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Todos os direitos reservados. Copyright © 2000 para a língua portuguesa da Casa
Publicadora das Assembléias de Deus. Aprovado pelo Conselho de Doutrina.

Preparação dos originais: Gláucia Victer


Revisão: Alexandre Coelho
Capa: Flamir Ambrósio
Projeto gráfico e editoração: Flamir Ambrósio

CDD: 250 - Teologia

Casa Publicadora das Assembléias de Deus


Caixa Postal 331
20001-970, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Ia edição/2000
Dedicatória
■ K . . .

alguém que, prima facie,


pareceu ser diferente de
muitos que eu encontrei na
estrada da vida. E, à medida
que fui tendo o privilégio de
desfrutar de sua amizade>
descobri que se tratava
de um "amigão".
Prefácio........................................................................................................... 9
Esclarecimento.............................................................................................. 11
Introdução....................................................................................................13

1. O que está por trás do G-12..............................................................25


2. A prática da regressão psicológica eseusperigos........................45
3. A louca mania de querer mandar emDeus.................................... 49
4. Confissão positiva.................................................................................57
5. Teologia da prosperidade.................................................................... 65
ó.Triunfalismo: o sofisma do supercrente.............................. .......... 71
7. Guerra espiritual................................................................................... 77
8. Cura interior........................................................................................... 83
9. Maldição hereditária.............................................................................89
10. Caí no poder! O que me aconteceu?!........................................ 101

Apêndices....................................................................................................115
1. Oração por dentes de ouro............................................................... 115
2. Soteriologia de mercado....................................................................120
3. Deus pesa a mão?.................................................................................129
4. A prática da diabolização..................................................................137

Bibliografia, 143
Prefácio

o meu primeiro mandato como presidente do Con­


selho de Doutrina, assentei no meu coração fazer
uma cruzada de ensino em âmbito nacional. Expus
meu projeto para todos os conselheiros, que, por
unanimidade, aquiesceram em nos ajudar. Dando
concreção à visão de trabalho que Deus nos deu,
fizemos o 1- Simpósio de Doutrina no Rio de Janeiro,
na sede da Convenção Geral das Assembléias de Deus no
Brasil — CG AD B.
Na o casião, foi abordado o tema "D isto rç õ e s
Contemporâneas". A partir desse tema, foram estudados
assuntos como: teologia da prosperidade, maldição hereditária,
cair no poder, confissão positiva, triunfalismo etc.
Após o simpósio,o Conselho de Doutrina deu o seu parecer
em relação aos assuntos discutidos. No documento entregue
à CPAD para ser editado em um de seus periódicos, o Conselho
de Doutrina deixou bem claro que tais modismos eram heresias
e as Assembléias de Deus não os admitiam em suas igrejas.
Porém, as distorções teológicas que pareciam ter arrefecido,
voltam agora dentro de um "pacote" maquiado por um "podero­
so método" de crescimento da igreja, cujo nome é G-12.
Portanto, mais do que nunca precisamos reafirmar as
doutrinas fundamentais da Bíblia Sagrada porque a crença
de muita gente está sendo abalada por esse Brasil afora,
pelos modismos que vêm desembarcando nas praias de nossa
nação, via mídia, livros, internet, acampamentos, encontros,
celebrações etc. Alguns, inclusive, trazendo verdadeiras
falsificações das verdades bíblicas.
Creio, por isso e por outras razões sobejas, que este livro
é o contraponto de que precisamos para combater as heresias
atuais que gravitam sobre nossas igrejas.
O que está p o r detrás do G-12 possibilita ao leitor fazer
uma análise de todos os modismos em voga e se certificar
da distorção doutrinária presente em cada um deles.
A s Assembléias de Deus no Brasil certamente serão
beneficiadas por este trabalho, que visa fundamentalmente
esclarecer e explicitar pontos doutrinários divergentes das
Escrituras Sagradas.
Na introdução do livro, o autor, pr. Paulo Cesar Lima da
Silva, nos dá variadas pistas para discernirmos se um
movimento religioso é verdadeiro ou falso.
Na seqüência do livro, o leitor terá a oportunidade de
estudar matérias tais como o movimento G-12, regressão
psicológica, a louca mania de querer mandar em Deus,
confissão positiva, teologia da prosperidade, triunfalismo,
maldição hereditária, cura interior, cair no poder e tantos
outros assuntos pertinentes ao tema proposto pelo autor.
O autor deste livro — probo intérprete bíblico e crítico-
exegético — tem se esmerado em sempre denunciar
movimentos que fazem leituras bíblicas distorcidas.
Peço, portanto,ao leitor que faça desta leitura uma forma
de ajudar pessoas que estão pressas a essas armadilhas
denominadas "nova revelação".

Campinas, SP, 0 4 de abril de 2 0 0 0


Pr. Paulo R. Freire da Costa
Presidente do Conselho de Doutrina da C G A D B

10
Esclarecimento

o ler os assuntos que colocamos em tela neste livro,


lembre o leitor que não estamos julgando, de forma
nenhuma, a subjetividade de qualquer um e nem
tampouco a legitimidade da fé de quem quer que
seja, mas, por desencargo de consciência, sentimo-
nos impelidos a invocar a razão dos fatos.
Se de um lado somos admoestados pelo Mestre da
Galiléia a não emitir juízo de valor sobre a individualidade
das pessoas, de outro, somos informados pelo mesmo Jesus
que o falso — pelo menos aquele que fica exposto à
percepção concreta, aquele que não pode mais se esconder
— deve ser combatido.
Perdoe-me o leitor por se sentir constrangido lendo sobre
este assunto, mas não podemos confundir o bem com o
mal, o certo com o errado, mesmo que haja, algumas vezes,
aparente semelhança.
Os equívocos,as discrepâncias doutrinário-teológicas que
vêm proliferando a olhos vistos, sem que ninguém tome
providência, têm se constituído verdadeiro acinte contra
aqueles que buscam a coerência e o bom senso bíblico.
Entenda o leitor que o nosso posicionamento aqui não é
dirigido a nenhum grupo religioso em especial, nem a
nenhuma pessoa, mas combatemos idéias que tentam
manipular a fé ingênua do povo, levando-o a práticas cristãs
catastróficas.
Criticamos, sim, métodos objetivamente falsos, fórmulas
mágicas, meios exageradamente apelativos etc., que alguns
grupos vêm utilizando para ter crescimento rápido, como se
isso fosse a condição sine qua non da obra de Deus. Isso
porque o próprio jesus Cristo, o Filho de Deus, condenou
vorazmente as formas, os métodos e os meios que os fariseus
utilizavam para levar o povo a Deus, definindo-as como
práticas enganosas, mentirosas e passivas de juízo.
Por outro lado, entendo também que jesus deixou claro
em joão 7.24 que devemos julgar "segundo a reta justiça",
deixando sempre as aparências de lado.
O teólogo — tanto o que faz teologia de dentro para
fora, como o que faz teologia de fora para dentro — tem
papel preponderante na condução de uma análise imparcial
sobre toda a sorte de métodos utilizados pelo povo em
relação a Deus,ao sagrado,a fim de dar o seu veredicto à luz
da Bíblia Sagrada.
O movimento G-12 é analisado sob esse critério, bem
como algumas outras tendências que nada têm a ver com o
G-12, mas que verdadeiramente influenciaram, e ainda
influenciam, muitos cristãos neófitos.

12
cautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós
vestidos em ovelhas, mas interiormente são lobos de­
voradores. Pelos seus frutos os conhecereis. Porventura,
colhem-se uvas dos espinheiros ou figo dos abrolhos?
Assim, toda ávore boa produz bons frutos, e toda árvore
má produz frutos maus. Não pode a árvore boa dar maus
frutos, nem a árvore má dar frutos bons. Toda árvore
que não dá bom fruto corta-se e lança-se no fogo. Por­
tanto, pelos seus frutos os conhecereis. Nem todo o que me diz:
Senhor! Senhor! entrará no Reino dos céus, mas aquele que faz a
vontade de meu Pai, que está nos céus (Mt 7.15-21] - Bíblia de
Estudo Pentecostal.

Esta advertência de ]esus sobre os falsos profetas,


utilizando-se das figuras (mãshãl) ovelhas e lobos e árvores
boas e más, não nos dá absolutamente autoridade para julgar
a subjetividade de quem quer que seja, mas, por outro lado,
tira aquela visão simples e ingênua de quem acredita em
tudo e em todos, sem o mínimo de discernimento.
Temo profundamente por aqueles que andam confundindo
o bem com o mal, o verdadeiro com o falso, por causa do

13
nível de semelhança que, às vezes, há entre um e outro. Mas
temo também por aqueles que julgam as coisas e as pessoas
só pela aparência, através de uma visão preconceituosa.
A s aberrações, as contradições, as discrepâncias, os
absurdos que vêm proliferando no contexto cristão hodierno
têm se constituído uma afronta àqueles que lutam e se
esforçam pelo cumprimento da verdade e da coerência.
É certo que não devemos ser juizes de ninguém, mas, por
outro lado, não devemos ser uns tolos facilmente enganados.
Há, segundo o que nos ensina jesus neste mãshãl [figura)
meios de se reduzirem os riscos de engano a níveis bem
menores do que aqueles com os quais em geral trabalhamos
para estabelecer a diferença entre o falso e o verdadeiro.
Contudo, não obstante todas essas recomendações para
que não se cometa o pecado de fazer juízos temerários,
preconceituosos,aleatórios e definitivos sobre alguém,a Bíblia,
a Palavra de Deus, não nos deixa entregues às oscilações das
marés nem entregues a um tipo de relativismo irreversível.
Há alguns princípios bíblicos que, se forem entendidos
e aplicados com sabedoria e precisão em algumas dessas
"novas" interpretações das Escrituras, certamente coibirão
o avanço dos exageros e dos equívocos teológicos da
atualidade.
Por isso,e mesmo por razões de desencargo de consciência,
é que exponho ao leitor alguns princípios que servirão de
parâmetros para uma interpretação bíblica fundamentada.
Nisso o ensinador bíblico exerce papel extremamente
preponderante. É ele quem analisa, no exercício da sua função
de homem de Deus e estudioso da Palavra, todos os objetos
que são alvos da fé cristã, uma vez que aceitamos como
sendo de Deus muita coisa herética e sem nenhum apoio
bíblico. Por isso o papel do ensinador comprometido com
Deus e com sua Palavra é extremamente importante, pois é
o discernimento bíblico que lança luz sobre assuntos
eminentemente duvidosos. Detalhe: o critério de julgamento

H
do ensinador bíblico coerente e justo não pode ser subjetivo.
Não. A Bíblia Sagrada deve ser rigorosamente o seu parâmetro.
Assentado isso, vamos discorrer sobre alguns princípios que
nos levam a juízos absolutamente coerentes em relação a variadas
manifestações do sobrenatural no meio cristão hodierno.
1. Deus não fala sempre que falamos por Ele. Ninguém tem
garantias de que o fato de estar falando em nome de Deus e
de estar defendendo hoje uma causa que Ele já defendeu
esteja fazendo a vontade de Deus. A razão para isso é simples:
Deus nem sempre defende as mesmas causas. Esta asseveração
parece paradoxal. Todavia, através de um estudo mais
aprofundado da Bíblia Sagrada, nota-se que tal declaração é
fato incontestável. Um caso clássico que serve de exemplo foi
o episódio vivenciado pelo profeta Jeremias,quando denunciou
os falsos profetas de Israel [Jr 27.1-22; 28.1-17]. Nessa ocasião,o
profeta das lamentações, como ficou conhecido na história
bíblica, acusava os profetas palacianos, criticando a maneira
pela qual interpretavam os acontecimentos que permeavam a
história do povo de Deus. Eles profetizavam com uma visão
historicamente correta, baseados no fato de que o Deus que
operou no passado opera também no presente. O que há de
errado nisso? Do ponto de vista cristão não existe nenhuma
incoerência nessa afirmativa. Porém, para cada momento da
nossa história, Deus tem uma maneira de tratar conosco. E o
faz quase sempre de forma diferente. Destarte, a razão da
assertiva "Deus nem sempre defende as mesmas coisas" está
estritamente ligada a este âmbito da nossa experiência de
aprender com Deus a partir da sua forma de agir e pensar
cada momento da história.
2. Deus nem sempre fala e faz as mesmas coisas. Isso
porque "nada é mais falso do que o idêntico" e a sua repetição.
Significa dizer que a Palavra de Deus tem a ver com o dizer
o que Deus está dizendo naquela situação. Por isso ficar em
silêncio pelo fato de não saber o que dizer porque Deus
ainda não disse nada é melhor do que falar por conta própria

15
ou falar como se Deus estivesse falando. Falar em nome de
Deus quando Deus não está falando constitui perigo
incalculável. Pior: fazer isso sempre e convenientemente é
verdadeira loucura,e o mesmo que brincar com fogo. Assim
diz a Bíblia no livro de Provérbios: "Pode alguém brincar
com fogo sem se queimar?" (6.27,28, paráfrase]. Foram, sem
dúvida, incontáveis as vezes que já ouvi pessoas falando por
Deus e em nome de Deus com o objetivo pura e simplesmente
de demonstrar espiritualidade superior.
3. Nem tudo que tem sobrevivência histórica é de Deus.
Nenhum movimento, por mais que possua aparência de
monumental, grandioso, pode ser julgado — se verdadeiro
ou falso — a partir do grandiloqüente critério de Gamaliel
em Atos 5.3-39: se fo r de Deus vai continuar. Isso porque se
admitirmos esse critério, o que dizer de algumas religiões
milenares que até hoje estão entre nós e nem por isso deixam
de ser heréticas, comparadas com a Palavra de Deus?
Nesse ponto, é preciso ressaltar que estamos pensando o
sucesso de maneira absolutamente secular. Para muitos, o
sucesso é visto com características rigorosamente estéticas,
ou seja, a partir de uma visão quantitativa. Todavia, à luz da
Bíblia Sagrada, sucesso está intrinsecamente ligado ao aspecto
qualitativo, ou seja, ao ser, podendo também abranger o
lado quantitativo. E por que não? Por outro lado, não é o
glamour da multidão que explica o êxito de um trabalho,
nem tampouco a carência numérica sinaliza a ausência de
sucesso. Evidentemente que, assim como não podemos
criticar os grandes números como sendo sempre duvidosos,
não podemos jamais advogar a idéia de que os pequenos
números são sempre sinal de espiritualidade. Isso seria
mediocrizar. O justo julgamento é analisar a situação a partir
dos métodos que estão sendo empregados no grupo dos
grandes números e nos grupos dos pequenos números. Sim,
porque há métodos de crescimento da igreja que são
absolutamente extrabíblicos, mas que estão sendo usados, à

16
revelia das Escrituras, como forma de evangelização. Em
contrapartida, há igrejas que também estão estacionadas,
utilizando métodos anacrônicos, retrógrados para o mo­
mento^ por isso experimentam o esvaziamento. A s igrejas,
todas elas, precisam renovar seus métodos de evangelismo
porque o mundo mudou. Não é mais aquela sociedade de
50 anos atrás. Todavia, não podemos, para nos proteger de
possível esvaziamento, fazer o que os outros grupos estão
fazendo de errado só para não perder a competição. Como
igreja pentecostal histórica, agora com 90 anos de existência,
a Assembléia de Deus tem crescido usando métodos simples
de evangelismo pessoal e culto nos lares sem precisar imitar
a maneira errada de qualquer grupo. Não podemos abandonar
os referenciais bíblicos, pois, do ponto de vista de Deus, os
fins não justificam os meios.
4. A verdade não é nova. Isso quer dizer que não existe
uma nova verdade, mas, sim, a descoberta da "velha" verdade.
No entanto, toda e qualquer verdade experimental é apenas
uma verdade subjetiva e, portanto, não deve ser encarada como
universal. Digo assim porque as heresias mais famosas no campo
religioso sempre nascem de uma verdade empírica que se
transforma em norma e lei espiritual. A história é a mesma.
Só as personagens mudam. Alguém diz ter tido "nova visão",
"nova revelação","nova mensagem vinda do céu", e começa a
despejar isso sobre o povo incauto. As heresias sempre
começam com as"novas verdades", que são as velhas mentiras.
5. O que é falso sempre ganha visibilidade, pois, segundo
Jesus, "a árvore boa produz bons frutos, e toda árvore má
produz frutos maus". Isso quer dizer que a essência de uma
pessoa, por mais que ela tente esconder, um dia vem à tona.
Mas que tipo de ensino pode ser caracterizado como
falso, segundo a Palavra de Deus?
A Bíblia Sagrada tem muito a dizer sobre isso, justamente
porque Jesus lidou com esse problema todo o tempo de seu
ministério, que foi uma verdadeira cruzada contra o farisaísmo

17
institucionalizado, ou seja, um tipo de prática religiosa
distorcida [Mt 23].
Do ponto de vista bíblico podemos objetivamente, definir
um ensino como falso se nele existem os elementos que
abaixo passamos a elencar:
1. Se ele produzir uma prática cristã que consista, exclusiva
e principalmente>na observação de exterioridades [Mt 23].
Jesus foi bem incisivo em mostrar que o farisaísmo é uma
distorção de caráter, e que não ficou apenas atrelado às duas
personagens mais trágicas do Novo Testamento: os escribas
e os fariseus hipócritas. Até porque as invectivas pronunciadas
por Jesus contra os escribas e fariseus hipócritas ainda hoje
servem de alerta para que, em nossas atitudes, não venhamos
a ser o que eles foram. Nenhuma igreja deve fundamentar
sua ética na estética. Isso porque, a rigor, nós não somos o
que as pessoas pensam que somos; nós não somos o que as
pessoas dizem que somos; e nós não somos o que as pessoas
querem que sejamos.
2. Se ele produzir uma religião que se estribe tão-somente
em proibições [Cl 2.10-23], A essência do cristianismo é a
graça de Deus, que, é lógico, não pode ser banalizada,
vilipendiada nem interpretada como permissão para fazer
tudo o que queremos, mas graça é liberdade de poder fazer
tudo o que devemos para a glória de Deus.
3. Se ele produz uma religião fácil [Jd 4], Se a construção
de um cristianismo com bases no rigor da lei da reciprocidade
já não é algo recomendável,afrouxar limites morais é desastre
maior. Um Deus banalizado, com perdas do seu senhorio, é
bem pior do que um Deus fogo consumidor.
4. Se ele separa a religião da vida. Qualquer ensino que
separe o cristão da vida e da atividade do mundo deve ser
considerado falso. A razão dessa assertiva tão veemente é
em razão de entender que Jesus Cristo, o Filho de Deus,
sempre valorizou a vida. Ao contrário, hoje alguns dos seus
seguidores fazem a vida ser absolutamente traumática. Aliás,

18
quando passamos a enxergar o mundo à nossa volta a partir
de Cristo,começamos verdadeiramente a entender sua beleza
e seu propósito, pois compreendemos que Deus criou todas
as coisas boas para nós, seus filhos, para vivermos alegremente
a vida que Ele nos outorgou.
5. Se ele produz um tipo de religião que se expressa
como uma piedade superior (Mt 6.6-9], jesus combateu
severamente aqueles que se utilizam da religião e da
espiritualidade para pisotear, desmerecer e combater pessoas.
Do ponto de vista bíblico, ninguém tem o direito de dizer-se
ou fazer-se melhor do que quem quer que seja. Muito pelo
contrário, as pessoas que se aproximam de Deus têm outra
atitude, outro comportamento. Jesus nos ensinou que tudo
o que desejarmos que as pessoas nos façam, que
primeiramente façamos a elas. Espiritualidade que não
desemboca em atos de aproximação,carinho,cuidado, respeito
com o ser humano, está no mínimo equivocada.
6. Se eie p ro d u z um com portam ento a scético e
enclausurado Qo 17.15], O montanismo foi o movimento de
maior repercussão de todo o primeiro século depois de
Cristo. Seu lema era obedecer somente a Deus. Com isso
não se submetia a ninguém. Seus adeptos eram dados ao
ascetismo e à clausura, comportamento que o próprio Jesus
condenou.Toda a vida de Jesus, ao contrário do que muitos
ensinam, foi transformar em comum o sagrado construído
pelos homens, e tornar o comum sagrado. Fazia isso porque
a tendência do religioso é sempre se separar e fazer para si
uma redoma espiritual na qual tenta se abrigar dos pecados
do mundo. A o contrário, Jesus orou ao Pai dizendo: "Não
peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal". [O
grifo é meu.] Nota-se aqui que a preocupação de jesus não
era o contato com pessoas diferentes, mas era dar uma face
à espiritualidade e ao sagrado rigorosamente diferente de
tudo o que até então fora ensinado. O sagrado para os
religiosos da época tinha sempre contornos ascéticos e

19
excludentes. Para Jesus, o sagrado é o que viabiliza a
aproximação dos homens,e não o seu afastamento. O sagrado
de Jesus era sem preconceito, sem fronteiras, sem
superioridade. Por isso mesmo Ele passava do sagrado para
o profano sem qualquer consternação. Muitas vezes conseguia
fundi-los, e de tal maneira, que era imperceptível estabelecer
a diferença. A razão é simples: Jesus conseguia transformar
o profano em sagrado e o sagrado em ponte de acesso a
todos os seres humanos. De sorte que aprender com Jesus é
sem dúvida o maior desafio de todos nós, cristãos.
7. Se ele produz uma religião arrogante e separatista. Porque
o ensino genuinamente bíblico tem por finalidade aproximar
os homens entre si, não separá-los. Jesus diz: "Bem-aventurados
os pacificadores [fazedores, construtores de pontes], porque
serão chamados filhos de Deus". Não podemos criar barreiras,
muralhas; devemos, sim,construir pontes de acesso às pessoas.
Isto posto, qualquer ensino que passe deste limite deve ser
considerado, no mínimo, extrabíblico.
8. Se ele produz uma religião de estilo oligárquico>onde
uma família tenta se fazer dona da ekklesia de Deus (Jz 17.1­
6], Ninguém pode se assenhorear da obra de Deus e da sua
vocação para a liberdade. Deus tem os seus meios de chamar,
escolher, preparar, mudar, colocar etc. Nenhum líder tem o
direito de querer mudar isso, pois estará entrando na
contramão da vontade de Deus.

Os ardis dos falsos profetas

Em Mateus capítulo 7, versículos 15-23, Jesus usa de


uma figura extremamente pragmática para nos advertir
contra o perigo de nos deixarmos enganar pelas aparên­
cias, e nos avisa acerca dos ardis dos quais se utilizam os
falsos pregadores, a saber:
A sutileza. O primeiro ardil acerca do qual Jesus nos
adverte como precaução contra os falsos arautos é a sutileza.

20
Sobre isso o Filho de Deus d iz:"... vêm até vós vestidos
como ovelhas, mas interiormente são lobos devoradores"
(Mt 7.15, grifo meu]. Aqui Jesus não está falando apenas de
um disfarce estético, mas usa essa expressão a fim de indicar
a natureza da ovelha, isto é, que ela é gentil e mansa. O
falso pregador, apoiado no seu engano, vive literalmente
das ovelhas, comendo a sua carne e vestindo-se com a sua
lã (Ez 34.2-5],
Não enfatiza as coisas necessárias. O segundo ardil
comumente usado pelos falsos pregadores está no fato de
não enfatizarem as coisas realmente necessárias. Notem que
eu não estou declarando que os falsos profetas não falam
sobre o que é certo, apenas disse que não enfatizam. Ora,
não enfatizar a verdade é omissão; é desvio; é mau hábito; é
tornar a verdade mentira, pois uma verdade dita pela metade
constitui-se a pior mentira. Não dar ênfase à verdade é ocultar
ao povo o modo correto de viver, agir, fazer, ser; não enfatizar
o que é certo é chamar Jesus por apelido; é fazer o povo
entrar pela porta dos fundos; é deixar o povo à mercê dos
seus próprios conselhos. Portanto, ocultar a verdade é tão
ou mais condenável do que divulgar heresias.
Procura agradar a todos. O terceiro ardil freqüentemente
utilizado pelos falsos pregadores é procurar agradar a todos.
É o convite à conveniência, ao "faça fácil", ao atalho, à
barganha,ao prazer imediato e irresponsável,ao sucesso sem
lágrimas, à glória sem cruz, ao céu sem arrependimento, à
graça sem exigência.
Segundo o que Jesus fala no versículo 16 do capítulo 7
de Mateus, é possível que haja uma semelhança superficial
entre o verdadeiro e o falso pregador, exemplo dos
espinheiros que tinham um fruto negro, redondo e pequeno,
muito parecido com pequenas uvas. Contudo, o que é falso
— repito — não fica muito tempo sem mostrar a sua
natureza, pois "toda árvore má produz maus frutos", assevera
o Filho de Deus.

21
O perfil de um falso profeta

À luz das Escrituras, um falso pregador tem sempre no


seu perfil algumas características bem sintomáticas. Mas a
Bíblia aponta como defeito principal do falso profeta o
interesse pessoal [Jo 10.10,12,13]. Aliás, há pelo menos três
tendências bem acentuadas na vida de um falso arauto:
Prega p o r ganância. Ele transforma o Evangelho de jesus
em objeto de liquidação.Vende às pessoas um lugar no céu;
não tem nenhum escrúpulo de cobrar quantias vultuosas
por uma oração de libertação e cura. Praticam a simonia da
forma mais gritante e escandalosa possível, e negociam os
carismas de Deus para auferirem lucro financeiro. De acordo
com o apóstolo Paulo,os que assim agem se tornam inimigos
da cruz de Cristo, porquanto o seu Deus é o ventre, e a sua
glória é a vergonha [Fp 3.18,19].
Prega por prestígio, porque visa apenas a projeção pessoal,
o estrelato e a publicidade, não se importando em dar glória
a Deus em tudo. Não se preocupa em beneficiar os seus
ouvintes, mas, sim, com o que pode tirar de vantagem de
cada um deles. Geralmente, não se importa com ninguém,a
não ser consigo mesmo. Instrumentaliza a Palavra de Deus
para proveito pessoal, roubando todos os méritos de Deus
para si próprio.
Prega para transm itir as próprias idéias. Não se coloca
na presença de Deus apenas como porta-voz de sua
mensagem, deixando-a fluir como Palavra de Deus para o
coração humano. Mas faz questão de se colocar como co-
autor dessa mensagem. Aliás, todo falso pregador começa
difundindo as suas próprias idéias a partir do que ele chama
de uma "nova" revelação de Deus. A maioria das seitas e
religiões falsas existentes usa dessa mesma estratégia para
conseguir adeptos. Começam por uma visão que alguém
diz ter recebido de Deus ou de um anjo, e depois saem
apregoando o ocorrido pelos quatro cantos. Daí para a

22
frente, o que era até então apenas uma "experiência" fictícia,
passa a ser a verdade de todos.
De uma vez por todas, entendamos que a verdade não é
nova, e tudo o que parece ser novo trata-se apenas de uma
descoberta daquilo que sempre existiu.
Do exposto, termino dizendo que Jesus deixou claro em
João 7.24 que devemos julgar com reta justiça, deixando as
aparências de lado. Isso quer dizer que só aquilo que for
objetiva e comprovadamente mostrado como algo concreto,
vale para juízo.

O Autor
Niterói, 10 de março de 2000
0 que está por trás do G-12

assou a ser comum nas culturas neopentecostais, em

P
termos de Brasil, a permanente adesão a movimentos
de revitalização espiritual e crescimento da igreja vindos
do exterior. Parece até que não conseguimos construir
as nossas próprias experiências a partir do nosso ponto
de vista cultural, pois, repetindo o que disse certo
escritor, "todo ponto de vista é a vista de um ponto".
Esta não é,absolutamente, uma visão exclusivista,xenófoba,
mas hoje, inegavelmente, com todas as nossas limitações,
somos o país do maior movimento pentecostal do mundo.
Só as Assembléias de Deus no Brasil têm, na atualidade,
mais de 300 mil templos espalhados pelo Brasil. Detalhe:
esse número cresce a cada dia. De sorte que achamos
absolutamente temerária a atitude de aceitar qualquer idéia,
por mais impressionante que ela seja, sem o critério de
analisá-la à luz da Bíblia Sagrada, uma vez que a obra de
Deus, por definição, não é algo fácil, mágico, como hoje
está sendo imaginada.

25
Um outro ponto a ressaltar é o fato de que, embora
ainda nos falte muita coisa, reconheço, não há no mundo
avivamento maior do que o do Brasil. Nem Seul, Argentina,
Toronto ou Colômbia tiveram o crescimento numérico que
nos últimos 20 anos invadiu o Brasil.
Outra coisa que nos prova que na obra de Deus não tem
mágica é a realidade esmagadora de que nenhum pastor que
adotou o método de"congregações familiares",do rev.Cho,o
"sopro do poder", de Benny Hinn, e a "guerra espiritual", de
Peter Wagner, conseguiu ter o crescimento espantoso que
imaginaram. Isso por uma razão simples: Deus trabalha de
forma diferente com cada um. É por isso que não há des­
cobridor da roda. A obra de Deus é feita a partir de revelação
divina. E cada líder recebe a sua sem imitação. Porque usar a
visão do outro é semelhante à experiência vivida por Davi
quando lhe colocaram a armadura de Saul. Não dá certo.
Mas o que assola as igrejas neopentecostais é a imaturidade
doutrinária que elas possuem. Além disso, por serem igrejas
novas, não conseguem ter um corpus doutrinarius ordenado,
sistemático, coerente; por não terem sua própria idéia formada,
pegam qualquer uma; querem ser alguma coisa que nem
mesmo sabem. Em razão disso, acabam se tornando campo
fértil para qualquer tipo de "semeadura"; tornam-se
hospedeiras de heresia.
Dos estudos que fizemos, ficaram detectadas pelo menos
seis tendências como as causadoras dos grandes males
doutrinários em algumas igrejas no Brasil. Analisemos com
cuidado:
1. Em pirism o. A palavra originariam ente significa
"experiência". Como a própria expressão sugere, hoje a maioria
das igrejas brasileiras está dando ênfase infinitamente maior à
experiência do que ao ensino, comprometendo, assim, o
princípio que diz que é sempre a partir da Palavra de Deus
que devemos determinar se uma experiência pode ser ou não
aceitável. No entanto, a experiência, que vem se desenhando

2(5
como fundamento de espiritualidade, está tomando o lugar
da Palavra em muitas igrejas evangélicas e pentecostais. Por
isso devemos tomar cuidado em dar o nosso aval a qualquer
movimento que acentue mais a experiência individual do que
o ensino bíblico.
O que eu quero dizer é que passamos muito tempo
enfatizando a experiência como forma de evidenciar a presença
de Deus. Com isso,abrimos portas enormes para a entrada de
heresias, sobretudo as que se fundamentam nas experiências
místico-supersticiosas. E agora, para reverter essa situação, só
um retorno ao ensino sistemático da Palavra de Deus.
2. Pragmatismo: pragma, em grego, são os assuntos da
vida prática. Aqui a palavra de ordem é o funcional.Concebida
a idéia de que a prática é a coisa mais importante, então o
critério não é perguntar se o método que se está usando é
certo ou errado, desde que o que se está praticando leve a
algum lugar. Devido a essa nova leitura de espiritualidade, a
reflexão e o rigor da análise foram total e completamente
esvaziados, abrindo espaço para uma práxis cristã voltada
tão-só para o funcional, resultando daí a ausência quase que
completa de reflexão.
3. Ativism o. Pior do que as duas tendências já comentadas
é o ativismo.Veja o leitor que eu não falei atividade, mas sim
ativismo. Este, sem sombra de dúvida, é sub-reptício e acaba
por solapar nossa koinonia [comunhão], pois nos leva a
colocar a obra de Deus como o fator mais importante da
vida cristã. Essa foi a grande e maior de todas as tentações
pelas quais Jesus passou, razão por que para Ele Deus é
sempre mais importante do que a sua obra. Isso em razão
do fato de que, por vezes, nos fascinamos tanto com a obra
de Deus que nos esquecemos do Deus da obra.
4. Utilitarismo. Este conceito faz os valores espirituais
parecerem descartáveis. A cada culto você tem que produzir
mais e mais receitas de auto-ajuda para a solução de problemas.
Daí por que as pessoas procuram a paz em vez do Deus da

27
paz; procuram solução em vez do Deus que é a solução. O
utilitarismo transforma Deus num quebra-galho, um tipo de
gênio da lâmpada. “ É só jejuar que as coisas acontecem",
dizem alguns. "É só orar que as coisas aparecem", outros
ensinam. Ao contrário de tudo isso, a Bíblia Sagrada nos
orienta que Deus não tem nenhum compromisso de agir
segundo a nossa direção, porque Deus não tem forma
específica de agir. Na verdade, suas incursões na história
humana são variadas, usando meios e instrumentos
extremamente imprevisíveis. Do ponto de vista bíblico, é
temerária e equivocada a leitura de um Deus previsível,
manipulado, domesticado pelo novo estilo cristão do
amordaçamento do divino.
5. Instrumentalismo. Aqui as coisas já não acontecem
por obra e graça do Espírito Santo; não é mais a terra que
gira em torno do sol, mas é o sol que gira em torno da
terra. Não é o homem quem obedece a Deus, mas é Deus
quem se sujeita aos caprichos e desejos do homem.Tudo no
instrumentalismo é pré-organizado, preestabelecido pelo
próprio homem. Muitas igrejas estão se utilizando de métodos
que colocam Deus em posição servil diante do homem. Nessa
tendência, o importante não é saber se o que se vai fazer é
da vontade de Deus, porque"Deus" faz tudo quanto o homem
determinar.
6. Consumo do divino. Em algumas culturas pentecostais
e mesmo em algumas evangélicas, o consumo do divino vem
tomando proporções alarmantes. A indústria da adoração
construída por algumas igrejas tem sido geradora de uma
gula de Deus; e gula se trata de apetite desordenado. Poucos
estão percebendo o perigo que estamos correndo. Os males
decorrentes dessa usina geradora de adoradores esporádicos
são inimagináveis.O convívio com Deus de forma consumista
cria em pouco tempo pessoas insensíveis e apáticas com
relação à sublimidade de Deus. Para muita gente, Deus não
passa de mais um dos ingredientes de seu consumo. A

28
familiaridade com o divino nos faz perder o aroma e a beleza
de sua visitação. E a presença de Deus deve sempre ser algo
novo, inusitado, com sabor de primeira vez. Infelizmente, a
gula de Deus está nos tirando isso.
Essas são apenas algumas das tendências que têm se apresen­
tado de forma mais freqüente no meio de algumas igrejas
evangélicas, pentecostais e neopentecostais. Em razão disso é
que podemos dizer que as igrejas brasileiras [não todas,é lógico]
formam terreno propício para a adesão a qualquer tipo de
modismo.

A razão da adesão aos modismos

Sem levar em conta a adesão aos modismos mais esdrú­


xulos, a qual sempre acontece pelo fato de eles atenderem a
demanda da necessidade por coisas novas que a maioria
tem, acrescente-se a isso a idéia de que qualquer visão nova
se trata — pelo menos para algumas pessoas — de algo
rigorosamente afastado de toda e qualquer hipótese de
pertencer à categoria dos heréticos e mágicos, que fazem
alguém imaginar que a obra de Deus cresce por um
"abracadabra".
Acredito, por isso, que o ponto nevrálgico do avanço de
modismos do tipo G-12 e tantos outros que invadem o
Brasil é o fato do esvaziamento quase que completo de
projetos concretos no meio cristão brasileiro com respeito
ao crescimento da igreja,abrindo, dessa forma, espaço para a
adesão de novidades. Evidentemente, estão excluídas dessa
configuração aquelas igrejas que experimentam momento
de grande avivamento.
Depois dos congressos e das confraternizações, qual o
projeto novo que foi criado para a juventude? Respondo:
nenhum.
Tudo que fazemos hoje é lugar comum, mesmice
esmagadoramente anacrônica,ciclo vicioso,que já não atendem

2?
às expectativas do jovem cristão brasileiro. Não percebemos,
mas institucionalizamos nossos congressos e confra­
ternizações que, ano após ano, vão formando seus vícios de
linguagem, comportamentos e leitura alienados da necessidade
real do mundo.
Toda essa conjuntura ajuda, e muito, o processo de
aceitação da nossa juventude a qualquer tipo de modismo,
sobretudo aquele que lhes proponha mudanças no status
quo religioso.

O momento é de alerta

O momento atual da Igreja de Jesus Cristo impõe ur­


gência no tratar as doutrinas fundamentais da Bíblia Sagrada
com prioridade inegociável. É preciso escrevê-las, discuti-
las, ensiná-las com mais profundidade e dedicação para que
possam ser aprendidas, lembradas, divulgadas como tarefa
sine qua non da igreja.
No passado, gastamos muito tempo falando mais de
costumes do que de doutrina. Hoje, infelizmente, não falamos
nem de uma coisa nem de outra. Muitos dos nossos púlpitos
estão indefinidos porque cederam à tentação dos avivamentos
coreográficos,da exibição dos grandes números e da cultura
imediatista, as quais flagelam os que procuram seriedade no
servir a Deus.
Algumas igrejas, por causa disso, tornaram-se patro­
cinadoras de espetáculos e locais onde o ego humano é
"massageado", com o nítido objetivo de crescimento rápido
e vantajoso. Resultado: vulnerabilidade doutrinária e frenesi
pelas novidades [A t 17.21].
Com a falta de ensino bíblico em muitos de nossos
púlpitos, criou-se no povo um fascínio desesperadamente
ambicioso pela experiência, que acabou se tornando a pedra
de toque da vida da esmagadora maioria dos crentes
pentecostais. As profecias, sem nenhum ensino, acabaram

30
tomando o primeiro lugar na preferência da maioria nos
nossos cultos, valendo, para muitos, mais uma profecia do
que um ensino bíblico.
Não esqueçamos que o nascedouro de heresias é sempre
a ausência de estudo bíblico sistemático. Ademais, o povo
de Deus precisa ter conhecimento das doutrinas cardeais
das Sagradas Escrituras para poder se defender das heresias.
Precisamos,portanto,e com muita urgência,fazer uma nova
leitura das necessidades reais do nosso povo e da sociedade
ao nosso redor e pensar num meio de tornar as Boas Novas
do Evangelho mais convincentes para o homem atual.

O que é o G-12

O G-12 é um movimento extremamente antigo, mas


rebuscado com novos contornos. Ele propõe um crescimento
mágico e milagroso das Igrejas através de células, com reuniões
nas casas a partir de 12 pessoas, que, segundo o próprio
mentor da idéia, "é baseada na reprodução do caráter dos
12 apóstolos com os quais Jesus trabalhou".
O movimento G-12 surgiu, como não poderia deixar de
ser, de uma "visão" que o seu fundador diz ter recebido de
Deus, em 1991. De acordo com o"gedozista", Deus o orientou
para que ele levasse ao mundo o "novo modelo" de
crescimento de igreja. Segundo o que está disposto na cartilha
do movimento, o mais produtivo é sempre conquistar pessoas
"que não tenham visão alguma". [Se é um modelo de
crescimento para as igrejas, por que trabalhar com neófitos
e não com líderes maduros?]
No livro Sonha e ganharás o mundo, o fundador do
G-12, citado pela jornalista Sílvia Gadelha, conta a sua
"maravilhosa experiência":

Em várias oportunidades encontrei-me com alguns dos


convertidos em diferentes lugares, que me diziam: "Pastor, eu
conheci o senhor na missão, mas estou congregando em tal

31
igreja". Eu dizia:"Amém, glória a Deus, esta alma não se perdeu,
está sendo edificada!" No entanto, chegou o dia em que Deus
chamou minha atenção, dizendo-me: "Estás errado; essa alma
eu a trouxe à tua igreja. Se tivesse querido mandá-la a outra
igreja tê-lo-ia feito. Enviei-a para ti para que cuides dela e
espero que me respondas". [O grifo é nosso.]

Como se pode observar das palavras grifadas, o movimento


é tendencioso e tem uma dose grotesca de narcisismo
incubado, algo totalmente contra a visão bíblica, que nos
admoesta em todo o tempo a tomarmos cuidado com o
mal da auto-glorificação.
Não podemos esquecer ainda que o ministério de evange­
lista, pastor, mestre, profeta, apóstolo, como mostra a Bíblia,
é um "dom de Deus à Igreja", no sentido mais amplo da
palavra altruísmo.
Agora imagine se cada pregador fosse reivindicar para si
as pessoas que receberam e recebem a Cristo a partir de
suas pregações. Outra: que "Deus" é esse que usa a expressão
"tua igreja", como se a igreja fosse propriedade de algum
mortal? Isso é equívoco da pior espécie.

O embuste do profeta único

A tendência do "profeta único" — a vulnerabilidade dos


movimentos de renovação — tem alavancado as mais
dantescas heresias. Isso fica muito evidente quando se observa
o comportamento daquele que se diz possuidor de uma
"visão de Deus". Evidentemente, o problema não está no
fato de a pessoa ter uma "visão" de Deus, mas sim como ele
lida com essa sagrada visitação. Pois toda graça recebida de
Deus que não redunde rigorosamente no bem comum do
grupo não passa de narcisismo intolerante.
Joseph Smith, Helen White, Kenneth Hagin, Peter Wagner,
César Castellanos e tantos outros têm sempre a mesma leitura

J2
distorcida: arrogam-se donos de uma visão única para a
restauração do mundo; propalam sua visão como última e
impõem o novo projeto como a grande solução para a Igreja.
Isso pode ser observado na declaração do próprio Castellanos'.

A colheita só poderá ser alcançada por aquelas igrejas que


tenham entrado na visão celular. Não há alternativa: a igreja
celular é a igreja do século XXI

Um neófito que ouve essas coisas imagina que está lidando


com o supra-sumo da verdade sobre crescimento da Igreja,
do qual não pode prescindir.
Mas o que me causa espécie nisso tudo não são os cristãos
hebefrênicos estarem aderindo ao modismo, mas sim líderes
que estão à procura de uma fórmula mágica de crescimento
para as suas igrejas.
Ora, cada um de nós vive em realidades, mundos diferentes,
e deve, por isso, buscar, dentro do seu próprio quintal,
métodos não antibíblicos para o crescimento da obra de
Deus. Isso é absolutamente legítimo.
Mas quero que fique bem claro aqui que não estamos
criticando o método de crescimento através de culto nos
lares, que é feito sob a supervisão pastoral e com toda a
organização necessária, pois trata-se de um trabalho que a
maioria das igrejas já faz há muitos anos. Criticamos, sim, a
idéia herética que cria falsas expectativas nas pessoas.

O mito de Narciso

A releitura do M ito de Narciso, dentro de uma visão


contemporânea, denuncia o que, prima facie, parece
absolutamente inofensivo.
Primeiro de tudo, gostaria de contar, em síntese, sobre o
mito de Narciso para os que não o conhecem.
Conta-se que havia um jovem lindíssimo chamado Narciso
que despertou a paixão de uma ninfa chamada Eco. No

33
entanto,Narciso ignorou o amor da ninfa e esta,desgostosa,
retirou-se para as montanhas, onde passou a viver isolada.
Após o desaparecimento de Eco, Narciso descobre a si mesmo
olhando sua imagem numa fonte de água. A contemplação
do reflexo de sua própria face na água fez Narciso apaixonar-
se profundamente por seu rosto, e ele permaneceu ali se
olhando,até desfalecer, vindo posteriormente a transformar-
se numa planta que ganhou seu nome.
O mito de Narciso é um dos mitos psicológicos mais
significativos, especialmente pela sua ligação com a história
de muitos líderes que, pelo fato de amarem a si mesmos,
caem de seu estado de graça diante de Deus. Além do que
a conexão espiritual também é facilmente perceptível: o amor
próprio excessivo entorpece os sentidos, impedindo que a
realidade seja percebida em sua plenitude, fora de nós.
O narcisista, do ponto de vista psicológico, é aquele
incapaz de manter relações do tipo eu-tu. Isso porque o
narcisista é incapaz de reconhecer e aceitar o outro como
sendo um outro, diferente dele, ou seja, "tu". No entanto,
mesmo quando é capaz de reconhecer a existência do outro
[com seu direito a ser "tu"], quase sempre transforma o
outro não em "tu", mas em "ele" ou "eles". Ou seja, o
narcisista imediatamente transforma o outro, diferente, no
inimigo: "ele" ou "eles". Dessa forma, o narcisista só é capaz
de ver o outro na perspectiva do "eu" versus "eles" ou
"nós" versus "eles". Só aceita outros que se tornem "dele",
ou seja, que se tornem "eu", absorvidos e uniformizados
pela sua própria (do narcisista] aparência. Além disso, o
narcisista sempre se vê como sendo maioria. Sua opinião,
percepção, vontade e insight é sempre maioria.
Olhando para muitos líderes evangélicos nos dias de hoje,
especialmente para a atitude e a maneira como tratam uns
aos outros, parece-me que já há muitos sinais de um
narcisismo crescente em suas vidas. E mais: percebo que tais
sinais estão presentes nos grupos e nas tendências teológicas

34
mais diferentes. Tenho visto líderes "bem-sucedidos" cheios
de narcisismo tanto quanto tenho visto líderes mal-sucedidos
[com dor-de-cotovelo pelo sucesso dos outros], manifestando
seu narcisismo na forma de um individualismo excessivamente
crítico, cheio de razões e incapaz de buscar diálogo,
compreensão e reconciliação com os "bem-sucedidos
diferentes".1

A linha de organização do movimento G-12

O processo para a implantação do G-12 é, segundo o


seu fundador, a "alma" do movimento. Todavia, de acordo
com o Pr. Paulo Romeiro, um dos problemas em relação ao
G-12 é a "inserção de práticas, conceitos e ensinos
antibíblicos, tais como mapeamento espiritual, regressão
psicológica, cura interior, quebra de maldição, escrever os
pecados em pedaços de papel e queimá-los na fogueira,
revelações extrabíblicas e outros".
O G-12 peca em pelo menos quatro fundamentos: a]
dão ao número 12 sentido mágico-espiritual, quando se
trata de um número comum na Bíblia; b] esvaziam a doutrina
bíblica da regeneração e da justificação, fazendo as pessoas
confessarem pecados dos quais já foram perdoados pelo
sacrifício do Calvário; c] deturpam o conceito bíblico de
igreja ao ponto de uma das suas maiores propagadoras no
Brasil dizer que "o diabo está induzindo os crentes a irem
à igreja para fazê-los abandonar as células"; e d] dão ênfase
às expressões "novo" e "nova", como nova unção e nova
visão, na tentativa de criar aversão na mente dos seus
participantes em relação a tudo quanto aprenderam.
Estrategicamente, o G-12 trabalha com dois elementos
que puxam todo o seu arsenal de heresias: a] a auto-
realização pessoal [sucesso] à custa de regressão, quebra de
vínculo, eliminação da legalidade dada ao diabo, o perdão
dado a Deus;e b] o crescimento mágico e rápido da igreja.

35
Como se pode observar, a proposta do G-12 pega a veia da
necessidade de alguns líderes que preferem trilhar os atalhos
da vida e "transformar pedras em pães".
Uma outra coisa a salientar sobre o G-12 é a sua estratégia
de segurar o participante com a idéia de que ele precisa
fechar o ciclo para que possa definitivamente chegar à"nova
unção". Com isso, o que participa de um pré-encontro é
induzido a participar também do encontro, do pós-encontro
e do reencontro. Após passar por todas essas fases de lavagem
cerebral, o incauto realmente nunca mais será o mesmo.

O pacote doutrinário do G-12 aparece


nos pré-encontros

Como o leitor já pôde perceber, o G-12 tem só aparência


inofensiva, mas é absolutamente perigoso.Seu apelo imperdível
por uma"nova visão"cede logo lugar a um conteúdo maciço
da velha estratégia das meias verdades, que são as piores
mentiras.
Uma outra coisa que eu não posso deixar de ressaltar é o
dualismo que foi criado entre o G-12 do Brasil e o da Colômbia.
Alguns insistem em dizer que no Brasil é totalmente diferente
da Colômbia. Absolutamente. Pode até haver alguns/ muitos
exageros no G-12 brasileiro em relação ao colombiano.Todavia,
nem um nem outro é bíblico. O pensamento teológico do
fundador do G-12 não é tão inocente assim como dizem, uma
vez que o seu material didático está eivado de erros doutrinários
e de diversas heresias. De modo que tanto o G-12 brasileiro
quanto o colombiano são divulgadores de heresias.
Não que sejamos preconceituosos ou contrários à
revelação de Deus para os dias atuais no que tange ao
crescimento da Igreja. Todavia, a própria Bíblia exige cautela
e investigação séria em se tratando de analisar qualquer
fenômeno de contornos espirituais.
Para ratificar o que estamos falando sobre esse movimento

3<5
apócrifo, colocamos abaixo o parecer ipsis literís do Conselho
de Doutrina da CGADB sobre o G-12. Se não, vejamos:

Em face do avanço da mais nova heresia, que invalida o caráter


cristão adquirido através da regeneração em Cristo, baseando-
se na auto-realização e na mudança de conceitos bíblicos, nós,
do Conselho de Doutrina da Convenção Geral das Assembléias
de Deus no Brasil, na pessoa do seu Presidente, vimos a público
para dar um parecer oficial sobre o que chamam de G-12.
Por vezes, aparecem no cenário evangélico brasileiro alguns mo­
vimentos de características eminentemente flutuantes. Nestes
dias, o mais novo deles é o G-12. Sutilmente promove um novo
estilo de vida cristã, calcado na visão de um sucesso rápido e
fácil, e de um crescimento mágico e milagroso da Igreja.Através
de uma suposta revelação de Deus recebida pelo líder do G-12,
que sonha em ter a maior igreja do mundo, fazendo assim
qualquer coisa para alcançar os seus intentos de autopromover-
se como líder mundial interdenominacional, propõe um "novo
conceito" religioso,com mudanças na liturgia, nos bons costumes,
na doutrina sagrada, no conceito real da Igreja de Cristo, na
linguagem genuína da pregação do Evangelho, na conduta cristã,
no comportamento ético-estético do crente, com uma dose
excessiva de estímulo à busca frenética por prosperidade
instantânea, libertação auto-suficiente, unção mágica e perfeição
absoluta, utilizando-se para tanto de desavisados e inocentes
para espalharem suas heresias.
Portanto,para maior esclarecimento,enfocamos alguns pontos
dessa suposta e milagrosa fórmula de crescimento, com as
devidas refutações.
Ia - G-12
Ao contrário do que muitos imaginam, o G-12 não é um
grupo evangelicamente sério: não trabalha para o bem comum
do Evangelho e nem vem para somar com as outras igrejas já
existentes. Trata-se de uma organização herética que visa
arrebanhar membros de igrejas já constituídas com fins
declaradamente financeiros. O exemplo do que estamos falando
é a solicitação de donativos de toda e qualquer denominação
para a sua obra faraônica intitulada "Canaã aqui na terra",

37
tipificando suas reais intenções. Mais: a prática configura-se
numa velha tática de "caça-niqueis", visando realizar os seus
planos alternativos em nome do Evangelho.
2a - Método
Seu método apoia-se nos pré-encontros, pós-encontros e
reencontros como forma de lavagem cerebral, onde são
inculcadas idéias supersticiosas com relação ao número 12,
numa nítida prática de numerologia, fazendo o número 12
parecer um número da sorte, que abre supostos caminhos
para o sucesso e o crescimento instantâneo da igreja, em
detrimento de todos os demais números existentes na Bíblia
Sagrada, como o 1 ,2 ,3 ,4 , 6,7,10,12,24. Objetiva-se, assim,
criar uma expectativa em torno do número 12, dando-lhe magia
e atributos supersticiosos. Inclusive as células não podem
ultrapassar o número 12. Ultrapassando,cria-se uma nova célula
para chegar ao número 12.
Refutação. Biblicamente, o número 12,apesar da sua simbologia
no livro de Apocalipse, é um número comum como qualquer
outro. Na escala de importância, o número 12 é menos
importante do que o número 7.
3a — Visão
O G-12 apresenta-se ainda como uma nova revelação divina,
que supervaloriza a visão dos doze como solução última para
a igreja dos dias atuais. A palavra "novo", utilizada
ininterruptamente pelo G-12, carrega intenções malignas
objetivando desestabilizar igrejas que já existem, como se o
G-12 fosse a "última revelação de Deus" para o momento. Pior:
os líderes do G-12 dizem que caso as igrejas não participem
desta "nova visão", serão substituídas por outras. Nesse sentido,
o G-12 em nada difere das chamadas seitas proféticas.
Refutação. Toda a revelação de Deus ao homem já se encontra
registrada no Antigo e no Novo Testamento, não nos cabendo
acrescentar mais nada [Is 8.20; Ap 22.19],
4a — Unção
Acentuam que somente a pessoa aderindo à nova visão de
Evangelho criada pelo G-12 tem acesso a uma suposta "nova

38
unção" que, na linguagem dos participantes do G-12, é chamada
de "tremenda". Alegam ainda que somente essa "unção" pode
trazer o sucesso.
Refutação. De acordo com a Bíblia, a unção não envelhece
nem é substituível. Isso quer dizer que não existe uma "nova
unção" [1 Jo 2.20],
52 — Quebra de maldição
Os encontros exigem das pessoas a confissão de pecados até
mesmo cometidos no ventre materno a fim de que quebrem
todos os vínculos do passado, bons e maus, até mesmo
ministérios e credos, para dar início a uma nova vida. Para isso
submetem os participantes a uma oração dirigida chamada
"quebra de vínculo".
Refutação. Essa prática invalida o texto bíblico que diz que
"se alguém está em Cristo é uma nova criatura: as coisas
velhas já passaram; eis que tudo se fez novo" [Jr 31.29,30; Ez
18.2,3,20; 2 Co 5.12].
6a — Libertação e cura interior
Nos pós-encontros ensina-se que o indivíduo deve guardar o
ensinamento que teve no pré-encontro. Pois é nessa condição
— afirmam — que a sua salvação [chamada de cobertura
espiritual] está garantida. Segundo eles, a salvação é aquela
conquistada pela regressão, quebra de maldição, cura interior,
invalidando dessa forma o sacrifício perfeito, completo e final
do Senhor Jesus Cristo no Calvário, criando "novas salvações"
com supostas promessas em nome de Deus, dizendo que agora
sim, a salvação chegou, levando os cristãos a duvidarem da sua
própria salvação em Cristo. Como, por exemplo, o fato de
algumas pessoas que participaram do G-12, crentes de muitos
anos, asseverarem, de público, que tudo quanto aprenderam ao
longo dos anos, nos cultos públicos, nas escolas dominicais, nos
seminários bíblicos etc., não era verdade, porque só depois do
G-12 encontraram a "verdade".
Refutação.Toda e qualquer tentativa de cancelamento de pecados
por regressão, quebra de maldição, cura interior, como prática
de auto-patrocinar uma "salvação perfeita", invalida o sacrifício
vicário de Jesus Cristo no Calvário [At 3.19; 4.12; Hb 7.27],

39
72 — Renúncia
A renúncia é pregada nos encontros do G-12 como forma de
rejeição aos conceitos, hábitos e costumes da vida cristã que até
então se professava. Como na maioria dos casos os participantes
dos encontros são compostos de pessoas oriundas das mais
variadas confissões religiosas e denominacionais,o produto final
desses encontros gera o enfraquecimento das igrejas de ensino
sério e histórico, pelo fato de apresentarem propostas milagrosas
e mágicas de crescimento, substituindo liturgias, criando nova
linguagem de pregação e transformando os cultos de adoração
em verdadeiros espetáculos mundanos e antibíblicos.
Refutação. Renunciar,à luz da Bíblia, é o ato de deixar, repudiar,
abdicar alguma coisa, mas nunca o que é bíblico, e sim o que
é antibíblico e herético.
8a — Culto de aproximação [ou célula]
O G-12, na sua formação celular,descaracteriza o modelo bíblico
de igreja, em alguns pontos, a saber: a) as células não podem
passar do número 12; b] as células fazem o recolhimento de
ofertas e dízimos; c] as células têm autonomia de batizar os
novos cidadãos do grupo, dentro de algumas situações,como:
distância e tempo; d] nas células não há liberdade de pregação
livre, pelo fato de o líder estar obrigado a usar a linguagem do
seu fundador, a qual está no manual do G-12.
Refutação. Biblicamente, o culto no lar é uma prática antiga,
mas o grupo que o faz não recebe o título de igreja, como na
acepção herética do G-12.

Do exposto, fazemos nossas as palavras do apóstolo João:


"Filhinhos, já é a última hora; e, como ouvistes que vem o
anticristo, também agora muitos anticristos têm surgido, pelo
que conhecemos que é a última hora" [1 Jo 2.18).

O movimento G-12,embora fale do pecado,sua confissão


e seu cancelamento pelo sacrifício de Jesus Cristo no Calvário,
usa métodos que,à luz da pertinência bíblica, são tipificados
como heresias, a saber:

40
1. É sub-reptício. Ninguém pode revelar o que acontece
nos pré-encontros. Só dizem que é "tremendo".
2. É de conteúdo doutrinário inaceitável, pois incorpora
práticas expressamente antibíblicas.
3. Exacerba a confissão de pecado como meio para uma
segunda purificação.
4. Faz da experiência individual meio universal de bênção,
indo de encontro a todos os princípios exarados nas Escrituras.
5. Pré-induz o novo convertido a pensar a igreja só a
partir das células.
6. É extremamente exclusivista, pois imagina-se a grande
tábua de salvação para a igreja,o último movimento de Deus
na terra, o único meio de crescimento para a igreja. Essa
conclusão baseia-se numa das declarações do próprio
fundador do G-12:

A frutificação neste milênio será tão incalculável, que a colheita


só poderá ser alcançada por aquelas igrejas que tenham entrado
na visão celular. Não há alternativa: a igreja celular é a igreja do
século XXI.

Além de todos esses senões doutrinários, outras coisas


absolutamente antibíblicas acontecem em seus "badalados"
pré-encontros, como:
a. Mapeamento espiritual. A pessoa é levada a responder
a um questionário chamado mapeamento espiritual, com
uma variedade de 52 perguntas sobre o passado da pessoa e
de seus familiares. A s respostas dão ao líder da célula ou ao
discipulador uma visão da jornada espiritual do novo
discípulo.
Refutação: Para que saber do passado de alguém que é
nova criatura? [2 Co 5.12). Isso, no mínimo, é equivocado.
b. Regressão psicológica. Essa prática traz um grande perigo
para os que dela participam. Isso porque a regressão, tanto a
inconsciente como a consciente, mesmo realizada por
profissionais competentes, tem os seus riscos imprevisíveis.

4/
Imagine quando é feita por incautos. Detalhe: para levar o
participante — geralmente novo convertido — a uma
consciência de pecado, preparam todo o ambiente com
representações bizarras: alguém se passa pelo diabo e acusa
os participantes de supostos pecados que um ou outro
podem estar cometendo, num ambiente de total coação
psicológica. [Fazer o papel de advogado do diabo para impor
culpa ao povo é algo reprovado pela Bíblia Sagrada.] Agora,
o que o leitor precisa saber é que tudo isso é feito dentro
de um contexto sórdido de acusações pesadas, como
prostituição, aborto, onanismo, adultério etc.
Refutação. Segundo o que a Bíblia nos ensina, a
consciência dos nossos pecados é resultante da ação única
e direta do Espírito Santo, que nos convence do pecado,
da justiça e do juízo. Isso quer dizer que não precisamos de
nenhum outro agente. Ademais, a Palavra de Deus diz que
"... se andarmos na luz, como ele [Jesus] na luz está, temos
comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus Cristo,
seu Filho, nos purifica de todo pecado" (1 Jo 1.7]. Mais: as
Escrituras nos informam que os nossos pecados foram
lançados no mar do esquecimento e deles o Senhor não se
lembrará mais. Ora, se quando aceitamos a Jesus somos
justificados, ou seja, somos absolvidos de toda culpa, por
que então ficar lembrando de algo que Deus já nos perdoou?
Até porque a Bíblia declara que"...se alguém está em Cristo,
nova criatura é: as coisas velhas já passaram; eis que tudo
se fez novo" [2 Co 5.17].
c. Quebra de maldição [ou quebra de vínculo]. Esse é o
segundo passo a ser tomado depois que é ministrada a
regressão. A idéia aqui é que as nossas tendências
comportamentais, insucessos, problemas pessoais, são
resultado de um vínculo sanguíneo maldito que precisa ser
quebrado.
Refutação. Se a idéia acima fosse verdadeira, José, Maria e
Jesus teriam sido as pessoas mais afetadas e problemáticas,

42
por conta da sua genealogia. Na árvore genealógica de Jesus,
aparecem prostituta, adúltero, incestuoso, perverso: pessoas
de toda qualidade. Mas, mesmo assim, Jesus não deixou de
ser o Salvador do mundo e José e Maria seus pais terrenos.
[Se o leitor quiser saber mais sobre o assunto em tela, leia o
livro Quebra de maldição, uma prática supersticiosa?, do
mesmo autor, lançado pela CPAD.]
d. Confissão regressiva. Isso se dá na primeira palestra
ministrada no pré-encontro, quando as pessoas, deitadas ao
chão sob o foco de luzes, gritam de desespero pelos seus
pecados. Eles dizem que a pessoa tem que sentir dor pelos
seus pecados. Os pré-encontros utilizados na implantação
do novo método de crescimento da igreja — o G-12 — vem
praticando infantilmente o método de regressão consciente
através de confissões induzidas. Por sugestionamento, as
pessoas vão pondo à descoberta seus traumas e pecados
passados.
Refutação. Em que lugar, na Bíblia, nós encontramos essa
recomendação estapafúrdia de que devemos sentir dor pelo
pecado que cometemos? A Bíblia, muito pelo contrário, diz:
"Meus filhinhos, estas coisas vos escrevo para que não pequeis;
e, se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai,
Jesus Cristo, o Justo [1 Jo 2.1].
e. Sopro espiritual. Os participantes do pré-encontro são
constantemente soprados para cair. Ou seja, a presença do
velho modismo do "cair no poder" encontra-se presente
também.
f. Cura interior. De fato precisamos curar nosso interior,
segundo o que Jesus nos ensinou:"Se,pois,o Filho [aVerdade]
vos libertar, verdadeiramente sereis livres" [)o 8.36]. Mas do
jeito que se está fazendo é contrário a tudo o que a Bíblia
ensina.
A linha doutrinário-teológica do fundador do G-12
passa pela influência de Kenneth Hagin [confissão positiva,
teologia da prosperidade]. Um dos exemplos é o emprego

43
do termo rhema como uma palavra que os crentes usam
para "decretar" ou "declarar", um tipo de "abracadabra"
espiritual. Faz parada também nas idéias de Peter Wagner,
o pai da "guerra espiritual", e Rebeca Brown, ambos com
conceitos exagerados sobre o diabo e, por isso mesmo,
inaceitáveis à luz da Bíblia.

E o pós-G-12?

De acordo com estudos já realizados sobre a influência e


as seqüelas que vão ser deixadas por esse movimento, pelo
menos quatro problemas foram observados, a saber:
1. Formação de um novo conceito. A s pessoas que
participaram do G-12 nunca mais aceitarão os ensinamentos
de suas igrejas e nunca mais verão a igreja-templo com bons
olhos. Vão particularizar a vida, por conta de uma visão
independente.
2. Mudança de hábitos. Ganharão novos hábitos e por
isso nunca mais se conformarão com qualquer coisa que
seja para eles menos interessante do que sua "nova visão".
3. Retorno à velha natureza. As pessoas perderão totalmente
o limite com relação às coisas profanas. Terão para sempre
dificuldades de aceitarem o padrão de suas "antigas" igrejas;
serão anti-dogmáticos.
4. Frustração. O pós-G-12 fará uma multidão de frustrados
porque,ao final, concluirão que a vida cristã não tem mágica;
deve, sim, ser vivida com todos os seus enfrentamentos diários.
Não há o que inventar; tudo o que devia ser feito para
vivermos vida vitoriosa já foi realizado por Jesus.
Em vista de tudo o que foi comentado acima, fica aqui a
pergunta: Será que precisamos ainda dizer alguma coisa
sobre o assunto, ou tudo o que foi apresentado até aqui é
suficiente para asseverar que estamos lidando com a velha
heresia de se criar métodos onipotentes e mágicos para o
crescimento da igreja?

44
A prática da regressão psicológica
e os seus perigos

rimeiramente7é preciso ficar bem claro que a regressão


é prática psicoterapêutica e não um meio espiritual de
libertação. Isso porque até hoje os cientistas do
comportamento humano não concluíram a que tipo
de pessoa a regressão, como terapia, pode ser
ministrada.Todas essas precauções existem em função
dessa prática apresentar riscos imprevisíveis.
De forma simples, pode-se dizer que a prática da regressão,
como terapia, nada mais é do que evocar sentimentos,traumas,
tensões, que ficaram retidos no inconsciente. A explicação
para isso é que, a cada experiência forte por que passamos
— traumas, perdas, tensões — despendemos energia [libido],
mas em função do mecanismo de defesa denominado por
Freud de repressão ser acionado, essa energia é retida. Mas é
quase certo que um dia essa energia retida se desprenda,
causando males irreparáveis. É justamente para evitar que

45
esses sentimentos venham a público de forma irracional e
descontrolada que a regressão é praticada. Seria mais ou
menos como dizer que a regressão dá alívio às tensões, mas
de forma controlada e orientada.
Tecnicamente, a explicação é perfeita e até convincente.
Todavia,quando se lida com a mente humana, se está pisando
em terreno absolutamente misterioso. Por isso mesmo,
ninguém tem o direito de fazer desse momento delicado
por que passa uma pessoa, algo menor. Mais: associar esses
sentimentos retidos com o pecado do qual temos que nos
libertar é erro grotesco.
A s primeiras experiências no campo da regressão foram
feitas pelo pai da Psicanálise, Sigmund Freud. Ele observou
atentamente, em vários laboratórios, que a prática poderia
ajudar, e muito, pacientes com histórias traumáticas. Freud
deu início a esse tipo de terapia através da hipnose, onde o
paciente, uma vez inconsciente, é conduzido a uma viagem
insólita e extremamente perigosa ao seu passado.
Após aplicar uma e outra vez o método de regressão
inconsciente, por hipnose, Freud constatou que a condução
inconsciente dos pacientes era muito perigosa. Isto posto, o
pai da Psicanálise passou a utilizar uma metodologia diferente
e menos perigosa. Depois de algumas experiências no uso
desse novo método, Freud começou a chamada regressão
consciente. Esta, por sua vez bem mais eficiente, trouxe
resultados extremamente satisfatórios.
A regressão, tanto inconsciente quanto consciente, é
prática psicoterapêutica e só profissionais da área devem
fazê-la. Nenhum neófito deve se atrever a fazer regressão e
sequer associá-la ao pecado.
É ato absolutamente irresponsável brincar com o que
não se conhece. Ora, convenhamos, se a mente do homem é
mistério para os grandes especialistas da área, imagine para
aqueles que, cientificamente, não sabem discernir entre a
mão esquerda e a direita que possuem.

46
Fazer regressão com qualquer pessoa — recurso que só
os profissionais devem utilizar — não é da alçada de nenhum
grupo evangélico, porque não pertence ao âmbito espiritual.
É prática essencialmente psicoterapêutica e, portanto,
absolutamente técnica. De sorte que, qualquer cultura
evangélica ou neopentecostal que agir irresponsavelmente
dessa forma, deve ser apenada.
Se essa prática, mesmo adotada por renomados
profissionais, exige cautela e extremo cuidado, o que deve
acontecer com aqueles que lidam com a mente humana
reprovada e levianamente?
As igrejas que estão se utilizando desse expediente deviam
ser rigorosamente responsabilizadas por praticarem método
acerca do qual não têm nenhum conhecimento.
Causa-me espécie ver alguns grupos evangélicos praticando
coisa tão desconexa com os objetivos reais e fundamentais
da igreja. Afora isso, na Bíblia Sagrada, a Palavra de Deus, não
há qualquer alusão a tal método. Isso porque, segundo o
que nos ensina Jesus Cristo, é o Espírito Santo quem convence
o homem do pecado, da justiça e do juízo, sem necessitar
qualquer ação humana com respeito à consciência que todos
devem ter do seu próprio pecado.

Os riscos da prática da regressão psicológica

Um dos riscos permanentes da regressão feita por grupos


neopentecostais é que a pessoa regredida pode ficar "presa"
ao passado e não querer nem poder retornar mais ao presente.
Um dia depois de termos participado do 4^ Simpósio de
Doutrina em Taguatinga, DF, soubemos que uma senhora de
classe média, em Brasília, membro de igreja tradicional, ao
participar de uma sessão de regressão num pré-encontro do
G-12 ficou presa ao passado e teve que ser internada.
Fatos assim podem ocorrer, e geralmente ocorrem. A razão
para isso é muito simples: se a regressão promovida por

47
profissionais da área já tem os seus riscos,quanto mais quando
é feita por elementos que desconhecem por completo onde
estão pisando.
Biblicamente falando, nenhum cristão necessita de
regressão, à semelhança do que acontece nos G-12 da vida,
nem de terapia de vidas passadas, nem de coisa assim parecida.
Nossos pecados foram perdoados e purificados pelo sangue
de Jesus Cristo [Cl 2.13; 1Jo 1.7].
Traumas — repito — devem ser tratados sim, mas com
psicoterapêutas,psicólogos formados,que sabem o que estão
fazendo porque estudaram e se prepararam para isso.
Ninguém tem o direito de usar pessoas como "cobaias"
em seus complicados brinquedos espirituais. Isso deveria ser
rigorosamente proibido,além de responsabilizar o elemento
que assim age por todos os danos psíquicos que possa vir a
causar.
O que nós recomendamos aos leitores deste livro é que
evitem participar de qualquer coisa que se assemelhe ao que
foi aqui comentado, pelo perigo que representa.
É melhor ficar com os princípios irremovíveis das Escrituras
Sagradas, pois são eles que nos dão os instrumentos certos
para lutarmos o bom combate, acabar a carreira e guardar a
fé. Qualquer coisa que passar disso é invenção, criação humana
e sem nenhuma eficácia.
Volto a repetir que a salvação trazida a nós por Jesus
Cristo é perfeita, completa e total. Quando somos salvos em
Cristo, essa salvação se estende a toda a nossa história. O
que precisamos realmente é do conhecimento da Palavra de
Deus, para que possamos aplicar suas verdades a todas as
áreas e particularidades da vida.

48
A louca mania de
querer mandar em Deus

ssa forma arrogante de tratar com Deus é percebida


na abertura de alguns cultos evangélicos hoje,
mormente os neopentecostais. Nessas reuniões, a

H
palavra de ordem é:"Eu determino...", "Eu declaro...,
ou "Eu ordeno... em nome de Jesus Cristo". Nas mais
calorosas reuniões neopentecostais, isso virou rotina
antes, durante e depois dos cultos.
Essa maneira desaforada de lidar com Deus — embora pareça
mostrar uma grande intimidade por parte daquele que ora
pelo fato de se acreditar que Deus está obrigado aos homens
— é nada mais nada menos que o germe de uma louca
mania de querer mandar em Deus.
Segundo certo escritor, "toda a estrutura do animismo,
feitiçaria e demonismo consiste exatamente na busca de
controlar, manipular, domesticar forças sobrenaturais".

49
O que está acontecendo hoje em algumas de nossas
reuniões e em todos os ajuntamentos neopentecostais deve
nos levar a uma reflexão mais aprofundada da palavra profética
dita por Samuel a Saul, quando este desobedeceu às ordens
dadas por Deus,através do profeta — guardadas, é lógico,as
devidas proporções.

Porque a rebelião é como o pecado de feitiçaria,


e o porfiar é como iniqüidade e idolatria (1 Sm 15.23a).

Por que o texto bíblico acima associa rebelião à feitiçaria


como sendo a mesma coisa? Para responder a esta pergunta
devemos, em primeiríssimo lugar, partir daquilo que se define
como feitiçaria. Alguém a definiu como o meio que os homens
chamados "primitivos" usavam para influenciar as forças da
natureza, utilizando-as para o bem ou para o mal. Feitiço é um
meio para se manipular a situação com a ajuda do poder
sobrenatural. Pode-se definir a feitiçaria também como a
tentativa de manipular realidades — passadas, presentes e
futuras — por qualquer técnica mental, mística ou religiosa.
Observe o leitor que a rebelião de Saul deu-se exatamente
pelo fato de ele tentar manipular o sobrenatural. E,para compensar
sua desobediência, trouxe vários animais para serem sacrificados,
entendendo que assim aplacaria a ira de Deus. O ato impensado
de Saul se parece muito com o comportamento cristão hodierno:
as pessoas tentam manipular a agenda de Deus em proveito
próprio, ou se tomam credoras de Deus por conta de suas
penitências: jejum, oração etc., pensando que dessa forma
encontrarão apoio divino. Absolutamente. O critério bíblico é
imutáveI:"Obedecer é melhor do que sacrificar", diz a Escritura.

Eis que te tenho posto por Deus sobre Faraó

Na apresentação bíblica dessa história, é Deus quem


provoca, em última instância, todos os grandes acontecimen­

50
tos milagrosos, mas Moisés tem tanto controle sobre o timing,
a execução e o drama dos milagres que, mais ainda que José,
tem de lembrar rapidamente ao povo que é Deus e não ele
quem está fazendo essas coisas acontecerem.
Pouco depois de fugirem do Egito, os israelitas se
queixam das agruras do deserto, e Moisés precisa então
lhes dizer: "As vossas murmurações não são contra nós
[Moisés e Arão], mas sim contra o Senhor" [Êx 16.8b]. E,
mais tarde, quando há uma rebelião no deserto em desafio
à liderança, Moisés mais uma vez declara:"... o Senhor me
enviou a fazer todos estes feitos, que de meu [próprio]
coração não procedem" [Nm 16.28],
É compreensível que os israelitas [e provavelmente boa
parte dos leitores] fiquem tão presos à figura de Moisés.
Desde o início, é enfatizado justamente o papel dele na
execução dos milagres. A narrativa chega a indicar que
algumas pragas do Egito são iniciadas por Deus (Êx 9.15,18],
mas o que ele retrata com muito mais freqüência é Moisés
controlando a apresentação e a duração das pragas (Êx
8.27; 9.22,33; 10.12,18,21,22]. Muito embora o escolha e guie,
Deus dá tanta autoridade e poder a Moisés que chega
mesmo a lhe dizer:

Eis que te tenho posto por Deus sobre Faraó (Êx 7.1; cf. 4.16],

Essas palavras são espantosas sob qualquer ponto de


vista, mas devem ser interpretadas a partir do ponto de
vista da mediação.
O que acontece dentro de um homem que está tão
perto da divindade como Moisés e que comanda tantos
poderes?
Em princípio, Moisés parece um pouco temeroso do
papel de que o Senhor o encarrega. Moisés é pastor em
Midiã, tendo fugido do Egito para lá depois de ter matado
um senhor de escravos egípcio para ajudar um escravo

51
israelita. E então7de repente, o Deus de Abraão, Isaque e
Jacó lhe aparece num arbusto que arde num fogo milagroso
e manda que ele volte para o Egito para libertar os israelitas.
Moisés, porém, não vê essa oportunidade como, digamos,
uma oportunidade caída dos céus. Na verdade, ele tenta
de cinco maneiras diferentes escapar do encargo. E quando
Deus lhe concede a sua primeira habilidade milagrosa —
a vara de Moisés se transforma em cobra — a sua reação
ao vê-la metamorfoseada é fugir (Êx 4.2,3]. Além disso,
antes de seu primeiro encontro com Faraó, Moisés por
duas vezes protesta com Deus, dizendo que achava que
Faraó não iria ouvi-lo [Êx 6.12,30]. Por ocasião de seu
último encontro com Faraó, no entanto, depois de já ter
realizado os prodígios de Jeová, aquele Moisés temeroso
já não existe mais. Em seu lugar, encontramos um Moisés
que, em sua cólera, chega a desviar a atenção da corte
egípcia: de Deus para ele próprio. Transcrevo abaixo o
texto da última e irada fala de Moisés a Faraó, quando ele
anuncia a décima praga. Observe que Moisés começa
citando as palavras de Deus a Faraó, mas, no decorrer de
sua fala, pára de citar Deus e termina deixando claro que
está falando de si mesmo:

Disse mais Moisés: Assim o Senhor tem dito: À meia-noite eu


sairei pelo meio do Egito; e todo primogênito da terra do Egito
morrerá, desde o primogênito de Faraó, que se assenta com ele
sobre o seu trono, até ao primogênito da serva que está detrás
da mó, e todo primogênito dos animais. E haverá grande clamor
em toda a terra do Egito,qual nunca houve semelhante e nunca
haverá; mas contra todos os filhos de Israel nem ainda um cão
moverá a sua língua, desde os homens até aos animais, para que
saibais que o Senhor fez diferença entre os egípcios e os israelitas.
Então, todos estes teus servos descerão a mim e se inclinarão
diante de mim, dizendo: Sai tu e todo o povo que te segue as
pisadas; e, depois, eu sairei. E saiu de Faraó em ardor de ira [Êx
11.4-8], [Os grifos são nossos.]

52
A palavra "eu" se refere a Deus na primeira linha, mas a
Moisés nas últimas linhas. Moisés não está se confundindo
com Deus, mas faz um salto gramatical que torna difícil
perceber em que momento do texto ele pára de citar a
divindade e começa a falar de si mesmo. Moisés de fato
passou a ser como um deus para Faraó; e, ao que parece, já
está começando a se sentir mais confortável no papel pessoal
que lhe coube no exercício do poder divino.
Considerando o texto acima, a idéia presente não é que
Moisés era Deus, mas que, diante de Faraó, faria o lugar de
Deus. O exercício do poder divino deve ser feito com muita
cautela, reverência e humildade para que o coração não se
ensoberbeça e nos leve à ruína.

A lição do monte da transfiguração

Em meio a toda aquela forte manifestação da glória de


Cristo, onde o rosto transfigurado de Jesus resplandeceu
como o sol, e as suas vestes se tornaram brancas como a
luz, lá apareceram Moisés e Elias, representando a Lei e os
Profetas. Pedro, tomado de profunda emoção, disse ao
Mestre da Galiléia:

Senhor, bom é estarmos aqui; se queres, façamos aqui três


tabernáculos: um para ti, um para Moisés e um para Elias
(Mt 17.4],

A rigor, os homens, quando podem, tentam sempre se


tornar divinos ou, na pior das hipóteses, tentam tornar o
divino em humano. O pedido de Pedro é extremamente
sintomático. Sim, porque a idéia de fazer tabernáculo para
cada um,embora demonstre profunda espiritualidade e visão
nobre, é a forma mais comum de querer manipular o
sobrenatural e o divino.

53
Pedro7 talvez inconscientemente, estava tentando trans­
formar o divino em humano e o humano em divino. Essa
proposta de Pedro indica que, lá no fundo, todos os que
lidam com o poder de Deus acham que podem manipulá-lo,
pois pensam que têm direito sobre ele. Ledo engano.

A diferença entre "pedir" (aiteo) e "pedir" (erotao)

Segundo o grupo que lida com Deus de forma onipotente,


expressões como pedir, rogar e suplicar são a mesma coisa
que "exigir, decretar, determinar, reivindicar". [A truculenta
interpretação de joão 14.13,14.]
No Novo Testamento grego, entretanto, há duas palavras
para o verbo "pedir":
a) aiteo,que sugere a atitude de um suplicante, uma petição
de alguém que está em posição menor que a daquele a
quem suplica, é como uma criança pedindo a seu pai (Mt
7.11) ou um vassalo fazendo um pedido ao rei [A t 12.20) e
b) erotao,cujo uso sugere que o suplicante está no mesmo
pé de igualdade ou familiaridade com a pessoa a quem é
feito o pedido. É aplicado, por exemplo,a um rei que faz um
pedido a um outro rei [Lc 14.32). Segundo Vine, o Senhor
Jesus nunca usou aiteo para fazer um pedido ao Pai. A
consciência de sua igual dignidade,de sua intercessão potente
e vitoriosa, é demonstrada nisto: sempre que Ele pedia ou
declarava que pediria qualquer coisa ao Pai, sempre usava
erotao, isto é, um pedido que deixava implícita a idéia de
igualdade Qo 14.16; 17.9; 15.20); nunca aiteo.

"Vós sois deuses" (SI 82.1,6)

A primeira impressão que fica ao lermos um texto como


esse é que o sentido não é bem o que estamos realmente
lendo. Mas esse susto é demovido quando nos reportamos
ao contexto histórico em que ele foi produzido.

54
Tanto o rei Davi como os juizes de Israel são chamados
de "Elohim" (Êx 21.6; 22.8,9,28; cf. SI 45.6]. Isso por uma
razão simples: tanto um quanto o outro representavam a
Deus. Por exemplo, a solenidade de chegar-se diante de um
juiz era comparável com o chegar-se diante de Deus.
Nos salmos, não somente o ofício de rei é identificado
com a deidade, mas também a própria pessoa do rei, e sua
dinastia, regeria como Deus para sempre [Sl 45.2,16,17].
O salmo 82.1,6 chama os juizes de "deuses" por causa de
sua representação da deidade.
Todavia, pegar um texto como esse e interpretá-lo fora
do seu contexto histórico é pura temeridade.
Termino esta parte, citando as palavras de um escritor
evangélico:

Frases,sentenças e ordens do tipo"Eu decreto"e"Tá amarrado"


não podem representar uma vaidade espiritual autônoma de
Deus. Se Deus não aprovar, ordenar,decretar ou amarrar, torna-
se inútil qualquer esforço de tentar alterar realidades.

55
Confissão positiva

fé — o elemento teológico de maior importância


para a prática da comunhão com Deus através de
Jesus Cristo, já que, segundo a Bíblia, sem ela é
impossível agradar a Deus [Hb 11.6] — tem sido
corrompida nos pruridos de semântica de má prag­
mática para o pejorativo "confissão positiva". A expres­
são "confissão positiva"pode ser interpretada de várias
maneiras. O mais significativo de tudo é que a expressão se
refere literalmente a "trazer à existência o que declaramos
com nossa boca", uma vez que a fé é uma confissão.
Os defensores da nova idéia, que vem travestindo a fé
com os ingredientes da psicologia do bem viver e da auto-
ajuda, não estão sendo capazes de enxergar o mal que estão
fazendo ao povo, que mais uma vez é lesado e, agora, no
único componente puro que ainda existe no coração do
homem: a fé.

57
A "confissão positiva" peca quando conceitua erradamente
a fé,que deve ser entendida como um estado da personalidade
humana que consiste em firme assentimento que uma pessoa
faz à realidade de Deus, de sua Palavra como revelação e às
suas promessas contidas nessa revelação. Firme assentimento
quer dizer aceitação sem qualquer dúvida. Esse estado de
permanente atitude de assentimento envolve o exercício da
vontade, isto é, a pessoa que tem fé deliberou crer.
Além da fé religiosa, existe também a fé geral e filosófica,
que consiste na determinação da vontade para confiar em
pessoas, em enunciados, em intenções, em conceitos, em
ciências, em ideologias etc. Aliás, nesse sentido, podemos
dizer que a fé é o elemento que permeia todos os atos da
vida humana em seu relacionamento com as coisas e
convivência com as pessoas.
Pasma-me sobrem aneira como algumas culturas
evangélicas estão admitindo a fé na atualidade. Em relação
a isso é que a teologia tem muito trabalho a fazer. Porque
somente ela, mais ninguém, pode interpretar os novos
símbolos da fé. É a teologia que vai dizer se o símbolo que
a fé está usando é realmente bíblico. Isso por uma razão
simples. Explico. Hoje, muito do que a maioria das pessoas
admite como fé é apenas uma distorção da verdade. Quanto
a essas questões formais relacionadas ao comportamento e
à prática cristã em termos de fé, a teologia desempenha
papel preponderante e decisivo. Isso porque nada tem sido
mais distorcido e falsificado como a fé, que vem sendo
confundida e,às vezes, falsificada. Analisemos abaixo algumas
dessas distorções.

As distorções da fé

• /4 confissão positiva privilegia a fé "para te r" em


detrimento da fé "para viver". Depois que a fé "para ter"
tomou o lugar da fé "para viver", nunca mais os cristãos

58
conseguiram experienciar a fidelidade da fé em Deus, mas
sim, a fé que pela fé se consegue. Porque viver pela fé não é
apenas acreditar que Deus existe, mas é ter certeza que existi­
mos para Deus. Por isso, originalmente, a frase em Habacuque
"... mas o justo viverá pela fé" deve ser lida da seguinte
maneira:"... mas as pessoas corretas viverão por serem fiéis a
Deus".
• A confissão positiva coloca a emoção como fonte da fé.
É do pai da teologia moderna, Schieiermacher, a conceituação
de religião como o sentimento de dependência condiciona­
do. Mas se a religião não é mais que sentimento, é inócua. É
bem verdade que a fé como ato de toda pessoa contém em
seu bojo fortes elementos emocionais. Mas a emoção não é
a fonte da fé. Se isso for admitido,a fé se torna um elemento
eminentemente subjetivo.
• A confissão positiva idolatra a fé p o r gerar ansiedade
pelo ter. A ansiedade causada por não se ter é uma forma de
idolatrar a fé; isso porque interpreta o êxito como graça, e a
sua falta como condenação. Aqui,o mais torturante não é o
fato de não se ter fé, mas sim o de não ter a fé que consegue
as coisas.
• A confissão positiva coloca todo o peso da realização
nas palavras pronunciadas e na atitude mental rigorosamente
mantida, em vez de apoiar-se no fato de que a fé que temos
vem de Deus [A t 3.16; Hb 12.1,2]. Fé é o abandono à revelação
de Deus,e o descanso nela. A palavra hebraica para "confiança"
traz a idéia de a pessoa desabar o rosto no chão, sem apoio
nenhum. O que estou dizendo é que a fé não se origina do
homem, mas acontece quando Deus abre seu coração para
nós. Nesse sentido, a primeira reação da fé é abrir a porta a
fim de permitir que Deus em Cristo seja tudo quanto Ele
prometeu; é deixar Deus ser o Deus que Ele afirma ser em
sua Palavra.
• A confissão positiva obriga Deus a fazer nossa vontade>
baseada na idéia de que a fé é um poder que podemos

59
utilizar a Fim de influenciá-lo. Quem concebe a fé dessa
maneira imagina que pode mover a mão de Deus na direção
que quiser. Se na teoria não pensamos assim, na prática é o
que estamos fazendo.

Equívocos sobre a fé

Dentre os vários equívocos sobre a fé que vêm sendo


cometidos no âmbito evangélico, acerca dos quais gostaria
de comentar, pelo menos três destacam-se como os mais
presentes: superstição, temeridade e fanatismo. A idéia de
passar esses três equívocos em revista é a de que consigamos
de alguma maneira reverter as distorções teológicas que
vêm permeando algumas igrejas na atualidade. Analisemos:
• Superstição. Deposita a confiança em coisas e objetos
inexistentes ou que existem materialmente, mas são ine­
ficazes. Uma imagem, por exemplo, existe, mas é ineficaz,
ou seja, nenhuma virtude tem, nada pode realizar. Um outro
elemento de cunho eminentemente supersticioso é confiar
em objetos, em coisas e em elementos, atribuindo-lhes o
poder de operar maravilhas. Exemplos: acreditar num
sabonete ungido, óleo ungido, água ungida, enfim, seja lá o
que for, é superstição, e não fé.
• Temeridade. Consiste em a pessoa querer realizar coisas
descabidas, despropositadas, incoerentes e absurdas, alegando
ter fé para fazê-las. Eu conheci uma pessoa que orava todos
os dias para fazer o sol parar.
• Fanatismo. Gera um estado de fé que faz a pessoa
depositar sua confiança em que receberá aquilo que Deus
nunca prometeu, como, por exemplo, curar qualquer tipo
de doença sempre ou dar prosperidade e riquezas materiais
a todos. Outra manifestação dessa distorção, confundida
com fé, está em a pessoa querer usar de poderes emanados
de Deus para a realização de prodígios que Deus nunca
mandou fazer.

60
A teologia que origina a confissão positiva
Analisemos, agora, a teologia equivocada da confissão
positiva, para que o leitor compare cada caso com a Palavra
de Deus. Segundo os adeptos da confissão positiva,
• o cristão tem que ser próspero financeiramente e livre
de qualquer enfermidade. Se isso não estiver acontecendo, é
porque ele deve estar vivendo em pecado ou porque não
tem fé suficiente.
• é danoso declarar algo negativo, porque se concretiza,
resultando numa espécie de automaldição.
• os vocábulos Iogos e rhema são distintos. Entretanto,
há pouca diferença entre esses dois termos no original. Seria
como "enorme" e "imenso" em português. [1 Pe 1.23-25. Aqui
Pedro tanto usa um termo quanto o outro como sinônimos.]
• No texto de Isaias 53.4,5, Deus prom ete curar todas as
enfermidades. Não podemos esquecer também que, quando
Jesus curou a sogra de Pedro [Mt 8.14-17], a expiação de
Cristo ainda não havia acontecido. Portanto, usar essa
passagem para dizer que a cura divina, total e perfeita está
garantida na expiação com base em Isaias 53.4,5 é forçar o
texto e não reflete uma boa exegese.
• Toda enfermidade procede do diabo e é conseqüência da
falta de fé ou do pecado na vida do crente [Êx 4.11; 2 Rs 15.5;
2 C r 26.19,20; Ne 12.10], Basta examinar a Bíblia para
concluirmos que grandes servos de Deus passaram privações
e dificuldades em suas trajetórias a serviço do Senhor. Exemplos:
Eliseu [morreu de uma enfermidade — 2 Rs 13.14-21]; Jó [o
próprio Deus dá testemunho da integridade dele]; Paulo [tinha
um problema sério nos olhos — A t 23.3-5; GI 4.15; 6.11];
Timóteo [tinha uma enfermidade no estômago — 1Tm 5.23].

Teorias da confissão positiva

• Incubação [visualização]. Uma imagem mental direcionada


a um alvo desejado. Assim, se desejamos receber algo de

61
Deus, devemos ficar "grávidos" do que desejamos até que o
recebamos. [A Bíblia fala de visão, e não de visualização.)
• Poder criativo da palavra falada. Segundo essa teoria,
nossa palavra é o material que o Espírito Santo usa para
criar. Mas de acordo com a Bíblia, somente Deus tem poder
para criar e mais ninguém.
• A neurose de especificar os pedidos de oração. Creio
que qualquer cristão tem toda a liberdade de especificar
seus pedidos quando ora a Deus, compartilhando com
Ele seus desejos e aspirações nos mínimos detalhes. Isso,
porém, não garante que Deus vá responder a tudo
exatamente como pedimos. Deus sabe o que é melhor
para nós mesmos. Se Deus respondesse todas as nossas
orações, seria uma tragédia. Foi a esposa de Billy Graham
quem disse certa vez: "Se Deus tivesse respondido todas
as minhas orações, eu não teria me casado com Billy
Graham".
• Divinização humana. Agora virou moda para alguns
pregadores da confissão positiva tornar o homem em divinda­
de ou semideus. Não faz muito tempo, Benny Hinn levou os
membros de sua igreja a repetir depois dele a seguinte frase:
"Eu sou um homem-Deus".
• Miguel Ângelo, apóstolo da Igreja Cristo Vive, no
Rio de janeiro, vem equivocadamente ensinando com base
em Jeremias 1.5 — "Antes que eu te formasse no ventre,
eu te conheci; e, antes que saísses da madre, te santifiquei
e às nações te dei por profeta" — sobre a preexistência
do ser humano. Isso porque a passagem de jeremias citada
acima não está falando da preexistência do profeta, mas,
sim, da presciência de Deus. Cremos, por exemplo, que
Deus já sabia ou já conhecia tudo sobre a cidade do Rio
de Janeiro. Nem por isso ela já existia antes de ser
construída.
É de Kenneth Hagin,o sistematizador da confissão positiva,
as seguintes frases estapafúrdias:

62
"Você é tanto uma encarnação de Deus quanto Jesus Cristo
foi. Cada homem que nasceu de Deus é uma encarnação e o
cristianismo é um milagre. O crente é uma encarnação tanto
quanto o foi Jesus de Nazaré".
"Você não tem um deus dentro de você.Você é um Deus".
"Cachorros geram cachorros, gatos geram gatos, e Deus gera
deuses".
"Mediante o novo nascimento, tornamo-nos membros bona
fide da família cósmica original [Ef 3.15], verdadeiros filhos
gerados de Deus (1 Jo 3.2], co-participantes da natureza divina'
(2 Pe 1.4], gerados de Deus, impregnados de seus 'genes' (não
está implícita nenhuma relação física],chamados a semente ou
'esperma' de Deus [1 Jo 5.1,18; 1 Pe 1.3,23], trazendo a
hereditariedade divina. Assim, mediante o novo nascimento
— e falo reverentemente — tornamo-nos o 'parente' da
Trindade, uma espécie de'extensão'da Divindade".
"Jesus foi primeiramente divino e depois humano. E, na carne,
Ele foi um ser divino-humano.Quanto a mim, fui primeiramente
humano como você, mas eu nasci de Deus. E, dessa maneira,
tornei-me num ser humano-divino!"

A maioria destas declarações está no livro Zoe: a própria


vida de Deus, escrito por Kenneth Hagin.

Tragédias causadas pela confissão positiva

Os fatos aqui exibidos são documentos contidos em alguns


jornais. Vejamos:
• Um menino diabético que morreu nos Estados Unidos
porque seus pais não lhe deram insulina [W e let ou rson die
— Deixamos nosso filho morrer].
• O exemplo de Hobert Freeman, que começou a chamar
a atenção da mídia devido às mortes de crianças de sua
igreja que foram proibidas de receber tratamento médico.
• O escândalo em Portugal sobre o movimento liderado
pelo Sr. Jorge Tadeu, pastor da Igreja Maná.

63
A confissão positiva presente na hinologia cristã
A hinologia é termômetro que demonstra as tendências
teológicas de um determinado momento. Ela reflete as
interpretações das experiências vividas pela igreja numa
determinada época. Aliás, nossa hinologia passou por
bruscas transformações nos últimos anos. De hinos
extremamente Iitúrgicos, passamos a ritmos populares.
Geralmente, as letras desses novos hinos contêm erros
doutrinários antigos, como uma letra de hino evangélico
que coloca o arcanjo Miguel como maestro do coral de
Deus. Outras, cheias de confissão positiva, incitam as
pessoas a mergulharem numa aventura de fé, por conta
de que Deus vai fazê-las vencedoras. Não são poucas as
experiências que ouvimos de pessoas que embarcaram
nessa "canoa furada" e, no finai das contas, ficaram sozinhas.
Precisamos ficar atentos com relação ao que estamos
cantando, pois letras de hinos sempre refletem posições
doutrinárias. Além disso, virou costume rotular os hinos.
Não existe hino de guerra ou de adoração. Hino é sempre
hino, um louvor a Deus e nada mais.

64
Teologia da prosperidade

ênfase no ter como objetivo da fé, e não no ser, tem

Â
suas fontes básicas em determinadas ideologias
americanas, já entre nós há muitos anos. Não são
ideologias de todo erradas. Há muitas coisas positivas
nelas. A teologia da prosperidade tem aspectos e
elementos que julgo fazerem falta na nossa vivência de
fé. Por exemplo: o estímulo a viver pela fé, a ter mente
positiva, a ser confiante, a viver com coragem, a não desistir
facilmente, a ambicionar na vida, para que a existência humana
seja algo que quebre o círculo da mediocridade imediata.Todos
esses estímulos ■ — a meu ver eminentemente bíblicos —
todo crente deveria vivê-los. No entanto,quando essa teologia
se sistematiza, torna-se reducionista, unilateral, obcecante,
"enfraquecedora do ser, na medida em que o grande ser que
se enfatiza é o ser, sobretudo, próspero materialmente, o
que implica não ser, mas ter".

65
Há duas portas largas na teologia da prosperidade: a da
frente, que enche as igrejas de supercrentes,e a detrás, por
onde saem os supercrentes transformados em superíncré-
dulos.
Esse fenômeno vem ocorrendo em todas as igrejas que
decidiram por esse tipo de pregação. Nessas culturas
evangélicas,a prosperidade passa a ser sinal de espiritualidade
e sucesso. Ou seja: quem não tem prosperidade e sucesso
não é espiritual, ou pelo menos não é abençoado por Deus.

Equívocos da teologia da prosperidade

• A teologia da prosperidade declara que Deus não diz


"não" às orações de seus filhos.
Equívoco. Moisés implorou ao Senhor permissão para
passar o Jordão e ver a terra da promessa, e Deus lhe disse:
"Basta; não me fales mais neste negócio"[Dt 3.23-29],Apesar
de ser um homem de oração, Davi orou de forma sentida
pelo filho recém-nascido, gravemente enfermo, e Deus levou
a criança após uma semana de intensa oração e jejum [2 Sm
12.15-23], Paulo conta que em três ocasiões diferentes implorou
a Deus para ficar livre do "espinho na carne" e, cada vez que
orava, o Senhor lhe dizia "não" [2 Co 12.7-9], O mesmo
apóstolo deve ter orado pela saúde de Timóteo e de Tró-
fimo,mas não há indicação de que eles tenham sido curados
[1 Tm 5.23; 2 Tm 4.20],
• A teologia da prosperidade diz que devemos orar apenas
uma vez por alguma coisa. A oração repetida significa falta
de fé.
Equívoco. Jesus orou três vezes pelo mesmo assunto no
Getsêmani: "E, deixando-os de novo, foi orar pela terceira
vez, dizendo as mesmas palavras" [Mt 26.44]. Paulo fez o
mesmo:"Acerca do qual [o espinho na carne] três vezes orei
ao Senhor, para que se desviasse de mim" [2 Co 12.8], Cer­
tamente, nem Isaque nem Zacarias oraram apenas uma vez

66
para que suas esposas Rebeca [Gn 25.21] e Isabel [Lc 1.13]
engravidassem. Os salmos de Davi estão cheios de súplicas
repetidas. A s parábolas do amigo importuno [Lc 11.5-8] e do
juiz iníquo [Lc 18.1-8] estimulam a insistência da oração sobre
o mesmo assunto até vir a resposta de Deus.
• A teologia da prosperidade ensina que sofrimento
significa falta de fé.
Equívoco. Quanto mais consagrados ao Senhor, quanto
mais santos e mais cheios de fé, mais sofrem os ministros de
Deus, como se pode ver a vida de José, de Jeremias e de
Paulo. Basta ler o relatório deste último: ele fala de prisões,
açoites sem medida, perigos de morte, varadas, apedreja­
mento, naufrágios, fadigas, fome, sede, frio, nudez, preocu­
pação com todas as igrejas e uma variedade de outros perigos
entre salteadores, entre patrícios, entre gentios, entre falsos
irmãos, nos rios, na cidade, no deserto e no mar [2 Co 11.23-
29], Na mesma epístola, o apóstolo declara-se atribulado,
mas não angustiado; perplexo, mas não desanimado; per­
seguido, mas não desamparado; abatido, mas não destruído
[2 Co 4.8, 9],
• A teologia da prosperidade afirma que pobreza não
combina com nossa posição de filhos do Rei.
Equívoco. O próprio Jesus, sendo rico, se fez pobre por
amor de nós, para que pela sua pobreza nos tornássemos
ricos [2 Co 8.9], A riqueza não é estimulada no Novo
Testamento,e os ricos são freqüentemente advertidos quan­
to à origem [Tg 5.1,6] e ao emprego [2 Tm 6.9,10,17-19] de
seus muitos bens. São também exortados a não se
preocuparem demasiadamente com eles [Mt 6.19-21].

Os erros da teologia da prosperidade

Por desencargo de consciência, passo agora a analisar os


erros fundamentais da teologia da prosperidade. Se não,
vejamos:

67
• Erra ao dar ênfase demasiada ao ter. Do ponto de vista
bíblico, a grande prosperidade humana é a prosperidade do
ser. [Ler as bem-aventuranças.]
• Erra ao reduzir a perspectiva ética da prosperidade à
mesquinhez das coisas terrenas. (Ler Colossenses 3.1-4; 5-18.]
• Erra ao associar sucesso à espiritualidade. Pense em
Abraão: ele deixou de ter para passar a ser. E em Elias: sempre
foi e nunca teve (2 Co 8.1,2; 9.8-11]. A bênção de Deus sem­
pre é a riqueza do ser, e algumas vezes enriquece também
materialmente.
Segundo 1Timóteo 6.9-19, a prosperidade só tem chance
de ser bênção: a] quando não é buscada obsessivamente [v.
9]; b] quando não se transforma na segurança da vida [v. 17];
c] quando existe para estimular a espiritualidade (v. 18]; d]
quando aponta na direção de outra riqueza [v. 19].
Há vários outros equívocos na teologia da prosperidade.
Se todos fossem relatados, este texto seria comprido demais.
Os que foram aqui mencionados servem de amostragem e
de exortação, para que as igrejas de Deus se portem como
os bereanos e examinem as Escrituras cuidadosamente para
não abraçar qualquer novidade, por mais atraente que ela
seja [A t 17.11],

A teologia da prosperidade na sua


versão monárquica

Foi a teologia da prosperidade (em sua versão monárquica]


que transformou a Igreja Primitiva em igreja do estado
romano, com sua conseqüente corrupção moral e espiritual.
Foi a teologia da prosperidade que corrompeu todos os
movimentos de fé genuína e simples que aconteceram na
história da Igreja. É a teologia da prosperidade que tem
hoje o poder de desvirtuar o início de um grande aviva-
mento que está na iminência de acontecer. Isso porque a
teologia da prosperidade é muito interessante no início

68
[afinal ela é cheia de ímpeto e chocantes demonstrações de
fé]. No entanto, no seu triunfalismo ela se torna agressiva
e perde a singeleza da vida com Cristo. A teologia da prospe­
ridade, em todas as suas expressões nesses dois mil anos
de história da igreja, nunca foi capaz de gerar uma igreja
rica e solidária. O que ela sempre gera é uma igreja triun-
falista, obcecada pelo poder e alienada da infelicidade do
resto do planeta.
Ora, com tudo isso não estou dizendo que a teologia da
prosperidade não tenha aspectos positivos. Ao contrário:
penso que sempre surge no vazio de fé ativa e construtiva
da igreja. E é sempre depois de períodos de profundo
pessimismo e rendição dela à mediocridade e ao pensar
pequeno, que aparece no horizonte da sua história.
Pessoalmente, acredito que Deus não quer seu povo como
cauda, e sim como cabeça. No entanto, a liderança do povo
de Deus na história só é positiva quando é uma liderança de
fé, e fundamentada num projeto de vida genuíno, ousado,
mas concentrado no exercício do poder espiritual, e não no
terreno. A Igreja é tanto mais relevante na história quanto
mais seja sinal do Reino por vir. Seu grande poder deve ser
o poder da solidariedade social e do exercício dos dons do
Espírito no mundo. Ela é realmente poderosa quando cura
doentes, expulsa demônios, prega o Reino, sinaliza o amor
fraternal, socorre os necessitados e cultua a Deus através de
seu sacerdócio santo e lúcido.01
Enquanto a confissão positiva cria uma maneira irreal de
conceber a fé,e o triunfalismo nos faz negar todo o tempo
a realidade humana,o Evangelho da prosperidade confunde
uma igreja rica em solidariedade com uma igreja rica e
solitária,totalmente desencarnada da dor e dos sofrimentos
humanos.

®Fábio, Caio - Batalha Espiritual. Ed.Vinde.

69
Triunfalismo: o sofisma
do supercrente

s dois braços de sustentação da teologia da prospe­


ridade são a confissão positiva e o triunfalismo. Estes
vêm formando conceitos distorcidos e trazendo
perspectivas absolutamente discrepantes ao Evangelho
de Jesus Cristo. Enquanto a confissão positiva cuida
de inverter os valores mais sagrados da fé em Cristo,
o triunfalismo faz a sua parte ocultando excessivamente as
ordinárias ambigüidades humanas.
O triunfalismo, em geral, faz as pessoas pensarem de si mesmas
além do que realmente são. Cria uma espécie de superestima
falsa, baseada em confissões positivas. É por isso que há
tanto escândalo em nosso meio.
Assumimos demais a fachada de super-heróis carismáticos,
esquecendo-nos de que ela é totalmente contrária à fragili­
dade da natureza humana. Desenvolvemos uma suposta vida
impermeável, inatingível, intocável, para lá de toda ambigüidade

71
e acima de toda situação; algo sobranceiro, absoluto,
divinizado... por acharmos que somos eminentemente
espirituais. “Construímos toda uma fachada de perfeição,que
é a própria testa, o pé direito da tumba moral que habita
nosso interior, com nossas podridões, idiossincrasias, manias,
taras, enfermidades, carências". E quando acontece de um
desses deuses de pé de barro desmoronar, ficamos de queixo
caído. Isso certamente não aconteceria se fizéssemos o possível
para que ninguém visse em nós além daquilo que realmente
somos [2 Co 12.6]. E para que se veja em nós tudo o que em
nós há é preciso que não tenhamos dois estilos de vida.
É comum pensar que a vida do "homem de fé" não passa
pelas mesmas necessidades neurofisiológicas de qualquer
mortal. Encontro às vezes pessoas que imaginam que o
"homem de Deus" está acima dessas necessidades, como,
por exemplo, livre da precisão de uma parada, um descanso.
Acreditam ser possível a ele pregar, indefinidamente, sem
tréguas, uma mensagem atrás da outra. Segundo elas, "os
que descansam no Senhor renovam suas forças..."E há quem,
inclusive, assuma que é bom que os outros pensem dessa
maneira a seu respeito. Até que um dia algo desagradável
acontece inesperadamente, e são flagrados como simples
seres humanos, como qualquer um — obrigados a atender
a necessidades não só biológicas, como emocionais, espirituais
e morais. É em razão disso que Paulo •— não obstante sua
incrível fortaleza — confessa-se capaz da mais profunda
tristeza.
Certas publicações sobre "vida vitoriosa", do tipo que diz
que você pode conseguir tudo — a maior parte delas
provenientes de países com realidade social bem diferente
da nossa — são uma versão capitalista da nossa teologia.
Há alguns equívocos bem salientes na exposição da tese
triunfalista,a saber:
1. Macrovaloriza o sucesso em detrimento da coerência e
da profundidade, e mede a espiritualidade pelo sucesso

72
financeiro que se tem, passando a idéia de que a vitória
cristã está sempre no ter.
Conceito bíblico. Do ponto de vista de Deus, sucesso não
é tanto você ter, mas você ser.
ZDesumaniza o homem,transformando-o num super-homem.
Conceito bíblico.O homem é apresentado na Bíblia como
alguém frágil, limitado,ambíguo, finito, carente, imperfeito e
dado a todo tipo de tendências. A Bíblia é um dos únicos
livros que falam das fraquezas dos seus heróis. Os salmos de
Davi, por exemplo, mostram o lado humano, frágil, ame­
drontado, temeroso, mesquinho e acovardado do homem
segundo o coração de Deus.
3. Elimina virtudes cristãs intransferíveis, tais como perseve­
rança, submissão, paciência e contrição, pela obsessiva visão
de vitória.
Conceito bíblico. O ensino bíblico deixa claro que nem
sempre Deus responde às nossas orações, nem sempre as coisas
saem como gostaríamos, enfim, nem sempre a vida cristã é
um mar de rosas. Todavia, a dor e a tribulação nos ensinam
lições que jamais aprenderíamos se não passássemos por tais
situações. Queremos sempre que Deus nos livre das tribula­
ções, mas às vezes precisamos passar pela experiência de vê-lo
nos livrar nas aflições.
4. Postula a idéia da ambição como forma de culto,
confundindo prosperidade com propriedade.
Conceito bíblico. Segundo a Bíblia Sagrada, prosperidade
não é você ter tudo, mas sim ter o suficiente para sobreviver.
Prosperidade, à luz da Palavra de Deus, é você ter harmonia
no lar; é você ter saúde; é você ter paz com todos; é você
ter sempre para sobreviver. Portanto, essa forma distorcida
de ambicionar pelo ter — por exemp!o:"É só pensar numa
bicicleta "x" e você consegue; um Mercedes, e ele é seu; um
colar de pérolas, uma igreja com torre, sino... Basta você
pensar e o objeto desejado surge..." •— no mínimo é
extrabíblica.

73
Os livros de Paulo são aní/qualquer perspectiva de marke­
ting de venda. Numa carta aos filipenses, onde o apóstolo
fala sobre vida vitoriosa e pretende elevar o moral dos crentes
— "Regozijai-vos... regozijai-vos" [cap. 4] — ele, antes disso,
confessa haver experimentado tristeza sobre tristeza pelo
fato de Hepafrodito, seu "irmão, cooperador e companheiro",
haver adoecido mortalmente (Fp 2.25-27],
Ou ainda em 2 Coríntios 1.8,quando diz:"... não queremos,
irmãos, que ignoreis a tribulação que nos sobreveio na Ásia,
pois que fomos sobremaneira agravados mais do que
podíamos suportar, de modo tal que até da vida
desesperamos".
Observe como em Gálatas 4.12,13 ele faz referência a ficar
doente. Isso não é muito recomendável para o indivíduo
que tem o compromisso de orar pelos enfermos. Quanto
mais o cristão é do tipo dos que estão sempre colocando a
mão na cabeça dos outros e orando por eles, mais julga que
precisa ocultar suas enfermidades — caso contrário, pode
parecer uma contradição! A s pessoas são capazes de dizer:
"Irmão, antes de pôr a mão na minha cabeça, ponha na sua!"
Paulo, entretanto, assume a sua doença:"... vos preguei o
evangelho... por causa de uma enfermidade física", diz ele no
verso 13 [ARA], E mais: ele se refene às suas angústias ministeriais
[2 Co 11.28,29]. Faz alusão também às aflições que lhe brotam
do peito, ao abrasamento que lhe sobe à alma quando vê
acontecerem escândalos, traições, ingratidões, fraquezas. Em 2
Coríntios 11.26 ele lembra acidentes enfrentados. Em contras­
te com essa naturalidade e abertura do apóstolo, o que nos
surpreende é que, quando o carro do líder triunfalista bate,
há uma ausência de revelação — ele talvez o conserte es­
condido,evitando,assim,que o povo pense que,se ele estivesse
em sintonia com Deus, com certeza Deus o teria prevenido
uma esquina antes... Ou quem sabe o teria avisado de não
passar por ali... Mas Paulo parece ter embarcado no navio
errado — não uma, mas quatro vezes! Paulo não tinha a menor

74
obrigação de saber qual era a melhor companhia, quem iria
fazer a melhor assessoria ministerial, se iria chover ou fazer
sol, se viria o vento norte e o inverno seria bravo. Nada disso
ele sabia. Era capaz de sofrer o acidente.
Em 2 Timóteo, ele fala dos abandonos sofridos. No capítulo
1, verso 15,ele diz:"... os que estão na Ásia, todos se apartaram
de mim; entre os quais foram Fígelo e Hermógenes". No
capítulo 4, verso 10, ele conta que Demas o abandonou. Diz
ainda, no verso 16,que a própria igreja, na sua primeira defesa,
não foi solidária com ele; todos o abandonaram.
Que maneira mais terrível de terminar a vida! Tendo que
dar testemunho e, no fim, dizer que está se sentindo só!
Em 2 Coríntios 11.27, ele fala das suas privações. Em 2
Timóteo 4.13, ele fala do seu tédio, pedindo a Timóteo que
lhe leve os livros e os pergaminhos que esquecera em Trôade.
Passar horas inteiras preso num cubículo, sem ter o que
fazer,o que estudar ou ler, era um horror. A mente precisaria
ser tocada, estimulada, caso contrário acabaria caindo numa
paralisia total.
Como o perfil do cristão é diferente daquele pintado
pelos triunfalistas!

75
Guerra espiritual

ste assunto tem-se transformado no grande fascínio


dos movimentos de renovação. Alguns o têm colo-
cado em lugar de relevância nas suas pregações e

H
exposições. Outros, de forma mais comedida, porém
omissa, vêm esperando o resultado de toda essa
manifestação para exibirem sua posição.Vários outros
grupos vêem a questão como mais um momento
febril que enfrenta a dura realidade de ser apenas uma daquelas
"ondas"que vêm e vão, um megatrends dos grupos renovados
nesta virada de século.
O tema realmente desperta fascínio e até uma certa histeria.
Mas acredito que o grande problema desse movimento —
como o de outros iguais — repousa na ênfase exagerada
que se dá a apenas um lado da verdade, o que deixa muito a
desejar em termos teológicos.
Sem sombra de dúvida, vivemos uma batalha espiritual
intensa e ininterrupta. Hoje, mais do que nunca, precisamos

77
estar atentos às astutas ciladas do diabo, tendo constante
discernimento para não sermos surpreendidos lutando contra
nós mesmos, em vez de lutar contra ele.

Sem exageros
Tirados os exageros, o movimento de guerra espiritual
tem aspectos positivos. Vejamos:
1. É extremamente responsivo, porque faz a igreja enfrentar
os problemas sociais com coragem.
2. É estimulador, porque torna a vida cristã um constante
desafio.
3. É reflexivo , porque faz uma releitura da Bíblia,
principalmente daqueles textos que estavam empilhados em
alguma prateleira e abandonados.
4. É combativo, porque vai à luta, fazendo passeatas,shows
e evangelismos de forma incansável.
5. É estratégico, porque vê alguns setores da cidade como
fortalezas satânicas que devem ser submetidas.
6. É sensível, porque trata das coisas espirituais com
seriedade e responsabilidade.
Mas aquilo que poderia ser satisfatoriamente uma abertura
para o avivamento cristão na virada do século,tem-se consti­
tuído em "fermento ruim" por causa das distorções, inversões
e exageros.
A o comentar os aspectos negativos do movimento de
guerra espiritual, não quero ser mórbido nem cair na tolice
de criticar apenas por criticar, mas pretendo propor alter­
nativas equilibradas em relação às nossas interpretações até
aqui sobre o assunto.

A guerra entre Miguel e o príncipe da Pérsia (Dn 10-12]


Não é possível pensar um texto de estru tu ra
eminentemente apocalíptica de forma literal,porque aquilo
que parece ser é sempre mais do que se compreende. Por

78
conta disso, observe o leitor o v. 14 do cap. 10 de Daniel,
onde lemos: "... porque a visão se refere a dias ainda
distantes" [A R A ]. Note que, partindo da compreensão
dessa ressalva feita pelo anjo a Daniel, está absolutamente
descartada a interpretação de uma suposta estratégia
contra os poderes do mal. Ou seja: a visão que o profeta
está recebendo é uma antevisão da história e das sucessões
dos im périos, e tudo se associa com a história de
sofrimento e dor do povo de Israel, desde o presente até
o mais distante futuro.
O que estou tentando dizer é que essa visão de Daniel é
uma profecia/história, isto é,toda a história de dor do povo
de Israel está sendo contada a partir da ótica de Deus. Gabriel,
o anjo emissário,está revelando que a história de sofrimento
do povo de Israel vai ter um final feliz, porque Deus está no
controle de tudo [Dn 12.1].
Por hora, Israel está debaixo do poder persa, que, todavia,
será sucedido pelo grego e este passará por diversos confli­
tos e sucessões. Contudo, Israel será preservado em meio a
todas as sucessões, porque Deus não sai de cena na história
como o guardião do povo judeu [Dn 10.13].
Dessa revelação podemos tirar algumas conclusões. Se não,
analisemos:
1. O texto em tela não admite a interpretação de que
cada país, cada cidade, cada município, cada bairro, tem um
"demónio oficial"com o qual a igreja tem que se confrontar
para conquistar o seu espaço. Isso por uma razão muito
simples: Gabriel não está dando uma visão estratégica de
"guerra espiritual" para o profeta, mas uma antevisão
histórica, onde os episódios previstos na revelação aconte­
cerão, mesmo que Daniel passe mais 21 dias orando. Além
disso, ele, o anjo, diz que, nessa batalha, só tem Miguel para
ajudá-lo [Dn 10.20,21], ressaltando que aquela batalha não é
para os humanos,embora eles sejam os grandes e desejados
troféus.

79
O que a revelação realmente quer sublinhar é a soberania
de Deus, que conta a história antes que aconteça.
Permita-me dizer ao leitor que Daniel não recebeu
nenhuma orientação para combater os poderes espirituais
da maldade. Na continuação da revelação, Gabriel diz que
"ainda três reis estarão na Pérsia" e, no final, manda Daniel
não contar a ninguém o que vira, além de exigir que a visão
fosse fechada e selada. Ora, se o texto revelasse a forma
como Satanás domina os países, estados, cidades, bairros, e
como poderíamos neutralizá-lo, Daniel não teria sido o
primeiro a "amarrar o diabo"?
2. Quanto às expressões "príncipe da Pérsia" e "príncipe
da Grécia", elas não sugerem demônios que se exorcizam
através de um "Tá amarrado" ou um "Sai em nome de Jesus",
porque, segundo o relato bíblico, só Miguel tem poder para
lutar contra eles [Dn 10.13,21].

Alguns equívocos dos que fazem guerra espiritual

• Associam as pessoas reais às estruturas espirituais. A


partir dessa concepção, o importante passa a ser expulsar
os demônios da cidade, do mar, do ar, do que perder tempo
em expulsar demônios de indivíduos.
• Rejeitam tudo o que é visível. Não adianta expulsar o
espírito de prostituição e se esquecer das prostitutas. Não
adianta orar para Deus erradicar a injustiça no país e pagar
baixos salários aos empregados.
• Dão mais ênfase aos inimigos explícitos de Deus e se
esquecem de discernir as ações malignas p o r trás das fo r­
mas de santidade. É preciso estabelecer diferença entre os
demônios que atuam na cidade e as ações malignas que
atuam nas denominações cristãs. Jesus foi bem enfático ao
dizer que há muitos que expulsam demônios em seu nome,
curam enfermos e pregam inflamadamente dos púlpitos e,
mesmo assim, não são conhecidos por Ele (Mt 7.21].

80
• São extremamente freudianos ao tratar as questões
humanas. Segundo eles, o que rouba não é o ladrão, mas o
espírito de roubo; o que adultera não é o adúltero, mas o
espírito de adultério. Ou seja: o movimento de guerra
espiritual transfere a responsabilidade moral e social do ser
humano para o diabo, que termina fazendo o papel de bode
expiatório.
• Interpretam todas as desgraças como conseqüência de
uma maldição que precisa ser quebrada. Qualquer anorma­
lidade, como falta de sucesso, angústia, depressão, mau
relacionamento, problemas de temperamento etc. é indício
da presença de um espírito mau.
• Criam a neurose da sensibilidade extrasensorial. O que
tem de gente discernindo os variados comportamentos
humanos como agentes malignos não dá para contar. São
verdadeiros"caça-fantasmas".Vêem demônio em tudo quanto
é lugar. É preciso equilíbrio para poder enxergar que o Espírito
Santo está mais ativo no mundo do que o próprio diabo.
• Fazem das orações verdadeiros fliperamas mentais.
"Participar de um movimento de guerra espiritual é de fato
emocionante. Você amarra o diabo, o demônio da corrupção,
da mentira, da desgraça, do ódio, vai amarrando tudo. Dá a
impressão de que quando você sair de dentro da igreja,
todos os problemas, do lado de fora, já estarão resolvidos".
Ledo engano.
Lembrei-me de um pastor que, para tirar o diabo da
cidade em que estava, começou a ir de madrugada para a
entrada da cidade e ali passava horas e horas expulsando e
amarrando o diabo. Expulsando para que o diabo saísse da
cidade, e amarrando para que ele não entrasse de novo.
Isso é absurdo.
Enquanto não ficar claro para nós que o diabo não apenas
atua nas áreas que, comumente, demarcamos como áreas de
sua atuação, mas que também — e isso é absolutamente
possível — atua nos lugares que imaginamos mais improváveis,

81
continuaremos coando mosquito e deixando passar gordos
camelos pela malha da nossa ortodoxia.
Isto posto, gostaria de fazer algumas ponderações [ad
argumeritandum tantum] porque acredito que a teologia
neopentecostal do tema "guerra espiritual" é completamente
equivocada.
Primeiro. Ela enfatiza muito a visão do invisível em
detrimento da visão do visível. O pregadores de batalha
espiritual insistem que devemos nos especializar em ver o
invisível, levando-nos a uma cegueira quase que total com
relação ao visível.
Segundo. Por ressaltar exaustivamente a ação do diabo,
termina criando inúmeras neuroses. Uma delas é a que leva
a pessoa a pensar que tudo o que acontece de ruim em sua
vida provém do diabo.
Terceiro.lodo o tempo, vê o diabo mais ativo no mundo
do que Deus. Isso pode criar paranóias indescritíveis entre
nós.
Quarto. Os pregadores de batalha espiritual têm uma
visão histórico-maniqueísta, onde o diabo é colocado em pé
de igualdade com Deus.
Quiri to. Elimina a responsabilidade histórica, moral e social
de cada indivíduo.
Sexto. Os pregadores de batalha espiritual persistem com
a idéia de que devemos enfrentar a luta espiritual com os
olhos fechados para a história, numa total alienação dos
fatos concretos que nos rodeiam.
Como o leitor pode notar, esse movimento de "guerra
espiritual" é completamente paranóico e com tendências
maniqueístas alarmantes.

82
Cura interior

e todos os assuntos até aqui estudados, a "cura

D
interior", como prática distorcida, tem sido a mais
devastadora de todas ■ — pois é absoluta na promoção
de males e adoecimentos irreparáveis no meio do
povo evangélico, que ainda não consegue fazer
diferença entre fantasia e realidade. Com isso, todavia,
não estamos tirando os méritos da prática em si,
que faz a interioridade humana novamente ser alvo de
investigações,estudos e aprofundamentos. Logo, nossa leitura
do assunto em tela não é preconceituosa, mas cautelosa. O
que desejamos ressaltar tem a ver com os excessos, exageros
e com a má pragmática dos que,equivocadamente,aplicam a
"cura interior" como forma mágica de resolver os proble­
mas do homem moderno.
Conquanto a nossa análise procure trilhar pelos meandros
do equilíbrio, não podemos deixar de dizer que a "cura
interior"— tiradas as excrescências •— restaurou a visão "de

83
dentro" no momento em que o discurso evangélico só se
preocupava com os aspectos externos da salvação, quando
ser liberto do fumo e da bebida tornou-se mais importante
do que a restauração das interioridades viciadas e dos
psiquismos corrompidos pelo pecado. Não estou dizendo
— entenda-me o leitor — que a libertação do vício do
fumo e do álcool não seja importante, só que a libertação
em Cristo não é só isso, uma vez que ela vai além do
comportamental e chega às partes mais profundas das
emoções e dos sentimentos humanos.

O que é a "cura interior"

A "cura interior" pressupõe a saúde das estruturas


psíquicas e pneumáticas do ser humano, como a cura da
sua interioridade possuída e cauterizada por culturas ex­
tremamente demonizadas; a cura das mentalidades
estruturalmente comprometidas com os exemplos e as
manias sociais, e a libertação das concepções estratifi­
cadas pela herança psicossocial que povoam o coração
humano. Infelizmente, pelo fato de ser entendida de outro
modo, a "cura interior" cria mitos e, em vez de ser bênção
para o povo de Deus, pode se transformar em tremenda
maldição.
Ao contrário do que estão apregoando os adeptos da
"cura interior" [ou libertação interior] instantânea, ela
acontece ao longo da vida cristã e não como efeito mágico
milagroso através de uma simples oração.
A "cura in te rio r" aplicada de forma incorreta é
terrivelmente abortiva e traumática, pois gera uma série de
neuroses, psicoses e, o pior de tudo, frustrações. A forma
antibíblica com que esse assunto vem sendo ministrado é
bastante caótica, a começar pela sua prática equivocada,
limítrofe e absolutamente infeccionada pelo vírus da maldição
hereditária.

84
Os equívocos da moderna "cura interior"

O que desejamos salientar neste subponto são as múltiplas


distorções e manipulações de textos bíblicos contidas na
maioria dos escritos sobre "cura interior". Para tanto, estarei
exibindo os erros mais comuns daqueles que estão envolvidos
mais de perto com esse trabalho. Se não, analisemos:
• Confundem herança familiar com espíritos familiares.
O que uma pessoa é tem muito a ver com o patrimônio
psicológico que ela recebe do meio social em que vive —
família, igreja, escola, amigos etc. — embora isso não seja
uma verdade absoluta. O que estou tentando dizer é que
não é nenhuma maldição alguém ter gênio forte, uma vez
que se deixe controlar pelo Espírito Santo de Deus [GI 5.16].
Parece que estamos voltando à época antes de Hipócrates,o
"pai da Medicina", quando os antigos supunham que os
comportamentos dos homens, como as maneiras de as pessoas
sentirem, eram diretamente determinados pelos deuses. A ex­
troversão e a introversão, o comportamentalismo,tudo, enfim,
era atribuído a influências de divindades. Por incrível que pareça,
alguns grupos evangélicos ainda agem assim. Interpretam
qualquer comportamento não convencional como ação do
diabo. Alguns pais tratam seus filhos como predestinados por
um temperamento ruim. Mas devemos tomar cuidado para
não nos valer do temperamento dos filhos para justificar seus
erros, falhas, manias e pecados. É importante que não nos
prevaleçamos da desculpa de um presumível temperamento
para desnudar ou para justificar tais fraquezas.
• Confundem "cura interior" com novo nascimento, que
é o recebimento de uma nova natureza. Agora, como se
pode dizer que "cura interior" é novo nascimento se a pró­
pria Bíblia afirma que a regeneração [o novo nascimento]
não é obra do homem, mas de Deus somente? [jo 3.6].
• Confundem perdão com regressão. O perdão de Deus
não nos faz esquecer dos traumas vividos no passado, mas

85
nos dá a capacidade de interpretá-los com outros olhos e
nos faz conviver com eles no presente sem que interfiram
no nosso existir. A cura propiciada a nós pelo perdão de Deus
não é o cancelamento das memórias passadas, mas a virtude
da tolerância,que é a pedagogia do amor.À luz das Escrituras
Sagradas, a salvação em Cristo já prevê, ou melhor dizendo,
já inclui a "cura interior". Ou seja, todo salvo por Cristo, em
tese, é alguém curado interiormente, porque foi perdoado e
liberto de todos os seus pecados, que foram cancelados pela
expiação do sangue de Jesus Cristo [Cl 2.13-15],
• Confundem contingências humanas com maldições
hereditárias. Imagine só se todo problema de saúde,acidentes,
insucesso, separação conjugal etc. fosse apenas manifestação
de um elo hereditário. Isso seria deprimente.
• Confundem as fobias humanas com agentes de distorção
de personalidade. Nesse discurso, a maior tortura não é o
medo em si, mas sim, o medo de ter medo.
• Confundem relaxamento muscular [cair no poder] com
bem-estar espiritual. Os que advogam a "cura interior" dizem
que no relaxamento profundo do corpo, o arrebatamento, o
Espírito Santo atua sobre a alma ministrando a "cura interior".
Absoluto equívoco.
• Confundem hipnose com ação do Espírito Santo. Os
pregadores de "cura interior" fazem a hipnose parecer obra
do Espírito Santo. Isso é coisa muito séria, e os seus
laboratórios não têm sido muito bons. A regressão como
terapia pode até ser utilizada, desde que feita por profissionais
maduros. Mesmo assim,seus resultados ainda são imprevisíveis.
O inadmissível é ver pessoas ineptas Iançando-se a fazer o
que desconhecem.

A salvação curadora de Cristo

Devemos entender, de uma vez por todas, que a salvação


em Jesus Cristo é plena, mas às vezes a aplicação dessa salva­

86
ção,no seu sentido histórico, não é plena. Resulta que muitos
cristãos estão convivendo com amarguras psicológicas
terríveis, por desconhecerem alguns fatos ligados à salvação.
Na tentativa de elucidar alguns pontos deste assunto,
colocamos abaixo vários aspectos da abrangência da salvação.
Analisemos sem delongas:
• A salvação em Cristo cura o homem de todos os
problemas psicossomáticos. Não podemos esquecer que a
palavra salvação [no grego, soteria) tem no Novo Testamento
a acepção também de curar. Portanto, não estamos incorrendo
em nenhum erro hermenêutico ao dizer que a salvação
oferecida a nós através de Jesus nos cura dos problemas
psicossomáticos.
• A salvação em Cristo cura o homem de todos os seus
traumas psicológicos. É Jesus quem diz que o conhecimento
da verdade nos torna livres. Há uma coisa que é incontes­
tável na vida daqueles que são tocados pelo amor de Deus:
todas as outras coisas ficam pequenas diante da grandeza do
cuidado de Deus por nós.
• A salvação em Cristo nos garante o cancelamento de
toda a culpa. Em Cristo, todas as dívidas foram pagas e toda
a culpa cancelada. Segundo Paulo, Jesus rasgou a cédula de
condenação que era contra nós, cancelando de uma vez por
todas a nossa culpa. Não entender isso é ficar se penitenciando
todo o tempo numa interminável busca pelo perdão.
Os que vivem a vida cristã como se estivessem pagando
alguma d ívida a D eus, ce rta m e n te ainda não
experimentaram a paz de saber que toda a nossa culpa foi
cancelada no sacrifício completo, perfeito e final de Jesus
Cristo por nós.
• A salvação em Cristo nos cura da auto-imagem negativa.
A primeira coisa que acontece com aquele que é salvo por
Cristo é ter uma imagem positiva de si mesmo, deixando de
lado o pessimismo e a visão fatalista que vinha tendo da sua
história.

87
Maldição hereditária

y os últimos anos,as igrejas brasileiras foram invadidas


por uma literatura repleta de senões teológicos,
porém muito convincente. E como nós estamos nu­
ma época em que a maioria das pessoas não pensa e
por isso mesmo não quer saber de onde é o "santo"
e quem ele é, mas deseja apenas o milagre que ele
a. faz, essas "novas descobertas teológicas" foram bem
aceitas em nosso meio sem discussão. Uma delas foi a
"maldição hereditária", seguida de "as palavras têm poder"
desembocando na glamourosa "quebra de maldição". A
proposta da maioria dos livros de "quebra de maldição" é de
fato irrecusável. Portanto, continuo asseverando que o maior
problema do povo de Deus é a falta de conhecimento bíblico.
"O meu povo foi destruído, porque lhe faltou o conhe­
cimento", deblaterava Oséias.
Ainda que sejam abomináveis em seu conteúdo, o nosso
maior problema não são "as novas teologias" que invadiram

89
os ares das igrejas brasileiras, mas sim a cultura do imediatismo
que persiste entre nós, alimentando-se continuamente dos
novos modismos. Todavia, se conseguirmos destruir o
monstro feroz de mil cabeças — a ignorância bíblica — que
sobrevive da nossa irracionalidade, será fácil rejeitar tudo o
que for contrário aos valores reais da vida cristã.
É no mínimo irracional, para não dizer catastrófico,aceitar,
por exemplo, que a "maldição"consiste em palavras carregadas
de autoridade ou de um poder sobrenatural, que fazem as
coisas acontecerem, e cujas tendências passem de geração a
geração, seja para o bem, seja para o mal. Algumas pessoas
definem maldição como autorização dada ao diabo por
alguém para causar dano à vida do amaldiçoado.

Esclarecimentos

Definições estapafúrdias e equivocadas como essas não


podem gerar outra coisa senão um povo de comportamento
amedrontado, esquizofrenizado e de tendências patológicas
acentuadas. Primeiro, porque quando se admite que uma
palavra tenha em si mesma potencialidades definitivas para
fazer e criar o bem ou o mal,admite-se também que qualquer
um tem a possibilidade de criar e fazer maldades e bondades
sem limites, apenas jogando expressões de grandeza ou
execrando alguém. Segundo, porque essas definições precárias
dão à bênção e à maldição poderes autônomos de se
concretizarem nas vidas das pessoas. Terceiro, porque traz a
desastrosa tendência de se pensar que para abençoar é só
proferir palavras de grandeza sobre alguém, e amaldiçoar
significa fazer apenas o inverso.
Isso mostra que qualquer ser humano tem poderes
ilimitados para amaldiçoar e para abençoar, o que é um
grande disparate teológico. Além do mais, não se abençoa
alguém apenas com palavras de otimismo e bondade.
Abençoa-se uma pessoa ensinando-lhe um viver mais

90
próximo do Senhor. Também não se amaldiçoa com
execração, mas levando as pessoas a rejeitarem a Deus, fonte
de bênção. Q uarto, porque na Bíblia não há preocupação
de Deus com o que amaldiçoa. A razão é muito simples: as
palavras de maldição sempre se originam de um coração
azedo,amargurado, perverso, cheio de ódio. De sorte que a
preocupação de Deus é sempre no sentido de livrar o que
amaldiçoa, e não o amaldiçoado; isso porque, do ponto de
vista divino, nenhuma maldição verbalizada, vindo de quem
vier, pega. Além do que, Jesus, no Novo Testamento, nos
manda amar nossos inimigos e orar pelos que nos
perseguem (Mt 5.44], fechando, assim, o cerco a todo
sentimento colérico que origina a maldição verbalizada.
O que está realmente acontecendo com este assunto é
que se está confundindo juízo [maldição] de Deus, que já foi
cancelado pela morte expiatória de Jesus Cristo no Calvário,
com fetiches humanos resultantes de superstição, o que é
bem diferente. À luz da Bíblia, a melhor definição para a
palavra "maldição" é uma sentença que vem da quebra da lei
moral de Deus. O que está escrito em Êxodo 20.5,6 é o
juízo previsto na lei para os desobedientes, enquanto
permanecerem na desobediência. O leitor precisa saber que
toda maldição prevista na lei de Moisés foi cancelada de
uma vez por todas por Jesus Cristo, que se fez maldição em
nosso lugar [Rm 8.1; GI 3.13,14].
Assim, quando Deus pronuncia uma maldição, é em
primeiro lugar uma denúncia contra o pecado [Nm 5.21,33;
Dt 29.19,20]. Em segundo lugar, a maldição é o julgamento
de Deus contra o pecado [Nm 5.22,24,27; Is 24.6].Terceiro,
a pessoa que está sofrendo as conseqüências do pecado por
motivo do julgamento de Deus,é chamada de maldição [Nm
5.21,27; Jr 29.18]. Isso quer dizer também que,se a pessoa for
recebida por Jesus numa entrega absolutamente consciente
de vida, o juízo [maldição], previsto pela lei sobre todos os
transgressores, não mais atingirá.

91
Falta de conhecimento

Muitos cristãos, estranha e absurdamente, têm vivido à


margem da vida vitoriosa outorgada por Jesus Cristo pelo
fato de estarem admitindo em suas vidas maldições que o
sacrifício de Jesus já cancelou de uma vez por todas [Cl
2.14,15]. Tem gente vivendo uma dramática história de dor,
angústia e sofrimento, por achar que tudo o que lhe acontece
é em função de um laço sangüíneo maldito contra o qual
não pode lutar e do qual não pode escapar. Eu conheço
pessoas que, mesmo sendo cristãs, vivem a fatídica perspectiva
de que estão sob maldição. Muitos outros vivem a síndrome
de Proteus, rolando a pedra da sua maldição imaginária dia
após dia, subindo e descendo a montanha de sua existência
miserável. Ainda há os que vivem de braços dados com a
superstição: não deixam chinelo virado dentro de casa; têm
medo de mau olhado, de pragas pronunciadas; não saem de
casa nas sextas-feiras treze; não pulam fios e vigiam dia e
noite por medo do diabo.
Por essas e outras tristes realidades no meio evangélico é
que escrevo sobre o assunto, a fim de dirimir dúvidas que
porventura vêm tirando o sono de pessoas que ainda não
conseguiram entender a esmagadora vitória de Jesus no
Calvário,anulando em definitivo toda a maldição do pecado
que pesava sobre nós.

Maldição hereditária existe?

Absolutamente. Mas com a morte do último descendente


do sexo masculino da família Kennedy,a famigerada idéia de
uma maldição hereditária voltou com força total a algumas
reuniões neopentecostais. Pregações eloqüentes avisando que
as pessoas ■
— evangélicas ou não — estão correndo perigo
de algo para além do natural, do qual têm que se livrar, é o
que mais se ouve nesses lugares.

92
A massificação da idéia de que qualquer insucesso na
vida resulta de uma provável transferência congênita vem
fazendo muita gente acreditar que a Bíblia apóia o ensino
acerca da maldição hereditária, ou seja, que o pecado de uma
pessoa vai se transferindo para outra em família, numa linha
seminal interminável. Mas, pasme o leitor, alguns grupos
neopentecostais estão apregoando que até mesmo um cristão
precisa da "oração de desligamento" para poder se livrar dos
espíritos familiares que lhe prendem.
Conquanto o ensino sobre maldição hereditária tenha
tido repercussões fora do comum no meio evangélico e se
tornado tema de vasta literatura, as evidências bíblicas se
exacerbam diante de nós, provando-nos totalmente o
contrário.
Eu gostaria, primeiramente e por desencargo de
consciência, de citar os dois textos bíblicos mais utilizados
para respaldar a tão badalada idéia de maldição hereditária,
que vem criando expectativas inexistentes e irresponsáveis
nas pessoas.
1. O primeiro texto encontra-se em Levítico 19.31; 20.6
[versão King James]:

Não vos voltareis para os que têm espíritos familiares, para


serdes contaminados por eles. Eu sou o Senhor. E a alma que
se voltar para os espíritos familiares, eu me voltarei contra ela,
e a eliminarei do meio do meu povo.

O erro cometido pela versão inglesa King James [ou do


Rei Tiago], que usa as palavras "espíritos familiares" em lugar
de "os que consultam os mortos [necromantes] nem para os
feiticeiros", dá imaginação aos intérpretes da maldição
hereditária para fazerem a Bíblia dizer o que ela nunca disse.
[As versões em português mais conhecidas não contêm essa
expressão.] No entanto, Levítico não está falando de "espíritos
familiares" que passam, por exemplo, de um avô para um

93
neto, mas sim da adivinhação, da consulta aos mortos e da
feitiçaria, que são práticas abomináveis a Deus. O capítulo 19,
verso 31 fala tão-somente de algumas leis já proferidas e que
agora ganham forma de reiteração divina, para que o povo
não se contamine com as abominações das outras nações ao
seu redor, porque Deus os chamou para serem diferentes dos
outros povos, em termos de vida, atitudes e comportamentos.
Por outro lado, Levítico 20.6 salienta a questão das diversas
penas que Deus instituiu para punir os que, porventura,
desobedecem aos seus mandamentos.
2. O segundo texto-prova dos adeptos da maldição
hereditária é Êxodo 20.5,6:

Não te encurvarás a elas nem as servirás; porque eu, o Senhor,


teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a maldade dos pais nos
filhos até à terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem
e faço misericórdia em milhares aos que me amam e guardam
os meus mandamentos.

Nota-se que o texto em tela serve de antítese à teoria da


maldição hereditária. Analisemos:
No v. 5, onde lemos:"... até à terceira e quarta geração
daqueles que me aborrecem", não se refere a netos e trinetos.
O sentido é de continuidade da ira, da sua durabilidade, e
não de sua extensão biológica. Em contrapartida, no verso
6 lemos que a misericórdia divina é para com milhares.
Milhares aqui também não é uma figura matemática, mas
designa a extensão ilimitada do amor de Deus. De modo
que Êxodo 20.5,6 não está falando em transferência
congênita, mas sim ■ — repito — da durabilidade do juízo
divino, ou seja, sempre que houver necessidade de juízo,
haverá juízo. Assim como a misericórdia de Deus sempre
se manifestará na vida dos fiéis.
O te xto supra está asseverando, categórica e
determinantemente, que o agente punidor da transgressão
da lei é o próprio Deus, que julga aqueles que praticam atos

94
abomináveis, e não algo que passa de geração a geração
como um tipo de encantamento.
O texto também deixa muito claro que o juízo de Deus só
cai sobre os transgressores da lei, mas enquanto eles forem
transgressores, pois,ao deixarem de sê-lo — o que só é possível
através de expiação do sangue de Jesus —, deixam de estar
sob a punição de Deus. Logo, deixam de ser amaldiçoados,
como está escrito em Romanos 8.1: "Portanto,agora, nenhuma
condenação [maldição, punição, juízo] há para os que estão
em Cristo Jesus".
A maldição a que o texto se refere trata-se do juízo moral
previsto na lei sobre os desobedientes, enquanto
desobedientes. O texto não está aludindo absolutamente à
maldição congênita, mas ao fato de que a desobediência
impertinente, persistente e incontinente é sempre razão para
o juízo de Deus, apareça ela onde aparecer e em qualquer
geração. Assim como a obediência será sempre motivo para
a misericórdia de Deus se manifestar. Até porque não po­
demos nos esquecer do princípio bíblico de que sob a lei
todos os homens estão condenados, mas sob a graça todos
podem ser salvos.
Finalmente, o texto de Êxodo não associa o juízo de Deus
à possessão demoníaca, embora tenhamos a absoluta
consciência de que isso eventualmente possa até acontecer
na vida de quem vive em desobediência. Mas ela não tem
nada a ver com possessão demoníaca. Pelo contrário, fala do
juízo de Deus previsto na lei sobre os desobedientes.
Ora, convenhamos, se a maldição a que o texto se refere
trata-se do juízo sobre aqueles que transgridem a lei, pergunto:
de que forma uma oração de desligamento pode cancelar
uma maldição divina? Mais: como uma regressão pode livrar
uma pessoa que está debaixo do juízo da lei de Deus?
A conclusão é simples: essa prática, com base na Palavra
de Deus, é pura temeridade e inconseqüência de quem a
ensina. Além disso, a Bíblia também afirma que Deus não

95
condena o filho por causa do erro do pai nem vice-versa.
Assim pontifica o profeta:

Mas dizeis: Por que não levará o filho a maldade do pai?


Porque o filho fez juízo e justiça, e guardou todos os meus
estatutos, e os praticou, por isso, certamente viverá. A alma
que pecar, essa morrerá; o filho não levará a maldade do pai,
nem o pai levará a maldade do filho; a justiça do justo ficará
sobre ele [Ez 18.19,20].

Estamos confundindo duas coisas completamente diferentes:


conseqüências de ordem meramente natural e juízo moral de
Deus. Enquanto as conseqüências naturais quase sempre
acontecem por conta da própria imprevidência humana, o
juízo legal de Deus acontece na vida dos transgressores e de
forma bem individual. ]esus, no entanto, diz:
E o julgamento é este: a luz veio ao mundo, mas os
homens amaram mais as trevas do que a luz porque suas
obras eram más.

Palavras não têm poder de encantamento

As palavras influenciam e muito a vida de uma pessoa e,


algumas vezes — isso varia de pessoa para pessoa —, de
forma definitiva.Todavia, conquanto as palavras tenham o poder
de formar e deformar personalidades,elas não são ingrediente
absoluto na construção ou destruição do caráter de uma
pessoa. Uma palavra maldita só pode influenciar realmente
alguém quando sustentada por uma sucessão de gestos e
atitudes. Mas nem isso pode ser entendido como algo definitivo,
porquanto as reações,às vezes,tomam caminhos imprevisíveis.
O caso, por exemplo, de jefté (Jz 11.1-40], que foi preterido e
achincalhado por seus irmãos pelo fato de ser filho de
prostituta. Seguindo a idéia corrente da maldição oral, Jefté
deveria se transformar num pária da sociedade. A o contrário,
tornou-se um dos libertadores do povo de Israel.
Mas se as palavras não podem dar definição absoluta
ao destino de alguém — por isso mesmo a Bíblia não põe
acento sobre o que as recebe, mas sim em quem as
pronuncia ■ — elas têm sempre o poder de influenciar
psicologicamente.
Deixe-me explicar isso de uma forma bem clara ao leitor,
porque é exatamente nesse ponto que acontecem as maiores
e mais absurdas distorções.
Quando eu digo que as palavras têm sempre o poder
de influenciar psicologicamente alguém, não estou
admitindo em hipótese alguma que elas sejam entidades
isoladas de poder sobrenatural, como admite a maioria
dos escritores do tema "bênção e maldição". Estes chegam
ao absurdo de dizer que uma praga lançada em condições
absolutamente circunstanciais tem o poder de destruir,
mesmo que venha de um pai e de uma mãe circunstanci­
almente aborrecidos. Essa idéia é absolutamente falsa
porque não tem apoio bíblico. Mais: se admitirmos que
uma palavra proferida tem o poder de amaldiçoar alguém:
a] estamos aceitando a infeliz idéia de que uma pessoa
pode criar e fazer maldades sem limites apenas execrando
alguém; e b] qualquer um pode construir e destruir uma
vida com simples palavras.

Maldição sob tom profético

Nenhum homem, por mais espiritual que seja, é capaz


de abençoar ou am aldiçoar alguém com palavras
circunstanciais. Isso porque uma maldição proferida,segundo
a Palavra de Deus,é sempre o cumprimento de uma sentença
prevista na lei de Deus. Razão por que o porta-voz da sen­
tença divina não pode modificá-la, retê-la ou desfazê-la. O
episódio ocorrido na vida do profeta Samuel demonstra
essa verdade. Após ter pronunciado palavra de juízo sobre
a vida de Saul [1 Sm 17], ele começou a penalizar-se face à

97
sorte do rei de Israel. Mas Deus disse não a Samuel: "Até
quando terás dó de Saul, havendo-o eu rejeitado, para que
não reine sobre Israel?" [1 Sm 16.1].
Quando um profeta proferia maldição sobre alguém, não
o fazia como resultado de impulso pessoal, e sim num
pronunciamento absolutamente profético. Ou seja,algo para
além dos mesquinhos sentimentos humanos. Assim acon­
teceu quando Josué proferiu o juízo divino sobre quem
tentasse reedificar Jericó [Js 6.26] e quando um profeta
anônimo deu a sentença divina sobre a casa de Eli [1 Sm
2.27-36],
Todos os pronunciamentos que foram feitos de forma
acidental,caso tenham exercido influência psicológica, nunca
ultrapassaram esse limite.
Temos que entender bem essa parte do assunto para
prosseguirmos o estudo.
Algumas palavras de bênção e maldição proferidas no
Antigo Testamento foram por vingança, raiva e,às vezes, por
mera projeção psicológica de um olhar que só estava vendo
o presente, o previsível. Noé é um exemplo clássico para
ilustrar o primeiro fato. Ao ver-se envergonhado por Cam,
seu filho,desferiu raivosamente sobre seus descendentes uma
palavra de cunho eminentemente pessoal [Gn 9.22-27]; isso
porque não há base bíblica nenhuma para a suposição de
que os descendentes de Canaã foram amaldiçoados como
conseqüência imediata da transgressão de Cam.
Sobre o segundo fato bíblico, temos o ocorrido com o
patriarca Jacó, que, cansado e trôpego, coloca os filhos
enfileirados e, impondo-lhes as mãos, profere sobre eles
palavras proféticas, algumas das quais revelam apenas a sua
impressão pessoal e psicológica [Gn 49.1-27].
As palavras exercem,sim, influência na vida de uma pessoa.
Aliás, ninguém consegue viver sem elas. Mas não são apenas
as palavras que influenciam alguém — repito — mas um
somatório de fatos.

98
Ninguém nasce sob a influência de uma
maldição hereditária

O texto de Êxodo 20.5,6 não se refere à suposta


contaminação biológica apregoada por alguns. Menciona
apenas a extensão da ira divina, que pune o pecado sempre
que ele se apresenta. A mesma regra hermenêutica aplica-se
à expressão "com milhares", do verso 6; isso por dois mo­
tivos básicos. Primeiro, porque se aceitarmos a teoria da
contaminação espiritual, temos que aceitar também a da sal­
vação espiritual; logo, teríamos que admitir que todo filho
nascido de pais santos é santo também, e todo filho nascido
de pais ímpios é ímpio; o que,à luz da Bíblia, é inconcebível.
Segundo, porque a maldição origina-se de uma sentença
prevista na lei de Deus; não acontece por prossecução bio­
lógica. Assim como o caso das doenças comprovadamente
congênitas não é um problema ético-espiritual, mas sim
genético-biológico. Algo totalmente diferente.

99
10

Caí no poder!
O que me aconteceu?!
modismo é antigo, mas os nomes são modificados, a
rigor, para não dar a idéia de plágio ou coisa parecida.
Isso geralmente acontece porque o grupo que adota
a experiência, não querendo receber a denominação
de plagiador, coloca novo nome no fenômeno para
dar a impressão de que se trata de algo diferente.
Em razão disso, a lista vem crescendo, além das
importações dos enlatados estrangeiros que sempre chegam
com a marca de um famoso evangelista. Hoje, os nomes
alcançam o número de seis, a saber: fanerosis [palavra grega
que significa "manifestação"]; "cair no poder", "cair no
bálsamo", "repouso no Espírito", "arrebatamentos espirituais"
e"sono no Espírito".
Suponho que algo está faltando em nossa busca de meios
para renovar a igreja. Infelizmente, temos tido mais sucesso

101
em oferecer diversões momentâneas ao nosso povo do que
uma renovação contínua da igreja através do que é essencial.
Temo por aqueles que estão aplicando o nefasto princípio
reoboônico aos seus métodos de renovação: "Não tem
ouro, vai prata mesmo". Ou seja:"quem não tem cão, caça
com gato".
Eu preciso esclarecer, antes de dar prosseguimento a este
arrazoado teológico, que não negamos absolutamente a pos­
sibilidade de uma pessoa ter uma experiência desse tipo
com Deus e ficar totalmente arrebatada. Apenas discorda­
mos do modo e do como está-se fazendo.

Trabalho de indução

Inicialmente, o neófito passa por longa lavagem cere­


bral, onde tudo é muito valorizado, associado a um
massageamento do seu eu. Depois disso, é colocado em
contato com alguma personagem emergente na área do
"cair no poder". Esta lhe sopra, ora, joga paletó, profetiza,
fala ao seu ouvido. Pronto. A partir daí o elemento, coagido
e influenciado, começa a cair.
As pessoas que geralmente caem vivem caindo às custas
de palavras persuasivas, coercitivas ou através de
sugestionamentos e instigações. Isso é semelhante a injetar
LSD na veia de alguém e esperar que tenha comportamentos
espontâneos.
Alguns acham que essa colocação não procede. Mas espere
um momento. Se o fenômeno de "cair no poder" não acontece
por indução, por que, então, chamar as pessoas à frente?
Por que, então, há seminários para incentivá-las a cair, ao
invés de ensiná-las, biblicamente,conio permanecer de pé na
presença de Deus? E por que não informá-las que essa
experiência é raridade e, se tiver de acontecer, acontecerá
sempre sem as"ajudinhas" humanas? Por que,insisto, induzir
o povo a buscar esse tipo de experiência, quando sabemos

102
que, à luz das Escrituras, não é coisa essencial para a vida
cristã? Será que os advogados desse novo modismo ainda
não se deram conta de que estão desviando o povo do
fundamental?
Ninguém cai no poder,como experiência com Deus,caindo,
como se fosse algo produzido pelo próprio ato de cair. O
que eu estou tentando dizer é que, quando alguém cai, está
caindo não como fruto da experiência com Deus, mas cai
por cair, manifestando absoluta imaturidade. Porque Deus
não é encontrado dessa forma. Isso é forçar uma situação. E
mais: se alguém está cansado, tenso, não é caindo a toda hora
e dessa forma "oba, oba!" que encontrará descanso, mas é
buscando a Jesus, que dá alívio ao fardo humano. No profeta
lemos: "Os que me buscam me acharão, quando me buscarem
de todo o coração".
Esse cair no poder é extremamente previsível, forjado,
engendrado e adaptado às circunstâncias. Isso por uma razão
simples: Deus não está nesse negócio. Deixe eu tentar dizer
isso de uma outra maneira.
A premissa de onde partem os que caem é o estar caindo
"no poder" e não "pelo poder". Daí as pessoas caírem à
procura de alguma coisa. Mas raciocinemos se essas pessoas
que estão caindo não estão caindo "pelo poder de Deus", o
que estão fazendo é fabricar suas próprias quedas.
Os santos homens da Bíblia, ao contrário dos que caem
"no poder" na atualidade, caíram realmente em razão da
presença do poder de Deus, embora a postura de cair não
tenha sido algo realizado por Deus. Isto é, não caíram
procurando o poder, mas porque estavam debaixo do poder.
Portanto, temos razões absolutamente pertinentes para
criticar tal modismo — pois, como fica facilmente provado
através de argumentos bíblicos, a prática é verdadeiramente
antibíblica e resultado de coação.
Lembro-me de ter sido visitado uma vez por um grupo
praticante do "cair no poder". Não tiveram muito "sucesso"

103
em nossa igreja, porque cuidei de ensinar ao povo que não
se cai por manipulação, influência, indução ou persuasão
humana, mas quando isso nos ocorre é sempre fruto de
experiência sobrenatural com Deus. Não precisamos de
imposição de mãos, sopro, batidas de paletó na cabeça.
Resultado: ninguém de nossa igreja caiu com a instigação
do grupo.
O problema está aí. Geralmente os que caem à frente
do púlpito de uma igreja são aqueles que foram induzidos,
persuadidos, sugestionados, instigados a experimentar tal
prática como se fosse o fim-meta para resolver todos os
problemas da vida.
São indesculpáveis os que estão fazendo do povo
evangélico objeto de experiências laboratoriais.

O ponto de vista bíblico

Primeiramente, devemos compreender que, no Antigo


Testamento, a atitude de prostrar-se tratava-se de um
estereótipo religioso no tocante à adoração, presumindo
respeito, reverência, saudação deferente, submissão, ênfase para
um pedido e humildade. [Leia Gn 17.3,17; 44.14; Rt 2.10; 2 Sm
1.2; SI 95.6; Ez 11.13; Mt 18.26; 26.39; Lc 17.16; jo 11.32; 1Co 14.25;
Ap 4.10.] Segundo, porque Deus nunca exige de seus
adoradores algo além da sinceridade e contrição. Logo, os que
caem o fazem por conta própria, e não porque Deus
deliberadamente os "jogue" ao chão [Ez 1.28; 2.1]. O caso de
Abraão, Ezequiel, Daniel, joão etc., seguiu o modelo
estereotipado de "prostrar-se" com todos os seus pressupostos.
Jesus, por exemplo, não permitiu que a adoração de Maria
Madalena fosse estática [jo 20.16,17]. As palavras usadas no
texto do Evangelho de João sugerem que a versão grega é
uma tradução errada do aramaico. Jesus falava o aramaico e
não o grego. João, no entanto, traduziu as palavras de Jesus
em grego. Assim, alguns especialistas chegam à conclusão

m
que o que Jesus disse realmente foi: “ Não ocupes tanto
tempo em adorar-me na alegria de teu novo descobrimento.
Vê e dá a boa nova aos outros discípulos". Essa parece a
mais provável explicação do texto. No grego, o imperativo é
um presente imperativo. O sentido estrito das palavras seria:
"Deixa de tocar-me". Ou seja: "Não siga ficando comigo de
maneira egoísta. Dentro de pouco tempo voltarei para o
meu Pai. Quero encontrar-me com meus discípulos tantas
vezes quanto seja possível antes que ocorra minha partida.
Veja e lhes dê a boa nova para que não se perca nenhum
momento do tempo que podemos estar juntos".
Trata-se de uma ordem a Maria para que não aja egois-
ticamente na adoração, mas que chame os demais e os faça
participantes da comunhão.
Qualquer adoração, seja ela a mais sagrada, obrigatoriamente
tem que resultar em atos de devoção aos outros, onde os
gestos de amor pelo irmão não sejam os rotineiros "Vou orar
por você", "Deus vai ajudá-lo", "Vamos jejuar", mas que se
transformem em atos de esbanjamento de caridade e gene­
rosidade.
Afora isso, tanto no Velho como no Novo Testamento
não é mencionado uma vez sequer que alguém tenha caído
para trás [comportamento comum dos que hoje caem]. Os
que caíam o faziam sempre para a frente, com o rosto em pó
[ou entre as pernas].

O mal da simplificação

Alguém ousou dizer numa reunião que o seu ministério


estava cansativo, infrutífero, pesado, sua igreja vazia, sem vida,
quando, de repente, foi "iluminado" para ter a experiência do
"repouso no Espírito", e, a partir daí,todos os seus problemas
foram resolvidos.
Será que o problema de uma igreja vazia se resolve à base
dessa nova fórmula?

105
O ra , convenham os, isso é uma atitude de pura
simplificação do sagrado. Aliás, esse é um fenômeno acerca
do qual precisamos falar, porque vem trazendo males
irreparáveis para o povo de Deus. O mais sério na simplifica­
ção é o seu poder de restringir e substituir. Primeiramente,
restringe todo o ensinamento de Jesus a um ato imaturo
de cair e levantar, dando um falso sentim ento de
espiritualidade e de presença de Deus. E, em segundo lugar,
porque substitui furtivamente o essencial da vida cristã
por um falso bem-estar. No caso aqui tratado, as pessoas
são levadas a pensar que o fato de estarem caindo é o
suficiente para provar que sua vida cristã está indo muito
bem. Ledo engano.
Os que estão preterindo os ensinamentos de Jesus Cristo
às custas de uma igreja cheia estão praticando ato realmente
imperdoável. Alguns líderes, preocupados com suas igrejas
vazias, estão lançando mão de modismos a fim de enchê-
las. Mas esses meios de"renovação"terminam saindo muito
caro para quem os adota, porque, a curto prazo, viram
tendências patológicas. Primeiro, porque acostumam as
pessoas a não mais desejarem ficar de pé para enfrentar os
desafios da vida. Segundo, porque essa prática, além de ser
extremamente alienante e escapista, nutre uma falsa idéia
de espiritualidade; isso porque os que oram pensam estar
em perfeita sintonia com Deus, por conta das pessoas
estarem caindo sob suas orações. Os que caem, por sua
vez, imaginam-se aceitos por Deus porque estão caindo.
Estranhamente, há líderes que não mais conseguem
conter o seu povo de pé. Outros há que já não se preocupam
tanto em preparar uma mensagem bíblica para o seu povo,
porquanto já sabem o que vão fazer nos seus púlpitos.
Alguns há que, em vez de levarem a Bíblia para a igreja,
estão levando colchões, travesseiros, cobertores etc. Pior:
alguns grupos estão levando tão a sério o assunto que não
mais esperam a hora da mensagem e da oração para caírem.

106
Caem por qualquer motivo e a qualquer hora. O fenômeno
está ficando tremendamente incontrolável.
O esvaziamento dos princípios fundamentais da fé cristã
é tão grande no meio dos grupos que admitem essas "novas
regras" de renovação para a igreja que assistimos, pasmados,
à solvência quase que total dos valores cristãos mais
elementares contidos nos Evangelhos.
Adm itir esses modismos em nossas igrejas é como
construir "castelos" na areia, que, ao menor indício de
tempestade, desabam sem impor qualquer resistência.

O suposto dom de fazer cair

já existem pessoas acreditando profundamente que fazer


alguém cair é um dom de Deus. Mas não existe esse dom na
Bíblia Sagrada. Isso é absurdo!
Há grupos especializando-se na prática de levar pessoas a
caírem "no bálsamo". A influência é tão nefasta que tem
gente já se arrogando capacitadas por Deus para "jogar"
pessoas no chão, ao invés de ajudá-las a se erguer.
O pior disso tudo é que o fenômeno tem se tornado
termômetro para medir espiritualidade. Por exemplo, o que
ora e impõe as mãos é o que tem o "dom", o poder; o que
cai e recebe a oração trata-se de um subproduto espiritual.
Se isso não é verdade teoricamente, na prática e na "cabeça"
das pessoas é assim que funciona. Aliás, não podemos nos
esquecer de que quando uma multidão cai sob a oração e
batida de paletó de algum "poderoso" evangelista, isto não
é sinal de superpoderes, mas sim de concreta imaturidade.
Porque só o fato de alguém buscar uma experiência dessa
para descobrir qual o "novo" movimento de Deus, revela
imaturidade e falta de entendimento bíblico. Não é preciso
ser exegeta nem hermenêuta bíblico para descobrir que o
assunto se trata de mais um modismo que vem e vai de
forma meteórica.

107
Imagine, leitor, se Deus vai ser cúmplice de prática tão
equivocada como essa, sob o pretexto de estar sendo adorado.
Antes era a profecia que estava presente em todas as reuniões;
agora o fenômeno do "cair no poder". Pergunto: O que vem
depois disso?
Mas será que alguém é tão imaturo assim que se deixe
levar por esse engodo, essa forma equivocada de medir e
separar espiritualidades?
Por outro Iado,é necessário invocar um dos fundamentos
da hermenêutica que diz que a Bíblia interpreta a própria
Bíblia, a fim de dizer que as experiências dos homens mais
santos que já passaram pela história e que deixaram rastro
de fé e devoção não podem servir de elemento-prova para
afirmar que uma prática cristã é realmente bíblica, uma vez
que a igreja no passado passou por essa ou aquela experiência.
Isso porque nem tudo que a história conta — embora tenha
conteúdos riquíssimos — serve de orientação e padrão para
nós. A nossa orientação vai além de uma experiência qualquer.
Pois não somos nós que determinamos o que a Bíblia tem
ou pode nos dizer, mas é a Bíblia que determina o que
podemos e devemos dizer.
Uma outra coisa que devemos salientar é que as
experiências pelas quais a igreja já passou com a visitação
de Deus são reações humanas à manifestação de Deus. Ou
seja: uma manifestação pode ser — e quase sempre é —
seguida pelas reações as mais variadas. Isto posto, podemos
dizer que o que é inquestionável nesses episódios é a
manifestação de Deus. Todavia, as reações — esta é a parte
humana — devem ser analisadas como comportamentos
individualizados.
Eu não consigo aceitar que isso tenha influenciado tanta
gente, mormente o povo de Deus — povo ao qual Deus
faz sérias recomendações no sentido de que não aceite
qualquer tipo de experiência sem antes comparar com as
Escrituras Sagradas.

108
Assim já dizia o apóstolo João:"Amados, não creiais em
todo espírito, mas provai se os espíritos vêm de Deus"
[I João 4.1].

Esquecendo o essencial

Os que já experimentaram “ repousar" no Espírito, quando


inquiridos sobre o que sentem ao caírem, dizem ter uma
forte sensação de paz e leveza no coração, resultado do
efeito do forte sugestionamento sob o qual estão. Mas quem
disse que sentir paz é condição essencial e comum dos que
passaram pela experiência de cair pelo poder na Bíblia?
O que a Palavra de Deus nos exibe é coisa diametralmente
oposta. Os santos homens da Bíblia que passaram pela
experiência de "cair pelo poder de Deus" ficaram debaixo de
profunda convicção de pecado, não tendo capacidade sequer
de olhar para Aquele que lhes falava.
Ao contrário, hoje as pessoas caem e se levantam e
continuam as mesmas, sempre caindo e levantando, sem
qualquer transformação. E mais: por que é que a pessoa para
"cair no poder" tem de necessariamente receber imposição
de mãos, sopro, paletó na cabeça ou palavras de oração?
Digo isso porque em algumas reuniões onde presenciei
essa prática, observei que os da linha de frente, após
terminarem seu"trabaIho exaustivo",preparavam-se,ao final,
para caírem também. Começavam orando e impondo as mãos
uns sobre os outros. Alguns até exibindo certas preferências
na hora de receberem a oração. De repente, todos estavam
no chão, provando que a prática não tem nada a ver com o
sobrenatural, mas é fabricação genuinamente humana.
O que o leitor deve entender nesta exposição é que
essa frenética busca de "cair no poder" desvia a atenção
das pessoas de Deus para a experiência em si. Isso quer
dizer que as pessoas estão buscando alguma coisa que
imaginam fazê-las chegar a Deus. Estão enganando a si

109
mesmas, pela própria comodidade dessa prática, que traz a
falsa idéia de que tudo está bem. Porque se todos estão
caindo e sentindo paz, tudo está em perfeita ordem. Não.
Não. Isso está absolutamente errado.
Fundamentalmente, essas pessoas estão sendo enganadas
em dois pontos principais. O primeiro é no que se refere à
essencialidade. Porque o essencial à vida cristã não é ficar
caindo para ter paz, mas sim buscar o Deus de paz. O segundo
é no que se refere à substancialidade. Cair no poder da
forma praticada, atualmente, não dá a ninguém substância
espiritual. Ninguém fica cheio do Espírito Santo dessa forma.
Isso só acontece através de exercício espiritual acompanhado
de uma vida de comunhão com Deus, uma vida de coerência,
profundidade, compromisso, doação, devoção, uma vida de
aprendizado, através do qual começamos verdadeiramente a
descansar na soberania de Deus.
Um terrível erro a ser salientado nessa prática é o que
tem a ver com a sua forma programada de acontecer. Estranha­
mente, as pessoas estão sendo convidadas para essas reuniões
para caírem, ao invés de serem convidadas para cultuarem a
Deus e para ouvirem a sua Palavra.
Será que não acreditamos mais na eficácia da Palavra de
Deus para transformar o homem? Será que precisamos de
apelações, "ganchos", para que as pessoas sejam atraídas
ao Evangelho? Será que não estamos vendo que todos
esses modismos levam as pessoas a se afastarem do que é
essencial?
Quando damos nome a um culto, por exemplo, de "culto
de libertação", "culto de cura divina", ou ainda “ culto de
imposição de mãos", será que não nos damos conta de que
estamos encabrestando e instrumentalizando a Deus? Pois
quem é que pode preestabelecer o que Deus quer realizar
num culto?
Com isso, não estou declarando que não se deva mais
orar pelos enfermos nem expulsar os demônios. Apenas

110
ressalvo que, para fazer isso,devemos estar realmente sob a
direção de Deus, a fim de não tornar o sublime comum, e
assim evitar que o poder de Deus seja instrumento da
autoglorificação humana.

Princípios bíblicos

Que o leitor atente para os componentes que se fizeram


presentes em todas as experiências que os santos homens
bíblicos tiveram quando caíram pela presença de Deus e tire
suas próprias conclusões ao compará-los com o que hoje
vem acontecendo em algumas igrejas pentecostais.
Espontaneidade. Sempre foi um dos elementos fundamentais
na experiência que os santos homens da Bíblia tiveram com
Deus. Por exemplo, Abraão. A Bíblia refere-se ao ocorrido
com o patriarca, usando as seguintes palavras: "Então caiu
Abrão sobre o seu rosto, e falou Deus com ele..." Observe o
leitor que Abraão não foi sugestionado nem tampouco ins­
tigado a cair.O fato lhe aconteceu espontaneamente. Ninguém
estava lá para lhe soprar, bater com uma túnica; ninguém
colocou as mãos sobre a sua cabeça.
Inesperado. Nenhum homem da Bíblia caiu diante de Deus
por estar programado, pré-ordenado. A visita de Deus foi
algo inesperado. Daniel, por exemplo, quando caiu foi em
razão de ter tido uma visão desconcertante. Ele não estava
ali programado para cair, mas caiu em função da visão
inesperada e surpreendente que recebeu [Dn 10.7-10].
Raridade. Cair para frente e com o rosto em terra era
algo comum para qualquer adorador no Antigo Testamento.
O que não era comum, no entanto, era a manifestação de
Deus. Poucos homens da Bíblia passaram pela experiência de
vivenciar a presença de Deus, alguns dos quais só a tiveram
uma vez em toda a sua vida. Hoje, infelizmente, um contingente
enorme de pessoas vai à igreja programado para cair, numa
total vulgarização do sagrado.

111
Tem or. A sensação de estar sendo invadido pelo
sobrenatural, algo completamente diferente, espiritual, gera
um pouco de assombro, estranheza. Daniel, por exemplo,
ficou assombrado com as revelações de Deus [Dn 8.17,18].
Convicção de pecados. A o contrário do que ocorre hoje,
os homens da Bíblia sentiam-se, ao serem surpreendidos pela
presença majestosa de Deus,sob uma esmagadora consciência
de seus pecados [Is 6.5].
Propósito. Deus não faz nada inutilmente. A s poucas vezes
em que a Bíblia fala de uma manifestação sobrenatural de
Deus na vida de um indivíduo, foi sempre em razão de algum
elevado propósito. De sorte que, fazer alguém cair como
demonstração de força e espiritualidade, é totalmente fora
de propósito [1 Co 12.7].
Transformação. Todos os homens bíblicos que passaram
pela experiência de vivenciar a presença de Deus, consta da
Bíblia que, após a experiência, foram transformados. Todavia,
isso não quer dizer que devamos viver atrás de experiências
mágicas com Deus, como se elas pudessem mudar nossa vida,
em vez de viver a vida cristã no seu dia a dia, aprofundada no
conhecimento da Palavra de Deus e da pessoa de Jesus Cristo.
Missão. Qualquer experiência sobrenatural com Deus que
não redunde em missão, transforma-se em autoglorificação
e causa deslumbramento. Por isso mesmo, Deus sempre
cuidou para que as suas revelações não se tornassem troféus
para ninguém, mas se tornassem compromissos missionários.
[Leia Êx 3.2-16; Is 6.1-9; Ez 2.1-3; Dn 10.8-12; Ap 1.17-19.]

Atitudes corretas a serem tomadas


em relação ao modismo

Eu desejo, antes de terminar esta exposição, exibir, para o


leitor, algumas atitudes equilibradas e maduras que devem
ser tomadas a fim de salvaguardar as pessoas sérias e as que
desejam viver uma vida pautada na coerência da Palavra de

112
Deus mas que ainda não têm a devida maturidade bíblica. Se
não, vamos à amostragem, sem delongas:
1. Evite freqüentar reuniões em que pessoas estejam caindo
indiscriminadamente sugestionadas p o r alguém. Corretamente
nos chama a atenção para isso o escritor Gondim. Diz ele:

Ora, se arrebatamentos (cair no poder] acontecem como ato


soberano de Deus, é lógico que não podem ser manipulados,
produzidos por vontade humana ou incentivados.

2. Procure não ter contato com pessoas que estão ficando


"famosas" p o r praticarem o "cair no bálsamo", como se
fosse uma experiência de toda hora e de todo dia. Não se
esqueça que, segundo a Bíblia, esse fenômeno é excepcional.
3. Não faça parte da multidão perdida, que vive atrás de
"novas experiências", porque, quase sempre, os que vivem
no "oba, oba!" da vida não se definiram e só vivem sob o
estímulo de novos modismos.
4. Compare>de forma madura e equilibrada, as chamadas
"novas experiências" com 1 Coríntios 12.7, onde se lê. "A
manifestação do Espírito é dada a cada um para o que for útil".
Assim assevera de forma muito precisa certo escritor: "O
testemunho de quem experimenta 'arrebatamentos' não pode
ser apenas:" Senti uma grande paz". Primeiro, porque nem tudo
o que produz uma grande paz é, necessariamente, de Deus.
Segundo, porque Deus sempre age com desígnio e propósito.
"Ora", continua o escritor, "quando a glória de Deus se
manifesta a alguém, sempre há arrependimento, compromisso
com santidade, novo ardor missionário, e acima de tudo
uma reavivada percepção de Deus. Parece que uma pessoa
ser visitada por Deus para sentir uma sensação de leveza soa
incoerente e imaturo".
5. Não se deixe levar pelas notícias exóticas e sensa­
cionalistas de que Deus está "operando" em tal lugar. Isso é
falsa propaganda. Jesus disse que os seus sinais seguiriam
aos que cressem, e não o contrário (Mc 16.17], Além do mais,

113
segundo as Escrituras, o que devemos buscar não é um
"novo método" ou uma "nova fórmula", mas sim sintonia
com o que a Bíblia nos exibe.
6. Prove> com o estudo analítico da Palavra de Deus, o
que está ocorrendo ao seu redor. Você, por isso, não estará
lutando contra a obra de Deus; pelo contrário, será menos
um a ser enganado. João, o apóstolo do amor, pontifica:"...
não creiais em todo espírito, mas provai se os espíritos vêm
de Deus!’ [1 João 4.1].
7. Não entre na fila dos que recebem oração para cair a
fim de saber se a prática é de Deus ou não. Isso se traduz
como pura imaturidade cristã e falta de conteúdo bíblico,
uma vez que a Palavra de Deus nos fornece todos os
ingredientes necessários para concluirmos que a prática do
"cair no poder" é, sem sombra de dúvida, um modismo
equivocado. Por isso, Paulo adverte os imaturos coríntios:

Quando eu era menino, falava como menino, pensava como


menino, raciocinava como menino. Mas, logo que cheguei a ser
homem, acabei com as coisas de menino [1 Co 13.11].

Falando em imaturidade, não posso deixar de citar também


a epístola aos Hebreus, capítulo 5, versículos 11 a 14:

Do qual muito temos que dizer, de difícil interpretação,


porquanto vos fizestes negligentes para ouvir. Porque, devendo
já ser mestres pelo tempo, ainda necessitais de que se vos
torne a ensinar quais sejam os primeiros rudimentos das
palavras de Deus; e vos haveis feito tais que necessitais de leite
e não de sólido mantimento. Porque qualquer que ainda se
alimenta de leite não está experimentado na palavra da justiça,
porque é menino. Mas o mantimento sólido é para os perfeitos,
os quais, em razão do costume, têm os sentidos exercitados
para discernir tanto o bem como o mal (Grifo nosso].

Importa que nós, o povo de Deus, sejamos um pouco


mais "bereanos" quanto à verdade, para não sermos ima-
turamente levados por todo vento de doutrina.

114
Apêndice 1

Oração por dentes de ouro

ão há como duvidar de Deus e do seu poder. Ele


pode fazer qualquer coisa: do mais difícil ao mais
impossível. Essa é uma verdade incontestável. Logo,
é um erro teológico dizer que Deus pode "algumas"
coisas e "outras" não. Aliás, a pergunta que cabe
aqui não é se Deus pode, mas se é correto instru­
mentalizá-lo. Por isso, neste arrazoado, a intenção
não é mostrar que Deus não pode dar dente de ouro a
alguém através da oração. O problema não é esse, mas
sim, o fato de se dar ênfase demasiada a um milagre, como
alguma coisa especial em detrimento de todas as outras
coisas que Deus faz. Dizer que Deus pode tudo para provar
que Ele é capaz de fazer tudo que lhe pedimos,até mesmo
os absurdos, aplica-se a uma outra situação. Para começar,

115
nem tudo que pedimos a Deus é da vontade de Deus. Assim
já dizia João, o velho apóstolo:"Esta é a confiança que temos
diante dele: Se pedirmos alguma coisa segundo a sua vontade,
ele nos ouve"(l Jo 5.14]. Uma outra questão a sublinhar é que
a forma como pedimos a Deus não deve ser no sentido de
forçá-lo, obrigá-lo, por conta da oração. Jesus nos ensinou:"E
quando orares não uses de vãs repetições, como os gentios;
que pensam que pelo muito falar serão ouvidos. Não vos
assemelheis a eles, pois vosso Pai sabe do que necessitais antes
de lhe pedirdes a eIe"[Mt 6.7,8].

Nem sempre milagres previstos são


milagres para todos

À s vezes temos visão errada dos milagres de Deus por


acharmos que Deus tem obrigação de fazer tudo quanto
promete fazer. Deus quando realiza seus milagres não é para
mostrar a sua força, mas sim que Ele é o Deus da vida. Não
há na Bíblia uma lista dizendo o que Deus pode e o que Ele
não pode. Por isso mesmo qualquer milagre invocado deve
ser feito sob total submissão ao Senhorio de Deus e não
uma coisa manipulável. Por exemplo, não é porque a Bíblia
fala que Deus ressuscitou Lázaro que vamos sair por aí orando
nos cemitérios para que os mortos ressuscitem. Embora
acreditemos que Deus possa fazer esse milagre, não pode­
mos transformar isso em marketing evangelístico, porque
isso é brincar com a Soberania de Deus.
Não se discute que Deus pode dar vida a alguém ressus­
citando um morto que morreu fisicamente ou ressuscitan­
do um vivi-morto.
Orar por dente de ouro ou por qualquer coisa que resulte
na manipulação e na redução dos milagres de Deus é
temeridade. Ninguém pode saber cem por cento a
necessidade real de cada pessoa ou de uma igreja, uma vez
que varia de pessoa para pessoa e de igreja para igreja.

116
Uma coisa é você orar para que Deus manifeste seus
milagres na igreja e de repente aparecer alguém com os
dentes completamente restaurados. Outra coisa totalmente
diferente é você forçar uma situação.

Por que os dentes têm que ser de ouro?

Alguma coisa começou a não bater nos milagres dos dentes


de ouro. Primeiro, por que tinham que ser necessariamente
de ouro? Segundo, por que as pessoas que os receberam não
eram, via de regra,as que mais precisavam de dentes de graça?
É lógico que essas duas perguntas podem ser facilmente
respondidas com a palavra propósito de Deus. Todavia,
raciocinemos: O dente necessariamente de ouro provoca
uma série de questionamentos. Uma delas é a seguinte:
Terá Deus realmente a necessidade de exibir seu poder
desta forma tão indiscreta, uma vez que o próprio jesus fez
seus maiores milagres de forma discreta e, por vezes, silen­
ciosa? Que maneira exagerada é essa de exibir o poder de
Deus, já que a teologia dos milagres é absolutamente
consciente do perigo que há em a pessoa passar a acreditar
mais em um Deus que faz do que num Deus que é?
Embora tenhamos consciência do grande poder de Deus,
também sabemos que Deus não faz nada que fira a sua
Palavra. Então, por que agora Deus estaria tentando chamar
a nossa atenção, se sabemos que o maior milagre de Deus
mostrado e exibido nas Escrituras Sagradas é a salvação em
Jesus Cristo? Além do que o mais importante não é o que
nós fazemos para Deus, mas o que Ele já fez por nós.
A outra questão também preocupante é a que tem a ver
com as pessoas que são beneficiadas por esse milagre. Quase
sempre se trata de gente que tem plano de saúde, pertencente
a classe média alta ou a classe alta. Pessoas, inclusive, que
gostariam de receber dentes naturais para não destoar o seu
visual. E os realmente necessitados, onde estão?

117
É indiscutível quando escutamos o testemunho de alguém
que, numa oração absolutamente imprevisível, pede a Deus,
pelo fato de não ter a mínima condição de se tratar, uma
bênção de ter os seus dentes de volta, já que não possui
nenhum, e Deus realiza o milagre.
Observe que é diferente. Não é alguma coisa premeditada,
forçada, com características eminentemente personalísticas.
Não está em voga a oração de um "evangelista", mas a oração
até mal feita de alguém que pede por absoluta necessidade,
porque sabe que só Deus pode lhe dar o que necessita;
ninguém mais. Esse milagre é incontestável, mas a Bíblia exige
cautela para com o milagre forjado, premeditado,que acontece
ao sabor de uma prepotente exibição de poder.

Os milagres de Deus não são para a


auto-glorificação humana

Felizmente, passou a onda dos "dentes de ouro", já estava


trazendo contradições no meio evangélico porque algumas
pessoas achavam-se preteridas por Deus em razão de não
receberem dentes de ouro.
Agora que tudo é passado, podemos, pelo menos, tirar
algumas lições dos equívocos que estavam cometendo os
que admitiram essa nova prática. Se não, vejamos:
. Equivocaram-se p o r terem tentado se projetar às custas
de uma coisa incomum. Nenhum evangelista precisa fazer
"por" Deus alguma coisa. As"ajudinhas"comumente atrapa­
lham, porque trazem a falsa idéia de que estamos sendo
abençoados por Deus porque as coisas estão acontecendo.
A partir desta concepção passamos a não mais nos preocupar
com o nosso caráter, com a nossa espiritualidade e coerência,
componentes indispensáveis à vida cristã, dos quais jamais
podemos prescindir.
Equivocaram-se porque pensaram que os milagres de
Deus são manipuláveis. Quando somos usados por Deus

118
não podemos esquecer de que nós não somos a fonte do
poder, mas apenas um instrumento. Um princípio tão simples
como este é, por vezes, esquecido para dar lugar a
manipulações.
Equivocaram-se porque tentaram negociar com os
impossíveis de Deus. Jesus disse que há algumas coisas que
são absolutamente impossíveis aos homens. Mas para Deus
nada é impossível. O milagre é uma dessas coisas. Por isso
que tentar colocar dentes de ouro na boca de todo mundo
é super-estimar-se além da conta e uma tentativa de manipular
algo que não é da alçada humana.
. Equivocaram-se pelo fato de preverem a agenda de Deus.
Ninguém pode arrogar-se capaz de poder fazer qualquer
milagre. Ninguém tem esse direito e ninguém tem esse poder.
Só Deus. Ele é o único que pode determinar o que vai
acontecer e o que realmente acontecerá, conforme a sua
vontade. O homem, coitado, nada pode fazer. Então, é uma
tremenda tolice humana querer prever ou determinar o que
Deus vai fazer. A questão é simples: Se o homem é capaz de
prescrever as ações divinas e como elas ocorrerão, é o homem
e não Deus que está no controle da história. E isso é
absolutamente impossível.

119
Apêndice II

Soteriologia de mercado
Antes nossa soteriologia10 afirmava correntemente que
só em Cristo há salvação. Depois, a cristologia virou
eclesiologia e passou a pregar que a salvação só podia
acontecer dentro da Igreja. Com o passar do tempo, este
segundo pensamento, aliás extremamente equivocado, cedeu
completa e totalmente aos apelos consumistas. Hoje,a salvação
vem acontecendo dentro do Mercado.C2)
Na atualidade, algumas igrejas transformaram-se em
verdadeiros “ balcões de milagres", e a salvação passou a ter
um custo e virou produto “ caro" em algumas igrejas.
O alvo, na soteriologia de mercado, não é mais o homem
perdido e pecador, mas a multidão sem identidade, raízes,
vínculo. Esta mudança de propósito faz as pessoas virarem
números estatísticos; a salvação é apresentada como meio
de consumo.
Essa tendência de fazer acontecer a salvação dentro do
âmbito do mercado trouxe a nefasta massificação: o indivíduo
é arrastado pela massa; os direitos e valores pessoais não
mais contam. Prevalecem sobre ele as estruturas e as exigências
sociais. O que conta é a lei dos grandes números, a vontade
da maioria, a produção em série, etc.
Um outro produto dessa socialização do sagrado é
anonimia.O indivíduo desaparece na massa. Para a sociedade
não conta mais como Pedro, Paulo, João, mas apenas como
unidade no sistema de produção, no corpo eleitoral, na
classe dos estudantes etc. Por outro lado, cada um se dis-

111Soteriologia. como simples definição, é o estudo que envolvia salvação trazida a nós por Cristo Jesus.
121Mercado aqui está sendo tratado teologicamente como o sistema de desumanização do homem.

120
tingue bem pouco dos demais. Como excelentemente
mostrou Heidegger, filósofo e ícone do existencialismo
alemão, o homem moderno tende a tornar-se não mais um
eu ou um tu, mas uma terceira pessoa sem nome, que faz o
que os outros fazem, lê e escreve como os outros lêem e
escrevem, canta o que os outros cantam, diverte-se como
os outros se divertem, adora como os outros adoram etc.
O indivíduo move-se na sujeição aos outros. Não é ele
mesmo. Os outros o esvaziam do seu ser.
A s igrejas que vêm entrando nesta onda da megalomania
numérica e da obsessão estatística, não estão dando conta
da banalização a que estão submetendo o Evangelho, que
vem perdendo suas características vitais e sua razão de ser.
A Igreja, que deveria ser uma comunidade-alternativa, por
sua proposta de vida absolutamente diferente da vivida em
nossa sociedade, vem se entregando a um tipo de conivência
na base do "faz de conta". A visão de culto hoje é
extremamente imediatista e consumista, pois imprime nas
pessoas uma cultura de consumo do espiritual. É uma coisa
que afasta cada vez mais as pessoas de virtudes cristãs
como a perseverança,a paciência,a longanimidade etc.,além
de torná-las completamente órfãs de solidariedade.
Suponho que estamos indo longe demais com a nossa
merchandising do sagrado, já começamos a atravessar a linha
que separa o bom senso da irresponsabilidade. A ratinização
do sagrado está chegando as raias do absurdo. Nossas rádios
evangélicas estão inflacionadas de propagandas exóticas. As
faixas penduradas nos frontes de alguns templos evangélicos
passam a nítida impressão de que estamos vendendo alguma
coisa extremamente descartável. É algo que as pessoas têm de
estar "comprando" sempre e sem parar. É bênção oferecida à
base de liquidação, como: "Venha receber uma bençãoY’ (a
palavra "bênção" sem o acento circunflexo],
Como se já não bastasse a breguice de nossas propa­
gandas, temos, na atualidade, cultos com formato de

121
auto-ajuda, um tipo de camisa-de-força para o divino,
algo que restringe Deus a ações funcionais programadas.
Este é um desvio sutil e extremamente hipnótico. É sutil,
porque traz a sensação de dever cum prido, quando
realmente tudo está por terminar. É hipnótico, porque as
pessoas que se envolvem pela proposta da soteriologia de
mercado estão sob o "encanto" da compulsão pelo sagrado,
mas não se apercebem do seu quase que completo
afastamento do fim-meta do Evangelho - salvar as pessoas
do merca-do a fim de re/humanizá-las, tornando-as, assim,
semelhantes a Cristo.

Simonia - comércio do sagrado

A fim de aclarar o assunto e com vistas a dar ao leitor


um pouco mais de profundidade na análise da matéria em/
tela é que lanço mão do trabalho excepcional do escritor
Leonildo Silveira Santos, Doutor em Filosofia e em Ciências
da Religião. Vamos ao texto:
O cristianismo surgiu numa sociedade já habituada à
"comercialização" do sagrado, porque, no primeiro século
de nossa era, em muitos santuários religiosos de tradição
asiático-greco-romana praticava-se um intenso comércio ao
redor do espaço sagrado. Mesmo o templo de Jerusalém, na
época de Jesus, era controlado por uma casta sacerdotal que
ali desenvolvia um comércio regular de animais destinados
ao sacrifício e cambiava moedas trazidas por judeus de todo
o Império Romano,proibidas de circularem na área do templo.
Como não havia um padrão único de moedas, exigia-se a
presença de cambistas, cuja função era trocar o dinheiro do
peregrino pela "moeda do templo", conditio sine qua non
para a aceitação das ofertas. Isso, obviamente, era feito em
condições extremamente vantajosas para os sacerdotes.
Foi esse comércio no pátio dos gentios que ocasionou,
segundo os Evangelhos [Mc 11.15-17], nos últimos dias da

122
vida de Jesus em Jerusalém, um conflito com os cambistas e
certamente acelerou as conspirações já então em andamento,
provocando o julgamento e morte de Jesus. Esse episódio
tornou-se conhecido como a “ purificação do templo", um
espaço sagrado que, segundo os Evangelhos havia deixado
de ser "casa de oração para todos os povos" e se tornado
apenas um "esconderijo de ladrões".
Ainda nos tempos neotestamentários, a mistura de
comércio e religião recebeu o nome de"simonia",por causa
de um outro episódio narrado nas Escrituras [A t 8.9-23],
acontecido logo nos primeiros anos da expansão do
cristianismo, então uma mera e insignificante seita judaica.
O caso ocorreu em Samaria, onde um mágico chamado
Simão, ao ver os milagres que os apóstolos provocavam
quando impunham as mãos sobre as pessoas, quis comprar
o "segredo" de como fazer as coisas. Sua oferta escandalizou
a Pedro, um dos apóstolos,que lhe disse: "Que Deus mande
você e o seu dinheiro para o inferno! Você pensa que pode
comprar o dom de Deus com dinheiro?
Durante os decênios seguintes, os contatos dos cristãos
com a cultura greco-romana continuaram confíitivos. A
passagem do ambiente judaico para o gentílico gerou
dificuldades quanto à questão da pureza, criando-se toda
uma discussão, já nas primeiras décadas, sobre o consumo
de mercadorias "ofertadas aos ídolos". Em algumas regiões,
por exemplo em Corinto, Sul da Grécia, a carne, antes de
chegar aos açougues, passava pelos templos pagãos,
provocando entre os cristãos, durante muitos anos, um
problema de consciência e vários enfrentamentos entre
partidos e facções na comunidade cristã. Esses conflitos
em Corinto levaram Paulo a recomendar-lhes a abstinência
do consumo de carne de "origem duvidosa".
Na cidade de Éfeso, na Ásia Menor, houve um outro
episódio digno de nota, relacionado com o culto da deusa
Diana,divindade que,segundo aquela crença, era representada

123
por uma imagem caída do céu. Réplicas dessa imagem eram
fabricadas e vendidas pelos inúmeros ourives e comerciantes,
que viviam dessa atividade. Demétrio, um deles, liderou seus
companheiros numa campanha contra os primeiros cristãos,
cuja pregação colocava, aos olhos deles, em perigo o futuro
de seus negócios. Num tumulto de duas horas, a multidão
enfurecida gritava:"grande é a Diana dos Efésios", chegando
até a colocar em risco a vida de Paulo [A t 19.22-39].í3)

"Cristo-contra-cultura"

Algumas décadas depois, os cristãos enfrentaram


tremenda perseguição por parte do Império Romano. A
decisão de Roma estava fundamentada no costume de se
exigir obediência plena dos cidadãos do Império. Mas os
cristãos se opunham, denunciavam e refutavam a forç4
dos deuses pagãos e classificavam como mágicos todos
os demais cultos concorrentes. Essa atitude provocou o
isolamento social dos cristãos, realimentou preconceitos
e favoreceu o desencadeamento de novas ondas de
perseguições, o que fez os cristãos se encastelarem ainda
mais numa postura, caracterizada por N iebuhr, como
"Cristo-contra-cultura.
A postura cristã contra a sociedade e de abandono das
várias instituições culturais, como arte, forças armadas e
comércio, principalmente por cristãos montanistas, entre eles
Tertuliano no final do segundo século, foi-se alterando por
ocasião da oficialização do cristianismo pelo Império Romano,
no Século IV. Desde então, houve uma espécie de adaptação
do culto cristão aos novos lugares de adoração,alguns deles
anteriormente dedicados aos deuses pagãos.Vários santuários
locais foram reconsagrados aos mártires e santos cristãos, e
com o passar dos séculos, um comércio dê imagens, ícones
e relíquias sagradas se estabeleceu ao redor deles, práticas
essas que constituiriam mais de mil anos depois, aos olhos

124
dos reformadores, evidências claras da"paganização"da Igreja
cristã, e que teriam permitido o surgimento de um vasto
processo de sincretismo. Evidentemente, o triunfo teve o
seu preço.
Com a sua oficialização, o cristianismo tornou-se um
produtor hegemônico de símbolos, práticas e rituais religiosos.
Nesse período, a Igreja aperfeiçoou seus meios de
comunicação com a sociedade, inventando o sino, a torre, o
confessionário como fonte de poder e de pesquisa, a trilha
musical e outras atividades comunicativas, que facilitavam a
“venda" de seus produtos simbólicos.
Todavia,após a desintegração do poder político do Império
Romano no Ocidente,a Igreja continuou sendo o único centro
capaz de manter o nomos, iniciando-se assim um novo
momento histórico,a Idade Média,que iria terminar somente
com o advento do mundo moderno, no século X V I. Durante
os treze séculos posteriores, houve uma imposição da fé cristã
sobre uma população rural portadora de crenças mágicas e
pagãs, catequese que apenas formou uma camada de verniz
sobre uma antiga realidade religiosa. A aristocracia eclesiástica
não conseguiu influenciar profundamente as massas populares,
e por toda a parte na Europa multiplicavam-se os cultos às
relíquias sagradas, verdadeiros fetiches milagrosos, aos quais
se atribuíam poder de curar enfermidades e proteger as pessoas
dos perigos. Esses objetos, que pensavam terem pertencido
aos santos ou simplesmente por terem sido usados na missa,
eram trocados, presenteados, roubados, vendidos ou
comprados. Muitos deles eram empregados com as mais
diversas finalidades, desde o auxílio no trabalho de parto até
na cura de peste no gado bovino ou para afastar epidemias de
seca, fome ou pragas de gafanhotos. Por isso, a Igreja medieval
mostrava-se como um grande reservatório de poder mágico,
capaz de ser empregado para uma série de finalidades seculares.
A religiosidade dos camponeses, que segundo Weber,
sempre foi propensa à magia, e antes mesmo do surgimento

125
do utilitarismo dos mercadores, já havia-se estabelecido uma
conexão entre a religião cristã e a prosperidade material, por
meio da qual se buscavam nos ritos soluções para estes ou
aqueles problemas práticos da vida. Com a monetarização
crescente da sociedade no final da Idade Média, as relíquias,
sacramentos e até indulgências chegaram a ser trocadas por
moedas. Aliás, a introdução da moeda como forma de
intermediação nas trocas refletiu-se também na religião,
submetendo movimentos e ações religiosas a um processo
de racionalidade mais amplo.
Segundo jacques Le Goff, citado por Leonildo Silveira,
toma corpo nessa época um novo tipo de mentalidade, a
"mentalidade de mercado", cujas características eram as
seguintes: a] utilitarismo; b] valorização dos conhecimentos
práticos e não os teóricos; c] percepção das diversidades
que deveriam ser atendidas, em oposição à idéia teológica
de totalidade; d] busca do concreto, do material e do
mensurável; e] racionalização do tempo por meio da
elaboração de um calendário profano,atrelado às necessidades
do orçamento e não mais regulado pelas festas e liturgias da
Igreja; f] introdução do segredo que deve cercar o negócio
da meticulosa contabilidade que registra todas as atividades
de compra e de venda, surgindo "uma moral terra-a-terra,
feita de pendência e senso prático, ligada à preservação do
dinheiro, da propriedade, da família e da saúde."
Somente no século X V I é que as condições históricas
propícias para o surgimento de um sistema de mercado se
solidificaram. Mas é bom lembrarmos ter sido a reforma
protestante desencadeada, entre outras causas, por um
escândalo que associava exatamente religião e mercado - à
mercantilização de indulgências. Muitos católicos, tal como
Lutero, se revoltaram contra esse processo de levantar
recursos financeiros, através da entrega ao fiel da garantia
futura de perdão de pecados, mediante o pagamento de
uma certa quantia em dinheiro.

126
A Igreja Católica, para os protestantes, "mercantilizava"a
fé, aproveitando-se da "ignorância religiosa" das massas, sempre
tendentes à superstição e magia. Todavia, na Inglaterra, esse
processo de eliminação da magia foi tão prolongado, que,
quando surgiram os puritanos, no século X V II, entre os
protestantes ingleses, ainda se respiravam os ares da magia,
segundo Keith Thomas. Nessa época, para expressar o
abandono da magia, houve puritanos que chegaram até a
sepultar seus mortos sem ritos religiosos, pensando evitar,
dessa forma, quaisquer semelhança com rituais mágicos.

O que acontece, na atualidade

Hoje, o universo simbólico-religioso se expandiu para novas


direções, extrapolando os limites institucionais anteriormente
consagrados.
É ponto pacífico que a religiosidade institucionalizada sofre
hoje um tremendo processo de esvaziamento. Cada vez mais
multidões se afastam das instituições que,até há pouco tempo,
gerenciavam a distribuição dos bens religiosos. Todavia,
renascem por todos os lados, novas formas de apropriação
do sagrado, visíveis ou invisíveis, com pretensões de ofertarem
experiências religiosas ou semi-religiosas, fora dos receituários
institucionalizados e tradicionais. Há novas demandas a serem
atendidas que,a despeito da aparente separação traumática
entre prática religiosa e tradição, emergem sob todos os
escombros um alarido. Conseqüentem ente, usando
metáforas gastronômicas,afirmamos que aumenta o número
de pessoas dispostas a usarem, elas mesmas, um menu
religioso, enquanto preferem uma espécie de um do it
yo u rselfem termos de religião,segundo j ean-Pau! Willaime
ou em outras palavras, uma religião à la carte. Isto porque
elas se sentem bem onde podem, à semelhança de um
"restaurante por quilo", se servem do que quiserem e na
quantidade que desejarem naquele momento.

127
Nessas circunstâncias, o sagrado escapa do controle
tradicional, imigrando para outras áreas como política,
esportes, instituições prestadoras de serviços, encarregadas
de distribuir os bens simbólicos de uma forma diferente das
tradicionais. Segundo Lenildo Silveira Campos, é justamente
esse deslocamento de áreas cobertas pelo sagrado e de dis­
persão dos crentes que cria espaço para o surgimento da
disputa pelos "perdidos", entre novos movimentos religiosos,
descompromissados com a tradição anterior. Em outras
palavras, a atomização de agentes e instituições no campo
religioso, a chegada do pluralismo, fez com que o caminho
para o marketing surgisse como uma opção prática de
sobrevivência e não, como resultado de um conjunto de
discussões teóricas e de um cálculo racional.

128
Apêndice III

Deus pesa a mão?


A maior parte dos cristãos exerce muito a teologia do
"Deus vai pesar a mão". A maioria dos pentecostais
históricos, neopentecostais e carismáticos é impiedosa e
perversa.Vive um tipo de evangelho que lhes dá o poder
para esmagar os que são contrários a suas idéias. A Bíblia
repudia essa noção de poder que só invoca juízo; não invoca
o Espírito.
Penso naqueles que encarnam o fascínio pelo "deus"
completamente esmagador, uma espécie de "fascínio
apavorado" pelo mistério do deus que construíram em sua
mente —,a tal ponto que já não têm tempo para desenvolver
qualquer relacionamento, que se lhes figure desnecessário,
ante a urgência que têm de dar-se absolutamente a um
deus de exigências completamente egoístas.
"Deus pesa a mão"é uma forma bizarra de falar sobre o
juízo divino, porque vem de uma concepção cristã calcada
na mais árida forma de percepção e é estranha a tudo
quanto nos foi ensinado por jesus no Novo Testamento.
Deus pesa a mão transformou-se em arma de defesa e ataque
para lideranças que não se permitem questionar, em açoite
para os que se sentem torturados pela culpa, em desculpa
para os que fogem das confrontações mais elementares,
em ameaça para os que se sentem infringidos e em sen­
tença para os que se acham donos da verdade. Deus pesa a
mão é julgamento raso, frio e inumano, e se constitui no
mais perverso meio de tortura psicológica imposto sobre
os que já vivem o drama angustiante da culpa por verem a
Deus como um xerife patrulheiro.

129
Medo do inferno

Há de fato muitos salvos do inferno, mas não dá infernal


perseguição do seu "salvador". À s vezes parece que, pior
que a perseguição do diabo é a perseguição do “ cristo" [entre
aspas] acerca do qual certas pessoas foram “ evangelizadas".
Isto porque o "salvador" que lhes foi apresentado só oferece
o céu em troca de uma vida na terra oprimida por cobranças
e culpas.
Se o evangelho que você, leitor,aceitou, não ensinar a perdoar,
e a desfazer amarguras, então não se trata do evangelho de
Cristo. A Bíblia repudia todo discurso cristão que não vise
antes de tudo o perdão mútuo. Sem desintoxicação de amar­
guras não há manifestação da graça de Deus.
Observe como Pedro e João, em Samaria, estão com as
mãos impostas sobre os samaritanos, invocando o Espírito.
Tal atitude é muito diferente da descrita em Lucas 9.55.
Em Lucas, João faz parte de um grupo que preparava
estadas antecipadas para Jesus até Jerusalém. Ao passar por
Samaria, não encontrando facilidades imediatas para alojar
Jesus ali —mesmo porque o próprio Jesus já deixava perceber,
pela maneira obstinada como caminhava para Jerusalém, que
não desejava pernoitar naquele lugar. Percebendo isso, os
samaritanos não se preocuparam em preparar-lhe pousada.
João ficou tão contrariado com o fato de seu esquema de
logística não haver funcionado, que disse: "Senhor, queres
que mandemos descer fogo do céu para os consumir?"
Veja o leitor que o texto supracitado em momento
algum mostra Jesus zombando de seus discípulos, pelo
fato de eles pensarem que seriam capazes de fazer descer
fogo do céu sobre os samaritanos. Isto porque a religião
tem o poder de destruir e construir, de matar e dar vida,
de absolver e condenar, de levar para o céu e lançar no
inferno.A história nos dá exemplos clássicos do que estou
dizendo. A Inquisição, pelo lado católico, condenou

130
milhares de protestantes ao inferno. Em contrapartida, o
calvinismo não foi menos inclemente.
Penso ser extremamente significativo o fato de o Espírito
Santo só ter sido derramado em Samaria depois de Pedro e
João terem ido para lá invocar o Espírito Santo sobre aqueles
acerca dos quais tinham desejado invocar juízo.

"Salvai-vos desta geração perversa" (At 2.40)

Não se trata apenas de ser salvo nesta geração perversa,


mas ser salvo desta geração. Na maioria das vezes a nossa
ênfase é em ser salvo nesta, mas não em ser salvo desta. A í
nós somos salvos nesta e continuamos os perversos desta.
Não somos salvos desta geração perversa. Não somos os
perversos salvos em meio a ela. Ou seja: trata-se de ser salvo
de viver a mesma perversidade da sociedade que nos cerca.
Cabe agora a pergunta: Tem a Igreja vivido sem per­
versidade? A maneira como disciplinamos ou excluímos
pessoas é ou não é perversa?
Penso na desgraça que alguns dos chamados movimentos
renovados dos 20 anos passados, promoveram em centenas
de famílias que se destroçaram. Entraram de cabeça em
algumas expressões de legalismo, ficando tão "fascinado"
pelo "deus" completamente esmagador que lhes colocaram
adiante deles - e eu não diria "fascinado", mas dominados
por uma espécie de "fascínio apavorado" pelo mistério do
deus que construíram em sua mente - , a tal ponto que já
não tinham tempo para desenvolver qualquer relacio­
namento, que se lhes figurava desnecessário ante a urgência
que tinham de dar-se absolutamente a um deus de exigências
completamente egoístas.

Textos bíblicos distorcidos

Há alguns textos - para não dizer vários - do Novo


Testamento que têm sido mal interpretados e utilizados de

131
forma perversa e com bastante requinte de crueldade. Se
não, vejamos:
Mateus 18.15-18 - Com base neste texto, muita gente boa
se perdeu, outras foram feridas de morte e alguns até hoje
vivem a angústia de se acharem irrecuperáveis e sem
esperança. A expressão "con sidera-o com o gentio e
publicano" não se trata de que alguns homens são
irrecuperáveis e devem por isso ser abandonados; isso
porque Jesus jamais estabeleceu limites para o perdão
humano. Trata-se de um desafio de ganhar com o amor
que pode chegar até o coração mais duro, os mais difíceis
seres humanos, como Jesus chegou ao coração de Mateus
e Zaqueu,ambos publicanos. Em essência,a passagem explica
que jamais devemos tolerar nenhuma situação em que haja
ruptura das relações pessoais entre nós e outro membro
da comunidade cristã.
Por último, nos deparamos com a afirmação acerca de
"Iigar"e"desligar".Trata-se de uma frase difícil.Não significa
que a igreja pode reter e perdoar pecados e estabelecer,
dessa forma, o destino das pessoas no tempo ou na
eternidade. O significado do texto, analisando-o a partir
do seu contexto, é que as relações que estabelecemos com
nosso próximo valem, não somente no aqui e agora da
história, mas continuam na eternidade; por isso, devemos
solucioná-las já.
Mateus 5.21-26 - Este é mais um texto impiedosamente,
utilizado para inibir, restringir e atormentar pessoas com
culpas imaginárias. A frase"... e aí te lembrares de que teu
irmão tem alguma coisa contra ti..." que é freqüentemente
utilizada nas prévias de santa ceia, não pode ser interpretada
fora do seu contexto para que não venha significar algo
que jamais Jesus ensinou. Em tese, a frase reporta-nos ao
Antigo Testamento e especificamente para os sacrifícios
substitutivos feitos diante do altar. O que não podemos
esquecer, no entanto, é que aquele que lembra tem todos

132
os motivos para tal, uma vez que se irou, desprezou e
caluniou o seu próximo. Isto fica evidente quando lemos o
texto seguinte:"Concilia-te depressa com o teu adversário,
enquanto estás no caminho com ele; para que não aconteça
que o adversário te entregue ao guarda, e sejas lançado na
prisão". Portanto, não devemos nos torturar psicolo­
gicamente procurando alguém imaginário que tenha alguma
coisa contra nós.

O juízo de Deus

Há algumas coisas que precisam ser observadas quando


se estuda o juízo de Deus. Se não, analisemos:
1. O juízo de Deus é a maneira inversa de enxergar o seu
amor; isso porque a responsabilidade é a outra face do
privilégio. Ou seja: o juízo de Deus é questão da sua
competência como um Deus que ama. Logo, Deus só pode
ser um Deus de amor porque é justo.
2. Todos os mandamentos de Deus, por questão de
previsão, trazem imbutidos dois elementos: o negativo, para
a visão dos que se perdem, e o positivo, para a visão dos
que os cumprem.
3. Esse juízo previsto nas palavras de vida da parte de
Deus estava sobre todos os homens, pelo fato de ninguém
ter capacidade de cumprir todos os mandamentos. Foi então
que jesus vem e, morrendo, leva sobre si todas as maldições
[juízos] previstas na lei, ficando para sempre como o nosso
Fiador diante de Deus.
4. Alguns fatos ocorridos no Antigo Testamento que
deixam transparecer que Deus condena os que não fazem
a sua vontade, devem ser lidos com alguns cuidados, a
saber:
a. Primeiramente devemos sempre levar em conta,ao fazer
a leitura bíblica, os elementos culturais, psicológicos e as
crenças da época que exerceram influência sobre os

133
hagiógrafos. No Antigo Testamento, por exemplo, pensava­
se que tudo vinha de Deus, tanto o bem, o mal como qualquer
coisa inexplicável Qó 2.10].
b. Uma outra coisa a ressaltar tem a ver com as palavras
originais e seu significado. Por exemplo, na narrativa em
Êxodo da recusa de Faraó de libertar o povo israelita,
empregam-se três verbos diferentes para exprimir sua
obstinação perante dez pragas.

. hãzaq e hizzêq — tornar-se forte ou atrevido.


. hiqshah ■
— endurecer.
. hibid •— tornar-se lerdo ou insensível.

Essas expressões descrevem o end urecim ento


progressivo do coração de faraó, primeiramente como
resultado da sua recusa voluntária, e depois como resultado
da sua cegueira obstinada, por se colocar como inimigo
refratário de Moisés.
Agora, quanto as questões secundárias, como: Deus
"pesa a mão" sobre os que lhe desobedecem?, Deus "pesa
a mão" sobre os que não fazem a sua vontade?, tenho a
dizer o seguinte:
A primeira questão certamente é formulada a partir de
uma percepção radical sobre a obediência. Primeiro de tudo
eu quero ressaltar que a noção de obediência à luz da
Bíblia, não é restrita a um obedecer absoluto — coisa que
nenhum ser humano consegue — mas a um obedecer-
tentando-obedecer. Ou seja: Deus não castiga os que lhe
desobedecem tentando lhe obedecer, mas a previsão do
castigo divino recai sobre os que desobed ecem -
desobedecendo. Só o fato de as pessoas terem medo de
estarem desobedecendo prova a sua obediência, embora
seja uma obediência oriunda do temor e não do amor.
Contudo, não se obedece a Deus deixando apenas de fazer
o que é errado, mas fazendo o que é certo. Há muitas

134
pessoas tão preocupadas em não fazer o mal que se
esquecem de fazer o bem.
À segunda questão em tela respondo a partir do que a
Bíblia define por correção. C o rrig ir,segundo a língua grega,
significa reconciliar facções, endireitar ossos quebrados,
corrig ir torceduras, consertar redes, equipar ou preparar.
A idéia de castigo com requintes de crueldade, não pro­
vém do Espírito da graça do Novo Testamento, porque
"Deus corrige ao que ama” [Hb 12.6],
O que precisamos entender sobre a vontade de Deus é
que ela não nos livra dos riscos circunstanciais de uma
tentativa. Ou seja: quando Deus nos manda fazer a sua vontade
não quer dizer que, em fazendo-a, não corremos nenhum
risco. Pelo contrário. O fato mesmo de fazê-la nos coloca
diante de todos os riscos que dela advêm. Paulo, por exemplo,
antes de ir a Jerusalém foi avisado pelo profeta Ágabo que
seria preso e morto neste lugar. O apóstolo, no entanto,
ouviu as palavras do profeta, mas não deixou de ir a Jerusalém.

O caso Ananias e Safira

O erro de Ananias e Safira não ocorreu do fato de não


terem dado o seu dinheiro aos apóstolos, mas sim da tentativa
de fazerem a Igreja acreditar que aquela parte dada por eles
representava o todo.
Segundo a opinião de alguns biblistas, do texto de Atos
capítulo 5, compreende-se pelo menos duas coisas. Primeiro
a forma radical com que Pedro tratou o assunto. Segundo,
a morte súbita, que não ocorreu como algo produzido pelo
juízo de Deus, mas sim pelo choque da vergonha de haver
sido descoberto.
A explicação dada por alguns exegetas para esta conclusão
é que nenhum ser humano tem o poder de matar o outro
com execrações. E nenhum poder saiu de Pedro para matar
Ananias e Safira.

135
Sobre a questão em tela, a maioria dos estudiosos con­
temporâneos prefere acreditar que a morte de Ananias e
Safira resultou de um colapso cardíaco fulminante, pro­
duzido pela sensação de terem sido descobertos perante
toda a Igreja. A culpa aguçada pela revelação do vergo­
nhoso dolo cometido pelo casal contra Deus e contra a
Igreja - argumentam alguns comentaristas — precipitou
num choque anafilático, causando a morte do casal. Estas
opiniões são discutíveis.
A verdade é que a maioria dos nossos problemas ocorre
pela nossa própria imprevidência em lidar com as várias
situações que se nos apresenta a vida, de forma desequilibrada
e por vezes doentia.
Em termos de julgamento, o que se pode dizer é que
cada vez que o homem se confronta com Jesus, emite um
juízo sobre si mesmo. Se não vê em Cristo nada que mereça
ser desejado, admirado ou amado, se condena. Mas se vê no
Filho de Deus algo digno de admiração, algo a que deve
responder, algo que deve tratar de alcançar, está no caminho
que o conduzirá a Deus (Jo 9.39]. Segundo o Novo
Testamento, o julgamento é este:

A luz veio ao mundo, e os homens amaram antes as trevas


que a luz, porque as suas obras eram más [Jo 3.19],

Termino esta parte com as palavras de Paulo dirigidas aos


irmãos em Roma:

Porque não recebestes o espírito de escravidão, para outra vez


estardes com temor, mas recebestes o espírito de adoção, pelo
qual clamamos: Aba, Pai (Rm 8.15],

136
Apêndice IV

A prática da diabolização
Os séculos 16 e 17 foram os mais afetados pelo desespero,
confronto,preconceito,intoIerância religiosa e inquietações
de todos os tamanhos. O medo tomou o lugar do grotesco.
Durante estes dois séculos,as desgraças pareciam infindáveis:
Guerra dos Cem Anos, peste negra, decadência do papado,
cisma da Reforma, guerras religiosas, revoltas no campo, a
Fronda [rebelião de pequenos vultos] durante a menoridade
de Luís XIV. Nesta época, a voz corrente era que o mundo
ia acabar. E, em consonância com a interpretação do
Apocalipse, era pensamento comum que, antes da volta de
Cristo, o diabo intensificaria a sua ação destruidora no
mundo,como sendo a sua última cartada. O povo, portanto,
explicava as desgraças da época pela veemência da ação
diabólica. E para ilustrar as suspeitas que estas desgraças
provocaram, começou-se ver o diabo em todos os lugares:
nos hereges, nos judeus, nas mulheres, em todas as camadas
da sociedade. Ou seja: o diabo passa a ser adjetivado e a
diabolização serve de instrumento de repressão a todos os
diferentes e contrários.
Foi exatamente em razão deste perverso expediente — a
diabolização — que, em quase toda a Europa, começou a
caça às bruxas [pessoas inocentes acusadas de cumplicidade
com o diabo], sobretudo nos países atingidos pela Reforma.
A bruxaria era um crime punido com a pena de morte,
aplicada pela justiça civil, na época totalmente manipulada
pela autoridade religiosa. Esta procurava estabelecer que o
acusado havia tido parte com o diabo. Em caso afirmativo
- e isso era quase certo, já que as confissões eram arrancadas

137
debaixo de torturas — levava a alcunha de bruxo. Em
seguida, para provar que o elemento estava possuído,
valiam-se dos manuais de bruxaria, o M orteau des Soccières
ou o Boguet, que continham a lista dos sinais de possessão.
O mais infalível dos sinais era a insensibilidade das costas.
O cirurgião do Parlamento picava o acusado. Se nada
s e n tiss e , a possessão estava com provad a! Esta
insensibilidade do dorso, que hoje se atribui à histeria,
era a rubrica do diabo. O terceiro ponto de investigação
era o famoso Sabá ou a "sinagoga dos diabos". Conforme
crença da época, pensava-se que os bruxos se reuniam
com suas vassouras nos bosques para se encontrar com
o diabo. A li assistiam à missa negra, uma missa com os
sinais às avessas, que, por fim, terminava com o "coito
diabólico".
Depois de reunidas todas as provas — diga-se de
passagem, forjadas — os "juizes", com toda a tranqüilidade
da consciência,enviavam para a fogueira aquele que havia
dado provas de diabolismo. Esta caça às bruxas só terminou
no fim do século 17, quando as vozes conjuntas da razão
e do bom senso conseguiram se fazer entender.

O Mecanismo de Transferência

A perseguição aos supostos bruxos, que lavou de sangue


toda a Europa, põe em evidência uma maneira perversa e
absolutamente execrável de representar o diabo: a de enxergar
o mal apenas no outro - um comportamento pessoal e
social ainda presentes nas culturas humanas hodiernas A
maioria dos historiadores está de pleno acordo em que a
diabolização é mais intensa em épocas de grandes agitações
e quando os problemas sociais vão além da capacidade humana
de respondê-los ou resolvê-los. A saída,então, é culpar alguém.
A história está repleta de exemplos dantescos que apontam
nessa direção, mesmo no contexto religioso: a Santa Inquisição,

138
como o exemplo mais hediondo de diabolização ocorrido
na história; o calvinismo que, na sua versão puritana
radical, na época da colonização americana, resultou na
morte de milhares de pessoas. Isto se dá mais ou menos
conforme a explicação das escritoras A nne Soupa e M arie
M ichèle em seu livro Faut-il C roire au Diable? Segundo
elas, aquele que sabe que pratica o mal tem consciência
de que agiu assim embora não o quisesse, ou de que sua
mão possa ter sido conduzida por outro. Mas aquele que
não tem consciência dessa duplicidade que existe dentro
de si tem a tendência de acreditar que o malvado forma
uma só coisa com o mal. Ele condena sem apelação a
bruxa porque pensa que ela e o diabo formam uma só
coisa. Ele pensa que pode matar o diabo matando a bruxa.
Estranhamente, de tempos em tempos caímos na velha
armadilha da humanidade, pelo fato de não admitirmos a
nossa culpa. Adão e Eva já haviam caído, um após o outro,
quando disseram:"Foi a mulher"! e depois:"Foi a serpente"!
Cada um procura transferir sua culpa para o outro,
mostrando total irresponsabilidade quanto ao fato de ter
que assumir seus próprios erros.
Esse mecanismo da diabolização funcionou muitas vezes
ao longo da história, mesmo recente. O nazismo estava
cimentado nisso."Se o judeu não existisse,seria necessário
inventá-lo", dizia H itler. Propositadamente, nos textos de
propaganda nazista,as palavras judeu, inferno, diabo, trevas,
caos e destruição estavam sempre juntas,associando judeus
e diabo na mente das pessoas. Há pouco meses ouvimos
estarrecidos as palavras do Presidente dos Estados Unidos
da América do Norte, Bill Clinton, ao pedir perdão à
população norte-americana pelos maus tratos e abusos
inomináveis infringidos pela Ku Klus Klan aos negros
americanos. Por conta de um racismo odioso e virulento,
chegaram ao cúmulo de transformar os negros americanos
em cobaias de laboratório, infectando-os de vírus e

139
bactérias mortais para ver até onde iria sua resistência. O
pior disso tudo é que a diabolização nunca desaparece
completamente. Isso pelo fato de que ela é útil... É
diabolizando o vizinho, o inimigo, o estranho, enfim, os
que são contra, que se mantém o poder e o status quo.
Os políticos, os estrategistas comerciais e as religiões
continuam usando esse método perverso e abominável.
Sinto dizer que as atitudes individuais estão também dele
impregnadas. Seria muito fácil identificar traços dessa
diabolização nas conversas aparentemente inocentes e
banais.
Dizer que a cultura evangélica é elitista e seletivista
não é mito, mas realidade. Uma realidade fatídica que
acompanha o cristianismo faz dois mil anos e que,
infelizmente, continua presente em algumas denominações.
Todavia, Jesus C risto pregou um evangelho que é
taxativamente contra a tendência religiosa de tornar a
Igreja numa assembléia de alienados. Por esse motivo, a
teologia da solidariedade grupai, de um corporativismo
eclesiástico de tendências exclusivistas que os judeus
encarnavam no prim eiro século, foi vigorosamente
combatido por Jesus em pelo menos três frentes:
P rim e iro , Jesus com bate tal id eo lo g ia ao ser
interrompido enquanto pregava a um grupo dentro de
uma casa, por alguém que lhe avisa das presenças de sua
mãe e seus irmãos. O Filho do Homem não perde tempo
de mostrar o seu repúdio em relação à ideologia de uma
solidariedade grupai — já que, para Ele, sua mãe e seus
irmãos são aqueles que fazem a vontade do Pai que está
nos céus [Lc 8.20,21]. Aqui Jesus está dizendo não à
solidariedade grupai e abrindo espaço ao projeto ideal de
Deus: a solidariedade universal.
A outra vez, a segunda, foi quando os discípulos,
ufanando-se do seu feito de proibir que certo "homem"
expulsasse demônios em nome de Jesus, recebem aguda

m
reprimenda do Filho de Deus:"... quem não é contra nós,
é por nós" (Mc 9.38-40].
A terceira e última frente de oposição contra o
seletivismo e o exclusivism o cristão é quando Ele,
surpreendido pela fé de um não-judeu,o centurião romano,
declara, num lampejo de revelação: "muitos virão do
Ocidente e do Oriente e assentar-se-ão à mesa com Abraão,
Isaque e Jacó no reino dos céus". A o passo que os "filhos
do reino serão lançados para fora, nas trevas, onde haverá
choro e ranger de dentes" [Mt 8.11,12].
Como se pode observar pelos argumentos supracitados,
Jesus repudia veementemente a postura de exclusão por
parte do seu povo em relação a qualquer ser humano,
grupo, raça, etnia, denominação etc. Isto porque o outro,
embora diferente, não pode ser tachado de diabo.

Diabolização: A mais perversa intolerância

Nem mesmo o cristianismo foi poupado da tendência


à diabolização. Surgiu na época das perseguições e dos
mártires, em oposição violenta à religião romana e judaica.
Foi extremamente difícil para o cristianismo não identificar
Satanás nos adeptos das outras religiões e mais ainda nos
seus adeptos acusados como hereges. Numerosas foram
as vítimas: pagãos da Antigüidade, cátaros, albingenses,
huguenotes, judeus, negros, indígenas das Américas e
tantos outros.
Os judeus, desde o século IV, sob a influência de alguns
escritos de certos pais da Igreja, e mais tarde durante o
período da cristandade, foram os que mais sofreram com
o mal oriundo da intolerância religiosa - uma vertente
cristã da diabolização. Eles foram violentamente acusados
de serem os responsáveis pela morte de Cristo. Isso até o
Concílio Vaticano II, quando a Igreja Católica em 1965
numa tentativa hercúlea de se penitenciar aos olhos do

141
mundo pelo grande mal que fez aos judeus. Eles foram
imputados da mais terrível acusação que pode existir: a
de povo deicida. E carregaram este estigma por vários
séculos.
Diante da exposição, uma coisa fica evidente: a
diabolização é possível numa micro ou macro situação. É
um recurso extremamente execrável que,aplicado a alguém
ou a qualquer cultura, deixa marcas inapagáveis. Portanto,
que nunca mais venhamos colocar sobre os ombros de
alguma cultura, raça ou alguém a marca diabólico, pois
isto nos remeteria a um passado que ainda estamos
tentando esquecer.

142
Bibliografia

ALBRIGHT, R. Estudo sobre o Antigo


Testamento. Ed. América, SA.
CAMPOS, L. Silveira. Teatro>templo e
mercado. Ed. Vozes.
GONDIM, Ricardo. O Evangelho da
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Ed.Vida.
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RODOVALHO, Robson. Quebrando as
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CPAD
Jornal Mensageiro da Paz/março/
2000 .
Jornal Vinde/janeiro/1993
Fábio, Caio — Batalha Espiritual.
Ed. Vinde

143
Paulo Cesar Lima

0 que está
por trás do

ma nova unção. O verdadeiro método de cres­

U cimento da igreja em nossa geração. Grupos de


santos feitos por 12 pessoas, à semelhança dos
discípulos de Jesus. Essas são idéias defendidas por |
pessoas que se envolveram nos chamados encontros
do G -12, as quais consideram-no como “tremendo”, j
O que realmente está por trás desse movimento
chamado G -12: a edificação da igreja ou sua divisão
pelo divulgar de idéias erradas acerca do evangelho?
Neste livro, o Pr. Paulo Cesar Uma trata desse
modismo que tem dividido a opinião de verdadeiros
cristãos, além dc alguns métodos usados por eles
como a regressão espiritual e o relembrar pecados
passados. O autor destaca ainda alguns modismos
recentes e também a necessidade que temos de co­
nhecer profundamente a Palavra de Deus, para que
não sejamos levados por ventos de doutrinas.

i\ufg)gr____
Ministro do Evangelho, conferencista, |
doutor em teologia, secretário do
Conselho de Doutrina da CGADB,
professor de diversas matérias em
cursos de pós-graduação em teologia
e autor dos livros Os temas mais
difíceis da Bíblia, Dizimista, eu? e
Quebra de maldição: uma prática
supersticiosa, editados pela CPAD.

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