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1830 e 1848
Hezrom Vieira Costa Lima
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Introdução
No início do século XIX, a burguesia surge como vitoriosa dos processos revolu-
cionários iniciados em 1789, tendo conseguido eliminar os privilégios de nascença
que beneficiavam o clero e a nobreza, que se tornaram símbolos de um modelo
social considerado atrasado. Com o desenrolar dos acontecimentos vivenciados
pela França, um elemento até então inédito na história da humanidade se tornou
evidente: a força avassaladora que as classes populares podiam exercer enquanto
transformadores sociais.
Os eventos desencadeados pelo Terror e todo o simbolismo presente durante
a atuação incessante do Comitê de Salvação Pública ilustram essa questão e dão
sentido ao temor vivenciado pela burguesia. Da mesma forma, ilustram também a
submissão dessa classe perante o domínio de Napoleão Bonaparte e suas atitudes,
que demonstravam ora a continuação dos ideais liberais, ora um imperialismo
inegável.
Neste capítulo, você poderá compreender as continuidades e as rupturas
existentes na sociedade francesa — e, consequentemente, no mundo ocidental —
decorrentes do início do século XIX, bem como o contexto sociopolítico vivenciado
56 Revoluções de 1830 e 1848
O governo de Carlos X
Com a morte de Luís XVIII, ocorrida em 1824, quem assume o trono da França
é o seu irmão, o conde de Artois, que passa a ser Carlos X. O novo rei adota
uma postura ultraconservadora, em parte explicada pelo sentimento antir-
revolucionário que cultivava desde o início do processo revolucionário de
1789, quando foi obrigado a fugir para o exílio na Inglaterra.
Seu governo foi marcado por uma tentativa de restaurar o absolutismo na
França — o que era de se esperar de um governante que queria barrar as ideias
republicanas —, gerando impopularidade para ele. Em 1827, as eleições para
a Câmara dos Deputados são vencidas por grupos de oposição ao monarca,
que entram em conflito com o rei. Esses embates crescem com o passar do
tempo, e então Carlos X decide dissolver a Câmara e realizar novas eleições
em 1830. No entanto, para a sua surpresa, novamente grupos de oposição
ganham a maioria das cadeiras.
Eric Hobsbawm (2019, p. 190, tradução nossa) destaca que “[...] os Bourbon
foram derrubados em Paris por uma típica combinação de crise do que se
considerava a política da monarquia Restaurada e de intranquilidade popular
devido à depressão econômica”.
As Três Gloriosas
Com Luís Filipe I no poder, a França adota novamente a bandeira tricolor. Mais
uma vez o simbolismo presente no uso da bandeira (Figura 1) demonstra os
princípios adotados e defendidos pelo novo governo — ao menos teoricamente.
Fabricant: — Bem, já era hora. Era para as oito horas da manhã e já são meio-dia.
Por sua causa, não poderei enviar o pedido hoje.
Chef d’atelier: — Por favor, me desculpe, Monsieur, mas minha esposa e eu não
trabalhamos em outra coisa nos últimos doze dias. Não saímos do tear para comer.
Tivemos muitos problemas, porque o fio era muito pobre e a trama muito fina. E
minha mulher, que está grávida, pretendia tecer pela noite toda, mas adormeceu
no tear. É por isso que estou atrasado.
Fabricant: — Está tudo muito bem. No entanto, você atrasou minha ordem. (Olha por
cima do pano.) Aqui está uma mancha. O que você fez, comeu seu ensopado no tear?
Chef: — Oh, Monsieur! Se está lá é porque estávamos com tanta falta de tempo.
Minha esposa nem teve tempo de fazer sopa. Nós não comemos nada além de pão
enquanto trabalhávamos em seu pedido.
Fabricant: — Ah, aqui está um tópico fora de linha. (Para seu escrivão) — Monsieur
Leon, marque para este homem uma redução de dez cêntimos por ano para o
desperdício.
Chef: — Mas, senhor, você não tem consciência? Depois de trabalharmos a noite
toda com um fio tão pobre, com certeza cometeremos erros. Não é justo nos marcar
por isso.
Fabricant: — Justo ou não, é assim que vai ser. Quando pago um bom dinheiro, espero
um bom trabalho. E, se você é tão mal pago quanto afirma, deixe-me lembrá-lo de
que você não precisava aceitar o emprego. Você poderia ter recusado.
Chef: — Mas você sabe muito bem que não trabalho há três meses e que aceitei porque
minhas economias acabaram. Não pude recusar porque minha esposa está grávida.
Fabricant: — Isso não é problema meu. Estou no negócio para ganhar dinheiro, não
para lhe fazer caridade. O que você está dizendo significa pouco para mim.
Fabricant: — Dar outro pedido? Depois do jeito que você me atrasou em uma comissão,
você ousa pedir outro pedido? Não, meu caro. Só damos ordens a quem aprecia o
que lhes damos. Aqui está o seu pagamento.
Fabricant (para seus funcionários): — Senhores, vocês um dia serão chefes de co-
mércio. Não posso recomendar mais severidade aos trabalhadores... É a única
maneira de forçá-los a tecer bem. É a única maneira de nossa indústria prosperar.
Qualquer que seja o aspecto da vida social que avaliarmos, 1830 determina um
ponto crítico; de todas as datas entre 1789 e 1848, o ano de 1830 é o mais obvia-
mente notável. Ele aparece com igual proeminência na história da industrialização
e da urbanização no continente europeu e nos Estados Unidos, na história das
migrações humanas, tanto sociais quanto geográficas, e ainda na história das
artes e da ideologia.
Em 1848 uma violenta tempestade de revoluções rasgou a Europa. Com uma ra-
pidez surpreendente, multidões de radicas da classe trabalhadora e liberais de
classe média em Paris, Milão, Veneza, Nápoles, Palermo, Viena, Praga, Budapeste,
Cracóvia e Berlim derrubaram o Antigo Regime e começaram a tarefa de forjar
uma nova ordem liberal.
A Revolução de 1848
Em 1848, Paris possuía uma população que ultrapassava a soma de 1 milhão
de pessoas. E o nível de instabilidade da sociedade francesa na primeira
metade do século XIX pode ser atestado pelas tensões e pelas constantes
mudanças de governo ocorridas nesse período.
O governo de Luís Filipe I mostrava a hegemonia de que a burguesia
francesa gozava em relação às outras classes sociais. Em paralelo, a classe
trabalhadora, ou, para ser mais exato, o proletariado industrial via a sua força
política crescer, somando diversas insurreições e levantes, e demonstrava
cada vez mais a sua divergência em relação à elite burguesa dominante.
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Fé em tempos de revolução
Figura 5. O republicanismo francês chuta Luís Filipe em charge do século XIX: “Vá se enforcar
em outro lugar!”.
Fonte: Va te faire pendre ailleurs (1848, documento on-line).
A II República francesa teria uma vida curta. Como medidas iniciais, esta-
belecem-se a pena de morte e o sufrágio universal. Na esteira do processo
revolucionário francês, contexto no qual os grupos representados conhecem
os riscos que estão correndo, é adotada uma postura moderada em torno da
Assembleia Constituinte.
Essa república foi formada por grupos oriundos das camadas sociais
que representavam interesses socialistas, republicanos e bonapartistas.
Ancorando-se no direito ao trabalho, também foram criados os ateliers na-
tionaux (em português, “oficinas nacionais”), locais de trabalho para a po-
pulação desempregada parisiense que envolviam setores como carpintaria
e marcenaria (AGULHON, 2008).
O presidente Luís Bonaparte adota medidas conservadoras e, três anos
após ser eleito, em 2 de dezembro de 1851, proclama o II Império francês, em
um golpe de Estado.
Conforme bem avaliou Karl Marx (2012, p. 21), “[...] a Revolução de 1848
não soube fazer nada melhor do que parodiar ora 1789, ora a tradição revo-
lucionária de 1793–1795”.
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Referências
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70 Revoluções de 1830 e 1848
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Leituras recomendadas
HUGO, V. Os Miseráveis. São Paulo: Nova Fronteira, 2020.
QUINTAS, A. O Sentido Social da Revolução Praieira. São Paulo: Yendis, 2004.