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Copyright © Grupo Editorial Coerência, 2020

Copyright © Gabriela Costa, 2019

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qualquer meio existente sem a autorização prévia da editora.

DIREÇÃO EDITORIAL PRODUÇÃO GRÁFICA PREPARAÇÃO


Lilian Vaccaro Giovanna Vaccaro Rebecca Luz
Kaio Rodrigues
REVISÃO CAPA
Bianca Gulim Henrique Morais DIAGRAMAÇÃO
Michael Vasconcelos

Costa, Gabriela
A lágrima de vidro / Gabriela Costa. – 1ª edição – São Paulo: Coerência, 2020
DADOS
INTERNACIONAIS
ISBN: 978-65-87068-07-7
DE CATALOGAÇÃO
NA PUBLICAÇÃO
(CIP)
1. Ficção brasileira 2. Fantasia 3. Romance I. Título

CDD: 869.3

São Paulo
Avenida Paulista, 326,
cj 84 - Bela Vista
São Paulo | SP – 01.310-902
www.editoracoerencia.com.br
Dedicatória

Dedico este livro ao Verbo. Àquele sem o qual nada do que foi feito se fez.
À minha doce mãe, primeira a saber da história. Obrigada por
me empolgar e incentivar com suas reações e emoções a cada aconteci-
mento. Você é um pedaço da minha felicidade, razão de quase todos os
meus sorrisos mais sinceros. Obrigada por sempre acreditar e investir
tanto em mim e em meus sonhos. Amo você de todo o meu coração.
Ao meu querido e honrado pai, por ser um exemplo dentro e
fora de casa. Você me ensinou a aproveitar a vida de maneira correta e
a desfrutar ao máximo até mesmo os mínimos detalhes deste presente
que é viver. Obrigada por me fazer desejar um homem que tenha as
suas qualidades para casar — ainda estou solteira, pra você ver como
são muitas! Eu me espelho em você e o amo incondicionalmente.
À minha irmã, minha melhor amiga. Por colecionar o repertório
das músicas mais bregas — e divertidas — e as histórias mais épicas. Por
ser meu guarda-chuva a cada tempestade. Por fazer a melhor panqueca
do mundo. Pelos longos diálogos em meros dois segundos apenas com
uma rápida troca de olhares. Por ter me dado as pessoas que gozam do
amor máximo do meu coração: um cunhado chato e o sobrinho mais
lindo do mundo. Amo muito todos vocês.
A todo aquele que, assim como eu, deseja conhecer o Leão.

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Agradecimentos

Agradeço a todos os amigos e familiares que esperaram pacientemente


quando sumi por um mês e cinco dias enquanto escrevia doze horas
por dia. Valeu a pena, não?
A cada sentimento avassalador ou silencioso, a cada caminhar
apressado de um desconhecido pelas ruas, a cada estrela brilhante, a
cada onda do mar, a tudo aquilo ou aquele que me inspirou de alguma
maneira, mesmo sem saber.
Obrigada a Caio, Ana e Rafa, meus primeiros leitores.
Um agradecimento à própria Lágrima de vidro, composição ra-
biscada na última folha de um caderno velho que me trouxe o imenso
desejo de escrever um livro por acreditar que eu tinha muito mais a
dizer do que o que caberia em uma única música.

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Grecia venerava seus passeios matinais na orla da praia. A forma em
que os grãos de areia se movimentavam entre seus dedos enquanto
caminhava. A recepção que a leve brisa do entardecer trazia à sua face.
O som das águas brincando em sua própria arrebentação, e até mesmo
o som pouco suave das gaivotas que sempre passavam por ali. Tudo
aquilo a fazia se sentir em um pedacinho do paraíso.
Grecia fechava os olhos e era capaz de sentir a paz a alimentando.
Num suspiro, sentia que todas as preocupações lentamente se esvaiam
de seu corpo.
— Pernilongos malditos! — A exclamação repentina da voz rou-
ca a retirou de seus pensamentos. Fitou a irmã, que se remexia com
incômodo. — Tanto tecido, e eles ainda encontram o caminho para
meus pés — prosseguiu Charlotte, que tentava ajeitar o vestido índigo.
— Logo chegaremos em casa e terá seu banho quente — disse
Grecia com voz serena, novamente sob influência do cativante som
da maré. — E, é claro, estará longe dos malditos pernilongos. Se quiser,
posso esquentar água.
Charlotte balançou a cabeça e fez um biquinho, irritada.
— Não entendo por que gosta tanto daqui. Poderíamos estar na
Rua do Comércio. Ao menos eu estaria limpa e longe de insetos vampiros.
Grecia riu do exagero da irmã, mas não interrompeu sua cami-
nhada até a saída da praia.

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— Aonde vai? — perguntou Charlotte, passando por um raio de
sol que fez seus olhos castanho-claros brilharem.
— Ao comércio.
— Pare de sempre tentar me agradar.
Grecia estranhou o comentário, pois Charlotte amava que qual-
quer um fizesse suas vontades. Ainda assim, decidiu não comentar.
— Qual o problema de querer agradar minha irmã de vez em
quando?
— Não somos irmãs!
Com um suspiro, Grecia alongou os músculos do pescoço, pre-
parando-se para o que sabia estar por vir.
— Grecia Lunsnory — iniciou Charlotte, mostrando toda a ironia
que era capaz de usar. — Loira maçante. Olhos verdes comuns. Pensa
que é escritora por ter encontrado nas palavras os amigos que nun-
ca terá na vida real. É esquisita. Vive delirando, sempre num mundo
particular. Tecelã de segunda categoria. Será que me esqueci de algo?
Ah, sim, é uma órfã.
Grecia pousou castamente as mãos à frente do corpo. Estava
acostumada aos comentários indelicados da irmã, mas ainda incapaz
de aceitá-los.
— Deixei de ser órfã há muito tempo.
Charlotte cruzou os braços.
— Acha que faz parte da família só porque meus pais erronea-
mente decidiram te abrigar em nossa casa. Sempre será a garota que
nem os pais quiseram.
Grecia permaneceu calada, e a outa prosseguiu:
— Eles a abandonaram antes que pudesse se lembrar deles. Che-
gou num cestinho fedorento com um papel sujo dizendo somente
seu nome — lembrou com crueldade. — Meus pais só queriam saber
da renda que uma nova tecelã traria.
— Charlotte — interrompeu Grecia, mas a outra não quis ouvir.

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— Meu pai raramente ficava em casa, e você tirou até a atenção
de minha mãe. Ela só tinha tempo para te ensinar mais e mais macetes
tolos de costura — debochou, seus olhos demostrando toda a mágoa que
sentia. — Ao menos seu emprego no palácio rendeu alguns bolos e quei-
jos deliciosos para mim e meus pais, o único benefício que nos trouxe.
Uma lágrima intrometida escorreu dos olhos frios de Charlotte,
que esboçara novamente o biquinho de frustração. Grecia levou uma
suave mão ao ombro de Charlotte.
— Jamais quis roubar a atenção de sua mãe — desculpou-se.
Charlotte imediatamente se afastou, fazendo a mão de Grecia
voar na direção oposta.
— Ora, encontre seus corpos no mar e diga que sente muito.
— Sabe muito bem que o naufrágio não foi culpa minha — Grecia
franziu o nariz arrebitado. — Também fiquei de luto.
— Usar vestidos pretos por um tempo não significa que tenha
sofrido. Na verdade, não duvido que esteja feliz.
A fala maldosa fez Grecia ofegar, em choque.
— O que te faz pensar isso?
— Não banque a inocente. Se não tivesse pedido por aquele mal-
dito tecido francês, eles não precisariam ter embarcado. Se não fosse
por você, meus pais ainda estariam aqui!
— Foi Lady Carmel quem o encomendou, Charlotte — rebateu.
— Seus pais fecharam negócio. Eu apenas iria costurar.
De repente, uma voz as interrompeu:
— Senhoritas…
Grecia seria capaz de erguer as mãos e agradecer aos céus por
aquela intromissão. As duas jovens direcionaram sua atenção ao rapaz
bem-apessoado diante delas. Seus cabelos longos formavam ondula-
ções escuras e desarrumadas de forma quase perfeita, que caíam deli-
cadamente sobre sua face sem cobrir os olhos azul-escuros. Os braços
aparentes pelas mangas rasgadas evidenciavam um corpo escultural.

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Ao lado do belo rapaz havia alguém de costas, aparentemente
entretido com uma rede de pesca.
Sem aviso prévio, Charlotte se direcionou a eles. Surpreendida
pela atitude descuidada da irmã, Grecia a seguiu de perto.
— Espere — sussurrou, sendo ignorada.
— O que querem? — indagou Charlotte, lançando olhares aper-
tados e ajeitando os longos cabelos para que ficassem mais lisos que
o natural.
O rapaz sorriu de canto, galanteador.
— O que duas joias tão belas fazem sozinhas? A praia pode ser
um lugar perigoso ao entardecer.
Grecia se colocou entre a irmã e o desconhecido.
— Algumas joias não são fáceis de quebrar, senhor — afirmou com
rispidez. — Dispensamos preocupações vindas de estranhos.
Aquele que antes estava de costas se virou para ela. Grecia o ana-
lisou. Os olhos estreitos permitiam a visão de um castanho ardente
— pareciam guardar outras mil vidas dentro de si. Despenteados fios
curtos de cabelo castanho pareciam combinar propositalmente com
a cor dos olhos. Era um pouco mais alto do que o rapaz que o acom-
panhava, e sorriu de forma desconcertante.
— Meu nome é Augustos Levian. Este ao meu lado é Isaiah Claker.
— Ela o ignorou, olhando atentamente para Augustos, que não termi-
nara de falar. — Meu amigo e eu estávamos prestes a dar um passeio.
— Apontou para uma escuna ancorada ao trapiche. — Gostariam de
nos acompanhar?
Charlotte deixou transparecer o interesse.
— Aquele barco é seu, Sr. Levian?
Augustos balançou a cabeça positivamente. Em passos largos,
Charlotte se aproximou do barco, sendo impedida de entrar por uma
mão. Era Grecia, que a fitava com firmeza.
— O que pensa que está fazendo?
— O que parece? — retorquiu Charlotte, rude. — Vou admirar as
estrelas dentro de uma escuna com os homens mais belos do país. Será

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uma tola se não me acompanhar, embora deva ser maçante estar presa
a um barco com dois homens interessados em mim.
Grecia teve que encontrar forças para não revirar os olhos.
— Não brinque com isso.
Charlotte cruzou os braços, teimosa.
— Quem disse que estou brincando?
Se eu não a acompanhar, ela vai se meter em apuros, pensou Grecia,
tomando sua decisão.
Observando a personificação de teimosia na forma de mulher
que saltitava à sua frente, começou a andar. Em um timbre mais alto
e firme do que o esperado, disse:
— Eu vou. Será que eles têm algo para escrever?

Vamos, Grecia, você está em alto-mar. Observe a riquíssima inspiração que paira
sobre as águas. Tente escrever algo e ao menos o tempo passará mais rápido, ela
repetia para si mesma, tentando manter um clima agradável apesar de
seus nervos.
A imagem da troca nada decente de sorrisos e olhares entre Au-
gustos e Charlotte fazia seu estômago ter vida própria. O tempo parecia
se arrastar.
Um vento vindo do Norte incitou novas ondas contra a proa.
Um gatilho, seus pensamentos gritaram. Sem hesitar, Grecia co-
meçou a escrever.

O coração é um barco perdido em um mar de incertezas. Cada vez que


uma onda se apresenta à proa, ele a convida a dançar ao atraente som do mis-
tério. O coração erra o passo e ocasionalmente a dúvida desajeitada pisa em
seu pé. Embora às vezes se canse dela, ele sabe que não há como desejar outras
curvas que não as suas. Porque o coração sabe que não há sensação melhor
do que a dominar, ser o condutor de uma dança, por mais que desajeitada.

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As vozes ao fundo não eram capazes de entrar na profundeza de
seus devaneios. Grecia não viu quando Augustos se levantou e, segu-
rando a mão de Charlote, dirigiu-se à beira da escuna.
— Quero mostrar uma coisa.
Os olhos de Charlotte brilhavam, competindo com a vivacidade
do mar ao ver centenas de águas-vivas nas cores do arco-íris mais belo,
flutuando pacificamente ao derredor do barco. Sua expressão causava
gargalhadas em Augustos, que, momentos depois, quase foi ao chão
devido a um balanço na embarcação enquanto retirava as vestes.
— Por que está se despindo? — provocou Charlotte, devolvendo
a risada.
— O quê? Não me diga que não está louca de vontade de tomar
banho em uma enorme piscina natural à luz das estrelas…
E, num pulo, caiu na água.
— Mas com as águas-vivas? Você é louco! — ela exclamou num
tom alto devido à distância entre eles.
Augustos lançou um sorriso desafiador.
— Não se preocupe, jovem donzela. Além da beleza estonteante,
elas não apresentam perigo algum. — E, após um mergulho, ele voltou
à superfície. — Você vem?
Charlotte saltou para fora do vestido, retirando cuidadosamente
seu espartilho — presente caro recebido de uma nobre em agradecimen-
to por cuidar de seus filhos por uma tarde. Subiu na borda e pulou,
apertando o nariz com a mão esquerda.
O som de um segundo corpo caindo na água fez Grecia olhar
para cima. Notando que era Charlotte, tremeu.
— Charlotte! — esbravejou com a voz exaltada, ignorando os
rascunhos que tinham caído de seu colo.
— Ela já é grande. Além do mais, aonde eles poderiam ir? — per-
guntou Isaiah.
— Charlotte é muito impulsiva — rebateu Grecia, sem tirar os
olhos das figuras que se banhavam em alto-mar. — Às vezes não é capaz
de se controlar.

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— E você quer o controle de tudo.
A frase fez seu sangue correr com mais força pelo corpo. Grecia
franziu o nariz, contrariada.
Como por impulso, ela se viu dizendo:
— Não é verdade!
— Prove que estou errado e volte à sua escrita — desafiou Isaiah.
Grecia pareceu levar o peso do mar sobre os ombros ao se dirigir
ao banco. Forçando uma expressão serena, voltou a escrever.
Alguns minutos depois, uma tosse falhava miseravelmente na
missão de resgatá-la de seus pensamentos. Grecia levantou o olhar
lentamente, desejando ter um punhal para perfurar seu rude acompa-
nhante. Isaiah sentiu a tensão e lançou um sorriso tímido de desculpas.
Limpou a garganta e se aproximou.
— O que está escrevendo?
— Palavras — disse ela sem levantar o olhar.
Uma nova onda de silêncio invadiu o ambiente. Para Grecia, um
momento de paz. Para Isaiah, um gongo ensurdecedor.
— Também sou escritor. — Arriscou com súbita insegurança.
Abriu um sorriso amarelo ao perceber que ganhara a atenção
da moça.
— Você escreve mesmo?
— Gostaria de ler, Srta. Lunsnory?
O sorriso de Isaiah se alargou. Notando-o encurralado, Grecia
acenou com a cabeça.
— Por favor.
Para sua surpresa, Isaiah voltou alguns minutos mais tarde tra-
zendo e derrubando alguns manuscritos. Com um olhar recheado de
um ânimo sincero, abriu um deles.
— Este escrevi há alguns anos, mas me orgulho muito dele.
Suas mãos se encostaram ligeiramente, mas ambos ignoram.
Grecia se permitiu ler o manuscrito aberto.

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Nos turvos olhos do amor, eu nada consigo desvendar. Meu corpo estre-
mece ao pensar quando eu me chocaria nas águas desta cachoeira. Uma vez
que o peso da minha resistência poderia me afogar, para pular é preciso que
eu me dispa completamente de cada parte de minha armadura. A sensação
de como deve ser doloroso o impacto da vulnerabilidade de uma paixão
avassaladora me atormenta, dando margem aos grilhões do medo. Não…
Não posso pular. Não consigo. Não sem alguém que segure minhas mãos
trêmulas pelo receio. Mas não poderia segurar nem mesmo as patas de um
urso velho se não me livrar das luvas de batalha. Deveria eu me contentar
com uma solidão segura ou arriscar na vulnerabilidade do amor?

Grecia levantou o rosto e seus olhares se cruzaram por longos


segundos. Isaiah a observou mudar de expressão.
— O que foi?
— Nada — Grecia respondeu rapidamente.
Mas ela o olhava fixamente. Seu olhar era tão intenso que cons-
trangia. Ultrapassava sua carne e ardia por entre seus ossos. Ela o ana-
lisava como se ele fosse uma pintura abstrata a ser desvendada. Suas
cores inusitadas viajavam entre o vibrante e o tímido em uma natu-
ralidade espantosa. Entre o escândalo e a plenitude. Ele a intrigava.
Quando sua observação se alongou, Isaiah engoliu em seco,
envergonhado.
— Fale, por favor.
Grecia balbuciou qualquer coisa, não querendo admitir que as
palavras lhe haviam faltado. Ele havia derrubado suas barreiras até
então indestrutíveis como o vento derruba a folha solta de uma árvore
fraca: sem esforço. E tudo isso em poucos segundos.
Quem é esse homem?, Grecia se perguntava. À medida que suas
bochechas partiam de um branco pálido para o leve rubor, sentiu o
estômago gelar.
Isaiah se endireitou em seu assento.
— Tem alguma obra publicada?

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— Não. Escrevo apenas por acreditar na voz do meu coração taga-
rela. Mas trabalho como tecelã no castelo.
Ele levantou as sobrancelhas em sinal de espanto.
— E como é lá dentro? Como é o rei?
— Embora eu trabalhe no castelo, nunca visitei a parte nobre —
explicou. — Frequento uma das salas de costura anexadas ao exterior,
próxima aos jardins suspensos do rei. Nunca me encontrei com ele.
Alguns até dizem ser lenda e afirmam que o castelo é governado por
aristocratas gananciosos que inventaram existir um rei apenas para
manter o poder.
Isaiah sorriu da expressão exasperada da moça.
— Acredita nisso?
— Acho exagerado dizer que ele é quem sustenta o sol todas as
manhãs e que até mesmo os pássaros cantam todos os dias apenas
para o louvar — disse com um sorriso discreto. — Se existe um rei, não
o conheço.
— Seria precipitado de sua parte tomar esses pensamentos como
fatos, uma vez que apenas chegou aos portais, mas nunca entrou na
sala do trono — disse ele, já não dando muita atenção ao assunto.
— Acredita que há um rei, Sr. Claker? — perguntou ela com olhos
curiosos.
— Talvez. — Isaiah deu de ombros. — Só estou dizendo que seria
interessante.
As risadas de Charlotte e Augustos pareceram ganhar vida de
repente. Ou talvez Grecia e Isaiah houvessem excluído todo ruído ex-
terior ao deles até aquele momento.
Ele virou o rosto em direção à fonte do barulho.
— Parecem estar se divertindo — comentou. — O que acha de nos
juntarmos a eles?
Grecia sentiu um súbito calor ganhando vida dentro de si.
— Não, obrigada — rejeitou com rispidez.
Isaiah se colocou de pé e retirou a vestimenta de cima, revelando
seus músculos levemente tonificados. Grecia não podia negar que ele

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possuía certo charme. Ele se sentou ao seu lado, roçando sua pele na
dela, e a cutucou com o ombro nu.
— A senhorita tem certeza?
Desejou pular no mar. Era uma noite quente. Mas não era esse
tipo de garota.
— Sim, tenho certeza — respondeu, sem toda a firmeza que esperava.
De forma hesitante, mas audaciosa, Isaiah encostou seus dedos
nos dela e os puxou suavemente para junto de si.
Antes que seus dedos chegassem ao abdômen de Isaiah, Grecia
escutou um estrondo. Assustada, ela se empertigou, afastando-se do
rapaz.
— Ouviu isso? — indagou. — Foi um trovão?
Ela não saberia dizer se estava ofegante pelo susto, pelo receio
ou pela experiência que quase vivenciara.
A expressão outrora confiante de Isaiah se converteu em pânico.
— Não pode ser — disse. — Esta escuna possui certo luxo, mas é
muito pequena para suportar uma tempestade.
Isaiah correu até a parte do barco que mais se aproximava de
Charlotte e Augustos e perguntou se ouviram algum barulho estranho.
Após alguns minutos, voltou, aliviado.
— Eles não escutaram nada — disse ele com um sorriso. — A se-
nhorita deve ter se confundido.
Ao perceber o que ocorrera, Grecia desejou se enterrar sob as
saias de seu vestido de cor salmão.
— É ele. — Pensou em voz alta. — Sempre aparece nos momentos
mais inoportunos!
Grecia não pensou ter falado em voz alta, mas Isaiah a escutou.
— Quem?
Desde os seis anos, sofria de profundas alucinações. Para ela,
pareciam durar horas, mas, quando voltava, meros segundos haviam
se passado.
Suas alucinações eram as mais variadas possíveis, exceto por algo:
o Leão Branco.

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