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Seropédica
2022.2
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INTRODUÇÃO
Nas primeiras páginas da tese, o autor inicia contextualizando todo universo que
rodeia o tema central de seu estudo. O período que corresponde a construção de um
Estado-nação brasileiro começa ser idealizado no século XIX. Ivan nos mostra que todo
período antes de 1822 se caracteriza como uma “fase de acumulação primitiva de poder”,
termo que diz respeito a falta de centralização do poder estatal brasileiro. Após a chegada
da família real, que intensifica a formação desse novo estado, o tema central da política
que é aplicada no Brasil diz respeito a reorganização, expansão e fortalecimento da
máquina burocrática.
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Instituto Universitário de Pesquisas do Estado do Rio de Janeiro
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Centro Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - Associação Nacional de Pesquisa e Pós-
Graduação em Ciências Sociais
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e negociações envolvendo diferentes agentes e grupos sociais que, até então, eram
ignorados pela historiografia.
OBJETIVOS
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desenvolvimento, na região da Comarca de Rio das Mortes. Ivan nos mostra o quanto o
movimento comercial transformaria as dinâmicas de sociabilidade e cultura até em locais
pequenos, e no Rio das Mortes isso não seria diferente. Diante disso, ele nos deixa bastante
evidente os motivos que o levaram a escolher esse local para estudar o desenvolvimento do
corpo judiciário brasileiro.
Seguindo essa linha de pensamento, no segundo capítulo o autor passa dar um foco
maior ao processo de ordenamento do corpo jurídico brasileiro da Comarca de Rio das
Mortes.
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Vale ressaltar que a promulgação do Código do Processo Criminal em 1832, que
influenciou diretamente à centralização da máquina judiciária, foi feita ainda com os
liberais no poder, um período que é chamado pelo autor de “fase de experimentação
institucional”6. De forma resumida, essas “guerrilhas” foram formas que os liberais
encontraram para se opor, como o nome diz, burocraticamente, a nova visão de
organização do Estado brasileiro comandada pelo grupo conservador a partir de 1837.
Este capítulo marca o debate sobre a expansão da máquina jurídica, onde podemos
ver que isso não significou necessariamente uma boa relação com a sociedade e nem que
acompanhasse o crescimento das cidades. É visto de forma clara que, na década de 20, a
justiça era acionada somente por uma minoria, os proprietários locais, e para a população
pobre, a justiça representava não só um corpo inútil, mas, também, algo prejudicial. No
decorrer do capítulo, o escritor vai apresentar a posição de diversos autores que revisaram
a historiografia sobre a justiça brasileira, tendo como fontes os materiais produzidos por
ela (processos criminais, ações de liberdade, livros de sentenças) e que puderam evidenciar
a transformação desse quadro aos poucos, principalmente no início de 1830.
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Com as ‘guerrilhas burocráticas’, e a criação do juizado de paz, os juízes formados em Direito, entravam em
conflito por motivos que, dentre outras opções apresentadas pelo autor, podem estar envolvidas com questões
partidárias. O autor, então, nos apresenta um aspecto das tensões judiciárias, dizendo que esta não teria tido
“[...] início como um conflito entre os grupos locais, mas como um enfrentamento entre autoridades
judiciárias que mediam armas e defendiam suas prerrogativas e poderes”. “Essa luta, portanto, expressa e
exemplifica o debate que atravessará toda a década e que terá seu desfecho em 1841, com a vitória da
centralização da máquina judiciária e o fim da fase de experimentação institucional.” Ibidem. p. 106
7
Ibidem. p. 147
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Ivan nos apresenta alguns relatos de uso da justiça por parte de pessoas pobres que
obtiveram êxito na sua denúncia. Tais relatos sustentam a crítica do autor ao apagamento
da participação de homens e mulheres pobres no exercício de cidadania. Porém, ao mesmo
tempo, ele nos lembra que esses casos não são frequentes, mas que, os conflitos que
ocorriam eram entre pessoas que estavam no mesmo espaço e a função da justiça, nesse
caso, era administrá-los sem colocar qualquer hierarquia no julgamento entre o réu e a
vítima. Uma das fontes usadas pelo autor nessa pesquisa, os livros de querela, se tornam
principais nesse momento pois revelam quem realmente passam a ser os agentes que
buscam a justiça brasileira, dessa vez fortalecida e centralizada no corpo do Estado. Existia
uma parte da população que tinha crença na eficácia da justiça. Pessoas pobres, portanto,
passaram a utilizar da justiça para legitimar a sua posição como cidadão e ser posto na
igualdade de enfrentar outrem, mais poderoso ou não, perante a lei.
Este capítulo vai chegando a sua parte final com o autor fazendo um paralelo sobre
a existência de um mercado consumidor em Minas e como se tornava viável a presença
desse mercado apenas pela presença do “fórum”. Existiram mudanças estruturais no
funcionamento daquela sociedade, onde inicia-se uma nova organização social. Quer dizer,
com o desenvolvimento do corpo jurídico, pessoas que eram “desclassificadas”
socialmente, passaram a ser inseridas como cidadãos brasileiros, tendo a justiça como
ferramenta de inclusão. Os trabalhos de Patricia Aufderheide e Celeste Zenha, dão
sustentação a essa impressão de que a justiça, aos poucos, iria se incorporando no cotidiano
das pessoas. E, parar entender melhor ainda como e porque o povo pobre passou a usar da
justiça como ferramenta de inclusão, o autor aconselha o trabalho de Sidney Chalhoub
intitulado “Visões da Liberdade”.
O quarto, e último, capítulo do livro trata sobre a “evolução” dos crimes violentos
na região. Dado o grande fluxo de pessoas que se aventuravam na corrida do ouro, a
violência interpessoal era algo do cotidiano. E, com dificuldades de impor a ordem,
aumentava-se a denúncia de ineficiência das instituições para lidar com esse problema e
impor a obra civilizatória.
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buscaram analisar por que havia constantes mudanças nos crimes que ficavam em
evidência e pode-se notar que influências sociais, o próprio desenvolvimento urbano, e
outros aparelhos culturais, vão ser os “culpados” por essas variações. Diante de uma
sociedade que deixa de ter, em sua centralidade, a economia mineradora e passa a ter um
grande fluxo comercial, esse capítulo vai relacionar muito bem a ideia de como essas
influências atingiam o quadro criminal da comarca.
Pode ser observado que essa violência fazia parte do ethos na sociedade de 1800,
algo que atravessava todas as esferas sociais. Além disso, um problema comum na região
era a associação de bebidas alcóolicas e armas de fogo. Constantes são os atos judiciais que
absolvem, ou punem brandamente, acusados que cometeram crimes alcoolizados. Mesmo
diante de uma crescente nos números de criminalidade, o autor nos mostra que essa
questão não implica, necessariamente, que o aparelho de controle e justiça do estado
fossem ineficientes.
METODOLOGIA E FONTES
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estudo de Ivan, porém aqui ressaltaremos duas: os processos criminais e cíveis e os livros
de querela. O autor após realizar o cruzamento das fontes, pode observar que juntos trazem
uma visão mais ampla dos processos, com maior riqueza de detalhes, ajudando a distribuir
um conjunto de informações por um período longo, tornando-se a representação do que era
produzido pela comarca na época.
A primeira fonte merece devida atenção por alguns fatores. O primeiro diz respeito
ao detalhamento de dados existentes no processo, que ajudam a historiografia entender as
noções de mundo que estavam presentes naquela sociedade e, também, a evidenciar atores
sociais anônimos onde, através da justiça, se tornavam sujeitos centrais dos movimentos
históricos. É necessário destacar que dos 1128 registros, 918 se trata de crimes, e os 210
restantes, se trata de causa cíveis. Outro ponto importante a ser mencionado, é que essa
documentação não é composta apenas por processos criminais, mas também por “traslado
dos autos do processo, o exame de corpo de delito, o auto de denúncia, a acusação crime, o
sumário crime ou de culpa, petições várias etc.” 8. Sendo assim, estes processos
possibilitaram uma análise detalhada da organização e do desenvolvimento da atuação
judiciária no seu papel de aplicação da ordem.
Os livros de querela basicamente são livros que dispõe das denúncias de um crime,
feito pela vítima ou por testemunha, apresentando uma versão precisa de como ocorreu o
crime e suas circunstâncias. Estes livros também dispõem de dados, assim como nas outas
fontes, que ajudaram o autor na qualificação dos crimes e dos envolvidos. Porém, ele
destaca sua importância fazendo uma comparação com os processos criminais, vejamos:
8
mulheres do povo, socialmente igualados” 9, que buscavam a justiça como um instrumento
de resolução para seus problemas.
CONCLUSÃO
Em suas considerações finais, Ivan conclui que buscou apresentar o tema da ordem,
analisando o momento de consolidação do Estado brasileiro, através de atores sociais que,
normalmente, são ignorados pela historiografia. Reforça que podemos entender esses
agentes como relevantes nesse processo, pois fizeram com que suas vozes fossem levadas
para o campo de decisão do Estado, mesmo em uma sociedade que não os consideravam
como parte do corpo de cidadãos.
Em seu último parágrafo, Ivan de Andrade coloca que estudar esse processo, da
forma que foi feita, aconteceu pela diversidade da sociedade brasileira e, por isso, é
precisou atentar-se as variações e evoluções sociais diferenciadas provocadas por essa
homogeneidade. Seu trabalho, portanto, é uma tentativa de produzir a história incluindo a
atuação de homens e mulheres pobres. Dessa forma, finaliza seu livro com um
entendimento de Maria Yedda Linhares onde reconhece ser forçoso a tentativa de testar
novas hipóteses e esquemas teóricos diante de uma história que, dificilmente, nos permite
penetrá-la.
REFÊRENCIA BIBLIOGRÁFICA
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Ibidem. p. 171
9
CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da
escravidão na corte. São Paulo. Companhia das Letras. 1990
FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata. São Paulo:
Unesp, 1977.
MOTTA, K. S. da. Trajetória política e perfil dos primeiros juízes de paz da Província do
Espírito Santo (1827-1841). Revista do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, [S.
l.], v. 3, n. 6, p. 95–107, 2019. Disponível em:
https://periodicos.ufes.br/revapees/article/view/32298. Acesso em: 14 fev. 2023.
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