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O livro didático de Física

Chapter · January 1994

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Francisco Caruso
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O livro didático de Física

Beatriz Alvarenga, José Maria Filardo Bassalo,


Francisco Caruso & Antônio Pimenta

In F. Caruso & Alberto Santoro (Eds.): Do Átomo Grego à Física das


Interações Fundamentais. Rio de Janeiro: CBPF, 1994, p. 269-292. Segunda
edição, corrigida e atualizada, publicada em São Paulo, pela Livraria da
Física, 2000, p. 215-232. Cf. também a terceira edição, pela mesma editora,
em novo formato, revista, corrigida e adaptada à nova ortografia, que veio
à luz em 2012, p. 181-196.

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aruso – O livro é obviamente o eterno instrumento de divulgação do Saber, e uma
ferramenta indispensável de trabalho do professor, qualquer que seja o nível de
ensino. Portanto, não poderíamos deixar de encerrar esta Sessão A da LISHEP,
dedicada ao ensino e divulgação da Física das Partículas Elementares, sem esta
tentativa de provocar o debate sobre como contribuir para a melhoria do Ensino de Física
no Segundo Grau, através de uma análise critica do livro didático.
É uma honra termos aqui a Profa. Beatriz Alvarenga, o Prof. José Maria Filardo Bassalo
e o Prof. Antônio Pimenta, que abordarão esse tema com enfoques diversos. A Professora
Alvarenga é, sem dúvida, uma das autoras mais importantes de livros didáticos de Física e
todos vocês a conhecem. O Professor Bassalo é um grande divulgador da Ciência no Brasil e
o Professor Pimenta nos dará um importante depoimento de quem está em contado diário
com as salas de aula de Ciências na oitava série do Primeiro Grau.
Cada participante terá dez minutos para sua exposição e, a seguir, eu passaria à sessão
de perguntas, para que vocês tenham a oportunidade de participar mais ativamente deste
debate.
Alvarenga – Vou abordar um tema que considero fundamental ao exercício do magistério:
“A análise e escolha do livro didático”.
Como sabemos, o número de livros didáticos de Física, publicados hoje no Brasil, é
muito grande e o professor deveria, então, estar preparado para a escolha do texto que
melhor possa atender aos propósitos específicos do curso que pretende oferecer.
Quando comecei a lecionar, os livros didáticos a nosso dispor (encontrados no mercado
de livros) eram muito escassos e sua qualidade, em geral, era lamentável: apresentavam
muitos erros conceituais, o caráter matemático predominava sobre os aspectos físicos e,
quase sempre, os assuntos eram tratados de maneira desagradável para os estudantes (sem
ilustrações e referências às aplicações da Física ao cotidiano, por exemplo). Quando o
físico Roberto Salmeron, naquela época muito jovem, publicou algumas obras didáticas,
seu trabalho foi recebido por nós com grande satisfação, pois nossos alunos tiveram acesso
a um texto onde os conceitos eram apresentados com clareza e de maneira confiável.
Para preparar minhas aulas usava também livros publicados em outros países (entre eles
um texto de Física para cursos secundários, escrito pelo grande físico italiano Enrico
Fermi). Dessa maneira procurava contornar as deficiências do nosso mercado editorial e
me atualizar, buscando conhecer o que se fazia em outros países em termos de ensino de
Física. Devo esclarecer que em minha formação universitária (em Engenharia) não havia
recebido qualquer orientação para o magistério.
As dificuldades que atualmente o professor encontra, em termos da escolha do livro de
texto são, ainda, muito grandes pois, nos próprios cursos de Licenciatura, continuam não
recebendo orientação para realizar essa tarefa (em outros países essa atividade é encarada 3
com seriedade, havendo até mesmo órgãos educacionais especializados na análise de livros
de texto e para orientar os professores na escolha do livro mais adequado ao curso que deseja
oferecer).
Como consequência desta falha nos currículos das Licenciaturas, o que acaba
ocorrendo? Não tendo recebido critérios sistematizados para realizar a escolha, e não
dispondo de outras orientações, o professor termina adotando o texto que tem em mãos,
por pressão dos representantes das editoras ou se apoiando na opinião de algum colega
(que frequentemente, também, não fez escolha criteriosa).
Por esse e outros motivos que, espero, ficarão mais claros durante minha exposição, vou
apresentar, de maneira resumida, argumentos, para justificar meu ponto de vista sobre o
assunto.
Como já dissemos, atualmente, o número de livros-didáticos para o 2◦ Grau existentes
no mercado é grande. Então, ao planejar seu curso, o professor antes de mais nada deveria
fazer uma separação rápida dos textos que abordam o conteúdo que pretende desenvolver.
Neste momento, evidentemente, ele já deveria dispor de várias informações: o tipo de
aluno que terá, a carga horária da qual vai dispor e que tipo de curso será mais adequado

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àquela clientela (com objetivos propedêuticos, visando a formação do cidadão ou com


outra finalidade específica). Infelizmente, porém, o conhecimento do professor sobre esses
dados é muito deficiente. Além disso, a maioria dos textos existentes no mercado são muito
semelhantes, em termos dos tópicos, que abordam apenas a Física Clássica, em ordem
tradicional, subdividida em 3 volumes). Este fato dificulta (ou mesmo impossibilita) a
escolha do professor, pois ele não encontra um texto adequado ao desenvolvimento de
certos cursos profissionalizantes, tal como o de magistério, por exemplo.
Em Minas Gerais, geralmente, a Física consta nos currículos dos cursos de Magistério em
apenas uma série, com carga horária de duas horas semanais. O professor não encontrando
um texto adequado a esse curso (visando formar a professora que irá futuramente atender
alunos da 1a à 4a série do 1◦ Grau) adota aquele que lhe for de mais fácil acesso, sem
nenhuma justificativa especial para sua escolha. Como o professor, com muita frequência,
não tem o hábito de planejar seu curso (segue o livro-texto, acompanhando-o do primeiro
capítulo, até onde for possível), a futura professora primária, durante o seu curso secundário
de Física, em geral, não consegue ultrapassar o estudo da Cinemática. Assim, termina
sua formação e torna-se professora das séries elementares, desconhecendo qualquer lei
elementar da Física e tópicos interessantes desta ciência, intimamente relacionados com o
seu dia a dia e o das crianças com as quais irá trabalhar. Desta maneira ela acaba passando
para as crianças uma visão desagradável da Física, prejudicando o surgimento de autênticas
vocações científicas, ou o respeito, que qualquer cidadão deve ter, pelo desenvolvimento
desta área do conhecimento.
O quadro que podemos fazer do ensino de Física nas quatro últimas séries do primeiro
Grau (5a a 8a séries) não é menos problemático. A grande maioria dos professores deste nível
tem sua formação em cursos de licenciatura em Biologia, nos currículos dos quais consta,
em geral, apenas uma disciplina semestral que aborda a Física. Para o desenvolvimento
dessa disciplina, também torna-se difícil encontrar um texto adequado (nosso mercado
editorial é paupérrimo em opções deste tipo e dificilmente os alunos são capazes de estudar
em textos escritos em outra língua que não seja o português). Situação talvez ainda mais
grave ocorre quando o professor desse nível é formado em Licenciatura em Ciências, de
curta duração. Esses cursos são altamente deficientes e a aprendizagem de Física que
propiciam, em geral, não vai além daquela que costuma ser alcançada no 2◦ Grau.
É também difícil encontrar textos apropriados ao seu desenvolvimento, pois os livros de
Física Geral, destinados à formação básica universitária são considerados pesados para os
estudantes dessa licenciatura e os textos de segundo Grau são evidentemente inadequados
para levar à formação desejada. Por sua vez, os textos de Ciências destinados aos estudantes
de 5a e 8a séries são também, com muita frequência, escritos por pessoas com formação em
4 Biologia, que praticamente nunca estudaram Física com certa profundidade.
Assim, esses livros didáticos, além de erros conceituais diversos, apresentam distorções
pedagógicas graves. Costumam sintetizar os textos de 2◦ Grau naquilo que apresentam
de pior: fórmulas e mais fórmulas, precedidas de inúmeras definições mal elaboradas e
incompletas. Mesmo conceitos que não deveriam ser apresentados através de definição
sucinta, como os de espaço, tempo, matéria e muitos outros, são definidos de maneira
truncada, incentivando os alunos a memorizarem as definições, sem entenderem o seu
significado e sem perceberem os erros nelas incorporados.
Tentarei ilustrar minhas afirmações descrevendo alguns erros muito frequentes nos
livros de Ciências dos quais estamos falando. São apenas alguns exemplos, para que as
pessoas que estejam afastadas desse nível do nosso ensino sintam a gravidade da situação.
Quero deixar claro, porém, que as citações poderiam se prolongar por muitas laudas, tal é a
quantidade de erros que podem ser detectados nesses textos.
Começarei analisando algumas respostas de questões constantes num livro de texto,
fornecidas no manual destinado ao uso do professor. É comum encontrarmos uma resposta
muito sucinta, (designada por alguns críticos desse tipo de ensino de “Física das respostas
corretas") que poderia ser aceita ao se discutir uma situação particular do problema, mas

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que é inadmissível da maneira lacônica com que é apresentada. O professor, que como
já dissemos teve formação precária, não consegue perceber o erro, nem coloca a resposta
em discussão. Aceita essa resposta como verdade absoluta, passando a visão errônea para
seus alunos. Quando o estudante chega no 2◦ Grau, se ele encontrar um professor com
boa formação específica e pedagógica, que perceba o problema, será difícil, mas poderá
ocorrer uma mudança conceitual na estrutura cognitiva do aluno. Entretanto, esses casos
são raros, pois grande parte dos professores desse nível têm formação em matemática (com
frequência, também não percebem erros conceituais mais sutis) e o problema costuma
tornar-se mais sério.
Quando o jovem alcança o terceiro Grau a situação pode ter se tornado irreversível e será
quase impossível obter-se a substituição dos conceitos errôneos que foram se acumulando,
indispensável para o estudo de Física neste nível.
Passemos aos exemplos prometidos, tirados todos de um mesmo texto, de grande
aceitação em todo o país e usado em um dos colégios mais renomados de Belo Horizonte.
Esclareço, entretanto, que exemplos semelhantes poderiam ser extraídos de quase todos os
nossos livros de texto de Ciências.

• A primeira questão que apresento refere-se a um diagrama (veja a Figura 1.1)


mostrando um revólver disparando uma bala e se solicita a identificação do
movimento que a bala executa.

Figura 1.1: Exemplo de erro conceitual encontrado em um livro de texto.

A resposta, como se pode ver na figura (reprodução do manual do professor), vem logo
a seguir: “retilíneo". Evidentemente, não precisamos comentar o absurdo dessa resposta e
do próprio diagrama. 5

• Uma outra questão, que aliás costuma aparecer, repetidamente, em outros textos, com
forma e solução semelhantes, é a seguinte: “Um cavalo desloca uma carga de massa
igual a 80 Kg por uma distância de 3 metros. Qual o trabalho por ele realizado?”.

Figura 1.2: Outro exemplo de erro na solução de um exercício proposto em um livro de texto.

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A Figura 1.2 mostra a situação descrita e a solução do problema (também copiada do


livro do professor) é a seguinte:

T = F ×d; T = 80 Kg × 3 m

T = 240 Kgm, ou, T = 2 !352 J


Como se vê, são vários os erros cometidos na solução da questão: expressão que fornece
o trabalho inadequada para o caso, uso da expressão de maneira errônea, algarismos
significativos não observados, além do fato de o problema ser resolvido sem nenhum
comentário ou discussão.
A seguir transcreveremos dois pequenos trechos presentes ao longo do texto.
A primeira citação refere-se ao eterno problema das forças centrípetas e centrífugas,
atuando em um mesmo corpo (consideradas em um referencial inercial), frequentemente
abordadas de maneira errônea em inúmeros livros didáticos.

“No Universo, os astros mantêm-se em órbitas pelo equilíbrio entre a força


centrípeta e a força centrífuga. Exemplo: a Terra atrai a Lua (força centrípeta)
com uma intensidade igual à da força que a Lua faz para sair da sua órbita (força
centrífuga).”

Um livro-didático que apresenta tamanho absurdo não poderia nunca estar na mão dos
estudantes! Mas nem o próprio professor consegue perceber os graves erros ali presentes
e os alunos memorizam aquelas frases e as repetem, sem mesmo entender o que estão
dizendo, absorvendo os erros ali contidos.
Em outro trecho do livro mencionado, examina-se uma lâmina metálica em vibração
emitindo som. Supõe-se que o comprimento da lâmina é reduzido gradativamente, o que
provoca uma elevação da frequência do som emitido. A análise da situação continua da
seguinte maneira:

“se você continuasse aumentando cada vez mais a velocidade vibratória da


lâmina, a partir de certa frequência, ela começaria a gerar calor no ambiente.
Se ainda você continuasse a aumentar a frequência, chegaria a um ponto em que
naquela nuvenzinha formada pelo deslocamento da lâmina, começaria a surgir
uma discreta luz. A essa altura a lâmina estaria vibrando bilhões de vezes por
segundo. Portanto, você pode compreender agora que som, calor e luz, decorrem
de movimentos ondulatórios de frequências diferentes.”
6 A confusão é tamanha que um aluno muito jovem aprendendo esses disparates
dificilmente poderá mais tarde distinguir uma onda sonora de uma onda eletromagnética!
Os exemplos que comentei constituem apenas uma pequena parte de um quadro
mais amplo, muito lamentável: a situação caótica do nosso ensino, especificamente do
nosso ensino de Ciências. Tentei mostrar que bons livros de texto poderiam ter um
papel importante para atenuar o problema, pois propiciariam ao aluno uma aprendizagem
significativa de uma Física autêntica, sem erros conceituais, apesar do corpo docente
precário da maioria de nossas escolas. Por sua vez, também o professor, que não é
responsável pela má formação que recebeu, poderia se recuperar, em parte, se pudesse
dispor de livros didáticos confiáveis.
O pouco tempo de que dispus não permitiu que abordasse outros pontos relevantes do
tema, mas espero que tenha ficado claro o grande mal que livros de texto de má qualidade
causam a nossos estudantes e que precisamos investir mais na produção de bons textos
didáticos de Física, se desejarmos um futuro melhor para a ciência brasileira.
Não poderia concluir esta fala sobre o livro sem uma última denúncia: a grande maioria
de nossas Escolas de 1◦ e 2◦ Graus não possui bibliotecas.
Fazemos votos para que a situação seja revertida no menor tempo possível ... Obrigada.

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Bassalo – Quero inicialmente agradecer o convite para participar desta Mesa-Redonda.


Comecei minha carreira de professor ensinando no Primeiro Grau, depois no Segundo e,
finalmente, no Terceiro. O tema que vou abordar aqui com relação ao livro-texto tem muito
a ver com esta minha experiência. Eu tenho, há algum tempo, defendido a ideia de que
o livro-texto deve apresentar a História da Física, no caso do livro de Física que estamos
discutindo aqui.
Por que é que defendo a apresentação, não de uma biografia de físicos, mas de História
mesmo? Por que quando você vai estudar, por exemplo, um tema qualquer da Física, é muito
útil ter à disposição uma introdução histórica que mostre como aquele tema e os conceitos
a ele pertinentes evoluíram.
Por que acho isso importante? Antes de mais nada, porque concordo com Stephen Jay
Gould quando diz que um dos prazeres de estudar a História da Ciência é que ela nos mostra
que pessoas muito mais inteligentes que nós também erraram. Quer dizer, isso é um modo
de desmistificar a Ciência.
Sobre essa posição de Gould, posso citar um exemplo famoso que envolve Einstein e
a história do termo cosmológico. Ao elaborar seu modelo do universo, ele teve a intuição
de que o universo deveria ser estático, isto é, não estar em expansão. Então, introduziu o
termo cosmológico e, logo depois, Friedmann (que era um matemático russo) mostrou que
retirando esse termo cosmológico, daria uma alternativa de um universo em expansão. Logo
depois Hubble verificou que as galáxias estavam se afastando e vem daí a famosa teoria do
Big Bang. Em vista disso, Einstein teria dito a Gamow – eles eram muito amigos – que a
introdução do termo cosmológico, foi o maior erro que cometeu em sua vida, e note que ele
já era Prêmio Nobel de Física, quando cometeu esse “erro"; hoje sabemos que isto não é bem
um erro e que os modelos do universo em expansão, os chamados modelos inflacionários,
voltam a usar a ideia do termo cosmológico.
Quero, agora, apresentar outro argumento a favor de introduzir a História da Ciência
em livros-texto, qualquer que seja o livro, do Primeiro, Segundo, Terceiro ou Quarto Graus.
Com essa atitude, é possível mostrar como é que um conceito evolui, e que muitas das vezes,
pessoas importantes que contribuíram para esta evolução, nem são citadas.
Creio que todo estudante que estuda o efeito túnel, aprende que este efeito foi proposto
por Gamow, em 1928, para explicar o decaimento alfa de certos núcleos, quer dizer, como é
que uma partícula alfa, que está no interior de um núcleo e vê uma barreira de potencial mais
alta que sua energia, consegue sair desse núcleo. Como ela efetivamente sai de lá, surge,
então, a ideia de que havia um “buraquinho”, tipo um túnel, por onde ela escapa. Com base
nesta imagem, Gamow tomou a equação de Schrödinger e, ao calcular as amplitudes de
probabilidade da função de onda dessa equação, obteve a vida média do decaimento alfa.
Contudo, nesse mesmo ano de 1928, Nordheim chegou a esse mesmo conceito de efeito 7
túnel ao estudar a teoria dos metais e verificar que a incidência de determinada luz em um
metal, arranca elétrons do mesmo, por um efeito semelhante ao considerado por Gamow.
No entanto, quando se fala nesse efeito, ninguém se refere ao nome de Nordheim. Assim,
sempre que se fala nesse efeito, pensa-se apenas em Gamow, e até dizem que foi uma grande
injustiça não terem dado um Prêmio Nobel a ele, já que foi o mesmo quem praticamente
começou a Física Nuclear. Creio que esta questão é importante para mostrar para o aluno
que o livro-texto nos parece bastante positivista no seguinte sentido: as coisas acontecem
numa sequência quase linear e que ninguém coloca objeção a certas teorias.
Como outro exemplo da importância da História da Ciência nos livros-texto, conside-
remos o caso dos trabalhos realizados por Einstein, em 1905. Vocês devem se lembrar que
Einstein fez três trabalhos fantásticos nesse ano. O primeiro deles (que deu origem à Teoria
da Relatividade Restrita), foi escrito com o título de Sobre a Eletrodinâmica dos Corpos em
Movimento, é o mais conhecido. No entanto, naquele ano ele escreveu mais dois artigos: um
sobre o efeito fotoelétrico (aliás, graças ao qual ganhou o Prêmio Nobel de 1921) e o outro
sobre o movimento browniano. Este trabalho foi muito importante, já que através dele foi
possível calcular as dimensões atômicas. E, com isso, as pessoas que defendiam a Energética

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(como Mach e Ostwald, que não acreditavam na Física Atômica), passaram então a aceitá-
la, porque graças a esse trabalho de Einstein sobre o movimento browniano (e depois o de
Perrin, sobre esse mesmo tema), foi possível calcular o número de Avogadro usando ideias
atômicas e, desse modo, se inaugura uma nova fase na Física Atômica. Portanto, o átomo
não é mais uma mera ilusão e, em consequência, Ostwald teria dito: – “eu aceito a partir de
agora que a Energética é realmente uma Ciência que não tem sentido”. Assim, a partir daí,
começa a Física Atômica propriamente dita.
Outro motivo pela qual também acho importante introduzir História da Ciência nos
livros-texto (geralmente escrito por pessoas qualificadas), é evitar que cometam equívocos
históricos que contribuem para a má formação dos jovens. En passant, é oportuno comentar
o que vi agora em São Paulo numa exposição sobre Física Nuclear. Espantou-me, por
exemplo, ver lá escrito que cronologicamente o elétron foi descoberto em 1897 e o nêutron,
em 1898; também é muito curioso situar a descoberta do próton em 1911. Neste ano deu-se
a descoberta do núcleo atômico com a experiência de Rutherford. O próton realmente, só
foi descoberto em 1919, e o nêutron, em 1932.
Vejamos um equívoco histórico que aparece muito em livros de Física Moderna. Trata-
se da comparação entre a fórmula de Rayleigh-Jeans (para explicar o espectro de emissão
de um corpo negro), e a fórmula de Planck, sobre a quantização da energia. Geralmente
a fórmula de Rayleigh-Jeans é apresentada como sendo deduzida um pouquinho anterior
à de Planck. Mas isso não é verdade: a fórmula de Rayleigh-Jeans é de 1905, enquanto a
de Planck é de 1900. Aliás, é curioso dizer que apesar de Planck haver proposto a ideia de
energia quantizada nesse seu trabalho, as pessoas não acreditaram logo de imediato.
Vou deixar para fazer outros comentários durante as perguntas. Obrigado.

Caruso: – O Prof. Antônio Pimenta vai dar seu depoimento sobre o livro didático de Física
da oitava série, onde leciona, que faz o elo entre o Primeiro e o Segundo Graus.
Pimenta: – Em primeiro lugar, quero agradecer ao Prof. Caruso a oportunidade de participar
desta Mesa-Redonda, ao lado da Profa. Beatriz e do Prof. Bassalo, juntamente com o
Prof. Caruso, sobre o livro didático de Física. Depois das explêndidas exposições da
Profa. Beatriz e do Prof. Bassalo, fica um pouco difícil para mim colocar os problemas que
ocorrem no livro do Primeiro Grau.
De fato, vai ocorrer a dificuldade toda na Oitava Série onde o professor de Biologia,
terá de ensinar Física, disciplina que no próprio curso universitário é relegada ao segundo
plano. No programa de Física, as disciplinas que são cobradas, Física Geral e Métodos
Experimentais de Física, são dadas muito superficialmente; obviamente a maior ênfase vai
ser dada à Biologia. Então nós temos uma tarefa muito difícil, que é pegar essa Oitava
8
Série, que está no período de transição para uma segunda etapa do aprendizado, que é
importantíssima, e passar-lhes o conhecimento de Física; não só de Física, mas também de
Química, e isso, em um semestre. Um semestre para Física e um semestre para Química.
Portanto, além da falta de uma formação mais especializada de um biólogo, ainda há
esse problema seríssimo que é o tempo reduzidíssimo de um semestre para você tentar
transmitir uma série de novos conhecimentos.
Outra coisa que também ocorre frequentemente é que esse professor que, na maioria
das vezes é realmente um biólogo, em vez de explorar o potencial de alguns alunos que
têm certa afinidade com a Física ou com a Química, ele simplesmente atrofia o potencial
desse aluno devido à maneira pela qual ensina estas disciplinas, devido essencialmente à
sua formação precária. Eu acredito, assim, que muitos físicos e químicos morrem antes de
serem gerados nessa interface do Primeiro Grau e do Segundo Grau. E nesse processo, sem
dúvida, a questão do livro-texto, como a Profa. Beatriz já colocou, tem um papel crucial. Eles
são muitas vezes escritos por biólogos que não são especialistas em Física. Em consequência
disto, é inevitável uma série de erros conceituais, os quais o professor regente de turma
muitas vezes não tem condições de avaliar e de fazer a devida ressalva na sala de aula. De
forma que acho que a Física no Brasil começa a falecer no Primeiro Grau, nessa interface que

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representa a oitava série. Considero importantíssimo essa ênfase toda que estamos dando
ao Segundo Grau, mas eu acho que a partir da próxima LISHEP95 seria oportuno que fosse
dado um espaço maior aos professores de Oitava Série, de modo que possamos discutir essas
questões e tentar tirar uma linha de trabalho, talvez através de uma Universidade, através
de cursos de aperfeiçoamento, como alguns que aconteceram recentemente.
A Secretaria Municipal de Educação está patrocinando junto com a Fundação Vitae
um Curso de Aperfeiçoamento de Professores em Física, cuja primeira etapa foi no Alto
da Boavista, agora entre 5 e 10 de janeiro de 1993, e a segunda etapa será em julho deste
ano. Outras instituições também, apesar das dificuldades imensas que enfrentam, tentam
de uma maneira ou outra melhorar o ensino de Física e de outras áreas da Ciência, como
é o caso do Centro de Ciências do Rio de Janeiro. O pessoal luta desesperadamente para
tentar de alguma maneira colaborar com ensino de Ciências no Estado do Rio de Janeiro e
a LISHEP93 vem, sem dúvidas, dar uma grande contribuição neste sentido.
Quanto à parte do livro para-didático eu só acrescentaria, que tudo que a Profa. Beatriz
falou poderia ser trazido igualmente para o Primeiro Grau. Eu acho que livros para-didáticos
escritos por pesquisadores, na área biológica, existem vários, mas na área de Física estamos
muito restritos às áreas de Semicondutores e de Radioatividade, e são pouquíssimos os livros
para-didáticos existentes no mercado. Estes livros serviriam para o próprio professor de
Oitava Série se orientar, ter um referencial e passar uma bibliografia mais rica para o aluno,
que vê a matéria de uma forma muito solta, muito árida. O meu medo não é tanto da falta de
informação que o professor de Oitava Série traz, mas sim quanto à informação mal colocada
que vai prejudicar ainda mais esse aluno e, muitas vezes, infelizmente, é isso que predomina.
O que a Profa. Beatriz colocou com relação à escolha do livro de Física vale também
para a Oitava Série. Muitas vezes ele não é escolhido. Infelizmente, acontece do professor
pegar o livro que está à mão, sem o menor critério. Essa é a nossa realidade de Oitava
Série. Eu acho que deve ser feita alguma coisa para melhorar o ensino a partir daí, dessa
interface entre o Primeiro e o Segundo Graus, não só ao lado da Física, mas também do lado
da Química. O aluno quando chega no primeiro ano do Segundo Grau não tem qualquer
base de Física, que é dada na Oitava Série de uma maneira mecânica, como a Profa. Beatriz
explicou, lançada sob a forma de um conjunto de fórmulas. Raros são os livros que têm
algum conteúdo experimental e frequentemente ocorre que as Escolas não têm qualquer
material que possibilite a realização de um experimento.
Acho que é com iniciativas como essa da LISHEP que podemos tentar mudar essa
situação que é drástica. Obrigado.

Caruso: – Agradeço a todos os membros da mesa e passarei agora às perguntas e aos 9


comentários.1

Carol: – Tenho observado que, de ano para ano, pior que você ter um biólogo lecionando
Física, é você ter uma super valorização da parte da didática nos cursos de Licenciatura.
Com isto há uma grande ênfase em como lecionar em total detrimento daquilo que você
tem que saber para poder ensinar. Então, eu acho que os livros didáticos refletem isso. Cada
vez mais os livros apresentam menos conteúdo, a coisa mais automatizada. Gostaria que a
mesa comentasse esta minha colocação.
Participante não identificado: – Foi mencionado durante esta Escola o nome de alguns
físicos brasileiros que tiveram interesse em escrever livros de Física para o Segundo Grau
e o Terceiro Grau. Gostaria de acrescentar o nome do Prof. Pierre Lucie. Ele tem um
livro Pré-Segundo Grau, que eu considero muito bom, que tem ilustrações do Henfil, que
se chama Física com Martins e eu. Pierre Lucie foi também muito interessado em Física
Básica. Eu acho que é interessante comentar também aqui nessa Mesa-Redonda o ensino
1 Por limitação de espaço, apenas algumas questões foram transcritas aqui.

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da Física Básica nas Universidades, e os livros-texto adotados. Por exemplo, na PUC/RJ é


adotado na Física Básica o livro do Halliday, sendo sabido que o Prof. Moysés Nussensveig,
que é professor de lá, tem um livro infinitamente melhor. Isso, na minha opinião, acaba
se refletindo também na formação dos professores do Segundo Grau. Em minha opinião
é essencial que se faça uma reforma no ensino universitário para melhorar o ensino do
Segundo Grau.

Alvarenga: – Quanto à grande ênfase que se tem dado à Pedagogia, acho que você tem
toda razão. É muito comum entre os pedagogos a opinião de que apenas o método é
importante. Durante muito tempo prevaleceu esta opinião, mas parece que hoje há uma
certa reação a essa visão e volta-se a aceitar que o conteúdo é obviamente fundamental.
Acho essa discussão muito importante; não podemos, de forma nenhuma, prescindir do
conteúdo. O livro didático, na maioria das vezes, limita-se a apresentar noções superficiais
de um número grande de informações, em doses homeopáticas. Para que isso não aconteça
temos que fazer cortes em certos tópicos de menor importância e escolher aqueles que
devam ser abordados com maior profundidade. Quando passamos da Ciência para o Ensino
de Ciências precisamos fazer uma seleção dos conhecimentos considerados fundamentais,
mas alguns critérios são necessários no cumprimento dessa tarefa. Muitos livros-texto, na
ânsia de abordarem muitas informações específicas tornam-se superficiais e acabam dando
maior ênfase aos exercícios do que aos conceitos.
Quanto ao Prof. Pierre Lucie eu me penitencio por não tê-lo citado. Foi uma pessoa
que deu uma grande colaboração ao Ensino de Física no Brasil. Os primeiros cursos do
PSSC, entre nós, foram dados por ele. Sua obra “Física Básica" é pioneira em termos de
pesquisa em ensino: trabalha a evolução dos conceitos apresentados, propiciando ao leitor
um conhecimento profundo desses conceitos. O livro didático que escreveu em colaboração
com o cartunista Henfil é uma opção interessante para o ensino de Física em certos cursos
de 2◦ Grau, mas, infelizmente, não é mais encontrado nas livrarias, desapareceu do mercado.

Bassalo: – Quero aproveitar a oportunidade para fazer um comentário com relação à questão
da Pedagogia. É claro que a Pedagogia tem a sua importância. Eu me lembro de quando eu
fiz um concurso para ser professor do Curso Secundário, no Pará, tinha que fazer o exame da
CADES. Lembro-me que havia três examinadores. Um deles dizia que um professor deveria,
para dar aula, dividir o quadro em média e extrema razão, começar da esquerda para a
direita e de cima para baixo, depois apagá-lo de cima para baixo. E se ele não tiver nenhum
conteúdo para colocar, o que ela vai dividir na média extrema e razão?
10
Participei recentemente de um concurso para professor da Universidade do Estado,
que está sendo criada no Pará, e uma das imposições da Secretaria de Educação de lá
é que, além de ter os três professores de Física, tinha que ter um pedagogo na banca.
Na primeira reunião, eu disse que não era contra ter um pedagogo na banca, desde que
o pedagogo tivesse uma formação em Física, que é para ele poder julgar o conteúdo, o
processo e o método utilizados. Bom, claro, foi uma celeuma, e disseram que eu estava
contra o pedagogo. O que aconteceu? Nós examinamos um candidato e no final do
concurso fomos dar as notas. Eu me lembro bem que eu dei oito e a pedagoga deu dez.
Eu disse: escute, mas a senhora deu dez. Ele expôs muito bem, eu concordo, mas ele disse
coisas erradas. Resposta: “para mim não interessa se ele disse coisas erradas, interessa
é que ele expôs bem”. Então eu concordo com o que o Caruso falou ontem, de que nós
temos também uma grande responsabilidade na Universidade de mudar os curricula das
Licenciaturas, porque, por mais paradoxal que seja, o licenciado é o que tem maior papel,
porque é ele que vai preparar os alunos que vão entrar na universidade. Então, eles têm
que ter a melhor formação possível. É comum se dizer que o licenciado não precisa estudar
Eletromagnetismo, Mecânica Estatística, Mecânica Quântica, nada de Física Matemática,
nada. Precisa apenas saber os quatro volumes do Halliday e nada mais; pelo menos é a tese

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que se usa bastante e que o licenciado precisa saber apenas dar aula. Daí porque existe uma
carga disciplinar didática enorme. Às vezes até maior que a carga de conteúdo, e claro que,
se um professor tiver conteúdo e se ele souber transmitir, então muito melhor, mas se ele
não tiver conteúdo, ele pode dividir o quadro em média e extrema razão, apagar de cima
para baixo, usar giz colorido, seja o que fôr, que não adianta nada. Eu não quero dizer que
a Pedagogia não é importante, mas ela tem que integrar os cursos de forma equilibrada. Eu
acho que se você der mais conteúdo e menos atividade didática, no fundo o professor será
melhor formado do que se ele tiver a carga didática muito grande.
Com relação ao Pierre Lucie, eu também quero lhe dizer o seguinte: o Pierre Lucie fez
uma coisa além dos livros-texto, e de fazer mesa para estudar colisão, lá na PUC. Ele dirigiu,
durante algum tempo uma revista chamada Contacto (Ciências), editada pela Cesgranrio
que, na área de Física, fazia a ponte entre a Universidade, quer dizer, entre o Terceiro Grau
e o Segundo Grau. Infelizmente, essa revista deixou de ser editada, por razão certamente
econômica. Eu queria, portanto, também destacar a importância do trabalho do Prof. Pierre
Lucie, a frente desta revista, buscando fazer a ponte entre o Terceiro e Segundo Graus.

Alvarenga: – Gostaria de, rapidamente, abordar um aspecto que esqueci de por em discussão
anteriormente: o tratamento, em disciplinas separadas, já no 1◦ Grau. da Biologia, da
Física e da Química. Atualmente, como sabemos, elas são incorporadas em uma disciplina
única denominada “Ciências”. Na maioria dos países desenvolvidos a abordagem é feita
separadamente e julgo que deveríamos caminhar nessa direção, principalmente pela
dificuldade que encontramos para formar um professor com conhecimentos razoáveis em
um campo tão amplo.
Apesar de enxergar a importância da integração tenho acompanhado o ensino de
Ciências e constatado que não existe o propalado ensino integrado. Tanto os professores,
quanto os livros didáticos apresentam ao estudante tópicos sucessivos de cada Ciência, mas
de forma nenhuma isto poderia ser visto como “Ciência Integrada". Infelizmente, porém,
não temos força para lutar no sentido de obtermos a separação mencionada. Há vários
problemas envolvidos, inclusive o de mercado de trabalho: o número de Licenciaturas
em Biologia oferecidas é muito superior ao das Licenciaturas em Física. Na Física há
necessidade de profissionais habilitados, enquanto na Biologia há excesso de mão de obra.
As Licenciaturas Curtas em Ciências, às quais já me referi, oferecidas quase exclusivamente
por Escolas Superiores isoladas (não incorporadas em Universidades) também são um
empecilho político nessa luta pela separação das disciplinas. Foram criadas pela Resolução
30/74, logo após a reforma instituída pela lei n◦ 5692 e há pressões diversas (inclusive
de entidades estrangeiras) para que elas não sejam extintas, embora o prejuízo que vêm
trazendo ao nosso ensino seja de fácil percepção. 11
Gostaria de ressaltar, ainda, que os pesquisadores poderiam dar uma grande
contribuição ao Ensino apoiando as lutas que se travam para a sua melhoria. No caso
me refiro a uma luta pela reestruturação das Licenciaturas. Tratando-se de uma área
interdisciplinar o “Ensino de física” exige, do profissional da área, conhecimentos referentes
tanto à Educação como à Física. Mas, da maneira como esses conhecimentos têm
sido transmitidos, seu objetivo de formar o profissional competente não é geralmente
alcançado. Meus alunos de Licenciatura em Física, frequentemente fazem queixas do
ensino que recebem: conhecimentos pedagógicos oferecidos por professores da Faculdade
de Educação que nada conhecem de Física e conteúdos específicos, ministrados por
físicos, que nada conhecem da área educacional (e muitas vezes nem se interessam por
ela). Aprender a analisar um livro de Física, com um professor que nada entende dessa
Ciência, acaba não levando a nada. Por outro lado, um físico competente mas mau didata,
que não consegue perceber as dificuldades do aluno e não procura enfatizar os tópicos
fundamentais, não poderá ser exemplar para os futuros professores que ele está formando.

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Caruso: – Infelizmente, devido à hora, vamos poder ter só mais duas perguntas, mas eu
pediria licença aos membros da mesa para fazer um comentário, explorando a pergunta
da Carol e os comentários da Profa. Beatriz e do Prof. Bassalo sobre a Licenciatura. Tenho
sentido um certo pessimismo dos participantes da LISHEP com relação às eventuais
mudanças do curso de licenciatura. Fiquei, então, muito satisfeito com a pergunta da
Carol, que é aluna da licenciatura da UERJ, pois ela me fez lembrar que talvez seja
importante, neste forum, citar o exemplo do Instituto de Física desta Universidade. O
curriculum de Física da UERJ foi totalmente reestruturado, após dois anos de discussão
interna desse assunto e, ao contrário do que muitos imaginavam, com a participação maciça
dos estudantes. No início pensou-se que seria muito difícil qualquer mudança. Em parte
devido aos setores mais retógrados do corpo docente e em parte pela tendência que muitos
defendem de que o aluno busca seguir uma geodésica para se formar do modo mais fácil.
A escolha da Licenciatura era, via de regra, pautada no fato dela ser “mais fácil” que o
Bacharelado e não pela desejável vocação ao magistério. Entretanto, essa experiência pela
qual a UERJ passou, mostrou exatamente o contrário. Foi até com uma certa surpresa
que algumas pessoas viram que essa reestruturação curricular, onde o conteúdo do curso
de Licenciatura em Física ficou quase o mesmo do Bacharelado, foi uma exigência dos
próprios alunos. Muitos, hoje em dia, querem fazer um Mestrado em Ensino de Física e
se deram conta que nos exames de admissão a estes cursos eram exigidos conhecimentos
de Eletromagnetismo, Mecânica Clássica e Quântica, que eles simplesmente não viam na
Licenciatura. Óbvio que houve problemas sérios no âmbito do corpo docente, de modo
que durou dois anos a discussão, mas foi possível fazer uma mudança radical na filosofia
do curso de Licenciatura em Física. Este novo curso já está sendo implantado, e há uma
procura grande de alunos de licenciatura que já estavam no curriculum velho, pedindo para
passarem para o novo, mesmo às custas de se formarem um pouco mais tarde. Isto quer dizer
que eles acreditam na melhoria do Ensino a partir da melhoria dos cursos de Licenciatura.
Espero que agora outras Universidades que possuem Licenciatura sigam o exemplo da UERJ.
Para aqueles que ficam desanimados, repetindo que “isso não vai dar para mudar”, tanto
nas Universidades quanto nas Escolas, fica a minha convicção de que é só uma questão de
termos muita paciência e determinação, que conseguiremos mudar, sim, este quadro. A
coisa não é fácil, mas no final é gratificante. Espero que nós, organizadores e conferencistas
da LISHEP, tenhamos conseguido, pelo menos, passar para vocês esta vontade de melhorar
o nosso Ensino Básico.

Francisco Cardoso Guedes: – Trabalho no Centro de Ciências do Rio de Janeiro. Gostaria


de comentar, inicialmente, que em 1990 organizamos um curso buscando essa interface
12 entre o professor do Terceiro Grau e o professor do Segundo Grau, exatamente buscando
introduzir elementos de Física Moderna neste segmento do Ensino. O material referente a
este curso foi publicado no nosso Simpósio de Ensino de Física de 1991, e nele fez-se uma
análise de vários livros didáticos que abordavam, no caso, a Relatividade. Fizemos uma
análise de como é que foi essa introdução na Itália. Foi uma experiência em larga escala com
resultados publicados na revista Giornale di Fisica, que pode ser encontrada, por exemplo,
na biblioteca do CBPF e aí vem a minha pergunta para a Profa. Beatriz. Foi muito enfatizado
aqui, a necessidade do professor do Terceiro Grau elaborar livros-texto, que seriam então
adotados pelos professores de Segundo Grau nas Escolas. Vejo aí descompasso aonde não
tem a nossa participação mais direta. Gostaria que a Sra. comentasse isto. A Sra. mencionou
várias tentativas neste sentido em outros países e como é feita esta interface? Só a nível de
Academia?

Alvarenga: – Fiquei satisfeita de ser informada sobre esta iniciativa que desconhecia.
Se entendi bem, você me pergunta como será possível introduzir elementos de Física
Moderna no 2◦ Grau com a contribuição apenas do professor do 3◦ Grau. Na verdade não
foi isto o que eu disse. Nas reuniões internacionais que citei, houve grande participação

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de professores de 2◦ Grau e chamei atenção especial para a reunião no FERMILAB, na


qual professores de 2◦ Grau contribuíram, inclusive no desenvolvimento de textos de Física
Moderna.
O que tentei enfatizar foi a necessidade da contribuição do pesquisador, já que o pro-
fessor de 2◦ Grau e os escritores de livros-texto, não têm condições de dominar, com certa
profundidade, todas as áreas da Física Moderna e Contemporânea. Quando analisamos um
destes temas, diversas dificuldades costumam surgir e a interação com um pesquisador da
área referente ao tema considerado seria fundamental para afastar aquelas dificuldades.
Assim, tanto é útil um contato entre professores e pesquisadores, quanto dispor de textos
nos quais podemos confiar, que nos propiciem mais segurança na atividade didática.

Caruso: – Chegamos ao final desta Mesa-Redonda que abordou um dos temas mais
importantes para o Ensino de Ciências: o livro didático. Agradeço enormemente a parti-
cipação dos três componentes da mesa. Naturalmente nenhum de nós teve a pretenção
de esgotar um assunto tão complexo e espero, portanto, que este tema, sempre atual, seja
novamente abordado na LISHEP95. Muito obrigado a todos vocês.

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