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Memorial Circunstanciado
Paris – França
2007
2
Apresentação
Memorial Circunstanciado
Em dezembro 1997 concluí a Licenciatura em Física [1] e o próximo passo era encontrar
emprego. No Paraná não havia previsão de concursos para professores e todas as contratações
eram feitas por contrato temporário e a seleção se dava em cada escola. Para completar a carga
horária máxima permitida (36 horas/aula) teria que fazer o concurso em, pelo menos, três
estabelecimentos, correndo-se o risco de perder parte delas a qualquer momento, pois a
prioridade era dos efetivos. Todavia, para a disciplina de química, observei que havia maior
disponibilidade de vagas, podendo-se preencher a carga horária em uma única escola. Resolvi
fazer o concurso para lecionar química.
Assim, iniciei minha atividade profissional em 1998 [2] como professor de química do
ensino médio no Colégio Estadual Regente Feijó, na cidade de Ponta Grossa, no Paraná, com
doze turmas de alunos, de primeiro, segundo e terceiro anos de Educação Geral e de primeiro e
segundo anos de Técnico em Magistério. Em duas turmas (primeiro e segundo anos) eu
ministrava aulas de física. De fato, eu já havia atuado em sala de aula nos anos de 1995 e 1996
como professor de física, para turmas de oitava série, primeiro e segundo anos em uma escola
privada [2], mas a carga horária era pequena e, por vezes, substituía algum professor.
Nesse contexto, deparei-me com dois desafios: ministrar aulas de química, inclusive em
laboratório e, para o Curso Técnico em Magistério, o programa do segundo semestre previa o
conteúdo de Química Ambiental. As aulas de laboratório eram uma forte recomendação da
direção e da supervisão e, quanto à Química Ambiental, nenhum professor havia trabalhado com
esse assunto antes, porque se tratava de uma mudança para aquele ano. Tais desafios foram
marcantes para minha formação profissional, pois teria que trabalhar com temas novos e fui
impulsionado a estudar e a preparar cada aula, inclusive as de laboratório. Nesse caso em
particular, valeram-me dois anos do curso de Engenharia Agronômica que havia cursado bem
antes de iniciar a Licenciatura em Física, no qual tive cinco disciplinas de química, com muita
ênfase em aulas de laboratório [3]. Essa prática de preparar todas as aulas com antecedência e
estudar o assunto além do nível do livro didático do aluno foi fundamental e a adotei em toda a
minha atuação profissional. Em especial, a “obrigatoriedade” das aulas de laboratório me ajudou
4
Nova reação contrária: isso implica algumas centenas de provas/trabalhos a mais. A “melhor
saída”: todos os alunos têem média sete! Um erro de interpretação levou a um “pacto da
mediocridade”. É certo, entretanto, que houve e há exceções.
Havia grande dificuldade para entender aqueles novos conceitos, tais como:
interdisciplinaridade, contextualização, competências, habilidades, Núcleo Comum, Parte
Diversificada. Ninguém sabia esclarecer minimamente aos professores, ao menos naquele
momento, em relação a isso e se fazia uma enorme confusão entre a LDB/96, as DCNEM e os
PCN. Tudo era atribuído à lei. Era mesmo difícil ter acesso a esses documentos. Eram-nos
dadas partes de um ou de outro documento para a leitura e interpretação.
Nesse mesmo ano começavam a chegar no ensino médio os alunos do chamado Fluxo.
Tratava-se de alunos que estavam fora da série em relação à idade. Assim, eles eram
“acelerados” para as séries seguintes. A heterogeneidade das turmas passou a ser uma questão
difícil de gerenciar. As dificuldades de aprendizagem eram muito grandes e o número de alunos
abaixo da média não era menor. Sem saber claramente como enfrentar tais obstáculos até
então, decidi ministrar voluntariamente “aulas de reforço” aos sábados de manhã na escola. Foi
outra experiência singular, pois pude conhecer melhor as dificuldades dos alunos, uma vez que
era possível um trabalho mais individualizado. Entretanto, eu não sabia como tratar
didaticamente essas dificuldades, embora tenha havido progressos em muitos casos.
Essa falta de instrumentos didáticos1 para enfrentar as questões de ordem prática que
se apresentavam em sala de aula, a chegada das determinações e orientações oficiais (LDB/96,
DCNEM, PCN), aliada à dificuldade de compreender tais documentos, e a realização da
especialização, com uma monografia voltada para uma reflexão da prática docente, constituíram
o cenário que me levou a fazer o mestrado em ensino de ciências.
2 Dialética aqui é entendida como sendo a análise do que não podemos ter certeza.
3 Em 2003 ainda viria a atuar em sala de aula no nível médio em uma escola privada da Grande Florianópolis, mas
como colaborador, sem vínculo empregatício, pois era bolsista de doutorado da CAPES.
4 Parlett, M. & Hamilton, D.. Avaliação como iluminação: uma nova abordagem no estudo de programas inovadores.
In: Messiak, R. G.. et al. (org.). Currículo: análise e debate. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980.
7
afirmou na época que não havia feito nenhuma ação referente à formação continuada porque o
ensino médio não dispunha de uma rubrica com previsão de verbas. Apenas o ensino
fundamental era contemplado. Além disso, foi constatado que nenhum dos professores
entrevistados leu os PCN por inteiro, os poucos que leram, limitaram-se à parte da sua disciplina
e ninguém declarou, por exemplo, como dificuldade para implementação destes documentos na
escola a compreensão de conceitos como competências, habilidades, interdisciplinaridade e
contextualização. Igualmente, ninguém declarou não saber como trabalhar com valores e
atitudes e formar um aluno crítico e autônomo. Ainda que cada um desses temas mereça uma
análise crítica mais profunda, pareceu-me que sequer a dimensão da proposta pretendida era do
conhecimento dos entrevistados. Nem mesmo o fato de haver uma Proposta Curricular do
Estado, em consonância com os PCN, promoveu qualquer mudança efetiva, pois esta também
não era do conhecimento dos professores.
Outro dado da pesquisa foi que a grande maioria dos professores entrevistados pautava
sua opinião acerca dos PCN a partir das mudanças nos livros didáticos, supostamente
atendendo às orientações destes documentos. Assim, não era de se estranhar que a maioria
afirmasse que os PCN “nivelaram por baixo”, nas suas palavras, o ensino médio, pois se tratava,
em alguns casos, de livros em volume único e direcionados a um menor número de aulas
semanais. Isso me levou a fazer uma breve análise dos livros mais citados pelos professores
(biologia, física, matemática e química) e compará-los com as propostas dos PCN. A conclusão
foi que nenhum atendia às orientações oficiais e as “mudanças” eram, na verdade, pequenos
ajustes a novos vocabulários, como alguns que apresentavam ao final um conjunto de
competências e habilidades, ou outros que acrescentaram informações ilustrativas ao final dos
capítulos, cujo título da seção era algo como interdisciplinaridade e contextualização.
No entanto, eu não pretendia encerrar a pesquisa em uma dimensão diagnóstica, mas
busquei apontar direções para o professor que, ao apropriar-se das propostas sugeridas nos
documentos oficiais, estivesse disposto a implementar algumas mudanças em sua prática
docente e também indicar caminhos para a formação inicial e continuada em aproximação com
tais orientações, pois me pareceu logo de início que as possíveis mudanças estariam mais
propensas em partir dos novos profissionais. Além disso, senti a necessidade de ir além da mera
descrição do fenômeno educacional e procurar acrescentar informações às discussões que já
existiam sobre o assunto, inclusive com novos questionamentos.
As questões gerais, nascidas da minha prática profissional e que me levaram ao
mestrado, eram atacadas progressivamente. E, nesse caso, a avaliação era também uma auto-
avaliação, uma vez que eu me identificava na pessoa do entrevistado e, ao mesmo tempo,
8
estava experimentando pela primeira vez o papel de pesquisador. Nesse sentido, foi importante
possuir uma base teórica suficiente para nortear a definição dos objetivos da
avaliação/investigação e a formulação das questões que deram o foco do trabalho. Eu não
pretendia que possíveis generalizações acabassem por negligenciar informações pontuais que
pudessem ser de grande interesse dos sujeitos e instituições que faziam parte do contexto
estudado. Assim, a avaliação iluminativa se mostrou adequada para descrever e interpretar as
(supostas e/ou possíveis) inovações dentro do seu ambiente, pois, conforme Parlett e Hamilton,
ela busca saber como tais inovações operam, como são influenciadas pelas várias situações da
escola e o que os interessados diretamente consideram como vantagem ou desvantagem.
Nessa perspectiva, a avaliação iluminativa se apresenta como uma estratégia de pesquisa, para
além de uma metodologia, e se associa às várias técnicas disponíveis que possam auxiliar a
“iluminar” tanto os pontos relevantes como os pontos críticos em um processo de inovação. É
importante ressaltar sucintamente esse aspecto metodológico da pesquisa, porque os seus
resultados me levaram ao projeto do doutorado.
A mesma pesquisa foi realizada em uma outra escola no Estado do Paraná, mas os
dados obtidos não foram utilizados na dissertação e geraram um artigo publicado no Caderno
Brasileiro de Ensino de Física [10]. Todavia, neste contexto as discussões acerca dos PCN
estavam mais adiantadas, o que não significa que tenham mudado as práticas educacionais, e
os professores já sentiam claramente as dificuldades de compreensão de conceitos centrais
naqueles documentos, como o ensino por competências e habilidades, a interdisciplinaridade e a
contextualização e outros. O que se verificou foi que novos nomes encobriam velhas práticas.
Paralelamente à pesquisa e elaboração da dissertação, eu tomava contato com o que
venho chamando de instrumentos didáticos de análise e reflexão das práticas docentes. Ou seja,
nas disciplinas do mestrado fui também me aproximando das pesquisas em ensino de
ciências/física e de temas como concepções alternativas, modelos mentais, modelização,
transposição didática, contrato didático, alfabetização científica e tecnológica, ilhas de
racionalidade, objetivo-obstáculo, práticas sociais de referência, CTS e aprendizagem centrada
em eventos, resolução de problemas (abertos e fechados), conceitos unificadores, novas
abordagens de laboratório, obstáculos epistemológicos, além de conhecer os principais
epistemólogos, como T. Kuhn, I. Lakatos, L. Fleck, K. Popper, P. Feyerabend, G. Bachelard, G.
Holton, M. Bunge e outros, bem como as pesquisas que relacionavam suas discussões com o
ensino das ciências. O papel da história e da filosofia da ciência no seu ensino também exerceu
forte influência na minha formação. Vale acrescentar minhas incursões na filosofia, onde pude
conhecer filósofos como A. Gramsci, M. Foucault, R. Carnap, C. Hempel, K. Marx, M. Weber, H.
9
se deparar com obstáculos e dificuldades para os quais ainda não dispõe de recursos cognitivos
para superá-los (G. Brousseau; S. Johsua; P. Jonnaert).
Como conseqüência da pesquisa da dissertação e de discussões como a descrita acima,
a elaboração do projeto para o doutorado foi o caminho natural. Em maio de 2002 5 iniciei o
doutorado em Educação Científica e Tecnológica, na Universidade Federal de Santa Catarina,
sob a orientação do Prof. Arden. A tese intitulada “Competências, Interdisciplinaridade e
Contextualização: dos Parâmetros Curriculares Nacionais a uma compreensão para o ensino
das ciências” foi defendida em novembro de 2005 [14]. No doutorado fui bolsista da CAPES
desde o início.
O foco agora era a formação inicial dos professores e o aprofundamento teórico acerca
de temas que surgiram desde a dissertação. A proposta de reforma do ensino médio, em
especial aquelas presentes nos PCN, constituíram-se no pano de fundo de novas questões que
mereciam uma investigação sistemática. Assim, no primeiro capítulo da tese, intitulado “Os
Documentos Oficiais e a Visão de seus Elaboradores”, retomei esses documentos (LDB/96,
DCNEM, Matrizes Curriculares do SAEB, PCN e PCN+) para uma análise mais rigorosa,
buscando encontrar os significados para os conceitos de competências, interdisciplinaridade e
contextualização, principalmente. Além disso, entrevistei6 os autores dos PCN e PCN+, da área
das Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias, para buscar entender as concepções
e compreensões acerca daqueles conceitos que haviam norteado a elaboração dos Parâmetros
Curriculares. No segundo capítulo, intitulado “A Visão dos Formadores”, entrevistei os
professores das disciplinas de Metodologia de Ensino e/ou Prática de Ensino dos cursos de
Licenciatura em Biologia, Física, Matemática e Química, de três universidades públicas (USP,
UFPR e UnB), a fim de conhecer e analisar a opinião e compreensão dos formadores a respeito
dos documentos oficiais, em especial os PCN e PCN+, a forma como trabalhavam, e se
trabalhavam, com estes na formação inicial, e suas compreensões acerca dos conceitos de
competências, interdisciplinaridade e contextualização extraídas dos documentos.
Com isso, foi possível construir um panorama em relação às discussões referentes aos
PCN e PCN+ na graduação e comparar com as intenções e expectativas dos seus autores e,
ainda, com o cenário da escola a partir da pesquisa feita no mestrado. Essa pesquisa foi
fundamental, não só para a tese como para a minha formação profissional, pois pude conversar
com vários professores/formadores e conhecer como se desenvolviam as atividades de
5 Nesse ano o curso iniciou em maio em razão da espera pela aprovação da CAPES, pois passou a ser um
programa independente. Até então era uma das linhas de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Educação
da UFSC.
6 Novamente foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas e a pesquisa teve enfoque qualitativo.
11
formação dos futuros professores em três diferentes instituições. Apenas esses dois capítulos já
ofereceram dados suficientes para dar origem a dois trabalhos em congressos [15,16] e três
artigos [17,18,19]7.
Nos capítulos seguintes parti para um estudo teórico dos temas centrais que nasceram
desse contexto. O capítulo III da tese, intitulado “Competências: a construção de um significado”,
faz a articulação entre o cenário e o estudo conceitual. Apresento e analiso posições
desfavoráveis ou, ao menos, reticentes em assumir um ensino por competências na escola,
como F. Ropé e L. Tanguy; M. N. Ramos, bem como os defensores de sua viabilidade, entre
eles P. Perrenoud e G. Fourez8. Mas, o que fica evidente tanto em um caso como em outro é
que os saberes e as práticas educacionais estão à prova, segundo destacam P. Perrenoud, M.
Tardif, P. Meirieu, além dos já citados acima.
As críticas e análises procedentes da sociologia do trabalho em relação à
institucionalização da noção de competências na escola revelam que não se trata de um efeito
de moda, mas aponta mudanças sociais significativas, em especial na relação de produção e na
relação entre trabalho e escola. Na outra mão, os sociólogos da educação que defendem um
ensino por competências esperam que isso leve à pensar a escola para depois dela, uma vez
que os alunos parecem não acreditar que o sucesso escolar irá prepará-los para o que
(supostamente) esperam encontrar em uma etapa posterior à escola. Nesse caso, a adesão ao
projeto escolar fica fragilizada. Embora as transposições das análises e discussões feitas no
campo sociológico ou filosófico para as didáticas específicas devam ser feitas com o devido
cuidado, não se pode negar a relevância dos questionamentos que fazem à escola e ao ensino.
No capítulo IV, intitulado “Competências: um problema de transposição didática”,
defendo a compreensão do conceito de competências como um problema de referências dos
saberes escolares. O modelo de transposição didática proposto por Y. Chevallard é discutido
criticamente e alguns aspectos cognitivos, ainda frágeis na literatura acerca das competências,
bem como as múltiplas variáveis presentes em uma relação didática são abordados. Autores
como B. Rey, G. Vergnaud, J-P. Astolfi, J-L. Martinand, P. Jonnaert, S. Johsua, M. Caillot, G.
Brousseau, estão presentes. O capítulo V, intitulado “Interdisciplinaridade, Contextualização e
Alfabetização Científica e Tecnológica”, trata dos dois primeiros conceitos no campo
epistemológico e destaca a necessidade de superar falsas compreensões, como a redução da
7 Os três foram encaminhados para a Revista Investigações em Ensino de Ciências. Até o momento da elaboração
deste memorial um já foi aceito, os outros aguardam pareceres, conforme documentos (esta revista acusa o
recebimento do artigo, mas não especifica nominalmente, assim espero que na data do concurso seja possível
informar com mais precisão a condição dos outros dois).
8 Artigos disponíveis em [http://www.fundp.ac.be/institution/autser/interfaces/publications/gerard]
ou [www.sciences.fundp.ac.be/scphilosoc/cethes/stliteracySSS.html].
12
Estágio Supervisionado, além das discussões metodológicas. A disciplina Prática III consiste,
principalmente, na problematização das práticas educacionais desenvolvidas pelos alunos nas
escolas e a proposição e análise de inovações didáticas. Nessa disciplina os alunos estão
concluindo o curso e, além de serem discutidas algumas bibliografias que os auxiliem nas
problematizações e análises, ocorre a elaboração e aplicação de um projeto de ensino,
obrigatoriamente diferenciado, em uma escola pública do Distrito Federal, em conjunto com o
professor titular da disciplina, o que implica um trabalho de colaboração e previamente acordado.
Na disciplina Estratégia de Ensino de Física I são discutidos os principais projetos de
ensino e seus pressupostos teóricos e metodológicos, além de temas como: história da física e
seu ensino, linguagem e ensino das ciências, CTS, modelização, concepções alternativas e
mudanças conceituais, uso de experimento didático, vídeos e imagens. Em Estratégia de Ensino
II são retomados alguns temas, como alfabetização científica e tecnológica e CTS, concepções
alternativas, modelização, resolução de problemas, laboratório didático. Todavia, a ênfase agora
é nos aspectos metodológicos, pois os alunos terão que elaborar um material didático sobre
determinado assunto da física do nível médio ou fundamental e apresentar na forma de
seminário. Esses materiais elaborados poderão ser utilizados na disciplina Prática de Ensino II
e/ou III. Os matérias didáticos produzidos são semelhantes aos disponíveis no site do LaPEF ou
da disciplina Metodologia de Ensino da UFSC [www.ced.ufsc.br/men5185].
Uma das atividades realizadas na disciplina Prática de Ensino I merece destaque. Trata-
se da observação, coleta e análise de dados do contexto escolar. Inicialmente, esta atividade
consistia de visitas guiadas a escolas públicas e particulares. Já no semestre seguinte, como
docente desta disciplina, resolvi implementar uma nova estratégia. O objetivo era sistematizar a
observação e coleta de dados por meio de um instrumento de pesquisa (entrevistas, gravação,
filmagem etc.) e orientar a análise em alguns temas, a fim de superar uma visão superficial 12 e
colocar em questão algumas representações acerca da escola e do ensino da física presentes
nos alunos. Em 2005 essa mudança foi implantada na disciplina e os resultados rapidamente se
mostraram satisfatórios e mudaram consideravelmente o discurso dos alunos. A pesquisa era
dirigida a alunos do nível médio ou fundamental ou aos professores, alternando-se a cada
semestre. Alguns alunos se mostraram interessados em prosseguir tais investigações e isso
resultou em um trabalho para congresso [46] e um artigo [47], disponível no site da Revista
Brasileira de Ensino de Física [http://www.sbfisica.org.br/rbef/pdf/060908.pdf].
Nesses dois trabalhos, particularmente no artigo, tanto a metodologia empregada como
a análise dos dados é ampliada e aprofundada. Do ponto de vista metodológico, trata-se de um
12 Todas as Disciplinas Integradoras da Licenciatura em Física têm uma carga horária extra-classe.
18
estudo exploratório (A.Triviños)13, cujo objetivo é não apenas levantar os problemas, mas
construir um cenário e transformá-lo em objeto de investigação. Assim, foram elaborados
questionários a serem aplicados aos alunos do ensino médio e, posteriormente, uma conversa
coletiva com cada turma de alunos era dirigida, a fim de verificar se no grupo apareceria alguma
informação ausente nas respostas ou se haveria tendências a mudanças e/ou oscilações de
posições dos respondentes. No caso do artigo, do cenário explorado foram eleitos três temas
para aprofundamento teórico: a relação entre a física e a tecnologia, a física e a matemática e a
física e o cotidiano.
Na disciplina Prática de Ensino III também foi possível desenvolver algumas
experiências que merecem destaque. Esta disciplina, freqüentemente, tem turmas pequenas (a
maior teve 16 alunos) e é realizada, preferencialmente, em uma única escola, a fim de facilitar o
andamento das atividades. Consiste na aplicação e análise de um projeto de ensino elaborado a
partir da necessidade da escola ou por sugestão dos licenciandos. As primeiras aulas acontecem
na escola, em conjunto com os professores que aceitam participar do projeto, pois se exige deles
acompanhamento e o objetivo é a parceria. Na universidade, depois de definidos os horários,
número de aulas disponíveis e os temas/assuntos, inicia-se a elaboração do projeto.
Paralelamente a isso, há discussões de pesquisas da área (artigos, livros) que podem auxiliar
nos projetos, pois a dinâmica interna da disciplina prevê Seminários de Pesquisa, nos quais cada
um dos alunos se responsabiliza por um autor, tema ou assunto. Entre 2004 e 2006 foram
desenvolvidas atividades como: elaboração de seqüência didática a partir de filmes, de
experimentos, de notícias de jornais, de eletrodomésticos (ventilador, liquidificador, chuveiro etc.)
e resultaram em alguns trabalhos apresentados em congressos [48,49]. Este último com a
participação da professora da escola, cujo tema foi poluição sonora e o ensino da acústica. Mas,
abordou também a relação entre a teoria discutida na Universidade e a prática profissional.
Essa disciplina difere substancialmente da Prática de Ensino II, que trata do Estágio
Supervisionado no sentido mais usual das licenciaturas. Em Prática III, além da implementação
de um projeto de ensino obrigatoriamente diferenciado, daí a necessidade da concordância do
titular da disciplina, exige-se uma análise crítica da prática com maior atenção para os alunos.
Assim, uma estratégia que se mostrou eficiente foi o trabalho em duplas. Ou seja, os
licenciandos desenvolvem suas atividades e atuam em duplas na sala de aula, o que permite
melhor gerenciamento da situação e maior atenção aos alunos. Embora isso possa parecer
distanciar-se da realidade que irão enfrentar depois, nesse momento o objetivo é a elaboração,
13 Triviños, A. N. S.. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo:
Atlas, 1987.
19
14 A carga horária do curso foi de 180 horas e contou com a participação de 30 professores e a parceria de 5
escolas do Distrito Federal (alguns ex-alunos acompanharam o curso como “especiais”, mas não havia previsão
orçamentária para dar-lhes as “maletas”).
20
Stevens, J. Gilbert, G. Utges, F. Cajas, M. Caillot e G. Fourez são alguns dos autores presentes
nesses trabalhos.
Em janeiro de 2007 iniciei um estágio pós-doutoral de um ano, com bolsa da CAPES
[65], na Université Paris 7 – Denis Diderot, no REHSEIS [www.rehseis.cnrs.fr], sob a supervisão
do Prof. Dr. Michel Paty, com o projeto intitulado “A História e a Filosofia da Ciência na
Formação Inicial de Professores de Física: a didatização dos saberes escolares à prova”. Trata-
se, por assim dizer, de uma segunda etapa da minha formação profissional, pois até então minha
atenção estava voltada, predominantemente, para as didáticas específicas, em seus aspectos
psicológicos, praxiológicos e epistemológicos. Agora pretendo enfrentar a resistência a
mudanças dos professores em suas concepções e representações acerca da ciência e do ensino
da ciência a partir de análises histórico-filosóficas. Mais precisamente, neste momento, quero
investigar o papel que a história e a filosofia da física podem desempenhar na formação dos
professores. Todavia, não se trata de reduzir o emprego da filosofia e história da física para
resolver dificuldades de aprendizagem. A expectativa é compreender melhor o contexto interno
da produção e justificação das teorias físicas. Além disso, a compreensão da relação entre a
teoria e a realidade, o papel da matemática na física, para além de simples linguagem de
comunicação, e a apropriação da matéria pelo pensamento são alguns dos principais temas de
interesse. O período histórico investigado é o século XVIII, mais precisamente a construção da
mecânica por d´Alembert, Euler, Lagrange, entre outros. O estado atual da pesquisa está bem
adiantado e há um grande número de arquivos e leituras acumuladas que podem se transformar
nos próximos meses em alguns trabalhos. No presente momento, dois artigos estão em fase
final de elaboração. Um trata da reconstrução conceitual da mecânica newtoniana no continente,
pelas mãos de Varignon, Euler, d´Alembert e Lagrange. O outro trata da relação entre a física e
a matemática nesse período, em que o cálculo diferencial e integral se consolida como a forma
de pensar a física, ou seja, a consolidação da análise, em especial, nos trabalhos de Lagrange.
Um trabalho já foi apresentado em congresso [66].
Durante esse período aqui na França procurei também estabelecer alguns contatos com
expectativas de colaborações futuras. Até o presente momento, os contatos mais promissores
foram com o Prof. Dr. J-L. Martinand, ENS – Cachan – França, [www.stef.ens-cachan.fr], com o
Prof. M. Ghins, Centre de Philosophie des Sciences, Université Catholique de Louvain – Bélgica
[www.lofs.ucl.ac.be], com o Prof. G. Fourez, aposentado da Université de Namur – Bélgica e
Prof. Barbara Dufour, do Centre Interfaces – Université de Namur
[www.fundp.ac.be/universite/asbl/interfaces]. Tenho ainda a expectativa de construir algum
contato com pesquisadores da Université de Genéve, Suíça.
22
15 Destaco, por exemplo: Astolfi, J-P. L´école pour apprendre. France: ESF Editeur, 2007.
16 Por exemplo, Tardif, M.. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002. Perrenoud, P.. A
prática reflexiva no ofício de professor: profissionalização e razão pedagógica. Porto Alegre: Artes Médicas Sul,
2002. Meirieu, P..Aprender... sim, mas como? Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
17 Cito, por exemplo: Develay, M.. Donner du sens à l´école. France: ESF Editeur, 2007. Giordan, A.. Apprendre!
nosso alcance. Isso consiste em um falso pressuposto filosófico de que conhecer é observar. É
aqui que entra a importância dos saberes teóricos na formação do professor, ou ainda os tais
instrumentos didáticos para a análise e a reflexão das práticas docentes, mencionados no início.
Esses saberes possibilitam “equipar o olhar e a reflexão sobre a realidade”{?}, segundo P.
Perrenoud18, e, continua o autor, “essas experiências produzirão aprendizagens se estiverem
estruturadas em conceitos e vinculadas a saberes que a tornem inteligíveis” {?} 19. De modo
simplificado, o Esquema 01 a seguir pode dar uma idéia das múltiplas variáveis que se
apresentam em uma relação didática e que podem ser objetos de investigação e análise.
Esquema 01
Uma relação didática comporta um contrato didático20 e está inserida em um contexto
ainda mais complexo, cujas tensões e interesses nem sempre convergem. Mesmo entre os três
atores privilegiados no esquema acima, aluno, professor e saber, há mais variáveis. Os
professores com suas representações e concepções, o aluno em suas relações aluno-classe e
sua individualidade no sentido psicológico, e o saber, fruto de um processo de didatização, o
qual não ocorre sem um jogo de tensões e transformações, configurando-se em um novo saber
se comparado as suas referências. Mesmo estas, não é certo que são completamente
conhecidas. O Esquema 01 destaca tão somente algumas relações e interações que
predominam em um domínio ou outro. Assim, na relação entre professor e saber, destaca-se a
elaboração de conteúdos e metodologias; na relação entre professor e aluno, a interação
didático-pedagógica; na relação aluno saber, as estratégias de aprendizagem. Mas, tais
diferenciações são meras objetivações para a pesquisa e análise. Se uma for privilegiada, as
demais ficam a descoberto. No centro da relação didática se encontram as Situações de
Aprendizagem (SA), estas que estarão à mercê das escolhas do professor, predominantemente,
e o saber a ensinar.
24
número de disciplinas com poucas horas também acaba impondo uma rotina. Diante desse
quadro a proposta para os licenciandos é oferecer instrumentos para auxiliá-los em possíveis
reorientações, mudanças e inovações. Se tensões externas os impedem, então é possível que a
disputa esteja fora do campo didático.
As ementas dos cursos de Prática de Ensino de Física e/ou Metodologia de Ensino de
Física expressam, em certa medida, o que as pesquisas em ensino têm transformado em objeto
de investigação. Além dos instrumentos didáticos apresentados no início e que já constavam em
minha dissertação de mestrado, novos foram sendo acrescentados na medida em que venho
conhecendo, por um lado, as dificuldades e as possibilidades dos professores por meio das
várias atividades desenvolvidas nos últimos anos e, por outro lado, pela pesquisa propriamente
dita. A influência de autores britânicos, americanos e espanhóis nas pesquisas em educação
geral e em ensino é bem conhecida. Na área, bastaria citar como exemplo os trabalhos sobre
concepções alternativas, modelos mentais, relação entre epistemologia e ensino, história e
ensino, currículo, resolução de problemas, enfoque CTS, diferentes abordagens da
experimentação, as representações sociais e assim por diante.
A didática francesa21 tem oferecido trabalhos relevantes para a área e que merecem
destaque, tais como: noção de contrato didático, noção de transposição didática, práticas sociais
de referência, modelização, obstáculos epistemológicos, obstáculos pedagógicos, concepções
alternativas, teoria dos campos conceituais, situações-problema22, o papel do erro no ensino23,
alfabetização científica e tecnológica, currículo por competências, a relação didática, a noção de
objetivo-obstáculo e outros mais. A análise de discurso também tem ramificações na área de
ensino atualmente, mas sua inserção se deu via estudos da lingüística. Durante meu estágio
pós-doutoral em Paris, paralelamente à minha pesquisa, tenho me preocupado em buscar
trabalhos que possam ser relevantes para o cenário educacional brasileiro, por isso a ênfase em
referências francesas.
Assim, por exemplo, há um número especial da Revista Aster, de 1986 (n.23), que trata
da questão do ensino da tecnologia. Essa discussão ainda está praticamente ausente do cenário
brasileiro e, no entanto, parece pertinente, haja vista os resultados apresentados em trabalhos
meus já citados. Nessa mesma direção, a história das técnicas e das tecnologias e o estudo
epistemológico do artificial podem trazer esclarecimentos para a questão do ensino da
tecnologia.
24Fourez, G. et all. (org.). Des competences négligées par l´école. Bruxelles: Couleur Livres, 2006.
25 Cito os seguintes livros: Jacomy, B.. Une histoire des techniques.{?} Éditions du Seuil, 2002. Simon, H.. Les
sciences de l´artificiel.{?} Gallimard, 2004.
27
possíveis inovações didáticas em sala de aula. No presente momento meu exemplo de projeto já
aplicado foi um TCC orientado a respeito do ensino de elementos de eletrônica no nível médio,
com perspectivas para a inserção da física moderna e contemporânea nos programas escolares.
Tratava-se da construção de um alarme residencial com os alunos.
Os processos pelos quais passam os saberes de referência até chegarem nos
programas escolares também ocupam minha atenção. Os estudos desse processo de
didatização ganharam força a partir da noção de transposição didática elaborada por Y.
Chevallard26 para as matemáticas. Desde então uma outra questão que se põe é se tal modelo
poderia ser transposto para as demais disciplinas. M. Caillot27 é um dos críticos a essa
transversalidade. Em minha tese apresento também algumas críticas à noção de transposição
didática de Chevallard. Todavia, após as “denúncias” feitas por Chevallard nosso olhar para os
saberes a ensinar não pode mais ser o mesmo, especialmente quando afirma que a noção de
transposição didática possibilita “tomar distância, interrogar as evidências, por em questão as
idéias simples, desprender-se da familiaridade enganosa de seu objeto de estudo” (p.16). E,
mais adiante, alerta que os saberes escolares não são apenas simplificações de um saber de um
nível mais elevado, mas passam por modificações e são organizados de modo a estarem aptos
a serem transmitidos: “o saber produzido pela transposição didática será, portanto, um saber
exilado de suas origens e separado de sua produção histórica na esfera do saber sábio,
legitimando-se em saber ensinado como algo que não é de nenhum tempo nem de nenhum
lugar e não se legitimando mediante o recurso da autoridade de um produtor, qualquer que seja”
(p.18). Essas questões, entre outras, foram o motor da minha vinda para o estágio pós-doutoral,
pois penso que ao entender um pouco mais a história da ciência será possível interrogar as
evidências e compreender o exílio epistemológico dos saberes escolares.
O estudo desses processos possibilita evidenciar que os saberes escolares não se
legitimam por si mesmos e que a relação com a ciência que lhes deram origem não são
suficientes para sua legitimação no programa escolar. Haveria a necessidade de uma
legitimação cultural além da epistemológica, já que se trata de um novo saber. Além disso,
outros aspectos entram em cena na didatização dos saberes escolares, como os psicológicos e
os pedagógicos. Estes ligados à estrutura escolar e às condições de ensino e aqueles aos
alunos e suas representações e concepções, em sua dimensão cognitiva. Outra questão que se
apresenta é: a física ensinada na escola tem sua origem somente na física dos físicos, isto é, na
26Chevallard, Y.. La transposición didáctica: del saber sabio al saber enseñado. Buenos Aires: Aique, 1991.
27 Caillot, M.. La théorie de la transposition didactique est-elle transposable? In: Raisky, C.; Caillot, M.. Au-delà des
didactiques, le didactique: débats autour des concepts fédérateurs. Bruxelles: De Boecke & Larcier, 1996.
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ciência física? Se sim, isso é suficiente para o projeto social da escola? Se não, quais são as
outras origens e como foi didatizada? O mesmo vale para qualquer outra disciplina escolar.
Compreender essas transformações, modificações e reorganizações dos novos saberes a serem
ensinados torna-se ainda mais relevante na medida em que o professor, via de regra, apresenta-
se como um especialista em sua disciplina, sem ser, freqüentemente, especialista em seu ensino
e, nesse caso, é relutante em trabalhar com referências que lhe pareçam fora de sua
especialidade. É essa familiaridade enganosa que se pretende superar.
O ensino por competências ainda está longe de qualquer consenso, embora seja
discutido há bastante tempo na literatura. No Brasil, é bem pouco trabalhada. Alguns aspectos
se apresentam com grande potencial de pesquisa. Notadamente, a questão da mobilização de
recursos cognitivos em contextos distintos de sua apropriação, uma das defesas das
competências, assume alguns pressupostos que merecem esclarecimentos. Dito de outro modo,
as competências atribuem a si mesmas uma certa transversalidade, mas essa transferência não
é garantida. Ou seja, esperar que o aluno consiga mobilizar recursos de uma situação que lhe
seja familiar para uma situação nova com as mesmas estruturas lógico-formais significa assumir
que a identidade destas seria estímulo suficiente para a extensão, a transferência, dos saberes
apreendidos. Nesse caso, a identidade de estruturas lógico-formais agiria como estímulo e teria
uma realidade psicológica. Nessa mesma direção, a metacognição, como ação de
gerenciamento dos processos cognitivos, torna-se elemento relevante nas investigações nesse
campo. Acrescente-se a isso o papel dos aspectos afetivos na aprendizagem. Se é possível
fazer uma ponte entre tais questões e as teorias dos campos conceituais de G. Vergnoud, por
exemplo, é uma pergunta em aberto. Alguns desses pontos foram abordados em trabalhos
citados anteriormente [39,40,41] e em minha tese. A questão das competências como um
problema de referência dos saberes escolares e a discussão da interdisciplinaridade e da
contextualização sob uma abordagem predominantemente epistemológica ocupam minha
atenção nas pesquisas atuais.
Um último tema de pesquisa que quero destacar é a relação entre a física e a
matemática. Nesse caso, os aspectos históricos da construção das teorias físicas são
fundamentais. No presente momento me ocupo desse assunto em meu estágio pós-doutoral. A
escolha do período que sucede a elaboração da mecânica de Newton até chegar à mecânica
analítica de Lagrange tem se mostrado fértil para esse tipo de investigação, em especial a
utilização do cálculo diferencial e integral na reconstrução conceitual da mecânica no continente
europeu no século XVIII. Destacam-se, nesse período, os trabalhos de Leibniz, Varignon,
d´Alembert, Euler, Lagrange, entre outros. Uma das implicações para o ensino de estudos dessa
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natureza é a superação do papel da matemática nas ciências para além de mera linguagem de
comunicação e, desse modo, a exploração das representações e concepções epistemológicas
frágeis que atribuem à falta de habilidade matemática dos alunos a principal causa dos
problemas de aprendizagem. Parece claro que esse tema questiona também a relação entre
teoria e realidade ou, ainda, a apropriação da matéria pelo pensamento28.
Finalmente, o pano de fundo de todas as minhas reflexões acerca do ensino das
ciências, em particular da física, traz um questionamento a respeito da educação e do cenário
atual, pois os alunos e nós mesmos estamos sujeitos a uma “educação espontânea”. É nesse
sentido que minhas incursões na filosofia têm me ajudado, assim como a recorrência a autores
que colocam boas questões à escola. Por exemplo, T. Adorno29 afirma que a educação não
conduz à emancipação, no sentido de resistir às influências da autoridade. E, vai mais além,
ressalta que a reflexão e a racionalidade por si mesmas não levam à emancipação, na medida
em que são insuficientes para impedir a barbárie e seu argumento causa um certo desconforto
no momento em que ele destaca: “a exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas
para a educação” (p.119){?}. Pode-se discordar dessas afirmações, mas não creio que seja
prudente ignorá-las. Talvez, suas críticas se tornam mais claras quando, juntamente com M.
Horkheimer, discutem sobre a dialética do esclarecimento30 e a superação da consciência mítica.
Nessa direção, H. Arendt, M. Foucault, K. Kosik, entre outros, oferecem questionamentos
relevantes.
Nesse contexto, a questão de como conciliar a confiança e a recusa da autoridade na
sala de aula parece ser fundamental. Talvez, um caminho seja o professor se apresentar como
alguém que tem o propósito de compreender. Mas, conforme Adorno e Horkheimer “a falsa
clareza é apenas uma outra expressão do mito” (p.14).
28 Cito, por exemplo: Gardies, J_L.. Du mode d´existence des objets de la mathématique. Paris: J. Vrin, 2004. Kosik,
K.. Dialética do concreto. São Paulo: Paz e Terra, 2002. Paty, M.. A matéria roubada. São Paulo: Edusp, 1995.
29 Adorno, T.. Educação e Emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
30 Adorno, T.; Horkheimer, M.. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.