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SÃO PAULO
2016
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
SÃO PAULO
2016
Banca examinadora:
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A meu filho Daniel
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço aos meus pais, Fabio e Marcia, apoiadores e exemplos de amor. Sem
o auxílio e cuidado deles não seria possível realizar esta pesquisa.
Ao orientador e amigo, Oscar Angel Cesarotto, por sua competência e respeito com que
conduziu a pesquisa.
Aos que de alguma forma contribuíram, seja com palavras afetuosas, ouvidos e conselhos: as
meninas Flávia Suzue, Eliane Diógenes, Renata Cuch e Magu Mitre, colegas de curso e
amigas; Elcio Basilio, amigo querido e incentivador; Lissa Zurita e Carlos Dias, que tanto
estimo e que me apoiaram na fase final de meu trabalho.
À Cida Bueno, secretária do Programa, que sempre prestou auxílio prontamente em todas
nossas dificuldades e dúvidas.
A Capes pela concessão de bolsa de mestrado que possibilitou a realização desta pesquisa.
A moda como imagem onírica: Uma análise benjaminiana da revista Harper‟s Bazaar
RESUMO
A presente pesquisa destinou-se a percepção da revista Harper‟s Bazaar no Brasil como
imagem onírica e dialética de nosso tempo. O objetivo central da dissertação foi observar
como a moda apresentada na revista se fez como fetiche da mercadoria e fantasmagoria desde
a sua fundação até hoje. Para tanto, nos apoiamos sobre os estudos de Walter Benjamin
contidos no Trabalho das Passagens e suas Obras Escolhidas. Levantamos para tal o
contexto histórico do período que antecedeu o lançamento da revista de origem norte-
americana em 1867, o nascimento do capitalismo industrial e a ascensão da classe burguesa
no seio da sociedade. Deste modo, destrinchamos o início da moda de Alta Costura e da
imprensa de moda na Europa e Estados Unidos. O estudo de Adorno e Horkheimer (1996)
sobre o conceito de Iluminismo foi convocado neste trecho de nosso trabalho para a
elucidação sobre o modo de pensar do homem burguês do século XIX. O segundo capítulo da
pesquisa fez préstimo aos escritos de Benjamin em seu Trabalho das Passagens. As análises
de Susan Buck-Morrs (2002) e Willi Bolle (2000), que configuram parte importante do estado
da arte sobre o Trabalho das Passagens, foram consultadas para tecer nossas conclusões
acerca da moda e da revista Bazaar como imagem onírica. No terceiro capítulo, verificamos a
possível presença aurática em torno da publicação editorial de moda no Brasil como objeto
histórico e como suporte da fotografia de moda. Tomamos como base teórica as observações
de Trivinho (2012) sobre o Glocal e os ensaios de Benjamin sobre a aura A Obra de Arte na
Era da Reprodutibilidade Técnica e Pequena História da Fotografia. A relevância dessa
pesquisa se deve à brevidade da revista Harper‟s Bazaar brasileira, lançada somente em 2011,
e por se tratar de uma das mais antigas revistas de moda da América. Além disso, destacamos
a ausência de uma análise do veículo em questão no campo da Comunicação e da Semiótica.
ABSTRACT
This research assigns the perception of Harper‟s Bazaar magazine in Brazil as a bold and
dialectic image of our time. The main objective of the dissertation is to track how fashion is
represented on the magazine made itself as merchandise and phantasmagoria fetish since its
foundation until today. In order to validate it, we use support in the Walter Benjamin‟s studies
inserted in The Arcades Project and Selected Writings. According to the historical context of
the time period preceding the North American magazine debut in 1867, birth of industrial
capitalism and rise of bourgeoisie class in the heart of society. In that way expanding the
beginning of Haute Couture and media in the fashion industry in Europe and United States.
Adorno‟s and Horkheimer‟s study about the concept of Iluminism was summoned in this
section of our work for elucidation of how the 19th century upper class men thinks. The
second chapter of this investigation trusts Benjamin‟s writings in The Arcades Project. Susan
Buck-Morrs (2002) and Willi Bolle (2000) analysis that set up a significant part of the state of
art about The Arcade Project, were consulted to develop conclusions about fashion and
Bazaar‟s magazine as dream imagery. In the third chapter, it is possible to add up the
existence of fashion editorial and photography support as a historical object in Brazil. For
theoretical guidance, we employ Trivinho (2012) analysis about Glocal and Benjamin‟s
rehearsal about aura The Work of Art in the Age of Mechanical Reproduction. This is
research importance is due to the fact that the brazilian Harper‟s Bazaar was short-lived,
launched only in 2011, even so it is one of the most dated American fashion magazine.
Furthermore, we highlight the absence of a review of this type of media in the field of
communication and semiotics.
Figura 1: Ilustração mostra a presença de uma criada negra junto a mulheres burguesas e uma
criança....................................................................................................................................... 29
Figura 2 Ilustração de capa mostra senhoras burguesas reunidas em torno de criança. ........... 33
Figura 3 Diagrama D. ............................................................................................................... 37
Figura 4: Capa da edição nº1 da revista Harper's Bazaar no Brasil com a top model Gisele
Bündchen. ................................................................................................................................. 65
Figura 5: Capa de edição comemorativa da revista por seus quatro anos no Brasil................. 68
Figura 6: Destaque para chamada principal de capa "Tudo Novo" e "Em nome do look:
estilistas buscam na religião referências para as coleções" ...................................................... 82
Figura 7: Modelo alemã Toni Garrn ilustra capa de edição brasileira da Bazaar. ................... 91
SUMÁRIO
RESUMO................................................................................................................................... 6
ABSTRACT................................................................................................................................ 7
LISTA DE ILUSTRAÇÕES .................................................................................................... 8
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10
1 A MODERNIDADE COMO ELEMENTO CRIADOR DA HARPER’S BAZAAR...... 15
1.2 O LUXO COMO ELEMENTO CRIADOR DA HARPER‟S BAZAAR ................................. 23
2 A MODA SOB ALGUMAS INTERPRETAÇÕES .......................................................... 36
2.1 MODA E TEMPO ......................................................................................................... 43
2.2 MODA E SONHO......................................................................................................... 49
2.3 MODA E MIMESIS ...................................................................................................... 57
3 HARPER’S BAZAAR NO BRASIL: O GLOCAL E A AURA ........................................ 63
3.1 CONCEITUAÇÃO DE AURA POR WALTER BENJAMIN ............................................. 74
3.2 A AURA DO LUXO ..................................................................................................... 79
3.3 O GLOCAL E A AURA ................................................................................................ 84
CONCLUSÕES....................................................................................................................... 93
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 98
ANEXO I – TRANSCRIÇÃO DE ENTREVISTAS ......................................................... 101
ENTREVISTA 1 .............................................................................................................. 101
ENTREVISTA 2 .............................................................................................................. 103
10
INTRODUÇÃO
não era a figura social mais importante do momento e um novo agente eclodia: o burguês, que
assumia um novo papel na sociedade moderna. A fim de tecermos esse panorama buscamos
em nossa pesquisa as análises históricas de Robert Sennett (1989) e Eric Hobsbawm (2014).
A condição das cidades fazia nascer o Iluminismo burguês, descrito por Adorno e Horkheimer
(1996) na obra Dialética do Esclarecimento. Para os filósofos da Escola de Frankfurt, o
próprio Iluminismo, que fazia o homem buscar progressos através da razão, havia culminado
em uma nova alienação: o paraíso poderia ser aqui e agora, com o encantamento da
mercadoria. Para Adorno e Horkheimer, a criação de novos elementos míticos já havia
começado com as religiões da Grécia Antiga. Antes disso, as religiões anímicas acreditavam
que a própria natureza era o deus; os mitos gregos, no entanto, já previam a dominação dos
elementos da natureza com a ajuda dos deuses. A dominação da natureza e a racionalidade
desembocaram em um novo local de enfeitiçamento: a mercadoria, que pode ser fabricada,
medida, pesada, vista e provocar desejo. Outro ponto observado em nosso primeiro capítulo
nos foi apontado por Sennett (1989): a distinção entre as esferas pública e privada na
modernidade. O exterior era agora mais movimentado, cheio de pessoas andando pelas ruas,
mais agitado e barulhento. O interior era o local íntimo onde o homem se abrigava das
multidões. A roupa passou a servir à moda e deixou de ser uma simples proteção do corpo.
Ela era usada como meio de expressão das emoções e como indicador dos papeis sociais de
cada um na sociedade. No capítulo primeiro ainda recorremos à historiadora Elizabeth Wilson
(1985) a fim de conectar a moda com o tecido social e com a imprensa. Também se fez
necessário, no capítulo I, apresentar o nascimento da alta costura, com Worth, no final do
século XIX e que ocorria conjuntamente ao início da produção em massa de roupas. As
senhoras burguesas agora podiam se vestir tal como as aristocratas atendidas pelo costureiro
francês. Paris lançava a moda e esta era replicada por todo o mundo seja por meio das
Exposições Universais ou pelas revistas femininas. A historização da moda se deu em nossa
dissertação por meio de Grumbach (2009), Laver e Probert (2008), Lipovetsky (2005, 2009) e
Wilson (1985). A nova sociedade burguesa via nas facilidades da vida moderna e na
civilidade uma forma de luxo. O homem cercava-se de civilização e daquilo que considerava
belo: roupas, mobiliários, bons modos. O luxo era visto igualmente como ideia de conforto,
não somente mais como ostentação e símbolo de poder (ORTIZ, 1998). Em consonância ao
capitalismo industrial e a sociedade burguesa latente, a imprensa de moda ganha um lugar e
tempo propício para irromper. As primeiras revistas femininas são lançadas na Inglaterra e
França no século XVIII, no século XIX a Harper‟s Bazaar nos Estados Unidos. O nascimento
da revista Bazaar foi contextualizado em nossa dissertação por Mira (2001) e Buitoni (1981)
13
e sobre a origem da revista Bazaar nos Estados Unidos consultamos Blum (1974) e Mott
(1938). O primeiro capítulo da dissertação se encerra remontando as condições que fizeram
ascender a Harper‟s Bazaar em Nova Iorque. Para Wilson (1985), se Paris foi a capital do
século XIX, Nova Iorque se tornou a capital do século XX. Os Estados Unidos da América,
sobretudo Nova Iorque, receberam no fim do século XIX um grande número de imigrantes, e
com eles, as cidades cresciam em estrutura e tamanho.
O capítulo II da dissertação se voltou à apresentação das principais ideias de Benjamin
sobre a imagem onírica e sua relação com a moda enquanto fetiche da mercadoria. Em
primeira instância, percebemos que a moda na modernidade serviu ao homem como elemento
de união de indivíduos fragmentados pelo capitalismo (WILSON, 1985). O capitalismo
industrial passou a exercer no homem o poder de mistificação e tanto a moda como os objetos
passaram a ter características humanas. A moda moderna era capaz de expressar o sentimento
de quem a vestia (SENNETT, 1989). Com os novos modos burgueses, surge a figura do
Flâneur e do Colecionador, apontados por Benjamin no Trabalho das Passagens. Enquanto o
Flâneur vagueia na esfera pública da cidade, observa a multidão e suas vitrines, o
Colecionador ajunta objetos em sua residência, na esfera íntima. A essa altura tomamos as
análises de Buck-Morrs (2002), Bolle (2000) e Konder (1988). A moda se faz como imagem
onírica, como expressão do sonho coletivo, e a interpretação deste sonho se dá pelo
historiador, este seria o despertar. Sustentamos o sonho como realização de um desejo a partir
do texto de Freud A Interpretação dos Sonhos e o Mal-estar na Civilização. A moda de
acordo com a nossa análise é uma gratificação substitutiva que, como todos os outros
prazeres, nos proporciona apenas um bem-estar momentâneo, um “morno bem-estar”
(FREUD, 2011). Neste ponto da dissertação, adentramos a ideia nietzscheana do Eterno
Retorno do Mesmo, retrabalhada por Benjamin no Trabalho das Passagens. A moda é o
Eterno Retorno do Mesmo porque nunca consegue saciar o desejo do comprador, que busca
incessantemente a novidade. Busca-se eternamente a repetição daquilo que proporcionou
alegria e felicidade por um instante. Para a leitura do Eterno Retorno neste ponto da
dissertação nos auxiliamos por Pelbart (1998). Com base nessa análise, concluímos que a
moda é onde a mercadoria encontra a sua melhor forma fantasmagórica. A história se faz
então pelo tempo mítico, esvaziado de sentido (MATOS, 2015). Nesta perspectiva, coube-nos
o aprofundamento da noção de mito, com esclarecimentos de Adorno e Horkheimer (1996). O
capítulo II se encerra com uma análise da moda como mimesis, com base no estudo de Jeanne
Marie Gagnebin (1997) sobre os textos de Adorno e Benjamin.
14
Destas, Paris era a mais brilhante. Antes do século XIX o luxo e a cidade brilhante já
existiam, porém, o acesso público a eles não. “O esplendor da cidade moderna podia ser
experimentado por quem quer que passeasse por seus bulevares e parques ou visitasse os seus
museus, as suas galerias de arte e os seus monumentos nacionais”. De acordo com Wilson
(1985, p. 84), o desenvolvimento econômico que se mostrava nas luzes da cidade e nas
vitrines era o reflexo da revolução industrial e, principalmente, refletiu na forma de pensar do
homem, “a revolução industrial consolidou a fé ocidental na racionalidade e reforçou a atitude
científica. O „real‟ era o que poderia ser visto, medido, pesado, e verificado e só os métodos
de investigação das ciências naturais pareciam corretos”. O Iluminismo deslocava o místico
da religião e o colocava em outras esferas da vida humana: “a magia, a religião e até os
empreendimentos artísticos, em comparação, pareciam coisas irracionais”. No século XIX,
houve o desenvolvimento das forças produtivas e como consequência, a preservação das
relações de produção e, como observado posteriormente no ensaio da Dialética do
Esclarecimento, o falso movimento de libertação do obscurantismo e seu próprio
aprisionamento. “O primeiro pólo (do desenvolvimento das forças produtivas) criava a
possibilidade de realização de uma utopia libertária; o segundo tendia a agravar as condições
em que os homens, frustrados, sonhavam com a libertação” (KONDER, 1988, p.80). Com o
crescimento do capital e das grandes cidades, foi refletida a observação do Iluminismo mítico
de Adorno e Horkheimer. Tanto a burguesia que detinha o capital e comandava fábricas e
negócios quanto seus trabalhadores acreditavam no próprio capital como sua libertação:
Em sua obra O Declínio do Homem Público, Sennet (1988, p. 34) faz apontamentos
sobre como as mudanças materiais do século XIX alteraram a relação do homem com a
sociedade. Para ele, três são as forças que atuavam sobre a vida pública e privada do homem
durante as mudanças do século XIX: o capitalismo industrial nas grandes cidades, a alteração
da percepção do homem acerca do desconhecido, uma reformulação do secularismo e
resquícios da organização da vida pública do Antigo Regime. A distinção entre a esfera
pública e a privada, certamente, foi uma das principais mudanças ocorridas na segunda
metade do século XIX. Com a maior circulação nas cidades, houve um novo significado no
modo de aparecer em público. “O contraste entre os interiores íntimos e as ruas barulhentas
19
era assinalado pelas roupas, que cada vez mais acentuavam a distinção entre o estar em casa e
o estar em público” (WILSON, 1985, p. 43). A moda em tal período ganhou expressão nunca
antes vista e nisto também é preciosa para compreender o momento, pois é preciso observar
os fenômenos mais superficiais capazes de revelar o mais profundo:
„As roupas fazem o homem‟, dizia um ditado alemão, e nenhuma época seguiu mais
a risca tal ideia do que a época em que a mobilidade social poderia de fato colocar
numerosas pessoas dentro de uma situação histórica inteiramente nova para
desempenhar papéis sociais novos (e superiores), e portanto, tendo que usar as
roupas apropriadas (HOBSBAWM, 2014, p. 237).
O descrito por Hobsbawm ilustra como a nova sociedade burguesa tomava o material
como sobreposição do mítico. A ascensão da burguesia frente às cidades tinha de se fazer de
modo concreto, assim como o pensamento racional se materializava com os modos de
produção. Tal como Adorno e Horkheimer, Sennett desponta a mistificação como uma das
características mais marcantes da cultura pública do século XIX. A mistificação é a presença
da mercadoria como fetiche1 e sua personalização é a moda, que passa a ser produzida e
distribuída em massa. “A produção em massa de roupas e o uso de padrões de produção em
massa para alfaiates ou costureiras significavam que diversos segmentos do público
cosmopolita começavam de um modo geral a adotar uma aparência semelhante [...]”. A
fabricação em massa das roupas uniformizada a aparência do homem público e tais
mercadorias produzidas pela máquina eram comercializadas em um local destinado ao
consumo de massa, “a loja de departamentos, teve êxito junto ao publico, não por intermédio
dos apelos à utilidade ou ao preço barato, mas ao capitalizar essa mistificação” (SENNETT,
1989, p. 35). Sobre o fetichismo da mercadoria e sua fantasmagoria iremos abordar mais
profundamente no segundo capítulo desta dissertação. A respeito da secularidade, Sennett
atribui a esse termo uma condição para toda a expressão do ser humano no século XIX. O
homem se distancia do sagrado e passa a acreditar somente no que é unidimensional e fixo.
Sennett (1989, p. 36-7) exemplifica: “A secularidade é a convicção, antes de morrermos, de
que as coisas são como são, uma convicção que cessará de ter importância por si mesma
assim que morrermos”. No século XIX, o secularismo ocupa a posição do imediato:
1
Na psicanálise, o fetiche é um substituto para o pênis. Para o menino, há a falta do pênis na mãe, que a criança
acredita ter se perdido (FREUD, 1996b). Ferrari (2007, p.178) explica que, como o objeto fálico é inacessível,
pois nunca existiu, “ele pode ser indefinidamente substituído sem que nunca seja possível sua presença efetiva”.
2
No original: “The venture prospered from the first number, and within ten years had a circulation of 80.000 -
„the most rapid success ever known in journalism‟, said its editor in an interview”.
3
Sobre tal, verificar Bretas (2008, p. 137).
4
GAGNEBIN, Jeanne Marie. Prefacio. In: BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas I: Magia e Técnica, Arte e
20
A moda, portanto, seria o local onde a emoção seria manifesta em público. Não
pretendemos, entretanto, adentrar o caráter psicológico da moda, mas não poderíamos de
deixar de pontuar essa face da moda como uma importante mudança na vida do homem na
segunda metade do século XIX. “Qualquer aspecto visível da pessoa era de algum modo
verdadeiro, porque tangível”, a moda e seus acessórios era, de fato, a parte palpável que ser
personalizava com as mudanças na vida pública do homem, já que “fantasiar que objetos
físicos tinham dimensões psicológicas tornou-se lógico dentro dessa nova ordem secular”
(SENNETT, 1989, p. 37). As roupas e objetos que enfeitavam o lar eram mais do que simples
imposição do status de quem as vestia, “tinham valor em si mesmo como expressões de
personalidade, como sendo o programa e a realidade da vida burguesa, e mesmo como
transformadores do homem. No lar tudo isso era expresso e concentrado. Daí a sua grande
acumulação” (HOBSBAWM, 2014, p. 238).
A moda personalizou-se e na revista de moda passou a se aproximar do homem que
via a moda como expressão de sua emoção, expressão do fetiche da mercadoria. Para Wilson
(1985, p. 25), a moda é uma forma que o homem moderno encontra para se ligar ao social, é
“essencial para o mundo da modernidade, o mundo do espetáculo e da comunicação de
massas. Constitui uma espécie de tecido de ligação do nosso organismo cultural”. Ainda
segundo Wilson (1985, p. 42), as novas cidades que surgiam precisavam de novas formas de
comunicação rápidas, tais como o telefone, cinema, circulação de revistas e jornais. “O motor
do capitalismo fez girar tudo em volta do seu vórtice”. No tecido da modernidade, a
comunicação, principalmente a que trata sobre moda como a Harper‟s Bazaar, constitui uma
das fibras mais importantes.
Gagelin, a instalação de um ateliê junto à loja. Gagelin resiste no primeiro momento, mas em
1850, o ateliê de Worth é finalmente instalado. As criações de Worth podem ser vistas
também na Grande Exposição Universal de 1851 (GRUMBACH, 2009, p. 17). A Grande
Exposição de 1851 ocorreu em Londres no Palácio de Cristal, “do mesmo ferro e do mesmo
vidro que haviam sido utilizados para as Passagens, mas de modo mais ousado, em
proporções monumentais. O teto, de cento e doze pés de altura, chegava a cobrir árvores
inteiras” (BUCK-MORRS, 2002, p. 115). A moda foi o grande triunfo do capitalismo e nas
exposições universais podia se exibir sob sua égide:
Se a Europa estivesse vivendo a era dos príncipes barrocos, teria então sido
soterrada por máscaras espetaculares, procissões e óperas distribuindo
representações alegóricas do triunfo econômico e progresso industrial aos pés de
seus governantes. De fato, o mundo triunfante do capitalismo teve seu equivalente.
A era de sua vitória global foi iniciada e pontilhada pelos gigantescos rituais de
autocongratulação, as grandes exibições internacionais, cada uma delas encaixada
num principesco monumento à riqueza e ao progresso técnico – o Palácio de Cristal
em Londres (1851), a Rotonda („maior que São Pedro em Roma‟) em Viena, cada
qual exibindo o número crescente e variado de manufaturas, cada uma delas atraindo
turistas nacionais e estrangeiros em quantidades astronômicas. Quatorze mil firmas
exibiram em Londres em 1851 – a moda tinha sido condignamente inaugurada no lar
do capitalismo – 24 mil em Paris, em 1855; 29 mil em Londres, em 1862; 50 mil em
Paris, em 1867 (HOBSBAWM, 2014, p. 48).
Segundo Laver e Probert (2008), a década de 1840 foi marcada pela escassez,
enquanto o período que seguiu, após 1848, foi mais próspero, ano de revoluções por toda a
Europa. A Grande Exposição de 1851 mostrou a prosperidade dos negócios e do comércio.
Agora, mesmo os trabalhadores comuns podiam se vestir melhor. A década de 1850 foi
marcada também por uma grande mudança para a haute couture: “outono de 1857-inverno de
1858: Charles-Frédéric Worth funda, na rue de la Paix em Paris, sua própria casa, primeira da
linhagem do que um pouco mais tarde será chamado de Alta Costura”. (LIPOVETSKY, 2009,
p. 82). Worth fabricava modelos exclusivos que eram desfilados no salão de sua casa. Em
Paris, os estrangeiros compram esses modelos com a finalidade de reproduzir em seus países:
“Paris dita a moda; com a hegemonia da Alta Costura aparece uma moda hipercentralizada,
inteiramente elaborada em Paris e ao mesmo tempo internacional, seguido por todas as
mulheres up to date do mundo” (LIPOVETSKY, 2009, p. 83). O costureiro Charles-Frédéric
Worth lança o que conhecemos por moda moderna: além de revolucionar o processo de
criação das roupas, as coloca em exposição em mulheres jovens que desfilam, assim, a moda
“tornou-se uma empresa de criação, mas também de espetáculo publicitário” (LIPOVETSKY,
2009, p. 82). Sennett (1989, p. 204) destaca o ano de 1857, com a abertura do salão de Worth
em Paris, o início de transformações na produção em massa e na disseminação dessas roupas
23
Para Ortiz (1998, p.123), o luxo e a modernidade estão ligados por meio do
denominador comum, o consumo: “enquanto elemento estrutural da sociedade de corte, ele
integra um modo de vida que se julga „civilizado”. De acordo com a Enciclopédia de Diderot,
luxo é “o uso que se faz das riquezas da indústria para se procurar uma existência agradável”.
O luxo, bem-estar e cultura civilizatória, estão intimamente unidos, como ilustrado nas
chamadas originais da Harper‟s Bazaar: A repositor of Fashion, Pleasure and Instruction. O
luxo antes presente somente na esfera coletiva passa a ter caráter individual na modernidade
24
em que nascia a Harper‟s Bazaar. Ortiz (1998, p. 121) exemplifica com a religião para falar
sobre a individualização do luxo. “As procissões e as paradas militares estampavam o luxo de
uma sociedade pobre, e celebravam, em nome de Deus e dos grandes senhores, a ordem social
na sua totalidade”. A vida particular dispersa agora da religião tinha como regimento o prazer
e o gozo, demonstrados em todos os espaços da intimidade, como “móveis domésticos, nas
decorações, na maneira de dispor a comida sobre a mesa, e implica num processo de
refinamento do gosto”. Os modos não decorrem de uma natureza subjetiva, mas estão todos
ligados à ideia de civilidade que deu início nas cortes europeias do século XVI, visto que “o
conceito de civilização rege a uma multiplicidade de ações do mundo aristocrático,
prescrevendo uma prática social e uma héxis corporal particular” (ORTIZ, 1998, p.122). Se
antes os bons modos e o decoro era uma “pantomina”, ao longo das transformações da
sociedade, “a etiqueta passou a ter uma utilidade intrínseca, adquiriu um caráter sacramental,
independente, em grande parte, dos fatos que inicialmente prefigurava”. A boa educação no
homem moderno se tornou indispensável e aquele que a quebra é considerado indigno.
“Poucas coisas causam no homem moderno tanta revolta instintiva quanto uma quebra de
decoro [...] perdoa-se uma deslealdade, não uma falta de etiqueta. „As boas maneiras fazem o
homem‟” (VEBLEN, 1987, p. 26).
Para Lipovetsky e Roux (2005, p.117), “a sociedade moderna e seus valores
emergentes individualistas e hedonistas tornaram então o luxo necessário ao bem-estar
ordinário de uma vida material mais prática e mais funcional”, embora nem sempre tal luxo
necessário a uma vida mais prática poderia ser caracterizado como utilitário, como diz ainda
Ortiz (1998, p.158), que se propõe a explicar a relação entre as pessoas, suas compras e seus
valores de uso: “as necessidades deixam de ser unicamente básicas, racionais, para se
expressar enquanto fugacidade, „irracionalidade‟. Daí a importância de um meio que possa
estimulá-las e captá-las”. As passagens de Benjamin servem como ilustração do trecho
apresentado por Ortiz, mas podemos ainda apresentar outro meio como subterfúgio para a
compra, o da revista impressa.
De acordo com Ortiz (1998, p.137), “em 1892, do total de 3,5 milhões de francos de
exportação francesa, um terço é composto por bens de luxo - tecidos de seda, rendas, bibelôs,
modas, flores artificiais, vidros, cristais, joias, relógios etc.”, vemos, portanto, o luxo aliado à
utilidade como algo sintomático no fim do século XIX. Em seu estudo sobre a cultura e a
modernidade no século XIX, Ortiz explora a dualidade moral entre o “luxo bom” e o “luxo
mau”. Para o homem moderno, o luxo poderia se dispor a um grande número homens, e,
assim, movimentar a economia. Aquele que seria o mau serviria somente à inutilidade, a
25
apreciação de riquezas. Com a modernidade, o luxo passou a servir o bem-estar: “os grands
magasins, a energia elétrica, as estradas de ferro, os transportes, a alimentação, a construção
de casas, enfim, um conjunto de técnicas (materiais, comerciais, financeira) que têm uma
incidência direta sobre o bem-estar individual” (ORTIZ, 1998, p.138). Sobre luxo e bem-
estar, o autor pontua que, “o luxo, enquanto conforto, se apoia sobre uma máquina produzida
pela sociedade industrial”, assim, consegue relacionar conforto, com bem-estar e o luxo com a
evolução semântica da palavra conforto: “A palavra possuía no século XVIII outro
significado e se aplicava às situações nas quais desejava „reconfortar‟ alguém. Para se referir a
certas vantagens da vida cotidiana, os nobres franceses utilizavam o termo „comodidade‟,
oriundo do latim, mas ressemantizado pelos ingleses” (ORTIZ, 1998, p.140). O homem
moderno faz uso das novas utilidades domésticas e os novos luxos como tentativa de alcançar
o bem-estar por meio do conforto:
Tudo oscila com a modernidade. Nada ilustra melhor a nova lógica que se impõe do
que o surgimento da alta-costura, na segunda metade do século XIX, Charles
Frédéric Worth assenta-lhe os fundamentos ao estabelecer uma indústria de luxo
consagrada à criação de modelos frequentemente alterados e fabricados nas medidas
de cada cliente.
Vimos que o luxo útil era o conforto, que trazia melhoria para a vida das pessoas e
proporcionava o bem-estar. O luxo inútil, no entanto, era outra espécie de luxo mais
condenado. “O luxo inútil era o que se ligava à moda, com seus vestidos, chapéus, sapatos e
sombrinhas, irresistivelmente expostos nos grands magasins. A imagem da mulher tentada ela
serpente era recriada pela moralidade burguesa nos tempos modernos: as mercadorias são sua
nova tentação”. Este é o momento de nascimento da moda em grande escala: “Da fiação à
confecção da roupa, a moda, a revista e a mulher estarão ligadas desde o berço do sistema
26
capitalista ao setor têxtil”. No final do século XIX, ainda era clara a separação da moda de
Alta Costura e a para classes médias. A moda para as classes inferiores, diferente da feita sob
medida por estilistas, como a de Worth, por exemplo, passou a ser fabricada pelas indústrias
que produziam uniformes para operários. Essas novas modas começaram a ser oferecidas nas
grands magasins. “De seus folhetos propagandísticos deriva a palavra „magazine‟, que em
língua francesa e inglesa designa as revistas de grande circulação” (MIRA, 2001, p. 46).
A imprensa feminina surge em determinado momento da história da civilização
ocidental, quando a mulher ganhava mais visibilidade na sociedade e se descolava de seus
papeis no lar ou no convento, conjuntamente à evolução do capitalismo, que suscitava novas
vontades e necessidades a se satisfazerem. A partir do século XIX, o homem que adquiria
seus bens e vivia nos subúrbios elegantes esperava que sua esposa fosse um modelo de
virtudes domésticas e que não fizesse nada. “Aconteceu que o trabalho obviamente produtivo
era estranhamente pejorativo para as mulheres respeitáveis [...] A esfera feminina era no lar,
que ela tinha obrigação de embelezar e do qual deveria ser o adorno principal” (WILSON,
1985, p. 73). A ociosidade da mulher representava o status social do marido e as roupas
usadas na época refletiam o social. Como resultado de uma sociedade patriarcal, era esperado
que, com o desenvolvimento econômico das cidades, a mulher consumisse para demonstrar o
poder aquisitivo de seu esposo, e, a princípio, o vestuário feminino tinha essa função. Mesmo
com as convulsões sociais que culminaram no ano das revoluções, 1848, ainda era esperado
que a mulher não fizesse parte disso, portanto a postura apropriada ainda era a de submissa e
resignada. Por outro lado, as mulheres com menos condições ou imigrantes eram destinadas
ao trabalho nas fábricas têxteis, que contratava trabalhadores “não especializados e mal
pagos” (HOBSBAWM, 2014, p. 206). Baudelaire, enquanto apreciador da moda, a via como
a expressão do que os homens tinham por belo, e por esse motivo adorou a mulher adornada
em uma majestosa descrição a respeito da relação entre a moda e a mulher:
A mulher é, sem dúvida, uma luz, um olhar, um convite à felicidade, às vezes uma
palavra; mas ela é sobretudo uma harmonia geral, não somente no seu porte e no
movimento de seus membros, mas também nas musselinas, nas gazes, nas amplas e
reverberantes nuvens de tecidos com que se envolve, que são como que os atributos
e o pedestal de sua divindade; no metal e no mineral que lhe serpenteiam os braços e
o pescoço, que acrescentam suas centelhas ao fogo de seus olhares ou tilintam
delicadamente em suas orelhas (BAUDELAIRE, 1997, p. 25).
Aqui, Baudelaire descreve a figura de uma mulher como símbolo do luxo, da moda, da
felicidade, além de endeusar o elemento feminino, como o fez Zola, em O Paraíso das
Damas: “o elemento feminino surge assim como o núcleo em torno do qual giram as
27
A mulher sempre esteve associada à discussão sobre o luxo [...] De fato, a mulher
aristocrata é um objeto privilegiado das imposições luxuosas. Ela é o núcleo da
conduta frívola, que se manifesta na toilette, na vestimenta, no modo de andar etc.
No entanto, a mulher não detém o monopólio desta superficialidade, ela
simplesmente a expressa melhor do que os homens (ORTIZ, 1998, p. 168).
De acordo com Wilson (1985), o papel da mulher nesse período resumia-se a afirmar o
poder aquisitivo do chefe de família.
A moda do fim do século XIX vestia a mulher burguesa para ser uma lady, civilizada,
civilidade que a sociedade da época entendia por domínio e transformação do material e da
natureza pelo homem. A mulher burguesa que se vestia para demonstrar o poder do marido,
quando dominada, reproduzia a opressão sobre seus criados, permitindo que se dedicasse
exclusivamente ao próprio embelezamento: “entretanto, este ser atraente, ignorante e idiota
era requisitado para exercer também dominação; não sobre as crianças, cujo senhor era ainda
o pater famílias, mas sobre os criados, cuja presença distinguia os burgueses dos que lhes
eram socialmente inferiores” (HOBSBAWM, 2014, p. 245).
Baudelaire (1997, p. 62), como perfeito exemplo do homem burguês moderno, vê a
moda como algo essencial ao novo modelo de homem civilizado produto das condições de
sua época. Sendo assim, a moda é, pois, “sintoma do gosto pelo ideal que flutua no cérebro
humano acima de tudo o que a vida natural nele acumula de grosseiro, terrestre ou imundo,
como uma deformação sublime da natureza, ou melhor, como uma tentativa permanente e
sucessiva de correção da natureza”. Em determinado ponto, Baudelaire aproxima a moda do
conceito de Freud do prazer, já que é “uma aproximação qualquer a um ideal cujo desejo
lisonjeia incessantemente o espírito humano insatisfeito”. A moda afasta o homem moderno
do mal-estar presente na civilização e ainda tem por função personificá-lo. Segundo
Baudelaire (1997, p. 8), “a ideia que o homem tem do belo imprime-se em todo o seu
28
vestuário, torna sua roupa franzida ou rígida, arredonda seu gesto e inclusive impregna
sutilmente, com o passar do tempo, os traços de seu rosto. O homem acaba por se assemelhar
àquilo que gostaria de ser”. Ao se vestir do que toma por belo, o homem busca
inevitavelmente o prazer e ainda cria uma identidade para si, pois o vestuário acaba por criar
vida no corpo e fazer parte de todo o seu ser, inclusive de suas feições e trejeitos. Como dito,
não só em seu vestuário todavia o homem burguês se cerca de tudo aquilo que acredita ser
belo e lhe expressar, além de reafirmar a sua posição social e econômica:
A segunda metade do século XIX ainda foi marcada pelo excesso de tecido sobre o
corpo da mulher, exceto para os decotes em vestidos de noite. Mas a situação claramente não
agradava a todas as mulheres, ao menos na França, onde havia a figura da Lionne, uma
mulher rica que atirava, fumava charutos, bebia champanhe e cavalgava como o seu marido,
sem deixar de lado o silhão. Mesmo cavalgando, a mulher não deixava sua saia extremamente
volumosa, que não poderia ser desmontada sem a ajuda de criados, o que deixava claro a
motivação inconsciente do traje, a de demonstrar status social (LAVER; PROBERT, 2008, p.
172). A imprensa para a mulher voltava-se na segunda metade do século XVIII para dois
grandes setores, para a moda e para as lutas feministas, já que no mesmo período iniciam-se
as lutas pelos direitos das mulheres (MIRA, 2001, p. 47). A imprensa feminina com assuntos
ditos femininos nasce com o fim de entreter, e em disposição secundária, funcionar como
utilidade prática ou didática (BUITONI, 1981). Mira (2001, p. 45) esclarece que a imprensa
feminina passou por dois grandes ciclos, a segunda metade do século XIX e o pós-guerra. No
primeiro momento, as mulheres emergem enquanto consumidoras, como sujeitos da história e
como leitoras. Na Europa, no final do século XVIII, era grande a porcentagem de mulheres
que já eram alfabetizadas, o que contribui também para a ascensão do romance. Outro fato
interessante sobre o nascimento da imprensa feminina é que a mulher passou a ser retratada
sem a figura masculina a seu lado. O homem começou a perder espaço nas publicações. “As
revistas substituem a figura do casal, retratado nas publicações do século XVIII, pela da
29
mulher, uma vez que a moda burguesa impõe a seriedade do terno preto ou cinza para os
homens” (MIRA, 2001, p. 47). Para Wilson (1985, p. 43), a moda se tornou prioritariamente
feminina porque a moda masculina passou a dar mais atenção ao corte invés do “adorno, da
cor e da exibição”.
Figura 1: Ilustração mostra uma criada negra junto a mulheres burguesas e uma criança.
Fonte: Harper‟s Bazaar. Edição de 04/02/1871, da Hearst Corporation. Digitalizado pela Universidade de
Michigan, 2014.
nosso trabalho. A busca pela novidade, símbolo da modernidade, é expressa pela moda e pela
difusão de meios para sua difusão. Para Wilson (1985, p. 87), “a palavra „modernidade‟ tenta
captar a essência tanto da experiência cultural como da experiência subjetiva da sociedade
capitalista e de todas as suas contradições”. Sennett (1989) destaca os jornais ou “pranchas de
elegância” como o principal difusor das modas, onde a moda poderia circular em sua forma
original exata. O fato interessante aqui é que a existência dos jornais de moda fazia dispensar
a figura do vendedor para apresentar as modas, já que o consumidor já estava fito no que
gostaria de comprar. “Bonecas de moda eram ainda utilizadas no século XIX, mas haviam
perdido seu propósito: eram tratadas como objetos arcaicos, interessantes para se colecionar”.
A imprensa servia agora a movimentar o comércio das novas lojas de departamento: “as
origens da loja de departamento repousam num capitalismo de produção e massa e de
distribuição em massa” (SENNETT, 1989, p. 203). A mulher, que ensaiava sua independência
da figura do homem, encontrava também nos grandes armazéns um subterfúgio para ter sua
liberdade do lar. “Ele passou a ser o local onde as mulheres podiam se encontrar com as suas
amigas em segurança e com conforto, sem chaperons, e onde podiam se refugiar para
refrescarem e descansarem” (WILSON, 1985, p. 201).
De acordo com dados do La documentation Française, o primeiro veículo de
comunicação destinado ao público feminino foi o Lady‟s Mercury, do fim do século XVII,
editado na Grã-Bretanha em fevereiro de 1693. Na França, o primeiro periódico feminino
surge em 1758, o Courrier de la nouveauté, feuille hebdonaire à l‟usage des dames. Houve
também o Le Journal des Dames (1759-1778). Na França, os principais assuntos abordados
eram dicas de economia doméstica e medicina caseira, assim como na imprensa feminina em
outros locais. Em toda a Europa o jornalismo feminino foi se disseminando: Akademie der
Grazien (1774-1780) e Journal des Luxus und der Moden (1786) na Alemanha; Toilette
(1770), Biblioteca Galante (1775), Giornale delle Donne (1781), na Itália. Nos Estados
Unidos da América, uma das primeiras revistas foi American Magazine ou Ladie‟s Magazine
(1828) (BUITONI, 1981) (SVENDSEN, 2010). Conforme Svendsen (2010, p. 25), pode-se
concluir que a moda iniciou-se por volta de 1350, porém, em seu sentido moderno tal como a
conhecemos hoje, “só se tornou uma força real no século XVIII”. A classe burguesa, que
disputava o poder com a aristocracia feudal, fazia uso das roupas como forma de atestar o seu
status naquela sociedade. “As publicações de moda, voltadas para as elites no século XVIII,
democratizam-se durante todo o século seguinte. Esse duplo processo levará à substituição
progressiva nos títulos da palavra dames pela palavra femmes” (MIRA, 2001, p. 47).
31
Para Wilson (1985, p. 181), se Paris foi a capital do século XIX, Nova Iorque se
tornou a capital do século XX. “É um mundo no qual as necessidades e os ritmos da natureza
foram abolidos”. A cidade de Nova Iorque começava a apresentar seus “cumes de cimento, as
falésias fortificadas dos seus arranha-céus e as suas auto-estradas cheias de trânsito”. Para
ilustrar o crescimento populacional e desigualdade social da cidade de Nova Iorque na época,
Hobsbawm (2014, p. 220) lembra que, “o setor leste de Nova York era provavelmente o mais
populoso cortiço do mundo ocidental, com mais de 520 pessoas por acre. Ninguém construía
arranha-céus para eles: talvez para sorte deles”. No período, os Estados Unidos também
recebia um grande número de imigrantes vindos da Europa. Segundo Hobsbawm (2014, p.
203), “entre 1846 e 1875, uma quantidade bem superior a 9 milhões de pessoas deixou a
Europa, e a grande maioria seguiu para os Estados Unidos. Isto equivalia a mais de 4 vezes a
população de Londres”. A cada ano, a população estadunidense crescia mais com a chegada
dos imigrantes e assim, se urbanizava cada vez mais. “Na segunda metade do século XIX os
países mais associados a este processo (Estados Unidos, Austrália, Argentina) tinham uma
taxa de concentração urbana não superada em nenhum lugar, exceto na Inglaterra e partes
industrializadas da Alemanha” (HOBSBAWM, 2014, p. 205).
A cidade de Nova Iorque ganhava sua primeira grande loja em 1848, em Manhattan,
T. Stweart and Co., um palácio de cristal, que vendia modas na Broadway com Chambers, e
em 1862, foi transferida para outro prédio maior, com ferro fundido, envidraçado, que deixava
se iluminar e engrandecer ainda mais suas escadarias imponentes. Outra importante loja
surgiu em 1857, a Macy‟s, que iria se tornar o maior armazém do mundo. “Em todo o lado, o
grande armazém era a apoteose do consumo, na segunda metade do século dezenove; era em
grande parte o produto do período entre 1860 e 1910” (WILSON, 1985, p. 198). Igualmente
ao que ocorria nas metrópoles europeias do século XIX, os armazéns eram onde os burgueses
se reuniam para demonstrar o seu estilo de vida:
Não só ele era um reflexo da vida burguesa, como também a criava, porque as suas
montras apresentavam o lar perfeito e o vestuário correto, inventavam uma imagem
do que devia ser a vida burguesa, e educava sutilmente a sua clientela quanto a
novas formas, diferentes, de roupa e apetrechos para o lar, para todas as ocasiões e
horas do dia concebíveis (WILSON, 1985, p. 201).
De acordo com Frank Mott (1938), a revista americana Harper‟s Bazaar foi criada
logo após o término da Guerra Civil por Flecher Harper. Na época, os Estados Unidos
assistiam a um grande crescimento na produção de algodão, que marcava o desenvolvimento
da indústria têxtil: “o consumo de algodão na década de 1850 era cerca de 60% maior do que
32
na década de 1840, mas permaneceu estático na década de 1860 (porque a indústria tinha sido
paralisada pela Guerra Civil Americana) e cresceu por volta de 50% na década seguinte, de
1870” (HOBSBAWM, 2014, p. 57). A imprensa reflete os movimentos da sociedade e assim,
Harper levou a ideia de criação da revista a seus irmãos, a quem estava associado em uma das
maiores editoras de revistas dos Estados Unidos na época. A ideia de Fletcher Harper era a de
criar um periódico exclusivo para mulheres, chamada Harper‟s Bazar (inicialmente não havia
o segundo „a‟ em sua grafia), a exemplo da alemã Der Bazar, de Berlim. Como a editora
Harper‟s Brothers já contava com dois periódicos, os irmãos rejeitaram o novo projeto.
Então, Fletcher Harper decidiu criar a revista sem o apoio dos irmãos. No dia 2 de Novembro
de 1867 a nova revista surgiu, com a intenção de ser um guia de moda, prazer e informação.
Mary L. Booth, uma historiadora da cidade de Nova York, era editora da revista. "o mais
rápido sucesso já conheci no jornalismo", disse seu editor em uma entrevista” (MOTT, 1938,
p. 388, tradução nossa)2. O primeiro número da Harper‟s consistia em 16 páginas em uma
folha de papel pequena, com estampas, muitas xilogravuras de estilos e outros assuntos como
novelas e miscelâneas, com o preço de 4 dólares ao ano. De acordo com Buitoni (1990, p. 28),
“até a metade do século XIX, a imprensa feminina era um produto para elite” e somente as
damas da sociedade aristocrática sabiam ler e dispunham de tempo para isso. No entanto, “nos
EUA, a guerra civil, o crescimento industrial, e a evolução das editoras como negócio vêm
modificar o perfil da leitora”. Nos Estados Unidos as tiragens das revistas femininas como a
Mc Call‟s, Good Housekeeping, Cosmopolitan e as revistas de moda Harper‟s Bazaar e
Vogue superam os cinco milhões de exemplares até a metade do século XX (MIRA, 2001, p.
44). Para Hobsbawm (2014, p. 201), principalmente nos Estados Unidos as mulheres se
educavam para representar a civilidade, com “aprendizado através de livros, higiene, casas
„limpas‟ e mobília segundo o modelo e sobriedade da cidade. Os que empurravam os filhos
para serem „melhores do que eles mesmos‟ eram mais as mães do que os pais”. A revista
feminina que servia como esse repositório de beleza e bem-estar servia não só para estar em
dia com a moda, mas também para obter dicas domésticas de educação dos filhos e como
cuidar da casa.
2
No original: “The venture prospered from the first number, and within ten years had a circulation of 80.000 -
„the most rapid success ever known in journalism‟, said its editor in an interview”.
33
Fonte: Harper‟s Bazaar. Edição de 28/01/1971, da Hearst Corporation. Digitalizado pela Universidade de
Michigan, 2014.
Para Blum (1974), a Harper‟s Bazaar foi a maior publicação de moda desde a sua
primeira publicação em 1867 até 1898, quando começou a perder em relevância para
publicações mais modernas como a Vogue, porém, em 1913 voltou a ganhar prestígio com a
34
ano após sua aparição inicial. As diversas modas agora, a partir da Harper‟s Bazaar,
poderiam ser vistas ao mesmo tempo em que eram lançadas nas metrópoles europeias:
Durante séculos, as modas jamais foram objeto de uma descrição por si mesmas:
nada de revistas especializadas, nada de crônicas redigidas por profissionais [...]
Desde que a moda é mencionada, o gênero que domina é o satírico. Em suas
Memórias, os grandes senhores não se dignavam levar em conta as superfluidades,
do mesmo modo que a literatura elevada onde eles eram representados [...] Com os
primeiros periódicos ilustrados de moda no final do Antigo Regime, o tratamento
dado à moda muda; doravante, é regularmente descrita por ela mesma e oferecida ao
olhar: Le Magazin des modes françaises et anglaises, que aparece de 1786 a 1789,
tem por subtítulo: „Obra que dá um conhecimento exato e ágil dos trajes e adereços
novos‟. Sem dúvida, toda uma literatura crítica se manterá, e até o século XX,
fustigando os artifícios e a alienação das consciências nas pseudonecessidades, mas
sem comparação com a amplitude sociológica e midiática da nova tendência
„positiva‟ para fazer da moda um objeto a ser mostrado, analisado, registrado como
manifestação estética (LIPOVETSKY, 2009, p. 98).
Elizabeth Wilson (1985, p. 24), assim como uma série de outros pensadores, rejeita
uma concepção única para explicar o fenômeno da moda, como somente o enfoque
psicológico, antropológico, sociológico ou histórico. No entanto, aponta logo na introdução
de sua obra Enfeitada de Sonhos que a moda tem por função a identificação e união dos
indivíduos, fragmentados pelo capitalismo. A moda tal qual a conhecemos atualmente nasceu
com a fortificação do capitalismo nas cidades modernas, em meados do século XVIII e XIX,
sendo a Revolução Industrial o principal componente para dar ignição às mudanças constantes
que a caracterizam. Assim, diante “de uma perspectiva psicanalítica, podemos encarar o
vestuário da moda no mundo ocidental como um meio através do qual um eu sempre
fragmentário é unificado e aparenta uma certa identidade”. Ainda segundo a visão da autora, a
identidade é um problema da modernidade, período no qual “a moda faz transparecer uma
tensão entre a multidão e o indivíduo [...] O período industrial é muitas vezes, incorretamente,
chamado de a era do homem massificado”, contudo, “a modernidade cria a fragmentação, a
deslocação”. Somente neste único parágrafo, mesmo com a infinidade de perspectivas nas
quais a moda pode ser vista, foram abordadas duas possibilidades. A sociológica, numa visão
dialética marxista, e uma psicanalítica, na qual a moda serve para criar uma identidade no
novo indivíduo moderno. Essa abordagem profusa foi eleita por Walter Benjamin quando
escrevia a primeira versão do ensaio sobre Baudelaire, que foi causa de conflito entre ele e
Adorno pelo motivo de distinção analítica entre ambos, conforme apresentado por Jeanne
Marie Gagnebin (1997, p. 94-5): “Adorno recusa o manuscrito e pede uma reformulação do
texto. A sua crítica maior diz respeito ao método benjaminiano de estabelecer paralelos entre
características da obra de Baudelaire e fenômenos históricos contemporâneos”, ou seja,
Adorno criticava justamente a falta do materialismo dialético de Benjamin, como por
exemplo, a comparação entre “o choque dos transeuntes nas ruas obstruídas de Paris e o ritmo
marcado dos versos baudelairianos”. A visão de Adorno a respeito do maior volume
integrante do Trabalho das Passagens, o Konvolut J que leva o título de Baudelaire, era que
37
natureza
história natural:
histórica: ruína
fóssil (traço)
(alegoria)
sonho
Fonte: Diagrama D In: Buck-Morrs, Susan. Dialética do Olhar: Walter Benjamin e o Projeto das Passagens. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2002. p.255
38
Para Sennett (1989), o capitalismo industrial do século XIX exercia sobre a vida
pública, além da mistificação, a mudança da natureza da privacidade e afetou o que era a
contrapartida do domínio público, mas ele pontua que, para que ocorresse tal mistificação, era
preciso que as pessoas acreditassem que os objetos possuíam atributos humanos. “Por volta de
1891, possuir o vestido certo, fosse ele produzido em massa e não muito bonito, leva uma
mulher a sentir-se casta ou sexy, uma vez que suas roupas „a‟ expressavam”, tal efeito era
uma consequência da propaganda industrial, que “se faz por um ato de desorientação, que
depende dessa superposição de imagens, que, por sua vez, depende tanto de um modo
distintivo de produção, quanto de uma crença distintiva sobre a presença universal do caráter
humano” (SENNETT, 1989, p. 186).
Com as esferas do público e do privado separadas, o homem moderno passou a montar
em sua residência uma espécie de universo particular, onde o burguês reuniria o longínquo e o
passado transformados em objetos. Bolle (2000, p. 378) suscita em sua leitura benjaminiana a
criação de uma cultura burguesa “que vai desde o estilo de morar até as atividades artísticas
[...] ligada à concepção de que o mundo é um espetáculo a ser assistido, o ócio encarna em
figuras como o Flâneur ou o Colecionador”. O Colecionador torna a moradia burguesa do
século XIX uma expressão do seu desejo de acumulação, se transformando em um Flâneur
congelado. “A moradia burguesa é um museu dos museus. Uma coleção de souvenirs que
proporciona a seus proprietários uma contemplação do mundo a partir da distância
confortável e segura das miniaturas” (BOLLE, 2000, p.379). Assim, tanto na esfera pública
com a figura do Flâneur quanto na esfera privada com o Colecionador, o homem cerca-se de
objetos que busca se identificar e encontrar uma alma para se ajustar. “O colecionador, aos
olhos de Benjamin, se caracterizava por uma paixão que o punha em contato com o caos das
lembranças. A coleção era o modo pelo qual ele tentava ordenar objetos marcados por
recordações” (KONDER, 1988, p.79). No seguinte trecho, descrito em Charles Baudelaire,
um lírico no auge do capitalismo, vemos a necessidade que a burguesia tinha de ajuntar
objetos como tentativa de impor o seu rastro:
Ortiz (1998, p. 148) frisa que foi o século XIX que trouxe a construção em torno de
efemeridades, e ao mesmo tempo, um processo de “racionalização do supérfluo”, algo que
sustenta o próprio capitalismo: “um exemplo é o advento dos grands magasins, com suas
novas técnicas de gestão, venda e apresentação das mercadorias; eles introduzem uma
„instabilidade‟ na apropriação dos objetos, uma rotatividade e circulação dos produtos que
modifica a própria ideia de consumo”. Com essa grande rotatividade de produtos e tal
41
mudança na lógica do consumo, a moda encontra o ambiente mais fértil para se desenvolver,
como o autor conclui em seu parágrafo: “o debate sobre o luxo, a moda, a vestimenta,
expressa uma mudança de orientação no sistema de produção de bens materiais”. Para Sennett
(1989, p. 181), a criação dos grand boulevards facilitou o encontro da massa de consumidores
parisienses e ressalta ainda a criação do sistema de transportes em Paris, em 1838, e Chicago,
em 1871; o meio de transporte serviu à interpenetração das classes sociais e o transporte das
pessoas do trabalho para as lojas. De acordo com Bolle (2000, p.64), a modernidade é uma
expressão dos sonhos coletivos do século XIX, materializada nas “passagens, nas modas e na
produção de imagens” e cabe ao historiador decifrar esses sonhos em seu próprio presente,
posto que, “as imagens oníricas só se tornam legíveis na medida em que o presente é
percebido como um „despertar‟ num „agora da conhecebilidade, ao qual aqueles sonhos se
referem”. As passagens ou arcadas eram o ambiente perfeito para alojar a mercadoria e foram
as precursoras das lojas de departamentos. Surgiu em Paris durante o Segundo Império, onde
se ergueram como templos – até o seu formato era o de uma cruz – e inspiraram Benjamin a
falar sobre a imagem onírica materializada em forma-mercadoria. Como discorre Konder
(1988, p.45), “desde a adolescência, Benjamin se apaixonou pela cidade de Paris.
Impressionam-no, por exemplo, as numerosas superfícies espelhadas existentes na capital da
França”. As passagens parisienses, construções de ferro e recobertas por teto de vidro,
erguidas por volta de 1790 e 1860, chamaram a atenção de Benjamin, que decidiu começar a
escrever sobre essas galerias que “reuniam muitas lojas e as pessoas passavam por elas,
olhando fascinadas, as mercadorias expostas nas vitrinas, num clima de sonho, realçado pela
iluminação a gás”. Mesmo sendo uma propriedade privada, qualquer um podia passar por
entre a galeria e observar as mercadorias nas vitrines, essas imagens fantasmagóricas. Foi
durante o Segundo Império de Napoleão III que tal fantasmagoria se expandiu dos limites das
passagens e se espalhou pela cidade de Paris. As fantasmagorias das vitrines das passagens
habitariam agora também as exposições internacionais (BUCK-MORRS, 2002, p. 115). As
exposições internacionais já foram citadas nessa dissertação no primeiro capítulo, onde as
criações de Worth faziam sucesso entre compradores de todo o mundo. O Trabalho das
Passagens de Benjamin procurou elucidar e aprofundar “o exame das origens dos males
presentes”. Walter Benjamin era obrigado a percorrer a cidade cercada por passagens ao se
deslocar para a Biblioteca Nacional ou sair de lá, onde passava o tempo trabalhando.
Observava em seu dia a dia a Passagem Choiseul, Passagem Vivienne, Vero-Dodat e até
mesmo a Passagem dos Panoramas (KONDER, 1988, p. 80).
42
Freud (2011, p. 18) advertiu que “a vida, tal como nos coube, é muito difícil para nós,
traz demasiadas dores, decepções, tarefas insolúveis. Para suportá-la, não podemos dispensar
paliativos”. Destarte, para ele haveriam três formas para ultrapassar pela existência
remediando-a: “poderosas diversões, que nos permitem fazer pouco da nossa miséria,
gratificações substitutivas, que a diminuem, e substâncias inebriantes, que nos tornam
insensíveis a ela”. A moda, então, se adequaria a segunda categoria enumerada por Freud. A
predileção de Baudelaire pelos entorpecentes, como lembra Benjamin (1989, p.53), se
enquadraria também em uma destas classes de gratificações substitutivas dada pela
psicanálise freudiana. Assim, sob efeito de narcóticos, “passou-lhe despercebido um dos seus
efeitos sociais mais importantes. Trata-se do charme que os viciados manifestam sob a
influência da droga”. Aqui, o próprio sujeito é transformado nessa relação de ebriedade de seu
consumo, visto que “a massificação dos fregueses que, com efeito, forma o mercado que
transforma a mercadoria em mercadoria aumenta o encanto desta para o comprador mediano”.
Eis a dupla mão do capitalismo, na qual simultaneamente o sujeito acredita ter o poder e
liberdade de escolha, a mercadoria, “como almas errantes que buscam um corpo, penetra,
quando lhe apraz” (BENJAMIN, 1989, p. 52). Assim como o haxixe experimentado por
Benjamin, a mercadoria deixaria a multidão “inebriada e murmurante”.
O homem, diferente dos animais, busca entender qual é a finalidade da vida, e assim
segue procurando compreender tal questão. A busca pela felicidade se encontra no centro da
finalidade de vida, os homens “querem se tornar e permanecer felizes. Essa busca tem dois
lados, uma meta positiva e uma negativa; quer a ausência de dor e desprazer e, por outro lado,
a vivência de fortes prazeres” (FREUD, 2011, p. 19). A felicidade, então, é encontrada pelo
homem por meio da imposição do prazer, que tem início com o início de nossa vida, na qual
rejeitamos toda forma de desprazer ameaçador de nossa existência e tentamos formar um todo
com as coisas que nos proporcionam prazer, constituindo um “Eu de prazer”. O que Freud
observa, entretanto, é que essa procura insaciável pelo prazer, apesar de estar inscrita no
aparelho psíquico humano desde o início da vida e se adequar perfeitamente a ele, está em
“desacordo com o mundo inteiro, tanto no macrocosmo como o microcosmo. É absolutamente
inexequível, todo o arranjo do Universo o contraria; podemos dizer que a intenção de que o
homem seja „feliz‟ não se acha no plano da „Criação‟”. Desta forma, quando encontra um
objeto exterior que lhe proporciona prazer, por exemplo, a moda, esse prazer é momentâneo
como a “satisfação repentina de necessidades altamente represadas, e por sua natureza é
possível apenas como fenômeno episódico”, e mesmo quando esta situação provê um
43
desenrolar, isto se dá apenas em um “morno bem-estar; somos feitos de modo a poder fruir
intensamente só o contraste, muito pouco o estado” (FREUD, 2011, p. 20).
Aquilo que chamamos felicidade é composto por momentos frívolos, não por acaso a
moda, com suas mudanças a todo instante, traz um ideal de autossatisfação para alguns desde
a época moderna. O homem da aristocracia da idade moderna, que Lipovetsky (2009, p. 70)
apelida de “homo frivolus”, encontra na moda um de seus contentamentos momentâneos,
assim, “a moda é uma prática dos prazeres, é prazer de agradar, de surpreender, de ofuscar.
Prazer estimulado pelo estímulo da mudança, pela metamorfose das formas, de si e dos
outros”.
indústria, a publicidade) inventa um modismo que logo é apresentado como o que existe de
mais „atual‟” (BUITONI, 1990, p. 13)
Algumas novidades são tão veneradas e com tanta alegria representada por elas que
surge necessidade de sentir de novo, assim, “o eterno retorno é uma tentativa de unir os dois
princípios antinômicos da felicidade: ou seja, o da eternidade e o do „mais uma vez ainda‟. - A
ideia do eterno retorno faz surgir por encanto, da miséria do tempo, a ideia especulativa (ou a
fantasmagoria) da felicidade” (BENJAMIN, 1989, p. 174). A explanação de Benjamin nesse
diminuto trecho é elucidativa, pois trata do Eterno Retorno não como um tempo circular,
como uma simples repetição, mas como o retorno daquilo que gerou tanta alegria, tanto
prazer, que possui uma enorme vontade de potência para retornar. Somente uma repetição
simples de fatos e modas seria apenas um “morno prazer”, porém, essa apropriação do velho
pelo novo ocorre de forma a considerar as condições materiais e históricas de cada época.
Em uma análise simplória, a concepção de Nietzsche sobre a teoria do Eterno Retorno
do Mesmo pode ser equivocadamente interpretada a partir de uma visão cíclica do tempo,
como a concebida na Grécia Antiga, onde se havia uma ideia de tempo enquanto uma porta
giratória na qual os fatos se repetem segundo uma ordem de acontecimentos e sempre
retornam ao ponto de partida. Pelbart (1998), no entanto, lembra que Deleuze, ao rejeitar a
ideia de tempo cíclico, escreveria de modo exato conceito de eterno retorno tal como
Nietzsche o teria feito. A visão de tempo cíclico no qual o “mesmo” viria sempre como o
“novo” é um tanto simplória para Pelbart, que toma como referência Deleuze. Este, por sua
vez, rejeita o círculo hegeliano, ou seja, o tempo circular. Pelbart ainda mostra em seu texto
que o próprio Zaratustra se enfezou com os que compreenderam de forma errônea o eterno
retorno e cita o trecho proclamado pelo profeta nietzscheano: „não torne tudo tão leve para ti‟.
O Eterno Retorno pressupõe a ideia de ser como seleção e o não retorno do negativo,
“a partir daí é formulada a ideia de um eterno retorno do outro, concebido como ser do devir,
um do múltiplo, necessidade do acaso, em suma, retorno da diferença” (PELBART, 1998, p.
131). Assim, o novo seria a repetição do velho, este, porém, renovado, com alguma diferença
sobre aquele antigo, tal qual ocorre como a moda, que ressuscita itens do passado como se
fossem artigos retrôs mas como algo diferente. O artigo de moda ressuscitado é o positivo, o
que vale a pena ser renovado, lembrado, e assim é eternizado sendo o mesmo. O trecho a
seguir, elucidado por Pelbart, relaciona o eterno retorno do ser como uma afirmação da
vontade de potência: quanto maior a vontade de potência de um ser, mais ele terá a
capacidade de se renovar sendo o mesmo.
45
suas vidas anteriores. “Os ritos primaveris da moda celebram a novidade não a recorrência;
eles pediam não a lembrança, mas o esquecimento até do mais recente passado”. A moda,
com sede pela novidade, acaba por sofrer justamente esse efeito, o de esquecer e reproduzir
novamente, até mesmo o seu mais recente passado.
Talvez, em virtude da vontade de potência das modas, elas surgem como se
pretendessem viver eternamente. “Quem compra um mobiliário, que irá durar um quarto de
século, compra-o habitualmente segundo a moda mais recente e, em geral, deixa de ter em
conta a que predominava dois anos antes. E, no entanto, ao fim de outros dois anos, o encanto
da moda terá desertado desse mobiliário, como já acontecera com o anterior” (SIMMEL,
2008, p. 53). Nesse fragmento escrito por Simmel se expõe a maior diferença entre a obra de
arte e a moda. Mais uma vez, Benjamin destaca trecho de Valéry, poeta que apresenta com
exemplos concretos o que se espera de uma obra de arte:
Reconhecemos uma obra de arte quando nenhuma ideia suscitada, nenhuma forma
de comportamento sugerida por ela, pode esgotá-la ou liquidá-la. Pode-se cheirar
uma flor agradável ao olfato pelo tempo que se queira; não se pode esgotar esse
perfume, que desperta em nós o desejo, e nenhuma lembrança, nenhum pensamento
e nenhuma forma de comportamento desfaz seu efeito ou nos liberta do poder que
exerce sobre nós. Quem se propõe fazer uma obra de arte, persegue o mesmo
objetivo (VALÉRY APUD BENJAMIN, 1989, p. 138).
Enquanto editor da revista de moda La Dernière Mode, Stéphane Mallarmé não fez
questão de associar a moda com a eternidade, uma característica a ser perseguida pela obra de
arte como dito por Valéry. Ao contrário, Mallarmé, de acordo com Svendsen (2010, p. 29),
pensava que “a beleza na moda não deveria ser buscada na atração de algo eterno, e de
maneira nenhuma em qualquer funcionalidade, mas na pura temporalidade. Para a estética
moderna, a beleza reside no temporal, no transitório que é absolutamente contemporâneo”.
Quando se trata de luxo, no entanto, a concepção a respeito da eternidade pode ser
interpretada de outra perspectiva, diferente da de Mallarmé. Para Lipovestky e Roux (2005, p.
86), em uma sociedade que cada vez mais é desencadeada “a febre da renovação e da
obsolescência acelerada dos produtos e dos signos fazem surgir, por efeito de compensação
ou de reequilíbrio, uma exigência nova de intemporalidade, de perenidade, de bens que
escapem à impermanência e a tudo que é descartável”. O que os autores sugerem é que existe
um movimento dialético em que a própria efemeridade da moda faz surgir o gosto pelo que é
tradicional e eterno: “uma surda necessidade „espiritual‟ continua a sustentar, mesmo de
maneira ambígua, nossa relação com o luxo, a necessidade de subtrair-se à inconsistência do
efêmero e de tocar um solo firme, sedimentado, em que o presente recobre-se de referencial
47
duradouro”. No que tange as análises sobre vontade de potência ou eterno retorno, o luxo
seria uma forma de permanência do positivo e estaria presente como desejo de eternidade:
Bem poderia ser que, através das paixões do luxo ou ao menos de algumas delas,
exprima-se menos a pulsão de destruição que seu exorcismo: um luxo mais do lado
de Eros que de Tânatos, mais do lado da memória que do esquecimento. Talvez algo
de metafísico continue a habitar nossos desejos de gozar, como os deuses, as coisas
mais raras e mais belas (LIPOVETSKY; ROUX, 2005, p. 86).
Sobre o mito, Benjamin (2012, p. 249) traça um paralelo entre a história e moda. A
história é o tempo recheado de agora (Jetztzeit), não é “homogêneo e vazio” como o tempo do
mito, que não contém o continuum da história. Para Buck-Morrs (2002, p. 100), “quando os
referentes históricos são chamados de „naturais‟, afirmando-os acriticamente e identificando o
curso empírico do seu desenvolvimento com o progresso, o resultado é o mito”. Ocorre que, o
pensamento iluminista que criou as bases do secularismo do século XIX acabou por criar
também a imagem mítica que exige novidade e a sua repetição. Com a Crítica da Razão Pura,
Kant circunscreveu o círculo que deveria se limitar a ciência. No entanto, o positivismo
científico foi calcado em tudo que se apresenta materialmente e isso inclui a arte a as
produções da cultura de massa. “O que aparece como triunfo da racionalidade subjetiva, a
sujeição de todo ente ao formalismo lógico, é pago com a subordinação dócil da razão aos
achados imediatos”. (ADORNO; HORKHEIMER, 1996, p. 44). Ao tentar se livrar do mítico
e do mágico com a manipulação da natureza e por meio do pensamento lógico e formal “o
iluminismo recai na mitologia, da qual nunca soube escapar [...] No semblante da imagem
mítica, bem como na clareza da fórmula científica, é ratificada a eternidade do fatual e a mera
existência é proclamada como sentido que o fatual obstrui” (ADORNO; HORKHEIMER,
1996, p. 45). O novo é sempre uma repetição do antigo.
A desmitificação do mito seria evocada no levantamento da natureza pré-histórica. O
exemplo da Roma antiga é suscitado por Benjamin como um momento carregado de tempo do
agora, tempo este que “fez explodir para o continuum da história”. A Revolução Francesa,
para Benjamin, “via-se como uma Roma ressurreta, Ela citava a Roma antiga como a moda
cita um vestuário do passado. A moda tem um faro para o atual, onde quer que ele se oculte
na folhagem do antigamente. Ela é um salto de tigre em direção ao passado”. O conceito de
mito e história também diz respeito para o homem em relação aquilo que o transcende.
“Enquanto a história possibilita o exercício da razão e liberdade, no mito os seres humanos
são impotentes para intervir na esfera do destino, portanto, impossibilitando a emergência do
novo” (CASTEL, 2015, p. 278). O tópico que abriremos a seguir tratará sobre as questões do
sonho em sua consciência coletiva.
49
dialéticas: “nas marcas deixadas pela história posterior do objeto, as condições de sua
decadência e a forma de sua transmissão cultural, as imagens utópicas dos objetos passados
podem ser lidas no presente com verdade” (BUCK-MORRS, 2002, p. 264). Svendsen (2010,
p. 130) explana o consumo de moda com base nos escritos de Colin Capbell ao dizer que
“como o hedonista tradicional, que se entregava a prazeres sensuais, se transformou num
hedonista moderno, romântico, que vive no imaginário e para o imaginário, transformando-se
por fim no consumidor moderno ou pós-moderno”. O papel do despertar foi descrito para
Benjamin como um exercício de rememoração do sonho, que seria revelador:
Ao sonhar, o coletivo quer satisfazer um desejo, o que Benjamin revela a seguir como
uma vontade de se distanciar do que se tornou antiquado, ou seja, “do passado mais recente” e
buscar resoluções das “imperfeições do produto social”. Assim ocorre com a moda: a última
moda deseja se livrar da penúltima moda, como aponta Simmel (2008, p. 31), “cada expansão
sua impele-a para seu fim, porque ela ab-roga assim a possibilidade da diferença”. Vimos que,
para Benjamin, o sonho coletivo produz imagens de desejo, que buscam o novo. O filósofo
alemão antecipava o modo de consumo do pós-moderno, “que projeta um gozo idealizado
sobre produtos cada vez mais novos, uma vez que os velhos e bem conhecidos perdem pouco
a pouco sua capacidade de encantar” (SVENDSEN, 2010, p. 131). O coletivo deseja o novo e
sonha com a época seguinte, com a moda que virá, com a sociedade e todos os seus elementos
políticos e estéticos, como na seguinte passagem: “No sonho, em que diante dos olhos de cada
época surge em imagens a época seguinte, esta aparece associada a elementos da história
primeva, ou seja, de uma sociedade sem classes” (BENJAMIN, 2007, p. 41). Para Benjamin
(2008, p. 103), ainda, a moda teria a capacidade de antecipar a história, apresentando sinais do
que está por vir: “Cada estação da moda traz em suas mais novas criações alguns sinais
secretos das coisas vindouras. Quem os soubesse ler, saberia antecipadamente não só quais
seriam as novas tendências da arte, mas também a respeito de novas legislações, guerras e
revoluções”. O trecho anterior pertence ao Trabalho das Passagens, mas o pensamento sobre o
51
que se oculta sobre o seio do tempo, a leitura das estrelas e de outros signos do presente para
descobrir o que está por vir aparece também em outros textos escritos por Benjamin (2012, p.
232). Na análise desse trecho, Buck-Morrs (2002, p. 154) diz que, “quando Benjamin afirma
que essas imagens „pertencem‟ a uma „sociedade sem classes‟, é porque aquela qualidade de
conto-de-fadas do desejo de felicidade como eles expressam pressupõe um fim à escassez
material e ao trabalho explorador”, assim, as imagens oníricas que aparecem “diante dos olhos
de cada época” é uma tentativa de se libertar da estrutura de dominação de classe dada pelo
capitalismo, porém, na sociedade moderna e até hoje, se alimenta dele mesmo. Ao contrário
do que a primeira vista pode parecer, Benjamin não diz que o conteúdo mítico do passado seja
o plano para o futuro. As imagens têm o local de símbolo e não preveem o futuro, “elas
proporcionam motivação para a emancipação futura, que não será literalmente uma
restauração do passado, mas será baseada em formas novas que „apenas começamos a
vislumbrar‟” (BUCK-MORRS, 2002, p. 152).
A moda e o sonho estão interligadas, de acordo com as análises de Simmel e
Benjamin, visto que ambos buscam elementos novos e ao mesmo tempo remontam o passado
em um dado outro momento, porém sem a presença do “tempo de agora”. Tal como sonhamos
em repouso, elementos vivenciados em vigília ressurgem na nova moda, “se no momentâneo
auge de consciência social no ponto que ela caracteriza reside já o seu gérmen de morte, o seu
destino para a dissolução, ela não desclassifica totalmente esse passado, mas acrescenta aos
seus encantos outro novo” (SIMMEL, 2008, p. 32). Benjamin e Simmel concordam, então,
que mesmo com o encanto trazido pelo novo, não existe uma total renegação do passado,
embora a moda queira se distanciar do passado mais recente. A implicação real deste sonho
coletivo constituído de “imagens de desejo” é toda configuração da vida, como aponta
Benjamin (2008, p. 41) na sentença: “As experiências desta sociedade, que têm seu depósito
no inconsciente coletivo, geram, em interação com o novo, a utopia que deixou seu rastro em
mil configurações da vida, das construções duradouras até as modas passageiras”. A moda
como objeto de desejo na revista Harper‟s Bazaar está presente no sonho que permeia o
coletivo. Conforme apontado por Svendsen (2010, p. 131), Richard Avedon disse que “seu
papel como fotógrafo da Vogue consistia em „vender sonhos, não roupas‟”. A Harper‟s
Bazaar, assim como sua concorrente Vogue, vende sonhos impressos em fotografias de moda.
O desejo já visto outrora aparece na época seguinte e apesar de já ter sido vivido e
sonhado, retorna como algo completamente novo e ressignificado, de acordo com a “dialética
da produção de mercadorias: a novidade do produto adquire um significado até então
desconhecido; pela primeira vez, o sempre igual aparece de modo evidente na produção de
52
massa” (BENJAMIN, 1989, p. 172). Sobre isso, Buck-Morrs (2002, p. 151) argumenta que,
“o novo é mítico porque seu potencial ainda não foi cumprido; na consciência, o velho é
mítico porque os seus desejos nunca são realizados”. Aparentemente, o conteúdo inexistiu na
vida de vigília, no entanto, trata-se de um “sonho hipermnésico”: “o que se considera digno de
ser lembrado não é, como na vida de vigília, apenas o que é mais importante, mas, pelo
contrário, também o que é mais irrelevante e insignificante” (FREUD, 1996a, p. 55).
Memórias embutidas no âmago do coletivo vêm então à tona nos sonhos, já que tudo que é
apreendido por nossos sentidos muitas vezes não se faz percebido. “Os sonhos não produzem
mais do que fragmentos de reproduções; e isso constitui uma regra tão geral que nela é
possível basear conclusões teóricas”. Desta maneira, nada do que foi sonhado não foi vivido
anteriormente, e o que será vivido agora será sonhado posteriormente, como em um “eterno
retorno do mesmo”. Quando Freud nos diz que no sonho por vezes temos sonhos
hipermnesicos ocasionados pela memória absorta no meio de tantas outras captadas pela
nossa percepção, somos remetidos a mémoire involontaire suscitada por Marcel Proust no
célebre romance Em Busca do Tempo Perdido. O tracejo da chamada memória involuntária é
sugerido por Proust no momento em que o narrador prova um pedaço de bolo, deixando-o
alegre sem o conhecimento de sua causa. De acordo com Gagnebin4,“o golpe de gênio de
Proust está em não ter escrito „memórias‟, mas, justamente, uma „busca‟, uma „busca das
analogias e semelhanças entre o passado e o presente”. Assim, temos aqui a ligação entre
Proust, com a sua memória involuntária, Freud, com o sonho e Benjamin com a imagem
onírica/dialética. As imagens que passam velozes e efêmeras ficam gravadas de alguma
maneira e, ao nos depararmos com elas novamente, temos a impressão de um choque. Tal
dinâmica é possível graças às reproduções técnicas como a fotografia (MATOS, 2014).
No prefácio de Obras Escolhidas I de Walter Benjamin, Jeanne Marie Gagnebin
discorre a respeito da análise feita pelo filósofo alemão de parte da obra do escritor francês.
Gagnebin ressalta a noção engendrada sobre a “presença do passado no presente” dada por
Benjamin, na qual há “uma semelhança profunda, mais forte do que o tempo que passa e que
se esvai sem que possamos segurá-lo”. A invocação da memória involuntária ocorre por meio
de acontecimentos no presente em metáforas como a da madeleine de Proust ou em sonhos.
São imagens oníricas e dialéticas, tal como a moda, subtraída das “contingências do tempo em
uma metáfora”. A memória involuntária surge em imagens oníricas que se tornam imagens
dialéticas na vida de vigília, quando são postas em prática nos desenhos de estilistas e mais
4
GAGNEBIN, Jeanne Marie. Prefacio. In: BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas I: Magia e Técnica, Arte e
Política. São Paulo: Brasiliense, 2012, p. 15.
53
tarde, nas passarelas das semanas de moda. Destacamos ainda no prefácio de Gagnebin a
exortação deixada por Benjamin sob uma análise proustiana sobre o presente e o passado:
Quaisquer que sejam os estranhos resultados que atinjam, eles nunca podem de fato
libertar-se do mundo real; e tanto suas estruturas mais sublimes como também as
mais ridículas devem sempre tomar de empréstimo seu material básico, seja do que
ocorreu perante nossos olhos no mundo dos sentidos, seja do que já encontrou lugar
em algum ponto do curso de nossos pensamentos de vigília - em outras palavras, do
que já experimentamos, externa ou internamente (FREUD, 1996a, p. 48).
Aqui, o psicanalista austríaco frisa que não é possível sonhar com algo novo, que
nunca tenha sido apreendido por nossos sentidos: “sentimo-nos tentados a crer que os sonhos
possuem uma capacidade de produção independente”, porém, o que ocorre é justamente a
reprodução de algo que fora vivenciado. Nos objetos e imagens colocadas a nossa frente, à luz
do dia, se acumulam o inconsciente e aquilo que está esquecido. Assim, podemos explicar
como objetos ou imagens podem guardar a memória e permitir o sonho coletivo:
Embasado por Freud, Benjamin (2008, p. 48), chamou de imagem dialética o despertar
do sonho cujo conteúdo fora antes experimentado pelo coletivo. A interação do antigo com o
novo acontece na “modernidade, que cita a história primeva”, e essa conjunção aparece por
meio das “relações sociais e produtos dessa época”. Essa relação ambígua é caracterizada pela
manifestação da imagem na imobilidade: “Esta imobilidade é utopia e a imagem dialética,
portanto, imagem onírica”. De acordo com análise de Buck-Morrs (2002, p. 265), a
“apresentação do objeto histórico dentro do campo de forças carregado de passado e presente
que produz eletricidade política em um „flash luminoso‟ de verdade, é a imagem dialética”.
Como observou Bolle (2000, p.67), Adorno esperou que Benjamin diferenciasse seus
conceitos de imagem dialética e imagem onírica, no entanto, não foi o que ocorreu e houve
praticamente uma fusão dos conceitos. Para Adorno (apud Bolle, 2000, p.67), a imagem
coletiva não poderia se hospedar na consciência coletiva, que enquanto uma construção mítica
não suportaria o sujeito histórico e, em vez de “produtos sociais existiriam como
„constelações objetivas‟ do conhecimento”. Findo, Benjamin conclui que a manifestação de
ambas as imagens é representada pela mercadoria, que se torna um fetiche. Cabe aqui o
esclarecimento sobre o conceito de fetichismo da mercadoria, que consiste em uma relação
entre a mercadoria e o homem que nada a tem a ver com a natureza física: “É apenas uma
55
relação social determinada entre os próprios homens que aqui assume, para eles, a forma
fantasmagórica de uma relação entre coisas” (MARX, 2013, p. 206). Tal “forma
fantasmagórica” será adotada por Benjamin para a discussão das novas relações do homem
moderno com as transformações da cidade e seus produtos, porém, este, acredita que a
fantasmagoria não era mecânica e reflexiva, como acreditava Marx, mas sim, mimética e
expressiva. Tal expressão era “fruto da interação entre o moderno e o antigo, entre o novo e o
sempre igual acumulado pela experiência destas sociedades em seu inconsciente coletivo”. O
Trabalho das Passagens e a fantasmagoria de Benjamin serviram para livrar a análise do
fetiche da mercadoria de uma concepção puramente racional e materialista como a de Marx
para levá-la a uma concepção mais subjetiva, a de formação de imagens do desejo coletivo.
“A fantasmagoria expressa uma repetição cíclica, o eterno retorno do mesmo, mascarados
ilusoriamente como novidade representada infatigavelmente pela moda, sua agente
infatigável” (DIAS, 2015, pp. 66-67). Nas lojas modernas do século XIX, as vendas estavam
garantidas pela desorientação do consumidor: “o estímulo à compra resultava de uma aura
temporária de estranhezas, de mistificações, que os objetos adquiriam” (SENNETT, 1989, p.
183). Buck-Morrs (2002, p. 112) faz apontamentos acerca dessa confusão e desorientação
causada pelas vitrines e mercadorias: “A Cidade dos Espelhos, onde a própria multidão se
torna espetáculo, refletia a imagem das pessoas como consumidores em lugar de produtores,
mantendo virtualmente invisíveis as relações de produção, do outro lado do espelho”. A
mercadoria que contém a imagem do desejo e produzida pelos novos meios de produção,
representa, materialmente e simbolicamente a evolução tecnológica, humana e social (BUCK-
MORRS, 2002, p. 153). Essa imagem serve ao desenvolvimento do capitalismo e da
sociedade moderna e contemporânea. De acordo com Konder (1988, p. 80), com o estudo das
Passagens, Benjamin pôde perceber que eram “miniaturas da cidade burguesa tal como ela
desejaria ser: cabia-lhes criar condições para que, em torno das mercadorias, ser realizassem
passeios deslumbrantes”.
É na moda, porém, que o fetiche da mercadoria encontra o seu lugar para ser adorado,
e onde o inorgânico ganha vida: “Ela acopla o corpo vivo ao mundo inorgânico. Face ao vivo,
ela faz viver os direitos do cadáver. O fetichismo que está assim submetido ao sex appeal do
inorgânico é seu nervo vital” (BENJAMIN, 2007, p. 58). Para Bolle (2000, p. 66), “os rituais
de adoração do fetiche Mercadoria são ditados pela Moda, secundada pela Publicidade,
enquanto arte de expor as mercadorias”. “Esta vida, como você a está vivendo e já viveu, você
terá de viver mais uma vez e por incontáveis vezes. E nada haverá de novo nela”
(NIETZSCHE, 2003, p. 230). O Sempre Novo da moda é aliado da mulher moderna e com
56
ela, imita o manequim, ganhando características inorgânicas, enquanto a roupas, por sua vez,
ganham características orgânicas:
A moda, deusa feiticeira de Barthes (2009), cria o corpo ideal, capaz de vencer a
morte e tornar o corpo eterno e mutável, porém, em decorrência a isso, se tem a repetição e o
Eterno Retorno do Mesmo. “A maneira, justamente, como a moda muda constantemente,
serve na realidade para fixar a ideia do corpo como sendo uma coisa imutável e eterna”
(WILSON, 1985, p. 83). Com o Eterno Retorno do Mesmo, Benjamin pontua o seu
pensamento: “O sonho coletivo não conhece história. Os eventos acontecem como se fossem
sempre idênticos e sempre novos”. Neste trecho, Benjamin ressalta a repetição dos fatos, tanto
os sonhados quanto os vividos, constituídos de lembranças às vezes de um passado remoto, os
sonhos e os desejos nele imbuídos parecem novos, mas na verdade não passam da repetição
do mesmo e, continua: “a sensação do mais novo e do mais moderno é, com efeito, somente
uma formação onírica de eventos como „o eterno retorno do mesmo‟” (BENJAMIN, 2007, p.
546). Como nem sabem que estão sonhando, os novos sonhos que são novos fetiches da
mercadoria se atualizam, visto que símbolos permanecem inconscientes. “Fetichização da
mercadoria e fetichização dos sonhos se tornam indistinguíveis” (BUCK-MORRS, 2002, p.
154).
Para Marx (apud MATOS, 2015), a imprensa e o telégrafo produzem em um só dia
mais mitos do que poderiam ter sido produzidos em um século. A revista de moda, portanto,
em uma só edição poderia criar quantos mitos os desejos de consumo de uma mulher gostaria
de realizar. Para Matos (2015, p. 107), “são mitos construídos pelo sistema de produção de
mercadorias que, espetacularizadas, transfiguram-se em fantasmagorias, pois são criações
cuja base - diversamente do capitalismo industrial - é, ao mesmo tempo, econômica e
tecnológica”. Tais fantasmagorias tomam o lugar da experiência perdida e se presentificam no
consumo, na moda, nas páginas da revista que estimula o desejo e ao mesmo tempo realiza-o.
Benjamin, no entanto, se utiliza da forma fantasmagórica de Marx, mas a interpreta sob uma
nova ótica, a da imagem desejo. O valor de troca e valor de uso da mercadoria passam a ser
57
semelhanças não existem entre si, imutáveis e eternas, mas são descobertas e inventariadas
pelo conhecimento humano de maneira diferente, de acordo com as épocas”.
A imitação se faz presente na vida humana como algo natural, conforme apontamento
já feito por Aristóteles (1987, p. 203) na Poética: “o imitar é congênito no homem (e nisso
difere dos outros viventes, pois, de todos, é ele o mais imitador, e, por imitação, aprende as
primeiras noções), e os homens se comprazem no imitado”. As imagens reproduzidas podem
gerar mais prazer no homem do que as reais, como explica ainda Aristóteles, visto que “nós
contemplamos com prazer as imagens mais exatas daquelas mesmas coisas que olhamos com
repugnância, por exemplo, as representações de animais ferozes e de cadáveres”. O filósofo
atribui esse prazer à capacidade de reconhecimento e aprendizado que a apreciação de
imagens proporciona: “efetivamente, tal é o motivo por que se deleitam perante as imagens:
olhando-as, aprendem e discorrem sobre o que seja cada uma delas, e dirão, por exemplo,
„este é tal‟”. A imitação para Aristóteles “pergunta pela capacidade mimética do homem, pelo
mimeisthai no qual se enraíza a poietiké, entendida como criação de uma obra artística”
(GAGNEBIN, 1997, p. 84). Em Aristóteles, segundo Gagnebin, a obra artística não é uma
reprodução de um modelo, mas sim “seu desenvolvimento integral e harmonioso da faculdade
mimética”.
Benjamin carrega a mesma visão positiva de Aristóteles sobre a mimesis, enquanto
Adorno a critica veementemente, bem como Platão em A República. Gagnebin (1997) narra
tais discórdias e as explana de maneira clara ao fazer um paralelo entre o pensamento
platônico e Adorno e o aristotélico e Benjamin. Ela elucida que, em Platão, “a imagem
mimética é, primeiro definida na sua falta essencial do ser: em relação à ideia, à forma
primeira que os objetos concretos reproduzem inabilmente, a imagem poética ou plástica não
é mais que cópia”. Platão queria se distanciar da mimesis pela falta de ser e pelo
arrebatamento provocado pela imagem mimética. Gagnebin (1997, p. 83) completa sua
interpretação platônica com a sentença: “sua crítica da mimesis pertence a um projeto político
muito maior, que poderíamos chamar, hoje, de luta ideológica. Sabendo da força das imagens,
Platão tenta domar, controlar a produção dessas imagens, impondo-lhes normas éticas e
políticas”. Como apontado por Gagnebin (1997, p. 84), a visão de Platão contrapunha o
mythos ao logos, portanto “uma regressão das faculdades críticas e a uma certa passividade,
acometendo mais facilmente as crianças e as mulheres ignorantes, que se deixam seduzir pelo
falso brilho e são mais sensíveis ao maravilhoso e ao irracional” . Ademais, ainda de acordo
com a análise de Gagnebin, “a definição aristotélica ressalta, em oposição a Platão, o ganho
trazido pela mimesis ao conhecimento, pois o que é conhecido não é tanto o objeto
59
reproduzido enquanto tal [...] mas muito mais a relação entre a imagem e objeto”, ou seja, “no
reconhecimento de semelhanças”. A autora passa em seguinte a descrever o pensamento de
Adorno sobre a mimesis. Adorno, embasado pela visão de Freud e da etnologia, via a mimesis
como um comportamento regressivo, regressão essa que “remete à pulsão de morte, a este
misterioso desejo de dissolução do sujeito no nada”, destarte, “o comportamento mimético é
caracterizado como um comportamento regressivo de assimilação ao perigo, na tentativa de
desviá-lo” (GAGNEBIN, 1997, p. 87).
Gagnebin (1997) relata a discórdia de Adorno a respeito do trabalho de Benjamin
sobre Baudelaire, utilizado talvez como cerne na elaboração desta dissertação. Sobre o texto
de Benjamin, Adorno questiona a falta de argumentação dialética, que para ele remetia a um
lugar enfeitiçado. “A sua crítica maior diz respeito ao método benjaminiano de estabelecer
paralelos entre as características da obra de Baudelaire e fenômenos históricos
contemporâneos - por exemplo, os choques dos transeuntes nas ruas obstruídas de Paris e o
ritmo marcado dos versos baudelairianos” (GAGNEBIN, 1997, p. 95). Gagnebin (1997, p. 96)
ressalta ainda a principal crítica de Adorno a Benjamin: “as tendências miméticas do
pensamento benjaminiano apontam para a magia e para a aceitação do existente. Resumindo:
um pensamento crítico deve ser dialético, não pode ser mimético”. Na crítica adorniana, o
comportamento mimético reside na ideia de Platão sobre a imitação. Em Adorno, o
mimetismo provoca um retorno ao primitivo, que serviria de proteção aos predadores. Esta
mesma proteção caracterizaria o indivíduo que, por sua vez, perde sua identidade ao se fazer
semelhante ao meio em que se encontra, “renuncia a se diferenciar do outro que teme, para, ao
imitá-lo, aniquilar a distância que os separa, a distância que permite ao monstro reconhecê-lo
como vítima e devorá-lo. Para se salvar do perigo, o sujeito desiste de si mesmo e, portanto,
perde-se”. Ao querer se proteger, o sujeito se dissolve e desaparece, assim como a “borboleta
imóvel que tem as mesmas linhas marrons e verdes que a folha sobre a qual repousa, o
„primitivo‟ se cobre de folhagens para melhor desaparecer na floresta, para não ser visto pela
onça que caça” (GAGNEBIN, 1997, p. 87). Do mesmo modo, o “homem das multidões” quer
se homogeneizar e igualmente se destacar em meio a massa. As vestes que o caracterizam lhe
deixam similar aos outros indivíduos, seja para causar o pertencimento a um determinado
grupo social ou para destacá-lo em ambientes diversos, pois “a indústria cultural finalmente
absolutiza a imitação” (ADORNO, 2002, p. 22). Porém, na moda pode ocorrer o mesmo
mecanismo dado na natureza: aquilo que diversifica e traz a identificação pessoal inscreve-se
em sua “dissolução do sujeito no nada” pela perda de individuação. Gagnebin (1997) nos
explica que, para Adorno e Horkheimer, em A Dialética do Esclarecimento, a chamada
60
mimesis incontrolada, ou seja, o fato de o homem imitar o objeto de seu medo como tentativa
de domar a ameaça, só pode ser controlada com o início da racionalidade iluminista.
Transpondo para o nosso campo de estudo, que é a moda, podemos ver a mimesis enquanto a
dissolução do sujeito autônomo em meio à multidão, vestindo-se de moda como uma
reprodução em série. Em seus textos sobre Baudelaire, Benjamin (1989, p. 54), escreve que o
“isolamento insensível de cada indivíduo em seus interesses privados‟, só aparentemente
rompe-o Flâneur quando preenche o vazio, criado pelo seu próprio isolamento, com os
interesses, que toma emprestados, e inventa, de desconhecidos”. Deste modo, os interesses
emprestados de desconhecidos que o Flâneur toma para si o fazem pertencer a uma multidão
e o retira de um isolamento dentre seus próprios; em contrapartida, o homem da modernidade
narrado por Benjamin perde sua identidade ao inventar para si interesses que não são os seus.
Conforme Adorno e Horkheimer:
A identidade de tudo com tudo é paga com o não haver nada podendo ser ao mesmo
tempo idêntico de si mesmo [...] Os homens foram presenteados com um si-mesmo
próprio a cada um e distinto de todos os outros, só para que se torne, com mais
segurança, igual aos outros. Mas, como ele nunca se desfez totalmente, o
iluminismo, mesmo durante o período liberal, sempre simpatizou com a coação
social. A unidade do coletivo manipulado consiste na negação de qualquer
indivíduo, zomba-se de toda espécie de sociedade que pudesse querer fazer do
indivíduo um indivíduo (ADORNO; HORKHEIMER, 1996, p. 28).
Wilson (1985, p. 23) traz à tona o caráter imitativo da moda quando diz que “a moda
imita-se a si própria”, pois “ao elevar o efêmero ao estado de culto, ela troça, em última
instância, das muitas pretensões morais da cultura dominante, que, por sua vez, a denunciam
em razão da sua frivolidade superficial, não obstante secretamente sentirem a forma como ela
afeta toda a questão da moral”. Ainda sobre a mimesis recalcada, que faz o homem perder sua
identificação para se confundir com o meio, frisamos a visão de Simmel (2008, p. 30) que
“homens vestidos de modo semelhante comportam-se de modo relativamente semelhante”.
Porém, a imitação da moda se restringe com a sua expansão: quando mais uma moda se
expande, mais ela caminha para o seu fim, e portanto, uma nova moda é lançada pelas classes
dominantes. “A essência da moda consiste em que só uma parte do grupo a pratica, enquanto
a totalidade se encontra a caminho dela”, então, quanto mais pessoas a imitam uma mesma
moda, “já não se considera como moda” (SIMMEL, 2008, p. 31). A dissolução, no caso, não
ocorre com o indivíduo que busca imitar aos outros, porém, se manifesta na própria moda.
Para Buitoni (1990, p. 14), “a alta costura envolve em mistério seus lançamentos; jornais,
61
revistas e TV permitem ao público imitar o mais depressa a elite. Assim, a cultura de massa
efetua uma dialética de aristocratização e de democratização”.
Retomamos aqui a mimesis de Aristóteles como principal componente criativo do
homem para assim apontarmos que, “como Aristóteles na Poética, Benjamin distingue dois
momentos principais da atividade mimética especificamente humana: não apenas reconhecer,
mas também produzir semelhanças”. Assim, “o homem é capaz de produzir semelhanças
porque reage, segundo Benjamin, às semelhanças já existentes no mundo. De maneira
paradoxal, essas semelhanças não permaneceram as mesmas no decorrer dos séculos”. A
autora destaca “a originalidade da teoria benjaminiana” por “supor uma história da capacidade
mimética” (GAGNEBIN, 1997, p. 97). Em seu ensaio sobre a mimesis em Benjamin e
Adorno, Gagnebin enfatiza a capacidade mimética na teoria da linguagem de Benjamin e
também como importante aspecto da teoria histórica do autor alemão. “A verdadeira imagem
do passado passa voando. O passado só se deixa capturar como imagem que relampeja
irreversivelmente no momento de sua conhecibilidade” (BENJAMIN, 2012, p. 243). A
semelhança entre passado e presente não é dada por uma simples repetição de fatos, mas
como uma reconfiguração: “esta relação entre passado e presente não pode ser pensada,
segundo Benjamin, no modelo de uma cronologia linear, sucessão contínua de pontos
homogêneos [...] mas tampouco pode essa relação ser pensada como uma retomada do
passado na qual a ação política também consiste” (GAGNEBIN, 1997, p. 101). Portanto,
amarramos aqui a questão eterno retorno nietzscheano assinalada também no presente
trabalho. No arremate de Gagnebin sobre a semelhança em Benjamin, a autora se volta à
apreciação de Benjamin ao trabalho de Marcel Proust e salienta as imagens do sonho neste
último. De tal modo que a imagem do sonho é semelhante a que vemos em nossa vida de
vigília, as imagens do estado em vigília se assemelham do mesmo modo aos nossos sonhos,
como a interpretação sobre a obra de Proust feita por Benjamin:
A semelhança entre dois seres, a que estamos habituados e com que nos ocupamos
em estado de vigília, é apenas um reflexo impreciso da semelhança mais profunda
que reina no mundo dos sonhos, em que os acontecimentos não aparecem jamais
como idênticos, mas sempre como semelhantes: impenetravelmente semelhantes
entre si (BENJAMIN, 2012, p. 40).
“Se há uma retomada do passado, este nunca volta como era, na repetição de um
passado idêntico”. Neste ponto, a mimesis se dá com a replicação do passado com base em
suas similitudes, pois “ao ressurgir no presente, ele não é o mesmo, ele se mostra como
perdido e, ao mesmo tempo, como transformado por esse ressurgir” (GAGNEBIN, 1997, p.
62
102). A mimesis exerce o seu poder, portanto, em toda a configuração histórica, e a moda,
como sendo um conjunto de costumes de um determinado momento, é seu produto. A respeito
da mimesis recalcada que produz medo no homem perante o seu inimigo, “na última página
de Teoria Estética, esse arrepio mimético originário reaparece, mas sob sua figura
reconciliada: é o tremor do sujeito perante a beleza” (GAGNEBIN, 1997, p. 104).
63
sucesso das fotonovelas. A esta altura a mulher não se preocupava em mudar sua posição na
sociedade. Surge em 1959 a revista Manequim, que continha moldes de roupas e, em 1961, a
revista Claudia que revolucionou a imprensa feminina no Brasil. Em seu início, a revista
parecia com as outras já existentes, com novelas, artigos de moda, beleza, receitas e
decoração, mas aos poucos a revista passou a trazer conteúdos diversos com consultas
jurídicas, saúde, orçamento doméstico e sexo. Com a Claudia se iniciou também a produção
fotográfica de moda no Brasil. (SCALZO, 2004; MIRA, 2001).
Mira (2001) destaca a década de 1960 no Brasil como momento de grandes
transformações sociais e culturais, com a consolidação da indústria cultural no Brasil. “Ao
chegar aos anos 60, a imprensa feminina já é mais que milionária. Toda essa experiência era
conhecida do casal Civita, que havia morado na Itália e nos EUA, e seria seu ponto de partida
para ingressar no mercado de publicações femininas” (MIRA, 2001, p. 50). Entre as décadas
de 1960 e 1970 houve uma expansão muito grande de toda a indústria cultural no Brasil,
mesmo em meio à ditadura militar. “Nos anos 70, o país torna-se o sexto mercado fonográfico
do mundo e o sétimo em publicidade [...] A indústria de revistas também dobra sua produção
entre 1960 e 1975, saltando de 104 para 202 milhões de exemplares” (MIRA, 2001, p. 38).
Foi no ano de 1975 que a Carta Editorial trouxe ao Brasil a revista Vogue, “a mais consagrada
no mundo”. A Carta Editorial era a responsável pela publicação da aclamada Vogue e deteve
os seus direitos no Brasil por 36 anos, quando Luis Carta, pai de Patrícia Carta, hoje diretora
da Carta Editorial, trouxe a revista ao Brasil em maio de 1975. A revista começou a ser
editada em meio à ditadura militar brasileira, em um período em que não havia publicações
para cobrir esse nicho editorial, a de brasileiros abastados que compravam as edições
americanas e francesas da Vogue. “Poucos, mas gente que comandava bancos, investidoras,
comércio, política, empresas de alto porte. E mulheres que buscavam a alta-costura parisiense,
ainda olhando com certo desdém para nossos incipientes estilistas” (KAZ, 2002, p. 32). Ao
remontar a história da revista Vogue no Brasil, Kaz ressalta que na década de 70 havia o início
da ideia de globalização no Brasil. Luis Carta, que havia saído da Editora Abril, a maior
encarregada pelo lançamento de importantes títulos femininos no Brasil, como a revista
Cláudia, foi o responsável por trazer o sucesso americano da sociedade burguesa e aristocrata
do final do século XIX ao Brasil.
A publicação Harper‟s Bazaar mantém redação editorial em 27 países e é distribuída
para outros 42, com uma estimativa de 11 milhões de leitores. Segundo sua direção global,
são vendidos 3 milhões de exemplares por mês. Apesar de ter sido fundada em 1867 nos
Estados Unidos, no Brasil está presente somente desde novembro de 2011. Sua tiragem é de
65
Figura 4: Capa da edição nº1 da revista Harper's Bazaar no Brasil com a top model Gisele Bündchen.
5
Entrevista concedida ao programa Universo da Moda, da emissora Mega TV, em 2012. A transcrição da
entrevista encontra-se no anexo I desta dissertação.
67
roupas, calçados e acessórios. O Pyxis é uma base de dados que considera o potencial de
consumo por grupo de produtos em todos os municípios brasileiros.
A esta altura da dissertação cabe elucidar alguns aspectos que constituíam o pano de
fundo da época de lançamento da Harper‟s Bazaar no Brasil no ano de 2011. De acordo com
dados recolhidos pelo Instituto de Verificação de Circulação (IVC), o número de títulos de
revistas em geral no Brasil em 2010 era de 4.705, que saltou para 5.779 em 2011, ou seja,
1.074 títulos a mais do que no ano anterior ou crescimento de 23%. Percebe-se que o mercado
editorial de revistas, portanto, estava bastante aquecido no momento. Quanto aos números que
mostram o total de revistas em circulação, foi observado um ápice no ano de 2010 em
assinaturas e compras avulsas, que passou a apresentar queda nos anos seguintes. As revistas
femininas alcançaram em 2011 a maior circulação em 11 anos, alcançando R$ 800 milhões
em renda bruta6. Foi nesse contexto de abundante crescimento do mercado da moda, do luxo e
do bom momento editorial no Brasil que a Carta Editorial trouxe a revista Harper‟s Bazaar
para o país. Neste ponto de nossa dissertação procuramos esclarecer os efeitos de uma
publicação estadunidense com uma história de 150 anos no Brasil, que carrega uma situação
social histórica totalmente diversa daquela do país de origem da Harper‟s Bazaar. Vimos que
desde o início da imprensa no Brasil havia diferenças do contexto social e histórico entre o
Brasil, Estados Unidos e, principalmente a Europa, uma delas, por exemplo, é o índice de
alfabetização da população brasileira a época do lançamento das primeiras revistas nacionais.
O capitalismo industrial, que fez de Paris a “capital do século XIX”, era incipiente no Brasil,
que ainda era colônia de Portugal. Para fazer tal análise, nos apropriamos do conceito de
Glocal disposto por Eugênio Trivinho (2012). Para Trivinho, Glocal seria a globalização em
seu instante local, proporcionada pelos meios de comunicação, que entrecruza a existência
humana com a experiência cotidiana. O global passaria a ser vivido simultaneamente em
vários locais do mundo, seja para sentir, pensar e agir nele, a partir da década de 1970. O
contexto Glocal retiraria o indivíduo de sua consciência individual e o colocaria em um
mundo onde se apreende de acordo com os signos correntes. O resultado do global no local é
uma “hibridação de „planos‟ de existência, experiência e atuação, transformando o mundo
num caleidoscópio de redutos glocais entrecruzados de e para a circulação de informações,
imagens e dados” (TRIVINHO, 2012, p. 13). Ora, o que se expõe aqui com o Glocal é como a
perda da experiência, do continnum histórico e da aura, que ficaria reduzida, como apontado
6
Dados do IVC (Instituto de Verificação de Circulação). Disponível em
http://propmark.com.br/midia/faturamento-de-revistas-femininas-bate-recorde. Último acesso em 21/03/16
68
no capítulo anterior, à memória dos objetos. Tal memória presentificada em objetos e imagens
ocasionaria o sonho coletivo que, como dito por Benjamin (2007), não conhece história.
Figura 5 Capa de edição comemorativa da revista por seus quatro anos no Brasil.
que diz respeito à política e o mundo dos negócios, com o fim, certamente, de expansão do
valor de troca. “Uma matriz multinacional determina princípios para a atuação de suas filiais
em território alheio, em diferentes continentes”. O fenômeno Glocal ocorre, não só em torno
da “civilização mediática”, mas em torno do modus operandi de toda a nossa civilização,
obviamente, essa condição alcançou também a comunicação, que delineada dentro dessa
teoria, se dá Glocalmente.
“O processo de Glocalização condiciona, contextualiza e explica, portanto, a
espectralização e tempo real” (TRIVINHO, 2012, p. 91). O espectro da existência já era
observado por Benjamin diante das condições impostas pelas relações do capitalismo e a
fantasmagoria das imagens do desejo coletivo, como já mencionado no capítulo anterior. A
incessante busca pelo novo, que agora aparece de modo Glocal, fantasmagórico e espectral,
conforme apontamento sobre o novo no seguinte trecho do Trabalho das Passagens:
do Aqui e Agora, que escapa como imagem histórica. O termo hic et nunc utilizado por
Trivinho na demonstração dos efeitos do Glocal nos remete ao conceito da perda da aura de
Benjamin (2014, p.19), porém, deslocado para fora do campo da obra de arte: “O aqui e agora
do original constitui o conceito de sua autenticidade e sobre o fundamento desta encontra-se a
representação de uma tradição que conduziu esse objeto até os dias de hoje como sendo o
mesmo e idêntico objeto”. Não se trata aqui de uma crítica sobre a essência da obra de arte ou
de um objeto histórico, mas de um deslocamento de uma publicação impressa, que nascida em
outrora, em outra época e em outro país, surge como tradicional e Glocal em um contexto
sócio histórico completamente diferente e 150 anos após sua criação. O aqui e agora do
instante de inauguração da revista e sua continuidade na história podem ter se perdido no
meio desse caminho. Como dito por Trivinho (2012, p. 94), “a Glocalização do hic et nunc é
a representação sintética [...] ocorreu com todos os elementos e em diversos planos e
dimensões da civilização mediática [...]”.
Diante da industrialização corrente a partir do século XIX, houve um imenso avanço
das telecomunicações e juntamente a isso, a imprensa, principalmente a audiovisual também
apresentou evolução. Mesmo com tantas novas tecnologias, a imprensa em papel como a
revista, ainda desperta apreço nos leitores. Com o fenômeno Glocal, conforme apontado por
Trivinho (2012, p. 24), existe a reprodução social-histórica em uníssono, com objetivo da
“realização do valor de troca, seja na esfera formal da produção e do trabalho, seja no tempo
livre e no lazer”. O modelo de produção da revista Harper‟s Bazaar no Brasil obedece a um
padrão ditado pela matriz americana, reproduzido aqui, como em uma multinacional que
implanta uma indústria no país. O fim é garantir a realização do valor de troca como em todas
as relações do capitalismo. Como resultado da Glocalização, Trivinho parece temer pela
história vindoura da civilização Glocal:
complementares. O chefe, privilegiado, pode ter acesso à beleza, mas essa experiência é
sempre incompleta, pois marcada pela incapacidade de se transformar em práxis”. Pelo que
vemos aqui, Ulisses está consciente do movimento de distração dito por Trivinho, e por esse
motivo, ata-se ao mastro. “Quanto aos remadores, resta-lhes uma prática muda e surda,
coletiva e anônima, desprovida de consequências emancipatórias, já que seu trabalho não lhes
possibilita a articulação de uma exigência de transformação” (GAGNEBIN, 2014, p. 107).
Gagnebin, então propõe uma alternativa para a distração: “o que no processo de trabalho
capitalista é denunciado como distração, falta danosa de atenção, falha na disciplina que deve
ser censurada e castigada, revela-se agora muito mais como uma atenção dirigida para outras
coisas, notadamente para as coisas deixadas de lado”. Portanto, o Glocal, que nos tira da
realidade num caráter híbrido “entre hic et hunc da existência em contexto presencial e o hic
et hunc da existência em tempo real” (TRIVINHO, 2012, p. 95), nos lança a uma visibilidade
mediática que, poderia nos lançar ao nosso “desaparecimento da materialidade do mundo” e
ao “tratamento de alteridade como puro signo” (TRIVINHO, 2012, p. 97). A distração para
fora da visibilidade mediática permitiria, como disse Gagnebin em análise aos termos
benjaminiano, a voltar-se ao “esquecido e o recalcado, que pode guardar dentro de si as
sementes de outros caminhos e de outras histórias”, assim, Gagnebin e Trivinho concordam
que a visibilidade mediática e a experiência em tempo real proporcionados pelo Glocal
impedem a “descoberta de outros caminhos e de outros horizontes possíveis” (GAGNEBIN,
2014, p.110). O movimento de concentração e dispersão também é assunto de análise de Bolle
a respeito da Melancolia descrita na Origem do Drama Barroco e o personagem do Flâneur,
em Benjamin, como imagens dialéticas de suas épocas:
Esse duplo movimento, de concentração e dispersão, está presente em toda a obra das
Passagens de Benjamin e serve como ilustração também ao movimento da pós-modernidade,
com o Glocal que produz o movimento de dispersão com a visibilidade mediática. O processo
de concentração, por outro lado, configura-se como a evolução do processo de despertar do
sonho coletivo, já descrito no capítulo II dessa dissertação. Todas as peças, tanto o Flâneur
quanto a Melancolia, servem à autoconservação do sistema, tal qual os remadores no barco de
73
Ulisses: “a enorme massa da população recebe agora o adestramento dos guardas de reserva
do sistema, para servir, hoje e amanhã, de material para seus grandes planos” (ADORNO;
HORKHEIMER, 1996, p. 57).
Em crítica ainda a reprodução em massa ocasionada pela visibilidade mediática do
Glocal, convocamos ainda outro aspecto sobre a questão do transcurso histórico. A
visibilidade mediática, numa sede tão grande em ter sua vontade de potência ampliada
resultaria no Eterno Retorno do Mesmo, já discutido no capítulo anterior em nossa análise
sobre alguns pontos em Benjamin. Para Trivinho (2012, p. 137), “não importa a maestria e a
intensidade da estratégia com a qual se realiza a projeção, o resultado, que só raramente tarda,
será o esquecimento. Em meio à espuma biodegradável de signos, a única certeza é a morte da
perenidade”. Sobre o desejo de permanência, o pesquisador é enfático em sublinhar o seu
definhamento: “o que promana da violência (transpolítica) pela violência se definha”. Sobre
tal violência da indústria cultural, Adorno e Horkheimer (1996, p. 58) sublinham: “o absurdo
da situação, na qual a violência do sistema sobre os homens cresce a cada passo que os liberta
da violência da natureza, denuncia como obsoleta a razão da sociedade racional”. O que
ocorre, seria a repetição do Sempre Igual e a criação de imagens oníricas desprovidas de
memória. A lógica da fabricação de mercadorias, inclusive as culturais, reside na repetição e
consequente morte da memória social. A informação ou a novidade mediada no Glocal
“(auto)expõe-se para desaparecer, o desejo de luz não sendo senão, por suposto, o desejo
obliterado de morrer”. Para Benjamin (1989, p. 172), isso se dá pela dialética da produção de
mercadorias na modernidade e nos acompanha até hoje: “a novidade do produto adquire
(como estimulante da demanda) um significado até então desconhecido; pela primeira vez, o
sempre igual aparece de modo evidente na produção de massa”.
Em Trivinho (2012, p. 138), “na civilização mediática, no que respeita ao mainstream
cultural predominante, a memória social admite-se, quase que exclusivamente, como memória
artificial”. Tal memória, para o autor, representa o excesso de signos que toma o lugar da
memória social e toma seu lugar “em todos os períodos civilizatórios progressos”. A perda da
memória social7 desembocaria na existência então das imagens oníricas e dialéticas de
Benjamin, que se sobressaem em virtude da perda do continuum histórico, que ocorre
necessariamente por meio da experiência vivida. De acordo com Benjamin (1989, p. 173), “a
7
Ver conceito de memória coletiva por Halbwachs (1990, p. 16): “Mas nossas lembranças permanecem
coletivas, e elas nos são lembradas pelos outros, mesmo que se trate de acontecimentos nos quais só nós
estivemos envolvidos, e com objetos que só nós vimos”. Em Bergson (1999, p. 247), “ela (a memória) prolonga
o passado no presente, porque nossa ação irá dispor do futuro na medida exata em que nossa percepção,
aumentada pela memória, tiver condensado o passado”. A memória social, para Trivinho, estaria convertida em
artificial, sem a presença do passado e, portanto sem futuro.
74
imagem dialética é como um relâmpago. Portanto deve-se reter a imagem do passado, neste
caso, de Baudelaire, como uma imagem fulgurante no agora do cognoscível”. O relâmpago
que aparece, portanto, se dá por meio das imagens provisionadas pela “civilização mediática”.
Bolle (2000, p. 68) levanta a Revolução como o melhor exemplo de Benjamin para explicar a
imagem dialética, na qual existe a perda do continuum histórico. De fronte a tais explanações
acerca da perda do continuum, sobre as imagens dialéticas e oníricas abordadas no segundo e
terceiro capítulo e a presente explicação sobre o Glocal, adentramos nossas considerações
sobre a aura de Benjamin no tópico a seguir.
A doutrina dos sacerdotes era simbólica, no sentido em que nela coincidiam signo e
imagem [...] Tanto os mitos quanto os ritos mágicos visam à natureza que se repete.
Ela é a essência do simbólico: um ser ou um processo que é representado como
eterno, por dever sempre converter-se novamente em acontecimento, no perfazer-se
do símbolo. Inesgotabilidade, renovação sem fim, permanência do significado, não
são apenas atributos de todos os símbolos, mas seu verdadeiro teor ( ADORNO;
HORKHEIMER, 1996, p. 33).
Um estranho tecido fino de espaço e tempo: aparição única de uma distância, por
mais próxima que esteja. Em uma tarde de verão, repousando, seguir os contornos
de uma cordilheira no horizonte ou um ramo, que lança sua sombra sobre aquele que
descansa – isso significa respirar a aura dessas montanhas, desse ramo
(BENJAMIN, 2014, p. 29).
Ao lermos o trecho citado acima, vemos que a aura concerne ao momento único de um
acontecimento, sua autenticidade. Outro ponto fundamental quando se trata de aura é a sua
unicidade, que dialoga com o valor de culto da obra de arte. Benjamin lembrou que os
objetos de arte foram marcados por serem insubstituíveis, “havia, em cada um desses objetos,
o selo de um „aqui‟ e „agora‟ que emocionava as pessoas” (KONDER, 1988, p. 68). O autor
de A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica faz uso dessa definição para
justificar que fatores sociais específicos podem condicionar o declínio da aura,
essencialmente, por dois valores: “fazer as coisas „ficarem mais próximas‟ é uma preocupação
tão apaixonada das massas modernas como sua tendência a superar o caráter único de todos os
fatos através da sua reprodutibilidade”. O ato de comprar e folhear revistas de moda como a
Harper‟s Bazaar está, de acordo com as palavras de Benjamin, inserido nessa dinâmica de
“aproximação” das coisas: folheia-se a as fotografias de moda da revista como se
consumíssemos imagens, acumuladas. Assim, se o leitor da Harper‟s Bazaar não pode
possuir uma roupa de grife apresentada nos editoriais de luxo, pode irresistivelmente possuir
de alguma forma as modas apresentadas, tão perto quanto quiser ter, na imagem ou sua
reprodução. No caso da revista Harper‟s Bazaar, ainda, se lida com o desejo pela moda e
pelas imagens, ou por melhor dizer, reproduções. “Fazer as coisas se aproximarem‟ de nós, ou
antes, das massas, é uma tendência tão apaixonada do homem contemporâneo quanto a
superação do caráter único de cada situação por meio da sua reprodução”. Walter Benjamin
ainda dissocia o conceito de imagem e de reprodução: na imagem, há unicidade e
durabilidade, enquanto na reprodução, transitoriedade e a repetibilidade. A arte se torna
76
O luxo da moda tem como pretensão carregar a dimensão ritualística, o sagrado, seja
por aparições feéricas, por seu processo de manufatura ou pela exclusividade e sensação de
unicidade, mas um simples ponto o diferencia do vestuário e do cerimonial religioso: o luxo
da moda se dá somente ao hedonismo, como apontado por Wilson no trecho destacado acima.
Todo o ritual religioso resulta na formação de uma imagem mágica, que perdura, e daí surge o
impacto naquele que o contempla:
A arte do tempo primevo fixa, a serviço da magia, certas notações que servem à
práxis. E isso, provavelmente, como exercício nos procedimentos mágicos (o
entalhar a figura de um antepassado é, em si mesmo, uma execução mágica),
também como ensinamento destes procedimentos (a figura de um antepassado
demonstra uma postura de ritual) e, finalmente, como objeto de uma contemplação
mágica (a contemplação da figura de um antepassado intensifica a força mágica
daquele que contempla) (BENJAMIN, 2014, p. 41).
Figura 6: Destaque para chamada principal de capa "Tudo Novo" e "Em nome do look: estilistas buscam na
religião referências para as coleções"
No ensaio em que liga o sagrado ao luxo, é plausível que o conceito de aura também
esteja aqui posto, suscitado no trecho: “é também isso que, no fundo, constitui o charme do
luxo, o qual, em nossas sociedades, é capaz de ressuscitar uma aura de „sagrado‟ e de tradição
formal, de fornecer uma totalidade cerimonial ao universo das coisas, de reinscrever
ritualismo no mundo desencantado massa-midiatizado do consumo”. Na imagem acima, capa
da edição de setembro de 2013 da revista no Brasil, traz duas frases de impacto que traduzem
83
o inconsciente de trazer o valor de ritual para a moda: “em nome do look: estilistas buscam na
religião referências para as coleções” e “Tudo novo”. Em uma só capa, o passado encontra o
presente na moda, que volta como o Sempre Igual disfarçado como novidade, e os ritos são
suscitados como inspiração para a moda. Aqui também é suscitado o componente lúdico da
fotografia, abordado pela pesquisadora Jeanne Marie ao dissertar sobre a perda da aura com a
fotografia sob o olhar de Benjamin: “o papel do fotógrafo não consiste em restaurar a aura
perdida das primeiras fotografias, mas, eis a segunda hipótese, em levar até o fim esse
processo de „desauratização‟, de „desinfecção‟ de um sagrado barato” (GAGNEBIN, 2014, p.
159). Gagnebin (2014, p. 101) explica o pensamento de Benjamin sobre a reprodutibilidade
técnica e a perda da aura enquanto “tentativas de pensar os fenômenos estéticos sem recorrer
ao pressuposto de uma origem substancial, única e autêntica”. Portanto, uma das qualidades
da reprodução de imagens como as da revista Bazaar é a aposta na “manifestação lúdica,
entre a „bricolagem‟ engraçada e a construção austera, um jogo com uma série infinita de
reproduções, em vez de querer restaurar a imagem aurática”.
As fotografias ordenadas na Harper‟s Bazaar conduzem para o imaginário que
envolve o luxo e seus usos, cuja base é “se ser desejável, de manter certa distância, de ser algo
merecido; é uma aura imaterial que se projeta acima do ordinário e acima da simples
qualidade da vida para ser uma forma de realização e de oferenda que se faz a si próprio e aos
outros” (LIPOVETSKY; ROUX, 2005, p. 130). Tal conclusão foi obtida por Roux a partir de
estudo da Cofremca, o qual a autora traz à tona em O luxo eterno. Uma dessas pontuações do
estudo que nos interessa é que “o luxo deve despertar imaginários e ressuscitar artes de
viver”, o que nos remete nesse ponto ao consumo da revista Harper‟s Bazaar como a vivência
de um sonho. Ao folhear a revista, imaginários são despertados, como se somente a visão dos
editoriais de moda bastassem para alguns dos leitores da Harper‟s. “A mulher de Moda é ao
mesmo tempo o que a leitora é e o que ela sonha ser. Seu perfil psicológico é
aproximadamente o de todas as celebridades „relatadas‟ cotidianamente pela cultura de
massa” (BARTHES, 1979, p. 247). O luxo é vivenciado para o leitor com o consumo dessas
imagens que suscitam o imaginário, pois “à medida que a sociedade se industrializa como
para compensar o processo de padronização imposto, o consumo deve ser investido de uma
dimensão individualizante. Daí necessidade de se utilizar uma carga imaginativa que torne
sedutora a aquisição dos produtos” (ORTIZ, 1998, p.159). Para Buitoni (1990, p. 18), a
revista feminina é por si só uma fruição, pois “não se leem revistas somente para informação;
muitas vezes, o ato de folheá-las já é um prazer”. O local de culto da obra de arte, neste caso a
moda de alta costura, se torna a própria revista, por meio de suas fotografias feéricas e devido
84
à história de tradição que a Harper‟s Bazaar carrega, como uma tentativa de preservação da
aura através dos tempos.
Quanto mais se propaga a crise da atual ordem social, quanto mais rigidamente os
momentos individuais se contrapõe entre si, numa oposição morta, tanto mais a
„criatividade‟ – no fundo, por sua própria essência, mera variante, cujo pai é a
contradição e cuja mãe é a imitação – se afirma como fetiche, cujos traços só devem
a vida à alternância das modas. A criatividade na fotografia é o seu
comprometimento com a moda. Sua divisa é precisamente: „o mundo é belo‟
(BENJAMIN, 2012, p. 113).
Ao mesmo tempo em que a nova configuração da técnica permite uma nova forma de
arte, aliada às mudanças na aisthésis, a manipulação dessas imagens fotográficas, as quais
Benjamin se refere, acaba por descambar na fabricação artificial delas mesmas e constitui
mais uma forma para o fetiche se compor na sociedade do século XX e permanece assim no
século XXI, onde já dispomos de tantas outras tecnologias, mas a imagem manipulada das
fotografias continua nos encantando. Se as primeiras fotografias continham uma aura, a
fotografia manipulada já não a tem. Diante desse excerto da Pequena História da Fotografia
Benjamin ainda faz alusão à moda, assunto tratado na presente dissertação. A moda, pois,
encontra na fotografia, uma parceira perfeita para se aliar e criar o onirismo pertinente ao
fetiche da mercadoria:
As imagens que se associam ao reclame, como diz Benjamin, são incapazes de serem
compreendidas em qualquer contexto humano, vide os editoriais de moda da revista Harper‟s
Bazaar, nos quais a mulher se posta em poses irrealizáveis em situações corriqueiras. As
produções de moda, também dessas fotografias, estão aquém do realizável na vida social de
qualquer um que não seja uma celebridade do cinema em tapete vermelho ou em uma
aparição pública que tenha como objetivo causar frisson. Tais imagens fotográficas são
oníricas, pois nelas estão representadas o desejo das mulheres, seja de status ou de querer
parecer com a new face impressa na revista do mês. As imagens fotográficas da revista
Harper‟s Bazaar como a de qualquer outra revista de moda se presta ao “valor de venda de
seu objeto” como dito por nosso filósofo. Benjamin suscita o trecho no qual Brecht discorre a
87
apontou como sendo invisível, pois “não é ela que vemos”. Podemos relacionar a perda da
aura de Benjamin com a Morte presente na fotografia: “o que a Fotografia reproduz ao
infinito só ocorreu uma vez: ela repete mecanicamente o que nunca mais poderá repetir-se
existencialmente” (BARTHES, 2012, p. 14). Roland Barthes diz ainda que toda fotografia
carrega consigo algo “terrível”:
mais (ou está menos) no religioso, deve estar em outra parte: talvez essa imagem que produz a
Morte ao querer conservar a vida” (BARTHES, 2012, p. 85). A fotografia de moda ilustra
bem isso, já que a moda já está predestinada à morte desde o momento em que é lançada, pelo
próprio movimento do capitalismo, que suscita a novidade. A fotografia comercial, retocada,
que se põe como arte, é na verdade, a fetichização da mercadoria como imagem do desejo.
“As fotografias sobrevivem não apenas a nós, mas a muitas gerações. Cópias envelhecidas
podem ser renovadas. Negativos podem ser reproduzidos de negativos. Há algo de
indestrutível nas fotografias” (NÖTH, SANTAELLA, 2001, p. 134). O teor “indestrutível” da
fotografia presente na revista de moda se confunde com a aura, mas na realidade, são apenas
fantasmagorias. Essa espectralidade que se apresenta na fotografia ocorre, para Dubois,
justamente porque a trama de origem da aura em Benjamin se transforma em drama, ou seja,
ficção, ao tentar contar uma história e constituir uma narrativa.
A Glocalização que se dá também por meio da existência em tempo real confusa,
confusão essa que, segundo Konder (1988, p. 42) em análise sobre a experiência com o
haxixe de Benjamin, se deve a própria „“natureza alucinógena‟ da própria „razão instrumental‟
a que recorremos sempre, com cega confiança em nossa vida cotidiana” e “provoca
alucinações no período que é consumido”, algo que a razão instrumental faz também, segundo
ele, de modo pior: “ela nos acostuma a conviver duradouramente com as fantasmagorias que,
com o apoio da ideologia dominante, se apresentam como fiel representação da realidade”. As
imagens do desejo ultrapassam as fronteiras e assim se dá o Glocal, possível graças às
tecnologias que expandem a novidade para os locais do globo conectados. Para Buck-Morrs
(2002, p. 200), “no processo de se tornar mercadorias, as imagens de desejo se congelam em
fetiches; o mítico aspira à eternidade [...] a outra face da repetição infernal do „novo‟ na
cultura de massa é a mortificação daquilo que não é novidade”. Benjamin (2014, p. 101), ao
comentar sobre o impacto do cinema na sociedade, assinalou a magnitude da câmera para
afetar o mundo em suas “psicoses, nas alucinações, nos sonhos” por meio do encadeamento
de imagens. A fotografia permite o mesmo efeito ao proporcionar as imagens congeladas:
Com o Glocal, o mundo onírico criado por imagens semelhantes ou mesmo iguais se
espalha pelo globo. A revista Harper‟s Bazaar no Brasil é um exemplo de imagem que
circula o mundo e faz criar aqui, nos brasileiros que folheiam as páginas da revista, o
consumo dessas imagens que permeiam então o mundo onírico. Os meios de comunicação
Glocalizados como a revista Harper‟s Bazaar trazem modelos internacionais como capa e
conteúdos como “O Melhor dos Desfiles Internacionais” e “40 anos de Armani”, como na
edição de Abril de 2015.
Figura 7: Modelo alemã Toni Garrn ilustra capa de edição brasileira da Bazaar.
Mesmo que grande parte do conteúdo da revista cuja matriz é americana seja
produzido no Brasil, a moda se tornou algo global desde o fim do século XIX com a
insurgência do capitalismo industrial, a alta costura e a produção de massa de roupas. As
imagens oníricas se tornam flutuantes em todo o mundo: as imagens do desejo são as mesmas
com o fetiche da mercadoria apresentado pela revista Harper‟s Bazaar no Brasil. Conforme
Benjamin (2006, p. 505), “a imagem lida, quer dizer, a imagem no agora da cognoscibilidade,
carrega no mais alto grau a marca do momento crítico, perigoso, subjacente a toda leitura”.
Essa superfície, a epiderme, a camada mais rasa de uma época, tal como a fisiognomia das
cidades, a cultura do cotidiano, das imagens do desejo e fantasmagorias possui “a mesma
importância das „grandes ideias‟ e das obras de arte consagradas” (BOLLE, 2000, p.43).
Observar a imagem fotográfica impressa nas folhas da revista Harper‟s Bazaar é, portanto,
reconhecer a representação histórica de um dado momento, pois “a história em tudo o que
nela desde o início é prematuro, sofrido e malogrado, se exprime num rosto - não numa
caveira” (BENJAMIN, 1984, p. 188).
93
CONCLUSÕES
científica. Formou-se o terreno ideal para o aprisionamento por meio da mercadoria: o homem
burguês que detinha o capital quanto os trabalhadores das fábricas acreditavam no próprio
capital como meio de sua libertação. O pensamento material começou a se formar com os
meios de produção. A primeira conclusão do primeiro capítulo é que a mistificação, da qual o
homem buscava se libertar por meio da razão, foi deslocada para a mercadoria como fetiche,
sendo personificada na moda. Em segundo lugar, concluímos que a moda se tornou um dos
instrumentos usados pelo homem para expressar suas emoções no exterior de sua residência,
no âmbito público. A distinção entre o público e o privado é um dos principais apontamentos
também do primeiro capítulo. Com o exterior das residências muito mais movimentado com a
grande circulação de pessoas, a moda servia para mostrar que se estava fora de casa, e no
interior da residência burguesa, os mobiliários serviam como expressão de sua personalidade.
Em terceiro, podemos enumerar que a moda encontrou na revista um meio de expressão para
se mostrar ao homem que via a moda como sua expressão. A massa, fragmentada, tinha a
moda como uma de suas ligaduras. Fora isso, a comunicação no fim do século XIX insurgia
para dar conta das cidades modernas. Como observou Wilson (1985), o capitalismo faz tudo
girar em torno de seu próprio vórtice. A alta costura, surgida no fim do século XIX, se
apresenta ainda mais expressivamente como fetiche da mercadoria. Charles Frédéric Worth é
considerado o inventor da alta costura e primeiro estilista já conhecido, atendia tanto a
aristocracia quanto a burguesia. A moda de alta costura viu então com a revolução industrial
ambiente providencial para se multiplicar e alcançar também as classes menos favorecidas
com a produção em massa. Por último, destacamos como uma das conclusões do primeiro
capítulo da dissertação o luxo como elemento criador da Harper‟s Bazaar. A individualidade
e a vida dispersa da dependência da religião tomava a beleza como meio de civilidade. Aqui,
colocamos o luxo não só como sinônimo de ostentação, mas também enquanto conforto. A
revista passaria a ser o meio para promoção do estilo de vida luxuoso e confortável, símbolos
da civilidade do homem burguês. Tais condições prefiguradas nas metrópoles europeias eram
reproduzidas na América, mais precisamente em Nova Iorque, berço da Bazaar. A cidade
simbolizava o século XX tal como Paris foi símbolo e capital do século XIX. Movida pela
novidade e pela rapidez em suas transformações, a imprensa movimentava o grande comércio
de moda de Nova Iorque.
O segundo capítulo da nossa dissertação teve como objetivo delinear a moda e a
revista Harper‟s Bazaar como representativa da imagem onírica benjaminiana. Em
continuidade às primeiras conclusões alcançadas no capítulo I, colocamos a moda como
elemento que cria a identidade para o homem moderno, fragmentado pelo capitalismo.
95
Benjamin, apoiado em Freud, nos expõe a moda como uma “gratificação substitutiva”. O ser
humano que desde a primeira infância é afastado de sua mãe busca cercar-se de tudo o que lhe
proporciona prazer. A mercadoria, assim como o haxixe, promoverá essa sensação de
ebriedade. No entanto, os prazeres provocados pelo encanto do novo será sempre um “morno
bem-estar”. Logo, o homem precisará de novo o encanto por outra novidade. Nisto, a moda
lhe cai bem, devido à sua busca sempre desenfreada pelo novo e por buscar incessantemente
se distanciar da moda anterior. Convocamos aqui o Eterno Retorno do Mesmo dado por
Nietzsche, e também por Benjamin no Trabalho das Passagens e em outros textos. A moda é o
Eterno Retorno do Mesmo por conta de seus princípios antinômicos da felicidade: o da
eternidade e o do mais uma vez ainda. Por sua vez, é na moda que a mercadoria encontra a
sua melhor face fantasmagórica. A moda encontra na revista Harper‟s Bazaar em sua versão
no Brasil o substrato para se manter como imagem do desejo, no qual o coletivo deseja
transfigurar suas imperfeições (BENJAMIN, 2007). As imagens que permeiam as páginas da
revista são imagens do sonho por constituírem a forma simbólica do capitalismo, cuja
estrutura não é visível por nós, pois estamos aprisionados a ela. Em outras palavras, as
imagens oníricas que aparecem diante de cada época são uma tentativa de se libertar da
estrutura do capitalismo, no entanto, da sociedade moderna até hoje, essa estrutura de sonho
se alimenta do próprio capitalismo. A forma fantasmagórica, portanto, é a novidade que se faz
Sempre-Igual. Como apontado por Buck-Morrs (2002) a fetichização dos sonhos e das
mercadorias se tornam indistinguíveis.
Apoiamo-nos sobre a ideia de Marx sobre o mito, criado pelo sistema de produção de
mercadorias e espetacularizado por meio da imprensa, em nosso caso, na de moda. Chegamos
à conclusão de que a moda como imagem onírica e como imagem do desejo, alcança o seu
objetivo somente como mercadoria de exibição. Expostos como objetos de luxo com custo
muito elevado e acesso limitado por grande parte da população, as imagens suportadas pela
Harper‟s Bazaar só aumentam a cobiça em que as admira. Por fim, as imagens oníricas se
portam como imagens dialéticas como observado por Benjamin. A imagem dialética é a
manifestação da imagem onírica, que carrega consigo a “história primeva”. O desejo em
permanecer a existência finda como o Eterno Retorno do Mesmo. O homem que se cerca de
objetos e se veste com a última moda espera deixar rastros para que seja interpretado e
compreendido posteriormente. Esta metáfora está presente na esfera do despertar, que cabe ao
historiador a sua compreensão. O sonho, detido pela mercadoria, sua fantasmagoria e fetiche,
estão em nossa transitoriedade, mas que, como colocado por Benjamin, antecipam a dialética
do despertar. Como fechamento do segundo capítulo, foi postulada a questão da mimesis nos
96
teóricos da escola de Frankfurt, discorrida por Jeanne Marie Gagnebin. Aqui a imagem
dialética e onírica se volta como imitação de sua aparição anterior, posto que as semelhanças
que existem não são imutáveis e eternas, mas são capazes de se inventariar de acordo com a
época que ressurgem.
O último capítulo de nossa dissertação circundou a questão da aura na revista
Harper‟s Bazaar no Brasil. Primeiramente, foi dado um pequeno histórico sobre a imprensa
feminina no país a fim de buscarmos contextualizar o surgimento da revista Harper‟s Bazaar
em território nacional. A revista lançada em 1867 em Nova Iorque, nos Estados Unidos,
aparecia no Brasil 144 anos depois. Por meio de nossa pesquisa, apontamos que a revista
Vogue, também americana e igualmente nascida no fim do século XIX, teve seu primeiro
exemplar publicado no Brasil na década de 1970 por Luis Carta, hoje falecido, da Carta
Editorial, a mesma editora que detém os direitos da Harper‟s Bazaar nacional. Em 2011, ano
de lançamento da Bazaar no Brasil, a Carta Editorial havia perdido o direito de publicação da
Vogue no Brasil por motivo não divulgado. A editora buscou uma publicação igualmente
luxuosa para ocupar o seu lugar em sua cartela de produtos. Outro possível motivo para que a
Carta Editorial trouxesse a publicação americana ao Brasil era o mercado editorial crescente e
promissor, a moda e o mercado de luxo em um bom momento econômico no cenário nacional.
Dado esse panorama, tratamos a versão brasileira da Bazaar como fenômeno Glocal e
relacionamo-lo com a aura de Benjamin, visto que uma das críticas de Trivinho (2012) a
respeito da glocalização é a perda do hic et nunc, ou seja, do Aqui e Agora. Destacamos como
primeira conclusão na conjugação dos conceitos de Trivinho e Benjamin a glocalização como
criadora de um espectro, que se trata da existência em tempo real. Ao ter o reproduzido em
nossas mãos, têm-se uma falsa impressão de aura, falsa porque a aura prevê o Aqui e Agora
no interior do seu continuum histórico, algo que o Glocal despedaça. Os meios de
comunicação são o próprio fetiche da mercadoria se colocados como democratizantes da
cultura. Convidamos novamente Adorno e Horkheimer sobre o conceito do Iluminismo para
tratar a comunicação como forma permanente de distração dos nossos sentidos. Em meio ao
sonho, não seria possível perceber que estamos sonhando, no entanto, com o despertar, o
homem encontra o seu lugar de resistência e liberdade. O movimento dialético de
concentração e dispersão se voltam com a figura de Ulisses e as Sereias e a do Flâneur e da
Melancolia. Na Melancolia, o homem se vê preso em sua imobilidade diante de sonhos em
dispersão, em contrapartida, o Flâneur, está sempre em movimento em busca pelo novo
(BOLLE, 2000). Concluímos, portanto, que tanto a figura do Flâneur como a da Melancolia
serve à manutenção do próprio sistema. Em nosso tempo, o Glocal proporciona a dispersão
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por meio da visibilidade mediática. Por outro lado, o movimento de concentração se faz por
meio do despertar do sonho coletivo.
O declínio da aura se dá, em Benjamin, pelo desejo das massas de tornar as coisas
mais próximas, em vez de ocuparem somente o local de culto. Por isso também ressaltamos a
necessidade de adquirir a revista impressa, mesmo que não se haja condições para adquirir
uma de suas roupas de luxo ali expostas. O leitor da Harper‟s Bazaar pode possuir uma
daquelas modas apresentadas, seja nas imagens ou em suas reproduções. Mencionamos
também no último capítulo a mudança da aisthésis, como uma mudança na percepção do
homem reconfigurada a partir de um novo período histórico, mas ao invés de prantear a perda
da aura, Benjamin vê uma possibilidade de novos espaços de experimentação e criação, como
o cinema. Sobre a possível existência da aura na revista Harper‟s Bazaar analisamos um
outro ponto onde essa aura poderia se instalar: o luxo. Por estar distante, o luxo adquire um
valor de culto tal como as primeiras esculturas que serviam à religião. A Harper‟s Bazaar
exprime a tentativa de um local sagrado do luxo, que a moda pretende alcançar por meio do
feérico, seu processo de manufatura e exposição. A fotografia se dispõe com a revista de
moda como uma imagem mágica, que ainda encontra o seu valor de culto. A Bazaar no Brasil
pretende ser o local de culto da obra de arte da alta costura por meio de suas fotografias
suntuosas e devido à história de tradição que a Harper‟s Bazaar carrega. Na fotografia de
moda da Bazaar, podemos afirmar que, nessa reprodução está expressa a imagem onírica de
nosso presente por ali se conter também a imagem de desejo. As fotografias são oníricas, pois
nessa estão representados os desejos das mulheres, de status, de querer se parecer como uma
modelo, enfim, as imagens fotográficas se prestam ao valor de venda. Não há aura na
fotografia de moda, de acordo com a nossa análise baseada em Benjamin, apenas a
personificação do fetiche da mercadoria. Como antevisto por Barthes, é preciso que a morte
esteja presente em algum lugar em nossa sociedade, e esse local é a fotografia. A
espectralidade na fotografia é dupla: tanto a do tempo apreendido naquele momento quanto a
da fantasmagoria da mercadoria ali exposta. A glocalização promovida por esse aparato
mediático confunde, pois se tem a impressão de estarmos nos deparando com a representação
da realidade, quando realmente estamos defronte às imagens do desejo congeladas em
fantasmagorias. Com a globalização as mesmas imagens oníricas são absorvidas glocalmente.
Finalmente, mesmo que as fotografias e a revista Bazaar no Brasil sejam o próprio espectro da
mercadoria, são com elas que o historiador deverá lidar no momento de despertar, as imagens
oníricas da pós-modernidade.
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REFERÊNCIAS
ENTREVISTA 1
Concedida por Patrícia Carta ao programa Universo da Moda, da emissora Mega TV
(novembro/2013)
Max Fivelinha: Ela é responsável pela vinda da revista Harper‟s Bazaar para o Brasil e foi
editora da revista Vogue por 36 anos. Patrícia Carta é referência quando o assunto é moda.
Numa entrevista exclusiva, ela fala sobre os rumos do mercado fashion no Brasil. A moda
brasileira teve um boom nos últimos 20 anos: jornalistas especializados, sites especializados e
um número cada vez maior de publicações, mas nem sempre foi assim. Eu vim bater um papo
com a Patrícia Carta, que desse assunto, ela entende. Você começou fazendo o que antes?
Patrícia Carta: Sou formada em publicidade e a primeira coisa que eu fiz foi trabalhar em
agência, mas garota, com 19 anos, estagiária na verdade. De lá eu saí e vim para a Carta,
então eu comecei aqui, na moda.
Patrícia Carta: Já, comecei na moda com 20 anos. Então faz 30 anos só que eu trabalho com
isso.
M.F: Você teve com a Vogue mais de 36 anos aqui, foi uma escola pra você, foi sua primeira
escola? Pode chamar de escola? Escola às vezes é meio velho, mas não é né?
Patrícia Carta: Foram 36 anos e a escola continua né, porque enquanto a gente faz todo mês a
gente aprende alguma coisa nova.
M.F: Você trouxe a revista Bazaar pro Brasil faz um ano e pouquinho. Demorou pra vir...
M.F: Como que você trouxe a revista, foi uma negociação daquelas que demoram?
P.C: Na verdade, demorou para vir se você considerar que é uma revista de 150 anos (risos)
Então a revista... É, a primeira revista de moda do mundo e... É ela é o berço dessa arte
gráfica, ela é o berço da fotografia de moda, o berço do styling, o berço de uma série de
coisas, então ela demorou bastante, mas foi uma grande sorte minha que ela tenha demorado,
porque senão eu não poderia ter trazido. E a negociação não foi difícil porque o Brasil estava
num momento em que estavam todos chegando e eu peguei exatamente esse momento. Talvez
tivesse sido mais difícil em outra situação, em outra época, mas agora foi rápido, mas mesmo
assim é muito trabalhoso, porque quando eu digo rápido, leva bastante tempo.
M.F: Você tem que obedecer alguma coisa que vem de fora, da revista Bazaar, por exemplo,
“o editorial é assim, a foto de campanha é assim”
M.F: Você tem um padrão que você precisa obedecer, mas já tem um jeitinho, um jeito
brasileiro?
102
P.C: Eu tenho padrões pra obedecer, se não, você não reconhece como Bazaar né, a revista
tem que ser reconhecível, tem que ser Bazaar, mas obviamente, completamente tropicalizada
porque o conteúdo dela, 90% do conteúdo é nacional.
P.C: Muda, muda sim. Muda o olhar, muda, porque a cultura de cada povo tá impressa em
cada revista de cada país. São 26 espalhadas pelo mundo e você percebe com rapidez da onde
é cada uma. É o que se espera senão você só ia ler uma, então é importante que isso sem
mantenha e é importante que o Brasil tenha uma Bazaar pra chamar de sua.
M.F: Você tem estilistas começando, que fez uma coleção (sic) ou que é uma promessa, que
de repente uma roupa vai pra capa ou já vai para um editorial, isso, nacional, brasileiro?
P.C: Sim, sim, acontece. Acho que o Vitorino Campos é um deles, não foram para a capa,
mas fizemos editoriais, temos apostas né, mas gostaríamos, inclusive, de ter mais apostas,
gostaria que o Brasil estivesse numa situação menos fragilizada, eu acho que vai ter que se
reencontrar, se reinventar, agora que o Brasil ficou globalizado, agora que todas as marcas
estão aqui, as nossas vão ter que se autoafirmar novamente. Nós temos boas marcas aqui, o
que acontece é que a roupa importada, ela é mais fácil que seja mais bem feita, é mais fácil
que ela tenha um tecido melhor, porque no Brasil, aqui a moda é mais recente, porque a mão-
de-obra daqui é menos especializada do que a mão-de-obra de lá, então para se fazer o
produto daqui de alto nível, é assim, de grande competência, de grande mérito para aquele
estilista que consegue isso, porque é difícil, as condições de trabalho são difíceis.
M.F: As revistas ditam a moda, os estilistas ditam a moda ou a rua dita a moda, quem dita a
moda?
P.C: Hoje em dia é uma mistura de tudo isso, já foi de outra forma. Já foi uma pirâmide muito
clara, mas hoje em dia já houve uma inversão absoluta e a moda já vem ditada por todo
mundo que tem uma influência, então, o esporte, o roqueiro, enfim, o cantor, seja lá quem for,
o astro, a moça do cinema, a atriz, a it girl, a blogueira, a revista, todo mundo, ela é
democrática no olhar. Aceita quem se sobressai. A moda também fascina as pessoas, porque
ela ajuda a pessoa a sonhar, a imaginar uma situação de glamour e essa situação a moda
vende, esse sonho a moda vende. Ela também obviamente reflete o que você vive hoje, como
a sociedade pensa, como as pessoas vivem, porque elas precisam , então a moda ela pode ser
vista por vários prismas, ela é fascinante sob todos eles.
M.F: Tem uma moda, uma tendência, que pode virar um clássico no futuro?
P.C: Eu vejo todos os clássicos (risos) sendo retrabalhados, então, de novo, a Dior está
trabalhando o New Look, você vê o grunge, dos anos 90, que voltou com tudo, então as
pessoas retrabalham se apoiando na nova tecnologia. São misturas e desmembramentos do
que a gente já conhece há muito tempo. Então, surgir um clássico é dificílimo de imaginar,
pode até... É sempre uma releitura né.
M.F: Patrícia, eu queria te agradecer por ter tirado um tempo para falar comigo, você é
superocupada, obrigado.
P.C: Eu também.
M.F: O Universo da Moda fica por aqui, se você tem algum assunto que gostaria de assistir
aqui no programa mande e-mail pra gente, na semana que vem eu volto. Tchau.
ENTREVISTA 2
Concedida por Patrícia Carta ao programa Mundo Fashion, da Bandeirantes
(maio/2014)
Tatjana Ceratti: E agora eu vou entrevistar a Patrícia Carta, que sabe tudo, que tem anos
dentro desse universo fashion e agora cheia de novidades com essa revista que já está na sua
quarta edição e está bombando já, né? Tudo bem, querida?
T.C: O prazer é todo meu, conta dessas novidades todas, a Bazaar é uma revista que já tem
uma tradição enorme no mundo inteiro, quero que você conte um pouquinho do DNA da
revista.
Patrícia Carta: É uma revista americana que tem mais de 140 anos, chegou agora no Brasil,
ela é da Hearst e a Carta Editorial tem a licença dela aqui no Brasil. Ela foi lançada em
outubro, a primeira edição, é uma revista de lifestyle e de moda basicamente. É uma revista
feminina de luxo.
T.C: Eu já sabia que era uma revista muito antiga, mas 140 anos, acompanhou todos os pilars
da moda mundial mesmo, né?
P.C: É, sem dúvida, tem uma tradição, ela une justamente a tradição, o glamour e sempre se
transformando e mostrando o que tem de mais interessante nesse mundo.
T.C: As revistas, as capas, o formato, sofrem esses modismos, e aonde vocês pesquisam isso?
Porque cada país tem um estilo, a revista tem uma propriedade, mas cada país tem um DNA,
uma história, como vocês pesquisam para trazer esse resultado sempre novo, sempre
vanguarda pra gente?
P.C: A gente olha pra tudo, com os profissionais daqui pra trazer o padrão de lá com a
identidade nacional. Então, nós trabalhamos com os profissionais brasileiros que também são
internacionais mas que já tem obviamente desejos que não são locais, acho que essas
barreiras, que essas fronteiras já terminaram faz tempo. Enfim, é o que a moda oferece, é o
que as pessoas gostam, e estar de olho para trazer antes e ser realmente um guia de moda para
as leitoras.
T.C: O Brasil está tão em evidência e junto com ele a nossa moda, os nossos designers, nós
temos profissionais, como você falou, que não perdem em mais nada para nenhum lugar do
mundo e são referências internacionais inclusive. Conta um pouquinho, você que está há
tantos anos na moda quando você começou e hoje, um parâmetro desse desenvolvimento,
como que era lá e como que é agora?
P.C: Embora a moda seja muito recente no Brasil, sempre tiveram bons movimentos, desde a
época da Fenit, depois outras organizações de moda, na época da Fenit, nos anos 60 e foi
104
caminhando com bons profissionais e com estilistas que sempre foram importantes. O que
aconteceu é que isso pulverizou, então hoje tem uma quantidade de pessoas que trabalham
com isso muito maior do que antes e aí também a comunicação possibilitou que todas as
pessoas terem o desejo de moda, querer usar moda, consumir, entender e exigir desse
mercado. Então, na verdade, acho que houve uma pulverização.
T.C: Você não acha que a nossa moda é muito cara? O que você acha que poderia ser feito
nesse movimento para ajudar os designers inclusive para competir lá fora, porque a gente não
consegue competir quando fala de história né, agregada à marca.
P.C: Realmente, é tudo muito caro aqui e a matéria-prima é cara, enfim, tudo o que eles
precisam para fazer é caro, os impostos, e fica tudo realmente, moda no Brasil é bastante cara
e talvez, talvez não, acho que basicamente por isso, porque é cara no mundo inteiro né, não é
só aqui, e acho que por isso que cresceu esse movimento do hi-low, porque a consciência da
pessoa, dela entender e ter informação de moda possibilita que ela tenha escolhas e faça
misturas sem precisar estar só apoiada no que aquela grife oferece, mas ela consegue misturar
peças e acho que fazer um guarda-roupa mais acessível e bem informado. Essa tendência hi-
low surgiu e se espalhou pelo mundo inteiro e a tendência é crescer.
T.C: O que cresce dentro dessa moda é até a compra consciente né.
P.C: Quanto mais você conhece e sabe o que é, você pode querer ter ou não, ou achar alguma
coisa parecida, sem obviamente dispensar o que é grife, é qualidade. O consumidor pelo
menos tem essa opção e poder oferecer o máximo possível é super bacana.
T.C: Vendo tudo isso, acompanhando tudo isso, porque estilo é uma coisa super divertida né,
você vai se conhecendo, vai provando, vai se lapidando, você vai ficando sempre melhor né,
com o tempo, quando a gente vai descobrindo o nosso jeitinho, nosso o que que fica bom.
Quando você começou, você acha que teve fase errada, como todo mundo, fala um pouquinho
sobre o estilo Patrícia.
P.C: Eu acho que sim, eu acho que levei um tempo até pra,, pra chegar num estilo assim bem
casual, básico, neutro, mas eu errei bastante no caminho disso.
T.C: O mais gostoso que eu acho é que não tem regras né e a regra única que eu conheço é
você se conhecer e ressaltar.
P.C: É, o que fica bom. De repente você usa coisas que você gostaria que ficasse bom mas
não está (risos)
T.C: Mas o importante é você estar aí provando e se sentir bem, porque quando você está se
sentindo bem, isso passa né?
T.C: Muito obrigada por essa entrevista, eu quero que você volte no Mundo Fashion para
contar essas novidades e quem sabe presentear o nosso telespectador com o making of dessa
revista maravilhosa.