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A INTERAÇÃO SOCIAL COMO FATOR FACILITADOR NA


INCLUSÃO DA CRIANÇA SURDA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

SILVA, Patricia Albertini¹


UNICENTRO/PR

STREIECHEN, Eliziane²
UNICENTRO/PR

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo analisar como ocorre o processo de inclusão da criança surda na
educação infantil. A pesquisa foi realizada em três escolas da rede municipal no interior do Estado do
Paraná. Participaram, do estudo, quatro professoras que atuam na educação infantil. A coleta de dados
ocorreu por meio de questionários com questões abertas. Trata-se de uma pesquisa de campo, do tipo
qualitativa e de cunho exploratório. Os resultados revelam que, em relação à visão das participantes
sobre o processo inclusivo e o delineamento da escola, as professoras que não trabalharam com
crianças surdas possuem um olhar romantizado sobre a questão, acreditando que as escolas estão
preparadas para receber alunos surdos, ao passo que as professoras que já se depararam com as
crianças surdas, em suas salas de aula comuns, apresentam um olhar realista, em que os desafios são
inúmeros. No entanto, a principal questão está em torno da comunicação, uma vez que a L1 do surdo é
a Libras, entretanto, muitas vezes, nem a criança surda tem acesso à aquisição dessa língua, quanto
mais às crianças ouvintes. Podemos concluir que o ensino da Libras na educação infantil é uma
importante ação para facilitar o processo de inclusão da criança surda, pois além de promover a
interação, poderia contribuir para o desenvolvimento psicomotor e intelectual, tanto das crianças
surdas quanto das ouvintes, oportunizando novos horizontes de aprendizagem.

Palavras – chave: Interação. Linguagem. Inclusão. Libras.

Introdução

A inclusão tem se tornado um dos temas mais relevantes e instigantes dentro da


educação. Até a década de 1990, antes da Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), se
pensava na educação de pessoas com deficiência numa ótica segregadora, segundo a qual, tais
indivíduos deveriam ter um espaço exclusivo para seu aprendizado.
No entanto, teorias de aprendizagem, como as de Vygotsky, por exemplo, trazem uma
concepção de que o aprendizado se dá a partir da interação entre as pessoas. Nessa

1 Graduanda do Curso de Pedagogia. Universidade Estadual do Centro -Oeste (UNICENTRO) modalidade de


Ensino à Distância (EAD), Polo de Prudentópolis – PR. E-mail: pati.albertinis@gmail.com
2 Professora de Libras da Universidade Estadual do Centro -Oeste, Campus Irati/PR. Doutora em Educação pelo

Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual de Ponta Grossa. E-mail: eliziane@unicentro.br


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perspectiva, a inclusão de pessoas com deficiência passou a ser compreendida a partir de um


contexto em que todos precisam estar juntos num ambiente educacional comum.
Em virtude disso, a presente pesquisa tem por objetivo analisar como ocorre o
processo de inclusão da criança surda na educação infantil da rede municipal de ensino. A
partir de então, nos propusemos a pesquisar a Interação Social como facilitador no processo
de inclusão da criança surda na educação infantil. Para tanto, foi necessário conhecer a
dinâmica da educação inclusiva em sala de aula; identificar como ocorre a interação da
criança surda com as crianças ouvintes bem como, perceber quais os desafios que os
professores enfrentam ao receber alunos surdos em sala de aula.
A pesquisa caracteriza-se por uma abordagem qualitativa, pois de acordo com Minayo
(2009), este tipo de estudo busca analisar questões muito particulares, preocupando-se com
uma fatia da realidade que não pode ser quantificada, portanto, ao contrário da pesquisa
quantitativa, que busca analisar dados estatísticos, apresentando resultados que podem ser
mensurados e quantificados, a pesquisa qualitativa busca, analisar informações e fenômenos
subjetivos e de forma interpretativa.
Nessa perspectiva, trata-se de uma pesquisa de campo que “focaliza uma comunidade,
que não é necessariamente geográfica, já que pode ser uma comunidade de trabalho, de
estudo, de lazer, voltada para qualquer outra atividade humana”. (GIL, 2002, p.53). Assim,
utilizamos o questionário aberto, como instrumento, tendo como universo da pesquisa, quatro
professoras da educação infantil das escolas do município.
As análises dos dados estão alicerçadas, teoricamente, no seguinte tripé: Inclusão
escolar; Interação/Aprendizagem, Linguagem e suas barreiras na comunicação surda. Nessa
direção, na primeira parte, apresentamos os principais conceitos de inclusão escolar,
legislação vigente e impasses. Já na segunda parte, destacamos a importância da interação
social no contexto escolar, com base nos estudos de Vygotsky e suas contribuições na
aprendizagem de crianças com deficiências. Por fim, levantamos uma reflexão a respeito dos
desafios enfrentados no cotidiano escolar, tanto da criança surda quando do ambiente que a
cerca, delineando uma discussão sobre a linguagem como foco central, e a Libras como um
veículo facilitador no processo de ensino e aprendizagem do aluno surdo.
Para fundamentar as discussões, utilizamos aporte teórico de vários autores, tais como:
Vygotsky (1998), Mantoan (2003), Nogueira (2012), Carvalho (2007), Sassaki (1997)
Streiechen (2018) entre outros.
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Inclusão Escolar

Quando se fala de inclusão escolar, logo surgem reflexões em virtude da concepção


social implícita nesse processo como um todo. Há profissionais que acreditam que as
modalidades de ensino comum e especial devem ser pensadas de formas separadas, uma vez
que crianças com deficiência necessitam de estratégias educacionais diferenciadas das
crianças ditas “normais”. Por essa razão, há a necessidade de compreender o que é de fato a
inclusão, conceito este que Sassaki (1997, p. 167) expressa como um “processo pelo qual a
sociedade e o portador de deficiência procuram adaptar-se mutuamente, tendo em vista a
equiparação de oportunidade e, consequentemente, uma sociedade para todos”. Neste aspecto,
a inclusão não é apenas inserir a pessoa com deficiência nos espaços escolares, mas vai muito
além. Trata-se de um processo de transformação da sociedade, uma mudança de paradigma,
em que o diferente precisa ser tratado com equidade e respeito. Ainda segundo Sassaki
(1997), inclusão significa que a sociedade deve adaptar-se às necessidades da pessoa com
deficiência para que esta possa desenvolver-se em todos os aspectos de sua vida.
A realidade é que as pessoas com deficiências, seja física ou cognitiva, precisam de
um aporte estratégico educacional diferenciado. No entanto, a grande questão está em
segregar ou marginalizar esses indivíduos, cerceando-lhes o direito de frequentarem um
espaço que é comum para todos: escola. Segundo Mantoan (2003, p.12) “a escola não pode
continuar ignorando o que acontece ao seu redor nem anulando e marginalizando as
diferenças nos processos pelos quais forma e instrui alunos”.
A Constituição Federal assegura que o dever do Estado com a educação será efetivado
mediante a garantia de “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência
preferencialmente na rede regular de ensino” (BRASIL, 1988). Assim, ao se pensar no papel
da escola como um lugar para todos, onde a diversidade precisa ser respeitada nas mais
variadas formas em que ela se apresenta, seria uma incongruência este ambiente democrático
ignorar essa parcela da sociedade, uma vez que é função da escola conceder aos alunos o
acesso ao conhecimento, proporcionando condições para descobertas (SAVIANI, 2008).
Ao entendermos que toda criança tem o direto de frequentar a escola, e sabendo que o
ambiente escolar é onde se tem acesso ao conhecimento, o convívio nesse ambiente, promove,
para a criança, a oportunidade de tornar-se um cidadão digno com identidade social e cultural.
E independente de suas condições socioeconômicas, familiar, físicas, possam viver sem
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discriminações e ser bem sucedido em relação a sua aprendizagem no ambiente escolar


(CARVALHO, 2007).
Portanto, conceber a diversidade sob a ideia de permitir que as interações entre as
crianças no ambiente escolar ocorram, percebemos como Vygotsky aborda a questão da
interação como peça chave para o aprendizado. Para Vygotsky (s/a):
[...] através de suas interações sociais, a partir das trocas que estabelece com
seus semelhantes, as quais dão origem a suas formações psíquicas. Assim,
para esse teórico, as funções psíquicas superiores do ser humano estão
vinculadas ao aprendizado e à apropriação do legado cultural de seu grupo.
(apud DIAZ et al. 2009, p.150).

Pode-se ressaltar, então, a importância de romper com a barreira das nomenclaturas


especial/regular/comum, no que tange à escola, para expandir as possibilidades de
aprendizagem e desenvolvimento humano, a partir da interação daqueles os quais chamamos
diferentes em um ambiente comum. Na educação infantil, a inclusão da criança com
deficiência é assegurada pelo MEC, por meio da Nota Técnica Conjunta nº
02/2015MEC/SECADI/DPEE, que preconiza o direito ao acesso, a permanência e a participação
das crianças com deficiência de zero a três anos de idade na creche e dos quatro aos cinco anos na pré-
escola são imprescindíveis para a consolidação do sistema educacional inclusivo. (BRASIL, 2015, p.
02).
Avanços foram realizados, nessa direção, e percebe-se que nas últimas décadas tem se
levantado movimentos em prol dos direitos das pessoas com deficiência, que tem permitido a
essas pessoas, ocupar espaços profissionais, educacionais e até mesmo físicos, dos quais
anteriormente não tinham acesso. Pode-se afirmar que esse processo se iniciou a partir da
Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), que se tornou um marco na questão da inclusão
de crianças com necessidades especiais na escola comum, em que o princípio defendido é a
educação para todos independentemente de suas diferenças. Assim, orientando os governos,
em linhas gerais, essa Declaração recomenda que as escolas precisam se adequar às
necessidades apresentadas pelos alunos com currículos, planejamentos adaptados e projetos
pedagógicos voltados à aprendizagem desses alunos.
Apesar de existirem leis, recomendações, portarias, entre outros ordenamentos legais
direcionados à inclusão escolar, o processo de adaptação da escola não é um procedimento
simples, pois é muito comum encontrar nas escolas obstáculos estruturais relacionados ao
espaço físico que dificultam a acessibilidade da pessoa com deficiência, na escola. Carvalho
(2007) argumenta que a barreira arquitetônica é encontrada desde a entrada na escola até a
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mobilização por toda ela, seja para ir às salas, ao intervalo, ao banheiro. E, olhando para a
realidade de muitas escolas públicas, o espaço físico acaba sendo sim, deficitário, inclusive
com a ausência de infraestrutura mínima de acessibilidade como rampas; banheiros; superfície
com desníveis; entre outros.
Além da estrutura física, o que se percebe em muitas instituições de ensino, é que não
ocorre um processo de inclusão. Isso porque, ao receber a criança, a escola consegue apenas
oferecer o acesso à sala de aula, deixando muitas vezes de atender suas especificidades. Nesse
viés, Streiechen (2018, p. 30) tece a seguinte crítica:
[...] acreditou-se, então, que bastava permitir que todos tivessem acesso à
sala de aula. Entretanto, entrar no ambiente escolar, sentar-se numa carteira,
copiar do quadro ou do colega ao lado, participar do lanche servido no
recreio, nada tem a ver com inclusão.

Outro impasse, que serve como ponto de reflexão, está no fato de muitos profissionais
da educação não se sentirem capacitados para receberem em suas salas de aula, as crianças
como necessidades especiais. Isso porque, além do grande número de alunos nas salas de
aula, das escolas públicas, falta muitas vezes a qualificação necessária para atuação com essa
população.
Mantoan (2003) pontua que os professores do ensino regular consideram-se
incompetentes para lidar com as diferenças na sala de aula, pois os professores especializados
em educação especial, distinguiram-se por realizar unicamente esse tipo de atendimento, e
assim, tornaram o trabalho com crianças especiais uma tarefa quase que transcendental aos
olhos de muitos educadores.
Nesse sentido, Hansel, Zych e Godoy (2014, p.16), contribuem para essa reflexão
quando afirmam que:
[...] a inclusão exige adequada formação do professor para assegurar sua
capacidade de intervir no contexto em sala de aula, em sua maioria muito
populosa e apresentando inúmeros desafios. Nesse cenário de
heterogeneidade, certamente novas diferenças estarão sendo detectadas pelo
docente que, por vezes, inadvertidamente vê seu cenário acrescido de um ou
mais alunos com certa deficiência com o qual não se sente preparado para
atender em suas especificidades e singularidades.

Além desses pontos abordados, alguns projetos de inclusão acabam esbarrando num
obstáculo, no mínimo, inusitado, como é o caso da resistência de alguns pais de alunos sem
deficiência. Estes, “não admitem a inclusão, por acharem que as escolas vão baixar e /ou até
piorar ainda mais a qualidade de ensino se tiverem que receber esses novos alunos”
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(MANTOAN, 2003 p.15), tornando explícito o preconceito, reflexo de uma sociedade


egocêntrica, que visa apenas o “eu” sem se importar com o outro.
Como podemos perceber, muitos são os desafios a ser enfrentados tanto pela
comunidade escolar, como pela pessoa com deficiência, pois ainda que seus direitos sejam
legalmente assegurados, há um longo caminho a percorrer para que a inclusão não seja apenas
um conceito, mas se estabeleça como uma realidade necessária para dirimir desigualdades.

Interação e Ensino/Aprendizagem: os “nós” necessários

Um dos principais teóricos, que voltou sua atenção aos estudos sobre aprendizagem e
desenvolvimento, foi o psicólogo russo Lev Vygotsky. Esse pesquisador trouxe grandes
contribuições para o entendimento dos processos de aprendizagem em educação a partir das
relações do indivíduo com o meio, recorrendo à infância como forma de explicar como ocorre
o desenvolvimento humano no geral (MIRANDA, 2013). Nesse sentido, o aluno é o centro do
processo de ensino e este constrói conhecimentos a partir do seu conhecimento prévio e por
meio da mediação do professor, vai agregando para si conhecimentos superiores, ou seja, o
saber é construído socialmente, por meio da interação.
Neste prisma, o desenvolvimento está intimamente ligado ao contexto sociocultural
em que a pessoa está inserida, o que ocorre já nos primeiros meses de vida, com a interação
em seu núcleo familiar, lugar onde as primeiras relações sociais se estabelecem.
Assim, muito antes de iniciar a vida escolar, a criança já possui conhecimentos que
foram adquiridos a partir da convivência com outras pessoas, da observação e da imitação e é
por essa razão que “o aprendizado das crianças começa muito antes delas frequentarem a
escola” (VYGOTSKY, 1991, p.54). Todavia, é na pré-escola que:
[...] as habilidades da criança são expandidas por meio do uso do brinquedo,
da imaginação, da expressão corporal e da comunicação entre seus pares.
Para o autor, a instrução, bem como o brinquedo, a imitação, são
instrumentos que criam na criança a zona de desenvolvimento proximal
(grifo da autora), a qual permite à criança elaborar habilidades, desenvolver
capacidades e conhecimentos socialmente disponíveis que serão, aos poucos,
internalizados (VYGOTSKY, 1996 apud MIRANDA, 2013 p. 29).

Este conceito é um dos três níveis de desenvolvimento determinados por Vygotsky


(1991) com o intuito de descobrir as relações reais entre o processo de desenvolvimento e a
capacidade de aprendizado. O primeiro, é o nível de desenvolvimento real, isto é, “o nível de
desenvolvimento das funções mentais da criança que se estabeleceram como resultado de
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certos ciclos de desenvolvimentos já completados” (VYGOTSKY, 1991, p.55). Neste nível, a


criança é capaz de realizar atividades de forma independente, sem a ajuda do outro, pois já
tem seu conhecimento estabelecido.
O autor, através de seus estudos, também apresenta o nível de desenvolvimento
potencial, que se refere aquilo que a criança tem o potencial de realizar, ainda não consegue
fazer sozinha, mas faz com ajuda (REGO, 1995) ou colaboração de outra pessoa com mais
habilidades ou experiência. Entre esses dois níveis encontra-se a Zona de Desenvolvimento
Proximal, ou ZDP que, de acordo com Vygotsky (1991, p.56), é onde são definidas “aquelas
funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que
amadurecerão, mas que estão presentemente em estado embrionário.” É na zona de
desenvolvimento proximal que acontece a interação entre professor e aluno e onde os
estímulos ocorrem, para que o conhecimento real da criança alcance o desenvolvimento
potencial. Em síntese, “o nível de desenvolvimento real caracteriza o desenvolvimento mental
retrospectivamente, enquanto que a zona de desenvolvimento proximal caracteriza o
desenvolvimento mental prospectivamente”. Vygotsky (1991, p.56).
Ao partirmos desses pressupostos, percebe-se como o contexto escolar pode
influenciar positivamente no desenvolvimento infantil justamente por proporcionar essa
dinâmica de aprendizagem. É na fase pré-escolar que a criança, por vezes tem sua primeira
experiência de aprendizado fora do seu ambiente familiar. Esta vivência impulsiona o
desenvolvimento significativo das capacidades motoras, cognitivas e sociais e por meio dessa
interação com as demais crianças, ocorre a promoção de troca de saberes entre elas,
potencializado pela mediação do educador, responsável por facilitar esse momento de
descobertas, pois “a aprendizagem se dá por influência dos estímulos do meio” (ROSA,
2003).
No processo de ensino-aprendizagem, a criança não é um mero receptor de conteúdo,
portanto, não é um agente passivo. Ao contrário, uma vez que possuem conhecimentos
adquiridos antes de frequentar a escola, já dispõe de um aporte que a levará a se apropriar de
novos conhecimentos.
Nogueira e Leal (2010), com respaldo em Vygotsky (1997) afirmam que:
[...] embasado nessa concepção de que a criança com deficiência não é
inferior aos seus pares normais, mas sim apresenta um desenvolvimento
qualitativamente diferente, Vygotsky, já em sua época, acreditada que o
desenvolvimento infantil apresentava uma enorme diversidade, variando de
uma criança para outra (NOGUEIRA, LEAL, 2010, p.96).
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Muito à frente de seu tempo, Vygotsky desenvolveu estudos sobre reabilitação de


crianças com defeitos congênitos e percebeu nesses estudos que além das características
biológicas, existem características oriundas das relações sociais que são agregadas às funções
psíquicas. Desse modo, estas características podem contribuir para o avanço, estagnação ou
retrocesso no desenvolvimento da criança.
Vygotsky acreditava que o meio social é uma das principais barreiras que dificultam a
construção de um novo caminho para reestruturação das funções defeituosas (NOGUEIRA,
LEAL, 2010), portanto proporcionar a criança com deficiência um ambiente acolhedor,
receptivo e adaptável, pode influenciar no seu desenvolvimento, que ocorrerá como qualquer
outra criança, mas de modo particular.
Diante da relevância da interação social para o aprendizado do indivíduo, observamos
como a escola assume um papel de extrema importância como meio de proporcionar à criança
com deficiência, possibilidades de desenvolvimento, pois lhe permite estar inserida num
grupo, e “o grupo é o real contexto do aprender” (FAGALINI, VALE, 2002, p.19).
É importante compreender, contudo, como o ambiente escolar ganha protagonismo na
evolução das capacidades da criança, uma vez que esse é um espaço que promove a interação
por meio das relações sociais.

Linguagem e suas barreiras na comunicação surda

O homem é um ser social. Assim, ele precisa estar integrado ao meio social,
estabelecendo relações interpessoais para se desenvolver. Essas relações acontecem por meio
da comunicação que, segundo o dicionário Michaelis, é o “ato que envolve a transmissão e a
recepção de mensagens entre o transmissor e o receptor, através da linguagem oral, escrita ou
gestual, por meio de sistemas convencionados de signos e símbolos”, caracterizando-se,
portanto, por um processo de interação social, no qual ocorrem trocas de informações, entre as
pessoas.
Nessa perspectiva, o meio pelo qual se dá a comunicação é a linguagem, pois como
defende Vygotsky (1998, p. 6) “a função primordial da linguagem é a comunicação,
intercâmbio social”. No mesmo sentido, Novaes (1984, p.212) acrescenta que a “linguagem é
um aspecto do desenvolvimento global da inteligência, da afetividade, da motricidade e da
socialização do indivíduo”. Logo, a linguagem tem uma função primariamente social de
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mediar a relação entre os indivíduos que compõe o meio social, contribuindo pra seu
desenvolvimento.
Quando pensamos em linguagem, é comum associarmos à fala, no entanto, não
podemos reduzir um conceito tão amplo a apenas uma função, pois “a linguagem não depende
necessariamente do som. Há por exemplo a linguagem de sinais dos surdos-mudos e a leitura
de lábios, que é também, interpretação de movimentos” (VYGOTSKY, 1998, p.44). Existem,
portanto diversas formas de linguagem: oral, escrita, a gestual, visual, expressões faciais.
Dessa forma, é possível compreender que, para Vygotsky (1998) a linguagem possui
duas funções básicas: a primeira relacionada ao Intercâmbio Social, e a segunda, trata-se do
Pensamento Generalizante, que grosso modo, é onde acontece o “encaixe” da língua com o
pensamento Pereira (2019). Quando a criança consegue associar o objeto ao conceito, a
linguagem se torna um instrumento do pensamento. Dessa forma, não podemos dissociar a
linguagem e pensamento, pois apesar de trilharem trajetórias diferentes durante o
desenvolvimento cognitivo, por volta dos dois anos de idade ambos convergem e passam a
caminhar juntos a partir de então.
Conforme anteriormente exposto, a linguagem é fundamental para que se estabeleça a
comunicação e a interação entre os indivíduos. Pensando no contexto escolar, essa
comunicação precisa ser muito clara, para que se possa concretizar a aprendizagem e construir
um ambiente acolhedor, principalmente, se considerarmos o contexto da educação inclusiva.
Iniciar a vida escolar é um momento desafiador para a maioria das crianças, pois é
nesse momento que ocorre uma ruptura no seu modo de vida. Agora a criança sai do ninho e
passa a frequentar um ambiente coletivo, onde a atenção que antes era só dela, passa a ser
dividida igualmente entre seus colegas. Se por um lado, este novo cenário se mostra
intrigante, por outro lado, é uma valiosa experiência, na qual a criança tem a possibilidade de
estabelecer o intercâmbio social com as demais crianças e com a professora. É nesse sentido,
que “a educação escolar não apenas interfere positiva ou negativamente no desenvolvimento,
mas sim ela produz desenvolvimento” (DUARTE, 2001, p.103).
Desse modo, um dos fatores mais importantes para a adaptação escolar, tão necessária
para que a escola seja vista como um ambiente seguro para a criança, é comunicação, que se
expressa por meio da linguagem. Esta, por sua vez,
[...] possibilita a formação da consciência social pois sua função social
consiste em assegurar uma adaptação comum, dos membros da comunidade
à realidade exterior, permitindo ao indivíduo atualizar seus conceitos,
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formular ideias comuns que facilitarão a sua comunicação com o meio


ambiente. (NOVAES, 1984, p.202).

Se para uma criança, dita normal, com todas as suas capacidades físicas, motoras,
intelectuais e cognitivas, esse novo momento é cercado por incertezas, para uma criança
surda, essa nova etapa, a inserção no ambiente escolar se torna muito mais difícil. A
linguagem é a principal ferramenta da interação entre as pessoas, nesse caso, porém, torna-se
uma barreira, pois, a falta de comunicação ou a comunicação falha, restringe essa a interação,
fator preponderante para o desenvolvimento humano. Isso porque a escola recebe o aluno
surdo, ele é integrado à sala de aula, mas não é incluído no contexto escolar, pois na maioria
das vezes, não há um ambiente que propicie essa inclusão (as crianças ouvintes não
conseguem se comunicar, muitas vezes a professora não conhece a Libras ou não há intérprete
de Libras na escola.).
Dessa forma, não há sensação de pertencimento onde não há compreensão. O que
acontece, então, é o processo inverso à inclusão, pois o aluno surdo acaba por se isolar,
gerando sofrimento, desgaste emocional e em muitos casos, problemas de disciplina e a
aprendizagem é diretamente afetada. É nessa direção que Streiechen (2018) afirma que o
aluno com necessidade especial tem que se sentir integrado ao seu meio em todos os sentidos,
para que não deseje excluir-se do meio ‘inclusivo’.
Em virtude disso, o processo inclusivo requer do professor uma atitude acolhedora, de
forma a demonstrar ao aluno que o enfoque do tralhado não está na sua “deficiência”, mas em
suas potencialidades. Quando analisamos as crianças surdas e as ouvintes, podemos perceber
que o desenvolvimento motor e o desenvolvimento mental ocorrem da mesma forma. O que
os diferencia de forma marcante é maneira como se processa o domínio da linguagem. Esta,
por sua vez, interfere no desenvolvimento intelectual e social da criança surda (PEREIRA,
2019). Ou seja, as crianças surdas possuem o mesmo potencial de aprendizagem das crianças
que ouvem, elas apenas aprendem de forma diferente.
Nessa visão, a escola precisa assumir uma posição acolhedora, promovendo igualdade
de condições e de direitos. Partindo desse pressuposto o ensino da Libras na educação infantil,
não somente para crianças surdas, mas também para as que ouvem, poderia contribuir para o
processo de inclusão, pois dessa forma, a comunicação não seria prejudicada e assim a
interação entre alunos e professores seria satisfatória.
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Libras: veículo de comunicação e acesso aos conhecimentos

Libras é a abreviação para Língua Brasileira de Sinais (BRASIL, 2002). A Libras é


uma língua oficial assim com é a língua falada e é utilizada pela comunidade surda no Brasil.
A Libras, portanto é a L1 do surdo, ou seja, é sua língua materna, assim como o português é a
língua materna da pessoa ouvinte.
A Lei 10.436/02, no Art. 1º, parágrafo único, traz uma definição objetiva, em relação à
Libras:
Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de
comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-
motora, com estrutura gramatical própria, constitui um sistema linguístico de
transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do
Brasil. (BRASIL, 2002, p.01).

A Libras é uma forma de expressão gestual e visual (em substituição aos sons)
segundo a qual, pessoas surdas podem se comunicar entre si e com outras pessoas que buscam
aprender e interpretar. Os sinais, da Libras, são realizados com as mãos, de forma a utilizar as
palmas das mãos e os dedos em gestos bem definidos e claros. Nessa direção Streiechen
(2012, p.21) explica que
“as línguas de sinais se distinguem das línguas orais porque se
utilizam do canal viso-espacial e não oral-auditiva. Por esse motivo são
denominadas línguas de modalidade viso-espacial, uma vez que as
informações linguísticas são recebidas pelos olhos e produzidas no espaço
pelas mãos, movimentos do corpo e por meio das expressões faciais.

Apesar de a Libras ser a segunda língua oficial do Brasil, pouco se conhece sobre ela,
pois normalmente o que se vê é que o interesse se manifesta, em alguns casos, por parte de
familiares de pessoas surdas ou profissionais de educação que trabalham com educação
especial.
O Decreto Federal nº 5.626/2005, que regulamenta a Lei 10.436/2002, em seu 3º
Artigo, declara a obrigatoriedade do ensino da Libras nos cursos de formação de professores
em nível médio e superior.
A Libras deve ser inserida como disciplina obrigatória nos cursos d e
formação de professores no exercício do magistério, em nível médio e
superior e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino públicas e
privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados,
Distrito Federal e Municípios. (BRASIL, 2005, p. 01).
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Essa determinação demonstra que, políticas públicas voltadas à acessibilidade do


aluno surdo em espaços escolares têm sido apresentadas. Ainda em relação ao Decreto
Federal nº 5.626/2005, no capítulo IV, que aborda o uso e difusão da Libras e da Língua
Portuguesa para o acesso de pessoas surdas à educação, o parágrafo 1º, no inciso III expressa
que as instituições federais de ensino devem “ofertar, obrigatoriamente, desde a educação
infantil, o ensino da Libras e também da Língua Portuguesa, como segunda língua para alunos
surdos”. (BRASIL, 2005, p.03). No entanto, sua abrangência é apenas para instituições
federais.
A inclusão de alunos surdos, contudo, só será realmente efetivada mediante o
cumprimento de ações que visam igualar as oportunidades de condições de ensino e
aprendizagem com os demais alunos.

Para a inclusão dos alunos surdos, nas escolas comuns, a educação bilíngue -
Língua Portuguesa/LIBRAS, desenvolve o ensino escolar na Língua
Portuguesa e na língua de sinais, o ensino da Língua Portuguesa como
segunda língua na modalidade escrita para alunos surdos, os serviços de
tradutor/intérprete de Libras e Língua Portuguesa e o ensino da Libras p ara
os demais alunos da escola. O atendimento educacional especializado é
ofertado, tanto na modalidade oral e escrita, quanto na língua de sinais.
Devido à diferença linguística, na medida do possível, o aluno surdo deve
estar com outros pares surdos em turmas comuns na escola regular
(BRASIL, 2008, p.17)

Portanto, para garantir a inclusão do aluno surdo no contexto educacional, é necessário


promover e difundir a Libras. Uma maneira é a democratização do ensino de Libras nas
escolas públicas, desde a educação o infantil, que é a primeira etapa da educação básica e
assim, preparar as futuras gerações para essa nova realidade social, que incluem e acolhem o
diferente.
O ensino da Libras na educação infantil, além de promover o intercâmbio social entre
crianças surdas e ouvintes, pois a comunicação é facilitada, pode contribuir com o processo de
ensino e aprendizagem das crianças, auxiliando no desenvolvimento social, motor e psíquico.
Nesse sentido, “as mediações instrumentais do professor, do intérprete e demais profissionais
direcionam a criança surda ou ouvinte, com ou sem deficiência, a superações, provocando a
movimentação da sua zona de desenvolvimento próximo” (MARQUES, BARROCO, SILVA,
2013, p.06).
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Neste contexto, a Libras não pode ser vista apenas como mais um conteúdo a ser
ensinado, mas um veículo que permite despertar nas crianças suas potencialidades,
estimulando o que Vygotsky (1998) denomina de funções psicológicas superiores, como por
exemplo, a atenção, imaginação e memória.
Expressões gestuais e faciais, que é como se manifesta a Libras, estão presente na vida
da criança desde muito cedo. É por meio dos gestos que ela mostra aonde quer ir, o que ela
deseja alcançar, o que ela não quer, portanto, é também através dos gestos que a criança se
comunica com o mundo exterior.
Na Libras, a expressão se dá por sinais e estes correspondem a três principais
parâmetros linguísticos importantes para a realização correta do sinal, a saber: Configuração
das Mãos (forma com que a mão toma na realização dos sinais), Locação ou Ponto de
Articulação (local onde são feitos esses sinais) e Movimento (que abrange um grande
quantidade de formas e direções) (STREIECHEN, 2020).
Nesse sentido, o ensino da Libras para crianças em idade pré-escolar é um fator
importante que pode contribuir no desenvolvimento cognitivo, melhorando a atenção e
habilidades motoras pois, “embora os gestos, cotidianamente empregados por usuários de
línguas orais, não correspondam a sinônimos dos sinais existentes nas línguas de sinais, eles
já estão presentes na vida da criança pequena e servem de base para aquisição se sinais”.
Marques, Barroco e Silva (2013, p. 4)
A criança já tem em si o potencial para aprendizado da Libras, sendo assim, acolher
essa Língua no ambiente escolar, oportuniza que todas as crianças, tanto as surdas como as
ouvintes tenham acesso a uma comunicação eficiente, facilitando assim, o processo de
inclusão.

Metodologia

Esta pesquisa possui uma abordagem qualitativa e por ter uma natureza hermenêutica,
ela “trabalha com o universo de significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos
valores e das atitudes”. Minayo (2009, p.21). Quanto ao tipo de pesquisa, o presente estudo
configura-se como um estudo exploratório, por permitir que o pesquisador amplie seus
conhecimentos sobre algum tema específico. Nesse aspecto, Triviños (1987, p.109) ressalta
14

que “os estudos exploratórios permitem ao investigador aumentar sua experiência em torno de
determinado problema”. Ainda de acordo com Triviños (1987, p. 109), no tocante ao estudo
exploratório, o autor argumenta que “o pesquisador planeja um estudo exploratório para
encontrar elementos necessários que lhe permitam, em contato com determinada população,
obter os resultados que deseja”. Caracteriza-se ainda, como uma pesquisa de campo, que
busca, a partir da realidade vivenciada, obter informações através do contato com os atores
sociais. Minayo (2009, p.61) explica que:

[...] o trabalho de campo permite a aproximação do pesquisador da realidade


sobre a qual formulou uma pergunta, mas também estabelecer uma interação
com os “atores” que conformam a realidade e, assim constrói o um
conhecimento empírico importantíssimo para quem faz pesquisa social
(Grifo da autora).

A pesquisa foi realizada com quatro docentes que atuam em escolas municipais de
uma cidade do interior do Estado do Paraná. Essas participantes serão identificadas, durante a
análise dos dados, da seguinte forma: P1, P2, P3 e P4. As quatro professoras atuam na
educação infantil, em turmas da pré-escola, com alunos com faixa etária entre quatro e cinco
anos. Duas das participantes (P1 e P2) não tiveram experiências com alunos surdos. Uma
delas (P3) trabalha há muitos anos com crianças surdas e a outra teve apenas um aluno surdo
em sua turma (P4). A escolha das participantes ocorreu com o intuito de conhecer as
diferentes perspectivas das profissionais em relação à inclusão de alunos surdos. O contato
com as professoras ocorreu integralmente on-line, via whatsapp e e-mail, em virtude do
cenário em que nos encontramos, atualmente, devido ao COVID-19 em que o contato com as
pessoas se encontra restrito.
Os dados foram coletados por meio de questionário com questões abertas, que são
definidas por Lakatos e Marconi (2003, p.203) como “livres ou não limitadas, são as que
permitem ao informante responder livremente usando linguagem própria e emitir opiniões”. A
interpretação e análise dos dados, na pesquisa qualitativa, ocorre de forma flexível devido sua
natureza subjetiva, cujas verdades obtidas por meio do instrumento de pesquisa se baseiam
em critérios internos e externos (TRIVIÑOS, 1987), possibilitando perceber quais as ideias e
pensamentos da pessoa pesquisada, sobre determinado assunto.
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Caracterização do perfil das participantes

Quadro1. Caracterização do perfil das participantes


P1 P2 P3 P4

Formação Letras Magistério Pedagogia e Pedagogia


Letras/Libras
Especialização Educação -Psicopedagogia - Psicopedagogia
Infantil -Gestão Escolar - Gestão Escolar
-Supervisão e -Educação no campo
Orientação
-Libras
-Educação Especial
-Ensino Superior
Tempo que atua 16 anos 1 ano 22 anos 12 anos
no magistério
Tempo que atua 2 anos 6 meses 16 anos 6 anos
na educação
infantil
Já trabalhou com Não Não Sim Sim
aluno surdo em
sala de aula?

Análise e discussão dos dados

A respeito da visão de cada participante, sobre a inclusão de alunos surdos na


Educação Infantil, as docentes são unânimes em se posicionar favoráveis, no entanto,
apontam as seguintes observações:
P1: Importantíssima! Porém, toda inclusão, para que de fato ocorra,
necessita-se de uma série de elementos como, por exemplo: Estrutura f ísica
adaptada, recursos para necessidades individuais, profissionais
especializados para atendê-lo com estratégias de ensino. Menos alunos em
sala. Políticas inclusivas e gestores comprometidos com a causa.
P2: Acredito que a inclusão deva ocorrer, mas sempre acompanhada de
profissionais qualificados, para que ela aconteça de maneira adequada.
P3: Sou favorável, desde que o aluno incluso tenha um professor que auxilie
nas atividades, como intérprete. Caso contrário, é mais um aluno que não
terá sucesso no aprendizado. Inclusão não é apenas o aluno especial
estar na sala regular, mas sim ter condições de aprendizados iguais as
crianças ditas “normais”.
P4: A inclusão de alunos surdos é muito importante, assim quando
ingressarem nos anos fundamentais já estarão familiarizados com o sistema
escolar.

Pode-se notar que há um consenso entre as participantes sobre a importância da


inclusão de surdos na educação infantil, porém as docentes apresentam algumas questões
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relevantes para o êxito no processo de inclusão, principalmente no que diz respeito a


profissionais especializados em sala de aula, três das quatro professoras citaram essa
necessidade.
No que se refere ao relacionamento, entre alunos surdos e ouvintes, na sala de aula, as
participantes afirmaram que:
P1: De modo geral, as crianças carregam consigo a empatia e se mostram
solidárias. Cabe ao professor cultivar os sentimentos de zelo e respeito e
criar um ambiente de envolvimento, fazendo com que estes se sintam parte
integrante do processo
P2: Ainda não tive esta experiência.
P3: O primeiro impasse é a comunicação entre alunos ouvintes e alunos
surdos, professor com aluno surdo. Na grande maioria, os ouvintes não
sabem como tratar o sujeito surdo, assim há dificuldade de compreensão.
Apenas com o passar dos dias a relação começa a ter um processo de
compreensão.
P4: Eram solidários, estavam sempre dispostos a cooperarem com o colega
em questão, num primeiro momento.

Em relação às respostas das participantes é possível perceber que, mesmo levando em


consideração a receptividade das crianças, a docente especialista no trabalho com crianças
surdas apresenta a comunicação como uma dificuldade muito presente no cotidiano escolar.
A questão seguinte abordou a comunicação professor e aluno. Indagadas sobre como
se comunicam ou se comunicariam com aluno surdo, as respostas foram as seguintes:
P1: A rotina escolar nos proporciona conhecê-los e compreendê-los. A
comunicação pessoal seria gestual.
P2: Na faculdade estudei Libras, mas acredito que se me deparasse com um
aluno surdo, ainda não saberia me comunicar com sinais, então escreveria.
Solicitaria uma intérprete na sala.
P3: Usando Libras
P4: Não tenho formação em Libras. Me comunicava usando ge stos,
expressões corporais e procurava falar de modo que o aluno fizesse leitura
labial.

Com exceção de P3, que é especialista em Libras, a comunicação seria intuitiva,


basicamente gestual. Destacamos a resposta de P2, a qual explica que mesmo tendo Libras
nas grades curriculares nos cursos de formação docente, que se aprende não é suficiente para
se estabelecer uma comunicação satisfatória.
A respeito da instrumentalização dos docentes para trabalharem com alunos surdos em
suas salas de aula, as participantes acreditam que:
P1: Sim, pois tomando por base as escolas de séries iniciais, em muitas
temos ótimas estruturas e profissionais. Porém acredito que de direito, o
17

aluno surdo tenha acompanhamento em escola especializada, como forma de


estímulo e socialização.
P2: Sim, porque já temos muitos profissionais qualificados e que com
certeza lidariam da melhor forma possível com qualquer situação.
P3: Não, porque a Libras ainda é novidade para muitas pessoas e muitos nem
a conhecem. Nem nossos professores, nem nossa comunidade tem
conhecimento da Libras, sendo impossível se comunicar e ensinar o sujeito
surdo.
P4: Parcialmente, poucos possuem qualificações necessárias.

É interessante notar que as profissionais que trabalham com surdos, tem uma visão
completamente diferente das professoras que nunca trabalharam com surdos. As que já
trabalharam tem uma perspectiva realista, de que as escolas, de modo geral, ainda não estão
preparadas para receber o aluno surdo (principalmente no que se refere à qualificação dos
profissionais), enquanto que, na direção oposta, as professoras que nunca tiveram aluno surdo
em sua sala de aula acreditam que as escolas estão sim, preparadas.
Em relação à questão que referia às dificuldades que as participantes tem ou teriam em
desenvolver atividades em sala de aula, P1 e P2 afirmaram que teriam dificuldades,
ressaltando a necessidade da presença de um profissional, intérprete de Libras. P3 e P4
indicaram que não tem dificuldades, no entanto, o apontamento feito por P4 merece uma
reflexão: “Em algumas situações o aluno persistia em perturbar as atividades que estavam em
andamento, nada que não fosse possível corrigir” (P4).
A afirmação de P4 reflete a opinião de uma parte significativa d e professores no que
se refere a alunos surdos, estigmatizados como irritadiços ou indisciplinados. O fato é que:
Embora as pessoas surdas, como as ouvintes, possam ser nervosas,
facilmente irritáveis, explosivas, tais características não podem ser atribuídas
à surdez, mas muitas vezes às dificuldades em relação à compreensão e ao
uso de uma língua partilhada na família e na comunidade. (SILVA,
PEREIRA, 2003, p.03).

Quanto à questão de as participantes se sentirem preparadas para atuar nessa nova


realidade social relacionada à inclusão do aluno surdo, apenas P3 demonstrou estar
seguramente preparada para atuar me sala de aula com alunos surdos. P1 relatou não se sentir
preparada por falta de conhecimento especializado, a menos que tivesse suporte adequado. P2
diz estar preparada, mas mencionou ter muitas dúvidas e insegurança devido à falta de
qualificação. P4, porém diz estar parcialmente preparada, necessitando de mais
aperfeiçoamento.
Apontamos no Quadro 1, “Caracterização do perfil das participantes”, o tempo de
formação das professoras e consideramos relevante ressaltar como esse tempo pode
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influenciar na prática pedagógica. É perceptível, ao analisarmos as opiniões de cada


participante, que os anos de formação ampliam a visão do profissional a respeito do processo
educativo, bem como instigam o professor a buscar conhecimento e recursos que lhe
permitem estar preparado para enfrentar os desafios com os quais se depara em sala de aula
todos os dias.
Portanto a capacitação profissional é uma das colunas que fundamenta o processo de
ensino e aprendizagem do aluno surdo. Mas, afirmamos isso não somente no sentido de
propiciar um processo de ensino satisfatório, mas também para que essa criança se sinta
segura ao perceber que suas necessidades são compreendidas, atendidas e respeitadas, dentro
e fora do ambiente escolar.

Considerações Finais

Por meio desta pesquisa, buscou-se analisar o processo de inclusão da criança surda na
educação infantil. A partir da análise dos dados, vários pontos importantes foram levantados
pelas participantes da pesquisa, como a necessidade de haver nas salas de aula, um intérprete
de Libras que faça a mediação dos conteúdos.
No entanto, foi possível perceber também, que, mesmo as opiniões sendo
unanimemente favoráveis no que se refere à inclusão de crianças surdas na escola, há certo
distanciamento por parte das participantes, justificado por dois pontos. O primeiro a se
ressaltar é que só há preocupação em se buscar preparo e qualificação apenas quando o
professor se depara com o aluno surdo em sua sala de aula. Percebeu-se ainda, a necessidade
de obter maior conhecimento caso haja um aluno em sala de aula, contudo, não foi
apresentada nenhuma manifestação de interesse, por parte da maioria das participantes em
buscar capacitação na área de educação de surdos de maneira prévia. O segundo ponto é o de
se reduzir todo o processo de inclusão ao intérprete de Libras, como se apenas a presença
deste profissional fosse suficiente para se consolidar um processo complexo como é a
inclusão de surdos.
Essa intervenção é muito importante e apropriada quando a criança conhece Libras.
Partindo, então deste princípio, se as demais crianças não conhecerem a língua, como essa
interação será efetivada? Como haverá essa troca de saberes, brincadeiras e experiências, tão
19

importantes para o desenvolvimento social, intelectual e psicológico da criança? O aluno


surdo irá receber conteúdo, mas continuará isolado e seu contexto escolar será resumido entre
si mesmo e o intérprete.
Diante do exposto, uma medida muito importante que permite ao aluno surdo, sentir-
se parte integrante do grupo é o ensino de libras na educação infantil. Essa medida, além de
promover novas possibilidades de aprendizagem aos alunos ouvintes, dando-lhes acesso a
uma segunda língua, contribuindo com o desenvolvimento psicomotor e cognitivo, também
contribui para que a criança surda tenha a sensação de pertencimento, pois, não haverá
barreiras para a comunicação, que é o principal elemento da interação social, além disso, seu
processo de aprendizagem será eficiente, pois ela não estará apenas recebendo conteúdo, de
forma mecanizada, mas aprender em sua própria língua faz com que a aprendizagem se torne
significativa.

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