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Saúde mental: indicador inédito mostra os perfis dos

brasileiros que mais sofrem no país; veja os grupos


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Pesquisa mostra que aqueles em busca de um emprego,


mulheres, jovens e pessoas trans têm os piores índices de bem-
estar no Brasil

A partir desta sexta-feira, uma nova pesquisa se propõe a mapear a saúde mental da
população brasileira e atualizar a cada semestre os ganhos e perdas relativos ao tema
no país. O monitoramento será feito a partir do Índice Instituto Cactus-Atlas de Saúde
Mental (iCASM), criado pelo Instituto Cactus, entidade filantrópica ligada à promoção do
bem-estar psíquico, junto à AtlasIntel, empresa especializada em pesquisas e dados.

Nesta primeira rodada, o indicador revela que a forte desigualdade que assola o Brasil
em esferas como gênero, orientação sexual e renda são traduzidas no bem-estar
psíquico, com destaque para quatro grupos populacionais que mais sofrem.

— Quando olhamos para o aspecto sociodemográfico, o que chama a atenção é que


pessoas em busca de emprego, mulheres, jovens e LGBTs, especialmente pessoas
trans, se destacam com índices mais baixos de saúde mental que a média — diz Luciana
Barrancos, gerente-executiva do Instituto Cactus.

Formulado a partir de entrevistas online com 2.248 brasileiros acima de 16 anos, de 746
cidades de todas as regiões do país, a média geral ficou em 635 pontos de uma escala
que varia de 0 a 1000. Porém, pessoas desempregadas marcaram somente 494, abaixo
da média e 186 pontos a menos do que os assalariados, que tiveram 680.

Em relação à faixa etária, jovens de 16 a 24 tiveram o pior desempenho, com somente


534 pontos. Bem distante dos idosos a partir de 60 anos, que marcaram 757. As
mulheres também tiveram uma pontuação inferior, de 600, uma diferença negativa de 72
pontos em relação aos homens, que marcaram 672.

Já pessoas trans contabilizaram 445, uma das piores notas de todo o levantamento e
quase 200 pontos a menos que pessoas cisgênero (que se identificam com o gênero ao
qual foram atribuídas ao nascerem), que marcaram 638.

Os resultados também mostram um maior sofrimento entre pessoas com orientações


sexuais diferentes da heterossexualidade: homossexuais, com 576 pontos; bissexuais,
com 488; assexuais, com 485, e pansexuais, com 427 – todas pontuações inferiores à
daqueles que se identificam como héteros, que marcaram 656.

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— Estudos evidenciam que minorias sociais vivenciam estressores adicionais aos que já
são esperados na vida por fazerem parte de grupos em condição de vulnerabilidade
social, pelo preconceito, pelo estigma. Outro ponto importante é o impacto do aumento
no custo de vida da população. O estresse financeiro afeta especialmente jovens, que
entram no mercado de trabalho num momento em que tudo está mudando e a
competitividade é global — diz Ana Carolina Peuker, pós-doutora em psicologia pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e CEO da Bee Touch.

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Mulheres, jovens, pessoas trans e desempregados têm piores taxas de saúde mental no Brasil,
aponta novo Índice Instituto Cactus-Atlas de Saúde Mental (iCASM). — Foto: Arte O GLOBO

Em relação à raça, os resultados variaram de forma menos significativa. Indígenas


marcaram o índice mais alto, com 663 pontos, seguidos por brancos, com 642; pardos,
com 633; pretos, com 617, e amarelos, com 612.

Embasamento para políticas públicas


Para os responsáveis pelo iCASM, o diferencial é que agora o país passa a ter um
indicador para avaliar o tema, que poderá influenciar políticas públicas e ser utilizado ao
longo dos semestres para monitorar as suas efetividades.

— Existe uma carência de dados a nível populacional sobre saúde mental no Brasil e no
mundo. Temos muitos indícios de uma situação deteriorada, especialmente depois da
pandemia, mas essa falta de um indicador dificulta. Quando falamos de crescimento
econômico, temos índices como o PIB, a inflação. Mas saúde mental, que é um tema tão
importante, carece de algo semelhante — explica Andrei Roman, CEO da AtlasIntel.

Barrancos, do Instituto Cactus, cita que o Ministério da Saúde costumava publicar um


levantamento chamado Saúde Mental e Dados que funcionava como um parâmetro.
Porém, desde que foi interrompido, em 2015, há essa necessidade por novos dados –
especialmente no momento em que o ministério criou o inédito Departamento de Saúde
Mental.

— Há anúncios de investimentos na saúde mental para ampliação de rede, então temos


sinalizações no sentido de mais atenção ao tema. Por isso, esperamos que os dados da
pesquisa ajudem a direcionar melhor esses recursos, que são sempre limitados — diz.

Nesse contexto, a psicanalista Rosana Onocko, professora da Universidade Estadual de


Campinas (Unicamp), cita um retrocesso nos últimos anos e defende medidas como a
intensificação de profissionais da área na atenção primária e a expansão dos Centros de
Atenção Psicossocial (Caps), locais criados para substituir os hospitais psiquiátricos.

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— Tínhamos até 2015 uma importante expansão dos Caps, que congelou, e os núcleos
de apoio à saúde da família (NASFs), que eram equipes com pelo menos um profissional
da saúde mental na atenção primária, foram desmontados. É preciso retomar a
expansão dos Caps, atendendo às desigualdades regionais, já que temos áreas sem
cobertura, e garantir que as novas equipes multiprofissionais (eMULTI), criadas neste
ano para substituir os antigos NAFs, sejam implementadas de forma qualificada — diz
ela, que pesquisa o tema há 20 anos.

Além disso, embora essa ampliação seja importante, Onocko destaca que somente ela
não será suficiente. A psicanalista reforça a importância de se pensar em políticas com
articulação com outras áreas, como cultura, esporte, economia e, principalmente,
educação.

— Essas questões entre jovens aparecem muitas vezes nas escolas e não temos
políticas públicas direcionadas nesse sentido. Então a solução não vai vir apenas de
mais acesso a tratamentos. Ele é preciso, mas é difícil falar em saúde mental em uma
sociedade desigual e segregada como a nossa, com tantos gargalos. Pelo ângulo que
você analisar, a saúde mental no Brasil pede socorro — afirma ela, que preside a
Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

Adesão à terapia é baixa, mas uso de medicamentos é alto


A nova pesquisa mostra também que somente 5,1% dos brasileiros fazem tratamento
com psicoterapia. A maioria são jovens, estudantes, brancos, mulheres, com renda mais
alta e maior escolaridade. O dado surpreende pela diferença considerável em relação ao
número de pessoas que fazem uso de medicamentos contínuos: 16,6% da população, 1
a cada 6.

— Eu vejo muitas pessoas sendo apenas medicadas quando no mundo inteiro tem-se
focado em abordagens multiprofissionais. Não é algo contra os remédios, mas muitas
vezes eles sozinhos não vão ser suficientes. Isso é um problema no país, mas é uma
tendência mundial. Nossa civilização é pouco acolhedora, pouco solidária, os regimes de
trabalho são muito exigentes e frustrantes, e muitos acham que vão resolver apenas com
remédio — avalia Onocko.

Além da psicoterapia e dos medicamentos, a pesquisa revela que 11,9% dos brasileiros
realizam tratamentos alternativos, como meditação, ioga e fitoterapia – mais que o dobro
daqueles que aderem à psicoterapia.

Hábitos e comportamentos que influenciam saúde mental


Outro objetivo do levantamento foi observar como hábitos e comportamentos influenciam
a saúde mental. Por exemplo, enquanto aqueles que relataram ao menos três brigas
com familiares na última semana marcaram em média 370 pontos, os que não tiveram
conflitos obtiveram uma pontuação maior, de 715.

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Já encontrar com os amigos ou praticar exercícios físicos três vezes ou mais a cada sete
dias levou a uma melhora em comparação aos que não realizam essas atividades em
nenhum momento da semana: um aumento de 226 e 140 pontos, respectivamente.

Outro impacto observado foi pela frequência de relações sexuais. Enquanto aqueles que
praticaram o ato três vezes ou mais na semana tiveram uma pontuação de em média
700, os que não fizeram sexo nenhum dia marcaram 574 – 126 pontos a menos.

— Quando olhamos para comportamento e hábitos de vida, duas outras perguntas


também chamam a atenção por revelarem uma alta prevalência de baixa autoestima,
com um grande número de pessoas relatando que se sentiu pouco atraente ou feio na
última semana ou que se sentiu pouco inteligente — diz Barrancos. Sentir-se pouco
atraente pelo menos três vezes na semana, por exemplo, foi ligado a uma diferença
negativa de 400 pontos no bem-estar.

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