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Fazia tempo que não chovia. Tempo suficiente para que eu, com oito
anos, não mais que isso, naquele dia ensolarado, sem nuvens, divagando
sobre aquele calor, ouvindo grilos cricarem, duvidar da existência da
chuva. Onde já se viu água cair do céu? Foi o pensamento que me ocorreu.
Eu até tinha lembranças de ter vistos chuvas, a brisa fria, o barulho no
telhado que se eu fechasse os olhos parecia o barulho de algo sendo frito
numa frigideira. Mas olhando aquele céu, parecia inconcebível que gotas
de água pudessem, do nada, cair dele. Parecia irreal, parecia mágico.
Como disse, eu tinha oito anos, não mais que isso e tenho uma
lembrança, que eu talvez tenha modificado em minha cabeça ao passar dos
anos para que se parecesse como uma cena filme cult. Na época, eu nem
sabia o que era cult. Toda essa volta é só para dizer que, para fins
narrativos, encontrei minha vó passando seu creme para rachaduras nos
pés.
— Ela tá seca.
— Sim, tá.
— Vi sim, netinho.
— Claro que existe, menino! De onde você tirou que não existe
chuva?
— Sério?
— Escutar o quê?
— E o que tem?
Dois dias depois, eu conheci água que cai do céu. Ela veio boa, na
medida e hidratou a represa. Mudou totalmente a paleta de cores para um
cinza escuro de suas nuvens-mar com saudades de casa. Eu banhei na
chuva, e mesmo com o marrom do barro em minhas roupas, minha avó não
ligou. Ela disse que só não banhou comigo por que ela poderia ficar doente,
crianças se recuperam mais rápido. Eu também vi um arco-íris e sorri.
Minha teoria inicial, que foi confirmada por minha vó, também foi
confirmada pela natureza: se aquilo não era magia, eu não sabia o que era.
Quando entrei para a escola e descobri o ciclo da água, outra coisa foi
confirmada: era realmente o mar com saudade de casa. E eu descobri bem
antes, aos sete anos. Não eram oito, eram sete. Acabei de me lembrar. Sete
anos, não mais que isso, com certeza.
*
Isaac coça sua barba espessa antes de levantar da mesa onde está
sentado com seus amigos. Eles estão na sua casa, na varanda de frente para
o mar. Ele pega quatro latas de cerveja em sua geladeira. O dia está quente
e segundo as previsões do tempo, logo mais, durante a semana, deveria
chover. Voltou para a mesa de madeira e colocou a bebida de frente para
cada um dos seus amigos que estavam naquela reunião. Era um projeto
novo, ousado. Ele sentou novamente e deu um último gole na sua cerveja
que bebera enquanto contava a história para seus brothers.
— O que acham?
— Acho que tem futuro, se for bem trabalhado. Tem que ser
minimalista, um realce na sonografia talvez. — Disse seu amigo de óculos
quadrado.
— Eu devia ter uns nove anos nessa foto, eu acho, não mais que isso,
certeza. — Ele murmurou para si mesmo.