GANHE UM RENAULT

TWINGO E-TECH
100% ELÉTRICO
O código que encontra na
capa da Revista do Expresso
dá-lhe acesso ao sorteio

13 de outubro de 2023
2659

expresso.pt
PUBLICIDADE

Soluções de gestão Primavera

são agora Cegid
Tecnológica que há cerca de 30 anos suporta a gestão de milhares de empresas
nacionais de referência tem novo nome, nova administração e uma ambiciosa
estratégia de crescimento, com o propósito de acelerar a transição digital das
empresas, de todas as dimensões e setores de atividade.

Bel O mercado português conta agora com um novo fornecedor de soluções de

Grupo Abegoaria
06 600 20M 200
gestão. Chama-se Cegid e herda todo o legado da tecnológica Primavera.
Milhares de empresas e instituições de referência em Portugal suportam os
Marcas de Colaboradores processos de gestão nesta tecnologia, que se destaca pela profunda capacidade Litros de Colaboradores
referência de integração de dados e solidez da informação, segundo testemunham alguns vinho/ano
dos gestores de grandes empresas.
“A parte administrativa de “No fim do dia precisamos de
Recursos Humanos é muito saber quanto gastamos, quanto
pesada e nós precisávamos de recebemos e quanto lucramos.
libertar tempo para a equipa se Através das soluções Cegid
dedicar ao desenvolvimento das Primavera e dos suportes adicio-
pessoas e ao bem-estar. nais conseguimos ter uma visão
As soluções Cegid Primavera detalhada de todas as variáveis
permitiram-nos automatizar pro- financeiras, seja de custos seja
cessos de payroll e obter dados de proveitos”.
analíticos, consistentes e fiáveis, Manuel Bio,
que nos ajudam a tomar melho- CEO do Grupo Abegoaria
res decisões”.
Emília Roseiro,
Diretora de RH da Bel

Luz Saúde
Lusoponte
29 15.000
170 mil 130
Viaturas/Dia Colaboradores
Unidades
hospitalares
Colaboradores

“Estamos com a Primavera há

“O ERP Cegid Primavera 20 anos, evoluímos juntos e
dá-nos a garantia de elevada continuaremos a evoluir nesta
performance no tratamento de era digital, numa relação win-win
grandes volumes de dados. que fundou os alicerces para
Com dois ou três cliques temos este grupo crescer da forma
milhares de linhas de informação como cresceu.”
integradas em tempo real, sem
David Vieira,
qualquer falha.” Diretor de Sistemas e Tecnologias de
António Oliveira, Informação da Luz Saúde
Diretor Financeiro da Lusoponte

Residências Tecnovia
Montepio
1.300 2.600
08
Residências
1.000
Colaboradores
Santiago Solanas
Equipamentos Colaboradores
CEO da Cegid na região da Ibéria, América Latina e África “Estamos a substituir o papel,
“Com as soluções Cegid a caneta e a assinatura por um
Primavera temos informação smartphone onde essa informa-
mais fina, mais fidedigna e mais
rápida de obter. Aumentamos,
sem dúvida, a nossa eficiência.”
António Gouveia,
“ Vamos continuar focados na nossa missão de apoiar
as empresas portuguesas no seu caminho para a
transformação digital e oferecer um serviço de
ção está toda digitalizada e cen-
tralizada através das soluções de
gestão Cegid Primavera.”
José Moreno,
excelência aos nossos clientes.
”
Administrador Executivo Diretor Digital e Aplicacional
das Residências Montepio da Tecnovia
“Tem havido uma receção bastante
positiva por parte do mercado à
nossa proposta de valor”
Santiago Solanas, CEO da Cegid na região da Ibéria, América Latina e África, é
considerado um executivo muito reconhecido na área do software de gestão e o
seu percurso profissional inclui cargos relevantes em empresas internacionalmente
conhecidas (Microsoft, Oracle, Sage, entre outras). Após um ano da aquisição do
Grupo Primavera pela Cegid, o executivo faz um balanço deste primeiro ano e explica
os compromissos que se adquiriram e os resultados.
“ Queremos
continuar a
aproximar a
tecnologia às
empresas, às
pessoas, para
que possam
concentrar-se
em atividades
que geram mais
valor para os
seus negócios.
” CEO da Cegid na região da Ibéria, América Latina e África
Que balanço faz deste
primeiro ano de
integração do Grupo
Primavera na Cegid?
Em setembro de 2022, quan-
do oficializamos a compra do
Grupo Primavera por parte da
Cegid, comprometemo-nos
a manter a nossa essência e
a continuar o nosso caminho,
sem mudar de rumo. E hoje,
essa promessa confirma-se:
mantemos a mesma equipa,
os mesmos valores e a mesma
estratégia.
Da mesma forma, há um ano
assumimos o compromisso de
mantermos a nossa aposta na
cloud, oferecendo soluções
úteis e inovadoras aos nossos
clientes, que hoje podemos
comprovar com base num
crescimento de 30% do núme-
ro de clientes que migraram
para esta tecnologia na nossa
região. Isto significa que tem
havido uma receção bastante
positiva por parte do mercado
à nossa proposta de valor e
isso deixa-me muito otimista
em relação ao futuro.
No último ano, registamos um
crescimento de dois dígitos
na região da Ibéria, América
Latina e África e seguimos a
nossa estratégia de continuar
a adquirir mais empresas com
o objetivo de continuar a ino-
var e a oferecer valor acres-
Santiago Solanas
centado aos nossos clientes.
Quero destacar também o
nosso compromisso de conti-
nuar a apostar no ecossiste-
ma de parceiros, que é muito
importante para nós, e cujo
negócio está a crescer expo-
nencialmente nos dias de hoje.
Esta conquista de uma maior
quota de mercado, deve-se
também ao facto de conse-
guirmos oferecer mais negócio
aos nossos parceiros, através
de um portfolio de soluções
muito mais abrangente, que
dá resposta às necessidades
de todos os setores e dimen-
são de empresas.
“ Temos o
compromisso
de continuar
a apostar no
ecossistema
de parceiros,
que é muito
importante para
nós e cujo negócio
está a crescer
exponencialmente
nos dias de hoje.
” Cegid Cloudware, Cegid Ekon
Quais são as vanta- Que valores definem e inovação. Por fim, relativa-
gens desta integração a cultura da Cegid? mente ao terceiro valor,
os nossos colaboradores
na Cegid? O que mu- Temos três valores que orien- dedicam-se, tanto a nível
dou para os clientes? tam diariamente as nossas individual como coletivo, a
ações e tomada de decisões: cumprir as promessas que
Esta integração tornou-nos
“Inspirados pelos nossos fazemos aos nossos clientes.
numa empresa líder no mer-
clientes”, “Nunca deixes de Na Cegid, acreditamos que só
cado ibérico em soluções
explorar” e “Comprometidos conseguimos ter sucesso se
cloud de gestão empresarial,
juntos”. Mais do que ouvir os caminharmos de mãos dados
que se diferencia pela sua ex-
nossos clientes, inspiramo- com todo o nosso ecossiste-
periência na cloud e inovação.
-nos todos os dias nos seus ma, desde clientes, parceiros,
Hoje, contamos com um maior
desafios e melhores práticas colaboradores e fornecedores.
apoio às empresas interna-
para desenvolver as soluções Tal como diz o nosso lema:
cionais, maior capacidade de
do futuro em conjunto. Por juntos, criamos um universo de
investimento e presença em
outro lado, promovemos uma possibilidades (Together,
novos mercados, como é o
cultura de abertura, pesquisa we make more possible).
caso da América Latina.
constante, experimentação
Atualmente, temos também
uma rede de parceiros ainda
maior, um portfolio de solu-
ções muito mais abrangente
As Soluções de Gestão Primavera
e uma maior capacidade de
desenvolvimento para dar
resposta às necessidades dos
nossos clientes.
são agora Cegid
Chama-se Cegid, chegou
para levar o meu negócio
ainda mais longe.
Quais são as soluções
de gestão comerciali-
zadas pela Cegid
em Portugal?
Contamos com um vasto por-
tfólio de soluções de gestão
para endereçar a estratégia
de transição digital do tecido
empresarial português, desde
logo as soluções Cegid
Primavera, Cegid Eticadata,
Cegid Yet, Cegid Valuekeep, Together, make more possible
e Cegid Saftonline.
cegid.com
NotíciasFlix

GANHE UM RENAULT
TWINGO E-TECH
100% ELÉTRICO
O código que encontra na
capa da Revista do Expresso
dá-lhe acesso ao sorteio

Fundador: Francisco Pinto Balsemão 13 de outubro de 2023

2659

Diretor: João Vieira Pereira

Diretores-Adjuntos: David Dinis,
Martim Silva, Miguel Cadete e Paula Santos
Diretor de Arte: Marco Grieco

expresso.pt

NOVA FRENTE O Armagedão, por

Clara Ferreira Alves
DE GUERRA
R18

Irão ajudou a
ÀS PORTAS armar o Hamas P9

DO LÍBANO Como se vive em

Israel e em Gaza P9e10

Israel está na iminência OPINIÃO DE

de invadir Gaza, o que aumenta Miguel Sousa Tavares P5
os riscos geopolíticos. E agora Miguel Monjardino P10
os olhares voltam-se também Rui Tavares P26
para o Hezbollah, a norte. Henrique Raposo P27
Reportagem de Daniel Oliveira P28
Henrique Cymerman, Henrique Monteiro P29
correspondente
em Israel P8

FOTO JACK GUEZ/AFP VIA GETTY IMAGES

Soldados israelitas
próximos da fronteira
com a Faixa de Gaza

24h OE 2024 ESPECIAL DESTACÁVEL DE 16 PÁGINAS

“É um erro gastar FUNDO MEDINA

PARA EXCEDENTE
Falta (quase)
tudo nos
centros
ORÇAMENTAL VAI de saúde
Ferro avisa Marcelo
sobre dissolução excedentes com TER FORÇA DE LEI
APOIO ÀS
II

a reivindicação
“Não sei o que vai no pensa-
Responsáveis de unidades
RENDAS
mento profundo do Presiden-
te da República, mas o que as de saúde familiar
sondagens dizem é que pode VAI CUSTAR denunciam recorde

do momento”
de falta de materiais
€250 MILHÕES
haver dissolução... mas da dire-
ção do PSD”, diz Ferro Rodri- IX básicos, incluindo clínicos
gues no podcast do Expresso
“Liberdade para Pensar”. Fer- DÍVIDA COM Incapacidade de reposição
atempada de termómetros,
A SÉTIMA
ro e Santana Lopes revisitam
2004, quando Sampaio dissol- compressas, medicamentos
veu o Governo maioritário do > Fernando Medina em entrevista diz também MAIOR REDUÇÃO ou papel está a prejudicar os
utentes. Insatisfação é maior e
MUNDIAL
PSD/CDS.
que o problema do SNS não é falta de dinheiro II V generalizada. P16

Rock in Rio muda

O 20º aniversário do Rock in
Rio será celebrado no Parque
Tejo, o mesmo local onde de- Só em Marta Temido: Investimento
correu o maior evento da Jor-
nada Mundial da Juventude, outubro já “Gostava de ser autarca” público
deixando assim o Parque da
na Ciência
Bela Vista. A vinda de Ed Shee-
ran ao festival está confirmada. houve nove está ao
Ex-ministra assume disponibilidade
Integram esta edição semanal, além
mortes para Lisboa e diz que PS precisa nível de
www.mantovani.pt
nas praias de se reaproximar das pessoas
deste corpo principal, os seguintes cadernos:
ECONOMIA, REVISTA E e ainda
EXPRESSO BPI GOLF CUP P6 P12 1991 P7

Programa de parcerias Sempre em Caixa1 Saiba mais em cgd.pt

Entre num mundo de benefícios. TAEG 16,5%2
1Condições não aplicáveis aos cartões Caixa In, ISIC, ITIC e Miles & More.
2Exemplo para cartão Caixa Classic, TAEG 16,5%, para limite de crédito de 1.500 €, com reembolso
a 12 meses, à TAN de 13,15%. Inclui comissão de disponibilização de 18 € (acresce Imposto do Selo 4%).

Caixa Geral de Depósitos, S.A. registada junto do Banco de Portugal sob o n.o 35.
4 PRIMEIRO CADERNO
Pipis e outros petiscos
F
ernando Medina está a
arrecadar capital político
suficiente para se colocar
na primeira fila para voos
mais altos. Depois da ver-
gonha da derrota inespe-
rada em Lisboa, a entrada
na pasta das Finanças era um desafio
difícil. Não só tinha de ocupar o lugar
de Mário Centeno (houve mais um
ministro, mas de João Leão não reza
a lenda e muitos já nem se lembram
que foi ministro) como enfrentava o
desafio extra de ter de passar os che-
ques a uma maioria absoluta sedenta
de mostrar serviço. Isto enquanto,
ao contrário dos seus antecessores,
enfrentava uma espiral inflacionista,
os impactos do início da guerra na
Ucrânia e o enorme crescimento das
taxas de juro.
Nem dois anos depois, Medina reco-
lhe os louros por anos consecutivos de
superávite das contas públicas, pela re-
dução da dívida para valores considera-
dos inatingíveis há 10 anos e pela maior
redução do imposto sobre o rendimen-
to das famílias de que tenho memória.
Tomou o centro, a sua casa natural,
piscou à direita e à esquerda e, de uma
só assentada, tirou o chão à oposi-
ção. Sem argumentos sólidos para
criticarem as suas opções, ficaram
resignados a chavões políticos inócuos
e pouco eficientes. De tal forma que as
primeiras reações às suas propostas
foram pífias ou atabalhoadas, levando
Luís Montenegro a acabar por dizer
que este era um “Orçamento pipi e
betinho”. A escolha destas palavras
ocas e sem nexo refletem o vazio dei-
xado à oposição por um exercício que
consegue o que muitos consideravam
impossível: baixar impostos mantendo
as contas públicas equilibradas.
O ministro das Finanças está a fa-
zer aquilo que muitos desejavam mas
poucos achavam ser possível: usar
as folgas orçamentais para fomentar
a economia quando esta começa a
dar sinais de arrefecimento, mas sem
colocar em causa a estabilidade das
contas. E consegue fazê-lo com um
misto de políticas difíceis de criticar,
porque, além de descer o IRS para os
escalões mais baixos, promoveu uma
subida histórica do salário mínimo e
das pensões e um crescimento mode-
rado dos salários da Função Pública.
O OE 2024, além de uma dor de ca-
beça para a oposição, tem ainda o con-
dão de esmorecer as críticas internas.
A oposição dentro do PS começou a
contagem decrescente para 2026, mas
estas opções, tomadas quando ainda
SETE DIAS, SETE RAZÕES PARA GUARDAR O EXPRESSO
Se comprou o Expresso, aproveite o código que está na capa da Revista E. Co-
loque-o em código.expresso.pt e, durante a próxima semana, poderá: 1 Ler
todas as notícias e conteúdos digitais do jornal; 2 Receber newsletters exclu-
sivas com o resumo diário das principais histórias; 3 Fazer comentários em
expresso.pt, dando a sua opinião; 4 Visitar a redação do Expresso e conversar
com os jornalistas; 5 Ter acesso a eventos exclusivos do Expresso; 6 Jogar on-
line palavras cruzadas, sudokus e sopas de letras; 7 Procurar edições anteri-
ores em formato digital. GRÁTIS, DURANTE SETE DIAS, COM ESTE JORNAL
A Semana
Por Martim Silva
mgsilva@expresso.impresa.pt
GUERRA NO MÉDIO ORIENTE
Há muito que o conflito no
Médio Oriente é tido como o
sítio mais explosivo e
incendiário do planeta.
Esta semana, a guerra
entre Israel e o
movimento terrorista
Hamas eclodiu uma vez
mais. Como é que as coisas vão
parar é que ninguém consegue
mesmo prever. O mundo
estremece.
ORÇAMENTO DO ESTADO
Fernando Medina apresentou a
proposta de Orçamento do
Estado para 2024. Principais
notas para a descida do IRS e
João Vieira
Pereira
faltam três anos para as legislativas,
tornam o seu trabalho mais difícil.
Se a vida correr bem ao ministro das
Finanças, Medina passará a ser o su-
cessor natural de António Costa.
Há, contudo, riscos no horizonte que
podem fazer pender a balança da eco-
nomia para qualquer um dos lados e
mudar tudo. O arrefecimento da eco-
nomia europeia é notório e não são
mais 1300 milhões nas mãos das famí-
lias que vão evitar uma recessão. Essa
só não acontecerá se a Europa conse-
guir sair da armadilha da inflação.
O que mais me preocupa é a mu-
dança de política feita pelo Governo
e assumida por Fernando Medina na
entrevista publicada nesta edição. Há
um mês, estas alterações no IRS não
estavam previstas, pelo menos não
agora. Perante a deterioração da situa-
ção, é evidente que se tornou urgente
tapar buracos. Isto porque a situação
económica está pior do que aquilo que
Se a vida correr bem
ao ministro das Finanças,
Medina passará a ser o sucessor
natural de António Costa
o Governo quer fazer crer. Se a sorte
deixar de nos sorrir, então este Orça-
mento deixará de ser um “pipi” para se
tornar um verdadeiro petisco.
2
Uma palavra para o fim do es-
cândalo que era o benefício a
residentes não habituais e que
transformou Portugal num pa-
raíso fiscal para os estrangeiros e num
inferno para os portugueses: só peca
por não acontecer mais cedo. Sei que
há muita gente furiosa por lhes tira-
rem a galinha dos ovos de ouro. Tenho
a certeza de que serão capazes de se re-
inventar, deixando de viver à custa do
aumento do custo de vida dos outros.
3
Aquilo a que assistimos nos úl-
timos dias no conflito entre Is-
rael e a Palestina não é apenas
a repetição de um confronto
milenar, é o resultado de o mundo ter
deixado de se preocupar com aquela
região e passado a aceitar a radicali-
zação dos dois Estados. A pandemia,
a Ucrânia, a preocupação com a in-
fluência chinesa embargaram-nos os
olhos. Abrimo-los agora, encharcados
pela brutal violência de tudo o que se
está a passar. E o que aí vem não nos
deixará voltar a fechá-los.
fjvpereira@expresso.impresa.pt
Expresso, 13 de outubro de 2023
Carlos Moedas anunciou a intenção de celebrar em Lisboa
Duelo o 25 de Novembro no âmbito dos 50 anos do 25 de Abril
José António
Miguel Costa
Júdice Pinto
Advogado Politólogo
Carlos Moedas faz bem em
celebrar o 25 de Novembro?
SIM NÃO
Os factos são simples: (i) em 25/11/75 Fiquei encurralado no não, mas não
houve um golpe de Estado de milita- sou o ‘não’ ideal para estar aqui. Co-
res muito radicalizados e apoiados mecemos pela história política da
por forças políticas de extrema-esquerda, (ii) o PCP transição portuguesa que é aqui o que interessa menos,
acompanhou a preparação do golpe, mas recuou e não porque mais do que o 25 de Novembro, o que está aqui
participou nele, (iii) o golpe saiu derrotado pela ação em causa é a natural apropriação da sua memória por
de sectores militares diversos (Grupo dos 9, comandos correntes ideológicas e partidos políticos, como aliás é
dirigidos por Jaime Neves, Exército no Norte e Força comum em democracia.
Aérea, apoiados nas forças políticas democráticas — Para quem ainda se interesse pelo tema, o que duvido
PS, PSD e CDS). que seja o caso para a maioria da sociedade portuguesa
Observadores independentes, afirmam que a vitó- contemporânea, o 25 de Novembro de 1975 foi um mo-
ria dos moderados permitiu (i) interromper a deriva vimento militar determinante para a institucionalização
radical revolucionária em curso, (ii) a aprovação da e consolidação da democracia liberal, encerrando a crise
constituição demoliberal, e (iii) não proibiu partidos pré-revolucionária que marcou o país após o derrube da
políticos, mesmo os que apoiaram o golpe Estado. ditadura. Num campo político polarizado e radicalizado
A legitimidade democrática dos vencedores foi de no chamado “verão quente” de 1975, após a realização
imediato confirmada: na eleição legislativa de 1976 das eleições para a Constituinte que deram a vitória ao
obtiveram 75,2% dos votos, aumentando a votação de PS, e perante o início da mobilização social anticomunis-
71,9% das eleições para a Consti- ta no centro-norte do país, segmen-
tuinte de um ano antes. tos da esquerda radical civil e militar,
Atualmente o PS e outras forças Não se pode que desafiavam a ordem eleitoral
de esquerda moderada passaram expropriar dominada pelos partidos modera-
a ser contra a comemoração do o direito a dos, foram então derrotados no 25
25 de Novembro, aderindo nisso de Novembro e Portugal caminhou
à posição de sempre do PCP e dos comemorar para a consolidação democrática.
sectores extremistas e radicais de o 25 de Novembro Dito isto, a construção de memó-
esquerda. Os argumentos em re- ria histórica democrática foi evoluin-
gra usados são: (i) não se devem Com o crescimento do e o debate atual tem motivações
comemorar eventos que não sejam mais associadas ao presente, com-
consensuais, (ii) o 25 de Novembro do Chega, seria portando, em minha opinião, uma
de 1975 foi captado pela direita. irónico deixar para grande ironia. No 25 de Novembro,
A questão relevante não é, evi- este a ativação os militares moderados do Grupo
dentemente, que o PS decida afas- comemorativa do 25 dos 9 e o PS chefiaram a ampla co-
tar-se do que está impresso no seu ligação antiesquerdista, com um
código genético. Pode parecer es- de Novembro apoio internacional considerável
tranho, mas é um direito a aceitar das democracias ocidentais. Para
sem dramas. ser claro, enquanto o PS foi o principal ator e, no fundo,
No mesmo sentido, tem todo o direito de aderir quem chefiou a coligação informal antirrevolucionária
afinal ao código interpretativo desse evento desde com os partidos do centro-direita, e com pequenas fran-
sempre feito pelas forças político-ideológicas à sua jas da extrema-direita também presentes, foram estes
esquerda contra as quais combateu de forma liderante que foram recuperando o 25 de Novembro nas batalhas
no PREC. da memória. Durante a consolidação da democracia por-
A questão é saber se — por causa dessa mudança do tuguesa, o PS de Mário Soares teve durante alguns anos
PS — deixaram de ter legitimidade para comemorar como discurso legitimador da consolidação democrática,
o 25/11/75 as outras forças moderadas e, em geral, se segundo o qual esta foi produto do derrube da ditadura e
é censurável que por exemplo Carlos Moedas deseje da derrota da “perversão totalitária do PREC”, para usar
comemorar a data em Lisboa. uma expressão da época. Com o tempo, este discurso foi-
O argumento de que apenas se deve comemorar -se dissipando, unificando-se no 25 de Abril.
o consensual contem duas falácias: (i) com essa tese A bandeira da comemoração do 25 de Novembro como
uma pequena minoria (neste caso os que sintonizam complemento ou ‘correção’ do 25 de Abril foi deixada
com os derrotados ou acham que houve uma contrar- progressivamente ao pequeno CDS, a alguns segmentos
revolução) determina o curso da história e (ii) esque- do PSD e a uma extrema-direita irrelevante, hesitando
ce-se que as datas chamadas consensuais nunca o entre a rejeição total do 25 de Abril e a promoção discur-
foram nem o são, como é o caso de 25 de abril de 1974. siva da ofensiva anticomunista de 1975. E aqui chegamos
Realmente, a esmagadora maioria que se reviu e ao presente que interessa: com o crescimento do Chega,
revê no 25 de Abril comemora a passagem para um seria irónico deixar para este a ativação comemorativa
regime de liberdade e democracia. Mas uma menor do 25 de Novembro. Foi por isso estrategicamente inte-
parte desejava que fosse o início de um regime militar ligente que o presidente da Câmara Municipal de Lisboa
de esquerda (e quase conseguiram) ou queria instau- tenha “pré-ocupado” este espaço pelo PSD. O mesmo
rar um regime coletivista sem liberdades “burguesas” vai acontecer seguramente com a IL. Só falta o PS fazer
(e não desistiram de continuar a tentar). xeque-mate a todos com Mário Soares, se quiser. A partir
Do que se trata, afinal, é de expropriar o direito a daí será mais Jaime Neves menos Maria da Fonte, mais
comemorar o 25 de Novembro. Não se pode fazer. gonçalvistas menos melo-antunistas, mais Soares menos
Quem quer comemora, quem não quer não o faz. Mas, Cunhal, e ninguém se vai interessar pelo tema. Aqui
felizmente, o golpe de Estado há 49 anos fracassou: como em outras dimensões da memória histórica, se se
se não fosse assim, poderíamos todos estar obrigados eliminar a polarização simplista, adeus efeito. Ainda por
a comemorá-lo contra a liberdade e a democracia. cima, já não há ninguém do outro lado.
para o nível da dívida pública que
se prevê voltar a ficar abaixo dos
100% do PIB. O documento será
no Irão contra a opressão”. A
ativista festejou o Prémio com as
companheiras de prisão “na sua
PERCEVEJOS
Andou por França uma praga de
percevejos. Aparentemente
agora discutido no Parlamento e cela” no Irão. estará já a chegar a Portugal.
conta naturalmente com a
aprovação garantida, dados os SIMONE BILES MONTENEGRO
votos do PS. A um ano de Jogos Olímpicos, a Uma sondagem para o Expresso
norte-americana Simone Biles e SIC no início da última semana
MISS PORTUGAL está mesmo de regresso ao mais mostrou o PSD em queda e a
Pela primeira vez, o concurso de alto nível, após uma pausa de deixar escapar novamente o PS
Miss Portugal foi ganho por uma dois anos, e conquistou em nas intenções de voto.
mulher trans, que vai representar Antuérpia a 21ª medalha de ouro Montenegro vê o caminho a
o país no concurso de Miss da carreira em Mundiais, estreitar-se à sua frente.
Universo. Chama-se Marina triunfando no concurso
Machete. Na competição pelo completo. QUENTE, MUITO QUENTE
título mundial, Marina vai ter a Junho, julho, agosto e setembro
companhia de outra RÂGUEBI de 2023. Os quatro meses entram
candidata transgénero, a A seleção nacional de râguebi, para o top 30’ de meses mais
vencedora do Miss Países semiamadora, já se veio embora quentes globalmente, de acordo
Baixos. do Mundial de França mas os com os dados da Copernicus.
jogadores foram recebidos como Com agosto e julho do presente
NOBEL DA PAZ verdadeiros heróis, depois de ano a liderar a lista, a surpresa é
O Prémio Nobel da Paz terem conseguido a sua primeira mesmo o mês de setembro: o
2023 foi atribuído à ativista vitória de sempre na competição, único setembro desde 1940 a
iraniana Narges Mohammadi, contra a poderosa seleção das entrar para os recordes de
em nome da “luta das mulheres Ilhas Fiji. temperatura.
 Expresso, 13 de outubro de 2023
Miguel Sousa Tavares
Animais
E
“
les são animais e vamos
tratá-los como tal”, esta
declaração do ministro
da Defesa de Israel, Yoav
Gallant, referindo-se aos
palestinianos do Hamas
(ou a todos os de Gaza?),
ficará para a história,
mas está errada. Os ani-
mais não fazem aquilo, só os homens
são capazes de matar a sangue-frio
inocentes por ódio irracional, por
simples prazer ou em nome
de Deus. Neste caso,
em nome de Alá,
o Misericordioso.
Por temor, chama-
mos bestas aos animais que nos
assustam, mas é a bestialidade humana
que caminha connosco desde sempre e
que faz da História da Humanidade um
relatório incompreensível de atrocida-
des sem fim. Mas se elas são inexplicá-
veis à luz daquilo que nos imaginamos
ser, a sua classificação moral é tão mais
simples quanto maior é o horror. O
ataque do Hamas de 7 de Outubro,
visando essencialmente civis indefesos,
é o horror, a bestialidade em estado
puro. Cada um daqueles atacantes, no
seu prazer assassino, não tem perdão
nem justificação alguma. E sobre este
ponto não há mais nada a dizer. O que
não significa que isto possa ser o início
ou o fim da conversa.
Esta história dura há 78 anos e é uma
interminável saga de conflitos, guerras
e massacres, que talvez um dia acabem
por pegar fogo a todo o planeta. Dura
desde a criação do Estado de Israel por
deliberação da ONU, em 1948, e ocu-
pando 77% do território da Palestina,
onde quase todos eram palestinianos.
Hoje, 74% são judeus e 21% palestini-
anos e o Estado de Israel, à revelia das
Resoluções da ONU, ocupa 90% do ter-
ritório, incluindo Jerusalém Este, tem
250 mil colonos ilegalmente instalados
na Cisjordânia e fez de Gaza, onde vi-
vem mais de 2 milhões de palestinianos
cercados por um muro, “a maior prisão
a céu aberto do mundo”, nas palavras
do ex-Presidente francês Sarkozy. Ne-
nhum povo, nenhuma nação do mun-
do, excepto a mais desprezível, deixaria
de se revoltar, e pelas armas também,
contra aquilo que necessariamente ve-
ria como uma ocupação da sua terra. O
“nosso” lado da narrativa pode chamar
terrorista ao outro lado, como outrora
a Autoridade Inglesa na Palestina cha-
mava terroristas aos comandos judeus
— dos quais um viria a ser primeiro-mi-
nistro de Israel. Sem dúvida que pode-
mos chamar terroristas aos militantes
do Hamas que atacaram um festival
de música, matando, mutilando e rap-
tando inocentes: vimos as imagens do
ataque, vimos os corpos dos mortos e a
proximidade da violência não permite
outra linguagem. Mas o que chamare-
mos aos pilotos dos F-16 israelitas que,
em retaliação (e antes até, por várias
SOLUÇÕES
AUTOMÁTICAS
PARA ARMAZÉNS
INTELIGENTES
214 151 890
mecalux.pt
vezes) atacam edifícios de habita-
ção em Gaza, sabendo que lá den-
tro estão civis, velhos, mulheres,
crianças? A única diferença é que
aqui as vítimas não estão num fes-
tival de música mas em suas casas,
e, embora morram às dezenas de
cada vez e sob cada bomba, não os
vemos a morrer nem temos imagens da
proximidade dessa violência. Mas não
ignoramos que há um piloto treinado
para a guerra que deliberadamente
ataca alvos onde sabe que pode causar
mais mortes civis. E há um Estado ocu-
pante que se reserva o direito de cortar
a água, a alimentação, a electricidade e
a energia a mais de 2 milhões de civis
cercados por um muro que ele ergueu,
e manifestamente empenhado em fazê-
-los desaparecer todos dali, de uma vez
por todas. E onde estão agora as vo-
zes daqueles que tanto se indignaram,
acusando a Rússia, de usar “a arma da
fome”, quando esta, invocando, e com
razão, o incumprimento do acordo de
exportação de cereais pelo Mar Negro,
recusou a sua renovação?
Podemos sempre dizer que não há
inocentes nesta longa e fatídica histó-
ria. Será verdade no que diz respeito ao
terror e às retaliações mútuas suces-
sivas, mas não o é no que diz respeito
à História. Só por má-fé é possível ig-
norar que há um lado que funciona à
revelia do direito internacional e das
Resoluções do Conselho da Segurança
da ONU e que tudo tem feito e fará
para evitar que jamais exista um Esta-
do Palestiniano viável ao lado do Esta-
do de Israel. E há outro lado que tem o
direito de não se conformar com isso.
Israel tem direito à sua existência e à
sua segurança, os seus cidadãos têm
direito a uma vida normal na terra que
escolheram. E o outro lado, os do outro
lado, também. Há dias vi na televisão o
presidente da Associação de Amizade
Portugal-Israel, lastimando-se, com-
preensivelmente, que os seus familia-
Houve 70
anos para encontrar
uma paz justa
na Palestina e nada
de sério foi feito.
Agora, chegados
a este ponto, é
esperar que os
animais à solta
se transformem
milagrosamente em
seres humanos lúcidos
res em Israel tivessem de estar a refu-
giar-se em bunkers para se protegerem
dos rockets do Hamas. Gostaria de lhe
ter perguntado se, apesar de tudo, pre-
feria sabê-los ali, protegidos pelo Iron
Dome israelita contra os pífios foguetes
palestinianos, ou na Faixa de Gaza, ao
alcance dos mísseis da Força Aérea e
da artilharia de Israel.
E não vale a pena virem com o argu-
mento da superioridade moral, políti-
ca e constitucional do Estado de Israel
comparativamente ao mundo árabe.
Claro que todos nós — eu, pelo menos —
me revejo incomparavelmente mais no
que são os valores de Israel, sobretudo
os seus valores fundadores, do que na-
quilo que são os valores das sociedades
islâmicas. Mas não só esses valores têm
regredido drasticamente em Israel sob
a influência sinistra dos ortodoxos e
a liderança política desse traste que é
“Bibi”, ao ponto de hoje pouco distin-
guir o fanatismo religioso do poder is-
raelita do dos islamistas, como foi Israel
quem fomentou a emergência do Ha-
mas, contra o laico e muito mais mode-
rado OLP, segundo o velho princípio de
dividir para reinar. E quanto à questão
de fundo, mesmo sem discutir o funda-
mento moral do argumento, acho que
a História já nos deu suficientes lições
para não valer a pena insistir na tese da
ressurreição do espírito das Cruzadas.
Depois do Iraque e do Afeganistão, já
era tempo de este clube de idiotas que
governam o mundo aprenderem algu-
ma coisa de útil sobre o passado.
Portanto, afinal de contas, não é as-
sim tão complicado: olhar o mal nos
olhos e não desviar o olhar; entender a
raiz do mal, sem o desculpar; procurar
a solução que sabemos justa; e aplicar
a mesma lei a todos, amigos e inimi-
gos. Houve 70 anos para fazer isto e
nada foi feito. Agora, chegados a este
ponto, é esperar que os animais à solta
se transformem milagrosamente em
seres humanos lúcidos.
2
Se o Orçamento é, por nature-
za, uma gestão de expectativas
futuras, o meu receio é que este
Orçamento seja optimista de-
mais. Continuar com um superavit nas
contas públicas, manter apoios sociais,
arrancar a sério com o investimento
público e cessar as cativações, baixan-
do para alguns os impostos directos e
apostando numa descida da inflação,
parece-me demasiado bom num ano
que se anuncia com duas guerras no
horizonte e instabilidade garantida nos
mercados de combustíveis. Para quem
paga impostos, a grande notícia é, final-
mente, a actualização dos escalões do
IRS, pondo fim à sua indecente subida
sub-reptícia todos os anos, e a descida
das taxas, mas só para quem ganha até
€2 mil por mês — os outros são ‘ricos’.
É que, tal como explicou esta semana
Pedro Nuno Santos, os portugueses de-
PRIMEIRO CADERNO 5
TO
PIN
GO
HU
ÃO
RAÇ
ST
ILU
viam deixar de pedir a descida do IRS,
pois que se só 58% deles é que o pagam
e, destes, só 17% pagam a sério, descê-
-lo para todos significaria ter de cortar
na despesa pública ou ter de deixar de
viver dos poucos pagadores esforçados.
Como sempre, o Orçamento tem coi-
sas boas e coisas más, cuja análise não
cabe agora aqui. E, como sempre, a
oposição, toda ela, é contra o Orçamen-
to — todo ele. Certamente terá ocasião
de justificar melhor e mais detalhada-
mente porquê. E seguramente irá um
pouco mais fundo do que a apreciação
do líder da oposição, ao classificar o Or-
çamento como “pipi e betinho”. Fran-
camente, Luís Montenegro é candidato
a quê — a ser o mais engraçadinho do
Café Central de Espinho?
P.S. — Sérgio Furtado, jornalista da
TVI, que eu não conheço pessoalmen-
te, acaba de receber o prémio Mário
Mesquita de Jornalismo, da Sociedade
Portuguesa de Autores, de que confes-
so desconhecia a existência. Fraco re-
conhecimento para quem tem feito na
Ucrânia um longo e reiterado trabalho
de reportagem de guerra — autêntico
e não encenado, como alguns fazem,
nomeadamente os repórteres-vedeta
da CNN Internacional. Corajoso, ob-
jectivo, imparcial e despido de sensa-
cionalismo: um verdadeiro exemplo
daquilo que o jornalismo deve ser,
mesmo nas mais difíceis circunstân-
cias. E neste país em que, a começar
pelo Presidente da República, a mais
banal das personagens é alcandora-
da ao estatuto de herói, este homem
que diz não querer “estar apenas de
passagem” por um país em guerra,
para melhor o compreender, é digno
de todo o respeito e admiração. Que a
sorte o acompanhe sempre!
Miguel Sousa Tavares escreve
de acordo com a antiga ortografia
6 PRIMEIRO CADERNO
ALTOS
Fernando
Medina
Ministro
das Finanças
O Orçamento antecipa, pela pri-
meira vez em décadas, excedentes
orçamentais e uma redução da dí-
vida abaixo dos 100% do PIB. Me-
dina anunciou ainda uma descida
do IRS para as famílias de menos
rendimentos, acompanhada de au-
mentos salariais. A estratégia agra-
da ao PR, rouba argumentos à di-
reita, mas não esconde uma reali-
dade marcada pela incerteza sobre
o crescimento económico e deixa a
descoberto uma elevada subida dos
impostos indiretos, com aumen-
to da carga fiscal, que comprome-
te qualquer recuperação de rendi-
mentos. Desafios complexos num
OE de (importantes) contas certas.
Henrique
Gouveia e Melo
Chefe do Estado-Maior
da Armada
O almirante que liderou o proces-
so de vacinação contra a covid é
o mais consensual entre os por-
tugueses para uma futura candi-
datura à presidência da Repúbli-
ca. A sondagem do Expresso e da
SIC, revelada esta semana, destaca
Gouveia e Melo no topo das prefe-
rências do eleitorado mais à direi-
ta, enquanto à esquerda só é ultra-
passado por António Costa.
Patrice
Lagisquet
Selecionador nacional
de râguebi
A vitória histórica sobre as Ilhas Fi-
ji, a primeira da seleção portugue-
sa num Campeonato do Mundo de
Râguebi, foi o desfecho perfeito de
uma participação que já tinha dei-
xado sinais muito positivos, nos
primeiros jogos, contra países con-
siderados potências mundiais da
modalidade. Lagisquet está de saí-
da, mas deixa marcas e uma heran-
ça importante numa equipa moti-
vada para ir cada vez mais longe.
João
Barrento
Ensaísta
e tradutor
O júri do Prémio Camões decidiu
distinguir este ano o ensaísta, tradu-
tor e crítico literário João Barrento.
Com um longo percurso cultural,
vê assim reconhecida “uma rele-
vante e singular obra”, que já foi di-
versas vezes distinguida com outros
troféus literários. O prémio destaca
um escritor cuja obra contribui pa-
ra a projeção da língua portuguesa.
E BAIXOS
Paulo
Raimundo
Secretário-geral
do PCP
O PCP fez um comunicado a res-
ponsabilizar Israel pelas ações ter-
roristas do Hamas esta semana. O
ataque, com as consequências trá-
gicas a que temos assistido, tem
uma justificação, de acordo com
os comunistas, que se prende ex-
clusivamente com décadas de vio-
lações e desrespeito por parte dos
israelitas. Nem por uma vez surge
qualquer condenação direta ao ter-
rorismo ou uma referência à ação
do Hamas, e com isso o PCP volta
a perder de vista o que é essencial.
Paula Santos
paulasantos@expresso.impresa.pt
EM DESTAQUE
Calor Nove
afogamentos nas
praias só em outubro
A sétima e mais longa e extensa
onda de calor do ano levou
milhares de pessoas a banhos
em locais sem assistência
O calor que se fez sentir nas primei-
ras duas semanas de outubro foi um
chamariz para banhistas que acorre-
ram a praias, na maioria dos casos já
sem vigilância, uma vez que a época
balnear está oficialmente terminada
em quase todo o país. “Só nos primei-
ros 11 dias nove pessoas perderam
a vida na água: seis em praias sem
assistência a banhistas, uma numa
praia com vigilância, um outro corpo
foi encontrado à deriva na água e
outra pessoa morreu no rio”, indica
ao Expresso Alexandre Tadeia, pre-
sidente da Federação Portuguesa de
Nadadores-Salvadores (FEPONS).
“Desde 2021 que alertamos para a
correlação entre o aumento do nú-
mero de afogamentos e o aumento
de dias de calor”, frisa. “Com as al-
O Cartoon de António Encruzilhada
Caso EDP STJ anula
apreensão de e-mails
Mensagens eletrónicas abertas
não podem ser apreendidas
sem autorização de um juiz
Milhares de e-mails apreendidos pelo
Ministério Público (MP) durante a
investigação do caso EDP acabaram
de ser anulados na sequência de um
acórdão do Supremo Tribunal de Jus-
tiça (STJ) decidido esta quarta-feira,
depois de um recurso de João Manso
Neto, ex-administrador daquela em-
presa e indiciado por corrupção. Esta
decisão do Supremo poderá ter al-
gum impacto no processo EDP, uma
vez que parte dos indícios recolhidos
pelos procuradores tem por base a
correspondência eletrónica apreen-
dida durante as buscas.
Aprovado por unanimidade pelo
plenário de 15 juízes conselheiros das
secções criminais do STJ, o acórdão
conclui que, durante qualquer inves-
tigação criminal, “compete ao juiz
de instrução ordenar ou autorizar a
apreensão de mensagens de correio
terações climáticas, passámos a ter
um verão muito mais prolongado, o
que torna fundamental ter as praias
vigiadas o ano todo”, defende o di-
rigente da FEPONS. E reforça: “Se
Portugal vende turismo, também tem
de vender segurança nas praias, e
deve fazer como fez em relação aos in-
cêndios, ou seja, prolongar a época e o
dispositivo que reforça a segurança.”
Só os concelhos de Cascais e Albu-
feira mantêm oficialmente a época
balnear aberta até 15 de outubro. Na
maioria das restantes praias a época
com vigilância garantida terminou en-
tre 10 e 30 de setembro. No entanto,
há nuances: Cascais, Nazaré, Matosi-
nhos e Vila do Conde mantêm vigilân-
cia ativa móvel o ano inteiro nalgumas
praias, mas com menos meios.
Apesar de fechada a época balnear,
vários municípios, como os de Vagos,
Marinha Grande e Leiria, repuseram
nadadores-salvadores, no passado
fim de semana, em algumas praias,
eletrónico ou de outros registos de
comunicações de natureza semelhan-
te, independentemente de se encon-
trarem abertas (lidas) ou fechadas
(não lidas), que se afigurem ser de
grande interesse para descoberta da
verdade ou para a prova”.
O MP apreendeu milhares de
e-mails dos computadores confisca-
dos durante uma operação de buscas
à EDP sem ter pedido autorização
para poder explorá-los e usá-los
como prova numa eventual acusa-
ção. O juiz de instrução do caso, Ivo
Rosa, veio mais tarde anular essa
prova, o que acabou por ser contes-
tado pelo procurador Carlos Casimi-
ro, que lidera a investigação desse
inquérito no DCIAP e que ainda está
em investigação.
O Tribunal da Relação de Lisboa
proferiu dois acórdãos contraditó-
rios sobre este assunto, um em 2018,
que dava razão ao arguido, e outro
já em 2021, dando razão ao procura-
dor. Este último acórdão da Relação
como na Vagueira, Pedrógão ou São
Pedro de Moel. Também na Costa de
Caparica “cerca de 20 em 50 conces-
sões de praia mantêm estes elemen-
tos ativos”, garante ao Expresso João
Carreira, presidente da Federação
Portuguesa dos Concessionários de
Praia, esclarecendo que “a Câmara
de Almada assegura uma vigilância
móvel ao longo de todo o areal entre
a Fonte da Telha e São João sempre
que faz calor. Só pára no inverno”. A
gestão da época balnear passou do
Estado para as autarquias em 2018
e são estas que assumem a vigilância
ou delegam-na nos concessionários,
a quem cobram taxas.
A mais longa onda de calor
A Autoridade Marítima Nacional ain-
da não tem dados de outubro, mas
indica que, entre 1 de maio e 30 de
setembro, nove pessoas perderam a
vida por afogamento em praias portu-
guesas (apenas uma em praia vigiada),
“Se Portugal vende
turismo, também tem
de vender segurança
nas praias e prolongar
a época balnear”, diz
Alexandre Tadeia
argumentava que, com base na Lei
do Cibercrime, cabia ao MP “seriar
o material apreendido e determinar
ele — e não o juiz de instrução cri-
minal — qual o material probatório
que considera relevante, dado que os
e-mails, porque previamente abertos,
mais não são do que meros documen-
tos digitais”. De acordo com a lei,
quando um tribunal superior tem
duas decisões em sentido contrário,
cabe ao Supremo fazer um acórdão
fixador de jurisprudência.
Sem impacto no julgamento
de Manuel Pinho
Os 15 conselheiros concluíram ago-
ra que a autorização do juiz para
apreender e-mails abertos ou fecha-
dos é essencial. E que a própria Lei
do Cibercrime, que está na base da
argumentação levantada pela Rela-
ção para dar razão ao MP, diz exata-
mente isso. “É inequívoco que toda a
matéria respeitante à apreensão do
correio eletrónico e registos de co-
municações de natureza semelhante,
independentemente do respetivo es-
tado (lido ou não lido), está regulada
no artigo 17º da Lei do Cibercrime”,
lê-se no acórdão a que o Expresso
teve acesso, sendo que esse artigo
exige a intervenção de um juiz de
instrução.
Expresso, 13 de outubro de 2023
tendo sido realizados 730 salvamentos
e 1839 ações de primeiros socorros.
A onda de calor que assolou Por-
tugal desde finais de setembro e
termina esta sexta-feira foi a séti-
ma vivida este ano e a mais longa
do ano. “Estendeu-se por mais de 16
dias (chegando a 20 nalguns locais)
e atingiu 85% do território”, explica
ao Expresso Ricardo Deus, chefe da
Divisão de Clima e Alterações Cli-
máticas do Instituto Português do
Mar e da Atmosfera (IPMA). É a mais
significativa onda de calor jamais
registada no outono em Portugal. Na
Estação de Monitorização de Dois
Portos, em Torres Vedras, a anomalia
registada foi de mais 13°C na tempe-
ratura média máxima. Em vez dos
habituais 22°C, chegou a 35°C.
Até agosto, Portugal continental
viveu seis vagas de calor com uma du-
ração média de seis, sete dias — tantas
em oito meses como as do ano todo de
2022. Registaram-se duas em agosto
(de 5 a 11 e de 20 a 25), uma em junho
(de 23 a 29) e três em abril. Atingiram
sobretudo o interior Norte e Centro,
a região do Vale do Tejo e o Alentejo.
A partir desta sexta-feira, o IPMA
prevê que o tempo quente e seco dê
lugar a chuva em todo o território e a
uma descida de temperatura de 4°C
a 8°C, em especial nas regiões Norte,
Centro e Alto Alentejo.
Carla Tomás
ctomas@expresso.impresa.pt
O impacto desta decisão do STJ
não deve estender-se, contudo, ao
julgamento de Manuel Pinho, que
teve início na última terça-feira. O
ex-ministro da Economia enfrenta
uma acusação por corrupção e bran-
queamento de capitais num processo
que foi extraído do inquérito-crime
principal sobre a EDP. E parte da
prova recolhida pelo MP assenta
também na correspondência eletró-
nica apreendida naquela empresa
de eletricidade, que estava debaixo
da tutela de Pinho quando ele fazia
parte do Governo de José Sócrates.
No entanto, o uso desses e-mails foi
autorizado por Carlos Alexandre,
que na altura estava como juiz de
instrução do processo de Pinho. Ou
seja, no caso de Pinho os procurado-
res pediram autorização ao juiz de
instrução para apreender os e-mails
que já estavam abertos, o que não
aconteceu quando fizeram buscas
tanto a Manso Neto como a António
Mexia.
Segundo uma fonte judicial, esta
decisão do STJ não significa que os
e-mails apreendidos nunca mais pos-
sam servir como prova. “Teoricamen-
te, é possível pedir agora ao juiz que
autorize a sua apreensão.”
Micael Pereira
e Rui Gustavo
mpereira@expresso.impresa.pt
Expresso, 13 de outubro de 2023
Percevejos
Pedidos para
desinfestar
casas sobem
DGS não tem registo de
que a praga de Paris tenha
chegado a Portugal, mas as
empresas têm muitos mais
pedidos de desinfestação
As últimas semanas têm sido
de desespero para os franceses
devido à praga de percevejos
das camas (ou bedbug, em in-
glês), encontrados em casas,
transportes ou locais públicos.
Para já, em Portugal, a Direção-
-Geral da Saúde (DGS) não tem
“nenhum reporte formal sobre
eventuais pragas de perceve-
jos pelas autoridades de saúde
humana e saúde animal”, mas
as empresas de desinfestação
estão a registar um grande au-
mento de pedidos, sobretudo
em hotéis e casas particulares.
“O número de pedidos au-
mentou enormemente, sobre-
tudo em Lisboa. O percevejo
que aparece é o Cimex lectu-
larius [percevejo das camas]”,
diz Rui Duarte, da Truly Nolen,
apontando para uma subida
de 50%. “Os pedidos são prin-
cipalmente de hotéis, hostels
e casas particulares. Os locais
mais propícios são zonas de re-
pouso, como camas e sofás, mas
os percevejos escondem-se até
por baixo do chão flutuante.”
Também a Rentokil viu o nú-
mero de pedidos duplicar este
ano face a 2022, em particular
em Lisboa, Porto, Algarve e Ma-
deira. Em casas particulares,
as intervenções triplicaram.
“Há maior incidência nas áreas
metropolitanas e em zonas
próximas de infraestruturas de
transportes.” Na Bugzero, que
faz desinfestações em Lisboa, o
total de intervenções em outu-
bro já “superou o mesmo mês
nos últimos dois anos”.
Estes insetos não transmitem
doenças, pelo que o maior pro-
blema é o incómodo das pica-
das, que provocam comichão e
geralmente acontecem durante
a noite. As temperaturas altas
estarão a contribuir para o fe-
nómeno, uma vez que aceleram
o ciclo de desenvolvimento dos
percevejos, mas não são o único
fator. “A movimentação de pes-
soas entre cidades causa maior
disseminação, e a resistência
aos inseticidas fomenta estes
graus de infestação”, frisa Carla
Sousa, entomologista médica
do Instituto de Higiene e Medi-
cina Tropical (IHMT).
E os percevejos asiáticos?
Ao mesmo tempo, em cidades
como Guimarães, Coimbra ou
Braga, está a verificar-se um
aumento dos percevejos asiáti-
cos (Halyomorpha halys), “que
são totalmente diferentes em
termos de biologia e compor-
tamento” dos ‘percevejos de
cama’, explica João Loureiro,
um dos responsáveis do cen-
tro de investigação FLOWer
Lab, da Universidade de Coim-
bra. Estes são “uma espécie
invasora, herbívora, que não
ataca humanos nem animais,
mas que tem aumentado sig-
nificativamente em Portugal,
por via da tentativa de entrada
nas habitações na procura por
abrigos para começar a sua hi-
bernação.” Para já, em resposta
ao Expresso, o Ministério da
Agricultura garante que “não
têm sido observados exempla-
res desta praga em campos de
cultivo”.
Raquel Albuquerque
ralbuquerque@expresso.impresa.pt
Desde 2021 que a Fundação para a Ciência
e Tecnologia não abre nenhum concurso para
financiamento de projetos de investigação
FOTO JOSÉ FERNANDES
Investigação Financiamento do Estado caiu a pique com a troika e
continua a baixar. Portugal investe menos de metade da média da OCDE
Investimento público na
Ciência ao nível de 1991
Joana Pereira Bastos
O
sistema científi-
co português está
estagnado desde
2011. Com a che-
gada da troika, o
volume de inves-
timento público
no sector sofreu
um “ataque quase
mortal” de que ainda não recuperou.
O diagnóstico é feito por Maria de
Lurdes Rodrigues, ex-ministra da
Educação e atual reitora do ISCTE
— Instituto Universitário de Lisboa,
que analisou a evolução do finan-
ciamento da ciência por parte do
Estado ao longo dos últimos anos,
concluindo que o investimento caiu a
pique a partir do programa de resga-
te financeiro imposto ao país e, desde
então, nunca subiu o suficiente para
retomar a trajetória de crescimento
em que antes se encontrava. Os nú-
meros são inequívocos: se em 2010
a despesa pública em investigação
e desenvolvimento chegou a 0,54%
do PIB, em 2023 não ultrapassa os
0,32% — um valor inferior ao regista-
do em 1991 e que representa menos
de metade da média atual da OCDE.
A análise consta da obra “O Fu-
turo da Ciência e da Universidade”,
coordenada por Maria de Lurdes Ro-
drigues e pelo vice-reitor do ISCTE,
Jorge Costa, em colaboração com o
Conselho de Reitores das Universi-
dades Portuguesas (CRUP), e que
será lançada na próxima semana,
na Universidade do Minho. O docu-
mento culpa a troika pelo declínio
do investimento público no sector,
mas não isenta de responsabilida-
des os Governos de António Costa,
que não conseguiram inverter a ten-
dência. Os dados mostram, aliás,
que os fundos nacionais dedicados
à investigação, em percentagem do
PIB, voltaram a cair desde 2020,
atingindo este ano o valor mais baixo
dos últimos 30.
“O desinvestimento é dramático
e ainda não será o Orçamento para
2024 a virar a página. O aumento
previsto para a Fundação para a Ci-
ência e Tecnologia (FCT) é de apenas
5%, o que nem sequer compensa a
inflação deste ano”, lamenta a rei-
tora do ISCTE, em declarações ao
Expresso.
António Sousa Pereira, reitor da
Universidade do Porto e presidente
INVESTIMENTO PÚBLICO
EM INVESTIGAÇÃO E
DESENVOLVIMENTO (I&D)
Em % do PIB
0,7 OCDE
0,6
0,5
Portugal
0,4
0,3
1991 2001 2011
FONTE: OCDE, PRINCIPAIS INDICADORES CIENTÍFICOS
E TECNOLÓGICOS — DIREÇÃO-GERAL DE ESTATÍSTICAS DA
EDUCAÇÃO E CIÊNCIA
do CRUP, partilha a análise: “Com
este nível de financiamento, não é
possível manter o sistema científico
a funcionar com qualidade. Sabemos
que há uma vontade clara da minis-
tra Elvira Fortunato de reforçar as
verbas alocadas à investigação, mas
no Orçamento para 2024 a ciência
nem sequer consta das prioridades
estratégias elencadas pelo Governo.”
Ao Expresso, o representante das
universidades públicas refere que o
último concurso da FCT para finan-
ciamento de projetos de investigação
ocorreu em agosto de 2021, não ten-
do sido aberto nenhum outro depois
disso, por “ausência de fundos”. E
nesse último concurso, “receberam
financiamento apenas 5% dos pro-
jetos que se candidataram, uma vez
que não havia dinheiro para mais”,
denuncia.
Nas mãos da Europa
Globalmente, a despesa total execu-
tada em investigação e desenvolvi-
mento em Portugal — que resulta do
investimento público (com fundos
EM PERCENTAGEM DO
PIB, OS FUNDOS DO
ESTADO ALOCADOS À
CIÊNCIA ATINGIRAM O
VALOR MAIS BAIXO DOS
ÚLTIMOS 30 ANOS
PRIMEIRO CADERNO 7
NO FIM ERA
O VERBO
PRÉMIO AVISO
À NAVEGAÇÃO
“Quando ouço alguns
líderes da oposição
dizerem que este
Orçamento é
eleitoralista é porque
acho mesmo que
eles já prescindiram
de ganhar as eleições
de 2026”
António Costa
Primeiro-ministro
PRÉMIO IMPORTA-SE
DE REPETIR?
“É um orçamento pipi,
que aparece bem
vestidinho, muito
apresentadinho, mas
que é só aparência,
é assim muito betinho,
parece que faz,
mas não faz”
Luís Montenegro
Presidente do PSD
PRÉMIO DO ALTO
DO MEU PEDESTAL
“Prometer tudo a
todos é relativamente
fácil a quem não tem
responsabilidades,
mas também é um
bom indicador para
quem não deve ter
responsabilidades”
Fernando Medina
Ministro das Finanças, sobre o OE
PRÉMIO CONTEM COMIGO
“É, porventura, a única
nacionais e comunitários) e do in-
estratégia possível.
vestimento privado — até tem vindo
a aumentar nos últimos anos, mas Só havia uma maneira
“o crescimento tem sido feito à custa de aguentar a quebra
das empresas”, em troca de benefí-
0,73 cios fiscais. O problema, diz Maria
nas receitas [...],
de Lurdes Rodrigues, é que estas voltar-se àquilo que
verbas, que permitem às empresas não é o ideal, que é
ter uma dedução do IRC, são cana- aguentar-se com o
lizadas para fundos de investimento
em inovação e não são passíveis de consumo interno”
serem executadas no imediato, “nem Marcelo Rebelo de Sousa
se traduzem num aumento da capaci- Presidente da República, sobre o OE
0,32 dade do sistema científico nacional”.
Por outro lado, com o declínio das PRÉMIO REGRESSO AO PALCO
2021 22 23 verbas do Orçamento do Estado alo- “Não serei oposição
cadas ao sector, o financiamento do ao Governo, nem serei
sistema científico “está hoje quase
totalmente dependente de fundos
porta-voz. Não tenho
europeus”, o que significa que tem qualquer vontade,
de se subordinar às prioridades defi- ambição e gosto no
nidas por Bruxelas. Parlamento Europeu.
“Quando se faz depender o in-
vestimento da ciência dos fundos É a política nacional
europeus, é a Europa que manda e que me move”
que diz onde se vai ou não investir. Pedro Nuno Santos
A Comissão Europeia já disse que Ex-ministro das Infraestruturas,
não quer financiar mais bolsas de à SIC Notícias
doutoramento e amanhã pode dizer
que não quer mais financiar esta ou PRÉMIO INFERNO
aquela área científica”, mesmo que “Fomos atingidos
possam ser áreas importantes para por um ataque de
Portugal, alerta a reitora do ISCTE.
Além disso, adianta o presidente selvajaria nunca visto
do Conselho de Reitores das Univer- desde o Holocausto”
sidades Portuguesas, é “insensato” Benjamin Netanyahu
achar que o país vai continuar a re- Primeiro-ministro de Israel
ceber fundos comunitários depois do
final desta década. Se o investimento PRÉMIO LENHA
do Estado não for substancialmente NA FOGUEIRA
reforçado até lá, há o risco de o sis- “O Irão apoia a
tema científico nacional paralisar
quando deixar de chegar o dinheiro autodefesa da nação
da Europa. palestiniana. O regime
O livro documenta o encontro na- sionista e os seus
cional “Universidades: Chave para o apoiantes devem ser
Futuro”, organizado em dezembro
do ano passado pelo ISCTE, em co- responsabilizados
laboração com o CRUP, relatando o neste caso”
debate que então ocorreu em áreas Ebrahim Raisi
como o financiamento, a inovação Presidente da República do Irão
pedagógica e a internacionalização
das instituições e reunindo as inter- PRÉMIO RASTILHO
venções de vários oradores, incluin-
do da ministra da Ciência e do Ensino
DE PÓLVORA
“Existem momentos
Superior, Elvira Fortunato.
No encontro, a ministra traçou como em que o puro mal
uma das prioridades do mandato o
aumento do investimento no sector
atinge o mundo”
“para patamares compatíveis com o
Joe Biden
Presidente dos EUA, sobre o ataque
grau de desenvolvimento que ambicio- lançado pelo Hamas contra
namos, tendo sempre em perspetiva a o território israelita
convergência com a União Europeia”.
jbastos@expresso.impresa.pt
Paula Santos
paulasantos@expresso.impresa.pt
8 PRIMEIRO CADERNO
GUERRA ISRAEL-HAMAS
Hezbollah Hipótese de abertura de nova frente
de guerra a norte preocupa o recém-formado
Governo de emergência nacional
Pés à porta
de Gaza,
olhos
no Líbano
Henrique Cymerman
O
Correspondente em Israel
s nervos estão à flor
da pele em Israel.
Quarta-feira à noite,
o Comando de Pro-
teção Civil mandou
para os refúgios dois
milhões de israelitas
que vivem entre a
cidade de Haifa e a
fronteira com o Líbano. Receava-se
que terroristas do Hezbollah, grupo
libanês pró-iraniano, se tivessem infil-
trado em Israel, como fizeram, no sá-
bado passado, 1500 homens do braço
armado do Hamas. Por outro lado, ha-
via rumores de um drone lançado pelo
Hezbollah em espaço aéreo israelita.
Pouco depois, o porta-voz do exército
israelita anunciou que nem uma coisa
nem outra tinham acontecido. Houve
uma falha no sistema de alarmes. Mui-
tos dos que vivem na primeira linha,
junto da cerca fronteiriça entre Israel
e o Líbano, têm vivas na memória as
imagens da guerra de 2006. As autori-
dades locais aconselharam as famílias
a evacuar a zona e todos acataram. Só
se veem unidades militares na zona,
incluindo tanques.
A força aérea israelita continua a
bombardear a Faixa de Gaza de for-
ma inédita. Atinge o que define como
alvos militares do Hamas.
Governo de unidade
O país tem um novo Governo de emer-
gência nacional, cujo gabinete de guerra
inclui o primeiro-ministro, Benjamin Ne-
tanyahu, o ministro da Defesa, Yoav Gal-
lant, e o dos Assuntos Estratégicos, Ron
Dermer, todos do partido Likud (direita),
e dois destacados generais jubilados,
com grande experiência de combate,
dirigentes da oposição centrista: Benny
Gantz, ex-ministro da Defesa, e Gadi
Eizenkot, antigo chefe do Estado-Maior
do Exército. Há lugar reservado para
o ex-primeiro-ministro Yair Lapid, se o
quiser. Fora do gabinete de guerra ficam
os sectores mais radicais do Governo, as-
sentes numa aliança de direita, partidos
judeus ultraortodoxos e extrema-direita.
A possibilidade de guerra em duas
frentes — somando ao Hamas o Hez-
bollah, no Norte do país — é vista no
Governo como de alto risco. O grupo
islamita libanês apoiado por Teerão
conta com pelo menos 150 mil mísseis
MUITOS DOS QUE
VIVEM NA FRONTEIRA
ENTRE ISRAEL
E O LÍBANO TÊM NA
MEMÓRIA AS IMAGENS
DA GUERRA DE 2006
de alta precisão capazes de alcançar
todo o território israelita.
Ecos da História
O debate no Executivo parte da com-
paração entre duas guerras passadas.
Em 1967, antes da Guerra dos Seis Dias,
Israel viveu três semanas de grande
temor, face às ameaças de extermínio
sírias e egípcias, transmitidas através
da emissora de rádio Voz do Cairo, em
hebraico, criada pelo regime egípcio:
“Telavive será totalmente destruída, as
nossas bombas atingirão os alvos. Sionis-
tas, para onde ides correr? Não podereis
resistir nem sequer duas horas... Presi-
dente Nasser, estamos consigo! Vamos
destruí-los, queimá-los, reduzi-los a pó.”
Receava-se que Israel perdesse a inde-
pendência, prepararam-se cemitérios
em parques e jardins das grandes cida-
des, e reservistas, entre eles professores
universitários, entregaram aos seus
parentes pastilhas de cianeto para o
caso de os exércitos inimigos chegarem
às suas casas. Israel começou por bom-
bardear as forças aéreas egípcia e síria
antes de elas poderem descolar. Obteve
a sua maior vitória militar, contra to-
das as previsões, e ocupou ao Egito o
deserto do Sinai (o triplo do território
israelita original) e a Faixa de Gaza; à
Jordânia, Jerusalém Oriental, incluindo
o Muro das Lamentações, lugar mais
sagrado do judaísmo, e a Cisjordânia; à
Síria, os montes Golã.
Em 1973, nos dias anteriores à festa
do Yom Kippur (Dia do Perdão), sur-
giram informações sobre uma possível
ofensiva egípcia e síria. Washington
aconselhou Israel a não atacar primeiro
se quisesse o seu apoio. O resultado foi
um ataque surpresa às 14h de 6 de ou-
tubro, quando muitos israelitas rezavam
e jejuavam.
A soberania de Israel esteve em peri-
go vários dias. O desespero inicial das
forças militares — limitadas e sem re-
forços no Canal do Suez e nos montes
Golã, com soldados a implorar socor-
ro através do sistema de comunicação
militar — tem eco até hoje. Apesar dos
2500 mortos em 19 dias de guerra,
Israel ganhou a guerra, com arma-
mento enviado pelos americanos.
O gabinete de guerra israelita debate
agora se adota o modelo dos Seis Dias
ou do Yom Kippur. Não quer ser sur-
preendido pelo Hezbollah. Poderá valer
um ataque preventivo? É uma situação
de altíssima volatilidade, em que as
partes se observam e um erro de cálculo
causa um cenário de enorme perigo.
O discurso de Joe Biden serviu de
cheque em branco para Israel em
Gaza, mas também de advertência
séria ao Hezbollah e ao Irão. O Presi-
dente não se ficou pelas palavras, ao
enviar para o Leste do Mediterrâneo
o porta-aviões “Gerald Ford”.
Um dos fundadores do Hamas em
1987, Khaled Mashal, que vive em Doha
(Catar), pediu a todo o mundo islâmico
uma guerra santa contra os israelitas.
O “Dia D” é hoje, sexta-feira, em que os
muçulmanos vão à mesquita.
internacional@expresso.impresa.pt
Incursão
por terra
é dada
como certa
e muito
arriscada
Estado judaico prometeu
eliminar o Hamas. Apesar
de não haver decisão final,
o exército prepara-se
para entrar em Gaza.
Operação vai demorar
Entre o ataque levado a cabo
pelo Hamas, sábado, e a reta-
liação de Israel, há a lamentar
mais de 2 mil mortes. A mobi-
lização de 300 mil reservistas
israelitas, o cerco à Faixa de
Gaza e as declarações políticas
da semana remetem para uma
escalada. Depois de quarta-fei-
ra o primeiro-ministro de Is-
rael, Benjamin Netanyahu, ter
formado um governo de unida-
de nacional e um gabinete de
guerra, o ministro da Defesa,
deixou a promessa: “Apagar
essa coisa chamada Hamas da
face da Terra.”
Declarações de Yoav Gallant
no domingo já tinham gerado
especulação sobre quão longe
Israel se dispõe a ir na resposta
contra o ataque que sofreu. Já
houve ataques aéreos e comida,
água e eletricidade não entram
na Faixa de Gaza, morada de 2
Expresso, 13 de outubro de 2023
milhões de pessoas. “O preço
que a Faixa de Gaza vai pagar
será pesado e vai mudar a rea-
lidade durante gerações”, disse
o ministro, citado pela agência
Reuters.
A possibilidade de incursão
israelita na Faixa de Gaza foi
ganhando destaque. “Parece-
-me claro haver aqui, quase dia
a dia, um sentimento crescente
do Estado de Israel de que terá
de haver uma ofensiva terres-
tre”, indicou ao Expresso Ger-
mano Almeida. O comentador
da SIC entende que perante
as ações do Hamas, “bombar-
deamentos sobre Gaza não
bastariam para que Israel se
sentisse, neste momento, mi-
nimamente vingado perante as
atrocidades que aconteceram
desde sábado”.
O ataque surpresa do mo-
vimento radical palestiniano,
que controla a Faixa de Gaza
desde 2007, envolveu o disparo
de milhares de rockets contra
Israel e a entrada de milícias.
Centenas de pessoas morreram
e houve civis a serem levados
como reféns.
Preparativos em marcha
“A pressão política em Israel
para entrar em Gaza é alta, com
os israelitas a recuperarem
do ataque brutal do Hamas.
Como resultado, os dirigentes
israelitas procuram ‘destruir’
o Hamas, o que é difícil de fa-
zer, mas impossível sem entrar
em Gaza em força durante um
período prolongado”, afirmou
ao Expresso Daniel Byman,
membro do Centro de Estudos
Estratégicos e Internacionais,
com sede em Washington.
No entanto, o especialista
alerta que tal operação será
“muito difícil”. Quinta-feira, o
tenente-coronel Richard Hecht
fez saber que ainda não havia
decisão sobre uma invasão de
Gaza, mas que o exército estava
a preparar-se nesse sentido.
Invadir, e depois?
Em 2005, após o cessar-fogo
que pôs fim à segunda Intifada
(revolta palestiniana), Israel
retirou-se da Faixa de Gaza
unilateralmente. Cerca de 18
anos depois, uma incursão ter-
restre poderia resultar em nova
ocupação. Almeida prevê uma
operação terrestre “iminente”.
Seria uma demonstração de
força de Israel, afirma, e “im-
plicaria recuperar Gaza”. No
entanto, reconhece que isso
levaria outros atores regionais
a pronunciar-se e que “Israel
terá grandes dificuldades e
correrá riscos ao realizar uma
operação terrestre”.
Numa análise publicada pelo
think tank Atlantic Council,
Alex Plitsas partilha a sua con-
vicção de que a única forma de
Israel destruir as capacidades
militares do Hamas é “uma
guerra urbana quarteirão a
quarteirão, casa a casa”, que
pode durar vários meses. De-
fende, porém, que ainda que o
resultado fosse favorável a Is-
rael, “não seria um ponto final.
Seria necessária uma impor-
tante decisão política: se Israel
planeia devolver o controlo e
segurança a alguma fação ou
grupo palestiniano depois da
conclusão da operação”.
Salomé Fernandes
sfernandes@expresso.impresa.pt
Expresso, 13 de outubro de 2023
Irão ajudou a armar o Hamas,
mas ninguém o quer na guerra
O pior ataque da história
de Israel só foi possível
graças a financiamento de
Teerão. Isso não significa
que o regime estivesse a
par dos planos do Hamas
Mal as atrocidades cometidas
pelo Hamas em Israel come-
çaram a correr mundo — e em
especial quando se constatou o
volume de armamento usado
e a estratégia engenhosa com
que enganou os serviços secre-
tos israelitas —, o papel do Irão
começou a ser dissecado. Teria
fornecido os milhares de rocke-
ts lançados? Haveria Guardas
da Revolução em Gaza? O Irão
deu “luz verde” ao ataque?
Israel afastou a possibilida-
de de envolvimento direto da
República Islâmica no ataque,
que matou mais judeus do que
tombaram na Guerra dos Seis
Dias (1967). “O Irão é um ator
importante, mas ainda não po-
demos dizer se esteve envolvido
no planeamento ou no treino”,
disse Daniel Hagari, porta-voz
das forças de defesa de Israel.
“Não há provas concretas
que liguem o Irão ao ataque
do Hamas. O Irão negou-o e os
Estados Unidos dizem não ter
conhecimento direto do papel
do Irão no ataque”, afirma ao
Expresso Ghoncheh Tazmini,
investigadora em Relações In-
ternacionais. “É crucial distin-
guir o apoio iraniano ao Hamas
e a coordenação mais ampla
dentro da ‘Frente de Resistên-
cia’ da última ação do Hamas.
Embora o Irão colabore com
o Hamas, é duvidoso que te-
nha desempenhado um papel
significativo neste inciden-
te específico. Continua a ser
principalmente uma questão
palestiniana. No final, é uma
ação levada a cabo pelo Hamas
“O Irão foi mantido um
pouco às cegas. Interessa
a estas forças radicalizadas
proteger o seu financiador”,
diz um perito ao Expresso
motivada pelos seus próprios
interesses, moldados pelas cir-
cunstâncias palestinianas.”
A “Frente de Resistência” de
que fala a iraniana passa pelo
apoio de Teerão a atores regio-
nais cujas agendas servem os
seus interesses, designadamen-
te o combate a Israel. Esse arco
de influência passa pelo Iraque
(país de maioria xiita), pelo Lí-
bano (onde o movimento xiita
Hezbollah é um fiel aliado),
pela Síria (onde o Irão ajudou
Bashar al-Assad a manter-se no
poder), pelo Iémen (onde tem
ascendente sobre os rebeldes
COMBATE À esquerda, soldado israelita numa pausa perto da fronteira com
a Faixa de Gaza; acima, evacuação das redondezas da mesquita de Sousi;
abaixo, palestinianos atravessam a cerca fronteiriça e entram no sul de Israel
FOTO JACK GUEZ/AFP VIA GETTY IMAGES
huthis xiitas) e pelo Hamas, agora, parece-me que não. Foi
que, até este ataque, era o úni- mantido um pouco às cegas.
co esboço de resistência à ocu- Interessa a estas forças radica-
pação israelita. lizadas proteger o financiador.”
Também Washington afastou
Khamenei saúda crimes o Irão do centro da “Tempesta-
de Al-Aqsa”, como lhe chamou
Num discurso televisivo, usan- o Hamas. “Ainda não vimos
do lenço palestiniano, o líder provas de que o Irão tenha
supremo do Irão saudou a dirigido ou estado por detrás
derrota “irreparável” de Is- deste ataque, mas existe uma
rael. “Beijamos as mãos dos longa relação”, disse o secretá-
que planearam o ataque ao rio de Estado Antony Blinken.
regime sionista”, disse o aiato- “O Irão sempre apoiou o Ha-
la Ali Khamenei. A República mas. O montante e os tipos de
Islâmica só reagiu ao terceiro apoio não são nem nunca serão
dia. “O Irão só foi apanhado conhecidos”, diz ao Expresso
de surpresa quanto ao timing”, Javad Heirannia, do Centro de
diz ao Expresso Tiago André Investigação Científica e Es-
Lopes, da Universidade Portu- tudos Estratégicos do Médio
calense. “Economicamente, o Oriente, de Teerão.
Irão viabilizou tudo o que está “O facto de os Estados Uni-
a acontecer, mas não sozinho. dos deixarem claro que o Irão
Formalmente, o Irão e o Catar não deu apoio direto ao ataque
são financiadores do Hamas.” serve para evitar que a guerra
Khalid Mashal, fundador e ros- se alastre. Parece que o escon-
to do Hamas, vive no Catar. deriam mesmo que soubessem
“O grau de organização do que tinha havido apoio direto.
Hamas é surpreendente. Este Maior desestabilização da re-
ataque revela um nível de pla- gião não é do interesse da Amé-
neamento a cinco ou seis anos, rica nem do Irão”, diz o irania-
pelo menos”, continua. “É pro- no. Se Israel optar por destruir
vável que o Irão tivesse noção o Hamas, “será desastroso para
do que estava a ser preparado. o Irão”, conclui. “Nenhuma das
Não acredito que financiasse forças de resistência tem peso
e não soubesse que havia uma geopolítico e tanto poder de
operação em curso. O Hamas já fogo como o Hamas.”
disparou mais de cinco mil mís- Margarida Mota
seis. Agora, se sabia que iria ser mmota@expresso.impresa.pt
PRIMEIRO CADERNO 9
>>
Yafi
perdeu os
primos em
Kfar Aza
A sociedade israelita sente
uma profunda vontade de
vingança, diz familiar de
vítimas dos massacres do
Hamas no passado sábado
Quando Yafi Shpirer ligou a
televisão, às primeiras horas
de sábado, a vida mudou. Já se
FOTO MAHMUD HAMS/AFP VIA GETTY IMAGES
alterara antes, com as sirenes
a ecoarem e os estrondos da
salva de dois mil mísseis dis-
parados contra Israel. Mas a
crueza das novas circunstân-
cias demorou um pouco mais
a revelar-se de forma cabal.
“Foram 48 horas de tensão
muito intensa, uma sensação
desconhecida de fim da vida.
Quando não se sabe o que está
a acontecer, não se pode estar
seguro”, conta ao Expresso
esta israelita sexagenária.
Como milhões de israelitas,
e não só, Yafi passou a ouvir
ininterruptamente uma banda
sonora feita de ruído e medo.
“Quando acontecem coisas as-
sim, a televisão fica sempre li-
gada. Tentamos desligá-la, para
passar tempo com os nossos
netos, mas é uma bomba-re-
lógio. E ouvimos as explosões
daqui, não é um barulho agra-
FOTO MOHAMMED FAYQ ABU MOSTAFA/REUTERS
dável. Não é música.”
Terror e devastação
Mais descobertas se seguiriam.
Em Kfar Aza, aldeia perto de
Gaza onde se empilham corpos,
entre casas e carros queimados
e mobília espalhada pelo chão,
os primos de Yafi Shpirer, de
67 e 68 anos, morreram no
sábado infame, 7 de outubro.
“Os meus primos Orly Pinko
e David Shwartzman foram
assassinados no primeiro dia
do ataque terrorista, quando
estavam dentro de casa”, refere
Yafi Shpirer ao Expresso.
Terça-feira, três dias depois
dos ataques, os boatos não
confirmados eram de que até
bebés teriam sido decapitados.
“Na mesma aldeia, encontra-
ram 40 crianças mortas. Nem
quero pensar sobre isso…”,
admite Yafi Shpirer, cidadã
israelita prestes a completar
MAIS PARA LER 64 anos (até ao momento não
EM EXPRESSO.PT há confirmação da veracidade
das notícias que circulam e dão
Indústria de defesa conta de quatro dezenas de me-
avançada, um dos nores mortos).
Exércitos mais
bem treinados do 30 segundos para fugir
mundo e potencial
nuclear: qual é o Os soldados israelitas demora-
poderio militar de ram 12 horas a chegar ao local,
Israel? e encontraram mulheres de-
capitadas, corpos envolvidos
Um glossário em sacos plásticos, um cheiro
simplificado para intenso a putrefação. Mas a in-
os mais novos certeza quanto ao que se pas-
(ou para quem sou em Kfar Aza ainda é tan-
se perdeu nos ta que Yafi desconhece como
acontecimentos e terão sido mortos os primos:
nos conceitos) “Tiros ou algo pior. O Hamas
entrou na casa deles e matou-
Da paz de Oslo -os no seu lugar mais seguro.”
ao terror do O desespero por confirmar as
Hamas: 30 anos mortes, mesmo que à distância,
de radicalização consumiu-a. “O homem que
contínua de levou o meu sobrinho à morgue
israelitas e mostrou-nos uma fotografia.
palestinianos (em Nós reconhecemo-lo.”
dez momentos Perturbada pelos ataques
históricos) do Hamas, Yafi, que vive em
Nitzanim, a 20 quilómetros da
13 livros para Faixa de Gaza, não sabe o que
entender melhor pensar. “É longe ou é perto?
uma história Não sei. Para nós, não é assim
complexa tão perto… Temos muito tempo
para correr para o abrigo… 30
segundos. Estou a ser cínica.”
Catarina Maldonado
Vasconcelos
cmvasconcelos@expresso.impresa.pt
 10 PRIMEIRO CADERNO
GUERRA ISRAEL-HAMAS
E agora?
N
a alvorada do passado
sábado, cerca de 1500
membros do Hamas
atacaram aldeias, vilas,
pequenas comunidades e bases
militares na região do Sul de Is-
rael a partir de Gaza. Centenas
de homens, mulheres e crian-
ças israelitas e estrangeiros fo-
ram sumariamente executados
Israel em estado de guerra
GAZA Zona de segurança
de alto risco
ATAQUE NO DIA 7 DE OUTUBRO
O Hamas utilizou drones
comerciais para lançar
explosivos sobre as
torres de observação
ao longo da fronteira
Foram disparados mais
de 3000 rockets enquanto os
combatentes cruzavam o muro
em parapentes
e asa-delta
Os homens do Hamas usaram explosivos
e bulldozers para abrir espaço para passarem
motas e veículos maiores
FAIXA
DE GAZA
40 km
5 km
Quartel-general em Rein
INFOGRAFIA JAIME FIGUEIREDO
Torres de vigia destruídas
Khan
Younis
Nirim
Nir Oz
Rafa
Magen
EGITO Sufa
Hamas fez propaganda em Lisboa
Dirigente do braço político
do grupo terrorista
participou em aula aberta
numa universidade
Um dirigente do braço políti-
co do Hamas foi convidado há
poucos anos para dar uma aula
aberta sobre o conflito israelo-
-palestiniano numa universida-
de em Lisboa. A participação
deste representante do grupo
terrorista causou celeuma en-
tre alguns dos alunos que as-
sistiram ao colóquio, sobretudo
depois da exibição de um vídeo
de propaganda.
Durante a aula, o orador leu
passagens de um manual que
trazia consigo e que fazia a apo-
logia do Hamas. No final ainda
Guerra
e Paz
Miguel Monjardino
guerraepaz.expresso@gmail.com
numa orgia de violência terro-
rista, milhares foram feridos e
um número considerável de pes-
soas enviadas para Gaza como
reféns.
Para o Hamas, a tradicional
“resistência” palestiniana con-
tra Israel é inútil. A luta armada
é a única forma de derrotar o
Governo e a sociedade israeli-
Fronteira com cerca
de ferro e arame farpado
Asdode
Ascalão
Base militar de Zikim
Fronteira de Erez
Sderot
Gaza
Kfar Aza
Nahal Oz
Alumim
Beeri
Festival de música
Ofakim
Bersebá
FONTE: EOSDA LANDVIEWER, INSTITUTO PARA O ESTUDO DA GUERRA, “THE NEW YORK TIMES” E “THE WASHINGTON POST”
distribuiu aos participantes um
DVD de enaltecimento do mo-
vimento extremista. “Foi uma
aula bem polémica”, lembra
ao Expresso um dos partici-
pantes nesse debate, pedindo o
anonimato. Um ex-responsável
da faculdade, que também não
quis ser identificado, corrobora
este episódio: “O assunto foi
falado durante várias semanas
na faculdade.”
Já os dois professores que
organizaram o debate ga-
rantem que não se lembram
de qualquer aula envolvendo
um representante do Hamas.
O grupo terrorista não tem
ligações a Portugal e existem
apenas “umas poucas sinaliza-
ções” de “intermediários” jor-
tas. Do seu ponto de vista, tal
só é possível através do exercí-
cio de grande violência contra a
população de Israel. A punição
desta população e a exibição
pública da impotência do Exe-
cutivo liderado por Benjamin
Netanyahu foram uma forma de
mostrar o poder do Hamas, que
conseguiu assim concretizar o
sonho de muitos palestinianos e
árabes desde 1948. Esta foi tam-
bém uma tentativa de o Hamas
reclamar a liderança da causa
palestiniana a Mahmud Abbas,
o impopular Presidente da Au-
toridade Palestiniana, e tentar
passar a ser um ator diplomático
indispensável no Médio Oriente.
A violência do Hamas é uma
provocação deliberada a Israel.
Este movimento, que nunca teve
a menor compaixão pela popula-
ção palestiniana, necessita que o
Muro
de cimento
com 6 m de
altura
Torre de
observação
Telavive
Holon
Aeroporto
Rishon LeZion
Ramla
Rehovot
Yavne
Gedera
Tal Shahar
Bet Shemesh
Qiryat Malakhi
Autoridades israelitas
demarcaram uma zona
militar fechada
CISJORDÂNIA
Lachish
ISRAEL
Rahat
10 KM
danos, turcos e iranianos que
terão passado por Lisboa nos
últimos anos. “São testas de
ferro de negócios imobiliários,
que servem, sobretudo, para
branqueamento de fundos da
organização”, conta fonte co-
nhecedora do processo.
Hezbollah andou por cá
Em Portugal, as polícias refor-
çaram esta semana a segurança
nas sinagogas e na Embaixada
de Israel. No entanto, e apesar
do vandalismo à sinagoga do
Porto com inscrições de “Li-
bertem a Palestina”, as auto-
ridades afastam qualquer tipo
de suspeita sobre possíveis ata-
ques em Portugal.
Governo israelita invada Gaza.
Teve tempo para se armar, trei-
nar e preparar uma infraestrutu-
ra militar subterrânea, concluiu
que pode ganhar o combate ur-
bano contra as unidades israeli-
tas e utilizará os reféns feitos no
A população
palestiniana
é, simultaneamente,
refém do Hamas,
de Israel e do Egito
dia 7 como instrumento negocial
junto de uma sociedade israelita
que vê como fraca e de Governos
estrangeiros.
Durante muitos anos o Ha-
mas foi instrumento de muitos
Governos israelitas para dividir
ISRAEL
Rockets disparados pelo Hamas
desde 7 de outubro
Povoações invadidas pelo Hamas
Ataques aéreos de Israel
Jerusalém
LÍBANO
EGITO ISRAEL JORDÂNIA
Ao contrário do Hamas, o
seu aliado Hezbollah foi dete-
tado formalmente em Portugal
na Operação Cedro, em 2018.
Durante meses, quatro opera-
cionais libaneses viajaram por
países da Europa, incluindo Por-
tugal, com a missão de recolher
dinheiro vendendo cocaína. A
Polícia Judiciária concluiu que
estes correios de droga finan-
ciavam terrorismo no Médio
Oriente. O alerta da unidade de
contraterrorismo às congéneres
europeias foi decisivo para a me-
gaoperação que se estendeu de
Paris a Miami e levou à deten-
ção de quinze pessoas, incluindo
estes quatro operacionais.
Hugo Franco
hfranco@expresso.impresa.pt
Expresso, 13 de outubro de 2023
EXPRESSO.PT Leia no site do Expresso
uma entrevista com a jornalista
e historiadora Anne Applebaum
e enfraquecer os palestinianos.
Agora, o Governo liderado por
Netanyahu cometeu um erro
catastrófico de avaliação das
intenções do Hamas ao con-
cluir que o movimento preferi-
ria continuar a dominar Gaza a
iniciar nova guerra com Israel.
Tal levou Jerusalém a alterar
o dispositivo militar no Sul do
país para satisfazer os interesses
dos seus parceiros messiânicos e
profundamente hostis aos pales-
tinianos na Judeia e Samaria. O
resultado foi a perda do controlo
de aldeias, vilas e comunidades
israelitas pela primeira vez desde
1948. Tal criou um enorme cho-
que psicológico em Israel.
Como é natural, a sociedade
israelita quer vingança. Os ter-
roristas têm de ser destruídos
ou enfraquecidos. Tal só será
possível com uma invasão ter-
A vida onde
os abrigos
são colchões
Não existem sítios seguros na Faixa de
Gaza, diz quem lá vive. Fim da comida
e do combustível é questão de tempo
Quando o sol se põe, a única fon-
te de luz em Gaza vem das bom-
bas que Israel deixa cair sobre os
prédios que o seu Exército alega
ter identificado como esconderi-
jos ou fábricas de armamento do
Hamas, o grupo terrorista que
governa o território, e que no
passado sábado matou dezenas
de israelitas, incluindo crian-
ças e idosos. Só que as bombas
caem sobre todos, não só sobre
os terroristas.
“De noite ouvimos os bom-
bardeamentos, de dia vemos a
destruição”, conta ao Expresso,
a partir de Gaza, a jovem Shahd
Tawfeq, estudante de Comunica-
ção Social na Universidade Al-A-
zhar, agora encerrada. A comu-
nicação é intermitente, quando
existe. Começámos a falar com
Shahd terça-feira à noite, e no
dia seguinte percebemos por-
que demorava a responder: a sua
casa fora bombardeada durante
a madrugada e, poucas horas
depois, pela hora de almoço, a
última central elétrica de Gaza
parou de funcionar, o que dificul-
ta o carregamento de telemóveis.
Por isso as pessoas mantêm-nos
desligados, para usar em caso
de emergência. “A minha casa
ficou parcialmente destruída na
última noite, a casa ao lado ruiu
com os meus vizinhos lá dentro,
e recebi a notícia de que dois
amigos morreram ontem e eu
não os vi uma última vez.”
Dois milhões em Vila Franca
A Faixa de Gaza é um peque-
no retângulo de terra com dois
milhões de pessoas, numa área
mais ou menos do tamanho do
concelho de Vila Franca de Xira.
Destes, metade são menores de
idade. Os palestinianos que so-
brevivem em Gaza têm o Me-
diterrâneo de um lado e Israel
do outro. É impossível fugir. A
fronteira de Rafah, a sul, entre
Gaza e o Egito, é a única bolha
de oxigénio para a população
sitiada, que por lá recebe manti-
mentos, combustível e água, mas
sempre que o conflito escala as
autoridades egípcias mandam
encerrar a fronteira, alegando
que o país não pode estar sujeito
à entrada descontrolada de mi-
lhares de palestinianos.
Desta vez, a situação é ainda
mais perigosa, porque, após ter
decretado o bloqueio à entrada
de qualquer produto em Gaza, Is-
restre de Gaza, onde vive uma
população palestiniana que é,
simultaneamente, refém do Ha-
mas, de Israel e do Egito. O blo-
queio continuado de Gaza inte-
ressa-lhes. O que o Hamas mais
deseja é que a retaliação israelita
seja duríssima, a destruição in-
discriminada e as baixas civis
e militares elevadas. Só assim
conseguirá criar as condições
para uma revolta generalizada
palestiniana e alterar o cálculo
dos interesses dos Governos na
região e na Europa.
O 7 de outubro, que talvez te-
nha sido excessivamente bem-
-sucedido para o Hamas, é uma
armadilha a que Israel terá de
responder o mais inteligente-
mente possível, para negar uma
vitória estratégica ao seu inimi-
go e tentar evitar que esta guer-
ra se alastre a nível regional.
rael bombardeou uma área pró-
xima da fronteira de Rafah, como
aviso contra qualquer intenção
que o Egito pudesse ter de con-
tinuar a fornecer mantimentos.
“Continuo na casa que foi
bombardeada, porque em Gaza
não há abrigos antiaéreos, nin-
guém está a salvo, não existe sí-
tio mais seguro do que outro, no
máximo as pessoas correm para
um piso térreo, mas isso não dá
segurança nenhuma”, conta
Shahd. Os escombros deformam
os caminhos que a população
conhecia para ir à padaria ou ao
supermercado, as ruas perdem o
traçado. Nas imagens aéreas que
correm mundo veem-se famílias
a caminhar debaixo de colchões,
os abrigos possíveis.
Jason Shawa, tradutor, de 55
anos, que já falou com o Expres-
so durante outros bombardea-
mentos sobre a Faixa, usa a pala-
vra “ódio” para expressar o que
sente pela violência do Hamas.
“Para embalar
os bebés cantamos
todos ao mesmo
tempo, alto, para
eles não ouvirem
as explosões”,
diz Shahd Tawfeq
Não tem muita bateria no tele-
móvel, responde por mensagem
áudio: “O problema é que não
nos dão avenidas de contestação
pacíficas, não nos ajudam nas
organizações internacionais, no
Tribunal Internacional, na ONU,
não temos opções. Quando se fe-
cham milhares de pessoas numa
panela de pressão, se negam até
os mais básicos direitos huma-
nos, elas vão tentar infligir dor a
quem causa tanta dor.”
Os pais de Shahd vivem nou-
tra parte de Gaza. Na casa que
foi atacada vivem ela, os avós pa-
ternos, tios, tias e primos. “Dize-
mo-nos que daqui a pouco isto
será só mais uma má memória,
que não volta a acontecer, que
os dias vão ser melhores. Para
embalar os bebés cantamos
todos ao mesmo tempo, alto,
para não ouvirem as explosões.
Tentamos ter uma vida no meio
da escuridão.”
Ana França
afranca@expresso.impresa.pt
Expresso, 13 de outubro de 2023 PRIMEIRO CADERNO 11
12 PRIMEIRO CADERNO
POLÍTICA ENTREVISTA
Marta Temido fotografada
na passada quarta-feira
no edifício do Expresso
Marta Temido Presidente da concelhia de Lisboa do PS, ex-ministra
“Gostava de ser autarca”
Textos Eunice Lourenço
Foto Tiago Miranda
Deixou o Governo há pouco mais de
um ano e ganhou gosto pela vida par-
tidária. Marta Temido é presidente
do PS-Lisboa e em novembro começa
a preparar o programa para levar às
autárquicas de 2025. Em entrevista
ao Expresso mostra disponibilidade
para liderar a candidatura socialista
à capital e defende que o PS tem de
voltar a aproximar-se dos eleitores.
P Passou rapidamente de independen-
te a líder de uma concelhia do PS. O que
é que a leva à vida partidária?
R Por um lado, a vontade de contribuir
para uma sociedade mais justa e para
a construção de um país melhor. Por
outro, alguma atração por aquilo que
é neste momento tão contestado em
termos sociais, que é a vida nos partidos.
Mas também a certeza de que não é sem
partidos que se constrói uma sociedade
melhor e não há política sem partidos.
P Fez questão de ser eleita formalmen-
te, o que aconteceu este verão. Quais
são as suas prioridades para Lisboa?
R A construção de um projeto alter-
nativo para o concelho e para a cidade
de Lisboa e a necessidade de fazer isso
olhando para o que correu mal e atuali-
zando as boas propostas do passado. E
também aprendendo com as boas pro-
postas que possam vir de outros lados,
quer de forças partidárias com as quais
temos maior proximidade quer de ou-
tras forças partidárias. Ganhamos mais
em agregar do que em dividir.
P Vai trabalhar numa aliança de es-
querda para reconquistar a Câmara?
R Ainda é prematuro, como aliás os
vários partidos da esquerda têm dito,
pensar no que será o cenário possível
daqui por dois anos. Uma coisa será
falar do cenário possível, outra falar do
cenário desejável. Os lisboetas e Lisboa
ganharam quando a esquerda se soube
juntar e soube construir em conjunto.
P Começar já a falar de alianças não
é um sinal de que o PS não é capaz de
reconquistar a Câmara sozinho?
R A minha perspetiva da junção de es-
forços não é só utilitária: ou há uma
partilha de uma visão de cidade ou não
há. Mais do que um projeto de poder.
P Qual é a principal divergência com a
coligação liderada por Carlos Moedas?
R Decorre daquilo que é a vida do dia a
dia das pessoas. Desde que iniciei fun-
ções na AR tenho tido a oportunidade
de ter uma vida muito normal de ritmos
diários. Ando pela cidade, apanho trans-
portes públicos e vou-me confrontando
com falhas que associamos ao exercício
do poder autárquico: as questões da hi-
giene urbana, da iluminação do trânsito
são problemas do dia a dia das pessoas.
Outras questões mais estruturais: a po-
breza que grassa pela cidade que se vê
na zona onde moro, em Arroios, muitas
barracas, muita gente a viver na rua,
muitas pessoas claramente desinseri-
das. Os primeiros têm a ver com meios e
logística, os outros são mais complexos,
mas todos têm de ser atacados. Tem ha-
vido capacidade de dar resposta a pro-
blemas que vinham sendo resolvidos,
como o plano de drenagem que vinha
de 2008 e continua a dar passos, casas
que vão sendo entregues. Isso é positivo,
mas há opções de visão de cidade e de
modelo de desenvolvimento económico
que não dão resposta às pessoas que
vivem na cidade e querem criar família
na cidade, querem ter os seus filhos por
perto. Estamos a criar um espaço que
não é para as pessoas viverem, é um
espaço para servir outros que vêm cá
fazer viagens, turismo. Há espaço para
tudo, mas isso não pode ser o central na
vida de uma cidade
P A alternativa para Lisboa terá de ter
um rosto. Quando será o momento?
R Cada coisa a seu tempo. Agora mais
importante é construir um programa
alternativo. Não pretendemos enquanto
concelhia contribuir para o projeto de
Lisboa apenas no horizonte de um ciclo
OS LISBOETAS
GANHARAM QUANDO
A ESQUERDA SE
SOUBE JUNTAR
E CONSTRUIR
EM CONJUNTO
político, temos de ter uma visão mais
alta, a uma década. Vamos iniciar em
novembro um processo de auscultação
social, de participação pública para a
construção de políticas públicas globais.
Os políticos vão muitas vezes para a
rua pedir a confiança das pessoas no
momento das eleições, mas têm alguma
dificuldade em envolvê-las na constru-
ção de soluções, resguardam-se em de-
cisões técnicas. Mas as pessoas querem
participar e discutir com os técnicos e
há aspetos que têm de ser combinados
pois, se não o forem, as pessoas não ade-
rem. O propósito é que aquilo que sair
desta discussão pública, deste fórum,
possa ser disponibilizado às equipas
que depois terão a responsabilidade de
se apresentar aos eleitores de Lisboa.
P Vamos ter uma espécie de estados
gerais de Lisboa?
R Gosto de oficinas de construção de
cidade, de laboratório colaborativo. A
nossa ideia é ter um conjunto de sessões
de carácter itinerante onde se discutem
os problemas da cidade, mas também
as soluções. Temos sobretudo de cons-
truir soluções e fazer essa discussão
numa lógica menos horizontal, muito
sectorizada em ambiente, mobilidade,
habitação; mais numa lógica transver-
sal, de objetivos de desenvolvimento
sustentável para a vida dos lisboetas e
de construção de um modelo alternativo
de cidade. Queremos envolver peritos,
cidadãos, militantes, independentes,
simpatizantes, gente de outros partidos
e pretendemos conduzir esse processo
ao longo do próximo ano para no início
do outono que vem, a um ano das au-
tárquicas, possamos fazer a outra parte,
também importante, que é a identifica-
ção dos rostos das equipas. Não acredito
em soluções individuais.
P Gostava de ser autarca?
R Gostava de ser autarca! Sempre disse
que deve ser dos lugares mais desafian-
tes pela panóplia de problemas com que
se confrontam e por aquilo que repre-
sentam hoje as cidades em termos de
mosaico de problemas sociais. Nas cida-
des joga-se tudo: a transição climática,
as migrações, a segurança, a educação,
a saúde, a habitação... A pulsão da vida
das pessoas no dia a dia é, de facto, uma
dimensão que me atrai.
P Essa atração pode levá-la a protago-
nizar uma candidatura à Câmara?
R Se isso for importante para Lisboa
e para os lisboetas sim, claramente es-
tarei presente e não virarei costas às
dificuldades e a um combate por um
projeto. Agora, o importante é cons-
truir o projeto porque sem isso é só
mais um rosto.
P O seu nome também tem sido falado
para ser cabeça de lista às europeias do
próximo ano. O que prefere?
R Não é uma questão de preferências,
nem vejo isso como um aspeto que de-
penda de mim. Depende da vida, de
escolhas do PS e daquilo em que for
mais útil. Não quer dizer que não tenha
vontade própria, será a solução que
melhor servir os interesses do coleti-
vo e da população num determinado
momento.
P Como vê o facto de o almirante Gou-
veia e Melo, com quem trabalhou du-
rante a pandemia, estar à frente nas
sondagens para eleições presidenciais?
R Da mesma forma que vejo a popula-
ridade ainda associada a outros atores
da pandemia, incluindo-me a mim: com
uma grande capacidade de entender
que vivemos um fenómeno extremo
que nos pôs a todos à prova e levou a
que se construíssem ligações de con-
fiança com determinados protagonis-
tas. Isso é importante e positivo, mas
a pandemia, felizmente, é um episódio
que terminou. Não deixando de ficar
satisfeita com o afeto que isso implica
para com todos os envolvidos, penso
que temos de olhar para a capacidade
de as pessoas darem resposta também
a outras funções. Como sinal é muito
interessante porque mostra que a popu-
lação tende a valorizar mais as pessoas
do que os partidos, o que não teria ne-
A MINHA MAIOR
PREOCUPAÇÃO
É GARANTIR QUE
O PS ESTÁ MAIS
ENRAIZADO
NA SOCIEDADE
Expresso, 13 de outubro de 2023
Saúde vive
“momento
complexo”
“Este é um momento complexo, em que
devemos permitir que os atores tenham
as suas conversas e as soluções para os
problemas” — Marta Temido responde
a perguntas sobre a pasta que teve nas
mãos durante quatro anos tentando
não avaliar o seu sucessor, Manuel
Pizarro. Recorda a saída, fazendo
referência ao caso que a precipitou: a
morte de uma grávida que estava a ser
transferida entre hospitais: “Entendi
que a confiança da população no SNS
estava posta em causa e que era
necessário sair de cena. Foi criada uma
oportunidade de espaço político e de
espaço de diálogo, com a mudança de
protagonistas.” Quando questionada
sobre se a expectativa foi cumprida, é
solidária: “Aquela cadeira é demasiado
dura para prescindirmos de ter a maior
solidariedade para com quem lá esteja
sentado.” Frustradas parecem estar as
expectativas sobre a direção-executiva
do SNS, dirigida por Fernando Araújo,
ainda sem estatuto aprovado. “Não há
dúvida de que o SNS precisa de melhor
gestão e as propostas feitas do estatuto
do SNS e da criação da direção-
executiva iam nesse sentido. Esperamos
que a solução seja aprofundada,
materializada e tenha reflexos”, afirma
ao Expresso em vésperas da reunião de
hoje entre Araújo e António Costa.
nhum problema não fosse ser um sinal
de que há algum desafeto em relação
aos partidos e isso é muito importante.
P Aliás, a sondagem sobre intenção de
voto e popularidade dos líderes parti-
dários também mostra esse desagrado
com os partidos. Como é que se com-
bate isso?
R É com empenho, com responsabili-
dade, com uma ligação afetiva com as
pessoas e uma relação de compromis-
so. Mas também precisamos muito de
uma mensagem de esperança. É uma
questão que se resolve no dia a dia com
resposta para os problemas. Todos os
problemas têm uma solução e temos de
nos empenhar para a encontrar e por
ir dando passos para diminuir o fosso
terrível e preocupante que é a forma
como as pessoas se posicionam face à
política e aos políticos.
P Como vê o futuro do PS pós-maioria
absoluta?
R O PS é um partido que tem a sua
história, tem muito atores, muita ca-
pacidade de pensar, de apresentar
propostas. Como dirigente partidária,
a minha maior preocupação é garan-
tir que o partido está mais enraizado
na sociedade. Essa é uma das minhas
maiores preocupações, a par com a
construção de um projeto alternativo, é
garantir que o partido não se fecha. Fui
independente durante muito anos para
não sentir aquilo que ainda sinto muitas
vezes: quem vem de fora é um outsider.
P O PS distanciou-se?
R De alguma forma sim. Penso que é
típico e próprio dos ciclos políticos e
da vida dos Governos. Quando temos
funções executivas, tendemos a ter um
grande foco em dar respostas preocu-
padas com um conjunto de equilíbrios
muito difíceis. O grande desafio para o
PS do futuro é essa proximidade à po-
pulação e a resposta aos problemas. Há
variadíssimos atores com competências
para assumir essa função.
P Não nos esquecemos que António
Costa a lançou para a liderança do par-
tido no momento em que lhe entregou
o cartão de militante...
R Isso foi uma graça que me deixou tão
constrangida e tão perplexa que nem
consegui responder. Mas foi uma graça
e uma nota de humor.
elourenco@expresso.imprensa.pt
14 PRIMEIRO CADERNO
SONDAGEM
INTENÇÃO DE VOTO
Como votaria se as eleições legislativas fossem hoje?
Projeção dos resultados excluindo abstencionistas (13%) e após imputação de indecisos (18%). Entre parêntesis, resultados do total da amostra (com recusas, indecisos e abstenção). A variação, em pontos percentuais, é relativa à última sondagem (junho de 2022)
PS PSD
31% 25% 13% 6% 6% 3% 2% 2% 2% 2% 8%
(22%) (18%)
S/ VARIAÇÃO -5 PONTOS
Vítor Matos
U
m dia depois de o
Governo ter revela-
do um Orçamento
do Estado a devol-
ver mais IRS às fa-
mílias do que o PSD
tinha proposto, Luís
Montenegro saiu-se
com uma daquelas
frases que se colam aos políticos para
toda a vida: “É assim uma espécie de
Orçamento ‘pipi’, que aparece bem
vestidinho, muito apresentadinho,
mas que é só aparência, é assim mui-
to betinho...” Esta reação do líder do
PSD, em modo de stand-up comedy,
num discurso de ocasião formal, no
Conselho Nacional do partido rea-
lizado na Maia, surpreendeu tanto
apoiantes como críticos. A opinião é
comum a fontes dos dois lados da bar-
ricada ouvidas pelo Expresso: Monte-
negro estragou com uma frase aquilo
que tinha construído de positivo na
longa entrevista ao “Town Hall” da
CNN Portugal uns dias antes. E Carlos
Moedas apanhou a boleia.
Mesmo para um montenegrista de
primeira hora, a perceção que passou
foi de um líder “encurralado” e “sem
discurso”, porque o PS conseguiu “um
bom Orçamento para os portugue-
ses”. Depois da entrevista à CNN, na
segunda-feira, que “correu franca-
mente bem quando as expectativas
eram baixas”, esta é uma “imagem
que não se podia passar”, aponta este
social-democrata, garantindo, porém,
que mesmo assim estará sempre ao
lado de Montenegro. Do lado dos crí-
ticos, um deputado social-democrata
aponta a “pobreza do argumento”,
que na sua perspetiva revela o “des-
norte” da liderança. Para uma fonte
da direção, “a frase está certíssima”,
porque o Orçamento parece bem
“apresentadinho”, mas não resolve
problemas como a habitação, os pro-
fessores ou as urgências dos hospitais.
Se a falta de substância das críti-
cas de Montenegro gerou um espa-
ço vazio, o vácuo foi ocupado no dia
seguinte por Carlos Moedas, numa
entrevista à SIC Notícias. Sublinhado
que estava no estúdio como presidente
da Câmara de Lisboa, o antigo comis-
sário europeu criticou o Orçamento
por “não dar esperança”, por prever
um “crescimento baixo”, com “pouca
ambição e pouca audácia” e com um
Avaliação da atuação recente dos políticos
Numa escala de 0 (“muito negativa”) a 10 (“muito positiva”). A variação é relativa à última sondagem (junho de 2023)
6,6-0,1
4,6-0,2
MARCELO ANTÓNIO
REBELO COSTA
DE SOUSA
FICHA TÉCNICA
Sondagem cujo trabalho de campo decorreu entre os dias 16 e 25 de setembro de 2023. Foi coordenada por uma equipa do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa) e do ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE IUL), tendo o trabalho de
campo sido realizado pela GfK Metris. O universo da sondagem é constituído pelos indivíduos, de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 18 anos e capacidade eleitoral ativa, residentes em Portugal Continental. Os respondentes foram selecionados através do método
de quotas, com base numa matriz que cruza as variáveis: sexo, idade (4 grupos), instrução (3 grupos), região (5 regiões NUTII) e habitat/dimensão dos agregados populacionais (5 grupos). A partir de uma matriz inicial de região e habitat, foram selecionados aleatoriamente
94 pontos de amostragem onde foram realizadas as entrevistas, de acordo com as quotas acima referidas. A informação foi recolhida através de entrevista direta e pessoal na residência dos inquiridos, em sistema CAPI, e a intenção de voto em eleições legislativas recolhida
recorrendo a simulação de voto em urna. Foram contactados 2926 lares elegíveis (com membros do agregado pertencentes ao universo) e obtidas 804 entrevistas válidas (taxa de resposta de 27%, taxa de cooperação de 39%). O trabalho de campo foi realizado por 41
entrevistadores, que receberam formação adequada às especificidades do estudo. Todos os resultados foram sujeitos a ponderação por pós-estratificação de acordo com a frequência de prática religiosa e a pertença a sindicatos ou associações profissionais dos cidadãos
portugueses com 18 ou mais anos residentes no Continente, a partir dos dados da vaga mais recente do European Social Survey (Ronda 10). A margem de erro máxima associada a uma amostra aleatória simples de 804 inquiridos é de +/- 3,5%, com um nível de confiança de 95%.
Nos gráficos seguintes, todas as percentagens são arredondadas à unidade, podendo a sua soma ser diferente de 100%.
CHEGA CDU
(9%) (4%)
S/ VARIAÇÃO +1 PONTO
Quebra PSD caiu 5 pontos. Montenegro disse que se recandidata
em qualquer circunstância, mas Carlos Moedas impõe-lhe a fasquia:
“O PSD não vai precisar de mim, porque vai ganhar as europeias”
Moedas posiciona-se,
com Montenegro
em queda
“aumento da carga fiscal”, enquan-
to ele está há dois anos a “reduzir os
impostos em Lisboa”. A diferença no
discurso foi substancial. E quanto às
expressões de Montenegro? “Concor-
do com o líder do PSD quando diz que
cheira a pouco, mas depois as palavras
cada um utiliza as suas”. E essas pala-
vras Moedas não usou.
A oito meses das eleições europeias,
quando Pedro Passos Coelho já assu-
me que está “na reserva”, como o Ex-
presso escreveu na semana passada,
Moedas vai-se posicionando para o
que der e vier se o resultado de Mon-
tenegro em junho correr mal (o líder
disse na CNN que se recandidatava
independentemente do resultado).
Na entrevista à SIC Notícias, o autarca
deixou duas frases que permitem essa
leitura. A primeira: “Sei que sou um
ativo do partido, mas um ativo do par-
tido para ajudar o líder.” A segunda:
“O PSD não vai precisar de mim, por-
que vai ganhar as europeias.” Ou seja,
se o PSD não ganhar, talvez precise
dele (no caso de Pedro Passos Coelho
não sair da reserva).
Falta de empatia e de confiança
Embora na São Caetano o discurso
oficial não transpareça preocupação,
Luís Montenegro tem sido aconselha-
3,8 3,6-0,3
MARIANA LUÍS
MORTÁGUA MONTENEGRO
EXPRESSO.PT Almirante Gouveia e Melo à frente
para as presidenciais. Sondagens para Belém
e legislativas em debate na “Comissão Política”
BE I. LIBERAL PAN LIVRE
(4%) (2%) (1%) (1%)
+1 PONTO -1 PONTO S/ VARIAÇÃO +1 PONTO
do informalmente pelo consultor de 25%, ainda não incorpora os efeitos
comunicação António Cunha Vaz. O desta semana nem das eleições regio-
empresário confirma a colaboração e nais da Madeira, em que o PSD perdeu
até admite ao Expresso que “gostava a maioria absoluta e fez um acordo
de fazer umas legislativas em Portu- com o PAN.
gal”. Poderá ser com o PSD. Na direção do PSD, o mantra conti-
Apesar de erros de comunicação, nua a ser encarar as sondagens des-
como fazer uma declaração impor- favoráveis “com uma naturalidade
tante a seguir às regionais na Madeira tremenda”, sem euforia quando são
a excluir definitivamente o Chega — boas nem depressão quando são más,
sem qualquer solenidade e a suar em até porque faltam três anos para as
bica perante as televisões —, a quebra eleições legislativas. Uma eternida-
do PSD na sondagem ICS/ISCTE para de, considerando “o brutal desgas-
o Expresso e para a SIC não é motivo te do Governo”, com expressão na
para a direção do partido acender os mesma sondagem em que 66% dos
alarmes. O trambolhão de cinco pon- inquiridos consideram que os socia-
tos, de 30% nas intenções de voto para listas estão a governar mal ou muito
mal. O PSD é que ainda não está a
capitalizar.
Há quem mantenha um otimismo
idêntico ao que era manifestado quan-
NA DIREÇÃO DO PSD, do Rui Rio presidia ao partido, como
o líder parlamentar Joaquim Miranda
O MANTRA CONTINUA Sarmento, que disse ao “Observador”
esta semana que “as sondagens dão
A SER ENCARAR todas empate técnico” entre PS e PSD.
Não é o caso desta sondagem ICS/
AS SONDAGENS ISCTE, em que a diferença entre os
dois partidos está para lá da margem
DESFAVORÁVEIS “COM de erro de 3,5%.
UMA NATURALIDADE
Apesar do mergulho do PSD nas
intenções de voto, o presidente do
TREMENDA”
partido tem vindo a subir em termos
de reconhecimento (85% dizem agora
3,1
-0,2
2,9-0,1
2,9
-0,3
2,8
-0,4
RUI ANDRÉ PAULO RUI
TAVARES VENTURA RAIMUNDO ROCHA
Expresso, 13 de outubro de 2023
OUTROS BRANCOS
CDS-PP PARTIDOS E NULOS
(1%) (2%) (5%)
+1 PONTO -1 PONTO +3 PONTOS
que sabem quem é Montenegro), mas
está a cair em termos de avaliação do
desempenho (ver gráfico em baixo). O
líder da oposição aparece em quarto
lugar, muito longe de Marcelo Rebelo
de Sousa (que continua a ser o único
com avaliação positiva), a uma grande
distância de António Costa e atrás de
Mariana Mortágua, a líder do Bloco
de Esquerda.
Um apoiante de Luís Montenegro
reconhece que “falta química” ao ex-
-líder parlamentar. “É alto, mas não
sabe utilizar isso. Não transmite em-
patia com as pessoas, mas isso ou se
tem ou não se tem.” Um crítico põe a
questão noutro patamar. Desvaloriza
os erros pontuais, muito enfatizados
pelos comentadores, para concluir
que o sucessor de Rui Rio “não gera
confiança nas pessoas”.
O ex-deputado social-democrata e
professor universitário Miguel Mor-
gado — passista de sempre — faz uma
leitura pouco otimista das sonda-
gens. O PS consegue fixar a sua base
eleitoral mais fiel, enquanto o PSD
“não consegue ultrapassar os socia-
listas por uma questão aritmética. A
Iniciativa Liberal e o Chega absor-
vem uma fatia grande de eleitores,
e o PSD tem uma grande dificuldade
em fazer com que o seu eleitorado
regresse” desses partidos que frag-
mentaram a direita. Além disso, o
PSD “não tem conseguido atrair no-
vos eleitorados”.
Para conquistar novos eleitores é
preciso falar para lá do mundo laran-
jinha, anota um especialista em co-
municação. Montenegro “falava bem
no Parlamento”, mas agora “tem de
falar bem para o povo” e “não falar só
para os convertidos”. Mesmo que os
fiéis gostem, “o problema é que não
se ganham eleições só com os votos
do PSD” e é preciso “saber comunicar
na rua.”
Quando se candidatou à liderança
do partido, Luís Montenegro acredi-
tava em si próprio: “Posso concluir
que tenho algumas qualidades de lide-
rança, mas se não achasse que podia
fazer melhor que os outros não me
candidatava.” Em 2020, Montene-
gro dizia isto ao Expresso: “Estou, de
alguma maneira, surpreendido por
esta demonstração de fraqueza do pri-
meiro-ministro. Comigo na liderança
do PSD não seremos o seguro de vida
deste Governo.” Tem até às europeias
para o primeiro teste.
vmatos@expresso.impresa.pt
2,7 2,7
-0,6
NUNO INÊS SOUSA
MELO REAL
Expresso, 13 de outubro de 2023
PS
Pedro Nuno e Medina
preparam o futuro
Diferenças entre eventuais sucessores de Costa
Rita Dinis
Em semana de apresentação
do Orçamento do Estado para
2024 e, simultaneamente, em
semana de estreia de Pedro
Nuno Santos como comenta-
dor socialista de “pensamento
livre”, esta foi também a se-
mana em que se começaram a
escrever os próximos capítulos
da história do PS pós-António
Costa.
Pedro Nuno Santos disse logo
ao que vinha na sua estreia no
comentário semanal na SIC No-
tícias. “O que espero fazer aqui
é o que fiz toda a minha vida:
política”, afirmou, não negan-
do que quer suceder a António
Costa quando este sair, previ-
sivelmente em 2026. Sempre
depois, nunca antes, porque,
primeiro, “não faz sentido o PS
ter um secretário-geral dife-
rente do primeiro-ministro”. E
depois, porque tempo é algo do
qual o ex-ministro não se pode
dar ao luxo de abdicar, na medi-
da em que tem um caminho de
reabilitação política pela frente.
Numa estreia descrita por
vários socialistas como algo
“morna”, mas “genuína”, hou-
ve quem não tivesse gostado de
o ver a defender de forma tão
acérrima a política de habitação
do atual Governo (cuja pasta tu-
telou), mas que é o dossiê, a par
da Saúde, que mais contestação
social levanta. “Ele é mesmo
assim, dá a opinião dele inde-
pendentemente do resto”, diz
uma fonte próxima do socialis-
ta. No caso da nova localização
do aeroporto, que quase o fez
demitir-se do Governo, vincou
que mantém a posição: “Há es-
tudos a mais” e a solução deve
ser Montijo, provisória, e Alco-
chete, definitiva. Sobre a priva-
tização da TAP, ao contrário de
Medina (e Costa), Pedro Nuno
defende que o Estado deve ficar
com a maioria do capital; ou
ainda o caso da redução do IRS,
que, no seu entender, deve ser
feita com “cautela” para garan-
tir investimento público.
É o dia e a noite em compa-
ração com Fernando Medina.
O ministro das Finanças usou o
palco orçamental desta semana
para se afirmar como o arauto
da prudência, da responsabili-
Pedro Nuno
estreou-se na TV
para “fazer política”.
Medina aposta em
imagem de prudência
dade e dos inéditos orçamentos
excedentários. Ao uso do exce-
dente para reforçar os serviços
públicos mais massacrados,
como a esquerda pediria, Me-
dina responde com um fundo
de investimento para acautelar
o futuro pós-PRR (e pós-2026).
“Seria um erro gastar o exce-
dente com a reivindicação do
momento”, diz Medina ao Ex-
presso (ver pág. II), ao mesmo
tempo que defende a redução
da dívida e puxa a si os louros da
grande surpresa do OE: “Fui eu
que propus ao primeiro-minis-
tro avançarmos com uma solu-
ção de maior redução do IRS.”
Na TAP, a afirmação política
é semelhante: “Pessoalmente,
sempre tive esta opinião sobre a
privatização da maioria do capi-
tal da TAP”, disse esta semana
ao “Público”.
António Costa, na apresen-
tação do OE aos deputados do
PS, com Medina ao lado e Pedro
Nuno na plateia, diria mais: se a
oposição chama eleitoralista a
um OE que abdica de gastar tudo
e ainda reserva uma fatia para
um fundo pós-2026 é porque já
dá as próximas eleições como
perdidas. Mais improvável é es-
tar Medina a guardar um fundo
para o sucessor Pedro Nuno gas-
tar. O futuro do PS o dirá.
rdinis@expresso.impresa.pt
PRIMEIRO CADERNO 15
Gente pinhos de leite” (era o CDS, lembra-se
dessa relíquia, sr. Leitor?). Agora, o líder
do PSD classifica o Orçamento do Estado
como “pipi, bem apresentadinho e muito
betinho”. Ou seja, um OE muito “que-
que e copinho de leite”, o que não será
propriamente uma crítica mas talvez um
elogio de quem tantas vezes parece ser
tão “pipi” e se esforça por aparecer tão
“bem apresentadinho e muito betinho”.
Gente sugere este novo capítulo nos ma-
nuais de Macroeconomia: “orçamentos
As horas Não há maneira de o pre- keynesianos, austeritários e pipis”.
sidente da Câmara de Lisboa, Carlos
Moedas, chegar a líder do PSD e a pri-
meiro-ministro. Não, Gente não perdeu Da casa José Pedro Castanheira é
a sua histórica imparcialidade, mas na nome cá da casa e Gente não podia dei-
entrevista que deu na SIC Notícias esta xar de marcar presença no lançamento
quarta-feira Moedas deixou a solução do seu mais recente livro, “Os Últimos
para muitos dos problemas que nos do Estado Novo”. Ainda assim, mesmo
afligem, com o fecho de urgências à ciente do estatuto do autor, a surpresa
cabeça. Agradeceu o sucesso da Jornada foi grande, não tanto por ter sentado à
Mundial da Juventude às “pessoas que mesma mesa a filha de Mário Soares e
trabalharam mais de 24 horas por dia”. o filho de Marcello Caetano, mas antes
Ora aí está a solução para os médicos, dr. por quem marcou presença na plateia.
Pizarro, é pôr os olhos em Moedas: era Candidatos a candidatos contámos três:
pô-los a trabalhar 24 horas por dia mais Ana Gomes, Marques Mendes e Marta
três de noite... Temido (ver pág. 12). Depois ainda por
lá vimos Rosa Mota, Paulo Branco, An-
Queques e pipis Já houve um saudoso tónio-Pedro Vasconcelos, Guilherme
partido de direita que apelidou alguns d’Oliveira Martins e ainda Pedro Adão
dos seus dirigentes de “queques e co- e Silva. De respeito, sim senhor.
Ursula corta Michel
ÂNGULOS Ursula von der Leyen já não disfarça a relação azeda com o presidente
do Conselho Europeu. Numa publicação no X, foi como se ele não existisse nem
tivesse estado na primeira fila, ao lado dela, numa homenagem em Bruxelas às
vítimas do ataque do Hamas. Gente sabe que a antipatia é mútua, mas Charles
Michel revelou ter mais fair play. FOTOS D.R.
16 PRIMEIRO CADERNO
SO CIEDADE SAÚDE
Censo Coordenadores das unidades de saúde familiar fazem radiografia aos cuidados primários. Condições pioraram
Falta de material básico
nunca foi tão grande
Vera Lúcia Arreigoso
N
o ano em que foi no-
vamente prometido
o maior orçamen-
to para o Serviço
Nacional de Saúde
(SNS) desde a sua
existência, atingem
valores igualmente
inéditos as falhas
no fornecimento dos recursos para
o funcionamento dos serviços. Um
estudo feito nos cuidados primários
revela que “as faltas de material básico
voltaram a subir e para o valor mais
alto” dos últimos 13 anos em que a
análise tem sido feita pela Associação
Nacional de Unidades de Saúde Fami-
liar (USF-AN).
Inquiridos todos os coordenadores
das 615 unidades de saúde familiar
(USF), com uma taxa de resposta de
79% — “a maior de sempre e um nú-
mero recorde de respondentes” —,
96% revelaram ter “falta de material
considerado básico para a atividade
normal durante o ano”. Em metade
das unidades as insuficiências ocor-
reram mais de dez vezes. Da lista bá-
sica fazem parte materiais clínicos e
consumíveis para procedimentos ad-
ministrativos como otoscópios (para
examinar o ouvido), balanças, frigo-
ríficos, termómetros, soros, compres-
sas, seringas, contracetivos, vacinas,
medicamentos em geral, papel, toner
ou material de secretariado.
“A área clínica continua a ser aque-
la com piores resultados. Todos são
negativos. A maioria dos coordena-
dores encontra-se insatisfeita com os
materiais clínicos disponibilizados”,
lê-se no censo. E os autores fazem o
diagnóstico dos resultados: “Repre-
sentam uma falência na capacidade
das administrações regionais de saúde
(ARS), agrupamentos de centros de
saúde (ACES) e unidades locais de
saúde (ULS) de resolverem o proble-
ma, que se tem vindo a agravar.”
As consequências das falhas são
para os utentes. “Só em 1,1% das USF
ocorreu, para a maioria dos casos, a
reposição no mesmo dia e sem atrasos
importantes, sendo este o pior resulta-
do de sempre.” Dito de outra forma, o
fornecimento em dois dias ou mais do
material em falta passou de 36% em
2022 para 80% este ano, “o que impli-
ca que os utentes tiveram de esperar,
pelo menos, 48 horas para obterem
os cuidados de que necessitavam por
falta de material, cujo fornecimento
é da responsabilidade de estruturas
como as ARS, ULS ou ACES”.
Sem computador
ou central telefónica
E quando não faltam materiais, clíni-
cos ou não, falham os computadores
ou os telefones, comprometendo tam-
bém a resposta aos mais de 7 milhões
de portugueses inscritos num centro
de saúde com o modelo USF. “Ne-
nhuma USF teve sempre disponíveis
as aplicações informáticas” e “este
ano as falhas ocorreram ainda com
mais frequência do que no ano ante-
rior”. Quase todos (96,5%) os coor-
denadores “confirmaram o impacto
negativo na qualidade dos cuidados
prestados”.
No caso das comunicações telefóni-
cas houve melhorias, no entanto, só
para algumas unidades. A instalação
do Sistema de Atendimento Telefóni-
co Automático, que permite devolver
a chamada quando não é atendida, “é
um dos raros exemplos de problema
resolvido, mas ainda há 41,4% USF
sem acesso a este sistema”.
Ainda sobre as instalações, há ou-
tras queixas, algumas inesperadas.
Faltam edifícios adequados, com cir-
cuitos para doença aguda e consulta
programada; sistemas de climatização
ou a higiene do espaço reúnem a apro-
vação de pouco mais de metade dos
coordenadores, quando “seria expec-
tável obter valores de 100%”, sobretu-
do na limpeza e no ar condicionado.
As expectativas dos profissionais
também têm surpresas. A principal
dificuldade que sentem, e que colocam
no topo das prioridades, é a concilia-
ção entre a atividade profissional e a
vida pessoal e familiar. Seguem-se as
dificuldades assistenciais — ausência
de medidas que priorizem os cuidados
primários, elevado rácio de utentes,
constrangimentos na substituição, re-
crutamento e mobilidade de profissio-
nais ou aumento da carga laboral —,
a interoperabilidade entre os progra-
mas informáticos, a falta de incentivos
institucionais, por pagar desde 2017, e
a inexistência da carreira de secreta-
riado, limitando os profissionais.
As dificuldades elencadas traduzem-
-se em sobrecarga para as equipas.
“Em média, continua a faltar um pro-
fissional de cada grupo em relação
ao que estava acordado, com maior
expressão nos médicos” e “em 86% das
USF respondentes, nos últimos 12 me-
ses houve, pelo menos, um profissional
ausente mais de 30 dias, sendo que na
maioria (66%) a intersubstituição foi
assegurada em exclusivo pelos profis-
sionais da equipa.” Para agravar, o es-
forço raramente é pago: “Em 68% das
USF, o trabalho realizado para além
do horário oficial para dar resposta às
necessidades da população não é con-
siderado para compensação futura.”
Expresso, 13 de outubro de 2023
Inquérito foi enviado às 615 unidades
de saúde familiar no país e tem uma
taxa de resposta de 79%. Participação
é a maior desde o início do estudo, há
13 anos FOTO ANTÓNIO PEDRO FERREIRA
do SNS só agora com estatutos pu-
ROTURAS DE STOCK
blicados, logo com “capacidade de
AO LONGO DO ANO gestão e de decisão”.
Em %
Faltou mais 50,2 Ministério alvo
40 de dez vezes
de todas as críticas
Três a dez 32,9
20 A recolha de dados decorreu entre
Uma a duas 12,5 julho e setembro e o desagrado dos
0 Não faltou 4,4 coordenadores atingiu “um novo
2018/19 2020/21 2021/22 2022/23 recorde, com 81% (mais 2,5 pontos
percentuais) a considerarem-se insa-
tisfeitos ou muito insatisfeitos com a
INSATISFAÇÃO COM situação atual e 92% (mais dois pontos
A REFORMA DOS CUIDADOS percentuais) com a atuação do Minis-
DE SAÚDE / AÇÃO DA ENTIDADE tério da Saúde”. Na verdade, todas as
Em %
entidades foram mais criticadas este
ano. Depois da equipa ministerial, se-
90 91,7 guiram-se a Administração Central do
Sistema de Saúde (77%), as Finanças
80 (74%) e a DE-SNS, com 70%.
76,9 O estudo é apresentado hoje com o
70 ministro da Saúde presente. Manuel
70
69,3 Pizarro terá assim acesso direto às 12
60 61,6 medidas defendidas para a sustenta-
bilidade e desenvolvimento dos cui-
50 dados primários e aos planos estraté-
2018/19 2020/21 2021/22 2022/23 gicos para as reformas que anunciou
para generalizar as USF Modelo b,
Ministério da Saúde
Adm. Central do Sistema de Saúde
com remuneração por desempenho,
Serviços Partilhados do Min. da Saúde e as ULS, integrando cuidados primá-
Administração Regional de Saúde rios e hospitalares.
Direção-Executiva do SNS Apesar do diagnóstico grave, o pre-
FONTE: USF-AN — ASSOCIAÇÃO NACIONAL sidente da USF-AN, André Biscaia,
DE UNIDADES DE SAÚDE FAMILIAR enaltece o trabalho já feito. “Esta é
a primeira que está a tentar uma re-
Os autores do estudo culpam a ad- forma concreta. A generalização das
ministração mais central e no terreno, USF, as ‘baixas automáticas’ de três
mas reconhecem que poderão existir dias, mais ULS ou a dispensa de me-
razões para as suas “falhas graves, dicamentos hospitalares nas farmá-
com agravamentos extremos no pre- cias foram pedidos que fizemos e já
sente ano”. “Talvez seja relevante avançaram.” E garante: “A pandemia
para o panorama a ausência de uma ‘meteu-nos no osso e agora rebentou’,
liderança, com as ARS a enfrentarem mas é o resultado de 15 a 20 anos de
a possível extinção” — esta semana medidas erráticas.”
confirmada — e a Direção-Executiva varreigoso@expresso.impresa.pt
 FOTO NUNO BOTELHO

“Fundo de Investimento
Medina” vai ter força de lei
> Governo quer lei a obrigar que excedentes orçamentais sejam canalizados para
novo fundo > Fernando Medina diz em entrevista que excedente não deve servir
para as exigências do momento e garante que Saúde não tem falta de dinheiro II
PARA LER MAIS

Apoio Fim do IVA

às rendas zero traz V
subida de Cautelas no PIB e inflação
vai custar preços no VII
250 milhões supermercado XI
As promessas adiadas
na Segurança Social
de euros XII
Apoios sociais
Portugal tem beneficiam 1,5 milhões
de pessoas
a 7ª maior
A ajuda vai até 200 euros
mensais e beneficia 185 mil
descida de dívida Redução XIII
famílias. O Governo ainda não
decidiu qual será o travão ao
do mundo V
das taxas dá Professores questionam
apoio às rendas
aumento das rendas em 2024
A apoio estatal destina-se a famílias
alívio no IRS XIV
Oposição critica reserva
com contratos de arrendamento ou
subarrendamento para primeira ha- Orçamento para todos do excedente

XIV
bitação celebrados até 15 de março
de 2023 que tenham um rendimen- não chega para Governo está
to anual igual ou inferior ao limite
máximo do sexto escalão do IRS e
reformar o O Governo acena com menos
1,6 mil milhões de euros de
a ajudar os jovens?

cuja taxa de esforço para pagamen-

to do encargo com a renda seja igual
ou superior a 35%. IX
Serviço Nacional imposto, sobretudo devido ao
corte nas taxas e à atualização
de Saúde XII dos escalões de rendimento X
XVI
Opinião de Ricardo Reis
e Francisco Louçã
II
OE 2024 ENTREVISTA
Fernando Medina Ministro das Finanças
“Fui eu que
propus ao
primeiro-
-ministro
uma
redução
maior
no IRS”
Textos João Silvestre,
João Vieira Pereira
e Liliana Valente
Foto Nuno Botelho
Um dia depois da apresentação do
Orçamento do Estado (OE) para 2024,
Fernando Medina ainda recolhia as
opiniões sobre o documento. Na en-
trevista que deu ao Expresso na tarde
de quarta-feira, o ministro recusou a
ideia que este não é um OE de esquer-
da, apesar de agradar à direita. Conta
que foi o aumento dos juros decidido
pelo Banco Central Europeu (BCE)
que fez soar as campainhas de alarme
da necessidade de aliviar mais o IRS.
Garante que, apesar do aumento sur-
preendente de despesa pública, Portu-
gal está longe do risco de desequilíbrio
orçamental. Irresponsabilidade que
aponta ao PSD.
P Em que é que este é um orçamento
de esquerda?
R (Pausa)
P Esse silêncio é revelador...
R É revelador da pergunta que lhe ia
fazer, que era a contrária: em que é
que não é de esquerda? Se fossemos
para uma política mais de direita ha-
veria certamente uma desvalorização
da procura interna, do emprego e dos
rendimentos e haveria uma concen-
tração sobre a oferta. Dado o contexto
externo que enfrentamos, tomámos
uma orientação de robustecimento das
bases da procura interna, que se tra-
duz na melhoria dos rendimentos das
famílias e no que essa melhoria traz do
ponto de vista macroeconómico.
P Mas é um Orçamento que deixou a
direita sem resposta. Aquilo que apre-
sentou é muito em linha, em termos
de IRS, com o que o PSD tinha apre-
sentado.
R Este OE nada tem a ver com as pro-
postas do PSD, nem mesmo o IRS. O
PSD, neste momento, tem um pro-
blema que procura resolver, que é a
falta de afirmação da liderança, e isso
nota-se nas sondagens. E por isso, de
algum tempo a esta parte, passou a
uma nova estratégia que é a de pro-
meter tudo a todos. À segunda-feira
propõe a baixa do IRC, à terça a baixa
do IRS, à quarta propõe devolver os sa-
lários e assegurar as reivindicações dos
professores. Certamente que à quinta
irá fazer o mesmo relativamente aos
médicos. Ora, isto é uma irresponsabi-
lidade e têm dificuldade em sustentar
que defendem uma política de contas
certas, porque não a defendem. O mais
provável é que mais cedo ou mais tarde
o PSD se descredibilize ainda mais aos
olhos da opinião pública, que perce-
be que nada disto é viável ao mesmo
tempo.
P A sua proposta de IRS é semelhante
ao valor da proposta do PSD.
R Já tínhamos sinalizado a impor-
tância da redução do IRS ao longo
da legislatura. E eu sempre disse que
o valor e as modalidades concretas
dependeriam muito da avaliação da
situação económica. Não era uma dis-
tribuição linear ao longo do período.
P Mas há uma clara antecipação.
R Houve um fator determinante para
termos uma atuação fiscal de maior
dimensão que foi a decisão do BCE,
tomada em setembro, relativamente
às taxas de juro. Foi por essa altura
que eu propus ao primeiro-ministro
que avançássemos com uma redução
maior no IRS, por uma razão simples
e clara: ao ter fixado as taxas no nível
que fixou, tornou altamente provável
que estas taxas se mantenham durante
todo o ano de 2024. Isto significa que
vai acrescer um peso sobre as famílias e
sobre uma parte das empresas. Perante
este quadro, tornava-se importante
reforçarmos a procura interna para que
aguentasse melhor 2024.
P Já era esperado que o BCE voltasse a
subir juros. Christine Lagarde quando
esteve em Portugal no verão tinha-o
dito. Houve outros fatores que o leva-
ram a tomar essa decisão?
R O quadro geral do próximo ano
está cheio de incertezas e tem várias
certezas de pendor negativo. Quando
vemos o abrandamento generalizado
e até a entrada de recessão de vários
parceiros comerciais fortes do nosso
país, é uma certeza de sinal negativo.
A que acresce a guerra, as relações
comerciais entre os Estados Unidos e
a China, ou agora o conflito do Médio
Oriente. Recordo que a decisão de se-
tembro do BCE não foi consensual e
pela primeira vez assumiram-se dife-
rentes opiniões entre aqueles que sus-
tentavam que devia haver uma subida
dos juros e aqueles que sustentavam
que devia haver uma paragem. Venceu
o grupo que defendeu a subida e isso
tem um sinal político e outro económi-
co para 2024. A partir desse momento,
tornou-se para mim determinante que
tínhamos de reforçar os rendimentos.
P Qual a razão para não ter apresen-
tado uma solução para o IRS dos inde-
pendentes?
R A solução não está fechada e aquilo
que foi combinado com os parceiros so-
ciais foi fechá-la durante o ano de 2024.
P Este é um orçamento que não tem
novas respostas para os trabalhadores
pobres que não pagam IRS. Não têm
aqui mais nada, correto?
R Discordo por completo dessa análise.
P O que tem para estas famílias?
R O que resulta do acordo de rendi-
mentos que foi celebrado é um salá-
rio mínimo a crescer de forma muito
significativa, um aumento de €60 por
mês, para €820. Temos os acordos de
salários com o sector privado, o cres-
cimento dos salários na Administra-
ção Pública, o aumento das pensões,
a dimensão transversal do IRS, o IRS
Jovem, as medidas de apoio à habita-
ção e as políticas de âmbito social. E
estas têm reflexos em vários núcleos. O
abono de família, por exemplo, abrange
um milhão e cem mil de famílias, a que
acresce o Complemento Solidário para
Idosos (CSI) e o Rendimento Social de
Inserção (RSI). Estamos a falar de mais
de um milhão e quinhentas mil pessoas.
P A minha pergunta é sobre os traba-
lhadores pobres. O PS tinha intenção
há alguns anos de criar uma prestação
para os ajudar. Se não têm filhos, não
têm abono, se não forem pensionistas,
não têm aumento, etc., vão ter o quê?
R Além do aumento do salário míni-
mo?
P Não as deixa desprotegidas quando
retira o IVA zero e o cheque?
R Não. O aumento do salário mínimo
é o maior que alguma vez houve e ficou
também claro que não haveria apli-
cação de taxa de IRS sobre este novo
patamar de salário mínimo. Depois,
tomámos medidas no mínimo de exis-
tência para os escalões um pouco mais
acima. Temos aqui uma resposta sólida,
com eficácia a estes públicos.
P A substituição do IVA zero por me-
didas mais direcionadas acontece para
não gastar tanto e para que não bene-
ficiem dela os mais ricos?
R Temos tido a política de procurar res-
ponder aos problemas que se estão a co-
locar, adaptando-nos a cada realidade.
Hoje temos um quadro de uma inflação
que ainda é de registo, terminaremos o
ano com 4,6%, mas que está em queda
e que tenderá a apresentar valores na
ordem dos 2% em 2024. Significa que
temos de orientar as políticas e apoios
para as áreas onde é necessário agir.
O MAIS PROVÁVEL
É QUE MAIS CEDO
OU MAIS TARDE
O PSD SE
DESCREDIBILIZE
AINDA MAIS AOS
OLHOS DA OPINIÃO
PÚBLICA
Expresso, 13 de outubro de 2023
P E esta medida é demasiado cara
para esse objetivo?
R Temos de tornar permanente e es-
trutural aquilo que tem uma justifica-
ção para o ser, mas não o fazer com o
que não se justifica. Relativamente ao
IVA zero, não sendo hoje a questão
do preço dos alimentos a questão pre-
mente, o que faz sentido é proteger
os rendimentos dos mais vulneráveis,
tornando em definitivo o apoio corres-
pondente ao IVA zero. Se deixarmos
que se transforme em definitivo tudo
o que é temporário, então teremos
um problema de justiça, de desequilí-
brio da despesa e de finanças públicas.
É esta flexibilidade que temos de ter
para responder a problemas tempo-
rários. Devem ser ativadas quando
os problemas existem e desativadas
também sem medo.
P Não está a ceder às críticas de Mário
Centeno e do BCE de que estariam a
tomar medidas muito alargadas e não
apoios cirúrgicos?
R Não. Às vezes há uma diferença en-
tre o tempo para dar resposta a um
problema e o tempo que seria neces-
sário para construirmos instrumentos
perfeitos. Mais vale termos uma res-
posta eficaz que não é perfeita, mas
que resolve um problema de imediato,
e depois ter a coragem de não a tornar
permanente, esquecida como despesa
pública.
P Há um aumento surpreendente da
despesa pública. Conta sobretudo com
a resiliência do mercado de trabalho
para assegurar esse nível de despesa?
R As atualizações salariais e de pres-
tações remetem sempre para a in-
flação verificada no passado. E por
isso, quando estamos a sair do ciclo
inflacionista, temos os aumentos que
estão legalmente definidos, acima
Expresso, 13 de outubro de 2023
da inflação registada no ano em que
acontecem.
P Percebo esse efeito, a dúvida é se
não é arriscado investir sobretudo
no aumento da procura interna para
aguentar 2024. Não é uma receita pré-
-troika?
R É interessante perguntar por isso
depois de me ter perguntado pela
área ideológica deste Orçamento. Fico
agradado por essa área ideológica já
estar conformada com o facto de ter-
mos saldos orçamentais positivos e
de achar que devemos ser ainda mais
prudentes. Não receio isso, porque
é preciso ver que à saída de um ciclo
inflacionário há despesas que crescem
e que se tornam rígidas, mas há recei-
tas que cresceram e que também se
tornaram rígidas.
P É isso que explica que a receita de
IRS vai ser mais ou menos a mesma
apesar desta descida? Vai ter receita
para pagar este nível de despesa?
R A elevação dos níveis de salários ou
elevação dos níveis de pensões traduz-
-se, do ponto de vista fiscal, num acrés-
cimo de receita permanente e nós pre-
cisamos de manter essa dimensão do
equilíbrio não ‘rigidificando’ muito
em excesso, nem uma nem outra, para
não termos um problema orçamental
no futuro.
P Entrando em contraciclo, é um OE
mais expansionista, exatamente pelo
que referiu de reforço da procura in-
terna. Está confiante de que temos
finanças públicas preparados para
orçamentos mais expansionistas?
R Os orçamentos têm de ter uma visão
das grandes áreas de investimento, de
financiamento, obrigação do país e têm
de dar uma resposta aos tempos e àqui-
lo que vivemos. Num artigo que escrevi
no Expresso exprimi com muita clareza
a minha visão política. O país tem de se
habituar e assumir, sem rodeios, que é
natural haver saldos positivos quando
o país cresce e que isto não é uma exce-
cionalidade. Com a mesma naturalida-
de, tem de assumir que em momentos
de crescimento muitíssimo baixo e até
de recessão, vamos ter défices normais,
não défices excessivos. Mas isso é a
política orçamental a exercer na sua
plenitude uma das suas funções que é
ser um elemento de estabilização, de
carácter contracíclico.
P Na última edição, publicámos uma
sondagem que mostrava que as pes-
soas continuam, apesar de quererem
uma redução de impostos, preocupa-
das com o défice, nem que seja pela
memória da troika. A minha questão
é se está confiante que o estado atual
das finanças aguenta uma recessão?
R O nosso cenário está preparado para
um crescimento em 2024 de 1,5%, aci-
ma do crescimento médio da zona euro,
que nos assegura a continuação do pro-
cesso de convergência, mas que reflete
o abrandamento da zona euro. Estamos
a projetar também que o mercado de
trabalho se mantém forte, mas que não
terá a criação líquida de emprego que
teve em 2022 e 2023. Se não correr tão
bem como o projetado, temos margens
e instrumentos para assegurar que te-
remos saldos equilibrados.
P Se a economia crescer zero, que
défice teríamos?
R Se a economia crescesse zero, tería-
mos um valor relativamente próximo
do equilíbrio. O que posso garantir é
que se estivéssemos numa situação
crítica de aprofundamento das dificul-
dades, a nossa economia encontrará
sempre uma situação de défices que fi-
quem dentro das regras europeias e do
O ministro das Finanças
fotografado no átrio do
Ministério das Finanças, no
Terreiro do Paço
procedimento por défices excessivos.
A minha grande preocupação quando
assumi funções foi sempre de que tínha-
mos de aproveitar estes anos, em que
tivemos um crescimento nominal do
PIB muito elevado, para reduzir muito
rapidamente a dívida e o défice. Para
que num contexto de abrandamento o
nosso ponto de partida não fosse 2,9%,
mas perto do equilíbrio. Isto é uma mu-
dança de fundo. Se em 2009 me repe-
tisse exatamente a mesma pergunta,
teria de responder que as Finanças não
estavam preparadas. Neste momento,
seria preciso um choque externo de
uma dimensão muito grande para que
ficássemos perto do valor dos 3%.
P Mais despesa, mais pensões, mais
salários e menos impostos. Como é
que pode dizer que este não é um or-
çamento eleitoralista?
R Porque não é.
P Na passada segunda-feira ouviu Pe-
dro Nuno Santos ou preferiu ouvir a
entrevista do líder do PSD?
R Confesso que não ouvi nem uma
nem outra, mas depois li as notícias.
Como imagina, na véspera do OE, a
nossa atenção toda está mesmo no
orçamento que iríamos entregar no
dia seguinte.
P Como é que responde a Luís Monte-
negro, que classificou este Orçamento
como “pipi e betinho”?
R Acho que é um elogio, no sentido
em que Luís Montenegro não encon-
trou nada melhor para o criticar. Não
tem nenhuma melhor ideia para apre-
sentar. Acha que estas nossas ideias
são boas para o país e, porventura, não
sei se estará a antecipar um voto, não
direi favorável, mas uma abstenção no
Orçamento.
jsilvestre@expresso.impresa.pt
“As dificuldades do
SNS não resultam
de questões
financeiras”
Medina admite que as Finanças
duvidavam da reforma das uni-
dades de saúde familiar (USF),
mas que acabou o bloqueio por
estar “plenamente convencido”
que é o “melhor modelo”.
P Na apresentação do OE, que
durou quase duas horas e meia,
em nenhum momento falou de
melhoria dos serviços públicos.
Com o SNS a colapsar, não deu
o sinal errado?
R Demos um sinal muito posi-
tivo para o Serviço Nacional de
Saúde (SNS) de que assegura-
mos os meios de que necessita
e que foram apresentados pela
equipa da saúde, isto traduz-se
num esforço sem precedentes
dos portugueses relativamente
ao SNS. Estamos a falar de um
aumento de 10% no seu orça-
mento só no próximo ano, a que
acrescem as receitas próprias e
as verbas de financiamento ao
nível do PRR.
P Não é um aumento em rela-
ção ao que já estava previsto.
Se não tem mais dinheiro, o que
vai negociar o ministro da Saú-
de com os sindicatos?
R É um aumento muito signifi-
cativo. Volto a frisar: desde 2015
até 2024, o orçamento do Mi-
nistério da Saúde cresceu 72%.
Desde a pandemia cresce 30%.
P É um problema de gestão?
R O que posso dizer é que o
Ministério da Saúde é de longe
aquele que tem tido o cresci-
mento orçamental mais signi-
ficativo, ao qual os portugueses
atribuem uma dose de recur-
sos públicos sem precedentes,
para desempenhar melhor a
sua função.
P Portanto, os problemas são
sobretudo de gestão?
R Com o volume de transferên-
cias de disponibilidades finan-
ceiras que tem sido feito para
o SNS ninguém hoje, com um
sentido de rigor de honestidade
intelectual, poderá dizer que as
dificuldades resultam de ques-
tões de natureza orçamental e
financeira. O SNS tem tido finan-
ciamento, os portugueses têm
dado ao SNS recursos ímpares.
P Qual é o problema então?
R Há vários. As questões sobre
o SNS devem ser feitas em pri-
meiro lugar ao meu colega da
área da Saúde, mas há várias
questões que estão a ser resol-
vidas com reformas da maior
importância. Muitas vezes
pergunta-se o que de estrutu-
ral está a ser feito. Quando são
criadas as unidades locais de
saúde (ULS) é uma mudança
estrutural. Outra grande refor-
O MINISTÉRIO DA
SAÚDE É DE LONGE
O MINISTÉRIO
QUE TEM TIDO
O CRESCIMENTO
ORÇAMENTAL
MAIS
SIGNIFICATIVO
III
>>
ma que é a generalização do
modelo das USF.
P O PS é Governo há oito anos,
se não é o problema de dinheiro
e está a apontar problemas de
gestão, isto é uma crítica aos
ministro da Saúde?
R Não estou a fazer uma críti-
ca, estou a ressaltar as medidas
que foram aprovadas e que es-
tão financiadas neste OE. Estas
medidas não são problemas do
passado que se repetem, são
problemas que estão a ser resol-
vidos e que este OE vai permitir
resolver.
P Isso que diz não vai ao en-
contro das reivindicações dos
médicos?
R Um dos temas que histori-
camente é apontado ao nosso
SNS é precisamente termos um
peso muito grande do sistema
hospitalar e das urgências ao
nível dos cuidados de saúde pri-
mários. Ora, esta reforma dupla
das USF e das ULS vai resolver
esse problema. Do ponto de
vista do Ministério das Finan-
ças é um passo muito impor-
tante porque acabamos com a
limitação que colocávamos ao
desenvolvimento mais rápido
das USF, até por necessidade
de aprendizagem sobre o mo-
delo. Hoje estamos plenamente
convencidos de que é o melhor
modelo e que remunera de for-
ma significativamente superior
os profissionais de saúde. É me-
lhor para os doentes, é melhor
para o SNS e é melhor também
para os profissionais de saúde
em relação à remuneração.
P Ainda há pouco dizia que de-
víamos fazer as perguntas ao
ministro da Saúde. Remeteu a
substituição do travão às ren-
das para a ministra da Habita-
ção. Remeteu a solução para a
tributação dos independentes
para o acordo em concertação
social. O ministro das Finanças
não está a deixar de fora do OE
assuntos desagradáveis?
R Já falei muito sobre o SNS.
Quando endereço essas ques-
tões aos meus colegas, é porque
têm responsabilidades secto-
riais e de áreas nas quais as
soluções ainda não estão fecha-
das. Relativamente à habitação,
aquilo que está no Orçamento é
o que temos fechado. Ainda não
está fechada e apresentada a
solução relativa às rendas.
P Pode haver um aumento de
apoios às rendas?
R Dentro do que são as verbas
disponíveis na área da habitação
e dos programas que estão dispo-
níveis, encontraremos as verbas.
P A ideia pode passar por mais
apoios diretos aos inquilinos?
R É precisamente essa maté-
ria que eu quis remeter para a
minha colega ministra da Habi-
tação, que deve ser ela a anun-
ciar em primeira mão e não é
nenhuma má notícia.
P Depende se for senhorio ou
inquilino. Portanto não haverá
travão ao aumento da renda
de todo?
R A medida que está a ser tra-
balhada é tentar uma solução
que não faça repercutir sobre
os inquilinos a totalidade do que
é o aumento que a lei natural-
mente traria. Por isso, trata-se
de uma boa notícia, não de uma
má notícia.
IV
OE 2024 ENTREVISTA
“É um erro gastar o excedente
com a reivindicação do momento”
Texto João Silvestre,
João Vieira Pereira
e Liliana Valente
Foto Nuno Botelho
O ministro das Finanças defende o
“Fundo Medina”, um instrumento
para financiar obras no futuro com
o dinheiro do excedente orçamen-
tal. Sobre a TAP, justifica a venda da
maioria do capital, mas não explica a
mudança de posição do Governo.
P Porque não aproveitar ainda mais o
excedente deste ano e do próximo ano
para reduzir a dívida e em vez disso
constituir um fundo soberano?
R Não lhe chamaria soberano, no sen-
tido que o objetivo não é fazer investi-
mentos no exterior para obter maio-
res rentabilidades. O país ter saldos
positivos em épocas de crescimento
deve ser algo que devemos encarar
com naturalidade e deixarmos de pen-
sar que, quando temos saldo positivo,
toca a gastá-lo o mais rapidamente
possível. Onde? Normalmente, na rei-
vindicação do momento e da época.
Acho que isso seria um grande erro.
Um erro grande e grave do ponto de
vista da política económica era se nós,
num ano de um saldo orçamental po-
sitivo, transformássemos esse saldo
numa despesa permanente.
P E porquê não apostar mais na redu-
ção da dívida?
R Porque o mecanismo que estamos
a pensar vai conseguir esse efeito. Ao
fazermos essa reserva financeira den-
tro do Estado, o que estamos a fazer é
a reduzir a necessidade de emissões da
dívida pública.
P Como vai funcionar? São feitas
emissões diretamente ao fundo?
R A fórmula concreta não está total-
mente finalizada. O que é importante
é que o fundo ficará dentro do perí-
metro das administrações e, por isso, R Não sei se em lei, se por decreto,
ajuda à redução da dívida pública e às mas deve consubstanciar o que é uma
necessidades de emissões no futuro. orientação política que este Governo,
pelo menos, quer seguir no sentido de
P Será alocado todo o excedente or- sinalizar de forma muito clara aquilo
çamental? que é um resultado positivo do ponto
R Estamos a programar que sim. de vista orçamental. Depois, que será
um erro gastar esse resultado positivo
P A ideia é repetir a prática no futuro? numa despesa corrente permanente
R Havendo excedente, sim. A ideia é do Estado e que ele deve ser afeto a
corporizar do ponto de vista legislativo. despesas de investimento em particu-
lar. Temos de ter os olhos no futuro.
P Que fique em lei que todos os exce-
dentes orçamentais sejam colocados P Mas vão ficar definidas as regras de
nesse fundo? utilização dessas verbas?
R O nosso objetivo é que sim. R Sim, claro. Nós temos de ter uma
visão segura sobre as nossas gerações
P Vai procurar o apoio do PSD, dado e também sobre as futuras. Portugal
que é algo que vai passar para outro vai enfrentar a partir de 2026 um ciclo
Governo? muito desafiante no financiamento
do seu investimento. Primeiro, o que
será o sucessor do PRR? Depois, o
desafio que vai ser o alargamento da
União Europeia. É bom que tenhamos
A ECONOMIA claro que um alargamento a Leste da
PORTUGUESA
dimensão que se está a falar, e com
a intensidade e a rapidez que se está
COM E SEM TAP
a falar, coloca desafios de fundo da
maior importância ao nosso país, quer
É MUITO DIFERENTE. do ponto de vista geopolítico mas tam-
bém na profunda alteração de como os
E SEM TAP É PIOR países terão acesso a financiamento.
Ou há um crescimento proporcional
das receitas comunitárias ou o que vai
acontecer é que, pela simples entrada
A IDEIA É aritmética desses países, Portugal vai
passar a ser um país que está na banda
CORPORIZAR DO dos mais ricos e poderá tornar-se um
contribuinte líquido.
PONTO DE VISTA P Quando António Costa chegou a
LEGISLATIVO QUE primeiro-ministro, decidiu que o Es-
OS EXCEDENTES
tado deveria ficar com a maioria do
capital da TAP. O guru do PS, Luís Pai-
SEJAM CANALIZADOS
xão Martins, disse que se o PS quiser
vencer as próximas eleições tem de se
PARA O NOVO FUNDO descartar da TAP. Pôr pelo menos 51%
à venda tem a ver com isso?
R Confesso que não conhecia a frase.
Mas há de convir que uma decisão
relativa à TAP não decorre de opi-
niões dessa natureza. Conheço muito
bem o pensamento de António Costa
relativamente à TAP e coincide com
o meu — e com o de governos anterio-
res ao nosso. A TAP é um instrumen-
to absolutamente essencial para a
economia do país. Se não tivéssemos
a TAP não teríamos tido os resultados
económicos que tivemos em 2022 ou
em 2023. A economia portuguesa
com e sem TAP é muito diferente.
E sem TAP é pior. O que precisamos
é de uma solução que permita que a
TAP cresça e que leve ao desenvolvi-
mento do hub de Lisboa.
P Durante quanto tempo?
R Ter o hub em Lisboa é essencial do
ponto de vista da autonomia estraté-
PORTUGAL VAI
ENFRENTAR A PARTIR
DE 2026 UM CICLO
MUITO DESAFIANTE
NO FINANCIAMENTO
DO SEU INVESTIMENTO
SE NÃO TIVÉSSEMOS
A TAP NÃO TERÍAMOS
TIDO OS RESULTADOS
ECONÓMICOS
QUE TIVEMOS EM
2022 OU EM 2023
Expresso, 13 de outubro de 2023
Fernando Medina na
apresentação do Orçamento
do Estado para 2024 com a
secretária de Estado do
Orçamento, Sofia Batalha, e
o secretário de Estado das
Finanças, João Nuno Mendes
gica do país para termos a capacidade
de aproveitar melhor oportunidades
de investimento dentro do sector da
aviação. Portugal tem boas condições
para se localizarem cá. A definição dos
objetivos estratégicos leva-nos a uma
segunda fase, que é a de saber qual a
melhor forma de assegurarmos que
eles são cumpridos.
P E não é com a maioria do capital?
R A história de 2015 é conhecida: um
processo de privatização que nunca
deveria ter acontecido, feito por um
Governo sem legitimidade para o fa-
zer e que de forma alguma acautelava
variáveis essenciais para o desenvol-
vimento da TAP. Sobre o passado,
fico-me por aqui.
P A minha pergunta era sobre a mu-
dança de posição do seu Governo.
R Sobre o passado, fico-me por aqui.
O que posso dizer é o que estamos a
preparar na privatização, que incorpo-
ra estes objetivos e vai mais longe ao
dizer que o investidor que procuramos
não é um investidor financeiro. Não,
nós procuramos um investidor de na-
tureza industrial de escala. Depois,
as condições de alienação. Estamos
abertos a uma posição em que seja o
acionista de referência a ter a maioria
do capital da TAP. Estaremos depois
dispostos a essa negociação sobre a
percentagem.
P Mas quando se coloca à venda um
patamar mínimo de 51%, há uma alte-
ração da política do Governo, e daí eu
perguntar o porquê?
R O que respondo é que, para conse-
guirmos o que está definido nos ob-
jetivos estratégicos, a solução que o
Governo definiu é que passaria por
assumir um processo de privatização
superior a 51%, que pode ir até 95% ou
um pouco mais, se não houver subscri-
ção total de trabalhadores.
jsilvestre@expresso.impresa.pt
Expresso, 13 de outubro de 2023
OE 2024 CONTAS PÚBLICAS
Medina tem a 7ª maior
descida de dívida do mundo
Entre 2022 e 2024, o endividamento cai 25,6 pontos do PIB. Melhor na Europa só a Grécia
João Silvestre
Fernando Medina vai chegar
ao final do próximo ano como
um dos campeões da redução
da dívida pública a nível mun-
dial. Se atingir a meta de 98,9%
do PIB fixada no Orçamento do
Estado (OE), será uma descida
de 25,6 pontos percentuais em
três anos que apenas são ultra-
passados por seis países a nível
mundial, segundo cálculos do
Expresso a partir das estatís-
ticas publicadas esta semana
pelo Fundo Monetário Inter-
nacional. Uma descida que tem
sido destacada pelas agências
de rating — em particular a
Fitch — e que tem ajudado a
manter controlados os juros da
dívida a 10 anos. Neste momen-
to, Portugal paga 3,435%, 0,7
pontos acima da dívida alemã,
enquanto espanhóis e italia-
nos pagam, respetivamente,
3,812% e 4,656%.
Medina é, aliás, o primei-
ro ministro das Finanças a
apresentar um Orçamento do
Estado cuja meta de défice é,
na verdade, um excedente de
0,2%. Uma situação inédita
num país onde défice é sinóni-
mo de saldo orçamental e onde,
até agora, apenas tinha havido
excedente uma única vez em
2019, com Mário Centeno.
Inflação e PIB são segredo
para baixar a dívida
Não foi por acaso que a Fit-
ch — a agência de rating que
recentemente subiu a avalia-
ção da dívida portuguesa para
A-, — sublinhou o facto de Por-
tugal ser o país cujo rácio de
dívida no PIB mais caiu entre
2020 e 2023. Mais de 40 pon-
tos percentuais no espaço de
dois anos. Depois do pico da
pandemia, quando quase che-
gou a 135 do PIB, o objetivo
agora é baixar a fasquia dos
100% em 2024. Algo que não
acontece desde 2009, ainda
antes da chegada da troika.
Contas certas e atenção má-
xima à redução da dívida pú-
blica tem sido a marca da po-
lítica orçamental de Fernando
Medina. Que segue, diga-se de
resto, a linha de Mário Cen-
teno e de João Leão. Centeno
foi o primeiro a fechar o ano
com um excedente orçamental
(em 2019), mas entretanto a
pandemia chegou e as contas
derraparam. Leão o melhor
que conseguiu foram 2,8% de
défice em 2021, ainda duran-
te a pandemia. E Medina tem
o feito inédito, não de ter ex-
Orçamento com
cautelas na inflação
e crescimento
Medina espera que
economia avance 1,5%,
em linha com as últimas
projeções, e é dos menos
otimistas sobre a inflação
É com cautelas que o Minis-
tério das Finanças olha para
a economia portuguesa no
próximo ano. O cenário ma-
croeconómico da proposta do
Dinâmica da economia tem ajudado a reduzir a dívida mas a pressão dos juros vai aumentar
cedente (o que se prevê para
este ano), mas de desenhar um
Orçamento do Estado onde o
excedente é a meta fixada.
Num ano em que o PIB cres-
ce menos, a inflação abranda,
os juros continuam a subir e
o ambiente macroeconómico
internacional não é o melhor.
E em que o saldo orçamental
continuará positivo, espera
Medina, ainda que ligeiramen-
te inferior.
O crescimento
do PIB e a inflação
representaram 80%
da redução da dívida
entre 2022 e 2024
Mas, afinal, donde vem o
brilharete na dívida? É fazer
as contas aos vários efeitos.
Nos três anos de Medina nas
Finanças (2022, 2023 e agora
2024), o rácio da dívida pública
no PIB vai encolher 25,6 pon-
tos percentuais: de 124,5% para
98,9%. Na verdade, esta redu-
ção — uma das maiores a nível
mundial neste período e em que
vence entre países com rating
A — é um saldo entre a pressão
dos juros (+6,3 pontos nestes
três anos) e outros ajustamen-
tos na dívida (+2,6 pontos) que
agravam o rácio e os fatores
Orçamento do Estado para
2024 (OE 2024) antecipa que
o produto interno bruto (PIB)
cresça 2,2% este ano, abran-
dando para 1,5% no próximo.
São números muito alinhados
com as últimas projeções das
principais organizações nacio-
nais e internacionais, que os-
cilam entre 2,1% e 2,3% para
2023, e apontam para 1,5%
que o reduzem: crescimento
do PIB, juros e saldos orçamen-
tais primários (sem juros). E
a realidade é que o grosso da
descida (80%) veio da dinâmica
da economia e da inflação. Num
período em que os juros come-
çaram a subir mas cujo impac-
to não chegou de imediato às
contas públicas. Aliás, a taxa de
juro implícita na dívida — uma
espécie de taxa média — só este
ano começou a subir.
O rácio da dívida no PIB va-
ria todos os anos em função
das contas públicas — havendo
excedentes primários diminui,
caso contrário agrava-se — mas
também em função da dinâmica
da economia e dos juros — o cha-
mado efeito bola de neve. Quan-
do a taxa de juro implícita na
dívida é inferior ao crescimento
do PIB nominal, este efeito bola
de neve é favorável e há um con-
tributo para a redução do rácio.
É isso que acontece entre
2022 e 2024. Nestes três anos,
de acordo com as contas do
Orçamento do Estado para
2024, o crescimento do PIB
acumulou um efeito positivo
de 11,9 pontos e a inflação (me-
dida pelo deflator do produto)
atingiu 15,5 pontos. Juntos so-
maram um contributo de 27,4
pontos que representam 80%
do total num período em que
a dívida diminuiu 25,6 pontos.
O saldo primário — a outra
para 2024 — ou ligeiramente
acima. Caso se confirmem, a
economia portuguesa deverá
crescer acima da média da zona
euro em ambos os anos.
Apesar deste abrandamen-
to, o Governo antecipa que o
mercado de trabalho continue
a resistir, com a taxa de desem-
prego a subir para 6,7% este
ano, mas mantendo-se inalte-
rada nesse patamar em 2024.
Quanto à inflação, todas as
projeções esperam que conti-
nue a descer. Mas o ministro
das Finanças é dos menos oti-
mistas. Tendo em conta o Índi-
ce Harmonizado de Preços no
Consumidor (IHPC) — a refe-
rência na Europa —, antecipa
uma taxa média anual de 3,3%
em 2024. Número que com-
CONTRIBUTOS PARA
A VARIAÇÃO DA DÍVIDA
PÚBLICA
Em percentagem e em pontos
percentuais do PIB
Ajustamento défice-dívida
Efeito juros
Efeito saldo primário
Efeito PIB real
Efeito deflator do PIB
5%
DÍVIDA PÚBLICA
0 98,9%
-5
-10
-15
VARIAÇÃO DO PIB
-20
2022 2023
FONTE: ORÇAMENTO DO ESTADO
parcela positiva que resta —
juntou ainda mais 7,1 pontos.
O Orçamento do Estado esti-
ma que este excedente primá-
rio diminua ligeiramente em
2024 para 2,5% do PIB depois
de 3% este ano e 1,6% em 2021.
São níveis de saldos primários
elevados tendo em conta os
níveis históricos.
A má notícia é que, embora
se preveja o regresso a uma
dívida pública de dois dígitos
para com os 2,8% do Conselho
das Finanças Públicas (CFP)
e os 3% do Fundo Monetário
Internacional. Só o Banco de
Portugal está mais pessimista
(3,6%). Já considerando o Ín-
dice de Preços no Consumidor
(IPC) — a referência em Por-
tugal —, o Governo espera um
recuo para 2,9% em 2024.
Nas finanças públicas man-
tém-se o lema das contas certas
que tem marcado a legislatu-
ra. Fernando Medina antecipa
mesmo excedentes orçamen-
tais tanto para este ano (0,8%
do PIB), como para 2024 (0,2%
do PIB), ainda que a economia
vá abrandar e o Governo te-
nha avançado com um alívio
fiscal no IRS. Apesar de tudo, a
carga fiscal deva aumentar em
V
QUEM GANHA
E QUEM PERDE?
Funcionários públicos
Recebem aumentos salariais
mínimos de 3% ou de €52,
a que o Governo diz que
se juntam promoções
e progressões que permitem
subidas adicionais de 2,4% na
remuneração.
Pensionistas
Uma subida média de 6,2%
chegará aos cerca de 2,7
milhões de pensionistas.
Trabalhadores do privado
O Orçamento do Estado não
define valores, mas o Acordo
de Rendimentos assinado
dias antes fixa um referencial
de aumentos de 5%. Quem
recebe o salário mínimo
verificará uma subida de
€7,9%, para os €820. Há
aumento da dedução do
valor de quotas sindicais.
Recibos verdes
Fica para outras núpcias —
FOTO WITTHAYA PRASONGSIN/GETTY IMAGES
ainda este ano ou no próximo
— a revisão da tributação em
sede de IRS dos trabalhadores
independentes.
Contribuintes
A descida do IRS é transversal
— e chegará já em 2024, com
a atualização das taxas de
retenção. Há atualizações dos
escalões a 3% e reduções de
taxas até ao quinto escalão.
O ministro das Finanças
defende que são as classes
médias as mais beneficiadas.
Rede de creches gratuitas
é alargada.
MAIORES REDUÇÕES
DE DÍVIDA Jovens
2022-2024 O IRS Jovem é reforçado,
Em pontos percentuais do PIB
a devolução de propinas
entra em vigor e há passes
2024 1 Grécia 40,5
0,5%
de transportes públicos
2 Cabo Verde 37,9 gratuitos.
2,3%
3 Porto Rico 31,8
-2,5%
-1,5%
4 Chipre 30,2 Mais vulneráveis
5 Barbados 27,6 Acaba o IVA zero, mas
-2,8%
6 Omã 27,3 a verba utilizada é realocada
120% 7 Portugal 26,5 para apoios a cidadãos
8 Jamaica 25,8 mais vulneráveis por via
9 Suriname 25,7 do reforço de prestações
10 Belize 22,9 sociais. O abono também
11 Etiópia 22,6
-2,8 P.P. sobe.
12 São Tomé e Principe 22,2
13 Aruba 21,6 Residentes não habituais
14 Islândia 20,8 Termina no próximo ano
15 St. Kitts and Nevis 20,3 o regime de atração
16 Catar 20,1 a residentes não habituais,
17 Antígua e Barbuda 19,1
0 mantendo-se apenas para
18 Chade 18,7 os que já dele beneficiam.
2024
FONTES: FMI; EXPRESSO Fumadores
Será agravada a tributação
no próximo ano, muitos destes do tabaco, não só
efeitos favoráveis tenderão a o convencional como outros,
ser menores. O PIB nominal incluindo os eletrónicos
contribuirá para reduzir a dí- sem nicotina.
vida em apenas 4,3 pontos e o
peso dos juros irá agravar-se Condutores
para 2,3 pontos (ver gráfico). É agravado o IUC para os
E a inflação e o PIB, dois dos carros até 2007, sendo criado
segredos para levar a dívida um regime de incentivo
abaixo dos 100%, não conti- ao abate para estes veículos.
nuaram a dar a ajuda que até Também o ISV aumentará.
agora deram. Diogo Cavaleiro
jsilvestre@expresso.impresa.pt dcavaleiro@expresso.impresa.pt
OS NÚMEROS DA
ECONOMIA PORTUGUESA
2024, indicam as projeções do
Executivo. A confirmar-se, será
um feito que, até agora, apenas
SEGUNDO O OE 2024
Valores em percentagem
2023 2024
Mário Centeno logrou alcançar
em 2019.
Mais ainda, segundo as con-
Crescimento do PIB
Inflação (IPC)
Taxa de desemprego
2,2
6,7
1,5
4,6 2,9
6,7
tas do orçamento, o rácio da
dívida pública irá recuar para
98,9% do PIB em 2024, ficando
Saldo orçamental 0,8 0,2 abaixo dos 100% pela primeira
Rácio da dívida pública 103 98,9 vez desde 2009. Estará Medina
Carga fiscal e contrib. 35,3 35,5 a ser demasiado otimista nas
Carga fiscal e contributiva considerando a
metas das contas públicas? Ví-
receita fiscal e as contribuições sociais efetivas tor Gaspar, ex-ministro das Fi-
nanças de Passos Coelho e que
FONTE: PROPOSTA DO ORÇAMENTO DO ESTADO
PARA 2024 agora lidera o departamento de
políticas orçamentais do FMI,
acredita que sim. O FMI prevê
um défice de 0,1% e uma dívida
de 104% do PIB em 2024.
Sónia M. Lourenço
slourenco@expresso.impresa.pt
VI Expresso, 13 de outubro de 2023

OE 2024 RECEITAS E DESPESAS

1, 2 e 3 são os grandes números deste OE

Textos Joana Nunes Mateus
Nunca foi tão fácil decorar os grandes números do Orçamento do
Estado (OE). Para o próximo ano, o Ministério das Finanças pro-
põe tanto receitas como despesas públicas na casa dos €123 mil
milhões (ver infografia nesta página). Em receitas de impostos,
contribuições sociais, vendas, fundos europeus e outras receitas
correntes e de capital, a contabilidade nacional deverá chegar aos
€123.682 milhões (o equivalente a 44,7% do PIB). Em despesas
com pensões e demais prestações sociais em dinheiro ou em
espécie, salários da função pública e demais gastos com pessoal,
consumos intermédios como bens e serviços para os organismos
funcionarem, investimentos públicos, juros, subsídios e outras
despesas correntes e de capital, a contabilidade nacional deverá
ficar ligeiramente abaixo, nos €123.019 milhões (44,5% do PIB). O
saldo entre as receitas e as despesas públicas é, portanto, positivo.
Desta vez, o Ministério das Finanças não espera um défice orça-
mental, mas um excedente de €663,5 milhões (0,2% do PIB). Com
a inflação a ajudar ao reequilíbrio das contas públicas, 2024 será
o segundo ano consecutivo de excedente orçamental. Convém
recordar que, há um ano, na proposta de OE para o ano 2023, o
Ministério das Finanças contava chegar ao final deste ano com um
défice orçamental de €2207 milhões (-0,9% do PIB). Afinal, con-
seguiu mais receitas do que despesas. Anuncia, agora, que conta
fechar 2023 com um saldo positivo na ordem dos €2.191 milhões
de euros (0,8% do PIB), por sinal, o “maior excedente orçamental
da história da democracia portuguesa”. De 2023 para 2024, conta
reduzir esse excedente orçamental em cerca de €1527 milhões. É
o resultado de um aumento da despesa pública (+9%) superior ao
da receita (+7,5%). A estratégia passa por amealhar mais impostos
indiretos e muitos fundos europeus para segurar um excedente
orçamental enquanto alivia o IRS das famílias, paga mais pensões
e prestações sociais, aumenta a função pública e executa o PRR.
Quando havia défices orçamentais, o Estado tinha de se endividar,
recorrendo aos mercado de dívida internacional e aos portugue-
ses que investem em certificados de aforro. Neste novo regime de
excedentes orçamentais, o Ministro das Finanças propõe alocar
o dinheiro que sobrar no final de cada ano a um novo Fundo para
Investimento Estruturante, designadamente para investir mais
nas áreas da transição climática, saúde ou transportes.
economia@expresso.impresa.pt

IMPOSTOS GASTOS

ões
IRS desce, mas 2/3 da despesa

IS
CIA
o PIB milh
carga fiscal para salários e

€4 AÇÕES SO
€4
IMP

aumenta mais pensões

1.3
OS

(18,1 9.929
)
TO
4

ST
S
7 m(15% do

%d
IND

PRE
ilhõ PIB)
IRE

O Governo acena às famílias As despesas com pensões e

hõ AL
CO

B) il SSO
com uma “significativa redução demais prestações sociais em

es
TO

€3 NTRI

PE
es

do IRS” em 2024, mas convém dinheiro ou em espécie deverão

S

3. BUI

M
ter atenção aos gastos — do car- subir 6,6%, gastando-se mais
98 ÇÕ

9 SA CO
PI m
ro ao tabaco —, porque os im-
7 m ES S €3110 milhões face a 2023. Esta

do 11
E
postos indiretos vão aumentar. é a rubrica da despesa pública

SP
(12 i O

,6 .3
,3% lh
CI
DE
Pelas contas do Expresso, a car- AI que mais sobe. Em particular
do õe
€2
%
ga fiscal deverá subir de 35,3% S nas pensões, o relatório do OE
PI s
(10
do PIB em 2023 para 35,5% do B) 2024 destaca haver “espaço or-
PIB em 2024 exclusivamente DIO çamental para implementar a
MÉ
es
devido aos impostos indiretos. ER atualização prevista na lei, com
lhõ
NT
Só as receitas com impostos IM OI i um impacto de €2223 milhões
€27 POSTOS D 5m
sobre a produção e a impor- UM em termos líquidos”.
NS
.998 IR CO
.52 IB)
€1,56% do P
tação subirão de 14,4% para Já as despesas com os salários
mi ETOS
(10,1 lhõe
15% do PIB. O OE 2024 espera da Função Pública e demais
arrecadar mais €3300 milhões % s do P (5 encargos com pessoal subirão
nestes impostos indiretos, mais IB) 5,5%. “Nos salários da Admi-
8,7% face a 2023. Em particu- nistração Pública decide-se
lar o Estado prevê arrecadar uma atualização com impacto
INVESTIMENTO PÚBLICO
mais 37,3% no imposto sobre o líquido orçado em €1538 mi-
álcool e as bebidas alcoólicas, VENDAS €9197 milhões lhões”, lê-se no relatório. Esta
mais 20,1% no imposto único (3,3% do PIB) é a terceira rubrica da despesa
de circulação, mais 14,7% no €8209 milhões que mais sobe, depois das pres-
imposto sobre o tabaco, mais (3% do PIB) tações sociais e do investimen-
13,4% no imposto sobre os pro- JURO to público.
S
dutos petrolíferos e energéti- S €62 Tudo somado, os gastos com
cos, mais 7,9% no IVA ou mais PEU S (2,3% 70 m salários, pensões e demais
RO
EU CEIT
A
do P ilhõ
5% no imposto sobre veículos. S
O S RE
es IB) es prestações sociais vão ultrapas-
lhõ IB)
Por contraste, as receitas com ND sar os €79 mil milhões, valen-
FU UTRA
mi4% do P
SU
impostos sobre o rendimento do cerca de dois terços de toda
EO
2 €2 BS
ou património deverão descer 14 (4,
. 05
Í DI a despesa pública. Os gastos
€12
(0 OS
de 10,5% para 10,1% do PIB em ,7% com prestações sociais subirão
9
2024. A carga fiscal também do m de 17,7% para 18,1% do PIB em
inclui parte das contribuições PI
B) ilh 2024 e as despesas com pessoal
õe
OU

sociais, que se manterão nos de 10,5% para 10,6% do PIB no

RECEITA DESPESA s
€1,09% do P
TR
(3

10,4% do PIB. próximo ano.

AS

€123.682 €123.019
.72 IB)
DE
SPE
7m

INVESTIMENTO PÚBLICO DÍVIDA

milhões milhões
SA

Atenção aos Juros voltam

ilh
S

(44,7% do PIB) (44,5% do PIB)

õe

aumentos a subir, mas

s

EXCEDENTE ORÇAMENTAL
anunciados €663,5 milhões
podia ser pior
(0,2% do PIB)

O OE 2024 prevê um disparo A despesa com juros vinha des-

do investimento nos serviços cendo desde o tempo da troika,
públicos na ordem dos 24,2% elevado desde XXXX — um aumento FUNDOS EUROPEUS mas agravou-se em 2023 e vol-
no próximo ano, de €7404 mi- significativo face aos 2,3% registados QUANTO LUCRAMOS COM A UE? tará a subir mais 10,6% (mais

lhões (2,8% do PIB) em 2023
para €9197 milhões (3,3% do
PIB) em 2024. Contudo, este
disparo deve-se ao facto de as
Administrações Públicas terem
voltado a falhar a meta do in-
vestimento para 2023. Caso
ministros, autarcas e demais di-
rigentes públicos tivessem con-
seguido executar todo o inves-
timento público inicialmente
proposto para 2023, o aumento
proposto para 2024 não chega-
ria aos 7%. De facto, há um ano,
a proposta do OE 2023 prome-
tia um investimento público de
€8618 milhões (3,5% do PIB)
para o corrente ano, impulsio-
nado pelos fundos europeus
do Portugal 2020, do Portugal
2030 e do Plano de Recupera-
ção e Resiliência (PRR). Sucede
que só 86% desse investimen-
to deverão sair do papel e ser
concretizados no terreno até
31 de dezembro de 2023. Face
ao montante inicialmente pro-
posto, ficarão €1214 milhões
por investir em obras ou novos
equipamentos.
GRALHAS
ORÇAMENTO DO ESTADO
TAMBÉM PROPÕE “XX” E “YY”
Há sempre gralhas nos relatórios
que explicam a proposta de lei do
OE entregue pelo Ministério das
Finanças à Assembleia da República.
Mas desta vez calhou logo numa
das grandes bandeiras do Governo
para 2024: o reforço do investimento
público. Na página 50 do relatório
do OE 2024 lê-se que: “Em 2024,
estima-se que o investimento
público aumente XX% face a 2023,
totalizando 8,3 mil milhões de euros,
cerca de 3,2% do PIB, o seu nível mais
em 2015 e essencial para garantir
o aumento do stock de capital
público.” Note-se que o problema
deste primeiro parágrafo não é só
os dados em falta assinalados a “X”:
o próprio número do investimento
público não bate certo com a tabela
constante do mesmo documento
do Ministério das Finanças. Aos
“XX” juntam-se os “YY” poucos
parágrafos mais à frente. Na página
51 do relatório do OE 2024 lê-se que:
“Serão ainda investidos XX milhões
de euros no parque público a custos
acessíveis, XX milhões de euros na
educação e YY milhões de euros na
coesão territorial.” Uma centena
de páginas mais à frente continua a
ler-se que “o investimento público
ascenderá a X% do PIB em 2024,
representando um aumento de X%
face à estimativa para 2023. Para
o crescimento da despesa com
investimento público concorrem
em grande medida os projetos
de investimentos estruturantes,
fortemente influenciados pelos
projetos promovidos pelo Plano de
Recuperação e Resiliência, conforme
identificado no quadro x.x”.
5820
de €600 milhões) em 2024.
No relatório do OE, o Minis-
tério das Finanças explica que
o agravamento podia ser pior,
não fosse a dívida pública ter
entretanto descido de 112,4%
milhões de euros será o saldo do PIB em 2022 para 103%
positivo entre as transferências que em 2023 e 98,9% em 2024: “A
o país receberá e pagará à União redução da dívida pública já
Europeia em 2024. No próximo ano, retirou Portugal do pódio dos
Portugal deverá transferir para o mais endividados da Europa e
orçamento comunitário cerca de está a poupar centenas de eu-
€2284 milhões. Em troca, receberá ros por ano em impostos às fa-
€8104 milhões de múltiplos fundos mílias e às empresas.” Uma das
europeus. Só do Mecanismo de consequências “é a diminuição
Recuperação e Resiliência — da dos juros suportados pelo Es-
famosa ‘bazuca’ europeia — tado, libertando espaço para
virão mais €2975 milhões para outras medidas de política”.
continuar a financiar as reformas e Segundo o Ministério das Fi-
investimentos públicos e privados nanças, “caso a dívida pública
do Plano de Recuperação e se mantivesse em 2023 e 2024
Resiliência (PRR). Destaque também nos 112,4% do PIB verificados
para os €2498 milhões a receber do no final de 2022 — e manten-
novo quadro comunitário Portugal do-se constantes as restantes
2030, sobretudo apoios do Fundo hipóteses — só nestes dois anos
Social Europeu e do Fundo Europeu a despesa com juros seria de
de Desenvolvimento Regional. quase €1900 milhões superior:
Do velho quadro comunitário em 2023, mais €650 milhões e,
Portugal 2020 o país ainda em 2024, mais €1250 milhões
receberá €1240 milhões em juros”.
Expresso, 13 de outubro de 2023
OE 2024 SEGURANÇA SO CIAL E PENSÕES
António Costa a prometer reformas
a tempo parcial desde 2015
OE passa ao lado de promessas com anos. Reforma parcial antes dos 66 é um dos exemplos
Textos Elisabete Miranda
Três dias antes da entrega da
proposta de Orçamento do
Estado para 2024 Governo e
parceiros sociais renovaram o
acordo de rendimentos, uma
espécie de ‘pacto’ assinado há
um ano com compromissos
para a melhoria dos salários e
da competitividade. Boa parte
do documento antecipou o que
estaria vertido no Orçamen-
to do Estado (OE), mas outra
parte repete várias promessas
assumidas há anos, mas que
não saem do papel. É o caso da
possibilidade de os trabalha-
dores fazerem uma transição
suave para a reforma, através
de uma reforma a tempo par-
cial. É também o caso da cria-
ção de verdadeiros incentivos à
poupança para a reforma. Ou a
eliminação das duplicações de
declarações entre a Segurança
Social e o Fisco, um tema que
voltará a passar por mais um
“grupo de trabalho”. Para já,
na Segurança Social, as novida-
des ficam-se pelo aumento das
pensões, acima dos 6%, e por
uma subida muito significativa
dos apoios sociais (ver pág. XII).
Quanto ao resto, será preciso
continuar a esperar para ver se
e quando ganham forma.
Permitir a quem anda pelos
60 anos reformar-se a tempo
parcial, continuando a meio-
-tempo na empresa, é uma ideia
que germina há anos. Permite-
-lhes manterem-se profissio-
nalmente ativos com menos
pressão; permite às empresas
renovarem os seus quadros; e
alivia a Segurança Social, que
indiretamente já paga isto tudo,
pois empresas e trabalhadores
acabam por celebrar acordos de
rescisão que dão acesso ao sub-
sídio de desemprego e daí para
a reforma antecipada. António
Costa parece ser adepto da me-
dida. Começou a prometê-la
em 2015, no programa eleito-
ral, continuou a inscrevê-la nos
programas de Governo daí em
diante e repetiu-a há uma se-
mana. Contudo, a medida não
consta na proposta de OE.
Desfecho semelhante tem a
criação de um quadro robusto e
coerente de apoios à poupança
para a reforma. Em Portugal
existem incentivos fiscais aos
fundos de pensões, a planos
Um olhar no
sentido certo
Knowledge Partner
do Expresso para o OE2024
Saiba mais em www.deloitte.com/pt/oe2024
©2023. Para informações, contacte Deloitte Tax - Economistas Especialistas Em Fiscalidade, SP, S.A.
OE também prima pelas ausências, promessas que Costa faz há anos, que recuperou dias antes, ficaram de fora FOTO NUNO FOX
poupança reforma (PPR) e até feitos: o objetivo é a “identifi-
há o chamado PPR do Estado, cação de todas as obrigações
mas os apoios, além de não
estarem harmonizados entre
Segurança Social e impostos,
são também diferentes entre
produtos. António Costa in-
troduziu o tema em 2019, no
programa de Governo, o acor-
do de rendimentos da passada
semana volta a assumir o com-
promisso, mas, não constando
da proposta de OE, parece não
ser para já.
Esperar para ver é também o
recado que se tira nas áreas da
simplificação administrativa.
Com os contribuintes a quei-
xarem-se há anos do excesso
de burocracia e a necessidade
de fundir procedimentos en-
tre Segurança Social e Fisco, o
acordo de rendimentos anun-
cia a “criação de um grupo de
trabalho”. Esta quarta-feira, a
ministra do Trabalho, Solidarie-
dade e Segurança Social garan-
tiu que este grupo de trabalho
irá para lá dos diagnósticos já
declarativas que as empresas e
trabalhadores têm para elimi-
nar redundâncias entre vários
organismos, nomeadamente
Autoridade Tributária, Segu-
rança Social e Registos e No-
tariado”. Quando questionada
sobre quando é que os trabalha-
dores independentes deixarão
de ter de entregar a declaração
trimestral, e quando é que as
empresas deixam de ter de en-
viar a declaração mensal de re-
munerações, já prometidos há
um ano, Ana Mendes Godinho
remeteu para o programa Clic,
sem concretizar datas.
Pensões sobem 6,2%
Certo, certo, é que em janeiro
as pensões irão ter uma atuali-
zação em linha com a lei. Ainda
é cedo para fazer contas defini-
tivas (só em novembro haverá
dados completos) mas, segundo
as estimativas do Governo, o in-
dexante de apoios sociais subirá Financeira chega para
em torno de 6,2% (dos atuais cobrir futuros défices
NÚMEROS
6,2%
é a subida (indicativa) da
esmagadora maioria das
pensões (até €1200 brutos por
mês) em janeiro. Medida custa
mais €2,2 mil milhões ao ano
€1275
é o valor máximo do subsídio
de desemprego no próximo
ano. A subida resulta do
aumento de 6,2% do indexante
de apoios sociais. O mínimo
sobe para €586
Segurança Social
garante “contas certas”
também em 2024.
Fundo de Estabilização
€480 para €510). Com ele su-
birão, por exemplo, os valores
mínimos (para €586) e máximo
(para €1275) do subsídio de de-
semprego, o abono de família
mas também as pensões. Nesta
linha, quem tiver pensões até
€1020 brutos passará a receber
mais 6,2% e quem recebe até €3
mil terá um aumento de 5,8%.
Na conferência de imprensa
onde apresentou o orçamen-
to sob a sua responsabilidade,
Ana Mendes Godinho falou em
“aumentos históricos e sem
cortes, como sempre dissemos
que faríamos” e que traduzem
os resultados de uma política
cautelosa do Governo.
As medidas representam, no
seu conjunto, um aumento da
despesa permanente em €2,3
mil milhões anuais. Apesar
disso, o fantasma de falência
do sistema, há um ano receado
pelo Governo, está afastado.
emiranda@expresso.impresa.pt
VII
Almofada
das
pensões
aguenta
até 2070
Segurança Social continua
com excedente em 2024.
Na próxima década entra
em défice, mas almofada
das pensões cobre-o
O Governo estima que o aumen-
to das pensões e do indexante de
apoios sociais (IAS) em torno
dos 6,2% custe mais €2,3 mil mi-
lhões aos cofres da Segurança
Social. A despesa é estrutural,
repete-se todos os anos no futu-
ro, mas estará longe de relançar
o fantasma da “falência” finan-
ceira do sistema, que há um ano
o Governo parecia recear.
No próximo ano o crescimen-
to económico abranda para
1,5%, a taxa de emprego estabi-
liza (deverá crescer 0,4%) mas,
fruto de um novo aumento do
salário mínimo para €820 e
da subida dos salários médios,
o Governo antecipa um novo
crescimento dos descontos para
a Segurança Social. Ao todo,
as contribuições e quotiza-
ções, que têm batido sucessivos
recordes, surpreendendo as
melhores expectativas do Go-
verno, deverão crescer mais
5,3% (para €26,3 mil milhões).
Por isso, mesmo com as despe-
sas a subir, a Segurança Social
deverá fechar com um exceden-
te de €3,9 mil milhões (este ano
deverá ser de €4,9 mil milhões).
A longo prazo, as previsões
são mais incertas, os números
mais voláteis, mas as simula-
ções feitas para diversos cená-
rios afastam os fantasmas da
falência do sistema de pensões.
As projeções económicas que
acompanham a proposta de OE
para 2024 continuam a concluir
que na década de 2030 será ne-
cessário lançar mão da chama-
da almofada das pensões, para
conseguir cobrir as despesas,
mas esta almofada estará bem
apetrechada, e não se esvaziará
até 2070 (pelo menos).
VIII
OE 2024 FUNÇÃO PÚBLICA
Só salários
mais baixos
não perdem
poder
de compra
Vencimentos mais baixos vão sair do
surto inflacionista com ganhos reais.
Mas maioria dos trabalhadores sofre
perdas que podem ir até 7,8%
Cátia Mateus
e Sónia M. Lourenço
O surto inflacionista dos últi-
mos dois anos vai deixar marcas
sobre os salários de muitos tra-
balhadores da Administração
Pública que vão chegar a 2024
com perdas reais face a 2021,
antes da escalada dos preços.
Só as remunerações mais baixas
da Função Pública escapam à
perda de poder de compra. Para
os restantes, há quebras que po-
dem chegar aos 7,8%.
Os sindicatos mantiveram a
expectativa até à última reu-
nião, realizada esta semana já
depois da entrega da propos-
ta do Orçamento do Estado
para 2024 (OE 2024), mas não
houve novidades. No próximo
ano, os funcionários públicos
terão uma atualização salarial
entre 3% e 6,8%, que será tanto
maior quanto mais baixo o sa-
lário. Com uma garantia: todos
terão um aumento, no mínimo,
de €52,63 (em termos brutos),
elevando a base remuneratória
na Administração Pública para
€821,83. Um valor ligeiramente
acima do salário mínimo nacio-
nal que em 2024 subirá para os
€820 mensais.
O acordo plurianual assinado
em outubro do ano passado en-
tre o Governo e os sindicatos da
Administração Pública filiados
na UGT (Fesap e STE) previa já
Acordo eleva a fasquia nos salários do privado
A tempo do OE 2024,
o Governo fechou com
os parceiros sociais o
reforço do acordo de
rendimentos, nos salários
dos trabalhadores e nos
benefícios às empresas.
Confederação da Indústria
e CGTP ficaram de fora
^ Aumento do salário mínimo
nacional em €60 euros, para
€820 euros em 2024.
Incremento que será
acompanhado pela
atualização do mínimo de
existência para €11.480, de
modo a que quem ganha o
salário mínimo continuará
isento de tributação.
^ Incremento do referencial
de valorização nominal das
remunerações dos
uma atualização salarial mínima
na casa dos €52 mensais, e de
2% nos salários mais elevados.
Os sindicatos insistiam que o
Governo fosse mais além em
2024, mas o Executivo recusou
melhorar a proposta nos salários
mais baixos. Só os rendimentos
acima de €1754,41 vão ter um
incremento acima do previsto,
subindo 3% em vez de 2%.
Tendo em conta esta atualiza-
ção para o próximo ano, soma-
da à que se registou em 2022 e
em 2023 e à reestruturação de
várias carreiras, e com base nos
dados da Direção-geral da Ad-
ministração e do Emprego Pú-
blico para a remuneração-base
bruta mensal dos trabalhadores
da Administração Pública, o Ex-
presso fez as contas à variação
real dos salários entre 2021 e
2024. Conclusões? Há grandes
disparidades entre as várias
carreiras e posições remunera-
tórias dos funcionários públicos,
desde perdas que podem chegar
a 7,8% nos salários mais eleva-
dos — em regra, associados aos
profissionais mais qualificados e
mais próximos do topo das res-
petivas carreiras —, até ganhos
nas remunerações mais baixas,
que podem atingir os 13%.
Comecemos por quem ganha.
Os cálculos do Expresso mos-
tram que só os salários mais bai-
xos da Administração Pública
terão ganhos reais. Em causa
estão carreiras como a de as-
trabalhadores do privado
para 5% em 2024, em vez
dos 4,8% previstos no
acordo de rendimentos
subscrito em outubro do
ano passado.
^ Aumento das pensões em
2024 por aplicação da
fórmula de atualização das
pensões. O que se deverá
traduzir num incremento
em torno dos 6,2%.
^ O reforço do acordo prevê a
redução faseada da
tributação, em sede IRS, dos
rendimentos dos
trabalhadores.
Compromisso que o
Governo traduziu no OE
2024 através da redução
— entre 1,25 e 3,5 pontos
percentuais — das taxas
Funcionários públicos no topo da carreira estão
entre os que mais perdem nos salários FOTO NUNO FOX
sistente operacional (auxiliares
de ação educativa e de ação mé-
dica, motoristas, cozinheiros,
entre outros) ou de assistente
técnico (administrativos com
formação ao nível do 12º ano),
nas primeiras posições remu-
neratórias. Também os profis-
sionais da GNR e da PSP, nas
posições de entrada na carreira
(guardas e agentes), registam
uma valorização salarial em ter-
mos reais entre 2021 e 2024.
A explicação prende-se com
vários fatores. Por um lado, os
trabalhadores que se encon-
tram na base remuneratória da
Administração Pública (como
os assistentes operacionais nas
primeiras posições) têm bene-
ficiado da subida desta base,
impulsionada pelo aumento do
salário mínimo nacional. Por
outro, a atualização salarial na
Função Pública este ano, e a já
anunciada para 2024, é variá-
vel, sendo tanto mais expressi-
va quanto mais baixo o salário.
Acresce ainda a recomposição
da tabela remuneratória de vá-
rias carreiras nos últimos dois
anos, com destaque, precisa-
mente, para assistentes opera-
cionais e assistentes técnicos.
Note-se que estes cálculos do
Expresso incidem sobre a re-
muneração-base bruta mensal.
Em termos líquidos, ou seja,
levando em conta os descontos
para o IRS e as contribuições
sociais, os resultados podem ser
normais do IRS até ao quinto
escalão de rendimento
coletável (€27.146 anuais,
€1.938 brutos mensais).
Além disso, os nove escalões
do IRS serão também
atualizados em 3% no
próximo ano.
^ Será alargado o benefício
anual do IRS Jovem para
100% no primeiro ano, 75%
no segundo ano, 50% nos
terceiro e quarto anos e 25%
no quinto ano. Governo e os
parceiros sociais que
subscreveram o reforço do
acordo negociaram também
o aumento dos limites
máximos do benefício em
cada ano. O OE 2024
concretizou quanto: em
2024, no primeiro ano, a
isenção máxima será de
Expresso, 13 de outubro de 2023
diferentes. Esta é uma questão
importante, por exemplo, para
quem está na base remunera-
tória da Administração Públi-
ca. Em 2024, passará a ganhar
€821,83 mensais. Mas, como
este valor fica ligeiramente aci-
ma do salário mínimo nacional
(€820), os trabalhadores ficarão
sujeitos a IRS e respetivas re-
tenções na fonte, emagrecendo
o que levam para casa ao fim
do mês em termos líquidos. Os
sindicatos reivindicavam uma
isenção de IRS para esses tra-
balhadores, mas a secretária de
Estado da Administração Públi-
ca, Inês Ramires, afastou essa
possibilidade.
Há quem perca
quase €500 por mês
Em sentido oposto, todos os
restantes trabalhadores da Ad-
ministração Pública têm per-
das salariais em termos reais
no acumulado destes três anos.
A dimensão da quebra no po-
der de compra é variável, mais
uma vez porque as atualizações
salariais foram diferenciadas
consoante o patamar salarial
e há carreiras onde a tabela
remuneratória foi revista (por
exemplo, técnicos superiores).
Mas as perdas podem chegar
aos 7,8% para trabalhadores
qualificados no topo (ou perto
disso) das respetivas carreiras.
É o caso de enfermeiros, docen-
SALÁRIOS DA FUNÇÃO PÚBLICA PERDEM tes universitários, professores
ATÉ 7,8% NO PODER DE COMPRA FACE A 2021,
do Ensino Básico e Secundário,
MAS HÁ QUEM GANHE e oficiais da GNR e da PSP. Mais
Valores mensais em euros e percentagem
ainda, no caso dos médicos, o
POS. SALÁRIO SALÁRIO VAR. REAL FACE A 2021 recuo de 7,8% no poder de com-
2024 EM 2024 EM 2024 Euros %
pra começa logo no início da
1ª Assist. operacional (antiga 4ª pos.) 821,8 50,0 6,5 carreira.
1ª* Assist. operacional (antiga 5ª pos.) 821,8 5,8 0,7 Em termos absolutos, são, na-
4ª* Assist. operacional (antiga 8ª pos.) 961,4 -13,6 -1,4 turalmente, os salários mais ele-
1ª Assistente técnico 922,5 106,4 13,0 vados que contabilizam quebras
9ª Assistente técnico 1333,4 -5,3 -0,4 mais substanciais em termos
2ª Técnico superior 1386,0 -12,7 -0,9 reais. No caso dos professores
14ª Técnico superior 3667,9 -248,2 -6,3 catedráticos em topo de car-
1ª Enfermeiro 1333,4 -65,3 -4,7 reira, a perda atinge os €487,4
11ª Enfermeiro 3115,0 -261,7 -7,8 mensais. Logo a seguir surgem
1ª GNR — guarda 961,4 30,7 3,3 os médicos, também no topo da
8ª GNR — guarda 1333,4 -5,3 -0,4 carreira, com uma diminuição
4ª GNR — sargento 1649,2 -109,1 -6,2 de €456,8 por mês.
2ª GNR — oficial 4497,4 -377,9 -7,8 Apesar de muitos trabalhado-
1ª PSP — agente 961,4 30,7 3,3 res saírem do surto inflacionista
7ª PSP — agente 1333,4 -5,3 -0,4 com perdas reais nos seus salá-
1ª PSP — oficial 1649,2 -109,1 -6,2 rios, o Governo aponta o esforço
2ª PSP — oficial 3999,7 -336,0 -7,8 orçamental que tem sido feito
1ª Médico 2949,1 -247,8 -7,8 com a revisão de salários na Ad-
3ª Médico 5437,4 -456,8 -7,8 ministração Pública. Para 2024
1ª Docente universitário 2466,8 -200,8 -7,5 a proposta do OE estima um
4ª Docente universitário 5800,5 -487,4 -7,8 impacto orçamental de €1538
Educador de infância/professor milhões (acréscimo face a 2023),
1ª 1657,5 -110,3 -6,2
do Ensino Básico e Secundário com os aumentos salariais e ou-
Educador de infância/professor tras valorizações remunerató-
10ª 3613,2 -303,6 -7,8
do Ensino Básico e Secundário rias. Entre estas valorizações
*Tabela remuneratória da carreira foi reconstruída em 2023 por causa do aumento do estão a subida da base remune-
salário mínimo nos últimos anos. Valores referem-se à remuneração-base em termos ratória, as promoções, as pro-
brutos. Valores da remuneração em 2024 tendo em conta a atualização salarial já gressões e as restantes variações
anunciada pelo Governo. Atualização dos valores de 2021 para 2024 feita com base no
índice de preços do consumidor (para 2023 e para 2024 foram assumidos o valores de
remuneratórias (por exemplo,
4,6% e de 2,9%, respetivamente, para a variação média anual do IPC, que correspondem nas ajudas de custo e subsídio
à previsão do Governo, inscrita no Orçamento do Estado para 2024) de transporte). No total, a massa
salarial aumentará 5,5% no pró-
FONTE: DIREÇÃO-GERAL DA ADMINISTRAÇÃO E DO EMPREGO PÚBLICO; PROPOSTA DO ORÇAMENTO DO ximo ano, estima o Executivo.
ESTADO PARA 2024; INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA; E CÁLCULOS EXPRESSO cmateus@expresso.impresa.pt
cerca de €20.408, ou seja, 40 cedência gratuita ou ^ Foi garantida a redução da
vezes o Indexante dos onerosa de habitação tributação autónoma
Apoios Sociais (IAS). permanente aos aplicável às viaturas e um
trabalhadores por parte do incentivo fiscal à renovação
^ O IAS que serve de empregador, bem como dos de frota do transporte
referência ao cálculo de valores que sejam internacional de
várias prestações sociais e mobilizados no âmbito do mercadorias.
pensões, será atualizado no Fundo de Compensação do
próximo ano para um valor Trabalho para este fim. ^ Reforço do Regime Fiscal
em torno dos 6,2%. de Incentivo à Capitalização
Reforçados serão também ^ Será alargado o Incentivo de Empresas, prevendo
os apoios sociais, como o Fiscal à Valorização Salarial, uma taxa variável,
abono de família que será garantido a empregadores favorecendo o recurso a
atualizado em €22, e as que aumentem salários capitais próprios em vez
prestações de combate à acima dos 5% em 2024. de capitais alheios. Reforço
pobreza (Complemento Passará a incluir a valorização também do Regime
Solidário para Idosos, salarial dos membros de Fiscal de Apoio ao
Prestação Social para a órgãos sociais e a considerar Investimento e dos
Inclusão e Rendimento o incremento de salários de benefícios fiscais
Social de Inserção). trabalhadores abrangidos contratuais ao investimento
por regulamentação coletiva produtivo para incentivar
^ O acordo prevê a isenção não negocial (portarias de a atração e retenção de
em sede de IRS e extensão e de condições de trabalhadores altamente
contribuições sociais da trabalho). qualificados. C.M.
Expresso, 13 de outubro de 2023
OE 2024 HABITAÇÃO
Apoio às rendas vai custar ao Estado
250 milhões de euros em 2024
Por enquanto, o Governo nada diz sobre a fórmula de atualização para o próximo ano
Textos Vítor Andrade
Provavelmente, a questão da
habitação nunca foi tão debati-
da pelo Governo, pelos partidos
da oposição, pelas associações
setoriais e pelo público em ge-
ral — a crise fez, aliás, com que
o assunto viesse para ficar na
agenda mediática ao ponto de
chegar à rua, palco de várias
manifestações de ativistas pelo
direito à habitação.
Como já se esperava, o tema
perpassa também muitas das
páginas do relatório do Orça-
mento do Estado apresentado
esta terça-feira pelo ministro
das Finanças, Fernando Medi-
na. A palavra ‘habitação’ apare-
ce 181 vezes no documento das
contas nacionais.
A contabilidade não é, ne-
cessariamente, sinónimo da
eficácia ou do alcance das polí-
ticas públicas para o sector. Um
exemplo disso é que o Governo
ainda nada diz sobre a fórmula
de atualização das rendas em
2024 — o documento é omisso
sobre isso e Fernando Medina
deixou o assunto para a minis-
tra da Habitação na conferência
de imprensa de apresentação. O
assunto não é de somenos im-
portância: afeta cerca de 900
mil famílias.
Governo nada diz sobre
atualização das rendas
Para já, o que se sabe é que o
Governo continua a ter reu-
niões com várias associações
representativas do sector da
habitação para tentar chegar a
um acordo para um valor final
do limite a impor à atualização
das rendas para o próximo ano.
E, na verdade, o Governo tem
até ao final de outubro para
apresentar uma solução, sen-
do que a atualização só entrará
em vigor no dia 1 de janeiro de
2024. Mas António Costa, na
sua entrevista recente à TVI,
deu a entender que a decisão
pode estar por uma questão de
dias. E pode ter encargos para
o Estado.
O que também já se sabe é
que o apoio extraordinário à
renda deverá custar ao Execu-
tivo €250 milhões. Destina-se
a famílias com contratos de
arrendamento ou subarrenda-
A Conferência promovida pela Autoridade da Mobilidade e dos Transportes – AMT realiza-se em duas partes, iniciando-se a bordo
do comboio Intercidades, em Lisboa, rumo à Covilhã, onde terá continuidade o debate sobre os desafios e soluções para a mobilidade
nos territórios de baixa densidade. O evento contará com as intervenções de especialistas, dos autarcas dos Municípios localizados no
percurso do comboio Intercidades e dos membros do Governo Ana Abrunhosa, Ministra da Coesão Territorial, Carlos Miguel, secretário
de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, e Jorge Delgado, secretário de Estado da Mobilidade Urbana.
IX
mento para primeira habitação,
celebrados até 15 de março de
2023, que tenham um rendi-
mento anual igual ou inferior
ao limite máximo do sexto
escalão do IRS e cuja taxa de
esforço para pagamento do en-
cargo com a renda seja igual ou
superior a 35%. O apoio poderá
ir até €200 mensais.
A ‘fatia de leão’ em termos de
apoios públicos à habitação vai,
no entanto, para o programa 1º
Direito. Terá uma dotação de
€330 milhões em 2024 e deve-
rá beneficiar 26 mil agregados.
Mas nas muitas vezes que a
palavra habitação é referida há
vários dados a reter. Até agora,
e de acordo com a ministra da
Habitação, Marina Gonçalves,
foram identificadas 86 mil fa-
mílias com “indignidade habi-
tacional”, um número substan-
cialmente superior ao que tinha
sido rastreado em 2018 e que
apontava para 26 mil famílias
Assim, o Governo afirma que
quer garantir que todos têm
acesso a uma habitação digna A crise no acesso à habitação continua a deixar
e adequada aos seus rendimen- muitas famílias fora do mercado, especialmente as
tos e à dimensão dos diferentes classes mais desfavorecidas FOTO JOÃO CARLOS SANTOS
agregados familiares.
Por outro lado, assegura que,
a médio prazo, o peso da oferta
pública no mercado habitacio- PRINCIPAIS MEDIDAS DO GOVERNO PARA A HABITAÇÃO
nal é não só capaz de dar res-
posta às necessidades existen-
tes mas também de contribuir Porta 65 Jovem Apoio extraordinário ^ Número de habitações: Incentivo fiscal à habitação
para a regulação do mercado no ^ Destinatários: jovens com à renda 6800 até 2026 dos trabalhadores
seu todo, “tornando a habitação idade igual ou superior a 18 ^ Destinatários: todas ^ Impacto orçamental em ^ Destinatários: trabalhadores
mais acessível”. anos e inferior a 35 (no caso as famílias cuja taxa 2024: 216 milhões de euros por conta de outrem
Para isso, vinca o Governo, de um casal, um dos de esforço para pagamento ^ Número de beneficiários:
em 2024 continuará a ser dada elementos pode ter 36 anos da renda seja superior a 35% 1º Direito (programa todos os trabalhadores
prioridade aos quatro grandes e o outro elemento 34, no ^ Número de beneficiados: de apoio ao acesso com contrato de trabalho
objetivos estratégicos defini- máximo) cerca de 185 mil famílias à habitação) ^ Impacto orçamental
dos: supressão de situações ha- ^ Número de beneficiados: ^ Impacto orçamental ^ Destinatários: pessoas em 2024: cerca de
bitacionais indignas, aumento cerca de 26 mil jovens por em 2024: 250 milhões de que vivem em condições 2 milhões de euros
da oferta de arrendamento a ano, num total de 290.769 ao euros (sem acréscimo face habitacionais indignas
preços acessíveis, requalifi- longo deste programa a 2023) e que não dispõem Bonificação de juros
cação do parque habitacional ^ Impacto orçamental em de capacidade financeira ^ Destinatários: mutuários
público existente e criação de 2024: 37 milhões de euros Arrendar para subarrendar para suportar o custo de crédito à habitação
uma rede de respostas de alo- (+ 6 milhões de euros do que ^ Destinatários: todos os do acesso a uma própria e permanente
jamento de emergência e de em 2023) agregados cujo rendimento habitação adequada com taxa de juro variável
transição. anual bruto seja igual ou ^ Número de beneficiados: 26 ou taxa mista em
Algumas medidas específicas Porta 65 + inferior ao 6º escalão de IRS mil agregados até 2026 período de taxa variável,
agora apresentadas são novas, ^ Destinatários: agregados ^ Número de beneficiados: ^ Impacto orçamental em contratados até
outras nem por isso, mas no com quebra de rendimentos em fase de concurso 2024: 330 milhões de euros 15 de março de 2023
relatório do OE 2024 o Gover- superior a 20% face aos ^ Impacto orçamental em e com maturidade
no apresenta com quantos mi- rendimentos dos três meses 2024: cerca de 5 milhões de Reabilitação do residual igual ou superior
lhões de euros cada uma se irá precedentes ou do período euros parque habitacional a cinco anos
concretizar. homólogo do ano anterior e ^ Destinatários: arrendatários ^ Número de beneficiados:
Veja aqui ao lado de que for- agregados monoparentais Parque público de habitação do parque habitacional do cerca de 800 a 900 mil
ma o Executivo de António Cos- ^ Número de beneficiados: a custos acessíveis IHRU contratos de crédito à
ta se propõe impulsionar o sec- candidaturas em aberto ^ Destinatários: agregados ^ Impacto orçamental habitação elegíveis
tor habitacional em Portugal. ^ Impacto orçamental em com rendimentos em 2024: 13 milhões de ^ Impacto orçamental em
vandrade@expresso.impresa.pt 2024: 4 milhões de euros intermédios euros 2024: sem informação
CONFERÊNCIA 24 DE OUTUBRO
1ª PARTE 2ª PARTE
DEBATE NO INTERCIDADES DEBATE NA COVILHÃ
Viagem de comboio Auditório das Sessões Solenes
com partida de Santa Apolónia – Lisboa da Universidade da Beira Interior
8h15 13h30
PARCERIA
INSCREVA-SE
PROGRAMA COMPLETO
E MAIS INFORMAÇÕES EM
www.amt-autoridade.pt
X Expresso, 13 de outubro de 2023

OE 2024 IMPOSTOS

RRNH ACABA, MAS
TEM VERSÃO 2.0
FISCO O regime dos residen-
tes não habituais (RRNH) é
revogado, mas vai ser criado
um incentivo fiscal de moldes
semelhantes dirigido a investi-
gação científica e inovação. O
RRNH permitia beneficiar de
uma taxa de IRS de 20% sobre
rendimentos do trabalho em
Portugal e de 10% para pensio-
nistas. Os contribuintes que já
estejam inscritos continuam a
beneficiar do regime até que
esteja esgotado o prazo.O novo
regime é dirigido a docentes do
ensino superior, investigadores,
entre outros ou “postos de tra-
balho qualificados”.
INCENTIVOS MANTÊM-
-SE NA AGRICULTURA
DEDUÇÕES É mantida a majora-
ção em 40% dos gastos e perdas
incorridos ou suportados com a
aquisição de determinados bens
utilizados na produção agrícola,
com referência ao lucro tribu-
tável de 2024 e para efeitos de
IRC. Para o sector da agricul-
tura também está previsto que
permaneça até ao final de 2024
a isenção de IVA (com direito à
dedução do imposto) nas ven-
ABATE É criado um incentivo ao abate de veículos matricula- das de vários bens, como adu-
dos até ao ano 2007, que distribuirá um apoio aos consumido- bos, fertilizantes ou farinhas,
res em moldes ainda a definir. Para esta medida, o Governo cereais, sementes e quaisquer
reserva €129 milhões. O apoio pode resultar num desconto na outros produtos destinados à
compra de carro novo (ou elétricos usados até quatro anos) ou alimentação de gado, aves e ou-
em saldo no Cartão da Mobilidade. FOTO GETTY IMAGES tros animais.
0
DIVIDENDOS Depois de uma
década a despejar quase €4 mil
milhões nos cofres públicos, o
Banco de Portugal vai deixar
de ter lucros e, por conseguin-
te, não entregará dividendos
ao Estado (foram €238 mi-
lhões em 2023). Assim deverá
continuar nos próximos anos,
mantendo-se o atual nível de
taxas de juro. Já a Caixa Geral
de Depósitos deverá entregar
€461 milhões em dividendos
em 2024, um número que mos-
tra que o Governo antecipa lu-
cros superiores a mil milhões
de euros este ano.
NÉCTARES COM
MENOS IVA
RESTAURAÇÃO As bebidas como
néctares de fruta, sumos e águas
gaseificadas passam a pagar 13%
de Imposto sobre o Valor Acres-
centado (IVA) em vez de 23%,
quando vendidas em restauran-
tes ou cafés, mas ficam de fora
desta medida as bebidas alcoóli-
cas e os refrigerantes. A benesse
tem uma despesa fiscal associa-
da de €40 milhões, segundo a
proposta de OE 2024. Menos
sorte do que a restauração teve a
fileira dos congelados que pede,
há vários anos, para as refeições
pré-cozinhadas vendidas em su-
permercados serem tributadas
em 6% em vez de 23%.

Fatura menor No total, o desagravamento no imposto rondará os €1,6 mil milhões de poupança para as famílias

Redução das taxas dá alívio

no IRS para todos
Texto Ana Sofia Santos IRS contrai em 2024 de uma majoração do valor que se
pode abater com as quotas sindicais
Infografia Sofia Miguel Rosa

Q
As simulações consideram apenas a dedução com dependentes, não incluindo a dedução com despesas gerais familiares. Valore em euros e a inclusão das faturas de formação
profissional no bolo das despesas de-
uem ouviu o minis- dutíveis com educação. Segundo as
tro das Finanças, SOLTEIRO SEM DEPENDENTES contas da Deloitte a poupança no
Fernando Medina, 2023 2024 2023 2024 2023 2024 2023 2024 IRS oscilará entre os €177 e os €1808
em abril, quando RENDIMENTO BRUTO €14.000 €28.000 €52.000 €90.000 anuais, dependendo do nível de ren-
foi apresentado o Segurança Social (11%) 1540 1540 3080 3080 5720 5720 9900 9900 dimento das famílias.
Programa de Esta- Coleta de IRS 1592 1415 5592 4946 14322 13511 29515 28645
bilidade 2023-2027 IRS a pagar 1592 1415 5592 4946 14322 13511 29518 28647 Descida transversal
(PE 2023-2027), Rendimento líquido anual 10.868 11.045 19.328 19.974 31.958 32.769 50.582 51.453
ficou com sérias Variação no rendimento líquido (2024/23) 177 646 810 871 A proposta de OE 2024 desce o IRS
dúvidas de que as taxas do Imposto para todos, sejam solteiros, casados,
sobre os Rendimentos das Pessoas com ou sem filhos, ou seja, a redução
Singulares (IRS) viessem a descer em SOLTEIRO 1 DEPENDENTE (MENOR DE 3 ANOS) no imposto é transversal e a com-
2024. Nessa altura, perante a audiên- 2023 2024 2023 2024 2023 2024 2023 2024 posição do agregado não influencia
cia no salão nobre do Ministério das RENDIMENTO BRUTO €14.000 €28.000 €52.000 €90.000 as contas para rendimentos simila-
Finanças, Medina falou no reforço Segurança Social (11%) 1540 1540 3080 3080 5720 5720 9900 9900 res. A poupança vai dos €177 para
do IRS Jovem e pouco mais. “O Go- Coleta de IRS 1592 1415 5592 4946 14.322 13.511 29.515 28.645 um solteiro com rendimentos de €14
verno baixa os impostos quando tem IRS a pagar 866 689 4866 4220 13.596 12.785 28.792 27.921 mil brutos por ano — o equivalente a
segurança de o poder fazer sem gerar Rendimento líquido anual 11.594 11.771 20.054 20.700 32.684 33.495 51.308 52.179 um salário de €1000, sem descontos
dificuldades futuras”, afirmou, de- Variação no rendimento líquido (2024/23) 177 646 810 871 —, aos €1808, no caso de um casal,
pois, sobre o mesmo o PE 2023-2027, em que ambos trabalham, e levam
perante os deputados na Assembleia para casa €200 mil brutos — numa
da República. CASADOS DOIS TITULARES SEM DEPENDENTES divisão linear, corresponde a cada um
A confiança na folga orçamental 2023 2024 2023 2024 2023 2024 2023 2024 declarar cerca €7143 por mês, sem
chegou, entretanto, e vem aí a des- RENDIMENTO BRUTO €28.000 €56.000 €104.000 €200.000 descontos.
cida do IRS, através de um corte nas Segurança Social (11%) 3080 3080 6160 6160 11.440 11.440 22.000 22.000 De fora da descida de taxas ficam os
taxas do imposto que incidem sobre Coleta de IRS 3184 2831 11.183 9891 28.643 27.023 67.575 65.767 quatro intervalos de rendimento mais
os atuais nove escalões de rendimen- IRS a pagar 3184 2831 11.183 9891 28.643 27.023 68.025 66.217 elevados, ainda que os contribuintes
to coletável. Esta redução, de 2,4% Rendimento líquido anual 21.736 22.089 38.657 39.949 63.917 65.537 109.975 111.783 nesses escalões também beneficiem
em média, somada à atualização em Variação no rendimento líquido (2024/23) 353 1292 1620 1808 da redução nos patamares mais bai-
3% destes nove intervalos e à revi- xos — as contas mostram que dentro
são do mínimo de existência (que de um mesmo escalão e para um mes-
colocou o salário mínimo nacional CASADOS DOIS TITULARES UM DEPENDENTE (MAIOR DE 3 ANOS) mo valor de rendimento o benefício
a salvo de tributação) irão custar, 2023 2024 2023 2024 2023 2024 2023 2024 não muda consoante o agregado fa-
estima o Governo, à volta de €1,3 mil RENDIMENTO BRUTO €28.000 €56.000 €104.000 €200.000 miliar inclua ou não inclua filhos.
milhões, subtraídos à receita fiscal Segurança Social (11%) 3080 3080 6160 6160 11.440 11.440 22.000 22.000 Em todas as medidas que mexem
prevista para o próximo ano. Com o Coleta de IRS 3184 2831 11.183 9891 28.643 27.023 67.575 65.767 com o IRS há que notar que, em Por-
alargamento do IRS Jovem (maiores IRS a pagar 2584 2231 10.583 9291 28.043 26.423 67.425 65.617 tugal, 42% dos agregados familiares
isenções de impostos e novos limites Rendimento líquido anual 22.336 22.689 39.257 40.549 64.517 66.137 110.575 112.383 não paga imposto (informação de
máximos) e os benefícios fiscais, em Variação no rendimento líquido (2024/23) 353 1292 1620 1808 2021 disponível no Portal das Finan-
sede de IRS, previstos para a área da ças), dado os baixos rendimentos au-
habitação, no total a estimativa de feridos, o que significa que qualquer
desagravamento fiscal para as famí- PENSIONISTA SOLTEIRO mexida nas taxas não os beneficia ou
lias é de €1,6 mil milhões, segundo 2023 2024 2023 2024 2023 2024 2023 2024 prejudica. O mesmo é válido para o
a proposta de Orçamento do Estado RENDIMENTO BRUTO €14.000 €28.000 €52.000 €90.000 IRS Jovem, que apenas é uma vanta-
para 2024 (OE 2024) — no Programa Coleta de IRS 1592 1415 5592 4946 15.024 14.214 32.298 31.394 gem para os mais novos que recebem
de Estabilidade 2023-2027, estavam IRS a pagar 1592 1415 5592 4946 15.024 14.214 32.445 31.541 acima do salário mínimo nacional.
inscritos cerca de €524 milhões a Rendimento líquido anual 12.408 12.585 22.408 23.054 36.976 37.786 57.555 58.459 Convém notar que se mantêm as ta-
menos no IRS de 2024. Variação no rendimento líquido (2024/23) 177 646 810 904 xas adicionais de solidariedade para
Trata-se de um corte transversal quem tem rendimentos coletáveis
no IRS até ao quinto escalão de ren- acima dos €80 mil; a taxa sobre as
dimento coletável (€27.146 anuais), ESCALÕES DO IRS PARA 2023 ESCALÕES DO IRS PARA 2024 mais-valias mobiliárias continua nos
que varia entre os 1,25 pontos per- 28% (era de 10%); perdura o limite
centuais (p.p.) e os 3,5 p.p., o que RENDIMENTO COLETÁVEL TAXA NORMAL RENDIMENTO COLETÁVEL TAXA NORMAL global às deduções à coleta (saúde,
significa que os salários até cerca de Até €7479 14,5% Até €7703 13,25% habitação ou educação); e desde
€2 mil mensais serão os mais bene- De mais de €7479 até €11.284 21% De mais de €7703 até €11.623 18% 2010, que não é mexida a dedução
ficiados, embora o efeito se estenda De mais de €11.284 até €15.992 26,5% De mais de €11.623 até €16.472 23% específica do rendimento do trabalho
mesmo aos rendimentos abrangidos De mais de €15.992 até €20.700 28,5% De mais de €16.472 até €21.321 26% e das pensões, que se estabilizou nos
pelos patamares superiores, dada a De mais de €20.700 até €26.355 35% De mais de €21.321 até €27.119 32,75% €4104.
progressividade das taxas do IRS. O De mais de €26.355 até €38.632 37% De mais de €27.119 até €39.791 37% A receita do IRS deverá decair li-
mesmo efeito será sentido, igualmen- De mais de €38.632 até €50.483 43,5% De mais de €39.791 até €51.997 43,5% geiramente no próximo ano (menos
te, pelos pensionistas (ver infografia). De mais de €50.483 até €78.834 45% De mais de €51.997 até €81.199 45% 0,4%) face a 2023, para €18.071,3
Nos valores das deduções não estão Superior a €78.834 48% Superior a €81.199 48% milhões, menos €76 milhões.
contempladas alterações, à exceção FONTE: DELOITTE (SIMULAÇÕES) E ORÇAMENTO DO ESTADO (TABELAS DOS ESCALÕES) assantos@expresso.impresa.pt
Expresso, 13 de outubro de 2023
Tabaco, bebidas
e carros velhos
ficam mais caros
Governo põe o pé
na carga fiscal indireta
e penaliza tabaco, álcool
e automóveis com
matrícula anterior a 2007
No mundo da fiscalidade é sa-
bido que a forma mais fácil de
subir os impostos sem grande
alarido é optar pelos impos-
tos indiretos. E não é preciso
recorrer ao Imposto sobre o
Valor Acrescentado (IVA) —
o grande gerador de receita
fiscal para o Estado, com um
peso de 41% no total de todos
os impostos em 2024 — para
se conseguir um impacto po-
sitivo nas contas do Governo.
Há mexidas estratégicas nou-
tros tributos indiretos que se
podem traduzir em bastante
dinheiro. A proposta do Orça-
mento do Estado para 2024
(OE 2024) faz prova desse
raciocínio.
Nos impostos diretos — em
que o IRS e o IRC pesam 98%
OUTROS INDIRETOS
24,4
mil milhões de euros é a
receita estimada, em 2024,
pelo Governo para o IVA,
o imposto que gera mais
dinheiro para o Estado.
Serão mais 7,9% face
à estimativa para este ano
3,4
mil milhões de euros serão
gerados pela cobrança do
Imposto sobre os Produtos
Petrolíferos, mais 13,4%
2
mil milhões é a fasquia
estimada para o Imposto
do Selo, um aumento de 4,6%
Um olhar no
sentido certo
Knowledge Partner
do Expresso para o OE2024
Saiba mais em www.deloitte.com/pt/oe2024
©2023. Para informações, contacte Deloitte Tax - Economistas Especialistas Em Fiscalidade, SP, S.A.
da receita — não haverá quase
oscilação entre 2023 e 2024:
serão mais 0,1% para uma re-
ceita de €26.730,8 milhões.
Aqui, a redução das taxas e a
atualização dos escalões do
rendimento coletável no IRS
ditam este desempenho, com
o IRC sem alterações assina-
láveis. Já nos impostos indire-
tos, o panorama é distinto. O
Executivo prevê, na proposta
do OE 2024, obter mais 8,9%
de receita para o Estado, num
total de €33.399 milhões, ou
seja, mais €2734,9 milhões.
Aqui destacam-se os aumen-
tos no Imposto sobre o Tabaco
(IT), no Imposto sobre o Ál-
cool, as Bebidas Alcoólicas e as
Bebidas Adicionadas de Açú-
car ou Outros Edulcorantes
(IABA), bem como no Imposto
Único de Circulação (IUC).
No IABA dá-se um agrava-
mento em 10% — já contestado
pelas associações dos secto-
res das bebidas espirituosas
e das cervejas — e, como con-
sequência, o Executivo pre-
vê que a receita suba 37,3%,
para os €467 milhões, no
próximo ano. No caso do IT
há uma “reforma” em curso,
com alterações nas variáveis
que compõem este imposto
e a ambição de se obter mais
€177 milhões (quase 15% de
crescimento), para perto de
€1697 milhões — deverão ser
abrangidos 1,5 milhões de ci-
dadãos fumadores, e o agra-
vamento deste imposto surge
“no quadro da promoção do
desincentivo ao consumo”.
Está prevista, também, uma
“reforma” da tributação auto-
móvel, com o IUC a passar a
ser mais elevado para veículos
matriculados antes de 2007
— pelas contas da Deloitte, na
maioria dos casos os proprie-
tários vão desembolsar mais
€25 pelo ‘selo do carro’, que
é o valor limite para este au-
mento, segundo a proposta
do OE 2024. No IUC — atu-
alizado em 2,9% para todos
os veículos, em linha com a
inflação — espera-se uma re-
ceita de quase €587 milhões,
mais 20%. E há outra subida
de impostos nos automóveis,
com o Imposto sobre Veícu-
los a aumentar em torno dos
5%, e com a receita a crescer,
igualmente, 5%, para €514,4
milhões. A.S.S.
A medida não entra em vigor logo a 1 de janeiro, antecipa a distribuição FOTO JOSÉ FERNANDES
Fim do IVA zero traz
subida de preços
O consumidor tem de
estar preparado para
gastar mais dinheiro
no supermercado,
alertam os economistas
Esta semana, o cabaz básico
com 46 bens alimentares isen-
tos de Imposto sobre o Valor
Acrescentado (IVA) controla-
do pela Deco Proteste custava
€133,58. Estava 0,39% abaixo
do valor inicial (€134,11 a 19
de abril) e 4,5% acima do mí-
nimo (€127,75 a 30 de agosto).
“Os preços já estão a subir,
e o aumento habitual de ja-
neiro, combinado com o fim
do IVA zero, vai tornar isso
ainda mais visível”, alerta Rita
Rodrigues, porta-voz da Deco
Proteste, na antecipação do
que o consumidor pode espe-
rar com o fim da isenção do
IVA no fim do ano.
A Associação Portuguesa
de Empresas de Distribuição
(APED) concorda. “Continua a
haver pressão sobre os preços,
em especial em produtos como
o azeite e os cereais, que tam-
bém impactam nas rações e na
carne. Estamos muito preocu-
pados”, diz o seu diretor-geral,
Gonçalo Lobo Xavier. E Pedro
Pimentel, diretor-geral da Cen-
tromarca — Associação Por-
tuguesa de Empresas de Pro-
dutos de Marca, sublinha que
o reflexo na taxa de inflação
será imediato: “Sabemos que
22% da taxa de inflação vem da
alimentação, e 40% desses 22%
são precisamente os produtos
do cabaz”, afirma.
Qual será essa subida de pre-
ços já anunciada revela-se, no
entanto, uma pergunta de res-
posta múltipla. “É óbvio que os
preços sobem, e é expectável
que o imposto seja transmitido
ao consumidor em aumento de
preços. Não é necessariamente
6%, mas parte substancial des-
se valor passará”, prevê Hugo
de Almeida Vilares, professor
da Faculdade de Economia da
Universidade do Porto.
O exemplo finlandês
“O aumento de preços será su-
perior, em média, à descida ob-
servada”, antecipa Pedro Brin-
ca, professor da Nova School of
Business and Economics, com
base na experiência da Fin-
lândia, onde o fim da taxa de
14% paga nos cabeleireiros, em
2007, impulsionou uma desci-
da de preços de 7% mas a sua
reposição, cinco anos depois,
trouxe um aumento superior a
essa descida.
“Há risco de ligeiro agrava-
mento temporário da inflação.
Existirá forçosamente um efei-
to mecânico do aumento dos
preços, mas esperamos que o
‘ressalto’ ascendente no IPC
global não seja tão elevado
como o contributo descenden-
te ocorrido aquando da adoção
da medida”, diz, por seu lado,
Tiago Alexandre Correia, eco-
nomista do BPI.
E qual foi o impacto real do
IVA zero? Mais uma vez, as res-
postas variam, com a APED a
alinhar com o Governo na afir-
mação de que “com a isenção
da taxa houve uma descida ime-
diata de 6% dos preços, mas a
descida total média total foi da
ordem dos 10%”, enquanto Pe-
dro Brinca recusa “olhar para
os números de forma ingénua”
e garante ser impossível avaliar
neste momento o impacto do
IVA zero, simplesmente porque
“ainda não foi feito um estudo
causal de avaliação do impac-
to da medida e há mil coisas a
afetar o preço dos bens, difíceis
de detetar olhando apenas para
esses preços, que já tinham co-
meçado a descer em março,
ainda antes da entrada em vi-
gor da isenção”.
Hugo de Almeida Vilares
precisa que o caso do cabaz
“terá permitido uma econo-
mia mensal na ordem dos €8
às famílias que menos têm,
em linha com o anúncio de
uma compensação de €7 pelo
fim do IVA zero no Abano de
Família de 1,15 milhões de
crianças e jovens de famílias
carenciadas”. Tiago Alexan-
dre Correia adianta que pelos
cálculos do BPI “a repercus-
são efetiva acabou por ser de
-0,6%, aproximadamente”.
Incerta parece ser, também, a
data da reposição do IVA zero
nas prateleiras dos supermer-
cados. A APED garante apenas
que não será logo a 1 ou 2 de
janeiro, porque “a distribuição
precisa de alguns dias para re-
por sistemas de informação e
etiquetas”.
Margarida Cardoso
mmcardoso@expresso.impresa.pt
XI
Empresas
com
quase
nada
São parcas as mudanças
fiscais para os
empresários. Startups
recebem ‘rebuçado’
na taxa do IRC
As medidas fiscais dirigidas às
empresas na proposta do Or-
çamento do Estado para 2024
(OE 2024) são circunscritas.
Não há nada que tenha um
impacto substancial positivo
nos vários sectores de ativida-
de, como, aliás, já se supunha
quando a Confederação Em-
presarial de Portugal saltou
fora da revisão do Acordo de
Rendimentos, em vésperas de o
Governo apresentar o OE para
o próximo ano.
A ambicionada diminuição
da taxa nominal do IRC, atual-
mente nos 21%, não está con-
templada, mas está previsto
que as startups usufruam de
um imposto de apenas 12,5%
para os primeiros €50 mil de
matéria coletável (até este pa-
tamar, as PME pagam 17%).
Por outro lado, o Executivo
alarga, igualmente, o regime
fiscal em IRS aplicável às stock
options (ações atribuídas pelas
empresas aos trabalhadores)
aos membros de órgãos sociais
e estende-o às entidades que
tenham criado esse plano, “no
ano da sua constituição ou no
primeiro ano de atividade”.
Entretanto, é acolhida na pro-
posta do OE 2024 uma reivin-
dicação antiga das entidades
patronais de redução das tri-
butações autónomas, em IRC,
sobre as viaturas de serviço.
Assim, estão em cima da mesa
as seguintes descidas: de 10%
para 8,5% nas viaturas com um
custo de aquisição inferior a
€27.500; de 27,5% para 25,5%
nas viaturas acima dos €27.500
e abaixo dos €35 mil; e de 35%
para 32,5% nas viaturas acima
dos €35 mil. Note-se que este
regime foi criado para desin-
centivar o uso abusivo de auto-
móveis de serviço, obrigando as
empresas ao pagamento de um
imposto adicional.
O Governo reconhece ainda
a necessidade de rever o regi-
me de incentivo à capitaliza-
ção das empresas com capitais
próprios, majorando o valor
dedutível ao IRC. E manter-se-
-ão, sob algumas condições, os
apoios a encargos suportados
com eletricidade e gás. A.S.S.
XII
OE 2024 SAÚDE
Criação de 32 Unidades Locais de Saúde, que colocam sob a mesma direção hospitais
e cuidados primários, é uma das prioridades FOTO PEDRO NUNES
Peritos avisam que
Orçamento não chega
para reformar o SNS
Em termos reais, reforço de verbas será de 2%. Sector pede alterações na
gestão financeira para garantir a renovação dos serviços
Joana Ascensão
e Vera Lúcia Arreigoso
Com mais 9,8% de orçamento
do que o projetado nas contas
iniciais do Orçamento do Estado
(OE) do ano passado, a Saúde
terá de sobreviver a um dos pio-
res momentos desde a criação do
SNS, com menos do que o espe-
rado. O aumento previsto para
gastar com pessoal em 2024 fi-
xa-se nos 6,3% — mais cerca de
€377 milhões — e o montante
previsto em investimento é mais
17% (€873,9 milhões) do que o
estimado para execução no ano
vigente (€746,5 milhões). No
entanto, é inferior ao que foi de
facto executado.
Entre as medidas, o Gover-
no prioriza a continuidade da
reformulação do SNS organi-
zado em 32 Unidades Locais
de Saúde (ULS), concentrando
na mesma administração hos-
pitais e os cuidados primários.
Com mais de um milhão de pes-
soas sem médico de família,
uma das prioridades do Exe-
cutivo passa também por “um
plano integrado para facilitar o
acesso aos cuidados de saúde”
destes utentes, além de incluir
nas Unidades de Saúde Fami-
liar (USF) serviços como radio-
logia convencional, cuidados
continuados e saúde oral.
Num momento em que de-
zenas de unidades estão inca-
pazes de acudir aos cidadãos,
o Governo não lhes dá, pelo
menos na versão inicial do OE,
qualquer medida de suporte ou
mesmo paliativa. Sindicatos,
economistas e administradores
criticam a falta de estratégia,
desde logo para melhorar as
condições remuneratórias.
Para o Sindicato Independen-
te dos Médicos (SIM) e para a
Federação Nacional dos Médi-
cos (FNAM) a ausência de me-
didas claras para melhorar as
grelhas salariais deixa antever
um reinício difícil das negocia-
ções com o Ministério da Saú-
de, já esta sexta-feira. “É apre-
sentada a tabela salarial única
e não vai além dos 3%”, critica
a presidente da FNAM, Joana
Bordalo e Sá. Mas não só “o
aumento real da despesa com
pessoal foi de 12% entre 2022
e 2023 como agora a previsão
apresentada é de metade desse
valor”, explica Jorge Roque da
Cunha. O secretário-geral do
SIM admite que o documen-
to está em discussão e que até
ao final do mês ainda pode ser
revisto, mas para já, “com os
valores orçamentados, nem a
inflação será colmatada”.
Com cerca de 40% do or-
çamento concentrado nos
recursos humanos, Ana Rita
Gestores aplaudem
“autonomia para
contratações
e investimentos
sem as Finanças
a condicionar
os planos”
Cavaco, bastonária da Ordem
dos Enfermeiros, diz não vis-
lumbrar “folga para resolver
as questões relacionadas com a
carreira dos enfermeiros” nem
qualquer tipo de “valorização
dos profissionais do SNS, que
a OCDE considera de extrema
importância”. Lamenta tam-
bém ser mais um “orçamento
centrado em atos médicos e
não em promoção da saúde”.
Xavier Barreto, presidente
da Associação Portuguesa de
Administradores Hospitalares,
partilha a crítica de “falta de in-
vestimento nos profissionais”.
E faz contas: “O orçamento
prevê um aumento de 6,3% na
despesa com recursos huma-
nos, o que parece corresponder
essencialmente aos aumentos
salariais previstos para os es-
calões da Função Pública. Mas
para perceber se acomoda a
dedicação plena é necessária a
desagregação por grupo profis-
sional. Em qualquer caso, falta
investimento.”
O gestor explica que “os tra-
balhadores mais qualificados
são aumentados em apenas 3%
e prevê-se que a inflação seja de
2,9%, assim não há recupera-
ção do poder de compra”. Mais:
“Não há qualquer alívio das ta-
xas de IRS destes escalões e até
parece haver aumento de impos-
tos indiretos, embora se perceba
um esforço de recuperação de
rendimentos nos trabalhadores
do SNS com salários mais bai-
xos.” Ou seja, continuam a “fal-
tar medidas para atrair e reter
os mais qualificados”.
O presidente da Associação
Portuguesa de Economia da
Saúde, Eduardo Costa, recorda
que “desde 2020 a despesa exe-
cutada com pessoal é sempre
superior à orçamentada. Veri-
ficou-se uma derrapagem ex-
pressiva em 2023, com um au-
mento de 3% para 13%, e para
2024 é provável que se verifi-
que nova derrapagem”. Mais
não seja “porque o aumento
previsto parece curto tendo em
consideração as medidas anun-
ciadas: aumentos para a Fun-
ção Pública, generalização das
USF-b, expansão dos centros
de responsabilidade integrados
ou a dedicação plena”.
Xavier Barreto admite que
o Governo possa estar “a con-
tar com alguma folga com a
descentralização de competên-
cias, passando custos para os
municípios”, mas não chega.
E dá o exemplo da carreira a
que pertence. “A carreira de
administração hospitalar con-
tinua por rever e não investem
nos gestores do SNS. Assim, a
gestão fica à deriva.”
Igualmente com pouco foco
tem estado, e vai estar, o inves-
timento no SNS. “Desde 2013,
a despesa inicial executada cor-
responde a 56% da orçamenta-
da”, sublinha o economista e
professor Eduardo Costa. No
entanto, “em 2023, ainda que
tenha ficado substancialmente
abaixo do orçamentado, veri-
fica-se a taxa de execução da
despesa de capital mais elevada
da década, 83%”.
Mas a lição sobre o dinheiro
realmente gasto pelo Estado
tem um detalhe: “Para o próxi-
mo ano, a despesa orçamenta-
da é inferior à que constava no
anterior orçamento.” Isto é, o
investimento no SNS será redu-
zido face a 2022. Aliás, “consi-
derando a inflação prevista de
3,3%, o orçamento da Saúde
cresce em termos reais cerca
de 2%, o que, na ausência de
alterações na gestão financei-
ra do SNS, parece pouco para
as crescentes necessidades e
reformas anunciadas”.
Mas Xavier Barreto diz que
“há uma alteração muito sig-
nificativa no modelo de gover-
nação”, já que os planos de de-
senvolvimento organizacional
passam a ser aprovados apenas
pela Saúde”. O efeito prático “é
enorme”, já que as “adminis-
trações terão autonomia para
contratações e investimentos
previstos sem terem as Finan-
ças a condicionar os planos.” E
está expectante: “É uma grande
oportunidade para o SNS. As
Finanças aprovam um quadro
global de referência para a Saú-
de, por triénio, mas, a partir
daí, as decisões passam para a
esfera do Ministério da Saúde.”
varreigoso@expresso.impresa.pt
Expresso, 13 de outubro de 2023
Apoios sociais às
famílias chegam
a 1,5 milhões
Governo reforça resposta
social com recurso
a verbas de medidas
temporárias. Fim do IVA
zero garantirá aumento
dos abonos de família
No próximo ano a despesa do
Estado com prestações sociais
vai aumentar €3,1 mil milhões,
mais 6,1% do que em 2023.
Uma parte significativa é ex-
plicada pela subida das pen-
sões (ver página VII), mas uma
outra fatia relevante deve-se
ao aumento dos apoios sociais,
dirigidos, na sua maioria, aos
mais vulneráveis.
Além do abono de família,
do reforço da garantia para a
infância e do alargamento da
gratuitidade das creches para
120 mil crianças, no próximo
ano saem reforçadas presta-
ções sociais como o Comple-
mento Solidário para Idosos
(CSI) e o Rendimento Social
de Inserção (RSI). São quase
€500 milhões que o Orçamen-
to do Estado passa a canalizar
para estas prestações e que
se transformam em despesa
estrutural.
Com um Orçamento que,
depois de meses de sobres-
salto, garante um aumento
regular de pensões e que, ao
mesmo tempo, reforça signifi-
cativamente os apoios sociais,
a ministra do Trabalho, Soli-
dariedade e Segurança Social
apresentou-se perante os jor-
nalistas com “especial orgulho
e responsabilidade”. Respon-
sabilidade pelas contas, orgu-
lho pelo “rosto humano” que o
documento transporta. Vamos
aos exemplos.
No próximo ano há, pelo me-
nos, dois apoios que saem do
radar das famílias mais vulne-
ráveis. O IVA zero, criado para
atenuar o efeito da inflação
no custo final de um cabaz de
46 produtos essenciais, será
extinto em 2024, tal como o
apoio mensal de €30, pago
trimestralmente, que durante
este ano o Governo garantiu
a quem beneficia do Progra-
ma Operacional de Apoio às
Pessoas Mais Carenciadas
(POAPMC). A poupança que
daqui resulta servirá para re-
forçar de forma permanente
outros apoios sociais.
Abono de família reforçado
Em causa estão cerca de €550
milhões que serão redistribuí-
dos pelo abono de família e
pelo reforço das prestações de
combate à pobreza. Segundo o
Governo, serão abrangidos 1,5
milhões de beneficiários, dos
quais 1,15 milhões com abono
de família, 150 mil com CSI,
150 mil com RSI e os restantes
com Complemento da Pres-
FRASE
“É com enorme
orgulho e
responsabilidade
que apresentamos
este orçamento da
Segurança Social.
[...] É um orçamento
de rosto humano,
focado nas pessoas”
Ana Mendes Godinho
Ministra do Trabalho, Solidariedade e
Segurança Social
tação Social para a Inclusão
(CPSI).
O reforço do abono de famí-
lia é a medida com maior peso
orçamental: são mais €330 mi-
lhões de despesa.
No próximo ano, os mon-
tantes pagos a título de abono
de família serão “reforçados
estruturalmente em €22 men-
sais (€264 por ano) na sua
componente base”, aponta o
Executivo. Na prática, o Go-
verno torna definitivo o apoio
extraordinário a famílias mais
vulneráveis — um adicional ao
abono de família, no valor de
€15, que durante este ano foi
pago trimestralmente a crian-
ças e jovens dos 1º, 2º, 3º ou 4º
escalões de rendimentos —, a
que acresce o pagamento “de
€7 adicionais por compensa-
ção do IVA zero”. Aqui avança
uma majoração de 50% para
todas as famílias monopa-
rentais, o que se traduz num
aumento mínimo mensal de
€33 por crian ça e com uma
novidade a nível administrati-
vo: de abril de 2024 em diante
este apoio será atribuído de
forma automática. Como “a
Segurança Social já sabe quan-
do nasce uma criança, saben-
do os dados dos rendimentos
declarados pelos pais, auto-
maticamente atribui o abono
de família”, explicou a minis-
tra Ana Mendes Godinho. Na
prática, a Segurança Social
“comunica à família que tem
direito, e, se a família validar os
dados”, a prestação social será
processada.
Ainda nesta frente, também
a garantia para a infância —
um apoio atribuído a crianças
e jovens dos três aos 17 anos
cujas famílias estão em situa-
ção de pobreza extrema — ga-
rantirá um “reforço estrutu-
ral” de €122 em 2024.
Previsto para o próximo ano
está também o alargamento
da rede de creches gratuitas a
todas as crianças até aos três
anos de idade. A medida, que
terá um peso de €100 milhões
na despesa do Estado, deverá
abranger um universo total de
120 mil crianças e será conse-
guida através do “aumento do
número de lugares em creche
até duas crianças por sala e da
simplificação do processo de
reconversão de salas de respos-
tas sociais para a infância em
salas de creche, com reforço
adicional do PRR, que dá res-
posta ao aumento da procura
registada”.
Reforçadas serão também as
prestações sociais de combate
à pobreza, o CSI, o CPSI e o
RSI. A melhoria destes apoios,
no seu conjunto, terá um peso
de €112 milhões na despesa do
Estado no próximo ano.
Para o CSI está previsto um
reforço de €62,45, um incre-
mento que antecipará em dois
anos aquilo que estava previsto
no programa do Governo: ga-
rantir que nenhum reforma-
do com baixo património vive
com um rendimento abaixo do
limiar de pobreza. Já ao CPSI
serão aplicadas as mesmas re-
gras que até aqui.
O RSI será também atualiza-
do em 2024, mas em €28 men-
sais. O cálculo desta prestação
vai passar a estar indexado a
45% do valor do Indexante de
Apoios Sociais (IAS), inician-
do-se um processo de conver-
gência com a pensão social.
Cátia Mateus
e Elisabete Miranda
cmateus@expresso.impresa.pt
Expresso, 13 de outubro de 2023
OE 2024 EDUCAÇÃO
CULTURA AUMENTA,
MAS RTP PESA MUITO
CRESCIMENTO Da despesa conso-
lidada de €781,7 milhões previs-
ta para o Ministério da Cultura,
€272 milhões (mais 16 do que em
2023) são para a RTP. No total,
o sector contará com mais €5
milhões. Em termos de despesa
discricionária do Estado, o Pro-
grama Orçamental da Cultura
deve atingir 2,1% em 2024 (2%
em 2023) e o Governo quer che-
gar a 2026 com uma dotação
equivalente a 2,5%. A criação do
Museu de Arte Contemporânea
MAC/CCB e a retirada do IVA
para bilhetes dos acompanhan-
tes de pessoas com deficiência
são duas medidas destacadas.
Professores questionam
eficácia dos apoios às rendas
Haverá subsídios para quem for colocado a mais de 70 km de casa, mas detalhes estão
por conhecer. Dificuldades de colocação em escolas de Lisboa e Algarve justificam medida
Isabel Leiria
É uma das novidades con-
templada na proposta de Or-
çamento do Estado para o
próximo ano e há muito rei-
vindicada pelos professores.
Mas, apesar de ainda se saber
pouco sobre a forma como vão
funcionar os apoios às rendas
que o Governo vai atribuir aos
docentes colocados em esco-
las longe da residência e que
gastem em alojamento mais
de 35% do seu rendimento, já
há críticas sobre o que foi apre-
sentado e muito ceticismo rela-
tivamente à eficácia da medida.
“Não acredito que vá ser efi-
caz”, diz o líder da Federação
Nacional de Educação (FNE),
Pedro Barreiros, explicando
que na reunião que os sindi-
catos tiveram com o Ministé-
rio na véspera da apresenta-
ção do Orçamento do Estado
nada foi concretizado sobre
esta medida. Já o relatório do
Orçamento conhecido na ter-
ça-feira apenas avança que o
programa de Apoio à Renda
já existente “será adaptado
e operacionalizado para sub-
sidiar professores colocados
nas regiões de Lisboa e Vale
do Tejo e do Algarve, ou qual-
quer outra região, onde os
custos da habitação são mais
elevados”. O texto indica ain-
da como condição para este
apoio que os professores es-
tejam colocados numa esco-
la a “mais de 70 quilómetros
da sua área de residência” e
que tenham “encargos com o
alojamento superiores a uma
taxa de esforço de 35%”, o que
deve ser facilmente cumpri-
do com os valores atuais do
arrendamento.
Uma das questões que é para
já colocada por Pedro Barrei-
ros prende-se com o critério
dos 70 quilómetros de distân-
cia da residência. “E se um
professor morar a 69 km da
escola onde foi colocado, já
não tem apoio? E as distân-
cias também dependem muito
das acessibilidades. Por outro
lado, há uma contradição na
mensagem do Ministério que
diz ter reduzido as desloca-
ções a que são sujeitos os pro-
fessores dos quadros de zona
pedagógica a um máximo de
50 quilómetros. Mas depois
só apoia a partir de distâncias
superiores.”
Para o dirigente sindical, o
problema não se resolve com
apoios que têm de ser pedidos
CRECHES PARA TODOS EM SETEMBRO DE 2024 A gratuitida-
de das creches vai abranger todas as crianças até aos três anos
que frequentem uma IPSS ou uma instituição privada no caso
de não haver vaga na rede solidária. A medida deve beneficiar
120 mil crianças, representando um acréscimo da despesa do
Estado em €100 milhões. FOTO NUNO BOTELHO
Os professores já cumpriram um dia de greve este ano letivo e prometem mais protestos
caso o Governo não satisfaça as suas principais reivindicações FOTO NUNO FOX
e que colocam os professores
numa “posição de dependên-
cia do Ministério da Educação,
retirando dignidade ao exercí-
cio profissional”, mas por via
de “salários que lhes permitam
garantir a sua subsistência”.
O Expresso questionou o Mi-
nistério da Educação sobre a
operacionalização deste apoio,
mas não obteve resposta. Ao
contrário do que acontece com
outras medidas previstas no
OE 2024, o seu impacto não é
referido, nem em número de
potenciais beneficiários, nem
em valor orçamentado.
Para o ceticismo do líder
da FNE entram também em
conta os resultados do único
apoio concedido até agora
pelo Ministério da Educação
e que se traduziu na dispo-
nibilização de 29 casas para
arrendamento “acessível”,
em Lisboa e Portimão, para
professores. Candidataram-se
388 e, destes, apenas 15 foram
selecionados.
Ministério tinha
29 casas com rendas
‘acessíveis’ para
docentes. Concorreram
388 e só 15 foram
selecionados
SACOS DA FRUTA COM
TAXA DE 4 CÊNTIMOS
PAGOS O Governo vai propor a
criação de uma taxa de 4 cênti-
mos, a pagar pelo consumidor,
sobre os sacos de plástico leves
e muito leves, habitualmente
usados no supermercado para
guardar a fruta, hortícolas fres-
cos e panificação. Isentos estão
os sacos utilizados em contexto
social ou humanitário, nomea-
damente na distribuição de ali-
mentos ou no combate ao des-
perdício alimentar. Metade das
receitas serão recolhidas pelo
Estado, 20% pelo Fundo Am-
biental e outros 20% remetidos
para o Fundo de Modernização
do Comércio.
O Ministério também nun-
ca explicou porque é que aca-
baram por não ser atribuídos
todos os alojamentos, havendo
tão poucas casas disponíveis
e um número muito superior
de candidatos. Mas o dirigen-
te sindical apresenta algumas
explicações possíveis. A come-
çar pelo valor das tais rendas
‘acessíveis’, que em Lisboa osci-
lavam entre máximos de €600
e €1700 para um T0 a T5, res-
petivamente. “Se um professor
receber pouco mais de €1000,
é um valor impeditivo”, aponta.
Outro dos motivos para a
pouca adesão tem a ver com
a dificuldade do processo de
candidatura ou ainda com o
125
milhões de euros é quanto o
Governo prevê arrecadar em
2024 em coimas e multas por
infrações ao Código da
Estrada, segundo a proposta
de OE. O Executivo pretende
ainda reforçar a prevenção,
através do aumento de ações
de sensibilização e
fiscalização sobre a
velocidade, álcool, acessórios
de segurança e telemóvel.
Está também previsto o
reforço da rede de radares e
uma “maior eficiência” na
aplicação do direito
contraordenacional
facto de os resultados do con-
curso terem sido conhecidos
apenas no final de setembro,
quando muitos professores já
tinham sido colocados e já ti-
nham arranjado outras casas.
Num momento em que se
confirmam as previsões de
aposentação de milhares de
professores — só nos primei-
ros três meses do presente ano
letivo serão mais de mil — as
dificuldades das escolas para
encontrarem docentes dispo-
níveis para os substituírem,
sobretudo se tal implicar mu-
dar de residência, serão cada
vez maiores.
E há ainda a incógnita re-
lativa ao próximo ano letivo,
quando os 8300 professores
que entraram nos quadros
através do novo mecanismo
de vinculação dinâmica (quem
já tinha cumprido o equiva-
lente a três anos de tempo de
serviço como contratado) tive-
rem de concorrer para escolas
de todo o país e enfrentar a
questão dos custos de aloja-
mento. Nessa altura, já estarão
em vigor estes subsídios. Resta
saber se serão suficientes.
Orçamento cresce
mas não satisfaz
Quanto à proposta de orça-
mento para a Educação, as
contas do Governo apontam
para um aumento de €394 mi-
lhões, o que representa uma
subida de 5,7% face à execu-
ção estimada até ao final deste
ano. No total, a despesa supe-
rará os €7300 milhões.
O valor não é despiciendo,
mas os sindicatos queriam
mais. Sobretudo porque as
contas do Governo não con-
templam a grande reivindi-
cação que tem a ver com a
contagem integral do tempo
de serviço que foi congelado e
não contabilizado (seis anos e
seis meses).
A Fenprof reserva para esta
sexta-feira uma análise às
“respostas do Ministério da
Educação para os problemas
e decidir a luta a desenvolver
face a um Governo que não
anda, nem desanda”.
Já Pedro Barreiros, da FNE,
considera que o Orçamento
não apresenta uma única me-
dida que veja como positiva
— é preciso esperar para ver
se os investimentos previstos
nas escolas se concretizam — e
considera que, nesse sentido, é
uma “desilusão”.
ileiria@expresso.impresa.pt
XIII
VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA COM
€12,5 MILHÕES
LUTA O Ministério da Adminis-
tração Interna prevê um gasto de
€12,5 milhões (0,5% do OE) em
medidas de prevenção e prote-
ção à vítima no âmbito da violên-
cia doméstica, quase €1 milhão a
mais do que em 2023. Também
o Ministério da Justiça incluiu
no OE a aprovação da Estratégia
Nacional de Proteção das Víti-
mas de Crime e o alargamento
da rede de gabinetes de apoio à
vítima. Só no primeiro semestre,
a PSP e a GNR registaram 14.863
ocorrências e denúncias relacio-
nadas com violência doméstica.
DESCODIFICADOR
Quem vai
receber
as propinas
de volta?
Medida visa recompensar
a conclusão de um curso
e incentivar os mais
qualificados a ficarem
1Que alunos vão
receber a devolução
das propinas?
Todos os que concluírem uma
licenciatura ou um mestrado
numa instituição portuguesa
de ensino superior, pública
ou privada, e que fiquem a
trabalhar em Portugal. A
proposta prevê que cerca de
250 mil estudantes venham
a ser abrangidos pela medida
que, só em 2024, custará ao
Estado €215 milhões.
2 Durante
quanto tempo?
Se uma licenciatura tiver uma
duração prevista de três anos,
a devolução do montante pago
será feita também ao longo de
três anos de trabalho declarado
em Portugal. Se a licenciatura
tiver quatro anos, será durante
idêntico período. No caso dos
mestrados integrados estende-
-se ao longo de um período
até seis anos e no caso dos
mestrados ao longo de dois.
A ideia é evitar que o prolongar
dos cursos além da duração
prevista seja recompensado
com mais anos de devolução.
3 Adepartir
quando?
Um jovem diplomado que,
tendo concluído a licenciatura
ou o mestrado este ano,
comece entretanto a trabalhar
e consiga apresentar uma
“declaração de IRS referente
ao ano de trabalho” já pode
começar a beneficiar da
devolução da propina em 2024.
Se tiver feito uma licenciatura e
um mestrado concluindo cinco
anos de estudo, por exemplo,
receberá entre 2024 e 2028.
4 Edinheiro
recebe todo o
de volta?
Sim, no caso das propinas pagas
nas licenciaturas e mestrados
integrados no ensino público,
cujos montantes estão
congelados entre um mínimo
de €495 e um máximo de €697
por ano letivo. Já no caso dos
mestrados, a proposta de OE
fixa um máximo de devolução
até €1500 por ano — tanto
pode chegar para cobrir os
custos como ficar aquém, já que
o valor máximo das propinas
nestes mestrados nunca foi
fixado e há escolas que cobram
bem mais. I.L.
XIV
OE 2024
Oposição critica reserva do excedente
Coro de críticas recai na falta de respostas para os problemas do país. No PS também há desconforto
Liliana Coelho
Menos impostos, aumento dos
salários e pensões, e um exce-
dente “histórico”. O Orçamen-
to do Estado (OE)para 2024,
apresentado esta semana pelo
Governo, deixou a oposição
(quase) sem palavras, sobretu-
do o PSD face à redução do IRS,
na ordem dos €1300 milhões,
que supera a proposta dos so-
ciais-democratas. Receita que
leva os partidos da oposição a
acusarem o Executivo socialista
de “propaganda” e “oportunis-
mo” com as eleições europeias
à porta.
PSD, IL, Chega e BE já an-
teciparam o voto contra o do-
cumento. “É um Orçamento
pipi, bem apresentadinho e
muito betinho que parece que
faz, mas não faz”, ironizou Luís
Montenegro na abertura do
Conselho Nacional do PSD, fa-
lando em “demagogia” e “opor-
tunismo político”. Segundo o
líder social-democrata, o voto
do partido não irá surpreender
o país, antecipando o voto con-
tra o OE, no próximo dia 31, na
generalidade. Já os temos que
usou surpreenderam o partido
(ver pág. 14).
Do lado do PS, as respostas
não tardaram, com farpas ao
PSD e promessas de abertura
na especialidade. “Este é um
OE sem eleitoralismos”, disse
o ministro das Finanças, criti-
cando as propostas do maior
partido da oposição: “Prometer
tudo a todos é relativamente fá-
cil para quem não tem respon-
sabilidades.” A socialista Jamila
Madeira vincou também que o
Orçamento “vai muito além”
das propostas feitas pelo PSD, o
que deveria justificar o voto fa-
vorável dos sociais-democratas.
Já o presidente socialista, Car-
los César, carregou na ironia
para responder a Montenegro,
afirmando que não é “um or-
çamento pipi, mas que, pé ante
pé, constrói com segurança e
avança responsavelmente na
recuperação de rendimentos
e da economia portugueses”.
E reafirmou a disponibilidade
do PS para acolher propostas
de alteração desde que não co-
loquem em causa ‘contas cer-
tas’. A liderança socialista pode,
contudo, ter críticas dentro de
casa. Ainda que na reunião de
Costa com o grupo parlamen-
Medina está a
ajudar os jovens?
Do IRS Jovem à devolução
de propinas, passando
por passes e férias grátis,
eis as medidas para
os mais novos
A proposta do Governo para o
Orçamento do Estado de 2024
(OE 2024) conta com um ca-
pítulo próprio para os jovens,
onde são apontadas diversas
medidas, desde o reforço do
IRS Jovem à gratuitidade dos
passes.
A poupança
com o IRS Jovem
O IRS Jovem vai dar mais be-
nefícios fiscais em 2024 do que
até aqui. Em causa está um
aumento da isenção aplicável
PS e Governo
garantem abertura na
especialidade, Livre e
PAN querem negociar
tar não tenham sido ouvidas
muitas objeções, houve deputa-
dos a manifestar preocupação
com os problemas na saúde e a
questionar sobre as soluções. E
figuras mais à esquerda, como
Alexandra Leitão (ver pág.
27), mostram desconforto com
a existência de um excedente
quando há questões sociais e
salariais por resolver.
Da esquerda à direita, o rol de
críticas da oposição recai, aliás,
na falta de respostas no OE
2024 para os problemas do país
e a não utilização da almofada
financeira, num ano que deverá
ser marcado por mais instabili-
dade face à guerra na Ucrânia
aos rendimentos dos jovens
para 100% do rendimento no
primeiro ano no mercado de
trabalho (atualmente havia um
desconto de 50% no primei-
ro ano), 75% no segundo, 50%
nos terceiro e quarto e 25% no
último ano.
Adicionalmente, são aumen-
tados os limites máximos do
benefício em cada ano. Assim,
no conjunto dos cinco anos, os
jovens que entretanto entrem
no mercado de trabalho podem
poupar entre mais que seis sa-
lários, segundo as simulações
da Deloitte para o Expresso.
Por exemplo, um jovem que
ganhe €1000 por mês (contan-
do 14 meses) não vai pagar IRS
no primeiro e segundo anos do
benefício. Ora, sem este pro-
e o conflito entre Israel e o Ha-
mas. Os liberais insistiram que o
OE 2024 “não é um Orçamento
que sirva o país” e volta a adiar
as reformas estruturais, segun-
do Cotrim de Figueiredo, en-
quanto André Ventura conside-
rou o documento “mentiroso”,
cheio de “remendos”, “algum
eleitoralismo e muita propa-
ganda”, uma vez que a desci-
da do IRS não deverá abran-
ger todos os trabalhadores.
Para o PCP, os aumentos pre-
vistos para a Função Pública
e os pensionistas não são sufi-
cientes para valorizar o “poder
de compra” dos trabalhadores
e reformados, face à inflação.
O OE 2024, segundo Paula
Santos, deverá prolongar a
“degradação dos serviços pú-
blicos” e a falta de investimento
no SNS. À semelhança do PCP,
o líder parlamentar do BE, Pe-
dro Filipe Soares, indicou que
os portugueses vão continuar a
grama pagaria €1165,39. Ou
seja, poupa mais do que um
salário. Nos anos seguintes a
poupança é menor, mas ainda
assim significativa: €1001,18
no terceiro e quarto anos e
€500,59 no quinto. No total,
poupa cerca de 4,8 salários. Já
um jovem que receba €1600
por mês poupa quase dois salá-
rios no primeiro ano e, no total
dos cinco anos, 6,5 salários.
Não há limite máximo para
ser beneficiário do IRS Jovem,
mas existe o limite ao valor
sobre o qual terá o ‘desconto’.
Por exemplo, um jovem que
receba €3000 por mês nem no
primeiro ano tem um desconto
de 100%, pois no total do ano
receberá €42 mil (multiplican-
do por 14 salários) e a isenção
de 100% do IRS tem o limite de
40 vezes o IAS (Indexante dos
Apoios Sociais), que é de cerca
de €20.400.
Contudo, quem ganha o salá-
rio mínimo — que no próximo
ano irá aumentar para €820
— não tem direito ao benefício,
uma vez que já não desconta
para o IRS. De recordar que em
“perder poder de compra” face
à inflação e o excedente orça-
mental revela que o Executivo
“não está a fazer tudo o que
pode para ajudar as famílias”.
Mesmo os novos ‘parceiros’
do Governo — PAN e Livre —
tecem duras críticas ao Orça-
mento e já deixaram claro que
serão mais exigentes, desta vez,
nas negociações com o Gover-
no. Os dois partidos são os que
têm mais expectativas quanto
ao diálogo, se a maioria abso-
luta não quiser dar a imagem
de “rolo compressor”. Mas, ao
que apurou o Expresso, querem
antes voltar a agendar reuniões
sectorais com o Executivo, para
fazer o balanço da execução das
medidas acordadas no anterior
orçamento.
Segundo Inês Sousa Real, o
“suposto alívio” da carga fiscal
anunciado pelo Governo acaba
por ser absorvida pelos “pró-
prios escalões de IRS”. O fim do
2021 uma boa franja da popula-
ção jovem (33,9% dos jovens até
aos 25 anos e 25,8% dos entre os
25 e 29 anos) recebia o salário
mínimo, segundo os dados do
Ministério do Trabalho, Solida-
riedade e Segurança Social.
De notar que estes descontos
apenas se aplicam aos rendi-
mentos de 2024. Ou seja, na
próxima entrega de IRS (em
abril de 2024) o desconto será
ainda consoante as regras
atuais, dando um desconto de
50% no IRS. Só na declara-
ção de 2025, relativa aos ren-
dimentos de 2024, os jovens
beneficiarão da isenção a 100%.
Mas há mais: propinas,
passes e férias
Quem acabou o ensino supe-
rior em 2023, seja licenciatura,
mestrado ou mestrado integra-
do, pode ter o valor das pro-
pinas de volta a partir do pró-
ximo ano se ficar a trabalhar
em Portugal. O valor máximo
a devolver será de até €697 por
cada ano de trabalho para as
licenciaturas e mestrados inte-
Expresso, 13 de outubro de 2023
“É um Orçamento pipi, bem
apresentadinho e muito betinho
que parece que faz, mas não faz”,
disse o líder do PSD FOTO NUNO FOX
IVA zero para o cabaz de bens
essenciais e o facto de a dotação
prevista para a proteção animal
não ser atualizada face à infla-
ção também merece as críticas
da deputada do PAN, que apelou
ao diálogo do Governo com a
oposição.
“É um Orçamento pior do que
os da ‘geringonça’”, resumiu o
deputado do Livre. Rui Tavares
alertou que a atual emergên-
cia social exige que o Governo
“vá mais além” nas medidas
de apoio às famílias, propondo
um aumento superior do abo-
no de família e a criação de um
Fundo de Emergência para a
Habitação.
Aliança PSD-Livre
sobre-excedente
Se Medina está confiante na
estabilização da inflação em
2024, está ciente também dos
riscos da conjuntura e mostra-
grados e de até €1500 para os
mestrados.
Adicionalmente, os jovens
com menos de 23 anos e os
alunos do ensino básico e se-
cundário terão acesso a passes
para os transportes públicos
gratuitos.
Jovens podem
poupar mais
de seis salários
com as alterações
ao IRS Jovem
Particularmente para os estu-
dantes do ensino superior deslo-
cados que tenham bolsa, podem
receber até €120 a mais do que
já recebem, por mês, como com-
plemento de alojamento. Nos
concelhos de Lisboa, Cascais e
Oeiras o apoio passa dos atuais
€336,30 para €456,41. No Porto
o apoio será de €432,39 e em
Coimbra de €288,26.
Além do mais, as bolsas de
mestrado serão alargadas para
cerca de 14 mil alunos.
-se cauteloso, recusando usar
já a almofada financeira. O ex-
cedente será canalizado para
a criação de um fundo de in-
vestimentos estruturantes em
2026, quando terminar o PRR.
Para Tavares e Montenegro,
o destino dado ao excedente
orçamental deve passar a ser
decidido pelo Parlamento — o
deputado do Livre defendeu
isso esta semana, à semelhança
do que já tinha feito Montene-
gro durante a Festa do Pontal.
“Este debate é particular-
mente necessário porque estes
excedentes orçamentais são
fruto do sacrifício que os nos-
sos concidadãos fizeram nos
últimos anos”, diz ao Expresso
Rui Tavares. A ideia é que “o
país saiba o que o Estado faz
com aquilo que tira a mais ao
já muito que tira à economia e
às pessoas”, advogou Montene-
gro, em agosto.
lpcoelho@expresso.impresa.pt
Voltando ao alojamento,
no caso de não ser para estu-
dantes, há ainda o programa
Porta 65, que em setembro viu
aprovadas novas regras. Este
programa terá candidaturas
contínuas ao longo de 2024 e
beneficia cerca de 26 mil jovens
por ano (290 mil no total). De
recordar que o Porta 65 des-
tina-se a cidadãos com idade
igual ou superior a 18 anos e
inferior a 35.
Por fim, a partir de 1 de janeiro
do próximo ano os jovens que
terminem o ensino secundá-
rio podem viajar de comboio e
passar férias nas Pousadas da
Juventude do país de forma gra-
tuita, graças ao Programa Anda
Conhecer Portugal. Estão incluí-
dos quatro dias de transporte na
CP e seis noites de alojamento
na rede das pousadas.
Rita Robalo Rosa
rrrosa@expresso.impresa.pt
LEIA MAIS
EM EXPRESSO.PT
Expresso, 13 de outubro de 2023 XV

OE 2024 POD CAST

A economia política do Orçamento ‘mata-borrão’

Na habitual edição conjunta
do “Money Money Money” e da “Comissão
Política” o tema foi, como sempre,
o Orçamento do Estado. E tudo o que
nos diz sobre a economia e a política
João Vieira Pereira, David Dinis, vel usar o excedente orçamental
João Silvestre, Eunice Louren- para tentar suprir as dificuldades
ço e Vítor Matos juntaram-se, da economia e precaver a redu-
como todos os anos, para anali- ção do crescimento económico”.
sarem o Orçamento do Estado João Silvestre, editor de Eco-
e chegaram a uma conclusão. nomia, faz notar que, apesar do
“É um Orçamento ‘mata-bor- excedente, “o Governo dá um
viços públicos estão em absoluta
rutura” e prefere investimento,
já a direita “olha para os serviços
públicos e fará muitas críticas,
mas não defende que é preciso
despejar milhões permanentes,
estruturais, para o Orçamento
do Estado para resolver proble-
mas que estão fartos de receber
dinheiro”, opina Dinis.
Eunice Lourenço susten-
ta que Luís Montenegro, que
acusou o Orçamento de “pipi”,
hipotecou o futuro político,
enquanto Medina ensaia “co-
locar-se como uma figura res-
ponsável, que cuida do futuro
do país, extremamente confiá-
vel”. Com a vantagem de ter
“feito a única redução de IRS”,
aponta o diretor do Expresso,
o que poderá “significar” que a
economia “não está tão bem”.
“As finanças públicas estão
estáveis”, assinala João Vieira

FOTO NUNO FOX

rão’ na política, dá para tudo:
mantém as contas públicas equi-
libradas, reforça investimento
e o rendimento das famílias”,
resume João Vieira Pereira. O
diretor do Expresso sublinha
o “expressivo” aumento das
pensões e o “maior aumento de
sempre do salário mínimo”. Um
“‘mata-borrão’ que deixa toda a
gente sem poder dizer mal deste
documento”, assinala.
“‘Mata-borrão’, expressão
que o Presidente da República
já usou aplicando-a ao primeiro-
-ministro”, recorda Eunice Lou-
renço. E Vieira Pereira reconhe-
ce que o documento “absorve
tudo, e absorve principalmente
as críticas da oposição, que fica
sem espaço de manobra para
fazer uma oposição criativa”.
David Dinis lembra Carlos Cé-
sar, que se mostrou “contente
porque pessoas mais à direita
estão a elogiar o Orçamento”.
Porém, assinala o diretor do
Expresso, “há uma grande dife-
rença entre aquilo que está no
papel e depois aquilo que é exe-
cutado”. E aí, adianta, “é possí-
pequeno estímulo à economia Pereira, para quem esta é “uma
para compensar o abrandamen- alteração estrutural” com a jus-
to da economia europeia”. Em- tificação de Medina de que “os
bora, na verdade, estímulos mai- excedentes estão salvaguarda-
ores poderiam não surtir grande dos para o futuro”.
efeito numa economia perto do João Silvestre reconhece que
potencial e até poderiam fazer este não é “um Orçamento con- assumido”, aponta David Dinis “o lançamento de novos prota-
subir a inflação. “Importante”, tra o BCE, até porque tem o numa leitura política. “Cora- gonistas a pensar na liderança
reforça, é a redução da dívida, estímulo orçamental limitado”. gem”, elogia, para um ministro futura dos partidos”, resume
que se traduz em menos juros. Apesar dos condicionalismos, que “tem um superavit e não Eunice Lourenço.
“A dívida pública está a descer Medina “é o desafiante do atual o gasta”. Um Orçamento que Amadeu Araújo
muito rápido, vai chegar abaixo líder do PSD, ainda que não seja anima o debate político com economia@expresso.impresa.pt
de 100%, e isso é um ativo re-
levante num país que tem uma
dívida gigante”, destaca o editor.
“Um Orçamento que tem uma
lógica eleitoralista”, assume
David Dinis, porque impede as
críticas da oposição. E, recor-
da o diretor-adjunto, “os por-
tugueses querem estabilidade,
não querem que o défice seja
prejudicável”. Porque, retoma
Dinis, “o PSD, ao mesmo tempo,
consegue dizer ao Governo que
isto é poucochinho, promete que
nunca mais acaba”. E diz que
o Orçamento “troca impostos
diretos por impostos indiretos, e
isso é um caminho muito claro”.
A esquerda entende que “os ser-

CONCERTAÇÃO
POUPANÇA
Assis “contente” QUE
com acordo no CES
CRESCE
AO RITMO
Presidente do Conselho começa no salário mínimo, que
Económico e Social passa para €820 (mais 10 do que
salienta que CIP estava previsto no acordo assi-
continuará a ser nado há um ano) e passa pela

parceiro “muito ativo”
Apesar de faltar a assinatura
da CIP, a atualização do Acor-
do de Rendimentos assinada
DOS SEUS
recomendação de aumentos de
5% nos privados (ver pág. VIII).
“Este ato é muito importante
desde logo para afirmar a cen-
tralidade da concertação social

entre o Governo, as outras con-
federações patronais e a UGT é
muito positiva e mostra como o
acordo inicial foi bem-sucedido,
acredita o socialista Francisco
Assis, presidente do Conselho
Económico e Social (CES). “É
sempre preferível que exista
este tipo de acordo, porque
introduz alguma pacificação
social”, diz Assis ao Expresso,
manifestando o seu “conten-
tamento” por o acordo ter sido
assinado na sede do CES.
“É um sinal da valorização da
concertação social”, acrescenta
o socialista, que tinha criticado
negociações laterais entre CIP
e Governo por considerar que
estava em curso uma “degrada-
ção institucional”. A Confedera-
ção da Indústria, agora liderada
por Armindo Monteiro, não viu
a sua proposta de Pacto Social
aceite e optou por não assinar o
acordo firmado no sábado entre
o Governo, as outras confedera-
ções e a UGT.
A medida-bandeira da CIP
era um 15º mês sem impostos.
O Governo, e em concreto o pri-
meiro-ministro, tem dito que
esse aumento de rendimento é
conseguido na mesma com as
alterações no IRS e os aumen-
tos salariais previstos no acordo
agora atualizado. O aumento
FILHOS
como pilar fundamental da nos-
sa vida democrática”, sustentou
Costa, após a assinatura do do-
cumento, que acredita que vai
melhorar os salários e a com-
petitividade das empresas. O
primeiro-ministro agradeceu
aos parceiros sociais o “traba- Depósito a Prazo com
lho muito dedicado, com pouco
marketing, mas muita vontade rentabilidade anual de 2,5%
efetiva de concretização”, que
permitiu chegar ao acordo, (TANB) a 3 anos.
numa frase lida como um re-
moque à CIP, cujo líder está em
fase de afirmação. E nos discur-
sos dos outros patrões também
foram passando indiretas à CIP,
mostrando alguma insatisfa-
ção por aquela confederação
ter tentado uma negociação
paralela ao documento com 25
Saiba mais em bpiage.pt
propostas subscritas por todos.
Armindo Monteiro justificou-
-se em declarações aos órgãos
de comunicação social à hora
da assinatura do acordo: “Não
estamos contra o que lá está, a Montante mínimo €250.
nossa preocupação é o que falta
no documento.” Válido para contas tituladas
Francisco Assis acredita que,
apesar da falta de assinatura, a por menores de idade.
CIP não deixará de participar
com todo o empenho na con-
Mobilização antecipada com
certação social, onde “tem tido penalização variável de juro.
uma participação muito ativa”. BANCO BPI, S.A.
Eunice Lourenço
elourenco@expresso.impresa.pt
Este é um dos melhores Orçamentos de António Costa, mantendo o rigor e repartindo
o bolo pelos seus grupos eleitorais. Já para fazer crescer o bolo continua a não haver nada
O Orçamento do Estado de 2024
R ao Quadrado
Ricardo Reis
rquadrado.expresso@gmail.com
N
um país em que o Estado gas-
ta €123 mil milhões por ano
e cobra quase o mesmo em
impostos, a proposta de Orça-
mento do Estado é um dos principais
documentos económicos que tem de
ser discutido. No entanto, nos últi-
mos anos, não tem sido bem assim.
O novo regime orçamental Centeno-
-Costa, como uma vez lhe chamei,
incluía medidas de despesa pública
que, depois de serem aprovadas no
Parlamento, não eram executadas.
As discussões sobre o investimento
público no Orçamento tornavam-se
assim esotéricas. Estava-se a falar do
máximo que o Estado ia investir, mas
quanto iria de facto investir era uma
incógnita só revelada no fim do ano
com os números da execução orça-
mental. O Orçamento para 2024 tem
um lado positivo: porque há pouco
sobre o investimento público, evita-se
a farsa anual de discutir o que prova-
velmente não ia acontecer.
Há este ano uma particularidade, de que o Governo cuida minuciosamente: a preparação
das europeias. Capturando a agenda do PSD e dos liberais, as eleições ficam no papo
O momento Branca de Neve do Orçamento
Estado da Noção
Francisco Louçã
francisco.lou66@gmail.com
H
á sempre três tempos orça-
mentais: o do anúncio, que
espraia felicidade; o da rea-
lidade, quando nos chegam
as questões essenciais da vida; e o da
realização. A realização é como no
cartaz da parede da tasca, volte ama-
nhã que vai ter o hospital prometido,
não está bom de ver que falta parque
habitacional público? — eflúvios de
Estado responsável pululam no re-
latório. De tão habituados à farsa do
investimento público estratégico, já
nem se duvida de que os Orçamentos
convivem com a ilusão.
Antes vem o anúncio, o momento
Branca de Neve. É dominado pela
agenda do Governo, que vai pingan-
do exemplos de como a nossa vida
será melhor e deslumbrando comen-
tadores fáceis: impostos minguantes,
chuvas de dinheiro, pensões confor-
táveis. No entanto, há este ano uma
particularidade, de que o Governo
cuida minuciosamente: a preparação
das eleições europeias. Ouça o minis-
Em termos concretos, há outras
novidades positivas. A principal é a
confirmação de que o PS é um partido
em que os portugueses podem con-
fiar para gerir com rigor as contas do
Estado. O espectro de 2010 está afas-
tado. O excedente da receita sobre a
despesa deve ser 0,2% e as previsões
macroeconómicas do documento são
sensatas e realistas. Portugal deverá
chegar ao fim do ano com a dívida
pública ligeiramente abaixo dos 100%
do PIB. É um enorme conquista dos
governos de António Costa, pela qual
ele merece todo o mérito.
A segunda boa novidade é a descida
da IRS, quer pela atualização dos es-
calões, quer pela descida da taxa sobre
os cinco escalões mais baixos. Como
a sondagem do Expresso na semana
passada mostrava claramente, esta
era a grande prioridade para a lar-
ga maioria dos portugueses. Ter um
Governo que responde ao que os ci-
dadãos querem é sempre boa notícia.
Também positiva é a eliminação
do IVA zero, uma medida que nunca
fez grande sentido, e que custava
imenso dinheiro. O aumento ou a
reforma de outras compensações
sociais, como o abono das famílias ou
o complemento solidário dos idosos,
são bem mais sensatas, mais eficazes,
e custam menos.
Um quarto ponto positivo diz res-
peito ao salário mínimo nacional e às
pensões. Consistentemente, todos os
anos, os Governos de António Costa
favorecem estes dois grupos. Pensio-
tro a falar de jovens, classes médias
e reformados e terá o mapa do medo
do PS: é nesses três grupos sociais
que quer recuperar perdas. Quer
tranquilizar os pensionistas depois
de os ter apavorado com a ameaça
de corte futuro de pensões (ainda
é ministra a que apresentou no ano
passado uma conta falsificada para
garantir que, se a lei da atualização
das pensões pela inflação fosse cum-
prida, se perderiam 13 anos de sus-
tentabilidade do sistema, o que Costa
repetiu enfaticamente?). Aos jovens
oferece tudo o que veio à cabeça de
algum guru de comunicação, as tais
propinas devolvidas post cursum,
bilhetes para comboios e turismo
local, imposto zero no primeiro ano,
só falta o palco da JMJ. A ideia é que,
capturando a agenda do PSD e dos
liberais, as eleições ficam no papo, o
Livre proporá uns estudos e abster-
-se-á, o PAN andará pelo Funchal e
tudo igual no quartel-general.
Só que há a realidade. O Governo
não a ignora e mistura remendos
com agravamentos. Remenda-se a
pobreza: um milhão com salário mí-
nimo melhorado, mas há famílias
trabalhadoras abaixo do limiar da
pobreza, mais de 300 mil pessoas
precisam de RSI ou CSI, imigrantes
ficarão encafuados em contentores.
É assim, o salário é pobreza. Tam-
bém para isso o Governo tem uma
ideia: continua a cortar o salário real
à maioria da Função Pública e às em-
presas oferece mexidas salariais por
ajustes fiscais. Só que usar o IRS e
nistas e os trabalhadores mais pobres
são sempre os que mais ganham ou
menos sofrem na sua relação com o
Estado. Há dois anos, houve uma ex-
ceção esdrúxula quando o Governo
adiou durante muitos meses a atua-
lização do valor das pensões em linha
com a inflação, violando claramente
o espírito (se não mesmo a letra) da
lei de bases das pensões. Este Orça-
mento prevê um aumento da despesa
com as pensões em 6,2%, em linha
com o que devia ser a atualização
prevista na lei. Cumprir o que está
prometido é positivo.
Por fim, a devolução das propinas
aos jovens que fiquem a trabalhar
Ter um Governo
que responde ao que
os cidadãos querem
é sempre boa notícia
em Portugal, assim como a redução
do IRS que eles pagam durante os
primeiros anos em Portugal (o IRS
Jovem) são também boas medidas.
Um Orçamento é uma escolha ine-
vitável entre que grupos privilegiar.
Os jovens (que ainda não emigraram)
são quem tem mais razões de queixa
dos Governos do PS nos últimos oito
anos, quer por terem mantido dois
ministros da Educação que destruí-
ram o ensino público, quer pela falta
de reformas estruturais que contri-
o IRC para afagar políticas salariais
conjunturais é um erro estrutural
que um dia se desvanecerá nos mean-
dros da política.
O segundo problema estrutural de
que a teimosa realidade não desiste
é o complexo turismo-imobiliário.
O Governo acordou estremunha-
do para a crise habitacional e, num
momento carinhoso, o primeiro-mi-
nistro até concordou com a mani-
festação que acusou o seu Governo
de ser o promotor da especulação
imobiliária. Logo, o Orçamento
promete medidas: daqui a alguns
Usar o IRS e o IRC para
afagar políticas salariais
conjunturais é um erro
estrutural que um dia
se desvanecerá nos
meandros da política
dez e €15 mil milhões de benefícios
fiscais a residentes não habituais o
regime vai acabar, mas não se as-
suste, será mantido por incentivos
generosos de IRS a 20%, só que não
é para si. Paciência, o efeito na ha-
bitação será continuar a escalada
dos preços, mas o Governo tem duas
soluções: amparar a subida para
algumas rendas (com um subsídio,
provisório como todos) e uma chuva
de benefícios fiscais e facilidades ad-
ministrativas para quem construir
buíram para que quem entrou no
mercado de trabalho teve empregos
incertos e mal pagos. Dar-lhes algo
pela via fiscal é pouco, mas pelo me-
nos é alguma coisa.
Negativo no Orçamento são as
(pequenas) mudanças no IRC. Man-
tém-se a proliferação de regimes
extraordinários, desde o apoio aos
gastos energéticos ou à silvicultura,
que implicam que Portugal tenha das
taxas de IRC mais altas da Europa e,
ao mesmo tempo, pouca receita. O
principal resultado é desviar a aten-
ção dos empresários para a gestão da
complexidade fiscal em vez da inova-
ção ou da competitividade. Por sua
vez, mantém-se a progressividade
do IRC, que desincentiva a criação de
grandes empresas num país em que
elas são raras. Por fim, o Orçamento
ignora as propostas das associações
empresariais, como a BRP, para que
o Estado pague aos fornecedores a
tempo ou reembolse o que retém
em excesso.
Sendo talvez um dos melhores Or-
çamentos apresentados por António
Costa, ele continua a partilhar as três
principais traves-mestras dos seus
Governos. Se a economia é um bolo,
o Orçamento garante que o Estado
não tenta comer mais do que a sua
fatia, hipotecando bolos futuros. Ele
reparte o bolo de acordo com os de-
sejos atuais do seu eleitorado. E faz
quase nada, nem em concreto nem
sequer em intenção, para aumentar
o tamanho do bolo.
(naturalmente, habitações para o
luxo e turistas). Morreu a promessa
da entrega de casas nos gloriosos
50 anos do 25 de Abril a todos os
que dela necessitavam, o orçamento
promete 6800 fogos para 2026, dos
86 mil que reconhece necessários.
Em resumo, o turismo foi descober-
to como o petróleo no Beato e está
a destruir a vida nas cidades. Assim
vai continuar.
O terceiro problema da realidade
é o serviço público. Acumula o efeito
da habitação: uma médica ou um
professor não podem ir trabalhar
noutra cidade sem o euromilhões. E,
se há crianças sem aulas e 1,6 milhões
de pessoas sem médico de família,
ou o susto das urgências, o Governo
responde com a previsão de um au-
mento da massa salarial que daria
€180 de progressão ou aumento em
média mensal para cada profissional
do SNS, o que significa que recusará
carreiras em exclusividade e acordos
salariais e continuará a recorrer a ta-
refeiros — uma solução que já falhou.
Finalmente, a transição ambiental
são 4 cêntimos nos sacos de plástico
e uns euros no IUC dos automóveis
com 15 anos, vende-se a TAP e venha
novo aeroporto.
Pode-se então perguntar se Por-
tugal não merece ter um serviço de
saúde e de educação a funcionar,
salários dignos e seriedade fiscal,
os centros das cidades sem carros e
com transportes limpos? Merece mas
não terá. Isso seriam contas de outro
Orçamento.
Expresso, 13 de outubro de 2023
COVID-19
Lar de Reguengos exige 2,25 milhões
de euros à Ordem dos Médicos
Fundação que gere o centro onde morreram 17 idosos e uma funcionária quer indemnização por danos reputacionais
Texto Hugo Franco
Fotos Nuno Botelho
Três anos depois das 18 mortes
causadas pela covid-19 no lar
de Reguengos de Monsaraz, em
Évora, há ainda naquela institui-
ção alguns vestígios do período
da pandemia, como a pequena
sala criada junto a uma das en-
tradas para os familiares verem
os idosos da rua em segurança
através de um vidro — agora
pouco usada, ou os cartazes do
SNS espalhados pelo edifício
com os alertas aos utentes sobre
como se protegerem do vírus.
“Foi um período traumatizan-
te para todos nós”, recorda um
idoso, já de 97 anos, que esteve
infetado e perdeu a mulher, que
também vivia naquele lar. É um
dos mais velhos dos 80 utentes
e faz parte de um grupo alarga-
do que sofreu mas acabou por
sobreviver ao vírus. Perto dele,
Dalila Capucho, a jovem assis-
tente social que iniciou o está-
gio profissional no lar durante o
pico da pandemia, acena a cabe-
ça com tristeza. “Aqui ninguém
nunca mais se vai esquecer
desses tempos.” Mesmo tendo
tudo fresco na memória, decidiu
guardar em casa as revistas e os
jornais desse período contur-
bado. “Foram ditas e escritas
muitas coisas erradas sobre o
que se passou aqui”, desabafa.
Depois da tragédia, agora sente
que é tempo para se fazer justi-
ça. Dalila é uma das 23 pessoas
que assinaram a ação, de 53 pá-
ginas, da Fundação Maria Inácia
Vogado Perdigão Silva — gestora
do lar de Reguengos de Mon-
saraz —, que chegou há poucos
dias ao Tribunal Administrativo
de Lisboa e que tem como alvo a
Ordem dos Médicos (OM).
Os seus subscritores exigem
uma indemnização de €2,25
milhões pelos danos reputacio-
nais infligidos pelas declarações
do anterior bastonário, Miguel
Guimarães, e pelo relatório pro-
duzido pela OM que culpava a
falta de condições sanitárias no
lar pelas mortes dos 17 idosos e
de uma funcionária. “É um pro-
cesso que considerámos funda-
mental para repor o nosso bom
nome. A nossa missão foi dene-
JUSTIÇA
Greve dos
funcionários adiou
125 mil diligências
O novo estatuto não
convence os funcionários
judiciais que vão
“endurecer” a greve
se o Governo não ceder
O novo estatuto dos funcioná-
rios judiciais, apresentado pelo
Governo como um “bom proje-
to” que até prevê um aumento
“muito acima das reivindica-
ções dos sindicatos”, está longe
de pacificar um sector em pé de
guerra desde o início do ano.
O Sindicato dos Funcionários
Judiciais considera a proposta
grida por um documento falso”,
acusa José Calixto, presidente
da fundação e à época das mor-
tes o número um da autarquia.
“O valor de €2,25 milhões é uma
estimativa técnico-jurídica do
prejuízo que nos foi causado.
Mas o valor não é o fim da ação
em si. Em causa está sobretudo
a honra desta instituição.”
MP arquivou tudo
Na ação, a que o Expresso teve
acesso, a fundação acusa a Or-
dem de ter iniciado um “inquéri-
to”, terminando-o com “um rela-
tório falso” e divulgando-o com
o “objetivo de demonstrar falta
do Ministério da Justiça “má”,
“sem resposta” às reivindica-
ções dos grevistas e acusa a
ministra Catarina Sarmento e
Castro de “mentir”.
“É grave”, sustenta António
Marçal, presidente do sindi-
cato que tem protagonizado a
“greve dos injustiçados” e que,
segundo esta organização, já
levou ao adiamento de 125 mil
diligências e ao não cumpri-
mento de 5,5 milhões de atos
judiciais, como por exemplo
conseguir uma certidão de re-
gisto criminal.
de condições de trabalho e res-
ponsabilidade de todos, menos
dos médicos, que, segundo esta,
se deviam recusar a exercer as
suas funções”. A OM “insinuou
ainda que terá havido violações
de regras na gestão do surto que
levara já à morte de 17 idosos”.
Concluiu que o lar “não cumpriu
Os donos do lar de
Reguengos contam
com um trunfo:
o arquivamento
do inquérito do MP
Na apresentação do novo es-
tatuto, o Ministério de Catarina
Sarmento e Castro anunciou o
pagamento de um “suplemen-
to de disponibilidade” de 20%
do ordenado base. O sindica-
to exigia um de “recuperação
processual” no valor de 10%.
Porquê, então, o descontenta-
mento? “Porque o suplemento
que nós exigimos tem caráter
remuneratório, é pago 14 vezes
e não depende de mais nenhum
critério”. Já o proposto pelo
Governo, segundo o sindica-
lista, “é pago 12 vezes” e “de-
pende de avaliações de chefias”
sustentadas em “critérios” que
“não conhecem” e, “pior do que
isso incentiva o trabalho fora
de horas sem pagamento”.
E porque é que acusam a mi-
nistra de mentir? “Porque não
está a falar a verdade quando
diz que a remuneração base dos
funcionários irá ser melhorada
em €100.” Ou seja? Atualmen-
No lar de Reguengos ninguém esquece os
tempos da pandemia. Em cima, ao centro, José
Calixto, presidente da fundação que gere o lar
as regras estabelecidas, não teve
condições para enfrentar com
rigor o surto” e que “os doentes
não foram tratados de acordo
com as boas práticas clínicas”.
A fundação acusa o relatório
da Ordem, tornado público em
agosto de 2020, de encenar
“uma realidade falsa, recorren-
do a ideias e factos falsos, com o
objetivo exclusivo de criar uma
imagem errada e negligente da
instituição e dos seus trabalha-
dores” e “imputando-lhes res-
ponsabilidades pelas mortes e
pela dimensão do surto, quando
tinha informação mais do que
suficiente para dizer o contrá-
rio”. E esclarece que “nunca
te, “a remuneração auferida,
no ingresso, é de €1070 acres-
cida de 10%”. Com no novo es-
tatuto, “o Ministério da Justiça
propõe que a remuneração de
ingresso para os técnicos de
justiça seja de €962. Este valor
é inferior ao já existente. Além
de não melhorar, piora signifi-
cativamente. Portanto, é exata-
mente o oposto do afirmado”,
argumenta António Marçal.
Contactado pelo Expresso, o
Ministério da Justiça sublinha
que “iniciou um procedimen-
to negocial com as estruturas
sindicais representativas dos
oficiais de justiça, sendo essa
a sede própria para a discus-
são do projeto de Estatuto
apresentado”.
Julgamentos adiados
O outro sindicato do sector, o
dos oficiais de justiça, também
não está de acordo com o novo
teve nenhuma intervenção em
matérias de saúde, é um estabe-
lecimento de apoio social (não
de saúde)” que “sempre apoiou
a opinião dos médicos de dever
haver transferência dos idosos
para outro local” e se “escan-
dalizou sempre que o hospital
se recusava em receber estes
utentes, agora transformados
em pacientes”.
Desde maio que os donos do
lar de Reguengos contam com
um trunfo: o arquivamento do
inquérito do Ministério Público
às denúncias de más práticas
durante a pandemia. A procura-
dora Ana Margarida Sebastião
considerou que o desconheci-
estatuto que, segundo declara-
ções de Carlos Almeida à Lusa,
não só “não responde” às reivin-
dicações dos funcionários como
“é requentado” e “igual” ao que
já tinha sido rejeitado em 2021.
Amanhã, o Sindicato dos Fun-
cionários Judiciais vai reunir-se
em assembleia-geral e o objeti-
vo é “mandatar a direção para
endurecer a greve se o Governo
não responder às reivindica-
ções”, explica António Marçal.
Além do suplemento, está em
causa o facto de o Ministério da
Justiça pretender partir a car-
reira dos funcionários em dois,
sendo uma mais especializada
do que a outra. “É inaceitável”,
sentencia Marçal.
Os efeitos da greve, que co-
meçou no início deste ano e
tem paralisações marcadas
para esta semana, sentem-se
em todo o tipo de processos.
Na Madeira, por exemplo, o
julgamento do padre Anastá-
PRIMEIRO CADERNO 17
mento na fase inicial da covid-19
terá condicionado a tomada das
decisões mais acertadas para
combater o surto naquele lar
alentejano, mas não se provou
que a responsabilidade pela pro-
pagação do vírus e pelas mortes
dos idosos devesse ser apontada
aos responsáveis da instituição.
Apesar de “alguma desorga-
nização na implementação das
medidas de controlo da infeção”,
as instituições e os profissionais
de Reguengos “conjugaram es-
forços” para avançar com medi-
das para evitar o agravamento
dos problemas no lar e “procu-
raram fazê-lo da melhor forma”.
Ou seja, houve “impreparação”
mas não responsabilidade cri-
minal de dirigentes, médicos e
assistentes sociais envolvidos.
Ministra é testemunha
A fundação que gere o lar de Re-
guengos chamou como testemu-
nhas do processo uma ministra,
Ana Mendes Godinho (Segu-
rança Social), uma ex-ministra,
Marta Temido (Saúde), um mili-
tar que esteve a liderar a opera-
ção de socorro em 2020 em Re-
guengos, bem como inspetores
da PJ e da Inspeção-Geral das
Atividades em Saúde (IGAS).
“São duas ministras que nunca
nos viraram as costas. Mas todas
as testemunhas serão impor-
tantes, nomeadamente aquelas
que estiveram no local naquele
período”, explica José Calixto.
O Expresso tentou obter uma
reação da OM, mas uma fonte
próxima desta entidade expli-
cou que ainda não tinham re-
cebido qualquer notificação do
tribunal, deixando uma hipótese
de comentário para uma fase
posterior.
hfranco@expresso.impresa.pt
cio Alves, suspeito de abusos
sexuais, foi várias vezes adiado
e só começou esta quinta-feira.
O início do julgamento de
Manuel Pinho, o primeiro ex-
-governante a ser julgado por
corrupção, foi adiado duas ve-
zes até começar, finalmente,
esta terça-feira. Há mais uma
sessão marcada para hoje. E
em Coimbra, um julgamento de
tráfico de droga foi adiado e a
polícia obrigada a abortar uma
série de operações de detenção
para condução a julgamento
dos suspeitos de integrarem
uma rede de tráfico.
Há uma reunião entre os sin-
dicatos e o Governo prevista
para a próxima semana. Será a
última oportunidade para che-
gar a um consenso e evitar o
endurecimento de uma greve
que se prolonga por um perío-
do nunca visto nos tribunais.
Rui Gustavo
rgustavo@expresso.impresa.pt
18 PRIMEIRO CADERNO
INTERNACIONAL ENTREVISTA
Pere Aragonès Presidente do Governo autonómico da Catalunha
“Que proposta tem Sánchez
para a Catalunha? Não sabemos”
Pedro Cordeiro
Enviado a Barcelona
Chefe do Executivo catalão desde os
37 anos, Pere Aragonès foi o mais jo-
vem de sempre no cargo. Figura maior
da Esquerda Republicana da Cata-
lunha (ERC), que disputa a primazia
do nacionalismo com o Juntos pela
Catalunha (JxC), de Carles Puigde-
mont, acredita numa negociação bem-
-sucedida que reconduza o socialista
Pedro Sánchez como primeiro-minis-
tro espanhol, mas não lhe dará apoio
sem contrapartidas sólidas.
P A situação política em Espanha
lembra-lhe mais “House of Cards”,
“Sherlock” ou “The Crown”, séries de
que sei que gosta?
R É uma situação muito singular.
Durante muito tempo Espanha não
encarou a questão da Catalunha. Nos
últimos quatro anos avançámos num
processo de diálogo e negociação, mas
Pedro Sánchez sempre tentou escapar
a esse diálogo. E, depois de cada elei-
ção, a Catalunha volta a estar sobre a
mesa, como questão que nunca desa-
parece e que um dia algum estadista
espanhol terá de enfrentar e resolver
com o povo catalão.
P A ERC viabilizou Governos de Sán-
chez em 2018 e 2019. Negociou com
os socialistas o Orçamento catalão.
Porque não continuar nesse caminho?
R Para alcançarmos algum tipo de acor-
do com o PSOE terá de haver consenso
quanto ao conteúdo. Em 2018 apoiámos
a destituição de Mariano Rajoy [primei-
ro-ministro do Partido Popular], que
suspendera a autonomia da Catalunha.
Em 2019 obtivemos um acordo que per-
mitiu um processo de negociação, liber-
tação de presos políticos e eliminação
do delito de sedição do Código Penal.
Agora temos de abrir uma segunda eta-
pa que entre na questão de fundo. Na
Catalunha uma ampla maioria quer
decidir num referendo o futuro do país.
Há um passo imprescindível, já avan-
çado: a amnistia. Só que não resolve o
conflito histórico entre uma Catalunha
que quer decidir o seu futuro votando e
um Estado espanhol que lhe nega unila-
teralmente esse direito.
P Não será antes um conflito entre
partes do povo da Catalunha?
R Na Catalunha cerca de 80%, segun-
do todas as sondagens, estão de acor-
do com o referendo. Há mais diver-
sidade, claro, nas posições que cada
qual tomará nesse referendo.
P Sánchez diz que é impossível, in-
constitucional. Pode haver acordo de
investidura sem referendo?
R Deixámos três questões cruciais
para que a investidura possa criar um
cenário político útil para a Catalunha:
a amnistia, abordar o referendo em
sede de negociação e, em terceiro lugar,
questões de âmbito financeiro e das
infraestruturas. Há um desequilíbrio
fiscal de cerca de €20 mil milhões por
ano entre o que a Catalunha dá ao Es-
tado e o que os cidadãos da Catalunha
recebem. Temos falta de investimento
crónica do Estado na ferrovia de pro-
ximidade. Há negociação e eu gostava
que houvesse acordo, pois significaria
que conseguimos avançar em todos
estes âmbitos. Que proposta tem Sán-
chez para a Catalunha? Não sabemos,
para lá da amnistia e de acabar com
a repressão, que são o básico para um
diálogo em pé de igualdade. Não há
proposta em termos de língua, cultura,
competências, finanças.
P E se não houver investidura? Tenho
dificuldade em imaginar um líder do
PSOE tão pronto a dialogar consigo
como Sánchez. E já nem falo de um
Governo PP-Vox, direita e extrema-di-
reita, que suponho que não preferisse.
R Se Sánchez quer ser primeiro-mi-
nistro, terá de convencer os políticos
que podem dar-lhe votos. E não vale o
argumento de “ui, senão vêm o PP e
o Vox”. Não daremos apoio a uma in-
vestidura grátis. Clarificámos desde o
princípio as nossas condições na cam-
panha eleitoral. O PSOE conhece-as.
P Governa a Catalunha em minoria,
o que exige muita negociação. Que li-
ções tira para o impasse em Espanha?
R Governamos em minoria, como
tantos outros Executivos na Europa, e
alcançámos acordos para o Orçamen-
to a cada ano: no modelo linguístico
da escola catalã, na política industrial,
no combate à seca que sofremos. Fo-
camo-nos no quê, no benefício para os
cidadãos, e não no quem.
P Imagina uma saída que não mante-
nha as coisas como estão nem passe
pela independência? Uma Catalunha
numa Espanha federal, por exemplo?
R Defendemos a independência, é o
meu objetivo, e trabalho por ele en-
quanto presidente da Catalunha. Que-
remos ser um Estado para podermos
fazer as nossas leis, defender os nossos
interesses na União Europeia, gerir os
UMA CATALUNHA
INDEPENDENTE NA UE
DEPENDE DE HAVER
OU NÃO PROCESSO
ACORDADO COM
O ESTADO ESPANHOL,
COMO PROPONHO
nossos recursos económicos e cons-
truir um Estado-providência forte,
para dar oportunidades às empresas,
melhorar as condições laborais, lu-
tar contra as alterações climáticas e
incentivar a igualdade de género. Se
o Estado espanhol quiser fazer uma
proposta alternativa, que faça. O povo
catalão ouvirá e decidirá. Propus que
entre todos, a favor e contra a inde-
pendência, pactuássemos critérios,
condições, que todos aceitem, para a
sociedade catalã decidir. E assumirei
a decisão que tomar. Antes de ser in-
dependentista, sou democrata.
P “Condições que todos aceitem”,
sem repetir a via unilateral de 2017?
R Não chegámos a 2017 do nada, mas
após um processo em que o Estado
atuou unilateralmente contra a Cata-
lunha desde 2012, por exemplo, quan-
do o Tribunal Constitucional alterou
o estatuto de autonomia que o povo
catalão aprovara num referendo. Ago-
ra houve uma mudança substancial, te-
mos um Governo espanhol disposto a
negociar. É um caminho a prosseguir.
Se a repressão acaba, não há maioria
democrática que precise de pensar
noutras vias.
P Fala da UE. Esta tem dado sinais
desfavoráveis a uma Catalunha inde-
pendente e hesita em aceitar a língua
catalã nas suas instituições.
R A Catalunha é profundamente
europeísta, por história e tradição,
pelas relações económicas, vínculos
culturais e vocação política. Somos
independentistas catalães, mas fede-
ralistas europeus. Acreditamos que
os Estados da Europa devem parti-
lhar muito mais poder com as insti-
tuições comunitárias. Uma Catalunha
independente na UE depende muito
de haver ou não processo acordado
com o Estado, como proponho. Nesse
caso não haveria problema. Quanto
às línguas, o catalão é falado por 12
milhões de europeus. Tem estatuto
oficial em vários territórios do Estado
espanhol e em Andorra, que negoceia
uma associação à UE, e há 20 anos que
acordos parciais permitem o seu uso
na UE. Um catalão pode relacionar-se
administrativamente com organismos
da UE em catalão, mas não pode falá-
-lo no Parlamento Europeu, não há
traduções oficiais no âmbito jurídico.
Estou convicto de que acontecerá.
P Vai haver eleições autonómicas na
Catalunha em 2025. Será candidato?
R A Esquerda Republicana da Catalu-
nha escolhe os seus candidatos através
de primárias, e será o partido a tomar
essa decisão. Precisamos que todas as
lideranças políticas possam candida-
tar-se. Por respeito, não me ponho à
frente, mas o meu projeto não é ape-
nas para quatro anos, é de longo prazo.
P Ainda que unidos na questão na-
cional, a ERC e o JxC disputam o voto
nacionalista, independentista, cata-
lanista. As coisas que têm dito na ne-
gociação com o PSOE também são
influenciadas por esta concorrência?
R Com a oportunidade que nos dá a
conjuntura política no Parlamento
espanhol, não devemos olhar aos in-
teresses de cada partido, que são legí-
timos, mas aos da Catalunha. ERC e
JxC devem fazer um esforço para não
pensar no que cada um pode ganhar,
mas no que pode ganhar a Catalunha.
E a Catalunha pode ganhar muito se
seguirmos essa linha.
NÃO VALE O
ARGUMENTO
DO ‘UI, SENÃO VÊM
O PP E O VOX’. NÃO
DAREMOS APOIO A
SÁNCHEZ PARA UMA
INVESTIDURA GRÁTIS
Expresso, 13 de outubro de 2023
EXPRESSO.PT Leia no
site do jornal uma versão
alargada desta entrevista
Aragonès recebeu o Expresso
no palácio medieval onde tem
sede o governo regional catalão
FOTO ARNAU CARBONELL
P Que importância dá ao Conselho
da República, entidade sem existência
legal e democrática, controlada por
Puigdemont, que prepara uma vota-
ção sobre a investidura? Reconhece-
-lhe autoridade, deixa-se influenciar?
R Tenho o maior respeito por todas
as organizações da Catalunha, mas
são o Parlamento da Catalunha e o
Governo da Catalunha que tomam
decisões pela Catalunha. Logo, são
estes que ouço.
P Que papel poderá ter Puigdemont
no futuro político da Catalunha?
R Uma das coisas que me daria maior
alegria seria recebê-lo de novo na Ca-
talunha. Significaria o fim da repres-
são. Daí em diante, ele, que é político,
será o que quiser, com a confiança que
os eleitores lhe derem.
P Não deixará de ser um adversário
político seu.
R Não o vejo como adversário, antes
como um antecessor. Com ele e com
os demais ex-presidentes mantenho
boas relações e respeito.
P Chegou muito jovem ao topo da
política catalã. Como encara o futuro,
um dia que deixe o cargo?
R Temos de nos acostumar a presi-
dentes de diferentes idades. Ser presi-
dente do meu país é a maior honra que
poderia ter. Não penso em mais nada,
tenho vontade e estou disponível para
continuar a servir a Catalunha. No dia
em que a presidência acabar, fecha-se
uma etapa e decerto que me sobrarão
anos de vida laboral, a trabalhar como
qualquer outro cidadão.
P Gosta de cozinhar. Que pratos faz?
R Sobretudo pratos típicos da cozinha
catalã, como fideos na caçarola, frango
assado ou um bom arroz. Quando re-
gresso de viagens, gosto de reproduzir
em casa os pratos de que gostei. Há
uns anos estive em Portugal e depois
tentei fazer bacalhau à Brás. Acho que
ficou bom, embora haja bem melhores
em Lisboa e no Porto.
pcordeiro@expresso.impresa.pt
20 PRIMEIRO CADERNO
TRIBUNA RÂGUEBI
Teresa
Amaro
Ribeiro Texto
Tiago
Miranda Fotos
O
Enviados a Toulouse
s ‘Lobos’ fizeram his-
tória. Foi a primeira
vez que a seleção de
râguebi ganhou um
jogo no Mundial,
meses após se terem
apurado com um
empate, no play-off,
frente aos EUA no úl-
timo segundo, com um último pontapé
de penalidade. Chegados a França, tive-
ram duas derrotas (Gales e Austrália) e
um empate (Geórgia), mas no derradei-
ro jogo, contra as Ilhas Fiji, alcançaram
a tão desejada vitória (24-23) com um
ensaio de Rodrigo Marta a dois minutos
do fim do jogo, fechado por um chuto
aos postes de Samuel Marques.
Fizeram a festa no relvado que terá
arrepiado os portugueses que até ago-
ra pouco ou nada acompanhavam a
modalidade. Os jogadores correram
em lágrimas pelo campo, abraçan-
do-se. Podemos dizer que os ‘Lobos’
ganharam o seu próprio Mundial. Dois
dias após o histórico triunfo, o Ex-
presso foi a Toulouse acompanhar o
seu último dia no Mundial e longe do
país. Os jogadores que vimos saltar
em campo, em êxtase, estavam já com
muito pouca energia disponível: felizes
mas a precisarem de descanso.
“Eles foram sair ontem à noite, para
festejar, e estão a deixar o corpo rela-
xar depois destes meses intensos”, ex-
plicava um membro da equipa técnica
que se apressava em fechar malas e
sacos para encher o camião com todo o
material, enquanto os jogadores toma-
vam o pequeno-almoço na esperança
de o café fazer diferença.
Já almoçados, os jogadores e equipa
técnica voltaram a juntar-se no hotel.
Uns jogavam “FIFA” na PlayStation,
“já que ainda não existe um jogo de
râguebi”, outros juntaram-se à volta de
uma mesa onde se entretinham com
cartas e algumas moedas. Os restantes
iam ocupando cadeiras, sofás e até um
Mundial Do hotel ao autocarro e à viagem de avião, acompanhámos
o regresso dos ‘Lobos’ a Portugal após a histórica prestação no torneio
“Não quero
voltar a ser uma
pessoa normal”
urso gigante, a mexerem no telemó-
vel, a conversarem ou simplesmente a
aproveitarem o momento de descanso.
Foi nessa altura que explicaram ao
Expresso como tinha sido a prepara-
ção para o Mundial. Sendo que cerca
de metade da equipa é formada por
jogadores amadores, muitos dos quais
com empregos — como dentista, con-
sultor ou engenheiro —, a preparação
teve de ser intensiva e em formato
profissional, muito por culpa do sele-
cionador francês, Patrice Lagisquet.
“Ele trouxe o que precisávamos, trou-
xe rigor em treinos e respeito dentro
da equipa”, partilhou com o Expresso
o treinador-adjunto, Luís Pissarra. De-
DOS 33 CONVOCADOS
PARA O MUNDIAL,
SÓ CERCA DE 20
REGRESSARAM
A PORTUGAL. A MAIORIA
AINDA É AMADORA
pois de quatro anos à frente da seleção,
Lagisquet despediu-se dos jogadores e
da equipa técnica, em Toulouse, para
se reformar a pedido da família.
Ainda sem resposta ficou a pergun-
ta de quem será o seu sucessor. Certo
é que se tratará de um francês, para
que “seja mantida a mesma linha de
treino e jogo e consigamos manter
esta parceria importantíssima, con-
seguida pelo Patrice, com os joga-
dores luso-franceses”, acrescentou o
adjunto.
Chegada a hora de sair do hotel e
seguir para o aeroporto, os jogadores
foram para uma sala vestir os fatos.
Uns passavam camisas a ferro sem
saberem muito bem o que faziam,
outros procuravam ajuda para aper-
tar a gravata, ainda que todos os nós
já tivessem sido feitos desde o início
do Mundial — a maioria dos jogado-
res não sabe fazê-los. Ao saírem para
o autocarro, receberam aplausos e
rumaram ao aeroporto escoltados
pela polícia.
O ambiente entre os jogadores co-
meçou a mudar. Aproximava-se cada
vez mais o momento da despedida.
Ouviam-se frases como: “Não quero
voltar a ser uma pessoa normal”, ou:
“Como é que vou ser eu a fazer o meu
TRIBUNA.EXPRESSO.PT Use este QR Code para
ver online o vídeo da reportagem feita na viagem
de regresso da seleção nacional a Portugal
Ainda no hotel, em Toulouse, os jogadores descansaram
com melancolia à espera da hora de partida para o
aeroporto. À chegada a Lisboa, uma multidão esperava-os
pequeno-almoço amanhã?” O próprio
capitão, Tomás Appleton, já pensava
na profissão de dentista que deixou
em pausa, em Portugal. Ao olhar para
o telemóvel, disse, em tom de suspiro:
“Bem, já tenho uma consulta marcada
para sexta-feira.” Era o regresso da
realidade, o rebentar da bolha na qual
viviam há meses.
Instalados no avião, o piloto con-
gratulou os jogadores pelo micro-
fone, o que resultou num momento
de aplauso por parte dos restantes
passageiros — sim, o voo era comer-
cial. Quando se cruzou a linha do céu
que dita a entrada no espaço aéreo
português, ouviu-se o anúncio de que
“JÁ TENHO UMA
CONSULTA MARCADA
PARA SEXTA-FEIRA”,
DIZIA O CAPITÃO
(E DENTISTA)
TOMÁS APPLETON
Expresso, 13 de outubro de 2023
o avião tomava o nome de ‘Lobos’,
em homenagem à seleção, que já não
estava completa: dos 33 jogadores, só
regressaram cerca de 20 a Portugal;
os restantes ficaram em França ou
seguiram para os países onde jogam
regularmente.
Mas era especialmente para estes
que tudo isto era novo. Entraram no
Mundial como “pessoas normais” e
saíam de lá a serem reconhecidos
nas ruas e com perspetivas de ou-
tras carreiras. Jerónimo Portela e
Rafaele Storti — marcou três ensaios
no torneio — receberam mensagens
de interesse de outros clubes.
Será que o râguebi vai ganhar outra
relevância num país dominado pela
bola de futebol? Ou será a euforia do
momento? “Ver o apoio que tivemos
num país de futebol é fantástico, jun-
tou-se tudo atrás da nossa seleção e
do râguebi”, disse David Costa, um
dos jogadores. E, por isso, acreditam
que este sentimento se vai manter,
que esta poderá ter sido uma ‘rampa
de lançamento’ na popularidade.
Para o presidente da federação, Car-
los Amado da Silva, falta um ponto
essencial para o crescimento desta
equipa e da modalidade: financia-
mento. “Para tudo o que fazemos é
preciso dinheiro e nunca seremos ex-
tremamente melhores se não houver
investimento”, resumiu quem esteve
com a seleção em França e viajou
de volta com a equipa. No Aeropor-
to Humberto Delgado, em Lisboa, a
saída de passageiros encheu-se com
centenas de adeptos que receberam,
aos gritos, os jogadores numa euforia
arrepiante. Depois de largos minutos
de autógrafos, fotografias, abraços e
muitos agradecimentos, foi o regres-
so. O fim definitivo de um sonho que
acreditam que mudará a história do
râguebi português.
Os jogadores amadores voltaram
às suas casas para recomeçar “a vida
normal”, onde o râguebi é um hobby
levado muito a sério. Mas será que
voltará a ser a mesma? Os seus nomes
já estão gravados na história do des-
porto nacional. O próximo Mundial é
em 2027 e a mira está lá, onde todos
quererão chegar de outra forma, com
outros apoios. Com o râguebi mais
crescido em Portugal.
taribeiro@expresso.impresa.pt
Expresso, 13 de outubro de 2023 PRIMEIRO CADERNO 21
22 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 13 de outubro de 2023

PROJETOS EXPRESSO LONGEVIDADE

Abandono Número de idosos a viver nos hospitais tem aumentado drasticamente. Este ano houve um crescimento de 60%.
Misericórdias, lares e associações querem soluções para um problema que está a custar €50 milhões por ano ao Estado

A minha filha vem

buscar-me na quinta-feira

T
Textos André Rito

odas as semanas
dizia a mesma coisa
aos assistentes so-
ciais: “A minha fi-
lha vem buscar-me
esta quinta-feira.”
Depois de um epi-
sódio que a levou às
urgências de uma
unidade de saúde no Norte do país,
Maria recebeu alta médica mas ficou
a viver no hospital. Uma situação de
abandono que se arrastou por longas
semanas. “A sua filha perdeu o au-
tocarro”, dizia-lhe, repetidamente,
Jorge Rosado, diretor artístico dos
Palhaços d’Opital, uma associação
sem fins lucrativos que diariamente
visita idosos internados no Serviço
Nacional de Saúde (SNS).
A história de Maria, octogenária,
está longe de ser um caso isolado. Se
durante a pandemia o abandono de
idosos nos hospitais teve uma redu-
ção significativa, atualmente regis-
ta-se um aumento drástico: segundo
dados do sétimo Barómetro de Inter-
namentos Sociais, de 2023, estavam
internados “de forma inapropriada”
quase 1700 pessoas. Um número que
se traduz num aumento de 60% re-
lativamente ao ano anterior, quando
se totalizavam 1048 casos. Abando-
nados pelas famílias, sem recursos
financeiros, habitação ou em lista de
espera para lares, resta-lhes pouco Para muitos idosos abandonados nos hospitais, as únicas visitas que recebem são dos Palhaços d’Opital e de assistentes sociais FOTO D.R.

mais do que aceitar a vida confinada
entre as paredes de um quarto de
hospital ou de um corredor.
Foi de tanto esperar pela quinta-
-feira que Maria começou a conven-
cer-se de que aquela era realmen-
te a sua casa — um hospital. Jorge
Rosado, que já se dedica há quase
duas décadas a levar diariamente a
alegria aos idosos internados, desa-
bafa: “Quando saio do personagem
[Doutor Risotto, como é conhecido
entre os doentes], é impossível não
ficar a pensar no quão descartáveis
são consideradas estas pessoas.”
Manuel Caldas de Almeida, presi-
dente da União das Misericórdias,
traça um cenário “dramático”: “Esta
situação que se passa nos hospitais do
SNS é gravíssima.” E se para os idosos
aceitar uma realidade tão dura como
o abandono é difícil, as consequências
em termos da assistência à população
em geral facilmente se tornam sis-
témicas: “Um hospital é destinado a
internamentos curtos. Ora, se temos
100 camas e 30 estão ocupadas por
vagas sociais, por doentes com alta
mas que não têm para onde ir, todo o
sistema fica comprometido”, afirma
o também médico. “Há uma redução
da capacidade instalada que impede o
acesso a quem realmente precisa e re-
vela, ao mesmo tempo, uma enorme
ineficácia e desperdício do sistema.”
Segundo o mesmo estudo, realizado
pela Associação Portuguesa de Admi-
nistradores Hospitalares (APAH) em
parceria com a EY e com o apoio da
Sociedade Portuguesa de Medicina In-
terna (SPMI) e da Associação dos Pro-
fissionais de Serviço Social (APSS), os
internamentos sociais custam quase
€52 milhões por ano ao Estado. Mais
uma vez, comparando com dados do
ano anterior, o aumento é conside-
rável: em 2022 o valor anual destes
custos ficou pelos €19,5 milhões.
O problema não é apenas social ou
financeiro. Ana Escoval, professora
associada de Políticas e Administra-
ção de Saúde na Escola Nacional de
Saúde Pública e sócia da Associação
de Administradores Hospitalares,
chama a atenção para outra variável:
“Além dos problemas causados pela
ocupação total, os idosos abandona-
LONGEVIDADE dos nos hospitais ficam, naturalmen-
É o ano dois do projeto que te, mais expostos e vulneráveis, em
o Expresso lançou em 2022, risco acrescido.”
com o apoio da Fidelidade O diálogo entre os hospitais, Minis-
e da Novartis. Durante tério do Trabalho, Solidariedade e Se-
o ano vamos olhar para gurança Social e Ministério da Saúde
os desafios da longevidade foi considerado numa portaria de 2
que se colocam às pessoas, de fevereiro deste ano, precisamente
às comunidades, às empresas para um melhor planeamento da alta
e ao Estado. Agora que vamos hospitalar, assim como a articulação
viver mais anos, a meta institucional com lares, misericórdias
é chegarmos novos a velhos. e IPSS, com vista ao acolhimento
e acompanhamento dos idosos que
permanecem internados mesmo após
alta hospitalar.
“Cerca de 50 misericórdias aco-
lheram casos sociais do SNS, que
rondam um total de transferências
de 500 utentes para ocupar vagas
extra-acordo existentes nos lares das
misericórdias”, confirmou Manuel
Caldas de Almeida. Com particular
gravidade nos hospitais de um grande
BEST OF DOS TEXTOS DE LONGEVIDADE NO SITE
Seniores desportistas, como um alerta para a
o campo da felicidade importância de implementar
e literacia da longevidade medidas que ajudem os mais
velhos a serem mais felizes.
^ Desporto Um ensaio clínico ^ Envelhecimento A mais recente
inédito juntou 350 pessoas com edição das “Conversas Sem
mais de 60 anos no Algarve. Fim”, organizadas pelo
Trata-se de um programa de Expresso, foi dedicada à ciência
exercício físico para prevenção e literacia da longevidade.
de doenças cardíacas e dos ossos As conclusões apontam
numa unidade frequentada por para a necessidade de mais
atletas de alta competição. investigação, promoção
^ Saúde Designado Happiness e prevenção da saúde
Camp, foi um festival que e literacia para os cuidadores.
decorreu no passado mês de
setembro na Alfândega do Veja tudo em
Porto. O evento serviu também www.expresso.pt
centro urbano como Lisboa, no Por-
to o cenário não é muito diferente.
“Temos casos de abandono. Falamos
de pais ou mães que são deixados
no hospital e que nunca mais os vão
visitar ou levam para casa”, afirma o
provedor da Santa Casa da Misericór-
dia do Porto, António Tavares. “Tem
muito a ver com o envelhecimento
da população e com o facto de a so-
ciedade não estar estruturada para
as alterações demográficas. O apoio
domiciliário não responde às neces-
sidades destas pessoas. No Porto da-
mos apoio a 60 pessoas abandonadas
nos hospitais.”
Natal no hospital
Se a ausência de retaguarda familiar
e os parcos recursos explicam muitos
dos internamentos sociais prolon-
gados no tempo, há também casos
cujas razões são de mera conveniên-
cia. Jorge, com perto de 80 anos, é
um exemplo: todos os Natais a famí-
lia deixava-o internado no hospital.
“Só lá voltavam depois da passagem
de ano. As pessoas acham que para
ter um bom Natal têm de se livrar
de tudo o que é incómodo e fator de
stresse”, lamenta Jorge Rosado, que
luta diariamente por passar outra
mensagem: “Precisamos de trans-
mitir às novas gerações o valor dos
mais velhos, a sua sabedoria, os seus
ofícios. Uma pessoa com demência
pode não ser a melhor companhia no
Natal. Mas o velhinho deve estar na
mesa da Consoada, para que os filhos
e netos percebam que um dia serão
eles a precisar de serem cuidados.”
Ainda assim, Rosado não se esquece
do inverno passado. “Em dezembro
começámos a intensificar as visitas, e
depois das reuniões com o enfermei-
ro-chefe apercebi-me de que havia
muita gente internada com mais de
80 anos. Foi então que a enfermeira
me disse: ‘Está a chegar o Natal.’”
sociedade@expresso.impresa.pt
P&R
Quantos doentes ocupam
atualmente as chamadas
‘camas sociais’?
Segundo dados do sétimo
Barómetro de Internamentos
Sociais, existem atualmente
quase 1700 camas ocupadas por
pessoas internadas apenas por
razões sociais, nomeadamente
por carência económica, ausência
de família que acolha estes idosos
ou por dificuldade nas respostas
sociais por parte de instituições,
lares e misericórdias.
Que custos representam
estes utentes para o Serviço
Nacional de Saúde?
Segundo a Associação
Portuguesa de Administradores
Hospitalares, os internamentos
sociais têm um custo anual ao
Estado que ronda os €52 milhões.
Durante a pandemia verificou-se
uma queda significativa deste
tipo de internamentos, mas os
números voltaram a subir: em
2023 registou-se um aumento de
60% destes casos.
Quanto tempo dura,
em média, um
internamento social?
Depende das várias respostas
existentes, quer nos lares e nas
misericórdias e das próprias
famílias. Atualmente, a média
de permanência de um idoso
no hospital, com alta médica,
ronda os 61 dias. Este número
aumentou exponencialmente,
já que em 2022 a média
era de 29 dias. A principal
causa é a dificuldade
para obter vaga num lar.
Expresso, 13 de outubro de 2023
Vidas Perfeitas
Por Carla Quevedo
1928-2023 Com uma carreira com mais de 50 anos, começou no Rádio Clube
Português e foi a primeira artista a cantar nas emissões experimentais da RTP
Margarida Amaral
É
uma evidência que o tem-
po passa e que a pessoa
que aprendemos a reco-
nhecer ao longo da vida
sofre as mudanças naturais do
envelhecimento. Há quem se
reconheça até muito tarde, man-
tendo uma espécie de eterna
juventude ou incapacidade de
tomar a devida distância entre o
futuro que não se sabe e o passa-
do que já lá vai. É na capacidade
de nos distanciarmos para iden-
tificar a mudança ao ponto de
ficarmos embasbacados a olhar
para fotografias nossas de me-
ninos e meninas que fomos que
está o humor.
Margarida Amaral, desapare-
cida há dias com 95 anos, passou
mais 50 da sua vida adulta a can-
tar primeiro na rádio e depois na
televisão nacional. No programa
“Heranças de Ouro”, na RTP
Memória, em 2007, Margarida
conta a Maria João Gama que
tem uma fotografia em fato de
banho num móvel no corredor.
A rir, diz que sempre que passa
por ali e repara na fotografia,
pergunta: “Mas quem é esta pes-
soa?”, mostrando desta forma
coquete à entrevistadora que
sempre foi linda, que sabia que
o era, mas que aceita, bem-hu-
morada, a passagem do tempo.
Os elogios da entrevistadora
pretendem consolar, mas não
é preciso. Margarida em 2007 é
uma mulher feliz e isso nota-se
no modo generoso e aberto com
que participa num programa de
que gosta por ser para “os artis-
tas velhotes”.
Margarida Amaral nasceu em
Lisboa, em 1928. A mãe adorava
cantar e tinha “uma voz macia,
pequenina, mas melodiosa”. A
tia cantava profissionalmente
e tinha a melhor voz das três,
segundo nos informa Marga-
rida com carinho e admiração.
Coloca-se um pouco à margem
para homenagear como deve
ser. Como diria a própria, “ou-
tros tempos”. Tinha uma vizinha
na Rua Marçal chamada Isabel
Maria que um dia a levou ao Rá-
dio Clube Português. Ninguém
era indiferente àquela voz e José
de Oliveira Cosme que a recebeu
disse que iria participar no coro
feminino, mas só “um ou dois
dias para se ambientar”, porque
tinha “boa voz”.
Obituário
Chuck Feeney
1931-2023 Nome de guerra
de Charles Francis Feeney,
empresário americano que
fez fortuna como cofundador
do Duty Free Shoppers Goup,
famosa cadeia de lojas de
produtos de luxo presente nos
grandes aeroportos mundiais.
Fundou também a Atlantic
Philanthropies, uma empresa
privada que distribuiu 8
mil milhões de dólares em
donativos a universidades,
instituições de saúde e grupos
políticos de esquerda, como
o Sinn Fein, o braço político
do IRA. Durante os primeiros
15 anos desta instituição,
fundada nos anos 80 nas
Margarida Amaral
nasceu em Lisboa,
em 1928. A mãe
adorava cantar
e tinha “uma voz
macia, pequenina,
mas melodiosa”
Apesar das vergonhas tipica-
mente femininas, dos medos de
falhar e fazer má figura, Marga-
rida lá foi cantando no estúdio
da estação de rádio. O ambien-
te entre os artistas era bom e
sentia-se bem-vinda. Passado
algum tempo, apresentou-se
para fazer provas na Emissora
Nacional, tendo sido avaliada
por um júri composto pelos
maestros Belo Marques e Tava-
res Belo, o compositor Nóbrega
e Sousa, e o chefe dos serviços
musicais da Emissora, Pedro
do Prado. As provas eram di-
Bermudas, as doações eram
feitas anonimamente e as
organizações que recebiam
tinham de assinar acordos
de confidencialidade. Filho
de uma enfermeira e de um
vendedor de seguros de origem
irlandesa, destacou-se como
aluno e começou a carreira
empresarial quando serviu
como operador de rádio na
Guerra da Coreia e vendia
álcool livre de impostos
aos camaradas do exército.
Importou o conceito e começou
a vender carros e tabaco livres
de impostos, ajudando depois a
implementar a cadeia de lojas
que ainda hoje está presente
nos aeroportos. Vendeu a
participação na empresa — na
verdade já era detida pela
Atlantic — e passou a dedicar-
-se em exclusivo à filantropia,
vivendo sempre modestamente
numa casa alugada, sem
qualquer luxo. Doou todo o
dinheiro que juntou e extinguiu
a Atlantic em 2020. Dia 9, de
causas não reveladas.
FOTO D.R.
fíceis como as do liceu. Levou
uma valsinha porque estava
muito na moda e pediram-lhe
que voltasse com uma canção
mais popular. Voltou e passou
nas provas.
Margarida Amaral passou a
fazer parte do Coro Feminino
da Emissora. Quando o coro
terminou, passou a cantar num
sexteto que passaria a quarteto
com a saída de dois elementos,
Lina Maria e Maria Fernanda
Soares. Cantar a quatro vozes
era um prazer para Margarida
que confessou ser “uma mulher
feliz”. Estava sempre atenta à
voz, claro, porque a afinação en-
tre todas era essencial. Mas tudo
corria de certeza bem porque o
maestro Freitas Branco “ia de
propósito ao estúdio B ouvir o
quarteto” e afirmava: “Que so-
noridade tão bonita!”
Foi ainda solista da Orquestra
Típica Portuguesa de Belo Mar-
ques e, na sua estreia, em 1949,
canta um dos temas por que fi-
Manuel Figueira
1938-2023 Artista
cabo-verdiano — nasceu no
Mindelo, em São Vicente —,
viveu em Portugal entre 1960 e
1974 e tirou o curso de Pintura
na Escola Superior de Belas-
-Artes de Lisboa. Depois da
Revolução e da independência
do arquipélago, voltou a
casa e fundou a Cooperativa
Resistência, com o objetivo
de manter viva a tecelagem
tradicional cabo-verdiana.
Foi ainda diretor do Centro
Nacional de Artesanato, a
primeira instituição cultural
pós-independência de Cabo
Verde. Dia 8, de causas não
reveladas.
caria mais conhecida, ‘Allô’. Ou-
tro dos seus maiores sucessos foi
o tema ‘Viva o Sporting’ que fes-
tejou a vitória do Sporting, em
1964, na Taça das Taças, frente
ao MTK de Budapeste. Por cau-
sa da sua participação constante
na rádio, Margarida tinha cada
vez mais convites para atuar e,
um dia, Raul Feio desafia-a a
fazer parte da emissão televi-
siva que se experimentava no
estúdio da Feira Popular. Es-
távamos em 1956 e Margarida
aceita sem fazer ideia do que a
espera. Conta que o público as-
sistia de pé, às escuras, claro. Se
visse as pessoas, ficaria nervosa.
Felizmente, à frente das câma-
ras havia aquela luz que não a
deixava ver mais nada.
A convite do produtor Melo
Pereira, participa no programa
“Melodias de Sempre”, e aí re-
cria o tema ‘Camélias’, canta-
do pela soprano Corina Freire.
Quando o programa passou a
ser itinerante, Margarida correu
o país do Algarve a Trás-os-Mon-
tes, mas o máximo que saiu de
Portugal foi ir à Madeira, disse
a brincar, sabendo a geografia.
Convites não faltaram para can-
tar em Luanda e noutros países,
mas Margarida estava dedicada
ao marido e ao filho e recusou
sempre porque não suportava
estar longe de casa.
No programa da RTP Memó-
ria deixa escapar as condições
em que “os artistas velhos”
trabalhavam. Tudo era feito no
momento, sem grandes ensaios,
com muito pouca preparação,
mas o resultado era sempre tão
bom que ninguém diria. Marga-
rida chegava a cantar durante
horas até os músicos amadores
a conseguirem acompanhar.
Decorava versos para cantar
na hora canções e modas que
as pessoas lhe pediam, só para
corresponder à simpatia com as
pessoas a recebiam. Tinha feliz-
mente uma enorme facilidade
em aprender músicas e letras e
assim o fez toda a vida, como a
mãe e a tia o tinham feito. Em
comum tinham as três aquilo a
que se chama “um bom ouvido”.
Margarida Amaral viveu a fa-
zer aquilo de que mais gostava:
a cantar canções alegres e bem-
-dispostas, com letras divertidas
e ligeiras. É claro que foi feliz.
Por Rui Gustavo
> Dorothy Hoffner (1919-2023),
aventureira americana, traba-
lhou a vida toda numa compa-
nhia telefónica e, acreditava,
como nunca se casou nem teve
filhos pôde fazer o que quis du-
rante a vida. Aos 100 anos fez o
primeiro salto de paraquedas
e aos 104 tornou-se a mulher
mais velha de sempre a realizar
esta atividade radical. Dia 11,
uma semana depois do salto
que a colocará no “Guiness”,
durante o sono, no lar onde vi-
via. > Sidney (1932-2023), nome
artístico de Paul Ramboux, de-
senhador belga e coautor, com
o argumentista Bom, da série
“Julie, Claire, Cécile”. O tema
— a passagem da adolescência à
idade adulta de três raparigas —
era algo inusitado para a banda
desenhada dos anos 60 e foi um
sucesso assinalável muito por
causa do tom realista da obra.
Trabalhou na revista “Tintin”,
desenhou histórias do Spirou e
criou uma BD histórica sobre a
Guerra Civil Americana. Dia 5,
de causas não reveladas.
Cartas da semana
Os originais das cartas não
devem ter mais de 150 palavras,
reservando-se a Redação o direito
de as condensar. Os autores devem
identificar-se indicando o nº do B.I.,
a morada e o nº do telefone. Não
devolvemos documentos que nos
sejam remetidos. As cartas também
podem ser publicadas na edição online.
Para contacto:
Cartas@expresso.impresa.pt
Barbárie na terra
O que aconteceu em Israel é in-
digno de seres humanos e nada
do que os terroristas do Hamas
digam contra Israel justifica os
crimes praticados contra bebés
e idosos. E sequestrar pessoas
em cadeiras de rodas? Como é
possível? Na guerra, para quem
a viveu, ocorrem sempre exces-
sos, mas degolar crianças ultra-
passa tudo — e um verdadeiro
soldado não o faria. É tão ou
mais cruel que os crimes hedion-
dos praticados pelos nazis. Ima-
gino o que vai acontecer agora e
o ódio que crescerá numa terra
martirizada por conflitos sem
fim. O poder militar de Israel é
enorme, incluindo um poderoso
arsenal nuclear, e não é difícil
de calcular o que vai acontecer
em Gaza, com um cortejo de
destruição e a morte de muita
gente, infelizmente muita dela
inocente. E o Sul do Líbano é
outro barril de pólvora. Será que
o Médio Oriente voltará a ser o
mesmo e qual o papel do Irão
neste puzzle complexo onde se
cruzam interesses políticos, eco-
nómicos e estratégicos?
Manuel Alves, Lisboa
Papagaios insinceros
Eu, que não costumo ver TV
(leio os jornais e deste hábito
não abdico, por ser mais pro-
veitoso e não tóxico), não pude
mandar que o meu anfitrião
desligasse a TV na SIC quando
vi aparecer, no ecrã, um novo
“comentador político” chama-
do Pedro Nuno Santos. Tive
azar e até não deixei de sentir
o contraste entre, por um lado,
a boa reportagem da mesma
emissora televisiva, passada
uns minutos antes, sobre a si-
tuação de um português ligado
ao caso Altice, e, por outro lado,
o péssimo serviço à democracia
convidando para “comentador
político” um ex-membro do Go-
verno e atual deputado. Para
tornar a situação ainda mais
desinteressante, a entrevista-
dora era muito dócil, submissa
e reverente. Não pude mandar
desligar a TV, mas deu-me mui-
to gozo citar, perante a simpá-
tica família, este sempre atual
pensamento de Miguel Torga:
“A política é para eles uma pro-
moção e para mim uma aflição.
E não há entendimento possí-
vel entre nós... Separa-nos um
fosso da largura da verdade...
Ouvir um político é ouvir um
papagaio insincero.”
José Madureira, Porto
Breve apontamento
Hoje, ao pequeno-almoço, es-
colhi para companhia a leitura
“A casa mais cara do mundo”,
da Clara Ferreira Alves, na
Revista do Expresso. Fiquei
pensativo e a querer traduzir
esse estado neste breve apon-
tamento. E, antes de mais, devo
dizer que sinto pela C.F.A. uma
sedução, ainda que contida,
pelo seu propósito muito ge-
nuíno de comunicar, pela irre-
verência, pela impetuosidade,
pela crueldade, até, mas fun-
damentalmente pelo brilho de
pensamento, pelo realismo que
coloca nas suas narrativas (qual
Eça!), pela oportunidade dos
PRIMEIRO CADERNO 23
contextos e dos temas, enfim,
uma panóplia de atributos que
a levaram à conquista muito
peculiar do seu palco. E o que
acaba de nos dizer nesta cró-
nica vem colocar-nos a par do
mundo cruel que habitamos, da
ambivalência dada à dignidade
humana, do desnorte, do som-
brio, do escalar exponencial
das assimetrias, da impotên-
cia e desleixo das instituições,
enfim, de um mundo onde a
fragilidade do inconformismo
dá espaço à ditadura do mais
forte e àqueles que não que-
rem partilhar paritariamente
esta comunidade de homens
e mulheres que anseiam por
uma vida de prosperidade e
de pertença coletiva e univer-
sal. Quando se fala tanto de
sustentabilidade, envolvendo
particularmente preocupações
ambientais e sociais, eu tomei
nota do que alguém dizia, um
dia destes, a propósito desta
problemática: a natureza não
desaparecerá, mas a raça hu-
mana, essa sim, será quase
dizimada, se as coisas não se
alterarem, ficando reduzida
apenas a dois mil milhões de
pessoas (1/4). E, nesse contexto
de calamidade, parece-me que
não haverá grande dificuldade
em comprar ou alugar casa, a
manterem-se as regras do mer-
cado, e que a quota de acesso
à marina do Mónaco será de
valor insignificante, acessível a
um qualquer. Recomeçaremos,
então, com a lição aprendida,
ou, pelo contrário, continuará
mais um ciclo histórico da hu-
manidade perdida?
João Ferreira, Sintra
A nossa justiça
Um amigo de um filho meu foi
há dias nomeado juiz federal
pelo Presidente Biden. No dis-
curso da tomada de posse, ele
citou Abraham Lincoln: “It is
as much the duty of govern-
ment to render prompt justice
against itself in favor of citizens
as it is to administer the same
between private individuals.”
Aquelas sábias palavras de um
enorme Presidente americano
deviam fazer o nosso Governo
refletir e agir em conformida-
de. A palavra a reter naquela
observação é quase imediata.
Não podemos apregoar que
há justiça em Portugal quando
os processos se arrastam nos
tribunais por 10 ou mais anos,
o que é vulgar acontecer nos
tribunais administrativos. A
justiça ou é rápida ou não é jus-
tiça. Este calamitoso estado da
nossa justiça é, a meu ver, uma
das causas primeiras do nosso
empobrecimento em relação
aos nossos parceiros europeus.
Ronald Silley, Canadá
UE vs. Israel
O ministro dos Negócios Es-
trangeiros da UE ainda não
condenou fortemente o ataque
do Hamas a Israel e teve a ideia
peregrina de convidar os minis-
tros dos Estrangeiros de Israel
e da Palestina para conversar
com os homólogos dos 27. O
que é isto? Para que serve? Joe
Biden e a normalmente desa-
parecida Kamala Harris aber-
tamente estão, sem dúvida, ao
lado de Israel. Que hoje tem um
Governo de salvação nacional.
Os EUA, até ver, nunca expul-
saram ou mataram judeus [...].
Os países europeus expulsaram
ou/e mataram judeus ao longo
da História. E hoje a UE está a
alimentar a guerra na Ucrânia
e não se define abertamente
quanto a Israel? Será intencio-
nalmente? Ou está a espera de
ordens de Joe Biden?
A. Küttner de Magalhães, Porto
24 PRIMEIRO CADERNO
Se não aconteceu,
podia ter acontecido
Nº 93 SÉRIE II
DIRETOR: LUÍS PEDRO NUNES
ESPECIAL ANÁLISE
OE24
Inimigo Público
descobre segredo
de Medina:
redução de dívida
conseguida com
banda gástrica
O segredo de Fernando Medina para
a rápida redução da dívida é, afinal,
uma banda gástrica. É o resultado
de uma investigação do INIMIGO
PÚBLICO que descobriu duas fatu-
ras que comprovam o procedimen-
to: em 2022 foi colocada uma banda
gástrica na despesa pública e no ano
passado, para reforçar, foi retirada
parte do estômago do investimento
do Estado. O emagrecimento tem
sido mais rápido do que o previsto
inicialmente e até surpreendeu os
médicos que já recomendaram, en-
tretanto, o abandono imediato do
jejum intermitente. O Governo tem
seguido esta prática nos últimos
anos, ficando vários meses sem gas-
tar e a acumular receitas fiscais
para, no final do ano, à pressa, gas-
tar à-toa para evitar excedentes de-
masiado grandes. A.P.
Sobem todas as
pensões, exceto a de
Manuel Pinho
Manuel Pinho começou a ser julga-
do, esta semana, e tudo indica que
decidiu adaptar a estratégia de de-
fesa de José Sócrates com a descul-
pa “o dinheiro era do Dr. Ricardo”.
O antigo ministro da Economia é o
único reformado excluído dos au-
mentos de pensões, alegadamente
porque Medina quer guardar saldo
para o caso de Portugal ter de orga-
nizar um campeonato europeu e
porque necessita de margem orça-
mental para os apoios à habitação,
com o subsídio a fundo perdido de
uma torneira por cada bidé, e o in-
centivo ao abate de carros e aos pal-
cos milionários do Papa. M.B.
EXCEDENTE DE €663,5
MILHÕES DÁ MARGEM
PARA, PELO MENOS,
DOIS ESTÁDIOS NOVOS
DO MUNDIAL 2030
Em 2024, com ou sem
intervenção de Nossa Senhora,
como na sétima avaliação da
troika, haverá um excedente
orçamental de 663,5 milhões de
euros, uma verba que deverá ir
direitinha para erguer dois ou
três estádios novos e equipar 25
rulotes de bifanas do Mundial
2030. No dossiê de candidatura,
apontava-se também para uma
nova autoestrada Porto-Lisboa
e um cenário com Gouveia e
Melo como Presidente, Pedro
Nuno Santos primeiro-ministro
e Pedro Guerra ministro do
Desporto. M.B.
O Orçamento do Estado
para 2024 prevê uma
receita de 123.682
milhões de euros, uma
despesa de 123.019 milhões
+ 14 euros em gasóleo para o
navio Mondego. Estas contas
podem sair furadas se o Papa
vier cá passar outro fim de
semana, com mais 500
adjudicações diretas, e,
principalmente, porque não
incluem a gratificação com o fecho
de urgências, escolas, tribunais,
repartições, esquadras e um estafeta
que leve a Kiev os helicópteros Kamov
que os ucranianos nunca vieram cá
buscar. Medina, que enviou o Orçamento
para a embaixada russa logo em
setembro, como é habitual, ainda espera
subir a receita com uma nova tributação
sobre os bípedes. M.B.
Fim do IVA zero
aumenta garrafa
de azeite para
o preço do barril
de Brent
No final do ano, deixa de haver o ca-
baz de produtos com IVA zero, o
que levará o preço do azeite para
OPINIÃO
Por
Luís
Montenegro
O OE 2024 É PIPI, MUITO
BETINHO E FOI CONVIDADO
PARA O CASAMENTO REAL
Portugueses, nomeadamente
aqueles poucos que sabem quem
eu sou e não me confundem
com o Morais Sarmento, com o
Paulo Mota Pinto ou com o Ray
Liotta no “Tudo Bons Rapazes”,
li atentamente a proposta do
Orçamento de Estado 2024,
para tentar perceber se ainda
continuaria a pagar IRS sobre o
vencimento de presidente do PSD
depois das eleições europeias
de junho, o que, cada vez mais,
duvido. E percebi que é um
orçamento pipi, bem vestidinho,
muito apresentadinho, muito
betinho, que eu vi no Palácio de
Mafra, todo monárquico, com
um marcador de seda escarlate,
a trocar impressões com o livro
de assinaturas do Casamento
Real e, mais tarde, num “English
Pub” da Praia do Tamariz,
com a namorada (uma novela
histórica da Isabel Stilwell sobre
uma aia de companhia da Dona
Urraca), a torcer pelos Lobos
MEDINA
APRESENTA
DESPESA
DE €123.019
MILHÕES,
MAS AVISA
QUE NÃO
INCLUI
GORJETA
valores que só temos visto nos con-
tratos de futebolistas com clubes
sauditas. O TOC/tarólogo do IP fez
as contas e concluiu que uma gar-
rafa de 75 cl. vai custar tanto como
um barril de Brent ou o pé esquer-
do de Elon Musk. Ontem, à hora de
fecho desta edição, Kim Jong-un
ameaçava invadir a Coreia do Sul e
pilhar todo o azeite a que deitasse
a mão nos minipreços de Seul. M.B.
contra as Fiji e a dizer coisas
como “Olhe, sinceramente, não
me entra no sistema porque
é que o Lagisquet não tira o
Nuno Sousa Guedes, o Tomás
Appleton e Thibault de Freitas
e mete no meio-campo o José
Maria de Sá Palha, o Bernardo
Maria Wellington Walter
Raleigh e o Renault D'Artagnan
Giscard d'Estaing da Cunha”.
Este Orçamento de Estado é
tão pipi que usa indumentária
clássica dos betinhos, a parte de
baixo — os números de página
e as notas de rodapé — escritas
a bege e a parte de cima — o
cabeçalho — escrita a azul-céu.
Portugueses, compete a pessoas
do povo como eu, que apanho
transportes públicos quando
tenho de ir da cozinha para a
sala-de-estar da minha casa de
800 metros quadrados, denunciar
este Orçamento de Estado que é
tão pipi, tão betinho, tão menino
de famílias-bem, tão personagem
surfista dos “Morangos Com
Açúcar” que eu passei a apoiá-lo
porque me lembrei finalmente
onde já o tinha visto: com os
amigos da JSD e da Juventude
Popular, a desenhar pénis e
vandalizar as paredes casas de
Vila Nova de Milfontes nas férias
de verão. Olhem, como sempre,
esqueçam tudo o que disse
antes e desculpem qualquer
coisinha. V.E.
Governo vai
distribuir
raspadinhas
para apoiar
famílias de menores
rendimentos
O Governo não esqueceu as famí-
lias de menores rendimentos, que
ficaram de fora da descida do IRS,
e vai distribuir a cada uma delas
uma carteira de raspadinhas no va-
lor de 750 euros. Será uma raspa-
dinha por dia para compensar o
facto de não terem qualquer alívio
fiscal no próximo ano. Serão entre-
gues logo às primeiras horas do dia
1 de janeiro de 2024. Mas a sua uti-
lização tem algumas regras. As fa-
mílias só podem raspar com moe-
das de um cêntimo e metade dos
eventuais prémios revertem para o
Fundo de Estabilização da Segu-
rança Social. A.P.
Identidade
de género:
contribuintes
querem ser tratados
segundo o escalão
de IRS com o qual
se identificam
O Orçamento de Estado foi apre-
sentado e Fernando Medina está a
ser acusado de machismo, homo-
fobia e transfobia por contribuin-
tes não-binários que, apesar de te-
rem nascido no corpo de um
contribuinte do último escalão,
com rendimentos anuais superio-
res a 78 834 euros, sempre se sen-
tiram, no íntimo, como contribuin-
tes do primeiro escalão, tendo
corajosamente saído do armário,
identificado-se com beneficiários
Expresso, 13 de outubro de 2023
ECONOMISTA QUE
EXPLICOU PORQUE AS
MULHERES GANHAM
MENOS DO QUE OS
HOMENS VAI RECEBER
70% DO PRÉMIO
MONETÁRIO DOS
NOBEL MASCULINOS
Claudia Goldin arrecadou
o Nobel da Economia deste
ano graças ao trabalho em
que explica porque é que
as mães ganham menos do
que os homens, em que deu
o exemplo português do pai
da constituição que ganha
mais do que a mãe da dívida
ou do que a tia de Cascais.
Goldin, lá está, irá receber
apenas 70% do prémio
monetário reservado aos
vencedores masculinos do
Nobel e pediram-lhe para
levar rissóis para todos. Em
Harvard, onde é professora,
Claudia Goldin já andou à
pera com os colegas que
lhe pedem cafés quando
a veem entrar na sala de
professores. M.B.
da ação social e por isso exigem
ser tratados pelos pronomes
“isent@s” ou “isentes” de IRS. Já
Luís Montenegro, que quer baixar
impostos para “os jovens” e não
para “@s jovens” ou “a gente jo-
vem”, está a ser acusado de perpe-
tuar o cis-heteropatriarcado nor-
mativo do Vítor Gaspar. V.E.
Otimista
Costa diz que
apareceu mais
uma guerra, é
verdade, mas em
compensação a
seleção de râguebi
ganhou às Fiji
O primeiro-ministro voltou a co-
mentar a guerra entre Israel e o Ha-
mas, que considerou “um aconteci-
mento menos positivo”. Apesar de
um novo conflito não ser exata-
mente do que o mundo mais neces-
sitava neste momento, António
Costa puxou do seu eterno otimis-
mo e disse ao IP “que há luzes de es-
perança para a Humanidade, como
a sensacional vitória da seleção de
râguebi contra as Ilhas Fiji ou os
números fraquinhos de Marques
Mendes nas sondagens das presi-
denciais ou o regresso da chuva,
por exigência do Governo, para re-
gar as hortas e encher as barra-
gens.” M.B.
Sondagens
que colocam
PSD mais distante
do PS explicadas
pela gestão
socialista bem-
-sucedida da
saúde e educação
A oposição interna do PSD acha
que Pedro Nuno Santos, na es-
treia na SIC N, desancou mais no
Governo em 20 minutos do que
Luís Montenegro em 2 anos e
acham que está por dias António
Costa começar a tratar o ex-mi-
nistro por “líder da oposição”. As
sondagens colocam o PSD, outra
vez, mais distante do PS, mas a di-
reção laranja diz que não está fá-
cil abrir brechas na gestão socia-
lista impecável, competente e
bem-sucedida da saúde, educa-
ção ou justiça. O IP pediu uma
reação a Montenegro, que nos
disse apenas que, com um gover-
no de Direita, teria sido um por-
tuguês a bater o recorde do mun-
do da maratona. M.B.
Expresso, 13 de outubro de 2023 PRIMEIRO CADERNO 25
CONTEÚDO PATROCINADO

IL quer que a caricatura PCP e BE lamentam do coronavírus, as alterações cli-

política seja património
imaterial e candidatar
anedotas de alentejanos
ao Nobel da Literatura
A Iniciativa Liberal vai propor que a
caricatura política seja elevada a pa-
trimónio imaterial português, come-
çando pelos cartazes cómicos que os
liberais inventam nos almoços de Na-
tal em família e pela linguagem cor-
poral de Fernando Medina na apre-
sentação dos orçamentos do Estado.
A IL, logo a seguir, avança para uma
candidatura das anedotas de alente-
janos / entrevistas do ministro Adão e
Silva a Prémio Nobel da Literatura ou,
no mínimo, a património mundial da
UNESCO. M.B.
Crise na Educação:
já existem explicadores
obrigados a dar explicações
a centenas de quilómetros
da área de residência
A falta de professores e constantes
greves dos que ainda existem está a
aumentar a procura de explicadores,
mas também estes são colocados em
Centros de Estudo a centenas de qui-
lómetros das suas residências, in-
cluindo uma professora reformada
de Lisboa que dá explicações por
fora de Matemática e Físico-Quími-
ca, não na sala da sua casa em Cam-
po de Ourique, mas na cozinha de
matanças de uma prima em Castelo
Branco. A Fenprof denunciou entre-
tanto o caso de uma professora de
Português com 30 anos de carreira,
residente em Faro, que este ano foi
colocada, com meio-horário, a lecio-
nar Astrologia na C+S de Seixo da
Beira, no Reino do Pineal. V.E.
PRESIDENCIAIS
GRANDE SONDAGEM IP MUDA TUDO
PARA QUE TUDO FIQUE NA MESMA
É íntegro
porque
não visitou
Sócrates na
“Não é uma
grande
cadeia de falsa, como
Évora a Meghan”
É velhaco É Bragança, o
porque nem que ostraciza
as outras
sequer visitou
capitais de
Sócrates na
cadeia de distrito
Évora
Infanta Maria
Santos Silva
oficialmente
mortes causadas
em Israel pelas
alterações climáticas
O PCP e o Bloco de Esquerda reagi-
ram pronta e inequivocamente aos
acontecimentos do Yom Kippur, la-
mentando que a variante Ómicron
ATIVISTAS
CLIMÁTICOS ALENTEJANOS
BLOQUEARAM A
PISTA DE ATERRAGEM DO
AEROPORTO DE BEJA E NÃO
INCOMODARAM NINGUÉM
Depois de bloquearem a
Segunda Circular e a Rua de
São Bento, com transtorno para
os automobilistas lisboetas,
incluindo a limusina da Nicole
Kidman, ativistas da delegação
regional do Baixo Alentejo do
Climáximo bloquearam durante
três dias a pista de aterragem
do aeroporto de Beja, tendo
sido confundidos com Pedro
Nuno Santos, Frederico Pinheiro
e Hugo Mendes à busca de
uma localização para o novo
aeroporto de Lisboa e por isso
recebido as Chaves da Cidade
das mãos do entusiasmado
autarca local e cópias assinadas
de álbuns do Trio Odemira e da
Tonicha. Uma ativista atirou
tinta verde ao autarca e este
agradeceu, porque pensou que
era molho de coentrada. V.E.
Fora” nunca
aderiu à CIP
Agora
parece o
Vin Diesel
Clara
O parceiro
de Sousa
político Macaco
arguido na
Prefere ser
o candidato
de Ventura
à câmara de
Marques Loures
Mendes
Marques
Passos
Coelho
Mendes
11%
máticas e centenas de acidentes
rodoviários tenham ceifado a vida
de cidadãos israelitas, tendo Mari-
sa Matias apontado o dedo aos sol-
dados do faraó Ramsés II que, com
o apoio de Hollywood, persegui-
ram os hebreus até ao Mar Verme-
lho. Já o editorial do “Avante!” con-
traria a ideia de um “novo 11 de
Setembro”, comparando, isso sim,
os valorosos guerrilheiros do Ha-
mas ao proprietário do restauran-
te “Palácio do Kebab” que, em
2016, exerceu o direito de legítima
defesa perante uma turba de clien-
tes sionistas. V.E.
Lusodescendente
no Parlamento do
Luxemburgo já sabe
dizer as frases da quinta
fila “ai, pois é!”,
“apoiado!” e “tenham
vergonha, c*!”
Chama-se Liz Braz, foi eleita depu-
tada no Luxemburgo, é lusodescen-
dente e já foi aplaudida por Marce-
lo Rebelo de Sousa, que a comparou
a grandes políticas portuguesas
“como a líder do PSD Dra. Manuela
Ferreira Leite, a ex-ministra Dra.
Manuela Ferreira Leite ou até mes-
mo - porque não? - a minha querida
amiga Dra. Manuela Ferreira Leite”.
Braz já aprendeu as tiradas típicas
de parlamentares da quinta fila,
como “ai, pois é!”, “apoiado!”, “te-
nham vergonha, c*!” ou “vamos al-
moçar!”, e quer importar o concei-
to tuga de comissão parlamentar de
inquérito. M.B.
(* Em luxemburguês,
francês e alemão no original)
A série
“Patrões
Gouveia
e Melo
(e apenas 3%
21%
maiores
e vacinados
Adriano é
“É irmão
Operação gémeo de
Marquês Graça Freitas
e tio de Marta
João
Baião
14%(inclui
TikTok) “Mandou
Novos radares Moedas anuncia que Lisboa
avariados apanharam passa a celebrar o 25 de
ativistas climáticos Novembro com uma missa
sentados na Segunda no altar do Papa
Circular a correrem a
mais de 200 km/h A câmara da capital vai começar a
celebrar o 25 de Novembro, o 25 de
Os novos radares que apanharam Dezembro e todas as sextas-feiras
um camião a 200 km/h numa estra- 13 que lhe saírem ao caminho. O 25
da nacional de terra batida sem ilu- de Novembro é o dia que toca mais
minação e com lombas voltaram a o coração do edil, que compara à
fazer das suas e ontem mesmo mul- queda do Muro de Berlim e ao ata-
taram um grupo de ativistas climáti- que de caspa de 1951 que prostrou
cos apanhados na Segunda Circular Estaline. A data será comemorada
a bater, de joelhos, o recorde mun- com uma missa no altar milionário
dial de velocidade nos 100 metros li- do Papa, à Bobadela, com a presen-
vres de Usain Bolt nos JO de Pequim ça de um milhão de moedistas do
e o recorde nacional nos 200 metros sétimo dia. À Esquerda, os pedro-
barreiras de Francisco Assis batido, a nunistas lembram que não teria
fugir de populares irados, em Fel- havido 25 de Novembro sem 25 de
gueiras. Os novos radares estão de Abril, nem 25 de Abril sem Pedro
tal maneira avariados que apanha- Nuno Santos. M.B.
ram a Operação Marquês a andar
para a frente com celeridade. V.E. Inquérito: portugueses não
querem lembrar efemérides
disruptivas como o 25 de
Novembro e a data do
Celta de Vigo 7-0 Benfica
António
Guterres
A polémica sobre os 50 anos do 25
de Abril provam que os portugueses
23% não desejam lembrar datas disrup-
tivas, como o 25 de Novembro de
Não 1975, que opôs a extrema-esquerda
em
sabe/Não
Manhattan de Vasco Gonçalves aos moderados
responde
de Ramalho Eanes, nem tão-pouco
no Fundão)
35% o 25 de Novembro de 1999, que opôs
o Benfica de Vale e Azevedo ao Cel-
das intenções
ta de Vigo de Mostovoi e que, até
hoje, abre uma brecha traumática e
Não sabem
Usa papel insuperável entre benfiquistas,
dizer
higiénico sportinguistas e portistas, ao con-
reciclado trário de datas unânimes, como o 25
de Abril de 1775, dia do nascimento
de D. Carlota Joaquina de Bourbon,
tetravó da “namoradinha de Portu-
gal”, a infanta Maria Francisca de
Não sabem Bragança. V.E.
Fala inglês responder
como José
Mourinho
Equipa oInimigoPúblico
“Se não aconteceu… podia
ter acontecido!” O Inimigo Público

1%
Francisca
8% (120%
chicotear os
amotinados do
é um suplemento satírico,

2%
sendo todo o seu conteúdo ficcional.
no televoto na Praia navio Mondego” Diretor Luís Pedro Nunes
(€1,20/ da Coelha) Redação Alexandre Parreira,
na reunião em Mafra
minuto) Luís Pedro Nunes, Mário Botequilha,
de condomínio Vítor Elias Cartoon Nuno Saraiva
FICHA TÉCNICA Estudo de opinião coordenado por oito tarólogas da TV e uma prima com um curso
técnico profissional de inserção de dados numa folha de cálculo. O trabalho de campo decorreu numa Projeto gráfico @oinimigo_pronto
Editor online João Martins
realidade espácio-temporal alternativa onde os porquinhos-da-Índia são portageiros, num universo
Fotografia Getty Images e arquivo pessoal
de indivíduos vegans maiores de 78 anos e que calçam 45. Foram contactados 3471 indivíduos e
O INIMIGO PÚBLICO é um projeto
O que os eleitores valorizam Ponto fraco validadas 7 entrevistas. A margem de erro é grandita com um nível de confiança de 100% para cima. conjunto Expresso/Produções Fictícias/
M.B. @oinimigo_pronto
Farol de Ideias através de O Estado do Sítio

QUARTA | DIA 18 OUTUBRO | 14h00 QUINZENALMENTE EM EXPRESSO.PT

“Junte-se à conversa” Visita à redação Caixa de comentários

A guerra entre Israel e Hamas? Venha conhecer onde se faz Junte-se ao debate com os outros
o Expresso subscritores do Expresso
Nesta visita guiada terá a possibilidade de conhecer O Expresso volta a ter, em cada notícia, uma caixa
o espaço onde, a cada dia, fazemos as notícias que lhe chegam de comentários aberta, para os seus assinantes.
às mãos (ou ao seu ecrã), e também a equipa que faz
com que tudo aconteça, e conversar com o diretor,
João Vieira Pereira.

Inscreva-se, enviando um email para

David Dinis Pedro Cordeiro
Director-adjunto do Expresso Editor internacional
producaoclubeexpresso@expresso.impresa.pt

Saiba mais em expresso.pt/clube-expresso

Subscreva o Expresso e torne-se membro do clube
26 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 13 de outubro de 2023

Editorial&Opinião
Editorial Conseguiremos olhar
para a guerra Israel-Hamas de forma Eles, no futuro
distanciada e preservando os nossos valores?
de uma fotografia indiferente às que viveram, nem pelo que vive- Quando chegar o seu tempo, se
mudanças de ares. A facilidade remos a seu lado. chegar o seu tempo, Orçamentos

Fazer inferno
com que associamos os nossos
líderes às suas frases — “Olhe
que não”, “Não queremos cá
polícia”, “Nunca me engano
A Pedro Nuno, cujo projeto universalistas como o apresenta-
depende de um PS minoritá- do esta semana — com exceden-
rio, será interessante pergun- te, aumento de pensões, baixa de
tar com quem deseja sentar- IRS e protecionismo fiscal — se-

da Terra Santa Sebastião Bugalho

politica@expresso.impresa.pt
e raramente tenho dúvidas”,
“Num pântano”, “Porreiro, pá”,
“Irrevogável”, “Poucochinho”
— prova que aquilo que toca a
-se primeiro: os senhores que
reproduzem a retórica do sr.
Putin ou os que não conseguem
condenar o Hamas?
rão uma relíquia. O ex-ministro
terá de tomar decisões, preterir
nichos, trocar preconceitos por
maternidades, negociar com pri-

N
um prefácio dedicado
à data, Marcelo Rebelo
O Hamas atacou Israel e o seu povo de forma atroz. Ponto de Sousa escreveu que
final. “o 25 de Abril teve um
Parágrafo seguinte: o Governo de Israel tem o direito passado e teve um futuro”. No
a defender-se e tem o dever de o fazer de forma texto, assinado em fevereiro
proporcional, respeitando o direito humanitário. deste ano, o Presidente da Re-
A muitos quilómetros do conflito mais sensível do planeta, pública lembrou um tempo
que tem muito sofrimento na sua história, deveria ser em que se pensava que o “fu-
possível conversar sobre estas duas frases (separadas) com turo, lá fora e cá dentro, iria
base nos princípios basilares dos valores que nos unem e ser sempre assim”, munido de
sustentam enquanto civilização. Mas não tem sido assim: “estabilidade e da mudança
vemos cartazes incendiários, ouvimos frases de guerra, para melhor”; concluindo, em
deixámos de medir as palavras. suma, que já não será.
Como escreve Rui Tavares nestas páginas, usando o O Presidente não dramatiza.
adversativo “mas” neste conflito arriscamos perder a Depois da inflação, da guerra, do
humanidade. Ao menos nós, que estamos à distância e não fim das taxas de juro negativas,
sentimos na pele esta guerra, temos de conseguir manter do alargamento da União e da
algum equilíbrio a olhá-la. Já basta vermos uma Terra diminuição de verbas da coesão
Santa transformada num inferno. Não nos juntemos nesse para Estados-membros menos
inferno também. recentes, Portugal será um país
de governação mais conturbada,
num ambiente internacional de
maior — aliás, crescente — im-
pele de um político raramente
se remove da nossa consciência.
Neste mundo crepuscular, esse
é um hábito enganador. Eles, no
futuro, serão outros. Seguindo a
intuição de Daniel Oliveira (“Pe-
dro contra Pedro”, 22/9/2023),
falemos de dois. Passos Coelho
e Pedro Nuno Santos. No futuro,
que já não é assim tão distan-
te, até eles nos surpreenderão.
O nosso olhar empurra Passos
para a troika e puxa Pedro Nuno
para as esquerdas, mas esse é
um olhar que vê pouco. Eles já
não serão os mesmos, nem pelo
Reconhecer o imobilismo dos
últimos anos e julgar que se
mudará algo ao lado do BE e do
PCP é de uma autoconfiança ver-
dadeiramente extraordinária;
a mesma que produziu os erros
que levaram à sua demissão.
Passos Coelho
e Pedro Nuno Santos,
como serão eles
no futuro? Igual ao
que já foram no passado?
Provavelmente, não
vados que não tremem, adaptar
serviços públicos a uma época de
escassez. Não nego que será ca-
paz de o fazer, mas suspeito que
Mariana Mortágua seria incapaz
de aplaudir.
Passos, regressando, encon-
trará um país sem défice, longe
de um resgate e com a dívida
pública mais próxima da média
europeia. Quais as suas priorida-
des? Reverter a eutanásia, como
já afiançou, um Ministério Pú-
blico autónomo, como sempre
apregoou, e menos esforço fiscal,
como agora todos defendem, se-
ria tímido como programa.
O consenso é que o ex-primei-
ro-ministro estancaria a sangria
do PSD, uniria a direita e redu-
ziria o Chega a um epifenóme-
no. Na terceira suposição, tenho
mais receio do que esperança. O
Chega é imediatismo, facilitismo
e fervor. Passos é frieza, método

Olhar para O que previsibilidade. O dinheiro esta-

rá mais caro, o serviço de dívida
e moral. A autoridade que teria
em quaisquer interlocuções com

a ciência é o OE? também e o Estado social idem.

Governar obrigará a mais esco-
lhas com menos opções. Como
Ventura não significa, necessaria-
mente, popularidade nos secto-
res mais primários da terceira
antecipava David Dinis na últi- força política. Ele, que durante
A aposta na ciência e na Uma proposta de ma edição deste jornal, depois a intervenção externa recusou
inovação não é apenas Orçamento apresentada de Costa “tudo será mais difícil”. suavizar a realidade em favor da
uma aposta na ciência e por um governo que tem Seria displicente presumir que narrativa, nada tem que ver com
na inovação. É uma aposta uma maioria absoluta tal não se refletirá nos nossos quem vende fantasias por gula
absolutamente decisiva, no Parlamento, com protagonistas. eleitoral. Passos disse “que se li-
FOTO JOSÉ FERNANDES

por exemplo, para se aprovação garantida, Na política, tempos de paz xem as eleições”. Ventura nunca
mudar a estrutura da nossa portanto, não tem em não apagam marcas de guerra. deixará de estar em campanha.
economia e permitir níveis princípio grande história Tendemos, talvez inconscien- Todos eles, furtando as pala-
de crescimento com os política para contar. Talvez temente, a analisar os políticos vras de Marcelo, tiveram um
quais sonhamos e que só o de 2024, agora dado a como portadores de um bilhete passado e tiveram um futuro. O
vemos noutras latitudes. conhecer por Fernando de identidade vitalício, como se ponto é que amanhã não será o
E nem de propósito, na Medina, seja um pouco a sua personalidade se tratasse mesmo. E eles também não.
semana em que ficou diferente. Em primeiro
conhecido o OE, em que se lugar, por recolocar a
sabem quais as apostas do dívida portuguesa abaixo
Governo, o Expresso noticia dos 100% do PIB, e, LEIA TAMBÉM ( ( (
que o nível de investimento
público em ciência em
em segundo lugar, por
roubar bandeiras que o
EM EXPRESSO.PT A matança Substituição O grande
Portugal está hoje tal como PSD, principal partido da dos inocentes do IVA zero sacrificado
estava em... 1991. Não é oposição, poderia usar. Seja
LOURENÇO PEREIRA COUTINHO MARIA D’OLIVEIRA MARTINS JOSÉ SOEIRO
como em 2011 ou como em a das contas certas, seja a
2001. É como em 1991. da descida do IRS.

Onde se mete o “mas”

Proprietária/Editora: IMPRESA PUBLISHING S.A.
Sede: Rua Calvet de Magalhães, 242, 2770-022 Paço de Arcos. NIPC: 501984046
Administração da IMPRESA PUBLISHING: Francisco Pinto Balsemão,
Francisco Maria Balsemão, Francisco Pedro Balsemão, Paulo de Saldanha, geopolítica, não tomou parte das Estado internacionalmente re- na Ucrânia, a Arábia Saudita no
Paulo Miguel Reis, Nuno Conde e Bruno Mateus Padinha
Composição do Capital da Entidade Proprietária: 100.000 euros, decisões dos adultos que criaram conhecido. Não tem menos di- Iémen ou Israel na Palestina.
100% propriedade da Impresa – SGPS, SA, NIPC 502437464
Registo da publicação na ERC: 101.101 ISSN-0870-1970 Estados e traçaram fronteiras, reito do que qualquer outro Esta- Isto são banalidades contra
não pode por definição ter “cul- do. Não tem mais direito do que a enormidade do que se está a
Diretor-Geral Arquivo Marketing, Comunicação pa” no que quer que o seu assas- qualquer outro Estado. Como passar. Mas se acontece ser uma
de Informação Impresa arquivo@impresa.pt e Criatividade
Ricardo Costa Mónica Balsemão (diretora) sino decida que é a motivação do com qualquer outro Estado, essa banalidade a coisa correta a di-
Diretor
Delegação Norte
Rua Conselheiro Costa Braga,
Ana Paula Baltazar (coord.
de marcas de informação)
seu assassínio. Não há nenhuma defesa deve ser feita respeitan- zer, não se deve ir dizer a coisa
João Vieira Pereira 502; 4450-102 Matosinhos
Tel. 220 437 000
Susana Freixo (gestora
de marca) e Carla Martins Rui Tavares razão histórica, política ou ou- do o direito internacional, em errada só para ser menos banal.
Diretores-Adjuntos (coord. de comunicação
politica@expresso.impresa.pt
tra que possa servir ao assassino particular o direito humanitário, Vejo que utilizei ali a palavra
Publicidade para relações externas)
David Dinis, Martim Silva,
Miguel Cadete e Paula Santos Miguel Pacheco (diretor)
para ignorar a diferença entre o de acordo com os princípios da “mas” na última frase, pela pri-

Diretor de Arte
Marco Grieco
Grande Repórter
Micael Pereira
Editor Executivo
Pedro Candeias
Editores
Eunice Lourenço (Política),
Pedro Cordeiro (Internacional),
João Silvestre (Economia),
Pedro Lima (Editor-adjunto
Economia), Diogo Pombo
(Desporto), Ricardo Marques
(Revista E), João Pedro Barros
(Online), Filipe Garcia
(Editor- adjunto Política),
José Cardoso (Editor-adjunto),
Joana Beleza (Multimédia) e
João Carlos Santos (Fotografia)
Coordenadores
Gerais de Arte
Jaime Figueiredo (Infografia)
Mário Henriques (Desenho)
Coordenadores
Isabel Leiria (Sociedade),
Elisabete Miranda, Miguel
Prado e Vítor Andrade
(Economia), Lídia Paralta
Gomes (Desporto), João Miguel
Salvador (Revista E), Rui
Tentúgal (Fecho), Tiago Pereira
Santos (Desenho Multimédia),
João Cândido da Silva, Cristina
Pombo e Mafalda Ganhão
(Online), Pedro Miguel
Coelho (Redes Sociais)
Redação, Administração
e Serviços Comerciais
Rua Calvet de Magalhães, 242
2770-022 Paço de Arcos
Tel. 214 544 000
ipublishing@impresa.pt
João Paulo Luz (diretor
de receitas digitais) Carlos
Lopes (diretor coordenador)
Ângela Almeida (diretora
da Delegação Norte)
Hugo Rodrigues (diretor
publicidade) Nuno Martins
(gestores de conta) Miguel
Teixeira Diniz e Sérgio Alves
(gestores de conta) Marta
Teixeira e Helena Almeida
(gestores de conta da
Delegação Norte)
Tel. 214 544 073/214 698 798
Publicidade Online
publicidadeonline@impresa.pt
Tiragem média de setembro:
55.580 exemplares
Associação Portuguesa
para o Controlo de Tiragem
Associação Portuguesa
de Imprensa
Subscrições Digitais Expresso
3 semanas: €5,99
52 semanas: €84,99
104 semanas: €139,99
Ligue 214 698 801 ou vá a expresso.pt
Dias úteis: 9h às 19h | Sábados: 9h às 14h
ESTATUTO EDITORIAL DISPONÍVEL EM
www.impresa.pt/Lei78/2015
É
Produção
Maria João Lopes (diretora)
bem e o mal no ato de assassinar proporcionalidade e da necessi- meira vez neste texto. Vamos
João Paulo Batlle y Font preciso começar pelas ví- uma criança. dade, com o objetivo primordial então falar dessa palavra.
(coordenador)
Carlos Morais e Joaquim timas. Se nos pomos a dis- Em segundo lugar, é preciso de proteger civis ou responder a O “mas” é uma palavra bela;
Rodrigues (produtores) cutir geopolítica sem per- designar e descrever os perpe- um perigo iminente, e não como não há nada de errado com ela.
Circulação e Assinaturas ceber que é de pessoas que tradores, quem eles são e como forma de punição coletiva ou de Mas — lá está — é preciso saber
Miguel Pacheco (diretor)
Pedro M. Fernandes (diretor estamos a falar, arriscamo-nos a são. O Hamas é uma organiza- anexação de território. Como usá-la. Se eu disser “fulano é meu
de circulação e produtos
Expresso) João Braz
perder a nossa humanidade. E é ção terrorista que nem muito qualquer Estado, tem de ser de- amigo, mas é um assassino”, es-
(responsável pela circulação) preciso começar pelas vítimas, longinquamente tem qualquer nunciado e condenado quando tou a usar exatamente as mes-
e Rita Silva (responsável pelo
serviço de apoio ao cliente) porque são as suas vozes que não coisa a ver com a justa causa da ultrapassa esses limites. O corte mas palavras que se eu disser
Serviço de Apoio ao Assinante:
Tel. 214 698 801 (dias úteis, se vão ouvir mais e as suas esco- libertação do povo palestiniano. de água, comida e eletricidade a “fulano é um assassino, mas é
das 9h às 19h); e-mail: lhas que já não podem mais ser A própria razão de ser do Hamas uma população civil de dois mi- meu amigo”. E, no entanto, es-
apoio.cliente.ip@impresa.pt
feitas. O mínimo que podemos é a opressão dos palestinianos, lhões numa cidade densamente tou a dizer coisas muito diferen-
Atendimento Ponto de Venda
pontodevenda.ip@impresa.pt fazer é reafirmar que nada pode como já fazem na Faixa de Gaza, povoada é igualmente crime de tes. Basta reler em voz alta para
Impressão
jamais justificar o assassínio, e, se o Hamas realizasse o seu guerra se for a Rússia a fazê-lo entender o como desse “mas”.
Lisgráfica Impressão tortura e sequestro de civis ino- sonho fanático de expulsar to- Da mesma forma, se eu disser
e Artes Gráficas, S.A.
Estrada de São Marcos, 27 centes e desarmados, incluindo dos os judeus do território en- “sicrano é meu inimigo, mas é
2735-521 Agualva-Cacém
idosos, mulheres, famílias intei- tre o Jordão e o Mediterrâneo, Uma criança não pediu um ser humano”, ou “sicrano
Distribuição
VASP-MLP,
ras, turistas estrangeiros, tra- a sua causa continuaria a ser a para nascer israelita é um ser humano, mas é meu
Media Logistics Park balhadores migrantes e aqueles da opressão dos palestinianos ou palestiniana, judia inimigo”, as palavras são as mes-
Quinta do Grajal, Venda Seca
2735-511 Agualva Cacém de entre os mais vulneráveis aos — os cristãos, as mulheres, os ou muçulmana, ou árabe mas mas o sentido não o é.
Tel. 214 337 000
Pontos de venda:
quais nem os pretextos mais re- muçulmanos de escolas de pen- ou cristã. Uma criança não Pessoas que concordam com o
contactcenter@vasp.pt torcidos alguma vez serviriam samento diferentes das suas, os escolheu a sua geopolítica que está antes e depois do “mas”
Tel. 808 206 545
para atribuir qualquer culpa- seculares, os não religiosos, as caricaturam-se, demonizam-se,
A Impresa Publishing não é
responsável pelo conteúdo bilidade — as crianças. Esta é pessoas LGBT, todos os que se atacam-se, diabolizam-se e de-
dos anúncios nem pela
exatidão das características e uma linha inultrapassável. Uma lhes opusessem. Presos por Is- pois perguntam candidamente
propriedades dos produtos e/ou
bens anunciados. A respetiva
criança não pediu para nascer rael, reféns do Hamas — eis a porque é que os palestinianos e
veracidade e conformidade
com a realidade são da integral
israelita ou palestiniana, judia ou tragédia de Gaza. os israelitas não fazem a paz.
e exclusiva responsabilidade muçulmana, ou árabe ou cristã. Israel tem o mesmo direito a Proponho que experimentem
dos anunciantes e agências
ou empresas publicitárias. Uma criança não escolheu a sua defender-se que qualquer outro substituir o “mas” por um “e”.
Expresso, 13 de outubro de 2023
Alexandra Leitão
alexandrarfleitao@yahoo.com
Um
Orçamento de
continuidade
O N
Governo entregou a proposta
de lei de Orçamento do Estado
(OE) para 2024. Trata-se de um
Orçamento de continuidade,
que, em linha com o que tem aconte-
cido nos últimos anos, aposta em dois
objetivos fundamentais: a descida do
défice e da dívida pública e o aumento
de rendimentos.
Os dados relativos ao primeiro objeti-
vo falam por si: em 2023 espera-se um
excedente de 0,8% (o dobro dos 0,4%
previstos no OE 2023) e em 2024 um
excedente de 0,2%. E, quanto à dívida
pública, prevê-se que desça abaixo dos
100% do PIB já em 2024, antecipando
uma meta antes definida para 2026.
Boas notícias para as finanças públicas,
portanto.
É preciso, contudo, que haja também
boas notícias para os cidadãos e para as
famílias. E há algumas: descida do IRS,
que onera essencialmente o trabalho,
aumento do salário mínimo para €820,
aumento médio de 5,4% nos salários
(3% nos salários-base e 2,4% em outras
valorizações), aumento das pensões,
subida do abono de família, reforço
do Complemento Solidário para Ido-
sos, reforço do Rendimento Social de
Inserção. Assim o Governo tenta — e
bem — compensar a perda de poder de
compra ocorrida em 2023, ainda que o
impacto real destes aumentos dependa
de vários fatores, tais como o valor da
inflação em 2024 (o Banco de Portugal
prevê cerca de 3,6%) e do crescimento
económico.
O Orçamento é uma previsão anual
de receitas e despesas, mas deve ser
também um documento estratégico
que contribua para resolver os pro-
blemas estruturais do país. Por isso é
imperioso falar dos serviços públicos.
É verdade que o OE 2024 prevê mais
despesa em saúde, habitação, educação
e ensino superior, devido aos fundos eu-
ropeus, e não só, mas a opção pela me-
lhoria dos serviços públicos deveria ser
mais evidente neste Orçamento e nas
prioridades políticas, em investimento
de capital e não apenas (mas também)
nos salários dos trabalhadores públicos.
Os objetivos de redução do défice e da
dívida pública — que todos acompanha-
mos — poderiam ser atingidos de forma
mais gradual, permitindo um real e
consistente aumento do investimento
público não só na previsão das rubricas
orçamentais mas também na sua exe-
cução efetiva durante o ano. É preciso
“destroikizar” definitivamente o proce-
dimento de despesa pública, permitin-
do que os serviços da Administração
Pública tenham maior liberdade para
utilizar as verbas que lhes são alocadas
sem depender sistematicamente da
autorização do Ministério das Finanças.
As previsões de despesa constantes do
OE não são limites máximos, mas sim
verbas para serem totalmente execu-
tadas e bem geridas. Neste sentido, e
sem prejuízo de haver outras formas de
controlo da despesa pública, o anuncia-
do fim das cativações é uma boa notícia.
O aumento de rendimentos e o in-
vestimento no Estado social não são
objetivos contraditórios ou excludentes
entre si. Pelo contrário, o rendimento
disponível dos cidadãos diminui se estes
forem obrigados a recorrer a prestado-
res privados de saúde, a escolas particu-
lares ou a outros privados. E quem não
tem meios não pode ficar com serviços
públicos “para pobres”. A universalida-
de dos serviços públicos é, por isso, um
fator de justiça e de coesão social.
Uma nota: espero que a atribuição
do Prémio Nobel da Paz de 2023 a Nar-
ges Mohammadi pela sua luta contra a
opressão das mulheres no Irão seja um
sinal de que a comunidade internacio-
nal não se esquece dessa luta e a apoia.
“Mulher — Vida — Liberdade”!
PRIMEIRO CADERNO 27
Henrique Raposo
henrique.raposo79@gmail.com
Se isto é a
esquerda,
então não
obrigado
o dia 10 de setembro de 2001,
eu não sabia se era de esquerda
ou de direita, nem essa questão
me interessava. E até estava num
curso de História muito politizado. Mas,
mesmo nas aulas, eu estava mais interes-
sado em ler romances. A minha tese de
licenciatura foi um filme que fiz com o
meu amigo Bruno. A política do passado
e do presente era insignificante ao pé da
A foto da CASAMENTO REAL Maria Francisca de Bragança, a filha de D. Duarte, o
pretendente ao trono português, casou-se no último fim de semana em
história de arte, do cinema, da literatura.
Dizia e sentia coisas dispersas de direita,
semana Mafra com Duarte Martins. A boda permitiu juntar políticos — Marcelo
Rebelo de Sousa esteve na festa, tal como Durão Barroso e Carlos Moe-
mas também de esquerda, que ainda
hoje mantenho; marcas de “esquerda”
das, por exemplo — e membros de famílias reais europeias. Foi um “en- no sentido clássico, iluminista e univer-
Por Martim Silva contro de dois seres que se amam”, como disse o cardeal Manuel Clemen- salista: acreditava no direito natural e,
mgsilva@expresso.impresa.pt te na homilia da missa. FOTO D.R. por isso, não aceitava o relativismo da
direita ‘reaça’, que cheirava a mofo; por
outro lado, a classe e a pobreza eram va-
riáveis fundamentais que me afastavam
da direita snobe do dinheiro antigo e da
A concretizar-se em 2024 um excedente orçamental, direita libertária dos arrivistas que se
esquecem de onde vêm. Neste quadro
será o terceiro em seis anos. A meta já não é uma miragem mental, eu poderia ter ido pela esquerda,
Voltámos às opções
até porque sociologicamente fazia mais
sentido. Ah, também era ateu. Na minha
família a igreja era tão exótica como a
selva do Brunei.
Só que rebentou o 11 de Setembro.
O clima aqueceu e apareceu “a es-
querda” do meu tempo, que não era
nada daquilo que era suposto ser. Não se
Q
uase me comovi ao saber ram este caminho — Vítor Gaspar,
que, muito provavelmen- Maria Luís Albuquerque, Mário É por isso fundamental sublinhar
te, a dívida pública do pró- Centeno, João Leão e Fernando a coragem de Alexandra Ocasio-
ximo ano será inferior a Medina — merecem o nosso reco- -Cortez, que criticou a xenofobia e
100% do PIB. Voltaremos aos dois nhecimento. o antissemitismo que está a sentir
dígitos. É extraordinário. Passou Estamos ainda muito longe do na sua base de apoio woke
despercebida a notícia, mas, há nosso compromisso internacional
duas semanas, uma das três gran- Luís Aguiar-Conraria de 60%, pelo que continua a ser
des agências de notação de ra- Professor de Economia da Univ. do Minho tolo falar em folgas orçamentais. mostrou universalista, mas sim relativis-
ting, mais concretamente a Fitch, lfaguiar@eeg.uminho.pt Mas a meta já não é uma miragem ta como os velhos ‘fachos’ (são incríveis
voltou a classificar a nossa dívida e voltámos a ter opções de política as semelhanças epistemológicas entre o
pública como A. Um A menos, é macroeconómica. Salvaguardan- pós-modernismo e o fascismo). E, acima
verdade, mas A. As outras duas, a S&P e a Moody’s, do que não li ainda a proposta de Orçamento do Esta- de tudo, mostrou uma amoralidade ab-
ainda não nos dão esse crédito, mas estão lá perto e do, apenas vi resumos e a apresentação de Fernando jeta perante o massacre de civis. Eu vi e
assinalam que as perspetivas são favoráveis. Medina, arrisco algumas conclusões sobre as opções ouvi pessoas a comemorar o 11 de Setem-
Quem pensa que isto é irrelevante e que “não come- que este Governo tomou. bro. Vi e ouvi. Alguns andam por aí nas
mos dívida” está errado. Sermos um país reconhecida- A primeira grande opção foi a de esvaziar o discur- universidades e nos media e não perdem
mente menos arriscado faz com que a taxa de juro que so do PSD e de responder a algumas sondagens que uma oportunidade de me chamar “fas-
pagamos pelo dinheiro que pedimos emprestado seja mostravam a preocupação dos portugueses com o IRS cista”. Comemoraram o massacre de
bastante mais baixa. Numa altura em que as taxas de tão alto. A segunda opção, e se calhar a mais surpreen- civis, mas o “fascista” sou eu! Tem piada,
juro são tão altas, esta é a forma de libertar recursos dente, foi a de nada de especial anunciar para a Saúde, sim senhor. Esta amoralidade é um dos
para comer. Se pensa que não, lembre-se de que o que Educação, Justiça e Administração Pública. Chegou a efeitos do veneno destas faculdades de
pagamos anualmente em juros corresponde a cerca de ser chocante o tempo que Fernando Medina dedicou, humanidades: o pós-modernismo dos
metade do orçamento do Ministério da na sua apresentação, ao IRS e o silêncio Boaventuras e dos Foucaults. Fala-se
Saúde. Ao se reduzir a dívida, os juros absoluto sobre áreas de governo que agora muito do pós-verdade de Trump.
descem quer porque a dívida é menor têm estado sob fogo. (Há mais, mas Falta acrescentar que esse pós-verda-
quer porque a taxa de juro a que pedi- Quase me terão de ficar para artigos vindouros.) de foi fabricado durante décadas nas
mos emprestado também é menor. comovi ao Numa altura de emergência nacional faculdades de letras por esta esquerda
O Orçamento do Estado proposto saber que, muito na Educação, em que até é absurdo relativista, irracionalista, anticiência,
para 2024 destrói um mito muito co- falar de recuperação da aprendizagem antidireitos humanos universais, uma
mum há poucos anos, o de que para
provavelmente, perdida nos anos de pandemia — pois esquerda que só mostra empatia quan-
se reduzir a dívida pública é preciso a dívida pública se não há professores —, de pânico na do as vítimas são as “certas”. E, além
viver em permanente austeridade, com do próximo ano Saúde, com reuniões de emergência de amoral, é também hipócrita: então
orçamentos sempre restritivos. O que será inferior marcadas para o fim de semana de onde a esquerda que passa a manhã a falar
se prevê para 2024 é uma deteriora- pouco mais sai do que uma declaração (e bem) dos direitos das mulheres e dos
ção das contas públicas (diminuição do a 100% do PIB de intenções, além de problemas graves gays depois do almoço já é aliada das
excedente de 0,8 para 0,2% do PIB). É em diversas outras áreas, não houve forças mais misóginas e homofóbicas, os
uma proposta moderadamente expan- quaisquer palavras sobre como resol- islamitas radicais?
sionista. Voltámos a poder ter políticas orçamentais ver estes problemas. Perante uma crise como não nos Curiosamente, os intelectuais que mais
contracíclicas. lembramos em serviços públicos essenciais, o PS, em me ajudaram no pós-11 de Setembro
Desde a vinda da troika, em abril de 2011, que a vez de anunciar como os resolver, prefere anunciar eram os resistentes de uma esquerda a
política económica passou a ter um único objetivo: uma descida bastante razoável de IRS para as famílias. sério: Lilla, Hitchens, Ignatieff, Buruma
redução do défice. Foi assim com a PàF e com os É uma escolha perfeitamente legítima. É muito ou Walzer, que fez a pergunta decisiva,
Governos de Costa e Centeno. Não havia margem de saudável que haja partidos a defender que, havendo “será possível uma esquerda decente?”.
manobra, a estrada a percorrer teria de ser a mesma. possibilidade, se escolha por baixar impostos em vez É preciso repetir a pergunta agora. No
Quando muito, o Governo em funções podia optar pela de os gastar. É o que seria de esperar de um partido campo da esquerda woke, o que esta-
faixa da esquerda ou da direita, que é como quem diz liberal. Mas uma coisa é um partido ontologicamente mos a ver agora é absolutamente cho-
usar a pouquíssima margem disponível para favorecer liberal — que desconfia do Estado por natureza e que cante: relativismo, amoralidade e até
umas franjas do eleitorado em detrimento de outras. acredita que o dinheiro será (quase) sempre mais celebração da morte de judeus. É por
Mesmo durante a pandemia, quando a dívida pública bem empregado pelas famílias — outra é um partido isso fundamental sublinhar a coragem
voltou a aumentar, Portugal foi muito mais modesto socialista, cuja natureza é a de garantir uma rede de de Alexandria Ocasio-Cortez, que criti-
nos apoios do que a generalidade dos países europeus. serviços públicos de qualidade. cou a xenofobia e o antissemitismo que
Porquê? Porque não se podia perder o controlo da Daí que esta escolha do primeiro-ministro e do mi- está a sentir na sua base de apoio woke,
dívida pública. nistro das Finanças de não aproveitar a margem que que nos últimos dias tem legitimado de
A concretizar-se em 2024 um excedente orçamental, têm para se comprometerem em resolver os muitos facto o pior do nazismo: a desvalorização
será o terceiro em seis anos, com uma pandemia pelo estrangulamentos nos serviços públicos só tenha uma total da vida dos judeus. Seja como for,
meio. Muito provavelmente, em 2024 deixaremos de interpretação plausível: não confiam nos diversos mi- no pós-7 de Outubro, repito o que disse
ser dos países mais endividados da zona euro, para nistros setoriais para aplicar as políticas adequadas. no pós-11 de Setembro: lamento, eu até
passarmos a ser aquele que está imediatamente acima No fundo, é a confissão de que a incompetência grassa gostava, mas se isto é a esquerda, então
da média. Os ministros das finanças que percorre- nas diversas pastas ministeriais. não obrigado!
28 PRIMEIRO CADERNO Expresso, 13 de outubro de 2023

Opinião

Vice-diretora do i3S Exterminar todas as bestas

Regular: uma
E
xterminate All the Bru- um palestiniano comum, que as jovens naquele festival de música do que com
oportunidade “ tes” é o título de uma
série-ensaio de Raoul
reconhece, como nós, o bem
e o mal, a sentir-se vingado
o bebé enrolado num lençol branco e carregado
por um pai pelas ruas de Gaza. Só a aniquilação

para fazer Peck, transmitida pela

HBO Max, onde se reúnem
atrocidades históricas, da
com as imagens de terror. Ou
como israelitas comuns não
veem as crianças mortas pelos
da empatia permite a guerra de extermínio a que
Hamas e Netanyahu se dedicam. Mas os muros
erguidos para encerrar “animais humanos” não
melhor colonização e genocídio dos
nativos americanos ao Holo- Daniel Oliveira
bombardeamentos proposita-
damente indiscriminados de
isolam apenas o outro lado. Cada besta olha-se no
espelho do muro e vê do lado oposto outra besta.
causto, passando pela escravi- danieloliveira.lx@gmail.com Gaza como iguais às crianças Do lado palestiniano estão os bárbaros prontos
zação dos africanos nas Amé- mortas pelos carniceiros do a rebentar-se em autocarros e a matar bebés.
ricas e a conquista imperial de Hamas. Foi o próprio ministro Do lado israelita estão sádicos capazes de, com a
Teresa Summavielle África. Decalca o título do livro do escritor Sven da Defesa que respondeu e o Hamas subscreverá: frieza tecnológica da distância, matar humanos

A
discussão da regulação da produ-
ção e uso de canábis ganhou nova
vida em vários países europeus.
Em Malta serão brevemente im-
plementadas as primeiras associações
sem fins lucrativos para produção e con-
sumo de canábis, na Alemanha discute-se
a possível estrutura de futuros clubes de
canábis e nos Países Baixos define-se a
regulação da sua produção, clarificando
finalmente o modo como esta chega às
coffee shops. Em todos estes exemplos o
uso de canábis por adolescentes e jovens
adultos merece especial preocupação, não
sendo permitida a venda a menores de
18 anos e limitando-se a percentagem de
THC (principal princípio ativo da canábis)
para os menores de 21. Em simultâneo,
a regulação vem acompanhada de uma
série de medidas de prevenção e redução
de danos adaptadas ao contexto de cada
região, que são uma janela de oportuni-
dade para revisitar velhos paradigmas e
implementar novas e melhores práticas.
Em Portugal esta discussão estará em
breve de volta ao Parlamento, esperan-
do-se que seja finalmente possível uma
regulação responsável que proteja os uti-
lizadores e faça recuar mercados ilícitos.
Antecipando este momento, a iniciati-
va Cidadã para a Regulação da Canábis,
com o apoio do GAT, promoveu recen-
temente uma conferência dedicada ao
cérebro adolescente e risco associado
ao uso de canábis. Das várias interven-
ções fica claro que o quadro atual não
O cérebro adolescente
atravessa um período de
“reformatação”, em que
existe maior predisposição
para o risco
protege o adolescente. Dados publicados
pelo SICAD mostram que aos 16 anos
28% dos nossos adolescentes já fizeram
uso de canábis, enquanto aos 13 anos essa
percentagem não chega ainda a 2%. Há,
FOTO D.R.
Lindqvist, que também explora a história do ra- combatem “animais humanos”. Exterminem e crianças invisíveis e determinar cada momento
cismo europeu do final do século XVIII ao século todas as bestas. da vida quotidiana. Nascem e crescem e morrem
XX, dando contexto à obra-prima de Joseph Con- A anestesia moral precisa de desumanizar o num ódio pelo outro que só é suportável se o
rad “Coração das Trevas”. O apelo propriamente outro. E a diferença cultural facilita. Até por cá. outro não for humano.
dito foi escrito pela mão de Kurtz, personagem É tão mais fácil identificar os nossos filhos com Como a história nos mostra, quase todos nos
de Conrad que inspirou a de “Apocalipse Now”. tornamos animais em determinadas circunstân-
Adorado como um semideus pelas tribos que cias, prontos para ser usados por quem alimenta
encontra no Congo, o comerciante europeu é A anestesia moral precisa e se alimenta do ódio para poder tratar os outros
corrompido pela selva e pelo seu próprio poder. de desumanizar o outro. como animais. Por isso é das circunstâncias que
A sua missão “civilizadora” morre num relatório: temos de falar. E quem explicou melhor o im-
“Exterminem todas as bestas”.
Só a aniquilação da empatia passe no território foi Ami Ayalon, ex-chefe do
Não nos perguntemos o que leva os operacio- permite a guerra de extermínio Shin Bet: os israelitas terão segurança quando
nais do Hamas a entrar num festival de música a que Hamas e Netanyahu se os palestinianos tiverem esperança. O apoio de
e a arrastar para o terror e para a morte miúdos dedicam. Quase todos nos palestinianos comuns ao Hamas resulta da de-
e miúdas que a única culpa que carregam é es- sesperança absoluta depois de todas as lideranças
tar do outro lado do muro. Não nos pergunte- tornamos animais, prontos moderadas terem sido aniquiladas e qualquer
mos o que leva o ministro da Defesa de Israel a ser usados para tratar os outros possibilidade de um Estado ter sido inviabilizada.
a anunciar que não permite a entrada de água, como animais, em determinadas E a única coisa em que não podemos ser equi-
eletricidade e comida numa Gaza coletivamente circunstâncias. É das distantes é na consciência de que a solução está
punida, deixando mais de dois milhões à sede sempre do lado do ocupante. Desde que a direita
e à fome, entre eles centenas de milhares de circunstâncias que temos de falar radical israelita enterrou a longínqua memória de
crianças. A pergunta perturbante é o que leva Arafat e Rabin que a solução é só uma: esmagar
qualquer sonho de uma nação palestiniana. E o
Hamas cumpre uma função nessa estratégia.
O papel de Israel no nascimento do Hamas
está documentado. O general Yitzhak Segev, go-
vernador militar em Gaza no início dos anos 80,
confirmou que ajudou a financiar o movimento
islâmico como um “contrapeso” aos secularis-
tas de esquerda da OLP, com orçamento dado
pelo Governo israelita. “O Hamas é uma criação
de Israel”, disse, em 2009, Avner Cohen, um
ex-funcionário de assuntos religiosos israelita
que trabalhou em Gaza mais de duas décadas.
É provável que os políticos que o fizeram já se
tenham arrependido. Não os que hoje têm o
poder. “Qualquer pessoa que queira impedir o
estabelecimento de um Estado palestiniano tem
de apoiar o reforço do Hamas e a transferência
de dinheiro para o Hamas. Isto faz parte da nossa
estratégia — isolar os palestinianos em Gaza dos
da Cisjordânia.” Quem o disse foi Netanyahu, em
2019, como recordou o jornal israelita “Haaretz”
esta semana. O Hamas é causa e consequência
de um objetivo planeado: fragilizar qualquer
liderança palestiniana para nada ter de negociar.
O Hamas precisa de Netanyahu e Netanyahu
precisa do Hamas. Porque uns e outro precisam
que a guerra não seja entre humanos para que a
negociação seja impossível. Só o extermínio das
bestas. O problema é que o monstro criado por
Israel começa a juntar, perante a ausência de

pois, uma janela temporal de intervenção
que parece estar a ser desperdiçada. O
cérebro adolescente atravessa um período
de “reformatação”, em que existe maior
predisposição para o risco, maior valori-
zação da recompensa e procura de novas
sensações. Neste contexto, há risco acres-
cido de experimentação de substâncias.
Como investigadora na área da neu-
robiologia das substâncias psicoativas,
dedico desde 2008 uma parte importante
do meu tempo a um programa de pre-
venção do uso de drogas na adolescência.
Neste papel, observei na primeira fila a
inexistência de uma estratégia integrada
de prevenção (não só para o uso de caná-
bis, mas também para o álcool e outros
comportamentos de risco). Cada escola
tem autonomia para fazer como bem en-
tende, mas nem todas têm os recursos
A mulher mais bonita de Portugal nasceu homem
ta mulher, uma lançadora de pesos
portadora do cromossoma Y tem
mais força do que as adversárias que
pertencem ao sexo fraco desde que
nasceram. Não se vê é como pode
isto ser um problema num concurso
de beleza, onde um cromossoma Y
só atrapalha. Ter uma biologia que
Eugénia Galvão Teles implica pilosidade, peitos que não
egteles@gmail.com
crescem e uma cintura que teima
alternativas, o que se queria dividir: Cisjordânia e
Gaza. Ainda teremos saudades do tempo em que
se desejava uma paz improvável.
o modelo original. Apareça alguém tem qualquer sentido no século XXI.
que passou pelo mesmo processo Uma mulher trans a competir com
sem apresentar um útero como deve outras para ser reconhecida como
ser e estamos em presença de uma a mais bonita consegue juntar os
aberração da natureza. mais conservadores, defensores de
Mais interessante, porque para- “a biologia é que manda”, com mui-
doxal, é constatar que alguém que tas feministas, assustadas com um
não nasceu mulher se afirma alegre- regresso ao passado travestido de
mente como tal com recurso a mui- progresso.
tos dos estereótipos que numerosas É comum encontrar na comuni-

M
necessários. A regulação traz consigo a
oportunidade de revisitar a forma como
se faz prevenção, redefinindo estratégias e
implementando novos e melhores progra-
mas. O Observatório Europeu da Droga e
Toxicodependência (EMCDDA) disponi-
biliza informação e formação nesta área
e não falta literatura sobre como fazer
prevenção sem recurso a discursos mora-
listas, alarmistas e baseados no exagero,
que tendem a gerar apenas descrédito
no público-alvo. A recente transferência
de competências para as autarquias pode
ser também uma oportunidade para, a
nível local e em estreita colaboração com
o novíssimo ICAD, promover a aplicação
de boas práticas e adequando-as aos con-
textos locais.
Temos a janela temporal e as ferramen-
tas necessárias, não deixemos escapar a
oportunidade de fazer melhor. É essencial
que não se entenda a regulação como
sinónimo de incentivo ao consumo ou de
inocuidade. A regulação deve servir para
proteger.
arina Machete, 28 anos,
modelo e assistente de bor-
do, com uma longa cabe-
leira morena e olhos casta-
nhos, é um bom exemplo da beleza
feminina portuguesa. Tão bom que
convenceu o júri do concurso Miss
Portugal e vai agora representar-nos
no grande certame da Miss Univer-
so. Tivesse nascido mulher e era só
mais uma rapariga bonita com uma
coroa na cabeça cujo maior desejo
é a paz no mundo. Como nasceu
homem e conseguiu, mesmo assim,
ser eleita a mulher mais bonita de
Portugal, ouve-se por aí muita gen-
te a garantir que o fim do mundo
chegou.
A polémica não nasce do nada. A
participação das mulheres transgé-
nero em competições desportivas
tem sido muito discutida e coloca,
efetivamente, problemas de concor-
rência desleal. Por mais que se sin-
em não afinar é um obstáculo que a
Marina teve de ultrapassar para se
tornar num exemplar paradigmático
do belo no feminino.
Para quem chora o fim da beleza
ao natural perante um Frankens-
tein criado por um cirurgião plásti-
co tenho uma triste notícia: os tais
aviões que deambulam em cima das
passadeiras, de vestido comprido
ou biquíni, estão todos quitados. Na
Venezuela, as rainhas de beleza são
mesmo uma das principais exporta-
ções, logo a seguir ao petróleo, e vêm
todas da mesma fábrica. Aparente-
mente, podemos afinar narizes e in-
char lábios, encher peitos de silicone
e desenvolver próteses para os ra-
bos sem que ninguém se enerve. Até
dá para retirar costelas e garantir
cinturinhas de vespa sem qualquer
objeção. Tudo é permitido enquanto
o objeto manipulado apresentar o
aparelho reprodutor da fêmea da
espécie; estamos apenas a melhorar
mulheres andam há muito tempo a
combater. A Marina participa num
concurso visto por muito boa gen-
te como um infeliz resquício da ob-
jetificação das mulheres que não
É comum encontrar na
comunidade transgénero
uma celebração
exacerbada do eterno
feminino na sua versão
mais tradicional
dade transgénero uma celebração
exacerbada do eterno feminino na
sua versão mais tradicional. Como
a Marina, a escritora Andrea Long
Chu explica que ser mulher sempre
foi a sua identidade. Mas não se fica
pela afirmação de que nasceu as-
sim. Declara também a sua vontade
de entrar no mundo feminino dos
mexericos e dos piropos, onde se
fala de cores de batom e se chora no
cinema. Quer ser mulher para ter
um homem que lhe paga as contas
e lhe carrega as malas. Para quem
se fez mulher nos últimos 100 anos
é estranho ouvir alguém dizer que
se tornou mulher para ter direito ao
machismo paternalista dos mecâni-
cos — ainda mais quando a mesma
se afirma feminista. Ou pode lem-
brar-nos de que o feminismo, numa
sociedade liberal, garante que cada
uma de nós pode ser o que bem lhe
apetecer, incluindo limitar-se a ser
um bonito objeto decorativo.
Expresso, 13 de outubro de 2023
Henrique Monteiro
OS DIAS QUE
ME OCORREM
ORÇAMENTO
Todos os anos, a comunicação
social faz um certo alarido
à volta da entrega do OE ao
Parlamento, tarefa a cargo do
Governo. Filma-se o envelope
com a pen (sou do tempo dos
calhamaços de papel) e dizem-se
palavras de circunstância.
Segue-se a conferência de
imprensa e a reação dos
partidos da oposição. É um
ritual, e nada tenho contra eles,
apenas desafiava os jornalistas
a cotejarem, ou a compararem,
o que foi dito este ano com o
que foi dito nos anos anteriores.
Tenho a ideia — que pode ser
errada — de que, das grandes
ideias que vêm com o OE,
nenhuma altera a vida dos
simples. Menos ainda da célebre
‘classe média’ ou daqueles que
conseguem poupar 100 euros
por ano após se terem encolhido
na maior parte das despesas.
Veremos o que a célebre baixa
do IRS dá, depois do dinheiro
aplicado no aumento do IVA e
impostos do estilo.
‘PIPI’?
Não ouvi, mas contaram-me;
Luís Montenegro disse que este
era um Orçamento ‘pipi’? Não
quero acreditar. Alguém deve
dizer ao líder do PSD que ele
anda atrasado pelo menos 30
anos no léxico comum. Um dia
ainda chama ‘flausina’ a uma
deputada qualquer...
O REGRESSO
A chegada de Pedro Nuno
Santos à pequena pantalha
foi um acontecimento. De
tal modo que houve debates
sobre o comentário que ele
tinha feito (falta um debate
sobre o debate motivado pelo
seu comentário). De qualquer
modo, há que dizer que ele
não tem papas na língua, mas
faltou-lhe algo que, a meu ver,
distingue um grande político
de um daqueles de trazer por
casa. Segunda-feira passada,
48 horas depois do brutal
ataque do Hamas, entendeu-se
(quem?, ele próprio?, a direção
da SIC?, a jornalista?) começar
pela questão magnânima
da privatização da TAP, das
promessas que fez, da sua
demissão, se é ou não candidato
a líder do PS. Confesso que
adormeci, tal é o meu interesse
em temas destes quando
estamos em dias daqueles.
SNS
Não chegou a decorrer um ano,
salvo erro. Nomeou-se o SNS e
apenas 12 meses depois já há um
documento legal que enquadra
a sua ação. Estamos a melhorar
os prazos. O próximo só vai levar
nove meses; não havendo crise,
em 2030 estaremos em forma.
UNIDADE
Benjamim (“Bibi”) Netanyahu
foi das maiores desgraças que
aconteceram a Israel do ponto
de vista interno. O ataque do
Hamas, com a magnitude e a
crueldade com que foi levado a
cabo, beneficiou deste homem,
que apenas quer conservar o
poder, não se importando de se
aliar ao diabo. A este respeito
leiam, se puderem, um texto
de Yuval Noah Harari (judeu e
autor de “Sapiens”) publicado
no “Washington Post” e no
“Público” (entre nós). Sem deixar
de condenar definitivamente
o Hamas, considera o Governo
de “Bibi” “uma aliança de
fanáticos e de oportunistas sem
escrúpulos”. Defender Israel
não é defender o Governo do
momento, mas um conceito que
vai muito para lá disso.
25 DE NOVEMBRO
Mais vozes a defender a
comemoração: Augusto Santos
Silva e Irene Flunser Pimentel.
Todas as guerras são estúpidas?
H
á muitos anos, por ini-
ciativa do Ministério
da Orientação Islâmi-
ca (Islamic Guidance)
do Governo do Irão (o aiatola
Khomeini ainda era o chefe
supremo do país), visitei um
campo de mortos. Fora man-
dado por “O Jornal” (acho que
foi o já falecido Carlos Cáceres
Monteiro quem me enviou)
para cobrir aspetos da então
chamada “guerra das cidades”.
O conflito era entre o Irão e o
Iraque, e na época o Ocidente
apoiava Saddam Hussein, Pre-
sidente do Iraque, tão ditador
e louco como o foi até ser de-
posto. O inimigo eram os aiato-
las, tão fanáticos e integristas
como o são até hoje. Na época,
várias coisas eram proibidas no
Irão, desde logo o desodorizan-
te (pelo menos para homens)
e as camisas com a manga aci-
ma do cotovelo (também para
homens). Às mulheres tudo
ou quase era interdito, como
mostrar o cabelo ou não usar
aqueles balandraus que escon-
dem as formas do corpo.
O campo que me mostraram
(a mim e a jornalistas de vários
países) era a caminho de Or-
muz, onde os portugueses dei-
xaram um forte dos tempos em
que dominavam aquele estreito
estratégico entre o golfo Pérsi-
co e o golfo de Omã. A noroeste
fica o Shatt al-Arab, resultante
da confluência do Tigre e do
Eufrates, o berço da civilização
e local estratégico para a expor-
tação de petróleo por ambos os
países. Nesse campo estavam
centenas de cadáveres, retor-
cidos, com esgares nas faces e
um desespero que apenas vira
em quadros a óleo. O cheiro era
estranho, não nauseabundo,
menos ainda agradável, mas
talvez seja o cheiro da morte,
do massacre. Alguns jornalistas
ficaram indispostos, a conster-
nação era geral.
Todos nós sabíamos que fora
obra do Iraque, que usara gás
mostarda (algo proibido há
anos). Mas também tínhamos
a certeza de que o Irão poderia
ter feito algo semelhante sem
o sabermos. As guerras são as-
sim, estúpidas, sem propósito,
irracionais.
Mas se entre Saddam e Kho-
meini podia vir o diabo para
escolher, não diria o mesmo de
Churchill e Hitler. Como não
o farei da Rússia e da Ucrânia
e menos ainda do Hamas e de
Israel, como gente demais nos
anda a tentar fazer crer. Nos lu-
gares mais inesperados, nas ca-
pitais europeias, nas próprias
universidades americanas,
como Harvard, esse cume dos
rankings académicos, surgem
aqueles que acham que o mal
vem de Israel e que o ataque
do Hamas é uma mera conse-
quência da violência judaica;
Os dois maiores
guerreiros de
sempre são estes
dois — tempo
e paciência
Leon Tolstoi (1828-1910),
talvez o mais conceituado
escritor russo, conhecido em
todo o mundo, escreveu estas
palavras na sua obra magna
“Guerra e Paz” (1869). Tolstoi
considerava-se um anarquista
e pacifista influenciado
pelo cristianismo
aliás, essa equivalência pérfida
faz-se também na linguagem,
como se pode verificar num
texto ao lado.
Se entre o Irão e o Iraque era,
para o cidadão comum euro-
peu, quase indiferente quem
venceria (acabaram por acei-
tar um acordo negociado em
1988, centenas de milhares de
mortos depois), já o mesmo
não se passa na Ucrânia ou em
Israel. Num local como noutro
PRIMEIRO CADERNO 29
ANTES QUE
ME ESQUEÇA
O DILEMA
Israel continua
a juntar
tropas junto à
fronteira com
Gaza. Que pode
fazer? Ser tão
mau quanto eles? Conseguirá
discernir entre habitantes e
terroristas? Mesmo quando
os terroristas colocam as
mulheres e as crianças na
primeira linha de tiro, para
mais tarde se queixarem e
acusarem os israelitas de
genocidas? Como andará
Netanyahu, um homem com
poucos escrúpulos que agora
aceita um Governo que quis
FOTO ABED RAHIM KHATIB/ANADOLU AGENCY/GETTY IMAGES
escorraçar da política do seu
país? E o que farão a Mossad
e as IDF (forças de defesa)
se descobrirem que lhes foi
ocultada informação, que
vinha do Egito, sobre este
ataque bárbaro? A situação
é bastante confusa e ainda
mais complexa. “Bibi”
(Netanyahu) faria melhor em
abandonar o palco e deixá-lo
para quem põe Israel acima
das tricas e quer defender o
país, a civilização e o Estado
democrático, algo que na
Faixa de Gaza não existe.
Seria também bonito (mas
é utópico) ver os países
da Liga Árabe condenar o
Hamas. O Ocidente quer
que os dois Estados possam
conviver e nenhum à custa
da destruição do outro. Às
estão em causa mundividên- vezes, estas grandes crises
cias, formas de vida e de or- são oportunidades; sem
ganização das sociedades dia- uma solução que possa ser
metralmente opostas à nossa. considerada boa, consegue-se
Alguns detestarão a ideia de algo razoável. Esperemos…
que o nosso modelo é superior, ou tempo e paciência, como
melhor, mais pacífico, outros escreveu Tolstoi.
acharão que os israelitas não
fazem parte da nossa cultura AS PALAVRAS
e mundividência. Haverá, late- Na maioria da
ralmente, alguma razão, mas comunicação
no essencial é isso mesmo: o social
nosso modelo é mais pacífico portuguesa
e mais tolerante, o único que (saúdo
respeita as diferenças, tanto de Henrique
opinião como de atitude, aque- Cymerman pela exceção),
le que aceita todas as crenças os terroristas são tratados
como dignas, desde que não como militantes, ou
impostas à força. Nesse sen- rebeldes, ou outras palavras
tido, toda a ação da Ucrânia, interessantes que pertencem
por exemplo, é uma defesa do ao glossário pacífico. Só
nosso modo de vida — e, como Cymerman e poucos mais
disse Marcelo Rebelo de Sou- lhes chamam pelos nomes
sa, é lá que estão também as corretos: terroristas. Ouvir
nossas fronteiras com países que militantes do Hamas
autocráticos, como a Rússia. degolaram bebés, raptaram e
Em Israel, e apesar de o atual violaram meninas, senhoras,
primeiro-ministro, Netanyahu, idosas, mataram a sangue-frio
não ser recomendável e ter par- jovens que estavam num
te das culpas na desestrutura- festival de música pela paz,
ção de um Estado sólido e segu- queimaram vivos habitantes,
ro, é impossível contemporizar ou melhor, agricultores
com terroristas que degolam de kibutz perto de Gaza, é
bebés, raptam idosos, violam demais. O que diriam se fosse
e matam jovens. Estas guerras gente da vossa família? O que
não se resolvem como as ou- diriam dos militantes, ativistas
tras, apelando, pura e simples- e combatentes que enfiaram
mente, à paz, como se ambos os pessoas numa câmara de
beligerantes usassem a mesma gás em pleno regime nazi?
gramática. Seria como apelar Valha-me Deus! Acham que
à paz entre Hitler e o resto isso é independência? Estão
do mundo; a única saída era o enganados!
fim de Hitler. Tal como agora,
quando o mundo precisa de A CULTURA
unir-se contra estas ameaças, É falso que o
que não se resumem apenas a barbarismo do
guerras estúpidas onde gente Hamas, ou do
se mata, mas são antes defesas Hezbollah, ou
desesperadas de civilizações dos Guardas
atacadas por fanáticos e gente da Revolução
propositada e meticulosamente iranianos
fanatizada que nos destruirão seja comum no islamismo.
enquanto puderem. Nada que- Olhem os xiitas que seguem
rem em troca senão o nosso de- Aga Khan, ou os sunitas da
saparecimento. Não por acaso, Turquia, ou de Marrocos.
o Hamas foi um dos movimen- Alguma vez viram isto?
tos dos anos 30 que propiciou Alguma vez houve selvajaria
(por puro antissemitismo) a assim, salvo em movimentos
aproximação de palestinianos apoiados pelo Irão? Alguma
e nazis. Como escrevi, não se vez assistiram a Parlamentos
pode ripostar “olho por olho, ligados à Fraternidade
dente por dente”, é necessá- Islâmica celebrar a morte
ria mais inteligência. Mas sem de inocentes? Não são os
nunca perder a perspetiva de palestinianos, são partidos
quem são os inimigos: são bár- radicais que impõem o
baros, fanáticos, desumanos. terror; mesmo a Autoridade
hmonteiroexpresso@gmail.com Palestiniana é deles refém.
 acelerador de
sustentabilidade
UMA PARCERIA
Ricardo
Costa
Dívida,
a minha
luta
P
ercebo que todos
se concentrem nos
impostos e na carga
fiscal quando olham
para um Orçamento
do Estado. Defronte
de milhares de páginas, qual-
quer contribuinte desloca o
primeiro olhar para as novi-
dades no IRS. Esmagados pelo
enorme aumento de impostos
do resgate e soterrados numa
inflação persistente é ali que
tentam encontrar alguma es-
perança.
É um exercício válido mas
frustrante. Nem o enorme au-
mento de impostos de Vítor
Gaspar foi transitório nem a
inflação que Medina achou
passageira vai desaparecer nas
badaladas de um qualquer ano
fiscal. São companheiros de es-
trada, da nossa estrada.
Como cada um tem as suas
manias, eu tenho a minha. Des-
de 2011 que só olho para uma
página do Orçamento, a da dí-
vida pública. Não preciso de
um psicólogo para encontrar
os culpados deste meu trauma.
Tenho-os bem identificados,
tanto na psique como na car-
teira: José Sócrates e Fernando
Teixeira dos Santos. Eles foram
e são os meus bullies. E os vos-
sos, já agora.
Percebo que um país
acossado por bullying
fiscal só discuta o IRS.
Admiro a vossa luta.
Mas prefiro a minha:
a dívida pública
Percebo que um país acossa-
do por bullying fiscal se atire
como gato a bofe a discutir o
IRS. Não vos crítico, admiro a
vossa luta. Mas prefiro a mi-
nha: a dívida. Como sigo os
estoicos escolhi um inimigo
gigante mas difuso, um Goli-
as à medida da minha funda,
daqueles inimigos com que se
consegue viver sem se cair em
lamentos mensais ou diários.
A dívida é uma luta para anos,
para uma década. Gosto disso.
Ninguém vai ao supermerca-
do a queixar-se da dívida. Ouço
gente nos corredores a quei-
xar-se do IVA e do IRS. Não
se ensina Marco Aurélio nas
escolas de economia ou gestão,
nem nos liceus, mas devia: ad-
mite que não controlas eventos
externos, concentra-te no que
podes fazer. É uma proteção.
A minha luta não me impede
de pagar um euro a menos de
IRS, mas permite sonhar pa-
gar menos daqui por uns anos.
Nem que sejam as gerações fu-
turas, em que ninguém pensa
em Portugal.
A dívida vai finalmente bai-
xar os 100% do PIB, o que não
acontecia desde que os meus
bullies a começaram a aumen-
tar exponencialmente, em
2009. É a maior notícia deste
Orçamento, das melhores de
uma década. Vou ter saudades
dos meus bullies, terei de ar-
ranjar outros.
rcosta@expresso.impresa.pt
e ainda...
( (
‘Lobos’
Reportagem
com a seleção
de râguebi P20
Salgado realiza
exames neurológicos
Primeiro exame para
avaliar o diagnóstico de
Alzheimer marcado para
segunda-feira. Perícia foi
pedida pela defesa
O ex-banqueiro Ricardo Sal-
gado vai realizar os primeiros
exames neuropsicológicos
na próxima segunda-feira,
no contexto da perícia para
confirmar o diagnóstico de
Alzheimer que foi pedida pela
sua defesa no processo EDP,
apurou o Expresso.
Salgado será avaliado em pelo
menos dois momentos, esperan-
do-se que compareça de novo no
Instituto Nacional de Medicina
Legal, em Coimbra, na sema-
na seguinte. Com os resultados
dos exames em mãos, os peritos
terão 30 dias para concluir o
relatório final da perícia e apre-
sentar as conclusões.
A avaliação neuropsicoló-
gica permitirá avaliar parâ-
Putin sai do país… mas com cautela
BISHKEK Vladimir Putin foi recebido pelo seu homólogo Sadyr Japarov na capital do Quir-
guistão, esta quinta-feira, para assinalar no 20º aniversário da criação da base militar rus-
sa de Kant, naquela antiga república soviética. É a primeira ida ao estrangeiro do Presiden-
te russo desde que o Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu um mandado de captura
internacional contra si. Isso tem-no impedido de aparecer em reuniões de organizações
globais de que a Rússia faz parte, mas o Quirguistão é poiso seguro, uma vez que não é
signatário do TPI. FOTO PAVEL BEDNYAKOV/REUTERS
Duarte Cordeiro
apontado para Sintra
Ministro pode estar
interessado numa
candidatura autárquica
no ciclo político pós-Costa.
Lisboa perde força
A hipótese ganha força e tem
circulado nos corredores socia-
listas nos últimos dias. Duarte
Cordeiro, ministro do Ambien-
te e ainda líder da federação
socialista da área urbana de
Lisboa, está a ser apontado
como uma possibilidade para se
candidatar à Câmara de Sintra.
“É uma opção que pode estar
em cima da mesa”, admite um
dirigente socialista próximo do
ministro, assumindo que falar
de autárquicas a esta distân-
cia é extemporâneo. Certo é
Walt Disney
O lado negro
do génio
americano R26
metros como a memória,
atenção, capacidade de con-
centração, raciocínio abs-
trato, podendo também ser
realizadas uma ressonância
magnética e análises ao san-
gue. Após a realização dos
exames, a equipa responsável
Salgado será
avaliado em dois
momentos. Peritos
têm cerca de 30 dias
para apresentar
o relatório final
pela perícia pode querer ouvir
novamente Ricardo Salgado.
Os resultados podem servir
para sustentar a eventual ne-
cessidade de perícias futuras,
mas não podem ser usados
nos outros casos em que o ex-
-banqueiro está envolvido.
que Sintra é a segunda maior
autarquia do país e, a par de
Gaia, é uma câmara do top 5
cujo presidente está em final
de mandato e o PS não se pode
dar ao luxo de perder. Marta
Temido tem mostrado interesse
numa candidatura a Lisboa (ver
pág. 12) e o Expresso sabe que
as contas de Cordeiro têm tam-
bém em vista o fator Moedas:
raro é o presidente de Câmara
que não é reeleito. Mais: até os
pedronunistas mais indefetíveis
estão cientes de que pode haver
uma mudança de ciclo no pós-
-Costa e o perfil do ministro do
Ambiente é mais “executivo”.
Pôr-se no caminho de Pedro
Nuno na corrida à sucessão do
PS não é opção. Sintra sim.
Governação
para ler aqui na edição da próxima semana
(
George Santos
As mil e uma
mentiras do
congressista R32
Ainda em outubro, Salgado
deverá ser submetido a uma
segunda perícia para avaliar
em que medida a doença afeta
a sua capacidade para enfren-
tar um tribunal. Foi pedida
pela sua defesa no âmbito do
processo cível que corre no
Tribunal de Cascais.
O juiz deste processo em
que Ricardo Salgado é réu já
recebeu as datas propostas
pelo Instituto Nacional de Me-
dicina Legal para a realização
do procedimento, cabendo-
-lhe notificar a defesa do ex-
-banqueiro para agendar as
mesmas. Já houve três datas
marcadas para esta perícia,
mas a diligência não chegou
a ocorrer, ou porque Salgado
estava fora do país ou porque
não foi notificado. Esta pe-
rícia será efetuada por uma
equipa de três especialistas:
neurologista, psiquiatra e
neuropsicólogo/a.
Fundo passa a
ter maioria do
“DN”, “JN” e TSF
Empresário Marco
Galinha perde controlo
da Global Media.
22,35% da Lusa também
mudam de mãos
O fundo de investimento Wor-
ld Opportunity Fund, sediado
nas Bahamas, passou a ser o
acionista de controlo da Glo-
bal Media, que detém o “Diá-
rio de Notícias”, o “Jornal de
Notícias” e a TSF, ficando com
51% da empresa Páginas Ci-
vilizadas, que controla a Glo-
bal Media e detém 22,35% da
agência Lusa. O empresário
Marco Galinha perdeu, assim,
a maioria do capital. A infor-
mação foi prestada ao regula-
dor dos media, a ERC.
Últimas
Maior maternidade do
SNS já tem nome A futu-
ra maternidade do Hospital
de Santa Maria, em Lisboa,
vai chamar-se Luís Graça. O
antigo obstetra de referência
do hospital é considerado o
‘pai’ da obstetrícia moderna
no SNS. Os trabalhos para a
ampliação da ginecologia-obs-
tetrícia, neonatologia e blocos
de partos já começaram e de-
verão estar concluídos no final
do primeiro trimestre de 2024.
Descida da inflação A taxa
de inflação em Portugal, me-
dida pela variação homóloga
do Índice de Preços no Con-
sumidor (IPC), abrandou para
3,6% em setembro, confirmou
o Instituto Nacional de Estatís-
tica (INE).
Fátima espera milhares O
Santuário de Fátima espera
milhares de católicos para a
última grande peregrinação
do ano à Cova da Iria, esta sex-
ta, com as cerimónias a serem
presididas pelo novo cardeal
português, Américo Aguiar.
PSP reforçou seguran-
ça junto de estruturas
israelitas A PSP reforçou a
segurança junto de estruturas
israelitas em Portugal, como
a embaixada e sinagogas, na
sequência do conflito armado
entre Israel e o movimento is-
lamita Hamas.
Hollywood suspensa Os
atores e os responsáveis pelos
estúdios de Hollywood suspen-
deram na passada quarta-feira
as negociações, o que poderá
significar um novo adiamento
na retoma da produção de fil-
mes e séries após longos meses
de greve.
Metro do Porto ganha
mais linhas A Metro do Porto
vai avançar com quatro novas
linhas e esta sexta-feira lança
o concurso público.
NATO realiza exercício
nuclear A NATO vai realizar
um grande exercício nuclear
na próxima semana, anunciou
o secretário-geral, Jens Stol-
tenberg, após a Rússia amea-
çar revogar o tratado de proi-
bição de testes nucleares. “Isto
é um exercício de preparação
que acontece todos os anos em
outubro”, explicou.
TEMPO E MARÉS
SEXTA SÁBADO
Bragança
Porto
24° 13°
28° 18°
24° 10°
24° 16°
Guarda 20° 15° 20° 14°
Sexta-feira
13 de outubro Lisboa 26° 19° 26° 17°
13
de 2023
Évora 27° 16° 27° 16°
Faro 24° 19° 25° 18°
10
P. Delgada 21° 17° 24° 18°
Funchal 32° 25° 31° 25°
MARÉS SEXTA SÁBADO
Baixa Alta Baixa Alta
Porto 8:57 15:08 9:26 15:37
Lisboa 8:58 15:22 9:29 15:54
#2659 Faro 8:26 14:47 8:54 15:19
expresso.pt FONTES: IPMA E INSTITUTO HIDROGRÁFICO
Nublado “Uma coisa pensa
o cavalo; outra quem está a
montá-lo”, escreveu Alexandre
O’Neill. Chuva a caminho.
Acelerar a transição digital das
empresas é prioridade máxima
para a Cegid
A Cegid, tecnológica líder mundial
em soluções de gestão na cloud,
que passou a integrar o portfólio
de software da marca Primavera, 4.400
Colaboradores
promete acelerar o processo de
transição digital das empresas
e instituições portuguesas,
colocando o foco na qualidade
do serviço e na experiência de
utilização.
130 países
Soluções usadas globalmente

Após a integração do software de gestão do Grupo Primavera

no portfólio da Cegid, a tecnológica com escritórios em mais
de 20 países reforçou a sua presença no mercado português,
contando atualmente com uma gama completa de soluções de
software de gestão empresarial desenvolvidas localmente por
software houses nacionais de referência como a Primavera, a
Eticadata, a Cloudware, a Yet - Your Electronic Transaction, a
791M
Faturação 2022
Valuekeep ou a Saftonline, que passam a designar-se Cegid.

Cegid passa a ser o Maior rede de parceiros

maior fornecedor glo-
bal com presença local
Com cerca de 500.000 empre-
sas clientes em todo mundo e
expertise nas áreas Financeira
(Tesouraria, Fiscalidade e ERP),
Recursos Humanos (Processa-
mento Salarial e Gestão de Ta-
lento), Contabilidade, Retalho
e soluções de faturação para
empreendedores e pequenos
negócios, a Cegid passa a ser
o maior fornecedor internacio-
nal de software de gestão em
em Portugal
Uma rede constituída por cer-
ca de 700 empresas do setor
das Tecnologias da Informa-
ção trabalha com a Cegid
22 escritórios
diariamente na implementa-
Em todo o mundo
ção, integração e suporte às
soluções da marca, promo-
vendo um acompanhamen-
to próximo de cada projeto
tecnológico.

Portugal, com soluções desen-
volvidas e acompanhadas por
equipas locais, que beneficiam
da partilha de conhecimentos
e das inovações tecnológicas
provenientes de uma orga-
nização internacional com
clientes em 130 países e uma
vasta rede de investigação e
desenvolvimento.
Proximidade e apoio
500.000
Clientes a nível mundial
local
Mais de 1300 colaboradores
na Península Ibérica garan-
tem conhecimento profundo
do mercado, conformidade
contínua das soluções com a
legislação, cumprimento dos
normativos fiscais vigentes e
700 parceiros
acompanhamento de proximi- No mercado português
dade.

As Soluções de Gestão Primavera Chama-se Cegid, chegou

são agora Cegid para impulsionar
o meu negócio.

Together, make more possible

cegid.com
As Soluções de Gestão Primavera
são agora Cegid

Chama-se
Cegid,
chegou
para levar
o meu
negócio ainda
mais longe.

Together, make more possible

cegid.com