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A palavra mágica foi estatização. Estava em desuso desde o início dos anos 1960,
quando fizera parte do vocabulário da propaganda contra João Goulart. Nos quinze anos
seguintes ela aparecer aqui e ali, mas nunca chegara a se transformar numa bandeira
mobilizadora. A ditadura sacramentara a estatização da infraestrutura econômica do país
sem ouvir queixas. Em 1962 só doze das trinta maiores empresas pertenciam ao Estado.
Em 1971 elas eram dezessete. No final do delfinato o Estado detinha 45,8% do
patrimônio líquido das 5.257 principais empresas não agrícolas. Em 972, durante as
grandes festas do Milagre, o Estado era dono de 46 das cem maiores empresas não
financeiras do Brasil, e de nove das cem maiores empresas manufatureiras (contra sete
em 1966). No delfinato a participação do setor público na indústria passara de 8% em
1966 para 15% em 1972. – pág. 54.
O presidente soube pelo Correio do Povo, que uma tropa da FAB invadira uma
delegacia da polícia gaucha e espancara um delegado que horas antes lavrara um
flagrante contra um sargento. Mandou um bilhete para Figueiredo cobrando
providencias. O chefe do SNI pediu uma resposta urgente à chefia da agência de Porto
Alegre [...] – pág. 112.
Parecia ser verdadeira piada: firmara-se um Acordo em que a Alemanha oferecera uma
tecnologia que não tinha, para enriquecer um urânio que o Brasil não achara. – pág. 135.
Mesmo tendo sido desastroso, o Acordo com A Alemanha foi uma fonte ocasional de
propaganda e demonstração de que o governo brasileiro seguia uma política externa
própria. A reação tímida dos Estados Unidos parecia comprovar que a perplexidade
americana durante da derrota no Vietnã era uma boa oportunidade para que as potências
emergentes forçassem posições mais vantajosas na ordem mundial. – pág. 136.
Em abril de 1974, quando a metrópole entoru em colpaso, três siglas de raízes tribais,
desorganizadas e mal-armadas, disputavam uma vitória que lhes cairia no colo por
gravidade. A FNLA, Frente Nacional de Libertação de Angola, com quartel-general no
Zaire e bases na região nordeste. A Unita, União Nacional pela Independência Total da
Angola, que operava a partir da Zâmbia e se espalhava pelo planalto central da colônia.
E, finalmente, o MPLA, Movimento Popular de Libertação da Angola, sem grandes
bases regionais, mas poderoso nas favelas e nas rodas intelectuais de Luanda. Sua força
estava na conexão com os comunistas e com o radicalismo militar de Lisboa. Tinha a
aura de ser dirigido por um poeta que não sabia manusear uma arma, o médico
Agostinho Neto. – pág. 138.
Os Estados Unidos tinham todas as razoes para supor que o Brasil acompanharia sua
política em Angola. Chegaram a mandar um emissário a Brasília, solicitando algum tipo
de cooperação militar. Queriam sargentos negros, pois tinham a virtude de falar
português. Geisel recusou o pedido. – pág. 142.
Ovídio convencera-se de que a FNLA era uma maquinação americana e a Unita, um
condomínio de sul-africanos com portugueses salazaristas. Defendera o reconhecimento
do MPLA, cujo predomínio testemunhava. Era isso ou “tirar o time de campo”, em
memorável vexame. – pág. 142.
A ação dos Estados Unidos na encrenca angolana provinha de dois impulsos: uma
antiga ligação com o general Mobuto, ditador do Zaire, e a recente oportunidade de
bater os soviéticos juntando as forças da FNLA às da Unita. – pág. 143.
A decisão de reconhecer o governo de Agostinho Neto fora tomada por Geisel no dia 6.
Nesse mesmo dia a cabeça de Ovídio começara a descolar do pescoço. Seria transferido
por conta dos ressentimentos provocados pela tenacidade com que defendeu a sua
posição dentro da burocracia do Itamaraty. – pág. 148.
Era uma percepção oposta à de Geisel, que via o seu governo amparado “pelo povo,
pela Aliança Renovadora Nacional e pelas Forças Armadas”, nessa ordem: “Eu fui
eleito pelo Congresso. Não vou ficar no poder sustentado pelas baionetas do Frota”. –
pág. 202
Geisel mantinha separadas, quase estanques, suas duas militâncias. Agia como se
houvesse dois presidentes. Um encarregado dos quartéis; outro, da política. O chefe de
um consulado militar queria restabelecer o primado do poder da Presidência. O chefe
político procurava atribuir ao consulado uma legitimidade constitucional capaz de
assegurar a ordem militar. Manobra difícil, sua precondição era a disciplina da máquina
repressiva. Sem isso, ele não teria autoridade para os passos seguintes. – pág. 206
Enquanto d. Adriano contava sua história numa delegacia, deram-se duas outras
explosões. Uma na Glória, em frente à CNBB. Haviam detonando o carro do bispo. A
segunda foi no Cosme Velho, no pátio interno da casa de Roberto Marinho, debaixo do
quarto de dormir do jornalista mais poderoso do país. Ele lia, na cama. Foi protegido
pelo pesado cortinado da janela, mas ainda assim o impacto jogou-o no chão. Um
copeiro feriu-se. Anos mais tarde Marinho contaria que no ataque estivera um ex-
repórter d’O Globo, demitido depois de servir, por muito tempo, como elo entre o jornal
e a Comunidade de Informações. Perdera o emprego porque se recusara a cumprir uma
cobertura rotineira de manobras militares. [...] O SNI explicou o atentado culpando a
vítima: “Admite-se que a causa principal seja a presença de comunistas em diversos
setores das empresas que dirige”. – pág. 273 e 274.
A despeito das violências políticas que praticava, Geisel firmara a posição do governo
como fiel de um processo em que conviviam eleições, Congresso e imprensa. A
distensão obrigava o regime a conviver com um novo tipo de problemas. Médici
orgulhava-se de que, à diferença de Geisel, governara cinco anos sem suspender um só
mandato parlamentar. Só em 1976 seu sucessor cassara quatro deputados federais. A
mudança estava em outra contabilidade. As denúncias de tortura, em todo o ano,
ficaram em 156. Com Médici, oscilaram entre 736 e 1.206. – pág. 280.
- Tanto pedi a Deus que esse homem não morresse no meu governo! Agora, vamos
enfrentar o caso. Acho que devemos decretar luto oficial, por três dias. Entendendo que
é de direito o luto oficial – disse o presidente.
- Sou contra qualquer homenagem do governo a esse homem. Era um
contrarrevolucionário, que foi cassado, punido pela Revolução . Posso informar a Vossa
Excelência que a repercussão no Exército será negativa. – pág. 303 (sobre a morte de
JK no governo Geisel).
Fala a censura: “De ordem superior, fica proibida a divulgação, através do rádio e
televisão, de comentários sobre a vida e atuação política do Sr. Goulart. A simples
notícia do falecimento é permitida, desde que não seja repetida sucessivamente”. – pág.
312.
No início da tarde uma garoa abafava o ar quente em Paso de los Libres. O carro com o
caixão de Goulart tomou o caminho da ponte que ele vira na véspera. Parou na
alfândega, e lá receberam as notícias de Brasília. Deveriam seguir pela Argentina, até
San Tomé. Atravessariam o rio Uruguai numa balsa e alcançariam São Borja. Isso
triplicaria a duração da viagem. Havia poucos dias Jango dissera a um amigo que não
aceitava voltar ao Brasil “como boi de contrabando”. Era o que o governo tentava impor
ao ex-presidente morto. – pág. 312 e 313.
Depois de cerca de uma hora de negociações, decidiu-se que João Goulart poderia entrar
em Uruguaiana, desde que acompanhasse um veículo da Polícia Federal e os 180
quilômetros de entrada fosse percorridos sem parada. Quando a viúva quis parar alguns
minutos, disseram-lhe que devia pedir que aumentassem a velocidade do carro em que
estava, ganhando tempo para juntar-se novamente ao cortejo quando ele passasse. Em
Brasília, Geisel negou a Jango o luto oficial que dera três meses antes a Juscelino
Kubitschek. Mais uma vez, a bandeira do Congresso, depois de ter sido hasteada a meio
pau, foi obrigada a arrepender-se. – pág. 313.
O “Pacote de Abril” foi anunciado no dia 14. Pela primeira vez desde 1823, quando d.
Pedro I dissolveu a Constituinte, o Executivo legislou com a colaboração dos
presidentes das duas Casas do Congresso fechado. – pág. 360.
Dos 46 países em que mantinham programas de ajuda militar, só dez eram considerados
livres pelos observadores da organização Freedom House. Entre os 36 países aliados
americanos estavam algumas das piores ditaduras do mundo: o Irã do xá Reza Pahlevi,
o Zaire de Jospeh Mobutu e o Chile de Pinochet. – pág. 377.
O manifesto de Frota soou anacrônico. Ao contrário das peças do gênero, ele não
refletia um argumento de ocasião, mas a sincera convicção do general. Ele estava
seguro que Ernesto Geisel era um esquerdista e que seu governo levava o Brasil para o
socialismo. Em suas memórias, repete isso pelo menos onze vezes. Via no presidente
uma pessoa de “tendências socialistas”, e em seu governo um “governo comprometido
espiritualmente com as correntes de esquerda”. [...] Muitas vezes os textos e discursos
dos generais refletiam a astúcia do momento, como se pode em inúmeros discursos de
Geisel. A simetria existente entre o que o Frota falava quando estava no governo e o que
escreveu quando ficou fora dele informam que acreditava o que dizia. – pág. 474
Entre a audiência em que foi demitido por Geisel e a cerimônia em que transmitiu o
cargo ao general Fernando Bethlem, passaram-se cerca de dez horas. Nelas, Frotas
esperou que a anarquia desse um golpe disciplinado, hierárquico. – pág. 475 (por ser da
ala mais dura do regime militar, Frota foi demitido por Geisel, pois preferia Figueiredo
na sucessão e Frota criavas problemas. Frota tentou um golpe, como mostram as
citações).