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Hercules por Hercules:

As Mil Faces de Mim

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Este livro é dedicado a todos os meus
colegas de banda: Bernie, Eldon,
Ulfgar e Vondal. Agradecimentos
especiais para os meus animais,
amigos, fãs, e também meus inimigos;
sem vocês, esse livro não seria possível.

SUMÁRIO
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PRÓLOGO
Estava numa das pequenas tavernas nas Planícies sem Fim quando percebi

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que não dava mais para aguentar. Era mais um daqueles cabarés da região com
gente praticamente igual: caipiras maltrapilhos de dentes amarelos e bafo de
cerveja, comendo pratos com grandes porções de frango e porcos gordurosos. O
local era feito de palha e madeira corroída pelo cupim. Para gente das grandes
metrópoles, seria uma coisa saída de outra época. Do lado de fora, a música
mudava e se transformava de forma tão rápida que a minha cabeça doía só de
pensar: “Turnê Mágica Misteriosa dos Besouros Prateados”, “Aquele que se Vendeu” e
“Valentes Como o Amor”. Lá dentro, junto com todos os outros caipiras, tinha eu,
vestido com um terno surrado, gravata borboleta e com o cabelo ensopado de
creme. Essas roupas não combinavam nada comigo, estava parecendo aqueles
pobres que gastam seu dinheiro com imitações baratas de roupas da alta classe
para se infiltrar em tavernas luxuosas, e no final só lhe resta dinheiro para pedir
um copo d’água.
Essas roupas tinham sido ideia do meu amigo Bernie. Ele estava fazendo
shows pela região e me convenceu a tocar pela primeira vez para uma plateia
naquela noite. Bernie tinha notado as mudanças caóticas que estavam ocorrendo:
em um dia você ia ver a Carruagem de Dandalian tocar músicas do Chuck, e no
outro dia já subiam ao palco usando trajes brancos e cantavam sobre o risco da
Terceira Guerra Continental destruir todas as flores. Bernie estava indo para a
capital da música, , e se hospedou numa taverna local nas Planícies sem Fim para
fazer shows e arrecadar o dinheiro para comprar os suprimentos e terminar a sua
viagem. Ele resolveu espalhar a nova cultura musical durante sua curta estadia,
apesar de meus avisos de que o pessoal de lá provavelmente ia jogar tomates
podres nele (e realmente jogaram).
Eu realmente adorava o Bernie. Era absolutamente hilário, profundamente
excêntrico, escandalosamente chique e um músico fabuloso, o melhor alaudista
que já saiu do teatro da Condessa Lilli, embora eu seja suspeito para falar isso. A
questão é que ele realmente manjava sobre o assunto, ele era como uma
enciclopédia musical ambulante e me apresentou a tantos estilos que eu jamais
poderia imaginar que existissem. Até hoje fico chateado que não exista nenhum
semideus que possua o domínio musical, mas naquela época eu pensei “se existir
um, só pode ser esse cara”.
Acima de tudo, Bernie era extremamente generoso, mas igualmente fresco
também. Antes de nos conhecermos, ele fazia parte de uma banda chamada Céu
Estrelado, uma banda de calouros que ele liderava, mas acabaram se separando. A
história que ouvi foi: Certa noite após um show, ele e os outros integrantes
foram farrear, mas um anão da banda acabou ficando tão bêbado que vomitou no
terno caro de Bernie — a reação vocês já devem saber qual foi — e ali teve o fim
do Céu Estrelado. Após isso, Bernie ficou tocando em umas tavernas imundas
por aí, fazendo seus bicos para sobreviver.
Antes de sairmos das Planícies sem Fim, tocamos na taverna da região por

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alguns dias, e foi muito divertido, apesar das ideias peculiares do Bernie sobre
música naquela época. Iniciávamos tocando algumas músicas mais pesadas, e
quando as vaias começavam, eu conseguia convencê-lo a começar com as músicas
regionais, e ele imitava até mesmo o sotaque caipira. Finalmente, quando
tínhamos aquele bando de fazendeiros bêbados na palma da nossa mão, Bernie
insistia em cantar ópera, imitando a Nastácia Voz Celestial. Não sei de onde ele
tirou a ideia de que aqueles caipiras estavam interessados em ouvi-lo cantar
ópera, muito menos imitando a Nastácia, mas bendito seja o Bernie, ele
continuou tocando apesar dos fortes indícios do contrário. Diversos donos de
plantação, fumando seus cachimbos, sentados nas mesinhas ou no balcão,
vinham para ouvir nós tocando aquelas músicas regionais e ver o Bernie fazendo
aquela imitação. Eles olhavam com terror absoluto pensando: “Que porra esse
sujeito está fazendo?” Era de morrer de rir, embora eu me perguntasse exatamente
a mesma coisa.
Depois de se emputecer com as vaias, Bernie trocou nosso repertório de
músicas pesadas para incluir baladas românticas. O plano funcionou em partes.
As mulheres corriam para a frente do palco e gritavam loucas de desejo quando
Bernie cantava, puxando suas vestes para tirá-lo do palco. Bernie sempre teve
esse charme que atraía as mulheres, algo que eu sempre invejei nele, e mais uma
das coisas que tentei imitar. Apesar disso, Bernie não conseguia aproveitar a
adulação dessa época, pois os maridos daquelas mulheres o encaravam com
sangue nos olhos, tinham tanta raiva dele como as suas esposas tinham tesão.
Numa tarde antes do nosso show, um fazendeiro veio até nós ameaçar o Bernie,
dizendo que se ele continuasse cantando essas baladas românticas, ia quebrar o
alaúde na cabeça dele. As coisas saíram do controle nessa noite, quando Bernie
beijou a velha esposa desse fazendeiro durante o show; não que eu tenha
preconceito, esses tipos de baranga também me deixam excitado, me orgulho em
ser um homem de conteúdo. A questão é que seu esposo, muito irritado, abriu
caminho até o palco para puxar o Bernie pelas vestes para fora do palco, não
porque estava amando o show, mas sim para cumprir a ameaça dele e lhe dar
alguns tabefes. Tudo que se ouvia naquele momento eram os gritos histéricos das
mulheres, as ofensas proferidas pelo homem e as ameaças de Bernie: “Este terno
me custou 10 peças de ouro, e se rasgá-lo vai ter que pagar!”. Ameaças essas que foram
totalmente ignoradas; Bernie foi puxado para fora do palco e começou a ser
surrado ali. Eu desci imediatamente do palco para ajudá-lo, pois pensei: “Esse
fazendeiro é grande, mas não é dois”. Estava enganado, ele bateu em nós dois, e o
que se seguiu foi uma pancadaria generalizada.
Nos dias seguintes, Bernie mudou nosso repertório totalmente para
músicas caipiras; era isso ou apanhar ou ser vaiado de novo. Com essas
mudanças, pode-se dizer que caímos totalmente nas graças do público regional, o
que era bom e ruim ao mesmo tempo. Bom porque ficamos famosos por lá, e
ruim porque nosso sucesso chegou aos ouvidos do meu velho pai. Meu pai
revirou a fazenda toda até encontrar o meu alaúde, e lhes garanto que falo
totalmente a verdade quando digo que ele quebrou o meu precioso alaúde na

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minha cabeça, além de me humilhar com suas palavras cruéis. Ele disse que eu
estava manchando o nome dele, que me tornei um vagabundo, e que nunca seria
ninguém, e mais baboseiras desse tipo. O que foi a gota d’água para mim não foi
a surra que levei, ou a humilhação que recebi; já estava acostumado com isso. O
que realmente me irritou foi que o alaúde que ele quebrou em minha cabeça era o
que Bernie havia me dado de presente. Após xingar o meu pai de todos os nomes
que vocês possam imaginar, e lhe dizer tudo aquilo que estava entalado na minha
garganta nos últimos anos, eu arrumei minhas coisas — uma trouxa de roupas
sujas, o terno surrado que o Bernie me comprara e os trocados que ganhamos — e
me mandei. Afinal, o que eu tinha a perder? Morando na fazenda, o máximo que
eu teria seria uma sacola com um punhado de galinhas-dragão mortas para o
jantar.
Agora, tinha finalmente me livrado das garras de meu pai e pensava o que
poderia fazer da vida. Eu podia virar um ladrãozinho para sobreviver, ou quem
sabe ficar tocando por migalhas em cabarés pelo continente; mas não, eu sabia
que não era isso que eu queria. Meu pai imaginava que eu voltaria
choramingando para casa em alguns dias, mas eu tinha que provar para ele que
ele estava errado, eu tinha que me tornar famoso, tinha que ser alguém
importante e rico. Meu primeiro passo na escadaria para o sucesso foi me juntar
ao Bernie em sua viagem para o teatro da Condessa Lilli Loofollue. Bernie me
contou maravilhas sobre o teatro, como havia bardos que tocavam todos os
estilos musicais, sobre os instrumentos, as aulas de música e atuação, e tudo
mais. Fiquei maravilhado com aquilo, mas nossos trocados não eram o suficiente
para pagar os nossos estudos lá, o que não foi um grande problema, já que
arrumamos o dinheiro necessário fazendo shows em tavernas e bordéis da
Cidade Baixa e roubando alguns bêbados que eram nocauteados pela cerveja (não
é algo pelo qual nos orgulhamos, mas tínhamos que garantir o nosso futuro).
O verdadeiro grande problema que eu tive que enfrentar era meu maldito
nome: Fodel Chernin. Fodel. Onde já se viu um astro da música chamado Fodel?
Eu não podia me apresentar com um nome desses, era uma piada de mau gosto
arquitetada pela mente diabólica do meu maquiavélico pai. Mas eu não me deixei
abater, um problema desses não iria impedir a minha ascensão. No momento em
que coloquei os pés para fora da casa do meu pai, para nunca mais voltar até
adquirir a glória que eu almejava, esse momento foi o momento em que Fodel
Chernin, o fazendeiro, foi sacrificado, e Hercules, o músico, nasceu (não
exatamente naquele momento, pois estava tão apressado para trocar de nome que
surrupiei o do meu amigo e comecei com o nome de Bernie Júnior, mas isso não
vem ao caso).

Ooh eu tenho botas aladas e


Toco música em uma harpa desafinada
Ooh ela tem Hércules do seu lado

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E Diana em seus olhos

Alguns homens gostam da vida selvagem, outros homens buscam a vida perfeita
Ooh bem, eu gosto de mulheres e eu gosto de cerveja
E eu sempre gostei dessa maneira
Sempre dessa maneira

Meu coração não pode suportar


O jeito que ela flerta com outro homem, está querendo me irritar
Vivendo e amando, beijando e abraçando
Vivendo e amando com um gato chamado Hércules
Um gato chamado Hércules

Oh e dói pra caramba meu coração


Ver minha garota se divertindo com um fortão
Nenhum homem vai passar por cima dos meus desejos
Brincando com meus brinquedos

Garoto rico, se esfregando numa banheira


Se divertindo numa confortável cama
Eu? Eu continuo sujo até as orelhas
Me lavando num balde de lama
Me lavando num balde de lama

Meu coração não pode suportar


O jeito que ela flerta com outro homem, está querendo me irritar
Vivendo e amando, beijando e abraçando
Vivendo e amando com um gato chamado Hércules
Um gato chamado Hércules

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Meu coração não pode suportar
O jeito que ela flerta com outro homem, está querendo me irritar
Vivendo e amando, beijando e abraçando
Vivendo e amando com um gato chamado Hércules
Um gato chamado Hércules...
Um gato chamado Hércules...
Um gato chamado Hércules...
Um gato chamado Hercules...
Um gato chamado Hércules...

Nome: Hercules
Compositor: Hercules

UM
Não foi de fato o Bernie que me fez ter o primeiro contato com músicas de

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fora. Embora ele tenha me apresentado ao cenário musical, meu primeiro contato
com a música mais popular foi com a senhorita Jones, uma antiga barda famosa
que migrou para as Planícies sem Fim para viver uma vida tranquila durante a
velhice. Ela também foi a figura mais próxima que tive de uma mãe.
Eu a conheci com sete anos de idade, enquanto passeava pelas ruas das
Planícies, e a avistei tocando essas músicas revolucionárias da época em um
alaúde. Foi a figura de aparência mais bizarra que eu já vira até então. Tudo nela
era extraordinário: os cabelos, as roupas e até mesmo o jeito de posar. Eu não fui
o único que fiquei petrificado vendo tocá-la, outros fazendeiros velhotes ficaram
boquiabertos com ela, embora provavelmente pela beleza, e não pela música, já
que é algo que eles provavelmente repudiariam.
Comparado com as coisas que eles costumavam ouvir, mal dava para
chamar aquilo de música. Era esparsa, lenta, crua e misteriosa. Um estranho eco
recobria toda a música, que mal dava para entender algumas coisas que ela
falava. Esse eco era, inclusive, causado pela magia prestidigitação, fazendo com
que esse também tenha sido meu primeiro contato com a magia.
Entender o que ela cantava, de fato, não significava muito para mim, pois
algo físico ocorria quando ela o fazia. Dava para sentir literalmente a estranha
energia que transmitia, como se fosse contagiosa, como se as ondas sonoras
estivessem entrando pelo meu corpo. Naquela época fiquei louco com aquilo. Até
ali, o melhor músico que tinha ouvido era o Milo Chapéu de Palha, um
halflingzinho corpulento que, como o nome já diz, estava sempre com um chapéu
de palha na cabeça. A forma como ele se virava e sorria para a plateia, como
quem estava se divertindo para valer, era o que me encantava nele. Eu adorava a
energia que ele emanava, e a forma caricata dele de cantar.
Eu achava o Milo realmente fabuloso, mas ao ouvir a senhorita Jones
cantar, eu sentia como se algo mudasse, e nunca mais pudesse voltar a ser igual.
E de fato, em outras regiões as coisas estavam mudando permanentemente.
E graças à Vitalia, pensei eu, pois Planícies sem Fim definitivamente
estava precisando de mudanças. Só havia velhos carrancudos, barangas mal -
humoradas e fofoqueiras, além de valentões metidos. Era um local onde as
pessoas olhavam por trás das frestas da janela de cara azeda. Eu digo era, me
referindo no passado, mas o certo seria me referir no presente, pois infelizmente
pouca coisa mudou. A questão é que eu ia para rua todo dia só para ouvir a
senhorita Jones tocar seu alaúde e cantar uma canção. Nós nos tornamos grandes
amigos, e ela até me ensinou um pouquinho de música, embora não pudesse
praticar por causa das regras rígidas do meu pai. Meu pai era o velho mais
carrancudo dos velhos carrancudos da região, e eu pensei que a senhorita Jones
seria a pessoa que poderia mudá-lo para melhor, então comecei a arquitetar
planos para juntar os dois.

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Mas aquela não seria a primeira vez que meu velho pai estaria envolvido
com uma mulher, pois ele já fora casado uma vez há décadas atrás. Ele nunca
falou sobre isso comigo, mas os vizinhos me contaram as fofocas. A antiga
esposa dele era da região também, e eles se conheceram num show de música
caipira na taverna (que ironia para um velho que odeia música!), e os dois se
engraçaram logo. Esse povo antigo possui a mania de se casar bem cedo, e não foi
diferente com eles dois, que se casaram com poucas semanas depois de se
conhecer. Os fazendeiros locais dizem que parte da personalidade rabugenta do
meu pai veio desse relacionamento, e que os dois cometeram um grande erro ao
se casarem. Eles eram um casal sem romantismo. Eles simplesmente não se
davam. Ambos eram teimosos e tinham pavio curto, duas características que tive
o prazer de herdar. Dizem que não se sabe se os dois realmente já se amaram.
Talvez já tenham se amado em algum instante, ou acharam ser um caso na época
que estavam de namorico. Mas depois do casamento, os dois pareciam jamais
terem se amado. As discussões eram intermináveis. A esposa dele acabou
morrendo 5 anos depois do casamento, de alguma doença terrível, pelo que
dizem, embora eu não duvide que tenha morrido de desgosto ou de ódio por ter
se casado com o meu pai.
Meu pai já me colocou para trabalhar muito novo, desde criancinha, tanto
é que nem lembro se houve uma época que morei na fazenda dele que não estava
trabalhando. Apesar de não gostar de fazer os trabalhos braçais da fazenda,
principalmente por causa do meu físico repugnante, eu ainda preferia isso do que
o período em que ficava na casa com meu pai. Ficava quieto em meu quarto, e
eram horas de silêncio desagradável, carrancudo e miserável, e quando eu tinha
que falar, escolhia as palavras com cuidado para não enfurecê-lo. Não lembro de
ter visto o pai feliz em nenhum momento; e acho que ele mesmo não gostava de
ter momentos de felicidade, pois estava sempre procurando motivos para se
estressar e ficar de mau humor. Por anos eu achei que isso fosse minha culpa,
pois meu pai sempre fez questão de deixar claro que eu não sou filho de sangue
dele, e a única razão para ele ter me acolhido quando fui deixado num cesto em
frente à sua porta, é porque ele precisava de um herdeiro para fazenda. Acho que
ele se arrependeu, pois também passei a vida toda ouvindo ele dizer que preferia
destruir a fazenda a me deixar herdá-la. Mas os outros fazendeiros amigos de
meu pai me “tranquilizaram” falando que isso não é culpa minha, e que ele
sempre foi assim. Buckman sempre foi uma nuvem negra ameaçando iniciar uma
tempestade; isso assustava as pessoas, e ele gostava disso.
Suas ideias de paternidade (se é que posso chamar assim) também nunca
me agradaram. Para ele, era sentar o braço que mantinha as crianças na linha,
nada que uma boa surra não pudesse resolver. Meu pai era um seguidor fanático
dessa filosofia, e isso era ainda mais paralisante e humilhante quando ocorria em
público; como quando levava um tapa na orelha por sem querer derrubar um saco
de compras no mercado, atraindo os olhares dos curiosos, para fazer aquele
estrago na minha autoestima. Mas isso era o de menos, pois meu pai tinha

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atitudes que seriam consideradas perturbadoras até para quem morava na região.
Quando eu era criancinha, ele me bateu com uma escova de aço até eu sangrar,
para que aprendesse a fazer as necessidades no lugar correto. Se ele gostava de
assustar as pessoas, então eu devia fazê-lo radiante, pois me cagava de medo dele.
As pessoas dizem que você deve amar seus pais acima de tudo, mas me entristeço
ao dizer que não amei o meu pai em nenhum momento da minha vida até agora.
Mas como ia dizendo, planejava arrumar a senhorita Jones para o meu pai,
e isso não foi nada fácil considerando o fato dela ser uma barda e ele odiar
música, e o povo das grandes cidades. Quando eu finalmente o convenci a me
colocar numa escola, ele me levou até Belgrad para conhecer melhor o lugar, mas
nossa visita durou poucos minutos. As pessoas se vestiam como gente de outro
mundo, usavam cremes no cabelo, e eram higiênicas demais para o meu pai. O
pior mesmo para ele foram os bardos tocando pelas ruas. Ele achou tudo aquilo
moralmente errado: “Olha como eles se vestem, como agem, balançando os quadris,
quase com os paus para fora. Não quero você envolvido com isso.” Ele mudou de ideia
quanto à escola rapidamente, achou que o contato com essas pessoas da cidade
iria levar a minha degradação moral definitiva. Uma hora eu estaria aprendendo
a escrever, e na outra me juntaria aos trambiqueiros para cometer atentados ao
pudor.
Foram meses fazendo todos os planos possíveis para fazê-los se
encontrarem, com a esperança de que meu pai finalmente a chamasse para um
encontro. Convenço-o a ir nas tavernas nas noites em que a senhorita Jones ia se
apresentar (sem que ele soubesse), convenço ele a fazer compras nos horários em
que ela estava nas ruas tocando, e uma vez até empurrei o papai para cima dela,
literalmente, para iniciarem uma conversa. Ele se desculpou com ela e fui
espancado quando cheguei em casa, me arrependo amargamente. Vendo que
todos esses planos não deram certo, só me sobrou a última opção: enquanto a
senhorita Jones me ensinava um pouco sobre a arte da música tocando o seu
alaúde, eu pedi ele emprestado para tocar um pouco, e fingi derrubá-lo no chão
sem querer o quebrando. Ela não ficou muito aborrecida, pois era um alaúde
comum, mas eu falei ao meu pai de qualquer jeito o ocorrido e pedi para ele
pagar. Como resultado, eu fui espancado, obviamente, mas pelo menos eu
consegui: Ele convidou ela para um jantar para pedir desculpas, e pagou o ouro
dela, que ela recusou e devolveu para ele, que também recusou receber o ouro de
volta e devolveu para ela. No final ela me entregou o ouro escondido depois, foi a
primeira vez que possuí tanto ouro assim em minha vida. Era considerado uma
fortuna para os moradores da região, principalmente para uma criança. A questão
é que eles viraram amigos depois desse jantar, e com mais alguns
empurrõezinhos meus, eles finalmente começaram a namorar.
O namoro do meu pai com a senhorita Jones durou poucos meses, mas foi
a época mais feliz da minha infância. Durante esse período, os castigos de meu
pai eram bem mais leves — ao invés de me bater até sangrar, ele me deixava
ajoelhado por uma hora em grãos de milho —, e ele até mesmo tomava três

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banhos por semana; um grande avanço, considerando que antes e depois do
namoro deles, mal tomava um. Mas o melhor de tudo, era ter a senhorita Jones
como figura materna. Era a pessoa em quem eu mais confiava. Ela não possuía
frescuras, trabalhava duro, era gentil e divertida. Eu a idolatrava. Era a melhor
cozinheira do mundo, e levava jeito com jardinagem, adorava beber e jogar
cartas. Ela também começou a me ensinar como tocar alaúde, o que meu pai
reprovava, mas tolerava por gostar dela. Infelizmente, eu me acomodei com a
nova vida, e foi a gota d'água para meu pai quando chegou em casa à noite e
descobriu que eu faltei no trabalho da fazenda para aprender a tocar. Ele e a
senhorita Jones tiveram uma briga feia, e eu me senti extremamente culpado por
acabar com a relação deles. A senhorita Jones morreu meses depois por
problemas causados pelos charutos que fumava.
Depois que a senhorita Jones e o meu pai terminaram, ele ficou ainda mais
rabugento do que o normal. De repente, ele criou um monte de novas regras
sobre tudo. Eu agora tinha que acordar antes do canto do galo, e estava sujeito a
punição se não conseguisse acordar, mas me ferrava ainda mais se comesse aipo
da forma errada. A forma correta de comer aipo, caso alguém esteja interessado,
era mastigá-lo sem fazer muito barulho. Uma vez, supostamente, ele me bateu
por dobrar as roupas de forma errada. Ele disse que eu deveria dobrar como um
fazendeiro de verdade. Infelizmente, já me esqueci como dobrar roupas como um
verdadeiro fazendeiro, por mais vital que essa informação seja, obviamente. Meu
pai tinha um pavio extremamente curto e não sabia como usar palavras. Não
havia resposta calma, não havia um "Ei, senta aí". Simplesmente explodia. Meu
pai também foi o principal motivo pelo qual eu não me sentia bem comigo
mesmo, e isso se manifestava em uma falta de confiança em minha aparência que
perdurou até o início da minha idade adulta. Por anos e anos, não consegui me
olhar no espelho. Tinha ódio profundo pelo que via: era magro demais, baixo
demais, tinha um rosto meio estranho, um cabelo que nunca ficava como eu
queria, e não tinha o porte atlético que os outros filhos dos fazendeiros amigos
do meu pai tinham.
Mas para quem está achando que a minha infância foi somente tristeza, eu
também tive os meus momentos. Eu brincava com os outros meninos da região
de vez em quando, aquelas brincadeiras típicas de criança. O lado bom de ter
crescido nas Planícies sem Fim é que lá o povo era menos preconceituoso quanto
ao fato de eu ser mestiço, então essas crianças não tiravam sarro da minha cara —
pelo menos não por causa da minha origem. Uma das poucas coisas que eu tinha
em comum com o meu pai era a competitividade. Todos os fazendeiros eram bem
competitivos, e meu pai era o mais competitivo entre eles, e essa competitividade
também passou para mim. Certa vez, a garotada resolveu organizar uma
competição de braço de ferro, para descobrir qual o menino mais forte das
Planícies. Meu pai era um dos melhores competidores de braço de ferro nas
tavernas, e pensei que participar seria a oportunidade perfeita para vencer e
orgulhá-lo. Os bárbaros pregam a filosofia que o mundo pertence aos mais fortes,
mas eu discordo, acredito veementemente que o mundo pertence aos mais

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espertos; e eu quase provei que estava certo. Para compensar o meu porte físico
de quem está em estado terminal, usei de certos truques sujos e trapaças para
vencer meus oponentes, fazendo caretas para perderem a concentração. Meu
truque funcionou, e eu cheguei na final, mas infelizmente a filosofia dos
bárbaros se provou certa naquela vez, quando fui derrotado por Annie, uma
meia-orc de 5 anos com quase dois metros de altura, que impõe medo até em
adultos. Tentei fazer caretas, usar truques, mas nada deu certo. Ela usou tanta
força que quebrou o meu braço e a minha mão. Desde esse dia, ainda venho
buscando provar a minha filosofia nos jogos de taverna; certa vez venço, e certa
vez perco. Talvez nenhuma das duas esteja certa afinal.
Se meu pai me considerava rebelde na infância, mal sabia ele como eu
seria na adolescência. Nas Planícies sem Fim, a idade legal para consumir
bebidas alcoólicas era notoriamente mais baixa em comparação a outros lugares -
ou melhor, simplesmente não era respeitada. Aos quinze anos, eu e meus amigos
começamos a frequentar a taverna, financiando nossos drinques com dinheiro
que tirávamos de alguns mendigos ou até de nossos próprios pais. A primeira vez
que provei álcool, quase cuspi a bebida por achá-la terrível, e pela expressão
desgostosa de meus amigos, parecia que eles concordavam. No entanto, nosso
desejo por rebeldia e independência não nos permitia mostrar fraqueza, então
bebemos até a embriaguez, como jovens sem perspectivas de futuro ou como
típicos pais de família.
Mas o que realmente me encantava nas tavernas era a oportunidade de
ouvir música em paz. Claro, a maioria das músicas era interpretada por músicos
caipiras iniciantes, mas ainda assim, elas tinham um charme singular. Após a
passagem da senhorita Jones, a única outra pessoa que atravessou as Planícies
sem Fim e levou uma vida dedicada à música foi Bernie. Isso se devia ao fato de
que se algum fazendeiro tentasse seguir uma carreira musical, provavelmente
acabaria à beira da falência. Pelo menos, era isso que eu acreditava na época. No
entanto, logo descobri que estava errado a respeito disso quando um jovem
gnomo chamado Holly Olhos-Grandes, que vivia nas Planícies sem Fim, teve
sucesso na música.
Ele se mudou para Belgrad e trouxe uma inovação musical tocando
músicas caipiras com uma ampla variedade de instrumentos. Após enriquecer,
ele dedicou um ano de sua vida ao estudo da arte dos artífices em Elir e usou seu
conhecimento para fazer modificações engenhosas em seus instrumentos
musicais, revolucionando a música em um curto espaço de tempo. Infelizmente,
essa inovação acabou levando à sua morte quando foi eletrocutado por seu
yarling elétrico durante uma apresentação, apenas alguns meses depois de sua
volta.
Holly Olhos-Grandes era o meu músico caipira preferido, e as pessoas
diziam que eu me parecia com ele, o que me deixava bem feliz, pois na época
não sabia que só diziam isso por causa da minha estatura. Motivado para parecer

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ainda mais com o Holly Olhos-Grandes, eu comprei um óculos de grau, mas,
diferente dele, eu não usava por problema na vista, só queria parecer estiloso
como ele, mas na verdade a minha visão era bem mais aguçada que a de humanos
comuns, graças à minha linhagem élfica. Essa foi uma das piores ideias que tive,
pois não conseguia enxergar direito com aqueles óculos, o que acarretou que
acabei sendo pego durante o ato de masturbação pelo meu pai. Lembro de não
ficar tão envergonhado como deveria, pois nem eu sabia direito o que estava
fazendo. Em termos de sexo, comecei tarde para um fazendeiro das Planícies, e
cedo para um rapaz da cidade; sou especialista em sempre ficar entre dois
mundos. O máximo de familiaridade que eu tinha com aquele assunto era
ouvindo a conversa dos meus amigos: “Entramos escondidos no estaleiro do papai,
peguei um pouco no peitinho”. Como? Qual era o sentido daquilo?.
Creio que tinha mais haver com experimentar uma sensação de prazer que
com a sexualidade à flor da pele. Seja como for, meu pai me flagrou, e depois da
surra veio com aquele discurso: se continuasse a fazer aquilo, iria ficar cego. Eu
fiquei com aquilo na cabeça. E se fosse verdade? Estava mesmo sentindo a minha
visão piorando; se eu continuasse, talvez perdesse a visão de vez. Achei melhor
não arriscar. Em minhas conversas sobre música, as pessoas falam como Holly
Olhos-Grandes revolucionou a música; eu falo sobre como ele me fez parar de
bater punheta.
Apesar de tantas regras, e milhares de avisos sobre como estava com a
queda na criminalidade garantida, já era tarde demais para o meu pai apagar as
chamas da rebeldia que incendiavam o meu coração. Numa das noites em que
Bernie se apresentou na taverna das Planícies, e eu assisti o seu show, fiquei
completamente maravilhado. Ele podia alternar facilmente entre músicas, ora
dedilhando as cordas de seu alaúde com a graça de um anjo, e na música seguinte
estava tocando de forma tão violenta que parecia estar agredindo as cordas. Foi
naquele momento em que decidi que eu queria ser exatamente assim. Depois do
show, eu me ofereci para pagar uma bebida para ele, e conversamos por algumas
horas. Falei sobre o meu sonho de ser um bardo famoso desde que o vi tocar, e ele
me convidou para se apresentar com ele daqui à alguns dias. Fiquei
extremamente ansioso com o convite, mas como estava ainda mais ansioso para
sair daquela vida, eu aceitei.
Apresentei as minhas letras para o Bernie dois dias depois, mas ele jogou
todas no lixo, ele disse que a melhor que eu possuía era uma que comparava os
fartos seios de uma garota com as tetas gigantes de uma vaca com obesidade
mórbida, e ele disse que mesmo assim aquilo não prestava, e se eu cantasse isso
pra uma garota provavelmente levaria uns tapas fortes, e uma joelhada no saco;
eu não entendi o que ele quis dizer naquele dia, aquilo foi a coisa mais romântica
que eu já havia ouvido em toda a minha vida nas Planícies sem Fim. Essa
conversa que tivemos também motivou o Bernie à me ensinar as estratégias
avançadas de sedução, cuja maioria do meu conhecimento devo à ele.

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O Bernie então decidiu que faria uma letra para mim, e eu que iria
compor a melodia. Poucos dias depois, e nossa primeira música estava pronta,
chamada Coelho Jack, inspirada numa das histórias de minha infância que contei
para ele. Na noite da apresentação, eu estava encharcado de suor de tanto
nervosismo, estragando o terno de segunda mão que o Bernie comprara para
mim; não que ele prestasse antes. Eu estava quase desistindo do show, e minha
carreira ia acabar no primeiro dia: onde já se viu um bardo com medo de plateia?
Por sorte, Bernie não deixou que eu cometesse aquele erro, e recomendou que eu
bebesse um pouco de cerveja para acalmar os nervos, e então ir tocar. Eu segui a
dica do Bernie, e acabei bebendo bem mais do que devia, de modo que no final do
show já estava insano, quase jogando os instrumentos pelos ares. Essa é uma
estratégia que uso até hoje, sempre bebo antes e durante o show (estratégia essa
que foi copiada por meu amigo Eldon, mas diferentemente de mim, ele come
doces para acalmar os nervos, o que resultou em seu peso crescente).
Depois do show, bebemos ainda mais, e eu não me recordo exatamente os
detalhes do que ocorreu à seguir, mas Bernie e eu acabamos indo para cama
depois desse show. As pessoas dizem que as mulheres amadurecem bem mais
rápido que os homens, e eu mesmo sou uma prova disso. Assim como o Bernie,
sou extremamente infantil até hoje. Talvez isso seja reflexo da péssima infância
que tive, e a minha vontade de ter tido uma infância decente, mas de qualquer
jeito, a imaturidade rebelde na forma de agir costumava me atrair, e foi isso que
ocorreu com o Bernie.
O que ocorreu depois deste show eu já relatei no prólogo e só gostaria de
acrescentar quanto à nossa viagem até Belgrad; não teve muitas aventuras,
apenas trocamos histórias, e o Bernie me ensinou como se comportar na cidade
grande. Ele me ensinou como conquistar as mulheres, e achei que aquilo que ele
havia me dito fazia bem mais sentido do que o que cresci vendo nas Planícies.
“Três banhos num dia? Será preciso mais do que palavras para me fazer acreditar em tal
absurdo” e “Como assim usam perfume com fragrância de flores e não urina de gambá?”
foram alguma das frases que disse na nossa conversa. Em pouco tempo,
desenvolvi várias manias de limpeza; cinco banhos por dia em dias quentes,
borrifadas de perfume à cada 4 horas, e eu sempre ando com meus próprios
sabonetes para garantir.

Quando eu olho pra trás

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Eu devia estar sonhando
Trabalhando no campo
Num riacho pescando

Buscando uma solução


Tentando encontrar a razão
Até enxergar o brilho do ouro
Querida, eu era um tolo

Eles dizem, volte, bicho do mato


É melhor voltar para a floresta
Mas eu me esqueci daqueles dias
E das minhas manias de caipira
E, (oh oh oh) a mudança vai me fazer bem

É melhor você voltar, bicho do mato


Morar na metrópole não é para você
Lá você será tratado como um rato
Será desprezado e vai se entristecer

Bom, eu li alguns livros e pergaminhos


Falando daqueles nobres riquinhos
Moradores da Grande Metrópole
E os trouxas lá de casa diziam que eu era um tolo
Eles diziam que acreditar em Vitalia
É a regra de ouro

Eles dizem, volte, bicho do mato


É melhor voltar para a floresta
Mas eu me esqueci daqueles dias

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E das minhas manias de caipira
E, (oh oh oh) a mudança vai me fazer bem

Eles dizem, volte, bicho do mato


É melhor voltar para a floresta
Mas eu me esqueci daqueles dias
E das minhas manias de caipira
E, (oh oh oh) a mudança vai me fazer bem

Eles diziam fique em casa rapaz, você tem que cuidar da fazenda
Viver na metrópole, rapaz
Vai partir seu coração
Mas como se pode ficar quando seu coração diz não?
Como se pode parar
Quando seus pés dizem – vá!?

Eles dizem, volte, bicho do mato


É melhor voltar para a floresta
Mas eu me esqueci daqueles dias
E das minhas manias de caipira
E, (oh oh oh) a mudança vai me fazer bem

É melhor você voltar, bicho do mato


Morar na metrópole não é para você
Lá você será tratado como um rato
Será desprezado e vai se entristecer

Volta pra casa bicho do mato, volta pra casa bicho do mato, volta para casa

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Nome: Bicho do Mato
Compositor: Hercules / Bernie

DOIS

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Quando nós dois finalmente chegamos em Belgrad, fiquei maravilhado com tudo
aquilo. Eu já tinha estado lá antes, mas mal tive tempo de olhar as coisas, e agora
eu poderia ir para onde quiser; desde que ficasse bem longe da Cidade Alta, claro.
Antes de qualquer coisa, Bernie e eu exploramos a cidade para conhecê-la
melhor, isso incluiu visitar loja de roupas, de cosméticos e as melhores tavernas
para se beber e se apresentar. Embora minha experiência inicial com óculos de
graus tenha sido péssima, eu adorei os óculos coloridos que serviam somente para
se enfeitar. Inicialmente só tive dinheiro para comprar um par de óculos, mas à
medida que fui ganhando mais alguns trocados, eu fui aumentando a minha
coleção. Os que eu carrego sempre comigo, além dos óculos escuros, são os óculos
de lentes coloridas, que eu sempre mudo de acordo em como estou me sentindo.
Eu me inspirei nos flumphs para ter essa ideia, que sempre mudam de cor
dependendo dos sentimentos que estão sentindo.
Depois de darmos voltas pela cidade, eu e Bernie fomos fazer nossos
planos para atingir a fama em Belgrad. Foi uma tarefa bem difícil, pois não
tínhamos músicas próprias, e qualquer outro bardo podia cantar as músicas de
bardos famosos melhor que a gente, já que éramos somente calouros, e eu mesmo
tinha me apresentando menos de dez vezes em um palco até aquele momento.
Nosso plano era tocar em tavernas e bordéis da Cidade Baixa até acumular
dinheiro suficiente para entrarmos no teatro da Condessa Lilli Loofollue. Foi o
que começamos à fazer, arrumamos contratos com as tavernas mais pobres da
Cidade Baixa, onde os sujeitos que frequentam todos possuem uma índole no
mínimo duvidosa. Fazíamos shows lá tocando músicas dos grandes bardos, e para
ser bem sincero o pessoal de lá nem prestava atenção na gente, estavam bem
ocupados se embriagando ou iniciando confusões. Confusão era só o que tinha lá,
todo dia que tocávamos — e quando não tocávamos também — era só o que
tinha, sempre acabava em briga.
Nossas primeiras apresentações nas tavernas eram extremamente
medíocres, e eu me refiro no sentido de ruim mesmo, pois tem gente que diz que
medíocre é mediano, mas para mim medíocre é péssimo. Éramos só nós dois
tocando em instrumentos de segunda mão, e ambos eram instrumentos de corda,
não havia variação. Além disso, não possuíamos nenhuma magia para dar aquele
toque especial no show, não fazíamos a mínima ideia como conjurar nada até
aquele momento na verdade. Nós trabalhávamos igual uns animais todos os dias,
e o nosso dinheiro só dava para alugar um quartinho, e para comer pão de antes
de ontem com café frio, no almoço e jantar, e quando tínhamos sorte a gente
conseguia algumas bolachas mofadas para o lanche da tarde.
Como meu conhecimento musical logo no início da nossa carreira era
extremamente limitado, nosso repertório incluía somente músicas do Chuck,
Holly, e uma balada popular de taverna conhecida como “O Chacal”, esta última
que fez uma gangue de anões nos expulsar de uma taverna sob ameaça de morte
depois do verso “Um anão menor que meu pau”.

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Se as coisas já estavam ruim no começo, elas pioraram
ainda mais depois que um alto elfo chamado Caleb começou à nos infernizar. Ele
tinha iniciado seus estudos no teatro da Condessa à algumas semanas, e já sabia
alguns truques e feitiços simples, e ficou extremamente irritado conosco quando
pegamos um contrato numa dessas tavernas pobres da Cidade Baixa antes dele.
Eu não sei como ele está hoje em dia, mas nessa época, ele já era um multi-
instrumentista mediano, e tocava bem melhor que a gente, tinha até algumas
músicas próprias, não eram grande coisa, mas a gente nem música própria tinha.
Ele podia arrumar contratos em tavernas medianas da Cidade Baixa , bem
melhores que essa que a gente tocou, mas ele realmente ficou com o ego ferido
por termos pego o contrato, e começou à nos atazanar pelas próximas semanas.
Ele pegava o máximo de contratos que conseguia, até mesmo nas tavernas
mais imundas, e quando não pegava o contrato, ficava invadindo nossas
apresentações somente para vaiar, ou para falar sobre como nossa forma de se
vestir e o nosso penteado fazia a gente parecer uma dupla de manés. Irônico ele
citar o nosso cabelo, pelo menos não usamos dez quilos de creme para fazer um
topete ridículo igual ao dele.
Com esse filho da puta fodendo com a nossa vida, foi questão de tempo
até nossos contratos cessarem, e a gente afundar na sarjeta de vez. Por sorte, eu e
o Bernie somos tão bons em sair de enrascadas como somos bons para entrar
nelas. Quando estávamos afogando as mágoas na bebida numa dessas tavernas da
Cidade Baixa, que viria se tornar futuramente uma das minhas tavernas
preferidas da região, o Bernie teve a brilhante ideia de seduzir a taverneira. O
plano dele era iniciar um relacionamento com ela para termos hospedagem e
comida garantida, e exclusividade de contratos, assim o ouro que a gente
conseguisse ia todo para pagar os estudos no teatro.
A dona da taverna é uma senhora corpulenta chamada Margarida, pavio
curto, mais ou menos duas vezes maior que o Bernie. Ela guardava as moedas
que ganhava entre os seios dela, imensos diga-se de passagem. Não entendia essa
estratégia dela, pois se o sujeito for ladrão e tarado, aquilo é um prato cheio para
ele, mas do jeito que ela é mau encarada, duvido que alguém fosse ter coragem de
roubar ela. Isto é, alguém em sã consciência, pois roubar ela era justamente parte
do plano. Ou melhor, fingir roubar. E essa parte sobrou pra mim. Eu comprei
umas roupas maltrapilhas, e uma máscara meio esburacada. O plano era eu meter
a mão nos peitos dela, pegar o ouro, e ir em direção a saída para fugir, e então o
Bernie aparecia e bravamente me derrotava e devolvia o ouro.
E foi assim que procedeu. Ele se sentou sozinho numa numa mesa
próxima da porta, e eu invadi, meti a mão nos peitos dela, peguei ouro e sai
correndo. O Bernie rapidamente saltou em minha frente, e disse: “Parado aí, seu
ladrão! Devolva esse ouro, em nome da lei!” E logo depois fizemos a encenação de
uma briga onde ele me enchia de porrada. Eu cai no chão fingindo gemer de dor,

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enquanto ele pegou o dinheiro da minha mão e devolveu para ela. Depois disso o
plano envolvia eu me arrastar até a saída de fininho enquanto ela caia de
encantos pelo nobre herói que devolveu o ouro para ela, mas infelizmente a
Margarida viu eu tentando me arrastar, e pegou uma vassoura e começou à dar
vassouradas em minha bunda. Eu levantei o mais rápido que pude, e ela veio
correndo atrás de mim para quebrar a vassoura em minhas costas, enquanto o
Bernie corria atrás dela gritando que havia recuperado o ouro, e não havia
necessidade para apelar a violência.
A Margarida certamente aguentava correr por mais tempo que eu, mas eu
corria bem mais rápido. Aprendi a correr assim quando era criança e fugia do
meu pai quando ele queria me dar uma surra. Eu me escondi num beco, e fiquei
lá por alguns minutos até ela desistir de me procurar. Naquele dia eu dormi nas
ruas, não tive coragem de voltar pra taverna até o dia seguinte.
Quando finalmente dei as caras por lá novamente, descobri que o plano
foi um sucesso, e a Margarida havia deixado o Bernie se hospedar lá
gratuitamente por causa do ato heroico dele, e também fechou um contrato para
se apresentar lá. Para manter esses privilégios por tempo o suficiente, Bernie
ficou jogando cantadas na Margarida, e rapidamente os dois começaram à
namorar. Agora que tínhamos contratos com a taverna da Margarida, comida e
hospedagem grátis, nós tivemos mais tempo para ensaiar nossas apresentações,
dinheiro para comprar instrumentos melhores, e também ganhamos tempo para
escrever nossas músicas. A maioria delas falava sobre minha vida na fazenda,
como Bicho do Mato, e Adeus, Velha Fazenda Amarela. A ideia era usar
instrumentos inusitados, assim como o Holly Olhos-Grandes fazia, mas como
não éramos uma banda e nem possuíamos os instrumentos, inicialmente elas
eram canções caipiras comuns. Futuramente adicionamos os novos instrumentos
quando entramos no teatro e eu montei uma banda.
Com cerca de 1 mês, nós conseguimos o dinheiro para comprarmos roupas
boas, instrumentos de primeira mão e finalmente se inscrevermos para estudar
no teatro. Lá sempre foi bem concorrido, poucas vagas para muita gente, mas o
Bernie estava bem confiante, diferente de mim que passava noites em claro, e
roendo as unhas de nervosismo. Se eu falhasse, todo meu esforço seria em vão, e
eu teria que voltar para a fazenda e meu pai me daria uma surra e depois se
vangloriaria que estava certo.
No dia da apresentação, eu levei um monte de garrafas de cerveja dentro
da minha mochila para beber lá antes de me apresentar, muitas mesmo. As
apresentações duraram algumas horas, com todo tipo de gente tocando todo tipo
de música. A maioria não tocava lá essas coisas, e esse foi o motivo para eu ter
sido aprovado. Eu fui aprovado inclusive em último lugar. Lembro-me pouco do
dia porque estava totalmente embriagado, mas sei que Ulfgar e Vondal, ficaram
entre os dez primeiros colocados, tocando a clássica do Chuck. Bernie ficou em

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segundo, tocando Esqueça, Beethoven. E o primeiro lugar, caso estejam se
perguntando, ficou com uma jovem barda chamada Kethra.
Kethra é filha de um casal de nobres, e essa foi a primeira vez que vi ela.
Me apaixonei logo nessa primeira vez. Era a mulher mais bela e formosa que eu
já tinha visto em toda minha vida. Seus cabelos pareciam ser feitos de fogo, e
suas curvas eram tão delicadas, e seu olhar alegre e intenso. Era como um anjo.
Sua voz era igualmente angelical cantando uma das sinfonias de Nastácia. O
Bernie era o bardo mais talentoso que eu já tinha visto tocar até aquele momento,
e Kethra o igualou. Em último lugar, como eu já disse, fiquei eu, tocando a
clássica Serenata à Luz do Luar. Não lembro o quão bom toquei, mas talvez eu
tivesse ficado em uma posição um pouco melhor senão tivesse sentado em cima
do meu alaúde acidentalmente durante a apresentação. Me envergonho disso até
hoje.
O importante é que nós dois fomos aprovados, e de noite foi hora de
comemorar. A Margarida deu uma festa na taverna para festejar a nossa entrada
no teatro. Não foi uma grande festança de taverna para o Bernie, mas eu bebi e
comi muito. A comemoração para o Bernie na verdade foi um pesadelo, pois no
final da festa, a Margarida fez um pedido de casamento para ele. Vocês devem
estar se perguntando, pedido de casamento com 1 mês de namoro? Bem, digamos
que o Bernie foi totalmente culpado por isso. Por trás das cortinas, o Bernie
sempre gostou mais de homens, e o tipo de mulher dele sempre foi aquelas que
você realmente pode dizer: “Puta que pariu, mas que gostosona!” E a Margarida não
era esse tipo. Então, o Bernie enrolou ela durante o namoro, dizendo que era um
rapaz direito, e só faria sexo com alguém depois do casamento. A Margarida caiu
nesse papinho, e como estava realmente louca pelo Bernie, ela fez esse pedido
para ele.
Mal ela sabia que o Bernie planejava terminar o namoro com ela no fim da
festa também, ele planejava namorar com ela somente até conseguirmos entrar
no teatro. Os planos dele foram estragados. O casamento deles dois seria daqui à
dez dias, e o Bernie planejava cancelar o noivado com ela o mais rápido possível,
mas eu convenci ele à esperar alguns dias até cancelar o noivado pois a
Margarida ia bancar a despedida de solteiro, que ia ser realizada na taverna dela.
Ficamos extremamente bêbados nessa festa, só lembro de termos bebido muito e
transarmos muito, e acordar com uma puta dor de cabeça. O Bernie cancelou o
casamento depois disso, mas ele fez a burrada de cancelar antes de tirar as coisas
dele do quarto que estava hospedado. Ela até que aceitou bem. Rasgou as roupas
dele, e jogou pela janela do quarto, junto dos instrumentos dele, que caíram só os
pedaços. Eu imaginava que ela tentaria matar ele.
Nós finalmente nos mudamos para um quarto no teatro da Condessa, e
como era imenso esse teatro, cem vezes maior que a fazenda do meu pai. A gente
ainda errava os cômodos depois de um mês estudando lá, de tão grande que era.
Estudar no teatro foi a época mais feliz da minha vida até então; aprendi a tocar

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vários instrumentos, diferentes estilos musicais, aprendi sobre bardos famosos, e
ainda aprendi à usar música para fazer magia. Fiquei simplesmente maravilhado
pela magia.
Inicialmente, treinei exaustivamente os truques que a senhorita Jones e os
grandes bardos usavam para criar ecos na canção, e também aprendi magias para
influenciar a mente dos outros, ou para me disfarçar. Isso era extremamente útil
nos shows, pois fazia a plateia ficar ainda mais maravilhada com minha música.
Não só isso, também estudei atuação, para fazer peças no teatro, mas
infelizmente acabei perdendo o papel de Romeu para o Bernie, e fiquei como uma
das árvores que cantam.
Enquanto estudávamos no teatro, também usamos nosso tempo livre para
criar mais músicas, ensaiar as músicas que já tínhamos, e usamos nosso ouro
para comprar melhores instrumentos e roupas para as apresentações. Em poucos
meses, já tínhamos evoluído muito, e já conseguíamos contratos com as tavernas
medianas, e de vez em quando nas tavernas populares da Cidade Baixa. Já para
chegarmos na Cidade Alta, demorou bem mais, cerca de 1 ano e meio. Mas não
nos incomodamos muito com isso, pois as festas na Cidade Baixa eram muito
animadas, regadas à bebida e sexo. Quando entrei na idade adulta, bebida e sexo
era tudo que importava para mim, todo dia tinha que ter festa, senão eu passava
as noites me lamentando. Essa época de festanças durou pouco mais de um ano,
até meus nervos se acalmarem e eu resolver focar mais nos estudos do teatro.
Nós paramos de frequentar a taverna da Margarida por causa do Bernie, e
nos mudamos para a taverna da Marta, outra das minhas tavernas preferidas da
Cidade Baixa. Nessa época a Marta já estava aposentada, uma pena que não
tenha conseguido levar ela para cama, pois dizem que panela velha que faz
comida boa, e eu queria confirmar o ditado.
Foi um dos shows que fizemos na taverna dela que abriu as portas para
fazermos apresentações nas tavernas da Cidade Alta. Por uma confusão nos
contratos, eu e o Bernie fomos tocar lá na mesma noite que um trio de irmãs
tabaxis: Nuvem, Jade e Serpente. Exímias dançarinas e duelistas de rapieira.
Nem a gente e nem elas queríamos dividir o palco, então fizemos um duelo de
dança e música para ver quem tocaria naquela noite. Eu e o Bernie vencemos a
competição, com nossos incríveis passos de dança, embora eu deva admitir que
elas também dançam muito bem. O que acontece é que o meu show e o do Bernie
nem foi tão falado assim, mas o nosso duelo com as tabaxis sim, chegou no
ouvido do pessoal da Cidade Alta. No dia seguinte, recebemos um convite para
tocar numa das tavernas de lá. Lembro que eu e o Bernie choramos por alguns
minutos, pois era um sonho sendo realizado, e depois fizemos uma baita festa na
taverna da Marta para comemorar.
O lado bom de tocar em tavernas da Cidade Alta, é que às vezes as

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gorjetas de um só nobre já valia mais do que um show inteiro na Cidade Baixa,
já o lado ruim é que eram extremamente exigentes, principalmente os velhotes
que curtem mais música clássica e ópera. Por falar em música clássica, eu odiava
ela no início de meus estudos. Foi a causa para eu ter demorado mais de 2 anos
estudando no teatro, e a causa para termos demorado tanto para arranjar contrato
nas tavernas da Cidade Alta. Não posso mentir, eu era um aluno preguiçoso. Eu
faltei a maioria das aulas de música clássica no teatro. Primeiramente, eu não
gostava muito dela, e segundamente, não achava que seria bom o bastante para
tocar. Meu instrumento preferido é o piano, e meus dedos são curtos demais para
tocar música clássica num piano. Sem exagero, os dedos dos pianistas de música
clássica são do tamanho de um tentáculo do Kraken. Bendito sejam eles. E
segundamente, eu não queria fazer música daquela forma — rigidez absoluta.
Tocar as notas certas, no momento certo, com a emoção certa, sem espaço para
improvisos.
Como não podíamos fazer feio no nosso primeiro show numa taverna da
Cidade Alta, nós pedimos ajuda desesperados para a Condessa. Ela nos ensinou
o máximo que pôde sobre música clássica durante aquela semana. Não foi muita
coisa, mas foi o suficiente para fazermos bonito. Foi por causa dela que
finalmente me interessei à ir nas aulas de música clássica nos dez meses finais de
meus estudos. Devo admitir que até gosto um pouco de música clássica hoje em
dia, até adiciono algumas notas em certas músicas, como Hercules, ou minhas
músicas teatrais sobre a criação de tudo. Nosso show lá foi um sucesso, e fomos
chamados mais algumas vezes ao longo dos últimos seis meses da nossa dupla ,
para tocar em mais tavernas da Cidade Alta. Nosso ápice foi no nosso último
show como dupla, onde tocamos na taverna do Cravo e a Rosa.
Apesar do grande lucro tocando na Cidade Alta, eu não curtia muito os
shows lá pois a bebedeira era moderada, e não podíamos fazer as festinhas
depois dos shows, mas me ajudou à comprar meus vários pares de óculos, roupas
nobres, e futuramente minhas fantasias. Além do mais, o ouro que ganhávamos
nos apresentando na Cidade Alta, bancava nossas festinhas na Cidade Baixa.
Com nossa ascensão crescente, estava indo tudo muito bem. Eu estava vivendo a
vida dos sonhos, com moradia grátis, lucrando uma boa grana, e lentamente se
tornando cada vez mais famoso.
Infelizmente, minha alegria durou bem pouco, pois Bernie concluiu seus
estudos após 2 anos, e eu só terminaria os meus dali há 4 meses. Nós fizemos
uma grande festança na taverna da Marta para comemorar o fim dos estudos
dele, e mal sabia eu que a festança que eu organizei para ele, seria justamente no
fim dela onde ele me apunhalaria pelas costas. Bem, talvez eu esteja exagerando,
mas foi isso que pensei quando ele disse que estava buscando novos rumos para a
vida dele. Ele me disse que não queria tocar em tavernas, sempre no mesmo ciclo
repetitivo, até o fim da vida dele. Ele queria uma vida de aventuras, queria ser
famoso, e rico; era o que eu também queria, mas como músico, não como
aventureiro.

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Eu implorei para ele não ir, mas ele já tinha até encontrado um grupo de
aventuras para se juntar, por minhas costas, ele nem me contou nada sobre isso.
Me senti extremamente traído, mas não tive coragem de falar nada. No dia
seguinte ele partiu com o novo grupo de aventuras dele, e me deixou com o
coração partido. Aquilo, é claro, não seria um adeus, pois ele viria todo fim de
mês passar alguns dias de folga em Belgrad, e ele disse que quando terminasse
meus estudos eu poderia me juntar à ele. Embora eu não gostasse da ideia de me
separar dele, pois nós passamos os últimos dois anos grudados um no outro, e eu
também não gostava nada da ideia de me juntar a um grupo de aventuras. Eu não
sabia manusear armas direito, e minhas magias serviam meramente para dar
mais glamour ao show, não serviam para combate. Para mim, bardos não serviam
para serem heróis; estavam destinados à serem aqueles que contam os grandes
feitos dos verdadeiros heróis. Claro, havia grandes aventureiros bardos para
provar que eu estava errado, como a Nastácia Voz Divina, mas era isso que eu
achava nessa época. Nos últimos meses, descobri estar errado quanto à isso.

De tempos em tempos é fácil de ouvir


Que uma brutal morte ocorreu por ali

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Com medo as pessoas vão te informar
Que um bandido atacou o lugar

Um rastro de medo e de destruição


Casas vão abaixo e sangue pelo chão
Seu nome nem se atrevem a pronunciar
Medo deste monstro chamar

Seu rosto real ninguém mais se importa


Pois sempre muda sua forma
Sempre está mascarado
É melhor ter cuidado
Pois pode estar bem do seu lado

Sempre que um morre, outro vem logo então


Esta é sua maldição
Esta feição horrenda que esconde o mal
Da lenda com nome Chacal

Contratos com ele nunca vão faltar


Pois nunca costuma falhar
Silencioso, sem armar confusão
É o que o faz o melhor ladrão

Sorrateiro, cuidado, se não te saqueia


Ãhn? Perai, onde foi parar minha carteira?

Nesta feição horrenda que esconde o mal


É a lenda do nome Chacal

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Chacal: Uma elfa linda e mortal
Chacal: Um ogro gigante e colossal
Chacal: Um mago com um poder sobrenatural
Chacal: Um anão menor que o meu pau

Se aos encantos desta elfa você ceder


Piscará os olhos e sua cueca vai ter
Se um ogro de máscara você encontrar
Fuja rápido ou vai lamentar

Sempre que um morre outro vem logo então


Esta é sua maldição
Esta feição horrenda que esconde o mal
É a lenda do nome Chacal

Chacal: Uma elfa linda e mortal


Chacal: Um ogro gigante e colossal
Chacal: Um mago com um poder sobrenatural
Chacal: Um anão menor que o meu pau

Uma máscara
Um prêmio
Um dever

Está é a história de um rosto que troca de corpo


A carga desta máscara Amaldiçoa e Abençoa quem a usa
Uma vida de perseguição se encontra a quem a possuir
Uma conquista, com riscos, pra quem a assumir

Um legado que se deve escolher se será bom ou mal

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Qual será seu legado Chacal?

Chacal: Uma elfa linda e mortal


Chacal: Um ogro gigante e colossal
Chacal: Um mago com um poder sobrenatural
Chacal: Um anão menor que o meu pau

O Chacal

Um elfo, mago, guerreiro, anão, ogro, lobisomem


Goblin, e outras raças que eu deveria saber
Porém eu esqueci agora no momento

Qual será sua forma real?

Nome: O Chacal

TRÊS
Após o fim da nossa dupla, o Bernie ainda permitiu que eu usasse o nome

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dele que já tinha algum renome para arrumar contratos, mas eu me recusei
inicialmente, estava desanimado demais para me apresentar sem ele. Depois que
o Bernie virou aventureiro, eu passei pouco mais de um ano fora dos palcos de
tavernas para falar a verdade. Eu passava o dia todo no teatro, trancado em meu
quarto, ensaiando nossas músicas antigas, lendo livros e praticando. Durante a
noite, eu ia para tavernas encher a cara. Quando a solidão finalmente se apossou
de mim, eu passava o dia todo dormindo, e acordava de tarde com ressaca
somente para ir beber mais. Nessa época eu também me arrisquei a compor sobre
meu tormento, e escrevi a música Dedos Amargurados.
Depois de algumas semanas, o fedor era tanto que até arrombaram o meu
quarto para checar se eu não tinha morrido ali dentro. No ápice da minha
miséria, eu acabei desmaiando em um dos becos da Cidade Baixa depois de tanto
beber. Acordei sem meu ouro — que era quase nada para falar a verdade —, sem
minhas botas, sem minhas meias, sem minhas calças, só me restou a cueca. Mas
não posso dizer que nessa noite eu só perdi minhas coisas, pois também ganhei
algo novo; uma enorme mordida na mão, feita por alguma ratazana gigantesca.
Depois desse dia, passei uma semana extremamente doente, e não saia da
cama para nada. Eu fui auxiliado por alguns amigos do teatro, que me
recomendaram ir na igreja falar com o sacerdote para me curar daquela praga. Eu
achei uma ótima ideia para falar a verdade, quando eu era criança sempre fazia
orações à Vitalia, já que meu pai era fazendeiro, obviamente. Fui ensinado sobre
os dogmas dela por meu pai, que também é um devoto fiel dela, não totalmente
no caso, senão, ele não desprezaria tanto assim as pessoas.
Eu fui na igreja no dia seguinte, reunindo todas as forças que me
restavam, e finalmente fui curado pelo Alto Sacerdote. Afirmo, sem dúvidas
nenhuma, que o Alto Sacerdote é uma das pessoas mais bondosas que já conheci.
Estava sempre disposto à ajudar os doentes e necessitados. Enquanto esperava na
fila, eu tive a oportunidade de conversar com essas pessoas, e olhando para o
estado delas, cheguei a conclusão que eu estava mesmo de extrema frescura. Meu
maior problema era meu melhor amigo ter me deixado para viver aventuras,
enquanto algumas daquelas pessoas nem tinham um teto para dormir. Após
alguns dias refletindo após ser curado, eu decidi me tornar voluntário na igreja,
pois não planejava seguir carreira solo, e estava com o dia todo livre.
Eu diria que a principal razão pela qual entrei na igreja nessa época, foi
com esperança que meus bons atos compensassem os meus pecados. Digo, eu
nem sei segurar uma espada direito, não tenho força para ser um grande
guerreiro, então passar o pós-vida no Campo de Batalha Infinito (plano de
Thornok, o deus da guerra) estava fora do meu alcance. Só me sobrava Éden, o
plano de Vitalia e o Purgatório (plano de Mortus). Minhas ações até ali
provavelmente me levariam até o Purgatório, e eu certamente não queria ser
punido pela eternidade, então já estava na hora de fazer boas ações para virar o
jogo.

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Com a ajuda do Alto Sacerdote e dos outros sacerdotes da igreja de Dvai,
eu iniciei meus estudos como clérigo. Como eu só desejava saber as magias
medicinais básicas para ajudar os necessitados da igreja, meus estudos foram bem
rápidos, o suficiente para aprender truques simples para estabilizar pessoas, e
magias para tratar de seus ferimentos e doenças. Como domínio divino, eu parti
para o Conhecimento, escolhendo Magarion como patrono. Eu fiz isso pois
possuía a ganância dele, por conhecimento e riqueza.
Nessa época, pouco tempo depois ter começado a ajudar como voluntário
na igreja, eu também adotei meu rato, Sir Napoleão I. Eu deveria ter começado à
odiar ratos depois da mordida que levei, mas senti tanta pena do coitado quando
o vi, era extremamente magro, e havia entrado em meu quarto para roubar
comida. Eu peguei o coitado, alimentei, dei um banho, e adotei, comprei até um
lacinho azul para ele, mas o lacinho rapidamente parou de caber nele pois ele
engordou extremamente rápido. Tanto ele, quanto o seu filho, Sir Napoleão II.
Sir Napoleão I morreu de velhice, mas infelizmente o Sir Napoleão II foi
devorado no auge de sua idade pelo meu gato Hercules, quando ainda estava
treinando ele. Por sorte o Sir Napoleão II já tinha tido um filho, o mais gordo de
todos até agora, Sir Napoleão III, neto do Sir Napoleão I. Consegui adestrar o
Hercules para que ele se tornasse amigo do Sir Napoleão III, por isso ele está
comigo até hoje. O motivo do Sir Napoleão III ser o mais gordo de todos de sua
linhagem, é que ele nasceu na época que eu formei a banda, e ele era alimentado
por mim e pelo Eldon, que o enche de bolos.
Eu passei o próximo ano fora dos palcos da taverna, e em cima do altar da
igreja. Além de passar a tarde lá ajudando com os necessitados, eu também
tocava nas missas durante a noite. Tocava os louvores já conhecidos, e tocava
outras que compus no meu tempo livre dessa época, como Deixe Acontecer, e
Pressentimento. Não posso ficar com os créditos da composição só para mim, pois
fui ajudado pelos coroinhas da igreja à compor. Os coroinhas me adoravam, eu
sempre levei jeito com crianças — provavelmente por ter o espírito de criança
preso num corpo de adulto —, sempre que podia eu levava livros de histórias para
contar à elas, e levava meu alaúde para lhes ensinar música.
Após 1 ano como voluntário na igreja, as chances para eu iniciar uma nova
carreira surgiram quando minha fama com as crianças da igreja chegou aos
ouvidos da Kethra. A Kethra terminou os estudos dela no teatro em menos de 1
ano, mas como ela queria aprender mais, refez as matérias mais duas vezes.
Nesse momento, ela estava estudando para se tornar professora no teatro, mas
não tinha experiência com crianças, então pediu ajuda para mim. Eu
prontamente aceitei, pois não podia deixar a chance de me aproximar daquela
mulher perfeita. Infelizmente eu não contava que minha velha inimiga, a
timidez, fosse dar as caras novamente logo agora.
Eu já havia tido relações com várias mulheres, e até mesmo homens na

30
época que tocava com o Bernie, e a timidez só foi um problema no início, mas eu
rapidamente consegui vencê-la. Acontece que com aqueles homens e mulheres a
coisa era apenas física, mas com a Kethra era algo sentimental, eu ficava tão bobo
perto dela, e ela era da nobreza, não podia vacilar perto dela. Felizmente, fui
vencendo a timidez com o tempo a medida que vi que a Kethra não era nada do
que eu pensava. Imaginava que ela fosse uma nobre de nariz empinado,
extremamente fresca, igual as nobres “normais”, mas quanto mais trabalhávamos
juntos, nos tornávamos cada vez mais amigos, e eu notei que ela era totalmente o
contrário.
Os pais dela enviaram ela para o teatro para que aprendesse música
clássica, e se tornasse uma barda de renome tocando em tavernas da Cidade
Alta. Acontece que ela não desejava seguir os sonhos dos seus pais, ela era mais
pé no chão. Ela não gostava das regras de etiqueta da nobreza, achava tudo uma
frescura, falava um monte de palavrões e fazia piadas sujas. O que ela mais
admirava em mim, de acordo com ela própria, era que eu era um espírito livre,
que seguia meus próprios sonhos, desafiando até mesmo o meu próprio pai. Ela
queria ter a coragem que eu tinha para fazer o mesmo, mas ela tinha medo de
ficar com a reputação manchada. À medida que nos aproximávamos, meu amor
por Kethra aumentava mais e mais, mas como eu era muito tímido nessa época,
não falei nada para ela, continuamos como amigos.
Durante as folgas que o Bernie tinha da sua nova vida de aventuras, nós
dois nos reuníamos na taverna da Marta para beber e para eu contar as
novidades da cidade para ele enquanto ele me contava as aventuras que tinha
tido. Como eram um grupo de aventureiros inexperientes, as ameaças que
enfrentavam eram bem comuns, mas mesmo assim me faziam cada vez mais
querer ficar longe da vida de aventuras, pois do jeito que o Bernie contava as
histórias, até um chefe de tribo goblin podia virar o antagonista de um conto
épico. Nessa época, nós não escrevíamos músicas quando nos reuníamos, pois o
Bernie também estava fora do palco já que estava ocupado com a vida de
aventureiro.
Numa dessas visitas que ele fez, que foi em seu primeiro aniversário desde
que ele tinha iniciado suas aventuras, eu o presenteei com uma festa na taverna
da Marta, onde fiz minha primeira apresentação numa taverna em quase um ano.
Toquei para ele uma canção que compus com a Kethra. Não conseguimos pensar
num nome bom, mas falava sobre como ele mudou a minha vida me salvando do
futuro de fazendeiro fracassado. Essa festa não teve nenhum tipo de orgia ou
bebedeira desenfreada, foi bem contida já que a Kethra era uma das convidadas.
Após o show, nós tivemos uma conversa esclarecedora, que mudaria
totalmente o rumo da minha vida até ali. O Bernie e a Kethra me incentivaram à
montar uma banda, e dar continuidade a minha carreira, que tivera um fim mais
precoce do que as minhas primeiras vezes fazendo sexo. Realmente fiquei
decidido à montar uma banda, achei uma ideia perfeita, e a primeira convidada

31
foi a Kethra. Eu só convidei por convidar mesmo, mas já sabia que ela não
poderia entrar, já que a banda gastaria muito tempo e ela queria seguir carreira
como professora, além do fato de que os pais dela desaprovariam, obviamente.
Eu espalhei vários anúncios pelo teatro anunciando que estava iniciando
uma banda, mas para o meu azar, ninguém se interessou. Fazia algumas semanas
desde que havia colocado os anúncios, e ninguém havia aparecido. Eu já estava
quase desistindo da ideia, até que dois irmãos anões resolveram falar comigo para
entrar na banda: Ulfgar e Vondal. Eles fizeram o teste, com Ulfgar tocando
yarling, e Vondal tocando tambor. Se tivessem ido mal, eu só teria duas
alternativas: aceitar eles pois eram os únicos interessados, ou desistir dessa ideia.
Por sorte, foram excelentes!
Nós saímos para beber e nos conhecer melhor depois que entraram na
banda, e rapidamente nos tornamos bons amigos, pois eles amavam música tanto
quanto eu, e também amavam cerveja. Eles não quiseram contar muito sobre o
passado deles, mas disseram que vieram de Silgrigh. Pelo que me disseram,
saíram de lá pois queriam ser músicos famosos, e o melhor lugar para isso seria
Belgrad. Eles disseram que tentaram montar uma banda só de anões quando
chegaram, chamada Nanicos de Silgrigh, mas acabou falhando, pois um anão é
bom, dois anões são ótimos, três anões já é demais, e quatro anões são a gota
d’água.
Nós éramos um trio naquele momento, mas para sermos uma banda
completa, ainda faltava um membro. Ninguém mais se candidatou, mas Vitalia
olhou por nós e colocou Eldon em nosso caminho. Eldon tinha sido um dos dez
primeiros aprovados do teatro aquele ano, tocando músicas típicas de halfling em
sua gaita. Disseram que ele não tinha amigos ainda, pois era recém-chegado na
cidade, então eu vi nele a oportunidade perfeita. Nós falamos com ele, falamos
sobre a nossa ideia de montar uma banda, e nem precisamos implorar, pois ele
também estava doido para fazer novos amigos no teatro. Ele fez o teste, e se saiu
tão bem quanto Ulfgar e Vondal. Ele era multi-instrumentista também, tocando
principalmente instrumentos de sopro. De todos nós, Eldon era o único nobre. A
mãe dele tem uma loja renomada de bolos na Cidade Alta, e já ganhou o concurso
de melhor bolo por três anos seguidos no Condado em que moravam antes de se
mudar.
A banda já estava montada naquele momento, mas Ulfgar e Vondal ainda
tentaram me fazer dar um chute na bunda do Eldon. Os principais motivos eram
que ele ainda estava fazendo seus estudos no teatro, e isso poderia atrasar a
banda, e o outro era por Eldon ter um estilo de música bem diferente deles dois.
Eldon tocava músicas calmas em sua harpa, enquanto os anões destruíam seus
instrumentos enquanto tocavam. Apesar da resistência deles dois, mudaram de
ideia rapidamente quando Eldon permitiu que nós ensaiássemos na casa dele , que
era bem melhor que ensaiar no teatro, pois não era barulhenta, e o melhor de
tudo, a mãe dele fazia lanchinhos para os intervalos do ensaio.

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Nós ensaiamos lá por duas semanas, quase todos os dias da semana, por
cerca de 1 hora graças ao tempo limitado que o Eldon tinha. Apesar de Ulfgar e
Vondal terem aceitado Eldon, as discussões no início eram muitas, e ocupavam a
maior parte do ensaio. Passamos literalmente a primeira semana inteira
discutindo sobre nosso repertório, sobre que instrumentos usar. Eu compartilho
do gosto de ambos os lados, e como eles tinham ótimas ideias, não consegui
apoiar nenhum deles.
Como eu estava louco para voltar aos palcos logo e também precisava
resolver as discussões da banda, que com uma semana de existência e sem
nenhuma apresentação feita, estava à beira de se separar, eu usei o nome do
Bernie e anunciei o seu retorno para arrumar um contrato na Cidade Alta.
Incrivelmente isso funcionou, e nosso primeiro show como banda já seria
na Cidade Alta. Toda a banda ficou muito feliz e perplexa, e isso também
resolveu os problemas do repertório, pelo menos por uma semana, pois todos
concordamos em tocar música clássica. Uma semana depois, subimos no palco
para tocar. A apresentação foi mediana, pois no início a banda não tinha tanta
sintonia, e tivemos pouco tempo pra ensaiar. Deu para ver nas caras dos nobres
que não estavam aproveitando muito o show, mas ainda estávamos contando que
fossemos conseguir mais algum contrato na Cidade Alta, ou pelo menos nas
tavernas renomadas da Cidade Baixa, o que não ocorreu. Não conseguimos
nenhum contrato sequer depois desse show. As razões, são óbvias.
Primeiramente, a falta de sintonia e de ensaio, como já falei. Segundamente,
Ulfgar e Vondal só tinham roupas comuns, de modo que só eu e o Eldon usamos
roupas nobres na apresentação, e os nobres certamente não gostavam de ficar na
mesma sala que plebeus estavam. Terceiramente, eu disse que o show seria o
retorno do Bernie e sua nova banda, mas não especifiquei que seria do Bernie
Júnior. Depois desse fracasso sem medidas, todos da banda me culparam por usar
o nome do Bernie, e por ter nos colocado para tocar na Cidade Alta logo no início
da banda.
Naquele momento, ou a banda tratava de se recuperar
ou iria acabar depois de um show por causa de brigas bestas. Felizmente,
escolhemos a primeira opção. Primeiramente, nós buscamos uma forma de
resolver as diferenças entre nós. Isso foi muito difícil, devo admitir,
principalmente por causa dos pais do Eldon, os senhores Merric e Andry Pança-
Cheia. A senhora Andry não entendia muito de música, mas o senhor Merric
tocava numa banda de halflings da terceira idade, e tentou converter todos nós
para tocarmos música popular halfling. Obviamente, nem cogitamos a ideia, mas
ele passou vários ensaios tentando resolver a briga com essa solução, inclusive
chamando seus compadres para nos ensinarem à tocar os instrumentos de sopro.
Felizmente, nós resolvemos nossos problemas quando decidi juntar os

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dois estilos para formar um diferente. Adicionei os instrumentos barulhentos de
Ulfgar e Vondal com os instrumentos suaves e de sopro do Eldon. O resultado
ficou bem melhor que o esperado. Futuramente, além de só fundir os dois estilos,
nós começamos à tocar músicas com estilos individuais, mas nossas primeiras
músicas como banda são todas usando a mistura desses dois estilos.
Como não conseguíamos mais bons contratos, o jeito foi fazer
apresentações nas tavernas com reputação duvidosa na Cidade Baixa, incluindo
a infame Unha de Troll. Nos apresentamos muito lá nessa época. Quando
começamos à nos apresentar, estranhamos a grande altura do palco, que possuía 3
metros, e depois descobri que a razão era porque os clientes invadiram o palco e
mataram um bardo que subiu lá e cantou uma música que a clientela não curtiu
muito. Eu escondi esse fato da banda, pois já estavam hesitantes em se apresentar
na Unha de Troll, e com uma informação dessa, eles iam desistir de vez. A
clientela lá não é muito exigente, e nem presta muita atenção na música, a
maioria vai lá pra beber e apostar, e é por isso que tocamos músicas agressivas
nas apresentações de lá, para alimentar a sede de sangue dos clientes. Eldon é o
que mais ficou deslocado nessa taverna, e implorou diversas vezes para pararmos
de tocar lá, mas eu disse que seria só por alguns dias, e em breve nós
conseguiríamos contratos melhores. Isso não aconteceu, mas eu realmente
acreditava nisso.
Em um desses shows que fizemos, eu vi uma linda garota sentada no
balcão, mas de aparência perigosa. Mesmo assim, eu estava na seca há meses,
então decidi tentar a sorte e conquistar ela com meu charme. Eu cheguei e
comecei à jogar minhas cantadas em cima dela, e estava dando certo. Resolvi
arriscar e chamar ela para uma dança. Ninguém naquela taverna dançava, eram
todos brutamontes ou mal encarados, ou os dois juntos, e eu queria mostrar que
era diferente daqueles caras. Estendi a minha mão para ela, mas antes que ela
segurasse na minha mão, outra mão segurou na minha, e a esmagou. Era um
meio-orc com mais de dois metros de altura, e um só braço dele já era o dobro de
minha grossura. Ele me agarrou pelo braço, e me jogou no chão. Depois disso, ele
tentou me pisar enquanto eu estava caído, mas consegui rolar antes de ser
atingido. Então, ele começou à me ameaçar numa língua que eu não entendia, e
quando olhei pra porta, vi meus amigos saindo de fininho. O fortão pegou uma
garrafa e quebrou, e depois começou à tentar me acertar, enquanto todo mundo
só assistia e torcia pra ver o sangue voar. Eu achei que ali seria o meu fim, mas o
socorro veio para mim. A rima não é proposital, mas admito que assim não ficou
nada mal, mas como eu ia dizendo, chegaram Katorah, um homem-rinoceronte
bruto, e Rondal, um minúsculo rati. Os dois conseguiram acalmar o fortão,
oferecendo um pó preto para ele, que passei alguns segundos até me dar conta
que era ocacina. Eu sabia que ali a taverna era barra pesada, mas ocacina era
outro nível para mim.
Me ofereci pra pagar uma rodada de cerveja pra eles, e conversamos um

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pouco. Disseram que era melhor eu não me meter com nenhuma garota por ali, e
nem ofender alguém, senão iam cair matando pra cima de mim. Conversando
um pouco, descobri um pouco sobre os dois. Ambos foram trazidos para cá como
escravos, da Ilha da Caveira, mas trabalharam juntos e conseguiram fugir. Eles
não viviam da música, e sim cometendo pequenos delitos e arrumando brigas na
taverna, mas tocavam um pouco no tempo livre, e tinham até um nome para
dupla: Gente Fina e Manda Brasa. Nos dias seguintes que nos apresentamos, os
dois também participaram de nossas apresentações, pois estavam com as noites
livres, e também pois contratei eles como seguranças da banda, só durante
nossas apresentações na Unha de Troll.
Inspirado em meu encontro com Katorah e Rondal, eu compus uma
música de letra extremamente suja, originalmente chamada Arrume Uma Foda Só
Sua. Eu digo originalmente, pois a mãe do Eldon nos flagrou ensaiando essa
música, e nos reprimiu por tocarmos músicas com tal palavreado, e nos obrigou à
consertar a letra. Pior que isso, ela ficou tão abismada com o linguajar da música,
que resolveu ir no nosso próximo show para ver que tipo de coisa nós estávamos
fazendo. Nós não tivemos outra escolha senão aceitar, e fomos até a Unha de
Troll. Ela conseguiu tolerar o ambiente no início, até começarmos a primeira
música e todo mundo começar à brigar. Ela escalou o palco de três metros, e
puxou o Eldon pela orelha para fora do palco. E ela repetiu o processo mais três
vezes até conseguir tirar o Ulfgar, o Vondal, e eu do palco também.
Depois dessa humilhação brutal, a gente nem teve
coragem de botar os pés lá novamente, e até este dia que estou escrevendo esse
livro, não nos apresentamos mais lá nenhuma vez. Como não podíamos mais nos
apresentar na única taverna que nos contratava, ficamos estagnados novamente.
Eu achei que era vontade do destino que eu não alcançasse a fama mesmo. A
banda tinha pouco mais de um mês, e já tínhamos afundado na lama umas cinco
vezes. Isso é mais que uma vez por semana. Os deuses estavam mesmo
empenhados em arruinar nossos sonhos.

Silgrigh
Bela e cheia de mistérios
Torres de ouro, eu vejo

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Fria como o gelo
Silgrigh
Mas quem realmente pôde te conhecer
Sabe, um fogo queima
Com muita intensidade em você

Anões hey hey hey levantem as canecas hey hey


E as anãs há há há são muito belas
Camaradas hey hey hey na vida
Hey hey
À sua saúde, irmão hey irmão ho
Hey hey hey hey

Silgrigh, Silgrigh
Atirem as garrafas na parede
Silgrigh é a mais bela
Ho ho ho ho ho, hey
Silgrigh, Silgrigh
Sua alma é tão boa
À noite, o diabo está à solta
Há há há há há, hey
Silgrigh, Silgrigh
O amor tem gosto de caviar
E as anãs estão ali para você beijar
Ho ho ho ho ho, hey
Silgrigh, Silgrigh
Venha, sobre a mesa vamos dançar
Até a mesa se arrebentar
Há há há há há

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Silgrigh
Portal para o passado
Onde todos os bons anões possuem um machado
Sujo de sangue inimigo
Silgrigh
Quem conhece a tua alma
Sabe, que o amor queima
Quente como a brasa

Anões hey hey hey levantem as canecas hey hey


E as anãs há há há são muito belas
Há há
Camaradas hey hey hey no amor
Hey hey
À sua saúde garota hey garota ho
Hey hey hey hey

Silgrigh, Silgrigh
Atirem as garrafas na parede
Silgrigh é a mais bela
Ho ho ho ho ho, hey
Silgrigh, Silgrigh
Tua alma é tão boa
À noite, o diabo está à solta
Há há há há há, hey
Silgrigh
Lala lala lala la, lala lala lala la
Ho ho ho ho ho, hey
Oh, oh oh oh oh, oh oh oh oh, oh oh oh
Silgrigh, Silgrigh

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Silgrigh, Silgrigh
Vodka se bebe pura e gelada
E a festança dura até a madrugada
Ho ho ho ho ho, hey
Silgrigh, Silgrigh
Sua caneca está vazia, papai
Mas na adega tem muito mais
Há há há há há

(Silgrigh, Silgrigb)
Anões hey hey hey levantem as canecas
Hey hey
E as anãs há há há são muito belas
Há há Camaradas hey hey hey no amor
Hey hey
À sua saúde irmão hey irmão ho
Hey hey
Silgrigh, Silgrigh
Atirem as garrafas na parede
Durendorff é a mais bela
Ho ho ho ho ho, hey
Silgrigh, Silgrigh
Tua alma é tão boa
À noite, o diabo está à solta
Há há há há há, hey
Silgrigh, Silgrigh
O amor tem gosto de caviar
E as anãs estão ali para você beijar
Ho ho ho ho ho, hey

38
Silgrigh, Silgrigh
Venha, sobre a mesa vamos dançar
Até a mesa se arrebentar

Nome: Silgrigh
Compositor: Ulfgar / Vondal

Creme de tangerina e Montelimar


Um gengibre estropo com um coração de ananás
Uma sobremesa de café, sim, você sabe como é

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Mas não vejo a hora chegar
Para da trufa de sabóia eu poder desfrutar

Um gostoso creme de cereja e uma boa torta de maçã


Ou então um bolo de chocolate com um pouquinho de hortelã

Mas não vejo a hora chegar


Para da trufa de sabóia eu poder desfrutar

Sorvetes com milhares de camada


Posso sentir seu gosto quando olho ao redor
Doce de coco faz a gente se sentir melhor

Mas não vejo a hora chegar


Para da trufa de sabóia eu poder desfrutar

Você sabe que é o que come


Mas o que se é quando se come tudo?
Eu não sei, e não ficarei mais aqui falando
Acabaram de ficar prontos meus bolinhos de morango

Creme de tangerina e Montelimar


Um gengibre estropo com um coração de ananás
Uma sobremesa de café, sim, você sabe como é

Mas não vejo a hora chegar


Para da trufa de sabóia eu poder desfrutar

Sim, não vejo a hora chegar

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Para da trufa de sabóia eu poder desfrutar

Nome: Trufa de Sabóia


Compositor: Eldon

QUATRO
O Bernie estava visitando a cidade novamente, então nos reunimos para
beber, contar as novidades, e eu falei para ele sobre as minhas frustrações com a
banda. O Bernie notou que eu estava realmente muito triste, então convenceu

41
seu grupo de aventuras a ficar alguns dias à mais na cidade para que ele pudesse
me ajudar com esse problema. Todos ficaram extremamente furiosos com ele e
comigo, mas cederam à lábia do Bernie.
Dessa vez, ele anunciou nas tavernas o anúncio de Bernie e Bernie Júnior,
junto com uma banda de apoio. Ulfgar, Vondal e Eldon não ficaram muito
felizes com essa história de banda de apoio, mas era isso ou nada. O anúncio de
Bernie foi um sucesso, e o primeiro contrato que arranjamos foi na taverna da
Marta. Demos o melhor show de nossas vidas até aquele ponto, e o Bernie já
dominava com maestria o uso de magias na música, levando a plateia à loucura.
Como de costume, fizemos uma festinha após o show, como nos velhos tempos.
Os anões aceitaram participar, mas eles ficaram apenas na bebida. O
Eldon não quis ir de jeito nenhum, disse que já estava tarde e a mãe dele devia
estar preocupada. O Eldon deve ser o único bardo que tocou na taverna da Marta
e saiu de lá virgem. Sem exagero, nem sei se ele sabe como os bebês são feitos.
Alguns dias depois desse show, arranjamos um contrato na taverna do
Cravo e a Rosa. O Bernie disse que depois disso ia ter que voltar à fazer suas
viagens de aventureiro com o grupo dele, mas que teríamos condições de
caminharmos com nossas próprias pernas, principalmente depois da surpresa que
ele tinha reservado. Fiquei desconfiado, mas o Bernie nunca me decepcionou.
Chegou o dia do show, e estávamos todos no palco. Estávamos vestidos
nos ternos nobres que o Bernie nos comprara. Ele era o único que não estava no
palco ainda, estávamos só aguardando ele para começarmos o show, até que as
cortinas se abriram. De lá, saiu uma elfa de pele macia como seda, branca como a
neve. Seus passos eram tão graciosos que parecia que ela estava flutuando pelo
palco. Seus olhos eram azuis como o oceano, e sua aparência era angelical. Ela
começou a cantar, e sua voz era igualmente celestial. Sim, era a Nastácia, a barda
mais famosa de todos os tempos que estava ali, cantando na nossa frente. Eu e
meus amigos nos ajoelhamos no palco enquanto chorávamos e pedíamos
autógrafos. Os nobres ali sentados se levantaram imediatamente para pedir
autógrafos e fazer declarações de amor, enquanto suas esposas brigavam com
eles.
A Nastácia começou a se desculpar com todos, falando algo sobre um mal
entendido, que ninguém conseguiu escutar graças à todos na multidão falando ao
mesmo tempo. Foi então que seu belo vestido começou a sumir, seu porte se
alterando, até que a verdade foi revelada: Não era a Nascia ali, apenas Bernie
disfarçado com magia.
Ele tentou explicar para a multidão que só queria fazer uma brincadeira
cantando uma Ópera da Nastácia, mas ninguém deu atenção, pois estavam todos
furiosos e partiram para cima dele para o linchar. Eu e o restante da banda
ficamos de longe assistindo a confusão, ainda decepcionados por não termos de

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fato encontrado a Nastácia. Bernie foi salvo do linchamento pelos guardas, que o
levaram direto para a cadeia por crime de se passar por um nobre. Ele foi
açoitado, preso e condenado a pagar uma multa de quinhentas peças de ouro.
Depois de toda essa confusão, o show foi cancelado e eu fui visitá -lo no
dia seguinte na cadeia. Ele pediu para eu explicar o ocorrido para o grupo de
aventura deles, e que eu os convencesse a pagar a multa para que ele pudesse sair
da cadeia. Eu então fui até onde eles estavam hospedados, na taverna da Marta.
Era a primeira vez que eu me encontraria com eles até o momento, só tinha
escutado as histórias do Bernie sobre eles.
O grupo era formado por três outros aventureiros, sem contar o Bernie.
Um humano bárbaro chamado Hercules, com cerca de 40 anos, extremamente
peludo, pele bronzeada, uma montanha de músculos; Uma jovem maga alta-elfa
chamada Liardon, de olhos verdes como esmeralda, e quase tão franzina quanto
eu. Extremamente inteligente nos estudos de arcanismo também; Uma jovem
tiefling chamada Cruella, de pele cor de vinho, chifres pequenos de bode, e uma
cauda de escorpião que, acreditem, produzia veneno.
A Cruella e a Liardon até que aceitaram bem quando falei, mas o Hercules
ficou extremamente irritado, dizendo que a culpa era minha e da minha banda, e
que nunca mais ia aceitar um bardo na equipe (o que ele esqueceu rapidamente,
já que entrei na equipe logo em seguida). Depois que o Hercules se acalmou
mais, eles me explicaram que pagariam a multa se tivessem o ouro, mas eles já
tinham gastado tudo que arrecadaram na antiga aventura, e já estavam em busca
de outra aventura para conseguir mais fama e ouro. Na verdade, eles já tinham
encontrando um novo trabalho, mas estavam esperando o Bernie terminar de me
ajudar para seguirem até lá. Eles disseram que poderiam pagar a multa com o
ouro desse trabalho, mas o Bernie era o suporte da equipe, e considerando que
teriam que enfrentar ogros, eles definitivamente precisariam de um suporte para
o trabalho. Eu vi nisso a chance não só de conseguir ouro para soltarem o Bernie,
como também de arrumar ouro para comprar melhores equipamentos para a
equipe. Isso mesmo, eu ia me alistar como membro temporário da equipe de
aventuras do Bernie, mas antes eu precisava falar com a banda sobre isso, então
falei para o grupo que encontrava eles amanhã na taverna para discutir a
situação, e marquei uma reunião com a banda na casa do Eldon. Eu expliquei
para a banda toda a situação, e disse que teria que me aventurar só dessa vez. Eu
tinha o tipo de magia que eles precisavam. Eles ficaram com medo que eu
acabasse gostando da vida de aventuras e resolvesse os abandonar, mas acabaram
cedendo.
No dia seguinte, eu me reuni com o grupo, e tudo estava combinado para
nossa aventura. O trabalho era lidar com uma tribo de ogros que estava
atormentando alguns elfos pastores na floresta, e ameaçando matar e roubar seu
rebanho. Antes de partir para a missão, eu fui comprar o equipamento, apenas o
necessário. Uma tenda espaçosa, um mosquiteiro, repelente de insetos, uma

43
roupa pesada contra picadas, sabonetes próprios, perfumes e maquiagem, pois
não há nada como enfrentar o mau bem arrumado. Eu também deixei bem claro
que não sabia manusear armas direito, e só ia ficar na linha de trás curando o
grupo. Eles aceitaram, embora o Hercules tenha me chamado de covarde durante
a viagem toda, que durou alguns poucos dias. Posso confirmar que até aquele
momento, essa foi a pior viagem que já fiz em toda minha vida. Os insetos não
paravam de me atormentar, e o medo de ser atacado por um urso feroz durante a
noite me impedia de dormir. Eu quase morri algumas vezes quando o Hercules se
levantou durante a noite para urinar aliás, eu vi aquele bicho peludo, com sombra
gigantesca, sempre jurava que era um urso vindo me matar. Além disso, também
havia a falta de mulheres, digo, a Cruella tinha um olhar de psicopata, não tive
coragem de chegar nela, e a Liardon namorava com o Hercules, e eu não era
doido de arrumar confusão com um cara daquele tamanho.
Chegamos na cabana dos elfos pastores, e vimos tudo arruinado. Eles nos
contaram que demoramos muito, e os ogros devoraram a maior parte de seu
rebanho, e levaram o resto dos animais para comer depois. Nós não perdemos
tempo, e seguimos as pegadas imensas que eles deixaram. Quase desisti de tudo
só de ver o tamanho daquele pé, mas eu precisava urgentemente do ouro, então
continuei firme. Finalmente chegamos no esconderijo dos ogros, e entramos de
fininho, onde achamos um cercado com o rebanho, e um casal de ogros dormindo
bem ao lado. O plano era simples, matá-los enquanto ainda estavam dormindo,
mas o fedor era tão avassalador que eu acabei vomitando e fazendo tanto barulho
que acordou os ogros.
Cada um tinha três metros de altura, eram extremamente imundos, a
palma das mãos deles eram do meu tamanho. Eles urraram de fúria, e suas bocas
eram tão grandes que eu acho que podiam me devorar numa abocanhada. A
batalha então se iniciou. Os ogros pegaram suas claves imensas, e Hercules
ergueu seu machado grande e avançou furioso na direção deles. Cruella entrou
nas sombras e sumiu, e Liardon ficou na linha de trás comigo. A diferença é que
ela estava atacando os ogros com suas magias, e eu apenas fiquei paralisado de
medo.
Hercules cravou seu machado na barriga de um dos ogros, e o
sangue derramou pelo chão da caverna, mas logo em seguida o ogro atingiu seu
rosto com toda a força usando seu punho, deixando Hercules desnorteado, e
abrindo uma brecha para o outro ogro atingir ele com tudo usando a clava e fazer
ele se chocar com a dura parede de pedra da caverna e ficar caído. Os ogros
começaram a avançar em mim e na Liardon. Eu finalmente fiz algo na batalha:
corri e deixei ela lá, ficando imóvel na entrada da caverna vendo o que acontecia
a seguir.
Antes que os ogros alcançassem Liardon, a Cruella surgiu do nada nas
costas de um deles, e tentou enfiar uma adaga em seu crânio, mas ele a agarrou,
a espancou contra o chão, e a jogou contra Liardon, que se defendeu conjurando

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escudo arcano. Os ogros então avançaram em Liardon e bateram no escudo até
ele se dissipar, e só com um soco bem dado na cara dela, ela já foi ao chão. Os
ogros começaram a avançar em mim, e eu fiquei ali sem saber o que fazer. Olhei
para o Hercules deitado no chão, e ele estava me olhando cheio de ódio, gritando:
“Faz alguma coisa, porra!”. A única coisa que eu consegui fazer naquele momento
foi tocar minha flauta e usar minha magia para curar Hercules, e logo após isso
me encolhi, fechei os olhos, e esperei os ogros me esmagarem.
Alguns segundos se passaram, e eu não havia morrido ainda, então abri os
olhos e vi que Hercules se ergueu, e entrou no caminho dos ogros para me
proteger. Antes que Hercules fosse derrubado novamente, eu toquei novamente
minha flauta e curei Liardon e Cruella. Hercules acertou uma machadada na
perna de um dos ogros, fazendo ele cair de joelhos, e então desferindo um golpe
em sua garganta, o matando. Enquanto isso, Liardon cegou o outro ogro usando
uma magia de luz, dando brecha para que Cruella escalasse o ogro e perfurasse
seu crânio com uma adaga.
Após a batalha, eu recebi uma bronca pesada de Hercules, mas eu já estava
tão assustado com os ogros que nem prestei atenção nas palavras dele. Nós
resgatamos os animais, pilhamos o ouro, devolvemos o que restou do rebanho
para os fazendeiros, e coletamos a recompensa. Tinha dinheiro suficiente para
libertar o Bernie e ainda sobrou alguns trocados para cada um de nós. Após isso,
resolvemos voltar para a cidade, mas ainda nas estradas da floresta, vimos um
pobre pássaro caído no chão. Eu peguei ele nos meus braços, e ele estava com a
asa quebrada. Era um jovem papagaio. Não sei o que havia acontecido com ele,
mas fiquei com pena e o levei comigo para a cidade. Lá, tratei dele e o adotei. Eu
nomeei ele de Oscar, meu fiel companheiro nos bordéis. Talvez eu tenha sido
uma má influência, pois após sua recuperação, ele ficou muito boca suja. Enfim,
paguei a multa do Bernie, e ele me agradeceu muito. Ele teve que partir com a
equipe dele imediatamente, pois precisavam procurar mais trabalho já que
gastaram quase todo o ouro que conseguiram soltando o Bernie. Eu contei para a
banda como foi a batalha, obviamente não da forma que realmente aconteceu.
Contei usando licença poética, como todo bom bardo.
Eu usei o ouro que me restou para comprar os instrumentos da banda,
e adotar um cachorro, que chamei de Brutos. Com isso, meu zoológico pessoal
está montado. Deu muito trabalho para fazer todos os meus animais viverem em
harmonia, mas com alguns meses de trabalho eu consegui, até ensinei alguns
truques para eles. A banda também finalmente começou a dar certo, estávamos
arrumando contratos nas tavernas da Cidade Baixa, e de vez em quando alguns
na Cidade Alta.
Aproveitando a onda de boa sorte com que eu estava, tive uma grande
ideia, e reuni a banda. Nós vestimos nossos melhores ternos, e fomos até a
Cidade Alta, na casa da Kethra, durante a madrugada de uma noite estrelada. Eu
peguei algumas pedrinhas, e de forma clichê, joguei na janela até ela abrir. Então

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me ajoelhei, e disse: “Kethra! Ultimamente tenho pensado em você sem parar... Não de
uma forma esquisita, claro, de uma forma normal... Digo, não como uma pessoa normal,
pois pessoas normais me deixam entediado, e você não é uma pessoa normal... Digo, não
estou lhe chamando de estranha também...”. Sim, eu estava suando muito de
nervosismo, gaguejando, e falando coisas sem sentido. Foi uma cena patética,
mas eu respirei fundo e recomecei: “O que quero dizer, é que é normal pensar muito
na garota que você gosta, e querer abraçá-la tão forte, e beijá-la de forma tão
apaixonada, e desejar que todo beijo fosse interminável. Então, pensei que eu deveria vir
aqui, e investir uma moeda, e aí, talvez você diga sim ao meu pedido, e acalmaria a
minha mente. Pois, Kethra, se você disser sim para mim, o céu será azul por toda a minha
vida, e eu faria o possível e o impossível para vê-la sempre feliz”. E após meu discurso,
eu e a banda tocamos Serenata à Luz do Luar, e dessa vez não cometi nenhum erro
humilhante tal qual a minha apresentação no teatro. Ela escutou a canção
emocionada, então gritou para mim encontrá-la na porta da frente para que ela
pudesse dar a resposta.
Eu sai correndo em direção a porta o mais apressado que pude, e meus
companheiros foram correndo atrás de mim, de forma lenta graças à suas
perninhas curtas. Então eu corri, e corri, e corri, até avistar a porta de entrada.
Eu corri ainda mais rápido, a felicidade estava a alguns passos, eu vi a maçaneta
girar, e a porta lentamente se abrir, e... Saiu um coroa de dentro da casa? Eu
nunca tinha visto esse velho na vida, mas era tão velho, e tão enrugado, que
parecia uma múmia sem faixas. Eu parei de correr naquela hora e olhei sem
entender nada por alguns segundos, até ele apontar uma espingarda para mim, e
começar a atirar enquanto me chamava de vagabundo e outras coisas. Eu corri o
mais rápido que pude, e deixei meus amigos para trás. Quase a banda acabou esse
dia quando me ameaçaram de tentar matar eles, mas consegui os acalmar.
Eu encontrei a Kethra no outro dia no teatro, e ela explicou que aquele
velho era o pai dela. Ah, e é claro, também aceitou meu pedido. Eu fiquei
extremamente emocionado. Fizemos várias atividades de casal durante as
próximas semanas, como passeios pela cidade, jantares românticos, encontros,
piqueniques, e essas coisas. O céu realmente estava sempre azul quando nós
estávamos juntos. O único lado ruim era o pai rabugento dela, que desaprovava
nossa relação. Claro que só o fato de eu ser integrar uma banda sem fama e
dormir no teatro ou em tavernas já era suficiente para alguém me considerar
vagabundo, mas ter atrapalhado o sono dele naquela noite foi algo que ele nunca
esqueceu.
Alguns meses se passaram desde então. Eldon terminou
os estudos e tínhamos ainda mais tempo para os ensaios, a banda estava com
fama na Cidade Baixa, e de vez em quando conseguíamos contratos com tavernas
nobres, eu estava num relacionamento sério com a Kethra e abandonei a minha
vida de hedonismo. Estava inclusive juntando dinheiro para comprar um piano.
Bernie estava me ajudando a compor letras quando vinha visitar a cidade, e até
fazia apresentações com a banda quando conseguia. Por falar em apresentação, eu

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surrupiei o nome dos membros da equipe do Bernie para criar meu nome
artístico: Hercules Liardon. A Liardon aceitou bem quando descobriu, mas o
Hercules tentou me bater até eu trocar de nome, o que não aconteceu , já que,
convenhamos que Hercules cai bem melhor em mim do que nele. Enfim, estava
tudo indo muito bem na minha vida. Mas uma tempestade se aproximava
lentamente de Belgrad. Uma tempestade sombria, que mudaria para sempre a
minha vida.

Agora, uma vez há muito tempo atrás


Um homem velho me contou uma história
Quando o flautista partir e abandonar a paz
Então ele vai esquecer de toda a glória
E se o corvo negro voar

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Para um novo destino encontrar
Esse é o sinal

Venha hoje à noite


Venha para o covil do ogro
Venha para a batalha dos ogros

Ele dá um grande grito


E ele consegue engolir o oceano
Com uma língua poderosa ele captura mosquitos
E a palma de sua mão é incrivelmente grande
Um grande olhão
Está focado em sua direção
Agora a batalha tem início

Venha hoje à noite


Venha para o covil do ogro
Venha para a batalha dos ogros

Ah, ah, ah, ah, ah


Os grandes ogros ainda estão lá dentro
Na montanha de vidro espelhado em dois sentidos
Você tem que ficar agachado
E evitar ser visto
Você não pode ver lá dentro, mas eles podem ver aqui fora
Tenha cuidado, e não vá embora
Os grandes ogros estão saindo
Da montanha de vidro de dois sentidos
Eles estão correndo irritados
E eles estão vindo de todos os lados

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Não é possível ir para o leste, você tem que ir para o sul

Os grandes ogros para casa vão voltar


Quando a grande batalha terminar
Que soem as cornetas, deixe o trompete chorar

A batalha dos ogros continua para sempre


Oh, oh, oh
Você pode vir junto
Você pode vir junto
Venha para a batalha dos ogros

Nome: Batalha dos Ogros


Compositor: Hercules / Bernie

Eu fico em seu portão


E neste luar eu lhe canto uma canção
Eu fico à sonhar
Numa noite fria, você à me beijar
As rosas são um sinal da serenata ao luar

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As estrelas estão todas incandescentes
E hoje à noite como a luz delas me deixam sonhar
Meu amor, vou lhe contar
Que seus olhos são como estrelas que irradiam e estão sempre à brilhar?
Eu te trouxe, e eu canto para você uma serenata ao luar

Deixe-nos seguir até o amanhecer


Em amados vales de sonhos
Sob o céu ensolarado, só eu e você
A brisa divina, beijo na árvore

Então não me deixe esperar


Venha para mim ternamente em uma noite e lhe darei meu coração
Eu fico em seu portão
E eu canto para você uma canção
Uma canção de amor, minha querida, uma serenata ao luar

Nome: Serenata ao Luar

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