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Devemos ir ao Cinema? O ensino histórico dos adventistas.

Demóstenes Neves da Silva2

Introdução
Se vos dirigirdes aonde há pecado, e vos colocardes em
terreno do inimigo, colocai-vos em lugar onde os anjos
de Deus não vos preservarão da má influência. 3

Devemos ir ao cinema? Essa é uma pergunta que tem sido suscitada, em vista da tradicional
orientação da igreja adventista para frequentar apenas ambientes que promovam os valores
religiosos, conforme exposto nas crenças fundamentais da denominação. 4 A restrição ao cinema e
teatro se tornou mais explícita nos Manuais da Igreja, desde o primeiro que foi publicado em 1932,
os quais reprovavam a frequência ao teatro e ao cinema, bem como a outros tipos de locais de
divertimentos mundanos. 5
Nas discussões sobre o impedimento colocado diante dos membros da igreja, para frequentar
o teatro/cinema e afins, se destacam, geralmente, três aspectos: (1) o conteúdo do que é apresentado
nos filmes, (2) a natureza e significado do ambiente do teatro/cinema, e, finalmente, (3) a
autoridade espiritual legítima para estabelecer doutrina, a qual, únicamente, pode dizer à igreja
e ao crente o que pode ou não pode fazer. 6 O resultado dessa discussão, como dito anteriormente,
se aplica aos espetáculos seculares de qualquer natureza.
Neste artigo, portanto, elegemos, como objetivo principal, revisitar o ensino histórico
adventista sobre o cinema e similares a partir desses três aspectos acima. Tomaremos, como
referencial de autoridade para definir doutrina, (1) os princípios bíblicos como interpretados pela
igreja, (2) os escritos de Ellen G. White e (3) o Manual da Igreja como expressão das Assembleias
da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia. Entendemos que tais fontes de orientação são
aceitas pela igreja mundial. Os escritos de Ellen White, particularmente, são tidos como
profeticamente inspirados, e, em seguida à Bíblia, e em harmonia com ela, considerados como
autoridade para a vida cristã. Esse dom de profecia é uma das características da igreja de Deus nos
últimos dias e necessária para o seu sucesso espiritual (Ap 12:17; 19:10; Ef 4:11, 12; Pv 29:18; 2Cr
20:20).7 Passaremos, então, à exposição de cada um desses aspectos a seguir.

1) Sobre o conteúdo

O cinema não existia nos dias bíblicos, mas existiam os teatros, anfiteatros e espetáculos
festivos e esportivos de vários tipos nas culturas grega e romana. Naquele contexto, os escritos do

1
Este artigo é baseado no livro Entretenimento e mídia. Cachoeira: SALT/IAENE, CEPLiB, 2010 do mesmo autor.
2
Professor do curso de Teologia do SALT/IAENE.
3
WHITE, E. G. Meditações Matinais. Sp: Casa Publicadora Brasileira, 1968, p. 254.
4
Disponível em: http://www.adventistas.org/pt/institucional/crencas/ Acesso em: 22 de set. 2015 (grifo suprido).
5
Associação Geral da IASD, o Church Manual de 1932, p. 78. A antiga edição brasileira do mesmo manual que se
grafava, na época, “Manual da Egreja” dizia, no português da época, no exame público do candidato ao batismo:
Declara agora, ao participar do baptismo, que de hoje em diante não tomarás parte em diversões nocivas à alma taes
como jogar cartas, ir ao cinema ou theatro, dançar, e todos os demais entretenimentos e diversões que tendem a
amortecer e destruir a vida e percepções espirituaes? Redação semelhante encontra-se em todos os Manuais até o ano
de 2005. Manual da Igreja Adventista do Sétimo Dia, CPB, 2010, p. 47.
6
Seventh-Day Adventist Encyclopedia (SDA Encyclopedia), RH, vol. 10, Revised edition, Commentary Reference
series, 1976, p. 1187, 1188. Theatre.
7
Todas as citações bíblicas são da Bíblia Sagrada traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Edição Revista
e Atualizada no Brasil. SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1997.
2
Novo Testamento já apontavam vários princípios que podiam orientá-los na época, bem como à
igreja nos dias atuais, de como se relacionar com as práticas mundanas. Seguem-se alguns desses
princípios extraídos da Bíblia:
Um desses princípios é o da (1) seletividade. Este princípio ensina a não permitir a
contaminação dos pensamentos.

Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo,
tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e
se há algum louvor, nisso pensai. (Fp 4:8. Grifos supridos).

Assim, o apóstolo determina que o crente selecione e cultive os pensamentos que são
concordes com a fé cristã.
O segundo princípio avança mais um pouco e, utilizando o verbo no imperativo, ordena que
seja dada a (2) prioridade ao que é espiritual e que seja negado espaço ao que é terreno:

Portanto, se já ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas que são de cima, onde Cristo está
assentado à destra de Deus. Pensai nas coisas que são de cima e não nas que são da terra.
(Cl. 3:1,2, grifos supridos)

Portanto, até aqui, ambos os textos são princípios espirituais e são aplicáveis a tudo o que
fazemos, inclusive ao cinema e teatro, bem como à internet, televisão rádio, etc. Cada cristão é
desafiado a ser seletivo dando prioridade ao que é “de cima”.
O terceiro princípio aprofunda os anteriores, adicionando (3) a glória de Deus. Não basta
ser artístico, prático ou socialmente aceitável. É preciso glorificar a Deus. As coisas que nos
agradam, mas não glorificam a Deus devem ser evitadas. Glorificar a Deus é fazer a Sua vontade e
agradá-lo. É estar em harmonia com o Seu caráter e Seu resplendor santo (gr. doxa).

Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra qualquer coisa, fazei tudo para a glória
de Deus (1Co 10:31-32, grifos supridos).

Em seguida, a Bíblia dá (4) o princípio do bom testemunho. O escândalo proposital, ou


mau testemunho, é uma das falhas cristãs que menos incute esperança, pois despreza a sensibilidade
do irmão, constituindo-se em exaltação do eu, que Jesus ensinou a renunciar.

Portai-vos de modo que não deis escândalo nem aos judeus, nem aos gregos, nem à igreja
de Deus (1Co 10:33, grifos supridos).

E qualquer que escandalizar um destes pequeninos que crêem em mim, melhor lhe fora que
lhe pusessem ao pescoço uma grande pedra de moinho e que fosse lançado no mar. (Mc
9:42-48, grifos supridos).

O quinto princípio é o da (5) pureza do coração e do olhar. A contemplação do mal


precede a queda.

Temos, todavia, uma obra a fazer a fim de resistirmos à tentação. Aqueles que não querem
ser presa dos ardis de Satanás devem bem guardar as entradas da alma; devem evitar ler,
ver, ou ouvir aquilo que sugira pensamentos impuros. A mente não deve ser deixada a
divagar ao acaso em todo o assunto que o adversário das almas possa sugerir. 8

8
WHITE, E. G. Mensagens aos jovens. SP: Casa Publicadora Brasileira, 1985, p. 285.
3
Se, porém, os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso. Se, portanto, a luz que
em ti há são trevas, quão grandes serão tais trevas! (Mt 6:22, 23, grifos acrescentados).

Andarei em minha casa com um coração sincero. Não porei coisa má diante dos meus
olhos; aborreço as ações daqueles que se desviam; nada se me pegará (Sl 101:2, 3, grifos
acrescentados).

O último princípio refere-se à (6) separação do mundo. Este princípio, devido à


interpretações equivocadas tem se tornado motivo de reações dos próprios cristãos. A Bíblia está
vedando a associação que seja comprometedora dos princípios e valores cristãos. Por outro lado,
não é vedado o relacionamento nas coisas necessárias para que sejamos o sal da Terra e a luz do
mundo, oportunidade de amar o nosso próximo no cotidiano, seja ele crente ou não.

Não vos comuniqueis com as obras infrutuosas das trevas, antes condenai-as (Ef. 5:11,
grifos acrescentados).

Pelo que saí do meio deles, e apartai-vos, diz o Senhor, e não toqueis nada imundo, e eu
vos receberei como filhos (II Cor. 6:17, grifos acrescentados).

Referindo-se à separação da companhia dos mundanos para apreciar suas obras depravadas
e rir de suas chocarrices diz o apóstolo:

Portanto, não sejais seus companheiros. (Ef. 5:3-7, grifos acrescentados)

Nesse sentido, Ellen White adverte contra as influências de alguns professores adventistas, pois:

As lições dadas a nossa juventude por professores cristãos amantes do mundo estão
fazendo um grande mal. As reuniões festivas, as glutonarias, as loterias, as cenas mudas e
representações teatrais estão fazendo um trabalho que produzirá um registro com seu
fardo de resultados para o juízo. 9

A citação acima é explicita referência ao conteúdo do cinema mudo e do teatro tradicional.


Os filmes mudos da época, até 1909, disponíveis via internet, 10 revelam enredos simples do
cotidiano em sua maioria, aumentando em número, a partir de então, e, vindo depois, os filmes de
ficção, mas sem o nível de apelação utilizado atualmente. No entanto, as projeções já exploravam a
exaltação do secularismo, a omissão e desprezo pela religião, o divertimento com a violência, a
popularização de cenas íntimas e da agressividade numa modalidade que cativava as massas. Ou
seja, os filmes antigos, juntamente com o teatro, seriam considerados, atualmente, até ingênuos,
mas já suscitavam protestos do dom de profecia.
Ainda, sobre o conteúdo, em 1911, Ellen White publicou uma declaração condenando a
influência das “representações teatrais” e rejeitando as evasivas de alguns jovens de que o conteúdo
apresentado no teatro/cinema seria inocente, e por isso não se deveria condenar sua frequência:

Hábitos viciosos e propensões pecaminosas são fortalecidos e confirmados por esses


entretenimentos. Canções baixas, gestos, expressões e atitudes licenciosas depravam a
imaginação e rebaixam a moralidade. Todo jovem que costuma assistir a essas exibições
se corromperá em seus princípios. Não há em nosso país influência mais poderosa para
envenenar a imaginação, destruir as impressões religiosas e tirar o gosto pelos prazeres
tranqüilos e as realidades sóbrias da vida, do que as diversões teatrais. 11

9
WHITE, E. G. No deserto da tentação. 2ª. Ed. SP: Casa Publicadora Brasileira, 1990, p. 82. (grifo suprido).
10
Disponível em: <http://www.chambel.net/?p=56>. Acesso em: 23 de set. 2007.
11
WHITE, E. G. No deserto da tentação. 2ª. Ed. SP: Casa Publicadora Brasileira, 1990, p. 82. (grifo suprido).
4

Portanto, os princípios presentes na Bíblia e as declarações do Espírito de Profecia


condenam o conteúdo secular das diversões mundanas, tanto dos filmes quanto dos espetáculos de
teatro e outros divertimentos mundanos. Assim, a conclusão óbvia é que o conteúdo é fator
importante para não ir ao teatro ou cinema, o que também se aplica à responsabilidade pessoal do
crente de ser fortemente seletivo no consumo de produções oferecidas na televisão e internet.
Passemos, agora, ao ambiente no qual as diversões mundanas como cinema, teatro,
espetáculos esportivos e musicais acontecem.

2) Sobre o ambiente/local

Até 2005 o Manual da Igreja Adventista reproduzia o pensamento dos Manuais anteriores
junto com a citação de Condenação de Ellen White ao teatro, indicando que a citação sobre o teatro
se referia ao cinema:

Advertimos vigorosamente contra a influência sutil e sinistra do cinema, que não é lugar
para o cristão. [...] Apelamos para os pais, as crianças e os jovens a que fujam desses
lugares de diversão e se abstenham de assistir a esses filmes que glorificam os atores
profissionais. 12

Esse parágrafo foi suprimido em 2010, indicando, aparentemente, um processo de


enxugamento do Manual, mas preservando a citação de Ellen White de condenação ao teatro. Isso
levou alguns membros da igreja a protestar junto a pastores do que foi interpretado como
liberalismo e retrocesso do Manual que parecia recuar da proibição de ir ao cinema. No entanto, a
citação de Ellen White que era a base para o comentário condenatório do cinema por parte do
Manual permaneceu.
Na tentativa de fornecer alguma “base histórica” para a omissão da condenação direta ao
cinema no Manual de 2010, alguns começaram a especular que Ellen G. White não se referia ao
cinema quando mencionou o teatro por, pelo menos, duas razões: (1) porque o cinema não existia
no tempo dela, tendo surgido apenas em 1915, como alguns pastores equivocadamente afirmavam e
(2) porque a citação contra o teatro, numa hermenêutica mais acurada da citação do Espírito de
Profecia, se referiria tão somente ao teatro tradicional e somente para aquela época. Analisaremos,
portanto, ambas as suposições. 13
Ao contrário da primeira suposição, a literatura sobre o cinema indica que o primeiro estúdio
de cinema do mundo foi construído em 1892 ao lado dos laboratórios de Thomas Alva Edison. Foi
denominado de Black Maria, pois sua aparência e cor preta lembravam os carros de polícia que
eram assim chamados. Naqueles primórdios, em 1894, o diretor Willian Dickson já havia produzido
60 filmes. 14
O cinema moderno, como conhecido hoje, tem sua origem com a projeção feita pelos irmãos
Lumière (franceses) em 28 de dezembro de 1895. 15 Na França se popularizou o termo “cinema”
para o local de projeção, enquanto nos Estado Unidos da América (EUA), o cinema continuou
amplamente conhecido como theater (teatro) desde os dias de Ellen White. Neste mesmo ano,
inventores americanos, ingleses e alemães trabalharam em projetos e fizeram exibições públicas de
projeção cinematográficas.

12
ASSOCIAÇÃO GERAL DA IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA. Manual da Igreja Adventista do Sétimo
Dia, 2005, p. 179.
13
As informações históricas desta e das demais respostas quando não indicadas encontram-se em Cinema year by year:
the complete illustrated history of film. London: Dorling Kindersley Limited, 2006; do site sobre cinema Chambel.
Disponível em: <http://www.chambel.net/?p=56>. Acesso em: 23 de set. 2007 e da Enciclopédia Barsa. RJ, SP:
Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda, 1995, verbete “cinema”.
14
Enciclopédia Barsa. RJ, SP: Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda, 1995, vol. 5, p. 336-354.
“cinema”.
15
Idem.
5
Assim, em abril de 1896 (e não em 1915) apareceu nos EUA o cinema como hoje o
conhecemos. 16 Em 1897, é exibida a primeira ficção americana: The burglar on the roof. Por volta
de 1900, o sucesso do cinema, nos EUA, foi acompanhado da proliferação dos Nickelodeons, que
eram salas adaptadas para o cinema e atraíam as massas em busca de entretenimento barato (o
teatro tradicional atendia as classes mais altas). Os imigrantes e as classes trabalhadoras se
constituíram no grande público cinematográfico. Estima-se que milhões de pessoas freqüentavam
estes cinemas improvisados diariamente.
Nos anos seguintes, entretanto, as classes altas também foram sendo atraídas para os filmes
movimentados e mais tarde nasceriam as grandes salas de cinema. Os filmes, até essa época, eram
filmagens da vida real e a atração era o fato de serem imagens movimentadas. Surge o primeiro
filme de faroeste americano em 1903.
De 1906 a 1908 a produção ocorreu “à razão de dois ou três filmes por semana.” A duração
da película nessa época (1908) era de mais ou menos 15 minutos. Em 1907 já se havia descoberto
as vantagens de Hollywood e em 1911 e 1912 quinze companhias operavam no local. Revistas de
fãs já circulavam sendo que uma perdurou de 1911 até 1980: a revista photoplay. 17
Em 1907 a audiência aos nickelodeons nos EUA passa dos 2 milhões e a igreja e a imprensa
acusam os filmes de incitarem à violência. Em 1908 são elaborados planos para atrair as classes
mais altas para as salas de cinema, objetivo da Motion Pictures Patents Company. Em 1909 o
estado de Nova Iorque estabelece uma comissão de censura dos filmes e o governo inglês cria
legislação para regulamentar a atividade cinematográfica.
No contexto acima, a palavra cinema passou a ser utilizada nos EUA para a arte de fazer
cinema, enquanto o local ou ambiente onde se assistia ao filme era denominado theater, por isso
Ellen White não usa a palavra cinema em seus escritos, mas theater para referir-se tanto ao teatro
quanto ao ambiente onde se assistia aos filmes.
Portanto, com base nos dados acima, é equivocada a informação tradicionalmente divulgada
de que Ellen White não tinha conhecimento do cinema ao mencionar o theater e shows 18 em seus
escritos. Esse equívoco tem influenciado o ensino de pastores que se sentem sem autoridade
inspirada para desaprovar o cinema, visto suporem que ela não poderia ter se referido ao cinema
pelo fato de não haver usado a palavra cinema em seus escritos. Assim, o cinema não somente já
existia nos dias de Ellen G. White como havia se projetado acima do teatro tradicional atraindo
mais audiência e sendo denominado também como theater. Passemos à segunda suposição dos que
pretendem que Ellen G. White não se referiu ao cinema em seus escritos.
A segunda suposição afirmava que, ao falar de teatro, as referências de Ellen G. White
somente se aplicavam ao teatro que existia na sua época, uma conclusão também equivocada. Como
se poderia adiantar, a partir do que foi apresentado anteriormente, desde início do século XX o
cinema e o teatro eram identificados nos EUA pelo mesmo nome. Essa identificação do cinema com
o teatro é atestada historicamente porque, no início, especialmente, até mesmo a sucessão dos
“quadros” reproduzia o esquema do teatro, pois “a relação entre a tela e o espectador era a mesma
que no teatro”. 19
Uma outra indicação desse fato é a identificação entre cinema, teatro e show explicitada no
dicionário inglês atual, no qual a palavra show, referindo-se a diversão, significa “desempenho
teatral, um filme, programa de rádio ou televisão; um show de exibição ou programa de entrevista”
20
e esta é, também, uma das palavras utilizadas na enciclopédia adventista ao discutir a relação da
igreja com o cinema. 21 Assim, é evidente que as declarações de Ellen White sobre o teatro

16
Idem.
17
Idem.
18
WHITE, E. G. Conselhos aos Professores Pais e Estudantes. SP: Casa Publicadora Brasileira, 1975. (compilação
feita pela autora em 1911-1915), p. 293, 294.
19
BERNARDET, J. C. O que é cinema. SP: Brasiliense. 1980, p. 32
20
Cambridge Dictionary of American English (Cambridge). UK: Cambridge University Press, 2000. p. 793. Verbete:
show, p. 793. Show: “theatrical performance, a movie, or a television, or radio program; a stage/talk show”.
21
Seventh-Day Adventist Encyclopedia (SDA Encyclopedia), RH, vol. 10, Revised edition, Commentary Reference
series, 1976, p. 1187, 1188.
6
incluíam o fenômeno teatral mais popular da época como era o cinema. Outra razão, são suas
referências diretas a não assistir aos “dramas” 22 e às “cenas mudas” 23 característica do cinema
mudo, abundante em seus dias. Possivelmente, a ausência do termo francês “cinema”, nas obras
originais de Ellen White em inglês, levou alguns à conclusão de que não havia qualquer
posicionamento dela em relação ao cinema ou filmes, porém, como vimos, ela estava, de fato, se
referindo também ao cinema ao condenar o teatro.
Além de ser designado popularmente como show e theater, as tendas ambulantes, onde se
passavam filmes eram chamados de teatro elétrico, black tops (tetos negros), motion pictures (cenas
movimentadas), travelling movie ou simplesmente nickelodeons (teatro de um níquel). Anos mais
tarde (1911), quando o cinema estava bastante difundido como o entretenimento mais popular dos
EUA, a declaração contra o teatro de 1881 foi mantida nas reedições dos escritos de Ellen White,
pois estava claro que se aplicavam perfeitamente também ao cinema. O cinema era tão somente
uma versão elétrica do teatro, com um potencial de atração e difusão muito maior.
Como mencionado, os locais de exibição cinematográfica denominados de “Travelling
movie [cinema itinerante], eram famosos nos EUA por volta de 1910, geralmente chamados teatros
elétricos ou black tops” (tetos negros) porque tinham o forro das barracas pintados na cor preta. 24
Como evidência da relação direta da declaração de Ellen White sobre o teatro, com o contexto do
desenvolvimento do cinema, uma foto da época na porta de entrada de um nickelodeon, em 1910,
expõe uma propaganda dizendo: “Electric Theatre: Onde você assiste os mais recentes filmes
movimentados em tamanho natural. Divertimento moral e refinado para senhoras, mulheres e
crianças.” (1910). 25 A citação de Ellen G. White, em seguida, parece uma resposta profética, e
direta, à propaganda do cinema de sua época. Estas são suas palavras: “Em vez de ser uma escola de
moralidade e virtude, como muitas vezes se pretende, [o teatro] é um verdadeiro foco de
imoralidade.” (1911). 26

As declarações de Ellen White seriam validadas hoje?

Avaliando as citações de Ellen White sobre o teatro, o Tratado de Teologia Adventista do


Sétimo Dia (Tratado),27 a mais recente exposição sistemática da doutrina adventista, ao abordar a
recreação cristã, declara que muito das restrições à televisão e rádio aplica-se ao cinema. Além
disso, continua o Tratado, outros aspectos devem ser considerados quando se trata de ir ao
local/ambiente do cinema: (1) o espectador não tem controle algum sobre o filme e suas cenas; (2)
a pessoa se torna parte do grupo de expectadores com os gostos, valores e preferências eclipsados
pelos da maioria; (3) o impacto da maioria enfraquece facilmente o julgamento individual (Sl 1:1-
3); (4) o cinema não é um lugar ideal para sentir a presença de Cristo e (5) por haver pago o
ingresso, a pessoa reluta em sair (p. 789).
O Tratado, citando Ellen White, conclui que “é possível aplicar os conselhos de Ellen G.
White relativos ao teatro, aos filmes modernos e ao comparecimento ao cinema. Ela afirma que
‘não existe em nosso país influência mais poderosa para corromper a imaginação, destruir as
impressões religiosas e enfraquecer o gosto pelos prazeres tranquilos e as sóbrias realidades da vida
do que as diversões teatrais’ (LA, 516)” (p. 719). 28 Em seguida, o tratado repete outras citações de

22
WHITE, E. G. O lar adventista. SP: Casa Publicadora Brasileira, 1973, p. 515.
23
WHITE, E. G. Conselhos sobre saúde. SP: Casa Publicadora Brasileira, 1981, p. 82.
24
Enciclopédia Barsa, p. 336-354.
25
Idem. Grifo suprido.
26
WHITE, E. G. Conselhos aos Professores Pais e Estudantes, 1975, p. 302. Grifo suprido.
27
DEDEREN, R. (editor). Tratado de Teologia Adventista do Sétimo Dia. Tatui, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2000,
p. 790, 798, 799. O Tratado foi elaborado a pedido do Concílio Anual da IASD realizado em Nairobi, em 1988. O
trabalho, liderado pelo Instituto de Pesquisas Bíblicas da Associação Geral da IASD, envolveu um grupo dos melhores
especialista em teologia da igreja mundial e levou mais de dez anos para ser finalizado trazendo, finalmente, a
interpretação teológica denominacional sobre as doutrinas e crenças adventistas.
28
Idem. (grifo suprido).
7
Ellen White sobre o teatro aplicando-as ao cinema nos dias de hoje, uma resposta contra o
argumento de que a proibição de ir ao cinema/teatro teria sido somente para aquela época.
Portanto, no seu início, o filme, e o lugar onde era projetado, eram identificados com o
teatro, show, cenas mudas e drama, e, assim, o uso destas palavras por Ellen White também se
aplicava ao cinema. Eis nove citações dela, dentre outras, contrárias à frequência aos ambientes 29
como shows, cinema e teatro:

1) Lugar dos mais perigosos


O único caminho seguro é abster-nos de ir ao teatro, ao circo e a qualquer outro lugar de
diversão duvidosa. Entre os mais perigosos lugares de diversões, acha-se o teatro. Em vez
de ser uma escola de moralidade e virtude, como muitas vezes se pretende, é um
verdadeiro foco de imoralidade. 30

2) Lugares de divertimentos mundanos


Alguns entram no salão de baile, tomando parte em todas as diversões que ele
proporciona. Outros não podem ir tão longe; todavia, assistem a reuniões de diversão, a
piqueniques e shows, e vão a outros lugares de divertimentos mundanos; e os olhos mais
perspicazes não conseguiriam perceber a diferença entre seu aspecto e o dos incrédulos. 31

3) Instrumento de Satanás para despertar a paixão e glorificar o vício


Muitos dos divertimentos populares do mundo hoje, mesmo entre aqueles que pretendem ser
cristãos, propendem para os mesmos fins que os dos gentios, outrora. Poucos há na verdade
entre eles, que Satanás não torne responsáveis pela destruição de almas. Por meio do teatro
ele tem operado durante séculos para despertar a paixão e glorificar o vício. A ópera com
sua fascinadora ostentação e música sedutora, o baile de máscaras, a dança, o jogo, Satanás
emprega para derribar as barreiras do princípio e abrir a porta à satisfação sensual. Em
todo ajuntamento onde é alimentado o orgulho e satisfeito o apetite, onde a pessoa é levada
a esquecer-se de Deus e perder de vista os interesses eternos, está Satanás atando suas
correntes em redor da alma. 32

4) A benção de Deus não pode ser invocada sobre o tempo gasto no local
Aos que anseiam por essas diversões, respondemos: Não podemos condescender com elas
em nome de Jesus de Nazaré. A bênção de Deus não poderia ser invocada sobre o tempo
gasto no teatro ou na dança. Nenhum cristão desejaria enfrentar a morte em tal lugar.
Ninguém desejaria ser aí encontrado quando Cristo vier. 33

5) Recomendar ir a esses lugares contraria o ensino de Cristo:


Eles... [algumas pessos] recomendam a frequência ao teatro e tais lugares de divertimentos
mundanos, o que está em direta oposição aos ensinos de Cristo e dos seus apóstolos. 34

6) Programas ou conteúdos bons não justificam ir a esses lugares

29
Este artigo não discute a utilização do ambiente do cinema, teatro, estádios e outros semelhantes dedicados a
divertimentos populares, mas o autor entende que esses espaços podem ser utilizados, de acordo com planejamento
adequado, para promover o evangelho sem, contudo, endossar tais ambientes ou incentivar a igreja a frequentar tais
lugares para assistir espetáculos seculares.
30
WHITE, E. G. Conselhos aos Professores Pais e Estudantes. SP: Casa Publicadora Brasileira, 1975. (compilação
feita pela autora em 1911-1915), p. 302.(grifo suprido)
31
WHITE, E. G. Mensagens aos jovens. SP: Casa Publicadora Brasileira, 1985, p. 374. .(grifo suprido)
32
WHITE, E. G. Minha consagração hoje. Meditações Matinais. SP: Casa Publicadora Brasileira, 1989, p. 87. (grifo
suprido).
33
WHITE, E. G. O lar adventista, 1973, p. 516. (grifo suprido).
34
WHITE, E. G. Testimonies for the church. Vol. 1, EUA: Review and Herald Publishing Association, 1864, p.
490, 554. .(grifo suprido).
8
Assim que essas diversões são introduzidas, as objeções para não ir a casas de espetáculos
são removidas de muitas mentes, e a alegação de que cenas morais de alto padrão vão ser
representadas no teatro faz ruir a última barreira.35

7) Aos adventistas que recomendavam ir a esses lugares, mesmo com finalidades


terapêuticas ela advertiu
Os que desejariam permitir essa espécie de divertimentos (...) fariam melhor se buscassem
de Deus sabedoria para guiarem estas pobres, famintas e sedentas almas à Fonte da alegria,
paz e felicidade. 36

Ela conclui:

8) Não se pode ir a esses lugares


O verdadeiro cristão não desejará entrar em nenhum lugar de diversão nem se entregar a
nenhum entretenimento sobre que não possa pedir a bênção divina. Não será encontrado no
teatro, e nos salões de jogos. Não se unirá aos alegres valsistas, nem contemporizará com
nenhum outro enfeitiçante prazer que lhe venha banir a Cristo do espírito. 37

9) Não é o lugar para pedir benção


A bênção de Deus não seria invocada sobre a hora passada no teatro ou na dança.
Cristão algum desejaria encontrar a morte em tal lugar. 38

Portanto, até aqui, percebemos que o ensino adventista, desde seus primórdios, através da
interpretação dos princípios bíblicos de separação do mundo, tem sido para não frequentar o
ambientes de divertimentos seculares, entre os quais se inclui o cinema. Além disso, de acordo com
a hermenêutica da mais alta erudição teológica da denominação, como se encontra no Tratado de
Teologia Adventista do Sétimo Dia, as citações do Espírito de Profecia, contrárias ao teatro, se
aplicam ao cinema nos dias atuais tanto por causa do conteúdo quanto por causa do ambiente. Esse
entendimento também é reproduzido historicamente no Manual da Igreja ao citar a condenação de
Ellen White ao teatro.

3) Sobre a autoridade que estabelece doutrina

Como dito, no início deste artigo, na perspectiva adventista, a doutrina precisa estar
fundamentada na autoridade legítima para decidir as crenças e práticas da igreja. Porém, em geral,
no caso do cinema, em diversos encontros sobre esse tema, nos quais participei, os palestrantes
tendem a utilizar argumentos originados principalmente da psicologia e de técnicas de comunicação
e manipulação de massas, invocando, por exemplo, o poder das mensagens subliminares, a
dimensão da tela e o ambiente escuro do cinema.
No entanto, embora tais abordagens tenham seu valor, se tornam, no mínimo, discutíveis,
quando vários desses mesmos elementos psicológicos, por exemplo, podem estar presentes nas
residências, devido à facilidade de acesso às novas tecnologias por parte da sociedade em geral e,
também, por parte dos membros da igreja. Além disso, em que pese o valor inestimável dos
argumentos originários das diferentes áreas de conhecimento, tais argumentos, quando se aplicam à
vida cristã, são meramente coadjuvantes. Porque a prática religiosa admite e se justifica,
unicamente, pela autoridade divina. Somente a consciência e certeza de que foi Deus quem disse,
sinalizou, indicou ou revelou pode levar o ser humano crente a abandonar práticas que lhes são

35
WHITE, E. G. Testimonies for the church. Vol. 4, EUA: Review and Herald Publishing Association, 1864 p. 578.
36
WHITE, E. G. Conselhos sobre saúde, 1998, p. 240. .(grifo suprido).
37
WHITE, E. G. O lar adventista, 1973, p. 516. .(grifo suprido).
38
WHITE, E. G. Eventos finais, 1997, p. 87. .(grifo suprido).
9
prazerosas, sentindo-se, ao mesmo tempo, recompensado em renunciar porque essa é a vontade do
seu Senhor, porque O ama e à Sua igreja e, por isso, deseja estar em harmonia com a Sua vontade.
Portanto, retomemos a questão da autoridade divina e como esta pode ser aplicada na
questão do cinema e afins. A primeira fonte de autoridade é a Bíblia, a segunda é o dom de
profecia, endossado pela Escritura como indispensável à espiritualidade da igreja, pois “não
havendo profecia o povo se corrompe” (Pv 29:18). Além disso, nesse dom reside o segredo da
prosperidade do povo de Deus: “Crede no Senhor vosso Deus e estareis seguros; crede nos seus
profetas e prosperareis” (II Cr 20:20). Como esse dom é dado pelo Espírito Santo, a referência dos
adventistas às obras de Ellen White é muitas vezes descrita pelo título de “Espírito de Profecia”.
A Bíblia e Ellen G. White, por sua vez, indicam as decisões conciliares como autoridade
para decidir doutrina, conforme o relato de decisões doutrinárias no concílio de Jerusalém em Atos
15:6-9. Ellen White, corretamente, aplica esse princípio bíblico às decisões das Assembléias
mundiais da Associação Geral como tendo autoridade para estabelecer as crenças e práticas da
igreja hoje, e cujas decisões devem ser respeitadas como a voz de Deus na Terra. “Deus ordenou
que os representantes de Sua igreja de todas as partes da Terra, quando reunidos numa Associação
Geral, devam ter autoridade.” 39
Esse procedimento é aceito como orientação inspirada pelos adventistas. Conforme Ellen
White escreveu sobre o assunto:

Fui muitas vezes instruída pelo Senhor de que o juízo de homem algum deve estar sujeito
ao juízo de outro homem qualquer. [...]. Mas quando, numa Associação Geral, é exercido
o juízo dos irmãos reunidos de todas as partes do campo, independência e juízo
particulares não devem obstinadamente ser mantidos, mas renunciados. Nunca deve um
obreiro considerar virtude a persistente conservação de sua posição de independência,
contrária à decisão do corpo geral. 40

Conclusão

Portanto, nas crenças da igreja adventista, sobre o tema abordado, tanto o conteúdo (fora ou
dentro de casa) quanto o local de entretenimento (teatro, cinema, etc.) devem ser considerados.
Como fundamento desse ensino, três autoridades se unem para condenar o teatro, cinema, shows
mundanos, bem como espetáculos seculares de quaisquer tipos: (1) a Bíblia, inclusive como
interpretada pelo Tratado de Teologia Adventista; (2) o Espírito de Profecia, representado nos
escritos de Ellen G. White; e (3) as decisões das assembleias mundiais da igreja através dos
Manuais da Igreja, que repetem as citações de Ellen G. White sobre teatro que, como vimos, se
referem inevitavelmente ao cinema.
Concluímos, lembrando que a história bíblica do aparecimento do pecado em Gênesis 2 e 3
é um paradigma para exemplificar que a obediência a Deus é baseada na relação de confiança na
autoridade do Senhor, simplesmente porque Ele é o Senhor e nós seus servos. Ele sabe mais sobre
as consequências dos nossos atos do que nós mesmos. Assim, não foi o veneno do fruto proibido, de
acordo com a mensagem de Gênesis, que trouxe a desgraça ao mundo, foi a separação Dele e o
desprezo por QUEM disse para não comer da árvore do conhecimento do bem e do mal. Mesmo
porque não havia naquele fruto veneno algum. No entanto, o mesmo não se pode dizer do teatro,
cinema, televisão, filmes, jogos eletrônicos e afins, pois “a paixão dominante de Satanás é perverter
o intelecto e levar os homens a desejar frequentar espetáculos e exibições teatrais”. 41
Portanto, o ensino prevalecente na igreja tem sido claro nos seus documentos oficiais, no
Espírito de Profecia e na interpretação bíblica da igreja ao longo de sua história. Compete aos
pastores viverem e ensinarem, bem como aos membros, e lembrarem de Quem, em primeira

39
WHITE, E. G. Eventos finais. Casa Publicadora Brasileira, 1994, p. 56.
40
WHITE, E. G. Obreiros evangélicos. 4 ed. SP: Casa Publicadora Brasileira, 1969, p. 489.
41
WHITE, E. G. Evangelismo, 1978, p. 266. Grifo suprido.
10
instância, deu a ordem para não ir ao lugar proibido e não comerem do seu fruto, por mais agradável
que pareça aos olhos e desejável para dar entendimento (Gn 3:6).

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