CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS - CCJ FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE - FDR
Sociologia do Direito Turma: N7 Discente: João Gabriel Figueiredo da Silva
Doutor Gama – Minha análise
Antes de tudo, é incrível como um personagem tão importante da nossa
história passa despercebido na nossa formação. Na escola, nunca ouvi falar dele. Na faculdade, só indiretamente – nunca em aula – e, como se não bastasse, ainda fica ofuscado pela “abolicionista” mais famosa da nossa estória: Princesa Isabel. Pra continuar essa análise, eu vou fazer umas breves considerações sobre o panorama histórico da época: meados da década de 30/40 do século XIX, o imperador à época, Dom Pedro I, assume publicamente o compromisso de acabar com o comércio de escravizados no Brasil, só que ele sai do trono sem cumprir a promessa, o que corrobora em uma série de burocracias e morosidades pra, de fato, acabar como trabalho escravo aqui – nós fomos o último país nas américas a findá-lo, vale mencionar. Agora, passemos para a análise do personagem, que é bastante profundo e cheio de nuances interessantes. Ele era filho de um branco com uma negra alforriada e, portanto, nascera livre. Só que o pai, em razão de dívidas, vendeu-o como escravo, mandando-o da Bahia para São Paulo. Não possuía educação formal, era autodidata e aprendeu a ler e escrever com um estudante de direito que vivia na casa de seu senhor e reivindicou sua liberdade ao seu proprietário, afinal, nascera livre. Ele mesmo encontrou provas de que era livre e ele mesmo se libertou. O primeiro escravo alforriado por ele fora ele mesmo. Incrível. Um advogado – rábula – negro, em 1840 (!), pleiteia em favor de escravizados. Diante disso, já é possível fazer várias reflexões. A primeira é que, em 1840, um advogado negro, ativista abolicionista, é tão destoante à época que parece coisa de ficção, filme épico etc. Hoje, apesar dos séculos terem passados e, não ser tão impressionante quanto antes, ainda é bastante difícil associar a figura de um negro à uma profissão dita como “erudita” e tão elitizada tal qual as carreiras jurídicas. A segunda, rapidamente citada no parágrafo anterior: como um cara desses não tem o devido reconhecimento? Se ele fosse americano, seria mais famoso que Abraham Lincoln muito fácil. Como se não bastasse, a “paladina abolicionista” que nos descem goela abaixo é uma branca que muito pouco fez pela causa. Em suma, a história dos negros tem sido contada por brancos, que embranquecem os personagens – veja o que fizeram com Machado, por exemplo. Além disso, a figura do brasileiro que se coloca por aí é do anti-herói, o Macunaíma e, apesar do valor que tem, é muito mais interessante a ideia da figura do brasileiro ser a de herói mesmo, a de Luízes Gama – fazendo outro paralelo com o Tio Sam, ele seria mais famoso que o Capitão América. O principal argumento de Gama, em juízo, era que os africanos trazidos ao brasil depois de 1831, tinham sido trazidos de forma ilegal. O que nos leva à minha parte preferida do filme, quando ele diz: “não estamos aqui para julgar um homem que quebrou a lei, mas estamos aqui para julgar as próprias leis”. Isso ecoa até hoje, infelizmente, vejamos o caso Rafael Braga, que foi preso por estar segurando uma garrafa de Pinhosol, sob a justificativa de que era pra fazer um coquetel molotov. Rafael Braga era negro. E é nessa parte do filme que convergem-se todas as nuances e aspectos da sociologia do direito no cenário brasileiro: a nossa sociedade – ontem e hoje – racista produzia e produz leis racistas, as nossas leis são leis de um sistema que é simpatizante com simulação de flagrante, a nossa execução penal ceifa vidas e a sua mira sempre atira pra um lugar específico. Nossas balas perdidas só são encontradas em uma parte da cidade, nunca na outra. Luiz Gama combatia magistrados, políticos, senhores de engenho racistas, as nossas instituições foram construídas com base num sistema racista e excludente. É preciso reformular de base tudo isso. E pra terminar, eu falo novamente o que eu falei em um trabalho passado: a gente começa a faculdade achando que vai fazer a diferença no mundo e no meio do caminho desacredita que isso seja possível, mas histórias como essas trazem um gás pra gente voltar a acreditar. O Brasil precisa de mais Luizes Gama, que de fato foi um brasileiro que usou o instrumento jurídico na sua forma mais refinada: a de libertação e proteção de direitos, e de instrumento de progresso político e social.