Você está na página 1de 385

Afrânio de Carvalho

Professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro

Registro de Imóveis
Comentários ao sistema de registro em face da Lei 6.015, de 1973, com as alterações da Lei
n. 6.216, de 1975

Forense – Rio de Janeiro


Conteúdo
CAPÍTULO 1 ............................................................................................................................................... 7
HISTÓRICO DO REGISTRO .................................................................................................................. 7
1. Domínio original do Estado e separação gradativa do domínio privado............................................... 7
2. Criação do Registro Geral. Resumo da Lei. ........................................................................................ 7
3. Incorporação do Registro no Código Civil. ........................................................................................ 7
4. Regulamentos posteriores. ................................................................................................................. 7
5. Lei atual. ........................................................................................................................................... 7
CAPÍTULO 2 ............................................................................................................................................. 17
SISTEMA DO REGISTRO .................................................................................................................... 17
1. Sistemas de publicidade. Sistema brasileiro. .................................................................................... 17
2. Direito Material e Direito Formal do registro. .................................................................................. 17
3. Importância do Direito Formal. Livros e terminologia. ..................................................................... 17
4. Fórmula geral do princípio de inscrição. Casuísmo. ......................................................................... 17
5. Mutações imobiliárias fora do registro. Recondução a este. .............................................................. 17
6. Direito Material. Presunção e fé pública........................................................................................... 17
CAPÍTULO 3 ............................................................................................................................................. 27
IMÓVEIS REGISTRÁVEIS ................................................................................................................... 27
1. Sujeição dos imóveis particulares. Exclusão dos direitos equiparados a imóveis. .............................. 27
2. Limite trazido pelo módulo rural ou urbano. .................................................................................... 27
3.Transição entre propriedade pública e a propriedade particular. ......................................................... 27
4.Minas como imóveis distintos do solo. Relações decorrentes do seu encravamento............................ 27
5.Titularidade das minas. Sujeição aos registros imobiliário e administrativo. ...................................... 27
CAPÍTULO 4 ............................................................................................................................................. 43
IMÓVEIS EM CONDOMINIO .............................................................................................................. 43
1.Espécie de condominio. Problemas no Registro de Imóveis............................................................... 43
2.Condominio de terras. Venda de parte indivisa e de parte divisa. ....................................................... 43
3.Indivisibilidade. Módulo rural e módulo urbano. Indivisibilidade natural........................................... 43
4.Condomínio de edifício. Condomínio posterior à construção. ............................................................ 43
5.Condomínio de muro divisório. Relevância na especialização e na vistoria. ....................................... 43
CAPÍTULO 5 ............................................................................................................................................. 51
IMÓVEIS EM DESMEMBRAMENTO E EM LOTEAMENTO ............................................................. 51
1. Diferença entre desmembramento e loteamentos. Reflexos práticos. Módulo urbano. ....................... 51
2. .Instrução do pedido de registro de loteamento. Articulação dos documentos. ................................... 51
3. Fases administrativa e contenciosa do processo. ............................................................................... 51
4. Procedimento de registro. Declaratividade do registro do loteamento e constitutividade da inscrição dos
lotes. ................................................................................................................................................... 51
5.Regstro múltiplo. Publicização parcial da gleba. ............................................................................... 51
6.Cancelamento compulsório e voluntário de registro. Anterioridade ou posterioridade relativamente à
negociação dos lotes. Titulação facilitada e simplificada. ..................................................................... 51
CAPÍTULO 6 ........................................................................................................................................... 65
DIREITOS REGISTRÁVEIS ............................................................................................................... 65
1. Limitação dos direitos registráveis. .................................................................................................. 65
2. Enumeração legal dos direitos. ........................................................................................................ 65
3. Espécies desses direitos. .................................................................................................................. 65
4. Aquisição da propriedade. ............................................................................................................... 65
5. Constituição do direito real. ............................................................................................................. 65
6. Individualização da propriedade. Premonição de riscos. ................................................................... 65
CAPÍTULO 7 ............................................................................................................................................. 87
TERMINOLOGIA DO REGISTRO........................................................................................................ 87
1. Terminologia do Registro. ............................................................................................................... 87
2. Desvios terminológicos. .................................................................................................................. 87
3. Aplicação dos desvios na lei nova. ................................................................................................... 87
4. Loteamento. Hipoteca. .................................................................................................................... 87
5. Inalienabilidade. Fideicomisso. Colação. ......................................................................................... 87
6. Esquema de divisão de atos pelas duas formalidades. ....................................................................... 87
CAPÍTULO 8 ........................................................................................................................................... 104
PRINCÍPIO DE INSCRIÇÃO............................................................................................................... 104
1. Princípio de inscrição. Inscrição e título causal. ............................................................................. 104
2. Conceito de inscrição. Efeitos. ....................................................................................................... 104
3. Inscrição constítutiva. Matricula. ................................................................................................... 104
4. Inscrição declarativa. Modalidades. ............................................................................................... 104
5. Forma, lugar, tempo e promoventes da inscrição. ........................................................................... 104
6. Cancelamento da inscrição. Título unilateral. ................................................................................. 104
7. Anuência de terceiro...................................................................................................................... 104
CAPÍTULO 9 ........................................................................................................................................... 123
PRINCÍPIOS DE PRESUNÇÃO E DE FÉ PÚBLICA ........................................................................... 123
1.Segurança juridica e segurança do comércio. .................................................................................. 123
2.Presunção de verdade da inscrição, ................................................................................................. 123
3.Inexatidão da inscrição. Ação de retificação.................................................................................... 123
4.Convalescença da inscrição inexata. Usucapião tabular. .................................................................. 123
5.Fé pública do registro. .................................................................................................................... 123
6.Alcance da proteção do terceiro de boa-fé. ...................................................................................... 123
CAPÍTULO 10 ......................................................................................................................................... 138
PRINCÍPIO DE PRIORIDADE ............................................................................................................ 138
1. Significado do princípio. Sua enunciação no Código Civil. ............................................................ 138
2. Tipos de conflitos de título. Soluções anômalas. ............................................................................ 138
3. Conflitos peculiares à hipoteca. Importância da graduação desta. ................................................... 138
4. Troca de grau de hipoteca e assunção de grau de hipoteca anterior. ................................................ 138
5. Decesso de grau de hipoteca prorrogada ou renovada. .................................................................... 138
6. Restrições à propriedade................................................................................................................ 138
CAPÍTULO 11 ......................................................................................................................................... 155
PRINCÍPIO DE ESPECIALIDADE...................................................................................................... 155
1. Significado do princípio. Requisitos da especialização. .................................................................. 155
2. Venda de corpo certo, módulo rural e investidura urbana. .............................................................. 155
3. Peculiaridade da especialização na partilha. ................................................................................... 155
4. Especialização hipotecária da parte do condômino. ........................................................................ 155
5. Correlação entre a especialização hipotecária e a inscrição. ............................................................ 155
6. Precariedade da especialização nos títulos. Quesitos de vistoria...................................................... 155
7. Especialização da dívida................................................................................................................ 155
CAPÍTULO 12 ......................................................................................................................................... 172
PRINCÍPIO DE LEGALIDADE ........................................................................................................... 172
1. Significado do princípio. Necessidade do exame prévio da legalidade do título. .......... 172
2. Risco do intervalo entre a prenotação e a inscrição do título. ................................................ 172
3. Alcance do exame da legalidade. ................................................................................................... 172
4. Títulos registráveis e não registráveis............................................................................................. 172
5. Identidade das partes e do imóvel. Oneração e condicionamento. ................................................... 172
6. Quitação de tributos. Roteiro para o exame da legalidade. .............................................................. 172
CAPÍTULO 13 ......................................................................................................................................... 194
PRINCÍPIO DE CONTINUIDADE ...................................................................................................... 194
1. Significado do princípio. ............................................................................................................... 194
2. Inexistência do princípio no registro geral de 1864. ........................................................................ 194
3. Questões geradas pela inexistência. ............................................................................................... 194
4. Introdução do princípio com o Código Civil. ................................................................................. 194
5. Introdução do fólio real com a lei nova. ......................................................................................... 194
6. Alcance do princípio. Casos de inaplicabilidade. ............................................................................ 194
CAPÍTULO 14 ......................................................................................................................................... 208
PRINCÍPIO DE INSTÂNCIA............................................................................................................... 208
1. Princípio de instância. Exceções. ................................................................................................... 208
2. Defeitos do título. Exigências e dúvidas. ........................................................................................ 208
3. Tramitação da dúvida. Extrato do título. ........................................................................................ 208
4. Registro e devolução do título. Carimbos. ...................................................................................... 208
5. Arquivamento de comprovantes do registro. .................................................................................. 208
6. Roteiro do exame dos títulos. Requisitos acerca das partes, do imóvel, do título e dos tributos. ....... 208
CAPÍTULO 15 ......................................................................................................................................... 228
LIVROS DE REGISTRO ..................................................................................................................... 228
1. Ordenação original. Ecletismo posterior......................................................................................... 228
2. Evolução histórica. Mudança de numeração. .................................................................................. 228
3. Livros atuais. ................................................................................................................................ 228
4. Forma dos livros e segurança dos direitos. ..................................................................................... 228
5. Tamanho, modelo, autenticação e desdobramento dos livros. ......................................................... 228
CAPÍTULO 16 ......................................................................................................................................... 243
LIVRO DE PROTOCOLO ................................................................................................................... 243
1. Protocolo. Requisitos da escrituração. ............................................................................................ 243
2. Títulos de direitos conjuntos. ......................................................................................................... 243
3. Seleção e pendência de títulos. ...................................................................................................... 243
4. Conflito entre o protocolo e o ― registro geral‖. .............................................................................. 243
5. Aperfeiçoamento do protocolo. ...................................................................................................... 243
CAPÍTULO 17 ......................................................................................................................................... 256
LIVRO DE REGISTRO GERAL .......................................................................................................... 256
1. Necessidade do fólio real. .............................................................................................................. 256
2. Impossibilidade de duplo registro. ................................................................................................. 256
3. Registro geral. Requisitos de escrituração. ..................................................................................... 256
4. Deficiências de modelo. Alternativas. ............................................................................................ 256
5. Modelo recomendável. .................................................................................................................. 256
CAPÍTULO 18 ....................................................................................................................................... 274
MATRÍCULA NO REGISTRO GERAL............................................................................................... 274
1. Divisão dos livros do Registro. ...................................................................................................... 274
2. Natureza jurídica da matrícula. ...................................................................................................... 274
3. Abertura da matrícula e alteração do seu teor. ................................................................................ 274
4. Matrícula do imóvel em condomínio.............................................................................................. 274
5. Teor da matrícula em geral. ........................................................................................................... 274
6. Ordem cronológica dos ônus na matrícula. ..................................................................................... 274
7. Disposição da folha da matrícula. .................................................................................................. 274
8. Certidão da matrícula. ................................................................................................................... 274
CAPÍTULO 19 ......................................................................................................................................... 286
MATRÍCULA E DIVISÃO INTERNA DO IMÓVEL........................................................................... 286
1. Indivisibilidade da hipoteca e especialidade do imóvel. .................................................................. 286
2. Desmembramento do imóvel por hipoteca. .................................................................................... 286
3. União de imóveis gravados de hipoteca. ........................................................................................ 286
4. Excesso de execução sobre imóvel................................................................................................. 286
5. Matrícula com divisão interna do imóvel. ...................................................................................... 286
6. Permissão regulamentar dessa divisão. Planta do imóvel. ............................................................... 286
CAPÍTULO 20 ......................................................................................................................................... 294
CARTÓRIOS E REGISTRADOR ........................................................................................................ 294
1. Descentralização. Zona dos cartórios. ............................................................................................ 294
2. Desmembramento irregular. Distribuição de títulos. ....................................................................... 294
3. Circunscrições limítrofes. Interferência. ......................................................................................... 294
4. Nomeação do registrador. Competência territorial. ......................................................................... 294
5. Remuneração. Cartórios oficializados e não-oficializados. ............................................................. 294
6. Responsabilidade civil do registrador. ............................................................................................ 294
CAPÍTULO 21 ......................................................................................................................................... 309
CADASTRO ........................................................................................................................................ 309
1. Cadastro e planta. Papel do cadastro na inscrição. .......................................................................... 309
2. Articulação com o Registro de Imóveis. ......................................................................................... 309
3. Pluralidade de fins do cadastro. ..................................................................................................... 309
4. Facilitação do cadastro pela aerofotografia..................................................................................... 309
5. Técnicas alternativas de formação do cadastro. .............................................................................. 309
6. Formação progressiva. Interiorização da cobertura aerofotografica. ................................................ 309
7. Aceleração das plantas. ................................................................................................................. 309
CAPÍTULO 22 ......................................................................................................................................... 325
REGISTRO TORRENS ........................................................................................................................ 325
1. Introdução e característica do Registro Torrens. ............................................................................. 325
2. Correlação entre o insucesso desse Registro e o aperfeiçoamento do Registro de Imóveis. .............. 325
3. Descaracterização do Registro Torrens. ......................................................................................... 325
4. Desnecessidade e desuso. .............................................................................................................. 325
CAPÍTULO 23 ......................................................................................................................................... 332
REGULAMENTO DO REGISTRO ...................................................................................................... 332
1. Lei e Regulamento. Risco de complementação da lei por provimento judiciário. ............................ 332
2. Necessidade do Regulamento. Sumário de normas adotáveis. ......................................................... 332
3. Planta do imóvel. Antecipação do cadastro com o concurso do INCRA. ......................................... 332
CAPÍTULO 24 ......................................................................................................................................... 340
RETROSPECTO E CONCLUSÃO ....................................................................................................... 340
1. Cúmulo normativo. Preterição dos fins do registro. ........................................................................ 340
2. Necessidade de acabamento do registro. ........................................................................................ 340
3. Princípio de fé pública e cadastro................................................................................................... 340
4. Sumário de reorganização.............................................................................................................. 340
APÊNDICE.............................................................................................................................................. 346
Lei n.º 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei dos Registros Públicos) ................................................. 346
Anteprojeto de lei de 1969 (Registro de Imóveis) .................................................................................. 346
Modelos de livros (Registro Geral e Protocolo) ..................................................................................... 346
Parecer do Serviço de fotogrametria (Cadastro) ..................................................................................... 346
Lei n.º 6.766, de 19 de dezembro de 1979 (Lei do parcelamento do solo urbano) ................................... 346
CAPÍTULO 1
HISTÓRICO DO REGISTRO

1. Domínio original do Estado e separação gradativa do domínio privado.

2. Criação do Registro Geral. Resumo da Lei.

3. Incorporação do Registro no Código Civil.

4. Regulamentos posteriores.

5. Lei atual.

O Registro de Imóveis só poderia aparecer no Brasil quando o território se


encontrasse povoado a tal ponto que começasse a ganhar interesse o conhecimento da
extensão de cada gleba particular, bem como a certeza da sua propriedade, a fim de
protegê-la contra eventual usurpação e utilizá-la ainda como base natural de crédito. Esse
ponto somente veio a ser atingido muitos anos depois de ter o País se tornado independente.
Quando o Brasil foi descoberto, o Rei de Portugal, como descobridor, adquiriu sobre
o território o título originário da posse, Investido desse senhorio, o descobridor, por meio de
doações, feitas em cartas de sesmaria, 1 primeiro pelos donatários das capitanias, depois
pelos governadores e capitães-generais, começou a destacar do domínio público os tratos de
terras que viriam a constituir o domínio privado.
Esse regime de sesmarias veio da Descoberta até a Independência do Brasil em 1822,
quando se abriu um hiato na atividade legislativa sobre terras que se prolongou até 1850,
desenvolvendo-se no intervalo a progressiva ocupação do solo sem qualquer título, mediante
a simples tomada da posse. A Lei n.º 601, de 1850, e seu Regulamento n.º 1.318, de 1854,
legitimaram a aquisição pela posse, separando assim do domínio público todas as posses que
fossem levadas ao livro da Paróquia Católica, o chamado registro do vigário.
Os possuidores das terras devolutas eram obrigadas a registrar as posses (Dec. n.º
1.318, de 1854, arts, art. 91 e 97). O registro das posses era feito pelos vigários das freguesias
do Império, definindo-se, portanto, a competência dos registradores, desde os primórdios
registrais, pela situação do imóvel.
Aí está, depois da carta de sesmaria, o segundo ponto de apoio do domínio privado.
Este continuou, porém, a avançar no domínio público, já agora pelo processo de legitimação
previsto na Lei e no Regulamento, o qual funcionou algo desordenadamente devido à

1 Segundo a Ord. do L. 4, Tit. 43 pr., sesmarias são terras "que foram ou são de algum senhorio e que já em
outro tempo foram lavradas e aproveitadas e que agora não o são". O nome foi dado às concessões territoriais
nas costas e no interior do Brasil, provavelmente por analogia, por não se acharem as terras aproveitadas
(SOARES, Macedo. Medição e demarcação das terras, 3.ª ed. Rio, Ed. da Imp. Nac., 1887. Apêndice I, nota
sobre as sesmarias, p. 395; GARCIA, Lisipo. A transcrição, p. 83, nota 1; TITO FULGÊNCIO. Direitos de
vizinhança. São Paulo, Ed. Saraiva, 1925, p. 69 et seq.).
insuficiência de recursos oficiais para medição de terras e às irregularidades processuais.
Tais fatores negativos subsistiram depois de descentralizado o serviço nas Províncias e até
depois que, transformadas estas em Estados, para estes passaram as terras do domínio
público, as chamadas terras devolutas, por força do mandamento da primeira Constituição da
República, de 1891.
Embora a Lei de Terras do Império e o seu Regulamento de 1854, tendentes à
discriminação e legalização dos imóveis particulares, não lograssem na prática a plenitude
dos seus benefícios devido à crônica escassez de recursos para a medição, representaram por
certo um passo avançado no sentido da titulação da propriedade. Essa titulação, consistente
inicialmente em documentos expedidos pelo Governo, foi consideravelmente acrescida com
os registros das posses manifestadas oportunamente pelos posseiros à Paróquia,
celebrando-se daí por diante os contratos de transmissão e de oneração de imóveis com apoio
em uns e outros documentos originais, bem como nos que se lhes seguiram, inter vivos ou
causa mortis, os primeiros dos quais, desde 1855, sujeitos à escritura pública em toda venda
de valor superior a duzentos mil réis (Lei n.º 840, de 15 de setembro de 1855).
Essa desordenada documentação tornava incerta e complicada a propriedade, cuja
filiação, de título a título, se revelava extremamente intrincada, mormente por ficar dispersa
em mão dos titulares, à mingua de um repositório central que, de qualquer modo, a recolhesse
para lhe assinalar a existência perante o público. A incerteza e a complicação se agravavam
com a existência de hipoteca ocultas e gerais sobre bens presentes e futuros, em virtude do
que não se podia saber ao certo se determinado imóvel estava ou não livre de ônus.
Nesse tempo a propriedade imóvel se transmitia, não pelo contrato, mas pela tradição
que se lhe seguia, de acordo com a teoria romana do "titulo" e do "modo" de adquirir. O título
consiste na causa pela qual se dá a aquisição e o modo no fato material que a exterioriza, a
saber, e entrega do imóvel ou tradição. Enquanto o título traduz uma relação de direito
pessoal, de interesse privado, a tradição exprime uma relação de direito real, de interesse
público. A tradição, que indicava externamente o câmbio da titularidade, era, portanto, o
modo de transferência da propriedade imóvel. 2
A tradição, no entanto, se desvirtuara, pois, consistindo originalmente na translação
da posse, fato visivel, se transmudara com o correr do tempo em uma simples cláusula inserta
no título, a do constituto possessório, invisivel ou encoberta para terceiros. 3 Reduzida a
tradição à cláusula constituti, em virtude da qual o comprador adquire a posse por passar o
vendedor a exercê-la em seu nome, sem qualquer reflexo externo, desaparecera a sua
limitada publicidade, fazendo-se na clandestinidade as sucessivas alienações e onerações.
Assim se apresentava a nossa situação imobiliária quando a Lei Orçamentária n.º 317,
de 1843, regulamentada pelo Decreto n.º 482, de 1846, criou o registro de hipotecas, uma vez
que a necessidade que primeiro se sentiu foi a de tornar a terra base para o crédito. Num país
de enorme extensão territorial, cuja economia assentava sobretudo da agricultura, pois até o
meado do século XX se tornara lugar comum a afirmativa de ser essencialmente agrícola,
compreende-se que a idéia do registro tenha acudido em primeiro plano para a proteção do
crédito, e não da propriedade.

2 Institutas, 1. II, tit. 1.º, § 40; Ordenação do Reino. 1. 4.º, tít. 5.º, § 1.º; Teixeira de Freitas. Consolidação das
leis civis. 3. ed., Rio, Ed. da Liv. Garnier, 1876, arts. 908 e 909.
3 Teixeira de Freitas. Consolidação das leis civis. 3. ed. Rio, Ed. da Liv. Garnier, 1876. Introdução, nota 367;
GARCIA, Lisipo. A transcrição. p. 87.
Tanto mais facilmente se compreende que assim haja acontecido quanto o mesmo
ocorrera na Alemanha, onde alguns Estados começaram por adotar apenas o registro
hipotecário, a fim de grangear a confiança dos capitalistas em beneficio da agricultura, sendo
esse registro o precedente histórico do modelar Registro de Imóveis daquele país. Dessa
maneira, o aparelho registral, de começo, não se punha a serviço do negócio principal, vale
dizer, da transmissão do domínio, nem tampouco da constituição das servidões prediais, mas
servia tão-só para a constituição de direitos hipotecários. 4
No Brasil, o registro de hipotecas não deu os resultados esperados por lhe faltarem os
requisitos de especialidade e publicidade, 5 contribuindo as dificuldades daí advindas para
avivar a necessidade da regularização prévia da propriedade e, por conseguinte, para a
ampliação do objetivo registral. Foi o registro de hipotecas a origem do atual Registro de
Imóveis, pois, diante do seu escasso préstimo para o crédito, surgiu a idéia de estendê-lo à
transmissão da propriedade, da qual debalde se dissociara, consubstanciando-se esse intento
em Projeto de Lei apresentado à Câmara dos Deputados pelo Conselheiro Nabuco de Araújo,
em 1854.
Submetido à discussão, o projeto deu origem a um substitutivo, preparado com o
concurso do seu autor, o qual se transformou na Lei n.º 1.237, de 1864, que criou o então
chamado Registro Geral. Como a iniciativa anterior fora parcial, pode-se ver nele o
verdadeiro antecedente do Registro de Imóveis, pois, conforme indica o nome, atraía todos
os direitos reais imobiliários. A lei debuxou as linhas mestras a que deveria obedecer pelo
tempo afora e chegou a indicar os oito livros principais para a sua escrituração, os quais, com
pequenas variantes e acrescimos, chegaram até os nossos dias.
A lei substituiu a tradição pela transcrição como modo de transferência, continuando
o contrato, antes dela, a gerar apenas obrigações. A troca de uma pela outra importou em
enorme avanço em benefício da publicidade, porque a tradição, real ou simbólica, uma vez
efetuada, não deixa vestigio permanente, ao passo que a transcrição deixa o seu sinal
indelével na tábua no livro no qual é lançada, franqueada à consulta do público. Demais, a
tradição assenta apenas a propriedade, sem alcançar a hipoteca, enquanto a transcrição
convém a ambas.
Ao fazê-lo, criou o Registro Geral, de que o país tanto precisava, para recolher os
títulos de transmissão de imóveis entre vivos e os de constituição de ônus reais (art. 7.º). A
criação do registro permitiu pôr certa ordem em uma e outra categoria de atos, já exigindo
como título de ambas a escritura pública, já impondo à segunda um limite indelével, pela
enumeração taxativa dos gravames que a compõem.
Conquanto houvesse controvérsia acerca dos efeitos da transcrição, por dizer a lei que
a "transmissão não opera seus efeitos a respeito de terceiros senão pela transcrição" (art. 8.º),
o que induzia a pensar que, antes desta, operava pela tradição entre as próprias partes, o certo
é que, por ser o domínio um direito absoluto, não pode existir entre as próprias partes e deixar
de existir a respeito de terceiros. Se, por declaração expressa da Lei, não existe a respeito de
terceiros antes da transcrição, daí decorre que também não existe entre as próprias partes. 6

4 NUSSBAUM, A. dERECHO HIP. AL. Madrid, Ed. da Rev. de Derecho Privado, 1929. p. 2; HEDEMANN, J.
W. Derechos Reales. Ed. da Rev. de Derecho Privado, 1955. § 9, p. 79.
5 GARCIA, Lisipo. A trasncrição, p. 90.
6 Lafayette. Direito das coisas. Rio, Ed. Garnier, 1877, v. 1, § 48 e nota 2; Teixeira de Freitas. Consolidação. 3.
ed. Rio, Ed. Garnier, 1876. Introdução. p. 182; VEIGA, Didimo da. Direito hipotecário. Rio, Ed. Laemert,
1899, n. 222 e 87.
Se, por esse lado, a Lei Imperial se aproximou do sistema germânico, por outro lado
dele se afastou ao dispor que a transcrição não induz prova de domínio, que fica salvo a quem
for ( § 4.º do art. 8.º). Assim, a transcrição não constituía nem prova absoluta nem prova
relativa de domínio nem sequer presunção juris tantum da sua existência, daí resultando que,
a despeito dela, o autor precisava prová-lo inicialmente na reivindicatória.
Essa deficiência, localizada num ponto crítico, não deslustrava a sua aptidão
disciplinadora, à qual se deviam duas inegáveis vantagens, uma no interesse das partes, a
outra no interesse de terceiros. No interesse das partes, completava extensivamente o título
para transformar o direito pessoal em real; no interesse de terceiros, tornava esse direito real
conhecido, a fim de lhes ser eventualmente oposto. Assim, instaurava uma publicidade de
dupla eficácia.
A publicidade ganhava amplitude com a eliminação das antigas hipotecas gerais e
ocultas, uma vez que se exigia fossem especializadas tanto as contratuais como as legais,
excetuadas apenas as hipotecas gerais sobre bens presentes e futuros em favor da mulher
casada, dos menores e dos interditos. Ao mesmo tempo, reconhecia-se a hipoteca judiciária e
instituía-se a prenotação para garantir a prioridade em favor das hipotecas que dependessem
de especialização.
A publicidade instaurada pela Lei deixou, duas brechas, que o seu Regulamento, o
Decreto n.º 3.453, de 1865, aumentou para três, ao estender das sucessões aos atos judiciários
a isenção do registro, que assim passou a abranger esta tríade: a) transmissões causa mortis;
b) atos judiciários; c) hipotecas gerais e ocultas em favor da mulher casada, dos menores e
dos interditos.
Dessas brechas, a terceira foi coberta, embora parcialmente, pela Lei n.º 3.272, de
1855, que tornou obrigatório o registro de todas as hipotecas legais, mas sem exigir a sua
especialização. Assim continuaram as duas outras, referentes às transmissões causa mortis e
aos atos judiciais.
Após um quartel de século, a Lei n.º 1.237, de 1864, foi substituída pelo Decreto n.º
169-A e seu Regulamento, Decreto n.º 370, ambos de 1890, que, mantendo o nome de
Registro Geral, consagraram a especialização das hipotecas legais, mas deixaram em aberto
as falhas concernentes às transmissões causa mortis e aos atos judiciais. Ao lado dessas
falhas, persistiu o princípio segundo o qual o registro são induz prova do domínio, de sorte
que, no essencial, perdurou o sistema da Lei Imperial até o advento do Código Civil:
a) necessidade da transcrição para a transferência de domínio ou constituição de ônus
real;
b) desvalia da transcrição para prova de domínio.
O Código Civil, de 1916, incorporou o Registro Geral, mas lhe mudou o nome para
Registro de Imóveis, evidentemente mais apropriado do que o anterior, posto o tivesse
lançado em lugar menos apropriado, destoante da sua generalidade, uma seção do capítulo da
hipoteca (arts. 856-862). Tocou-lhe a vez de preencher afinal as mais danosas e duradouras
lacunas do registro, atraindo para ele as transmissões causa mortis e os atos judiciais, posto
não puxasse as primeiras diretamente, mas em suas necessárias conseqüências, as sentenças
de partilha e de divisão e demarcação ( art. 532, I). Ao contrário da Lei Imperial, não
relacionou livros, mas apenas previu os necessários, deixando esse ponto formal ao cuidado
do Regulamento ( art. 832).
No essencial, o Código manteve a necessidade da transcrição para a transferência do
domínio, mas lhe acrescentou algo para valorizá-la: a transcrição gera uma presunção de
domínio em favor do seu titular (art. 859). Este tem uma vantagem no exercício do direito:
não precisa prová-lo como anteriormente. Ao seu adversário é que toca o ônus de demonstrar
que ele não é titular do direito.
Ao tratar extensamente dos atos sujeitos a registro, continuou a dar aos seus assentos
ora o nome de transcrição ora o de inscrição ora o de averbação, das quais as duas primeiras
se distinguem nitidamente da última, mas não se distinguem entre si, pois, além de se
fazerem ambas por extrato, a transcrição abrange a constituição de todos os direitos reais
exceto a inscrição da hipoteca (art. 856, n.º III e IV).
Essa defeituosa terminologia, parcialmente corrigida por um regulamento posterior,
que, mantendo o termo transcrição para as transmissões, reservou o termo inscrição para
todos os direitos reais, não desmerece o valor do Código, que, sujeitando os julgados
terminativos da indivisão ao registro, trouxe a este as transmissões causa mortis e,
prescrevendo a inscrição e a especialização obrigatórias de todas as hipotecas, consolidou a
supressão das gerais e ocultas e, portanto, a posição superior que disso advinha para a nossa
legislação hipotecária.
Bem examinado, o Código, pressupondo o título causal, manteve a inscrição como
modo de adquirir, tomado esse termo no sentido genérico que possui por toda parte onde o
lançamento do título não é copiativo, mas seletivo de dados essenciais. A despeito de não
predispor o cadastramento da propriedade, adotou vários princípios básicos inerentes a um
bom sistema registral, como, além do de inscrição ( arts. 530 e 676 e parág. único do art.
860), os de prioridade ( parág. único do art. 833), de legalidade (art. 834), de especialidade (
art. 846), de publicidade ( art. 856) e de presunção ( art. 859). Por um lapso deixou de adotar
o de fé pública.
Ao tocar no Registro de Imóveis, o Decreto n.º 4.827, de 1924, que reorganizou os
registros públicos previstos pelo Código Civil, acrescentou-lhe a figura da inscrição
preventiva, mas, ao invés de moldá-la numa fórmula geral, protetora dos direitos pessoais e
condicionais, a admitiu em textos sortidos, referentes a penhoras, arrestos e seqüestros de
imóveis e ações reais e reipersecutórias imobiliárias. A inscrição preventiva, com a mesma
indole premonitória, figura em outras legislações para, como aqui, informar terceiros da
pendência de obrigações ou riscos sobre os imóveis, cuja aquisição não se poderá fazer, a
menos que o adquirente queira expor-se à anulação do ato e ter contra si a prova
preconstituída da fraude. A locação com cláusula de vigência contra o adquirente do imóvel,
assemelhada a ônus real, foi então expressamente endereçada ao registro de imóveis,
corrigindo-se assim a omissão do Código Civil acerca do registro público destinatário dela (
Cód. Civ., art. 1.197).
Se bem que o Código Civil, assim aperfeiçoado pela Lei Registral, haja atraído ao
registro as transmissões causa mortis e os atos judiciais, determinando a inscrição das
sentenças divisórias que puserem termo à indivisão (Cód. Civ., art. 532, I), ainda assim
omitiu alguns atos judiciais que literalmente não se compreendem entre as sentenças
divisórias, mas que, por certo, devem ingressar no registro, sob pena de se perderem elos da
cadeia de titularidades imobiliárias. Esses atos foram por cautela expressamente referidos no
Regulamento de 1928, quando mandou inscrever a sentença de adjudicação do imóvel,
quando não houver partilha, bem como a entrega de legado de imóvel (Cód. Civ., arts. 1.690
e 1.706; Dec. n.º 18.542, de 1928, art. 233; Decreto n.º 4.857, de 1939, art. 243; Lei n.º 6.015,
de 1973, art. 167, I, n.º 24 e 25).
Apesar de não expressamente referidos, os acordos divisórios celebrados entre
particulares, fora do juízo (Cód. Civ., arts. 1.773 e 1.776), sempre ingressaram pacificamente
no registro, por entenderem os cartórios que as escrituras de extinção de condomínio, as de
partilha entre maiores e as de partilha em vida estão implícitas no mandamento a respeito dos
julgados nas ações divisórias. Esse entendimento, acorde com o princípio de continuidade,
que exige a série completa de titulares do imóvel, sem falta de qualquer deles, se acha agora
confirmado na lei nova de registros públicos (Lei n.º 6.015, de 1973, art. 167, I, n.º 23).
Foi o Regulamento da Lei n.º 4.827, de 1924, consubstanciado do Decreto n.º 18.542,
de 1928, da autoria principalemente de Filadelfo Azevedo, que, embora tolhido pela
autorização legislativa que a circunscrevia a mera consolidação, prestou ao registro de
imóveis o mais assinalado benefício, ao introduzir nele o princípio de continuidade, mediante
a exigência, para qualquer transcrição ou inscrição, do registro do título anterior ( art. 234; cf.
art. 218). Argüido de ilegal e até inconstitucional, o dispositivo teve o apoio de vários
julgados e foi respeitado por toda parte, determinando a formação de cadeias completas de
titularidades, que sanearam surpreendentemente a propriedade imobiliária.
Antes do regulamento seguinte, apareceu o Decreto-lei n.º 58, de 1937, a chamada lei
do loteamento, que, aparte a sua importância econômica e social, teve extensa repercussão no
registro de imóveis. Além de conduzir a esse registro, que é receptáculo de direitos reais, um
dos direitos pessoais, a promessa de venda imobiliária, colorindo-a, para tanto, como direito
real, admitiu a escritura particular como título hábil para essa promessa, introduziu um livro
aparentado com o fólio real para o desdobramento da sua escrituração e, finalmente,
contribuiu para apressar a legalização de numerosos títulos imobiliários com a exigência da
cadeia dominial dos imóveis a serem loteados.
O regulamento subseqüente, n.º 4.857, de 1939, logo criticado por seu
conservadorismo pelo principal autor do regulamento precedente, porque, sem o limite
imposto a este pela autorização legislativa, não aboliu sequer a distinção incabível entre
transcrição e inscrição, 7 pelo menos tornou um pouco mais sistemática a terminologia, ao
corrigir o defeito observado no Código Civil, que sujeita à transcrição tanto a transmissão da
propriedade como a constituição de ônus reais e subordina à inscrição um desses ônus reais,
a hipoteca. Assim, o novo regulamento, ao manter os dois termos, destinou transcrição aos
atos transmissivos da propriedade e inscrição aos constitutivos de ônus reais. 8
Após esse regulamento, houve em 1947 uma tentativa de reforma do Registro de
Imóveis, mediante a instituição do livro fundiário e do cadastro, mas, inserida em capítulo de
Lei Agrária, malogrou, porque não teve andamento no Congresso Nacional o projeto oficial,
de minha autoria, para ali remetido pelo Presidente Eurico Gaspar Dutra em 1948 (Diário
Oficial de 15 de janeiro de 1948). 9 Conquanto ao editar-se e pôr-se em prática o Código
Civil o cadastro fosse considerado inexeqüível no Brasil, em 1948 deixara de sê-lo graças ao
aparecimento da aerofotografia para substitur os meios convencionais, motivo pelo qual o
projeto logrou, nessa parte, pleno apoio do Conselho Nacional de Geografia, onde, no
decorrer de uma conferência, lhe fiz a justificativa. 10

7 AZEVEDO, Filadelfo. Registros Públicos, no Arq. Jud. v. 52, supl. p. 79.


8 LOUREIRO, Waldemar. Registros da propriedade imóvel. 5. ed. Rio, ed. da Rev. For., 1957. v. 1, n. 57, p.
89.
9 Esse projeto foi mas tarde analisado na Escola Superior de Guerra, onde o relator da matéria, Desembarador
Bulhões de Carvalho — a quem só depois tive a honra de conhecer —, resumiu o seu julgamento assim: "— A
impressão geral que resulta da leitura do Projeto Afranio de Carvalho é que se trata de uma obra muito bem
trabalhada e acabada, sendo realmente de admirar que até hoje não tenha sido posta em execução, com algumas
modificações de detalhe, como as que tivemos ocasião de sugerir" ( Rev. For. v. 191, p. 368-369).
10 CARVALHO, Afranio de. Cadastro territorial. In: Rev. Bras. de Estatística. v. 4, 1949. p. 546.
Essa tentativa foi renovada em 1969, quando o Ministério da Justiça distribuiu às
Corregedorias de Justiça dos Estados, para recolhimento de sugestões, um anteprojeto de lei,
também de minha autoria, que, ampliando o anterior, reorganiza o Registro de Imóveis e
institui o cadastro. O anteprojeto fora redigido em curtissimo prazo para antecipar-se e
incorporar-se ao regulamento que estava sendo elaborado por serventuários da Justiça local e
coordenado pelo Desembargador Luiz Antônio de Andrade, pelo que se amoldou mais a
essas circunstâncias do que a uma rigorosa disposição hierárquica da matéria, tendo chegado
a receber sugestões de algumas Corregedorias, porque as de Sergipe e da Guanabara foram
submetidas para apreciação.
Ao invés dele, foi decretado apenas o regulamento em que deveria repercutir, o qual,
na forma e no fundo, constituia um retrocesso em relação ao anterior, já que, elaborado
sigilosamente, os seus senões não puderam ser oportunamente corrigidos pela censura da
opinião pública ou de órgãos jurídicos idôneos. Como o erro tem pronunciada vocação para
perpetuar-se, o texto, apesar de se estender por trezentos e dois artigos e se destinar
confessadamente a substituir o regulamento expedido pelo Decreto número 4.857, de 9 de
novembro de 1939, foi decretado sob a forma de Lei (Decreto-lei n.º 1.000, de 21 de outubro
de 1969).
Além desse desvio da técnica legislativa, o regulamento, que se ateve ao direito
formal do registro, reformulou o anterior de tal modo que se converteu num complexo de
contradições. Essas contradições não puderam ser conciliadas pelos registradores, que,
perplexos diante de um texto que não sabiam como cumprir, pediram o adiamento da sua
execução, sustada várias vezes, até a revogação.
Ao passo que a exposição de motivos do regulamento anunciava um livro
consolidante, semifundiário, com um registro próprio para cada imóvel, cujo modelo foi
delineado em anexo (livro n.º 2), o artigo normativo da escrituração deste preceituava um
registro para cada ato, ao mandar dividir-lhe a folha em tantas colunas quantas bastem para
conter os "requisitos" do registro, inclusive as averbações ( art. 172). Ora, esses requisitos,
que repetiam os dos livros tradicionais ( arts. 232 e 236), subentendiam manifestamente o
registro separado de cada ato, o que aquele artigo instrucional tornava indubitável ao
acrescentar que em cada folha poderiam ser feitos tantos registros quantos fossem os imóveis
que nela coubessem.
Aliás, a reunião de três livros em um só não bastava, pois, deixando de fora outos
livros, igualmente destinados ao registro de direitos reais, não chegava a assumir a figura do
livro fundiário, carecendo, por conseguinte, de justificativa sistemática. Além disso, devido
ao modelo híbrido do livro, este, ao invés de adiantar o serviço, propendia a atrasá-lo, visto
como não estabelecida, como seria lógica, a matrícula inicial de cada imóvel e o lançamento
em seqüência dos demais atos que lhe forem pertinentes.
A terminologia era focalizada na exposição de motivos com o anúncio da unificação
dos nomes de duas formalidades registrais no vocábulo "registro" — aliás divergente do
universalmente adotado, de sentido inequívoco —, mas o texto os mantinha isolados,
continuando a distinguir "transcrição", "inscrição" e "averbação" (art. 167, cap. VI e VII;
parág. único do art. 229). Tanto vale dizer que a pretendida unificação, com o acréscimo de
mais um termo, redundava no oposto, isto é, na pluralização.
Essas inovações frustras tinham a companhia de duas outras destinadas a simplificar e
abreviar o serviço cartorial, a saber, a faculdade de desdobramento do livro de Registro Geral
até dez e a permissão de torná-lo de folhas soltas. Na realidade, a primeira desafoga o
acúmulo de serviço nos cartórios de intenso movimento, por permitir o trabalho simultâneo
de várias pessoas, mas a segunda, tendente a mecanizar a escrituração, põe em risco a certeza
desta e, por conseguinte, a segurança dos direitos, uma vez que as folhas extraviar-se com
facilidade, casual ou fraudulentamente.
Antecedendo essa iniciativa, colocava-se a exigência genérica de requerimento
escrito para o ingresso dos títulos no registro (art. 15), quando sempre bastou o requerimento
oral, considerado implícito na simples apresentação deles ao protocolo. Ao subverter a
facilidade tradicional com que se cumpria o princípio de instância, cumum aliás e registros
congêneres, o Regulamento lei mais uma vez incorria em burocrotização que, no interior,
arrastaria até a assitência de um advogado para a rotineira entrega de documentos ao registro.
Ao repetir a matéria do regulamento substituído, o novo não lhe melhorava, em regra,
o fraseado, o que se via, por exemplo, no dispositivo sobre a retificação do registro, que,
carente de precisão, suprimida a explicativa de estar a contradita sujeita a inscrição. O
dispositivo final sobre o mesmo assunto, cuja construção verbal tanto deixara a desejar,
desfechava em ressalva de direitos adquiridos por "estranhos" de boa-fé e a título oneroso,
parecendo assim reconhecer a inexistente proteção de terceiros pelo princípio de fé pública
(arts. 213 e 217). 11
A Lei n.º 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que tomou o lugar do Decreto-lei n.º
1.000, de 1969, depois de adiada a sua vigência, acabou tendo duas versões, a original e a
resultante das alterações trazidas pela Lei n.º 6.216, de 30 de junho de 1975. A segunda
melhorou consideravelmente o texto da primeira, mas não conseguiu escoimar dela todos os
defeitos, residuos do seu apego ao diploma revogado.
Vista em conjunto, parece mais preocupada com o fluxo interno dos papéis do que
com o relacionamento externo com os seus titulares. Reunindo disposições boas e más, de
maior e de menor tomo, reincide em erro censurável, quer sob o aspecto doutrinário quer
prático: como Lei é demasiada e como Regulamento é insuficiente. Apesar da insuficiência,
trouxe para o seu contexto matéria estranha, inclusive um capítulo sobre o Registro Torrens.
A adoção do fólio real, frustrada na primeira versão da Lei, vingou finalmente na
segunda, que reuniu no chamado "Registro Geral" os livros que haviam ficado fora dele,
consumando assim a tentativa por mim feita em dois projetos anteriores. Não se logrou,
contudo, passar da ideação à execução, porque o modelo, apresentado em branco na primeira
versão da Lei, assim continuou na segunda, à espera da republicação integral do texto,
testemunha de que não houve estudo prévio de assunto tão importante.
Talvez devido à dificuldade de elaborar de pronto um modelo adequado à
escrituração colunar "por extrato" das declarações essenciais do título, trocou-se essa
maneira tradicional de inserção dele no livro, graças à qual o nosso sistema é conhecido
como de "inscrição", pela mais cômoda "forma narrativa", embora esta haja de ser
necessariamente extratada. Abandonou-se igualmente a antiga numeração dos assentos, que
facilita identificar qualquer deles dentro de um elenco numeroso, preferindo-se a sua
sinalização literal, seguida de números.
Além do desdobramento do livro, aceitável em cartórios de grande movimento para
aliviar o acúmulo de serviço mediante a sua realização simultânea por mais de um
escrevente, admitiu-se também a sua substituição por folhas soltas, destinadas à escrituração
mecanizada (parág. único do art. 173, § 2.º do art. 3.º e art. 4.º). Com esta segunda franquia

11 Fiz a crítica do Decreto-lei n. 1.000, de 1969, perante a Administração e depois a repeti em livro, apondo
uma nota ao capítulo relativo ao Registro de Imóveis (CARVALHO, Afranio de. Instituições de direito
privado. 2. ed. Rio, Ed. Fundo de Cultura, 1973).
criou-se desnecessariamente um risco constante para os direitos inscritos, porque, de um
lado, as folhas soltas se desgastam celeremente no manuseio diário e, de outro, se prestam a
extravio, casual e fraudulento, bastando lembrar, a propósito deste último, que, preenchíveis
a máquina pelo registrador, são também autenticáveis pela rubrica dele, que assim tem um
domínio absoluto sobre a escrituração, podendo, quando desonesto, substituir qualquer delas
sem deixar o menor vestígio de fraude.
Não se argumente com a possibilidade de reconstituição da folha solta em caso de
extravio, como fez brilhante, mas incauto, monógrafo paulista ao responder a esse tópico da
minha crítica à primeira versão da Lei. 12 Essa possíbilidade, quando existe, requer sempre
um penoso esforço para concretizar-se, mas, o que é pior, nem sempre existe, mormente no
extravio fraudulento, que se estende evidentemente a documentos de arquivo não
recuperáveis em notas de notários, como escrituras particulares, memoriais, renúncias,
recibos, quitações e autorizações de cancelamento.
Quanto à terminologia, não se sabe o que teria levado a Lei a obstinar-se em unificar
os dois antigos termos "inscrição" e "transcrição", não em torno do primeiro, condizente com
o sistema, universalmente aceito e preconizado sempre pela nossa doutrina, mas em torno de
um terceiro, "registro", que, por possuir significado mais amplo, traz confusão ao texto (art.
168). Restringindo esse significado a duas espécies de assentos, quando abrange todas,
inclusive a averbação, abriu um conflito com a lógica, com a linguagem e consigo mesmo.
Demais, ao discrepar do termo "inscrição", geralmente adotado no mundo (Alemanha, Suíça,
França etc.), alheou-se à aspiração de uniformidade terminológica comum ao direito interno
e ao direito internacional, sem levar em conta a influência que a diferença de termos pode
exercer nas relações jurídicas do âmbito de um e de outro. 13
De mais a mais, destacou como assento distinto de qualquer outro a "matrícula",
gerando acerca desta um dilema embaraços, pois, ou reaparece com o significado de
"inscrição" ( registro ), ou carece de valor jurídico, visto como nenhum texto da nossa
legislação civil declara que a propriedade de transmite. . . pela matrícula. No entanto, teria
sido tão fácil quanto correto dizer simplesmente que todo assento é uma inscrição, embora o
primeiro assento da propriedade seja chamado de "matrícula" e o assento acessório de
"averbação". Isso evitaria também qualquer confusão entre a matrícula do Registro de
Imóveis, de força probante relativa, e a matrícula do Registro Torrens, de força probante
absoluta.
A insegurança dos direitos inscritos, advinha do livro de folhas soltas, é agravada pela
maneira por que foi prevista a retificação do registro, em que não se estabelece a necessária
distinção entre a que concerne a direitos e a que diz respeito a fatos (arts. 212-213).
Aludindo-se a "processo próprio", com o que desde logo se exclui a retificação por anuência
da parte, não se declara limpidamente quando cabe o contencioso e quando o administrativo.
Ao invés disso, comete-se a imprudência de ordenar ao registrador que corrija, por si só, o
"erro evidente" — como se qualquer erro não pudesse ser considerado tal — sem se
esclarecer sequer se provenente dele mesmo ou do título, de natureza jurídica ou fáctica.
Ao inverso do que aconteçeu com a retificação do registro, regulou-se
satisfatoriamente o processo de dúvida, clareando obscuridades acerca da iniciativa de
promovê-lo, da prorrogabilidade do prazo, do efeito do julgamento sobre a prenotação (arts.

12 SILVA FILHO, Elvino. A unidade móvel "fólio real" e a mecanização dos registros no Brasil. São Paulo
(Campinas), 1974.
13 GUTTERIDGE, H. C. Droit Comparé. Paris, Ed. de R. Pichon et. R. Durand Auzias, 1953 p. 156.
199-205). Dentre os seus méritos, merece destaque o haver determinado que, se não for
impugnada no prazo, a dúvida será ainda assim julgada por sentença, o que concorda com os
princípios processuais por se referir a questão de direito e ocorrer a revelia mas sobretudo
contribui para evitar que o processo fique indefinidamente em suspenso por inércia do
interessado, com prejuízo para o serviço, que vê desse modo aumentar o arquivo de títulos
pendentes.
Ao prever a união de imóveis contíguos pertencentes a um só dono, fê-lo sem
qualquer ressalva ( art. 234 ), quando importava inseri-la de modo genérico ou específico, a
exemplo do anteprojeto distribuído pelo Ministério da Justiça às Corregedorias em 1969, a
fim de impedir que se unam imóveis sujeitos a hipotecas diferentes ou servidões diversas.
Sem qualquer ressalva, trata também da operação inversa, de desmembramento ( § único do
art. 235 ), cujo requisito essencial, no entanto, para se inscrever no registro, é não formar
nenhum imóvel insuscetível de exploração econômica na zona rural ( módulo ) ou de
construção na zona urbana.
Ante a severa crítica irrogada à exigência genérica de requerimento por escrito para
acionar o registro, constante do regulamento que não chegou a entrar em vigor, a Lei nova
voltou atrás e manteve o preceito segundo o qual aquele pode ser formulado verbalmente ou
por escrito. Esse preceito se encontra, não no título privativo do Registro de Imóveis, mas nas
disposições gerais da Lei, que é comum a outros registros ( art. 13 ).
Se se considerar, por um lado, que a inovação das folhas soltas, tão atraente quanto
perigosa, pode ser reabilitada, caso não fique letra morta, mormente por depender da
autoridade judiciária, e, por outro lado, que os demais defeitos podem ser sanados por via de
interpretação, haverá motivo bastante para esperar com otimismo a entrada em vigor da Lei,
cujo mérito maior está centrado na adoção do fólio real e conseqüente redução dos livros. Ao
oposto do Decreto-lei n.º 1.000, a Lei nova mostra-se, portanto, viável, mas há de ser havida
como estação de espera, até que se elabore outra melhor. 14
A não ser na adoção do princípio de publicidade real, afinal vitorioso na sua segunda
versão, mas dependente ainda de um modelo apropriado de livro, a Lei demonstra o maior
apego ao statu quo, pois conserva o Registro de Imóveis como o encontrou com todas as suas
demasias e lacunas, sem dar mais um passo sequer para ultimar a sua evolução. Na incerteza
de que ela venha a ser em breve superada por outra melhor, cumpre persistir nos esforços
para que não tarde demais aquela evolução, pois já faz mais de meio século que o nosso
Registro de Imóveis se acha em fase de transição do antigo sistema francês para o alemão.
Nesse sentido, as observações que se vão ler, em torno da estrutura, visivelmente transitória,
do registro delineado pelo Código Civil, talvez se tornem úteis para o preparo da estrutura
definitiva.

14 À semelhança do que ocorreu com o Decreto-lei n.º 1.000, de 1969, fiz a crítica da Lei n.º 6.015, de 1973,
tanto da primeira como da segunda versão, submetendo-se à Administração e publicando-a em revistas jurídicas
( Rev. dos Trib. n. 459, p. 24 et seq. e n.º 481, p. 18 et seq.; Rev. For. v. 248, p. 439 et seq.) Do mesmo modo
procedi com o Anteprojeto do Código Civil no tocante ao Registro de Imóveis ( Rev. do Inst. dos Adv. Bras. n.
25, p. 79 et seq.).
CAPÍTULO 2

SISTEMA DO REGISTRO

1. Sistemas de publicidade. Sistema brasileiro.

2. Direito Material e Direito Formal do registro.

3. Importância do Direito Formal. Livros e terminologia.

4. Fórmula geral do princípio de inscrição. Casuísmo.

5. Mutações imobiliárias fora do registro. Recondução a este.

6. Direito Material. Presunção e fé pública.

A publicidade dos direitos imobiliários pode ser organizada de mais de uma maneira,
conforme a eficácia que a legislação lhe pretenda atribuir. Essa eficácia varia em escala de
poucos graus, entre os quais, porém, a diferença é muito sensível para as relações jurídicas.
De maneira geral, admite-se a configuração de três sistemas principais de publicidade, que se
revezam, com variantes, nos países da comunidade mundial.
O primeiro atribui à publicidade o efeito de aviso a terceiros de atos que se perfazem
pelo só acordo de vontades e que, portanto, não dependem dela para ganharem existência. O
título é decisivo entre as partes nesse sistema, chamado, por isso, de consensual ou
privativista, mas não passa delas, sendo necessária a publicidade para chegar eficazmente a
terceiros. Tendo o seu traço distintivo na oponibilidade a terceiros, o sistema, devido à sua
origem, costuma ser denominado francês.
O segundo confere à publicidade o efeito de constituir o direito, que, antes dela, não
se perfaz entre as partes, ainda que, em torno dele, haja acordo de vontades. O modo de
adquirir, absorvendo o título, é decisivo nesse sistema, que, por exigir uma solenidade de
investidura ou legitimação da autoridade pública, é chamado de publicista. Tendo a sua
característica na constitutividade, pois a publicidade é elemento essencial do próprio ato de
mutação jurídico-real, o sistema, por causa da sua proveniência, é designado como alemão.
O terceiro, eclético, combinando o título com o modo de adquirir, de acordo com a
doutrina romana, substitui a tradição pela publicidade registral, à qual concede o duplo efeito
de constituir o direito real e de anunciá-lo a terceiros. Antes da publicidade, o ato cria
obrigações entre as partes, mas, uma vez efetuada, perfaz a mutação jurídico-real, investindo
a propriedade ou o direito real na pessoa do adquirente e, ao mesmo tempo, tornando o direito
oponível a terceiros. Essa dupla eficácia é a do Direito Brasileiro desde a Lei Imperial de
1864.
Sob o ponto de vista formal, os três sistemas não de distanciam entre si, porque todos
realizem a publicidade pela inscrição do direito, conquanto o primeiro o tenha feito
anteriormente pela transcrição do título. A inscrição lança em livro dados portadores de
transcendência jurídica, os quais, entre nós, são extraídos do título. No entanto, só os dois
últimos costumam ser alternativamente denominados sistemas de inscrição, porque esta
possui neles eficácia constitutiva, que é a mais importante, embora coexistente com a
declarativa de direitos.
Ao incorporar o Registro de Imóveis, que constava de lei autônoma, o Código Civil o
inseriu dentro do Direito Civil, na posição de auxiliar deste. Essa posição lhe foi assinada por
destinar-se, em princípio, a receber relações jurídicas que tenham por objeto imóveis, de
modo a documentar e publicar o estado da propriedade.
Regulando-o, melhorou inegavelmente o sistema de registro, sobretudo por trazer
para dentro dele as transmissões causa mortis e os atos judiciais, com o que sanou duas
lacunas, que impediam tivesse ele plena utilidade. O Registro de Imóveis constante do seu
texto apresenta certo progresso em relação ao que vinha vigorando até então, mas, força é
reconhecer, ficou bastante aquém do ponto que poderia ter atingido, se houvesse perfeito
conhecimento do sistema alemão, adotado com alvo pelos legisladores.
A escrituração de Registro de Imóveis requer o adequado entrosamento de
disposições do Direito Material, concernentes aos pressupostos e efeitos do ingresso dos
direitos imobiliários no registro, e disposições de Direito Formal, relativas ao característicos
da tábua ou livro de lançamento desses direitos, aos trâmites do processo de lançamento, às
atribuições das autoridades incumbidas do processo, à capacidade para promoção do
processo, e assim por diante. Esse entrosamento precisa ser preparado com extremo cuidado,
de modo que o corpo formado pelas disposições de Direito Material se superponha
exatamente ao constituído pelas disposições de Direito Formal, compondo em todo orgânico,
como se fossem uma peça inteiriça.
Ao prever-se que a parte material, se superponha à parte formal, deixa-se
subentendido que a primeira depende da segunda pois toda construção é condicionada pela
base ou alicerce que se lhe destina. Tão importante é a para formal do registro, que os
expositores do Direito Civil alemão, como Wolff, Nussbaum e Hedemann, geralmente a
antepõem nos seus livros à parte material estudando primeiramente os princípios formais do
registro para passar em seguida aos seus princípios materiais.
Tanto faz que os dois conjuntos normativos fiquem separados em diplomas
diferentes, como se reúnam num só diploma, contanto que haja entre as disposições de um e
de outro um ajustamento tão perfeito que as solidarize. O sistema alemão separou-os
inserindo o primeiro no Código Civil e o segundo em uma Ordenança do Registro
Imobiliário, entrada em vigor com aquele, mas é perfeitamente admissível uni-los em uma só
lei, preferentemente em seções distintas, relevando notar que existe até certa conveniência
nisso, pelo menos a respeito das mais importantes disposições de Direito Formal, cuja
alteração, propriciada pelo seu distanciamento, pode comprometer até o equilíbrio do
sistema.
Neste particular, haja vista, por exemplo, a disposição de Direito Formal que, no
Direito Brasileiro vigente, manda fazer as inscrições ou transcrições no lugar da situação do
imóvel, determinando assim a competência do funcionário registral desse lugar (Cód. Civ.,
arts. 831 e 861). Essa disposição traz no seu bojo a mais relevante implicação sistemática,
que consiste na necessidade de serem os direitos imobiliários inscritos ou transcritos segundo
o critério geográfico, de sorte que todos os que se criarem em determinada zona hão de afluir
para o cartório que tenha essa zona como base territorial. Não fora essa disposição, reinaria a
dispersão dos direitos por via de "distribuição", pois, apesar dela, o critério anômalo já foi
adotado em certo Estado, como se comprovará mais adiante.
O Código Civil contém disposições de Direito Material, entremeadas de algumas de
Direito Formal, estando entre as últimas as concernentes à competência do oficial da situação
do imóvel, há pouco citada (arts. 831 e 861), aos livros de inscrição das hipotecas (art. 831),
à dúvida sobre a legalidade da inscrição das hipotecas (art. 834), aos promoventes da
inscrição (art. 857). Não é, portanto, exato a afirmativa do nosso tratadista de Direito
Privado, segundo a qual no Código Civil e nas leis de Direito Material posteriores está todo o
Direito Material sobre o registro e nas leis sobre o registro todo o Direito Formal. 15
Essa reunião de preceitos de Direito Material e de Direito Formal imobiliário não
impedia dispor a matéria de maneira condizente com os métodos de classificação, ainda que
não se adotasse sequer o critério de desdobrá-la em seções distintas, conforme a sua natureza.
Não obstante, o que se observa é que o Código Civil se alheou a essa preocupação de lógica,
dispersando incoerentemente a matéria, sem mostrar ao menos que as duas faces desta se
integram na unidade registral.
Ao inserir o Registro de Imóveis corretamente no Direito das Coisas, aí o situou,
porém, no Título III, Dos direitos reais sobre coisas alheias, e não no capítulo I, Disposições
gerais, mas no Capítulo XI, da hipoteca, na sua Seção VI, do Registro de imóveis (arts
856-862). Essa classificação peca várias vezes, pois o Registro de Imóveis, destinado a
recolher os direitos reais imobiliários, abrange as duas categorias destes, a propriedade e os
direitos reais sobre coisas alheias e, quando abrangesse só estes últimos, não abrangeria
apenas a hipoteca. Aliás, é o que deixa claro o artigo inicial da Seção ao resumir a
compreensão do Registro:

Art. 856. O registro de imóveis compreende:


I — A transcrição dos títulos de transmissão da
propriedade (Vide arts. 530 e 531).
II — A transcrição dos títulos enumerados no
art. 532.
III — A transcrição dos títulos constitutivos de
ônus reais sobre coisas alheias (Vide arts. 676, 697 e
796).
IV — A inscrição das hipotecas (Vide art. 831).

A pesar de epigrafada genericamente para o Registro de Imóveis, a aludida Seção,


parcialmente compilatória de anteriores disposições e parcialmente aditiva de outras de
Direito Material e de Direito Formal, não inclui entre as últimas nenhuma sobre os livros, o
que bem patenteia que o Código Civil não percebeu ou, se percebeu, não traduziu a
correlação existente, no sistema alemão, entre a sinalização dos direitos e a tábua destinada a
recebê-la. Confirmando essa estranha despreocupação, a única referência a livros que se
apresenta fora da Seção própria dispõe vagamente que "para a inscrição das hipotecas haverá
em cada cartório do registro de imóveis os livros necessários" (art. 832).

15 PONTES DE MIRANDA, Tratado de direito privado, v. 11, § 1.216, p. 1.211.


Além de não das importância aos livros, tampouco a deu a terminologia dos seus
assentos, como se depreende do enunciado da compreensão do Registro, onde, para
designá-los, se empregam dois termos: "transcrição" e "inscrição". Não havia razão para
manter o primeiro desses designativos, com a agravante de empregá-lo para cobrir tanto as
transmissões de propriedade como as constituições de direitos reais, dentre os quais se
destacou apenas o de hipoteca para assinalar com o segundo dos designativos.
Na verdade, todos os assentos se consignam uniformemente por extrato, que implica
uma seleção de elementos essenciais do título, feita pelo registrador com apurado
discernimento, sob a responsabilidade do seu cargo. Para indicá-los o único termo próprio é
"inscrição", ao qual tradicionalmente se lega, na linguagem jurídica, a noção que acaba de ser
reproduzida, originária do sistema alemão, mas universalmente adotada.
Diversamente, o termo "transcrição"significa reprodução integral do título, sem
apreciação do seu conteúdo, cópia do seu teor verbo ad verbum feita com automatismo pelo
registrado, sem uso do seu discernimento nem empenho da sua responsabilidade. Se tinha
cabimento no antigo sistema francês, onde estava em correspondência com o que se fazia,
pois se acolhia o título com passividade, sem lhe atribuir qualquer efeito, a não ser o da
publicidade, não o tem evidentemente onde quer que se pretenda acompanhar, ainda que a
certa distância, o sistema alemão.
A despeito dessa evidência, a autoridade da razão, invocada pelo insigne autor do
projeto, não prevaleceu sobre a razão da autoridade, personificada no famoso revisor da sua
forma, a quem é infelizmente imputável a manutenção da impropriedade. 16 Essa
impropriedade tem contribuído para a multiplicação dos livros e para a dispersão dos
assuntos, assim como para a tomada do termo impróprio no seu sentido próprio, o que tem
induzido mais de um registrador a "transcrever" efetivamente nos seus livros os títulos
apresentados.
Assim, o Código Civil perdeu a oportunidade de adotar dois ordenamentos jurídicos
conjugados, um de Direito Material, com as regras sobre os pressupostos das mutações
jurídico-reais, o outro, de Direito Formal, com as regras e sinalização dessas mutações, ainda
que somente as essenciais, entre as quais não poderia faltar a escolha deliberada da tábua
destinada a essa sinalização, consistente em um só livro, ou em mais de um, com os
lineamentos da sua disposição interna. Embora no nosso mundo jurídico, obcecado pelo
brilho dos conceitos, seja difícil atrair atenção para o prosaísmo dos livros e da terminologia,
aqui fica uma nova tentativa nesse sentido, secundando a de Soriano Neto. 17 pois a
insistência talvez induza a promover uma reforma orientada pela premissa de que o material
deve assentar no formal, de modo que o Registro de Imóveis se apresente como uma unidade
externa, composta de duas partes, articuladas entre si, uma assente sobre a outra: a)
jurídico-material, portadora dos requisitos para a sinalização das mutações jurídico-reais; b)
jurídico-formal, indicativa da tábua dessa sinalização e do meio de efetuá-la.
Fora da Seção própria do Registro de Imóveis, cuja defeituosa colocação ficou
patente, existem numerosos outros dispositivos de Direito Material, consorciados com

16 BARBOSA, Rui, Parecer. Rio, Ed. da Imp. Nac., 1911. v. 1, p. 239 BEVILÁQUA, Clóvis. Em defesa. p. 44
et seq.; GARCIA, Lisipo. A transcrição. p. 142-143.
17 NETO, Soriano. Publicidade material do registro imobiliário. Recife, 1940. n. 25, p. 57-61.
alguns poucos de Direito Formal, a ele concernentes, sobretudo aqueles indicados nas
remissões do seu artigo inicial atrás citado, pertencentes à Seção II — Da aquisição pela
transcrição do título do capítulo II — Da propriedade imóvel (arts. 531-535) e à Seção III —
Da inscrição da hipoteca do Capítulo XI — Da hipoteca (arts. 831-848). A leitura deles
revela repetições, incoerências e omissões, numa palavra falta de ordenamento lógico.
O lugar da inscrição, correspondente ao da situação do imóvel, é determinado em dois
artigos (831 e 861); a aquisição da propriedade e do direito real limitado pela inscrição,
também (arts. 533 e 676); a subsistência do domínio no alienante até a inscrição do
adquirente, igualmente ( arts. 533 e parág. único do art. 860); a prioridade é regulada acerca
da hipoteca (art. 833), mas deixa de sê-lo a respeito da propriedade, em relação à qual só se
afirma ser a data da inscrição a mesma do protocolo (artigo 534); a dúvida só é prevista
relativamente à legalidade da inscrição da hipoteca (art. 834), deixando de sê-lo a propósito
da transmissão da propriedade. A adequada disposição lógica teria evitado as repetições,
suprido as omissões e atalhado as incoerências.
Tomada a parte jurídico-material do Registro de Imóveis, logo se percebe que o seu
tópico dominante está na determinação das mutações jurídico-reais suscetíveis de ingresso na
tábua registral ou, noutras palavras, na fixação dos direitos inscritíveis nessa tábua. A
enumeração dos direitos inscritíveis é taxativa, 18 não podendo ser estendida nem por
compreensão ou analogia, nem por equiparação legal a direitos reais, ao contrário do que
parece ao nosso tratadista de direito privado. 19 O Código Civil brasileiro poderia ter
adotado uma fórmula ampla que definisse quais os direitos inscritíveis, a exemplo do Código
Civil Alemão, que inicia sua importante seção de "Normas gerais relativas aos direitos sobre
imóveis" com este princípio:

"§ 873. Para a transferência da propriedade sobre


um imóvel, para o gravame de um imóvel com um direito,
assim como para a transferência ou gravame de tal direito
é necessário o acordo das vontades do titular do direito e da
outra parte sobre a modificação que vai realizar-se e a inscrição
da modificação jurídica no registro fundiário, a menos que a lei
disponha de outro modo." 20
Ao invés de seguir essa fórmula ampla, ou lançar outra de igual generalidade, o nosso
Código Civil preferiu enumerar casuisticamente os direitos inscritíveis pela menção dos atos
de sua movimentação, daí resultando não poucas omissões e dúvidas, como abaixo se
verificará. O texto brasileiro, que, atenuando esse casuísmo, mais se aproxima da fórmula
alemã, parecendo até nela ter se inspirado por perfilhar-lhe a ressalva, cabível ali, mas
incabível aqui, é o art. 676 do Código Civil que, posto subordinado ao título dos direitos reais

18 NUSSBAUM, Arthur. Derecho hip. al. Madrid, Ed. da Rev. de Derecho Privado, 1929, cap. 1, p. 8;
HEDEMANN, J. W. Derechos reales, Madrid, Ed. da Rev. de Derecho Privado, 1955. § 13, p. 99; LOPES,
Serpa. Registros públicos, 2. ed., Rio, Ed. A Noite. v. 2, n. 236, p. 166; v. 3, n. 483. p. 22, n. 523, p. 275 —
Cessão de direito hereditário; GARCIA, Lisipo, op. cit., p. 153-155.
19 PONTES DE MIRANDA. Trat. de dir. priv. Rio, Ed. Borsol, v. 11, § 1.222, p. 235 e § 1.257, p. 383.
20 NUSSBAUM, op. cit. Livro 1.º, cap. 2 (Princípios materiais, acordo e inscrição), p. 25; HEDEMANN, op.
cit., § 15, p. 116; NETO, Soriano. Publicidade material do direito imobiliário. Recife, 1940. n. 32, p. 71. A
tradução do princípio é a deste livro, suprimido o "não" que nela se antepõe ao verbo "disponha", porque a
oração final começa com a conjunção subordinativa condicional "a menos que", a qual já tem o sentido negativo
de "a não ser que".
sobre coisas alheias, abrange também a propriedade, conforme a remissão interna a artigos
referentes a esta: "Art. 676. Os direitos reais sobre imóveis constituídos ou transmitidos por
atos entre vivos só se adquirem depois da transcrição, ou da inscrição, no registro de imóveis,
dos referidos títulos ( art. 530, I, e 856), salvo os casos expressos neste Código." Cód. Civ.,
art. 676.)
Comparando esse texto com a fórmula alemã, nota-se que ambos se referem a acordos
de vontade entre o titular de direito e a outra parte, isto é, a atos entre vivos, ambos
condicionam a mutação jurídico-real visada pelas partes à inscrição no Registro e ambos
ressalvam no final os casos expressos em lei. Todavia, o texto difere da fórmula alemã em ser
menos preciso do que esta, ao aludir a direitos reais antes da formalidade que os faz nascer, e
em prever apenas como inscritíveis os direitos aquisitivos e onerativos da propriedade
imóvel, e não as transferências e gravames desses direitos.
A ressalva final do artigo 676 dá a entender que haja no Código Civil casos expressos
de aquisição de direitos reais sem transcrição ou inscrição no Registro de Imóveis, mas na
verdade isso não ocorre. Com efeito, os ônus de impostos, as servidões legais e o usufruto
paterno sobre os bens dos filhos não são direitos reais no nosso direito (Cód. Civ., art. 674),
de sorte que a ressalva constitui letra morta, segundo o testemunho da maioria dos
comentadores. 21
Dessa maioria discrepa, mas sem razão, Carvalho Santos que, invocando a existência
de ressalva semelhante no § 873 do Código Alemão, tenta explicar a nossa, dizendo que ela
quer referir-se aos casos de aquisição da propriedade sem ser por transcrição, como na
acessão e na aluvião. 22 Ora, se a ressalva tem cabimento no § 873 do Código Alemão,
que, prevendo geralmente a mutação jurídico-real, impõe sejam excetuados os casos em que
ela se dá sem prévio acordo da vontade das partes, não no tem no art. 676 do Código
Brasileiro, que só se aplica à mutação jurídico-real oriunda de acordo de vontade das partes,
isto é, de "atos entre vivos ". Portanto, fica de pé a observação de Clovis Beviláqua, segundo
a qual a ressalva do artigo alude a exceções que, se existissem, perturbariam a eurritimia da
construção jurídica nesta matéria.
De passagem, convém advertir que seria ilusório enxergar uma dessas exceções no
artigo 1.142 do Código Civil, que, provendo a cláusula de retrovenda, faculta ao vendedor do
imóvel usar da ação de reivindicação contra os terceiros adquirentes, "ainda que eles não
conhecessem a cláusula de retrato". Embora esse artigo dê eficácia real ao contrato de
compra e venda, não chega a erigir o pacto de retrovenda em direito real, pois não inclui no
numerus clausus do artigo 674, o que basta para afastá-lo do âmbito daquelas exceções.
Nem por isso o aludido artigo deixa de constituir um grave senão do Código Civil,
visto como, por sua letra, fere fundo sistema consagrado por este, segundo o qual é o registro
que da eficácia real à relação estabelecida no título que, antes dele, era apenas um direito
pessoal, um vínculo obrigacional entre os contratantes. Daí tornar-se aconselhável submeter
o artigo à interpretação sistemática, da qual emergirá o sentido de que a cláusula de
retrovenda, como toda condição resolutiva, depende, para operar, de ser levada a registro,

21 BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil, v. 3, p. 219; ALVES, J. Luiz. Código Civil. Comentário ao art. 676;
MARQUES, Azevedo. Hipoteca. Comentário ao art. 676, p. 21.
22 SANTOS, Carvalho. Cód. Civ. Int. 10. ed. Ed. Freitas Bastos, 1961. v. 9. int. do art. 676, p. 20-21.
conforme determinava o art. 247 n.º 11, do Decreto n.º 4.857, de 1939, sem o que a venda se
contrairá em pura e simples. 23
Portanto, o Código Civil, no seu preceito capital, estabelece o princípio da inscrição
para todos os atos entre vivos, sem exceção. Esses atos cobrem os mais numerosos casos de
mutação jurídico-real imobiliário, mas existem outros casos em que essa mutação ocorre
independentemente da inscrição.
Esses outros casos, em que o direito real ganha existência fora da tábua da inscrição,
prescindem, portanto, desta para o seu nascimento, mas não a dispensam para a sua
publicidade. É que a inscrição não serve apenas para produzir mudança em relações jurídicas,
embora seja esse o seu principal significado mas ainda para divulgá-las. Daí serem esses
outros casos reconduzidos à tábua da inscrição para o fim de publicidade.
Tais casos constam da Seção I, Da aquisição da propriedade imóvel, do capítulo II,
Da propriedade imóvel, art. 530, que, lançando a enumeração geral dos modos de aquisição
da propriedade imóvel, destaca com o primeiro lugar a inscrição, mas faz seguir
imediatamente a esta a acessão, o usucapião e o direito hereditário. No séquito, pois, da regra
geral da aquisição do direito real pela inscrição dos atos convencionais na tábua, aparece as
exceções do nascimento do direito fora dessa tábua. Essas exceções, como casos de aquisição
do direito real sem acordo de vontades das partes, é que poderiam ser ressalvadas no artigo
676, se este ocupasse outra posição e tivesse redação diversa.
Logo em seguida, na Seção II, Da aquisição pela transcrição de título, depois de
repetir, no artigo 531, que estão sujeitos à transcrição, no respectivo registro, os títulos
transitivos da propriedade imóvel entre vivos, enumera, no artigo 532, outros casos
igualmente sujeitos a ela, os quais, dada a epígrafe da Seção, deviam ser todos de aquisição
pela transcrição. Todavia, embora dos deles realmente o sejam, concernentes a atos judiciais
de transmissão, um deles não o é, o da transcrição dos julgados pelos quais, na ações
divisórias, se põe termo à indivisão (art. 532, I), o que se infere da omissão dele na remissão
interna do artigo seguinte, o art. 533, segundo o qual "os atos sujeitos à transerção (arts. 531
e 532, II e III) não transferem o domínio, senão da data em que se transcrevem (arts. 856 e
860, parág. único)". Além do senão da classificação, observa-se que se englobaram, num só
artigo, casos de inserção aquisitiva e de simples recondução publicitária.
Essa confusão de uns e outros casos em um texto de referência conjunta não merece
louvor, pois convinha separá-los com nitidez, uma vez que difere o efeito da inscrição em uns
e outros. Sem dúvida, a separação pode ser sempre feita pelo intérprete mediante o emprego
do método de exclusão, mas melhor seria que o fosse pelo próprio teor do texto,
desdobrando-os conforme tenham efeito: a) constitutivo, por fundarem o direito real, a que o
título se encaminha; b) declarativo, por divulgarem o direito fundado anteriormente em título
por si bastante.
Devido a essa falta de precisão, pelos menos alguns casos, excedentes da enumeração
do artigo 856, ficaram envolvidos em obscuridade, como o da sentença proferida nas ações
de desapropriação que, para alguns, é modo de aquisição, com efeito constitutivo, 24 ao
passo que para outros não o é, tendo apenas efeito declarativo. 25 A primeira corrente se

23GARCIA, Lisipo. Op. cit., p. 183-184; LOPES, Serpa. Trat. dos registros públicos.
2. ed. Ed. A Noite, n. 544,
p. 352-354.
24 PONTES DE MIRANDA, Trat. de Dir. Priv. Rio, Ed. Borsol. v. 11, § 1.218, p. 219.
25 LOPES, Serpa. Registros públicos. Rio, Ed. A Noite, v. 4, n. 638, p. 163; CAMARGO, Laudo de. Decisões.
São Paulo, Ed. Saraiva, 1931, p. 153-156.
apóia na doutrina da aquisição derivada do expropriante, em face da qual a transferência da
propriedade só se opera com a transcrição da carta de sentença, ao passo que a segunda
repousa na doutrina da aquisição originária, diante da qual, por não haver sucessão entre o
expropriado e o expropriante, a transcrição tem simples efeito declarativos.
Assim como a Seção epigrafada para o Registro de Imóveis ministra a compreensão
deste, também enuncia, pressupondo o princípio da inscrição anteriormente versado, dois
outros princípios de direitos material concernentes ao valor probante da inscrição, a saber, a
presunção de veracidade e a retificabilidade a ela inerentes.

Art. 859. Presume-se pertencer o direito real à pessoa em cujo nome se inscreveu ou
transcreveu.

Art. 860. Se o teor do registro de imóveis não exprimir a verdade, poderá o prejudicado
reclamar que se retifique.

Ao enunciá-los, inovou o nosso direito, dando um passo à frente com a presunção da


veracidade da inscrição que confere ao seu titular a vantagem processual de não precisar
provar o seu direito perante o adversário, a quem competirá então demonstrar o contrário. No
direito anterior, a inscrição não induzia prova, nem sequer presunção de domínio, ou outro
direito real, de sorte que incumbia ao seu titular provar sempre perante o adversário o direito
que se arrogava, remontando à sua origem pela rastreamento das sucessivas transferências
até perfazer o prazo do usucapião.
Todavia, como a presunção ora vigente é destrutível por prova contrária, intervém o
segundo princípio para permitir que essa prova seja produzida por aquele a quem acaso a
inscrição prejudique, a fim de obter a retificação desta. Assim se tutela o direito subjetivo do
verdadeiro titular, ensejando a este abater uma inscrição inexata, quase sempre oriunda de
um título passado por falso dono: nemo plus juris ad alium transferre potest quam ipse habet.
Ante a presunção de verdade da inscrição, muitos juristas não se contentaram com a
sua vantagem inovadora e, cobiçosos de outra maior, passaram a ver no artigo 859 do Código
Civil uma figura de duas faces. Dessas, uma se voltava para o titular inscrito, protegendo-o
provisoriamente sem lesar definitivamente o titular verdadeiro do direito, ao passo que a
outra se voltava para o terceiro da boa-fé, que, adquirindo onerosamente de titular inscrito, se
tornava titular definitivo, ainda que a sua aquisição fosse a non domínio.
Ao enxergarem do aludido artigo esse bifrontismo jurídico, inspiravam-se no sistema
alemão, em que, pelo jogo de dois artigos, se obtém esse resultado. Ali, a regra indubitável é
a proteção do direito subjetivo, vale dizer, do verdadeiro proprietário, mas existe uma
exceção em favor do terceiro de boa-fé, que, adquirindo do proprietário inscrito, goza da
proteção legal, ainda que sua aquisição tenha sido feita a non domínio.
Não se torna mister recapitular a controvérsia travada m torno da interpretação do
artigo 859 do Código Civil, que, dividindo os juristas, repercutiu nos julgados dos tribunais,
até que a jurisprudência se firmasse no sentido do seu alcance menor, graças ao império do
recurso extraordinário. 26 É que Soriano Neto, de uma vez por todas, já a recapitulou em
uma monografia deveras exemplar, pela objetividade, pela clareza, pela linguagem,
alinhando no seu texto, um a um, os argumentos expendidos pelos defensores do alcance

26 Ac. da 1.ª Turma do S.T.F. de 21/01/1946. In: Arq. Jud. v. 81, p. 204; Ac. da 2.ª Turma do S.T.F. de
20/12/1947. In: Arq. Jud. v. 86, p. 359; Ac. do Tribunal Pleno de 24/07/1950. In: Rev. For. v. 143, p. 113.
maior para os refutar afinal em uma crítica impecável, cuja procedência, no essencial, foi
lealmente reconhecida pelo autorizado porta-voz da doutrina combatida. 27
Ao desenvolvê-la, mostrou que os juristas apostados em atribuir àquele artigo e força
dupla de presunção juris tantum, entre as partes, e juris et jure, perante terceiro de boa-fé,
adquirente a título oneroso, se equivocavam ao supor que ele tenha essa força no Código
Civil Alemão do qual foi transladado para o nosso. Ali existem dois artigos diferentes para
cobrir toda a matéria, que aqui se pretendia cobrir somente com um deles: um, o § 891,
estabelece a presunção de verdade da inscrição, o outro, o § 892, a proteção do terceiro
adquirente de boa-fé.
Ao passo que o nosso Código Civil copiou o § 891 do Código Civil Alemão, deixou
de copiar o § 892, que ressalva a proteção do terceiro de boa-fé, ou, noutras palavras, a
proteção do tráfico. É esse segundo preceito, de indissimulável importância, que, na
linguagem registral, tem o nome de princípio de fé pública.
Após o encerramento da controvérsia, ela ressurgiu, no entanto, com a opinião
expendida pelo nosso tratadista de direito privado, em sua notável obra, segundo a qual não
;e do artigo 859 que deriva a fé pública e, pois, a proteção de terceiros: é do ofício do registro,
à semelhança do que se passa com os tabelionatos. Nessa conspícua opinião, a fé pública
protege qualquer terceiro adquirente, de boa ou de má-fé, a título oneroso ou gratuito, só não
protegendo os contratantes diretamente envolvidos no registro, mas a sua origem é cartorial.
28
Tal opinião, com a devida vênia, incorre no engano de assemelhar conceitos
diferentes, pois, se a fé pública dos cartórios assegura a autenticidade dos escritos deles (
escrituras, certidões etc. ), não assegura a autenticidade dos direitos constantes desses
escritos. Aplicada essa diferença ao cartório do registro de imóveis, aqui a fé pública
assegura haver a inscrição sido promovida pelo interessado, geralmente o adquirente do
direito real, mas não assegura que o direito sobre o qual ela versa pertença efetivamente ao
inculcado disponente, até porque isso contraria a letra expressa da presunção.
A menos que haja outra letra expressa para proteção excepcional do terceiro, este
ficará desamparado só com a presunção de natureza cadente, em face de regra da proteção do
direito subjetivo, da primeira da legitimidade sobre a aparência, Daí não poder confundir-se a
fé pública comum a todos os cartórios, de caráter formal, com o princípio de fé pública do
registro, de caráter Material, conforme já parecia advertir Nussbaum em nota sobre o
segundo. 29
Talvez tenha sido providencial o lapso em virtude do qual deixou de ingressar no
Código Civil o princípio de fé pública, pois então não existiam, como tampouco se
preparavam no texto, as condições necessárias para recebê-lo. Além da falta de cadastro dos
imóveis, e bem assim de qualquer iniciativa tendente a supri-la, como, por exemplo, a
exigência da planta com o título, não se providenciava, sequer, a organização de um livro
fundiário de folha privativa para cada imóvel, sem o qual seria temerário conceder proteção
às menções registrais, embora, para isso, a França não se satisfaça, por cautela com esses

27 NETO, Soriano. Publicidade material do direito imobiliário. Recife, 1940. Azevedo, Filadelfo. Reg. de
Imóveis (valor da transcrição). Rio. Ed. da Liv. Jacinto, 1942. n. 4, p. 9.
28 PONTES DE MIRANDA. Trat. de dir. priv. Rio, Ed. Borsol, v. 11, § 1.222, p. 237 e § 1.224, p. 249.
29 NUSSBAUM, Arthur. Derecho hip. al. (Fé pública do registro). p. 41, nota 1: "Por princípio de publicidade
formal costumava entender-se antes o caráter — limitado — de cartório público do Registro."
elemento mínimo, pois continua a exigir, nas comunas da Alsácia Lorena, que ele seja
conjugado com o cadastro. 30
Sem uma fórmula ampla de definição dos direitos inscritíveis pois o texto que faz as
suas vezes se atém à transmissão da propriedade e à constituição dos direitos reais, o Código
Civil deixa de fora a cessão e o gravame desses direitos, que no tráfico completam o ciclo das
mutações jurídico-reais. Ao deixá-los de fora enseja dúvidas que outros preceitos sobre a
cessão e o gravame alimentam, as quais só laboriosamente se dissipam à luz da disposição
regulamentar supletiva, que os chama para dentro do registro.
Essas deficiências não chegam, porém, a comprometer o préstimo de nosso registro,
que, apesar delas, apresenta uma estrutura sólida, cujas partes se sustentam reciprocamente.
A solidez do conjunto de deve à solidariedade das partes, que se armaram com observância
dos princípios básicos de um bom sistema de publicidade: de inscrição, de prioridade, de
legalidade, de especialidade, de presunção e de continuidade.
Esses designativos cobrem preceitos marcados por certo sentido, como os que
costumam classificar-se em capítulos, ordenam sob rótulos sucintos os traços fundamentais
do sistema imobiliários, não revestindo a natureza de princípios gerais de direito, fonte a
que recorre o juiz para decidir quando a lei é omissa. Apesar do emprego translato do termo
princípio, que, no plano lógico, tem índole axiomática, vale dizer, é evidente por se mesmo,
excluindo toda gênese dialética, 31 os designativos facilitam inegavelmente a
apresentação do sistema de nosso registro.
Aos princípios atrás indicados juntou-se ultimamente o de publicidade real, visto
como se supriu a falta do livro fundiário ao introduzir-se, na nova lei do registro, o chamado
"registro geral"( Lei n.º 6.015, de 1973, art. 176). A não ser essa, perduram as demais
deficiências, porquanto a nova lei não modificou o Direito Material do registro, mas apenas o
seu Direito Formal, isto é, o mecanismo pelo qual o primeiro se põe em movimento.
Aí está uma visão de conjunto de nosso sistema de registro, que, destinando-se a
recolher direitos reais incidentes sobre imóveis, tem estes últimos necessariamente como sua
base física. Ao se levarem a registro dos direitos titulados sobre imóveis, são estes, em ultima
análise, que ali são conduzidos, em sua descrição ou representação gráfica, a fim de que
dêem a dimensão terrestre daqueles. Dado o seu entrelaçamento, interessa perquirir quais são
precisamente os imóveis e os direitos registráveis.

30 Travaux de Refórme du Code Civil. Librairie du Recueli Sirey 1945-1946. p. 654.


31 São Tomás o define desta forma: Universales conceptiones quorum cognitio est nobis naturaliter insita, sunt
quasi semina quaedam omnium requentium cognitorum. Em vernáculo: as concepções universais, cujo
conhecimento possuímos naturalmente, são como certas sementes de todos os demais conhecimentos.
CAPÍTULO 3

IMÓVEIS REGISTRÁVEIS

1. Sujeição dos imóveis particulares. Exclusão dos direitos equiparados a


imóveis.

2. Limite trazido pelo módulo rural ou urbano.

3.Transição entre propriedade pública e a propriedade particular.

4.Minas como imóveis distintos do solo. Relações decorrentes do seu


encravamento.

5.Titularidade das minas. Sujeição aos registros imobiliário e


administrativo.

Chama-se imóvel, considerado independentemente de toda menção no registro, a um


espaço de limites determinados na superfície da terra. Quais sejam seus limites,
depreende-se da história de cada imóvel. 32 Esse imóvel por natureza, correspondente a uma
porção individualizada da superfície terrestre, é que constitui basicamente o objeto do
registro, conquanto se lhe tenha acrescentado a unidade isolada do edifício de apartamentos
(Cód. Civ., art. 43, I; Dec. n.º 5.481, de 1928, arts. 1.º e 3.º).
Todos os imóveis particulares são sujeitos ao registro. De acordo com o direito
imobiliário material, os imóveis só se adquirem ou só se oneram, nos atos entre vivos, pela
inscrição no registro. O ato causal, transmissivo ou onerativo, autoriza apenas, servindo-lhe
de suporte, a transmissão ou a oneração, Tanto uma como a outra, porém, somente surgem
com a inscrição no registro. Em suma, o registro tem como conteúdo a propriedade
particular.
Embora os imóveis particulares sejam sujeitos ao registro, este não era no nosso país
ordenado, como poderia parecer, segundo os imóveis, mas, devido a um desvio congênito,
segundo os direitos que recaiam sobre eles. Assim, tomado determinado imóvel, o direito de
propriedade e os direitos reais nele incidentes se achavam espalhados em diferentes livros,
entre os quais existia, todavia, um fio condutor, que é o indicador real.
A despeito de terem sido os direitos reais aparentemente tratados como se fossem
imóveis independentes, esse tratamento forçava tanto a natureza das coisas, que não
conseguia afastar do espírito das partes a imagem dos próprios imóveis, que é o que elas viam
em primeiro plano, posto em segundo divisassem os direitos neles incidentes. Daí a pertinaz
tentativa no sentido de ordenar-se o registro segundo os imóveis, afinal vitoriosa com a
adoção do chamado ―registro geral‖, em que cada um deles tem a sua matrícula, ao pé da qual
se lançam os respectivos direitos (Lei n.º 6.015, de 1973, arts. 173, II, e 176).
32 WOLFF, Martin. Derecho de casas. Barcelona, ed. Bosch, 1944 § 37, p. 196; cf. NUSSBAUM, A. Derecho
hip. al. Madrid, 1929,p. 1.
Ao nos referirmos a imóvel, temos em mente uma noção unitária, prefigurando o que,
fisicamente delimitado na superfície terrestre, se caracteriza pela continuidade da sua área.
Essa noção não pode ser perdida de vista, porque a continuidade da área do imóvel rural não
convém apenas à organização do registro, mas ainda à economia rural, pois, de um lado, traz
a diminuição de custos e, de outro, evita o minifúndio.
O requisito da continuidade da área do imóvel dita a proibição de anexações de glebas
que não sejam confinantes. Se um imóvel anexa uma gleba confinante, esta se lhe incorpora
e, se for independente, perde a sua individualidade. Se a gleba não for confinante, não lhe
pode ser anexada, em contrário ao preceito proibitivo do minifúndio, embora possa, caso
valha uma unidade econômica, ser erigida em imóvel independente. Na Espanha também a
anexação de glebas acha-se sujeita ao requisito da confinação ou unidade orgânica, imposta
pelo artigo 44 do regulamento hipotecário.33
Graças a essa disciplina, não só cessará a proliferação de minifúndios, pertencentes a
titulares múltiplos, como desaparecerá a desordenada dispersão de glebas, encabeçadas por
um único titular.
O registro acolhe apenas imóveis que o sejam por natureza ou acessão, isto é, imóveis
corpóreos, que, como tais, oferecem uma base física sobre a qual recaíam a propriedade e os
direitos reais, e não quaisquer direitos equiparados a imóveis. Somente os imóveis por
natureza e acessão, consistentes em sítios terrestres, apresentam a individuação condizente
com a sistemática do registro, que, pelo princípio da especialidade, lhes exige a
caracterização pelos limites e confrontações e, pelo da continuidade, a seriação por linhagem
das transmissões.
Assim que entrou em vigor o Código Civil, repontou por toda parte a tentativa de,
para garantia do cessionário contra dupla venda, obter a transcrição da venda ou cessão de
herança sob o fundamento de ser considerado imóvel o direito à sucessão aberta (Cód. Civ.,
art. 44, III). A tentativa falhou por não ser a herança um imóvel corpóreo, mas uma
universitas juris, composta de direitos e obrigações, móveis e imóveis. Se o próprio tronco,
de onde deriva a cessão, o direito à sucessão aberta, está isento de transcrição, por ser a
sucessão um modo autônomo de adquirir a propriedade (Cód. Civ., arts. 530, IV, e 1.572),
com mais forte razão há-de estar a sua derivação, que, no formalismo registral, teria também
posição dependente daquela.
Tanto mais inidônea era a tentativa quanto a herança ou sucessão, por seu cunho
inespecífico, não só pode deixar de incluir imóveis, compondo-se apenas de imóveis, como,
se os incluir, tê-los distribuídos em comarcas diversas ou circunscrições diferentes da mesma
comarca, tornando-se a transcrição, na primeira hipótese, inteiramente inútil e, na segunda,
de duvidosa competência cartorial. Por outro lado, ainda que abranja apenas imóveis situados
na comarca do inventário, podem eles deixar de tocar ao quinhão do cessionário do herdeiro,
hipótese em que, de novo, a transcrição deixaria de ter qualquer significado.
Daí ter ficado assentado, pela jurisprudência, que o registro não pode acolher a cessão
de herança por não ser esta um imóvel corpóreo, não se prestando, por conseguinte, à
observância dos princípios de especialidade, que exige os limites e confrontações do imóvel,
e de continuidade, que requer a ligação deste a outro determinado. De mais a mais, o
acolhimento redundaria, na melhor hipótese, em duplicata de registro, a saber, a da escritura
de cessão da herança e, terminado o inventário, o do formal de partilha com o quinhoamento
do imóvel. Ante a irregistrabilidade da cessão de herança, o cessionário, para garantir o seu

33 HEDEMANN, J. W. Derechos Reales. Madrid, ed. da Rev. de Derecho. Privado, v. 2, § 11, p. 87, nota.
direito, há-de procurar outro meio, que é ingressar imediatamente no inventário com a sua
escritura, se o processo lá estiver aberto, ou, em caso contrário, promover a sua abertura com
a faculdade que para tanto lhe assiste (Cód. de Proc. Civ., art. 988, n. v). 34
A semelhança do que acontece com a cessão, também não é registrável a renúncia de
herança, cujo objeto é uma universalidade, pelo que não se pode afirmar a priori que consiste
em imóvel, requisito indispensável para a transcrição do ato renunciativo. No entanto,
reiteradamente se insinuou em juízo ser essa formalidade indispensável para que a renúncia
de herança produza os seus efeitos, de sorte que, quando não cumprida, a renúncia não chega
a verificar-se (Cód. Civ., art. 589, § 1.º e art. 44, n. II).35
Além de desconhecer a natureza do registro imobiliário, essa argumentação empresta
à lei civil uma inteligência repelida pelo seu sistema. A renúncia a que o Código Civil, no art.
589, § 1.º, se refere é a renúncia de um imóvel feita por quem seja titular do domínio, da qual
o próprio Código prevê expressamente um caso, a saber, a renúncia do foreiro ao domínio
útil do prédio ( art. 687, al. 2.ª).
Ora, a renúncia de herança, pressupondo que o renunciante não chegue a adir,
pressupõe, por igual, que ele não chegue a ser titular de domínio, presumindo-se, pelo
contrário, completamente estranho à sucessão. 36 Se é completamente estranho à sucessão,
como poderá perder um direito, o direito à sucessão aberta (Cód. Civ. art. 44, n. IV). que não
chegou a adquirir?
No sistema da lei, a transcrição e o direito hereditário constituem dois modos distintos
e independentes de adquirir a propriedade imóvel (Cód. Civ., art. 530, n. I e IV ). Como, no
caso da renúncia, os herdeiros adquirem a propriedade renunciada diretamente do autor da
herança, isto é, pelo direito hereditário está visto que não dependerão mais, para o mesmo
fim, da transcrição, que o renunciante faça do ato renunciativo. No direito português e no
direito francês também assim se entende. 37
Esta última consideração, fundada da estraneidade do renunciante à sucessão, diz
respeito à renúncia pura e simples da herança, que importa em abstenção, sem se aplicar à
renúncia qualificada, em favor de um ou alguns herdeiros, que equivale substancialmente a
uma doação.38 A renúncia qualificada ou translativa implica a aceitação da herança, porque
só se transfere o que já está incorporado ao patrimônio do transferente, mas, não obstante, o
ato renunciativo é excluído também do registro por incompatibilidade com a natureza deste,
devendo ser levado diretamente ao processo de inventário do de cujus.
Aliás, os próprios imóveis por natureza não entram incondicionalmente no registro,
que rejeita, na zona rural, os insuscetíveis de exploração econômica e, na zona urbana, os
insuscetíveis de receber construção. Dessa forma, o Registro, acorde com a lei federal e com
a lei municipal, embarga os minifúndios rurais e urbanos vedados por uma e outra. Assim

34 GARCIA, Lisipo. A transcrição. Nota 2, p. 153 e 170. LOPES, Serpa. Registros públicos. 2. ed. Rio, v. 2, n.
2, p. 184; v. 3, n. 523, p. 275; SANTOS, Carvalho. Cód. Civ. Int., v. 7, int. do art. 532; AZEVEDO, Filadelfo.
Voto, in: Serpa Lopes, op. cit., v. 2, n. 235. p. 160-161; LOUREIRO, Waldemar. Registro da propriedade
imóvel. 5. ed. Rio, ed. da Rev. For., 1957, n. 120, 122, 123.
35 Esse foi precisamente um dos fundamentos invocados na ação de retratação de renúncia de herança de D.
Hipólita Maria de Menezes versus Maria e Ana corrida no foro de ituiutaba, MG, em 1930, havendo já então
sido articulados na contestação, a meu cargo, os argumentos aqui expendidos.
36 RAMALHO. Inst. Orph. 1874. p. 13; LAFAYETTE. Direito das causas, v. 1, nota 11 ao § 51.
37 MOREIRA, Alves. Inst. de Dir. Civ. Port., v. 1, p. 539; Planiol-Ripert. Traité. 4. ed. Paris, Ed. R. Pichon e R.
Durand Auzias, 1948, t. 1, n. 3.260.
38 BEVILÁQUA, Clóvis. Cód. Civ., com. ao art. 1.582; ALVES, João Luiz. Cód. Civ., com. ao art. 1.582.
contribui para o ordenamento imobiliário de uma e outra zona, prestigiando o seu
planejamento traduzido em lei.
A separação entre a zona urbana e a zona rural resulta da delimitação da primeira por
lei municipal, pois a segunda fica definida por exclusão. Como, porém, essa linha divisória
interessa tributariamente ao Município e à União, devido aos impostos predial do primeiro e
territorial da segunda, o Código Tributário Nacional ministrou os requisitos mínimos para
que a lei municipal conceitue a zona urbana, consistentes na existência de dois dentre os
cinco melhoramentos públicos que enumerou (Lei número 5.172, de 1966, art. 32).
O ordenamento imobiliário da zona rural já teria progredido bastante, assumindo
feição favorável ao desenvolvimento econômico e atalhando as campanhas emocionais que
se fazem em torno da chamada estrutura agrária, se os nossos juízes houvessem interpretado
os dispositivos do Código Civil referentes à divisão dos imóveis com o alcance a que deveras
se prestam . Se, além de firmarem essa interpretação na jurisprudência, houvessem eles
acertado em transportá-la, com apoio na identidade de razão, do campo da divisão do
condomínio e da herança para o da transmissão inter vivos, então provavelmente não haveria
hoje mais ensejo para a celeuma.
Eis, na verdade, os preceitos do Código Civil que regulam a divisão no condomínio e
na sucessão:
Art. 632. Quando a coisa for indivisível, ou se tornar, pela divisão,
imprópria ao seu destino, e os consortes não quiserem adjudicá-la
a um só, indenizando os outros, será vendida etc.

Art. 1.777. O imóvel que não couber no quinhão de um só


herdeiro, ou não admitir divisão cômoda, será vendido etc.

Ambos os preceitos condenam que, pela divisão ou pela partilha, se crie um imóvel
rural, que, pelo tamanho diminuto, se mostre ― impróprio ao seu destino ‖ ou ― incômodo de
explorar ‖ , por não oferecer condições que assegurem à atividade do seu dono renda
suficiente para o sustento próprio e da família. No entanto, esse imóvel ― impróprio‖ ou ―
incômodo‖, foi criado por toda parte, nas divisões e nas partilhas, em virtude da lei do menor
esforço, que, sobrepondo-se à lei civil, impediu funcionasse o final dos preceitos desta em
benefício de condôminos e de co-herdeiros.
Essa verificação me induziu a propor, em 1940. em artigo de revista especializada,
preceitos federais expressos, estatuindo que nenhum imóvel rural será desmembrado de
modo que daí resulte formar-se outro insuscetível de exploração econômica e caracterizando
este último como o incapaz de sustentar uma família. Ao lançar mais tarde esses preceitos no
projeto de lei agrária remetido pelo Governo ao Congresso em 1948, formulei o primeiro
deles com a maior generalidade, a fim de abranger todos os modos de desmembramento, e
não apenas a transmissão negocial. A inação do Poder Legislativo, porém, frustou a sua
transformação em lei naquela oportunidade, embora em outra reaparecesse com sérias
deformações, a menor das quais é certamente o batismo da unidade econômica com o
excogitado nome de ― módulo ‖ .
Assim, a idéia da unidade econômica rural, por mim lançada em mais de uma
semeadura, acabou frutificando, quando o chamado Estatuto da Terra a perfilhou, embora o
seu autor silenciasse sua origem, Ao deter em um corpus mínimo a fragmentação imobiliária
rural, instituindo a indivisibilidade jurídica em coisa fisicamente divisível, a fim de evitar a
formação indefinida de minifúndios, o Estatuto da Terra declarou que ―o imóvel rural não é
divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva do módulo de propriedade rural‖ (Lei
n.º 4.504, de 1964, art. 65).39
Essa extensão mínima, estabelece por um órgão central, é variável de região para
região, mas essa variabilidade não satisfaz, porque, dentro de uma mesma região, existem
imóveis compostos de duas, três e mais qualidades de solo em proporções distintas. A
diversificação de imóveis dentro de uma mesma região aconselharia a fórmula, por mim
originalmente preconizada , da consideração de cada um deles individualmente, no próprio
município onde situado, ficando a sua admissibilidade como unidade econômica sujeita ao
controle do Registro de Imóveis, que poderia impugná-la para o efeito de vistoria, levantando
a competente dúvida perante o Juiz.
Apesar da indicada desvantagem ter provocado reclamações e sugestões no sentido
de descentralizar-se para flexibilizar-se, a determinação do ―módulo rural‖, só muito tempo
depois surgiu uma tentativa de remediar os males da rígida fixação central Vazada na Lei n.º
5.868, de 12 de dezembro de 1972, essa tentativa não atinge o seu alvo, pois, após considerar
imóvel rural, para o fim de cobrança do imposto territorial, ―aquele que se destinar à
exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal ou agro-industrial e que, independentemente
de sua localização, tiver área superior a um hectare‖, desbobra várias possibilidades de
desmembramento, conforme a situação dos imóveis em zonas havidas como típicas,
ajuntando a válvula de segurança de poder o mínimo ou módulo de qualquer delas ser
diminuído por instrução especial do centro.
Diante dessa confusão, é lícito perguntar porque não se adota a fórmula simples,
sensata e segura , dado o controle judicial, por mim inserida no Projeto de Lei Agrária de
1948. Desapareceriam as marchas e contra-marchas das leis e instruções administrativas, as
demoras das consultas ao órgão administrativo central, as inquietações das partes
dependentes do arbítrio desse órgão, porque, na própria comarca da situação do imóvel, se
faria, cômoda e facilmente, a adaptação de cada caso concreto ao conceito de módulo rural.
Assim, subsiste, e deve subsistir, o módulo rural, cujo nome se incorporou afinal à
linguagem corrente, graças a força de penetração do imposto territorial, ao preceito
normativo das transmissões e ao emprego em outras leis de freqüente referência, mas deve
ser descentralizado o processo de sua determinação. Seja como for, o imóvel rural
insuscetível de exploração econômica não pode ser inscrito por força de dobrada proibição
legal: a do Código Civil e a da lei agrária. Quando o imóvel perde a condição de rural, seja
por haver sido incorporado à zona urbana na respectiva lei municipal, seja por lhe ter sido
dada destinação diversa, como a de escola, hospital, restaurante, posto de gasolina, então
desaparece a exigência do ―módulo‖.
Ao mínimo de superfície estabelecido pelo módulo rural estão subordinadas as ilhas
dos rios interiores, quando passarem à propriedade particular. Essas ilhas se acham
atualmente na propriedade pública, porque, sendo quase todos os rios públicos, as ilhas neles
existentes lhes seguem a condição jurídica. Dessas ilhas, as situadas nos rios que banham

39 Ao aparecer o Projeto do Estatuto da Terra, fui convidado a analisá-lo, concluindo então que o nome
impróprio cobre um conjunto de disposições censuráveis que envolve três erros capitais: a) um erro econômico,
que é a suposição de que a causa principal da versatilidade da nossa produção rural está na estrutura agrária,
quando somente pode estar no sistema de preços; b) um erro tributário, que é a transferência do imposto
territorial para a competência da União, quando se trata de um tributo tipicamente local; c) um erro político, que
é a concentração em um órgão administrativo da União de poderes antes pertencentes aos Municípios e aos
particulares. A análise foi publicada espaçadamente na seção econômica domingueira de um matutino (O
Jornal, de 25 de outubro , 1.º , 8, 15 e 22 de novembro de 1964).
mais de um Estado, embora notoriamente públicas, eram consideradas ora federais, ora
estaduais, 40 até que a Constituição do Brasil cortou ultimamente a dúvida, optando em favor
do domínio do Estado (Const. do Brasil, de 1967, art. 4.º, II, comb. com o art. 5.º ; Cf. Const.
de 1969).
Assim, as ilhas dos rios interiores, são geralmente estaduais, inclusive as dos rios que
banham mais de um Estado, cabendo, quando a corrente lhes servir de limite, àquela de cuja
margem estiver mais próximas (Código de Águas, art. 24, § 2.º; Cód. Civ., art. 537, n. II).
Como ilhas estaduais transferem-se à propriedade particular de acordo com as respectivas
leis de terras devolutas,que, na transferência, já agora, hão de observar o módulo fixado pela
lei federal. Quer isto dizer que, se as ilhas, como geralmente acontece, tiverem área inferior
ao módulo, não poderão ser vendidas indistintamente em hasta pública, mas terão de ser
necessariamente anexadas aos imóveis ribeirinhos, para o que as leis estaduais já oferecem
ensejo em preceitos que dão preferência aos proprietários contíguos, como este da lei
mineira:

Art. 24. Somente têm direito à compra preferencial,


independentemente de hasta pública:
......................................................................................................................

c) os proprietários de terrenos contíguos, que provarem, pelas condições de suas lavouras,


terem necessidade e meios de apro-
veitar a área pretendida. Lei Mineira n.º 550, de 20 de dezembro
de 1949, que dispõe sobre concessão de terras devolutas, art. 24.

Se, por estarem na propriedade pública, as ilhas não advêm aos imóveis ribeirinhos
propriamente por acessão, pelo menos se lhes incorporam como acrescências semelhantes às
da chamada investidura urbana. Eis aí como uma instituição administrativa até agora
circunscrita às cidades encontra uma nítida aplicação rural.
A propósito, não parece acertado estender a proibição de inscrição das transmissões
de propriedade submínima às outorgas de garantias, vedando o registro das que se constituam
sobre alíquotas do módulo rural, É que prevalece a tese da validade da hipoteca sobre parte
indivisa do imóvel, a que o Código Civil dá reforço, embora não visto pelos polemistas,
quando, para garantia da reposição, confere ao herdeiro hipoteca sobre o imóvel adjudicado
co-herdeiro reponente (Cód. Civ., art. 757, 2.ª parte; art. 827, VIII).
Quanto ao ordenamento imobiliário da zona urbana, cabe, não à iniciativa dos Juízes,
mas dos administradores, principalmente municipais, aos quais o Código Civil deixou um
campo vasto ao dispor que ―o proprietário pode levantar em seu terreno as construções que
lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos” (art. 572).
Esses regulamentos administrativos outra coisa não são senão as leis municipais,
outrora chamadas ―posturas municipais‖, que, obrigando o proprietário a requerer licença
para as construções, subordinam estas a condições de higiene, de estética, de comodidade, de
segurança. Dentre essas condições, uma das mais freqüentes está no limite mínimo dos
terrenos que vão receber as construções, visto como diz respeito simultaneamente à higiene,
à estética, à comodidade e à segurança. O terreno insuscetível de receber construção não
pode ser inscrito no Registro de Imóveis.

40 CARVALHO, Afranio de. Domínio das ilhas fluviais. In: Rev. de Dir. Adm., v. 36, p. 13 et seq.
Ao acolher apenas os imóveis particulares, deixando livres os imóveis públicos, o
registro tem em vista que a propriedade pública não necessita da proteção por ele oferecida,
por estar a salvo de atos jurídicos dos particulares. 41 Nada obsta, porém, que a
administração pública resolva futuramente subordinar todos os imóveis públicos ao Registro,
a fim de que este reflita a imagem completa do território do Pais. Essa fase provavelmente
será atingida mais adiante como natural decorrência do cadastro, do qual se pode dizer, como
já se disse da natureza, que tem horror ao vácuo...
Aliás, a administração federal já deu um passo nesse sentido ao mandar promover o
registro da propriedade dos bens imóveis da União, regulando o procedimento para isso. No
procedimento prevê-se que o título registrável será o decreto do Poder Executivo com a
descrição do imóvel e que o seu ingresso no livro independe do registro do título anterior.
Todavia, se o imóvel estiver inscrito em nome de outrem, o registrador levantará a dúvida
(Lei número 5.972, de 1973, arts. 1.º, 2.º e 3.º).
Dentre os imóveis da União merecem referência especial as terras devolutas, que os
Estados também possuem, e sobretudo os chamados terrenos de marinha, que se distinguem
pela peculiaridade de formarem um cinturão de propriedade nacional interposto entre a
propriedade particular e o oceano (Dec.-lei n.º 9.760, de 1946; cf. Dec. n.º 4.105, de 1968,
3.438, de 1941, 4.120, de 1942). Os terrenos de marinha consistem assim numa faixa que
acompanha a orla do mar com a largura de 33 metros, começando onde termina a praia, que
as marés médias cobrem no se fluxo e refluxo. Assim, os terrenos particulares não limitam
com o mar, mas com os terrenos de marinha adjacentes, que costumam ser concedidos pela a
União a interessados mediantes aforamento, em virtude do qual os foreiros adquirem o
domínio útil, ao passo que a União retém o domínio direto. Como a linha de testada dos
terrenos de marinha é a do preamar médio, a mudança constante dessa linha altera a
configuração dos imóveis praieiros, provocando questões dos foreiros com o Poder
concedente, quando não há oportuna fixação.
Ao contrário do que se dá na beira do mar, na beira dos rios não existe nenhuma faixa
de terreno público que lhes acompanhe o curso, mas apenas uma faixa de servidão pública,
isto é, da Administração, com a largura de 15 metros, começando onde termina a margem
interna dos rios, ou praias, que as enchentes médias ou ordinárias cobrem no seu fluxo e
refluxo. A servidão foi instituída pela Lei n.º 1.507, de 1867, em favor da Administração para
que esta melhor pudesse exercer o poder de polícia administrativo, destinado à defesa
periódica ou ocasional de interesses públicos, como os de desobstrução e limpeza dos rios, de
sustentação de seus álveos e barrancos contra a erosão, desmoronamento ou aterramento,
bem como de defesa de suas águas contra a poluição. Assim, os terrenos particulares limitam
diretamente com os rios, até onde chegam pastagens, lavouras e tapumes como tanto convém
à agricultura e à pecuária. 42
De parte essas observações sobre categorias de bens públicos, talvez não haja
temeridade em admitir, à vista de episódios atuais, que no futuro o Registro de Imóveis venha
a dar publicidade às mutações jurídico-reais tanto da propriedade particular, como da
propriedade pública, embora, no tocante à segunda, só sirva para facilitar trâmites

41 MAYER, Otto. Derecho adm. al. Buenos Aires, Ed. Depalma, 1951, t. III, § 36; NUSSBAUM, Arthur.
Derecho hip. al. Madrid, ed. da Rev. de Derecho Privado, 1929, p. 6; HEDEMANN, J. W. Derechos reales.
Madrid, ed. da Rev. de Derecho Privado, 1955, v. II, p. 89.
42 CARVALHO, Afranio de, As Margens dos Rios e os ―Terrenos Reservados‖, in Rev. de Dir. Imob., SP, n.º
3, p. 9-51, ou in Rev. de Dir. Adm., Rio, v. 133, p. 1-58.
administrativos na rotina das repartições, ao contrário do que acontece relativamente à
primeira, em que serve para criar ou extinguir direitos. A integração imprimirá ordem aos
assentos de ambas as propriedades, que disso se beneficiarão mutuamente.
Todavia, na passagem da propriedade pública para a particular ou desta para aquela
também se interpõe o Registro, uma vez que sem este não há aquisição nem perda da
propriedade particular. Assim os imóveis públicos que se transmitirem ao poder público
ficam sujeitos à inscrição no Registro.
No primeiro caso, porque os particulares só adquirem imóveis pela inscrição (Cód.
Civ., art. 530, I) e no segundo caso porque só perdem a propriedade particular igualmente
pela inscrição (Cód. Civ., art. 589, I). Aliás, no segundo caso, os particulares não podem
continuar a ter os imóveis inscritos em seu nome, depois de os transferirem ao poder público,
porque isso tornaria inexato o registro e ensejaria danos a terceiros que, de boa-fé, viessem a
adquiri-los a non domino.
No loteamento o particular perde a propriedade das ruas, praças e áreas destinadas a
serviços públicos na data do registro do memorial no cartório imobiliário, porque então esses
bens passam a integrar o domínio público do Município por força de preceito expresso de lei
(Lei n.º 6.766, de 1979, art. 22). Na primeira lei de loteamento esses bens ficavam gravados
de inalienabilidade para impedir-lhes a venda pelo loteador (Decreto-lei n.º 58, 1937, art. 3.º;
e seu regulamento n.º 3.079, de 1938, art. 3.º), mas a cláusula evoluiu para titularidade do
município, a cujo domínio se transmitem explicitamente ex lege, perdurando a
inalienabilidade, não mais como gravame, mas como atributo da propriedade pública. Assim,
está no registro do memorial pelo Registro de Imóveis, e não na aprovação do seu plano pela
Prefeitura, o momento da transmissão a esta das áreas reservadas para logradouros, porque,
antes disso, o loteador ainda pode desistir do loteamento.43
A regra concernente à transição de uma para outra propriedade não aparece ainda
formulada de maneira direta na legislação, embora, por se achar implícita nela, se colham
exemplos de sua aplicação em leis esparsas, como a Lei de Desapropriação, a lei de Terrenos
de Marinha e outras (Lei n. 3.365, de 1941, art. 29; Decreto-lei n.º 3.438, de 1941, art. 14 e
parágrafo único do art. 33). A bem da sistematização da matéria, convém a formulação direta
em lei, pois, por enquanto, só vem consignada parcimoniosamente na doutrina. 44
Além dessa regra unificar os casos avulsos de obrigatoriedade de inscrição da
passagem do imóvel da propriedade pública para a particular e desta para aquela, permitiria
um aditamento no sentido de estendê-lo ao caso em que o poder público, titular de um
imóvel, pretende uni-lo a outro ou outros de que é igualmente titular, mas inscritos no
Registro de Imóveis por lhe terem advindo por desapropriação. Conquanto essa inscrição não
tenha evidentemente efeito constitutivo, mas apenas declarativo, a sua conveniência prática
nem precisa ser realçada, de vez que é o próprio poder público que a sente e externa ao
requerer a formalidade, atraído irresistivelmente pela tendência à universalização do
Registro de imóveis.
Assim, por Decreto-lei de 1939 a União transferiu, por permuta, à antiga Prefeitura do
Distrito Federal, dentre outros imóveis, a área correspondente ao Morro do Santo Antônio, na
cidade do Rio de Janeiro. Posteriormente, o Estado da Guanabara , hoje cidade do Rio de

43 Cf. Ac. 3.º CC do TJSP, de 03.02.1977, in Rev. de Dir. imob., n.º 2, p. 100.
44 LAFAYETTE. Dir. das causas. Rio, Ed. Garnier, 1877, § 51, enumeração dos atos sujeitos à transcrição, n.
8, p. 144.
Janeiro, sucessor da antiga Prefeitura do Distrito Federal, adquiriu, por desapropriação,
imóveis situados junto ao citado Morro, que foram dessa maneira inscritos em seu nome.
Pretendendo, para o fim de reordenamento, anexar a área correspondente ao Morro de
Santo Antônio à dos imóveis desapropriados, e inscritos, o Estado requereu a inscrição
(transcrição) daquela em seu nome, juntando o Decreto-lei e, para atender ao requisito da
especialização, um memorial descritivo. O Registro de Imóveis vacilou em admitir a
inscrição (transcrição), tanto por ser desnecessária, em se tratando de imóvel pertencente ao
patrimônio público, como por omitir o título aquisitivo, o Decreto-lei, as característica e
confrontações do imóvel, fornecidos, fora do título, pelo memorial descritivo do adquirente.
Daí, a dúvida levantada perante o Juiz dos Registros Públicos, que reconheceu a
conveniência prática de submeter ao Registro de Imóveis uma área não constante dele, mas
que iria somar-se a outra dele constante para o fim de reordenamento. Todavia, exigiu que a
União, transmitente da área, confirmasse as características e confrontações não constantes do
título, para completa integração deste, mormente considerando que o Morro sofreu
desmonte.45
A mina constitui uma propriedade distinta do solo para o efeito de exploração ou
aproveitamento industrial, que depende de autorização ou concessão federal, assegurada ao
proprietário do solo a participação nos resultados da lavra (Const.do Brasil de 1967, emenda
de 1969, art. 168). Conquanto a Constituição uso dos termos para designar o título
habilitador da exploração, o Código de Mineração, separando as duas fases desta, serve-se do
primeiro para indicar o título da pesquisa, expedido por alvará do Ministro, e do segundo, o
título de lavra, baixado por decreto do Presidente da República. Após a autorização da
pesquisa e a realização e aprovação desta, o pesquisador, que não negociar em certo prazo o
seu direito à lavra, obtém a concessão desta, servindo o título da primeira para investi-lo de
uma expectativa que o da segunda converte em direito.
Tanto o solo como a mina são bens imóveis, mas, ao passo que a propriedade do solo
liga-se à estabilidade da sua substância, a propriedade da mina prende-se finalisticamente à
mobilidade dessa substância, isto é, à extração do minério, O título de concessão da mina,
nominalmente conferido como de concessão da sua lavra, outorga, pois, ao particular o
direito de explorá-la economicamente, vale dizer, de extrair dela um ou mais minerais
determinados.
Se bem que, para o efeito da exploração, a mina seja considerada propriedade distinta
da do solo, na verdade coexiste espacialmente com este, pois não passa da delimitação na
superfície do solo de uma área considerada mineira. É por meio dessa delimitação superficial
da área, lançada no título de concessão, que a mina ganha individualidade, separando-se da
propriedade do solo. Assim, a mina redunda, em última análise, num desmembramento da
propriedade do solo, que, além de corresponder uma diminuição real de tamanho, maior na
exploração comum a céu aberto e menor na de galeria, ainda lhe impõe servidões e prejuízos
decorrentes do seu encravamento.
Esse íntimo relacionamento com o imóvel particular circunjacente recomenda o
ingresso da mina no Registro de Imóveis, sem prejuízo do registro administrativo ligado à
origem do seu título, a bem da publicidade e da segurança dos direitos. De um lado, isso
45 A Lei Estadual n.º 1.574. de 11/12/1967, que estabelece normas para o desenvolvimento urbano, proíbe, no
artigo 25, o ―parcelamento ou remembramento‖ sem prévia autorização da repartição competente. Ao opor um
termo ao outro, emprega ―remembramento‖ no sentido de união de imóveis, que não lhe assenta, por ser um
substantivo derivado do verbo ―remembrar‖, forma antiquada de ―relembrar‖. No caso, a inscrição (transcrição)
foi requerida ao Cartório do 2.º Ofício do Registro de Imóveis do Rio de Janeiro.
permitirá a terceiros conhecer se o imóvel particular está ou não onerado com mina e,
portanto, inferir a sua dimensão correta e as suas qualidades verdadeiras, ao mesmo tempo
que fornecerá ao Juiz elementos para o cálculo da indenização devida ao seu dono por
ocupação do terreno por servidões (de passagem, de aqueduto etc.) e danos (deslizamentos de
terras, erosão etc.). De outro lado, evitará a superposição ou coincidência, total ou parcial, de
áreas minerais prestes a serem atribuídas a pessoas diversas, visto como no local é muito
mais fácil aferir pela realidade o extravio das medições.
Segundo a opinião corrente, o ingresso da mina do Registro de Imóveis deve dar-se,
averbando, à margem da transcrição do imóvel, tanto o alvará de pesquisa como o decreto de
lavra.46 A meu ver, convirá manter a averbação do alvará de pesquisa, embora esse assento,
ás vezes extensivo a vários imóveis, se balde freqüentemente por ser pequeno o número de
autorizações de pesquisa que se convertem em concessões de lavra. O que, porém, mais
importa é abrir uma inscrição autônoma para o decreto de lavra, porque a concessão da mina
redunda na outorga de um direito de propriedade imobiliária.
Atualmente a exploração mineira costuma ser perturbada, entorpecida ou paralisada
por numerosas questões que se travam, tanto na via administrativa como na judicial, em torno
de campos de minas que, total ou parcialmente, se superpõem. O Ministério das Minas e
Energia, por não ter meios técnicos de averiguar a colisão de direitos sobre os mesmos
campos, ou por quaisquer outros motivos, os admite a todos no seu registro administrativo. A
certa altura começam a surgir as reclamações administrativas ou as ações judiciais
declaratórias, cominatórias ou anulatórias contra a União.
Enquanto não se decidem umas e outras, o que notoriamente demora muito, a
exploração mineira fica paralisada ou é conduzida precisamente por aquele que, burlão e
enredador, conseguiu na via administrativa remeter o outro para a via judicial! Essa
calamidade mineira cessará quando se subordinar o ingresso da concessão de lavra no
registro administrativo do Ministério das Minas e Energia à prévia inscrição do campo de
mina no Registro de Imóveis da comarca, onde será fácil verificar a superposição de áreas
acaso existente com outro campo anteriormente concedido.
Tanto pelo, lado do imóvel particular como pelo lado da mina, importa assegurar a
preeminência do registro de imóveis articulando com ele o registro administrativo, a começar
da passagem prévia pelo primeiro do título de concessão que o segundo deve registrar.
Depende isso de reformulação do primeiro, ou de ambos, para o que não bastam as
disposições do anterior regulamento dos registros públicos, as quais, para maior clareza, são
reproduzidas em ordem diversa da sua numeração.

Art. 312. O registro de minas obedecerá às disposições do regulamento special,


expedido pelo Ministério da Agricultura, sem prejuízo do registro nos livros
comuns, na forma do disposto no livro V deste Decreto.

Art. 284. Serão averbadas, nas transcrições dos imóveis de que foram
desmembrados, quaisquer alienações, ou onerações, independentemente do solo, das
minas e das pedreiras, sempre remissões recíprocas, bem como da sua invenção e lavra.
(Decreto n.º 4.857, de 1939).

46 BEDRAN, Elias. A mineração à luz do direito brasileiro. Rio, Ed. Alba, 1957. v.I, n. 187.
A primeira disposição, de ordem geral, reconhecendo os dois registros paralelos,
estatui que as minas ingressarão normalmente no Registro de imóveis, mas nos livros
comuns, abrindo mão, portanto, dos livros especiais criados por lei para sua escrituração (Lei
n.º 4.265, de 1921, art. 12 e seu regul., art. 14). A segunda, de cunho específico, aludindo
realisticamente a alienações e onerações de minas como desmembramentos do solo, manda
que esses atos sejam averbados na transcrição dos imóveis, mas não prevê assentos
autônomos para as aquisições das minas, subentendidas no confuso final referente à sua
invenção e lavra. Embora certa corrente de opinião entenda que as minas se encontram na
propriedade pública, excepcionando apenas as manifestadas, a verdade é que nossa lei,
acompanhando aliás uma tendência generalizada, sujeitou-se inequivocamente ao Registro
de Imóveis.
Provavelmente não atentou nesta segunda circunstância, mas apenas na primeira, o
tratadista que excluiu, de plano, as minas do Registro de Imóveis, ressalvando somente as
manifestadas, por se acharem na propriedade particular. 47 Ainda que se admitisse serem as
minas bens públicos, teria havido no caso um alargamento da esfera do Registro de Imóveis,
justificado pelas razões atrás referidas, ligadas à interferência delas nos imóveis particulares.
Essas razões, que acodem a quantos acompanham a prática da mineração ou a consignam em
monografia, far-se-ão sentir mais extensamente doravante devido à criação de uma empresa
estatal, a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (C.P.R.M.), destinada a generalizar e
a acelerar a pesquisa em todo o território nacional para imprimir à mineração o máximo
desenvolvimento.
Ao invés de regular com precisão o ingresso das minas no Registro de Imóveis,
pressupondo a expedição dos seus títulos pelo órgão administrativo, a nova Lei n.º 6.015, de
1973, omite qualquer referência ao assunto, perdendo assim o ensejo de articulá-la
harmoniosamente, apesar das numerosas e constantes questões a que o seu desajustamento dá
lugar. Por sua vez, o Código de Mineração de 1967 só prevê o seu próprio registro
administrativo com os respectivos livros (art. 92), conquanto lance uma frágil ponte para o
Registro de Imóveis, conforme se infere destas passagens em que o traz à baila:

Art. 12. O direito de participação de que trata o artigo anterior não poderá
ser objeto de transferência ou caução separadamente do imóvel a que
corresponder, mas o proprietário deste poderá:
I — transferir ou caucionar o direito ao recebimento de
determina-
das prestações futuras:
II— renunciar ao direito.
Parágrafo único. Os atos enumerados neste artigo somente valerão contra
terceiros a partir de sua inscrição no Registro de Imóveis.
......................................................................................................................

Art. 15. Subsistirá a concessão, quanto aos direitos, obrigações, limitações


e efeitos dela decorrentes, quando o concessionário a alienar ou gravar, na
forma da lei.
§ 1.º Os atos de alienação ou oneração só terão validade depois de

47 LOPES, Serpa. Registros públicos. 2. ed. v. 2, n. 243, p. 175.


averbados no Livro-Registro das Concessões de lavra.
§ 2.º A concessão da lavra é indivisível e somente é transmissível a
quem for capaz de exercê-la de acordo com as disposições deste Código.

Art. 56. As dividas e gravames constituídos sobre a concessão resolvem-se


com a extinção desta, restando a ação pessoal contra o devedor. (Decreto-
lei n.º 277, de 1967).

Ao passo que, na primeira dessas passagens, introduz no Registro de Imóveis o


direito de participação do proprietário do solo que, por sua natureza pessoal, não lhe
pertence, nas duas outras parece retirar dele alienações e onerações que lhe pertencem. Se
estas últimas fossem averbadas no registro administrativo para validade ―perante a
administração‖, nada haveria a objetar. A indecisão prossegue quando se prevêem gravames,
não sobre a mina, que é bem imóvel, mas sobre a concessão, que é o seu título aquisitivo, para
o fim de resolvê-los, de envolta com as dúvidas, com a extinção da concessão, mas fazendo
renascer a ação pessoal de cobrança das dívidas... extintas.
Essa dubiedade provém da incerteza reinante acerca da natureza do direito do
concessionário, a qual até agora não chegou a dissipar-se, porque ainda não se armou uma
interpretação sistemática dos preceitos vigentes sobre as minas, tomando como ponto de
partida o texto constitucional que as conceitua desenganadamente como ―propriedade‖. Essa
propriedade, encoberta na do solo, somente se torna distinta da propriedade deste após
descobrir-se, no campo delimitado na sua superfície, um minério suscetível de exploração
econômica, pois só existe em função do aproveitamento industrial desse minério. Assim
revelada e caracterizada, a mina ganha em seguida individualidade, como propriedade
autônoma, mediante o ingresso no registro.
A pergunta sobre se essa propriedade é pública ou particular encontra resposta da
Constituição. A constituição não declara as minas bens da União nem nas disposições
preliminares, em que relacionou esses bens, nem no título concernente à ordem econômica e
social, em que as conceituou como propriedade distinta da do solo para o efeito de
exploração ou aproveitamento industrial (Const. do Brasil, de 1969, emenda da de 1967, arts.
4.º e 168). Se bem seja suficiente a falta dessa declaração para afastá-las do domínio da
União, aonde podem entrar, contudo, por outra via, o fato é que houve uma tentativa no
sentido de incluí-la no segundo texto que, sucessivamente repetido, constitui o artigo 168 da
Constituição atual, mas foi categórica e notoriamente repelida. Por outro lado, a dependência
de autorização ou concessão federal para essa exploração ou aproveitamento não basta para
torná-las bens da União. Essa dependência decorre do interesse de todos, e não só do Estado,
e faz nascer direito limitativo à propriedade privada. 48
Que se conclui daí? Daí se conclui que o texto constitucional vigente, armando o
Estado de um poder geral de inspeção sobre as minas, lhe outorga a faculdade de concedê-las
a quem preencha os requisitos por ele impostos no interesse geral. No nosso direito, a
exemplo do que acontece no alemão, a concessão não é a transferência de uma propriedade
de que o Estado fosse anteriormente titular, mas a criação por ato oficial de um direito de
exploração até então inexistente. Em suma, a propriedade mineira se adquire por
concessão. 49

48 PONTES DE MIRANDA. Trat. de dir. privado. Rio, Ed. Borsol, 1958. v. 20, § 2.475, p. 163.
49 WOLFF, Martin. Derecho de casas. Barcelona, Ed. Bosch. § 96, p. 585, 586 e 587.
Como se vê, a estrutura jurídica da concessão da mina assemelha-se à da concessão
da patente ao inventor, pois em ambos os casos existe uma pretensão contra o Estado
tendente à criação de um direito privado, a qual se concretiza afinal no respectivo título, de
propriedade mineira no primeiro caso e de propriedade industrial no segundo. Conforme
noção clássica, que a mudança eventual de palavras não altera, a concessão de uma patente de
invenção é atributiva da propriedade industrial . 50
A propriedade da mina, adquirida por concessão, confere um direito exclusivo à
lavra, no campo concedido, dos minerais indicados no documento de concessão.51 Surgida
com o título oficial, essa propriedade privada está sujeita a desaparecer com a exaustão do
minério ou com a nulidade ou caducidade da concessão, aliás rara. Tal contingência permite
que o intérprete se aproxime da natureza do direito do concessionário, enxergando nele uma
propriedade resolúvel. Com justiça, Pontes de Miranda acentua que há termo resilitivo à
propriedade das minas.52
Aliás, o primeiro Código de Minas do Brasil, de 1934, estatuíra que o direito de
concessionário de lavra é o de uma propriedade resolúvel (Decreto n.º 24.642, de 1934, art.
7.º), mas o segundo, de 1940, omitiu essa declaração (Decreto-lei n.º 1.985, de 1940), no que
foi imitado pelo vigente Código de Mineração (Decreto-lei n.º 277, de 1967). A omissão não
significa que o direito tenha deixado de ser uma propriedade resolúvel, mas, sim, que essa
ilação deve ser tirada pelo intérprete e não formulada pelo legislador. Tanto assim que, além
do nosso tratadista de direito privado, pronto em discernir esse ponto, juristas e juízes,
escrevendo em face do segundo Código de Minas, continuaram a sustentar que o
concessionário é titular de uma propriedade resolúvel. 53
Além de solidamente fundada, essa construção é a que convém à exploração mineira
no nosso país, pois permite à sociedade de mineração obter empréstimos sob hipoteca para
melhoramentos ou expansões dos seus serviços, liberando, ao mesmo tempo, a administração
pública da preocupação de intervir na avaliação do direito de lavra, quando tem de ser
incorporado ao capital da empresa. Atualmente, a mineração se acha inegavelmente tolhida
pela dificuldade de crédito, uma vez que se questiona sobre a admissibilidade da hipoteca de
minas sob o especioso fundamento de que, como bens públicos, são inalienáveis e não
podem, portanto, ser hipotecados. Ainda que improcedente, a dupla alegação de pertencer a
mina à União e de ser o direito do concessionário puramente pessoal suscita dúvida bastante
para afastar o crédito hipotecário, pelo que deve ser removida, tão depressa quanto possível,
por atos normativos emitidos em sentido contrário pela administração e pela firmeza desta
em seguir a diretriz adotada nesses atos.54

50 CARVALHO, Afrânio de. Inst. de dir. privado. Rio, Ed. Fundo de Cultura, 1967, n. 67, p. 100.
51 WOFF, Martin, op. cit., § 97, p. 592; HEDEMANN, J. W. Derecho reales. Madrid, Rio, Ed. da Rev. de
Derecho Privado. § 33, p. 317.
52 PONTES DE MIRANDA. Trat. de dir. privado. Rio, Borsol, 1958, v. 20, § 2.477, p. 270.
53 PONTES DE MIRANDA. Trat. de dir. priv. Rio, Ed. Borsol, 1958, v. 20, § 2.477; VIVÁQUA, Attílio. A
nova política do subsolo e o regime legal das minas. Rio, Ed. Panamericana, 1942. p. 574; CAMARGO, Laudo
de. Ac. do S.T.F. de 6/10/1948. In: Rev. de Dir. Adm. v. 21, p. 147; CAMPOS, Benjamim de (Consultor Jurídico
do Min. da Agricultura). Parecer. In: DOU de 21/6/1956, p. 12.168.
54 Nesse sentido concluiu a Prof.ª DORA MARTINS DE CARVALHO, da Universidade do Rio de Janeiro, em
felix comentário do assunto:― A propriedade das minas e os incentivos fiscais. “Que promessas de reinos e de
minas Douro, que lhes farás tão facilmente? (CAMÕES, Lusíadas, IV, 97). O extraordinário desenvolvimento
econômico, que ora se processa em nosso país, levou o Governo federal a cuidar mais atentamente das riquezas
minerais no quadro geral da economia brasileira. Essa tomada de posição pode ser bem apreendida não só pela
leitura das leis recentes sobre mineração, entre as quais as que concedem favores, benefícios e incentivos fiscais
Se a mina é bem imóvel que se adquire por concessão, o título desta deve ser inscrito
no Registro de Imóveis para consumar-se a aquisição, como igualmente o deve o título de sua
eventual hipoteca, ou outro gravame. Não me parece coerente reconhecer que a mina esteja
na propriedade privada e, ao mesmo tempo, admitir que a sua aquisição e a sua oneração se
realizem por inserção do título no registro administrativo, condescendendo em que este lhe

às suas empresas, como pela esperançosa frase do Presidente Médici de que ―...haveremos de revelar, nos anos
que hão de vir, por debaixo de nossos pés, a verdadeira dimensão de um novo Brasil.‖ Daí a nova importância
adquirida pelo direito de mineração, numa economia que a Constituição manda filiar à iniciativa privada, mas
que a legislação ordinária às vezes perturba com textos obscuros, a que alguns intérpretes emprestam um
sentido que mais lhes acode da ―curta alma enrodilhada em filosofia...‖. Se se reconhece que a mina se torna,
por concessão do Estado, propriedade privada, o direito de mineração, ou seja, o chamado direito de lavra, tem
natureza real e pode ser objeto de hipoteca, simplificando-se todas as questões que podem surgir nas relações da
empresa com terceiros e com o próprio Estado. Se, ao contrário, se obstina em afirmar que, a despeito da
concessão, a mina permanece exclusivamente, quand même, na propriedade pública, então o direito de lavra
tem natureza pessoal e não pode ser objeto de hipoteca, complicando-se todas as questões que nascem do
relacionamento da empresa com o público e com o Governo. Qual a opção interpretativa do atual Governo? A
julgar pela preocupação de escalada na indústria e na mineração, para o que é essencial desobstruir o caminho
do seu crédito, afastando dele o seu maior obstáculo, a negação da hipoteca da mina, a escolha não pode ser
outra a não ser a da primeira alternativa. Na verdade, envolveria uma contradição nos próprios termos pretender
o desenvolvimento da mineração por meio de sociedades particulares e, ao mesmo tempo, negar a estas a
possibilidade de garantia de seu crédito, com o imóvel que possuem. A título exemplificativo, vejam-se as
implicações, fiscais e contábeis, trazidas pela dubiedade e incerteza na definição do direito das minas quanto à
avaliação destes direitos: se pelo valor do mercado, a partir da concessão deles; se mediante a avaliação feita
pela própria empresa de mineração; se com base ou não na reserva etc. Não seriam indagações difíceis de
responder se o conceito central ou básico do assunto fosse expresso com clareza na legislação ou esta recebesse
uma exegese uniforme dos órgãos administrativos de modo a afastar o subjetivismo das soluções. Na confusão
opinativa atual, alguns chegam até a pensar que os incentivos fiscais criados em benefício de empresas de
mineração somente alcançam aquelas manifestadas antes da vigência da Constituição de 1934. Foi a partir dessa
Constituição que as minas passaram a constituir propriedade distinta da do solo, dependendo de concessão
governamental para a sua exploração ou aproveitamento industrial, dispondo a lei mais tarde serem elas bens
imóveis distintos do solo. Por ser a exploração das minas ou jazidas – nome alternativo das inexploradas –
dependente do Governo, formou-se uma corrente de opinião no sentido de que elas são de propriedade da
União. Como os incentivos fiscais estão estreitamente ligados à propriedade das minas, daí decorreu que
vieram a ser entendidos, dentro dessa linha de pensamento, como aplicáveis somente às empresas particulares
com direitos de propriedade de minas adquiridas antes da Constituição de 1934. Esse raciocínio não procede,
antes de tudo, porque as minas ou jazidas não se acham arroladas pela Constituição entre os bens de propriedade
da União, não havendo também qualquer outro dispositivo especial que lhes atribua essa titularidade. A verdade
é que as minas ou jazidas somente constituem propriedade distinta do solo, quando verificada a possibilidade de
seu aproveitamento ou exploração, a qual, como se sabe, se opera mediante a concessão do Governo. A
concessão não importa em transferência de propriedade, de que o Estado seja titular, mas em criação, por ato
oficial, de um direito de exploração até então inexistente, o qual se identifica com a propriedade particular das
minas. A propriedade particular das minas se adquire, portanto, por concessão, ainda que resolúvel, pois
limitada temporalmente pelo inelutável esgotamento do minério explorado depois de certo tempo. Enquanto
houver minério, porém, a propriedade é plena e o titular da concessão da mina poderá explorá-la, onerá-la,
transferi-la, negociá-la – usar, gozar e dispor. Esta parece ser a única conclusão compatível com a Constituição
do Brasil, com o seu sistema legislativo e – convém frisar – com o propósito do atual Governo de desenvolver
intensivamente a mineração. A admitir-se o contrário, o Brasil moderno – quase do ano 2000 – estaria
elaborando normas e favores fiscais para o passado... concedendo benefício a raros proprietários de minas, com
direitos de propriedade anteriores à Constituição de 1934. O Governo Federal não fez tão facilmente, como
parece a alguns, promessas de reinos e de minas, mas traçou sensatamente uma política de estímulo à iniciativa
privada, dentro do esquema do desenvolvimento econômico da nação. É preciso apenas que o cumprimento
dessas promessas seja facilitado por bons advogados, conhecedores do Direito e do vernáculo, que, no
assessoramento dos órgãos governamentais, acompanhem a linha de cumeada da legislação.‖ (Jornal do Brasil
de 11.12.1972).
imprima eficácia real, 55 mormente considerando que nem se acha aberto à consulta do
público. A solução natural esta na inscrição dos títulos de aquisição e oneração no Registro
de Imóveis, sem prejuízo da sua inserção posterior no registro administrativo para sua
validade ―perante a administração‖, interessada em verificar o cumprimento dos fins da
concessão, a exemplo do que se faz com a cessão hipotecário, levada ao primeiro registro
para surtir efeitos contra terceiros, mas ainda notificada especialmente ao devedor.
Não se invoque o precedente da propriedade industrial, que também se adquire e se
onera no registro administrativo, por quanto este se instituiu precisamente para recebê-la, por
não haver outro para esse fim. A propriedade da mina, que, repita-se constitui bem imóvel, já
encontrou para acolhê-la um registro específico de imóveis, pelo que não precisava e nem
precisa instituir um registro administrativo destinado à sua aquisição e oneração, conquanto
esse registro seja necessário para auxiliar a administração a fiscalizar os atos concernentes ao
exercício de um direito de propriedade que outorgou com cláusulas de resolubilidade. De
mais a mais, é questionável que a aquisição e oneração de imóveis perante o registro
administrativo nele ganhem eficácia real, sobretudo quando se considera que o próprio
Código de Mineração manda aplicar à propriedade mineira o direito comum, salvo as
restrições nele impostas, restrições essas que, pelo fato de o serem, precisam ser claras acerca
do registro competente, o que não acontece (Cód. Civ., art. 676; Dec.-lei n.º 277, de 1967, art.
83).
As dúvidas, que ainda perduram, se explicam pelo caráter peculiar do último estágio
da legislação mineira. A evolução do regime de minas mostra que no tempo da Colônia eram
bens da Coroa, no Império bens do domínio nacional e na República acessões do solo. 56
Cada uma dessas soluções apresentava absoluta nitidez. Quando, porém, apareceu outra
menos nítida, por não aparecer ostensivamente na face do texto da Constituição, mas se achar
subjacente nele, os exegetas se perturbaram, entendendo uns que as minas haviam passado ao
domínio da União, enquanto outros a mantinham no domínio privado.
Dentre os primeiros, alguns, em fase do suposto domínio da União, viram o investido
da concessão de lavra como titular de um direito real sui generis,57 ao passo que outros o
enxergaram como titular de mero direito pessoal. Dentre os últimos, acordes no domínio
privado, uns opinaram com vigor ser o proprietário do solo o titular inato da propriedade da
mina, o que redundava na permanência do regime acessionista, 58 enquanto outros,
reconhecendo a liberdade de sua escolha inerente ao regime de concessão, afirmaram ser ele
titular de uma propriedade resolúvel. Este último ponto de vista, que me parece o verdadeiro,
foi o que grangeou maior proselitismo.
Na verdade, a propriedade da mina, encravada na propriedade do solo, oferece
aspectos que sobremodo a singularizam, sem fazê-la perder, contudo, a categoria jurídica, já
que esta lhe advém da constituição. De um lado, ela se parece deveras com a propriedade
comum do solo, com a qual coexiste; de outro lado, ela se parece com o direito real limitado,
com o qual vem a emparelhar ao retrair-se.

55 PONTES DE MIRANDA. Trat. de Dir. priv. Rio, Ed. Borsol, 1958, v. 20, § 2.477, p. 171.
56 CALOGERAS. As minas do Brasil. Ed. da Imp. Nac. 1905, v. 3, p. 14, 59 passim; CARVALHO, Daniel de.
Pareceres. Belo Horizonte, Ed. da Imp. Oficial, 1919, p. 211 et. seq.
57 GUIMARÃES, Hanemann & NONATO, Orozimbo. Votos no Ac. do S.T.F. de 6.10.1948. In: Rev. de Dir.
Adm. v. 21, p. 147.
58 SILVA, Luciano Pereira da (Consultor jurídico do Ministério da Agricultura). A legislação sobre minas e
jazidas minerais e seus aspectos constitucionais. In: Rev. de Dir. Adm. v.3, p. 30 e 42.
De início, efetivamente, a propriedade da mina se define pelo assinalamento, na
superfície do solo, de um campo dentro do qual ela se confina. Esse campo é evidentemente
subtraído da propriedade do solo para constituir propriedade distinta dele, enquanto dura a
exploração mineira, vale dizer, enquanto existe no campo minério a ser extraído
economicamente.
Cessada, porém, a exploração pelo esgotamento do minério, cessa também a
propriedade da mina pela simples razão de que esta deixou de existir. Se não mais existe a
mina, não mais pode existir, por falta do objeto, a propriedade que sobre ela recaia. Resta ao
antigo titular dela o direito de levantar a maquinaria e as instalações que serviram para o seu
aproveitamento industrial.
Nesta altura, porém, isto é, no fim da propriedade mineira, o respectivo campo
reincorpora-se à propriedade do solo, volta a essa propriedade de que virtualmente se
desprendera, justamente como se se tratasse de um direito real que se extinguisse. A
elasticidade da propriedade do solo funciona, chamando a si a outra, que se destacara
temporariamente, a fim de apresentar-se de novo em sua plenitude.
Diante das condições expostas, qual é o tratamento registral adequado à mina? O
antigo regulamento do Registro de Imóveis e o Código de Mineração se abstiveram
visivelmente de enfrentar essa questão, cuja dificuldade era maior no sistema de folha
coletiva, anteriormente usado no país, do que no de folha individual, que o substituiu. Ao
adotar esta última no ―registro geral‖, a nova lei também se absteve pelo que subsiste o
interesse de averiguar se convém abrir para a mina uma folha privativa ou fazer os seus
assentos na folha da propriedade do solo.
No registro imobiliário alemão, prevalece a primeira solução, isto é, dedica-se a cada
mina uma folha especial, o que facilmente
CAPÍTULO 4

IMÓVEIS EM CONDOMINIO
1.Espécie de condominio. Problemas no Registro de Imóveis.

2.Condominio de terras. Venda de parte indivisa e de parte divisa.

3.Indivisibilidade. Módulo rural e módulo urbano. Indivisibilidade


natural.

4.Condomínio de edifício. Condomínio posterior à construção.

5.Condomínio de muro divisório. Relevância na especialização e na


vistoria.

Os imóveis particulares estão ordinariamente em propriedade individual,


pertencendo cada um deles a uma só pessoa, mas também podem achar-se em
co-propriedade, pertencendo cada um deles a uma pluralidade de pessoas, em condomínio.
Contudo, a segunda situação tem, em regra, caráter transitório, tendendo sempre a assumir a
feição da primeira. Ao concretizar-se, essa tendência implica uma mudança na configuração
do imóvel sobre o qual se exercia o condomínio, pois ele se transforma em tantos outros
imóveis quantos são os condôminios, cada um deles com a sua figura própria.
O condomínio existe quando o domínio tem mais de um titular, sem que nenhum
assuma o senhorio da coisa por inteiro, porque cada qual só se arroga uma parte ideal dela,
não delimitada ín natura, presente apenas na representação mental. Essa pluralidade de
titulares ocorre em situações diversas, que configuram três espécies de condomínio:
condomínio de coisa divisível, condomínio de coisa indivisível, condomínio de edifício
conjugado com domínio individual de unidade autônoma deste, do qual é modalidade a
titularidade múltipla, por quota ideal, da mesma unidade autônoma, para uso alternado. Ao
passo que as duas primeiras situações, reuníveis num conceito puro, correspondem ao
condomínio tradicional, a terceira, inserível num conceito misto, liga-se a um tipo de
condomínio moderno, que, a partir do anteprojeto do novo Código Civil, começou a ser
chamado de edilício.
O condomínio adquire maior importância quando recai sobre imóveis, que além de
serem os objetos mais freqüentes da duas primeiras espécies, aparecem como os únicos da
terceira, Sob a forma pura ou tradicional, é encontradiço no interior, incidindo tanto sobre
terras rurais fisicamente divisíveis, como sobre casas urbanas fisicamente indivisíveis. Sob a
forma mista, também o é nas grandes cidades, onde se desenvolve cada vez mais o
condomínio edilício, em que se acoplam a propriedade comum ou coletiva do solo e
dependências utilizáveis por todos os moradores e a propriedade individual de cada unidade
autônoma, explicando-se a preferência urbana por várias razões, entre as quais o alto preço
dos terrenos e a vantagem de poder o morador ficar mais próximo do seu local de trabalho.
Contudo, ainda se apresenta relativamente rara a modalidade do condomínio que se designa
às vezes como hoteleiro, em que o direito de uso de cada titular de unidade autônoma se
restringe pelo uso alternado de outro titular.
No condomínio tradicional, que é o ordinário, a regra está na sua temparariedade,
pois tem a vocação de extinguir-se. Quando a coisa é naturamente divisível, pode terminar,
em qualquer tempo, pela divisão, que atribui a cada um dos consortes uma parte certa e
determinada. Quando a coisa é naturalmente indivisível, deve terminar pela venda, a menos
que um dos consortes a queira para si, indenizando os outros a aprazimento destes (Cód. Civ.,
arts. 629 e 632; Cód. de proc. Civ., art. 1.117, II). Apesar da transitoriedade conceitual desse
condomínio, pode ele tornar-se excepcionalmente duradouro, desde que os consortes
combinem uma forma adequada de administração.
No condomínio edilício, ao contrário, a regra está na sua perpetuidade, visto como se
constitui precisamente para que, a todo tempo, possam os consortes contar com tudo quanto
ajustaram como de uso comum, por lhes ser isso indispensável para exercer o direito de
propriedade individual que lhes toca nas unidades autônomas. Cada uma destas recebe
individuação numérica ou alfabética, corresponde a uma quota ou fração ideal do terreno e
das coisas em comum, tem acesso à via pública e é legalmente inseparável do condomínio. A
coexistência permanente e inseparável das duas propriedades é assegurada por uma
convenção de condomínio, em que os titulares de unidades autônomas regulam as respectivas
relações com um direito de vizinhança especial, em que as normas de direito civil se
completam com outras da liberdade contratual.
Essas espécies de condomínio fazem surgir vários problemas no Registro de imóveis,
que merecem ser aqui recapitulados, a fim de que, ao irromperem, não surpreendam os
cartórios. Sob o pressuposto de que não é possivel esgotá-los, já que a realidade dos casos
concretos execede sempre qualquer previsão, aqui se alinham apenas alguns deles,
selecionados pela assiduidade do seu aparecimento.
O condomínio ordinário tem sua fonte mais copiosa na partilha quando, em
pagamento da herança, atribui aos herdeiros partes de imóvel, definindo o quinhão de cada
um deles por uma fração aritmética. Ao dar aos quinhões essa expressão numérica, a partilha
se caracteriza como semidivisória, porque não faz cessar completamente a indivisão
hereditária, exigindo ainda a concretização daqueles no terreno mediante o processo de
divisão e demarcação. Esse segundo estágio costuma demorar consideravelmente.
Assim, após a matrícula do imóvel em nome do de cujus, o que se lança no livro de
registro geral é a inscrição da sentença de partilha, ainda que meramente aritmética. Essa
partilha, por não ter expressão geodésica, institui, na verdade, um condomínio entre os
herdeiros pela distribuição do imóvel entre eles, ainda que antecipe a alíquota que deve tocar
a cada qual. Enquanto dura, o estado de comunhão não impede que recaiam sobre o imóvel
sucessivos negócios entabulados pelos herdeiros, que freqüentemente efetuam a venda de
suas partes indivisas, como menos freqüentemente se lançam à venda de partes divisas.
Trata-se de saber qual o tratamento registral a ser dispensado às diferentes hipóteses
suscetíveis de surgir em uma e outra modalidade de venda.
Quando a venda versa sobre parte indivisa, isto é, declarada em comum com outros,
dentro de um todo que se descreve no título, pode ser efetuada tranqüilamente, porque
importa em simples substituição de um condômino por outro. O cartório do registro deve
aceitá-la e inscrevê-la na mesma folha como exercício do direito que assiste a todo
condôminio de ―alhear a respectiva parte indivisa ou gravá-la‖(Cód. Civ., art. 623, III).
Quando, no entanto, versa sobre parte divisa, isto é, fisicamente determinada do
imóvel em comum, parte essa que se descreve no título juntamente com o todo remanescente
do qual se destaca, cumpre ao cartório do Registro averiguar rigorosamente se, respeitado o
módulo, tem, ou não, a anuência dos demais condôminos. Conforme tenha essa anuência, ou
dela careça, o tratamento registral difere.
Se a venda de parte divisa do imóvel em comum se faz com o consentimento dos
demais condôminos, merece ser recebida como válida, porque se opera uma divisão parcial
amigável ao destacar-se a parte vendida, cuja área se debita ao quinhão do vendedor para ser
levada em conta na futura divisão do remanescente. 59 Nesse caso de desmembramento do
todo condominial descrevem-se tanto a parte vendida como a remanescente, a fim de abrir-se
a matricula da primeira, enquanto se faz a averbação da segunda com o seu novo perímetro.
Aí a compra e venda conjuga-se com um ato divisório entre vivos também registrável (art.
167, I, n.º 23).
Se, ao contrário, a venda de parte divisa do imóvel em comum se realiza sem o
consentimento dos demais condôminos, desqualifica-se para ingressar do Registro, porque,
dependente de prévia divisão, carece de corpo certo definitivo. Não pode ser recebida como
venda de parte ideal, porque, de um lado, a inscrição há de guardar fidelidade ao título e, de
outro, o teor deste impõe a abertura de matrícula. A re-ratificação do título torna-se
imperiosa. 60 A opinião no sentido de que a venda, apesar dos seus termos, valha com sujeita
a condição resolutiva enquanto não se proceder à divisão acha-se assim em antagonismo com
os princípios registrais, que levam a repeli-la, por mais acatados que sejam os juristas que a
sustentam.61
Se, um a um, todos os condôminos do imóvel efetuarem vendas de partes divisas,
exaurindo a área original do todo, então, com a última venda, encerra-se a matricula matriz,
que se achará substituída pelas matrículas dos imóveis menores que dela sucessivamente se
desprenderam. Somadas as áreas parciais destas, recompõem a área total daquela, do mesmo
modo que, reunidas, as frações de uma unidade a integram novamente.
Quando a venda recal sobre gleba formada de partes destacadas de dois imóveis
contíguos em comum, cada um dos quais sofre assim um desmembramento, duplica-se
necessariamente o formalismo exigido para a venda de parte divisa tirada de um só imóvel
em comum. Nessa conformidade, além da descrição da gleba vendida, o instrumento deve
trazer, em relação a cada um dos imóveis a menção da área dele destacada, bem como a
descrição dela e da remanescente, a fim de se possibilitar a matrícula do imóvel adveniente e
a averbação do desmembramento e da nova configuração dos imóveis antigos.
Não me parece acertado suprir a falta de menção da área destacada de cada um deles
pela unificação registral de ambos, pois não é lícito infligir aos dois grupos de comunheiros
dos imóveis antigos uma nova comunhão, superposta à anterior, misturando uns e outros
condôminos. Dada a natureza provisória do condomínio ordinário, cuja extinção constitui
alvo legal, torna-se incivil, por não resultar nem daa lei nem da vontade das partes, criá-lo no
topo de dois outros preexistentes para facilitar a escrituração do livro do registro geral. É que

59 LAFAYETTE. Dir. das Cousas, Ed. Garnier, Rio, 1877, v. 1.º, § 30; Washington de Barros Monteiro, Dir.
das coisas, p. 198; Wilson Batalha, Registros Públicos, Ed. Forense, Rio, 1977, v. 2.º p. 681; ac. do Cons. Sup.
da Magist. de S. Paulo de 29.11.1974 na Rev. do Inst. de Reg. Imobiliário, S. Paulo, 1974, v. 2.º, p.34; cf. Rev.
dos Trib., v. 461, p. 108.
60 Ac. do Cons. de Magist. de S. Paulo de 19.11.1974 na Rev. de Inst. de Reg. Imbiliário, S. Paulo, 1974, v. 2.º,
p. 84; ac. da 1.ª T. do STF de 23. 8. 1974 na Rev. cit., v. 3.º, p. 107.
61 MENDES PIMENTEL na Rev. For., v. 52, p. 296; WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, Direito
das Coisas, 5.ª ed., Ed. Saraiva, S. Paulo, 1963, p. 264; SERPA LOPES, Registros Públicos, v. 3.º, n.º 527, p.
283; CARVALHO SANTOS, Cód. Civ. Int., v. 3.º, p. 296.
no futuro isso dificultará ainda mais a divisão entre os condôminos, mormente considerando
que cada um dos imóveis em condomínio tem a sua própria filiação, diferente da do outro.
No caso de imóveis urbanos, ou loteados, a admissão de qualquer destaque do
reordenamento62 dos lotes pela Prefeitura, isto é, da nova configuração que esta lhes dê
oficialmente. Tanto no destaque como na união de lotes, esta geralmente necessária para
obter-se o lote maior adequado ao edifício de apartamentos, é exigível a prévia aprovação da
Prefeitura para o novo tamanhodo lote ou lotes reordenados, designada no Rio de Janeiro
pelas iniciais P.A.( projeto aprovado) . Se os lotes unidos para a construção de um edifício
pertecem a donos diversos, torna-se ainda exigível a instituição de um condomínio por
escritura pública para o fim da matrícula do terreno unificado.
A indivisibilidade dos bens, que tanto pode ser natural, decorrente de causa interna,
acarretadora de alteração de sua substância, como jurídica, derivada de causa externa
acautelada pela lei ou pela vontade das partes (Cód. Civ., art 53). atinge os imóveis sob a
segunda dessas modalidades. A indivisibilidade jurídica adere aos imóveis, quer no caso da
herança, quer no do módulo rural, no primeiro por motivo de ordem processual, no segundo
por motivo de ordem econômica.
Ao preceituar a indivisibilidade da herança até a partilha (Cód. Civ., art. 1.580), a lei
considera que em regra ela consiste num patrimônio, composto de móveis e imóveis, e às
vezes se reduz a nada, desde que o espólio não chegue para o pagamento das dívidas. Daí
vedar que qualquer herdeiro destaque um imóvel como objeto de venda, pois a sua parte ideal
paira sobre toda a herança e pode até deixar de concretizar-se em imóvel. Ao oposto do que
acontece no condomínio, em que se admite a venda de parte fisicamente determinada com a
anuência dos demais consortes, isso não pode dar-se na comunhão da herança pela razão
indicada. Ao mesmo tempo que o Registro nega ingresso a essa abusiva especialização para
venda, também o nega à venda ou cessão indiscriminada da herança por falta de
especialização.
Analogamente, ao estatuir a indivisibilidade do môdulo rural, a lei tem por fim deter a
fragmentação imobiliária num tamanho mínimo de imóvel abaixo do qual este não daria
produção econômica. Ainda que o imóvel seja naturalmente disivível, deixa de sê-lo ao
verificar-se que a divisão lhe arrebata o predicado finalístico de servir à produção econômica,
tornando-se, em vista disso, juridicamente indivisível. Essa indivisibilidade já está latente ou
larvada nas disposições do Código Civil que só admitem que o imóvel sofra divisão quando
esta não o torne impróprio ao seu destino ou incômodo de explorar, vedando-a, por
conseguinte, se acarretar a impropriedade ou o incômodo da exploração (arts. 632 e 1.777).
Todavia, os juízes, por timidez ou qualquer outra razão, não tiraram dessas
disposições a conseqüência nelas subjacente, a saber, o embargo de toda divisão incômoda,
ocasionadora do aparecimento de um ou mais imóveis insuscetíveis de exploração
econômica. As partilhas se faziam pela distribuição de quinhões que, pelo seu diminuto
tamanho, não podiam sequer proporcionar aos quinhoeiros o sustento, menos ainda
deixar-lhes sobra para o mercado. Diante dessa insuficiência, que os induzia muita vez a
abandonar os minifúndios, primeiramente sugeri em 1940, numa revista especializada,
depois articulei em 1947, no anteprojeto de Lei Agrária, um preceito terminante para fazer

62 "Reordenamento" é um vocábulo apropriado para designar a distribuição em novos tamanhos de terrenos


encerrados em certo perimetro, urbano ou loteado, o que se confirma pelo seu emprego para esse fim na
epigrafe e no contexto de uma das seções do título do Código Civil italiano dedicado à propriedade fundiária
(arts. 846-856).
respeitar o pensamento encoberto da lei civil: — nenhum imóvel rural será desmembrado de
modo que daí resulte formar-se outro insuscetível de exploração econômica.
Ao apropriar-se desse preceito, o chamado Estatuto da Terra fê-lo desajeitadamente,
com a mesma imperícia que celebrizou todo o seu contexto, chegando ao extremo de, por
desconhecimento das regras de capitulação da matéria legal, lançá-lo num capítulo dedicado
à colonização (Lei n.º 4.504, de 1964, art. 65). Devido a essa subordinação capitular, surgiu o
entendimento de que o preceito se aplica somente aos terrenos sujeitos ao regime de
colonização, aos lotes coloniais, quando o seu intento era abranger todos os imóveis rurais
existentes no país, como um comando genérico e não específico. Tomando-o como fonte, lei
posterior tentou dar-lhe o sentido de ordem geral, mas ainda de maneira canhestra, aludindo a
"transmissão a qualquer título" (Dec.-Lei n.º 57, de 1966, art. 11) até que outra subsqüente,
instituidora de um burocrático.
A marcha formalística desse memorial no cartório do Registro de Imóveis segue estes
trâmites: 1. prenotação do memorial no Livro de Protocolo; 2. exame da legalidade do
memorial; 3. transcrição do memorial no Registro Auxiliar e do extrato no livro indice; 4.
transcrição da convenção de condomínio no Registro Auxiliar e averbação das alterações
nesse Registro; 5. inscrição das promessas de venda (registro) e das vendas definitivas
(matricula) de apartamentos no Registro Geral; 6. averbação da construção do edifício e da
numeração dos apartamentos no Registro Geral após o "habite-se"( incorporador, construtor
ou adquirente).
Dentre os trâmites acima referidos, o mais demorado é naturalmente o exame da
legalidade do memorial, em cujo curso cumpre verificar primeiramente se ele está instruído
com a documentação legalmente exigida, relativa ao terreno, ao edifício, aos promoventes da
construção e aos adquirentes de suas unidades autônomas, os últimos dos quais adstritos ao
dever de assinar a peça essencial para a existência do novo tipo de propriedade mista, a
convenção de condomínio. Segue-se o exame, um a um, de todos os documentos que o
instruem para aferir a sua conformidade com a lei, relevando apurar, por dizer respeito à
legitimação do sujeito, se o incorporador é titular de direito sobre o terreno ou construtor com
mandato do titular (Lei n.º 4.591, de 1964, art. 31). No tocante ao objeto, incumbe sobretudo
conferir três pontos, a saber, se a descrição do terreno no memorial coincide com a constante
do registro, se, preexistindo nele algum prédio, foi averbada a demolição e se, provindo da
junção de dois ou mais terrenos, contiguos, foi efetuada a união registral destes mediante a
fusão das respectivas matrículas.
Dos documentos instrutivos do memorial, as certidões de ações cíveis, relativas ao
imóvel, ao alienante do terreno e ao incorporador precisam ser cuidadosamente lidas, a fim
de que não passe em branco a omissão eventual da sua natureza, que pode ser tal que impeça
o registro da incorporação. Assim acontece com a executiva, em que haja sido penhorado o
terreno onde se pretende erguer o edifício, e com a reivindicatória desse terreno ou de faixa
dele. Às vezes um negócio de faixa de terreno, celebrado entre dois vizinhos, por não se
formalizar adequadamente, ocasiona depois uma ação reivindicatória de um deles contra o
outro, a qual, denunciada em certidão, susta a incorporação sobrevinda no terreno deste,
conforme o ocorrido na espécie abaixo exposta.
Ao ser examinado o memorial de incorporação de um edifício na rua A, verificou-se
haver, contra o proprietário e incorporador, uma ação reivindicatória movida pelo
condomínio de outro na rua transversal B, referente a uma faixa de solo localizada no fundo
do primeiro terreno, aí limitrofe com o segundo. Essa faixa fora anexada ao terreno da rua A
em virtude de vistoria administrativa com a concordância do então síndico do condomínio da
rua B, retirada pelo seu sucessor por achar irregular a anexação, que tampouco ingressara no
Registro de Imóveis para modificar o perimetro do terreno da rua B.
Embora, na incorporação do edíficio da rua A, o proprietário e incorporador, de posse
da faixa, se obrigasse a devolvê-la, ou a indenizar o confinante, conforme o resultado de
ação, o cartório exigiu a alteração do projeto para que ela ficasse livre de qualquer construção
e bem assim a inserção em todos os instrumentos subseqüentes de mandato ao incorporador
para cumprir a setença futura. Além disso, levantou preventivamente a dúvida, a fim de que o
incorporador, a financiadora e a corretora, que iriam investir grande soma em publicidade,
ficassem resguardados de possivel requerimento do Autor ao Juízo dos Registros Públicos no
sentido do cancelamento do memorial.
Nenhum dos documentos, porém, reclama maior vigilância do que a minuta de
conveção de condomínio, cujas cláusulas regularão as relações dos futuros donos ou
moradores do edifício. Em primeiro lugar, essa vigilância incidirá sobre a discriminação dos
apartamentos, de sua áreas e das correspondentes frações de terrenos, assim como sobre a
menção daqueles que têm vagas na garagem e as frações de terreno destas para confirmar a
exatidão dos enunciados e das vinculações entre apartamentos e vagas. Repetida a operação
no tocante às áreas das partes comuns, a soma do que é de propriedade individual e do que é
de propriedade condominial deverá dar a área total do edifício. A freqüencia com que o
incorporador vende mais vagas de garagem do que aquelas que o espaço do subsolo
comporta justifica que o cartório exija a planta deste, assinada por profissional habilitado,
com a menção expressa da área livre, isto é, excluidas as colunas e outros obstáculos à
circulação, ao invés de contentar-se com a simples declaração dele, acompanhada às vezes de
uma planta vazia (Lei n.º 4.591, de 1964, art. 32, letra "p").
Em segundo lugar, recairá sobre o teor das cláusulas minutadas, entre as quais se
insinuam não raro algumas abusivas, outras denunciadoras de favorecimento de um ou mais
candidatos encobertos para o público, mas já aprazados com o incorporador, umas e outras
tendo geralmente como objeto a cobertura, o andar térreo ou o terreno circundante. Entre as
cláusulas incabíveis, a prática já assinalou aquela em que o incorporador se reserva o direito
de explorar permanentemente a cobertura e as paredes laterais com anúncios comerciais.
Essa cláusula viola frontalmente a lei, que, instituindo a indivisibilidade e a inalienabilidade
do terreno, bem como de todas as partes de uso comum, proíbe implicitamente que estas
sejam oneradas com o usufruto em benefício do incorporador ou de outrem (Lei n.º 4.591, de
1964, art. 3.º).
A administração do condomínio, composta de três órgãos, um executivo, o síndico,
um consultivo, o conselho, e um deliberativo, a assembléia geral, prevista com suas
atribuições na lei, desdobra-se freqüentemente na convenção. Quanto ao síndico, é eleito em
assembléia geral dos condôminos, em que um deles representa às vezes a quase totalidade, o
que dá azo a indefinida permanência daquele na função, por força de reeleições sucessivas,
garantidas pela posse documental do quarum exigido. 63 não parecendo legal limitar o
número de procurações a um condômino para representação em assembléia, a saída da
situação indesejável estará em limitar convencionalmente a reeleição a dois ou três períodos
consecutivos. Relativamente ao conselho consultivo, pode ter três membros efetivos e três
suplentes, embora, a lei não preveja a suplência, tornando-se isso vantajoso em um edifício

63 Aí aparece um condômino controlador, semelhante ao acionista controlador, previsto na lei de sociedade po


ações, pois também deriva o seu poder de controle de um acordo de voto, embora tácito (Lei n.º 6.404, de 1976,
art. 116).
grande, com um número elevado de unidades autônomas, onde repetidamente um dos
membros efetivos falta à convocação do síndico.
Quando, ao invés de nascer de um memorial coroado por conveção, o condomínio de
edifício surge a posteriori pela alienação de unidades autônomas de edifício já construído,
desenha-se uma situação semelhante à que se configurava por ocasião do aparecimento da
primeira lei permissiva da propriedade por andares. Essa lei partia do pressuposto de um
edifício já pronto, construido de cimento armado ou material similar incombustível, com
cinco ou mais pavimentos, dividido em apartamentos, cujo dono desejasse aliená-los
isoladamente, havendo a sua redação sido alterada mais tarde para referir-se a edifício de dois
ou mais pavimentos (Dec. n.º 5.481, de 1928, art. 1.º; Lei n.º 285, de 1948, art. 1.º; cf. Dec. n.º
4.857, de 1939, art. 249).
Assim, o condomínio originário posto em voga pela desciplina da lei atual, tem, de
onde em onde, a companhia do condomínio superveniente, previsto incidentemente nela,
quando impõe o dever de elaborar a conveção de condomínio ao titular de direito em
edificações "já construídas"(Lei n.º 4.591, de 1964, art. 9.º, pr.). No primeiro caso, o
condomínio surge no momento da construção, instituído por uma pluralidade de
interessados; no segundo, aparece depois da construção, quando o proprietário único do
edifício resolve vender suas unidades antônomas a uma pluraridade de compradores.
Neste segundo caso, em que se remonta à situação primitiva, a lei reguladora desta
exigia apenas que cada apartamento fosse assinalado com uma designação numérica,
averbada no Registro de Imóveis, para os efeitos de identidade e discriminação. Na verdade,
pertencendo o prédio originalmente a um só dono, deve estar inscrito em nome dele com a
descrição comum. Se ele fizer vendas parciais de apartamentos, bastará que estes sejam
identificados por sua designação numérica para que sejam objeto de inscrições autônomas.
Vertendo esse requisito registral no procedimento adequado à natureza da instituição,
daí emerge um memorial abreviado devido à falta da figura do incorporador. No lugar deste,
o proprietário deve fazer um simples requerimento ao Registro de Imóveis com a descrição
do edifício, em que se discriminem as unidades autônomas, por sua designação numérica ou
alfabética, bem como as partes comuns, por sua denominação, aquelas e estas com as
respectivas áreas, instruído com os seguintes documentos: a) certidão da Prefeitura
corroboradora da designação numérica ou alfabética dos apartamentos, bem como um jogo
de plantas dos pavimentos, além de planta da situação; b) havendo garagem, ainda a planta
desta com a menção da sua capacidade para guarda de automóveis, bem como a declaração,
nela e no requerimento, dos apartamentos que têm vagas; c) convenção de condomínio,
assinada pelos dois primeiros adquirentes ou pelo proprietário e um destes, se o proprietário
pretender continuar no edifício.
O condomínio de muros é freqüente, porque o Código Civil estabelece a presunção de
pertencer o muro divisório em comum aos proprietários confinantes, salvo prova em
contrário (art. 571). A presunção funda-se na existência de dois proprietários confinantes,
quando se torna razoável supor que ambos tenham contribuido para a obra em que tinham
igual interesse. Essa presunção condiz geralmente com a realidade, o que leva o título a
omitir a declaração de propriedade do muro, descrevendo apenas o terreno como delimitado
por muro ou muros. Se o muro não pertencer a ambos os confnantes, será conveniente tornar
expressa no título a declaração de sua propriedade, a fim de cortar dúvidas futuras, não só
sobre esta, como sobre o tamanho do terreno.
A existência ou não de condomínio repercute efetivamente na especialização do
imóvel urbano, pois a construção de muro sem meação entre terrenos confinantes costuma
fazer um deles parecer menor e o outro maior. Tanto vale dizer que esse aspecto do
condomínio torna-se relevante nas vistorias administrativas de metragem. Antigamente para
assinalar claramente a propriedade dos muros, estes traziam no topo uma inclinação ou
pingadeira para um dos lados, quando pertenciam ao proprietário desse lado, ou de ambos os
lados, quando pertenciam a ambos os proprietários (meação). Com o desaparecimento
crescente das tradições entre nós, também esta, deveras excelente para vitar ou dirimir
conflitos, está desaparecendo, embora a "pingadeira" ou inclinação continue a ser o sinal
exterior da propriedade do muro em outros países (cf. Cód. Civ. it., art. 881).
Ao passo que no presente capítulo foram examinadas formas pelas quais uma
pluralidade de pessoas coexiste em um imóvel, no capítulo subseqüente serão estudadas
formas pelas quais um imóvel é transmitido a uma pluralidade de pessoas. O critério
distintivo dinâmico entre o condomínio, de um lado e o desmembramento ou loteamento, de
outro, pode ser posto na divisão , que, sobrevindo no primeiro, visa à partilha de imóvel
comum sem transmissão de propriedade (Cód. Civ., art. 531), mas, ocorrendo nos outros,
visa precisamente à transmissão de propriedade de parte de imóvel que antes se achava sob
um titular único. De ordinário, o desmembramento incide em um imóvel menor do que
aquele sobre o qual recai o loteamento, ensejando essa diferença quantitativa certa
diversidade de tratamento no registro imobiliário.
CAPÍTULO 5

IMÓVEIS EM DESMEMBRAMENTO E EM LOTEAMENTO

1. Diferença entre desmembramento e loteamentos. Reflexos práticos.


Módulo urbano.

2. .Instrução do pedido de registro de loteamento. Articulação dos


documentos.

3. Fases administrativa e contenciosa do processo.

4. Procedimento de registro. Declaratividade do registro do loteamento e


constitutividade da inscrição dos lotes.

5.Regstro múltiplo. Publicização parcial da gleba.

6.Cancelamento compulsório e voluntário de registro. Anterioridade ou


posterioridade relativamente à negociação dos lotes. Titulação facilitada
e simplificada.

Os imóveis mudam de configuração com mais freqüencia na zona urbana de que na


zona rural, devido ao aumento da população das cidades, que força o constante
reordenamento do solo para transmissão a pessoas interessadas. Essa transmissão é precedida
do processo físico-jurídico do parcelamento, que, à semelhança da divisão, transforma uma
grandeza imobiliária em grandezas menores, geralmente alíquotas da primeira, para que
sobre estas o proprietário exerça o direito de dispor.
O processo do parcelamento do solo urbano é regulado pela Lei n.º 6.766, de 19 de
dezembro de 1979, que impõe ao direito de propriedade uma limitação, radicada no direito
elementar de dispor, em virtude da qual este não pode ser exercido livremente, quando o
titular quer parcelar gleba sua para edificação em zona urbana. Nessa eventualidade, o
proprietário fica obrigado a satisfazer vários requisitos, uns de caráter urbanístico, outros de
caráter jurídico, com os quais a lei clausula a faculdade de disposição.
Ao aludir a gleba, a lei usa uma palavra antiqüissima, que, desde a origem latina,
sempre significou um pedaço de terra e, por extensão, de outra coisa. Assim, tem em vista um
trato de terra que se caracteriza para servir de objeto a parcelamento na zona urbana, No
enunciado legal, a gleba consiste em porção de terra divisivel em lotes, vale dizer, maior do
que o lote. Na zona rural, a palavra se emprega para designar uma parte identificável do
imóvel, uma porção característica deste, que, por sua vez, se define como espaço de limites
determinados na superfície terrestre.
O Estado, portanto, é que, por suas diferentes entidades, comanda o ordenamento do
espaço urbano, ditando, com o seu poder normativo, as regras de sua utilização pelo
particular, que, na qualidade de proprietário, tomará oportunamente a iniciativa dessa
utilização, contanto que o faça com observância dessas regras. Assim se entrelaça o direito
administrativo, que estatui condicionamentos para a outorga de licença para parcelar, com o
direito civil, que assegura ao proprietário o direito de parcelar, estabelecendo relações
jurídicas. Ao passo que o primeiro enuncia os requisitos urbanísticos, o segundo indica os
requisitos jurídicos do loteamento.
De início, nas suas disposições preliminares, a lei de parcelamento do solo urbano
distingue dois modos de realizá-lo, o loteamento e o desmembramento, esclarecendo que,
embora se destinem ambos à edificação, o loteamento se faz fora do sistema viário da cidade
e o desmembramento dentro desses sistema (art.2.º). Noutras palavras, o loteamento tende à
futura urbanização da gleba e envolve a transferência gratuita de parte desta ao Município
para logradouros, ao passo que o desmembramento subentende no local a existência presente
de urbanização e de logradouros. No primeiro caso, emerge claramente o interesse público de
obter a satisfação de certos fins comunitários, ao passo que no segundo, por já estarem
satisfeitos esses fins, não se acusa esse interesse, pelo menos de maneira visível, mas apenas
o interesse particular do dono da gleba.
Justamente por situar-se em logradouro urbanizado, o desmembramento recaí, em
regra, sobre gleba incluída dentro de uma quadra e, por isso, ordinariamente pequena, que só
se vem a parcelar devido à escassez de espaço trazida pelo desenvolvimento da cidade, às
vezes sem lhe mudar sequer a testada, como acontece com a sua transformação interior em
"vila", com passagem lateral comum para a via pública. A lei de incorporação favorece a
formação de "vilas", admitindo o condomínio em unidades isoladas térreas destinadas a fins
residenciais ou não (Lei n.º 4.591, de 1964, art. 1.º).
Nessas condições, o senso comum enxerga no desmembramento simples
fracionamento do solo sem fim deliberado de comercialização, consistente, não raro, em
desdobro ocasional de lote para configurar cada parte de maneira adequada a uma construção
então visada. Esse retalhamento da gleba constitui atividade ordinária de qualquer
proprietário e não atividade assemelhável à empresarial, como a de um loteamento.
Ao dividir o gênero parcelamento em duas espécies, o loteamento e o
desmembramento, recorrendo para isso a um atributo extrínseco, a situação da gleba (art.2.º).
a lei fê-lo evidentemente para estabelecer uma diferença correlata de tratamento, pois se trata
essencialmente da mesma operação. Não se justificaria o desdobramento desta a não ser para
subordinar a regimes jurídicos diferentes, um mais, outro menos rigoroso, o loteamento e o
desmembramento. Do contrário, a disposição distintiva importaria em palavreado inútil,
inadmissível em lei.
Assim, a distinção foi firmada no limiar para eximir o desmembramento do oneroso
tratamento formal do loteamento, de nada valendo para equiparar-lhes o tratamento as
interpelações da primeira palavra soltas no contexto legal. Tanto assim que não se revogou a
disposição da lei registral que, pressupondo a distinção preexistente, encaminha o
desmembramento para a averbação, dirigindo o loteamento para outra formalidade.
De mais a mais, sabe-se que o fim principal da nova le foi antepor o interesse público
ou urbanístico ao interesse privado da proteção do pequeno adquirente, que constituía a
tônica da lei anterior. Ora, o interesse da coletividade urbana, que visa ao ordenamento do
solo mais conveniente para todos, é atendido pela passagem prévia do projeto de
desmembramento pela Prefeitura e subseqüente aprovação desta. Aí se esgota a dinâmica do
desmembramento, só cabendo em seguida ao Registro de Imóveis proceder, em face do
processo, à respectiva averbação na matrícula do imóvel mor.
Os requisitos de parcelamento se encadeiam, vindo em primeiro lugar os de caráter
urbanístico, submetidos ao critério da Prefeitura Municipal, e, em segundo, os de caráter
jurídico, subordinados à apreciação do Registro de Imóveis, importando advertir que sem o
cumprimento dos primeiros não podem os segundos ser examinados. A aprovação do projeto
de parcelamento pela Prefeitura é condição essencial para sua aprovação e inscrição pelo
Registro de Imóveis.
De acordo com a distinção estabelecida, o projeto de loteamento vem tratado num
capítulo (arts.6-9), ao passo que o de desmembramento é versado em outro (art.10), cabendo
notar que se assinam ao segundo requisitos muito mais leves do que os do primeiro. Nessa
conformidade, o processo de desmembramento,instruído com o título de propriedade e com a
planta do imóvel (art. 10), pela qual se verificará se se encaixa no sistema viário e se além ao
módulo de edificação, terminará virtualmente com a parovação pela Prefeitura, pois se
submeterá ao Registro de imóveis apenas para proceder à averbação em seu livro. Ao
contrário, o processo de loteamento, após a provação da Prefeitura, recomeçará no Registro
de Imóveis, onde correrão os trâmites do exame da legalidade dos documentos e em seguida
do registro.
Conforme se disse no capítulo anterior, assim como não pode desmembrar-se um
imóvel rural de modo que daí resulte outro insuscetível de exploração econômica, também
não pode secionar-se um imóvel urbano de maneira que daí provenha outro insuscetível de
receber construção. Esse módulo urbano ficou definido, agora com caráter geral, e não
meramente local, quando a lei incluiu entre os requisitos urbanísticos do parcelamento a área
mínima de 125 m² para cada lote com a frente mínima de 5 metros, admitindo, ao mesmo
tempo, exigência maior da lei local e ressalvando projetos específicos. Portanto, não há
rigidez, mas flexibilidade, uma vez respeitado o mínimo da norma geral, só arredável em
projetos específicos aprovados por órgãos oficiais (art.4.º, II).
Além da prioridade conferida aos requisitos urbanísticos, releva assinalar que, para
satisfazê-los cabalmente, o loteador há de dirigir-se primeiro à Prefeitura Municipal com a
planta da gleba, a fim de obter dela a fixação das diretrizes do loteamento (art.6.º), ao
contrário do que acontecia antigamente, quando já lhe levava a planta pronta para aprovação
(Dec.-Lei n.º 58, de 1937, art. 1.º. § 1.º). Essa apresentação prévia da planta permite à
municipalidade orientar o traçado do loteamento de acordo com o plano diretor da cidade e
com os órgãos sanitários e florestais, dando assim primazia ao interesse público.
A não ser em municípios de menos de 50.000 habitantes, em que a lei municipal pode
dspensar a prévia fixação de diretrizes (art.8.º), incumbe à Prefeitura delineá-las para o
projeto de loteamento (memorial e desenho), o qual, uma vez pronto, é depois submetido à
sua aprovação, que, em certos casos, depende de anuência do Estado (mananciais, proteção
do patrimônio cultural, divisas de município). Assim, duas vezes intervém a Prefeitura no
projeto, antes e depois de preparado, correspondendo essas oportunidades às fases consultiva
e aprobativa. Após a aprovação, cujo prazo é marcado por lei municipal (art. 16), o loteador
não pode alterar a destinação das vias, praças livres, áreas destinadas a edifícios públicos
(art.17).
Conquanto, no capítulo próprio, não se preveja a modificação do loteamento, essa
possibilidade é admitida em capítulo subseqüente, onde se adverte que "qualquer alteração
ou cancelamento parcial de loteamento registrado dependerá de acordo entre o loteador e os
adquirentes de lotes atingidos pela alteração, bem como da aprovação pela Prefeitura
Municípal, ou do Distrito Federal, quando for o caso, devendo ser depositada no Registro de
Imóveis em complemento ao projeto original e com a devida averbação"(Cap.VII, art. 28).
Ao indicar os requisitos jurídicos do loteamento, que envolvem sobretudo a
transferência da gleba a uma pluralidade de compradores, a lei, abstraindo da possibilidade
da presença de todos os elementos do contrato definitivo de venda, lança o regramento do
pré-contrato de maneira a atender às exigências mínimas dos contraentes, notadamente
daquele que se acha em posição econômica inferior. Quando delineia as relações jurídicas em
que o proprietário há de dar forma ao seu direito de parcelar, o pensamento da lei está na
proteção do adquirente do lote.
Se bem que, na linha desse pensamento, predisponha a venda a prazo, isso não quer
dizer que obrigue o loteador a vender sempre a prazo, uma vez que não distingue a forma de
pagamento do preço (art.37). Conquanto, como proprietário, possa vender também à vista, o
loteamento o habilita a vender a prazo, caso em que a venda se desdobrará em duas fases:
a) pré-contrato, seja de promessa de venda, cessão ou promessa de cessão (art. 25), a
que são redutíveis as formas contratuais larvadas ou assemelhadas (art.27);
b) contrato definitivo de venda, indispensável, não só para efetivação do pré-contrato
(art.37), como para aquisição da propriedade, já que esta depende do título de transferência
(Cód. Civ., art. 530).
O primeiro contrato tende para o segundo, mas, desde logo, aparece quase tão forte
como este, pois vem armado do direito de adjudicação compulsória do lote prometido e, com
a inscrição no registro, também revestido como direito real. Apesar dessa sólida armadura, o
pré-contrato não chega a confundir-se com o contrato definitivo. Tanto assim que não vingou
o dispositivo do projeto que tentava confundi-los, aceitando a promessa, com a prova de
pagamento das três últimas prestações do preço, como título para inscrição da propriedade
em nome do promitente comprador.64
Neste particular, a única exceção aberta pela lei, em que dispensa a escritura
definitiva, aceitando a de promessas para a inscrição da propriedade do lote, resulta de uma
impossibilidade: ad impossibilia nemo tenetur. Trata-se do caso do loteamento regularizado
pela Prefeitura Municipal ou pelo Distrito Federal. Nesse caso, o comprador do lote,
comprovando o depósito das prestações em estabelecimento de crédito, poderá obter que o
pré-contrato valha como título para inscrição da propriedade (art. 40).
A despeito de se distinguirem, o pré-contrato inscrito e a escritura definitiva se acham
quase igualados no regime da lei. O pré-contrato transmite, como a escritura definitiva, os
poderes de usar, gozar e dispor do imóvel e essa transmissão, uma vez pago o preço, é
definitiva e irreversível. Enquanto dura o processo de pagamento, o resíduo de senhorio do
loteador vai se extinguido até esvair-se.
O titular do pré-contrato se sente tão seguro como qualquer proprietário, porque o
vendedor, ao outorgá-lo, perde a faculdade de alienar ou onerar o imóvel. Se, enquanto resta
preço a pagar, a posição jurídica do primeiro não é idêntica à do segundo, depois de saldado o
preço, torna-se idêntica, pois o vendedor não pode mais reaver o imóvel, nem deixar de dar a
escritura definitiva.
Efetivamente, a escritura definitiva de venda não corre o risco de frustrar-se, porque,
se o loteador se recusar a autorgá-la, terá a sua vontade suprida por senteça, como acontece,
em geral, nas obrigações de fazer, de que o pré-contrato de promessa de venda constitui uma
modalidade (Cód. de Proc. Civ., art. 639). No caso de recusa, portanto, bastará que o
promitente comprador proponha a ação de adjudicação compulsória, que, por ser de rito

64 Cf. Revista do Direito Imobiliário, SP, n.º 1, p. 142, 2.ª coluna, art. 37.
sumarissimo, terminará com rapidez pela sentença (Lei 6.014, de 1973, art. 16 do Dec.-Lei
58; Cód de Proc. Civ. arts. 276-281).
Assim como a Prefeitura examina os requisitos urbanísticos do projeto de loteamento
antes de aprová-lo, o Registro de Imóveis examina os seus requisitos jurídicos antes de
acolhê-lo em seus livros. A importância desse acolhimento pode ser bem aquilatada quando
se considera que antes dele não é permitida nenhuma promessa de venda, ou venda, de lote.
Sem o registro nem o loteador nem o adquirente podem fazer valer o seu direito de ação ou de
defesa com base na lei de parcelamento (arts. 37, 39 e 46).
Apesar de a lei distinguir nitidamente o loteamento do desmembramento, a epígrafe
dada ao capítulo que trata do registro — "Do Registro do Loteamento e
Desmembramento"— dá a impressão de que tudo que vem abaixo dela se refere a ambos
(cap. VI, arts. 18-24). No entanto, essa epígrafe significa apenas que tanto o loteamento como
o desmembramento devem ser submetidos ao registro imobiliários, onde, satisfeita a
condição comum da aprovação pela Prefeitura Municipal (art. 18, pr.), cada qual se dirigirá à
formalidade que lhe compita. Do contrário, a epigrafe redundaria na extravagância da
imposição do mesmo tratamento registral a situações totalmente diferentes, uma marcada
pelo dinamismo da urbanização, a outra pela rotina dominial.
No tocante a formalidades, observa-se no cartório uma diferença radical: o
loteamento tem registro especial, que a lei de parcelamento prevê, como a anterior também o
fazia, e o desmembramento é passível de simples averbação, que a lei do registro também
prevê (Lei n.º 6.015, de 1973, art. 167, inciso II, n.º 4; cf. Dec. n.º 4.857, de 1939, art. 285).
Ao passo que a lei do parcelamento regulou o registro especial para o loteamento, não se
ocupou do registro de desmembramento, nem suprimiu a averbação que lhe é pertinente.
Quer isso dizer que, no âmbito cartorário, perdura a situação antiga, em que o loteamento era
sujeito a registro especial e o desmembramento apenas a averbação, não se estendendo a este
as exigências de documentação feitas àquele.
Tanto assim que, a não ser a prévia aprovação municipal do projeto, posta como
condição comum ao loteamento e ao desmembramento (art. 18, pr.), tudo o mais que se segue
relaciona documentação exigida exclusivamente para o loteamento. Basta dizer que a
exigência é endereçada expressamente ao "loteador", quando seria usado o vacábulo
"interessado", se se pretendesse dar-lhe a abrangência maior. Além disso, todos os
desdobramentos do artigo, assim como todos os artigos seguintes do capítulo, desde o
princípio até o fim deste, somente se referem a "loteador" e "loteamento".
Essa discriminação nada mais faz do que confirmar a distinção que a própria lei do
parcelamento estabelece anteriormente entre o loteamento e o desmembramento. No
loteamento está presente o interesse público não só na necessidade de urbanização como na
de defesa do comprador de baixa renda; no desmembramento está ausente esse interesse,
porque nem se faz urbanização, nem venda ao público, senão apenas a poucos compradores
particulares, que sabem defender-se nos seus negócios: cessante ratione legis, cessat lex
ípsa.
Nessa conformidade, a expressão literal da lei está acorde com o seu pensamento,
convergindo a interpretação literal e lógica no sentido de que não se estende ao
desmembramento a exigência da documentação dirigida ao loteamento. No consenso geral, a
exigência da mesma documentação seria descabida, onerosa, absurda: interpretatio illa
sumenda, quae absurdum evitetur. Tanto vale dizer que o Registro de Imóveis pode aceitar o
memorial do desmembramento como veio aprovado da Prefeitura, isto é, acompanhado
apenas do título de propriedade e da planta do imóvel (art. 10).
Verdade seja que a referência comum do princípio do artigo 18 pode sugerir que o
final contenha também uma exigência comum. Todavia, essa sugestão conduz a uma
conseqüência tão absurda que, para afastá-la, alguns intérprestes retiram do conceito legal de
desmembramento tantos casos que acabam por esvaziá-lo. Assim, opondo ao conceito, que é
físico, distinções que não são físicas, negam o desmembramento – apesar de o parcelamento
efetuar-se dentro do sistema viário da cidade –, quando careça de nítido fim comercial, por
consistir em desdobro de lote, ter escasso números de lotes, caracterizar-se como vendas de
porções maiores, cifrar-se em divisão de terreno entre dois filhos, e assim por diante
(Despacho do Corregador Geral da Justiça de São Paulo, Dr. Adriano Marrey, na Rev. de Dir.
Imob., n.º 5, 1980, p. 135; Elvino Silva Filho, "O desmembramento de imóvel perante o
registro imobiliário", na Rev. de Dir. Imob., n.º 7, 1981, p. 57; Sergio A. Frazão do Couto,
Parcelamento urbano, Ed. Forense, Rio, 1981, § 81 etc.).
Ora, a consideração finalista apenas corrobora a interpretação sistemática fundada na
diferença estabelecida pela própria lei, em face da qual o desmembramento escapa à copiosa
documentação do loteamento e continua sujeito à fomalidade tradicional da averbação na
matrícula da gleba posta em causa. Como a lei se faz para atender aos casos comuns, à
maioria dos casos, que, na espécie, são os apontados, daí se conclui que estes é que devem ser
levados em conta para determinar o seu sentido. Não há direito contra o senso comum.
Conseqüentemente, só ao loteamento se aplicam os requisitos jurídicos enumerados
no capítulo, ressalvada a aprovação prévia da Prefeitura. Apesar dessa aprovação, o projeto
de loteamento incorrerá em caducidade, se não for apresentado ao Registro de Imóveis
dentro de 180 dias acompanhado da documentação (art. 18). A pena de caducidade visa a
coibir os loteamentos fantasmas e o prazo longo busca assegurar antecipadamente as obras de
infra-estrutura.
Esse prazo, com efeito, dá tempo ao loteador para, no interregno, executar na gleba as
obras exigidas pela Prefeitura, de circulação, demarcação dos lotes, quadras e logradouros,
escoamento de águas pluviais, uma vez que um dos documentos instrutivos de memorial é o
comprovante do termo de verificação da execução das obras (art. 18, n.º V). Se não for
possivel a execução das obras nesse período de tempo, devido, por exemplo, ao grande
tamanho do loteamento, então, a critério da Prefeitura, será admitido como alternativa o
comprovante de aprovação de um cronograma, espaçado até 2 anos no máximo, para
execução das obras, acompanhado de competente instrumento de garantia da execução (art.
18, n.º V, in fine). De duas uma, ou a execução das obras de infra-estrutura ou cronograma de
execução das obras em 2 anos.
Na segunda hipótese, a execução das obras no biênio há de ter um instrumento de
garantia, que pode ser real ou pessoal. Tanto pode consistir em caução de títulos, do próprio
loteador ou de terceiro, como em fiança, em virtude da qual alguém de reconhecida
idoneidade assuma a obrigação de indenizar o Município até certo valor, caso o loteador
deixe de implantar a infra-estrutura, forçando a Prefeitura a fazê-lo em seu lugar. No Rio de
Janeiro a Prefeitura aceita a caução de certo número de lotes, que, indicados pelo número e
pela quadra na planta do loteamento, ficam vinculados à execução das obras e não podem ser
vendidos antes da aceitação destas.
A extensa lista de documentos instrutivos de pedido de registro de loteamento abre-se
com o título de propriedade de imóvel (art.18,I). Esse título deve ser a certidão de sua
matrícula ou de sua transcrição, conforme já esteja lançada no novo fólio real ou ainda se
ache inerte no antigo livro de transmissões. Como a inscrição imobiliária gera uma presunção
juris tantum de domínio (Cód. Civ., art. 859), precisando ser completada com o lapso do
usucapião, o título atual é reforçado pela prova da titularidade dos últimos 20 (vinte) anos, a
qual pode ser ministrada em uma única certidão, onde os títulos se achem encadeados em um
histórico (art. 18, II). A titularidade do imóvel constitui a base de todo o processo de
loteamento, importando a sua falta em nulidade do registro do loteamento e condição
resolutiva dos contratos de venda dos lotes.
Após exigir, em perífrase, a conhecida certidão vintenária, a lei lhe reclama ainda os
comprovantes, vale dizer, os sucessivos títulos nela referidos. Ora, a certidão basta para a
prova de filiação do domínio, de modo que a obrigação suplementar de juntada dos títulos
dominiais constitui uma demasia que provavelmente a tornará letra morta na prática (art. 18,
II, in fine).
Com a titularidade articula-se a exigência de certidão negativa de ações reais
referentes ao imóvel, pelo período de 10 (dez) anos (art. 18, III, b), aliás feita anteriormente
também para o projeto de loteamento (art. 9.º ). Como nos ofícios de distribuidores a
distribuição de ações se faz pelo nome das pessoas, e não por imóveis, será necessária a busca
pelo nome do loteador, eventualmente de seu antecessor, para saber se existe alguma ação
contra ele, que envolva a gleba loteada. Se, apesar dessa cautela, ficar encoberta alguma ação
em curso, que logre êxito afinal, então não se poderá remediar o que se tentou prevenir. Ao
prever o cancelamento de registro por decisão judicial, a lei certamente tem em vista aquela
que decorra de ação real ou de execução hipotecária (art.23, I).
A fim de pôr o loteamento a salvo desta, outro documento instrutivo do memorial é a
certidão de ônus reais relativos ao imóveis (art. 18, IV, c). A existência de ônus real é
impeditiva do registro, a menos que o credor, em escritura pública, dê anuência expressa ao
loteamento, obrigando-se, mediante condições razoáveis, a liberar progressivamente os lotes,
à medida que forem negociados, conforme a ressalva do princípio da indivisibilidade da
hipoteca (Cód. Civ., art. 758, ressalva). Nestes termos, a lei antiga admitia que, a despeito de
certidão positiva da existência do ônus real, fosse feito o registro do loteamento, o que
prevalece até agora, embora a lei atual haja suprimido a permissão expressa.
As certidões negativas de tributos federais, estaduais e municipais, incidentes sobre o
imóvel (art. 18 II, a), exigidas descuidadamente pela segunda vez, pois instruem o projeto de
loteamento (art.9.º), têm aparentemente grande latitude, dado o emprego do vacábulo
"tributos". Contudo, o único imposto incidente sobre o imóvel é o da propriedade predial e
territorial urbana, da competência municipal (Lei n.º 5.172, de 1966, art. 32), de sorte que o
resto corre por conta de eventuais taxas e contribuições, cuja imposição se inclui em todas as
três ordens de competência. Outras certidões não dizem respeito ao imóvel, mas ao loteador,
relevando notar entre elas a de ações pessoais e de protestos de títulos, pois as ações penais
raramente ocorrem (art. 18, IV, a, b e d).
Ao mandar que as certidões, tanto de ações reais, como de ações pessoais, de
protestos e de ações penais, pelo período de dez anos, tomem por base a "data do pedido do
registro" (§ 1.º do art. 18), a lei requer do loteador um exercício de futurologia, pois não
poderá evidentemente saber em que data completára a documentação e fará o pedido de
registro do loteamento. No entanto,esse problema cronológico ficará bem resolvido se se
somar à data da aprovação do projeto pela Prefeitura os 180 dias dentro dos quais deverá ser
submetido ao Registro de Imóveis (art. 18, pr.) para, a partir daí, fazer a contagem regressiva
do período decenal até o seu início.
Assim como um dos alvos da documentação é a certeza da titularidade da gleba, outro
é a segurança da titularidade de cada um dos lotes em que a gleba se decompõe, para o que no
rol dos documentos se inclui um "exemplar de contrato-padrão da promessa de venda, ou de
cessão, ou de promessa de cessão, do qual constarão obrigatoriamente as indicações previstas
no art.26 desta lei" (art. 18, VI). É em torno do contrato de aquisição de lote que gira o
mecanismo legal, preconcebido e acionado precisamente pra transformá-lo em verdadeira
cidadela, de onde o adquirente defenderá comodamente os seus direitos, sem se expor a
azares judiciais comuns.
Dentre as indicações previstas nesse contrato, que não precisam ser repetidas, uma,
todavia, merece destaque por ultrapassar a esfera contratual: "a declaração de restrições
urbanísticas convencionais do loteamento supletivas da legislação pertinente"(VII). Essas
restrições convencionais, a que ficam sujeitos os lotes negociados, dizem respeito geralmente
ao dimensionamento, ao recuo, ao aproveitamento, ao uso dos lotes e assim por diante e, não
raro, se antecipam às da lei urbanística do Município, em cuja órbita de competência entram
por ser matéria do seu peculiar interesse (Const. do Brasil, art. 15). Devido ao caráter
supletivo delas, as restrições convencionais podem ser superadas por lei posterior, tanto no
sentido de aumentá-las, como no de atenuá-la, admitindo-se construções e usos até então
proibidos.
Como se vê, num título particular, criam-se restrições urbanísticas, que assim tomam
feitio de direitos de vizinhança, cuja observância pode ser demandada pelo vizinho
interessado por ação de dano iminente ou demolitório (Cód. Civ., arts. 554-555). Nesse
sentido a lei dispõe expressamente, tornando os vizinhos parte legítima para promover a ação
impeditiva de construção em desacordo com as restrições legais ou convencionais (art. 45).
Estas prevalecem com o teor exarado no contrato-padrão, ainda que omitidas eventualmente
em contrato de negociação de lote. Portanto, aí estão direitos subjetivos particulares
equiparáveis aos direitos de vizinhança.
Como o loteamento redunda na alienação do imóvel, outro documento exigido é a
declaração do cônjuge do requerente de que consente no seu registro (art. 18, VII). Esse
consentimento é exigido também para cada ato de alienação ou promessa de alienação de lote
(§ 3.º do art. 18). Talvez o melhor meio de simplicar a forma de consentimento será
outorgá-lo em procuração por instrumento público, passada ao loteador pelo cônjuge, para
promover o loteamento e alienar os lotes de acordo com a Lei n.º 6.766, de 1979. De um lado,
isso evita que, no caso de falta acidental da assinatura da mulher na promessa, se alegue a
anulabilidade ou a nulidade (Cód. Civ., art. 235), com suspensão da escritura definitiva, e, de
outro, poupa convenientemente a repetição da anuência em cada ato de alienação, a exemplo
do que acontece na incorporação imobiliária (Lei n.º 4.591, de 1964, art. 31, § 1.º).
Submetido a memorial do loteamento ao cartório imobiliário, o processo do registro
tem uma fase administrativa, a cargo do oficial (art. 19) e pode eventualmente ter uma fase
contenciosa, com intervenção do juiz, caso haja impugnação (§ 1.º do art. 19).
A primeira corresponde à rotina do exame da legalidade do memorial, mediante a
conferência dos documentos instrutivos, geralmente encontrados ou postos em boa ordem. A
segunda, porém, é excepcional, por denunciar o aparecimento de uma pretensão de terceiro
contra o loteamento.
O processo administrativo forma-se pela autuação do requerimento do registro e dos
documentos instrutivos e pela juntada de peças surgidas posteriormente. Entre estas a lei
prevê, se a documentação for encontrada em ordem, a comunicação de sua regularidade à
Prefeitura e a publicação de edital anunciativo do pedido de registro do loteamento com um
pequeno desenho de localização da área, que poderá ser cópia da planta da situação, que
habitualmente a planta de loteamento traz em um dos seus cantos. É que, para oferecer
utilidade, o desenho há de ter amarração a um ponto geográfico conhecido, como um
côrrego, uma estrada, uma escola pública, uma igreja. No caso, o edital não é de chamamento
do interessado, mas de simples comunicação de fato. Se a documentação não estiver em
ordem, o oficial reclamará a falta por exigência, suscetível de resultar em dúvida, de cujo
julgamento cabe recurso de apelação, e somente este (Lei n.º 6.015, de 1973, art. 202).
A publicação do edital é feita em três dias consecutivos em jornal local ou, não
havendo, em jornal da região e, se o processo correr na capital, também no Diario Oficial. A
exigência da publicidade atende à comodidade do loteador. Dentro de 15 dias, contados da
última publicação, corre, geralmente em vão, o prazo de impugnação do pedido de registro.
Se se alçar impugnação de terceiro, abrir-se-á então a fase contenciosa (§ 1.º do art.
19), caracterizada pela controvérsia entre o loteador e o terceiro impugnante, em decorrência
da qual serão intimados a falar sucessivamente o loteador requerente e a Prefeitura
Municipal, ou o Distrito Federal, quando for o caso, dentro do prazo de 5 (cinco) dias, sob
pena de arquivamento do processo. Com a manifestação desses interessados, o processo sobe
ao juiz competente para a decisão, que será proferida após audiência do Ministério Público
no prazo de 5 (cinco) dias. Sucedem-se assim dois prazos de cinco dias, um contado da
impugnação do terceiro, e outro, da data do despacho do juiz. O juiz decidirá de plano ou
após instrução sumária, devendo remeter o interessado para as vias ordinárias, caso a matéria
exija maior indagação.
Dessa decisão o recurso cabível é o de apelação (Cód. do Proc. Civ., art. 1.110). Ao
contrário, porém, do que sucede no processo administrativo de dúvida, de cujo julgamento
somente cabe apelação, por dar-se a controvérsia entre o serventuário e a parte,– no processo
de impugnação cabe ainda o recurso extraordinário, por verificar-se a controvérsia entre
partes.
Sem fazer cabedal do processo de umpugnação, dada a raridade de sua ocorrência,
cabe voltar ao processo administrativo para assinalar que quase sempre termina com rapidez
no registro, vale dizer, aí ingressa logo após o decurso de prazo de quinze dias contado da
terceira publicação do edital que anuncia o loteamento. Efetuado o registro, é comunicado
por certidão à Prefeitura, que, por outra correspondência, já tomara anteriormente
conhecimento da regularidade da documentação.
Qual o procedimento do registro? Este é um ponto controverso na prática dos
cartórios, senão também na opinião dos juristas, devido à imprecisão da lei de parcelamento,
que, por sua vez, decorre da má formulação da lei registral. Ao tratar adiante dos direitos
registráveis, da terminologia e dos livros, faço ver que os memoriais de loteamento e de
incorporação não tem lugar no livro de registro geral, que somente deve acolher direitos
reais, isto é, direitos caracterizados pela sua realidade e pela sua definitividade. Ora, os
memoriais apenas predispõem mutações de direito real, para policiá-las, e podem ser
revogados enquanto essas mutações não ocorrerem. Daí terem o seu lugar próprio no livro de
registro auxiliar n.º 3.
Além dessa dúvida, levanta-se outra sobre se a promessa de venda de lote
("compromisso"), às vezes sucessivamente desdobrada em cessão e promessa de cessão,
deve ser inscrita na matrícula da gleba loteada ou ocasionar a abertura de matrícula nova. A
rigor, a promessa de venda, assim como seus desdobramentos, deve ser inscrita na matrícula
da gleba loteada até que surja a escritura definitiva de venda, pois só esta trasmite a
propriedade, que é, em regra, o pressuposto de toda matrícula.
Contudo, como o loteamento tem frequentemente centenas de lotes, daí decorre que a
promessa de venda acaba produzindo um montão de assentos e, devido ao prazo
ordinariamente longo de pagamento das prestações de preço, cada uma delas enseja, por sua
vez, sucessivos negócios de promessa de cessão, cessão e caução de direitos aquisitivos. Se
os respectivos assentos forem todos lançados na matrícula da gleba loteada, esta, com o
acúmulo extraordinário deles, se tornará imensa, de sorte que, dispersa em numerosas folhas
e até livros, dificultará ao extremo, se não impossibilitar, o exame, a busca e a certidão.
Por outro lado, dada a feição jurídica peculiar da promessa de venda inscrita, assim
como a da cessão e promessa de cessão (art.25), em virtude da qual lhe são inerentes os
direitos de usar, gozar e dispor, que tanto a assemelham à propriedade, cuja figura acaba
assumindo ao desvanecer-se o resíduo do senhorio do loteador, não há o menor risco em
tomá-la desde logo como tal para o fim matrícula. Aliás, investida por lei de caráter do direito
real, qualifica-se por isso para ingresso no livro de registro geral, e, livre o seu objeto de
qualquer mudança de configuração, também se habilita para a matrícula. Daí admitir-se,
como exceção, a abertura de matrícula nova toda vez que ocorrer promessa de venda de lote.
A exemplo da lei registral, que empregou a palavra "registro" tanto em sentido
genérico, que lhe é próprio, abrangente de qualquer assento, como em sentido específico, que
lhe foi acostado, abrangente apenas dos assentos de transcrição e de inscrição, a lei de
parcelamento aplicou-a igualmente em ambos os sentidos. Tanto usou "registro" em sentido
genérico, ao dizer que o "registro" do loteamento será feito, por extrato, no livro próprio
(art.19), registro esse referido em outros dispositivos (arts.31,42), como em sentido
específico de inscrição do contrato de alienação do lote, portador, portanto, de direito real
(arts.35,36 e 41), embora, em relação a esse contrato, haja aludido uma vez a "averbação",
resíduo mnemônico da maneira por que era lançado no livro especial n.º 8 do antigo sistema.
Corretamente, porém, valeu-se da palavra "averbação" para consignar "alterações" do
loteamento ( § único do art. 20).
No entanto, a indecisão terminológica não impede, de modo algum, a inserção do
loteamento e dos títulos dele decorrentes nos livros e nas formalidades que lhes convenham
com observância dos princípios e dos preceitos da lei registral como resulta do seu contexto.
Não constitui lei um texto isolado dela acaso redigido com descuido pelo legislador, mas,
sim, o conjunto dos seus textos, articulados harmonicamente de acordo com os princípios
informativos do sistema. Nesse caso, costuma-se afirmar que prevalece a voluntas legis, não
a voluntas legislatoris.
A despeito da hesitação terminológica, a lei do parcelamento, do preceito central do
assunto, revelou até prudência, quando determinou que o registro do loteamento seja feito
"no livo próprio" (art.20), ao invés de indicá-lo pelo número ou pelo nome. Essa prudência,
aliada ao uso adequado que, no referido artigo, se faz dos vacábulos "registro" e "averbação",
permite inserir o loteamento no livro que assenta à natureza do memorial, sem pertubar o
lançamento das mutações de direito real em outro livro, condizente também com a natureza
destas. A fim de ensejar o acompanhamento de todos os trâmites do registro, abaixo se
indicam os diversos pontos de seu itinerário, que é, mutatis mutandis, semelhante ao
prescrito na lei anterior (Dec.-Lei n.º 58, de 1937, art. 4.º).
a) prenotação do memorial do protocolo e anotação da sua entrada nos indicadores
real e pessoal, aos quais volta, para referência, após o assento no registro auxiliar, a fim de
abrir-se uma ficha para cada lote.
b) registro, no registro auxiliar, do loteamento, feito por extrato, talvez mediante
simples transcrição do requerimento do loteador, se este contiver os dados essenciais (nome e
qualificação do loteador, aprovação do projeto pela Prefeitura, descrição da gleba e sua
matrícula, menção do número de lotes, quadras e logradouros) com indicação para cada lotes
do indicador real, n.º e folha onde ficar consignado (final a ser preenchido oportunamente);
c) averbação, no registro geral, abaixo da matrícula da gleba loteada, primeiro do
registro do loteamento e depois de cada matrícula nova que se abrir em virtude de promessa
de venda de lote;
d) matrícula, no registro geral, em folha autônoma, de cada lote que for objeto de
promessa de venda, devendo seguir-se a esta, na mesma folha, a inscrição (registro) das
escrituras de cessão e de promessa de cessão e, finalmente, de venda definitiva (Lei n.º 6.015,
de 1973, art. 167, I, n.º 20);
c) encerramento da matrícula da gleba no registro geral assim que todos os lotes
estiverem definitivamente vendidos.
Ao passo que o registro do loteamento no livro auxiliar é declaratório, a inscrição
(registro) de cada lote negociado é constitutiva. A inscrição (registro) obsta a que, depois
dela, o vendedor-loteador aliene ou onere eficazmente o lote contratado. A eficácia do
pré-contrato estende-se das partes para terceiros, de sorte que, após a inscrição, o lote
contratado escapa ao alcance de credores de pré-contratante-vendedor.
À semelhança do que acontece com a hipoteca (Cód. Civ., art. 831), o registro do
loteamento faz-se em cada uma das circunscrições pelas quais a gleba se estende (art.21).
Tratando-se de loteamento em zona urbana, a gleba raramente ultrapassará as raias de uma
única circunscrição, salvo em cidades de maior porte. No caso de se alargar por mais de uma,
o registro será requerido primeiramente naquela onde estiver a maior porção dela e, uma vez
efetuada aí, passará sucessivamente às demais, em cada uma das quais será comprovada a sua
realização na anterior até que o loteamento seja registrado em todas. A denegação do registro
em qualquer delas determina o cancelamento em todas, para o que o oficial da denegante
comunicará o fato às demais.
Ao contrário do que dá a entender a lei, a faculdade de denegação parece ser
extremamente restrita, de vez que feito o registro na principal circunscrição, deve tornar-se
automática, em qualquer outra, sobretudo da mesma comarca, por subordinar-se à mesma lei.
Não obstante, admite-se a ressalva de haver em alguma um motivo próprio, pelo qual o
registro não deva abrangê-la.
Se a razão determinante do indeferimento for peculiar à circunscrição onde ocorreu,
deixará de contaminar as demais circunscrições, onde o registro subsistirá, se o loteador o
desejar. Nesse caso, o loteador fará novo requerimento ao Registro de Imóveis para
manutenção do loteamento remanescente, após audiência e aprovação da Prefeitura
Municipal, ou do Distrito Federal, quando for o caso. Como a parte já registrada do
loteamento é separável da não registrada, o indeferimento do registro desta não prejudicará
aquela, porque se aplica, como na teoria da nulidade, o conhecido brocardo de direito: utile
per inutile non vitiatur (Cód. Civ., art. 153).
O registro tem por efeito a publicização das vias, praças, espaços livres e áreas
destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do
memorial descritivo, nos quais costuma vir estampada uma declaração do loteador nesse
sentido, com menção de n.º de quadras e de logradouros, bem como de sua área total. "Desde
a data do registro passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços
livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do
projeto e de memorial descritivo" (art.22).
A publicização cria bens de uso comum e bens de uso especial, duas das três classes
previstas no Código Civil (Cód. Civ., art. 66), deixando evidentemente de criar bens
dominicais, porque, ao contrário dos primeiros, que são indispensáveis à urbanização da
gleba, os últimos nada teriam a ver com essa finalidade de loteamento e importariam em
verdadeiro confisco. Para tornar públicos os bens indicados na planta e no memorial
descritivo basta o registro, que vale como título da Prefeitura Municipal, sem que se torne
necessário outro, nomeadamente de doação, em que o loteador lhe transfira e entregue
formalmente os bens. Desde o registro, que os põe fora do comércio, o loteador perde a passe
dos bens (Cód. Civ., art. 520, III). Ao passar para o Município a titularidade dos bens, a lei de
parcelamento firmou implicitamente e a sua inalienabilidade, adotando uma fórmula mais
segura do que a da antiga lei, que se atinha à menção desse atributo dos bens públicos
(Dec.-Lei n.º 58, de 1937, art. 3.º).
Embora o registro tenda a perdurar, o seu cancelamento ocorre excepcionalmente, ora
com caráter compulsório, por ser ordenado por decisão judicial, ora com caráter voluntário,
por ser pedido pelo loteador, cuja iniciativa depende de não haver negócio com nenhum lote
ou, se houver, de consentimento de todos os adquirentes dos lotes, naturalmente com
anuência da Prefeitura Municipal ou do Distrito Federal, quando for o caso (art.23). Aos
casos aí enumerados deve ser acrescido o de cancelamento resultante de comunicação do
indeferimento do registro em qualquer circunscrição onde foi requerido, conforme prevê o
último parágrafo do artigo precedente, embora deva ressaltar-se a improbabilidade de sua
ocorrência (§ 4.º do art. 22).
Ao dizer que o registro do cancelamento poderá ser cancelado por sentença
mandamental ou requerimento, a disposição legal não distingue, de sorte que abrange tanto o
cancelamento total como o parcial. No seu alcance menor, liga-se a outra, evidentemente
deslocada, do capítulo seguinte, que prevê o cancelamento parcial do registro, modificativo
do loteamento (art. 28), reproduzindo quase literalmente a que vem exarada na lei registral
(Lei n.º 6.015, de 1973, art. 255).
O cancelamento compulsório, por decisão judicial, que há de transitado em julgado,
filiar-se-á presumivelmente quer a ação real, que atribua a propriedade da gleba loteada a
pessoa diversa do loteador, acarretando assim a nulidade de memorial e de registro, quer a
execução hipotecária, que desfeche em arrematação ou adjudicação da gleba por terceiro. O
cancelamento voluntário prender-se-á a motivos vários que ocasionalmente determinem a
vontade do loteador, ligados geralmente ao seu interesse econômico, cuja gradação repercute
na preferência pelo cancelamento total ou parcial.
No tocante ao cancelamento voluntário, importa advertir que, ser for pedido pelo
loteador antes da promessa de venda de qualquer lote, não interessa a terceiros, mas apenas
ao loteador e à autoridade municipal. Se, porém, for pedido após a promessa ou venda de
lotes, interessa também a terceiros, os adquirentes dos lotes, que hão de assinar
conjuntamente o pedido.
No segundo caso, em que conjuntamente com o loteador hão de assinar o
requerimento os "adquirentes" dos lotes, estes tanto podem ser titulares de promessa
(pré-contrato) como de escritura defenitiva de venda. Como o cancelamento faz a gleba
retornar à propriedade do loteador, resta saber se retornará desfalcada da parte já negociada
ou na sua totalidade, o que depende de acordo entre aquele e os "adquirentes" de lotes, com o
placet da autoridade.
Se retornar desfalcada da parte já negociada, nesta permanecerão as vias, praças,
áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, que continuarão
públicos, notadamente para assegurar a circulação interna e o acesso aos logradouros
oficiais. Na realidade, ocorrerá uma alteração ou cancelamento parcial de loteamento
registrado, admitido pela lei fora do lugar próprio (art.28), ou, se se quiser, um loteamento
por seção, decidido a posteriori. No Registro de Imóveis, no livro de registro auxiliar, caberá
lançar a averbação da alteração do loteamento (parág. único do art. 20).
Se retornar na sua totalidade, então os lotes prometidos ou vendidos a terceiros terão
de ser indenizados, podendo a Prefeitura abrir mão do que fora publicado, não só porque
nada lhe custara, como por fazê-lo em virtude de lei (Cód. Civ., art. 67). No Registro de
Imóveis, o tratamento difere, conforme haja apenas promessa ou também escritura definitiva
de venda. Havendo apenas promessa, ao mesmo tempo que o oficial fizer o cancelamento do
registro do cancelamento poderá fazer o cancelamento da inscrição (registro) do lote, que
equivale a uma inscrição constitutiva negativa, para a qual a lei lhe dá competência expressa
(art.32).65 Havendo venda definitiva, ocorrem, na verdade, duas transmissões sucessivas,
uma para diante, a outra para trás, pelo que se abre nova inscrição em seu nome, ao mesmo
tempo em que se averba a distrato ou rescisão na inscrição anterior. É que a disposição da
propriedade não deixa resíduo contratual entre alienante e adquirente, conforme adiante se
esclarece no princípio de inscrição.
Sob a reserva de que a Prefeitura e o Estado poderão opor-se, se trouxer
inconveniente para o desenvolvimento da cidade, ou ocorrer após melhoramento introduzido
na gleba ou nos arredores — o cancelamento voluntário é precedido de edital anunciativo do
pedido, como o fora o próprio loteamento. Ao passo que o prazo para a impugnação do
loteamento é de 15 dias, para a impugnação do cancelamento é de 30 dias, contados da última
publicação do edital. Decorrido o prazo, com ou sem impugnação, o processo sobe ao juiz
competente para, depois de parecer do Ministério Público e de vistoria da gleba destinada a
verificar a inexistência de instalações de adquirentes, conceder a homologação.
O processo de loteamento e os contratos depositados em cartório poderão ser
examinados por qualquer pessoa, a qualquer tempo, independentemente de pagamento de
custas ou emolumentos, ainda que o título de busca (art. 24). Uns e outros documentos são
completamentes abertos à consulta do público, naturalmente no horário do expediente, sem
qualquer condição. Se o oficial negar a vista do processo, ou dos contratos, o interessado
pode requerer mandado de segurança, independentemente do pedido de indenização se a
negativa ilícita lhe trouxer prejuízo.
A meu ver, onde se diz "qualquer pessoa" deve-se ler "qualquer interessado", fórmula
preferível por guardar simetria com outra da lei civil, que assegura ação a quem tiver legítimo
interesse econômico ou moral (Cód. Civ., art. 76). Foi o que, ao tratar do princípio de
instância, me induziu a opor reserva à disposição da lei registral que permite a "qualquer
pessoa" provocar o registro (Lei n.º 6.015, de 1973, art. 217), mostrando ser ela inexata com
os exemplos da hipoteca legal e da hipoteca judicial. A extrema liberalização vocabular
enseja que, por simples capricho alguém pertube o expediente do cartório imobiliário em
detrimento do verdadeiro "interessado".
A titulação dos lotes é facilitada e simplificada. Facilitada, porque possibilita ao
comprador obter o título, quando dispõe apenas de escrito informal de promessa, proposta ou
reserva de lote, fazendo evolver essas formas contratuais larvadas em precontrato padrão
(art. 27). Simplificada, porque o precontrato pode ser particular e a sua transferência se faz
mediante simples traspasse lançado no verso, embora importe em cessão de direito real,
portanto inscritível (arts. 26 e 31).

65 A regra ditada para o cancelamento de contrato por inadimplemente (§ 3.º do art. 32) aplica-se por analogia
ao cancelamento voluntário.
Antes que o precontrato se converta em contrato definitivo podem ocorrer mudanças
relevantes da situação, todas atendidas na lei com resguardo dos direitos e interesses postos
em causa. Além da transferência (art.31), são previstas a inadimplência do comprador
(art.32) e do vendedor (art.33), assim como a omissão de registro de loteamento ou sua
execução irregular (art.38) e a expropriação para reloteamento ou reconstrução (art.44).
Quer haja ou não incidentes, formam-se sempre títulos que tornam registráveis os
direitos reais sobre imóveis oriundos de loteamento.
CAPÍTULO 6

DIREITOS REGISTRÁVEIS

1. Limitação dos direitos registráveis.

2. Enumeração legal dos direitos.

3. Espécies desses direitos.

4. Aquisição da propriedade.

5. Constituição do direito real.

6. Individualização da propriedade. Premonição de riscos.

Assim como nem todos os imóveis são registráveis, nem todos os direitos que lhes
concernem o são. Os direitos registráveis definem-se ora em fórmula genérica, dentro da qual
cabem os direitos reais e seus assemmelhados, criados por meio contratual ou judicial, bem
como as suas onerações e modificações de conteúdo, ora em fórmula casuística, em que se
enumerem, um a um, os títulos ou atos conducentes àqueles, vale dizer, as espécies do
gênero. A lei registral vale-se de uma e de outra, mas, ao invés de antepor a primeira à
segunda, que dela deriva, faz exatamente o contrário e abre o capítulo I do Título V dedicado
ao Registro de Imóveis com a fórmula específica do art. 167, ao passo que relega a fórmula
genérica do art. 172, para o Capítulo II, dedicado à escrituração ... Não obstante essa
manifesta inversão lógica, a fórmula genérica deixa claro que o Registro de Imóveis se
destina a receber direitos reais, e não direitos pessoais, de sorte que estes não têm ingresso
por analogia de atos que acaso se achem enumerados na fórmula específica.
Desde a sua origem no nosso país, o Registro de Imóveis acolheu direitos para
conferir-lhes uma dupla eficácia, a saber, tanto para marcá-los com o atributo real como para
levá-los ao conhecimento de terceiros. Esses dois efeitos, de modo constitutivo do direito real
e de meio de publicidade e de disponibilidade, são tradicionais no nosso direito. Se é certo,
porém, que ambos dominam os casos principais, caracterizando a instituição registral, não
menos o é que somente o segundo alcança todos os casos. Dada essa amplitude da sua
publicidade pode-se afirmar que o Registro existe no interesse de terceiros.
Antes de tudo, devem ser registrados, para se imporem ao respeito de terceiros, os
direitos de propriedade, visto ser esta o máximo dos direitos reais, pressuposto dos demais,
que, para se distinguirem, são chamados de limitados. A propriedade tem primazia, "até pela
razão da grandeza jurídica do direito de domínio, que está para os outros direitos reais, como
o todo está para as suas partes, como a unidade para as frações". 66 Os atos constitutivos de
direitos reais limitados — hipoteca, usufruto, servidão — modificam o status do imóvel e

66 TEIXEIRA DE FREITAS. Consolidação, introdução, p. 182.


diminuem o direito de propriedade, pelo que hão de ser conhecidos do adquirente e de
qualquer pessoa que pretenda obter um direito sobre o imóvel.
De envolta com esses direitos reais, adquiridos por meio de registro, devem ser
registrados outros, adquiridos por meio diverso, mas que, situados em posição intercalar
realtivamente aos primeiros, precisam ser alinhados com estes, a fim de integrarem a
genealogia registral, pela inscrição dos seus atos declaratórios. Via de regra, esses atos
declaratórios servem para individualizar direitos que haviam sido adquiridos em comum por
mais de uma pessoa, como acontece com o direito de propriedade havido por herança por
uma pluralidade de herdeiros, mas que depois é quinhoado a cada um deles pela partilha.
Por fim, certos direitos pessoais, por diminuírem o valor dos imóveis, hão de ser
também registrados para conhecimento de terceiros, sob pena de ensejam o prejuízo destes.
O exemplo da locação com cláusula de vigência contra o adquirente basta para comprová-lo,
justificando a exceção, visto como o registro de destina, em princípio, a receber direitos reais.
A ratio legis da registrabilidade dos direitos, acima esboçada, não é invocável,
porém, para estender, por analogia, a lista dos que são expressamente admitidos por lei no
registro. Quando a lei prevê, em disposição especial, os atos compreendidos no registro, quer
em enumeração genérica, como no Código Civil (art.856), quer em enumeração casuística,
como na nova Lei de Registro (art. 167), deixa de fora todos os omitidos. Os direitos
registráveis são taxativamente fixados pela lei, constituem um numerus clausus.67
A expressão direitos registráveis é aqui usada como equivalente de direitos aptos ao
registro, seja qual for a modalidade formal que este assuma, pois deriva de um termo, cujo
significado possui naturalmente a maior generalidade, abrangente de todos e quaisquer
assentos. A própria lei registral emprega o termo "registro" para designar até assentos
conservatórios de documentos por cópia, "no seu inteiro teor", como se comprova com o
livro chamado de "registro auxiliar", destinado "ao registro dos atos que, sendo atribuídos ao
registro de imóveis por disposição legal, não digam respeito diretamente a imóvel
matriculado" (art. 177; ef. art. 178).
Diante da generalidade do seu significado, não foi feliz a lei quando considerou
englobados no termo "registro" a "inscrição" e a "transcrição", a que se referem as leis civis
(art. 168). A contrario sensu, está excluida a "averbação", mas isso deve ser afastado pela
interpretação sistemática, tendo em vista que a "averbação" se acha incluída em outros
textos, como os referentes à eficácia de registro não cancelado (art.252), à faculdade de
cancelamento concedida a terceiro (art. 253), à subsistência de título apesar do cancelamento
de registro (art. 254).
Ao devolver ao termo a sua natural generalidade, a interpretação sistemática permite
ainda empregar "inscrição" como designativo específico dos assentos de mutação
jurídico-real, quando isso convier, sobretudo para evitar a expressão tautológica de "registro
no registro", a exemplo da própria lei, que continua a empregá-la nos artigos referentes à

67 WOLFF, Martin. Derecho de Cosas. § 31.p. 156; NUSSBAUM, Arthur. Derecho híp. al. 1. Ed. Madri, 1929,
p. 8; AZEVEDO, Filadelfo; ROSSI & LOPES, Serpa. Registros públicos, v. 2, n.º 236, p. 116. Daí se infere que,
ao admitir como inscritíveis os atos enumerados no regulamento "e os mais que, por necessária compreensão e
analogia se possam transcrever" (Pontes de Miranda. Trat. de Dir. Priv. v. 11, § 1.222, p. 235), o tratadista está
evidentemente enganado: inscritíveis são exclusivamente os direitos fixados pela lei. Também está equivocado
ao ensinar (op. cit., § 1.257, p. 383) que a arrematação ou adjudicação de direito à herança aberta deve ser
transcrita, ainda que dela constem somente móveis, sob o fundamento de ser esse direito "só por si" bem imóvel
(art. 44, III) : a aquisição de direitos sucessórios não é transcritível por não poder ser especializada, só o sendo o
imóvel propriamente dito, não o que é considerado imóvel.
hipoteca (arts. 189 e 270 ), ao bem de família (arts. 261,263,265), ao registro Torrens
(art.277; § 2.º do art. 285; art.288), às custas pagáveis pelo Banco Nacional de Habitação (§
1.º do art. 290).
Quando, no primeiro capítulo do título V, a lei trata dos direitos registráveis, não
ministra uma fórmula geral, que reúna as parciais existentes no nosso direito, umas legais,
outras regulamentares, preferindo fazer uma enumeração casuística deles. Ao abri-la, declara
que "no registro de imóveis, além da matrícula, serão feitos" os assentamentos que adiante
desdobra, em dois incisos, I e II, correspondentes, respectivamente, ao "registro" e à
"averbação" (art. 167).
Como o registro engloba "a inscrição e a transcrição a que se referem as leis civis"
(art.168), resta fora destas, solta no espaço da irrelevância, a "matrícula", aludida no caput
como assento distinto. Daí provém uma alternativa embaraçosa, pois, ou a matrícula
reaparece com o sentido de primeira "inscrição" (registro), ou carece de valor jurídico, visto
como nenhuma lei civil lhe atribui o efeito de transmitir a propriedade.
Desdobrada a enumeração dos direitos registráveis em dois incisos, sob as epígrafes
de "registro" e de "averbação", a listagem devia colocar debaixo de cada uma destas aqueles
que conceitualmente lhe correspondessem. Os atos principais ou originais viriam debaixo do
epígrafe de "registro", ao passo que os dependentes, modificativos ou posteriores, se
alinhariam debaixo da epígrafe da "averbação". Desde que a averbação subsiste, impõe essa
classificação lógica, sobre a qual nenhuma influência exerce a feição binária por ela agora
assumida ao apresentar-se como assento tanto marginal como interno (art.169,I).
No entanto, ficaram misturados atos primários e secundários, quando estes deviam
encaminhar-se para a "averbação", envolvendo a mistura um senão lógico de péssimo reflexo
na prática. Se o encaminhamento fosse correto, diminuíra, pela anteposição das letras
designativas da "averbação", a extrema dificuldade que vai haver para descobrir o nexo entre
atos distanciados no tempo num livro que recebe em seqüência cronológica tanto os
principais como os dependentes. A busca tornar-se-á mais penosa, porque em todos os
assentos haverá a antecipação da mesma letra "R", que reclamará a leitura seguida da
totalidade deles.
Tome-se como exemplo a promessa de venda de imóvel, tratada em três números da
lista (art.167, n. 9, 18 e 20) para cobrir o imóvel não loteado, o condominial (apartamento) e
o loteado, pois em todos eles é submetida a inscrição (registro) tanto a promessa como a
subseqüente cessão ou promessa de cessão do direito aquisitivo. Daí decorre que, havendo
sempre numerosos lotes ou apartamentos, cada qual com a sua promessa de venda, cessão de
promessa ou promessa de cessão, lançadas seguidamente no livro, as promessas derivadas
ficarão desgarradas das originárias, perdidas na obscuridade trazida pela distância entre elas
e pela mesmice da letra (R), que lhes é anteposta.
A não ser a promessa de venda, que realmente deve ser inscrita (registrada), por
importar na constituição de direito real, as demais promessas, dela dependentes, deviam ser
averbadas, seja pela maniera indicada na lei, que ao menos as diferencia pela anteposição de
outras letras (AV), seja pela maneira tradicional e correta — de preferência esta — do
lançamento à margem daquela. Se não houver pela mudança de modelo do livro em retorno à
verdadeira averbação para possibilitar, pelo contato espacial, e estabelecimento de uma
ligação direta entre promessas da mesma linhagem, não se poderá evitar que a multiplicidade
dos assuntos torne demorada a busca na folha do livro.
Assim como a distribuição dos atos entre a inscrição (registro) e a averbação não é
lógica, tampouco o é a seqüência da enumeração, pois não obedece a qualquer ordem, nem de
importância e freqüência, nem de constitutividade ou declaraividade. Basta dizer que ela
começa com a instituição do bem de família, que constitui uma peça do museu jurídico, e
termina com a compra e venda, a permuta, a dação em pagamento, a transferência de imóvel
a sociedade, a doação entre vivos e a desapropriação, que compõem a substância do
movimento imobiliário, cujo dinamismo alimentam com a sua constante repetição.
Apesar de o Registro de Imóveis se destinar à inscrição dos direitos reais e suas
mutações, a enumeração estabelece a maior promiscuidade entre direitos reais e ônus que lhe
são equiparados e atos que não operam qualquer mutação jurídico-real, como os memoriais
de incorporações, instituições e convenções de condominio, e os dos loteamentos urbanos e
rurais (art. 167,I, n. 17 e 19), bem como as cédulas de crédito rural e as de crédito industrial
(art.167, I, n.º 13 e 14 ). A evidente neutralidade jurídico-real desses assentos devia levar a
distingui-los e separá-los de qualquer maneira, em vez de alinhá-los com os direitos reais:
bastaria, por exemplo, prever o seu lançamento no livro de transcrição de títulos, o chamado
livro "auxiliar".
Ao dizer que todos os atos enumerados no art. 167 são obrigatórios (art.169), a lei diz
literalmente um absurdo, porque os referidos atos podem ser ou deixar de ser praticados, de
acordo com autonomia da vontade dos sujeitos. O que a lei quis dizer é que, quando
praticados, são obrigatórios os respectivos registros, a saber, a inscrição ou a averbação,
embora a obrigatoriedade não tenha aí sanção declarada para o descumprimento. É que a
sanção consiste na frustração do direito a que o registro conduz, seja de aquisição, de
oneração, de modificação, ou na suspensão do seu exercício, da sua disponibilidade, de sorte
que é do interesse dos sujeitos o cumprimento da formalidade registral.
Após a enumeração, que acaba de ser apreciada em conjunto, a lei registral faz duas
declarações relevantes, uma sobre o local do registro, a outra sobre a sua irrepetibilidade. A
primeira reitera a regra civil de que o local do registro é o da situação dos imóveis (art. 168),
o que traz como conseqüência que os imóveis abrangidos em circunscrições limítrofes são
levados ao registro em todas elas (art.169, II). Todavia essa regra tem uma exceção, pois o
local do registro dos atos referentes a uma ferrovia, estejam onde estiverem os imóveis, é
sempre o da estação inicial, que não se confunde com a sede da empresa ferroviária (art.
171). A segunda estabelece a regra da irrepetibilidade do registro, de acordo com a qual o
registro feito no Cartório de certa circunscrição não precisa ser reiterado no cartório de outra
dentro da qual o imóvel veio a ficar compreendido em virtude de desmembramento territorial
decorrente de divisão judiciária (art.170).
De certa maneira, todas essas declarações são dominadas pelo princípio geral exarado
no art. 172, que, por sua importância, devia precedê-las, sem omitir no seu texto o principal
assento, que é a matrícula. Esse artigo ministra o fim e o alcance dos registros, que se
destinam à publicidade, dando a conhecer a terceiros, para que os respeitem ou levem em
conta, atos constitutivos, transmissivos ou extintivos de direitos reais imobiliários intarvivos
ou causa mortis, reconhecidos em lei - de vez que não podem ser criados pelas partes -, bem
como outros meramente declaratórios, assecuratórios da disponibilidade dos imóveis.
A classificação dos direitos inscritíveis pode ser feita segundo mais de um critério,
mas em face do advento do folio real, convém agrupá-los de acordo com a sua natural
gradação, observável, até certo ponto, na escrituração do livro. Assim, dispor-se-ão em
quatro escalões, correspondentes à aquisição da propriedade, à constituição do ônus real, à
individualização da propriedade e à premonição de riscos à propriedade.
A aquisição da propriedade, em que o registro desempenha o seu duplo papel,
completivo e publictário, salvo no usucapião, cuja sentença é declaratória, desdobra-se nos
seguintes títulos, como vêm enumerados na lei (art. 167).

26 — arrematação e adjudicação em hasta pública;


27 — dote;
28 — sentenças declaratórias de usucapião;
29 — compra e venda pura e condicional;
30 — permuta;
31 — dação em pagamento;
32 — transferência de imóvel a sociedade quando integrar quota social;
33 — doação entre vivos;
34 — desapropriação amigável e sentenças que, em processo de desapropriação,
fixarem o valor da indenização.

A constituição do ônus real, em que o registro produz igualmente o seu duplo


efeito,atributivo do direito real e anunciativo da sua existência, compõe-se dos seguintes
títulos, alinhados na seqüência da lei, cuja lista se abre com um de natureza jurídica
controvertida, o bem de família:

1 — instituição do bem de família;

2 — hipotecas legais, judiciais e convencionais;

3 — contratos de locação de prédios nos quais tenha sido consignada cláusula


de vigência no caso de alienação da coisa locada;

4 — penhor de máquinas e de aparelhos utilizados na indústria, instalados e em


funcionamento, com os respectivos pertences ou sem eles;

6 — servidões em geral;

7 — usufruto e uso sobre imóveis ou a eles vinculados por disposição de última


vontade;

8 — rendas constituídas sobre imóveis e habitação, quando não resultarem de


direito de família;

9 — contratos de compromisso de compra e venda, de cessão deste e de promessa


de cessão, com ou sem cláusula de arrependimento, que tenham por
objeto
imóveis não loteados e cujo preço tenha sido pago no ato de sua celebração,
ou deva sê-lo a prazo, de uma só vez ou em prestações;

10 — enfiteuse;
11 — anticrese;

15 — contratos de penhor rural.

A individualização da propriedade que, por subentender a aquisição anterior desta,


dispensa que o registro exerça a seu respeito os efeitos normais, vale-se dele, no entanto, para
preencher claros da cadeia de titularidades, atalhando a contradição de figurar o imóvel no
livro como pertencente a certa pessoa, quando na realidade já passou a pertencer a outra. A
fim de suscitar o interesse em inscrever um direito adquirido anteriormente, condicionou-se a
isso a sua disponibilidade nestes casos, em que o efeito de registro é apenas declarativo:

22 — sentenças de desquite e de nulidade ou anulação de casamento, quando, nas


respectivas partilhas, existirem imóveis ou direitos reais sujeitos a registro;

23 — julgados e atos jurídicos entre vivos que dividirem imóveis ou os


demarcarem, inclusive nos casos de incorporação que resultarem em
constituição de condomínio e atribuírem uma ou mais unidades
aos
incorporadores;

24 — senteças que, nos inventários, arrolamentos e partilhas adjudicarem bens


de raiz em pagamento das dividas da herança;

25 — atos de entrega de legados de imóveis, formais de partilha e sentenças de


adjudicação em inventário ou arrolamento, quando não houver partilha.

A premonição de riscos à propriedade, resultantes de pretensões que lhe são adversas,


se exerce por meio de registro, a fim de pôr terceiros de sobreaviso quanto ao imóvel atingido
por qualquer delas, pelo que, não operando nenhuma mutação jurídico-real, embora tendam a
isso, os seguintes atos judiciais são inscritos no registro só para efeito declarativo:

5 — penhoras, arrestos e seqüestros de imóveis;

21 — citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias, relativas a imóveis.

Como se vê, não se incluem em nenhum dos grupos nem as convenções antenupciais
e as cédulas de crédito rural e de crédito industrial (n.º 12,13 e 14), nem os empréstimos por
obrigações ao portador ou debêntures (n.º 16), nem os memoriais de incorporações,
instituições e convenções de condomínio e de loteamentos urbanos e rurais (n.º 17 e 19). É
que tais documentos não configuram, por si mesmos, direitos registráveis, pelo que não têm
lugar entre estes.
A aquisição da propriedade é prevista analiticamente na enumeração, que não se
preocupa, contudo, em dispor os títulos em ordem de assiduidade, pois começa pela
arrematação e adjudicação em hasta pública, atos judiciais isentos de registro pela lei de
1864, mas atraídos a ele pelo Código Civil, com grande proveito para o encadeamento das
titularidades (Cód. Civ., art. 532, III). Esses atos são preparados para o ingresso no registro
pela menção, no edital de praça, da especialização e dos ônus do imóvel (Lei n.º 6.015, de
1973, art. 225; Cód. de Proc. Civ. de 1973, art. 686, I). A arrematação extingue sempre o
ônus, provocando, portanto, o cancelamento deste (Cód. Civ., art. 894, VII, e 826; Cód de
Proc. Civ., art. 698; Lei n.º 6.015, de 1973, art. 251).
O dote, tão raro quanto o bem de família, constitui-se em conveção antenupcial,
celebrando por escritura pública, em que o esposo estipula dotar a esposa ou esta se dota a si
mesma ou é dotada por seu pai ou por algum parente com um ou mais bens imóveis, e requer
a descrição e a estimação destes, vale dizer, a sua especialização para ingressar no registro
(Cód. Civ., art. 278). O ingresso da escritura de constituição do dote apóia-se nas disposições
genéricas sobre a aquisição e a perda da propriedade imóvel (Cód. Civ., art. 530, I, e 589, §
1.º).
O usucapião, incluido entre os modos de aquirir a propriedade imóvel, provém da
posse por certo lapso de tempo marcado em lei a faculta ao possuidor investir-se na
propriedade, desde que obtenha uma sentença declaratória para ser inscrita no registro (Cód.
Civ., art. 530, III; Cód. de Proc. Civ., art. 945). Conquanto o usucapião perca dia a dia sua
importância inicial, devido ao aperfeiçoamento do Registro de Imóveis e ao progresso do
pais, é incontestável que exerceu oportunamente um papel saneador, fixando o dono do
imóvel para que, como tal, passasse a figurar no registro. Atualmente, cabe pôr em dúvida se
a sua conveniência social pesa mais do que a sua incompatibilidade com o sistema de
aquisição pela inscrição, sustentada vigorosamente ao discutir-se o Código Civil.
A compra e venda é o mais importante contrato transmissivo da propriedade de
imóveis, o que mais ativa a circulação imobiliária, pelo que não cessa de ocorrer ao registro
(Cód. Civ., art. 530, I). A compra e venda condicional, porém, não é tão comum, oferecendo
mais interesse teórico, excetuada a resolutória, sob as modalidades do resgate na venda a
retro, de desfazimento da venda nos casos de aparecimento de melhor comprador e,
sobretudo, de impontualidade do pagamento do preço (Cód. Civ., arts. 1.141, 1.158, 1.163).
A resolubilidade impõe que se inscreva o título de transmissão da propriedade com a
condição ou termo resolutório, a fim de assegurar o direito do proprietário condicional ou a
termo e tornar pública a limitação temporal do direito de propriedade resolúvel no interesse
de quantos tiverem de tratar em ele. Se se inscrever a transmissão da propriedade, mas se
deixar de inscrever a condição ou o termo, essa falta, chegada a vez da resolução, prejudicará
provavelmente a reivindicação das coisas que tiverem sido alienadas ou gravadas in medio
tempore.
Dentre as modalidades de compra e venda condicional, a mais comum é a do pacto
comissório, em virtude do qual se assegura ao vendedor o direito de desfazer o contrato ou
reclamar o preço, se este não for pago até certo dia (Cód. Civil, art. 1.163). Assim, o não
pagamento implica a rescisão da venda, ao passo que o pagamento do preço importa o
cancelamento da cláusula.
Decorrido o prazo, dentro do qual foi efetuado o pagamento do preço, convém que o
comprador apresente ao cartório o recibo do vendedor, a fim de que seja lançada a averbação
do pagamento, e, conseqüentemente, do cancelamento do pacto. Aliás, as escrituras de
compra e venda com pacto comissório, em que parte do preço é representada por nota
promissória, já costumam autorizar desde logo o cartório competente a efetuar a averbação
do pagamento e o cancelamento do pacto comissório assim que lhe seja entregue a nota
promissória quitada.
Além desse condicionamento, a compra e venda de imóvel recebe por vezes as
cláusulas restritivas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade, impostas
pelos doadores do numerário utilizado no pagamento do preço, geralmente pais ou avós do
adquirente, que para esse fim comparecem como intervenientes no ato da escritura. Há, nesse
ato, uma doação modal acoplada com a compra e venda, pois o dinheiro é fornecido para que
com ele seja feita a aquisição do imóvel clausulado, a qual, ao consumar-se, satisfaz ao
modus incumbido ao donatário. Ao invés, de serem celebradas duas escrituras, com excesso
de formalismo, celebra-se uma única, em que se reúnem a doação e a compra e venda, tendo
o título plena validade para o registro. 68
Rara é porém a compra e venda conjugada com o fideicomisso, em que, além do
vendedor e do comprador, aparece na escritura o doador do dinheiro para impor ao
comprador a obrigação de transmitir o imóvel posteriormente a outrem. A raridade explica-se
por ser mais simples fazer a doação diretamente ao segundo beneficiário, com usufruto do
primeiro. Embora o Código Civil só preveja o fideicomisso por testamento, a sua
constituição por ato intervivos não encontra obstáculo em nenhum texto legal de caráter
absoluto. Assim, é válida na doação a cláusula fideicomissária por força da qual o donatário
conservará o bem doado para o transmitir a outra pessoa oportunamente, se ainda for viva.
Torna-se freqüente, na venda de imóveis urbanos de construção financiada,
notadamente apartamentos, estipular o vendedor a sub-rogação do comprador nos direitos e
obrigações do contrato de financiamento com a anuência do credor hipotecário. Essa venda
da cumulada com sub-rogação é admissível na mesma escritura, desde que nesta intervenha o
credor hipotecário sem necessidade de que com este haja ainda assunção da dívida pelo
comprador em nova escritura pública. No entanto, certos bancos credores de cédulas rurais
hipotecárias e pignoratícias costumam exigir desnecessariamente essa nova escritura de
assunção de dívida.
A compra de um imóvel pela mulher casada, com dinheiro havido no exercício de
profissão lucrativa distinta da do marido, constitui bem reservado da compradora (Lei n.º
4.121, de 1962) e deve ser inscrita em nome dela no Registro de Imóveis, desde que na
escritura ela declare a profissão e o tempo de exercício, de modo a constituir prova do fato,
ainda que o marido não compareça como interveniente para confirmá-lo. Embora a mulher
seja casada no regime da comunhão de bens, o imóvel fica sendo exclusivamente dela, sem
comunicar-se com o marido, a quem tocará eventualmente o ônus da prova em contrário
mediante ação judicial. Tratando-se de compra e venda pura, a inscrição está prevista no
artigo 167, I, n.º 29, da lei registral,e, quando não estivesse, recairia na fórmula genérica do
artigo 172. De todo em todo não se justifica a averbação, que nem teria onde assentar, pois se
caracteriza pela posterioridade ou acessoriedade.
A compra e venda pode também ser conjugada, na mesma escritura, com o distrato de
compra e venda anterior, desde que esta se ache ainda na fase obrigacional, sem ser inscrita
no Registro de Imóveis. Se a anterior, por qualquer motivo, inclusive exigência do próprio
Registro, se revela inconveniente para qualquer das partes, ou para ambas, nada obsta a que
estas a desfaçam ensejando outra compra e venda, de cujo instrumento constará então, por
economia processual e clareza jurídica, o distrato da primeira (Cód. Civ., art. 1.093). Assim a

68MENDONÇA, Antônio Barreto de. A dúvida nos registros públicos. p. 45; Ac. do Cons. Sup. da
Magistratura de São Paulo de 29.11.1974. In: Rev. do Inst. do Registro Imobiliário, n.º 2, p. 86.
nova escritura, da mesma forma da precedente, aparecerá com a interveniência do comprador
antecedente para dar-lhe a sua expressa anuência, externando o distrato, á semelhança do que
acontece com a anuência do credor hipotecário à venda do imóvel do devedor a terceiro.
Embora não tenha havido transmissão em seguimento à escritura anterior (Lei n.º 5.172, de
1966, art. 35), é provável que se exija novo importo, se a exegese local da definição do fato
gerador se ativer ao contrato, dispensando a transcrição (Cód. Civ., art. 530).
O distrato da compra e venda inscrita, com devolução do preço pago, importa em
compra e venda regressiva, sujeitando-se aos mesmos requisitos da primeira, inclusive o
pagamento do imposto de transmissão e a nova inscrição. O distrato opera para o futuro ex
nunc, pelo que deverá ser respeitada, por exemplo, a locação do imóvel celebrada entre um e
outro ato dispositivo. Adiante, no capítulo sobre o princípio de inscrição, elucida-se a
diferença entre a revogação de um ato de disposição por causa preexistente e por causa
superveniente com reflexo na formalidade registral: no primeiro caso, averbação, no
segundo, inscrição.
A permuta, a dação em pagamento e a transferência de imóvel a sociedade como
quota social são outras formas correntes de transmissão da propriedade imóvel (Cód. Civ.,
artigo 530, I). Quando a permuta se opera entre imóveis de valores desiguais, um dos
permutantes pode completar a sua prestação com dinheiro, sem que isso a desnature em
compra e venda, desde que o valor maior seja o do imóvel. Se os imóveis forem situados em
zona sob a jurisdição do mesmo cartório, consignar-se-ão as inscrições nas respectivas
folhas, com indicações recíprocas; se em zonas diferentes, cada um deles terá inscrição no
cartório da zona a que pertencer.
A promessa de permuta, ainda que irrevogável e irretratável, não é, em princípio,
registrável, mas adquire essa qualidade quando se insere em uma incorporação imobiliária,
aditando àqueles requisitos os de imissão de posse no terreno e de possibilidade de alienação
deste em frações ideais, bem como de demolição e construção na sua área. Nessa modalidade
de aplicação, o proprietário do terreno promete permutá-lo por um ou mais apartamentos do
edifício que o incorporador nele se obriga a construir. Noutras palavras, uma promessa de
permuta de terreno por uma obrigação de fazer (Lei n.º 4.591, de 1964, art. 32, alínea "a").
A dação em pagamento de imóvel consiste na entrega deste em satisfação de uma
dívida com a anuência do credor. Conquanto se assemelhe à compra e venda, desta difere em
sua finalidade, que está em assegurar ao devedor a liberação da sua dívida, e não em
proporcionar ao credor a aquisição de um imóvel, Se o imóvel estiver hipotecado ao credor, a
dação em pagamento constitui título bastante para o cancelamento da hipoteca. Na folha de
matrícula devem ser escriturados dois assentos, da dação em pagamento e do cancelamento
da hipoteca.
A exemplo da compra e venda, a dação em pagamento pode ter a cláusula de
retrovenda ou recompra, como está sendo chamada ultimamente na circulação imobiliária,
devido à influência do mercado de títulos. Essa cláusula resolutiva permite um rápido acerto
de contas entre empresas conceituadas, uma das quais, atingida pela depressão dos negócios,
dê imóveis em pagamento a outra que, por sua vez, lhe enseja a recompra deles dentro do
prazo legal.
A incorporação de imóvel como quota social o transfere do acionista, pessoa física,
para a sociedade, pessoa jurídica. Essa transferência, em se tratando de sociedade por ações,
dispensa a escritura pública, substituível, no caso, pela ata da assembléia geral de
incorporação do bem ao capital da sociedade, acompanhada do laudo de avaliação, que, à
semelhança da escritura, deve descrever o imóvel com os seus limites e confrontações e
referir o título anterior. Inversamente, quando se dá a desincorporação, seja pela dissolução
de sociedade, seja pela retirada do sócio., também se dispensa a escritura pública (Lei. n.º
6.404, de 1976, arts. 89 e 98.§§ 2.º e 3.º; art. 223 da Lei n.º 6.015, de 1973).
A doação entre vivos e a desapropriação aparecem também com relativa freqüencia,
que nada tem a ver com o contraste ou oposição que se possa vislumbrar entre elas, pois a
primeira dá, ao passo que a segunda toma o imóvel. A doação, como se viu atrás, conjuga-se,
por vezes, com a compra e venda, quando esta constitui o meio de cumprir o eneargo aposto
àquela.
A desapropriação oferece a peculiaridade registral de dispensar o registro do título
anterior, por se entender que é um modo originário de aquisição da propriedade, em virtude
do qual o Estado chama a si o imóvel diretamente, livre de qualquer ônus. Se o registro
existir, a desapropriação será inscrita na folha do imóvel desapropriado para assinalar a perda
da propriedade do títular ali nomeado. O título da desapropriação pode ser a sentença
extraída do processo expropriatório ou a escritura pública de desapropriação amigável.
A constituição do ônus real é uma categoria dentro da qual se enquadram títulos
muitos freqüentes, mas que, não obstante, se acha encabeçada pela instituição do bem de
família, que mal chegou a ser conhecida entre nós. A despeito disso, suscitou problemas,
entre os quais o da sua natureza jurídica, havida como conversão da propriedade individual
em co-propriedade resolúvel, relativamente impenhorável. 69
Depois de prenotada no protocolo, a escritura de instituição é submetida a
publicidade, admitindo-se reclamação do credor do instituidor no prazo de trinta dias.
Terminado esse prazo, marcado em edital, ou decidida a reclamação pelo juiz, segue-se a
inscrição (Cód. Civ., arts. 70-73; Lei n.º 6.015, arts.260-265).70
As hipotecas legais, judiciais e convencionais, decorrentes, respectivamente, da lei,
da sentença e do contrato entre as partes, são, ao contrário, muitíssimo freqüentes, devido à
abundância das últimas, estando nelas até a razão de ser do primitivo registro, de que o atual
constitui uma forma amadurecida ou adulta. As hipotecas legais são constituídas em certas
situações, notadamente em favor das mulheres, dos menores e dos interditos, sobre imóveis
dos administradores do seu patrimônio (Cód. Civ., art. 827); as hipotecas judiciais resultam
de condenação e operam em favor do exeqüente sobre bens do executado (Cód. Civ., art.
824; Cód. Proc.Civ., art. 466). Ambas as espécies revestem escassa importância quando
comparadas com as hipotecas convencionais.
As hipotecas convencionais, estas, pelo seu número, pelo seu valor, pelo seu
préstimo, oferecem a maior importância por toda parte, mormente depois de adotado o
programa nacional da habitação. Como esse programa se propõe a financiar aquisição de
casa própria por pessoas de renda baixa, essa aquisição se faz com garantia hipotecária do
imóvel adquirido, graças ao apoio financeiro concedido aos vendedores pelo Banco Nacional
da Habitação, contando até com substancial abatimento nas custas devidas ao registro (Lei
n.º 6.015, art. 290).
Na aquisição de imóvel, quer haja financiamento por um banco, quer pagamento do
preço a prazo, a transmissão da propriedade é comumente acompanhada de hipoteca do bem
em garatia do financiador ou do vendedor, até a liquidação do financiamento ou do preço.
Nessa eventualidade, haverá duas inscrções consecutivas na mesma folha do livro, cada qual

69 LOPES, Serpa. Registros públicos. 2 ed. v.2, n.º 251, p. 189.


70 LOPES, Serpa. op.cit. , v. 4, n.º 754, p. 457.
com o seu número próprio. A primeira será a da transmissão, por meio da qual se adquire a
propriedade, e a segunda a da hipoteca, por meio da qual se grava a propriedade adquirida.
A hipoteca sobre mais de um imóvel, como todo gravame comum a vários imóveis,
seja ele qual for – anticrese, usufruto, etc –, implica em tantas inscrições quantos forem os
imóveis gravados, cada qual lançada na respectiva folha. Por sua vez, o cancelamento do
gravame comum determina que a averbação feita em uma folha de repita simultaneamente
nas demais. 71 O mais freqüente exemplo de gravame comum é a hipoteca sobre mais de um
imóvel, a que o nosso Código Civl alude quando, ao preceituar a antecipação do vencimento
por sinistro ou desapropriação, esclarece que, se apenas um dos imóveis for sinistrado ou
desapropriado, ela subsistirá quanto aos demais para a garantia da dívida restante após o
pagamento do sinistro ou da desapropriação (Cód. Civ., art. 762, § 2.º).72
As hipotecas convencionais pdem ser instrumentada em cédulas hipotecárias rurais e
industriais, que à semelhança das escrituras, contêm a estipulação da obrigação e do direito
real, mas se acham predispostas para, uma vez feita a inscrição, circularem, por si mesmas,
como títulos à ordem, por endosso. Dessas cédulas diferem as que se extraem na inscrição
das escrituras de hipotecas habitacionais em uma segunda operação registral, que se destina
precisamente a representar as hipotecas em títulos à ordem, por meio dos quais também
circulem por endosso (Decreto-Lei n.º 70, de 1966, art. 9-27). Ambas as modalidades de
cédulas hipotecárias circulam por endosso, mas a primeira é originária, a segunda, derivada.
Ao contrário do que acontece na hipoteca comum, que não impede a transmissão do
imóvel gravado, na hipoteca cedular essa transmissão é vedada sem a anuência do credor
hipotecário. Ao passo que na primeira o credor está armado do direito de seqüela, que o
habilita a perseguir o imóvel em poder de terceiro, na segunda o seu direito é ainda mais
forte, por inibir a própria transmissão. Daí ficar o cartório tolhido para inscrever uma
escritura de alienação de imóvel gravado com hipoteca cedular sem anuência do credor
hipotecário.
A hipoteca é incompatível com o imóvel adquirido sob condição suspensiva, embora
essa espécie de aquisição condicional seja algo acadêmica, por não se encontrar na prática, a
não ser envolvida na figura do fideicomisso. O adquirente sob condição suspensiva não pode
transferir nem onerar o imóvel, por lhe faltar a qualidade de proprietário, que só alcançará
com o cumprimento da condição.
Não tendo a propriedade atual, mas mera expectativa de propriedade, é-lhe vedado
qualquer ato de disposição do direito, conforme se infere do sistema legal brasileiro e da
opinião dominante na doutrina. 73 A suposição contrária, que admite possa ele onerar o
imóvel e colocar-se ao abrigo da convalidação pela superveniência da propriedade é
destituída de fundamento, além de desnaturar a hipoteca, amputando-lhe o objeto, a seqüela e
o registro, tornando bivalente uma inscrição preventiva e anulando a exclusividade da outra,
não obstante encontrar apoio em autores de nota.74
Do mesmo modo, a hipoteca é incompatível com o imóvel gravado com usufruto
vitalício, visto como, se o usufrutuário não pode alienar, também não pode hipotecar (Cód.
71 WOLFF, Martin. Derecho de cosas. Barcelona, Ed. Bosch. § 35, p. 183, n.º 7.
72 MARQUES, Azevedo. Hipoteca. 3 ed., São Paulo, Ed. Saraiva, 1933. p. 81; SANTOS, Carvalho. Cód. Civ.
int. 9 ed., Ed. Freitas Bastos, 1961.p. 81; FULGÊNCIO, Tito. Hipoteca. São Paulo, Ed. Saraiva, 1928. p. 83, n.º
32; Pontes de Miranda. Trat. de dir. Priv. Rio, Ed. Borsol, 1968. v. 20, § 2.520.
73 VEIGA, Didimo da. Dir. hip. n.º 71, p. 74; ALMEIDA, Lacerda de. Dir. das causas. Nota 4 ao § 166;
LOPES, Serpa. Registros públicos. 2 ed. Rio. v. 2, n.º 314.
74 LAFAYETTE. Dir. das causas. § 219; SANTOS, Carvalho. Cód Civ. int. v. 10, int. de art. 756, p. 13.
Civ., art. 756). Desde, porém, que a garantia seja oferecida pelo nu proprietário com a
anuência do usufrutuário, nada obsta à inscrição, pois o primeiro pode alienar e, portanto,
hipotecar.
A locação-ônus, isto é, com cláusula de vigência contra o adquirente de imóvel, foi
estabelecida pelo Código Civil (art. 1.197), estendendo-se à renovação da locação de fundo
de comércio (Decreto n.º 24.150, de 1934, art. 19, § 2.º). A sua inscrição visa à dupla garantia
do locatário e do adquirente de imóvel e, após estagiar no registro de títulos e documentos,
foi incumbida expressa e corretamente ao Registro de Imóveis (Lei n.º 4.827, de 1924, art.
5.º, "b", n.º II). Aí perdura com a recomendação de perfazer-se com a menção do valor, de
renda, do prazo, do tempo e do lugar do pagamento do aluguel (Lei n.º 6.015, art. 242), mas
dispensa a transcrição no registro de títulos e documentos para a validade da cláusula
onerativa contra o adquirente do imóvel ou perante terceiros (Súmula n.º 442, do S.T.F.).
A locação só é registrável quando contém cláusula expressa de vigência no caso de
alienação, não quando nela se preveja essa cláusula no caso de sucessão, isto é, contra
herdeiros e sucessores. A registrabilidade é assim limitada, porque, tanto no direito do
registro, como no direito civil, se trata de exceção, que não se estende de caso a caso. No
registro, por ser este recipiente de direitos reais e não pessoais; no direito civil, por estatuir
este como regra a recissão do contrato no caso de alienação.
O penhor industrial, cuja inscrição hoje tem por base exclusivamente a cédula
pignoratícia, oferece a peculiaridade de poder fazer-se em folha de imóvel pertencente a
pessoa diversa daquela contra quem pesa o ônus. É que a lei prevê que o penhor cedular
industrial verse sobre máquinas que tanto podem estar em imóvel do proprietário delas, como
em imóvel alugado. Neste segundo caso, dispensa o consentimento escrito do locador na
constituição do penhor, antigamente exigido em respeito ao penhor legal que assiste a este
(Decreto-Lei n.º 413, de 1969, art. 40; Lei n.º 1.271, de 1939, art. 2.º, § 2.º; Cód., art. 772,
III).
O assento deve consignar dados semelhantes aos da hipoteca, ajuntando a menção da
situação das máquinas no imóvel alugado e do consentimento do proprietário deste, se
eventualmente tiver sido obtido, bem como a descrição das máquinas. Como se vê, se a
locação não estiver inscrita por carecer de cláusula adjeta de vigência contra o adquirente,
entrará na folha do proprietário do imóvel um ônus contra terceiro cuja relação com o
proprietário era até então desconhecida. 75
As servidões em favor do imóvel não têm inscrição na respectiva folha, mas na folha
do imóvel serviente vizinho, sendo referida apenas nesta folha, em averbação, por importar
em um acréscimo do direito de propriedade do titular do imóvel, que os alemães denominam
"direito subjetivamente real". Assim, por essa averbação, as servidões passam a vincular-se
aos imóveis dominantes, como direitos em favor deles, quando presentemente apenas
gravam os imóveis servientes.
Dada a sua natureza de direito real em imóvel alheio. 76 toda servidão, aparente ou
não aparente, está sujeita a inscrição, seja qual for i título pelo qual se constitua (Cód. Civ.,
arts. 676 e 856, III), inclusive o usucapião (Cód. Civ., artigo 698). A generalidade da
75 NUSSBAUM, A. Derecho hip. al. Madrid, ed. da Rev. de Derecho Privado, 1929, p. 14; WOLF, Martin.
Derecho de cosas. Barcelona, Ed. Bosch, § 29, n.º 3, p. 147.
76 O Código Civil vigente (art. 695), assim como o Anteprojeto de Código Civil futuro (arts. 1.551, 1.562, I
etc.), mantêm o requisito da diversidade de proprietários, embora uma corrente da doutrina - evocada
recentemente em brilhante monografia ( Maria Helena Leonel Gandolfo, Servidão entre imóveis do mesmo
dono, S. Paulo, 1977) -, o considere superado, contentando-se com a diversidade de imóveis.
inscrição é imposta pela sistemática do Código, que se quebraria se fosse excepcionada,
motivo pelo qual há de ser considerado anômalo o preceito que, a contratio sensu, excluiria
da formalidade a servidão aparente (Cód. Civ., art. 697). 77 Esse preceito limitativo, criador
de dúvidas, 78 forçou o advento de outro que, expressa e especialmente, sujeitou a inscrição
a servidão aparente (Dec. n.º 4.857, de 1939, art. 250, in fine), agora confirmado pelo da nova
lei do registro ao aludir a servidões "em geral" (art. 167, I, n.º 6). Aliás, antes do
aparecimento destes já a doutrina dominante interpretava o preceito do Código Civil como
significativo apenas de que a servidão aparente jamais se adquire por usucapião. 79 Dentre os
títulos rendentes a constituir a servidão o testamento é raro, sendo comuns, porém, o contrato
e a sentença das ações divisórias (Cód. de Proc. Civ., art. 980, § 2.º, III).
A servidão estabelece uma ligação entre dois imóveis, subtraindo a um deles a
faculdade que antes integrava o direito de propriedade do seu titular para correlatamente
somá-lo ao direito de propriedade do titular do imóvel vizinho. Embora a sua inscrição seja
lançada apenas na folha do primeiro imóvel, o serviente, a sua existência não pode deixar de
ser acusada na folha do segundo imóvel, o dominante, como direito unido à propriedade do
seu titular, o que se faz pela averbação. Como se vê, a servidão acaba constando logicamente
de ambas as folhas, em uma como ônus do imóvel, em outra como direito dele, direito
subjetivamente real, de sorte que terceiros interessados em conhecer a situação de qualquer
deles ficam aptos a obtê-la de pronto.
Se, simultaneamente como a aquisição de imóvel, se concede a servidão em benefício
do imóvel vizinho do vendedor, por exemplo, a de trânsito, cabe fazer na folha do adquirente
duas inscrições consecutivas, uma da aquisição do imóvel, a outra daservidão. Se, ao inverso,
simultaneamente com a aquisição do imóvel, se obtém uma servidão do imóvel vizinho do
vendedor, então cabe fazer a inscrição da aquisição do imóvel na folha do adquirente e a
nscrição da servidão na folha do transmtente.
Na servidão torna-se necessário que ambos os imóveis sejam individuados, o
serviente e o dominante, devendo a especialização referir-se às partes de um e de outro
ligadas pela servidão quando esta não os atinja por inteiro. Tanto mais oportuna se mostra
essa observação quanto, no presente, devido à arrancada do desenvolvimento econômico, se
avisa por toda parte, o interesse nas antigas servidões rurais, notadamente as de trânsito e de
aqueduto, como reponta novo interesse pelas servidões de eletroduto, de oleoduto e de
mineroduto. A localização das servidões se acha prevista em mais de um preceito legal (Cód.
Civ., arts. 703 e 707).
Se o imóvel serviente sofrer desmembramento, dever-se-á determinar, ao ser este
requerido, se a servidão se exercita na parte desmembrada ou na remanescente, a fim de
averbá-la na que continuar gravada, liberando a que deixar de sê-lo. Caso ambas continuem
gravadas, a averbação da servidão, em respeito à sua perpetuidade e à sua indivisibilidade,
far-se-á relativamente a uma e a outra. Esse procedimento atualizador evita que, por
afrouxamento da vigilância do cartório, se inscrevam erroncamente como livres de ônus
glebas destacadas de maior porção que fora primitivamente onerada.

77 ALVES, João Luiz. Cód. Civ. Ed. Briguiet, 1926. Com. ao art. 697.
78 MONTEIRO, Washington de Barros. Dir. das coisas. 5 ed., São Paulo, Ed. Saraiva. p. 271, nota 22.
79 BEVILÁQUA, Clóvis. Cód. Civ. v.3, obs. ao art. 697; SANTOS, Carvalho. Cód. Civ. int. v. 9, int. do art
697; AZEVEDO, Filadelfo. Registros públicos. n.º 142-146; LOPES, Serpa. Registros públicos. v. 3, n.º 437, p.
126.
O usufruto, em virtude do qual o poder jurídico sobre o imóvel fica dividido
temporariamente entre o proprietário, titular da substância, e o usufrutuário, titular do
proveito, requer duas inscrições consecutivas na mesma folha, uma da nua propriedade, a
outra do usufruto, direito real na coisa alheia, cada qual com o seu número de ordem, dentro
do mesmo livro, ao contrário do que se dava antigamente, quando eram lançadas em livros
diferentes. A extinção do usufruto não dá lugar, pois, a nova inscrição, visto como preexiste a
da nua propriedade, na qual aquele é então absorvido, mas apenas a averbação de
cancelamento, lançada à vista de documento hábil ou de mandado de juiz, após o processo
administrativo.
O documento hábil para o cancelamento é o comprobatório da extinção do usufruto
por um dos meios previstos no Código Civil (art. 739), dentre os quais sobrelevam os
decorrentes da temporariedade do direito e da sua movimentação entre os dois interessados.
No primeiro caso, incluem-se a morte do usufrutuário, o implemento da condição resolutiva e
o advento do termo da sua duração; no segundo, a renúncia, gratuita ou onerosa, do
usufrutuário em favor do nu-proprietário e a venda do imóvel conjuntamente feita por ambos.
Assim como a certidão de óbito do usufrutuário basta para o referido fim, também
satisfaz a escritura pública de renúncia, total ou parcial, do usufrutuário em benefício do
nu-proprietário, ou de venda conjunta dos dois a um estranho. As vezes a renúncia constitui o
objeto único da escritura; outras vezes esse objeto é a venda do imóvel outorgado pelo
nu-proprietário, intervindo o usufrutuário no ato para dar a sua anuência do renunciante.
Tanto na morte do usufrutuário como na sua renúncia, a propriedade consolida-se no
nu-proprietário.
Se, porém, o documento se mostrar insuficiente para a prova da extinção ou houver
necessidade de partilha entre os interessados, então caberá o mandado do juiz após o
procedimento administrativo (Cód. Proc. Civ., art. 1.112, VI ). Esse dispositivo se ajusta
melhor ao registro do que o anterior, cuja redação permitia até entender que o usufruto só se
cancelava por ordem judicial (Cód. de Proc. Civ. de 1939, art. 552), embora a interpretação
limitasse o seu alcance, exigindo o mandado exclusivamente quando a extinção dependesse
de ser apreciada pelo juiz. 80 O dispositivo genérico exarado na nova Lei do Registro prevê a
alternativa, invertendo-lhe apenas a ordem (art. 250).
Ao criar o usufruto forçado de imóvel como meio de pagamento ao credor na
execução, o Código de Processo Civil declarou que ele tem eficácia, assim em relação ao
credor como a terceiros, a partir da publicação da sentença. Apesar disso, previu a inscrição
do seu título, a carta de constituição do usufruto, no Registro de Imóveis (arts. 718 e 722, §
3.º).

O uso, a habitação e as rendas expressamente constituídas sobre imóveis são direitos


reais que poucas vezes passam da previsão legal (Cód. Civ., art. 674, IV, V, VI), o mesmo
ocorrendo com a anticrese (art. 674, VIII). O uso é mais restrito do que o usufruto por limitar
a fruição do usuário às necessidades pessoais dele e da sua família (Cód. Civ., art. 742).
Quando se aplica a uma cara, o uso chama-se habitação (art. 746).
A renda constituída sobre imóvel consiste em prestação periódica recebida por uma
pessoa de outra a quem o imóvel fora entregue precisamente para satisfazê-la (Cód. Civ., art.
1.424). Embora rara na esfera negocial, aparece na esfera judicial como forma de

80 LOPES, Serpa. Registros públicos, 2. ed. v.3, n.º 453, p. 460.


indenização por ato ilícito quando esta inclui prestação de alimentos. Nessa eventualidade, o
devedor pode ser condenado a constituir um capital, representado por imóvel ou por títulos
da dívida pública, cuja renda assegure o cabal cumprimento da prestação (Cód. de Proc. Civ.,
art. 602 ).
A anticrese confere ao credor o direito de perceber os frutos e rendimentos de um
imóvel que lhe é entregue pelo devedor para a amortização da dívida que com ele contraiu. A
amortização pode referir-se à dívida toda ou apenas aos seus juros. A anticrese pode ser
cumulada com a hipoteca em benefício do credor, pelo que às vezes, mas raramente, se
apresenta como pacto adjeto ao contrato de hipoteca (Cód. Civ., art. 805).
Ao aposto do que se observa no tocante aos quatro direitos reais que acabam de ser
mencionados, a promessa irretratável de venda, a eles equiparada talvez por
desconhecimento da existência de outro recurso técnico para chegar ao resultado pretendido,
ganhou tamanha voga que se tornou um instrumento corrente do movimento imobiliário.
Nem por isso foi tratado atentamente pela nova lei, que lhe alternou o nome com o de
"compromisso" e enquadrou a sua cessão em formalidade inadequada.
A promessa de venda do imóvel, em torno da qual girava a controvérsia sobre se tem
ou não efeito compulsório contra o vendedor, acabou fortalecida com a resposta afirmativa
dada pela lei em sucessivas etapas. Numa delas, consagrou-se o efeito compulsório, mas
deixou-se de fora a promessa feita com forma diversa da requerida para o contrato definitivo,
além de não se estender o efeito a terceiros (Cód. de Proc. Civ. de 1939, art. 1.006). Noutra,
incluiu-se a promessa feita sem a forma requerida para o contrato definitivo e estendeu-se o
seu efeito a terceiros, mas se restringiu a sua aplicabilidade ao imóvel loteado (Decreto-Lei
n.º 58, de 1937). Numa terceira, alongou-se a aplicabilidade ao imóvel não loteado, desde
que a escritura, à semelhança da do loteado, seja irretratável a inscrita no Registro de Imóveis
(Lei n.º 649, de 1949).
Ao alongar a compulsoriedade ao imóvel não loteado, a lei generalizadora não
distingue entre a forma pública ou particular da promessa. Ao passo que na lei anterior
alude-se a "escritura", nela refere-se a "contrato", daí se concluindo ter sido intencional a
troca da primeira palavra pela segunda para o fim da dispensa daescritura pública
(Decreto-Lei n.º 58, de 1937, art. 22; Lei n.º 649, de 1949). Nesse entendimento, a promessa
particular, subscrita por duas testemunhas (Cód. Civ., art. 135), iguala-se à pública para os
efeitos de inscrição no Registro de Imóveis e de adjudicação compulsória, inclinando-se
nesse sentido a jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal. 81
A seguir, surgiu nova controvérsia sobre se a promessa irretratável de cessão de
promessa de venda, esta inscrita no Registro de imóveis, poderia ter também efeito contra
terceiros, dada a sua equivalência à cessão de direito real. A resposta da lei acabou sendo

81 O instrumento particular de promessa de venda de imóvel não loteado, dotado de irretratabilidade, por
menção expressa dessa cláusula ou omissão da de arrependimento, torna-se meio idôneo para a inscrição no
Registro de Imóveis, assecuratória da execução coativa, vale dizer, da adjudicação compulsória ao promitente
comprador. A admissibilidade do instrumento particular para esses efeitos, questionada a princípio, foi
reconhecida pelos Tribunais de Justiça e acabou recebendo o beneplácito do Supremo Tribunal Federal (Ac. da
1.ª Turma, de 26.6.1950, no Rec. Ext. n.º 16.682, no DJ de 14.12.1950; Ac. da 2ª Turma, de 19.10.1951, no Rec.
Ext. n.º 19.585 no DJ de 12.10.1953; Ac. da 1.ª Turma, de 31.3.1970, no Rec. Ext. n.º 68.705 na RTJ 53/ 696
e de 9.2.1971 e no Rec. Ext. n.º 71.167 na RTJ 57/ 652, citados por Luiz Polli na Rev. de Dir., Rio, v. 19, p.
220). Esse beneplácito refletiu-se nos expositores de direito (MONTEIRO, Washington de Barros. Direito das
causas. 5. ed. São Saulo, Saraiva, 1933. p. 314; GOMES, Orlando. Contratos. 5. ed. Rio de Janeiro, Forense,
1975), não obstante a antiga opinião em contrário (BATALHA, Wilson de Souza Campos. Loteamentos e
condomínios. v. I, p. 392).
também afirmativa, devido à pressão exercida pelos fatos do problema da habitação no
sentido de estender o efeito contra terceiros aos direitos resultantes da promessa de venda
irretratável. Só com esse predicado poderiam constituir garantia adequada aos
financiamentos destinados à construção, uma vez que estes nao contam com a hipoteca,
outorgável somente por quem já é proprietário (Lei n.º 4.380, de 1969, art. 69; Decreto-Lei
n.º 70, de 1966, arts. 43 e 44).
Portanto, a promessa de venda com cláusula de irretratabilidade, seja o seu
instrumento público ou particular, arma-se, com a inscrição no Registro de Imóveis, para a
execução forçada, podendo versar sobre imóvel loteado, incorporado ou livre de loteamento
ou incorporação. Nos três casos, basta-lhe um só assento na folha do imóvel, já que nesta
preexiste a diferença que separa os dois primeiros do último, consistente na menção ligada
àqueles de achar-se o imóvel primitivo sujeito ao regime especial estabelecido, seja na lei de
loteamento (lote), seja na lei de incorporação (fração de terreno de edificio de apartamento).
Essa promessa irretratável evidencia-se por sua notável freqüência, a ponto de ocupar
a maioria dos assentos no antigo livro, e revela-se particularmente fecunda, porquanto,
devido ao prazo ordinariamente longo do pagamento das prestações do preço, enseja
numerosos negócios sucessivos, promessa de cessão, cessão e caução de direitos aquisitivos,
igualmente assemmelhados a direitos reais. Como esses negócios são gerados pela promessa
irretratável de venda, têm-na como pressuposto, os seus assentos se lançam correntemente
como averbação.
A enfiteuse determinava antigamente dois assentos em livros diferentes, o da
constituição do ônus real no livro n.º 4 e o da aquisição do domínio útil do enfiteuta ou
foreiro no livro n.º 3. Quando se operava a remissão do foro — que é o fato que comumente
sobrevém à relação original estabelecida entre o titular do domínio direto e o titular do
domínio útil —, cancelava-se a inscrição do ônus real da enfiteuse no livro n.º 4 e abria-se
uma nova inscrição (transcrição da propriedade plena no livro n.º 4 e abria-se uma nova
inscrição (transcrição da propriedade plena no livro n.º 3).82
Agora, e enquanto a enfiteuse subsistir, os dois assentos continuarão a ser feitos, mas
no mesmo livro, um em seguida ao outro, ambos abertos aos fatos supervenientes suscetiveis
de atingi-los, notadamente a consolidação da propriedade em favor, quer do titular do
domínio direto pelo comisso (Cód. Civ., art. 693, II), quer do titular do domínio útil pelo
resgate (Cód. Civ., art. 693). Quando se der qualquer desses fatos, posto seja freqüente
apenas o segundo, bastará que se averbe ou o comisso ou a remissão do foro com referência a
um ou outro dos assentos, como ônus que se extingue, sem necessidade de abrit nova
inscrição da propriedade plena em nome dos titulares.
Embora tanto o domínio direto como o domínio útil possam ser objeto de hipoteca
(Cód. Civ., art. 810, III e IV). essa possibilidade não deve levar ao lançamento dos assentos
em folhas diferentes, visto como, em princípio, a folha se abre para determinado imóvel,
quaisquer que sejam os direitos que girem em torno dele, e não para cada um desses direitos.
Demais, a hipoteca do domínio direto é extremamente rara, não se encontrado exemplo dela
na maioria dos cartórios, porque nesse domínio é um direito que se mantém ordinariamente
na sombra, no expressivo dizer do insigne projetista do Código Civil. 83 Se,
esporadicamente, vier a aparecer, coexistirá com a hipoteca do domínio útil e demais
assentos concernentes a este na mesma folha, sem inconvenientes de monta.

82 GARCIA, Lispo. Transcrição. p. 269.


83 BEVILÁQUA, Clovis. Cód. Civ. Rio, Ed. Francisco Alves, 1917. v. 3, obs. ao art. 678.
A individualização da propriedade tem cabimento quando esta foi adquirida em
comum e pode efetuar-se com atos divisórios judiciais ou particulares, uns e outros referidos
nos diferentes números em que a nova lei do registro os previu. Dentre esses atos ocupa o
lugar central a partilha nos inventários e arrolamentos causa mortis, que distribuindo o
acervo hereditário entre os herdeiros, faculta a cada um destes obter um título
individualizador do seu quinhão, que é o formal de partilha.
A inscrição do formal de partilha oferece a peculiaridade de fazer-se, quer o imóvel
quinhoado seja perfeitamente individuado, por haver sido atribuído ao herdeiro em sua
integridade, quer o seja imperfeitamente, pela referência a uma parte aritmética de outro, este
então cabalmente individuado. É que a partilha às vezes importa em divisão real dos imóveis
da herança, mas outras vezes só consegue chegar a uma divisão ideal, em que o mesmo
imóvel é atribuído fracionariamente a mais de um herdeiro. Analogicamente, enquadra-se na
primeira ponta da alternativa o formal de partilha do legatário do imóvel.
Quando a partilha importa em divisão real, às vezes isso só se consegue graças ao
expediente da adjudicação a um dos herdeiros da totalidade de um imóvel que caberia
também a outro. Nesse caso, o formal de partilha do segundo consigna também um
créditocontra o primeiro, correspondente à parte adjudicada do imóvel, para cuja garantia a
lei lhe assegura a hipoteca deste. Daí a necessidade de ser submetido a duas inscrições em
folhas diferentes, uma do quinhão em outros bens, a outra da hipoteca sobre o imóvel do
co-herdeiro devedor (Cód. Civ., art. 827, VIII; cf. art. 1.777).
Assim como o formal de partilha é título declaratório da propriedade do herdeiro,
também o é da hipoteca por ele adquirida contra o co-herdeiro adjudicatório e devedor sobre
o imóvel adjudicado, conforme tornava claro o regulamento imobiliário de 1890, quase
sempre mais explícito do que os posteriores. Esse regulamento dizia textualmente que o
título para a inscrição da hipoteca legal do herdeiro é o formal de partilha e que essa hipoteca
considera-se especializada pela partilha, devendo ser inscrita pelo valor constante dela sobre
o imóvel nela adjudicado ao pagamento do co-herdeiro (Dec.n.º 370, de 1890, art. 200).
Além da partilha resultante do inventário causa mortis, ocorre às vezes outra
conseqüente à separação judicial ou anulação do casamento, a fim de dividir o patrimônio do
casal pelos dois cônjuges, distinguindo o que é de cada um deles. Assim como a primeira está
sujeita a lançamento do Registro de Imóveis, a segunda igualmente está, para manter a
seqüência regular dos donos, pois à comunhão do casal sucede o domínio singular de cada
cônjuge.
Na separação amigável, a partilha consta geralmente dapetição inicial, pelo que
bastará lançar na matrícula do imóvel a averbação da senteça homologatória em virtude da
qual o imóvel será atribuído a um dos cônjuges ou a ambos, caso em que estes passarão à
condição de condôminos (Cód. de Proc. Civil, arts. 1.121 e 1.124).
Se, em qualquer delas, deixa de entrar determinado imóvel, este será objeto de
sobrepartilha, subordinada analogamente ao registro. Conquanto a partilha seja forçosa no
inventário causa mortis, devido ao interesse fiscal ligado ao imposto de transmissão, pode
deixar de sê-lo na separação judicial ou anulação de casamento, em que nada se transmite a
nenhum dos cônjuges, mas apenas se destaca e separa o que é de cada um deles (meação).
Assim, independentemente de sobrepartilha, um imóvel omitido na partilha de
separação amigável pode ser depois transmitido conjuntamente pelos cônjuges, tornados
simples condôminos, sem que o estado de separados, averbado no Registro de Imóveis, o
impeça: é sempre lícito à totalidade dos condôminos alienar a totalidade do imóvel comum. 84
Essa alienação costuma ocorrer com referência a imóvel adquirido pelo casal em prestações,
cujo pagamento só se ultima muito tempo depois da separação.
A semelhança dos quinhões hereditários, os legados de imóveis, em torno dos quais
não haja disputa, são também distribuídos na partilha do acervo, e não em atos especiais de
entrega (Cód. de Proc. Civ., art. 1.022, in fine ). Por conseguinte o título do legatário é
igualmente o formal de partilha. Como o legado, por definção, versa sobre coisa certa, o
legado de imóvel tem sempre por objeto um imóvel definido, e não fração dele, pelo que,
após o registo, o legatário deve ser visto como um proprietário comum.
A premonição de riscos à propriedade completa a defesa desta, implícita na
instituição do registro, trazendo ao âmbito deste a ameaça sobrevinda em razão de
pretensões, quer de tomada do imóvel para satisfação de dívida, quer de negação do seu título
de senhorio. A inscrição dos títulos correspondentes a esses atos judiciais (penhoras, arrestos,
seqüestros; citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias) informa do estado litigioso
do bem a eventuais adquirentes, a fim de caracterizar-lhes a má-fé da aquisição, cumprindo
notar, quanto à da penhora, que faz prova da fraude de qualquer negócio —"transação", diz a
lei — posterior (Lei n.º 6.015, de 1973, art. 240). O ingresso dos casos de apreensão judicial
de imóveis, à vista de documento habilitante, mandado ou certidão, leva a lei a repetir a sua
regra inicial de antecipação das custas (Lei n.6.015, arts. 14 e 239).
O assento desses atos judiciais tem natureza interlocutória e condicional, pois ou se
consolidará ou se desfará no futuro, conforme se julgue ou não procedente a ação judicial de
onde emanou o ato inscrito provisoriamente. Quando esse ato se referir a imóvel loteado, a
inscrição será feita ex offício, por mandado do juiz (Cód. de Proc. Civ. de 1939, art. 348).
A semelhança do que faz com os direitos registráveis sob a epígrafe da inscrição, a lei
também usa do procedimento específico para os casos de averbação, pois antepõe e
enumeração deles no artigo 167, II, à sua fórmula genérica no artigo 246. A fórmula genérica
torna evidente a acessoriedade da averbação relativamente à principalidade da inscrição ou,
noutras palavras, que a averbação pressupõe a inscrição e, portanto, lhe é sempre posterior:
"além dos casos expressamente indicados no item II do art. 167, serão averbadas na matrícula
as sub-rogações e outras ocorrências que, por qualquer modo, alterem o registro"(art.246).
Ao reproduzir um texto tradicional, a fórmula omite agora o vocábulo "cessões",
omissão essa que, aliada ao lançamento de algumas destas entre os casos de inscrição e à
supressão da coluna de averbações no modelo do livro, leva a concluir que as transferências
de direito real passaram definitivamente para a formalidade principal. A formalidade
secundária retraiu-se, de maneira que poderia traduzir-se no presente em enunciado conciso,
segundo o qual a averbação abrangerá toda extinção do direito real ou modificação do
conteúdo deste ou do seu registro.
Dentro do alcance desse conceito incluem-se alguns casos previstos na enumeração
do artigo 167, II, ao passo que outros exorbitam claramente dele, pelo que devem ser
excluídos da lista, já que, por sua principalidade, pertencem inequivocamente à formalidade
da inscrição. De parte estes últimos, os casos verdadeiramente ajustados à averbação se
reduzem aos seguintes, com os números que ali lhes correspondem:

84 Ao passo que ambos os cônjuges podem efetuar a venda de imóvel todo, nenhum deles pode efetuar a venda
da sua parte ideal sem oferecê-la ao outro titular da preferência para comprá-la, por se tratar de coisa legalmente
indivisível, embora partilhável, conforme se infere da combinação dos arts. 1.139, 53, II, e 1.580 do Cód. Civ.
(Ac. da 1.ª T. do STF de 8.10.1945. In: Arq. Jud. v. p. 356).
1— convenções antenupciais e regime de bens diverso do legal que influam
em
registros referentes a imóveis ou a direitos reais pertencentes a qualquer dos
côjuges, inclusive os adquiridos posteriormente ao casamento;
2— extinção dos ônus e direitos reais por cancelamento;
4— mudança de denominação e de numeração dos prédios,
edificação,
reconstrução, demolição, desmembramento e loteamento de imóveis;
5— alteração do nome por casamento ou por separação judicial ou ainda outras
circunstâncias que, de qualquer modo, tenham influência no registro ou nas
pessoas nele interessadas;
7— cédulas hipotecárias;
9— sentenças de separação de dote;
10— restabelecimento da sociedade conjugal;
13— ex officio,nomes dos logradouros decretados pelo Poder Público.

Cada um desses casos subentende a existência de um assento anterior, imóvel ou


direito real de um dos cônjuges (1), ônus ou direitos reais canceláveis (2), prédios
identificados por denominação ou numeração antiga, terreno aproveitado para construção ou
reconstrução ou sujeito a desmembramento ou loteamento (4), alteração do nome do titular
de um direito dominial (5), hipoteca registral utilizada para extração de cédula (7),
constituição do dote sem a qual não há separação (9), dissolução anterior da sociedade
conjugal (10), nomes de logradouros lançados em livros mais revistos pelo Poder Público
(13).
Ao contrário, devem ser excluídos da averbação, para onde foram deslocados
impropriamente, casos realmente principais, não relacionados com assentos anteriores, que
pertubam na atualidade o entendimento do texto nas serventias de imóveis, dois do quais
acrescentados por leis recentes ao final da enumeração (Leis n.ºs 6.850, de 1980, e 6.941, de
1981). A exclusão abrangerá primeiro, a caução de direitos relativos a imóveis, insuscetível
de ser desqualificada de direito real de penhor (art. 167, II, n.º 8); segundo, as sentenças de
separação judicial, de divórcio e de nulidade ou anulação de casamento, quando nas partilhas
existirem imóveis sujeitos a registro, por configurarem atos atributivos ou declaratórios de
propriedade que, como tais, sempre tiveram o seu lugar ao lado dos atos de aquisição desta (
art. 167, II, n.º 14); 85 terceiro, a escritura de ratificação de mútuo com pacto adjeto de
hipoteca e aumento da dívida por importar em constituição de novo direito real (artigo 167,
II, n.º 15).
Além desses casos, a exclusão atingirá mais as deixas dominiais encobertas na
menção das "cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade
impostas a imóveis, bem como da constituição do fideicomisso" (art. 167, II, n.º 11).
constantes de escritura ou de formal de partilha, esses direitos dominiais decorrentes de
doação ou testamento, mas clausulados, inserem-se entre os de aquisição ou de
individualização da propriedade e são, portanto, objeto de inscrição, embora possa

85Cf. FILADELPHO AZEVEDO, Registros Públicos, p. 90;MURILLO RENAULT LEITE, Registros de


imóveis, 1981, p. 32-34; ARNALDO MEDEIROS, Partilha de bens do casal, no Boletim do IRIB N.º 43, P. 2.
ulteriormente tornar-se objeto de averbação a aventual sub-rogação dos bens sobre que
versam (Cód. Civ., arts. 1.676-1.677).
Das duas categorias jurídicas reunidas na menção, o fideicomisso oferece
peculiaridades registrais. Diversamente do usufruto, o fideicomisso, em virtude do qual a
propriedade toca inicialmente a um pré-herdeiro, chamado fiduciário, por cuja morte passa
no herdeiro definitivo, chamado fideicomissário, pede uma só inscrição, a da propriedade
transmitida, apenas alongada com a referência à condição fidelcomissária, que a torna
resolúvel. O cumprimento da condição, liberando a propriedade, dispensa que desta se faça
nova inscrição, pois basta a que fora feita originalmente, desde que à sua margem se lance a
averbação do cancelamento do fideicomisso que antes sobre ela pesava.
Essa é a forma corrente de escrituração do fideicomisso, ensinada e livro
especializado, 86 mas, bem examinada, parece lícito duvidar que seja a melhor. O exame
deve partir da consideração de que, ao contrário do usufruto, que implica em transmissão
conjunta de direitos diferentes, o fideicomisso importa em duas transmissões sucessivas do
mesmo direito. A primeira ocorre com a morte do testador, em virtude da qual o imóvel passa
ao fiduciário; a segunda, com a morte do fiduciário, por força da qual passa deste para o
fdeicomissário, sem falar nos raros casos em que o termo ou a condição tomam o seu lugar
(Cód. Civ., art. 1.733).
Via de regra interpõe-se um longo período entre a aquisição da propriedade pelo
fiduciário e a aquisição seguinte pelo fideicomissário, o que torna às vezes demorada a busca
em livros findos. Ora, é precisamente essa dificuldade de busca pelo passado, que leva o
Código Civil a exigir a renovação da hipoteca após trinta anos da sua aquisição.
Por outro lado, se o fiduciário transmitir o imóvel, à inscrição original em seu nome
seguir-se-ão uma ou mais inscrições em nome dos adquirentes interpostos antes da resolução
do domínio em favor do fideicomissário. Essas inscrições intermédias aparecerão
encadeadas no livro até que, de reprente, surja, atrás delas, outra recuada no passado, porque
presa à inscrição original do fideicomisso.
Por fim, essa inscrição original do fideicomisso se lança de maneira que nela somente
figura o nome do fiduclário, vindo o nome do fideicommissário em averbação, conforme o
mandamento da lei. Daí resulta que, sobrevindo o cancelamento do fideicomisso, fica o
imóvel sem titular declarado no livro.
A fim de obviar a esses inconvenientes práticos, parece acertado admitir, em
correspondência com a sucessividade das transmissões, uma segunda inscrição em nome do
fidelcomissário, quando este adquirir o imóvel. Essa segunda inscrição far-se-á, após o
cancelamento do fideicomisso, com apoio em título judicial extraído do processo de sua
extinção, apenso ao inventário do testador, processo esse ocasionado tanto pela necessidade
certa de pagamento de tributo, notadamente de transmissão, como pela de eventual partilha,
se houver mais de um fideicomissário (Cód. de Proc. Civ., artigo 1.112, n.º VI).
Com o advento do livro do registro geral, a situação não muda, porquanto nele se fará,
de início, a matrícula do imóvel em nome do fiduciário, consignando-se ao pé dela a
averbação do fideicomisso. Ao extinguir-se este, devem ser lançados consecutivamente no
livro o cancelamento da averbação e a nova inscrição (registro) em nome do fideicomissário,
já que, cessado o domínio do fiduciário, surge automaticamente o do fideicomissário. Não
tem cabimento nova matrícula, visto como esta, no sistema de fólio real, se refere ao imóvel e
não ao proprietário.

86 GARCIA, Lisipo. A transcrição. Tit. IX, p. 286.


Por conseguinte, em vez de uma só inscrição, que aproveite a ambos os instituídos,
haverá duas inscrições sucessivas, cada qual feita a seu tempo, que lhes valham nas
respectivas oportunidades, a segunda das quais substitui a primeira. As duas inscrições não se
desvinculam do ato único de onde ambas se originaram. Assim se evita a eventual
descontinuidade dos assentos e se concilia a instituição com o mandamento da sua
averbação, com o que o registro ganha em clareza a segurança.
Quanto aos demais casos de averbação, o das promessas de vendas de lotes e de
apartamentos (art. 167, II, n. 3 e 6 ), já incluídos entre os de inscrição, apoucam-se como
disposições transitórias por se restringirem a loteamentos e incorporações formalizados
anteriormente à vigência da lei. O das "decisões, recursos e seus efeitos que tenham por
objeto atos ou títulos registrados ou averbados" (art. 167, II, n.º 12), deveras inútil, porque só
cabe o cancelamento após sentença passada em julgado (art. 259), abarrota e conspurca o
livro em certas serventias com estranheza do Ministério Público e dos juízes e desespero dos
oficiais, que em vão pedem um corretivo que somente poder vir de outra lei. 87 Se a
averbação dos referidos atos judiciais nada soma, nem subtrai, à eficácia dos títulos
registrados, não pode, em princípio, ser feita. 88
Dentre os desvios assinalados, a lei permite corrigir, por interpretação sistemática, o
dos memorias de loteamento e de incorporação, pois, ao mesmo tempo que, no artigo 167,
submete a inscrição (registro) as "incorporações, instituições e convenções de condomínio"
(n.º 17) e os "loteamentos urbanos e rurais"(n.º 19), já no artigo 178 manda transcrever no
livro de registro auxiliar "as conveções de condomínio" (n.º III). Daí se deduz que irmanados
com estas no primeiro artigo, os memoriais de incorporação e de loteamento assim
continuam para o fim de igualmente sofrerem o mandamento da transcrição no livro auxiliar.
No livro do registro geral far-se-á apenas, na matrícula do imóvel, a averbação da existência
do memorial, a exemplo do que acontecia antigamente quando, à margem da transcrição, se
averbava o memorial (Dec. n.º 55.815, de 1965, art. 12).
A transação ou acordo não traz ordinariamente nenhum acréscimo à lista dos direitos
registráveis, dada a sua natureza declaratória, e não translativa ( Cód. Civ., art. 1.027), mas
pode trazê-lo em dois casos, a saber, quando envolver a transferência de imóvel de uma das
partes à outra como contraprestação, concedida a esta, ou, havendo litígio sobre o imóvel, for
decidido contra parte titular de uma inscrição. No primeiro caso aparece, em sua face
positiva, o direito registrável, que acrescerá ao livro pela inscrição; no segundo, em sua face
negativa, que o subtrairá ao livro pelo cancelamento.89
Quando ambas as partes forem titulares da inscrição, uma por exemplo, por compra e
venda, a outra por adjudicação, está claro que, decidido o litígio em favor de uma delas,
deverá ser cancelada a inscrição da outra. O cancelamento importará na retificação do teor do
registro por não exprimir a verdade (Cód. Civ., art. 860). Conquanto a transação não conste
da fórmula específica dos direitos registráveis (art. 167), apesar de sua equivalência a
contrato, isso não importa, porquanto, no primeiro caso, ela se torna translativa e no
segundo, extintiva de direito real sobre imóvel, caindo por um e outro motivo debaixo da
fórmula genérica da lei (art. 172).
87 Ac. do C.S. de Mag. de SP, de 20. 8. 1976, na Rev. dos Tribs., v. 249, p. 89; Carta de Idalécio Villela Martins
do 2.º Oficio do Registro de Imóveis de Ituiutaba.
88 WOLFF, Martin, Derecho de Cosas, Barcelona, Ed. Bosch, § 31, II, p. 156: HEDEMANN, J. W. Derechos
Reales, ed. da Rev. de Derecho Privado. § 13, p. 99.
89 LISIPO GARCIA, A Transcrição, tít. XIII, p. 233; SERPA LOPES, Registros Públicos, v. IV, n.º 512/ 515;
WALDEMAR LOUREIRO, Registro da Propriedade IMóvel, 5.ª ed., Forense, 1957, v. 1.º, p. 93.
Neste ponto cabe reiterar que a lista dos direitos registráveis é exaustiva e não
exemplificativa, no sentido de que não se admitem outros por analogia dos que foram
expressamente previstos como direitos reais ou conducentes a estes.90 Contudo, a lista não é
fechada no tocante à averbação, porque o art. 246 liberta esse assento da taxatividade ao
prever que sirva para o lançamento de "outras ocorrências, que, de qualquer modo, alterem o
registro". Entre essas ocorrências está a sub-rogação.
A sub-rogação (art.246) não passa de um procedimento em que o imóvel gravado ou
inalienável é substituído por outro ao qual se transfere o gravame ou a inalienabilidade. A
ub-rogação é requerida pelo interessado sob o fundamento de necessidade ou conveniência,
operando-se a substituição do imóvel por venda de um e compra de outro, ou por permuta,
autorizada por alvará do juiz, após os trâmites processuais (Cód. de Proc. Civ., art. 1.112,II).
Na sub-rogação, inscreve-se o gravame (hipoteca, usufruto) ou a cláusula (inalienabilidade,
incomunicabilidade) na folha do imóvel substituto e averba-se o seu cancelamento na folha
do imóvel primitivo.

90 Nesse sentido, acertada é a diretriz seguida pelo Conselho Superior da Magistratura de São Paulo sob os
auspícios do Des. Acácio Rebouças Tem razão o Prof. Walter Cenetiva quando afirma que a regra geral do art.
172 prevalece sobre a lista do art. 167, não quando indica entre as omissões desta a renúncia de herança (Cód.
Civ., art. 589 § 1.º), cujo objeto é uma universalidade, e não um imóvel (Lei dos Registros Públicos Comentada,
Ed. Saraiva, SP , 1979, p. 350).
CAPÍTULO 7

TERMINOLOGIA DO REGISTRO

1. Terminologia do Registro.

2. Desvios terminológicos.

3. Aplicação dos desvios na lei nova.

4. Loteamento. Hipoteca.

5. Inalienabilidade. Fideicomisso. Colação.

6. Esquema de divisão de atos pelas duas formalidades.

O termo registro possui duas acepções, a primeira de ofício público em que se dá a


publicidade dos direitos reais, a segunda de ato ou assento praticado em livro desse ofício
para realizar o referido fim. Ao dedicar o Título V ao Registro de Imóveis, a nova lei registral
emprega o termo registro nas duas acepções, a primeira na epígrafe, a segunda no texto.
Na acepção de ato ou assento praticado em livro de ofício para dar publicidade aos
direitos reais apresenta a maior generalidade, aplicando-se a qualquer um, ainda que na lei ou
na prática este recebe um nome privativo. Tanto serve para o ato ou assento seletivo de
declarações como para o copiativo delas, tanto para o praticado em livro principal, como
auxiliar. Registro é um termo genérico, que cobre vários termos específicos: inscrição,
averbação, transcrição.
Esses três termos específicos designam, desde a Lei Imperial de 1864,
respectivamente, o assento seletivo de declarações ou por extrato, o assento dependente da
existência do anterior, marginal a este, e o assento copiativo das declarações em inteiro teor.
Todavia, o terceiro, além do designar a reprodução integral dos documentos, como acontece
no livro auxiliar e no registro de títulos, costumava ser empregado nas leis civis em lugar do
primeiro. A distorção semântica foi anotada anteriormente e será recapitulada.
Quando, portanto, a nova lei registral anuncia que "na designação genérica de registro
consideram-se englobadas à inscrição e a transcrição a que se referem as leis civis"(art. 168),
outra coisa não faz senão externar um truísmo. Antes da lei, já se consideravam englobadas
na designação genérica de "registro" não só a inscrição e a transcrição, como também a
averbação. Para prová-lo com um exemplo conspícuo bastar citar o preceito relativo à
retificação do registro constante da mais eminente das leis civis (Cód Civ., art. 860).
Aliás, a própria lei registral reconhece que a designação genérica de registro alcança a
averbação, quando dispõe sobre a prenotação de títulos (art. 206), sobre a retificabilidade do
registro (art. 212) sobre as nulidades (art. 214), sobre a eficácia do registro não cancelado
(art. 252), sobre a faculdade de cancelamento concedido a terceiro (art. 253), sobre a
subsistência do título apesar do cancelamento do registro (art. 254). A sua interpretação
sistemática leva, pois, a concluir que a designação genérica de "registro" continua a ser tão
genérica quanto dantes.
Se o legislador teve o intento de restringir-lhe artificialmente o significado, não soube
traduzi-lo no texto, em que a voluntas legislatoris se encontra suplantada pela voluntas legis.
Como, porém, não se há de supor a presença de um dispositivo inútil na lei, o que cabe inferir
é que ele serve para inutilizar a antiga diferença regulamentar entre "transcrição" e
"inscrição". Assim, existe agora liberdade para, entre os dois, preferir "inscrição" para
designar doravante todo assento principal, seja transmissivo da propriedade, seja constitutivo
de ônus real.
Noutras palavras, o regulamento anterior destinava "transcrição" aos atos
transmissivos da propriedade e "inscrição" aos atos constitutivos de ônus real, continuando a
endereçar "averbação" aos atos modificativos posteriores de uns e outros. Agora, os atos de
transmssão de propriedade e os de constituição de ônus real, uns e outros, podem ser
indicados pelo termo "inscrição" empregado pela própria lei com referência ao ato
constitutivo da hipoteca (arts. 189 e 270) e do bem de família (arts. 263 e 265),... subsistindo
"averbação" para os atos modificativos.
Ao introduzir o novo termo "matricula" , a lei registral teve razão bastante para o
fazer, qual a de distinguir, no fólio real, a primeira inscrição, que é a da propriedade do
imóvel, de qualquer outro subseqüente, a que servirá naturalmente de base, Não teve, no
entanto, habilidade para o fazer, pois a deixou solta, no cabeçalho do artigo referente aos
direitos registráveis e do livro de "registro geral" (art. 167, caput; art. 231, I), sem lhe ligar
expressamente nenhum efeito.
Ora, importava, ao invés de deixá-la avulsa, sem relevância declarada, a não ser
escritural, caracterizá-la precisamente como primeira inscrição, a fim de que, nessa
qualidade, tivesse a eficácia que lhe atribuem as leis civis. Nenhuma destas preceitua que a
propriedade se transmite pela matrícula, como tampouco chega ao extremo de atribuir a esta,
no Registro de Imóveis, a força probante absoluta que lhe é inerente no registro Torrens.
Daí a necessidade de corrigir, pela escrituração adequada como primeira inscrição, o
lapso da lei registral, para o que já se deu um passo, ao eliminar-se do cabeçalho a descrição
do imóvel, conforme sugerira em comentário à segunda versão de seu texto,antes da
republicação integral. Descendo a descrição de imóvel para o corpo da folha, aí logicamente
integrará a primeira inscrição, sanando-se dessa maneira uma falha realmente perturbadora.
A não ser, pois, a introdução do termo "matrícula", insígnia honorífica da primeira
inscrição do imóvel, a terminologia atual permanece inalterada, cumprindo apenas
empregá-la com propriedade, o que se torna mais fácil com o advento do fólio real. A
"inscrição" e a "averbação" deitam raízes na Lei Imperial, desde onde pode ser acompanhado
o seu conceito, que, salvo discrepâncias circunstanciais, se pode considerar consolidado.
Embora uma e outra cubram mutações jurídico-reais, a primeira destina-se a certas
mutações e a segunda a outras diversas. A inscrição, nela absorvida a transcrição discrepante,
cobre as aquisições e onerações de imóveis, que são os assentos mais importantes, ao passo
que a averbação cobre os demais, que alteram por qualquer modo os principais. A
nomenclatura binária condiz com a diferença entre a principalidade dos primeiros atos e a
acessoriedade dos segundos.
Essa diferença, derivada da consideração recíproca dos atos, implica outra de
natureza temporal, pois o que altera é necessariamente posterior ao alterado. Assim,
pressupondo a inscrição, a averbação lhe é posterior, devendo consignar fatos subseqüentes.
A nova lei registral confirma esse conceito, visto como, após referência a casos expressos de
averbação, a prevê para "as sub-rogações e outras ocorrências que, por qualquer modo
alterem o registro" (art.246).
O conceito vem de longe, deduzido dos atos submetidos a averbação no registro
hipotecário, tais como baixas, extinções, cessões, transferências para outros bens e qualquer
outra alteração ou novação do contrato ou da obrigação hipotecaria. 91 A dontrina mais
autorizada já então o ensinava, ao prever que "depois de feita a transcrição podem ocorrer
fatos que a modifiquem ou tornem de nenhum efeito". 92
A averbação não muda nem a causa nem a natureza de titulo que deu origem à
inscrição, não subverte o assento original, tão-somente o subentende. A estrutura de uma
inscrição não pode, portanto, ser mudada pela averbação de um ato retrooperante, podendo
apenas servir de substrato a um ato que, reconhecendo a sua existência inteiriça, em um
instante do tempo, daí parte para dar-lhe nova figura em instante ulterior.
Quer isto dizer que não se pode, por averbação, recuar no tempo e proceder à
mudança dos elementos originais da inscrição a saber, os seus sujeitos, ativo e passivo, o seu
objeto e o seu titulo causal. Assim como não é permitido trocar por averbação o sujeito,
declarando que não foi o indicado, mas outro, que agora se indica, ou o imóvel, declarando
que não foi o descrito, mas o que agora se descreve, também não se pode trocar o título
causal, declarando que não foi o nomeado, mas o que agora se nomeia. Em suma, a averbação
não serve, como a tecla de retrocesso de maquina de escrever, para fazer corrigendas, em que
se substitua o adquirente A por B ou o imóvel X por Y ou o título aquisitivo oneroso por
gratuito (venda por doação ou vice-versa).
O conceito pode ser ilustrado com a decisão judicial de uma dúvida levantada acerca
de requerimento em que se pretendeu "averbar" uma escritura de retificação, pela qual se
substituia o outorgado de uma escritura de venda anterior. Nesta o adquirente era uma firma,
representada por certa pessoa, e na retificada era essa pessoa por si mesma, sem a qualidade
de representante, por se alegar quea firma não chegou a ser criada. Com acerto decidiu-se que
por averbação não se pode alterar a substância da inscrição, substituindo titulares de domínio.
93
Não é lícito, portanto, tentar fazer por averbação a mudança retroativa dos elementos
originais de um assento, mas apenas a mudança sucessiva, que, pressupondo-o com a sua
natureza e o seu título causal, lhe traga modificações apenas de conteúdo do Direito
(desmembramento, construção, prorrogação de prazo) ou determine a sua extinção. Com
esse sentido de modificação e de posterioridade é empregado o termo freqüentemente em
nossas leis, tanto de direito privado como de direito público (Cód. Civ., arts. 817, 833, 850 e
parág. único do art. 1.067; Dec. n.º 5.481, de 1928, art. 1.º, parág. único; Dec.-lei n.º 9.760,
de 1946, art. 116, § 1.º etc.).
Como a modificação incide sobre atos jurídicos, tem a sua amplitude naturalmente
limitada pelos elementos subjetivo, objetivo e instrumental desses atos, achando-se nos
extremos da sua pequena escala de variação os fatos extintivos, como as renúncias de
domínio, e os reforçativos, como a consolidação dele pelo usucapião ordinário, que estabiliza
a inscrição anterior, assegurando a sua plena validade. 94 Variando dentro dessa escala de
atos modificativos, no direito material, a averbação sempre teve, no entanto, uma posição

91 Teixeira de Freitas. Consolidação, arts. 1.300-1.303.


92 Lafayette. Dir. das cousas. Rio. ed. Garnier, 1877. § 54, averbações, cancelamento, p. 152 et seq.
93 MENDONÇA, Antonio Barreto de. A dúvida nos registros públicos. p. 37-39.
94 LOPES, Serpa. Registros públicos. 2. ed. Rio, Ed. A Noite, v. 4, n. 506 in fine.
fixa no direito formal, isto é, à margem do assento sobre o qual o ato modificativo influi, o
que bem se compreende por ser um assento "por verba".
Do passagem, convém advertir que permanece na nomenclatura registral o termo
"transcrição" como o significado claro que sempre teve de cópia integral do documento,
verbo ad verbum, pois apenas perdeu o sentido translato que o assemelhava à "inscrição"
como modo de adquirir a propriedade. O termo "transcrição", empregado no capítulo relativo
ao registro de títulos da lei registral para designar mais precisamente a transladação do
documento ( arts. 127, 142 e epígrafe do capítulo III), é o apropriado para o mesmo fim no
livro auxiliar do Registro de Imóveis (arts. 177-178), onde deixou de ser usado talvez devido
a um respeito supersticioso do estatuído sobre o englobamento (art. 168).
A terminologia do registro tem sofrido, porém, vários desvios, ora usando-se o
mesmo termo para designar atos diversos, ora variando-se do termo para designar os mesmos
atos. As anomalias provêm de descaso legislativo quer simplesmente de linguagem quer de
entrosamento entre a lei e o seu mecanismo executivo. A falta de articulação prévia entre o
texto e o seu mecanismo executivo redunda, não raro, em adotar o primeiro, para pronta
solução do problema, com sacrifício do segundo, sobretudo da terminologia.
Essa segunda causa merece ser posta em relevo, porque quebra a unidade que deveria
existir entre o Direito Material e o Direito Formal do registro e repercute danosamente na
diversidade dos livros e dos designativos dos seus assentos. Do mesmo modo que os livros
tradicionais do nosso registro, ordenados por direitos, diferiam radicalmente dos
subseqüentes livros de loteamentos e de incorporações, ordenados por imóveis, também
radicalmente diferiam de sentido os mesmos designativos, conforme fossem empregados nos
primeiros ou nos últimos.
A nova lei do registro unificou os livros tradicionais no fólio real, o que foi meritório,
embora de cambulhada haja metido nesse livro os de loteamentos e incorporação. Não se
preocupou em uniformizar a terminologia pela eliminação de anomalias. Ao contrário, até
timbrou em evidenciar-se pela adoção da mais graduada dentre elas, o uso do termo
"registro", designativo do gênero, para nomear uma de suas espécies, a "inscrição", como se
essa simplicidade a recomendasse perante a lógica e o bom senso.
A inegável vantagem envolvida no advento do chamado "registro geral" ficou assim
amortecida pela sua conjunção com um termo impreciso para denominar os seus assentos,
assim como pelo próprio modelo do livro, cujas vicissitudes iniciais demonstram que não
teve estudo prévio. Tanto assim que destoa do mandamento do texto no tocante ao cabeçalho,
a fim de possibilitar o preenchimento da folha, que deve fazer-se em forma narrativa, sem
coluna para o lançamento marginal da averbação. Doravante, a averbação, que ficava anexa
ao assento a que dizia respeito, ocupará um lugar longe dele, lançada da mesma maneira que
a inscrição, na mesma posição do livro, de sorte que dela se distinguirá apenas pela
abreviatura que lhe será anteposta (AV).
Seja como for, permanecendo o termo "averbação" com o mesmo conceito de
posterioridade embora com diverso posicionamento, sob a sua epígrafo deviam entrar os atos
indicativos somente de modificação, mas isso não acontece.
Por outro lado, ingressaram debaixo da epígrafe da inscrição (registro) tanto as
promessas originais como as derivadas (cessões), quando estas antigamente se
encaminhavam para debaixo da epígrafe da averbação (art. 167, I, n.º 9, 18 e 20).
A comparação entre o presente e o passado mostra que, dentre os devios anteriores,
foi corrigido apenas um, referente à extinção da propriedade, quando a lei nova encaminhou
para a averbação todos os casos de extinção de ônus e direitos reais ( art. 167, II, n.º 2).
Dessa maneira, que não prima pela limpidez, desfez-se o equívoco do regulamento anterior,
que, reproduzindo o do Código Civil acerca do abandono da propriedade e do domínio útil,
endereçava à inscrição os atos renunciativos da propriedade imóvel (Cód. Civ., § 1.º do art.
589 e art. 687 in fine : Dec. n.º 4.857, de 1939, art. 178, b, X, in fine).
Ora, o abandono e a renúncia da propriedade, ou apenas do domínio útil, deve ser
objeto de averbação, porque toda extinção de direito, em regra, o é. Assim como a criação de
direito se encaminha para a inscrição, a extinção ou cancelamento se dirige para a averbação.
Essa é a norma seguida pelo próprio Código Civil com referência à extinção da servidão, do
penhor e da hipoteca (Cód. Civ., arts. 708, 796, parág. único, e 850). Comentando a
disposição acerca da renúncia do domínio útil, constante do Código Civil, um dos mais
lúcidos expositores do direito registral bem cedo advertia que o ato a praticar no registro em
virtude dela "não é uma inscrição, mas uma averbação, que deve ser feita à transcrição da
enfiteuse, cancelando-a", com o que se operará a consolidação dos dois domínios. 95
Afora esse caso de emenda, subsistem os demais desvios, já crônicos, em virtude dos
quais se usa o termo "inscrição" tanto para atos primários, inerentes ao seu conceito, como
para atos secundários, estranhos a ele, como as cessões de promessas contratuais embora essa
extensão se legitime agora com o modelo de livro; o mesmo termo "averbação" tanto para
atos secundarios, acordes com o seu conceito, como para atos primarios, discordantes dele,
como doações e deixas inalienáveis e bem assim deixas fideicomissárias.
Talvez a cronicidade dos desvios seja a escusa para a sua subsistência. Na verdade a
nomenclatura das formalidades de Registro de imóveis foi, desde começo, imprecisa e,
portanto, confusa. A semelhança da Lei Imperial, o Código Civil empregava a palavra
"transcrição" tanto para a transmissão como para a oneração dos imóveis, embora não tivesse
cabimento nem para uma nem para outra, reservando a palavra "inscrição" apenas para a
oneração hopotecária, ai com toda propriedade (Cód. Civ. arts. 856, n.º III e IV).Após o
Código Civil, a lei do penhor rural e em seguida a do penhor industrial mandavam fazer a
"transcrição" do penhor (Lei n.º 492, de 1937, art. 2.º; Decreto-lei n.º 1.271, de 1939, art. 2.º).
Apesar das duas palavras não se distinguirem entre si, pelo menos se distinguiam
nitidamente da "averbação", pois o Código Civil e demais leis sempre usavam essa terceira
palavra no significando único de anotação à margem da transcrição ou inscrição. Pois bem, a
confusão reinante entre as duas primeiras acabou por contaminar a terceira, já que, em certo
momento, passou a existir também entre "inscrição" e "avebação". A lei do loteamento
mandou fazer a "inscrição" do memorial do loteamento, que não dá nem tira direito, e a
"averbação" das promessas de venda de lotes, que dão ao promitente comprador um direito
real (Dec.-lei n.º 58, de 1937, art. 5.º ). A exemplo dela, a Lei do Condomínio e das
Incorporações mandou também dazer a "inscrição" do memorial de incorporação, que não dá
nem tira direito, e a "averbação" das promessas de venda dos apartamentos, que dão ao
promitente comprador um direito real (Lei n.º 4.591, de 1964, §§ 1.º e 2.º do art. 32).
Daí por diante "transcrição" designava a transmissã, mas também a oneração;
"inscrição" designava "oneração", mas também anotação marginal; "averbação" designava
anotação marginal, mas também oneração. Aí está o ponto a que chegou a confusão da
nomenclatura do Registro de Imóveis, devido ao desapreço com que sempre foi visto pelos
nossos juristas o Direito Formal do registro, votado a tarefas consideradas menos relevantes,
como a escolha do livros e de nomes.

95 GARCIA, Lisipo. A transcrição. p. 266; Azevedo Filadelfo, Registros públicos. Rio, ed. Fluminense, 1924.
n. 143, p. 122, 131 e 156.
A confusão entre as duas primeiras palavras terminou com o advento do regulamento
dos registros públicos, baixando com o Decreto n.º 4.857, de 1939, que escolheu
"transcrição" para designar somente a transmissão ou aquisição de propriedade e "inscrição"
para indicar exclusivamente a sua oneração. Todavia, perdurou a confusão entre "nscrição" e
"averbação" , pois o regulamento mandava fazer a "inscrição" do memorial do loteamento e a
averbação dos contratos de promessa de compra e venda de terreno loteado. Daí resultava a
incoerência deserem as promessas de venda de imóvel sujeitas simultaneamente a duas
formalidades diferentes, "inscrição" , se o terreno não fosse loteado, e "averbação", se o
fosse, para o mesmo efeito da constituição do direito real em favor do promitente comprador
(Dec.-lei n.º 4.857, de 1939, art. 178, letra A, n.º VIII e letra C, n.º VI, letra A, n.º XIV e letra
C, n. VI).
Foi pena que a lei de loteamento, cujo reconhecido mérito sob o aspecto social é
apenas empanado pelo demérito econômico envolvido na urbanização inconsiderada de
terras agricultáveis, 96 tivesse incorrido nesse descaminho, perturbando os significados
definidos e tradicionais de duas formalidades com uma invasão mútua. Nem cabia o uso da
palavra "inscrição" para o assento do memorial do loteamento nem tampouco o da palavra
"averbação" para o da promessa de venda de lote.
Com efeito, o assento do memorial do loteamento não opera qualquer mutação
jurídico-real relativamente ao imóvel, não aumenta nem diminui o valor do seu título de
domínio, mas meramente possibilita ao adquirente de lote a prestações o exame do referido
título. A interposição do Registro de Imóveis, no caso, assemelha-se à de um corretor
oficioso, que facilita ao adquirente o exame do título do vendedor sem garantir a liquidez do
seu domínio.
Como o processo do assento do loteamento admite impugnação de terceiro, que,
quando fundada em direito real devidamente comprovado, tem eficácia obstativa
(Decreto-lei n. 3.079, de 1938, art. 2.º, § 3.º; Cód. de Proc. Civ., art. 345, § 1.º), a ausência de
uma impugnação dessa natureza faz supor que a propriedade do imóvel a ser loteado se acha
imune a contestação. Do assento decorre, portanto, uma suposição razoável, uma
probabilidade satisfatória, mas nenhuma certeza ou garantia, visto como ele constitui o fecho
de um processo administrativo que não é destinado a apurar a liquidez da propriedade, a
sanar os seus eventuais vicios.
Dessa maneira, o assento do loteamento dá a conhecer ao público a prova da
propriedade do imóvel a ser loteado, mas nada acrescenta nem tira a essa prova. Não é ele
efetuado para purgar o domínio do loteante, mas para exibi-lo, como existe, aos promitentes
compradores. Em suma, o assento do memorial do loteamento, chamado impropriamente de
"inscrição", não dá nem tira o direito.97

Tanto assim que, depois de efetuado, o loteante pode voltar atrás, desistir do
loteamento e, por ato voluntário, mandar cancelá-lo, sem prestar contas a quem quer que seja,
a menos já haja celebrado contratos de promessa de venda, que, por criarem, estes sim, um
direito real, precisam ser respeitados (Lei n.º 6.015, de 1975, art. 255). Aliás, a própria lei
evidencia a neutralidade juríco-real da chamada "inscrição do loteamento", ao dizer que ela
não dispensa nem substitui o registro "dos atos constitutivos ou translativos de direitos reais

96CARVALHO, Afranio de. Reforma agrária. Rio de Janeiro, Ed. Cruzeiro, 1963.p. 36.
97Parecer do Procurador Geral Romão Cortes de Lacerda na Gazeta Jurídica de 23.8.1938; Lopes Serpa.
Registros públicos. 2. ed. Rio, Ed. A Noite. v. 3, n. 416, p. 53.
na forma e para os efeitos das leis e regulamentos de registros públicos" (Dec.-lei n.º 58, de
1937, art. 8.º).
Se a chamada "inscrição" do loteamento apresenta essa característica de neutralidade,
se não dá aos promitentes compradores a segurança do domínio do loteante, dá-lhes,
contudo, a segurança de que os lotes que lhes foram prometidos não serão alienados a
outrem: é uma segurança negocial, não dominial, é uma segurança do futuro, não do passado.
Noutras palavras, a chamada "inscrição" do memorial do loteamento habilita apenas o
registrador a exercer o policiamento ou fiscalização de um plano de vendas de lotes em
prestações ao público.
Bem se percebe, pois, que as duas palavras foram empregadas às avessas, quando a
lei de loteamento mandou fazer a "inscrição" do memorial do loteamento e a "averbação" das
promessas de venda dos lotes. A subversão terminológica, trazida pela lei e reproduzida no
regulamento dos registros públicos, foi parcialmente corrigida pela nova Lei do Registro que
mandou fazer a inscrição de todas as promessas de venda ( art. 167, I, n.º 9, 18 e 20), mas, por
outro lado, estendeu a inscrição não só às cessões de promessa, mas até aos memoriais de
loteamentos e incorporações, ao invés de submetê-los à averbação (art. 167, I, n.º 17 e 19).
Com isso, eliminou-se, pelo menos, a incoerência atrás apontada, passando todas as
promessas de venda de imóveis, loteados ou não, a ser subordinadas apenas à formalidade da
"inscrição".
No regulamento anterior a forma de escriturar o loteamento implicava em quebra de
natural relacionamento entre cada inscrição e a sua averbação, fazendo com que a primeira,
lançada à esquerda, aparecesse, por sua unicidade, em uma só folha, ao passo que a segunda,
lançada à direita, se alongasse, por sua multiplicidade, em folhas e folhas sucessivas. Essa
perda de contato espacial entre uma e outra, quando a segunda devia ser marginal à primeira,
dificultava quase sempre o encontro do nexo jurídico existente entre ambas, chegando a
ponto de tornar inextricável o livro.
Admitida por nomeação entre os direitos reais, a promessa de venda irretratável
tornou-se geratriz de outros direitos, que a princípio não lograram ingresso no Registro de
Imóveis, porque nenhuma lei lhes reconhecia o caráter real, insuscetível de lhes ser atribuído
pelas partes, nem tampouco lhes inseria o nome entre os registráveis, Assim, a "promessa de
cessão de promessa de venda", apesar de buscar constantemente o registro, era sempre dele
afastada liminarmente pelos registradores e juízes. 98
Contudo, a pressão exercida pelos direitos derivados da promessa de venda, cuja
superveniência a duração comumente longa do contrato basta para explicar, acabou forçando
a lei a acolhê-los como direitos reais registráveis. Ao acolhê-los, porém, a lei habitacional
cometeu também o engano vocabular de prever a "inscrição", em vez da averbação, da cessão
e da promessa de cessão, quando então se inscreviam as atribuições de direitos reais, mas se
averbavam as suas transferências, efetivas ou prometidas, que subentendem aquelas (Lei n.º
4.380, de 1964, art. 69). A troca de posição foi mantida na nova lei de registro.
Além da promessa de venda, a lei acabou também assemelhando a direito real a
cessão de crédito da construtora contra o comprador de unidades habitacionais constantes de
projetos a que as Caixas Econômicas hajam concedido financiamento. Para garantia desse
financiamento, a construtora antecipa à financiadora a cessão judiciária dos direitos de

98 Provimento da Corregedoria de Justiça do DF. In: Waldemar Loureiro, Registro da Propriedade Imóvel,
5.ed., Ed. da Rev. For., n. 118, p. 174; Despacho de Juiz Serpa Lopes in op. cit., n. 170, p. 256-258; Lopes Serpa
. Registros públicos, 2. ed. Rio, v. 3, n. 483, p. 222.
crédito contra os compradores das futuras unidades habitacionais e, à medida que estas são
negociadas, efetiva a cessão antecipada. Assim, se a construtora descumprir o contrato com a
financiadora, esta se acha arma pela cessão de crèdito para exigir diretamente dos
compradores das unidades habitacionais as prestações de preço por eles devidas, isto é, a
exercer um direito pessoal, que em nada afeta o imóvel (Lei n.º 4.864, de 1965, art. 23, § 1.º).
Pois bem, apesar de tratar-se de um direito puramente pessoal, surgido do
relacionamento entre a construtora e a financiadora, a que o comprador do imóvel é estranho,
a lei faz nascer do inadimplemento da construtora um direito real da financiadora sobre o
imóvel comprado! Embora a atipicidade desse direito real o torne censurável desde o seu
aparecimento, o certo é que continua a macular a legislação (Decreto-Lei n.º 70, de 1966,
parágrafo único do art. 43).
Ao passo, porém, que prevê a incrição da promessa de venda, a nova lei de registro
incoerentemente prevê a averbação "da caução e da cessão fiduciária de direitos relativos a
imóveis"(art. 167, II, 8). 99 Na prática, averbada a cessão fiduciária não se apresentam em
seguida para inscrição os contratos de venda a prazo, mas, decorrido certo tempo, aparecem
as escrituras definitivas de venda e compra nas quais comparecem: a financiadora, para
desligar a unidade da garantia hipotecária e declarar extinta em relação a ela a cessão
fiduciária; a empresa construtora para vender a unidade; e o comprador para reconhecer a
dívida do preço à financiadora e dar-lhe em hipoteca a unidade comprada. 100
A exemplo da propriedade, a hipoteca, como direito real, só se adquire pela inscrição
no registro do título em que se constitui (Cód. Civ., art. 676). Conquanto a linguagem
corrente aluda a título aquisitivo da propriedade e a título constitutivo da hipoteca, o certo é
que esta, ao mesmo tempo que se constitui, também se adquire. Daí poder aludir-se
igualmente, até por ser mais claro, devido ao correlacionamento com o outro, a título
aquisitivo da hipoteca.
Como direito real da garantia, a hipoteca pressupõe dois elementos essenciais, a
dívida, que uma pessoa contrai com outra, e a garantia que lhe oferece para assegurar o
pagamento, representada por um imóvel. É o contrato estipulado com esses dois elementos
que, para vincular efetivamente o imóvel ao pagamento, para constituir deveras o direito real,
está sujeito à inscrição no Registro de Imóveis.
Se, entre as mesmas pessoas, se celebra um contrato sucessivo para fazer surgir uma
dívida adicional, ou uma garantia adicional, aquela e esta dependentes de especialização,
entende-se que assim se estipula um novo direito real, cuja constituição requer fique o
contrato subordinado igualmente à inscrição no Registro de Imóveis. Essa foi a interpretação
vitoriosa do art. 812 do Código Civil, que, para a constituição de outra hipoteca, ainda que o
favor do mesmo credor, exige em seqüencia "novo" título e nova "inscrição".
Graças a essa interpretação, consagrada pela jurisprudência, firmou-se a sistemática
do Código Civil acerca do que pode ser considerado "modificação" de direito preexistente e
do que deve ser reputado "constituição" de direito real novo. Não vingaram em juízo as
tentativas de fazer passar como modificação, sob o eufemismo de aumentos da dívida, os
mútuos seguintes ao primeiro, que o mesmo credor conceda ao mesmo devedor, os quais
levam à constituição de novos direitos reais. Assim se estabeleceu a exigência da inscrição

99 Maria Helena Leonel Gandolfo, Cessão Fiduciária, no Boletim do IRIB, N. 42, P. 1.


100 O Dr. Antonio Ramos de Melo me informou que, quando em exercício no 5.º ofício de imóveis do Rio de
Janeiro, sempre submeteu a "caução" à formalidade da inscrição (registro), e não da averbação.
nas hipótecas aventáveis acerca dos elementos essenciais da hipoteca, que são estas: a)
aumento apenas da divida; b) aumento da divida e da garantia.
A fim de que se aprenda com rapidez o acerto da exigência da inscrição na primeira
hipótese, que foi a questionada em juizo, basta lembrar que entre o primeiro e o segundo
mútuos, também chamados agora financiamentos, podem se interpor hipotecas constituídas
em favor de terceiros, que ficariam prejudicados, se se aceitasse a smples averbação do
segundo à margem da inscrição do primeiro. Não é justo que a soma dos dois goze de uma
prioridade que só deve ser atribuída à parcela do primeiro.
As modernas leis concernentes aos títulos de crédito rural e industrial seguiram em
geral a sistemática do Código Civil, determinando que o instrumentos jurídicos por elas
especificamente destinados aos financiamentos rurais e industriais, dotados de garantia real,
ficam sujeitos à inscrição no Registro de Imóveis. Esses instrumentos são formulários
próprios, que, dispensando escritura pública ou particular, contém a estipulação da obrigação
e a constituição do direito real, pelo que, uma vez preenchidos e inscritos, ficam, como títulos
à ordem, aptos a circular por endosso: são as cédulas hipotecárias e pignoratícias rurais e
industriais.
A semelhança do comum, a hipoteca cedular, rural ou industrial, é assim também
sujeita a inscrição. Contudo, a lei da cédula industrial, distinguindo as duas hipóteses que
ficaram atrás indicadas, deu à primeira delas um tratamento diferente do aplicado à segunda,
pois, ocorrendo apenas o aumento da dívida, admitiu a "averbação" da hipoteca cedular
sucessiva entre as mesmas partes.
Com efeito, prevendo dois contratos sucessivos de financiamento hipotecário entre a
mesmas partes, a lei manda que, à margem da inscrição do primeiro, se faça apenas a
averbação do segundo. Noutras palavras, a primeira cédula hipotecária em que se contrata
certo financiamento, será objeto de "inscrição", mas a segunda, em que se contrata um
financiamento adicional, sê-lo-á apenas de "averbação", a menos que se vinculem novos bens
à garantia (Decreto-lei n.º 413, de 1969, art. 50).
Com essa discrepância quebra, não há negar, a sistemática do Código Civil, mas, pelo
menos, acautela o direito de terceiros, vedando a averbação toda vez que em favor deles se
tiver constituído intercorrentemente outra hipoteca. Após dizer a cabeça do artigo que, em
caso de mais de um financiamento, poderá o vinculo do primeiro estender-se aos demais,
reputando-se uma só garantia com cédulas industriais distintas, ressalva em parágrafo que
não será possível a extensão "se os bens já houverem sido pbjeto de novo ônus em favor de
terceiros" (§ 3.º do art. 50).
Além das cédulas hipotecárias incorporantes da garantia real, rurais e industriais,
existem outras extraídas da garantia real, vale dizer, da hipoteca: são as cédulas hipotecárias
habitacionais. Embora com a mesma denominação, essas cédulas diferem das outras, visto
como subentendem escrituras anteriores da hipoteca, públicas ou particulares sujeitas, como
quaisquer escrituras comuns, à inscrição no Registro de Imóveis, das quais, após essa
formalidade, se extraem então as cédulas hipotecárias para que, como títulos representativos,
passem a circular por endosso.
Assim, feita a "inscrição" da escritura de hipoteca, o fato posterior da extração da
cédula hipotecária, que é nominativa e endossável em preto, constitui naturalmente objeto de
averbação. A averbação da cédula anuncia aos interessados que a hipoteca passou a ter
circulação fora do Registro de Imóveis, de modo que as suas transmissões devem ser
buscadas nos endossos, os quais, todavia, podem ser reconduzidos, por meio de averbação,
ao registro, onde o cancelamento da inscrição somente se operará à vista do título quitado
(Decreto-lei n.º 70, de 1966, arts. 9-27).101
Dados esses esclarecimentos, compreende-se que o registro admita simultaneamente
a "inscrição" das cédulas hipotecárias e pignoratícias, tanto rurais como industriais ( art. 167,
I, n.º 2), e a "averbação" das cédulas hipotecárias habitacionais (art. 167, II, n.º 7). No
primeiro caso, a cédula é de constituição da hipoteca ou do penhor, é a hipoteca ou o penhor
ao vivo, ao passo que no segundo a cédula é de representação da hipoteca, é a hipoteca em
imagem, extraída do natural. No primeiro caso, há a criação da hipoteca ou do penhor,
mutação jurídico-real, e daí a inscrição; no segundo caso, há apenas incorporação da hipoteca
preexistente, e daí a "averbação".
A cessão da hipoteca serviu de núcleo, há tempos,a movimentada controvérsia, que
pôs em dúvida a formalidade a que se encontra submetida no registro, em face do texto do
Código Civil, que faculta a sua averbação à margem da inscrição da hiporeca (§ único do art.
1.067) . Questionou-se sobre se cabe deveras a averbação ou a inscrição ou transcrição, já
que esta é a formalidade adequada à transferência de imóveis, aos quais se equiparam direitos
reais sobre imóveis (Cód. Civ. , art. 44, I).
Das várias questões decididas por julgados divergentes, resultou a convicção de que o
texto facultativo, redigido imprecisamente, representa um retrocesso, pois o Regulamento n.º
370, de 1890,no art. 255, tornara obrigatória a "averbação"da cessão da hipoteca. Curioso é
que o insigne revisor da redação do projeto do Código Civil que, por tradicionalismo, já
restaurara antes,e infelizmente, o termo "transcrição", para designar a "inscrição", aqui se
absteve de intervir, pois, após emendar o fraseado do artigo, deixou passar incólume o seu
parágrafo único, sem arredar o duplo radical "inscrever" e "inscição", trocando o verbo
genérico por "averbar". 102
Não havia razão para a incerteza, apesar da frouxidão da linguagem. A verdade é que
o que se transfere é o crédito e, se a hipoteca o acompanha, é porque constitui acessório dela.
A cessão do crédito está no primeiro plano, vindo no segundo, no seu séquito, a da hipoteca.
Não há necessidade de transcrever ou inscrever a escritura de cessão, porque não transfere
nenhuma propriedade, como não a transfere nem a própria escritura de hipoteca.
A admitir-se, no regime anterior, a necessidade da transcrição ou inscrição da cessão
de crédito hipotecário, implicitamente se admitiria que, consumada a cessão, desapareceria a
hipoteca, pois a tanto equivale exigir nova inscrição. Ora, isso é absurdo, visto como a cessão
não importa em pagamento, de sorte que não habilita o devedor a pedir a baixa da hipoteca.
Logo, consistindo a mutação jurídico-real na simples mudança de credor, a formalidade
própria para consigná-la no registro, para aí lançar o cessionário no lugar do cedente, era a
averbação.103
Esse episódio judiciário, alimentado por decisão do tribunal mineiro, que mandou
transcrever a cessão da hipoteca, em vez de averbá-la, documenta bem o alheamento dos
espíritos à necessidade de entrosar as disposições de Direito Material com as de Direito
Formal. Sem esse alheamento não se explicaria o contra-senso que resultava em admitir-se

101 O Dec.-lei n.º 70, de 1966, dispõe que a cédula hipotecária, que é uma promessa de pagamento, será emitida
pelo credor, subvertendo assim a linguagem corrente dos títulos de crédito, em que o título de dívida é sempre
emitido pelo devedor. Na realidade, o credor apenas faz emitir a cédula pelo devedor, que subscreve a promessa
de pagamento, núcleo do título.
102 BARBOSA, Rui. Parecer. 1911. p. 372-373.
103 MARQUES, Azevedo. Hipoteca. 3. ed. São Paulo, ed. da Rev. dos Trib. n.º 142; SANTOS, Carvalho. Cód.
Civ. int. Ed. Freitas Bastos. v. XIV, P. 350.
que a inscrição da hipoteca se fizesse no livro n.º 2, mas a sua cessão se formalizasse no livro
n.º 3, dissociada esta daquela.
Assim, importa reconduzir claramente a cessão da hipoteca ao sistema do registro
com caráter obrigatório e esclarecer, de uma vez por todas, qual a formalidade adequada para
consigná-la. A obrigatoriedade tem por fim assegurar ao cessionário a permanência da
inscrição e a impossibilidade do seu cancelamento à sua revelia. Afinada com o sistema de
publicidade, foi aplaudida ao tempo do Regulamento n.º 370, de 1890, e, a despeito do texto
dúbio do Código Civil, continua a ser havida como vigente.104
A providência aclaradora embargará definitivamente o ressurgimento da controvérsia
em favor do registro da cessão do crédito hipotecário, estabilizando, por conseguinte, uma
facilidade para a sua circulação. Só facilitando essa circulação, tanto no campo jurídico, pelo
afastamento de entraves à cessão, como no campo financeiro, pelo estímulo à sua colocação,
é que se pode chegar a um vigoroso mercado secundário de hipotecas. No segundo campo, as
aplicações do Banco Nacional de Habitação, mormente as oriundas do Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço, bem como as dos Bancos de Investimentos, autorizadas pelo Banco
Central, já operam no sentido indicado, representando um poderoso incentivo à iniciativa do
primeiro de fazer contratos de promessa de compra de hipotecas de unidades residenciais
construídas de acordo com os seus planos para mais tarde recebê-las em cessão, geralmente
mediante endosso das cédulas hipotecárias.
Além de prevenir a reabertura de uma discussão estéril, o registro obrigatório da
cessão fará com que esta surta normalmente efeitos contra terceiros, impedindo assim que
estes venham a ser ludibriados mediante sucessivas transferências do mesmo crédito feitas
indevidamente pelo credor. Terceiros são principalmente os eventuais cessionários do
crédito, uma vez que, registrada a cessão por um deles, este se torna o verdadeiro titular da
hipoteca, sem que os demais lhe possam opor qualquer pretensão, em vista da prioridade do
seu registro (Cód. Civ., parág. único do art. 1.067).
Entre esses terceiros caberia incluir o próprio devedor, visto não ser parte na cessão,
circunstância que induziu Azevedo Marques a sustentar que a averbação daquela supre a
notificação pessoal do credor para conhecimento de sua existência, pela publicidade que
empresta à transferência. Esse entendimento, apoiado no efeito registral comum, chegou a
ser sufragado pela Corte de Apelação do antigo Distrito Federal, mas não conseguiu vingar
na jurisprudência por encontrar sério obstáculo nas disposições da lei civil que exigem
expressamente a notificação do devedor, sem a qual, a despeito da cessão, poderá o devedor
pagar validamente ao cedente e, portanto, cancelar a inscrição da hipoteca (Cód. Civ., arts.
1.069 e 1.071).105
Assim, perante a nossa lei civil, são diversos os efeitos das duas aludidas
formalidades relativamente à cessão di crédito hipotecário, não produzindo a primeira o
efeito da publicidade absoluta, isto é, contra todos, de modo a dispensar a segunda. Se bem
que a segunda possa ser inserida na própria escritura de cessão, bastando que no ato desta o
devedor compareça como interveniente para declarar-se ciente dela, ambas são necessárias:
a) averbação da cessão, para surtir efeitos contra terceiros; b) notificação do devedor, para
vinculá-lo ao novo credor (cessionário).

104 VEIGA, Didimo da. Dir. hip. n.º 342, in fine, p. 574 , LOPES, Serpa. Registros públicos. 2. ed. Rio, v. 4,
n.º 757.
105 SANTOS, Carvalho. Cód. Civ. int. Ed. Freitas Bastos, v. 14, int. do art. 1.067, p. 356; LOPES, Serpa.
Registros públicos. 2. ed. Ed. A Noite. v. 2, n.º 335, p. 336 et seq.
Tanto mais conveniente se torna firmar, de uma vez por todas, que a cessão da
hipoteca se acha sujeita apenas a averbação quanto, dirimida por lei a dúvida a respeito,
provavelmente a cessão começará a ser usada com freqüência em função de garantia,
tomando o lugar do penhor do crédito hipotecário, dadas as vantagens que, comparada a este,
indubitavelmente oferece. Com efeito, a cessão cria logo situação jurídica definida, que
atende melhor à necessidade de crédito em que se acha o credor hipotecário cedente e outorga
maiores direitos ao seu cessionário. 106
É que o penhor de crédito hipotecário, sobre cuja admissibilidade se questionou entre
nós por prever o Código Civil apenas o penhor de crédito pessoal (art. 790), mas que,
defendido com apoio na transmissibilidade geral de todos os créditos (art. 756), acabou sendo
afinal introduzido por lei especial (Dec. n.º 24.778, de 1934), requer, para transformar o
crédito pignoratício em dinheiro, na falta de pagamento voluntário o processo de excussão.
Sobrevinda esta, de um lado satisfaz com o seu produto o credor pignoratício preferente e, de
outro, transmite ao arrematante o crédito, acompanhado da hipoteca, seu acessório: o
arrematante passa a ser o novo credor hipotecário.
Esse rodeio para chegar ao novo credor hipotecário não condiz com a simplicidade e a
rapidez peculiares aos negócios de dinheiro, mas nem por isso impediu que o penhor do
crédito hipotecário fosse recomendado ao Banco do Brasil, de preferência à cessão,
considerada como via oblíqua ou simulada pelo nosso mais autorizado comercialista. 107
Por isso, o emprego do penhor ou caução do crédito hipotecário difundiu-se com rapidez e
tornou-se corrente por toda parte, podendo ser apontado hoje como o exemplo mais frisante
de direito sobre direito que a nossa legislação oferece.

O penhor ou caução de crédito hipotecário pareceria, a rigor, imcompatível com o


Registro de Imóveis, porque, havendo a lei considerado o crédito hipotecário "coisa móvel",
estaria a caução dele, por esse simples fato, excuída do âmbito registral. Todavia, essa
exclusão provoca a insegurança dos direitos e pode acarretar prejuízos, pois enseja a
movimentação da hipoteca em linhas paralelas. Tome-se um exemplo já figurado: A
cauciona o seu crédito hipotecário a B, mas, como a caução não consta do Registro, faz a
cessão do seu crédito a C, a quem o devedor D, não notificado da caução, paga devidamente.
Nesse espaço de tempo o credor B executa a caução e o crédito, lhe é adjudicado. Qual dos
dois títulos deve produzir efeitos perante o Registro de Imóveis, a carta de adjudicação ou a
quitação para o cancelamento da hipoteca? 108
A movimentação paralela da hipoteca precisa, pois, ser denunciada ao público, como
acontece com a hipoteca do sistema financeiro da habitação, cuja cédula é averbada à
margem da inscrição. Daí tornar-se aconselhável que a caução hipotecário seja também
averbada obrigatoriamente ao pé da inscrição para conhecimento de terceiros, sem embargo
de se tratar de penhor, pois o registro já acolhe o penhor agricola, o pecuário, o rural. Aliás é
o que sucede normalmente no registro alemão, onde se requer a inscrição "para a
transferência da propriedade sobre im imóvel para o gravame de um imóvel com um direito,
assim como para a transferência ou gravame de tal direito" (Cód. Civ., Alemão, § 873).

106 NUSSBAUM, A. Derecho hip. al., Madrid, Ed. da Rev. de Derecho Privado, 1929, n.º 26, p. 170.
107 MENDONÇA, Carvalho de & BEVILÁQUA, Clóvis. Pareceres. In: Carvalho de Mendonça, Trat. de Dir.
Com., Rio-São Paulo, Ed. Freitas Bastos, 1960. v. 6, n.º 2.268, p. 598, nota 2.
108 LOPES, Serpa. Registros públicos. 2. ed. v. 2, n.º 338, p. 344.
Além dos mencionados, existem outros casos de emprego evidentemente impróprio
dos termos registrais, como o mandamento da "averbação" da cláusula de inalienabilidade
imposta a imóveis por doadores e testadores, bem como da constituição do fideicomisso.
Esses casos se desviam da técnica registral, mas se acham desenganadamente fixados na
nova Lei do Registro (art. 167, II, n.º II).
Quanto à cláusula de inalienabilidade imposta a imóveis por doadores e testadores, é
manifesta a quebra de coerência da lei quando, depois de mandar inscrever (registrar) a da
vigência da locação do imóvel contra o adquirente, manda "averbar" a da sua
inalienabilidade. Numa e noutra está presente um elemento cerceador, a ser informado ao
público, que é estar o imóvel sujeito a uma cláusula locatícia de vigência contra o adquirente
(Cód. Civ., art. 1.197) ou a outra obstativa da sua alienação temporária ou vitalícia (Cód.
Civ., art. 1.676).
A fim de restabelecer a cocrência, ao invés de averbar a cláusula de inalienabilidade,
deve-se lançá-la no contexto da inscrição, se for feito em forma narratva, ou ma coluna de
"condições", se houver, por ser completiva do ato a que estiver adjeta. Essa cláusula é
imposta por doadores e testadores, pelo que ou consta do contrato de doação ou de formal de
partilha decorrente do testamento. Como ambos são inscritíveis, ao efetuar-se a inscrição do
ato contratual ou do ato judicial, caberá inserir a cláusula de inalienabilidade imposta pelo
doador ou testador, de necessária publicidade.
Esse procedimento integrará simplesmente a inscrição com um elemento que não
deve ficar fora dela, sob pena de obscurecê-la e induzir eventualmente a engano o consulente
do livro. Tanto por constituir um elemento insito à inscrição, como por estar sujeito, por sua
vez, a averbação, qual a da sub-rogação em outro imóvel (Cód. Civ., art. 1.677; Cód. de Proc.
Civ., art. 1.112, II), a cláusula de inalienabilidade não deve ser deslocada para a epígrafe de
"averbações", a qual é reservada para fatos supervenientes à inscrição, que, de qualquer
modo, a alterem.

Essa emenda de endereço registral não importará em ofensa à lei, mas em


interpretação sistemática desta. Embora convenha esclarecer normativamente esse ponto no
futuro, não parece necessário esperar pelo esclarecimento, porque o mais autorizado
comentador da disposição precedente no mesmo sentido, a despeito da sua literalidade,
admitia que o lançamento da cláusula de inalienabilidade se fizesse, não na coluna de
"averbações", mas na de "condições". 109
Diverso era o caso da averbação da inalienabilidade das vias de comunicação e
espaços livres, prevista na antiga lei do loteamento, porque então se fazia na inscrição do
imóvel particular o assento de uma cláusula posterior. Na atualidade, esse caso desapareceu,
porque, ao invés de prever essa cláusula, a lei do parcelamento do solo urbano conferiu desde
logo ao registro do loteamento o efeito de pulbicização das vias e espaços livres, que passam
ao domínio do Município independentemente de qualquer outro título (art. 22).
Tampouco se justifica a "averbação" do fideicomisso. Este assemelha-se a uma
condição resolutória aposta a uma transmissão de propriedade, em virtude da qual o primeiro
adquirente, o fiduciário, perde o direito em favor do segundo, o fideicomissário, assim que
chega o termo ou se consuma a condição. A expressão "condição resolutória" — diga-se de
passagem — é empregada no capítulo pelo próprio Código Civil. Embora esse Código

109AZEVEDO, Filadelfo. Registros públicos. Rio, ed. Fluminense, 1924 n.º 154, p. 130; cf. n.º143, p. 122 e n.º
156, p. 131.
preveja o fideicomisso apenas na transmissão hereditária, por testamento, ele é admitido pela
doutrina e pela jurisprudência também em transmissão entre vivos por doação, visto condizer
com a autonomia da vontade e não encontrar obstáculo em nenhum texto legal de caráter
absoluto (Cód. Civ., arts. 1.733, 1.734, 1.735, 1.738).
Se se trata de uma transmissão de propriedade sujeita a condição resolutória, cuja
força operativa, em caso de morte ou renúncia, beneficia ora o fiduciário ora o fideicomisso,
deve ser ela objeto de inscrição em toda a sua essencialidade. Assim, essa inscrição, de
efeito declarativo, quando o título for o formal de partilha, a constitutivo, quando for a
escritura, envolverá necessariamente a condição resolutória que a integra. Aliás, o
lançamento do fideicomisso no contexto de inscrição o tornara muito mais ostensivo e
atenderá muito melhor ao propósito da lei, que é dar-lhe publicidade.
Ante tal evidência, força é convir que a condição fideicomissária, integrante da
transmissão, deve ser, como esta, sujeita a inscrição, e não a averbação; ao contrário, o
cumprimento ou advento da condição, ou a renúncia ou morte do fiduciário ou do
fideicomissário, é que ficarão subordinados a averbação, porque qualquer desses fatos
consolidará a propriedade no titular, restante ou supérstite. Desaparecendo um dos ttulares
primitivos cancela-se conseqüentemente a sua propriedade, ficando de pé exclusivamente a
do outro. Dessa maneira, concilia-se o fim da lei com a exigências normativas formais.
Se o fideicomisso importa em condição resolutiva, não acontece o mesmo com a
colação de liberalidades antecedente à partilha em inventário. Em 1956, o registrador de um
dos cartórios de imóveis do Rio de Janeiro levantou dúvida sobre o registro de um formal de
partilha em que quatro filhos houveram o imóvel que dois deles, anos antes, haviam
comprado com a assistência do pai e inscrito em seu nome, mas que, trazido à colação no
inventário do ascendente comum, fora partilhado entre eles próprios e os dois outros nascidos
após a compra. A dúvida fundava-se em que, inscrito o imóvel em nome dos dois
compradores, estes lhe adquiriram a propriedade plena (Cód. Civ., art. 530, I) que, portanto,
só podia passar aos irmãos por transmissão deles, donos, e jamais por partilha, esta
insuscetível de atrair "em substância" o bem doado, visto como a sua colação se faz "em
valor" (Cód. Civ., artigo 1.792).
Ao julgar improcedente a dúvida, o Juiz sustentou que no nosso direito a colação se
faz "em substância" e não "em valor", pelo que o imóvel podia ser partilhado, como fora,
entre os quatro herdeiros Conseqüentemente, para assegurar a continuidade do registro,
mandou averbar à margem do registro anterior que o imóvel fora levado à colação e
partilhado entre os quatro filhos do inventariado, tocando uma quarta parte a cada um, e fazer
em seguida o registro do formal impugnado. Em suma, determinou primeiro a "averbação"
da colação do imóvel como se fora o implemento de uma condição resolutiva e depois a
"inscrição" do formal de partilha em seqüência ao título de propriedade do inventariado. 110
A dúvida, levantada com uma intuição jurídica deveras surpreendente, envolve um
dos mais interessantes e relegados problemas que peturbam, a um só tempo, o direito
sucessório e o Registro de Imóveis. Esse problema é o de saber qual o modo certo de realizar
a colação de doações e dotes em inventário, se é trazer a este os próprios bens, em substância,
como decidiu o Juiz, ou apenas o valor deles para a composição das legítimas dos herdeiros,
como aventou o registrador.
A generalidade dos civilistas entende que o nosso Código Civil recomenda fazer a
colação em substância, trazendo os beneficiários das liberalidades os próprios bens para

110 LOUREIRO, Waldemar. Registro da propriedade imóvel. 5. ed. Rio, Ed. Forense. v. 2, p. 354.
igualmente das legítimas no inventário do ascendente comum, não obstante reconhecerem
em sua maioria a superioridade da colação pelo valor. 111 A opinião discordante, segundo a
qual a colaçào deve fazer-se sempre pela estimação, em face da desvalia do argumento a
contrario sensu quando conclui contra o sistema jurídico vigente, apesar de portadora de uma
mensagem persuasiva e fecunda, não logrou proselitismo nem acatamento até hoje. 112
No entanto, os textos legais interpretados sistematicamente levam a concluir com
essa opinião, isto é, que o Código Civil manda trazer à colação apenas o valor dos bens. Ao
invés de ordenar a colação real por mais apoiada que se mostre entre nós pela razão da
autoridade, o que o Código Civil ordena é a colação ideal, única apoiada pela autoridade da
razão. Nesse sentido pesam decisivamente os argumentos que me coube expender em estudo
mais detido do assunto, ao qual, a bem da brevidade, aqui me reporto. 113
Se o donatário recebesse o imóvel em propriedade resolúvel, ensejar-se-ia a sua
reversão ao acervo pela colação, mas ele a recebe em propriedade comum, que não mais lhe
pode ser arrebatada, a não ser pela desapropriação. Dada a natureza não resolúvel com que é
moldada a propriedade do donatáro, não tem cabimento relativamente à inscrição de seu
imóvel, nem a averbação da sua conferência a partilha nem a inscrição subseqüente do formal
de partilha. O novo elo da cadeia de titularidades há de ligar-se a ela diretamente, não a seu
ascendente antecessor.
Salvo o caso da colação, que suscita um problema de direito material, de alta
indagação, os demais consistem em desvios manifestos da norma dominante do direito
formal, que podem ser emendados prontamente. A emenda não violará dos dispositivos
legais infringentes da norma técnica registral, mas, ao contrário, observará a generalidade
desta, reconciliando com o sistema elementos da sua composição que, na sua letra, destoam
do seu espírito. Tudo se reduz a reconhecer que onde a lei diz inscrição (registro) realmente
quis dizer averbação e vice-versa.
Se a lei registral acusa o emprego impróprio de termos registrais, mais estranhável é
que, a pretexto de corrigi-lae compatibilizá-la com o Código de Processo Civil, uma lei
posterior haja, com essa agravante, incorrido no mesmo erro, mandando fazer a averbação
das sentenças de seperação judicial, de divórcio e de nulidade ou anulação de casamento,
quando nas respectivas partilhas existirem imóveis ou direitos reais sujeitos a registro (Lei n.º
6.850, de 1980, arts. 1.º e 2.º). Ora essas sentenças, como todos os atos atributivos ou
declarativos de propriedade, sempre foram endereçadas à inscrição (registro), de sorte que a
inopinada mudança de endereço rompe a tradição registral e quebra a coerência com outras
sentenças da mesma natureza. Aliás, o desacerto da mudança foi logo notado, até porque, se
houvesse deveres incompatibilidade entre o Código e a lei do Registro, esta, como lei
especial posterior, derrogaria aquele. 114
A recapitulação dos desvios permite chegar a algumas conclusões. A primeira está na
influência que o modelo de livro pode exercer na terminologia legal, já que se fez sentir
inicial e intercorrentemente. A segunda, na futilidade da tentativa de modificar o sentido

111 BEVILÁQUA, Clóvis, Sucessões. Bahia, Ed. da Liv. Magalhães, 1899. § 115 e nota 1; Cód. Civ. Rio, ed. da
Liv. Francisco Alves, 1919. v. 6, obs. ao art. 1.787, p. 264; ALVES, João Luiz. Cód. Civ. 3. tr. Rio, ed. Brigulet,
1926, com. ao art. 1.787; SANTOS, Carvalho. Cód. Civ. 7. ed. Ed. da Liv. Freitas Bastos, 1958. v. 25, int. do
art. 1.787; MONTEIRO, Washington de Barros. Sucessões. 5. ed. São Paulo, ed. Saraiva, 1964. Da colação, p.
294.
112 MORATO, Francisco. Da colação. Rev. For. v. 84, p. 270.
113 CARVALHO, Afrânio de. In: Rev. For. v. 239, p. 49.
114 Arnaldo Medeiros, Partilha de bens do casal no Boletim do IRIB, n.º 43, p. 2.
comum dos termos, pois, no lugar da "inscrição", a lei não conseguiu estabilizar a
"transcrição", como tampouco o conseguirá relativamente ao "registro", devido à resistência
da doutrina. Os termos, retesados pela lei, voltam sempre à posição natural.
Não é ontológica a diferença entre a "inscrição" e a "averbação", que surgiu devido ao
modelo do livro, dotado de margem para aposição de "verba". Tanto assim que, no direito
germânico, onde se afirmou originalmente o princípio de inscrição, o termo é usado para
designar qualquer assento de mutação jurídico-real, conforme se lê nos seus tratadistas e se
percebe na observação ocular do seu modelo de fólio real. Ao passo que aqueles ensinam,
este mostra que a inscrição cobre todos os assentos de mutação jurídico-real no registro.115
A luz da sua causa tópica, descobre-se logo que a diferença consiste em que a
inscrição existe por si, ao passo que a averbação depende, para existir, de anterior inscrição,
visto como só se apõe verba a escrita preexistente. Ambas cobrem mutações jurídico-reais,
mas distingüíveis. Simplificando, cabe dizer que a inscrição protege toda aquisição, de
propriedade, de direito real e de posição admonitória bem como toda transmissão de
propriedade e de direito real, ao passo que a averbação resguarda toda modificação
subseqüente.
Tamanho é o tumulto da terminologia na nova lei registral (art. 167), que difícil se
torna extrair dela qualquer sistema. Da mesma forma que se endereçam para a averbação
atribuições da propriedade, como as deixas fideicomissárias (art. 167, II e 11), também se
encaminham para a inscrição (registro) as cessões de direito real, como as cessões de
promessa de venda, que valem como tais (art. 167, 1, 9, 18, 20). Conquanto esse segundo
encaminhamento, fortemente combatido no passado com referência à cessão da hipoteca,
encontre justificativa na falta da coluna de averbação, onde a cessão antigamente se
agasalhava por sua dependência, a certo é que pouco mais adiante se dirige para a averbação
um outro direito real, a caução ou a cessão fiduciária de direitos relativos a imóveis (art. 167,
II, 8). Há títulos que, apesar de não conduzirem direitos reais, são destinados à inscrição,
como os memoriais de incorporação e de loteamento (art. 167, I, 17 e 19).
A despeito dessa algaravia, que criou a maior balbúrdia nos cartórios, cumpre tirar do
texto um sistema que o torne útil. Para tanto, o regulamento poderá servir, endireitando a
distribuição dos atos pelas duas formalidades, sem qualquer ofensa à lei, visto como não
existe diferença ontológica entre a inscrição e a averbação. Aceitando, pois,a tendência legal
de passar a cessão de direito real para a inscrição, evidenciada também ao omitir-se no art.
246 o vocábulo "cessões" constante do art. 286 do regulamento anterior, — e corrigindo os
demais desvios deveras intoleráveis, torna-se possível, a meu ver, armar uma sistemática
merecedora de acatamento.
Nesse sentido, abaixo se lança um esquema de ordenamento, em que a matrícula
recebe a primeira inscrição da propriedade do imóvel, quer simples, quer formado pela união
de imóveis contiguos do mesmo dono; a inscrição acolhe, em primeiro lugar, a aquisição da
propriedade, seja a sua atribuição, seja a sua declaração, assim como a sua transferência e, em
segundo lugar a constituição do direito real e, já agora, também a sua transferência (cessão);
finalmente, a averbação, restringida, abriga a extinção da propriedade e do direito real (
cancelamento) e a modificação do conteúdo tanto do direito de propriedade (
desmembramento, união, construção, reconstrução, demolição). como do direito real

115 WOLFF, Martin. Derecho de cosas. Barcelona, ed. Bosch. § 31, p.155; cf. § 29, p. 145; DERNBURG, cit.
por Soriano Neto, Publicidade Material de Registro Imobiliário, Recife, 1940, n.º 29, p. 67.
limitado (prorrogação da hipoteca, alteração da sua taxa de juro, etc.) e, em geral, "outras
ocorrências que, por qualquer modo, alterem o registro"(art. 246):

Matrícula Averbação
— Primeira inscrição da propriedade — Extinção da matrícula, quer
pela
do imóvel, quer simples, quer compos- união do imóvel a outro,
quer pelo
to pela união de imóveis contíguos do exaurimento da sua área em
virtude
mesmo dono. de alterações
parciais quer por decisão
judicial (cancelamento).

Inscrição
— Aquisição da propriedade (atribui- — Extinção da propriedade por
aban-
ção ou declaração desta.) dono ou renúncia
(cancelamento).

— Transmissão da propriedade — Extinção do direito


real limitado
(cancelamento).
— Constituição do direito real ou ônus — Modificação do conteúdo do direito
a ele equiparado (bem de família prome- da propriedade
(desmembramento,
ssa irretratável de venda). união, construção, reconstrução,
demo-
lição), do direito real limitado(prorro-
da hipoteca, alteração da sua taxa de
juros, etc.).
— Transmissão do direito real (cessão).

— Premonição de riscos sobre a pro-


priedade inscrita (arrestos, seqüestros,
penhoras, contraditas).
Esse esquema sistematiza as mudanças jurídico-reais do imóvel, sujeitando as
principais à inscrição e as acessórias à averbação, umas e outras escrituráveis no livro em
assentos corridos em ordem cronológica, numerados consecutivamente, embora as
acessórias se distingam das principais por um prefixo literal (AV). O prefixo literal substitui
nesse fólio o posicionamento extremo de fólio alemão, que, dividido em seções, destina, em
cada uma delas, as duas últimas colunas ao assento acessório ( modificação e cancelamento).
CAPÍTULO 8

PRINCÍPIO DE INSCRIÇÃO

1. Princípio de inscrição. Inscrição e título causal.

2. Conceito de inscrição. Efeitos.

3. Inscrição constítutiva. Matricula.

4. Inscrição declarativa. Modalidades.

5. Forma, lugar, tempo e promoventes da inscrição.

6. Cancelamento da inscrição. Título unilateral.

7. Anuência de terceiro.

O princípio de inscrição significa que a constituição, transmissão e extinção de


direitos reais sobre imóveis só se operam por atos inter vivos mediante sua inscrição no
registro. Ainda que uma transmissão ou oneração de imóveis haja sido estipulada
negocialmente entre particulares, na verdade só se consumará para produzir o deslocamento
da propriedade ou do direito real do transferente ao adquirente pela inscrição. A mutação
jurídico-real nasce com a inscrição e, por meio desta, se exterioriza a terceiros.
O princípio de inscrição justifica-se facilmente pela necessidade de dar a conhecer à
coletividade a existência dos direitos reais sobre imóveis, uma vez que ela tem de
respeitá-los. Quando duas pessoas ajustam uma relação real imobiliária, esta transpõe o
limite dual das partes e atinge a coletividade por exigir a observância geral. Daí o apelo a um
meio que, ao mesmo tempo, a traduza e a torne conhecida do público.
Esse meio representa uma versão moderna da tradição do direito romano —
traditionibus dominia rerum, nom nudis pactis transferuntur.– versão essa adotada na Lei
Imperial e confirmada no Código Civil (art. 676), quando faz nascer o direito real imobiliário
da união de dois elementos: a) o título, isto é, o acordo de vontades que cria o jus ad rem,
direito pessoal; b) a inscrição, que transforma o jus ad rem em jus in re, direito real.
A mutação jur;idico-real desdobra-se, portanto, em dois estágios, um em que se
celebra o contrato das partes tendentes a realizá-la e outro em que se realiza propriamente a
mutação prevista por elas,. Como o segundo se apóia no primeiro, sem que este se apresente
regular, pela exibição de um título causal escoimado de vício ostensivo, não pode
consumar-se o segundo, que consiste na inscrição desse título no livro próprio do registro,
cujo fim é precisamente acolher os direitos reais caracterizados por sua legitimidade.
Assim, o direito de propriedade, que é o maior dos direitos reais e, além disso, o
pressuposto dos demais, não nasce do título tendente à sua aquisição, mas da inscrição dele o
Registro de Imóveis. A inscrição desempenha em relação aos imóveis o papel outrora
desempenhado pela tradição, que aliás ainda perdura com referência aos móveis: é uma
tradição solene.
Antigamente a transmissão da propriedade, consoante a dogmática romana, exigia
dois requisitos, o título e a tradição. O título sem a tradição não gerava o direito real; a
tradição sem o título, tampouco. No direito real de hipoteca, de tanta importância econômica,
não era possível, porém, a tradição, porque a caracteristica dele é permanecer o imóvel com o
proprietário, sem ser entregue ao credor.
Ao colocar-se a inscrição em lugar da tradição, logrou-se com a formalidade
substitutiva uma dupla vantagem. De um lado, ela oferece uma exteriorização muito mais
ampla, nítida e perceptível da mudança jurídico-real. De outro, pode abranger e abrange, por
caráter de sinalização tabular, todos dos direitos reais.
A semelhança da tradição, a inscrição no direito brasileiro se prende ao título, à causa
jurídica da aquisição, diversamente do que acontece no direito alemão, em que ela não se
envolve com o título ou causa jurídica, resultando tão-só de uma declaração obstrata das
partes, aliás geralmente condenada por seu artificialismo. Ora, a tradição não transfere senão
o direito do tradente, de sorte que, se este nenhum tem, nenhum transmite: nemo plus juris ad
alium transferre potest quam ipse habet.
Essa é a regra vigorante atualmente entre nós de modo absoluto, isto é, quer entre as
partes disponente e adquirente do direito, quer entre esta última e um terceiro de boa-fé, a
quem ela em seguida o transfira. Quando for adotado o princípio de fé pública, a regra
conservará toda a sua força entre os contratantes, mas perde-la-á em relação ao terceiro de
boa-fé, para quem a inscrição será instacável.
Não se deve confundir o efeito constitutivo, que é o que a inscrição presentemente
tem, com o efeito saneador, que é o que, por exceção, também passará a ter em presença do
terceiro de boa-fé, quando for adotado o princípio de fé pública. A diferença entre as duas
situações, a atual e a futura, pode ser apreendida num relance à vista das duas fórmulas, uma
geral, a outra excepcional, com que Heck esquematizou a sua coexistência no sistema
alemão, fórmulas essas divulgadas entre nós por Soriano Neto: 116

Geral { Faculdade de disposição + declaração de vontade + inscrição


(sinal jurídico) = efeito jurídico-real

Excepcional { Proteção da fé pública + declaração de vontade + inscrição


(sinal jurídico) = efeito jurídico-real

No momento, porém, só tem existência do direito brasileiro a fórmula geral, em


virtude da qual a inscrição é modo de adquirir (efeito constitutivo), mas não sana, nem em
relação ao terceiro de boa-fé, o vício do título (efeito saneador). A inscrição, por ora,
corresponde, em todos os casos, a uma tradição solene, visto como nenhuma exceção se abriu
expressamente até hoje para abrandar, por amor do interesse geral, a regra romana da
tradição.
A inscrição, portanto, é que, nos negócios entre vivos, faz nascer todos os direitos
reais, a começar pelo de propriedade, embora o texto do art. 676 do nosso Código Civil, o
mais próximo do seu amplo congênere alemão do § 873, só preveja como inscritíveis os

116 NETO, Soriano. Publicidade material do direito imobiliário. Recife, 1940, n.º 65, p. 122.
direitos aquisitivos e onerativos da propriedade imóvel, e não as transferências e gravames
desses direitos. Essa lacuna se alarga com o omitir também outro texto que, à semelhança do
§ 877 do Código Alemão, estenda a inscritibilidade a toda modificação do conteúdo dos
direitos reais imobiliários.
Não obstante, a exigência da inscrição se estende, por um imperativo sistemático,
tanto à cessão e à superposição dos direitos reais, como à modificação do seu conteúdo. Se a
esse imperativo sistemático não corresponde nenhum mandamento codificado, pelo menos
socorre um velho preceito regulamentar que sujeita a registro, de um lado, nominalmente, a
cessão e a sub-rogação dos direitos reais e, de outro lado, inominadamente, a sua
modificação, esta envolvida em toda ocorrência que, por qualquer modo altera a inscrição,
quer em relação às pessoas, quer em relação aos imóveis que nela figurem (Dec. n.º 370, de
1890, art. 75; Dec. n.º 18.542, de 1928, art. 270; Dec. n.º 4.857, de 1939, arts. 285 e 286; Lei
n.º 6.015, de 1973, arts. 167, II, n.º 8, e 246).
Graças a essa disposição regulamentar supletiva, são atraídas ao registro tanto a
cessão e a sub-rogação de direitos reais, de notória freqüência na prática, como a modificação
do conteúdo desses direitos, esta última na figura de casos avulsos compreensíveis dentro da
designação, alguns dos quais destacados e individualizados em lei especial. É inegável,
porém, que se faz sentir a necessidade da sistematização da matéria por preceitos genéricos
de lei, que, cobrindo uma e outra situação, determinem a registrabilidade da cessão e
oneração dos direitos reais e bem assim da modificação desses direitos, completando, pois, o
ciclo das mutações jurídico-reais previstas pelo Código Civil.
O significado da cessão e da oneração dos direitos reais, a primeira envolvente de
uma mudança de titularidade, a segunda, de uma superposição de direitos, é claro e
incontroverso, mas o da modificação do conteúdo desses direitos é menos claro, embora seja
possível extraí-lo aproximadamente por exclusão. Como modificação do conteúdo de um
direito real imobiliário se deve entender toda aquela em que o direito não seja suprimido,
gravado ou transmitido. Esse é o seu conceito na doutrina alemã. 117
Ali, como exemplos de uma figura permitida em reduzidos limites, citam-se a
mudança de lugar ou de tempo de pagamento, o deslocamento de lugar em que se exercita
uma servidão predial, a troca do grau entre hipotecas e o estabelecimento posterior de uma
condição. Aqui, esses exemplos permanecem válidos, convido talvez recordar, acerca da
servidão, que a faixa onde se exercita, especializada no título original, pode ser mudada em
outro, e, a respeito da troca de grau entre hipotecas, que é indubitável a sua admissibilidade,
em que pese a dúvida sobre o seu processo, aliás, igualmente afastável por lei.
A esses exemplos trazidos de fora podem ser acrescidos outros, colhidos na nossa
legislação, que também não importam em transferência, oneração ou extinção do direito.
Tais são a redução da dívida por pagamento parcial (Cód. Civ., art. 758), a redução da dívida
por exoneração de um imóvel (Cód. Civ., art. 758, ressalva), a prorrogação do prazo da
hipoteca (Cód. Civ., art. 817) etc.
A hipoteca, aliás, enseja que se extraia do seu regime o conceito de modificação do
conteúdo de direito imobiliário, mediante o confronto entre os artigos permissivos,
respectivamente, de hipotecas sucessivas sobre o mesmo imóvel (art. 812) e dse prorrogação
de qualquer hipoteca dentro do prazo de perempção (art. 817). Ao passo que, no primeiro
artigo, o Código Civil designa a hipoteca sucessiva, celebrada entre as mesmas partes, sobre
o mesmo imóvel, como "outra" hipoteca, no segundo subentende que, requerida pelas

117 WOLFF, Martin. Derecho de cosas. Barcelona, ed. Bosch. § 40, p. 220.
mesmas partes a prorrogação do prazo de uma hipoteca, seja esta mesma que prolongue a sua
existência.
Noutras palavras, tem-se como constituição de outro direito real a estipulação do
aumento da dívida hipotecária entre as mesmas partes com garantia do mesmo imóvel, ao
passo que se estima como modificação do direito de hipoteca preexistente a prorrogação do
prazo de sua vigência. Dada a correlação existente entre o Direito Material e o direito Formal
do registro, foi o que a jurisprudência firmou implicitamente quando decidiu que o primeiro
ato é sujeito a inscrição, não se equiparando ao segundo, que é subordinado a simples
averbação. 118
Esse raciocínio, depois tornado aplicável ao penhor, em face de textos semelhantes da
primeira Lei de Penhor Industrial, hoje revogada (Lei n.º 1.271, de 1939, art. 5.º e § 2.º do art.
2.º), envolve o reconhecimento de que o conceito de modificação do conteúdo do direito real
imobiliário, latente no Código Civil, além de excluir, de um lado, a que o suprima, onere ou
transmita, também exclui, de outro, a que o aumente ou diminua em sua essência. Se as partes
acordarem que se amplie ou reduza um dos elementos essenciais do direito preconstituído
como a dívida e a garantia da hipoteca, criar-se-á realmente um direito novo, importando isso
em dizer que, sem embargo da discrepância da subdeqüente Lei de Penhor Industrial (Dec-lei
n.º 413, de 1969, art. 50), não são abragíveis na modificação do conteúdo de direito: a) o
aumento da dívida hipotecária, até porque pode haver credores subseqüentes, cujos direitos
ficariam prejudicados (Cód. Civ., art. 812); b) o aumento da garantia, até porque esta requer a
especialização do imóvel acrescido à original (Cód. Civ., art. 762, I, 764 e 819).
Ainda que se fixe por exclusão o conceito de modificação do conteúdo do direito,
convirá dar-lhe aqui maior largueza, alongando o seu alcance até o âmbito não convencional,
ao invés de restringi-lo à modificação emergente de acordo das partes. Assim ele alcançara
casos previstos na lei vigente, em que a modificação provém sobretudo de factos que alteram
o objeto do direito real, vale dizer, o imóvel.
A propósito, é interessante notar que a lei prevê especificamente menos os casos
consensuais, como o da prorrogação da hipoteca (Cód. Civ., art. 817), do que os casos
fácticos, como a construção, a reconstrução e a demolição, cujos assentos, diga-se de
passagem, são menos importantes do que os dos anteriores, pois, diversamente destes, cuja
eficácia é constitutiva, a deles é meramente declarativa.
A inscrição define-se como todo assento feito no livro de registro imobiliário, embora
esse significado amplo coexista na lei com outro restrito, em que a palavra designa apenas a
inscrição autônoma, pois a dependente, geralmente marginal, é denominada averbação.
Toma-se o termo para ndicar tanto o ato de inscrever como o escrito resultante desse ato.
Esse escrito abrange direitos e fatos, isto é, direitos que recaem sobre os imóveis e fatos
concermentes a estes, como a situação, geográfica, a extensão, as construções, os modos de
exploração, o preço. É importante assinalar que o registro assegura os direitos inscritos, não
os fatos enunciados na inscrição.119

118 Ac. do C.S. da Corte de Apelação do Dist. Fed. de 30/11/1933. In: Arq. Jud., v. 30, p. 559; ac. de S.C. da
Corte de Apelação do Dist. Fed. de 13/8/1930. In: Arq. Jud., v. 15, p. 490.
119 WOLFF, Martin. Derecho de cosas. Barcelona, ed. Bosch, § 31, p. 155; NUSSBAUM, A. Derecho hip. al.,
Madrid, ed. da Rev. de Derecho Privado, 1929. p. 439; HEDEMANN, J. W. Derechos reales. Madrid, ed. da
Rev. de Derecho Privado, 1955, § 16, p. 129; Pontes de Miranda. Trat. de Dir. Privado, 1955, § 16, p. 129;
Pontes de Miranda, Trat. de Dir. Privado, Rio, ed. Borsol, § 1.223, n.º 4, p. 245; § 1.224, n.º 2, p. 248; cf. ###
1.222, n. º 9, p. 243.
Ao abranger direitos, inclui as condições, bem como as cláusulas, adjetas a eles.
Umas e outras restrigem o direito de dispor e impõem limites ao senhorio do proprietário, que
terceiros precisam conhecer.
As condições tem um significado legal definido, dentro do qual se subentende, pela
identidade de resultados, o termo. A despeito de determinarem a instabilidade do direito, são
admitidas nas relações jurídicas imobiliárias, porque se conciliam com a existência da
propriedade resolúvel, cuja característica está na temporariedade (Cód. Civ., arts. 114, 118,
119 e 647).
Tanto ocorrem nas relações imobiliárias negociais, como nas familiares e
hereditárias, estendendo-se até às concessões de serviço público, em que se dê a transmissão
de bens com cláusula de reversão após o decurso de certo prazo. 120 Comprovam-no a
estipulação de reversão do dote ao dotador na dissolução da sociedade conjugal, do resgate
na venda a retro, do desfazimento da venda no aparecimento de melhor comprador e de
impontualidade no pagamento, da reversão de bens ao doador na premoriência do donatário,
bem como nas hipótecas de ingratidão revocatória da doação e de morte ou renúncia do
fiduciário ou de fideicomissário, consolidante da propriedade de um em outro (Cód. Civ.,
arts. 283, 1.141, 1.158, 1.163, 1.174, 1.181, 1.314, 1.733, 1.734, 1.738).
A transmissão atual da propriedade, em todos esses casos, é inseparável da eventual
resolubilidade, havendo entre a declaração de vontade transmissiva e a condição
subordinante da sua eficácia um nexo orgânico que as torna consubstanciais. Desse modo, a
inscrição do ato jurídico condicionado, que omitisse a condicão, ficaria incompleta ou
falseada por subtrair ao público o conhecimento da resolubilidade do direito inscrito.
As cláusulas incluíveis na inscrição não são quaisquer umas que as partes lancem no
ato, porque essa liberalidade ofenderia até a taxatividade dos direitos inscritíveis, mas apenas
as previstas expressamente em lei. No presente, não passam de poucas, a saber, a de vigência
da locação do imóvel contra o adquirente e as de inalienabilidade, impenhorabilidade e
incomunicabilidade (Lei n.º 4.827, de 1924, art. 5.º, ―b‖, n.º II, e ―c‖, n.º III; Dec-lei n.º 58, de
1937, art. 3.; Lei n.º 6.015, de 1973, art. 167, I, n.º 11).
A resolução de transmissões da propriedade provém tanto de condição resolutiva,
nomeada ou não, como de anulação, distrato ou rescisão do título transmissivo. Essas
diferentes causas resolutivas produzem o mesmo resultado final, que é a inutilização de título
transmissivo, com a conseqüente volta da situação jurídica anterior.
Na verdade, porém, só se revoga um ato de disposição quando dele nasce uma relação
entre duas pessoas, como sucede no penhor suscetível de desfazimento, porque dá lugar a
uma relação entre o títular do direito e o proprietário. Não assim na disposição do direito de
propriedade, que não deixa subsistir nenhuma relação entre o alienante e o adquirente, pelo
que só se pode inverter o seu efeito mediante novo ato de disposição: disposição regressiva.
121
Daí tornar-se necessário distinguir se no título dispositivo da propriedade ficou, como
resíduo de relacionamento das partes, a causa determinante da sua inutilização ou se, ao
contrário, essa causa apareceu mais tarde. Ao passo que se vê esse resíduo na condição
resolutiva comum e no vício anulatório e, por isso, a resolução, ou a anulação, produz efeitos

120 CARVALHO, Afranio de. Propriedade dos bens da concessão. In: Rev. For. v. 163, p. 41-43 e v.ª 164, p.
53-58.
121 Von Thur. Teoria Geral. Ed. Depalma, 1948, v. 2, § 50, p. 195-196
ex tune, não acontece o mesmo na revogação da doação por ingratidão e no distrato ou
rescisão por mútuo acordo das partes e, por isso, a resolução produz efeitos ex nune.
No desfazimento por causa inerente ao título, o alienante não é sucessor do
adquirente, pelo que não se abre nova inscrição em seu nome, mas apenas se averba o
implemento da condição ou a anulação à margem da inscrição frustada, com o que se restaura
automaticamente a inscrição anterior. No desfazimento por causa superveniente, o alienante
é sucessor do adquirente, porque ocorrem, na realidade, duas transmissões sucessivas, uma
para diante, a outra para trás, 122 pelo que se abre nova inscrição em seu nome, ao mesmo
tempo em que se averba o distrato ou rescisão na inscrição anterior. Assim se explica por que,
na doação reversível ao doador (Cód. Civ., art. 1.174), basta averbar a morte do donatário à
margem da inscrição deste, à vista de certidão de óbito, para restaurar a propriedade e a
inscrição de doador, ao passo que na doação revogada por ingratidão do donatário (Cód. Civ.,
art. 1.181) se torna mister nova inscrição em nome do doador. 123
A inscrição é o modo de aquisição de direitos reais nos negócios entre vivos, que são
os mais numerosos, mas a aquisição não se dá apenas nesses negócios, por acordo
decontades. Quando se da fora deles, por força de lei, como na herança, também se exige a
inscrição dela, a fim de manter sem ruptura a cadeia de titulares. Conforme a inscrição se
destine a "operar" a aquisição do direito real ou apenas "revelar" a existência desse direito ou
de ameaça a ele, divide-se: a) constitutiva, por constituir, por si só, o direito ou a sua
oneração, isto é, por fazer surgir o direito ou a sua oneração; b) declarativa, por declarar a sua
anterior constituição ou a ameaça que pesa sobre a sua existência, isto é, por consignar o fato
ou ato jurídico precedente, consumado e perfeito.
Esses efeitos da inscrição ligam-se aos atos de maniera diferente. O efeito constitutivo
adere inseparavelmente aos atos por força de disposição legal, ao passo que o efeito
declarativo é inferido por exclusão. Tomando os atos judiciais, verifica-se, por exemplo, que
são sujeitas a inscrição tanto a arrematação como a partilha, mas a da arrematação é
qualificada com o efeito constitutivo, ou transmissivo, ao passo que a da partilha não o é, daí
deduzindo ser o dela declarativo.
A inscrição aparece com eficácia constitutiva em disposições legais genéricas ou
específicas que a erigem em modo de adquirir a propriedade ou constituir direitos reais.
Adquire-se a propriedade imóvel pela inscrição do título de transferência no Registro de
Imóveis, como se adquire o direito real de hipoteca, ou outro, pela inscrição do título
constitutivo nesse registro. Esse é o princípio de inscrição, que o nosso Código Civil
consagra, infelizmente com dois nomes, que a atual Lei de Registro desavisadamente quis
trocar, não pelo próprio, mas por um terceiro (Cód. Civ., arts. 530, I, 676 e parág. único do
art. 860; Lei n.º 6.015, de 1973, art. 168).
A inscrição tem eficácia constitutiva em todos esses casos, mas não saneadora, pois
não purga o direito de qualquer vicio que acaso o inquine, não forra o adquirente à
reivindicação. Usando de um simile, pode-se dizer que a inscrição dá nascimento ao direito,
mas não assegura a sua viabilidade, porquanto ele pode trazer um defeito congênito que o
faça sucumbir no futuro.
Além disso, convém advertir que o princípio de inscrição atém-se às aquisições,
perdas ou modificações que nascem de um negócio jurídico. Desse modo, não atinge a
transmissão de um título de crédito, embora este represente uma inscrição, como acontece

122 Lafayette. Dir. das cousas. Rio, ed. Garnier, 1877. v. 1, § 51 e nota 15.
123 LOPES, Serpa. Registros públicos. v. 3, n.º 570, p. 401.
com a cédula hipotecária dela extraída, cuja circulação passa a ser paralela, sem prejuízo de
terceiros, que são advertidos desse paralelismo pela averbação do nscimento do título.
Ao unificar os antigos livros no chamado "registro geral", destinado a funcionar como
fólio real, a nova Lei de Registro deu à primeira inscrição nesse livro o nome de "matrícula".
Essa inscrição inicial de imóvel, com a sua situação geográfica e a sua descrição, precisava
ser especialmente assinalada para distinguir-se de qualquer outra que, tomando-a como base,
se faça depois para transmitir ou gravar o objeto dela.
Por ser a única que individualiza o imóvel, assume, em relação a qualquer outra, uma
importância singular, que a torna merecedora de destaque. Todavia, importa que fique claro
que se trata de inscrição, pois só por meio desta se transmite ou onera um imóvel. Conquanto
se espere que isso aconteça na escrituração de livro, esse ponto está carregado de dubiedade,
pois, de um lado, se prevê a matrícula como assento distinto no cabeçalho e, de outro, que
"será efetuada por ocasião do primeiro registro a ser lançado na vigência desta lei" (art. 228).
Como a matrícula é que imprime individualidade ao imóvel, dois ou mais imóveis
confinantes que pertençam ao mesmo proprietário podem reunir-se em um só, sob nova
matrícula, ou se conservarem autônomos, sob as respectivas matrículas, conforme preferir o
títular. Se preferir a união dos imóveis, chamada na lei fusão de matrículas, esta será
representada por nova matrícula, encerrando-se as primitivas, em cada uma das quais se fará
a averbação da matrícula que as unificar (art. 234).
Efetivamente, nas grandes cidades é freqüente a união de dois ou mais imóveis
contíguos, adrede adquiridos por empresa construtora para formar um terreno de grande
tamanho, sobre o qual se levante, em regime de incorporação, um edifício em condomínio
edilício, ou de apartamento. Daí a fusão das respectivas matrículas e o surgimento de uma
nova, correspondente à individualidade que se criou, ficando vagos os números daquelas que
se extinguiram.
Todavia, no interior o fato comum na zona rural é a anexação por um imóvel
principal de dois ou mais imóveis contíguos, ou partes destes, adquiridos pelo proprietário do
primeiro para retificar-lhe as divisas ou ampliar-lhe a capacidade econômica. Diante disso,
conviria manter a matrícula do imóvel anexador, encerrando apenas a dos imóveis anexados,
se a tiveram, a fim de adequar a lei à realidade do fenômeno. Além da adequação, haveria
economia do número de matrícula do imóvel principal, em cujo fólio as anexações e
desmembramentos se contabilizariam como crédito e débito, apurando-se afinal o saldo da
área.
Em suma, dá-se com os imóveis o mesmo que ocorre com as sociedades anônimas,
que tanto podem fundir-se para formar uma terceira, como se incorporar uma e outra,
conservando a incorporadora a sua individualidade, enquanto a incorporada perde a dela (Lei
n.º 6.404, de 1976, arts. 228 e 227). Portanto, a fusão registral recebe dois conteúdos
diferentes, correspondentes às duas hipóteses, quando a segunda não deve ser tratada da
mesma maneira, por implicar isso na dispersão, por diferentes matrículas, da história do
mesmo imóvel. Daí a conveniência de abrir-se no futuro, à escolha do proprietário, de cuja
declaração de vontade depende a opção em causa, a mesma alternativa consante do Código
Civil alemão, que prevê a união-fusão e a união-anexação, com diferente tratamento registral
(§ 890).
A mistura dos títulos dos imóveis adjacentes, cada qual com a sua própria filiação,
não constitui, a prori, motivo impediente da união, tanto mais quanto, unificados na
matrícula, são separáveis na documentação do arquivo. Não se baralham filiações, porque
estas, em qualquer tempo, se podem distinguir. Quando, porém, um dos imóveis já for objeto
de ação reivindicatória, cuja citação inicial é preventivamente inscritível (art. 167, I, n.º 21),
o registro negará a medida.
A disposição permissiva da união de imóveis, ou fusão de matrículas, ressente-se, no
entanto, de falta de uma ressalva, em virtude da qual so faculte ao registro indeferi-la em
casos como o que acaba de ser figurado. Não obstante, a união de dois ou mais imóveis
contíguos, pertencentes ao mesmo dono, sob um só número de matrícula, deve ser sustada
pelo registro e decidida em processo de dúvida sempre que expuser a confusão,
especialmente de hipotecas, uma vez que dificilmente ocorrerá relativamente a servidões 124.
Assim, a conservação da autonomia torna-se obrigatória quando pesarem sobre eles
hipotecas diferentes. Se, para hipotecar-se uma gleba de imóvel, é preciso dar-lhe autonomia
no registro, inversamente, quando o imóvel se acha hipotecado, não se pode arrebatar-lhe
essa autonomia. A obrigatoriedade da manutenção da autonomia dos imóveis, quando
gravados de hipotecas diferentes, condiz com a doutrina corrente, segundo a qual a hipoteca
não se estende a aquisições posteriores de prédios contíguos, evita a confusão e facilita a
eventual execução de qualquer deles. 125
No caso de união, o perimetro do imóvel unificado, composto de segmentos dos
perímetros dos dois antigos imóveis, está determinado nos títulos destes, pelo que o
requerimento do dono, juntando os referidos segmentos em linha contínua, fará a descrição
desta para cumprir o requisito da especialização. Se não for claramente perceptível a
coincidência, o registro exigirá a juntada de planta certificada por agrimensor.
A coexistência da inscrição constitutiva e da inscrição declarativa não ofusca a
preponderância jurídica da primeira sobre a segunda, tão grande que, quando se alude a
princípio de inscrição, o que se tem em vista é a inscrição constitutiva. Esta dá existência aos
direitos objetivados nos títulos de alienações e onerações, tomadas as últimas com certa
generalidade, para incluir ônus assemelhados aos reais (cláusula de vigência da locação
contra o adquirente, bem de família).
A inscrição declarativa apenas divulga direitos que ganharam existência antes dela
ou riscos que pendam sobre direitos inscritos, ocupando, no primeiro caso, os interstícios
deixados no livro pela inscrição constitutiva, a fim de completar coerentemente a seqüência
de titularidades, e apondo-se, no segundo, a inscrição preexistente no propósito de advertir
sobre a pendência de pretensão a ela adversa. Contrastando-as, pode-se dizer que a primeira
modalidade ocorre na normalidade fluente das inscrições, enquanto que a segunda aparece na
anormalidade interveniente no curso delas.
Quanto à primeira modalidade, serve para cobrir os casos que, por necessidade do
sistema jurídico, escapam inicialmente ao império da inscrição, mas que precisam, para
integração do registro, ser atraídos ao seu âmbito. Esses casos são os de aquisição da
propriedade por modo diverso da inscrição que o Código Civil admitiu ao alinhar depois
desta a acessão, o usucapião e o direito hereditário (Cód. Civ., art. 530, n.º I, II, III e IV).
Nesse rol, o direito hereditário oferece vivo interesse, pois, em virtude da abertura da
sucessão, uma propriedade individual, constante do livro, é seguida de uma propriedade
comum, dos herdeiros não constante dele. A fim de cobrir esse claro, uma vez quinhoada a

124 NUSSBAUM, A. Derecho hip. al. Madrid, ed. da Rev. de Derecho Privado, 1929, p. 11; HEDEMANN, J.
W. Derechos reales. Madrid, ed. da Rev. de Derecho Privado. v. II, ### 11, III, p. 87
125 BEVILÁQUA, Clóvis, Cód. Civ. v. 3, obs. ao art. 811; FULGÊNCIO, Tito. Hipoteca. p. 124; SANTOS,
Carvalho. Cód. Civ. int. v. 10, p. 303; LOPES, Serpa. Registros públicos. 2. ed., v. 2, p. 235.
propriedade comum, os quinhões, novamente de propriedade individual, ingressam no
registro (Cód. Civ., art. 532, I).
Os demais casos apresentam menor interesse, a não ser a acessão, particularizada na
construção, que, como acessório de solo, se incorpora ao imóvel, bem como, por analogia, na
investidura e no recuo, em virtude dos quais, nas cidades, a propriedade particular ora ganha
ora perde uma nesga de terra de sua testada. Apesar de sua semelhança com a cessão, diferem
desta em fundar-se no direito administrativo e exigirem sempre o pagamento da sobra
aderente (Lei est. n.º 1.574, de 1967, art. 29).126
Com referência a todos a inscrição é meramente receptiva da aquisição já ocorrida,
mas serve ao propósito de estabelecer uma correspondência tão exata quanto possível entrea
situação registral e a realidade externa, sejam quais forem as vicissitudes por que passe o
imóvel. Essa correspondência acompanha não só os seus titulares mas até as suas mudanças
físicas no curso de tempo, indo assim além do princípio de continuidade.
Quanto à segunda modalidade, serve para divulgar riscos pendentes sobre direitos
inscritos, inclusive o de iminentes constituição de um gravame, para o fim de chamar a
atenção de terceiros acerca de pretensões adversas àqueles, pondo-os de sobreaviso quanto
ao imóvel atingido por elas. Dada a sua finalidade de premonição de riscos, é chamada com
toda propriedade de inscrição preventiva.
Ao contrário do que seria de desejar, não exise nenhum fórmula geral que delimite o
campo de sua admissibilidade, pelo que os seus casos têm aparecido episodicamente na
legislação. O primeiro desses casos avulsos parece ter sido o da promessa de hipoteca em
garantia do debêntures, seguindo-se a esta o da condição suspensiva em negócio imobiliário,
e da penhora, arresto, ou seqüestro de imóvel e o da citação de ações reais ou reipersecutórias
(Dec. n.º 177-a, de 1893, art. 4.º e § 2.º; Cód. Civ., art. 121; Lei n.º 4.827, de 1924, art. 5.º, "a"
, n.º VII e VIII; Lei n.º 6.015, de 1973, art. 167, I, n.º 5 e 21).
Esses casos mostram que a inscrição preventiva é sempre provisória, tendendo a
transformar-se em inscrição definitiva ou a ser cancelada. Apesar disso, não se confunde com
outras inscrições provisórias, as de locação com cláusula de vigência contra o adquirente e as
de promessas irretratável de venda de imóvel, porque estas têm eficácia constitutiva, ao passo
que a inscrição preventiva possui eficácia declarativa, não impedindo que, perante o registro,
se formalizem negócios que desprezem a advertência nela contida, posto sujeitos a serem
mais tarde anulados pelo titular de direito que ela garante.
A despeito de se separarem conceitualmente, os vários casos de inscrição preventiva
apresentam traços comuns, que permitem sujeitá-los a uma apresentação unitária, reunindo
as suas espécies em um conjunto relativamente homogêneo. Diante desse conjunto, pode-se
afirmar que a inscrição preventiva exerce nitidamente uma função de garantia do direito e
previna terceiros do risco de fazer negócio com o imóvel sobre o qual recai o direito
garantido.
Tem ela um conteúdo maior do que a acumulação das duas figuras análogas do
Código Civil alemão, a inscrição da contradita e a anotação preventiva, que aliás, andaram
também misturadas antes da codificação. Ali se reconhece igualmente, num paralelo entre as

126 O glossário da lei assim define a investidura: "Investidura é a incorporação a uma propriedade particular de
uma área de terreno do patrimônio estadual adjacente à mesma propriedade, que não possa ter utilização
autônoma, com a finalidade de permitir a execução de um projeto de alinhamento ou de modificação de
alinhamento aprovado pelo Governo do Estado". Essa definição repete a exarada anteriormente no Código de
Obras do antigo Distrito Federal (Dec. n.º 6.000, art. 1.), tornando, porém, expressa a condição de que a área não
possa ter utilização autônoma.
duas, a coincidência de forma e de finalidade, pois ambas se contentam com a
verossimilhança da pretensão garantida e com a limitação da eficácia a mero aviso a terceiros
acerca da existência dessa pretensão, adversa à inscrição constante do registro.127
A exemplo do Código Civil alemão que concede a anotação preventiva da pretensão
ao direito real ou à sua supressão bem como a todo direito condicional (§ 883), a nossa
legislação também cobre ambas as hipótecas, com a diferença atinente à primeira de esperar
que a pretensão seja pleiteada em juízo para só então lhe conferir a inscrição preventiva.
Assim, ao invés de proteger primariamente a pretensão drigida ao direito real ou à sua
supressão protege-a secundariamente depois de ajuizada, ao admitir a inscrição da citação
das ações reais e reipersecutórias, em cuja amplitude cabem não só a promessa obrigacional
de vocação real, como a contradita, visto emanar esta de uma ação real, a de retificação,
cumulável com a reivindicatória (Lei n.º 6.015, de 1973, art. 167, I, n.º 21).
Há, no entanto, uma promessa obrigacional de vocação real que prescinde de
ajuizamento para a inscrição preventiva, a promessa de hipoteca em garantia de debêntures,
que, em virtude de antiga disposição legal, ingressa diretamente no registro. Se a sociedade
emissora de debêntures deixar de fazer em seis meses a inscrição definitiva da hipoteca em
favor dos debenturistas, estes poderão acioná-la, como qualquer outro credor de promessa
contratual descumprida, para executar a obrigação no prazo que for assinado, sob pena de
execução coacta. Este é um efeito específico da promessa inscrita, independentemente da
pena cominada aos diretores pela omissão no cumprimento do dever (Dec. n.º 177-A, de
1893, art. 4.º e § 2.º; Cód. de Proc. Civ., art. 639).128
Em suma, a inscrição preventiva do registro brasileiro acumula em si a contradita e a
anotação preventiva do registro alemão recolhendo todas as pretensões com tndência ao
direito real, seja este prometido, condicionado ou questionado, o que lhe dá um conteúdo de
grande amplitude. 129 Indo além, recolhe ainda pretensões destituídas dessa tendência, mas
que acidentalmente se vincularam a imóvel inscrito, devido à apreensão judicial deste,
destinada a impedir a frustração dasentença judicial (Lei n.º 6.015, de 1973, art. 167, I, n.º 5).
A inscrição preventiva é condicional por depender da eventualidade de que o direito
que provisoriamente assegura adquira firmeza, pela constituição da hipoteca ou pelo êxito da
ação, ficando sujeita a cancelamento, se frustar o empréstimo hipotecário ou for adverso o
julgamento final da ação. A sua eficácia é limitada, pois não tem força para obstar qualquer
ato de disposição do títular do imóvel atingido por ela, mas apenas para inquinar de má-fé o
respectivo adquirente, servindo de prova preconstituída da sua fraude. Se a penhora estiver
inscrita, mas, a despeito dela, o imóvel for vendido, não precisará o exeqüente preocupar-se
em fazer a prova da fraude contra o seu crédito, porquanto para isso bastará a inscrição
daquele ato judicial (Lei n.º 6.015, de 1973, art. 240).

Se bem que rara, pois dificilmente aparece um ataque direto ao registro, quase sempre
atingido indiretamente pelo ataque ao título, merece ser destacada a inscrição preventiva da
contradita ao registro por ação de retificação. Essa inscrição é determinada pelo preceito que
manda inscrever as ações reais, pois a ação de retificação do registro é uma delas. Conquanto

127 NUSSBAUM, A. Derecho hip. al. Madrid, ed. da Rev. de Derecho Privado, 1929. p. 48 e 51; WOLFF,
Martin. Derecho de cosas. Barcelona, ed. Bosch. § 13, p. 103 e § 14, p. 113.
128 Pontes de Miranda. Trat. de Dir. Priv. Rio, ed. Borsol, 1958, v. 20, § 2.246, p. 81-82.
129 LOPES, Serpa. Registros públicos. 2. ed, v. 2, n.º 396-401, p. 411 et seq.; v. 3, n.º 540-552, p. 346 et seq.;
v.4, p. 463-464; Pontes de Miranda . Trat de dir. priv. Rio, ed. Borsol, 1955. v. 11, § 1.255, n.º 4, p. 376-377.
os seus efeitos sejam os mesmos das demais, delas diverge pelo seu conceito, pois a inscrição
da contradita nega frontalmente a exatidão atual do registro, ao passo que as outras apenas
anunciam a possibilidade da sua modificação futura.
Nessa conformidade, a inscrição declarativa desdobra-se efetivamente em duas
modalidades. A primeira é a integrativa de registro, isto é, destinada a completá-lo com elos
da cadeia de titularidade, quando esta se obtém fora dele, na sucessão hereditária (julgados
divisórios), ou com fatos novos concernentes ao objeto do direito (numeração, construção,
reconstrução, demolição, desmembamento, anexação). A segunda é a preventiva, 130 isto é,
destinada a prevenir terceiros de ameaças à titularidade constante do registro, decorrentes de
atos judiciais ou de atos negociais sob condição suspensiva, a fim de se inteirarem de risco de
negócio com os respectivos imóveis. 131
A inscrição é sempre obrigatória, quer se trate da constitutiva, quer da declarativa.
Após enumerar, sob rubricas discriminatórias, os atos e fatos que lhe são submetidos, a nossa
legislação registral invariavelmente enuncia a obrigatoriedade da inscrição. Essa tradição é
seguida pela nova Lei de Registro, quando, depois da enumeração, dispõe que "todos os atos
enumerados no art. 167 são obrigatórios" ( art. 169).
No entanto, essa redação é equívoca por dar a impressão de referir-se aos múltiplos
atos, negociais e judiciais, enumerados no art. 167, quando, na verdade, quer referir-se
apenas a dois atos cartoriais, a inscrição (registro) e a averbação, pois, do contrário,
redundaria num absurdo. A disposição pretende dizer que a inscrição (registro) e a averbação
são obrigatórias, ou, para usar o termo "registro" no seu sentido genérico, que os registros
enumerados anteriormente são obrigatórios.
A obrigatoriedade, porém, torna-se vã, se não lhe for adjeta uma sanção adequada. No
caso da inscrição constitutiva, essa sanção consiste num corolário do seu efeito peculiar. A
inobservância da formalidade acarreta como conseqüência a frustração do direito que se
buscava adquirir, seja o direito de propriedade, seja um direito real limitado, como o de
hipoteca, pois o código Civil dispõe terminantemente que a propriedade só se transfere e o
direito real só se constitui com a inscrição no Registro de Imóveis dos títulos em que se
estipularem (Cöd. Civ., arts. 533 e 676).
No caso da inscrição declarativa, em que a aquisição da propriedade ou a constituição
do direito real já se operou anteriormente, a sanção há de ser diversa. Essa sanção consiste na
suspensão do exercício do direito até o cumprimento da formalidade. Não se nega o direito,
mas, para a prática de qualquer ato dispositivo ou onerativo, o titular há de inscrevê-lo
previamente, com o que se pretende canalizar para o registro, por meio indireto, todas as
mutações por que passam os imóveis, digam respeito à sua titularidade ou à situação de fato.
132 Por isso, a nova lei esclarece que o registro de direitos é feito também "para a sua

disponibilidade" (art. 172, in fine).


Dentre os requisitos da inscrição, o primeiro diz respeito à forma, que, por definição
do sistema, há de ser seletiva de declarações essenciais do título, vale dizer, "por extrato". De
duas uma, ou se transcreve, ou se resume o título. Não se cogitando de transcrever, só resta

130 Cf. HEDEMANN, J. W. Derechos reales. Madrid, ed. da Rev. de Derecho Privado, 1955, § 14, n.º 755, p.
113.
131 A aquisição da propriedade sob condição resolutória é imediata, pelo que a inscrição tem efeito constitutivo,
ao passo que a aquisição sob condição suspensiva só ocorre com a realização desta, pelo que a inscrição tem
mero efeito preventivo.
132 GARCIA, Lisipo. A transcrição. p. 156; AZEVEDO, Filadelfo. Registros públicos. ed. Fluminense, 1924.
n.º 128, p. 107; LOPES, Serpa. Registros públicos. 2. ed., Rio, Ed. A Noite. v. 2, n.º 280, p. 238.
resumir, isto é, fazer a inscrição "por extrato". Ao invés, porém, de mandar distribuir os
dados em colunas, a lei manda reuni-los a) determinar o lançamento "em forma narrativa" (
art. 231,I).
A inscrição há de efetuar-se no lugar em que está situado o imóvel. A inscrição
efetuada em lugar diferente não preenche a sua finalidade, que é publicar a existência do
direito onde o interessado vai naturalmente procurar a informação.
Analogamente, há a efetuar-se no livro próprio de registro, a fim de assumir a forma
que lhe é assinalada por lei (Cód. Civ., art. 82). Se for desviado para outro livro, não
alcançará também a finalidade de informar com segurança a situação jurídica do imóvel. O
lançamento da inscrição em livro diverso é inoperante por desrespeitar a forma legal. Daí a
nulidade em um e outro caso (Cód. Civ., art. 145).
A regra da inscrição do imóvel no lugar da sua situação, estabelecida originalmente
no Código Civil (art. 861), incorporada nos sucessivos regulamentos dos registros públicos,
foi reproduzida na atual lei. Ao pé dela, esta desdobra as suas naturais conseqüências, a
saber, a inscrição, em mais de um cartório, do imóvel que se estender de uma comarca ou
circunscrição a outra limitrofe e a desnecessidade de repetir a inscrição no novo cartório
quando houver desmembramento daquele onde foi primitivamente feita (arts. 169 e 170).
A desnecessidade de repetir a inscrição no novo cartório resultante do
desmembramento daquele em que foi primitivamente feita só prevalece, porém, se o seu
titular se mantiver inerte, abstendo-se de promover qualquer mutação jurídico-real. No caso
contrário, a inscrição terá de ser repetida no novo cartório, pois a tanto equivale exigir que a
parte apresente com o título uma certidão atualizada comprobatória da inscrição anterior e da
existência ou inexistência de ônus (arts. 197, 229 e 230).
Não se determina o tempo da inscrição, porque, sendo ela que gera o direito real (ou a
possibilidade de exercê-lo, na declarativa), o adquirente deste tem interesse em promovê-la o
mais breve possível. A determinação, contudo, pode surgir de fatos supervenientes ao
aparecimento do título destinado a se inscrito. Se esse título for transmissivo da propriedade,
a inscrição aquisitiva perde a oportunidade se, antes dela, se realizar outra em favor de
adquirente diverso. Se for constitutivo de ônus, a inscrição hipotecária não mais poderá ser
efetuada se, antes de o ser, se interpuser a extinção do crédito ou a inscrição transmissiva do
imóvel.
A inscrição pode ser promovida por qualquer interessado, expressão de grande
latitude, que a lei nova muda para outra de latitude ainda maior, ao aludir a "qualquer
pessoa". Tanto esta não prevalece, quando releva apurar a iniciativa com rigor, que
imediatamente abaixo, no artigo seguinte, a lei se vê obrigada a esclarecer que nos atos a
título gratuito "pode também ser promovida pelo transferente, acompanhado da prova de
aceitação de beneficiado" (arts. 217 e 218).
Assim, qualquer interessado pode provocá-la seja o prejudicado seja o favorecido por
ela, pois este recebe daquele, no título causal, o poder de requerê-la, graças ao qual o ato de
disposição, ali iniciado, logra consumar-se. É que, diversamente do que acontece no direito
alemão, em que a disposição se consuma em um só momento, no direito brasileiro ela se
desdobra em dois momentos por consistir em um ato geminado: título-inscrição. Se, após a
assinatura do título causal, em que as partes deram o seu consetimento à transmissão do
direito e à inscrição, qualquer delas morrer ou perder a sua capacidade de agir, esse fato não
impedirá a inscrição.133
A declaração das partes no título causal mantém a sua eficácia, apesar da
superveniência da morete ou incapacitação de uma delas. A autotização para inscrever o
direito, explícita ou implícita no título causal, exaure tudo quanto ao alienante e ao
adquirente de direito cabia fazer. Daí por diante, essa autorização projeta-se, por sua própria
força, no registro, desde que posta ao alcance deste por qualquer interessado.
Contudo, essa construção, que o nosso tratadista de direito privado considera a única
possível no direito brasileiro, não tem apoio unânime, visto como alguns dontrinadores,
vendo um choque entre os arts. 860, parág. único e 1.572 do Código Civil, pensam que não
prevalece a transcrição feita após a morte do vendedor, quando a propriedade passara já aos
herdeiros. 134 Daí a proposta de resolver-se o problema por meio de preceito expresso no
futuro Código preceito esse que já constou até de projetos preparatórios. 135
Se, todavia, a incapacitação do alienante resultar, não de causa física, como a
demência, mas de causa financeira, devida a falência ou insolvência, então só será indiferente
para a inscrição se o título já tiver sido prenotado no protocolo. A declaração da falência ou
da insolvência do alienante, conforme for ou não comerciante, não impede a inscrição,
contanto que o título causal se ache não apenas assinado, mas prenotado no protocolo do
registro.
Nesse caso, a pretonação do título no registro passa a ser condição essencial para que,
a despeito de cobrevinda a falência ou insolvência do alienante, se faça a inscrição do título
por ele outorgado. Esse temperamento da proibição de alienar bens que pesa sobre p
comerciante falido e, já agora, também sobre o devedor civil insolvente (Cód. de Proc. Civ.,
art. 752) decorre de preceito expresso do Código Civil (art. 535).
Com essa ressalva, o reconhecimento expresso da eficácia do título causal para o fim
da inscrição, não obstante a morte ou incapacitação de qualquer das partes, resolve a
controversia reinante sobre o assunto e atende a uma aguda necessidade prática. Esse
reconhecimento apoia-se em precedente do direito alemão que, todavia, o estatui de modo
compreensivemente diferente, porque, ameio ao título causal, faz correr do requerimento da
inscrição o intervalo dentro do qual pode ocorrer a morte ou incapacitação de qualquer das
partes sem a prejudicar.136
A data da inscrição e, em regra, a data da apresentação do título, vale dizer, da sua
prenotação do protocolo. A falencia ou insolvencia de alienante que acaso ocorra entre a
prenotação e a inscrição é irrelevante para o lançamento desta. Não precisava, portanto, ser
acrescido o final do artigo atrás citado, segundo o qual a data da transcrição (inscrição)

133 LOPES, Serpa. Registros públicos. 2. ed., Rio, ed. A Noite. v. 4, n.º 735-738, p. 379 et seq.; v.2. n.º 326, p.
314; Pontes de Miranda. Trat. de dir. priv. Rio, ed. Borsol, 1958. v. 11, § 1.226, p. 263 e § 1.242, p. 305;
MONTEIRO, Washington de Barros. Dir. das cousas. 5. ed., São Paulo, ed Saraiva, 1963. p. 107.
134 SANTOS, Carvalho. Cód. Civ. int. v. 10, p. 555-556; NONATO, Orozimbo. Voto. In: Rev. dos Trib., v.
156, p. 867; GOMES, Orlando. Dir. privado novos aspectos. Rio, ed. Freitas Bastos, 1961. n.º 43-51, p. 59 et
seq.
135 Proj. de Cód. Civ. do Prof. Orlando Gomes, Imp. Nac., 1965. liv. III, Do direito das coisas, cap. III, Dos
modos de aquisição da propriedade, Da transcrição, parág. único do art. 419; Proj. de Cód. de Obrigação do
Prof. Caio Mário da Silva Pereira, Imp. Nac. 1965, t't. VIII, Espécie de contratos, cap. II< Compra e venda e
permuta, sec. IV Efeitos da compra e venda, art. 375.
136 NUSSBAUM, A. Derecho hip. al. Madrid, ed. da Rev. de Derecho Privado, 1929. cap. II, p. 29;
HEDEMANN, J. W. Derechos reales. Madrid, ed. da Rev. de Derecho Privado, 1955, § 15, p. 120.
"retroage" a data da apresentação, uma vez que não excepciona a regra, apenas a repete. A
data da inscrição só não retrouge a da apresentação de título no protocolo se for excedido o
prazo de trinta dias, dentro do qual o interessado deverá consumar todas as diligências para a
inscrição (Cód. Civ., arts. 533,534, 834 e 835).
Após mencionar o requisito da data nos assentos do protocolo e do chamado "registro
geral", a nova lei lhe dá ênfase ao dispor que os do segundo livro sejam também lançados
"por ordem cronólogica" (arts. 321, I). Ao passo que a ordem cronológica do protocolo se
estabelece fluentemente, a do "registro geral" sofre as vicissitudes dos títulos. Por isso, o
mandamento da inscrição do título no prazo de trinta dias tem uma ressalva que atende a
essas vicissitudes, prevendo o excesso do prazo, caso em que a prenotação será cancelada ou
mantida, conforme haja ou não culpa do apresentante do título (arts. 188 e 205).
Desde que o direito real resulta da união de dois elementos, o título causal e a
inscrição, é de primeira evidência que, para esta legitimar-se, há de mencionar o seu
título-suporte, tendo a exigência a maior generalidade, embora o Código Civil só a consigne
relativamente à hipoteca (art. 846, II), Essa insuficiência se acha suprida na nova Lei do
Registro, que entre os requisitos de toda inscrição, chega ao ponto de incluir o título duas
vezes, primeiro no sentido causal, depois no sentido instrumental (art. 176, parág. único, III,
n.º 3 e 4).
Assim como a constituição de direitos reais por atos entre vivos se dá pela inscrição, a
extimção desses direitos se opera pelo cancelamento, que é a inscrição negativa. A não ser
por esse modo direito, a extinção dos direitos reais imobiliários dá-se também por modo
indireto, isto é, por transferência desses direitos a outra pessoa, quando então aparece como a
face negativa da aquisição desta. Nesse modo indireto a inscrição subseqüente é
naturalmente extintiva da antecedene, desempenhado assim o papel do cancelamento.
O cancelamento não é a destruição ou truncamento material da inscrição. Não há
desfazimento material, mas apenas jurídico, da inscrição, pois apenas se opõe ao assento
positivo dela o assento negativo do cancelamento. Assim como a inscrição declara que o
direto inscrito existe, o cancelamento declara que deixou de existir. A declaração positiva da
inscrição, constante de um assento, é anulada pela declaração negativa do cancelamento,
constante de outro.
Ao adotar essa forma de cancelamento, que não inutiliza ou rasura o assento
cancelado, o registro evita turvar o histórico das mudanças da situação jurídica do imóvel.
Assim, o assento ptincipal é conservado, de modo que possa ser lido em qualquer tempo, mas
com a declaração do seu cancelamento, e, onde se acrescentar o sublinhado vermelho do
fólio alemão, também a sua marca distintiva. 137
A semelhança do assento da inscrição, o do cancelamento menciona também o título
justificativo, tanto no sentido causal como instrumental. A importância de um é tão grande
como a do outro, pois o primeiro é criativo e osegundo destrutivo do direito. Apenas o
segundo depende necessariamente da preexistência do primeiro. No seu lançamento, foi
abolida a certidão, como preconizara anteriormente (art. 248).138
Na verdade, não se justificava essa certidão por dois motivos comprobatórios da sua
incoerência. Primeiro, porque não era wxigida relativamente ao assento da inscrição, que é o
principal; segundo, porque todos os assentos do oficial têm fé pública, o que tornava

137 HEDEMANN,J. W. Derechos reales. Madrid, 1955, § 12, I, n.º 5, nota, p. 90 e VI, p. 94; NUSSBAUM, A.
Derecho hip. al. Madrid, 1929. p. 13, III e p. 23, V.
138 REv. For., v. 235, p. 22.
descabido exigi-la relativamente a um deles. Demais, o seu fraseado alongava
desnecessariamente o escrito.
Ao passo que a inscrição se funda em título bilateral, isto é, em acordo de vontades
que cria o jus ad rem, o cancelamento pode bascar-se em título unilateral, isto é, oriundo
apenas de uma das partes, daquela a quem a inscrição benefícia, prescindindo-se assim do
consentimento da outra. Neste particular, a doutrina, tanto estrangeira como nossa, se mostra
pacífica. 139 É que, ao autorizar o cancelamento, o beneficiário da inscrição abre mão do
direito e a renúncia, modo comum de perda de direitos patrimoniais, é ato unilateral, previsto
expressamente pelo Código Civil em relação aos direitos imobiliários (arts. 589, II, e 849,
III).
Assim, o Código Civil, por sua sistemática, considera suficiente para servir de base ao
cancelamento o título unilateral, isto é, emanado da pessoa em cujo favor milita a inscrição,
aplicando declaramente essa unilateralidade no caso do penhor, cujo cancelamento prevê que
se faça, no art. 801, à vista de simples quitação do credor. Todavia, no art. 851, no caso da
hipoteca, após aludir ao cancelamento à vista de prova da sua causa, abre a alternativa de
fazer-se ele a requerimento de "ambas as partes". Essa incoerência é corrigida na prática, qm
que se aceita como bastante, também no caso da hipoteca, o documento unilateral oriundo do
credor, seja a sua quitação, seja o seu requerimento.140
Esse documento geralmente consigna a causa ou pressuposto legal do cancelamento e
autoriza explicitamente o Registro de Imóveis a efetuá-lo. As vezes, menos explícito, declara
apenas o fato ou pressuposto do qual deve decorrer o cancelamento, mas essa declaração
receptícia é considerada suficiente, tendo-se em vista o fim presuntivamente visado pela
emissão do documento e por sua apresentação ulterior ao registro.
De fato, a a autorização do cancelamento implica normalmente a declaração de
renúncia ao direito e, inversamente, a declaração de que resulte a extinção do direito encerra
virtualmente uma autorização de cancelamento. Assim, a declaração de recebimento da
dívida pelo credor hipotecário ou pelo credor anticrético, fazendo desaparecer a obrigação
principal, autoriza o cancelamento da hipoteca ou daanticrese. Essa conseqüência
simplificadora, pois precinde do formalismo sacramental da autorização do cancelamento,
tem claro sustentáculo no Código Civil (art. 849,I).

Às vezes a autotização do cancelamento é antecipada em relação ao fato que deve


determiná-lo, embora condicionada ao advento deste, Isso acontece com freqüência nas
escrituras de compra e vnda, em que o pagamento é representado, em parte, por promissória,
quando os contratantes estabelecem o pacto comissório (Cód. Civ., art. 1.163), facultando ao
vendedor não pago no vencimento do prazo desfazer o contrato ou pedir o preço. Após essa
estipulação o vendedor autoriza desde logo o Ofício do Cartório competente a afetuar a

139 NUSSBAUM, A. Derecho hip. al. Madrid, ed. da Rev. de Derecho Privado, 1929. p. 29; WOLFF, Martin.
Derecho de coas. Barcelona, ed. Bosch. § 39, p. 214; Lafayette. Dir. das causas. Rio, ed. Garnier, 1877. v. 2, p.
250; VEIGA, Didimo da Dir. hip. Rio, ed. Laemmert, 1899, n. 338, p. 555, com citação da doutrina francesa;
Pontes de Miranda. Trat. de dir. priv. Rio, ed. Borsol, 1955. v. 11, § 1.260, p. 401.
140 LOPES, Serpa. Registros públicos. Rio, ed. A Noite. v. 2, n.º 387.
averbação do pagamento e o cancelamento do pacto comissório assim que lhe seja entregue a
nota promissória quitada.
Ao ser apresentado o título de cancelamento, não cabe ao cartório apurar o fato novo
consignado nele para inutilizar a inscrição, mas lhe incumbe verificar a autenticidade do
documento. A autenticidade normalmente advém da origem, na escritura pública, e do
reconhecimento da firma, na escritura particular. Se, a seu critério, o documento for
autêntico, aceitará a veracidade do fato: quitação da dívida, extinção do prazo, advento da
condição resolutiva, rescisão amigável da promessa de compra e venda, renúncia do
usufrutuário, desistência da ação, retificação de registro, e assim por diante.
Tratando-se de cédula hipotecária, em que a relação jurídica gira em torno da posse
do título, a quitação da dívida prova-se com a sua devolução ao devedor, que, exibindo-a ao
registro, obtém o cancelamento da inscrição da hipoteca. Se a cédula estiver extraviada, será
suprida por quitação em separado do emitente ou endossante, isto é, do credor que aparece no
registro em virtude da averbação inicial daquela. Quando o cancelamento decorrer de
quitação do segundo ou terceiro credor, o primeiro há de assinar conjuntamente a
autorização. A rigor, por serem os endossos lançados na cédula, o registro não conhece o
último endossatário habilitado a firmar a quitação, mas, por se fazerem em preto, dentro do
circuito fechado do sistema financeiro da habitação, explica-se a facilidade da dispensa da
justificação judicial do extravio (Dec.-lei n.º 70, de 1966, art. 24 e parág. único).
Se o direito a cancelar por negócio jurídico estiver gravado com o direito de terceiro,
será necessária para o cancelamento a anuência do terceiro. Por exemplo, A é proprietário de
um imóvel e, nessa qualidade, tem uma servidão sobre o imóvel de B. Se A hipotecar o seu
imóvel a C, para o cancelamento da servidão de A sobre o imóvel de B, será necessária de C,
terceiro interessado. Esse exemplo se acha consagrado por preceito legal que faz depender da
anuência do credor hipotecário o cancelamento da servidão existente a favor do imóvel
hipotecado (Cód. Civ., art. 712, comb. com a Lei n.º 6.015, de 1973, art. 256).
Conquanto a exigência da intervenção de terceiro para validar o cancelamento haja
sido renovada na nova lei do registro somente acerca da servidão, ela deve estender-se
analogicamente a outros casos em que a supressão do direito repercute necessariamente no
que sobre ele recai. Dentre esses casos, sobrelevam os dois direitos reais de garantia, hipoteca
e anticrese, quando se lhes superpõe o penhor do crédito hipotecário ou anticrético, sobretudo
o primeiro tão comum na rotina dos negócios, de vez que o gravame do crédito arrasta a
respectiva garantia.
Se, portanto, o credor hipotecário acordar com o seu devedor o cancelamento da
hipoteca, este dependerá da anuência do credor pignoratício, cujo direito grava aquele que se
trata de suprimir. A exigência desse placet do credor pignoratício importa em providência
muito mais enérgica e eficiente do que a obrigação importa ao credor hipotecário de, uma vez
recebido seu crédito do devedor, saldar o seu débito para com o credor pignoratício (Cód.
Civ., art. 795).
Nessa conformidade, o preceito explícito relativo à servidão generaliza-se para impor
implicitamente a anuência de terceiro toda vez que o direito deste gravar aquele que se
pretende cancelar. Essa anuência decorre do sistema imobiliário adotado pelo Código Civil e
tem por fim evitar as complicações que ocorreriam se fosse permitido suprimir um direito,
deixando de pé os direitos que o gravam. Daí ter cabimento afirmar que vigora entre nós o
mesmo princípio formulado expressamente pelo Código Civil alemão ( § 876).
Além da vontade do titular, declarada em ato jurídico, existem outras causas
extintivas dos direitos reais alheias a essa vontade. Essas causas incluem o perecimento do
imóvel (Cód. Civ., arts. 77, 589, IV, 739, VI, 849, II), o cumprimento de uma condição
resolutória ou de um termo resolutório (Cód. Civ., art. 647 ; arts. 119 e 124), a
desapropriação (Cód. Civ., art. 590), a perempção da inscrição (Cód. Civ., art. 817), a
prescrição (Cód. Civ., arts. 739, VI, e 849, VI), a declaração de nulidade do título em virtude
do qual se haja feito a inscrição, a declaração de nulidade da própria inscrição por falta de
requisitos essenciais. Alguns direitos têm causa especial de extinção, como a morte do titular
no usufruto (Cód. Civ., arts. 739, I, e 1.688).
Todas essas causas extintivas de direitos e, portanto, justificativas do cancelamento
desembocam em duas vias, de vez que, quando o cancelamento não é voluntário, há de ser
necessariamente coacto. Daí poder dizer-se que o cancelamento provirá alternativamente de
um desses dois títulos idôneos, que confluem para o registro: a) autorização escrita do titular
do direito inscrito; b) sentença do juiz passada em julgado.
Sem dúvida há que ressalvar o cancelamento ex officio da inscrição em se tratando de
erro evidente, quer para corrigi-lo, quando o próprio registrador o tiver cometido
inadvertidamente (parág. único do art. 213), quer para preveni-lo, quando a escrituração
normal o ensejar, caso em que o cancelamento impedirá notadamente a superveniência de
matrículas frias ou fantasmas (art. 233, II e III). Afora a hipótese excepcional do erro
evidente, o cancelamento provém de dois títulos, a autorização escrita do titular de direito
inscrito e a decisão judicial transitada em julgado.
A autorização escrita do titular do direito inscrito careceria de interesse prático, dada
a raridade da sua ocorrência, se debaixo de sua epígrafe não se incluisse a quitação que o
credor hipotecário expede para que o devedor obtenha o cancelamento do ônus sobre o
imóvel. A freqüência do documento torna importante essa causa de cancelamento.
A decisão judicial transitada em julgado emerge ora de processo administrativo (
jurisdição voluntária) orade processo contencioso em que se comprove a nulidade do título
suporte da inscrição, que repercute necessariamente nesta, ou, mais raramente, da própria
inscrição, por falta de requisitos essenciais. Ao passo que no processo administrativo, que
pode ser de dúvida ou de correição, 141 o cancelamento se funda em ato nulo de pleno
direito, no processo contencioso se baseia tanto em ato dessa natureza como também em ato
originariamente anulável (Cód. Civ., arts. 145 e 152; Lei n.º 6.015, de 1973, arts. 214-216 e
233, I).
Ao prever as causas justificativas do cancelamento, a lei do registro não as reduz a
essas duas, porque as desdobra e confunde em dois artigos, o primeiro de caráter geral, o
segundo específico da hipoteca. A imprecisão do preceituado chega ao ponto de, no texto do
segundo, omitir o senhorio direto do imóvel que, como credor hipotecário, deve ser intimado
antes da arrematação (Cód. do Proc. Civ., art. 698). No texto do anterior, a primeira alínea
requer especificamente quea decisão haja transitado em julgado, quando a trânsito em
julgado constitui exigência gnérica lançada pouco adiante (art. 259); a segunda alínea alude a
requerimento da parte e a terceira a requerimento do interessado (arts. 250 251 ).
Quando o direito se acha apenas prenotado, o cancelamento da prenotação no
protocolo pode dar-se por iniciativa do registrador, quando há impossibilidade de inscrição
do título ou desistência da parte. Uma e outra são mencionadas como causas da devolução do

141 A Lei n.º 6.739, de 1979, previu que, a requerimento de pessoa jurídica do direito público dirigido à
Corregedoria Geral da Justiça, se faça o cancelamento de matrículas e registros nulos de pleno direito. A lei
destina-se provavelmente a regularizar a titulação de terras da Amazônia e do Norte, dado o tumulo eriado
nessas regiões pelos grileiros.
título, mas esta não ocorre sem o cancelamento da pretonação (art. 206). Afora essas
hipótecas, as demais recaem na alternativa aberta para o cancelamento do direito inscrito,
sobretudo na segunda chave, abrangente da decisão da dúvida pelo juiz, valendo ressaltar
que, como dessa decisão cabe recurso, só depois de decidido em definitivo é que dela será
remetida certidão ao registrador para o cancelamento, pois este não pode ser feito em nenhum
dos livros em virtude de sentença sujeita ainda a recurso (art. 259).
A possibilidade de ser o cancelamento total ou parcial é admitida pela nova lei do
reistro, visto como a inscrição é suscetível de ser aniquilada no todo ou em parte (art. 249).
Embora a primeira modalidade seja a comum, a segunda ocorre: a) quando se reduz o objeto
da inscrição, como ocorre com o "recuo" do imóvel urbano ou com a destruição parcial da
ilha particular, resultante do arrombamento de uma represa; b) quando se reduz o direito
inscrito, como sucede com a hipoteca da qual se desliga ou libera uma parte do imóvel em
função de pagamento parcelado (Cód. Civ., art. 758, ressalva final).
Se, ao invés de uma inscrição, o que se cancela é um cancelamento dela, então o
segundo cancelamento, total ou parcial, restaura a inscrição original . A subsistência desta,
independentemente do novo assento, aplica o princípio segundo o qual, desfeitos os atos
intervenientes, há restituição automática das partes ao estado anterior.
Como o direito real começa a existir com a inscrição (Cód. Civ., art. 676),
correlatamente só deixa de existir com o cancelamento, segundo declaradamente se estatui
em relação à propriedade (art. 589). à servidão (art. 708), ao penhor agrícola (parág. único do
art. 796), ao penhor em geral ( art. 801), à hipoteca (art. 850). A subsistência do direito real,
enquanto não cancelado, assim afirmada casuisticamente no Código Civil, vem enunciada
unitariamente como princípio basilar do nosso Registro de Imóveis desde a Lei Imperial que
o institula até a Lei que presentemente o regula (Lei n.º1.237, de 1864, art. 11, § 6.º; Dec. n.º
3.453, de 1865, art. 106; Dec. n.º 370, de 1890, art. 163; Dec. n.º 18.542, de 1928, art. 276;
Dec, n.º 4.857, de 1939, art. 293; Lei n.º 6.015, de 1973, arts. 252 e 253).

O nosso tratadista de direito privado sustenta o acerto desse princípio contra a crítica
que no passado lhe fizera Lafayette 142 mas resvala adiante num lapso, quando, após
ensinar que só o cancelamento opera a desaparição do direito real, admite em seguida que
essa desaparição se dê "automaticamente" desde que a causa da extinção já conste do
registro, exemplificando com a anticrese por "x" anos e com a hipoteca iniciada há 20 anos.
143 Essa transigência ofende literal disposição de lei, pois não só o princípio afirma em geral

a subsistência da inscrição, ainda que se prove que o título está extinto, como o Código Civil
exige em particular o ato de cancelamento (art. 850). Na conformidade do princípio de
instância, porém, é admissivel que terceiro interessado, v.g., um credor quirografário do
devedor anticrético ou hipotecário promova o cancelamento.
Assim como se dá a subsistência da eficácia do registro não cancelado, a despeito da
extinção do título, também ocorre inversamente a subsistência do título, com o seu dirito
obrigacional apesar do cancelamento do registro. Se, cancelado o registro, subsistem o título
e o direito dele decorrente, poderá ser promovido novo registro.
Portanto, o cancelamento da inscrição por causa estranha ao título jurídico de que se
originou permite nova inscrição deste, com eficácia a partir da data em que for feita. Assim,

142 Pontes de Miranda. Trat. de dir. priv. Rio, ed. Borsol, 1958. v. 11 § 1.224, p. 247.
143 Ibidem, v. 20, § 2.429.
graças à nova inscrição, o direito real a que o título tendia encontra afinal a sua expressão no
livro, ficando definitivamente constituído. No fraseado da nova lei do registro, que emenda
outro deveras infeliz do regulamento anterior, "se, cancelado o registro, subsistirem o título e
os direitos dele decorrentes, poderá o credor promover novo registro, o qual só produzirá
efeitos a partir da nova data" (artigo 254).
CAPÍTULO 9

PRINCÍPIOS DE PRESUNÇÃO E DE FÉ PÚBLICA

1.Segurança juridica e segurança do comércio.

2.Presunção de verdade da inscrição,

3.Inexatidão da inscrição. Ação de retificação.

4.Convalescença da inscrição inexata. Usucapião tabular.

5.Fé pública do registro.

6.Alcance da proteção do terceiro de boa-fé.

Estes dois princípios têm cada qual seu significado próprio, mas foram amalgamados
durante certo tempo no nosso Pais por uma corrente da doutrina que pretendeu dar ao
primeiro, previsto na lei, a eficácia do segundo, omitido nela. Ao passo que o primeiro
reforça a eficácia da inscrição, sem a tornar, contudo, saneadora, pois mantém o primado
final do direito subjetivo, o segundo abre uma brecha nesse primado ao admitir que a
inscrição se torne saneadora relativamente ao terceiro de boa-fé que, confiado nela, adquire o
direito. A regra é a tutela do direito subjetivo, ou a segurança jurídica; a exceção é a tutela do
terceiro de boa-fé, ou a segurança do comércio.
Quando os dois princípios coexistem em um sistema de registro, eles se propõem a
resolver um problema difícil, situado no centro do sistema, que é conciliar o interesse da
segurança do verdadeiro titular da propriedade com o do seu eventual adquirente. Ao
verdadeiro proprietário e a quantos dele hajam obtido direitos reais limitados importa que
não se realize nenhuma mudança jurídico-real sobre o imóvel sem a sua vontade; ao
adquirente importa que a aquisição feita não se fruste por motivos que ele ignora.
Se se garantir incondicionalmente o verdadeiro proprietário, o adquirente que haja
feito a sua aquisição a quem só aparentemente tinha aquela qualidade ficará
irremediavelmente prejudicado; se se garantir incondicionalmente o adquirente, tocará a vez
de o verdadeiro proprietário ficar irremediavelmente prejudicado. Como compor esses dois
interesses, cada um dos quais exclui necessariamente o outro? Qual a fórmula para
estabelecer a convivência do que se chama segurança jurídica com o que se chama segurança
do comércio?
Essa composição de interesses antagônicos, essa fórmula de convivência, foi
encontrada pelo Código Civil alemão, na adoção simultânea dos dois referidos princípios de
direito material, porque ali o abrandamento da segurança jurídica pela segurança do
comércio pode descansar em um registro fundiário, por meio do qual as transmissões e
onerações de imóveis se operam de tal modo que tende a existir sempre plena
correspondência entre a situação real e a situação registrada. Dessa maniera, o problema
deixa virtualmente de existir, de vez que o adquirente faz sempre uma aquisição regular ao
verdadeiro proprietário, deixando de haver insegurança para qualquer deles: a segurança é
comum.
Se a correspondência entre a situação real e a registrada, que, em teoria, é perfeita,
deixar de o ser alguma vez na prática, devido a falha do agente humano de sua realização, daí
resultando o prejuízo da parte, então acudirá em favor desta, nessa hipótese excepcional, a
indenização, que é da responsabilidade civil do Estado na Alemanha. O equilíbrio dos
interesses antagônicos se restabelece, lançando-se num dos pratos de balança a titularidade
do imóvel e no outro a indenização por sua perda indevida.
No Brasil, porém, onde faltava o apoio de um registro fundiário adequado, o Código
Civil não adotou simultaneamente os dois princípioss, mas apenas o primeiro deles, que
trouxe inegável reforçamento ao sistema de registro do direito anterior. Assim, estabeleceu o
princípio da presunção nestes termos: "Art. 859. Presume-se pertencer o direito real à pessoa
em cujo nome se inscreveu ou transcreveu."
A presunção assim estabelecida tem amplitude condizente com a do próprio registro,
não beneficiando apenas o direito de propriedade, mas todo e qualquer direito inscrito. Assim
como o proprietário por ela beneficiado não precisa provar a sua propriedade, tampouco
precisa provar o seu direito de hipoteca o credor inscrito, ou o seu direito de servidão o titular
inscrito desta, bastando a qualquer deles invocar tão-só a inscrição, sem se valer de outro
elemento probatório a não ser o que dela resulta. À semelhança do que acontece com os
possuidores, os tomadores de inscrição podem comportar-se provisoriamente como se
fossem titulares dos direitos reais a que elas se referem.
Se essa presunção registral, por um lado, abrange todos os direitos reais inscritos, por
outro lado retrai-se no seu campo de operação por ser de ordem meramente processual, não
astingindo, de nenhum modo, o direito material. A sua importância prática se cinge em
dispensar aquele que propõe uma ação ou intenta um processo administrativo da necessidade
de provar a existência do direito real que afirma, porque tem a seu favor a presunção,
incumbido ao seu adversário o encargo de provar a inexistência desse direito. Assim, numa
ação reivindicatória, quem está inscrito como proprietário não precisa fazer prova de que o é,
da mesma maneira que, numa ação negatória, quem está inscrito como titular de uma
servidão não precisa fazer prova desta, sendo suficiente, num e noutro caso, provar somente a
inscrição. Em suma, a presunção regula o ônus da prova.
A presunção significa que a sinalização feita pelo registro, seja da aquisição, seja do
cancelamento, prevalece pró e contra quem for por ela atingida, enquanto não for produzida
prova contrária. Se foi fixada a aquisição do direito, prevalece em favor do titular inscrito; se
foi fixado o cancelamento do direito, prevalece contra o titular inscrito. Como se vê, tanto
pode operar em favor do inscrito, como contra ele, embora geralmente opere no sentido
positivo, para permitir-lhe invocar a qualidade de titular do direito perante quem quer que
seja, sem precisar provar que a inscrição é exata.
Todavia, a presunção pode ser destruída por prova contrária, que demostre que o
direito inscrito não foi efitivamente constituído ou que o direito cancelado não se acha
extinto, mas, ao contrário, sobrevive ao cancelamento. Essa possibilidade empresta à
presunção um valor relativo, visto ser destrutível por prova adversa. A prova objetivará
tornar certa a inexistência do direito, a despeito da inscrição, ou a sobrevivência do direito,
apesar do cancelamento, pois esse conflito com a verdade faculta ao prejudicado pedir a
retificação do registro.
A retificação destina-se a assegurar o direito do prejudicado pela inexatidão do
registro, isto é, daquele que, titular da propriedade, de hipoteca ou de outro direito, o vê
violado por uma inscrição que, de qualquer modo, o nega. A violação prejudicial ao titular
cria entre este o volador um vínculo obrigacional, do qual o primeiro é o sujeito ativo e o
segundo o sujeito passivo, facultando a ação contra este, para obter, amigável ou
judicialmente, a restauração do direito violado. Se o titular falsamente inscrito concede
autorização para que se retifique o registro, a retificação será amigável; se, ao contrário deixa
de concedê-la, a retificação será contenciosa.
Assim, a restauração do direito violado pela inexatidão do registro pode dar-se
primeiramente mediante acordo entre as partes interessadas em virtude do qual o beneficiário
da inscrição inexata, reconhecendo a sua inexatidão, autorize o seu cancelamento, solicitado,
conjuntamente com o verdadeiro titular do direito, a retificação do registro, ressalvados os
direitos que intercorrentemente hajam adquirido terceiros, entre os quais, por exemplo, o do
credor de uma hipoteca constituida por herdeiro aparente. Depois, se falhar o entendimento
entre as partes, ela pode dar-se mediante ação judicial. Em suma, para a retificação, que não
pode ser promovida ex officio devido ao princípio de instância, abrem-se ao verdadeiro titular
do direito duas vias, a amigável, que finda na autorização pertinente ao titular falsamente
inscrito. e a contenciosa, que termina no mandado judicial ao Registro de Imóveis. 144
Ao ensejar que a presunção de veracidade do registro seja destruída pela retificaçào
do prejudicado, o nosso Código Civil vale-se de um único preceito, o do art. 860, ao contrário
do seu congênere alemão, que, após a declaração principal concernente à retificabilidade do
registro inexato de um direito sobre imóvel ou sobre direito imobiliário (§ 894), desdobra
quatro outros preceitos relativos à exibiçào da cédula hipotecária no processo, à incumbência
das despesas ao requerente da retificaçào, à imprescritibilidade da pretensão de retificaçào e
à proteção provisória do prejudicado mediante um assento de contradita ( § § 895-899). O
laconismo do nosso Código Civil truncou manifestamente um instituto da maior importância
para o Registro de Imóveis, a começar da sua definição, lançada de maneira falha.
Efetivamente, o art. 860 do Código Civil não esclarece nem que a retificação por ele
visada diz respeito a direito sobre imóvel ou sobre direito imobiliário nem que pode ser
obtida pela anuência ou autotização daquele contra quem ela opera. Daí prestar-se a dúvidas
sobre se alcança também dados de fato, como o estado civil do ttular do direito, ou a área do
imóvel inscrito, ou se exige sempre a ação judicial para o seu funcionamento, dúvidas essas
que se resolvem afinal, mas com perda de tempo, em sentido negativo. Aliás, a dispensa da
via judicial é confirmada pelo elemento hstórico, pois do texto do artigo foi suprimida a
referência à ação competente precisamente para permitir que, sem esta, as partes acordem em
pedir ao cartório a retificação do registro inexato. 145
Dentre os demais preceitos omitidos, merece destaque, por sua relevância, aquele
que, no caso de ação judicial, suscetível de durar vários anos, concede proteção provisória ao
direito do verdadeiro titular e à boa-fé de terceiros, evitando que durante o curso do processo
continuem expostos a danos. Tornava-se mister suprir essa lacuna, provendo a que, enquanto
se produz na ação ordinária a prova da falsidade do registro, se assinale no livro deste a

144 NUSSBAUM, A. Derecho hip. al. Madrid, ed. da Revista de Derecho Privado, 1929. Liv. 1, cap. II, n.º 10;
HEDEMANN,J. W. Derechos reales. Madrid, ed. da Revista de Derecho Privado, 1955. § 14, p. 112;
AZEVEDO, Filadelfo. Registros públicos. Rio, Ed. Fluminense, 1924. n.º 190; LOPES, Serpa. Registros
públicos. 2. ed., Rio, Ed. A Noite. v. 4, n.º 705-713.
145 AZEVEDO, op. cit.,ª n.º 190, p. 154.
existência da contradita, a fim de prevenir a quantos queiram adquirir o direito ou sobre ele
fundar outro que esse direito pode caducar, caso se julgue procedente a retificação pendente.
Foi o que, suprindo a omissão do Código Civil, tentou fazer o primeiro regulamento
dos registros públicos, de 1928, repetido pelo de 1939, que, após reproduzirem o texto do art.
860, segundo o qual o prejudicado pode reclamar que se retifique o registro, acrescentaram "
por meio de processo contencioso, que será inscrito" (Dec. n.º 18.542, de 1928, art. 218; Dec.
n.º 4.857, de 1939, art. 227). Esse fecho regulamentar teve o mérito de criar uma proteção
provisória para terceiros, embora padeça de dois defeitos, a saber, o desconhecer a alternativa
daretificação amigável e o de referir-se impropriamente à inscrição de um "processo",
quando caberia aludir com mais justeza à respectiva "citação". Aliás, este último
esclarecimento acaba sendo dado em outro artigo do segundo regulamento citado (Dec. n.º
4.857, de 1939, art. 281). Aludindo a "processo próprio", a lei vigente admite o
administrativo ao lado do contencioso (Lei n.º 6.015, de 1973, art. 211).
Ao propor a ação, fazendo citar o titular da inscrição inexata o prejudicado, portanto,
se dirige incontinenti ao registro para acautelar o seu direito e a boa-fé de terceiros,
promovendo a inscrição preventiva da sua contradita. A contradita é, no nosso direito, um
dos casos de inscrição preventiva, diversamente do que sucede no direito alemão, onde se
destaca a "anotação preventiva" da "contradita", aquela destinada a todo caso de ameaça em
que se reconhece, ou pelo menos não se nega, a exatidão do registro, esta no caso em que
precisamente se nega a exatidão do registro.
A contradita não chega a tolher negócios do beneficiário da inscrição vigente, mas
apenas os ameaça de anulação futura. A sua inscrição preventiva está sujeita à sorte da ação
proposta para a retificação, devendo afinal prevalecer ou não, conforme seja julgada
procedente ou improcedente, com a conseqüência de ser canelada, se ocorrer a segunda ponta
da alternativa. Se a ação for julgada procedente, a eficácia da retificação retrotraí ao
momento em que se produziu a inexatidão: é declarativa.
A inexatidão do registro enseja, pois, ao titular do direito a faculdade de propor a ação
de retificação, a fim de que o registro volte a refletir a situação jurídica real. A restauração do
paralelismo entre a tábua ea realidade condiz com o princípio de legitimidade, em virtude do
qual toda inscrição há de apoiar-se em declaração de vontade válida e em faculdade de
disposição, que é precisamente o que o Código Civil subentende ao exigir o título legal (arts.
530, I, 676, comb. com art. 834). Se se faz inscrição de um título destituído de legitimidade, é
natural que caiba ao prejudicado a faculdade de reclamar contra a inscrição. A ação de
retificação nada mais é, portanto, do que um corolário do princípio de legitimidade.
Ao permitir que o prejudicado se oponha à inscrição inexata, o Código Civil prevê um
fato raro, pois normalmente existe perfeita harmonia entre a situação jurídica real e a
escriturada no livro do registro, constituindo a discrepância entre uma e outra uma ocorrência
extraordinária. A regra é espelhar o registro a realidade, mas a exceção, não obstante a sua
raridade, precisa ser levada em conta, a fim de facultar ao prejudicado por uma inscrição
inverídica o restabelecimento da verdade, por meio da retificação.
A retificação, no direito brasileiro, se exerce em maior amplitude do que no direito
alemão, porquanto vigia a regularidade dos dois estágios em que se desdobra a inscrição, a
saber, o da formação do título e o do lançamento da inscrição, avançando até a menção dos
fatos entremeados do título. Assim, alcança ps acordos de transmissão e oneração celebrados
antes do registro e apura todos os dados de fato constantes do título, ao passo que no direito
alemão ela se atém a acordos celebrados perante o registro e aceita dados de fato já apurados,
em sua maioria, pela repartição do cadastro.
Apesar dessa amplitude, a sua função principal diz respeito aos direitos inscritos, que
constituem a sua matéria essencial, a ponto de se haverem eles como subentendidos toda vez
que se alude simplesmente a retificação. A retificação dos direitos inscritos pode visá-los,
quer na fase de sua formação, isto é, da criação do título, quer na fase da sua inscrição, isto é,
da sua antabulação. Tanto o título é suscetível deapresentar vícios que o tornem ilegítimo,
repercutindo a sua nulidade na inscrição, como esta é capaz de exibir vícios próprios, que
acarretam a sua nulidade.
Nessa conformidade, a retificação dos direitos inscritos, por estarem em desacordo
com a realidade extra-registral, pode ser suscitada por nulidade material ou formal do título
ou da própria inscrição. Noutras palavras, tanto pode advir por via reflexa, em virtude de
ação que ataque diretamente o título, mas repercuta na inscrição, como por via direta, em
virtude de ação que ataque só a inscrição por falta de requisitos essenciais.
No primeiro caso, a ação anulatória do título funda-se em qualquer dos vícios de
nulidade ou anulabilidade dos atos jurídicos previstos no Código Civil (arts. 145 e 147). Se a
ação contenciosa for julgada precedente, o seu efeto estende-se à inscrição, anulando-a
também, total ou parcialmente ( cancelamento total ou parcial ), ainda que não seja cumulada
com a de retificação do registro: a anulação do título implica na retificação do registro.
Dando esta como subentendida naquela, a jurisprudência decide que "o cancelamento da
transcrição do título de propriedade no Registro Geral de Imóveis não depende de ação
anulatória especial, se pronunciada sua invalidade em virtude de anulação daarrematação do
imóvel, que lhe é objeto".146
No segundo caso, a ação anulatória da inscrição funda-se geralmente em falta da
forma prevista em lei para o assento (Cód. Civ., arts. 130 e 145, III), embora possa fundar-se
também em dolo ou erro do registrador. Dentre as causas legais invocáveis para invalidar a
inscrição, as mais comuns são a imcompetência do serventuário subscritor do assento, o
lançamento deste em livro diferente do que lhe corresponde, a falta de prenotação do título no
protocolo, a violação do princípio de prioridade, a falta de assinatura do registrador, a
especialização insuficiente do imóvel. Se a ação anulatória da inscrição for julgada
procedente, determina o seu cancelamento, mas o título fica imune, apto à reinscrição, a qual
só começará a produzir os seus efeitos de sua data.
Assim, a retificação de direitos inscritos origina-se comumente de outra ação, como a
de reivindicação, de petição de herança, de inoficiosidade de doação e as demais em que se
pede a anulação do título por um dos vícios internos que o inquinam, erro, dolo, coação.
Dificilmente ela se funda em um dos vícios externos do título, ostensivos na face, porque os
desta categoria são afastados liminarmente no exame prévio da legalidade antes da inscrição.
Raramente ela constitui objeto principal de ação por fundar-se esta diretamente em
um ou mais vícios peculiares a própria inscrição. Esses vícios resultam da inobservância de
alguma ou algumas das formalidades consideradas essenciais para que a inscrição valha ou
ministre a terceiros as informações necessárias ao conhecimento da situação jurídica do
imóvel. Quando, à simples inspeção do assento, se verifica que este omite, ou ministra com
insuficiência as informações, a sanção é a nulidade.
Não importa que as informações constem do título, porque este não chega ao
conhecimento do público, que se orienta apenas pela inscrição: é esta que deve contê-las,
pois, do contrário, seanula. Assim acontece, por exemplo, quando a inscrição da propriedade

146 Ac. in. Rev. For., v.133, p. 131.


não menciona as caracteristicas e confrotações do imóvel 147 ou quando a inscrição da
hipoteca deixa de declarar o valor por ela garantido ou a circunscrição ou lugar da situação do
imóvel. 148
Nestas condições, a retificação dos direitos inscritos ora se acha latente, debaixo da
ação movida contra o título, emergindo, pois, em segundo plano, ora se apresenta ostensiva,
na ação movida contra a própria inscrição, aparecendo, pois, em primeiro plano. Atrás de
uma e outra, ação, a indireta e a direta, se encontra sempre a inexatidão do registro, suscetível
de assumir uma destas formas: a) inscrição de direito inexistente; b) omissão de direito
existente; c) cancelamento indevido de direito existente; d) erro de menção do conteúdo de
um direito. 149
A primeira forma de inexatidão aparece, por exemplo, quando se faz a inscrição da
propriedade ou de um direito real em virtude de um título falso; a segunda, quando, por
qualquer motivo, se deixa de fazer a inscrição de um direito constante de título
oportunamente apresentado e prenotado; a terceira, quando, sem causa, se faz o
cancelamento de um direito, como o de hipoteca, à vista de quitação falsa ou simplesmente
parcial, ou de todas as hipotecas de diferentes graus, quando apenas cabia cancelar uma ou
mais de grau inferior; a quarta, quando se inscreve uma quantia errônea como valor da
hipoteca.
Quer se ataque a inexatidão indireta ou diretamente, a ação de retificação, o chamado
"processo contencioso" aludido no anterior regulamento e na vigente lei dos registros
públicos, obedece ao rito ordinário. 150 A ação de ataque direto, ação de retificação
propriamente dita, tem, segundo a doutrina dominante, natureza real, 151 mas há
discrepâncias desse entendimento, 152 pelo que convém distingui-la bem como à contradita,
ao invés de considerá-la absorvida pela generalidade de inscrição preventiva das ações reaise
reipersecutórias, introduzida pela anterior lei de registros públicos e incorporada à atual (Lei
n.º 48.227, de 1924, art. 5.º, "a", n.º VIII; Lei n.º 6.015, de 1973, art. 167, I, n.º 21). Aliás, o
regulamento de 1939 assim procedia ao determinar que fossem inscritas as ações reais, ou
pessoais reipersecutórias, "e as de retificação de registro", pelas certidões das citações (Dec.
n.º 4.857, de 1939, art. 281).

Nessa seqüência a atual lei do registro prevê a ação de retificação por nulidade em
dois artigos, um específico de registrosligados à dalência, o outro genérico, aplicável a
quaisquer registros (arts. 215 e 216). Embora o art. 215 declare que são "nulos" os registros
efetuados após a sentença de abertura da falência ou o termo legal nela fixado, esse predicado
diz respeito à nulidade relativa subjacente na anulabilidade, que depende sempre de ação

147 Ac. da Rel. de Minas de 13/6/1917, in Rev. For., v. 28, p. 148; de 22/6/1922; in Rev. For., v. 40, p. 93; de
1925, in Rev. for., v. 45, p. 537, de 23/5/1931, in Rev. For., v. 57, p. 142 etc.
148 Ac. da Rel. de Minas de 11/7/1931, in Rev. For., v. 57, p. 42.
149 HEDEMANN, op. ct., § 14, p. 108; LOPES, op. cit., v. 4. n.º 707, p. 334.
150 LAFAYETTE. Direito das cousas. Rio, Ed. Garnier, 1877. v. 2, § 250; Ac. da Rel. de Minas de 14/12/1927,
in Arq. jud., v. 5, p. 266.
151 WOLFF, Martin. Derecho de cosas. Barcelona, Ed. Bosch. § 46; LOPES, op. cit., v.4. n.º 708, p. 337;
PONTES DE MIRANDA. Trat. de direito privado. Rio, Ed. Borsol, 1955. t. II, § 1.252, 2, p. 362.
152 HEDEMANN, op. cit., § 14, p. 112.
própria . Apesar do fraseado peremptório, 153 não se trata de nulidade absoluta, que possa
ser pronunciada ex officio pelo Juiz, o que se comprova mediante contraste com o artigo
anterior, onde a nulidade aparece com o atributivo "de pleno direito", para aí dispensar a ação
direta (art. 214).
Tanto vale dizer que o disposto no art. 215 — reflexo registral de ação anulatória ou
em linguagem falimentar, revocatória de atos do falido, estranhos à inexatidão, mas com
vício congênito –, não passa de particularização do art. 216, em que se prevê a ação
anulatória, abrangente do ato anulável e do ato nulo, para retificação do registro. A ação se
dirige contra partes envolvidas nos registros e não contra o registrador ou o Cartório,
podendo citar-se como exemplo a que se origina da dupla inscrição do mesmo imóvel em
nome de pessoas diferentes, uma das quais, na qualidade de autora, se volta contra a outra na
qualidade de ré.
Afora o caso comum do ingresso na via contenciosa de uma dessas ações, há o caso
excepcional do pronunciamento ex officio de atos nulos de pleno direito, versados no art. 214
da lei. Os atos nulos de pleno direito são os previstos no art. 145 do Código Civil, isto é,
resultantes de incapacidade do agente, de ilicitude ou impossibilidade do objeto, de
preterição de forma prevista em lei, de omissão de solenidade considerada essencial para sua
eficácia e de declaração taxativa de nulidade por preceito de lei. Conquanto esses atos fiquem
encobertos às vezes na titulação, contaminando em seguida a tabulação, dificilmente
aparecem diretamente nesta devido ao exame prévio da legalidade dos títulos.
Quando se trata da retificação de fatos inexatamente mencionados na inscrição, como
estes quase sempre interessam apenas a uma das partes, por se referirem à sua identidade ou à
identidade do objeto que lhe pertence, a ação pode ser administrativa. Ao pedido de
retificação, instruído com os documentos necessários, segue-se um processo abreviado, com
audiência do Ministério Público, que termina com o deferimento ou indeferimento da
retificação, cabendo dessa sentença o recurso de apelação (Lei n.º 6.015, de 1973, art.
213).154
Apesar do seu caráter unilateral, a retificação há de, em princípio, ter processo
administrativo com despacho judicial, salvo se o registrador, em face da prova documental,
entender que deve corrigir desde logo a inscriçào por erro evidente. A cautela se recomenda
para que prova seja examinada por órgãos afeitos a apreciá-la e valorizá-la. Se um imóvel
está inscrito em certo nome e pede-se depois que este seja retificado por averbação para
intercalar-se ou pospor-se um sobrenome, caberá averiguar se a nova versão coincide com a
constante do registro civil das pessoas naturais e se aplica efetivamente ao proprietário
inscrito no registro de imóveis, considerados os demais elementos identificadores deste.
Assim como o proprietário pode simplesmente aparecer na inscrição com o nome abreviado
que impensadamente usara na escritura, também pode acontecer que, debaixo da capa de

153 Esse fraseado indoziu um Juiz fluminense a determinar, por despacho em autos de falência, o cancelamento
de uma inscrição referente à arrematação efetuada antes da falência, cuja carta, porém, fora expedida e inscrita
depois dela. O Tribunal de Justiça do R.J. em mandato de segurança autorizou por maioria a inscrição da carta
de arrematação do impetrante ( ac. do TJ do R.J. de 28/3/1978 na Rev. Dir. Imob. n.º 7, p. 108).
154 O Código de Processo Civil, Lei n.º 5.869, de 11/1/1973, chama de "jurisdição voluntária" todo processo
dessa natureza, submetendo a rito que prescreve qualquer caso não contemplado com procedimento especial
(art. 1.103). Assim, o processo administrativo de retificação de fatos enunciados na inscrição obedeceria a esse
rito, se não tivesse sido prescrito outro levemente diferente na nova lei do registro.
retificação, se dissimule uma mudança de proprietário, o que torna imperioso verificar com
rigor a identidade.155
Além de dados pessoais, nome, estado civil, profissão, residência, regime de bens,
costumam ser objeto de retificação dados descritivos do imóvel — que, no registro alemão,
são previamente atestados pelo cadastro —, notadamente os que importam em divergência de
medições do imóvel (Lei n.º 6.015, de 1973, § 2.º, do art. 213; cf. Dec. n.º 4.857, de 1939, art.
228). Se intercorrentemente se verificar que a retificação não interessa apenas ao requerente,
mas também a terceiros, em cujo direito interfere, como às vezes se dá quando a medição das
linhas de divisa põe em causa os respectivos "rumos", então o requerente será remetido para
a via contenciosa. 156
A não ser, pois, no caso do interior com os direitos de terceiros, que é o que o registro
assegura, a retificação de dados de fato atém-se ao processo administrativo, podendo até ser
promovida de ofício, isto é, por iniciativa do próprio registrador, quando o título está certo,
provindo o erro da tomada de suas indicações por serventuários do cartórios. Nesse extremo
de simplicidade, a retificação há de ser conduzida, conforme a advertência regulamentar,
"com a devida cautela" (Lei n.º 6.015, de 1973, § 1.º, do art. 213; cf. Decreto n.º 4.857, de
1939, art. 228).
Se não for admitida a retificação administrativa de fato, daí podem resultar
verdadeiros impasses, como aquele em que se encontrou o dono de um terreno de São Paulo,
adquirido como corpo certo, com divisas demarcadas, quandso, pela medição, verificou ser a
sua área menor do que a constante do título. Ao propor contra os confrontantes a ação de
retificação da área, com apoio no art. 227 do Decreto n.º 4.857, de 1939, viu-a frustar-se sob
o fundamento de que nela não tinham interesse os confrontantes, pelo que lhe foi indicada a
alternativa de retificação por escritura amigável do transmitente, contra quem, em caso de
recusa, deveria ser proposta a ação de retificação, apesar de, segundo parece, nela não ter
também interesse. 157
A diferença de rito processual explica-se pela circunstância de ser missão do registro
assegurar os direitos inscritos, não os fatos mencionados na inscrição. Os direitos inscritos é
que gozam da presunção de pertencerem àqueles em cujo nome se acham no livro. Essa
presunção constitui verdadeira cidadela que somente pode ser destruída por meio de ação
contenciosa e ordinária, não se deixando abalar nem pelo assento preventivo da propositura
dela, o chamado assento da contradita. O assento da contradita exclui a fé pública da
inscrição, de que adiante se tratará, mas não destrói a presunção, conforme a inferência
lógica, confirmada por copiosa doutrina alemã, invocada a propósito por Soriano Neto. 158
Antes de passar adiante, convém abrir aqui um parêntese para referir que o Projeto do
Código civil de 1965, ao verter o art. 859 do Código vigente, fê-lo no seu art. 421 sob a
epígrafe de Presunção de propriedade, confirmada no texto, segundo o qual: O imóvel
presume-se pertencer, até prova em contrário, àquele em cujo nome estiver transcrito."
Como se vê, o Projeto de Código Civil oficializado em 1965, mas depois sustado e
afinal substituído por outro Anteprojeto em 1973, restringe o preceito às "aquisições",
excluido dele as "onerações" de imóveis. Aliás, as onerações no Projeto deixam de ser objeto

155 Cf. ac. do Cons. Sup. de Magistratura de SP, de 18/3/1977, em Francisco de Paula Sena Rebouças,
Registros Públicos, Jurisprudência, p. 269.
156 LOPES, op. cit., v. 4, n.º 712-713.
157 Ac. da 2.ª T. do T. de Alçada de S.P. de 2/9/1963, in Rev. dos trib., v. 360, p. 308.
158 NETO, Soriano. Publicidade material do direito imobiliário. Recife, 1940. n.º 86, p. 173.
de "inscrição" para sê-lo de "averbação", conforme adiante esclarece o art. 424 ao dizer, sob
a epígrafe Averbação de ônus reais, que: "A transcrição do título de transferência deve ser
feita com a averbação dos ônus que grevem ou restrinjam o direito do adqüirente e de todas
as cláusulas que interessem a terceiros e devam ter publicidade".
Tão importante inovação, contrária à nossa tradição, quer no Direito Material, quer no
Formal, não é objeto de qualquer referência, que a explique, no Relatório da Comissão
Revisora, da autoria do Prof. Orlando Gomes. Tanto mais necessário se tornava um
esclarecimento quanto a inovação parecia inaveitável no Direito Formal do Registro de
Imóveis, onde cada um dos direitos reais limitados, dos ônus que gravam os imóveis, tinha
extensa vida própria, suscetível , por si mesma, de numerosas averbações, não podendo,
portanto, ficar acomodado à ilharga do assento da propriedade, onde não existia espaço para
ele.
Daí ser necessário manter o alcance do preceito do Código Civil, que o aludido
Projeto restringia sem razão, dispondo que a inscrição gera a presunção da existência e o
cancelamento da inexistência do direito, com a ressalva de ser destrutível por prova contrária.
Dessa maneira torna-se claro que ela opera tanto em sentido positivo como em sentido
negativo, ao mesmo tempo que se adverte não ter ela caráter absoluto, mas relativo.
Além de ser rara a inexatidão do registro, pode acontecer que, no caso de sua
ocorrência, o prejudicado deixe de usar, por qualquer motivo, da ação de retificação,
permanecendo inativo. A inação do verdadeiro proprietário, prolongando-se, enseja a
convalidação da inscriçào em favor do proprietário aparente, desde que a este sobrevenha o
domínio que inicialmente lhe faltava.
A convalidação pela superveniência da propriedade somente pode beneficiar o
proprietário aparente, isto é, o titular de uma inscrição dominial que, por ter adquirido o
imóvel de boa-fé a quem supunha ser dono, alie à sua titularidade a posse, estendendo-se, por
via de conseqüência, aos direitos reais que sobre ele haja em seguida constituído. Se o
transmitente não-dono investir-se em dado momento da propriedade de que carecia ao fazer a
transferência, essa investidura provocará uma reação em cadeia, revalidando sucessivamente
a propriedade do adquirente e os direitos reais que ele haja subseqüentemente constituído
(Cód. Civ., art. 622 e parág. único do art. 756).
Ao empregar, na disposição acerca da propriedade, o termo "tradição", cujo
equivalente, em matéria de imóveis, é "inscrição" e, na relativa aos direitos reais, a expressão
"a título de proprietário", o nosso Código Civil não deixa dúvida de que a superveniência do
domínio somente pode favorecer quem presuntivamente já o tinha. Ambas as disposições
focalizam inequivocamente o proprietário aparente, cujo direito de propriedade se consolida,
como se consolidam os direitos reais nele fundados, não se podendo admitir que digam
respeito a outrem que não o titular de uma "inscrição". Só ele tem a seu favor a "tradição",
vale dizer, a inscrição, só ele pode estabelecer, por isso, garantias reais "a título de
proprietário". 159
Noutras palavras, a convalidação somente pode referir-se a propriedade e direitos
reais inscritos, isto é, tem sempre como base uma inscrição, preexistente, não sendo
extensível a negócios imobiliários que não se tenham exteriorizado no Registro de Imóveis,
como os de hipóteses extravagantes imaginosamente aventadas e, às vezes, simultaneamente

159 BEVILÁQUA, Clóvis. Cód. Civ. Com., ao art. 756; SANTOS, Carvalho. Cód. Civ. Int. do art. 756; LOPES,
op. cit., v. 2, n.º 313.
repelidas por alguns autores. 160 Se um simples possuidor escriturar uma hipoteca de
imóvel a certo credor, nem por isso constituirá uma garantia real que possa depois ser
revalidada pela superveniência do domínio em resultado de usucapião, porque nem a sua
hipoteca chega a nascer pela inscrição, nem a sua posse é "a título de proprietário". A título
de proprietário possui aquele que, além da posse, tem a inscrição do imóvel, pelo que, com
base nesta, pode estabelecer a hipoteca ou outra garantia real revaldável pelo usucapião
ordinário (Cód. Civ., art. 551).
A convalidação pela superveniência da propriedade ocorre quando esse direito maior
advém ao proprietário aparente, titular de inscrição, por uma das outras vias pelas quais
presentemente lhe pode ser conduzido, a saber, por: a) sucessão, quando ao verdadeiro
proprietário sucede ou o transmitente, que passa a reunir então na sua pessoa as duas
qualidades opostas de responsável pela evicção e de eventual reivindicante, ou, ao invés
disso, o mesmo proprietário aparente, dando-se no primeiro caso a legitimação indireta e no
segundo a direita (Cód. Civ., art. 1.572), ou por b) usucapião, quando a posse do proprietário
aparente se prolonga por tempo bastante para perfazer o prazo fixado em lei (Cód. Civ., art.
551).
Como se viu, o parág. único do art. 756 do Código Civil pressupõe um proprietário
aparente que dá em garantia hipotecária ou anticrética o seu imóvel, subentendendo, pois, um
titular de inscrição só aparentemente legítima, porque sujeita a retificação. Desde que a sua
titularidade convalesça pela superveniência do direito, é natural que, por via de
conseqüência, convalesçam também as garantias que se haviam apoiado nela. Todavia, a
convalidação dessas garantias não poderá prejudicar direitos que o verdadeiro proprietário
haja concedido antes que o imóvel entrasse no patrimônio do proprietário aparente, o que
importa em dizer que os gravames constituídos pelo primeiro, titular de inscrição válida,
necessariamente anterior, prevalecem sobre os constituídos pelo segundo até o momento em
que sobreveio o advento translatício da propriedade que beneficiou este último.
Quanto ao usucapião, atualmente ocorrem dois tipos, um dos quais não só dispensa a
inscrição do imóvel, como pode até abatê-la (Cód. Civ., art. 550), ao passo que o outro
assenta na inscrição do imóvel, cobrindo-a com a posse, a fim de evitar eventual
reivindicação (Cód. Civ., art. 551). O primeiro tipo, dotado de força total, constitui um
contra-senso, pois, se a propriedade se adquire pela inscrição, não é curial, dado o seu
atributo de perpetuidade, que se esfume depois em conflito com a posse. No entanto, é o que
se dá presentemente, quando o autor da ação de usucapião faz citar como réu o titular de
transcrição do imóvel (Cód. de Proc. Civ., art. 942, n.º II; cf. Cód. de proc. Civ., de 1939, art.
455, § 2.º).
Daí a necessidade lógica de enfraquecer o primeiro tipo, retirando-lhe a força contra
tabulas, bem como fortalecer o segundo, positivando-lhe a força secundum tabulas, o seu
apoio na inscrição, para o efeito de convalidação desta, quando constestável. Isso importará
em admitir o usucapião extraordinário somente nos casos em que o imóvel não esteja inscrito
no registro, à vista de certidão negativa deste, 161 e em reconhecer o ordinário apenas

160 VEIGA, Didimo da. Dir. Hip. Rio, ed. Laemmert, 1899. n.º 67, p. 58; SANTOS, op. cit. Int. de art. 756.
161 O registro foi instituído para produzir efeitos em relação a terceiros, daí se deduzindo que a certidão
negativa da inscrição do imóvel deve ser requisito do usucapião de terceiro. Assim, o usucapião não operará
nem contra o proprietário, nem contra o credor hipotecário inscrito, o que cortará a controvérsia sobre se ele
extingue ou não a hipoteca (VEIGA, op. cit., n.º 325, p. 529, p. in fine; MARQUES, Azevedo. Hipoteca. 3. ed.
Ed. da Rev. dos Trib., 1933, n.º 116; AZEVEDO, op. cit., n.º 139).
quando vise a legitimar o titular inscrito no registro, à vista de certidão positiva deste, para o
fim de apagar o eventual desacordo entre a aparência registral e a realidade jurídica.
O novo usucapião tabular deverá emergir escoimado da dúvida que ora debilita o seu
similar atual, o usucapião ordinário, de ser ou não necessária a inscrição do título, visto como
o seu pressuposto será precisamente essa inscrição e o seu fim será dar corretivo à
relatividade da sua eficácia. Com efeito, se é verdade que a inscrção opera a aquisiçào do
direito, também o é que isso somente ocorre se o título for legitimo. Se o título não for
legitimo, seja porque o vendedor do imóvel é um incapaz, seja porque o seu consentimento
foi viciado por erro, ou por outro motivo, a aquisição pode ser anulada pelo titular do direito
lesado, que fará cancelar a inscrição.
Essa conseqüência será evitada com o feito convalidante do novo usucapião tabular,
que fará coincidir a titularidade jurídica com a titularidade registral. Esse resultado também é
buscado pelo princípio de fé pública, de sorte que se pode dizer que o usucapião tabular tem
para a inscrição atual o mesmo préstimo que o princípio de fé pública tem para a inscrição
futura, uma vez que ambos servem como saneadores da titularidades.
O usucapião tabular limita-se à propriedade, ao usufruto e às servidões prediais, que
admitem a posse, sem se estender à hipoteca ou ao direito de resgate. Todavia, a sua
aplicação mais freqüente será certamente em relação à propriedade, para transformar a
propriedade putativa em real, sempre que o verdadeiro proprietário deixar transcorrer o prazo
de 20 anos sem intentar a ação de retificação do registro ou a ação reivindicatória cumulada
com ela.
O usucapião tabular assemelha-se ao usucapião ordinário previsto no art. 551 do
Código Civil em seus aspectos ostensivos, que são a posse por ceto lapso de tempo e a
transcrição do título aquisitivo. Com efeito, segundo a doutrina dominante, o nosso
usucapião ordinário ao exigir, além da posse, o justo título, exige que esse título se ache
transcrito. 162
Contudo, distingue-se do usucapião ordinário em que, ao contrário deste, dispensa a
boa-fé do adquirente, podendo servir até para cobrir a aquisição de um vigarista. Assim, o
usucapião tabular faz convalescer incondicionalmente a aquisição de um imóvel desde que
sua inscrição dure 20 anos sem ser atacada, quer essa inscriçào haja sido feita de boa-fé,
como a do herdeiro instituído em um testamento que depois se descobriu estar revogado por
outro posterior, quer de má-fé, como a do vigarista que recebeu o imóvel de um cúmplice,
que se fez passar por dono, iludindo a vigilância que sobre a sua identidade deve exercer o
registrador e antes deste, em caso da escritura pública, o tabelião de notas.
Está visto que, enquanto não se consumar o prazo de 20 anos, o herdeiro instituído no
testamento posterior pode impugnar a inscrição do herdeiro primeiramente inscrito, assim
como o verdadeiro proprietário pode igualmente impugnar a inscrição do proprietário
falsamente inscrito, porque a presunção de verdade da inscrição é destrutível por prova

162 LAFAYETTE, op. cit., § 68, p. 183; ALMEIDA, Lacerda de. Dir. das coisas. § 68; GARCIA, Lisipo. A
transcrição. p. 246-247; AZEVEDO, Filadelfo. Registros de imóveis ( valor da transcrição ). Ed. Jacinto. 1942.
p. 83; LOPES, op. cit., v.4, n.º 617, p. 121; SANTOS, Carvalho. Cód. Civ. int. 7. ed. Rio, ed. Freitas Bastos. v.
7. Int. do art. 551, p. 439; LINS, Jair. Memorial. In: Rev. For., v. 35, p. 527; Despacho do Dr. Teixeira de Melo.
In: Rev. For., v. 53, p. 110; SÁ PEREIRA. Dir. das cousas, In: Manual Lacerda, v. 8, p. 242; MONTEIRO,
Washington de Barros. Dir. das cousas. 5. ed. São Paulo, Ed. Saraiva, 1963. p. 127; Ac. da 2.ª T. do STF de
11/11/1947. Relator Orozimbo Nonato. In: Arq. Jud., v. 86, p. 213. Contra: PONTES DE MIRANDA . op. cit.,
v. II, § 1.197, n.º 4, p. 142 et seq.
contrária. Consumado, porém, aquele prazo, desaparece a possibilidade de retificação da
inscrição, que se estabiliza definitivamente com o usucapião tabular.
Antes, porém, de consumado aquele prazo, pode o herdeiro primeiramente inscrito ou
o proprietário falsamente inscrito transmitir o imóvel onerosamente a terceiro de boa-fé, cuja
inscrição, ao contrário da de qualquer daqueles antecessores, se estabiliza instantaneamente,
porque, em seu favor, intervém o princípio de fe pública de que adiante se tratará. Esse
princípio generaliza a proteção que o nosso Código Civil concede especificamente ao
terceiro, quando adquire do herdeiro aparente antes de ser ele excluído da sucessão, tornando
válida a aquisição e convertendo em perdas e danos o direito do herdeiro prejudicado (Cód.
Civ., artigo 1.600).
Se é certo que o Código Civil adotou o princípio de presunção, também o é que
deixou de adotar o princípio de fé pública, pois, dos dois artigos contíguos do Código Cvil
alemão, só copiou o concernente à presunção. Daí a conveniência de copiar agora o segundo,
de acordo com a tendência da doutrina, já que, não só se reúnem nesta altura condições mais
proprícias para recebê-lo, como principalmente se introduz no registro imobiliário a folha
especial, considerada seu natural susentáculo. Segundo a opinião mais cautelosa, a folha, no
Direito Formal, condiciona a fé pública, no Direito Material.
Esse princípio é formulado no Código Civil alemão do seguinte modo: "§ 893.
Reputa-se exato o teor do registro fundiário a favor daquele que adquire, por ao jurídico, um
direito sobre um imóvel ou um direito sobre um tal direito, a menos que esteja inscrita uma
contradita contra a exatidão ou seja conhecida do adquirente a inexatidão."
Como se vê, o texto visa legitimar, contra o verdadeiro titular, o titular inscrito de um
direito, desde que na sua titularidade confie alguém para adquirir-lhe o direito. O primeiro de
fé pública abre exceção ao princípio de legalidade ou legitimidade, suprindo a faculdade de
disposição e purgando os vícios do título do titular aparente. Essa legitimação tem por fim
proteger o comércio jurídico, de vez que é instituída em favor do terceiro de boa-fé.
A fé pública tem valor absoluto, visto como sana a falta do direito na pessoa do
transmitente em benefício do terceiro de boa-fé. Esse tomador da inscrição nada tem a temer:
aqui também a sua fé o salva. Contudo, assite ao verdadeiro titular, desapossado do seu
direito, a ação de indenização contra o titular aparente que o transmitiu a terceiro. Enquanto,
porém, o imóvel não é negociado com terceiro de boa-fé, subsiste a presunçào anterior, em
face da qual o verdadeiro títular pode demandar o titular aparente ou inscrito e pedir a
retificaçào do seu registro. A fé pública somente cobre, posto absolutamente, a pré-inscrição
a que se filia a inscriçào do adquirente.
Sem distinguir entre o terceiro adquirente, que o é a título oneroso, e aquele que o é a
título gratuito, o texto alemão resguarda ambos de modo geral, desde que estejam de boa-fé.
Esse texto saiu vitorioso depois de renhida discussão sobre se se excluiria, ou não, o
adquirente a titulo gratuito, prevalecendo afinal a opinião negativa, sob o argumento de que
bastaria admitir que ele ficasse sujeito à açào de enriquecimento movida pelo titular
prejudicado.
Todavia, importa ressaltar que a fé pública tem a sua influência limitada aos negócios
jurídicos, vale dizer, aos acordos de vontades ajustados entre partes, os quais constituem a
tessitura do tráfico imobiliário. Fora desse circulo negocial, a fé pública não opera, o que
equivale a dizer que não protege as aquisições de direitos advindos de atos judiciais que
ficam assim a descoberto. Noutras palavras, é mais segura a aquisição onerosa por escritura
pública outorgada pelo proprietário do imóvel do que por arrematação judicial em execução
que lhe for movida.
Além de só cobrir os negócios jurídicos, a fé pública cinge-se a amparar os direitos
que eles conduzem à inscrição, não os fatos carregados simultaneamente com eles, como a
situação geográfica do imóvel, sua extensão, sua exploração econômica, suas construções,
seu preço. A fé pública protege a inscrição dos direitos, não dos fatos a eles ligados, de sorte
que o eventual inexatidão destes não se convalida em favor do titular inscrito por ficar fora do
abrigo do princípio. 163
O princípio de fé pública pode ser trasladado para o nosso direito, declarando-se que a
existência do direito inscrito e a inexistência do direito cancelado prevalecem absolutamente
em relação ao terceiro de boa-fé, que, confiada no assento de uma ou de outro, negociou a
t'tulo oneroso com o titular aparente. Essa declaração limita a destrutibilidade da presunção
por prova contrária, em favor de quem, desconhecedo a inexatidão do registro, ao qual não se
opusera oportuna contradita, adquirir o direito a título oneroso.
No regime do atual Código Civil, em que vigora apenas o princípio de presunção, o
prejudicado por uma inscriçào inverídica tem ação retificação contra quem quer que seja, isto
é, também contra o terceiro de boa-fé, que adquiriu o imóvel a título oneroso. No regime
vindouro, em que vigorará, de par com o de presunção, o princípio de fé pública, o
prejudicado deixará de ter ação contra o terceiro de boa-fé que adquiriu o imóvel do
proprietário putativo a título oneroso.
Embora a infidelidade da inscrição, isto é, a desconformidade entre a situação
registral e a real, continue a facultar amplamente a ação de retificação do prejudicado, esta
deixará de ser operante contra quem, na ignorância de ser a inscrição infiel, desembolsar o
seu dinheiro e adquirir o direito de quem figurar indevidamente no registro como dono do
imóvel. Esse terceiro de boa-fé se achará a coberto dareivindicação do prejudicado, cujo
direito se converterá no de obter indenização do indevido alienante. Tanto vale dizer que, não
obstante ser a ação de retificação imprescritível, ela ficará então trancada relativamente ao
terceiro, pelo que, antes que este apareça, o prejudicado terá de apressar-se em usá-la, sob
pena de perder a oportunidade.
Se bem que, em princípio, seja nula a transmissão de cousa alheia, existem no nosso
direito execeções a essa regra, adiante referidas, em que a transmissão é reconhecida como
válida em face do titular verdadeiro, sempre que haja boa-fé por parte do adquirente. Essas
exceções, de que atrás se antecipou o exemplo de transmissão do herdeiro aparente a terceiro,
passarão a ser acrescidas com o caso da transmissãoefetuada pelo titular aparente do direito,
aquele que tem o seu nome inscrito como tal no registro de imóveis, a terceiro de boa-fé e a
titulo oneroso.
Discute-se sobre se, nesse caso, a aquisição do terceiro de boa-fé ea título oneroso é
originária ou derivada, militando em favor da primeira alternativa a circunstância de quem o
alienante não é titular do direito nem tem a faculdade de dispor dele, de maneira que o
adquirente recebe o direito de quem não era dono dele. Se a lei legitima essa aquisição, fá-lo
no intuito de protegera boa-fé do adquirente, a bem da circulaçào imobiliária, em cujo
interesse não cogita de indagar se o imóvel ppertencia efetivamente à parte contrária ou a
terceiro. Como nota Von Thur, existe certa analogia entre a aquisição de boa-fé e o
usucapião, que indubitavelmente é causa originária da propriedade. 164
Conseqüentemente, revoga-se o segundo inciso do art. 1.117 do Código que, a
contrario sensu, prevê que o adquirente de boa-fé, vale dizer, o que ignorava ser o imóvel

163 WOLFF, op. cit., § 31, p. 155; NUSSBAUM, op. cit., p. 43; HEDEMANN, op. cit., p. 129.
164 VON THUR. Teoria geral. Buenos Aires, Ed. Depalma, 1947. v. 2, § 44, p. 58.
alheio, possa demandar pela avicção. Ao conceder-lhe essa faculdade, implicitamente admite
estar ele sujeito à reivindicatória do verdadeiro dono, o que não mais acontecerá sob o
império do princípio de fé pública, cujo escopo é justamente pô-lo a coberto daquela ação.
Do mesmo modo, erigida em regra geral a proteção do terceiro adquirente de boa-fé, a
título oneroso, tornam-se dspensáveis as disposições especiais esparsas no Código Civil, que
visam a acautelar aquisiçòes de imóveis provenientes do: a) devedor insolvente (art. 109); b)
pagante por erro (art. 968); c) herdeiro aparente (art. 1.600).
De fato, atualmente, embora se aquisições feitas diretamente ao devedor insolvente e
ao pagante por erro fiquem expostas a ser anuladas pelo credor do insolvente e pelo próprio
pagante, como exposta a ser anulada pelo herdeiro legítimo fica a aquisição sucessória do
herdeiro aparente, dessa contingência se livram excepcionalmente as aquisições seguintes,
feitas por terceiros de boa-fé e a título oneroso, Em todos os três casos, já o direito vigente
ampara os terceiros, desnegando ao prejudicado a ação tndente a reaver o imóvel, seja esta a
revocatória ou pauliana do credor, seja a reivindicatória do pagante por erro ou do herdeiro
legítimo.
Embora o princípio de fé pública se circunscreva à transmissão negocial, a diferença
de segurança que disso resulta entre os atos negociais e os atos judiciais de aquisição tende,
entre nós, a dissipar-se na prática graças às cautelas tomadas para o processamento dos
segundos. Para que os atos judiciais de aquisição não discrepem dos atos negociais na
menção dos requisitos da inscrição, o Código de Processo Civil exige a especialização dos
imóveis e a indicação do número de inscrição do título anterior tanto na descrição dos bens
em inventário, como no edital de praça (Cód. de Proc. Civ., art. 993, n.º IV, letra "a", e art.
686, n.º I; Cód. de Proc. Civ. de 1939, art. 471, § 1.º, letra "a", e art. 963, I).
A fórmula geral da proteção do terceiro de boa-fé compreende todos os atos que se
apóiem em dados constantes do Registro, entre os quai: a) a aquisição de propriedade
derivada de não-proprietário; b) a aquisição de hipoteca, ou outro direito real, derivada de
não-proprietário; c) a aquisiçào de hipoteca, ou outro direito real, por cessão feita por
não-credor; d) a aquisiçào de um imóvel livre de ônus quando estes não aparecem no
Registro; e) o pagamento de prestações ao titular inscrito com plena liberação do pagante.
165
Ao cobrir a pré-inscrição, a que se filia a inscrição do adquirente, a fé pública cobre-a
com tudo o mais que a respeito daquela conste no livro de positivo ou de negativo. Como a
inscriçào gera a presunção da existência e o cancelamento da inexistência do direito, o seu
alcance é bivalente. Assim como, de um lado, vai do direito de propriedade a todos os
direitos inscritos, beneficiando o proprietário, o credor hipotecário, o usufrutuário e otitular
de uma servidão de passagem, do outro lado se alonga a todos os cancelamentos,
favorecendo sobretudo o proprietário, que é quem fica liberado dos grvames com o
aniquilamento dos direitos.
A proteção do terceiro de boa-fé, que confia na inscriçào ou no cancelamento,
prossupõe que ele tome conhecimento do conjunto de assentos relativos ao imóvel, ao invés
deater-se a uma inscrição isolada. Essa proteção frustr-se se o terceiro ler apenas a inscrição
originária do direito, seja a da matrícula do imóvel, seja a de uma hipoteca, sem ler abaixo a
inscrição preventiva de uma contradita, de uma penhora ou a cessão de grau de hipoteca a ele
referente. A fim de prevenir esse malogro, a atual Lei dos Registros Públicos, repetindo o

165 WOLFF, op. cit., § 45, p. 250; HEDEMANN, op. cit., § 16, p. 131. A fé pública do registro, alcance da
proteção daboa-fé.
regulamento anterior, preceitua, nas disposições gerais, que, requerida uma certidão, o
serventuário estendê-la-á de su iniciativa a qualquer alteraçào posterior, de sorte que, se for
concernente a ônus de imóvel, alcançará aqueles inscritos após o requerimento (Lei n.º 6.015,
de 1973, art. 21).
CAPÍTULO 10

PRINCÍPIO DE PRIORIDADE

1. Significado do princípio. Sua enunciação no Código Civil.

2. Tipos de conflitos de título. Soluções anômalas.

3. Conflitos peculiares à hipoteca. Importância da graduação desta.

4. Troca de grau de hipoteca e assunção de grau de hipoteca anterior.

5. Decesso de grau de hipoteca prorrogada ou renovada.

6. Restrições à propriedade.

O princípio de prioridade significa que, num concurso de direitos reais sobre um


imóvel, estes não ocupam todos o mesmo posto, mas se graduam ou classificam por uma
relação de procedência fundada na ordem cronológica do seu aparecimento: prior tempore
potior jure. Conforme o tempo em que surgirem, os direitos tomam posição no registro,
prevalecendo os anteriormente estabelecidos sobre os que vierem depois. 166
Esse princípio se apóia no de especialidade, pois os direitos só podem tornar-se
contraditórios de disserem respeito ao mesmo imóvel. Se a mesma pessoa efetuar, no mesmo
dia, duas vendas sucessivas de imóvel, não será invocável o princípio de prioridade se
versarem sobre imóveis diferentes, mas sê-lo-á se versarem sobre o mesmo imóvel, porque
então se contradizem, tornando-se necessário verificar a quem cabe a preferência. Graças ao
princípio de prioridade, os direitos inscritos no registro ganham estabilidade a segurança,
liberando-se do risco da contradição.
A prioridade redunda, afinal de contas, em sanção das regras de publicidade, que
mandam levar a registro as mudanças de titular da prioridade e as onerações desta. Se se
omite a formalidade registral, a omissão dá azo a que terceiros realizem, sobre o mesmo
imóvel, negócios semelhantes, cujos títulos, apresentados com antecedência ao registro,
ganham prioridades sobre os anteriores. A prioridade, beneficiando o diligente, pune o
retardatário.
O princípio ampara tanto o direito de propriedade, como os direitos reais limitados ou
ônus assemelhados que tenham ingresso no registro, como o da locação com cláusula de
vigência contra o adquirente. A prioridade tem eficácia, quer entre direitos da mesma
categoria, como direitos de propriedade, quer entre direitos de categoria diversa, como
direitos de propriedade de um lado e direito de hipoteca de outro.
A prioridade desempenha o seu papel de maneira diferente, conforme os direitos que
se confrontam sejam, ou não sejam, incompatíveis entre si. Quando os direitos que ocorrem
para disputar o registro são reciprocamente excludentes, a prioridade assegura o primeiro,

166 NUSSBAUM, A. Derecho hip. al. Madrid, 1929, p. 30.


determinando a exclusão do outro. Quando, ao contrário, não são reciprocamente
excludentes, a prioridade assegura o primeiro, concedendo graduação inferior ao outro.
Assim, no caso da propriedade, firma a posição do primeiro que se apresenta e se
inscreve, alijando o outro, no caso da hipoteca e do penhor, firma a posição do primeiro que
se apresenta e se inscreve, conferindo ao outro o segundo grau. Admitindo a lei a pluralidade
de hipotecas, assim como a de penhores, sobre o mesmo objeto, correlatamente lhes impõe a
graduação. 167 Pode-se dizer, pois, que a prioridade é exclusiva, quando os direitos são
incompatíveis, e gradual, quando são compatíveis.
De passagem, convém advertir que essa noção subentende que os direitos reais se
inscrevam todos no Registro de Imóveis, mas, com referência a embarcações e aeronaves,
surgiu uma duplicidade de registro, visto como, atualmente suscetíveis de hipoteca inscritível
no registro da propriedade marítima ou no da aeronáutica, se tornaram igualmente passíveis
de penhor industrial, inscritível no Registro de Imóveis por força de dispositivos expressos
da Lei da Cédula Industrial (Dec.-lei n.º 413, de 1969, art. 20, incisos VII e VIII). A
admitir-se que possam ser objeto simultaneamente de ambos os gravames que, tanto quanto
os seus endereços registrais, são também diferentes entre si, porquanto a hipoteca não
outorga a posse, ao passo que o penhor industrial a outorga (Dec.-lei n.º 413, art. 28), ainda
que mediata, será preciso determinar, por seguirem linhas paralelas, que a prioridade caberá
àquele que primeiro se inscrever no registro próprio.
O princípio de prioridade é estabelecido pelo Código Civil, que, não obstante
inseri-lo no capítulo concernente à hipoteca, lhe dá um alcance abrangente de todos os
direitos reais, a começar da propriedade. Segundo o espírito do seu principal, as inscrições e
averbações seguirão a ordem em que forem requeridas, a qual se verifica pela da sua
numeração do protocolo, determinando o número de ordem a prioridade e esta a preferência
(Cód. Civ., art. 833; cf. art. 817 in fine e art. 534).
Como se vê, a prioridade se apura liminarmente no protocolo do Registro de Imóveis,
pelo número de ordem que o título toma no momento de ser apresentado, repercutindo em
seguida no livro de inscrição. A sua caracterização é originariamente registral, pois se funda
na ordem cronológica de apresentação e prenotação dos títulos no protocolo, sendo
irrelevante a ordem cronológica de sua feitura ou instrumentação, vale dizer, a seqüência de
datas dos títulos.
A ordem de apresentação, comprovada pela numeração sucessiva do protocolo,
firma, pois, a posição registral do título relativamente a qualquer outro que já esteja ou venha
a apresentar-se no registro. Se esse posição lhe assegurar prioridade, correlatamente lhe
assegurará a inscrição, contando que o resultado final do exame da legalidade lhe seja
favorável. Esse resultado é declarado pelo registrador, com ou sem exigência prévia, ou pelo
Juiz, após a discussão da dúvida. Apesar de eventual espaçamento entre a data da prenotação
e da inscrição, esta retroage o seu efeito para alcançar a prioridade legada àquela. Isso
somente não ocorre quando o resultado for desfavorável, caso em que a prenotação caducará,
ensejando, porém, nova prenotação na eventualidade da representação do título (Cód. Civ.,
art. 835).
Assim, a prioridade deve ser aferida pela ordem de apresentação dos títulos ao
registro, e não pela ordem de sua estipulação em cartório de notas ou alhures, cujos
elementos cronológicos se referem à criação do direito obrigacional e não do direito real. A

167 Código Civil, art. 812; Decreto-lei n.º 419, de 1969, art. 14, § 2.º, e 49, substitutivo do art. 5.º da lei
revogada n.º 1.271, de 1939.
adoção de um elemento estranho ao registro, como a data ou a hora em que foi lavrada a
escritura, quebra, a rigor, a sistemática do registro.
Todavia, releva advertir que, como entre a estipulação e a apresentação do título ao
registro, costuma abrir-se um intervalo espacial e temporal mais ou menos longo, esse
intervalo enseja evidentemente a interposição de um título conflitante com o anterior.
Ocorrida essa interposição, o conflito tanto pode se manifestar de pronto, quando ambos os
títulos se apresentam ao protocolo, como mais tarde, quando um deles já se apresentou e
inscreveu, ao passo que, o outro, retardatário, tenta a inscrição e, ainda mais raramente,
quando um e outro já se acham inscritos.
Os conflitos de títulos, vale dizer, de direitos contraditório apesar da sua variedade,
talvez possam ser reduzidos a três tipos a) entre dois adquirentes a título singular dum
mesmo alienante; b) entre adquirentes que recebem seus direitos de alienantes diferentes; c)
entre adquirentes a título singular, quando não consta inscrito o título do alienante comum.
Quando o conflito se dá entre dois adquirentes, que receberam a outorga dos direitos
de um mesmo alienante, em títulos diferentes prevalece, dentre os dois títulos, aqueles que
primeiro se apresentou ao registro e aí se inscreveu. Como, por hipótese, ambos são sujeitos a
inscrição, está claro que quem promove a formalidade em primeiro lugar ganha preferência
sobre o outro.
Essa primazia se alça, quer o conflito se dê entre dois direito de prioridade, quer entre
um direito de propriedade e um direito real limitado, outorgados pelo mesmo alienante, desde
que incidam sobre o mesmo imóvel. Não é a preeminência do direito, mas a precedência da
apresentação que importa para fixar a prioridade.
Assim, se o mesmo imóvel é vendido pelo dono A, sucessivamente a dois
compradores diferentes B e C, mas o segundo se apressa em inscrever o seu título antes do
primeiro, é ele que terá prioridade, é ele que se tornará proprietário, a despeito da sua
escritura haver sido passada posteriormente à do antagonista. Se depois de vendido o imóvel
a B e C o dono ainda constitui nesse imóvel uma servidão de passagem em favor do vizinho
D, que, mais rápido do que o comprador C, a faz inscrever antes da compra deste, o imóvel se
transmitirá a C onerado com a servidão de passagem. Nesse exemplo, C ultrapassa B e é, por
sua vez, ultrapassado por D; a prioridade é o prêmio da rapidez em chegar ao registro.
A semelhança do que nesse exemplo acontece com a servidão de passagem, poderia
suceder com a hipoteca que, depois de vendido o imóvel, o dono nele constituísse, desde que
o credor inscrevesse essa hipoteca antes que o comprador inscrevesse a compra. O imóvel
passaria para o comprador gravado pela hipoteca e, por conseguinte, sujeito a execução em
pagamento da dívida contraída pelo antigo dono. Conquanto o novo pudesse acionar o
antigo, a ação não atingiria a hipoteca, que subsistiria por força da prioridade da sua
inscrição.
Da mesma maneira se regula o conflito quando ocorre entre dois cessionários do
crédito hipotecário, aos quais o credor, por diferentes escrituras, transfere seguidamente o
mesmo crédito. Se quem a adquiriu em primeiro lugar não averba logo a cessão, pode ser
suplantado por quem a adquiriu em segundo, desde que este, antecipando-se em averbar a
cessão, se torne o cessionário ostensivo e, portanto, o verdadeiro titular da hipoteca. Dentre
duas ou mais cessões de crédito hipotecário, predomina, pois, a que primeiro se averbar, só
prevalecendo a que se completar com a entrega do título da obrigação, em se tratando de
crédito não hipotecário (Cód. Civ., parág. único do art. 1.067; art. 1.070).
A preferência do título apresentado antes não se altera pelo fato de ser outorgante de
ambos um herdeiro A, que na primeira venda do imóvel a B não tinha, ao passo que na
seguinte a C já tinha inscrito o seu formal de partilha. Se, após essa formalidade, for B que
apresentar antes o seu título ao registro, tocar-lhe-á a prioridade, pois a falta de inscrição do
formal de A não impedia o contrato de venda, mas apenas a sua inscrição, por ser esta que
transmite a propriedade e, por conseguinte, implica no exercício do direito de dispor. 168
Não importa que o conflito se verifique na apresentação dos títulos ou no livro de
inscrição, isto é, quando o registro está por se efetuar, ou já foi efetuado, porque num e
noutro caso a prioridade desempata em favor do título que primeiro se apresentou ou
registrou. 169 Quando o conflito aparece no livro de inscrição, pode complicar-se se nele
figurar em primeiro lugar o título lançado em segundo no protocolo. Neste caso prevalece a
prioridade do livro de inscrição até que, por ação de retificação, seja restaurada a do
protocolo, porque aquele livro é que exterioriza para o público a situação jurídica do imóvel.
Quando o conflito surge entre adquirentes que recolhem seus direitos de alienantes
diferentes, a precedência da apresentação não mais assegura a preferência, por não se saber
qual dos alienantes é o proprietário. Sem sair do âmbito registral, a questão desloca-se do
primeiro plano, o plano do protocolo, para o plano da inscrição, a fim de decidir a preferência
em favor do alienante que estiver inscrito. Ao se apresentarem, portanto, sucessiva ou
simultaneamente, dois títulos de transmissão do mesmo imóvel por alienantes diferentes a
pessoas diversas, a prioridade tocará àquele que mencionar o alienante inscrito no registro.
A exemplo do que ocorre com a transmissão, o antagonismo pode manifestar-se entre
dois adquirentes de direitos sobre o mesmo imóvel, dos quais um é a propriedade, ao passo
que o outro é a hipoteca. O credor hipotecário só poderá fazer valer o seu direito sobre o
imóvel se o título do seu devedor estiver inscrito (transcrito). Se, ao contrário, o título
inscrito (transcrito) for o do transmitente da propriedade, esta passará ao adquirente livre de
ônus, perdendo o credor hipotecário a sua hipoteca.
Essa maneira de resolver o conflito, deslocando a competição dos dois títulos para o
plano de sua procedência, a fim de verificar qual deles tem origem legítima, por estar o
respectivo outorgante inscrito no registro, não faz outra coisa senão combinar o princípio de
prioridade com o princípio de inscrição. Segundo o teor deste, a pré-inscrição do título do
alienante é indispensável à inscrição do título do adquirente.
Assim como o conflito pode dar-se na apresentação simultânea dos títulos, também
pode já estar instalado no livro na dualidade da inscrição do mesmo imóvel em nome de
pessoas diversas que os receberam de alienantes diferentes. Essa dualidade, ocasionada
quase sempre por falta de cuidadosa busca, costuma explicar-se, sobretudo nas grandes
cidades, pelo fato de haver o primeiro título tomado assento em um cartório, ao passo que o
segundo, decorridos muitos anos, veio a tomá-lo em cartório diverso, resultante de
sucessivos desmembramentos do primitivo. A prioridade dirime o conflito, mas em torno
dela geralmente gravita a espuriedade do segundo título. 170
Quando o conflito se levanta entre adquirentes a título singular, mas se apura não
estar inscrito o título do alienante comum a solução é radical: nenhum deles prevalece sobre
o outro, por falta de inscrição do título originário. Assim, não adianta querer o adquirente de

168 VON THUR. Teoria geral. Ed. Depalma, 1947. v. 2, § 50, p. 195-196.
169 A prioridade do registro, quando dois títulos estão igualmente inscritos, faz com que o primeiro exclua o
segundo (Ac. da Rel. de Minas de 14/12/1927, in Arq. Jud., n.º 5, p. 266; da 2.ª C. de Ap. do DF no v. 9, p. 303
etc.).
170 Cf. Sent. do Juiz da Vara de Registros Públicos, confirmada por Ac. do T. de J. da GB na ap. n.º 80.013.
um imóvel avantajar-se ao credor hipotecário para esquivar-se ao ônus da hipoteca, ou
vice-versa, porque tanto ele perde a propriedade como o outro perde a hipoteca.
Contudo, se o título do alienante comum for inscritível e vier a ser inscrito em
seguida, a solução muda de figura, porque a hipótese recai do primeiro tipo de conflito em
que, dos dois títulos apresentados anteriormente ao protocolo, ganha preferência aquele que
se apresentou com antecedência sobre o outro, seja o de propriedade seja o de hipoteca. Num
caso, o credor hipotecário perderá a hipoteca, no outro o novo adquirente receberá p imóvel
gravado com essa hipoteca.
Apesar da simplicidade com que se resolvem todos os conflitos a luz do princípio de
prioridade, este recebeu no nosso direito o aditamento das disposições dos arts. 836 e 837 do
Código Civil, que redundam em soluções anômalas. Essas disposições ou são supérfluas,
porque o princípio geral basta, ou quebram a sistemática dele resultante, por admitirem para
determinar a prioridade um elemento estranho ao registro, a saber, o tempo em que foi
lavrada a escritura.
De acordo com o art. 836 "não se inscreverão no mesmo dia duas hipotecas ou uma
hipoteca ou outro direito real, sobre o mesmo imóvel, em favor de pessoas diversas, salvo
determinando-se a hora em que se lavrou cada uma das escrituras". Como a escritura, quando
pública, não menciona, em regra, a hora em que foi lavrada, o mesmo sucedendo quando
particular, notadamente em formulário, como o das cédulas rurais e industriais, em crescente
uso, daí resulta tornar-se a ressalva letra morta, aliás com vantagem para o tráfico, pois, em se
tratando de escrituras particular, facilitaria a fraude cronométrica.
De mais a mais, ainda que houvesse indicação da hora nas escrituras, revelar-se-ia, ao
cabo de tudo, irrelevante, porquanto o registrador tem o dever de prenotar e inscrever os
títulos à medida que se apresentam, de sorte que não poderia sustar a prenotação e inscrição
de um deles diante da simples conjectura de que, em hora anterior à sua lavratura, na mesma
data, houvesse sido lavrado outro em cartório diverso. Desta sorte, uma vez prenotada e
inscrita a primeira escritura que se apresenta, se, no mesmo dia, for apresentada segunda
sobre o mesmo imóvel, é esta que será prenotada a inscrita posteriormente, ainda que lavrada
em hora anterior.
Na sucessividade da apresentação das escrituras ao protocolo não é possível,
portanto, levar em consideração o tempo em que foram lavradas, seja a data seja a hora, visto
como cada qual chega de sua vez e há de ser imediatamente protocolada e em seguida
inscrita. Na simultaneidade da apresentação, hipótese talvez teórica, quando deixa de estar
em causa o princípio de prioridade registral, aí, sim, é que se torna viável recorrer à
prioridade obrigacional, levando em conta seja a data seja a hora para determinar a qual delas
será dada preferência no registro.171
De parte a ressalva inoperante, o núcleo do artigo proíbe que, no mesmo dia se faça a
inscrição de duas hipotecas ou de uma hipoteca e outro direito real, forçando, portanto, a
inscrição de um dos títulos no dia seguinte. Conquanto nada justifique o adiamento da
inscrição de um dos títulos, pois, para assinalar a prioridade, basta o número de ordem do

171 Clóvis Beviláqua censura a ressalva, mas admite o seu funcionamento até na sucessividade da apresentação
das escrituras, caso em que prevê a prenotação da primeira, de hora posterior, e a inscrição da segunda, de hora
anterior. Tito Fulgêncio corretamente só admite o funcionamento da ressalva na simultaneidade da
apresentação das escrituras, em que recomenda a consideração da data e da hora para cortar o impasse
(BEVILÁQUA, Clóvis. Cód. Civ. Rio, Ed. Francisco Alves, 1917, v. 3, com. ao art. 836, p. 421; FULGÊNCIO,
Tito. Hipoteca. São Paulo, Ed. da Liv. Acadêmica Com. ao art. 836; Lopes, Serpa. Registros públicos. 2. ed., v.
2, n.º 327, p. 317).
protocolo, dado no momento de chegada, por ser a numeração sucessiva — é apenas essa
proibição que pode ter e tem vigência. 172
De acordo com o art. 837, "quando, antes de inscrita a primeira, se apresentar ao
oficial do registro, para inscrever, segunda hipoteca, sobrestará ele na inscrição desta, depois
de a prenotar, até trinta dias, aguardando que o interessado inscreve primeiro a precedente".
Ao passo que o artigo anterior prevê que concorram ao registro dois títulos, este prevê que
ocorra apenas um título, uma escritura, mas que, por se dizer de segunda hipoteca, pressupõe
a existência de outra, de primeira hipoteca.
Ao guardar a prioridade para a hipoteca convencionada como primeira, pondo
temporariamente de espera a hipoteca contraída como segunda, mas que se apresentou com
antecedência no registro, o Código mais uma vez se desvia do rigor do princípio, segundo o
qual a prioridade se afere no momento da apresentação do título ao registro, sem levar em
conta a estipulação. O prazo de graça concedido ao credor da primeira hipoteca para
encaminhar ao registro o seu título permite que este, acorrendo tempestivamente, conserve a
sua prioridade gradual, tomando o número de prenotação e de inscrição que lhe competir,
enquanto o título da segunda hipoteca passa para o número seguinte, depois de cancelado o
que lhe fora dado à sua chegada.
Se, ao contrário, o prazo de guarda da prioridade correr em vão sem que a primeira
hipoteca apareça, ainda que venha a aparecer depois, perderá ela inelutavelmente a sua vez,
desclassificando-se, de sorte que, pactuada como primeira, ficará rebaixada a segunda na
inscrição, que é onde o grau ordinal se fixa em definitivo. Inversamente, a hipoteca ajustada
como segunda ficará elevada ao posto de primeira, fazendo-se a sua inscrição com o número
de ordem correspondente ao do seu ingresso no protocolo.
A prioridade encontra suas mais numerosas aplicações no âmbito da hipoteca, que
enseja conflitos peculiares, já com outros direitos reais, já consigo mesma, isto é, em seus
diferentes graus. Tanto na relação externa como na interna observam-se aspectos que
merecem ser estudados, mormente por se tratar de um instituto do qual depende
consideravelmente o desenvolvimento do país.
Ao passo que a hipoteca atinge diretamente a propriedade, os demais direitos reais
atingem diretamente a posse, o que, à primeira vista, indica existir, em princípio,
compatibilidade entre aquela e estes. Todavia, o prazo de duração dos demais direitos reais
pode ser tal, que os torne, em realidade, incompatíveis com a hipoteca por frustrarem o
oportuno exercício do direito inerente a esta.
Excetuada a enfiteuse, direito real tão próximo da propriedade que lhe assimila até a
terminologia, cujos desdobramentos, domínio direto e domínio útil, podem ser objeto de
hipoteca (Cód. Civ., art. 810, III e IV), pelo que há de ser afastada da consideração da
compatibilidade, verifica-se que esta oferece um aspecto teórico que é geralmente
desfigurado pelo aspecto prático. Tanto assim que, para a concessão de empréstimo sob
hipoteca, as instituições financeiras especializadas exigem previamente uma certidão
negativa da existência de ônus reais sobre o imóvel, sem ressalvar sequer a servidão, que
depois vêm a admitir quando lhes aparece sombreando o documento emanado do Registro de
Imóveis.
A preexistência de outros ônus reais é assim justamente considerada pela experiência
dos negócios como impeditiva da hipoteca, ou danosa a ela, embora a hipoteca possa sobrevir
ocasionalmente, desde que, pesando as suas conveniências, o credor acorde com o devedor

172 ALVES, João Luiz. Cód. Civ. Ed. Briguiet, com. ao art. 836; GARCIA, Lisipo. A transcrição. p. 132-153.
em constituí-la, aceitando subsistência dos ônus anteriores, imposta pela prioridade que lhes
toca: "Subsistem os ônus reais constituídos a transcritos, anteriormente à hipoteca, sobre o
mesmo imóvel" ( Cód. Civ., art. 811, alínea).

Se subsistem os ônus reais constituídos e inscritos anteriormente à hipoteca, a


contrario sensu não subsistem os ônus reais constituídos e inscritos posteriormente a ela. A
subsistência de uns e a insubsistência dos outros são como as duas faces do princípio de
prioridade, que o preceito da alínea consagra. Dessas duas formulações, a segunda,
concernente à invalidade dos direitos constituídos sobre o imóvel hipotecado, pode
conceituar-se como absoluta ou relativa.
Se absoluta, inutilizará radicalmente os ônus posteriores; se relativa, inutilizá-lo-á
apenas ante a hipoteca, cujo credor poderá pracear o imóvel como livre deles. A primeira
solução, adstrita à prioridade, corroborada pelo art. 805 do Código Civil, evita conflitos, ao
passo que a segunda, admitida indiretamente pelo art. 836, os enseja, apesar da resolubilidade
dos ônus no caso de execução hipotecária.
Dessas duas soluções possíveis, prevalece a segunda, de acordo com a qual a
"insubsistência" dos ônus reais inscritos posteriormente à hipoteca significa apenas a sua
inoponibilidade a esta, e não a sua nulidade. A insubsistência é relativa, e não absoluta, pelo
que os ônus podem coexistir com a hipoteca no registro, mas com a condição de resolúveis,
de sorte que, sobrevindo a execução hipotecária, o imóvel será praceado como livre deles.
Essa é a solução abonada pela fonte do preceito codificado (Lei n.º 1.237, de 1864, art. 6.º, §
2.º) e pela sua prática, ambas condizentes com a doutrina. 173
A relatividade concilia os interesses do dono do imóvel, a quem pode convir a
constituição de direitos reais, notadamente usufruto e servidões, com os do credor
hipotecário de modo a permitir que, paga a dívida e extinta a hipoteca, fiquem os referidos
direitos subsistindo e desde a data da sua constituição. No entanto, há, no reverso, a
desvantagem prática de obrigar às vezes o credor a mover uma ação para liberar efetivamente
o imóvel dos ônus, como tem acontecido com a Caixa Econômica Federal, que, recebendo
apartamentos em adjudicação, ainda se vê na contigência de propor ações ordinárias de
imissão de posse para deles retirar os inquilinos do antigo dono, que haviam obtido dele e
registrado uma locação com cláusula de vigência contra o adquirente.
A cláusula de inoponibilidade à hipoteca, com que o Código Civil italiano os acolhe
(art. 2.812), não basta, portanto, para afastar conflitos e prejuízos. É certamente por essa
razão que o nosso Código Civil só permite que à hipoteca se junte depois a anticrese quando
esta beneficie o credor hipotecário ( § 2.º do art. 805), embora Carvalho Santos entenda que
seria preferível pudesse a anticrese beneficiar também credor diverso. 174
A verdade é que qualquer novo gravame causa prejuízo à hipoteca, inclusive a
servidão, em relação à qual não basta argumentar que quem pode o mais pode o menos.
Conquanto o proprietário possa deveras alienar o imóvel, o credor, armado de seqüela, pode,
por sua vez, penhorá-lo e desapropriá-lo em poder do adquirente, mas não pode fazer o

173 LAFAYETTE, Direito das Cousas, v. 2, § 253, Efeitos da Hipoteca p. 287-288; A. NUSSBAUM. Dir. Hip.
Al. n.º 7, p. 31; n.º 30, p. 208.
174 SANTOS, Carvalho. Cód. Civ. int., v. 10, int. do art. 805, p. 239.
mesmo relativamente à servidão, pois, para apreender esta, seria mister penhorar e expropriar
ainda o imóvel dominante. 175
Nesta conformidade, importa, pelo afastamento da cumulação de garantias diferentes
sobre o imóvel hipotecado, preservar a posição solitária da hipoteca, uma vez que lhe é
prejudicial a coexistência com outro direito real. Essa conclusão deixa de ter validade quando
o outro direito real é a própria hipoteca, isto é, quando a coexistência se verifica entre uma
hipoteca de certo grau e outra de grau diferente.
A resolubilidade dos ônus posteriores atém-se aos que são negociados entre
particulares, não se estendendo àqueles que são impostos pelo poder público, como as
servidões de eletroduto. Assim, nem o dono do imóvel pode opor-se à constituição da
servidão, nem o seu credor hipotecário pode praceá-lo como livre dela. A insubsistência da
servidão relativamente ao imóvel só se dá quando ela é constituída em favor de um imóvel
dominante particular, e não de uma empresa de eletricidade, concessionária do serviço
público de transmissão ou distribuição de energia. O interesse público sobreleva, no caso, ao
particular.
A importância da graduação da hipoteca se põe em relevo quando se remonta à
finalidade para que foi instituída. Esse recurso técnico permite ao titular da propriedade tirar
dela toda a utilidade creditícia a que se presta, ao invés de limitar-se a uma parte dessa
utilidade, que é aquele de que se valeu da primeira vez. Tanto maior é a importância da
graduação quanto, após a primeira hipoteca, se dá freqüentemente a valorização da
propriedade, em virtude da qual a utilidade remanescente cresce a ponto de exceder aquela
que fora empenhada.
A graduação das hipotecas obedece à ordem do seu aparecimento, mas, em regra,
corresponde também a uma ordem decrescente de valores, que economicamente representam
frações do valor total do imóvel. Quanto mais elevado é o grau da hipoteca de um imóvel,
maior é a alíquota do seu valor coberto por ele.
Assim, avaliado um imóvel em Cr$ 200.000,00 , proprietário poderá ordinariamente
obter primeiro um crédito de 60% desse valor com garantia da 1.ª hipoteca e depois,
sucessivamente, talvez mais dois outros créditos, de 20% e 10% desse valor com garantia de
2. ª e de 3.ª hipotecas, respectivamente, pois a 1.ª hipoteca deixou uma margem de 40%, que
as duas outras ainda não esgotam. Como o risco da 1.ª hipoteca se apresenta muito menor do
que o das duas outras, as suas condições, de prazo, de juros etc., são comumente melhores e a
concessão dos respectivos créditos se acha geralmente a cargo de instituições financeiras
especializadas, como a Caixa Econômica Federal, as Sociedades de Crédito Imobiliário, as
associações de Poupança e Empréstimo etc., capazes de arcar com o grande desembolso que
múltiplas operações dessa natureza envolvem.
O princípio de prioridade ganha momento, exteriorizando todo o seu préstimo,
quando se executa um imóvel para que os credores hipotecários recebam os seus créditos
pelo produto da execução. Se este não der para cobrir integralmente todos os créditos , o
credor da 1.ª hipoteca receberá a totalidade do seu crédito, o credor da 2.ª hipoteca receberá
pela sobra e o credor da 3.ª hipoteca pela nova sobra, podendo acontecer que a sobra da
primeira não chegue sequer para pagar integralmente o credor da segunda, caso em que o
credor da terceira nada receberá.
Haja vista o caso, atrás figurado, de um imóvel gravado sucessivamente por três
hipotecas:

175 BIANCHI, cit. por SERPA LOPES, Reg. Púb., v. 3, n.º 435, p. 120.
1.ª hipoteca de Cr$ 120.000,00 em favor de A

2.ª hipoteca de Cr$ 40.000,00 em favor de B

3.ª hipoteca de Cr$ 20.000,00 em favor de C

Executada a 1.ª hipoteca, apura-se que o produto da execução, abstraindo de juros e


despesas para simplificar o cálculo, monta apenas a Cr$ 160.000,00. Nessa eventualidade, A
e B receberão os seus créditos, mas C nada receberá, porque a execução não basta para o seu
pagamento, pelo que continuará como credor pessoal do executado, já agora na categoria de
simples quirografário, pela quantia de Cr$ 20.000,00 (Cód. Civ., art. 767).
A graduação das hipotecas enseja o conflito entre dos títulos que, por erro do
registrador ou por qualquer outro motivo, sejam inscritos com o mesmo grau. Conforme se
viu, ocorrendo a dualidade de títulos inscritos, o conflito ordinariamente se dirime em favor
do primeiro, excluído o segundo, cuja inscrição é nula. No caso vertente, será inteiramente
esta a solução?
Sem perder de vista a presunção de verdade da inscrição, cumpre recordar que o ato
desta, no caso figurado, se compõe de duas partes justapostas, uma concernente à hipoteca, a
outra ao grau, que é um direito adjeto, separável dela. Ora, a nulidade parcial de um ato não o
prejudica na parte válida, se esta é separável, consoante o velho brocardo jurídico: utile per
inutile non vitiatur (Cód. Civ., art. 153).
Nessa conformidade, será válida e eficaz a inscrição da hipoteca, mas não o será a do
seu grau, que poderá ser retificado, seja por autorização escrita do seu titular, seja por ação e
retificação (Cód. Civ., art. 860), sem prejuízo de eventual ação de indenização contra o
registrador. A sanção da inobservância da prioridade consistirá, pois, não na nulidade da
inscrição, mas no decesso de grau da hipoteca, no rebaixamento do seu posto na escala da
graduação. Destoa, pois, da sistemática do Código Civil o preceito da Lei da Cédula
Hipotecária Industrial que declara nulo o ato da inscrição desta quando o registrador lhe
atribuir um grau mais alto do que aquele que deveras lhe cabe: "O oficial recusará a inscrição
se já houver no registro anterior o grau de prioridade declarado no texto da cédula, ou, se já os
bens houverem sido objeto de alienação fiduciária, considerando-se nulo o ato que infringir
este dispositivo." (Dec.-lei n.º 413, de 1969, art. 35).
Conquanto o artigo preveja que o grau indevido já venha declarado no texto da
cédula, isto é, conste da estipulação das partes, não é esta, mas a apresentação, que deve
determinar a atribuição registral do grau. Esse antecedente, porém, concorre para tornar mais
injusta a sanção da nulidade, visto como esta beneficiará o primeiro culpado do erro, que é o
devedor, em prejuízo do credor.
A prioridade, resultante da ordem em que os direitos ingressarem no registro, pode ser
alterado por mútuo acordo das partes, mediante a troca de grau entre eles, contanto que
fiquem a salvo os direitos de terceiros. O grau é considerado um direito adjunto e
independente que, como tal, pode ser objeto de negócio jurídico separado, venda, doação ou
outro. A mudança de grau faz-se mediante requerimento das partes e averbação no registro.
Embora o direito brasileiro não admita expressamente a possibilidade de trocar o grau
dos direitos inscritos, essa possibilidade é admitida pela doutrina com o nome de cessão de
grau, desde que os direitos intermédios, se existirem, não sejam atingidos pela alteração. A
chamada cessão de grau é efetivamente uma cessão de anterioridade e, portanto, uma troca de
grau, de vez que, operando-se entre dois credores com hipotecas sobre o mesmo imóvel,
ambos continuam titulares graduados, com a diferença de que a graduação do cedente passa
para o cessionário e vice-versa. Naturalmente, como os graus atribuídos originalmente aos
direitos resultaram do posto que à entrada eles ocuparam no registro, a alteração deverá ser
levada também ao registro, para que prevaleça o novo critério de prelação adotada pelas
partes.
Essas duas são as cautelas tomadas pelo Direito alemão ao admitir expressamente a
troca de grau entre direitos inscritos (Cód. Civ., alemão, §§ 879 e 880). Para a postergação de
grau de uma hipoteca esse direito requer ainda o consentimento do proprietário do imóvel,
mas essa cautela suplementar não se aplica ao direito brasileiro, onde não existe, para
impô-la, a hipoteca de proprietário.176
A troca de grau só produz efeitos relativos entre as inscrições intercambiadas,
deixando intangíveis as que se achem de permeio. Ao exaurir-se o direito anteposto, o direito
intermédio não avança para tomar-lhe o lugar, porque este volta a ser ocupado pelo direito
postergado. Se o direito postergado se extingue voluntariamente, o que ocorre, por exemplo,
quando o dono do imóvel pague ao credor hipotecário, cancelando-se a hipoteca, nem por
isso se altera naturalmente a que ocupe seu primitivo lugar, pois de outro modo ao dono do
imóvel seria muito fácil privar de eficácia a troca de grau. 177
A fim de facilitar o conhecimento das conseqüências da troca de grau entre hipotecas,
tome-se o exemplo seguinte, em que os valores das três hipotecas que gravam
sucessivamente o imóvel foram escolhidos para frisar a diferença trazida pelo intercâmbio:

1.ª hipoteca de Cr$ 40.000,00 em favor de A

2.ª hipoteca de Cr$ 20.000,00 em favor de B

3.ª hipoteca de Cr$ 90.000,00 em favor de C

A e C combinam a troca dos respectivos graus. Na posterior execução e arrematação,


o lance máximo foi de Cr$ 110.000,00. Então receberá primeiro C, mas só quanto aos Cr$
40.000,00 da 1.ª hipoteca; B receberá em seguida Cr$ 20.000,00 e C receberá outra vez,
agora os restantes Cr$ 50.000,00. A, nada receberá, porque o produto da execução não dá
para o seu pagamento, baixando assim à categoria de credor quirografário do executado pela
quantia de Cr$ 40.000,00 (Cód. Civ., art. 767).
Apesar da vantagens econômica da troca de grau de hipoteca entre dois credores,
capaz de facilitar a colocação de uma hipoteca maior no lugar de outra menor, intensificando
assim o mercado hipotecário, não tem sido praticado no nosso País, o que se deve atribuir à
falta de um preceito expresso que a admita. Essa falta tem levado a concluir que a inversão de
grau somente se pode operar pelo complicado e dispendioso expediente do cancelamento da
inscrição anterior, abertura da inscrição da nova hipoteca e reabertura da inscrição da
hipoteca anterior. 178

176 A hipoteca do proprietário consiste, em suma, no lugar que se deixa vago à disposição do dono do imóvel,
quando, pelo reembolso da dívida hipotecária ou por qualquer outro motivo, desaparece a hipoteca. Esse lugar
deixado vago permite ao proprietário procurar um novo crédito sobre a base de uma nova hipoteca.
177 NUSSBAUM, op. cit., n.º 8, p. 39.
178 FULGÊNCIO, Tito Hipoteca. São Paulo, ed. da Liv. Acadêmica 1928. Nota ao art. 833, p. 316.
Esse expediente contraria o desiderato da mobilização das hipotecas, evidentemente
concentrado na cessão de direitos de crédito e de preferência, porquanto impõe às partes
incômodos e gastos maiores do que os que podem razoavelmente suportar. Daí a
conveniência de apressar o advento de um preceito que admita expressamente a mudança de
grau de hipotecas por mútuo acordo das partes, a fim de, por essa maneira, lhes tornar
acessível um utilíssimo instrumento para a manipulação de novas combinações econômicas.
Devido à falta desse preceito, quando as instituições financeiras concedem
empréstimos com garantia de hipoteca, costumam, para obtê-la em primeiro grau, conforme
recomenda, em regra, o seu estatuto, combinar a interveniência do credor em cujo beneficio
ela preexistia nesse grau, a fim de que na escritura ele receba o pagamento, dê quitação e
autorize o cancelamento do ônus. Assim, para hipoteca da instituição financeira tomar o
primeiro lugar, afasta-se a hipoteca anterior pela liquidação, a qual, por si só, evidencia a
possibilidade da coexistência de uma e outra, mediante simples troca de grau, por haver
cobertura suficiente para ambas.
De par com a troca de grau, existe outro meio de o credor de uma hipoteca tomar o
posto da anterior, mas que não apresenta a mesma flexibilidade para as combinações
creditícias, por ter a finalidade limitada de impedir o retardamento, malicioso ou não, da
execução. Esse meio vem a ser a chamada remição do credor, que não passa do pagamento,
pelo credor de uma hipoteca, ao credor da anterior, com sub-rogação nos direitos deste, para
a qual não se exige nenhuma condição, pois a do vencimento, prevista no Código Civil, foi
dispensada pela atual Lei de Registro (Cód. Civ., art. 814, Lei n.º 6.015, art. 270. 179
Essa remição-sub-rogação, em virtude da qual o credor solvente passa a ocupar o
lugar deixado pelo outro, assumindo os direitos inerentes à hipoteca de inscrição
antecedente, sem perder os ligados à de inscrição subseqüente de que era originalmente
titular, não extingue evidentemente a primeira hipoteca. A esse traço de semelhança com a
troca de grau junta-se outro, que consiste em operar-se a assunção de grau, em ambos os
casos, por força de relação que se estabelece entre os dois credores. Contudo, observam-se
consideráveis diferenças entre a troca de grau e a remição-sub-rogação: 1.ª) a troca de grau
tem por objeto um direito adjunto, ao passo que a remição-sub-rogação tem por objeto a
própria hipoteca em sua integridade, inclusive o grau; 2.ª) a troca de grau alterna os credores
nas hipotecas, ao passo que a remição-sub-rogação coloca um deles sozinho em ambas; 3.ª) a
troca de grau só se dá por mútuo acordo dos credores, ao passo que a remição-sub-rogação
pode ser também coata.
A chamada "remição" do credor da 2.ª hipoteca, justamente por não ser verdadeira
remição, não extingue a hipoteca (Cód. Civ., art. 814). Tanto assim que, na enumeração dos
casos de extinção, não se acha incluída essa estranha remição, mas apenas a outra que lhe fica

179 O Projeto do Código Civil, da autoria do Prof. CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA, ao antepor epígrafes
aos arts. 649-650, corrigiu o defeito do Código atual, que, nos arts. 814 e 815, emprega o vocábulo "remição"
em dois sentidos. No art. 814, como pagamento pelo credor da 2.ª hipoteca com sub-rogação nos direitos da 1.ª,
subsistindo o ônus hipotecário daquela. No art. 815, como pagamento pelo adquirente do imóvel hipotecado ao
credor da hipoteca, desaparecendo o ônus hipotecário. Ao passo que o primeiro caso não passa de simples
pagamento com sub-rogação, o segundo configura verdadeira remição, pois esta consiste na liberação do ônus
hipotecário. A grafia "remição" é a que assenta no caso, por se tratar de resgate de um bem, e não "remissão",
que significa perdão, desistência ou renúncia, conforme mostrou RUI BARBOSA com apoio na diversidade de
origem das duas palavras. (BARBOSA, Rui. Réplica. Rio de Janeiro, ed. da Imp. Nac., 1094. n.º 446-449,
especialmente nota ao n.º 448; MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Dir. Civ. São Paulo, Ed. Saraiva,
1963. v. 3, p. 383 et seq.; PONTES DE MIRANDA. Trat. de Dir. Priv. Rio, Ed. Borsol, 1958. t. 2, § §
2.511-2.515, p. 249 et seq.)
contígua, essa genuína, a remição do adquirente do imóvel (Cód. Civ., art. 815). De fato, ao
declarar que a hipoteca se extingue pela remição, o Código Civil toma a cautela de fazer
referência expressa ao art. 815, deixando de fora o antecedente art. 814. Este é um caso em
que se torna indubitavelmente cabível invocar o brocardo segundo o qual inclusio unius
alterius exclusio (Cód. Civ., art. 84, IV).

Se, do lado da remição, há preceito expresso de lei para manter viva a primeira
hipoteca ao sub-rogar-se nela o credor da segunda, do lado da sub-rogação acontece a mesma
coisa, pois existe também preceito expresso de lei que, atribuindo a essa figura efeito
translativo, implicitamente reconhece que se mantém viva a dívida com a sua garantia, no
caso a hipoteca. Não se extingue aquilo que se transfere e "a sub-rogação transfere ao novo
credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida,
contra o devedor principal e os fiadores" (Cód. Civ., art. 988).
Ante esse duplo atestado legal de sobrevivência, seria impertinência alegar a morte da
obrigação com apoio em um superado conceito doutrinário de sub-rogação, segundo o qual
da dívida desaparece em relação ao primeiro credor e reaparece em relação ao sub-rogado,
tornado assim titular de uma dívida nova. A essa artificiosa construção apõe-se a explicação
natural, que leva a concluir que realmente a dívida não se extingue, mas se transfere de um
para outro credor. Embora a controvérsia em torno desse ponto venha de longe, o conceito
moderno da sub-rogação lhe reconhece um duplo caráter, de pagamento e de transmissão de
crédito, em virtude do qual a operação não traz nem a liberação do devedor, nem a extinção
da obrigação, mas, sim, a transferência dos direitos do credor, desinteressado pelo
pagamento, para aquele que o satisfaz. 180
Conseqüentemente, o pagamento feito ao credor da 1.ª hipoteca pelo credor da 2.ª,
sub-rogando este nos direitos daquela, que sobrevive, o torna titular de ambas, ficando o
imóvel vinculado ao ônus de uma e de outra. A aquisição original do segundo e au junta-se
dessa maneira a assunção posterior do primeiro grau, enfeixando-se essa dupla titularidade
nas mãos de uma só pessoa, que passa a ter, em virtude dela, a maior liberdade de
movimentos.
Não obstante essa evidência, talvez extraviados pela palavra "remição", cujo emprego
impróprio a maioria censura, um mestre meticuloso ensina que o imóvel fica libertado do
ônus anterior e vinculado apenas ao imediato, 181 ao passo que outro assevera que a
operação se cinge a elevar o grau preferencial da 2.ª hipoteca, colocando-a no mesmo posto
da primeira". 182 Se qualquer desses ensinamentos, que, no fundo, se equivalem por
partirem do mesmo pressuposto, fosse exato daí resultaria que, em eventual execução, o

180 PLANIOL. Traité. 6. ed. Paris, 1912. t. 2, n.º 506; PLANIOL - RIPERT. Traité. 3. ed. Paris, 1949. n.º
1.773; NUOVO DIGESTO ITALIANO, voc. "surrogazione", n.º 1; SCUTO, cit. por Washington de Barros
Monteiro, Istituzioni di diritto privato, 4. ed., v. 2. parte 1, p. 92; MONTEIRO, Washington de Barros. Direito
das obrigações. São Paulo, Ed. Saraiva. 1960. v. 1, p. 307-308; NONATO, Orozimbo; AZEVEDO, Filadelfo;
GUIMARÃES, Hahnemann. Projeto de Código de Obrigações. Cap. "Transmissão das Obrigações";
PEREIRA, Caio Mário da Silva . Anteprojeto de Código de Obrigações. Introdução, n.º 52 e art. 238;
ANTEPROJETO REVISTO, art. 223.
181 FULGÊNCIO, op. cit., notas 1, 15 e 16 ao art. 814 do Cód. Civ.; PONTES DE MIRANDA. Tratado de
direito privado. Rio. Ed. Borsol. v. 20, § 2.516, p. 284.
182 LOPES. Serpa. Registros públicos. 2. ed. Rio, Ed. A Noite, v. 2, n.º 357, p. 377.
"remidor" só receberia preferencialmente o crédito da 2.ª hipoteca , isto é, o menor, tendo de
entrar em concurso com credores quirografários em relação ao crédito da 1.ª, isto é, o maior,
dada a graduação normal das garantias, sem falar na possibilidade de ter aquela um
vencimento muito posterior ao desta.

Essa conseqüência absurda põe abaixo a interpretação aventada pelos dois autores,
ficando de pé, com apoio nos preceitos legais atrás aduzidos, aquela que vem sendo exposta,
segundo a qual o credor, tornado único, se investe nas duas hipotecas, uma de 1.º, a outra de
2.º grau. João Luiz Alves enxergou essa verdade com nitidez, visto como o seu comentário,
instruído com a invocação do direito anterior, põe de manifesto que a 1.ª hipoteca não fica
remida, pelo que o credor sub-rogado pode exercer a preferência integral sobre a coisa
hipotecada. 183
A alteração do grau da hipoteca pode decorrer também da sua prorrogação ou
renovação. O Código Civil prevê as duas extensões temporárias da hipoteca, uma promovida
antes de findo, a outra, depois de findo o trintênio, a primeira com o nome de prorrogação, a
segunda com o de renovação (art. 817): a) prorrogação da hipoteca, mediante simples
averbação, se requerida por ambas as partes antes de findo do trintênio: b) renovação da
hipoteca, mediante nova inscrição, depois de findo o trintênio.
Quando à renovação, cabe aludir aqui incidentemente ao artigo da nova lei do registro
segundo o qual "o registro da hipoteca convencional valerá pelo prazo de trinta anos, findo o
qual será mantido o número anterior se reconstituída por novo título e novo registro" (Lei n.º
6.015, de 1973, art. 238). Aí se empreende um recuo, ao restaurar-se a exigência de novo
título, e um desrespeito ao direito adquirido intercorrentemente por terceiros, ao
determinar-se a manutenção do número anterior da hipoteca, vale dizer, do seu grau. Ante a
provável transitoriedade do texto, o seu comentário ficará implícito no que se vai aduzir
abaixo acerca da disposição integral do Código Civil, abrangente da prorrogação e da
renovação.
Após distinguir os dois casos, pelo diferente tempo da sua ocorrência e pela sua
diversa formalização, o citado art. 817 do Código Civil, defeituosamente redigido, a ponto de
contar a partir do contrato a vida da hipoteca, que só começa com a inscrição, se refere no seu
final somente ao segundo para advertir que "nesse caso lhe será mantida (à hipoteca) a
precedência, que então lhe competir". Esse final do artigo põe em causa a prioridade e, como
esta depara ocasião tanto num como noutro caso, importa indagar primeiro se ele se aplica a
ambos, ou se restringe deveras ao segundo, e depois se ele significa a manutenção a todo
transe do grau de inscrição original da hipoteca prorrogada ou renovada.
Ante e possível existência de uma só ou de mais de uma hipoteca, força é reconhecer
que o final do artigo é aplicável a ambos os casos e que ele não significa a manutenção
incondicional do grau de inscrição original da hipoteca prorrogada ou renovada. Esse grau
somente se mantém se entre a inscrição original e a prorrogação ou renovação não se houver
interposto outra hipoteca. Do contrário, violar-se-ia um princípio elementar de direito, o

183 ALVES, J. Luiz. Código Civil. Ed. Briguiet. Com. ao art. 814.
neminem laedere, prejudicando o direito que assiste ao credor da hipoteca interposta de no
vencimento da primeira, promover a execução da sua ( Cód. Civ., art. 813).
Assim como a troca de grau entre duas hipotecas não pode trazer prejuízo ao direito
dos credores intermédios, também não o pode a prorrogação ou renovação de hipoteca
promovida unilateralmente por qualquer credor. O credor da segunda hipoteca é obrigado a
esperar o vencimento da primeira, mas não o da sua prorrogação. Não me parece, por isso,
aceitável, a respeito da prorrogação da hipoteca, nem a opinião de Azevedo Marques,
sufragada por Carvalho Santos, que admite o prejuízo alheio desde que a prorrogação seja
averbada antes do vencimento da primeira hipoteca , nem tampouco a de Clóvis Beviláqua,
que o admite até sem esse condicionamento. 184 Ao meu ver, quem está rigorosamente
certo é João Luiz Alves, que, com a lucidez habitual, entende que a prorrogação não pode
dar-se com ofensa de "direitos que terceiro já pudesse exercer no momento em que se
vencesse o primeiro prazo".185
Por conseguinte, tanto na prorrogação como na renovação, a hipoteca tomará o grau
que então lhe competir, o qual poderá ser o mesmo, se não houver credores intermédios, ou
diverso, se houver. Na segunda eventualidade, os credores intermédios serão beneficiados
pela progressão de grau de suas respectivas hipotecas. Noutras palavras, se apenas uma 1.ª
hipoteca tiver inscrição no livro, a sua prorrogação para completar vinte anos lhe conservará
o mesmo grau; se, porém, uma 2.ª hipoteca tiver em seguida inscrição no livro, armada de
prazo calculado para permitir a excussão tão logo se dê o vencimento da 1.ª, então a
prorrogação desta não lhe conservará o mesmo grau, porque este passará para a outra.
Há que recordar, a propósito, a distinção entre o direito objetivo e o direito subjetivo.
A permissão de estender o prazo da hipoteca até trinta anos é dada pelo direito objetivo, mas,
adotado contratualmente pelas partes um prazo diferente, este é que constituirá o direito
subjetivo a ser respeitado. Nada autoriza supor que o prazo da permissão legal se incorpore á
1.ª hipoteca de modo a habilitá-la a conservar a dianteira, ainda que corra atrás dela uma 2.ª
hipoteca que haja atingido o seu ponto final, isto é, cujo direito subjetivo se haja tornado
exercível ao exaurir-se o prazo contratual e registral.
A obrigação principal, vale dizer, a dívida, pode durar mais do que o prazo da
prescrição, devido a interrupções e suspensões deste. Ao adotar o prazo de 20 anos para a
prescrição e de 30 anos para o perempção da hipoteca adjeta, o nosso Código Civil evita o
risco de ficar a obrigação principal eventualmente ao desabrigo da garantia. Se a obrigação
principal se extinguir antes de decorridos os 30 anos, o conseqüente cancelamento da
hipoteca antecipará a sua perempção.
Ao estabelecer que a hipoteca caia fatalmente em perempção em trinta anos. 186
teve em mira um objetivo prático, o de facilitar as buscas no livro de registro, as quais se
apertam num período determinado de tempo, em vez de se alongarem indefinidamente.
Contudo, a perempção da inscrição hipotecária não tem o apoio geral da doutrina, pois uma
corrente desta, com reflexo no nosso Pais, entende que a inscrição deve perdurar pelo prazo
de duração do crédito hipotecário. 187
184 SANTOS, Carvalho. Cód. Civ. int. 9. ed. Ed. Liv. Freitas Bastos, 1961. v. 10, int. do art. 817, p. 368.
185 ALVES, J. Luiz. Código Civil. 3. tit. Ed. F. Briguiet & Cia., 1926. Com. ao art. 817, p. 586; AZEVEDO,
Filadelfo. Registros públicos. Rio de Janeiro, Ed. Fluminense, 1924. n.º 189, p. 151.
186 VEIGA, Didimo da. Dir. Hip. Rio, Ed. Laemmer & Cia., 1899. n.º 25 p. 366 et seq.
187 A perempção, que não se confunde com a extinção, opera pelo simples decurso do prazo fatal, dispensando
ordem do juízo, para a averbação de sua ocorrência (Ac. do CSM de DO de 13/1/1977 em Francisco de Paula
Sena Rebouças, Registro Público, Jurisprudência, p. 136).
Ao mesmo tempo que atendeu ao objetivo prático de limitar temporalmente as
buscas, o Código Civil procurou remediar o inconveniente dessa limitação não só cravando o
marco da perempção dez anos além da prescrição normal do crédito hipotecário, como
facultando a prorrogação da hipoteca dentro do trintênio e principalmente a sua renovação
depois de esgotado. Ambas providências se formalizam com simplicidade, a primeira
mediante averbação, inscrição marginal requerida por ambas as partes, com economia de
tempo e de despesas, e a segunda por nova inscrição que importa em repetição da antiga com
novo número, independentemente de novo título.
Como se sabe, o Código Civil exigia o princípio para a renovação da hipoteca novo
título e nova inscrição, mas, com a redação dada ao art. 817 pela Lei n.º 5.652, de 11 de
dezembro de 1970, foi suprimida a exigência de novo título, que redundava na repetição do
antigo contrato com perda de tempo e de despesas em detrimento do crédito hipotecário.
Tanto mais descabida era a exigência do novo título, quanto punha o credor na dependência
do devedor, que podia recusar assiná-lo ou ter se incapacitado para o fazer, sem falar na
conseqüência de encurtar então o prazo da hipoteca, que havia de ser inferior ao prazo
comum da prescrição e da perempção, a fim de que, dentro deste, terminasse a execução,
conforme antiga advertência. 188
Ao restaurar a exigência de novo título, a Lei Registral (art. 238) talvez o tenha feito
por desconhecimento da redação corretiva do art. 817 do Código Civil, que, extirpando o
excesso de formalismo, limpa o caminho da renovação da hipoteca ao sujeitá-la apenas a
nova inscrição. Com isso a hipoteca convencional ficou emparelhada com a legal, em que,
para o referido fim, sempre se exigiu apenas nova inscrição (Cód. Civ., art. 830). Se grande é
esse mérito sistemático, não menor é o de haver restaurado o prazo de trinta anos para a
validade de inscrição da hipoteca, com o que evita a necessidade de prorrogação dos
contratos hipotecário habitacionais, que chegam comumente a vinte e cinco e a trinta anos.
O princípio de prioridade sofre várias restrições impostas por leis de direito material,
que dão a dianteira a créditos fiscais, previdenciários e trabalhistas, em detrimento dos
créditos hipotecários. Essas restrições não chegam, porém, a abalar a importância do
princípio, porquanto envolvem, em regra, quantias de pequena monta.
Essa expectativa, porém às vezes, não se confirma na prática, que oferece casos,
embora raros, em que os créditos hipotecários são suplantados pelos créditos fiscais e
parafiscais, frustando-se assim uma garantia que geralmente se supõe cabal. Empresas
existem que, por má administração, ao outro motivo, deixam de pagar pontualmente os
tributos devidos e de recolher as contribuições próprias e descontadas dos seus empregados,
o que, em caso de falência, redunda em prejuízo dos credores hipotecários e quirografários,
dada a posição privilegiada do Estado em relação a estes.
O Direito Brasileiro sempre deu ao Estado uma posição privilegiada, estabelecendo
em favor dele exceções à prioridade dos direitos reais de garantia, assecuratórios dos créditos
particulares. Essas exceções beneficiam basicamente os créditos fiscais, 189 mas deles se
estendem para abranger os parafiscais e outros que, sem se inserirem propriamente no direito
público, são favorecidos pelo Estado por motivos especiais, como os créditos trabalhistas.
188 AZEVEDO, op. cit., n.º 189, p. 151.
189 A preferência do crédito fiscal parece estar generalizada nas legislações, não sendo, de nenhum modo,
peculiaridade brasileira. O Código de Receita Interna dos Estados Unidos (Internal Revenue Code) , na seção
6.321, assegura ao crédito por impostos atrasados (delinquent taxes) preferência de pagamento, erigindo-o em
ônus sobre toda a propriedade e direitos de propriedade do contribuinte, inclusive a de aquisição posterior (
Property subject to the federal tax lien.-In: Harvard Law Review, v. 77. n.º 8, 1964, p. 1.485-1.504).
Uns e outros, como ônus de direito público ou assemelhados, pairam acima dos créditos
particulares, têm preferência sobre estes (Cód. Civ., art. 677, parág. único; Dec. n.º 22.866,
de 1933, art. 1.º; Cód. Civ., art. 759, parág. único; Dec.-lei n.º 960, de 1938, art. 6.º; Lei de
Falências, Dec.-lei n.º 7.661, de 1945, arts. 102 e 124, alterados pela Lei n.º 3.726, de 1960;
Lei n.º 4.357, de 1964, art. 8.º; Lei n.º 4.862, de 1964, art. 17; Regulamento da Previdência
Social, Dec. n.º 60.501, de 1967, art. 188).
Ao examinar-se a evolução desses dispositivos legais, chega-se à conclusão de que,
de escalada, a posição privilegiada do Estado se torna cada vez mais forte, ao mesmo tempo
que varia com freqüência dentro da sua cidadela a ordem em que se alinham os créditos
defendidos. A preferência do crédito fiscal sobre o crédito hipotecário restringia-se antes aos
impostos que recaíssem sobre o imóvel (impostos prediais), por serem obrigações ligadas a
este (parág. único do art. 677 do Cód. Civ.), mas depois se estendeu no sentido de alcançar
todos e quaisquer impostos (impostos gerais) ( Dec. n.º 22.866, de 1933, art. 1.º). Por sua vez,
os créditos previdenciários e trabalhistas, alinhados a princípio entre os de privilégio geral
(Dec.-lei n.º 7.661, de 1945, art. 102, § 3.º, n.º II e III), passaram à frente para emparelhar
com os fiscais; e até superá-los (Lei n.º 5.172, de 1966, art. 186). Não cabe aqui minudenciar
a evolução, tanto mais quanto a inconstância parece ser o principal atributo das preferências
creditórias, mas apenas assinalar o sentido geral em que se tem processado, que é o de
fortalecimento dos créditos públicos e semipúblicos e o enfraquecimento dos créditos
hipotecários.
Sem embargo disso, justo é reconhecer que o Código Tributário Nacional, 190 pelo
menos, reuniu esses dispositivos dispersos em várias leis e os pôs em ordem ao consolidá-los
em um dos capítulos do seu Título III, dedicado ao crédito tributário. Esse capítulo
epigrafado para tratar das garantias e privilégios do crédito tributário, deixa bem claro que
este sobrepõe a qualquer crédito particular e, por estar em plano acima deste, com este não se
mistura nunca. Do conjunto dos seus preceitos destaca-se o seguinte artigo, que abre a seção
das preferências: "O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for a natureza ou o
tempo de constituição deste, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho"
(Lei n.º 5.172, de 1966, Tit. III, cap. VI, art. 186).
Aí está realçada a eminência do crédito tributário, que o põe a cavaleiro de qualquer
crédito anteriormente inscrito no Registro de Imóveis, do que resulta também ficar isento da
habilitação na insolvência ou na falência. Nesse sobranceiro isolamento apenas pode ser
confrontado com outro crédito igualmente tributário, só se admitindo o concurso de
preferência entre créditos tributários de diferente hierarquia, isto é, provenientes de diversas
pessoas de direito público na seguinte ordem: I — União: II — Estados, Distrito Federal e
Territórios, conjuntamente e pro rata; III — Municípios, conjuntamente e pro rata (Lei n.º
5.172, de 1966, art. 187).
A fim de evitar dúvidas sobre as ocasiões de fazer valer a preferência do crédito
tributário, o Código declara-o pagável, na falência, antes de qualquer outro, inclusive da
divida da massa; no inventário ou arrolamento, antes de qualquer crédito habilitado,
inclusive despesa do monte; em liquidação judicial involuntária, antes de qualquer outro
crédito contra a pessoa jurídica. Para garantir o pagamento do crédito, em caso de

190 A Lei n. 5.172, de 1966, adotou originalmente o nome de "Sistema", a fim de, no Congresso, submeter-se ao
regime de tramitação especial solicitado pelo Poder Executivo, mas o Ato Complementar n.º 35, no art. 7.º, lhe
devolveu o verdadeiro nome. O qualificativo nacional, diverso de federal, evidencia tratar-se de lei aplicável à
União, aos Estados e aos Municípios.
contestação, recomenda a "reserva de bens", expediente processual previsto em casos
análogos pelo art. 1.796 do Código Civil e pelo art. 1.018 do Código de Processo Civil (Lei
n.º 5.172, de 1966, arts. 188-190).
Se os gravames de direito público podem, como atrás se advertiu, tornar ilusórios os
direitos reais, caberia perguntar, como no seu tempo perguntou um dos nossos mais acatados
especialistas, por que não fazer depender de inscrição esses gravames? 191 A resposta é
intuitiva: primeiro, porque esses gravames, já agora mais numerosos, e não apenas restritos
aos impostos prediais, constituem ônus de direito público, que não estão sujeitos a inscrição;
segundo, porque, dada a sua renovação anual, a inscrição seria inexeqüível e perturbaria os
livros do registro; terceiro, porque, não sendo competitivos com os direitos reais, a sua
inscrição não interessaria ao princípio de prioridade, que só se aplica a esses direitos.

191 VEIGA, op. cit., p. 317.


CAPÍTULO 11

PRINCÍPIO DE ESPECIALIDADE

1. Significado do princípio. Requisitos da especialização.

2. Venda de corpo certo, módulo rural e investidura urbana.

3. Peculiaridade da especialização na partilha.

4. Especialização hipotecária da parte do condômino.

5. Correlação entre a especialização hipotecária e a inscrição.

6. Precariedade da especialização nos títulos. Quesitos de vistoria.

7. Especialização da dívida.

O princípio de especialidade significa que toda inscrição deve recair sobre um objeto
precisamente individuado. Esse princípio, consubstancial ao registro, desdobra o seu
significado para abranger a individualização obrigatória de: a) todo imóvel que seja objeto de
direito real, a começar pelo de propriedade, pois a inscrição não pode versar sobre todo o
patrimônio ou sobre um número indefinido de imóveis; b) toda dívida que seja garantida por
um direito real, pois a quantia não pode ser indefinida, mas certa, expressa em moeda
nacional.
Por isso, o Código Civil o prevê tanto em relação ao imóvel que é transmitido ou
gravado como à dívida que é objeto de garantia. Todavia, não adota uma fórmula uniforme
ou precisa para exigir a especialização do imóvel, o que não impede que se deduza que essa
especialização deve ser tal que satisfaça os requisitos da inscrição, a que se acha sujeito (Cód.
Civ., arts. 761, n. IV e 846).
Esses requisitos são os dados geográficos que se exigem para individuar o imóvel,
isto é, para determinar o espaço terrestre por ele ocupado. Os dados devem encadear-se em
menção descendente, de modo que, em gradativa aproximação, acabem por localizar o
imóvel. Assim, a exigência da especialização, constante do Código Civil, vem desenvolvida
ou explicada nos sucessivos regulamentos do registro, o último dos quais requer "a
identificação do imóvel, feita mediante a indicação de suas características e confrontações,
localização, área e denominação, se rural, ou logradouro e número, se urbano, e sua
designação cadastral, se houver" (Lei n.º 6.015, de 1973, art. 176, parág. único, II, n.º 3; cf.
Decreto n.º 4.857, de 1939, art. 247).
Desses elementos, os mais gerais de situação ou localização são providos pela lei, que
divide o território do Estado em circunscrições administrativas, dando a cada qual um nome
que a distingue das demais, assim como separa em cada uma delas a zona urbana da rural,
designando os logradouros da zona urbana por nomes ou números e numerando os prédios.
Os nomes dos logradouros decretados pelo Município são publicados e, às vezes, ainda
comunicados, assim como a mudança de numeração dos prédios, ao Registro de Imóveis, 192
ao qual compete, em qualquer caso, averbá-los ex officío (Lei n.º 6.015, de 1973, art. 167, II,.
n.º 13). Se o cartório contar o livro-índice pelos logradouros (artigo 179, § 2.º ), aí colherá os
imóveis situados no logradouro em causa para na matrícula de todos, lançar logo a
averbação; do contrário, esta só se efetuará à medida que se apresentarem os títulos referentes
a esses imóveis.
Quanto aos elementos peculiares ao imóvel, são ministrados pelas escrituras e demais
títulos de aquisição. Conquanto uns e outros tenham de ser repetidos nos títulos de
transmissão ou oneração para que o imóvel fique adequadamente especializado,
compreende-se que, dada a origem legal dos primeiros, só os últimos sejam visados quando
se fala em especialização.
Desses últimos requisitos, os mais identificadores do imóvel são as suas
confrontações, as quais, no entendimento da doutrina e da jurisprudência, abrangem as linhas
de limites e os nomes dos confrontantes. As linhas de limites, com o seu comprimento no
terreno, são fixas, mas os nomes dos confrontantes em cada uma delas são variáveis em
conseqüência de sucessivas mudanças dos proprietários vizinhos. Daí a dificuldade de, em
dado momento, relacionar com certeza os confrontantes, o que leva freqüentemente as partes
ao expediente de aludir nas escrituras a confrontações "com quem de direito". Essa fórmula é
inoperante por devolver o conhecimento da individuação do imóvel a outros títulos. 193
Se é recusável o título que dessa maneira deixa totalmente em branco a confrontação,
não o é aquele em que o disponente mencione os confrontantes constantes do seu título
aquisitivo, ou outros que, em uma ou mais linhas, lhes hajam tomado indubitavelmente o
lugar, com a ressalva de eventuais sucessores: "confrontando com Antônio Luiz da Silva, ou
sucessor". Ao passo que a primeira fórmula se distingue pela absoluta indeterminação, a
segunda se caracteriza pela determinação dos nomes exatos dos confrontantes em dado
momento, com a alternativa suscetível de cobrir os seus possíveis substitutos em momento
posterior. Cumprida nesses termos, a menção dos nomes dos confrontantes satisfaz, sem
exigir uma indagação penosa, linha por linha, de quem seja precisamente cada um deles no
momento da passagem da escritura.
De fato, na atualidade, não basta, para a individualização do imóvel, a menção das
linhas geométricas, uma vez que estas determinam a figura do imóvel, mas não marcam a sua
posição no espaço, se não tiverem uma amarração geográfica. Assim se torna necessário
recorrer aos nomes dos confrontantes para completar com esses elementos externos a
especialização do imóvel, determinando a sua posição dentro da circunscrição territorial
onde se situa.
Bem se percebe que, no futuro, esses elementos complementares tenderão a tornar-se
desnecessários, com a medição sistemática dos terrenos, visto como, entendendo-se por
imóvel o espaço de limites determinados na superfície da terra, as linhas definidoras destes
serão suficientes para individuá-lo, uma vez que tenham amarração geográfica. Daí a
possibilidade de dispensa dos nomes dos confrontantes na inscrição, e, antes desta, na
escritura, desde que seja instituído o cadastro, onde todos os imóveis se enquadrarão dentro
de meridianos e paralelos.

192 Dec. "E" n.º 3.800, de 1970, do Rio de Janeiro, art. 45.
193 GARCIA, Lisipo. A transcrição. p. 174; LOUREIRO, Waldemar. Registro da propriedade imóvel. 5. ed.
Rio, Forense, 1957, n. 144 e 151.
Como ao registro devem acorrer todos os títulos de aquisição e oneração de imóveis,
embora diversifiquem de uns para outros os fins por que acorrem, o princípio de
especialidade precisa ser neles universalmente observado. A convergência geral dos títulos
no registro reune aí tanto os atos particulares, decorrentes da livre iniciativa das partes nos
seus negócios quotidianos, como os atos judiciais, derivados da interposição do juiz em
mutações reais sujeitas ao seu controle. Por conseguinte, para que possa ser feita inscrição de
uns e outros, sem qualquer impedimento ligado à inobservância do princípio, a lei exige em
todos a individuação dos imóveis.
A individuação dos imóveis, pela menção dos requisitos apontados, notadamente
seus característicos e confrontações e seu numero de inscrição atual, é, portanto, legalmente
exigida em todos os atos de mutação jurídico-real, sejam particulares, sejam judiciais. Nos
particulares, contratos ou negócios jurídicos, exarados em escrituras públicas ou particulares,
consta da própria escritura (Lei n.º 6.015, de 1973, art. 225; cf. Dec. n.º 4.857, de 1939, art.
248). Nos judiciais, que resultam de um processo, consta do termo mais adequado para
recebê-la, o edital de praça, para o efeito de arieinatação ou adjudicação, ou a declaração de
bens em inventário para o fim de partilha (Cód. de Proc. Civ., art. 686, I, e art. 993, IV, b;
Lei cit., art. 225). 194
O mandamento da individuação do imóvel, lançado no regulamento dos registros
públicos, abrange tanto os atos contratuais como os judiciais, e é vazado em termos, ao
mesmo tempo, peremptórios e claros, pois indicam o meio pelo qual deve fazer-se a
individuação. Devido à sua objetividade, torna-se fácil cumprir o preceito, que requer o
suficiente para identificar o imóvel, tanto rural, como urbano, bastando dizer, acerca do
último, que quando não identificável pelo número, por se tratar só de terreno, há de sê-lo pela
posição do lado par ou ímpar do logradouro e pela metragem que o distancia do prédio
próximo ou da esquina. Essa identificação é tão completa quanto possível, embora não afaste
a duplicação fraudulenta do terreno mediante o expediente de deslocar o ponto de amarração
de uma para outra esquina. Nesse caso a fraude só é eliminável pelo cadastro.
Além de abranger a generalidade dos atos, contratuais e judiciais, o mandamento
compreende também a generalidade dos imóveis, rurais e urbanos, exigindo a cabal
individuação de todos para a inscrição no registro. Essa exigência se estende aos imóveis do
patrimônio público que se incorporam ao capital de uma sociedade por ações ou empresa
pública, que deverão ser especializados do título de incorporação de maneira coerente com o
registro, cabendo, no caso de divergência de características entre um e outro um termo
aditivo para corrigi-la (Lei n.º 6.015, de 1973, art. 291).
Ao exigir-se, para o registro, que o imóvel se apresente com as suas características,
limites e confrontações, o que se exige é que ele apareça como um corpo certo. A sua
descrição no título há de conduzir ao espírito do leitor essa imagem. Se a escritura de
alienação falhar nesse sentido, por deficiência de especialização, terá de ser completada por
outra de rerratificação, que aperfeiçoe a figura do imóvel deixada inacabada na primeira. Do
contrário, não obterá registro.

194 O Código de Processo Civil de 1939, cujo projeto foi elaborado por Pedro Batista Martins, já trazia a
predisposição dos dados especializados do imóvel no edital de praça e no termo de declaração do inventariante
para o fim, respectivamente, d arrematação ou adjudicação ou de partilha (arts. 963, I, e 471, § 1.º, alinea a).
Nesse sentido fizera uma sugestão para o projeto, repetindo aliás a nota com que marginara o título da execução
do anterior projeto parcial do Ministro Arthur Ribeiro, que o saudoso magistrado tivera a gentileza de
oferecer-me. O Cód. de Proc. Civ. de 1973, de autoria do Ministro Alfredo Buzaid, completou a iniciativa,
incluindo no edital de praça a menção da existência de ônus (art. 686, V).
Assim, o requisito registral da especialização do imóvel, vertido no fraseado clássico
do direito, significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como
individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e,
portanto, heterogêneo em relação a qualquer outro. O corpo certo imobiliário ocupa um lugar
determinado no espaço, que é o abrangido por seu contorno, dentro do qual se pode encontrar
maior ou menor área, contanto que não sejam ultrapassadas as raias definidoras da entidade
territorial.
Todavia, embora bastante para dar a figura de um corpo certo, por delineá-la e
caracterizá-la por seus limites naturais ou artificiais, pode a descrição do título acusar um ou
mais erros, dos quais ou mais freqüentes são mencionar uma área diferente da encerrada no
seu perímetro ou consignar nas suas linhas de limites medidas diversas das reais,
encontráveis, a todo tempo, no local. Esses erros, transportados para o registro, uma vez
descobertos, ensejam a retificação, que, por se tratar de dados de fato, pode ser
administrativa, mas precisa ser precedida de vistoria com audiência dos confrontantes e do
alienante ou seus sucessores (Lei n.º 6.015, de 1973, § 2.º do art. 212).
Dessa maneira, a descrição do imóvel, que não foi inteiramente fiel na sua primeira
versão, tenderá a sê-lo na segunda, embora uma e outra devam referir-se precisamente no
mesmo imóvel, como foi originalmente configurado, com o seu corpo certo, que o tempo não
muda. Sem desfigurar a sua identidade, tal como consta do registro, o processo
administrativo se restringirá a verificar se é inexata a medida superficial ou linear posta em
causa, para o fim de dar uma tradução numérica certa a um ou mais elementos da descrição.
Nessa conformidade, subentendida sempre a mesmice do imóvel, não cabe o processo
para desfigurá-lo, transformando, por exemplo, o quadrilátero ABCD do registro em um
polígono ABCDEF. Nesse caso, o que o interessado pretende é engrandecer o imóvel
primitivo, anexando-lhe áreas adjacentes, talvez sem donos conhecidos, isto é, usar o
processo administrativo de retificação do registro, de emprego estrito, como um atalho da
ação de usucapião, mais curto ainda do que o do registro Torrens.
A vista do que atrás ficou exposto. conclui-se que o artigo 1.136 do Código Civil, que
trata da venda de imóveis ad corpus e ad mensuram, não se coaduna bem com a sistemática
registral por admitir que o imóvel seja vendido sem ser "como coisa certa e discriminada".
195 Daí a conveniência de, na reforma do Código Civil, alterar a formulação, fonte de

múltiplas demandas, para positivar que, na venda de imóvel, sempre individuado, só caberá
reclamação do comprador por falta de área declarada se o vendedor lha tiver assegurado
expressamente na escritura.
Para esse fim, pode-se adotar o preceito do Código Civil Alemão, conforme antiga
proposta de Serpa Lopes, 196 por mim renovada em contribuição ao estudo do anteprojeto
do futuro Código Civil: 197 "Quando o vendedor de um imóvel se obrigar perante o
comprador por um conteúdo determinado, torna-se responsável por esse conteúdo como o
seria por uma qualidade assumida" (§ 468).

195 A venda ad corpus, a mais comum, é aquela em que se transmite o imóvel como um todo por um preço
único; a venda ad mensuram é aquela em que se transmite o imóvel por preço que, calculado sobre o da unidade
de medida, condiciona a respectiva área (LESSA, Pedro. Disseriações e polêmicas. p. 282; GOMES, Orlando.
Parecer. In: Rev. dos Trib., v. 377, p. 77).
196 LOPES, Serpa. Regitros públicos. 2. ed. Rio. v. 3, n. 530. p. 301.
197 CARVALHO, Afranio de. O Código Civil e o anteprojeto. In: Rev. do Inst. dos Advogados Brasileiros, n.
25, p. 77.
Esse preceito estanearia as questões, mas o projeto de reforma do Código Civil de
1965, adotou outro, criador delas, admitindo, a exemplo do Código Civil Italiano,
reclamação de área ou de preço, conforme a medida da extensão se mostre menor ou maior.
Ainda está em tempo, porém, de rever o critério, modificando o projetado molde do contrato
de compra e venda, a bem da firmeza das relações jurídicas imobiliárias.
A especialização dos imóveis rurais ganhou certa estabilidade, quando a lei deteve o
tamanho deles em um limite mínimo intransponível, a unidade de exploração econômica,
agora chamada módulo rural, nome sob o qual triunfou antiga iniciativa nossa, constante do
projeto de Lei Agrária de 1947. 198 A proliferação de minifúndios, num processo
incessante de retalhamento da terra, que tornara tormentoso o problema da individuação
deles em algumas zonas, foi finalmente sustada.
A especialização dos imóveis urbanos em compensação, acha-se exposta a uma
instabilidade cada vez maior, devido aos projetos de urbanização das cidades, ditados pelo
crescimento extraordinário delas e do tráfego de veículos automotores nas vias públicas. Tais
fatores levam a transformações profundas nos planos diretores do desenvolvimento urbano
com a conseqüente abertura de novos logradouros a alargamento dos existentes, providências
que se refletem no incessante aumento ou diminuição do tamanho dos lotes particulares por
força de "investidura" ou de "recuo".
De par com essa causa de instabilidade da especialização, decorrente da iniciativa
oficial, opera outra, derivada da iniciativa particular, a saber, a do parcelamento do solo
urbano, que, com o êxodo rural das últimas décadas, se tornou intenso, provocando rigorosa
disciplina legal, que distingue dois modos de realizá-los o loteamento, quando ocorre fora do
sistema viário da cidade, e o desmembramento, quando se dá dentro desse sistema. Ao passo
que a disciplina legal anterior se dirigia sobretudo à proteção do interesse privado do
pequeno negociante de lote, a atual se orienta principalmente no sentido de proteção do
interesse público, visando ao ordenamento do solo urbano que mais convenha à coletividade
(Lei n.º 6.766, de 1979).
Assim como atos humanos, oficiais e particulares, atuam no sentido de modificar a
especialização dos imóveis, no mesmo sentido agem forças da natureza na orla litorânea, isto
é, correntes marítimas e ventos em constante movimento. Se, em conseqüência dessas forças,
o mar se afasta, como às vezes acontece em curto período, o recuo aumenta o terreno
costeiro; se, ao contrário, o mar avança pela terra adentro, o adentramento diminui o terreno.
Devido aos interesses nacionais ligados à orla litorânea, uma faixa estreita dela, com a
largura de trinta e três metros (33m), pertence à União com o nome de "terrenos de marinha",
cuja linha de testada é a do preamar médio. Como essa linha sofre constante mudança, esta
repercute nos imóveis para aumentar-lhes ou diminuir-lhes o tamanho, sendo comum o
primeiro caso: o acrescido de marinha. O "acrescido de marinha" assemelha-se ao acrescido
fluvial por aluvião, que igualmente pertence ao dono do terreno marginal (Cód. Civ., art.
538).
A despeito de ser acidentalmente mutável a especialização inicial do imóvel é
indispensável para o registro. Não é inscritível, por isso, a escritura de aquisição de uma
gleba de existência incerta, em que o vendedor transfira uma possível diferença de área, que
lhe caiba num imóvel, precisamente por faltar a especialização, que tornaria a gleba certa. No
entanto, esse registro já foi realizado à revelia da lei, ensejando depois uma demanda em cuja

198 CARVALHO, Afranio de. Reforma agrária. Rio, Ed. Cruzeiro, 1963. p. 18 et. seq.
decisão o tribunal paulista salienta com justeza que, enquanto não se apurar a efetiva
existência da gleba negociada e incerta, o contrato não merece registro. 199
Como, porém, se interpõem, entre as aquisições negociais, outras hereditárias,
cumpre advertir que daí resultam peculiaridades que precisam ser assinaladas. Embora as
aquisições hereditárias se verifiquem com o simples fato da morte do titular do patrimônio,
momento em que os bens deste passam automaticamente aos herdeiros (Cód. Civ., art.
1.572), também devem em seguida ser inscritas em nome deles, a fim de que se mantenha no
registro uma série regular de transmissões, permitindo, no mesmo tempo, aos últimos
adquirentes dispor oportunamente do que lhes pertence. Daí o preceito determinante da
inscrição das sentenças proferidas nas ações divisórias, entre as quais se acham as de partilha
(Cód. Civil, art. 632,I). 200
Quando se procede à partilha de um patrimônio por morte do seu titular, essa partilha,
conforme for o monte-mor, tanto poderá atribuir a cada um dos herdeiros imóveis inteiros,
perfeitamente individuados, como partes de imóveis, a serem individuados posteriormente.
No primeiro caso, a partilha esgotará tudo quanto interessa aos herdeiros obter e ao registro
inscrever, ao passo que, no segundo, ela ficará em meio de uma operação, que só se
completará com a divisão e demarcação dos imóveis. Portanto, a partilha, conquanto se
inclua entre os juízos divisórios, nem sempre o é de modo pleno, pois costuma transformar
apenas uma indivisão absoluta, em que o direito de cada interessado se acha difuso pelo
monte-mor, numa indivisão relativa, em que esse direito se radica em certos imóveis, mais
em partes aritméticas, de modo que, a rigor, pode desdobrar-se deveras nestas alternativas: a)
divisória, quando o pagamento de cada um dos herdeiros é composto de imóveis inteiros, o
que faz cessar desde logo a indivisão hereditária; b) semidivisória, quando o pagamento de
cada um dos herdeiros é formado de partes de imóveis, o que não faz cessar desde logo a
indivisão hereditária, exigindo ainda o juízo da divisão e demarcação.
Conquanto a primeira alternativa seja a mais rápida e vantajosa, a mais comum é a
segunda, em que à partilha se segue a divisão e demarcação, fazendo-se na primeira a
determinação aritmética dos quinhões hereditários e na segunda a sua concretização do
terreno. Assim, a indivisão hereditária, em regra, somente cessa por completo após um duplo
processo, cujo término assinala uma situação jurídica diversa da preexistente, pois, ao
extinguir-se o condomínio, as partes ideais que tocavam aos herdeiros no imóvel se acham
transformadas em partes reais, cada uma das quais, cabalmente delimitada, constitui uma
propriedade singular.

Quando a partilha põe termo efetivamente à indivisão, por consistir em divisão real
dos imóveis da herança, cada um dos quais é atribuído em sua integridade a um herdeiro, está
claro que satisfaz de plano à necessidade da especialização, pois e formal extraído e nome

199 Ac. do Cons. Sup. da Magistratura de SP , de 29.3.1962. In: Revista dos Tribunais, v. 329, p. 412.
200 As ações divisórias referidas pelo Cód. Civil são as de partilha (familiae erciscundae), de divisão de bens
comuns (comuni dividundo) e de demarcação (finium regundorum) , as quais fazem cessar o estado de
comunhão, a primeira repartindo entre herdeiros o que lhes pertence por título universal ou de sucessão, a
segunda distribuido entre condôminos o imóvel que lhes pertence em comum por título singular , a terceira
separando um imóvel do seu confinante, por meio de rumos e marcos (MENEZES, A. C. Juízos divisórios. 6.
ed. Rio, ed. da Liv. Cruz Coutinho. 1878. cap. I, § I; SOARES, A. J. Macedo. Med. e demarc. de terras. 3. ed.
Rio, ed. da Imp. Nac., 1887, cap. I, n. 6-9; BATISTA, Paula. Processo Civil. 4. ed. Rio, Ed. Garnier, 1890. § 21;
LOPES, op. cit., v. 4. n. 589, p. 29).
desse herdeiro traz as características e confrontações do imóvel com que foi separadamente
quinhoado para habilitá-lo à inscrição. Quando, porém, a partilha não põe termo à indivisão,
por consistir apenas em divisão ideal dos imóveis da herança, cada um dos quais é atribuído
fracionariamente a mais de um herdeiro, deixa de satisfazer, a rigor à necessidade da
especialização, de vez que o formal de cada um dos herdeiros somente traz as características
e confrontações do imóvel comum, isto é, do todo dentro do qual a titularidade do interessado
se mistura com a dos demais.
Não obstante, tanto é obrigatória a inscrição do formal de partilha quando o imóvel
cabe por inteiro no quinhão do herdeiro, como quando apenas parte dele aí caiba por haver
ele sido atribuído em condomínio a mais de um herdeiro. A obrigatoriedade da inscrição dos
formais de partilha abrange uma e outra hipósete, quer o pagamento a cada um dos herdeiros
se faça em bens diferentes, quer em partes ideais dos mesmos bens, vale dizer, tem a maior
generalidade. 201
A obrigatoriedade estende-se no formal de partilha do legatário, quando o legado é de
imóvel. Conquanto, na transmissão causa mortis, o herdeiro e o legatário derivem os seus
direitos diretamente do de cujus, o segundo há-de pedir ao primeiro a entrega do legado, em
cuja posse não pode entrar por autoridade própria ( Cód. Civ., arts. 1.572 e 1.690). Essa
entrega, quando amigável, realiza-se na partilha, da qual se extraí um formal em favor do
legatário, sujeito a inscrição para lhe permitir simplesmente a disponibilidade do imóvel,
uma vez que a aquisição deste ocorrerá com a morte do de cujus (Cód. de Proc. Civ., art.
1.022, in fine).
Todavia, convém destacar e considerar em separado a partilha ideal do imóvel, a
saber, aquela que dá em pagamento a cada um dos herdeiros uma fração do imóvel, como,
por exemplo, no caso de existirem três, um quinto a dois deles e três quintos ao terceiro. Essa
partilha meramente aritmética tanto pode recair sobre um imóvel que admite divisão real em
cinco partes, cada uma das quais de tamanho superior ao módulo rural, como sobre um
imóvel que não a admite, como, por exemplo, uma casa, significando isso que comporta, por
sua vez, duas alternativas, conforme atribua ao herdeiro: a) parte ideal em imóvel; suscetível
de divisão real; b) parte ideal em imóvel insuscetível de divisão real.
Após a realização dessa partilha, raramente se segue imediatamente a divisão e
demarcação, abrindo-se, ao contrário, entre uma e outra um intervalo de tempo mais ou
menos longo em que as partes atribuídas aos herdeiros permanecem indivisas. No entanto, os
herdeiros, como proprietários, podem nesse intervalo querer vendê-las ou hipotecá-las,
exercendo assim um direito que lhes assiste evidentemente, quer o móvel se encontre
singularizado, quer se ache ainda em condomínio (Cód. Civ., art. 623, III).
Nessa eventualidade, interpõe-se, para a venda e a hipoteca, o requisito da
especialização dos imóveis, mas, aberto o registro para dar ingresso indiscriminado a todos
os formais de partilha, a fim de assegurar o princípio de continuidade, não podia ser fechado
para a venda e a hipoteca de que, embora carentes da delimitação individual, sejam os títulos
anteriores. Nesse caso, a fim de conciliar o princípio de continuidade com o de especialidade,
este segundo é atenuado, aceitando-se a especialização do todo, sem exigir a individual, tanto
mais quanto esta sobrevirá mais tarde com a divisão,cujo efeito é apenas declarativo.
201 Conquanto a princípio houvesse pareceres a julgados segundo os quais "formais de partilha aritmética não
estão obrigados a transcrição, se não põem termo à indivisão" (Ac. da C. C. do T. de A. de MG de 17.11.1937.
In: REv. For., v. 74, p. 74-76), a jurisprudência firmou-se no sentido da exigência da inscrição de todos os
formais de partilha (AZEVEDO, Filadelfo. Registro de imóveis ( valor da transcrição). Rio, ed. da Liv. Jacinto,
1942. n. 42; SANTOS, Carvalho. Cód. Civ., int. v. 7, int. do art. 532: LOPES, OP. CIT., V. 4, n.º 597).
Tanto vale dizer que a especialização dá-se então com o indicar as características e
confrontações do imóvel total a declarar qual a fração vendida ou sujeita à garantia
hipotecária. Essa maneira de externá-la prevalece tanto quando o imóvel é suscetível de
divisão real, como quando não o é, declarando-se, em ambos os casos, que se vende, ou se
hipoteca, determinada parte do imóvel que a seguir se descreve com sua localização, sua
área, seus limites e suas confrontações.
Deixando de lado o que se pratica correntemente para atender ao que e discutiu, cabe
recordar que duas correntes controverteram entre nós a hipotecabilidade de parte ideal de
imóvel em condomínio, que, diga-se de passagem, é admitida expressamente no direito
alemão (Cód. Civ. Alemão, § 1.114). Uma entendia ser válida a hipoteca de parte ideal do
imóvel, ainda que este seja materialmente indivisível, porque a indivisibilidade do "todo" não
importa na inalienabilidade da parte, desaparecendo a hipoteca, por falta de objeto, se ao
condômino nada tocar no imóvel. 202 A outra sustentava ser inválida essa hipoteca, salvo
se o imóvel for materialmente divisível, porque a indivisibilidade é incompatível com a
especialização e enseja o desaparecimento da hipoteca, se ao condômino nada tocar no
imóvel. 203
Ao apoiar-se na especialização para opor-se à hipotecabilidade de parte ideal do
imóvel comum indivisível, a segunda corrente incorria em incoerência, porquanto, se admitia
a hipoteca de parte indivisa de imóvel divisível, forçoso era admitir também a de parte de
imóvel indivisível, uma vez que, num e outro caso, a especialização se faz do mesmo modo.
Efetivamente, a especialização, em ambos os casos, reflete a da partilha, da qual procede,
consistindo na referência a uma fração certa de um imóvel individuado. Aliás, o Supremo
Tribunal Federal acabou dirimindo a divergência nesse sentido, o que ensejou a tranqüila
generalização da prática atrás aludida. 204
Todavia, como a especialização se refere não ao que é hipotecado, mas ao todo onde
se encerra, daí decorre que, por força da indivisibilidade da hipoteca, esta se estenderia à
totalidade do imóvel como se acha inscrito (Cód. Civ., art. 758), se não interviesse, para
atalhar essa conseqüência a exceção aberta em favor da hipoteca de parte de condômino, em
virtude da qual fica restrita expressamente a essa parte a indivisibilidade da garantia (Cód.
Civ., art. 757, 2.ª parte). Assim, durante a indivisão, fase legalmente transitória, atenua-se
mais uma vez o princípio de especialidade para conciliá-lo com o de indivisibilidade da
hipoteca.
Do âmbito do condomínio, onde surgiu por contingências próprias a este, a questão
versada extravasou para o do domínio singular, onde se discute também a hipotecabilidade
de parte do imóvel divisível, desde que ela seja descrita no contrato hipotecário com
características e confrontações bem definida, embora compreendida no todo do imóvel
descrito no registro debaixo de uma só inscrição (transcrição). O oferecimento de parte de
imóvel divisível em garantia de empréstimo tornou-se tão freqüente no interior do País que
induziu os bancos ao estudo da possibilidade da sua aceitação.

202 LAFAYETTE. Dir. das cousas. n. III, p. 528-529; MARQUES, Azevedo. Hipoteca . 2. ed. n. 17, p. 37-41;
AZEVEDO, Filadelfo. Registros públicos. p. 78-79; LOPES, op. cit., v. 2. n. 315, p. 286-294.
203 BEVILÁQUA, Clóvis. Rev. de Dir. v. 4, p. 44 ct seq.; ibidem, Cód. Civ., 3. ed., v. 3. p. 334; VEIGA,
Dídimo da. Man. do Cód. Civ. v. 3, parte 3, p. 108-117; ALMEIDA. Lacerda de. Dir. das cousas. Parte especial,
p. 292-293.
204 Ac. do S.T.F. de 4.12.1918, in: FULGÊNCIO, Tito. Hipoteca. São Paulo, Ed. Saraiva & Cia., 1928. p. 36;
SANTOS, Carvalho. Cód. Civ. Int. v. 10, int. do art. 757, p. 20.
A negativa se impôs imediatamente, porquanto a inscrição é que individualiza o
imóvel, conferindo-lhe autonomia para ser objeto ou base de negócios no tráfico, de sorte
que, gravando o imóvel com uma hipoteca, esta se estende inelutavelmente à totalidade da
sua área, unificada soba inscrição, como decorrência do princípio de indivisibilidade (Cód.
Civ., art. 758). Ainda que obrigacionalmente se estipule a incidência da hipoteca sobre parte
determinada do imóvel, essa incidência se efetivará realmente sobre o imóvel inteiro, pela
impossibilidade de separar-se no registro uma das suas partes integrantes.
Daí se infere que a hipotecabilidade de parte de imóvel divisível, pertencente a um só
dono, está condicionada à prévia divisão desse imóvel, por força da qual se individualize a
parte dele destacada, mediante a averbação do seu desmembramento no Registro. Efetuado
esse desmembramento, a parte antes objetivada para sofrer o gravame ganhará autonomia
pela averbação e poderá então suportar o ônus da mesma forma por que o suportaria o imóvel
primitivo do qual se desmembrou.
Assim como a unicidade da inscrição (transcrição) impede que o dono hipoteque
parte do imóvel a ela submetida, também impede que hipoteque um só dentre vários imóveis
perfeitamente individuados de diversas procedências, situados em locais diferentes, mas a ela
conjuntamente submetidas por erro do oficial. Não é raro que, num só título, se transmitam
vários imóveis, cada um dos quais devidamente individuado e, em conseqüência disso, o
oficial faça uma só inscrição (transcrição) mas, quando isso acontece, os imóveis assim
reunidos se fundem em um único, não podendo qualquer deles, ser distinguido do restante da
propriedade para sofrer o gravame em separado por carecer de inscrição, alusiva, como esta
é, ao conjunto adquirido. 205
Nesse caso, de dois ou mais imóveis separados, que, devido à descontinuidade de
áreas, não são suscetíveis de formar um todo único, a inscrição imobiliária não pode também
ser única, tendo de ser forçosamente múltipla, para que cada unidade territorial tenha no
registro a sinalização própria para individuá-la. Se, por erro do oficial, se lançou no livro uma
inscrição única o interessado deve requerer que seja retificada mediante o desdobramento em
tantas inscrições quantos forem os imóveis, a fim de que cada um destes ganhe
individualidade e se torne apto a receber em separado a hipoteca. Em suma, deve haver tantas
inscrições (transcrições) quantos os imóveis transmitidos no título. 206
Ao passo que, no caso figurado, foi erradamente que se fez a inscrição única, quando
deveria ser evidentemente plural, nos casos comuns a inscrição única se faz corretamente,
mas vem a originar mais tarde a inscrição plural em conseqüência de mutações jurídico-reais
concernentes ao imóvel primitivo. Essas mutações prendem-se à divisão real do imóvel, que,
secionando-o em mais de um, traz a necessidade da especialização de cada qual e, portanto,
da inscrição plural.
Na verdade, a necessidade de especialização é recorrente, porque, satisfeita no título
de um imóvel, reaparece toda vez que esse imóvel é dividido. Então torna-se preciso
substituir a especialização única do imóvel pela especialização plural dos imóveis que dele
resultaram. Via de regra ela se aperfeiçoa ao pluralizar-se, porque, ao contrário do que
comumente acontece no título originário, ela passa a ser feita por engenheiros e agrimensores
nos títulos derivados. A operação física da divisão não se apresenta sempre sob o mesmo

205 Hélio Benício de Paiva, Parecer à Agência do Banco do Brasil de ituiutaba, de 27.10.1962, sobre
oferecimento de parte de imóvel em garantia hipotecária, registro imobiliário único e registro imobiliário plural.
206 Ac. do Cons. Sup. de Magist. do T.J. de SP de 9.8.1955, in: Rev. dos Trib., v. 242, p. 243; cf. Rev. dos
Trib., v. 279, p. 552 e v. 286, p. 489.
nome, pois entre nós assume modalidades jurídicas que se distinguem: a) divisão,
propriamente dita, de um imóvel entre co-herdeiros ou co-proprietários para a concretização
das respectivas partes ideais; b) desmembramento de um imóvel pertencente a um só
proprietário para destaque de partes ou lotes em zona urbana ou rural: c) loteamento de um
imóvel pertencente a um só proprietário, ou a mais de um, para destaque de lotes em zona
urbana ou rural. Ao contrário da primeira operação que visa à determinação da parte de cada
herdeiro ou condômino, a segunda e a terceira tendem, com o destaque, à transmissão,
prevista ou eventual, de partes ou lotes (venda, hipoteca, etc.), raramente a outro fim.
A lei do parcelamento do solo urbano, Lei n.º 5.766, de 1979, distingue dois modos de
realizá-lo, o desmembramento e o loteamento, ambos destinados à edificação,
diferençando-os conforme a operação se dê dentro do sistema viário da cidade ou fora dele
(art. 2.º). Ao mesmo tempo que adota esse critério distintivo tópico, ligados à situação da
gleba, deixa livre aos interessados a escolha tanto da oferta pública ou particular dos lotes
como da forma de pagamento do seu preço, porque, ao contrário da lei antiga, a sua
preocupação é mais urbanística do que privatística. No entanto, importa advertir que a lei
disciplina ambas as operações apenas no solo urbano, ou de extensão urbana, como definida
em lei municipal, visto como no solo rural dependem de licença do INCRA e de aprovação
da Prefeitura (art. 53). 207
Assim, a lei brasileira, ao prever o desmembramento e o loteamento, permite ao dono
dividir o imóvel por ato unilateral, mas fá-lo em geral para sujeitar à venda ou à hipoteca a
parte desmembrada ou a lote. Na primeira modalidade, a operação se formaliza
registralmente por meio de "averbação" aposta à inscrição matriz do imóvel original, a que se
seguirá oportunamente a inscrição do imóvel menor dele derivado, por ocasião de ser
vendido. Na segunda, por meio da inscrição, agora do "registro" (Lei n.º 6.015, de 1973, art.,
II, n.º 5, in fine, I, n.º 19; cf. Dec. n.º 4.857, de 1939, art. 285). 208
A lei do registro alemão, abstraindo do fim que o dono possa ter em vista, faculta que
ele promova a divisão do seu imóvel, transformando-o em dois ou mais imóveis
independentes, cada qual com a sua inscrição própria do registro (§ 6.º). Titular dessa
faculdade, o dono pode, quando lhe convier, vender, hipotecar ou de outro modo onerar,
dentre os imóveis que lhe pertencem, aquele que escolher.
Ao oposto da divisão, pode dar-se a união de dois ou mais imóveis, quando, além de
confinantes, pertencem ao mesmo proprietário. A este é lícito, quer reuni-los para formar
outro de grande tamanho, destinado, por exemplo, à incorporação, quer anexar a um deles os
demais para aumentá-lo. Na duas hipóteses, tranca-se a matrícula dos imóveis adjacentes e
abre-se uma nova para o imóvel unificado, a menos que o proprietário prefira deixá-los com
a sua autonomia, cada qual com a sua matrícula própria (Lei n.º 6.015, de 1973, art. 234).
Na união de imóveis, ressurge a necessidade de especialização, porquanto a área se
torna maior e o perímetro diferente, embora a linha perimétrica se forme de segmentos das
linhas de limites primitivas. Ao requerer a unificação, o proprietário terá de descrevê-la,

207 Quando o imóvel se acha em condomínio, a inscrição do loteamento somente pode ser promovida pelo
conjunto dos co-proprietários, e não por qualquer deles separadamente; em relação à sua parte indivisa,
conforme ficou assentado pela jurisprudência ao interpretar o art. 1.º do Dec. n.º 3.079, de 1938 (LOPES, op.
cit., v. 3, n. 418, p. 55-59; MONTEIRO, Washington de Barros. Dir. das cousas. 2. ed. São Paulo, Ed. Saraiva,
1963, p. 204).
208 PONTES DE MIRANDA, Tratado de direito privado. Rio, Ed. Borsol, 1955, v. 11. § 1.237, n. 3, p. 293;
Decisão do Juiz de Registros Públicos, in: LOUREIRO, op. cit., n. 215.
extraindo dos títulos os trechos componentes, cabendo ao registrador, em caso de dúvida,
fazer a exigência da planta.
A união pode criar uma nova unidade territorial ou apenas anexar a uma delas a outra
como parte integrante. Na zona urbana, o primeiro caso dá-se com a compra de imóveis
adjacentes por empresa construtora para erguer edifício de apartamentos e o segundo com a
"investidura", ou incremento de um imóvel, imposta pela mudança de alinhamento do
logradouro. Na zona rural, o segundo caso ocorre quando um proprietário anexa ao seu
imóvel, em sucessivas compras, um ou mais imóveis vizinhos, ou glebas destes.
A precariedade da especialização dos imóveis nos títulos faz-se sentir tanto a respeito
dos limites e confrontações como a respeito da área, mas sobretudo acerca desta, porque,
ainda que os limites e confrontações mencionadas sejam exatos, a área geralmente não o é,
por ter sido meramente estimada. Essa inexatidão enseja freqüentes questões, mormente
quando os proprietários recorrem a instituições financeiras para obter empréstimos
hipotecários.
Como os empréstimos consistem em certa percentagem do valor dos imóveis, faz-se a
medição destes para a apuração do valor, aparecendo então uma área diferente da consignada
no título de propriedade. Essa diferença ora tem sinal positivo, ora negativo, isto é, o imóvel
oferecido em garantia, geralmente ao Banco do Brasil, pode ter, de acordo com a perícia
efetuada pelo Banco: a) área maior do que a mencionada no título de propriedade; b) área
menor do que a mencionada no título de propriedade.
Como se sabe, o imóvel é adquirido quase sempre como coisa certa a discriminada,
por compra ad corpus, em que a referência às dimensões é meramente enunciativa (Cód.
Civ., art. 1.136). For outro lado, é punida como estelionato a declaração falsa ou inexata
acerca da área do imóvel hipotecado e de suas características (Dec.-Lei n.º 167, de 1967, art.
21). Essas duas disposições legais embaçam às vezes a visão daquelas que regulam o
registro, a ponto de discutir-se com freqüência sobre se deve ser declarada na constituição da
hipoteca a área constante da inscrição do imóvel ou a área real verificada pela perícia do
Banco.
Ora, não pode ser declarada na constituição da hipoteca outra área a não ser a da
inscrição do imóvel. A razão está em que a inscrição do imóvel é que individualiza e fixa o
objeto sobre o qual hão de recair todos os direitos reais. Enquanto ela não for regularmente
modificado, deve prevalecer, inclusive no tocante à dimensão do imóvel sobre o qual vai
incluir a hipoteca. Do contrário, instalar-se-ia a discrepância num livro que deve primar pela
coerência, embora este, na menção de fatos, desempenhe um papel secundário, supletivo
principalmente do cadastro, de sorte que, quando enuncia uma área, impede que, esgotada
esta, se criem títulos nulos por falta de objeto, sem impedir que, pela medição, ela venha a
assumir uma grandeza numérica diferente.
Neste ponto, cumpre recordar que a inscrição somente assegura a situação jurídica do
imóvel, não a sua situação de fato, vale dizer, os dados de fato incluídos na sua descrição,
entre os quais o concernente à área. 209 Daí a possibilidade de promover-se a retificação
desta mediante vistoria administrativa, que, uma vez processada regularmente, conduzirá à

209 WOLFF, Martin. Derecho de cosas. Barcelona, Ed. Bosch. § 31, p. 155; NUSSBAUM, A. Derecho hip. al.
Madrid, ed. da Rev. de Derecho Privado, 1929. p. 43; HEDEMANN, J. W. Derechos reales. Madrid, ed. da
Rev. de Derecho Privado, 1955. § 16, p. 129; PONTES DE MIRANDA, op. cit., § 1.223, n. 4. p. 245 e § 1.224,
n. 2, p. 248; cf. § 1.222, n. 9, 243; GARCIA, op. cit., obs. preliminar. Com razão disse este: "O registro prova
os direitos, e não o modo de ser físico do objeto sobre que eles recaem. A área, limites e identificação do imóvel
é comprovada pelo cadastro, que não temos".
averbação da área efetivamente encontrada, podendo a hipoteca, após essa formalidade,
recair sobre a área real, por ter passado a ser também registral.
Basta, portanto, que o proprietário desloque a perícia do Banco para o Juízo para
conseguir por meio dela a averbação prévia da área real do imóvel, graças à qual será
possível em seguida lançá-la na escritura de hipoteca e obter a inscrição desta. Aliás, a perícia
ou vistoria de retificação torna-se agora fácil devido à existência de fotografias aéreas das
principais regiões, que facilitam o levantamento das plantas topográficas, que devem instruir
o processo a ser arquivadas no registro.
De passagem, convém lembrar que, em face da divergência da área, certos pareceres
aconselham ao Banco, na constituição da hipoteca, a optar pela área inscrita se a real for
maior, e, pela real, se a inscrita for maior, alegando que, no primeiro caso, o proprietário não
é dono da porção excedente por não se achar inscrita e no segundo não é dono da diferença .
. . por não existir corporeamente. Essa opinião contraditória tem por escopo dar cabal
segurança ao crédito do Banco, mas revela desconhecimento das normas disciplinadoras do
registro.
Não é só o Banco que manda efetuar a medição para a garantia do seu crédito, porque
o próprio dono do imóvel, sem qualquer outro fim imediato a não ser a regularização do seu
título, costuma tomar a iniciativa de promovê-la, quando percebe que o imóvel, adquirido
como corpo certo, fechado por cercas de arame, tem tamanho muito maior ou menor do que o
consignado no documento. Efetuada a medição no campo por engenheiro ou topógrafo, o
proprietário, à vista da planta e do memorial, assinados pelo profissional e por ele, requer em
seguida ao Juiz, com probabilidade de deferimento, a averbação da área exata à margem do
registro do seu título.
Esse procedimento, usado no interior do país, é demasiado confiante, pois, a rigor,
deve desdobrar-se desde o começo em Juízo, para que, com audiência de cartório do registro
de imóveis, haja a citação eventual dos proprietários confinantes e a consideração certa da
diferença de área entre o título e a medição. Atualmente, a retificação da área do imóvel no
Registro só pode ser efetivada mediante despacho judicial com audiência dos interessados
(Lei n.º 6.015, de 1973, art. 213, §§ 1.º, 2.º, e 3.º). Se a diferença exceder 20%, o chamado
vigésimo de tolerância, dentro do qual a referência à área se presume enunciativa (Cód. Civ.,
parág. único do art. 1.136), entrando,portanto, na faixa duvidosa da ação ex empto, não
poderá ser retificada sumariamente, para o fim de averbação no registro, por simples vistoria
administrativa. 210
Ao lado, pois, de casos em que as diferenças de área se situam a resolvem na esfera
administrativa, sem provocar qualquer litígio, outros emergem na vida quotidiana, em que
elas descambam para a esfera judicial, suscitando pleitos entre o disponente e o adquirente do
imóvel, dado o enunciado do art. 1.136 do Código Civil. Contudo, essas questões
contenciosas são menos numerosas do que aquelas que versam diretamente sobre
divergência de medições, só envolvendo indiretamente a área.

210 O Código Civil prevé a retificaçào do registro por iniciativa do prejudicado (art. 860). Se se referir a
direito, é claro que só poderá fazer-se mediante ação, a menos que a outra parte lhe dê a sua anuência. Se,
porém, disser respeito a fato, poderá ser promovida administrativamente. Alguns tribunais, como o da
Guanabara, estabelecem essa diferença (Ac. da 4.ª C. do T. de J. da GB, de 20.6.1963, in: Rev. dos Trib., v. 380,
p. 341), mas o de SP parece exigir a ação em um e outro caso: "os erros já existentes nos títulos e, dessa forma,
transferidos para o registro, somente por ação própria poderão ser retificados"(Ac. da 1.ª C. do T. de SP de
15.3.1966, in: Rev. dos Trib., v. 374, p. 126).
As questões de limites, em que se questiona sobre rumos ou sobre o seu apagamento,
vale dizer, sobre a direção de rumos, e não apenas sobre a extensão de rumos aceitos por
ambas as partes surgem, em regra, diretamente entre os proprietários interessados, mas
podem alçar-se também indiretamente, como acontece quando um deles promove o
loteamento do seu imóvel que o outro vem a impugnar fundado na invasão do seu pelo
perímetro descrito no memorial e representado na planta (Dec.-Lei n.º 3.079, de 1938, art.
2.º, § 3.º). Num e noutro caso, somente podem ser resolvidas por acordo com o proprietário
limítrofe, em escritura de demarcação amigável, ou por ação judicial contra ele movida para
o traçado da linha divisória controvertida (Cód. Civ, arts. 569 e 570).
Como se vê, não obstante achar-se a propriedade notavelmente saneada no Brasil,
graças à exigência da inscrição do título anterior àquele que se apresente para ser inscrito,
força é reconhecer que perduram no Registro de Imóveis numerosas questões que se
prendem, não mais à legitimidade do título, pois as aquisições a non domínio se tornaram
extremamente raras, mas tão-só à precariedade da especialização do imóvel nele descrito.
Essa especialização se faz pela menção de características e confrontações de tal modo
nebulosas, incompletas ou inexatas que tornam freqüentemente a área e os limites do imóvel
passíveis de discussão entre vizinhos.
Não se discute mais sobre a titularidade dos imóveis mas, sim, sobre a sua área, se
foram adquiridos como corpos certos, ou sobre os seus limites, o que equivale a dizer, sobre a
sua localização, a sua área, as sua confrontações. A adquiriu o seu imóvel com tapumes em
todas as linhas de divisa, mas alimenta dúvida sobre a sua área; ou então A, como dono do
imóvel a e B, dono do imóvel b, não põem em dúvida a propriedade um do outro, mas apenas
a divisa dos respectivos imóveis. Aí é que bate o ponto.
Quando o proprietário detém um imóvel adquirido com base em limites de títulos
antigos, que se definam por linhas que iam do cume de um monte ao de outro, ou
acompanhavam certo espigão, ou certo leito variável de um rio ou riacho transitório e
caprichoso, ou começavam em um varjão e terminavam em uma pedra ou "golfo" de rio, a
dúvida requer uma averiguação mais demorada. De ordinário, só se deslinda pela ação
demarcatória, em que a perícia, em face dos títulos e dos depoimentos das testemunhas,
determina em campo e figura em planta, por haver mais de um, precisamente o monte, o
espigão, o leito, o varjão, o "golfo" por onde os limites passam.
Outras vezes, e esses são os casos mais freqüentes, os limites mencionados nos títulos
e reproduzidos no Registro de Imóveis se mostram aparentemente rigorosos, pois o perímetro
do imóvel tem o ponto de partida e de chegada, com indicação de rumos e de metragem em
todas as linhas, por haverem sido tirados evidentemente de plantas levantadas por topógrafo,
mas que infelizmente quase nunca são anexadas aos documentos. No entanto, verifica-se,
numa dada ocasião, que eles divergem, em uma ou mais linhas, dos encontrados no terreno, o
que torna necessária a vistoria administrativa para resolver a dúvida.
Que causas podem originar a divergência? Algumas dessas causas provêm da
medição primitiva, merecendo referência duas de notória ocorrência. A primeira consiste na
imprecisão das medidas tomadas no campo, a qual chega a uma diferença avultada, quando
se deixa de computar uma ou mais trenadas em uma linha limítrofe. A segunda vem a ser a
omissão de uma linha na descrição do perímetro, em virtude da qual a medição não pode ser
fechada.
Ao lado dessas, outras se alçam para desfigurar a medição primitiva, quando esta foi
realmente correta, fazendo surgir uma diferença que deveras não se origina dela, mas de fatos
supervenientes, que a explicam cabalmente, ora como artificial, ora como cartorial. Na zona
urbana, a construção de muros sem meação entre terrenos vizinhos costuma fazer um deles
parecer menor e o outro maior no futuro.
Nos cartórios, o engano na tomada dos limites na lavratura do título, ou na feitura do
seu traslado ou certidão, passa sempre despercebido às partes, que nunca o corrigem, vindo
assim a repercutir na inscrição do registro. Além disso, existe sempre a possibilidade de erro
no transpor-se de um para outro livro do registro a descrição do imóvel, que constituí a parte
mais longa da escritura e mais exposta ao risco de enganos na metragem das linhas e na
emunciação dos graus, minutos e segundos do rumo dessas linhas.
Na leitura dessa parte enfadonha do título ou do registro, nada mais fácil do que trocar
nordeste por nordeste, sudeste por sudoeste, leste por oeste e vice-versa, ou omitir uma linha
de divisa, ou tomar a metragem de uma linha de divisa pela de outra, ou saltar o nome de
confrontante, sobretudo quando a repetição é ditada por uma pessoa a outra. Se ao título
estivesse anexa a planta, a mais rápida inspeção visual desta sob a orientação da linha
norte-sul bastaria para evitar todos os equívocos. Como se vê, a exigência da planta constitui
necessidade premente para resolver o problema que mais perturba o funcionamento do
Registro de Imóveis.
É de toda conveniência, pois, que a apresentação da planta se antecipe à implantação
do cadastro, a fim de prevenir ou dirimir questões administrativas em torno da especialização
do imóvel, com considerável economia de numerário e de tempo para as partes que nelas são
presentemente envolvidas. Por essa maneira as questões serão cortadas pela raiz, deixando de
vicejar, como atualmente, em exigências e dúvidas dos oficiais do Registro de Imóveis, as
quais terminam invariavelmente em vistorias, cujas prática, embora necessária, impõe
dispêndios maiores às partes, que, por isso, se inclinam sempre a considerá-las abusivas. Tão
freqüentes e numerosas são essas vistorias, chamadas de metragem, que na Vara de Registro
Públicos do Rio de Janeiro já existe, para os quesitos do Ministério Público, um formulário
impresso, que desfecha num pedido, cujo atendimento prévio teria dispensado a custosa
diligência, a do croquis do imóvel. Esse formulário traz os seguintes dizeres:
Vara de Registros Públicos

Laudo de vistoria

Requerente...............................................................................................................................

Imóvel......................................................................................................................................

Quesitos do Ministério Público

1.º — Queira o Sr. Perito indicar a freguesia, a rua e o número do prédio vistoriado ou,
se se trata de terreno, se este fica do lado par ou ímpar do logradouro, e a que distância
métrica do prédio da esquina mais próxima.

2.º — Queira indicar as medidas do seu contorno, a sua área aproximada, a sua
configuração, os seus demais característicos e as suas confrontações, esclarecendo se prédios
ou terreno, bem como os nomes dos respectivos proprietários confrontantes.
3.º — Queira dizer se está demarcado em seu contorno, indicando a natureza das
obras demarcatórias, quais os proprietários dessas obras, seu estado de conservação e, se
possível, a época provável da sua construção

4.º — Queira apontar as divergências, inclusive nas áreas, entre o verificado pela
perícia e os documentos juntos, esclarecendo a que podem ser atribuídos. Com as novas
características há, ou pode haver, invasão dos imóveis lindeiros ou prejuízos para terceiros.

5.º — Queira prestar quaisquer outros informes que entender úteis ao esclarecimento
do Juízo, levando em consideração as peculiaridades que a hipótese apresentar.

6.º — Queira oferecer um croquis do imóvel.

O laudo pericial, em resposta ao quarto quesito, geralmente insere um quadro


comparativo das medidas dos documentos e da vistoria, com as diferenças, atribuindo estas à
imprecisão das primeiras. Está claro que, enquanto não se instalar o cadastro, o Registro de
Imóveis continuará perturbado por essas chamadas questões de metragem, que dão lugar a
vistorias administrativas, as quais, ainda que não desfechem em demanda, custam
evidentemente mais do que o levantamento de uma planta com apoio em mosaico
aerofotográfico. Não se gasta com o cadastro que é caro, mas se gasta muito mais com a
vistoria, que é consideravelmente mais cara.
Tanto isso é certo que onde existe cadastro local bem organizado e conseqüentemente
a praxe de anexar plantas aos títulos, como em Petrópolis, raramente surge um processo de
dúvida no Registro de Imóveis. Ao perguntar ao oficial de um dos cartórios locais quantas
dúvidas, em média, se levantavam por ano, obtive como resposta que em quinze anos de
funcionamento do cartório não surgira nenhuma!
A aplicação do princípio de especialidade às dividas não oferece a mesma
dificuldade. Se a dívida tem um valor fixo, bastará a menção desse valor extraído do título; se
não o tem, é preciso apenas que esse valor seja estimado no título para daí ser levado à
inscrição. Em suma, quando falta a fixação, é ela suprida pela estimação. Essa alternativa é
aberta pela própria lei civil (Cód. Civ., art. 761, I). De uma ou de outra maneira, a Lei
Registral a reclama com os demais dados completivos da especialização (Lei n.º 6.015, de
1973, art. 167, III, n.º 5; arts. 230, 241 e 242).
A estimação cabe quando se trata de garantir hipotecariamente obrigações de valor
variável, dívidas eventuais, como aberturas de crédito, cujo máximo se torna necessário
conhecer, ou dívidas cujo objeto não seja uma quantia em dinheiro. Dessas duas espécies, a
primeira é que tem importância prática, devido à freqüência dos contratos de abertura de
crédito por instituições financeiras que possuem carteiras de empréstimos hipotecários.
A determinação prévia da dívida não só permite ao devedor conhecer o montante
exato pelo qual responde, como habilita qualquer financiador a avaliar de antemão que parte
do valor do imóvel se acha já absorvida por gravames anteriores, a fim de decidir se pode ou
não abrir crédito ao proprietário. Embora não haja correlação entre o valor da dívida e do
imóvel, podendo o primeiro ser maior ou menor que o segundo, o normal é ser o valor da
dívida menor que o do imóvel, o que deixa uma margem para que este sirva para garantir
mais uma ou duas dívidas mediante hipotecas posteriores.
Do mesmo modo que o valor da dívida, o valor do imóvel deve constar também da
inscrição, extraído, como o outro, do título. Além de facultada no artigo 818, a avaliação
contratual do imóvel é exigida no artigo 846, II, do Código Civil, mas a sua falta não importa
em nulidade, porque pode ser suprida pela avaliação judicial. Devido, porém, à demora e às
despesas que esta acarreta, na quase totalidade dos títulos o valor do imóvel faz parelha com
o valor da dívida.
Assim, a dívida é sempre determinada no título e declarada na inscrição, o que, de um
lado, lhe imprime o atributo de liquidez indispensável à sua imediata execução e, de outro,
faculta a outros credores saber por que soma exatamente responde o imóvel. Daí não poder o
valor da dívida focar exposto a flutuações decorrentes de quaisquer estipulações das partes
no contrato hipotecário, notadamente a aumentos ou acréscimos que, além de dependerem de
averiguações, tornariam indeterminado o montante pelo qual responde o imóvel.
A abertura do crédito, a que se aludiu, sempre determina o montante do seu limite,
vale dizer, o valor da dívida, embora este venha a ser atingido em virtude de sucessivos
saques do creditado, que, adicionando-se uns aos outros, acabam totalizando aquele valor.
Esses saques do creditado, ou prestações do creditador, não constituem dívidas separadas,
mas parcelas integrantes de uma única dívida, que afinal se tornará exigível em globo.
Se essas prestações encadeadas constituíssem dívidas separadas, vale dizer, aumentos
da primeira dívida contraída com o mesmo credor, exigiram tantas hipotecas quantas fossem
elas, o que complicaria e encareceria a operação do empréstimo. A dívida única pela qual
responde o imóvel é o crédito máximo o qual pode não ser atingido, mas jamais deve ser
ultrapassado.
Embora a quantia total a ser sacada não seja previsível exatamente, não poderá a
escritura do contrato hipotecário deixar de estimá-la, de cravar o marco do seu máximo, sem
jamais usar da expressão "mais ou menos", que a tornaria indeterminada. Aliás, nos contratos
hipotecários comuns, resultantes de aberturas de crédito feitas por instituições financeiras
para o fim de construção, esse máximo só aparentemente é facultado, porque, na realidade, o
seu uso se torna forçoso, uma vez que as prestações do creditador são entregues ao creditado
de acordo com um cronograma de andamentos das obras, em que elas acompanham pari
passu a execução de sucessivas etapas, fiscalizada pelo creditador.
A taxa de juros da dívida deve também ser fixada para atender ao princípio de
especialidade, que não se coaduna com uma taxa variável ou incerta. Neste tanto, também
não é admissível mencionar a taxa, seguida da expressão "mais ou menos" ou antecedida da
expressão "da ordem de", porquanto essa indeterminação repercutiria no valor da dívida, que
deixaria de ser claro para o devedor e para terceiros. Conquanto a cláusula de juros possa
existir ou deixar de existir em contrato hipotecário ou anticrédito (Cód. Civ., art. 761, III),
verificada a primeira hipótese, que aliás é obviamente a comum, importa que a taxa seja
determinada. 211
Assim, a dívida que, por constar de título probatório bastante, deve ser havida como
certa, também se torna líquida, graças a essa definição pecuniária quantitativa, ficando assim
apta a ter execução imediata, que constitui uma das vantagens do direito hipotecário. É o
duplo atributo de "certeza e liquidez", certeza decorrente da legitimidade da sua origem e
liquidez derivada da determinação do seu quantum, que lhe assegura essa valiosa aptidão.
Em suma, a dívida ganha foros de "certa e líquida", expressão que merece tomar o lugar da
usual "líquida e certa", uma vez que esta inverte a ordem natural das coisas, como, mais
preciso neste ponto do que o Código Civil (art. 1.533), reconheceu o Código Tributário

211 LOPES, op. cit., v.2. n. 273, p. 219 et seq.


Nacional, ao aludir à "certeza e liquidez" da dívida fiscal inscrita (art. 204). A certeza não
implica a liquidez, mas esta implica aquela. 212

212 ALMEIDA, Lacerda de. Obrigações. Rio, ed. da Liv. Jacinto, 1897. 79; MENDONÇA, J. X. Carvalho de.
Tratado de direito comparado. Ed. Freitas Bastos, 1960. v. 6, n. 510; FAGUNDES, Seabra. Controle dos atos
administrativos. N. 117; BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. Rio, Forense. p. 560.
CAPÍTULO 12

PRINCÍPIO DE LEGALIDADE

1. Significado do princípio. Necessidade do exame prévio


da legalidade do título.

2. Risco do intervalo entre a prenotação e a inscrição do título.

3. Alcance do exame da legalidade.

4. Títulos registráveis e não registráveis.

5. Identidade das partes e do imóvel. Oneração e condicionamento.

6. Quitação de tributos. Roteiro para o exame da legalidade.

A exemplo do Direito Alemão, o Direito Brasileiro adota o princípio de legalidade ou


legitimidade, em virtude do qual a validade da inscrição depende da validade do negócio
jurídico que lhe dá origem e da faculdade de disposição do alienante. Ao passo que o Direito
Alemão, porém, põe esse negócio jurídico na figura artificial de um acordo jurídico-real
abstrato, por força do qual as partes, perante a autoridade, meramente dão o seu
consentimento à inscrição, o Direito Brasileiro o situa na figura do acordo
jurídico-obrigacional, em que as partes dão o seu consentimento a todas as estipulações entre
elas ajustadas.
Sem dúvida, o Direito Brasileiro revela-se, neste ponto, superior ao alemão, que, por
amor da pureza do registro, desliga deste o ato jurídico causal de transmissão, temeroso dos
seus vícios, dando como sucedâneo, para esse fim, um acordo jurídico-real para efetuá-la.
Esse desligamento é criticado por seu desnecessário artificialismo, já que ocasiona a criação
de um negócio jurídico abstrato para obter a segurança do intercâmbio imobiliário quando
esta se pode conseguir pela proteção do terceiro adquirente de boa-fé sem desnaturar o ato
transmissivo.
Seja qual for a forma ocorrente do consentimento a do acordo abstrato ou a do acordo
causal, a inscrição, tanto em relação às partes como em relação a terceiros, não tem a virtude
de limpar o título que lhe dá origem, sanando os vícios jurídico-materiais que o inquinam,
nem a de suprir a faculdade de disposição. A inscrição não passa uma esponja no passado,
não torna líquido o domínio ou outro qualquer direito real.
Embora tenha efeito constitutivo, não o tem saneador, precisamente porque ocupa o
lugar da tradição em virtude da qual o alienante não transmite senão o direito que lhe assista,
pelo que, se nenhum lhe assiste, nenhum transmite. Assim, quem quer que, fiado na
inscrição, adquire a propriedade ou outro qualquer direito real, está exposto ao risco de ver
contestada a sua aquisição, se o alienante inscrito no registro não era o verdadeiro titular: a
aparência registral é sobrepujada pela realidade jurídica.
Não adianta ao titular inscrito a presunção criada em seu benefício pelo artigo 859 do
Código Civil, a não ser para deslocar para o verdadeiro titular o ônus da prova, porquanto
essa presunção, como qualquer outra, cede à prova contrária. A fim de dar ao verdadeiro
titular, prejudicado por uma inscrição inexata, um meio de provar o seu direito e tomar o
lugar que o titular aparente lhe usurpa, é que existe a ação de retificação de registro, prevista
no artigo 860 do Código Civil.
Diante dessa contigência, cumpre interpor entre o título e a inscrição um mecanismo
que assegure, tanto quanto possível, a correspondência entre a titularidade presuntiva e a
titularidade verdadeira, entre a situação registral e a situação jurídica, a bem da estabilidade
dos negócios imobiliários. Esse mecanismo há de funcionar como um filtro que, à entrada do
registro, impeça a passagem de títulos que rompam a malha da lei, quer porque o disponente
careça da faculdade de dispor, quer porque a disposição esteja carregada de vícios ostensivos.
O exame prévio da legalidade dos títulos é que visa a estabelecer a correspondência
constante entre a situação jurídica e a situação registral, de modo que o público possa confiar
plenamente no registro. Esse exame é determinado pelo Código Civil, em dispositivo que, ao
invés de se situar na seção genérica do Registro de imóveis, se situa na seção específica da
inscrição da hipoteca, quebrando assim a lógica da classificação (art. 834). A nova Lei dos
Registros Públicos não repete, como o antigo regulamento, a determinação do exame da
legalidade dos títulos, mas evidentemente o subentende, quando dispõe sobre a exigência do
registrador e o processo de dúvida, que somente hão de visar à regularização dos títulos (cf.
Dec. n.º 4.857, de 1939, art. 215). 213
Se bem que, para atender ao princípio de legalidade, seja indispensável o exame dos
títulos, ele constitui atualmente um garga do Registro de Imóveis, porque nem o interessado
lhes conhece exatamente os requisitos, nem o registrador pode aferi-los de pronto para
afirmar ou negar que estão satisfeitos. O estudo do contexto dos documentos consume longo
tempo no cartório, onde o serventuário, em retrospecto mental e em inspeção ocular,
recapitulou uma a uma, as possíveis irregularidades para embargá-las, visto como o livre
trânsito delas envolve a sua responsabilidade civil. Enquanto isso, dilata-se cada vez mais o
intervalo que se abre e entre a celebração do negócio e a sua completa legalização.
Além de outros percalços que a espera possa acarretar às partes, esse intervalo entre o
título causal e a inscrição ocasiona, ás vezes, no adquirente ou credor o receio de que a
obrigação pessoal assumida pelo vendedor ou devedor deixe de converter-se no direito real.
Nesse ínterim, o vendedor ou devedor conserva a propriedade do imóvel e pode vendê-lo ou
grava-lo de novo, tornando-se difícil em grande cidade, com numerosos notários, evitar a
dupla venda ou a dupla hipoteca.
Foi esse risco, inerente a todo o sistema que separa a transmissão imobiliária em duas
fases, a primeira, da obrigação de transmitir, constante do título causal, a segunda, da sua
concretização em direito real, emergente da inscrição, que fez surgir a prática de inserir nos
contratos de compra e venda e de mútuo hipotecário a cláusula de ficar retida a prestação do
preço ou de empréstimo até que se haja efetuado a inscrição. Essa prática de pagamento

213 A principal crítica que se faz ao moderno sistema francês de publicidade fundiária está em que, apesar de
haver dado a esta uma grande extensão, não lhe trouxe uma utilidade correspondente, devido a falta de controle
prévio dos títulos publicados. Após a reforma, o "conservador continua a abster-se de apreciar a capacidade das
partes e a validade do títulos que publica, pelo que a sua informação a terceiros corre o risco de ser inexata e de
enganar os que se fiam nela. Conforme la já se advertir "une bonne information suppose un contrôle, comme
dans le systême de livre foncier". HENRI; LEON; MAZEAUD, Jean. Leçons de droit civil. 3. ed. Paris. Ed.
Montchrestien. t. 3. n. 658, p. 556, cf. René Savatier, cit.
contra a inscrição, de que se valem sobretudo as instituições financeiras especializadas em
empréstimos hipotecários, revela-se deveras extorsiva em algumas delas, que, em contratos
de abertura de crédito garantido, cobram do mutuário, além de comissões e taxas, os juros do
dinheiro a partir, não do desembolso, mas da data do contrato!
A fase de transição tende a encurtar doravante com a obrigatoriedade de serem os
títulos notariais e judiciais passados à vista de certidão do registro imobiliário, a original da
matrícula ou outra atualizada (art. 225 in fine). Com isso espera-se que o contexto dos
documentos apareça senão escorreito pelo menos escoimado de dados discordantes dos
registros, causadores de exigências de re-ratificação, que tanto prolongam o entreato do
exame da legalidade.
Conquanto nesse lance a certidão seja exigida para pautar o feitio do novo título,
como em outro o é para o da matrícula ( artigo 229), nada impede ampliar-lhe o préstimo,
marcando-lhe, se não for a contemporânea da matrícula, um prazo de vigência, dentro do
qual, para a proteção da boa-fé dos negócios, não se expedirá outra sem que dela conste a
expedição da anterior, para o que será esta lançada em averbação na folha do imóvel.
Essa providência importa em deixar no livro um aviso ou advertência da
possibilidade de se estar formando, com base em certidão adrede extraída, um título
antagônico daquele que eventual interessado pretenda adquirir. Se fim não é nem barrar o
ingresso de qualquer título, nem tampouco ameaçá-lo, como a inscrição preventiva, mas
apenas ensejar uma precaução aconselhável em todo estado de pendência.
A fim de levar mais longe a diminuição dos inconvenientes e abusos a que se presta
esse estado de pendência, decorrente do secionamento jurídico do negócio, importa reduzir
ao mínimo o intervalo entre o título causal e a inscrição. Esse resultado pode ser felizmente
conseguido sem prejuízo da segurança do direito, antes com reforçamento desta, desde que se
predisponha a forma de execução do exame da legalidade para satisfazer ao que dele se
espera.
O alcance do exame da legalidade do título não foi ainda determinado especialmente
por lei, cujo texto se limita a prevenir que, quando o oficial tiver dúvida sobre a legalidade da
inscrição requerida, declará-lo-á por escrito ao requerente, depois de mencionar, em forma de
prenotação, o pedido no respectivo livro (Cód. Civ., art. 834). A concisão do texto deixa em
suspenso a questão de saber até onde deve ser levado o exame da legalidade, mas é evidente
que este não pode ser tão amplo que abranja todos e quaisquer defeitos que o oficial
considere inquinar o título, pois isso importaria em investi-lo de ambas as jurisdições, a
voluntária e a contenciosa.
Antes de tudo, convém advertir que o exame deve restringir-se ao título propriamente
imobiliário, pois é possível que, num só documento, se reúnam matérias diferentes, sujeitas à
apreciação de órgãos diversos, caso em que importará deixar de parte a matéria já decidida
por um deles para atentar apenas na pertinente ao outro, quando este for o Registro de
Imóveis. Se o exame remontar a assunto sobre o qual já se pronunciou o órgão competente,
em vez de ater-se ao que diga respeito à aquisição ou transmissão dos imóveis, certamente
envolverá uma usurpação de atribuições e a dúvida que se levantar com apoio nele poderá ser
impugnada por incompetência do Registro de Imóveis ratione materiac.
Essa situação pode ser exemplificada sem sair do campo dos registros públicos, sobre
os quais compete à União legislar (Const. do Brasil, de 1969, art. 8.º, XVII, "e"). De acordo
com essa cláusula constitucional, as leis federais regulam os diferentes registros,
caracterizando a competência de cada um deles tanto pela matéria como pelos limites
territoriais. 214 À semelhança dos demais, o Registro de Imóveis possui, pois, atribuições
duplamente circunscritas, já que o são, não só pelo território onde se exercem, como pela
matéria sobre que versam.
Ao exercer-se dentro do seu círculo próprio, a atividade do Registro de Imóveis
pressupõe, contudo, a de outro Registro, do qual recebe a atestação da existência ou
inexistência das pessoas disponentes ou adquirentes dos direitos. Ao passo que a existência
ou inexistência das pessoas físicas não é, em princípio, questionável, a das pessoas jurídicas
pode sê-lo, visto como a sua personificação ou despersonificação resulta de uma seqüência
de documentos e trâmites formalísticos exigidos pelo Estado. A criação e a dissolução da
pessoa jurídica obedecem ambas a um processo disciplinado por lei, cuja regularidade
constitui objeto de exame e eventualmente de dúvida do encarregado do respectivo registro,
notadamente do Registro Civil de Pessoas Jurídicas e do Registro do Comércio (Lei n.º
6.015, de 1973, art. 115; cf. Dec. n.º 4.857, de 1939, art. 164; Dec.-Lei n.º 9.085, de 1946; 215
Decreto-Lei n.º 2.627, de 1940, art. 53 e § 3.º; Lei n.º 4.726, de 1965, arts. 38 e 40, n.º III).
A despeito desse exame de legalidade efetuado por outro Registro, bem como da
certidão por ele expedida da existência ou da dissolução da pessoa jurídica, uma noção
exacerbada ou, pelo menos, inadvertida do alcance do exame da legalidade do Registro de
Imóveis pode levá-lo a reabrir a questão quando, num único documento, houver, por
exemplo, a dissolução da pessoa jurídica e a transmissão simultânea dos seus imóveis. Se
assim proceder, cometerá uma usurpação e estabelecerá o tumulto entre os registros públicos,
com a conseqüente instabilidade dos direitos e intranqüilidade das partes.
Haja vista a apresentação ao Registro de Imóveis de uma escritura pública de
dissolução e liquidação de sociedade anônima, em que concomitantemente se transmitem a
um ou mais sócios remanescentes imóveis localizados em diferentes municípios, às vezes de
mais de um Estado. Desde que essa escritura seja acompanhada de certidão do seu
arquivamento no Registro do Comércio da sede da sociedade, não pode o Registro de
Imóveis ao qual foi apresentada para a transferência de certo imóvel para o nome do sócio ou
sócios remanescentes recusar fé à certidão instrutiva e, no exame do título, levantar dúvida
sobre a legalidade do processo de liquidação: esta é para ele uma questão preclusa.
No pressuposto da legalidade da dissolução e extinção da sociedade anônima,
cumpre-lhe examinar apenas a legalidade da transmissão propriamente dita, indagando se o
transmitente tem o domínio do imóvel, se este se acha especializado pela menção dos limites
e confrontações, se está ou não onerado, e assim por diante. Do contrário, cria o risco de
suscitar conflitos de difícil solução entre autoridades administrativas e judiciárias, como
ocorreu com uma escritura de liquidação de sociedade anônima, cumulada com transferência
de imóveis ao sócio supérstite, que, após o seu arquivamento normal no Registro do
Comércio de São Paulo, obteve as conseqüentes transcrições nos cartórios do Registro de
Imóveis de São Paulo e de Santos, mas não logrou obtê-las no cartório do Registro de
Imóveis de Nova Iguaçu, que levantou dúvida sobre o anterior processo de liquidação, apesar
do mandamento adverso da própria lei de sociedade anônima (Dec.-Lei n.º 2.627, de 1940,
art. 54, parág. único).
Conforme forem as circunstâncias, ensejar-se-á o conflito de atribuições entre a
autoridade judiciária que, apoiando a dúvida do oficial, assumo o controle da legalidade da
criação ou da extinção da sociedade anônima, e a autoridade administrativa da Junta

214 LOPES, Serpa. Registros públicos. v. 1, n. 30, p. 81.


215 LOPES , op. cit., v. 2.
Comercial, a que a lei confiou expressamente esse controle. Tratando-se de conflito entre a
autoridade judiciária de um Estado e a autoridade administrativa de Estado diverso, só
poderá ser dirimido pelo Supremo Tribunal Federal, único órgão que tem jurisdição sobre
todas as autoridades em conflito. (Const. do Brasil, de 1969, art. 119, n.º I, letra f: Cód. de
Proc. Civ., art. 124).
Com esse tipo de título ambivalente não se confunde o tipo do título complexo, isto é,
composto de várias partes, todas abrangentes de matéria imobiliária, com os memoriais de
incorporação e de loteamento. Embora estes não dêem ingresso imediato e direitos reais no
livro de inscrição, servem para predispor esse ingresso, pelo que há de ser examinado em
todas as partes componentes, pois para esse fim são submetidos previamente à censura do
cartório. Assim, não escapam dessa censura, as diferentes cláusulas das condições de
condomínio.
Na falta de disposição especial de lei, prevalecem, para regular o alcance do exame,
as disposições gerais que vigem para o juiz, a quem o oficial é subordinado, quando tem de
pronunciar-se sobre um ato jurídico que apresente vício que o impeça de produzir o efeito
correspondente ao seu conteúdo. Essas disposições são as que permitem proclamar de ofício,
na esfera administrativa, as nulidades de pleno direito do ato, que não podem ser supridas,
mas, por outro lado, vedam reconhecer de ofício as anulabilidades, que exigem, na esfera
contenciosa, processo regular e sentença (Cód. Civ., arts. 146 e 152).
É incontestável, portanto, que, por ser a nulidade um efeito que se produz ipso jure,
em decorrência apenas da existência do vício, o registrador ao examinar o título, em processo
semelhante ao de jurisdição voluntária, deve levá-la em conta para opor a "dúvida" tendente a
vetar a inscrição requerida. A regra dominante nesse assunto, no nosso direito como em
qualquer outro, é a de que o funcionário público deve negar sua colaboração em negócios
manifestamente nulos, inclusive abster-se de fazer inscrições nos registros públicos. 216
Diante disso, uma forte corrente de opinião, em resposta à questão de saber até onde
pode ir o registrador no exame da legalidade, pensa que ele deve ater-se às nulidades de pleno
direito, que são pronunciáveis de ofício, sem se estender às anulabilidades. 217 Essa
corrente encontra apoio em vários julgados que igualmente sustentam não poder o exame da
legalidade estender-se às anulabilidades, que, destituídas de interesse público, somente são
invocáveis pelos interessados, em impugnação contenciosa ao ato por elas viciado.
Todavia, outra corrente de opinião entende que essa linha de separação da
competência do registrador não condiz com a finalidade do registro, que é imprimir
segurança aos direitos reais, pois permite que se aninhem nele germes de futuras demandas,
que podiam ser perfeitamente combatidos, a fim de que a situação registral espelhasse
sempre fielmente a situação jurídica. Daí preconizar que o exame da legalidade do título
chegue até as anulabilidades, desde que estas se originem de um vício visível, ostensivo na
face do instrumento, como a incapacidade das partes ou defeito, extrínseco do ato, só não
atingido o vício invisível ou subjetivo, oculto na vontade das partes, como erro, dolo,
simulação ou fraude, visto como este depende de ser prescrutado e provado em ação própria,
evento incerto, que não deve prejudicar a inscrição. 218
216 VON THUR. Teoria geral. Buenos Aires, Ed. Depalma, 1947. v. 3, § 56, p. 310- 311.
217 FULGÊNCIO, Tito. Hipoteca. São Paulo, Ed. Saraiva & Cia., 1928. p. 322; SANTOS, Carvalho. Cód. Civ.
int. 9. ed Ed. Freitas Bastos. p. 453; Pontes de Miranda. Tratado de direito privado. Rio, Ed. Borsol. v. 11, §
1.233, p. 279.
218 AZEVEDO, Filadelfo. Registro de imóveis. Valor da transcrição. Rio. cd. da Liv. Jacinto, 1942, n. 35. p. 53;
LOPES, op. cit., v. 2. n. 339-348. p. 347 et seq.
A rigor, a primeira doutrina parece atualmente a acertada, embora, de lege ferenda, a
segunda lhe seja preferível, por ser mais consentânea com a finalidade registral de segurança.
Para marcar, porém, essa preferência, torna-se mister o advento de uma disposição especial
de lei, que excepcione as do Código Civil, embora a doutrina exceptiva já predomine na
rotina dos cartórios das grandes cidades, sem oposição de monta, o que facilmente se
compreende pelo desejo, que normalmente têm as partes, de ver os seus negócios plenamente
regularizados.
De acordo, pois, com a doutrina dominante na prática dos cartórios, onde o costume
está inegavelmente fazendo lei, o exame da legalidade dos títulos e, por conseguinte, o
levantamento das dúvidas deve ultrapassar as nulidades para alcançar as anulabilidades
ostensivas. Neste particular, sem a menor discrepância, vigora por toda parte a regra
costumeira traduzida, em termos precisos, pelo tribunal mineiro, segundo a qual "o oficial
pode levantar toda e qualquer dúvida, quer com relação às formalidades externas; quer
internas, do título, desde que deste, única e exclusivamente, ela provenha". 219
Assim, o título que, no nosso direito, tem tanto o sentido causal, de causa ou
fundamento do direito (negotium), como o sentido documental, de escrito ou instrumento
probatório do direito (instrumentum) 220 há-de ser examinado em um e outro sentido,
conquanto o exame se atenha ao que aparece na sua face. De um lado, observar-se-á se nesta
algum dos elementos da relação jurídica se apresenta desfigurado e, de outro, se qualquer dos
requisitos da sua exteriorização formal se mostra claudicante ou falho. Particularizando,
examina-se a venda e examina-se a escritura.
O exame da legalidade do título recaí, portanto, quer sobre o aspecto da sua aptidão
para mudar o direito real, inclusive o seu relacionamento com o registro, quer sobre o aspecto
da idoneidade da sua forma extrínseca. Como a legalidade é aferida em vista tão-somente do
que o título mostra em sua face, a passagem pelo exame não impede que às vezes ele se
revele mais tarde um sepulero caiado devido à presença de vícios internos, invisíveis ou
imperceptíveis à simples inspeção ou leitura do documento.
O capítulo da nova lei do registro concernente aos títulos começa por um artigo,
segundo o qual "somente" serão admitidos os títulos que enumera (art. 221). Esse enunciado
é inexato, porque faltam na enumeração os títulos transmissivos emanados do poder público,
que tem as suas formas próprias de transferência de imóveis (títulos de terras devolutas etc.).
221 Aliás, nas disposições finais, a lei alude a um deles quando determina que, na
constituição de sociedades mistas ou de empresas públicas, se acolha no registro o

219 Ac. do T. de A. de MG, de 16.3.1932. In: Rev. For., v. 58, p. 406.


220 NUNES, Pedro. Dicionário da tecnologia jurídica. Rio, Ed. Freitas Bastos, p. 437; NAUFEL, José, Novo
dicionário jurídico brasileiro 2. ed. Rio. Ed. José Konfino. p. 34/7. No direto anglo-saxônio, o significado do
termo se restringe a causa ou fundamento do direito de propriedade da terra, empregando-se a expressão
tille-deed para designar o documento (OSBORN. Law dictionary. London, Ed. Sweet and maxwell ltd. 1947.
BLACK'S. Law dictionary. St. Paul, West Publishing Co., 1951).
221 Embora a lei dos registros públicos os omita, essas formas são válidas para transferência de bens do
domínio público ao particular, independentemente de escritura pública, conforme sustentou convincentemente
Daniel de Carvalho ( Pareceres, Belo Horizonte, 1919, p. 137), cuja tese vim a secundar em trabalho posterior
(CARVALHO, Afrânio de. Arrendamento, posse e detenção de terrenos municipais. Rio, ed. da Tip. Jornal do
Comercio, 1934. p. 66-67). A tese foi sufragada pela jurisprudência mineira e reconhecida expressamente pelo
Decreto do Governo Provisório n.º 19.924, de 27.4.1931, decreto esse que passou despercebido a Temístocles
Cavalcanti quando recapitulou a discussão do assunto e opinou no mesmo sentido (Dir. Adm., v.5, p. 176 et seq.
e p. 216).
instrumento de incorporação ou transferência do imóvel pelo poder público "em cópia
autêntica ou exemplar do órgão oficial no qual aquele foi publicado" (art. 291).
Abstraindo dos raros títulos provenientes de países estrangeiros, a enumeração
contempla três categorias de títulos que buscam comumente ingresso no registro, os quais
podem ser prenotados no protocolo por sua denominação instrumental, embora devam ser
referidos depois no livro de inscrição pela designação causal ou jurídica do seu conteúdo: a)
escrituras públicas lavradas em livros de tabeliães e transladadas ou certificadas em avulso
para o fim do registro; b) escrituras particulares passadas pelas partes, manuscritas,
datilografadas ou parcialmente impressas, tiradas em um ou mais exemplares para o fim do
registro; c) cartas de sentença (de arrematação, de adjudicação, de partilha etc.), extraídas de
autos judiciais por serventuários da justiça, em um exemplar único.
A escritura pública é exigida pelo Código Civil nos contratos constitutivos ou
translativos de direitos reais sobre imóveis de valor superior a dez cruzeiros (Cód. Civ., art.
134, II, alterado pela Lei n.º 1.768, de 1952, e acrescido pela Lei n.º 6.952, de 1981). O
Código omitia os requisitos da escritura pública, os quais eram supridos pelas Ordenações do
Reino e por provimentos de corregedorias de justiça, mas a Lei n.º 6.952, de 1981, preencheu
a lacuna. Essa forma especial de transferência e oneração de imóveis dominou
soberanamente durante várias décadas após o advento do Código Civil, a ponto de vir a
associar-se intimamente à idéia de qualquer negócio imobiliário na convição popular.
Se bem que o Código Civil faculte a escritura particular nos contratos de valor
inferior ao limite fixado, este foi colocado tão baixo, que quase nunca a faixa descendente
chegou a apanhar negócios imobiliários, frustrando-se cada vez mais a utilização da
faculdade, à medida que a moeda se desvalorizava. A escritura particular só foi deveras
projetadas na realidade pela lei do loteamento, quando admitiu, nas promessas de venda de
lotes, o contrato-tipo particular, duplamente fortalecido com os atributos de registrabilidade e
de executoriedade, contrato esse mantido depois pela lei do parcelamento do solo urbano
(Dec.-Lei n.º 58, de 1937, arts. 1.º, n.º III, 5.º, § 1º, e 16; Lei n.º 6.677, de 1979, arts 18, VI e
26).
Essa iniciativa, restrita a certo setor imobiliário, para o qual se criou um regime
especial, deixou de pé a conveniência de generalizar o emprego da escritura particular,
sobretudo para facilitar a aquisição de imóveis a um círculo maior de pessoas de baixa renda,
como me pareceu acertado propor, dentro de limites dados, no Projeto de Lei Agrária. 222
A proposta não vingou por não ter ido avante o projeto, mas foi aproveitada, aliás de maneira
tosca, em uma lei destinada a beneficiar militares, a qual concede a estes o privilégio de
operarem com instrumentos particulares quando adquirirem residência própria por
intermédio da Carteira Hipotecária e Imobiliária dos respectivos Clubes Militares (Lei n.
1.086, de 1950, arts. 10 e 11).
Decorridos mais de dez anos, outra lei permitiu o emprego da escritura particular nos
contratos em que forem partes entidades integrantes do sistema financeiro da habitação,
atribuindo-lhe o caráter de escritura pública para todos os fins de direito. Essa permissão foi
logo depois aplicada por lei congênere às Associações de Poupança e Empréstimo, que são,
afinal de contas, entidades integrantes do sistema financeiro da habitação. Ante a regra de
forma, que exige a escritura pública nos contratos imobiliários superiores à taxa legal, tais
exceções já têm grande força numérica (Lei n.º 4.380, de 1964, § 5.º do art. 61 acrescentado
pela Lei n.º 5.049, de 1966; Dec.-Lei n.º 70, de 1966, art. 26).

222 CARVALHO, Afrânio de. Reforma agrária. Rio, Ed. Cruzeiro, 1963. p. 44-46.
Antes dessas leis imobiliárias, porém, já a Lei dos Sociedades por Ações, no
pensamento de simplificar a incorporação de imóveis ao capital dessas sociedades,
dispensara para isso a escritura pública. Ao invés desta, o laudo pericial de avaliação dos
bens e a atada assembléia geral aprobatória da avaliação servem de títulos para a inscrição no
Registro de Imóveis, para o que a primeira dessas peças, à semelhança da escritura, deve
descrever os bens com seus limites e confrontações a referir o título anterior (Decreto-Lei n.º
2.627, de 1940, art. 46; cf. Lei n.º 6.404, de 1976, arts. 89 e 98, § § 2.º e 3.º). A atual Lei dos
Registros Públicos confirmou e ampliou essa disposição no tocante à incorporação de
imóveis do poder público ao patrimônio de sociedades de administração indireta ou de
empresas públicas (Lei n.º 6.015, de 1973, art. 291).
Quanto às cartas de sentença, o cuidado tomado pela lei em procurar afeiçoá-las às
necessidades do Registro de Imóveis costuma malograr lamentavelmente nos grandes
centros por causa de falhas atribuíveis a serventuários da justiça. Devido à pressa ou ao
descuido destes, os elementos caracterizadores das partes ou dos imóveis, não conferidos
com as fontes, se apresentam freqüentemente truncados ou errados nos formais de partilha e
nas cartas de arrematação e de adjudicação, do que resulta que, recusados pelo Registro de
Imóveis, tem de sofrer consertos e reformas, que protelam extraordinariamente a inscrição.
Tão mal feitos ou mal copiados se mostram tais documentos que não há exagero em afirma
que constituem uma das pragas do foro dos grandes centros, talvez porque não funcionem
adequadamente as disposições concernentes á reconstituição de peças inservíveis por conta
dos responsáveis e à aplicação de penas disciplinares a estes, sempre previstas em leis ou
resoluções de organização judiciária e em regimentos de custas.
Dentre as cartas de sentença, a modalidade mais freqüente é o formal de partilha, por
meio do qual se individualiza a propriedade adquirida em comum por sucessão. Ao invés do
formal de partilha, pode ocorrer a carta de adjudicação, se houver um interessado único na
sucessão, seja herdeiro, seja cônjuge sobrevivente. Nesse caso, o imóvel lhe será atribuído
por inteiro, permitindo assim que, em perfeito seguimento da propriedade do de cujus,
sobrevenha a propriedade do adjudicatário na matrícula do imóvel.
Não importa que, em se tratando de cônjuge sobrevivente casado do regime da
comunhão de bens, metade do imóvel já lhe pertença desde o casamento, porque o título
apenas reúne essa parte ideal, societária, com a outra, sucessória, para recompor a unidade
real do de cujus. A partilha abrange todo o patrimônio do morto e todos os interessados,
desdobrando-se em duas partes, a societária e a sucessória, embora o seu sentido se restrinja
por vezes à segunda. Por isso, dá em pagamento ao cônjuge sobrevivente ambas as metades
que lhe caibam, observando dessa maneira o sentido global da operação, expresso na ordem
de pagamento preceituado para o seu esboço, a qual enumera, em segundo lugar, depois das
dívidas, a meação do cônjuge e, em seguida, a meação do falecido que, na hipótese, passa
também no cônjuge (Cód. Proc. Civ., art. 1.023). 223
Diversamente, a sentença de usucapião é encaminhada ao registro imobiliário
mediante mandato, que, ou por inexistência de título anterior, ou por desatenção para com as
exigências registrais, costumava omitir os requisitos essenciais para a inscrição. Essa
omissão ocasionava a impossibilidade do cumprimento do mandado até que, com subsídios
ulteriores, fosse completado. Ao prover a juntada da planta do imóvel à inicial do processo de
usucapião, a lei processual antecipou os dados da descrição que mais freqüentemente

223 Cf. HAMILTON DE MORAES E BARROS, Comentários ao Cód. de Proc. Civ., vol. IX, Ed. Forense, Rio,
São Paulo, p. 251; Sentença do Juiz Narciso Orlandi Neto, no Boletim do IRIB, n.º 45, p. 2.
faltavam (Cód. de Proc. Civ., art. 942), de sorte que a lei registral pôde eliminar o antigo
problema, declarando peremptoriamente que "os requisitos da matrícula devem constar do
mandado judicial" (art. 226).
Assim recordadas as três principais categorias de títulos releva advertir
preliminarmente que, ainda quando qualquer deles considerado de per si, se mostre
rigorosamente legal, por atender aos requisitos de forma e de fundo que lhe são próprios, nem
por isso estará imune de ser recusado no pórtico do registro, logo depois de protocolado ou
até antes disso. Para tanto basta que o registrador verifique que o título tem um conteúdo que
não se acha previsto entre os direitos inscritíveis taxativamente determinados por lei, pois,
nesse caso, a sua inscrição nada adiantará, a não ser para macular o livro, de vez que a lei lhe
nega qualquer efeito (Cód. Civ., art. 145, n.º V, in fine).
A regra dominante da recepção dos títulos é primeiro protocolar, depois examinar
(Lei n.º 6.015, de 1973, art. 12). Essa regra fecha os olhos do registrador ao significado ou
mérito dos títulos, evitando que qualquer destes seja prejudicado por seus critérios, pretextos
ou subterfúgios interpretativos. O protocolamento geral imediato dos títulos apresentados,
cada qual com o seu número, acautela a seqüência rigorosa da sua chegada a permite que a
numeração seja sempre a tradução exata da prioridade.
A regra é geralmente observada, sobretudo nas grandes cidades, onde o registrador
protocola logo os títulos, à medida que afluem, deixando para examiná-los depois, embora
em cidades menores, onde há mais vaga para apreciá-los, ele costume examiná-los
superficialmente à chegada, a fim de afastar os que obviamente não podem ingressar no
registro.
Após o protocolamento geral dos títulos, alguns deles podem ser retirados
liminarmente, seja por desistência da parte, seja por devolução do registrador, cancelando-se
em ambos os casos a prenotação (Lei n.º 6.015, de 1973, art. 206). A devolução do
registrador ocorre quando, ao primeiro exame, se mostra evidente a impossibilidade do
registro em casos manifestos, dos quais os mais freqüentes são aqueles em que se verifica: a)
que o imóvel pertence à jurisdição de outro cartório; b) que existe outro título igual já
prenotado (apresentação em duplicada); c) que existe outro título prioritário; d) que o título
não é inscritível.
A despeito de serem irregistráveis, pelo que o registro, vão e inócuo, nenhum efeito
lhes acrescentará, a experiência demonstra que certos títulos são levados obstinadamente
pelas partes ao registro, cuja porta acabam forçando. Quando as partes assim procedem,
pensam, mas desavisadamente, que fortalecem os próprios direitos ou debilitam os dos
adversários, com os quais disputam em juízo, mediante daninha propaganda contra o seu
direito real.
O registro não é o desaguadouro comum de todos e quaisquer títulos, senão apenas
daqueles que confiram uma posição jurídico-real, como os constantes da enumeração da
nova Lei do Registro (art. 167). Dessa maneira, não são recebíveis os títulos que se achem
fora dessa enumeração, porquanto o registro nada lhes acrescenta de útil. Neste particular, a
regra dominante é a de que não é inscritível nenhum direito que mediante a inscrição não se
torne mais eficaz do que sem ela. 224
Dessa regra, deduz-se, como corolários, que são excluídos do registro todos os títulos
de direito: a) que são eficazes erga omnes ainda que sem a inscrição, como o usufruto do pai

224 WOLFF, Martin. Derecho de cosas. Barcelona, Ed. Bosch. § 31, II, p. 156; HEDEMANN, J. W. Derechos
reales. Ed. da Rev. de Derecho Privado § 1-3, p. 99.
sobre os bens do filho menor; b) que só têm eficácia obrigatória contra determinadas pessoas,
como a locação comum de imóvel; c) que, de qualquer modo, sejam ineficazes dado o seu
caráter de negócios jurídicos nulos, como a venda de um logradouro.
Dentre os títulos de direitos da segunda categoria. isto é, títulos de direitos pessoais,
devem ser ressalvados aqueles poucos que, por considerações mais econômicas do que
sistemáticas, penetram no circulo limitado dos direitos reais por equiparação legal. É que,
apartando-se do sistema alemão, que, além dos direitos condicionais, exclui da inscrição os
direitos pessoais, notadamente os arrendamentos rurais e urbanos, 225 no que, aliás, tem
sido objeto de críticas, o sistema brasileiro acabou acolhendo abertamente nela alguns
direitos pessoais, equiparando-se a direitos reais. Assim aconteceu primeiramente com a
locação com a cláusula de vigência conta o adquirente, depois com a promessa de venda com
a cláusula de irretratabilidade e, por último, com a promessa de cessão, cessão e caução dos
direitos aquisitivos resultantes dessa promessa.
Afora esses casos restritos, os direitos pessoais não são registráveis, porquanto o
registro se destina em princípio exclusivamente a proclamar os direitos reais. Os direitos
pessoais, ainda que consistem em obrigações que se dirijam à constituição, transmissão ou
extinção de um direito real, ficam excluídos do registro, que dessa maneira conserva a pureza
da sua matéria.
Assim, as numerosas promessas contratuais que visam a obter, em seu seguimento, a
aquisição de um direito real, ficam fora do registro, pela simples razão de que este nada
acrescenta à sua eficácia. Se o descumprimento delas enseja a cobrança de perdas e danos,
não ensejará senão isso, se forem registradas.
Apesar de sua destinação real, encontram-se em total desabrigo entre nós, visto como
não podem agasalhar-se nem o beiral das inscrições preventivas. Se A promete a B uma
primeira hipoteca de imóvel, mas, faltando ao prometido, a concede a C, B só pode reclamar
pessoalmente de A, sem se voltar contra C, ainda que este tenha conhecimento da obrigação
anteriormente contraída .
Por conseguinte, as promessas de compra e venda (retratável), de hipoteca, de
permuta, de doação, de dação em pagamento, de baixa de hipoteca, ou de parte de hipoteca
(liberação parcial do imóvel), devem ficar estranhas ao registro, de vez que nenhum efeito
produz o seu ingresso, tantas vezes obtidos sob o pretexto de se tratar de direitos imobiliários.
Não basta que sejam direitos imobiliários, importando que sejam também reais, para
constituírem matéria de registro, ponto esquecido por decisões judiciais que dão beneplácito
à prática contrária aos princípios. 226
Essa prática esquece a presente neutralidade do registro em relação às promessas,
que, com as suas habituais cessões, continuam a enxamear à porta dos cartórios. Dentre elas
despertou interesse uma promessa de permuta de imóvel entre A e B, seguida da cessão de A
para C. Nesse caso, porém, o cartório recusou-se ao registro da cessão, porque C, não sendo
dono do imóvel, não poderia efetivar a promessa, assim como B, em contra-partida, não se

225 NUSSBAUM, A. Derecho hip. al. Madrid, Ed. da Rev. de Derecho Privado, 1929. p. 8-9; WOLFF, op. cit.,
§ 31, II, 2, p. 156; cf. § 136, p. 190; HEDEMANN, op. cit., § 13, I, p. 99; cf. § 12, p. 90.
226 "Podem ser levadas ao registro de imóveis as promessas de dação em pagamento, pois não existe
exclusividade de registro para os atos previstos em lei" (Ac. da 4.ª C. do T. de A. do DF, de 7.3.1944 In: Rev.
For. v. 102, p. 280; despacho do Juiz e Ac. da 1.ª T. do T. de Recursos, de 14. 4. 1955. In: LOUREIRO,
Waldemar. Registro de propriedade imóvel. v. 2.º p. 32). No segundo caso, equiparou-se a promessa irretratável
de dação em pagamento à promessa irretratável de venda.
sentiria obrigado a efetivá-la pela mesma razão. Não houve levantamento de dúvida, porque
as partes se conformaram com a recusa do registro.
Diante, porém, da insistência com que as promessas contratuais procuram forçar a
porta do registro e da tendência cartorial de recebê-las, torna-se aconselhável reconsiderar
este ponto do nosso direito para adaptá-la ao fato, seja negando terminantemente o ingresso,
seja permitindo-o em termos adequados. Se se preferir admitir as promessas contratuais no
Registro de Imóveis, cedendo à pressão que ora exercem sobre os cartórios, ainda assim a
admissão não deve ser totalmente livre como não o é no Direito Alemão, quando lhes dá a
proteção parcial das anotações preventivas (§ 883). 227
A exemplo da fórmula alemã destinada a dar ao credor melhor cobertura, não devem
ser admitidas nas anotações preventivas, chamadas entre nós inscrições preventivas, todas as
promessas indistintamente, porque isso provocaria uma inundação insuportável, mas apenas
aquelas que mais se recomendam à proteção. Aí aparecem em primeiro lugar as irretratáveis,
228 que trazem virtualmente a autorização de inscrição, mas, a elas de hão de equiparar as
que a trazem expressamente no título original ou em outro posterior, destinado a reforçar o
primeiro. Assim, os requisitos para a inscrição preventiva das promessas seriam: a)
irretratabilidade ou autorização do promitente no próprio título da promessa ou em outro
posterior: ou b) mandado do Juiz, a requerimento do interessado, para evitar que o promitente
lhe cause lesão de difícil e incerta reparação (Cód. Proc. Civ., art. 798).
A proteção conferida ao credor da promessa pela inscrição preventiva não equipara o
direito pessoal a direito real, mas apenas lhe aumenta o raio de eficácia. Embora não impeça
que o promitente disponha do direito, por não chegar à eficácia do direito real, pelo menos
torna nula a disposição em prejuízo do credor, realizada após a inscrição preventiva, ficando
assim a meio caminho daquela. No exemplo anteriormente dado, B poderá reclamar também
de C por via judicial, a fim de que a disposição, para a qual é indispensável a anuência da
parte passivamente interessada, se faça em favor dele B.
Conquanto, no presente, as promessas contratuais sejam desenganadamente
irregistráveis, abrem-se a essa regra exceções peculiaríssimas, debaixo das quais se acha
latente uma razão econômica, seja a proteção do comprador no tráfico imobiliário, seja a
dinamização das construções habitacionais, seja o amparo dos debenturistas das sociedades
por ações. Essas exceções dizem respeito à promessa de venda do imóvel, irrevogável e
irretratável, de largo uso, à promessa de permuta, irrevogável e irretratável, inserta em
incorporação imobiliária, de emprego restrito, e, por fim, à promessa de hipoteca em garantia
de debêntures, contemplada com uma inscrição preventiva no começo do regime
republicano, conforme se expendeu no capítulo dedicado ao princípio de inscrição.
Ao passo que a inscrição preventiva deixou de acolher as promessas contratuais,
excetuada a referente à hipoteca em garantia de debêntures, em compensação recebeu as
penhoras, arrestos, seqüestros e bem assim as citações de ações reais ou pessoais
reipersecutórias, relativas a imóveis, entre as quais se revêem algumas daquelas promessas
em fase de ajuizamento. Desses atos judiciais os que mais freqüentemente buscam ingresso
são as penhoras que por meio da inscrição preventiva, chegam ao conhecimento de terceiros
227 NUSSBAUM, op. cit., p. 51 et seq.; WOLFF, op. cit., § 48, p. 269 et seq.; HEDEMANN, op. cit., p. 103 et
seq.
228 A inscrição preventiva da promessa de venda irretratável é mais acertada do que a sua equiparação e
inscrição como direito real, porque além de afastar terceiros de qualquer negócio com o imóvel, evita as
dificuldades criadas pela segunda ao encadeamento das titularidades, de que se tratará no capítulo acerca do
princípio de continuidade.
para anunciar-lhes o risco de negociar com os imóveis penhorados. Se, depois de inscritas as
penhoras, os proprietários venderem os imóveis a estranhos, que não os exeqüentes, a venda
será havida como fraudulenta: a inscrição é a prova pré-constituída da fraude ( Lei n.º 6.015,
de 1973, art. 240).

A inscrição preventiva da penhora, assim como a dos demais atos de apreensão


judicial, se faz á vista de mandado do juiz ou de certidão do escrivão, extraída do processo de
execução. Ao aludir a mandado, a lei quis provavelmente referir-se à penhora incidente sobre
imóvel sujeito ao regime especial da lei de loteamento, ao passo que, ao dar-lhe alternativa da
certidão, pretendeu de certo subentender a iniciativa da parte, isto é, do exeqüente para ativar
o registro de acordo com o princípio de instância (Lei n.º 6.015, de 1973, art. 239).
Quando se trata de execução fiscal, promovida pela União, pelo Estado, Distrito
Federal, Município ou respectivas autarquias, dispensa-se o mandado ou certidão judicial.
Nesse caso basta que o oficial de justiça entregue ao cartório do registro de imóveis uma
cópia da petição inicial com despacho do juiz, juntamente com outra do auto ou termo da
penhora, porque o referido despacho importa em ordem para o registro de penhora (Lei n.º
6.830, de 22. 9. 1980).
Depois de prenotada no protocolo a certidão, o registrador, além dos seus requisitos
legais verificará sobretudo se a penhora recai efetivamente sobre o imóvel, pois a penhora de
direito, a chamada penhora no rosto dos autos, não é inscritível. Se recair sobre direitos e
ação, devolvera à parte a certidão inepta, cancelando de ofício a prenotação. No caso
contrário, estando em ordem o documento habilitante, fará a inscrição preventiva.
Duas ordens de dúvidas podem em seguida saltear o espírito do registrador acerca da
medida acautelatória, a primeira ligada à eficácia relativa da inscrição preventiva, atrás
esclarecida, a segunda ao direito de preferência sobre o imóvel penhorado conferido ao
credor exeqüente (Cód. de Proc. Civ., art. 612). Ambas se resolvem com facilidade à luz dos
princípios registrais.
A primeira surgirá quando se lhe apresentar uma escritura de alienação de imóvel
penhorado. Dada a eficácia relativa da inscrição preventiva, o executado continua titular do
domínio e, nessa qualidade, pode alienar o imóvel penhorado. Embora o adquirente fique
sujeito a ver decretada a ineficácia da alienação, não incumbe ao registrador antecipa-la, pelo
que há de praticar o ato registral. 229
A segunda irromperá quando, ocorrendo execuções paralelas, com apreensão do
imóvel, vierem as respectivas penhoras disputar a inscrição em primeiro lugar. Essa disputa
decidir-se-á pela cronologia da apresentação em favor do título que primeiro aparecer no
protocolo. A prioridade pode, contudo, ser questionada quando, prenotada uma certidão, for
em seguida objeto de exigência para integração dos seus requisitos, enquanto, nesse ínterim,
surge outra, proveniente de execução paralela, com os requisitos completos.
Se a prenotação visa assegurar a prioridade, sem prejuízo da legalidade, está visto que
a exigência não prejudicará o direito inerente à certidão que primeiro entrou no livro. Se o
apresentante da segunda certidão não se conformar com isso, deverá levantar dúvida perante
o juiz. Nas grandes cidades, contudo, onde existem varas civis e varas de registros públicos, o
interessado, em vez de levantar a dúvida perante o juiz competente, pode sentir-se tentado a
apelar para o juiz da execução, cuja decisão, seja qual for tumultuará o problema.

229 Acs. do Cons. de Mag. de S. Paulo, de 3. 9. 1974 e de 11. 6. 1973. In: Rev. do Inst. de Registro Imobiliário,
São Paulo, n. 2, p. 36 e 38.
O atributo comum a todas as inscrições preventivas é serem provisórias, pois se
destinam ou a converte-se em inscrições definitivas ou a desaparecer a ser canceladas.
Embora não tenham força para impedir que os imóveis sejam negociados, tendem a isso por
bastarem como prova pré-construída da fraude dos adquirentes. 230 Como as inscrições
definitivas, não são, porém, extensíveis a casos semelhantes, querendo isto dizer que não
podem alongar-se das penhoras de imóveis às penhoras de direito e ação, vulgarmente
conhecidas como penhoras no rosto dos autos, não concretizadas, que tão insistentemente
buscam agasalho no Registro de imóveis. 231
Aduzidos esses esclarecimentos sobre a irregistrabilidade, cabe advertir que, com
freqüência, o Registro de Imóveis, por desconhecimento das partes e complacência de
registradores mal habilitados, senão também por eventual interesse destes na percepção de
custas, se vê invadido por títulos inadmissíveis da mais variada natureza. Uns versam sobre
direitos equiparáveis a imóveis, outros sobre direitos pessoais e outros, finalmente, nem isso
a penetram ora pela entrada das inscrições ora das averbações ora das inscrições preventivas,
mas mais freqüentemente pela das averbações.
Basta que os títulos, seja qual for a sua natureza, se refiram, ou possam referir-se,
direta ou indiretamente, a imóveis para buscarem guarida no registro. Além dos protestos,
que tentam impedir as alienações contratuais de imóveis, mas têm comumente caráter
emulativo ou extorsionario, pelo que podem agora ser cerceados pelo juiz (Cód. de Proc.
Civ., art. 870, parág. único), também buscam averbação as ações rescisórias, que tentam pôr
abaixo as alienações ocorridas em virtude de execução judicial. Nem protestos nem
rescisórias restringem a disponibilidade dos imóveis por parte dos seus donos, nem uns nem
outras autorizam a averbação. 232
Como se vê, a invasão chega até o campo das inscrições preventivas, cuja
especificidade é perturbada não só por esses protestos, como por penhoras de direito e ação,
que, por não se terem ainda concretizado, não podem ser confundidas com penhoras de
imóvel, únicas admissíveis entre aquelas. Daí incumbir ao registador a maior vigilância para
rejeitar à entrada uma variedade de títulos irregistráveis:
a) cessões de direitos hereditários, vulgarmente chamadas de vendas de quinhões
hereditários ou de herança; renúncias simples ou qualificadas desses direitos;
b) procurações em causa própria, que não servem para a transferência da
propriedade;
c) vendas de benfeitorias, ou promessas de cessão, independentemente do solo em
que estejam;
d) locações sem cláusula de vigência no caso de alienação;
e) opções de compra de imóvel;
f) promessas de permuta, de doação, de dação em pagamento e outras, bem como
suas cessões;

230 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Dir. Com. 6. ed., Ed. Freitas Bastos. v. 4, n. 1.290 a 1.292, p. 133 et seq.;
LOPES, op. cit., v. 2, n. 389-398, p. 410 et seq. .; JÚNIOR, A. Pena. Pareceres ( do Banco do Brasil);
AZEVEDO, op. cit.:, n. 101-108, p. 82 et seq.; LOUREIRO, op. cit., n. 209-210, p. 319 et seq. Não parece
assistir razão a Carvalho de Mendonça quando condena a promessa de hipoteca, preconizando a hipoteca
imediata nos debenturistas, sob o fundamento de que a frustração da promessa os deixaria desamparados (n.284
e 1.292 in fine , porquanto lhes resta, na verdade, o valioso efeito específico da inscrição preventiva.
231 LOUREIRO, op. cit., n. 209, p. 319.
232 Ac. do Cons. de Magist. de São Paulo, de 23. 9. 1963. In: Rev. dos Trib., v. 355, p. 396.
g) protestos contra alienações e onerações de imóveis; ações rescisórias contra
alienações judiciais;
h) penhoras de direito e ação (penhoras no rosto dos autos).

Rejeitados liminarmente os títulos não registráveis, restam em cena os registráveis,


que passam a sofre, um a um, o exame prévio da legalidade. Esse exame considera tanto o
título em si como a sua concordância com o registro. No itinerário constituem alvos
sucessivos de investigação o instrumento, o sujeito ou disponente do direito, o objeto do
direito, o imóvel, e finalmente a existência ou inexistência de ônus sobre o imóvel. Cada um
desses pontos interrogativos recebe resposta à medida que a observação progride, mas a
ordem de percorrê-los pode variar conforme o conhecimento anterior que o registrador deles
possua.
Ao observar-se o instrumento, o o objetivo imediato é averiguar a sua autenticidade,
pois de nada adianta pesquisar o seu conteúdo, se for apócrifo. A autenticidade significa a
certeza da sua autoria, que só lhe advém da intervenção de um funcionário público, operativa,
quando lavra a escritura em suas notas, recognitiva quando, recebendo-a lavrada pelas partes,
certifica como verdadeiras as firmas dos signatários. A primeira é um título autêntico por sua
origem; a segunda, por sua legitimação ou reconhecimento.
Apesar da aparência de autenticidade, decorrente de vir em papel timbrado de um
cartório de notas, com todos os sinais externos de regularidade, o título pode ser falso, por
não ter sido lavrado no livro próprio nele referido. A criação de título avulso, sem
correspondência no livro, mas perfeitamente exteriorizado como primeiro translado de
escritura, origina-se geralmente de ex-escrevente, bastante hábil para tornar a falsidade
dificilmente reconhecível, quando o documento é apresentado ao Registro de Imóveis. Assim
aconteceu no Rio de Janeiro com mais de um título da orla praieira do Recreio dos
Bandeirantes. A fim de impedir ou dificultar a burla, convém, nas grandes cidades, prover o
Registro de Imóveis de um meio de controle, recomendando ao Registro de Distribuição que
lhe remeta, em fotocópia, a relação diária das escrituras lavradas nos diferentes cartórios de
notas.
A seqüência natural é a indagação da identidade das partes e do imóvel constantes do
título submetido ao registro. Há que verificar se esses dois elementos da relação jurídica,
pessoal e real, se acham precisamente indicados no título e coincidem com os consignados no
registro. Acompanhando a ordem lógica deles, atende-se em primeiro lugar à identidade das
partes, a fim de se chegar logo à certeza sobre o sujeito do direito, sem a qual não é curial
prosseguir, sendo, portanto, eliminatórias estas duas verificações: a) identidade das partes
nomeadas do título com as pessoas a quem os nomes pertencem; b) identidade da parte
disponente do direito com a pessoa inserida no livro como titular dele.
A primeira verificação evita que, com o uso do nome de outrem, passe por titular do
direito quem não o seja, que logre êxito o trapaceiro que, mancomunado com um comparsa,
arme transmissão ou hipoteca com o escopo de colher depois na sua armadilha um terceiro de
boa-fé. A segunda impede que, com o uso do próprio nome, alguém passe como disponente
do direito, praticando os mesmos atos, sem que efetivamente seja titular dele, por estar o
imóvel inscrito no livro em nome diverso. Ali a divergência é pessoal, aqui, tabular.
Quando o título é lavrado por instrumento público, a comprovação da identidade das
partes consta do preâmbulo, pela referência à carteira de identidade e ao cartão do cadastro
fiscal da pessoa física ou jurídica, citado pelo respectivo número, bem como pela atestação
do notário. Caso se descubra divergência entre o nome constante da carteira de identidade e o
título, ou se mencione o uso alternativo de mais de um nome, o que frustra praticamente a
identidade, incumbe ao registrador levantar a dúvida.
Quando o título é passado por instrumento particular, não basta, para comprovação da
identidade das partes, a referência do seu preâmbulo aos números da carteira de identidade e
do cadastro fiscal, tornando-se necessário e reconhecimento das respectivas firmas. Só assim
o documento se torna autêntico, ministrando a certeza legal de emanar das pessoas a quem é
atribuído. 233 Se o registrador suspeitar de fraude nesse reconhecimento, ou no título,
poderá exigir a comprovação da identidade das partes perante o registro.
No caso do instrumento particular, as partes podem ser pessoas jurídicas,
representadas por administradores, pessoas físicas, e então não basta o reconhecimento das
firmas destas, tornando-se ainda mister se prove que elas são órgãos da pessoa jurídica e que
esse órgão é o competente para assinar o documento. Essa prova exige ordinariamente a
exibição do estatuto ou contrato e eventualmente a ata de eleição ou nomeação. A
verossimilhança, aparência da verdade, não satisfaz, desde que não haja certeza da
representação. Se, no entanto, o cartório tiver conhecimento de que o signatário do papel
representa efetivamente a pessoa jurídica deixará de fazer a exigência.
Sem essa identificação cabal da pessoa jurídica, necessariamente abrangente da
qualidade da pessoa física que se apresenta como seu órgão, o cartório expõe-se a cometer
erros graves e a incorrer em responsabilidade civil. Haja vista uma quitação particular de
hipoteca fornecida aparentemente por pessoa jurídica em papel timbrado da empresa, para o
fim de cancelamento ou baixa do ônus. Se o signatário da quitação não for órgão da pessoa
jurídica ou se, embora órgão, não for o competente, uma vez efetuada o cancelamento o
registrador fica sujeito a pagar pesada indenização ao verdadeiro credor, mormente
ocorrendo imediata transmissão do imóvel a terceiro. Não importa que a fraude enseje o
processo de falsidade contra o vigarista., porque sabidamente esse processo tem, no nosso
país, fraquíssimo efeito intimidativo.
Em suma, o registrador somente pode aceitar títulos cujos signatários tenha como
certos, para o que precisa "conhecer" as partes, seja pelo conhecimento pessoal, seja pela
atestação do notário, seja pelo reconhecimento das firmas. Na verdade, tem a maior
generalidade a regra, aparentemente especial, estabelecida pelo Código Civil para o
cancelamento da hipoteca, segundo a qual as partes precisam ser "conhecidas", vale dizer,
identificadas pelo registrador (art. 851).
A identificação da parte disponente do direito com a parte inscrita depende, em regra,
de simples cotejo entre o nome constante do título e o consignado no livro, que responderá se
o vendedor, ou devedor, é o adquirente da escritura anterior. Se o cotejo revela divergência,
deixará de ser feita a inscrição. A divergência do nome do titular provém às vezes da
qualidade diferente em que aparece.
Haja vista o caso de uma doação de imóvel de pai a filho com reserva de usufruto,
oportunamente inscrita no livro, seguida, tempos depois, por morte do pai, de uma partilha do
imóvel a esses filhos ou a alguns deles, como se aquele tivesse continuado como proprietário.

233 A escritura pública é um documento autêntico por sua origem, ao passo que a particular torna-se tal pelo
reconhecimento das firmas por tabelião, com a declaração adjeta de haverem sido apostas em sua presença
(Cód. de Proc. Civ. art. 369; LAFAYETTE, Direito das cousas. Rio, Ed. Garnier, 1877, v. 1, § 54, nota 5 ;
Fulgêncio, op. cit., nota ao art. 851).
O formal de partilha não pode ser inscrito por indicar proprietário diverso daquele constante
do registro. 234
Haja vista ainda o caso mais freqüente de figurar no livro como proprietária de imóvel
uma sociedade e aparecer do título como transmitente um ex-sócio, ou o seu espólio, sem que
de permeio conste que o imóvel haja passado a este por força de escritura, conjugada ou não
com o distrato social. O título atual de transmissão não poder ser inscrito sem que primeiro o
transmitente se invista no livro da qualidade de proprietário. Se a inscrição está em nome da
firma, não pode haver transmissão em nome do sócio, ainda que à margem daquele assento
exista a averbação de que o sócio assumira o ativo e passivo da sociedade. 235
Todavia, a divergência pode limitar-se ao estado civil ou ao sobrenome da parte, por
decorrer de casamento, que traz, com a mudança de estado dos nubentes, a alteração do nome
da mulher. Nesse caso, quer se trate de homem ou de mulher, seja o regime o da comunhão
ou da separação de bens, pois em ambos os cônjuges agem conjuntamente nos negócios
imobiliários, posto em qualidade diferente, é preciso que se promova a prévia averbação do
casamento à margem da inscrição do imóvel em nome do seu dono para que este se habilite
como disponente a autorizar a inscrição em nome adquirente. A exigência da prévia
averbação estende-se à alteração do nome pela separação judicial (Lei n.º 6.015, de 1973, art.
167, II, n.º 5).
Como a averbação se faz à vista da certidão do casamento (Cód. Civ., art. 202), se
este tiver sido celebrado fora do nosso país a certidão do notário do país estrangeiro há-de ser
legalizado pelo cônsul brasileiro do lugar, cuja firma, por sua vez, deve ser reconhecida pelo
Ministério das Relações Exteriores. Além disso, para produzir aquele efeito registral,
precisará ainda ser traduzida para vernáculo por tradutor público e apresentara no Registro de
Imóveis juntamente com a tradução (Cód. Civ., art. 140; Cód. de Proc. Civ., art. 157). 236
No caso de representação de uma das partes, ou de ambas, por procurador, a extensão
dos poderes deste já foi verificada pelo tabelião que lavrou a escritura e arquivou a
procuração, mas, se a escritura não for pública, a verificação tocará ao registrador. A despeito
de haver sido criado o registro de títulos e documentos, o tabelião reteve a atribuição de
registrar as procurações e documentos referidos nas escrituras e nelas não incorporados.
Após as verificações preambulares a cerca do sujeito, vêm as relativas à identidade do
imóvel, objeto do direito, para se apurar se o descrito no título coincide com o inscrito no
livro. Para isso, comparam-se as indicações tópicas, os limites e as medições de um e de
outro, surpreendendo-se, de vez em quando, divergências sobretudo em torno dos seguintes
dados: a) rua, número e construção, quando se trata de imóvel urbano; b) limites ou
medições, quer se trate de imóvel urbano ou rural.
Se a divergência se restringir ao nome da rua, à numeração e à existência ou
inexistência de construção, será sanada, mediante exigência, pela averbação prévia da
mudança ocorrida, comprovada por certidão da Prefeitura local ( Lei n.º 6.015, de 1973, art.
167, II, n.º 4 e parág. único do art. 246). Se se estender aos limites e medições, sê-la-á,
mediante exigência, por escritura de rerratificação, em que se mencionem os limites e
medições certos, precedida, conforme o caso, de vistoria administrativa. A não ser na
matrícula, não é licito transportar dados certos porventura existentes na inscrição anterior

234 LOPES, op. cit., v. 4, n. 602. p. 64.


235 Ac. do Cons. Sup. da Magistratura de SP, de 9. 8. 1963. In: Rev. dos Trib., v. 359, p. 236.
236 MONTEIRO, Washington de Barros, Direito da família, São Paulo, Ed. Saraiva. p. 70; cf. jurisprudência
citada por Alexandre de Paula. In: O processo civil à luz da jurisprudência.
para combiná-los com os do título atual na inscrição nova, porque esta há de ser fielmente
extratada do respectivo título.
Se bem que a norma da fidelidade da inscrição recomende que só se inscreva o que se
contiver no título apresentado, sem nada lhe acrescentar ou subtrair. 237 essa norma foi,
certa vez, quebrada ante a impossibilidade de rerratificar uma escritura antiqüíssima para
incluir dados nela omitidos. Então, reconhecendo, por um lado que o requisito das
confrontações não se cumpre apenas com os nomes dos confrontantes, mas considerando,
por outro lado, que ele é "insito à transcrição, e não ao ato de compra e venda", o juiz Serpa
Lopes decidiu que podia ser suprido por elementos comprobatórios oferecidos pelo
interessado diretamente no Registro de Imóveis. 238
O tempo gasto na averiguação do objeto é sempre muito maior do que o consumido
na averiguação do sujeito, visto como a especialização costuma prolongar-se tanto a ponto de
emperrar deveras o exame, tanto nas grandes cidades, com a divergência de metragem dos
lotes urbanos, como no interior, com a trabalhosa busca indireta da área disponível do
imóvel. Essa busca impunha o manuseio sucessivo do indicador real e dos livros nele
indicados para a contabilização de anexações e alienações parciais. A adoção do "registro
geral" na nova lei do Registro torna direta a busca, a fazer-se em uma única folha, mas, se
esta encerrar numerosos assentos, reclamará ainda algum tempo. A demora seria eliminada,
se o seu modelo previsse colunas de anexações e desmembramentos, como o fólio alemão, ou
quadro de contabilização de área no cabeçalho, como o modelo adiante sugerido para o fólio
brasileiro.
Após os precedentes, os ônus do imóvel e as condições da sua titulação constituem os
pontos de prosseguimento do exame. Para resposta do primeiro buscar-se-á verificar se
consta da inscrição do imóvel hipoteca, usufruto, locação ou outro ônus; para a do segundo,
se consta condições resolutória ou suspensiva ou outra cláusula restrita. Se o título deixar de
mencionar ônus ou condições existentes no livro, deverá o registrador fazer igualmente a
exigência da sua retificação para o fim de incluí-los.
A regra da fidelidade da inscrição ao título-suporte dita essa exigência, pois aquela só
deve reproduzir o que este contém, não cabendo ao registrador lançar mão oficiosamente de
dados registrais pretéritos para suprir omissões do título atual. No entanto tratando-se da
primeira inscrição ou matrícula no fólio real, a lei, no intuito de obter o acabamento da figura
do imóvel, acaso incompleta no registro anterior ou no título atual, permitiu que os elementos
de um se combinassem com os do outro para o referido fim (arts. 196 e 228). 239
Tanto maior há de ser a vigilância do registrador acerca da existência ou inexistência
de ônus quanto, ao cabo de certo número de anos, após a sua inscrição, pode escapar
facilmente à percepção ao ser apresentado um título novo, em que devia figurar. O lapso
funcional, decorrente de um assento remoto, se enseja sobretudo quando o imóvel sofre
desmembramento ou união com outro, ou o cartório divisão territorial.
Nessas ocasiões, torna-se fácil ao cartório acolher uma escritura em que, casual ou
maliciosamente, se descreve o imóvel como "livre e desembaraçado de qualquer ônus",
quando na realidade este consta do livro do registro. Não estando o fato na memória, a vista
deixa de ser utilizada na pesquisa retrospectiva, em que se apuraria que o gravame fora

237 Ac. do Cons. Sup. da C. de A. do DF, de 4. 9. 1929. In: Arq. Jud., v. 12, p. 201.
238 Despacho. In: LOUREIRO, Waldemar. Registro da propriedade imóvel. 5. ed. Rio, Ed. Forense. v. 1, n.
150, p. 223.
239 GARCIA, Lisipo. A transcrição. p. 224.
imposto primitivamente, seja a imóvel de maior tamanho, de que o atual é destaque, seja ao
próprio imóvel, mas em outro cartório.
É certo que o ônus adere ao imóvel e o acompanha em todos os movimentos, de
fracionamento, de unificação, de mudança de titularidade. Contudo, a sua omissão no
lançamento do título novo pode surpreender o comprador do imóvel e seu eventual
financiador, envolvendo, em caso de prejuízo, a responsabilidade civil do registrador. Além
disso, perturba as relações com o credor originário.
A fim de obviar ao mal, impõe-se, ao invés de uma conduta desprevenida, a máxima
cautela e meticulosidade na busca do ônus em cada um dos casos apontados. A sua
atualização, mediante averbação remissiva aposta à matrícula, constitui um imperativo da
fidedignidade do registro. Nesse sentido invoca-se o mandamento expresso da lei, que,
prevendo a sua inscrição em outro cartório, exige deste, para averbação na matrícula e no
título novo, "certidão atualizada da existência ou inexistência de ônus" (arts. 197 e 230).
Se, a despeito disso, o ônus for omitido na matrícula, a omissão faculta a retificação
do registro, que pode ser requerida por um dos interessados, o credor ou o devedor dele, com
citações do outro (art. 212). Tratando-se de simples aplicação da seqüela, que deixou de ser
atendida oportunamente pelo registrador, o processo, por não acarretar prejuízo a terceiro,
pode ser administrativo (art. 213).
Às vezes, o título menciona expressamente o ônus, mas surge a questão da sua
compatibilidade com o negócio jurídico estipulado no contexto. Essa questão é relativamente
freqüente quando o ônus é o usufruto, pois coexistindo com a nua propriedade, tem caráter
temporário (Cód. Civ., artigo 713). Diante do aparecimento de títulos que versam sobre
hipoteca de imóvel gravado com usufruto vitalício, ou sobre locação desse imóvel com
cláusula de respeito em caso de alienação (Cód. Civ., art. 1.197), pergunta-se se o
usufrutuário pode hipotecar ou clausular dessa maneira o imóvel.
O usufrutuário não pode hipotecar o imóvel, porque somente pode fazê-lo quem pode
alienar (Cód. Civ., art. 756). Desde, porém, que a garantia seja oferecida pelo nu-proprietário
com a anuência de usufrutuário, nada obsta a inscrição, pois o primeiro pode alienar e,
portanto, hipotecar. Essa solução guarda certa simetria com a adotada, no usufruto de ações,
pela Lei de Sociedades Anônimas, segundo a qual o direito de voto somente pode ser
exercido mediante prévio acordo entre o proprietário e o usufrutuário (Lei n.º 6.404, de 1976,
art. 114).
Semelhantemente, o usufrutuário não pode clausular a locação do imóvel de modo a
ensejar a ultrapassagem do prazo do usufruto. O usufruto vitalício não tem prazo certo,
extinguindo-se com a morte do usufrutuário, que pode ocorrer antes ou depois do término da
locação. Como o usufruto não sobrevive ao seu titular daí decorre que este se acha tolhido de
onerar o imóvel com uma cláusula ultrapassante obrigatória para terceiros, inclusive para
quem, por alienação intercorrente do imóvel, se tornar nu-proprietário.
Por morte do usufrutuário, o imóvel deve ser transmitido em plena propriedade, livre
de ônus, ao nu-proprietário. Como então aceitar que, por morte do usufrutuário, fique o
nu-proprietário obrigado a respeitar uma locação que não autorizou? Embora possa o
usufrutuário usufruir o imóvel mediante locação (Cód. Civ., art. 724), esta há de ser regulada
da maneira que o seu prazo não exceda o do usufruto, sem o que infringirá a lei,
determinando, no exame da legalidade, a exigência de rerratificação do título para o fim de
inscrição.
O ônus da enfiteuse ou aforamento suscita relevante questão na cidade do Rio de
Janeiro, onde numerosos terrenos, transmitidos ininterruptamente como alodiais e assim
inscritos no Registro de Imóveis, vêm sendo, nos últimos anos, argüidos de foreiros, ora pelo
Estado, ora pela União, ao ensejo de serem novamente transferidos. A inesperada argüição
sobrevém , por parte do Estado, representado pelo seu Departamento de Patrimônio, ao
processar-se a guia para pagamento do imposto de transmissão e, por parte da União, também
representada pelo Departamento do Patrimônio ao apresentar-se o título para inscrição no
Registro de Imóveis, onde o seu andamento é obstruído por um ofício daquele. Departamento
em que se solicita ao cartório que não faça a inscrição de transmissões de certa zona sem o
prévio pagamento do laudêmio, por serem foreiros os terrenos nela compreendidos.
Quando a pretensão é do Estado, contam-se casos em que este admitiu o mesmo
terreno como livre para certo candidato e como foreiro para o candidato seguinte e, em se
tratando de terreno de edifício, livre para o adquirente de um apartamento e foreiro para o
adquirente do apartamento vizinho, o que, observando em processos de financiamento da
Caixa Econômica Federal, mostra a arbitrariedade do procedimento estadual. Seja como for,
diante do conflito entre a certidão negativa do ônus expedida pelo Registro de Imóveis, e o
carimbo de "foreiro" aposto pelo Departamento do Patrimônio da guia de transmissão, o
tabelião de notas se vê num impasse, do qual somente sai quando, a instância do adquirente,
solicita autorização ao Juízo dos Registros Públicos para lavrar a escritura sem o pagamento
do laudêmio.
Ora, a pretensão do Estado briga com vários princípios do registro, a saber, o
princípio de inscrição, de acordo com o qual um direito real, como a enfiteuse, para ter vida,
precisa estar inscrito no registro, o princípio de presunção, por cujo enunciado se presume
pertencer o direito a quem o inscreveu assim como o inscreveu; o princípio de continuidade,
em virtude do qual não se inscreve um título carregado de ônus quando o anterior não o
contém, a menos haja criação intercorrente; o princípio de eficácia da inscrição, enquanto
não houver cancelamento.
Por estas razões, o Juízo dos Registros, com apoio em bem fundados pareceres de
seus Curadores, tem concedido a autorização para que seja lavrada a escritura sem o
pagamento do laudêmio. Se, como advertiu o titular do Juízo, o Estado passou a entender que
o imóvel é foreiro "que trate de providenciar pelos meios legais o cancelamento do registro
que o dá como alodial e transcreva a enfiteuse, para beneficiar de seus efeitos". 240
Embora sejam válidas todas as razões invocadas nos casos concretos, para concluir
pela injuridicidade da pretensão do Estado, a todas sobreleva outra, que se encontra na cúpula
dos princípios cardeais do direito. Se o Estado institui o Registro de Imóveis para publicidade
das transmissões e ônus imobiliários, visando a que terceiros fiem nos seus livros quando
afirmam ou negam a existência de ônus, é incivil que ele próprio se subtraia à regra que
estabeleceu para afirmar o ônus quando o registro o nega: nemo contra factum suum venire
potest.
Se o adquirente, colhido de surpresa na emboscada à sua boa-fé, resolve, em vez de
lutar, pagar o resgate, isto é, o laudêmio indevidamente exigido, então nova surpresa lhe
estará reservada, porque o Registro de Imóveis recusará depois a escritura de transmissão do
imóvel como foreiro, exigindo a sua rerratificação como alodial em observância ao princípio
de continuidade. Essa exigência já tem sido feita, e, em processo de dúvida, tem recebido o
apoio de acertadas decisões do Juízo dos Registros Públicos.

240Sentença do Dr. Thiago Ribas Filho, de 13. 6. 1973, no proc. n.º 50.631, em que é requerente Cláudio
Coutinho Villela Pedras; cf. Sentença do Juiz da 3.ª Vara da Fazenda Pública Dr. Dilson Gomes Navarro Dias
no mandado de segurança requerido por Frederico Augusto Gomes da Silva (Proc. n.º 70.962/73).
A verdade é que, constando do Registro de Imóveis a alodialidade, muitas vezes
secularmente reconhecida pelo Estado, ou pela Municipalidade, sua antecessora, não pode
ser posta abaixo por via administrativa, isto é, por um carimbo de "foreiro" aposto em guias
de transmissão. O Estado há de recorrer à via judicial para pedir a declaração do direito que
se arroga e, se for bem sucedido, promover a inscrição da enfiteuse, pois ao registrador
somente incumbe acatar os ônus inscritos nos livros do seu cartório. 241
Assim como a inscrição pode ter por base atos negociais e atos judiciais, o exame da
legalidade aplica-se também a uns e a outros. Está visto, porém, que, quando tiver por objeto
atos judiciais, será muito mais limitado, cingindo-se à conexão dos respectivos dados com o
registro e à formalização instrumental. Não compete ao registrador averiguar senão esses
aspectos externos dos atos judiciais, sem entrar no mérito do assunto neles envolvidos, pois,
do contrário, sobreporia a sua autoridade à do Juiz. 242
Se a averiguação revelar falta, seja de conexão, seja de formalidade externa, o
mandado judicial deixará de ser cumprido pelo registrador, que então levantará a dúvida.
Esta terá cabimento, por exemplo, quando a inscrição versar sobre um imóvel que não figura
em nome do devedor, constante do ato judicial, mas de outrem.
Como a inscrição é um ato em parte privado e em parte estatal, é compreensível que o
Estado se valha dele para fiscalizar o pagamento dos tributos que lhe são devidos. Ao título
assegura-se a reserva da prioridade de acordo com a sua ordem de entrada, mas só se
assegura a inscrição se estiver revestido de todos os requisitos de legalidade, inclusive a
fiscal.
Esse ponto prestou-se a controvérsias no passado, opinando uns que a ausência de
pagamento de tributos não influi na legalidade do ato, produzindo efeito meramente fiscal,
243 enquanto outros sustentavam justamente o oposto, o que importava em reconhecer que a

falta de natureza tributária constituía fundamento para a dúvida. 244 Não é civil discutir a
priori sobre o efeito da falta de pagamento de tributos, porque depende da determinação da
lei em cada caso.
Atualmente, o Código Tributário Nacional inclui, entre as normas gerais de Direito
Tributário, uma que torna os serventuários públicos, entre os quais os registradores,
solidariamente responsáveis pelos tributos quando omitirem a exigência do seu pagamento
nos atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício (Lei n.º 5.712, de 1966,
art. 134). Além disso, a lei costuma cominar a pena de multa ao registrador e às partes, sem
prejuízo de continuar o imóvel onerado em mão do adquirente, quando se trata de
transmissão. Contudo, se a falta se referir a quitações a certidões previdenciárias, comina
desenganadamente a pena de nulidade de pleno direito ( Lei Orgânica da Previdência Social
n.º 3.807, de 1960, art. 185).
A exigência da prova do pagamento dos tributos devidos, impostos, taxas e
contribuições, não se atém mais às certidões negativas tradicionais, de que cogitava o Código
Civil (art. 1.137, parágrafo único), aliás em benefício também do comprador (art. 677,

241 A pretensão do Estado origina-se do art. 3.º d Regulamento aprovado pelo Dec.-Lei n.º 317, de 25. 3. 1970,
que ampliou a área foreira e atualizou o valor do foro. Aliás, a impropriedade do seu encaminhamento por via
administrativa foi reconhecida em parecer do Secretário da Justiça, aprovado pelo Governador do Estado
(Processo n.º 05-70.001-73, no D. O. EG de 6. 6. 73, p. 9.889).
242 LOPES, op. cit., n. 334, p. 357; VILLAVICÊNCIO. Publicidad imobiliária. 1. reimp. Washington, DC. p.
59, nota 1.
243 FULGÊNCIO, op. cit., nota 2 ao art. 834, p. 322.
244 SANTOS, op. cit., v. 10, int. do art. 834; LOPES, op. cit., v. 2, n.º 343.
parágrafo único), mas geralmente lhes acrescenta algo, como o certificado da matrícula do
imóvel no IBRA, agora INCRA (Lei n.º 5.947, de 1966, art. 22 § 1.º, 2.º e 3.º). O seu alcance
se alonga nos loteamentos e nas incorporações, que ficam sujeitos a certidões negativas de
impostos, de executivos fiscais e de contribuições previdenciárias, bem como à quitação do
loteador ou incorporador com o imposto de renda (Lei n.º 6.766, de 1979, art. 18, III; Lei n.º
5.591, de 1964, art. 32, letras a e c).
A legislação vai, porém, além disso, pois impõe ao registro o dever de exigir a prova
do pagamento dos tributos devidos, não apenas pelas partes, mas até por terceiros, com quem
elas se hajam ligado contratualmente, como o certificado de regularidades de situação
previdenciária do construtor do apartamento que uma delas vende à outra (Lei n.º 3.807, de
1960, art. 79, VI, comb. com art. 141, § 2.º). É que a solidariedade fiscal se estende cada vez
mais, agora sob a égide das normas insertas no Código Tributário Nacional, que a estabelece
entre pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da
obrigação principal e entre outras que a lei expressamente designe, sem admitir entre elas o
benefício de ordem (Lei n.º 5.172, de 1966, artigo 124).
O intervalo do exame da legalidade, que se abre com a prenotação dos títulos e se
fecha com a sua inscrição, às vezes se estende tanto a ponto de ser considerado abusivo pelos
interessados. Esse intervalo crítico se alonga até esse ponto principalmente devido à falta de
um roteiro que permite ao registrador percorrer o título à luz de um facho de precedentes, ao
invés de fazê-lo no escuro ou na penumbra das ruas reminiscências legais. Esse roteiro, a ser
indicado em regulamento, ensejará maior rigor em menos tempo de exame, harmonizando
assim as exigências aparentemente contraditórias da exatidão e brevidade.
Sem esse roteiro será sempre difícil ao registrador emitir com brevidade um juízo
sobre a legalidade dos títulos apresentados num processo de qualificação que guarda certa
afinidade com o de jurisdição voluntária. Embora seja subordinado ao Juiz, que resolve as
dúvidas levantadas sobre a qualificação dos títulos, é certo que, na maioria dos casos, o
registrador não é formado em direito, o que torna imperioso precisar em regulamento a sua
função, enumerando os pontos principais do exame da legalidade.
Neste particular, a experiência aconselha, de um lado, a levar tão longe quanto
possível a facilitação do seu trabalho, confinando igualmente o seu arbítrio e, de outro lado, a
assegurar sempre ao exame o alcance que precisa ter, mediante: a) enumeração regulamentar
dos casos mais freqüentes de irregularidade e das exigências cabíveis para a regularização
dos títulos, de sorte que, à simples inspeção visual, o registrador possa efetuar o exame; b)
devolução ao Juiz, mediante consulta, de casos não enumerados, mas que porventura
emergirem do exame efetuado pelo registrador.
A enumeração dos pontos principais sobre os quais há de versar o exame da
legalidade objetivará a autenticidade do instrumento, a identidade das partes e do imóvel e o
seu relacionamento com o registro, o que envolve a observância dos princípios registrais de
prioridade, continuidade e especialidade. Essa simples cautela impedirá a invasão de toda
sorte de títulos, não só os afastáveis por sua ilegalidade, como os inadmissíveis por sua
natureza, já que em certos cartórios do interior, como testemunhei anos atrás no Nordeste,
quando promovia a aquisição de servidões de eletroduto e de terrenos para as subestações da
Companhia Hidrelétrica do São Francisco, o registrador, ante a perplexidade em que se
encontra, abre um jubileu geral.
A devolução ao Juiz dos demais casos que porventura emergirem do exame efetuado
pelo registrador, constituirá uma válvula que esse servidor abrirá pela consulta para dar
escapamento à pressão que exerça sobre o seu espírito algum fato insólito não previsto na
enumeração anterior. Essa devolução obstará a que o registrador, por excesso de zelo em face
de uma suspeita infundada, dificulte o registro de títulos legítimos, a pretexto de defender
excogitados interesses de outros ou do Fisco.
CAPÍTULO 13

PRINCÍPIO DE CONTINUIDADE

1. Significado do princípio.

2. Inexistência do princípio no registro geral de 1864.

3. Questões geradas pela inexistência.

4. Introdução do princípio com o Código Civil.

5. Introdução do fólio real com a lei nova.

6. Alcance do princípio. Casos de inaplicabilidade.

O princípio de continuidade, que se apóia no de especialidade, quer dizer que, em


relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidades
à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro
como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões que derivam umas da outras, asseguram
sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente.
Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que
assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transformá-la no
elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente,
como o seu subseqüente a ele se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis
inspira confiança ao público.
O encadeamento de titularidades, em que se apóia a confiança do público, recebe o
nome de princípio de continuidade. Esse nome, contudo, tem variantes na linguagem,
conforme a expressão legal usada em cada país para traduzir o princípio, sendo este intitulado
no Direito Alemão de inscrição prévia do prejudicado em seu direito, 245 no Direito
Francês, inspirado tardiamente no antecedente, de efeito relativo da publicidade, designação
manifestamente imprópria, 246 ao passo que no Direito Brasileiro foi desde o começo
conhecido como registro do título anterior.
A sua essência repousa na necessidade de fazer com que o registro reflita com a maior
fidelidade possível a realidade jurídica. Ao exigir-se que todo aquele que dispõe de um
direito esteja inscrito como seu titular no registro, impede-se que o não titular dele disponha.
A pré-inscrição do disponente do direito, da parte passivamente interessada, constitui, pois,
uma necessidade indeclinável em todas as mutações jurídico-reais.

245 NUSSBAUM, A. Derecho hipotecário alemán. Madrid, ed. da Rev. de Derecho Privado. p. 29; WOLFF.
Derecho de cosas. Barcelona, Ed. Bosch. § 34, p. 172; HEDEMANN, J. W. Derechos reales. Madrid, ed. da
Rev. de Derecho Privado, 1955. § 13. p. 98; NETO, Soriano. Publicidade material do registro imobiliário.
Recife, 1940. p. 68.
246 HENRI; LEON; MAZEAUD, Jean. Leçons de droit civil. 3. ed. Paris, ed. Montchrestien. t. 3, n. 689.
Dentre as mutações jurídico-reais, a mais importante é a aquisição da propriedade do
imóvel, cuja existência representa o ponto de partida dos direitos reais limitados, que,
reunidos unitariamente, formam a sua plenitude. A inscrição da propriedade há de ter,
portanto, precedência, a fim de servir de base a qualquer outra, quer tenha por objeto a sua
transmissão integral, quer verse sobre um dos seus desdobramentos. Essa primazia lhe
advém de ser o suporte do direito pleno e o centro de convergência dos direitos reais que
recaiam sobre o imóvel.
Sem a inscrição prévia da propriedade, não se inscreve nenhum direito real limitado, à
míngua do pressuposto lógico deste, já que para a sua outorga é preciso que o outorgante
esteja previamente inscrito como titular do direito outorgado. Se a exigência diz respeito à
propriedade, está claro que se aplica também a qualquer desdobramento desta, a qualquer
direito real limitado. Assim, para que se transmita uma hipoteca, é indispensável que o
cedente figure no livro como credor hipotecário, a fim de que o cessionário lhe suceda do
direito, inscrevendo a cessão (averbação).
Apesar de evitar lacunas na cadeia de titularidades, cujo vazio impede a terceiros o
conhecimento da situação real dos imóveis, o princípio de continuidade não existia no
registro geral da lei de 1864. Quando se instituiu esse registro, para dar publicidade de à
transmissão e à oneração dos imóveis, ficaram isentos dele as transmissões causa mortis e os
atos judiciais, por se entender que as primeiras dispensavam a publicidade por não ensejarem
fraudes 247 e os segundos por já a conterem em si mesmos em grau suficiente, devido ao
formalismo que os cercava. 248
Não se ponderou que essa publicidade, na verdade, era instantânea e restrita, ao passo
que a do registro é permanente e geral, aberta a toda hora a qualquer interessado. Assim,
quebrada institucionalmente a cadeia de títulos pelo alheamento de alguns deles em virtude
de isenção legal, não era logicamente cabível cogitar da sua continuidade, aliás prejudicada
também pelo fato de a inscrição não induzir sequer presunção de domínio, pois a lei não lhe
assinava esse atributo, mas, ao contrário, lho negava ao advertir que não induzia prova de
domínio, que ficava salvo a quem for. Daí precisar a inscrição cobrir-se do lapso de tempo do
usucapião para firmar a propriedade.
Na realidade, o registro geral da lei de 1864 tinha muito menos préstimo do que se
imaginava ao adotá-lo, pois as duas referidas brechas, das transmissões causa mortis e dos
atos judiciais, praticamente o inutilizavam. Nesse regime nenhum adquirente podia sentir-se
seguro de sua aquisição, pois muita vez se abria no curso de direito uma encruzilhada, em que
ele era conduzido à direita, pelo titular legítimo, e, à esquerda, isto é, pela variante das
transmissões causa mortis e dos atos judiciais, por outro ilegítimo, sem que em certo negócio
o interessado tivesse meio de distinguir a sua ilegitimidade, dada a cobertura formal da
documentação.
No regime do registro geral começaram a formar-se dentro dele certas linhagens de
títulos, mas nunca puderam completar-se devido à falta dos elos correspondentes às
transmissões causa mortis e aos judiciais, que dele se achavam então legalmente isentos. A
dispensa legal das duas categorias de documentos afastava do registro os seguintes títulos: a)
formais de partilha e de legado; b) arrematações e adjudicações em hasta pública; c)
sentenças proferidas em ações divisórias; d) sentenças de adjudicação de imóveis em
pagamento de dividas do casal em inventário.

247 TEIXEIRA DE FREITAS. Consolidação. 3. ed. Rio, ed. Garnier, 1876. Introdução, p. 211; cf. p. 206.
248 LAFAYETTE. Direito das cousas. Rio, ed. Garnier, 1877. v. 1, § 50.
Cada um desses títulos podia tornar-se ponto de partida de uma cadeia dominial
ilegítima, desde que o inventário, a divisão e a execução judicial tivessem sido processados
sem a juntada de título de domínio do inventariado, do condomínio dividendo e do domínio
do executado. Se o imóvel inventariado não pertencesse ao defunto, ou o arrematado em
hasta púbica não pertencesse ao executado, ou o imóvel dividendo carecesse de título, o
formal de partilha , a certidão ou a folha de pagamento em divisão e a carta de arrematação
seriam documentos de direitos inexistentes.
Como exceções legais ao registro, os referidos títulos escapavam à oportuna censura
do registrador, de sorte que tinham o caminho completamente livre para, ficando fora dos
livros, formar cadeias dominiais ilegítimas ou, pelo menos, quebrar a seqüência natural das
legítimas. Daí resultava a intermitência destas últimas, cuja recomposição exigia uma análise
paciente, meticulosa e, quase sempre, difícil.
Deixados soltos, os títulos de transmissão causa mortis e os atos judiciais
prestavam-se a numerosas fraudes, que frustavam consideravelmente a utilidade do registro.
Dentre essas fraudes, algumas tornaram-se relativamente comuns: a descrição de imóveis
alheios em inventário e sua conseqüente partilha e lançamento no mundo dos negócios; a
execução graciosa, por conluio entre o exeqüente executado, do imóvel não pertencente a
este e a resultante arrematação em hasta pública; a divisão de imóvel alheio e a venda ulterior
dos seus quinhões; a venda da totalidade de um pelo condômino, como o marido, que,
fazendo-se passar por solteiro, burlava a legítima dos filhos, obrigados depois a promover a
nulidade parcial da venda, enquanto o imóvel era passado adiante ou submetido a inscrição
no registro Torrens; a usurpação de imóveis alheios na delimitação periférica do imóvel
submetido a inscrição no registro Torrens.
Não sendo possível evitar, devido à falta do princípio de continuidade, nem o
relacionamento do imóvel alheio em inventário e a sua conseqüente partilha a um dos
herdeiros, nem tampouco a sua penhora e arrematação em hasta pública, daí decorria que,
investido o herdeiro do formal de partilha, ou o arrematante, da carta de arrematação,
adquiria cada um deles aparentemente bem, um em partilha de herança, o outro em execução
judicial, mas, na realidade, a non domino. Dessas duas causas e de outras análogas nascia a
duplicidade de inscrições, ou de cadeias de inscrições, referentes ao mesmo imóvel, que
acabava provocando numerosas demandas, em que juízos e tribunais eram chamados, como
ainda o são na seqüência daquelas, a dirimir o conflito de títulos inscritos.
Se, no direito anterior, o princípio de continuidade coexistisse com o de prioridade,
como acontece no direito vigente, seria fácil resolver o conflito. Com efeito, no direito
vigente, em que todos os títulos transmissivos são sujeitos a inscrição, apresentados dois
títulos de transferência do imóvel, prefere-se, se oriundos do mesmo alienante, aquele que
primeiro se apresentou ao registro e, se oriundos de alienantes diversos, aquele cujo alienante
se ache inscrito no registro. No direito anterior, porém, em que nem todos os títulos
transmissivos eram obrigados à inscrição, porque escapavam desta os causa mortis e os
judiciais, a primazia não oferece a mesma nitidez, dependendo de uma operação meticulosa
de deslinde.
Sem saber o que existia no meio, ninguém podia assegurar de pronto se o que aparecia
na frente era deveras continuação do que ficara atrás. Puxar os fios da meada era a tarefa
imposta aos juízes quando tinham de decidir ações reivindicatórias, emaranhadas pela
necessidade do retrospecto de documentos de variada natureza, como partilhas, compras em
comum, divisão entre comunheiros; anulação de escrituras, manutenção de posse, invocação
de usucapião, requerimento e contestação do registro Torrens.
Tão penoso era o esforço exigido pelo deslinde dessas ações, quando nelas apareciam
cadeias dominiais paralelas, que em uma delas, marcada pela baralhada documental, o juiz,
depois de julgá-la procedente e de determinar o cancelamento das transcrições incidentes no
imóvel reivindicado, destoantes da cadeia dominial reconhecida, não pôde furtar-se a este
desabafo, destoante da proverbial discrição mineira: "Assim termina o fastidioso e mal
enredado romanceiro da Água Doce." 249
Às vezes, os tribunais puderam ater-se ao princípio de prioridade, mas outras vezes
tiveram de seguir outra linha de raciocínio, abstraindo dele para optar pela posse apta a gerar
o usucapião. 250 Para compreender e aceitar a opção dos tribunais, convém figurar uma das
situações mais simples que apareceram no passado, o caso de um imóvel que, pertencente a
certo proprietário, fora dado como pertencente a outro e relacionado no inventário deste,
sendo afinal partilhado a um dos herdeiros, que o lança no turbilhão dos negócios.
Paralelamente ao título ou títulos do seu legítimo proprietário, bem como dos seus eventuais
sucessores intervivos, passaram a desdobrar-se os títulos ilegítimos oriundos de um formal de
partilha que nem o particular, nem mais tarde o registro podia recusar, assim:

LINHA LEGÍTIMA LINHA ILEGÍTIMA


A é o legitimo proprietário do imóvel. B, não proprietário, transmite o imóvel
a um herdeiro por força de partilha

(relacionamento indevido em
inventário)

A pode reivindicar de B’ B’ adquire o imóvel do


herdeiro e leva o
o título à inscrição.

A pode reivindicar de B” B” adquire o imóvel de B’ e


leva o título à
inscrição.

A não pode mais reivindicar de B”’ adquire o imóvel de B” e


o leva a
B”’, devido ao usucapião, que à inscrição e, por ter
justo título e
redimiu o título deste. boa-fé, passa a
ser proprietário
legítimo, em vista do decurso do
prazo do usucapião, redimindo-se
assim a aquisição original a non
domino.

249 Sent. na ação reivindicatória de Ildefonso Alvim e Milton vilela de Andrade versus Lamartine Mendes e
outros, de Campina Verde, MG (1969).
250 Ver os acs. cit. por Serpa Lopes, in Registros públicos, v. 2. n. 235, p. 152.
Assim, a linha de filiação ilegítima de propriedade, em virtude da inércia do titular da
filiação legítima, que perdeu as oportunidades de reivindicação do imóvel, deixando
escoar-se em vão o tempo útil para esse fim, acabou transfigurada, em dado momento, em
ponto de partida de uma linha de filiação legítima aposta à anterior, que se desvaneceu. A
reivindicabilidade do imóvel, nas situações figuradas, permanece no direito atual ao longo do
curso do prazo do usucapião, uma vez que a presunção de verdade da inscrição não protege o
terceiro de boa-fé, mas as ocasiões de ocorrência dessas situações diminuíram
extraordinariamente, praticamente desapareceram, devido à introdução do princípio de
continuidade, que completou o estabelecimento da obrigatoriedade da inscrição dos títulos
transmissivos causa mortis e judiciais, trazida pelo Código Civil.
Aí está como o direito anterior, servido por um registro parcial e imperfeito, legou ao
direito vigente um considerável acervo de questões, cujo deslinde ainda ocupa até hoje a
atenção dos tribunais. Essas questões não mais se levantarão no futuro, a não ser
episodicamente, porque as suas causas foram eliminadas pela tapagem das brechas
legislativas por onde antigamente se insinuavam.
De fato, o Código Civil tapou essas brechas, fechando a corrente das titularidades, ao
incluir nela os elos faltosos das transmissões causa mortis e dos atos judiciais. A inclusão dos
atos judiciais foi pacífica, porque o mandamento de inscrevê-los condizia com o princípio da
transferência pela inscrição (arts. 532, II e III, e 533), mas a das transmissões causa mortis
não foi, porque o mandamento de inscrevê-las discordava do princípio da transferência pelo
direito hereditário: ou a herança se transmita pela inscrição ou pelo direito hereditário (arts,
532, I, e 530, IV e 1.572).
Afinal, estabeleceu-se a conciliação entre os textos, firmando-se que a herança se
transmite pelo direito hereditário, mas, uma vez singularizada em formais de partilha e cartas
de adjudicação, ficava, já evolvida nesses atos, sujeita a inscrição para que os titulares dos
seus quinhões possam dispor destes. Assim, as sucessões não entram diretamente no registro,
mas indiretamente, sob a figura dos atos individuadores dos quinhões, por se ter fixado o
entendimento de que, embora a transmissão se opere por força da lei com a morte do
antecessor, os atos dela decorrentes em benefício do sucessor ficam adstritos ao registro para
o fim de permitirem a disponibilidade do imóvel (Cód. Civ., art. 532, I; Dec. n.º 4.857, de
1939, arts. 241-243).
Ao incorporar o antigo registro geral, denominando-o de imóveis, e atrair para ele as
transmissões causa mortis e os atos judiciais, permitiu claramente que se formassem dentro
dele linhagens completas de títulos, sem a falta de qualquer deles. Com a universalização do
ingresso das mutações jurídico-reais no registro, estabeleceu-se o natural requisito para o
advento do princípio de continuidade dos títulos pela adequada exigência de sua filiação, já
agora favorecida pelo fato da inscrição induzir a presunção de domínio.
Assim, alcançada a obrigatoriedade do registro de todas as mutações
jurídico-imobiliárias, sem a qual não se explicaria o princípio, este pôde ser instituído, mas
teve de ser adaptado ao estado contemporâneo da propriedade, em face das intermitências
registrais que a evolução desta acusava. Não sendo possível, para pô-lo em prática, fazê-lo
remontar até a carta de sesmaria ou o registro do vigário, exigindo que, a partir daí, se
apresentasse a série ininterrupta de títulos, adotou-se uma fórmula transacional menos
rigorosa, acomodada à nossa situação. Se a exigência do título anterior se estendesse até o
remoto passado, ou ad infinitum, segundo a expressão mais enfática do que verdadeira usada
contemporaneamente, tornar-se-ia inexeqüível e frustraria o aperfeiçoamento do nosso
Registro de Imóveis.
Antes de vir expresso, uma porção da doutrina admitia decorrer o princípio
implicitamente do sistema imobiliário adotado pelo Código Civil. Decisões houve que
consagraram essa opinião, chegando a inferir a necessidade de relacionar o título com o seu
antecedente por meio desta pergunta terminante: se o nome do proprietário inscrito não
coincide com o do vendedor, em que se firmará o registrador para efetuar a inscrição do novo
título? 251
Ao surgir o preceito normativo, já encontrou, por um lado, o terreno predisposto por
essa parte da doutrina, mas, por outro lado, serviu para silenciar a outra parte da doutrina, que
lhe era adversa. Foi o regulamento dos registros públicos subseqüente ao Código Civil que o
introduziu expressamente no nosso Registro de Imóveis, preceituando que nenhum título
fosse transcrito sem que primeiramente o fosse o título anterior (Dec. n.º 13.542, de 1928, art.
204; cf. artigo 213).
Conquanto o princípio de continuidade assente melhor a um regime imobiliário que
adote a folha individual para o imóvel, porque aí, à simples inspeção visual, se pode verificar
a regularidade da série de transmissões, não se há de chegar ao extremo de dizer que ele
fosse incompatível com o nosso antigo regime de folha coletiva. Tanto assim que, enxertado
neste por um artigo regulamentar, produziu excelente resultado, porque, apesar de argüido de
ilegalidade, passou a ser cumprido por toda parte.
A meu ver, foi este o maior serviço que Filadelfo Azevedo, com ou sem excesso de
poder regulamentar, prestou ao Registro de Imóveis, visto como o princípio de continuidade
contribui decisivamente para sanear a nossa propriedade particular. A despeito disso,
contrastando-o com a pureza de linhas do registro alemão, Soriano Neto o censurou
severamente, dizendo que o artigo alusivo a ele estava no nosso direito imobiliário formal, tal
qual o artigo 859 do Código Civil, no nosso direito imobiliário material, "sem ponto de apoio
sólido, em que assente, completamente deslocado e sem correspondência a nenhum sistema".
252
A censura revestiu-se de excessivo rigor, porque o princípio, apesar da sua inegável
eletividade pela folha única, pode conviver também com a folha coletiva, sendo nesta apenas
mais difícil a busca da inscrição do título anterior. Tanto assim que na ocasião já figurava em
outros sistemas que não adotavam a folha única, como ficou demostrado em bem fundada
contradita, cujas citações podem ser acrescidas com a referência de que foi introduzido
posteriormente no sistema francês, quando este foi reformado (Dec. de 4. 1. 1955, art. 3.º).
253
O princípio foi introduzido de maneira a facilitar-lhe o cumprimento, já atendendo à
descontinuidade dos títulos do direito precodificado, já permitindo a inscrição simultânea
tanto do título pelo qual o disponente adquiriu o direito como daquele pelo qual o transmitia.
O fito era obter a primeira inscrição do imóvel feita com apoio em título legítimo, a fim de
servir de ponto de partida do funcionamento da continuidade.
A sua fórmula inicial, constante do artigo 234 do Decreto n.º 18.542, de 1928, dispôs
que não se poderia fazer a inscrição "sem prévio registro do título anterior, salvo se este não
estivesse obrigado a registro, segundo o direito então vigente", visando a ressalva atender

251 Despacho do Juiz Serpa Lopes in: Arq. jud., v. 32, p. 78; Ac. do Cons. de Just. da C. de A. do DF, de 13. 12.
1934, in: Arq. Jud., v. 33, p. 186.
252Neto, op. cit., n. 30, p. 69.
253 AZEVEDO, Filadelfo. Registro imóveis. Valor da transcrição. Rio, ed. da Liv. Jacinto, 1942. n. 33, p. 50; n.
33-46, p. 54-61.
precisamente a que, no direito precodificado, não estavam sujeitos ao registro as
transmissões causa mortis e os atos judiciais. Ao reproduzir essa fórmula, o artigo 244 do
Decreto n.º 4.857, de 1939, nela intercalou um esclarecimento, dizendo que não se poderá
fazer a inscrição "sem prévio registro do título anterior, e, quando nenhum haja, do último
anterior ao Código Civil, salvo se esse não estivesse obrigado ao registro, segundo o direito
então vigente". 254
O pensamento dominante nessa fórmula foi afastar a série retrospectiva completa dos
títulos e restringir a exigência ao título imediatamente anterior, pois assim se estabeleceria,
normal e suavemente, a continuidade dos registros. 255 O título imediatamente anterior
teria de ser trazido ainda que se tratasse de título anterior à vigência do Código Civil. Sem
pretender atingir a perfeição da primeira vez, apenas lançava a base para o futuro,
contentando-se em iniciar a série com dois títulos, o atual e o anterior.
Embora regulasse a inscrição do título celebrado após a vigência do Código Civil, o
preceito recuava, portanto, dessa fronteira temporal para alcançar os títulos celebrados antes
dessa vigência, tornando-se retrooperante em benefício do aprimoramento do Registro de
Imóveis, a despeito da resistências episódicas. Assim, o título passado após o Código Civil,
não podia ingressar por si só no registro, mas teria de apoiar-se em outro que historicamente
o houvesse antecedido, ainda que esse outro estivesse bastante recuado no tempo. Caso o
título anterior não se encontrasse dentro do registro, teria de ser procurado fora para ali ser
conduzido em primeiro lugar.
As alternativas que sucessivamente se depararam ao título atual podem ser reunidos
em três chaves:
a) título anterior passado antes da vigência do Código Civil, caso em que só era
chamado ao registro o obrigatoriamente inscritível no direito precodificado, como a escritura
de compra e venda de um imóvel, e não o formal de partilha do herdeiro que o houve em
pagamento e em seguida o transmitiu a quem pelo título atual se candidatava à inscrição: a
continuidade era truncada;
b) título anterior passado depois da vigência do Código Civil, caso em que eram
chamados ao registro o título anterior e os que porventura o houvessem precedido no período
do direito codificado, pois nesse período todos eram obrigatoriamente inscritíveis: a
continuidade era ininterrupta, imediata, absoluta;
c) título anterior inexistente, por não constar no livro, nem fora dele, caso em que o
título atual não lograva inscrição, a não ser coadjuvado pela ação de usucapião.
Verdade seja que Serpa Lopes liberalmente admitia a inscrição na terceira hipótese,
desde que revestida de circunstâncias aparentemente abonadoras do título, figurando o caso
de um imóvel arrematado em hasta pública por dívida fiscal inerente a ele, cujo arrematante
apresenta a carta de arrematação ao registro, onde não consta esteja o imóvel inscrito em
nome de ninguém. Como, perguntava ele, recusar em tal situação a transcrição se a
arrematação foi procedida num executivo decorrente de um crédito real, e se nada em
contrário consta do Registro de Imóveis que possa obstar-a se considerar o executado como
proprietário? 256

254 Para incluir a expressão grifada, o art. 244, do Dec. n.º 4.857, de 1939, recebeu nova redação, dada pelo
Dec. n. 5.318, de 1940.
255 GARCIA, Lisipo. Registros públicos e registro de imóveis. p. 14; LOUREIRO, Waldemar. Registro da
propriedade imóvel. 5. ed. Rio. Forense. n. 131. Nota ao art. 244 do Dec. n. 4.857, de 1939.
256 LOPES, Serpa. Registros públicos. 2. ed., v. 4, n. 742, p. 408.
Não assistia razão ao saudoso magistrado, porquanto no interior era relativamente
comum armar-se precisamente essa situação para prejudicar o legítimo proprietário distante,
metendo-se um intruso em uma porção das suas terras, dando essa porção delimitada ao
lançamento do imposto territorial para depois sofrer o executivo fiscal, em que um filho ou
outro parente arrematava o imóvel, Para o lançamento de um contribuinte no imposto
territorial, ao tempo em que pertencia aos Estados e, depois, aos Municípios, nunca a
coletoria exigiu o título de propriedade, como tampouco o exigirá doravante a União, para
cuja competência tributária aquele imposto foi em má hora transferido, visto como já agora o
Código Tributário Nacional admite às claras a posse como fato gerador dele, cometendo
assim uma grave irregularidade, dado que a Constituição do Brasil não a equiparou à
propriedade para efeito da tributação (Lei n.º 5.172, de 1966, art. 29).
Ao ser introduzido no nosso registro, o princípio de continuidade foi cercado de
cuidados especiais, traduzidos tanto na obrigatoriedade da menção do título anterior nos
títulos novos como na predisposição de atos judiciais para sua observância. Assim, a
procedência do imóvel passou a ser exigida quer nas escrituras públicas de transmissão, quer
nas descrições de bens em inventário e nos editais de praça, já que tais atos dão origem a
formais de partilhas e cartas de arrematação e de adjudicação (Dec. n.º 4.857, de 1939, art.
248; Cód. de Proc. Civ. de 1939, arts. 471 § 1.º e 963; Cód. de Proc. Civ. de 1973, arts. 993,
IV, ―a‖ e 686, I).
A par disso, o seu cumprimento foi prestigiado com toda força pelos tribunais, depois
de vencidas as vacilações iniciais de alguns deles. O Supremo Tribunal Federal acabou
também apoiando o princípio de continuidade com o máximo rigor, quando decidiu ser
inválido o registro de uma carta de adjudicação sem o prévio registro do título anterior,
aquele e este passados na vigência do Código Civil. 257
Devido a esses fatores favoráveis, tornou-se rotineira a referência ao número de
inscrição dos imóveis em todos os atos que lhes digam respeito. Do mesmo modo que agora
esse número é corrente nas escrituras de transmissão imobiliária, públicas e particulares,
também o é nas cartas de sentença da mesma ou semelhante finalidade, de sorte que vem
consignado, para designar a origem do imóvel partilhado, dividido ou executado, no forma
de partilha do herdeiro ou legatário, na folha de pagamento do condômino, na carta de
adjudicação e na carta de arrematação.
Contudo quando o imóvel passava de jurisdição de um cartório para a de outro,
desmembrado do primeiro, abria-se nova oportunidade para a duplicidade de cadeias
dominiais, porque não e exigia o seu desligamento formal de um para outro, cada um dos
quais podia tornar-se, portanto, ponto de partida de eventual transmissão. Como o oficial do
registro não tinha a obrigação de exigir o comprovante da propriedade, quando o imóvel
estivesse inscrito em outro cartório, daí decorria que a mudança de subordinação prestava-se
a ser aproveitada para a prática da fraude até que a nova lei registral estabeleceu a
obrigatoriedade da certidão atualizada do antigo cartório para o ingresso no novo (arts. 229 e
230).

257 Ac. do S.T.F. de 12. 8. 1941. In: LOPES, op. cit., v. 4. n. 742, p. 40 ou LOUREIRO, op. cit., n. 133, p. 202.
Quando apareceu a nova Lei dos Registros Públicos (Lei número 6.015, de 1973, com
as alterações da Lei n.º 6.216, de 30 de junho de 1975 no D.O. de 16. 9. 1975), o princípio já
estava, portanto, implantado, pelo que foi nela simplesmente repetido, sem a ressalva
intertemporal da sua fórmula primitiva. Segundo o teor da atual. "se o imóvel não estiver
matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o
registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do
registro" (art. 195).
Além de repetir a exigência do prévio registro do título anterior, também reproduziu
a da menção desse registro no título atual, seja qual for a sua natureza, privado, judicial ou
público. Neste ponto, cabe pôr em relevo a obrigação de referência ao registro anterior em
todas as escrituras particulares de negócios relativos a imóveis (arts. 222 e 223; cf. arts. 227 e
237).
No entanto, a lei trouxe uma grande a meritória inovação, que beneficia enormemente
o funcionamento do princípio, substituindo a dispersão dos títulos em vários livros pela sua
concentração em um só, onde será muito mais fácil observar a sua seqüência e buscar o
imediatamente anterior ao apresentado. Foi a introdução do fólio real, do livro em que cada
imóvel tem a sua folha privativa, onde se assenta tudo quanto lhe diz respeito, por ela
chamado de "registro geral" (arts. 173, II, e 176).
Esse livro constitui a base natural onde descansar o princípio de continuidade, o seu
apoio lógico, pelo que, ao introduzi-lo, a lei deu o único passo avançado no sentido da
evolução do registro. A sua inclusão no nosso Direito Formal prenuncia outra no Direito
Material, a do princípio de fé pública, mas sobretudo facilita o cumprimento do princípio de
continuidade, segundo o qual a pré-inscrição do título do alienante é indispensável à
inscrição do título do adquirente.
Assim formulado, esse princípio de Direito Formal, pelo seu teor genérico, dispensa
todos os dispositivos de Direito Material que, de teor específico, visam a reconduzir ao
registro, caso por caso, as transmissões imobiliárias que ocorrem fora dele isto é,
independentemente de inscrição (partilha, divisão de condomínio, adjudicação a credor ou
herdeiro único, entrega de legado). A sua amplitude é tal que, ainda que desaparecessem os
dispositivos especiais acima indicados, nem por isso o formal de partilha, a folha de
pagamento em divisão, a adjudicação e a entrega de legado escapariam ao registro, pois cada
qual, mais cedo ou mais tarde, seria título anterior relativamente a outro, que o atrairia
forçosamente à inscrição.
Como o seu enunciado obriga à inscrição todo título anterior ao apresentado nenhum
título antecedente, seja qual for a sua espécie, foge ao alcance da obrigatoriedade. A
afirmação feita acerca do gênero, cobre evidentemente cada uma das espécies que o
compõem. As vezes o título antecedente e um processo, como no loteamento e no
condomínio edifício, sem cujo registro prévio não se registra a transmissão de qualquer lote
ou apartamento. Analogamente levada ao registro uma carta de arrematação em ação
executiva, se o imóvel não estiver lançado em nome do executado, o registrador exigirá que
previamente o seja. Aliás, esse caso deve tornar-se cada vez mais raro na imensidão do País
dada a exigência da inscrição preventiva da penhora e do apontamento do número da
inscrição do imóvel no edital de praça.
Se o executado possuir o imóvel sem título, mas com tempo para o usucapião
extraordinário? Nesse caso, mais plausível, a penhora que se efetuar será deveras de direito e
ação; de sorte que a carta de arrematação habilitará o arrematante a requerer em seu nome o
usucapião para inscrever no registro a sentença como título aquisitivo. Assim se concilia o
preceito da obrigatoriedade do registro do título anterior com a da aquisição da propriedade
por usucapião extraordinário, embora caiba reconhecer que este já se tornou verdadeiramente
perturbador com o desenvolvimento assumido pelo Registro de Imóveis (Cód. Civ., art. 550).
Atualmente, após o funcionamento do registro durante mais de século, bem como o
seu aperfeiçoamento pelo princípio do trato sucessivo durante quase meio século, cada
imóvel se prende, em regra, a uma cadeia regularmente formada, ligando-se assim a um título
anterior. Ao invés de confirmar-se o vaticínio pessimista do severo censor do texto
instituidor daquele princípio entre nós, segundo o qual as exigências e necessidades do
comércio imobiliário se encarregariam de torná-lo letra morta, foi totalmente desmentido na
prática por uma constante observância, graças à qual acabou redundando no mais completo
êxito.
O encadeamento das titularidades às vezes exige maior atenção, quando entre o título
anterior e o atual se interpõem outros títulos de natureza transitória, que aumentam a
distância entre aqueles, como acontece nos negócios começados com uma promessa de
venda irretratável, a que a nossa lei deu eficácia real. Essa promessa costuma gerar nas
grandes cidades, mormente quando constitui ponto de partida de uma incorporação,
numerosos negócios intermédios até que se concretize afinal na venda definitiva.
Assim, A faz uma promessa de venda a B; B cede os seus direitos a C; C, por sua vez,
promete cedê-los a D; D, mais tarde, cede a D; então A e D celebram a escritura definitiva de
venda. Se B, promitente-comprador, ao invés de ceder logo os seus direitos a C, empreita
com uma empresa a construção de um edifício no terreno e, terminada esta, cede a C os seus
direitos a uma fração do terreno e lhe vende as benfeitorias vinculadas a essa fração, então a
situação se complica mais, porque subsistem no registro três assentos: 1.º) inscrição do
terreno todo em nome de A; 2.º) promessa de venda do terreno todo de A e B; 3.º)
averbação da cessão da promessa, com referência a uma fração do terreno, em favor de C.
A não pode passar a escritura definitiva a B, porque B já cede os seus direitos à fração
do terreno a C; por outro lado, A só pode passar a C a escritura definitiva da fração do
terreno, não das benfeitorias. Os cartórios resolvem essas dificuldades por meios que lhes
parecem práticos.
Além dessa causa, peculiar ao Direito Brasileiro, outra costuma dificultar o
encadeamento dos títulos de propriedade, quando entre o título anterior e o atual se interpõem
títulos aumentativos ou diminutivos do imóvel descrito no primeiro. A conexão entre um e
outro não pode ser imediata, porquanto há-de fazer-se mediante consulta aos títulos de
desmembramentos e anexações que modificaram a fisionomia original do imóvel, a fim de se
saber se o transmitente tem efetivamente o que transmite. Essa causa, que tanto pesa
ocasionalmente para atrasar a inscrição, prende-se, porém, não à titularidade, mas ao objeto
do direito, à especialidade do imóvel.
O princípio de continuidade tem ensejo de aplicar-se quando, pressuposto o mesmo
objeto, o mesmo imóvel, se indaga se o sujeito, o titular do direito outorgado, se acha, ou não,
inscrito. As mais freqüentes aplicações do princípio, os seus naturais corolários,
independentemente de se acharem também previstos em textos expressos de Direito
Material, são os seguintes:

1.º — Não se pode inscrever nenhum direito real, sem que conste previamente
inscrito o titular do domínio do imóvel sobre o qual aquele incida.
2.º — Se o titular do domínio contrair casamento no regime de comunhão de bens,
não poderá vender, nem hipotecar o imóvel, ainda que com o consentimento do cônjuge, sem
que conste do registro a co-propriedade deste ( averbação do casamento).

3.º — Em geral, posto o imóvel em condomínio, não pode um só dos condôminos


vendê-lo ou dá-lo em hipoteca em sua totalidade, por não estar inscrito como titular único.

4.º — Distratada uma sociedade, o sócio que ficar com o imóvel de propriedade dela
não pode vendê-lo, sem que primeiro registre a sua escritura de aquisição, lavrada
conjuntamente com o distrato, ou em separado.

5.º — Falecido o titular do domínio do imóvel, o herdeiro único não pode vendê-lo,
nem dá-lo em hipoteca, sem que primeiro registre a sua carta de adjudicação do imóvel.

6.º — Se registrada a carta de adjudicação do herdeiro único, este vender o imóvel, o


seu adquirente levará a melhor sobre o eventual adquirente do de cujus, que haja omitido o
registro tempestivo da sua aquisição.

A hipoteca suscita também um problema de encadeamento, quando antes da inscrição


se dá a partilha do crédito hipotecário. Nesse caso, deve-se proceder primeiro à inscrição em
nome do de cujus para em seguida fazer a averbação do formal de partilha. É que o título
suscetível de inscrição é o da constituição da hipoteca que está em nome do de cujus, não
tendo o seu herdeiro senão um título de transmissão dela, suscetível apenas de averbação.
Tanto mais verdadeira é essa solução quanto, além de ditada pelo princípio da
continuidade, se vê secundada, se vê secundada, entre nós, pela diferença da nomenclatura
das formalidades registrais, que repercutem diversamente na constituição e na transmissão de
um direito real. Estes são os motivos pelos quais me parece inexata a opinião de Serpa Lopes
que, depois de expor a divergência dos autores franceses em torno desse ponto, entende que
"nada obsta a que se faça a inscrição inicial em nome do herdeiro credor, de vez que não
havia nenhuma inscrição precedente". 258
Todavia, a hipoteca de cédula oferece um desvio na linha de titularidade do livro,
visto como, uma vez feitas a inscrição inicial em nome do credor e a averbação da cédula
extraída, daí por diante a cédula começa a circular fora do registro, de sorte que a
continuidade se comprovará mediante a cadeia ininterrupta de seus endossos que cheguem
até o credor inscrito. A esse credor deve, pois, ligar-se o último endossatário, por meio da
cadeia regular de endossos, para que consiga legitimar-se, pelo que precisa estar de posse da
cédula hipotecária. 259
Esse desvio não quebra, portanto, a seqüência das titularidades, mas apenas a linha de
sua direção, que, acompanhando ordinariamente o livro, passa, nesse caso, a acompanhar a
cédula. Não se cria assim um risco para o terceiro, porquanto este é advertido pelo registro de
que, com a extração da cédula, a hipoteca pode ter passado por várias mãos, de modo que o
fato de constar do livro um credor não autoriza a acreditar que ele ainda o seja, uma vez que,
mediante cessão do título, ele pode ter transferido essa qualidade a outrem, cujo nome não
consta da inscrição.

258 LOPES, op. cit., v. , n. 751, p. 447.


259 WOLFF, op. cit., § 34, n. IV, p. 173; HEDEMANN, op. cit., § 46, p. 434.
À semelhança do que acontece com a transmissão causa mortis, a transmissão inter
vivos da cédula acaba sendo reconduzida ao registro, senão em todos os seus trâmites, pelo
menos no final, para o cancelamento da inscrição hipotecário. A nossa legislação oferece
atualmente não só esse tipo de cédula hipotecária, a saber, a que é extraída da escritura
inscrita e em seguida averbada, como ainda outro, a que forma com a escritura um só
instrumento, mas em ambos se prevê que, efetuada a inscrição original, a continuidade se
cumpra pela cadeia extra-registral de endossos, suscetível de recondução ao registro. 260
Assim como não se quebra a continuidade com a extração da cédula hipotecária,
também não se quebra com o desmembramento do cartório, em virtude do qual o imóvel
inscrito tanto pode continuar a pertencer ao cartório antigo, como passar a pertencer ao
cartório novo. Se o imóvel continuar a pertencer ao cartório, é de primeira evidência que o
desmembramento não atinge a continuidade. Se passar a pertencer ao cartório novo, de duas
uma: ou o titular da inscrição se mantém inerte em relação ao seu direito, deixando de
movimentá-lo, ou, entrando em ação, o põe em movimento.
Na primeira hipótese, de comportamento estático do titular, que se abstém de
negociar o seu direito, não se exige dele que faça nada na direção do registro, visto como a
inscrição validamente feita permanece válida no cartório antigo. No fraseado da lei, "o
desmembramento territorial posterior ao registro não exige a sua repetição no novo cartório"
(Lei n.º 6.015, de 1973, artigo 170).
Na segunda hipótese, de comportamento dinâmico do titular, que negocia o seu
direito, então se exige dele que, uma vez estipulado o seu negócio, leve o título ao novo
cartório, acompanhado de certidão atualizada do título anterior. Na literalidade do texto,
"quando o título anterior estiver registrado em outro cartório, o novo título será apresentado
juntamente com certidão atualizada, comprobatória do registro anterior, e da existência ou
inexistência de ônus" (art. 197; cf. art. 229).
Dessa maneira, o desmembramento territorial do cartório, em virtude do qual o
imóvel passou à jurisdição do novo cartório, não prejudica a continuidade dos assentos que
lhe dizem respeito, visto como estes são transportados para o livro novo cartório mediante
certidão atualizada. Como, no livro do cartório antigo, os assentos remontam, não ao título
primitivo de procedência do imóvel, 261 mas ao título intermédio, do qual parte o
encadeamento das titularidades, esta certidão não pode ser excessivamente longa.
A exigência da certidão do cartório antigo, suprindo uma omissão do regulamento
anterior, previne alienações em dobro, mas o seu enunciado se ateve à época em que deve ser
extraído o documento, que há de ser próxima da do seu uso, sem se preocupar com o período
a ser abrangido. Se a exigência tivesse marcado o período de vinte anos, apto a gerar o
usucapião, como acontece relativamente ao imóvel sujeito a loteamento, e determinado a
consignação desse fato na matrícula, contribuiria para apressar o saneamento da propriedade
pela crescente passagem da presunção para a certeza da titularidade.
Quando se considera atualizada a certidão? A lei não o diz, pelo que, na falta de
regulamento, toca ao registrador, com o seu prudente arbítrio, determinar esse ponto em face
das circunstâncias ocorrentes. Essa faculdade não lhe assiste, todavia, se o claro for
260 DECRETO-LEI N. 70, de 1966, cap. II, art. 9-27; DECRETO-LEI N. 413, de 1969, art. 19, III, e 26, 29,
36; CARVALHO, Dora Martins de. A comercialização da hipoteca. Rio, ed. da Cia. Bras. de Artes Gráficas,
1970. Cap. III, p. 32-36.
261 ― Transcreve-se o título apresentado, se com ele se oferecem os anteriores, sendo descabida a exigência do
título primitivo de procedência para a transcrição, pelo oficial do registro‖ (Ac. da 1.ª C. do T. de J. de MG de
11.6.1953. In: Rev. For., v. 169, p. 254).
preenchido por provimento da Corregedoria, como no Rio de Janeiro, onde se reputa
atualizada a certidão passada até trinta dias atrás (Prov. n.º 6/75, art. 17, § 2.º).
Sujeita a perder o vigor com o tempo, mas suscetível de refrescar-se, a certidão há de
mencionar igualmente a existência ou a inexistência de ônus, porque este, se ocorrer, terá de
ser lançado juntamente com o título, não só porque completa a informação devida a terceiros,
como porque fornece, por sua vez, o ponto de partida de outra cadeia de titularidades. Assim
como há sucessivos titulares de domínio, também os há, por exemplo, de hipotecas. Daí o
assento simultâneo de uns e outros, quando concorrem na mesma certidão (art. 230).
Por conseguinte, quer o cartório da situação do imóvel mantenha sempre a mesma
base territorial, quer seja esta secionada administrativamente, a continuidade dos assentos em
seguimentos à primeira inscrição do imóvel será assegurada pelo tempo afora. Assim como
nada sofre com o artifício financeiro da cédula hipotecária, também nada sofre com o
expediente administrativo de desmembramento do cartório.
Embora às vezes sejam referidos como exceções ao princípio da continuidade, os
títulos envolventes de transição entre a propriedade pública e a particular na verdade
escapam desenganadamente ao seu âmbito, caracterizando-se antes como casos de manifesta
inaplicabilidade do princípio. É que este domina apenas as mutações jurídico-reais que
ocorrem no círculo da propriedade privada.
Por isso, os títulos concernentes à transição entre as duas propriedades têm acesso
direto ao registro, dispensando-se a pré-inscrição do título anterior, devido à posição
eminente em que se acha o domínio público relativamente ao domínio privado, o primeiro
livre do registro, o segundo sujeito a ele. Assim, ingressam imediatamente no registro s
títulos de: a) aquisições de particulares ao Estado (União, Estados, Municípios, Territórios),
uma vez que os imóveis públicos escapam ao registro; b) aquisições do Estado mediante
desapropriação (carta de sentença), uma vez que são havidas como originárias,
sub-rogando-se no preço ― quaisquer direitos que recaiam sobre o bem desapropriado‖ (Lei
de Desapropriação, art. 31).
No primeiro caso, a dispensa impõe-se com meridiana clareza, pois o título atual
provém do Estado, que tem o domínio original do território, o que redunda em dizer que não
existe, não pode existir, título anterior. O título emanado do Estado deriva da fonte pura, da
nascente não turvada de todo domínio.
No segundo caso, a dispensa provém de uma opção da nossa doutrina, que sustenta
ser a desapropriação um modo originário da aquisição da propriedade, de sorte que o Estado
chama a si o imóvel diretamente, livre de quaisquer ônus reais, que acaso o gravassem. Não
havendo sucessão entro o expropriante e o expropriado, a inscrição da carta da sentença de
desapropriação é independente da pré-inscrição do desapropriado e tem simples efeito
declarativo. 262
Essa doutrina porém, não é pacífica, pois Pasquale Carugno entre outros, entende que
o caráter coativo da desapropriação não é obstáculo à aquisição derivada. 263 Como esta
não favorece em nada a ação do Estado, provavelmente o entendimento dissidente não
chegará a prosperar na prática.
262 MAYER, Otto. Dir. adm. al. Buenos Aires, Ed. Depalma, 1951. t. 3, § 34, p. 51; FLEINER, Fritz. Droit
administratif allemand. Paris, Ed. Delagrave, 1933. § 18, p. 192; LOPES, OP. cit., v. 4, n. 637-638, p. 162 et
seq.; CAMARGO, Laudo de. Decisões. São Paulo, Ed. Saraiva, 1931. p. 153-156; Acs. do Cons. de Magist. de
São Paulo, de 24.01.1973 e de 10.12.1973. In: Rev. do Inst. de Registro Imobiliário, São Paulo, n. 2, p. 106 e
108.
263 CARUGNO, Pasquale. L'espropriazione. Milão, Ed. Giuffre, 1950. n. 8, p. 24.
A propósito torna-se oportuno mencionar que, como a inscrição do título anterior é
exigida para manter a continuidade dos assentos registrais, já se tem entendido que, se o
imóvel não consta sequer do registro, desaparece a razão de ser da exigência, devendo-se
acolher originalmente o título atual. Essa solução, fundada no brocardo ad impossibilia nemo
tenetur, somente é recebível em termos, isto é, como aplicável aos casos de aquisição
originária da propriedade, em que figurará como transmitente o Juízo, ao lançar-se o extrato
do título no livro de inscrição.
Apesar do progresso observado ma legalização da propriedade particular, é possível
que o cadastramento, cuja necessidade tanto se faz sentir, ainda revele claros na titulação dos
imóveis e aconselhe uma nova lei saneadora, semelhante à , de 1850. Essa lei, inspirando-se
na experiência de empresas de serviços públicos, cujos departamentos jurídicos têm-se
empenhado em legalizar imóveis que elas se interessem em adquirir, poderá confiar a um ou
mais órgãos administrativos a tarefa de coligir documentos e preparar a regularização dos
não titulados, sem precisar provavelmente para isso de reduzir o prazo do usucapião, que já
se tornou bastante curto.
Posteriormente, a matrícula desses imóveis no registro se fará lançando apenas o
último título, ou o que for criado, com a descrição imóvel, dispensando o resumo cronológico
dos títulos anteriores do qual se conclua a propriedade atual. Esse procedimento se justifica
pela razão de que o último título é o que contém a descrição atual do imóvel, que deve
encabeçar a matrícula, e ainda porque assim se alivia o livro de numerosos assentos ligados a
títulos buscáveis no arquivo.
CAPÍTULO 14

PRINCÍPIO DE INSTÂNCIA

1. Princípio de instância. Exceções.

2. Defeitos do título. Exigências e dúvidas.

3. Tramitação da dúvida. Extrato do título.

4. Registro e devolução do título. Carimbos.

5. Arquivamento de comprovantes do registro.

6. Roteiro do exame dos títulos. Requisitos acerca das partes, do imóvel,


do título e dos tributos.

A ação do registrador deve ser solicitada pela parte ou pela autoridade. É o que no
Direito Alemão se costuma chamar de princípio de instância, expressão adequada também no
Direito Brasileiro, por traduzir bem a necessidade de postulação do registro. Sem solicitação
ou instância da parte ou da autoridade o registador não pratica os atos do seu ofício. 264
A inscrição de um título há de ser precedida, portanto, da sua apresentação ao
Cartório do Registro de Imóveis com o requerimento do interessado no sentido de ser
efetuada. Esse requerimento pode ser oral ou escrito, o que facilita o acesso dos documentos
ao registro, aonde podem ser levados por qualquer pessoa, transformando-se assim o
interessado em simples portador, de acordo com uma prática mais que centenária.
Como atualmente o Registro de Imóveis é regulado por uma lei comum a outros
registros públicos, é nas disposições gerais dessa lei que se encontra expresso o princípio de
instância. Segundo essa disposição legal, os atos do registros serão praticados a
requerimento verbal ou escrito dos interessados, além de por ordem judicial ou requerimento
do Ministério Público (Lei número 6.015, de 1973, art. 13).
Assim se manteve a prática tradicional, facilitadora dos negócios imobiliários, em
que não se exige sequer que o interessado formule expressamente o requerimento de
inscrição, pois o oficio do Registro de Imóveis se satisfaz com o requerimento tácito
decorrente da apresentação do título inscritível. A apresentação do título subentende ou
implica o requerimento de inscrição. Aliás, dá-se o mesmo no registro alemão, em que, uma
vez verificado o consentimento para a inscrição que aqui vem exarado no título, se dispensa o
interessado de requerê-la expressamente. 265
264 A palavra "instância" costuma ser empregada equivocamente com os significados de "relação processual" e
de "grau de jurisdição". A bem da uniformidade da terminologia jurídica, o Código de Processo Civil de 1973
aboliu do seu texto o primeiro significado, até então usual nas expressões suspensão, absolvição e cessação da
instância, substituindo a palavra por "processo" (arts. 262-269), mas a Constituição de 1969 ainda conserva o
segundo (arts. 119, II, c, e III; 125; 144, III e § 1.º, a e d e § 6.º; 192).
265 WOLFF, Martin. Derecho de cosas. § 32, La instância, p. 160.
A apresentação deve determinar automaticamente a prenotação do título para efeito
da garantia da prioridade. O art. 12, § único da Lei n.º 6.015, de 1973, ao prever a
apresentação "para cálculo de emolumentos", sem o subseqüente lançamento do título no
protocolo, destoa do sistema registral e enseja claramente a burla do princípio de prioridade.
Na verdade, esse preceito anômalo presta-se a ser utilizado, no jogo de interesses,
para desviar um título da porta do registro, a fim de que nele penetre livremente outro título
sobre o mesmo imóvel. Ao retornar o título supostamente apresentado "para cálculo de
emolumentos", já encontrará à sua frente o outro, que por obra e graça de estranha permissão
legal lhe escamoteara a prioridade. 266
O requerimento inicial da inscrição não vale, porém, para todos e quaisquer atos
intermédios até que ela seja efetuada, porquanto, surgindo a dúvida do registrador sobre a
legalidade do requerido, se exige novo requerimento para que ela seja processada. A
exigência é compreensível não só pela conveniência de atrair o verdadeiro interessado, em
cujo lugar estivera talvez inicialmente um simples portador, como para dar-lhe ensejo de
acompanhamento do processo mediante a indicação do endereço para as intimações.
De modo geral, o requerimento escrito, com indicação do endereço do requerente, é
reclamado nos seguintes casos: a) início do processo de dúvida com remessa do título ao
juízo competente para dirimi-la (art. 198); b) retificação administrativa de erro constante do
registro (art. 213); c) união de imóveis confinantes pertencentes ao mesmo proprietário (arts.
234 e 235); d) desmembramento de imóvel (§ único do art. 235); e) averbação de mudança de
denominação e de numeração de prédios, de edificação, de reconstrução, de demolição, bem
como de casamento, de separação judicial e de restabelecimento da sociedade conjugal do
titular (parág. único do art. 246).
O requerimento de união de imóveis confinantes descreverá o perímetro do imóvel
unificado, assim como o do desmembramento descreverá tanto a parte desmembrada como a
remanescente, de modo a especializar os imóveis para a matrícula e para a averbação,
respectivamente. Cada requerimento será instruído com a autorização do órgão oficial de
cadastramento imobiliário, da Prefeitura, do INCRA ou do Patrimônio da União, conforme o
caso, e se não for acompanhado de planta, poderá o registrador exigi-la.
No caso de desmembramento, se o imóvel for serviente, deverá mencionar-se a
servidão e determinar-se a gleba onde se exercita, se a desmembrada ou a remanescente. Essa
determinação, aplicável comumente aos casos de aqueduto e de trânsito, ao mesmo tempo
que respeita a perpetuidade da servidão, permite, de um lado, o imediato conhecimento desta
pelo adquirente da gleba onerada e, de outro, a liberação daquela que deixa de sê-lo. Do
contrário. a escritura de transmissão da gleba onerada poderá omitir o ônus inscrito contra o
imóvel primitivo, sem que o exame da legalidade de pela falta, ocasionando atritos, entre o
transmitente e o adquirente, ou entre este e o vizinho do imóvel dominante.
O requerimento para averbação de fatos modificativos da fisionomia do imóvel, bem
como do estado civil do seu titular, será instruído igualmente com o documento
comprobatório expedido pelo órgão oficial competente. Nesses, como nos casos precedentes,
o requerimento deve trazer o reconhecimento da firma do requerente (§ único do art. 246).
O nosso Código Civil prevê que a inscrição seja requerida por qualquer interessado,
tanto aquele a quem aproveita, como aquele a quem prejudica, bem como pelo representante
ou órgão de um ou de outro, fazendo-o num texto restrito à transmissão gratuita, mas que tem

266 Cf. ac. T. J., SP, de 29. 06. 1979, na Rev. de Dir. Imob., n. 5, 1980, p. 67.
evidente caráter genérico, abrangendo toda espécie de transmissão e de oneração (Cód. Civ.,
art. 857; cf. Dec. n.º 4.857, de 1939, art. 233).
Ao invés de aludir a "qualquer interessado", a nova Lei do Registro declara que a
inscrição pode ser provocada por "qualquer pessoa", o que não é exato, bastando, para
comprová-lo, lembrar a inscrição da hipoteca legal ou da judicial. Daí interpretar-se a
expressão nova como equivalente à antiga, em cuja generalidade cabe analiticamente.

a) qualquer das partes que estipulam o negócio jurídico, como o disponente e o


adquirente, em uma aquisição, o proprietário e o credor em uma hipoteca.

b) o representante legal ou negocial de qualquer das partes, como o pai, a mãe, o


tutor, o curador, o inventário, o síndico, o gerente ou administrador de uma sociedade, o
procurador;

c) o mandatário tácito de qualquer das partes, entendendo-se como tal o portador


dos títulos ao registro para a inscrição;

d) o terceiro interessado em assegurar o direito que se deva inscrever, ou em


cancelar o ônus de um direito inscrito, como, respectivamente, o credor de um herdeiro
quinhoado em partilha relativamente ao formal desta e o credor quirografário de um devedor
hipotecário relativamente à quitação extintiva da hipoteca.

Da enumeração feita, a quarta alínea, concernente ao terceiro interessado, se acha


encoberta na disposição legal que faculta ao terceiro prejudicado fazer, em juízo, prova da
extinção dos ônus reais e promover o cancelamento (Lei n.º 6.015, art. 253; cf. Dec. n.º
4.857, de 1939, § único do artigo 293). Apesar de restrita aí ao terceiro prejudicado pela
omissão do cancelamento de um ônus, a faculdade tem sentido genérico.
A inscrição não pode, em princípio, ser promovida ex officio pelo registrador, ainda
que lhe conste a existência, no território de sua jurisdição, de mutações jurídico-reais que
devam ser inscritas. A atividade do registrador tendente à inscrição há de ser provocada pelo
interessado, embora se reconheça que a regra da provocação merece ser atenuada a bem da
boa ordem do registro, mormente num país onde, devido à insuficiência do ensino, tantos
desconhecem a necessidade legal.
Esse fator aviva contingências que aconselham abrir exceções à regra, permitindo que
o registrador exerça, dentro de certos limites, uma atividade espontânea, mas indispensável à
regularização dos livros registrais e à segurança do tráfico. Nesse sentido, a intuição do
serventuário já se antecipa, às vezes, à autorização da lei, quebrando, com a sua iniciativa
pessoal, a rigidez do preceito em benefício do público. Quando a autorização vier, apenas
generalizará esse procedimento episódico.
Se, no requintado registro alemão, a serviço de um povo altamente educado, a regra,
há muito, sofre temperamento, graças ao qual o registrador pode tomar a iniciativa de
recrutar títulos cujo absentismo traz prejuízo à segurança do tráfico, que dizer a respeito da
necessidade desse temperamento em um país cujo povo desconhece, em boa parte, o
mandamento legal que torna a inscrição indispensável para a aquisição negocial do imóvel?
Está se vendo que o nosso registro precisa copiá-lo o mais breve possível, não por espírito de
limitação, mas por apego à realidade, em face da qual ele deveria ter sido adotado aqui antes
de o ter sido ali.
Daí desejar-se que, tão cedo quanto possível, se lancem ao pé da regra determinadas
exceções, em face das quais o registrador fique habilitado a agir de ofício, a fim de evitar que
a ordem dos registros seja seriamente perturbada por omissões. Dentre essas exceções, três,
já indicadas inequivocamente pelo casuísmo registral, podem ser formuladas com menor
generalidade do que a quarta, destinada a ensejar o atendimento de casos que eventualmente
surjam no versátil expediente cartorial. Em suma, a atividade de ofício caberá.

a) quando um registro repercutir necessariamente em outro caso, em que se imporá


o assento reflexo ou remissivo;

b) quando, no mesmo título, se reunirem dois ou mais atos distintos, mas ligados
entre si, caso em que se fará o registro de todos;

c) quando o registro caducar pelo decurso do tempo, caso em que se lançará o seu
cancelamento;

d) quando a omissão da parte trouxer prejuízo à segurança do tráfico imobiliário,


caso em que a parte deverá ser notificada para supri-la mediante a apresentação dos títulos ao
registro.

Dessas exceções, a primeira explica-se pela conveniência de manter a boa ordem dos
registros e já é admitida e praticada ordinariamente no presente. As remissões recíprocas
entre assentos interdependentes são correntes no momento, sendo o exemplo delas tirado do
art. 246 do regulamento anterior, o cancelamento da "transcrição" por força de subseqüente
transferência, o qual doravante, deverá ser averbado à margem da inscrição anterior e
sublinhado a tinta vermelha na epígrafe desta.
A esse exemplo cabe juntar outro típico, a saber, o do cancelamento de todas as
hipotecas que recaiam sobre o imóvel quando se inscrever no registro a carta de arrematação
extraída de execução movida pelo credor hipotecário ou, com notificação deste, por credor
quirografário, pois a arrematação extingue sempre o ônus (Cód. Civ., art. 849, VII, e 826; Lei
n.º 6.015, de 1973, artigo 251, II; Cód. de Proc. Civ., art. 619 e 698). Sem o mandamento de
baixa geral, as demais hipotecas continuarão em aberto. A extinção na hipoteca em todos os
graus pela arrematação do imóvel, além de declarada em lei, vem ensinada por doutrina
tradicional do Brasil, atualizada com fidelidade por Liebman. 267
A segunda exceção justifica-se, não só pela mesma conveniência como ainda pelo
respeito devido à boa-fé das partes, sempre convictas de que o registro de uma escritura
abrange tudo quanto ela contém. Se, no mesmo títulos, se acham geminados dois direitos,
idênticos, como na permuta, ou diversos, como na venda acoplada com hipoteca, é justo que,
ao inscrever-se um deles, se inscreva também o outro, completando-se a segurança buscada
por ambos. Não se compreende possa o registrador registrar uma transmissão e deixar de

267 LIEBMAN. Processo de execução. São Paulo, Ed. Saraiva & Cia., 1946. n. 72, p. 244-249; LAFAYETTE.
Direito das cousas. Rio, Ed. Garnier, 1877. v. 2. § 277; VEIGA, Didimo da. Dir. hip. Rio. Ed. Laemmert &
Cia., 1899. n. 323, p. 527; TEIXEIRA DE FREITAS. Consolidação das leis civis. 3. ed. Rio. Ed. Garnier. 1876.
art. 527; SOUZA, Pereira e. Proc. civ. Rio, Ed. Perseverança, 1879. t. 3, § 422; MONTEIRO, João. Proc. civ.
São Paulo, Ed. Duprat & Cia., 1905. v. 3, § 276; FRAGA, Afonso. Execução das sentenças. São Paulo. Ed. A.
Teixeira & Cia., 1922. p. 230; HEDEMANN. Derechos reales. Madrid, ed. da Rev. de Derecho Privado. § 15,
p. 123.
registrar a hipoteca adjeta. No entanto, o Tribunal Paulista já o admitiu em prejuízo do credor
hipotecário, invocando o princípio da voluntariedade da inscrição, a despeito de ser adversa
ao julgado a disposição regulamentar, assim como a doutrina. 268
Semelhante a essa transmissão inter vivos é a adjudicação causa mortis que, para
comodidade da partilha, se faz a um dos herdeiros da totalidade de um imóvel em que outro
tenha parte, ficando este com um crédito equivalente contra aquele, garantido por hipoteca do
imóvel. O formal de partilha do herdeiro credor abrange efetivamente dois direitos
geminados, um ostensivo, de crédito, contra o co-herdeiro devedor, a quem foi adjudicado o
imóvel, o outro subjacente, de hipoteca desse imóvel para garantia do crédito, comumente
chamado torna ou reposição (Cód. Civ., art. 827, VIII; Cf. art. 1.777; Dec. n.º 4.857, de 193,
art. 264, n.VIII). Assim, servindo o formal de partilha de título para dois fins, deve
submeter-se a duas inscrições, a primeira do quinhão que tocou ao herdeiro em outros bens, a
segunda da sua hipoteca sobre o imóvel adjudicado ao co-herdeiro, garantidora do valor da
reposição. 269
Ao passo que o regulamento anterior admitia dois casos de duplo registro, referentes à
permuta e à transmissão com pacto de hipoteca (Dec. n.º 4.857, de 1939, arts. 203 e 204), a
atual Lei do Registro só admite o primeiro (Lei n.º 6.015, art. 187) mas torna-se mister
estender o preceito a todos os casos em que haja geminação de direitos no mesmo título. A
fim de evitar seja de novo invocado o princípio da voluntariedade da inscrição para espoliar
um credor legítimo, os casos, em vez de destacados em artigos de mero procedimento, devem
configurar-se como de procedimento de ofício, passando agora a ser previstos como
exceções expressas àquele princípio. Lançada a regra da provocação da parte para a atividade
do registrador, ao pé dela há-de encontrar-se logo a exceção da sua atividade espontânea ou
de ofício.
Assim, o promovente de registro de um título, em que se reuniram dois atos distintos,
mas ligados entre si, ao inscrever o ato que lhe interessa, inscreverá igualmente o que
interessa a outrem. Exemplificando, o comprador de um apartamento que o deixar
hipotecado ao vendedor para garantia do pagamento do preço, ao inscrever a sua aquisição,
inscreverá igualmente a hipoteca do vendedor. Contudo, poderá reaver o que desembolsar
com essa inscrição adicional, do interesse do credor, para o que igualmente se preceituará
que, se houver mais de um interessado, aquele que promover a inscrição benéfica aos demais
terá direito regressivo contra esses para haver a respectiva parte na despesa.
A terceira exceção visa a escoimar o livro de inscrições que hajam caducado pelo
decurso do tempo, a fim de que, por sua simples presença no livro, não impeçam, atrasem ou
embaracem negócios que tenham por objeto, ou por base, o imóvel. Dentre as inscrições
caducas cabe destacar as referentes à hipoteca com mais de trinta anos sem renovação e a
anticrese por anos já esgotados, ambas lembradas por Pontes de Miranda como casos de
desaparição "automática" de direito real, com a diferença de que o tratadista prescinde, para
tanto, do ato do cancelamento, 270 quando é essencial que este preexista, para o que
importa seja o registrador autorizado po lei a praticá-lo de ofício.

268 GARCIA, Lisipo. A transcrição. p. 205-208; LOPES, Serpa. Registros públicos. 2. ed. v. 4, n. 700, p. 317.
269 LOPES, Serpa. Registro públicos. v. 2, n. 302, p. 265; ALMEIDA, Lacerda de. Dir. das coisas. § 159, p.
274; FRAGA, Afonso. Dir. reais. p. 762.
270 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Rio. Ed. Borsol, 1959. v. 20, § 2.429, n. 2.
A quarta exceção, cuja necessidade se impôs no registro alemão ao rever-se a
ordenança de organização e escrituração dos livros em 1935, 271 pode ser exemplificada
com a hipótese em que o proprietário de um imóvel efetua o seu desmembramento em três
partes, vendendo-as sucessivamente a três pessoas diferentes. Quando, primeiro que os dois
outros compradores, o adquirente da 3.ª parte aparece no cartório para inscrever a aquisição
da "sobra" com certa área, o registrador não tem meio de verificar se se trata efetivamente de
"sobra", ou se a área está correta, sem notificar os dois primeiros adquirentes a trazerem os
seus títulos ao cartório.
Em Petrópolis freqüentemente um "prazo" é dividido, mas se apresenta ao cartório do
registro, em primeiro lugar, o comprador do "resto", Ora, não se pode conhecer um "resto"
sem saber quais foram os desmembramentos. É preciso, nesse e em outros casos, compelir a
parte a trazer as escrituras ao registro. Do contrário, o comprador do "resto" ficará
prejudicado, sem poder efetuar a inscrição do seu título. Daí o acerto da notificação do
adquirente ou adquirentes intermédios para o preenchimento das lacunas impeditivas da
inscrição do adquirente final.
Além dessa hipótese, outra, de intermitente ocorrência, pode ser aventada, a saber, a
venda de uma ou mais glebas do imóvel, que esgotam a sua área inscrita, apesar de no título
serem dadas como desmembradas dele, com o qual passam a confinar. Nessa hipótese, o
imóvel provavelmente tem uma área maior do que a inscrita, mas o proprietário deve ser
notificado para fazer a sua medição prévia, a fim de que a inscrição nova não contradiga a
anterior, levando o registro a consignar um absurdo: a soma das partes maior do que o todo.
A apresentação do título e a sua prenotação no protocolo marcam o início do processo
do registro, que prossegue com o exame da sua legalidade, que incumbe ao registrador
empreender para verificar se pode ou não ser inscrito. A inscrição não é, portanto,
automática, mas seletiva, porque depende da verificação prévia de estar o título em ordem.
Além da qualificação do título constituir um dever de ofício, o registrador tem interesse em
efetuá-la com cuidado, porquanto, se lançar uma inscrição ilegal, fica sujeito a
responsabilidade civil.
Ao passar ao exame dos títulos, faz logo uma seleção eliminatória, excluindo os que,
sem sobra de dúvida, são irregistráveis, entre os quais o relativo a imóvel pertencente à
jurisdição de outro cartório, o idêntico a outro já prenotado, o colidente com outro
proprietário, o aberrante do registro, bem como o emanado de falido ou de administrador de
instituição financeira em intervenção ou liquidação extrajudicial, isto é, de quem foi atingido
por indisponibilidade de bens, normalmente comunicada ao cartório para o fim de abstenção
de assentos (Lei n.º 6.024, de 1974, artigo 36 § 2.º letra a e 38). Cancelada ex officio a
respectiva prenotação por ser esta assento provisório, ao contrário da inscrição, que é um
assento definitivo, os títulos irregistráveis são devolvidos aos apresentantes.
Após essa seleção eliminatória, os demais títulos, dependentes de maior indagação,
sofrem uma seleção classificatória, em virtude da qual os mais numerosos são encaminhados
ao livro de inscrição, pelo reconhecimento da sua legalidade, ao passo que os restantes ficam
sobrestados até que possam ter, ou não, o mesmo encaminhamento. Essa diversidade de
tratamento decorre do juízo formado pelo registrador a respeito da legalidade, porque se, no
seu entender, o título não satisfizer os requisitos legais, deixará de dar andamento à inscrição,
embora não possa, por sua própria autoridade, recusá-la em definitivo. A recusa definitiva é

271HEDEMANN, op. cit., § 13, n. II, p. 102; § 14, n. II, p. 108 et seq.; AZEVEDO, Filadelfo. Registro de
imóveis. Valor da transcrição. Rio, ed. da Liv. Jacinto, 1942. n. 6, p. 11.
da alçada do juiz, a quem o registrador submeterá a sua dúvida para que a resolva como lhe
parecer de direito.
Na verdade, o exame da legalidade do título pode fazer emergir uma destas três
hipóteses, cada uma das quais sujeita a um tratamento próprio, conforme se infere do preceito
legal de onde se desdobram: a) inexistência de defeitos intrínsecos ou extrínsecos, caso em
que a inscrição deve ser efetuada; b) existência de defeitos, caso em que será feita ao
interessado exigência para saná-los; c) não se conformando o interessado com a exigência ou
não podendo satisfazê-la, será suscitada a dúvida perante o juiz (Lei n.º 6.015, de 1973, art.
198; Cf. Dec. n.º 4.857, de 1939, artigo 215).
Dessas três hipóteses, a primeira, da legalidade manifesta de título, importa em
abreviamento do processo, visto como, após a feitura de extrato, se lança logo a inscrição. As
duas outras, contudo, devido à presença de defeitos, requerem novos trâmites,
necessariamente dilatórios, que trazem quase sempre considerável alongamento do processo,
até que o título se revista afinal da legalidade indispensável à inscrição. Esses trâmites são a
exigência do registrador ao interessado para que ponha o título em conformidade com a lei
ou, se houver recusa ou impossibilidade de satisfazê-la, o levantamento da dúvida perante o
juiz.
A exigência do registrador ao apresentante do título deve ser indicada por escrito, o
que imediatamente se entende, desde que se considere que a omissão em cumpri-la acarreta o
cancelamento da prenotação após o decurso do prazo de trinta dias. A exigência se refere a
defeitos que o interessado pode corrigir seja pela apresentação de documentos, como a
certidão de idade, de casamento, de construção, de regularidade de situação previdenciária
seja pela retificação da escritura inicialmente trazida, seja pelo pagamento de tributo acaso
devido, para o qual o registrador lhe fornecerá uma guia. 272 De ordinário, é satisfeita em
prazo razoável, marcado pelo registrador, que, em face da regularização do título, efetua em
seguida a inscrição.
Às vezes, porém, o cumprimento da exigência demanda um prazo, que excede o de
trinta dias, sem culpa de apresentante de título. como acontece freqüentemente com
documentos que devem ser fornecidos por órgãos fiscais ou parafiscais, como o Instituto
Nacional de Previdência Social (INPS). Suponha-se que, para a inscrição de uma escritura de
promessa de venda, o cartório exija a certidão de regularidade previdenciária, que nem
sempre diz respeito ao comprador, mas ao construtor, ou então a inscrição prévia da escritura
do vendedor. Apesar da diligência do apresentante, tais documentos só puderam ser obtidos
depois de passados os trinta dias.
Nessa eventualidade, não seria razoável que, ao voltar com a certidão, ou com a prova
da inscrição prévia do vendedor, cuja falta adiara o registro da sua escritura de promessa, o
apresentante já encontrasse cancelada a sua prenotação. A injustiça raiaria pela iniqüidade se,
ao mesmo tempo, já encontrasse também inscrita uma promessa colidente com a sua, porque
então o cancelamento automático teria servido para burlar o seu direito, quando não lhe
coubera culpa do excesso do prazo.
Daí acautelar a lei essa eventualidade ao dizer que cessarão automaticamente os
efeitos da prenotação, se, decorridos trinta dias do seu lançamento no protocolo, o título não
tiver sido registrado "por omissão do interessado em atender às exigências legais” (Lei n.º
6.015, de 1973, art. 205). Se a omissão não for do interessado, mas de uma repartição pública
ou autárquica, por exemplo, não haverá cancelamento automático.

272 GARCIA, op. cit., p. 336.


A fim de evidenciar que não houve omissão da sua parte em atender às exigências,
quando estas não forem satisfeitas dentro do prazo, é preciso que o interessado exiba prova
da sua diligência ao registrador, como o recibo do protocolo da repartição a que foi requerida
a certidão por ele exigida. Embora essa prova possa ser deixada a critério do registrador,
convirá, para garantia dele e da parte, que seja regulada por portaria do juiz a que estiver
subordinado. Do contrário, expõe-se o cartório a ficar indefinidamente com um número
enorme de títulos pendentes, quando muitos deles já teriam incorrido realmente em
cancelamento.
A exigência tem suas balizas em dois preceitos legais, o que a prevê para sanar
deficiências do título e o que sanciona a omissão do seu cumprimento com o cancelamento
da prenotação (Lei n.º 6.015, de 1973, arts. 198 e 205). Não passa do âmbito do cartório,
dentro do qual se faz e se cumpre, ao contrário da dúvida, que, uma vez levantada, sai daí
para o cartório do juízo competente para dirimi-la, só retornando depois de resolvida em
definitivo.
A dúvida é também levantada por escrito pelo registrador, quando o interessado
manifesta a sua inconformidade com a exigência, ou existe impossibilidade de satisfazê-la,
por depender, por exemplo, de vistoria administrativa. Nessa conjuntura incumbe ao
interessado requerer que o título, com a declaração da dúvida, seja remetido ao juízo
competente para dirimi-la. A despeito do requerimento inicial da inscrição do título, há de
sobrevir esse novo requerimento para que a dúvida seja processada e se atinja afinal a fase de
tabulação, isto em virtude de mandamento que encerra antiga controvérsia (Lei n.º 6.015, art.
198). 273
Ao suscitar a dúvida, há de o registrador alinhar breve mas claramente as razões que a
apóiam, anotando, ao mesmo tempo, a sua ocorrência à margem da prenotação do protocolo e
certificando-a no título juntamente com a prenotação. Após fornecer cópia da declaração da
dúvida ao apresentante, notificando-o a impugná-la, no prazo do quinze dias, perante o juízo
competente, o registrador, certificados esses trâmites, remete-la-á a esse juízo acompanhada
do título.
O prazo de impugnação da dúvida pelo suscitado é de tramitação do expediente
administrativo, e não de decadência do direito de impugnar, visto como a lei não atribui essa
conseqüência ao seu decurso. A sua finalidade é regular internamente a marcha do processo
administrativo, num trecho do seu itinerário de sorte que o excesso dele não determina a
invalidade do ato, a saber, impugnação oferecida fora do tempo. 274
Oferecido ou não impugnação a dúvida constitui um processo que dura certo tempo,
às vezes alguns meses, até o julgamento, não obstante a sua natureza administrativa (Lei n.º
6.015, de 1973, art. 204). No entanto o Código Civil prevê que o processo da dúvida termine
no prazo de trinta dias, dentro do qual poderá ser julgada improcedente ou procedente. No
primeiro caso, subsistirá a prenotação do título no protocolo e, com a sua data, se fará a
inscrição; no segundo, será cancelada a prenotação no protocolo, ressalvado à pare o direito
de obter mais tarde outra, reapresentando o título (Cód. Civ., art. 835).
Esse preceito do Código Civil suscita duas sérias questões, cuja importância ressalta
imediatamente quando se considera que o prazo de trinta dias concerne à prioridade de todos
os direitos reais, que é o que precisamente se assegura com a prenotação dos títulos no

273 LOPES, op. cit., v. 2. p. 365; LOUREIRO, Waldemar. Registro da propriedade imóvel. 5. ed. Rio. v. 2, p.
272 et seq.
274 Cf. Ac. da 7.ª CC do T.J. de RJ de 16. 11. 1976 na Rev. de Dir. da Procuradoria Geral da Justiça, p. 167.
protocolo. Está, portanto, em causa a perda da propriedade nas duas referidas questões, que
sucessivamente indagam: a) se o prazo de trinta dias é fatal, de sorte que no seu termo
devem ser automaticamente canceladas todas as prenotações e, no caso negativo; b) se o
julgamento da dúvida, de improcedência ou de procedência, tem sempre, em ambos os casos,
efeito imediato sobre a prenotação, independentemente de interposição de recurso.
A primeira dessas questões teve resposta afirmativa, isto é, no sentido de considerar
fatal o prazo, quando este foi originalmente estabelecido da legislação imperial para o fim
restrito de assegurar a prioridade da hipoteca, apressando, ao mesmo tempo, o andamento da
especialização da hipoteca legal. Decorrido o prazo, sem que dentro dele se realizasse a
inscrição, as prenotações ficavam ipso jure sem efeito (Lei n.º 1.237, de 1864, art. 9.º, § 27;
Dec. n.º 3.453, art. 144; Av. n.º 60, de 7. 2. 1867, n.º 1).
Quando, porém, depois de desaparecer no regulamento imobiliário n.º 370, de 1890,
reapareceu no Código Civil, as opiniões dividiram-se acerca da resposta, continuando alguns
a considerá-lo fatal e improrrogável, 275 ao passo que outros passaram a havê-lo como
prorrogável ou extensível, visto como, já agora, se pressupunha correr dentro dele um
processo e um julgamento. 276 Se, em face da Lei Imperial, já se dizia que consagrar a
prenotação e estreitá-la nos limites de trinta dias vale o mesmo que escrevê-la na lei e
recusar-lhe os meios de vida, 277 com mais forte razão se pode dizer, em face do Código
Civil, que não é curial aprisionar a subsistência de uma prenotação dentro de um prazo,
quando este depende de um julgamento capaz de excedê-lo.
Quanto à segunda questão, que, na maioria dos casos, é absorvida pela primeira, com
a qual passou a coexistir no regime do Código Civil, tem tido resposta no sentido de que o
julgamento da dúvida, de improcedência, ou de procedência, produz efeito imediato sobre a
prenotação, independentemente da interposição de recurso, invocando-se para abonar essa
solução o argumento de que ao outro interessado, para obter a retificação do registro
indevidamente feito ou que não exprima a verdade, outorga a lei recurso diverso (art. 860).
278 A resposta, porventura admissível quando a decisão julga improcedente a dúvida,
porque então a outro interessado caberá a ação de retificação do registro dela resultante,
deixa de sê-lo quando a julga procedente, porque então, ao invés de seguir-se qualquer
registro suscetível de ser atacado, o que se segue é o cancelamento da prenotação, que
aniquila a prioridade do apresentante do título.
De fato, cancelada a prenotação, fica o protocolo aberto para receber outro título
prejudicial ao primeiro, ganhando esse segundo título uma prioridade, contra a qual não
haverá recurso. Haja vista o cancelamento da prenotação de uma venda ou promessa
irretratável de venda antes da decisão cancelatória transitar em julgado, o qual enseja a
repetição de negócio com um segundo comprador, que adquire uma prioridade que não mais
lhe poderá ser arrebatada, ainda que o primeiro ganhe o recurso interposto da decisão da
dúvida pelo juiz. Ao primeiro comprador restará apenas a ação de perdas e danos contra o
vendedor, não a ação de retificação do registro.

275 BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil. v. 3. obs. ao art. 835; FULGÊNCIO, Tito. Hipoteca. São Paulo. ed. da
Liv. Acadêmica. Nota ao art. 835. p. 325.
276 SANTOS, Carvalho. Cód. Civ. int. Ed. da Liv. Freitas Bastos. Int. do art. 835; Cf. Afonso Fraga e Azevedo
Marques, citados por Carvalho Santos; LOPES, op. cit., v. 2. n. 346, p. 358 et seq.; PONTES DE MIRANDA,
op. cit., v. 20, § 2.457, p. 108.
277 LAFAYETTE. op. cit., v. 2. § 228, p. 211. nota 4.
278 FULGÊNCIO, op. cit., nota ao art. 835, p. 324-325; SANTOS, op. cit., int. do art. 835. p. 458.
Das duas questões entrelaçadas, a primeira, de manifesto reflexo na segunda, foi
longamente discutida. daí resultando que a jurisprudência veio a inclinar-se pela
prorrogabilidade do prazo de trinta dias, recusando a caducidade automática das prenotações
que o excederem. Além de o Código Civil não estabelecer expressamente a decadência ou
nulidade da prenotação no vencimento do prazo, reconheceu-se que a parte não deve ser
prejudicada por falta que não lhe possa ser imputada. Daí o acatamento da doutrina segundo
a qual a ultrapassagem do prazo não implica no cancelamento ex officio da prenotação,
enquanto estiver pendente o processo da dúvida.
Julgado esse processo, surge a questão de saber se o julgamento tem efeito imediato
sobre a prenotação ou se, ao contrário, é preciso esperar que transite em julgado para só então
distinguir o que deve ser feito, conforme se pronuncie no sentido da procedência ou
improcedência da dúvida. A meu ver, há-de se esperar que transite em julgado em ambos os
casos, porque, se, no primeiro, o interessado pode interpor recurso, no segundo, pode
interpô-lo, como fiscal da lei, o Ministério Público. Não importa, neste segundo caso, para o
fim de liberação imediata do título para a inscrição, o fato de ficar esta depois sujeita a
retificação, porquanto, por economia processual, se deve levar até onde for possível a
apuração do direito havido como duvidoso pelo registrador.
Ao traçar diretrizes para resolver esses problemas, o nosso tratadista de registros
públicos opina que o processo de dúvida, enquanto pendente, impede o cancelamento da
prenotação, não obstante o excesso do prazo, e que, uma vez julgado, a prenotação será
cancelada, no caso de julgamento de procedência, e mantida, no de improcedência. Todavia,
deixa de esclarecer se estes dois efeitos de produzem imediatamente ou dependem de
transitar em julgado a decisão. 279 Esse esclarecimento, relevante no primeiro caso, em que
o efeito é o cancelamento da prenotação podia no entanto, ter sido haurido na disposição do
regulamento então em vigor, reproduzido na lei nova, segundo a qual o cancelamento só se
efetuará após exaurir-se o último recurso, inclusive o extraordinário, interposto para o
Supremo Tribunal Federal (Dec. n.º 4.857, de 1939, art. 294. Cf. Lei n.º 6.015, de 1973, art.
259).
Essa disposição, constante de capítulo regulamentar aberto com referência a todos os
livros, já então me parecia dominar a outra, situada no capítulo concernente à dúvida,
segundo a qual, julgada esta procedente, o escrivão devia remeter incontinenti certidão do
despacho ao registador para cancelar a prenotação. Na verdade, a interpretação literal levaria
ao imediatismo da remessa e, conseqüentemente, do efeito do julgamento, dado o significado
do advérbio, mas a interpretação sistemática, conciliadora dos textos, induzia a entender esse
advérbio de tempo como referente a despacho de que tempestivamente não se houvesse
interposto recurso, ou cujo recurso houvesse baixando à primeira instância para
cumprimento da decisão da segunda (Decreto n.º 4.857, de 1939, arts, arts. 218 e 294).
Já agora, porém, tornou-se dispensável qualquer esforço de interpretação, porquanto
a nova Lei de Registro é de meridiana clareza ao excluir o imediatismo do efeito do
julgamento da dúvida, subordinando sempre esse efeito ao trânsito em julgado da decisão.
Após desdobrar os trâmites do processo, em que pode haver ou deixar de haver impugnação,
mas haverá sempre decisão, e admitir contra esta o recurso de apelação, comum a todos os
procedimento administrativos, acessível ao interessado, ao Ministério Público e ao terceiro
prejudicado, só então, exaurida a fase de conhecimento, entra na fase na execução (Lei n.º
6.015, de 1973, arts. 199-203).

279 LOPES, op. cit., v. 2, n. 346, p. 365.


Ao regulá-la, fá-lo num artigo que começa por declarar categoricamente que só
depois de "transitada em julgado a decisão" dela se pode extrair qualquer procedimento. Essa
é a condição sine qua para que dela emanem efeitos registrais, que variarão, conforme a
dúvida for julgada procedente ou improcedente. No primeiro caso, a prenotação será
cancelada, à vista de comunicação do juízo, que restituirá os documentos ao interessados; no
segundo, será mantida, prosseguindo-se com a inscrição, á vista de mandado ou certidão do
Juízo.

O recurso da decisão da dúvida é o de apelação. Uma vez julgada esta, não cabe do
julgamento recurso extraordinário, porque ocorrendo a controvérsia entre o serventuário e a
parte, ou entre esta e o juiz, e não entre as partes, deixa de configurar-se a "causa",
pressuposto constitucional do recurso. Nesse sentido a jurisprudência do S.T.F. 280
dentre as disposições do processo de dúvida, merece destaque aquela que manda seja
ela julgada, ainda que o interessado não apresente impugnação no prazo de quinze dias (art.
199). De um lado, o julgamento direto da dúvida aí determinado concorda com os princípios
por se referir a questão de direito e ocorrer a revelia. De outro lado, contribui para evitar que
o processo fique indefinidamente em suspenso por inércia do interessado, com prejuízo para
o serviço cartorial, que vê assim aumentar o arquivo de títulos pendentes.
Esse arquivo tem sido, nas grandes cidades, um motivo de preocupação para o
registrador, pelo que faz jus a aplauso a providência tomada no tocante ao processo de
dúvida. Se, no concernente à exigência, se lançar mão de uma providência no mesmo sentido,
coibindo a inércia da parte com o requisito da prova da diligência, caso incorra em excesso de
prazo, os papéis sobrestados diminuirão consideravelmente no futuro.
O processo de dúvida previsto pela Lei Registral acompanha de perto o padrão
estabelecido pela lei processual comum para os procedimentos de jurisdição voluntária,
aumentando apenas o prazo para resposta, vale dizer, para impugnação, de dez para quinze
dias (Cód. de Proc. Civ., art. 1.103-1.112). Esse acompanhamento prossegue até na
imputação de custas ao interessado somente quando a dúvida for julgada procedente, pois se
harmoniza igualmente com o princípio do sucumbimento (Lei n.º 6.015, de 1973, art. 207).
Como se vê, o processo de inscrição do título pode ser breve, longo ou longuíssimo,
correspondendo esses três ritmos diferentes às hipóteses de regularidade, de exigência e de
dúvida. Uma vez que o título seja considerado legal quer por oferecer essa qualidade desde o
começo quer por tê-la adquirido intercorrentemente, após os trâmites da exigência ou da
dúvida do cartório, fica então apto a ser encaminhado ao livro próprio, a fim de ser submetido
a inscrição.
Antes, porém, que se efetue a inscrição, formalidade conclusiva da mutação
jurídico-real, fixável em livro insuscetível de emendas ou rasuras, é de elementar prudência
que se prepare em cartório, para servir-lhe de base, um extrato do título. Esse extrato
desempenhará de início o papel de rascunho ou minuta, possibilitando emendas ou correções,
de fundo e de forma, que a conferência indicar antes de converter-se em inscrição, mas
poderá servir mais tarde a outras finalidades, como as de consulta e de remessa no arquivo
público.
Dada a importância que assume, por ser destinada a fixar direitos pelo tempo afora,
precisa não só ater-se aos dados essenciais como resumi-los com fidelidade. Daí convir que a
sua redação caiba ao próprio registrador, a quem competirá revê-la, quando couber a um

280 Ac. do 2.º T. de S.T.F., de 8. 6. 1979, na Rev. de Dir. Imob., n. 5, p. 65. com citação de jurisprudência.
serventuário, que então deverá distinguir-se pela sua competência e responsabilidade e
especializar-se no difícil mister de extratar. A propósito, é interessante notar que, no registro
alemão, apesar de o juiz indicar o teor literal da inscrição ao decretá-la, sobrevém igualmente
um projeto de inscrição preparado pelo escrivão. 281
Depois de feita a inscrição, ficará o título livre para ser devolvido ao interessado, mas,
já agora, deverá levar a marca que mostre haver completado o ciclo da mutação jurídico-real
pela junção do elemento real ao elemento causal dele constante. Assim como o título, para
reserva de sua prioridade, fora assinalado na entrada com o carimbo do protocolo, sê-lo-á na
saída com o carimbo da inscrição, de sorte que, ao ser restituído, com as folhas rubricadas,
exibirá dois carimbos, ambos com a identificação do cartório, a data e a assinatura do
registrador: a) protocolo, em que se declara ter sido o título apresentado e protocolado sob
certo número, em tal folha, do livro de protocolo; b) inscrição, em que se declara ter sido o
título inscrito sob certo número, em tal folha, do livro de registro geral (Lei n.º 6.015, de
1973, art. 21).
Os dois carimbos tomam algum espaço no título, mas este geralmente os comporta,
como mostra a experiência. Há casos, porém, excedem da craveira comum, em que o título
não comporta todos os carimbos que nele devem ser aplicados, como os de formal de partilha
com imóveis em várias circunscrições e os de permuta de imóveis.
Nesses casos, deverão ser lançados nos títulos tantos carimbos quantas forem as
diferentes circunscrições em que se situem os imóveis partilhados ou permutados, o que
bastará às vezes para encher uma folha de papel tamanho ofício. Como o título não dispõe de
uma folha em branco, nem de espaço bastante para múltiplos carimbos, torna-se necessário
ou anexar-lhe uma folha que os contenha a todos, rubricada, como as demais, pelo
registrador, ou facultar a este a extração de certidões, quando, a seu critério, se tornar
conveniente.
A adoção dos carimbos simplifica um dos aspectos da rotina cartorial, mas, embora
esse assinalamento assegure que o título atingiu a plenitude do direito, o interessado, de
posse dele, pode desejar saber ainda se a sua inscrição foi lançada no livro com fidelidade. A
sua vigilância pode induzi-lo a buscar conhecer o teor do registro. Do contrário, como poderá
saber se exprime a verdade para exercer o direito de retificação?
A nova Lei do Registro só lhe confere um meio para obter esse fim, que é requerer
especialmente a certidão do registro. Não lhe assiste sequer a faculdade de "ver" o assento
que lhe diz respeito no livro próprio, visto como o registrador não é obrigado a mostrar-lhe,
mas apenas a fornecer-lhe informações (art. 16).
Neste ponto, a nova Lei do Registro difere radicalmente do regulamento anterior, que
mandava "entregar" ao interessado, juntamente com o título, o teor do seu lançamento
destacado do livro-talão (Dec. n.º 4.857, de 1939, art. 226), assim como "mostrar-lhe" o livro
onde se achava incerto o lançamento (Dec. cit., art. 19, n.º 2). De novo, comprova-se que a lei
se preocupou mais com a comodidade interna do serviço do que com a sua relação externa, a
ponto de negar acesso aos livros, até às "partes", quando o moderno registro alemão o faculta
a quem quer que nisso tenha um "interesse legítimo". 282
Assim como não faz jus a aplauso ao omitir o mandamento do exame da legalidade do
título, ponto decisivo para aferir a credibilidade ou fidedignidade do sistema do registro,
tampouco merece colhê-lo ao cercear de maneira tão ostensiva a sua publicidade. Quando se

281WOLFF, op. cit., § 35, n. III, p. 182 e nota 14.


282 HEDEMANN, op. cit., § 10, IV, p. 85.
associam disposições desse jaez, o que se faz é relegar, por amor da burocracia, o próprio fim
do registro, que é ministrar informações seguras a quantos se envolvam no tráfico
imobiliário.
De parte esse contraste, que rompe uma tradição, volta-se ao ponto em que se dizia
que, efetuado o registro, os títulos são devolvidos aos interessados, cada qual com dois
carimbos, o do protocolamento e o da inscrição. Essa restituição coloca em mão das partes o
comprovante do seu direito, mas resta saber como o registro consegue ficar com o
comprovante do seu assento, uma vez que pode ser chamado a explicá-lo.

A atual lei, à semelhança do regulamento anterior, não se descura de assegurar ao


registro o comprovante do assento efetuado, embora careça de regra categórica sobre a
matéria. Ao prever a entrega do título particular em uma só via, manda efetivamente
arquivá-lo em cartório, dele facultando extrair, a pedido, certidão para o interessado (Lei n.º
6.015, de 1973, art. 194). Em vez de contornar a falta de duplicata com a exigência de
certidão do registro de títulos e documentos, como o regulamento anterior, prefere supri-la no
próprio cartório imobiliário, o que inegavelmente apressa e simplifica o suprimento, sem
prejuízo de ninguém.
Se a lei manda arquivar o título particular como comprovante do assento, facultando
certidão ao interessado, é porque, a contrario sensu, dispensa o arquivamento do título
público. Essa dispensa funda-se obviamente em que este se acha lavrado em livro de notário,
que, além de ensejar certidões, goza de fé pública. De uma e de outra maneira, fica
assegurado o comprovante do assento, pelo arquivamento do título particular e pela
referência do título público ao livro de notário. Em suma: a) os títulos públicos inclusive os
de origem judicial, são devolvidos aos interessados, sem que fique uma via no registro de
Imóveis, porque gozam de fé pública (escrituras, cartas de arrematação e de adjudicação,
formais de partilha, cartas de sentença); b) os títulos particulares são arquivados no
Registro de Imóveis como comprovantes dos assentos, mas deles são devolvidos aos
interessados as duplicatas ou as certidões, conforme se apresentem em duas vias ou em uma
só.
Todavia, abre-se exceção ao não arquivamento dos documentos públicos em se
tratando daqueles que servem de base à averbação, certidões da Prefeitura Municipal ou do
Registro Civil, comprobatórias do ato praticado. Assim, as certidões de mudança de nome de
rua ou de numeração, da existência ou inexistência de construção, fornecidas pela Prefeitura
Municipal, assim como as certidões de casamento e de separação, fornecidas pelo Registro
Civil, não são restituídas ao interessado, mas arquivadas como comprovantes. 283
Além dessa exceção, existe outra implícita na disposição que manda apresentar os
memoriais de loteamento e de incorporação em duas vias, uma das quais fica arquivada em
cartório, pois, fazendo parte desses memoriais escrituras públicas da cadeia dominial dos
imóveis, estas, assim inclusas na relação e no conjunto de documentos, acabam ficando
também arquivadas como comprovantes (Dec.-Lei n.º 58, de 1937, art. 1.º, alíneas I e V;
Dec.-lei n.º 4.591, de 1964, art. 32, letras a e c). Tais escrituras podem ser apresentadas em
certidões ou em fotocópias autenticadas.
Não há negar que essa variedade de procedimentos deixa truncado o arquivo do nosso
Registro de Imóveis, que tem documentos completos a respeito de alguns assentos, mas não

283Portaria n. 52, de 17. 7. 1940, do Juiz da Vara de Registros Públicos. In: Loureiro, op. cit., v. 1, n. 213, p.
324.
os tem a respeito de outros, cujos comprovantes hão de ser buscados alhures, ao contrário do
que sucede no registro alemão, cuja organização o nosso pretende imitar. 284 O truncamento
induz a pensar na conveniência de uma regra geral sobre o assunto, que determine com
uniformidade que, efetuado o registro, todo título e demais documentos que sirvam de base a
uma inscrição ou averbação, ou a que estas façam referência, serão arquivadas no Registro de
Imóveis.
O arquivo, a organizar-se pela classificação dos documentos sob o número de
matrícula dos imóveis, ficará, portanto, com todos os comprovantes dos assentos e guardará,
em seus pormenores, a história completa de cada imóvel, inclusive a que se tiver desenrolado
em época anterior à existência do cartório, pois essa parte constará de certidão retrospectiva
do cartório antigo. Essa circunstância permitirá fazer as inscrição e averbação realmente por
extrato do que é essencial, pois o acessório poderá ser buscado a qualquer tempo no arquivo.
Assim como interessado prefere sempre ter consigo um título auto-suficiente, em que
nada falte para a prova dos seus direitos, o cartório aspira a ter um arquivo auto-suficiente,
em que nada falta para a prova dos seus assentos. Embora os títulos passado por escritura
pública sejam tradicionalmente dispensados de arquivamento, por se encontrarem guardados
em livros de cartórios de notas, já agora essa razão parece oferecer menos peso do que
aquela, dada a facilidade de reprodução de documentos por um dos modernos processos
reprográficos, como a cópia a carbono, na máquina de escrever, a cópia xerox, a fotocópia.
Dessa maneira, havendo cessado talvez o principal motivo que afastou originalmente
as escrituras públicas do cartório do registro, torna-se oportuno atrai-las para este, onde farão
companhia às escrituras particulares. Apesar de tudo, as escritura públicas continuam a ser as
peças mais numerosos do expediente diário que qualquer cartório, mesmo de um grande
centro, ultrapassando por larga margem as escrituras particulares. Dentre estas, as mais
freqüentes são contratos de locação comercial ou residencial, a que se juntam as cédulas
hipotecárias e pignoratícias de crédito rural e de crédito industrial, as promessas de venda de
imóveis loteados e as transmissões e cédulas hipotecárias do Banco Nacional da Habitação,
bem como os negócios das Caixas Militares.
Daí a conveniência de generalizar a exigência da apresentação dos títulos em duas e,
se forem de permuta, em quatro vias, ao invés de mantê-la limitada aos particulares, a fim de
reter-se uma via de todos para arquivamento. Anexas aos títulos, virão as plantas
topográficas, cuja tendência é aumentar cada vez mais, por força não só do progresso do país
como do formalismo ora exigido para as uniões e desmembramentos de imóveis.
A exigência estender-se-á, portanto, às plantas, das quais uma via fica em cartório.
Assim se centralizam no cartório todos os dados descritivos e gráficos capazes de esclarecer
qualquer dúvida surgida a respeito da situação jurídica ou física dos imóveis cujos
proprietários poderão ir buscá-los, a todos, ali, sem precisar colher tantos deles alhures.
Não é, porém, a insuficiência do arquivo que mais embaraça a rotina do registro, mas
a falta de um roteiro regulamentar para o exame da legalidade dos títulos, a que atrás se
aludiu. É preciso que se adote um guia que permita liberar prontamente os títulos, seja para a
inscrição, seja para o cumprimento de exigências.
Sem dúvida, muito vai contribuir para a pronta liberação dos títulos o seu preparo à
vista de certidão do registro imobiliário agora requerida para a lavratura de escrituras
públicas e de atos judiciais (art. 225, in fine). Ao influxo dessa certidão, cujo prazo de
validade a Corregedoria do Rio de Janeiro limitou a trinta dias, os títulos ganharão certeza em

284 HEDEMANN, op. cit., § 12, p. 94.


pontos essenciais, mas sempre restarão outros, em que continuarão vulneráveis, provocando
exigências do registrador.
Verdade seja que, no cumprimento destas, as partes, para obter certidões ou outros
documentos, recorrem freqüentemente a repartições públicas e autarquias, que os retardam às
vezes por um ou mais meses. Por mais intolerável que seja esse retardamento, que repercute
no Registro de Imóveis, só a reforma administrativa lhe porá cobro, mas esta se acha fora da
alçada do registro.
Não obstante o reconhecimento da persistência desse ponto fraco, importa, pelo
menos, aperfeiçoar o que se acha ao alcance do registro, notadamente com a adoção de um
regulamento que não repita pura e simplesmente o preceito genérico que incumbe ao
registrador o exame da legalidade dos títulos. Nesse caso, a generalidade, cômoda para o
legislador ( ominis definitio periculosa est), é altamente prejudicial ao serviço público e ao
interessado.
Cumpre que vá além e desdobre o preceito, declarando positivamente, conforme se
propôs atrás, que o exame da legalidade abrangerá tanto as nulidades de pleno direito como
as anulabilidades visíveis por decorrerem da incapacidade das partes ou de defeito externo do
título. A seguir, advertirá que:
a) serão rejeitados os títulos de direito puramente pessoais, inadmissíveis no registro,
como as procurações em causa própria, as cessões ou vendas de herança, as promessa de
cessão ou venda de benfeitorias independentemente do solo, as opções de compra de imóvel
e as locações sem cláusula de vigência em caso de venda;
b) serão aceitos os títulos sem a descrição do imóvel desde que esta conste de
inscrição anterior, bastando a referência a ela, salvo qualquer mudança nos limites e
confrontações, não se admitindo, em caso algum, a menção de confrontações com
propriedade ou com quem de direito. 285
A dispensa da descrição do imóvel no título, quando for a mesma do título anterior,
será apenas facultada, pois o interessado prefere sempre ter consigo um documentos
auto-suficiente, em que se concentrem todos os dados essenciais do seu direito. Quando, por
pressa na instrumentação ou outro motivo ocasional., ele se valer da dispensa, esta redundará
em economia operativa, já por frustrar possíveis erros na passagem da descrição de um para
outro título, já por poupar ao cartório o trabalho de cotejá-la depois com a constante do
registro.
A regra da descrição do imóvel no título continuará, portanto, a imperar, não só por
convir isso ao interessado, como por ocorrer, de vez em quando, mudança no nome dos
confrontantes, sem falar na eventualidade de sobrevir o acréscimo da designação cadastral,
prevista pela própria lei (art. 176, § único, III, n. 3, in fine ). Nessa conformidade, importa
que continue igualmente a dominar a maneira pela qual costuma se feita a descrição do
imóvel, sobretudo urbano, pois a padronização descritiva facilita o entendimento dos títulos.
Neste ponto, convém recordar que na descrição usual, os lados direito e esquerdo se
referem ao próprio imóvel, com a sua frente voltada para a via pública, e não ao observador
que, postado nela, o encare. A despeito de ser esse um critério tradicional, encontradiço na
documentação desde remoto passado, o recém-fundado órgão de classe dos registradores,
285 A dispensa da descrição do imóvel, quando constante de inscrição anterior, está referida no título, alivia o
livro sem risco, mas há de ser concedida em Regulamento, ou em Lei, como no anteprojeto de minha autoria,
preparado para o Ministério da Justiça em 1969. Talvez inspirada nesse anteprojeto, a Corregedoria concedeu
prematuramente a dispensa, sem advertir que assim abolia um dos requisitos da inscrição no Regulamento então
em vigor ( Ementário da Corregedoria. ed. do Autor, 1972. art. 311).
cujas sugestões tanto pesaram na formulação da nova Lei do Registro, aconselha o critério
oposto, mandando referir os lados direito e esquerdo ao observador que, estacionado na rua,
olha para o imóvel. 286 Está visto que a inovação não merece prosperar.
Aí está um exemplo de quanto o regulamento precisa elucidar antes de tratar do
exame da legalidade dos títulos. Esse exame se realiza imediatamente depois da cobrança dos
emolumentos e custas, cotada a mão ou grafada mecanicamente nos títulos e bem assim da
prenotação destes no protocolo (arts. 14 e 239; art. 12). Recai primeiro sobre o título em si e
depois sobre a sua concordância com o registro, esta envolvente de busca com o auxílio dos
indicadores real e pessoal, podendo, uma vez findo, suscitar os incidentes da exigência e da
dúvida.

Para guiar o exame da legalidade, facilitando-o e apresentado-o, convirá que


estabeleça um verdadeiro roteiro, que indique os pontos principais por onde deve passar.
Esse roteiro, a ser elaborado com base na experiência, casuística dos cartórios de intenso
movimento, acudirá à perplexidade dos serventuários inexperientes, evitando-lhes perda de
tempo ou extravios. Ao divulgar ensinamentos confinados à rotina interna de alguns cartórios
permitirá que em todos eles sejam imediatamente aferidos os títulos por padrões legais
ostensivos.
Assim se acelerará a qualificação e o desembaraço dos títulos, apaziguando-se a
impaciência dos interessados. Talvez sirva como primeiro esboço do roteiro o questionário
sugerido a seguir, o qual, destinado aos serventuários, aproveitará também aos interessados.

I - TÍTULO

1.º - Refere-se a imóvel da zona do cartório?


2.º - É duplicara de outro já prenotado?
3.º - É conflitante com outro prioritário?
4.º - Está entre os instrumentos admissíveis no registro (arts. 221 e 191. § 1.º da lei)?
5.º - Versa sobre um dos direitos registráveis (arts. 167 e 246 da lei)?
6.º - É instrumento particular ou público? Se particular, quantas vias (art. 194 da lei)?
Tem as firmas reconhecidas (§ único do art. 246 da lei)?
7.º - Se público, está rubricado e subscrito pelo tabelião ou escrivão?
8.º - Se título judicial (formal de partilha ou carta de adjudicação, remição ou
arrematação ), está assinado pelo juiz?
9.º - Se ratificação ou retificação de outro, está acompanhado do que é ratificado ou
retificado?
10.º - Todas as pessoas constantes do preâmbulo do título aparecem nas assinaturas?
Tem emendas ou rasuras? Ressalvadas?
11.º - Se memorial de loteamento, está instruído com a documentação legalmente
exigida (Lei n. 6.766, de 1979, art. 18)?
12.º - Se memorial de incorporação, está instruído com a documentação legalmente
exigida (Lei n.º 4.591, de 1964, art. 32)?

II - PARTES E INTERVENIENTES

286 Revista do Instituto de Registro Imobiliário. S. Paulo, 1974, n. 2, p. 179 et esq.


1.º - Estão cabalmente qualificadas as partes e intervenientes, inclusive com a
referência à carteira de identidade e ao número de inscrição no cadastro de pessoas físicas ou
jurídicas do Ministério da Fazenda (art. 176 da lei)?
2.º - Se o outorgante é casado, há outorga uxória?
3.º - Se menor ou interdito, há alvará de autorização judicial?
4.º - Se espólio, há alvará de autorização judicial (Cód. de Proc. Civ., art. 992, I)?
5.º - O transmitente ou devedor é o adquirente da inscrição anterior?
6.º - O estado civil do transmitente ou devedor é o mesmo da inscrição anterior? Caso
contrário, foi feita a averbação da maioridade ou do casamento ou inscrito o formal de
partilha?
7.º - O transmitente é condômino? Transmite área certa e delimitada sem prévia
divisão do imóvel comum?
8.º - O adquirente é estrangeiro? Adquire menos de cinqüenta (50) módulos (Lei n.º
5.709, de 1971, art. 3.º)?
9.º - O devedor hipotecante é proprietário do imóvel ou simples promitente
comprador?
10.º - O credor hipotecário ou pignoratício, respectivamente, concedeu anuência ao
cancelamento da servidão incidente sobre o imóvel hipotecado ou da hipoteca cujo crédito
tenha sido dado em penhor ou caução?
11.º - O loteador é proprietário singular? Se não, o loteamento é promovido pelo
conjunto dos co-proprietários?
12.º - O incorporador do edifício tem qualidade para legitimar-se como tal (Lei n.º
4.591, de 1964, art. 31)?

II - IMÓVEL

1.º - A descrição do imóvel satisfaz todos os requisitos legais da especialização (art.


176 da lei)?
2.º - Se não satisfaz, os requisitos omitidos podem ser supridos por certidão de
repartição pública?
3.º - A descrição coincide com a constante da inscrição anterior na localização na
área, na extensão das linhas de divisas?
4.º - Se imóvel urbano, a divergência provém de recuo de alinhamento do logradouro
ou de investidura?
5.º - Se apartamento, limita-se à fração do terreno, por ser uma na promessa de venda
e outra na escritura definitiva?
6.º - A promessa de venda, ou venda de apartamento deixa de incluir a vaga em
garagem e a respectiva fração de terreno ou inclui uma vaga que não pertence ao vendedor?
7.º - A divergência consiste na existência ou inexistência de construção, no nome do
logradouro, na numeração do prédio?
8.º - A venda tem por objeto construção levantada em terreno alheio (Cód. Civ., arts.
59, 61. III e 547)?
9.º - O imóvel está lançado em nome do transmitente?
10.º - Embora lançado em nome do transmitente, está em condomínio com outros?
11.º - O imóvel que o transmitente declara ter havido por meação ou herança consta
efetivamente do pagamento dele na partilha por morte ou desquite do seu cônjuge ou por
morte do seu ascendente?
12.º - O imóvel tem no livro área bastante para comportar a transmissão que se faz?
13.º - O imóvel penhorado está inscrito no nome do executado?
14.º - O lote ou apartamento vendido filia-se a loteamento ou incorporação
regularmente registrado e referido no título?
15.º - O imóvel vendido é inalienável por força de cláusula de testamento ou de
doação, ou em virtude de ser bem de família, ou bem público (Cód. Civ., arts. 72-73; arts.
66-67)?
16.º - A união de imóveis é requerida com a descrição do imóvel unificado? Planta?
Traz confusão?
17.º - O desmembramento do imóvel teve prévia autorização do órgão oficial de
cadastramento (Prefeitura, INCRA, Patrimônio da União)? A parte desmembrada e a parte
remanescente estão ambas descritas com os requisitos suficientes para ganharem autonomia?
18.º - O memorial de loteamento coincide com o registro na descrição do terreno? A
planta confere com essa descrição?
19.º - O memorial de incorporação coincide com o registro na descrição do terreno?
Se neste antes existia prédio, foi previamente averbada a demolição? Está o terreno onerado
de promessa de venda a terceiro? Ou de servidão de não construir acima de certa altura (non
aedificandi)?
20.º - A incorporação realiza-se em dois ou mais terrenos contíguos sem que estes
tivessem sido previamente unificados mediante a fusão das matrículas?

IV - ÔNUS E CONDIÇÕES

1.º - Consta do registro hipoteca, promessa, locação ou outro ônus sobre o imóvel?
2.º - A escritura de venda faz referência ao ônus anteriormente inscrito? No caso
negativo, o credor do ônus, não interveniente na escritura, deu o seu consentimento em outra?
3.º - A escritura de hipoteca consigna a existência de outra anterior outorgada a credor
diverso?
4.º - Há hipoteca anterior inscrita com o mesmo grau daquela que se pretende
inscrever?
5.º - A troca de grau entre duas hipoteca, requerida pelos credores de uma e outra,
prejudica algum credor intermédio?
6.º - A prorrogação da hipoteca foi requerida antes de findo o trintênio?
7.º - A hipoteca incorreu em perempção pelo decurso do prazo de 30 (trinta) anos (art.
239 da lei)?
8.º - A escritura de hipoteca ou de locação-ônus versa sobre o imóvel em usufruto? A
garantia é oferecida pelo nu-proprietário?
9.º - A arrematação do imóvel hipotecado ocorreu em execução do credor hipotecário
ou de quirografário (Cód. de Proc. Civ., art. 693)? Há mais de uma hipoteca a ser
simultaneamente cancelada?
10.º - Consta do registro a inscrição do imóvel sob condição resolutiva? O título
transmissivo omite essa condição? Ocorreu o implemento da condição resolutiva?
Averbado?

V - TRIBUTOS
1.º - Se escritura pública ou particular, há quitação dos impostos e taxas devido pelo
imóvel, pelo título ou pela parte? Especialmente: a) imposto sobre a propriedade predial e
territorial urbana (Lei n.5.172, de 1966, arts. 32-34); b) imposto sobre a transmissão de bens
imóveis e de direitos a eles relativos, mencionado sempre o número da guia de transmissão
(Lei n. 5.172, de 1966, arts. 35-42).
2.º - Há certificado de quitação ou de regularidade do Instituto Nacional de
Previdência Social (INPS) (Lei n. 3.807, de 1960. art. 79, VI, comb. com o art. 141, § 2.º,
―d‖)? Ou do Funrural (Dec. n. 73.617, de 1974, art. 160)?
3.º - Não havendo esse certificado, foi suprido pela declaração da pessoa física de não
ser, nem nunca ter sido, contribuinte obrigatório da Previdência Social como empregadora?
4.º - Se título judicial, carta de arrematação, de adjudicação, de remição e formal de
partilha, contém a quitação dos impostos (Cód. de Proc. Civ., arts. 703, II, 715, § 2.º, 790, V.
e 1.027, IV)? 287

VI - EXIGÊNCIAS

1.º - Via suplementar do título particular apresentado em uma só via, a menos que o
interessado não a possua e queira obter certidão para si próprio (art. 194).
2.º - Reconhecimento de firmas do título particular (art. 231, II) ou do requerimento
de averbação (§ único do art. 246); tradução e legalização de documentos estrangeiros (art.
221, III).
3.º - Retificação e ratificação de escritura quando contiver erros ou omissões na
metragem, no nome dos confrontantes etc., falta de uma ou mais assinaturas etc. ou for
apresentada em forma inadequada (escritura particular em vez de pública).
4.º - Carteira de identidade e cadastro de pessoa física ou jurídica, quando o
outorgante usar mais de um nome ou se tratar de escritura particular onde não há
identificação das partes pelo tabelião.
5.º - Alvará de autorização do juiz para venda de imóvel pertencente a menor ou a
espólio (Cód. Civ., art. 386; Cód. de Proc. Civ., art. 992, I).
6.º - Certidão de nascimento, para averbação de maioridade; de casamento e seu
regime de bens, ou de desquite, para averbação do novo estado na inscrição do imóvel
adquirido na menoridade, no estado de solteiro, ou de desquitado.
7.º - Certidão da Prefeitura Municipal sobre a construção feita do terreno, ou sua
demolição, ou sobre a mudança de nome do logradouro ou de numeração do prédio para
averbação na inscrição deste.
8.º - Sentença de partilha por morte ou separação do outro cônjuge, para inscrição.
9.º - Escritura ou outro título aquisitivo anterior para completar a cadeia de
titularidades e permitir a inscrição do título atual.
10.º - Vistoria para determinação de metragem exata das linhas de divisas em caso de
divergência, bem como para complementação de confrontações insuficientes ou omissas e
esclarecimento da localização.
11.º - Certificado de quitação ou de regularidade do INPS ou do FUNRURAL.

287 O exame da legalidade do título judicial não ofende a coisa julgada, visto como esta não se produz em feitos
de jurisdição voluntária.
12.º - Conhecimento do imposto de transmissão, para cujo pagamento o registrador
expedirá guia, se a escritura tiver sido lavrada em Estado diferente do da situação do
imóvel. 288

288 O pagamento do imposto efetua-se sempre antes da transmissão do imóvel, senão do ato que a estipula, o
título, pelo menos daquele que a consuma, a inscrição. Quando a escritura é lavrada no lugar do imóvel, aí se faz
o pagamento, que é nela referido com a menção do número da guia de transmissão, uma vez que o imposto
compete ao Estado da situação (Lei n. 5.172, de 1966, art. 41). Quando é lavrada em Estado diferente do da
situação do imóvel, nela não se exige a prova do pagamento do imposto. Tanto assim que o Ementário da
Corregedoria local, de 1972, exige a certidão negativa da impostos na translação definitiva do domínio, de
constituição renúncia ou modificação de direitos reais quando os imóveis se acham situados no Estado.
dispensando-a expressamente quando se acham situados fora do Estado (arts. 238 e 248). A dispensa facilita o
negócio sem prejuízo do Estado credor do imposto. É que o registro da escritura se realiza nesse Estado, que é o
da situação do imóvel, onde caberá ao registrador fazer a exigência, expedindo guia para o seu pagamento, que,
ainda assim, antecederá a transmissão entre vivos por ocorrer no limiar do seu segundo estágio. Se o registador
não proceder assim, incorrerá na responsabilidade solidária que o Código Tributário Nacional impõe a
tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício que omitem a exigência nos atos praticados por eles, ou
perante eles, em razão do seu ofício (Lei n. 5.172, de 1966, art. 134). Ao expedir a ―guia‖, exercerá uma
faculdade que tem desde o primeiro regulamento brasileiro do imposto de transmissão, de 1869; ―Art. 13. O
pagamento do imposto de transmissão inter vivos efetuar-se-á antes de celebrado o ato, que a opera, mediante
guia dada pelos Tabeliães, ou Escrivães, outros oficiais públicos, ou escrita pelas partes interessadas‖ (Reg. n.
4.355, de 1869, art. 13; cf. TEIXEIRA DE FREITAS, op. cit., nota 114 ao art. 590; decisão do Juiz dos
Registros Públicos. In: LOUREIRO, op. cit., v. 1. n. 254, p. 376).
CAPÍTULO 15

LIVROS DE REGISTRO

1. Ordenação original. Ecletismo posterior.

2. Evolução histórica. Mudança de numeração.

3. Livros atuais.

4. Forma dos livros e segurança dos direitos.

5. Tamanho, modelo, autenticação e desdobramento dos livros.

A publicidade, que, sob o ponto de vista do Direito Material, se classifica segundo os


efeitos que a legislação lhe atribui, já sob o ponto de vista do Direito Formal se distingue
comumente segundo o critério pessoal ou real que adote no ordenamento dos livros. Se se
organiza segundo o critério pessoal, os livros tomam por base os nomes dos proprietários e
outros titulares de direitos imobiliários, encaminhando-se a cada um desses nomes todas as
informações referentes ao imóvel ou imóveis que lhe pertençam ou sobre o qual exerça
direito. Se se organiza segundo o critério real, os livros tomam por base os imóveis,
dedicando a cada um deles uma folha privativa, onde se lançam todos os assentos que lhe
dizem respeito.
No primeiro caso, para conhecer a exata situação jurídico-real de um imóvel, se torna
necessário pesquisar retrospectivamente a nominata dos seus sucessivos proprietários e,
nessa pesquisa, podem escapar ou deixar de ser captados informações relevantes. No
segundo, ao contrário, é quase impossível que isso aconteça, porque todas as informações se
acham reunidas em uma única folha onde se concatenam á medida que os fatos se verificam.
Ao criar-se o registro no nosso país, não se seguiu nenhum desses critérios, embora já
existissem os exemplos clássicos de ambos, o francês e o alemão. Os livros surgiram da
necessidade de prover meios de guardar os assentos das mutações jurídico-reais, mas alheios
ao propósito de organização sistemática. Daí o aparecimento de uma fórmula eclética.
De início os livros foram instituídos para assento dos direitos reais segundo a sua
natureza, fazendo-se o lançamento em folha coletiva, em que se sucediam, por ordem
cronológica, pessoas e imóveis diferentes. A tendência seria haver tantos livros quantos
fossem os direitos reais, se não interviesse o pensamento de reduzir o número deles,
dedicando livros autônomos aos mais importantes direitos reais e reunindo os demais num
livro só: um livro para a propriedade, outro para a hipoteca, outro para direitos diversos.
Ante essa dispersão de direitos em vários livros, tornava-se necessário estabelecer
uma ligação entre eles, o que foi feito em mais dois livros, destinados a agrupá-los segundo o
imóvel ou segundo o titular a que digam respeito: os indicadores real e pessoal. Esses livros
facilitam as buscas, o indicador real pelas divisões das circunscrições em que se achem
situados os imóveis, e o indicador pessoal pelos nomes em ordem alfabética dos respectivos
proprietários e outros interessados constantes dos livros de registro.
Como se vê, os títulos inscritíveis, que a princípio se reuniam em um livro de
recepção comum, que é o protocolo, depois se dispersavam em vários livros de registro para
afinal se reunirem de novo em um livro comum de referência ou citação. Esse livro comum
de referência ou citação estava para os diversos livros como um foco luminoso está para os
raios de luz que dele partem. Essa a apresentação tradicional dos livros do nosso registro, que
se manteve, por força de hábito, por mais de um século.
Verdade seja que, ao aparecerem os loteamentos e as incorporações, surgiu entre nós,
com caráter temporário, uma modalidade de fólio real, decorrente da necessidade de recolher
os numerosos assentos irradiados de cada um dos imóveis submetidos a esses processos.
Foram eles desviados então para um livro especial, que assim se ordenava segundo os
imóveis, para exercer uma missão transitória, correspondente à fase de duração do
pagamento dos lotes e apartamentos, pois, terminada esta, a escritura definitiva de venda
retornava ao livro comum.
Sem dúvida, a adoção desse arranjo resolveu no momento o problema específico dos
loteamentos e incorporações, mas se alheou ao problema geral, que, por esse motivo, acabou
por complicar de dois modos, já aumentando o número de livros, já extraviando a
nomenclatura criada para os livros tradicionais e instaurando a confusão no significado dos
assentos, conforme se acentuou no capítulo concernente à terminologia do registro. Ao invés
desse arranjo transitório e fragmentário, teria sido mais acertado aproveitar a sua idéia
central, que é ligar todos os assentos ao imóvel-mor, para reformar o registro, instituindo para
todo e qualquer imóvel a folha individual. 289
Essa apreciação geral precisa, porém, ser confirmada pela menção exata dos livros
existentes ao longo da vida do registro, porque, embora hajam mantido a diretriz assinalada,
acusaram pequenas diferenças de uma para outra época. Essas diferenças oferecem interesse,
não apenas histórico, mas também prático., conforme se vai ver, porque os direitos deitam
raízes no passado, até onde muita vez se há de remontar para conhecer-lhes a legitimidade.
O regulamento da Lei Imperial de 1864, Dec. n.º 3.453, de 26 de abril de 1865,
instituiu os seguintes livros: n.º 1, protocolo; n.º 2, inscrição especial; n.º 3, inscrição geral;
n.º 4, transcrição das transmissões; n.º 5, transcrição dos ônus reais; n.º 6, transcrição do
penhor agrícola; n.º 7, indicador real; n.º 8, indicador pessoal, além de dois livros auxiliares,
um de n.º 2, outro de n.º 4, destinados, respectivamente, às inscrições das hipotecas legais e
às transcrições verbo ad verbum (art. 13).
O regulamento da Lei Republicana n.º 169-A, de 18 de janeiro de 1890, Decreto n.º
370, de 2 de maio de 1890, reduziu os livros a sete, com a supressão do livro n.º 3, de
inscrição geral, com o que alterou a numeração dos demais livros, em virtude do que o livro
n.º 3 passou a ser de transcrição das transmissões e o n.º 4 de transcrição de ônus reais
(artigo 11).
Os regulamentos baixados após o advento do Código Civil foram dois: O primeiro,
Decreto n.º 18.542, de 1928, expedido em virtude de autorização da Lei n.º 4.827, de 1924
(art. 11), manteve os livros em sete, mas lhes alterou a destinação, de sorte que, suprimidos o

289 O livro matriz do Registro Torrens é um fólio real, mas, na sua adaptação ao Brasil, acabou se
desintegrando na atmosfera do registro comum sob o influxo do preceito regulamentar determinante do
encaminhamento a este das transferências e onerações, quando umas e outras deviam operar-se exclusivamente
no âmbito daquele mediante averbação ou novos títulos. No entanto, a exposição de motivos de RUI
BARBOSA realçara como um dos predicados do Registro Torrens a publicidade real, e não pessoal, isto é,
instituição de um grande livro das terras, onde cada propriedade, em vez de cada proprietário, tenha aberta a sua
conta."
auxiliar n.º 2 das hipotecas legais e o n.º 6 de transcrição do penhor agrícola, o n.º 2 passou a
ser de inscrição das hipotecas em geral e o n.º 4 de registros diversos (art. 177).
O segundo, Decreto n.º 4.857, de 1939, adotou os mesmos livros do anterior,
acrescendo-lhes o n.º 8, destinado ao registro dos loteamentos (Dec.-lei n.º 58, de 1937, art.
4.º), com o que retornou ao número de oito da Lei Imperial (art. 182).
Após o segundo desses regulamentos, foram criados mais dois livros pelo art. 31, §
3.º, do Decreto-lei n.º 167, de 14 de fevereiro de 1967 e pelo art. 31 do Decreto-lei n.º 413, de
9 de janeiro de 1969, para registro das cédulas de crédito rural e as cédulas de crédito
industrial, respectivamente. Com esse aumento, os livros chegaram a dez, conforme a nova
redação dada ao artigo 182 do referido regulamento (Dec. n.º 64.608, de 24 de maio de 1969,
art. 1.º): n.º 1, protocolo; n.º 2, inscrição hipotecária; n.º3, transcrição das transmissões; n.º 4,
registros diversos; n.º 5, emissão de debêntures; n.º 6, indicador real; n.º 7, indicador pessoal;
n.º 8, registro especial; n.º 9, registro de cédulas de crédito rural n.º 10, registro de cédulas de
crédito industrial, além dos três livros sem numeração, a saber, o livro auxiliar, o livro-talão
para lançamento resumido de todos os atos do registro e o livro-talão para tiragem das
cédulas pignoratícias (Dec. n.º 4.857, de 1939, parágrafo único do art. 182 e art. 199).
Apesar da abundância de livros, e enumeração regulamentar ainda omitia os dois
livros especiais criados para o registro das minas, os quais, segundo parece, nunca passaram
de previsão legal para a prática cartorial (Lei n.º 4.265, d 1921, art. 12 e seu reg., art. 14). 290
Ao invés de manter esses livros, o regulamento preferiu elimina-los, mandando que a
escrituração das minas se fizesse nos livros comuns (Decreto n.º 4.857, de 1939, art. 312).
Ao longo de mais de um século, os livros conservaram um tamanho uniforme, grande,
para a maioria (0,59m X 0,42m) e o mesmo número de folhas (300). O formato avantajado
dos livros, todos encadernados, foi preferido certamente por permitir a disposição interna dos
dados essenciais dos títulos em colunas que os destacassem convenientemente.
A recapitulação da maneira pela qual os livros evoluíram mostra que variaram no
tempo a sua numeração e a sua destinação, trazendo essa instabilidade consideráveis
dispêndios ao registrador e não poucos transtornos às partes. Ao registrador, por implicar em
novos livros, ora prometidos pela administração, mas debalde, como aconteceu no
regulamento de 1890, ora adquiridos pelo cartório, mas abandonados em seguida, como
sucedeu no frustrado Regulamento-lei de 1969. As partes, por embaciar por vezes a visão de
direitos registrados há longo tempo, induzindo-as em erro, já que, acostumadas a vê-los
lançados num livro atual de certo número, estranham que o documento cartorial mencione
livro de número diferente, inquietando-se com a aparente nulidade do registro.
Haja vista a hipótese de um herdeiro que, desejoso de conhecer o patrimônio herdado,
recorre ao cartório de registro, que lhe fornece uma certidão resumida de que consta em nome
do seu antepassado uma transcrição de compra de imóvel lançada no livro n.º 4. Como esse
herdeiro sabe, e bem assim seu advogado, que a transcrição das transmissões se faz no livro
n.º 3, é logo assaltado pelo receio de estar comprometida a legalidade de seu título, até que
verifica, pela história dos livros, que aquele era o próprio das transmissões no tempo do
Império. 291
290 AZEVEDO, Filadelfo. Registros públicos. Rio, ed. da Tip. Fluminense, 1924. n. 81 e 82.
291 Essa espécie de dúvida ocorreu relativamente a imóvel situado em Angra dos Reis, dissipando-se afinal à
vista do termo de abertura do livro n. 4 e da anotação ao pé dele, do teor seguinte: "Termo de abertura. Este
livro sob n. 4 há de servir no Cartório do Registro Geral das Hipotecas da Comarca de Angra dos Reis para a
transcrição das transmissões dos imóveis, nos termos do art. 28 do Reg. sob o n. 3.453, de 26 de abril, demais
disposições neles contidas e Lei n.º 1.237, de 24 de setembro de 1864. E para constar fiz este Termo de Abertura
A nova Lei do Registro, tendo em vista serem excessivos os livros relacionados no
Regulamento anterior, em decorrência do oportunismo da sua criação, tomou a iniciativa de
reduzi-los à metade. Assim, preceituou que haverá no Registro de Imóveis os seguintes livros
(Lei n.º 6.015, de 1973, art. 173): n.º 1 — protocolo; n.º 2 — registro geral; n.º 3 — registro
auxiliar; n.º 4 — indicador real; n.º 5 — indicador pessoal.
À primeira vista, a situação formal do registro parece ter melhorado, merecendo
louvor sobretudo a idéia central, malograda na primeira versão da lei, mas vitoriosa na
segunda, de unificar os antigos livros principais no chamado "registro geral". Esse louvor
deve estender-se à numeração dos livros, que está em ordem lógica, ao contrário do que
acontecia no regulamento anterior, em que o registro das hipotecas se antepunha ao da
propriedade. Se o livro unificador não recebeu o seu verdadeiro nome de livro de inscrição e
o auxiliar de livro de transcrição, de acordo com a sua finalidade, isso corre à conta do
obsessivo desvio terminológico atrás anotado, que aqui redunda na conseqüência de o
registro "geral" não abranger o seguinte registro auxiliar.
A impressão favorável dissipa-se, porém, quando a vista desce da enumeração para o
seu apêndice, segundo o qual, excetuado o protocolo, os demais livros podem ser
substituídos por folhas soltas ou fichas (parág. único do art. 173). Essa possibilidade da
substituição dos livros por folhas soltas ou fichas até no tocante ao "registro geral", admitida
para o fim de serem escriturados mecanicamente, com observância de modelos aprovados
pela autoridade judiciária competente, envolve, no seu enunciado, dois riscos, o da variedade
dos modelos e o das folhas soltas.
Até agora houve a preocupação legal e regulamentar da uniformidade da estrutura dos
livros, estreitamente relacionada com a unidade do Direito Material, mas doravante reinará a
variedade, pois os livros encadernados obedecerão a um modelo e os livros de folhas soltas a
outro, este, por sua vez, variável de comarca para comarca. A liberdade de dimensionar os
livros, traduzida na menção de suas dimensões "máximas", dobra-se assim com a de formular
cada comarca o seu livro de folhas soltas.
Ao delegar competência à autoridade judiciária local para formular o modelo de
folhas soltas, o legislador federal abre mão de um poder que sempre reteve consigo, por
estarem os modelos de livros intimamente associados à proteção dos direitos reais. Sempre
pareceu indispensável derivar da mesma fonte uns e outros, casando direitos e formalidades,
de modo que a respectiva sinalização e bem assim a citação fossem entendidas no país inteiro
como expressões do mesmo direito material e formal. Daí a competência da União para
legislar sobre a matéria (Const. de 1969, art. 8.º, XVII, alínea c).
Agora, subverte-se esse critério de uma maneira que, por não encontrar cobertura sob
o manto de legislação supletiva, há de ser havida como de duvidosa legalidade ao mesmo
tempo em que com isso se multiplicam as possibilidades de confusão oriundas da variedade
de modelos. Tanto menos judiciosa se mostra a delegação quanto o legislador federal,
desejoso de trocar os livros antigos por um fólio real, debalde se empenha, há muitos anos,

rubriquei o presente livro em virtude de autorização do Dr. Juiz de Direito, datada de 23 de janeiro do corrente
ano. Vila de Mangaratiba, 19 de fevereiro de 1866. O Juiz Municipal (a) Domingos Monteiro Peixoto.
Anotação. Pelo Decreto 169-A, de 19 de janeiro de 1890, foram substituídas a Lei 1.237 e respectivo
Regulamento; e pelo Decreto, de 2 de maio de 1890, art. 11, passou este livro a ter o n.º 3. E, como o Governo
não ministrou os livros prescritos no art. 11, como determina o art. 16, continua a serem feitas neste livro a
transcrição das transmissões dos imóveis. Angra dos Reis, 2 de setembro de 1890. O oficial (a) Francisco
Teixeira de Carvalho".
em elaborar um modelo, pelo que não é razoável supor que a autoridade judiciária local possa
fazê-lo com facilidade e propriedade.
Se o conseguir, assegurando, na ordenação do formulário, adequada proteção aos
direitos reais, permanecerá ainda o inconveniente da variedade. Esse inconveniente é adrede
instaurado, em lance de imprudência que raia pela leviandade, num país que nunca conheceu
a dispersão do mecanismo executivo de registro, ao contrário do que sucedeu limitadamente
na Alemanha até que sobreviesse a unificação dos formulários. 292
Tanto mais temeroso se mostra o inconveniente da variedade de modelos quanto vem
associado ao das folhas soltas. Há estreita correlação entre a forma dos livros e a
sobrevivência dos direitos ou, pelo menos, da sua prova. A verdade é que, conduzidos em
folhas soltas, os direitos estarão, só por isso, em constantes risco, proveniente de vários
fatores.
O primeiro deles é o desgaste acelerado das folhas, que, no manuseio, requerem uma
intensa, constante, inevitável movimentação interna para a retirada, consulta e inserção
sucessivas. Se, conforme mostra a observação, as próprias folhas fixas dos livros
encadernados já se encontram, em alguns cartórios do interior, em estado de semidestruição,
por terem as bordas inteiramente poídas, está claro que o mal se agravará rapidamente nas
folhas soltas.
O segundo, este mais sério, está em que a intensa movimentação interna das folhas
facilita o extravio, tanto o involuntário como sobretudo o fraudulento, e, por conseguinte, a
manipulação de direitos imobiliários. Essa assustadora perspectiva de expor os direitos, ao
mesmo tempo, à negligência e à cavilação solapa a segurança dos direitos e a confiança no
registro.
Não é aceitável, em defesa dessa iniciativa temerária, o argumento segundo o qual,
em caso de extravio, que representa uma anormalidade. haverá sempre a possibilidade da
reconstituição da folha solta. Tal possibilidade, quando existe, envolve ordinariamente uma
dificuldade de monta, que não se cinge à obtenção de outra via do título registrado, mas, o
que é pior, nem sempre existe!
Na verdade, a reconstituição de uma folha solta nunca é fácil e pode torna-se ilusória,
contenha ela somente extratos de escrituras, ou de escrituras e documentos unilaterais, como
os que se inserem em averbações e cancelamentos. As escrituras públicas são recuperáveis,
por serem lavradas em livros de notário, mas não acontece outro com as particulares, que,
embora arquivadas no cartório imobiliário, desaparecem juntamente com a folha solta
quando o extravio é fraudulento. Quando aos documentos unilaterais, renúncias, memoriais,
recibos, quitações, autorizações de cancelamento, estes escapam em geral à possibilidade de
renovação, estando neles freqüentemente a chave do extravio.
De certo, essas razões pesaram no espírito do jurista que, com a autoridade acrescida
de antigo registrador, realizou um estudo completo das leis do registro imobiliário da
América do Sul, quando, nas suas conclusões sobre as diretrizes eventuais da sua reforma,
recomendou precaução no acolhimento de processos de automação, restringindo-os aos
"aspectos auxiliares da função registral". Aconselhando a escritura mecanografada, os
fichários, assim como a microfilmagem de arquivos para mantê-los duplicados, foi

292 HEDEMANN, J. W. Derechos reales. Madrid, ed. da Rev. de Derecho Privado, 1955. § 9, n. IV, p. 79.
peremptório em advertir que "los libros territoriales no debem ser substituídos por tarjeteras
ni tampouco desglosados". 293
Se as razões invocadas bastam para convencer que a escrituração dos direitos reais
não deve ser feita em livros de folhas soltas, muito mais forte se torna a convicção quando se
consideram outras circunstâncias, que agora também militam no mesmo sentido. É que,
concomitantemente com as folhas soltas, também se admitiu a sua escrituração datilografada
e a sua autenticação pelo registrador ( § 2.º do art. 3.º e art. 4.º ), que, em conseqüência disso,
passa ter um domínio absoluto sobre elas, graças ao qual poderá, quando desonesto,
substituir qualquer uma com a maior perfeição, sem deixar o menor vestígio da falsidade.
Efetivamente, o último vestígio que poderia restar, a duplicata da inscrição, cuja
remessa ao arquivo público a colocaria fora do alcance do fraudador, esse último vestígio
também desaparece com a supressão do livro de extratos. Por conseguinte, se se adota a
autenticação dos livros pelo registrador, que alivia o juiz da monótona tarefa da rubrica das
folhas (Dec. n.º 4.857, de 1939, art. 324, letra b), não se há de adotar cumulativamente o
emprego das folhas soltas.
Num país em que a corrupção é tão amiúde estimulada pela impunidade, é de suma
imprudência deixar na lei brechas tão largas por onde o ilícito possa penetrar em detrimento
do público. Se, no presente, quando os livros são de folhas fixas, basta que eles se dilacerem
ou descosturem com a vetustez para que as folhas, deles desprendidas, ensejam o extravio,
como o ocorrido com tanta notoriedade em Parati, que dizer no futuro, quando, já de início,
as folhas se oferecerão convidativamente soltas para atrair a cobiça dos grileiros? A menos
que a facilidade da nova lei seja coaretada ou se torne letra morta, a fraude campeará pelo
país afora.
De parte os livros de protocolo e de "registro geral", que , por sua importância,
constituirão objeto de capítulos especiais, resta tratar aqui do "registro auxiliar", do indicador
real e do indicador pessoal. Desses três livros, os dois últimos têm um nome adequado à sua
função ou finalidade, mas o primeiro, não. Se, em relação a este, tivesse sido seguido o
mesmo critério, ele se chamaria livro de transcrição, por se destinar à transcrição de
documentos em inteiro teor.
O "registro auxiliar" acha-se regulado em dois artigos da lei nova, no primeiro
genérica, no segundo especificamente (artigos 177 e 178). Todavia, o enunciado do primeiro
é inexato, por dizer menos de que devia, discordando assim dos incisos III e VII do segundo.
Daí a conveniência de esclarecer que o "registro auxiliar" recebe dois tipos de documentos:
a) títulos que dizem respeito a imóvel matriculado, mas que, embora não versem sobre direito
real, predispõem aquisições parceladas ou que, portadores desse direito, se transcrevem a
requerimento das partes, independentemente da inscrição: b) títulos que não dizem respeito a
imóvel matriculado, mas que são atribuídos ao registro por disposição legal.
Ao primeiro tipo pertencem, além das convenções de condomínio, incluídas na
relação legal, também os memoriais de incorporação e de loteamento. Quando a lei subordina
esses memoriais a "registro", deixa de esclarecer que este se fará no livro de "registro
auxiliar", assim como, ao dar o conteúdo desse livro, os omite na relação documental. Não
obstante, aí é que eles encontraram o seu lugar próprio.
De fato, no "registro geral" somente ingressam títulos de direito real, que, ao se
fixarem na sua tábua, adquirem o seu caráter definitivo. A realidade e a definitividade são os

293VILLAVICÊNCIO, J. R. Publicidad immobiliaria. 1. reimp. Washington, D.C., União Panamericana,


1966. p. 557.
atributos dos direitos acolhidos no livro principal. Ora, os memoriais de incorporação e de
loteamento nem são portadores de direito real, nem logram, com o seu lançamento registral,
caráter definitivo, pois são declaradamente revogáveis, enquanto as suas unidades não forem
vendidas, vale dizer, enquanto não houver interesses de terceiros a resguardar, conforme
disposições expressas das respectivas leis, compendiadas na Lei do Registro (Lei n.º 4.591,
de 1964, arts. 33 e 34; Dec.-lei n.º 58, de 1937, art. 6.º, b; Lei n.º 6.766, de 1979, art. 23; Lei
n.º 6.015, de 1973, art. 255).
Logo, uma vez acusada a existência dos memoriais em "averbação" à inscrição do
imóvel, devem os documentos ser transcritos no livro de "registro auxiliar", a fim de que à
vista deste o cartório acompanhe o processo de sua efetivação até que as unidades
componentes do edifício ou do terreno loteado sejam matriculadas. Essa é a interpretação
sistemática da lei, pois a outra conduz a um absurdo, misturando assentos de natureza
diversa, de modo a obliterar os essenciais e, portanto, a visibilidade da correlação entre o
corpo do Direito Material e o corpo do Direito Formal do registro.
Ao segundo tipo filiam-se os demais documentos da relação legal, exceto o referido
no último inciso:

I — a emissão de debêntures, sem prejuízo do registro eventual e definitivo, na


matrícula do imóvel, da hipoteca, anticrese ou penhor que abonarem especialmente tais
emissões, firmando-se pela ordem do registro a prioridade entre as séries de obrigações
emitidas pela sociedade.

II — as cédulas de crédito rural e de crédito industrial, sem prejuízo do registro da


hipoteca cedular;

III — o penhor de máquinas e de aparelhos utilizados na indústria, instalados e em


funcionamento, com os respectivos pertences ou sem eles;

IV — as convenções antenupciais;

V — os contratos de penhor rural.

Ao invés de continuar a acolher indistintamente todos esses documentos no Registro


de Imóveis, a lei nova devia ter corrigido os erros do seu encaminhamento a esse registro, que
só se justifica quando envolvem a transmissão de imóveis ou a constituição de direitos reais
imobiliários. Não entrando os documentos em nenhuma dessas alternativas, não existe,
prima facie, razão bastante para dar-lhes ingresso.
A não ser quando a emissão tem o lastro de garantia real, hipótese em que o gravame
deve ser inscrito, a emissão de debêntures de uma sociedade por ações não interessa ao
Registro de Imóveis, embora lhe tenha sido atribuída por um erro de endereço (Lei n.º 177-A,
de 1893). Na ocasião, o seu destinatário seria o registro do comércio ou o registro de títulos e
documentos, mas atualmente o mais indicado é o orgão controlador do mercado de títulos e,
em especial, das sociedades por ações. A anomalia de se inscrever no Registro de Imóveis o
empréstimo por debêntures ainda que não garantida por hipoteca, tem sido há muito
censurada. 294

294 AZEVEDO, op. cit., n. 101, p. 82; LOPES, Serpa. Registros públicos. Rio, 1939. v. 2, n. 172, p. 144.
Atualmente, a emissão de debêntures é obrigatoriamente submetida a prévio registro
na Comissão de Valores Mobiliários (Lei n.º 6.385, de 1976, art. 19). Não se justifica, pois,
que a lei de sociedades por ações continue a exigir a inscrição da escritura de emissão no
registro de imóveis do lugar da sede da Companhia (Lei n.º 6.404, de 1976, art. 52, II).
Compreende-se a inscrição no Registro do Comércio, futuramente no Registro de Pessoas
Jurídicas, como na Inglaterra onde é feito no Companies Registry.
A mesma consideração se aplica, mutatis mutandis, às cédulas de crédito rural e de
crédito industrial (Lei n.º 167, de 1967, arts. 30, 31 e 36; Dec.-lei n.º 413, de 1969, arts 20, 29
e 30). Quanto às convenções antenupciais (Cód. Civ., art. 261), não é de hoje que se censura
o seu encaminhamento ao registro, aonde só devem vir quando acaso um ou mais imóveis aí
tabulados forem atingidos por cláusula excetiva do regime legal. 295
Seja como for, todos os documentos enumerados devem ser transcritos em
observância do mandamento legal. No tocante à emissão de debêntures, convém advertir,
contudo, que, quando o texto ressalva, de par com a transcrição, a inscrição das garantias
omite, por um lapso, a promessa de hipoteca, que também constitui objeto de inscrição
preventiva nesse caso.
O indicador real é um repositório dos imóveis que figuram nos demais livros
(art.179). Como os livro principais foram unificados no "registro geral", o indicador real
somente pode conter referências a esse livro, bem como ao protocolo e ao registro auxiliar. A
sua importância, que era ímpar desde a Lei Imperial, deixou de sê-lo agora, porque os seus
dados capitais se acham condensados naquele livro. Nem por isso o indicador real perdeu a
sua razão de ser, visto como a consulta a ele e ao livro de extratos, onde este for mantido,
dispensará muita vez o manuseio do "registro geral", cujas folhas sofrerão assim menor
desgaste.
Além disso, tão numerosas costumam ser as unidades da incorporação e do
loteamento, que aconselham a extrair dos memoriais para o indicador real, vale dizer, para o
seu desdobramento em livro-índice ou em ficha auxiliar, uma enumeração delas, predisposta
para futura anotação ( art. 179, § 2.º). A enumeração trará, após o número de cada
apartamento, a sua fração de terreno, bem como o número de vagas de garagem, com a sua
fração de terreno e, no fim, a matrícula, preenchível oportunamente com o respectivo
número; após o número de cada lote, a quadra, a rua e a matrícula, esta preenchível
igualmente com o respectivo número. Esse extrato tem uma variante em modelo sugerido em
revista especializada. 296
O indicador pessoal é um repositório dos nomes que figuram nos demais livros (art.
180). Se o indicador real perdeu parte da sua antiga importância, por ter sido transferida para
o livro básico a reunião dos seus dados mais relevantes, não aconteceu o mesmo com o
indicador pessoal, que conserva integra a sua. Esta consiste essencialmente em oferecer um
elemento alternativo de busca, o nome do proprietário ou titular do direito, por cujo
intermédio o consulente, que não conhece o imóvel, pode descobri-lo bem como tudo quanto
lhe diz respeito.

O indicador pessoal deve trazer o nome do interessado seguido dos demais dados
identificadores exigidos pela lei (art. 176, parágrafo único, II, n.º 4). O nome terá assim p
séquito no do n.º da cédula de identidade e na sua falta da filiação, bem como do n.º de

295 AZEVEDO, op. cit. n. 87-90 p. 68 et seq.


296 REVISTA DO INSTITUTO DE REGISTRO IMOBILIÁRIO. São Paulo, 1974. n. 2, p. 188 e 204.
inscrição no cadastro de pessoas físicas, C.P.F., ou no Cadastro Geral de Contribuintes,
C.G.C., do Ministério da Fazenda. Graças a esses adjuntos nominais, torna-se possível no
caso de haver no livro várias pessoas com o mesmo nome, discernir precisamente aquela em
cuja folha há de ser lançada a referência ao ato registrado.
A enumeração dos livros atuais mostra que foram suprimidos além dos antigos livros
principais, também os livros de registro de emissão de debêntures, de cédulas rurais e
industriais, de extração de cédulas pignoratícias do penhor rural e de extratos. As primeiras
supressões explicam-se por si mesmas, mas as duas últimas merecem uma referência
especial.
O livro-talão das cédulas pignoratícias, ligadas aos contratos de penhor rural (Dec. n.º
492, de 1937, art. 15), foi suprimido, porque perdeu a razão de ser, de vez que as cédulas
pignoratícias passaram a ser tiradas pelas próprias partes, por haverem os títulos se fundido
com os respectivos contratos num só documento (Dec.-lei n.º 413, de 1969). De mais a mais,
é desejável que se estabeleça como princípio que não caiba nunca ao registro imobiliário a
extração de títulos de crédito dos contratos registrados, mas apenas a conferência desses
títulos para o fim de averbação, com o que se esquivará a erros e questões e se manterá fiel ao
seu papel clássico de paciente da entrega de documentos, dando ao mesmo tempo
continuidade à prática iniciada com a cédula hipotecária do Banco Nacional de Habitação
(Dec.-lei n.66, de 1966 arts. 10 e 13).
O livro-talão de extratos dos atos registrados, dividido em duas partes, uma fixa, a
outra destacável, escrituradas em duplicata, destinadas a servir, respectivamente, ao arquivo
público e às partes, foi suprimido sem razão, porque continua a ser necessário. Se é certo que
a parte destacável, predisposta para ser entregue às partes como certidão, se torna doravante
dispensável, por haver sido substituídas por carimbo gravado no título com a menção dos
atos praticados (art. 211), não se repete o mesmo com a parte fixa ou canhoto, reservada para
remessa ao arquivo público, acauteladora do desaparecimento do documento original.
Essa parte precisa ser mantida, por maior que seja a tendência de esquecer, na
bonança, a eventualidade da crise, suscetível de irromper quando menos se espera. A escusa
de se acharem os arquivos públicos lotados e se recusarem a receber mais papéis agravadores
da sua situação não deve conduzir à eliminação desses papéis, mas, sim, à reclamação
perante a autoridade superior daquelas repartições, a fim de assegurar a existência alhures de
uma duplicata dos documentos.
As leis sempre se preocuparam com a conservação dos livros findos, que, no passado,
eram remetidos a arquivos públicos, mas modernamente preferiu-se manter esses livros em
cartório para possibilitar a consulta episódica e a extração de certidões remetendo-se àqueles
arquivos apenas resumos dos assentos, que acautelem a eventualidade do extravio, perda ou
incêndio dos originais. 297 Essa remessa sucedânea não pode falhar, sob pena de criar um
problema extremamente difícil em caso de incêndio do cartório imobiliário, o de
reconstituição dos assentos, como o que se verificou, não faz muito, na Alemanha com os
livros destruídos pela Segunda Grande Guerra, restaurados sob os ditames de uma ordenança
especial de 1940. 298
Sem dúvida, a duplicata dos assentos pode ser obtida por microfilmagem nas grandes
cidades, em cartórios de intenso movimento, mas dificilmente poderá sê-lo em cartórios do
interior, inclusive por causa do alto custo da aparelhagem. Basta essa consideração para

297 AZEVEDO, op. cit., n. 180-184.


298 HEDEMANN, op. cit., nota da p. 80-81 e § 11, nota inicial.
aconselhar que os cartórios, independentemente de recomendação legal, continuem a
organizar o livro de extratos, mas outras razões igualmente convincentes militam no mesmo
sentido, ao mesmo tempo que sugerem uma mudança na maneira de organiza-lo para
aumentar a sua utilidade.
De fato, até agora os extratos têm sido tirados das inscrições já feitas, como
documentos posteriores, de acordo com o mandamento regulamentar (Dec. n.º 4.857, de
1939, arts 31 e 226). Doravante, convém que eles sejam feitos para preparar as inscrições,
como documentos anteriores, que, dando uma versão abreviada dos títulos, funcionem como
rascunhos para a passagem deles para o livro, depois de corrigido algum erro acaso
observado intercorrentemente. Essa inversão, escoimando o texto de senões antes de assumir
a feição definitiva no livro, evita que este seja submetido depois à retificação, conforme se
adverte no capítulo concernente ao princípio de instância.
Dessa maneira, o livro de extratos servirá sucessivamente para dois fins, primeiro
para rascunho da inscrição, depois para a remessa ao arquivo público. Como a sua
permanência em cartório será mais o menos longa, ficará disponível, com os seus assentos
dispersos, do mesmo modo que a ficha real com os seus assentos concentrados, para consulta
interna em lugar do livro encadernado de registro geral, evitando assim a dilaceração deste
pela assiduidade de manuseio.
Sem prejuízos desses préstimos, poderá ainda, conforme a estrutura que se lhe der,
vale para outro fim, notadamente para o exame da legalidade do título, que, antecedendo à
inscrição, se acha relacionado com o rascunho desta. Para isso, bastará acrescentar-lhe uma
seção de quesitos, que se destaque da outra por linha picotada.
A fim de atender simultaneamente a esses fins, o livro, ao invés de conservar a antiga
parte fixa, formar-se-á pelo colecionamento gradativo de extratos, à medida que estes se
preparem em cartório, sendo encadernado afinal. A disposição deixada a critério do
registrador, corresponderá aos fins visados, podendo assumir uma feição tripartida, em que a
parte relativa ao exame dos títulos trará os quesitos impressos para obtenção das respostas em
cada caso. 299
O tamanho dos livros é regulado em uma disposição permissiva da nova Lei de
Registro, segundo a qual "os livros podem ter de 0,22m até 0,40m de largura e de 0,33, até
0,55m de altura, cabendo o oficial a escolha, dentro dessas dimensões, de acordo com a
conveniência do serviço"(art. 3.º, § 1.º ). Essa liberalidade revela a imperdoável falta de
estudo prévio dos modelos, bem como o desconhecimento da relação existente entre esses
modelos e a tabulação dos direitos. Ao menos na publicação dos modelos do Registro de
Imóveis somente foi feita referência às dimensões máximas.
As dimensões máximas de 0,55m (cinqüenta e cinco centímetros) de altura e 0,40m
(quarenta centímetros) de largura são ligeiramente inferiores às dos livros antigos, que
combinavam a altura de 0,59m (cinqüenta e nove centímetros) com a largura de 0,42m
(quarenta e dois centímetros). Essa largura, porém, aumentava internamente para 0,84m
(oitenta e quatro centímetros) nos livros principais, por fazer-se o preenchimento
seguidamente, no verso de uma folha e no anverso da outra (Decreto n.º 4.857, de 1939,
modelos anexos).
A redução do tamanho, sobrevinda com os livros atuais, é aceitável, de vez que, pelo
expediente do assento em folha dupla, isto é, no verso de uma e no anverso da outra, ainda

299 O Dr. Walter Silva, do Cartório da 3.ª Circunscrição do Registro de Imóveis de Petrópolis, adotava uma
divisão tripartida.
permite um arranjo conveniente da tabulação dos direitos no "registro geral". Embora
permaneça grande o formato do livro, não chega a dificultar a escrita a mão, quando se faz
em escrivaninha alta e inclinada como a prancheta de desenho. De qualquer modo , tem a
vantagem de possibilitar o lançamento em uma só folha de dados que em outros sistemas de
distribuem por vários folhas. Essa possibilidade não deve ser perdida de vista na eventual
mudança da forma de preenchimento corrido, e não colunar, que lhe foi prescrita.
O vocativo dos cinco livros do registro compõe-se, como atrás se viu, de números e
de nomes, designando os números de 1 a 5, respectivamente, o protocolo, o registro geral, o
registro auxiliar, o indicador real e o indicador pessoal. Quando findam, não tomam outro
número no tomo imediato, mas conservam o original, com a adição sucessiva de letras na
ordem alfabética simples e depois repetidas em combinação com a primeira, com a segunda e
assim sucessivamente. Exemplos: 2A a 2Z; 2AA a 2AZ; 2BA a 2BZ etc. (art. 6.º, ressalva).
Essa forma de numeração tem a vantagem de evitar a confusão que acarretaria um
número duplo para cada um deles, o designativo do livro e o indicativo da sua seqüência.
Todavia, foi esquecida quando se previu o desdobramento dos livros até dez, caso em que se
determinou que cada um deles, especialmente o registro geral, recebesse um número duplo, o
original e o derivado do algarismo final da matrícula: 2-1; 2-2; 2-3 e assim sucessivamente
(art. 181). Em suma, letras no seguimento, números no desdobramento.
Ao cabo de tudo, conclui-se que teria sido mais simples designar cada livro apenas
pelo seu nome, ligado à respectiva função, protocolo, livre de inscrição, livre de transcrição,
indicador real e indicador pessoal, reservando o número para indicar-lhe o tomo, na ordem
em que aparecesse. Haveria assim só uma numeração em ordem cronológica, a dos tomos.
Quando ocorresse o desdobramento, então se recorreria à ordem alfabética, que especificaria
cada qual, em correspondência com o algarismo final da matrícula, embora a manutenção
deste se tornasse já agora admissível registro geral 8A, 8B, 8C, e assim sucessivamente.
O número de folhas dos livros não é determinado pela lei, em que pese à disposição
segundo a qual, "considerando a quantidade de registros, o juiz poderá autorizar a diminuição
do número de páginas dos livros respectivos até a terça parte." Além de não consignar o
número de folhas, a lei troca essa palavra tradicional por "páginas", imprecisão técnica que
no futuro perturbará as citações de documentos. Diante da omissão legal, presume-se que o
número continue a ser o da legislação anterior: 300 (trezentas) folhas.
Tomando esse número tradicional, vê-se que o novo livro de "registro geral", de 300
folhas, comportará, à razão de uma para cada imóvel, 300 imóveis, ao passo que os antigos
livros 2, 3 e 4, também de 300 folhas, comportavam, à razão de uma para três assentos, 900
imóveis, em média. Na aparência, o consumo de livro permanecerá o mesmo, porque, para
900 imóveis, serão necessários três tomos de "registro geral", que equivalem materialmente
aos três livros antigos. Na realidade, porém, o consumo será provavelmente menor, porque o
livro novo durará mais, devido à unicidade da descrição do imóvel e à continuidade, sem
vazios, do seu preenchimento.
A autenticação dos livros, destinada a assegurar que são os próprios para os assentos
que neles se consignam, cuja fidedignidade assim se evidencia, foi, pela nova lei do registro,
incumbida exclusivamente ao registrador. A incumbência lhe é dada até de modo imperativo,
quando se dispõe que "os livros de escrituração serão abertos, numerados, autenticados e
encerrados pelo oficial do registro, podendo ser utilizado, para tal fim, processo mecânico de
autenticação previamente aprovada pela autoridade judiciária"(art. 4.º).
Essa incumbência diverge inteiramente da que vigorava no país, em virtude da qual a
autenticação dos livros, mediante os trâmites de abertura, rubrica e encerramento, cabia no
juiz. No regulamento anterior, entre as disposições peculiares aos oficiais do registro do
então Distrito Federal, por se a matéria organização judiciária, figurava a que,
subordinando-os ao juiz da vara de registros públicos, dava a este competência para "rubricar
os livres do registro" (Dec. n.º 4.857, de 1939, art. 324, alínea "b").
A mudança inspirou-se provavelmente na situação das grandes cidades, onde, de um
lado, o acúmulo de serviço dos juízes torna difícil a autenticação imediata dos livros, e, de
outro, os cartórios não podem esperar longo tempo pelo cumprimento da formalidade. Esse
aspecto metropolitano do registro devia induzir não à mudança radical da regra, mas ao seu
excepcionamento ou condicionamento, que não precisava ser liberalizado desde logo, mas
deixado ao prudente arbítrio do corregedor da justiça, que atenderia às razões locais que lhe
fossem oferecidas e comprovadas em cada caso.
De qualquer forma, a nova regra da autenticação pelo registrador pode coexistir com
a adoção das folhas soltas, porque a conjugação das duas escancara as portas de registro à
fraude, como atrás se demonstrou. Ante a aceitação geral das folhas soltas, cabe cogitar de
meios para impedir ou frustrar a fraude, o primeiro dos quais parece estar na autenticação
prévia, pelo juiz, das folhas numeradas, dentro do colecionador.
Assim como a segurança dos direitos condiz mais com o livro encadernado de folhas
fixas, também aconselha que se conserve a sua autenticação pelo juiz. Essa autenticação,
mediante os seus trâmites cautelares, imprime ao livro uma individuação tal que se torna
impossível substituí-lo ou trunca-lo, daí resultando a certeza de serem sempre genuínos os
assentos nele encerrados. De nada valeria escolher um tipo inviolável de livro se
simultaneamente não se acautelasse que seria sempre o mesmo. Assim se dá à autoridade
judiciária uma base certa, um ponto de partida seguro, para a futura correição.
Como natural complemento da opção pelo livro encadernado de folhas fixas, a
autenticação do juiz deve cingir-se aos livros que necessariamente hão de assumir essa
armação externa, que são o protocolo e o "registro geral", podendo a dos demais ser
incumbida ao registrador. Com a redução dos livros principais a dois apenas, o trabalho de
rubricar as suas folhas será muito menor do que aquele atualmente exigido do juiz pelo
grande número de livros, podendo-se afirmar que será sempre executado com facilidade no
interior do país.
Todavia, mantida a regra da autenticação dos livros principais pelo juiz e dos
secundários pelo registrador, caberá atenuá-la onde o número de livros principais for tão
grande que sobrecarregue demasiado o juiz com uma tarefa puramente manual. Nessa
eventualidade, dividir-se-á a incumbência, atribuindo ao juiz o termo de abertura e ao
registrador a rubrica das folhas, caso em que o termo mencionará o livro, o cartório a que vai
servir, o número de folhas e a autorização ao registrador para rubrica-las, além da data e da
assinatura. Se o juiz preferir, poderá adotar, mediante cautelas regulamentares, a alternativa
da rubrica por meio de chancela ou de máquina autenticadora, semelhante à utilizada para a
reprodução de assinatura do próprio punho em cheque. 300
O desdobramento dos livros foi também permitido pela nova lei do registro, a fim de
dar ensejo à utilização simultânea do mesmo livro por mais de uma pessoa em cartórios de
intenso movimento nas grandes cidades. Com exceção do protocolo, os demais livros podem
ser desdobrados, mas o interesse principal do desdobramento concentra-se no livro de
inscrição, em relação ao qual a lei dispõe que "poderão ser abertos e escriturados,

300 A Circular n.º 103 do Banco do Brasil regulamentou no País o uso da assinatura por processo mecânico em
cheques.
concomitantemente, até dez livros de registro geral, obedecendo, neste caso, a sua
escrituração ao algarismo final da matrícula, sendo as matrículas de número final um feitas
na livro 2-1, as de final dois no livro 2-2 e as de final três no livro 2-3, e assim
sucessivamente" (art. 181). 301
Esse desdobramento não prejudica propriamente a segurança dos direitos, mas torna
mais complexo o serviço, razão bastante para que seja evitado, tanto nos cartórios do interior,
como, em quanto for possível, nos das grandes cidades. Na impossibilidade de evita-lo,
convirá reduzi-lo ao mínimo, a fim de minorar a complexidade do serviço, admitindo
limitadamente a divisão do livro em dois, o par e o ímpar.
Nesse sentido, cabe refletir que, enquanto o livro antigo, com três assentos, em média,
por folha, abrangia 900 imóveis, o novo "registro geral" abrange apenas 300 imóveis, daí
resultando a redução de dois terços na necessidade do manuseio simultâneo e por
conseguinte, de desdobramento. Talvez essa redução, aliada ao uso dos indicadores, dos
extratos e dos "espelhos", baste para dispensa-lo num ou noutro cartório, mas, para atender a
casos extremos, convém deixar aberta a faculdade do seu emprego limitado.
A fim de dar escoamento aos numerosos títulos encaminhados diariamente ao livro de
registro em alguns cartórios de grandes cidades, cuja dimensão superficial sofre o acréscimo
trazido pelos edifícios de apartamentos, naturalmente o mais apropriado é o aumento da
seção de vazão, resultante da tripicação dos livros entre cujas bordas passarão doravante.
Além disso, convém diminuir o fluxo, guiando ao livro de registro apenas os extratos dos
títulos, ao invés de fazê-los copiar quase literalmente. Conquanto a referência legal à "forma
narrativa" possa prejudicar ocasionalmente desiderato, não chegará a comprometê-lo, desde
que se adote no cartório o livro de extratos para o preparo prévio dos assentos antes de serem
lançados no "registro geral".
A falta do livro de extratos, onde se aprontem os rascunhos dos assentos definitivos,
já se faz sentir em numerosos livros, ou fichas, do registro geral de grandes cidades, que
deixaram de apresentar a antiga limpeza do livro tradicional para exibir agora, não
propriamente a sujeira, mas a instabilidade dos assentos, a cada passo retificados por ―erro
evidente‖ do cartório ... A improvisação de lançamento direto, sem a revisão anterior do
texto em um livro borrador, inspira natural desconfiança no escrito, comprovando que havia
razão em aconselhar inicialmente a permanência do livro de extratos para a minuta dos
assentos.
Antes de passar ao exame particularizado dos livros principais, convém salientar que,
dentre as inovações concernentes aos livros, uma tem sinal positivo, a introdução do fólio
real, sob o nome de "registro geral", ao passo que as demais têm-no negativo. Não há exagero
em dizer que as últimas quase anulam a primeira, desgastando consideravelmente a utilidade
desta.

Qualquer que tenha sido o móvel inspirador delas, a sua convergência se dá num
ponto em que a irresponsabilidade entronca com a insegurança. De par com uma descida
constante de atribuições e, conseqüentemente, de responsabilidade, traduzida no
deslocamento da autenticação do juiz para o registrador e da escrituração do protocolo do

301 O Ementário da Corregedoria, de 1972, antecipou-se, no Rio de Janeiro, a facultar, mediante autorização do
Juiz, o desdobramento até dez, isto é, em dois, cinco ou dez livros, classificando-os de acordo com o algarismo
final do registro, obedecido o número de ordem (arts. 306 e 301).
registrador para serventuários subalternos, há uma queda incessante de segurança, pois os
assentos passam do livro de folhas fixas para as fichas, as fichas são facilmente fraudáveis e
suprimem-se as suas duplicatas.
Neste particular, releva advertir que o reparo de dirige apenas à abolição da duplicata
dos assentos, sem atingir a substituição por carimbo da que era entregue à parte com
"certidão", visto como esta, como folha solta, se prestava também à falsificação. De vez em
quando, uma "certidão", com necessária referência ao número da inscrição, do livro e da
folha, era aproveitada para uma montagem, em que, sob a capa da mesma referência, se dava
como inscrito imóvel diverso. Para isso, tomava-se outra folha de papel timbrado do cartório,
colava-se no seu corpo um texto datilografado adrede redigido e tirava-se então a fotocópia,
que não apresentava rasura nem outro sinal denunciador da manobra fraudulenta. 302
Sem dúvida, convém acelerar o fluxo interno dos serviços cartoriais, mas isso há de
ser empreendido sem ameaçar a relação externa do registro, que é com o público, cuja
confiança pretende captar pela fidedignidade dos seus assentos. Daí a conveniência de
exercer a mais estrita vigilância sobre a tendência de adotar novidades no registro imobiliário
sem averiguar primeiramente se são compatíveis com a segurança dos direitos implicita da
sua finalidade. Do contrário pode suceder que se ative o funcionamento do cartório na mesma
medida em que se amortece a própria razão de ser da sua existência.
A segurança dos direitos prende-se sobretudo a dois dos livros atuais, o protocolo,
que é o livro de recepção dos títulos, e o ― registro geral ‖, que é o livro de inscrição dos
títulos, de sua sinalização definitiva. Esses dois livros são deveras irredutíveis, porquanto
correspondem a posições jurídicas distintas dos título: o primeiro lhes reserva eventual
prioridade, ao passo que o segundo lhes atribui o direito neles consignado.
O protocolo destina-se à prenotação de todos os títulos até que se verifique se estão
revestidos dos requisitos legais necessários ao ingresso no Registro de Imóveis. O exame da
legalidade dos títulos acaba repelindo muitos deles, tornando efêmeros os assentos prévios
que lhes tocam. Não seria acertado sobrecarregar o livro de inscrição com esses assentos, de
natureza diversa da daqueles que deve receber. A marcada diferença de função justifica a
autonomia do livro.
Ao contrário do que sucede no sistema alemão, em que as partes simplesmente
autorizam a inscrição perante a autoridade, sem que esta entre no exame da legalidade dos
títulos causais, no sistema brasileiro o registrador há de entrar a fundo nesse exame, pelo que
aqui se torna necessário antepor ao livro de inscrição um livro de recepção, que, firmando a
prioridade dos títulos, permita mantê-los em suspenso até que, com o resultado do exame, se
saiba se podem ou não ser inscritos. Nessa conformidade firmou-se a tradição brasileira
sobre o assunto: o livro de protocolo corresponde à fase provisória e o livro de inscrição à
fase definitiva.
Apesar de adotados para o protocolo e para o ― registro geral ‖ livros encardenados,
cujas folhas se desgastam menos do que as folhas soltas ou fichas, a conservação deles ainda
exige permanente cuidado, principalmente a do ― registro geral ‖, que é manuseado com
maior freqüência do que o protocolo. Daí tornar-se conveniente reforçar o cuidado no
manuseio do livro com o expediente supletivo de criar-lhe uma duplicata em fichas, a fim de
302 Haja vista a montagem em fotocópia, que me foi mostrada pelo oficial do 1.º Oficio de Imóveis do Rio de
janeiro, Dr. Márcio Teixeira Loureiro, referente a uma certidão de averbação do seu cartório, constante do livro
4AC. fls. 231, inscrição n.º 22.181. A montagem foi descoberta, porque se pretendeu dar como registrado no
cartório um imóvel situado em jacarepagua, quando a competência dele se limita ao Engenho Novo. O
confronto com o livro de extratos, que o ofício conserva, confirmou a adulteração.
servir comumente à consulta em lugar do original. Com o fim indicado uma cópia ou espelho
do fólio, chamada ―tábua‖, era usada na Prússia, na Saxônia e em outros Estados alemães,
ainda que em direito não fizesse prova nem gozasse de fé pública, que era atributo exclusivo
do registro. 303
Criado o fichário do livro principal, a ficha real, portadora de concentração dos
assentos, mais útil, portanto, do que o livro de extrato, onde se acham salteados, será
utilizado da mesma maneira que a ―tábua‖ alemã. Todavia, a utilização não será apenas
interna, porquanto provavelmente servirá também a ficha para, em fotocópia autenticada
pelo registrador, ser fornecida ao interessado como certidão da matrícula, substituindo assim
a que era antigamente destacada do livro-talão. Essa modalidade do seu emprego simplifica a
rotina do cartório e tem apoio no preceito segundo o qual fazem a mesma prova que os
originais ― as reproduções dos documentos públicos, desde que autenticadas por oficial
público ou conferidas em cartório, com os respectivos originais ‖ (Cód. de Proc. Civ., art.
365, III). 304
A lei permite ainda a utilização da microfilmagem, mas a aparelhagem desta,
atualmente importada, não ;e acessível a todos os cartórios devido ao seu custo e à técnica de
manipulação e conservação dos filmes. Onde puder ser adotada, caberá ponderar ainda a sua
conveniência, tendo em vista a desvantagem de separar assentos conexos em rolos diferentes,
a fim de somente aplica-la com propriedade na reprodução de documentos, sobretudo nos
destinados ao arquivo, sempre com observância das prescrições legais sobre o seu uso,
inclusive a autorização do Ministério da Justiça (art. 25; Lei n.º 5.433, de 1968, e seu
Regulamento, Dec. n.º64.398, de 24.4.1969).

303 NUSSBAUM. Derecho hip. aleman. Madrid, ed. da Rev. de Derecho Privado, 1929. p. 15.
304 Contudo importa advertir que as reproduções podem fazer-se por mais de um meio, físico, mecânico ou
químico, sem que todas sejam igualmente indeléveis. A lei registral, ao permitir que a certidão de inteiro teor
possa se extraída por meio datilográfico ou ―reprográfico‖ (art. 19, § 1.º), parece aceitar, no segundo caso, a
reprodução por qualquer processo existente ou vindouro. Ora, há tipos de reprodução que, por se servirem de
papel sensível para receber a imagem (heliográfico, diazo, thermofax), ficam sujeitos a delir quando expostos
ao ar, Aduz-se que existe também outro tipo em que o tonalizador, de origem carbônica, penetra no papel
comum e se funde com este, não deixando, portanto, desaparecer a imagem (xerox). Daí a conveniência de o
cartório, ao munir-se da aparelhagem, assegurar-se de que esta é capaz de fornecer certidões indeléveis.
Segundo revelou D. Celina Moreira Franco, secretária do Centro de Documentação da Fundação Getúlio
Vargas, em reunião do Conselho de doadores, os arquivos particulares doados à Fundação em cópias tiradas por
meio não identificadas se desvaneceram em cinco anos ou pouco mais. Nesse período os textos dos documentos
ficaram apagados e ilegíveis, em flagrante contraste com outros manuscritos vindos do tempo do Império.
CAPÍTULO 16

LIVRO DE PROTOCOLO

1. Protocolo. Requisitos da escrituração.

2. Títulos de direitos conjuntos.

3. Seleção e pendência de títulos.

4. Conflito entre o protocolo e o “ registro geral”.

5. Aperfeiçoamento do protocolo.

A análise funcional dos livros do registro, constante do capítulo anterior, tornou


patente que, na redução do antigo excesso dele, o protocolo foi mantido como livro de
recepção dos títulos, por desempenhar, em relação a estes, uma função autônoma, que é a de
reservar-lhes a posição registral correspondente à ordem de chegada, enquanto se verifica a
sua legitimidade. Se é talvez admissível a dispensa do protocolo em um sistema, como o
alemão, em que a inscrição se funda em uma declaração abstrata, sem se envolver com o
título causal, deixa de sê-lo em um sistema, como o brasileiro, em que a inscrição se prende
ao título ou causa jurídica da aquisição, cuja legitimidade precisa, portanto, ser apurada da
previamente sem prejuízo da prioridade que lhe caiba pela ordem de sua apresentação.
Não se deve esquecer essa discrepância entre um e outro sistema, pois basta para fazer
compreender a necessidade do nosso velho protocolo. No sistema alemão a inscrição se liga
não ao acordo do título causal, mas a outro que artificiosamente se lhe sobrepõe, ideado para
escoimar a disposição do direito real de eventuais vícios daquele, o chamado acordo real, a
cujo caráter abstrato, consistente no mero consentimento para a disposição, não importa nem
a espécie do fundamento jurídico desta, nem a sua nulidade ou inexistência. Diferentemente,
no sistema brasileiro, que, neste tanto, atende à crítica dos juristas alemães ao artificialismo
da duplicação de acordos, 305 a inscrição se prende direta a naturalmente ao acordo do
título causal, cujo contexto reúne as duas feições, obrigacional e real, embora, para que a
segunda se consume, fique sempre subordinado ao ingresso no Registro de Imóveis.
Dessa forma, a disposição do direito real, em que disponente é o titular cujo direito se
transmite ou se grava, desdobra-se, entre nós, em duas fases, a primeira de titulação, de
natureza privada, em que se compõe o título de feição obrigacional-real, por conter também o
acordo de transmissão, e a segunda, de inscrição, de natureza pública, em que efetiva a
transmissão pelo beneplácito do órgão estatal do registro público, já que o direito real tem de
ser respeitado pela coletividade que o Estado representa. À semelhança do que acontece no
sistema alemão, em que o acordo real e a inscrição são elementos conjugados da disposição,

305WOLFF, Martin. Derecho de cosas. Barcelona, ed. Bosch, 1944. § 38, 205; NETO, Soriano. Publicidade
material do direito imobiliário. Recife, 1940. n. 40, p. 81; ANDRADE, Darey Bessone de Oliveira.
Transmissão de domínio. Belo Horizonte, ed. da Fac. de Dir. da Univ. de MG, 1954. cap. V, p. 44.
considerando-se o segundo deles apenas como algo que se acrescenta às duas declarações de
vontade do primeiro, 306 no sistema brasileiro o título causal e a inscrição são no
igualmente, não obstante a natureza estatal da segunda.
Dada a geminação do título causal com a inscrição, é preciso, portanto, que a
apresentação do primeiro ao registro de imóveis fique logo marcada, a fim de que, enquanto
se examina a sua legitimidade, não sofra a segunda com o eventual ingresso de outro título
conflitante. A prenotação do título no protocolo serve para obviar esse risco e antecipar a
eficácia da inscrição, fazendo-a valer antes de ser materialmente escriturada no livro próprio
(Cód. Civ., art. 534).
A propósito, é interessante notar que, assim como a eficácia da inscrição sofre, antes
da sua existência material, essa antecipação protocolar, depois dessa existência sofre também
uma dilação inscricional com o princípio de subsistência. A vida do direito real recebe dessa
maneira um acréscimo em cada uma das sua pontas, o primeiro trazido pela prenotação, o
segundo pela subsistência da inscrição enquanto não cancelada, ainda que o título já esteja
desfeito, anulado, extinto ou rescindido (Lei número 6.015, de 1973, art. 252). 307
Dente os livros atuais do Registro de Imóveis, o protocolo foi o único que se manteve
encadernado, já que deixou de ser incluído entre os que podem ser substituídos por fichas
(parágrafo único do art. 173). Esse privilégio de conservar o arcabouço tradicional lhe
assegura relativa imunidade ao desgaste e, ao mesmo tempo, põe a salvo a prioridade dos
direitos. Contudo, não é completamente invulnerável, porque pode sofrer e repercussão da
fraude que se praticar no livro de registro geral, quando este for escriturado em fichas.
Na verdade, os direitos reais, como os seus titulares, se apóiam em dois pés, o
protocolo e o livro de inscrição, de sorte que, quando este tiver uma de suas folhas
substituídas por uma ficha fraudulenta, aquele se desequilibrará e, com ele, o direito que
prenotara, ao ser atingido a seu modo, pela manobra ardilosa. É que, a despeito da fixidez do
protocolo, a prenotação constante dele pode ser anulada pelo malicioso expediente do
cancelamento por um dos motivos admissíveis nessa face vestibular, como a desistência da
parte. Não basta, portanto, para prova da fraude, embora valha eventualmente como indício
dela.
Assim como foi o único livro que se manteve encadernado, o protocolo também foi o
único que se conservou isento de desdobramento, visto como a disposição facultativa deste
deixou de mencioná-lo (art. 181). Essa unicidade é indispensável para que exerça o seu papel
funcional de regulador da prelação de direitos. A prelação emerge da ordem da numeração
dos títulos, que obedece rigorosamente à seqüência do seu afluxo, de sorte que não pode ser
apurada, se os títulos afluírem diversivamente para mais de um livro.
O protocolo serve para prenotação de todos os títulos apresentados diariamente ao
registro mediante o lançamento de dados constantes dos requisitos da sua escrituração. Esses
requisitos são o número de ordem, a data da apresentação, o nome do apresentante, a natureza
formal do título, os atos que formalizar resumidamente mencionados. A enumeração repete a
do protocolo tradicional, a não ser no fim, onde introduz em requisito aparentemente novo,
mas que não passa da antiga e habitual menção abreviada dos atos registrais decorrentes do
título (arts. 174-175, esp. n. V. do art. 175).

306 WOLFF, OP. CIT., § 38, p. 204.


307 PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado. Rio, ed. Borsol, 1958. v. 11, § 1.232, p. 275.
O número de ordem segue indefinidamente de um dos tomos para os posteriores do
livro, chegando com o correr do tempo a formar-se de vários algarismos. Esse número é o
dado a cada título na sua apresentação, mas a ordem costuma ficar perturbada quando, para
inscreve-lo, se exige a inscrição do título anterior. Ao ser este apresentado, toma o número
que então lhe competir, daí resultando que na numeração do protocolo, o conseqüente fica
antes do antecedente. No livro de "registro geral", porém, corrige-se a inversão, inscrevendo
primeiro o título anterior e depois o atual.
A enorme afluência de títulos em alguns cartórios de grandes cidades talvez justifique
a antecipação do número de ordem num recibo destacável de talão e entregue ao
apresentante. Essa antecipação é defendida por um dos mais experientes servidores do
registro com a ponderação de que "com o desenvolvimento atual das transações imobiliárias,
tendo-se em vista a multiplicidade dos exames a que estão sujeitos os títulos registrandos,
não é possível receber e prenotar imediatamente todos os documentos". 308 Se bem que
não me pareça procedente a razão ligada à multiplicidade dos exames, porque a aferição da
legalidade é posterior à prenotação dos títulos, basta a razão derivada da afluência intensa de
títulos para, aliada a certa conveniências, como a de um manuseio mais cuidadoso do
protocolo, justificar a numeração prévia e igual em recibo.
A esse recibo juntou-se agora, no Rio de Janeiro, uma guia para recolhimento de
custas a um banco, visto como o novo regimento de custas do Estado determina que em todos
os cartórios imobiliários, oficializados ou não, as custas excedentes de certa quantia (Cr$
125,00) sejam, à vista de guia expedida no ato da apresentação do título, recolhidas pela parte
a uma banco. Assim, dobram-se os documentos de recepção dos títulos, ambos em várias
vias, com menção da data é do número de ordem do protocolo (Dec.-lei Estadual n.º 23, de
15. 3. 1975, art. 12).
Essa guia, exigida por lei estadual, gera os mais sérios problemas em torno da
prenotação do título, regulada por lei federal. Apresentado ao cartório o título, entra este
imediatamente no protocolo, porque, conforme velho preceito repetido na nova Lei do
Registro, "nenhuma exigência fiscal, ou dúvida, obstará a apresentação de um título e o seu
lançamento no protocolo com o respectivo número de ordem, nos casos em que da
precedência decorra prioridade" (art. 12).
Assim, prenotado incontinenti o título, o cartório extrai de um tanto e entrega a parte
a guia a um banco para recolhimento das custas, já que este se faz ato por ato. Então podem
ocorrer três hipóteses embaraçosas:
a) a parte recebe a guia, mas não recolhe as custas; que fazer da prenotação?
b) a parte recebe a guia, recolhe as custas, mas não comprova o recolhimento perante
o cartório; após trinta dias, que fazer da prenotação?
c) no intervalo, apresenta-se outro título de direito real contraditório do primeiro, a
parte recebe a guia, efetua o recolhimento e o comprova perante o cartório; leva-se em
consideração o primeiro título, cuja guia não foi paga?

Essas hipóteses mostram que a lei estadual é, nesse ponto, incompatível com a
federal, pelo que, de acordo com a hierarquia das normas federativas, lhe deve ceder a vez.
Não se sabe, porém, se a incompatibilidade chegará a ser submetida à revisão do Poder
Judiciário, porque as partes, por comodidade, preferirão provavelmente pagar logo ao

308 LOUREIRO, Waldemar. Registro da propriedade imóvel. 5. ed. Rio, Forense, 1957. n. 88, p. 131.
cartório contra o recibo deste, encarregando-o, mediante um adicional, do recolhimento
bancário.
Onde houver recibo prévio, a numeração corresponderá à do protocolo, mas, para
maior comodidade do expediente diário, antecederá a esta, para que possa ser feita por um
serventuário de menor categoria, já que a escrituração daquele livro, antigamente privativa
do registrador, ainda agora incumbe apenas a ele e a dois serventuários graduados. De um
lado, o apresentante terá logo no recibo o número da prenotação e, de outro, o cartório o terá
tanto no talão como no título, onde será carimbado. Não é demais insistir em que essa
permissão há de restringir-se às grandes cidades, a critério das corregedorias de justiça, que
lhe regularão e fiscalizarão o funcionamento.
A forma do título se explica pela consideração de que, a despeito de assegurar a
prioridade, o protocolo recebe os títulos mais no sentido instrumental, como documentos ou
papeis, ao passo que o livro de inscrição os acolhe no sentido causal, como direitos
inscritíveis. Daí poder o protocolo referir brevemente os títulos apenas pela sua forma
(escrituras pública, escritura particular, carta de sentença), enquanto o livro de inscrição
deverá mencioná-las pela epígrafe legal do seu conteúdo, que se deverá encontrar no elenco
dos direitos registráveis (compra e venda, permuta, doação, arrematação, hipoteca etc).
Quando o requisito final da escrituração inclui "os atos que formalizar
resumidamente mencionado, não se refere aos atos das partes ( compra e venda, permuta,
doação etc.) mas aos atos do registrador relacionados com o título, isto é, aos assentos e
movimentos provocados por este. Dentre os quais o mais importante é o cancelamento da
prenotação liminar ou intercorrentemente. Do contrário, a nova lei do registro teria dissipado
a vantagem que havia trazido com a eliminação das "razões da dúvida" e da "decisão do juiz",
que o regulamento anterior desnecessariamente acolhera, conforme adiante se verá.
Assim, o requisito final da escrituração do protocolo requer o lançamento na coluna
de anotações apenas do cancelamento da prenotação, restauradora da homogeneidade dos
assentos de prioridade, e do sobrestamento de outros títulos por exigência, dúvida ou espera
do decurso de prazo legal, como os anúncio de incorporação e de loteamento. Quando à
maioria dos títulos, que não precisam sofre essa retenção temporária, depois de prenotados
no protocolo, são encaminhados diretamente para anotações nos indicadores real e pessoal,
porque é por esses indicadores que se faz a busca, e não pelo protocolo. Depois de
escriturados os assentos de inscrição e de averbação no livro de registro geral ou a transcrição
no livro auxiliar, voltam, sim, mas aos indicadores para aí ser lançada a referência ao livro,
folha e número em que os assentos foram efetuados.
Ao invés da repetição de requisitos, o que convinha era acrescentar ao livro, que já
tem o elemento pessoal, no nome do apresentante, o elemento real, consistente na situação
do imóvel, rural ou urbana, suscetível de ser abreviada por letras e números. Além da
introdução do elemento real trazer a vantagem de possibilitar a busca por outra pista no caso
de lapso ou extravio dos indicadores, sobretudo se forem organizados exclusivamente em
fichas, outra razão existe para recomendá-la fortemente.
Sem consignar a situação do imóvel, o protocolo não pode, em caso de controvérsia,
mostrar por si só a identidade do título que pretende ter prioridade. Como mostrá-la se o livro
não se refere à zona onde se acha o imóvel e o disponente possui imóveis em mais de uma
zona? Somente a pesquisa dos próprios documentos poderá dirimir a controvérsia, mas assim
o livro falhará à sua finalidade, além de prestar-se à troca fraudulenta de documentos. Por
isso, a lacuna já fora anteriormente notada. 309
O protocolo tem no sistema brasileiro, uma função definida, que é assegurar a
prioridade sem prejuízo da legitimação, Graças à prenotação ordenada do título no protocolo,
torna-se possível examinar os requisitos de legitimidade do título sem o risco de que outro
adverso lhe tome o lugar na inscrição. É o assinalamento da ordem de apresentação de cada
título que permite assegurar que só aquele revestido de legitimação e de prioridade chegará à
inscrição ;transpondo o vestíbulo do Registro de Imóveis, que é o protocolo.
Assim, a porta do protocolo acha-se franqueada a todos os títulos que aspirem
prioridade, não podendo fechar-se a nenhum deles sob pretexto algum. Na entrada, não há
discriminação, à vista do incisivo mandamento, segundo o qual "todos os títulos tomarão, no
protocolo, o número de ordem que lhes competir em razão da seqüência rigorosa de sua
apresentação"( art. 182).
Só depois que esses títulos tomam, de acordo com a ocasião de entrada, o número de
ordem que lhes compita, é que cabe começar o exame de sua legalidade. O número de ordem
não pode ser adulterado, porque é dado no ensejo da apresentação do título. A fim de evitar o
falseamento da data de entrada, o protocolo deve ser encerrado diariamente, reputando-se
nula a inscrição lançada depois do encerramento (arts. 184 e 207- 209).
Essas cautelas bastam para assegurar a regularidade da numeração sucessiva do
protocolo, em cujo favor milita sempre a fé pública do registrador. Não se torna necessário,
pois, introduzir, para o fim de fiscalização, a assinatura d interessado no ato da apresentação
do título, tanto mais quanto, além de criar problemas, quebraria o sistema registral buscado
na fé pública do funcionário do Estado.
A apresentação deve ser sempre feita ao protocolo do cartório a fim de ser logo
prenotado, para resguardo do direito nele envolvido. Ainda que um serventuário do cartório,
ou circunstante, insinue que o título não é registrável, isso não deve deter a apresentante,
visto como, se realmente não o for, o registrador, após a prenotação, fará a exigência cabível
ou levantará a dúvida, sem prejuízo da prioridade, que já então estará assegurada.
Se o apresentante ao ouvir a insinuação se retraí, e prefere dirigir-se diretamente ao
Juiz, perde a primeira oportunidade de prenotar o seu título, que pode ser prejudicado pela
entrada intercorrente de um título contraditório. Enquanto se processa em juízo o seu
requerimento, de mandado do registro, com a necessária audiência do Ministério Público, o
título contraditório, que passa a ser o primeiro a ser exibido ao cartório, lhe toma
irremediavelmente a vez no protocolo. Não tente, pois, o interessado queimar etapas,
requerendo ao Juiz o mandado de registro, porque este talvez não possa ser cumprido quando
chegar ao cartório devido à preexistência de outro assento em favor de terceiro. Aliás, um
Juiz bem informado mandará que ele se dirija em primeiro lugar ao cartório para a
prenotação.
Se faltar a prenotação do título no protocolo, a sua inscrição será irremediavelmente
nula, devido à omissão de uma formalidade reputada essencial para a sua existência. 310
Nesse caso, cabe ao interessado voltar atrás e retornar o ponto de partida do itinerário legal,
que é a apresentação do título no protocolo, para chegar afinal à nova inscrição, cuja eficácia
começara na data em que substituir a antiga.

309 VILLAVICENCIO. Publicidad inmobilaria. 1. reimp. Washington, D.C., ed. da União Panamericana,
1966, p. 145.
310 LOPES, Serpa. Registros públicos. 2. ed. v. 4, n. 722.
Às vezes, um só título, no sentido de um só instrumento, contem mais de um direito
inscritível ora idênticos, como na transmissão simultânea da propriedade de vários imóveis
ou na permuta entre dois deles, ora diversos, como na venda com cláusula adjeta de hipoteca,
na doação com reserva de usufruto, na compra com servidão no restante do imóvel do
vendedor, na partilha testamentária atributiva do usufruto à viúva e da propriedade aos filhos.
Como proceder à protocolização nesses casos em que num só título nascem dois ou mais
direitos?
Nesses casos, de mutação de dois ou mais direitos num só título, a pluralidade não
precisa ser levada em conta para o fim do desdobramento da prenotação, porque o que esta
recebe é o instrumento. Nesse sentido, cabe invocar o exemplo da permuta, o qual, por
analogia, pode ser estendido aos demais casos de geminação de direitos. De fato, "em caso de
permuta e pertencendo os imóveis à mesma circunscrição, serão feitos os registros nas
matrículas correspondentes, sob um único número de ordem no Protocolo" (art. 187).
Está visto que, se os imóveis não pertencem à mesma circunscrição, a diversidade da
competência territorial dos cartórios a que se acham subordinados determina o registro da
permuta em cada um deles e, portanto, a prenotação sob dois números. Nessa eventualidade,
o título de permuta há de ser encaminhado a cada um dos cartórios interessados para aí ser
prenotado sob o número que lhe tocar na seqüência do protocolo, o que aliás é facilitado pela
tradicional exigência de instrumentos individuais (Decreto n.º 3.453, de 1865, art. 281; Dec.
n.º 370, de 1890, arts. 256 e 206; Dec. n.º 18.542, de 1928, arts. 195 e 196). 311
A prenotação sob um único número de ordem no protocolo torna-se até imperiosa,
quando, tratando-se de transmissão conjunta de vários imóveis, devidamente individuados,
mas contíguos, o título trouxer também a descrição de todo, em face do qual o adquirente
requer a unificação dos imóveis com abertura de matrícula única. Essa unificação não passa
de uma variante daquela que pode dar-se antes, a requerimento do proprietário dos imóveis,
independentemente de qualquer transmissão (artigo 235, I).
Se, coexistindo no título ou escritura dois ou mais direitos, forem apresentados ao
protocolo dois ou mais traslados, cada qual correspondente a um dos direitos, isso conduzirá
à prenotação de cada um deles em separado. Se, ao contrário, for apresentado apenas um
traslado, isso levará à prenotação única. Em suma, o que se tem em vista é o instrumento.
Quando, porém, o título de direitos conjuntos passa do protocolo para o "registro
geral", aí a sua inscrição é feita sob dois ou mais números, isto é, tantos quantos forem os
direitos inscritíveis. Esse desdobramento do título em tantas inscrições quantos forem os
direitos inscritíveis decorre da função própria da inscrição, que é comunicar a cada um desses
direitos o efeito que a legislação lhe assina.
Ao passar o título de direitos conjuntos para o outro livro, o registrador, portanto, nele
há de inscrever ambos esses direitos, ainda que a despesa de inscrição haja de ser rateada
entre os interessados. Dada a indivisibilidade decorrente da interdependência de suas
estipulações, como sucede na permuta e na venda com hipoteca adjeta, a inscrição há de
abranger um e outro direito, não podendo assinalar apenas um deles, postergando o outro
com o qual se acha acoplado no título.
Quando deixa de proceder assim, cria problemas para o futuro, cuja solução se torna
por vezes difícil, se medear longo tempo entre a inscrição incompleta e a época em que o
titular do direito omitido tenta fazê-lo vale. Foi o que sucedeu com um formal de partilha

311 LAFAYETTE. Direito das cousas. Rio, ed. Garnier, 1877. v. 1, § 52; VEIGA, Didimo da. Direito
hipotecário. Rio. ed. Laemmert, 1899. n. 227, p. 308.
apresentado por viúva ao Registro de Imóveis, cujo registrador só fez a inscrição do usufruto
dela, deixando de fazer a da nua propriedade dos filhos (transcrição). Morta a usufrutuária, os
filhos não encontraram o lançamento da nua propriedade para transformá-la, com a extinção
do usufruto, em propriedade plena.
Todavia, convém distinguir o caso em que, num único título, no sentido de
instrumento, se reúnam não direitos conjugados pelo vínculo do seu inter-relacionamento,
mas apenas justapostos por economia formal, independentes entre si, separáveis um do outro.
Nesse caso, em que a forma única deixa ver claramente o fundo múltiplo, cujos exemplos
mais freqüentes são os da escritura de venda de dois ou mais imóveis e do formal de partilha
com o pagamento de dois ou mais herdeiros, pode-se proceder de acordo com a instância
restritiva do interessado.
A objeção levantada contra a inscrição simultânea de direitos conjugados no mesmo
título, segundo a qual dessa maneira um dos interessados estará tutelando interesses alheios,
tem certamente muito menos peso do que a consideração de que na verdade estará as apenas
acautelando a unidade e a boa-fé do negócio, aliás sem o menor prejuízo para si, desde que a
le lhe permita recobrar o que despender a mais na inscrição. Essa solução resolve de acordo
com a opinião de Troplong a controvérsia suscitada entre os autores franceses em torno dos
seguintes pontos:

1.º — Havendo vários interessados num contrato, a transcrição feita a requerimento


de um deles aproveitará aos demais que não a tiverem requerido?
2.º — É possível efetuar a transcrição cindindo o contrato, isto é, deixando de
transcrevê-lo no seu todo para fazê-lo só na parte que interessa ao requerente?

A cisão do ato é altamente danosa, pelo que deve ser evitada, tanto mais quanto tem
fácil sucedâneo no rateio da despesa da inscrição integral. Daí opinar o velho civilista que a
transcrição requerida por um aproveitava a todos os interessados, salvo no caso de permuta,
estando os imóveis em circunscrições diversas, devido à necessidade de fazer-se a
transcrição em cartório diferentes. 312
Embora possua dispositivo específico a respeito da prenotação única da permuta, a
nova Lei do Registro carece de um preceito genérico no sentido do registro múltiplo, quando
o título contém direitos geminados. Ao contrário dela, o regulamento anterior mandava
escriturar a permuta e a transmissão conjugada com hipoteca com dois números seguidos
tanto no protocolo como no livro de inscrição, números esses correspondentes aos dois
proprietários no primeiro caso e ao proprietário e ao credor no segundo (Dec. n.º 4.857, de
1939, arts. 203 e204).
A carência de um mandamento genérico de inscrição inúltipla, quando o título é
portador de direitos conjuntos, faz-se sentir com tanto mais força quanto variadas são as
possibilidades de geminação. Devido à lacuna, pode ocorrer uma de duas coisas, ambas
perniciosas: ou ser feita uma inscrição única para todos os direitos, quando cada um deles
tem vida autônoma, ou ser feita a inscrição de um só dos direitos, ficando o outro ao
desabrigo.
Terminada a fase liberal da recepção e da prenotação dos títulos com o assinalamento
em cada um deles, a carimbo, do número de ordem com que foi protocolado (art. 183),

312 GARCIA, Lisipo. A transcrição. p. 204; LOPES, op. cit., v. 4, n. 700, p. 317; Reginaldo Nunes in: Revistas
dos Tribunais v. 99, p. 324-326 apud Serpa Lopes.
começa a fase de seleção, destinada a separá-los, pelo critério da legalidade, em dois grupos,
o dos inscritíveis e o dos não-inscritíveis. A seleção, que dura pouco ou muito tempo,
conforme as circunstância, coloca os títulos, enquanto se processa, em estado de pendência, o
qual somente cessa quando passam para o livro de inscrição ou são devolvidos aos
interessados, depois de cancelada a respectiva prenotação.
Tanto a prenotação no protocolo como a inscrição preventiva no livro de inscrição
criam um estado de pendência, mas, não obstante terem esse ponto em comum, de modo
algum se confundem. Para distingui-las de pronto basta lembrar que a prenotação arma o
estado de suspensão para um direito não-inscrito, ao passo que a inscrição preventiva o
instaura para um direito inscrito.
O estado de pendência comum a todos os títulos que ingressam no protocolo
caracteriza-se pela brevidade para a maioria deles, formada pelos que prontamente podem ser
levados para o livro de inscrição ou ter a respectiva prenotação cancelada de ofício. O
cancelamento da prenotação ex officio cabe em face de insubsistência óbvia resultante de
irregistrabilidade manifesta ou de desistência da parte, entrando na primeira alternativa os
casos em que o imóvel pertence à jurisdição de outro cartório, o título não é por sua natureza
inscritível, é duplicata de outro já prenotado ou colide com outro numerado antes ( art. 206).
Ao passo que no protocolo se dá o cancelamento ex officio da prenotação frustra, no
livro de inscrição não de admite o cancelamento ex officio da inscrição, explicando-se esse
contraste pela natureza provisória do primeiro assento e definitiva do segundo. Graças ao
cancelamento ex officio, o protocolo pode ser escoimado com rapidez de títulos prenotados,
mas que logo se verificou serem manifestamente irregistráveis.
Após a recepção dos títulos, estes seguem um itinerário que ressalva a variante do
cancelamento da prenotação, acompanha os seguintes marcos: prenotação no protocolo;
exame em face do indicador real e, nas grandes cidades, do indicador pessoal de pessoas
inibidas de negociar; confronto das remissões do indicador real com os livros nele referidos;
suscitação de exigência ou dúvidas decorrentes do exame da legalidade. Esse fluxo constante
acaba formando três maços distintos de títulos: os registráveis, os dependentes de exigência e
os passíveis de dúvida.
Como, entre a prenotação e a inscrição, se interpõe a seleção dos títulos, é natural que
o número total dos assentos originalmente tomados no protocolo seja maior do que o dos
posteriormente lançados no livro de inscrição. É que certos assentos do protocolo nunca
chegam a ser transportados para o livro de inscrição, quer por se referirem a títulos
não-inscritíveis, quer por contradizerem títulos precedentes, quer por serem abandonados
pelos apresentantes sem o cumprimento de exigências, quer por motivos variáveis, enquanto
outros só conseguem atingir o livro principal depois de uma espera mais ou menos longa.
A espera pode ser ocasionada principalmente por exigência do registrador ao
apresentante no sentido de pôr o título de conformidade com a lei e, depois, por dúvida
levantada por ele perante o juiz a respeito da legalidade do registro, a primeira das quais não
é consignada no protocolo, ao passo que a segunda o é, mas de maneira abreviada. Ao
suscitar a dúvida, "no Protocolo, anotará o oficial, à margem da prenotação, a ocorrência da
duvida " (art. 198, I).
Ao invés disso, exigia-se antigamente que o registrador lançasse no protocolo as
"razões da dúvida" e reservasse "linhas em branco" para consignar a decisão do juiz (§ 2.º do
art. 215 do Dec. n.º 4.857, de 1939). Esse duplo arrazoado era perturbador da escrituração por
ser necessariamente multilinear, ainda quando se restringisse a verdadeiro resumo.
O gigantismo da averbação da dúvida fazia com que, nas grandes cidades, a
escrituração do protocolo se estancasse irremediavelmente ou consumisse o sêxtuplo das
linhas. De fato, nos centros populosos, era comum o registrador retardar a prenotação dos
títulos para o fim do expediente diário, ou usar do artifício de ocupar cinco linhas na coluna
―forma do título‖ com verdadeira identificação deste (cartório, livro, folhas, data etc.), a fim
de deixar outras tantas linhas em branco na coluna de ―averbações‖ para, na eventualidade de
dúvida, lançar ali as razões do seu levantamento e a decisão do juiz, conforme mandava o
regulamento então em vigor.
Ambos os procedimentos importavam em arranjos para contornar uma dificuldade,
relevando notar que o primeiro envolvia uma irregularidade, que o segundo evitava, embora
em grande consumo de livro. Daí os preceitos novos, em virtude dos quais doravante a
dúvida e a sua solução serão averbadas sucintamente no protocolo, sem resumo das razões da
primeira e sem reserva de linhas para a decisão do juiz. Afinal de contas, o essencial é lançar
a existência da dúvida para explicar a suspensão do registro e depois a sua solução, num ou
noutro sentido, para explicar o registro ou o cancelamento da prenotação.
Se, por conseguinte, for levantada dúvida acerca da legalidade do título prenotado no
protocolo, será apenas consignada na coluna de averbações, assim como, uma vez resolvida,
o será a decisão favorável ou contrária do juiz, sem menção das razões que a fundamentaram
ou desfizeram. Todavia, ao ser levantada, sê-lo-á com cópias, uma para o apresentante do
título, a fim de habilitá-lo a impugná-la, outra para o cartório, a fim de ficar arquivada, visto
como o original dela permanecerá entranhado no processo administrativo. Após o trânsito em
julgado da decisão da dúvida, só vem do cartório do juízo judicante para o cartório do
Registro de Imóveis o mandado judicial de inscrição ou de cancelamento da prenotação,
acompanhado do título desentranhado.
Como, no anteprojeto preparado para o Ministério da Justiça em 1969, já me coubera
sugerir que se preceituasse no sentido simplificador, a coincidência do atual preceituação
evidencia quanto se impunha a providência adotada. O alívio do gigantismo da averbação da
dúvida tornará o protocolo mais utilizável na maioria das comarcas, sobretudo nas grandes
cidades, como Rio de Janeiro e São Paulo.
A espera dos títulos no protocolo dura ordinariamente trinta dias, pois esse é o prazo
geral marcado para que o apresentante do título, por exigência do registrador, o ponha de
acordo com a lei. Não é vã a assinação do prazo, porquanto ―cessarão automaticamente os
efeitos da prenotação se, decorridos trinta dias do seu lançamento no protocolo, o título não
tiver sido registrado por omissão do interessado em atender às exigências legais‖ (artigo
205).
Por coincidência, esse prazo foi o adotado sucessivamente por diferentes leis, a saber,
o Código Civil para solução da dúvida levantada pelo registrador e para aguardamento da
primeira hipoteca, a Lei do Loteamento, para reclamação dos interessados após o edital
anunciativo dele, e o Código de Processo Civil, para impugnação do bem de família por
credor do instituidor, também após a publicação do respectivo edital. Alguns títulos ficam,
portanto, sobrestados no protocolo enquanto dura o processo administrativo a que se achem
submetido, destinados a apurar a sua legalidade ou a atestar a sua publicidade (Cód. Civ.,
arts. 835 e 837; Dec. n.º 3.079, de 1938, art. 5.º Cód. de Proc. Civ. de 1939, em vigor ex vi do
art. 1.218 do Cód. de Proc. Civ. de 1973, arts. 649-650; Lei n.º 6.015, de 1973, art. 262, I).
A espera pode, porém, prolongar-se por mais de trinta dias, visto como, na opinião
comum, não é justo tornar esse prazo fatal para o apresentante do título quando a este não
couber culpa no seu excesso. A tendência cartorial, por conseguinte, inclina-se pela
prorrogação do prazo quando a ultrapassagem corre por conta do processo de dúvida ou do
órgão estatal a que foi solicitado o documento por exigência do registrador. Daí se usual
formar-se no cartório do Registro de Imóveis um arquivo de título pendentes.
Esse arquivo tende a reduzir-se paulatinamente, inclusive pelo cancelamento da
prenotação, devendo contribuir bastante para isso o preceito novo que manda o juiz julgar a
dúvida, ainda que não impugnada pelo interessado (art. 199), pois este, firmado no assento
preliminar, costumava despreocupar-se do andamento daquela, deixando indefinidamente
prado o processo. De modo geral, o cancelamento da prenotação pode ser efetuado: a) por
iniciativa do registrador ante à irregistrabilidade manifesta do título ou o aparecimento da
primeira hipoteca no prazo legal de espera (Lei n.º 6.015, de 1973, arts. 206, 1.ª parte, e 189);
b) por desistência da parte (Lei cit., art. 206, 2.ª parte); c) por decisão do juiz em processo de
dúvida ou outro, passada em julgado, ainda que apenas no sentido formal (Lei cit., art. 203,
I); d) por autorização escrita do titular do direito prenotado (Lei cit., art. 250, III, in fine, e
251, I).
Na maioria das vezes, os títulos são prontamente despachados para o cancelamento,
ou a inscrição, devendo o primeiro ser assinalado na coluna de anotações do protocolo com
seu motivo determinante, ao passo que a segunda sê-lo-á depois nos indicadores real e
pessoal. Como esses indicadores trazem necessariamente o número e folha do livro em que se
lança a inscrição do título, não tem sentido repeti-lo no protocolo, onde o espaço para
anotações mal dá para as que lhe são próprias, ainda que as menções sejam curtas ou em
abreviaturas. Neste ponto, não merece ser seguido o exemplo oferecido por antigo livro
especializado em fac-símile de folha de protocolo. 313
Noutras vezes, porém os títulos são objeto de processo ou diligência, caso em que, na
coluna de averbações, se faz, conforme o caso, menção da dúvida, do seu julgamento de
procedência ou improcedência (Cód. Civ., arts. 834 e 835), da expedição de editais
anunciativos do loteamento (Lei n.º 6.766, de 1979, art. 19; Cód. de Proc. Civ. de 1939, art.
345), 314 ou da instituição do bem de família (Lei n.º 6.015, de 1973, art. 262), 315 do
decurso dos prazos de impugnação à inscrição. Estas menções continuam a ser curtas, em
abreviaturas.
Quando o título passa para o livro de inscrições, por se mostrar apto a adquirir a
posição registral, leva consigo a data da sua prenotação no protocolo. A data da inscrição,
porém, será ordinariamente mais avançada do que a do protocolo. Não obstante, a numeração
que lhe tiver sido dada nessa data assegurar-lhe-á a prioridade em relação a outro sobre o qual
tiver precedência na cronologia da entrada. Só o título que, em confronto com outro, tiver
essa prioridade é que deve ser transportado do protocolo para o livro da inscrição, ficando o
outro retido na prenotação, como num verdadeiro limbo.
Todavia, por falha do registrador, pode ser transportado eventualmente do protocolo
para o livro de inscrição um título que, pelo primeiro, não tinha prioridade, abrindo-se então
um conflito entre os dois livros. Surge então a questão de saber se prevalece a inscrição ou a
protocolização, aquela postergadora da prioridade assegurada por esta.

313 Loureiro, op. cit., v. 2, parte 4, Prática, anexo ao modelo de protocolo.


314 LOPES, op. cit., v. 3, n. 419, p. 74. O procedimento concernente ao loteamento continua em vigor ex vi do
art. 1.218 do Cód. de Proc. Civ. de 1973.
315 LOPES, op. cit., v. 4, n. 754, p. 457; Loureiro, op. cit., v. 1, n. 203, p. 306. O procedimento relativo ao bem
de família que era regulado nos arts. 649-650 do Cód. de Proc. Civ. de 1939, passou a sê-lo nos arts. 260-265 da
Lei n.º 6.015, de 1973, mas sem alteração de monta.
Se, de dois títulos sucessivamente protocolados, mas colidentes, o registrador faz a
inscrição do que foi numerado depois, a inscrição prevalece, não obstante, sobre o protocolo.
É certo que o protocolo regula a prioridade, mas o faz internamente, de sorte que,
desrespeitada pelo registrador, subsiste, apesar disso, a vantagem obtida irregularmente pelo
segundo título com a inscrição, porque é esta que regula externamente a posição dos direitos,
em face da qual terceiros os adquirem, pela confiança que lhes inspira a aparência registral.
Como, porém, o segundo título se avantajou irregularmente, o titular da prioridade,
prejudicado pelo registrador deve intentar logo a ação de retificação da inscrição,
promovendo, ao mesmo tempo, a inscrição preventiva da contradita, a fim de, por essa
medida cautelar, excluir a fé pública ligada àquela, até que seja decidida a ação com
audiência de todos os interessados. Pontes de Miranda censura, com toda razão, um acórdão
paulista que, independentemente dessa ação, decidiu em favor do título prioritário contra o
inscrito. 316
Assim como o conflito entre o protocolo e o livro de inscrição se dá relativamente a
títulos colidentes, também pode dar-se acerca de títulos compatíveis, desde que ao segundo
se atribua na inscrição um grau que caiba ao primeiro. Como no caso precedente, aqui
igualmente o prejudicado deverá, recorrer à ação de retificação de grau, a menos que obtenha
do beneficiário do erro uma autorização escrita para essa retificação.
Na opinião geral, a escrituração do protocolo foi estendida mais do que precisaria ser,
pois uma só pessoa, por maior que seja a afluência de títulos num cartório, pode
encarregar-se dela. Antigamente privativa do registrador, agora ―a escrituração do protocolo
imbumbirá tanto ao oficial titular como ao se substituto legal, podendo ser feita, ainda, por
escrevente auxiliar expressamente designado pelo oficial titular ou pelo se substituto legal
mediante autorização do juiz competente, ainda que os primeiros não estejam nem afastados
nem impedidos‖ (art. 185).
O protocolo pode ser aperfeiçoado, incluindo-se no seu modelo mais uma coluna, esta
agora de caráter real: situação do imóvel. No mais, deve manter-se encadernado, com o
mesmo formato e número de folhas, para ser escriturado em ordem cronológica ou temporal,
porque, sem nenhum inconveniente, a encadernação assenta à fidelidade das prenotações,
impedindo e eventual substituição de folhas. Assim se assegura a indestrutibilidade dos
dados constantes dele, e, portanto, a certeza da prioridade que nele tocar a qualquer título.

Com a manutenção do formato atual (40cm x 55cm), por ser de fácil manejo,
aumentado apenas o número de colunas internas, com o acréscimo da de situação, as colunas
passam então a ser as seis seguintes: número de ordem, data, nome do apresentante, forma do
título, situação do imóvel e averbações. Nesse caso, a distribuição de espaço entre as seis
coluna, traçadas em folhas simples, poderá ser a seguinte:

Número de ordem............................................................ 5 cm
Data ............................................................................... 3 cm
Nome do apresentante..................................................... 10 cm
Forma do título............................................................. 5 cm
Situação do imóvel........................................................... 5 cm

316 PONTES DE MIRANDA, op. cit., v. 11, § 1.234, p. 284.


Averbações....................................................................... 12 cm

Dentre essa colunas, a de ―data‖ pode ser estreita, porque o dia terá sempre, no
máximo dois algarismos e o nome do mês, no máximo nove letras, relevando notar que o
único de nove letras costuma ser abreviado com três. A de ―número de ordem‖ há de ser
maior, visto como, sendo a numeração contínua, sem se interromper de um para outro tomo
ou de um para outro ano, chega a atingir números altos, exigindo espaço crescente.
A coluna ―situação do imóvel‖, agora acrescida, receberá em abreviatura a situação
rural ou urbana do imóvel, pela letra inicial ―R‖ ou ―U‖ e o distrito pelo se número ordinal,
1.º, 3.º, 5.º etc. Se o imóvel for rural e pertencer ao 3.º distrito de município, a coluna será
escriturada sucintamente: R-3.º D. Com essa nota torna-se possível identificar prontamente o
título, se outro da mesma procedência se apresentar para disputar prioridade, dirimindo-se a
dúvida pela localização referida no livro, sem ser preciso recorrer aos papéis.
A coluna de ―averbações‖ precisa ser a maior de todas, uma vez que, apesar de
receber lançamentos concisos, em abreviaturas, um só título pode exigir mais de um deles. É
que nela alternam referências a títulos que são uns prontamente despachados para a inscrição
e o cancelamento, e outros postos em diligência de dúvida ou de publicidade.
O maior aperfeiçoamento que se pode introduzir no protocolo não está, no seu
modelo, mas fora dele, no ordenamento fiscal, que, para atingir seus fins, não vacila em
comprometer outros de maior valia, como os direitos dos cidadãos ligados ao protocolo. Haja
vista a exigência, que agora se faz a eles, no ensejo da prenotação dos títulos, do
recolhimento de custas a bancos, título por títulos, a qual perturba o andamento normal do
protocolo e a fixação da prioridade dos direitos.
Na verdade, essa exigência, por uma lado, atira a prioridade dos direitos na corda
bamba de vicissitudes extra-registrais, sem que saiba se chegará à firmeza do seu objetivo ou
tombará no percurso, conforme se realçou no comentário ao número de ordem do protocolo,
Por outro lado, ela toma às partes um tempo muito mais valioso do que eventual excesso de
custas, aliás difícil de ocorrer presentemente nas grandes cidades, cujos cartórios imprimem
o montante das custas, com máquina autenticadora, tanto no recibo entregue ao apresentante
como no próprio título.
Qual é, pois, o seu préstimo? No interesse do fisco, podia determinar-se, no máximo,
o recolhimento diário da renda do cartório a um banco, mas nem isso se mostra necessário.
Bastava ordenar que os cartórios tivessem um ou mais livros de modelo recomendado pelo
fisco, satisfatório para a fiscalização tributária, se não se achasse suficiente o preceito de
exibição dos livros existente, constante do regulamento anterior do Registro de Imóveis
(Dec. n.º 4.857, de 1939, art. 326).
Antigamente, o cartório costumava tomar o número de ordem do protocolo como
base do seu arquivo de documentos, para facilidade de busca. 317 Essa escolha, então
compreensível em face da variedade de números, pois os havia em vários livros principais,
traz visíveis inconvenientes, visto como, em correspondência com as devoluções de
documentos às partes, determina interrupções na seqüência dos números do arquivo e, em
correlação com a cronologia da entrada dos papéis, dispersa documentos referentes ao
mesmo imóvel e faz subir extraordinariamente a numeração do arquivo. Todos esses
inconvenientes desaparecem, tomando-se o número de matrícula do imóvel para servir de

317 Loureiro, op. cit., nota ao art. 29.


base ao arquivo geral de documentos, embora o número do protocolo possa servir para o
arquivo de títulos pendentes.
CAPÍTULO 17

LIVRO DE REGISTRO GERAL

1. Necessidade do fólio real.

2. Impossibilidade de duplo registro.

3. Registro geral. Requisitos de escrituração.

4. Deficiências de modelo. Alternativas.

5. Modelo recomendável.

Ao passo que o protocolo seleciona os títulos registráveis, o livro de registro geral os


recebe em definitivo para imprimir-lhes o efeito que a legislação lhes atribui. Essa função
sinalizadora era desempenhada antigamente por vários livros, entre os quais se distribuíam os
títulos considerados aptos no exame de legalidade. Contudo, a experiência da dispersão, à
medida que esta se agravava, acentuava cada vez mais a conveniência senão a necessidade da
unificação dos livros, que redundaria na introdução do fólio real no sistema do nosso registro.
Na verdade, a introdução do fólio real traria uma grande simplificação, visto como
importaria em centralizar todos os assentos relativos ao imóvel, reunindo todos os direitos
que sobre ele recaem em um único lugar. Assim como a cada imóvel cabe um lugar certo na
superfície terrestre, a cada imóvel cabe também um lugar certo no registro.
Quando se alude a fólio real, não se quer significar necessariamente uma folha,
porque esta, ainda que alongada em duas laudas, pode não bastar, sendo necessário
prosseguir a sua escrituração na primeira folha que se achar vaga. Também no registro
imobiliário alemão somente se fala em fólio em sentido figurado, porque se trata na realidade
de uma série de fólios, que mais propriamente se chamaria caderno registral: são seis fólios
com doze páginas. 318
A concentração de todos os assentos relativos ao imóvel em uma folha permite
conhecer-lhe a história por simples visada a um foco, ao invés de ter de descobri-la pela
pesquisa de irradiações. A história, que se escreve à medida que os fatos ocorrem, se encontra
sempre pronta para ser lida e para, em qualquer capítulo, mostrar como pode ser continuada.
Enfim, a folha assegura a seqüência natural dos episódios, a filiação certa dos atos jurídicos,
numa palavra o princípio de continuidade.
Graças a isso, torna-se praticamente impossível que, relativamente ao mesmo imóvel,
haja dualidade de registro, oriundos de títulos diversos, porque o imóvel e o proprietário
ficam como que fotografados na folha, ostensivos, descobertos: partindo desse proprietário
não pode haver duas inscrições transmissivas na mesma folha, já que a primeira excluirá

318NUSSBAUM, A. Derecho hipotecário alemán. Madrid, ed. da Revista de Derecho Privado, 1929. p. 12-15;
WOLFF, Martin. Derecho de cosas. Barcelona, ed. Bosch. § 29; HEDEMANN, J. W. Derecho reales. Madrid.
ed. da Revista de Derecho Privado, 1955. § 11, p. 86 e § 12, p. 90.
automaticamente a segunda. Não se abre ensejo ao conflito resultante dessa dualidade de
inscrições, porque para embarga-la, ao princípio jurídico do exclusivismo da propriedade se
antecipa o princípio físico da impossibilidade da ocupação do mesmo lugar no espaço por
duas pessoas diversas.
No regime anterior, esse conflito costumava ocorrer com reflexo em decisões
divergentes, visto como o livro n.º 3 de transmissões imobiliárias e ensejava ao dispor o
registro dessas transmissões cronologicamente e não espacialmente. Nesse livro podia
escapar à busca por se achar perdida, entre numerosos outros assentos, uma transmissão que
não tivesse sido averbada à margem do assento original do transmitente, mas isso não pode
acontecer no fólio real, em que cada inscrição transmissiva se liga fisicamente à anterior, sem
solução de continuidade.
Com a introdução do princípio da folha, a prioridade somente precisará ser invocada
para resolver eventual conflito de títulos, ao serem estes apresentados para registro, e não
mais para dirimir também um conflito de registros porque estes não poderão ser efetuados
em duplicata. A duplicidade será repelida frontalmente quando, ao abrir-se a folha para o
segundo registro, se ostentar incontinenti o legítimo proprietário!
Embora desapareça a possibilidade de duplo registro do mesmo imóvel, reconhecido
como tal, na folha própria, força é admitir que subsiste, por mais remota que pareça, a
possibilidade de dupla matrícula, em folhas diferentes, quando não descoberta a tempo a sua
identidade, dissimulada, por exemplo, em desmembramento de grande área. Daí o risco de
iniciar-se uma dupla cadeia de inscrições, em folhas autônomas, relativas ao mesmo imóvel,
por não ter o registrador meios de saber que se pretende inscrever um imóvel já inscrito em
nome de outra pessoa, como aconteceu nesta cidade com certos lotes de terrenos da zona
praieira, vendidos fraudulentamente duas vezes, graças ao expediente da troca da rua da
testada pela do fundo.
Não é de admirar que se admita a casualidade de dupla matrícula, quando se sabe que,
no próprio sistema fundiário alemão cuja perfeição os expositores timbram em acentuar, se
examina a hipótese, já submetida aos tribunais, de imóvel que figura em diferentes folhas do
registro com diferentes proprietários. 319 Por mais bem armada que seja a estrutura de uma
construção, nela se descobre às vezes uma trinca, apesar de haverem sido tomadas
previamente todas as cautelas capazes de impedir o seu aparecimento.
No sistema brasileiro, entre essas cautelas está a cabal identificação do imóvel nas
escrituras e atos judiciais, pois a vigente lei de registos públicos, em dispositivo que só tem
correspondente no regulamento anterior, manda especializá-lo com precisão, chegando a
exigir que se indique, quando se tratar de terreno, "se esse fica do lado por ou do lado ímpar
do logradouro, em que quadra e a que distância métrica da edificação ou da esquina mais
próxima" (Lei n.º 6.015, de 1973, art. 225; cf. Dec. n.º 4.857, de 1939, art. 248). A despeito
desta última exigência, inspirada provavelmente na experiência de vendas duplas de lotes da
zona praieira, a identidade do imóvel pode ficar dissimulada em descrições que dêem a
impressão de se referirem a imóveis diferentes, sendo suficiente para isso que, de uma para
outra, se mude o ponto de apoio fixo escolhido para situá-lo:
"Assim mesmo, poderá, é claro, escapar uma duplicata de descrições: por exemplo, a
de uma terreno na rua A com frente de 10 metros, distante, pelo lado direito, 46 metros da
esquina da rua B e a de outro à mesma rua A, com a mesma largura, mas distante, pelo lado

319 NUSSBAUM, op. cit., p. 13; NETO, Soriano. Publicidade material do direito imobiliário. Recife, 1940. n.
85, p. 170.
esquerdo, 16 metros da esquina da rua C, poderiam coincidir com o mesmo imóvel, mas essa
possibilidade vai diminuindo principalmente em face das providências fiscais e da
regulamentação das vendas de lotes de terrenos urbanos e rurais constantes do Decreto-lei n.º
58, de 1937." 320
Como se vê, não é preciso sequer que o terreno seja fronteiro a duas ruas para,
mediante a troca da testada pelo fundo, lograr uma descrição enganadora do mesmo imóvel,
pois, embora fronteiro a uma só rua, basta alternar os pontos de amarração para chegar ao
mesmo resultado. Para maior clareza o exemplo é figurado no gráfico abaixo:

_____________| |__________________________| |____________


RUA A
_____________ __________________________ ____________
| | 16 m 46m | |
Rua C Rua B

Nem com a exigência da planta se consegue eliminar o risco da duplicação, porque a


planta dá apenas a representação gráficas do imóvel, como o título dá a sua representação
literal, sem ajuntar um elemento novo pelo qual possa ser aferida. Esse elemento novo pelo
qual possa ser aferida. Esse elemento novo surgirá com o advento do cadastro, em cujo mapa
a planta somente poderá ser enquadrada se o seu espaço já não estiver ocupado por outra
anteriormente apresentado. A eliminação do risco depende da totalização cadastral.
A folha especial é tão importante para a continuidade dos registros que chega a ser
havida como condicionamento dela. Esse condicionamento pode ser admitido, embora sem
caráter absoluto, visto como sem a folha não é deveras possível assegurar normalmente a
continuidade, que, implicando o registro anterior, pressupõe a preexistência tanto da
titularidade do disponente como da extensão coberta por esta, a qual há de ser tal que permita
o negócio de disposição ou oneração.
Com efeito, o imóvel inicialmente adquirido por uma pessoa pode sofrer anexações,
decorrentes de compras ou heranças, assim como desmembramento, resultantes de vendas,
doações ou permutas, de sorte que é preciso apurar qual a sua extensão por ocasião de cada
negócio. Quer isso dizer que, para assegurar a continuidade, hão de ser feitas, antes da
inscrição de cada negócio, duas averiguações associadas, a primeira sobre a titularidade, a
segunda sobre a extensão do seu objeto, vale dizer: a) subjetiva para apurar se o disponente
coincide com a pessoa inscrita; b) quantitativa, para apurar se o imóvel do disponente
comporta a alienação ou oneração pactuada.
Essas duas averiguações são rápidas, quase instantâneas, na folha especial, sobretudo
quando esta obedece a um modelo em que as anexações e desmembramentos se contabilizam
à medida que ocorrem de modo a deixar sempre à mostra o saldo quantitativo da extensão. É
o que sucede no modelo organizado para acompanhar o Anteprojeto de Lei de Reforma do
Registro de Imóveis, distribuído pelo Ministério da Justiça às Corregedorias de Justiça dos
Estados no começo de 1969, mas afinal sustado, conforme se relatou no histórico do registro.
Todavia, pode objetar-se que, a despeito da inexistência da folha especial, a
continuidade dos registro tem sido exigida e praticada no nosso País desde o regulamento de
1928. A objeção tem muito menos peso do que parece, porquanto invoca um fato que só tem

320 AZEVEDO, Filadelfo. Registro de imóveis, valor da transcrição. Rio ed. da Liv. Jacinto, 1942, n. 32, p. 50.
acontecido graças a um expediente indireto a anômalo, que consome tanto tempo a ponto de
tornar-se uma das principais causas do retardamento da inscrição dos títulos.
É que o sistema findo, ao invés de permitir assegurar a continuidade diretamente por
livro principal, só o permite indiretamente por intermédio de livro auxiliar, o indicador real,
que se articula com os livro principais como verdadeiro índice. Nesse índice, cujas folhas são
repartidas entre a circunscrições territoriais, cada imóvel tem nelas um espaço próprio, onde,
na coluna de referência aos demais livros, se anotam atos que o atinjam. Aí fica condensada,
em breves remissões aos livros principais, a história jurídica completa do imóvel.
Essa história, encoberta nas remissões, como uma seqüência paisagística em filmes
fotográficos, só se revela e desdobra, porém, após um longo e acurado manuseio dos livros
indicados naquelas, completado por cálculo do remanescente ou saldo disponível da área do
imóvel, mediante as operações de soma e subtração impostas pela natureza dos títulos
referidos. Além de se valer de um livro auxiliar para obter um fim principal, o aludido
processo, que habilita o registrador a zelar pela continuidade, é tão complicado e moroso que
induziu alguns cartórios e suplementar o indicador real com uma ficha nominal do
proprietário, em que após a menção às escrituras, suas datas e serventuários e suas
transcrições, vêm colunas de crédito, de débito e de saldo para a contabilidade das áreas
como a que é reproduzida a seguir. 321

Waldomiro de Paula

______________________________________________________________________
Fazenda Baús Corguinho | credor | devedor |
saldo
Capinópolis | | |
_______________________________________________________________________
| ha | | ha
compra a Pedro Teodoro Carvalho | | |
e outros, escr. 19, 7. 43, 2.º Of. local | | |
e transcr. 3-0 n.º 8.450, em 19. 7, 43 | 481-58-00 | | 481-58-00
| | |
compra a José Morais Garcia vilela | | |
e s/m. escr. 12,11,43, 2.º Of. local, e | | |
transcr. 3-P n.º 8.758, em 13, 11, 43 | 111-32-00 | |
592-90-00
| | |
venda a Vicente Franco Barbosa, escr. | | |
9,2,45, 2.º Of. local, transer. 3-Q -- --| | |
10.231, em 10.2,45, da transcr. n.º | | |
8.758, do livro 3-P ............................... | | 111-32-00 | 481-32-00
| | |
compra a Pedro Teodoro de Carvalho | | |
e s/m. escr. 10,2,45, 2.º Of. local, e | | |

321 A folha reproduzida pertence ao fichário do cartório do 1.º Registro de Imóveis de Ituiutaba, a cargo do Dr.
Plinio de Souza Martins.
transcr. 3-Q n.º 10.232, em 14,2,45 | 157-37-00 | |
638-95-00
| | |
_______________________________________________________________________

Está visto que o processo que recorre a um índice para em seguida procurar em
diferente livros o contexto dos atos e, em face destes, verificar se o disponente do direito é o
seu titular e a titularidade cobre o objeto negociado não passa de uma complicação dilatória
incompatível com a feição que deve ter o Registro de Imóveis no mundo contemporâneo.
Semelhante processo, que tantas voltas dá para chegar à continuidade, não invalida a
afirmativa de que esta se acha realmente condicionada à folha do imóvel. Não obstante, cabe
reconhecer que a folha do indicador real, sobretudo onde se escrituram as áreas de aquisição
e alienações na coluna de anotação, merece ser havido a precursora da folha do imóvel.
Uma vez reconhecida a conveniência de adotar-se o princípio da folha, abria-se em
seguida a questão da escolha do modelo em que se concretizaria. Devia-se escolher, pura e
simplesmente, o modelo clássico do fólio real alemão ou seria preferível criar outro
condizente com a tradição da folha brasileira de livros mais que centenários?
Não de devia escolher, para a simplesmente, o modelo clássico do fólio real alemão,
porque, além de desatender a peculiaridades registrais brasileiras, como a existência do
protocolo e das averbações, impõe um desenvolvimento excessivo à folha. É que o fólio
alemão não se encerra numa folha, mas se estende realmente por um caderno, que se abre
com a descrição do objeto e prossegue com três seções, cada uma das quais dividida em
numerosas colunas, por sua vez subdivididas, a primeira concernente ao direito de
propriedade, a segunda a ônus diversos e a terceiro à hipoteca a direitos reais de garantia,
totalizando nas suas quatro partes doze páginas e vinte e nove colunas.
Afastada essa ponta da alternativa, restava a outra de criar um modelo brasileiro, que,
tanto quanto possível, se adaptasse à tradição dos nossos livros, mais que centenários. Assim,
realizar-se-ia verdadeiro progresso, pois este não consiste em abandonar as aquisições do
passado, mas em levá-las avante. O ajustamento do novo livro à tradição dos antigos traria a
inestimável vantagem de facilitar o entendimento do modelo e o preenchimento das suas
folhas, pela favorável predisposição espiritual advinha do hábito de escriturá-las.
Ao criar como livro de inscrição o chamado "registro geral", a nova lei do registro o
fez sem essa preocupação, talvez com outra adversa, se é que alguma teve, pois parece ter
considerado o modelo como assunto somenos, suscetível de ser resolvido na undécima hora.
Tanto assim que, na sua segunda versão, um dos artigos finais trazia uma aliança,
desaparecida na republicação integral do texto, segundo a qual "os modelos anexos serão
adaptados às disposições do artigo" ( Lei n.º 6.216, de 30. 6. 75, art. 296, alínea).
No que toca ao "registro geral", todavia a adaptação já se acha predisposta na própria
lei, quando manda que no alto da face de cada folha se lance a matrícula do imóvel com os
requisitos do artigo 176 e no espaço restante e no verso, "por ordem cronológica e em forma
narrativa" os registro e averbações dos atos pertinentes no imóvel matriculado (art. 231).
Entre os requisitos do artigo 176 se inclui "a identificação do imóvel, feita mediante a
indicação de suas características e confrontações, localização, área e denominação, se rural,
ou logradouro e número, se urbano, e sua designação cadastral, se houver" (n.º 3).
Ao prefigurar que o cabeçalho contenha as "características e confrontações" do
imóvel, além de outros dados de fácil abreviatura, a lei comete o erro de prefixar um espaço
limitado para uma descrição sem limite. A descrição do imóvel, que é ordinariamente a parte
mais longa do título, indispensável enquanto não houver cadastro, tende a exceder o
cabeçalho, conforme mostra a experiência dos livros antigos.
Se o cabeçalho não comporta a descrição do imóvel, cumpre baixá-la para o corpo da
folha, que a comporta, por maior que seja, dada a sua extensibilidade, a fim de aí constituir a
primeira inscrição, da propriedade do imóvel, base natural de qualquer outra inscrição de
direito real que se lhe seguir. Desta sorte, retificam-se dos equívocos, já dando à matrícula o
único significado que pode assumir no nosso registro, que é o de primeira inscrição, já
reservando à descrição o espaço adequado à variabilidade da sua extensão.
Esse parece ser o intento da republicação integral da lei, com as alterações
posteriores, quando, ao anexar o modelo "adaptado", omite no seu cabeçalho a descrição do
imóvel, com o que força o seu aparecimento no corpo da folha dentro da primeira inscrição.
Ao mesmo tempo que com isso corrige, no modelo, um erro do texto, sem se tornar passível
de censura — ad impossibilia nemo tenetur —, por seu turno incorre em outro ao cortar
também desse cabeçalho dados identificadores breves ali postos pelo texto, a saber, a
situação do imóvel, a área, a designação cadastral e os números de inscrições fiscais. A falta
desse dados em lugar ostensivo desnatura o fólio real, pois assim não pode ser havido um
livro cuja folha, embora portadora de uma identificação nominal em dobro, não exibe sequer
a situação do imóvel.
O livro de "registro geral" vem regulado em três capítulos da nova lei do registro, no
II — Da escrituração, onde é criado, tem definida a sua finalidade e recebe as regras da sua
escrituração (arts. 173, II, e 176), no III — Do processo de registro, onde a admissão do título
na sua folha é condicionada à pré-inscrição do título do outorgante, quando dela ainda não
constar (arts. 195-197), no VI — Da matrícula, onde se determinam a ocasião e os requisitos
formais desta (arts. 228-231).
A finalidade do livro está no assento de todos os atos pertinentes aos direitos
registráveis, excluídos os não atinentes a imóveis registrados, mas encaminhados ao registro
por disposição legal. A possibilidade da sua substituição por fichas já foi comentada em
capítulo anterior, pelo que não se torna mister estranhar de novo essa liberalidade. Na
expectativa de que esta se modere ou se frustre na prática, devido à resistência da autoridade
judiciária, resta agora examinar as regras da escrituração d livro que se supõe continue a ser
encadernado (art. 176, § único).
De acordo com o pensamento inspirador do livro, "cada imóvel terá a sua matrícula
própria , que será aberta por ocasião do primeiro registro a ser feito na vigência desta lei" (n.
I do § único do art. 176). Esse texto significa que cada imóvel terá no livro uma folha
privativa, que se lhe abrirá com a inscrição da sua propriedade, a qual, com a descrição
respectiva, será lançada com o nome de matrícula por ocasião do primeiro assento requerido
na vigência da lei. A inscrição da propriedade deve preceder necessariamente qualquer outra.
No entanto, dividido em dois incisos, o primeiro com os requisitos da matrícula e o
segundo com os da inscrição (registro), o texto dá a entender que a primeira coisa é diferente
da segunda. Não pode ser assim, porque a legislação civil não diz que a propriedade se
adquire ou transmite pela matrícula. Daí interpretar-se o texto apenas como significativo de
que dois dados da primeira inscrição não precisam ser repetidos nas demais: o número de
matrícula e a descrição do imóvel. Salvo este, os requisitos serão vistos como pertencentes a
uma única categoria de assentos, quando chegar a vez de comentá-los.
Dada a necessidade de base dominial, se, na vigência da lei, se apresentar um título de
hipoteca, o assento desta fica em suspenso até que primeiramente se lance no livro o da
propriedade. O mesmo acontece com o título de locação-ônus, de servidão, de usufruto, e
assim por diante, visto como o lançamento do assento da propriedade, que é a matrícula,
constitui o pressuposto jurídico de qualquer outro.
Quando, portanto, o título de propriedade não se oferece antes de qualquer outro, tem
de ser buscado onde existir para servir, como matrícula do imóvel, de ponto de partida de
todos os assentos que lhe digam respeito. Na generalidade dos casos, o título de propriedade
estará em mãos do outorgante do título oferecido e constará de inscrição anterior do próprio
cartório, pelo que será prontamente exibido. Noutros casos, porém, constará de inscrição
anterior de outro cartório, pelo que o título oferecido terá de ser instruído com certidão
atualizada comprobatória da referida inscrição e da existência ou inexistência de ônus. A
exigência de continuidade, feita no capítulo do processo do registro, é repetida no da
matrícula (arts. 195-197; arts. 228-230).
Nestes últimos, a lei alude acertadamente a certidão atualizada, isto é, certidão que
ministre o estado presente da propriedade do imóvel, mencionando o proprietário, com sua
identidade, a situação, a denominação ou logradouro, a área, a descrição, bem como a
existência ou inexistência de ônus da data em que for expedida. Não se exige a história
completa do imóvel, com todas as vicissitudes por que passou, até chegar ao estado atual, o
que alivia a certidão do peso morto de dados desnecessários.
A matrícula abre-se com base no título anterior, inscrito no mesmo cartório ou em
outro. A inscrição anterior no livro antigo é atualizada no livro novo com o nome de
matrícula. A titulação vem do passado para encabeçar no presente a folha do registro geral,
sendo o título novo apenas a oportunidade para que se inaugure a matrícula: esta se efetua
"por ocasião do primeiro registro" (arts. 176, parágrafo único, I, e 228).

Assim, repetindo a última inscrição dominial, torna-se por sua posição, a primeira
inscrição da folha do registro geral, mas como numeração própria da sua categoria, que segue
nas folhas seguintes. A numeração da matrícula não se confunde com a dos assentos que
abaixo se lançam na folha: são duas numerações independentes.
Quer a matrícula tenha por base registro anterior do mesmo cartório, quer de outro,
vindo por certidão, ela recebe o título de propriedade com o acompanhamento dos ônus que
acaso gravem o imóvel. Quer isso dizer que uma certidão de inteiro teor da matrícula
despensa que em separado se aponha a positiva ou negativa de ônus: a existência ou
inexistência deles aparece ostensiva na face do documento. O assento da matrícula tem assim
com freqüência um apêndice de vários assentos, em que se averbam os ônus, que são também
certificados do título ocasionador dela, a ser devolvido à parte (art. 230).
Ao serem originalmente constituídos, esses ônus o foram mediante inscrição, mas são
lançados como averbação abaixo da matrícula, porque aqui o assento é meramente remissivo.
Assim se explica a aparente incoerência da averbação de uma hipoteca ou de uma servidão,
mas a explicação, inferida da referência interna ao título anterior, devia tornar-se ostensiva,
perceptível à primeira vista, por um meio qualquer que distinguisse o conjunto transportado
dos assentos subseqüentes.
A matrícula versa necessariamente sobre a aquisição da propriedade do solo, seja um
imóvel autônomo, construído ou não, seja uma fração de terreno de apartamento, com ou sem
as benfeitorias, conforme esteja ou não construído. Tanto vale dizer que uma promessa de
venda não pode ser objeto de matrícula, pois esta requer a venda definitiva, a menos que,
oriunda de loteamento, o número extraordinário de lotes não permita a inscrição destes na
folha der matrícula do imóvel loteado.
Nesse caso, o regulamento ou a autoridade judiciária competente pode conceder
permissão para que excepcionalmente a promessa de venda do lote sirva para a abertura da
matrícula. Essa permissão, por excepcionar o sistema, há de ser concedida com comedimento
depois de comprovada a impossibilidade do lançamento de todas as promessas na
matrícula-matriz do imóvel loteado.
Como a matrícula é o assento de propriedade do imóvel, todos os direitos reais
incidentes sobre este devem ser inscritos na folha da matrícula: a folha se destina à
concentração desses direitos. Dada a sua destinação específica a determinado imóvel, nela
não devem ser inscritos direitos relativos a outro imóvel, ainda que resultantes do mesmo
instrumento.
Se, portanto, numa escritura de mútuo, houver o pacto adjeto de garantia da dívida
pela hipoteca de vários imóveis, situados ou não, na mesma circunscrição, a folha da
matrícula de cada um deles receberá a inscrição da hipoteca. Não se menciona na folha a
hipoteca dos demais imóveis, embora garantam a mesma dívida.
Essa menção pode até trazer inconveniente, quando um dos imóveis for liberado pelo
credor (Cód. Civ., art. 858, ressalva). É que, embora averbada a liberação na folha da
matrícula desse imóvel, este continuara constando como onerado na folha de matrícula dos
demais imóveis.
Dentre os requisitos dos assentos do "registro geral", dois, consoante advertência já
aduzida, são peculiares à matrícula, o número de ordem desta e a descrição do imóvel. A
seguir, um e outro serão versados antes dos demais, comuns a todos os assentos.
O primeiro dele é o "número de ordem, que seguirá ao infinito"( art. 176, parág.
único, II, n. 1). O número de matrícula é o que individualiza o imóvel, determinando-o com
precisão, transformando-o em unidade territorial autônoma, em torno da qual se agrupam os
direitos que sobre ele recaiam e seus sucessivos titulares. Esse número servirá para
identificar o imóvel, quaisquer que sejam as vicissitudes de sua existência e, por isso, passará
para a planta e para o caderno de documentos do arquivo. Naturalmente, será ele o guia em
todas as buscas.
De início, o número de matrícula do imóvel corresponde ao número da folha, mas isso
deixará de acontecer quando o preenchimento exceder uma folha, pois então a matrícula do
imóvel será transportada para a primeira folha disponível à frente, de número diferente, onde
continuará a escrituração (art. 231, II). Quando o imóvel tem uma história jurídica extensa,
que se desdobra em mais de uma folha, talvez em mais de um tomo, o singelo expediente de
indicar por uma seta, abaixo do número da folha, aquele da folha de continuação, atenua por
certo o inconveniente derivado da necessidade de consultar várias folhas e, às vezes, vários
tomos do livro de "registro geral".
Quando se dá a união de imóveis contíguos pertencentes a um só dono, ficam vagos
dois números de matrículas, porque se adota um número novo para o imóvel unificado (artigo
234). Como a união de imóveis é relativamente freqüente no interior, daí resulta que haverá
muitos números vagos no "registro geral" sobre os quais nada dispôs a lei.
O segundo requisito, peculiar à matrícula, é a descrição do imóvel, que dá a posição
física deste e, uma vez lançada, dispensa a repetição nos demais assentos referentes ao
imóvel. É isso precisamente o oposto do que acontecia no regime anterior, em que a
descrição do imóvel se repetia tantas vezes quantos fossem os atos que lhe dissessem
respeito. Agora, só uma vez se lança "a identificação do imóvel, feita mediante indicação de
suas características e confrontações, localização, área e denominação, se rural, ou logradouro
e número, se urbano, e sua designação cadastral, se houver" (art. 176, I, n. 3).
A lei se preocupa em exigir a precisa delimitação do espaço ocupado pelo imóvel na
superfície da terra, o tanto de chão aí marcado por ele, sem fazer cabedal de construções nele
levantadas. Todavia, estas devem ser referidas entre as características, até porque costumam
ter maior valor do que o solo, mormente na zona urbana. Se forem omitidas poderão ser
depois supridas por averbação, mas, ainda que falte suprimento, a eventual transmissão do
imóvel envolverá necessariamente as construções como acessórios do solo: acessorium
sequitur suum principale (Cód. Civ., art. 59).
A descrição do imóvel que, casando-se com a sua aquisição, constitui o núcleo da
matrícula, há de conter todos esses dados, embora alguns deles, os mais breves e expressivos,
se destaquem para figurarem também no cabeçalho para mais pronto reconhecimento do
imóvel. Assim como a ementa da lei não dispensa a disposição normativa, assim também o
sumário da matrícula não prescinde do seu contexto inteiriço, que, de par com os demais
elementos, mencionará as características e confrontações.
As confrontações atualmente abrangem as linhas de limites e os nomes dos
confrontantes, porque as primeiras determinam a figura do imóvel, por mencionarem marcos
e metragens, mas não indicam geralmente a sua posição no espaço, que depende de
referência aos segundos ou de amarração geográfica. Se as linhas de limites se definirem por
marcos, metragens e rumos em graus, então ficará indicada também a posição, tornando
dispensáveis os nomes dos confrontantes, cuja obtenção às vezes é difícil mas a dispensa só
não oferecerá risco à segurança dos direitos e à individuação do imóvel em cartório, quando
se instituir o cadastro.
A unidade da descrição, em contraste com a antiga pluralidade, oferece vantagens que
merecem ser assinaladas. Por um lado, reforça a segurança dos direitos, evitando erros,
truncamentos e omissões ocasionados pela transferência de dados de um título ou livro para
outro título ou livro. A transposição do escrito enseja tais discrepâncias que às vezes criam
sucessivas variantes a ponto de não se saber afinal qual a verdadeira descrição do imóvel. Por
outro lado, poupa tanto maior espaço no livro e no tempo da sua escrituração quanto
representa a parte mais extensa dos assentos.
Duas são, portanto, as vantagens, uma de Direito Material, coexistente na maior
segurança dos direitos, antigamente expostos a questionamento em decorrência de variante
descritivas, a outra, de Distrito Formal, resultante da economia gráfica e temporal trazida
pela dispensa de reproduzir-se em numerosos atos uma longa descrição. Assim, a descrição
não será repetida nem no caso de venda total, nem no de hipoteca, de servidão, de promessa
de compra e venda, do usufruto, de penhora, de seqüestro ou de penhor, caracterizando-se,
neste último caso, apenas as coisas que, acessórias do imóvel, são objeto do gravame. Em
suma, a descrição do imóvel será feita uma só vez, servindo depois para todas as alienações
ou gravames, salvo alguma modificação proveniente sobretudo de alienação parcial.
A "data" tem indissimulável importância, porque é por ela que se estabelece a ligação
entre o protocolo e o "registro geral", visto como, existindo em ambos, permite o confronto
entre os títulos que passaram de um para o outro e, por conseguinte, a salvaguarda da
prioridade. A coincidência não é obrigatória, porque se interpõe por vezes a exigência para a
regularização do título, que impede manter a data do protocolo. Embora o modelo de registro
geral omita a coluna de data, a prática pelo menos assegurou o lançamento da data no começo
ou no fecho de cada assento, pois, do contrário, se tornaria difícil o confronto com o
protocolo.
O "nome das partes", completado com elementos identificadores, inclusive as sua
inscrições fiscais, constitui outro requisito dos assentos ( art. 176, parág. único, II, n. 4 e III,
n. 2). O nome continuará a ser seguido do estado civil, nacionalidade, domicílio, porque os
três elementos auxiliam, em caso de homónimos, a respectiva identificação, servindo ainda o
primeiro deles para a legitimação do disponente do direito. A identificação completar-se-á
com o número da cédula de identidade ou da inscrição no cadastro das pessoas físicas ou, se
se tratar de pessoa jurídica, no cadastro geral de contribuintes do Ministério da Fazenda.
Os elementos complementares de identificação do proprietário. consistentes nos
números das inscrições fiscais e da carteira de identidade, ou, à falta desta, na filiação,
tornam-se dispensáveis quando a matrícula se abre com base em título antigo, anterior a
vigência da nova lei do registro — tempus regii acium. Essa dispensa aplica simplesmente o
princípio constitucional da irretroatividade da lei, de acordo com a qual, praticado um ato
jurídico na vigência de uma lei que exige certas formalidades, não é depois atingido por outra
que aumenta o número delas, porquanto esta não prejudica o ato jurídico perfeito (Const. de
1969, artigo 153, § 3.º).
As parte, dentre as quais, na matrícula, o adquirente passa à qualificação estática de
proprietário, compreendem o transmitente e o adquirente, o credor e o devedor, entrando na
segunda dupla todos aqueles que, para fins de escrituração, se consideram credor e devedor
(art. 220). Além das equiparações a credor e devedor relacionadas na lei, vogam na prática
assemelhações ou fixações em torno do transmitente, havendo-se como tal:

a) na venda de bens da sucessão, o espólio, acrescido da menção "autorizado por


alvará certificado no título" (artigo 224).
b) na arrematação ou adjudicação, o proprietário do imóvel arrematado ou
adjudicado;
c) na remição, o espólio, se ocorrer em inventário, e o executado, se em execução.
d) na incorporação ou fusão de sociedade, a sociedade incorporada e as sociedades
fundidas e, como adquirente, a sociedade incorporadora e a sociedade nova;
e) na separação e na anulação ou nulidade de casamento, um dos cônjuges, e
adquirente o outro a quem for atribuído o imóvel;
f) no usucapião, o juízo perante o qual se requereu;
g) na divisão, judicial ou amigável, os demais condôminos. 322

O título, tanto no sentido causal como no instrumental, constitui outro requisito dos
assentos (art. 176, II, n. 5, e III, n. 3 e 4). Quando o Código Civil exige que a inscrição da
hipoteca declare a data e a natureza do título (art. 846, II), realmente faz uma exigência
aplicável a toda inscrição. Esta só é válida se tem atrás de si um suporte adequado, de onde
emerja a sua legitimidade, que é o título, a ser referido no começo ou no final do assento: por
escritura de . . . ou conforme escritura de . . .
Ao passo que no protocolo os títulos dos três categorias que ingressam comumente no
Registro de Imóveis podem ser prenotados por sua denominação instrumental (escritura
pública, escritura particular, carta de sentença), no registro geral devem ser identificados pela
designação causal ou jurídica do seu conteúdo. Não havendo, porém, separação entre o

322 A designação das partes nos livros antigos costumava ser feita da mesma maneira, ressalvada eventual
divergência no tocante à divisão judicial, em cujo lançamento alguns práticos aconselhavam figurasse como
transmitente o juízo, sem notarem que isso quebrava a simetria com a divisão amigável. A sentença
demarcatória levanta, porém, algumas dúvidas (cf. BORGES, João Afonso. O registro Torrens do Direito
Brasileiro. São Paulo, Ed. Saraiva, 1960. p. 205).
conteúdo das escrituras públicas e o das particulares, as três categorias precedentes se
reduzem para esse efeito a duas, as escrituras e as cartas de sentença.
A nomenclatura usual das escrituras transmissivas ou declarativas da propriedade
imóvel é a seguinte: 1 — compra e venda, pura e simples; 2 — compra e venda do domínio
útil apenas; 3 — compra e venda condicional; 4 — compra e venda com a cláusula de
retrovenda; 5 — permuta; 6 — dação em pagamento; 7 — constituição de dote; 8 — doação,
pura, condicional ou com reserva de usufruto; 9 — divisão amigável da propriedade comum;
10 — demarcação amigável de limites; 11 — extinção do condomínio; 12 — incorporação de
imóveis ao capital social; 13 — desincorporação desses imóveis por extinção da sociedade;
14 — constituição de usufruto; 15 — entrega de quinhões hereditários por adiantamento de
legítima; 16 — desapropriação amigável; 17 — partilha amigável entre herdeiros maiores;
18 — partilha amigável conseqüente a separação; 19 — remição de foro.
A nomenclatura das cartas de sentença: 1 — arrematação em hasta pública ou em
leilão judicial; 2 — adjudicação em hasta pública ou em leilão judicial; 3 — adjudicação em
inventário ou partilha, quer a credor, em pagamento de dívida do espólio, quer a herdeiro
único ou a cônjuge sobrevivente, ou a adquirente de direito e ação em sucessão aberta; 4 —
usufruto instituído em testamento; 5 — divisão de imóvel em comum; 6 — demarcação de
limites ou de aviventação de rumos; 7 — partilha de bens da sociedade conjugal em
conseqüência de separação; 8 — entrega de legado de imóvel; 9 — desapropriação; 10 —
usucapião; 11 — partilha de bens em inventário. 323
O "valor do contrato", da coisa ou da dívida, com o prazo desta, condições e mais
especificações, inclusive os juros, fecha a lista dos requisitos dos assentos (art. 176, III, n. 5).
Esse requisito genérico de especialização da dívida escusava o outro específico que adiante o
reproduz relativamente à anticrese e à locação-ônus (arts. 241 e 242). A menção há de ser
abreviada, apesar da forma narrativa, pelo que, se se pactuar a variação de juros em certos
casos, por exemplo, no de mora do devedor, isso será inserido no assento de modo sucinto:
"taxa de 12% ao ano, que, em determinadas circunstâncias, se elevará a 13%, sem mencionar
essas circunstâncias. 324
Dentre os elementos reclamados na constituição dos direitos reais de garantia (Cód.
Civ., art. 761), vertidos no requisito da especialização, abre-se mão exatamente do mais
longo e trabalhoso, que é a "coisa dada em garantia, com as suas especificações". Isso porque
se escritura o assento num fólio real, onde o referido elemento se acha anteposto na descrição
única do imóvel.
A escrituração da matrícula encerra-se quando esta se funde com outra, devido à
união de imóveis contíguos do mesmo proprietário, dando lugar a uma terceira,
correspondente ao imóvel unificado (art. 234). O encerramento das duas primeiras matrículas
faz-se lançando na respectiva folha a averbação declarativa com menção do fato ocasionador
(art. 246). Embora a lei não preveja, a fusão de matrículas há de ser provocada em
requerimento escrito do titular de ambas, visto como outra descrição do imóvel e sobretudo
nova linha perimétrica, formada do segmento das antigas, sucederá a estas. Quando o
registrador não puder verificar a exatidão da nova linha perimétrica, exigirá para a fusão, a
seu critério, uma planta topográfica assinada por agrimensor habilitado.
A indicação dos assentos no "registro geral" faz-se mediante um expediente
literal-numérico, em que o componente literal designa a espécie do assento e o numérico a

323 LOUREIRO, Waldemar. Registro da propriedade imóvel. 5. ed. Rio, Forense, 1957, n.º 124, p. 181.
324 NUSSBAUM, op. cit., p. 94.
sua individuação. O texto não elucida, porém, se o número é privativo de cada espécie ou
comum a ambas. Segundo o mandamento legal, "cada lançamento do registro será precedido
pela letra ‗R‘ e o da averbação pelas letras ‗AV‘, seguindo-se o número de ordem de
lançamento e o da matrícula (exemplo: R-1-1, R-2-1, AV-3-1, R-4-1. AV-5-1 etc.)" (art.
232).
Na melhor suposição, cabível dentro dos exemplos, a numeração dos lançamentos é
corrida, abrangendo registros e averbações, de sorte que forma uma série única em cada
matrícula. A numeração consecutiva é aceitável, visto como não existe diferença conceitual
entre registros e averbações, já que uns e outras traduzem mutações jurídico-reais. O que não
é aceitável é repetir o número da matrícula em cada um dos assentos, já que todos se fazem na
mesma folha.
Além disso, a anteposição de letra ou letras complica a citação dos assentos e força o
uso de maiúsculas tipográficas e de traços sem a menor necessidade. Admitida essa
anteposição no livro, deve ser dispensada na citação. Nesta, basta referir o número do assento
ao da matrícula, separando um do outro simplesmente por barra. Assim, 1/1 significa o
assento número um da matrícula número 1; 3/32, o assento número 3 da matrícula número
32; 5/15, o assento número 5 da matrícula número 15, e assim por diante.
Ao longo do exame dos requisitos da escrituração, ficaram patentes as deficiências do
modelo de "registro geral", tão grandes que chegam a comprometer o seu préstimo para o fim
a que se destina. Basta, para comprová-lo, confrontar o modelo saído com a republicação
integral da lei com aquele que deveria resultar da rigorosa observância do preceito normativo
do seu preenchimento (art. 231 comb. com artigo 176). 325
O cabeçalho da matrícula não traz as indicações recomendadas, quando, a não ser a
descrição do imóvel, as demais deviam figurar aí, como um sumário atualizado do seu status.
Algumas são permanentes, como a situação do imóvel, ligada à divisão administrativa, a sua
localização dentro circunscrição, a sua denominação, se rural, ou o seu logradouro e número,
ser urbano, a sua posição geográfica ou designação cadastral; outras são semipermanentes,
como o nome do proprietário e a área, mas, não obstante, destacáveis em breve quadro
evolutivo.
Para conhecer esses dados, é preciso descer ao corpo da folha e aí procurá-los, não
raro, demoradamente. Se o imóvel tiver sido transmitidos várias vezes, ou tiver anexações e
desmembramentos, para descobrir o proprietário contemporâneo ou a área atual, será mister
empreender uma pesquisa pelos numerosos assentos. Ao se determinar o transporte de uma
folha preenchida para outra em branco, tampouco se prevê a atualização do seu cabeçalho
(art. 231, II).
O corpo da folha, a seu turno, não traz colunas, talvez em respeito ortodoxo à regra da
escrituração "em forma narrativa". Assim, falta até uma coluna que, em decorrência da
adoção dessa forma, acumuladora de inscrições e averbações num só espaço interlinear,
destaque ao menos o número e a epígrafe dos assentos. Essa coluna diminuirá a dificuldade
de encontrar, na composição compacta da folha, sobretudo os assentos derivados, que ficam
completamente desgarrados daqueles que lhes deram origem.

325 A lei quis adotar um modelo razoável, mas, descurando estudá-lo, optou afinal pelo espanhol, sem
conseguir adaptá-lo. De acordo com o regulamento deste (art. 56) as inscrições principais recebem números, as
secundárias letras e a folha é dividida em três coluna (WOLFF, op. cit., p. 150, notas do tradutor c. 32;
VILLAVICENCIO J. R. Publicidad inmobiliaria. 2. reimp. Washington, D.C., ed. da União Panamericana. p.
655 et seq).
Nada impede, antes tudo aconselha, que o registrador substitua o modelo, que
acompanhou a lei, por outro que a respeite. Esse substitutivo terá um cabeçalho encimado
pelo nome do Registro e do livro, ladeado, à esquerda, pelo número da matrícula, pela
circunscrição e distrito, pela denominação, rua ou número, e, à direita, pela designação
cadastral, pela posição geográfica e por uma seta, abaixo do número da folha, indicativa do
claro do número da continuação. Abaixo, em quadros sucessivos no sentido da largura, de
três linhas cada um, o registro anterior, a inscrição administrativa, a área e o proprietário. No
corpo da folha, à esquerda, uma coluna destacará o número e epígrafe do assento.
O cabeçalho permite, num relance, conhecer a situação do imóvel e qual é, no
momento, a sua área e o seu proprietário, dados transportáveis para a folha de continuação.
O acréscimo de inscrição administrativa (INCRA ou PREFEITURA) completa a
identificação do imóvel e auxilia o exame do seu desmembramento. O número da inscrição
administrativa já constitui exigência normativa das escrituras no Rio de Janeiro: "número de
inscrição na repartição administrativa ou fiscal, ou indicação do código de logradouro onde
houver" (Consol. dos Atos da Corregedoria Geral da Justiça, de 1979, art. 297, n.º 4, a).

Após o cabeçalho, 326 onde já consta o número da matrícula, ligado à numeração


dos demais assentos da mesma natureza, vem a matrícula propriamente dita com os seus
requisitos legais. A coluna à esquerda do corpo da folha destina-se a receber o número e a
epígrafe dos assentos que se lançarem abaixo da matrícula, superpondo-se o número à
epígrafe para melhor realçar a ordem de lançamento e a natureza deles. Assim, a coluna
preenchida mostrará sucessivamente, por exemplo, estes dados: 1 — Promessa de venda; 2
— Cessão; 3 — Compra e Venda; 4 — Servidão; 5 — Doação, etc.
Como os prefixos literais dificultam a percepção visual do número do assento,
elemento principal da busca segundo confirmação da prática do Registro, a coluna aventada à
esquerda remove a dificuldade. Por outro lado, no interior do assento, à direita, precisa vir
sempre o prefixo, visto como, destinando-se a distinguir duas espécies, inscrição e
averbação, bastará, para esse fim, que somente a averbação seja precedida das letras AV
(artigo 232). Com essa sobriedade desaparecerá o baralhamento atual de assentos principais
e secundários, pois é mais fácil distinguir duas figuras, assinalando uma delas, do que
adornando ambas com penachos, embora diferente um do outro . . .
Essa apresentação da folha da matrícula favorece a busca em geral, mas, em especial,
a dos assentos derivados e dos cancelados, cumprindo notar, em relação a estes, que basta
sublinhar-lhes a epígrafe a vermelho para pô-los em foco, pois freqüentemente o
cancelamento se encontra lançado muito adiante, em folha diversa e até em livro
subseqüente. Se a apresentação favorece a busca, também beneficia alhures a citação dos
assentos, pois sendo estes corridos, bastará, como se disse atrás, mencionar-lhes o número
referido ao da matrícula: 5/15 significará o assento n.º 5 da matrícula n.º 15.
Aí está a forma razoável de resgatar um modelo de livro, que, do contrário; continuará
a perturbar cartórios, a ponto de, em alguns deles, já se ter tornado verdadeiro
quebra-cabeças. Adstrita à observância de todos os requisitos legais de sua estrutura, a
matrícula será inatacável como ato jurídico, ao contrário do que acontece atualmente na
326 Além de ajustado à lei, o cabeçalho enseja o controle imediato da disponibilidade da área do imóvel, cujo
conhecimento se impõe tão freqüentemente ao registro para a recusa de títulos após o exaurimento, conforme
mostram os julgados recolhidos em repositórios de jurisprudência, (Cf. Ac. do Cons. S. Mag. de S. O., 21. 9. 76,
na Rev. Trib. 494/85; Francisco de Paula Sena Rebouças. Reg. Públicos, Jurisprudência, ed. Rev. dos Tribs., p.
43, 86, 88, 178).
maioria dos casos, em que, com razão, poderá ser argüida de infringente da forma legal (Cód.
Civ., art. 145).
Esse procedimento mantém a representação descritiva tradicional, mas, havendo
permissão regulamentar, será possível completá-la com a representação gráfica onde o
cartório adotar o livro de folhas soltas, que, perfuradas na margem esquerda, se guardam em
colecionadores à medida que vão sendo usadas até que sejam afinal encadernadas. Esta será
deveras uma vantagem que o livro de folhas poderá oferecer em comparação com o livro de
folhas fixas.
A representação gráfica obter-se-á copiando, entre o cabeçalho e o corpo da
matrícula, a planta do imóvel reduzida a tamanho enquadrável na folha do livro pela própria
máquina copiadora, dentro dos limites condicionados pela sua escala de redução. O livro de
registro geral pode variar de tamanho até a dimensão máxima de 0,40 m de largura por 0,55
m de altura, dentro da qual cabe com folga uma planta de 0,21m x 0,35m. A planta,
traçada indiferentemente em papel transparente ou não, depois de intercalada na matrícula,
ficará guardada no arquivo.
Ante a demora do advento do cadastro, devida a causas não facilmente identificáveis,
talvez seja este o meio mais prático de aperfeiçoar o nosso Registro de Imóveis, mas o seu
emprego depende de predisposição do regulamento. Para esse fim o cartório há de possuir a
máquina de reprodução, própria ou alugada, por onde transitará a planta, máquina essa que
presentemente já compõe muita vez o seu equipamento para a tiragem de certidões de inteiro
teor da matrícula: nesse caso a sua utilidade ficará dobrada. Se advier o cadastro, então se
abrirá a alternativa de manter-se, ou não, a planta na folha da matrícula, permanecendo em
qualquer caso, a designação cadastral do cabeçalho.
De parte esse possível aperfeiçoamento, volta-se à forma descritiva da matrícula para
dizer que a que ficou atrás exposta condiz inteiramente com a lei do registro. A não ser dessa
maneira, inteiramente ajustada à nova lei do registro, a alternativa será, com o mesmo
tamanho do livro adotado, delinear outro modelo sem os defeitos apontados, mas retornando
ao seu uso em folha dupla, isto é, no verso de uma e no anverso da seguinte, pelos quais se
distribuem as colunas destinadas a recolher os dados do título com melhor espaçamento e
titulação.
Após o cabeçalho, portador de breves dados permanentes, as colunas serão dispostas
para servir aos dados variáveis: data, número e epígrafe das aquisições, alienações e ônus,
descrição do imóvel, dos ônus e do título, nome das partes, condições e cláusulas, averbações
e cancelamentos, tendo cada uma delas espaço bastante para a escrituração sem excesso.
Essa disposição interna é razoável por vários motivos, a saber, por manter a
articulação com o protocolo pela coluna de data, e por atender à persistência das averbações
pela posição marginal assegurada a cada uma destas e, por último, por facilitar a implantação
do serviço pela continuidade da forma habitual de escriturar os assentos. Tais motivos,
sobretudo os dois primeiros, tornam atraente a alternativa colunar, em que aparecerá a folha
aprovada tão clara para o leitor quanto a folha alemã, talvez até mais, porque a alemã, quando
se trata de fólios complicados, não permite que alguém se inteire do seu conteúdo sem a
assistência de pessoas peritas. 327
As colunas reduzem-se a sete, isto é, menos cinco do que as dos livros principais
antigos, porque a cuidadosa observação destes, em cartório de cidades pequenas, médias e

327HEDEMANN, op. cit., § 16, n. 4, nota, p. 130. Ver folha alemã de um imóvel e, em seguida, a história deste
em NUSSBAUM, op. cit., página 361-374.
grandes, revelara ser excessivo o seu número. Daí o mau espaçamento, do que decorria em
preenchimento desordenado, que, em algumas delas, ocupava apenas uma ou duas linhas,
enquanto que em outras, nas principais, extravasava dos espaços próprios, invadindo as
colunas vizinhas, à direita e à esquerda.
O cabeçalho da folha, portador de dados permanentes, destina-se sobretudo a dar a
posição geográfica do imóvel, marcando-lhe a situação no mapa do território, mas também a
informar de pronto a área e o proprietário, ambos atualizados quando mudarem. Esse
cabeçalho, encimado pelo nome do registro, será em negrito graúdo com uma quadrícula à
esquerda para nela lançar-se o número correspondente à matrícula do imóvel, seguindo-se a
circunscrição, distrito, denominação, rua e número, bem como a referência à folha e à sua
posição geográfica no cadastro, para articulação com este, quando existir, e, finalmente, o
número da folha, abaixo do qual uma seta vertical indicará uma linha pontilhada a ser
manuscrita oportunamente com o número da folha de continuação.
O cabeçalho será integrado por uma faixa horizontal, formada por duas linhas
paralelas, dentro da qual haverá três retângulos: o primeiro destinado a referências, quer à
"inscrição anterior", isto é, ao número de transcrição no livro 3, quer, havendo mina, ao
número da matrícula da mina ou do imóvel, conforme o fólio onde se lançar; o segundo e o
terceiro destinados, respectivamente, à menção da área em hectares, ares e metros quadrados
e dos nomes dos sucessivos proprietários em as sua inscrições fiscais. O retângulo da área,
aproveitado em duas seções, trará linhas pontilhadas para indicação das inscrições de
anexação e das averbações de desmembramento ( alienação parcial ) e dos sucessivos
valores resultantes da soma ou da subtração.
Assim, tome-se um imóvel inscrito inicialmente, vale dizer, matriculado com 820
hectares. Se lhe for anexado outro de 300 hectares, a sua área subirá para 1.120 hectares. Se
depois for desmembrada dele uma gleba de 140 hectares, a sua área descerá para 980
hectares. Por mais longo que seja o intervalo entre os assentos dessas operações, entremeados
de muitos outros, a área atual do imóvel será sempre conhecida pelo cabeçalho, sem
necessidade de busca ou contexto:

________________________________________________________________________
| | | | | | |
Área....................... | ha | a | m2 | .......................................... | ha |
a |
Inscr. n.º 1............. | 820 | | |........................................... | | |
Inscr. n.º 3............. | 1.120 | | |........................................... | | |
Av. n.º 2............. | 980 | | |........................................... | | |
________________________________________________________________________

Assim como o retângulo da área permite, à simples inspeção visual, conhecer a área
atual do imóvel, por apresentar o saldo resultante da última operação de soma ou de
subtração, o retângulo do proprietário põe à mostra o nome do proprietário atual, se acaso
ocorrer transmissão do imóvel. Esses dados capitais devem vir para o cabeçalho assim que se
derem as mutações, a fim de evitar no futuro a necessidade de uma busca demorada no
contexto da folha para descobri-los.
O corpo da folha, portador de dados variáveis, destina-se a dar a situação jurídica do
imóvel, dividindo-se em duas seções, a primeira de inscrição, a segunda de averbação,
abrangentes de sete colunas que desdobram, da esquerda para a direita, sentindo da leitura,
primeiro a criação dos direitos, depois a sua cessão ou modificação e, por fim, a sua extinção
ou cancelamento, Essas colunas, em conseqüência da passagem dos dados permanentes da
situação para o cabeçalho, tornaram-se menos numerosos e, portanto, mais espaçosas do que
as do antigo livro de transmissões. Para isso contribuiu também o fato de alguns dados
variáveis haverem sido reunidos em uma coluna, como acontece na de "Nome das partes", ou
lançados como apêndice de outra, como o título, o tabelião e o valor do contrato,
incorporados à de "Descrição".
O corpo da folha apresenta, pois, sete colunas, sendo as cinco primeiras sob a epígrafe
da inscrição e as duas últimas sob a de averbação, a saber, de "Data", "Número e epígrafe da
inscrição" (aquisições, alienações e ônus ). "Descrição do imóvel, dos ônus e dos títulos",
"Nome das partes"(estado civil, profissão e domicílio), "Condições", "Transferências e
modificações" e "Cancelamento". A experiência do preenchimento do livro aconselha que as
três primeiras fiquem no verso da folha e as quatro últimas na face da folha seguinte, uma vez
que se trata de folha dupla, de modo que à descrição do imóvel, de um lado, e às averbações,
do outro, toque o maior espaço. Diante da observação dos livros antigos, a distribuição de
espaço entre as colunas da folha dupla deverá ser a seguinte:

Lado esquerdo Lado direito

Data..................................................... 3 cm Nome das partes (estado ci-


N.º e epígrafe da inscrição vil, profissão e
domicílio 7 cm
( aquisição, alienações e
Condições............................. 7 cm
ônus)................................................... 7 cm Averbações (transferências
e modificações)......................... 14
Descrição............................................ 30 cm Cancelamentos......................... 12
26cm
______
___ ____
40 cm

40cm

Como se vê, foram suprimidas as colunas antigamente reservadas a "forma do título,


data e serventuário" e "valor do contrato", porque, sem prejuízo da regularidade da
escrituração, destacam elementos que, na linguagem corrente, completam a descrição do
imóvel e dos ônus, cuja coluna passarão a integrar. Desse modo tomam no livro o lugar que já
têm na intuição popular, seguindo-se a menção do imóvel ou do ônus como causa ou
fundamento jurídico da aquisição do primeiro ou da constituição do segundo.
A coluna de "número e epígrafe da inscrição" (aquisições, alienações e ônus) foi
introduzida para dar, num relance o número de ordem da inscrição e a epígrafe de todos os
atos relativos a direitos registráveis (compra e venda, doação, usufruto, hipoteca, penhora
etc.). Apesar de se reunirem na coluna inscrições de diversas importâncias, dominiais,
onerativas e preventivas, são todas numeradas consecutivamente, pois, para distingui-las,
basta o número diferente de cada uma, secundado pela epígrafe, que lhe realça a natureza
jurídica.
O número e a epígrafe da inscrição devem ser sublinhados a vermelho, assim que se
efetuar o seu cancelamento. Desta forma, essa coluna indicativa facilita a busca, já reduzindo
o seu campo pela exclusão dos assentos cancelados, já favorecendo a separação dos demais
pelo número individual e pela epígrafe diferenciadora. A citação nos documentos
imobiliários se torna igualmente fácil.
A coluna de "averbações" sofreu uma separação interna, tocando a uma das
subdivisões os assentos de movimentação (transferências e modificações) e à outra os de
extinção de direitos (cancelamentos). Essa separação, condizente com a diversidade de
natureza deles, pode ser atendida graças ao aumento do espaço, bem como à diminuição dos
assentos, porque numerosos dentre eles passam a ser inscrições, em relação às quais não
existe limitação espacial por se fazerem consecutivamente uma abaixo da outra. Assim
acontece com as averbações das cláusulas de inalienabilidade e incomunicabilidade, que, na
coluna de condições, passam a integrar as inscrições das escrituras de doação e dos formais
de partilha testamentária, bem como com as das promessas de venda de lotes e apartamento,
que passam a ser inscritas ao pé da inscrição matriz do terreno loteado ou incorporado.
De fato, deixando a inscrição do imóvel de ficar apertada horizontalmente entre duas
outras inscrições, como acontecia no livro de transmissões, para vir a ocupar uma folha
inteira e eventualmente estender-se a outra ou outras folhas, possibilita um arranjo muito
mais cômodo e prático de todos os assentos que dizem respeito ao loteamento ou à
incorporação. Assim constando da folha a inscrição do imóvel a ser loteado ou incorporado,
basta, como ponto de partida, lançar-se à sua margem a averbação do memorial do
loteamento ou da incorporação.
A seguir, os contratos de promessas de compra e venda decorrentes do memorial,
atributivos de direitos reais, passarão a ser inscritos consecutivamente ao pé da inscrição
matriz da qual dependem, à medida que forem celebrados. Aliás, desse modo corrigir-se-á
um extravio da antiga lei de loteamento, que, mandando fazer a "inscrição" do loteamento e a
"averbação" dos contratos de promessa de venda dele decorrentes, contrariava a técnica
registral e criava direitos reais por averbação (Dec.-lei n. 58, de 1937, art. 5.º).
Ao mesmo tempo, corrigir-se-á a descontinuidade dos assentos observada nos livros
antigos, em que, da inscrição do loteamento ou da incorporação, que era única, ficavam
necessariamente desgarradas as averbações de lotes e de apartamentos, que eram múltiplas.
As averbações, começadas em uma folha, tinham de continuar em folhas à frente, ocupando a
totalidade do espaço desta, devidamente numeradas, enquanto de permeio se inseriam outras
inscrições, o que tornava o livro especial um pandemônio e a busca dos seus registros um
tormento.
Quanto às cédulas hipotecárias ou pignoratícias de crédito rural e industrial, a sua
inscrição no "registro geral", qualquer que seja o modelo, regulariza a anomalia que o seu
aparecimento trouxe, pois então foram deslocadas para livros especiais. Esses livros
quebravam a sistemática do registro, acolhendo promiscuamente a cédula hipotecária rural e
a cédula pignoratícia rural, quando a primeira devia ser levada ao livro específico da
hipoteca, n. º 2, e a segunda ao livro do registros diversos, n.º 4, duplicando os livros da
hipoteca e do penhor, demorando e encarecendo a certidão da existência ou inexistência
desses ônus. Agora, só falta alijar do Registro de Imóveis as cédulas que não são nem
hipotecárias nem pignoratícias.
De parte essa explicação incidente, vê-se que o modelo aventado permite desdobrar a
história completa do imóvel em duas seções da folha, a de inscrição e a de averbação,
começando naturalmente pelo assento da sua aquisição e continuando com a constituição de
direitos reais pelo seu proprietário, apreensão do imóvel pelos credores dele e assim por
diante, à medida que esses ou outros episódios da sua existência forem ocorrendo. A seção de
inscrição, da qual a de averbação constitui um apêndice, abrange toda e qualquer espécie de
inscrição, constitutiva, declarativa ou preventiva, sendo os assentos numerados
consecutivamente, apesar da diferença de efeitos entre eles.
Tanto mais coerente é a numeração consecutiva das três espécies de inscrições,
quanto, afinal de contas, o registro imprime a cada uma delas certo efeito, já de
constitutividade, já de disponibilidade, já de embargabilidade, convindo notar, quanto à
preventiva, que pode converter-se em definitiva ou trustrar-se. Se se converter em definitiva,
esta surtirá os seus efeitos a partir da data em que foi feita; se se frustar, será objeto de
cancelamento na coluna própria.
CAPÍTULO 18

MATRÍCULA NO REGISTRO GERAL

1. Divisão dos livros do Registro.

2. Natureza jurídica da matrícula.

3. Abertura da matrícula e alteração do seu teor.

4. Matrícula do imóvel em condomínio.

5. Teor da matrícula em geral.

6. Ordem cronológica dos ônus na matrícula.

7. Disposição da folha da matrícula.

8. Certidão da matrícula.

A lei registral dividiu os livros do serviço do Registro de modo que cada um deles
servisse a um fim prático. A divisão pressupõe que existam relações entre eles, em virtude
das quais tenham o caráter comum de servir a fins de registro. Se existe entre todos esse
caráter comum, cada um deles se distingue dos demais por uma diferença específica, por um
fim que nenhum dos demais possui. Como toda divisão lógica, a distribuição dos livros se fez
de maneira obedecer a um princípio único a ser completa, esgotando as espécies do gênero, e
a serem essas espécies excludentes uma das outras.
Assim, pois, a lei registral, ao relacionar os cinco livros, fez uma divisão completa
deles em cinco espécies, que se excluem umas às outras, tendo a divisão por princípio
diretivo único a função desempenhada. A distribuição desdobrou-se assim: 1) protocolo; 2)
registro geral; 3) registro auxiliar; 4) indicador real; 5) indicador pessoal. Cada um desses
livros se destina a uma função específica: o protocolo serve para recepção geral dos
documentos; o registro geral, para inscrição dos direitos reais porventura conduzidos nesses
documentos; o registro auxiliar, para transcrição de documentos pertencentes ao Registro, já
por serem pertinentes a imóveis registrados, já por lhe serem endereçados por lei; o indicador
real e o indicador pessoal, para indicação de imóveis e pessoas incluídos no Registro.
Essa distribuição funcional, ditada pela experiência dos cartórios, ter-se-ia tornado
mais clara e expressiva, se no "registro geral" tivesse sido dado o nome de livro de inscrição
e ao "registro auxiliar", o de livro de transcrição, porque assim ficaria marcada no título a
função a que cada um deles é votado. No entanto, o senão da nomenclatura, facilmente
corrígivel no futuro, não prejudica o mérito intrínseco da divisão, que, como qualquer outra,
obedece ao critério de distinguir cada um dos livros por atributo específico.
Na relação dos livros sobressai, por sua importância, o "registro geral", que, como
recipiente dos direitos reais, aos quais transmite os efeitos de publicidade e de
constituvidade, aparece como verdadeiro sensório do registro, de onde emanam os reflexos
que movimentam o tráfico jurídico imobiliário. Se qualquer livro há de ter um conteúdo
adequado ao fim que lhe é imputado, com mais forte razão isso deve acontecer naquele a que
tocou a função precípua de centro de convergência de atos jurídicos de aquisição,
transmissão, oneração ou extinção de direitos reais. A especificidade deste, ditada pela
coerência da classificação, se impõe também para a segurança dos direitos, suscetível de
prejudicar-se se a estes se misturassem, numa miscelânea atos de natureza diversa.
A fim de resguardar a especificidade do registro geral, fui induzido no curso da
interpretação sistemática da lei, a afastar dele os memoriais de loteamento e de incorporação,
que não importam nem em aquisição, nem em transmissão, nem em oneração, nem em
extinção de direitos reais, entendendo que o sistema geral os endereça ao "registro auxiliar".
Ainda que os memoriais predisponham o aparecimento de direitos reais, a predisposição visa
a acontecimentos futuros, que podem falhar. Os direitos não têm ainda existência que os
habilite a ingressar no livro de "registro geral".
Por conseguinte, o livro de "registro geral" há de conter a inscrição de atos jurídicos
concernentes a direitos reais, sem que essa especificidade seja turvada pela intromissão de
atos de outra natureza. Se se admitisse que ele possa conter atos jurídicos e atos de outra
natureza, instalar-se-ia nele uma heterogeneidade incompatível com o esquema
classificatório a que se subordina.
A presença da matrícula no registro geral já indicia, por si só, que ela exprime um ato
de movimentação de direito real e a posição eminente que aí lhe foi conferida atesta, por sua
vez, que se trata do mais importante: a aquisição da propriedade. Esta resulta de um ato
jurídico de formação sucessiva, a saber, de um título causal outorgante do jus ad rem
aperfeiçoado pela inscrição tabular fixadora do jus in re. Os efeitos da aquisição da
propriedade só se integram com a inscrição no livro próprio.
No entanto, essa inscrição já se fizera anteriormente no antigo para recebê-la, de sorte
que, por esse motivo, se discute agora a natureza da matrícula. Será um ato jurídico ou um ato
simplesmente cadastral, como já se tem dito?
Como se sabe, a matrícula se transfere do artigo livro de transmissões (livro n.º 3),
onde existe de certo modo com o nome de transcrição, para o novo livro de registro geral,
onde passa a existir de modo diverso com o nome de matrícula. Ali o ato se apresentava
numa folha coletiva, destinada a uma pluralidade de imóveis, sendo os seus dados destacados
em coluna, ao passo que aqui se exibe numa folha individual, dedicada a um só imóvel, sendo
os seus dados reunidos num todo compacto. Ali o ato se consignava por extrato, aqui em
narrativa.
Que ocorre então? Apenas uma transformação morfológica, uma mudança da feição
exterior do ato, sem qualquer alteração da sua substância. O ato, que tinha na transcrição
certa forma, assume na matrícula forma diversa. A troca do antigo sistema de registro pelo
sistema do fólio real impôs essa mudança do feitio externo, sem atingir o cerne ou essência
do ato.
Nessa conformidade, a matrícula, como transferência da transcrição de um para outro
livro, continua a ser ato jurídico de aquisição da propriedade. Como o livro antigo se encerra,
quando se abre o novo, é neste, precisamente na matrícula, que passa a ter fundamento o
direito de propriedade sobre o imóvel.
Ao passo que, no livro antigo, era a última inscrição da propriedade, no livro novo,
passa a ser a primeira, em decorrência da ordem cronológica em que se encontra em cada um
deles. A eficácia real que a lei civil lhe reconhece no livro antigo, mantém-se evidentemente
no livro novo, porque o ato jurídico aquisitivo continua a ser o mesmo. Ao distinguir a
primeira inscrição no fólio real com o nome de matrícula, a lei fê-lo, não só devido a esse
predicado ordinal, como por constituir a base de qualquer outra que nele se lance. Assim a
conceituara no anteprojeto apresentado ao Ministério de Justiça em 1969, dispondo que "a
inscrição aquisitiva, havida como matrícula do imóvel, será trasladada do livro anterior, se
for de natureza diversa o primeiro título que se apresentar na vigência desta lei" (cf. no
anteprojeto em apêndice art. 18).
Efetivamente, na passagem de um para outro livro, nada acontece capaz de ocasionar
a perda da natureza jurídica inerente ao ato transferido. A lei registral, em parte alguma, o
desnatura, e nem poderia desnaturá-lo, sem, ao mesmo tempo, fazer ruir todo o seu sistema.
O atributo dominial, inerente à transcrição, continua inerente à matrícula, bastando, para
comprová-lo, advertir que esta exige expressamente a menção de título anterior, requisito de
juridicidade. Não importa a mudança de forma, que não passa de um acidente relativamente
ao ato de titulação.
Tanto assim que, ao lançar-se, no livro novo, a descrição exata do imóvel, lança-se a
seguir a menção do seu proprietário. Sem que o espaço físico seja revestido de domínio, a
matrícula se desqualificaria para incidência de direitos. Ao desqualificar-se, tornaria vão e
inócuo o assento transferido e, conseqüentemente, todo e qualquer outro que se fizesse com
apoio nele. Nessa imaginária eventualidade, retirar-se-ia ao assento posterior o respectivo
objeto.
Na verdade, se se negasse o caráter dominial e, portanto, jurídico da matrícula. daí se
seguiria que o ato de inscrição subseqüente, impropriamente denominado "registro" pela lei,
deixaria de ter objeto. O ato transmissivo ou onerativo subseqüente seria nulo por carência de
objeto, já que a existência deste depende da conjunção físico-dominial de caracteres. Ora,
para que a transmissão, ou a oneração, seja válida é preciso que nela se integrem os
elementos de todo ato jurídico, a saber, agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não
defesa em lei (Cód. Civ., art. 82).
Do contrário, quando, lançada a matrícula, se pretendesse inscrever uma hipoteca,
esta, como qualquer outro direito real, ficaria suspensa no ar, sem base dominial onde
descansar. Do mesmo modo, quando se fizesse a fusão de matrículas, essa iniciativa
aglutinadora deixaria de acarretar a conseqüência jurídica de estender ao todo imóvel único
os ônus que se constituíssem daí por diante. A intuição popular, porém , consagra o
entendimento verdadeiro, porque, na prática, no dia a dias dos cartórios, os interessados
aludem à propriedade dos imóveis, referindo-se às respectivas matrículas.
Ao entender a matrícula como primeira inscrição, ao invés de deixá-la solta no mundo
da irrelevância, dá-se-lhe o único significado que ela pode assumir para tornar útil todo o
contexto da lei registral. Não há motivo para duvidar do seu caráter jurídico, porque é ela que
define, em toda a sua extensão, modalidades e limitações, a situação jurídica do imóvel.
Sendo, na essência, a mesma inscrição, evolvida a atualizada sob nova forma para adaptação
ao livro estruturado pelo sistema real, conserva a natureza jurídica com que surgiu.
Averiguada a natureza jurídica da matrícula, que tem sempre por fundamento uma
transcrição, cabe agora indagar qual a oportunidade em que deve ser efetuada. A
oportunidade da feitura deve ser franqueada com tanto maior largueza quanto o fim da lei é
sujeitar ao regime da matrícula todos os imóveis particulares.
A abertura da matrícula, — ato em parte privado e em parte estatal, o que explica a
inserção no seu contexto de dados colhido pelo cartório —, dá se ordinariamente por ocasião
do primeiro "registro" (art. 176, parág. único, I, e art. 228). O vocábulo "registro" foi
empregado pela lei em sentido lato de primeiro assento, seja este de inscrição ou de
averbação, como acontece em diversas passagens do seu texto, assinaladas no capítulo da
terminologia do registro. Assim que surgir o primeiro título, decorrente de não importa qual
evento, ensejará a matrícula, o que redundará no gradativo ingresso de todos os imóveis no
fólio real, fim visado pela lei. Como a lei considerou desnecessário pretender atingir esse fim
de uma só vez, determinando a matrícula simultânea de todos os imóveis, por ser inviável
para o cartório transportá-los coletivamente para o "registro geral", contentou-se em aguardar
prudentemente que se desse qualquer movimento em relação a cada um deles para então
aproveitá-lo para o encaminhamento ao livro.
Daí se infere que a formalidade da averbação também determina a abertura da
matrícula, não obstante as disposições permissivas de averbação em livros antigos constantes
de outros artigos de lei (art. 169, I, in fine; art. 292). Essas disposições dizem respeito a
loteamentos e incorporações formalizados antes de sua vigência e têm caráter transitório,
conforme se adverte no capítulo concernente aos direitos registráveis. Só a transitoriedade
leva a tolerá-las, pois envolvem uma contradição nos termos, já que um livro não pode, ao
mesmo tempo, estar encerrado e . . . aberto. Por contrariarem o fim manifesto da lei, as
averbações residuais interpretam-se estritamente. Se o que a lei quer é o enquadramento dos
imóveis no novo regime, impõe-se admitir toda oportunidade para a realização desse fim:
interpretatio ilia sumenda quae magis convenit subjectae materiae.
De acordo com essa inferência, ao verificar-se qualquer ocorrência relativa ao
imóvel, seja transmissiva, onerativa ou modificativa de direito, o título concernente a essa
acorrência determinará automaticamente a abertura da matrícula, sendo depois lançado ao pé
desta, no lugar que lhe compita. Essa lugar será indicado pelo que constar do registro
anterior, pois a manutenção da ordem cronológica dos assentos tem relevância jurídica no
registro geral.
Por analogia, deve se abrir também á matrícula, a requerimento do interessado, para
corrigir erro evidente do cartório, quando este, no livro antigo, tiver lançado em inscrição
única ( transcrição ) dois ou mais imóveis distintos, comumente lotes urbanos, por haverem
sido transmitidos em uma só escritura. Assim, para desdobramento da inscrição única (
transcrição ) do livro antigo em tantas inscrições no livro novo quantos forem os imóveis
transmitidos, cumprirá abrir nele as matrículas correlatas. Essas matrículas lhes restituirão a
individualidade absorvida indevidamente num complexo.
Apesar da amplitude dos casos de abertura de matrícula, menos nítida na lei do que no
anteprojeto por mim apresentado ao Ministério da Justiça em 1969 (art. 18, § 1.º ), numerosos
imóveis deixarão de ser matriculados por manterem a sua situação inalterada turante longo
tempo. A fim de atraí-los ao registro geral, convirá determinar em futura lei que, decorridos
vinte anos, prazo de prescrição e de perempção, serão os imóveis remanescentes
matriculados ex officio, passando aquele livro a ser o único repositório dos direitos reais.
A alteração do teor da descrição do imóvel, constante da matrícula, pode dar-se em
razão do desmembramento dele, da anexação de gleba de outro, ou, em se tratando de imóvel
urbano, de investidura e de recuo. Nesses casos dá-se efetivamente a alteração do teor da
matrícula, porque esta, embora continue sob o mesmo número, passa a ter conteúdo
diferente. No caso da união do imóvel a outro igualmente autônomo não de dá, a rigor,
mudança do teor da matrícula, porque esta desaparece sob o respectivo número para
reaparecer, com conteúdo diferente, sob número diverso.
O desmembramento diminui o imóvel e ocorre, em regra , quando o proprietário
vende uma gleba do imóvel matriculado, mas pode ocorrer também quando sofre o recuo do
seu imóvel urbano imposto pela Prefeitura. A anexação e a investidura, inversamente
aumentam o imóvel. Esses fatos, diminutivos e aumentativos, devem ser consignados por
averbação na matrícula do imóvel ( art. 167, II, n.º 5 in fine; art. 233, II). Com a sua
ocorrência, o imóvel assume diferente configuração, que, lançada na matrícula, passa a ser o
novo conteúdo desta.
Assim, a matrícula original, que descreve o imóvel com o seu perímetro e a sua área,
se modifica eventualmente com fatos que se lançam no preenchimento da respectiva folha e
essa modificação deve refletir-se no teor da matrícula quando esta for transportada para a
folha seguinte (art. 231, II). Daí a conveniência de adotar-se uma folha de matrícula, cujo
cabeçalho facilite o imediato conhecimento tanto da situação e do proprietário, como da área
e do perímetro inovados, propósito colimado pela lei no seu texto, mas não traduzido em
modelo. Procurando suprir essa falta, anexei aos comentários da lei um "modelo de livro da
lei atual", que parece não haver ainda despertado a atenção geral, talvez porque os cartórios
das grandes cidades vejam o assunto sob o ângulo estritamente local.
Na união de um imóvel a outro igualmente autônomo, abre-se uma nova matrícula
para o imóvel unificado. Ao passo que a regra é abrir-se a matrícula na transição do livro
antigo para o fólio real, neste caso a abertura ocorre no regime deste. Quando o proprietário
de imóveis contíguos, já matriculado, quer unificá-los, faz para isso um requerimento ao
Registro de Imóveis. A sua declaração de vontade no sentido da unificação é que prevalece.
Na realidade, há dois tipos distintos de união de imóveis, a união-fusão e a união-anexação,
mas a lei em vigor somente previu o primeiro, ao contrário do Código Civil alemão, que
previa ambos.
Ao usar da faculdade de reunir os seus imóveis contíguos, o proprietário faz um
requerimento ao cartório, em que descreve o perímetro do imóvel unificado, composto de
segmentos dos perímetros dos antigos, mas, se não for manifesta a coincidência, o cartório
exige a planta assinada por agrimensor. Assim se abre uma matrícula nova para o todo,
encerrando-se as matrículas primitivas dos componentes (art. 231). Análogo é o processo
quando os imóveis contíguos, ou apenas um ou mais deles, se acham ainda sujeitos ao regime
antigo, por constarem de transcrições até então jacentes no livro de transmissões, bastando
apenas que o proprietário queira unificá-los (art. 235).
Todavia, a faculdade concedida ao proprietário de imóveis contíguos de requerer a
fusão das respectivas matrículas em uma nova não é incondicional, visto como o cartório
pode recusar a união dos imóveis, desde que um deles, ou ambos, sejam objeto de:

a) ação reivindicatória, cuja citação inicial é preventivamente inscritível (art. 167, I,


n.º 21);
b) hipoteca, cuja excursão possa ficar tumultuada com a confusão do objeto, ou a
mudança unilateral da garantia (Cód. Civ., art. 761, IV).
Toda matrícula corresponde a uma transcrição, que é o seu fundamento, mas nem
toda transcrição corresponde a uma matrícula. A transcrição só corresponde a uma matrícula
quando tem por objeto a transferência da propriedade de um imóvel, e não quando tem por
objeto a transferência de parte de um imóvel. Ao passo que o imóvel tem configuração física,
a parte ideal não na tem, por existir apenas na representação mental. A parte ideal não
constitui imóvel e, portanto, não pode ter matrícula autônoma.
No entanto, a parte ideal pode ser alienada ou gravada (Cód. Civ., art. 623, III), de
sorte que, para ingresso no registro dos direitos reais inerentes à alienações e ao gravame, se
torna necessário abrir a matrícula da totalidade do imóvel em condomínio. No regime da
transcrição, o ingresso dos direitos reais, nesse caso, costumava ser simplificado, porque o
livro relacionava os títulos em que eram conduzidos esses direitos, mas no regime atual não
pode sê-lo, porque ele relaciona os imóveis sobre os quais descansam os direitos.
Assim, a matrícula que se abre é a do imóvel em condomínio, que se manterá viva até
que cesse o estado de comunhão. A matrícula deve espelhar o condomínio atual com os seus
presentes titulares, embora, para realizá-la, o cartório haja de remontar ao condomínio
original , com os seus primitivos titulares. Não seria razoável repetir no livro novo, tendente
à atualização, a história completa do condomínio, desdobrada no antigo livro de transmissões
(livro n.º 3). O que se lança no livro novo é o resultado final da busca, a filtragem ou apuração
dos dados colhidos no antigo, isto é, o condomínio atual, conquanto seja aconselhável que,
para justificar a matrícula, se guarde no arquivo, sob o mesmo número dela, a filiação de cada
uma das partes até o seu tronco.
Ante a apresentação de uma parte ideal para registro, inicia-se, pela busca, o
rastreamento das ocorrências havidas com cada uma das partes ideais, como vendas e
heranças, até remontar-se ao tronco ou origem do condomínio, de onde então se torna
possível recompô-lo com os consortes vigentes na atualidade, em cujo número nem sempre
se encontram alguns dos originários, mas apenas sucessores a título singular ou universal.
Essa recomposição, semelhante à feitura de uma colcha de retalhos, reúne as expressões
aritméticas das partes e os seus titulares atuais: é físico-jurídica.
A busca achará dispersas em sucessivas e, não raro, numerosos transcrições do antigo
livro de transmissões (livro n.º 3) as ocorrências havidas com as partes ideais. No seu curso,
deparar-se-ão muitas vendas de partes ideais como partes reais, isto é, como glebas certas e
determinadas, porque o antigo livro de transmissões permitia acolhê-las com apoio na
doutrina de serem vendas sujeitas à condição suspensiva de futura divisão. Não obstante, o
cartório deve abstrair dessa circunstância e incluí-las no rodo do condomínio, porquanto,
ainda que haja cessado de fato , a comunhão permanece de direito relativamente a essas
partes, só se extinguindo pela divisão amigável ou judicial. Ao contrário do antigo livro, o
livro atual só acolhe imóveis inteiriços.
É erro grave abrir matrícula de parte ideal de imóvel em condomínio, ainda que tenha
sido alienada como parte certa e determinada. De um lado, isso viola frontalmente o princípio
instituidor da matrícula, que é individualizar o imóvel para incidência dos direitos reais. De
outro lado, a parte certa e determinada atribuída ao adquirente na escritura pode deixar de ser
confirmada pela divisão, de sorte que, se o ofício público a aceitar como tal, estará
participando conscientemente de um negócio anulável, que comprometerá a fidedignidade
do livro do cartório.
Contudo, o cartório pode cometer o erro sem o saber, quando, por força de
desmembramento territorial, um ou mais títulos e documentos vêm de cartório de outra
comarca sem a menção do condomínio. Quando porém, vierem títulos e documentos em que
haja essa menção, abrir-se-á a matrícula com o imóvel em comunhão, encerrando-se a que
tiver sido indevidamente aberta para a parte ideal integrante dela, mais anteriormente
encoberta como tal na documentação. A reconstituição do condomínio, com o retrocesso à
sua origem, far-se-á com as partes que ocorrerem e, ficando incompleta, com certidão
atualizada do cartório da outra comarca, obtida mediante exigência. A qualquer tempo
enseja-se aos consortes a providência da divisão, amigável ou judicial, e, se restar um só, a da
declaração judicial da extinção do condomínio (Cód. de Proc. Civ., art. 4.º ).
Esse é o procedimento na transição do passado para o presente, pois, se já houver
matrícula do imóvel em condomínio e se apresentar uma escritura de venda de parte certa e
determinada, o procedimento será diferente. Então incumbirá ao cartório exigir a
re-ratificação da escritura para um deles dois fins alternativos:
a) anuência dos demais condôminos, a fim de que se caracteriza um desmembramento
amigável da parte vendida, equivalente a divisão, permanecendo o resto do imóvel em
comunhão; ou b) menção correta de venda de parte ideal, ainda que se refira no contexto a
circunstância de estar a posse do alienante em certo trecho do imóvel.
Ao invés de escritura de venda, às vezes se apresenta uma escritura de
reconhecimento de divisas, em que são partes os condôminos de um imóvel, em virtude da
qual um deles fica com parte certa e determinada, enquanto os demais figuram como
confinantes. Ora, a escritura de reconhecimento de divisas é demarcatória, de sorte que, à
semelhança da ação, só tem lugar entre proprietário confinantes. Como a inscrição deve
ater-se ao título, incumbirá ao cartório exigir a retificação da escritura para que decline a sua
verdadeira natureza, pois a ação que um condômino tem contra os outros é a divisória.
Havendo uma ou mais divisões amigáveis para destaque de partes certas e
determinadas de um imóvel em condomínio, far-se-á na matrícula deste a averbação das
divisas e, ao mesmo tempo, abrir-se-á matrícula autônoma para cada uma das partes
destacadas. Todavia, permanecerá a matrícula-matriz para cobrir o remanescente do imóvel,
sucessivamente reduzido em sua área, constando sempre da folha o perímetro inovado após
cada uma das reduções.
Assim como é erro grave abrir matrícula de parte ideal de imóvel em condomínio,
ainda que colorida como parte certa e determinada, também o é fazer a fusão das matrículas
de dois imóveis contíguos, divididos, e um terceiro, indiviso, isto é, em comum com outros,
embora já haja exemplo dessa promiscuidade no Brasil Central. Se o terceiro imóvel não
pode ter matrícula autônoma, é de primeira evidência que não pode participar de uma fusão
de matrículas. Aliás, a lei, ao facultar a união de imóveis contíguos, exige terminantemente
que o requerente seja proprietário deles (art. 234).
Em suma, a matrícula cobre duas espécies de imóveis: em propriedade individual e
em condomínio. A segunda reclama muito maior trabalho do que a primeira, mas, como o
estado de comunhão é, por lei, transitório, o cartório tem, na sua atividade espontânea, meios
de fazê-la cessar mais depressa, já pela divisão, já pela consolidação. De qualquer forma a
exigência de planta do imóvel se impõe às vezes para a clareza e regularidade da matrícula.
Tão demorado e exaustivo se mostra o trabalho de busca para a matrícula do imóvel
em condomínio, com manuseio alternado e repetido dos antigos livros de registro, que será
justo remunerá-lo com custas mais elevadas. As custas, nessa eventualidade, basear-se-iam
no número de condôminos, pois em relação a cada um deles se desenvolve a atividade de
rastreamento histórico da titularidade.
Ao ser lançada no livro, a matrícula do imóvel em condomínio segue a forma usual:
em primeiro lugar descreve-se o imóvel e em segundo lugar mencionam-se os proprietários.
Essa disposição dualista concretiza graficamente a noção abstrata de que o objeto é algo fora
do sujeito. Todavia, convém que a menção dos proprietários se faça com o aditivo "em
condomínio": proprietários em condomínio. É freqüente emitir o aditivo, por se entender que
a pluralidade de proprietários implica o condomínio, mas, de um lado, o termo isolado induz
a noção de propriedade individual e, de outro, a menção precisa se clara por si mesma, sem
depender do relacionamento como o objeto da descrição anterior. A técnica recomenda a
clareza de cada uma das declarações a física e a jurídica.
A matrícula recebe um número, correspondente à sua posição cronológica, com o
qual de distingue de qualquer outra, é deve ter um teor em forma narrativa, mas abreviada,
que satisfaça sua finalidade, que é individualizar o imóvel e o seu proprietário. Tendo por
estremas o objeto e o titular do direito real, abrange dados individualizadores de um e de
outro. Tanto o imóvel como o proprietário hão de ser descritos precisamente, sem que reste
dúvida sobre a sua identidade, declinando-se, por fim, o vínculo ou título que prende o
primeiro ao segundo, vale dizer, o número de registro anterior.
O imóvel deve ser descrito de modo de fixar exatamente o lugar que ocupa na
superfície da terra, a sua situação no país e na circunscrição territorial. A descrição há de
mencionar primeiramente o terreno, com os seus limites e confrontações, e secundariamente
as construções, se houver, porque estas são meras acessões. Tanto vale dizer que, em se
tratando de imóvel urbano, não está na ordem natural das cousas mencionar primeiro as casas
ou moradas e depois o terreno, com sua medidas e confrontações. Estas abrangem os limites e
os nomes dos confrontantes, porque sem estes se torna não raro impossível situar no espaço a
figura do imóvel.
As confrontações dos imóveis rurais são referidas aos pontos cardeais: confronta ao
norte com . . . , ao sul com . . . , a leste com . . . , a oeste com . . . , chegando a maior precisão,
nordeste, noroeste, sudeste, sudoeste, rumo a metragem, quando existe planta topográfica.
Correlatamente, as confrontações dos imóveis urbanos são referidos a frente, ao fundo, à
direita , à esquerda, tendo as duas últimas em vista a frente, isto é, a rua , praça ou logradouro
para onde os imóveis dão, com a metragem das respectivas linhas e o número da edificação;
se se tratar de terreno não construído, acrescerá a distância da esquina mais próxima. Quando
os imóveis são fechados por tapumes naturais, como cursos d'água, ou artificiais, como
cercas, muros ou valados, estes devem ser mencionados, pois definem materialmente um
corpo certo.
A descrição do imóvel deve ser lançada à vista dos elementos constantes do título
apresentado e do título anterior que constar do próprio cartório, ou for trazido de cartório
diverso mediante certidão atualizada, extensiva à existência ou inexistência de ônus (arts.
196 e 197). A comparação de dados do registro anterior com os do título atual apresentado ao
cartório pode revelar.

a) coincidência de descrição com o registro anterior;

b) incoincidência de descrição com o registro anterior.

Tanto numa como noutra hipótese costumam oferecer-se ao cartório problemas de


identificação do imóvel, embora razoavelmente só devessem aparecer deveras na segunda. É
que, na primeira, a coincidência se dá às vezes em torno de uma descrição tão incompleta
no título apresentado como no registro anterior, por não haver neste a mesma preocupação
identificadora surgida com o advento do fólio real. A omissão de elementos caracterizados
do imóvel será suprida:

a) por escritura de re-ratificação, que mencione precisamente a origem legítima


desses elementos, tantas vezes existentes em inventários, folhas de pagamento de divisão e
repartições públicas, como a Prefeitura Municipal;

b) por certidões dessas repartições públicas oferecidas ao cartório mediante


requerimento, caso não mais se torne possível por qualquer motivo, — por ex., a morte do
outorgante —, a lavratura de escritura de re-ratificação.
Na hipótese de incoincidência de descrição entre o título apresentado e o registro
anterior, importa verificar se a inovação daquela envolve ou não a possibilidade de atingir
direito de terceiro, notadamente a invasão de terreno deste. Nessa eventualidade incumbirá
ao cartório exigir-a comprovação de que os dados inovados provêm das fontes legítimas atrás
indicadas, ao invés de aceitar o suprimento gracioso deles, podendo ainda repontar a
conveniência de escritura de re-ratificação instruída com planta assinada pelos confrontantes.
Tratando-se de área ou de metragem de divisas, freqüentemente terá cabimento a dúvida para
que o interessado recorra ao processo bilateral de retificação previsto na lei (art. 213). Se, ao
invés da extensão de rumos divisórios, se puser em causa a direção deles, então haverá mister
trocar essa via pela ação demarcatória (Cód. Civ., arts. 569 e 570).
A propósito, convém esclarecer que não existe contradição, a não ser aparente, entre o
§ 2.º do art. 225 e o art. 228 da lei registral. O primeiro considera irregulares, para efeito da
matrícula, os títulos nos quais a caracterização do imóvel "não coincida" com a que consta do
registro anterior; o segundo determina que a matrícula seja efetuada mediante os elementos
de título apresentado e do registro anterior nele mencionado.
Ao aludir a incoincidência, o § 2.º do art. 225 quis significar divergência ou
discordância substancial entre a caracterização do imóvel no título apresentado e no registro
anterior. Cedo percebeu a jurisprudência paulista que precisa haver incompatibilidade entre
um e outro para configurar-se a irregularidade, porquanto, no caso, não coincidir
corresponde a divergir.
Assim, não há divergência, discordância ou incompatibilidade quando o título
apresentado apenas complementa o registro anterior, somando os seus dados aos deste para
uma perfeita integração. Ou, inversamente, quando o título apresentado ministra uma
descrição abreviada do imóvel, ao passo que o registro anterior a complementa, sem que um
contradiga o outro.
A menção do nome do proprietário é seguida da nacionalidade, estado civil,
profissão, domicílio, n.º de inscrição no cadastro de pessoas físicas do Ministério da Fazenda
(CPF) e, na falta deste, da filiação; tratando-se de pessoa jurídica, da sede social e do n.º de
inscrição no cadastro geral de contribuintes daquele Ministério (CGC). Esses dados
complementares de identificação permitem determinar o sujeito de direito em meio à
pluralidade de homônimos e, ao mesmo tempo, medir-lhe a capacidade. Todavia, o n.º de
inscrição no cadastro de pessoas físicas (CPF) de dispensa, quando ao tempo da transcrição
não era exigível ( tempus regit actum) ou o adquirente era estrangeiro residente fora do país,
onde fez a aquisição do imóvel. Na incoincidência de nome ou de qualificação com o registro
anterior, a dúvida se dissipa facilmente com a cédula de identidade ou a certidão retificativa
de cartório de notas ou de outra repartição pública.
A lei deixa ao prudente critério do registrador o suprimento de omissões para que a
matrícula fique exata, mas a liberdade que lhe concede depara natural limite na
responsabilidade que lhe impõe. Se a verdade caracterização do imóvel, ou individualização
do proprietário, não constar de escritura de re-ratificação, deve apoiar-se em planta assinada
pelos confrontantes ou certidão oficial, inclusive de vistoria judicial, instrutiva do
requerimento dirigido ao registrador e subscrito pelos interessados, com firmas
reconhecidas, do qual se fará menção na matrícula, arquivando-se em seguida no cartório.
Assim, terceiros tomam conhecimento das circunstâncias em que se define a descrição do
imóvel e o registrador se exime da responsabilidade pelo lançamento da matrícula.
Quando se abre a matrícula, o imóvel pode achar-se gravado de ônus, constante de
livro do próprio cartório ou de cartório diverso, de onde venha por certidão. O art. 230 da lei
estatui que nesse caso, o oficial fará a matrícula e, logo em seguida no registro, averbará a
existência do ônus. Esse preceito tem sido aplicado corretamente em muitos cartórios como
significativo de que, após a matrícula, devem ser averbados os ônus anteriores, a fim de
seguir-se nos assentos, a ordem cronológica recomendada pela lei, mas, em alguns cartório
do interior, tem-se entendido que, após a matrícula, deve vir o "registro" do ato que o
provocou e só depois a averbação dos ônus que o antecederam.
Essa posposição dos ônus anteriores redunda num absurdo lógico e jurídico: lógico,
por quebrar a ordem natural dos assentos; jurídico, por violar a prioridade e eventualmente
inverter o grau verdadeiro dos ônus. Se o registro solicitado for de uma venda, o comprador
adquire, em face do livro, um imóvel livre de ônus, quando, na realidade, est preexiste; se for
de uma hipoteca, esta toma, pela sua posição no livro, o primeiro grau, quando o ônus
preexistente pode consistir justamente numa hipoteca desse grau.
Devido a essa interpretação literal, mas destoante dos princípios, têm sido efetuadas
matrículas e que, após o seu enunciado, aparece em primeiro lugar uma hipoteca estipulada
como de 3.º grau e, logo em seguida, as hipotecas estipuladas como de 1.º e 2.º graus, todas
resultantes de cédulas hipotecárias. Essa discrepância entre o estipulado entre as partes e o
registrado no livro decorre do obsessivo uso do vocábulo "registro", que precisa ser
corrigido na próxima revisão da lei, a fim de que não suscite outras dúvidas, perplexidades e
demandas.
Quanto aos ônus supervenientes à matrícula do imóvel, devem ser inscritos abaixo
dela em rigorosa ordem cronológica. Como a matrícula individualiza certo imóvel, só os
ônus incidentes sobre este devem ser inscritos nela, excluídos os concernentes a qualquer
outro com o qual haja relacionamento instrumental.
Assim, se numa escritura de empréstimo, são dados em garantia hipotecária vários
imóveis situados, ou não, na mesma circunscrição, a matrícula de cada um deles receberá a
inscrição da hipoteca. Todavia, não se menciona em cada matrícula a existência da hipoteca
sobre os demais imóveis, embora garantam a mesma dívida.
Ao pé da matrícula, lança-se por averbação, o seu natural acompanhamento, a saber,
os ônus vindos dos livros antigos, de hipoteca ou outros, na mesma ordem em que ali se
achavam (livros n.º 2 e 4). Esses ônus se justapõem por averbação, apesar de haverem sido
constituídos originalmente por inscrição, porque o assento de atualização é remissivo. Após
o apêndice dos ônus transportados do passado, que fecha a restauração do quadro pretérito,
convém traçar uma linha horizontal para separar o corpo inicial da matrícula dos assentos
subseqüentes.
Nem os assentos transportados, nem os subseqüentes, lançados ao pé da matrícula,
precisam, porém, ser certificados. Basta dizer "por escritura de . . . " o imóvel foi vendido ou
foi vendido um terreno desmembrado do imóvel, objeto da matrícula, sem fazer preceder
essa declaração de um "certifico que".
Os assentos subseqüentes, numerados consecutivamente, escrituráveis ao pé do corpo
inicial da matrícula, são inscrições (registros) e averbações. Noutra passagem, adverti que a
averbação fora da margem dos assentos a que se refere dificulta a consulta. Conquanto
permaneça válida a advertência acerca da mudança da posição da averbação, que passou a
alinhar-se na fila cronológica dos assentos ao pé da matrícula, a verdade é que o
distanciamento dos assentos a que diz respeito se acha, de certa maneira, compensado por
uma vantagem. Essa vantagem vem a ser a impossibilidade do lançamento antedatado, pois a
ordem cronológica o impede ou dificulta.
Assim, a bem da estabilidade da prática atual, estou convencido do que convém
mantê-la no lugar que lhe foi assinado, ao invés de fazê-la retornar à antiga posição. Essa
convicção se prende ao mesmo pensamento que me levou a preconizar a adoção do livro de
folha fixa para a inscrição dos direitos reais, ao invés da ficha. Num e noutro caso, o que se
visa é evitar brechas por onde penetre a fraude em detrimento do público. Oxalá consiga essa
ponderação sensibilizar os responsáveis pela sobrevivência de uma instituição que tem na
credibilidade uma condição essencial de vida.
Como se viu, o núcleo de matrícula já ministra a descrição do imóvel, vale dizer, "a
identificação do imóvel feita mediante indicação de sua características e confrontações,
localização, área e denominação, se rural, ou logradouro e número, se urbano, e sua
designação cadastral, se houver"( art. 176, I, n.º 3). Desse conjunto de dados, porém, hão de
destacar-se alguns, breves e expressivos, permanentes ou semipermanentes, para comporem
um cabeçalho, que dê a conhecer o imóvel, como a ementa dá a conhecer a lei.
Esse cabeçalho sumariará a situação do imóvel, com a circunscrição territorial, a
localização, a denominação, se rural, ou o logradouro e número, se urbano, a posição
geográfica ou designação cadastral, se houver; a área; as inscrições administrativas, no
INCRA ou na Prefeitura. De relance, visualiza-se o status atualizado do imóvel, sem precisar
descer ao corpo da folha para descobrir o proprietário contemporâneo ou a área atual, quando
tiver sido transmitido ou modificado por desmembramento e anexações. A sua atualização é
que passará à frente quando se fizer o transporte de matrícula de uma folha preenchida para
uma folha em branco (art. 231, II).
Ao lado esquerdo da folha, mediante o traçado de uma linha perpendicular, convirá
deixar uma coluna relativamente estreita, em que se ponham em relevo o número e a
epígrafe, superpostos, de cada assento, a fim de facilitar a busca num contexto compacto de
inscrições e averbações, sobretudo do assento derivado ou cancelado. No tocante a este, basta
sublinhar-lhe a epígrafe a vermelho para pô-lo em foco, pois freqüentemente o cancelamento
se encontra lançado muito adiante, em folha diversa e até em livro subseqüente. No interior,
já existem variantes da disposição da folha em cabeçalho e coluna, ou somente o primeiro,
inspiradas no modelo oferecido em apêndice.
Ao tratar dos livros do registro, sugeri que, em cada cartório, para evitar manuseio
constante do principal, de folhas fixas, e o seu natural desgaste, se criasse uma duplicata em
fichas, destinadas a servir comumente à consulta em lugar do original. Esse espelho ou cópia,
com o nome de "tábua", constitui um útil sucedâneo no registro alemão, merecedor de ser
adotado entre nós para substituir o livro de extratos, suprimido pela nossa lei.
Na verdade, a ficha real, imagem fiel matrícula, serve, não só à consulta interna, como
à reprodução para as partes mediante fotocópia autenticada pelo cartório. Assim, ao invés da
certidão ser destacada do livro-talão e entregue à parte, como antigamente, pode agora
ser-lhe fornecida na modalidade de fotocópia, pois fazem a mesma prova que os originais "as
reproduções dos documentos públicos, desde que autenticadas por oficial público ou
conferidas em cartório com os respectivos originais"(Cód. de Proc. Civ., art. 365, III). devido
à rapidez com que é tirada a autenticada a fotocópia da ficha real, generalizou-se
compreensivelmente o seu fornecimento como certidão da matrícula.
Sem embargo da facilidade oferecida pelos modernos processos de reprodução,
convém que, dentre estes, o cartório prefira um que assegure cópias indeléveis, pois, como se
adverte em nota de capítulo anterior, alguns há que as fornecem com tendência ao
apagamento no fim de poucos anos. Ora, ao interessado vale mais obter desde logo uma
certidão que dure tanto quanto a manuscrita ou datilográfica do que outra que o obrigue a
voltar a requerer mais tarde o mesmo documento por ter se desvanecido o primeiro.
Essa certidão, como qualquer outra, é fornecida mediante o pagamento prévio das
custas, de acordo com a regra aplicável à generalidade dos atos cartoriais praticados a
instância do interessado (Lei n.º 6.015, de 1973, art. 14). Nas grandes cidades os cartórios
costumam imprimir o montante das custas, com máquina autenticadora, tanto no recibo
entregue ao requerente, como na própria certidão, ou título, se for caso deste. Doravante
também essa prática se generalizará, senão com máquina autenticadora, pelo menos com
carimbo ou cota manuscrita, porque foi acrescentado àquele artigo o parágrafo único, em
virtude de que "o valor correspondente às custas de escrituras, certidões, buscas, averbações,
registros de qualquer natureza, emolumentos e despesas legais constará, obrigatoriamente,
do próprio documento, independentemente da expedição do recibo, quando solicitado" (Lei
n.º 6.724, de 29. 11. 1979).
Além de eventualmente delével, a certidão da matrícula tirada em fotocópia presta-se
a ser falsificada mediante o artifício da reprodução, pelo aludido processo, do cabeçalho
próprio do cartório, no alto da folha, e da assinatura autenticadora, embaixo, para o fim do
preenchimento do miolo com ato do teor que se quiser. A fim de contornar essa montagem
falsificadora, torna-se aconselhável adotar para as certidões uma folha em que o cabeçalho
do cartório seja gravado em relevo do próprio papel, pois esse relevo em branco não aparece
na cópia xerográfica. A máquina de gravação em relevo não custa caro, pelo que pode se
adquirido por cartório de interior.
Na mesma ordem de idéias, aduz-se que, enquanto perdurar a permissão de lançar o
original da matrícula em ficha, o grave inconveniente ligado a essa permissão poderá ser
atenuado pelo recurso à plastificação e arquivamento acorrentado das fichas, em cujo lugar
se manuseiam então as suas cópias xerográficas, também envolvidas em papel plástico para
melhor conservação. A máquina de plastificação e os plásticos exigidos por esse
acautelamento custam, porém, mais caro, pelo que somente serão acessíveis aos cartórios de
intenso movimento das grandes cidades, e não a cartórios do interior.
No correr dos comentários anteriores, por mais de uma vez lembrei a exigência de
planta pelo cartório sempre que houvesse dúvida sobre o perímetro do imóvel submetido a
matrícula. A prática da lei, chegada ao meu conhecimento, tanto quanto a publicada nos
repositórios de dúvidas, confirma o acerto dessa advertência, pois muitos cartórios se
extraviam no deslinde de condomínios e de outros casos devido à falta de planta. Oxalá
venha esta a ser reclamada para desatar os nós, até que o país todo siga, neste particular, o
bom exemplo de Petrópolis.
Assim ficam agrupados em torno da matrícula considerações que, em grande parte, já
se acham esparsas nos comentários atrás aduzidos, onde foram desdobradas à luz dos
princípios registrais. Ao concentrá-las agora no ponto de maior interesse para o tráfico
imobiliário, desejo facilitar o seu conhecimento pelo interessado, pondo-as ao seu alcance
num único lugar, a fim de que não precisem perder tempo em procurá-las ao longo da
seqüência dos capítulos.
CAPÍTULO 19

MATRÍCULA E DIVISÃO INTERNA DO IMÓVEL

1. Indivisibilidade da hipoteca e especialidade do imóvel.

2. Desmembramento do imóvel por hipoteca.

3. União de imóveis gravados de hipoteca.

4. Excesso de execução sobre imóvel.

5. Matrícula com divisão interna do imóvel.

6. Permissão regulamentar dessa divisão. Planta do imóvel.

A indivisibilidade da hipoteca significa que a relação jurídica afeta 328 de modo


unitário todas as partes do imóvel. Embora a indivisibilidade da hipoteca exista desde o
momento de formar-se a relação, quando se acham íntegros ambos os termos desta, divida e
imóvel, põe-se em maior relevo quando há divisão do imóvel ou da divida: cada parte do
imóvel garante a totalidade da dívida e cada parte da dívida é garantida pela totalidade do
imóvel. Enquanto restar uma porção da dívida não paga, o imóvel permanecerá gravado em
sua totalidade: o pagamento de uma ou mais prestações da dívida não importa exoneração
correspondente da garantia, ainda que esta compreenda vários bens, salvo disposição
expressa, no título ou na quitação (Cód. Civ., art. 758).
Quando se alude a imóvel, pressupõe-se a delimitação de um espaço na superfície
terrestre, a configuração de um terreno como corpo distinto, vale dizer, a sua descrição e
separação, de maneira a ganhar individualidade em meio ao universo fundiário que o rodeia.
A expressão jurídica dessa individualidade, em virtude da qual o imóvel não se confunde
com nenhum outro semelhante, é a inscrição no registro imobiliário. Ainda que num só
instrumento se transmitam vários imóveis, cada um deles deve ter uma inscrição própria no
registro para manter a sua individualidade.
A inscrição no registro traduz, portanto, a individualidade, constitui a sua prova ou
sinal jurídico. Quando feita no novo livro, mediante a especialização do imóvel com todos os
requisitos de identificação, toma o nome de matrícula. Cada matrícula representa um imóvel
cabalmente definido, uma coisa corpórea suscetível de torna-se objeto de direito, vale dizer,
apta a servir de elemento de uma relação jurídica, como a de hipoteca.
Ao prever-se em lei esse tipo de relação, a indivisibilidade da hipoteca teve de ser
harmonizada com a especialidade do imóvel mediante uma acomodação. Como, de um lado,
a hipoteca requer um imóvel especializado e, de outro, pode recair em parte ideal, tornou-se

328 RUI BARBOSA argúi de francesice o uso do verbo "afetar" no sentido do texto (Réplica, Rio de Janeiro,
ed. da Imp. Nac., 1904, p. 480), mas o Prof. CARNEIRO RIBEIRO o contesta convincentemente ( A Redação
do Proj. do código Civil, Bahia, ed. da Liv. Catilina, 1923, p. 915). A evolução da língua está com o segundo.
mister, neste caso, aceitar como especialização a do imóvel comum, qualificada pela
referência à alíquota nele atribuível ao devedor. Todavia, como a especialização se si diz
respeito não ao que é hipotecado, mas ao todo onde se encerra, daí decorre que, por força da
indivisibilidade da hipoteca, esta se estenderia à totalidade do imóvel como se acha inscrito
(Cód. Civ., art. 758), se não interviesse, para atalhar essa conseqüência, a exceção aberta em
favor da parte do condômino, em virtude da qual fica restrita expressamente a essa parte a
indivisibilidade da garantia (Cód. Civ., art. 757, 2.ª parte).
Como se vê, a incidência indireta da hipoteca, mediante a interposição do imóvel
maior especializado, concilia a sua indivisibilidade com o princípio de especialidade, mas
prevalece apenas durante a indivisão, fase legalmente transitória, cujo termo se acha na
extinção da co-propriedade. A transitoriedade de sua aplicação empresta validade ao
expediente, que de nenhum modo atingir o princípio em si, que volta à tona ao concretizar-se
oportunamente o quinhão atribuível ao consorte, tornado então proprietário exclusivo. Em
suma, a regra é incidir a hipoteca diretamente sobre o próprio imóvel que lhe serve de
garantia, como se acha inscrito, e estender-se a todas as suas partes.
Afora o caso da hipoteca de parte ideal de condômino, qualquer hipoteca que se
quisesse constituir, sobre parte do imóvel matriculado, estender-se-ia inelutavelmente à
totalidade deste, por ser a matrícula expressão de sua individualidade, na qual se fundem
todas as partes integrantes para formar um corpo único. Ainda que obrigacionalmente se
estipule a incidência da hipoteca sobre parte determinada do imóvel, essa incidência se
efetivará realmente sobre o imóvel inteiro pela impossibilidade de separar-se no registro uma
de suas partes integrantes.
A fim de possibilitar a hipoteca parcial de imóvel divisível, há que primeiramente
promover o desmembramento deste e consigná-lo no registro, de modo que neste apareça a
parte individualizada apta a receber a hipoteca. Para que essa parte, oriunda de
desmembramento torne objeto de hipoteca, em título a ser registrado, precisa ter matrícula
própria como imóvel (Lei n.º 6.015, de 1973, art. 227, comb. com parág. único do art. 235).
Análogo é o procedimento no registro alemão, onde, para gravar hipotecariamente parte de
um imóvel, há de o proprietário desmembrá-la da inscrição principal "e registrá-la em uma
folha independente" ( A. Nussbaum, Derecho Hipotecário alemán, Madrid, ed. da Rev. do
Der. Priv., 1929, Int., n.º 3, La hoja del Registro, I, in fine, p. 12).
O desmembramento requer, porém, certo dispêndio e algum tempo, consumido pela
medição e demarcação do imóvel e sua representação em planta, bem como pelo
requerimento dirigido ao Registro de Imóveis com a descrição tanto do imóvel remanescente
na inscrição principal como do levado à inscrição secundária. Devido a isso, a fim de não
atrasar um negócio já entabulado e em curso, o proprietário costuma abrir mão dele,
preferindo, induzido pela premência, acordar a hipoteca do imóvel inteiro em garantia de
empréstimo que está contraindo, às vezes de valor muitíssimo menor do que o do imóvel.
Isso é o que acontece atualmente na rotina dos negócios com o Banco do Brasil, que é o
maior financiador da agricultura e da pecuária. Sabe-se que esse Banco, para conceder
financiamento por prazo de cinco ou mais anos, ainda que destinado à compra de
equipamentos agrícolas, não se contenta com o penhor destes, mas exige do produtor a
hipoteca do imóvel. Daí deflui que, para garantir um débito relativamente pequeno, fica
amiúde hipotecado um grande imóvel de alto valor.
Se o produtor desejar novo financiamento, provavelmente o obterá do mesmo banco
mediante hipoteca de 2.º grau, mas não o conseguirá de outro, porque todo banco exige
invariavelmente hipoteca de 1.º grau, devido não só às vantagens ligadas à prioridade como
ao formalismo imposto à troca de grau, sem o qual esta ocorreria normalmente em vários
casos remover dificuldades. Esse formalismo afasta os interessados, embora já pudesse ter
sido eliminado como propus no anteprojeto de lei registral apresentado ao Ministério da
Justiça em 1969 (apêndice, art. 7.º ).
Por outro lado, se o produtor tomar a cautela de promover antecipadamente o
desmembramento da gleba a ser hipotecada, a fim de não se encontrar na necessidade de
oferecer em garantia o imóvel inteiro, então terá de sujeitar-se à contingência de ver
destacar-se desse imóvel aquela gleba para formar um imóvel autônomo exclusivamente para
fim de hipoteca. No entanto, esse destaque por hipoteca dura apenas alguns anos, tantos
quantos se encerrem no prazo estipulado para solução da dívida, em cujo termo, uma vez
liquidada esta, há de ser percorrido o caminho inverso para reincorporar ao imóvel principal
o imóvel menor que dele se desmembrara exclusivamente para ser hipotecado.
Esse procedimento ambulatório dificulta a constituição da hipoteca, multiplica
matrícula efêmeras e onera o proprietário. Se o desmembramento e a abertura de nova
matrícula se impõem no caso de venda da gleba, quando se cria um novo imóvel definitivo,
não acontece entretanto no caso de hipoteca, quando se cria um novo imóvel provisório,
destinado a durar ordinariamente apenas pelo prazo de amortização da divida. Neste segundo
caso, o desmembramento ambulante revela-se artificial e desnecessário.
Nem de leve atenua a condenação desse desmembramento ambulante a circunstância
de aliviar a folha da matrícula-matriz de numerosos assentos, quando a vida da hipoteca se
acha carregada de episódios, alongadores de sua história. De mais a mais, esses episódios
raramente ocorrem no curso da hipoteca, de sorte que, por sua excepcionalidade, não devem
ser levadas em conta.
A indivisibilidade da hipoteca repercute também na união de imóveis, a qual, para
efetivar-se, depende de expressa declaração de vontade do proprietário, manifestada em
requerimento dirigido ao Registro de Imóveis, pois pode preferir deixá-los autônomos se isso
lhe parecer mais conveniente (Lei n.º 6.015, de 1973, art. 234). A união de imóveis
pertencentes ao mesmo proprietário exige legalmente a condição de serem contíguos, mas o
procedimento é o mesmo, quer os imóveis já estejam todos matriculados, quer um ou mais
dentre eles se achem ainda sujeitos ao regime antigo, por constarem de transcrições até então
inertes no livro de transmissões (Lei cit., art. 235).
A condição legal de contigüidade, como a sua congênere de confirmação, requisito
da ação demarcatória, significa que os imóveis devem estar justapostos, sem solução de
continuidade. Se entre eles se interpõe uma via pública, fluvial ou terrestre, deixa de haver
contigüidade. Ao passo que são contíguos os imóveis rurais situados do mesmo lado de um
rio e os imóveis urbanos localizados em uma única quadra, não o são, relativamente a estes,
aqueles que se acham fronteiros, de outro lado do rio ou da rua. No anteprojeto de lei agrária
do governo Dutra alinhei, entre os casos de utilidade pública para desapropriação, o das
glebas cortadas pela passagem de ferrovias ou rodovias, visando ao seu reordenamento de
cada lado, caso não fossem antes incorporadas por compra aos imóveis contíguos.
Satisfeita a condição de contigüidade, a união de imóveis se perfaz, a requerimento do
proprietário, abrindo-se uma matrícula para o imóvel unificado, ao mesmo tempo em que se
fecham as matrículas dos imóveis componentes. Com essa fusão de matrículas, a matrícula
nova daí resultante constitui uma individualidade maior, que absorve por completo as
individualidades primitivas que as matrículas anteriores configuram. Essa absorção deixa em
cena apenas o imóvel maior, como se acha configurado na matrícula, sobre o qual, portanto,
se estende o ônus, por ser o único a ter existência registral.
Daí por diante todos os direitos e suas modificações recairão sobre esse imóvel,
definido com a descrição do seu perímetro. Esse perímetro, que é o único lançado na
matrícula, passa a ser o continente dos antigos imóveis menores. Se entre estes se incluir um
que esteja hipotecado, sua individualidade será absorvida pela nova matrícula, expressão da
individualidade do imóvel maior abrangente do hipotecado. Evidentemente, não se trata de
acessão de um imóvel a outro, pelo que não é invocável o princípio acessionista (Cód. Civ.,
art. 811). Todavia, desaparecendo a individualidade do imóvel hipotecado, sem desaparecer
a hipoteca, esta gravará a individualidade do imóvel maior, o que não convém ao
proprietário. . .
Enquanto a hipoteca estiver dormente, nada acontecerá, mas, se entrar em atividade, a
confusão dos imóveis gerará o desentendimento entre o devedor e o credor, assim como entre
os credores entre si, se os imóveis estiverem sujeitos a hipoteca diferentes. Havendo
execução da hipoteca, o primeiro transtorno surgirá logo na incerteza sobre se a penhora deve
recair sobre o imóvel descrito no título, ou na matrícula.
Se a penhora recair no imóvel descrito no título, o credor não logrará a inscrição dela
(Lei n.º 6.015, arts. 167, I, n.º 5, e 240), visto estar encerrado o lugar próprio para isso, livro
de transmissões ou matrícula. Se recair no imóvel descrito na matrícula, o devedor
impugnará a inscrição, por envolver mais do que foi hipotecado. Ambos os interessados, nas
respectivas oportunidades suscitarão dúvida, uma para obter, o outro para impedir a inscrição
da penhora.
Armada a controvérsia no processo administrativo da dúvida, daí derivará
evidentemente para o processo judicial da execução hipotecária, onde se refletirá certamente
em embargos à execução (Cód. de Proc. Civ., art. 745, comb. com arts. 741, V. e 743, II).
Eles são as razões que criam virtualmente um impedimento à união de imóveis, quando um
deles se acha hipotecado. Se o Registro de Imóveis, pela observância do princípio de
legalidade no exame de títulos, busca a todo transe evitar questões futuras, constituiria, pelos
menos, uma grave incoerência acolher no seu recinto uma sementeira delas, admitindo
inadvertidamente a união de imóveis na eventualidade de um deles se achar hipotecado.
Ao passar da execução hipotecária para a execução comum, verifica-se que esta,
qualquer que seja, pode ensejar o excesso de penhora imobiliária, contra o qual o devedor
tem a faculdade de reclamar, requerendo que a penhora de reduza à parte do imóvel que for
suficiente para o pagamento do credor. Aí reponta de novo o problema do desmembramento
do imóvel para o fim de estabelecer proporção entre a divida e a garantia, já agora na fase de
execução judicial desta, destinada a ter remate na alienação do respectivo objeto.
De certa maneira, esse problema nada mais representa do que a evolução
generalizada daquele que se cria quando, como atrás se expendeu, se convém na hipoteca de
um imóvel grande para garantir um débito pequeno. De acordo com a nossa lei processual,
havendo essa desproporção entre a penhora e o débito, o Juiz, a requerimento do devedor,
ordenará que a alienação judicial recaia, não sobre a totalidade do imóvel, mas sobre a parte
dele que for suficiente para pagar ao credor (Cód. de Proc. Civ., artigo 702).
No intuito de facilitar o cumprimento dessa disposição, o Código de Processo Civil,
em disposição anterior, determina ao perito da avaliação que, ao verificar ser o imóvel
suscetível de divisão cômoda, avalie separadamente as partes dele correspondentes aos
possíveis desmembramentos, a fim de que a execução incida apenas numa parte que baste ao
pagamento do crédito reclamada (Cód. de Proc. Civ., art. 681). Essas disposições
intercomunicantes têm sido aplicadas pelos tribunais para amoldar execuções disformes, em
uma das quais o crédito executado não chegava a sessenta mil cruzeiros, enquanto o imóvel
avaliado subia a perto de quinze milhões de cruzeiros. 329
Talvez se possa duvidar de que o perito avaliador se prontifique a cumprir, no laudo
de avaliação, as normas que lhe foram ditadas, aí desdobrando o imóvel em duas ou mais
partes com os respectivos valores, para o fim de correlacionar a divida com a alienação. No
caso atrás citado, ele não o fez, havendo a omissão provocado o mandado de segurança, cuja
decisão determinou o suprimento da falta. Quando as cumprir, talvez não consiga realizar um
desmembramento que atenda ao princípio de especialidade e ao módulo rural, satisfazendo
assim ao Registro de Imóveis. Todavia, as disposições processuais e os fatos ocorrentes em
torno delas bastam para mostrar quanto é importante a existência de uma divisão interna nos
imóveis de grande tamanho.
Nessa conformidade, justifica-se a busca de uma solução que acuda às situações
figuradas sem os inconvenientes atrás assinaladas no tocante a cada uma delas. Ao admitir a
hipoteca de parte de condômino de imóvel divisível, em virtude da qual fica restrita
expressamente a essa parte a indivisibilidade de garantia (Cód. Civ., art. 757, 2.ª parte), o
Código Civil abre a porta de acesso a essa solução. Se admite a hipoteca de parte indivisa,
com mais forte razão há de admitir a de parte divisa de imóvel maior. Ao passo que no
primeiro caso existe uma comunhão pro diviso, sem que saiba como se concretizará da
divisão, no segundo existe uma gleba já geodesicamente delimitada como corpo distinto, que
de antemão se sabe capaz de suportar o gravame.
Quanto à lei registral em vigor, se, por um lado, no caput do art. 227 parece exigir a
matrícula de todo imóvel que seja objeto de título a ser registrado, por outro lado, no parág.
único do art. 235 dá a entender que o imóvel oriundo de desmembramento de maior porção
só fica sujeito a nova matrícula quando ocorrer a transferência. Se se enxergar no primeiro
texto a regra e no segundo a exceção, deduzir-se-á que todo imóvel objeto de título a ser
registrado há de ter matrícula própria, exceto aquele que, oriundo de desmembramento, não
se destina a alienação. Assim feita a combinação dos dois preceitos, permite vislumbrar um
tratamento diferente da parte especializada para incidência da hipoteca, que pode
perfeitamente permanecer inserida no todo da matrícula principal até que haja alienações.
A essa possibilidade legal alia-se a possibilidade instrumental. Ao passo que o fólio
alemão, cujos assentos são colunares requer que a hipoteca seja registrada em folha
independente, o fólio brasileiro, cujos assentos são corridos, admite que ela seja registrada na
mesma folha da matrícula principal do imóvel. Ao contrário do que acontece no primeiro, no
segundo é possível pensar na inscrição da hipoteca de parte do imóvel na mesma folha da
matrícula da totalidade do imóvel.
Por conseguinte, a solução buscada para atender às situações anteriormente expostos
está em permitir que, a requerimento escrito do proprietário, se abra a matrícula de imóvel de
grande tamanho com o aditamento de uma divisão interna de sua área. Se, no comum, essa
divisão será predisposta para qualquer fim, em se tratando de união de imóveis, será posposta
para manter internamente distintos os imóveis unificados. Assim, após a descrição do imóvel
maior, virá a descrição de duas ou mais glebas superiores ao módulo rural fixado para a
região, delimitadas adequadamente em planta arquivada em cartório e designadas por letra
ou número, cada uma das quais suportará a hipoteca no futuro, se já não a carregar no
presente.

329 Ac. da 3.ª C. do 2.º T. de Alçada Civil de SP, de 29. 3. 1979 na Rev. de Direito Imobiliário n. º 5, p. 107.
Nada impede que, ao invés de surgir pela primeira vez no requerimento ao Registro, a
divisão interna do imóvel já venha preparada no título, notadamente na escritura pública de
hipoteca, extraída de livro que, como o de registro geral, enseja a menção simultânea das
descrições do imóvel e da gleba de par com a estipulação da hipoteca desta em garantia da
divida contraída. Contudo, essa simultaneidade não se verificará senão raramente, porquanto
a hipoteca, em geral, se constitui mediante cédula rural pignoratícia a hipotecária, cujo
espaço comporta apenas a especialização da gleba hipotecada (denominação, área e
confrontações).
Dessa maneira, manter-se-á a unidade externa do imóvel de grande tamanho,
expressa na respectiva matrícula, mas se admitirá uma divisão interna, sem que a segunda
prejudique a primeira, como se se tratasse de uma composição federativa. A composição
federativa, em glebas especializadas, não violará a união externa, que perdurará pelo tempo
afora, a julgar pelo que comumente acontece.
Assim como o imóvel individualizado na matrícula goza dos atributos de
divisibilidade material e de divisibilidade jurídica, cada uma das glebas em que se
decompuser funcionalmente terá, por pressuposto, área superior ao módulo rural. Tanto vale
dizer que qualquer delas poderá erigir-se em imóvel autônomo, com matrícula própria, na
remota eventualidade de ser executada a hipoteca, gravame que, o mais das vezes, permanece
na sombra, completamente inerte anos a fio, enquanto dura o processo de amortização da
dívida, e acaba sendo cancelado em virtude de quitação do credor.
Essa rotina da vida da hipoteca evidencia que, por causa dela, não se deve mudar a
configuração do imóvel, destacando a gleba hipotecada da folha da matrícula para outra
independente. A matrícula continuará intocada, com a sua descrição inicial, visto como dela
não separa a gleba hipotecada, aí subsistindo sem o menor prejuízo para qualquer das partes,
nem para o proprietário-devedor, nem para o banco-credor. Ao invés do inconveniente
vaivém decorrente de desmembramento forçado, haverá ordinariamente estabilidade, tanto
mais condizente com a relação jurídica quanto a propriedade, com a sua capacidade de
expansão, a chamada elasticidade, acaba, quase sempre, ocupando de novo o espaço do
direito real.
Quando, por exceção, isso não se der, devido à superveniência da execução, a
penhora recairá sobre gleba já especializada, que, uma vez arrematada ou adjudicada, se
desprenderá da matrícula original para assumir matrícula própria. Nessa contingência
alienação da gleba por arrematação ou adjudicação refletir-se-á no livro de registro em dupla
descrição, a do imóvel remanescente depois do destaque, na matrícula-matriz, e a do imóvel
novo dele destacado, em matrícula a abrir-se adiante, na primeira folha era branco.
Assim, na união de imóvel, bastará ao proprietário requerer que ,após a descrição do
perímetro do imóvel unificado na matrícula, seja esta aditada com a descrição de cada um dos
imóveis componentes, um dos quais poderá, por conseguinte, achar-se onerado com
hipoteca. Nem por isso a hipoteca se estenderá no conjunto, já que adrede se especializou a
gleba sobre a qual recai única suscetível de sofrer execução. Se nenhum dos imóveis
formadores do unificado estiver sujeito a hipoteca, o proprietário disporá então da alternativa
de, ao eventualmente constituí-la, fazê-lo sobre o conjunto ou sobre qualquer das glebas
formadoras, conforme as condições do negócio entabulado.
Na execução por crédito quirografário, oferecer-se-á ao credor alternativa
semelhante, pois tanto poderá fazê-la recair sobre o conjunto como sobre qualquer das
glebas, conforme o valor daquele relativamente ao valor do imóvel. Na partilha, finalmente a
divisão interna predisposta funcionalmente no imóvel favorecer a formação dos quinhões dos
herdeiros, visto como antecipa deveras a "divisão cômoda" a que a aludido procedimento se
propõe segundo prevê o Código Civil (art. 1.777).
A divisão interna do imóvel na matrícula visa a compatibilizar o dimensionamento
dele com a incidência da hipoteca ou da penhora, permitindo que uma e outra descansem
sobre tanto do imóvel quanto baste, de sorte que será facultada para fim de acomodação
jurídica. Quer isso dizer que nem de longe se confunde com o desmembramento para fim de
edificação, sujeito a disciplina de lei especial, quando realizado em zona urbana ou de
extensão urbana, ou a licença do INCRA e aprovação da Prefeitura quando empreendido em
zona rural (Lei n.º 6.766, de 1979, arts 3.º e 53).
Antes de tudo, a divisão aventada serve para conciliar a indivisibilidade da hipoteca
com a especialidade do imóvel, individuando cabalmente uma gleba deste para assento do
gravame. Ao invés do imóvel maior, definido na matrícula, será a gleba encravada nele,
adequadamente especializada, a coisa indivisível dada em garantia. A correlação entre a
hipoteca e a inscrição passa a existir entre a hipoteca e a gleba identificada na inscrição. Vista
nessa conjuntura, a hipoteca preexistente em um dos imóveis deixa de representar obstáculo
à união deles, cada vez mais momentosa no nosso país, devido a razões várias (consolidação
de minifúndios, retorno à unidade de exploração rural, incorporação em sociedades por cotas
ou cooperativas, etc.).
Depois presta-se ainda para atender a outras situações em que a lei prevê o
parcelamento do imóvel, como na execução de pequeno crédito sobre grande imóvel, ou no
ajustamento da partilha hereditária, casos em que vale como útil antecipação do
procedimento processual. Esse mérito não lhe pode ser negado, o de traçar preventivamente
uma distribuição de área, suscetível de ser aproveitada em mais de uma oportunidade
prevista legalmente.
Ante os termos dos preceitos legais atrás invocados, a divisão interna do imóvel na
matrícula prescinde de autorização em lei, podendo a permissão ser dada em regulamento.
Como se trata de disposição processual, que não viola nenhum preceito de lei substantiva,
mas apenas preenche um claro ou interstício deixado pela vigente lei registral, pode, sem
dúvida, advir por via regulamentar.
Nessa eventualidade, a exigência da planta, destinada a instruir a matrícula, há de ser
acompanhada de normas disciplinadoras não só da sua padronização, a bem do manuseio e
arquivamento, como da sua abertura à consulta dos interessados mediante o pagamento de
custas, para o fim de cópia de dados ou de reprodução. A abertura à consulta enseja aos
confrontantes do imóvel o conhecimento de linhas perimétricas comuns aos imóveis deles e,
portanto, o ajustamento entre uns e outros sem hiatos nem superposições. Até certo ponto,
suprir-se-á dessa maneira a falta de um cadastro preordenado.
Se nesse particular o cartório dor cuidadoso, poderá possuir, como certo ofício
fluminense, um mapa zonal ou regional, calcado, quer em mapa municipal, que em cobertura
aérea resultante de levantamento fotográfico feito por órgão oficial ou empresa privada. Com
esse mapa ampliar-se-á a facilidade para o traçado de plantas individuais dos imóveis, tão
desejáveis para o aperfeiçoamento progressivo da especialização destes, onde, no presente,
se situa o ponto fraco do Registro, causador de numerosas dúvidas e questões judiciais, que
perturbam cartórios e juízos.
Não se tome como demasia lembrar a conveniência de inserir entre as normas
regulamentares uma que determina a averbação da existência da planta ao pé da matrícula
para imediato conhecimento do público, não obstante estar implícita na divisão interna do
imóvel. Assim se dará mais um passo no sentido da melhoramento do registro até que se
torne possível correlacioná-lo com o cadastro, preenchendo por toda parte o requisito da
identificação do imóvel que prevê "a sua designação cadastral, se houver" (Lei n.º 6.015, de
1973, art. 176, parág. único, II, n.º 3, in fine ).
CAPÍTULO 20

CARTÓRIOS E REGISTRADOR

1. Descentralização. Zona dos cartórios.

2. Desmembramento irregular. Distribuição de títulos.

3. Circunscrições limítrofes. Interferência.

4. Nomeação do registrador. Competência territorial.

5. Remuneração. Cartórios oficializados e não-oficializados.

6. Responsabilidade civil do registrador.

O Código Civil estatui que as inscrições sejam feitas no lugar onde estiver o imóvel
(art. 861), de sorte que o Cartório do Registro de Imóveis se localiza na comarca, que é a
circunscrição judiciária. A coincidência da base geográfica do cartório com a do juiz de
direito é razoável. De um lado, trata-se de um registro destinado sobretudo. De um lado,
trata-se de um registro destinado sobretudo a dar o status jurídico dos imóveis; de outro lado,
o registrador é um serventuário subordinado ao juiz.
Assim, o nosso país organizou o Registro de Imóveis sob o império da regra da
descentralização e colocou os cartórios ao alcance dos interessados, evitando-lhes os gastos,
incômodos e demoras que a centralização lhes traria , sem que às vezes pudesse supotá-los.
Essa vantagem aparece simultaneamente com outra de natureza funcional, que vem a ser o
curso normal do serviço, sem os acúmulos, os atrasos, os erros e as fraudes que, do contrário,
ocorreriam.
Efetivamente, a centralização, distanciado o registro, determina que uma parte da
titulação permaneça fora dele, ao passo que a outra provoca um congestionamento ao
alcança-lo, com a conseqüência de tumultuar o ritmo de entrada, rebaixar a qualificação e
diminuir o rendimento e o teor geral do serviço. Ao ingressarem por diferentes guichês, os
títulos recebem números que não guardam correspondência com a antigüidade da
apresentação, podendo um deles tê-lo mais alto do que outro, apesar de entrado antes deste,
devido ao intenso movimento do respectivo guichê. Portanto, num registro centralizado é
quase impossível assegurar a prioridade.
Tão evidente é a correção do critério adotado nosso país que dispensa até dizer que
merece ser mantido. A descentralização, colocando o registro onde se situam os imóveis, de
um lado facilita às partes a publicidade dos atos a eles atinentes e, de outro, dá a conhecer ao
público o lugar certo em que devem ser procuradas as informações sobre esses atos.
Esse lugar e primeiramente a comarca, em cuja sede se estabelece o cartório do
registro para compreender todo o território da circunscrição judiciária, compreensão que, em
princípio, deve ser duradoura, por convir a estabilidade cartorial ás partes e ao público.
Todavia, sobretudo nas grandes cidades, torna-se, ás vezes, aconselhável a divisão do
cartório, que se acha condicionada entre nós por sua necessária periodicidade, pois depende
da organização judiciária, que somente pode ser alterada, mediante resolução do Tribunal de
Justiça, de cinco em cinco anos ( Const. do Brasil, de 1969, art. 144, § 5.º).
Assim, por força de nova organização judiciária, ou de outra injunção ocasional, pode
dar-se secundariamente a divisão do cartório, caso em que o seu desmembramento há-de ser
efetuado de modo que a cada cartório corresponda uma zona perfeitamente definida, que
abranja circunscrições administrativas inteiriças. Essa correspondência favorece as partes e o
público, porquanto os distritos administrativos tem geralmente uma delimitação clara, por
acidentes naturais, como cursos d'água, ou artificiais, como estradas, todos facilmente
reconheciveis, de modo que, compondo-se de uma ou mais dentre essas circunscrições, a
zona de cada cartório assume uma figura conhecida e inconfundível.
Sobrepondo-se a uma zona determinada, composta de uma ou mais circunscrições
menores, administrativas ou, eventualmente, eclesiásticas, o Cartório do Registro de Imóveis
assentar-se á em uma base territorial continua, sobre a qual exercerá com exclusividade a sua
jurisdição.330 A definição clara da zona cartorial evitará que o registrador se enrede em
conflitos de competência com qualquer colega.
Há mais de um cartório que já se esmera nisso, chegando a ter um livro de folhas do
levantamento aerofotográfico da respectiva cidade na escala de 1 : 1.000, a fim de, em caso
de dúvida, decidir a vista da planta se o imóvel está na zona do cartório ou na do vizinho.
Como essas zonas costumam ter por base as circunscrições administrativas, cujos limites
acompanham muitas vezes uma linha de vertente ou divisor de águas — assim acontece, p.
ex., entre Copacabana Botafogo no Rio de Janeiro — o livro de plantas aerofotográficas é
freqüentemente consultado para a recusa de títulos pertencentes à zona de outro cartório.
É que, dentro dessa zona, o cartório, como registro do lugar da situação (Cód. Civ.,
art. 861), torna-se privativo de todos e quaisquer títulos aquisitivos, transmissivos ou
onerativos referentes a imóveis nela situados. Há de chamar a si, sem exceções, a totalidade
desses títulos, pois só a atração universal dos títulos imobiliários ao cartório zonal condiz
com os princípios registrais de especialidade. de continuidade e de publicidade, enfim com a
sistemática do registro.
Ao dividir-se o primitivo cartório da comarca, desdobrando-se progressivamente em
sucessivos cartórios, cada qual com a sua zona própria, vão se gerando inegavelmente certos
incômodos para as partes, que, acostumadas a procurar um cartório, se vêem de repente
obrigadas a recorrer a outro, bem como riscos à segurança dos direitos, que, inscritos a
princípio em um livro, a cargo de um serventuário, passam a sê-lo depois em livro diferente,
a cargo de outro. Daí a necessidade de empregar-se a mais ativa vigilância para impedir a
divisão excessiva, bem como a irregularidade do seu traçado, decorrente de limites que
podem atender ao interessados seus futuros servidores, mas desatendem aos interesses do
próprio registro e do público.
Tanto mais necessária se mostra essa vigilância quanto existem precedentes que,
empanando a benemerência das descentralização, acusam, aqui e acolá, a dispersão
desordenada de cartórios para satisfazer a conveniências, ora de políticos e administradores,
ora de seus familiares, ora de seus correligionários, mas não do público. Nesse sentido o mau

330 A palavra "jurisdição, dotada de três sentidos, de poder do Estado, da autoridade pública em geral e da
autoridade judiciária, foi empregada no segundo deles ( NUSSBAUM, A. Derecho internacional privado.
Buenos Aires, Ed. Depalma, 1947. § 20: MONTEIRO, João Proc. civ. Ed. da Cia. Ind. de São Paulo, 1899, v. 4.
§ 34 ).
exemplo vem de longe e do alto, pois na antiga capital da República, o Decreto n.º 17.549, de
11 de novembro de 1926, depois de considerar inicialmente que, na divisão em zonas, deve
ser levada em conta a continuidade do território, acabou por criar uma zona, a quinta,
formada de freguesias completamente separadas umas das outras, reunindo nela Glória,
Copacabana, Andaraí, Ilha do Governador e Jacarepaguá.
Até agora, na cidade-padrão, onde as zonas dos cartórios são formadas
tradicionalmente de freguesia eclesiásticas, não se observa a contigüidade destas na
composição daquelas. Basta lembrar que a atual 2.º Oficio de Registro de Imóveis se compõe
das freguesias, distantes uma da outra, da Gávea e da Gamboa.
Se isso acontece no centro cultural do País, onde mais vira se mostra a vigilância da
opinião pública, não é de admirar que nos Estados não se respeite a requisito da continuidade
da área, que o senso comum associa à base territorial de todo cartório. No afã do
desmembramento esse requisito é freqüentemente desrespeitado, criando se dentro da zona
anteriormente delimitada a um cartório uma ou mais cabeças-de-ponte, que passam a formar
a base territorial do cartório novo.
Então pratica-se o sistema do espólio; os cartórios atuais são despejados dos melhores
locais e dos melhores serviços em proveito dos cartórios novos, de destinatários
privilegiados. Pode-se bem imaginar a confusão que esse procedimento traz, sobretudo
quanto essas áreas encravadas nem têm delimitação física conhecida, sendo designadas
apenas pelo nome popular dado a um bairro ou trecho da cidade.
Para não trazer de longe uma exemplo, haja vista o que ocorreu em Petrópolis, onde
os antigos cartórios do 2.º e do 7.º Ofício eram separados por limites inconfundíveis, rios e
ruas claramente identificados, até que se criou dentro do 7.º Ofício um outro, o 11.º, formado
de dois trechos encravados, descontínuos, um, o Quarteirão Suíço, que, bem o mal, está na
divisão primitiva da cidade e obedece ao cadastro do aforamento da Fazenda Imperial, o
outro, o Alto da Serra, que não passa de um bairro, de contornos cambiantes. Como se a
descontinuidade dessas áreas encravadas não fosse suficiente para caracterizar o
desconchavo do desmembramento. em certos pontos, como na Rua Buenos Aires, há prédios
que são atravessados pela linha divisória do Quarteirão Suíço, daí resultando confusão de
jurisdição, pois parte deles pertence ao novo cartório (11.º), ao passo que outra parte continua
com o antigo cartório (7.º).
Se, no caso, se descumpriu o requisito da continuidade de área, implícito na
sistemática do nosso Registro, pelo menos se cumpriu, na divisão dos cartórios, o critério do
zoneamento, ainda que de modo extremamente defeituoso, pois se formou a zona do cartório
de áreas descontínuas. Por mais incrível que pareça, aconteceu coisa pior em outro Estado da
Federação, que, desprezando o critério de zona, adotou o de distribuição dos atos pelos
cartórios, totalmente incompatível com a sistemática do registro. Embora uma das
disposições gerais do regulamento anterior dos registros públicos previsse a divisão dos
cartórios "por critério geográfico ou de distribuição de atos", isso não significava que a
divisão pudesse ser feita indiferentemente por um ou outro critério, mas, sim, que cada qual é
válido, conforme o caso a que de adapte (Dec. n.º 4.857, de 1939, art. 36).
Ao passo que a atribuição de uma zona a cada cartório liga a este todos os atos
referentes a imóveis nela situados, condizendo assim com os princípios de continuidade, de
especialidade e de publicidade, a distribuição faz depender da sorte o cartório a que esses atos
devem ser encaminhados. A substituição da certeza pela incerteza, da privatividade pela
instabilidade, foi, portanto, o que promoveu uma Lei de Organização Judiciária do Estado de
Minas Gerais, quando incluiu o dispositivo anômalo, segundo o qual compete ao distribuidor
"distribuir previamente os atos a serem praticados nos cartórios do Registro de Imóveis, onde
haja mais de um ofício, inclusive Belo Horizonte" (Lei Estadual n.º 3.344, de 14 de janeiro de
1965, art. 333, n.º IV).
Como se vê, ao contrário do que acontecia anteriormente no próprio Estado e
continua a acontecer em outros Estados, os cartórios do Registro de Imóveis deixaram se
atrair os serviços de acordo com o seu zoneamento, passando a recebê-los de acordo com o
sorteio do distribuidor do foro. Por força dessa estranha mudança, os assentos referentes a
imóveis de determinada zona não se encontraram mais num só cartório, mas em dois ou mais
dentre eles, conforme as casas que se lhes abrirem na distribuição forense pelo valor da
transmissão!
Assim, o adquirente de um imóvel que teve a sua escritura distribuída ao 1.º Oficio,
ao tonar-se adquirente de outro contíguo, a ser anexado ao anterior, pode ter a sua escritura
distribuída ao 2.º Oficio, como, ao comprar mais um imóvel vizinho, pode igualmente ver a
sua escritura distribuída ao 1.º Oficio, onde ingressou a escritura matriz. Quando necessitar
de uma certidão da propriedade, ou da inexistência de ônus, terá de pedir uma aqui, outra lá,
num movimento de vaivém que com toda razão o confunde e o irrita.
O zoneamento implica na competência exclusiva de cada cartório, que, só ele, angaria
todos os atos registráveis referentes a imóveis situados dentro da respectiva zona; todos os
registros "efetuar-se-ão no cartório da situação do imóvel" (art. 169). Como consequência,
quando o imóvel se situa em duas ou mais circunscrição limítrofes, o seu registro de faz em
todas, a fim de que cada qual receba os assentos correspondentes ao seu território. Essa
conseqüência de tantos registros do imóvel quantos forem os cartórios limítrofes que o
jurisdicionem vem, no entanto, expressa como ressalva àquela regra na nova lei do registro
(art. 169, II).
Apesar de múltiplos, cada um desses registros em diferentes cartórios deve descrever
o imóvel em sua totalidade, com as confrontações completas embora declare a parte situada
em área sob a jurisdição de outro cartório. Como adverte Cunha Gonçalves, não há nenhum
preceito legal que autorize o registrador, ou a parte, a fracionar um imóvel para dele fazer
duas descrições parciais, o que poderá fazer supor que se trate de dois imóveis, ou que ele já
está dividido. 331
O imóvel pertencente, em certa época, a uma única circunscrição, pode vir a
pertencer, em época posterior, a duas circunscrições limítrofes, se intercorrentemente houver
um ato estatal de redivisão administrativa ou de desmembramento do cartório em que estava
registrado. Nessa eventualidade, surge a necessidade, inexistente a princípio da dualidade de
registros, com a diferença de que está não será automática, mas se fará sentir no futuro,
quando houver movimentação jurídica do imóvel.
Assim, o desmembramento do cartório atinge necessariamente todo imóvel que,
pertencendo a princípio a um só cartório, passa em seguida a pertencer em parte a esse
cartório e em parte a outro. Aí se inclui notadamente o imóvel loteado, quando o
desmembramento seciona o loteamento, ficando uma parte deste no âmbito do cartório
antigo e outra parte no do cartório novo.
Ao atingir o imóvel, o desmembramento não prejudica a sua situação jurídica
preexistente, constante dos livros do cartórios primitivo. O assento desses livros foi
escriturado por um serventuário a quem o Estado delegara competência para fazê-lo no lugar
do imóvel. Efetuado o assento no cartório que contemporaneamente era o competente,

331 SANTOS, Carvalho. Cód. Civ. int. Ed. Freitas Bastos. v. 10, int. do art. 861.
conserva a sua validade pelo tempo afora, dispensando a repetição em outro cartório que
depois se torne competente para recebê-lo. Subentende, porém, a inércia a dispensa da
repetição reconhecida no artigo segundo o qual "o desmembramento territorial posterior ao
registro não exige a sua repetição no novo oficio"(art. 170).
Todavia, se se verificar qualquer mudança jurídico-real relativamente ao imóvel, a
sua matrícula deverá ser transferida do cartório antigo para o novo mediante certidão
retrospectiva atualizada. Diante da apresentação jurídica atual o imóvel retratada nessa
certidão é que o novo cartório poderá escriturar a mutação jurídico-real que lhe sobreveio.
Em suma, será exigível a certidão toda vez que se oferecer um título para assento
continuativo. Subentende o movimento a exigência da repetição.
Assim, não podendo subtrair-se à circulação imobiliária, as partes acabam ficando
expostas a maiores incômodos e gastos por força do desmembramento. No caso em que este
secione um loteamento, a rigor há de se concluir que tanto o vendedor fica sujeito a promover
a inscrição do memorial no novo cartório, para cobrir a parte do território que lhe ficou
pertencendo, como os compradores de lotes dessa parte ficam obrigados a solicitar nele a
averbação dos seus contratos.
Essa é a solução lógica ditada pela sistemática do nosso registro, a qual, apesar de
incômoda, em dado momento, para as partes, lhes evita no futuro maiores embaraços e
dissabores. De fato, inscrito o memorial do loteamento também no novo cartório, para dar
cobertura aos lotes que passaram à jurisdição deste, aí serão tanto as averbações das
promessas de venda como as subseqüentes vendas definitivas, estabelecendo-se em sede
única a filiação e a continuidade dos títulos.
Do contrário, maiores empecilhos assomarão sobretudo à frente da parte mais fraca,
que é o modesto comprador de lote, conforme mostram os repositórios de dúvidas e de
decisões judiciais. 332 Efetivamente, se as averbações de promessas de venda de lotes
continuarem a ser feitas no cartório antigo, chegando a ocasião da venda definitiva, a
respectiva escritura terá de ser registrada do cartório novo, cujo registrador exigirá
naturalmente o título anterior registrado no cartório antigo.
Por outro lado, essa cisão no registro do imóvel, em virtude da qual alguns atos, as
promessas de venda de lotes, de cessão, de rescisão, continuam a ser praticados na cartório
antigo, ao passo que outros, as escrituras definitivas e gravames, passam a sê-lo no cartório
novo, enseja visivelmente a maquinação de mais de um abuso. Na verdade, ficando dois
cartórios com atribuições no mesmo loteamento, pode dar-se a inscrição de uma venda
definitiva do lote no cartório, posteriormente, a promessa de venda do mesmo lote a terceiro
no cartório antigo, como aliás ocorreu ao tempo em que se permitia a averbação residual
como corolário de ser o loteamento registrado "apenas onde se achar a maior porção de
terras".
A fim de atalhar os inconvenientes advindos da competência concorrente de dois
cartórios sobre o mesmo loteamento, releva fazer a inscrição deste em ambos, de modo que
cada qual seja, mas com exclusividade, a parte situada sob a sua jurisdição. Se os
compradores não conseguirem compelir o loteador a efetuar a segunda inscrição, restarão
ainda dois recursos para obtê-la, a saber, ou uma correição do juízo no processo do

332 LOUREIRO, Waldemar. Registro da propriedade imóvel. 5. ed. v. 1. n.º 68 e 69, p. 102 et seq. Não é
correto o acórdão, segundo o qual "no caso de desmembrar-se o território do cartório, mesmo assim a averbação
do contrato de venda será feita no mesmo cartório onde se inscreveu o memorial do loteamento" ( Ac. do T. de
A. do RS, de 1.7. 1940. In: Rev. dos Trib., v. 127, p. 166).
loteamento, ou uma certidão retrospectiva do cartório da primeira, inscrição, que relacione s
lotes que passam a pertencer ao cartório da segunda. A segunda providência de parece a mais
indicada, devendo ser recomendada ao último desses cartórios pela Corregedoria da justiça.
Essa providência de ordem geral parece muito mais acertada do que a parcial e
episódica que se tome com referência a cada lote ao ter de ser efetivada a sua venda. De fato,
nessa ocasião, o registrador do cartório de registro de loteamento costuma receber a
recomendação de averbar aí o desligamento do lote para permitir que o cartório ao qual
passou uma seção do loteamento para fazer aí a inscrição da escritura definitiva. 333
Esse raciocínio aplicar-se à incorporação de edifícios, se acaso pudesse dar-se em
relação a estes o mesmo que se da em relação ao loteamento, isto é, o seu secionamento por
força da divisão territorial de um cartório. O secionamento não pode ocorrer, porque, ao
contrário do loteamento, que se estende horizontalmente o edifício se estende verticalmente.
Além de secionar o loteamento entre dois cartórios, o desmembramento costuma, em
relação a um mesmo terreno de grande cidade, como o Rio de Janeiro, fazê-lo passar, em
anos espaçados, por dois e três cartórios sucessivos, subordinando-o, por exemplo, a
princípio ao 1.º Ofício, depois ao 5.º, finalmente ao 9.º Ofício. Já passado para o 5.º Ofício, o
proprietário A faz o desmembramento da metade e a venda a B; já deslocado para o 9.º, B faz
uma construção nessa metade e A, por sua vez, vende a outra metade a D.
Se se admitissem as averbações residuais, a do desmembramento entraria no 1.º
Ofício, mas a inscrição da venda, no 5.º Ofício, mas a inscrição da venda da outra metade, no
9.º Ofício. Por que não fazer as averbações acompanhar o imóvel e este a evolução dos
cartórios? Essa aproximação constante torna a busca mais fácil e barata e diminui os riscos.
A aproximação atualizadora não passa de estrita observância da regra do registro no
cartório da situação do imóvel (art. 169), ratificada pela da abertura da matrícula sempre que,
havendo assento continuativo, aquele cartório for outro (arts. 227 e 236). Deixar as
averbações para trás como resíduo e passar para a frente os demais atos importa em
desconhecer a natureza inscricional das primeiras, forçar a parte a uma caminhada às vezes
longa pelo passado, sem guia do itinerário especializado, e sobretudo em criar ocasiões de
fraude. A recomendação de dividir para reinar parece feita sob medida para a fraude.
Verdade seja que a nova lei do registro, após repetir a regra civilista do assento no
lugar da situação do imóvel, lhe apõe uma ressalva em que admite averbações à margem dos
assentos a que se referirem "ainda que o imóvel tenha passado à jurisdição de outro cartório"
(art. 169, I). Essa ressalva, porém, tem caráter transitório, devendo aplicar-se apenas a duas
situações transcuntes, a primeira relativa aos loteamentos, a segunda, às incorporações,
quando um ou outro "se tiver formalizado anteriormente à vigência desta lei" (art. 167, II, n.º
3 e 6 ).
A não ser, portanto, nessas duas situações passageiras, prevalece a regra de fazer-se o
registro, seja qual for a sua espécie, no cartório sob cuja jurisdição estiver o imóvel. Para isso,
há de abrir-se nele a matrícula sempre que se apresentar um título para assento continuativo.
Quando o imóvel estiver inscrito em outro cartório, o título há de ser instruído com certidão
retrospectiva atualizada desse cartório.
Às vezes, porém mas raramente, efetuado o desmembramento, o cartório novo não se
preocupa com o antigo, deixando de exigir a certidão retrospectiva deste quando lhe é trazido
um título para assento autônomo. Provavelmente essa liberalidade se verifica por uma
interpretação errônea da disposição segundo a qual, ocorrendo o desmembramento, o assento

333 Cf. sentença do Dr. Gilberto Valente da Silva, in Rev. de Dir. Imob. (SP, n.º 1, p. 165).
feito no antigo não precisa ser repetido no novo cartório. Essa disposição, porém, significa
apenas que o assento existente não precisa ser renovado, sem contudo prescindir da certidão
retrospectiva toda vez que sobrevém um título sujeito a assento continuativo.
Seja como for, a dispensa da certidão atualizada do antigo cartório dá azo a abusos a
faz periclitar direitos, como comprova o sucedido com a empresa fornecedora de eletricidade
à cidade do Rio de Janeiro. A Cia. Light obteve servidões de passagem para as sua linhas de
transmissão de energia elétrica da usina de Fontes para a cidade, fazendo a sua incrição no
Registro de Imóveis do vizinho Município de Nova Iguaçu, então limítrofe da cidade, por
volta do ano de 1919. Depois, desse Município desmembrou-se o de Caxias e, mais tarde,
desses desmembraram-se os de São João de Meriti e Nilópolis e, como quase sempre
acontece, desmembraram-se correlatamente os cartórios imobiliários.
Daí resultou que nos novos cartórios dos Municípios intercalares começaram a
aparecer, com apoio no Decreto-lei n.º 58, de 1937, memoriais de loteamento instruídos com
certidões vintenárias que, por omitirem naturalmente o ônus inscrito alhures em 1910,
ensejaram loteamentos em cima da servidão da Cia. Light, que teve de impugná-los. Não se
teria dado isso se, na passagem do imóvel de um para outro cartório, este tivesse exigido a
certidão histórica daquele.
As considerações precedentes mostram ao vivo quão agudo é o interesse público em
obviar os males que emergiram ao logo delas. Nesse sentido, talvez se recomendem
particularmente duas inovações relativamente simples. A primeira visará cortar, de uma vez
por todas, o abuso da criação de cartórios de delimitação imprecisa, de áreas encravadas nas
de outros, de usurpação de serviços destes. A segunda buscará evitar a retenção de assentos
no primitivo cartório, atingido por desmembramento, ou a descarga sobre as partes das
conseqüências de erros de que não foram autores, o que levará a impor ao cartório novo o
ônus da certidão retrospectiva.
Por um lado a divisão dos cartórios, quando necessária, somente poderá efetuar-se
por critério geográfico, de modo que cada um deles atraia sempre todos os títulos
imobiliários da respectiva zona. Cada cartório terá sob sua jurisdição uma área contínua que
corresponda, sempre que for possível, a circunscrições inteiras, ou subdivisões inteiras
dessas circunscrições, da divisão administrativa e judiciária do Estado.
Por outro lado, ocorrendo o desmembramento do cartório, a matrícula do imóvel que
passar a pertencer ao novo cartório será para ele transferida de ofício assim que for
apresentado qualquer título para assento continuativo. Cada registrador de cartório novo terá
a seu cargo tanto a diligência de solicitar a certidão retrospectiva como a despesa da sua
feitura.
Tais disposições não invadirão a esfera de competência estadual, a que cabe a criação
e o desmembramento de cartórios e a nomeação e remuneração dos serventuários. Na
verdade, a primeira delas dará apenas o critério essencial da divisão, porque este é
consubstancial ao Registro de Imóveis, que se inclui na competência federal, sem criar em
outros requisitos dela, nem em sua oportunidade, ou em sua determinação ou proibição. Por
sua vez, a segunda imporá o ônus de uma certidão de registro a quem lhe parece justo, o que,
por igual, se inclui na mesma competência, como testemunha o Código Civil (art. 862).
Quanto a esta última, salta ao olhos quão injusto é obrigar as partes ao penoso esforço
de procurar um ou mais cartórios antigos para neles extrair certidões que recapitulem todos
os atos referentes a seus imóveis a fim de oferecê-las prestimosamente ao novo cartório a que
eles ficaram subordinados. Se as partes cumpriram oportunamente o seu dever de inscrição e
de averbação dos atos no cartório então competente, nada mais lhes deve ser exigido por
acréscimo, cabendo à lei determinar que os registradores diligenciem as certidões para
regularizar seus livros, sob pena de responsabilidade civil.
O cartório está sujeito a duas leis, a federal, que institui ou mantém o registro, regula
os seus efeitos. edita normas gerais sobre custas e emolumentos 334 e a estadual que dispõe
sobre a nomeação do encarregado, a subordinação administrativa, a discriminação da
competência, a substituição funcional do encarregado ao juiz assegura a solução das dúvidas
e o exercício da correição. Quando o Registro de Imóveis assumiu a feição inteiriça moldada
pelo Código Civil de 1916, já encontrou, para se lhe adaptar, uma longa tradição cartorial
formada sob o influxo das diretrizes indicadas.
Ao seu criado o registro de hipotecas pela Lei n.º 317, de 1813, transformada em
registro geral da propriedade pela Lei n.º 1.237, de 1864, ficou provisoriamente a cargo de
um dos tabeliães locais, designado pelo regulamento da segunda dessas leis como "oficial"
para se distinguir dos demais tabeliães (Dec. n.º 3.456, de 1865, art. 8.º). 335 A designação
de "Oficial do Registro de Imóveis" perdura até hoje, mas toma muito espaço nos livros, onde
se repete amiúde, pelo que será vantajoso substituí-la pela de "registrador", curta e
expressiva.
Apesar de ser um serventuário da justiça subordinado funcionalmente ao juiz, o
registrador é nomeado pelo Poder Executivo, exercendo o cargo, conforme a antigüidade, ou
em cartórios "vativos e vitalícios" ou em cartórios apenas "privativos". A lei dos registros
Públicos de 1924 dispunha ficar o Registro de Imóveis "a cargo de oficiais privativos e
vitalícios, providos, no Distrito Federal, pelo Presidente da república, mediante concurso, e
nos Estados, na forma estabelecida pelas respectivas leis de organização judiciária" (Lei n.º
4.857, de 1924, art. 6.º; cf. § 3.º). A lei de 1973, omitindo o atributo da vitaliciedade, declara
que os registros, em geral, "ficam a cargo dos serventuários privativos nomeados de acordo
com o estabelecido na lei de organização judiciária do Distrito Federal e dos Territórios e nas
resoluções sobre a divisão e organização judiciária dos Estados" (Lei n.º 6.015, de 1973, art.
2.º).
A nomeação desses serventuários deve recair, de preferência, em bacharel em direito,
já que, no nosso sistema de registro, lhes incumbe comprovar a validade do título. no fundo e
na forma, antes de proceder à inscrição. O exercício dessa função qualificadora exige o
conhecimento de vários trechos do direito, notadamente os concernentes às nulidades e aos
negócios imobiliários, isto é, uma capacidade específica que se pressupõe no portador
daquele diploma.
Todavia, talvez ainda não haja chegado o tempo de reclamar do registrador, como
requisito essencial, a carta de bacharel em direito, porque, de um lado, a exigência
dificultaria o provimento de alguns cartórios do interior do país e, de outro, a experiência
mostra que um leigo pode dominar em pouco tempo o itinerário legal do exame de títulos.
Por um processo de evolução natural, provavelmente se chegará em breve ao resultado
visado sem força-lo, visto como, a pouco e pouco, os bacharéis em direito tomarão conta do
cargo, mormente considerando-se que as faculdades formam um número maior do que a
advocacia pode absorver. 336
No presente, apesar de variarem os critérios regionais de provimento, já o diploma de
bacharel em direito constitui, em geral, o primeiro título de preferência para a nomeação,

334 Const. do Brasil, art. 8.º, XVII, letra a, com redação dada pela emenda constitucional n.º 7, de 13. 4. 1977.
335 GARCIA, Lisipo. A transcrição. p. 236; Loureiro, op. cit., v. 1. n.º 236.
336 SIMONSEN, Mario Henrique, Brasil 2001. Ed. APEC. p. 299 et seq.
seguido do tirocínio como serventuário do cartório, graças ao qual o candidato
freqüentemente sobe à sua chefia, trazendo para ela a prática adquirida no ofício. Essa prática
o habilita a exercer bem a sua função, não raro melhor do que a exerceria um diplomado que
não a tivesse. Segundo o adágio, a experiência é a melhor mestra.
Nem sempre, porém, o registrador traz a bagagem dessa exriência, porque nem
sempre vem do grupo doa serventuários do cartório. As vezes, a nomeação se faz parte por
merecimento dentre serventuários forenses, inclusive os dos cartórios de imóveis, e parte por
livre escolha do Governo, dentre bacharéis ou doutores em direito ou cidadãos de
reconhecida competência (Dec.-lei n.º 8.527, de 1945, art. 213). Outras vezes, resulta de
concurso público de provas e títulos.
Quando prevalece o critério da livre escolha, o cartório costuma constituir, em
grandes cidades, um verdadeiro mandarinato, concedido e disputado por critérios políticos de
aferição de mérito. Nesse caso, o ganhador de cartório, ainda que se isole do serviço, não
chega a prejudicá-lo sensivelmente, porque este prossegue com apoio na tradição, isto é, no
pessoal habituado a qualificar os documentos e manejar os livro, enfim na rotina dos
empregados.
Quanto a estes, variam atualmente os critérios de escolha, mas, admitida a preferência
pelo cartório não-oficializado, convém que no futuro sejam contratados no regime da
legislação trabalhista, dentre candidatos que possuam, no mínimo, curso de segundo grau.
Dessa maneira, em que todos os contratados ficam na dependência do registrador,
responsável civilmente pelos seus atos, assegura-se maior eficiência e disciplina, com
vantagem para ambas as partes e para o público, desde que se institui o fundo de garantia de
tempo de serviço. 337
A competência do registrador é territorial, o que importa em dizer que a formalidade
do registro, consista em inscrição ou em averbação, somente deve ser realizada no cartório
em cuja jurisdição estiver situado o imóvel. Se for realizada em cartório diferente, será
insanavelmente nula. 338
Tão rigorosa é a competência territorial do registrador que, quando um imóvel se
situa parte em uma circunscrição e parte em outra, terá de ser inscrito, em ambas as
circunscrições, a fim de que os atos posteriores referentes a cada parte tomem assento no
cartório a que estiver subordinado. Essa eventualidade é freqüente nos loteamentos
atravessados pela linha de limite circunscricional, em que os lotes ora têm assento num
cartório ora no outro, segundo a competência do registrador, que, como a dos juízes nas ações
reais, advém da situação do imóvel.
Embora o registrador seja, em sentido lato, funcionário público, tradicionalmente se
estabeleceu entre este e o serventuário da justiça a distinção traduzida nesses nomes, por ser a
remuneração do funcionário público paga, em geral, pelo erário, ao passo que a do
serventuário era satisfeita por meio de custas omorumentos, à medida que praticava cada ato.
339 Essa tênue distinção porém, talvez desapareça dado o preceito constitucional
determinante do nivelamento de salários entre os servidores dos Três Poderes, Executivo,

337 CARVALHO, Afranio de. Instituições de direito privado. 3.ª ed. Rio, ed. Forense, 1980. p. 250.
338 Ac. do STF de 23. 9. 1927. In: Arq. Jur., v. 5, p. 237; Pontes de Miranda. Tratado de direito privado. Rio,
Ed. Borsol, 1955. t. 11, § 1.241, letra b; MAGALHÃES, Rafael. Parecer. In: Rev. For., v. 51, p. 107; LOPES,
Serpa. Registros públicos. 2. ed. v. 4, n.º 722.
339 CARNEIRO, Alaim de Almeida. Os serventuários da Justiça, sua situação jurídica. In: Rev. de Dir. Adm.,
v.3, p. 447.
Legislativo e Judiciário, e a conseqüente tendência da oficialização dos cartórios ( Const. do
Brasil, de 1969, emenda da de 1967, arts. 13, n.º V, 98 e 108).
O movimento de equiparação inclui a abolição do atributo de vitaliciedade, que o
registrador costumava ter, como o professor, e assegurava uma posição privilegiada entre os
servidores públicos. De acordo com esse atributo, o registrador somente podia sofrer
demissão por sentença judicial, ao passo que o funcionário público em geral pode sofrê-la
mediante processo administrativo, em que lhe é assegurada ampla defesa (Const. do Brasil,
art. 105). Todavia, o novo status somente se aplica a quem é nomeado para um cartório ou
ofício vago, porquanto os antigos titulares, nomeados até 15 de março de 1967, tiveram a sua
vitaliciedade mantida expressamente por disposição constitucional transitória (Const. do
Brasil, de 1969, art. 194).
A chamada oficialização dos cartórios pode ocorrer em certos Estados, parcial e
progressiva, como foi estatuída na Guanabara (Const. do Estado, art. 38, § 2.º; Lei Est. n.º
489, de 1964, art. 40; Dec.-lei n.º 113, de 1967; Dec.-lei Est. n.º 70, de 1969), e deixar de
ocorrer em outros. No caso de oficialização, o registrador passa a receber a sua remuneração
do cofre estadual, como qualquer funcionário público, sem embargo de continuarem
exigíveis as custas, pelos atos praticados, que as partes, contudo, recolhem ao cofre estadual.
Atualmente, portanto, existem no país duas categorias de cartórios ou ofícios,
denominados comumente: a) cartórios ou ofícios não-oficializados, cujos titulares recebem a
sua remuneração diretamente das partes, pela percepção de custas e emolumentos à medida
que praticam os atos (remuneração variável); b) cartórios ou ofícios oficializados, cujos
titulares recebem a sua remuneração do cofre do Estado (remuneração fixa), ao qual, em
contrapartida, são recolhidos as custas e os emolumentos pagos pelas partes.
Qual a vantagem de uma e de outra categoria de cartórios?
No entender de muitos os cartórios não-oficializados são mais vantajosos, porque "a forma
quase privada de administração do pessoal reinante nas serventias não-oficializados assegura
maior índice de eficiência: os serviços são mais rápidos e o atendimento do público mais
expedito, com maior número de servidores e em compensação, maior nível salarial para
todos". 340 Até certo ponto, essa forma de remuneração assemelha o cartório a uma ofieira
particular de serviços, pois o cliente os paga à medida que são efetuados .
Comparada com a eficiência cartorial, pesa menos a cobrança excessiva de custas e
emolumentos, que se alega ser a razão determinate da oficialização dos cartórios. Se é certo
haver à vezes verdadeiro clamor dos interessados, inclusive autarquias e sociedades de
economia mista, contra o excesso de custas e emolumentos exigidos por certos cartórios, não
menos certo é que esse mal se mostra remediável, tendo freqüentemente origem na
antigüidade da tabela, baixada com a organização judiciária, que, renovável de cinco em
cinco anos, deixa entre esses termos uma intervalo em que a inflação costume fazer baixar
consideravelmente o valor real de custas e emolumentos.
Talvez se torne possível atalhar o mal mediante providências que, de um lado,
afastem o pretexto para o abuso e, de outro, o ponham à mostra, se acaso ocorrer, a fim de
facilitar a fiscalização dos próprios interessados, do juiz e do imposto de renda. Essas
providências podem ser de duas ordens, uma monetária, a outra registral-tributária, não
saindo nenhuma delas da órbita da União, à qual compete legislar sobre a moeda, sobre o
Registro de Imóvel e sobre o Imposto de Renda.

340 Relatório do Ementário da Corregedoria, da Guanabara, 1972, p. 17.


A providência monetária consistirá em armar a Lei de Organização Judiciária dos
Estados da faculdade de delegar competência ao Juiz para reajustar a tabela de emolumentos,
arredondando-os para mais ou para menos, sempre que o índice de correção monetária fixado
pelo Governo Federal atingir vinte por cento (20%). Esse reajustamento intercalar, calculado
pelo contador do Juízo, com parecer favorável do Ministério Público, vigorará na comarca
até que nova lei estadual regule a matéria.
A providência registral-tributária consistirá em determinar que um dos livros do
Registro de Imóveis, ou certa parte dele, predisponha um recibo do título que também o seja
dos emolumentos, em duplicara, com a menção das rubricas numéricas da tabela pela qual
foram cotados, para que uma das vias seja entregue ao apresentante do título e a outra fique
arquivada em cartório. Essa providência não passará de simples complemento daquela que,
na Lei do Imposto de Renda, admite, para o cálculo do rendimento bruto incluído na cédula
D, os assentamentos do contribuinte, desde que regulares e comprovados, pois se limitará a
indicar precisamente quais os comprovantes aceitáveis (Dec. n.º 58.400, de 1966, art. 95, §§
2.º e 3.º).
Assim se conciliam os interessados do registrador, que recebe antecipadamente o
pagamento de custas atualizadas, com os do interessado, que recolhe um comprovante do
pagamento. Esse comprovante, em mãos do interessado, lhe permite verificar a exatidão da
conta e, no livro do cartório, habilita o registrador a extrair dele, por simples soma, o
rendimento bruto do cartório para o cálculo anual do imposto de Renda. Embora sejam
relevantes esses proveitos, mais o é aquele que se tira da possibilidade de observar, pela
estatística, a contribuição das diferentes rubricas da tabela de emolumentos e propor
oportunamente a modificação desta, a fim de equilibrar razoavelmente os interesses do
público e do registrador.
Talvez bastem essas providências para fazer cessar no futuro as freqüentes incursões
que a lei federal, na ânsia de coibir excessos, vem realizando no campo de competência da lei
estadual ao taxar diretamente os emolumentos cobráveis por atos praticados no Registro de
Imóveis. Apesar de federal, A Lei n.º 492, de 1937, limitou as custas de inscrição do penhor
rural, estatuindo que não poderiam exceder determinados valores na expedição da cédula
rural (art. 34); Decreto-lei n.º 2.612, de 1940, sobre o registro desse penhor, estendeu-se em
disposições complementares próprias de regime de custas (art. 2.º e §§); Decreto-lei n.º 167,
de 1967, sobre cédulas do crédito rural limitou também os emolumentos do oficial, do juiz,
conforme o valor da cédula (art. 34, parág. único, e art. 36, § 3.º); Dec.-lei n.º 413, de 1969,
sobre cédulas de crédito industrial, fez outro tanto (art. 34).
Foi decerto nesses precedentes que se louvou a Atual Lei dos Registros Públicos para,
nas suas disposições finais, favorecer com a redução de 50% (cinqüenta por cento) de
emolumentos os atos relativos ao sistema financeiro da habitação (art. 290).
Não é de esperar que o exercício da nova competência da União para editar normas
gerais venha a legitimá-la, visto como se aterá provavelmente ao estabelecimento de critérios
uniformes de incidência, sem descer à fixação de quantitativos.
A renda dos cartórios não-oficializados é imputável à cédula D do Imposto de
Renda, que inclui expressamente ―emolumentos e custas dos serventuários da Justiça, como
tabeliães, notários, oficiais públicos e outros, quando não remunerados exclusivamente pelos
cofres públicos‖. A dos cartórios oficializados é classificável na cédula C, abrangente de
―rendimentos do trabalho de qualquer natureza‖, inclusive vencimentos.
Neste particular, cabe referir que uma lei do antigo Estado da Guanabara, hoje Rio de
Janeiro, buscou obter a oficialização dos cartórios por via obliqua, ao estatuir que os titulares
das serventias, ofícios ou cartórios não-oficializados não poderão auferir mensalmente com
renda líquida importância superior a limite anteriormente fixado por outra lei, devendo
recolher o eventual excesso aos cofres estaduais dentro do primeiro trimestre do exercício
subseqüente (Lei n.º 2.085 A, de 1972, art. 42). Essa iniciativa foi argüida de inconstitucional
por Carlos Medeiros sob duplo fundamento primeiro, por importar em imposto estadual de
renda, quando este é de competência federal; segundo, por violar o direito adquirido dos
titulares, pois a Constituição do Estado faculta a oficialização de cartórios e ofícios de
Justiça, ―respeitados os direitos, garantias e vantagens dos seus atuais ocupantes‖. 341
Ao passo que no passado era vedada a cobrança adiantada de custas e emolumentos,
inclusive no Registro de Imóveis, 342 no presente essa regra se acha invertida, pois no
moderno Código de Processo Civil, sede da matéria, se determina a antecipação do seu
pagamento (art. 19). Antes desse Código, já o regulamento anterior do Registro de Imóveis
lançará uma determinação no mesmo sentido, agora repetida na nova lei do registro, segundo
a qual ―pelos atos que praticarem em decorrência desta lei, os oficiais do registro terão
direito, a título de remuneração, aos emolumentos fixados do regimento de custas do Distrito
Federal, dos Estados e dos Territórios, os quais serão pagos pelo interessado que os requerer
no ato do requerimento ou no da apresentação do título‖ (art. 14).
Nessa conformidade, prevalece agora a regra geral do pagamento adiantado das
custas em todos os registros, inclusive no de imóveis, em cujo âmbito, porém, existe um
dispositivo específico que prevê a restituição de houver impossibilidade de ser o título
registrado. De fato, ―se o documento, uma vez prenotado, não puder ser registrado, ou o
apresentante desistir do seu registro, a importância relativa às despesas previstas no art. 14
será restituída, deduzida e quantia correspondente às busca e à prenotação‖ (art. 206).
Ao mesmo tempo que determina o pagamento adiantado das despesas, a mesma
norma registral fixa quem deve efetuá-lo, incorporando a disposição simplificadora, vinda da
Lei do Registro de 1924, segundo a qual as despesas do registro incumbem ao interessado
que o requerer e serão pagas no ato da apresentação do título ou do requerimento, escrito ou
verbal, disposição essa que revogou outra de caráter discriminatório constante do Código
Civil (Lei n.º 4.827, de 1924, art. 9.º; Lei n.º 6.015, de 1973, arts. 14 e 217; Cód. Civ., art.
862). Antigamente cotado à margem dos documentos, o pagamento das despesas costuma
agora ser grafado, com máquina autenticadora, no título e no recibo, o que evita a sua
adulteração por intermediário do processamento. Todavia, a disposição sobre a incumbência
do pagamento deve ser completada para prever adequadamente o caso em que haja mais de
um interessado no ato cujo registro um só requer.
Embora esse interessado pague, no limiar do registro, o total das despesas, é justo
que, por disposição expressa, lhe seja falcutado haver mais tarde o reembolso da parte que
tocar aos demais beneficiários. Se, portanto, houver ais de um interessado, aquele que
promover a inscrição que beneficiar os demais, terá direito regressivo contra estes para haver
deles a parte que lhes tocar na despesa. Assim se concilia a necessidade do imprimir
segurança aos direitos interligados em um título com a conveniência prática de dispensar a
presença de todos os interessados e com a obrigação inerente a cada um deles de satisfazer a
sua cota nas despesas.

341 MEDEIROS. Carlos. Memorial. In: Representação n.º 895, da Guanabara.


342 Decreto n.º 370, de 1890; art. 94; Ementário da Corregedoria da Guanabara, de 1972, art. 159;
CARVALHO, Morais. Praxe forense, Rio, 1850. t. 3, p. 682; SOUZA, Pereira e. Primeiras linhas. Rio, 1879. t.
1, § 68; COROAATÁ. Vademecum forense. 3. ed. Rio, 1890. n.º 167.
A responsabilidade civil do registrador está, até certo ponto, associada à forma da sua
remuneração. A renda do registrador precisa ser tal que lhe propicie um patrimônio capaz de
cobrir eventualmente a sua responsabilidade por prejuízos que cause a terceiros. Para isso
parece mais conveniente manter a forma tradicional da cobrança de custas diretamente das
partes do que introduzir a forma nova da percepção de vencimentos fixos.
A cobrança de custas tem permitido ao registrador fazer as despesas gerais do cartório
e pagar comumente os salários dos empregados que ora ele próprio admite, ora são admitidos
pelo juiz mediante provas. Não me parece condenável esse sistema que aproxima o cartório
da empresa privada. 343 Se toca ao registrador o risco da responsabilidade civil, é lógico
que correlatamente lhe caiba da faculdade de selecionar e remunerar o pessoal subalterno,
por ter o máximo interesse em contar com colaboradores competentes e dignos de confiança.
O ônus da responsabilidade civil, que pende sobre o registrador, é mais uma razão
pela qual precisa ser firmemente combatida a tendência da divisão dos cartórios. Ao lado da
cobrança de custas, a estabilidade territorial dos cartórios contribui para que o registrador
possa atender ocasionalmente a responsabilidade decorrente de erro cometido no exercício
das suas funções, conquanto o regulamento deva atalhar a ocorrência de qualquer erro,
facilitando-lhe o exame da legalidade dos títulos com o rol dos casos mais freqüentes de
irregularidades e das exigências cabíveis para saná-las, sem trancar a consulta ao juiz sobre
outros casos emergentes do exame.
Essas cautelas assaz contribuirão para que o registrador bem exerça o seu cargo e, em
mais de um caso, hão de impedir o prejuízo da parte, que acarreta a responsabilidade civil. Na
França a responsabilidade civil por danos causados à parte incumbe ao registrador, 344 mas
na Alemanha, onde vigorava antigamente o mesmo preceito, prevalece agora o da
responsabilidade do Estado. 345
No Brasil, a solução tradicional está na responsabilidade do registrador, que tem para
o público uma vantagem de monta, porque, sob o peso dela, o registrador porfia em evitar
erros. O regulamento dos registros públicos ainda a consagra, declarando que o registrador é
responsável pelos prejuízos que, por culpa ou dolo, cause no exercício do cargo. O seu
alcance vai dos atos do próprio registrador aos dos seus substitutos e prepostos, quando por
ele indicados, em relação aos quais é invocável a falta de vigilância na escolha, a culpa in
eligendo (Lei n.º 6.015, de 1973, art. 28).
Simultaneamente com esse preceito regulamentar, porém, vigora agora entre nós o
princípio constitucional da responsabilidade do Estado po danos que os seus funcionários,
nessa qualidade, causem a terceiros. Ao facultar a responsabilização imediata do Estado, o
princípio ressalva a este a ação regressiva contra os causadores culposos dos danos ocorridos
(Const. do Brasil, de 1967, com a emenda da de 1969, art. 107; cf. Const. de 1946, art. 194;
Cód. Civ., art. 15).
A interpretação do princípio constitucional suscita viva controvérsia, sustentando uns
que ele teve por fim apenas enunciar, em termos gerais, a responsabilidade do Estado, sem

343 Rui Barbosa chegou a prever a entrega de um registro imobiliário, o Torrens, a uma empresa privada na
Capital Federal (Decreto n.º 955-A, de 1890, art. 21, in fine; Decreto n.º 1.155-A, de 1890).
344 Travaux de la comission de Réforme du Code civil, 1945-1946. Librairie du Recueil Sirey, Exposé de
motifs, p. 655.
345 NUSSBAUM, op. cit., p. 19; WOLFF, Martin. Derecho de cosas. Barcelona, ed. Bosch. v. 1, § 27, n.º V, p.
140; HEDEMANN, J. W. Derechos reales. Madrid, Ed. da Rev. de Derecho Privado. 1955. p. 83-85.
tomar partido entre as teorias que procuram dimensioná-la, 346 ao passo que outros
entendem que ele se alinha positivamente ao lado da teoria objetiva, do risco administrativo,
há muito preconizada entre nós. 347 repudiando a teoria subjetiva da culpa. De acordo com
a primeira corrente, cabe à lei ordinária escolher o critério, objetivo ou subjetivo, de
dimensionamento da responsabilidade, ao passo que, na conformidade da segunda, essa
escolha já está feita no contexto do princípio, que optou pelo critério objetivo, tornando o
Estado responsável pelos danos em todos os casos, haja ou não culpa dos funcionários,
embora só na ocorrência desta possa voltar-se regressivamente contra eles. 348
Como se vê, o Estado se acha exposto a responder por danos sofridos pela parte por
culpa do registrador, embora possa depois voltar-se regressivamente contra este. Todavia, o
registrador nem sempre possui um patrimônio capaz de suportar a responsabilidade que o
Estado é levado a assumir em seu lugar. Daí tornar-se aconselhável facultar ao Estado exigir
do registrador o seguro de responsabilidade para cobertura do risco de prejuízo que decorre
de qualquer ato registral, consista este numa inscrição, num cancelamento ou numa certidão.
Quanto ao juiz, que intervém às vezes no processo de registro, julgando procedente
ou improcedente a dúvida levantada pelo registrador, nenhuma é a sua responsabilidade,
porque os seus atos se acham protegidos pela imunidade peculiar ao exercício da função
jurisdicional. 349 Essa imunidade protege igualmente o Estado, uma vez que o ato do juiz se
reputa o cumprimento da lei, só se apontando como exceção à imunidade estatal o dever de
indenizar o dano causado à pessoa pelo erro judiciário de uma sentença condenatória, cuja
injustiça se reconheça em revisão criminal (Cód. de Proc. Penal, Dec.-lei n.º 3.689, de 1941,
art. 630). 350
A responsabilidade do registrador estende-se aos seus prepostos e subordinados
desde que, com apoio na lei de organização judiciária, tenham sido admitidos por sua
indicação ou sejam por ele numerados. Essa responsabilidade prolongar-se-á aos atos do
encarregado do cadastro se, ao ser criado, lhe ficar também diretamente subordinado. Aí
estará uma simples aplicação da regra em vigor.
Aliás, é extremamente difícil acontecer que uma inscrição, ou averbação, seja
inexata. A experiência mostra que a exatidão do registro é a regra, a ponto de impô-lo à
integral confiança do público. Não se conhece senão como raridade ação de retificação do
registro, pois, em regra, a retificação do registro surge em virtude de ação fundada em defeito
do título.
Ao lado da responsabilidade civil por danos a terceiros, corre a sua responsabilidade
pela guarda e conservação dos livros, papeis e demais documentos do arquivo, que lhe

346 CAVALCANTI, Themistocles. Comentários à Constituição de 1946. v. 4, p. 191; PAIVA, Alfredo de


Almeida. responsabilidade Civil do Estado. Comentário in: Rev. de Dir. Adm., v. 33, p. 84.
347 CAVALCANTI, Amaro. Responsabilidade civil do Estado. p. XI.
348 DIAS, J. de Aguiar. Responsabilidade civil do Estado. in: Rev. de Dir. Adm. v. 11. p. 19: — Culpa e risco
administrativo. In: Rev. de Dir. Adm., v. 15, p. 65 e in Rev. For., v. 145, p. 199; Pontes de Miranda. Tratado de
direito privado. Rio, Ed. Borsol, 1955. v. 11, § 1.242, p. 307; § 1.263, p. 408.
349 ―O Estado só responde pelos erros do Poder Judiciário na hipótese prevista no art. 630 do Cód. de Proc. Civ
Fora dela, domina o princípio da irresponsabilidade, não só em atenção à autoridade da coisa julgada como
também à liberdade e independência dos magistrados‖ (Ac. da 2.ª T. do STF de 9.12.1958. In: Rev. For., v. 194,
p. 159-160).
350 AZEVEDO, Filadelfo. Registro de imóveis. (Valor da transcrição). Rio, Ed. da Liv. Jacinto, 1942. n.º 16, p.
23; DIAS, J. de Aguiar. Responsabilidade civil do Estado. In: Rev. de Dir. Adm., v. 11, p. 32; Ac. da 2.ª T. do
STF de 9.12.1958. In: Rev. For., v. 194, p. 159-160.
incumbe sob as penas da lei. Essa responsabilidade achar-se-á oportunamente acrescida com
a da guarda do equipamento do cadastro, caso este seja anexado ao cartório.
Quanto ao cadastro, é tão natural que caiba ao poder público o fornecimento inicial,
sem ônus para o registrador, como que toque a este a sua eventual reposição. O equipamento
é formado de instrumentos duráveis que, bem conservados, atravessam anos e anos e, afinal
de contas, vai servir para que o registrador aumente a sua renda. Se houver um acidente que
force a substituição de um instrumento, este deverá ser substituído a expensas do registrador.
CAPÍTULO 21

CADASTRO

1. Cadastro e planta. Papel do cadastro na inscrição.

2. Articulação com o Registro de Imóveis.

3. Pluralidade de fins do cadastro.

4. Facilitação do cadastro pela aerofotografia.

5. Técnicas alternativas de formação do cadastro.

6. Formação progressiva. Interiorização da cobertura aerofotografica.

7. Aceleração das plantas.

O cadastro constitui complemento natural do Registro de Imóveis. Ao passo que o


registro informa a situação jurídica do imóvel, o cadastro informa a sua situação física. O
segundo traz enorme vantagem ao primeiro. Para pô-la em evidência basta lembrar que a
maioria das dúvidas suscitadas perante os juízes dizem respeito a limites, sua metragem, sua
localização, sua área perimétrica. Essas dúvidas tenderiam o desaparecer com o advento do
cadastro.
Assim como o registro dá a representação descritiva dos imóveis compreendidos no
território, enunciando em palavras as suas características e confrontações, o cadastro ministra
a sua representação gráfica, exibindo em carta a sua imagem fiel. O primeiro transmite ao
espírito uma idéia aproximada dos imóveis, ao passo que o segundo lhe comunica uma vista
exata deles. Num caso, imagina-se, no outro, visualiza-se o imóvel.
O cadastro fornece a representação coletiva dos imóveis abrangidos no território e,
embora sob a aparência de um mosaico, devido ao recorte dos limites, forma uma peça
inteiriça, isto é, sem solução de continuidade. Dentro dele se pode indicar cada parte da
superfície terrestre, como dentro desta se pode igualmente apontar cada imóvel porventura
nela encerrado. Embora distribuído regionalmente, ele propiciar ou, se ainda incompleto se
destina a propiciar uma visão da totalidade dos imóveis inscritos.
Diversamente, a planta topográfica fornece a representação individual do imóvel, de
sorte que, levantada cada qual com autonomia, o conjunto que resulta da justaposição
sucessivamente empreendida de uma a outra pode deixar de coincidir com o correspondente
trecho do território . É que, devido ao levantamento parcelado e livre, se insinuam às vezes
nas plantas erros conducentes a hiatos e superposição, algumas das quais, aliás,
propositadamente buscadas para acerto de divisas ou usurpação de glebas vizinhas, conforme
aconteceu na prática do registro Torrens, a que adiante se aludirá.
Daí se infere que, para o conhecimento exato dos imóveis, reciprocamente
considerados, e respeito aos direitos dos seus titulares, não basta a simples exigências da
planta, apesar de ser esta tanto mais útil quanto, na maioria dos casos, representa fielmente o
imóvel. É preciso relacioná-la com o cadastro, a fim de que se ajuste perfeitamente ao espaço
que lhe cabe no conjunto, mediante o encaixe certo das linhas do seu perímetro, sem deixar
sobras nem vazios.
A luz desse esclarecimento dissipa-se o equívoco corrente, até em círculos de
graduação intelectual, que reputa suficiente exigir dos interessados a planta nas transmissões
e onerações dos imóveis, ao invés de cogitar também do cadastro, que tão pesado dispêndio
impõe ao erário. Além da planta não ser suficiente, a verdade é que, nas condições peculiares
do Brasil, só poderá generalizar-se o seu levantamento, se a administração pública tomar
previamente a iniciativa de facilitá-la por meio do cadastro.
Esta afirmativa conduz naturalmente à consideração do papel que o cadastro deve ser
chamado a desempenhar no nosso País, embora se pressuponha que ele há de servir
principalmente à inscrição. É que aqui ainda não existe cadastro que possa ser posto a serviço
desta, nem será verossímil realizá-lo a não ser progressivamente, num período de dez ou mais
anos.
Diante disso, a primeira conseqüência a tirar é que a inscrição há de continuar
independente do cadastro, embora com este haja de articular-se onde quer que se instale. Essa
fórmula transacional se impõe até que se generalize a instalação do cadastro,
aperfeiçoamento desejável, mas sujeito, no cronograma do seu andamento, às vicissitudes
administrativas.
De parte essa ilação, cabe advertir que o cadastro há de desempenhar aqui um papel
um pouco diferente do que desempenha na Alemanha, onde preexistiu ao Registro de
Imóveis, Ali a inscrição tem base oficial no cadastro, isto é, se faz de acordo com os dados
descritivos e especificadores do catálogo emanado dele, os quais, sem intervenção da parte,
são transportados para a seção do fólio destinada a receber a descrição do imóvel. 351
No Brasil, convém que a inscrição continue a ter base particular, o que importa em
prever que, à semelhança do título, a planta seja oferecida pela parte, servindo o cadastro
apenas para sua conferência e enquadramento. A esse papel principal precederia outro
secundário, mas valiosíssimo, qual o de ensejar à parte o prévio conhecimento visual do
imóvel para o correto traçado dos rumos e distâncias na planta topográfica.
Qual a razão da preferência por uma solução diferente da alemã? Sem falar na
preexistência ali de uma instituição secular que aqui vai ser paulatinamente criada, a razão é
dobrada, pois se apóia primeiramente na diversidade técnica do cadastro visado para o nosso
País e depois na diversidade do funcionamento das repartições públicas. De um lado, a
evolução técnica e a predisposição das condições aconselham a adotar aqui o cadastro
aerofotográfico; de outro lado, o funcionamento das repartições, tantas vezes letárgico,
evidencia que elas se comportam muito melhor na conferência e na fiscalização do que
propriamente na ação. Haja vista, a propósito, a demorada e descuidada confecção das cartas
de sentença nos cartórios cíveis, a que se aludiu no capítulo concernente à legalidade dos
títulos.
De maneira geral, o mais acertado é deixar à iniciativa particular tudo quanto seja
possível subtrair à ação oficial. Assim como a extração da cédula hipotecária foi no nosso
direito confiada à iniciativa da parte, cabendo apenas a sua conferência e autenticação ao
Registro de Imóveis, assim também a confecção da planta do imóvel deve ser igualmente

351 NUSSBAUM, A. Derecho hipotecario alemán. Madrid, Ed. da Rev. de Decreto Privado, 1929. n.º 3, p.
12-13; NETO, Soriano. Publicidade material do registro imobiliário. Recife, 1940, n.º 26, p. 61.
entregue à iniciativa da parte, incumbindo ao órgão local do cadastro tão-só a sua conferência
e autenticação, diversamente do que acontece no Direito Alemão, onde ambos os
procedimentos têm cunho oficial.
Não importa que os dados cadastrais se originem da parte, desde que sejam
conferidos pelo órgão oficial, parecendo até que dessa maneira oferecem maior
probabilidade de certeza, do que quando são elaborados exclusivamente pelo órgão oficial,
sem qualquer controle estranho. O entrosamento a que se submetem por ocasião da
conferência lhes imprime tal cunho de exatidão que os faz acolher como absolutamente
verídicos.
Embora os elementos da situação física, como dados de fato, não se achem amparados
pelo princípio de fé pública, que se atém aos elementos da situação jurídica, por terem estes,
como direitos, caráter abstrato, nem por isso deixam de granjear plena confiança do público,
graças ao rigor com que são medidos e representados. Se, ao informar a situação jurídica, o
registro acresce à informação a garantia, ao informar a situação física, o cadastro, sem
acrescer à informação a garantia, a dá efetivamente, por definir o objeto dos direitos de modo
inequívoco.
Portanto, a centralização do cadastro, destinada a evitar a sua onerosa dispersão, deve
operar-se em torno do Registro de Imóveis para que precipuamente complete a inscrição,
pois esta constitui a sua mais transcendente utilidade. Dali poderá irradiar-se em diferentes
direções para atender a menos transcendentes utilidades ou fins, com a economia resultante
da supressão de múltiplas iniciativas paralelas e nem sempre bem conduzidas.
Essa centralização requer que se estabeleça uma cabal articulação entre o cadastro
propriamente dito e o Registro de Imóveis. Os dois setores do mesmo órgão, hão de
funcionar como vasos comunicantes. A intercomunicação entre o Registro e o Cadastro
constitui um postulado, que não pode ser esquecido. Todas as vezes que o Cadastro se espera
do Registro, redunda em malogro.
A propósito, curioso é notar que, ao discutir-se na França, dentro da reforma do
Código Civil, se se devia, ou não, estender a todo o País o regime imobiliário alemão
encontrado na Alsácia lorena, houve divergência entre os juristas sobre quase todos os pontos
trazidos à baila, exceto o da necessidade de intercomunicação entre o Registro e o Cadastro.
A unanimidade de opiniões em torno desse ponto evidencia a sua importância para o êxito
das duas instituições gêmeas. 352
Essa conclusão doutrinária é corroborada pelo que aconteceu com o cadastro
parcelário do Uruguai, que, devido à sua independência do Registro de Imóveis, pode
considerar-se fracassado. Conquanto a lei uruguaia de 1957 haja estabelecido um regime de
comunicações notariais e fiscais para conservar o Registro, uma vez efetuado, o certo é que,
como todos os Registros de Proprietários de todos os cadastros que pretendem manter-se
independentes dos Registros da Propriedade imóvel, o do Uruguai não pôde consolidar-se.353
Daí a conveniência de estabelecer a mais íntima associação entre o Cadastro e o
Registro, a qual pode chegar a ponto de fazer daquele uma seção deste, subordinados ambos
ao registrador. Se a inscrição no registro depende do placet do cadastro e se o registrador é
civilmente responsável pelos erros da inscrição, nada mais natural que colocar um e outro sob
o controle do registrador. Assim, fica este habilitado a velar pela regularidade de ambos.

352 TRAVAUX, Recueil Sirey, 1945-1946, p. 163.


353 VILLAVICENCIO, J. R. Publicidad inmobiliaria. 2. reimp. Ed. da União Panamericana, 1966, p. 288.
A ligação do registro com o cadastro impõe que o primeiro faça passar pelo segundo
todos os títulos e plantas, a fim de que se verifique se a representação individual dos imóveis
é compatível com a sua representação coletiva. A generalidade desse encaminhamento
abrange os títulos e plantas de divisões e demarcações, uma vez que, em correlação com a
inserção dos títulos no registro, cabe a inserção dos imóveis ou limites novos no cadastro, uns
e outros habilitantes de futuras disposições. Por intermédio do registrador, o cadastro
manterá assim assíduo contato com o Juiz.
A despeito de ter como fim principal servir ao Registro de Imóveis, tornando certo o
objeto sobre o qual recaem os direitos inscritos, o cadastro possui tais virtualidades, que é
capaz de atender a uma pluralidade de fins secundários, entre os quais o tombamento
administrativo, a imposição fiscal e administrativa de imóveis, que historicamente
precederam aquele como motivadores de sua instituição. De fato, no país de onde se origina,
o cadastro surgiu pela primeira vez em repartições outras que não a do Registro de Imóveis,
para fins de coleta de contribuições territoriais e de relacionamento administrativo de
prédios, quando então não se pensava na transcendência que podia assumir para completar e
consolidar o registro, onde encontrou afinal o apogeu da sua evolução.
Dentre esses fins secundários, o da coleta tributária provocou no nosso País, em 1964,
a decretação do chamado cadastro do IBRA, hoje INCRA, destinado a permitir à União o
lançamento e a arrecadação do imposto territorial rural, que em má hora fora transferido da
esfera municipal para a federal, apesar de ser um tributo tipicamente local. Esse cadastro não
passa, porém, de um fichário burocrático, que, formado à base de informações do interessado
ou de alguém que obsequiosamente quisesse ajudá-lo, não oferece a menor objetividade,
havendo prestado apenas para a prática da injustiça tributária e a derrama do dinheiro
público.
Aliás, na ocasião em que foi anunciado, tentei fazer ver o seu espantoso anacronismo.
De uma lado, os elementos que realmente interessam à tributação territorial, sobretudo a
qualidade das terras e a distância do mercado, somente podem se objetivamente
comprovados por fotografia aérea. De outro lado, o seu custo subiria tanto que excederia
provavelmente o dessa fotografia, em grande parte existente, dependente apenas de ser
copiada e ampliada. Os argumentos foram aduzidos em vão, porquanto a contrafação vingou,
carregada no dorso do "estatuto" da terra (Lei n.º 4.5034, de 1964), em cujo texto polêmico a
surpreendera, quando analisava as anomalias do projeto, 354 que outros juristas vieram a
condenar depois com razão, entre os quais Seabra Fagundes, ao empossar-se na presidência
do Instituto dos Advogados Brasileiros. 355
Quer isto dizer que ainda não existe base firme para arrecadação do Imposto
Territorial, precisando esse fim ser atendido tanto mais depressa quanto, já agora, também o
Imposto de Renda leva em conta as construções levantadas e os melhoramentos introduzidos
nos imóveis rurais para aliviar-lhes a carga tributária. Para fazer idéia, porém, dos numerosos
fins que podem ser satisfeitos, bem como dos diferentes indivíduos e órgãos propensos a
persegui-los, basta entrevê-los através das principais vantagens que o cadastro oferece,
correndo os olhos pelas que abaixo se alinham, cada qual mais momentosa para o País:

354 A análise foi publicada espaçadamente na seção econômica domingueira de um matutino, mas com
subtítulos diversos daqueles constantes dos originais, talvez devido à necessidade de redistribuição da matéria
em função do espaço. In: O jornal, de 25 de outubro, 1.º, 8, 15 e 22 de novembro de 1964.
355 FAGUNDES, Seabra. A legalidade democrática. Recife. Ed. Mousinho, 1970. p. 27.
a) dá a posição física dos imóveis, evitando questões derivadas da incerteza das linhas
que os configuram;
b) cria uma base para a imposição tributária sobre os imóveis;
c) facilita o loteamento dos latifúndios e a união dos minifúndios;
d) favorece tanto a assistência financeira, mormente o crédito hipotecário, como a
assistência técnica aos imóveis rurais;
e) permite o planejamento da eletrificação rural pelo conhecimento prévio dos
imóveis;
f) indica o melhor traçado de estradas e a melhor localização de barragens
hidroelétricas;
g) auxilia o levantamento da carta geral do País.

Quando o Código Civil foi promulgado em 1916, o cadastro, então adstrito a um


processo de realização, cuja morosidade desalentava tanto quanto a sua despesa — o do
levantamento topográfico —, era geralmente considerado inexeqüível no País. Decorrido um
quartel de século, em 1942, essa opinião ainda perdurava, pois Filadelfo Azevedo, em
monografia escrita para dar resposta a Soriano Neto, o ratificava com a maior ênfase,
afirmando, para advogar a adoção do princípio de fé pública independentemente do cadastro,
primeiro que este era manifestamente impossível "por muitas décadas" e depois, num lance
final de extremo pessimismo, que "jamais poderá o Brasil possuí-lo". 356
Nesse particular a sua previsão falhou, porquanto na mesma década, uma vez
terminada a Segunda Grande Guerra Mundial começou a ser conhecida no País uma técnica
nova que tomara impulso durante o curso do conflito, a da fotografia aérea, graças à qual se
tornaria possível realizar o cadastro sem consumir o longo tempo e os largos recursos
exigidos pelos meios convencionais de levantamento topográfico. 357 Foi a idéia que me
acudiu ao tomar conhecimento da novidade, pois então já me preocupava com o problema do
cadastro, cuja importância captará como advogado em questões de terras numa zona pioneira
do País.
Quando me tocou a incumbência de redigir para o Governo o primeiro Projeto de Lei
Agrária, aproveitei o ensejo para nele inserir um capítulo dedicado ao cadastro territorial,
valendo-me, para tanto, da possibilidade de restituição das fotografias aéreas cedidas pelos
norte-americanos ao Conselho Nacional de Geografia. Assim cuidava apressar o advento do
cadastro como complemento natural do Registro de imóveis.
A despeito de haver feito recentemente a previsão pessimista, Filadelfo Azevedo, ao
ler esse capítulo, apressou-se em escrever-me uma carta que constitui expressivo testemunho
da lealdade com que discutia o assunto. O progresso da técnica encurtava para nós um tempo
deveras precioso, antecipando a possibilidade da realização do cadastro.

356 AZEVEDO, Filadelfo. Registro de imóveis (Valor da transcrição). Rio, ed. da Liv. Jacinto, 1942, n.º 24, p.
34 e n.º 59, p. 90.
357 Segundo nota que, por obséquio do Eng.º Fernando Meirelhes de Miranda, Diretor da Companhia de
Pesquisa de Recursos Minerais, obtive do Eng.º Frederico Guilherme Antunes de Almeida, Chefe do Centro de
Cartografia da mesma Companhia, o aproveitamento da fotografia aérea para o mapeamento já era conhecido
na Europa após a Primeira Guerra Mundial. A técnica foi trazida para o Brasil pela Missão Cartográfica
Austríaca, aqui chegada em outubro de 1920, por iniciativa do Estado Maior do Exército, conforme consta do
livro do General Moysés Castelo Branco Filho. "A Missão Austríaca e o Serviço Geográfico do Exército" e
serviu para o levantamento da carta de Rezende em 1934. Todavia o conhecimento da técnica só se generalizou
no país após a Segunda Guerra Mundial
Se o País não se valeu então dessa possibilidade, foi porque o projeto de lei, em que se
abrira essa nova frente para o nosso desenvolvimento econômico, ficou, em companhia de
outros deveras valiosos, nos escaninhos da gaveta de um relator, sendo arquivado ao fim da
legislatura. 358 Todavia, a idéia voltou a constar, no começo de 1969, de outro projeto, este
de reorganização do Registro de Imóveis, mas ainda desta vez não vingou, porque,
precisamente pelo temor do cadastro, o projeto foi suplantado por um texto regulamentar
elaborado por serventuários dos cartórios locais do Registro de Imóveis e revisto por um
desembargador.
Quando o cadastro dependia do levantamento topográfico, não era razoável pretender
que o Brasil tivesse o seu, dada a enorme extensão do País, o longo tempo exigido pelo
serviço e o grande dispêndio acarretado por este. Com o aparecimento do método de levantar
o território por meio de fotografias aéreas, a questão do cadastro mudou de figura. Embora o
levantamento aerofotográfico não forneça um mapa de absoluta precisão, fornece-o como
aproximação inteiramente satisfatória. Aliás, o célebre cadastro alemão, paradigma nesse
assunto, não oferece também, em certas regiões, a exatidão imaginada, apresentando, ao
contrário, consideráveis defeitos, salientados em livros sobre o registro imobiliário.
Com base no levantamento aerofotográfico o cadastro não exigirá, ao contrário do
que geralmente se pensa um dispêndio que o erário não possa suportar. Aliás, pode-se ainda
afirmar sem exagero que, qualquer que seja a dispêndio, importará na realidade em enorme
economia, pois cortará numerosos gastos parcelados de várias entidades que ora fazem ou
pretendem fazer levantamentos aerofotográficos para atender a seus fins próprios. Na
verdade, o cadastro representará a unificação desses levantamentos em um só órgão, o
Registro de Imóveis, capaz de atender a todos os interessados.
Nesse particular, o cadastro pode considerar-se como meio de contenção da despesa
pública, pois serve para evitar o desperdício de recursos em iniciativas úteis, mas que, por
não se coordenarem, se duplicam e triplicam desnecessariamente. Se na sua nascente aparece
o signo da economia, depois esse signo reaparece em cada umas das numerosas vantagens
que ele apresenta, todas envolventes de poupança de recursos particulares ou públicos.
O ponto de partida para o organização de um cadastro pela nova técnica é a existência
de uma cobertura aerofotográfica do território que mostre os imóveis particulares em
tamanho que permita distinguir os mais importantes acidentes, como os limites, os tipos de
vegetação, os cursos d'água. A cobertura aerofotográfica pode ser tirada diretamente para
deixar ver os imóveis nesse tamanho ou apenas para aperfeiçoar o mapeamento do território.
No segundo caso, precisa, em regra, sofrer ampliação para atender também ao primeiro. A
necessidade e o tanto da ampliação dependem da escala em que foram tomadas as fotografias
componentes da cobertura.
Pois bem, esse ponto de partida já se acha disponível no País visto como, em virtude
de acordo entre o Brasil e os Estados Unidos, do qual resultou o Projeto 6.032, está sendo
ultimado pelo Grupo de Força Aérea Americana designado como AST-10, a cobertura
aerofotográfica sistemática de todo o território brasileiro composta de fotografias verticais
tiradas na escala de 1 por 60.000, de cujos filmes é depositário o Serviço Geográfico do
Ministério do Exército. Segundo informação colhida, essa cobertura já abrange a porção
mais importante do território, pois, começando do sul, atingiu o paralelo 14. Não deixando a
escala original ver em destaque cada imóvel, precisa, para esse fim, sofrer ampliação para a
de 1 por 20.000.

358 CARVALHO, Afrânio. Reforma agrária. Rio, Ed. Cruzeiro, 1963. p. 13.
Como cada imóvel é um espaço de limites determinados na superfície terrestre,
cumpre relacioná-lo com esta, determinando em que trecho desta ele se acha situado, o que se
consegue pela sua inserção na cobertura que representa esse trecho. Para o relacionamento
leva-se em conta que a superfície terrestre tem, tanto na circunferência do equador, como na
dos meridianos, em números redondos, 40.000 quilômetros.
Divididos 40.000 quilômetros por 360 graus, obtém-se para cada um desses 111
quilômetros que, divididos por sua vez por 60 minutos, dão para cada um destes 1.850
metros. A fim de colher uma imagem satisfatória de cada imóvel, é preciso que a
representação do respectivo trecho da superfície terrestre se faça em escala grande, de 1 por
25.000, em que 25.000 metros quadrados são representados por 1 metro e, portanto, 62.500
m² (6,25 ha) por centímetro quadrado ou, preferivelmente, de 1 por 20.000, em que 20.000
metros são representados por 1 metro (100 centímetros ) e, portanto, 40.000 m² (4 ha) por um
centímetro quadrado.
Apurado que o representação na escala de 1 por 20.000 satisfaz plenamente ao fim de
tornar visíveis os imóveis rurais, pois nessa escala um centímetro quadrado representa quatro
hectares, área a que eles não descem, devido à proibição dos minifúndios, resta verificar em
seguida como deve ser secionada essa representação para ser utilizada em cada circunscrição
territorial. O secionamento deve ser feito em folhas de tamanho uniforme manuseável, a fim
de que seja fácil juntá-las uma às outras. Para isso, cada folha há de abranger de 7,5 a 10
minutos, o que lhe dará, em números redondos, as seguintes dimensões, conforme a escala
preferida, dentre as duas suscetíveis de o ser:

SUPERFÍCIE
ESCALA
1 por 25.000 | 1 por
20.000
|
_________________
|_____________ 7,5 minutos correspondem a 14.062
|
metros (7,5 x 1.875), que, divididos
|
sucessivamente por 25.000 e por |
20.000 dão..................................... 0,56 |
0,70 m
|
b) 10 minutos correspondem a 18.750 |
metros (10 x 1.875), que, divididos |
sucessivamente por 25.000 e por |
20.000 dão.................................... 0,75 m | 0,94
m

As dimensões indicadas são aumentáveis de 10 centímetros, ou lateralmente, de 15


centímetros para deixar margem para menção de paralelos e meridianos e para fixação lateral
por meio de talas de madeira, que prenderão a folha e as cópias a decalque com parafusos de
rosca. Essas dimensões são comparáveis com as do atual livro do registro geral.
Quando a circunscrição territorial sob a jurisdição do Cartório do Registro de
Imóveis, comarca ou municípios, estiver situada de um e outro lado do paralelo ou meridiano
que for limítrofe de folha, está visto que necessitará de duas, três, quatro ou mais folhas para
apanhar as sobras territoriais além dos limites indicados.
Se cada folha abranger uma superfície de 7,5 x 7,5 minutos, 64 folhas cobrirão
111.000 metros ou 1 grau quadrado; se abranger uma superfície de 10 x 10 minutos, 36 folhas
cobrirão 111.000 metros ou 1 grau quadrado. Assim como parece preferível a escala de 1 por
20.000 por apanhar bem os imóveis rurais menores e exigir apenas uma ampliação de três
vezes, também parece aconselhável a folha de 7,5 x 7,5 minutos, por dar na referida escala
um tamanho portátil. Aí está como ficará a folha e, por conseguinte, o cadastro
correlacionado com a carta geral do País.
Apresentada a idéia geral do emprego da nova técnica na organização do cadastro,
cabe dizer que, para a obtenção das folhas divisionais da representação, pensou-se
inicialmente na confecção de mosaicos das fotografias tomadas, sua montagem e ampliação.
O mosaico era usado por diferentes entidades para aproveitamento de coberturas
aerofotográficas esparsas nos fins particulares a que se dirigiam, havendo mesmo sido
empregado no primeiro cadastro de imóveis rurais empreendido no País, posto tivesse este
caráter restrito, destinado, como era, ao pagamento de indenização a proprietário de bacia
inundável de um reservatório. 359
Com a evolução da fotogrametria, contudo, graças à qual já se corrigem, por meio de
instrumento adequado, os erros de variação de escala e de relevo, tudo leva a crer que se
poderá simplificar a utilização da nova técnica. Ao invés da formação de mosaicos e sua
ampliação, abre-se a alternativa da ampliação direta das fotografias áreas para a obtenção das
folhas secionais da cobertura. Esta é a valiosa contribuição que o Serviço de Fotogrametria
do Ministério das Minas e Energia trouxe à iniciativa do cadastro quando emitiu o seu
parecer sobre o capítulo dedicado a ele no Projeto de Reorganização do Registro de Imóveis
de 1969, atrás aludido, parecer esse constante de anexo, do qual agora se transcreve este
trecho capital:

CONSIDERAÇÕES DE ORDEM TÉCNICA 360

O Dr. Afranio de Carvalho sugere a confecção de mosaicos


aerofotográficos e sua ampliação para uma das escalas de
1:25.000ou1:20.000,para servir de base ao cadastro imobiliário.

359 A Companha Hidrelétrica do São Francisco, ao empreender a Usina de Paulo Afonso, projetou o seu
reservatório sobre uma área que — conforme provei na ação de reintegração de posse que lhe foi movida pela
Companhia Agro Fabril Mercantil, afinal frustrada — era constituída de ilhas, pelo que não enfrentou senão um
limitado problema de deslocamento de famílias. Quando, porém, a Central Elétrica de Furnas construiu a Usina
de Furnas, teve de realizar o cadastro de 6.400 propriedades rurais existentes na área inundável do seu
reservatório para efetivar o decreto de desapropriação dentro de cinco anos. Nesse prazo não seria exeqüível um
levantamento convencional a taquiômetro o nível por meio de caminhamentos terrestres, mas a fotografia aérea
permitiu levantá-lo. O cadastro acabou cobrindo 4.400 km², dentro dos quais se identificaram a delimitaram os
imóveis rurais para o fim de avaliação e indenização, sem a qual a área não poderia ser liberada para inundaçào.
Foi essa experiência de cadastro rural aerofotográfico conduzida, com grande economia de tempo e de dinheiro,
pelo Eng.º Philippe Frenkel, com a coloboração do Eng.º Henrique Vaz Corrêa, Chefe do Serviço de
fotogrametria do Ministério das Minas e Energia. Aí está uma iniciativa pioneira e vitoriosa que não pode ser
perdida de vista no futuro.
360 Parecer do Dr. Henrique Vaz Corrêa, Diretor do Serviço de Fotogrametria do Ministério das Minas e
Energia, de 26 de fevereiro de 1970.
Permitiriamo-nos tecer os seguintes comentários em torno
desse ponto de seu trabalho:

1. A fotografia aérea é uma projeção cônica e, como tal, sujeita


a erros tanto mais sensíveis quanto mais acentuado o relevo
do terreno, além dos que decorrem de variações inevitáveis
da altura do vôo fotográfico e das inclinações a que,
freqüentemente, se submetem as câmaras aerofotográficas, no
instante de cada exposição. 361

2. Na confecção do mosaico, novos erros são introduzidos


ao se tentar a continuidade de acidentes que se apresentam
deformados em decorrência dos erros mencionados em 1.

3. A ampliação desses mosaicos para a escala de 1:20.000


causará um agravamento dessas deformações.

4. As operações de confecção do mosaico e de sua ampliação


oneram o elemento final obtido, o qual, na maioria dos casos,
não substituiria a carta topográfica.

Por todas essas razões e considerando que o mosaico am-


pliado serviria apenas para o reconhecimento de divisas. evi-
tando superposições ou hiatos entre propriedades, raramente
constituindo documento hábil para definição de rumos e dis-
tâncias, sugere-se que o mosaico aerofotográfico ampliado
seja substituído por simples ampliação das aerofotografias,
levando-as, de preferência, à escala de 1:20.000, já que, ainda
assim, não seriam ultrapassadas as dimensões dos livros do
Registro de Imóveis. Senão vejamos:

Uma fotografia da cobertura existente na escala de 1:60.000


tem as dimensões de 9"x 9", ou seja, 22 8cm x 22.8cm. Ao
longo de cada faixa fotográfica, as vistas se superpõem em
60% de sua dimensão, havendo entre cada duas fotografias,
não consecutivas, uma superposição longitudinal de 20%.

Dessa forma, desnecessário seria, não apenas a ampliação de


todas as fotografias, mas até de toda a sua extensão no senti-
do longitudinal da faixa, sendo possível reduzir a largura útil
de cada foto, para fins de ampliação, e, apenas, 18.24cm,
resultando, ao ampliá-la 3 vezes, a largura final, e, 1:20.000, de
54. 72cm. Quando à altura, por ser bastante irregular a super-
posição lateral entre faixas, sugere-se que toda a foto seja
ampliada, eis que, assim, a altura de cada foto atingiria a
dimensão, na escala de 1:20.000, de, apenas, 68.40cm. ambas
as dimensões, por conseguinte, inferiores às dos livros de Re-
gistro cujo formato é de 60.00 cm x 84.00 cm, facultando,
portanto, a reserva de espaço para uma margem branca em que
se lançariam as coordenadas geográficas.

361 Há a possibilidade do emprego da ortofotografia, que apresenta todos os detalhes de uma fotografia
convencional, mas posicionados corretamente. Embora assim se obtenha uma imagem fotográfica com precisão
de uma carta topográfica na mesma escala, o emprego da ortofotografia, pelo seu elevado preço, só seria
justificável em áreas urbanas de grande valor.
É claro que, raramente, tais ampliações corresponderiam a uma
quadrícula de 7.5' x 7.5' mas, em todas haveria possibilidade de
registro de, pelo menos, um cruzamento de meridiano e paralelo
de 7.5' x 7..5', o que seria suficiente, uma vez que, todas as
fotografias da cobertura aerofotográfica e, 1: 60.000 têm sua
posição definida em uma das pranchas fotoíndice obtido por
redução fotográfica de montagem das fotos em faixas e destas
em blocos de 1º x 1º, limitados por meridianos e paralelos de
grau inteiro, cujos valores acham-se registrados nos seus
cruzamentos, constituindo as "coordenadas dos cantos dos
fotoíndices."

Reconhecidas as divisas das propriedades, haveria de ser, na


maioria dos casos, levantado o imóvel pelos métodos clássicos
da topografia ou pelos modernos procedimentos aerofotogra-
métricos, visando à definição dos recursos e à medida exata das
dimensões das divisas, além de facultar a representação do rele-
vo do solo por curvas de nível, sempre que desejado. Para esse
fim, muitas outras coberturas locais ou regionais, existentes em
escalas maiores, poderão ser usadas, graças à elevada acuidade
dos aprelhos de restituição estereofotogramétrica existentes no
país.

Não obstante essa simplificaçào, justo é convir em que, dada a extensão continental
do país, o colecionamento e a ampliação das foografias aéreas e a sua distribuição pelo
interior do país devem constituir objeto de um programa a longo prazo, até o máximo de dez
anos, não só pelo apuro técnico que exigem como pelo custo que impõem, ainda que
consideravelmente reduzido. Assim decomposta a dificuldade, será facilmente vencida pela
continuidade do programa. O importante, pois, é estabelecer o programa a encetar a sua
realização.
Nenhuma ocasião poderia ser mais propícia do que a atual, visto como permite
aproveitar a extensa cobertura aerofotográfica existente, enquanto se processa a
complementação progressiva desta. Assim se reunirão e se ampliarão fotografias recentes,
que, chegadas ao estremo norte, completarão a carta do país. Embora distribuídas
regionalmente, elas formarão em conjunto, um verdadeiro atlas do território brasileiro.
Não se pode perder essa ocasião, em que a parte mais difícil e dispendiosa do
cadastro, que é a tomada das fotografias aéreas, já foi ou está sendo executada em virtude do
acordo Brasil-Estados Unidos. Do contrário, se se deixar que as fotografias envelheçam ou se
estraguem, então, para levar avante o cadastro, será necessário arcar com um dispêndio
considerável, posto não proibitivo, porque distribuível por período alongado de tempo.
Apesar da vantagem da existência de uma cobertura aerofotográfica aproveitável, a
que acresce a de achar-se localizada em órgão oficial, ainda assim o cadastro exigirá as
operações de ampliação das fotografias para a escala escolhida (1 por 20.000) e a sua
distribuição pelos Cartórios do Registro de Imóveis no interior do País. Tais operações
alcançarão um custo que de todo não poderá ser considerado alto, sobretudo se comparado
com o das operações topográficas convencionais, e serão executadas com relativa rapidez,
em contraste com a delonga natural das outras.
A ampliação das fotografias e a subseqüente distribuiçào gradativa pelos Cartórios de
Registros de Imóveis das comarcas permitirão a estes a instalação do cadastro. Aquelas
servirão, no começo para o levantamento das plantas topográficas dos imóveis e, no fim, para
o enquadramento dessas plantas depois de levadas à escala cadastral padronizada.
A realização do cadastro precisa, contudo, ficar subordinada a um órgão central
planejador, coordenador, normativo, orientadore fiscalizador da tarefa. Qual será esse órgão?
A princípio, pensei que o Ministério da Justiça pudesse articular-se com um dos vários
órgãos indôneos especializados em fotogrametria no nosso País, como o Serviço de
Fotogrametria do Ministério das Minas e Energia, a Fundação IBGE, o Serviço Geográfico
do Exército ou uma empresa particular de aerofotogrametria para confiar-lhe a tarefa
mediante acordo. Essa solução administrativa tinha para mim o alto mérito de evitar a criação
de mais um órgão público, ainda que neste pudessem ser aproveitados elementos materiais e
pessoais do antigo IBRA.
Contudo, o ilustre Diretor do primeiro desses órgãos teceu, acerca do assunto,
considerações tão judiciosas, tendentes à criação de um órgão especializado no próprio
Ministério da Justiça, que deveras abalaram um pouco a minha convicção no sentido de
simples articulaçào desse Ministério com órgão já existente. De qualquer forma, a solução
permanece opinativa, parecendo-me que a inicialmente prevista poderá ser adotada, desde
que se assegure de antemão, mediante adequada estipulaçào convencional ou contratual, que
o órgão escolhido para a articulação não sacrificará o empreendimento do cadastro pela
prioridade que dê à sua atividade específica.
A simples exigência da planta do imóvel para instruir o título de aquisição,
transferência ou oneração da propriedade não satisfaz a segurança do tráfico. É que essa
planta pode ultrapassar a limites verdadeiros do imóvel, invadindo um ou mais imóveis
vizinhos, motivo pelo qual só será recebível se se ajustar ao conjunto em que estejam
representados.
Neste particular, a presença da seção da cobertua aerofotográfica no Cartório do
Registro de Imóveis terá uma utilidade dupla, pois, no começo, servirá para facilitar o
levantamento da planta topográfica do imóvel e, no fim, para enquadrá-la, depois de reduzida
à sua própria escala. Se a planta vai emergir do conjunto, é claro que, quando nele tiver de
baixar, aí encontrará o seu justo lugar, sem forçar qualquer linha de divisa.
A cobertura aerofotográfica fará aos proprietários a surpresa de mostrar-lhes
instantaneamente o contorno iniludível dos seus imóveis e essa visão panorâmica daquilo
que lhes pertence desempenhará entre eles um papel estimulador, induzindo-os a satisfazer
logo uma aspiração que acalentavam, mas que não se atreviam a encaminhar, pela
obscuridade, pela dificuldade, pelo custo que envolvia. Assim, mais depressa do que se
supõe, todos os títulos de propriedade passarão a se acompanhados das plantas assinadas pelo
topógrafo e pelas partes, com o que se encerrarão em breve astormentosas questões de limites
que ora pertubam o Registro de Imóveis.
A previsão é tanto mais justificadas quanto se sabe que, no presente, vários
proprietários, ao tomarem conhecimento dos levantamentos aerofotográficos, procuram os
órgãos e empresas depositários das fotografias aéreas para obtê-las, a fim de delimitar
adequadamente as suas propriedades em plantas. Se essas fotografias forem colocadas al
alcance de todos os proprietários, na própria sede da comarca, está claro que se intensificará
notavelmente a procura delas.
Ao mesmo tempo, verifica-se que, em mais de uma comarca, assim que se torna
disponível um engenheiro ou topógrafo, outros proprietários, que suspeitam terem os seus
imóveis área superior à consignada nos respectivos títulos de propriedade, recorrem à
medição e ao desenho da respectiva planta. Essa planta, autenticada por eles e pelo
profissional, é depois levada ao conhecimento do Juíz um requerimento no sentido de
mandar averbar no Registro de Imóveis a área certa, dando ensejo ao que um oficial
denominou pitorescamente de "aquisição por averbação".
Como se vê, a iniciativa de levantar a planta está partindo dos particulares, antes de
ser exigida por preceito geral, que, quando aparecer, não fará outra coisa senão canalizar a
tendência observada. Atualmente, vigora o preceito especial que manda, na demarcação e na
divisão de terras, levantar a planta, fixando pontos certos e estáveis no imóvel o que permitirá
incorporá-la à carta geral cadastral (Cód. de Proc. Civ., arts. 961 e 975).
A tendência aludida aconselha estabelecer a regra da obrigatoriedade da planta antes
msmo da instalação do cadastro, embora com a ressalva de que o Juiz poderá dispensá-la
eventualmente em atenção às circunstâncias, entre as quais a inexistência de engenheiro ou
topógrafo na comarca. Tal obrigatoriedade permitirá ao Registro de Imóveis recolher desde
logo ao seu arquivo não só as plantas que se levantam necessariamente, como as das divisões
de condomínio, das partilhas geodésicas e das demarcações como outra que proprietários
cuidadosos ora se empenham em fazer desenhar para conhecer exatamente o que lhes
pertence.
A exigência geral da planta, dotada de cautelosa válvula de escape, apanhará os
títulos novos, pelo que as partes já a levarão em conta ao entabularem os seus negócios, o que
as habilitará a satisfazê-lo oportunamente sem maior incômodo. Uma vez feita essa exigência
de caráter genérico, pode-se abrir mão daquela de cunho específico, que aventara em projeto
anterior, para colher também a planta dos títulos antigos, quando previ a juntada a estes todas
as vezes que se intentassem ações sobre imóveis ou direitos a eles relativos. 362 Apesar de
expressa dispensa em casos óbvios, inclusive os interditos possessórios, poderia o preceito
motivar rejeições impedientes do oportuno exercício do direito, tanto menos justas quanto,
no curso do processo, costumam as partes fazer levantar a planta pela perícia.
Como o cadastro não alcançará imediatamente todas as comarcas, a exigência da
planta antecipará o aperfeiçoamento técnico onde for possível introduzi-lo no registro.
Depois, com a chegada daquele, é natural que o aperfeiçoamento ganhe novo impulso, pois
trará a visualização dos imóveis na fotografia aérea para ensejar a sua mensuração na planta,
para cujo levantamento cria assim poderoso incentivo.
Com efeito, para facilitar o levantamento das plantas, o cartório porá à disposição dos
interessados as fotografias áereas, onde identificarão com facilidade os imóveis que lhes
pertencem, a fim de em cópias a decalque, reproduzir o seu contorno e outros elementos
observáveis. Esses elementos fotografados, inclusive o relevo observável por estereoscópio,
servirão de base para as plantas topográficas, que lhes acrescentarão sobretudo a metragem,
quer planimétrica, quer altimétrica, tomada por medição direta no campo. Não há fugir, ao
risco de serem algumas plantas, de onde em onde, preparadas no próprio cartório, à simples
vista da fotografia.
Assim facilitada, a planta poderá ser desenhada pelo topógrafos locais ou, se isso não
trouxer prejuízo à regularidade do serviço interno, pelo próprio serviço do cadastro, que tem
vivo interesse em sua perfeição. Com a saudável emulação que nascerá entre os agrimensores
particulares e o serviço do cadastro nada mais natural do que permiter a este que se
encarregue tanto da complementação em campo como o desenho da planta, mormente
considerando que, em certas comarcas do País, será provavelmente o único possuidor de
equipamento adequado.

362CARVALHO, Afrânio, Reforma Agrária, Ed. Cruzeiro, Rio, 1963, p. 165-166.


A observância do preceito que manda franquear aos interessados, com a necessária
cautela, o conhecimento das fotografias aéreas é muito importante para o correto
levantamento das plantas e, por conseguinte, para o aperfeiçoamento do cadastro. Esse
preceito aplica às plantas liberalmente — porque não é só o conhecimento que se facilita,
mas ainda o aproveitamento — uma regra que no regulamento anterior vinha expressa em
relação aos livros do Registro de Imóveis, mas na lei atual ainda se acha latente na do
fornecimento de informações (Dc. n.º 4.857, de 1939, art. 19, § 2.º; Lei n.º 6.015, de 1973,
art. 16, n.º 2).
A formação da mapoteca pela cópia das plantas entranhadas em processos findos de
demarcação e divisão tem por fim tirar proveito desse material e colocá-lo também ao
alcance imediato dos interessados para que facilite novos levantamentos. A essas cópias de
planta reunir-se-ão outras das levantadas por autarquias e repartições públicas, cuja
requisição, por intermédio do Juíz, aplicará um princípio corrente relativamente a certidões
(Cód. de Proc. Civ., artigo 399,I).
A escala da planta do imóvel combinará conveniência do relacionamento com a área e
a do manuseio e apensamento à escritura de compra ou a outo título. Assim, a escala será tal
que a representação do imóvel caiba, nos casos mais freqüentes, nas folhas de três formatos
padronizados pela Associação Brasileira de Normas Técnicas, e fixados na NB-8, a saber: o
A-2, com as dimensões das linhas de corte iguais a 420mm por 594mm; o A-3, com as
dimensões de 297 mm por 420 mm; e o A-4, de 210mm por 297mm. As folhs desses
formatos podem ser facilmente dobradas, conforme se esclarece na mesma norma, de modo a
ocupar as dimensões aproximadas de uma folha de papel almaço.
O tamanho bastará para conter os elementos essenciais à caracterizaçào física do
imóvel e facilitará a consulta à planta anexada a qualquer título. Com o novo preceito sobre a
escala das plantas desaparecerão aquelas que presentemente intumescem as escrituras e autos
com suas múltiplas dobras e que, no sarcófago destas, deixam deser consultadas até porque
encerram pouco mais do que as linhas perimétricas do imóveis, documentando assim menos
a técnica do que o desperdício nacional.
Ao regular o assunto, o Código de Processo Civil não se preocupou em escolher,
dentre várias formas porríveis, a mais adequada à tramitação da planta em Juízo. Facultou,
em grande amplitude, a variação de escalas, dispondo que, na mediação das propriedades, as
escalas poderão variar conforme a extensão delas, entre os limites de 1 por 500 e 1 por 5.000
(Cód. de Proc. Civ., art. 961, parág. único).
Se o perímetro traçado na planta, em qualquer de suas linhas, divergir do de outro
limítrofe ou deixar de permeio vazio apreciável, bem como se delimitar uma área
insuscetível de exploração econômica na zona rural ou de construçào na zona urbana, deixará
de ser feita a inscrição até que se regularizem o título e a planta, seguindo-se os trâmites
previstos para a dúvida. Esses trâmites incluem o processo administrativo da vistoria nos
trabalhos de medição de um e outro imóvel, ou no local, a fim de se retificar o perimetro
erradamente figurado, bem como a eventual intimação de terceiros para intervirem, se
interesses deles forem atingidos.
A vistoria foi o processo administrativo que surgiu e foi adotado no antigo Distrito
Federal para suprir falhas dos títulos que prejudicavam a especialização do imóvel. No
pressuposto de que as características e confrontações do imóvel tenham sido consignadas de
modo completo, o projeto faculta a vistoria na eventualidade de divergência ou
incoincidências dos seus limites com os de outro inscrito anteriormente. Se a meta é o
cadastro, parece que não se pode deixar de pôr a vistoria no itinerário para dar a imagem
exata do imóvel, quando uma ou mais de suas linhas se apresentam duvidosas.
Por economia processual será mais acertado obter logo a figura do imóvel na via
administrativa por acordo dos interessados do que remetê-los de plano para a via contenciosa
na ação demarcatória. Aliás esta merece também ser reformulada para admitir que o dono do
imóvel apresente inicialmente, em juízo, para ser apreciada pelos seus confinantes, a planta
de divisa que será logo homologada, se não houver oposição deles, prosseguindo-se, em caso
contrário, no processo comum. Essa alternativa do pedido se justifica tanto quanto, de um
lado, a planta oferece muito maior nitidez do que qualquer descrição vocabular dos títulos e,
de outro, é nela que se exterioriza afinal a fixação ou aviventação de rumos.
Além da divergência de limites, a outra causa para a vistoria é a existência de vazio
apreciável entre um e outro imóvel. O vazio ocorre sempre por erro na medida ora de um, ora
de outro, ora de ambos os confrontantes, que podem efetuar medidas mais curtas em uma
linha que passa de um para outro imóvel, de sorte que a distância entre dois pontos fixos fica
menor. De permeio aos dois imóveis cria-se assim um "vazio". Além disso, o próprio
topógrafo, em vez de errar na medida, pode errar na cotagem dela, deixando de somar,
"engolindo", por exemplo, uma trepada de 20 metros, com o que se cria também um "vazio".
De par com essas duas causas impeditivas da inscrição, existe outra, a saber, a
delimitação de área inferior ao chamado "módulo", rural ou urbano, isto é, à unidade de
cultivação na zona rural ou ao gabarito de construçào na zona urbana. Na zona rural evita-se
a formação de minifúndio pelo desmembramento excessivo; na zona urbana, coibe-se o
mini-lote, prejudicial à saúde da população, à estética da cidade e aos serviços comunitários.
Aí estão os modos pelos quais se assegura a correta amarração da planta no mapa
municipal e no mapa nacional, devido ao seu enquadamento em uma seção desse mapa, que é
a folha da cobertura, substituível, onde for possível, pela própria folha geográfica da Carta
Geral do Brasil. Como parte de um todo, relaciona-se necessariamente com ele, tomando-o
como ponto de partida e de chegada, onde quer que se instale o serviço do cadastro.
Embora o sistema Torrens também exija a planta do imóvel, esta não passa nele de
uma peça avulsa, sem nenhum arranjo para ser acomodada na projeçào coletiva do território,
trazendo assim o risco dainvasão irremediável de terras alheias, desde que não haja oportuna
e eficiente impugnação dos confrontantes citados para o processo. Diversamente, convém
prever uma planta suscetível de ser embutida na projeção coletiva do território, escoimada de
qualquer risco de interpenetração territorial.
O enquadramento da planta far-se-á não diretamente, mas indiretamente, vale dizer,
em cópias tiradas a decalque em papel transparente e estável. A razão disso está em que a
fotografia aérea se estragaria se fosse constantemente umedecida ou lavada para se apagar a
tinta de linhas e se efetuar a mudança da figura de imóveis em conseqüência de anexações e
desmembramento.
A mudança do perímetro do imóvel inscrito, mediante anexações e desmembramento,
srá, toda vez que ocorrer, figurada nas cópias, as quais deverão dar sempre a imagem atual
dele. As anexações mudam apenas a forma do imóvel, que conserva o respectivo número; os
desmembramentos fazem surgir imóveis independentes, que recebem números novos. A
anexação total, isto é, em que a certo imóvel se agrega outro inteiro, faz desaparecer este
último, cujo número fica vago.
As copias apresentarão sempre a imagem atual dos imóveis, eliminando-se linhas que
possam desfigurá-la, advindas do processo de evolução do seu perímetro. Esse processo
histórico poderá ser acompanhado nos títulos e plantas conservados em arquivo debaixo do
número individuador dos imóveis. A exemplo do que acontece com os títulos, as plantas são
também exigidas em duas vias, das quais a primeira é devolvida ao interessado e a segunda
fica em arquivo. O arquivamento de uma das vias da planta permite ter sempre à mão o
suporte do cadastro para eventual conferência ou complementação tanto na atividade
rotineira do cartório como na aventualidade de uma vistoria administrativa ou de uma ação
demarcatória.
Como a inscrição independe do cadastro, isso permite que o livro fundiário único seja
inaugurado antes que o seja o cadastro. Na maioria dos Cartórios do Registro de Imóveis será
isso que sucederá por falta das fotografias aéreas, mas o intervalo entre o começo do livro de
inscrição e o começo do cadastro não prejudica a conexão entre um e outro, porque esta se faz
pelo número de matrícula tomado pelo imóvel no livro de inscrição e levado ao cadastro.
Não importa que apreça na folha do cadastro uma série de números altos sem aparecer
a série de números baixos que deveria antecedê-la. Com a correr do tempo esses números
baixos irão acorrendo, à medida que se efetuarem negócios com os imóveis a que eles
correspondem. O essencial é que o imóvel tenha, tanto no livro de inscrição, como no
cadastro, o mesmo número. Esse número chave, pelo qual se estabelece o nexo, é o da
matrícula do imóvel, e não o do protocolo, que, prenotado apenas a entrada dos títulos, é, por
sua finalidade, provisório, dado que os títulos podem ser afinal recusados.
A conexão por esse elemento individuador comum é facilitada pela referência que a
folha do livro de inscrição faz, no seu cabeçalho, à folha do cadastro e à situação do imóvel
dentro dela. Como se viu, uma circunscrição cartorial pode abranger uma, duas, três e mais
folhas, cada uma delas caracterizada pela posição geográfica, de sorte que, por esta, se sabe
logo em quais das folhas se enquadra o imóvel. Trazendo as bordas da folha a indicação de
paralelos e meridianos, determina-se facilmente a localização do imóvel dentro dela. Assim,
a tríplice referência do livro fundiário à folha, à situação do imóvel dentro dela e ao número
de matrícula constitui cabal remissão ao cadastro.
Os modos de aproveitamento da terra, a serem indicados em uma das cópias da folha,
devem obedecer à classificação internacional dos usos da terra proposta pela União
Geográfica Internacional. Essas classificação desdobra-se em nove grandes categorias que
seguem a ordem descendente de acordo com a intensidade do uso da terra e podem ser
subdivididas de acordo com a situação peculiar da agricultura brasileira: 1) centros povoados
e terras não-agrícolas; 2) horticultura; 3) árvores e outros cultivos perenes; 4) terras de
cultivo; 5) pastos melhorados permanentes; 6) prados não melhorados; 7) terras de bosques;
8) pântanos e brejos; 9) terras improdutivas. 363
A extensão do cadastro à zona urbana exige a mudança da escala, que de 1 para
25.000 ou 1 por 20.000 deverá passar para 1 por 2.000 ou 1 por 1.000. O levantamento
aerofotográfico para o cadastro urbano custará, por isso, muito mais do que o rural. Dessa
maneira o cadastro só se estenderá aos imóveis urbanos quando as Prefeituras, ou outros
órgãos, se dispuserem a custear o levantamento aerofotográfico. Tamanha é a vantagem que
daí advém para as Prefeituras que algumas delas, como a de Petrópolis, já ultimaram o seu
fotocadastro imobiliário.
As considraçòes precedentes ganharam atualidade com a introdução do fólio real no
nosso Registro de Imóveis e com a previsão do seu correlacionamento com o cadastro, para o
que se inclui entre os requisitos da identificaçào do imóvel "a sua designação cadastral, se
houver" (Lei n.º 6.015, de 1973, art. 176, parág. único, II, n.º 3, in fine). Os dois fatos

363 VERA, Luís. Tecnica de inventário de la tierra agrícola. Washington, D. C., Panamericana; 1964. p. 72.
avivaram a oportunidade do cadastro, cujo advento já encontrará no segundo uma peça
predisposta para a sua junção, cumprindo agora criá-lo em Lei ou Regulamento que
determine o órgão a cargo do qual ficará a sua realizaçào progressiva.
CAPÍTULO 22

REGISTRO TORRENS

1. Introdução e característica do Registro Torrens.

2. Correlação entre o insucesso desse Registro e o aperfeiçoamento do


Registro de Imóveis.

3. Descaracterização do Registro Torrens.

4. Desnecessidade e desuso.

Antes do advento do Código Civil, em 1916, o nosso Registro de Imóveis, por


dispensar a inscrição das transmissões causa mortis e dos atos judiciais, se apresentava tão
falho e claudicante, a ponto de ocasionar a maior incerteza acerca da propriedade territorial,
cujo título não lograva assim inspirar confiança para a circulação econômica. Basta recordar
os numerosos, complexos e embaraçosos problemas imobiliários descritos no capítulo
relativo à continuidade do registro para compreender que a um governo inovador que
tomasse o poder naquela época haveria de acudir a idéia de tentar modificar essa situação, tão
danosa à segurança dos direitos, como à organização do crédito real.
Assim, não surpreende que, logo no começo da República, em 1890, o Governo
introduzisse no País um registro novo, o Registro Torrens, oferecendo-o ao povo como
alternativa do vigente Registro de Imóveis. Ante a dificuldade e a demora provável de uma
reforma profunda do Registro de Imóveis, que, em sua elaboração, teria de irradiar-se por
numerosos textos da legislação, naquela tempo ainda não codificados, o Governo considerou
mais oportuno colocar a seu lado, à escolha dos particulares, o Registro Torrens, que tinha a
dupla vantagem de poder ser lançado imediatamente, por se achar predisposto em um texto
legislativo inteiriço de outro país, e a de afastar a penosa tarefa reformadora do seu
congênere.
Embora essas razões não constem explicitamente da notável e entusiástica exposição
de motivos com que Rui Barbosa, então Ministro da Fazenda, propôs ao Governo a inovação,
tudo leva a supor que, no fundo, foram elas que pesaram no seu espírito, fazendo-o atalhar o
longo caminho de uma extensa reforma, até hoje incompleta, para chegar depressa ao seu
alvo de um título imobiliário revestido de certeza e capaz de servir ao seu ambicioso
programa econômico. Assim, foi emergencial a introdução, no Brasil, do Registro Torrens,
estabelecido pelo Decreto n.º 451-B, de 31 de maio de 1890, a que deu regulamento o
Decreto n.º 955-A, de 5 de novembro de 1890. 364

364 A exposição de motivos, o Dec. n.º 451-B e o Dec. n.º 955-A, de 1890, se acham transcritos integralmente
no apêndice de legislação do livro de João Afonso Borges. O Registro Torrens no Direito Brasileiro, São Paulo,
Ed. Saraiva, 1960. As premissas do livro, que é bem documentado, são válidos para chegar à conclusão oposta,
isto é, que esse registro não é a via mais aconselhável de legalização da propriedade imóvel no Brasil. Sem
Ao contrário do Registro Alemão, que representa o resultado de uma lenta evolução
jurídica, unificada em 1900 no Código Civil, esse Registro surgiu pronto e acabado, havendo
sido idealizado por Robert Richard Torrens e adotado inicialmente na Austrália em 1858 pelo
Real Property Act. Alí logrou completo êxito, explicável tanto pelo seu mérito intrínseco
como pelo ambiente onde foi lançado, cujas condições naturais e sociais permitiram
concebê-lo sob o signo da contralização administrativa, condizente com a necessidade de
selecionar pessoal altamente qualificado para pô-lo em funcionamento.
Além da facultatividade, as suas características originais são as seguintes:

a) passagem dos títulos antigos do imóvel, acompanhados de planta topográfica


deste, por um processo de depuração do domínio, após o qual dá-se a sua substituição por um
título novo;
b) matrícula do imóvel, identificado pela planta, em um livro matriz, cujas folhas,
portadoras da sua descrição e dos seus encargos, têm uma duplicata, destacável paraservir ao
proprietário de título novo;
c) fé pública do título novo, imune a qualquer reivindicação, que, quando cabível, tem
sucedâneo na indenização, pagável à conta do fundo especialmente criado para esse fim;
d) transferências e onerações mediante simples averbações no título do proprietário e
no livro matriz.

Ao passo que na Austrália obedecia a um processo administrativo, numa repartição


central dirigida pelo registrador geral, a que competia o exame dos documentos descritivos e
cartográficos do imóvel e a substituição dos títulos antigos pelo título novo, inserível no livro
matriz, no Brasil veio a subordinar-se a um processo principalmente judicial, pouco
administrativo, o primeiro a cargo da justiça comum e o segundo do Cartório do Registro de
Imóveis, em cujos livros entra o título novo, com a menção, na coluna de averbações, de
ligar-se ao sistema Torrens (Dec. n.º 955-A, de 1890, artigo 19). Na adaptação ao nosso
meio, a longa história dos títulos dominiais e a extensão da superfície do País determinaram,
pois, a preeminência da ação judicial e a descentralização do sistema, que não passou de um
enxerto feito à ilharga do preexistente. 365
Ao ser lançado no Brasil, foi-no com caráter facultativo que até hoje mantém, exceto
no tocante às terras públicas, o que importa em dizer que o proprietário da terra podia
escolhê-lo ou deixar-se ficar sob o regime comum. A expectativa do seu lnaçamento,
transparente na exposição de motivos, era a de que, deixando à sua sorte, sairia triunfante da
prova, porque a espontaneidade dos interesses o propagaria vitoriosamente, como aconteceu
no seu país de origem. Contudo, essa previsão otimista não foi confirmada.

opinar sobre a sua conveniência ou incoveniência, Jacy de Assis estuda proficientemente o seu processo na
Revista dos Tribunais, n.º 371, p. 20.
365 O Regulamento do Registro Torrens enumerou quatro livros, o matriz, o protocolo, o indicador real e o
indicador pessoal (Decreto n.º 955-A de 1890, art. 14). Desses livros, o matriz, destinado à matrícula dos
imóveis e à averbação das alienações e gravames, foi frustado pelo próprio Regulamento ao mandar que as
alienações e gravames se levassem aos livros do registro comum (Dec. n.º 955-A, de 1890, art. 19), ao passo que
os demais foram dispensados pela doutrina ao aconselhar o uso dos similares do registro comum. Se alguns
cartórios adquiriram o livro matriz, cujas folhas possuem parte destacável a ser entregue ao proprietário como
título, tiveram de conformar-se com a desordem do seu preenchimento devido ao extravasamento da descrição
do imóvel para folhas que deveriam receber outras matrículas (cf. BORGES, João Afonso. O Registro Torrens
no direito brasileiro. São Paulo, Ed. Saraiva, 1960, p. 22, observação).
Na realidade, o Registro Torrens foi pouco procurado espontaneamente, apesar do
grande atrativo que oferecia, a saber, uma matrícula ao mesmo tempo constitutiva e
legitimadora, mais valiosa do que a inscrição comum, que, por ser apenas constitutiva, não
purga ao vícios acaso existentes da transmissão. Essa matrícula, mais radical do que a
inscrição do próprio Registro Alemão, possui força formal, de sorte que contra ela não é
recebível nenhuma ação, por importar, por si mesma, em prova absoluta da propriedade.
Qual a razão, pois, do insucesso? Por um lado, cabe descontar que, entre 1890, ano da
perfilhação basileira do Registro Torrens, e 1916, ano da incorporação do Registro de
Imóveis no Código Civil, decorreu um período, que nas condições contemporâneas, deve ser
havido como insuficiente para que o primeiro se tornasse plenamente conhecido e viesse a
suplantar o segundo. Por outro lado, com o advento do Código Civil, cessou a principal razão
para que o primeiro levasse a melhor na competição com o segundo, pois, se aquele declara
diretamente a legitimidade do título de proprietário, este a declara indiretamente, pela mostra
da linha completa da sua filiação.
De fato, não se há de perder de vista, por estar aí o ponto nodal do assunto, que a
principal preocupação do propretário é ter em mão um título certo, que ninguém lhe possa
disputar, 366 como a principal preocupação do banqueiro é negociar com um título certo,
sobre o qual possa emprestar com tranquilidade. Se o Registro de Imóveis, pelo rigoroso
encadeamento das transmissões, que impossibilita a inscrição do imóvel em nome de quem
não seja efetivamente dono, passou finalmente a satisfazer ao fim visado, perdeu a razão de
ser a procura, para o mesmo fim, de outro registro que, pela exigência de um processo prévio
de pepuração dominial, é muito mais demorado e mais dispendioso, só acessível aos riscos.
Daí haver o Registro Torrens caído em desuso.
Portanto, no presente, a coexistência de dois registros imobiliários no nosso País,
um geral e obrigatório, o Registro de Imóveis, o outro excepcional e facultativo, o Registro
Torrens constitui uma demasia, que precisa cessar, por haver desaparecido a deficiência do
primeiro, que, no passado, justificou o lançamento do segundo. Essa demasia, além de
prestar-se a servir de esdrúxula variante do usucapião, enseja, na comunicação de um com
outro registro, um carente, o outro dotado de intangibilidade, sérios problemas jurídicos, cuja
multiplicação impressionaria, se não tivesse ocorrido o virtual apagamento do Registro
Torrens, baldo de forças para disputar a preferência do público.
Neste momento, comparados um com o outro, fere logo a atenção o fato de que o
Registro de Imóveis basta por si mesmo, sendo interno o processo de todos os títulos, ao
passo que o Registro Torrens carece de auto-suficiência, sendo externo, ou judicial, o
processo de onde provêm os títulos exarados na sua matrícula, o que os torna de obtenção
mais demorada e mais cara. Como já se advertiu, essa preculiaridade tende naturalmente a
afastar o público do segundo, já que não mais oferece sozinho, ou com exclusividade, o
atrativo que contrabalançava essa desvantagem.
Depois, apurou-se que esse próprio atrativo não é tão cabal quanto se imagina, pois se
existe em relação ao títulos de matrícula, declarados imunes contra quaisquer ataques,
partam de onde partirem (Dec. n.º 451-B, de 1890, artigo 75), deixa de existir em relação às
transferências e onerações posteriores, feitas por simples averbação dos respectivos títulos

366 "Estes (os proprietários) desejam ardentemente apenas isto: que a Lei lhes dê plena garantia de que o seu
imóvel está protegido contra a ação reivindicatória ou qualquer outra que vise abalar o seu domínio. As demais
vantagens — e dadas mesmo como fazendo parte da estrutura do sistema — são consideradas de somenos
importância" (BORGES, op. cit., p. 33; cf. p. 34, in fine).
(Dec. cit., art. 16), que não oferecem iguais garantias, prestando-se facilmente a fraudes.
Conforme assinalava Planiol ao seu tempo, basta uma assinatura falsa num formulário de
venda, não descoberta a tempo, para despojar irrevogavelmente o proprietário. 367 Essa
facilidade de fraude, envolvida na simplicidade das transferências e onerações, explica por
que no Brasil, uma vez feita a matrícula, as partes abandonam o sistema nos negócios
posteriores, voltando ao sistema comum. 368
Se o risco de fraude é ostensivo nas transferências e onerações, não quer isso dizer
que não ocorra, até certo ponto, na própria matrícula, pois esta foi aproveitada no nosso País
para tentativas, quer de usurpação, quer de incremento territorial. Na verdade, certos
interessados, destituídos de títulos, buscaram a matrícula para prevenir a ação reivindicatória
ou, quando já intentada, lhe frustraram a execução, enquanto outros a procuravam para suprir
a deficiência da descrição do perimetro nos seus títulos com uma delimitação invasora dos
imóveis confinantes. Alguns conseguiram o seu intento, mas outros malograram devido à
oportuna constestação dos prejudicados. 369
De parte o abuso do processo expurgativo, que dentro dele deve receber o seu
oportuno corretivo, volta-se ao aparente paradoxo que representa o embarque do proprietário
na estação inicial do Registro Torrens, para, no primeiro entroncamento, fazer a baldeação
para o Registro de Imóveis. É que neste as partes encontram a desejada segurança nas
transferências e onerações, cumprindo notar que, já agora, a encontram sem prejuízo de
fórmulas que atendam adequadamente à circulação econômica, notadamente a da hipoteca
cedular.
Aliás, foi imediatamente depois de aludir a essa fórmula então restrita ao Registro
Prussiano, que Rui Barbosa moderou o tom apologético da sua exposição de motivos para
surgir que a solução procurada nela, assim como em outras tentativas, "parece estar" no
sistema que o mundo todo conhece sob o nome de Torrens. Se bem que, fora das exposição
de motivos, também admitiu no sistema o atributo de liberar os imóveis do imposto de
transmissão, 370 é de primeira evidência que isso não passa hoje de um lance histórico,
visto como o imposto de transmissão da propriedade imóvel não pertence à União, mas aos
Estados (Const. do Brasil, de 1969, emenda da de 1967, art. 23, I).
De mais a mais, a circulação rápida, fácil, instântanea da terra, como se fora apenas
um valor de bolsa, consideração primacial do sistema, que se sobrepõe a qualquer outra, não
mais constitui um ideal da legislação, que, ao contrário, procura balanceá-la com o
conveniência de estabilização dos ruralistas nas suas glebas em bnefício da produção
econômica. A mobilização excessiva do valor territorial por título que pode ser transmitido
de mão em mão deixou de ser uma aspiração louvável para transformar-se num perigo
evitável, visto como o que convém é precisamente a permanência da terra nas mãos daqueles
que sabem trabalhá-lha e conservá-la: é o caminho da sobevivência humana.
Assim, a simplicidade das transferências e das onerações do sistema, além de
proprieiatória da fruade, visava a um objetivo deformado pelo exagero. Esse objetivo era,
talvez, mais valiosamente servido pela exigência da planta topográfica do imóvel, embora

367 PLANIOL. Traité. 6. ed. Paris. 1911. t. 1, Systeme Torrens, n.º 2.638-2.640.
368 CAMPOS, José. O projeto de Código de Processo Civil e o Registro Torrens. In: Ar. Jud., v. 51, supl., p. 9;
AZEVEDO, Filadelfo. Registro de imóveis (Valor da Transcrição). Rio, ed. da Liv. Jacinto, 1942, n.º 56-58, p.
87; BORGES, op. cit., p. 33.
369 CAMPOS, art. cit., p. 8-9; BORGES, op. cit., n.º 74, p. 83; n.º 96, p. 105.
370 BORGES, op. cit., n.º 25, p. 36.
esta não se relacionasse, como seria desejável, com o cadastro territorial, podendo assim
ocasionar usurpação nas linhas peremétricas, não conferidas com as dos vizinhos.
Como se não bastassem para contra-indicá-lo esses aspectos negaivos, falta ainda no
nosso País o fundo de indenização, destinado a contrabalançar, com o ressarcimento do
proprietário eventualmente espoliado, a proteção do proprietário matriculado. Esse fundo, a
ser formado com as contribuições de matrícula, ficou em suspenso até agora, porquanto,
instituído o Registro em 1890, sobreveio em 1891a primeira Constituição Federativa com a
distribuição de competências, em virtude da qual os encarregados do novo registro seriam
nomeados pelos Estados, sem que se soubesse quem organizaria o fundo.
Sem esse fundo, deixa de existir um pressuposto essencial do sistema, que lhe
imprimiria, no nosso País, a seriedade que tem no país de origem. Não vale a pena pensar
agora em suprir tal falta, porquanto, além dos motivos atrás aduzidos, que militam em
desfavor da manutenção do sistema, contra este pesa uma séria argüição, capaz de pô-lo
abaixo de um momento para outro por via jurisprudencial: a da incompatibilidade com o
Código Civil.
Essa incompatibilidade induziu a sustentar a princípio que ele se achava revogado
pelo artigo 1.807 do Código Civil, opinião que se fundamentou quando, a pouco e pouco,
foram sendo iluminados pela análise dos expositores os diversos pontos de conflito. Os
próprios partidários do sistema reconhecem o antagonismo com o Código Civil, mas
preferem insinuar que o legislador reveja a matéria, fazendo a conciliação com as disposições
codificadas e com as da lei dos registros públicos. 371 Surpreendentemente, porém, o
Código de Processo Civil de 1939, na esteira de uma suspeita cauda orçamentária de 1917, o
restabeleceu quando o previu entre os procedimentos especiais (arts. 457-464), sendo
seguido pelo seu congênere de 1973, que o incluiu entre os extravagantes que continuam em
vigor (art. 1.218, IV). Por fim, a nova Lei dos Registros Públicos o incorporou no seu
contexto, no último capítulo do título dedicado ao Registro de Imóveis (Lei n.º 6.015, de
1973, artigo 277-288).
Se de nascença ele já apresentava nítido caráter fragmentário quer por depender de
iniciativas isoladas de particulares, estas mesmas desligadas de um cadastro coletivo, quer
por favorecer a marginalização dos imóveis hipotecados com a exigência do consentimento
do credor para a matrícula (Dec. n.º 451-B, de 1890, art. 6.º), esse caráter mais acentuado
ficou quando, ao restabelecê-lo, o Código de Processo Civil desbastou e enfraqueceu a sua
figura, restringindo o ao imóvel rural (Cód. de Proc. Civil de 1939 art. 457). A rarefação
congênita do imóvel rural suscetível de matrícula e a subseqüente exclusão do imóvel urbano
debilitaram o regime de tal modo que descambou iniludivelmente para o campo das
curiosidades jurídicas.
Sobrevieram então as censuras, de todo ponto justificadas, a esse restabelecimento
unoportuno de um ensaio mal sucedido devido a princípio às condições naturais e sociais do
País, 372 e, depois, às vantagens competitivas que o Registro de Imóveis passou a
oferecer. Essas censuras atingiam a estrutura do sistema, contra a qual se repassavam
sobretudo os argumentos, um de ordem jurídica, o outro de ordem econômica, concernentes,
371 BEVILÁQUA, Clovis. Soluções práticas do direito. p. 255; CAMPOS, Des. José. O Projeto do Código de
Processo Civil e o Registro Torrens. In: Arq. Jud., v. 51, supl., p. 7; BORGES, op. cit., p. 23, 33 et seq.
372 AZEVEDO, Filadelfo. Registros públicos. Rio, Ed. Fluminense, 1924, n.º 196-200, p. 157 et seq.;
AZEVEDO, op. cit., n.º 56-68, p. 55 et seq.; MONTEIRO, Washington de Barros. Direito das coisas. 5. ed. São
Paulo. Ed. Saraiva, 1963. p. 418-419; LOUREIRO, Waldemar. Registro da propriedade imóvel. 5. ed. Rio,
Forense, 1957. v. 1, p. 21.
respectivamente, à sua incompatibilidade com o Código Civil e à sua careza, bem como
contra o seu funcionamento no nosso meio, a respeito do qual estava bem viva a lembrança
do seu desvirtuamento para cobrir relações jurídicas viciosas, conforme atestavam juízes
experientes, cuja magistratura se exercia no interior, onde mais podia o sistema revelar seus
méritos e defeitos.
Verdade seja que alguns juristas condescendem ainda em admiti-lo, geralmente sob a
reserva de modificações legais. Dentre eles merece referência especial Soriano Neto, por ter
se notabilizado um tema de registro. Depois de provar, em sua crudita monografia, que o
Código Civil não adotará o princípio de fé pública, ressalvou que A Lei Torrens o adotara
anteriormente, firmando a invulnerabilidade da matrícula do imóvel, contra a qual não
prevalece a reivindicação do proprietário por ela eventualmente prejudicado, que se converte
em indenização, pagável por um fundo adrede instituído.
Talvez induzido pela presença do princípio de fé pública na referida lei, o ilustre
monógrafo opinou que o regime desta podia ser aplicado com vantagem em certas regiões do
País, que oferecem facilidade para um rápido levantamento do cadastro, como a cacaueira da
Bahia. 373 Ao restringir a sua aplicabilidade a certas regiões, condicionou prudentemente
a sua adesão, mas, ainda assim, perfilhou a idéia temerária de que o País pode adotar dois
regimes imobiliários paralelos. Tanto por um como por outra razão os seus conceitos não
prestigiam o Registro Torrens e, de qualquer modo, não destroem os argumentos e fatos
argüidos contra este.
Sem o princípio de fé pública, o nosso Registro de Imóveis já oferece segurança
satisfatória ao adquirente de boa-fé, tornando a garantia da evicção cada vez menos
necessária à medida que ele se aperfeiçoa com a continuidade das inscrições. 374 Seguindo
o seu processo evolutivo, tende a aperfeiçoar-se ainda como acaba de acontecer com a
adoção do fólio real, a que se seguirão no futuro o princípio de fé pública e o cadastro
aerofotogramétrico, complementos indispensáveis para que se equipare, em tudo, ao modelo
do Registro Alemão.
É em torno desse aperfeiçoamento, para o qual propus uma fórmula em projeto de lei
de 1948, infelizmente frustrado por não dispor então o Governo de meios para acelerá-lo no
Congresso, que devem unir-se os nossos juristas, abandonando, de uma vez por todas, o
Registro Torrens, lançado em uma emergência que passou. No entanto, quando o País é
sacudido pela febre de reformas, surge sempre, entre projetistas bem intencionados, a idéia
de ou instalar o Registro Torrens, de cuja existência entre nós nem todos suspeitam, ou
revigorá-lo. Tive, numa dessas ocasiões, em 1963, de combatê-la vivamente no seio de uma
comissão reunida no Minitério da Agricultura, para a qual fora convocado, expendendo
oralmente as razões pelas quais me parecia mal inspirada.
Ao fazê-lo, recordei que o sistema foi originalmente concebido sob o signo da
centralização, quando no nosso País, de enorme extensão territorial, em que a propriedade
tem uma longa história, formada de complexas relações jurídicas, o que se aconselha é
justamente o oposto, isto é, a descentralização. Sob o signo desta, os negócios imobiliários,
que se celebram com a amarraçào local, dentro de tradicional divisão administrativa-jurídica,
podem ter os seus títulos rastreados e examinados com segurança pelo registrador, de modo
que a sua inscriçào inspire confiança às partes, como ora acontece com o Registro de
Imóveis, a despeito de ainda ser suscetível de acabamento.

373 NETO, Soriano. Publicidade material do registro imobiliário. Recife, 1940. n.º 58, p. 105 et seq.
374 CARVALHO, Afrânio de. Instituições de direito privado. 3.ª ed., Rio, Ed. Forense. 1980, p. 396.
A fim de obter esse acabamento, a melhor oportunidade parece estar na elaboração do
novo Código Civil, tanto mais quanto foi no anterior que se iniciou o processo de evolução
rumo ao modelo do Registro Alemão, embora este já viesse preconizado desde o parecer
legislativo sobre o Projeto da Lei Imperial. Como a Anteprojeto oficial se abstenha de seguir
essa linha evolutiva, tomei a iniciativa de aduzir algumas obervações construtivas em torno
do seu texto na expectativa de que a lacuna seja suprida nas disposições gerais do Direito das
Cousas ou em capítulo especial. 375
Ao inserir no título do Registro de Imóveis um capítulo sobre o Registro Torrens, a
nova lei do registro incorreu, não apenas em extravio de lógica e de técnica, mas ainda em
flagrante intempestividade. Com isso vai induzir a que se suponha que a recém-instituída
matrícula do primeiro registro, que, como inscrição, gera apenas uma presunção de
propriedade, tem a mesma força formal do segundo, que, por si, basta para provar a
propriedade.
Ante o fato consumado, somente resta esperar que na oportunidade do novo Código
Civil, ou em outra, se cogite de abolir expressamente o Registro Torrens, que, longe de
enriquecer o nosso Direito Imobiliário, quebra a sua sistemática e gera confusões, embora
haja quase desaparecido na prática. Descaracterizado, fragmentário, conflituoso, por um
lado, e caro e demorado, por outro, desacreditou-se, definhou e secou, caindo em desuso, só
restando agora declará-lo extinto por lei.

375 O Código Civil e o Anteprojeto, na Revista do Instituto dos Advogados Brasileiros, n.º 25, p. 73-87.
CAPÍTULO 23

REGULAMENTO DO REGISTRO

1. Lei e Regulamento. Risco de complementação da lei por provimento


judiciário.

2. Necessidade do Regulamento. Sumário de normas adotáveis.

3. Planta do imóvel. Antecipação do cadastro com o concurso do INCRA.

O histórico do registro, ao chegar à última Lei, assinala que esta como Lei é
demasiada e como Regulamento é insuficiente. A sua feição regulamentar acusa-se logo no
primeiro artigo do título dedicado ao Regstro de Imóveis, que traz, não uma fórmula sucinta
definidora dos direitos registráveis, mas uma enumeração dos atos ou títulos conducentes a
eles. Embora seja controvertida a questão de saber se a Lei se pode distinguir do
Regulamento por sua matéria, paira acima da controvérsia a evidência de que a minúcia tem
seu lugar próprio no Regulamento. Daí a validade da afirmativa aduzida inicialmente.
Ao aduzi-la, não se quer negar que o conceito formal da Lei e de Regulamento se
apresenta como o mais seguro, mormente em se tratando de registro, cujos diplomas
normativos não primam pela pureza de linhas, pois têm misturado notoriamente disposições
de maior e de menor importância. A interpenetração ora decorre de inelutável necessidade de
momento ora de critério seletivo do legislador, mas, no caso vertente, foi levada longe
demais, pela adoção em Lei de disposições miúdas e mutáveis, algumas tão frágeis que não
resistiram ao ar livre, à passagem do recinto fechado do texto para o exterior do modelo.
Apesar disso, é manifesta a insuficiência do texto, que para atender aos reclamos do
registro, há de desdobrar-se ainda em numerosíssimas outras disposições. Esse
desdobramento não foi previsto na lei, visto como esta não anuncia a expedição de um
Regulamento. Para baixá-lo, contudo, não é preciso que haja previsão legal específico, pois
basta a competência constitucional genéica do Poder Executivo de expedir Decretos e
Regulamentos para fiel execução das Leis (Const. de 1969, art. 81, III).
Não se sabe se o Poder Executivo baixará o Regulamento, embora a expedição deste
se torne cada vez mais indicada, em face dos extravios e variações da prática. No entanto, só
por via regulamentar pode advir a complementação normativa capaz de assegurar à lei o
alcance desejável tanto do ponto de vista da sua matéria como de raio da sua influência, a fim
de manter a tadicional uniformidade do registro no País, impedindo-o de assumir diferentes
feições regionais. Por um Regulamento de trezentos e trinta e um artigos regiam-se os
registros públicos até o advento da nova lei (Dec. n.º 4.857 de 1939).
Se o Regulamento tem por fim facilitar a fiel execução da Lei, há de procurar remover
os obstáculos ao livre curso do registro e sobretudo suprir omissões ou truncamento de
itinerário. A função regulamentar não se atém à cópia literal das leis, mas se alonga para
desdobrar os seus princípios, fazer emergir delas tudo quanto nelas se acha subjacente ou
implícito e, mais do que isso, preencher lacunas que a ordem jurídica não tolera. 376
É certo que, quando a Lei é omissa acerca de pontos relevantes da sua execução, a
falta há de ser suprida de qualquer modo, senão pelo Poder Executivo, então pelo Poder
Judiciário. A existência de um vazio no corpo da Lei enseja a intervenção de outro órgão para
preenchê-lo, pois a separação dos poderes não quebra a unidade do Estado. Ao passo, porém,
que o Legislativo e o Executivo criam regras gerais, primárias aquele e secundárias este, o
Judiciário as cria especiais, in casu, para dirimir, no silêncio da Lei, o conflito submetido a
julgamento.
Contudo, força é admitir que, ao verificar a insuficiência do texto legal e a ausência
de Regulamento, o Judiciário também expeça comandos genéricos para facilitar a aplicação
da Lei em um serviço colocado sob a sua supervisão, como o do Registro de Imóveis. Se bem
que a sua iniciativa instrucional seja subordinada à Lei, à semelhança do que acontece com o
Regulamento, importa advertir que, à diferença deste, ela corre o risco de assumir mais de um
colorido local.
Na verdade, o Judiciário, na sua atual organização, emitirá as suas instruções por
intermédio de um órgão de competência estadual, a Corregedoria de Justiça, de sorte que
pode haver tantas interpretações e complementações quantas forem as justiças estaduais. No
intuito de obviar a esse mal, cada Corregedoria provavelmente se abstém de dispoisções que
possam tornar-se conflitantes com as de outra, deixando assim uma larga margem de arbítrio
ao registrador no articulado do seu provimento. 377
Haja ou não essa abstenção, o Registro de Imóveis só não cai em desordem pelo senso
de responsabilidade do registrador, capaz de recusar as facilidades oferecidas pela própria
Lei. De qualquer forma, precisa ser ocupado o lugar aberto ao Regulamento, que, ao sobrevir,
terá de desempenhar, com a desenvoltura que lhe é facultada, uma tarefa de inegável
magnitude.
Antes de tudo, cabe-lhe de acordo com a lógica interna do instituto, dispor a matéria
na sua seqüência natural, afastar dela os desvios de terminologia e eliminar as discrepâncias
de endereçamento de atos a seus diferentes livros. Como a divisão dos livros se faz pela
função que desempenham, esta ditará a correção. Nenhuma dessas iniciativas atinge a
essência do registro, mas apenas acidentes do seu curso.
Ao imprimir à matéria da lei uma ordenação lógica, dará precedência ao que é geral
para em seguida descer ao particular, o que bastará para pôr em relevo repetições que não se
justificam. A fórmula genérica do ingresso de direitos no registro na de vir antes da fórmula
específica, distribuindo-se os atos pelas duas formalidades, segundo a ordem de sua
freqüência ou importância prática.
A terminologia não pode deixar de ser uniformizada, a fim de varrer a confusão
reinante na lei, que vem contaminando a legislação subseqüente. Para isso vale a
sistematização sugerida no capítulo próprio. Não é mister recorrer à interpretação
sistemática, porque basta o senso comum, para indicar que os vocábulos registro, inscrição,
averbação e transcrição devem ser tomados no sentido que a linguagem lhes assina, sem o

376 LEAL, Vitor Nunes. Lei e Regulamento. In: Rev. de Dir. Adm., v. 1, p. 393; SILVA, Carlos Medeiros. O
poder regulamentar e sua extensão. In: Rev. de Dir. Adm., v. 20. p. 2.
377 "Provimento — ato emanado da autoridade judiciária superior de caráter normativo, com a finalidade de
regulamentar, exclarecer e interpretar a aplicação de dispositivos genéricos de lei" (Ementário da Corregedoria,
1972, p. 27).
artificialismo que pretendeu, mas não conseguiu, prender o primeiro dentro de uma camisa
de foça.
Ao mesmo tempo, o regulamento pode, por interpretação sistemática, dirigir
expressamente para o Registro Auxiliar os memoriais de incorporação e de loteamento, que,
por manifesto equívoco, foram intrometidos no livro de Registro Geral, apesar de não
conduzirem direitos reais. Não só a dubiedade de linguagem da lei, como a especificidade da
função dos livros, ambas abonam a exegese que leva a transferir os memoriais de um para
outro livro.
Essa transferência regulamentar assume inegável importância, porque, na prática, os
memoriais se lançam, na sua maioria, no Registro Geral mas em menor número, também se
lançam no Registro Auxiliar. Ora, o lançamento de um título em livro diverso daquele ao
qual a lei destina, impede que o assento atinja o fim legalmente visado, frustrando a
expectativa da parte e perturbando a ordem jurídica. Daí a necessidade de, por via
regulamentar, dirimir a divergência ensejada pela desatenção da lei, determinando, expressa
e inequivocamente, o encaminhamento dos memoriais ao livro apropriado para acolhê-los,
sem o que, de onde em onde, será o direito da parte irremediavelmente prejudicado.
Por sua vez, o Registro Geral, cujo modelo ficou inacabado na lei, há de ser
completado com os requisitos exigidos no seu texto, mediante a introdução de dados da
situação no cabeçalho e de uma coluna no corpo da folha, referente ao número e epígrafe do
ato, sem prejuízo da forma narrativa do núcleo do assento. Essa coluna restaurará a seqüência
numérica tradicional dos assentos. tão reclamada pelos interessados, sem prejuízo da
diferenciação deles no núcleo do escrito por prefixo literal, quando este for necessário.
Assim, a inscrição não receberá prefixo, mas apenas a averbação, com o que a primeira de
distinguirá da segunda muito claramente do que quando uma e outra recebem prefixo, que
tanto perturba a busca.
Assim se mantém o modelo em folha simples, considerado satisfatório na opinião
geral, que faz, no entanto, restrições aos prefixos literais, por trazerem embaraço ao rápido
encontro dos assentos. Completado em regulamento o modelo que a lei deixara inacabado,
importará prescrevê-lo de maneira incisiva, pois é altamente recomendável, senão imperioso,
que, em todo o país, se escriture o livro do Registro Geral de modo uniforme. A fixação do
modelo em folha simples não significa desapreço ao antigo modelo em folha dupla mas
tão-só afastamento da idéia de retorno a este, pela convicção de que convém assegurar
estabilidade ao outro, já generalizando no país.
Todo o Registro está centrado na matrícula do imóvel, que é o ato cartorial de sua
primeira inscrição no livro próprio, pelo que releva lhe dê o regulamento uma posição
adequada ao seu importante papel, reunindo em torno dela as disposições normativas
esparsas no texto da lei. Ao fazê-lo incumbir-lhe-á cumprir uma de suas mais úteis funções,
que consiste em suprir a lacuna da lei, declarando que a matrícula se abre com o título de
propriedade do imóvel, pois, de acordo com os princípios, somente pode ter por base esse
título. Todavia, para atnder a conveniência prática, admitirá, por execeção, que, em se
tratando de título oriundo de loteamento, sirva para o mesmo fim a escritura de promessa de
venda irreversível.
Como aí se configura uma exceção, ditada por peculiaridades atrás assinaladas em
capítulo próprio, aplicar-se-á somente às escrituras de promessa derivadas de loteamento,
sem se estender às de desmembramento. Ainda que sejam eventualmente numerosos os lotes
deste — o que raramente acontecerá, — ficarão os seus títulos subordinados à regra geral de
inscrição na matrícula-matriz da gleba desmembrada até que se passe a escritura definitiva de
venda, que então determinará a abertura de matrícula autônoma.
Se o título a ser matriculado se referir a imóvel inscrito em outro cartório, por ter
havido desmembramento dele, convirá exigir que a certidão atualizada do título anterior
(arts. 229 e 230) abranja o período de vinte anos, a exemplo do que acontece com a exigível
em loteamento de imóvel (Lei n.º 6.766. de 1979, art. 18, II), e mandar consignar essa
circunstância na matrícula. Dessa maneira a certidão atestará a purgação do domínio pelo
usucapião e matrícula assegurará a certeza da propriedade.
Além do imóvel individual, recebe também a matrícula o imóvel em condomínio, em
torno do qual a prática da lei nova tem tresvariado, a ponto de impor uma norma de
tratamento especial. Essa norma disporá que, apresentada para inscrição um título de parte
comum, se abrirá a matrícula do imóvel em condomínio, vale dizer, da totalidade do imóvel
com a totalidade dos co-proprietários. Como a matrícula tem por objeto o condominio atual,
incumbirá ao cartório remontar até o condomínio originário, para daí descer até a sua versão
comtemporânea, única a ser consignada no livro.
Quando a lei preceituou que a matrícula será efetuada "por ocasião do primeiro
registro" (art. 228), quis evidentemente significar que se ensejaria toda vez que se
apresentasse um título para assento. Na verdade, esse adjunto adverbial de tempo apenas
aponta a sua oportunidade, sem interferir com o título hábil, que somente pode ser o de
propriedade, já por imperativo do direito material, que reclama uma base jurídica para os
ônus reais, já por exigência de direito formal, que requer a descrição do imóvel e o nome do
seu proprietário.
A consideração do grande tamnho que os imóveis rurais costumam ter no presente,
como provavelmente continuarão a ter no futuro, devido à tendência de mater-lhes a unidade
de exploração, ainda que se pluralizem os titulares, induziu a pensar na conveniência de
permitir, por via regulamentar, a divisão interna do imóvel na matrícula. Essa divisão
oferecerá várias vantagens de ordem jurídica, por ensejar que, ao invés de recair sobre o
imóvel inteiro, a hipoteca grave apenas o bastante para a garantia, a penhora apreenda
somente o suficiente para cobrir a execução e a partilha, por sua vez, depare glebas
predispostas para uma divisão cômoda.
As meias palavras da Lei conduzem também à necessidade de esclarecer que não se
admitem as averbações residuais, isto é, feitas em cartório tornado incompetente pelo
desmembramento, ou em livro encerrado. As exceções são as que se acham indubitavelmente
expressas no texto, a saber, a das promessas de venda ligadas a loteamentos e incorporações
formalizados antes da vigência da Lei. Do contrário, arma-se a confusão, não entrando o
novo regime da Lei em vigor a não ser parcialmente.
A retificação de direitos exige que se positivem as diferentes possibilidades de
anuência da parte, da ação cível e do processo administrativo. No tocante a este, torna-se
imperioso advertir que o oficial só emenda erros de fato por ele ocasionados e que a vistoria
administrativa carece de alcance para anexar terrenos contíguos, como tem acontecido no
Rio de Janeiro.

Admitido, em regra, o requerimento oral, pressuposto na apresentação do título ao


registro, convém reunir as exceções do requerimento escrito, explícitas ou implícitas, como o
instruído com documentos para averbação, o do processo de dúvida e o da união de imóveis.
No caso desta, conceder-se-á também ao oficial a faculdade de exigir a planta do imóvel
unificado e de negar a unificação, se expuser a erro ou dúvida.
Nos casos que acabam de ficar indicados, o simples portador, que faz a entrega do
título ao registro, há de ser substituído pelo verdadeiro interessado. O desdobramento do
"interessado" nas figuras que pode assumir parece igualmente oferecer utilidade para dirimir
eventual dúvida.
A par da regra da instância ao oficial para a prática dos atos do ofício, convém lançar
também expressamente as exceções recomendáveis, isto é, as hipótecas e que tem cabimento
a sua atividade espontânea. Dentre essas exceções, a concernente aos títulos de direitos
conjuntos há de ser completada com disposições sobre o assento no registro geral e sobre o
rateiro das custas entre os titulares.
Devido ao emprego do advérbio "somente" no princípio do artigo que relaciona os
títulos admissíveis no registro, torna-se necessário incluir entre estes, de maneira expressa, os
expedidos pelo Estado, de acordo com as Leis de Direito Público. Isso evitará sobretudo no
interior, qualquer dúvida do cartório sobre o seu acolhimento.
A regra da taxatividade dos direitos registráveis não tem bastado para afastar co
cartório a pressão dos não-registráveis. Daí a conveniência de enunciá-la também sob forma
negativa, declarando que não são registráveis os direitos pessoais e exemplificando com os
títulos que mais freqüentemente afluem ao cartório.
Como o livro de registro geral reunirá grande número de assentos, de inscrição e de
averbação, convirá recomendar que se utilize o sublinhado vermelho para distinguir os de
cancelamento. Essa providência facilitará a imediata exclusão dos assentos caducos, a fim de
que a busca recaia apenas sobre os que se acham em vigor. Outras providências do mesmo
cunho tornar-se-ão aconselháveis, tais como o uso de prefixo literal apenas para averbação
(AV) e o transporte da área e da titularidade de uma para outra folha.
O exame da legalidade do título, omitido na nova lei, apesar de ser um dos princípios
cardeais do registro, precisa ser determinado, regulando-se, ao mesmo tempo, o seu alcance,
de acordo com a prática cartorial. Com apoio nesta, cabe ainda oferecer um roteiro para o
exame, indicativo dos marcos princípio do seu itinerário. Por sua vez, o princípio de
prioridade não pode continuar sob o risco de uma apresentação vã.
A generalização da exigência da anuência do terceiro, toda vez que o direito deste
gravar aquele que se pretende cancelar, impõe-se para evitar as complicações que ocorreriam
se se suprimesse um direito, deixando de pé o direito que o grava. Embora essa exigência
conste da lei relativamente à servidão, é aplicável, por analogia, a casos semelhantes, como
os de hipoteca e anticrese, quando se lhes superpõe o penhor do crédito hipotecário ou
anticrético. Daí a conveniência de explicitá-la com a natural amplitude, sem o que, faltando a
anuência, o título será sustado no exame da legalidade.
A "investidura" e o "recuo" merecem referência: inscrição do "termo" de doação do
recuo à Prefeitura ou da investidura ao particular. No caso de alteração do projeto
urbanistico, a inscrição do "termo" de doação regressiva (chamado às vezes de "rescisão") do
recuo da Prefeitura ao particular, cancelamento da inscrição anterior, averbação do
desmembramento do pedaço doado e averbação da união desse pedaço ao terreno contíguo,
de que se desmembrara, com o que fica restaurada a inscrição original.

Essas e outras disposições, como as concernentes ao modo de preenchimento do


protocolo e do registro geral, não transgridem, mas apenas elucidam, explicam e completam
a Lei Coordenadas num único diploma, formam um conjunto normativo bastante extenso, de
índole regulamentar, por desdobrar o da Lei, referente a um serviço existente, de natureza
cartorial. Quanto ao cadastro, não se sabe ainda se será instituído, nem quando, mas, se o for,
imporá a implantação de um serviço novo, de natureza técnica.
O regulamento ater-se-á, enquanto, à matéria contrária mas, até certo ponto,
promoverá o encaminhamento do cadastro quando autorizar a exigência da planta sempre
que a descrição do imóvel se mostrar nebuloso, houver dúvida definida sobre uma ou mais
linhas de limite, ocorrer a união com outro imóvel ou, como e claro, sobrevier
desmembramento ou loteamento. Verificando-se ser insuficiente a disponibilidade de terreno
para atender à inscrição do título apresentado, a insuficiência desfechará no processo
administrativo de retificação de área, cuja peça decisiva estará necessariamente na planta.
Secundando a autorização da exigência da planta nesses casos e eventualmente em
outros, convirá lançar permissão de intercalá-la, por cópia, na matrícula, entre o cabeçalho e
a descrição do imóvel, para facilitar o exame e o entendimento dos títulos. A cópia da planta
na matrícula, tirada pelo próprio cartório em máquina já usada freqüentemente para extrair
certidões de inteiro teor, apesar da simplicidae com que é obtida, redunda em importante
aperfeiçoamento, por eliminar, com a sua presença, numerosas dúvidas e atalhar incontráveis
questões ligadas à configuração do imóvel. Por isso, não deve restringir-se à planta oriunda
de exigência do ofício, mas estender-se à oferecida espontaneamente pelo interessado, como
o seu título, pois em ambos os casos se capta um elemento técnico capaz de mudar com o
correr dos anos a pesada burocracia do registro.
De par com a autorização para a exigência da planta ao interessado, releva
recomendar ao próprio registrador que mantenha à vista no cartório a planta da sua zona, em
face da qual examinará se o título versa sobre imóvel de sua circunscrição ou de outra. Se no
Rio de Janeiro e em cidades vizinhas se levantam dúvidas sobre a circunscrição do cartório e,
por conseguinte, sobre a competência do seu titular, natural é supor que o mesmo aconteça,
em maior ou menor grau, por toda parte do país.
Com essas providências de aclaramento da lei, suprimento de suas lacunas e
facilitação do seu cumprimento, criam-se condições para um trabalho metódico, seguro e
produtivo nos cartórios, ora desarvorados, em certa extensão, por falta da disciplina a que
estavam acostumados no regime do regulamento anterior. Está visto que, para cabal
aperfeiçoamento do registro, várias outras precisarão ser tomadas, mas dependem do advento
de nova lei, entre as quais o cadastro. Se, ao invés de persistir na sua iniciativa isolada de um
cadastro burocrático — aliás em freqüente conflito com os dados do cartório imobiliário —,
o INCRA se dispuser a colaborar para a efetivação de verdadeiro cadastro, poderá começar
transformando as suas seções municipais em seções técnicas, que auxiliem o Registro de
Imóveis e as Prefeituras. Essa possibilidade fica aberta a uma administração esclarecida da
entidade.
A implantação do cadastro, justamente por importar na introdução de um serviço
novo, de natureza técnica, oferecerá a dificuldade inerente a toda iniciação. Tratando-se de
assunto especializado, a muitos essa dificuldade parecerá maior do que realmente é, pois a
tentativa de dar ao Registro de Imóveis a base cadastral encontra sempre pela frente a velha e
conhecida objeção de que o cadastro é inexeqüível no Brasil, que assim há de ser eternamente
o pais do futuro.

Estando os assuntos concernentes aos registros públicos sob o controle do Minitério


da Justiça, é natural que a complementação do Registro de Imóveis pelo cadastro se processe
sob as suas vistas. Não me parece necessário, contudo, que ele crie para isso um órgão
especial de cartografia ou fotogrametria, a menos que isso resulte da absorção de outro
preexistente, como o do antigo IBRA, bastando que ele coordene gradativamente as
providências tendentes à execução do serviço mediante acordo. Essas providências
consistirão essencialmente na obtenção de fotografias aéreas e suas ampliações da já
existente cobertura aerofotográfica do País, e sua distribuição aos cartórios localizados nas
regiões abrangidas, acompanhada de equipamento padronizado para a instalação das seções
de cadastro.
Dado o interesse que o cadastro oferece para outras repartições e entidades, como o
Ministério das Minas e Energia, o Ministério do Planejamento, o Ministério do Interior, o
Ministério da Agricultura e o Ministério da Fazenda, parece razoável admitir que as
fotografias e o equipamento possam ser obtidos até com verbas dessas repartições mediante
prévio entendimento com elas, contanto que sua distribuição se faça uniformemente. Essas
distribuição deverá naturalmente fcar a cargo do órgão técnico competente, seja o que se criar
no Ministério da Justiça, seja o que chamar a si o serviço mediante acordo.
A cobertura aerofotográfica do País, empreendida em virtude de convênio entre o
Brasil e os Estados Unidos, que é a que deve servir de base ao cadastro por ser não só global,
mas ainda recente, está prestes a completar-se, já abrangendo provavelmente toda a área
ocupada economicamente. Há mais de vinte anos, em virtude de iniciativas isoladas,
diferentes entidades tiram fotografias aéreas de trechos diversos do território em escalas
variáveis com os fins por elas visados, as essas fotografias não merecem ser procuradas,
senão eventualmente, por serem fragmentárias e, na maior parte, antigas, deixando de retratar
as profundas transformações provindas da arrancada do País para o desenvolvimento
econômico.
Se a seção do cadastro se ativesse a uma função meramente receptiva, de recebimento
e conferência das plantas, bastaria para o seu equipamento a prancheta e o estereoscópio de
bolso. Como porém, se propõe a exercer igualmente uma função ativa de agrimensura para o
levantamento de plantas que lhe forem encomendadas, o seu equipamento precisará ser
acrescido de teodolito, nível e clinômetro.
Assim, o conjunto, que, depois de criterioso estudo do órgão técnico, deverá ser
padronizado para facilidade e barateamento da aquisição e reposição, custará mais do que
poderia custar, mas o preço será perfeitamente acessível, desde que seja preferido o material
fabricado no País e a sua encomenda periódica reúna certo número de unidades. Não seria
acertado resolver o problema pela metade, mormente quando se considera que, no presente,
mais de uma comarca não possui instrumento de topografia e, no futuro, o cadastro tende a
evoluir da folha aerofotográfica para a folha da carta geográfica.
Ao mesmo tempo, serão oferecidas bolsas de estudo para que servidores de cartórios
se especializem em topografia ou fotoanálise. Essas bolsas poderão ser concedidas pela
Diretoria do Ensino Industrial do Ministério da Educação aos serventuários dos cartórios
localizados em regiões possuidoras de folhas aerofotográficas que forem designados para a
aprendizagem. Esta poderá efetivar-se em escolas técnicas, órgãos federais e estaduais de
geografia ou empresas de aerofotografia mais próximas da situação dos cartórios.

De passagem, convém advertir que não se deve cercear a liberdade do registrador, que
pode preferir confiar desde logo a seção do cadastro a engenheiro, agrimensor ou topógrafo
local, com quem entre em combinação, ao invés de mandar um dos seus serventuários para
fora, a fim de submeter-se a um curso intensivo de topografia ou de fotoanálise. Responsável
pelo serviço, ele é o melhor juíz da oportunidade em que deva encaminhar um ou mais dos
seus auxiliares, ou o especialista estranho, para adestramento profissional, tanto mais quanto
qualquer deles lhe fará sentir a necessidade disso, quando se manifestar.
Como se vê, aproveitando a cobertura aerofotográfica existente, o cadastro pode ser
iniciado com um dispêndio pequeno, pela simples facilitaçào aos cartórios de três elementos,
a saber, as fotografias aéreas correspondentes às respectivas regiões, os instrumentos de
topografia e as bolsas de estudo para a formação rápida de topógrafos ou fotoanalistas. Esse
dispêndio contrasta com o enorme benefício econômico e social que dele advém para o País
em virtude do aperfeiçoamento técnico do Registro de Imóveis do emparelhamento da
posição física com a posição jurídica dos imóveis, da supressão das questões de limites da
eliminação de múltiplas e desordenadas iniciativas congêneres e sobretudo da coleta de
informações valiosíssimas para os planos de desenvolvimento do País.
Em suma, para a instalação da seção de cadastro o Cartório do Registro de Imóveis
deverá ser provido do seguinte:

a) cobertura aerofotográfica da região, em escala aproximada de 1 por 20.000,


portadora do traçado de meridianos e paralelos e da indicação de suas longitudes e latitudes;
b) material transparente e estável, destinado a cópias por decalque da cobertura, em
tantas folhas quantas forem as desta, multiplicadas por quatro;
c) coleção completa de fotografias aéreas do territórios sob a jurisdiçào do Cartório
do registro de Imóveis, na escala de vôo, capazes de permitir a observaçào esteroscópica;
d) estereoscópio de bolso para interpretaçào de fotografias prancheta e material de
desenho destinado à realização de cópias;
e) equipamento de topografia constante de teodolito, nível e clinômetro.
CAPÍTULO 24

RETROSPECTO E CONCLUSÃO

1. Cúmulo normativo. Preterição dos fins do registro.

2. Necessidade de acabamento do registro.

3. Princípio de fé pública e cadastro.

4. Sumário de reorganização.

A recente Lei de Registro Públicos é, no tocante ao Registro de Imóveis,


qualitativamente inferior à que seria de esperar do longo tempo gasto na sua elaboraçào. Tão
carregada se mostra de defeitos que melhor fora não se tivesse editado. A própria idéia,
latente no seu texto, de esgotar toda a matéria normativa merece repúdio.
O cúmulo normativo, em que se pretendeu reunir num só corpo Lei e Regulamento,
não chegou a consumar-se inteiramente, mas a tentativa de realizá-lo foi evada tão longe que
seus males se tornaram inevitáveis. Ao imprimir fixidez ao que deve ter flexibilidade, a
própria Lei se atrapalhou e confundiu, a ponto de não poder oferecer um modelo do seu livro
principal que lograsse ser coerente com os seus mandamentos.
Assim, uma inovação sem dúvida valiosa, a do fólio real, adotada com o nome de
"registro geral", começou a ser inutilizada por um modelo enevoado e confuso que não se
sabe bem qual seja. A inutilizaçào se completa com a permissão de ser ele substituído por
fichas ou folhas soltas, que, escrituradas mecanicamente e rubricadas pela mesma pessoa, são
um convite permanente à falsificação.
Esse fato testemunha que a Lei se preocupou com os meios, não com os fins do
registro, quis facilitar o fluxo interno dos papéis, sem se recordar de que estes precisam
receber no registro um revestimento ou armadura que os blinde na relação externa com o
público. Neste ponto, a Lei representa uma nítida vitória da burocracia contra o sendo
comum.
Para que existe o registro a não ser para dar segunrança aos direitos? Se uma
iniciativa busca imprimir maior presteza ao serviço, o que é sempre desejável, mas
compromete a segurança dos direitos, está visto que não deve ser posta em prática, porque
redunda numa preterição dos fins do registro.
Ao passo, que o emprego das folhas soltas pode ser vigiado, a iniciativa de admitir a
apresentação dos títulos para cálculo de emolumento enerva o direito de prioridade,
tirando-lhe a segurança, por expô-lo a ser facilmente frustrado. Como a prática já confirmou
essa frustração, importa revogar a esdrúxula disposição facultativa.
Sem repetir o que foi recapitulado no histórico do registro, convém lembrar apenas
que, no mais, a Lei manteve as erronias e lacunas vindas do passado. Ao invés de corrigir
desvios de distribuição de atos pelas duas formalidades, continuou a mandar inscrever o que
se deve averbar e averbar o que se deve inscrever. Tudo teria ficado como dantes, se não
tivesse ficado pior, porque a Lei desnaturou o conceito clássico de averbação, admitindo que
esta se torne um assento avulso, sem ao menos atenuar a desvantagem da perda de contato
especial com aquele a que dis respeito.
A terminologia está aumentada e mais confusa, a sua conceituação desvairada. Esse
quadro pode melhorar graças aos subsídios da regulamentação, que o Poder Executivo
porventura expeça ou que as corregedorias ou os juízos supram com os seus provimentos,
capaz de impedir a deterioração do registro de imóveis pelas fichas, bem como de corrigir
desvios e supri lacunas.
Contudo, a regulamentação não poderá ultrapassar o seu campo próprio, dentro do
qual não lhe incumbirá resolver nenhum dos grandes problemas do Registro de Imóveis,
deixados em suspenso pela nova Lei. A isso se há de propor outra Lei, que se espera seja
adotada no futuro com maior discernimento.
Neste assunto, o progresso tem sido lento, mas constantes, não havendo motivo para
pessimismo. Disso nos convence uma visada retrospectiva, que apanhe a seqüência de
imagnes desde o tempo em que Teixeira de Freitas manifestava a sua descrença na adptação
do sistema germânico ao nosso meio e levantava objeções ao ingresso das transmissões
causa mortis no registro.
De então para cá, caíram os seus argumentos, as transmissões causa mortis e os atos
judiciários ingressaram no registro e, graças ao princípio de continuidade, que trouxe a
exigência da filiação dos títulos, a propriedade foi se depurando a pouco e pouco a ponto de
se tornarem raras na atualidade as evicções inopinadas. A propriedade putativa
transformou-se, sem o dizer, em propriedade verdadeira.
Não foi preciso que "um golpe de poder arbitrário cortasse o nó de tantas
dificuldades", porque, trazendo ao registro todos os títulos, não apenas os dependentes de
tradição, só com essa totalização se logrou o que no passado parecera impossível. Bastou a
pertinácia na observância do princípio de continuidade para operar a transformação no
tocante a grande parte da propriedade territorial.
Sem que a inscrição aumentasse o valor do título, a não ser com o diminuto
adminículo da presunção conferida pelo Código Civil, obteve-se, na prática, um resultado
que excede a teoria. O público confia no valor do título registrado, porque sabe que só pôde
sê-lo graças a um processo de expurgação dominial, que trouxe ao livro a filiação do título.
A despeito da confiança depositada pelo público no título registrado, é fora de dúvida
que a publicidade do nosso registro tem, por lei, um valor relativo, pois, além da
oponibilidade dos atos registrados aos não-registrados, apenas confere uma presunção de
verdade da inscrição. Essa relatividade do seu valor, em que os particulares ordinariamente
não pensam, faz-se sentir sempre que entram em contato com instituições financeiras para
obtenção de empréstimos com garantia dos imóveis.
Nessa ocasião, em que o valor do título se apura com o rigor da lei, fica evidente que
ele há dse cobrir-se com o prazo do usucapião, para dar absoluta segurança do seu direito.
Essa demora na obtenção da certeza do domínio entorpece inegavelmente o tráfico
imobiliário e atrasa os empréstimos bancários que sejam garantidos por imóveis.
Noutras palavras, por ora o regstro não garante ao adquirente que o imóvel registrado
ficou sendo mesmo seu, como tampouco assegura qual o seu contorno físico. Esses dois
pontos negativos precisam ser eliminados, tão brevemente quanto possível, de modo que se
assegure ao adquirente de boa-fé a sua titularidade e o modo de ser físico do seu imóvel.
Esses são os dois princípios passos que se devem alcançar na rota evolutiva do
registro. Diante do desenvolvimento econômico dp País nos últimos anos, surpreende que,
focalizados como foram, não tenham sido objeto de cogitação do Governo, que manteve
estacionária a insatisfatória situaçào do registro. À sua frente encontram-se ainda a
formulação geral das inscrições preventivas e a complementação da fórmula da inscrição
com os direitos reais dela extraviados.
O princípio de fé pública, que não depende propriamente do cadastro, mas encontra
neste o seu mais cabal sustentáculo, elimina a necessidade da certidão vintenária e, portanto,
o longo tempo e o não menos longo dispêndio consumidos para obtê-la. Não será exagero
dizer que isso corresponde ao acordar de um pesadelo, pois atualmente a segurança dos
direitos reais imobiliários só se alcança no nosso País após o decurso do prazo da prescrição
das ações, o que significa uma comprida e enervante instabilidade. O princípio realizará o
desiderato de alcançá-la instantaneamente mediante a inscriçào do título, desde que o
adquirente o obtenha de boa-fé.
Na época atual, marcada pela celeridade dos movimentos humanos, dificilmente se
explica a subsistência de um regime imobiliário que se assenta no estudo e rastreamento das
titularidades pelo longo prazo de prescrição das ações. Tal prazo, presentemente de vnte
anos, constitui um bostáculo à fluência dos negócios mobiliários e, notadamente, ao crédito
hipotecário.
Tanto menos se explica esse regime quanto a estirada revisão dos antecedentes dos
imóveis, feita tantas vezes quantas eles constituem objeto ou base de negócios, demora e
encarece o andamento destes, agravando assim duplamente o custo de estabelecimento das
relações jurídicas imobiliárias, quando estas podem fixar-se rápida e modicamente mediante
assentos revestidos de certeza em uma organização adequada do seu registro.
Não obstante, à falta dessa organização, o retrospecto continua a ser exigido para a
compra de qualquer imóvel ou para a obtenção de qualquer empréstimo hipotecário, não se
decidindo a operação senão depois de passados meses durante os quais se reúnem e estudam
os papéis capazes de dissipar a desconfiança do comprador ou do banco. Haja vista o que
acontecia antigamente com os empréstimos hipotecários dos Institutos de Previdência e das
Caixas Econômicas e continua a acontecer nos nossos dias com os da Caixa Econômica
Federal e os das Sociedades de Crédito Imobiliário componentes do Sistema Financeiro da
Habitação encabeçado pelo Banco Nacional da Habitação, cujos papéis gravitam em torno da
custosa certidão vintenária, que mergulha no passado para trazer à tona quanto diz respeito a
cada imóvel.
O cadastro, que constitui a base mais sólida do princípio de fé pública, fazendo
coincidir a descrição e a imagem do imóvel, estanca a maioria das questões no âmbito do
registro, as quais versam sobre os limites dos imóveis e consomem tempo e dinheiro das
partes, além de sobrecarregarem os juízes. Por outro lado, corta as numerosas e dispendiosas
iniciativas avulsas de levantamento aerofotográfico que diferentes entidades tomam para
satisfazer seus fins próprios, reduzindo-as a um denominador comum, conveniente a todas, e
redunda, portanto, em considerável economia.
O ingresso autônomo das minas no Registro de Imóveis, onde atualmente só entram
acessória e episodicamente, afastará as tão famosas quanto numerosas questões de
interferência de área, em que titulares de pesquisa e de lavra disputam entre si por causa da
superposição, total ou parcial, dos campos mineiros que lhes são atribuídos pelo Estado. A
tranqüilização dessa frente da propriedade imobiliária estimulará a industria de mineração,
removendo um dos obstáculos ao seu progresso.
A formulação geral das inscrições preventivas, ora dispersas em casos avulsos,
contorna o risco do aparecimento de novos direitos reais, semelhantes àquele que se criou em
favor da promessa irretratável de venda de imóvel, desafogando a pressão ora exercida sobre
os cartórios pelas demais promessas contratuais. A complementação da fórmula da inscrição
com os direitos reais, dela extraviados, dissipa dúvidas e previne erros e questões
documentados na prática forense.
Além dessas inovações capitais, cada uma das quais acaba de ser tratada em
particular, convém aludir em geral à facilitação dos movimentos da hipoteca, bem como do
seu título representativo, destinada a contribuir decisivamente para fortalecer o mercado
secundário. Essa facilitação se exprimirá em vários trâmites: deslocamento da emissão da
cédula para a parte, enquadramento da cessão na formalidade registral mais simples,
acolhimento explícito da caução do crédito hipotecário, expressa permissão de transferência
de grau, sem dependência de cancelamento e reabertura da inscrição, renovação da hipoteca
por mera reinscrição, abolida a exigência do novo título.
De par com essas inovações de Direito Material, de suma importância para as partes,
devem ser lançadas outras de Direito Formal, tendentes e clarear e acelerar o serviço dos
cartórios. Dentre essas, algumas podem ser antecipadas na regulamentação da atual Lei, mas,
se não o forem, terão o seu lugar na da Lei vindoura, cujo advento não pode tardar muito em
face do que atrás ficou exposto.
A principal delas está na base formal do registro, no livro de inscrição, agora
denominado de "registro geral", que, diversamente do que tem acontecido, merece atrair a
especulação dos juristas, de modo que se torne uma tábua de direito tão nitida quanto
fidedigna. É preciso que se adote um livro fundiário que não deixe em dúvida a vantagem da
supressão dos antigos livros com a qual cessa um penoso manuseio e uma estafante repetição
de assentos longos, como o da descrição do imóvel.
A outra versa sobre a especificidade do registro, que há de ser preservada,
afastando-se do livro de transcrição de títulos, chamado "livro auxiliar", elementos
heterogêneos, que nada têm a ver com os imóveis registrados, como a emissão de debêntures,
as convenções antenupciais e as cédulas de crédito rural e industrial. Ao pôr de lado assentos
que não interessam ao registro, dá-se continuidade ao mesmo empenho sistemático que
anteriormente levou a excluir dele os atos constitutivos das sociedades por ações,
corretamente transferidos para o registro do comércio (Dec.-lei n.º 2.627, de 1940, art. 51; cf.
Lei n.º 6.404, de 1976, arts. 89 e 98, § § 2.º e 3.º).
Está claro que, quando emissões de debêntures, convenções antenupciais ou cédulas
atingirem imóveis, quer porque estes são hipotecados para garantir as debêntures ou as
cédulas, quer porque, preexistentes no patrimônio dos noivos, são atingidos pela cláusula
excetiva do regime comum do casamento, deverão necessariamente ingressar no registro sob
a forma de inscrição hipotecária ou averbação da cláusula à margem da inscrição aquisitiva
dos imóveis a que se referirem. Salvo nessas hipóteses, emissões, convenções e cédulas, que
não trazem nenhuma mutação jurídico-real a imóveis inscritos, não deverão penetrar no
registro, porque aí destoam da sua sistemática.
Se ficar letra morta a permissão de substituir livro encadernado de inscrição por
fichas, estas, no entanto, poderão ser utilizadas simultaneamente com ele, desempenhando
então o valioso papel da tábua ou "espelho" do registro alemão. Além desse elemento de
manuseio e consulta habitual, o cartório contará ainda com o livro de extratos, ao qual
imprimirá a versatilidade que lhe convier, sem prejuízo da finalidade precípua de remessa ao
arquivo público. Formado de folhas avulsas, preenchíveis a máquina, que se encadernam
afinal, o livro se prestará ainda à reprodução pela microfilmagem.
De outro lado, a extração de títulos de crédito real de direitos inscritos, de que foi
exemplo a cédula rural pignoratícia (Lei n.º 492, de 1937, art. 15), mas não chegou a sê-lo a
cédula hipotecária prevista no projeto do Código Civil de 1965 (art.659), será arredada de
uma vez por todas, por não condizer com a natureza passiva e com a propria epígrafe do
registro, embora o registro alemão a admita. Deixando que as próprias partes emitam os seus
títulos de crédito real, para apenas conferi-los e averbá-los, o registro esquivar-se-á a erros e
questões e seguirá a incipiente, mas louvável, prática brasileira, iniciada com a cédula
hipotecária do Banco Nacional da habitação e com as cédulas hipotecárias e pignoratícias de
crédito rural e de crédito industrial (Dec.-lei n.º 66, de 1966, arts. 10 e 13; Dec.-lei n.º 167, de
1967, arts. 40, 31 e 36; Dec.-lei n.º 413, de 1969, arts. 10, 19 e 29).
Assim como a certidão vintenária constitui, na fase de formação do contrato, um dos
embaraços ao curso dos negócios imobiliários, o exame dalegalidade do título representa, na
fase de conversão do negócio obrigacional em real, o mais sério obstáculo a ser transposto.
Ao mesmo tempo que se remove o primeiro impedimento, no Direito Material, com o
princípio de fé pública, desloca-se o segundo, no Direito Formal, com a adoção de um roteiro
do exame da legalidade dos títulos.
Esses impedimentos são por vezes acrescidos de outro, a saber, a substituição do
zoneamento pela distribuição dos títulos, que impele os interessados como lançadeiras de um
para outra cartório, em interminável valvém, levando-os à irritação e atrasando a inscrição.
No entanto, basta uma disposição peremptória da lei registral, confirmatória da do Código
Civil, para pôr cobro a esse abuso da faculdade de dispor sobre a organização judiciária.
Como se vê, a necessidade de reorganização do Registro de Imóveis se impõe agora
com mais força tanto para clarear o que se obscureceu, distinguir o que se confundiu,
simplificar o que se complicou, como sobretudo para rematar uma iniciativa sustada há meio
século. Nesse sentido há de empenhar-se a futura Lei, que precisa ser elaborada do modo a
adaptar o sistema alemão às condições do nosso meio, da nossa legislação e da nossa
tradição, inclusive a registral.
Nessa altura da vida já longa do nosso registro, não é sensato pensar em mudar do
rumo, sobretudo quando se reconhece geralmente que o que ele tomou é o mais acertado.
Assim, as fórmulas novas não darão um salto no escuro, mas apenas consumarão a evolução
natural de uma instituição, superando, ao mesmo tempo, os aspectos negativos da sua prática
atual.
Essas fórmulas, uma legais, outras regulamentares, darão acabamento a uma
construção que vem do passado, sem fazer tábua rasa das aquisições que este legou. Numa
visão panorâmica, estes serão os seus pontos relevantes:
a) o princípio de fé pública, que, encerrando a controvérsia de Direito Material
reinante sobre o assunto, imprime segurança ao tráfico imobiliário;
b) o princípio de publicidade real, que, inovando o Direito Formal, enseja a correta
aplicação do anterior em benefício da segurança dos direitos e do tráfico imobiliário;
c) o cadastro, que, aproveitando a técnica moderna de levantamento aerofotógrafico,
a coloca a serviço da inscrição para dar a posição física dos imóveis e eliminar as questões
sobre a especialidade deles;
d) o ingresso das minas, com caráter autônomo, no livro de registro, que, afastando as
questões de interferência de área, tranqüiliza essa frente da propriedade imobiliária e
estimula a indústria de mineração;
e) o desembaraço do registro da hipoteca, que, liberando-a de obstáculos existentes
no itinerário da sua circulação, facilita a troca de grau, a renovação, a cessão e a caução da
hipoteca e a emissão da cédula hipotecária;
f) a sistematização das inscrições preventivas em uma fórmula geral, que evita o
aparecimento de novos direitos reais e atende à pressão ora exercida sobre os cartórios pelas
promessas contratuais;
g) a redução à fórmula geral da inscrição das transferências de dreitos reais, dos seus
gravames e das modificações do seu conteúdo, que atalha erros e questões oriundas do seu
deslocamento em escaninhos regulamentares;
h) o encurtamento do intervalo entre o título e a inscrição, que, minimizando o risco
do período em que os negócios ficam em suspenso, aumenta a segurança dos direitos e
antecipa a produção dos resultados econômicos objetivados naqueles;
i) o zoneamento obrigatório dos cartórios, que, impedindo a descontinuidade da sua
área jurisdicional e a dispersão de títulos mediante distribuição, mantém a coordenação
sistemática dos serviços e poupa tempo e dinheiro.
APÊNDICE

Lei n.º 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei dos Registros Públicos)

Anteprojeto de lei de 1969 (Registro de Imóveis)

Modelos de livros (Registro Geral e Protocolo)

Parecer do Serviço de fotogrametria (Cadastro)

Lei n.º 6.766, de 19 de dezembro de 1979 (Lei do parcelamento do solo


urbano)

LEI N.º 6.015 — DE 31 DE DEZEMBRO DE 1973

Dispõe sobre os Registros Públicos e dá outras providências

TÍTULO I

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS


................................................................................................................................................

Capítulo II

DA ESCRITURAÇÃO

Art. 3.º A escrituração será feita em livros encadernados, que obedecerão os modelos
anexos a esta lei, sujeitos à correição da autoridade jundiciária competente.
§ 1.º Os livros podem ter 0,22m até 0,40m de largura e de 0,33m até 0,55m de altura,
cabendo ao oficial a escolha, dentro dessas dimensões, de acordo com a conveniência do
serviço.
§ 2.º Para facilidade do serviço podem os livros ser escriturados mecanicamente, em
folhas soltas, obedecidos os modelos aprovados pela autoriedade judiciária competente.
Art. 4.º Os livros de escrituração serão abertos, numerados, autenticados e encerrados
pelo oficial do registro, podendo ser utilizado, para tal fim, processo mecânico de
autenticação, previamente aprovado pela autoriedade judiciária competente.
Art. 5.º Considerando a quantidade dos registros o juiz poderá autorizar a diminuição
do número de páginas dos livros respectivos, até à terça parte do consignado netas Lei.
Art. 6.º Findando-se um livro, o imediato tomará o número seguinte, acrescido à
respectiva letra, salvo no registro de imóveis, em que o número será conservado, com a
adição sucessiva de letras, na ordem alfabética simples, e, depois, repetidas em combinações
com a primeira, com a segunda, e assim indefinidamente. Exemplo: 2-A a 2-Z; 2-AA a 2-AZ;
2-BA a 2-BZ etc.
Art. 7.º Os números de ordem dos registros não serão interrompidos no fim de cada
livro, mas continuarão, indefinidamente, nos seguintes da mesma espécie.

................................................................................................................................................

TÍTULO V

DO REGISTRO DE IMÓVEIS

Capítulo I

DAS ATRIBUIÇÕES

Art. 167. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:

I — o registro:
1) da instituição de bem de família;
2) das hipotecas legais, judiciais e convencionais;
3) dos contratos de locação de prédios, nos quais tenha sido consignada cláusula de
vigência no caso de alteração da coisa locada;
4) do penhor de máquinas e de aparelhos utilizados na indústria, instalados e em
funcionamento, com os respectivos pertences ou sem eles;
5) das penhoras, arrestos e seqüestros de imóveis;
6) das servidões em geral;
7) do susufruto e do uso sobre imóveis e da habiatação, quando não resultarem do
direito de família;
8) das rendas constituídas sobre imóveis ou a eles vinculadas por disposição de última
vontade;
9) dos contratos de compromisso de compra e venda, de cessão deste e de pomessa de
cessão, com ou sem cláusula de arrependimento, que tenham por objeto imóveis não loteados
e cujo preço tenha sido pago no ato de sua celebração, ou deva sê-lo a prazo, de uma só vez
ou em prestações;
10) da enfiteuse;
11) da anticrese;
12) das convenções antenupciais;
13) das cédulas de crédito rural;
14) das cédulas de industrial;
15) dos contratos de penhor rural;
16) dos empréstimos por obrigações ao portador ou debêntures, inclusive as
conversíveis em ações;
17) das incorporações, instituições e convenções de condomínio;
18) dos contratos de promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades
autônomas condominiais a que alude da Lei n.º 4.591, de 16 de dezembro de 1964, quando a
incorporação ou a instituição de condomínio se formalizar na vigência desta Lei;
19) dos loteamentos urbanos e rurais;
20) dos contratos de promessas de compra e venda de terrenos loteados em
conformidade com o Decreto-lei n.º 58, de 10 de dezembro de 1937, e respectiva cessão e
promessa de cessão, quando o loteamento se formalizar da vigência desta Lei;
21) das citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias, relativas a imóveis;
22) das sentenças de desquite e de nulidade ou anulação decasamento, quando, nas
respectivas partilhas, existirem imóveis ou direitos reais sujeitos a registro; 378
23) dos julgados e atos jurídicos entre vivos que divídirem imóveis ou os demarcarem
inclusive nos casos de incorporação que resultarem em constituição de condomínio e
atribuirem uma ou mais unidades aos incorporadores;
24) das sentenças que nos inventários, arrolamentos e partilha adjudicarem bens de
raiz em pagamento das dívidas de herança;
25) dos atos de entrega de legados de imóveis, dos formais de partilha e das sentenças
de adjudicação em inventário ou arrolamento quando não houver partilha;
26) da arrematação e da adjudicação em hasta pública;
27) do dote;
28) das sentenças declaratórias de usucapião;
29) da compra e venda pura e da condicional;
30) da permuta;
31) da dação em pagamento;
32) da transferência de imóvel a sociedade, quando integrar quota social;
33) da doação entre vivos;
34) da desapropriação amigável e das sentenças que, em processo de desapropriação,
fixarem o valor da indenização;

II — a averbação:

1) das convenções antenupciais e do regime de bens diversos do legal, nos registros


referentes a imóveis ou a direitos reais pertencentes a qualquer dos cônuges, inclusive os
adquiridos posteriormente ao casamento;
2) por cancelamento, da extinção dos ônus e direitos reais;
3) dos contratos de promessa de compra e venda, das cessões e das promessas de
cessão a que alude o Decreto-lei n.º 58, de 10 de dezembro de 1937, quando o loteamento se
tiver formalizado anteriormente à vigência desta Lei;
4) da mudança de denominação e de numeração dos prédios, da edificação, da
reconstrução, da demolição, do desmembramento e do loteamento de imóveis;
5) da alteração do nome por casamento ou por desquite, ou, ainda de outras
circunstâncias que, de qulaquer modo, tenham influência no registro ou mas pessoas nele
interessadas;
6) dos atos pertinentes a unidades autônomas condominiais a que alude a Lei n.º
4.591, de 16 de dezembro de 1964, quando a incorporação tiver sido formalizada
anteriormente à vigência desta Lei;
7) das cédulas hipotecárias;
8) da caução e da cessão fidunciária de direitos relativos a imóveis;

378 Revogado pela Lei n.º 6.850, de 12 de novembro de 1980 (art. 1.º) e substituído pelo n.º 14 do inciso II (art.
2.º).
9) das sentenças de separação de dote;
10) do restabelecimento da sociedade conjugal;
11) das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade
impostas a imóveis, bem como da constituição de fideicomisso;
12) das decisões, recursos e seus efeitos, que tenham por objeto atos ou títulos
registrados ou averbados;
13) ex officio, dos nomes dos logradouros, decretados pelo Poder Público.
14) das sentenças de sepração judicial, de divórcio e de nulidade ou anulação de
casamento, quando nas respectivas partilhas existirem imóveis ou direitos reais sujeitos a
registro. 379
15) da re-ratificação do contrato de mútuo com pacrto adjeto de hipoteca em favor de
entidade integrante do Sistema Financeiro da Habitação, ainda que importando elevação da
dívida, desde que mantidas as mesmas partes e que inexista outra hipoteca registrada em
favor de terceiros. 380

Art. 168. Na designação genérica do registro, consideram-se englobadas a inscrição e


a transcrição a que se referm as leis civis.
Art. 169. Todos os atos enumerados no art. 167 são obrigatórios e efetuar-se-ão no
cartório da situação do imóvel, salvo:
I — as averbações, que serão efetuadas na matrícula ou à margem do registro a que se
referirem, ainda que o imóvel tenha passado a pertencer a outra circunscrição;
II — os registros relativos a imóveis situados em comarcas ou circunscrições
limítrofes, que serão feitos em todas elas.
Art. 170. Os desmembramentos territorial posterior ao registro não exige sua
repetição no novo cartório.
Art. 171. Os atos relativos a vias féreas serão registrados no cartório
correspondente à estação inicial da respectiva linha.

Capítulo II

DA ESCRITURAÇÃO

Art. 172. No Registro de Imóveis serão feitos, nos termos desta Lei, o registro e a
averbação dos título ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintivos de direitos
reais sobre imóveis reconhecidos em lei, inter vivos ou mortis causa, quer para sua
constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer
para a sua disponibilidade.

Art. 173 Haverá, no Registro de Imóveis, os seguintes livros:

379 Acrescentado pela Lei n.º 6.850, de 12 de novembro de 1980.


380 Acrescentado pela Lei n.º 6.941, de 14 de setembro de 1981.
I — Livro n.º 1 — Protocolo;
II — Livro n.º 2 — Registro Geral;
III — Livro n.º 3 — Registro Auxiliar;
IV — Livro n.º 4 — Indicador Real;
V — Livro n.º 5 — Indicador Pessoal.

Parágrafo único. Observado o disposto no § 2.º do art. 3.º desta Lei, os livros ns. 2,3,4,
e 5 poderão ser substituídos por fichas.
Art. 174. O Livro n.º 1 — Protocolo — servirá para apontamento de todos os títulos
apresentados diariamente, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 12 desta Lei.

Art. 175. São requisitos da escrituração do Livro n.º 1 — Protocolo:

I — o número de ordem, que seguirá indefinidamente nos livros da mesma espécie;


II — a data da apresentação;
III — o nome do apresentante;
IV — a natureza formal do título;
V — os atos que formalizar, resumidamente mencionados.

Art. 176 O Livro n.º 2 — Registro Geral — será destinado à matrícula dos imóveis
e ao registro ou averbação dos atos realcionados no art. 167 e não atribuídos ao Livro n.º 3.
§ 1.º A escrituração do Livro n.º 2 obedecerá às seguintes normas: 381
I — cada imóvel terá matrícula própria, que será aberta por ocasião do primeiro
registro a ser feito da vigência desta Lei;
II— são requisitos da matrícula:
1) o número de ordem, que seguirá ao infinito;
2) a data;
3) a identificação do imóvel, feita mediante indicaçào de suas características e
confrontações, localização, área e denominação, se rural, ou logradouro e número, se urbano,
e sua designação cadastral, se houver;
4) o nome, domicílio e nacionalidade do proprietário, bem como:
a) tratando-se de pessoa física, o estado civil, a profissão, o número de inscrição no
Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda ou do Registro Geral da cédula de
identidade, ou à falta deste, sua fliação;
b) tratando-se de pessoa jurídica, a sede social e onúmero de inscriçào no Cadastro
Geral de Contribuintes do Ministério da Fazenda;
5) o número do registro anterior;
III — são requisitos do registro no Livro n.º 2:
1) a data;
2) o nome, domicílio e nacionalidade do transmitente, ou do devedor, e do adquirente,
ou credor, bem como:

381 O § 1.º, em que se transformou o antigo parágrafo único, resultou do acréscimo do § 2.º trazido pela lei n.º
6.668, de 17 de setembro de 1979.
a) tratando-se de pessoa física, o estado civil, a profissão e o número de inscrição no
Cadastro de Pessoas Físicas do Minitério da Fazenda ou do Registro Geral da cédula de
identidade, ou, à falta deste, sua filiação;
b) tratando-se de pessoa jurídica, a sede social e o número de inscrição no Cadastro
Geral de Contribuintes do Ministério da Fazenda ;
3) o título da transmissão ou do ônus;
4) a forma do título, sua procedência a caracterização;
5) o valor do contrato, da coisa ou da dívida, prazo desta, condições e mais
especificações, inclusive os juros, se houver.
§ 2.º Para a matrícula e registro das escrituras e partilhas, lavradas ou homologadas
na vigência do Decreto n.º 4.857, de 9 de novembro de 1939, não serão observadas as
exigências deste artigo, devendo tais atos obedecer ao disposto na legislação anteior. 382
Art. 177. O Livro n.º 3 — Registro Auxiliar — será destinado ao registro dos atos
que, sendo atribuídos ao Registro de Imóveis por disposição legal, não digam respeito
diretamente a imóvel matriculado.
Art. 178. Registrar-se-ão no Livro n.º 3 — Registro Auxiliar:
I — a emissão de debêntures, sem prejuízo do registro eventual e definitivo, na
matrícula do imóvel, da hipoteca, anticrese ou penhor que abonarem especialmente tais
emissões, firmando-se pela ordem do registro a prioridade entre as séries de obrigações
emitidas pela sociedade;
II — as cédulas de crédito rural e de crédito industrial, sem prejuízo do registro da
hipoteca cedular;
III — as conveções de condomínio;
IV — o penhor de máquinas e de aparelhos utilizados na indústria, instalados e em
funcionamento, com os respectivos pertences ou sem eles;
V — as conveções antenupciais;
VI — os contratos de penhor rural;
VII — os títulos que, a requerimento do interessado, forem resgistrados no seu inteiro
teor, sem prejuízo do ato praticado no Livro n.º 2.
Art. 179. O Livro n.º 4 — Indicador Real — será o repositório de todos os imóveis
que figurarem nos demais livros, devendo conter sua identificação, referência aos números
de ordem dos outros livros e anotações necessárias.
§ 1.º Se não for utilizado o sistema de fichas, o Livro n.º 4 conterá, ainda, o número de
ordem, que seguirá indefinidamente, nos livros da mesma espécie.
§ 2.º Adotado o sistema previsto no parágrafo precedente, os oficiais deverão ter, para
auxiliar a consulta, um livro-índice ou fichas pelas ruas, quando se tratar de imóveis urbanos,
e pelos homes e situações, quando rurais.
Art. 189. O livro n.º 5 — Indicador Pessoal — dividido alfabeticamente, será
repositório dos nomes de todas as pessoas que, individual ou coletivamente, ativa ou
passivamente, direta ou indiretamente, figurarem nos demais livros, fazendo-se referência
aos respectivos números de ordem.
Parágrafdo único. Se não for utilizado o sistema de fichas, o Livro n.º 5 conterá,
ainda, o número de ordem de cada letra do albabeto, que seguirá indefinidamente, nos livros
da mesma espécie. Os oficiais poderão adotar, para auxiliar as buscas, um livro-índice ou
fichas em ordem alfabética.

382 Acrescentado pela Lei n.º 6.668, de 17 de setembro de 1979.


Art. 181. Poderão ser abertos e escriturados, conconitantemente, até dez livros de
"Registros Geral", obedecendo, neste caso, a sua escrituração ao algarismo final da
matrícula, sendo as matrículas de números final um feitas no Livro 2-1, as de final dois no
Livro 2-2 e as final três no Livro 2-3 e, assim, sucessivamente.
Parágrafo único. Também poderão ser desdobrados, a critério do oficial, os Livros ns.
3 "Registros Auxiliar", 4 "Indicador Real"e 5 "Indicador Pessoal".

Capítulo III

DO PROCESSO DE REGISTRO

Art. 182. Todos os títulos tomarão, no Protocolo, o número de ordem que lhes
competir em razão da seqüência rigorosa de sua apresentaçào.
Art. 183. Reproduzir-se-á, em cada título, o número de ordem respectivo e a data de
sua prenotação.
Art. 184. O Protocolo será encerrado diariamente.
Art. 185. A escrituração do protocolo incumbirá tanto ao oficial títular como ao seu
substituto legal, podendo ser feita, ainda, por escrevente auxiliar expressamente designado
pelo oficial titular ou pelo seu substituto legal mediante autorização do juíz competente,
ainda que os primeiros não estejam nem fastados nem impedidos.
Art. 186. O número de ordem determinará a prioridade do título, e esta a preferênca
dos direitos reais, ainda que apresentados pela mesma pessoa mais de um título
simultâneamente.
Art. 187. Em caso de permuta, a pertencendo os imóveis à mesma circunscrição,
serão feitos os registros nas matrículas correspondentes sob o único número de ordem no
Protocolo.
Art. 188. Protocolizado o título, proceder-se-á ao registro, dentro do prazo de trinta
dias, salvo nos casos previstos nos artigos seguintes.
Art. 189. Apresentado título de segunda hipoteca, com referência expressa à
existência de outra anterior, o oficial, depois de prenotá-lo, aguardará durante trinta dias que
os interessados na primeira promovam a inscrição. Esgotado esse prazo, que correrá da data
da prenotação, sem que seja apresentado o título anterior, o segundo será inscrito e obterá
preferência sobre aquele.
Art. 190. Não serão registrados no mesmo dia, títulos pelos quais se constituam
direitos reais contraditórios sobre o mesmo imóvel.
Art. 191. Prevalecerão, para efeito de prioridade de registro, quando apresentados no
mesmo dia os títulos prenotados no Protocolo sob número de ordem mais baixo,
protelando-se o registro dos apresentados posteriormente, pelo prazo correspondente a, pelo
menos, um dia útil.
Art. 192. O disposto nos arts. 190 e 191 não se aplica às escrituras públicas, da mesma
data e apresentadas no mesmo dia, que determinem, taxativamente, a hora da sua lavratura,
prevalecendo, para efeito de prrioridade, a que foi lavrada em primeiro lugar.
Art. 193. O registro será feito pela simples exibição do título, sem dependência de
extratos.
Art. 194. O título de natureza particular apresentado em uma só via será arquivada
em cartório, fornecendo o oficial, a pedido, certidão do mesmo.
Art. 195. Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o
oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua
natureza, para manter a continuidade do registro.
Art. 196. A matrícula será feita à vista dos elementos constantes do t'tulo apresentado
e do registro anterior que constar do próprio cartório.
Art. 197. Quando o título anterior estiver registrado em outro cartório, o novo será
apresentado juntamente com certidão atualizada, comprobatório do registro anterior, e da
existência ou inexistência de ônus.
Art. 198. Havendo exigência a ser satisfeita, o oficial indicá-la-á por escrito. Não se
conformando o apresentante com a exigência do oficial, ou não a podendo satisfazer, será o
título, a seu requerimento e com a declaração de dúvida, remetido ao juizo competente para
dirimi-la, obedecendo-se ao seguinte:
I — no Protocolo, anotará o oficial, à margem da prenotação, a ocorrência da dúvida.
II — após certificar, no título, a prenotaçào e a suscitação da dúvida, rubricará o
oficial todas as suas folhas;
III — em seguida, o oficial dara ciência dos termos da dúvida ao apresentante,
fornecendo-lhe cópia da suscitação e notificando-o para impugná-la, perante o juízo
competente, no prazo de quinze dias;
IV — certificado o cumprimento do disposto no item anterior, remeter-se-ão ao juízo
competente, mediante carga, as razões da dúvida, acompanhadas do título.
Art. 199. Se o interessado não impugnar a dúvida no prazo referido no item III do
artigo anterior, será ela, ainda assim, julgada por setença.
Art. 200. Impugnada a dúvida com os documentos que o interessado apresentar, será
ouvido o Ministério Público, no prazo de dez dias.
Art. 201. Se não forem requeridas diligências, o juiz proferirá decisão no prazo de
quinze dias, com base nos elementos constantes dos autos.
Art. 202. Da sentença, poderão interpor apelação, com os efeitos devolutivos e
suspensivos, o interessado, o Ministério Público e o terceiro prejudicado.
Art. 203. Transitada em julgado a decisão da dúvida, proceder-se-á do seguinte
modo:
I — se for julgada procedente, os documentos serão restituídos à parte,
independentemente de traslado, dando-se ciência da decisão ao oficial, para que a consigne
no Protocolo e cancele a prenotação;
II — se for julgada improcedente, o interessado apresentará, de novo, os seus
documentos, com o respectivo mandado, ou certidão da sentença, que ficarão arquivados,
para que, desde logo, se proceda ao registro, declarando o oficial o fato na coluna de anotação
do Protocolo.
Art. 204. A decisão da dúvida tem natureza administrativa e não impede o uso do
processo contencioso competente.
Art. 205. Cessarão automaticamente os efeitos da prenotação se, decorridos trinta
dias de seu lançamento no Protocolo, o título não tiver sido registrado por omissão do
interessado em atender as exigências legais.
Art. 206. Se o documento, uma vez prenotado, não puder ser registrado, ou o
apresentante desistir de seu registro, a importância relativa às despesas previstas no art. 14
será restituída, deduzida a quantia correspondente às buscas e à prenotação.
Art. 207. No processo de dúvida, somente serão devidas custas, a serem pagas pelo
interessado, quando a dúvida for julgada procedente.
Art. 208. O registro começado dentro das horas fixadas não será interrompido, salvo
motivo de força maior declarado, prorrogando-se o expediente até ser concluído.
Art. 209. Durante a prorrogação nenhuma nova apresentação será admitida,
lavrando o termo de encerramento no Protocolo.
Art. 210. Todos os atos serão assinados e encerrados pelo oficial, por seu substituto
legal, ou por escrevente expressamente designado pelo oficial ou por seu substítuto legal e
autorizado pelo juíz competente ainda que os primeiros não estejam nem afastados nem
impedidos.
Art. 211. Nas vias dos títulos restituídos aos apresentantes, serão declarados
resumidamente, por carimbo, os atos praticados.
Art. 212. Se o teor do registro não exprimir a verdade, poderá o prejudicado
reclamar sua retificação, por meio de processo próprio.
Art. 213. A requerimento do interessado, poderá ser retificado o erro constante do
registro, desde que tal retificação não acarrete prejuízo a terceiro.
§ 1.º A retificação será feita mediante despacho judicial, salvo no caso de erro
evidente, o qual o oficial desde logo, corrigirá, com a devida cautela.
§ 2.º Se da retificação resultar alteração da descrição das divisas ou da área do
imóvel, serão citados, para se manifestarem sobre o requerimento, em dez dias, todos os
confrontantes e o alienante ou seus sucessores.
§ 3.º O Ministério Público será ouvido no pedido de retificação.
§ 4.º Se o pedido de retificação for impugnado fundamentalmente, o juíz
remeterá o interessado para as vias ordinárias.
§ 5.º Da sentença do juíz, deferindo ou não o requerimento, cabe recurso de
apelação com ambos os efeitos.
Art. 214. As nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas,
invalidam-no, independentemente de ação direta.
Art. 215. São nulos os registros efetuados após sentença de abertura de falência,
ou do termo legal nele fixado, salvo se a apresentação tiver sido feita anteriormente.
Art. 216. O registro poderá também ser retificado ou anulado por sentença em
processo contencioso, ou por efeito do julgado em ação de anulação ou de declaração de
nulidade de ato jurídico, ou de julgado sobre fraude à execução.

Capítulo IV

DAS PESSOAS

Art. 217. O registro e a averbação poderão ser provocados por qualquer pessoa,
incumbindo-lhe as despesas respectivas.
Art. 218. Nos atos a título gratuito, o registro pode também ser promovido pelo
transferente, acompanhado da prova de aceitação do beneficiado.
Art. 219 O registro do penhor rural independe do consentimento do credor
hipotecário.
Art. 220. São considerados, para fins de escrituração, credores e devedores,
respectivamente:
I — nas servidões, o dono do prédio dominante e o dono do prédio serviente;
II — no uso, o usuário e o proprietário;
III — na habitação, o habitante e o proprietário;
IV— na anticrese, o mutuante e mutuário;
V — no usufruto, o usufrutuário e o nu-proprietário;
VI — na enfiteuse, o senhorio e o enfiteuta;
VII — na constituição de renda, o beneficiário e o rendeiro censuário;
VIII — na locação, o locatário e o locador;
IX — nas promessas de compra e venda, o promitente comprador e o promitente
vendedor;
X — nas penhoras e ações, o autor e o réu;
XI — nas cessões de direitos, o cessionário e o cedente;
XII — nas promessas de cessão de direitos, o promitente cessionario e o promitente
cedente.

Capítulo V

DOS TÍTULOS

Art. 221. Somente são admitidos a registro:


I — escrituras públicas, inclusive as lavradas em coonsulados brasileiros;
II — escritos particulares autorizados em lei, assinados pelas partes a testemunha,
com as firmas reconhecidas, dispensado e reconhecimento quando se tratar de atos praticados
por entidades vinculadas ao Sistema Financeiro da Habitação.
III — atos autênticos de países estrangeiros, em força de instrumento público,
legalizador e traduzidos na forma da lei, e registrados no cartório do Registro de Títulos e
Documentos, assim como sentenças proferidas por tribunais estrangeiros após homologação
pelo Supremo Tribunal Federal;
IV — cartas de sentença, formais de partilha, certidões e mandados extraídos de autos
de processo.
Art. 222. Em todas as escrituras e em todos os atos relativos a imóveis, bem como
nas cartas de sentença e formais de partilha, o tabelião ou escrivão deve fazer referência à
matrícula ou ao registro anterior, seu número e cartório.
Art. 223. Ficam sujeitas à obrigação, a que alude o artigo anterior, as partes que, por
instrumento particular, celebrem atos relativos a imóveis.
Art. 224. Nas escrituras, lavradas em decorrência de autorização judicial, serão
mencionadas, porcertidão, em breve relatóri, com todas as minúcias que permitam
identificá-los, os respectivos alvarás.
Art. 225. Os tabeliães, escrivães e juízes farão com que, nas escrituras e nos autos
judiciais, as partes indiquem, com precisão, os característicos, as confrontações e as
localizações dos imóveis, mencionando os nomes dos confrontantes e, ainda, quando se tratar
só de terreno, se esse fica do lado par ou do lado impar do logradouro, em que quadra e a que
distância métrica da edificação ou da esquina mais próxima, exigindo dos interessados
certidão do registro imobiliário.
§ 1.º As mesmas minúcias, com relação à caracterização do imóvel, devem constar
dos instrumentos particulares apresentados em cartório para registro.
§ 2.º Consideram-se irregulares, para efeito de matrícul, os títulos nos quais a
caracterização do imóvel não coincida com a que consta do registro anterior.
Art. 226. Tratando-se de usucapião, os requisitos da matrícula devem constar do
mandado judicial.

Capítulo VI

DA MATRÍCULA

Art. 227. Todo imóvel objeto de título a ser registrado deve estar matrículado do
Livro n.º 2 — Registro Geral — obedecido o disposto no art. 176.
Art. 228. A matrícula será efetuada por ocasião do primeiro registro a ser lançado
na vigência desta Lei, mediante os elementos constantes do título apresentado e do registro
anterior nele mencionado.
Art. 229. Se o registro anterior foi efetuado em outra circunscrição, a matrícula
será aberta com os elementos constantes do título apresentado e da certidão atualizada
daquele registro, a qual ficará arquivada em cartório.
Art. 230. Se na certidão constar ônus, o oficial fará a matrícula, e, logo em seguida
ao registro, averbará a existência do ônus, sua natureza e valor, certificando o fato do título
que devolver à parte, o que ocorrerá, também, quando o ônus estiver lançado no próprio
cartório.
Art. 231. No preenchimento dos livros, observar-se-ão as seguintes normas:
I — no alto da face de cada folha será lançada a matrícula do imóvel, com os
requisitos constantes do art. 176, e no espaço restante e no verso serão lançados, por ordem
cronológica e em forma narrativa, os registros e averbação dos atos pertinentes ao imóvel
matriculado.
II — preenchida uma folha, será feito o transporte para a primeira folha em branco do
mesmo livro ou do livro da mesma série que estiver em uso, onde continuarão os
lançamentos, com remissões recíprocas.
Art. 232. Cada lançamento de registro será precedido pela letra "R" e o da averbação
pelas letras "AV", seguindo-se o número de ordem do lançamento e o da matricula ( ex.:
R-1-1, R-2-1, AV-3-1, R-4-1, AV-5-1 etc.).
Art. 233. A matrícula será cancelada:
I — por decisão judicial;
II — quando, em virtude de alienações parciais, o imóvel for inteiramente transferido
a outros proprietários;
III — pela fusão, nos termos do artigo seguinte.
Art. 234. Quando dois ou mais imóveis contiguos, pertencentes ao mesmo
proprietários, constarem de matriculas autônomas, pode ele requerer a fusão destas, em uma
só, de novo número, encerrando-se as primitivas.
Art. 235. Podem, ainda, ser unificados, com abertura de matrícula única:
I — dois ou mais imóveis constantes de transcrições anteriores a esta Lei, à margem
das quais será averbada a abertura da matrícula que os unificar;
II — dois ou mais imóveis, registrados por ambos os sistemas, caso em que, nas
transcrições, será feita a averbação prevista no item anterior, e as matrículas serão encerradas
na forma do artigo anterior.
Parágrafo único. Os imóveis de que trata este artigo, bem como os oiundos de
desmembramentos, partilha e glebas destacadas de maior porção, serão desdobrados em
novas matrículas, juntamente com os ônus que sobre eles existirem, sempre que ocorrer a
transferência de uma ou mais unidades, procedendo-se, em seguida, ao que estipula o item II
do art. 233.

Capítulo VII

DO REGISTRO

Art. 236. Nenhum registro poderá ser feito sem que o imóvel a que se referir esteja
matriculado.
Art. 237. Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da
apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro.
Art. 238. O registro de hipoteca convencional valerá pelo prazo de trinta anos, findo
o qual só será mantido o número anterior se reconstituída por novo título e novo registro.
Art. 239. As penhoras, arrestos e seqüestros de imóveis serão registrados depois de
pagas as custas do registro pela parte interessada, em cumprimento de mandado ou à vista de
certidão do escrivão, de que constem, além dos requisitos exigidos para o registro, os nomes
do juiz, do depositário, das partes e a natureza do processo.
Parágrafo único. A certidão será lavrada pelo escrivão do feito, com a declaração do
fim especial a que se destina, após a entrega, em cartório, do mandado devidamente
cumprido.
Art. 240. O registro da penhora faz prova quanto à fraude de qualquer transação
posterior.
Art. 241. O registro da anticrese no Livro n.º 2 declarará, também, o prazo, a época
do pagamento e a forma de administação.
Art. 242. O contrato de locação, com cláusula expressa de vigência no caso de
alteração do imóvel, registrado no Livro n.º 2, consignará, também, o seu valor, a renda, o
prazo, o tempo e o lugar do pagamento bem como pena convencional.
Art. 243. A matrícula do imóvel promovida pelo titular do dominio direto aproveita
ao titular do domínio útil, e vice-versa.
Art. 244. As escrituras antenupciais serão registradas no Livro n.º 3 do cartório do
domicílio conjugal, sem prejuízo de sua averbação obrigatória no lugar da situação dos
imóveis de propriedade do casal, ou dos que forem sendo adquiridos e sujeitos a regime de
bens diversos do comum, com declaração das respectivas cláusulas, para ciência de terceiros.
Art. 245. Quando o regime de separação de bens for determinado por lei, far-se-á a
respectiva averbação nos termos do artigo anterior, incumbindo ao Ministério Público zelar
pela fiscalização e observância dessa providência.

Capítulo VIII

DA AVERBAÇÃO E DO CANCELAMENTO

Art. 246. Além dos casos expressamente indicados no item II do art. 167, serão
averbadas na matrícula as sub-rigações e outras ocorrências que, por qualquer modo, alterem
o registro.
Parágrafo único. As averbações a que se referem os itens 4 e 5 do inciso II do art. 167
serão feitas a requerimento dos interessados, com firma reconhecida, instruído com
documento comprobatório fornecdio pela autoridade competente. A alteração do nome só
poderá ser averbada quando devidamente comprovada por certidão do Registro Civil.

Art. 247. Averbar-se-á, também, na matrícula, a declaração de indisponibilidade de


bens, na forma prevista na Lei.
Art. 248. O cancelamento efetuar-se-á mediante averbação, assinado pelo oficial,
seu substituto legal ou escrevente autorizado, e declarará o motivo que o determinou, bem
como o título em virtude do qual foi feito.
Art. 249. O cancelamento poderá ser total ou parcial e referir-se a qualquer dos atos
do registro.
Art. 250. Far-se-á o cancelamento;
I — em cumprimento de decisão judicial transitada em julgado;
II — a requerimento unânime das partes que tenham participado do ato registrado, se
capazes, com as firmas reconhecidas por tabelião;
III — a requerimento do interessado, instruído em documento hábil.
Art. 251. O cancelamento de hipoteca só pode ser feito:
I — à vista de autorização expressa ou quitação outorgada pelo credor ou seu
sucessor, em instrumento público ou particular;
II — em razão de procedimento administrativo ou contencioso, no qual o credor tenha
sido intimado (art. 698 do Código de Processo Civil);
II — na conformidade da legislação referente às cédulas hipotecarias.
Art. 252. O registro, enquanto não concelado, produz todos os seus efeitos legais
ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou
rescindido.
Art. 253. Ao terceiro prejudicado é lícito, em juízo, fazer prova da extinção dos ônus
reais, e promover o cancelamento do seu registro.
Art. 254. Se, cancelado o registro, subsistirem o título e os direitos dele decorrentes,
poderá o credor promover novo registro, o qual só produzirá efeitos a partir da nova data.
Art. 255. Além dos casos previstos nesta Lei, a inscrição de incorporação ou
loteamento só será cancelada a requerimento do incorporador ou loteador, enquanto
nenhuma unidade ou lote for objeto de transação averbada, ou mediante o consentimento de
todos os compromissários ou cessionários.
Art. 256. O cancelamento da servidão, quando o prédio dominante estiver
hipotecado, só poderá ser feito com aquiescência do credor, expressamente manifestada.
Art. 257. O dono do prédio serviente terá, nos termos da lei, direito a cancelar a
servidão.
Art. 258. O foreiro poderá, nos termos da lei, averbar a renúncia de seu direito, sem
dependência do consetimento do senhorio direto.
Art. 259. O cancelamento não pode ser feito em virtude de sentença sujeita, ainda, a
recurso.

Capítulo IX

DO BEM DE FAMÍLIA
Art. 260. A instituição do bem de família far-se-á por escritura pública, declarando o
instituidor que determinado prédio se destina a domicílio de sua família e ficará isento de
execução por dívida.
Art. 261. Para a inscrição do bem de família, o instituidor apresentará ao oficial do
registro a escritura pública de instituição, para que mande publicá-la na imprensa local e, à
falta, na da Capital do Estado ou do Território.
Art. 262. Se não ocorrer razão para dúvida, o oficial fará a publiciação, em forma de
edital, do qual constará:
I — o resumo da escritura, nome, naturalidade e profissão do instituidor, data do
instrumento e nome do tabelião que o fez, situação e característicos do prédio;
II — o aviso de que, se alguém se julgar prejudicado, deverá, dentro em trinta (30)
dias, contados da data da publicaçào, reclamar contra a instituição, por escrito e perante o
oficial.
Art. 263. Findo a prazo do n.º II do artigo anterior sem que tenha havido reclamação,
o oficial transcreverá a escritura integralmente no Livro n.º 3 e fará a inscrição na competente
matrícula, arquivando um exemplar do jornal em que a publicação houver sido feita e
restituindo o instrumento ao paresentante, com a cota da inscrição.
Art. 264. Se for apresentada reclamação, dela fornecerá o oficial ao instituidor cópia
autêntica e lhe restituirá a escritura, com a declaração de haver sido suspenso o registro,
cancelando a prenotação.
§ 1.º O instituidor poderá requerer ao juíz em ordene o registro, sem embargo da
reclamação.
§ 2.º Se o juiz determinar que se proceda ao registro, ressalvará ao reclamante o
direito de recorrer à ação competente para anular a instituição ou de fazer execução sobre o
prédio instituído, na hipótese de tratar-se de divida anterior e cuja solução se tornou
inexeqüível em virtude do ato da instituição.
§ 3.º O despacho do juiz será irrecorrível e, se deferir o pedido, será transcrito
integralmente, juntamente com o instrumento.
Art. 265. Quando o bem de família for instituído juntamente com a transmissão da
propriedade (Decreto-lei n.º 3.200, de 14 de abril de 1941, art. 8.º, § 5.º), a inscrição far-se-á
imediatamente após o registro da transmissão ou, se for o caso, com a matrícula.

Capítulo X

DA REMIÇÃO DO IMÓVEL HIPOTECADO

Art. 266. Para remir o imóvel hipotecado, o adquirente requererá, no prazo legal, a
citação dos credores hipotecários propondo, para a remição, do mínimo, o preço por que
adquiriu o imóvel.
Art. 267. Se o credor, citado, não se opuser à remição, ou não comparecer,
lavrar-se-á termo de pagamento e quitação e o juiz ordenará, por sentença, o cancelamento da
hipoteca.
Parágrafo único. No caso de revelia, consignar-se-á o preço à custa do credor.
Art. 268. Se o credor, citado, comparecer e impugnar o preço oferecido, o juiz
mandará promover a ilicitação entre os credores hipotecários, os fladores e o próprio
adquirente, autorizando a venda judicial a quem oferecer maior preço.
§ 1.º Na licitação, será preferido, em igualdade de condições, o lanço do adquirente.
§ 2.º Na falta de arrematante, o valor será o proposto pela adquirente.
Art. 269. Arreinatado o imóvel e depositado, dentro de quarenta e oito (48) horas, o
respectivo preço, o juiz mandará cancelar a hipoteca, sub-rogando-se no produto da venda os
direitos do credor hipotecário.

Art. 270. Se o credor da segunda hipoteca, embora não vencida a dívida, requerer a
remição, juntará o título e certidão da inscrição da anterior e depositará a importância devida
ao primeiro credor, pedindo a citação desde para levantar o deposito e a do devedor para
dentro do prazo de cinco dias remir a hipoteca, sob pena de ficar o requerente sub-rogado nos
direitos creditórios, sem prejuízo dos que lhe couberem em virtude da segunda hipoteca.
Art. 271. Se o devedor não comparecer ou não remir a hipoteca, os autos serão
conclusos ao juíz para julgar por sentença a remição pedida pelo segundo credor.
Art. 272. Se o devedor comparecer e quiser efetuar a remição, notificar-se-á o
credor para receber o preço, ficando sem efeito o depósito realizado pelo autor.
Art. 273. Se o primeiro credor estiver promovendo a execução da hipoteca, a
remição, que abrangerá a importância das custas e despesas realizadas, não se efetuará antes
da primeira praça, nem depois de assinado o auto de arrematação.
Art. 274. Na remição de hipoteca legal em que haja interesse de incapaz intervirá o
Ministério Público.
Art. 275. Das sentenças que julgarem o pedido de remição caberá o recurso de
apelação com ambos os efeitos.
Art. 276. Não é necessária a remição quando o credor assinar, com o vendedor,
escritura de venda do imóvel gravado.

Capítulo XI

DO REGISTRO TORRENS

Art. 277. Requerida a inscrição de imóvel rural no Registro Torrens, o oficial


protocolizará e autuará o requerimento e documentos que o instruírem e verificará se o
pedido se acha em termos de ser despachado.
Art. 278. O requerimento será instruído com:
I — os documentos comprobatórios do domínio do requerente;
II — a prova de quaisquer atos que modifiquem ou limitem a sua propriedade;
III — o memorial de que constem os encargos do imóvel, os nomes dos ocupantes,
confrontantes, quaisquer interessados, e a indicação das respectivas residências;
IV — a planta do imóvel, cuja escala poderá variar entre os limites:
1: 500 m (1/500) e 1:5.000 (1/5.000).
§ 1.º O levantamento de planta obedecerá às seguintes regras:
a) empregar-se-ão goniômetros ou outros instrumentos de maior precisão;
b) a planta será orientada, segundo o meridiano do lugar, determinada a declinaçào
magnética;
c) fixação dos pontos de referência necessária a verificações ulteriores e de marcos
especiais, ligados a pontos certos e estáveis nas sedes das propriedades, de maneira que a
planta possa incorporar-se à carta geral cadastral.
§ 2.º As plantas serão anexadas o memorial e as cadernetas das operaçòes de campo,
autenticadas pelo agrimensor.
Art. 279. O imóvel sujeito a hipoteca ou ônus real não será admitido a registro sem
consentimento expresso do credor hipotecário ou da pessoa em favor de quem se tenha
instituído o ônus.
Art. 280. Se o oficial considerar irregular o pedido ou a documentação, poderá
conceder o prazo de trinta dias para que o interessado os regularize. Se o requerente não
estiver de acordo com a exigência do oficial, este suscitará dúvida.
Art. 281. Se o oficial considerar em termos o pedido, remete-lo-á a juízo para ser
despachado.
Art. 282. O juiz, distribuído o pedido a um dos cartórios judiciais, se entender que os
documentos justificam a propriedade do requerente, mandará expedir edital que será afixado
no lugar de costume e publicado uma vez no órgão oficial do Estado e três vezes na imprensa
local, se houver, marcando prazo não menor de dois meses nem maior de quatro meses para
que se ofereça oposição.
Art. 283. O juiz ordenará, de ofício ou a requerimento da parte, que, à custa do
peticionário, se notifiquem de requerimento as pessoas nele indicadas.
Art. 284. Em qualquer hipótese, será ouvido o órgão do Ministério Público, que
poderá impugnar o registro por falta de prova completa do domínio ou preterição de outra
formalidade legal.
Art. 285. feita a publicaçào do edital, a pessoa que se julgar com direito sobre o
imóvel, no todo ou em parte, poderá contestar o pedido no prazo de quinze dias.
§ 1.º A contestação mencionará o nome e a residência do réu, fará a descriçào exata
do imóvel e indicará os direitos relacionados e os títulos em que se fundarem.
§ 2.º Se não houver contestação, e se o Ministério Público não impugnar o pedido,
o juiz ordenará que se inscreva o imóvel, que ficará assim, submetido aos efeitos do
Registros Torrens.
Art. 286. Se houver contestação ou impugnação, o procedimento será ordinário,
cancelando-se, mediante mandado, a prenotação.
Art. 287. Da sentença que deferir, ou não, o pedido, cabe o recurso de apelação com
ambos os efeitos.
Art. 288. Transitada em julgado a sentença que deferir o pedidoo oficial inscreverá,
na matrícula, o julgado que determinou a submissão do imóvel aos efeitos do Registro
Torrens, arquivando em cartório a documentação autuada.

REGISTRO DE IMÓVEIS
( Anteprojeto de Lei) *

Reorganiza o registro de imóveis e institui o cadastro

Capítulo I

DOS DIREITOS SOBRE IMÓVEIS

* Apresentado pelo autor ao Ministério da Justiça em fevereiro de 1969 (Revisto).


Art. 1.º A propriedade imóvel adquire-se, transmite-se e onera-se, como se
transmite e se onera o direito real nela incidente, pela inscrição no registro do título que as
partes criem para obter a modificação jurídica visada.
§ 1.º O preceito aplica-se à aquisição judicial da propriedade por arrematação e
adjudicação.
§ 2.º O preceito estende-se a qualquer modificação do conteúdo de um direito real
imboliário.
Art. 2º. Quando a propriedade imóvel se adquirir por outro modo, será também
inscrito, para permitir a disponibilidade do direito, o título declaratório de sua aquisiçào
assim que esta for singularizada.
Art. 3.º A extinção da propriedade ou de outro direito real sobre imóvel dá-se pelo
cancelamento da inscrição à vista de autorização escrita dirigida pelo beneficiário dela à
outra parte ou ao cartório de registro, ou de setença cancelatória definitiva.
Art. 4.º Se odireito real imboliário estiver gravado com o direito de umterceiro,
será necessária a anuência deste para a extinção do direito gravado.
Art. 5.º A morte ou a incapacidade sobrevinda ao alienante ou ao adquirente de um
direito após o ato ao qual se vinculou não impede a inscrição do título no Registro de
Imóveis.
Parágrafo único. A incapacitação por causa financeira também não impede a
inscrição, desde que o título se ache prenotado.
Art. 6.º A prioridade entre os direitos reais imobiliários se regula pela ordem de sua
inscrição.
Art. 7.º A prioridade não exclusiva pode se modificada posteriormente mediante
acordo entre os titulates interessados e inscrição no registro.
§ 1.º Se o direito que se pospõe está gravado com o direito de um terceiro, é
necessária a anuência deste.
§ 2.º O grau assinado ao direito que se antepõe não se perde pelo fato de ser
suprimido por negócio jurídico o direito que se pospõe.
§ 3.º Os graus dos dreitos que se acham de permeio entre os que trocam de posto
não são atingidos pela troca.
Art. 8.º A prioridade acompanha a hipoteca em sua prorrogação ou renovação, a
menos que prejudique direitos que terceiros pudesse exercer no vencimento do primeiro
prazo.
Parágrafo único. A renovação da inscrição da hipoteca dispensa novo titulo.
Art. 9.º As pretensões a constituição, extinção, modificação de conteúdo ou de grau
de prioridade de direitos reais poderão acautelar-se mediante inscrição preventivas, desde
que o titular do direito por ela visado o autorize ou o juiz o determine.
§ 1.º Quando as pretensões contraditarem direitos inscritos, atacando o registro ou
o titulo justificativo, o seu ajuizamento importa em autorização para a inscrição preventiva.
§ 2.º As penhoras, arrestos e seqüestros de imóvel acautelar-se-á mediante a
mesma formalidade.
Art. 10. Quando o dono de um móvel adquire o contíguo pode um ao outro sob a
mesma inscrição, salvo se isso expuser a erro, ou conservá-los distintos sob inscrição
diversas.
Parágrafo único. O dono de um imóvel pode tambem desmembra em dois ou mais
imóveis sob inscrições diferentes desde que cada um destes seja suscetível de exploração
econômica na zona rural ou de construção na zona urbana.
Art. 11. A inscrição gera a presunção da existência e o cancelamento da inexistência
do direito.
Art. 12. A presunção constante do artigo anterior e destrutível para prova contrária,
exceto em detrimento de quem, desconhecendo inexatidão do registro, ao qual não se opusera
oportuna contradita, adquira o direito a titulo oneroso.
Art. 13. Se o teor do registro não exprimir a verdade, poderá o prejudicado reclamar
que se retifique.
§ 1.º A retificaçào concernente a direito depende de anuência da pessoa inscrita ou
de mandado do juiz em cumprimento de sentença.
§ 2.º A retificaçào concernente a fato enunciado no registro depende de
requerimento comprobatório do interessado e, quando versar sobre a medida da linha de
divisa do imóvel, de vistoria administrativa ou audiência, se necessário, dos confrontantes.
§ 3.º Se, para a retificação do registro, for necessária a exibição de cédula
hipotecária a ela vinculada, o requerente pode exigir do possuidor da cédula a apresentação
desta ao cartório do registro.
Art. 14. A despesa com a reificação do registro incumbe ao requerente, salvo se o
contrário resultar da relação jurídica existente entre ele e a outra parte.
Art. 15. A inscrição como proprietário de um imóvel por vinte anos, aliada a
concomitante posse deste, sen nenhuma contradita intercorrente ao seu direito, faz o titular
dela adquirir a propriedade acaso não obtida originalmente do disponente.

Capítulo II

DA INSCRIÇÃO NO REGISTRO

Art. 16. A inscrição será antecedida pela prenotação do título no protocolo para
exame da sua legalidade, o qual alcançará as nulidades e as anulabilidades visíveis da sua
face.
Parágrafo único. Quando o registrador tiver sobre a legalidade dúvida que não puder
ser sanada por exigência ao interessado, declará-la-á por escrito para ser resolvida pelo Juiz.
Art. 17. A pré-inscrição do título do alienante é indispensável à inscrição do título
do adquirente do direito.
Art. 18. A inscrição far-se-á em um livro fundiário único, em que cada folha tocará
a um imóvel, cujo título aquisitivo, integrado pela descriçào, ocupará nela o primeiro lugar,
seguindo-se todos os atos posteriores que lhe digam respeito.
§ 1.º A inscrição aquisitiva, havida como matrícula do imóvel, será rasladada de
livro anterior, se for de natureza diversa o primeiro título que se apresentar na vigência desta
Lei.
§ 2.º A inscrição abrangerá tanto as condições como as cláusulas de que terceiros
devam tomar conhecimento.
§ 3.º A inscrição recairá sempre sobre imóvel de área continua, ao atual não se
anexará outro que não seja confinante, salvo se se tratar de fronteira de área inferior à da
unidade de exploração econômica rural.
§ 4.º Sob ordem cronológica e numeração consecutiva relativamente a cada
imóvel, a inscrição será independente do cadastro instituído nesta lei, mas com ele se
articulará onde quer que se instale.
Art. 19. A inscrição será feita no cartório da situação do imóvel, que atrairá todos os
títulos imobiliários da respectiva zona.
Art. 20. Qualquer interessado pode promover a inscrição e, quando houver mais de
um, aquele que o fizer ter;a direito regressivo contra os demais para o reembolso da
respectiva parte na despesa.
Art. 21. A inscrição será promovida mediante a apresentação do título e o
requerimento, oral ou escrito, do interessado, não podendo ser efetuada sem instância deste
ou da autoriedade.
§ 1.º Todavia, será praticada de oficio a formalidade decorrente de outra requerida
ou tendente a assegurar direito conjunto no mesmo título, bem como a destinada a eliminar
registro caducos pelo decurso do tempo.
§ 2.º O registrador pode excepcionalmente notificar a parte para trazer ao registro
os títulos e documentos necessários à inscrição ou averbação quando a omissão dela,
prejudicando a exatidão do registro, for suscetível de produzir insegurança no tráfico
jurídico.

Capítulo III

DO CADASTRO

Art. 22. É instituído o cadastro para determinar o espaço geográfico que ocupa cada
imóvel submetido a inscrição.
§ 1.º O cadastro formar-se-a progressivamente à medida que forem encaminhadas
aos Cartórios do Registro de Imóveis as folhas da cobertura aerofográfica do País
correspondentes as suas circunscrições territoriais.
§ 2.º Assim que nesses Cartórios se instalar a seção de cadastro, a inscrição passará
a depender também do exame prévio da fidelidade da planta do imóvel.
Art. 23. Se o perímetro do imóvel, em qualquer de suas linhas, divergir dos de outro
limitrofe ou deixar de permeio vazio apreciável, bem como se delimitar uma área
insuscetível de exploração econômica na zona rural ou de construção na zona urbana, deixará
de ser feita a inscrição até que se regularizem o titulo e a planta.
Parágrafo único. Para regularização do titulo e da planta poderá o juiz, a requerimento
da parte, ordenar uma vistoria nos trabalhos de medição de um e outro imóvel, ou ao local, a
fim de se retificar o perímetro erradamente figurado, bem como mandar eventualmente
intimar terceiros para intervirem, se interesses deles forem atingidos.
Art. 24. Para facilitar o levantamento da planta, o Cartório do Registro de Imóveis
facultará aos interessados o exame a tiragem de cópias de fotografias aéreas dos respectivos
imóveis e de plantas porventua existentes na mapoteca.
Parágrafo único. Se não houver prejuízo para a regularidade do serviço interno, a
critério do registrador, a própria seção de cadastro poderá encarregar-se das mediçòes e
complementações em campo e do levantamento da planta topográfica.
Art. 25. A planta do imóvel, feita por topógrafo hablitado e subscrita por ele e pelas
partes, instruira o título que for apresentado para inscrição.
§ 1.º Se a planta tiver instruído o título anterior, sem que haja sobrevindo mudança
nos limites, batará juntar ao novo uma cópia dela em que figurem as transformações
ocorridas posteriormente no imóvel ou nos seus modos de paroveitamento.
§ 2.º Antes de instalado o cadastro, pode o Juiz, em face das circunstâncias,
dispensar a planta, execeto a de divisão, partilha ou demarcação do imóvel que, em cópia
autêntica, juntamente com o memorial, acompanhará sempre o título e com ele ficará
arquivada no cartório.
Art. 26. A renovação do cadastro operar-se-á automaticamente à medida que forem
apresentadas com os títulos, as respectivas plantas novas ou antigas, uma vez que estas,
predipostas para dar a fisionomia atual dos imóveis, projetarão naquele as transformações
ocorridas.
Parágrafo único. Os modos de aproveitamento obedecerão à classificação
internacional dos usos da terra, adaptada ou desdobrada para atender as variações regionais
do país.

Capítulo IV

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS

Art. 27. A inscrição aplicar-se-á aos atos ora distribuídos entre a transcrição e a
inscrição, acrescidos das vendas ou promessas irretratáveis de venda de lotes ou
apartamentos, inscritíveis ao pé da inscrição matriz do terreno loteado ou incorporado, bem
como dos títulos de concessão de minas, inscritíveis em folhas antônomas.
Parágrafo único. A averbação abrangerá os atos ora sujeitos a ela, acrescidos das
renúncias da propriedade ou do domínio útil, dos memoriais de loteamento e de
incorporações e das autorizações de pesquisa mineral, estas averbáveis à margem da
inscrição do terreno onde se acha encravada a área delimitada no título.
Art. 28. Deixarão de ser registrados no Registro de Imóveis:
a) as emissões de debêntures, salvo se forem garantidas por hipoteca, caso em que
esta será levada à inscrição da folha do imóvel e aí averbada também à margem da inscrição
aquisitiva;
b) as conveções antenupciais, salvo se atingirem imóveis inscritos dos nubentes, caso
em que serão averbadas à margem dos respectivas inscrições.
Parágrafo único. As emissões de debêntures, a critério do Banco Central, poderão ser
transcritas no Registro de Títulos e Documentos.
Art. 29. O registro de imóveis não extrairá nenhum título de crédito dos direitos
reais inscritos, limitando-se a averbar, à margem da inscrição deles, os que, previstos em Lei,
foram emitidos pelas partes, depois de conferi-los.
Art. 30. Os livros de protocolo e de inscrição obedecerão aos modelos anexos, serão
encadernados e terão trezentas folhas cada um.
Art. 31. O cadastro começará pelos imóveis rurais, mas se estenderá oportunamente
aos imóveis urbanos pela forma que for acordada com as Prefeituras Municipais.
Parágrafo único. Onde houver cadastro imobiliário urbano, organizado pela
Prefeitura Municipal, poderá ele ser aproveitado, mediante acordo, pelo Registro de Imóveis,
para a exigência da planta, desde que permita a amarração dos imóveis em folha da carta
aerofotográfica, ou cartográfica, portadora do traçado de meridianos e paralelos e da
longitude e latitude correspondente a cidade.
Art. 32. Para planejar, coordenar e fiscalizar a execução do cadastro, é o Ministério
da Justiça autorizado a criar um órgão central de fotogrametria, ou celebrar acordo com outro
congênere, da administração direta ou indereta ou de empresa privada.
§ 1.º O Ministério da Justiça fornecerá aos Cartórios do Registro de Imóveis, por
intermédio desse órgão, o material adequado ao cadastro, à medida que o for obtendo.
§ 2.º Ao mesmo tempo, serão concedidas bolsas de estudo a servidores desses
Cartório para que, em escolas técnicas, órgãos oficiais ou empresas particulares, se
especializem em topografia ou fotoanálise.
§ 3.º Após o recebimento do material, poderá o registrador instalar o cadastro, sob
a supervisão do Juiz, contratando, à suas expensas, o pessoal indispensável ao seu
funcionamento e cobrando pelos serviços internos e de campo os emolumentos e preços
fixados provisoriamente pelo Juiz ate que a Lei de Organização Judiciaria acerca deles.
Art. 33. Fica extinto o Registro Torrens.
Art. 34. O poder Executivo expedirá, dentro de noventa dias, o Regulamento desta
Lei.
Parágrafo único. O regulamento conterá, entre outras, as seguintes matérias:
a) distinção entre a inscrição principal e a marginal e enumeração dos atos
obrigatoriamente sujeitos a uma e a outra ( inscrição, averbação);
b) apresentação plural dos títulos, para a devolução e arquivamento, roteiro do exame
da sua legaldade, principais exigências para a sua regularização e trâmites da dúvida.
c) relação dos títulos irregistráveis que ordinariamente buscam o registro e
enunciação dos casos de atividade espontânea do registrador;
d) preparo prévio do extrato do título para o fim de inscrição e assinalamento
posterior do número desta no título para devolução ao interessado;
e) requisito de união de imóveis sob a mesma matrícula: forma de transferência da
matrícula do imóvel em caso de desmembramento do Cartório;
f) autenticação dos livros, principais e auxiliares, sua escrituração e continuação, e
assinalamento das inscrições canceladas;
g) escalas e formatos da planta para o seu apensamento aos títulos seu enquadramento
no cadastro, material adequado a este e responsabilidade por sua reposição;
h) classificação internacional dos usos da terra;
i) conexão entre a inscrição e o cadastro e articulação entre o serviço cartorial e o
cadastral do Registro de Imóveis, ambos subordinados ao registrador;
j) coordenação do Registro de Imóveis com as Prefeituras para que a mudança dos
nomes dos logradouros públicos e da numeração dos prédios só se efetue por ocasião da
divisão administrativa e judiciária do Estado.

Art. 35. Para cumprimento desta Lei, com antecedência relativa à sua entrada em
vigor, os registradores encomendarão os livros novos, de modo que, na véspera daquela data,
sejam encerrados os atuais mediante termos lavrados na última folha preenchida de cada um
deles e subscritos pelo Juíz.
Art. 36. Esta Lei entrará em vigor em 1.º de janeiro de 1975, excetuados os artigos
34 e 35, cuja vigência começa na data da sua publicação, revogadas as disposições em
contrário.
Parágrafo único. Revogam-se também os incisos VII e VIII do artigo 20 e os artigos
35 e 50 do Decreto-lei n.º 413, de 1969, bem como o título V da Lei n.º 6.015, de 31 de
dezembro de 1973.

MODELOS DE LIVROS

REGISTRO DE IMÓVEIS
REGISTRO GERAL

Matrícula n.º Circunscrição e Distrito............................Designação


Cadastral........................
........................Denominação, rua ou n.º..........................Posição Geográfica...........................
________________________________________________________________________
Registro anterior | Inscrição | Área | ha | a | m² | Proprietário
| | | | | |
.................................. |..................... |..................... |.......... |.......... |.......... |.....................
................................. |..................... |..................... |.......... |.......... |.......... |.....................
................................. |..................... |..................... |.......... |.......... |.......... |.....................
_______________________________________________________________________
N.º E EPÍGRAFE |
|
|
|
|
|
|
|
| MODELO DE LIVRO DA LEI ATUAL
|
|
|
|
|
|
|
|
________________________________________________________________________

REGISTRO DE IMÓVEIS

Livro de Protocolo
________________________________________________________________________
| | | | |
| | | | Situação |
Data | Número | | Forma | do |
| de | | do | imóvel |
Averbações
19.... | ordem | | título | U= urbano |
| | | | R= rural |
________________________________________________________________________
| | | | |
| | | | |
0,03m| 0,05m | 0,10m | 0,05m | 0,05m |
0,12m
| | | | |
| | | | |
| | | | |
| | | | |
| | | | |
| | | | |
| | | | |
| | | | |
| | | | |
| | | | |
| | MODELO DE LIVRO | | |
| | DO PROJETO DE | | |
| | REORGANIZAÇÃO | | |
| | | | |
| | | | Largura..............
0,40m
| | | | Altura................
0,55m
__________________________________________________________________________________

PARECER
Parecer do Serviço de Fotogrametria do Ministério das
Minas e Energia sobre o Capítulo IV — “ Do Cadastro” , da
minuta de Decreto-lei que “ reorganiza o Registro de Imóveis
e institui o cadastro” , elaborada pelo Dr. Afranio de Carvalho.

I. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Cadastro de um páis é o elenco dos bens imóveis que compõem o patrimônio


nacional; e, como tal, não pode restringir-se ao simples arrolamento descritivo de suas
características, eis que, por melhor que se descreva uma propriedade — como do resto
qualquer objeto ou fenômeno —, dificilmente se consegue transmitir-se a imagem com
fidelidade, sendo tão comum a surpresa que nos assalta quando visualizamos a cousa
descrita.
Visualizar e situar no espaço um bem imóvel é objeto da Cartografia. Atualizar suas
mutações no tempo e atribuiçào que tão bem desempenha a Fotografia Aérea.
A Aerofotogrametria, utilizando-se da fotografia aérea para produzir cartas, alia estas
duas técnicas que se completam para atender aos reclamos de um cadastro técnico.
É claro que jamais se pensaria em fotografar um país como o Brasil, exclusivamente
para atender ao seu cadastro imobiliário, muito embora o que de inestimável valia resultasse
de uma tal medida, recompensasse-a e justificasse-a, plenamente. Faltaria, por certo, o fôlego
financeiro para suportar tal encargo.
O Governo da Revolução percebeu este como tantos outros transcendentais
problemas que uma cobertura aerofotográfica de todo o País poderia equacionar e produzir
ou revelar a solução e, por isso, aceitou o acordo que resultou no Projeto 6.032, em execução
pelo Grupo da Força Aérea Americana designado AST-10, a despeito dos riscos que também
dele poderam decorrer. Cumpre, por conseguinte, a todos os administradores públicos
extraírem da cobertura aerofotográfica objeto do referido Projeto 6.032 todo o proveito,
todas as vantagens, tudo que de útil possa ela proporcionar.
Os órgãos cartográficos do País já estão a utilizá-la no seu mapeamento sistemático,
assim como os órgãos responsáveis pelo conhecimento dos nossos recursos naturais dela já
se servem para elaboração de seus mapas temáticos e localização de nossas riquezas.
O uso da mesma cobertura na consecução do cadastro imobiliário do País é iniciativa
feliz e louvável.

II. CONSIDERAÇÕES DE ORDEM TÉCNICA

O Dr. Afranio de Carvalho sugere a confeção de mosaicos aerofotográficos e sua


ampilação para uma das escalas de 1:25.000 ou 1:20.000, para servir de base ao cadastro
imobiliário.
Permitiriamo-nos tecer os seguintes comentários em torno desse ponto de seu
trabalho:

1. A fotografia aérea é uma projeção cónica e, como tal, sujeita a erros tanto mais
sensíveis quanto mais acentuado o relevo do terreno, além dos que decorrem de variações
inevitáveis da altura do vôo fotográfico e das inclinações a que, freqüentemente, se
submetem as câmaras aerofotográficas, no instante de cada exposição.
2. Na confecção do mosaivo, novos erros são introduzidos ao se tentar a
continuidade de acidentes que se apresentam deformados em decorrência dos erros
mencionados em 1.
3. A ampliação desses mosaicos para a escala de 1:20.000 causará um agravamento
dessas deformações.
4. As operações de confecção do mosaico e de sua ampliação oneram o elemento
final obtido, o qual, na maioria dos casos, não substituiria a carta topográfica.
Por todas essas razões e considerando que o mosaico ampliado serviria apenas para o
reconhecimento de divisas, evitando superposições ou hiatos entre propriedades, raramente
constituindo documento hábil para definição de rumos e distâncias, sugere-se que o mosaico
aerofotográfico ampliado seja substituído por simples ampliações das aerofotogradias,
levando-as, de preferência, à escala de 1:20.000, já que, ainda assim, não seriam
ultrapassadas as dimensões dos livros do Registro de Imóveis. Se não vejamos:
Uma fotografia da cobertura existente na escala de 1:60.000, tem as dimensões de 9‖x
9‖, ou seja, 22,8 cm x 22,8 cm. Ao longo de cada faixa fotográfica, as vistas se superpõem
em 60% de sua dimensão, havendo entre cada duas fotografias, não consecutivas, uma
superposição longitudinal de 20%.
Dessa forma, desnecessário seria, não apenas a ampliação de todas as fotografias, mas
até de toda a sua extensão no sentido longitudinal da faixa, sendo possível reduzir a largura
útil de cada foto, para fins de ampliação, a, apenas, 18,24 cm, resultando, ao ampliá-la 3
vezes, a largura final, em 1:20.000 de 54,72 cm. Quanto à altura, por ser bastante iregular a
superposição lateral entre faixas, sugere-se que toda a foto seja ampliada, eis que, assim, a
altura de cada foto atingiria a dmensão na escala de 1:20.000, de, apenas, 68,40 cm. Ambas
as dimensões por conseguinte inferiores as dos livros do Registro cujo formato é de 60,00 cm
x 84,00 cm, facultando, portanto, a reserva de espaço para uma margem branca em que se
lançariam as coordenadas geográficas.
É claro que, raramente tais aplicações correspoderam a uma quadrícula de 7,5 x 7,5
mas, em todas haveria possibilidade de registro de pelos menos, um cruzamento de
mediriano e paralelo de 7,5 x 7,5, o que seria sificiente, uma vez que todas as fotografias da
cobertura aerofotográfica e, 1:60.000 tem uma posição definida em uma das pranchas
fotoíndice obtido por redução fotográfica de montagem das fotos em faixas e destas em
blocos de 1.º x 1.º limitados por meridianos e paralelos de grau inteiro, cujos valores
acham-se registrados nos seus cruzamentos constituindo as ―coordenadas dos contos dos
fotoíndices‖.
Reconhecidas as divisas das propriedades, haveria de ser, na maioria dos casos,
levantando o imóvel pelos métodos clássicos de topografia ou pelos modernos
procedimentos aerofotogramétricos, visando a definição dos recursos e a medida exata das
dimensões das divisas, além de facultar a representação do relevo do solo por curvas de nivel,
sempre que desejado. Para esse fim, muitas outras coberturas locais ou regionais, existentes
em escalas maiores, poderão ser usadas, graças a elevada acuidade dos aprelhos de
restituição estereofotogramétria existentes no País.

III. CONSIDERAÇÕES DE ORDEM ADMINISTRATIVA


O cadastro técnico, visando a fornecer informação exata quanto à situação fisica dos
bens imóveis da nação, será elemento de absoluta imprescinbilidade, se, realmente, se
pretender cumprir as metas de desenvolvimento que o Governo se traçou, interessado, não
apenas a um, mas, a diversos órgãos governamentais destacadamente:
— Ao Instituto Brasileiro de Reforma Agrária — IBRA;
— ao Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário — INDA;
— ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística — Fundação IBGE;
— ao Departamento Nacional de Produção Mineral — DNPM;
— ao Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica — DNAEE;
— à Companhia de Pesquisas e Recursos Minerais — CPRM;
— à Comissão Nacional de Energia Nuclear — CNEN;
— ao Patrimônio da União;
— à Diretoria do Patrimônio da Marinha;
— a todas as Companhias Hidrelétricas do País — (ELETROBRÁS, CEMIG,
CHEVAP, CEEE, COELBRA, CHEBE, CIVAT, CHESP);
— à Companhia Vale do Rio Doce e à Petrobrás;
— às Superintendências do Departamento Regional (SUDENE, SUDAM, SUVALE,
etc.);
— a todos os cartórios de Registro de Imóveis do País.

O IBRA e o INDA encontraram, na falta do cadastro rural, o primeiro obstáculo a


aplicação de seus planos de reforma e desenvolvimento agrário. Com este problema vêm
lutando e para ele desviando grande parte de suas verbas, tão necessárias ao verdadeiro
incremento da exploração dos recursos agricolas e pecuniários para que foram criados.
O DNPM e o DNAEE enfrentam, em virtude da ausência de um cadastro técnico
imobililiário no País, as mais sérias polêmicas, sempre que na área dos recursos geológico,
como na dos recursos hídricos, novos aproveitamentos são planejados.
A Fundação IBGE prefere omitir-se na solução deste problema que, resolvido, tanto
contribuíria para a maior fidelidade dos dados e informações que publicam os seus Institutos
de Geografia e de Estatística, reconhecendo transcender essa tarefa às sua disponbilidades de
mão-de-obra e equipamento, ainda que recursos financeiros lhes fossem concedidos para
esse fim.
A CPRM deparar-se-á com este abismo, tão logo comece a operar.
O Patrimônio da União desconhece, até hoje, o elenco dos bens que possui o
Governo, em toda a sua extensão e plenitude.
As companhias responsáveis por aproveitamento hidrelétricos, no País, vêem-se na
contingência de proceder ao levantamento cadastral das áreas inundáveis, todas as vezes que
constroem uma barragem.
A Companhia Vale do Rio Doce já tem sido forçada a realizar até levantamentos
cadastrais urbanos.
A PETROBRÁS, deste o início de suas operações, vê-se a braços com a questão de
terras e seus proprietários.
Não menos sério é o problema com que se debatem a SUDENE, a SUVALE ou a
SUDAM.
Todos estes órgãos e outros que nos escapam, encontrariam entretanto, solução para
os seus problemas, se os Cartórios de Registros de Imóveis pudessem oferecer-lhes, com
segurança, o cadastro das propriedades sob sua jurisdição. Mas estes órgãos defrontam-se,
diariamente, com a desastrosa ausência de um cadastro técnico que lhes permita bem
caracterizar os imóveis arrolados como de sua comarca.

IV. CONSSIDERAÇÕES FINAIS

Tanto são os órgãos governamentais carentes do cadastro técnico do País e tal é a


diversidade de interesses de cada um desses órgãos, como se vem de demonstrar, que,
dificilmente, poderia a tarefa ser confiada a um deles, pois, seria inevitável a prioridade que
este ou aquele órgão daria à solução do seu problema específico.
Bem sabemos da louvável filosofia do Governo Federal de evitar a criação de novos
órgãos na Administração Pública, por isso mesmo que jamais sugeririamos a criação de um
órgão público com a finalidade de realizar a cadastragem técnica das propriedades que
compõem o Território Nacional.
Tudo está, entretanto, a demonstrar a necessidade de um órgão planejador
coordenador, normativo, orientador e fiscalizador dessa tarefa. E se tal órgão viesse a ser
criado, deveria subordinar-se ao Ministério da Justiça, ao qual reportam e obedecem, em
última nstância, os Cartórios de Registro de Imóveis, únicas das entidades relacionadas como
interessadas no cadastro técnico que não teriam um objetivo específico a colimar e sim uma
preocupação ampla de cadastrar os imóveis dessa comarca, para todo qualquer fim, para
solução de todo e qualquer problema de natureza pública ou privada.
Um órgão com tal incumbência, com tal alçada, com tal competência supriria os
cartórios, logo de início, com coleções de cópias das fotografias que integram a cobertura
geral em 1:60.000, acompanhadas dosrespectivos fotoíndices e de simples estereoscopios de
bolso para observação do terreno em suas 3 dimensões.
Forneceria, além disso, as ampliações para a escala de 1:20.000, com indicação de
cruzamentos de Meridianos e Paralelos de 7,5 cm em 7,5 minutos de arco. Baixaria, além
disso, instruções relativas ao uso de material suprido aos cartórios, proporcionando bolsas de
estudo para adestramento de servidores dessas entidades no órgão central e normas
reguladoras da processualistica pertinente, bem como das medidas subseqüentes para a
perfeita caracterização de cada propriedade, individualmente, providência que passaria à
competência de cada proprietário, muito embora pudessem os cartórios coordenar
levantamentos topográficos ou fotogramétricos em grupos de propriedades, agiutinadas para
reduzir custos.
Competiria, finalmente ao órgão central orientar os cartórios, in loco, com pessoal
habilitado, e fiscalizar o desempenho dessas entidades na execução do objeto comum, o
cadastro técnico imobiliário brasileiro.

Rio de Janeiro, SF, 26 de fevereiro de 1970

Henrique Vaz Corrêa


Diretor
LEI N.º 6.766, DE 19 DE DEZEMBRO DE 1979

(Lei do Parcelamento do Solo Urbano)

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA — Faço saber que o Congresso Nacional decreta


e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1.º O parcelamento do solo para fins urbanos será regido por esta Lei.
Parágrafo único. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão estabelecer
normas complementares relativas ao parcelamento do solo municipal para adequar o previsto
nesta Lei às peculiaridades regionais e locais.

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 2.º O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou
desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislaçòes estaduais e
municipais pertinentes.
§ 1.º Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a
edificaçào, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou
prolongamentos, modificação ou ampliação das vias existentes.
§ 2.º Considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados e
edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na
abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou
ampliação dos já existentes.
Art. 3.º Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas
urbanas ou de expansão urbana, assim definidas por lei municipal.
Parágrafo único. Não será permitido o parcelamento do solo:
I — em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências
para assegurar o escoamento das águas;
II — em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública,
sem que sejam previamente saneados;
III — em terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento). salvo se
atendida, exigências específicas das autoridades competentes;
IV — em terrenos onde as condições geologicas não aconselham a edificação;
V — em áreas de presevação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça
condições sanitárias suportáveis, até a sua correção.
CAPÍTULO II

DOS REQUISITOS URBANISTICOS PARA LOTEAMENTO

Art. 4.º Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos:

I — as áreas destinadas a sistema de circulação, a implantação de equipamento


urbano e comunitário bem como a espaços livres de uso público, serão proporcionais a
densidade de ocupação prevista para a gleba, ressalvado o disposto no § 1.º deste artigo;
II — os lotes terão área minima de 125 m² (centro e vinte e cinco metros quadrados) e
frente mínima de 5 (cinco) metros, salvo quando a legislação estadual ou municipal
determinar maiores exigências, ou quando o loteamento se destinar a urbanização específica
ou edificação de conjuntos habitacionais de interesse social, previamente aprovados pelos
órgãos públicos competentes;
III — ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de dominio público das
rodovias, ferrovia e dutos, será obrigatória a reserva de uma faixa non aedificandi de 15
(quinze) metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica;
IV — as vias de loteamento deverão articular-se com as vias adjacentes oficiais,
existentes ou projetadas, e harmonizar-se com a topografia local:
§ 1.º A percentagem de áreas públicas previstas no inciso I deste artigo não poderá
ser inferior a 35% (trinta e cinco por cento) da gleba, salvo nos loteamentos destinados ao uso
industrial cujos lotes forem maiores do que 15.000 m² (quinze mil metros quadrados), caso
em que a percentagem poderá ser reduzida.
§ 2.º Consideram-se comunitários os equipamentos públicos de educação, cultura,
saúde, lazer e similares.
Art. 5.º O Poder Público competente poderá complementarmente exigir, em cada
loteamento, a reserva de faixa non aedificandi destinada a equipamentos urbanos.
Parágrafo único. Consideram-se urbanos os equipamentos públicos de
abastecimento de água, serviços de esgotos, energia elétrica, coletas de águas pluviais, rede
telefônica e gás canalizado.

CAPÍTULO III

DO PROJETO DE LOTEAMENTO

Art. 6.º Antes da elaboração do projeto de loteamento o interessado deverá solicitar


à Prefeitura Municipal. ou ao Distrito Federal quando for o caso, que defina as diretrizes para
o uso do solo, traçado dos lotes, do sistema viário, dos espaços livres e das áreas reservadas
para equipamento urbano e comunitário, apresentando, para este fim, requerimento e planta
do imóvel contendo, pelo menos:
I — as divisas da gleba a ser loteada;
II — as curvas de nível à distância adequada, quando exigidas por lei estadual ou
municipal;
III — a localização dos cursos d'água, bosques e construções existentes;
IV — a indicação dos arruamentos contíguos a todo o perímetro, a localização das
vias de comunicação, das áreas livres, dos equipamentos urbanos e comunitários existentes
no local ou em suas adjacências, com as respectivas distâncias da área a ser loteada;
V— o tipo de uso predominante a que o loteamento se destina;
VI — as características, dimensões e localização das zonas de uso contíguas.
Art. 7.º A Prefeitura Municipal, ou o Dsitrito Federal quando for o caso, indicará,
nas plantas apresentadas junto com o requerimento, de acordo com a diretrizes de
planejamento estadual e municipal:
I — as ruas ou estradas existentes ou projetadas, que compõem o sistema viário da
cidade e do município, relacionados com o loteamento pretendido e a serem respeitadas;
II — o traçado básico do sistema viário principal;
III — a localização aproximada dos terrenos destinados a aquipamento urbano e
comunitário e das áreas livres de uso público;
IV — as faixas sanitárias do terreno necessárias ao escoamento das águas pluviais e
as faixas não edificáveis;
V — a zona ou zonas de uso predominante da área com indicação dos usos
compatíveis.
Parágrafo único. As diretrizes expedidas vigorarão pelo prazo máximo de 2 ( dois)
anos.
Art. 8.º O Município de menos de 50.000 (cinqüenta mil) habitantes podrá
dispensar, por lei, a fase de fixação das diretrizes previstas nos arts. 6.º e 7.º desta Lei, para a
aprovação do loteamento.
Art. 9.º Orientado pelo traçado e diretrizes oficiais, quando houver, o projeto,
contendo desenhos e memorial descritivo, será apresentado à Prefeitura Municipal, ou ao
Distrito Federal quando for o caso, acompanhado do título de propriedade, certidão de ônus
reais e certidão negativa de tributos municipais, todos relativos ao imóvel.
§ 1.º Os desenhos conterão pelo menos:
I — a subdivisão das quadras em lotes, com as respectivas dimensões e numeração.
II — o sistema de vias com a respectiva hierarquia;
III — as dimensões lineares e angulares do projeto, com raios, cordas, arcos, pontos
de tangência e ângulos centrais das vias;
IV — os perfis longitudinais e transversais de todas as vias de circulação e praças;
V — a indicação dos marcos de alinhamento e nivelamento localizados nos ângulos
de curvas e vias projetadas;
VI — a indicação em planta e perfis de todas as linhas de escoamento das águas
pluviais.
§ 2.º O memorial descritivo deverá conter, obrigatoriamente, pelo menos:
I — a descrição sucinta do loteamento, com as suas caracteristícas e a fixaçào da zona
ou zonas de uso predominante;
II — as condições urbanisticas do loteamento e as limitações que incidem sobre os
lotes e suas construções, além daquelas constantes das diretrizes fixadas;
III — a indicação das áreas públicas que passarão ao domínio do município no ato de
registro de loteamento.
IV — a enumeração dos equipamentos urbanos comunitários e dos serviços públicos
ou de utilidade pública, já existentes no loteamento e adjacências.
CAPÍTULO IV

DO PROJETO DE DESMEMBRAMENTO

Art. 10. Para a aprovação de projeto de desmembramento, o interessado apresentará


requerimento a Prefeitura Municipal, ou ao Dsitrito Federal quando for ocaso, acompanhado
do título de propriedade e de planta do imóvel a ser desmembrado, contendo:
I — a indicação das vias existentes e dos loteamentos próximos;
II — a indicação do tipo de uso predominante no local;
III — a indicação da divisão de lotes pretendidas na área.
Art. 11. Aplicam-se ao desmembramento, no que couber, as disposições
urbanísticas exigidas para o loteamento, em especial o inciso II do art. 4.º e o art. 5.º desta
Lei.
Parágrafo único. O Município, ou o Distrito Federal quando for o caso, fixará os
requisitos exigíveis para a aprovação de desmembramento de lotes decorrentes de
loteamento cuja destinção em área pública tenha sido inferior à mínima prevista no § 1.º do
art. 4.º desta Lei.

CAPÍTULO V

DA APROVAÇÃO DO PROJETO DE LOTEAMENTO E


DESMEMBRAMENTO

Art. 12. O projeto de loteamento e desmembramento deverá ser aprovado pela


Prefeitura Municipal, ou pelo Distrito Federal quando for o caso, a quem compete também a
fixação das diretrizes a que aludem os arts. 6.º e 7.º desta Lei, salvo a exceção prevista no
artigo seguinte;
I — quando localizados em áreas de interesse especial, tais como as de proteção aos
mananciais ou ao patrimônio cultural, histórico, paisagistico e arqueológico, assim definidas
por legislação estadual ou federal;
II — quando o loteamento ou desmembramento localizar-se em áreas limitrofes do
municipio, ou que pertença a mais de um municipio, nas regiões metropolitanas ou em
aglomerações urbanas, definidas em lei estadual ou federal;
III — quando o loteamento abranger área superior a 1.000.000 m² (um milhão de
metros quadrados).
Parágrafo único. No caso de loteamento ou desmembramento localizido em área de
município integrante de região metropolitana, o exame e a anuência prévia à aprovação do
projeto caberão à autoridade metropolitana.
Art. 14. Os Estados definirão, por decreto as áreas de proteção especial, previstas
no inciso I do artigo anterior.
Art. 15. Os Estados estabelecerão, por decreto, as normas a que deverão
submeter-se os projetos de loteamento e desmembramento nas áreas prvistas no art. 13,
observadas as disposições desta Lei.
Parágrafo único. Na regulamentação das normas previstas neste artigo. o Estado
procurará á atender às exigências urbanísticas do planejamento municipal.
Art. 16. A lei municipal definirá o número de dias em que um projeto de loteamento,
uma vez apresentado com todos os seus elementos, deve ser aprovado ou rejeitado.
Art. 17. Os espaços livres de uso comum, as vias e praças, as áreas destinadas a
edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial
descritivo, não poderão ter sua destinação alterada pelo loteador, desde a aprovação do
loteamento, salvo as hipóteses de caducidade da licença ou desistência do loteador, sendo,
neste caso, observadas as exigências do art. 23 desta Lei.

CAPÍTULO VI

DO REGISTRO DO LOTEAMENTO E
DESMEMBRAMENTO

Art. 18. Aprovado o projeto de loteamento ou de desmembramento, o loteador


deverá submetê-lo ao registro imobiliário dentro de 180 (centro e oitenta) dias, sob pena de
caducidade da aprovação, acompanhada dos seguintes documentos:
I — titulo de propriedade do imóvel;
II — histórico dois titulos de propriedade do imóvel, abrangendo os últimos 20
(vinte) anos, acompanhados dos respectivos comprovantes;
III —certidões negativas:
a) de tributos federais, estaduais e municipais incidentes sobre o imóvel;
b) de ações reais referentes ao imóvel, pelo período de 10 (dez) anos;
c) de ações penais com respeito ao crime contra o patrimônio e contra a
Administração Pública.
IV — certidões:
a) dos cartórios de protestos de titulos, em nome do loteador, pelo período de 10 (dez)
anos;
b) de ações pessoais relativas ao locador, pelo período de 10 (anos) anos;
c) de ônus reais relativos ao imóvel;
d) de ações penais contra o loteador, pelo período de 10 (dez) anos.
V — cópia do ato de aprovação do loteamento e comprovante do termo de verificação
pela Prefeitura da execução das obras exigidas por legislação municipal, que incluirão, no
minimo, a execução das vias de circulação do loteamento, demarcação dos lotes, quadras e
logradouros e das obras de escoamento das águas pluvais ou da aprovação de um
cronograma, com a duração máxima de 2 (dois) anos, acompanhado de competente
instrumento de garantia para a execução das obras;
VI — exemplar do contrato padrão de promessa de venda, ou de cessão ou de
promessa de cessão, do qual constarão obrigatoriamente as indicações previstas no art. 26
deta Lei;
VII — declaração do cônjuge de requerente de que consente no registro do
loteamento.
§ 1.º Os períodos referidos nos incisos III, alinea b, e IV, alineas a, b e d, tomarão
por base a data do preíodo de registro do loteamento, devendo todas elas ser estraídas em
nome daqueles que, nos mencionados períodos, tenham sido titulares de direitos reais sobre o
imóvel.
§ 2.º A existência de protestos, de ações pessoais ou de ações penais, exceto as
rferentes a crime contra o patrimônio e contra a administração, não impedirá o registro do
loteamento se o requerente comprovar que esses protestos ou ações não poderão prejudicar
os adquirentes do lotes. Se o Oficial de Registro de Imóveis julgar isuficiente a comprovação
feita, suscitará a dúvida perante o juiz competente.
§ 3.º A declaração a que se refere o inciso VII deste artigo não dispensará o
consentimento do declarante para os atos de alienação ou promessa de alienação de lotes, ou
de direitos a eles relativos, que venham a ser praticados pelo seu cônjuge.
Art. 19. Examinada a documentação e encontrada em ordem, o Oficial de Registro
de Imóveis, encaminhará comunicação à Prefeitura e fará publicar, em resumo e com
pequeno desenho de localização da área, editaal do pedido de registro em 3 (três) dias
consecutivos, podendo este ser impugnado no prazo de 15 (quinze) dias contados da data da
última publicação.
§ 1.º Findo o prazo sem impugnação, será feito imediatamente o registro. Se houver
impugnação de terceiros, o Oficial de Registro de Imóveis intimará o requerimento e a
Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, para que sobre ela se
manifestem no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de arquivamento do processo. Com tais
manifestações o processo será enviado ao juiz competente para decisão.
§ 2.º Ouvido o Ministério Público no prazo de 5 (cinco) dias, o juiz dcidirá de plano
oi após instrução sumária, dvendo remeter ao interessado as vias ordinárias caso a matéria
exija maior indagação.
§ 3.º Nas capitais, a publicação do edital se fará no Diário Oficial do Estado e num
dos jornais de circulação dária. Nos demais municípios, a publicação se fará apenas num dos
jornas locais, se houver, ou, não havendo, em jornal da região.
§ 4.º O Oficial do Registro de Imóveis que efetuar o registro em desacordo com as
exigências desta Lei ficará sujeito a multa equivalente a 10 (dez) vezes os emolumentos
regimentais fixados para o registro, na época em que for aplicada a penalidade pelo juiz
corregedor do cartório sem prejuízo das sanções penais e administrativas cabíveis.
§ 5.º Registrado o loteamento, o Oficial de Registro comunicará, por certidão, o seu
registro à Prefeitura.
Art. 20. O registro do loteamento será feito, por extrato, no livro próprio.
Parágrafo único. No Registro de Imóveis far-se-ão o registro do loteamento, com
uma indicação para cada lote, a averbação dos alteraçòes, a abertura de ruas e praças e as
áreas destinadas a espaços livres ou a equipamento urbanos.
Art. 21. Quando a área loteada estiver situada em mais de uma circunscrição
imobiliária, o registro será requerido primeiramente perante aquela em que estiver localizada
a maior parte da área loteada. Porcedido o registro nessa circunscrição, o interessado
requererá, sucessivamente, o registro do loteamento em cada uma das demais, comprovando
perante cada qual o registro efetuado na anterior, até que o loteamento seja registrado em
todas. Denegado o registro em qualquer das circunscrições, essa decisão será comunicada,
pelo Oficial do Registro de Imóveis, às demais para efeito de cancelamento dos registros
feitos, salvo se ocorrer a hipótese prevista no § 4.º deste artigo.
§ 1.º Nenhum lote poderá sitaur-se em mais de uma circunscrição.
§ 2.º É defeso ao interessado processar sumultaneamente, perante diferentes
circunscrições, pedidos de registro do mesmo loteamento, sendo nulos os atos praticados
com infração a esta norma.
§ 3.º enquanto não procedidos todos os registros de que trata este artigo,
considerar-se-a o loteamento como não registrado para os efeitos desta Lei.
§ 4.º O indeterimento do registro do loteamento em uma circunscruição não
determinará o cancelamento do registro procedido em outra, se o motivo do indeferimento
naquela não se estender a área situada sob a competência desta, e desde que o interessado
requeira a manutenção do registro obtidos, submetido o remanescente do loteamento a uma
aprovação prévia perante a Prefeitura Municiapl, ou o Distrito Federal quando for o caso.
Art. 22. Desde a data de registro do loteamento passam a integrar o domínio do
Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas e as áreas destinadas a edifícios
públicos e outros equipamentos urbanos constantes do projeto e do memorial descritivo.
Art. 23. O registro do loteamento só poderá ser cancelado:
I — por decisão judicial;
II — a requerimento do loteador, com anuência da Prefeitura, ou do Distrito Federal
quando for o caso, enquanto nenhum lote houver sido objeto de contrato;
III — a requerimento conjunto do loteador e de todos os adquirentes de lotes, com
anuência da Prefeitura, ou do Distrito Federal quando for o caso, e do Estado.
§ 1.º A Prefeitura e o Estado só poderão se opor ao cancelamento se disto resultar
inconvenente comprovado para o desenvolvimento urbano ou se já se tiver realizado
qualquer melhoramento na área loteada ou adjacências.
§ 2.º Nas hipóteses dos incisos II e III, o Oficial do Registro de Imóveis fará
publicar, em resumo, edital do pedido de cancelamento, podendo este ser impugnado no
prazo de 30 (trinta) dias contados da data da última publicação. Findo esse prazo, com ou sem
impugnação, o processo será remetido ao juiz competente para homologação do pedido de
cancelamento, ouvido oMinistério Público.
§ 3.º A homologação de que trata o parágrafo anterior será precedida de vistoria
judicial destinada a comprovar a inexistência de adquirente instalados na área loteada.
Art. 24. O processo de loteamento e os contratos depositados em Cartório poderão
ser examinados por qualquer pessoa, a qualquer tempo, independentemente do pagamento de
custas ou emolumentos, ainda que a título de busca.

CAPÍTULO VII

DOS CONTRATOS

Art. 25. São irretratáveis os processos de compra e venda, cessões e promessas de


cessão, os que atribuam direito e adjudicação compulsória e, estando registrados, confiram
direito real oponível a terceiros.
Art. 26. Os compromissos de compra e venda, as cessões ou promessas de cessão
poderão ser feitos por escritura pública ou por instrumento particular, de acordo com o
modelo depositado na forma do inciso VI do art. 18 e conterão, pelos menos, as seguintes
indicações:
I — nome, registro civil, cadastro fiscal no Ministério da Fazenda, nacionalidade,
estado civil e residência dos contratantes;
II — denominação e situação do loteamento, número e data da inscrição.
III — descrição do lote ou dos lotes que forem objeto de compromissos, área e outras
características;
IV — preço, prazo, forma e local de pagamento, bem como a importância do sinal;
V — taxa de juros incidentes sobre o débito em aberto e sobre as prestações vencidas
e não pagas, bem como a cláusula penai, nunca excedente a 10% (dez por cento) do débito e
só exigível nos casos de intervenção judicial ou de mora superior a 3 (três) meses;
VI — indicação sobre a quem incumbe o pagamento dos impostos e taxas incidentes
sobre o lote compromissado;
VII — declaração das restrições urbanísticas convencionais do loteamento, supletivas
da legislação pertinente.
§ 1.º O contrato deverá ser firmado em 3 (três) vias ou extraídas em 3 (três)
traslados, sendo um para cada parte e o terceiro para arquivo no registro imobiliário, após o
registro e anotações devidas.
§ 2.º Quando o contrato houver sido firmado por procurador de qualquer das
partes, será obrigatório o arquivamento da procuração no registro imobiliário.
Art. 27. Se aquele que se abrigou a concluir contrato de promessa de venda ou de
cessão não cumprir a obrigação, o credor poderá notificar o devedor para outorga do contrato
ou oferecimento de impugnação no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de proceder-se ao
registro do pré-contrato, passando as relações entre as partes a serem regidas pelo
contrato-padrão.
§ 1.º Para fins deste artigo, terão o mesmo valor de pré-contrato a pomessa de
cessão, a proposta de compra, a reserva de lote os qualquer outro instrumento, do qual conste
a manifestação da vontade das partes, a indicação do lote, o preço e modo de pagamento, e a
promessa de contratar.
§ 2.º O registro de que trata este artigo não será procedido, se a parte que o
requereu não comprovar haver cumprido a sua prestação, nem a oferecer na forma devida,
salvo se ainda não exigível.
§ 3.º Havendo impugnação daquele que se comprometeu a concluir o contrato,
observar-se-á o disposto nos arts. 639 e 640 do Código de Processo Civil.
Art. 28. Qualquer alteração ou cancelamento parcial do loteamento registrado
dependerá de acordo entre o loteador e os adquirentes de lotes atingidos pela alteração, bem
como da aprovação pela Prefeitura Municipal, ou do Distrito Federal quando for o caso,
devendo ser depositada no Registro de Imóveis, em complemento ao projeto original, com a
devida averbação.
Art. 29. Aquele que adquirir a propriedade loteada mediante ato inter vivos, ou por
sucessão causa mortis, sucederá o transmitente em todos os seus direitos e obrigações,
ficando obrigado a respeitar os compromissos de compra e venda ou as promessas de cessão,
em todas as sua cláusulas, sendo nula qualquer disposição em contrário, ressalvado o direito
do herdeiro ou legatário de renumelar à herança ou ao legado.
Art. 30. A sentença declaratória de falência ou da insolvência de qualquer das partes
não rescindira os contratos de compromisso de compra e venda ou de promessa de cessão que
tenham por objeto a área loteada ou lote da mesma. Se a falência ou insovelcia for do
proprietário da área loteada ou do titular de direito sobre ela, incumbira ao sindico ou ao
administrador dar cumprimento aos refedos contratos: se do adquirente do lote, seus direitos
serão levados a praça.
Art. 31. O contrato particular pode ser transferido por simples trespasse, lançado no
verso das vias em poder das partes, ou por instrumento em separado, declarando-se o número
do registro do loteamento, o valor da cessão e a qualificação do cessionário, para o devido
registro.
§ 1.º A cessão independe da anuência do loteador, mas, em relação a este, seus
efeitos só se produzem depois de cientificado, por escrito, pelas partes ou quando registrada a
cessão.
§ 2.º Uma vez registrada a cessão, feita sem anuência do loteador, o Oficial do
Registro dar-lhe-á ciência, por escrito, dentro de 10 (dez) dias.
Art. 32. Vencida e não paga a prestação, o contrato será considerado rescindido 30
(trinta) dias depois de constituído em mora o devedor.
§ 1.º Para os fins deste artigo o devedor-adquirente será intimado, a requerimento
do credor, pelo Oficial do Registro de Imóveis, a satisfazer as prestaçòes vencidas e as que se
vencerem até a data do pagamento.
§ 2.º Purgada a mora, continuará o contrato.
§ 3.º Com a certidão de não haver sido feito o pagamento em cartório, o vencedor
requererá ao Oficial do Registro o cancelamento da averbação.
Art. 33. Se o credor das prestações se recusar a recebê-las ou furtar-se no seu
recebimento, será constituído em mora mediante notificação do Oficial do Registro de
Imóveis para vir receber as importâncias depositadas pelo dvedor no próprio Registro de
Imóveis. Decorridos 15 (quinze) dias após o recebimento da intimação, considerar-se-á
efetuado o pagamento, a menos que o credor impugne o depósito e, alegando
inadimplemento do devedor, requeira a intimação deste para os fins do disposto no art. 32
desta Lei.
Art. 24. Em qualquer caso de rescisão por indimplemento do adquirente, as
benfeitorias necessárias ou úteis por ele levadas a efeito no imóvel deverão ser indenizadas,
sendo de nenhum efeito qualquer disposiçào contratual em contrário.
Parágrafo único. Não serão indenizadas as benfeitorias feitas em desconformidade
com o contrato ou com a lei.
Art. 35. Ocorrendo o cancelamento do registro por inadimplemento do contrato e
tendo havido o pagamento de mais de1/3 (um terço) do preço ajustado, o Oficial do Registro
de Imóveis mencionará este fato no ato do cancelamento e a quantia paga; somente será
efetuado novo registro relativo ao mesmo lote, se for comprovada a restituição do valor pago
pelo vendedor ao titular do registro cancelado, ou mediante depósito em dinheiro a sua
disposição junto ao Registro de Imóveis.
§ 1.º Ocorrendo do depósito a que se refere este arigo, o Oficial do Registro de
Imóveis intimará o interessado para vir recebê-lo no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de ser
devolvido ao depositante.
§ 2.º No caso de não ser encontrado o interessado, o Oficial do Registro de Imóveis
depositará a quantia em estabelecimento de crédito, segundo a ordem prevista no inciso I do
art. 666 do Código de Processo Civil, em conta com incidência de juros e correção monetária.
Art. 36. O registro do compromisso, cessão ou promessa de cessão só poderá ser
cancelado:
I — por devisão judicial;
II — a requeirmento conjunto das partes contratantes;
III— quando houver rescisão comprovada do contrato.
CAPÍTULO VIII

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 37. É vedado vender ou prometer vender parcela de loteamento ou


desmembramento não registrado.
Art. 38. Verificado que oloteamento ou desmembamento não se acha registrado ou
regularmente executado ou notificado pela Prefeitura Municipal, ou pelo Distrito Federal
quando for o caso, deverá o adquirente do lote suspender o pagamento das prestações
restantes e notificar o loteador para suprir a falta.
§ 1.º Ocorrendo a suspensão do pagamento das prestações restantes, na forma do
caput deste artigo, o adquirente efetuará o deposito das prestações devidas junto ao Registro
de Imóveis competentes, que as depositará em estabelecimento de crédito, segundo a ordem
prevista no inciso I do art. 666 do Código de Processo Civil, em conta com incidência de
juros e correção monetária, cuja movimentação dependerá de prévia autorização judicial.
§ 2.º A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, ou o
Ministério Público, poderá promover a notificação ao loteador prevista no caput deste artigo.
§ 3.º Regularizado o loteamento pelo loteador, este promoverá judicialmente a
autorização para levantar as prestações depositadas, com os acréscimos de correção
monetária e juros, sendo necessaria a citação da Prefeitura, ou do Distrito Federal quando for
o caso, para integrar o processo judicial aqui previsto, bem como audiência do Ministério
Público.
§ 4.º Após o reconhecimento judicial de regularidade do loteamento, o loteador
notificará os adquirentes dos lotes, por intermédio do Registro de Imóveis competente, para
que passem a pagar diretamente as prestações restantes, a contar da data da notificação.
§ 5.º No caso de o loteador deixar de atender à notificação até o vencimento do
prazo contratual, ou quando o loteamento ou desmembramento for regularizado pela
Prefeitura Municiapl ou pelo Distrito Federal quando for o caso, nos termos do art. 40 desta
Lei, o loteador não poderá, a qualquer título, exigir o recebimento das prestações
depositadas.
Art. 39. Será nula de pleno direito a cláusula de rescisão de contrato por
inadimplemento do adquirente, quando o loteamento não estiver regularmente inscrito.
Art. 40. A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, se
desatendida pelo loteador a notificação, poderá regularizar loteamento ou desmmbramento
não autorizado ou executadp sem observância das determnações do ato administrativo de
licença, para evitar lesão aos padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos
adquirentes de lotes.
§ 1.º A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, que
promover a regularização, na forma deste artigo, obterá judicialmente o levantamento das
prestações depositadas, com os respectivos acréscimos de correção monetária e juros, nos
termos do § 1.º do art. 38 desta Lei, a título de ressarcimento das importâncias despendidas
com equipamentos urbanos ou expropriações necessárias para regularizar o teamento ou
desmembramento.
§ 2.º As importâncias despendidas pela Prefeitura Municipal, ou pelo Distrito
Federal quando for o caso, para regularizar o loteamento ou desmembramento, caso não
sejam integralmente ressarcidas conforme o disposto no parágrafo anterior, serão exigidas na
parte faltante do loteador, aplicando-se o disposto no art. 47 desta Lei.
§ 3.º No caso de o loteador não cumprir o estabelecido no parágrafo anterior, a
Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal qundo for o caso, poderá receber as prestações
dos adquirentes, até o valor devido.
§ 4.º A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, para
assegurar a regularização do loteamento ou desmembramento, bem como o ressarcimento
integral de importâncias despendidas, ou a despender, poderá promover judicialmente os
procedimentos cautelares necessários aos fins colimados.
Art. 41. Regularizado o loteamento ou desmembramento pela Prefeitura Municipal
ou pelo Distrito Federal quando for o caso, o adquirente do lote, comprovando o depósito de
todas as prestações do preço avançado poderá obter o registro de propriedade do lote
adquirido, valendo para tanto o compromisso de venda e compra devidamente firmado.
Art. 42. Nas desapropriações não serão consideradas como loteador ou loteáveis,
para fins de indenização, os terrenos ainda não vendidos ou compromissados, objeto de
loteamento ou desmembramento não registrado.
Art. 43. Ocorrendo a excução do loteamento não aprovado, a destinação de áreas
públicas exigidas no inciso I do art. 4.º desta Lei não se poderá alterar sem prejuízo da
aplicação das sanções administrativas, civis e criminais previstas.
Art. 44. O Município, o Distrito Federal e o Estado poderão expropriar áreas
urbanas ou de expansão urbana para relotamento, demolição, reconstrução e incorporação,
ressalvada a preferência dos expropriados para a aquisição de novas unidades.
Art. 45. O loteador, ainda que já tenha vendido todos os lotes, ou os vizinhos, são
partes legítimas para promover ação destinada a impedir construção em desacordo com
restrições legas ou contratuais.
Art. 46. O loteador não poderá fundamentar qualquer ação ou defesa na presente Lei
sem apresentação dos registro e contratos a que ela se refere.
Art. 47. Se o loteaodr integrar grupo econômico ou financeiro, qualquer pessoa física
ou jurídica desse grupo, beneficiária de qualquer forma do loteamento ou desmembramento
irregular, será solidariamente responsável pelos prejuízos por ele causados aos compradores
de lotes e ao Poder Público.
Art. 48. O foro competente para os procedimentos judiciais, previstos nesta Lei será
sempre o da comarca da situação do lote.
Art. 49. As intimações e notificações previstas nesta Lei deverão ser feitas
pessoalmente ao intimado ou notificado, que assinará o comprovante do recebimento, e
poderão igualment ser promovidas por meio dos Cartórios de Registro de Titulos e
Documentos da Comarca da situação do imóvel ou do domícilo de quem deva recebê-las.
§ 1.º Se o destinatário se recusar a dar recibo ou se furtar ao recebimento, ou se for
desconhecido o seu paradeiro, o funcionário incumbido da diligência informará esta
circunstância ao Oficial competente que a certificará, sob sua responsabilidade.
§ 2.º Certificada a ocorrência dos fatos mencionados no parágrafo anterior, a
intimação ou notificação será feita por edital na forma desta Lei, começando o prazo a correr
10 (dez) dias após a última publicação.

CAPÍTULO IX

DISPOSIÇÕES PENAIS

Art. 50. Constitui crime contra a Administração Pública:

I— dar inicio, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo


para fins urbanos, sem autorização do órgão público competente, ou em desacordo com as
disposições desta Lei ou das normas pertinentes do Distrito Federal, Estados e Municipios;
II — dar inicio, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do
solo para fins urbanos sem observância das determinações constantes do ato administrativo
de licença;
III — fazer, ou veicular em proposta, contrato, prospecto ou comunicação ao público
ou a interessados, afirmação falsa sobre a legalidade de loteamento ou desmembramento do
solo para fins urbanos, ou ocultar fraudulentamente fato a ele relativo.
Pena: Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinqüenta)
vezes o maior salário mínimo vigente no País.
Parágrafo único. O crime definido neste artigo é qualificado, se cometdo:
I — por meio de venda, promessa de venda, reserva de lote ou quaisquer outros
instrumentos que manifestem a intenção de vender lote em loteamento ou desmembramento
não registado no Registro de Imóveis competente;
II — com inexistência de título legítimo de propriedade do imóvel loteado ou
desmembrado, ou com omissão fraudulenta de fato a ele relativo, se o fato não constituir
crime mais grave.
Pena: REclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de 10 (dez) a 100 (cem) vezes o
maior salário mínino vigente do País.
Art. 51. Quem, de qualquer modo, concorra para a prática dos crimes previstos no
artigo anterior desta Lei incide nas penas a estes cominadas, considrados em especial ou atos
praticados na qualidade de mandatário de loteador, diretor ou gerente de sociedade.
Art. 52. Registrar loteamento ou desmembramento não aprovado pelos órgãos
competentes, registrar o compromisso de compra e venda, a cessão ou promessa de cessão de
direitos, ou efetuar registro de contrato de venda de loteamento ou desmembramento não
registrado.
Pena: Detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinqüenta) vezes
o maior salário mínimo vigente no País, sem prejuízo das sanções administrativas cabíveis.

CAPÍTULO X

DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 53. Todas as alteraçòes de uso do solo rural para fins urbanos dependerão de
prévia audiência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária — INCRA, do
Órgão Metropolitano, se houver, onde se localiza o Município, e da aprovaçào da Prefeitura
Municipal, ou do Distrito Federal quando for o caso, segundo as exigências da legislação
pertinente .
Art. 54. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.
Art. 55. Revogam-se as disposiçòes em contrário.

Brasília, em 19 de dezembro de 1979; 158.º da Independência e 91.º da República.

João Figueiredo
Petrônio Portela
Angelo Amaury Stábile
Mario David Andreazza

(Publicada no DOU de 20.12.79, Seção I — parte I).

Você também pode gostar