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ISSN: 2525-8761
DOI:10.34117/bjdv7n10-391
RESUMO
A ata notarial é um importante meio de prova. Mas seria a ata notarial a solução para
qualquer situação? Para utilizá-la corretamente, o processualista civil precisa conhecê-la.
Estas breves considerações buscam esclarecer as aplicações da ata notarial.
ABSTRACT
Notarial act is an important means of proof. But would the notarial act be the solution to
any situation? To use it correctly, the civil proceduralist needs to know it. These brief
considerations seek to clarify the applications of the notarial act.
1 INTRODUÇÃO
O Código de Processo Civil de 2015 trouxe grandes alterações ao processo
judicial. Talvez a maior delas seja a proposta de mudança à mentalidade de como o
processo civil deve ser interpretado e aplicado sistematicamente.
E não estamos falando sobre institutos ou regras processuais pontuais. O Código
nos provoca a olhar além do simples texto. Não que o CPC/2015 seja inovador 1 ou
1
Muito antes do CPC/2015, Mauro Cappelletti já sinalizava a importância da ampliação de mecanismos de
processamento de litígios para além dos tribunais, ao tratar do “acesso à justiça”, lecionando que “o enfoque sobre o
acesso – o modo pelo qual os direitos se tornam efetivos – também caracteriza crescentemente o estudo do moderno
processo civil. (...) Os juristas precisam, agora, reconhecer que as técnicas processuais servem a funções sociais; que
as cortes não são a única forma de solução de conflitos a ser considerada; e que qualquer regulamentação processual,
inclusive a criação ou o encorajamento de alternativas ao sistema judiciário formal tem um efeito importante sobre
como opera a lei substantiva – com que frequência ela é executada, em benefício de quem e com que impacto social.
Uma tarefa básica dos processualistas modernos é expor o impacto substantivo dos vários mecanismos de
processamento de litígios. Eles precisam, consequentemente, ampliar sua pesquisa para mais além dos tribunais e
utilizar métodos de análise da sociologia, da política, da psicologia e da economia, e ademais, aprender através de
outras culturas. (...) Seu estudo pressupõe um alargamento e aprofundamento dos objetivos e métodos da moderna
ciência jurídica”. (CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Nortfleet, Porto Alegre, Fabris,
1988. pp. 12/13).
2
Diversas atividades já são corriqueiramente desenvolvidas pelas serventias extrajudiciais, como dos procedimentos
de divórcio e inventário extrajudiciais.
3
“A desjudicialização de certos procedimentos especiais, como é o caso da usucapião, não é um movimento isolado”
(ALVIM, Arruda. A usucapião extrajudicial e o Novo Código de Processo Civil. Doutrinas Essenciais – Novo Processo
Civil. Vol. 6/2018. Revista de Direito Imobiliário. Vol. 79/2015. p. 15-31. Jul-dez/2015. DTR\2016\20. p. 07).
4
O Provimento 67/2018, do CNJ, “dispõe sobre os procedimentos de conciliação e de mediação nos serviços notariais
e de registro do Brasil”.
5
Sem olvidar, obviamente, de procedimentos já amplamente utilizados, como o de alienação fiduciária, previsto na Lei
9.514/94, que já é conduzido pelo Cartório de Registro de Imóveis e, ao final, propicia a venda do imóvel dado em
garantia.
6
Artigo 384, CPC: “A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a
requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião. Parágrafo único. Dados representados por imagem ou
som gravados em arquivos eletrônicos poderão constar da ata notarial”.
Assim como os demais meios de prova devem observar certos requisitos para que
tenham validade dentro do processo, o operador do direito também deve aferir se a ata
notarial padece de algum vício que macule o seu conteúdo. Mas, sem o conhecimento
doutrinário sobre os princípios e requisitos que rodeiam e conferem fé-pública ao
conteúdo da ata notarial, essa aferição vem passando despercebida no âmbito processual.
Sem a ambição de esgotar o tema, os capítulos a seguir visam apenas provocar o
operador do direito a se preocupar também com a elaboração da ata notarial, momento
que antecede sua utilização no processo judicial.
7
O art. 21, da Lei 8.935/94 estabelece que: “o gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de
registro é da responsabilidade exclusiva do respectivo titular, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio,
investimento e pessoal, cabendo-lhe estabelecer normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções e de
remuneração de seus prepostos de modo a obter a melhor qualidade na prestação dos serviços”.
8
O STF, inclusive, posicionou-se no sentido de que os emolumentos extrajudiciais, ou seja, a remuneração
recebida pelo Notário, têm natureza de taxa. Vide. RP nº 1094/SP, Rel. Min. Soares Munoz, Tribunal Pleno
do Superior Tribunal Federal, j. 08/08/1984.
9
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Manual de direito notarial: da atividade e dos documentos notariais – 4ª
ed. – Salvador: JusPODIVM, 2020, p. 114.
10
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Manual de direito notarial: da atividade e dos documentos notariais – 4ª
ed. – Salvador: JusPODIVM, 2020, p. 108.
11
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 19ª ed. Malheiros Editores, 1994. p. 106.
12
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Manual de direito notarial: da atividade e dos documentos notariais – 4ª
ed. – Salvador: JusPODIVM, 2020, pp. 115/116.
representá-lo na prestação de um serviço público. Os atos que ele passa a praticar, são
expedidos em nome do Poder Público e no interesse da sociedade.
Quando o particular se relaciona com um desses representantes, a bem da verdade,
relaciona-se com o próprio Poder Público.
A mesma confiança depositada nos atos praticados pelo Poder Público deve ser
estendida, naturalmente, àqueles que o representam. A crença de existência e de validade
que a sociedade atribui aos atos praticados pelo Poder Público precisa acompanhar os atos
praticados pelo representante público, ainda que no exercício de uma função delegada.
Essa crença que legitima os atos praticados pelo representante tem ligação direta
com a chamada “fé pública”13.
A fé pública, no âmbito das serventias extrajudiciais, “é a confiança atribuída por
lei aos atos que o notário e o registrador declare ou faça dentro do exercício de sua função,
os quais são presumidos como verdadeiros, até prova em contrário; torna os acordos
jurídicos eficazes com base no ato praticado ou declarado pelo notário”14.
Ou seja, da combinação do art. 236 da Constituição Federal com o art. 3º da Lei
8.935/94, percebe-se que o Tabelião de Notas recebe poderes para que, em nome da
Administração Pública e agindo como agente estatal, com fé pública dos atos que pratica,
organize técnica e administrativamente a prestação de serviços destinados a garantir a
publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia de atos jurídicos (lato sensu).
3 A ATA NOTARIAL
3.1 CONCEITO E OBJETO
Engana-se aquele que associa a criação ou o uso da ata notarial ao Código de
Processo Civil de 2015. A primeira ata notarial que se tem notícia, lavrada em solo
brasileiro, é comumente atribuída a Pero Vaz de Caminha, em carta encaminhada ao Rei
D. Manoel I, relatando-lhe o descobrimento das terras tupiniquins.
13
João Francisco Massoneto Junior destaca a existência de três categorias distintas de “fé pública”: “a Fé Pública
Administrativa, que certifica os atos da administração pública, a Fé Pública Judicial, que envolve procedimentos
judiciais, no âmbito litigioso, e a Fé Pública Notarial e Registral, inerentes aos atos notariais e de registro”
(MASSONETO JR., João Francisco. A Fé Pública na atividade notarial e registral. In Tabelionato de Notas /
Coordenação Izaías Gomes Ferro Júnior, Márcia Rosália Schwarzer – Salvador: Editora JusPodivm, 2019. p. 146).
14
MASSONETO JR., João Francisco. A Fé Pública na atividade notarial e registral. In Tabelionato de Notas /
Coordenação Izaías Gomes Ferro Júnior, Márcia Rosália Schwarzer – Salvador: Editora JusPodivm, 2019. p. 147.
É bem verdade que apenas em passado recente a ata notarial tenha recebido
atenção legislativa específica – ainda que timidamente, deixando um certo vazio
normativo15 –, mas sempre esteve presente na atividade dos notários.
Não obstante, a Lei 8.935/94, que regulamenta o artigo 236 da Constituição
Federal, ao dispor sobre serviços notariais e de registros, prevê, em seu artigo 6º, competir
aos Notários autenticar fatos. O artigo 7º, III, do mesmo diploma, determina competir
com exclusividade ao Tabelião de Notas lavrar atas notariais. De seu turno, o artigo 384,
do CPC, determina que “a existência e o modo de existir de algum fato pode ser atestado
ou documentado” por uma ata notarial.
Da leitura conjunta dos artigos 236 da Constituição Federal, dos artigos 6º e 7º,
III, da Lei 8.935/94, com artigo 384 do Código de Processo Civil, verifica-se que a
existência e o modo de existir de um fato podem ser documentados em uma ata notarial
lavrada por um Tabelião de Notas, que os certifica e autentica em razão da fé pública que
recebeu por delegação do Poder Público.
Na definição mais precisa de Leonardo Brandelli, ata notarial é “o instrumento
público através do qual o notário capta, por seus sentidos, uma determinada situação, um
determinado fato, e o translada para seus livros de notas ou para outro documento. É a
apreensão de um ato ou fato, pelo notário, e a transcrição dessa percepção em documento
próprio”16.
Como leciona Luiz Guilherme Loureiro, “a finalidade da ata notarial é a
constatação de fatos pelo notário com a finalidade de formar prova para fins
administrativos ou judiciais, ou seja, esse tipo de documento notarial tem por objetivo a
pré-constituição de provas”17.
15
Para Walter Ceneviva, “a interpretação histórica mostra que a ata notarial é novidade na lei brasileira. Ou seja, foi
criada em 1994, com esse nome”. Mas, como ele bem destaca, o art. 7º, da Lei 8.935/94, ao se referir à ata notarial,
omite as peculiaridades e os cuidados que lhe são inerentes (CENEVIVA, Walter. Ata notarial e os cuidados que exige,
in Ata notarial / Amaro Moraes e Silva Neto ... [et al.]; coord. Leonardo Brandelli. – Porto Alegre: Instituto de Registro
Imobiliário do Brasil: S. A. Fabris, 2004. pp. 77 e 91). No mesmo sentido, para Alberto Caminã Moreira, “a lei limita-
se, entretanto, a atribuir competência ao tabelião para lavrar a ata notarial, sem esclarecer o seu significado, sem dizer
o seu conteúdo” (MOREIRA, Alberto Caminã. Ata Notarial. In A Prova do direito processual civil: estudos em
homenagem ao professor João Batista Lopes / Elias Marques de Medeiros Neto, Ricardo Augusto de Castro Lopes,
Olavo de Oliveira Neto, (coordenadores). – 1. Ed. – São Paulo: Editora Verbatim, 2013. p. 16).
16
BRANDELLI, Leonardo. Atas notariais, in Ata notarial / Amaro Moraes e Silva Neto ... [et al.]; coord. Leonardo
Brandelli. – Porto Alegre: Instituto de Registro Imobiliário do Brasil: S. A. Fabris, 2004. p. 44.
17
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Manual de direito notarial: da atividade e dos documentos notariais – 4ª ed. – Salvador:
JusPODIVM, 2020. p. 826.
18
MESQUITA, Márcio Pires de. Breves considerações sobre a ata notarial. Revista de Direito Imobiliário. vol. 62/2007.
p. 276/279. Jan-jun/2007. Doutrinas essenciais de direito registral. vol. 1. p. 333/337. Dez/2011. DTR\2007\812. p. 01.
19
SILVA, Nadja Reis da. Aspectos práticos de uma ata notarial para fins de usucapião extrajudicial. In Tabelionato de
notas / Coordenação Izaías Gomes Ferro Júnior, Márcia Rosália Schwarzer – Salvador: Editora JusPodivm, 2019. p.
406.
20
SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e comercial. Vol. IV, 3ª ed. Prova documental – São Paulo:
Max Limonad, 1966. p. 118.
21
FERREIRA, Paulo Roberto Gaiger. Ata Notarial – Doutrina, Prática e Meio de Prova / Paulo Roberto Gaiger Ferreira,
Felipe Leonardo Rodrigues – 2. ed. – Salvador: Editora JusPodivm, 2020. p. 69.
do caráter e da fé pública que a lei atribui ao oficial público, presume-se que tudo quanto
êle certifique no instrumento seja conforme a verdade” 22.
Em outras palavras, a fé pública conferida ao Tabelião certifica que o ato
efetivamente ocorreu em sua presença, que a declaração de vontade das partes foi emitida
sem vícios e que a vontade declarada confere com o ato praticado e documentado na
escritura lavrada. Resumidamente, estabelece-se uma certeza de existência e de autoria.
É a essa certificação de autoria que Paulo Roberto Gaiger Ferreira se refere como fé
absoluta.
A relatividade quanto ao conteúdo fica por conta da impossibilidade de o Tabelião
investigar todas as possíveis e imagináveis situações do mundo real que envolvam os
declarantes e de certificar que a vontade declarada na sua presença não coincide com a
intenção que, obviamente, não foi externada pelos interessados. Daí porque o conteúdo
declarado tenha presunção relativa. Presume-se que o seu conteúdo esteja de acordo com
a vontade declarada pelas partes, mas permite-se que os legitimamente interessados
possam impugná-lo se a vontade declarada esconder uma realidade diferente.
A fé pública dos atos praticados na presença do tabelião fica evidente para o
processo civil quando se analisa o disposto nos artigos 374 e 405 do Código de Processo
Civil.
Militando presunção legal de existência e de veracidade aos atos praticados pelo
tabelião, a mera juntada de uma escritura pública aos autos do processo bastará para
provar que as partes nela indicadas praticaram o ato certificado pelo Tabelião.
Mas não pode passar despercebido ao processualista civil que não é a escritura
pública em si que dispensa a parte de provar o seu conteúdo. É importante destacar que a
fé pública delegada ao tabelião é que produz tal efeito. Ou seja, o ato certificado pelo
notário libera a parte de produzir outras provas para demonstrar o conteúdo da escritura.
Como visto logo acima, o trabalho do Tabelião de Notas é que faz gerar esse efeito dentro
do processo.
A relação entre a presunção de existência e veracidade é comumente atribuída ao
documento, e não àquele que o expediu. Mas o documento nada mais faz do que
materializar a certificação realizada pelo Tabelião.
Todo esse contexto que envolve o trabalho dos notários é condensado no referido
art. 405 do CPC.
SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e comercial. Vol. IV, 3ª ed. Prova documental – São Paulo:
22
Firme nas premissas que norteiam a função notarial, voltamos ao preceito contido
no artigo 7º da Lei 9.935. Segundo esse dispositivo, compete exclusivamente aos
Tabeliães de Nota: I – lavrar escrituras e procurações públicas; e, dentre outras
competências, III – lavrar atas notariais. Daí a necessidade de distinguir a atuação do
tabelião em um e em outro ato.
Ambos os atos estão subordinados a elementos formais. Mas aquilo que é objeto
de escritura pública não pode ser objeto de ata notarial. Basicamente porque, na escritura,
há declaração de vontade das partes envolvidas dirigida ao Tabelião, enquanto na ata
notarial ele não é o destinatário de declaração alguma. Ou, nas palavras de Walter
Ceneviva:
23
CENEVIVA, Walter. Ata notarial e os cuidados que exige, in Ata notarial / Amaro Moraes e Silva Neto ... [et al.];
coord. Leonardo Brandelli. – Porto Alegre: Instituto de Registro Imobiliário do Brasil: S. A. Fabris, 2004. p. 94.
24
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Geral, Tomo II – 3ª ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1970.
p. 187.
25
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Geral, Tomo II – 3ª ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1970.
p. 395.
26
Nas palavras de Pontes de Miranda: “na manifestação de vontade há o que prefigura o ato jurídico, especialmente o
negócio jurídico (elemento que pode estar em sinais comunicáveis e às vezes comunicados, como se A, antes de ofertar,
mostra a B o rascunho da futura oferta) e o que faz o ato entrar, como ato de alguém, no mundo jurídico. Donde haver
diferença entre vontade manifestada e vontade de manifestar. Quando se redige o instrumento particular, ou quando o
redige o oficial público, ainda se está a manifestar vontade, porém de modo impessoal; somente com a assinatura e,
não raro, com a expedição é que se liga à pessoa a vontade manifestada” (MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito
Privado. Parte Geral, Tomo II – 3ª ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1970. p. 416).
27
“Por exigir a lei que o tabelião atue a requerimento do interessado, afasta-se a atuação oficiosa; trata-se de
consagração do tradicional princípio da instância, que rege o sistema de registros públicos em geral: o tabelião não atua
de ofício” (MOREIRA, Alberto Caminã. Ata Notarial. In A Prova do direito processual civil: estudos em homenagem
ao professor João Batista Lopes / Elias Marques de Medeiros Neto, Ricardo Augusto de Castro Lopes, Olavo de
Oliveira Neto, (coordenadores). – 1. Ed. – São Paulo: Editora Verbatim, 2013. p. 20.
28
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Manual de direito notarial: da atividade e dos documentos notariais – 4ª ed. – Salvador:
JusPODIVM, 2020. p. 825.
O que se percebe é que a ata notarial é como uma fotografia tirada pelo Tabelião
em determinado lugar do espaço e do tempo, meramente descritiva de fatos jurídicos que
foram presenciados, e sem a aplicação de qualquer elemento cognitivo. Trata-se de
descrição objetiva de uma determinada situação estática.
provavelmente haverá outro meio melhor ou igualmente eficaz para atingir tal objetivo29
(principalmente no aspecto financeiro, já que os custos envolvidos podem ser bastante
elevados). O real benefício processual alcançado por uma ata notarial é perpetuar uma
situação que, posteriormente, pode se tornar difícil de ser reproduzida dentro do processo
judicial.
Não é raro, por exemplo, observar que advogados levem documentos (cartas ou
escritos particulares) à presença de um Tabelião de Notas e solicitem que ele transcreva
o seu conteúdo para uma ata notarial. A pedido do interessado, o Tabelião descreverá que
lhe foi apresentado um documento com determinado conteúdo. Todavia, a menos que
haja o risco de esse documento se tornar ilegível ou extraviar, sua força probante não terá
alteração alguma para o processo judicial. A bem da verdade, a ata notarial apenas
registrará que o Tabelião viu o documento e transcreveu o seu conteúdo para um
documento público. Nada mais. O Tabelião não certificará a materialidade do documento
que lhe foi exibido ou tornará verdadeiro ou incontestável seu conteúdo.
Seguindo essa mesma linha de raciocínio, é possível verificar-se grande número
de atas notariais sendo lavradas para colher o depoimento de pessoas, na intenção de se
evitar a necessidade de produção de prova oral em posterior audiência de instrução.
Todavia, para efeitos processuais, em muitos casos, a ata notarial se aproxima
muito a uma declaração subscrita pelo próprio declarante (prova documental30). A bem
da verdade, a diferença reside apenas na certificação realizada pelo Tabelião de que o
declarante esteve na sua presença e espontaneamente proferiu as palavras transcritas na
ata31. Mas a autenticidade da declaração não é o ponto central do debate. O conteúdo, que
realmente importa para a maioria dos casos, não ganha em robustez ou em persuasão 32.
29
“(...) acusações à pessoa pública em mídia social – sentença de procedência – alegação de parcialidade da testemunha
– não verificação – testemunha que apontou ser conhecida de ambas as partes e que descreveu apenas fatos, isto é, que
a ré possui conta em rede social e que realizou a postagem questionada – ausência de ata notarial e de perícia técnica –
desnecessidade – os fatos alegados não se comprovam apenas por tais meios de prova, podendo outros ser utilizados
para a solução do conflito (...)” (apelação nº 0009165-83.2012.8.26.0153, Rel. Des. Alexandre Coelho, 8ª Câmara de
Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, j. 07/02/2019).
30
“Agravo de Instrumento. Ação de reconhecimento e dissolução de união estável – Decisão que recebeu declarações
de testemunhas constantes de ata notarial como prova documental – Hipótese que não se enquadra no rol previsto no
artigo 1015 do Código de Processo Civil – Questão passível de reapreciação, se caso, nos autos principais ou em sede
de recurso de apelação. Não se conhece do recurso” (agravo de instrumento nº 2276339-21.2019.8.26.0000, Rel. Des.
Christine Santini, 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, j. 13.12.2019).
31
Vide ata notarial acostada aos autos de ação rescisória em que o requerente poderia ter juntado a própria declaração
transcrita na ata para fazer prova de suas razões. A única diferença fica para a certificação do Tabelião acerca da pessoa
que lhe apresentou a carta, mas não em seu conteúdo (ação rescisória nº 2189965-65.2020.8.26.0000, Rel. Des.
Francisco Bianco, 2º Grupo de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo. J. 28/09/2020).
32
Nesse sentido: “Apelante que não se desincumbiu suficientemente de seu ônus probatório, previsto no artigo 373,
inciso I, do CPC, deixando de comprovar os fatos constitutivos de seu direito – Declarações unilaterais, registradas em
boletim de ocorrência pelo próprio apelante, e em ata notarial por sua amiga íntima, que não são suficientes para
comprovar a efetiva ocorrência de ato ilícito” (Apelação nº 1004929-84.2017.8.26.0286, Rel. Des. Roque Antonio
Mesquita de Oliveira, 18ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, j. 25.11.2019).
O Tabelião não fará qualquer análise sobre a veracidade daquilo que lhe foi dito. Ele
apenas certificará as palavras que ouviu, sem nenhum juízo de valor sobre elas.
Cumpre enfatizar que a declaração documentada pelo Tabelião de Notas não se
equipara à prova testemunhal colhida em juízo. Embora sejam admitidos “todos os meios
legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados” no CPC, “para
provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa” (art. 369) e não haja
uma hierarquia entre os meios de prova, não se pode afirmar que sejam idênticos o
testemunho colhido judicialmente e o testemunho narrado pelo Tabelião de Notas que,
nas palavras de Moacyr Amaral Santos, constitui o “testemunho extrajudicial”33.
Moacyr Amaral Santos, comparando as duas figuras, afirma que “a prova
fornecida por uma testemunha dêsse gênero, muito embora suas declarações sejam
tomadas mesmo por tabeliães ou oficiais públicos equivalentes, não corresponde à
testemunhal, no sentido jurídico e processual”. Basicamente, afirma ele, porque o
testemunho extrajudicial não se submete a diversas solenidades e garantias, destacando o
contraditório das partes na audiência pública34. Ambas serão provas hábeis a formar o
convencimento do magistrado, mas não são provas análogas.
Por isso, mesmo que haja nos autos uma ata notarial cujo conteúdo seja uma
declaração de alguém que compareceu ao tabelionato para prestar “testemunho” ao
Tabelião, é possível que esta mesma pessoa seja arrolada como testemunha no processo
e precise comparecer à audiência designada. A ata notarial não a isentará de auxiliar o
Poder Judiciário se chamada para tanto.
Curioso mencionar a ocorrência de situações em que a parte deixa de arrolar
testemunhas no momento processual oportuno e vê precluir seu direito de produzir a
prova oral. Nessas hipóteses, não é incomum que a parte encaminhe a testemunha (que
não foi ouvida judicialmente) ao cartório de notas e obtenha uma ata notarial com o seu
testemunho. Preclusa a prova testemunhal, a parte junta aos autos a ata notarial como
forma de contornar a preclusão incorrida. Nessas hipóteses, os Tribunais de Justiça,
33
SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e comercial. Vol. III, 3ª ed. Prova testemunhal – São Paulo:
Max Limonad, 1964. p. 59.
34
SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e comercial. Vol. III, 3ª ed. Prova testemunhal – São Paulo:
Max Limonad, 1964. p. 59.
35
“Posse com ânimo de dono não comprovada pela prova testemunhal, inexistente prova documental de indícios de
moradia habitual e posse com ânimo de dono. Inadmissibilidade do uso de ata notarial após a dilação probatória normal
realizada no processo, menos ainda com inserção de depoimento de quem poderia ter sido arrolada como testemunha
(...)” (apelação nº 1000548-54.2014.8.26.0604, Rel. Des. Maia da Cunha, 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de
Justiça de São Paulo, j. 25/10/2018).
36
Nesse sentido: “(...) Anulada a sentença antes proferida, para oportunizar a produção de prova oral, houve preclusão
na apresentação do rol de testemunhas. Rol apresentado pelo réu tardiamente. Diante da preclusão, restou prejudicada
a prova acerca da alegada posse longeva exercida pelo réu. Juntada de ata notarial com a apelação contendo declarações
das testemunhas arroladas tardiamente. Inadmissibilidade. Expediente com o qual o réu visa contornar a preclusão e
fazer tábula rasa do princípio do contraditório (...)” (Apelação nº 1014192-46.2017.8.26.0576, Rel. Des. Alexandre
Marcondes, 6ª Câmara de Direito Provado do Tribunal de Justiça de São Paulo, j. 12/08/2020).
37
“(...) usucapião extraordinário – testemunho registrado por ata notarial em cartório – imprestabilidade – atitude nem
ao menos justificada – contraditório com ser respeitado (...)” (apelação nº 1001649-93.2016.8.26.0269, Rel. Des.
Giffoni Ferreira, 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, j. 10/08/2018).
38
Nesse sentido: “(...) Argumentação do agravante baseada exclusivamente em ata notarial lavrada após a sentença,
contendo o depoimento das testemunhas que deixou de arrolar tempestivamente. Documento que não enquadra nas
hipóteses do parágrafo único do art. 435 do CPC. Expediente com o qual o agravante busca contornar a preclusão e
fazer tábula rasa do princípio do contraditório (...)” (agravo interno nº 2150012-94.2020.8.26.0000, Rel. Des. Alexandre
Marcondes, 6ª Câmara de Direito Provado do Tribunal de Justiça de São Paulo, j. 12/08/2020).
39
O Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, chegou a sinalizar que a parte deveria ter se valido de ata notarial
para comprovar situação que a ata notarial não socorreria a parte demandante. Discutia-se uma possível confissão da
parte contida em uma gravação de áudio. Sem adentrar ao mérito da questão, o acórdão se baseia no fato de que “não
há como se afirmar, com a segurança necessária, que se trata mesmo de conversa mantida entre as partes”, o que
somente uma perícia poderia realmente atestar. Mas, logo em seguida, os nobres julgadores “sugerem” que o
demandante “poderia, ao menos, ter buscado atestar a existência dos dados por meio de ata notarial (cf. art. 384,
parágrafo único, do CPC), o que também não fez”. Data máxima vênia, o máximo que as partes poderiam obter com a
ata notarial seria uma degravação fidedigna do conteúdo da suposta conversa – da parte audível, diga-se, porque o
Tabelião não é um perito. O Tabelião de Notas jamais poderia atestar quais eram efetivamente os interlocutores da
conversa e/ou se o seu conteúdo era real ou fictício. Repita-se uma vez mais: o Tabelião apenas narraria na ata que um
interessado compareceu à serventia extrajudicial com uma gravação e, logo em seguida, reproduzi-la. Nada mais. Vide
apelação nº 1005114-21.2018.8.26.0664, Rel. Des. A.C. Mathias Coltro, 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de
Justiça de São Paulo, j. 14.08.2019.
Pois bem, nessas hipóteses em que se pretende perpetuar um fato (condição física
do imóvel), caberá ao Tabelião descrever minuciosamente aquilo que presenciou. Mas,
se ele não possui expertise técnica para aferir ou entender determinadas situações, como
deveria proceder? Simples: relatando que se dirigiu ao local e ali o encontrou na situação
verificada nas fotos que acompanham a ata notarial40. Ele não precisa e não deve adentrar
às questões que extrapolam sua atividade. Mesmo que esteja acompanhado de um
profissional habilitado para fazer a avaliação, cumpre-lhe narrar o que o técnico lhe disse
e fotografar (nas hipóteses cabíveis), o que estava sendo avaliado. Veja-se: não é o
Tabelião quem fará a avaliação, cabendo-lhe única e exclusivamente relatar a avaliação
feita pelo profissional que o acompanha (geralmente o próprio requerente/solicitante da
ata)41.
As situações de cabimento e aplicação da ata notarial ao processo judicial são
inúmeras, não sendo possível a abordagem de todas elas neste breve trabalho. Mas o
processualista deve estar atento às múltiplas possibilidades que a ata notarial pode lhe
proporcionar, principalmente quando já sabe e pode antever a necessidade de provar um
determinado fato futuramente.
5 CONCLUSÃO
O direito probatório é um vasto e rico campo de estudo e atuação para os
processualistas civis.
A ata notarial se desabrocha aos olhos dos juristas como uma ferramenta
potencialmente útil, mas ainda pouco explorada.
É como se a ata notarial fosse um programa aberto de computação que permite e
provê meios para que o seu usuário possa programá-lo e adaptá-lo de acordo com as
necessidades específicas de sua utilização. Ou seja, cabe ao usuário saber utilizar as
ferramentas disponíveis para que o programa lhe seja útil.
O presente trabalho visava justamente provocar o processualista a olhar para a
figura do Tabelião, para entender o que dele pode esperar ou exigir. Não adianta crer que
a ata notarial seja a solução do processo civil sem entender para que realmente ela serve.
40
A respeito, vide GUEDES, Fabio Tadeu Ferreira. A ata notarial e a locação de imóveis, in Revista Científica da
Escola Superior da Advocacia: Direito Notarial e Registral, ed. 24, p. 27.07.2017, pp. 30/38.
41
O Tribunal de Justiça de São Paulo já teve oportunidade de decidir causa em que a ata notarial relatou os danos
existentes no imóvel. Posteriormente, com base no relato da ata notarial, um perito avaliou e quantificou os danos
registrados pelo Tabelião: “Locação comercial. Ação indenizatória movida pela Locadora em face da Locatária, por
não ter devolvido o imóvel em bom estado de conservação. Ata notarial que demonstra as más condições em que o
prédio foi devolvido. Valor do conserto avaliado por perícia judicial (...)” (apelação nº 1101679-61.2016.8.26.0100,
Rel. Pedro Baccarat, 36ª Câmara de D. Privado, TJSP).
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