Você está na página 1de 4

Pag 515

Em 1953, Gustavo Lessa oficializou um convite a Americo Jacobina Lacombe para


colaborar com o INEP (Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos) na elaboração de
manuais para professores secundários. Outros especialistas também foram convidados
para participar da Campanha do Livro Didático.
A concepção de Anísio Teixeira sobre livros didáticos norteava a Caldeme.

Pag 516

Essas investigações, das quais este artigo é um resultado parcial, buscam


preencher uma lacuna nos estudos sobre livros didáticos e políticas públicas educacionais
no Brasil. Utilizando uma documentação inédita composta por papéis administrativos do
Inep e seus órgãos, é possível esclarecer aspectos de uma história que estava nos
bastidores das decisões políticas.
A documentação, embora fragmentária e descontínua, foi organizada
provisoriamente por professores da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Anísio
Teixeira, um dos principais expoentes da Escola Nova no Brasil, desempenhou um papel
central ao assumir a direção do Inep em 1952, propondo a produção de guias, manuais
de ensino e livros didáticos. A Campanha do Livro Didático e Manuais de Ensino
(Caldeme), instituída sob sua liderança, foi posteriormente transferida para a Divisão de
Estudos e Pesquisas Educacionais (Depe) do Centro Brasileiro de Pesquisas
Educacionais (CBPE).
O objetivo da Caldeme, no caso dos manuais para professores, é promover uma
renovação nos métodos de ensino e na matéria ensinada, tornando-os mais adequados
aos interesses dos adolescentes e ao ambiente em que vivem.

Pag 517

Américo Jacobina Lacombe, designado para liderar a renovação no ensino de


História do Brasil. Lacombe lecionou História do Brasil na PUC-RJ. Carlos Delgado de
Carvalho, encarregado dos manuais de História Geral, foi professor do Colégio Pedro II e
diretor da Associação Brasileira de Educação. Participou da fundação do Instituto de
Pesquisas Educacionais (IPE) e foi vice-diretor do externato do Colégio Pedro II.
Comprometeu-se, juntamente com Lacombe, a submeter seus planos de obra ao parecer
de especialistas antes de assinar o contrato definitivo.
Em cartas datadas de 9 de julho de 1953, Gustavo Lessa solicitou pareceres de
especialistas. Dante de Laytano foi convidado a opinar apenas sobre o plano de
Lacombe. Em 5 de agosto de 1953, cartas foram enviadas a intelectuais da Universidade
de São Paulo, solicitando pareceres sobre o plano de Carlos Delgado.
Os manuais propostos visavam apresentar uma concepção da matéria que
atendesse melhor às necessidades do adolescente, estimulando sua capacidade de
reflexão em vez de apenas a memória.
Pag 518

Na primeira reunião, realizada em 24 de julho de 1953, estiveram presentes Carlos


Delgado, Américo Lacombe, Hélio Vianna e Gustavo Lessa, que assinaram o relatório
sobre a discussão dos planos dos manuais de História Geral e do Brasil. Helio Vianna fez
observações superficiais sobre o plano de Lacombe, sugerindo, a necessidade de uma
bibliografia crítica.
Em outra reunião, em 30 de julho de 1953, Jayme Coelho criticou o número de
páginas previsto excessivo e sugeriu capítulos introdutórios sobre metodologia e fontes.
Expressou forte oposição à divisão do assunto por unidades, alegando que perturbava a
visão cronológica.

Pag 519

Gustavo Lessa, recorreu ao amigo José Honório Rodrigues para obter feedback.
Rodrigues expressou preocupações sobre o tamanho excessivo da obra, a desproporção
entre as partes e a separação entre fatores econômicos e fatos históricos. Ele também
enfatizou a necessidade de abordar os "precedentes históricos do tema" no preâmbulo de
cada unidade.
As anotações telegráficas de Lessa sobre a conversa com Rodrigues indicam que
este repudiou a ideia de "separar os fatores econômicos dos fatos históricos" e criticou a
proposta de Lacombe de incluir "leituras literárias".
Lacombe, discordou das visões de Rodrigues sobre a separação entre história e
literatura, defendendo a análise das figuras históricas através da lente da literatura e do
folclore.

Pag 520 e 521


Na defesa de sua abordagem didática, Lacombe citou autores e obras que
recomendavam a introdução da literatura nos estudos históricos, enfatizando compêndios
americanos em inglês. A polêmica revela um conflito entre abordagens "cientificistas" e
"humanistas" da história, mas também destaca a preocupação didática de Lacombe. Ele
defendeu a importância das leituras literárias para criar uma atmosfera de interesse e
curiosidade, especialmente para alunos que não suportam o estudo cronológico da
história.
As objeções de José Rodrigues sobre o tamanho da obra e a separação entre
fatores econômicos e fatos históricos foram respondidas por Lacombe com argumentos
didáticos. Ele destacou a necessidade de despertar o interesse dos alunos aproximando-
se dos tempos presentes e respondeu às críticas sobre a predominância do político,
argumentando que o aspecto político da História do Império era o mais estudado.
Apesar das divergências, Lacombe revisou seu plano em acordo com a Caldeme,
estabelecendo prazos e remunerações. As prorrogações foram comuns, e o acordo final
previa a entrega dos originais e sua avaliação por Guy de Holanda, que forneceu um
parecer lacônico recomendando atualização da bibliografia e sugestões para a
organização do conteúdo em volumes.
Essa polêmica não apenas destaca a diversidade de abordagens na elaboração de
manuais didáticos, mas também evidencia a complexidade da relação entre história,
literatura e didática.

Pag 522

Gustavo Lessa, leigo no assunto, expressou sua visão crítica sobre a disparidade
entre o que foi acordado inicialmente e o resultado final do manual. Ele destacou a
necessidade de conter no manual textos para os alunos, não apenas indicações gerais
para os professores. Em sua opinião, o capítulo II, destinado aos professores, era muito
breve, não fornecendo material suficiente para aqueles que não teriam tempo para
pesquisas aprofundadas. Ele temia que, diante dessa escassez, os professores
recorressem aos vastos quadros contidos no apêndice e os propusessem aos alunos.
Lessa também apontou a falta de um texto para os alunos no capítulo II,
ressaltando a importância de orientações sobre a escolha desse texto. Ele via o manual
como uma espécie de livro didático comentado, enquanto o capítulo 1, dedicado à
descrição de grandes arquivos, carecia de utilidade prática para a grande maioria dos
professores e estudantes no país, pois esses arquivos seriam inacessíveis.
Além disso, Lessa comentou a proposta de Lacombe de "tirar proveito" de
testemunhos contraditórios para mostrar a tarefa do historiador em valer-se de fontes
diversas e divergentes. Essa abordagem, para Lessa, deveria ser contrastada com os
elementos fornecidos pela ciência historiográfica.
A crítica de Lessa revela divergências fundamentais sobre a concepção do manual,
especialmente no que diz respeito ao equilíbrio entre material destinado aos professores e
aos alunos, além da acessibilidade prática do conteúdo proposto.

Pag 523 e 524

Gustavo Lessa concordou com a proposta de Lacombe de "tirar proveito" de


testemunhos contraditórios para mostrar a tarefa do historiador em valer-se de fontes
diversas e divergentes. No entanto, ele ponderou que o exemplo citado no capítulo 1
sobre as diversas interpretações dadas ao grito do Ipiranga ficaria mais elucidativo se o
autor desse, em algumas linhas, um resumo dessas interpretações. Lessa enfatizou a
importância de tornar o manual acessível a professores de regiões com escassez de
obras especializadas, sugerindo que um resumo das interpretações seria mais útil para
muitos professores.
Essa troca de correspondências entre Lessa e Lacombe revela o conflito entre a
abordagem erudita e a necessidade prática no contexto educacional. Para Lessa, a
utilidade do manual para o professor real, especialmente aquele em regiões com limitado
acesso a obras especializadas, era crucial.
Infelizmente, as fontes disponíveis não fornecem informações sobre a continuação
dessa história, e não há registro de obras semelhantes à descrita, a não ser uma
"Introdução ao estudo da História do Brasil" de Americo Jacobina Lacombe, publicada em
1974, que parece ser uma versão mais desenvolvida da obra discutida, incluindo trechos
idênticos, mas com acréscimos substanciais.
A "Introdução" da obra de 1974 de Américo Jacobina Lacombe confirma que o
livro resultou de um esboço feito em 1956 para um manual destinado a professores,
conforme solicitado por Anísio Teixeira, diretor do Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos na época. O autor explica que o manual tinha como objetivo fornecer
instrumentos de trabalho para estudiosos que não dispunham dos recursos bibliográficos
dos grandes centros.
Carlos Delgado também enfrentou desafios na elaboração do seu manual de
História Geral. O acordo inicial, firmado em novembro de 1953, estipulava um prazo de
doze meses para a conclusão dos originais. No entanto, houve sucessivas prorrogações,
e em uma carta de dezembro de 1955, Delgado de Carvalho comunicou que o volume
correspondente à História Antiga havia levado sete meses de redação. O acordo foi
adaptado para acomodar as prorrogações, e o prazo final para a entrega das diferentes
partes da obra foi estendido até dezembro de 1958.

Pag 525

A polêmica gerada pela obra de Delgado de Carvalho, enquanto ainda era


apresentada como um "Plano" a ser avaliado, destaca-se pela participação de três
historiadores da Universidade de São Paulo (USP): Euripedes Simões de Paula, Eduardo
d'Oliveira França e Alice P. Canabrava.
Maria Yedda Leite Linhares, observa as diferenças entre os estabelecimentos
historiográficos do Rio e de São Paulo. Ela destaca que a USP, ao contrário da Faculdade
Nacional de Filosofia do Rio, não teve os mesmos vícios de formação e ofereceu
melhores condições para pesquisa, permitindo que professores de História Moderna e
Contemporânea trabalhassem também com a História do Brasil.
No contexto dessa polêmica, Euripedes Simões, catedrático da cadeira de História
Antiga e Medieval da USP, elaborou um parecer de dez páginas que recusava abordar
questões pedagógicas, focando em um nível mais elevado de análise, considerando o
preparo especializado que o professor já deveria ter.

Pag 526

No parecer elaborado por Euripedes Simões sobre o "Plano" de Delgado de


Carvalho, o foco inicial recai sobre a necessidade de considerar as características dos
alunos sul-americanos, destacando sua diversidade de origens e nacionalidades. Simões
de Paula argumenta que a diferença entre o estudante brasileiro e o europeu requer uma
abordagem distinta, afirmando que manuais europeus não podem servir como modelos
para manuais brasileiros.
O objetivo é proporcionar ao estudante uma compreensão adequada do tempo e
do espaço histórico, além de oferecer uma base para que se sinta integrado na sociedade
e na civilização ocidental. A História, nesse contexto, também deveria contribuir para uma
cultura geral, abordando temas relacionados ao contexto social, político e econômico.
Delgado de Carvalho, em sua resposta à réplica de Simões de Paula, confessa que
os aspectos didáticos foram mais preocupantes para ele do que a discussão sobre a
"narrativa" histórica. Ele concorda com a necessidade de considerar o tipo de aluno sul-
americano e destaca que a responsabilidade pelo Compendio de História do Brasil
também deve ser levada em consideração. Ambos compartilham a visão de aproximar a
História dos estudantes e fornecer uma base de cultura geral, evitando uma abordagem
predominantemente política. A troca de correspondências evidencia as preocupações
pedagógicas e a busca por uma abordagem mais adequada ao contexto educacional sul-
americano.

Pag 527 e 528

A discussão entre Simões de Paula e Delgado de Carvalho atinge um impasse


quando Simões de Paula afirma que o ensino de História não deve se dedicar a dar
explicações mecânicas para os fatos históricos, rejeitando a ideia de "relações de
causalidade". Delgado de Carvalho, por sua vez, argumenta a favor da utilidade de
algumas relações de causalidade, exemplificando com o estudo do Antigo Regime e suas
influências na Revolução Francesa.
Outro ponto de desacordo surge quando Simões de Paula propõe a
"deseuropeização" da História, algo que Delgado de Carvalho concorda, mas
interpretando como uma prática já incorporada em seu manual ao abordar várias
unidades que não se referem à Europa.
A discussão se estende a questões pontuais, como o uso de material
documentário, a interpretação social do quadro geográfico e a proposta de "palavras-
chave". Simões de Paula critica a ideia de interpretar socialmente regiões geográficas
específicas, e questiona a utilidade de um vocabulário prévio como "palavras-chave".
Delgado de Carvalho defende a prática das "palavras-chave" como um método útil de
motivação em sala de aula.
Essa polêmica reflete não apenas diferenças de opiniões sobre métodos de ensino
e abordagens pedagógicas, mas também revela uma polarização mais ampla entre
profissionais de história, destacando a tensão entre aqueles que priorizam a pesquisa
acadêmica e os que se preocupam mais com os aspectos didáticos.

Você também pode gostar