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1.

O mundo é o que resta

Diante do abismo, o relativista ainda pressupõe duas


possibilidades, mesmo que equalize as escolhas. Pular
ou não pular seria uma questão subjetiva. O eco do grito
de Hamlet reverbera por toda a eternidade: “Ser ou não
ser”. A morte é um sono sem sonho ou o início de uma
verdadeira vida? Protágoras simplesmente abre mão de
oferecer qualquer definição. A suspensão do juízo do
agnosticismo é a via mais segura.
O niilista, por outro lado, afirma o nada. Ele pula
no abismo e denomina esse ato de liberdade. O seu ideal
de vida é o vazio da abismalidade que se alastra nas
veredas do Ser até trincá-lo por inteiro. A alegria dos
vermes ao ver um corpo tombar é a mesma dos niislitas
ao sentir o cheiro da putrefação divina. Quando Nietzsche
anuncia a morte de Deus, não estamos diante de um
acontecimento inédito. Os coveiros da modernidade
sabiam muito bem disso. O seu sepulcro foi muito bem
construído para que ninguém sentisse algum pesar com a
sua morte.
Sabemos que há muitas modernidades. Uma
pluralidade de concepções que formam uma constelação.
Sabemos também que essa constelação possui um
vácuo que une as mais diferentes formas de
modernidade. Nos discursos modernos, podemos
perceber que no reino das quantidades não há mais
espaço para Deus. Ele foi expulso. Assassinado na
mente de cada um dos cidadãos.
Para que Deus se podemos ter acesso a
ansiolíticos? Para que Deus se podemos nos drogar até
perder a consciência? Para que Deus se uma vida
inteirinha de delícias pode ser conquistada? O mundo
moderno se tornou um Jardim de Epicuro, ou a alcova de
Marquês de Sade. Em um universo assim, a morte de
Deus é o anúncio de um fato óbvio.
Resta-nos somente o mundo. Este mundo físico e
criado à imagem e semelhança do homem. Uma espécie
de subcaverna. Semelhante aos prisioneiros de Platão,
contemplávamos as sombras. Entediados de assistir
àquele teatro de imagens sem cores, resolvemos nos
libertar dos grilhões, até que conseguimos sair da
caverna. Percebendo que a verdade dói tanto quanto a
iluminação para quem estava acostumado com a
escuridão, voltamos para o fundo da caverna. No entanto,
trouxemos do exterior pás. E começamos a cavar, até
formarmos uma caverna artificial para que pudéssemos
modelá-la ao nosso bel-prazer.
O que é a modernidade senão um trabalho de
mineiros que nunca se cessa? A abismalidade é uma
atividade sem-fim. A contemplação ainda exige ócio.
Parar é um ato necessário. Se o prisioneiro de Platão
conseguiu sair da caverna, foi porque, de algum modo,
havia contemplação, mesmo que em menor grau, no
fundo dela. O homem moderno não contempla. Agir é o
seu verbo modal. Esse indivíduo não consegue ter
nenhum sentido maior que esteja para além do
movimento, seja objetivo ou subjetivo.
Se não deseja nada, se não sente nada, se não faz
nada, sobrevém-lhe o tédio. O espírito moderno,
hipermoderno ou pós-moderno não suporta mais o tédio.
E se o tédio permanece mesmo nos movimentos, é
preciso que atitudes mais violentas sejam tomadas. A
vida, sendo assim, passa a ser, contraditoriamente, uma
câmara de tortura dos prazeres.
2. Hedonismo na câmara de tortura

mASSesmo que em menor grau, no fundo dela. O


homem moderno não contempla. Agir é o seu verbo
modal. Esse indivíduo

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