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O SEU CORPO - ESSA CASA ONDE VOCÊ NÃO MORA

Thérèse Bertherat

Neste instante, esteja você onde estiver, há uma casa com o seu nome. Você é o único
proprietário, mas faz tempo que perdeu as chaves. Por isso fica de fora, só vendo-a fechada.
Não chega a morar nela. Essa casa, teto que abriga suas mais recônditas e reprimidas
lembranças, é o seu corpo.

“Se as paredes ouvissem…” Na casa que é o seu corpo, elas ouvem. As paredes que tudo
ouviram e nada esqueceram são músculos. Na rigidez, crispação, fraqueza e dores dos
músculos das costas, pescoço, diafragma, coração e também do rosto e do sexo, está
escrita toda a sua história, do nascimento até hoje.

Sem perceber, desde os primeiros meses de vida, você reagiu a pressões familiares,
sociais, morais. “Ande assim. Não se mexa. Tire a mão daí. Fique quieto. Faça alguma
coisa. Vá depressa. Aonde vai você com tanta pressa…?” Atrapalhando, você dobrou-se
como pôde. Para conformar-se, você se deformou. Seu corpo de verdade – harmonioso,
dinâmico e feliz por natureza – foi sendo substituído por um corpo estranho que você aceita
com dificuldade, que no fundo você rejeita.

É a vida, diz você; não há outra saída. Respondo-lhe que você pode fazer algo para mudar e
que só você pode fazer isso. Não é tarde demais para liberar-se da programação de seu
passado, para assumir o próprio corpo, para descobrir possibilidades até então inéditas.

Ser é nascer continuamente. Mas quantos se deixam morrer pouco a pouco, enquanto vão
se integrando perfeitamente às estruturas da vida contemporânea, até perderem a vida, pois
que se perdem de vista?

Saúde, bem-estar, segurança, prazeres, deixamos tudo a cargo dos médicos, psiquiatras,
arquitetos, políticos, patrões, maridos, mulheres, amantes, filhos. Confiamos a
responsabilidade de nossa vida, de nosso corpo, aos outros, por vezes àqueles que não
desejam essa responsabilidade e que se sentem esmagados por ela; quase sempre aqueles
que pertencem a Instituições cuja primeira finalidade é a de nos tranquilizar e, portanto, de
nos reprimir. (E quantos há, independentemente de idade, cujo corpo ainda pertence aos
pais? Crianças submissas, esperando em vão, durante toda a vida, licença para vivê-la.
Menores de idade psicologicamente, não ousam nem olhar a vida dos outros, o que não os
impede, porém, de tornarem-se impiedosos censores)

Quando renunciamos à autonomia, abdicamos de nossa soberania individual. Passamos a


pertencer aos poderes, aos seres que nos recuperaram. Se reivindicamos tanto a liberdade
é porque nos sentimos escravos; e os mais lúcidos reconhecem ser escravos-cúmplices.
Mas como poderia ser de outro jeito, se não chegamos a ser donos nem de nossa primeira
casa, da casa que é nosso corpo?

Você pode, no entanto, reencontrar as chaves do seu corpo, tomar posse dele, habitá-lo,
enfim nele encontrar a vitalidade, saúde e autonomia que lhe são próprias.

Como? Não, certamente, se você considerar o corpo como uma máquina fatalmente
defeituosa e que o atravanca; como uma máquina composta de peças soltas (cabeça,
costas, pés, nervos…) que devem ser confiadas cada uma a um especialista, cuja
autoridade e veredicto são aceitos de olhos fechados.
Não, certamente, se você aceitar como definitivas as etiquetas de “nervoso”, “insone”, “com
mau funcionamento do intestino”, “fraco”, etc. E não, certamente, se você procurar
fortalecer-se pela ginástica que se contenta com o adestramento forçado do corpo-carne, do
corpo considerado sem inteligência, como um animal a domar.

Nosso corpo somos nós. Somos o que parecemos ser. Nosso modo de parecer é nosso
modo de ser. Mas não queremos admiti-lo. Não temos coragem de nos olhar. Aliás, não
sabemos como fazer. Confundimos o visível com o superficial. Só nos interessamos pelo
que não podemos ver.

Chegamos a desprezar o corpo e aqueles que se interessam por seus corpos. Sem nos
determos sobre nossa forma – nosso corpo- apressamo-nos a interpretar nosso conteúdo,
estruturas psicológicas, históricas. Passamos a vida fazendo malabarismos com palavras,
para que elas no revelem as razões de nosso comportamento. E que tal se, através de
nossas sensações, procurássemos as razões do próprio corpo?

Você poderá deixar cair máscaras, disfarces, poses, o “faz-de-conta”, e passar a ser, a ter
coragem de ser autêntico.

Você pode livrar-se de uma infinidade de males – insônia, prisão de ventre, distúrbios
digestivos – fazendo com que trabalhem para você, e não contra você, músculos que até
agora você nem sabe onde ficam.

Você pode despertar seus cinco sentidos, aguçar suas percepções, ter e saber projetar uma
imagem de si mesmo que o satisfaça a que lhe mereça respeito.

Você pode afirmar sua individualidade, reencontrar sua capacidade de iniciativa, a confiança
em si mesmo.

Você pode aumentar sua capacidade intelectual melhorando antes de tudo os impulsos
nervosos entre cérebro e músculos.
Você pode desaprender os maus hábitos que o levam a favorecer e, por conseguinte, a
hiper-desenvolver e deformar certos músculos; romper os automatismos do seu corpo e
descobrir-lhe a eficácia e espontaneidade.

Você pode tornar-se um poliatleta que, a qualquer momento e em qualquer movimento que
faça, conta com o equilíbrio, com a força, com a graça do próprio corpo.

Você pode libertar-se dos problemas de frigidez ou de impotência e, depois de liberto das
proibições que emanavam de seu corpo, conhecer a rara satisfação que consiste em nele
habitar realmente.

Em qualquer idade, você pode livrar-se das pressões que cercam sua vida interior e seu
comportamento corporal, conseguindo perceber o ser belo, bem feito, autêntico, que você
deve ser.

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