas do Judiciário.” ( HANTHORNE,
2022, pg. 09).

Liberdade é um dos valores mais caros ao indivíduo e é manifestada


de várias formas. Expressão máxima do princípio democrático é a
possibilidade de escolher seus representantes. A pena mais severa que
pode ser infringida ao cidadão é cercear seu direito de ir e vir. Expressão da
faceta da liberdade no acesso à justiça é dar-se ao indivíduo a possibilidade
de escolha da forma como se dará a solução do seu conflito.
Ademais, autora fala em portas do Judiciário em oposição ao conceito
de “Justiça Multiportas” que seria o acesso à justiça numa dimensão social:
E isto porque, se em sua instituição o acesso à justiça
era entendido como sinônimo de Poder Judiciário, em um
Estado Democrático, hoje este direito fundamental é visto de
forma muito maia ampla, pois seu núcleo essencial estaria
calcado nas necessidades dos indivíduos, e não na forma de
escolha para o alcance de seu direito. Configura-se, como
consequência, uma nova roupagem do acesso à justiça no
Estado contemporâneo, traduzida em uma dimensão social.
(Hanthorne, 2016, p.22).

O acesso à justiça é um direito fundamental do indivíduo de ter seus


direitos resguardados, o que não o atrela à tutela pelo Poder Judiciário.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 95


Annderson Felipe Bandeira Silva e Letícia Rocha Pires Ferreira Nogueira

A ampliação do acesso à justiça configura dar dimensão social às


necessidades dos indivíduos.
Já a expressão Tribunal multiportas adveio de palestra intitulada
Variedades de processamento de conflitos proferida na Pound Conference,
em St. Paul, Minnesota, pelo professor Frank Sander ainda em 1976.
Para o professor, justiça multiportas seria uma alusão a um centro
único de triagem em que o interessado relataria seu dilema a um terceiro
que o direcionaria ao meio de resolução de conflito que traria para a
questão o resultado mais adequado e satisfatório. No Brasil, popularizou-
se o termo tribunal multiportas como sinônimo de Mascs - métodos ou
formas adequadas de solução de conflitos.
Uma vez compreendido que o direito ao acesso à justiça envolve
outros procedimentos além das portas do Judiciário, faz-se necessário
conhecer modalidades alternativas de composição de controvérsias que
configuram o acesso à justiça na sua dimensão social. A autora classifica
essas modalidades em dois grupos: i- autocomposição composto pela
autotutela, negociação, conciliação e mediação e ii - heterocomposição,
poder judiciário e arbitragem.
A primeira das modalidades de autocomposição é a autotutela que
nada mais é do que a autodefesa, resistência do indivíduo em ver seu direito
violado. Desde que suficiente para repelir a ofensa, é chancelada pelo
Estado e legalizado nas facetas: legítima defesa, autodefesa possessória
e direito de retenção de bens, por exemplo.
Importante ser entendido que a autotutela não faz parte da
Desjudicialização uma vez que é inerente ao reconhecimento da
incapacidade do Estado ser onipresente e da necessidade do próprio
indivíduo zelar pela observância da norma que o protege.
Já a negociação, conciliação e mediação, envolvem a possibilidade de
as partes, entendendo a ocorrência de divergência de interesses, resolverem

96 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


A aplicabilidade dos meios alternativos de resolução de disputas nos conflitos contratuais da administração pública sob a
perspectiva da nova lei de licitações (Lei n 14.133/2021)

a problemática de forma autônoma e consensual, com a presença de um


terceiro facilitador ou não, seja na fase pré-processual ou no plano judiciário.
A Negociação configura-se na forma corriqueira de contratação de
produtos e serviços em que diretamente ou por meio de representantes
de cada uma das partes busca-se um acordo.
Disciplinada pela Resolução n.125/2010 do CNJ, pelo Código de
Processo Civil de 2015, Lei 13.105/2015, e pela Lei 13.140/2015 - Lei de
Mediação, a conciliação pressupõe a incapacidade das partes chegarem a
um acordo sozinhas e da consequente necessidade de um terceiro imparcial
conferir resolutividade a avença como bem leciona Tartuce (2018, p. 8):

profissional imparcial intervém para, mediante atividades de


escuta e investigação auxiliar os contendores a celebrar um
acordo, se necessário expondo vantagens e desvantagens
em suas posições e propondo saídas alternativas para a
controvérsia, sem todavia, forçar a realização do pacto.

Com intermédio de um terceiro imparcial são expostos os pontos


sensíveis do caso sob o ponto de vista de ambos os envolvidos e
apresentadas opções diversas das já ventiladas pelas partes o que dá
dinamicidade ao conflito e conduz a um entendimento.
O conciliador trabalha a questão sob os dois pontos de vista auxiliando
as partes na construção da melhor solução para o conflito. Esta técnica é
comumente recomendada para os conflitos sobre questões objetivas em
que não há contendas pessoais entre as partes envolvidas.
Diferentemente do que ocorre na conciliação, a mediação é indicada
para casos de controvérsias em que o diálogo se encontra prejudicado por
desavenças pessoais entre as partes. Na mediação, mais do que a solução,
o mediador procura formas de restaurar o diálogo entre as partes focando
nas partes e nas razões que geraram o desentendimento.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 97


Annderson Felipe Bandeira Silva e Letícia Rocha Pires Ferreira Nogueira

a abordagem de controvérsias em que uma pessoa isenta


e devidamente capacitada atua tecnicamente para facilitar a
comunicação entre as pessoas e propiciar que elas possam, a
partir da restauração do diálogo, encontrar formas proveitosas
de lidar com as disputas” (Tartuce, 2018, p.56).

O caso sujeito à mediação encontra-se muito mais problemático. Além


de possuírem um conflito entre si, as partes possuem um antagonismo
pessoal o que inviabiliza o próprio diálogo. O mediador terá aqui um papel
bem mais desafiador, o de restaurar o diálogo entre as partes para que
assim estas possam chegar a uma solução consensual sobre a disputa.
Marçal acrescenta que a conciliação e a mediação possuem em
comum o fato de os litigantes atingirem uma solução consensual muitas
vezes motivados pelos inconvenientes envolvidos com a instauração ou
prosseguimento de uma lide judicial. Ademais, essa solução consensual
envolveria, inclusive, concessões recíprocas nos moldes da transação
prevista no art. 840 do Código Civil (MARÇAL, 2021, p. 1579).
Já a heterocomposição ocorre quando as partes elegem um terceiro
imparcial para “julgar” o conflito e impor uma solução definitiva. Essa
heterocomposição pode se dar por duas formas, pela arbitragem, disposta
na Lei 9.307/1996 (Lei da Arbitragem), atualizada pela Lei n. 13.129, de
26 de maio de 2015, e pelo Poder Judiciário.
A resolução de conflitos pelo Poder Judiciário é a forma comumente
empregada pelo Estado Democrático de Direito. A jurisdição estatal é cabível
sempre que preceito legal, norma ou obrigação são descumpridos. Neste
caso, cumprindo sua função jurisdicional, o juiz irá realizar a pacificação
social ao impor decisão a terceiro, ou nos dizeres de Tartuce:

apta a propiciar a resposta ao conflito de interesses que


não pôde ser debelado pelos próprios envolvidos na relação
litigiosa e que precisa de um elemento coercitivo para sua
realização” (Tartuce, 2018, p.64).

98 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas


A aplicabilidade dos meios alternativos de resolução de disputas nos conflitos contratuais da administração pública sob a
perspectiva da nova lei de licitações (Lei n 14.133/2021)

A coerção é o fundamento da decisão pelo Poder Judiciário. Uma


das partes entende-se prejudicada e recorre ao Judiciário para impingir ao
outro a reparação de um dano sofrido. Em última análise, é a manifestação
do querer fazer o outro ser responsabilizado. Aqui, não há envolvimento de
consenso, mas sim da aceitação pelas partes do poder de uma instituição
superior que vai lhes impor uma resolução ao caso.
Diversamente, na arbitragem, fala-se em consenso. Nos termos
do §3º do art. 13 da Lei de Arbitragem: “As partes poderão, de comum
acordo, estabelecer o processo de escolha dos árbitros, ou adotar as
regras de um órgão institucional ou entidade especializada.” Inicialmente,
as partes elegem um terceiro, de comum acordo, para solucionar a
controvérsia, sem a intervenção do Estado e atrelando à decisão eficácia
de sentença judicial.
Na arbitragem, a decisão proferida pelo árbitro eleito pelas partes
chama-se “decisão arbitral”. Esta torna-se vinculante para o conflito e
impede as partes de acionarem o Poder Judiciário sobre o mesmo assunto.
Importante ressaltar que, no procedimento arbitral, aplica-se todos os
preceitos da garantia constitucional do devido processo legal (art. 5º,
LIV e LV, da Constituição Federal de 1988): contraditório, ampla defesa,
isonomia das partes, livre convencimento e imparcialidade do árbitro e
obrigatoriedade de decisões motivadas e fundamentadas, conforme art.
21, § 2º da Lei 9.307/1996.
Quando se trata de arbitragem, pertine apresentar dois institutos:
“compromisso arbitral” e “cláusula compromissória”. Em ambas, as partes
concordam que o conflito seja solucionado pelo juízo arbitral. A diferença
entre os institutos reside na temporalidade desta decisão.
Por meio do compromisso arbitral, as partes submetem um litígio
existente à arbitragem. Já a cláusula compromissória é prévia ao conflito.
Quando da elaboração do contrato, as partes acordam que caso haja

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 99


Annderson Felipe Bandeira Silva e Letícia Rocha Pires Ferreira Nogueira

litígio entre elas acerca do objeto do contrato, este será dirimido em sede
de juízo arbitral.
Como vantagens da opção pela arbitragem a liberdade das partes
na escolha do árbitro, a celeridade do procedimento, a flexibilidade de
sua condução, a irrecorribilidade da sentença arbitral e o cumprimento
espontâneo da decisão (HANTHORNE, 2022, pág. 137).
A arbitragem seria então um instrumento de política pública que
possui o efeito de aumentar a segurança jurídica ao encarar o problema
do inchaço da judicialização das demandas. Figura como meio alternativo
de composição de conflitos envolvendo direitos patrimoniais disponíveis.
Para HANTHORNE, faz-se necessário trazer o entendimento de
exercício do Judiciário como caráter residual. Visão que se coaduna com o
entendimento de Oliveira e Carvalho para quem o Poder Judiciário “tende
a se tornar a última ultima ratio para a resolução de conflitos” (CARVALHO,
2022, pág. 670).

4 UTILIZAÇÃO DOS MEIOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE


CONTROVÉRSIAS POR PARTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A utilização de mecanismos alternativos de solução de controvérsias


já é uma realidade nos conflitos advindos da convivência em sociedade.
Inclusive, em contratos celebrados entre o Brasil e países estrangeiros,
geralmente, as partes acordam pela aplicação da arbitragem como forma
de solução de conflito.
Aqui, cabe alertar sobre peculiaridade que envolve a aplicação dos
meios alternativos de resolução de conflitos. A arbitragem é um meio de
resolução de conflitos que tem seu custo. Se houver o acionamento do
Tribunal Internacional de Arbitragem, esse valor pode chegar a quantias
altíssimas. Em acordos internacionais, as partes preferem arcar com esse
ônus para continuar negociando com maior celeridade.

100 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A aplicabilidade dos meios alternativos de resolução de disputas nos conflitos contratuais da administração pública sob a
perspectiva da nova lei de licitações (Lei n 14.133/2021)

Felizmente, conforme esclarece Michele Cristie Pereira em seu


artigo “A aplicação da Mediação nos Contratos Marítimos”, a mediação é
ferramenta de solução alternativa de controvérsias que goza de seriedade tal
qual a da arbitragem e tem condições de galgar resultados tão satisfatórios
quanto. Assim seria plenamente cabível à Administração Pública empregar
a mediação para a resolução de conflitos sem ter que sopesar os custos
envolvidos da arbitragem e deixar esta apenas para os casos específicos.
Na composição de litígios envolvendo a Administração Pública, estes
mecanismos não são inéditos já que, nos termos do art. 1º, parágrafo 1º,
da Lei nº 9.307/1996, a própria administração pública direta e indireta
também poderá se utilizar da arbitragem (Brasil, 1996).
Oliveira e Carvalho (2021, p. 672) apresentam interessante
diferenciação envolvendo os conflitos envolvendo a Administração Pública.
Para os autores, os contratos administrativos já encerram quase todas
as orientações pertinentes para a tomada de decisão por parte do gestor
público. No entanto, não é porque um cenário esteja previsto em contrato
que o particular ficará satisfeito e não irá recorrer à intervenção externa.
A inafastabilidade de jurisdição não pode ser negada seja ela judicial
ou arbitral.
Como exemplo de jurisprudência, tem-se o Acórdão 3160/2020 de
relatoria do Ministro Vital do Rêgo em que o Tribunal de Contas da União -
TCU, em sessão plenária, discutiu o tema. No caso, houve representação
acerca de possíveis irregularidades na utilização da arbitragem em câmaras
privadas utilizadas pela Secretaria de Fiscalização de Infraestrutura
Portuária e Ferroviária (SeinfraPortoFerrovia).
No caso, o querelante arguiu acerca da opção realizada pela
Administração Pública de recorrer a câmara arbitral privada. Para ele, a
resolução arbitral em câmara privada poderia resultar em dano ao interesse
público ou à segurança jurídica. Para o órgão instrutivo, a especialização

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 101
Annderson Felipe Bandeira Silva e Letícia Rocha Pires Ferreira Nogueira

da arbitragem ocorrida no âmbito de uma câmara privada pode ajudar a


coibir comportamentos oportunistas praticados por contratados que se
beneficiam da assimetria de informações da Administração.
Para o TCU restou claro que, desde que por acordo entre as partes,
eleger câmara pública ou privada credenciadas não seria atentatório aos
princípios da consensualidade e da imparcialidade, inerentes ao instituto da
arbitragem, chegando mesmo a lançar o Enunciado: “É lícita a utilização de
câmaras privadas de arbitragem, para a solução de conflitos em contratos
de concessão.” Obviamente, o enunciado solidifica o uso da arbitragem
para contratações públicas e traz maior garantia no seu uso por parte dos
gestores públicos.
Outra situação pertinente para análise, trata-se do processo de
Seleção de Serviços de consultoria para customização, parametrização,
implantação, desenvolvimento e treinamento do sistema integrado de
gestão de licitações e contratos (SIGLC) para atender as necessidades da
secretaria de Administração e Previdência – SEADPREV (REFERÊNCIA:
BR-SEAD/PI – 33411 – CS – QCBS- BIRD 00002.003227/2020-49).
Houve procedimento licitatório para seleção de consultores do Banco
Mundial que realizaria o financiamento do SIGLC. Em razão de tratar-se de
contrato com possibilidade de contratação de consultores estrangeiros, é
previsto no contrato que qualquer conflito resultante do Contrato, que não
possa ser solucionado de forma amigável pelas Partes, será submetido
a processo judicial/arbitral de acordo com as disposições específicas.
As controvérsias envolvendo consultores estrangeiros deverão ser
resolvidas por arbitragem de acordo com as normas para essa finalidade
estabelecidas pela Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial
Internacional (UNCITRAL), que estejam em vigor na data do Contrato.
Quando da indicação de Tribunal de Arbitragem para solução
consensual dos conflitos, o Estado do Piauí teve que solicitar indicação
por parte do órgão financiador já que não possuía expertise nessa seara.

102 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A aplicabilidade dos meios alternativos de resolução de disputas nos conflitos contratuais da administração pública sob a
perspectiva da nova lei de licitações (Lei n 14.133/2021)

Um dos tribunais indicados foi a Federação Internacional de Engenheiros


Consultores (FIDIC) de Lausanne, Suíça.
Estes são alguns exemplos de contratações envolvendo a
Administração Pública sob a vigência da Lei 8.666/1993. Com a publicação
da nova lei de licitações e contratos, há previsão expressa da utilização
dos meios alternativos de resolução de controvérsias, o que garante ao
operador da lei uma perspectiva inteiramente nova.
A NLLC é norma de competência privativa da União apenas no
que concerne às normas gerais. Compete aos demais entes realizar
regulamentação por meio de atos infralegais, como Decretos e Instruções
Normativas, no que pertine à normas específicas de licitação e contratos
bem como editar regulamentos sobre essas questões específicas.
Acerca deste tema, a Câmara Nacional de Modelos de Licitações
e Contratos Administrativos - CNMLC da Advocacia Geral da União -
AGU emitiu Parecer nº 00002/2021 em que analisa juridicamente os
condicionantes e requisitos para possibilidade de utilização da Lei nº
14.133/21 como fundamento para embasar licitações e/ou contratações.
Para a AGU haveria a necessidade de traçar um panorama de eficácia
da lei para priorização dos modelos a serem elaborados e do cronograma
para tanto.
Algumas das determinações que saltam aos olhos é a que diz:

“A implementação das medidas previstas no art. 19 da nova


lei, incluindo os modelos, não é pré-requisito para que haja
contratações pelo novo regramento, muito menos exige-
se ônus argumentativo adicional para contratar-se antes
de finalizadas tais medidas. Essa conclusão não aborda
a eventual obrigatoriedade de uso de instrumentos que
efetivamente existam.”

Do exposto, depreende-se que não é necessário a Administração


Pública esperar a elaboração de regulamento próprio e de minuta padrão

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 103
Annderson Felipe Bandeira Silva e Letícia Rocha Pires Ferreira Nogueira

para que haja previsão nas contratações sob a égide da NLLC da utilização
dos meios alternativos de resolução de controvérsias.
Apesar do período de transição entre as leis 8.666 /1993 e 14.133/2021
estar às portas de sua finalização, é exíguo o número de entes federativos
que realizaram a publicação de seus regulamentos. A nível federal, houve
publicação de algumas instruções normativas regulando a aplicação de
pontos específicos da NLLC. No entanto, com relação aos meios alternativos
de resolução de controvérsias, essa regulação ainda não ocorreu.
A nível estadual, um dos primeiros a publicar uma regulamentação
da NLLC foi o Estado do Paraná por meio do Decreto nº 10086 de 17 de
janeiro de 2022 um documento que pela abrangência e amplitude, com
certeza, irá balizar várias outras regulamentações estaduais e municipais.
Nesta, os meios alternativos de prevenção e resolução de
controvérsias possuem um título próprio com quatro seções e onze artigos
divididos em I - Orientações Gerais; II - Da Conciliação e Mediação; III -
Do Comitê de Prevenção e Resolução de Disputas- e IV - Da Arbitragem.
Não cabe no presente uma análise de todos os dispositivos. No entanto,
alguns são dignos de nota.
O §3º do art.1º do Decreto nº 10086/2022 permite que, nas licitações
e contratações que envolvam recursos provenientes de empréstimo ou
doação oriundos de agência oficial de cooperação estrangeira ou de
organismo financeiro de que o Brasil seja parte, a adoção de condições
peculiares ou próprias sobre os procedimentos de prevenção e resolução
de controvérsias.
Esse dispositivo regula situação similar à que aconteceu no Estado
do Piauí relatada acima em que a Administração Pública acatou diretrizes
do Banco Mundial peculiares a situação.
Outro dispositivo relevante é o §4º do mesmo artigo:

104 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A aplicabilidade dos meios alternativos de resolução de disputas nos conflitos contratuais da administração pública sob a
perspectiva da nova lei de licitações (Lei n 14.133/2021)

§ 4º Os servidores e empregados públicos que fizerem


uso de meios alternativos de prevenção e resolução de
controvérsias terão autonomia negocial, somente podendo
ser responsabilizados civil, administrativa ou criminalmente
quando, mediante dolo ou fraude, receberem qualquer
vantagem patrimonial indevida, permitirem ou facilitarem
sua recepção por terceiro, ou para tal concorrerem.

Aqui, é clara a intenção do legislador ordinário de dar maior segurança


ao gestor para a realização de atos com as ferramentas dos meios alternativos
de resolução de conflitos. Além disso, envia mensagem clara aos órgãos
de controle asseverando que esses agentes públicos só poderiam ser
responsabilizados civil, administrativa ou criminalmente quando os atos
por ele praticados, eivados de dolo ou fraude, resultarem em aquisição de
vantagens patrimoniais para si e/ou terceiros.
O Decreto também é feliz ao prever, no §1º do art. 718, a criação
de Câmara de prevenção e resolução administrativa de conflitos, conforme
previsão do art. 32 da Lei Federal nº 13.240 de 26 de junho de 2015 bem
como ao prever a realização de conciliação e mediação realizadas pela
Câmara Administrativa de Solução de Conflitos da Procuradoria-Geral do
Estado - CASC/PGE-PR, criada pelo Decreto nº 8.473 de 2021.
Já no artigo 719 discorre sobre a aplicabilidade do princípio da
publicidade nos procedimentos de negociação, conciliação e mediação ao
dispor que: as sessões não serão abertas ao público; os procedimentos
poderão ter momentos de confidencialidade desde de que registrados em
ata; e, no curso do procedimento, apenas haverá publicização das partes
envolvidas e objeto da demanda e, somente após o seu término, os atos
ganharão notoriedade, obviamente, sempre sendo respeitados os momentos
de confidencialidade e o limites legais de compartilhamento de dados.
Na Seção III - Do Comitê de Prevenção e Resolução de Disputas há
dispositivo que merece reprodução pelo seu caráter de verdadeiro retrocesso:

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 105
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Parágrafo único. As decisões emitidas pelos Comitês com


poderes de adjudicação poderão ser submetidas à jurisdição
judicial ou arbitral em caso de inconformidade de uma das
partes.

Um dos institutos que encerram efetividade às decisões arbitrais é


a sua irrecorribilidade. Marçal leciona que da decisão proferida em sede
de mediação, arbitragem e comitê de resolução de disputas possui efeito
vinculante ressalvada a hipótese de vício apto a produzir o desfazimento
da conclusão atingida (MARÇAL, 2021, p.1580) falar em revisão por
“inconformidade de uma das partes” é uma aberração jurídica.
Não faz sentido instaurar um Comitê de Prevenção e Resolução
de Disputas, conferir a ele de forma consensual a tarefa de solução de
um conflito entre a Administração Pública e particular, ver composto uma
solução para a demanda para que desta sentença seja possível arguir a
nível judicial ou arbitral. Esse parágrafo traz insegurança jurídica para toda
e qualquer decisão prolatada por tal comitê, portanto, deve ser revisto.
Com relação à Arbitragem, no regulamento do Estado do Paraná, é
previsto como possibilidade aplicável para os contratos de concessão de
serviços públicos, concessões patrocinadas e administrativas bem como
a todo e qualquer contrato ou ajuste cujo valor exceda R$ 20.000.000,00
(vinte milhões de reais), caput e §1º do art. 726. Ademais, é determinado
que as cláusulas compromissórias adotarão a forma escalonada uma vez
que as partes deverão submeter-se à mediação prévia à instauração da
arbitragem, §3º do art. 726.
Já o Estado do Piauí, realizou a publicação do Decreto nº 20.010 de
13 de outubro de 2021 que institui Grupo Executivo de Trabalho com vistas
à regulamentação e implementação da Lei nº 14.133 de 2021 e dispôs
sobre o regime de licitações e contratos administrativos a ser utilizados no
âmbito da Administração Pública Estadual enquanto não regulamentada
e implementada a NLLC.

106 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A aplicabilidade dos meios alternativos de resolução de disputas nos conflitos contratuais da administração pública sob a
perspectiva da nova lei de licitações (Lei n 14.133/2021)

Em suma, o decreto obstaculiza a utilização da NLLC no Estado


do Piauí ao dispor que, na realização de procedimentos que tenham
por objetivo a contratação de obras, serviços, compras, alienações e
locações, a Administração Pública deverá seguir utilizando os normativos
vigentes até que seja editado Decreto Estadual e/ou ato(s) normativo(s)
que estabeleça(m), em vista de normas estaduais regulamentadoras, a
implantação gradual das disposições da nova Lei Federal.
Antes da publicação do decreto, o órgão ou entidade até pode
aplicar o procedimento disciplinado pela Lei Federal nº 14.133 de 2021,
mas em caráter excepcional e motivado e desde que ouvida previamente
a Procuradoria-Geral do Estado, conforme parágrafo único do art.1º do
Decreto nº 20.110/2021.
Do exposto, vemos que por mais que estejamos às vésperas
da revogação da Lei nº 8.666/1993, muitos estados ainda carecem de
regulamentação e a parte pertinente à aplicação dos meios alternativos
de resolução de disputas por não ter sido regulamentada a nível federal
acabará não sendo uma prioridade. Apenas alguns estados saíram à
frente publicando suas regulamentações inclusive na parte concernente
aos meios alternativos de resolução de controvérsias.
Entretanto, os aplicadores do direito devem ficar atentos ao teor
dessas regulamentações para que não ocorram aberrações e deturpações de
institutos como o relatado no Paraná no caso da possibilidade de revisão de
decisão proferida por Comitê de Resolução de Disputas que iria de encontro
à idéia de tribunal multiportas ao enfraquecer o instituto de Arbitragem.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo discutiu a inovação trazida pela Nova Lei de


Licitações e Contratos com a previsão expressa de utilização de Meios
Alternativos de Resolução de Controvérsias em contratos administrativos.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 107
Annderson Felipe Bandeira Silva e Letícia Rocha Pires Ferreira Nogueira

Mais precisamente a problemática do que muda na utilização que a


Administração Pública faz destes instrumentos em seus contratos.
A hipótese levantada se concretizou uma vez que não se vê como
a aplicação pontual de meios alternativos de resolução de disputas por
parte da Administração Pública pode ter trazido algum tipo de facilitação
aos Estados e Municípios quando de suas regulamentações e aplicações.
Isso porque, faltando apenas poucos meses para a vigência da
Nova Lei, nota-se escassez de regulamentações estaduais e municipais
sobre a NLLC de uma forma geral além do fato de a União já ter editado
vários regulamentos sem se preocupar em discorrer sobre os meios
alternativos de resolução de conflitos em contratos administrativos o que,
consequentemente, faz os demais entes darem pouca importância a matéria.
Ademais, a regulamentação do Estado do Paraná que, por ser a
primeira, acabará balizando regulamentações de vários outros estados e
municípios, apesar de vir discorrendo sobre a matéria em vários aspectos,
cometeu desvirtuamento de um dos seus mais caros institutos que é a
irrecorribilidade das decisões o que traz insegurança jurídica ímpar à
aplicabilidade dos mecanismos de resolução alternativa de conflitos.
No término desta pesquisa, resta claro que se caminhou para o alcance
dos objetivos. Ao analisar o tratamento despendido pela Administração
Pública dos mecanismos alternativos de resolução de disputas em contratos,
mesmo que de forma não peremptória. Contribuiu-se para esclarecer acerca
destes institutos, o emprego destes mecanismos em contratos públicos e
a necessidade de difundir seu uso para além do já praticado.

REFERÊNCIA

CARVALHO, Matheus; OLIVEIRA, João Paulo; ROCHA, Germano


Paulo. Nova Lei de Licitações Comentada e Comparada. Juspodivm:
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108 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A aplicabilidade dos meios alternativos de resolução de disputas nos conflitos contratuais da administração pública sob a
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O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 109
Nelma Lopes da Silva e Francinete de
Barbosa de Sousa Castelo Branco

Nelma Lopes daEquilíbrio


Silva e Francinete
econômico-financeiro
de Barbosados
de contratos
Sousa Castelo
na administração
Branco pública no estado do Piauí no período pós-pandemia

EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DOS CONTRATOS


NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO ESTADO DO PIAUÍ
NO PERÍODO PÓS-PANDEMIA

Nelma Lopes da Silva


Francinete de Barbosa de Sousa Castelo Branco

RESUMO
Este artigo científico tem como objetivo pesquisar a constituição dos contratos administrativos no
Estado do Piauí no período pós-pandemia. Examina-se a hipótese mediante pesquisa bibliográfica
(legislação, jurisprudência e doutrina), aplicando a metodologia dialética argumentativa para
verificar a teoria. Inicialmente, são apresentadas as generalidades dos contratos e a possibilidade
de se conseguir o equilíbrio econômico-financeiro. Em seguida, evolução história e conceito dos
contratos na administração e a pandemia da COVID–19. Para apresentar o equilíbrio econômico-
financeiro segundo a nova Lei de Licitação e Contratos. Ao final, a constituição dos contratos
administrativos no Estado do Piauí no período pós-pandemia.
Palavras-chave: Equilíbrio; COVID-19; Licitação; Contratos.

ABSTRACT
This scientific article aims to research the constitution of administrative contracts in the Brazil’s
state of Piauí in the post-pandemic period. The hypothesis is examined through bibliographical
research (legislation, jurisprudence and doctrine), applying the argumentative dialectic methodology
to verify the theory. Initially, the generalities of the contracts and the possibility of achieving
economic-financial balance are presented. Then, historical evolution and concept of contracts in
administration and the COVID-19 pandemic. To present the economic-financial balance according
to the new Bidding and Contracts Law. In the end, the constitution of administrative contracts in
the State of Piauí in the post-pandemic period.
Keywords: Balance; COVID-19; Bidding; Contract.

1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem como tema central o equilíbrio econômico-


financeiro dos Contratos na Administração Pública no Estado do Piauí
no período pós-pandemia. Isso porque, no ano de 2019, o mundo foi
acometido pela pandemia de Covid-19, que trouxe muitos desafios para

110 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Equilíbrio econômico-financeiro dos contratos na administração pública no estado do piauí no período pós-pandemia

a Administração Pública, dentre eles a instabilidade nos preços dos


insumos e serviços.
Segundo a pesquisa Índice de Gerentes de Compras (PMI, na
sigla em inglês), em setembro de 2021, o serviço brasileiro perdeu força
em decorrência de um aumento recorde nos insumos e novas altas nos
preços cobrados. A crise sanitária se refletiu nos contratos. Assim, verifica-
se a relevância desse trabalho por uma necessidade de entender as
relações jurídicas.
No primeiro capítulo, apresentamos o conceito e a evolução histórica
dos contratos na Administração Pública, incluindo a pandemia. Já no
segundo capítulo, examinamos o equilíbrio econômico-financeiro na nova
Lei de Licitação e Contratos (Lei 14.133/2021). Já esgotados as matérias
destacadas, encontra-se a pergunta de pesquisa “Como se constitui
os contratos na Administração Pública no Estado do Piauí no Período
Pós Pandemia?”.
Perante esse cenário, a presente investigação busca analisar as
alterações nos contratos administrativos, explicando a relação entre os
fatos imprevisíveis e o equilíbrio econômico-financeiro, buscando justificar
se esses fatos afetam os contratos perante a Administração Pública. Para
Justen Filho (2010)

a tutela ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos


administrativos destina-se a beneficiar à própria Administração.
Se os particulares tivessem que arcar com as consequências
de todos os eventos danosos possíveis – mesmo quando
incorressem, o particular seria remunerado por seus efeitos
meramente potenciais (FILHO, 2010, p. 776).

Desse modo, é foco também a aplicabilidade dos instrumentos para


cada situação, com enfoque nos permissivos legais dispostos na Lei nº
14.133/2021 (BRASÍLIA, 2021) e em outras normas infraconstitucionais,
concomitante com a própria Constituição Federal, considerando que o

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 111
Nelma Lopes da Silva e Francinete de Barbosa de Sousa Castelo Branco

equilíbrio econômico-financeiro é elemento crucial para execução do


contrato por ser mecanismo apto a manter as condições efetivas da proposta
com vistas ao art. 37, inc. XXI da CF (BRASIL, 1988), obedecendo ao
Princípio da Supremacia Constitucional.
Os procedimentos metodológicos utilizados são a abordagem
dedutiva, partindo de uma análise ampla até às especificidades do tema
abordado e analisando desde o início dos contratos administrativos,
alongando até atingir os efeitos no pós-pandemia. Quanto ao método,
pretende-se trabalhar o qualitativo, dado que esse estudo possui caráter
subjetivo do observável em análise, focando em suas características. Para
a melhor condução do artigo, utilizamos a técnica de pesquisa bibliográfica,
aprofundada com base em material já desenvolvido como livros, artigos
científicos e legislação vigente.

2 EVOLUÇÃO HISTÓRIA E CONCEITO DOS CONTRATOS NA


ADMINISTRAÇÃO E A PANDEMIA DA COVID – 19

O Conselho de Estado Francês, em 21 de março de 1910, divulgou


acórdão em processo da Compagnie Générale Française des Tramways,
determinando um rol de atribuições em benefício de um contratado,
assim promovendo a necessidade de instituir a equivalência honesta
entre obrigações e direitos do concessionário. Marçal Justen Filho (2010)
apresenta reprodução traduzida de parte deste voto:

É da essência mesma de todo contrato de concessão de


procurar e de realizar, na medida do possível, uma igualdade
entre as vantagens que são acordadas ao concessionário e
as cargas a ele impostas. As vantagens e cargas devem se
equilibrar de modo a formar a contrapartida dos benefícios
prováveis e das perdas previstas.
Em todo contrato de concessão está implicada, como em uma
operação aritimética, a equivalência honesta entre aquilo que
é atribuído ao concessionário e aquilo que dele é exigido. É

112 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Equilíbrio econômico-financeiro dos contratos na administração pública no estado do piauí no período pós-pandemia

isso que se chama a equivalência financeira e comercial, a


equação financeira do contrato de concessão (FILHO, 2010,
p.387)

Para Di Pietro (2010), esta decisão teve efeito ímpar na relativização


de princípios contratuais até então considerados intocáveis:

Os princípios tradicionais do contrato, entre os quais o pacta


sunt servanda, foram sendo superados pela ideia de que o
serviço público não pode parar e, em consequência, a de
que podem ser feitas alterações, em especial nas cláusulas
financeiras, necessárias para permitir a continuidade do
contrato (DI PIETRO, 2010, p. 57).

Como vários institutos do direito francês, o equilíbrio econômico-


financeiro (ou equação econômico-financeira, expressão equivalentemente
utilizada pela doutrina) foi recepcionado pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Para Celso de Mello, “no Brasil a noção de equilíbrio econômico-financeiro
da concessão e da proteção que se lhe deve conferir é mais generosa
para o concessionário”. E segundo Marçal Justen Filho (2010),

a diferença fundamental entre o Direito brasileiro e o francês


consiste na concentração adotada entre nós, abarcando todas
as diferentes concepções vigentes na França... a concepção
da intangibilidade da equação econômico-financeira apresenta,
no Brasil, relevância muito mais significativa do que a ela se
reserva na França (FILHO, 2010, p. 387)

Di Pietro leciona que “O equilíbrio econômico-financeiro constitui a


relação que se estabelece no momento da celebração do contrato, entre o
encargo assumido pelo concessionário e a remuneração que lhe assegura
a Administração por via do contrato” (2010, p. 208). Neste mesmo sentido,
Hely Lopes Meirelles defende que

O contrato administrativo, por parte da Administração, destina-


se ao atendimento das necessidades públicas, mas por parte

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 113
Nelma Lopes da Silva e Francinete de Barbosa de Sousa Castelo Branco

do contratado objetiva um lucro, através da remuneração


consubstanciada nas cláusulas econômicas e financeiras. Esse
lucro há que ser assegurado nos termos iniciais do ajuste,
durante a execução do contrato, em sua plenitude, mesmo
que a Administração se veja compelida a modificar o projeto,
ou o modo e forma da prestação contratual, para melhor
adequação às exigências do serviço público (MEIRELLES,
2002, p 658.)

O equilíbrio econômico-financeiro se apresenta como um dever-


poder da Administração Pública, segundo Diogenes Gasparini (2001):

É dever na medida em que se reconhece ao contratado


particular o direito de ver, durante a vigência do ajuste ao
qual empresta a sua colaboração, preservada a equação
econômico-financeira. É poder nos exatos termos em que se
sabe ser a Administração Pública contratante a única detentora
da competência para restaurar o equilíbrio da mencionada
relação encargo- remuneração, desbalançada por certo evento
(GASPARINI, 2001, p. 406).

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), considera-se


pandemia um surto que afeta uma região e se espalha por diferentes
continentes com transmissão sustentada de pessoa para pessoa. Nesse
sentido, a COVID-19 foi caracterizada como uma pandemia. Causada pelo
vírus SARS-CoV-2, esse período trouxe consequências não só biomédica
e epidemiológica de proporções mundiais, como também impactos sociais,
econômicos, políticos, culturais e históricos sem precedentes na história
contemporânea.
Observa-se nas relações forenses de direito público sob supremacia
de um fato imprevisível como consequências incertas incomensuráveis nos
contratos administrativos, dado que estes terão suas cláusulas primeiras
completamente alteradas, ocasionando riscos à manutenção do equilíbrio
econômico-financeiro. Nessa conjuntura, o desafio é restabelecer esse

114 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Equilíbrio econômico-financeiro dos contratos na administração pública no estado do piauí no período pós-pandemia

ajustamento obrigacional entre as partes de modo a prevalecer o interesse


público sem causar prejuízo às partes contratadas.
Como bem leciona Leonardo Bessa (2021, p. 64 ), “não há dúvidas
de que a pandemia do novo coronavírus e suas drásticas consequências
financeiras são fatos extraordinários e imprevisíveis.”. Ademais, o autor
afirma que é direito básico realizar a revisão contratual, seja ela judicial
ou extrajudicial, da obrigação financeira para se adaptar à nova situação
econômica e restabelecer o equilíbrio perdido no contrato.
Por todo exposto, verifica-se a evolução histórica do equilíbrio
econômico-financeiro e a necessidade de compensação de perdas
em caso de um desequilíbrio, ocorrido em decorrência de aumento de
insumos, bens, serviços, por causas naturais ou ainda, em consequência
de fatos imprevisíveis. Ademais, a pandemia da COVID-19 trouxe esse
desequilíbrio nas relações jurídicas e a indispensabilidade de uma
equiparação econômica.

3 EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO SEGUNDO A NOVA


LEI DE LICITAÇÃO E CONTRATOS

A Lei nº 14.133, de 01 de abril de 2021, demonstrou mais eficiência


econômica nos contratos ao definir a obrigatoriedade dos riscos a serem
suportados por cada parte no acordo. Por meio de atos que viabilizem sua
exata aferição e transmissão em contratações de elevada tangibilidade.
Nesse sentido, o inciso IX do art. 92 da Nova Lei de Licitação e Contratos
define como cláusula primordial dos contratos “a matriz de risco, quando
for o caso” (BRASÍLIA, 2021).
A renomada autora Simone Zanotello (2018, p.20 ) afirma que “a
nota que caracteriza e tipifica a alocação contratual de riscos é a sua
previsibilidade, ou seja, enumerar aqueles eventos que já são conhecidos
no âmbito da relação contratual e que poderão ocorrer ”. Entretanto, tais

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 115
Nelma Lopes da Silva e Francinete de Barbosa de Sousa Castelo Branco

eventos são difíceis de se verificar. Essa dificuldade tem relação direta


com a matriz de risco, que, segundo Niebuhr (2022), não pode violar o
direito constitucional dos contratantes ao equilíbrio econômico-financeiro do
contrato, previsto no inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal de 1988.
A matriz de risco estabelece instruções aperfeiçoadas e possibilita a
aplicação eficiente dos riscos estabelecendo o dever de cada contratado,
assim como instrumentos que removam ou atenuem fatos, anomalias e
seus resultados.
Ademais, a alocação dos riscos do contrato, conforme a Lei
14.133/2021, deve acontecer:
I. Nas circunstâncias em que há modificação do valor para restabelecer
o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, quando o evento não
seja suportado pela parte que pretenda o reequilíbrio.
II. Quando houver a probabilidade de solução, se o sinistro aumentar
exageradamente ou impossibilitar a execução do contrato.
III. Quando o contrato de seguros indispensáveis, anteriormente
definidos, pela contratada integrar o custo ao preço ofertado.
Portanto, a alocação de riscos deve ser antecipada, por meio
de cláusulas dispostas no contrato com clareza e delimitando as
responsabilidades, que também devem ser compartilhadas de forma
que o proprietário (o dono do risco) evite ou amenize as consequências
do episódio.
Outro aspecto relevante é o art. 124, inciso II da Lei nº 14.133/2021,
que traz situações nas quais podem acontecer alterações no contrato por
acordo entre as partes, quais sejam: substituição da garantia de execução,
modificação do regime de execução da obra ou serviço, bem como do
modo de fornecimento, alteração da forma de pagamento por imposição de
circunstâncias supervenientes, restabelecimento do equilíbrio econômico-
financeiro inicial do contrato em caso de força maior, caso fortuito ou fato
do príncipe ou em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de

116 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Equilíbrio econômico-financeiro dos contratos na administração pública no estado do piauí no período pós-pandemia

consequências incalculáveis que inviabilizam a execução do contrato tal


como pactuado, respeitada, em qualquer caso, a repartição objetiva de
risco estabelecido no contrato.
A Nova Lei de Licitação e Contrato dispõe de uma matriz de risco a
qual é responsável por mensurar os riscos e suas responsabilidades entre
as partes caracterizadoras do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
Este, por sua vez, limita-se em compensações de uma parte a outra,
em eventos que caracterizem ato concedido a um contratante, mas que
tenham consequências econômicas e financeiras à outra parte. O modo
de recomposição terá como finalidade restabelecer a condição anterior
nas ocorrências dos aditivos contratuais, empregando como parâmetro
o contrato em estado de equilíbrio.
Os contratos administrativos expiram pela execução de suas
cláusulas acordadas ou pelo fim da vigência. Entretanto, conforme Flávio
Tartuce (2017), um contrato também pode ser extinto antes ou durante a
sua execução por causas anteriores e contemporâneas a sua celebração,
ou ainda por causa superveniente.
Nesse sentido, na Lei 14.133/2021, o artigo 137 afirma que os casos
de extinção contratual deverão ser formalmente motivados nos autos do
processo, sendo assegurado ao contratado o contraditório e a ampla
defesa. Ressalta-se que essas hipóteses de extinção do contrato previstas
na nova lei não se aplicam aos contratos em andamento, assinados sob
o amparo na Lei 8.666/93.
Os casos de extinção contratual com direito subjetivo a contratada
estão previstos no §2º do artigo mencionado, são eles: a) supressão,
por parte da Administração, de obras, serviços ou compras que acarrete
modificação do valor inicial do contrato além do limite permitido no art.
125 desta Lei; b) suspensão de execução do contrato, por ordem escrita
da Administração, por prazo superior a 3 (três) meses; c) repetidas
suspensões que totalizem 90 dias úteis, independente do pagamento

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 117
Nelma Lopes da Silva e Francinete de Barbosa de Sousa Castelo Branco

obrigatório de indenização pelas sucessivas e, contratualmente, imprevistas


desmobilizações e mobilizações e outras previstas; d) atraso superior a
dois meses, contado da emissão da nota fiscal, dos pagamentos ou de
parcelas de pagamentos devidos pela Administração por despesas de
obras, serviços ou fornecimentos; e
e) não liberação pela Administração, nos prazos contratuais, de
área, local ou objeto, para execução de obra, serviço ou fornecimento, e
de fontes de materiais naturais especificadas no projeto, inclusive devido
a atraso ou descumprimento das obrigações atribuídas pelo contrato a
Administração relacionadas a desapropriação, a desocupação de áreas
públicas ou a licenciamento ambiental.
Nota-se um procedimento mais rígido para as probabilidades de
rescisão por inadimplemento da Administração. Ainda sobre as possibilidades
de extinção, o professor Marçal Justem (2010, p.421 ) esclarece que “são
espécies de extinção anômala dos contratos administrativos, uma vez que
acarretam o desfazimento do contrato sem que as prestações previstas
tenham sido integralmente executadas e em data anterior ao prazo de
vigência original”.
Diante desse contexto, observa-se a importância de uma Governança
nas Contratações nos órgãos da Administração Pública, planejando
minuciosamente, avaliando os riscos e os impactos causados por ele de
modo que não prejudique a gestão a fim de impedir a dissolução prematura
do contrato.
Salientamos que a NLLC engrandece a segurança jurídica alargando
o equilíbrio da relação entre contratante e contratada, fortalece os deveres
de ambas as partes, gerando credibilidade no relacionamento com o Estado.
A lei define que o contratado que arque com o atraso no pagamento
depois de dois meses advém o direito subjetivo ao término do contrato.
Na hipótese de descumprimento de pagamento pela Administração, a
contratada suspenderá os serviços até que o pagamento seja normalizado.

118 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Equilíbrio econômico-financeiro dos contratos na administração pública no estado do piauí no período pós-pandemia

Consequentemente, o contratado também terá direito subjetivo à


extinção do contrato na hipótese de supressão unilateral, por parte da
Administração, de obras, serviços ou compras que acarretem modificação
do valor inicial do contrato além do limite permitido no art. 125 desta Lei,
qual seja até 25% do valor inicial atualizado do contrato que se fizerem
nas obras, nos serviços ou nas compras, e, no caso de reforma de edifício
ou de equipamento, o percentual será de 50%, segundo §2º, inciso I, do
artigo 137 da NLLC.
Diante do exposto, observa-se que as inovações trazidas pela nova
lei abrangem a extinção dos contratos de forma considerável, trazendo
requisitos de Governança, Planejamento, Gestão e Fiscalização dos
Contratos, como novo modelo para o equilíbrio na relação contratante e
contratado. Toda essa atividade de cada etapa contemplará os resultados e
a utilidade pública, proporcionando ao contratado mais segurança jurídica
e eficiência na execução dos contratos.
Cabe registrar que, toda execução contratual está sujeita a riscos de
múltiplas ordens e natureza: existem riscos de natureza administrativas,
como os resultantes da possibilidade de alterações contratuais, os
resultantes do fato da administração, ou ainda aqueles resultantes do fato
do príncipe. Também há riscos de natureza econômica, como oscilação
inflacionária, o aumento dos custos de produtos, de insumos ou de mão
de obra, a variação cambial, dentre outros. Ademais, riscos resultantes de
fatos imprevisíveis ou previsíveis que tenham consequências incalculáveis,
desenvolvidos por ação de terceiros, caso fortuito ou força maior.
Do ponto de vista do risco, o desequilíbrio da equação econômico-
financeiro dar-se-á em virtude de eventos causados por uma ação ou omissão
da Administração. Os acontecimentos constituídos pela denominada área
administrativa são de três disposições, quais sejam: alteração contratual,
consensual ou unilateral, fato da administração e fato do príncipe.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 119
Nelma Lopes da Silva e Francinete de Barbosa de Sousa Castelo Branco

Em conformidade com o artigo 24 da NLLC, no curso da execução


contratual pode haver a necessidade de promoção de adequações
ou adaptações na execução do contrato. Essas alterações podem ser
unilaterais ou consensuais. Ainda podem ser de natureza quantitativa por
acréscimos ou extinções da quantidade contratada. Também podem ser
de natureza qualitativa, na ocorrência de alteração do projeto, de normas
técnicas ou deliberações originárias do contrato.
Essas modificações podem demandar consequências na relação
econômico-financeira do contrato, alterando a relação inicial entre os
direitos e obrigações mútuas. Do mesmo modo, podem haver alterações
contratuais que não impliquem de forma objetiva na equação econômico-
financeiro do contrato.
Nesse sentido, pode acontecer o desequilíbrio em decorrência
do fato da administração, segundo Hely Lopes Meirelles (2022 , p.208
), considera-se “fato da administração toda ação ou omissão do Poder
Público que, incidindo direta e especificamente sobre o contrato, retarda,
agrava ou impede sua execução”. Assim, o fato da Administração constitui
violação aos deveres devidos contratualmente ao contratante público. São
possibilidades de ação ou omissão que ensejam desrespeito ao equilíbrio
do contrato administrativo. Cita-se como exemplo: não disponibilizar ao
contratado o local da obra ou do serviço.
O fato da Administração tem repercussão direta e imediata no
contrato, causado pelo próprio agente contratante. A Lei 14.133/21 enumera
algumas condutas caracterizadas como fato da Administração dispostas
no art. 124. § 2º, que dispõe que
será aplicado o disposto na alínea “d” do inciso II do caput deste
artigo às contratações de obras e serviços de engenharia,
quando a execução for obstada pelo atraso na conclusão de
procedimentos de desapropriação, desocupação, servidão
administrativa ou licenciamento ambiental, por circunstâncias
alheias ao contratado (BRASÍLIA, 2021).

120 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Equilíbrio econômico-financeiro dos contratos na administração pública no estado do piauí no período pós-pandemia

Ao passo que o fato da Administração tem como atributo o impacto


de forma direta e instantânea na relação contratual, e como agente o
ente contratante, o fato do príncipe evidencia como aspecto fundamental
reflexo direto no contrato, no entanto, causada pela ação genérica do
Poder Público, na qualidade de contratante, sem pretender atingir a relação
contratual. Ainda assim, provocam modificações que desequilibram a
equação financeira acordada originalmente. Cita-se como exemplo de
fato do príncipe: suspensão de certas importações, regulamentação de
preços, restrição ao emprego de certos produtos, aumento de impostos etc.
É fato do príncipe “toda determinação estatal, positiva ou negativa,
geral e imprevisível, que onera extraordinariamente ou que impede a
execução do contrato e obriga a Administração Pública a compensar
integralmente os prejuízos suportados pelo contratante particular”
(GASPARINI, 2001, p. 84). Em sua definição clássica, Hely Lopes Meirelles
(2022 ) define-o como

sendo toda determinação estatal, geral, imprevista e


imprevisível, positiva ou negativa, que onera substancialmente
a execução do contrato administrativo (...) o que caracteriza
o fato do príncipe é a generalidade e a coercibilidade da
medida prejudicial ao contrato, além de sua surpresa e
imprevisibilidade, com agravo efetivo para o contratado
(MEIRELLES, 2022, p.154 )

O art. 134 da NLLC cita alguns fatos que podem ser considerados
como fato do príncipe

os preços contratados serão alterados, para mais ou


para menos, conforme o caso, se houver, após a data da
apresentação da proposta, criação, alteração ou extinção de
quaisquer tributos ou encargos legais ou a superveniência
de disposições legais, com comprovada repercussão sobre
os preços contratados (BRASÍLIA, 2021).

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 121
Nelma Lopes da Silva e Francinete de Barbosa de Sousa Castelo Branco

Afora, eventos resultantes e específicos à atividade empresarial e


de situações jurídicas ocasionadas pela conduta comissiva ou omissiva da
administração poderão ocorrer no encadeamento da relação contratual,
eventos externos ao contrato e desprovido à vontade das partes,
resultantes de fatos da natureza ou de ordem econômica, que podem
causar desequilíbrio a equação econômica. Denominam-se eventos da
álea econômica recepcionados pela teoria da imprevisão.
Durante o cumprimento do contrato, poderão ocasionar eventos
originários de causas independentes à vontade das partes contratantes,
anormais e imprevisíveis, causando aumento às obrigações do contratante,
modificando substancialmente a economia do contrato. Essa conjuntura
não torna improvável a execução contratual, no entanto a Administração
deverá auxiliá-lo a sustentar esta carga adicional.
Os principais requisitos materiais indispensáveis à aplicação da teoria
da imprevisão são: evento danoso e independente à vontade das partes,
evento imprevisível pelos contratantes, o dano ao equilíbrio econômico-
financeiro do contrato deverá ser maior que todas as expectativas de perdas
previstas no contrato. Cita-se como exemplo da teoria de imprevisão: a
alta nos preços de matéria prima ou variação cambial em decorrência de
uma pandemia.
Essa teoria tem aplicação nos contratos administrativos nos
acontecimentos excepcionais, que não integram as previsões das partes
e que provoquem aumento excessivo ao cumprimento do contrato de forma
onerosa ou uma perda ou déficit real. A alteração deverá ser de modo
tão elevado, visto que as alterações mínimas integram a álea ordinária
empresarial, devendo ser suportado pelo contratante.
Além disso, o desequilíbrio econômico-financeiro em decorrência
de força maior, caso fortuito e sujeições imprevistas impossibilitam, de
forma econômica ou material, definitiva ou absoluta, o adimplemento da

122 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Equilíbrio econômico-financeiro dos contratos na administração pública no estado do piauí no período pós-pandemia

obrigação contratual originalmente pactuada. A norma contida no art.


124, II, d, da Lei, a este respeito, preceitua que pode haver recomposição

para estabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicial


do contrato em caso de força maior, caso fortuito ou fato
do príncipe ou em decorrência de fatos imprevisíveis ou
previsíveis de consequências incalculáveis, que inviabilizem
a execução do contrato tal como pactuado, respeitada, em
qualquer caso, a repartição objetiva de risco estabelecida no
contrato (BRASÍLIA, 2021).

Por fim, a inconstância de preços nos custos de insumos ou mão


de obra é comum no sistema econômico. A modificação normal, gradual e
cotidiana dos preços é intitulada de inflação. Apesar de normal, a variação
inflacionária não produz aumento considerável nos preços em curto, médio
e longo prazo. No entanto, este aumento gradual e pouco significativo
pode gerar impacto na economia interna nos contratos de forma geral,
especialmente nos contratos administrativos.
Por conseguinte, constata-se que a Nova Lei de Licitação e Contratos
trouxe melhorias nos encadeamentos jurídicos como a matriz de risco
que possibilita antever futuras ameaças, com isso assegura inquirir
soluções. Outro aspecto abordado na mencionada lei é a Governança
nas contratações nos órgãos públicos promovendo um planejamento
eficiente, de modo que amenize os impactos causados nos fatores não
previstos no contrato inicial. Por último, enumera os diversos riscos em
que a administração está sujeita durante a execução contratual, quais
sejam: riscos de natureza administrativa, risco de natureza econômica e
os decorrentes de fatos imprevisíveis.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por todo o exposto, verifica-se que os contratos administrativos no


Estado do Piauí, no período pós-pandemia, constituem-se de atributos

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 123
Nelma Lopes da Silva e Francinete de Barbosa de Sousa Castelo Branco

que garantam a segurança jurídica do Estado, em consonância com as


normas vigentes. É fato que a pandemia trouxe instabilidade nos preços,
afetando diretamente a relação contratual. Em função disso, é importante
a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro, alocando os ricos de
forma antecipada por meio de cláusulas dispostas no contrato.
Percebe-se que a pandemia da covid-19 condiz com a teoria da
imprevisão, visto que é um evento danoso, de força maior, caso fortuito,
independente à vontade das partes, inesperado e causa dano ao equilíbrio
econômico-financeiro do contrato, fazendo jus à recomposição patrimonial.
Nesse sentido, observa-se que as inovações trazidas pela nova
lei abrangem os requisitos de Governança, Planejamento, Gestão e
Fiscalização dos Contratos, como novo modelo para o equilíbrio na relação
contratante e contratado. Toda essa atividade de cada etapa contemplará
os resultados e a utilidade pública, proporcionando ao contratado mais
segurança jurídica e eficiência na execução dos contratos. Além de
fortalecer os deveres de ambas as partes, constituindo confiabilidade na
relação com o Estado.
Por fim, a Pandemia de Covid-19 ainda não foi declarada totalmente
extinta e não existe ampla bibliografia sobre o tema, de forma que não se
ousa esgotar o tema, que tanto a doutrina quanto a jurisprudência podem
se posicionar contrariamente ao elucidado acima.

REFERÊNCIAS

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de Janeiro: Forense, 2021.

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124 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
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O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 125
Gabriela Silva de Melo Pereira e
Silvânia da Silva Carvalho
Gabriela Silva de Melo Pereira e Silvânia da Silva Carvalho

CONTRATAÇÃO DIRETA VIA SISTEMA DE REGISTRO DE


PREÇO: AS INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI 14.133/2021

Gabriela Silva de Melo Pereira1


Silvânia da Silva Carvalho2

RESUMO
A Lei 14.133, de 1º de abril de 2021, estabelece normas gerais de licitação e contratação para as
Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios. Uma das inovações trazidas pela normativa é a possibilidade de fazer
uso do Sistema de Registro de Preços para inexigibilidade e dispensa de licitação. O presente
artigo tem como objetivo apresentar a referida inovação e analisar a possibilidade de já fazer uso
do SRP nas hipóteses de contratação direta frente à necessidade de regulamentação do tema.
Para análise e elaboração do presente trabalho, foi utilizada uma pesquisa do tipo exploratório,
com abordagem qualitativa, método dedutivo, tendo como principais fontes bibliográficas livros,
publicações científicas em sites e revistas especializadas e legislações que tratam do tema.
Na primeira parte deste trabalho, analisou-se o panorama do normativo brasileiro sobre o
Direito Administrativo e a necessidade/dever de licitar, bem como o contexto do surgimento
do Sistema de Registro de Preços e seu respectivo conceito. Na segunda parte foi relatado
como a Lei 14.133/21 inovou no ordenamento jurídico em relação ao SRP. Já na terceira parte
foi apresentada a problemática em torno da eventual necessidade de regulamentação para
que se possa fazer uso do Sistema de Registro de Preços para contratações diretas. Em que
pese as considerações feitas não terem caráter exaustivo, conclui-se que como até o presente
momento o tema em voga não foi devidamente regulamentado ainda não é possível fazer uso
da inovação trazida pela 14.133/21.
Palavras-chave: Nova Lei de Licitações e Contratos. Sistema de Registro de Preços.
Contratação Direta.

ABSTRACT
Law 14,133, of April 1, 2021, establishes general rules for bidding and contracting for direct,
autonomous and foundational Public Administrations of the Union, States, Federal District and
Municipalities. One of the innovations brought by the regulation is the possibility of making use
of the Price Registration System for unenforceability and waiver of bidding. The purpose of this
article is to present this innovation and analyze the possibility of already using the SRP in cases
of direct contracting in view of the need for regulation of the subject. For analysis and elaboration
of the present work, an exploratory research was used, with a qualitative approach, deductive
method, having as main bibliographical sources books, scientific publications in websites and
specialized magazines and legislations that deal with the subject. In the first part of this work, an

1
Gabriela Silva de Melo Pereira, Graduada em Direto, gabrielademelop@hotmail.com
2
Silvânia da Silva Carvalho, Graduada em Direito, silvania.scarvalho@gmail.com

126 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Contratação direta via sistema de registro de preço: as inovações trazidas pela lei 14.133/2021

overview of Brazilian regulations on Administrative Law and the need/duty to bid was analyzed,
as well as the context of the emergence of the Price Registration System and its respective
concept. In the second part, it was reported how Law 14.133/21 innovated in the legal system
in relation to the SRP. In the third part, the problem around the possible need for regulation was
presented so that the Price Registration System could be used for direct hiring. Despite the fact
that the considerations made are not exhaustive, it is concluded that since the topic in vogue has
not been properly regulated so far, it is still not possible to make use of the innovation brought
by 14.133/21.
Keywords: New Bidding and Contracts Law. Price Registration System. Direct Hiring.

1 INTRODUÇÃO

A Lei 14.133/2021, nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos


– NLLC trouxe diversas inovações que impactam diretamente no
funcionamento e atividades da Administração Pública. Dentre as inovações
está a possibilidade de fazer uso do Sistema de Registro de Preços para
inexigibilidade e dispensa de licitação, sendo este o foco desta pesquisa.
O Sistema de Registro de Preços é largamente adotado pelas
Administrações Públicas em todos os níveis federativos, sendo um
procedimento que traz diversas vantagens tais como economicidade,
eficiência, transparência. Portanto, é fundamental que se tenha
conhecimento, bem como que se discuta às inovações trazidas no âmbito
de tal procedimento, para que eles sejam aplicados de forma legal e
eficiente nos processos deflagrados nos órgãos públicos.
Em face disso, o artigo possui o objetivo de analisar as mudanças
no Sistema de Registro de Preços na Nova Lei de Licitações e esmiuçar
a possibilidade de uso do SRP nas hipóteses de inexigibilidade e de
dispensa de licitação para a aquisição de bens ou para a contratação de
serviços por mais de um órgão ou entidade.
Diante do contexto, surge o seguinte questionamento: já é possível
fazer uso da ferramenta de registro de preços para contratações diretas
ou é necessário aguardar regulamentação sobre o tema?

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 127
Gabriela Silva de Melo Pereira e Silvânia da Silva Carvalho

O artigo foi organizado na seguinte estrutura: no primeiro capítulo


buscou-se pontuar noções a respeito da licitação em si e do dever da
Administração de licitar, abordando, dentre desse contexto, o conceito
do Sistema de Registro de Preços. Em seguida, foi tratado a respeito das
contratações diretas, com foco na inovação trazida pela Lei 14.133/21, a fim
de se chegar na análise da problemática escolhida para o presente artigo.
Para atingir o escopo deste trabalho realizou-se uma pesquisa
qualitativa, onde este tipo de pesquisa, para Minayo (2001), trabalha
com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e
atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos
processos e fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização
de variáveis.
As fontes usadas foram as secundárias, que “contêm informações
sobre documentos primários e guiam o usuário para eles. É a informação
filtrada e organizada a partir da seleção e revisão de fontes” (AZEVEDO,
2012, p. 150-151).
Para a análise e elaboração do presente estudo foi utilizada uma
pesquisa do tipo exploratório, de acordo com Gil (2008) “o objetivo da
pesquisa exploratória é familiarizar-se com um assunto pouco conhecido
ou explorado, portanto, constitui-se como um tipo de pesquisa muito
específico”.
No que se refere ao método de pesquisa, o utilizado foi o dedutivo,
de acordo com Bittar (2014, p. 34), o método dedutivo é aquele que
“corresponde à extração discursiva do conhecimento a partir de premissas
gerais aplicáveis a hipóteses concretas”. Desta feita, a escolha deste método
se justificou por ele ser o que mais se adequou à pesquisa realizada, haja
vista que o raciocínio partiu das teorias e das leis (geral), para chegar a
uma opinião (particular), ou seja, analisaram-se dados gerais, que ao
serem interpretados, tornaram-se dados mais específicos.

128 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Contratação direta via sistema de registro de preço: as inovações trazidas pela lei 14.133/2021

Para tanto, foi feita uma pesquisa bibliográfica a partir do levantamento


de referências teóricas já analisadas, e publicadas por meios escritos e
eletrônicos, como livros, artigos científicos, sites e revistas especializados no
tema. “Qualquer trabalho científico inicia-se com uma pesquisa bibliográfica,
que permite ao pesquisador conhecer o que já se estudou sobre o assunto”.
(FONSECA, 2002, p. 32).

2 LICITAÇÃO E OS FUNDAMENTOS DO DEVER DE LICITAR

O Direito Administrativo é baseado em um complexo de princípios


e regras que buscam regulamentar o exercício da função administrativa
que é exercida por agentes públicos, órgãos públicos, pessoas jurídicas de
Direito Público, em outras palavras, pela Administração Pública, visando
proteger o interesse público.
A Administração Pública, por seu turno, “pode ser definida
objetivamente como a atividade concreta e imediata que o Estado
desenvolve para a consecução dos interesses coletivos e subjetivamente
como o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o
exercício da função administrativa do Estado.” (MORAES, 1998, p. 281), e
tem a difícil e complexa missão de manter o equilíbrio da sociedade, garantir
a ordem interna, atingir os fins sociais coletivos e gerir a máquina pública.
O regime jurídico administrativo se faz por uma série de prerrogativas,
tendo em vista que o gestor público deverá atuar sempre em prol da
coletividade, entretanto essas prerrogativas são limitadas por certas sujeições,
tais como a necessidade de realização do procedimento licitatório prévio à
contratação. Diferente dos particulares, que são livres para contratar quem
queira, a Administração Pública se submete à uma ode de princípios extraídos
do ordenamento jurídico e que orientam sua atuação, entre eles o princípio da
impessoalidade. Tal sujeição acarreta que as decisões administrativas sejam
feitas com base em critérios objetivos a fim de atingir o interesse público.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 129
Gabriela Silva de Melo Pereira e Silvânia da Silva Carvalho

A lei não poderia deixar a critério do Administrador a escolha dos


terceiros a serem contratados para contribuírem no ônus que a ele é
incumbido, pois tal liberdade poderia dar margem a escolhas duvidosas com
potencial para prejudicar ou beneficiar pessoas específicas, em detrimento,
portanto, do interesse público. Nessa esteira, a licitação é um procedimento
administrativo que busca concretizar o princípio da impessoalidade.
A exigência de um procedimento licitatório busca contornar esses
riscos, por ser um procedimento que antecede o próprio contrato, onde
várias pessoas podem concorrer de modo isonômico e a Administração
Pública ganha escolhendo a proposta mais vantajosa, além de atuar na
busca do desenvolvimento nacional. Dessa forma, a licitação é de um
procedimento administrativo prévio às contratações públicas, realizado
em uma série concatenada, de atos, legalmente distribuídos, culminando
com a celebração do contrato (DI PIETRO, 2018).
Nos termos do artigo 37º, inciso XXI da Constituição Federal,
como regra para as obras, serviços, compras e alienações serão estas
contratadas mediante processo de licitação pública que assegure igualdade
de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam
obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos
termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica
e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações
Adota-se como conceito de licitação, a definição do ilustre jurista
Marçal Justen Filho, que assim afirma que: “é um procedimento administrativo
disciplinado por lei e por um ato administrativo prévio, que determina critérios
objetivos de seleção de proposta da contratação mais vantajosa, com
observância, do princípio da Isonomia” (JUSTEN FILHO, 2007, p. 217).
Outros autores renomados também conceituam o que seria a
atividade de licitar dos Estados. Por exemplo, Di Pietro (2018, p. 350)
expressa a licitação como sendo “o procedimento administrativo pelo

130 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Contratação direta via sistema de registro de preço: as inovações trazidas pela lei 14.133/2021

qual um ente público [...] abre a todos os interessados [...] a possibilidade


de formularem propostas dentre as quais selecionará e aceitará a mais
conveniente para a celebração de contrato”.
Nesse ínterim, o artigo 22º da Carta Constitucional estabelece a
competência da União para legislar sobre normas gerais de licitações.
Assim, em caso de normas gerais, caberá à União legislar, o que não tira a
competência dos Estados para legislar sobre questões específicas. Sendo
assim, pode cada Estado-membro delimitar questões que beneficiem à
população local, sem contrariar as disposições federais (BRASIL, 1988).
Nessa esteira, foi publicada a lei 8.666/93 de 21 de junho de 1993
que regulamenta o Art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui
normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras
providências. Por sua vez, a nova Lei de Licitações nº 14.133/2021,
que é o foco do presente artigo, inaugura um novo regime jurídico para
substituir a Lei das Licitações (Lei nº 8.666/1993), a Lei do Pregão (Lei nº
10.520/2002) e revogar o Regime Diferenciado de Contratações – RDC
(Lei nº 12.462/11), além de agregar temas relacionados.

2.1 Contextualizando o Sistema de Registro de Preço: Uma Breve


Análise do Conceito e da Evolução Legislativa

O Sistema de Registro de Preços (SRP) é um procedimento


amplamente utilizado nas compras públicas no Brasil. A Lei nº 8666/93
já previa este instrumento em seu Art. 15, I ao dispor que “As compras,
sempre que possível, deverão ser processadas através de sistema de
registro de preços”. A partir deste dispositivo, houve a regulamentação
do tema no âmbito federal, por meio do Decreto nº 7892, de 23 de janeiro
de 2013, o qual regulamenta o Sistema de Registro de Preços, e que o
define como sendo o “conjunto de procedimentos para registro formal
de preços relativos à prestação de serviços e aquisição de bens, para
contratações futuras”.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 131
Gabriela Silva de Melo Pereira e Silvânia da Silva Carvalho

Importante deixar claro que o Sistema de Registro de Preços não


se trata de nova modalidade de licitação, mas de um instrumento auxiliar
das licitações e contratações, que se consubstancia em um processo
especial a ser empregado nas compras por parte do poder público. De
acordo com Marçal Justen Filho (2021), a categoria dos procedimentos
auxiliares congrega diversos procedimentos administrativos autônomos
que, por não terem vínculo com uma licitação específica, podem ter seus
resultados aproveitados em um número indeterminado de contratações,
favorecendo a padronização, a economicidade e a racionalização da
atividade administrativa. É o caso do SRP, o qual apresenta como
vantagens: economia de esforços e recursos por meio da diminuição de
processos iguais, uma redução dos valores contratados em virtude do
ganho de escala com compras de maior volume, um melhor planejamento
das compras rotineiras e ganhos na gestão patrimonial, com redução de
custos de manutenção.
O Sistema de Registro de Preços objetiva a definição dos fornecedores
e respectivos preços, em relação aos bens e aos serviços de que a
Administração necessita (ou estima que necessitará) periodicamente,
definição essa a ser feita em um momento prévio, anterior ao da efetiva
necessidade. Busca-se, assim, antecipar os procedimentos de seleção do
detentor da proposta mais vantajosa, possibilitando à Administração que,
em determinado instante, diante de uma necessidade, possa simplesmente
contratar com aquele que já foi selecionado anteriormente por meio do
competente processo licitatório (AMORIM, 2017).
Enfim, pode-se dizer que o Sistema de Registro de Preços é uma
ferramenta apta a viabilizar diversas contratações concomitantes ou
sucessivas, sem a realização de um específico procedimento licitatório
para cada uma delas. Este sistema pode servir a um ou a mais órgãos
da Administração Pública. Normalmente é empregado para o caso de
compras corriqueiras de determinados bens ou serviços quando não é

132 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Contratação direta via sistema de registro de preço: as inovações trazidas pela lei 14.133/2021

conhecida a quantidade que será necessária adquirir, ou ainda quando


estas compras tiverem a previsão de entregas parceladas. Ademais, com
ele, consegue-se um ganho muito importante: a potencial participação de
empresas menores, uma vez que o fornecimento é parcelado ao longo do
prazo de validade da ata de registro de preços, de forma que a empresa
não precisa ter grande quantitativo do objeto em estoque para entrega
imediata, de forma única.
Conforme já mencionado, o sistema de registro de preço não é
nenhuma novidade, já tendo sido previsto expressamente tanto na Lei
8.666/93 como na Lei nº 12.462/11 (RDC). A seu turno, a nova Lei de
Licitações inova ao pontuar expressamente a respeito da existência dos
procedimentos auxiliares, dentre eles o registro de preço, bem como no
conceito do referido procedimento, ao estender as possibilidades de uso,
antes restrita às compras, vejamos:

XLV - sistema de registro de preços: conjunto de procedimentos


para realização, mediante contratação direta ou licitação nas
modalidades pregão ou concorrência, de registro formal de
preços relativos a prestação de serviços, a obras e a aquisição
e locação de bens para contratações futuras;

Também nos artigos Art. 82 a 86 a Nova Lei de Licitações e Contratos


tratou do sistema de registro de preços. Dentre as inovações pontuadas
na novel legislação, como ampliação do prazo de vigência da ata de
registro de preços e a menção às obras, chama atenção a ampliação das
possibilidades de uso desta ferramenta, em especial a previsão de seu
uso para contratação direta:

Art. 82 (...)
§ 6º O sistema de registro de preços poderá, na forma de
regulamento, ser utilizado nas hipóteses de inexigibilidade e
de dispensa de licitação para a aquisição de bens ou para a
contratação de serviços por mais de um órgão ou entidade.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 133
Gabriela Silva de Melo Pereira e Silvânia da Silva Carvalho

Entretanto, a lei não diz em quais situações se faculta ou se incentiva


o Sistema de Registro de Preços, pontuando apenas que o procedimento
auxiliar pode ser utilizado para o fornecimento de bens e serviços, assim
como alude às obras e aos serviços de engenharia que atendam aos
requisitos dos incisos I e II do art. 85. Ademais, de forma oposta à lei
8.666/93, a nova lei não prevê a necessidade de regulamentação do
sistema de registro de preços, salvo em aspectos pontuais, como veremos
mais adiante.

3 CONTRATAÇÃO DIRETA E A POSSIBILIDADE DE USO DO SISTEMA


DE REGISTRO DE PREÇO: INOVAÇÃO TRAZIDA PELA LEI 14.133

Conforme já pontuado alhures nos termos do artigo 37º, inciso XXI


da Constituição Federal, como regra para as obras, serviços, compras e
alienações serão estas contratadas mediante processo de licitação pública
(Princípio da Obrigatoriedade da Licitação). Contudo, tal postulado não
é absoluto, admitindo-se situações legais em que a licitação é inexigível
(art. 74º da Lei 14.133/21) e dispensável (art. 75º da Lei 14.133/21).
Sobre a Licitação dispensável, como o próprio nome já indica, é
possível realizar a licitação, mas a legislação retira essa obrigatoriedade.
Dessa forma, a autoridade pública terá discricionariedade para escolher
entre licitar ou não licitar, e caso opte por não licitar, teremos a figura em
tela, qual seja, uma contratação direta.
Já sobre a inexigibilidade de licitação, a marca característica do
instituto é a impossibilidade de competição, ou seja, quando é afastada
qualquer possibilidade de concorrência. Segundo Marçal Justen Filho (2019,
p. 595), a inviabilidade de competição, por suas causas, é classificada
em dois grupos:

Na primeira categoria, encontram-se os casos de inviabilidade


de competição por ausência de pluralidade de sujeitos
em condição de contratação. São as hipóteses em que é

134 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Contratação direta via sistema de registro de preço: as inovações trazidas pela lei 14.133/2021

irrelevante a natureza do objeto, eis que a inviabilidade de


competição não decorre diretamente disso. Não é possível a
competição porque existe um único sujeito para ser contratado.
Na segunda categoria, podem existir inúmeros sujeitos
desempenhando a atividade que satisfaz o interesse público.
O problema de inviabilidade de competição não é de natureza
numérica, mas se relaciona com a natureza da atividade
a ser desenvolvida ou da peculiaridade quanto à própria
profissão desempenhada. Não é viável a competição porque
características do objeto funcionam como causas impeditivas.

Em suma, a dispensa de licitação é uma opção do administrador,


que também pode escolher pela licitação, caso em que – e somente neste
caso – promoverá a disputa entre os interessados, já a inexigibilidade de
licitação não comporta disputa ou, conforme o caso, julgamento por meio
de critérios objetivos.
É de se inferir, por conseguinte, que a não realização de licitação só
deve ocorrer por razões de interesse público. Obviamente, nesses casos,
a realização da licitação viria tão somente sacrificar o interesse público,
motivo pelo qual o legislador concedeu ao administrador a faculdade de
dispensar o certame nos casos previstos.
Em relação ao tema de contratação direta, fazendo um contraponto
entre a antiga e a novel Lei de Licitações, a Lei 14.133 representa um
avanço pois com a sua edição a formalização dos processos administrativos
de contratação direta passaram a contar com previsão legal expressa
mais adequada, especialmente no que toca à instrução dos processos,
tornando-os, de certa forma, mais complexos.
Um dos grandes pontos positivos da Nova Lei de Licitações e
Contratos é que ela trouxe uma seção específica sobre o processo da
contratação direta, o que não acontecia na Lei nº 8.666/93. Ademais, a
nova Lei aumentou consideravelmente o valor cabível bem como ampliou
o rol das hipóteses cabíveis de dispensa e inexigibilidade.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 135
Gabriela Silva de Melo Pereira e Silvânia da Silva Carvalho

Retomando a análise do tópico anterior, uma inovação marcante


trazida pela Nova Lei de Licitações e Contratos é a possibilidade de uso do
sistema de registro de preço nas hipóteses de inexigibilidade e de dispensa
de licitação. Dentro dessa possibilidade, merece atenção a redação do
art. 86 que prevê que tal uso poderá ocorrer na forma de regulamento.
Bem verdade é importante lembrar que a dita “inovação” já teve
previsão através da Medida Provisória nº 951, que alterou a Lei nº 13.979,
que por sua vez dispunha sobre as medidas para enfrentamento da
emergência de saúde pública decorrente do coronavírus. A referida MP
trouxe a possibilidade de utilização do Sistema de Registro de Preços
também por dispensa de licitação. Até então, só se admitia o uso dessa
sistemática, regulada pelo Decreto nº 7.892/2013 (regulamentando o art. 15
da Lei nº 8.666/1993), nas licitações nas modalidades concorrência e pregão.
Assim, os entes do Poder Público restaram autorizados a dispensar
a elaboração do procedimento licitatório quando, em função da emergência
de saúde pública, estivessem buscando contratar o tipo de objeto explicitado
na normativa, e desde que se trate de compra ou contratação por mais de
um órgão ou entidade, criando assim “dispensa por intermédio do sistema
de registro de preços”, ou, como a denominou Ronny Charles de forma
inversa, “dispensa de licitação para fins de registro de preços”. Ou seja, o
regramento autoriza a elaboração de uma Ata de Registro de Preços não
através de licitação, mas, sim, por intermédio de uma dispensa licitatória.
Vejamos a análise de Sidney Bittencourt sobre o tema:

Alguns analistas têm demonstrado estranheza com essa


medida, que para muitos não tem sentido.
Indubitavelmente, não obstante a boa intenção do legislador,
o uso do SRP através de uma dispensa licitatória que objetive
uma contratação emergencial é bastante questionável, pois a
sistemática de registro de preços - que, conforme mencionado,
objetiva principalmente compras futuras - não parece se
compatibilizar com esse mister.

136 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Contratação direta via sistema de registro de preço: as inovações trazidas pela lei 14.133/2021

Já para Luciano Reis e Marcus Alcântara a alteração é bem-vinda,


pois oferece ao gestor público mais uma ferramenta de contratação
para dar vazão às contratações públicas. Deve o gestor ficar atento às
condicionantes postas no texto da norma.
Importante observar ainda que a possibilidade de uso da ferramenta
de registro de preço para contratações diretas além de depender de
regulamentação tem outra condicionante, qual seja, que a aquisição de
bens ou para a contratação de serviços seja feita por mais de um órgão ou
entidade. A ideia trazida pela Nova Lei de Licitações e Contratos é utilizar
esse procedimento apenas para contratações conjuntas/compartilhadas.
Dentre as vantagens das compras compartilhadas, Renato Fenili
(2016) destaca a obtenção de maior economia de escala, menor custo
operacional do processo de compra (custo de pedido), fortalecimento das
relações institucionais, padronização dos itens adquiridos e transparência
nas compras públicas, todas elas relacionadas ao conceito de eficiência.
Seguindo com a análise da redação do artigo 86 da Lei nº 14.133/21,
é fundamental salientar que até o presente momento não houve nenhuma
espécie de regulamento disciplinando o uso do registro de preços nos casos
de contratação direta. Tal fato abre margem para a discussão acerca da
possibilidade de já se fazer uso da ferramenta nestes casos específicos,
considerando a redação dada pela Lei.

4 A PROBLEMÁTICA DA NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO


PARA QUE SE POSSA FAZER USO DO SISTEMA DE REGISTRO DE
PREÇOS NAS HIPÓTESES DE INEXIGIBILIDADE E DE DISPENSA DE
LICITAÇÃO

Retomando o que foi brevemente pincelado em tópico anterior, de


forma oposta ao disposto no art. §3º do art. 15 da Lei no 8.666/93, a nova
lei não dispôs que o Sistema de Registro de Preços será regulamentado,
salvo em aspectos pontuais, como no caso da dispensa e inexigibilidade.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 137
Gabriela Silva de Melo Pereira e Silvânia da Silva Carvalho

Ademais, a Lei 14.133/21 tampouco diz em quais situações se faculta


ou se incentiva o Sistema de Registro de Preços, fazendo constante uso
do verbo “pode”, nem fornece maiores detalhes das possibilidades de
seu cabimento.
De acordo com o até aqui exposto, já é possível constatar que desde
a edição da referida Medida Provisória o tema, qual seja, uso da ferramenta
de registro de preços para dispensa de licitação, já é controverso. A
novidade da disposição do art. §6º do art. 82 da Lei nº 14.133/2021, aliada
à ausência de detalhamentos sobre o tema gera a problemática que nos
debruçamos no presente artigo: já é possível fazer uso da ferramenta de
registro de preços para contratações diretas?
Considerando que, conforme já exposto, até o presente momento
não houve nenhuma espécie de regulamento disciplinando o uso do
registro de preços nos casos de contratação direta, infere-se, de forma
direta, que ainda não é possível fazer uso da novidade trazida pela nova
legislação. Dessa forma, apesar da Lei já estar em vigor, algumas de suas
disposições não estão aptas ainda para serem postas em prática devido
à ausência de regulamentação delas.
Ao nos debruçarmos sobre os requisitos exigidos no art. 72 da NLLC
para os procedimentos de contratação direta é possível observar que a
instrução exigida ficou mais complexa, exigindo inclusive estudo técnico
preliminar, vejamos:

Art. 72. O processo de contratação direta, que compreende


os casos de inexigibilidade e de dispensa de licitação, deverá
ser instruído com os seguintes documentos:
I - documento de formalização de demanda e, se for o
caso, estudo técnico preliminar, análise de riscos, termo de
referência, projeto básico ou projeto executivo;
II - estimativa de despesa, que deverá ser calculada na forma
estabelecida no art. 23 desta Lei;

138 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Contratação direta via sistema de registro de preço: as inovações trazidas pela lei 14.133/2021

III - parecer jurídico e pareceres técnicos, se for o caso, que


demonstrem o atendimento dos requisitos exigidos;
IV - demonstração da compatibilidade da previsão de recursos
orçamentários com o compromisso a ser assumido;
V - comprovação de que o contratado preenche os requisitos
de habilitação e qualificação mínima necessária;
VI - razão da escolha do contratado;
VII - justificativa de preço;
VIII - autorização da autoridade competente.

Dessa forma, se por um lado a gama de possibilidades e os valores de


dispensa de licitação aumentaram, por outro, na nova Lei os procedimentos
de dispensa exigem instrução bem mais robusta quando comparado à
antiga lei, trazendo uma maior burocracia, mas também uma segurança
jurídica maior ao Gestor. A previsão de não realização de procedimento
licitatório já nasce na Constituição como uma ressalva, devendo ser feita
com muita responsabilidade e envolvimento das áreas.
Nesse sentido, o que deve ter em mente o administrador é que a regra
é a licitação. A dispensa é excepcional. Na dúvida sobre a possibilidade ou
não de contratar diretamente, licita-se. Não custa lembrar que a conduta
de dispensar indevidamente a licitação representa ilícito, sujeito a pena
de reclusão e multa.
A despeito de existir uma vertente, como a Consultoria Zênite3,
que defende que já seria possível fazer uso do sistema de registro de
preços nos casos de aquisição de bens ou prestação de serviços nos
quais os fornecedores ou prestadores sejam exclusivos no mercado ou
ainda nos casos em que sejam verificados todos os pressupostos para
enquadramento da situação fática na hipótese prevista no art. 75º, inciso
III da Lei 14.133/21, não concordamos com tal posição, pois a legislação

3
Disponível em: https://zenite.blog.br/ja-e-possivel-conforme-nova-lei-de-licitacoes-firmar-uma-ata-de-registro-de-precos-por-
-dispensa-ou-inexigibilidade/Acesso em 20 mai.2022.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 139
Gabriela Silva de Melo Pereira e Silvânia da Silva Carvalho

é clara ao exigir regulamentação, bem como não é razoável, tampouco


seguro, abrir exceções para casos e incisos específicos da lei, sem o menor
amparo legal para tanto, fazendo-se necessário e prudente aguardar a
regulamentação de forma geral do tema.
Nessa seara, por todo o exposto, é que consideramos que ainda não
é possível fazer uso da ferramenta de registro de preços para dispensa de
licitação, devido à ausência de regulamentação do tema, que, conforme
exposto, é delicado e temerário e apresenta uma série de nuances que
devem ser devidamente regulamentadas. A utilização do SRP em hipóteses
de contratação direta, notadamente através da dispensa, envolve contornos
diferentes que precisam ser ponderados.
Um ponto que merece atenção e que deve ser debatido é o de
quem definirá como vai ser utilizado o Sistema de Registro de Preços e
seus novos contornos, em especial no âmbito das contratações diretas. A
Lei 14.133/21 não responde nem traz regulamento voltado a este tópico,
omissão essa que vai de encontro com a “política” de padronização de
procedimentos adotada por ela. Mas se a legislação não estabelece os
casos, tampouco regula, a conclusão possível para o presente momento,
inclusive em homenagem à divisão de competências estabelecida por Lei,
é a de que os entes decidirão4. Logo, é preciso aguardar como o tema
será tratado pelos regulamentos dos estados e municípios.

5 CONCLUSÃO

Conforme trabalhado durante o estudo desenvolvido, percebemos,


através das reentrâncias legais, as inovações nos procedimentos técnicos
e metodológicos, logísticos ao que tange os contratos, da Lei 14.133/2021,
que trata das licitações e contratos administrativos. Dentro deste espaço

4
Disponível em: www.conjur.com.br/2021-mai-20/interesse-publico-nacionalização-regras-sistemas-registro-precos. Acesso
em 20 mai.2022.

140 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Contratação direta via sistema de registro de preço: as inovações trazidas pela lei 14.133/2021

de discussão, nos direcionamos as normativas tratativas no que concerne


ao uso do sistema de registro de preços como dispositivos para dispensa,
ou não, dos processos licitatórios.
É de suma importância pontuar que o direcionamento dos
questionamentos e elucidações trazidas foi mais no sentido de esclarecer,
de forma sucinta e norteada em estudos disponíveis, sobre o tema em
questão, haja vista que a matéria carece, por vezes, de material objetivo
sobre os possíveis casos de aplicabilidade. Logo, observamos que a matéria
em questão abre espaço, com a contribuição deste artigo, a discussão
dentro do campo acadêmico e jurídico.
O Estado, como ente federativo, está indissoluvelmente associado
aos processos licitatórios, com face a excluirmos as situações de
impessoalidade da personificação jurídica dele. Logo, como aplicar? Em
que situações? Todas estas indagações foram fontes contundentes de
nossos questionamentos, alimentando sobre o pesquisador e a pesquisa,
um diálogo sobre fatos e situações, com base em dispositivos legais e na
busca das exceções.
De maneira clara, perfazemos um caminho onde o tema trabalhado
abre nuances para outros entendimentos, partindo do pressuposto de que
o SRP é um dispositivo onde as empresas disponibilizam bens e serviços,
registrando-os em atas e deixando disponíveis ao uso dos entes públicos,
a luz do direito administrativo, respeitando os princípios da impessoalidade
e inexigibilidade. Observamos na construção o processo licitatório e o
direito e dever de licitar, as necessidades de especificação de situações
e regulamentação do uso, e não abuso, do SRP.
Acreditamos que o tema é pertinente e que vem a contribuir com
inúmeras desonerações nos processos licitatórios, desobstruindo a
máquina pública e promovendo celeridade nas aquisições ao bem público.
Esperamos que o artigo venha a contribuir com diferentes pesquisas que
podem ser dilatadas do estudo desenvolvido por aqui.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 141
Gabriela Silva de Melo Pereira e Silvânia da Silva Carvalho

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O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 143
Gerson de Sousa Vieira e Marlene de
Sousa Vieira
Gerson de Sousa Vieira e Marlene de Sousa Vieira

PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA


LEI Nº 14.133/2021: AS COMPRAS PÚBLICAS E SUA
RELAÇÃO COM O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO,
SOCIAL E AMBIENTAL

Gerson de Sousa Vieira1


Marlene de Sousa Vieira2

RESUMO
O presente artigo tem por objetivo analisar como a administração pública considerando a Nova Lei
de Licitações e Contratos deve contribuir com o desenvolvimento econômico, social e ambiental,
utilizando em suas compras o princípio do desenvolvimento nacional sustentável. A nova lei de
licitações e contratos traz em seu bojo desafios a serem perpassados por toda a administração
pública, com princípios mais abrangentes e necessários de regulação. O método utilizado para
a pesquisa foi do tipo exploratória, de natureza qualitativa, tendo por base a nova lei, em seus
aspectos mais relevantes sobre as compras públicas sustentáveis, sua eficácia, seus meios
operacionais e logísticos.Verificou-se que a administração publica como principal compradora
do País, movimenta muitos recursos financeiros em contratações de bens e serviços, portanto,
principal fomentadora para implementar cultura de compras sustentáveis junto aos fornecedores,
de forma a adaptá-los e incentivá-los a dispor de atividades comerciais observando as exigências
ambientais vigentes para elevar o índice de compras e exigir no que for possível a prática
sustentabilidade, responsabilizando o poder publico em legitimar nas suas compras critérios de
sustentabilidade na sua tríplice dimensão: social, econômica e ambiental.
Palavras-chave: sustentabilidade, compras sustentáveis, licitação.

ABSTRACT
This article aims to analyze how the public administration considering the New Bidding and Contracts
Law should contribute to economic, social and environmental development, using the principle of
sustainable national development in its purchases. The new bidding and contracts law brings with
it challenges to be overcome by the entire public administration, with more comprehensive and
necessary regulation principles. The method used for the research was of an exploratory type,
of a qualitative nature, based on the new law, in its most relevant aspects on sustainable public
procurement, its effectiveness, its operational and logistical means. main buyer in the country,
moves a lot of financial resources in contracting goods and services, therefore, the main promoter
to implement a culture of sustainable purchases with suppliers, in order to adapt and encourage
them to have commercial activities observing the current environmental requirements to raise the
rate of purchases and demand sustainability as much as possible, making the public authorities
responsible for legitimizing sustainability criteria in their triple dimension: social, economic and
environmental in their purchases.
Keywords: sustainability, sustainable purchasing, bidding.

1
Gerson de Sousa Vieira. Administrador. gersonpro@hotmail.com
2
Marlene de Sousa Vieira. Administradora, Servidora pública estadual. marlenesvieira64@gmail.com

144 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Princípio do desenvolvimento sustentável na Lei nº 14.133/2021: as compras públicas e sua relação com o desenvolvimento
econômico, social e ambiental

1 INTRODUÇÃO

A Lei 12.349, de 2010, incluiu no art. 3º da Lei 8.666/1993, a promoção


do desenvolvimento nacional sustentável como um dos objetivos das
licitações públicas e a nova Lei 14.133/2021, estabelece-o como princípio
e dá mais atenção em vários trechos da referida lei, tratando o assunto
com mais acuidade, especificamente com o ciclo de vida dos produtos.
A Organização das Nações Unidas (ONU), conceitua sustentabilidade
como: “A capacidade de suprir as necessidades do presente sem
comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas
próprias necessidades”, trata-se de não exaurir os recursos disponíveis
na natureza.
De acordo com informações demonstradas no site do Portal de
Compras do Governo Federal, já foram homologados cerca de R$77
bilhões de reais em compras, isso representa cerca de 15% do produto
interno bruto (PIB), dessa forma essas contratações tornam o poder
público com enorme interferência no mercado. Essas contratações não
devem só envolver o aspecto econômico, mas também questões sociais,
ambientais e de políticas públicas, nesse contexto torna-se cada vez mais
relevante a atuação do poder público proativa e eficazmente em favor de
contratações sustentáveis.
Nessa perspectiva, surge a seguinte questão norteadora desta
pesquisa: Como a administração pública considerando a Nova Lei de
Licitações e Contratos pode contribuir com o desenvolvimento econômico,
social e ambiental, utilizando o princípio do desenvolvimento nacional
sustentável em suas compras?
Visando responder esse questionamento, tem-se como objetivo
geral: Analisar como a administração pública considerando a Nova Lei de
Licitações e Contratos pode contribuir com o desenvolvimento econômico,
social e ambiental, utilizando o princípio do desenvolvimento nacional

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 145
Gerson de Sousa Vieira e Marlene de Sousa Vieira

sustentável em suas compras. Buscando atingir esse objetivo, pretende-se


identificar os requisitos de sustentabilidade possíveis de serem utilizados
nas compras públicas; verificar a possibilidade de estabelecer compromisso
sustentável entre os produtos e o bem-estar social e compreender critérios
de sustentabilidade como requisitos necessários para identificar produtos
e serviços sustentáveis nas compras públicas.
Diante dos objetivos propostos, será utilizado neste estudo a pesquisa
do tipo exploratória, de natureza qualitativa, tendo como base a Lei
14.133/2021, em seus aspectos mais relevantes sobre as compras públicas
sustentáveis, sua eficácia, os meios operacionais e logísticos utilizados.
Quanto aos procedimentos técnicos, será por meio de pesquisa
bibliográfica, que permite ao pesquisador entrar em contato direto com o que
foi escrito sobre determinado assunto, o que possibilita o reconhecimento
dos aspectos importantes que cercam o tema, propiciando o exame de
um tema sob novo enfoque ou abordagem, chegando a uma conclusão
inovadora (Marconi; Lakatos 2010).
Esse estudo está estruturado em três capítulos, o primeiro capítulo
discorre sobre os conceitos de sustentabilidade e compras públicas
considerando os aspectos social, econômico e ambiental; o segundo
capítulo trata especificamente de Planejamento de Licitações Sustentáveis,
importante ferramenta de gestão para avaliar os espaços possíveis em que
se pode utilizar requisitos de sustentabilidade nas compras e contratações
de bens e serviços; e por fim, o terceiro capítulo descrevendo os critérios
de sustentabilidade que devem ser utilizados nos instrumentos normativos,
ainda na fase preparatória da licitação, de acordo com as vertentes,
econômica, social e ambiental.
Através desse estudo espera-se provar ou refutar a seguinte hipótese:
a administração pública utilizando o princípio do desenvolvimento nacional
sustentável em suas compras, pode contribuir para o desenvolvimento

146 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Princípio do desenvolvimento sustentável na Lei nº 14.133/2021: as compras públicas e sua relação com o desenvolvimento
econômico, social e ambiental

econômico, social e ambiental, como proposto na Nova Lei de Licitações


e Contratos.
Justifica-se a pesquisa pela possibilidade de identificar os requisitos
de compras sustentáveis, aplicando o princípio do desenvolvimento nacional
sustentável da Nova Lei de Licitações e Contratos, sua aplicabilidade e
importância para o desenvolvimento econômico, social e ambiental, bem
como contribuir com a divulgação de requisitos necessários para a realização
de licitações que contribuam com o desenvolvimento econômico sustentável.

2 DIMENSÃO CONCEITUAL DE SUSTENTABILIDADE NAS COMPRAS


PÚBLICAS

2.1 Definindo sustentabilidade

Deve-se considerar sustentabilidade, não como um princípio


constitucional que cuida apenas da conservação e da preservação do meio
ambiente, mas também sob os aspectos social, econômico e ambiental,
dentre outros.
O conceito de desenvolvimento sustentável deve ser assimilado
pelas lideranças de uma empresa como uma nova forma de produzir sem
degradar o meio ambiente, estendendo essa cultura a todos os níveis da
organização, para que seja formalizado um processo de identificação do
impacto da produção da empresa no meio ambiente e resulte na execução
de um projeto que alie produção e preservação ambiental, com uso de
tecnologia adaptada a esse preceito.
A Organização das Nações Unidas (ONU) nos apresenta o seguinte
conceito de sustentabilidade:

[...] procura satisfazer as necessidades da geração atual,


sem comprometer a capacidade das gerações futuras
de satisfazerem as suas próprias necessidades, significa
possibilitar que as pessoas, agora e no futuro, atinjam um

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 147
Gerson de Sousa Vieira e Marlene de Sousa Vieira

nível satisfatório de desenvolvimento social e econômico e


de realização humana e cultural, fazendo, ao mesmo tempo,
um uso razoável dos recursos da terra e preservando as
espécies e os habitats naturais (ONU, 1987).

Assim, sustentabilidade tem mesmo a ver com a capacidade de


preservação do meio ambiente, garantindo a disponibilidade de recursos
para as gerações futuras e não exaurir os recursos disponíveis na natureza.
Contudo, não se pode deixar de lado a questão social, que se refere
às ações destinadas à melhoria da qualidade de vida da sociedade que
ocupa esse meio ambiente, ações estas, que proporcionem a todos,
segurança no trabalho e geração de renda, que combatam o trabalho
infantil e que busquem o desenvolvimento regional são alguns exemplos do
que deve ser entendido como sustentabilidade social (TCU, ENAP, 2022).
Sob o ponto de vista econômico, uma série de medidas podem
ser adotadas, como: apoio a pequenas empresas, agricultura familiar,
compensação ambiental, utilização de fontes alternativas de energia,
dentre outras.

2.2 Compras públicas sustentáveis

De acordo com informações demonstradas no site do Portal de


Compras do Governo Federal, já foram homologados cerca de R$77
bilhões de reais em compras, isso representa cerca de 15% do produto
interno bruto (PIB), dessa forma essas contratações tornam o poder
público com enorme interferência no mercado. Essas contratações não
devem só envolver o aspecto econômico, mas também questões sociais,
ambientais e de políticas públicas, nesse contexto torna-se cada vez mais
relevante a atuação do poder público proativa e eficazmente em favor de
contratações sustentáveis.
A Lei 12.349, de 2010, incluiu no art. 3º da Lei 8.666/1993, a promoção
do desenvolvimento nacional sustentável como um dos objetivos das

148 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Princípio do desenvolvimento sustentável na Lei nº 14.133/2021: as compras públicas e sua relação com o desenvolvimento
econômico, social e ambiental

licitações públicas. Com esse dispositivo, a Lei passou a exigir que os


gestores públicos enfrentem a questão da sustentabilidade em seus três
aspectos: ambiental, social e econômico.
Por intermédio do Acórdão 1.056/2017-P, o TCU fez uma série de
determinações a vários órgãos da Administração Pública no sentido de
que fosse cumprida a disposição consignada no art. 3º da Lei 8.666/1993.
A partir daí, várias providências foram e estão sendo adotadas, com vistas
ao efetivo cumprimento das normas relacionadas à sustentabilidade nas
licitações públicas.
A recente Lei 14.133/2021, que irá substituir a atual Lei 8.666/1993,
trata do assunto sustentabilidade com mais atenção. Alguns trechos
da nova lei cuidam de questões relacionadas com a sustentabilidade,
especificamente com o ciclo de vida dos produtos.
As compras públicas sustentáveis, que, em alguns momentos,
chegaram a ser consideradas como algo muito caro e de difícil realização,
passam a ser, de fato, uma obrigação do gestor público, estes devem ficar
atentos a questões referentes ao planejamento das compras públicas, à
gestão dos riscos envolvidos nos processos de compras, especialmente
à profissionalização dos responsáveis pela execução das atividades de
aquisição de bens e serviços, e às questões da sustentabilidade, nos
aspectos social, econômico e ambiental.
A nova lei de licitações e contratos nº 14.133 de primeiro de abril de
2021, trata o tema sustentabilidade como princípio em seu artigo 5º e como
objetivo no artigo 11 e inciso IV - “incentivar a inovação e o desenvolvimento
nacional sustentável”, significando que em toda licitação e contratação
pública esse princípio deve ser observado, portanto, requer na prática, que
todo gestor público deverá verificar a possibilidade de veicular requisitos
de sustentabilidade nas suas contratações.
Partindo desse princípio, entende-se que não é facultado ao gestor
publico optar por adotar critérios de sustentabilidade em suas compras,

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 149
Gerson de Sousa Vieira e Marlene de Sousa Vieira

nesse caso ele tem o dever de adotá-los, caso contrário deve ser justificado
o afastamento destes, em detrimento de algum elemento de economicidade
ou de ordem de outros princípios desta mesma lei, porque geralmente, trata-
se de princípio e objetivo expressamente previstos na lei.
Portanto, esses critérios devem ser observados pelos gestores de
contratação, quando da elaboração do planejamento das contratações,
dos termos de referência, projetos básicos, estudos técnicos preliminares,
documentos de oficialização da demanda, dentre outros dispositivos
que subsidiem as contratações e licitações, caso contrário deve ser
justificado nos processos de contratações a não adoção dos critérios de
sustentabilidade.

3 PLANEJAMENTO DE LICITAÇÕES SUSTENTÁVEIS

Nem todo órgão público adota em sua programação o Planejamento


de Licitações Sustentáveis – PLS, importante ferramenta de planejamento
que permite estabelecer práticas de sustentabilidade e racionalização de
gastos, esse instrumento foi instituído pelo Decreto 7.746/2012 (art. 16),
e regulamentado pela IN 10/2012 do Ministério do Planejamento, onde
estabelece regras para sua elaboração, que deve ter como responsáveis
pela sua formulação os dirigentes dos órgãos da alta administração pública,
participando de sua implantação e de sua gestão, para que as licitações
sustentáveis sejam exitosas (TCU, ENAP, 2012) .
Na lei 14.133/2021, o planejamento é previsto como princípio em
seu artigo 5º, sendo tratado de forma detalhada na Seção IV – Disposições
Setoriais, Subseção I – Das Compras, a partir do artigo 40.

Esses dispositivos determinam basicamente que o planejamento


deve considerar a expectativa de consumo anual e observar o
seguinte: I - condições de aquisição e pagamento semelhantes
às do setor privado; II - processamento por meio de sistema
de registro de preços, quando pertinente; ... IV - condições

150 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Princípio do desenvolvimento sustentável na Lei nº 14.133/2021: as compras públicas e sua relação com o desenvolvimento
econômico, social e ambiental

de guarda e armazenamento que evitem a deterioração do


material; V – Atendimento aos princípios: a) da padronização,
considerada a compatibilidade de especificações estéticas,
técnicas ou de desempenho; b) do parcelamento, quando
for tecnicamente viável e economicamente vantajoso; c) da
responsabilidade fiscal, mediante a comparação da despesa
estimada com a prevista no orçamento.

Notadamente, o planejamento torna-se ferramenta de gestão


importante para o sucesso dos processos licitatórios, que nesse viés, pode
inserir em suas compras os aspectos necessários para o desenvolvimento
nacional sustentável, promovendo e realçando as boas práticas nas
licitações sustentáveis, enfatizando o requisito econômico, afim de aguçar
comportamentos de consumo que possam incluir critérios de sustentabilidade
nas aquisições de bens e serviços na administração pública.
Durante o processo de planejamento de compras públicas, devem
ser inseridos todos os detalhes com os requisitos necessários e absolutos à
escolha da melhor solução a pressupor práticas e juízos de sustentabilidade.
Diante do contexto geral, um processo licitatório pode definir diretrizes
e estabelecer compromissos aos participantes licitantes a se embasarem
no princípio da sustentabilidade, seguindo os seus pilares social, econômico
e ambiental. Onde no aspecto ambiental, seja inserida a estabilidade
de seus produtos e de seus componentes e atribuições legais dos seus
ecossistemas, a constância no equilíbrio de seus recursos, conservando
os sistemas ambientais e seus movimentos e acontecimentos naturais. A
sustentabilidade econômica-financeira estabelece ações continuadas na
área econômica e administrativa que norteiam sua evolução econômica
na produção, custos e benefícios. No aspecto social deve promover o
desenvolvimento humano, social e inclusivo.
O planejamento antever essas condições, seus aspectos e critérios
a serem inseridos no processo licitatório de compras, aplicando os
princípios já citados.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 151
Gerson de Sousa Vieira e Marlene de Sousa Vieira

Outro aspecto do processo de planejamento da contratação destina-


se a viabilizar a seleção da alternativa de contratação mais vantajosa
para a Administração, em subordinação aos princípios de motivação,
isonomia, legalidade, impessoalidade, moralidade, igualdade, publicidade,
eficiência, probidade administrativa, vinculação ao instrumento convocatório,
julgamento objetivo, e às diretrizes de ampliação da competitividade e
garantia do atendimento do interesse público, da finalidade e da segurança
da contratação. Trata-se de como contratar. Assim, os dispêndios realizados
pela Administração jamais podem ocorrer ao alvedrio da legislação, e o
interesse público deve, sempre, ser observado nesse processo (TCU,
ENAP, 2012).
Destarte, comprar bens e serviços sustentáveis é muito importante,
pois isso protege o meio ambiente e garante a disponibilidade de recursos
naturais para as gerações futuras. Porém, o mais importante ainda é adquirir
produtos e serviços realmente necessários. A melhor forma de proteção ao
meio ambiente é o consumo mínimo possível de seus recursos.

4 REQUISITOS IDENTIIFICADORES DE PRODUTOS E SERVIÇOS


SUSTENTÁVEIS NAS COMPRAS PÚBLICAS

Com a edição da Lei 14.133/2021, ficou clara a importância dada


à questão da sustentabilidade. O desenvolvimento nacional sustentável
passou a ser um princípio em seu art. 5º, e, ao longo de todo o seu texto,
a nova lei apresenta vários dispositivos, são ao todo 23, tutelando o meio
ambiente e buscando o desenvolvimento nacional sustentável.
Um dos grandes desafios da normatização licitatória é utilizar as
licitações para fomentar o desenvolvimento nacional sustentável, sem
criar privilégios prejudiciais a outros principio, como competitividade,
economicidade e eficiência (TORRES, 2022, p.97).
Segundo Oliveira e Santos (apud ADJEI, 2010), as organizações
públicas podem usar de seu poder de compra para assinalar ao mercado,

152 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Princípio do desenvolvimento sustentável na Lei nº 14.133/2021: as compras públicas e sua relação com o desenvolvimento
econômico, social e ambiental

que os critérios de sustentabilidade beneficiaria entre outros: (a). redução


de impactos ambientais adversos decorrente de contratos públicos; (b).
utilização mais eficiente dos recursos públicos; (c). Estímulo aos mercados
locais e globais à inovação de produtos e serviços sustentáveis para
compradores, sejam públicos e/ou privados; (d). melhorar o comportamento
ético dos fornecedores/empreiteiros, especialmente, do público em geral;
(e). melhorar as condições de trabalho, saúde e segurança e as condições
dos grupos desfavorecidos no País que aplica a compra pública sustentável.
Argumenta Finger (2013), que as licitações e contratações públicas
devem incorporar definitivamente na seleção de propostas, critérios de
sustentabilidade para ponderar os custos diretos e indiretos, bem como
os benefícios sociais, ambientais e econômicos.
Depreende-se que o Poder Público, com seu elevado poder de
compra, deve influenciar positivamente no processo de produção, na
utilização de bens e serviços, para que sejam ambiental e socialmente
sustentáveis, nesse caso, as licitações assumem importância na defesa e
preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado e sustentável.
A maior dificuldade em elaborar um edital que adote os critérios de
sustentabilidade e a escolha da melhor proposta é o arbitramento de notas
e pesos que serão imputados ao preço e técnica oferecidos, ainda que,
a utilização de qualquer critério, por mais sofisticado que seja, sempre
contará com uma razoável dose de subjetivismo, denotando, crítica,
insatisfações, incompreensões e reclamos por parte dos concorrentes,
principalmente daqueles que, por força dessa mensuração, não lograrem
exito na licitação (BITTENCOURT, 2022 apud GALARDA, 1998),
Contudo, a Lei 14.133/2021 trata da margem de preferência no art. 26:

Art. 26. No processo de licitação, poderá ser estabelecida


margem de preferência para:
I - bens manufaturados e serviços nacionais que atendam a
normas técnicas brasileiras;

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 153
Gerson de Sousa Vieira e Marlene de Sousa Vieira

II - bens reciclados, recicláveis ou biodegradáveis, conforme


regulamento.
§ 1º A margem de preferência de que trata o caput deste artigo:
I - será definida em decisão fundamentada do Poder Executivo
federal, no caso do inciso I do caput deste artigo;
II - poderá ser de até 10% (dez por cento) sobre o preço
dos bens e serviços que não se enquadrem no disposto nos
incisos I ou II do caput deste artigo;
III - poderá ser estendida a bens manufaturados e serviços
originários de Estados Partes do Mercado Comum do Sul
(Mercosul), desde que haja reciprocidade com o País prevista
em acordo internacional aprovado pelo Congresso Nacional
e ratificado pelo Presidente da República.
§ 2º Para os bens manufaturados nacionais e serviços nacionais
resultantes de desenvolvimento e inovação tecnológica no
País, definidos conforme regulamento do Poder Executivo
federal, a margem de preferência a que se refere o caput
deste artigo poderá ser de até 20% (vinte por cento).
§ 3º (VETADO).
§ 4º (VETADO).
§ 5º A margem de preferência não se aplica aos bens
manufaturados nacionais e aos serviços nacionais se a
capacidade de produção desses bens ou de prestação desses
serviços no País for inferior:
I - à quantidade a ser adquirida ou contratada; ou
II - aos quantitativos fixados em razão do parcelamento do
objeto, quando for o caso.

Como em outros pontos, a utilização da margem de preferência


exige uma regulamentação que deixe essa questão mais clara e permita
ao administrador a sua aplicabilidade.
O assunto acessibilidade não foi tratado com benemerência na Lei
8.666/1993, quanto à Lei 14.133/2021, esta dispõe no seu art. 45, inciso
VI, que as licitações de obras e serviços de engenharia devem respeitar,

154 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Princípio do desenvolvimento sustentável na Lei nº 14.133/2021: as compras públicas e sua relação com o desenvolvimento
econômico, social e ambiental

especialmente, as normas relativas à acessibilidade para as pessoas


com deficiência ou mobilidade reduzida. Além disso, os anteprojetos de
obras e edificações públicas devem conter parâmetros de adequação ao
interesse público, de economia na utilização, de facilidade na execução,
de impacto ambiental e de acessibilidade (art. 6º, XXIV, letra e).
Trata-se de uma medida importante e de forte caráter social, que
busca a inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho e
tratamento justo.

5 CONCLUSÕES

Verificou-se que, o termo desenvolvimento nacional sustentável está


definido como aquele que atenda às necessidades das gerações presentes
sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprirem suas
próprias necessidades. Atualmente, essa ideia é dividida em três principais
pilares: social, econômico e ambiental. Para se desenvolver um ambiente
de forma sustentável, as políticas de desenvolvimento sustentável do
governo deverão atuar de forma que esses pilares coexistam e interajam
entre si de forma plenamente harmoniosa.
Analisou-se que o Planejamento de Licitações Sustentáveis,
como ferramenta de gestão, deve ser baseado em ações pontuais e
não simplesmente compensatórias, adequando-se aos instrumentos
de planejamento, acompanhamento e avaliação de resultados, pois o
desenvolvimento qualificado como sustentável, deverá vislumbrar o
desenvolvimento material, tecnológico, baseado na ética social, ambiental
e econômica, sem comprometer a existência saudável das presentes e
futuras gerações.
Não se pode vislumbrar de maneira previsível qualitativa, quantitativa
e eficiente os resultados de compras sustentáveis, vez que não há
dados que comprovem tais ações, contudo, a administração publica é a

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 155
Gerson de Sousa Vieira e Marlene de Sousa Vieira

principal compradora do País e movimenta mais recursos nas aquisições


e contratações de bens e serviços, e portanto, caberá à administração
pública fomentar a cultura de compras sustentáveis junto aos fornecedores,
de forma a adaptá-los e incentivá-los a dispor de atividades comerciais
observando as exigências ambientais vigentes para elevar o índice de
compras e exigir no que for possível a prática de sustentabilidade.
Observou-se que, o poder público tem a capacidade de interferir
no mercado, tanto pelo seu significativo poder de compra quanto pela
prerrogativa de regulamentar as relações comerciais, podendo orientar
os diversos fornecedores observarem determinados padrões a serem
utilizados, para que se tenha cada vez mais a produção e o consumo de
bens e serviços de acordo os requisitos de sustentabilidade em suas três
vertentes, econômica, social e ambiental.
Nosso posicionamento coaduna com a hipótese levantada, ou
seja, a administração pública utilizando o princípio do desenvolvimento
nacional sustentável em suas compras, poderá sobremaneira contribuir
para o desenvolvimento econômico, social e ambiental, como proposto
na Nova Lei de Licitações e Contratos.
No entanto, cabe ao poder público legitimar nas suas compras critérios
de sustentabilidade na sua tríplice dimensão: social, econômica e ambiental,
a permitir o mercado ajustar-se à nova realidade de sustentabilidade,
permitindo que as instituições públicas assumam o papel de orientação
e liderança.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto 7.746, de 5 de junho de 2012. Estabelece critérios,


práticas e diretrizes para o desenvolvimento nacional sustentável nas
contratações públicas federais.

156 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Princípio do desenvolvimento sustentável na Lei nº 14.133/2021: as compras públicas e sua relação com o desenvolvimento
econômico, social e ambiental

______. Lei Nº 8.666, de 21 de junho de 1993. estabelece normas


gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras,
serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações
no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios.

______. Lei 12.349, de 15 de dezembro de 2010. Altera as Leis nos


8.666, de 21 de junho de 1993, 8.958, de 20 de dezembro de 1994, e
10.973, de 2 de dezembro de 2004; e revoga o § 1o do art. 2o da Lei
no 11.273, de 6 de fevereiro de 2006.

______. Lei 14.133, de 1º de abril de 2021. Estabelece normas gerais


de licitação e contratação para as Administrações Públicas diretas,
autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios.

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https://www.gov.br/compras/pt-br/acesso-a-informacao/legislacao/
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Gerson de Sousa Vieira e Marlene de Sousa Vieira

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158 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Liviane Maria Carvalho Mendes e
Idelfonso Barbosa Atenas

Aaplicabilidadedagovernançanoscontratosdaadministraçãopúblicasobaperspectivadanovaleidelicitaçõesecontratos(leinº14.133/2021)

A APLICABILIDADE DA GOVERNANÇA NOS


CONTRATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SOB
A PERSPECTIVA DA NOVA LEI DE LICITAÇÕES E
CONTRATOS (LEI Nº 14.133/2021)

Liviane Maria Carvalho Mendes1


Idelfonso Barbosa Atenas2

RESUMO
O presente artigo objetiva estudar como o instituto da Governança trouxe avanços para a
Administração Pública, especificamente nos contratos administrativos. Ante as mudanças
promovidas pela Nova Lei de Licitações e Contratos (Lei nº 14.133/2021), o procedimento licitatório
da Administração Pública realmente incorporou os princípios de uma boa Governança Pública
no tocante à elaboração dos contratos administrativos? Trata-se de uma pesquisa bibliográfica,
descritiva e exploratória, será realizada uma revisão sistemática de artigos de periódicos e
material disponibilizado nos bancos de dados eletrônicos. O objeto de estudo surgiu diante da
necessidade da alta administração dos órgãos da Administração Pública em conhecer o grau de
relevância do fortalecimento da prática de Governança, tendo em vista que o seu desempenho
impactará diretamente em boas ou más práticas na execução contratual e, consequentemente,
na entrega dos bens e/ou serviços contratados. Os resultados percebidos neste artigo não são
definitivos e buscam subsidiar futuros trabalhos com a mesma temática, visto que se trata de um
tema alinhado com as mudanças sociais e que ainda está sendo implantado, não sendo possível
prever todos os impactos da Governança nos contratos administrativos a ser celebrados. Desta
pesquisa infere-se que a nova lei traz diversos procedimentos cabíveis a tornar mais eficaz e
eficiente o processo licitatório no país à luz das boas práticas de Governança pública.
Palavras-chave: Governança, Administração Pública, Nova Lei de Licitações, contratos
administrativos.

ABSTRACT
This article aims to study how the Governance Institute has brought practical advances to Public
Administration, specifically in administrative contracts. In the face of the changes promoted by
the New Bidding Law and Contracts (Law 14.133/2021), did the Public Administration’s bidding
procedure incorporate the principles of good Public Governance regarding the elaboration of
administrative contracts? This is a bibliographical, descriptive, and exploratory research, and
a systematic review of journal articles and materials available in electronic databases will be
conducted. The study object arose from the need for senior management of Public Administration
bodies to know the degree of relevance of strengthening the practice of governance, considering
that its performance will directly impact good or bad practices in contractual execution, and

1
Advogada, pós-graduanda em Licitações e Contratos com ênfase na Lei 14.133/2021 e habilitação em Pregoeiro pela ESA-PI,
e-mail: livianemcmendes@gmail.com
2
Professor, pós-graduando em Licitações e Contratos com ênfase na Lei 14.133/2021 e habilitação em Pregoeiro pela ESA-PI,
e-mail: idelfonsobarbosaatenas@gmail.com

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 159
Liviane Maria Carvalho Mendes e Idelfonso Barbosa Atenas

consequently, in the delivery of goods and/or contracted services. The results perceived in this
article are not definitive and seek to subsidize future works with the same theme, since it is a
theme aligned with social changes, which is still being implemented, and it is not possible to
predict all the impacts of Governance in the administrative contracts to be celebrated. From this
research, it is inferred that the new law brings several appropriate procedures to make the bidding
process more effective and efficient in the country in the light of good public governance practices.
Keywords: Governance, Public Administration, New Bidding Law, administrative contracts.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo objetiva analisar como a incorporação do instituto


da Governança trouxe avanços práticos para a Administração Pública,
especificamente nos contratos administrativos, conforme os preceitos da
Nova Lei de Licitações e Contratos (Lei nº 14.133/2021).
Verificar-se-á se as mudanças realmente foram inovadoras,
pretendendo responder à seguinte problemática: o procedimento licitatório
da Administração Pública tem incorporado os princípios de uma boa
Governança no tocante à elaboração dos contratos administrativos?
Para responder ao questionamento suscitado e alcançar o objetivo
proposto, estrutura-se a pesquisa em três capítulos, além da introdução.
O primeiro capítulo tem como enfoque a conceituação do que é contrato
administrativo e o fato dele ser regido por normas de direito público, levando
à discussão do conceito de interesse público, apresentando seu conceito
majoritariamente aceito de supremacia e o atual pensamento mitigatório
já encontrado na literatura, quando esse interesse público confronta-se
com direitos fundamentais individuais. O segundo capítulo discorre sobre
o conceito de Governança, sua função e princípios norteadores, além de
fazer a distinção entre Governança e gestão. Após, o terceiro capítulo
versa sobre a finalidade da Governança no novo regramento licitatório,
apontando as alterações que trouxe para os contratos da Administração
Pública, explicitando os seus propósitos, dentre eles que interesses públicos
e privados não entrem em contradição, mas em conexão.

160 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A aplicabilidade da governança nos contratos da administração pública sob a perspectiva da nova lei de licitações e contratos
(Lei nº 14.133/2021)

A Governança busca a melhoria na entrega dos resultados aos


administrados, removendo controles desnecessários, visando sempre a
eficiência nos serviços. A nova lei tende a elevar a segurança jurídica e
a previsibilidade dos contratos administrativos, da mesma forma que, ao
absorver os princípios da Governança, busca promover facilidades no
acesso às contratações públicas.
Nesse sentido, a legislação é inovadora, daí se extrai a relevância do
tema, vez que a Nova Lei de Licitações e Contratos (Lei nº. 14.133/2021),
publicada em 01 de abril de 2021, será a única vigente a partir de
abril de 2023.
A pesquisa será bibliográfica, descritiva e exploratória. Descritiva
porque traz conceitos a respeito do assunto, com indicação de dados da
doutrina e da legislação em vigor, e exploratória pois alcança modelos
interpretativos úteis para o tema em questão.
Para obter a finalidade desejada realiza-se uma revisão sistemática,
com o material utilizado sendo constituído, principalmente, de artigos de
periódicos e material disponibilizado nos bancos de dados eletrônicos.

2 APROXIMAÇÕES CONCEITUAIS SOBRE CONTRATOS


ADMINISTRATIVOS E INTERESSE PÚBLICO

Os contratos administrativos são espécie do gênero contratos


da Administração e consistem numa relação negocial de vontades
existentes entre a Administração Pública e terceiros que lhe prestem
determinado serviço ou forneçam algum produto, influenciado por normas
de direito público.
Por ser regulado pelos preceitos específicos do direito público inexiste
igualdade entre as partes, tendo a Administração Pública privilégios legais
sobre o particular, fazendo prevalecer o interesse público em detrimento
dos interesses privados. Nas palavras de Carvalho Filho (2015, p. 177):

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 161
Liviane Maria Carvalho Mendes e Idelfonso Barbosa Atenas

Sendo contratos típicos da Administração, sofrem a incidência


de normas especiais de direito público, só se lhes aplicando
supletivamente as normas de direito privado, como está
expresso na lei. Em última análise, é o regime jurídico que
marca a diferença entre os contratos administrativos e os
contratos privados da Administração. Nesse ponto, é de
toda a conveniência observar que nem o aspecto subjetivo
nem o objetivo servem como elemento diferencial. Significa
que só o fato de ser o Estado sujeito na relação contratual
não serve, isoladamente, para caracterizar o contrato como
administrativo. O mesmo se diga quanto ao objeto: é que não
só os contratos administrativos, como também os contratos
privados da Administração, hão de ter, fatalmente, um objetivo
que traduza interesse público. Assim, tais elementos têm que
ser sempre conjugados com o regime jurídico, este sim o
elemento marcante e diferencial dos contratos administrativos.

A Administração atua de forma concreta em prol do interesse


da coletividade. Por conta disso, o contrato administrativo é dotado de
vantagens, quando em comparação com contratos privados, a exemplo
das cláusulas exorbitantes, pelas quais a Administração se coloca em
posição de favorecimento frente ao particular, conforme a supremacia do
interesse público.
O entendimento sobre interesse público vem passando por mudanças
significativas, pois passa-se a enxergar que não existe apenas um interesse
público numa dimensão coesa, passando a figurar a partir da satisfação do
bem comum de toda a coletividade alinhada à concretização dos direitos
fundamentais. Trata-se de um tema complexo e amplo, que esse estudo
não se propõe a discutir, apenas realiza um breve apanhado.
O art. 37, da Constituição Federal de 1988, dispõe sobre a organização
da Administração Pública, trazendo como princípios intrínsecos à sua
atuação a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a
eficiência. A atuação administrativa é primordial para a efetividade desses
princípios e para a proteção dos direitos fundamentais.

162 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A aplicabilidade da governança nos contratos da administração pública sob a perspectiva da nova lei de licitações e contratos
(Lei nº 14.133/2021)

O poder da Administração atrela-se à noção de governo e de direito


público, sistematizando as demandas existentes entre a Administração
Pública e seus indivíduos. Prevalece ainda a primazia da necessidade
administrativa em detrimento da tutela de alguns direitos fundamentais,
individuais e coletivos, por vezes atuando o poder público arbitrariamente.
Necessária a busca de um equilíbrio na resolução dos conflitos
existentes entre os interesses da Administração Pública e os interesses
particulares. Deverá ser observado o princípio da proporcionalidade,
evitando a restrição demasiada de um princípio em face de outro a fim
de garantir o bem-estar da coletividade.
Uma solução possível a essa questão é a maior promoção da
participação dos administrados na atuação da Administração Pública. O
texto constitucional brasileiro em seus arts. 5; 10; 37;198; 204 e 216, já
vislumbrara a garantia do direito de participação dos particulares junto a
atuação administrativa.
Em síntese, a supremacia do interesse público sobre o particular,
passa a ser visualizada sob um novo prisma quando em confronto com
direitos fundamentais individuais. Decerto que ainda se pressupõe o antigo
ideal de que o interesse público é supremo, afinal sua aplicação garante
a proteção dos direitos inerentes aos cidadãos.
Muitas serão as definições encontradas para o contrato administrativo
na doutrina. Podemos defini-lo como “o ajuste firmado entre a Administração
Pública e um particular, regulado basicamente pelo direito público, e tendo
por objeto uma atividade que, de alguma forma, traduza interesse público.”
(CARVALHO FILHO, 2015, p. 177).
O art. 89 da Lei nº 14.133/2021 dispõe que os contratos por ela
regidos regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito
público, e a eles serão aplicados, supletivamente, os princípios da teoria
geral dos contratos e as disposições de direito privado.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 163
Liviane Maria Carvalho Mendes e Idelfonso Barbosa Atenas

Desta feita, o contrato administrativo lida com interesses públicos e


com um rol alargado de direitos fundamentais, liberdades econômicas e
princípios gerais, conduzido por mandamentos legais e regulamentares.

3 APROXIMAÇÕES CONCEITUAIS SOBRE GOVERNANÇA

A Governança, na seara administrativa, é vista como um conjunto


de ações tomadas por determinado órgão público para gerir com eficiência
as suas contratações e recursos. Conforme Cardoso (2021, p.25):

A governança é composta pela alta administração, que tem


uma visão macro da organização, sendo capaz de direcionar,
avaliar e monitorar – como vimos no conceito apresentado – a
efetiva execução de ações e políticas públicas na instância de
gestão, aqui considerados como os níveis tático e operacional
dos órgãos e entidades. A materialização destas últimas –
ações e políticas – dá-se por intermédio de processos de
trabalho finalísticos, aqui compreendidos como uma sequência
de atividades que visam a entregar serviços e outros benefícios
aos cidadãos-clientes. Tais processos, executados pela
gestão, para serem eficientes, eficazes e efetivos, precisam
de direcionamento, além de um acompanhamento constante
quanto ao seu desempenho, papéis estes da governança.
Enquanto a instância de governança colhe o interesse
do cidadão e entrega estratégia e diretrizes para que as
estruturas de gestão possam persegui-lo, esta última devolve
o citado accountability consubstanciado, como já vimos, na
responsabilidade de prestação de contas e de agir conforme
padrões de conformidade e integridade.

O instituto foi criado para melhorar o desempenho organizacional,


alinhando ações em busca de maior segurança, aumentando a capacidade
de entrega de resultados, reduzindo custos de funcionamento e melhorando
o gerenciamento dos riscos nos serviços destinados à sociedade.
Aduz o art. 11, parágrafo único, da Lei nº. 14.133/2021:

164 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A aplicabilidade da governança nos contratos da administração pública sob a perspectiva da nova lei de licitações e contratos
(Lei nº 14.133/2021)

A alta administração do órgão ou entidade é responsável pela


governança das contratações e deve implementar processos e
estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos,
para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e
os respectivos contratos, com o intuito de alcançar os objetivos
estabelecidos no caput deste artigo, promover um ambiente
íntegro e confiável, assegurar o alinhamento das contratações
ao planejamento estratégico e às leis orçamentárias e promover
eficiência, efetividade e eficácia em suas contratações

A nova lei impõe um ambiente de integridade de forma ampla,


disposto não somente no parágrafo único do art. 11, se refletindo em todo
o texto, fazendo com que haja uma limitação da autonomia, evitando a
adoção de condutas abusivas e corruptas.
A Governança impõe responsabilização à alta gestão da Administração
pelo planejamento e integridade das contratações. Trata-se de um dever
que necessita ser regulamentado, criando-se procedimentos destinados
a apontar os mecanismos de liderança, estratégia e controles para avaliar
e direcionar a atuação da Administração na elaboração dos contratos
administrativos.
O princípio da eficiência é o norteador de todo o seu conceito,
tendo em vista que seus pressupostos básicos passam pela integridade,
transparência, prestação de contas, responsabilidade e a confiabilidade
dos atos administrativos. A Governança é primordial para o incremento da
eficiência, coibindo comportamentos em desacordo com uma boa prática
administrativa.
Para o doutrinador Marçal Justen Filho (2021) o seu potencial
transformador advém da modificação no modo como a autoridade se
relaciona com o poder, impondo uma necessidade de se atentar para as
falhas de Governança e a eventual responsabilidade da Alta Administração
sobre elas. De acordo com o novo regramento jurídico, a Alta Administração
tem deveres de cautela e diligência, cuja infração faz presumir a culpa.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 165
Liviane Maria Carvalho Mendes e Idelfonso Barbosa Atenas

É a capacidade de governar cumprindo fielmente as demandas da


sociedade, instrumento capaz de coibir decisões que vão de encontro ao
interesse coletivo, promovendo maior confiabilidade na correta aplicação
dos recursos públicos.
Ressalta-se aqui diferença entre Governança e gestão. Enquanto
a gestão é inerente e integrada aos processos organizacionais, sendo
responsável pelo planejamento, execução, controle, ação, enfim, pelo
manejo dos recursos e poderes colocados à disposição de órgãos e
entidades para a consecução de seus objetivos, a governança provê
direcionamento, monitora, supervisiona e avalia a atuação da gestão, com
vistas ao atendimento das necessidades e expectativas dos cidadãos e
demais partes interessadas. (TCU, 2013, p.32).
Em suma, uma boa Governança pública visa preservar a confiança da
sociedade, por meio de um conjunto de mecanismos eficientes, assegurando
que as ações executadas estejam alinhadas ao interesse público.
A Governança surge como novidade na Lei nº 14.133/2021, expressa
no já mencionado art. 11 e também no art. 169, I, mas, Cardoso (2021,
p. 35) ressalta que já havia sido conceituada pelo Tribunal de Contas da
União, no Acórdão TCU 2.622/2015:

[...] Governança das Aquisições compreende essencialmente


o conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle
postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a
atuação da gestão das aquisições, com objetivo de que as
aquisições agreguem valor ao negócio da organização, com
riscos aceitáveis.

Sabe-se que o procedimento licitatório não possui um fim em si


mesmo, sendo apenas um instrumento para a efetivação do interesse
público. A Governança
possui mecanismos que direcionam a gestão pública, no intuito de
conduzir a prestação de serviços de qualidade e que atendam ao interesse da

166 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A aplicabilidade da governança nos contratos da administração pública sob a perspectiva da nova lei de licitações e contratos
(Lei nº 14.133/2021)

sociedade como um todo, removendo controles desnecessários, otimizando


o desempenho dos serviços prestados, promovendo transparência.
Um instituto regulador da atuação da própria Administração,
aprimorando-a, diminuindo a burocracia e trazendo o administrado para
conhecer o processo de tomada das decisões. A efetiva adoção de
procedimentos de Governança Pública visa conter ou mitigar a ocorrência
de condutas ímprobas.
Tendo sua vigência perdurado por vinte e nove anos, a Lei nº 8.666/93
sofreu inserções e revogações autônomas, pois há muito tempo existia a
necessidade de alterações profundas em sua redação, com o intuito de
evitar atos corruptos e práticas fraudulentas.
A novel legislação era esperada com muita expectativa, devido às
críticas que a antiga Lei de Licitações e Contratos Administrativos era
alvo, em especial pela excessiva formalidade, provocando maior entrave
no andamento dos procedimentos licitatórios.
Espera-se que a Lei nº 14.133/2021 promova uma valorização
do planejamento. Certamente que ela já trouxe avanços conceituais, se
contrapondo ao excessivo rigor da sua antecessora. Percebe-se que
persistem lacunas na definição de Governança, inclusive há muitas críticas
a lei como um todo, uma delas a que estaria voltada para os últimos 20
anos passados e não para os próximos 20 anos.

4 O IMPACTO DA GOVERNANÇA NOS CONTRATOS


ADMINISTRATIVOS

Após a exposição dos conceitos, verifica-se que o procedimento


licitatório é destinado à contratação da proposta mais vantajosa ao interesse
da Administração Pública. Este procedimento encontrava-se anteriormente
regulamentado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
na lei nº 8.666/1993 (Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos),

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 167
Liviane Maria Carvalho Mendes e Idelfonso Barbosa Atenas

na lei nº 10.520 (Lei do Pregão) e na lei nº 12.462 (Regime Diferenciado


de Contratações Públicas). A lei nº 14.133/2021 foi criada visando uma
harmonização e unificação de toda a legislação que regulamentava a
matéria, excluindo algumas modalidades de licitação e criando novos
institutos, dentre eles, a Governança.
Por intermédio do contrato administrativo são tomadas decisões que
dispõem sobre os recursos públicos e persistirão por um longo período de
tempo. A Governança sinaliza uma nova configuração, com preocupações
relativas à cooperação pública e privada, garantindo eficiência nas decisões
voltadas ao interesse público.
A segurança jurídica e a previsibilidade dos contratos administrativos
restará aumentada ao absorver os princípios basilares da Governança,
promovendo facilidades no acesso às contratações públicas, inibindo que
em eventuais conflitos de interesses entre particulares e Administração
seja utilizada a má-fé.
Os contratos não devem ser contemplados como realidades em
desacordo à realidade fática e a realidade de sua execução, como também
não se deve compreender o gestor público responsável pelos contratos
como um ser inacessível, que não dialoga com o contratado e a sociedade.
Suas condutas precisam ser pautadas na transparência, prestação de
contas e integridade.
Para que as funções da Governança sejam executadas
satisfatoriamente na pactuação dos contratos administrativos, alguns
mecanismos devem ser adotados, tais como: a liderança, a estratégia,
o controle, a adoção de minutas padronizadas, quando possível for,
contribuindo para inibir a construção de contratos com intuito de favorecer a
determinado particular. Esses mecanismos colocados em prática, garantirão
os bons resultados esperados.

168 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A aplicabilidade da governança nos contratos da administração pública sob a perspectiva da nova lei de licitações e contratos
(Lei nº 14.133/2021)

As sociedades passam por modificações ao longo do tempo, e


as normas jurídicas precisam estar alinhadas com as transformações,
adequando-se ao novo cenário, contemplando o máximo de situações
jurídicas emergentes. Preleciona Souza (2021, p.8):

Neste interim, os órgãos e entidades públicas devem instituir


sua política de governança, por meio de implantação de
processos e estruturas, especialmente de gestão de riscos
e controles internos, para alcançar determinados objetivos,
como: a) garantir a escolha de proposta adequada a gerar
o resultado mais benéfico para a Administração Pública,
inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto; b) garantir
o tratamento isonômico entre os licitantes, além da justa
competição; c) obstar as contratações com sobrepreço ou
com preços manifestamente inexequíveis e superfaturamento
na execução dos contratos; d) promover a inovação e o
desenvolvimento nacional sustentável; e) incentivar um
ambiente íntegro e confiável, para alcançar a vantajosidade
nas contratações; f) garantir o equilíbrio das contratações
ao seu planejamento estratégico e às leis orçamentárias;
e, g) promover a eficiência, a efetividade e a eficácia nas
contratações.

A atuação do poder público, por muitas vezes é apontada pela falta de


transparência e por condutas arbitrárias. Como ressaltado anteriormente, a
Governança impõe um dever para a alta gestão administrativa, de acordo
com um planejamento estratégico, garantindo a existência de um sistema
efetivo de gestão de riscos, utilizando-se de controles internos para manter
esses riscos em níveis adequados. As decisões são tomadas embasadas
em informações de qualidade.
A criação de processos que garantam a integridade dos contratos
administrativos visa a avaliação e a fiscalização, buscando um resultado
mais eficaz, evitando contratações com valores inexequíveis ou acima
dos valores praticados no mercado, garantindo a lisura de todo o certame.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 169
Liviane Maria Carvalho Mendes e Idelfonso Barbosa Atenas

Interesses públicos e privados aqui não entram em contradição, mas


em conexão. O assunto foi brevemente discutido no primeiro capítulo, na
busca por uma igualdade entre o poder público e o particular já existe uma
nova perspectiva sobre o princípio da supremacia do interesse público.
O antigo conceito de administrado como um indivíduo estático, alheio as
tomadas de decisões e obrigado a acatar as ordens que lhe eram impostas
pela Administração Pública foi transformado por um cenário em que o
administrado se apresenta como partícipe das decisões administrativas.
É preciso um direcionamento de ações para soluções inovadoras,
simplificando e modernizando os atos normativos de acordo com boas
práticas regulatórias. Não se trata de meios meramente formais de execução
de tarefas, há também uma implantação de mecanismos para receber e
tratar eventuais denúncias.
A prática de uma boa Governança na gestão dos contratos
administrativos é um dos grandes desafios e requer alinhamento com a
integridade dos seus gestores e certo aprimoramento da gestão de riscos,
com a absorção de uma cultura de transparência, prestação de contas e
responsabilização, na busca de uma melhoria contínua. Somente agindo
em consonância com os princípios éticos e legais será assegurado o
efetivo cumprimento dos propósitos da Administração Pública.
A responsabilidade pela licitação e elaboração de contratos não pode
recair sobre servidores despreparados, algo ainda muito comum de ocorrer
e com amplo potencial de produzir efeitos danosos. Os gestores, além de
seguir toda a legislação que regulamenta a licitação, devem buscar uma
melhor capacitação dos serviços prestados. Através dos princípios da
Governança Pública, de forma legal, ética e transparente, a Administração
busca atingir um relacionamento de confiança com seus administrados,
promovendo a satisfação desses com os serviços prestados.
A melhoria na entrega dos resultados aos administrados remove
controles desnecessários e diminui a burocracia, visando sempre a

170 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A aplicabilidade da governança nos contratos da administração pública sob a perspectiva da nova lei de licitações e contratos
(Lei nº 14.133/2021)

eficiência. A nova lei elevou a segurança jurídica e a previsibilidade


nos contratos administrativos, promovendo facilidades no acesso às
contratações públicas.
É dever de todos os agentes públicos atuarem em conformidade com
a defesa das finalidades essenciais buscadas pela lei. Resta evidenciado
que os princípios de uma boa Governança permeiam o texto da Nova Lei
de Licitações e Contratos Administrativos. Todavia, sua aplicabilidade
na pactuação dos contratos administrativos dependerá da atuação da
Administração Pública. Esta precisará se concentrar em capacitar seu
pessoal, criar sistemas de informação eficazes, reforçados por uma maior
transparência.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo analisou como a incorporação do instituto da Governança


trouxe avanços para a Administração Pública, especificamente nos contratos
administrativos, conforme os preceitos trazidos na Nova Lei de Licitações
e Contratos (Lei nº 14.133/2021).
Incialmente, no primeiro capítulo, conceituou-se o contrato
administrativo e o princípio da supremacia do interesse público. O segundo
capítulo tratou do conceito de Governança. O terceiro capítulo trouxe o
contexto da Governança no novo regramento licitatório, de acordo com as
alterações que o seu conceito promoveu para os contratos administrativos.
O objeto de estudo verificou a necessidade da alta administração
conhecer o grau de relevância da Governança para os contratos
administrativos, pois o seu desempenho reflete diretamente em boas ou
más práticas na execução contratual e, consequentemente, na entrega
dos bens e serviços contratados.
Os aspectos jurídicos que permeiam as licitações e o contrato
administrativo são amplos, complexos e bem definidos, embora ainda

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 171
Liviane Maria Carvalho Mendes e Idelfonso Barbosa Atenas

com definições e preceitos vagos, esses serão preenchidos com a prática,


levando em consideração que a partir do ano de 2023 a Lei nº 14.133/2021
será a única utilizada pela Administração Pública para regular as licitações.
As sociedades passam por transformações ao longo do tempo e o
direito e as normas jurídicas precisam estar alinhados a essas mudanças. A
Nova Lei de Licitações buscou uma maior eficiência e menos burocratização
do processo licitatório.
Muitos são os caminhos a serem percorridos, apesar de já mencionada
na literatura, sua implantação na gestão pública é recente e passará por
inúmeras adequações antes de atingir sua finalidade. Boas práticas de
Governança na gestão pública geram a possibilidade de, empregando a
mesma quantidade de recursos financeiros, um aumento na celeridade
e qualidade das obras e serviços contratados, atendendo aos anseios
da população.
Finalmente, faz-se necessário esclarecer que os resultados percebidos
neste artigo não são definitivos, não se tratando de um texto fechado, visto
que se trata de um tema alinhado com as mudanças sociais, e que ainda
está sendo implantado, não sendo possível prever todos os impactos da
Governança nos contratos administrativos a ser celebrados.

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Lucas de Assunção Xavier Gomes e Jadylson
Felix dos Santos
Central de compras: a condutora de eficiência e padronização nas compras públicas da administração gerencial

CENTRAL DE COMPRAS: A CONDUTORA DE


EFICIÊNCIA E PADRONIZAÇÃO NAS COMPRAS
PÚBLICAS DA ADMINISTRAÇÃO GERENCIAL

Lucas de Assunção Xavier Gomes1


Jadylson Felix dos Santos2

RESUMO
O presente estudo prioriza a Central de compras como instrumento de eficiência para a
Administração Pública Gerencial. Através do artigo identifica-se quais medidas a Nova Lei de
Licitações n.º 14.133/2021 traz para implementação da Central de Compras nos órgãos públicos.
Nesse sentido, apresenta-se como objetivo geral: Analisar os mecanismos da lei que tratam da
Central de Compras, dando aos gestores públicos maior eficiência nas suas contratações. Ademais,
como objetivos específicos, pontuam-se: Apreciar as condições de aquisição semelhantes ao
setor privado; compreender o princípio da padronização de bens, materiais e serviços; identificar
a importância do planejamento das compras pelos órgãos públicos. Nesse viés, sendo base
para reflexão sobre a problemática, questiona-se: Quais medidas a Administração Pública
Gerencial precisará adotar para dar suporte na implementação da Central de Compras nos
órgãos públicos? Portanto, é relevante analisar os mecanismos de implementação da Central de
Compras, contextualizando com o atual status gerencial que a Administração Pública propõe na
sua gestão, desenvolvendo reflexos acerca dos objetivos alcançados pelos discentes. Quanto à
metodologia adotada, alguns passos servirão de suporte para tornar claras as estratégias desta
pesquisa, que são elas: bibliográficas (em livro), documental (legislação), periódicos (revista)
e meios eletrônicos. Durante os estudos bibliográficos foi possível observar uma postura que
corrobora e amplia os debates e reflexões bastante pertinentes para a construção e alcance dos
objetivos, pois o diálogo presente neste trabalho vem trazendo a realidade pública e estimulando
a necessidade de criação Leis capazes de gerir o ápice estatal.
Palavras-chave: Central de Compras. Eficiência. Padronização. Administração Pública Gerencial.

1
Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho UNIFSA. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela
Universidade Anhanguera – UNIDERP. Especialista em Gestão Pública Municipal pela Universidade Estadual do Piauí UESPI.
Oficial formado pela Academia da Polícia Militar do Piauí. Bacharel em Segurança Pública pela Universidade Estadual do
Piauí UESPI. Habilitado em Curso de Pregão eletrônico em prefeituras: Formação e atualização de pregoeiros (2020) pela
Negócios Públicos. Habilitado pelo Curso introdutório de avaliação de tecnologias em saúde para gestores do Sistema Único
de Saúde (SUS) 2020. Coordenador Adjunto do Curso de Polícia Judiciária Militar CPJM/PMPI. Coordenador de Comoras do
Hospital da Polícia Militar do Piauí. Capacitado pelo Instituto Certame pelo curso Pregão Eletrônico em Prefeituras: Formação
e atualização de preparos. Pós-graduando em licitações e contratos com ênfase na Lei n.º 14.133/2021 e habilitação em
pregoeiro. E-mail: laxgomes@hotmail.com
2
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Piauí – UFPI. Advogado. Pós-graduando em licitações e contratos com
ênfase na Lei n.º 14.133/2021 e habilitação em pregoeiro. Servidor Público Federal no Instituto Nacional do Seguro Social
– INSS. Chefe do Setor de Demandas de Tecnologia da Informação – SDTI, da Gerência Executiva do INSS de Teresina.
E-mail: jadylsonsantosadv@outlook.com

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 177
Lucas de Assunção Xavier Gomes e Jadylson Felix dos Santos

ABSTRACT
The present study prioritizes the Purchasing Center as an efficiency instrument for Managerial
Public Administration. Through the article, we will identify which measures the New Bidding Law
n.º 14.133/2021 brings to the implementation of the Purchasing Center in public bodies. With the
general objective: To analyze the mechanisms of the law that deal with the Purchasing Center,
giving public managers greater efficiency in their hiring, as specific objectives: To appreciate the
conditions of acquisition similar to the private sector; understand the principle of standardization
of goods, materials and services; identify the importance of purchasing planning by public
agencies. Being a basis for reflection on the problem: What measures will the Managerial Public
Administration need to adopt to support the implementation of the Central Purchasing in public
bodies? Therefore, it is relevant to analyze the implementation mechanisms of the Purchasing
Center, contextualizing it with the current managerial status that the Public Administration proposes
in its management, developing reflections on the objectives achieved by the students. As for the
methodology adopted, some steps will serve as a support to clarify the strategies of this research,
which are: bibliographic (in book), documentary (legislation), periodicals (magazine) and electronic
media. During the bibliographical studies, it was possible to observe a posture that corroborates
and expands the debates and reflections that are very pertinent to the construction and reach of
the objectives, since the dialogue present in this work has been bringing the public reality and
stimulating the need to create Laws capable of managing the apex state-owned.
Keywords: Purchasing Center. Efficiency. Standardization. Managerial Public Administration.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objeto de estudo a Nova Lei de Licitações,


Lei n.º 14.133/2021, incorporada no Direito Administrativo, com o objetivo
de demonstrar os mecanismos efetivos para viabilizar a Central de Compras
como instrumento de eficiência na Administração Pública Gerencial.
Primordialmente, sabe-se que as compras públicas constituem-se em
uma das etapas mais importantes da logística que a Administração Pública
exerce, uma vez que o seu processo tem o condão de influenciar todos
os setores da estrutura organizacional, tanto no aspecto administrativo,
quanto no financeiro, haja vista a magnitude das demandas do Estado.
Logo, a Nova Lei de Licitações (Lei n.º 14.133/2021) tem por intuito
a implementação da governança nas contratações públicas, assegurando
a escolha da proposta mais vantajosa e da celebração de contratos com

178 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Central de compras: a condutora de eficiência e padronização nas compras públicas da administração gerencial

preços condizentes com o mercado, além de garantir o desenvolvimento


sustentável.
Vale ressaltar que, para o cumprimento da finalidade normativa da
nova Lei, os órgãos da Administração Pública que detêm competência para
adquirir bens, obras e serviços e que atuam em procedimentos licitatórios,
deverão implementar estruturas e processos capazes de promover a
eficiência em suas contratações, bem como na avaliação de desempenho
e no controle dos seus resultados.
Nessa linha, pelo poder de aquisição que o Estado tem, as compras
públicas têm o caráter de complexidade, tornando-se um assunto importante
dentro da estrutura governamental. Assim, é mandamento do Estado
compreender e debater todo o procedimento administrativo e operacional
desse seguimento.
Não só a mudança da Lei Licitatória, como também pelo aspecto
histórico e social, as compras públicas, mesmo fazendo parte da atividade-
meio de um órgão, tomam destaque em sua atividade, consolidando novos
paradigmas a serem enfrentados para atingir sua eficiência, mas, por outro
lado, surge a possibilidade de desenvolvimento de uma administração
efetivamente gerencial. Isso posto, a missão das compras pelo governo
não é simples, pois necessita de mecanismos que produzirão impactos
na gestão da Administração Pública.
Assim, questiona-se: quais medidas a Administração Pública
Gerencial precisará adotar para dar suporte na implementação da Central
de Compras nos órgãos públicos?
Primeiramente, será tratado acerca do conceito e noções de licitação
à luz da normatização brasileira, apresentando a contextualização do
assunto tratado pela administração pública. No segundo capítulo, serão
abordados os principais aspectos administrativos da Central de Compras no
processo licitatório. Por último, abordar-se-á os mecanismos de efetividade
para a concretização da Central de Compras.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 179
Lucas de Assunção Xavier Gomes e Jadylson Felix dos Santos

Quanto à metodologia adotada, alguns passos servirão de suporte


para tornar claras as estratégias desta pesquisa, que são: bibliográfica (em
livros), documental (legislação), periódicos (revistas) e meios eletrônicos.
Desse modo, com o advento da Lei n.º 14.133/2021, perceberemos,
na prática, como serão os ajustes necessários para o aperfeiçoamento da
execução das aquisições estatais na Central de Compras.

2 APROXIMAÇÕES CONCEITUAIS SOBRE A NOVA LEI DE LICITAÇÕES


E A ADMINISTRAÇÃO GERENCIAL

Historicamente, a monarquia brasileira confundia o patrimônio público


com o privado, sendo gerida por uma Administração Pública eminentemente
patrimonialista, na qual o Estado era de domínio do imperador.
Com o advento da República Velha, no final do século XIX, houve
uma substituição para o modelo burocrático, devido a incompatibilidade
com o capitalismo e a democracia parlamentar trazida pelos republicanos.
Tal mudança, contudo, não foi capaz de promover grandes transformações
socioeconômicas no Brasil.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, houve a necessidade de
auto afirmar os valores burocráticos da sociedade pelo Estado, passando
a sofrer forte influência da administração privada, que começou a induzir
o uso da descentralização e da flexibilização na gestão.
Entretanto, com a crise nos anos 70, o Estado brasileiro mostrou-
se incapaz de distribuir competências e utilizar recursos com equidade e
impessoalidade, resultando em várias deficiências dos sistemas, apesar
do “milagre econômico”, com taxas de crescimento do PIB (Produto Interno
Bruto) na casa de dois dígitos.
Na sequência, a promulgação da Constituição Federal de 1988, em
seu artigo 22, inciso XXVII, atribuiu privativamente à União a competência
para legislar sobre as normas gerais de licitações e contrato em todas

180 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Central de compras: a condutora de eficiência e padronização nas compras públicas da administração gerencial

as modalidades, para a administração pública direta, autárquicas e


fundacionais da União, estados, Distrito Federal e municípios e para
empresas públicas e sociedades de economia mista.

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:


XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas
as modalidades, para as administrações públicas diretas,
autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal
e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para
as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos
termos do art. 173, § 1º, III; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 19, de 1998).

Sobre o mesmo diálogo, destaca-se que em 21 de junho de 1993,


foi promulgada a Lei nº. 8.666, que regulamenta o artigo 37, inciso XXI,
da Constituição Federal, que instituiu normas para licitações e contratos
da Administração Pública, estabelecendo definições e princípios gerais,
em resposta aos sucessivos escândalos do governo Collor e dos “Anões
do Orçamento”, instituindo um controle mais rígido sobre as compras
públicas. Vejamos:

Art. 37. (...)


XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as
obras, serviços, compras e alienações serão contratados
mediante processo de licitação pública que assegure igualdade
de condições a todos os concorrentes, com cláusulas
que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as
condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual
somente permitirá as exigências de qualificação técnica e
econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das
obrigações.

Em continuidade ao projeto de reforma do Estado, no plano


constitucional, veio a Emenda Constitucional n° 19/1998, que inseriu no

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 181
Lucas de Assunção Xavier Gomes e Jadylson Felix dos Santos

caput do art. 37 o princípio da eficiência, o qual buscava uma qualidade


no serviço prestado. Vejamos:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer


dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência
e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 19, de 1998).

Desse modo, a Administração Pública garantiu direitos aos usuários


na prestação de serviços, bem como criou obrigações para os prestadores
de serviços públicos, tudo isso em consonância com um descontentamento
da sociedade com a Administração por serviços precários prestados.
Nesse ínterim, a lógica do princípio da eficiência é trazer o melhor
resultado possível dentro do padrão legal aplicável ao caso concreto, como
consequência da administração gerencial, afastando quaisquer formalidades
desnecessárias para se obter o resultado desejado (CARVALHO; OLIVEIRA;
ROCHA, 2022).
Para Miranda (2007), o motivo do princípio da eficiência ter sido
inserido na Constituição Federal de 1988 é conferir à Administração a
possibilidade de conceder ao cidadão um serviço público de qualidade,
o qual acarretará reduções de gastos, simplificação dos procedimentos,
diminuição da burocracia, além de estabelecer escopos que permitam
indicar o nível de satisfação dos usuários.
Já para Di Pietro (2022), o princípio da eficiência é diretamente ligado
ao desempenho do agente público no exercício de suas atribuições, no
modo de organização, estruturação e disciplina da Administração Pública,
que culminam em resultados otimizados.
Nessa vertente, temos a Central de Compras trazida pela Lei n°
14.133, de 1º. de abril de 2021, que surge com o intuito de padronizar
suas aquisições, transparecer os seus atos e conceder acessibilidade

182 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Central de compras: a condutora de eficiência e padronização nas compras públicas da administração gerencial

aos procedimentos gerados, fazendo com que minimizem os riscos de


possíveis fraudes e gastos desnecessários, que culminem na qualidade
de um serviço público digno.

3 A FUNÇÃO REGULADORA DAS CENTRAIS DE COMPRAS SOB A


ÉGIDE DA GESTÃO PUBLICA

Na atual conjuntura, o maior desafio da Administração Pública é


entregar uma maior quantidade de serviços, no menor espaço de tempo e
com uma boa qualidade, mas contando com uma estrutura cada vez mais
minimalista, com menos orçamento e uma maior cobrança da sociedade,
bem como dos órgãos de controle. Nesse caminho, surgem oportunidades
de novos arranjos a serem adotados para se atingir uma maior eficiência,
eficácia e efetividade na prestação de serviços à sociedade.
Para Cavalcante (2017), as compras públicas atualmente têm papel
relevante no estímulo à inovação, tendo em vista que os serviços públicos
são, ao mesmo tempo, consumidores e usuários de iniciativas inovadoras.
Nesse sentido, ao movimentar a administração pública e o setor
privado, as compras públicas impactam a atividade logística, dado o seu
aspecto contributivo que influencia o sistema socioeconômico da sociedade
e contribui para o desenvolvimento de soluções de serviço inovadoras.
Como exemplo, o relatório publicado pela Organização para a
Cooperação Econômica e Desenvolvimento – OCDE (2021) divulgou que
o governo federal gastou cerca de R$ 35,5 bilhões somente em aquisição
de bens, serviços e obras em 2020.
Ademais, o procedimento de aquisição das compras públicas tem
a função de alcançar os objetivos traçados pela gestão pública, já que
depende das demandas recebidas por órgãos estatais.
A Constituição da República Federativa do Brasil, mais precisamente
no que tange a Administração Pública, determina que as compras públicas

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 183
Lucas de Assunção Xavier Gomes e Jadylson Felix dos Santos

de bens e serviços sejam oriundas de processos licitatórios que assegurem,


dentre outros princípios explícitos e implícitos, o da igualdade, moralidade
e eficiência.
Dessa forma, a licitação, por ser um procedimento administrativo,
precisa seguir um rito processual pré-estabelecido, analisando a proposta
mais vantajosa para administração e a promoção do desenvolvimento
nacional sustentável.
Para Matias (2020), a regulamentação da licitação no Brasil se deu
pela Lei n° 8.666/1993 que teve, entre seus objetivos, o intuito de combater
desvios de recursos públicos, de práticas corruptas nos processos de
aquisições por causa do aumento da burocracia estatal, além de diminuir
o excesso de discricionariedade do gestor público.
Seguindo a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Lei
n.º 14.133/21, em seu art. 5º, ela traz a definição do que seria possível
num procedimento de Licitação. Observe-se:

Art. 5º Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da


legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade,
da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa,
da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia,
da segregação de funções, da motivação, da vinculação
ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da
razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da
celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional
sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº
4.657, de 4 de setembro de 1942.

Sabe-se que a Central de Compras é resultado de uma escolha


voltada para racionalizar e melhorar o gasto dos recursos públicos,
qualificando, assim, todo o processo de aquisição e cumprindo com as
diretrizes das políticas governamentais, além de fomentar o poder de
negociação perante o mercado de bens.

184 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Central de compras: a condutora de eficiência e padronização nas compras públicas da administração gerencial

No âmbito federal, a Central de Compras foi criada com base no


atesto de replicações de áreas que executam atividade-meio comuns e
contínuas dentro dos órgãos. A Central integra a Secretária de Gestão –
SEGES do Ministério da Economia, por meio do Decreto n.º 9.745, de 08
de abril de 2019, em que suas atribuições estão elencadas no art. 131,
entre as quais destaca-se a função de desenvolver, propor e implementar
modelos de aquisição, contratação, alienação e gestão centralizadas de
bens e serviços comuns.
Exemplo proeminente é o Estado de Minas Gerais, cuja Secretaria
de Planejamento e Gestão normatizou, através da Resolução n.º 14, de
fevereiro de 2014, os procedimentos para a elaboração e execução do
Planejamento Anual de Compras da Administração Direta, Autárquica e
Fundacional do Poder Executivo, dentre os quais se destacam os art. 3° e 4°:

Art. 3º O Planejamento Anual de Compras tem por objetivo:


I - aperfeiçoar a comunicação entre as áreas finalísticas e as
unidades responsáveis pela realização das compras;
II - ampliar a gestão interna de compras por meio da
previsibilidade das demandas com vistas à eficiência e
economicidade nas aquisições;
III - viabilizar a economia de recursos por meio da redução
de processos e diminuição do preço em razão do aumento
da quantidade adquirida;
IV – possibilitar a divulgação das expectativas de compras
para o mercado fornecedor, contribuindo, principalmente, para
a participação das Microempresas e Empresas de Pequeno
Porte nas compras públicas estaduais.
Art. 4º O Planejamento Anual de Compras deverá considerar:
I – as diretrizes para a qualidade e produtividade do gasto;
II – as ações e metas estabelecidas no Plano Plurianual de
Ação Governamental;
III – a disponibilidade orçamentária e financeira para as
aquisições;

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 185
Lucas de Assunção Xavier Gomes e Jadylson Felix dos Santos

IV – as contratações vigentes;
V – as disponibilidades de materiais em estoque.

Além da norma supracitada, a Secretaria de Planejamento e Gestão


de Minas Gerais, disponibilizou um Sistema Integrado de Administração
de Materiais e Serviços – SIAD, detalhando o que é de responsabilidade
das unidades de compras:

Art. 5º. Compete às unidades de compra:


I – elaborar o Calendário Anual de Compras, estabelecendo
cronograma interno para realização das solicitações e
pedidos de compras por famílias de aquisições, organizado
em Planejamentos de Processos, viabilizando a realização de
compras concentradas, bem como realização ou participação
em registros de preços;
II - identificar os objetos que serão contratados de forma
concentrada pelas unidades de compra centrais e os objetos
que poderão ser adquiridos se for o caso, pelas unidades
regionais ou unidades vinculadas a um órgão ou entidade;
III - orientar internamente sobre os procedimentos instituídos
pelo Portal de Compras MG e sobre a necessidade de
elaboração de planejamento de compras;
IV - propor padronização para os itens de utilização comum
às diversas áreas, quando não houver padronização de itens
de materiais e serviços para todo o Estado, visando orientar
sobre os itens a serem solicitados;
V - orientar a unidade solicitante, quando demandada, sobre os
requisitos necessários à elaboração do Termo de Referência/
Projeto Básico.

Diante do exposto, cabe mencionar que outra Central de Compras


que merece breve narrativa é a do Estado do Mato Grosso do Sul, vinculada
à Secretaria de Administração, em que a própria Superintendência de
Licitação tem o objetivo de planejar, gerir e modernizar todo o processo
de aquisição do Estado. A fase preparatória para aquisição de bens e a

186 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Central de compras: a condutora de eficiência e padronização nas compras públicas da administração gerencial

contratação de serviços de qualquer natureza, tem fundamento no Decreto


Estadual n.º 15.941, de 26 de maio de 2022.
No Piauí, os indícios de uma Central de Compras partem da
Normativa Estadual n.º 28 de 09 de junho de 2003 que dispõe sobre a
Lei Orgânica da Administração Pública do Estado do Piauí e dá outras
providências, passando pelo Decreto Estadual n.º 11.317/2004, que
centraliza os procedimentos licitatórios realizados pela Administração
Direta, fundações e autarquias, pelo Decreto Estadual n.º 15.943/2015, o
qual resultou na Lei n.º 6.673 de junho de 2015, que coordena a política
de licitações e contratos do Estado. Observe-se:

Art. 35. A Secretaria da Administração e Previdência é o órgão


central de coordenação e execução da Política de pessoal,
previdência, material, patrimônio, serviços gerais, licitações
e contratos, gestão de documentos e gestão de controle de
gastos da administração pública do Estado, competindo-lhe:
[...]
§5º A superintendência de licitações e contratos é o órgão
responsável para administrar, controlar e executar as licitações
e contratações públicas no âmbito da administração pública
estadual, respeitando o disposto no inciso II do art. 151 de
Constituição Estadual, competindo-lhe:
I – exercer a supervisão, a realização, o acompanhamento e
o controle dos procedimentos técnicos e administrativos das
licitações e contratos dos órgãos e entidades da administração
direta, autárquica e fundacional do Estado, inclusive as
contratações diretas por dispensa ou inexigibilidade de licitação
nos processos administrativos que possuam os seguintes
objetos ou, para formação dos correspondentes registros de
preço, sem prejuízo de outros casos previstos em regulamento:
a) terceirização de mão-de-obra;
b) locação de veículos;
c) medicamentos e equipamentos médicos;
d) passagens aéreas;
e) telefonia e serviços de acesso à internet;

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 187
Lucas de Assunção Xavier Gomes e Jadylson Felix dos Santos

f) gestão de frota;
g) informática;
h) material de expediente e limpeza;
i)material escolar;
j) serviços gráficos;
k) equipamentos hospitalares;
l)transporte escolar;
m) merenda escolar;
n) serviços de publicidade, inclusive por intermédio de
agências;
o) demais aquisições de bens e contratações de obras
ou serviços não previstos nos itens acima, cujos valores
estimados de contratação se enquadrem nos limites previstos
em lei para a modalidade concorrência;
II – proceder a autorização para a celebração dos instrumentos
contratuais, inclusive suas prorrogações e aditivos quantitativos
e qualitativos e de aquisição de bens, contratação de obras e
prestações de serviços, que contemplem os objetivos previstos
no inciso I;
III – desenvolver ações de atualização e aperfeiçoamento de
comissões de licitação e capacitação de pregoeiros;
IV – executar outras atividades determinadas pelo Secretário
de Estado e de Administração e Previdência;
V – gerenciar atos de registro de preços ou admitir adesões,
mesmo em caso de registro de preços formados por outros
órgãos e entidades da administração estadual. [...]

Nota-se que os estados criam uma relação com os fornecedores,


através das Centrais instaladas, tendo maior avanço na sua organização
e desburocratização dos processos de compras, em busca de resultados
que aufiram eficiência nos gastos públicos.
Mazza (2022) ensina que a escolha do fornecedor, por parte do
poder público, é distinta da área privada, já que a Constituição Federal
obriga que a administração seja operacionalizada através de instrumento

188 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Central de compras: a condutora de eficiência e padronização nas compras públicas da administração gerencial

licitatório e este é visto como um procedimento administrativo provocado


pelas entidades governamentais, convocando interessados para aquisição
e/ou locação de bens e serviços, que têm como um dos parâmetros para
a melhor proposta, a competitividade.
Assim sendo, para Santos (2014), a gestão de compras é de
fundamental importância para quaisquer governos que utilizará ferramentas
de governança e de tecnologias capazes de estruturar e controlar as
aquisições de bens e serviços, buscando a prevenção de desvios públicos.
Na visão de Santana (2015), ao debater compras públicas, podemos
referenciá-las como um ciclo de demanda que passa por cumprimentos
de vários atos administrativos de diversos setores públicos, que atentam
por exemplo para a padronização, para a pesquisa de preços, e se trata
de um caminho burocrático que respeita o ordenamento jurídico, fiscal e
logístico.
Assim, é sabido que a administração pública possui características
distintas da privada em seu procedimento de aquisição de bens e serviços,
devido aos seus objetivos serem distintos. Para isso ser alcançado, o
gestor público precisa traçar o seu plano estratégico de compras, sempre
alinhado aos regulamentos existentes e, principalmente, associando suas
aquisições as políticas públicas.

4 AS CENTRAIS DE COMPRAS COMO INSTRUMENTO DE


PADRONIZAÇÃO E EFICIÊNCIA DAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS

A Administração Pública, no bojo de suas aquisições, define as


especificações técnicas de bens e serviços, através de padronizações
que servirão para referenciar quais modelos serão adotados e coadunam
com o pretendido. Nesse sentido, segue o art. 6.º, inciso LI, da Lei n.º
14.133/21, é possível observar:

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 189
Lucas de Assunção Xavier Gomes e Jadylson Felix dos Santos

Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se: [...]


LI - catálogo eletrônico de padronização de compras, serviços e
obras: sistema informatizado, de gerenciamento centralizado e
com indicação de preços, destinado a permitir a padronização
de itens a serem adquiridos pela Administração Pública e que
estarão disponíveis para a licitação;

Logo, percebe-se que o catálogo é uma espécie de sistema


informatizado nos termos do artigo 19, inciso II, da Lei n.º 14.133/2021,
que padroniza itens que serão fomentados por especificações técnicas
a serem adquiridos e contratados, que, com o passar do tempo servirão
de depuração para a efetivação da padronização, mantendo-se somente
aquilo que realmente for de serventia para a Administração Pública.
Em outros termos, tudo que será inserido no catálogo eletrônico, não
necessariamente será submetido ao processo de padronização, conforme
o artigo 40 e 43 da Lei. Mas a sua utilidade, no início do processo de
padronização da Administração Pública, facilitará definir quais os objetos
a serem levados num processo licitatório, permitindo solidificar preço e
qualidade dos itens.
Na sequência, atrelada à padronização, são dois os princípios que
devem ser respeitados, sendo eles, o da economicidade e o da eficiência,
que atuam para satisfazer o interesse público, detectando, através de
procedimento especial, as técnicas e o modo operacional para a aquisição,
usando pareceres e justificativas técnicas, bem como identificando possíveis
vantagens e qualidades dos produtos e serviços.
Assim, é salutar que se entenda que o alcance da eficiência
nas compras públicas passa por uma gestão pautada na governança.
Esse processo tem importância para a tomada de decisão pelo gestor,
determinando as suas diretrizes, formando sua estrutura organizacional e
criando mecanismos de controle para se atingir as necessidades do órgão,
de forma que se cumpram suas metas e atinjam os resultados esperados.

190 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Central de compras: a condutora de eficiência e padronização nas compras públicas da administração gerencial

Seguindo essa linha, observa-se que o Estado pretendeu permanecer


com a promoção de suas compras seguindo condições análogas à esfera
privada, com o intuito de obter vantagens negociais, tanto na aquisição
quanto no pagamento.
Nesse diapasão, o art. 15, nos incisos I, II e III, da Lei nº.
8.666/1993, estipula:

Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão:


I - Atender ao princípio da padronização, que imponha
compatibilidade de especificações técnicas e de desempenho,
observadas, quando for o caso, as condições de manutenção,
assistência técnica e garantia oferecidas;
II - Ser processadas através de sistema de registro de preços;
III - Submeter-se às condições de aquisição e pagamento
semelhantes às do setor privado;

Em seguida, a Lei nº. 14.133/2021, em seu art. 40, inciso I, diz que
o planejamento de compras deverá considerar a expectativa de consumo
anual e observar as condições de aquisição e pagamento semelhantes às
do setor privado: “Art. 40. O planejamento de compras deverá considerar
a expectativa de consumo anual e observar o seguinte: I - Condições de
aquisição e pagamento semelhantes às do setor privado”. Entretanto, a
Administração Pública enfrenta um procedimento mais burocrático para
a efetivação de pagamento de suas compras, uma vez que a Lei nº.
4.320/1964, que trata de normas gerais de Direito Financeiro, determinou
que o pagamento seja efetuado após a execução de um serviço ou a
entrega de um bem.
Ademais, dentre as características do setor privado, pode-se questionar
a possibilidade de a Administração Pública efetuar antecipadamente o
pagamento de suas aquisições, hábito praticado pelo livre mercado.
O Tribunal de Contas da União já apreciou o assunto e, em análise
de caso em caráter excepcional, julgou procedente a possibilidade de

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 191
Lucas de Assunção Xavier Gomes e Jadylson Felix dos Santos

pagamento antecipado pela Administração Pública, conforme narrativa


no Acordão nº. 374/2011, desde que esteja previsto em editais e que
as empresas prestem garantias que possam resultar em reversão ou
reparação dos recursos a serem empregados.
A Nova Lei de Licitações (Lei nº. 14.133/2021) também se tratou da
antecipação de pagamento em seu artigo 145, in verbis:

Art. 145. Não será permitido pagamento antecipado, parcial ou


total, relativo a parcelas contratuais vinculadas ao fornecimento
de bens, à execução de obras ou à prestação de serviços.
§ 1º A antecipação de pagamento somente será permitida se
propiciar sensível economia de recursos ou se representar
condição indispensável para a obtenção do bem ou para a
prestação do serviço, hipótese que deverá ser previamente
justificada no processo licitatório e expressamente prevista no
edital de licitação ou instrumento formal de contratação direta.
§ 2º A Administração poderá exigir a prestação de garantia
adicional como condição para o pagamento antecipado.
§ 3º Caso o objeto não seja executado no prazo contratual,
o valor antecipado deverá ser devolvido.

Assim, para validar as hipóteses de aplicabilidade, deve-se


compreender que essas não são cumulativas, basta o preenchimento
de um dos requisitos. Entretanto, faz-se inequívoco ter justificativa pelo
órgão competente para a antecipação do pagamento.
Corroborando tal assertiva, Torres (2020) trata a antecipação de
pagamento como um costume praticado no mercado de compras, a
qual na esfera econômica poderá reduzir riscos, além de fomentar a
competitividade de preços entre as empresas, trazendo vantagem para
a Administração Pública. Entretanto, tal pagamento deve ser de caráter
excepcional e sempre acompanhada de medidas que reduzem riscos.
Sendo assim, é de grande relevância a padronização de bens e
serviços nas compras realizadas pela Administração Pública, tendo por
finalidade compatibilizar as especificações dos seus órgãos, por exemplo,

192 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Central de compras: a condutora de eficiência e padronização nas compras públicas da administração gerencial

técnicas e gêneros dos produtos, e criar um padrão próprio de qualidade


nas suas contratações, buscando maior economia e eficiência, as quais
resultem, satisfatoriamente, na expectativa do interesse público.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisou-se que, em vias de mudança legislativa do processo


licitatório, a Administração Pública teria a capacidade de implementar
uma Central de Compras, realmente efetiva, porém caberia ao gestor
público incorporar o espírito empreendedor em um cenário de constante
mudança, trazendo ensinamentos da esfera privada que deveriam impactar
na forma de adquirir bens e serviços.
Nesse sentido, dois vetores pretendem motivar a atuação do servidor
público e a qualidade da prestação de serviço, visando atingir objetivamente
o mérito de suas metas estatais, quais sejam, o princípio da eficiência,
como também, a autonomia gerencial, ambos destaques no art. 37, caput
e § 8° da Constituição Federal de 1988.
Dessa maneira, os mecanismos de progressos no setor de compras
tornam-se o grande alvo a ser perseguido pelo gestor público, bem como
fica evidente que as melhorias seriam atreladas a estudos futuros de casos
concretos, baseados em padronizações de aquisições que seriam capazes
de potencializar a prestação de serviço público e reduzir as possíveis
ameaças que venham a interferir no processo licitatório.
Assim, as referências bibliográficas e estudos descritos promoveriam
uma visão sistêmica futura sobre a esfera das compras públicas, de modo
que se potencialize o desempenho do administrador público. Logo, seria
fundamental que as discussões dos mecanismos para efetividade da Central
de Compras sejam focadas na eficiência e padronização de modelos,
auxiliados pela normatização técnica.
Por fim, as Centrais de Compras deveriam agregar órgãos que
possuem interesses comuns para gerarem benefícios em seus diversos níveis

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 193
Lucas de Assunção Xavier Gomes e Jadylson Felix dos Santos

econômico, social e político. Ademais, a previsão de sua estruturação nos


entes públicos, passaria pelo fim dos órgãos de apoios e o nascimento de
uma unicidade capaz de se dedicar apenas aos procedimentos de aquisição
e contratação de bens e serviços, tendo a necessidade de mecanismos
adequados para controle e direção com o objetivo de minimizar riscos já
tão combatidos pela Administração Pública.

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Comissão e das Funções de Confiança do Ministério da Economia,
remaneja cargos em comissão e funções de confiança, transforma
cargos em comissão e funções de confiança e substitui cargos em
comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS por
Funções Comissionadas do Poder Executivo - FCPE. Brasília, DF.
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_____, 2015. Decreto n.º 15.943, de 19 de janeiro de 2015. Uniformiza


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_____, 2015. Lei n.º 6.673, de 18 de junho de 2015. Altera dispositivos


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SANTANA, Jair Eduardo. Planejamento nas licitações e contratações


governamentais: estratégias para suprimentos públicos. Curitiba-PR,
Editora Negócios Públicos, 2015.

SANTOS, C. S. Introdução à Gestão Pública. 2. ed. São Paulo:


Saraiva, 2014.

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Central de compras: a condutora de eficiência e padronização nas compras públicas da administração gerencial

TORRES, Ronny Charles Lopes de; PEDRA, Anderson Sant’Ana;


OLIVEIRA, Rafael Sérgio de. A mística da impossibilidade de
pagamento antecipado pela administração pública. Disponível
em:< https://ronnycharles.com.br/a-mistica-da-impossibilidade-de-
pagamento-antecipado-pela-administracao-publica/ >. Acesso em: 07
de dez. 2022.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 197
João Batista de Carvalho Neto e
Lucas Matos de Abreu
João Batista de Carvalho Neto e Lucas Matos de Abreu

OS CONFLITOS DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS SOB


A ÉGIDE DA NOVA LEI DE LICITAÇÃO (14.133/2021)

João Batista de Carvalho Neto1


Lucas Matos de Abreu2

RESUMO
Os princípios constitucionais são pilares essenciais para a estrutura organizacional social, além de
serem imprescindíveis para a elaboração de normas e institutos jurídicos que visam a aplicação
e a eficácia das leis em benefício da sociedade. Sabe-se que não é de hoje que estes princípios
são tidos, por vezes, como conflitantes, o que gera uma enorme discussão em torno do que é,
de fato, mais importante. Em que pese os procedimentos licitatórios, tem-se que não é diferente,
pois tais conflitos de princípios põe a Administração Pública em objeções e dificuldades diante
da análise de uma espécie de “pesos e medidas” que se tornam ainda mais complexos quando
se trata da busca pelo bem social. Tanto a antiga lei de licitações quanto a nova trazem uma
abordagem discreta sobre este tema, tornando o papel da Administração Pública por vezes ainda
mais delicado, sobretudo quando se depara com um conflito entre princípios que asseguram a
saúde (princípio da Dignidade da Pessoa Humana), em detrimento do princípio da livre iniciativa,
ambos garantidos pela Constituição Federal.
Palavras-chave: Princípios constitucionais; Conflitos; Licitações públicas; Dignidade da pessoa
humana; Livre iniciativa.

ABSTRACT
Constitutional principles are essential pillars for the social organizational structure, in addition
to being essential for the elaboration of norms and legal institutes aimad at the application and
effectiveness of laws for the benefit of society. It is known that it is not new that these principles
are sometimes seen as conflicting, which generates an enormous discussion around what is, in
fact, more important. Despite the bidding procedures, it isassumed that it is no different, since such
conflicts of principles put the public administration in objections and difficulties in the face of the
analysis of a kind of “weights and measures” that become even more complex when it comes to
the pursuit of the social good. Both the old bidding law and the new one bring a discreet approach
to this issue, sometimes making the role of public administration even more delicate, especially
when faced with a conflict between principles that ensure health (principle of human dignity), to
the detriment of the principle of free enterprise, both guaranteed by the Federal Constitution.
Keywords: Constitutional principles; Conflicts; Publicbids; Dignity of human person; FreeInitiative.

1
João Batista de Carvalho Neto,Bacharel em Direito pela Estácio de Sá (CEUT), Advogado inscrito nos quadros da OAB sob
nº 21.826 e Servidor Público do Estado do Piauí.
2
Lucas Matos de Abreu, Bacharel em Direito pela UNIASSAU,Advogado inscrito nos quadros da OAB sob nº 21.132 eServidor
Público do Estado do Piauí.

198 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Os conflitos de princípios constitucionais sob a égide da nova lei de licitação (14.133/2021)

1 INTRODUÇÃO

As licitações públicas são, de modo geral, instrumentos legais


utilizados pela Administração Pública para contratação de serviços ou
aquisição de bens e insumos que visam atender os interesses e as
necessidades da sociedade como um todo.
No entanto, ao passo em que há uma observação das formalidades
legais, deve haver uma atenção aos preceitos fundamentais e constitucionais
para que algumas alas da sociedade não saiam prejudicadas em detrimento
de outra, como ocorre por vezes quando os prestadores de serviços e
fornecedores de bens e insumos são demasiadamente afetados por
inobservância da legislação.
Existem limites impostos pelas normas que norteiam este instituto,
sobretudo a NLLC nº 14.133/2021 e Decreto nº 7.892/2013, e que garantem
a preservação tanto da coisa pública, quanto da coisa privada. O respeito
a estes limites priorizam uma gama de instrumentos, técnicas e expertises
para que fique assegurada aplicação da legislação em consonância com
os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da livre
iniciativa, tendo como exemplo a possibilidade da negociação do preço
para que as devidas adequações dos valores sejam feitas ainda em sede
administrativa, a fim de que seja alcançada a finalidade da licitação, que
é a aquisição do bem ou serviço, e que seja respeitada a livre iniciativa
da empresa participante de optar pelo preço que deseja fornecer, o que
desemboca em uma maior segurança jurídica e social tanto para o ente
contratante quanto para o fornecedor contratado.
De modo geral, é importante, ou até mesmo necessário, que haja
uma padronização dos procedimentos dos acordos administrativos em
certames licitatórios, dando maior eficácia e flexibilidade na apresentação de
propostas pelos pregoeiros e elasticidade quanto ao aceite do fornecedor.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 199
João Batista de Carvalho Neto e Lucas Matos de Abreu

Assim, é necessário que haja uma análise minuciosa dos certames


licitatórios, sobretudo do registro de preço, a fim de verificar as abordagens
administrativas dos pregoeiros em prol de conseguir os melhores acordos
com os fornecedores, além de compreender o meio utilizado pela
Administração Pública para alcançar o objetivo final que é a redução da
proposta para a aquisição do bem ou serviço.
Ademais, é necessário também que seja feito um estudo acerca
da construção de parâmetros metodológicos para o estabelecimento dos
limites imposto pelo Decreto 7.892/2013 a luz da NLLC nº 14.133/2021 em
detrimento das legislações correlatas, sobretudo como a utilizada neste
artigo como exemplo, qual seja a Lei nº 10.742/2003, que define normas
de regulação para o setor farmacêutico e cria a CMED, objetivando, por
fim, a definição de preceitos para a construção de soluções amigáveis
ainda em fase administrativa.
O Decreto 7.892/2013 delimita e regula o sistema de registro de
preços, o qual é trazido pela Nova Lei de Licitações e Contratações
Públicas, Lei nº 14.133/2021, em seu artigo art. 82.
Um exemplo claro da necessidade dos limites dos referidos atos
normativos em detrimento de legislações e normas correlatas estão
expostas na Lei nº 10.742/2003que define normas de regulação para o
setor farmacêutico e cria a CMED, dá a ela a competência para normatizar
a respeito dos preços de medicamentos no mercado brasileiro.
E, dentro desta atribuição, as tabelas da CMED são a referência
de precificação de medicamentos, tal como se pode extrair, inclusive, da
parte introdutória da tabela de “PREÇOS MÁXIMOS DE MEDICAMENTOS
POR PRINCÍPIO ATIVO, PARA COMPRAS PÚBLICAS PREÇO FÁBRICA
(PF) E PREÇO MÁXIMO DE VENDA AO GOVERNO (PMVG).
Ou seja, fica subentendido que os valores praticados no mercado e
acordados entre pregoeiros e fornecedores tornam-se totalmente inerentes e

200 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Os conflitos de princípios constitucionais sob a égide da nova lei de licitação (14.133/2021)

completamentedependentes da citada regulação, sem qualquer observância


sequer do preço de referência praticado no mercado.
A metodologia foi por meio analítico-dissertativa, tendo como base
a Nova Lei de Licitações e Contratações Públicas, Lei nº 14.133/2021, o
Decreto nº 7.982/2013 e o Decreto nº 10.742/2013, e demais legislações
correlatas, abrangendo o estudo por meio da doutrina jurídica em paralelo
com as jurisprudênciasdos tribunais pátrios

2 OS CONFLITOS ENTRE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAISMEDIANTE


AS LICITAÇÕES PÚBLICAS

2.1 Os princípios da dignidade da pessoa humana e da livre iniciativa

Ao longo dos anos, a convivência dos seres humanos em sociedade


fez com que fossem criadas formas de organização a fim de garantir a
ordem e a pacificidade. Surgiram Estados, normas, regras e direitos –
criados conforme as relações evoluíam e se tornavam mais complexas.
Um dos valores fundamentais está o da dignidade da pessoa humana,
que tem como foco a garantia da vida digna e pode ser entendido como
a garantia das necessidades vitais de cada indivíduo.
É um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito e tem
sua previsão no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal. Assim, é
fundamento basilar da República.
No entanto, o ordenamento jurídico não conta com uma definição
específica, restando a inúmeros autores a busca pela identificação do
conceito da dignidade humana.
Alexandre de Morais, em sua obra “Direito Constitucional” (2017,
33ª ed.), conceitua dignidade como:

“Um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se


manifesta singularmente na autodeterminação consciente e
responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 201
João Batista de Carvalho Neto e Lucas Matos de Abreu

ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um


mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar
de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas
limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre
sem menosprezar a necessária estima que merecem todas
as pessoas enquanto seres humanos e a busca ao Direito
à Felicidade”

André Ramos Tavares (2020, 18ª ed.) explica que não é uma tarefa
fácil conceituar a dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, aponta a
explicação de tal princípio nas palavras de Werner Maihofer:

“A dignidade humana consiste não apenas na garantia


negativa de que a pessoa não será alvo de ofensas ou
humilhações, mas também agrega a afirmação positiva do
pleno desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo.
O pleno desenvolvimento da personalidade pressupõe,
por sua vez, de um lado, o reconhecimento da total auto
disponibilidade, sem interferências ou impedimentos externos,
das possíveis atuações próprias de cada homem; de outro,
a autodeterminação (SelbstbestimmungdesMenschen) que
surge da livre projeção histórica da razão humana, antes que
de uma predeterminação dada pela natureza”

E por fim, Ana Paula de Barcellos (2019, 2ª ed.), explica que:

“A dignidade humana pode ser descrita como um fenômeno


cuja existência é anterior e externa à ordem jurídica, havendo
sido por ela incorporado. De forma bastante geral, trata-
se da ideia que reconhece aos seres humanos um status
diferenciado na natureza, um valor intrínseco e a titularidade
de direitos independentemente de atribuição por qualquer
ordem jurídica”

Outro ponto importante a ser mencionado a respeito da dignidade


da pessoa humana é que ela constitui um dos elementos que compõe
o mínimo existencial. Conforme salienta Flávia Piovesan em sua obra

202 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Os conflitos de princípios constitucionais sob a égide da nova lei de licitação (14.133/2021)

Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional (2018, 18ª ed.),


tal entendimento obriga o intérprete da norma a aplicá-la de forma mais
“favorável à proteção dos direitos humanos”.
A dignidade da pessoa humana engloba os preceitos básicos do bem
estar social que estão elencados no artigo 6º da Carta Magna (CRFB/88),
tais como direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância,
a assistência aos desamparados.
Dentro do mesmo instituto, tem-se o principio da livre iniciativa,
que pode ser entendido, de forma resumida, como a possibilidade de um
cidadão comum participar do mercado sem a necessidade de autorização
ou aprovação do Estado.
O art. 170, de Constituição Federal, estabelece que a ordem
econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,
tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social.
Basicamente, a Constituição Federal assegura aos brasileiros e
residentes no país o direito de se estabelecer como empresário.
Mas isto não quer dizer que o Estado tem controle zero sobre o
mercado. No Brasil, há um controle sobre a concorrência, com o intuito
de evitar que a livre iniciativa leve o país à alguma forma de capitalismo
selvagem, pois os concorrentes – empresas livres para existir no mercado
– não podem se controlar entre si.
No universo jurídico, a ocorrência de conflitos entre os princípios
constitucionais é corriqueira e constante, dando ao judiciário o papel de
ponderar e pesar tais princípios de acordo com cada caso.
Dentro do contexto da Administração Pública, o entendimento não
é diferente, pois é papel do poder público utilizar todos os artifícios legais
para garantir a população uma qualidade de vida digna, mas sem ferir ou
constranger as outras alas da sociedade.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 203
João Batista de Carvalho Neto e Lucas Matos de Abreu

Sendo assim, o papel da Administração Pública, neste caso, é


ponderar e pesar os interesses da sociedade mediante tais princípios,
observando a legislação e aplicando-a de forma mais eficiente possível, para
garantir os direitos sociais da população (dignidade da pessoa humana) e
ao mesmo tempo proteger as empresas de abusos e prejuízos exacerbados
(livre iniciativa).

2.2 A utilização da via judicial como meio de obrigar empresas a


fornecerem medicamentos com base na tabela CMED

Um exemplo claro dasobreposição de princípios, conforme citado


no tópico anterior, é justamente as constantes ações judiciais propostas
por entes públicos em face de empresas visando a obrigatoriedade da
adequação do preço dos medicamentos segundo a tabela CMED, a qual
foi instituída pela Lei nº 10.742, de 6 de outubro de 2003.
A Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) é o
órgão interministerial responsável pela regulação econômica do mercado
de medicamentos no Brasil e a Anvisa exerce o papel de Secretaria-
Executiva da Câmara.
A CMED estabelece limites para preços de medicamentos, adota
regras que estimulam a concorrência no setor, monitora a comercialização
e aplica penalidades quando suas regras são descumpridas. É responsável
também pela fixação e monitoramento da aplicação do desconto mínimo
obrigatório para compras públicas.
Desse modo, o ideal seria que todos os procedimentos que
envolvessem medicamentos fossem realizados mediante aaplicaçãodos
limites impostos pela tabela CMED, porém, na prática nem sempre é
possível, haja vista que as atualizações dos valores dos medicamentos no
Brasil pode se dar por diversos motivos, seja por escassez ou abundância
de determinado insumo, mudança nas taxas de importação e exportação,

204 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Os conflitos de princípios constitucionais sob a égide da nova lei de licitação (14.133/2021)

variação da demanda, dentre outros motivos que afetam a precificação


de cada medicamento.
Com isso, os preços praticados dos medicamentos podem sofrer
alterações além dos valores postos na referida tabela CMED, levando as
empresas a acompanharem a volatilidade do mercado, assegurando o
princípio da livre iniciativa.
Por outro lado, por diversas vezes, as licitações de medicamentos
restam fracassadas ou desertas, pois os preços expostos na tabela CMED
por vezes dificulta a participação das empresas, prejudicando a aquisição
do insumo e consequentemente sua distribuição para a população, o que
afeta diretamente o princípioconstitucional da dignidade da pessoa humana.
Visando assegurar este princípio, os entes públicos que lançam
os certames licitatórios buscam, em alguns casos, mediante ações civis
públicas,a determinação por parte do poder judiciário no sentido de obrigar
as empresas que participam das licitações que adequem seus preços para
a tabela CMED, que nem sempre estar de acordo com os valores praticados
no mercado, ocorrendo ai a sobreposição de princípios constitucionais,
anulando um (livre iniciativa) em detrimento de outro (saúde – dignidade
da pessoa humana).
Como exemplo, podemos citar as seguintes jurisprudências:

“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - LICITAÇÃO PARA COMPRA


DE MEDICAMENTOS - NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA
DA TABELA DE PREÇOS FIXADA PELA CÂMARA DE
REGULAÇÃO DO MERCADO DE MEDICAMENTOS -
AUSÊNCIA DE PREVISÃO EDITALÍCIA - IMPROCEDÊNCIA
DO PEDIDO INICIAL - RECURSO NÃO PROVIDO.
Considerando-se que o Edital constitui instrumento vinculante
e definidor das normas a serem seguidas no processo de
licitação, a necessidade de utilização da tabela da CMED para
fins de fixação do preço deveria constar expressamente do
edital do certame. Nestes termos, inexistindo no edital previsão

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 205
João Batista de Carvalho Neto e Lucas Matos de Abreu

neste sentido, não há como se exigir da empresa vencedora a


sua observância, impondo-se a improcedência do pedido de
ressarcimento ao erário. (TJ-MG - AC: 10000212321921001
MG, Relator: Geraldo Augusto, Data de Julgamento:
12/07/2022, Câmaras Cíveis / 1ª CÂMARA CÍVEL, Data de
Publicação: 13/07/2022)”
“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - PRELIMINARES - DESERÇÃO
- AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO AOS FUNDAMENTOS
DA SENTENÇA - REJEIÇÃO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA
- REQUISIÇÃO ADMINISTRATIVA - SITUAÇÃO DE
CALAMIDADE PÚBLICA EVIDENCIADA - FORNECIMENTO
DE MEDICAMENTOS - ART. 15, INCISO XIII DA LEI FEDERAL
Nº 8.080/1990 - AUSÊNCIA DE DISTINÇÃO LEGAL ENTRE
EMPRESAS FABRICANTES OU DISTRIBUIDORAS DE
MEDICAMENTOS
LEGALIDADE DO DECRETO MUNICIPAL - MEDIDA QUE
SE DESTINA AO IMPLEMENTO DO DIREITO À SAÚDE -
IMPOSSIBILIDADE DE AQUISIÇÃO DOS FÁRMACOS PELA
EMPRESA REQUISITADA NÃO COMPROVADA - EMPRESA
QUE JÁ FORNECEU OS FÁRMACOS - PREVISÃO NA
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL DE COMPENSAÇÃO FINANCEIRA
PELO FORNECIMENTO DOS MEDICAMENTOS -
UTILIZAÇÃO DA TABELA CMED - LEGALIDADE - RECURSO
DESPROVIDO. 1 - Concedidos os benefícios da justiça gratuita
à recorrente, deve ser afastada a preliminar de deserção.
2 - Deve ser rejeitada a preliminar de não conhecimento
do recurso por ofensa ao princípio da dialeticidade se, nas
razões recursais, foi especificamente impugnado o fundamento
da decisão atacada. 3 - A Lei Federal nº 8.080/90 que
dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e
recuperação da saúde, a organização e o funcionamento
dos serviços correspondentes, no âmbito do SUS, em seu
art. 15, inciso XIII, permite à Administração Pública que, em
situações de perigo iminente e de calamidade pública, requisite
administrativamente o fornecimento de bens e serviços ao
particular para atender as demandas da coletividade. 4 - O
Poder Público, diante de situação de calamidade pública,
poderá requisitar os bens e serviços que necessita “tanto de
pessoas naturais como de jurídicas”, não havendo qualquer

206 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Os conflitos de princípios constitucionais sob a égide da nova lei de licitação (14.133/2021)

restrição quanto ao particular demandando, sendo possível,


portanto, compelir a empresa cuja atividade seja apenas de
distribuição e armazenamento de medicamentos, mormente a
se considerar que os elementos trazidos aos autos delinearam
que a empresa recorrente já vinha realizando o fornecimento de
fármacos ao município. 4- Ilegalidade na conduta perpetrada
pelo município não evidenciada nos autos, sobretudo porque
a medida visa essencialmente entregar à população local os
medicamentos que necessitam, dando, por consequência,
efetividade ao direito constitucional à saúde previsto no art.
196 da Carta Constitucional. 5
As alegadas dificuldades de aquisição dos fármacos junto às
empresas fabricantes, não restaram comprovadas nos autos,
mormente a se considerar que a requisição administrativa prevê
a compensação financeira pela disponibilização dos fármacos
mediante o pagamento da tabela CMED, conforme autoriza a
Lei Federal nº 10.742/2003. 6 - Recurso desprovido. (TJ-MG -
AC: 10572160015739004 MG, Relator: Sandra Fonseca, Data
de Julgamento: 21/05/2019, Data de Publicação: 31/05/2019)”

Com base na análise dos casos acima, nota-se que o poder pública
buscou, por via judicial, a coibição da empresa vencedora do certame para
que forneça os medicamentos segundo a tabela da CMED, afetando o
princípio da livre iniciativa.
Entretanto, tanto a Lei nº 8.666/1993 quanto a nova Lei nº 14.133/2021,
em conjunto com os decretos que regulam o sistema de registro de preços e
o pregão, trazem a possibilidade de negociação ainda na fase administrativa
enquanto ocorre o certame licitatório, devendo o licitante e o pregoeiro
buscarem o melhor preço possível para a Administração sem prejuízo
para as empresas.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 207
João Batista de Carvalho Neto e Lucas Matos de Abreu

3 A POSSIBILIDADE DE NEGOCIAÇÃO TRAZIDA PELA LEGISLAÇÃO


E SUA APLICAÇÃO PELO PREGOEIRO JUNTAMENTE COM OS
LICITANTES

A fim de diminuir os conflitos de princípios paraevitar os abusose


buscar o melhor preço para a Administração Pública, a legislação prevê
a possibilidade do pregoeiro de realizar negociações juntamente com
os licitantes visando o melhor preço para a Administraçãosem que haja
prejuízo para as empresas, sendo toda a negociação realizada mediante
a plataforma em que o certame licitatório encontra- se cadastrado.
Até a edição da Lei nº 12.462, havia somente três hipóteses de
negociaçãode propostas em procedimentos licitatórios. (PEREIRA JUNIOR,
J. T., 2009, 8ª ed.)
A primeira é a do art. 46, § 1º, inc. II da Lei nº 8.666, que prevê
anegociação nas licitações do tipo melhor técnica. O autor da melhor
propostatécnica será convocado a reduzir o seu preço até o valor da proposta
de menorpreço entre aqueles licitantes que obtiveram a valorização mínima.
A segunda é a do art. 4º, inc. XVII, da Lei nº 10.520, que prevê
anegociação no âmbito do pregão. Neste caso, o pregoeiro poderá
negociardiretamente com o autor da proposta classificada em primeiro
lugar para o fimde obter preço melhor. Este é o mecanismo de negociação
maisfrequentemente adotado.
A terceira é a do art. 64, § 2º, da Lei nº 8.666, que prevê a convocação
doslicitantes remanescentes quando o vencedor deixa de firmar o contrato.
Essahipótese não é usualmente referida pela doutrina como uma modalidade
denegociação, mas seus termos são similares. Em face da desistência do
licitantevencedor, a Administração poderá convocar o segundo colocado e
lhe proporque modifique sua proposta para as mesmas condições previstas
na propostavencedora.

208 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Os conflitos de princípios constitucionais sob a égide da nova lei de licitação (14.133/2021)

Neste interim, oDecreto nº 7.892/2013, que regula o sistema de


registro de preços, em seu artigo 18, afirma que quando o preço registrado
tornar-se superior ao preço praticado no mercado por motivo superveniente,
o órgão gerenciador convocará os fornecedores para negociarem a redução
dos preços aos valores praticados pelo mercado, afirmando ainda no
mesmo artigo no parágrafo primeiro queos fornecedores que não aceitarem
reduzir seus preços aos valores praticados pelo mercado serão liberados
do compromisso assumido, sem aplicação de penalidade.
Ademais, o art. 19 do mesmo diploma também assevera que quando
o preço de mercado tornar-se superior aos preços registrados e o fornecedor
não puder cumprir o compromisso, o órgão gerenciador poderá liberar o
fornecedor do compromisso assumido, caso a comunicação ocorra antes
do pedido de fornecimento, e sem aplicação da penalidade se confirmada
a veracidade dos motivos e comprovantes apresentados e convocar os
demais fornecedores para assegurar igual oportunidade de negociação
Na mesma esteira versa a o art. 4, inciso XVI, da Lei nº 10.520/2002,
a qual institui sobre o pregão no âmbito das licitações públicas, afirmando
no artigo citado que se a oferta não for aceitável ou se o licitante desatender
às exigências habilitatórias, o pregoeiro examinará as ofertas subsequentes
e a qualificação dos licitantes, na ordem de classificação, e assim
sucessivamente, até a apuração de uma que atenda ao edital, sendo o
respectivo licitante declarado vencedor.
Não diferente é o entendimento da Nova Lei de Licitações e
Contratações Públicas nº 14.133/2021, aduzindo em seu art. 61 que definido
o resultado do julgamento, a Administração poderá negociar condições
mais vantajosas com o primeiro colocado, acrescentando nos parágrafos
primeiro e segundo, respectivamente, que a negociação poderá ser feita
com os demais licitantes, segundo a ordem de classificação inicialmente
estabelecida, quando o primeiro colocado, mesmo após a negociação, for
desclassificado em razão de sua proposta permanecer acima do preço

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 209
João Batista de Carvalho Neto e Lucas Matos de Abreu

máximo definido pela Administração, e que a negociação será conduzida


por agente de contratação ou comissão de contratação, na forma de
regulamento, e, depois de concluída, terá seu resultado divulgado a todos
os licitantes e anexado aos autos do processo licitatório.
Se levarmos em consideração o texto da Nova Lei de Licitações e
Contratos Administrativos, é possível verificar que não há propriamente uma
fase de negociação. O art. 17 desta lei determina que o processo licitatório
será dividido em sete fases, a saber: i) preparatória; ii) de divulgação do
edital de licitação; iii) de apresentação de propostas e lances, quando for o
caso; iv) de julgamento; v) de habilitação; vi) recursal; e vii) de homologação.
A negociação não é, portanto, uma fase em si, mas a última das
subfases da fase de julgamento, uma vez que esta se subdivide em: a)
classificação inicial das propostas; b) desclassificação das propostas nas
hipóteses previstas na lei; c) desempate; e d) negociação (DI PIETRO,
2020, 33ª ed.).
Todas as normas citadas acima são meios pelo qual a legislação
resguarda tanto o princípio da dignidade da pessoa humana, pois garante
a aquisição do insumo ou serviço de forma célere, quanto o princípio da
livre iniciativa, pois garante as empresas o direito de decidirem fornecer
por um preço em que não tenham prejuízos.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste interim, a Administração Pública deve estabelecer critérios


para a devida aplicação da Lei de Licitações, de modo que nenhum
setor da sociedade saia prejudicado ou demasiadamente beneficiado em
detrimento dos demais setores.
Para tanto, a análise deve se dar em cima das demais normas que
rodeiam o sistema jurídico e administrativo, devendo cada regimento ser
estritamente analisado e aplicado caso a caso.

210 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Os conflitos de princípios constitucionais sob a égide da nova lei de licitação (14.133/2021)

A Administração não pode somente priorizar uma parcela ou uma


gama da população em detrimento de outra, sob risco de sobrepor
os princípios constitucionais, pois estes devem ser realocados para
aplicação mútua.
Sendo assim, a negociação ainda no certame licitatório realizada
pelo pregoeiro com os demais licitantes, trazida pela legislação, garante a
aplicação dos princípios de forma ordenada e justa, garantindo a todos os
direito que lhes são dados sem prejudicar os deveres que lhes são impostos.
Por fim, vale trazer aqui as observações de Marçal Justen Filho a
propósitoda negociação do pregão: “Devem ser adotadas todas as cautelas
para evitar que o ideal de ampliar benefícios em favor da Administração
Pública seja transformado em um pesadelo de corrupção. Por isso,
somente se pode conceber a instauração de uma etapa de negociação
se acompanhada de todas as garantias de probidade e lisura”.

REFERENCIAS

BARCELLOS, Ana Paula de. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed.


Rio de Janeiro. Forense, 2019.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 33ª ed. São Paulo.


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PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional


Internacional. 18ª ed. São Paulo. Saraiva, 2018.

TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 18ª ed.


São Paulo. Saraiva, 2020.

BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Cível


n. 10000212321921001. Recorrente: Município de Contagem – MG.
Recorrido: BH Farma Comércio LTDA. Relator: Des. Geraldo Augusto.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 211
João Batista de Carvalho Neto e Lucas Matos de Abreu

Minas Gerais, 13 de julho de 2022. Disponível em: https://www.jusbrasil.


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BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Cível


n. 10572160015739004. Recorrente: MEDWAY LOG COMÉRCIO E
SERVIÇOS LTDA.

Recorrido: Município de Santa Bárbara. Relator: Des. Sandra Fonseca.


Minas Gerais, 21 de março de 2019. Disponível em: https://www.
jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-mg/716698930/inteiro-teor-716698980
Acesso em 13/12/2022.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 33. ed. Rio


de Janeiro: Forense, 2020.

GÓES, Luma Damasceno; AUGUSTO, Walter Marquezan.


Recomendações para a fase de negociação na licitação: o que
é a (sub)fase de negociação em uma licitação? São Paulo: Schiefler
Advocacia, 2022. Disponível em: https://schiefler.adv.br/recomendacoes-
para-a-fase-de-negociacao-na-licitacao-o- que-e-a-subfase-de-
negociacao-em-uma-licitacao/ Acesso em: 15 dez. 2022.

PEREIRA JUNIOR, J. T. Comentários à Lei das Licitações e


Contratações da Administração Pública. 8. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2009, p. 554.

JUSTEN NETO, Marçal. A negociação de condições mais vantajosas


após o resultado do julgamento no Regime Diferenciado de
Contratação (Lei 12.462/2011). Informativo Justen, Pereira, Oliveira
e Talamini, Curitiba, n.º 55, setembro de 2011, disponível em http://
www.justen.com.br/informativo, acesso em 15/12/2022.

212 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Marciano Machado de Oliveira e
Valéria de Sousa Santos
A ponderação das irregularidades na licitação ou na execução contratual face ao interesse público na lei 14.133/2021

A PONDERAÇÃO DAS IRREGULARIDADES NA


LICITAÇÃO OU NA EXECUÇÃO CONTRATUAL FACE AO
INTERESSE PÚBLICO NA LEI 14.133/2021

Marciano Machado de Oliveira1


Valéria de Sousa Santos2

RESUMO
A nova Lei de Licitações e Contratos (NLLC) é uma das principais alterações legislativas
no âmbito da Administração Pública em 2021. O marco legal das licitações e contratos
administrativos foi modernizado e teve grande parte alterada. Com isso, vieram diversas mudanças
e aperfeiçoamentos. Este artigo visa trabalhar o tema das irregularidades nas licitações e na
execução de contratos administrativos face ao interesse público sob a ótica da NLLC. Nesse
sentido, o objetivo geral buscou resolver o seguinte problema de pesquisa: A ponderação dos
efeitos jurídicos contida no Art. 147 da NLLC é novidade no ordenamento legal pátrio? A partir
do objetivo geral, o tema é estudado sob base eminentemente bibliográfica, com procedimento
de leitura e fichamento de textos em livros, artigos científicos, dissertações, teses e consulta de
legislação sobre o tema proposto. Como resultado constatou-se que a ponderação dos efeitos
comumente esperados diante de irregularidade em Licitações e Contratos Administrativos não
representa uma atenuação dos efeitos jurídicos esperados, mas sim a modulação de efeitos,
tais como demonstrados na disciplina das nulidades decorrentes do controle concentrado de
constitucionalidade por parte do STF ou no âmbito infraconstitucional representada pela nova
redação do Código de Processo Civil de 2015.
Palavras-chave: Lei 14.133/2021. Irregularidades. Sanções. Ponderação. Efeitos.

ABSTRACT
The new Biddings and Agreements Law (NBAL) it´s one of the main legislative changes in the ambt
of Public Administration in 2021. The legal milestone of biddings and administratives agreements
has been modernized and had much of it altered. Therewith, diverse changes and improvements
have come. This article aims to work the issues in biddings and performs in administatives
agreements in the face of the public interest under the perspective of NBAL. In this sense, the
general objetive sought to solve the following research problem: Is the weighting of the legal
effects contained in Art.147 of the NBAL new in the national legal system? Based on the general
objective, the theme is studied by eminently bibliographic basis, with procedure for reading and
filing of texts in books, scientifc articles, dissertations, theses and consultation of legislation
on the proposed theme. As a result, it was found that the weighting of the commonly expected
effects in the face of irregularity in Biddings and Administrative Contracts does not represent an
attenuation of the expected legal effects, but rather the modulation of effects as demonstrad in the
discipline of nullities resulting from the concentrated control of constitutionalities by the STF or in
the infraconstitutional ambt represented by the new wording of the Civil Procedure Code of 2015.
Keywords: Law 14.133/2021. Irregularities. Sanctions. Ponderations. Effects.Keywords:

1
Bacharel em Direito. Aluno do curso de especialização em Licitações e Contratos com ênfase na Lei n. 14.133/2021 e Habi-
litação em Pregoeiro. Escola Superior de Advocacia do Piauí. E-mail: marcianomachado1@gmail.com
2
Bacharel em Direito. Aluna do curso de especialização em Licitações e Contratos com ênfase na Lei n. 14.133/2021 e Habi-
litação em Pregoeiro. Escola Superior de Advocacia do Piauí. E-mail: valsousasantos@gmail.com

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 213
Marciano Machado de Oliveira e Valéria de Sousa Santos

1 INTRODUÇÃO

A nova Lei de Licitações e Contratos (NLLC) é uma das principais


alterações legislativas no âmbito da Administração Pública em 2021. A
norma substitui a Lei n° 8.666/1993, a Lei do Pregão (Lei n° 10.520/2002)
e o Regime Diferenciado de Contratações (RDC — Lei n° 12.462/11). O
marco legal foi modernizado e teve grande parte alterada.
Com isso, vieram diversas mudanças e aperfeiçoamentos, dentre as
quais se destacam a necessidade de uma gestão baseada em competências
e inovações em todas as fases do planejamento de compras, processo
licitatório e execução contratual. O legislador nacional preocupou-se em
estruturar a ideia de planejamento, governança, profissionalização dos
recursos humanos, além de prever a necessidade dos controles internos
e gestão de riscos, voltando os olhos para temas além do procedimento
licitatório em si, objetivando que a administração atue de forma mais atenta
para que, desde a fase doméstica, em que a licitação está sendo gestada,
já sejam consideradas eventuais intempéries que possam acometer o
procedimento licitatório e, evita-se assim, que o contrato não obtenha
resultados negativos.
Dentre as inovações merece destaque a contida no Art. 147 que
trata dos efeitos jurídicos comumente esperados diante da confirmação
da existência de irregularidades nos procedimentos licitatórios ou no
curso da execução contratual, permitindo-se a Administração um esforço
modulatório dos efeitos tendo por substrato o interesse público.
Nesse diapasão, o presente estudo buscou resolver o seguinte
problema de pesquisa: A nova lei de licitações representa atenuação dos
efeitos jurídicos a procedimentos licitatórios ou contratos eivados de vícios?
De forma a atender à pergunta central da pesquisa a hipótese
trabalhada foi a de que a nova lei abrandou os efeitos jurídicos decorrentes
de irregularidades nas licitações ou na execução dos contratos com um

214 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A ponderação das irregularidades na licitação ou na execução contratual face ao interesse público na lei 14.133/2021

viés sancionatório mais atenuado em relação aos regramentos legais


que veio substituir em prol do interesse público. Para tanto, outras
hipóteses complementares a principal foram necessárias para sua
efetiva compreensão: As infrações e sanções expressamente previstas
na NLLC trouxeram significativas alterações para aplicabilidade das regras
sancionatórias no contexto das licitações e contratos administrativos; A
ponderação dos efeitos jurídicos contida no Art. 147 da NLLC é novidade
no Direito Brasileiro e O Art. 147 da NLLC não é suficiente para definir
os contornos da modulação dos efeitos jurídicos a serem aplicados às
irregularidades em licitações e execução de contratos.
O objetivo geral sob o qual se assentou, primeira e fundamentalmente,
o objeto da pesquisa, foi analisar se a Lei 14.133/2021 trouxe atenuação
aos efeitos jurídicos outrora fixados nos regramentos anteriores (Lei nº
8.666/93, Lei nº 10.520/02 e Lei n° 12.462/11) diante de irregularidades
constatadas nos procedimentos licitatórios ou de execução contratual.
Diante disso, para se alcançar esse objetivo central, foram traçados
alguns objetivos específicos, pelos quais se buscou: compreender a
dimensão sancionatória da NLLC, avaliar se a ponderação dos efeitos dos
efeitos jurídicos contida no Art. 147 da NLLC é novidade no âmbito jurídico
e compreender a medida de aplicabilidade do Art. 147 da referida lei.
A escolha do presente tema justifica-se pela importância científica
de se confirmar se o problema em discussão representa uma evolução
da perspectiva sancionatória do Direito Administrativo brasileiro ao ponto
de influenciar outras áreas do Direito. Espera-se ainda que as conclusões
contribuam para a aplicabilidade da nova lei, servindo de subsídios seguros
para a tomada de decisões no meio administrativo e jurídico.
Quanto aos aspectos metodológicos, o estudo possui base
eminentemente bibliográfica, com procedimento de leitura e fichamento
de textos em livros, artigos científicos, dissertações, teses e consulta de
legislação sobre o tema proposto. O recente início da vigência da NLLC

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 215
Marciano Machado de Oliveira e Valéria de Sousa Santos

dificultou a identificação de registros jurisprudenciais que pudessem


contribuir para o estudo.
Conforme Lakatos (2017), o instrumental metodológico está em
sintonia com o problema a ser estudado, pois levou em consideração
diversas variáveis relacionadas com a pesquisa, ou seja, natureza dos
fenômenos, objeto da pesquisa, recursos financeiros, equipe humana
e outros que possam surgir no campo da investigação, com destaque
especial no presente estudo para a não identificação de efeitos concretos
da NLLC em razão de sua contemporaneidade.
Quanto aos métodos de procedimento para o desenvolvimento do
trabalho foram empregados os métodos histórico, comparativo e interpretativo.
O primeiro teve papel fundamental na investigação sobre a evolução da
álea sancionatória prevista nas legislações revogadas pela NLLC.
Como fundamentação teórica inicial da pesquisa dialogamos
tendo por norte os seguintes autores: Mello (2019) e Pietro (2021) com
contribuições substanciais acerca das nulidades no Direito brasileiro,
bem como Nobre Junior (2021), Carvalho (2019) e Vale (2021) com suas
contextualizações legislativas entre a NLCC e as alterações promovidas
pela Lei nº 13.655/2018 na LINDB (Decreto-Lei nº 4.657/1942).
A pesquisa e análise considerou três seções. No primeiro momento
foram apresentados aspectos gerais relacionados a dimensão sancionatória
da NLLC, seguido pelo estudo da ponderação dos efeitos jurídicos contido
no art. 147 numa comparação sistemática com outros dispositivos legais
vigentes no ordenamento pátrio para, ao final, se delimitar a medida da
aplicabilidade do citado artigo.

2 DIMENSÃO SANCIONATÓRIA DA LEI 14.133/2021

Previamente, é importante salientar que o dispositivo legal aplicável


em relação ao tema das sanções está disciplinado no artigo 87 da

216 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A ponderação das irregularidades na licitação ou na execução contratual face ao interesse público na lei 14.133/2021

Lei 8666/93, estabelecendo a possibilidade de advertência, multa, na


forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato, suspensão
temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com
a Administração, por prazo não superior a dois anos e a declaração de
inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública.
Nesse contexto legal, extrai-se ainda que na lei supracitada
não há um dispositivo legal que disponha de forma específica sobre
infrações administrativas, contudo os artigos 81 a 88 disciplinam condutas
e sanções, estas já descritas no parágrafo anterior e que seguem um
sistema progressivo no tocante a severidade na aplicação da mais leve
(advertência) a mais severa (declaração de inidoneidade).
No tocante as inovações trazidas nesse contexto pela Nova Lei de
Licitações e Contratos, Joel de Menezes Niebuhr (2021, p.230) assinala que:

O Título IV da Lei n. 14.133/2021 estabelece o regime das


irregularidades que ameaçam a legitimidade das licitações e
contratos administrativos. Abrange três capítulos. O primeiro
dedicado às infrações imputadas aos particulares e suas
correspondentes sanções. O segundo relacionado aos
meios de questionamento dos atos administrativos através
de impugnações, pedidos de esclarecimentos e recursos. E,
o terceiro pertinente aos mecanismos de gestão de riscos e
controle interno e externo das contratações públicas.

Lei nº 14.133/2021 dedica um capítulo específico às infrações


e sanções administrativas, contempladas entre os arts. 155 a 163. As
alterações em relação às disposições da Lei nº 8.666/93 ocorrem tanto
no rol elencado, como na sua aplicabilidade.
Nesse sentindo Fernanda Marinela e Rogério Sanches Cunha
(2021, p.473) dispõe que:
O art. 155 elenca as condutas do licitante ou do contratado
que são consideradas infrações administrativas, passiveis de
responsabilização. São doze incisos, constatando-se, portanto

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 217
Marciano Machado de Oliveira e Valéria de Sousa Santos

uma postura mais severa por parte do legislador no âmbito


das contratações públicas.
Da mesma forma que a Lei anterior, a nova Lei tipifica como
infração administrativa a inexecução parcial ou total do
contrato. No entanto prevê três situações distintas que deverão
ser observadas individualmente. Assim, será responsabilizado
o licitante ou o contratado que:
a) dar causa à inexecução parcial do contrato, sendo que,
nesse caso, quando não se justificar a imposição de penalidade
mais grave, será aplicada, exclusivamente, a penalidade de
advertência (art.156, § 1º);
b) dar causa à inexecução parcial do contrato que cause
grave dano à Administração, ao funcionamento dos serviços
públicos ou ao interesse coletivo;
c) dar causa a inexecução total do contrato.

Sendo importante ressaltar que considerando a incorporação dos


atos lesivos da Lei da anticorrupção ao regime sancionatório da NLLC,
este contempla, ao todo 19 infrações administrativas licitatórias. Os atos
lesivos da Lei 12.846/2013, em seu art. 5º somente são considerados
infrações administrativas licitatórias se ocorrerem no contexto de uma
licitação ou da execução de um contrato.
Nessa esteira de comparativos em relação a infrações e sanções,
vislumbra oportuno demonstrar a análise de Victor Aguiar Jardim de
Amorim (2021, p.275):

Comparada à sistemática da Lei no 8.666/1993, a NLL


apresenta três diferenças marcantes:
a) ela alcança não apenas os tipos infracionais praticados no
âmbito da execução contratual, mas também as condutas de
todo e qualquer licitante durante a realização do certame, as
quais são tratadas na linha do que dispunha o art. 7º da Lei
no 10.520/2002;
b) há maior pormenorização dos tipos infracionais e dos
pressupostos para a aplicação da sanção e de regras acerca
de dosimetria das penalidades; e

218 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A ponderação das irregularidades na licitação ou na execução contratual face ao interesse público na lei 14.133/2021

c) quanto à penalidade que inviabiliza a participação ou


a contratação do particular pelo Poder Público, além da
“declaração de inidoneidade” (art. 156, IV, NLL), prevê o
“impedimento de licitar e contratar”, cuja abrangência é limitada
ao “âmbito da Administração Pública direta e indireta do ente
federativo que tiver aplicado a sanção” (art. 156, III e § 4o,
NLL (BRASIL, 2021)).

Pelo exposto, observamos que diferentemente da lei anterior, no novo


regime o processo desenvolvido para aplicação das sanções, deverão ser
levadas em consideração alguns aspectos, como a natureza e a gravidade
da infração cometida, peculiaridades do caso concreto, circunstâncias
agravantes ou atenuantes; danos que dela provierem para a Administração
Pública, dentre outros pontos que depois de uma análise mais geral e
completa culminarão na aplicabilidade de forma mais efetiva e eficiente,
gerando maior proveito dos atos já realizados.
Em relação as disposições penais, a partir do art. 178, a Lei 14.133/21
trata acerca dos crimes que podem ser cometidos na execução dos
procedimentos licitatórios e dos contratos administrativos, por meio de
inserção de tipos penais no Código Penal, no capítulo atinente aos Crimes
contra a Administração Pública.
O Código Penal foi alterado, sendo integrado ao Capítulo supracitado
II-B (Art. 178 do PL 4253/20) que trata sobre os crimes relativos a processos
licitatórios e contratos administrativos, que de forma geral dispõe punições
dotadas de mais rigor contra fraudes. Com a nova legislação o Código
Penal passa a conter os seguintes crimes: 1. Contratação direta ilegal
(art. 337-E); 2. Frustração do caráter competitivo de licitação (art. 337-
F); 3. Patrocínio de contratação indevida (art. 337-G); 4. Modificação ou
pagamento irregular em contrato administrativo (art. 337-H); 5. Perturbação
de processo licitatório (art. 337-I); 6. Violação de sigilo em licitação (art.
337-J); 7. Afastamento de licitante (art. 337-K); 8. Fraude em licitação ou

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 219
Marciano Machado de Oliveira e Valéria de Sousa Santos

contrato (art. 337-L); 9. Contratação inidônea (art. 337-M); 10. Impedimento


indevido (art. 337-N); 11. Omissão grave de dado ou de informação por
projetista (art. 337-O); sendo assim imediatamente revogados os arts. 89
a 107 da Lei n.8.666/93.
Posto isto, retomando os dispositivos da Lei nº 14.133/2021, em seu
art. 156, §1º, traz de pontos importantes a se observar, buscando a relação
efetiva de proporcionalidade entre a sanção que seja de fato compatível
com a infração cometida pelo acusado. Destaca-se assim que o dever da
Administração Pública é a apuração e, caso for condizente com alguma
sanção, deverá proceder com a aplicação de forma razoável.
Em caso de comprovação de vício de ilegalidade na licitação ou
na celebração do contrato, que pode figurar a anulação do instrumento
contratual, a lei estabelece a possibilidade de saneamento, tendo em vista
a continuidade do serviço ou atividade. Para uma adequada evolução da
temática impõe-se verificar de forma mais especifica o dispositivo que
comtempla a matéria.

3 A PONDERAÇÃO DOS EFEITOS CONTIDA NO ART. 147 DA LEI


14.133/2021 E O ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO.

Dentre as supostas inovações merece destaque a contida no Art. 147


que trata dos efeitos jurídicos comumente esperados diante da confirmação
da existência de irregularidades nos procedimentos licitatórios ou no
curso da execução contratual, permitindo-se a Administração um esforço
modulatório dos efeitos tendo por substrato o interesse público.
A atualidade do tema despertou a dúvida acadêmica de se aferir
se o problema em discussão representa uma evolução da perspectiva
sancionatória apenas do Direito Administrativo brasileiro, capaz de
influenciar outros ramos do ordenamento jurídico.

220 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A ponderação das irregularidades na licitação ou na execução contratual face ao interesse público na lei 14.133/2021

Apesar da contemporaneidade, reconhece-se que o ordenamento


jurídico brasileiro foi inovado significativamente com a Nova Lei de Licitações
e Contratos, cujo destaque neste trabalho gira em torno dos arts. 147 a
150, especificamente sobre temas relacionados do regime de nulidades,
suspenção da execução dos contratos, assim como dos efeitos da decisão.
Reafirmou-se efetivamente uma visão diferenciada no art. 147,
disciplinando este que, se constatada irregularidade no procedimento
licitatório ou na execução contratual, a administração pública deve
preferencialmente verificar a possibilidade do saneamento, avaliando as
possibilidades de correção das irregularidades, se for relevante ao interesse
público, deixando a opções de suspensão e anulação contratual a serem
aplicadas após avaliação de todos os parâmetros do artigo supracitado.
Na dimensão constitucional a Lei nº 9.868, de 10 de novembro
de 1999, que dispõe sobre “o processo e julgamento da ação direta de
inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante
o Supremo Tribunal Federa” disciplina em seu art. 27 a possibilidade de
mitigação dos efeitos da declaração de nulidade em face das Ações Diretas
de Inconstitucionalidade - ADIs e Ações Diretas de Constitucionalidade -
ADCs que porventura sejam aprovadas por maioria absoluta de 2/3 dos
ministros daquela Corte. É do teor do artigo 27 da Lei n 9.868/99, verbis:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato


normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou
de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal
Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir
os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha
eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro
momento que venha a ser fixado (BRASIL, 1999).

Por seu turno, a análise das questões que envolvem nulidades


contratuais no âmbito da administração pública sempre foi latente em meio
aos doutrinadores no direito administrativo. Nesse sentido, referindo-se aos

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 221
Marciano Machado de Oliveira e Valéria de Sousa Santos

atos inválidos Celso Antônio Bandeira de Melo (2019, p.480), se posiciona


de forma positiva: “O grau de intolerância em relação a eles há de ser
compassado com o tipo de legitimidade se esta é suscetível de ser sanado,
recusar-lhe em tese a possibilidade de suprimento é renegar a satisfação
dons interesses público em múltiplos casos” (MELLO, 2019, p.484).
Nesse sentido é também o entendimento de Maria Sylvia Zanela
di Pietro (2021, p.312):

“nem sempre a invalidação é a melhor solução, já que em


determinadas situações a manutenção do ato ilegal atende
melhor ao interesse público e às necessidades imediatas da
Administração. Isto sem prejuízo da punição dos responsáveis
pela ilicitude. A invalidação de um contrato, por exemplo,
pode levar à necessidade de contratações emergências,
sem licitação, para evitar a paralisação de um serviço ou
obra essenciais”.

A conexão existente entre as inovações trazidas pela NLLC e pela


LINDB, por meio da Lei 13.655/19, de forma mais específica em seu art. 21
proporcionou uma base maior para eficiência das decisões administrativas.
Como explana Morgana Bellazzi de Oliveira Carvalho:

A preocupação da lei é com a melhoraria da qualidade das


decisões públicas no Brasil, segurança jurídica e eficiência
na criação e na aplicação do direito público, como consta,
inclusive, em sua ementa. Dessa forma, seus artigos devem
ser recebidos como normas gerais que nortearão outras
normas e as decisões nas esferas administrativa, controladora
e judicial. Logo, o conteúdo da lei nº 13.655/2018 está alinhado
com a função da Lindb, contemplando disposições que devem
ser recebidas como diretrizes hermenêuticas para outras
normas e decisões (CARVALHO, 2019, p.313)

Percebe-se, portanto, no Art. 147 da NLLC que o tema da invalidade


das manifestações jurídico-administrativas resulta de uma verdadeira

222 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A ponderação das irregularidades na licitação ou na execução contratual face ao interesse público na lei 14.133/2021

revolução cultural, que, nas palavras de Nobre Junior (2021), representam


a superação de concepção fortemente arraigada entre nós de que o
maltrato à legalidade tem, irremediavelmente, como sanção a invalidade.
Quando a questão se relaciona notadamente aos contratos
administrativos, o assunto ganha relevo ao ponto do exame de sua
invalidade envolver a ponderação de “vários aspectos extrajurídicos
relevantes (sociais, econômicos etc.), circundantes das questões legais,
os quais devem ser necessariamente considerados pela Administração
ou ainda, se for o caso, pelo juiz.
Ainda segundo Nobre Junior (2021) apud Aragão (2009), a temática
pode parecer nova recentemente, porém há tempos é percebido pelo
legislador, ante o reclamo insistente da doutrina. Trata-se da preocupação
com os “desígnios da realidade na vida social”. Reconhece-se, portanto, o
interesse público como essencial para a concretização da segurança jurídica,
na vinculação da atuação administrativa à juridicidade, na eficiência da
atuação da Administração Pública, no resguardo dos direitos fundamentais
individuais, em uma atuação administrativa comprometida com a democracia,
e outros tantos postulados essenciais ao Estado de Direito democrático e
social evidenciados recentemente pelas alterações promovidas pela Lei
nº 13.655/2018 na LINDB (Decreto-Lei nº 4.657/1942), bem como pelos
artigos 147 e 148 da Lei nº 14.133/2021 (VALE, 2021).
No mesmo sentido CHINELATO (2017) destaca a evolução do Direito
brasileiro na modulação dos efeitos de decisões no âmbito infraconstitucional
representada pela nova redação do Código de Processo Civil de 2015.
Segundo o autor a Lei 13.655/2018 permitiu se avançar na construção
do Direito interpretando-o com base nos sistemas de precedentes do
Superior Tribunal de Justiça. Apesar de temas relevantes ainda estarem
fora desse recorte a tendência natural do Direito, como ciência social é
seguir um “caminho evolutivo natural, ao seu tempo, contemplando e
discutindo as teses jurídicas sob os valores sociais contemporâneos”,

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 223
Marciano Machado de Oliveira e Valéria de Sousa Santos

analisando a fundo caso a caso e se materializando em sentenças que


afastem distorções e injustiças.
Tomando por base uma interpretação sistemática dos institutos
jurídicos citados é possível situar a disciplina trazida pelo Art. 147 da NLLC
como mais uma manifestação da evolução da ciência jurídica no sentido de
equalizar as consequências práticas de determinadas decisões, inclusive
na seara administrativa, com vistas ao alcance da finalidade maior do
Estado, qual seja a satisfação do interesse público. O permissivo legal
contido especificamente no Art. 147 da Lei 14.133/2021 não representa
uma atenuação dos efeitos jurídicos comumente esperados diante da
confirmação de irregularidades no curso de procedimentos licitatórios
ou execução de contratos administrativos, mas sim a modulação de
efeitos, tais como demonstrados na disciplina das nulidades decorrentes
do controle concentrado de constitucionalidade por parte do STF ou no
âmbito infraconstitucional representada pela nova redação do Código de
Processo Civil de 2015.
Os contornos dessa modulação que serão apresentados logo a
seguir confirmam que as violações à norma, detalhadas de modo claro
na nova Lei de Licitações e Contratos, foram contextualizadas com uma
nova realidade jurídica, uma tendência de amadurecimento do Direito, na
qual o interesse público deve ser considerado sob pena da Lei não cumprir
seu papel social fundamental que é a realização da Justiça.

4 A APLICABILIDADE DO ART. 147 DA LEI 14.133/2021

Conforme o art. 147, se constatada irregularidade no procedimento


licitatório ou na execução contratual, a administração deve preferencialmente
proceder com a verificação da possibilidade de saneamento, podendo
realizar a correção das irregularidades, medidas diversas de suspensão ou
declaração de nulidade, desde que isso revele a prevalência do interesse
público no âmbito da aplicação legal.

224 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A ponderação das irregularidades na licitação ou na execução contratual face ao interesse público na lei 14.133/2021

Nesse sentido, TORRES (2022, p.774) explana que não sendo


possível o saneamento do vicio, o artigo supracitado define que a decisão
sobre a suspensão da execução ou sobre declaração da nulidade do
contrato somente será adotada na hipótese em que se revelar medida de
interesse público, com a avaliação, entre outros, dos aspectos contidos
nos incisos contidos no art.147, para melhor explanação, segue o teor
do diploma normativo:

I - impactos econômicos e financeiros decorrentes do atraso


na fruição dos benefícios do objeto do contrato;
II - riscos sociais, ambientais e à segurança da população
local decorrentes do atraso na fruição dos benefícios do
objeto do contrato;
III - motivação social e ambiental do contrato;
IV - custo da deterioração ou da perda das parcelas executadas;
V - despesa necessária à preservação das instalações e dos
serviços já executados;
VI - despesa inerente à desmobilização e ao posterior retorno
às atividades;
VII - medidas efetivamente adotadas pelo titular do órgão ou
entidade para o saneamento dos indícios de irregularidades
apontados;
VIII - custo total e estágio de execução física e financeira
dos contratos, dos convênios, das obras ou das parcelas
envolvidas;
IX - fechamento de postos de trabalho diretos e indiretos em
razão da paralisação;
X - custo para realização de nova licitação ou celebração de
novo contrato;
XI - custo de oportunidade do capital durante o período de
paralisação.

Ainda segundo TORRES (2022, p.774), após a avaliação desses


aspectos, o parágrafo único define que nas situações em que a paralisação
ou anulação não se revelar como medida que atende o interesse público,

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 225
Marciano Machado de Oliveira e Valéria de Sousa Santos

a Administração Pública deverá optar pela continuidade do contrato e


pela solução da irregularidade por meio de indenização de perdas e
danos, sem prejuízo da apuração de responsabilidade e da aplicação de
penalidades cabíveis.
Percebe-se, portanto, que nas situações fáticas encontradas pelos
gestores, estes terão maior discricionariedade em analisar os casos
concretos, com possibilidade de agir dentro dos parâmetros legais
concomitantemente com efetiva busca por maior eficiência e ênfase no
atendimento ao interesse público.
Nessa perspectiva, a opção pela invalidação contratual submete-se
a prévia análise de forma minuciosa levando em conta além da supremacia
do interesse público envolvido, avalição e projeção das consequências
da decisão. Este passa a ser parâmetro fundamental a ser considerado
pelo gestor público. Como explana Marçal Justen Filho (2021, p.1544):

A referência a interesse público indica a possibilidade de


serem sanados vícios sérios e graves, inclusive a nulidade
absoluta, desde que essa seja a solução mais razoável e
adequada em face do sistema jurídico.
Deverá ser examinado se a decisão de invalidação será a mais
vantajosa para os interesses fundamentais. Se anular o ato
importar responsabilidade civil da Administração Pública de
dimensões mais elevadas e séria que a simples continuidade
da contratação, parece que deverá prevalecer esta última
opção, especialmente quando a cessação da execução
propiciar riscos ao interesse da comunidade.

O gestor público, deve conduzir todo o processo levando em


conta o princípio da proporcionalidade em seus atos, pois embora a
legislação tenha um viés mais permissivo no sentido de seguir com a
execução contratual, quando a anulação não for a opção mais adequada
no atendimento ao interesse público, as irregularidades não ficaram sem

226 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A ponderação das irregularidades na licitação ou na execução contratual face ao interesse público na lei 14.133/2021

punição, sendo trabalhadas com verificação de perdas e danos, apuração


das responsabilidades e aplicação das penalidades.
Há de ser destacado aqui, para melhor orientação prática
do tema, que a orientação jurídica de aplicabilidade do Art. 147 está
intimamente relacionada a utilização efetiva da Lei 14.133/21 e aos futuros
questionamentos advindos de seu uso.
A matéria em sede de Jurisprudência tem ainda pouca ressonância.
Não obstante os raros julgados que fazem referência específica ao Art.
147 da Lei 14.133/21, o que se percebe é que há tempos a jurisprudência
do TCU tem revelado a concepção adotada pela NLLC, ou seja, há muito
tempo já admitia o saneamento de falhas formais e irrelevantes sob a
égide da lei federal 8.666/93. É o que se infere exemplificativamente dos
Acórdãos: 1904/2008-Plenário, Relator: RAIMUNDO CARREIRO; Acórdão
3344/2012-Plenário, Relator: ANA ARRAES; Acórdão 2789/2013-Plenário,
Relator: BENJAMIN ZYMLER e Acórdão 637/2017-Plenário, Relator:
AROLDO CEDRAZ.
Em consulta a Jurisprudência mais recente daquela Corte o que é
possível encontrar são referências diretas ao Art. 147 da Lei 14.133/21,
porém fora de um contexto de aplicabilidade efetiva, cujo objetivo é ratificar
o exposto no parágrafo anterior. Vejamos:

GRUPO I – CLASSE VII – PLENÁRIO


TC 015.037/2021-5
Natureza: Representação
Órgão/Entidade: Prefeitura Municipal de Santa Teresinha
– BA
Representante: Atlas Empreendimentos e Serviços Eireli
(CNPJ 19.535.313/0001-72)
Interessados: Prefeitura Municipal de Santa Teresinha – BA
(13.693.650/0001-01); QG Construções e Engenharia Ltda.
(05.647.206/0001-21)
Representações legais: Edilton de Oliveira Teles (15.806/

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 227
Marciano Machado de Oliveira e Valéria de Sousa Santos

OAB-BA) e Aloisio Figueiredo Andrade Junior (18475/OAB-


BA), representando Prefeitura Municipal de Santa Teresinha
– BA; Anna Tereza Almeida Landgraf (19538/OAB-BA),
representando QG. Construções e Engenharia Ltda.; Gillonarth
Oliveira de Araújo (045.920.065-85), representando Atlas
Empreendimentos e Serviços Eireli
SUMÁRIO: REPRESENTAÇÃO. TOMADA DE PREÇOS.
CONTRATO DE REPASSE. EXIGÊNCIAS DE HABILITAÇÃO
TÉCNICA. INABILITAÇÃO DA REPRESENTANTE. INDÍCIOS
DE RESTRIÇÃO INDEVIDA E DIRECIONAMENTO. OITIVA.
CONTRATO EM EXECUÇÃO. INTERESSE PÚBLICO.
REVOGAÇÃO DE CAUTELAR. CIÊNCIA.
[...]
PROPOSTA DE DELIBERAÇÃO
[...]
18. Ainda que não se aplique diretamente ao caso em tela,
vale mencionar o disposto no art. 147 da Lei 14.133/2021,
que estabelece a declaração de nulidade do contrato
como medida a ser adotada nos casos de irregularidades
insanáveis e após a ponderação, à luz do caso concreto,
do interesse público (GRIFOU-SE).

O mesmo se diga em relação a julgados recentes do Tribunal de


Justiça do Estado do Piauí. Há menção ao Art. 147 da Lei 14.133/21,
contudo não há um aprofundamento das justificativas e parâmetros
decisórios, tal qual exigido no citado artigo.

PROCESSO SEI Nº 21.0.000107237-1/ Decisão Nº 9410/2022/


NULIDADE/ CONTRATO Nº 74/2022 1870019
Decisão Nº 9410/2022 - PJPI/TJPI/PRESIDENCIA/SECGER/
SLC/SLC-APOIO
Trata-se de procedimento destinado à aquisição de
equipamentos de segurança, através de dispensa de licitação
com fundamento no inciso II do art. 75 da Lei nº 14.133/21.
Considerando o teor do Despacho Nº 62555/2022 - PJPI/
TJPI/PRESIDENCIA/SOF/CEORC (3432607), por meio do
qual a Coordenação de Execução Orçamentária da Secretaria

228 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A ponderação das irregularidades na licitação ou na execução contratual face ao interesse público na lei 14.133/2021

de Orçamento e Finanças informa sobre a necessidade de


desmembramento dos objetos constante no Contrato nº
74/2022 (3388292) em instrumento diferentes e distribuídos
de acordo com a respectiva unidade orçamentária;
Considerando, ainda, a Manifestação Nº 28356/2022
(3446164), por meio do qual a Superintendência de Licitações
e Contratos demonstra a necessidade de anulação do Contrato
nº 74/2022 (3388292) e de celebração de instrumentos que
obedeçam a referida divisão dos objetos de acordo com as
respectivas unidades gestoras; e
Considerando, ainda, que não houve execução do Contrato
suso mencionado não produziu efeitos concretos;
Acolho a Manifestação Nº 28356/2022 (3446164) da SLC
e DECLARO NULO o Contrato 74/2022 (3388292), com
fundamento no art. 147 da Lei nº 14.133/2021 e art. 21 da
LNDB (GRIFOU-SE).

Apesar do acervo ainda restrito sobre o tema, levando em consideração


que a maioria dos Estados ainda seguem os moldes da lei anterior e certa
morosidade na aplicabilidade efetiva da NLLC, resta demonstrado que as
decisões exaradas com fundamentação na lei 14.133/2021, devem ser bem
analisadas, com processo atento de revisão de todos os atos necessários
para deliberação acerca dos procedimentos de anulação.
Nesse âmbito de análise e providências que envolvem nulidade
contratual, os responsáveis pela gestão pública devem ser diligentes em
seus atos, para que exista a continuidade da cautela necessária em todo
processo de aplicação da lei e aplicação dos efeitos decisórios, tendo em
vista sempre a supremacia do interesse público.
Importante ressaltar que o minucioso levantamento dos atos, busca
sempre o interesse da coletividade em detrimento a possíveis falhas
passiveis de serem sanadas, evitando assim a paralisação ou suspensão
das atividades administrativas necessárias essenciais na prestação de
serviços com qualidade para sociedade.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 229
Marciano Machado de Oliveira e Valéria de Sousa Santos

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo teve por foco principal confirmar se a Nova Lei de


Licitações e Contratos administrativos (NLCC), Lei 11.340/2021, representa
atenuação dos efeitos jurídicos a procedimentos licitatórios ou contratos
eivados de vícios, quando comparada a disciplina sancionatória dos
instrumentos legais que o novo regramento revogou.
O recorte metodológico proposto não confirmou a hipótese principal
apresentada, qual seja a de que a NLLC (Lei 14.133/2021) abrandou
os efeitos jurídicos decorrentes de irregularidades nas licitações ou na
execução dos contratos, trazendo assim um viés sancionatório mais
atenuado em relação aos regramentos legais que veio substituir em prol
do interesse público.
Restou demonstrado que as infrações e sanções expressamente
previstas na NLLC trouxeram significativas alterações para aplicabilidade das
regras sancionatórias no contexto das licitações e contratos administrativos,
com destaque para a ponderação dos efeitos jurídicos contida no Art. 147.
A partir de Abril/2022 o regime de sanções e Penalizações em
matéria de Licitações e Contratos administrativos será exclusivo da NLLC,
haja visto a revogação explícita da Seção III (Dos Crimes e das Penas)
e da Seção IV (Do Processo e do Procedimento Judicial) do Capítulo IV
da Lei 8.666/93, bem como as modificações introduzidas no decreto-Lei
2.848/1940 (Código Penal), com a criação do Capítulo II-B.
Comparativamente houve um avanço com relação à Lei 8.663/93, e
as Sanções e Penalizações ficaram mais rigorosas e ficaram concentradas
sob o único Guarda-Chuva.
O estudo sistemático da dimensão sancionatória da NLLC permitiu
a análise mais detida do seu Art. 147 revelando-se que a ponderação de
efeitos representa uma visão diferenciada no Direito Brasileiro. Ao fixar
que diante de eventual irregularidade no procedimento licitatório ou na

230 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A ponderação das irregularidades na licitação ou na execução contratual face ao interesse público na lei 14.133/2021

execução contratual, a administração pública deve preferencialmente


verificar a possibilidade do saneamento, avaliando as possibilidades de
correção das irregularidades, se for relevante ao interesse público, não
representa inovação no Direito. Seu aspecto modulatório encontra abrigo
originariamente tanto na dimensão constitucional (Lei nº 9.868, de 10 de
novembro de 1999, que dispõe sobre “o processo e julgamento da ação
direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade
perante o Supremo Tribunal Federal) quanto infraconstitucional.
O destaque na dimensão infraconstitucional é reservado à seara
administrativa, sustentada em especial pela melhor doutrina, bem como pela
conexão existente entre as inovações trazidas pela NLLC e pela LINDB,
por meio da Lei 13.655/19, de forma mais específica em seu art. 21 que
proporcionou uma base maior para eficiência das decisões administrativas.
O que se observe em sede de conclusão é que o Art. 147 da NLLC
resulta de uma revolução cultural de superação de uma forte concepção
social já estabelecida de que o maltrato à legalidade tem, irremediavelmente,
como sanção a invalidade.
O tema pode parecer novo, mas há tempos a legislação vem se
atualizando ante o reclamo insistente da doutrina, para que o interesse
público seja considerado como essencial para a concretização da segurança
jurídica, na vinculação da atuação administrativa à juridicidade, na
eficiência da atuação da Administração Pública, no resguardo dos direitos
fundamentais individuais, em uma atuação administrativa comprometida
com a democracia, e outros tantos postulados essenciais ao Estado de
Direito democrático e social.
Esta evolução do Direito brasileiro na modulação dos efeitos de
decisões no âmbito infraconstitucional reafirma o Direito como ciência
social e, como tal, tendente a seguir um caminho evolutivo natural que se
materializa em sentenças que afastem distorções e injustiças.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 231
Marciano Machado de Oliveira e Valéria de Sousa Santos

A disciplina trazida pelo Art. 147 da NLLC pode ser lida como mais
uma manifestação da evolução da ciência jurídica no sentido de equalizar
as consequências práticas de determinadas decisões, inclusive na seara
administrativa para a satisfação do interesse público. O permissivo legal
contido especificamente no Art. 147 da Lei 14.133/2021 não representa
uma atenuação dos efeitos jurídicos comumente esperados diante da
confirmação de irregularidades no curso de procedimentos licitatórios
ou execução de contratos administrativos, mas sim a modulação de
efeitos, tais como demonstrados na disciplina das nulidades decorrentes
do controle concentrado de constitucionalidade por parte do STF ou no
âmbito infraconstitucional representada pela nova redação do Código de
Processo Civil de 2015.
Os contornos dessa modulação também fixados na NLCC confirmam
que as violações à norma, detalhadas de modo claro na nova Lei de
Licitações e Contratos, foram contextualizadas com uma nova realidade
jurídica, uma tendência de amadurecimento do Direito, na qual o interesse
público deve ser considerado sob pena da Lei não cumprir seu papel social
fundamental que é a realização da Justiça.

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em: 20 Out. 2022.

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232 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A ponderação das irregularidades na licitação ou na execução contratual face ao interesse público na lei 14.133/2021

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234 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Gabriela Carvalho de Aguiar

Um estudo sobre o tratamento diferenciado dado às microempresas e empresas de pequeno portena nova lei de licitações e contratos

UM ESTUDO SOBRE O TRATAMENTO DIFERENCIADO


DADO ÀS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO
PORTENA NOVA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS

Gabriela Carvalho de Aguiar1

RESUMO
O artigo analisa os casos de tratamento diferenciado às microempresas e empresas de pequeno
porte sob à ótica da Lei n° 14.133/2021, a partir de sua origem constitucional e da Lei Complementar
n° 123/2006. O estudo baseia-se e faz comparações em relação à antiga lei de licitações, ao
apontar inovações trazidas pela Nova Lei de Licitações e Contratos. Para tanto, identifica as
hipóteses de tratamento diferenciado ao grupo e destaca as inovações quanto ao tema, conforme
a nova lei. Observou-se que a Lei n/ 14.133/2021 continua a dispor de tratamento diferenciado
às microempresas e empresas de pequeno porte, ao obedecer as previsões legais para tanto.
Foi utilizado o método dedutivo, com pesquisas bibliográficas.
Palavras-chave: Microempresa; Empresa de pequeno porte; Licitação pública; tratamento
diferenciado.

ABSTRACT
The article analyzes the cases of differentiated treatment for micro and small companies from
the perspective of Law n° 14.133/2021, from its constitutional origin and Complementary Law
n° 123/2006. The study is based on and makes comparisons in relation to the old bidding law,
by pointing out innovations brought by the New Bidding and Contracts Law. To this end, it
identifies the hypotheses of different treatment for the group and highlights the innovations on the
subject, according to the new law. It was observed that Law n/ 14.133/2021 continues to provide
differentiated treatment for micro and small businesses, in compliance with the legal provisions
for this purpose. The deductive method was used, with bibliographic research.
Keywords: Microenterprise; Small business; Public bidding; differential treatment.

1 INTRODUÇÃO

O tratamento diferenciado às microempresas e empresas de pequeno


porte tem previsão constitucional expressa (artigos 146, “d”, 170, IX, e 179,
CRFB/1988), sendo princípio de uma política pública econômica nacional
(princípio do desenvolvimento nacional sustentável, art. 3°, II da CF).

1
Advogada. Sócia proprietária do Escritório Aguiar e Brito. Assessora Jurídica da Secretaria de Planejamento do Estado do
Piauí. Especialista em Direito Constitucional, Administrativo e em Licitações e Contratos. Membro da Comissão de Estudos
de Licitação e Contratos - OAB/PI

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 235
Gabriela Carvalho de Aguiar

Ao instituir tal previsão, o legislador busca fomentar o desenvolvimento


dos pequenos empreendedores através do poder de compra do Estado,
pensamento de grande valia para uma economia socialmente inclusiva.
Visando dar efetividade à previsão constitucional tratada, a Lei
Complementar n° 123/2006, de 14 de dezembro de 2006, instituiu o
Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, que
regulamentou o tratamento diferenciado ao grupo para participação em
procedimentos licitatórios.
Tal norma veio para inovar o texto da Lei Federal n° 8.666/1993,
que não previa em seu texto original tratamento diferenciado para as
micro empresas e empresas de pequeno porte (ME-EPP) no âmbito
das contratações públicas, mas já fazia previsão por simetria do texto
constitucional, ao dispor em seu artigo 5°, caput que as licitações públicas
observarão ao princípio do desenvolvimento nacional sustentável.
Continuamente, a Lei Federal n° 14.133/2020, conhecida como a
Nova Lei de Licitações e Contratos (NLLC),recepcionou prontamente a Lei
Complementar n° 123/2006 e também prevê a observância do princípio
supracitado.
Diante de tal quadro, o presente trabalho tem por objetivo o estudo
das hipóteses de tratamento diferenciado às ME-EPP trazidas pela Nova
Lei de Licitações, tendo em vista a possível existência de diferenças nesse
tratamento, quando comparado à Lei Federal n° 8.666/1993.
Para tanto, aborda-se, inicialmente, a definição de microempresa e
empresa de pequeno porte, bem como do que é uma licitação e o princípio
do desenvolvimento nacional sustentável. Para mais, traz-se as hipóteses
de aplicação desse tratamento diferenciado nas licitações públicas, bem
como as suas análises.
Por fim, as considerações finais fazem um resumo dos apontamentos
aqui trazidos e um balanço sobre o tratamento diferenciado dado as

236 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Um estudo sobre o tratamento diferenciado dado às microempresas e empresas de pequeno portena nova lei de licitações e contratos

microempresas e empresas de pequeno porte na Nova Lei de Licitações


e Contratos.
Para elaboração do presente artigo, o método de abordagem utilizado
foi o hipotético-dedutivo, partindo-se da análise das regras gerais para
a compreensão dos casos específicos, em combinação com a pesquisa
bibliográfica.

2 CONCEITUAÇÃO DE MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO


PORTE

Uma pergunta essencial no trabalho é a definição de microempresa


e empresa de pequeno porte, para depois nos atentarmos ao porquê desse
tratamento diferenciado.
Segundo o Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de
Pequeno Porte, Lei Complementar n° 123/2006, o conceito de microempresa
e empresa de pequeno porte é baseado pelo critério econômico ou, mais
diretamente, pelo faturamento anual, conforme transcrição a seguir:

Art. 3° [...] consideram-se microempresas ou empresas de


pequeno porte, a sociedade empresária, a sociedade simples, a
empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário
a que se refere o art. 966 do Código Civil brasileiro, devidamente
registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro
Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que:
I - no caso da microempresa, aufira, em cada ano-calendário,
receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e
sessenta mil reais); e
II - no caso de empresa de pequeno porte, aufira, em cada ano-
calendário, receita bruta superior aR$360.000,00 (trezentos e
sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$4.800.000,00
(quatro milhões e oitocentos mil reais).grifou-se

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 237
Gabriela Carvalho de Aguiar

Da análise do trecho acima, verifica-se que a legislação traz critérios


bastante objetivos para classificação de uma microempresa ou empresa
de pequeno porte.

3 NOÇÕES GERAIS DA ORIGEM DO TRATAMENTO DIFERENCIADO


APLICADO ÀS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE
NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS

É de grande interesse para o trabalho tratar do que seria uma


contratação pública, mais conhecida como licitação pública.
Sabemos que a Constituição Federal, em seu artigo 37, inciso XXI,
afirma que as compras públicas serão realizadas por processo licitatório,
senão vejamos:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer


dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e,
também, ao seguinte:  
(...)
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as
obras, serviços, compras e alienações serão contratados
mediante processo de licitação pública que assegure igualdade
de condições a todos os concorrentes, com cláusulas
que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as
condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual
somente permitirá as exigências de qualificação técnica e
econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das
obrigações.  

E, segundo a doutrina do professor Heli Lopes Meirelles (2016, p.


310), licitação pública é definida como:

(...) o procedimento administrativo mediante o qual a


Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa

238 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Um estudo sobre o tratamento diferenciado dado às microempresas e empresas de pequeno portena nova lei de licitações e contratos

para o contrato de seu interesse, inclusive o da promoção


do desenvolvimento econômico sustentável e fortalecimento
de cadeias produtivas de bens e serviços domésticos. Como
procedimento, desenvolve-se através de uma sucessão
ordenada de atos vinculantes para a: Administração e para
os licitantes, o que propicia igual oportunidade a todos os
interessados e atua como fator de eficiência e moralidade
nos negócios administrativos. Tem como pressuposto a
competição.

Em resumo, a licitação é o meio pelo qual a administração pública


“compra”, de modo que, por meio desse procedimento, é desprendido um
tratamento diferenciado para que as micro e pequenas empresas tenham
“facilidades” para fornecer à administração pública.
Tal tratamento faz parte do princípio constitucional do desenvolvimento
nacional sustentável (art. 3°, inciso II da CF). Segundo FERREIRA; KASPER
(2013, p. 70), o princípio tem conceito tripartido em esferas, cuja primeira
aborda o viés social indissociável para sua definição, vejamos:

O primeiro deles, o social, se caracteriza pela proteção do nível


social da população, estimulando o enriquecimento e o bem-
estar de todos para a proteção da própria atividade produtiva
que, afinal de contas, é desempenhada pelos indivíduos
integrantes da sociedade.
(...)
Na prática, isso quer significar, em primeira instância, a
manutenção (implementação) do poder aquisitivo de todos,
permitindo o acesso, mesmo que mínimo, ao mercado de
consumo.

Diante do conceito apresentado, vê-se que o princípio tem relação


total com o tratamento diferenciado às micro e pequenas empresas,
pois, segundo o conceito apresentado acima, vislumbra-se, através da
observância ao princípio do desenvolvimento nacional sustentável, o
enriquecimento e o bem-estar de todos.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 239
Gabriela Carvalho de Aguiar

De modo a recepicionar a previsão consticuional citada, a Lei n°


8.666/1993, em seu artigo 3°, caput prevê claramente que as licitações
públicas devem observar o princípio. Ato contínuo, a Nova Lei de Licitações
e Constratos, art. 5°, caput, determina que na aplicação da lei, deverá ser
observado o princípio do desenvolvimento nacional sustentável.
Logo, quando o legislador prevê benefícios ao um grupo de menor
poder econômico, entende-se ser uma busca pelo desenvolvimento
econômico sustentável, ao dar tratamento desigual aos desiguais, na
medida da suas desigualdades.
Ainda, a Constituição prevê diretamente, como já dito, tratamento
diferenciado ao grupo, contando com a edição de lei complementar para
sua regularização.
Diante disso, foi criado o Estatuto Nacional da Microempresa e
Empresa de Pequeno Porte, conhecido como a Lei Complementar n°
123/2006, que trouxe previsão expressa de tratamento diferenciao às
ME-EPP no âmbito das contratações públicas.
Assim, iremos abordar o que é o tratamento diferenciado às ME-EPP
previstos inicialmente na LC n° 123/2006, recepcionados pela antiga lei
de licitações e que permaneceram na Lei n° 14.133/2021.

4 A INCIDÊNCIA DO TRATAMENTO ESPECIAL PARA ME-EPP NAS


LICITAÇÕES PÚBLICAS

As hipóeteses desse tratamento diferenciado estão previstas na


Lei Complementar n° 123/2006, na qual o legislador dispõe de todo um
capítulo para tratar sobre o tema.
A priori, as micro e pequenas empresas possuem prazo supletivo
para comprovação da regularidade fiscal e trabalhista no momento da
habilitação em processos licitatórios (arts. 42 e 43), vejamos:

240 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Um estudo sobre o tratamento diferenciado dado às microempresas e empresas de pequeno portena nova lei de licitações e contratos

Art. 42. Nas licitações públicas, a comprovação de regularidade


fiscal das microempresas e empresas de pequeno porte
somente será exigida para efeito de assinatura do contrato.
Art. 43. As microempresas e empresas de pequeno porte,
por ocasião da participação em certames licitatórios, deverão
apresentar toda a documentação exigida para efeito de
comprovação de regularidade fiscal, mesmo que esta
apresente alguma restrição.
§1o Havendo alguma restrição na comprovação da regularidade
fiscal, será assegurado o prazo de 2 (dois) dias úteis, cujo
termo inicial corresponderá ao momento em que o proponente
for declarado o vencedor do certame, prorrogáveis por
igual período, a critério da Administração Pública, para a
regularização da documentação, pagamento ou parcelamento
do débito, e emissão de eventuais certidões negativas ou
positivas com efeito de certidão negativa.

Nos ensinamentos do professor Matheus Carvalho (2021, p. 53):

As microempresas e empresas de pequeno porte, por


ocasião da participação em certames licitatórios, na fase
de habilitação deverão apresentar toda a documentação
exigida para efeito de comprovação de regularidade fiscal e
trabalhista, mesmo que esta apresente alguma restrição, ou
seja, mesmo não estando regular com o fisco ou possuindo
débitos na justiça do trabalho em sede de execução. Sendo
apurada alguma restrição na comprovação da regularidade
fiscal ou trabalhista, a empresa poderá participar do certame
a despeito da irregularidade e, ao término do procedimento,
será assegurado o prazo de 5 (cinco) dias úteis, prorrogáveis
por igual período, a critério da Administração Pública, cujo
termo inicial corresponderá ao momento em que o proponente
for declarado o vencedor do certame, para a regularização
da documentação, pagamento ou parcelamento do débito, e
emissão de eventuais certidões negativas ou positivas com
efeito de certidão negativa.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 241
Gabriela Carvalho de Aguiar

Observa-se a criação de um prazo para que a microempresa e


empresa de pequeno porte se mostre apta quanto a sua regularidade
fiscal e trabalhista para contratar com a Administração Pública.
Adiante, a LC n° 123/2006, dá a preferência de contratação em caso
de empate de propostas, podendo o valor da proposta da ME-EPP ser
superior em até 10% ao valor da melhor proposta (arts. 44 e 45):

Art. 44. Nas licitações será assegurada, como critério de


desempate, preferência de contratação para as microempresas
e empresas de pequeno porte.
§1o Entende-se por empate aquelas situações em que as
propostas apresentadas pelas microempresas e empresas
de pequeno porte sejam iguais ou até 10% (dez por cento)
superiores à proposta mais bem classificada.
§2 o Na modalidade de pregão, o intervalo percentual
estabelecido no §1o deste artigo será de até 5% (cinco por
cento) superior ao melhor preço.
Art. 45. Para efeito do disposto no art. 44 desta Lei
Complementar, ocorrendo o empate, proceder-se-á da
seguinte forma:
I – a microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem
classificada poderá apresentar proposta de preço inferior
àquela considerada vencedora do certame, situação em que
será adjudicado em seu favor o objeto licitado;
II – não ocorrendo a contratação da microempresa ou empresa
de pequeno porte, na forma do inciso I do caput deste artigo,
serão convocadas as remanescentes que porventura se
enquadrem na hipótese dos §§ 1o e 2o do art. 44 desta Lei
Complementar, na ordem classificatória, para o exercício do
mesmo direito;
III – no caso de equivalência dos valores apresentados
pelas microempresas e empresas de pequeno porte que se
encontrem nos intervalos estabelecidos nos §§ 1o e 2o do art.
44 desta Lei Complementar, será realizado sorteio entre elas
para que se identifique aquela que primeiro poderá apresentar
melhor oferta.

242 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Um estudo sobre o tratamento diferenciado dado às microempresas e empresas de pequeno portena nova lei de licitações e contratos

§1o Na hipótese da não-contratação nos termos previstos no


caput deste artigo, o objeto licitado será adjudicado em favor
da proposta originalmente vencedora do certame.
§2o O disposto neste artigo somente se aplicará quando
a melhor oferta inicial não tiver sido apresentada por
microempresa ou empresa de pequeno porte.
§3o No caso de pregão, a microempresa ou empresa de
pequeno porte mais bem classificada será convocada para
apresentar nova proposta no prazo máximo de 5 (cinco)
minutos após o encerramento dos lances, sob pena de
preclusão.

Segundo os ensinamentos de Matheus Carvalho (2021, p. 53),


em casos de empate no certame licitatório, a Microempresa ou Empresa
de Pequeno Porte terá preferência para o desempate, ou seja, antes de
serem analisados pela Administração Pública os critérios de desempate,
a entidade poderá reduzir o valor de sua proposta e sagrar-se vencedora
na licitação.
Em igualdade de condições, caso a microempresa apresente uma
proposta até 10% superior à proposta vencedora, a lei considera ter
havido empate na licitação. Sendo assim, caso a proposta apresentada
pela ME-EPP seja superior à proposta vencedora, mas não exceder 10%
a ela, se considerará empatada a licitação, nos moldes da lei. Todavia, em
caso de licitações na modalidade pregão, o benefício da Microempresa
ou Empresa de Pequeno Porte não chega a 10%, limitando-se a 5%,
ou seja, as propostas a maior do que a vencedora, desde que não
ultrapassem 5% desta, serão consideradas como empate no certame.
(CARVALHO, 2021, p.53)
Não obstante, a Lei Complentar n° 123/2006 anuncia as hipóteses
de licitação exclusiva para o grupo; edital que tenham como condição aos
vencedores a subcontratação de ME-EPP; e a previsão de cotas para
fornecimento pelas ME-EPP de bens e serviços de natureza divisível:

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 243
Gabriela Carvalho de Aguiar

Art. 48. Para o cumprimento do disposto no art. 47 desta


Lei Complementar, a administração pública poderá realizar
processo licitatório:
I – destinado exclusivamente à participação de microempresas
e empresas de pequeno porte nas contratações cujo valor
seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais);
II – em que seja exigida dos licitantes a subcontratação de
microempresa ou de empresa de pequeno porte, desde que o
percentual máximo do objeto a ser subcontratado não exceda
a 30% (trinta por cento) do total licitado;
III – em que se estabeleça cota de até 25% (vinte e cinco
por cento) do objeto para a contratação de microempresas e
empresas de pequeno porte, em certames para a aquisição
de bens e serviços de natureza divisível.

Como visto, a legislação dispõe sobre a realização de procedimento


licitatório exclusivo para micro e pequenas empresas, cujo valor seja de
até 80 mil reais. Na situação de o valor do procedimento ser superior ao
apontado, sob a condição de tratar-se de licitação para aquisição de bens
de natureza divisível, discricionaridade justificada para cota de até 25%
(vinte e cinco por cento) do objeto para a contratação ser exclusivamente
voltada para microempresas e empresas de pequeno porte.
Trata-se, segundo CARVALHO (2021, p.54), de sistema de cotas
criado para Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, garantindo a
estas entidades a realização de licitação dividida em dois itens, sendo que
um destes itens não admitirá a participação de pessoas jurídicas que não
estejam contempladas no regime especial da Lei Complementar.
Para mais, a lei dispõe que a Administração Pública tem a
possibilidade, em relação aos processos licitatórios destinados à aquisição
de obras e serviços, de exigir dos licitantes a subcontratação obrigatória
de ME-EPP dentro do percentual máximo de 30%.
Todas essas regras e benefícios foram mantidas na Nova Lei de
Licitações, vejamos:

244 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Um estudo sobre o tratamento diferenciado dado às microempresas e empresas de pequeno portena nova lei de licitações e contratos

Art. 4º Aplicam-se às licitações e contratos disciplinados por


esta Lei as disposições constantes dos arts. 42 a 49 da Lei
Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006.
§ 1º As disposições a que se refere o caput deste artigo não
são aplicadas:
I - no caso de licitação para aquisição de bens ou contratação
de serviços em geral, ao item cujo valor estimado for superior
à receita bruta máxima admitida para fins de enquadramento
como empresa de pequeno porte;
II - no caso de contratação de obras e serviços de engenharia,
às licitações cujo valor estimado for superior à receita bruta
máxima admitida para fins de enquadramento como empresa
de pequeno porte.

Todavia, a Lei n° 14.133/2021 foi além ao instituir novos mecanismos


de promoção das ME e EPP para mais do que os previstos pela LC
n° 123/2006.
A primeira inovação a ser falada é a chance de receberem o
pagamento devido sem que a administração pública cumpra a ordem
cronológica das obrigações a serem pagar por prazo de vencimento,
conforme art. 141, §1º, II da NLLC:

Art. 141. No dever de pagamento pela Administração, será


observada a ordem cronológica para cada fonte diferenciada
de recursos, subdividida nas seguintes categorias de contratos:
§1º A ordem cronológica referida no caput deste artigo poderá
ser alterada, mediante prévia justificativa da autoridade
competente e posterior comunicação ao órgão de controle
interno da Administração e ao tribunal de contas competente,
exclusivamente nas seguintes situações:
II - pagamento a microempresa, empresa de pequeno
porte, agricultor familiar, produtor rural pessoa física,
microempreendedor individual e sociedade cooperativa, desde
que demonstrado o risco de descontinuidade do cumprimento
do objeto do contrato;

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 245
Gabriela Carvalho de Aguiar

Conforme disposição transcrita, a possibilidade de inobservância


da ordem cronológica para pagamento de micro e pequenas empresas
depende de duas condições: justificativa prévia da autoridade competente
com ulterior comunicação ao órgão de controle interno da Administração
e ao tribunal de contas de competência, com apropriada demonstração
do risco de interrupção do cumprimento do objeto do contrato.
Ainda, a NLLC dispõe que, no caso da participação em certame
licitatório de consórcios compostos, em sua totalidade, de ME e EPP, não
se aplica o acréscimo de 10% a 30% sobre o valor exigido de licitante
individual para a habilitação econômico-financeira (art. 15, §2º da NLLC).
Todavia, a Lei n° 14.133/2021 prevê restrições para a aplicação das
disposições contidas na LC 123/2006.
De maneira percursora e não muito otimista, a NLLC dispõe de
hipóteses que afastam o tratamento diferenciado aplicado as ME e
EPP, in verbis:

Art. 4º Aplicam-se às licitações e contratos disciplinados por


esta Lei as disposições constantes dos arts. 42 a 49 da Lei
Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006.
§ 1º As disposições a que se refere o caput deste artigo não
são aplicadas:
I - no caso de licitação para aquisição de bens ou contratação
de serviços em geral, ao item cujo valor estimado for superior
à receita bruta máxima admitida para fins de enquadramento
como empresa de pequeno porte;
II - no caso de contratação de obras e serviços de engenharia,
às licitações cujo valor estimado for superior à receita bruta
máxima admitida para fins de enquadramento como empresa
de pequeno porte.
§2º A obtenção de benefícios a que se refere o caput deste
artigo fica limitada às microempresas e às empresas de
pequeno porte que, no ano-calendário de realização da
licitação, ainda não tenham celebrado contratos com a

246 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Um estudo sobre o tratamento diferenciado dado às microempresas e empresas de pequeno portena nova lei de licitações e contratos

Administração Pública cujos valores somados extrapolem a


receita bruta máxima admitida para fins de enquadramento
como empresa de pequeno porte, devendo o órgão ou entidade
exigir do licitante declaração de observância desse limite na
licitação.

Extrai-se que, se uma ME-EPP já tenha contratado com o setor


público até o limite de 4,8 milhões de reais, mesmo que não tenha faturado
(emitido nota fiscal), não poderá, no ano-calendário, contratar com a
Administração Pública recebendo tratamento diferenciado.
Como apregoa Jonas Lima (2021):

(...) criou-se um limite que não havia, sendo que agora as


pequenas possuem chance de disputar apenas contratos
limitados ao seu valor de enquadramento na condição de
ME-EPP. Ainda que o limite seja entendido como anual, isso
é um duro golpe e um severo fechamento de mercado aos
pequenos. (LIMA, 2021)

Em síntese, as microempresas e empresas de pequeno porte só


poderão competir em licitações com valores no limite do enquadramento,
qual seja: 4,8 milhões de reais.
Na realidade, criou-se uma maneira das micro e pequenas empresas
devidamente comprovadas não fazerem uso do tratamento diferenciado
previsto na Lei Complementar 123/2006 para as licitações, causa não
existente dantes.
Anteriormente, caso uma ME-EPP participasse de uma licitação com
valor superior ao limite do seu enquadramento, ainda assim ela poderia
competir sob a sombra do seu tratamento diferenciado, não lhe sendo
permitido, apenas, contratar com a Administração Pública posteriormente,
caso fosse contratada.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 247
Gabriela Carvalho de Aguiar

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O legislador inclinou-se a uma intenção criticamente construtiva


ao criar a previsão para o tratamento diferenciado às microempresas e
empresas de pequeno porte.
Vê-se, também, que o tratamento diferenciado para o grupo vem de
cima. A Constituição Federal é clara ao prever em seus artigos 146, inciso
III, alínea d e 179, caput, o tratamento diferenciado para as microempresas
e empresas de pequeno porte.
Tratamento esse que muito se relaciona ao princípio constitucional
do desenvolvimento nacional sustentável, que busca uma economia
sustentável com respeito à justiça e equidade social.
Realmente, diante de tantas benesses a esse grupo que possui menor
capacidade econômica que os grandes empresários nacionais, entende-se
que a real intenção do legislador é fomentar o desenvolvimento dos pequenos
empresários através do poder de compra da Administração Pública.
O incentivo, no sentido coletivo da palavra, só foi concretizado
materialmente com o advento da Lei Complementar n° 123/2006, mas
observa-se que no cerne da antiga lei de licitações já havia a semente do
desenvolvimento nacional sustentável, consolidado com a recepção total
das previsões de tratamento diferenciado para as ME-EPP.
De igual modo, a nossa Nova Lei de Licitações e Contratos
recebeu prontamente as disposições previstas no Estatudo Nacional das
Microempresas e Empresas de Pequeno Porte.
Observa-se, ainda, a criação de mais uma prerrogativa para o grupo:
a preferência de pagamento. Mesmo que a previsão dependa de condições,
é de grande valia o incetivo, já que permite ao pequeno empreendedor
subsídio da Administração Pública para a continuação da contratação em
casos de risco de sua descontinuação.

248 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Um estudo sobre o tratamento diferenciado dado às microempresas e empresas de pequeno portena nova lei de licitações e contratos

Também estamos diante de uma inocação restritiva trazida pela


Lei n° 14.133/2021 quanto ao tratamento favorecido às micro epequenas
empresas: no caso de licitações cujo valor supere o limite para fins de
enquadramento, o grupo não poderá competir sob o manto do tratamento
diferenciado.
Para muitos, tal restrição pode ser entendida como um retrocesso ao
mercado dos pequenos empreendedores, que, na maioria das hipóteses,
irá competir com os grandes sem os benefícios necessários para diminuir
as desigualdades de concorrência do mercado.
Fica claro que, no todo, o legislador continuou resguardando o grupo
dos empresários com menor poder econômico, porém, pode-se dizer, que
foi acometido por um deslize ao propor tal restrição, já que dantes, as
micro e pequenas empresas poderiam competir em licitações com valores
que superassem o teto de 4,8 milhões, desde que se enquadrassem na
habilitação financeira exigida, ficando apenas restrita sua participação em
posteriores contratações públicas.
Contudo, em sua totalidade, a Nova Lei de Licitações tem muito
presente o respeito ao tratamento diferenciado dado às microempresas
e empresas de pequeno porte, que significa, também, a materialização
de previsões constitucionais em dois aspectos: a obediência ao princípio
do desenvolvimento nacional sustentável combinado com o tratamento
diferenciado às micro e pequenas empresas.

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Conjur, 2021. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-nov-05/
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O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 249
Gabriela Carvalho de Aguiar

JUNIOR, J. T. P.; DOTTI, M. R. As licitações exclusivas para


microempresas e empresas de pequeno porte: regra e exceções.
Disponível em: <file:///C:/Users/rjgag/Downloads/149-Texto%20do%20
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BRASIL. Lei 14.133 de 01 de abril de 2021. Lei de Licitações


e Contratos. Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/
lei-n-14.133-de-1-de-abril-de-2021-311876884> Acesso em: 15de
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www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm> . Acesso em: 4 de
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Para Microempresas, Empresas de Pequeno Porte em Licitações
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O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 251
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de promover o Desenvolvimento Nacional Sustentável. Rev-
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efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/http://www.mpsp.mp.br/portal/page/
portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_
produtos/bibli_informativo/bibli_inf_2006/Rev-Est-Jur-UNESP_n.30.03.
pdf>. Acesso em: 4 de dezembro de 2022.

252 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Nathaniel de Moura Aguiar e Thiago Auster
de Oliveira Campos
A aplicabilidade do princípio da isonomia na utilização do sorteio como critério de escolha no instituto do credenciamento

A APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA


NA UTILIZAÇÃO DO SORTEIO COMO CRITÉRIO DE
ESCOLHA NO INSTITUTO DO CREDENCIAMENTO

Nathaniel de Moura Aguiar1


Thiago Auster de Oliveira Campos2

RESUMO
Este artigo trata da aplicação do Credenciamento como procedimento auxiliar das licitações e
hipótese de inexigibilidade de licitação, sob o enfoque do princípio Constitucional da isonomia,
tendo como mote a garantia de igualdade dos participantes ante a “ausência” de licitação.
Nesse sentido, o objetivo geral buscou analisar o Credenciamento e sua evolução na doutrina
administrativista brasileira, bem como sua aplicação na legislação, ao passo que buscou propor
critérios objetivos – especificamente o sorteio – em eventuais regulamentações do Credenciamento,
sempre preconizando a isonomia entre os participantes. Como objetivos específicos, trouxe:
Analisar a aplicação do instituto do Credenciamento nos procedimentos de inexigibilidade licitatória
sob o enfoque da lei 14.133/21 e elaborar uma análise comparativa entre as leis federais e leis
estaduais que versam sobre licitações e a fundamentação legal do Credenciamento; Construir
parâmetros que reforcem o caráter isonômico do Credenciamento sob o enfoque dos princípios
constitucionais e Analisar a aplicabilidade do critério do “sorteio” como parâmetro isonômico no
Credenciamento. Ficou constatado, como resultados, que o Credenciamento foi, ao longo dos
anos, uma construção jurisprudencial e doutrinária, tendo em vista não ser positivado nem na
legislação federal, nem em seus regulamentos. Apenas legislações estaduais esparsas tratavam
brevemente do Credenciamento, até o advento da nova lei federativa de licitações. Constatou-se,
por fim, que atualmente o Credenciamento, apesar de positivado na novel lei, ainda carece de
regulamentação federal, sobretudo nos critérios para escolha da ordem de contratação. Com
isso, o presente estudo constatou que o critério “sorteio” seria uma das alternativas que melhor
atendem ao princípio da isonomia, trazendo mais justiça na escolha da ordem de contratação.
Palavras-Chave: Licitações. Inexigibilidade. Credenciamento. Isonomia. Sorteio.

ABSTRACT
This article deals with the application of Accreditation as an auxiliary procedure for bidding and
the hypothesis of unenforceability of bidding, under the focus of the Constitutional principle of
isonomy, having as its motto the guarantee of equality of participants in the face of the “absence”
of bidding. In this sense, the general objective sought to analyze the Accreditation and its evolution
in the Brazilian administrative doctrine, as well as its application in the legislation, while seeking

1
Bacharel em Direito e Servidor público na Secretaria de Segurança Pública do Estado do Piauí.
2
Bacharel em Direito e Servidor público na Secretaria de Administração e Previdência do Estado do Piauí.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 253
Nathaniel de Moura Aguiar e Thiago Auster de Oliveira Campos

to propose objective criteria - specifically the draw - in eventual regulations of the Accreditation,
always advocating isonomy among the participants. As specific objectives, it brought: To analyze
the application of the Accreditation institute in the bidding unenforceability procedures under the
focus of the law 14.133/21 and to elaborate a comparative analysis between the federal laws
and state laws that deal with biddings and the legal basis of the Accreditation; Build parameters
that reinforce the isonomic character of Accreditation under the focus of constitutional principles
and Analyze the applicability of the “draw” criterion as an isonomic parameter in Accreditation.
It was found, as a result, that Accreditation was, over the years, a jurisprudential and doctrinal
construction, in view of not being positive either in federal legislation or in its regulations. Only
sparse state legislation dealt briefly with Accreditation, until the advent of the new federal bidding
law. Finally, it was verified that currently the Accreditation, despite being positive in the new law,
still lacks federal regulation, especially in the criteria for choosing the hiring order. As a result,
the present study found that the “draw” criterion would be one of the alternatives that best meet
the principle of isonomy, bringing more justice in the choice of hiring order.
Keywords: Biddings. Unenforceability. Accreditation. Isonomy. Draw.

1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem por objeto o tema a aplicabilidade do


princípio da isonomia no instituto do credenciamento trazido na nova lei
de licitações e a utilização do critério “sorteio” como parâmetro de escolha
da ordem de contratação.
Com enfoque no Credenciamento como procedimento auxiliar na
nova lei federativa de licitações, inclusive como hipótese de inexigibilidade
de licitação, o presente trabalho se desenvolveu por meio da análise
doutrinária, legislativa e jurisprudencial do instituto do credenciamento
antes do advento na lei n.º 14.133/21 e sua evolução histórica até a novel
lei licitatória. Contudo, diante, dessa análise, percebeu-se o seguinte
problema: Como garantir a isonomia dos participantes no processo de
credenciamento previsto na Nova Lei de Licitações ante a “ausência” de
regulamentação legal no que toca a ordem de contratação e distribuição
da demanda? Nessa linha, o presente artigo buscou identificar um (ou
mais) critério(s) isonômico(s) que pudesse(m) trazer verdadeira isonomia
no credenciamento, especificamente no momento da contratação com

254 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A aplicabilidade do princípio da isonomia na utilização do sorteio como critério de escolha no instituto do credenciamento

o poder público, haja vista se tratar de procedimento em que todos os


interessados estão em igualdade de condições para a contratação, ou
seja, mesma habilitação técnica, jurídica e mesma remuneração.
Portanto, a hipótese trabalhada no presente artigo foi a de que o
estabelecimento do critério do sorteio, positivado na regulamentação do
Credenciamento - através de decretos, instruções normativas e demais
instrumentos – poderia trazer isonomia aos credenciados no momento da
contratação e na escolha da ordem de prestação de serviços/fornecimento
de bens para a Administração Pública, tanto Federal como dos Estados
da Federação.
O objetivo geral sob o qual se estabeleceu o estudo foi a análise da
evolução do Credenciamento no direito brasileiro – sob a tríade doutrina,
jurisprudência e legislação - ao passo que buscou propor critérios objetivos,
especificamente o sorteio, em eventuais instrumentos (infra)legais que
venham a regulamentar o Credenciamento, sempre preconizando a
isonomia entre os participantes.
Para isso, traçou-se alguns objetivos específicos, como estudar o
instituto do Credenciamento nos procedimentos de inexigibilidade licitatória,
sob o enfoque da lei 14.133/21 e elaborar uma análise comparativa
entre as leis de licitação, estaduais e federais, como fundamentação
legal do Credenciamento; Construir parâmetros que reforcem o caráter
isonômico do Credenciamento sob o enfoque do princípio constitucional
da impessoalidade e Analisar a aplicabilidade do critério do “sorteio” como
parâmetro isonômico no Credenciamento.
A escolha do presente tema se justifica pela importância em se
estudar o credenciamento, enquanto procedimento auxiliar, uma vez
que sua positivação na novel legislação federal, certamente irá trazer
maior relevância e uma maior utilização nas compras públicas por parte
da Administração Pública, tendo em vista que levando em consideração

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 255
Nathaniel de Moura Aguiar e Thiago Auster de Oliveira Campos

apenas a Administração Pública Federal, as dispensas e inexigibilidades de


licitação corresponderam a cerca de 72% das licitações no ano de 20223.
Sendo assim, é perceptível a relevância no estudo pormenorizado do
tema, sobretudo por se tratar de legislação pendente de regulamentação,
podendo afetar direitos constitucionalmente garantidos em relação
ao particulares, enquanto contratados e afetar também deveres
constitucionalmente impostos em relação aos administradores públicos,
enquanto contratantes.
Em relação aos aspectos metodológicos, o método predominantemente
utilizado na pesquisa é o dedutivo, partindo do geral para o particular,
sobretudo a pesquisa bibliográfica, feita a partir do levantamento de
referências teóricas já analisadas por meios escritos e eletrônicos, como
livros, artigos científicos, páginas de websites.
Sobressai a análise de jurisprudência, tanto nas Cortes de Contas,
tais como Tribunal de Contas da União, tanto no Poder Judiciário, bem
como uma análise interpretativa sistemática da legislação acerca do tema.
Como fundamentação teórica, dialoga-se com diversos autores, tais
como José dos Santos Carvalho Filho (2019) e Maria Sylvia Zanella Di
Pietro (2020), ao analisar os conceitos básicos sobre contratações públicas,
sobretudo a licitação e os fundamentos para contratação direta; debruça-se
nos ensinamentos de Joel de Menezes Niebhur (2003) e Jacoby Fernandes
(2007) acerca da conceituação do credenciamento; Ludmilla França (2015)
com um pequeno apanhado histórico e Elder Correia (2021) ao analisar o
credenciamento nas legislações estaduais, bem como nas perspectivas da
aplicabilidade do referido instituto por todo o país;
Na sequência, foram apresentadas as mais variadas formas de
compreensão do credenciamento enquanto procedimento auxiliar na

3
https://portaldatransparencia.gov.br/graficos/visualizacaoGraficaTabela/pizza/pizza?titulo=Quantidade%20de%20licita%-
C3%A7%C3%B5es%20por%20Modalidade%20da%20Licita%C3%A7%C3%A3o&funcionalidade=%2Flicitacoes%2Fcon-
sulta&colunaOrdenacao=quantidade&colunasSelecionadas=modalidade%2Cquantidade&de=01%2F01%2F2022&ate=02%-
2F09%2F2022

256 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A aplicabilidade do princípio da isonomia na utilização do sorteio como critério de escolha no instituto do credenciamento

inexigibilidade de licitação, com a finalidade de atribuir, ao debate, arrimo


teórico e, ao final, discorreu sobre seus principais desdobramentos, dentre
os quais se destaca a constatação da necessidade de adoção de critérios
objetivos positivados na escolha da ordem de contratação dos credenciados,
sobretudo a utilização do sorteio como critério mais isonômico.

2 CREDENCIAMENTO ENQUANTO PROCEDIMENTO AUXILIAR:


CONCEITOS, BREVE APANHADO HISTÓRICO E FUNDAMENTAÇÃO
LEGAL DO INSTITUTO

Segundo o Portal da Transparência4, da Controladoria-Geral da


União, a Licitação é o processo por meio do qual a Administração Pública
contrata obras, serviços, compras e alienações. Ou seja, é a forma que
a Administração Pública pode comprar e vender por meio de processo
administrativo, tudo consagrado pela Constituição Federal, em seu
artigo 37, XXI.
Atualmente existem duas leis gerais de licitação em vigor – a lei
n.º 8.666/93, com vigência até março de 2023 e a lei n.º 14.133/2021 –
ressaltando que é competência privativa da União, segundo o art. 22,
XXVII, da Constituição Federal, legislar sobre normas gerais de licitação
e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas
diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e
Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, da Constituição Federal
e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos
do art. 173, § 1°, III, também da Constituição da República.
Com isso, as contratações públicas seguem o dever de licitar,
estatuído constitucionalmente. Porém, a mesma Constituição Federal prevê
que a lei poderá estabelecer exceções à essa regra geral, ressalvando

4
https://portaldatransparencia.gov.br/entenda-a-gestao-publica/licitacoes-e-contratacoes

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 257
Nathaniel de Moura Aguiar e Thiago Auster de Oliveira Campos

hipóteses em que a Administração Pública tem a faculdade – ou o dever


– de fazer uma contratação direta, sem a necessidade da licitação5
Essa contratação direta se divide em hipóteses denominadas
dispensa e inexigibilidade de licitação que se diferenciam basicamente,
segundo Di Pietro (2020), “no fato de que, na dispensa, há possibilidade de
competição que justifique a licitação; de modo que a lei faculta a dispensa”,
ou seja, deixa a escolha no campo da discricionariedade da Administração.
No tocante à inexigibilidade, segundo Di Pietro (2020), não há
possibilidade de competição, porque só existe um objeto ou uma pessoa que
atenda às necessidades da Administração; a licitação, é portanto, inviável.
Na esteira da inexigibilidade, surgiu o credenciamento enquanto
procedimento nas contratações diretas. O credenciamento é conceituado na
lei 14.133/21, em seu artigo 6º, inciso XLIII, como “processo administrativo de
chamamento público em que a Administração Pública convoca interessados
em prestar serviços ou fornecer bens para que, preenchidos os requisitos
necessários, se credenciem no órgão ou na entidade para executar o
objeto quando convocados;” (BRASIL, 2022).
Professor Niebhur (2003) ensina que o instituto do Credenciamento
pode ser conceituado como uma espécie de cadastro em que se inserem
todos os interessados em prestar certos tipos de serviços, conforme regras
de habilitação e remuneração prefixadas pela própria Administração Pública.
Neste caso, todos os credenciados celebram, sob as mesmas condições,
contrato administrativo, haja vista que, pela natureza do serviço, não há
relação de exclusão. Isto é, o serviço a ser contratado não precisa ser
prestado com exclusividade por um ou por outro, mas é prestado por todos.
Segundo professor Jacoby Fernandes (2007), se a administração
convoca todos os profissionais de determinado setor, dispondo-se a
contratar todos os que tiverem interesse e que satisfação os requisitos
5
Manual de Compras Diretas TCU https://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=8A8182A24D6E86A-
4014D71A8CEA96335

258 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A aplicabilidade do princípio da isonomia na utilização do sorteio como critério de escolha no instituto do credenciamento

estabelecidos, fixando ela própria o valor que se dispõe a pagar, os possíveis


licitantes não competirão no sentido estrito da palavra, inviabilizando a
competição, uma vez que a todos foi assegurada a contratação. É a figura
do credenciamento, que o Tribunal de Contas da União vem recomendando
para a contratação de serviços médicos, jurídicos e de treinamento.
Verifica-se, portanto, que no credenciamento a inviabilidade de
competição se caracteriza pela necessidade de a Administração Pública
contratar o maior número possível de particulares para o atendimento do
interesse público por ela pretendido.
Desta forma, segundo Érica Miranda Requi (2015, p.229) o
credenciamento também pode ser considerado como:

“Um sistema por meio do qual a Administração Pública convoca


todos os interessados em prestar serviços ou fornecer bens,
para que, preenchendo os requisitos necessários, credenciem-
se junto ao órgão ou entidade para executar o objeto
quando convocados. Pressupõem-se portanto pluralidade
de interessados e a indeterminação do número exato de
prestadores suficientes para a adequada prestação do serviço
e adequado atendimento do interesse público, de forma que
quanto mais particulares tiverem interesse na execução do
objeto, melhor será atendido o interesse público”

Percebe-se que o credenciamento, para ser melhor entendido,


perpassa pelo binômio “iguais requisitos x igual remuneração”, trazendo
ao procedimento a inviabilidade da competição. Afinal, os requisitos
técnicos e jurídicos são os mesmos para todos e a remuneração é fixa,
pré-estabelecida, geralmente por ato legal ou regulamentar da própria
administração pública ou do poder público, em sentido mais amplo. Há
inclusive, por parte da Administração pública, interesse em não restringir
o número de contratados.
É o que diferencia, dentre outras coisas, o credenciamento do
sistema de registro de preços: apesar de ambos institutos terem em comum

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 259
Nathaniel de Moura Aguiar e Thiago Auster de Oliveira Campos

o interesse em formalizar um cadastro para eventuais contratações, o


sistema de registro de preço prima pela competição, onde, se classifica
em primeiro lugar quem propor o menor valor por um produto ou serviço.
Conforme se infere do ensinamento de Jacoby (2007) citado
alhures, mais notadamente à época do escrito pelo festejado doutrinador,
o credenciamento não é um instituto novo no direito administrativo brasileiro.
Segundo Ludmilla França (2015, p.9), o credenciamento tomou corpo e
consolidou-se na administração pública no ano de 1995, quando “Tribunal
de Contas da União (TCU), em resposta à consulta formulada pelo Ministro
de Estado da Educação, possibilitou a contratação de serviços médicos
assistenciais, aos servidores e dependentes, por meio de credenciamento
de entidades e profissionais na área de Saúde.” Segundo a doutrinadora,
esse é o relato mais antigo do credenciamento no sistema brasileiro, mas
já sob a batuta da lei n.º 8.666, que remonta ao ano de 1993.
Nesse interregno temporal, o Tribunal de Contas da União
publicou diversos acórdãos paradigmáticos com vistas a “regulamentar”
o credenciamento no ordenamento jurídico pátrio, isso porque até então
a fundamentação legal do credenciamento era apenas a inexigibilidade
de licitação, no artigo 25, caput, da lei n. 8.666/93. Em 1995, o TCU, na
decisão n. 656/95 – Plenário6, assim decidiu:

O Tribunal Pleno, diante das razões expostas pelo Relator,


DECIDE: 1. conhecer da presente Consulta, ante o
preenchimento dos requisitos de admissibilidade previstos
no art. 216 do Regimento Interno; 2. responder à Autoridade
Consulente que, na falta de regulamentação específica da
matéria tratada no art. 230 da Lei nº 8.112/90, os órgãos/
entidades dos Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo
poderão, a seu critério, adotar sistema próprio para a
prestação de serviços de assistência complementar à

6
Tribunal de Contas da União, Decisão n. 656/95 – Plenário. Processo n° TC-016.522/95-8. Disponível em:<https://portal.tcu.
gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=8A8182A2503F5DF2015048FDEA9D5E91>: Acesso em: 17, dez. 2022

260 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A aplicabilidade do princípio da isonomia na utilização do sorteio como critério de escolha no instituto do credenciamento

saúde dos servidores, inclusive o de credenciamento


de profissionais e instituições médico-hospitalares,
com fulcro no art. 25 da Lei nº 8.666/93, observados os
princípios básicos da administração pública; 3. encaminhar
ao interessado cópia do Relatório e Voto que fundamentam
esta Decisão; 4. arquivar o processo. (grifo nosso)
(Processo n° TC-016.522/95-8. Decisão n. 656/95 – Plenário.
Tribunal de Contas da União. Relator: Ministro Homero Santos.
Julgado em 06/12/1995. Publicado na Ata n.º 58/1995 em
28/12/1995 no DOU)

Nessa evolução, o Acórdão 351/210-TCU-Plenário, trouxe importantes


ensinamentos, notadamente que “embora não esteja previsto nos incisos
do art. 25 da lei 8.666/93, admite-se o credenciamento como hipótese de
inexigibilidade inserida no caput do referido dispositivo legal, porquanto
a inviabilidade de competição configura-se pelo fato de a Administração
dispor-se a contratar todos os que tiverem interesse e que satisfaçam
as condições por ela estabelecidas, não havendo, portanto, relação de
exclusão. Para a regularidade da contratação direta, é indispensável a
garantia da igualdade de condições entre todos os interessados hábeis a
contratar com a Administração, pelo preço por ela definido.”7
Vejamos que o Tribunal de Contas da União já deixava clara a
preocupação primordial com a igualdade de condições entre todos os
interessados, tratando como requisito indispensável para tal modalidade
de contratação direta se a mesma quisesse ser fundamentada como
hipótese “sui generis” de inexigibilidade de licitação. A jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça caminhou na mesma linha, conforme decidido
no Recurso Especial n.º 1.747.6368.

7
Tribunal de Contas da União, Acórdão 351/210-TCU-Plenário. Disponível em: <https://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:tribunal.
contas.uniao;plenario:acordao:2010-03-03;351>: Acesso em: 17, dez. 2022
8
Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial REsp: 1.747.636, Relator: Gurgel de Faria, Data de julgamento: 9/12/2021,
1ª Turma. Disponível em: <https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201801433466&dt_publi-
cacao=09/12/2019> : Acesso em: 17, dez. 2022.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 261
Nathaniel de Moura Aguiar e Thiago Auster de Oliveira Campos

Nesse passo, apesar da falta de regulamentação na legislação


federal, alguns Estados da Federação, utilizando suas prerrogativas de
normatização específica da licitação, conforme art. 22, inciso XXVII, da
Constituição Federal, passaram a positivar o credenciamento em suas
legislações estaduais. (CORREIA, 2021)
Temos como exemplo a Lei Estadual nº 9.433, de 1º de março de
2005, a Lei Baiana de Licitações e Contratos, que trouxe expressamente o
credenciamento no seus artigos 61 e 629. Como importantes avanços, dispôs
sobre a necessidae de regulamento específico para cada credenciamento,
a necessidade da garantia do tratamento isonômico aos interessados e
no artigo 63, elencou diversos princípios e requisitos a serem observados
por esses regulamentos específicos.10

9
Art. 61 - É inexigível a licitação, por inviabilidade de competição, quando, em razão da natureza do serviço a ser prestado e da
impossibilidade prática de se estabelecer o confronto entre os interessados, no mesmo nível de igualdade, certas necessidades
da Administração possam ser melhor atendidas mediante a contratação do maior número possível de prestadores de serviço,
hipótese em que a Administração procederá ao credenciamento de todos os interessados que atendam às condições estabelecidas
em regulamento.
Parágrafo único - A Administração elaborará regulamento específico para cada credenciamento, o qual obedecerá, rigoro-
samente, aos princípios constitucionais da isonomia, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da
economicidade e aos princípios do procedimento licitatório.
Art. 62 - Na implantação de um sistema de credenciamento, a Administração deverá preservar a lisura, transparência e
economicidade do procedimento e garantir tratamento isonômico aos interessados, com o acesso permanente a qualquer
um que preencha as exigências estabelecidas em regulamento, devendo instruir o respectivo processo com os seguintes
elementos:
I - convocação dos interessados por meio do Diário Oficial do Estado, de jornal de grande circulação e, sempre que possível, por
meio eletrônico;
II - fixação criteriosa da tabela de preços que remunerará os serviços a serem prestados;
III - regulamentação da sistemática a ser adotada.
10
Art. 63 - O regulamento para credenciamento deverá ser elaborado pelo órgão público interessado e observar os seguintes
requisitos:
I - ampla divulgação, mediante aviso publicado no Diário Oficial do Estado, em jornal de grande circulação local e, sempre que
possível, por meio eletrônico, podendo também a Administração utilizar-se de chamamento a interessados do ramo, que gozem
de boa reputação profissional, para ampliar o universo dos credenciados;
II - fixação de critérios e exigências mínimas para que os interessados possam se credenciar;
III - possibilidade de credenciamento, a qualquer tempo, de interessado, pessoa física ou jurídica, que preencha as condições
mínimas fixadas;
IV - fixação de tabela de preços dos diversos serviços a serem prestados, dos critérios de reajustamento e das condições e prazos
para o pagamento dos serviços;
V - rotatividade entre todos os credenciados, sempre excluída a vontade da Administração na determinação da demanda por
credenciado;
VI - vedação expressa de pagamento de qualquer sobretaxa em relação à tabela adotada;
VII - estabelecimento das hipóteses de descredenciamento, assegurados o contraditório e a ampla defesa;
VIII - possibilidade de rescisão do ajuste, a qualquer tempo, pelo credenciado, mediante notificação à Administração, com a
antecedência fixada no termo;
IX - previsão de os usuários denunciarem irregularidade na prestação dos serviços e/ou no faturamento;
X - fixação das regras a serem observadas pelos credenciados na prestação do serviço.

262 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A aplicabilidade do princípio da isonomia na utilização do sorteio como critério de escolha no instituto do credenciamento

Outro marco relevante para o credenciamento foi a edição pelo


Estado do Paraná de sua Lei Paranaense de Licitações e Contratos – a
Lei Estadual nº 15.608, de 16 de agosto de 2007, regulamentada pelo
Decreto nº 4.507, de 2009, que institui o Regulamento do Credenciamento
no Estado do Paraná –, a qual dedica uma seção inteira para o tema e nos
traz, em seu art. 24, com o conceito de credenciamento e uma hipótese
geral de aplicação.11
A referida lei paranaense também traz como preocupação, em seu
artigo 25, o tratamento isonômico aos interessados ao dispor diversos
requisitos para o credenciamento.12
Por fim, ressalta-se a Lei Goiana de Licitações e Contratos – a
Lei Estadual nº 17.928, de 21 de novembro de 2012 – que, em seu art.
2º, IX, conceituou o sistema de credenciamento como “o conjunto de
procedimentos por meio dos quais a administração credencia, mediante
chamamento público, os fornecedores e/ou prestadores de determinados
bens ou serviços, nas hipóteses em que a multiplicidade de fornecedores

11
Art. 24. Credenciamento é ato administrativo de chamamento público, processado por edital, destinado à contratação de
serviços junto àqueles que satisfaçam os requisitos definidos pela Administração, observado o prazo de publicidade de no
mínimo 15 (quinze) dias úteis e no máximo de 30 (trinta) dias úteis.
Parágrafo único. A Administração Estadual poderá adotar o credenciamento para situações em que o mesmo objeto possa
ser realizado simultaneamente por diversos contratados.
12
Art. 25. O processo de credenciamento deve ser autorizado pela autoridade competente, ser processado mediante a elabo-
ração de edital pelo órgão público interessado e atender aos seguintes requisitos:
I - explicitação do objeto a ser contratado;
II - fixação de critérios e exigências mínimas à participação dos interessados;
III - possibilidade de credenciamento a qualquer tempo pelo interessado, pessoa física ou jurídica;
IV - manutenção de tabela de preços dos diversos serviços a serem prestados, dos critérios de reajustamento e das condições
e prazos para o pagamento dos serviços;
V - rotatividade entre todos os credenciados, sempre excluída a vontade da Administração na determinação da demanda por
credenciado;
VI - vedação expressa de pagamento de qualquer sobretaxa em relação à tabela adotada;
VII - estabelecimento das hipóteses de descredenciamento, assegurados o contraditório e a ampla defesa;
VIII - possibilidade de rescisão do ajuste, pelo credenciado, a qualquer tempo, mediante notificação à Administração com a
antecedência fixada no termo;
IX - previsão de os usuários denunciarem irregularidade na prestação dos serviços e/ou no faturamento”.
§ 1º. A convocação dos interessados deverá ser feita mediante publicação na forma do §1º do art. 26.
§ 2º. O pagamento dos credenciados será realizado de acordo com a demanda, tendo por base o valor pré-definido pela
Administração, a qual pode utilizar-se de tabelas de referência

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 263
Nathaniel de Moura Aguiar e Thiago Auster de Oliveira Campos

simultâneos melhor atenda o interesse público” e clarificou, ainda, a


hipótese de aplicabilidade do instituto.

3 ISONOMIA NO CREDENCIAMENTO A PARTIR DO SORTEIO COMO


CRITÉRIO DE ESCOLHA DO CREDENCIADO

Inicialmente, para discorrer sobre o tópico, é necessário trazer à baila


o conceito de isonomia, sob o prisma da Constituição Federal, tratando-
se de princípio inaugural do texto da Constituição Federal, disposto no
Caput do art. 5°, que expressa um dos principais aspectos teleológicos
da Constituição, qual seja o tratamento isonômico, in verbis, “Todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”13.
Com isso, a igualdade no credenciamento deve ser evidenciada
como um de seus vetores principais, assim como no processo licitatório,
tendo em vista que o tratamento dado aos futuros credenciados deve ser
isonômico. Os processos de credenciamento devem proporcionar um
tratamento isonômico e objetivo entre os interessados em contratar com a
Administração tal como ocorre no certame licitatório padrão, não podendo
existir diferenças de tratamento não previstas em Lei para aqueles que
estejam em condições iguais.
Conforme já relatado alhures, o entendimento dos Tribunais de
Contas, sobretudo o TCU, o instituto do Credenciamento deve ser aberto
à convocação mais ampla possível de interessados e utilizado todos
os meios legais de comunicação possíveis, tais como: Diário Oficial do
Estado, jornal de grande circulação, meios eletrônicos, sempre visando o
tratamento igualitário e tentando proporcionar a maior amplitude possível
no que toca a participação de eventuais interessados.
Outro aspecto isonômico, já esposado pelos Tribunais, é que o
credenciamento deve permanecer aberto durante o prazo de vigência do
13
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros resi-
dentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

264 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A aplicabilidade do princípio da isonomia na utilização do sorteio como critério de escolha no instituto do credenciamento

edital, habilitando os interessados que satisfaçam às condições exigidas


no ato convocatório, com a contratação dos que cumprirem os requisitos
estabelecidos no edital de credenciamento. Tal entendimento foi cristalizado
pela nova lei de licitações no artigo 79, parágrafo único, inciso I.
Na esteira do entendimento esposado acima, Jorge Ulisses Jacoby
Fernandes (2006) já apontava algumas características e requisitos
fundamentais que devem ser observados no sistema de credenciamento,
tais como a possibilidade de contratação de todos os que satisfaçam às
condições exigidas; que a definição da demanda por contratado não seja
feita pela Administração; que o objeto satisfaça à Administração, desde
que executado na forma definida no edital, onde geralmente são serviços
em que as diferenças pessoais do selecionado têm pouca relevância para
o interesse público, dado o nível técnico da atividade ter sido bastante
regulamentada ou de fácil verificação; por fim que o preço de mercado
seja razoavelmente uniforme, e que a fixação prévia de valores seja mais
vantajosa para a Administração.
A nova lei de licitações trouxe em seu artigo 79, inciso I, a hipótese
de contratações paralelas e não excludentes: caso em que é viável e
vantajosa para a Administração a realização de contratações simultâneas
em condições padronizadas. Ou seja, feito o credenciamento inicial de
diversos interessados, a Administração Pública têm diversas demandas
que proporcionam a contratação simultânea de vários credenciados ao
mesmo tempo.
Contudo, a própria lei trouxe mais a frente, no artigo 79, parágrafo
único, inciso II, uma regra quando o objeto não permitir a contratação
imediata e simultânea de todos os credenciados, onde a administração
pública deverá adotar critérios objetivos de distribuição da demanda.
Essa situação se exemplifica quando há diversos credenciados mas as
demandas surgem aos poucos, não contemplando todos os credenciados.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 265
Nathaniel de Moura Aguiar e Thiago Auster de Oliveira Campos

Nesse caso surge o problema central do presente trabalho: como dar


tratamento isonômico a esses credenciados, na situação de impossibilidade
de contratação simultânea de todos eles? Na falta de regulamentação legal,
pode-se imaginar diversos métodos para distribuição inicial da demanda,
tais como ordem de protocolo físico do pedido de credenciamento; ordem do
protocolo em site disponibilizado pela Administração; critério de antiguidade
no registro da Junta Comercial, tal como no caso da atividade de Leiloeiro,
regulamentado pelo decreto federal n.º 21.981, de 19 de outubro de 1932.
Mas de plano podemos observar a falta de isonomia dentre diversos
problemas que podem surgir na prática, tais como: a ordem de protocolo
físico pode acarretar a esdrúxula situação de dois interessados no
credenciamento chegando ao mesmo tempo no setor de protocolo; no
caso do protocolo digital, pode acontecer problemas técnicos no site da
Administração; sem falar no critério de antiguidade acima citado, sem
qualquer parâmetro isonômico e de duvidosa constitucionalidade.
O Estado do Paraná regulamentou, através do Decreto Estadual
n.º 10.086/2022, a lei federal 14.133/2021 no âmbito da Administração
Pública estadual, direta, autárquica e fundacional. Esse Decreto, dentre
outros institutos, regulamentou o Credenciamento, no capítulo XVII, Seção
I e seguintes, começando no art. 228 do referido decreto, trazendo as
disposições gerais e o conceito de credenciamento, coincidindo ipsis
litteris com o conceito trazido pela legislação federal.14
Na subseção I do decreto paranaense, ao dispor das hipóteses
e requisitos específicos do Credenciamento, mais precisamente nas
contratações paralelas e não excludentes, o art. 257, em seus 24 parágrafos
e diversos incisos, pormenoriza a contratação nesse tipo de credenciamento,
regulamentando o disposto art. 79, inciso I, da Lei Federal 14.133/21.

14
Decreto 10.086/2022/Paraná - Art. 228. Credenciamento é um processo administrativo precedido de chamamento público em
que a Administração Pública convoca interessados em prestar serviços ou fornecer bens para que, preenchidos os requisitos
necessários, se credenciem por meio de cadastramento no órgão ou na entidade para executar ou fornecer o objeto quando
convocados.

266 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A aplicabilidade do princípio da isonomia na utilização do sorteio como critério de escolha no instituto do credenciamento

Chama atenção ao detalhamento, no art. 257, §3º, do Decreto


paranaense15, no caso das demandas, para a hipótese do caput deste
artigo, caso de não se pretender a convocação, ao mesmo tempo, de todos
os credenciados para a execução do serviço ou fornecimento do bem,
serão providas por meio de sorteio por objeto a ser contratado de modo
que seja distribuída por padrões estritamente impessoais e aleatórios,
formando uma lista para ordem de chamada para a execução de cada
objeto, observando-se sempre o critério de rotatividade.
Cumpre ressaltar que o decreto estadual n.º 4.507/2009 que
regulamentava o credenciamento, ou seja, a legislação paranaense
anterior à nova lei federal de licitações, já trazia o sorteio como critério
para alocação das demandas no credenciamento, inclusive com redação
bastante similar ao atual decreto estadual 10.086/2022.
A aleatoriedade disposta como requisito é importante, ao nosso
ver, para manter a isonomia entre os eventuais contratados, uma vez que
ao não garantir a contratação de todos os credenciados, poderia haver o
favorecimento no caso de escolha de outro modo de escolha inicial, tais
como ordem de credenciamento, ordem de protocolo de documentação,
ou até mesmo antiguidade, como dispõe o decreto federal n.º 21.981, de
19 de outubro de 1932, que regulamenta a atividade de leiloeiro.
Poderia ser injusto atribuir a primeira colocação ao mais antigo,
ou ao primeiro a protocolar a documentação, sendo que não há garantia
de contratação de todos os credenciados, podendo existir a situação
esdrúxula de o primeiro colocado, beneficiado por critérios obscuros, ser
o único contratado durante a vigência do credenciamento.

15
Decreto 10.086/2022/Paraná - Art. 257. Na hipótese de contratação paralela e não excludente, caso em que é viável e van-
tajosa para a Administração a realização de contratações simultâneas em condições padronizadas, o edital conterá objeto
específico e deverá observar o seguinte:
(...)
§3º As demandas, para a hipótese do caput deste artigo, caso não se pretenda a convocação, ao mesmo tempo, de todos
os credenciados para a execução do serviço ou fornecimento do bem, serão providas por meio de sorteio por objeto a ser
contratado de modo que seja distribuída por padrões estritamente impessoais e aleatórios, que formará uma lista para ordem
de chamada para a execução de cada objeto, observando-se sempre o critério de rotatividade

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 267
Nathaniel de Moura Aguiar e Thiago Auster de Oliveira Campos

O novel decreto paranaense vai além ao esmiuçar os requisitos para


credenciamento paralelo e não excludente, dispondo que os credenciados
serão chamados para executar o objeto de acordo com sua posição em
uma lista criada após a realização do sorteio, dispondo também que o
credenciado só será chamado para executar novo objeto após os demais
credenciados que já estejam na lista forem chamados, ou seja, o primeiro
colocado da lista, após ser chamado e executar o objeto para qual foi
contratado, ele passará para o fim da lista, sendo novamente convocado
somente após esgotada a ordem da referida lista de classificação, por
assim dizer.
Frise-se também que, segundo o decreto16, qualquer interessado
poderá requerer seu credenciamento a qualquer tempo e, se ocorrer após
o sorteio, será posicionado logo após o credenciado com menor número
de demandas, ou seja, o “último colocado” na ordem de efetiva execução
do objeto de contratação.
Por fim, em relação ao decreto paranaense, também chama atenção
no art. 257, §6º e seguintes, a imposição legal que esse sorteio seja
feito em sessão pública, com prazo mínimo de antecedência para a
comunicação da realização da sessão do sorteio ou da convocação de
todos os credenciados e com ata da sessão pública assinada por todos
os presentes.

16
Decreto 10.086/2022/Paraná - Art. 257. Na hipótese de contratação paralela e não excludente, caso em que é viável e van-
tajosa para a Administração a realização de contratações simultâneas em condições padronizadas, o edital conterá objeto
específico e deverá observar o seguinte:
(...)
§3o As demandas, para a hipótese do caput deste artigo, caso não se pretenda a convocação, ao mesmo tempo, de todos
os credenciados para a execução do serviço ou fornecimento do bem, serão providas por meio de sorteio por objeto a ser
contratado de modo que seja distribuída por padrões estritamente impessoais e aleatórios, que formará uma lista para ordem
de chamada para a execução de cada objeto, observando-se sempre o critério de rotatividade e os seguintes requisitos:
I - os credenciados serão chamados para executar o objeto de acordo com sua posição na lista a que se refere o §2o deste
artigo;
II - o credenciado só será chamado para executar novo objeto após os demais credenciados que já estejam na lista forem
chamados;
III - a qualquer tempo um interessado poderá requerer seu credenciamento e, se ocorrer após o sorteio, será posicionado
logo após o(s) credenciado(s) com menor número de demandas;
NOTA DOS AUTORES: O inciso I faz referência ao § 2º, contudo, claramente houve erro material na redação, uma vez que
logicamente a referência é ao § 3º, do art. 257.

268 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A aplicabilidade do princípio da isonomia na utilização do sorteio como critério de escolha no instituto do credenciamento

Nota-se que no caso paranaense o sorteio é feito apenas após o


surgimento da necessidade de contratação, ou seja, após o surgimento
de novas demandas por parte do estado do Paraná.
Como visto, ante a falta de isonomia plena nas hipóteses já conhecidas
de distribuição da demanda e ordem de contratação do credenciamento,
o sorteio - talvez pela forma randômica, aleatória, paradoxalmente “sem
critério intelectual” - parece a melhor forma de impor igualdade no momento
de elaborar a ordem de contratação em um instituto que prima - quase
que por excelência - pela igualdade absoluta.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo analisou o aplicação do Credenciamento como


procedimento auxiliar das licitações e hipótese de inexigibilidade de licitação,
sob o enfoque do princípio Constitucional da isonomia, tendo como mote a
garantia de igualdade dos participantes ante a “ausência” de licitação, com
a finalidade de perquirir resposta à temática posta em problema: Como
garantir a isonomia dos participantes no processo de credenciamento
previsto na Nova Lei de Licitações ante a “ausência” de regulamentação
legal no que toca a ordem de contratação e distribuição da demanda?
Dentro do recorte adotado neste estudo, constatou-se a necessidade
de adoção de critérios objetivos positivados em regulamento para a escolha
da ordem de contratação dos credenciados, sobretudo a utilização do
sorteio como critério mais isonômico.
Desse modo, a partir da investigação à doutrina, jurisprudência e
legislação acerca das licitações e contratos, tanto na nova lei quanto na
antiga legislação licitatória, ficou estabelecido que o credenciamento foi
negligenciado pela legislação brasileira de um modo geral, sendo tratado em
primazia pela doutrina e em construção jurisprudencial, tanto pelo judiciário
quanto pelas cortes de contas, sobretudo o Tribunal de Contas da União.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 269
Nathaniel de Moura Aguiar e Thiago Auster de Oliveira Campos

Com o advento da nova lei de licitações, em 2021, que trouxe


explicitamente o credenciamento como procedimento auxiliar, passou a ter
mais segurança jurídica com esse instituto. Contudo, a falta de regulamentação
federal - e em quase todos os Estados, a exceção do Paraná - também ficou
patente neste estudo, trazendo como principal consequência a falta de balizas
isonômicas para o instituto do credenciamento, deixando ainda um vácuo
sobre como deverá ser tratado futuramente.
Concordando com a hipótese levantada, foi permitido identificar que
critério “sorteio” seria uma das alternativas que melhor atendem ao princípio
da isonomia, trazendo mais justiça na escolha da ordem de contratação.
Foi trazido como exemplo a nova legislação paranaense sobre
licitações, o decreto estadual n.º 10.086/2022 que, assim como a legislação
paranaense anterior, traz explicitamente o sorteio como critério de escolha
do contratante no caso de contratações paralelas e não excludentes, por
meio de credenciamento, mas quando o objeto não permitir a contratação
imediata e simultânea de todos os credenciados.

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O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 273
Antônio Rodrigues de Sousa Neto e
Larissa Rocha Pires Ferreira
Antônio Rodrigues de Sousa Neto e Larissa Rocha Pires Ferreira

MARKETPLACE NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS COMO


FERRAMENTA DE FOMENTO AO DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL SOB A PERSPECTIVA DA NOVA LEI DE
LICITAÇÕES (LEI Nº 14.133/2021)

Antônio Rodrigues de Sousa Neto1


Larissa Rocha Pires Ferreira2

RESUMO
A nova Lei de Licitações e Contratos vem provocar e retirar o gestor público da zona de conforto.
Com objetivos amplos e princípios desafiadores, o regulamento coloca em xeque visões tradicionais
pela prevalência da utópica segurança jurídica absoluta das contratações públicas. Nesse sentido,
reconhecendo a virtualização das relações sociais e de trabalho como um caminho sem volta,
resta a administração pública seguir a lógica de mercado privado e investir nos gestores com
visão sistêmica, os quais rompem as barreias do estigma da administração corrupta e propõem
inovações, focando na missão maior da gestão pública enquanto retorno ao social.
Palavras-chave: Nova Lei de Licitações e Contratos. Marketplace. Desenvolvimento Nacional
Sustentável.

ABSTRACT
The new Bidding and Contracts Law provokes and removes the public manager from the
comfort zone. With broad objectives and challenging principles, the regulation calls into question
traditional views due to the prevalence of the utopian absolute legal security of public contracts.
Recognizing the virtualization of social and work relations as a path of no return, it remains for
public administration to follow the logic of the private market and invest in managers with a systemic
vision that break the barriers of the stigma of corrupt administration and propose innovations
focusing on the greater mission of management public as a return to the social.
Keywords: New Bidding and Contracts Law. Marketplace. Sustainable National Development.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo é apresentado enquanto trabalho de conclusão do


curso de pós-graduação em Licitações e Contratos, com ênfase na Lei nº
14.133/2021 e habilitação em pregoeiro. Nesse sentido, vem apresentando
1
Graduado em Administração de Empresas pela Faculdade CEUT.
2
Graduada em Direito pela Faculdade Estácio-CEUT. Pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil pela Assembleia Legislativa
do Estado do Piauí; Pós-graduada em Direito e Processo Previdenciário, realizado pelo Instituto Camilo Filho - ICF, em convênio
com a Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Piauí – OAB/PI 15.197.

274 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Marketplace nas contratações públicas como ferramenta de fomento ao desenvolvimento sustentável sob a perspectiva da nova lei
de licitações (Lei nº 14.133/2021)

o marketplace enquanto inovação de mercado viável ao fomento das


microempresas - ME e empresas de pequeno porte – EPP, ademais, é
problematizado o “desenvolvimento nacional sustentável” sendo elevado
de objetivo a princípio - pela Lei nº 14.133/2021. Assim, questiona-se:
o marketplace pode ser entendido como ferramenta de fomento pelas
administrações públicas?
A hipótese levantada é que o marketplace, enquanto inovação dos
mercados privados fomentado pela pandemia e a virtualização das relações
sociais e de trabalho, pode vir a ser empregado pela administração pública
como ferramenta de fomento aos mercados locais, em um entendimento
similar ao que acontece ao incentivo legal que já ocorre com as ME e EPP’s,
com a Lei Complementar nº 123/1996. Frente ao exposto, o objetivo geral
deste artigo é analisar o marketplace como inovação do mercado privado e
sua adoção como ferramenta de fomento ao princípio do desenvolvimento
social sustentável nas licitações e contratos da administração pública.
O marketplace já é reconhecido como inovação de sucesso no mercado
privado enquanto potencializador de mercado virtual, carecendo ainda de
discussões acerca de sua utilização no campo da administração pública.
Para subsidiar as discussões é apresentado amplo arcabouço
doutrinário, seguindo metodologia de leitura e fichamento de obras literárias,
artigos científicos, dissertações e teses disponíveis em sites especializados.
Para o desenvolvimento do trabalho são adotados os métodos
histórico, comparativo e interpretativo, sendo o primeiro empregado
principalmente na apresentação comparativa quanto ao enfoque dispensado
ao desenvolvimento nacional sustentável nas Leis 8.666/1993 e 14.133/2021,
bem como ao enfoque dispensado às ME e EPP, como principal ação
governamental de fomento ao desenvolvimento econômico local.
O artigo é apresentado em capítulos. No primeiro, tem-se o macrotema,
o apanhado histórico dos regulamentos gerais de licitações e contratos

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 275
Antônio Rodrigues de Sousa Neto e Larissa Rocha Pires Ferreira

e ainda, como o fomento ao Desenvolvimento Nacional Sustentável é


compreendido frente aos organismos e contextos internacionais e as
influências no ordenamento jurídico nacional. O segundo capítulo disserta
acerca das contratações públicas e seu papel no mercado nacional como
fomentador das ME e EPP. Por fim, o terceiro capítulo retoma a problemática
inicial e pondera acerca da utilização do marketplace no contexto de
inovações e promoção ao Desenvolvimento Nacional Sustentável viabilizado
pela Lei 14.133/2021.

2 A NOVA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS E O DESENVOLVIMENTO


NACIONAL SUSTENTÁVEL

A Constituição Federal em seu art. 37, inciso XXI, determina a


obrigatoriedade de contratação pela administração pública, por meio de
procedimentos licitatórios. A Lei 8.666/1993 por décadas cumpriu o papel
de regulamentar essa determinação, sofrendo pesadas críticas doutrinárias
pela hercúlea carga burocrática a que submetia a administração, resultado
da suspeição historicamente construída.
Pondera-se, no entanto, que as formalidades e as limitações a que se
sujeita a Administração Pública, entre as quais se ressalta a obrigatoriedade
de realizar licitação pública, não objetivam aprisioná- la a formalismos
imoderados, sustentando burocracia ineficiente e despropositada. Longe
disso, as formalidades e as limitações visam conferir legitimidade à função
administrativa, sobremodo no regime republicano, evitando privilégios
pessoais diante do interesse comum à coletividade, tudo para assegurar
postura equânime (NIEBUHR, p.35, 2022).
Formalidades essas que o autor alerta para que não ocorra um
eventual prejuízo à administração. Assim, os procedimentos deveriam
ser encarados como norte para auxiliar o gestor na tomada de decisão
na busca do interesse comum à coletividade. Desse modo,

276 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Marketplace nas contratações públicas como ferramenta de fomento ao desenvolvimento sustentável sob a perspectiva da nova lei
de licitações (Lei nº 14.133/2021)

A parte inicial do inciso XXI do artigo 37 da Constituição


Federal é de extrema importância porque reitera o princípio
da isonomia, ligando-o umbilicalmente à obrigatoriedade
de licitação pública, o que já se extraía dos princípios
administrativos (NIEBUHR, p.40, 2022).

O mesmo autor assevera a posição do legislador no dever legal do


agente público em “assegurar” a isonomia no tratamento dos potenciais
fornecedores, garantindo a igualdade de condições contra a carga de
favorecimentos e suspeição histórica que vigorava na administração pública.

A contrário senso, vemos a nova Lei de Licitações e Contratos,


Lei nº 14.133 de 1 de abril de 2021 apostar em um papel
muito mais atuante do agente público, mais participativo
e inovador, possibilitada por um entendimento do gestor
enquanto servidor público, preocupado com o impacto da
sua gestão na sociedade.
Art. 11.O processo licitatório tem por objetivos:
I - assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado
de contratação mais vantajoso para a Administração
Pública, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto;
II - assegurar tratamento isonômico entre os licitantes,
bem como a justa competição;
III - evitar contratações com sobrepreço ou com preços
manifestamente inexequíveis e superfaturamento na execução
dos contratos;
IV - incentivar a inovação e o desenvolvimento nacional
sustentável.

O artigo 11 do texto legal, não apenas incube o gestor público


de licitar como mecanismo isonômico para obter os objetos desejados/
necessários pela administração pública, mas conclama o gestor a refletir
sobre o seu papel social no procedimento licitatório, posicionando o menor
preço em detrimento da proposta com melhor resultado “custo benefício”;
sem deixar de fomentar a isonomia de tratamento entre os licitantes,

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 277
Antônio Rodrigues de Sousa Neto e Larissa Rocha Pires Ferreira

mas fomentando no gestor a reflexão sobre o seu papel ao “incentivar” a


inovação e o desenvolvimento nacional sustentável.
O art. 3º, inciso II, da Constituição Federal assevera que um dos
objetivos da República Federativa é o fomento ao desenvolvimento nacional
sustentável, o que a Lei 8.666/93 conferia como uma das finalidades do
procedimento licitatório (art. 3º). Com a publicação da Lei nº 14.133/2021,
o que era objetivo, agora é elevado à condição de princípio, o que para
Carvalho (2022, p. 43) deve ser reconhecido enquanto “mandamento
de otimização e, portanto, um valor a ser seguido”. Assim, passa-se a
entender o fomento ao desenvolvimento nacional sustentável como algo
a ser valorado em toda e qualquer etapa do processo licitatório.
Nesse contexto, a alteração legislativa significativa permite
ao Brasil comungar com pensamento já tradicionalmente fomentado
internacionalmente. Oliveira & Santos (2015) citando Arnold e Whitford
(2006) apresentam a Convocatória de Hannover, texto produzido na 3ª
Conferência Europeia sobre Cidades e Municípios Sustentáveis, ocorrida no
ano 2000 em Hannover, Alemanha, evento que contou com a participação
de 250 líderes municipais de 36 países europeus e regiões vizinhas,
como um marco na mudança de paradigmas, o que de fato se verificou
posteriormente com a União Europeia em 2004 passando a adotar critérios
sustentáveis nas suas contratações.

Os líderes municipais europeus “(...) devem ter consciência


sobre o poder de compra das autoridades locais no mercado
e usá-lo para direcionar o desenvolvimento para soluções
social e ambientalmente saudáveis” (ARNOLD; WHITFORD,
2006 apud OLIVEIRA; SANTOS, 2015).

Desse modo, a reunião em Hannover significou, na prática, o que os


autores pregaram, adotar o fomento dos mercados locais enquanto política
de governo, já que o poder de compra da Administração Pública é entendido
como capaz de direcionar o desenvolvimento nacional sustentável.

278 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Marketplace nas contratações públicas como ferramenta de fomento ao desenvolvimento sustentável sob a perspectiva da nova lei
de licitações (Lei nº 14.133/2021)

É importante frisar que o desenvolvimento social sustentável já


constava na legislação pátria enquanto norteador efetivo das contratações
públicas desde 2010, quando o Congresso Nacional aprovou alteração no
art. 3º, caput da Lei 8.666/1993, instituindo o marco legal das contratações
públicas sustentáveis no país, o que foi seguido, ao longo dos anos, mesmo
que de forma esparsa por outros normativos.
A Conferência Eco-92, Conferência das Nações Unidas para o
Meio Ambiente e o Desenvolvimento, ocorrida em 1992 na cidade do Rio
de Janeiro, buscou promover discussões voltadas ao desenvolvimento
socioeconômico e preservação ambiental. Dela se produziu a Agenda
21, que instituiu um modelo de desenvolvimento sustentável nacional a
partir das potencialidades e vulnerabilidades nacionais, sendo base para
normativos que passaram a ser compreendidos como diretriz, como a
Instrução Normativa nº 1, de 19 de janeiro de 2010 que dispõe sobre os
critérios de sustentabilidade ambiental na aquisição de bens, contratação
de serviços ou obras pela Administração Pública Federal direta, autárquica
e fundacional e dá outras providências.
A Instrução Normativa nº 01/2010 influenciou na redação da
Lei 8.666 de 21 de junho de 1993, além de tantos outros normativos,
como na Lei Federal Nº 11.947 de 16 de junho de 2009, que prevê a
destinação de percentual mínimo de 30% dos recursos do Fundo Nacional
de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para compra de produtos da
agricultura familiar para a merenda escolar e a publicação da Lei Federal nº
123, de 14 de dezembro de 2006, que estabelece normas gerais relativas
ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas
e empresas de pequeno porte nas contratações públicas.
Outro impulsionador são as contratações com recursos do Banco
Mundial. Como um dos indicadores para avaliação de resultado é a
adoção de critérios de fomento ao desenvolvimento sustentável nas
compras públicas, a administração fica vinculada a estabelecer critérios

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 279
Antônio Rodrigues de Sousa Neto e Larissa Rocha Pires Ferreira

e metas claras para avaliação e prospecção de recursos pelo organismo


internacional.
A exemplo, o Governo do Estado do Piauí editou o Decreto nº
6.344 de 12 de março de 2013, que determina a inclusão de reserva de
5% de vagas de empregos aos egressos do sistema prisional nos editais
de licitação de obras emitidos pela Administração Pública, o que busca
fomentar a ressocialização e a reinserção dessa parcela da população
no mercado de trabalho e promoção de renda local.
Com a edição da Nova Lei de Licitações e Contratos - NLLC os
doutrinadores agora têm a missão de discutir didaticamente a gestão
pública para alcançar o cumprimento da exigência legal por uma contratação
lastreada por princípios.

[...] Isso pode ser observado na preferência a produtos


nacionais, ou ainda na transferência de tecnologia para o
país como requisito para contratação de serviços e compras
de empresas estrangeiras. Igualmente, pode-se vislumbrar o
incentivo a micro e pequenas empresas e também no respeito
ao meio ambiente. [...] (CARVALHO, 2022, p. 43).

Reconhecer preferência por produtos nacionais quando das


contratações públicas e realizar transferências de tecnologia para o país
como requisito de contratação são referências que o autor afirma não
ter proposto sem motivações. O referido, elucida como já tendo sido
apresentadas a nível federal no Decreto 7.746/2012, art. 4ª, inciso IV,
quando prevê o fomento à utilização de mão de obra local nas contratações
realizadas pela administração pública federal direta, autárquica e fundacional
e pelas empresas estatais dependentes.
A esse respeito, pensar desenvolvimento nacional sustentável, em
termos práticos, traria ao gestor público o exercício pela interlocução da
prática administrativa por uma política pública de valorização da sociedade
e economias locais, permitindo a valorização de grupos sociais regionais

280 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Marketplace nas contratações públicas como ferramenta de fomento ao desenvolvimento sustentável sob a perspectiva da nova lei
de licitações (Lei nº 14.133/2021)

por critérios diferenciadores ambientais ou culturais no processo produtivo.


Nesse sentido,

O conceito de compras sustentáveis busca incorporar


simultaneamente critérios de eficiência econômica, social
e ambiental, algo alinhado à necessidade de se avançar de
uma perspectiva seccionada e reducionista para uma visão
complexa, que busca entender a realidade numa amplitude
de contornos, o que tende a gerar resultados que superam as
fronteiras tradicionais de cada política pública, gerando sinergia
capaz de potencializá-las (OLIVEIRA; SANTOS, 2015, p.2).

O autor retrata verdadeira sinergia de políticas públicas pensadas


e planejadas para geração de eficiência econômica, social e ambiental
rompendo com a visão tradicional de resultado. Essa visão coaduna com a
de Carvalho, para quem, “Na interpretação das normas acerca de licitação
é necessário que o desenvolvimento nacional seja aplicado na maior
medida possível” (CARVALHO, 2022, p.43). Assim, pensar desenvolvimento
nacional sustentável enquanto princípio da administração pública não seria
opcional, mas sim obrigatório em visão ampla.
Entre os diversos princípios, não haveria hierarquia e/ou preferência
entre eles, o que representa a consciência/dever do gestor administrativo
na utilização do procedimento licitatório, enquanto ferramenta de fomento
ao desenvolvimento social, tanto quanto é por garantir a legalidade e
publicidade da contratação.
Com a edição da INSTRUÇÃO NORMATIVA SEGES/ME Nº 77, DE
4 DE NOVEMBRO DE 2022 ao contrário do que era praticado, a adoção
de Pregão presencial, como fomentador ao mercado local, passa a ser
vetado por compreender que vai de encontro a princípios outros como a
isonomia, publicidade e transparência.
Contratar pela NLLC se torna desafiador para a administração pública,
não apenas pela ausência de domínio do normativo legal que apresenta

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 281
Antônio Rodrigues de Sousa Neto e Larissa Rocha Pires Ferreira

prazo, sanções, etapas e necessária adaptação dos procedimentos,


mas também pelo fato da própria doutrina que deveria ser ancoradouro,
elucidando a administração e a iniciativa privada que interage nos certames,
não ser uníssona e nem tampouco conseguir ainda apontar uma corrente
majoritária e/ou mesmo como os tribunais irão se comportar frente às
diferentes correntes interpretativas.
Paralelamente, como qualquer pensamento inovador, é necessário
romper os estigmas da contratação pública, que eivada de suspeição para
com seus agentes vem dando margem a uma inação decisória cada vez
mais sentida, o que Santos (2020) cunhou como “autoblindagem decisória”:

De longa data incomodava-nos o fato de que, no âmbito


privado, certo nível de risco e erro no processo decisório é
perfeitamente admissível e ninguém responde no âmbito civil
por tais decisões. Era como se o ambiente privado – para visar
ao lucro – tivesse certo grau de risco que lhe fosse inerente e
isto fosse problema das empresas e não dos seus funcionários
ou administradores. Já na esfera pública, por tutelar o interesse
público, uma perspectiva sempre foi muito distinta. O agente
público parece fadado a responder invariavelmente por danos
decorrentes de sua decisão, mesmo quando imbuído de boa-
fé, ainda que tomada com as informações que dispunha e
sem visar qualquer interesse escuso ou pessoal no processo
decisório (SANTOS, 2020).

O autor apresenta um servidor público tolhido em suas ações


pelo medo constante de represálias, seria impensável para qualquer um
tentar inovar quando pode ser responsabilizado pelos danos eventuais ao
interesse público, mesmo que estes sejam fruto de uma gestão calcada
na boa-fé e motivação justa.
A lógica do minimismo inovador, gerado pelo medo, ganha respaldo
com arguições como a de Marçal (2021), que assevera uma ação
governamental lastreada por princípios como temerários à segurança

282 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Marketplace nas contratações públicas como ferramenta de fomento ao desenvolvimento sustentável sob a perspectiva da nova lei
de licitações (Lei nº 14.133/2021)

jurídica, visto que, para o autor, licitações e contratos administrativos


faz-se por regras.

A multiplicação de princípios reduz a segurança jurídica. A


potencial contradição de soluções propiciadas por múltiplos e
diversos princípios amplia o risco de interpretações distintas e
conflitantes entre os órgãos administrativos e as instituições
de controle (MARÇAL, p.94, 2021).

O doutrinador parece crer em uma utopia administrativa em que


os gestores administrativos gozassem da solidez dos entendimentos
pela solidez de regras claramente apresentadas, cômico se não pela
seriedade da questão, já que ele chega a defender a supressão de todo
o art. 5º da Lei 14.133/2021. Pensamento simplista e até infantil quando
sabatinado frente à complexidade da realidade da gestão pública, cheia
de situações inovadoras que requerem do gestor, por vezes, soluções
também inovadoras, as quais fogem à clareza dura e fria do normativo
editado, ou mesmo quando refletimos frente à diversidade de entendimentos
jurisprudenciais e/ou doutrinários para um mesmo dispositivo legal.
Para a iniciativa privada, a lógica que se vem concretizando é pelo
estímulo à inovação e promoção de uma cultura de tolerância maior com
o risco, quando em prol das ações de fomento ao mercado.
Essa complacência dada às empresas, Santos (2020) atribui à
consciência de mercado pós crise de 1929, que passou a admitir os
administradores sem responsabilidade absoluta sobre as decisões adotadas
em prol das empresas, assim como uma maior permissibilidade nas suas
atuações como forma de estimular o empreendedorismo empresarial
“Chega-se mesmo a falar num laissez faire de Delaware” (PARGENDLER,
2015 apud SANTOS, 2020). Assim,

[...] o dever de diligência dos Administradores nas decisões


empresariais, deve ser realizado de boa-fé, observando: i)

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 283
Antônio Rodrigues de Sousa Neto e Larissa Rocha Pires Ferreira

que não tomem a decisão com base em interesse pessoal;


ii) que decidam com informação suficiente; iii) que atuem em
prol dos interesses da empresa.
Portanto, quando o administrador privado tomar decisões sob
estas premissas, não deverá ser responsabilizado e nem o
juiz poderá rever judicialmente a razoabilidade (ou não) da
sua decisão, salvo se manifestamente irracional e contrário a
estes princípios, atribuindo assim certa margem de liberdade
de atuar (SANTOS, 2020).

Nota-se claro rol de condicionantes para se responsabilizar


judicialmente um administrador de empresa. Para tanto, este deve praticar
atos motivados por interesses pessoais, bem como tomar decisões sem
embasamento suficiente e que o seu fim último de agir não seja o melhor
para a empresa.
Na administração pública a contrário senso, a NLLC vem abrir maior
âmbito de ação do gestor para a indicação da solução, a ser comparada
a lógica adotada no procedimento a partir de Estudos Técnicos prévios, o
que exige do gestor o planejamento dos atos para melhor estabelecimento
de metodologias de trabalho que permitam o atingimento de metas claras
com apuração dos resultados obtidos.
É nesse sentido que a Nova Lei de Licitações estimula ações voltadas
à capacitação dos agentes públicos responsáveis pelo processo de
contratação, bem como daqueles que estão responsáveis por acompanhar a
execução do objeto, a fim de melhor atestar a comprovação dos indicadores
apontados na escolha da solução atrelada aos resultados esperados.
Paralelamente, não com surpresa, a nova legislação vem
dar bases a uma ação já reconhecida no contexto jurisprudencial de
maior responsabilização ao gestor público, vislumbrando a elevação
de competência ao gestor administrativo ao exigir na análise dos atos
administrativos, diligência superior ao exigido por um mero servidor público
sem atribuição de gestão/direção.

284 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Marketplace nas contratações públicas como ferramenta de fomento ao desenvolvimento sustentável sob a perspectiva da nova lei
de licitações (Lei nº 14.133/2021)

A conduta exigida dos agentes públicos não se limita às suas


convicções pessoais sobre a licitude, abrangendo, também,
a observância de um padrão mínimo esperado no âmbito da
administração pública, tendo em vista o objetivo primordial
de atender o interesse público. É dizer, dos agentes públicos
exige-se grau de diligência superior ao do homem médio. Isso
porque eles não podem dispor da coisa pública como bem lhes
aprouver. Ao contrário, devem empregar na proteção da res
publica zelo maior do que aquele com que tratam dos seus
interesses privados. Por essa razão, comportamentos que
revelem uma atuação despreocupada e descompromissada
dos agentes públicos não podem ser tolerados (EDcl no AgInt
no AREsp 1631846 / CE).

Do exposto, deve-se exigir um servidor com nível de diligência quase


neurótica, já que para com a coisa pública deve-se ter grau de zelo superior
ao que é dispendido aos seus próprios interesses. Não bastando isso,
deve-se observar o receio de inovar nos procedimentos e/ou requisitos
de seleção, que também esbarra nas pressões dos grandes grupos,
ameaçados pela redução de participação nessa significativa parcela de
mercado, a saber:

[...] inegável a pressão de setores específicos da sociedade


em impedirem critérios que possam beneficiar, por exemplo,
cooperativas populares ou empreendimentos de economia
solidária, pois esses critérios limitariam a participação de
empresas tradicionalmente fornecedoras públicas, as quais
não aceitam perder esse espaço (OLIVEIRA; SANTOS, 2015,
p. 14).

Os autores foram felizes ao relacionar mais uma das inúmeras


pressões sofridas pelos administradores públicos, a pressão dos tradicionais
fornecedores da Administração Pública. Seria ingenuidade do gestor público
imaginar que impulsionando cooperativas populares ou empreendimentos
de economia solidária não estariam sujeitos a visitas ou telefonemas

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 285
Antônio Rodrigues de Sousa Neto e Larissa Rocha Pires Ferreira

de notórias autoridades que sairiam prejudicadas com a perda desses


contratos. Ainda complementam:

Caso contrário, há o risco de que essa inovadora e


indispensável iniciativa seja inviabilizada ou desvirtuada pelas
estruturas institucionais tradicionais, que tendem a reproduzir
a arquitetura socioeconômica vigente, numa lógica de cartas
marcadas em que os vitoriosos se repetem historicamente
e obstaculizam qualquer possibilidade de mudança mais
profunda na estrutura social dominante, numa promíscua
relação entre poder econômico e político (OLIVEIRA; SANTOS,
2015, p .14).

Muitas vezes quem elege os Administradores Públicos é o dinheiro dos


grandes empresários que, em contrapartida, buscam ser os fornecedores
das vultosas contratações públicas num ciclo que tende a obstaculizar a
iniciativa inovadora dos gestores. Por certo, romper com essa estrutura
é um desafio.
Impulsionar a promoção de princípios inovadores como o
desenvolvimento nacional sustentável vai além de impor normativos,
é necessária uma mudança de pensamento dos servidores e gestores
administrativos que perpassa a capacitação deles. Pensar inovador exige
segurança no planejamento realizado e nos procedimentos adotados e,
mais ainda, se perfaz imprescindível uma ação conjugada e parceira dos
órgãos de controle, para fazer ruir essa inépcia construída em fornos de
suspeição e estigma.
Suspeição que contribui prejudicialmente para manutenção dessas
estruturas tradicionais, reprodução de discursos que transmitem uma
falsa sensação de segurança nos procedimentos adotados, mas apenas
mascaram a inaptidão das equipes para o trabalho, adotando novos
procedimentos ou para propor novas metodologias.

286 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Marketplace nas contratações públicas como ferramenta de fomento ao desenvolvimento sustentável sob a perspectiva da nova lei
de licitações (Lei nº 14.133/2021)

3 COMPRAS GOVERNAMENTAIS COMO OPORTUNIDADES DE


NEGÓCIOS

A partir da década de 1920, as compras governamentais vêm tendo


seu papel na economia reconhecido enquanto parcela significativa, mesmo
que não pelo percentual, mas pelo montante envolvido.
Segundo dados do IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o
consumo do governo vem apresentando crescimento significativo no percentual
do PIB nacional, se analisado frente a um cenário de crise econômica e inflação
que marcaram o transcurso de 2021 a 2022, prevendo uma expansão de 1%
no último trimestre do ano3. Para o Gerente de políticas públicas do Sebrae
Nacional haveria um ganho generalizado:
Para as empresas, pela ampliação do acesso a oportunidades
e possibilidades de crescer; para a sociedade, pela geração
de emprego e melhoria das condições de vida; e para o país,
porque, além de efetivar suas atribuições constitucionais como
a garantia do desenvolvimento nacional e a busca pelo pleno
emprego, potencializa outras políticas que visam à prosperidade
econômica e social brasileira (LIMA, 2015, p. 35).

Assim, as aquisições governamentais seriam ferramenta de fomento


ao desenvolvimento sustentável em que todas as esferas envolvidas sairiam
ganhando, empresas, sociedade e o país, numa verdadeira prosperidade
econômica e social brasileira.

Os resultados deixam claro os efeitos positivos da entrada mais


vigorosa das pequenas empresas no processo, implicando
a concorrência, evitando a possível formação de cartéis e
reduzindo preços. Com mais opções de fornecedores, o
Estado otimiza os gastos públicos e os ganhos, em tese,
retornam à sociedade com a diminuição do custo da máquina
pública, melhoria dos serviços prestados e, espera-se, até

3
Dados obtidos na Visão Geral da Conjuntura. Disponível em << https://www.ipea.gov.br/cartadeconjuntura/index.php/category/
sumario- executivo/#:~:text=A%20proje%C3%A7%C3%A3o%20para%20o%20%C3%8Dndice,servi%C3%A7o s%20e%20
nos%20pre%C3%A7os%20monitorados.>> Acesso em 18/11/2022.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 287
Antônio Rodrigues de Sousa Neto e Larissa Rocha Pires Ferreira

em redução da carga tributária continuando a girar a roda do


desenvolvimento (LIMA, 2015, p. 37).

Aqui, tem-se o ciclo virtuoso das contratações públicas gerado


pela participação ativa de pequenas empresas no processo licitatório.
Ao aumentar a concorrência, dissolve-se os cartéis, reduz-se os preços
e o Estado melhora sua prestação de serviços à coletividade, o que,
consequentemente, leva à diminuição da carga tributária pela otimização de
gastos e da geração de ganhos advindos com a melhora dos fornecedores.
Foi compreendendo esse papel significativo na geração de receita,
atrelado à missão de fomentar políticas de desenvolvimento nacional
sustentável, que a Administração Pública passa a promover ações buscando
ampliar a participação dos pequenos negócios nas contratações públicas,
a exemplo da edição da Lei Complementar Nº 123 de 14 de dezembro de
2006, alterado pela Lei Complementar Nº 147/2014, voltadas a estabelecer
critérios/tratamento diferenciado às micro e pequenas empresas.
Segundo estudos do Sebrae, em parceria com a Fundação Getúlio
Vargas – FGV, as micro e pequenas empresas representam 30% do PIB
do Brasil, maior parte concentrada no segmento comércio e serviços,
pelo qual respondem por 48% dos empregos formais no setor serviços e
66% no comércio4.
Para auxiliar e orientar a administração no fomento a este segmento é
que o normativo já indica estratégias a serem inseridas nos procedimentos
licitatórios e contratações. Uma delas seria a contratação exclusiva para
pequenos negócios nas compras de até R$ 80 mil, o que visa fomentar
negócios para o mercado local direcionando para uma parcela de produtos
que, pelo valor ou quantitativo a ser contratado pouco despertam interesse
dos grandes conglomerados, já que a logística envolvida não seria coberta
pelo montante final pactuado.

4 Dados obtidos no site do SEBRAE em <<https://www.sebrae-sc.com.br/blog/epp-microempresa-mei >> Acesso em 18/11/2022.

288 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Marketplace nas contratações públicas como ferramenta de fomento ao desenvolvimento sustentável sob a perspectiva da nova lei
de licitações (Lei nº 14.133/2021)

Outra possibilidade de fomento às micro e pequenas empresas é o


“empate ficto”. Em procedimentos licitatórios, quando a proposta oferecida
por uma pequena empresa for igual ou até 10% superior a proposta
de uma grande empresa, em pregões essa margem cai para 5%, será
oportunizado à pequena empresa a oportunidade de cobrir a proposta
menor e ser declarada vencedora.
Ademais, existe a reserva de cota de até 25% dos produtos divisíveis
para disputa exclusiva de pequenas empresas, o que não impede a
assunção do referido lote por uma empresa grande, caso não haja interesse
por microempresa, pelo mesmo valor arrematado no lote principal. Por
fim, há o prazo expandido de mais 5 dias úteis para regularização fiscal
à pequena empresa que for habilitada.
Mesmo compreendendo a didática apresentada, na prática, ao
gestor capacitado e consciente do papel que desempenha na gestão
pública, recai o olhar atento para garantir que o “espírito” visado seja
garantido ao máximo.
Exemplo capcioso é o que ocorre nas contratações seja nos
procedimentos de aquisição ou por Registro de Preços. Quando a Ata
do certame é lavrada e os fornecedores registrados, sejam empresas de
grande ou pequeno porte, por vezes, estão disponíveis o mesmo objeto por
preços e em quantitativos distintos. Nesse momento, cabe à administração,
por meio do órgão gerenciador, decidir se irá contratar ainda preservando
a preferência pela microempresa, se irá privilegiar o lote de menor valor ou
ainda se irá indicar a contratação a empresa vencedora por revezamento.
O Governo do Estado do Piauí pacificou tal celeuma quando da
edição do Decreto nº 16.212/2015 que regulamenta o tratamento favorecido,
diferenciado e simplificado para as microempresas, empresas de pequeno
porte e microempreendedores individuais nas licitações de bens, serviços
e obras no âmbito da Administração Pública Estadual, a saber:

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 289
Antônio Rodrigues de Sousa Neto e Larissa Rocha Pires Ferreira

Art. 5º Os órgãos e entidades abrangidos por este Decreto


deverão realizar processo licitatório, cujos valores estimados
sejam de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), destinado
exclusivamente à participação de microempresas, empresas
de pequeno porte e microempreendedores individuais para
as contratações de bens e serviços.
[...]
§ 2º A Administração Pública deverá estabelecer, em certames
para aquisição de bens de natureza divisível, cota de até
25% (vinte e cinco por cento) do objeto para a contratação
de microempresas e empresas de pequeno porte.
§ 3º As compras dos itens com cota estabelecida conforme o
parágrafo anterior, deverão se dar com utilização do mesmo
percentual estabelecido para a divisão.

Pelo Decreto Estadual, as microempresas, empresas de pequeno


porte e microempreendedores individuais possuem cota exclusiva nas
contratações de bens e serviços de até oitenta mil reais e a possibilidade
de, nos procedimentos licitatórios de aquisição de bens divisíveis, o gestor
arbitrar uma cota que pode chegar a até vinte e cinco por cento, o que
num primeiro momento poderia significar perda de economia de escala se
comparado a uma contratação de um grande fornecedor, mas, em última
análise, incentiva o comércio local, garantindo desenvolvimento social.
Restando ainda dúvidas, foi emitido parecer pela Procuradoria
Geral do Estado nº 1731/2019 que elucidou a metodologia a ser adotada,
quando da construção da demanda.

… quando da elaboração do Quadro Resumo de Pedidos, os


órgãos solicitantes devem enviar o quantitativo total dividido,
indicando para tanto o percentual de 75% (setenta e cinco
por cento) referente à Cota Principal e o percentual de 25 %
(vinte e cinco por cento) referente à Cota Reservada.

Aqui, resta clara a necessidade de reserva de cota por parte do


gestor para as ME e EPP’S que deve ser explícita no edital quando da

290 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Marketplace nas contratações públicas como ferramenta de fomento ao desenvolvimento sustentável sob a perspectiva da nova lei
de licitações (Lei nº 14.133/2021)

elaboração do Quadro Resumo de Pedidos. A postura transparente adotada


pelo Governo do Piauí, por meio de sua Procuradoria, orientando os
órgãos da Administração Pública, contribui como fomento às parcerias
internacionais pela transparência e segurança no compromisso pelos
indicadores concretos de desenvolvimento nacional sustentado aferidos.

4 UTILIZAÇÃO DO MARKETPLACE NAS CONTRATAÇÕES DA


ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Divisor de águas na gestão administrativa estadual, a pandemia


causada pela Covid-19 veio fomentar a adoção de políticas de governo
voltadas à promoção de novas tecnologias que aliassem celeridade
nos procedimentos com maior transparência e confiabilidade aos atos
administrativos.
Exemplo inovador foi a publicação da Portaria GM Nº 4.617 de 06 de
abril de 2021, do Ministério de Ciência e Tecnologia do Governo Federal
voltada a promoção da virtualização dos procedimentos de contratação,
aliado a tecnologia de Inteligência Artificial nas práticas de governança,
seguida pela publicação da Lei Complementar Nº 182 de 1º de julho de
2021, que veio estimular o empreendedorismo inovador e a contratação
de soluções inovadoras na administração pública.
Inovações como a realização de procedimentos licitatórios em
ambientes virtuais já é realidade. A prefeitura municipal de Uberlândia,
no Estado de Minas Gerais, foi pioneira ao realizar a 1º homologação
de certame licitatório no metaverso5 (metodologia adotada para indicar
realidade replicada por meio de dispositivos virtuais). O que não sendo
objeto de maior problemática, serve para ilustrar que tecnologias
inovadoras podem ser aliadas à gestão administrativa na promoção de

5
Prefeitura de Uberlândia é a 1ª do país a homologar resultado de licitação no metaverso. Disponível em < https://www.uber-
landia.mg.gov.br/2022/09/02/prefeitura-de-uberlandia-e-a-1a-do-pais-a- homologar-resultado-de-licitacao-no-metaverso/>
Acesso em 15 de dez. de 2022.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 291
Antônio Rodrigues de Sousa Neto e Larissa Rocha Pires Ferreira

maior vantajosidade na contratação, sem perder de vista os ideais de


celeridade, transparência e competitividade, que pela lei 14.133/2021
foram reconhecidos como princípios.
O Marketplace significa a tradução de seu termo, mercado. Atualmente
funciona como uma ferramenta utilizada por empresas/empresários que
reconheceram no mercado on-line uma oportunidade de promover negócios
ou fomentar os próprios negócios.
Ademais, segundo dados da Channel Advisor6, plataforma líder
de mercado e uma das principais fonte de dados sobre mercado on-line,
os marketplaces vêm apresentando, no Brasil, o sucesso internacional.
Na China, 90% do faturamento do comércio varejista foi realizado em
marketplaces, nos EUA esse percentual já chega a 33%.
Segundo dados da The Global Payments Report 20227, até 2025
o e- commerce brasileiro vai crescer 95%, dados significativos quando
comparado à previsão de crescimento de 55,5 % das vendas pela internet
em todo o mundo. O que se observa é que no Brasil, esse nicho de
mercado veio para ficar, e soluções inovadoras como o marketplace
fazem parte dessa realidade. Startups mundiais como Apple, Airbnb, Uber
foram inovadoras nesse segmento e garantiram uma parcela de mercado
que empresas como Magazine Luiza e Americanas no Brasil também
vislumbraram e hoje colhem os frutos.

Mesmo com mais clientes retornando às lojas físicas, não há


volta com relação às inovações que temos visto nos meios
de pagamento e comércio eletrônico”, afirma Juan Pablo
D´Antiochia, vice-presidente Senior da Worldpay from FIS
para a América Latina. Segundo ele, os consumidores estão
buscando por métodos mais tecnológicos e melhores opções

6
Plataforma on on line lider do mercado desde 2013 especializada na promoção de vendas e marketing para marcas e varejistas.
Disponível em: https://www.channeladvisor.com/solutions/. Acesso em: nov. 2022
7
Global Patmentes, empresa global, presente em mais de 30 países, com atuação voltada a oferecer plataforma de e-commerce
e soluções de pagamento.

292 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Marketplace nas contratações públicas como ferramenta de fomento ao desenvolvimento sustentável sob a perspectiva da nova lei
de licitações (Lei nº 14.133/2021)

de pagamento no comércio eletrônico. “As implicações deste


novo cenário são significativas para os comerciantes, que
agora precisam inovar e fazer parcerias com fornecedores
de tecnologia para ajudá-los a acompanhar a velocidade das
mudanças”, conclui.8

Os marketplaces é um modelo de gestão de negócios simples, o


gerenciador reúne marcas ou fornecedores de um mesmo segmento em
um mesmo ambiente e promove a administração e divulgação como espaço
de potencial de negócios, como o ocorrido com o governo norte americano,
que durante a pandemia Covid-19, se utilizou dos marketplaces disponíveis
na iniciativa privada para garantir a manutenção e operacionalização da
máquina pública até como impulsionador dos mercados locais.

Apesar de possuir o seu próprio “marketplace” há 24 anos, o


governo federal norte-americano anunciou, em 26 de junho
de 2020, a contratação da Amazon.com Inc., da Overstock.
com Inc. e da Fisher Scientific Inc. para implementarem o
“e-marketplace” / comércio eletrônico nas pequenas compras
públicas federais (não licitadas) de até US$ 10.000,00 (US$
20.000,00 durante a pandemia do COVID- 19). * Há proposição
no Congresso para se chegar a US$ 25.000,00 (LIMA, 2020).

A ideia era se utilizar das plataformas privadas e fomentar o interesse


de fornecedores locais nas compras públicas, por isso a ampliação dos
limites de contratação direta e facilitação dos negócios por meio de
plataformas virtuais. Trata- se de uma iniciativa que ativa o mercado local,
bem como garante que não falte itens de consumo básico e comum ou
de entrega imediata, na gestão administrativa.
A mesma lógica é identificada na Lei 14.133/2021 quando amplia o
limite das contratações diretas do art. 75, bem como impulsiona a adoção

8 Comércio online no Brasil vai crescer 95% até 2025, dobro da média global. Disponível em: https://www.convergencia-
digital.com.br/Internet/Comercio-online-no-Brasil-vai-crescer-95%25-ate- 2025%2C-dobro-da-media-global-59695.html?U-
serActiveTemplate=mobileAcesso em nov. 2022.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 293
Antônio Rodrigues de Sousa Neto e Larissa Rocha Pires Ferreira

de meios eletrônicos para edição dos atos administrativos e seleção das


propostas, que nem sempre vão estar unicamente atreladas à menor
proposta, já que a nova legislação frisa “resultado de contratação mais
vantajoso”, devendo ser observado o ciclo de vida do objeto, art. 11.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A publicação da Lei 14.133/2021 veio propor uma mudança de


paradigma para as contratações públicas. Ao reconhecer a administração
pública como ator de destaque no mercado econômico nacional, o legislador
permitiu que, apresentando princípios inovadores como desenvolvimento
nacional sustentável não apenas a gestão, mas também os órgãos de
controle reconheçam na adoção de práticas inovadoras a realização das
contratações públicas como instrumento de fomento aos mercados locais.
A administração é conclamada a pensar inteligentemente, capacitar
as equipes e adotar uma postura inquieta na promoção de soluções que
deixam de focar no menor preço e passam a visar uma vantajosidade
sistêmica em que a administração pública é reconhecida como ator
de destaque.
O marketplace é uma dessas inovações que, não sendo solução
nova internacionalmente, inclusive pela administração pública, que já o
emprega como ferramenta interferência concreta na economia, mesmo
que na esfera local, agora passa a ser discutida no Brasil.
Diante do mencionado, pensar diferente requer romper barreiras
ideológicas e culturais. Nesse sentido, os estigmas de corrupção atrelados
à máquina pública precisam ser desconstruídos em uma ação conjunta
entre governo, órgãos de controle, mercado e sociedade, somente assim
poderemos iniciar uma adoção de soluções realmente inovadoras e eficazes.

294 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
Marketplace nas contratações públicas como ferramenta de fomento ao desenvolvimento sustentável sob a perspectiva da nova lei
de licitações (Lei nº 14.133/2021)

REFERÊNCIAS

CARVALHO, Matheus; OLIVEIRA, João Paulo; ROCHA, Germano


Paulo. Nova Lei de Licitações Comentada e Comparada. 2 ed. rev.,
atual e ampl. Salvador: Juspodivm, 2022.

FILHO. Marçal Justen. Comentários à Lei de Licitações e Contratos


Administrativos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.

LIMA, Bruno Quick Lourenço. O uso do poder de compra é uma


política eficaz de desenvolvimento sustentável. In: FERRER, Florencia;
SANTANA, Jair Eduardo. Compras Públicas Brasil. 1 ed. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2015.

LIMA, Jonas. Marketplace das pequenas compras públicas: Estados


Unidos Mudanças inspiradoras para as compras públicas no Brasil.
Solicita. Disponível em: https://www.sollicita.com.br/Noticia/?p_
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26%20%20jun.%202021. Acesso em: dez. 2022.

NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato


administrativo. Fórum: Curitiba. 2022.

OLIVEIRA, Bernardo Carlos S.C.M. de; SANTOS, Luis Miguel Luzio dos.
Compras públicas como política para o desenvolvimento sustentável.
Rev. Adm. Pública. Rio de Janeiro, 2015. Disponível em: https://
www.scielo.br/j/rap/a/rybgWdNfqmncMdXp6rZ4r9g/?lang=pt# Acesso
em: dez. 2022.

SANTOS, Rodrigo Valgas dos. Direito Administrativo do Medo: Risco e


fuga da responsabilização dos agentes públicos. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2020. E-book.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 295
Gabriela Oliveira Lima e Julia
Felipe Lacerda

Gabriela Oliveira Lima e Julia Felipe Lacerda

A RELEVÂNCIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE A


NULIDADE DO CONTRATO ADMINISTRATIVO NA LEI
Nº 14.133/2021

Gabriela Oliveira Lima1


Julia Felipe Lacerda2

RESUMO
O sistema de Nulidade Contratual sofreu mudanças com o advento da nova lei de licitação e
contratos (Lei 14.133/2021), uma vez que quebrou a visão clássica do direito administrativo
de que não há distinção de atos nulos e atos anuláveis, sendo assim se qualquer vício fosse
encontrado no procedimento licitatório ou na execução do contrato, este deveria ser anulado
bem como o contrato em seu inteiro teor, desconsiderando todos os efeitos já produzidos e
impedida a produção de novos. A nova lei trouxe o interesse público como parâmetro para a
nulidade contratual, seguindo os enunciados da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
(LINDB), neste caso prevalece o interesse público como medida proporcional entre a gravidade
do ato vicioso encontrato e as consequências sociais, júridicas e econômicas dessa decisão.
Essa positivação de uma prática jurídica já existente é importante, visto que traz a segurança
jurídica necessária ao adminstrador público para respaldar suas decisões, sendo possível e
recomendado a análise da situação fática e as consequências da invalidação dos contratos.

Palavras-chave: Lei 14.133/2021; Nulidade Contratual; Interesse Público; Ato vicioso.

ABSTRACT
The Contract Nullity system underwent changes with the advent of the new law on bidding and
contracts (Law 14.133/2021), since it broke the classic view of administrative law that there is no
distinction between null acts and voidable acts, therefore, if any defect were found in the bidding
procedure or in the execution of the contract, it should be annulled as well as the contract in
its entirety, disregarding all the effects already produced and preventing the production of new
ones. The new law brought the public interest as a parameter for contractual nullity, following the
provisions of the Law of Introduction to the Norms of Brazilian Law (LINDB), in this case the public
interest prevails as a proportional measure between the seriousness of the vicious act found and
the social consequences, juridical and economic aspects of this decision. This positivization of
an existing legal practice is important, since it brings the necessary legal certainty to the public
administrator to support his decisions, making it possible and recommended to analyze the factual
situation and the consequences of the invalidation of contracts.
Keywords: Law 14.133/2021; Nullity of the Contract; Public interest; Vicious act;

1
Advogada, formada pela Faculdade Estácio CEUT – Centro de Ensino Unificado de Teresina. Pós-Graduada em Direito do
Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Faculdade Estácio CEUT.
2
Bacharel em Direito, formada pela UniFacid Wyden.

296 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A relevância do interesse público sobre a nulidade do contrato administrativo na lei nº 14.133/2021

1 INTRODUÇÃO

A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº


14.133/2021) provocou mudanças quanto ao sistema de nulidades
contratuais, se comparada com sua antecessora (Lei nº 8.666/1993),
a qual seguia a linha clássica do direito: uma vez constatato vício no
procedimento licitatório ou na execução do contrato, este deveria ser
anulado e seus efeitos já produzidos serem desconstituídos.
Por sua vez, na nova lei de licitações e contratos administrativos
prevalece o interesse público como medida proporcional entre a gravidade do
ato vicioso encontrado e as consequências sociais, jurídicas e econômicas
dessa decisão. Nesse sentido, se as consequências da nulidade forem
menos gravosas que o vício encontrado, manter-se-á o contrato.
A presente pesquisa utilizará o método comparativo e bibliográfico,
demonstrando-se as diferenças e inovações do regime de nulidade contratual
administrativo existentes na nova lei de licitações (Lei nº 14.133/2021) e
sua antecessora (Lei nº 8.666/1993), tendo como fundamento a prevalência
do interesse público e da segurança jurídica sobre ato vicioso.
O problem a ser resolvido neste artigo científico é: qual o impacto
que a renovação no Regime de Nulidade Contratual ocasiona na realidade
jurídica dos contratos administrativos, na Lei nº 14.133/2022? Visto que
é de suma importância a análise da mudança legislativa, e dos seus
impactos, levando em consideração que abrimos mão de uma corrente
rígida para aderir a outra mais flexível.
O presente trabalho mostrará no primeiro tópico a comparação das
duas legislações e as doutrinas que ambas seguiram. Já no segundo tópico
será abordada a relevância da NLLC ter colocado o interesse público
como parâmetro para respaldar a decisão do gestor administrativo sobre
a declaração de nulidade de contrato administrativo, bem como fará um

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 297
Gabriela Oliveira Lima e Julia Felipe Lacerda

breve resumo das legislações vigentes que orientaram a criação do regime


de nulidade contratual na nova lei.

2 ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE A ANTIGA LEI DE LICITAÇÕES E


A NOVA LEGISLAÇÃO LICITATÓRIA BRASILEIRA

A nova Lei de Licitações e Contratos nº 14.133/2021 alterou diversos


procedimentos elencados na antiga Lei nº 8.666/1993, dentre eles o regime
de nulidade contratual, o qual desencadeou uma perspectiva mais realista
e eficaz das contratações públicas.
Atendo-se ao princípio da legalidade, a antiga Lei em seus artigos
49, § 2º e 59, caput, mencionam que comprovada a irregularidade no
procedimento licitatório, este deveria ser anulado, bem como o contrato
em seu inteiro teor, desconsiderando todos os efeitos já produzidos e
impedida a produção de novos (Brasil, 1993).
Flávio Germano de Sena Teixeira Júnior e Pablo Ademir de Souza
(2021) reportam a origem dessa linha de pensamento ao autor Hely Lopes
Meirelles, que não admitia a distinção entre atos nulos e anuláveis no
âmbito administrativo, bem como fora o responsável pela elaboração do
Decreto-Lei 2.300/86, cuja redação do art. 49 foi integralmente aproveitada
pelo art. 59 da Lei 8.666/93. Nas palavras dos autores:

Trata-se de pensamento pautado exclusivamente na concepção


formalista ou legalista de adequação de determinado ato ou
procedimento às exigências prescritas em lei, de maneira
que, sendo estas contrariadas, aqueles teriam de ser
inevitavelmente anulados.
É como se a violação aos preceitos legais representasse um
grau de reprovabilidade maior que qualquer consequência
prática decorrente da suspensão da execução ou anulação de
contratos administrativos. Coloca-se o equilíbrio dos interesses
envolvidos em um patamar inferior à literalidade semântica
das leis (TEIXEIRA JÚNIOR, SOUZA, 2021).

298 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A relevância do interesse público sobre a nulidade do contrato administrativo na lei nº 14.133/2021

Nesta visão clássica, mais rígida do Direito, não se deve ser


considerado outros princípios que orientam os atos administrativos para
sua efetivação, os quais também são princípios basilares da Administração
Pública, como o da razoabilidade e proporcionalidade e da segurança
jurídica. Ou seja, a nulidade da licitação acarreta a nulidade do contrato,
podendo gerar, por vícios do procedimento licitatório, a nulidade de muitos
contratos administrativos e, assim, a suspensão ou perda dos serviços e
de obras já executados.
Já na concepção de Celso Antônio Bandeira de Mello (2019, p.480)
ratifica-se a existêndia da categoria de atos anuláveis, que se caracterizam
por corroborar com a convalidação no direito administrativo. Referindo-
se a atos inválidos, portanto o autor afirma: “O grau de intolerância em
relação a eles há de ser compassado com o tipo de ilegitimidade. Se
esta é suscetível de ser sanada, recusar-lhe em tese a possibilidade de
suprimento é renegar a satisfação de interesses públicos em múltiplos
casos” (MELLO, 2019, p.484).
Os defensores desse pensamento consideram, corretamente, a
segurança jurídica, a estabilidade das relações e vêem na convalidação uma
forma de permitir a recomposição da legalidade ofendida, prevalecendo o
interesse público. Seguindo essa linha de raciocínio a nova Lei trouxe uma
visão mais realista e de autotutela, porém com respaldo nos próprios limites
presentes Lei das licitações e contratos públicos novos. Primeiramente,
a Lei 14.133/21 incluiu um capítulo próprio para tratar “Da Nulidade dos
Contratos”, Capítulo XI, o que não ocorre na lei antiga, em que a nulidade
contratual é abordada em capítulos dispersos (Brasil, 2021).
As inovações continuam quando, já no Capítulo XI, o Art. 147, a
nova Lei traz a seguinte redação:

Art. 147. Constatada irregularidade no procedimento


licitatório ou na execução contratual, caso não seja possível

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 299
Gabriela Oliveira Lima e Julia Felipe Lacerda

o saneamento, a decisão sobre a suspensão da execução


ou sobre a declaração de nulidade do contrato somente será
adotada na hipótese em que se revelar medida de interesse
público, com avaliação, entre outros, dos seguintes aspectos:
I – impactos econômicos e financeiros decorrentes do atraso
na fruição dos benefícios do objeto do contrato;
II – riscos sociais, ambientais e à segurança da população
local decorrentes do atraso na fruição dos benefícios do
objeto do contrato;
III - motivação social e ambiental do contrato;
IV - custo da deterioração ou da perda das parcelas executadas;
V - despesa necessária à preservação das instalações e dos
serviços já executados;
VI - despesa inerente à desmobilização e ao posterior retorno
às atividades; VII - medidas efetivamente adotadas pelo titular
do órgão ou entidade para o saneamento dos indícios de
irregularidades apontados;
VIII- custo total e estágio de execução física e financeira
dos contratos, dos convênios, das obras ou das parcelas
envolvidas;
IX - fechamento de postos de trabalho diretos e indiretos em
razão da paralisação;
X - custo para realização de nova licitação ou celebração de
novo contrato; XI - custo de oportunidade do capital durante
o período de paralisação;

O mencionado artigo determina a obrigação de analisar ao menos


onze requisitos para decidir sobre a suspensão da execução ou rescisão de
determinado contrato. Evidencia-se o poder de decisão do agente público
em suspender a execução do procedimento licitatório ou em declarar sua
nulidade de acordo com a circunstância e fatos do caso concreto, pondo-
se além da visão dualista da teoria das nulidades presente na lei 8.666/93
(NOBRE JUNIOR, 2021).
Acrescenta, ainda, a nova lei no parágrafo único do artigo 147 que
a irregularidade da licitação ou execução contratual não será apenas

300 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A relevância do interesse público sobre a nulidade do contrato administrativo na lei nº 14.133/2021

enterrada pela preponderância do interesse público, pelo contrário, a


solução do vício se dará “por meio de indenização por perdas e danos, sem
prejuízo da apuração de responsabilidade e da aplicação de penalidades
cabíveis” (Brasil, 2021).
Quanto aos efeitos produzidos pelo contrato, a antiga lei afirma
que, declarada a nulidade deste, seus efeitos operam retroativamente,
sendo desconstituídos e impedindo a produção de novos (Brasil, 1993).
Por sua vez, a nova Lei abre possibilidades sobre os efeitos da anulação
contratual (Brasil, 2021).
De início, o caput do art. 148 reafirma a retroatividade dos efeitos
jurídicos e o impedimento de produção de novos caso confirmada a
nulidade, contudo em seu parágrafo §1º traz a possibilidade da solução
do vício ser via indenizatória, se, por razões práticas, não for possível
voltar à situação originária, com o cancelamento de todos os efeitos
já produzidos pelo contrato, mantendo-se os efeitos já produzidos e a
anulação ocorrendo futuramente (Brasil, 2021).
Ademais, no art. 148, §2º, acrescenta outra vertente: a nulidade
contratual poderá ter sua eficácia em momento futuro, suficiente para efetuar
nova contratação, com prazo legal de 6 (seis) meses, prorrogável uma única
vez, garantindo continuidade da atividade administrativa (Brasil, 2021).
Desta forma, entende-se que a redação da antiga Lei 8.666/93,
elaborada há quase 30 anos, não se preocupou sobre as consequências
da prática do regime clássico de nulidades. Com a nulidade de um
contrato, com efeitos retroativos, as obras públicas e os serviços públicos
são interrompidos, com grandes ônus para o interesse público. Já a
Lei 14.133/21 busca a saída mais adequada à existência de um vício,
permitindo ao agente público a liberdade de analisar, conforme o caso
concreto, se a irregularidade é passível de anulação contratual ou solução
alternativa, sempre elevando a preocupação com o resultado eficiente da
atividade administrativa.

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 301
Gabriela Oliveira Lima e Julia Felipe Lacerda

2.1 Quadro comparativo

Com base no “Quadro comparativo dos artigos da Nova Lei de


Licitações” do Ministério do Público do Paraná, de abril de 2021, produziu-
se o quadro resumo abaixo sobre a Nulidade Contratual entre a lei antiga
e a lei nova:

Lei 8.666/93 Lei 14.133/21

- Não existe capítulo específico para o - Existe capítulo específico para o sistema
sistema de Nulidade Contratual; de Nulidade Contratual: Capítulo XI - Da
Nulidade dos Contratos;
- Não existe artigo que exista a - Art. 147, I a XI: aborda a possibilidade
possibilidade de medida saneadora de de medida saneadora de vício e
vício e/ou descreva o interesse público estabelece o interesse público como
como fator decisivo pra a suspensão da fator decisivo pra a suspensão da
execução ou anulação do Contrato; execução ou anulação do Contrato;
- Não prevê a possibilidade de - Art. 147, parágrafo único: existe
continuidade do contrato com solução a possibilidade de continuidade do
via indenizatória, sem prejuízo da contrato com solução via indenizatória,
apuração de responsabilidade e da sem prejuízo da apuração de
aplicação de penalidades cabíveis; responsabilidade e da aplicação de
penalidades cabíveis;
- Art. 59: trata sobre os efeitos da - Art. 148: trata sobre os efeitos da
declaração de nulidade do contrato declaração de nulidade do contrato
administrativo, os quais operam administrativo, os quais operam
retroativamente, impedindo seus retroativamente, impedindo seus efeitos
efeitos jurídicos; jurídicos, contudo tal declaração deverá
observar o interesse público conforme
art. 147 caput e incisos I ao XI;
- Não prevê a possibilidade da nulidade - Art. 148, § 1º: prevê a possibilidade da
ser resolvida por indenização por nulidade ser resolvida por indenização
perdas e danos; por perdas e danos, sem prejuízo
da apuração de responsabilidade e
aplicação de penalidades cabíveis;

302 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A relevância do interesse público sobre a nulidade do contrato administrativo na lei nº 14.133/2021

- Não prevê eficácia futura para a - Art. 148, §2º: prevê a possibilidade
declação de nulidade, porém o art. 59 da eficávia da nulidade ocorrer
entende-se que a eficácia da nulidade em momento futuro (até 6 meses,
ocorre no momento da declaração; prorrogável uma única vez), sob decisão
da autoridade, com vistas à continuidade
da atividade administrativa;
- Art. 59, parágrafo único: preconiza - Art. 149: preconiza que a nulidade não
que a nulidade não exonera a exonera a Administração do dever de
Administração do dever de indenizar o indenizar o contratado pelo que houver
contratado pelo que houver executado executado até a data da declaração de
até a data da declaração de nulidade, nulidade ou da sua eficácia, contanto
contanto que não lhe seja imputável; que não lhe seja imputável;
- Art. 14: terá pena de nulidade - Art. 150: terá pena de nulidade do ato,
do ato, compras realizadas sem a a contratação feita sem a caracterização
adequada caracterização de seu objeto adequada de seu objeto e sem a
e indicação dos recursos orçamentários indicação dos créditos orçamentários
para seu pagamento; para pagamento das parcelas vincendas
no exercício da contratação;

3 O INTERESSE PÚBLICO COMO FUNDAMENTO RELEVANTE NO


PROCEDIMENTO LICITATÓRIO

A nova legislação aborda o regime jurídico de nulidade contratual


de forma mais flexível, com uma visão mais pragmática e com a postura
de atentar-se para as consequências das práticas administrativas. Desta
forma, vinculou-se os atos da administração à analise fática do caso
concreto, atrelada à concretização do princípio do interesse público,
verificando a proporcionalidade da gravidade do ato vicioso em detrimento
das consequências causadas por sua invalidação (Brasil, 2021).
O estudo do dispositivo legal mostra claramente que mesmo a
licitação ou contratação irregular poderá ver sua execução preservada,
visto que a existência de vício contratual não implica, necessariamente, a
rescisão do contrato. Assim sendo, a progressão normativa é incontestável.
A ideia da rescisão obrigatória dos contratos administrativos viciosos é
abandonada, passando a depender de análise do tipo ou consequência
da irregularidade (GOMES, 2022).

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 303
Gabriela Oliveira Lima e Julia Felipe Lacerda

Ao gestor público é concebida a possibilidade de sanear o contrato


ou mesmo, através da proporcionalidade, tolerar a continuação do contrato
com vistas a ter os vícios solucionados posteriormente, caso tal medida
seja a que melhor atende ao interesse público. Sobre o tema, Gomes cita
Justen Filho, afirmando que se identificou:

Uma atenuação de rigorismos, especialmente formais,


não vinculados à proteção efetiva de valores protegidos
juridicamente. Afirma-se a tese de que a simples discordância
entre a conduta concreta e um modelo normativo é insuficiente
para configurar a nulidade se inexistir um efeito nocivo efetivo
(JUSTEN FILHO, 2021, p.1544).

Desta forma, a Nova Lei de Licitações e Contratos reconhece o quão


oneroso é o processo licitatório e, portanto, invalidá-lo sem buscar soluções
paliativas não é a escolha mais sábia a ser tomada por um administrador,
por isso se nota que há uma inegável vontade do legislador em sanar
as irregularidades observadas durante o processo de licitação ou de
contratação, buscando uma solução alternativa ao vício, preservando-se
o interesse público, com a avaliação dos aspectos descritos no Art. 147
da Nova Lei de Licitações e Contratos, em seus incisos I ao XI.
O legislador elevou o interesse público como termômetro da
viabilidade de se manter ou não a vigência de um contrato, uma vez
que se priorizou a manutenção de acordo, de forma que a declaração
só poderá ocorrer quando for de interesse público, em outras palavras,
quando da inviabilidade de outra solução. Sendo possível a conservação
de uma contratação contendo vícios, utilizando-se de medidas preventivas
ou compensatórias ao vício.
Passamos então para um modelo em que o interesse público é
reconhecido ao máximo como alicerce da segurança jurídica, ao vincular as
decisões dos gestores à legalidade, a qual está consoante à eficiência da

304 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A relevância do interesse público sobre a nulidade do contrato administrativo na lei nº 14.133/2021

atuação da administração pública, amparada na análise do caso concreto


com melhores resultados para a sociedade (DO VALE, 2021).
Portanto, essa visão mais flexível da nulidade contratual, oferece
maior respaldo jurídico às decisões do administrador público ao priorizar
medidas resolutivas dos vícios, sempre elevando o interesse público sobre
eles, conforme afirma Camila Gomes, em seu artigo:

A inovação legislativa tem o claro intuito de trazer mais


segurança ao administrador público, que, frequentemente,
teme ser alvo de responsabilização pessoal em razão de
interpretação divergente daquela proferida pelos órgãos de
controle. O estabelecimento de balizas interpretativas contribui
para o aperfeiçoamento do sistema e evolução do modelo
administrativo brasileiro (GOMES, 2022).

Ante o exposto, vê-se o interesse público como parâmetro basilar


para identificar se a lesão causada por um ato vicioso se sobressai aos
efeitos que a nulidade contratual acarretaria. Desta forma, para embasar a
decisão do gestor quanto à nulidade do contrato, a nova lei elenca uma série
a ser observada: primeiramente, detectar a possibilidade de saneamento
do vício; em um segundo momento, a existência de interesse público na
nulidade do contrato; e em último momento, a análise pormenorizada
dos onze aspectos, não taxativos, listados no Art. 147, Lei 14.133/2021.

3.1 O Interesse Público na Nova Lei de Licitação e Contratos: uma


positivação jurídica de uma prática já existente

A nova legislação promoveu significativas mudanças no sistema


das nulidades contratuais se comparada com a Lei 8.666/93, contudo
apenas alinhou seu texto às jurisprudências do Tribunal de Contas da
União (TCU) e às disposições da LINDB - Lei de Introdução às normas
do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.6557, de 4 de setembro de 1942).

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 305
Gabriela Oliveira Lima e Julia Felipe Lacerda

A LINDB, após modificações realizadas pela Lei nº 13.655, de 2018,


passou a exigir motivação demonstrando a necessidade e adequação
das medidas impostas, inclusive de invalidação de contrato administrativo
(MATOS, 2022), indicando suas consequências jurídicas e administrativas
para que a regularização ocorra de forma proporcional e sem prejuízos dos
interesses “gerais”, aqui se previu a importância do interesse público ao
sistema de nulidade contratual (Art. 21, caput e parágrafo único, Decreto-
Lei nº 4.6557/1942).
Para tanto, utilizou-se uma visão mais consequencialista da nulidade
dos atos administrativos, através da ponderação dos efeitos práticos das
decisões da administração pública (MATOS, 2022). Sobre a análise da
importância do interesse público à nulidade contratual, podemos afirmar que:

Na ponderação não se realiza apenas uma análise “abstrata”


dos valores; as possíveis consequências da decisão devem
ser levadas em conta pelos agentes normativos. [...] Se a
ponderação é necessária para a edição de uma norma, é
mais necessária ainda para a correção dessa norma. Ao gerar
efeitos no mundo jurídico, a norma inválida exige, para ser
corrigida, outra ponderação. É esta que definirá qual a reação
do direito em face da invalidade. Dito isso, é perfeitamente
compreensível a redação do art. 21 da LINDB, dada pela Lei
nº 13.655/18. Os órgãos de controle, para invalidar um ato
administrativo, devem ponderar. (MARTINS, 2020)

Nota-se que ocorreu uma incorporação do pragmatismo na aplicação


do Direito Administrativo sancionatório, assim a Justiça passou a ser
medida não apenas pela lei, mas também por suas consequências,
com o intuito de verificar os possíveis resultados sobre o caso concreto,
considerando as circunstâncias e os direitos que serão impactados (MELLO
E PEREIRA, 2018).
Quanto às jurisprudências do TCU, Nobre Junior, 2021, em seu
artigo científico, destacou o:

306 O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas
A relevância do interesse público sobre a nulidade do contrato administrativo na lei nº 14.133/2021

Acordão nº 22/2003, no qual se apreciava representação


formulada pela Cooperativa de Serviços Múltiplos -
COOPERSEMO, impugnando a proibição em edital de pregão,
relacionado à participação de cooperativas em licitação
destinada à contratação de terminais de central telefônica
no edifício-sede do Estado de São Paulo. Sem embargo de
mais uma vez não se constar menção ao termo estabilização,
o pronunciamento do relator verificou ilegalidade da
conduta, mas se restringiu a determinar que o Banco
Central não prorrogasse a vigência do contrato, devendo
proceder a uma nova licitação sem a vedação impugnada.
Nesse particular, ponderou-se que a invalidação conspiraria
contra o interesse público, o qual estaria atendido com a
continuidade do contrato até seu término [...] (Grifo nosso)

Bem como Matos, 2022, referenciou em seu artigo científico o Acórdão


no MS 22.357/DF. Rel. Min. Gilmar Mendes. Publicado no DJ de 4/6/2004;
em que se analisou provimento de cargos na Administração Pública sem
concurso relativamente a pessoa jurídica de direito privado e entendeu
que ao interesse público seria mais vantajoso manter as contratações da
empresa que duravam anos, apesar da ilicitude de alguns atos.
Portanto, não há inovação, apenas a positivação de uma prática
jurídica já existente, especificamente para as licitações e seus contratos.
Portanto, a maior inovação da Nova Lei de Licitação e Contratos será
o suporte jurídico às decisões dos administradores públicos (GOMES,
2022). Visto que, apesar da a existência dos referidos dispositivos legais,
em especial os previstos na LINDB, a redação da antiga legislação criava
um ambiente de riscos ao gestor.

CONCLUSÃO

Em virtude dos fatos mencionados, a Nova Lei de Licitações e


Contratos (NLLC) quebra com a corrente clássica do Direito, originada
com o pensamento do autor Hely Lopes Meirelles, em que não é admitida

O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 307
Gabriela Oliveira Lima e Julia Felipe Lacerda

a diferenciação de atos nulos e anuláveis, e passa a abordar o tema com


maior flexibilidade, através da busca de medidas paliativas para sanar os
vícios em prol do interesse público.
Utilizando-se das orientações da LINDB e das jurisprudências
brasileiras, a NLLC positivou uma prática jurídica já existente, a qual
entende que o processo licitatório é algo dispendioso, de tempo e de valor,
assim como posiciona o interesse público como parâmetro para basear a
decisão do gestor sobre a nulidade de um contrato, condicionando esta
atitude à análise de suas consequências econômicas, jurídicas e sociais
(Art. 147, I à XI, Lei 14.133/21).
Entender o interesse público como referência para a suspensão ou
declaração de nulidade do contrato administrativo é de suma importância
para o avanço do Direito Administrativo, uma vez que traz a autonomia
do gestor em tomar suas decisões consoante às especificidades do caso
concreto, mas ainda com o respaldo legal respectivo, o qual exige que
seja colocado em pauta as consequências dessa escolha. Notou-se,
ao decorrer da pesquisa, que a NLLC prioriza sanar os vícios, com a
possibilidade de adoção de medidas preventivas ou soluções por vias
indenizatórias, sendo a nulidade contratual a última opção a ser utilizada
e para isso entregou ao interesse público o fator decisivo, por meio do
estudo de suas consequências.
Portanto, entende-se que a Lei 14.133/21 presentou o administrador
público com a segurança jurídica de tomar suas decisões baseadas na
análise fática do caso concreto, e se espera que os gestores façam bom
uso deste dispositivo para a prática do princípio da eficiência administrativa.

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O Novo Marco Legal das Contratações Públicas: Perspectivas Teóricas e Práticas 311

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