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Brazilian Journal of Development 53917

ISSN: 2525-8761

O gótico na atualidade: a música como expressão da literatura obscura

The gothic today: music as an expression of obscure literature


DOI:10.34117/bjdv8n7-320

Recebimento dos originais: 23/05/2022


Aceitação para publicação: 30/06/2022

Ícaro Uriel Brito França


Doutorando em Educação
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Alcides Mariano Ribeiro


Doutorando em Educação
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Aldovano Dantas Barbosa


Doutor em Serviço Social
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Glauco de Oliveira Marciliano


Mestrando em Educação
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Katia Cilena da Costa


Doutoranda em Educação
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Aline da Silva Bérber


Especialista em Educação no Ensino Médio, Técnico e Superior
Instituição: Faculdade Itanhaém (UNIDEZ)
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Bruno Cesar Costa Ribeiro Mira


Mestrando em Educação
Instituição: Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM)
Endereço: Vigário Carlos, 100, 5º andar, Sala 538, Abadia, Uberaba – MG,
CEP: 38025-350
E-mail: brunomira3@hotmail.com

RESUMO
O objetivo deste estudo é contribuir para o debate sobre a temática da Literatura Gótica,
realiza-se uma análise histórico-social, buscando semelhanças entre a obra “O Corvo”, de
Edgar Allan Poe, e as letras das músicas do álbum “And a Crow Brings Me Back”, da
banda brasileira de rock da atualidade Ravenland. É realizado um levantamento histórico
sobre o significado e a História do termo Gótico. Teoricamente, o trabalho se ancora nas
influências da Literatura gótica como: a visão kantiana sobre o sublime; a ideia sobre o
amor platônico; a visão da morte para Schopenhauer; e, a ideia de Pós-Modernidade. Os
resultados enfatizam que a obra “O Corvo”, de Edgar Allan Poe, e as letras das músicas
do álbum “And a Crow Brings Me Back”, da banda brasileira de rock da atualidade
Ravenland, possuem semelhanças, mesmo possuindo mais de um século de distância.

Palavras-chave: história, gótico, literatura, música.

ABSTRACT
The objective of this study is to contribute to the debate on the theme of Gothic Literature,
performs a historical-social analysis, searching for similarities between the work "The
Crow", by Edgar Allan Poe, and the lyrics of the songs of the album "And a Crow Brings
Me Back", by the Brazilian rock band Ravenland. A historical survey is done about the
meaning and history of the term Gothic. Theoretically, the work is anchored on the
influences of Gothic literature as: the Kantian vision about the sublime; the idea about
Platonic love; the vision of death for Schopenhauer; and, the idea of Post-Modernity. The
results emphasize that the work "The Crow", by Edgar Allan Poe, and the lyrics of the
songs from the album "And a Crow Brings Me Back", by the Brazilian rock band
Ravenland, have similarities, even though they are more than a century apart.

Keywords: history, gothic, literature, music.

1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho apresenta uma análise histórico-social, referente às
semelhanças da literatura de Edgar Alan Poe (2010; 1978), com ênfase em seu conto “o
Corvo”, e as músicas do álbum “And a Crow Brings Me Back”, da banda nacional
Ravenland, de influência gótica e seus reflexos e consequências junto à sociedade
contemporânea. A escolha do tema deu-se pelo fato de produzirmos pesquisas sobre a
Literatura Gótica e a História dessa corrente literária ao longo de nossa trajetória
acadêmica.

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Deste modo, a literatura gótica é uma vertente direcionada ao mistério, ao obscuro


no sentido de contradizer costumes, dogmas e valores tradicionais de uma dada sociedade.
Diante disso, justifica-se a necessidade de se aprofundar os conhecimentos acerca da
temática e buscar respostas para os questionamentos surgidos a respeito do tema.
Assim, buscamos responder as seguintes indagações: porque é importante a
pesquisa e estudo sobre o tema? Até que ponto as a música (o rock and roll, mais
precisamente o estilo Gothic Metal) preserva as características da antiga literatura gótica
do século XIX? Quais semelhanças existentes entre as obras de Edgar Alan Poe e a
discografia do álbum “And a Crow Brings Me Back”, da banda Ravenland? Será a música
uma forma de se preservar a cultura gótica ao longo do tempo?
O trabalho procura discorrer a respeito das semelhanças existentes nas letras das
músicas do álbum “And a Crow Brings Me Back”, da banda Ravenland e a literatura
gótica de Edgar Alan Poe (2010; 1978) (como maior ênfase em seu poema “o Corvo”).
Neste sentido, buscamos: a) caracterizar o estilo literário gótico nascido na década de
1980; e, b) elencar a visão kantiana sobre o sublime, a visão do amor platônico,
Schopenhauer e a visão de morte e o Gótico na Pós-Modernidade.
O presente estudo é caracterizado como pesquisa qualitativa de natureza
exploratória e bibliográfica. Utilizamos o método dedutivo para analisar o problema que
rege em torno do Universo Histórico, Social e Cultural, relacionado às semelhanças das
letras de música da banda Ravenland e a Literatura Gótica do Século XIX. Autores como
Platão (2008), Kant (2002), Gramsci (1975), Schopenhauer (2000), Bloch (2001) e Poe
(2010; 1978) são utilizados como referenciais teóricos do presente trabalho.
Ainda, sobre a organização do trabalho, o mesmo divide-se em três seções, sendo
que a primeira aborda o significado do termo “Gótico”, desde sua origem até a utilização
do mesmo na atualidade. Na segunda, teorizamos o tema por meio da: a) análise sobre o
intelectual orgânico de Gramsci; b) a visão de Kant a respeito do “sublime”; c) a ideia de
amor platônico; d) a visão de morte em Schopenhauer; e, e) ideia de pós modernidade.
Na terceira seção, traçamos uma análise comparativa entre a obra “O Corvo”, de Edgar
Allan Poe (2010; 1978), e a letra da música “And a Crow Brings Me Back”, da banda de
rock Ravenland, observando as influências de Poe na letra da música e suas ligações junto
ao Gótico.

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2 O SIGNIFICADO DO TERMO “GÓTICO”


Atualmente, o “Gótico” liga-se muito a uma característica restrita apenas a uma
tribo urbana. O senso comum traz a imagem do gótico ligado a grupos de jovens,
conhecidos por trajarem roupas pretas, sobretudo, adereços extravagantes, frequentadores
de cemitérios, numa atitude contestadora e pessimista em relação à sociedade. Porém,
delimitando o termo gótico apenas às fronteiras acadêmicas, verifica-se que o termo
possui um significado bem mais amplo.
No campo das artes e da arquitetura, gótico representaria um aglomerado de
manifestações artísticas europeias ocidentais do período da Baixa Idade Média
(principalmente nos séculos XII e XIII). Nesse período, há uma intensificação do
processo urbanista europeu, trazendo assim, novas formas de expressão artísticas. No
campo arquitetônico, há pouca ênfase às construções de catedrais monumentais, com
arcos de forma ogival, além das conhecidas abóbodas de arcos cruzados (BARROS,
2009).
O nome “gótico” é derivado de Godo. Os Godos eram povos bárbaros, formados
por tribos de origem germânica, que vagavam pela Europa por volta do século IV,
procurando criar um reino sobre os escombros do Império Romano. Logo, o termo tornou-
se sinônimo de barbarismo, estranhamento, de contracultura; a noção de mundo às
avessas (FONSECA, 2009).
Para os artistas renascentistas, que viam a Idade Média como um campo estéril à
criatividade e à produção artística, dar o nome de gótico a um estilo artístico-arquitetônico
medieval, era uma forma conotativa e pejorativa, ligando a origens bárbaras, consideradas
selvagens e não-civilizadas (GOYANES, 2021).
O termo gótico para o pintor italiano Rafael Sânzio por exemplo, significava algo
bárbaro, grosseiro, de mau-gosto. O poeta francês François Villon chegou caracterizar a
Idade Média como uma espessa “noite gótica” (FRANCO JR, 2006, p. 11).
De acordo com Fonseca (2009), o nome gótico achou significado na arquitetura
bem antes de conquistar um significado literário. E, essa arquitetura gótica carregava,
trazia, em sua significância, um efeito emocional sobre as pessoas, dando a sensação de
estar à mercê de uma força superior, perto do qual o homem sente-se vulnerável e
insignificante (KIPPER, 2021a; 2021b; 2018). Traz um mundo surreal, tendo como elo
ao mundo material a própria ideia de finitude do homem e a ideia da morte como uma
libertação de um mundo material e restrito. Assim, como veremos adiante, esse é um
ponto muito abordado nas letras da banda gótica Ravenland.

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3 TEORIZAÇÃO EM RELAÇÃO AO TEMA


Para fundamentarmos a temática e o debate sobre a Literatura Gótica,
desenvolvemos reflexões teóricas a partir de: (1) Gramsci e a visão do intelectual
orgânico; (2) A visão kantiana sobre o sublime; (3) A visão do amor platônico; (4)
Schopenhauer e a visão de morte; e, (5) Goticismo na Pós-Modernidade.

3.1 GRAMSCI E A VISÃO DO INTELECTUAL ORGÂNICO


Gramsci (1975) valoriza com singularidade o saber popular, defende a
socialização do conhecimento e recria a função dos intelectuais, conectando-os às lutas
políticas dos “subalternos”. Neste sentido, o intelectual não é medido apenas pelo grau de
absorção de cultura, ao contrário é compreendido como “intelectual orgânico”,
representante direto de sua classe social originária. Assim, os músicos do rock, que na
ideia erudita, eram vistos como marginais a uma sociedade de valores elitistas, podem
sim serem vistos como intelectuais representantes de sua classe (GRAMSCI, 1975).
Assim, aproximando as ideias de Gramsci (1975) com a temática norteadora do
presente trabalho, entendemos que a banda Ravenland conquistou sucesso no gênero
musical Rock Gótico, possuindo fama nacional e internacional, organizando de certa
forma uma cultura de classes, até podendo, seus integrantes, intitulados intelectuais
orgânicos, de acordo com uma visão Gramsciniana. São artistas não alienados da
realidade das classes, mas fazendo parte delas. Formam, por meio de sua produção
musical, opiniões em relação a assuntos ligados aos contextos de sua realidade.

3.2 A VISÃO KANTIANA SOBRE O SUBLIME


Para Fonseca (2009), pode-se teorizar o gótico a partir de uma análise do conceito
de “sublime”, numa manifestação artística no qual se busca o ilimitado e o grandioso
(KANT, 2002).
Neste sentido, Kant (2002) traz características intuitivas e volitivas do homem,
em última instancia um julgamento estético a priori. Exemplo notável foi o Movimento
Ultrarromântico do século XIX (corrente literária conhecida como o “Mal do Século”),
que influenciou os estilos musicais de Metal Gótico e do Rock Gótico, observados nas
letras da banda Ravenland, em seu álbum “And a crow brings me back”.
Kant (2002) em sua obra Crítica à faculdade do juízo (1790) consolida sua
concepção de “belo” e “sublime”. E, pela visão analítica, evidencia, através de uma
experiência estética, a finitude do homem conhecida como morte. Deste modo, podemos

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enfatizar que a abordagem de temas ligados à morte foi uma das principais inspirações na
dinâmica da banda gótica Ravenland.
Assim, a ideia de sublime possui tanta magnitude que excede a qualquer noção de
natureza e quantidade, sendo o mesmo apenas encontrado em nossas mentes – criamos a
ideia de algo (através de nossa imaginação) que não podemos experimentar (KANT,
2002).
Para Kant (2002), a vida divide-se em duas partes; vida material e vida espiritual
(tudo que vai além da matéria – que seria a ideia – muito da influência da corrente
Idealista Alemã). Neste sentido, o Sublime só seria palpável no mundo das ideias e ela
sempre irá superar a prática, por ser mais perfeita que o objeto que a criou. O espírito
antecipa a matéria e de certa forma a conduz. A vida, enquanto ideia é perfeita, como
prática torna-se imperfeita. Certamente seria esse o embasamento teórico-filosófico para
o chamado pessimismo que acompanha o Gótico em suas várias vertentes artísticas.

3.3 A VISÃO DO AMOR PLATÔNICO


Platão (2008) defende a ideia de que o amor, para ser verdadeiro, não poderia
concretizar-se. O que se explica devido ao fato de que quando se ama, busca-se cultuar o
ser amado como as virtudes e semelhanças ligadas a um ideal de perfeição. Quando ocorre
a concretização desse amor, surgem os defeitos, vícios e imperfeições que destroem a
ideia de perfeito junto à pessoa amada (REALE, 2007).
Da mesma forma, o ideal de amor platônico é explorado na temática gótica, tanto
na literatura como na música. Na tradição gótica, o amor, muitas das vezes é possível de
ser pleno apenas na eternidade. E essa ideia de “amor eterno” seria a do amor pós-morte,
ou seja, um sentimento intenso que transcende a barreira do mundo físico, sendo
plenamente realizado apenas num plano espiritual, podendo até ser comparado ao mundo
das ideias de Kant – mais perfeito que o mundo material.

3.4 SCHOPENHAUER E A VISÃO DE MORTE


Outro autor que aborda a temática da morte (tema amplamente discutido e exposto
pelas correntes artísticas góticas) é Schopenhauer (2000). Para ele, há duas visões para a
morte; a Representação (forma empírica e objetiva) e a Vontade (subjetiva e idealista).
Dentro dessas duas visões, surge a tese da indestrutibilidade de nossa essência.
Para Schopenhauer (2000), a morte é a musa da filosofia e filosofar seria preparar-
se para a morte. Sua construção filosófica inicia-se pela tese de que a morte é a máxima

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angústia. Porém, o medo da morte seria insensato, ao se considerar a vida como algo
incerto. (SCHOPENHAUER, 2000)
Mesmo a metafísica da morte de Shopenhauer (2000), rejeitando o suicídio, para
certos casos ela seria uma amiga “bem vinda”, como quando há grande sofrimento. E,
essa ideia de morte como caminho libertador do sofrimento é notada num verso da letra
da música End of Light (do álbum – And a Crow brings me back):

“Fim da Luz, diga adeus


Diga não a esta dor
Você quer viver para sempre?
Fim da luz, diga adeus
Diga não a essa dor
Você quer viver para sempre?”

Há ainda um pensamento sobre o temor à morte, pois se não e teme a pré-morte


(a não existência anterior ao nascimento), não faz sentido lastimarmos o não-ser posterior.
Se a morte é uma incerteza, a pré-vida também o é. Para um ponto de vista objetivo,
conclui Schopenhauer que a natureza não se entristece (naturae non contristatur) a
respeito da perda dos indivíduos (SCHOPENHAUER, 2005).
O tempo empírico, de acordo com Kant (2002), alterado por Schopenhauer (2005),
é visto como uma ilusão do intelecto. Não se deve desvincular fenômeno de sujeito. Para
Shopenhauer (2005), existimos e existiremos para sempre. Porém, grande parte dos
homens vive uma individualidade miserável e indigna. E, qual seria a melhor solução
para sair desse ciclo? A morte, um desatar doloroso do nó, feito pela procriação. Assim,
damos conta do erro – a imortalidade do indivíduo, que é punido pela morte.

3.5 GOTICISMO NA PÓS-MODERNIDADE


A pós-modernidade, nascida na década de 60, do século XX, traz um traço de
pessimismo, já presente na literatura gótica do século XIX e no ultrarromantismo
bayroniano. Com o fim da segunda metade do século XX, após guerras, crises e
destruições, o mundo se vê envolto por um continuo pessimismo (CAVALCANTI, 2021).
O termo “pós” se faz muito presente. Uma sociedade pós-industrial, pós-estruturalismo,
pós-fordismo, pós-comunismo, pós-marxismo, pós-hierárquico, pós-liberalismo, pós-
imperialismo, pós-urbano, pós-capitalismo. Assim, nada mais extremos como as
contradições da pós-modernidade (HALL, 2000).
Há uma verdadeira crise nos ideais de modernidade, muito propagados desde o
século XIX. Ocorrem mudanças dos sistemas produtivos e crise do trabalho, eclipse da

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historicidade, crise do individualismo e onipresença da cultura narcisista de massa. O


homem passa a valorizar mais o individualismo. A sociedade pós-moderna é marcada
pelo efêmero, o fragmentário, o descontínuo e o caótico predomina (CAVALCANTI,
2021).
E, envoltas nesse mundo, submergem as novas tendências do Gótico, surgido
como um movimento, uma “tribo urbana”, a partir dos anos 80. Esse período, numa maior
intensidade, vê as divisões, as individualizações que vão permear o ambiente urbano. E,
nesse novo mundo urbano se consolida uma nova cultura gótica, que herda toda uma
tradição artístico-literária, incluindo em sua identidade a música vinda do rock and roll.
Surgem assim os estilos Rock Gótico e Metal Gótico, subgêneros nos quais se enquadras
as músicas da banda Ravenland.
Conforme Bloch (2001) a História é a ciência dos homens em seu tempo, cabendo
ao historiador ver o passado pela ótica de seu tempo. E conclui: o “historiador é
necessariamente levado a recortar o ponto de aplicação particular de suas ferramentas”
(BLOCH, 2001, p. 52). Assim, ao estudarmos esse novo Gótico, devemos levar em conta
o recorte temporal que o mesmo se desenvolve, tendo em vista a óptica atual de um mundo
pós-moderno.

4 POE E A BANDA RAVENLAND


As letras da banda Ravenland, trazem uma proximidade da forma de escrita
literária de Edgar Alan Poe (2010; 1978), autor, poeta, editor e crítico literário americano
do século XIX, integrante do Romantismo, inventor do gênero policial e com créditos do
gênero científico. Seu conto principal “O Corvo”, escrito em 1845, possui uma temática
ultrarromântica, musicalidade, língua estilizada e um cenário sobrenatural advindo da
métrica exata e de rimas internas, junto a jogos fonéticos. Nele, há a figura misteriosa de
um corvo, pousado sobre o busto de Pallas (colocada como Atenas, na tradução de
Fernando Pessoa), simbolizando a eterna tristeza na alma do protagonista. O corvo
significa a inexorabilidade da morte e seu impacto sobre o personagem, o qual, no seu
papel de arquétipo correspondente às tendências da geração literária de Poe (POE, 2010;
1978).
Assim, a banda de rock gótico Ravenland aproxima-se dessa temática em seu
álbum “And a crow brings me back”, com maior intensidade nas letras das músicas “Nas
asas do Corvo" e "The Crow". Há uma releitura de Poe (2010; 1978), trazendo à
contemporaneidade de hoje. O vocalista Dewindson Wolfheart teve grande influência de

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Poe. Assim, começa a ler as obras de Edgar Alan Poe (2010; 1978), apaixonando-se por
essa literatura já aos 13 anos. Inclusive, o nome da banda Ravenland foi influência das
obras de Poe e da banda sueca “Lake of Tears”.
Ravenland (2020) é uma banda de rock metal, idealizada no Brasil por Dewindson
Wolfheart no inverno de 1997. Seu estilo combina ramificações do metal com o rock
gótico. Muitas de suas músicas e letras se enquadram ao estilo musical conhecido como
Gothic Metal. Atualmente a RAVENLAND é formada por Dewindson Wolfheart
(Vocal), Camilla Raven (Vocal/Violino/teclados), Albanes (Guitarras), João Cruz
(Baixo/Teclados) e Ariel Bedtche (Bateria).
As músicas da banda Ravenland (2020), trazem letras e melodias que exploram
um ambiente rodeado por temas sombrios, pertinentes ao mundo da imaginação, presente
na mente de seus compositores. Elas são uma forma de trazer à contemporaneidade temas
muito explorados, no século passado pelos ultrarromânticos, como Edgar Alan Poe. A
música também traz maior acessibilidade a isso, principalmente em relação ao rock &
roll, possuidor de grande popularidade junto às diversas classes sociais.
Analisando abaixo as estrofes das músicas “Nas asas do corvo” e “The Crow” (do
álbum “And the Crow brings me back”), percebemos grande influência da escrita de Poe
(2010; 1978) em sua composição.

“Voa sozinho dentro da noite


Absurda e imensa não a foi-te
Eterna e fria afaga meus sonhos
De memórias antigas queimadas
E as cinzas destas por corvos levadas
Ave sombria de olhos místicos e obscuros
Que guarda em si segredos de hostes celestiais.
Velas queimadas, lágrimas caídas, sob as lápides de quem voltará jamais.
Assim pensavas é só isso e nada mais até enquanto eu não escutava o teu
canto Vagando em ais.”

Compreendemos assim, como no poema de Poe (2010; 1978), o corvo traz consigo
características lúgubres e funestas. Ainda, o cenário do local, que a música coloca lembra
muito os cenários dos contos e poemas de Poe, de características ultrarromânticas, como
morbidez, sofrimento do eu lírico, liberdade criativa do humano superior e versos livres.
Igualmente, as características tornam-se ainda mais visíveis e próximas dos
escritos de Poe (2010; 1978), nas estrofes da letra “The Crow”, originalmente escrita em
inglês (composição de Dewindson Wolfheart e André Cardoso), com a seguinte tradução:

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“Na noite fria e escura,


Viaja o corvo
Ele voa sobre as pradarias
Observando cemitérios, procurando por almas desesperadas
Separa os dois mundos

A ligação entre
A vida e a morte
O corvo trará sua alma
Estendendo as asas dele, carregando os ventos
Colocando um fim na sua dor

Na noite fria e escura,


O vento sopra em seu túmulo
O corvo chega hoje à noite
Para terminar a missão dele

Pobres almas desesperadas descansem em paz


O corvo manterá sua lápide para sempre.”

Entendemos claramente que o corvo é usado com a mesma interpretação, usada


por Poe (2010; 1978), num significado de trazer consigo a morte, ligado à perda, à dor e
ao sofrimento. O ambiente sombrio, conectado a uma paisagem de cemitério. Há um certo
subjetivismo e uma consciência da solidão.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do que fora proposto, a análise histórico-social realizada indica que a obra
“O Corvo”, de Edgar Allan Poe, e as letras das músicas do álbum “And a Crow Brings
Me Back”, da banda brasileira de rock da atualidade Ravenland, possuem semelhanças,
mesmo separados por mais de um século de distância. Portanto, a banda Ravenland,
expressa na música, assim como Poe expressa na literatura às características marcantes
da subcultura gótica.

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REFERÊNCIAS

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em: http://www.spectrumgothic.com.br/literatura/literatura_gotica.htm. Acesso em: 10
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Brazilian Journal of Development 53928
ISSN: 2525-8761

RAVENLAND. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation,


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