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·N224 1981 Cr$120,OO

.\0 PAULO: Rua Leôncio de Carvalho, 99'- 04003 - Paraíso - SP -


Telefone: 288-7356 ,
A~'TOS: Rua Oswaldo Cruz, 475 -11.100 - Boqueirão - SP-
Telefone: 31-2271
PORTO ALEGRE: Rua Visconde do Rio Branco, 835 - 90.000 - Floresta - RS

BELO HORIZONTE: Rua Joaquim Murtinho, 179 - 30.000 - Santo Antônio - MG


~10~ TEIRO LOBATO: Centro Pedagógico "Casa dos Pandavas" - Km 4 da
estrada de Campos do Jordão -12.250 - Bairro do Souza - SP
E~ TRO EDITOR: Rua Dona Ana Nery, 846 - 01522 - Cambuci - São Paulo- SP

RIO DE JANEIRO: Rua Barão de Mesquita, 712-A - 20.540 - Andaraí - RJ


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CII

Associação PALAS ATHENA do Brasil


THOT. divindade egípcia, e talvez o mais misterioso e menos' compreendido dos deuses do antigo
"Kern". É o símbolo da Sabedoria e da Autoridade. to escriba silencioso que, com sua cabeça de
Ibis, a pena e a tabuleta, registra os pensamentos, palavras e atos dos homens. que mais tarde passarão
na balança da justiça. Platão diz que THOT foi o criador dos números, da geometria. da astronomia e
das letras. A cruz (Tau, no Egito) que leva em sua mão, é o símbolo da vida eterna, seu bastão, em-
blema da Sabedoria Divina.

Nossa capa: Uma sugestão visual esquemática e convencional do universo teilhardiano.


divergindo a partir do Alfa inicial, representam-se o dominio cósmico. a estrutura física
do universo e o lugar do mineral. (Rastreando a Evolução na Arvore da Vida, encontra-
mos o feixe vegetal, a Ilorescência animal com O mundo dos invertebrados e depois dos
vertebrados, em que distinguimos os peixes, os anfíbios, os répteis e o ramo dos mamífe-
ros, donde brota o ramo dos primatas no qual se dá a explosão psíquica).
O plano horizontal no alto do desenho procura sugerir a divergência sociológica e a con-
vergência psíquica das pessoas na ascensão para Omega.

ÍNDICE

Editorial 3

o anel dos Nibelungos 4

o Mundo Divinizado 8
Associação PALAS ATHENA
centro de estudos filosóficos
(sucessora da Nova Acrópote) A ciência médica no Antigo Egito 14

EDITORES
Assim Deus falou aos homens 17
Assoçlação PALAS ATHENA do Brasil
Lia Dlskln
Basílio Pawlowlçz
Primo Aug.,.to Gerbe",
Aristocracia e Democracia 23

DIRETOR RESPONSÁVEL
o reino da alegria está em ti 26
Primo Augusto Gerbe",
CHEFE DE REDACÃO
ZlIdo TraJano de Luçena _
PRODUÇAO E DIAGRAMAÇAO Os quadrados mágicos 28
Equipe Thot
CORRESPOND~NCIA
Seçretarla de Editoriais
Conhecimento e aprendizado 30

CORRESPONDENTES
Santos (SP): Elba Lúç/a NOllello História: Politica Experimental 33
Monte/ro Lobato (SP): Mara NOllello
Porto Alegre (RS): Mlgue/ânge/o Gragnanl -
Maria Estela Luças
Belo Hor/zont. (MG): Dallld Cohen - Luçy Página dos leitores 35
Blumental
Rio de Janeiro (RJ). ZIIdo TraJano de Lu_na

Humor 36
FOTOllTO CAPA
Po/yçrom
COMPOSiÇÃO .
Caminho Editorial LIda. Não publicamos matérias redacionais pagas! Permitida reprodução. citando origem. Os números atrasados
IMPRESSÃO são vendidos ao preço que consta na capa (atua!)/ Assinatura anual: Cr$ 720.00 - cheque em nome da
Centro Editor de Pala. Athena Associação Palas Athena do Brasil; rua leOncio de Carvalho. 99 - 04003 - Paralso - São Paulo. SP -
Telefone: 288-7356/ A rasponsabilidade pelos artigos assinados cabe Ias autores! Matricula n9 2.406/

--- ~bltlllill~~llmlillllilllilllllllllillil~illllillllillmmllllllllllll~1II1I11111II1I1I1II11II1l1I111I11 Registro no DCDP do Dapartamanto de Policia Federal. sob n' 1.586 P 209/73.
o HOl\1EM NECESSITOU E
NECESSITARÁ SEMPRE DEIXAR
MARCAS SIGNIFICA 1lVAS NA
I-llSTÓRIA

Ontem: o homem nas cavernas Hoje: o homem na Lua

Esta revista representa uma sintese de nosso


esforço em deixar marcas. Com ela, queremos
afirmar a necessidade cada vez maior de
respeitar e confiar no Homem de todos os tempos.
Revista THOT
pla concepção do mundo, do homem e de Isto poderá parecer absurdo somente
Deus, ou se os modernos, com sua estreita para aqueles que se aferram às suas convic-
fixação pelo conhecimento tecnológico e ções materialistas porque têm medo de se
SU::l aberrante valorização dos instintos. lançar ao estudo do desconhecido. Mas não
E, no caso dos encantamentos, nunca seria assim para os que acreditam, ou melhor,
demais lembrar o poder da palavra, princi- constatam dia a dia a existência de leis natu-
palmente quando pronunciada com a cor- rais inexplicáveis para o homem comum, e
reta entonação e no momento adequado; que acreditam também que, em outras épo-
nunca demais lembrar o poder criador do cas, em outras culturas, o conhecimento
verbo, tantas vezes referido nas sagradas es- dessas leis naturais deu ensejo ao surgi-
crituras dos mais distintos povos; e nunca mento de uma verdadeira medicina sa-
demais lembrar que, no Egito, a ciência e a grada, de uma verdadeira ciência sagrada:
religião estavam intimamente relacionadas, sagrada no sentido de possibilitar aharrno-
e que os médicos eram também sacerdotes nia entre o interno e o externo, entre o mi-
que não se pretendiam autores dos encanta- crocosmos e o macrocosmos, entre .0 Ho-
mentos, preparações medicamentosas e ou- mem e o Universo.
tras técnicas curativas: eles apenas os Nesse sentido, tudo no Egito era sagrado.
aprendiam nas chamadas "Casas da Vida", Talvez nenhuma civilização tenha buscado
os templos-universidades legados pelo deus tanto essa harmonia. Talvez nenhuma civili-
Thot, o mensageiro dos deuses, encarre- zação tenha mostrado tanto ao ser humano
gado de proteger a humanidade, a quem a sua própria grandeza, indicando-lhe, ao
alude o papiro de Ebers: Eu saí de Heliápolis mesmo tempo, a adequada dimensão, o
com os Grandes dos templos, os que possuem justo limite de sua atuação dentro do vasto
proteção, os senhores da eternidade ... Eu universo de Deus.
pertenço a Rá. Ele disse: "serei eu quem prote-
gerá o doente de seus inimigos. Thot será o seu
guia, o que fará falar as escrituras e é autor
das fórmulas; dará habilidade aos sábios e aos
Bibliografia: Claudine Brelct-Rueff - As Medicinas Tradicionais Sagrada s:
médicos-mágicos, seus discípulos, para curar Edições 70, Lisboa, 1978.
A. de Almeida Prado - As Doenças Alrm'és dos Séculos: Editora
da doença aqueles que Deus deseja manter vi- Anhembi. São Paulo. 1961.
Zildo Trajano
vos".

ASSIM
DEUS FALOU
AOS HOMENS
~~
~
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- Mario Ferreira dos Santos -

Já haviam despertado as trevas para os la- Acordei quando soaram as trombetas do


dos do nascente. Senhor. Uma brisa suave embalava todas as
E despertei porque abri os olhos para a coisas e mansamente acariciava o meu
luz da manhã. corpo porque despertei sem sobressaltos.
o silêncio dominava todas as coisas como Eu também ressuscitava, e vi.
se elas permanecessem ainda adormecidas. E vi que o verde dos campos era mais
Na paz do campo, deveria ferir os meus aveludado. No céu, um azul muito lavado,
ouvidos a clarinada de um galho, e um longínquo, matizado de um leve cor de rosa,
canto de pássaros não me surpreenderia. permitia aos meus olhos penetrarem distân-
Surpreendia-me o silêncio; silêncio que cias sem fim.
me penetrava e me pesava nas pálpebras. Não era mais uma cúpula empoeirada de
THOT 17
luz, e tudo me parecia estranho; porque era acordo com as leis 'da natureza. E estavas
tão diáfano, tão profundo, que não havia com a verdade. E por que não concordaste
mais distâncias para os meus olhos. que havia uma ética na natureza, cujos fe-
Por que, por que era tão diferente o nôrnenos observam a regularidade de cer-
mundo? tas leis? ... Por que criaste uma ética que
É que já haviam soado as trombetas do negava a natureza? Ouve! Os poderosos
Senhor. chamaram bons aos poderosos; os humil-
E de todos os horizontes um rumor veio des, aos humildes; os 'corajosos, aos corajo-
até mim. Eram vozes que entoavam hinos. sos; e os fracos, aos fracos. Todos os teus
E cercavam-me milhões e milhões de se- semelhantes se consideravam bons. E por
res como eu, e todos volviam 'os olhos para que não foram bons?
aquela voz luminosa que atravessava todas Quando impotente, inventaste a compla-
as distâncias e' nos aproximava do infinito. cência; Quando te abaixavas, 'cheio de te-
Nunca poderei descrever o que senti ante mor, chamaste humildade; quando te su-
aquela imensa luz que escurecia a luz do jeitavas ao forte, a quem temias, chamavas
sol. Senti invadir-me um frio agradável que obediência; como não podias vencê-lo, fala-
não me enregelava. vas em 'perdão.
E havia cores inéditas para os meus olhos. Por que usaste do meu nome para justifi-
E ouvi um som maravilhoso, ante o qual, o car as tuas fraquezas?
que valeriam os sons harmoniosos de um Só por temeres os fortes aceitaste o amor
nobre violino? ao próximo.
E não me sobressaltei, quando aquela luz Quão poucas vezes conheceste o amor,
imensa falou: porque ele muitaves vezes era 'feito de
- Homem, chegou o tempo dos tempos, medo. Mas outros nomes deste aos teus sen-
e estás nos umbrais da Eternidade. Eu sou a timentos, mascarando-os, para que ospode-
Eternidade ... rosos não compreendessem o teu ódio.
Ante o Senhor, eu deveria ter caído de Fizeste do mundo um cárcere, e inven-
joelhos. Deveria, humilde, elevar até ele os taste filosofias de carcereiro.
braços, e pedir-lhe piedade. Não disseste muitas vezes que a vida não
Eu estava ali para ser julgado, pois soara merecia ser vivida?
o Juízo Final. E por que? Porque te acovardavas ante a
Mas o Senhor tornou a falar: existência.
- Homem, não deves temer a Eternidade. Por que criaste uma moral de vencido?
Não quero de ti o gesto de quem pede. Por que, em vez de construíres o teu
Nunca de teus lábios deveriam ter saído as mundo, viveste a imaginar outros que julga-
palavras que pedem, nem os lamentos dos vas melhores?
queixosos da vida. - Senhor, tu és absoluto e podes com-
Se, em vez de pedir, tivesses tomado da preender o porquê da minha fraqueza ...
vida o que precisavas, não 'estarias agora - É por isso que te falo. E ouve: detesta
tremendo na minha presença. os que conduzem e os que seguem. É mister
O meu interrogatório será breve e rápida que inspires a ti mesmo a grande emoção
a minha sentença. Em ti eu julgarei todos os
teus semelhantes.
Por que não acreditaste na minha ver-
capaz de inspirar os outros. E uma traição a
ti mesmo quereres conduzir o teu próprio
eu. Deves conquistar-te pela tua própria
1
dade? fascinação.
Não acreditaste por ser simpres e clara! Afirma-te pela natureza. E, se assim o fi-
Sempre temeste a simplicidade, e a minha zeres, os teus olhos verão 'melhor, e ouvirão
verdade era a simplicidade ... os teus ouvidos além dos teus ouvidos.
Não sentiste a suavidade do verão percor- Procura na natureza as regras para a tua
rer a tua pele? Não sentiste em tua alma as vida. não destruas a ti 'próprio ao te enca-
folhas secas que caem no outono? Não sen- deares nas algemas que criaste.
tiste nas 'tuas carnes os frios do inverno? Chegaste agora aos umbrais da Eterni-
Não reverdeceste com o mundo nas pro- dade.
messas da primavera? Ouve!:
Tinhas, na alma, todas as almas do Foi o teu medo que criou a imagem que
mundo. Se tudo isso tivesses compreendido, de mim fizeste.
terias vencido a morte! E por que não o Os teus filósofos descreveram-me como
compreendeste? um monstro de sabedoria; os 'teus ascetas,
- Senhor ... como um infinito de ascetismo; os teus poe-
- Não precisas responder. Eu sei a tua re- tas, como o mais lírico dos poetas, os teus
sposta. Ouve-me: Disseste um dia que os fracos, como o externo da complacência.
fenômenos no mundo se processava de Em mim espelhaste sempre as tuas ausên-
18 THOT
cias desejadas. 'que a tua era a minha imagem. Querias fa-
No entanto, na vida com que animei o teu zer de mim um impotente ao afirmar que eu
corpo, .estava escrito o 'meu caminho. Só não podia fazer o mal nem o nada, como se
ele poderia levar-te até mim. não fosse o mal e o nada obras da impotên-
Mas outros caminhos preferiste buscar. cia e não do poder absoluto. Unilateral sem-
Procuraste engrandecer a tua pequenez, e a pre em 'tuas concepções, nunca te foi possí-
atribuíste a mim. E porque era mesquinha a vel compreender os matizes dos meus 'atri-
tua interpretação, acusaste-me dos teus er- butos.
ros e procuraste destruir-me. Não precisavas ser um deus para
Vou expor-te a imagem que tu, de mim, entendê-los. Tu, relativo e condicionado,
uma dia fizeste. Segundo a tua interpreta- querias ser a imagem do absoluto e do infi-
ção, eu percorri sozinho a imensidade do in- nito. Desejavas, assim, iludir a tua limita-
finito, através do infinito do tempo. Nin- ção, insinuando a ti mesmo, às tuas intui-
guém me acompanhava nessa peregrinação ções à tua razão, para que se voltasse con-
eterna. Sozinho, buscava através da imensi- tra ti contra tua condicionalidade, 'que eras
dão de mim mesmo, e da minha obra. um deus mas desterrado. Criaste a lenda de
O teu aplauso chegava até mim tão Pigmaliio para atirar sobre a divindade a in-
ínfimo como se areias do deserto 'aplaudis- fâmia de uma dúvida.
sem a arquitetura de tuas cidades. Sabes Tu me ofendeste com a imagem que de
acaso o que sofre um 'ser que não recebe o mim criaste. Foste sempre a medida de to-
aplauso de alguém que a ele se assemelhe? das as tuas coisas.
E tu, homem, tu que te queixas da tua infeli- Mas há em teu orgulho algumas coisa de
cidade, podes encontrar o aplauso dos teus heróico, quando, nesse orgulho, existe um
semelhantes. desejo de me alcançar.
Vives ombreando com teus pares. para a Admiro sempre aqueles que buscam
tua vida, para chorar as 'tuas lágrimas, para elevar-se de seu ponto de partida. Mas sem-
rir contigo as tuas alegrias, para sofrer, pre desprezei aqueles que estabelecem um
compartilhando a tua dor, tens a compa- estreito ponto de chegada.
nheira que eu te dei. Deves, homem, criar para ti um ponto de
E eu, eternamente sozinho por entre a partida e nunca um ponto de chegada.
imensidão de mim mesmo, estou só na mi- Faze de mim um ponto de chegada e faze
nha glória. de ti um ponto de partida. como homem,
Não há para mim montanhas que atraves- busca superar-te. Aqueles que te envenena-
sar, rios que vadear, sombras 'que iluminar, ram com a loucura de 'atingir os fins, como
mistérios que decifrar. se os fins existissem antes de mim,
Não preciso conhecer a fruição das des- tornaram-te difícil a descoberta do cami-
cobertas, o sacrifício agridoce dos que per- nho. Avança além de ti mesmo. a tua felici-
dem as noites no estudo em busca do co- dade não é apenas ,o bem-estar, mas em
nhecimento, porque 'sou Deus, e conheço sempre te aproximares de mim. e em cada
tudo, e as trevas, para mim, são luz; as mon- instante do tempo, em cada uma das tuas vi-
tanhas 'são rugas do meu caminho, e os rios, tórias, sentirás a felicidade da tua .con-
veios mesquinhos que nada significam. quista.
Tu proclamas o meu poder absoluto. Tu o Como queres achar-me, se tu ainda nem
declaras por teus sábios e 'pelos teus filóso- te encontraste?
fos, e, no entanto, queres fazer-me limitado Eu te ensino o novo caminho: eu sou a
na minha 'grandeza. definitividade sem fim. Buscar-me é o teu
Nunca compreendeste o meu amor, caminho. eu estou em cada uma de tuas
como se apenas pudesse amar um ser 'infinito conquistas, e em cada uma das tuas vitórias,
como eu. Querias que eu permanecesse e estou contigo em cada uma das tuas supe-
eternamente na contemplação de mim rações. .
mesmo, e a embriagar-me da minha própria Em cada instante que venceres a ti
contemplação e no amor do meu próprio mesmo, em cada momento que deres um
amor. E que te afastavas de mim com o co- passo à frente, estaras mais próximo de
ração, e pensavas que era eu que me afasta- mIm.
vas de ti. Estarei ao teu lado quando amares, para
Quando criaste regimes autocráticos, me que a tua afeição seja 'mais profunda; esta-
descreveste como um autocrata; quando rei ao teu lado quando chorares, para que a
construíste regimes democráticos, fizeste- tua dor não te desesperes. Tu me terás ao
me um Deus bondoso; quando guerreiro e teu lado em cada uma das tuas vitórias, por-
odiento, fizeste-me um Deus odiento e que eu sou a tua vitória.
guerreiro. construíste a minha imagem à tua Busca-te que me acharás.
imagem, assim como outras vezes julgaste Ouve o meu novo sermão da Montanha:
THOT 19
1 - Um dia, os homens hão de amar nova- 4 - Observa os teus semelhantes. São
mente o Sol. Há homens que o odeiam, mais' desembaraçados para amaldiçoar do
porque lhes anuncia o trabalho fatigante. que para agradecer. Quando amaldiçoam,
A noite, para eles, tem um gosto de liber- as frases saem rápidas, vivas, fluentes.
tação! Terrível espetáculo o de um mundo Mas as palavras são difíceis, torcem as
assim! mãos, e humildes, como vencidos, baixam
Quando os homens voltarem aos seus la- a cabeça, sorriem temerosos, entre a tris-
res com o peito alevantado, o rosto mode- teza e a alegria, quando agradecem, reve-
lado por um sorriso, hão de amar nova- lando uma terrível luta interior ...
mente o Sol ... 5 - Já disse um dos teus:
2 - Não me afirmam. os que. me afirmam "Não é o amor ao próximo que salva os
em palavras; nem me negam os que em pa-
náufragos, e sim a coragem!"
lavras me negam.
Negam-me os que negam-me em atos,' Que adiantaria o amor ao próximo de
embora me afirmem em palavras. quem não pode tornar efetivo esse amor?
Eu sou aquele pai que se ofende quando Deves cultivar a coragem ante a dor, a cora-
os filhos o renegam pelos atos. gem ante o sofrimento, a coragem ante a
3 - Tornaste o amor pecaminoso. Dei-te alegria, a coragem ante o prazer, a cora-
o amor, para que ele te embelezasse a vida. gem, altiva e nobre, em cada um dos teus
Dei-te o céu nas menores coisas e tu o des- momentos.
prezaste, porque ele vinha nas menores coi- . Só depois' aprenderás a amar o teu pró-
sas. Dei-te o amor, junto à tua carne e junto ximo.
ao teu espírito, para que suavizasse os teus Só os corajosos sabem dar. Não conhe-
instintos. tu o chamaste pecaminoso. Fi- cem o sofrimento surdo de sua benevolên-
zeste de mim um monstro assexual, para cia; pois o covarde, quando dá, procede por
clamar contra a miséria do teu sexo.Em temor do castigo divino ou por temor dos
verdade, eu te digo: o amor dos sexos tam- outros homens, ou por astúcia, no intuito de
bém é divino, quando une os homens além receber uma paga maior que a dádiva. O co-
de si mesmos. O amor 'ergue-os e os une rajoso dará sem temores.
além do tempo. Nega-se a si próprio, e nega E, em verdade te digo, bem-aventurados,
a mim, aquele que nega o sexo. os corajosos, porque deles será o reino dos
Em verdade te digo: só as almas superio- céus!
res sabem amar, e bem-aventurados os que 6 - Cuida-te daqueles que olham a vida
amam porque eles conhecerão o reino dos com um olhar de sono. Tu sempre dormirás
céus! bem quando fores tu mesmo. Quando nega-
20 THOT
res a ti mesmo, teu sono interrogar-te-á. As zido.
tuas angústias serão livres e não uivarão na Deves temer até conduzir a ti próprio.
tua alma. Mas para' libertá-Ias, não taparás Perde-te em tua própria floresta para que te
os ouvidos a fim de não ouvi-Ias, nem delas aches. E empreende tua busca como quem
fugirás para fugires à presença que te des- faz uma conquista.
gosta. Bem-aventurados os que conquistam a. si
Deves levantar-te com um sorriso, por- mesmos, porque deles será o reino dos céus.
que todo acordar é uma ressurreição. 16 - O que recebe, louva sempre o desin-
Bem-aventurados os que sorriem, porque teresse de quem dá.
deles será o reino dos céus! . Os que nada pedem á vida, os que não se
7 - Se na hora da fortuna esqueces os queixam da vida, os que não se cansam de
teus amigos, como queres que se lembrem buscar, têm sempre um gesto desdenhoso
de ti na hora da amargura? quando acham, quando obtêm, quando so-
8 - Aquele que deseja a felicidade sem o frem.
esforço, é como o que atira fora a noz por- Chamaste de verdadeiro tudo quanto te
que dura é a casca ... foi útil, tudo quanto correspondeu aos teus
9 - A mãe ama o filho porque sofre para lhe desejos. Ao vento que saculeja a árvore e
dar a vida e para conservá-Ia. Tudo quando atira ao chão a fruta madura, para que tu a
facilmente obtens, tens perdido. As dores, apanhes sem esforço, chamaste de bom ...
as lágrimas, as dificuldades foram a medida Não precisarei dizer mais para mostrar
de valor de todas as tuas coisas. quão mesquinho é o teu conceito do verda-
10 - Virtuoso não é o que faz o bem por- deiro, do bom, do útil?
que teme o castigo; virtuoso não é o que 17 - Se o mundo não for cada dia dife-
pratica o bem porque será premiado; vir- rente é que tens a morte dentro de ti.
tuoso não é o que realiza o bem porque não Bem-aventurados os que trazem dentro
tem propensão para o mal. Virtuoso é o te- de si a vida, porque deles será o reino dos
naz, é o forte, é o que vence, é o que exe- céus!
cuta a sua vontade, é o que dirige os seus 18 - A virtude dos pessegueiros são os
impulsos, é o que estabelece um ideal, e o pêssegos. A virtude dos mares o serem
busca. imensos; dos tigres, a crueldade; a astúcia, a
É o delicado para com os fracos, enéer- das raposas. Só tu julgaste que a virtude não
gico para com os covardes, humilde para consistia em ser instintivamente humano!
com as crianças, digno para consigo pró- Em verdade te digo:
prio. Bem-aventurados os que não se negam,
11 - Homem, um dia cansaste de crer. porque deles será o reino dos céus!
Tantas foram as mentiras daqueles que fala- 19 - Quão infeliz terias sido, se um dia eu
ram em meu nome, que fechaste os ouvidos te tirasse o esquecimento!
a todas as vozes que anunciavam um "além 20 - Chamaste grandes aos que não pe-
de ti mesmo". cam por temor do castigo, da consciência
Mas quando sofres um desejo de um im- ou do remorso. Como chamarias àqueles
possível; quando não consegues vencer a di- que não pecam porque não querem?
ficuldade que pensaste superar, quando Bem-aventurados os que não pecam por-
uma insatisfação te oprime o peito e te ar- que não querem, porque deles será o reino
ranca um suspiro, podes conformar-te com dos céus!
a tua morte. Podes ter um sorriso estóico e 21 - A rã não acredita num mais além dos
indiferente. Mas dentro de ti uma voz cla- horizontes ...
mará, e precisarás amordaçá-Ia. E por que Por que tu não vais acreditar num mais
nesses momentos não interrogas a ti pró- além dos teus horizontes?
prio, se existe em ti ou não, o que clama 22 - Tu agradeces à vida quando te fazem
contra a falta, o que pede para vencer as um bem? Então por que te queixas da vida
tuas derrotas? quando te fazem um mal?
Não ouviste essa voz? 23 - Que seria de ti se não houvesse os
Sou eu, em ti, que falo, e por que não me que amam o perigo? Quem atravessaria os
queres ouvir? mares, as terras desconhecidas, quem galga-
12 - Como encontrarás o sobrenatural se ria os cumes das montanhas? Quem se apro-
tu nem sequer soubeste encontrar a natu- fundaria nas entranhas da terra? Quem de-
reza? vassaria os espaços e quem penetraria nas
13 - Quantos atos de bondade deixarias selvas do conhecimento em busca de novas
de realizar se não tivessem testemunhas? verdades?
14 - Rebelam-se contra as regras os que Quem se entregaria ao afã das descober-
não podem cumpri-Ias. A virtude só é tas, no silêncio impregnado de mistério dos
grande quando difícil. laboratórios, se não houvesse os que amam
15 - Não conduzas e não serás condu- o perigo?
THOT 21
Em verdade te digo: lheste. Não, homem! Conquista por ti pró-
Bem-aventurados os que amam o perigo, prio o mundo que desejas. Dar-lhe-ás de-
porque deles será o reino dos céus! pois, quanto mais lágrimas e mais dor ele te
24 - Benditos os miseráveis que guardam exigir, mais valor pelo que te custou! Não
para si as suas misérias. destruirei' a minha obra tornando a ti,
25 - Um olhar de eternidade, homem, é o poeira de uma poeira, maior do que mere-
de que careces para a altivez de teus olhos! ces. Dei-te a inteligência para poderes ven-
26 - A bondade manifesta-se no impre- cer em tua luta. Que fizeste dela? Por que
visto da generosidade. não a usaste para o bem? Cansaste agora de
Só podem dar os que têm. E quem tem é usufruir o teu poder, e como temes os mais
mais do que si próprio. Deves por isso, amar fortes do que tu, pedes-me que os torne
o "além de ti mesmo", para poderes conhe- iguais a ti.
cer a 'felicidade de quem dá. Se eu fizesse o mundo como desejas,
Em verdade te digo: sentir-te-ias mais infeliz do que és hoje, por-
Bem-aventurados os que vão além de si que te cansarias logo da tua felicidade. Dize
mesmos, por que deles será o reino dos ainda aos teus semelhantes estas minhas úl-
céus! timas palavras:
27 - Não tenho virtudes, porque sou Homem, voltarás a ser tu mesmo, e im-
quem sou. prescritivelmente viverás a tua vida. E con-
Virtuoso é só quem vence os seus defei- tinuarás comendo o pão com o suor do teu
tos, e eu não os tenho. É fácil ser bom rosto. O imensamente grande e o imensa-
quando a bondade é agradável, e eu não ad- mente pequeno da tua vida tornarás a vivê-
miro os justos que não podem ser injustos. Ias.
Quero-te como és, mas vencedor de ti Cada sofrimento e cada alegria tua hão
mesmo, porque em verdade te digo: de encher de lágrimas outra vez os teus
Bem-aventurados os vencedores, porque olhos e fazer sofrer o teu peito e hão de ou-
deles será o reino dos céus! tra vez desabrochar o sorriso do teu rosto e
Enganam-se que servem os que sacrifi- aprofundar a tua respiração. E, assim, im-
cam a vida para me servir; enganam-se prescritivelmente ... E terás outra vez o sol
que me amam, OS que odeiam os outros que admirarás e adorarás, porque ele carre-
para amar-me; enganam-se que me honram, gará de frutos maduros as árvores que plan-
os que buscam a solidão para me encontra- tares, e de calor o teu corpo que tremerá
rem ... nas noites frias. Outra vez a lua há de empa-
Nunca pedi desses servidores, pois não lidecer nas noites escuras e sugerirá a eclo-
seria Deus se deles carecesse. são dos teus sentimentos e dos teus afetos.
Eu sou a Eternidade. Volta para junto de Outra vez ouvirás o ritmo das horas que
teus semelhantes e repete-lhes estas pala- passam, marcando o teu tempo. E admira-
vras que traduzi na imperfeição da tua lín- rás os campos soltos, as manhãs claras,
gua: "Quiseste um mundo melhor do que cheias de luz e de vozes de pássaros, e terás
aquele que te dei. Dizes saber como deveria as sugestões misteriosas que se esconderão
ser esse mundo: proclamaste até que feito nas sombras das noites sem luz, outra
por ti, ele seria melhor. vez ...
Se sabes construir a felicidade, por que Homem, vive e compreende o teu des-
não a constróis? tino. E verás, então, que, mais uma vez, há
, Não conheces acaso as leis do teu de desabrochar no teu rosto o sorriso da
mundo? Não dominaste as distâncias? Não alegria que procuraras, e há de doer menos
acorrentaste o raio e tornaste inofensivo o o teu peito.
trovão? Não soubeste arrancar do seio da Ouve: que o sofrimento não seja para sem
terra o alimento para os teus? Não cons- pre a tua preocupação. É mister que o vejas
truíste cidades imensas de cimento e de em função da tua alegria. Não rirá nunca o
aço? Não tiraste do âmago da terra a força teu rosto antes que se tenha um dia retor-
que te poupa o esforço? Não aumentaste no cido pela dor.
decorrer de séculos o teu poder mil vezes Só poderás gozar a felicidade da incer-
mais? Por que não realizas o teu mundo? teza quando compreenderes ser a dor a an-
Por que não fazes a tua Terra Prometida em tecâmara da alegria. Ama a contradição de
vez do "meu vale de lágrimas"? Não te con- tua vida, porque ela afirma. Não modeles a
sideras inteligente, poderoso, forte? Pois tua existência na estreiteza dos sonhos da
mostra a tua força, o teu poder, a tua inteli- tua fantasia nem da tua realidade.
gência. Nega os fatalismos para afirmar o teu
E pelo menor esforço que desejas que eu, querer. Lembra-te que há destinos que se
como um dos teus mágicos, transforme as forjam, como tu forjas as tuas espadas. Ca-
coisas num golpe de mágica. reces da consciência de tua força e não te-
Queres ter à tua mão o fruto que não co- mas usá-Ia. Só assim te elevarás acima de ti.
22 THOT
Acreditaste no fim, porque viste o fim das Farás de mim tantas imagens quantos os
coisas, e elas se transformam. teus instantes, na vida. Em vez de me defini-
Acredita na tua eternidade, e já terás com res, ensinar-te-ei a maneira de me-encontra-
isso conseguido superar um pouco a tua li- res. Busca-me ... É nessa busca que me te-
mitação. . rás a teu lado. Quando me atingirás? Que te
Que as minhas palavras te sirvam para o interessa saber o quando, se mal iniciaste a
futuro. Falei-te com a simplicidade de tua jornada? Põe-te a caminho. Realiza a ti
língua, e espero não mais ouvir as tuas quei- mesmo, sempre além de ti mesmo. Com isto
xas que aborrecem os meus celestiais ouvi- te aproximarás de mim. Eu estarei em todas
dos! as épocas, sempre distante eu serei o teu
Todas as imagens que de mim criaste ideal. Em vez de procurares toransformar-
tornam-se ridículas e ofensivas. Não critica- me em ti, homem, transforma-te em mim.
rei a tua maneira de me conceber. Não sou Não me definirás mais pelas tuas qualida-
o Deus que exige a cada instante um sacrifí- des, mas procurarás a tua definição pelos
cio, que, a cada momento, quer os teus meus atributos. É esse o caminho que in-
pensamentos voltados para mim. Não seria dico, e que te levará até mim. Vai!
Deus se carecesse de sacrifícios para poder
aplacar a minha ira, nem me ofendo por
procurares descobrir quem sou. Em cada
uma das tuas épocas terás de mim uma defi- Mário Ferreira dos Santos
nição, e esta nunca há de te satisfazer. Mas (Extraído do livro "Assim Deus Falou
ouve: precisamente por isso deves te ale- aos Homens"; Livraria e Editora Logos,
grar. São Paulo, 1959)

Aristocracia
e Democracia Jorge L Garcia Venturini

(dezembro/7 4)
Devido a alternativas semânticas sofridas privilégios hereditários e inalteráveis, não
no transcurso do tempo, estes vocábulos pa- importando quais sejam os verdadeiros va-
receram ter significados opostos. A partici- lores éticos ou a efetiva capacidade para go-
pação de todos na coisa pública foi denomi- vernar, é certo que a democracia (e a repú-
nada democracia (embora, como forma de blica) lhe são contrárias. Mas ocorre que
governo, o nome correto fosse república), e, aristocracia significa também e fundamen-
como tal, se confrontava com a participa- talmente "o governo dos melhores" (áristos
ção de apenas uns poucos, o que se denomi- significa, em grego, o melhor), e neste sen-
nava· aristocracia ou, também, oligarquia, tido a democracia não tem por que opor-se
termos estes que se usam indistintamente, o à aristocracia - a menos que se deseje algo
que tampouco é correto. A democracia - que não se deveria desejar, ou seja, o go-
em linguagem superficial e convencional - verno dos piores. Não obstante, a incúria na
costuma assim representar o contrário da linguagem, que nos faz dizer às vezes o que
aristocracia. Isto porém, requer uma maior não queremos dizer, tem-nos levado com
atenção, já que por trás de um falseamento muita freqüência a associar aristocracia
semântico se esconde sempre um falsea- com oligarquia, que não é o governo dos
mento conceptual e entram em jogo princí- melhores mas o de uns poucos (e, segundo
pios fundamentais. seu tradicional sentido, o governo "egoísta"
Se por aristocracia entendemos uma desses poucos), fazendo confrontarem-se
classe social que por sua linhagem democracia e aristocracia, no elevado sen-
encontra-se investida de numerosos privilé- tido deste termo.
gios, entre eles o de governar, sendo estes E como a linguagem nos condiciona e
THOT 23
FOTOLlTO POl YCHAOM . AV. IMPERATRIZ LEOPQLOINA. 1430
FONES: 831·9327/261·711a· V. HAMBURGUESA (LAPA)· SÃO PAULO

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