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Hoje estou fazendo um vídeo que foi muito, muito, muito pedido, mais um
vídeo de minha série 50 minutos em 5, onde eu resumo grandes assuntos da
História em no máximo cinco minutos, e hoje eu tô (sic) vendo que eu vou
sofrer bastante porque o assunto de hoje é Revolução Francesa (ALADIM,
29 de jun. de 2018).
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tiva, marcada por cortes para enxugar a fala da autora com a inserção recorrente
de algumas animações para ilustrar algumas de suas passagens.
O resultado é que, no acesso de 15 de abril de 2020, o vídeo já possuía
seis mil likes contra setecentos e cinquenta e oito deslikes.7 Os comentários
talvez incomodem alguns professores, como: “APRENDI MAIS AQUI DO
QUE NA ESCOLA”8 (caixa alta do autor), com a concordância de três mil e
duzentos likes, ou mesmo de uma pessoa que se identifica como professor ao
afirmar que indica o vídeo para os seus alunos. Pelos comentários, constata-
mos que vários estudantes assistiram ao vídeo, assim como um segundo pos-
tado no canal sobre o mesmo tema, que abordaremos mais na frente para falar
da problemática do tempo nessas produções, que é o “Cinquenta minutos em
cinco”. Aliás, uma rápida passada pelo canal demonstra o sucesso entre os
seguidores:
Eu tive prova de Revolução Francesa ontem, e sim eu vi seu vídeo de 50
minutos todinho! Valeu muito a pena, muito obrigadaaaaaa acho que
consegui um 8 na minha prova (detalhe, eu não sou de humanas, eu sou
100% exatas, portanto História não entra na minha cabeça, mas você expli-
ca de um modo tão simples de entender que eu consegui!!!).
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Dada a sua condição de produto, uma vez que precisa de uma audiência
disposta a interagir com eles, os vídeos efetivam dois aspectos que se inter-
relacionam de maneira inseparável: precisam ser, ao mesmo tempo, conteúdo
didático e entretenimento. Aqui talvez a principal distinção em relação ao que
comumente nós professores fazemos em sala. Se em sala temos uma “audiên-
cia cativa”, reunida a partir de uma estrutura disciplinar, de tempo e conteú-
do, que lhes apresenta poucas alternativas de burla, nela a ideia de conteúdo
como entretenimento raramente é cogitada; fora daquele espaço, essa dimen-
são será fundamental para que o canal se sobreponha a outros como referên-
cia. Visto sob essa perspectiva, embora os conteúdos se estruturem a partir das
linhas gerais daquelas efetivadas em sala, ganham versões das quais se retira
grande parte da complexidade do conhecimento histórico; muitas vezes inves-
tem em polemismos, variantes anedóticas do passado, além de narrativas ex-
tremamente perpassadas por graves anacronismos que acabam por dissipar a
distinção entre passado e presente.
Por outro lado, embora seja uma simplificação do conteúdo histórico não
deixam de ser um produto complexo, fruto daquilo que Castells denomina de
virtualidade real, que integra ao mesmo tempo “vários modos de comunicação
em uma rede interativa”. Segundo o autor, um hipertexto, uma espécie de meta-
linguagem que “integra no mesmo sistema as modalidades escrita, oral e audio-
visual” (CASTELLS, 2018, p. 414). Portanto, é preciso considerarmos que essas
mudanças na produção, apresentação e interação de conteúdos geram novos
desenvolvimentos cognitivos, que só se realizam nessa comunicação em rede.
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vídeo gigantesco explicando tudo sobre a Revolução Francesa, caso você tenha
tempo, recomendo fortemente, mas a proposta do vídeo de hoje é resumir em
no máximo cinco minutos o que que foi a Revolução Francesa né [nesse mo-
mento mostra um roteiro escrito nas mãos], esse movimento que acabou
com o absolutismo na França e instalou a república, que aconteceu entre
1789 e 1799, então vamo (sic) lá, começando, valendo! [mostra o cronôme-
tro]14 (Grifos nossos).
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Considerações finais
As aproximações discursivas entre o ensino de História nos espaços esco-
lares presenciais e os ambientes de ensino criados no ciberespaço podem fazer
parecer que existe uma “mão invisível” ou uma “visão de mundo” da qual os
estudantes e professores não podem escapar por fazer parte de uma certa “estru-
tura de pensamento” de época e lugar. Nesse sentido, mais importante do que
essa “visão global” do ensino de História, analisá-lo em suas práticas discursi-
vas favorece-nos entender as divergências e aproximações das unidades discursi-
vas que se formam nos espaços públicos e escolares de ensino de História.
Assim, as práticas discursivas da História ensinada e aprendida podem
subordinar umas às outras, entrar em coincidências ou distanciamentos ou se
defasar no tempo e nos espaços. São práticas discursivas presentes em livros
didáticos, em cada aula do professor, em cada vídeo postado no Youtube, em
cada currículo, programa anual ou plano de aula, que estabelecem relações
laterais entre elas e com a produção historiográfica, mas que lhes são distintas,
sem que se estabeleça uma relação de hierarquia. São relações que podem ser
percebidas desde que analisadas no âmbito das regularidades discursivas, ob-
servando os desvios, distanciamentos, aproximações, autonomias e articula-
ções, o que nos coloca uma questão fundamental para pensar no campo do
ensino de História no âmbito da história pública: que História é essa ensinada
pelos fazedores de História em vídeos do Youtube?
Dessa forma, podemos pensar o ensino de História e suas regularidades
discursivas no âmbito da história pública a partir de pelo menos três de suas
características:
1) É um campo inesgotável e que nunca se pode dar por fechado; não tem
por finalidade reconstruir o sistema de postulados ao que obedecem todos
os conhecimentos de uma época, mas recorrer a um campo indefinido de
relações; 2) Não é uma figura imóvel que aparece um dia e depois desapare-
ce bruscamente; é um conjunto de indefinidamente móvel de escansões, de
defasagens, de coincidências que se estabelecem e se desfazem; 3) Permite
captar o jogo de coerções e limitações que, em um momento dado, se im-
põem ao discurso (FOUCAULT, 2016, p. 231).
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Referências
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DELLÍN, COLOMBIA, JULIO-DICIEMBRE 2011, p. 223-245. Historia y Sociedad.
CAIMI, Flávia Eloisa. Por que os alunos (não) aprendem História? Reflexões so-
bre ensino, aprendizagem e formação de professores de História. Revista Tempo, v. 11,
n. 21ª, 03, p. 17-32.
CALTELLS, Manuel. Sociedade em Rede. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2018.
FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016.
GABRIEL, Carmem Teresa; MONTEIRO, Ana Maria. Currículo de História e Narra-
tiva: desafios epistemológicos e apostas políticas. In: MONTEIRO, Ana Maria [et al.]
(orgs.). Pesquisas em ensino de história: entre desafios epistemológicos e apostas políticas.
Rio de Janeiro: Mauad X/Faperj, 2014. p. 23-40.
GONTIJO, Rebeca. Sobre cultura histórica e usos do passado: a Independência do
Brasil em questão. Almanack, Guarulhos, n. 08, p. 44-53, 2º semestre de 2014.
LEE, Peter. Em direção a um conceito de literacia histórica. Educar. Curitiba: Editora
UFPR, 2006. Especial, p. 131-150.
KOSELLECK, Reinhart. Futuro do Passado: contribuição à semântica dos tempos his-
tóricos. Rio de Janeiro: Contraponto/Ed. PUC-Rio, 2006.
MENESES, Sônia. Uma história ensinada para Homer Simpson: negacionismos e os
usos abusivos do passado. Revista História Hoje, v. 8, n. 15, p. 66-88, 2019.
MENESES, Sônia. Internet, História e Esquecimento: sobre pensar o passado escrito
no universo virtual. Fronteiras: Revista Catarinense de História [on-line], Florianópolis, n.
21, p. 10-26, 2013.
RÜSEN, Jörn. ¿Qué es la cultura histórica?: Reflexiones sobre una nueva manera de abor-
dar la historia, 1994.
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1
Francisco Egberto de Melo. Doutor em Educação. Prof. Adjunto do Departamento de História
e do Mestrado Profissional em Ensino de História da Universidade Regional do Cariri-URCA.
E-mail: francisco.melo@urca.br.
2
Sônia Maria de Meneses Silva. Doutora em História. Profa. Adjunta do Departamento de
História e do Mestrado Profissional em Ensino de História da Universidade Regional do Cariri-
URCA. E-mail: sonia.meneses@urca.br.
3
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=I8q0S_XGwdg>. Acesso em: 15 abr. 2020.
4
Disponível em: <https://no.descomplica.com.br/revolucao-francesa>. Acesso em: 15 abr.
2020.
5
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ceCcZooYDBo>. Acesso em: 15 abr.
2020.
6
Em novo acesso no dia 05 de abril de 2020, acrescentaram-se mais 17 mil acessos, ou seja,
quase mil acessos por dia.
7
No dia 05 de maio de 2020, acrescentaram-se dois mil likes contra nove deslikes.
8
No acesso do dia 05 de maio de 2020, os comentários do dia 15 de abril mantinham-se no topo
da lista.
9
Felipe Castanhari já participou de séries históricas para o Canal History e atualmente produz
uma sobre a História do Brasil para a gigante de streaming Netflix. “Em 2016, foi eleito pela
Forbes Brasil um dos 30 jovens mais promissores do país.[2][3] Em dezembro de 2019, entrou
no ranking do instituto QualiBest como um dos maiores influenciadores digitais do Brasil.”
10
Alguns desses jovens ficaram milionários nos últimos anos e tornaram-se “influenciadores”
produzindo vários tipos de conteúdos, não apenas educacionais.
11
“O pagamento no YouTube é feito em dólares, baseado na regra de CPM (custo por mil). A
cada 1000 views, o youtuber pode ganhar valores entre 0,25 e 4,50 dólares (no Brasil algo entre
1 e 19 reais). Então, seguindo essa lógica, para que um produtor de conteúdo receba uma
quantia relevante no YouTube, ele precisa produzir muitos vídeos por mês e garantir que cada
um deles vai ter uma alta quantidade de visualizações.” Fonte: <https://sambatech.com/
blog/insights/quanto-ganha-um-youtuber/>. Acesso em: 11 maio 2020.
12
Idem, Idem.
13
9 Cf. ORESKOVIC, Alexei. YouTube hits 4 billion daily video views in Reuters no end.: <http://
www.reuters.com/article/2012/01/23/us-google-youtube-idUSTRE80M0TS20120123>.
Acesso em: 21 mar. 2013.
14
ALADIM, Daniele. Revolução Francesa em 5 minutos. Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=eg47cCMcQr0>. Acesso em: 10 maio 2020.
15
Cf. em: <https://g1.globo.com/goias/noticia/escola-tem-tiroteio-em-goiania.ghtml>. Acesso
em: 11 maio 2020.
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