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Memorial Circunstanciado para Concurso - USP

Technical Report · December 2007


DOI: 10.13140/RG.2.1.3482.6004

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Elio Carlos Ricardo


University of São Paulo
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Elio Carlos Ricardo

Memorial Circunstanciado

Memorial Circunstanciado apresentado à Faculdade


de Educação, da Universidade de São Paulo, como
requisito para a inscrição e a realização do
Concurso Público de Títulos e Provas para
Provimento Efetivo de Professor Doutor no
Departamento de Metodologia do Ensino e
Educação Comparada, com base nos programas
das disciplinas Metodologia do Ensino de Ciências,
Metodologia do Ensino de Física I e II e Metodologia
do Ensino de Ciências Biológicas I e II. Edital
FEUSP n.44/2007.

Paris – França
2007
2

Apresentação

O presente memorial está dividido em quatro partes. Na primeira, descrevo minha


atuação profissional no ensino médio e as questões que surgem desse contexto e me levam ao
mestrado. Na segunda parte, analiso o período do mestrado e do doutorado. Em seguida,
apresento uma discussão da minha atuação profissional no ensino superior e meu estágio pós-
doutoral. E, finalmente, exponho uma síntese das idéias centrais das minhas expectativas de
pesquisa.
Optei por apresentar no texto apenas as referências que julguei necessárias para
orientar a compreensão do leitor, uma vez que haverá possibilidade de interlocução, na qual
mais esclarecimentos serão possíveis. Alguns autores foram apenas nominalmente citados, sem
a referência completa, com o mesmo propósito.
No presente momento, encontro-me em Paris realizando estágio pós-doutoral, assim, a
maior parte da minha bibliografia não se encontra comigo. Algumas citações foram feitas
recorrendo-se à memória ou a anotações antigas. Desse modo, naquelas em que não tenho a
certeza da literalidade ou da página, acrescentei um sinal de interrogação entre chaves {?}.
Todavia, a precisão do autor é garantida.
Todas as atividades citadas neste memorial que possuem documento comprobatório
estão indicadas com um número entre colchetes [X]. Quando houver mais de um documento
para a mesma atividade será acrescentado um segundo número no comprovante
correspondente [X.1], [X.2] e assim por diante. Os sites aqui mencionados também se encontram
entre colchetes.
A fim de oferecer o maior conjunto de informações possíveis, encontra-se em anexo a
este memorial meu currículo no formato Lattes.
3

Memorial Circunstanciado

Elio Carlos Ricardo

I. Atuação profissional no ensino médio

Em dezembro 1997 concluí a Licenciatura em Física [1] e o próximo passo era encontrar
emprego. No Paraná não havia previsão de concursos para professores e todas as contratações
eram feitas por contrato temporário e a seleção se dava em cada escola. Para completar a carga
horária máxima permitida (36 horas/aula) teria que fazer o concurso em, pelo menos, três
estabelecimentos, correndo-se o risco de perder parte delas a qualquer momento, pois a
prioridade era dos efetivos. Todavia, para a disciplina de química, observei que havia maior
disponibilidade de vagas, podendo-se preencher a carga horária em uma única escola. Resolvi
fazer o concurso para lecionar química.
Assim, iniciei minha atividade profissional em 1998 [2] como professor de química do
ensino médio no Colégio Estadual Regente Feijó, na cidade de Ponta Grossa, no Paraná, com
doze turmas de alunos, de primeiro, segundo e terceiro anos de Educação Geral e de primeiro e
segundo anos de Técnico em Magistério. Em duas turmas (primeiro e segundo anos) eu
ministrava aulas de física. De fato, eu já havia atuado em sala de aula nos anos de 1995 e 1996
como professor de física, para turmas de oitava série, primeiro e segundo anos em uma escola
privada [2], mas a carga horária era pequena e, por vezes, substituía algum professor.
Nesse contexto, deparei-me com dois desafios: ministrar aulas de química, inclusive em
laboratório e, para o Curso Técnico em Magistério, o programa do segundo semestre previa o
conteúdo de Química Ambiental. As aulas de laboratório eram uma forte recomendação da
direção e da supervisão e, quanto à Química Ambiental, nenhum professor havia trabalhado com
esse assunto antes, porque se tratava de uma mudança para aquele ano. Tais desafios foram
marcantes para minha formação profissional, pois teria que trabalhar com temas novos e fui
impulsionado a estudar e a preparar cada aula, inclusive as de laboratório. Nesse caso em
particular, valeram-me dois anos do curso de Engenharia Agronômica que havia cursado bem
antes de iniciar a Licenciatura em Física, no qual tive cinco disciplinas de química, com muita
ênfase em aulas de laboratório [3]. Essa prática de preparar todas as aulas com antecedência e
estudar o assunto além do nível do livro didático do aluno foi fundamental e a adotei em toda a
minha atuação profissional. Em especial, a “obrigatoriedade” das aulas de laboratório me ajudou
4

a “perder o medo” de aulas dessa natureza e a superar as meras demonstrações em que os


alunos apenas tomam dados e os apresentam em um relatório burocrático. Tive a oportunidade
de trabalhar as aulas com a efetiva participação dos alunos, a ponto de alguns deles virem no
contra-turno na escola por iniciativa própria, quando eu preparava as aulas, para revisar o
assunto ou esclarecer dúvidas. O uso freqüente do laboratório fez a escola lhe dar maior
atenção. Mas, talvez, a conseqüência profissional maior tenha sido a necessidade de trabalhar
com o tema Química Ambiental.
Ainda no início de 1998, a Universidade Estadual de Ponta Grossa ofereceu um curso de
Especialização em Gestão Ambiental. O programa era amplo e eu vi ali a possibilidade de
aprender alguma coisa relacionada ao tema Meio Ambiente e aplicar em sala de aula. O
resultado foi melhor que o esperado. Minha monografia teve como objetivo elaborar um conjunto
de aulas dentro do tema Química Ambiental utilizando uma metodologia que privilegiasse a
participação dos alunos. O título do trabalho foi “Uma Experiência Metodológica Interagindo
Educação Ambiental no Ensino-Aprendizagem de Química do Ensino Médio”, defendida em
1999 [4,5]. Esse trabalho foi desenvolvido na turma de Técnico em Magistério, no segundo
semestre de 1998, e teve como principal apoio teórico-metodológico a idéia de problematização,
ou educação problematizadora, de Paulo Freire. Além de resolver meu problema imediato, que
era o de trabalhar com a Química Ambiental, a realização de um trabalho dessa natureza
permitiu entender com mais clareza a necessidade de uma permanente reflexão acerca da
educação e do ensino, para além dos ensaios realizados na graduação, os quais me pareciam
vazios, pois eu não tinha, ou não fazia, a articulação com uma problemática nascida na prática
educacional.
Todavia, um outro fato marcou a passagem do ano de 1998 para 1999. No Paraná,
começavam a chegar as discussões referentes à LDB/96, às Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCNEM) e aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), bem como as conseqüentes
mudanças. Em 1999 eu contava com 36 horas/aula e com 16 turmas, de física e de química,
para as três séries do nível médio. Duas mudanças concretas ocorreram e foram atribuídas às
“exigências da nova lei”: o número de aulas semanais de física e química diminuiu para duas e
surgiu no programa a chamada Parte Diversificada do currículo. A reação contrária dos
professores foi imediata, pois se baseava em questões de ordem prática: a diminuição de aulas
semanais implica aumento de turmas, ou seja, são mais algumas dezenas (talvez uma centena)
de provas/trabalhos para corrigir! No meu caso, por exemplo, implicou um aumento de quase
duzentos alunos. Outra mudança atribuída à lei: a recuperação paralela. Ficou determinado que
todo aluno que não atingisse a média sete teria direito a uma nova avaliação até atingir a média.
5

Nova reação contrária: isso implica algumas centenas de provas/trabalhos a mais. A “melhor
saída”: todos os alunos têem média sete! Um erro de interpretação levou a um “pacto da
mediocridade”. É certo, entretanto, que houve e há exceções.
Havia grande dificuldade para entender aqueles novos conceitos, tais como:
interdisciplinaridade, contextualização, competências, habilidades, Núcleo Comum, Parte
Diversificada. Ninguém sabia esclarecer minimamente aos professores, ao menos naquele
momento, em relação a isso e se fazia uma enorme confusão entre a LDB/96, as DCNEM e os
PCN. Tudo era atribuído à lei. Era mesmo difícil ter acesso a esses documentos. Eram-nos
dadas partes de um ou de outro documento para a leitura e interpretação.
Nesse mesmo ano começavam a chegar no ensino médio os alunos do chamado Fluxo.
Tratava-se de alunos que estavam fora da série em relação à idade. Assim, eles eram
“acelerados” para as séries seguintes. A heterogeneidade das turmas passou a ser uma questão
difícil de gerenciar. As dificuldades de aprendizagem eram muito grandes e o número de alunos
abaixo da média não era menor. Sem saber claramente como enfrentar tais obstáculos até
então, decidi ministrar voluntariamente “aulas de reforço” aos sábados de manhã na escola. Foi
outra experiência singular, pois pude conhecer melhor as dificuldades dos alunos, uma vez que
era possível um trabalho mais individualizado. Entretanto, eu não sabia como tratar
didaticamente essas dificuldades, embora tenha havido progressos em muitos casos.
Essa falta de instrumentos didáticos1 para enfrentar as questões de ordem prática que
se apresentavam em sala de aula, a chegada das determinações e orientações oficiais (LDB/96,
DCNEM, PCN), aliada à dificuldade de compreender tais documentos, e a realização da
especialização, com uma monografia voltada para uma reflexão da prática docente, constituíram
o cenário que me levou a fazer o mestrado em ensino de ciências.

II. O mestrado e o doutorado

Em 2000, iniciei o mestrado em Educação – Ensino de Ciências, na Universidade


Federal de Santa Catarina, sob a orientação do Prof. Dr. Arden Zylbersztajn. A dissertação
intitulada “As Ciências no Ensino Médio e os Parâmetros Curriculares Nacionais: da proposta à
prática” foi defendida em dezembro de 2001 [6,7]. Neste programa de pós-graduação eu
encontrei solo fértil para ampliar e aprofundar minhas questões referentes à educação e ao
ensino das ciências. Vale destacar o alto padrão acadêmico e intelectual dos professores com
quem trabalhei durante esse tempo e que se estendeu até o doutorado. Em particular, a
1 Refiro-me à didática neste texto em sua dimensão psicológica, praxiológica e epistemológica.
6

qualidade da orientação recebida do Prof. Arden é motivo de ênfase. Acrescente-se a isso


minhas incursões no curso de filosofia da mesma universidade, como aluno regular ou como
“ouvinte”. Devo especialmente aos filósofos a abordagem mais precisa e dialética 2 dos meus
objetos de investigação.
Todavia, não me afastei completamente da sala de aula, pois, como não havia bolsa
disponível em 2000, trabalhei como professor de física (segundo e terceiro anos) e química
(primeiro ano) em duas escolas públicas de Santa Catarina3. Assim como no Paraná, naquele
estado os contratos também eram temporários. Mas, trabalhar em outro estado foi importante
para tomar contato com outro sistema de ensino e verificar as semelhanças e diferenças com o
ambiente anterior. A falta de bolsa foi compensada com a premiação do meu projeto de
dissertação pela Fundação CESGRANRIO, a qual agraciou naquele ano três projetos de teses e
três de dissertações em nível nacional que tratassem de avaliação de políticas públicas [8]. O
prêmio incluía ainda a possibilidade de publicar os resultados da pesquisa na Revista Ensaio –
Avaliação e Políticas Públicas em Educação, o que efetivamente ocorreu em 2002 [9]. Em 2001
passei a receber bolsa da CAPES.
A pesquisa da dissertação consistiu de um estudo de caso realizado em uma escola
pública de grande porte na cidade de Florianópolis, com um grupo de professores da área das
Ciências da Natureza e Matemática, do ensino médio, sob um enfoque de avaliação iluminativa4.
O objetivo principal foi identificar a percepção que esse grupo de professores e técnicos da área
pedagógica tinha da reforma de ensino proposta pelos PCN e quais mudanças estariam sendo
implementadas na sala de aula. Os instrumentos utilizados foram a análise documental e
entrevistas semi-estruturadas (R. Richardson; A. Triviños). Os documentos analisados foram a
LDB, as DCNEM, os PCN, a Proposta Curricular do Estado de Santa Catarina, o Programa de
Expansão e Melhoria do Ensino Médio da Secretaria do Estado, as Grades Curriculares e o
Regimento Interno da escola (estes dois últimos funcionavam como projeto pedagógico). Além
dos professores e equipe pedagógica, foram entrevistados os gerentes de Planejamento
Educacional e de Ação Pedagógica, da Diretoria de Ensino, da Secretaria do Estado.
A principal conclusão da pesquisa foi que poucas ações ocorreram para a
implementação dos PCN nas escolas e que não foram dadas oportunidades para que os
professores tivessem uma compreensão da proposta de reforma em seu todo. A Secretaria

2 Dialética aqui é entendida como sendo a análise do que não podemos ter certeza.
3 Em 2003 ainda viria a atuar em sala de aula no nível médio em uma escola privada da Grande Florianópolis, mas
como colaborador, sem vínculo empregatício, pois era bolsista de doutorado da CAPES.
4 Parlett, M. & Hamilton, D.. Avaliação como iluminação: uma nova abordagem no estudo de programas inovadores.

In: Messiak, R. G.. et al. (org.). Currículo: análise e debate. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980.
7

afirmou na época que não havia feito nenhuma ação referente à formação continuada porque o
ensino médio não dispunha de uma rubrica com previsão de verbas. Apenas o ensino
fundamental era contemplado. Além disso, foi constatado que nenhum dos professores
entrevistados leu os PCN por inteiro, os poucos que leram, limitaram-se à parte da sua disciplina
e ninguém declarou, por exemplo, como dificuldade para implementação destes documentos na
escola a compreensão de conceitos como competências, habilidades, interdisciplinaridade e
contextualização. Igualmente, ninguém declarou não saber como trabalhar com valores e
atitudes e formar um aluno crítico e autônomo. Ainda que cada um desses temas mereça uma
análise crítica mais profunda, pareceu-me que sequer a dimensão da proposta pretendida era do
conhecimento dos entrevistados. Nem mesmo o fato de haver uma Proposta Curricular do
Estado, em consonância com os PCN, promoveu qualquer mudança efetiva, pois esta também
não era do conhecimento dos professores.
Outro dado da pesquisa foi que a grande maioria dos professores entrevistados pautava
sua opinião acerca dos PCN a partir das mudanças nos livros didáticos, supostamente
atendendo às orientações destes documentos. Assim, não era de se estranhar que a maioria
afirmasse que os PCN “nivelaram por baixo”, nas suas palavras, o ensino médio, pois se tratava,
em alguns casos, de livros em volume único e direcionados a um menor número de aulas
semanais. Isso me levou a fazer uma breve análise dos livros mais citados pelos professores
(biologia, física, matemática e química) e compará-los com as propostas dos PCN. A conclusão
foi que nenhum atendia às orientações oficiais e as “mudanças” eram, na verdade, pequenos
ajustes a novos vocabulários, como alguns que apresentavam ao final um conjunto de
competências e habilidades, ou outros que acrescentaram informações ilustrativas ao final dos
capítulos, cujo título da seção era algo como interdisciplinaridade e contextualização.
No entanto, eu não pretendia encerrar a pesquisa em uma dimensão diagnóstica, mas
busquei apontar direções para o professor que, ao apropriar-se das propostas sugeridas nos
documentos oficiais, estivesse disposto a implementar algumas mudanças em sua prática
docente e também indicar caminhos para a formação inicial e continuada em aproximação com
tais orientações, pois me pareceu logo de início que as possíveis mudanças estariam mais
propensas em partir dos novos profissionais. Além disso, senti a necessidade de ir além da mera
descrição do fenômeno educacional e procurar acrescentar informações às discussões que já
existiam sobre o assunto, inclusive com novos questionamentos.
As questões gerais, nascidas da minha prática profissional e que me levaram ao
mestrado, eram atacadas progressivamente. E, nesse caso, a avaliação era também uma auto-
avaliação, uma vez que eu me identificava na pessoa do entrevistado e, ao mesmo tempo,
8

estava experimentando pela primeira vez o papel de pesquisador. Nesse sentido, foi importante
possuir uma base teórica suficiente para nortear a definição dos objetivos da
avaliação/investigação e a formulação das questões que deram o foco do trabalho. Eu não
pretendia que possíveis generalizações acabassem por negligenciar informações pontuais que
pudessem ser de grande interesse dos sujeitos e instituições que faziam parte do contexto
estudado. Assim, a avaliação iluminativa se mostrou adequada para descrever e interpretar as
(supostas e/ou possíveis) inovações dentro do seu ambiente, pois, conforme Parlett e Hamilton,
ela busca saber como tais inovações operam, como são influenciadas pelas várias situações da
escola e o que os interessados diretamente consideram como vantagem ou desvantagem.
Nessa perspectiva, a avaliação iluminativa se apresenta como uma estratégia de pesquisa, para
além de uma metodologia, e se associa às várias técnicas disponíveis que possam auxiliar a
“iluminar” tanto os pontos relevantes como os pontos críticos em um processo de inovação. É
importante ressaltar sucintamente esse aspecto metodológico da pesquisa, porque os seus
resultados me levaram ao projeto do doutorado.
A mesma pesquisa foi realizada em uma outra escola no Estado do Paraná, mas os
dados obtidos não foram utilizados na dissertação e geraram um artigo publicado no Caderno
Brasileiro de Ensino de Física [10]. Todavia, neste contexto as discussões acerca dos PCN
estavam mais adiantadas, o que não significa que tenham mudado as práticas educacionais, e
os professores já sentiam claramente as dificuldades de compreensão de conceitos centrais
naqueles documentos, como o ensino por competências e habilidades, a interdisciplinaridade e a
contextualização e outros. O que se verificou foi que novos nomes encobriam velhas práticas.
Paralelamente à pesquisa e elaboração da dissertação, eu tomava contato com o que
venho chamando de instrumentos didáticos de análise e reflexão das práticas docentes. Ou seja,
nas disciplinas do mestrado fui também me aproximando das pesquisas em ensino de
ciências/física e de temas como concepções alternativas, modelos mentais, modelização,
transposição didática, contrato didático, alfabetização científica e tecnológica, ilhas de
racionalidade, objetivo-obstáculo, práticas sociais de referência, CTS e aprendizagem centrada
em eventos, resolução de problemas (abertos e fechados), conceitos unificadores, novas
abordagens de laboratório, obstáculos epistemológicos, além de conhecer os principais
epistemólogos, como T. Kuhn, I. Lakatos, L. Fleck, K. Popper, P. Feyerabend, G. Bachelard, G.
Holton, M. Bunge e outros, bem como as pesquisas que relacionavam suas discussões com o
ensino das ciências. O papel da história e da filosofia da ciência no seu ensino também exerceu
forte influência na minha formação. Vale acrescentar minhas incursões na filosofia, onde pude
conhecer filósofos como A. Gramsci, M. Foucault, R. Carnap, C. Hempel, K. Marx, M. Weber, H.
9

Arendt, J. Habermas, T. Adorno, M. Horkheimer, P. Duhem, E. Mach, I. Kant, H. Lacey, M. Paty,


para citar alguns.
Essas incursões não só me permitiram conhecer e compreender um pouco mais a
construção das ciências e do conhecimento, como também adentrar em questões conceituais
que se apresentavam para a escola e eram (ainda são) assumidas como isentas de
controvérsias ou que carregam por si mesmas a solução para os problemas. Por exemplo, o que
é formar um aluno crítico? Que significa assumir a formação de valores e atitudes como
conteúdos escolares? A lista de exemplos é extensa.
Tais discussões e temas vinham ao encontro dos meus anseios, pois eram instrumentos
teóricos e didáticos como esses que faltavam para eu enfrentar os problemas práticos que se
apresentavam no exercício profissional descrito inicialmente. Isso motivou minha participação em
congressos da área com apresentação de trabalhos já em 2001. Um desses trabalhos merece
destaque e ilustra o contexto descrito. Trata-se de uma monografia de final de curso, da
disciplina Didática das Ciências, ministrada pelo Prof. Dr. Maurício Pietrocola, no segundo
semestre de 2000, que resultou em dois trabalhos apresentados, inicialmente, em congressos
[11,12] e, posteriormente, transformou-se em artigo publicado na Revista Investigações em
Ensino de Ciências, em 2003 [13].
A idéia do trabalho foi partir de uma situação didática vivenciada em sala de aula e
analisá-la sob a noção de contrato didático proposta por G. Brousseau. No assunto que
concerne à física (fiz em parceria com uma colega bióloga), escolhi a atividade de resolução de
problemas fechados, nos quais eu acrescentava dados desnecessários a sua resolução e pedia
uma discussão do resultado obtido e não apenas uma resposta numérica. Isso desestabilizava
uma espécie de “contrato” que há entre aluno e professor, no qual está implícito que todos os
dados fornecidos no enunciado do problema devem ser usados e cabe ao aluno encontrar a
fórmula certa para aplicar e chegar ao resultado. A noção de contrato didático trata desse
conjunto de responsabilidades e expectativas recíprocas, implícitas ou explícitas, entre professor
e aluno/alunos diante dos saberes. O objetivo era encontrar uma alternativa didática para romper
esse engessamento recorrendo a uma perturbação intencional do contrato didático, buscando
gerenciar um paradoxo que se apresenta nessa relação didática: ao mesmo tempo em que o
professor terá que respeitar o papel do aluno na construção do conhecimento, terá que dar a ele
condições indispensáveis para o processo de apropriação do conhecimento. Essa estratégia
sinaliza para uma devolução didática, na qual o professor transfere ao aluno a responsabilidade
de aprender, mas, ao mesmo tempo, deverá aceitar uma eventual contra-devolução, se o aluno
10

se deparar com obstáculos e dificuldades para os quais ainda não dispõe de recursos cognitivos
para superá-los (G. Brousseau; S. Johsua; P. Jonnaert).
Como conseqüência da pesquisa da dissertação e de discussões como a descrita acima,
a elaboração do projeto para o doutorado foi o caminho natural. Em maio de 2002 5 iniciei o
doutorado em Educação Científica e Tecnológica, na Universidade Federal de Santa Catarina,
sob a orientação do Prof. Arden. A tese intitulada “Competências, Interdisciplinaridade e
Contextualização: dos Parâmetros Curriculares Nacionais a uma compreensão para o ensino
das ciências” foi defendida em novembro de 2005 [14]. No doutorado fui bolsista da CAPES
desde o início.
O foco agora era a formação inicial dos professores e o aprofundamento teórico acerca
de temas que surgiram desde a dissertação. A proposta de reforma do ensino médio, em
especial aquelas presentes nos PCN, constituíram-se no pano de fundo de novas questões que
mereciam uma investigação sistemática. Assim, no primeiro capítulo da tese, intitulado “Os
Documentos Oficiais e a Visão de seus Elaboradores”, retomei esses documentos (LDB/96,
DCNEM, Matrizes Curriculares do SAEB, PCN e PCN+) para uma análise mais rigorosa,
buscando encontrar os significados para os conceitos de competências, interdisciplinaridade e
contextualização, principalmente. Além disso, entrevistei6 os autores dos PCN e PCN+, da área
das Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias, para buscar entender as concepções
e compreensões acerca daqueles conceitos que haviam norteado a elaboração dos Parâmetros
Curriculares. No segundo capítulo, intitulado “A Visão dos Formadores”, entrevistei os
professores das disciplinas de Metodologia de Ensino e/ou Prática de Ensino dos cursos de
Licenciatura em Biologia, Física, Matemática e Química, de três universidades públicas (USP,
UFPR e UnB), a fim de conhecer e analisar a opinião e compreensão dos formadores a respeito
dos documentos oficiais, em especial os PCN e PCN+, a forma como trabalhavam, e se
trabalhavam, com estes na formação inicial, e suas compreensões acerca dos conceitos de
competências, interdisciplinaridade e contextualização extraídas dos documentos.
Com isso, foi possível construir um panorama em relação às discussões referentes aos
PCN e PCN+ na graduação e comparar com as intenções e expectativas dos seus autores e,
ainda, com o cenário da escola a partir da pesquisa feita no mestrado. Essa pesquisa foi
fundamental, não só para a tese como para a minha formação profissional, pois pude conversar
com vários professores/formadores e conhecer como se desenvolviam as atividades de

5 Nesse ano o curso iniciou em maio em razão da espera pela aprovação da CAPES, pois passou a ser um
programa independente. Até então era uma das linhas de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Educação
da UFSC.
6 Novamente foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas e a pesquisa teve enfoque qualitativo.
11

formação dos futuros professores em três diferentes instituições. Apenas esses dois capítulos já
ofereceram dados suficientes para dar origem a dois trabalhos em congressos [15,16] e três
artigos [17,18,19]7.
Nos capítulos seguintes parti para um estudo teórico dos temas centrais que nasceram
desse contexto. O capítulo III da tese, intitulado “Competências: a construção de um significado”,
faz a articulação entre o cenário e o estudo conceitual. Apresento e analiso posições
desfavoráveis ou, ao menos, reticentes em assumir um ensino por competências na escola,
como F. Ropé e L. Tanguy; M. N. Ramos, bem como os defensores de sua viabilidade, entre
eles P. Perrenoud e G. Fourez8. Mas, o que fica evidente tanto em um caso como em outro é
que os saberes e as práticas educacionais estão à prova, segundo destacam P. Perrenoud, M.
Tardif, P. Meirieu, além dos já citados acima.
As críticas e análises procedentes da sociologia do trabalho em relação à
institucionalização da noção de competências na escola revelam que não se trata de um efeito
de moda, mas aponta mudanças sociais significativas, em especial na relação de produção e na
relação entre trabalho e escola. Na outra mão, os sociólogos da educação que defendem um
ensino por competências esperam que isso leve à pensar a escola para depois dela, uma vez
que os alunos parecem não acreditar que o sucesso escolar irá prepará-los para o que
(supostamente) esperam encontrar em uma etapa posterior à escola. Nesse caso, a adesão ao
projeto escolar fica fragilizada. Embora as transposições das análises e discussões feitas no
campo sociológico ou filosófico para as didáticas específicas devam ser feitas com o devido
cuidado, não se pode negar a relevância dos questionamentos que fazem à escola e ao ensino.
No capítulo IV, intitulado “Competências: um problema de transposição didática”,
defendo a compreensão do conceito de competências como um problema de referências dos
saberes escolares. O modelo de transposição didática proposto por Y. Chevallard é discutido
criticamente e alguns aspectos cognitivos, ainda frágeis na literatura acerca das competências,
bem como as múltiplas variáveis presentes em uma relação didática são abordados. Autores
como B. Rey, G. Vergnaud, J-P. Astolfi, J-L. Martinand, P. Jonnaert, S. Johsua, M. Caillot, G.
Brousseau, estão presentes. O capítulo V, intitulado “Interdisciplinaridade, Contextualização e
Alfabetização Científica e Tecnológica”, trata dos dois primeiros conceitos no campo
epistemológico e destaca a necessidade de superar falsas compreensões, como a redução da

7 Os três foram encaminhados para a Revista Investigações em Ensino de Ciências. Até o momento da elaboração
deste memorial um já foi aceito, os outros aguardam pareceres, conforme documentos (esta revista acusa o
recebimento do artigo, mas não especifica nominalmente, assim espero que na data do concurso seja possível
informar com mais precisão a condição dos outros dois).
8 Artigos disponíveis em [http://www.fundp.ac.be/institution/autser/interfaces/publications/gerard]

ou [www.sciences.fundp.ac.be/scphilosoc/cethes/stliteracySSS.html].
12

contextualização ao cotidiano ou a interdisciplinaridade ao trabalho coletivo. A alfabetização


científica e tecnológica vem tentar dar um sentido aos saberes escolares e responder à
pergunta: por que ensinar física na escola? Autores como K. Popper, M. Bunge, N. Etges, P.
Freire, A. Jantsch e L. Bianchetti, G. Fourez, J. Santomé, K. Kosik e outros foram algumas das
referências utilizadas. A tese se encontra disponível em [www.ppgect.ufsc.br/teses/01/Tese.pdf].
Uma outra experiência profissional relevante que se iniciou no mestrado e prosseguiu no
doutorado foram os estágios-docência, realizados em 2001, 2002 e 2003, nas disciplinas de
Instrumentação para o Ensino de Física (A, B e C) [7,20]. Nestas disciplinas pude conhecer
melhor os grandes projetos de ensino, nacionais e internacionais, como o PSSC, Harvard,
Nuffield, Piloto/UNESCO, FAI, PEF, PBEF, GREF, alguns dos quais eram novidades para mim.
O GREF, em particular, eu já havia utilizado como professor do ensino médio. Além disso, a
dinâmica das aulas exigia que os alunos preparassem e apresentassem aulas apoiadas nesses
projetos ou em outras estratégias didáticas, como concepções alternativas, resolução de
problemas, conceitos unificadores (D. Delizoicov e J. Angotti), história da física. Ou, ainda, a
elaboração de projetos temáticos de ensino, sob um enfoque CTS e/ou de alfabetização
científica e tecnológica. Isso permitiu não apenas conhecer esses projetos, mas explorar seu
potencial como material didático utilizável, o que se mostrou bastante útil posteriormente em
minha atuação como docente já no ensino superior, conforme será tratado mais adiante.
As disciplinas do doutorado permitiram ampliar o debate teórico em muitos campos,
iniciados no mestrado e associados às pesquisas, o que possibilitou a elaboração de um grande
número de trabalhos apresentados em congressos e artigos, a respeito de variados temas, já em
2002 e 2003 e nos anos seguintes. A própria participação nos congressos assegurava conhecer
cada vez mais as pesquisas da área. Um artigo publicado em 2003 [21] a respeito das
dificuldades e possibilidades para a implementação dos PCN e PCN+ na escola veio a se
transformar em um capítulo dos livros da Coleção Explorando o Ensino, publicado pelo MEC em
2005 [http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/EnsMed/expensfisica.pdf].
A inserção de novas informações e discussões às pesquisas iniciadas no mestrado
resultaram em três novos trabalhos em congressos [22,23,24], os quais exploram os dados
empíricos da dissertação e acrescentam cada vez mais elementos teóricos aos conceitos até
então pouco claros e que foram abordados na tese. Com isso, era possível também compartilhar
tais reflexões com membros da comunidade. O aproveitamento das discussões das disciplinas
cursadas fez com que a maioria das monografias de final de curso se transformasse em
trabalhos apresentados em congressos. Embora os temas pareçam diversificados, há sempre
uma tentativa de concentrar esforços em algumas questões e colocá-las à prova.
13

Das disciplinas Educação e Epistemologia e Introdução ao Pensamento de Gramsci e


Foucault, cursadas ainda no mestrado, resultou um trabalho de congresso no qual exploro o
conceito de crítica e do exercício da intelectualidade [25]9. Ao explorar a relação entre poder,
verdade e sujeito, apóio-me em Foucault para afirmar que a atitude crítica consiste em
reivindicar a possibilidade de interrogar as verdades, de reconhecer não apenas as contradições
fora do sujeito, mas de investigar as próprias verdades, o que exigirá uma revisão ou, até
mesmo, um abandono das próprias certezas. Essa atitude crítica no exercício da prática
educacional e diante do discurso científico parece-me fundamental.
A monografia da disciplina Fundamentos Epistemológicos da Educação Científica e
Tecnológica (doutorado) transformou-se em trabalho de congresso [26]. A partir de um estudo
analítico-comparativo das idéias de Paulo Freire e Gérard Fourez acerca dos conceitos de
problematização e contextualização, bem como suas concepções de sujeito, discuto a
contextualização como uma etapa posterior a um processo de problematização da situação
existencial concreta na qual se encontra o sujeito e alerto que é um risco reduzir a
contextualização ao cotidiano físico do aluno, o que parece comum no discurso dos professores.
Na mesma direção, as disciplinas Tópicos Atuais de Ciência e Tecnologia e Ciência,
Tecnologia e Sociedade (ambas do doutorado), levaram à produção de outros trabalhos
[27,28,29,30]. Estes, em particular, foram apresentados em congressos fora do Brasil e
abordaram principalmente aspectos teóricos da transposição do movimento CTS para a
educação formal e suas semelhanças e diferenças, conflitos e aproximações, com o que autores
como G. Fourez chamam de alfabetização científica e tecnológica. Além disso, a tecnologia
como objeto de ensino ainda não parece clara em algumas discussões presentes na literatura e
a maioria das alternativas metodológicas implementadas em sala subordina a tecnologia à
ciência, o que implica um problema de ordem epistemológica, entre outros. Tais questões
levaram-me a escrever um artigo recentemente, no qual discuto as dificuldades e possibilidades
para a implementação da educação CTS na escola [31] e outros que serão mencionados mais
adiante. Ainda dentro desses debates, outra questão foi objeto de análise: a divulgação
científica, seus benefícios e riscos [32]. Este trabalho apóia-se na teoria crítica de T. Adorno e M.
Horkheimer, além de outros, para alertar a respeito do risco de uma divulgação científica se
transformar em uma semi-formação, à mercê de uma indústria cultural, uma vez que não é certo
que mesmo aqueles um pouco mais “esclarecidos” estejam fora de perigo; a indústria cultural
dispõe de distintos níveis e categorias, dando a ilusão de possibilidade de escolha. Esse campo
de investigação ainda me parece pouco explorado.
9 Os trabalhos apresentados nesse congresso fazem parte de um número especial da Revista Educação – Unisinos.
14

Os estágios-docência também influenciaram na elaboração de alguns trabalhos. Um


deles resultou de um curso ministrado para professores do ensino médio no SNEF de 2003 [33]
e trata da inserção da física moderna e contemporânea no nível médio, no contexto das
orientações curriculares dos PCN, e apresenta um subsídio metodológico [3410]. Nessa mesma
direção, um outro [35] faz uma análise dos livros didáticos, à luz da noção de transposição
didática, a respeito da presença ainda tímida de tópicos de física moderna nos programas, e um
terceiro [36] explora atividades experimentais realizadas em turmas do ensino fundamental em
uma escola de Florianópolis, focalizando os aspectos de colaboração e atitudes afetivas que se
desenvolveram nos trabalhos coletivos ao longo do ano de 2002. Essas atividades fazem parte
do projeto Baú de Ciências [http://www.fsc.ufsc.br/~canzian/bau].
Além disso, as questões centrais do meu projeto de tese também eram apresentadas na
forma de trabalhos em congressos, pois era necessário colocar tais temas em discussão e sentir,
ainda que de modo genérico, a reação da comunidade. Em um deles eu resgato e analiso as
discussões iniciadas principalmente por P. Perrenoud ao assumir o ensino por competências
como um problema de transposição didática [37], o qual foi apresentado no ENDIPE de 2004 e
tal escolha não foi casual, pois havia uma impressão de que na área de educação geral a noção
de competências era recebida com muitas reservas, apoiadas, no entanto, bem mais em
questões políticas (no sentido ideológico e, por vezes, partidário) que teóricas. Os cuidados e os
riscos em transpor o conceito das competências, consolidado no contexto do trabalho, para a
educação foi o tema central de um outro trabalho [38]. E, aquelas discussões oriundas da
didática das ciências, predominantemente da escola francesa, agora com a preocupação de
entender melhor as relações com os saberes e os obstáculos à aprendizagem surgem em um
novo trabalho [39].
As discussões deste último são retomadas com mais profundidade em um segundo
trabalho, com maior atenção para os aspectos cognitivos da relação didática [40]. Recorrendo a
autores como J. Gilbert, G. Hourcade e R. Ávila, J.M. Campanário e J. Otero, B. Buckley, J-P.
Astolfi, S. Johsua e outros, as concepções alternativas como obstáculo à aprendizagem são
retomadas sob a noção de objetivo-obstáculo proposta por J-L. Martinand, o que permite
identificar um paradoxo: se os obstáculos à aprendizagem forem tratados isoladamente, corre-se
o risco de enfrentar as representações (caráter mais coletivo) e/ou as concepções (caráter mais
subjetivo) pontualmente, sem que os alunos percebam a manifestação desse mesmo obstáculo
diante de outras situações. Por outro lado, se os obstáculos forem tratados de forma mais global,
não há garantia de que ocorrerá uma transferência dessa aprendizagem em situações
10 Idem nota 9.
15

particulares. Há, na verdade, um “núcleo duro” resistente nesses obstáculos à aprendizagem,


que podem se encontrar no campo lingüístico, lógico e epistemológico. Isso leva a crer que a
identificação das representações/concepções dos alunos não é suficiente para sua superação.
Um tratamento didático desses obstáculos teria, pelo menos, três etapas: a localização, a
confrontação e a superação (no sentido de evitá-lo), sendo que esta última ainda comportaria a
reestruturação de um novo conceito e a automatização de seu uso. Fica claro que estratégias
didáticas com essa perspectiva não poderão se reduzir nem ao campo social unicamente, nem
ao campo cognitivo apenas, mas com a conjunção de ambos. A teoria dos campos conceituais
de G. Vergnaud foi relevante para analisar tais questões.
Posteriormente, esse mesmo trabalho foi apresentado em forma de seminário no
Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica [41], inaugurando a
apresentação de seminários pelos alunos do programa, o que se tornou uma prática comum
algum tempo depois [http://www.ppgect.ufsc.br/seminariosdisc.html].
Outra atividade relevante para a minha formação ainda no início do doutorado foi a
participação em cursos de capacitação (formação continuada) para professores da rede pública
de ensino de Santa Catarina [42,43]. Essas oportunidades permitiram não só levar aos
professores minhas recentes pesquisas como também verificar se alguma mudança no cenário
encontrado durante o mestrado havia ocorrido. Um fato curioso é que em 2003 eu ainda estava
em contato com a sala de aula como professor de física e tive a oportunidade de ter alunos com
deficiência auditiva e visual pela primeira vez. Essa situação nova me fez ver o quanto ainda
tinha para aprender! Posteriormente, produzi um trabalho para congresso com duas alunas já da
graduação particularmente interessadas nesse tema [44].

III. Atuação profissional no ensino superior e o pós-doutorado

Em 2004 inicio uma nova experiência profissional como docente do Curso de


Licenciatura em Física da Universidade Católica de Brasília [45]. Este curso nasceu com sua
identidade bem definida: licenciatura. Isso faz com que todos os docentes tenham claramente
em vista que estão formando futuros professores de física e suas escolhas e estratégias
didáticas apontam nessa direção. Isso é assumido em seu Projeto Pedagógico, o qual passou
por uma reformulação sob minha responsabilidade em 2006 [disponível em www.fisica.ucb.br]. O
que pareceu um desafio arriscado no início, ao assumir uma carga didática elevada,
transformou-se em catalisador das minhas pesquisas para a elaboração da tese, pois não
16

apenas eu avançava na pesquisa teórica como tinha a oportunidade de atuar na formação de


professores. Era a possibilidade de um retorno em tempo real.
As chamadas Disciplinas de Formação Pedagógica presentes na grade curricular do
curso se subdividem em Disciplinas Gerais (Psicologia Aplicada à Educação, Organização da
Educação no Brasil, Didática) e Disciplinas Integradoras da Licenciatura em Física (Prática de
Ensino de Física I, II e III, Estratégias de Ensino de Física e Produção de Materiais Didáticos I e
II, Evolução dos Conceitos da Física)11. O regime é semestral. Durante os anos de 2004, 2005 e
2006 trabalhei em todos os semestres com as disciplinas Prática de Ensino de Física I e III e
Estratégias de Ensino de Física e Produção de Materiais Didáticos II. De modo alternado,
trabalhei também com as disciplinas Evolução dos Conceitos da Física, Mecânica I,
Eletromagnetismo I e Física Geral.
Atuar nas disciplinas de conteúdos específicos foi uma experiência particularmente
interessante, pois era possível verificar agora as dificuldades dos alunos em um outro nível de
ensino e também de por à prova os instrumentos didáticos de análise e reflexão das práticas
docentes, os quais tanta falta tinham feito no início da minha atuação no ensino médio. A
disciplina Física Geral merece um rápido comentário. Esta disciplina é do curso de Licenciatura
em Matemática e, por minha sugestão, substituiu a disciplina Mecânica I. Muito rapidamente eu
verifiquei que não tinha sentido para os futuros professores de matemática envidar esforços em
uma disciplina que tinha uma seqüência (e, portanto, um sentido) no curso de física, mas não no
de matemática. Assim, sugeri que fosse oferecida aos alunos da matemática uma disciplina que
tratasse dos grandes princípios da mecânica e da termodinâmica, inclusive com aulas de
laboratório didático. Todavia, um desafio a ser enfrentado é que não havia um manual para essa
nova disciplina, embora os assuntos se encontrassem em vários livros. Foi uma oportunidade de
mostrar para os meus alunos, principalmente, que era possível partir para uma mudança na
abordagem e na seqüência dos conteúdos e não havia necessidade de um “livro didático” pronto
e fechado.
As três disciplinas de Prática de Ensino e as duas de Estratégia de Ensino estão
interligadas de modo a permitir que novos temas sejam tratados em cada uma, mas, ao mesmo
tempo, alguns temas centrais, como concepções alternativas, resolução de problemas, CTS, são
retomados. Em Prática de Ensino I, têm lugar os documentos oficiais do MEC e do Distrito
Federal, a noção de transposição didática, a noção de contrato didático, análise crítica de livros
didáticos e investigação da realidade escolar por meio de visitas e/ou pesquisa. Em Prática II
ocorre fundamentalmente a elaboração de um conjunto de aulas a serem ministradas durante o
11 Há ainda as Disciplinas de Formação em Instrumentação e Computação que têm grande ênfase no ensino.
17

Estágio Supervisionado, além das discussões metodológicas. A disciplina Prática III consiste,
principalmente, na problematização das práticas educacionais desenvolvidas pelos alunos nas
escolas e a proposição e análise de inovações didáticas. Nessa disciplina os alunos estão
concluindo o curso e, além de serem discutidas algumas bibliografias que os auxiliem nas
problematizações e análises, ocorre a elaboração e aplicação de um projeto de ensino,
obrigatoriamente diferenciado, em uma escola pública do Distrito Federal, em conjunto com o
professor titular da disciplina, o que implica um trabalho de colaboração e previamente acordado.
Na disciplina Estratégia de Ensino de Física I são discutidos os principais projetos de
ensino e seus pressupostos teóricos e metodológicos, além de temas como: história da física e
seu ensino, linguagem e ensino das ciências, CTS, modelização, concepções alternativas e
mudanças conceituais, uso de experimento didático, vídeos e imagens. Em Estratégia de Ensino
II são retomados alguns temas, como alfabetização científica e tecnológica e CTS, concepções
alternativas, modelização, resolução de problemas, laboratório didático. Todavia, a ênfase agora
é nos aspectos metodológicos, pois os alunos terão que elaborar um material didático sobre
determinado assunto da física do nível médio ou fundamental e apresentar na forma de
seminário. Esses materiais elaborados poderão ser utilizados na disciplina Prática de Ensino II
e/ou III. Os matérias didáticos produzidos são semelhantes aos disponíveis no site do LaPEF ou
da disciplina Metodologia de Ensino da UFSC [www.ced.ufsc.br/men5185].
Uma das atividades realizadas na disciplina Prática de Ensino I merece destaque. Trata-
se da observação, coleta e análise de dados do contexto escolar. Inicialmente, esta atividade
consistia de visitas guiadas a escolas públicas e particulares. Já no semestre seguinte, como
docente desta disciplina, resolvi implementar uma nova estratégia. O objetivo era sistematizar a
observação e coleta de dados por meio de um instrumento de pesquisa (entrevistas, gravação,
filmagem etc.) e orientar a análise em alguns temas, a fim de superar uma visão superficial 12 e
colocar em questão algumas representações acerca da escola e do ensino da física presentes
nos alunos. Em 2005 essa mudança foi implantada na disciplina e os resultados rapidamente se
mostraram satisfatórios e mudaram consideravelmente o discurso dos alunos. A pesquisa era
dirigida a alunos do nível médio ou fundamental ou aos professores, alternando-se a cada
semestre. Alguns alunos se mostraram interessados em prosseguir tais investigações e isso
resultou em um trabalho para congresso [46] e um artigo [47], disponível no site da Revista
Brasileira de Ensino de Física [http://www.sbfisica.org.br/rbef/pdf/060908.pdf].
Nesses dois trabalhos, particularmente no artigo, tanto a metodologia empregada como
a análise dos dados é ampliada e aprofundada. Do ponto de vista metodológico, trata-se de um
12 Todas as Disciplinas Integradoras da Licenciatura em Física têm uma carga horária extra-classe.
18

estudo exploratório (A.Triviños)13, cujo objetivo é não apenas levantar os problemas, mas
construir um cenário e transformá-lo em objeto de investigação. Assim, foram elaborados
questionários a serem aplicados aos alunos do ensino médio e, posteriormente, uma conversa
coletiva com cada turma de alunos era dirigida, a fim de verificar se no grupo apareceria alguma
informação ausente nas respostas ou se haveria tendências a mudanças e/ou oscilações de
posições dos respondentes. No caso do artigo, do cenário explorado foram eleitos três temas
para aprofundamento teórico: a relação entre a física e a tecnologia, a física e a matemática e a
física e o cotidiano.
Na disciplina Prática de Ensino III também foi possível desenvolver algumas
experiências que merecem destaque. Esta disciplina, freqüentemente, tem turmas pequenas (a
maior teve 16 alunos) e é realizada, preferencialmente, em uma única escola, a fim de facilitar o
andamento das atividades. Consiste na aplicação e análise de um projeto de ensino elaborado a
partir da necessidade da escola ou por sugestão dos licenciandos. As primeiras aulas acontecem
na escola, em conjunto com os professores que aceitam participar do projeto, pois se exige deles
acompanhamento e o objetivo é a parceria. Na universidade, depois de definidos os horários,
número de aulas disponíveis e os temas/assuntos, inicia-se a elaboração do projeto.
Paralelamente a isso, há discussões de pesquisas da área (artigos, livros) que podem auxiliar
nos projetos, pois a dinâmica interna da disciplina prevê Seminários de Pesquisa, nos quais cada
um dos alunos se responsabiliza por um autor, tema ou assunto. Entre 2004 e 2006 foram
desenvolvidas atividades como: elaboração de seqüência didática a partir de filmes, de
experimentos, de notícias de jornais, de eletrodomésticos (ventilador, liquidificador, chuveiro etc.)
e resultaram em alguns trabalhos apresentados em congressos [48,49]. Este último com a
participação da professora da escola, cujo tema foi poluição sonora e o ensino da acústica. Mas,
abordou também a relação entre a teoria discutida na Universidade e a prática profissional.
Essa disciplina difere substancialmente da Prática de Ensino II, que trata do Estágio
Supervisionado no sentido mais usual das licenciaturas. Em Prática III, além da implementação
de um projeto de ensino obrigatoriamente diferenciado, daí a necessidade da concordância do
titular da disciplina, exige-se uma análise crítica da prática com maior atenção para os alunos.
Assim, uma estratégia que se mostrou eficiente foi o trabalho em duplas. Ou seja, os
licenciandos desenvolvem suas atividades e atuam em duplas na sala de aula, o que permite
melhor gerenciamento da situação e maior atenção aos alunos. Embora isso possa parecer
distanciar-se da realidade que irão enfrentar depois, nesse momento o objetivo é a elaboração,

13 Triviños, A. N. S.. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo:
Atlas, 1987.
19

aplicação e, especialmente, a análise da prática. Daí a importância da coleta de um número


maior de dados. Além disso, nos dois últimos semestres eu comecei a receber os alunos que
haviam feito o estudo exploratório na disciplina Prática de Ensino I. Em uma análise ainda inicial,
pude perceber que suas representações e concepções acerca do ensino e do contexto escolar
são mais pontuais e há uma crítica mais dirigida à atuação do professor e de suas escolhas
didáticas, o que antes não se via e os problemas educacionais eram freqüentemente dispersos e
visavam a encontrar tão somente um “culpado”, o que acabava por inibir ações buscando
mudanças.
As orientações dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) e de Iniciação Científica
também resultaram em apresentações em congressos [50,51,52] e artigo [53]. Era uma forma de
incentivar os alunos a aprofundarem suas pesquisas e participarem de congressos, a fim de
tomarem contato com as pesquisas da área. Os trabalhos elaborados sob minha orientação
abordaram temas como: resolução de problemas, ensino da tecnologia, metodologia
problematizadora, concepções alternativas, ensino de elementos de eletrônica e física moderna,
análise de livros didáticos e uso da história no ensino da física. Alguns destes trabalhos já estão
disponíveis em [www.física.ucb.br]. A grande maioria dos TCC resultou de aplicações de
seqüências didáticas em sala de aula, acompanhados de análise e abordagem teórica.
Em 2004, o Curso de Física da Universidade Católica de Brasília foi contemplado com
recursos da FINEP, via edital universal (ref. 3647/04, no valor de R$ 137 mil), para oferecer um
curso aos professores do ensino médio, cujo objetivo principal era elaborar materiais didáticos a
partir de atividades experimentais, que ocorreu em 2006. O projeto 14 previa um conjunto de
aulas realizadas, na maioria, aos sábados na Universidade, a entrega a cada um dos
participantes de uma “maleta” com vários equipamentos, que poderiam ser explorados
experimentalmente, e um conjunto de equipamentos para as escolas parceiras no projeto
(incluindo-se Telescópio e Gerador de Van de Graaff, além de equipamentos mais simples).
Pretendia-se ainda discutir o uso didático de tais equipamentos e experimentos, a fim de explorá-
los em toda sua potencialidade problematizadora com os alunos. Essa interação entre a
Universidade e os professores foi uma experiência profissional relevante e permitiu aprofundar
as parcerias entre o curso de física e as escolas durante as atividades de Estágio
Supervisionado. A conclusão do curso previa uma monografia, a qual abordaria uma análise
crítica da aplicação em sala de, pelo menos, um dos equipamentos e/ou experimentos

14 A carga horária do curso foi de 180 horas e contou com a participação de 30 professores e a parceria de 5
escolas do Distrito Federal (alguns ex-alunos acompanharam o curso como “especiais”, mas não havia previsão
orçamentária para dar-lhes as “maletas”).
20

trabalhados durante o curso (mais detalhes encontram-se disponíveis em


[http://www.projetoexperiment.ucb.br]). Os resultados parciais desse projeto foram apresentados
em um congresso [54].
Aliado a essas atividades, participei de alguns programas de televisão e seminários para
discutir o contexto da reforma e os pressupostos dos PCN e das DCNEM [55,56] e ainda em
2004 fui convidado pelo Ministério da Educação a compor o grupo de trabalho que iria fazer uma
análise crítica dos PCN e PCN+ e, se necessário, elaborar novas orientações [57]. O ganho
profissional e pessoal com minha participação nesse projeto (Projeto UNESCO 9141065) foi
muito grande, pois se tratava de um dos principais temas de pesquisa que havia ocupado minha
atenção e me permitiu conversar e discutir tais propostas com professores e equipes técnicas de
várias partes do Brasil, durante os seminários regionais [58,59,60,61]. Assim, foi possível
perceber a dimensão de uma proposta curricular para o Brasil e verificar as semelhanças e
diferenças entre as várias regiões e estados brasileiros, bem como suas dificuldades e iniciativas
na prática educacional. Muitas conversas se prolongaram posteriormente via Internet. Além
disso, era possível acompanhar o que as outras áreas estavam discutindo em relação ao ensino
das suas disciplinas. Nesses seminários, as discussões eram balizadas, em princípio, por uma
versão preliminar das novas orientações [http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/08Fisica.pdf].
No primeiro semestre de 2006 o MEC finalizou a edição das Orientações Curriculares
para o Ensino Médio. Todavia, tendo em vista que a versão original havia sido sensivelmente
modificada e que a continuidade do processo tomava rumos, a meu ver, equivocados, decidi me
retirar da equipe. Para a elaboração da versão final eu havia pedido o auxílio de dois outros
colegas (José Francisco Custódio e Mikael Frank Rezende Junior), que acabaram se retirando
da equipe também. Recentemente, elaboramos um artigo encaminhado à Revista Brasileira de
Ensino de Física no qual resgatamos uma parte da versão original da proposta que foi suprimida
na versão oficial [62]. Durante os seminários regionais, aproveitei a oportunidade para entrevistar
alguns professores (biologia, física, matemática e química) a respeito de sua compreensão e
iniciativas em relação à tecnologia como objeto de ensino. Desses dados resultaram um trabalho
para congresso [63] e um artigo publicado na Revista Brasileira de Ensino de Física [64].
Nesses trabalhos, em especial no artigo, mostramos que a concepção predominante
entre os professores acerca do ensino da tecnologia se refere ao uso de equipamentos como
recursos instrucionais, como ciência aplicada ou como justificativa do ensino das ciências. Antes
disso, evidenciamos a necessidade de construir um modelo epistemológico para a tecnologia e
de assumi-la como uma referência dos saberes escolares. M. Bunge, H. Lacey, D. Gentner e A.
21

Stevens, J. Gilbert, G. Utges, F. Cajas, M. Caillot e G. Fourez são alguns dos autores presentes
nesses trabalhos.
Em janeiro de 2007 iniciei um estágio pós-doutoral de um ano, com bolsa da CAPES
[65], na Université Paris 7 – Denis Diderot, no REHSEIS [www.rehseis.cnrs.fr], sob a supervisão
do Prof. Dr. Michel Paty, com o projeto intitulado “A História e a Filosofia da Ciência na
Formação Inicial de Professores de Física: a didatização dos saberes escolares à prova”. Trata-
se, por assim dizer, de uma segunda etapa da minha formação profissional, pois até então minha
atenção estava voltada, predominantemente, para as didáticas específicas, em seus aspectos
psicológicos, praxiológicos e epistemológicos. Agora pretendo enfrentar a resistência a
mudanças dos professores em suas concepções e representações acerca da ciência e do ensino
da ciência a partir de análises histórico-filosóficas. Mais precisamente, neste momento, quero
investigar o papel que a história e a filosofia da física podem desempenhar na formação dos
professores. Todavia, não se trata de reduzir o emprego da filosofia e história da física para
resolver dificuldades de aprendizagem. A expectativa é compreender melhor o contexto interno
da produção e justificação das teorias físicas. Além disso, a compreensão da relação entre a
teoria e a realidade, o papel da matemática na física, para além de simples linguagem de
comunicação, e a apropriação da matéria pelo pensamento são alguns dos principais temas de
interesse. O período histórico investigado é o século XVIII, mais precisamente a construção da
mecânica por d´Alembert, Euler, Lagrange, entre outros. O estado atual da pesquisa está bem
adiantado e há um grande número de arquivos e leituras acumuladas que podem se transformar
nos próximos meses em alguns trabalhos. No presente momento, dois artigos estão em fase
final de elaboração. Um trata da reconstrução conceitual da mecânica newtoniana no continente,
pelas mãos de Varignon, Euler, d´Alembert e Lagrange. O outro trata da relação entre a física e
a matemática nesse período, em que o cálculo diferencial e integral se consolida como a forma
de pensar a física, ou seja, a consolidação da análise, em especial, nos trabalhos de Lagrange.
Um trabalho já foi apresentado em congresso [66].
Durante esse período aqui na França procurei também estabelecer alguns contatos com
expectativas de colaborações futuras. Até o presente momento, os contatos mais promissores
foram com o Prof. Dr. J-L. Martinand, ENS – Cachan – França, [www.stef.ens-cachan.fr], com o
Prof. M. Ghins, Centre de Philosophie des Sciences, Université Catholique de Louvain – Bélgica
[www.lofs.ucl.ac.be], com o Prof. G. Fourez, aposentado da Université de Namur – Bélgica e
Prof. Barbara Dufour, do Centre Interfaces – Université de Namur
[www.fundp.ac.be/universite/asbl/interfaces]. Tenho ainda a expectativa de construir algum
contato com pesquisadores da Université de Genéve, Suíça.
22

IV. Expectativas de pesquisas (síntese)

Para mim, é difícil separar a docência da pesquisa, no sentido de questionamento,


investigação, ainda que se possa discutir quão sistemática será esta última; nesse caso poder-
se-ia diferenciar. Todavia, para efeitos explicativos, vou dividir minhas expectativas de pesquisa
em dois grupos: aquelas associadas à docência, notadamente à graduação, ou seja, o que eu
vejo como relevante neste momento trabalhar com os futuros professores. E aquelas referentes
a projetos de pesquisa que podem ter a participação de discentes ou não, incluindo-se aí meus
interesses pessoais de investigação. Mas, certamente, há interferências e intersecções. Vale
ressaltar que tais análises partem do contexto atual. Na USP o contexto será outro, portanto, vou
apresentar as idéias centrais.
Para o primeiro grupo, fica claro que não se pode ensinar tudo aos alunos. Ainda que se
possa trabalhar com os temas propostos nas ementas e oferecer a eles bons elementos teóricos
e metodológicos para o exercício da profissão, haverá uma parcela de variáveis que eles
encontrarão na sala de aula que ficará sub-representada ou mesmo ausente na formação
inicial15. Assim, considero que além dessas discussões, a grande ênfase seria o que se vem
chamando na literatura de prática reflexiva16. Ou seja, transformar a prática profissional em
objeto de investigação, o que implica construir novos saberes e assegurar a reflexão a respeito
das experiências. Isso demanda, entre outras coisas, superar a noção de experiência como
acúmulo de realizações e rever as representações construídas tanto subjetivamente quanto nas
experiências compartilhadas e que acabam se tornando obstáculos para inovações ou
mudanças17. Todavia, isso não é fácil, pois de um modo ou de outro, essas representações
construídas ao longo da atividade profissional garantem uma certa sobrevivência no ambiente
escolar, embora os resultados possam ser questionados. A pergunta que se mostra é: a
compreensão da natureza dos saberes profissionais do professor poderia auxiliar na superação
de algumas representações consolidadas que se opõem à revisão das práticas educacionais
presentes nas escolas?
A tendência é de responder afirmativamente a essa pergunta. No entanto, é preciso não
cair na armadilha do empirismo: fazer pesquisa é observar e só se pode observar o que está ao

15 Destaco, por exemplo: Astolfi, J-P. L´école pour apprendre. France: ESF Editeur, 2007.
16 Por exemplo, Tardif, M.. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002. Perrenoud, P.. A
prática reflexiva no ofício de professor: profissionalização e razão pedagógica. Porto Alegre: Artes Médicas Sul,
2002. Meirieu, P..Aprender... sim, mas como? Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
17 Cito, por exemplo: Develay, M.. Donner du sens à l´école. France: ESF Editeur, 2007. Giordan, A.. Apprendre!

Paris: Belin, 1999.


23

nosso alcance. Isso consiste em um falso pressuposto filosófico de que conhecer é observar. É
aqui que entra a importância dos saberes teóricos na formação do professor, ou ainda os tais
instrumentos didáticos para a análise e a reflexão das práticas docentes, mencionados no início.
Esses saberes possibilitam “equipar o olhar e a reflexão sobre a realidade”{?}, segundo P.
Perrenoud18, e, continua o autor, “essas experiências produzirão aprendizagens se estiverem
estruturadas em conceitos e vinculadas a saberes que a tornem inteligíveis” {?} 19. De modo
simplificado, o Esquema 01 a seguir pode dar uma idéia das múltiplas variáveis que se
apresentam em uma relação didática e que podem ser objetos de investigação e análise.

Esquema 01
Uma relação didática comporta um contrato didático20 e está inserida em um contexto
ainda mais complexo, cujas tensões e interesses nem sempre convergem. Mesmo entre os três
atores privilegiados no esquema acima, aluno, professor e saber, há mais variáveis. Os
professores com suas representações e concepções, o aluno em suas relações aluno-classe e
sua individualidade no sentido psicológico, e o saber, fruto de um processo de didatização, o
qual não ocorre sem um jogo de tensões e transformações, configurando-se em um novo saber
se comparado as suas referências. Mesmo estas, não é certo que são completamente
conhecidas. O Esquema 01 destaca tão somente algumas relações e interações que
predominam em um domínio ou outro. Assim, na relação entre professor e saber, destaca-se a
elaboração de conteúdos e metodologias; na relação entre professor e aluno, a interação
didático-pedagógica; na relação aluno saber, as estratégias de aprendizagem. Mas, tais
diferenciações são meras objetivações para a pesquisa e análise. Se uma for privilegiada, as
demais ficam a descoberto. No centro da relação didática se encontram as Situações de
Aprendizagem (SA), estas que estarão à mercê das escolhas do professor, predominantemente,

18 Idem, p.17 {?}.


19 Idem, p.52 {?}.
20 Na concepção de G. Brousseau, isto é, um conjunto de regras implícitas e explícitas entre professor, aluno/alunos

e o saber a ensinar.
24

e constituem a ação mediadora das relações entre os principais atores privilegiados no


Esquema. Nesse caso, parece claro que as situações de aprendizagem seriam um dos principais
elementos das práticas educacionais dos futuros professores, por exemplo, nos estágios.
Entretanto, vale a ênfase de que elas se encontram no interior da relação didática, não fora dela,
embora não estejam isentas de influências.
As pesquisas em ensino, ou ainda as didáticas específicas, tratam, sob distintos
pressupostos e abordagens, do conjunto de variáveis, implícitas ou explícitas, indicadas no
Esquema 01. É relevante, todavia, que os licenciandos, principalmente, entendam que não se
pode dar conta de todas elas ao mesmo tempo e que a relação entre teoria e prática não é a de
aplicar aquela nesta. A teoria serve, antes de tudo, para iluminar a prática, trazer
esclarecimentos a respeito dela e possibilitar a análise crítica e, se necessário, mudar a prática.
De outra forma seria só esperar até achar a teoria ideal e aplicá-la. Tudo se resolveria! Se essa
relação entre teoria e prática não for compreendida, o velho discurso “bonito na teoria, mas na
prática não funciona” ocupa lugar em toda a tentativa de inovação ou mudança e, mais grave,
torna-se obstáculo a estas. Trata-se de uma relação dialética, pois ao mesmo tempo em que as
didáticas específicas podem oferecer alternativas, orientações, metodologias, esclarecimentos,
não resolvem todos os problemas de uma vez, até porque alguns deles ultrapassam a sala de
aula ou mesmo os muros escolares.
Em minhas atividades com os alunos de Prática de Ensino III, essa perspectiva era
sempre colocada de modo claro, pois eles viam os resultados positivos das inovações que
implementavam na sala de aula, tanto nesta disciplina quanto em Prática II. Além disso, algumas
turmas já vinham daquele trabalho do estudo exploratório em Prática I. Entretanto, isso era
possível naquele contexto em que o acompanhamento constante era possível. Em um contexto
em que isso não seja aplicável a recorrência a pesquisas com resultados empíricos relevantes e
bem discutidos pode indicar a potencialidade das estratégias didáticas adotadas.
No entanto, é preciso considerar que a escola, em sua estrutura atual, e mesmo os
alunos, impõem uma certa rotinização das práticas docentes. Ao contrato didático mencionado
anteriormente acrescente-se um contrato de trabalho, um contrato político entre escola e
sistemas reguladores e assim por diante. Parece que os alunos não acreditam mais que alguma
coisa da escola lhes será útil e em meio às dúvidas acabam pedindo para o professor algo como:
que fórmula eu aplico para resolver isso? É como se eles soubessem que não vão entender
mesmo e aí só querem se livrar da situação da forma mais fácil. As situações de aprendizagem
diferenciadas poderiam dar outro rumo para essas concepções e essa visão burocrática da
escola seria superada. A escola com imposições programáticas e a pulverização de um grande
25

número de disciplinas com poucas horas também acaba impondo uma rotina. Diante desse
quadro a proposta para os licenciandos é oferecer instrumentos para auxiliá-los em possíveis
reorientações, mudanças e inovações. Se tensões externas os impedem, então é possível que a
disputa esteja fora do campo didático.
As ementas dos cursos de Prática de Ensino de Física e/ou Metodologia de Ensino de
Física expressam, em certa medida, o que as pesquisas em ensino têm transformado em objeto
de investigação. Além dos instrumentos didáticos apresentados no início e que já constavam em
minha dissertação de mestrado, novos foram sendo acrescentados na medida em que venho
conhecendo, por um lado, as dificuldades e as possibilidades dos professores por meio das
várias atividades desenvolvidas nos últimos anos e, por outro lado, pela pesquisa propriamente
dita. A influência de autores britânicos, americanos e espanhóis nas pesquisas em educação
geral e em ensino é bem conhecida. Na área, bastaria citar como exemplo os trabalhos sobre
concepções alternativas, modelos mentais, relação entre epistemologia e ensino, história e
ensino, currículo, resolução de problemas, enfoque CTS, diferentes abordagens da
experimentação, as representações sociais e assim por diante.
A didática francesa21 tem oferecido trabalhos relevantes para a área e que merecem
destaque, tais como: noção de contrato didático, noção de transposição didática, práticas sociais
de referência, modelização, obstáculos epistemológicos, obstáculos pedagógicos, concepções
alternativas, teoria dos campos conceituais, situações-problema22, o papel do erro no ensino23,
alfabetização científica e tecnológica, currículo por competências, a relação didática, a noção de
objetivo-obstáculo e outros mais. A análise de discurso também tem ramificações na área de
ensino atualmente, mas sua inserção se deu via estudos da lingüística. Durante meu estágio
pós-doutoral em Paris, paralelamente à minha pesquisa, tenho me preocupado em buscar
trabalhos que possam ser relevantes para o cenário educacional brasileiro, por isso a ênfase em
referências francesas.
Assim, por exemplo, há um número especial da Revista Aster, de 1986 (n.23), que trata
da questão do ensino da tecnologia. Essa discussão ainda está praticamente ausente do cenário
brasileiro e, no entanto, parece pertinente, haja vista os resultados apresentados em trabalhos
meus já citados. Nessa mesma direção, a história das técnicas e das tecnologias e o estudo
epistemológico do artificial podem trazer esclarecimentos para a questão do ensino da
tecnologia.

21 Refiro-me, a rigor, aos países de língua francesa.


22 Por exemplo: Vecchi, G.; Carmona-Magnaldi, N.. Faire vivre de véritables situations-problèmes. Paris: Hachette,
2002. Vecchi, G.. Enseigner l´experimental en classe. Paris: Hachette, 2006.
23 Destaco: Astolfi, J-P.. L´erreur, un outil pour enseigner. France: ESF Editeur, 2006.
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Recentemente, G. Fourez e B. Dufour, do Centro Interfaces já citado, elaboraram uma


descrição e análise de trabalhos realizados em sala de aula na perspectiva de um ensino por
competências, na Bélgica e em Luxemburgo24. Ao contrário, as propostas oficiais oriundas da
LDB/96, notadamente, as DCNEM e os PCN e PCN+, sugerem um currículo estruturado por
competências, mas não se avançou nessa direção e, talvez, uma oportunidade de estabelecer
novos objetivos para a escola tenha sido perdida, ou, ao menos, postergada.
A respeito das minhas intenções de pesquisa, vou registrar apenas os temas centrais e
apontar suas potencialidades, não que eu vá me ocupar sistematicamente de todos eles. O
aprofundamento de alguns dos assuntos apresentados a seguir será objeto de projetos de
pesquisa mais específicos. São temas que eu reivindico alguma familiaridade ou que já fazem
parte de projetos em desenvolvimento. Creio que ficará claro que dessas idéias centrais outras
podem assumir status de pesquisa sistemática.
Os estudos exploratórios feitos com os alunos da graduação, conforme mencionei
anteriormente, parece-me uma estratégia relevante e merece continuidade, tanto como
discussão dos resultados, como do ponto de vista metodológico, porque a intenção de estudos
dessa natureza é também fazer surgir questões de pesquisas futuras. Nesse sentido, vale
destacar a necessidade de inovações metodológicas na área de ensino. Penso que alguns
passos estão sendo dados, conforme mostra, por exemplo, a realização em 2007 do VI Simpósio
de Pesquisa Qualitativa: fazendo metodologias, organizado pela FURG e pela UFPel. O subtítulo
parece ser mais relevante que o título. Aspectos metodológicos bem orientados podem resultar
em trabalhos relevantes para a área.
A tecnologia como referência dos saberes escolares, também objeto de alguns trabalhos
já mencionados, tem se mostrado como uma necessidade no cenário atual. As iniciativas no
campo da educação CTS ou da alfabetização científica e tecnológica ainda têm forte tendência
para as ciências e a tecnologia permanece sub-representada. Por outro lado, cada vez mais a
tecnologia é utilizada como justificativa para o ensino das ciências, ou como contexto privilegiado
de aplicabilidade. O reconhecimento da tecnologia como área produtora de saberes e, por
conseguinte, fonte em potencial de saberes a ensinar ainda é tímido na área de ensino. As
entrevistas realizadas com os professores (biologia, física, matemática e química) mostram sua
pouca familiaridade com o tema [50,52,53,64]. Nessa direção, investigações no campo da
história da tecnologia e/ou de modelos epistemológicos específicos podem prosperar 25; além de

24Fourez, G. et all. (org.). Des competences négligées par l´école. Bruxelles: Couleur Livres, 2006.
25 Cito os seguintes livros: Jacomy, B.. Une histoire des techniques.{?} Éditions du Seuil, 2002. Simon, H.. Les
sciences de l´artificiel.{?} Gallimard, 2004.
27

possíveis inovações didáticas em sala de aula. No presente momento meu exemplo de projeto já
aplicado foi um TCC orientado a respeito do ensino de elementos de eletrônica no nível médio,
com perspectivas para a inserção da física moderna e contemporânea nos programas escolares.
Tratava-se da construção de um alarme residencial com os alunos.
Os processos pelos quais passam os saberes de referência até chegarem nos
programas escolares também ocupam minha atenção. Os estudos desse processo de
didatização ganharam força a partir da noção de transposição didática elaborada por Y.
Chevallard26 para as matemáticas. Desde então uma outra questão que se põe é se tal modelo
poderia ser transposto para as demais disciplinas. M. Caillot27 é um dos críticos a essa
transversalidade. Em minha tese apresento também algumas críticas à noção de transposição
didática de Chevallard. Todavia, após as “denúncias” feitas por Chevallard nosso olhar para os
saberes a ensinar não pode mais ser o mesmo, especialmente quando afirma que a noção de
transposição didática possibilita “tomar distância, interrogar as evidências, por em questão as
idéias simples, desprender-se da familiaridade enganosa de seu objeto de estudo” (p.16). E,
mais adiante, alerta que os saberes escolares não são apenas simplificações de um saber de um
nível mais elevado, mas passam por modificações e são organizados de modo a estarem aptos
a serem transmitidos: “o saber produzido pela transposição didática será, portanto, um saber
exilado de suas origens e separado de sua produção histórica na esfera do saber sábio,
legitimando-se em saber ensinado como algo que não é de nenhum tempo nem de nenhum
lugar e não se legitimando mediante o recurso da autoridade de um produtor, qualquer que seja”
(p.18). Essas questões, entre outras, foram o motor da minha vinda para o estágio pós-doutoral,
pois penso que ao entender um pouco mais a história da ciência será possível interrogar as
evidências e compreender o exílio epistemológico dos saberes escolares.
O estudo desses processos possibilita evidenciar que os saberes escolares não se
legitimam por si mesmos e que a relação com a ciência que lhes deram origem não são
suficientes para sua legitimação no programa escolar. Haveria a necessidade de uma
legitimação cultural além da epistemológica, já que se trata de um novo saber. Além disso,
outros aspectos entram em cena na didatização dos saberes escolares, como os psicológicos e
os pedagógicos. Estes ligados à estrutura escolar e às condições de ensino e aqueles aos
alunos e suas representações e concepções, em sua dimensão cognitiva. Outra questão que se
apresenta é: a física ensinada na escola tem sua origem somente na física dos físicos, isto é, na

26Chevallard, Y.. La transposición didáctica: del saber sabio al saber enseñado. Buenos Aires: Aique, 1991.
27 Caillot, M.. La théorie de la transposition didactique est-elle transposable? In: Raisky, C.; Caillot, M.. Au-delà des
didactiques, le didactique: débats autour des concepts fédérateurs. Bruxelles: De Boecke & Larcier, 1996.
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ciência física? Se sim, isso é suficiente para o projeto social da escola? Se não, quais são as
outras origens e como foi didatizada? O mesmo vale para qualquer outra disciplina escolar.
Compreender essas transformações, modificações e reorganizações dos novos saberes a serem
ensinados torna-se ainda mais relevante na medida em que o professor, via de regra, apresenta-
se como um especialista em sua disciplina, sem ser, freqüentemente, especialista em seu ensino
e, nesse caso, é relutante em trabalhar com referências que lhe pareçam fora de sua
especialidade. É essa familiaridade enganosa que se pretende superar.
O ensino por competências ainda está longe de qualquer consenso, embora seja
discutido há bastante tempo na literatura. No Brasil, é bem pouco trabalhada. Alguns aspectos
se apresentam com grande potencial de pesquisa. Notadamente, a questão da mobilização de
recursos cognitivos em contextos distintos de sua apropriação, uma das defesas das
competências, assume alguns pressupostos que merecem esclarecimentos. Dito de outro modo,
as competências atribuem a si mesmas uma certa transversalidade, mas essa transferência não
é garantida. Ou seja, esperar que o aluno consiga mobilizar recursos de uma situação que lhe
seja familiar para uma situação nova com as mesmas estruturas lógico-formais significa assumir
que a identidade destas seria estímulo suficiente para a extensão, a transferência, dos saberes
apreendidos. Nesse caso, a identidade de estruturas lógico-formais agiria como estímulo e teria
uma realidade psicológica. Nessa mesma direção, a metacognição, como ação de
gerenciamento dos processos cognitivos, torna-se elemento relevante nas investigações nesse
campo. Acrescente-se a isso o papel dos aspectos afetivos na aprendizagem. Se é possível
fazer uma ponte entre tais questões e as teorias dos campos conceituais de G. Vergnoud, por
exemplo, é uma pergunta em aberto. Alguns desses pontos foram abordados em trabalhos
citados anteriormente [39,40,41] e em minha tese. A questão das competências como um
problema de referência dos saberes escolares e a discussão da interdisciplinaridade e da
contextualização sob uma abordagem predominantemente epistemológica ocupam minha
atenção nas pesquisas atuais.
Um último tema de pesquisa que quero destacar é a relação entre a física e a
matemática. Nesse caso, os aspectos históricos da construção das teorias físicas são
fundamentais. No presente momento me ocupo desse assunto em meu estágio pós-doutoral. A
escolha do período que sucede a elaboração da mecânica de Newton até chegar à mecânica
analítica de Lagrange tem se mostrado fértil para esse tipo de investigação, em especial a
utilização do cálculo diferencial e integral na reconstrução conceitual da mecânica no continente
europeu no século XVIII. Destacam-se, nesse período, os trabalhos de Leibniz, Varignon,
d´Alembert, Euler, Lagrange, entre outros. Uma das implicações para o ensino de estudos dessa
29

natureza é a superação do papel da matemática nas ciências para além de mera linguagem de
comunicação e, desse modo, a exploração das representações e concepções epistemológicas
frágeis que atribuem à falta de habilidade matemática dos alunos a principal causa dos
problemas de aprendizagem. Parece claro que esse tema questiona também a relação entre
teoria e realidade ou, ainda, a apropriação da matéria pelo pensamento28.
Finalmente, o pano de fundo de todas as minhas reflexões acerca do ensino das
ciências, em particular da física, traz um questionamento a respeito da educação e do cenário
atual, pois os alunos e nós mesmos estamos sujeitos a uma “educação espontânea”. É nesse
sentido que minhas incursões na filosofia têm me ajudado, assim como a recorrência a autores
que colocam boas questões à escola. Por exemplo, T. Adorno29 afirma que a educação não
conduz à emancipação, no sentido de resistir às influências da autoridade. E, vai mais além,
ressalta que a reflexão e a racionalidade por si mesmas não levam à emancipação, na medida
em que são insuficientes para impedir a barbárie e seu argumento causa um certo desconforto
no momento em que ele destaca: “a exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas
para a educação” (p.119){?}. Pode-se discordar dessas afirmações, mas não creio que seja
prudente ignorá-las. Talvez, suas críticas se tornam mais claras quando, juntamente com M.
Horkheimer, discutem sobre a dialética do esclarecimento30 e a superação da consciência mítica.
Nessa direção, H. Arendt, M. Foucault, K. Kosik, entre outros, oferecem questionamentos
relevantes.
Nesse contexto, a questão de como conciliar a confiança e a recusa da autoridade na
sala de aula parece ser fundamental. Talvez, um caminho seja o professor se apresentar como
alguém que tem o propósito de compreender. Mas, conforme Adorno e Horkheimer “a falsa
clareza é apenas uma outra expressão do mito” (p.14).

28 Cito, por exemplo: Gardies, J_L.. Du mode d´existence des objets de la mathématique. Paris: J. Vrin, 2004. Kosik,
K.. Dialética do concreto. São Paulo: Paz e Terra, 2002. Paty, M.. A matéria roubada. São Paulo: Edusp, 1995.
29 Adorno, T.. Educação e Emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
30 Adorno, T.; Horkheimer, M.. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.

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