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Índice

Índice....................................................................................................................1
Lista de abreviaturas.............................................................................................9
PRIMEIRA PARTE Elementos introdutórios........................................................11
I Lição Evolução histórica..................................................................................12
A. Objetivo.............................................................................................................12
B. Os primórdios do direito internacional..............................................................12
1. A Idade Antiga.............................................................................................................12
2. A Idade Média.............................................................................................................15
C. A formação do direito internacional eurocêntrico.............................................17
D. A universalização do direito internacional........................................................19
1. A paz pelo direito.........................................................................................................19
2. A ordem jurídica internacional do pós-guerra.............................................................20
3. A ordem jurídica internacional contemporânea...........................................................21
IILição Noção e objeto do direito internacional.................................................25
A. Objetivo.............................................................................................................25
B. O vocábulo, o âmbito e os sentidos...................................................................25
C. As diversas definições e o seu enquadramento.................................................26
1. O critério dos sujeitos..................................................................................................26
2. O critério do objeto......................................................................................................27
3. O critério da forma de produção das normas...............................................................27
III.........................Lição Fundamento da obrigatoriedade do direito internacional
31
A. Objetivo.............................................................................................................31
B. Principais contribuições doutrinais....................................................................32
1. Voluntarismo...............................................................................................................33
2. Normativismo..............................................................................................................35
3. Sociologismo...............................................................................................................36
4. Jusnaturalismo.............................................................................................................36
5. Novas propostas...........................................................................................................37
SEGUNDA PARTE A articulação entre o direito internacional e o direito
interno.................................................................................................................41
IV.......................................................................................Lição A querela teórica
43
A. Objetivo.............................................................................................................43
B. Enquadramento..................................................................................................44
C. A abordagem tradicional: monismo e dualismo................................................46

Direito Internacional Público 2018/2019 - Versão de trabalho - 2018-09-21 12:28:00


Rui Miguel Marrana

D. A diminuição da importância da querela e o advento do pluralismo................51


E. A superação da querela......................................................................................56
VLição Mecanismos de regulação......................................................................61
A. Objetivo.............................................................................................................61
B. Os regimes decorrentes das diferentes visões...................................................61
C. A sua complexificação......................................................................................63
D. As alternativas pluralistas..................................................................................65
1. Interações dialéticas jurídicas......................................................................................66
2. Margens de apreciação.................................................................................................67
3. Regimes de autonomia limitada...................................................................................68
4. Esquemas subsidiários.................................................................................................68
5. Redundâncias judiciais................................................................................................69
6. Acordos de participação híbrida..................................................................................69
7. Regimes de reconhecimento mútuo.............................................................................70
8. Acordos de porto seguro..............................................................................................70
E. Síntese................................................................................................................71
VI...........Lição A vigência do direito internacional na ordem jurídica portuguesa 73
A. Objetivo.............................................................................................................73
B. Estruturação da norma constitucional...............................................................73
1. Regime relativo ao direito internacional geral ou comum...........................................74
2. Regime relativo ao direito convencional.....................................................................76
3. Regime relativo ao direito derivado das O.I................................................................77
4. Regime relativo ao direito da União Europeia.............................................................79
C. O problema da hierarquia entre o direito internacional e o direito interno.......81
1. Identificação da questão...............................................................................................81
2. Regime relativo ao direito internacional geral ou comum...........................................82
3. Regime relativo ao direito convencional.....................................................................83
4. Regime relativo ao direito derivado das O.I................................................................84
5. Regime relativo ao direito da União Europeia.............................................................85
D. Síntese prática....................................................................................................85
TERCEIRA PARTE Fontes de direito internacional.........................................89
VII......................................Lição Referências introdutórias em matéria de fontes 91
A. Objetivo.............................................................................................................91
B. Fontes criadoras e fontes transmissoras............................................................91
C. Fontes materiais e fontes formais......................................................................92
D. Fontes e normas.................................................................................................93
E. Elenco, ordem e hierarquia................................................................................93
1. O elenco e a importância relativa das diferentes fontes...............................................93
2. Caracter taxativo ou enunciativo do elenco.................................................................94
3. Ordem e hierarquia......................................................................................................95

2
Índice
VIII..............................................................................................Lição O costume
99
A. Objetivo.............................................................................................................99
B. Importância relativa...........................................................................................99
C. Fundamento da obrigatoriedade......................................................................101
1. A perspetiva tradicional (subjetiva)...........................................................................102
2. A perspetiva atual (objetiva)......................................................................................102
D. Elementos do costume.....................................................................................104
1. Elemento material ou objetivo: o uso ou a prática.....................................................105
2. Elemento psicológico: a convicção da obrigatoriedade.............................................111
E. Relações entre as regras consuetudinárias e outras normas internacionais.....114
F. A codificação do costume...............................................................................116
IX...........Lição Convenções internacionais: noção, terminologia e classificações
123
A. Objetivo...........................................................................................................123
B. Importância......................................................................................................123
C. Noção e terminologia......................................................................................124
1. Acordo de vontades...................................................................................................125
2. (Em forma escrita).....................................................................................................125
3. Entre sujeitos de direito internacional.......................................................................126
4. Agindo nessa qualidade.............................................................................................132
5. Visando a produção de efeitos jurídicos vinculativos...............................................132
6. (Regido – ainda que não exclusivamente – pelo direito internacional).....................134
7. (Qualquer que seja a sua denominação)....................................................................134
D. Classificações..................................................................................................136
1. Classificação material................................................................................................136
2. Classificações formais...............................................................................................139
XLição Convenções internacionais: processo de conclusão.............................145
A. Objetivo...........................................................................................................145
B. As diferentes fases do processo.......................................................................146
1. Negociação.................................................................................................................146
2. Assinatura..................................................................................................................151
3. Ratificação.................................................................................................................155
4. Outros momentos relevantes......................................................................................159
C. Os acordos em forma simplificada..................................................................164
XI..............................................Lição Convenções multilaterais: particularidades
169
A. Objetivo...........................................................................................................169
B. Negociação......................................................................................................171
C. Extensão dos regimes convencionais..............................................................173
1. Assinatura diferida.....................................................................................................174
2. Adesão.......................................................................................................................175
D. Reservas...........................................................................................................177

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Rui Miguel Marrana
1. Noção.........................................................................................................................177
2. Histórico.....................................................................................................................179
3. Efeitos........................................................................................................................181
4. Vantagens e inconvenientes.......................................................................................183
5. Momento da formulação............................................................................................184
6. Competência..............................................................................................................185
7. Exigências formais.....................................................................................................185
8. Admissibilidade ou validade......................................................................................186
9. Aceitação...................................................................................................................188
10. Objeção....................................................................................................................189
11. Estabelecimento.......................................................................................................190
12. Retirada....................................................................................................................191
E. Declarações interpretativas..............................................................................191
1. Distinção das reservas................................................................................................191
2. Regime.......................................................................................................................193
3. Figuras próximas........................................................................................................194
4. Retirada......................................................................................................................196
F. Depositário......................................................................................................196
XII.................Lição Convenções internacionais: vinculação do Estado português 200
A. Objetivo...........................................................................................................200
B. Visão geral.......................................................................................................201
C. Fases do procedimento....................................................................................201
1. Negociação.................................................................................................................201
2. Assinatura..................................................................................................................203
3. Aprovação..................................................................................................................204
4. Intervenção do Presidente da República....................................................................207
5. Outros momentos relevantes......................................................................................210
D. Particularidades assinaláveis...........................................................................212
1. A não vinculação pela assinatura...............................................................................212
2. A aprovação de acordos em forma simplificada pelo Parlamento.............................212
3. Inexistência de regime para a adesão.........................................................................213
4. A extensão da intervenção do Chefe de Estado.........................................................213
E. Quadro recapitulativo......................................................................................214
XIII.....................................................Lição Convenções internacionais: validade 217
A. Objetivo...........................................................................................................217
B. Visão geral.......................................................................................................217
C. Condições de validade.....................................................................................217
1. Capacidade dos sujeitos.............................................................................................218
2. Licitude do objeto......................................................................................................220
3. Regularidade consentimento......................................................................................228
D. Regime das nulidades......................................................................................235

1. Nulidades absolutas e relativas - enquadramento......................................................235


2. Regime da CV69........................................................................................................236

4
Índice
E. Procedimento de anulação...............................................................................237
F. Efeitos da nulidade..........................................................................................239
1. Cessação da vigência.................................................................................................240
2. Retroatividade............................................................................................................240
3. Indivisibilidade..........................................................................................................241
XIV...................................................Lição Convenções internacionais: aplicação
245
A. Objetivo...........................................................................................................245
B. Regime.............................................................................................................245
1. Execução na ordem interna........................................................................................245
2. Execução na ordem internacional..............................................................................247
3. Efeitos em relação a terceiros....................................................................................251
4. Conflitos de normas...................................................................................................254
XV..............Lição Convenções internacionais: suspensão e cessação da vigência
259
A. Objetivo...........................................................................................................259
B. Nulidade e cessação da vigência.....................................................................259
C. Causas de cessação da vigência.......................................................................260
1. Causas de cessação da vigência previstas na CV69..................................................260
2. Causas de cessação da vigência não previstas na CV69............................................267
D. Suspensão da vigência.....................................................................................271
E. Regime e efeitos..............................................................................................271
XVI....................................................................Lição Princípios gerais de direito
275
A. Objetivo...........................................................................................................275
B. Regime.............................................................................................................275
1. Princípios gerais reconhecidos pelas nações civilizadas...........................................275
2. O conceito..................................................................................................................276
XVII........................Lição Fontes acessórias: jurisprudência, doutrina e equidade
285
A. Objetivo...........................................................................................................285
B. Jurisprudência..................................................................................................285
1. Regime do ETIJ.........................................................................................................285
2. Noção e âmbito da jurisprudência internacional........................................................285
3. O uso de referências jurisprudenciais nas decisões judiciais internacionais.............285
C. Doutrina...........................................................................................................286
1. Regime do ETIJ.........................................................................................................286
2. Noção e âmbito da doutrina internacional.................................................................286
3. O uso de referências doutrinais nas decisões judiciais internacionais.......................286
D. Equidade..........................................................................................................286
1. Regime do ETIJ.........................................................................................................286
2. Acepções e âmbito da equidade.................................................................................287

3. A prática judicial assente na equidade.......................................................................288

5
Rui Miguel Marrana
XVIII...................Lição Fontes não previstas: atos unilaterais e atos concertados 291
A. Objetivo...........................................................................................................291
B. Atos unilaterais................................................................................................292
1. Noção e justificação...................................................................................................292
2. Caracterização............................................................................................................294
3. Validade.....................................................................................................................298
4. Cessação da vigência.................................................................................................299
5. Atos unilaterais dos Estados......................................................................................300
6. Atos unilaterais das organizações internacionais.......................................................302
C. Atos concertados.............................................................................................308
1. Noção.........................................................................................................................308
2. Importância................................................................................................................310
3. Efeitos........................................................................................................................312
4. Distinção das convenções internacionais...................................................................313
QUARTA PARTE Sujeitos de direito internacional.......................................317
XIX................................................................Lição Sujeitos – introdução e noção 319
A. Objetivo...........................................................................................................319
XX..................................................................................Lição O Estado soberano 321
A. Objetivo...........................................................................................................321
Bibliografia citada.............................................................................................323
Convenções citadas...........................................................................................349
Atos normativos citados....................................................................................355
Jurisprudência citada.........................................................................................357
A. Tribunais internacionais..................................................................................357
1. Tribunal Permanente de Arbitragem (TPA)..............................................................357
2. Outras instâncias arbitrais..........................................................................................357
3. Tribunal Permanente de Justiça internacional (TPJI)................................................359
4. Tribunal Internacional de Justiça (TIJ)......................................................................360
5. Tribunal Penal Internacional para o Rwanda (TPIR)................................................363
6. Tribunal Penal Internacional da Ex-Jugoslávia (TPIY).............................................363
7. Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).........................................................363
8. Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH)....................................................364
9. Tribunal Inter-americano de Direitos do Homem (TIADH).....................................364
10. NAFTA – Painel......................................................................................................364
B. Tribunais nacionais..........................................................................................364
1. Portugal......................................................................................................................364
2. Argentina (Corte Suprema de Justicia de la Nación).................................................365
3. Canadá (Supreme Court of Canada)..........................................................................365
4. Chile (Corte Suprema de Justicia).............................................................................365
5. EUA...........................................................................................................................365

6. França (Cour de Cassation)........................................................................................366


7. Israel (Supreme Court - Beit HaMishpat HaElyon)...................................................366
Documentos citados..........................................................................................367
1. Portugueses................................................................................................................367

6
Índice
2. SDN-ONU.................................................................................................................367
3. Outros documentos ou atos........................................................................................370

7
Lista de abreviaturas

ACP – [grupo de Estados da] África Caraíbas e Pacífico - criado pelo Acordo de
Georgetown (6.06.1975)
AG – Assembleia-geral
AGNU – Assembleia-geral das Nações Unidas
AR – Assembleia da República
CDI – Comissão de Direito Internacional (International Law Commission / Com-
mission de Droit International)
CEDH – Convenção Europeia dos Direitos do Homem - ou Convenção de Salva-
guarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais
(4.11.1950)
CM – Conselho de Ministros
CNU – Carta das Nações Unidas (26.06.1945)
CRP – Constituição da República Portuguesa
CSNU – Conselho de Segurança das Nações Unidas
CV61 – Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (18.04.1961)
CV63 – Convenção de Viena sobre Relações Consulares (24.04.1963)
CV69 – Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados entre Estados
(23.05.1969)
CV78 – Convenção de Viena sobre Sucessão de Estados relativamente a trata-
dos (22.08.1078)
CV86 – Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados entre Estados e organi-
zações internacionais ou entre organizações internacionais (21.03.1986)
DAR – Diário da Assembleia da República
DR – Diário da República
DUDH – Declaração Universal dos Direitos do Homem (10.12.1948)
DUE – Direito da União Europeia
ETIJ – Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça (26.06.1945)
ETJUE – Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia (18.04.1951)
ETPJI – Estatuto do Tribunal Permanente de Justiça Internacional (13.12.1920)
EUA – Estados Unidos da América
GPR2011 – Guia da Prática das reservas
I GM – Primeira Guerra Mundial (1914-18)
II GM – Segunda Guerra Mundial (1939-45)
Rui Miguel Marrana

ILC – Comissão de Direito Internacional (International Law Commission) – cf.


CDI
ILO – v. OIT
JOUE – Jornal Oficial da União Europeia
MNE – Ministério/Ministro dos Negócios Estrangeiros
NAFTA – North American Free Trade Association (17.12.1992)
NU – Nações Unidas
OIT / ILO – Organização Internacional do Trabalho / International Labour Orga-
nization (28.06.1919)
OMC / WTO – Organização Mundial do Comércio / World Trade Organization
(15.04.1994)
OMS / WHO – Organização Mundial de Saúde / World Health Organization
(22.07.1946)
ONG – Organização/ões não-governamental/ais
ONU / UN – Organização das Nações Unidas / United Nations (26.06.1945)
PM – Primeiro-ministro
PR – Presidente da República
SdN – Sociedade das Nações (28.06.1919)
STJ – Supremo Tribunal de Justiça
TC – Tribunal Constitucional
TEDH – Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (04.11.1950)
TIADH – Tribunal Interamericano de Direitos Humanos (10.1979)
TIJ – Tribunal Internacional de Justiça (26.06.1945)
TJUE – Tribunal de Justiça da União Europeia (18.04.1951)
TPA – Tribunal Permanente de Arbitragem
TPI – Tribunal Penal internacional (7.07.1998)
TPIR – Tribunal Penal internacional para o Rwanda (8.11.1994)
TPIY – Tribunal Penal internacional para a ex-Jugoslávia (25.05.1993)
TPJI – Tribunal Permanente de Justiça Internacional (13.12.1920)
TUE – Tratado da União Europeia (7.02.1992)
UE – União Europeia
UN – ONU
WHO – v. OMS
WTO – v. OMC
ZEE – Zona Económica Exclusiva

10
PRIMEIRA PARTE
Elementos introdutórios
I Lição
Evolução histórica

A. Objetivo
Uma perceção correta do direito internacional implica uma revi-
são sumária de alguns elementos históricos através dos quais se possam
traçar as origens e o desenvolvimento das ideias que inspiram as
concep- ções e as regras actuais1. O objetivo do nosso primeiro capítulo
será, por isso, fazer essa revisão sumária da evolução histórica das
relações inter- nacionais e do direito internacional.

B. Os primórdios do direito internacional


Tal como decorre da própria designação do direito internacional,
este assenta ou pressupõe a existência de Estados (e especificamente na
concepção moderna de Estado soberano, que surge apenas no século
XVI2). Daí que a nossa revisão histórica sumária comece por distinguir
duas grandes fases: uma, anterior ao Estado soberano (até ao século
XVI, portanto – e que corresponde aos primórdios do direito
internacional) e a segunda, que lhe sucede, marcada pela existência
desta figura.
Dentro de cada uma delas, procuraremos, todavia, distinguir os
pe- ríodos mais marcantes, aproximando assim a descrição das etapas
histó- ricas comummente identificadas.

1. A Idade Antiga
Dentro da fase anterior ao Estado soberano devemos distinguir um
primeiro período que vai até 476, ano em que a queda do Império Ro-
mano do Ocidente é normalmente considerada como marcando o início
da Idade Média.
Durante todo o largo período de tempo (cerca de três milénios)
que decorreu, a humanidade está desmembrada em subconjuntos
isolados e

1
A doutrina vem prestando recentemente uma atenção particular aos elementos históri-
cos, apercebendo-se da importância das contextualizações e bem assim do aprofundamento das
distinções potenciado pelas perspectivas desta natureza (Kemmerer, 2008; Koskenniemi, 2013,
p. 215).
2
A constatação é relativamente pacífica na doutrina (Held, 1989, p. 11 ss.; Varbes, 1994,
p. 3/4).

12
Oitava lição: o costume

pouco comunicantes (Nguyen Quoc, Daillier, & Pellet, 1999, p. 43). Quer
isto dizer que os diversíssimos grupos humanos que se foram formando,
as mais das vezes não sabem sequer da respectiva existência e, quando
ocasionalmente se encontravam, tendiam a reagir de forma brutal: ex-
pulsando ou aniquilando. Nesse sentido a doutrina tende a constatar na
antiguidade uma incapacidade de sujeitar as relações a regras
(Bederman, 2009, p. 115).
A excepção mais importante3 neste panorama refere-se ao surgi-
mento dos primeiros impérios (cuja existência será, aliás, essencial para
a evolução civilizacional). O império consubstancia uma visão distinta de
relacionamento entre comunidades. Aqui, estas, animadas pela vontade
de alargamento do poder, já não se limitam à expulsão ou aniquilação,
mas antes impõem um domínio4. Na verdade, o império consiste sempre
num fenómeno de dominação de uma ou mais comunidades por outra.
Historicamente esta perspetiva denota uma evolução significativa: a al-
teridade já não é encarada como um risco (uma ameaça ou, pelo menos,
um empecilho), impondo uma resposta agressiva, mas, diversamente,
passa a ser enquadrável. O império faz surgir, assim, os primeiros fenó-
menos de integração de comunidades.
São conhecidos diversos impérios na antiguidade, nomeadamente
o chinês, o maia, o inca, o egípcio, e o romano. Este último foi indubita-
velmente aquele que teve uma contribuição histórica mais marcante.
Nessa experiência histórica há, por isso, a assinalar alguns elementos re-
levantes para a nossa análise.
Assim, desde logo, a herança grega. É incontestado o facto de a
ex- periência e a tradição grega se ter transmitido através do império ro-
mano. E é precisamente no período clássico helénico que detectamos os
primeiros passos no estabelecimento de regras nas relações entre
comu- nidades humanas – o que significa que, não apenas se concebia a
coexis- tência com outras comunidades, como ainda se efectuaram as
primeiras tentativas de sujeitar tais relações a padrões de
comportamento mutua- mente aceites. Foi assim que surgiram os
primeiros cônsules (represen-

3
Heródoto relatava já o comércio silencioso do séc. VI a.C. envolvendo os cartagineses e
algumas tribos africanas (Hérodote, 1913, pp. 281 IV, CXCVI), mas este tipo de fenómenos não
apenas era excepcional como continha em si elementos que denotavam a impossibilidade de de-
senvolvimento de relações estáveis a partir daí (Neff, 2003, p. 4).
4
O domínio imperial, além duma imposição militar, vai-se manifestar tipicamente tam-
bém na influência cultural (o que torna ainda mais evidente o fenómeno de integração que cara-
cteriza a noção de império).

13
Rui Miguel Marrana

tantes dos interesses dos membros de outras comunidades), se


estabele- ceu um volume importante de tratados, se criaram os
primeiros mecanis- mos de arbitragem (como forma de resolução de
conflitos alternativa à força), etc.
Mas a experiência imperial romana vai muito para além da
tradição helénica5 que se desenvolveu principalmente no quadro das
relações en- tre as chamadas cidades-estado gregas.
No império romano devemos assinalar com particular ênfase, o jus
gentium (o direito das gentes), o qual regulava as relações
(fundamental- mente comerciais) com os estrangeiros e entre estes.
Muito embora num quadro de domínio imperial, esta é a primeira
tentativa de sucesso no sentido de conceber e aplicar regras fora das
comunidades. E será esta experiência e o conceito que lhe é subjacente6
que conduzirá à afirmação progressiva dum direito universal7.
Devemos ainda sublinhar no período romano o advento do cristia-
nismo. Embora esta religião surja na fase final do império, ela não
apenas o marca de forma significativa, como também é profundamente
marcada pela notável organização imperial que haveria de permanecer
na Igreja católica até à actualidade.
O cristianismo afirmou o valor fundamental da igualdade de todos
os homens – porque feitos à imagem e semelhança de Deus (Gn 1, 27) –
sendo que esta circunstância é, em si mesma, uma condição sine qua
non da existência de um direito universal. Na verdade, a distinção no
plano do ser (ontológica, portanto), impede a regulação das relações por
corpos normativos. E essa era a visão que até aí se registava: as
comunidades, por não entenderem os membros de outras comunidades
como iguais, não sentiam necessidade de lhes aplicar as suas regras,
nem entendiam

5
Da tradição helénica vinha já a afirmação do carácter universal do sentido de justiça (e
das regras de conduta que daí decorriam para todos as comunidades), que pode encontrar-se
nas obras de Aristóteles e Cícero e que vai inspirar os juristas romanos na construção do jus
gentium e os teólogos cristãos, no seu desenvolvimento (Neff, 2003, p. 33).
6
Relativamente ao debate sobre as questões morais levantadas pelo imperialismo ro-
mano – avultando aqui a contribuição de Cícero (que viria a ser retomada no séc. XVI) – V. Kings-
bury & Straumann (2010, p. 36 ss.).
7
O paralelo entre o direito romano e o direito internacional (e já não apenas a influência
daquele no surgimento deste) é bem salientado por Luigi Ferrari Bravo (1996, p. 348) quando
refere: pode afirmar-se que, num mundo que procura orientação, o direito internacional
sedimen- tado nas nossas consciências, retoma o seu lugar tradicional que era o do direito
romano, tal como existiu bem para além da queda do império, e que constituiu a base, o
património comum, sobre o qual construímos o direito internacional.

14
Oitava lição: o costume

ser possível convencionar entre si, princípios reguladores das suas rela-
ções mútuas.
Mesmo sem uma preocupação de exaustão, importará ainda subli-
nhar outros contributos do cristianismo para a noção moderna de
direito. Atente-se, assim, por exemplo, ao conceito de liberdade (que
decorre, aliás, do pecado original): se a opção entre o bem e o mal não
fosse livre, não poderia haver responsabilização (nem pecado). É esta
mesma afir- mação da liberdade (individual) na escolha, que
encontramos por exem- plo, nos conceitos jurídicos de culpa ou de
responsabilidade.

2. A Idade Média
A Idade Média corresponde a um longo período histórico, de
quase mil anos. Tal como se referiu supra, os historiadores marcam o
seu início em 476 com a queda do império romano do ocidente,
subsistindo alguma divergência no facto que marcará o seu final. A
maioria indica 1453 (data em que ocorre a queda do Império romano do
Oriente), outros preferem 1492 (correspondendo à expulsão dos
mouros da Península Ibérica). O debate é pouco relevante para a nossa
análise, tanto mais que as datas são muito aproximadas.
Este longo período foi marcado pela coexistência dos dois mundos
cristãos romanos (oriental e ocidental, muito embora este já na
ausência da organização imperial). Esta proximidade civilizacional fez
com que as relações mútuas pudessem ser progressivamente inspiradas
por regras resultantes da reflexão dos teólogos e implementadas com o
apoio da Igreja. Será a afirmação definitiva do jus gentium (que agora se
concebe como emanação do direito natural, o qual procede da natureza
humana, iluminada pela razão e que por isso, é universal ou
universalizável8).
Em simultâneo, este período é também marcado pelas relações
be- licosas com o mundo islâmico9, particularmente por força das
cruzadas. Estas, por sua vez, estão na origem de um importante
desenvolvimento comercial (por vezes designado como o renascimento
económico, que antecede o renascimento cultural). Ora, o
estabelecimento de relações comerciais permanentes a uma escala
muito alargada (ao tempo, o
8
Dito de outra maneira: [o]s germes do direito universal não se desenvolvem senão na
Idade Média. Porque um direito mundial pressupõe a convicção da unidade do género humano
(Verdross A. , 1927, p. 252).
9
No mundo islâmico cedo se estabeleceu a diferença entre este (o Dar al-Islam ou a
Casa do Islão) e o mundo exterior (o Dar al-Harb, ou a casa de guerra). Isso não impediu,
todavia, o establecimento frequente de períodos de tréguas (supondo os necessários acordos,
tecnicamente algo menos do que tratados) e a emissão frequente de salvo-condutos, em

15
Rui Miguel Marrana
número muito conside- rável (Neff, 2003, p. 33).

16
Oitava lição: o costume

mundo mediterrânico) vai contribuir para a laicização do direito, na me-


dida em que as regras que regulam as relações mútuas serão cada vez
menos dependentes de concepções religiosas e cada vez mais inspiradas
na procura da garantia do carácter equitativo das trocas.
Já no final da Idade Média, deve assinalar-se um fenómeno especi-
almente marcante para a concepção das relações internacionais e do di-
reito internacional. Será a chamada escola espanhola de direito natural,
a qual desenvolve os ensinamentos de Aristóteles e de S. Tomás de
Aquino, e à qual parece dever atribuir-se afirmação do conceito de
comu- nidade internacional (da qual o direito internacional seria a
ordem jurí- dica). Os seus principais autores serão Francisco de Vitória 10
e Francisco Suarez11- que formaram a escola de Salamanca ou segunda
escolástica, num esforço de renovação da sistematização teológica
católica na contra- Reforma12 (Brett, 2012, p. 1086). Este último reflectiu
sobre a noção de comunidades perfeitas do género humano (conjuntos
interdependentes) enquanto aquele desenvolveu a noção de direito das
Gentes (determi- nado pela razão natural, o que implicava portanto a
submissão dos Esta- dos ao direito natural).

10
Francisco de Vitória (1480-1546), frade dominicano, estudou em Paris e ensinou em
Valladolid e Salamanca, tendo como principal obra a publicação em 1577 De Indis et de iure belli
relectiones (Vitoria, 1975). Preocupado com o tratamento dos índios da América do Sul, este teó-
logo desenvolve as noções de direito natural no âmbito internacional, sendo por isso,
considerado fundador do direito internacional moderno (Scott, 1934; Voegelin, 1998) - embora
alguma dou- trina sublinhe a frequente superficialidade da análise (Burillo, 1988).
11
Francisco Suarez, sacerdote jesuíta, viveu entre 1548 e 1617 e foi autor de três obras
maiores do pensamento jurídico político da época: Tractatus de legibus (que surgiu como
manual universitário, em Coimbra, em 1613 tendo sido postumamente - entre 1619 e 1655 -
publicado em dez livros), Defensio fidei (1613) e De bello. Envolvido nas disputas doutrinais
sobre a natureza do poder político que opunha opunham a Igreja católica e Tiago I, soberano
britânico, Suarez soube adaptar a máxima de S. Paulo, segundo a qual todo o poder vem de
Deus (Rom. 13, 1), para elaborar uma doutrina do direito natural que rege as relações humanas
(no seio das comunidades) e as relações entre as comunidades. Distinguindo o jus gentium
tradicional (romano) do jus gentium moderno, Suarez define este como um direito de base
racional, o que resultaria do facto de o género humano estar dividido num grande número de
povos e reinos diferentes, conservando não obstante uma certa unidade moral e política
decorrente do mandamento preceito natural do amor ao próximo e da misericórdia (Voegelin,
1998).
12
A contribuição dos teólogos católicos tornou-se particularmente relevante por permitir
a preservação da concepção universalista num período histórico de ruptura (Verdross A. , 1927,
p. 253).

17
Rui Miguel Marrana

A guerra será durante toda a Idade Média, o elemento central das


reflexões sobre as relações (e o direito) internacionais, avultando as
con- tribuições de S. Agostinho13 e de S. Isidoro14 de Sevilha. A guerra
será também o tema central da obra de Grócio 15, o De jure belli ac pacis,
que marca o advento do direito internacional eurocêntrico.

C. A formação do direito
internacional eurocêntrico16
O direito internacional moderno forma-se na convivência entre os
Estados europeus17 após a Reforma protestante. A característica central

13
Santo Agostinho, bispo de Hipona e doutor da Igreja, viveu entre os anos 354 e 430. Da
sua obra - que marcou profundamente a história da própria Igreja católica - devem salientar-se
as Confissões e A Cidade de Deus (413, 426), tendo esta inspirado o pensamento político de toda
a Idade Média, mantendo a sua influência até à actualidade. Nela, S. Agostinho procura
ultrapassar o dualismo maniqueísta da época e, impressionado pelo saque de Roma em 410,
começa (logo no primeiro livro) por tratar o problema da violência e da guerra numa perspetiva
moral. O seu pen- samento político será marcado pela cultura greco-romana (e particularmente
de Platão) e pelos ensinamentos bíblicos judaicos e cristãos.
14
Santo Isidoro viveu entre 560 e 636. Bispo e doutor da Igreja foi um escritor enciclopé-
dico, cujas obras – Etimologias e uma Summa da ciência antiga – marcaram a Idade Média.
15
Grotius, ou Huig de Groot (ou Grócio), é o responsável pelo ressurgimento da doutrina
jusnaturalista no séc. XVII, colocando-a desde então no centro do pensamento do direito
internacional. Jurista protestante holandês, Grotius foi simultaneamente um erudito e um
aventureiro. Escreve o De jure belli ac pacis (O direito da guerra e da paz) em 1625, quando se
encontrava refugiado em França, nela desenvolvendo uma teoria do Estado e do poder civil
numa perspetiva nacional e internacional, cujos fundamentos serão de base moral - definindo
critérios de um Estado justo e da guerra justa (Villa, 1997; Reid, 2006).
Com Grócio o direito internacional evolui de um sentido genérico ou universal para um
direito entre soberanos (Neff, 2003, p. 37): na expressão corrente da época do jus inter gentes,
as gentes referem-se menos às pessoas ou aos povos, e mais aos Estados (começando assim a
aco- lher na expressão jurídica elementos voluntaristas).
16
O eurocentrismo pode ser visto como uma característica do direito internacional con-
temporâneo ou como uma visão crítica de uma perspetiva (europeia e posteriormente
ocidental) segundo a qual a história do direito internacional coincide com a história da
humanidade e esta constitui em boa medida uma narrativa de como os europeus e as suas ideias
vieram a regular a humanidade (Koskenniemi, 2013, p. 221).
17
A marca essencialmente europeia do direito internacional permanece até ao século
XIX. De facto, sendo certo que a situação se alterou, admitamos que […] o direito internacional
nasce na Europa assim que são reunidas as condições necessárias – a saber, a existência de
Estados independentes uns dos outros, mas também independentes de uma autoridade superior
– e que se desenvolve à medida que a Europa se torna o centro do mundo, quer dizer até ao
século XIX. Admitamos igualmente que que na primeira metade do século XIX a parte do mundo
que se torna independente – como o hemisfério americano – ou que entra na história das
relações internacio- nais – como a China, o Japão, o império Otomano ou o Egipto – se
conformam com ele por espírito de modernidade (Ferrari-Bravo, 1996, p. 345).

18
Oitava lição: o costume

do sistema é – ainda hoje – o facto de este ser composto por sujeitos


que se reclamam soberanos.
O período que agora veremos vai assim, da afirmação da
soberania (séc. XVI) até à I GM (circunstância histórica essa que vai
alterar os termos em que os Estados concebem as suas relações
mútuas).
O advento da ideia de soberania – atribuída a Jean Bodin 18 e que
consiste fundamentalmente na afirmação da exclusividade do poder no
território – marcará definitivamente o Estado moderno, modelo esse
que viria a ser universalizado, constituindo por isso o elemento central
de toda a estrutura política das relações internacionais e do direito
interna- cional.
Essa universalização vai afirmar-se sobretudo a partir da indepen-
dência americana (e sul-americanas) e mais tarde, com a afirmação pro-
gressiva do Oriente.
Neste quadro, será desenvolvido o direito internacional clássico,
elaborado e posto em prática pelos Estados europeus durante séculos,
modelo esse assumido integralmente pelos novos estados americanos,
asiáticos (mesmo os preexistentes) e posteriormente, africanos. Trata-
se, no essencial, do modelo a que se chega no séc. XIX, assente na
prática diplomática – de relações bilaterais – que buscava em
permanência o equilíbrio, enquanto elemento fundamental de
pacificação (Gozzi, 2007).
Já no final desse século, surgiram as primeiras conferências inter-
nacionais e organizações internacionais, as quais marcaram o advento
da multilateralidade nas relações internacionais.
A última grande novidade no âmbito do direito internacional será
a afirmação dos direitos do homem, enquanto elemento catalisador da
perspetiva moderna.

18
Jean Bodin nasceu em Angers em 1529 ou 1530 e morreu em 1596. Filho de mãe judia,
ingressa na Ordem dos Carmelitas em 1545, obtendo todavia a dispensa dos seus votos três
anos depois, suspeitando-se de alguma atracção pelo calvinismo. Estando a França mergulhada
nas guerras político-religiosas, Bodin, então ao serviço do Duque de Aleçon, escapa ao massacre
da noite de S. Bartolomeu de 23-24 de Agosto de 1572. Impressionado com o fanatismo
religioso, toma o partido da Liga, uma tendência católica, moderada e favorável ao poder da
coroa. É neste enquadramento que escreve Os Seis Livros da República, em 1583, onde
desenvolve uma teoria da soberania (baseada no poder profano) que marcará a modernidade.

19
Rui Miguel Marrana

D. A universalização do direito internacional


O direito apenas será assumido como um elemento regulador bá-
sico das relações internacionais a partir da I GM. Na verdade a este con-
flito não apenas evidenciou a insuficiência das concepções tradicionais 19
para garantirem a paz como ainda mostrou, pela sua magnitude, o risco
– até então ignorado – do alastramento dos conflitos até uma escala
uni- versal. Daí que, por essa altura, as reflexões sobre o meio
internacional e em especial sobre a paz, vão passar a prestar uma
atenção muito particu- lar aos mecanismos jurídicos.
Este é ainda, podemos dizê-lo, o período em que vivemos. Talvez
ajude no entanto a perceber-se com maior rigor a evolução ocorrida, se
dividirmos este período em três fases: a primeira correspondente ao es-
paço de tempo corrido entre as duas guerras mundiais (1918-1939), a
se- gunda que decorre entre o final da II GM e o desmoronamento do
império soviético (1945-1990) e uma terceira que corresponderá ao
período atual (pós bipolarização, portanto).

1. A paz pelo direito


Com a decadência europeia e o reconhecimento da ineficiência da
ideia do concerto (ou equilíbrio diplomático), o direito internacional vai
passar a assumir um papel central na construção de um sistema pacifi-
cado.
A importância dada ao Tratado de Versalhes (1919), a criação da
SdN (1919) e do TPJI (1920), constituem os elementos mais marcantes
da tendência estruturante que se vai afirmar no período entre as
guerras mundiais20. O enfraquecimento dos impérios e a revolução de
Outubro (russa) contribuíram também para a caracterização desse
período em que a abrangência das regras internacionais foi
sensivelmente alargada até conseguir situar-se ao nível universal.

19
Essas concepções tradicionais que partiam do Estado (entidade que beneficia na mo-
dernidade do monopólio da violência física legítima, como salientava Weber numa
caracterização muito repetida) para procurarem equilíbrios que surgiriam nas situações em que
estes não tives- sem qualquer interesse em participarem numa guerra. Muito embora a
construção de tais equilí- brios se mostrasse incapaz de evitar uma sucessão de conflitos - e que
por isso tenha começado a ser posta em causa depois da I GM -, o facto é que constitui uma
linha de força incontornável na doutrina internacional: desde David Hume no séc. XVIII até Hans
J. Morgenthau em 1948, o paradigma do equilíbrio das potências permanecerá no centro das
preocupações (Frank, 2003).
20
Não obstante, não devem esquecer-se as Convenções que formam o chamado direito
da Haia, relativas ao direito da guerra, concluídas em 1907, (a listagem cronológica – e o texto
completo – estão disponíveis on line através do Avalon project, no site da Universidade de Yale
em http://avalon.law.yale.edu/subject_menus/lawwar.asp).

20
Oitava lição: o costume

2. A ordem jurídica internacional do pós-guerra


A ordem jurídica internacional criada no pós-guerra assenta funda-
mentalmente na estrutura da ONU. Esta organização internacional foi
pensada para garantir a paz através da proibição do recurso à força (cf.
art. 2º/4 CNU), apoiada na preponderância dos países vencedores. A sua
prática foi no entanto profundamente marcada pela bipolarização leste-
oeste, e bem assim pelo acolhimento no seu seio dos novos países
saídos da descolonização21 (com importantes consequências para o seu
funcio-
namento, e em especial da AG).
Apesar da bipolarização, esta estrutura não deixou de possibilitar
no plano jurídico-positivo a elaboração de textos fundamentais como as
convenções de Viena sobre direito dos tratados, sobre relações diplomá-
ticas e consulares, etc., as convenções de Montego Bay sobre direito do
mar22, etc.
É de salientar na matéria o trabalho que vem sendo levado a cabo
pela CDI23 a qual, sob os impulsos da AG, mantém um trabalho perma-
nente de codificação. Também a jurisprudência do TIJ 24 – que segue a do
TPJI25 – não apenas serviu para solucionar alguns conflitos, como
permitiu também a afirmação e desenvolvimento de importantes
instituições e re- gimes jurídicos internacionais.
A par da actividade desta estrutura verificou-se uma evolução ma-
terial no direito internacional, marcada sobretudo pela progressiva ero-
são do princípio da soberania (a possibilidade de intervenção de forças
internacionais por decisão do Conselho de Segurança, a implementação
de mecanismos de controlo do respeito dos direitos do homem que
esca- pam ao poder dos Estados, e mais modernamente o
desenvolvimento de um verdadeiro direito de ingerência, são ilustrações
bastantes dessa ten-

21
A descolonização gerou no seio nas NU a chamada crítica pós-colonial, que identifica o
direito internacional como um dos instrumentos que os povos europeus utilizaram no século XIX
para controlarem outros povos, para os explorarem e aos seus recursos de forma sistemática e
para justificarem essa atitude. Os europeus terão assim, aproveitado ao máximo os seus acordos
políticos, elevando-os a um padrão formal universal da qualidade soberana, o qual, os outros
países ostensivamente menos civilizados, não podiam cumprir (Onuf, 2000, p. 3).
22
Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982.
23
Consultar no sítio das NU (http://legal.un.org/ilc/) o trabalho da CDI que vem sendo
progressivamente disponibilizado.
24
Consultar em http://www.icj-cij.org/homepage/index.php o sítio do TIJ, cuja jurispru-
dência está disponível em http://www.icj-cij.org/docket/index.php?p1=3
25
A jurisprudência do TPJI está também disponível em http://www.icj-
cij.org/docket/index.php?p1=3

21
Rui Miguel Marrana

dência geral que surge ainda em muitos outros domínios: o chamado di-
reito da integração, o direito do ambiente etc., etc.). Por outro lado, o
direito internacional verá o seu âmbito ser progressivamente alargado,
maxime nos domínios do económico e do social.
Nesta perspetiva, o direito internacional do pós-guerra pode ser
caracterizado como uma construção específica (na medida em que se
trata de um corpo de regras destinadas a disciplinar relações entre sujei-
tos de direito internacional – e entre estes e outras entidades26 –
autono- mamente de qualquer ordem jurídica nacional), inacabada (na
medida em que os seus limites serão permanentemente indefinidos) e
em muta- ção constante (já que as suas estruturas vão ser
constantemente obriga- das a esforços de adaptação a novas realidades,
evoluindo de um direito de coordenação – assente no consentimento
dos Estados soberanos – para um direito de cooperação – de cariz
fundamentalmente multilateral
– onde avulta a institucionalização progressiva 27 resultante da afirmação
do papel central das organizações internacionais).

3. A ordem jurídica internacional contemporânea


A partir dos anos 90 (se preferirmos a referência a um facto histó-
rico, poderemos recorrer à queda do muro de Berlim, em Outubro de
1989), não apenas desaparece a característica determinante do pós-
guerra – a bipolarização – como ainda se afirma definitivamente uma
ten- dência que impôs uma transformação radical ao direito
internacional. Re- ferimo-nos à transição da perspetiva estadualista (que
acentuava, por- tanto, na reciprocidade interestadual, em matéria de
nacionalidade, imu- nidade e território) para uma perspetiva
simultaneamente mais abran- gente – marcada pelo desafio da
globalização28 – e mais concentrada –
26
O direito internacional nasce e desenvolve-se na regulação das relações entre Estados
(tendo em vista a sua coexistência pacífica e bem assim a fiabilidade e previsibilidade das respe-
ctivas interacções). Todavia no séc. XX o direito internacional começa a voltar-se cada vez mais
para os particulares, protegendo o seu bem-estar, o que vem afectar profundamente a
percepção da soberania dos Estados (Conseil fédéral, 2010, p. 2077).
27
Os Estados criam instituições para reduzir a incerteza e os riscos negociais resultantes
da dinâmica de mudança e para ajustar compromissos em futuras interacções. Essas instituições
facilitam a mudança interna e mantêm a cooperação aliviando as partes da necessidade de reto-
mar a mesa das negociações cada vez que o enquadramento negocial muda (Frischmann, 2003,
p. 683).
28
A globalização muito embora constitua uma referência permanente do debate
contem- porâneo é um fenómeno multifacetado, podendo ser encarado de diferentes
perspectivas. Assim, a par daqueles que vêm na globalização uma estratégia de domínio norte-
americano (posição muito difunda por movimentos como o Fórum Social Mundial), levantam-se
aqueles que nela vêm o apagamento de princípios de legitimidade democrática internacional e a
afirmação da burocra- cia internacional. Mas também aqueles (entre os quais, muitos
europeus) que nela vêm o meio
22
Oitava lição: o costume

orientada para os cidadãos29, preocupada com a segurança individual30 e


dos grupos31 vulneráveis (Schabas, 2000; Chibundu, 2004). Parece, pois,
ser clara nos nossos dias, a transição de um direito cuja essência parecia
ser a de garantir a coexistência pacífica entre Estados, para uma ordem
que transcende as fronteiras, afectando directamente o funcionamento
interno dos países e dos indivíduos (Charlesworth, Chiam, Hovell, &
Williams, 2003).

de atacar o unilateralismo americano (da recusa aos projectos de proibição das minas terrestres,
ao protocolo de Quioto, aos tratados de controlo de armamento, ao TPI, etc.). E ainda aqueles
que – mesmo dentro dos EUA – apreciarão alguns mecanismos de liberalização (NAFTA, OMC,
etc.), mas, no geral, olham com desdém para muitos dos regimes multilaterais, como sejam os
relativos à protecção dos direitos humanos, à protecção ambiental, etc., por neles verem
intuitos agressivos aos regimes representativos (Alvarez, 2002). O fenómeno da globalização
trouxe também consigo uma outra modificação radical de perspetiva: os críticos do direito
internacional que antes insistiam na sua irrelevância, agora preocupam-se como seu vigor e em
especial com as transferências de autoridade para o nível internacional, identificando défices
democráticos em quase todas as instituições internacionais (Chandler, 2005; Frischmann, 2003,
p. 680).
A contradição mais preocupante nos nossos dias será todavia aquela que encontramos
na posição dos EUA face ao direito internacional. Quando no final da guerra fria se esperava um
for- talecimento dos mecanismos de cooperação (e do papel do próprio direito) constata-se uma
acen- tuada quebra de interesse marcada pela recusa dos EUA em participar em diversos
tratados: Con- venção de Montego Bay sobre o Direito do Mar de 1982, o Protocolo de Quioto
sobre o aqueci- mento global de 1997, o Comprehensive Nuclear-Test-Ban Treaty de 1996, o
Estatuto do TPI de 1998, etc. (Taft, IV, 2006, p. 504). Simultaneamente verificamos que os
comportamentos recentes de outras potências – em especial da Rússia (com a intervenção na
Ucrânia) e da China (com a intervenção no Mar do Sul da China) – vem também desvalorizando
os mecanismos de cooperação e até mesmo o relativo cuidado que vinha sendo colocado no uso
unilateral da força (Pert, 2017).
29
A orientação para os cidadãos resulta, entre outros elementos, da insistência na
impor- tância do Estado de direito, na crescente atenção dada à protecção dos direitos
humanos, nas diferentes vertentes que esta matéria vem assumindo. Atente-se, a título de
exemplo, aos pará- grafos 9, 24 e 25 da Declaração do Milénio, das NU.
30
A título de exemplo relativamente recente, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal da
Argentina quando reconhece a inaplicabilidade dos atos que garantam imunidade penal, sempre
que se trate da prática de crimes contra a humanidade (ac. 24.8.2004, no caso Enrique Lautaro
Arancibia Clavel). No mesmo sentido, a decisão do Supremo Tribunal do Chile de 26.08.2004,
que retirou a imunidade ao general Augusto Pinochet, em relação à prática de crimes contra a
huma- nidade.
31
De referir a propósito a decisão do Supremo Tribunal de Israel quando, baseando-se
nas principais convenções de direito humanitário, impôs ao governo israelita a modificação do
traçado do muro de protecção, ao considerar ter havido um agravamento excessivo das
condições de vida da população palestiniana na povoação (cf. ac. 30.06.2004, no caso Concelho
de Beit Sourik c. Governo de Israel, HCJ 2056/04). No mesmo sentido é de referir a decisão de
13.10.2004 do U.S. Supreme Court, no caso Roper v. Simmons, No. 03-633, na qual se contrariou
a jurisprudência assente (assumindo o estádio dos padrões de decência que marcam o progresso
do amadu- recimento da sociedade) e se considera inadmissível a aplicação da pena de morte a
menores, fundando-se essa decisão entre outras razões, na crescente condenação internacional
dessa prática.

23
Rui Miguel Marrana

Questões de
revisão A. Questões gerais
1. Explique as contribuições que advêm do império romano para o surgi-
mento do direito internacional.
2. Refira-se à origem e desenvolvimento da doutrina do direito natural e
explique a sua importância para o direito internacional.
3. Explique a razão pela qual se considera ter o direito internacional sur-
gido (apenas) no século XVI.
4. Caracterize o direito internacional clássico e explique a sua evolução
até à actualidade.
B. Questões directas
1. Caracterize a convivência internacional na Idade Antiga.
2. Identifique as contribuições da civilização grega para o direito interna-
cional.
3. Diga o que entende por jus gentium referindo sumariamente a evolu-
ção histórica do conceito.
4. Refira-se à origem cristã do princípio da igualdade e explique em que
termos este preenche uma condição de existência do direito internacional.
5. Explique como é que o direito natural, tendo sido desenvolvido pela
Igreja, é universalizável.
6. Caracterize a Idade Média explicando em que termos evoluiu a convi-
vência internacional nesse período.
7. Explique a contribuição da escola espanhola (Francisco de Vitória e
Francisco Suarez) para o direito internacional.
8. Diga o que entende por soberania e explique as consequências que o
advento desta teve nas relações internacionais.
9. Relacione a afirmação dos direitos humanos com a ideia de direito na-
tural.
10. Justifique a importância dada após a I Guerra Mundial aos mecanis-
mos jurídicos na regulação das relações internacionais.
11. Identifique as principais características do direito internacional
depois da II Guerra Mundial.

Bibliografia de referência
FASSBENDER, Bardo PETERS, Anne, PETER, Simone, HÖGGER, Daniel
(2012) The Oxford Handbook of the History of International Law, Oxford, UK:
Oxford University Press.
REDSLOB, Robert (1923) Histoire des grands principes du droit des gens,
Paris: Rousseau et C.ie
NYS, Ernest (1894) Les Origines du Droit International, Bruxelles: Alfred
Castaigne, Paris: Thorin & Fils
LAURENT, François, (1851-1870) Histoire du Droit des Gens et des Rela-
tions Internationales (18 volumes) Paris: Librairie Internationale

24
Oitava lição: o costume

Leituras recomendadas
NEFF, Stephen (2003) A Short History of International Law, in EVANS,
Mal- colm D. (eds) International Law, Oxford, UK: Oxford University Press, pp.
31-58 KOSKENNIEMI, Martti (2013) Histories of International Law: Significance
and Problems for a Critical View, Temple International and Comparative Law
Journal, 27, 2, pp. 215-240

Recursos on line a explorar


Tikitoki Timeline: http://www.tiki-toki.com/timeline/entry/459289/The-
History-of-International-Law/
Pierre D’Argent - Universidade Católica de Louvain – 2 aulas (em inglês)
de apresentação do direito internacional [International Law and humanity -
4m:41s]: https://www.youtube.com/watch?v=17dbppFxbCs
[International Law around us - 4m:52s]:
https://www.youtube.com/watch?v=oENuBMEyfXQ&t=195s
Pierre D’Argent - Universidade Católica de Louvain – 2 aulas (em inglês)
sobre a evolução das relações internacionais e o direito internacional [A
foundational moment - 4m:20s]: https://www.youtube.com/watch?
v=1SbdlteP9Qk&t=111s
[From Westphalia to Versailles - 6m:34s]:
https://www.youtube.com/watch?v=fSE5MgRSel4
Pierre D’Argent - Universidade Católica de Louvain - Aula (em inglês)
sobre a evolução do direito internacional [A Brief History of International Law-
8m:28s]: https://www.youtube.com/watch?v=seLN-_BPPgU

25
II Lição
Noção e objeto do direito internacional

A. Objetivo
As dificuldades sentidas pela doutrina em encontrar uma definição
consensual – como vermos de seguida – são demonstrativas das especi-
ficidades da matéria. O esforço justifica-se, por isso, a dois níveis: pela
especial necessidade de clareza e pela identificação das próprias dificul-
dades.

B. O vocábulo, o âmbito e os sentidos


A expressão direito internacional surge apenas no séc. XVIII, pela
pena de Jeremy Bentham (1780). Até então, utilizava-se comummente a
designação ‘direito das gentes’, correspondente à tradução literal de jus
inter gentes (utilizada no séc. XVI por Francisco de Vitória 32 e retomado
no séc. XVII pela generalidade da doutrina europeia). Esta expressão de-
rivava por sua vez, do jus gentium romano (Agniel, 1998, p. 7; Nguyen
Quoc, Daillier, & Pellet, 1999, p. 36).
Enquanto a designação tradicional partia da natureza universal
deste ramo do direito (exprimindo a ideia de um direito relativo à huma-
nidade em geral), a designação actualmente utilizada (direito internacio-
nal) sublinha o carácter interestadual resultante do princípio da sobera-
nia (Koh, 1997, p. 2608) – circunstância que, como acabamos de referir,
é cada vez menos marcante, no panorama atual.
A evolução histórica regista não apenas uma alteração formal da
designação como serve ainda para evidenciar a ambiguidade do âmbito
da matéria. De facto, como bem salienta Stephen Neff, se o conceito de
direito internacional se referir a um conjunto de métodos ou instrumen-
tos que introduziam um elemento de previsibilidade nas relações inter-
nacionais, a origem remonta aos tempos históricos mais antigos. Se no

32
Tb. F. Suarez contribuiu para a afirmação do conceito. Assim, para este o jus gentium
abarcava duas realidades: o direito que as nações devem observar nas suas relações mútuas
(este seria o jus inter gentes, ou direito da comunidade internacional) e o direito que cada uma
observa e que é semelhante ou conforme com o das demais (Verdross A. , 1927, p. 255).

25
Rui Miguel Marrana

direito exigirmos, como mínimo, a existência de um código de conduta –


neste caso aplicável às relações entre as nações – termos de ir buscar a
origem à Idade Média. Se, além disso pressupomos que as regras se apli-
cam apenas a Estados (soberanos) essa origem subirá até ao século XVII.
E chegará ao século XIX se exigirmos a regulação e o funcionamento de
uma comunidade à luz de regras jurídicas (Neff, 2003, p. 32; Bederman,
2009, p. 115/116; Malanczuk, 1997, p. 9).

C. As diversas definições e o seu enquadramento


Uma parte importante da doutrina (Dupuy P.-M. , 1994; Brownlie,
1990) não avança sequer com uma definição de direito internacional.
Essa definição, por complexa e imperfeita que se venha a mostrar, tem
no entanto um interesse pedagógico importante, na medida em que
situa a matéria objeto do nosso estudo.
Num trabalho frequentemente citado Eric Suy (1960), ensinava
que a definição, ou melhor, as diversas definições de direito
internacional, se podem agregar em volta de três critérios. Essa
perspetiva tornou-se co- mum na doutrina. Sigamo-la nos pontos
seguintes.

1. O critério dos sujeitos


Nesta perspetiva, o direito internacional seria o conjunto das nor-
mas reguladoras das relações (a) entre Estados ou (b) entre sujeitos de
direito internacional33.
Embora se trate de uma perspetiva clássica e com importantes
ecos na doutrina (Akehurst, 1993, p. 1; Dupuy R.-J. , 1963, p. 3; Brierly,
1928, p. 468)34, a verdade é que as definições enquadradas no critério
dos sujeitos não escapam a críticas importantes. Assim, a primeira vari-
ante (que aponta para as relações entre estados) mostra-se demasiada-
mente estreita, sendo incapaz de integrar as relações que envolvam ou-
tros sujeitos (maxime as organizações internacionais) cuja importância

33
Afonso Queiró (1960, p. 4) adiantava uma variante intermédia: [o direito internacional
seria o conjunto das normas reguladoras das relações entre] comunidades jurídicas soberanas –
que incluiria os Estados, a Igreja Católica, a Ordem de Malta, os insurrectos e algumas organiza-
ções internacionais. Em todo o caso, acabaria por afastar a definição de direito internacional
com base nos sujeitos.
34
René-Jean Dupuy funda essa posição no reconhecimento de que a afirmação da sobe-
rania dos estados impede o reconhecimento de uma autoridade superior, donde resultará que o
direito internacional será um direito de coordenação entre Estados e já não um direito de subor-
dinação, assente numa autoridade.

26
Oitava lição: o costume

atual é incontornável. A segunda variante (que se dirige às relações en-


tre sujeitos de direito internacional) padece da deficiência inversa, ao in-
cluir todo um conjunto de relações que claramente exorbitam do
âmbito do direito internacional.
A perspetiva mostra-se assim, sempre descentrada: desde logo
porque numa parte das relações entre Estados (ou entre sujeitos de di-
reito internacional), estes surgem despidos da sua qualidade, agindo
por- tanto como entes privados (suponha-se por exemplo a aquisição de
um terreno por um Estado a outro, a fim de aí instalar um centro
cultural ou de promoção comercial).
Haverá ainda a salientar que a definição de direito internacional a
partir deste critério assenta necessariamente num círculo vicioso: para
chegarmos à noção de direito internacional precisamos de saber quem
são os sujeitos de direito internacional. O objeto da definição está, por-
tanto, contido na resposta.

2. O critério do objeto
O direito internacional, segundo o critério do objeto (ou da natu-
reza fáctica da relação regulada) corresponderia ao conjunto de regras
que regulam as matérias cuja natureza é internacional.
A resposta presume ser possível traçar e manter visível a linha de
fronteira entre o que são matérias internacionais e matérias internas.
Não só essa linha não é clara, como varia com o tempo (Rusié, 1999, p.
1), tornando-se, por isso, o critério pouco operacional. Daí também que
o eco na doutrina não seja importante35.

3. O critério da forma de produção das normas


Nesta perspetiva o direito internacional seria o conjunto das nor-
mas criadas segundo os processos de produção jurídica próprios da co-
munidade internacional e que transcendem o âmbito estadual.

35
Alejandro Rodríguez Carrión (1994, p. 73) parece partir do critério anteriormente refe-
rido (do objeto), mas referindo-se também a este. Senão atente-se á definição avançada: [o DIP
seria] o conjunto das normas jurídicas que regulam a sociedade internacional e as relações dos
seus membros na prossecução dos seus interesses sociais colectivos ou individuais. Próximo
deste critério encontramos também Dominique Carreau (1999, p. 33) que se refere a um direito
trans- nacional que regula as relações que transcendem as fronteiras, englobando, assim,
domínios tra- dicionalmente exteriores, como seja o dos contratos internacionais. V. tb. Guy
Agniel (1998, p. 9).

27
Rui Miguel Marrana

Esta é a definição mais acolhida na doutrina (Gonçalves Pereira &


Quadros, 1993, p. 31; Pastor Ridruejo, 1994, p. 45), reconhecendo esta,
todavia, o facto de, também ela assentar num círculo vicioso, já que a
determinação do processo decorre das próprias regras cujo âmbito se
pretende identificar. Há nela, de qualquer forma, uma inquestionável
vir- tude prática, na medida em que não esclarecendo conceptualmente,
constitui uma aproximação que permite um entendimento operacional
do âmbito do direito internacional36.
Os critérios em volta dos quais agregamos as definições mostram-
se incapazes de atingir uma definição objectivamente aceitável. Parece
que o hábito de assentar a definição dos ramos do direito em conjuntos
de regras (tratando-se depois de definir o respectivo âmbito, a partir de
um qualquer critério), sendo operacional na ordem interna (onde pade-
ceria das mesmas limitações, se a definição não tivesse as mais das
vezes um interesse meramente académico), não é satisfatório no plano
inter- nacional.
Por isso nos parecem merecer alguma atenção os esforços levados
a cabo por outros autores, nomeadamente os que se recusam (e bem,
em nosso entender) a aceitar o direito como meros conjuntos de regras.
A perspetiva tradicional – esta, que encara o direito como conjun-
tos de regras –, muito reforçada pelo positivismo jurídico, funda-se
numa dicotomia: a oposição entre autoridade e poder. O direito (e
dentro deste, o direito internacional) respeitaria à autoridade
(consubstanciada na regra jurídica a aplicar pelo juiz), à qual se oporia o
poder de facto (resultante da exibição e uso da força que origina
situações injustas por- que não assentes em critérios abstractos pré
determinados).
Importa no entanto conferir até que ponto será legítima a equiva-
lência entre a realização da justiça e a aplicação de regras jurídicas. En-
quanto obrigatória, essa equivalência parece não poder aceitar-se, na
medida em que sempre existem regras injustas (cuja aplicação cria injus-
tiças37). Deve no entanto admitir-se essa situação como tendência, já
que não se vislumbra a realização da justiça sem a aplicação de regras.
Mas

36
Já em finais dos anos cinquenta, Afonso Queiró afirmava (1960, p. 8) que o melhor ca-
minho para definir o direito internacional público lhe parecia ser a observação das comunidades
em que o direito se forma ou cria. Assim, serão de direito interno as normas formadas no âmbito
de comunidades nacionais ou internas, e de direito internacional as que se constituem na comu-
nidade universal dos estados ou em comunidades internacionais parciais, pelos processos ou for-
mas nelas reconhecidos como idóneos para tal efeito.

28
Oitava lição: o costume
37
O exemplo mais flagrante sempre será o da experiência nacional-socialista, toda ela
assente e desenvolvida em corpos de regras definidos segundo os processos devidos e por auto-
ridades legítimas.

29
Rui Miguel Marrana

estas são apenas um dos mecanismos, o qual não deve confundir-se


com a própria justiça.
A dicotomia tradicional parece enfermar assim de dois erros, fun-
damentalmente. Desde logo, por perspectivar o direito como inteira-
mente alheio a mecanismos de poder efectivo (opondo-se mesmo, a
esse poder). Ora, ao contrário do que se possa pensar, a articulação com
o poder mostra-se essencial para garantir níveis aceitáveis de
cumprimento e controlo das regras, aspecto que no plano internacional,
é particular- mente delicado.
Donde, tentando superar essa falsa dicotomia, dever-se-á antes
procurar situar o direito na interconexão da autoridade e do poder (o
que implica por exemplo, uma ponderação política sistemática e
aberta), en- tendendo-o como um processo, um sistema decisório
(autoritário) que, por funcionar num meio descentralizado, assenta
numa diversidade de decisores legítimos (Higgins, 1994, pp. 2-12).
Mas o principal erro de perspetiva da visão corrente (que reduz o
direito a conjuntos de normas) parece decorrer do facto de nela se pon-
derar apenas a legitimidade (formal) como condição de realização da
Jus- tiça. Ora, como bem salienta Thomas Franck (1995), a correcção
(fairness) da regra jurídica resulta do encontro de duas características
que muitas vezes se encontram em tensão: os mecanismos de
legitimação (proces- sual) – que no essencial, asseguram a estabilidade
do sistema – e os me- canismos de justiça distributiva – que asseguram a
evolução do sistema no seu ajustamento permanente a resultados tidos
como mais aceitáveis.
Numa expressão original – capaz de ultrapassar as perspectivas
tra- dicionais – Allot (1999, p. 37) define o direito internacional como a
cons- trução da humanidade através das regras, a qual se processa pela
actua- lização do interesse comum da sociedade internacional.

Questões de revisão
A. Questão geral
Refira-se criticamente às diversas noções de direito internacional.
B. Questões directas
1. Explique quando surgiu o termo direito internacional referindo as de-
signações que o antecederam e o significado das alterações.
2. Identifique os pontos de convergência das definições de direito inter-
nacional segundo o critério dos sujeitos.
3. Explique as fragilidades das definições de direito internacional que as-
sentam no critério dos sujeitos.

28
Rui Miguel Marrana

4. Explique como apresentam o direito internacional, as noções assentes


no critério do objecto e analise criticamente a operacionalidade e correcção
desse critério.
5. Analise criticamente o critério de definição do direito internacional se-
gundo a forma de produção da norma e explique o seu acolhimento
maioritário na doutrina.
6. Identifique os processos de produção jurídica próprios da comunidade
internacional.
7. Critique a afirmação segundo a qual os ramos de direito seriam definí-
veis como conjuntos (específicos) de regras.

Bibliografia de referência
SUY, Eric (1960) Sur la définition du droit des gens, RGDIP, pp. 762-770.

Leituras recomendadas
ALLOT, Phillip (1999) The Concept of International Law, European Journal
of International Law, 10, pp. 31-50

Recursos disponíveis on line


United Nations Audio Visual Library of International Law -
http://unavl.heinonline.org/HOL/UNLAV
Pierre D’Argent - Universidade Católica de Louvain - Aula (em inglês)
sobre as designações do direito dnternacional [International Law and Its
Various Names - 4m:21s]: https://www.youtube.com/watch?v=F27WingaET0

30
III Lição
Fundamento da obrigatoriedade
do direito internacional

A. Objetivo
Apesar de ser sujeito das maiores críticas, depreciações e até
nega- ções, o direito internacional existe. Não parece poder deixar-se de
o re- conhecer (Agniel, 1998, p. 18).
As suas incontornáveis fragilidades impõem no entanto que sejam
revistas a título introdutório questões essenciais, que podem começar
pela própria avaliação da natureza jurídica das suas regras.
É nesse enquadramento que vamos sumariamente tentar aferir a
questão do fundamento da sua obrigatoriedade, ou seja, saber-se
porque têm – se é que têm – de cumprir-se as regras de direito
internacional (ou apenas – como veremos no final da lição – saber
porque razão os desti- natários das normas internacionais as cumprem).
Parece óbvio que esta questão não é diferente da questão geral
do fundamento da obrigatoriedade das regras jurídicas. E a resposta
será também ela a mesma (não se compreende como poderiam as
regras ju- rídicas justificar-se por razões distintas, conforme o respectivo
âmbito). No entanto, no âmbito internacional, a questão (de natureza
filosófica) parece ter uma importância maior, sendo quase sempre
levantada a tí- tulo introdutório da matéria. Bem se compreende que
assim seja, pois, no direito interno o saber-se porque se devem cumprir
as regras releva de uma natureza especulativa já que, se outra
justificação não houvesse, dir-se-ia que as regras se cumprem, por
existirem mecanismos que im- põem o seu cumprimento. O mesmo não
acontece todavia, no plano in- ternacional: aqui encontramos um direito
que – pelo menos na sua gé- nese – regula fundamentalmente relações
entre Estados, os quais se pre- tendem soberanos e portanto, sem
quererem aceitar qualquer imposição que lhes seja estranha (daí a
resistência que os Estados fazem ao desen- volvimento de mecanismos
que garantam o efectivo cumprimento das regras internacionais).
Nestas circunstâncias, ressurge a importância da determinação clara do
fundamento da sua obrigatoriedade. Como bem

31
Rui Miguel Marrana

salienta Nguyen Quoc Dihn (1999, p. 98), uma resposta satisfatória à


questão colocada, consolidaria a existência do direito internacional e re-
forçaria a sua legitimidade (minimizando assim as suas próprias
fragilida- des).

B. Principais contribuições doutrinais


A questão do fundamento da obrigatoriedade do direito internaci-
onal tem alimentado apaixonados debates doutrinais que ainda não po-
dem ter-se por superados. Nestas circunstâncias, teremos de fazer uma
sumária descrição das principais posições doutrinais. Essa tarefa
encontra logo de início, uma dificuldade importante, no tocante ao
enquadra- mento, uma vez que a própria classificação das diferentes
posições não é pacífica, podendo detectar-se visões dificilmente
conciliáveis, como tere- mos oportunidade de salientar.
É corrente38 começar distinguindo-se entre o voluntarismo e o
anti- voluntarismo39 (Gonçalves Pereira & Quadros, 1993, p. 57 ss.) – ou
ape- nas, não voluntarismo (Rusié, 1999, p. 9) 40 -, abordagem que
todavia nos parece susceptível de implicar uma distorção da perspetiva,
na medida em que, ao centrar a análise no voluntarismo, sugere uma
dualidade que não nos parece ser real. Do que se trata, na verdade, é de
uma posição tradicional, secular – o jusnaturalismo41, cuja origem
remonta aos primór- dios da filosofia, na Grécia, evoluindo no
pensamento romano, medieval, moderno e contemporâneo (Miller,
1989) -, posição essa que no século XIX começa a ser questionada pelas
correntes positivistas42 (Hall, 2001, p. 270), vindo a desenhar-se algumas
posições alternativas.

38
Para uma perspetiva original (que nem por isso deixa de percorrer as etapas e ideias
tradicionalmente referidas) v. Harold H. Koh (1997, p. 2603 ss.).
39
Numa exposição mais simples, Brierly dizia (1928, p. 469) que há duas explicações
tradicionais rivais sobre o fundamento da obrigação em direito internacional: a doutrina dos
direi- tos naturais dos Estados e a doutrina do consentimento desses Estados.
40
Guy Agniel (1998, pp. 18, ss.) afastando-se da abordagem mais tradicional, distingue
quatro grandes correntes: [jus]naturalismo, voluntarismo, objectivismo e positivismo.
41
Essa posição refere-se a todo o direito. No entanto, no âmbito interno, a progressiva
afirmação da lei (enquanto fonte voluntária) vai introduzindo progressivamente elementos de
di- reito positivo. No direito internacional, face à inexistência de um poder legislativo, manter-
se-ia a necessidade de remeter para o direito não escrito. E por isso [d]urante quase toda a sua
existência o direito internacional tem sido sinónimo de direito natural (Hall, 2001, p. 270).
42
Martti Koskenniemi (2008, p. 202/203) identifica o positivismo, por um lado, como um
projecto de imposição do direito nos assuntos internacionais (por contraponto à imposição de
um universalismo moral) e por outro, como pura Realpolitik.

32
Oitava lição: o costume

A questão assume particular relevância no âmbito do direito inter-


nacional, uma vez que os debates doutrinais subjacentes a diversas
ques- tões nascem na diferença destas concepções filosóficas básicas.
Parece- nos todavia que, nesta fase da exposição, deve ser abordada
superficial- mente, recomendando-se não obstante o seu
aprofundamento depois de analisados os principais regimes. Para o
efeito se desenvolvem as refe- rências bibliográficas no final do capítulo,
as quais disponibilizam análises mais desenvolvidas, mantendo apesar
de tudo, alguma proximidade.
A nossa análise sumária faz-se, assim, analisando em termos críti-
cos quatro perspectivas tradicionais, e acrescentado, a terminar,
algumas propostas inovadoras, surgidas nas últimas décadas).

1. Voluntarismo
As correntes voluntaristas fazem derivar a obrigatoriedade do cum-
primento do direito internacional da vontade dos Estados. Ou, se quiser-
mos recuar um pouco mais, numa formulação ligeiramente diferente,
para o voluntarismo o direito é sempre a expressão de uma vontade
(ne-
cessariamente do Estado43).
A importância dada às correntes voluntaristas parece decorrer de
uma circunstância que lhe é anterior (e à qual já fizemos referência): a
soberania44 dos Estados. É que esta manifesta-se primariamente através
do poder de legislativo, pelo que tende a favorecer as visões segundo as
quais existiria coincidência entre direito e estado. Ora, o voluntarismo
acaba também ele, por confundir-se com estatismo 45 (Nguyen Quoc,
Daillier, & Pellet, 1999, p. 98; Agniel, 1998, p. 19). E dessa mistura
resulta uma formulação específica de positivismo jurídico, em que o
direito se
43
Na origem do pensamento positivista encontramos John Austin que negava a origem
transcendente das normas jurídicas, fixando-a na vontade do governante. Toda a norma seria
pois um comando do soberano (Miller, 1989, p. 143). Austin era discípulo de Bentham e na obra
deste pode já encontrar-se a origem das preocupações que hão-de justificar o positivismo: a
desconfi- ança nos juízes que este sentia disporem de margens de decisão arbitrárias
(remetendo para re- gras não escritas cuja interpretação lhes cabia) e que deviam ser
controladas através de regras positivas suficientemente estáveis e precisas (D’Amato, 1975, p.
175 ss.).
44
Numa perspetiva convergente alguma doutrina explica que o respeito pelo princípio da
soberania torna o direito internacional num sistema de base voluntária, obrigando apenas
aqueles Estados que consintam em vincular-se, e que portanto, se mostra incapaz de impor obri-
gações que contrariem os seus interesses. Daqui resulta que o conteúdo do direito internacional
tenda a reflectir o interesse dos Estados mais poderosos (Goldsmith & Levinson, 2009, p. 1793).
45
Para se avaliarem os excessos próprios do estatismo valerá a pena atentar ao pensa-
mento de Hegel, para quem o espírito objetivo - quer dizer Deus - se consubstancia no Estado.
Mas se o Estado é a encarnação do Absoluto, a sua vontade é o poder absoluto no mundo. E

33
Rui Miguel Marrana
todo o direito decorre dessa fonte (Verdross A. , 1927, p. 264). Para uma análise da visão
nacional- socialista do direito internacional (que evolui do estatismo para o racismo) v. Preuss
(1935).

34
Oitava lição: o costume

funda na vontade do estado que a exprime através de regras positivas


emanadas pelos órgãos competentes, segundo os procedimentos deter-
minados (Nguyen Quoc, Daillier, & Pellet, 1999, p. 98/99). E assim se cai
no formalismo jurídico, optando pela forma em detrimento da matéria –
já que a apreciação da justeza da norma é remetida para níveis extrajurí-
dicos (Himma, 1998)46.
A afirmação da vontade soberana dos estados dificilmente admite
o desenvolvimento de uma ordem jurídica a que estes se submetam – e
esse parece ser o pecado central do voluntarismo.
As duas correntes voluntaristas mais importantes47 (e que, de
alguma forma, tentam tornear essa crítica central) são:
– a teoria da auto-limitação (Jellinek) – segundo a qual, não
estando o estado sujeito a qualquer autoridade, apenas se obriga
através do seu consentimento, aceitando auto limitar-se por forma a
criar relações está- veis no plano internacional (Verdross A. , Le
fondement du droit international, 1927, p. 266).
A crítica evidencia-se: uma vez que a auto-limitação decorre dos
in- teresses do estado, nada garante que este respeite os compromissos
quando aqueles divergirem do acordado.

46
A questão tem toda a actualidade, até porque as grandes potências tendem a natural-
mente a alinhar em posições voluntaristas. Nos últimos anos a discussão sobre os poderes do
presidente americano (em especial na era George W. Bush) no âmbito da guerra ao terrorismo
tem constituído um bom exemplo: muitas das críticas dirigidas à administração americana
assen- tam na constatação da violação de regras internacionais consagradas, maxime em
matéria de di- reitos humanos (p. ex. relativamente à detenção de prisioneiros e seu
tratamento, sob um regime que, no mínimo, oferece muitas reservas). Uma parte significativa da
doutrina americana vem todavia defender a não sujeição a regras internacionais em relação às
quais não haja sido mani- festado um assentimento expresso (Delahunty & Yoo, 2007), o que
excluirá portanto a sujeição ao costume (e supostamente aos princípios gerais de direito). A
posição é, assim, um exemplo prático flagrante do voluntarismo e da relevância prática que o
debate mantém (V. tb. infra nota 70).
Num plano radicalmente distinto veja-se o acolhimento da soft law para efeitos da
interpretação da CEDH e mesmo de legtimação daquela, questionando o consentimento como
único fundamento da obrigatoriedade (Tulkens, Van Drooghenbroek, & Krenk, 2012, pp. 436-7).
47
André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros referem (1993, p. 59 ss.), para além das
duas correntes identificadas de seguida, uma teoria do direito estadual externo de raiz
hegeliana, segundo a qual o direito internacional reside na vontade individual de um só estado
(ou de cada um). Essa negação da hétero limitação implica só por si, a negação directa do direito
internacional e, por isso, não parece fazer sentido acolher-se dentro do elenco das correntes
que fundamentam a obrigatoriedade do direito internacional. Por outro lado, esta corrente
específica remete-nos para as posições idealistas de Hegel, segundo as quais a guerra não
apenas constituiria um modo de relação normal entre estados, como constituiria o meio
privilegiado para estes cumprirem o seu destino histórico, afirmando (e materializando) a sua
superioridade. Isto é inconciliável com qualquer posição jurídica: o direito nunca poderá servir
para justificar (ou poderá justificar-se em) o domínio do mais forte.

35
Rui Miguel Marrana

– a teoria da vontade comum – Vereinbarung (Triepel) – a qual de-


fende que o direito internacional resulta da vontade comum dos Esta-
dos48 (que nele fundem – não apenas fazem convergir – as suas
vontades individuais). A caracterização desta vontade comum
(Vereinbarung) faz- se por oposição à mera convergência de vontades
isoladas – distintas, eventualmente opostas, até – que se verificaria nos
contratos (Vertrag).
A tese assenta em argumentos formais que mais do que
questioná- veis, deixam por demonstrar a superioridade da vontade
colectiva em ter- mos de prevalência e efectivo cumprimento (condição
essa, essencial).

2. Normativismo
A Escola de Viena – na qual avulta Hans Kelsen – pretende-se dis-
tinta do voluntarismo, reclamando-se do normativismo (Nguyen Quoc,
Daillier, & Pellet, 1999, p. 101). No entanto, o seu formalismo recondu-
la, se não ao próprio voluntarismo, pelo menos ao positivismo. O funda-
mento da obrigatoriedade das normas resultará aqui de normas que lhe
são imediatamente superiores e assim sucessivamente (formando uma
pirâmide do direito) até à Grundnorm, que será constituída pelo pacta
sunt servanda49 – aqui convergem Kelsen50 e Anzilotti (Gaja, 1992, p.
128).
Apesar de se tratar de uma perspetiva que encaixa com facilidade
na visão romanista, o facto é que no formalismo, subsiste um desprezo
pelo conteúdo material51 da norma na determinação do fundamento da
sua obrigatoriedade.

48
Neste ponto, a posição de Triepel seria acolhida por D. Anzilotti (Gaja, 1992, p. 127).
49
O princípio do pacta sunt servanda era já referido (explícita ou implicitamente) por Su-
arez e Grotius, como constituindo a base do direito internacional positivo, assumido no entanto
como decorrendo de uma ordem superior, ou direito natural (Verdross A. , 1927, p. 256).
50
Kelsen virá todavia a aceitar a submissão do direito convencional ao costume (o que
implica a substituição do pacta sunt servanda pelo consuetudo est servanda).
51
A ausência de referência ao conteúdo da norma como condição de validade desta é
característica do positivismo e tem como consequência imediata a afirmação implícita da inexis-
tência de limitações de natureza moral ao conteúdo das normas. Quer isto dizer que, segundo a
lógica positivista, a validade da norma depende apenas da sua origem formal (de quem e/ou
como a promulgou), qualquer que sejam os comandos nela contidos, pelo que não faz sentido
aferir se estes são ou não intoleráveis - face a princípios éticos comummente aceites (Himma,
1998). É todavia curioso como – este e outos autores positivistas – embora admitindo que a sua
aborda- gem recusa a existência de limites éticos ao conteúdo das normas como condição de
validade destas, recusa-se, no entanto, a fazer resultar daí o próprio fundamento da
obrigatoriedade, por considerar tratar-se de questões distintas.

36
Oitava lição: o costume

3. Sociologismo
O fundamento da obrigatoriedade das normas jurídicas segundo o
sociologismo (Duguit, Scelle) reside nas necessidades sociais de onde
pro- cede o seu conteúdo – na sociabilidade internacional (Gonçalves
Pereira & Quadros, 1993, p. 70), portanto. Importará menos perceber o
porquê dessa obrigatoriedade e antes observá-la, ou verificá-la.
Assenta por- tanto, no velho brocardo latino ubi societas ibi jus.
Haverá, no entanto,
que opor a tal concepção uma limitação básica: é que a existência de
uma regra social não justifica o reconhecimento do seu carácter jurídico,
até porque sempre subsistirá a questão de saber da sua justeza (a qual é
con- dição dessa juridicidade).

4. Jusnaturalismo
Segundo o jusnaturalismo – cujas raízes remontam a Aristóteles, foi
desenvolvido por Francisco de Vitória e Francisco Suarez e, mais
recente- mente por Le Fur – o fundamento da obrigatoriedade do
direito será a própria natureza humana. É que se todo o homem tem
uma noção de justiça (e da necessidade da realização da justiça, por
oposição ao mero domínio da força), também dispõe da razão52 que lhe
permite descortinar
a ordem natural (segundo a tradição aristotélica, tratar-se-á de cumprir
a essência das coisas, o que equivalerá à realização da sua função) ou
seja, o conjunto de princípios e regras segundo as quais essa justiça
pode ser atingida. Nesse sentido o direito natural não é outra coisa
senão uma parte da moral universal (Verdross A. , 1927, p. 256).
Trata-se da posição mais interessante na medida em que mantém
um acento importante no conteúdo material (e ontológico) das normas
ao mesmo tempo que limita a margem de arbítrio dos estados (até por
remeter para um direito perene e imutável 53). Não deixa no entanto de
merecer uma crítica importante, dirigida aos contornos
necessariamente vagos (por se tratar sempre de conteúdos) a que o
direito natural se re- fere, o que abre caminho a doses importantes de
subjectivismo (Agniel, 1998) na respectiva interpretação – sendo, por
isso, objeto de críticas
52
A importância central da razão no âmbito das concepções do direito natural foi desen-
volvida pelos romanos. Já Cícero entendia o direito como uma encarnação da razão (Miller,
1989,
p. 142), e entendia o mundo como que uma cidade comum aos homens e aos deuses, sendo cada
um de nós parte desse mundo (Verdross A. , 1927, p. 252).
53
Para Grócio o direito natural é de tal forma imutável que nem Deus o pode alterar. Da
mesma forma que Deus não poderia fazer com que 2 mais 2 não sejam 4, também não pode im-
pedir que aquilo que é essencialmente mau não o seja (Tladi, 2016, p. 10) No mesmo sentido
Vattel viria a afirmar que o direito das gentes é imutável e por isso as nações não podem
37
Rui Miguel Marrana
introduzir-lhe modificações por via convencional nem afastá-lo (ibidem, 11).

38
Oitava lição: o costume

mordazes54 como a de Conway quando refere que o direito natural é


aquilo que qualquer um diga que é (Miller, 1989, p. 144).

5. Novas propostas
Na doutrina americana têm surgido nas últimas décadas tentativas
articular, completar ou ultrapassar a dicotomia tradicional positivismo-
jusnaturalismo.
Os esforços merecedores de atenção, até por trazerem consigo
no- vos olhares sobre as posições tradicionais.
De entre estes salientaríamos, para começar, o trabalho de An-
thony D’Amato (1975), enquanto esforço de reconciliação das posições,
baseado numa análise inovadora, a partir de modelos cibernéticos.
A partir dos anos 90 a análise começa a ser perspectivada em ter-
mos ligeiramente diferentes daqueles em que colocamos a questão: me-
nos do que o fundamento (filosófico) da obrigatoriedade das normas, os
autores pretendem perceber o fenómeno (sociológico) do
cumprimento, descortinando as razões do mesmo (numa abordagem
que, no plano in- ternacional, aproxima a investigação jurídica daquela
que é levada a cabo nas relações internacionais55).
Nesse sentido, surgiu inicialmente o trabalho de Thomas Franck
(1990; 1995)56 que introduz57 elementos inovadores na análise58, nome-
adamente quando perspetiva o valor jurídico da norma (em geral) na
conjugação da legitimação (processual) e da capacidade de ser sentida
como justa ou equitativa, Assim, será essa conjugação que conduz a
uma vinculação natural dos destinatários das normas (sejam eles
indivíduos ou Estados) aos seus conteúdos e, portanto, ao seu
cumprimento – mesmo face à eventual fragilidade dos mecanismos
coercivos existentes.
Em finais dos anos 90 Harold H. Koh (1997) publicou um
importante trabalho no qual descreve de forma incisiva esta evolução,
abrindo es- paço à afirmação do expressivismo – o qual justifica o
cumprimento das normas (internacionais, no caso) com a conjugação da
pressão normativa

54
As críticas aos excessos do jusnaturalismo eram já apontadas por jusnaturalistas no iní-
cio do séc. XX, tal como Von Verdross (1927, p. 257 ss.).
55
Essa aproximação mantém-se até aos nossos dias em trabalhos com o de Kal Raustiala
e Anne-Marie Slaughter (2013).
56
Embora as perspectivas sejam paralelas, é o trabalho de 1990 (The Power of Legitimacy
Among Nations) que redefine a nova perspetiva.
57
Em rigor, o trabalho de Franck prossegue esforços anteriores de outros autores, em
especial o de Roger Fisher (1981).
58
Já anteriormente fizemos referência a alguns desses elementos (cf. final da II Lição).

39
Rui Miguel Marrana

destas (no sentido da legitimidade defendida por Franck) com a pressão


de adequação social dos destinatários59 (Geisinger & Stein, 2007).

Questões de revisão
A. Questões gerais
1. Diga o que entende por voluntarismo e explique a dificuldade destas
correntes em explicarem o fundamento da obrigatoriedade do direito interna-
cional.
2. Caracterize o normativismo e explique como Kelsen fundamenta a
obri- gatoriedade das normas de direito internacional.
3. Diga o que entende por sociologismo e explique criticamente em que
termos esta corrente doutrinal reage à questão do fundamento da obrigatorie-
dade do direito internacional.
4. Analise o problema do fundamento da obrigatoriedade do direito in-
ternacional na perspetiva jusnaturalista.
B. Questões directas
1. Identifique a questão subjacente ao fundamento da obrigatoriedade
do direito internacional.
2. Distinga a natureza das questões relativas à juridicidade e ao funda-
mento da obrigatoriedade do direito internacional.
3. Diga o que entende por voluntarismo e explique em que termos estas
correntes sempre sentem alguma dificuldade em explicar o fundamento da
obri- gatoriedade do direito internacional.
4. Identifique os diferentes termos segundo os quais as correntes volun-
taristas procuram explicar o fundamento da obrigatoriedade do direito
interna- cional.
5. Explique o significado da seguinte afirmação: a justificação de Kelsen
relativamente ao fundamento da obrigatoriedade do direito internacional não
é voluntarista mas radica (ainda) no formalismo (de que padece o próprio
volun- tarismo).
6. Explique em que termos para o sociologismo, a questão do
fundamento da obrigatoriedade do direito internacional é pouco relevante.
7. Diga o que entende por direito natural e explique os termos segundo
os quais esta corrente secular justifica o fundamento da obrigatoriedade do di-
reito internacional.

59
Será interessante assinalar como nos últimos anos estas circunstâncias parecem avolu-
mar-se. Assim, a título de exemplo, repare-se como a Rússia e a China surgem a fazer uma
profis- são pública de fé no direito internacional (cf. June, 25 2016 The Declaration of the Russian
Federa- tion and the People's Republic of China on the Promotion of International Law) numa
altura em que ambos os Estados são acusados de incumprimento de regras dessa natureza (a
Rússia no se- guimento da anexação da Crimeia e do envolvimento no separatismo das regiões
orientais da Ucrânia e a China pelo não acatamento da decisão arbitral de 12 de Julho de 2016,
relativa às disputas territoriais no Mar das Filipinas).

40
Oitava lição: o costume

8. Refira-se às mais recentes justificações doutrinais para o cumprimento


das regras internacionais.

Bibliografia de referência
KOH, Harold Hongju (1997) Why Do Nations Obey International Law?
Yale Law Journal 106, pp. 2599-2659
VERDROSS, Alfred von (1927) Le fondement du droit international.
Recueil des cours – Académie de droit international, 16, 247-324.
SHAW, Malcom N. (2008) International Law, Cambridge, UK: Cambridge
University Press, pp. 49-68

Leituras recomendadas
HALL, Stephen (2001) The Persistent Specter: Natural Law International
Order and the Limits of Legal Positivism, European Journal of International
Law, vol. 2 (2) pp. 269-307
HIMMA, Kenneth Einar (1998) Positivism, Naturalism and the Obligation
to Obey Law, Southern Journal of Philosophy 36 (2):145-161
MILLER, Jeremy M. (1989) Doctrinal Perspectives on International Law,
Saint Louis University Public Law Review, 8, pp. 141-156
D’AMATO, Anthony (1975) Towards a Reconciliation of Positivism and
Naturalism, Western Ontario Law Review, 14, pp. 171-203

Recursos disponíveis on line


United Nations Audio Visual Library of International Law -
http://unavl.heinonline.org/HOL/UNLAV

41
SEGUNDA PARTE

A articulação entre o direito


internacional e o direito interno
IV Lição
A querela teórica

A. Objetivo
A questão da articulação do direito internacional com o direito in-
60
terno animou a doutrina ao longo do século passado, ocupando uma
posição relevante nos manuais académicos. A resposta variava conside-
ravelmente conforme era dada no âmbito interno – em especial do di-
reito constitucional, que tendia a afirmar a prerrogativa soberana e,
nesse sentido, a regular61 livremente essa articulação – e no âmbito in-
ternacional, onde a afirmação da primazia deste sobre as regras de
direito interno surge implícita logo no primeiro acórdão do primeiro
tribunal in- ternacional (17.08.1923, Wimbledon).
Esta divergência que foi sendo animada pela confrontação entre
as perspectivas62 jusnaturalista e positivista não impediu que, por um
lado, no plano internacional fossem sendo encontrados regimes que
conse- guiam a convergência necessária, e, no plano interno, fosse
surgindo maior abertura às regras internacionais, flexibilizando os
regimes de arti- culação mútua.

60
A dificuldade básica da questão pode ser reduzida a uma aparente contradição nos ter-
mos. De facto, o direito internacional, como todo o direito, afirma a sua autoridade. No entanto,
o direito internacional não reconhece que o direito interno, mesmo o constitucional, limite a sua
autoridade, chamado a si o primado na regulação das matérias sobre as quais se pronuncia. Esta
assunção é notável, na medida em que a constituições da maioria dos estados ou afirmam expli-
citamente uma primazia normativa ilimitada ou vêm ser-lhes implicitamente reconhecida essa
prerrogativa. Como podem o direito constitucional e o direito internacional gozar simultanea-
mente da mesma primazia nos mesmos domínios? (Buchanan & Powell, 2009, p. 249).
61
Na tradição anglo-saxónica a constituição não é propriamente uma expressão de von-
tade de um poder (constituinte), mas antes o resultado de uma sedimentação histórica. Nesse
sentido, não se assume a existência de um poder constituinte (derivado) – não existe uma regu-
lação propriamente dita. Mesmo na doutrina americana (cuja constituição escrita marca o início
de uma prática que virá até aos nossos tempos), essa inexistência é expressamente assumida –
no que aproxima o direito internacional do direito constitucional (Goldsmith & Levinson, 2009,
p. 1794).
62
As diferenças de perspetiva tendem a reflectir posturas ou opções ideológicas: toda a
regulação é, além de um paradigma científico, uma representação ideológica (Chevallier, 2001,
p. 828).

43
Rui Miguel Marrana

A matéria será abordada em três lições63 distintas: começaremos


por conferir o enquadramento teórico e histórico da questão (na pre-
sente lição) para depois vermos os diferentes mecanismos de regulação
da articulação entre as ordens internacional e nacional (V lição), e final-
mente (VI lição) conferiremos o regime constitucional nacional.

B. Enquadramento
Genericamente a necessidade de articulação de diferentes corpos
de regras é uma questão introdutória no estudo do direito, resultando,
desde logo, da mera constatação da existência de diferentes tipos de ac-
tos normativos (leis, decretos-lei, decretos legislativos regionais,
decretos regulamentares, regulamentos, etc.).
No plano interno, essa necessidade de articulação está
enquadrada por um regime jurídico geral próprio que, por um lado,
estabelece uma hierarquia entre os diferentes tipos de regras e, por
outro, acolhe princí- pios reguladores que normalmente concorrem nos
casos de concurso ou conflito de normas (nomeadamente o princípio lex
posteriori derrogat priori ou o lex specialis derrogat lex generali). Esse
regime jurídico decorre fundamentalmente de estipulações autoritárias:
é o legislador – constitu- cional ou ordinário – que estabelece as regras
hierárquicas ou de prece- dência.
Não existe, todavia, uma instituição a quem seja reconhecida
auto- ridade para fixar ou impor um regime que regule as relações entre
as nor- mas internacionais e nacionais. Por isso, o regime internacional
teve uma evolução distinta, reflectindo, com maior ou menor
dificuldade, as pers- pectivas jurídicas que foram pontificando em cada
época.
O problema central é, portanto, historicamente situado. De facto,
a doutrina atual padece ainda de uma forte influência do positivismo vo-
luntarista, orientação essa que tenta reduzir o direito à mera expressão
da vontade do estado. Daí resultou, não apenas um enfraquecimento do

63
Esta lição e as duas seguintes – o mesmo é dizer, a matéria relativa à articulação entre
o direito internacional e o direito interno – constitui uma adaptação e actualização de uma
publi- cação nossa (Marrana, 2011) que, por sua vez, evoluiu dos sumários desenvolvidos
distribuídos aos alunos em anos anteriores.
A abordagem do problema geral (a articulação entre o direito internacional e o direito
interno) nas três perspectivas diferentes (enquadramento, mecanismos de regulação, regime na-
cional) permite-nos seguir um percurso desde o plano teórico até ao plano prático. Com
pequenas diferenças, o assunto foi assim tratado no Relatório do Conselho Federal Suíço sobre a
matéria (Conseil fédéral, 2010, p. 2068).

44
Oitava lição: o costume

direito internacional (que só episodicamente pode considerar-se com


de- correndo desta), mas, principalmente, a tentação de reduzir o
próprio di- reito às normas positivas, emanadas dos órgãos estaduais.
O exemplo mais gritante dessa redução será a identificação do di-
reito com a lei (que é, tão só, uma das suas fontes- aquela que tem
carác- ter voluntário). Ora, nessa confusão, tornou-se difícil enquadrar
um di- reito sem origem legal. E dela resultou também a tentação de
considerar as regras internacionais como normas que o legislador pode
– a seu belo prazer – acolher (ou não) no quadro das regras nacionais.
Nesse sentido, John Austin, filósofo inglês do séc. XIX, afirmava
(1832, p. 132) que o direito internacional não seria direito propriamente
dito, integrando antes a ciência da moralidade positiva, com uma natu-
reza ética ou deontológica. Isto porque o direito seria sempre uma
mani- festação de vontade do soberano, apoiada na capacidade de
impor obe- diência – distinguindo-se de outras regras, impropriamente
qualificadas como jurídicas, na medida em que impostas apenas pela
opinião geral (Austin, 1832, p. 147).
Adiante analisaremos com maior pormenor esta tendência. Im-
porta agora, lembrar que se trata de um fenómeno historicamente en-
quadrável: o positivismo constituiu uma reacção ao jusnaturalismo –
perspetiva esta que dominou as concepções até ao séc. XIX (Miller,
1989,
p. 141). Trata-se, portanto (no caso do positivismo), de uma tendência
relativamente recente que vem perdendo influência ao longo do século
passado. Parece, por isso, ter um carácter muito mais acidental 64 do que
permanente. Não obstante, a sua influência nas concepções jurídicas vi-
gentes (e no próprio discurso jurídico) continua a manifestar-se.
Ainda antes de avançarmos para o estudo do regime que regula a
aplicação e articulação simultânea de regras nacionais e internacionais
(procurando, definir critérios aplicáveis aos os casos em que os
diferentes corpos de regras estipulem soluções incompatíveis) deve
sublinhar-se o facto de, na base das discussões que animaram a
doutrina internacional no último século, estarem diferentes concepções
do direito e do Estado.
As visões voluntaristas e positivistas – às quais nos referimos
suma- riamente na lição anterior – assentam em perspetivas formais
que en- quadram o direito como uma pura manifestação de soberania.
E, nessa

64
O positivismo voluntarista clássico foi uma escola de pensamento jurídico do século
XIX cujos principais autores terão sido os alemães Jellinek e Triepel e que terão tido como
percursores, no século anterior, Vattel (1714-1768), Moser (1701-1785) e Georges-Frédéric de

45
Rui Miguel Marrana
Martens (1756- 1821) (Nguyen Quoc, Daillier, & Pellet, 1999, pp. 58, 78).

46
Oitava lição: o costume

medida, tendem a desvalorizar o direito internacional, negando-lhe


natu- reza propriamente jurídica ou recusando-lhe aplicabilidade no
plano in- terno.
Ao arrepio de tais visões vamos encontrar as tendências que se re-
cusam a qualificar o direito como mera emanação do Estado 65, partindo,
antes, de uma ideia de Justiça que há-de ser realizada por diferentes
cor- pos normativos, os quais terão de ser articulados através de
regimes mais ou menos complexos.

C. A abordagem tradicional: monismo e dualismo


Tradicionalmente, a análise da questão das relações entre a ordem
internacional e a ordem interna dos Estados fazia-se a partir da
exposição de duas grandes tendências66: o dualismo e o monismo.
Comecemos por aí.
A perspetiva dualista, na sua versão tradicional, retira o carácter
dual da independência das ordens jurídicas (internacional e interna), ou
seja, distingue ontologicamente a ordem jurídica interna da ordem jurí-
dica internacional, pretendendo assim tratar-se de realidades que não
são articuláveis enquanto tal (Triepel, 1923, p. 79 ss.).
Essa independência justificar-se-á, segundo os dualistas, pelas pro-
fundas diferenças quanto à origem, aos destinatários e aos órgãos de
apli- cação de cada uma das ordens (Gonçalves Pereira & Quadros,
1993, p. 84; Nguyen Quoc, Daillier, & Pellet, 1999, p. 92; Shaw M. N.,
2008, p. 131)67. Assim, enquanto o direito interno teria na sua origem a
vontade de um Estado, o direito internacional teria na sua origem a
vontade de vários Estados, ou dos Estados no seu conjunto. Por sua vez,
os destina- tários do direito internacional seriam os Estados, ao passo
que os desti- natários do direito interno seriam os cidadãos. Finalmente
a aplicação do

65
A identificação entre o direito e o Estado deve-se sobretudo a Kelsen, sendo todavia
corrente a aceitação dessa situação na doutrina (Goldsmith & Levinson, 2009, p. 1795 (n7);
Ewald, 1997, p. 1072).
66
A matéria é comummente tratada no início do curso e dos manuais. Surge como uma
bela querela escolar, na qual os argumentos se agrupam e respondem numa feliz harmonia que
agrada ao espírito e se grava facilmente na memória. O candidato […] conclui habitualmente a
favor da tese do monismo com primado do direito internacional, na qual se integra a grande
mai- oria dos autores contemporâneos e, consequentemente, com toda a probabilidade, o seu
próprio examinador (Virally, Sur un pont aux ânes: les rapports entre droit international et droit
interne, 1990, p. 103).
67
A distinção essencial entre os âmbitos internacional e interno é corrente na doutrina.
V. tb. Goldsmith & Levinson (2009, p. 1792).

47
Rui Miguel Marrana

direito interno far-se-ia pelos tribunais enquanto o direito internacional


seria aplicado pelos próprios Estados.
Estas premissas são facilmente refutáveis. Deve começar-se por
re- cusar a postura voluntarista/ estadualista, lembrando que o direito é
muito mais do que uma mera expressão da vontade de órgãos estaduais
(sendo, aliás, anterior ao próprio Estado). Quanto à invocada diferença
nos destinatários, bastará chamar à atenção para o facto de todo o
direito público (interno) ter como destinatário primário o Estado, para
contrariar a afirmação produzida. E simultaneamente deve ter-se
presente que nem todo o direito internacional se dirige a Estados
(recordem-se, por exem- plo, a regras relativas aos direitos
fundamentais ou aos crimes internaci- onais e, bem assim, o conjunto
cada vez mais alargado de convenções que regulam matéria civil68). Para
terminar, diríamos que a aplicação das regras jurídicas é feita pelas
autoridades e pelos tribunais, quer no âmbito interno quer
internacional. É certo que a intervenção judicial no plano internacional é
menos frequente, no entanto, do que estamos a falar é de diferenças
quantitativas, não propriamente qualitativas.
De qualquer forma, partindo das supostas diferenças assinaladas,
os dualistas concluem haver naturezas tão distintas que tornariam desa-
conselhável – senão mesmo impossível – a interpenetração entre as
dife- rentes ordens jurídicas (Shaw M. N., 2008, p. 131).
Essa recusa69 de interpenetração70 mútua acaba por justificar que a
vigência ou aplicação do direito internacional na ordem interna esteja
de- pendente de uma manifestação interna de vontade que ordene
essa vi-

68
Veja-se, a título de exemplo, o trabalho da CNUDCI/UNCITRAL (Comissão das NU para
o direito comercial internacional), disponível em http:/ /www.uncitral.org.
69
A prática é sempre mais flexível do que a postura teórica. Assim, mesmo os estados
que consagram posições dualistas admitem a validade imediata do direito consuetudinário e dos
prin- cípios gerais de direito (Conseil fédéral, 2010, p. 2068). Por outro lado, é frequente
constatar-se em Estados com sistemas monistas, que a eficácia do direito interno, juridicamente
inferior, ultra- passa de longe a do direito internacional, cuja superioridade se arrisca a parecer
puramente no- minal. É sempre desagradável e inquietante que se estabeleça um fosso ou, mais
ainda, uma con- tradição entre a teoria e a prática (Virally, Sur un pont aux ânes: les rapports
entre droit international et droit interne, 1990, p. 105). Tal é o caso do monismo francês, que a
própria doutrina reconhece ser um monismo falso, na medida em que o ordenamento jurídico
insiste que a fonte primária de toda a norma seja a constituição (Decaux, 2010, p. 469).
70
Na perspetiva anglo-saxónica tradicional, a invocação da soberania resulta (ou con-
funde-se, mesmo) com a defesa da autodeterminação democrática. Uma corrente importante
do pensamento político americano encara o direito internacional como uma tentativa ilegítima
le- vada a cabo por estrangeiros que não são controlados democraticamente, de interferir nas
deci- sões políticas internas legitimadas pela maioria (Goldsmith & Levinson, 2009, p. 1793).

48
Oitava lição: o costume

gência ou aplicação (aquilo que se designará como um acto transforma-


ção, a que adiante nos referiremos). Ou seja, para o dualismo71, as
regras de direito internacional nunca vigoram na ordem interna72 com
essa na- tureza (internacional); podem, no entanto, ser reproduzidas por
um acto interno73 (uma lei ou acto equivalente) que imponha (pela sua
natureza interna) a sua vigência74.
Debrucemo-nos agora sobre o monismo.
Esta corrente recusa a dualidade a que fizemos referência (e que
serve para definir o dualismo), insistindo na posição inversa, ou seja, na
unidade do sistema jurídico (Shaw M. N., 2008, p. 131; Virally, Sur un
pont

71
As classificações doutrinais, não sendo totalmente idênticas, tendem a variar pouco.
Em alguma doutrina anglo-saxónica distingue-se, por vezes, entre harmonização e dualismo
(Miller, 1989, p. 150), naquilo que podemos considerar duas vertentes da mesma corrente.
72
A recusa da vigência não impede, na prática, alguma abertura aos ditames internacio-
nais. Assim, a própria tradição americana – que a partir de uma postura monista vem
aumentando progressivamente as limitações à vigência do direito internacional (Goldsmith &
Levinson, 2009,
p. 1792) - parece admitir – desde o famoso ac. 1900 relativo ao Paquete Habana que declarava o
direito internacional como parte do direito interno americano - que, também na aplicação da lei,
não devam os tribunais decidir sem prestarem o devido respeito àquilo que é referido logo no §1
da Declaration of Independence (1776) como as posições ou opiniões da humanidade (Koh,
2004, p. 43/44).
A posição inicial americana evoluiu no sentido do dualismo, assente no princípio segundo
o qual em última instância, caberia sempre aos tribunais determinarem o direito aplicável (ibi-
dem). E nesse âmbito tornou-se determinante a posição do US Supreme Court, no qual
pontuaram nos últimos anos figuras como Clarence Thomas ou Antonin Scalia, arautos da
jurisprudência na- cionalista, que entre outras características, se mostra muito resistente a
admitir que fontes inter- nacionais gerem limitações das prerrogativas nacionais (Koh, 2004, p.
52). De facto, se os EUA se mostraram inicialmente muito abertos ao direito internacional, vêm
colocando cada vez mais li- mitações à sua vigência. Na actualidade, nem os tribunais, nem as
autoridades administrativas […] se esforçam por o executarem eficazmente. À aplicação das
regras internacionais, opõem regular- mente o direito nacional e até o dos Estados federados. O
supremo Tribunal afirmou que uma decisão do TIJ não produzia efeitos jurídicos directos e não
vinculava portanto as autoridades ju- diciais (Conseil fédéral, 2010, p. 2097).
Em sentido inverso a ordem constitucional francesa evoluiu em três graus distintos de
monismo: o velho nacionalismo jurídico que se veio a combinar com a pressão da europeização
evoluindo para um internacionalismo grandioso (Decaux, 2010, p. 470).
73
D. Anzilotti afirmava-o claramente: as normas não têm carácter jurídico senão dentro
da ordem jurídica de que fazem parte (Virally, Sur un pont aux ânes: les rapports entre droit
international et droit interne, 1990, p. 107)
74
A recusa da vigência do direito internacional na ordem interna dos estados pode surgir
com fundamentos diferentes dos tradicionalmente enunciados. Assim, parte da doutrina
defende essa recusa por referência a um défice democrático no direito internacional, maxime do
direito consuetudinário (McGinnis & Somin, 2007). Deve, todavia, assinalar-se que a
identificação de dé- fices democráticos nas instituições internacionais - e no direito internacional
em geral - é uma característica genérica da crítica atual a este ramo jurídico, a qual, por essa via,
actualiza a insis- tência na sua suposta irrelevância (Chandler, 2005; Frischmann, 2003).

49
Rui Miguel Marrana

aux ânes: les rapports entre droit international et droit interne, 1990, p.
104; Reuter, 1985, p. ch 1).
As correntes monistas – que correspondem à visão tradicional do
direito75 – recusam, portanto, a distinção da natureza das ordens jurídi-
cas, em especial quando essa distinção pretende atastar a interpenetra-
bilidade mútua. Posto de outra maneira, recusa-se aquilo que é a novi-
dade dualista: uma suposta constatação de diferenças tão essenciais nas
ordens jurídicas internacional e interna que tornariam impraticável ou
impossível a vigência das regras de uma das ordens na outra e que
teriam como consequência a exigência da transformação das regras
internacio- nais em regras internas, sempre que se pretendesse admitir
a sua vigên- cia. Recorde-se o resultado final do pressuposto dualista:
apenas vale- riam na ordem interna dos Estados aquelas regras
internacionais que o poder instituído entenda transformar (ou seja,
consagrar o seu conteúdo num acto interno). É uma postura que
evidencia algo que podemos de- signar por soberanismo76 voluntarista
(Rusié, 1999, p. 10), ou seja, a re- cusa da obrigatoriedade de qualquer
regra que não constitua uma mani- festação de vontade dos órgãos de
soberania77.
A visão monista permanece fiel ao entendimento do carácter uni-
versal do sentido de justiça78, o que implica, portanto, não admitir que
argumentos de natureza formal possam recusar a aplicabilidade de re-
gras. De qualquer forma, ao admitir a vigência da regra internacional –

75
Talvez seja oportuno insistir no facto de o dualismo apenas surgir como reacção ao
mo- nismo. Posto de outra maneira: a visão tradicional sempre assentou naquilo que
designamos pelo pressuposto monista. Acontece, todavia, que as visões positivistas e
voluntaristas dos últimos dois séculos, vieram a sugerir outros pressupostos (a que nos
referimos supra), o que obrigou a distin- guir. Só então, por facilidade, se começa a fazer
referência ao monismo (por oposição ao dualismo, portanto).
76
O soberanismo territorialista, ou particularismo, corresponde a uma perspetiva defen-
siva das relações internacionais e da sua regulação jurídica. Recusando a uniformização dos regi-
mes por via convencional (que constitui o esforço mais evidente de regulação do meio internaci-
onal no pós guerra) insiste na protecção da prerrogativa soberana nacional, em especial no to-
cante à determinação das regras jurídicas. Isso decorre do pressuposto básico de que apenas
existe ordem dentro das comunidades políticas específicas (cuja coesão interna depende da dis-
tinção para com as demais), não sendo essa ordem portanto alargável à humanidade como um
todo (Bogdandy & Dellavalle, 2008, p. 28). As relações internacionais – mesmo que dentro do
quadro interestadual - são vistas como ameaças à própria existência do Estado-nação (Cottier &
Hertig, 2003, p. 265).
77
O conceito tradicional de soberania (enquanto poder do Estado exercer a suprema au-
toridade sobre todas as pessoas e coisas no seu território) tem sido objeto de importantes limi-
tações, sublinhadas mesmo ao nível das NU (Corel, 1999).
78
No monismo encontramos duas tendências distintas: a corrente de base jusnaturalista
- que assenta numa preocupação ética fundamental – e a corrente normativista (Kelsen) que se
ergue sobre argumentos formais (Shaw M. N., 2008, p. 131).

50
Oitava lição: o costume

enquanto tal – na ordem interna, o monismo impõe uma resposta


hierárquica: o de saber qual das regras deve prevalecer em caso de
conflito. As duas respostas possíveis vão dar origem a duas correntes: o
monismo com primado do direito internacional – quando se entenda
que deve prevalecer a regra internacional – e o monismo com primado
do direito interno – quando se entenda o inverso79 (Rusié, 1999, p. 10;
Gonçalves Pereira & Quadros, 1993, p. 85).
A primeira vertente – o monismo com primado do direito interna-
cional – merece hoje um acolhimento dominante na prática diplomática,
na doutrina internacional e na jurisprudência (Nguyen Quoc, Daillier, &
Pellet, 1999, p. 96). Na verdade, afastados os pressupostos dualistas 80,
parece lógica a necessidade de admitir a primazia do direito internacio-
nal, sob pena de estar a pôr em causa a sua própria subsistência (já que,
nessa perspetiva, qualquer Estado poderia furtar-se ao cumprimento
das suas obrigações internacionais adoptando um acto interno que con-
trariasse as regras internacionais de onde tais obrigações derivavam81.
A doutrina tende, portanto, a considerar o primado do direito
inter- nacional inquestionável, por se tratar de uma condição de
existência desse mesmo direito (Gonçalves Pereira & Quadros, 1993, p.
92; Carreau, Droit International, 1999, p. 43; Virally, Sur un pont aux
ânes: les rapports entre droit international et droit interne, 1990, p.
104). Esta posição assenta, todavia, sobre o pressuposto de que os
eventuais conflitos entre normas internas e internacionais tenham de
ser resolvidos através de um

79
Alguma doutrina usa a expressão monismo invertido ou inverso, para identificar o mo-
nismo com primado do direito interno (Miller, 1989, p. 150). Numa leitura algo diferente da co-
mum, o Conselho federal suíço (2010, p. 2090) considera que no monismo haverá sempre vincu-
lação do Estados ao direito internacional, distinguindo-se o caso do primado deste pelo facto de
ele ser um dos fundamentos de validade do próprio direito interno.
80
O dualismo foi defendido por espíritos brilhantes como Triepel e Anzilotti cuja habili-
dade dialéctica criou ilusões. Ela dissimulou durante muito tempo as fraquezas lógicas e as
contra- dições teóricas […] Um estudo recente, apoiado sobre uma documentação exaustiva,
mostrou que a posição dualista é absolutamente insustentável por um juiz internacional
confrontado com as exigências próprias da sua função, mesmo que verbalmente assumisse tais
posições (Virally, Sur un pont aux ânes: les rapports entre droit international et droit interne,
1990, p. 104).
81
A impossibilidade de o cumprimento ser justificado com atos internos estava já expres-
samente afirmada na Convenção de Havana sobre tratados, de 1928, celebrada entre Estados
americanos. No art. 11º desta, afirmava-se expressamente que os tratados continuarão a
produzir os seus efeitos, ainda que se modifique a constituição interna dos Estados contratantes.
Alguma doutrina explica a relativa indefinição atual por nos encontrarmos numa fase
evolutiva intermédia. Assim, teremos ultrapassado a postura extrema inicial em que o direito in-
ternacional se dirigia apenas às relações diplomáticas, à navegação marítima e à guerra, cujas
regras não eram aplicáveis por tribunais internos - mas não teremos atingido a fase em que a
ordem universal é idêntica à dos Estados, no sentido em que se impõe a todos os sujeitos
(Reuter, Droit international public, 1993, p. 68).

51
Rui Miguel Marrana

critério apriorístico simples (determinando qual dos tipos de normas


prevalecerá em todos os casos). Mais recentemente, a doutrina
pluralista tem insistido nas vantagens decorrentes de uma flexibilização
nessa exigência (que, em qualquer caso, converge com o entendimento
que a prática internacional vem acolhendo desde a primeira metade do
século passado). Veremos isso mesmo no ponto seguinte.

D. A diminuição da importância da querela e


o advento do pluralismo
A querela entre dualismo e monismo (que, como vimos, teve ori-
gem no surgimento do próprio dualismo) ocupava tradicionalmente
uma parte substancial dos manuais universitários. Todavia, graças a um
rela- tivo enfraquecimento (e/ou flexibilização) do positivismo e a um
retorno tendencial da doutrina a posições monistas, a questão começou
a perder importância.
Por outro lado, na prática foi-se tornando evidente como as conse-
quências de uma ou outra postura são bem menos significativas do que
poderiam parecer. Isto porque a maioria das convenções não visa a pro-
dução de efeitos jurídicos na esfera dos particulares 82 (excepto nos cha-
mados tratados self-executing, que são excepcionais). Ora, em geral, são
os particulares que invocam as regras em juízo e podem, por isso, fazer
surgir na aplicação, situações de conflito de normas. Os Estados rara-
mente procuram a solução para os seus conflitos em sede judicial 83.
Sendo estes os destinatários da maioria das regras internacionais, isso
significa que raramente se verifica uma situação de evidente conflito de
normas. Assim, na esmagadora maioria dos casos em que surgem tais
atritos, os Estados, ao invés de procurarem determinar quais as regras
jurídicas aplicáveis (prevalentes), preferem manter a disputa na
discussão sobre os factos ou no plano estritamente político.
Nem mesmo a significativa evolução do direito internacional no
pós-guerra contrariou o carácter sobretudo filosófico da disputa entre

82
Não tem efeito directo, diríamos então, usando de uma distinção doutrinal recente,
que ainda não é sequer pacífica (cf. infra, nota 114)
83
A intervenção do TIJ depende sempre de um acordo entre os Estados (envolvidos num
conflito) no sentido de submeterem uma questão à sua apreciação. É o que resulta do art. 36º/1
ETIJ. Naturalmente que esse acordo pode ser anterior ao conflito, constando de uma cláusula
convencional.

52
Oitava lição: o costume

monismo e dualismo, o qual se manteve no âmbito académico, sem


gran- des implicações no plano prático84, até porque as diferentes
tendências sempre admitiram matizes susceptíveis de gerarem
respostas muito aproximadas às questões concretas. E, também por
isso, o debate foi per- dendo relevância.
Neste enquadramento, a partir da segunda metade do século pas-
sado começou a afirmar-se uma posição doutrinal alternativa85 – o
plura- lismo – a qual, introduzindo alguma flexibilidade na abordagem,
concor- reu muito significativamente também para um enfraquecimento
do de- bate (Halberstam, 2008, p. 2).
O pluralismo jurídico consiste numa corrente doutrinal que visa
uma articulação não hierárquica das situações de conflito, por
considerar normal (e até mesmo enriquecedora) a concorrência na
regulação – a qual resulta da existência de situações sociais em que um
comporta- mento é regulado por duas ou mais ordens jurídicas
(Griffiths, 1986, p. 2; Berman P. S., 2016, p. 154), ou em que estas
coexistem num mesmo âm- bito social ou comunitário (Michaels, 2009,
p. 3).
Comecemos, então, por caracterizar essa realidade plural, cuja
constatação forçou o desenvolvimento da nova perspetiva doutrinal. Ela
foi sendo evidenciada ao longo da História, nas relações entre os
Estados e a Igreja católica86,ou as igrejas em geral (Berman P. S., 2016,
pp. 152-

84
De facto, o carácter secular da discussão entre monismo e dualismo permitiria pensar-
se que existiriam dados concretos disponíveis sobre as diferentes posições assumidas pelas dife-
rentes ordens internas dos Estados, o que, na realidade, não se verifica (Voigt S. , 2006).
Em termos práticos, as diferenças entre dualismo e monismo esbatem-se, até porque,
mesmo nos Estados consagrando regimes dualistas, se reconhece a vinculação genérica ao
direito internacional (sob pena de responsabilização – o que leva as autoridades a procurarem
interpretar o seu direito interno em conformidade com o direito internacional vigente) e
normalmente a- dmite-se a validade do direito consuetudinário. Por outro lado, também os
regimes que consa- gram posições monistas introduzem frequentemente exigências ou
requisitos de vigência às re- gras internacionais (Conseil fédéral, 2010, p. 2088).
85
O pluralismo não constitui a única alternativa apresentada pela doutrina (embora se
possa dizer que provavelmente será a única que consubstancia uma corrente doutrinária e que
apresenta uma alternativa assente nos pressupostos lógicos do monismo e dualismo. Outras
pro- postas existem, como seja a do realismo, que encara o direito internacional como um
processo jurídico complexo e dinâmico interligado com processos jurídicos regionais e nacionais,
que não se esgota no elenco tradicional das fontes ou dos sujeitos – cf. Jordan J. Paust (2013).
86
Alguma doutrina faz recuar os fenómenos de pluralismo às origens da própria common
law e (num âmbito exterior) ao direito europeu medieval e ao jus commune (Michaels, 2009, p.
9). Outros autores ficam-se por referências mais recentes, nomeadamente a admissão da aplica-
ção pelos tribunais de regras específicas dos grupos em determinadas questões, situação que
pode encontrar-se já em finais do século XVII, na regulação dos territórios administrados pela
Companhia das Índias (Griffiths, 1986, p. 6).

53
Rui Miguel Marrana

153). De facto, desde há séculos que esta tem conseguido evitar a sub-
missão pura e simples da actividade dos seus membros às autoridades
nacionais, garantindo importantes graus de autonomia (em termos de
or- ganização e de regulação de alguns aspectos essenciais da sua activi-
dade), com o que deu origem a uma admissão implícita, da parte dos Es-
tados, da autonomia dos membros das confissões religiosas (Berman P.
S., 2007, p. 1161). Foi essa mesma admissão que tornou as relações
entre a Igreja e o Estado o locus classicus da análise da pluralidade de
ordens normativas (Galanter, 1981, p. 28).
Assim, ainda hoje a Igreja católica se relaciona com os Estados em
pé de igualdade (através do sistema tradicional de relações
diplomáticas) e, além disso, estabelece com estes convenções
internacionais que regu- lam os termos da autonomia do seu magistério,
designadas por concor- datas (Nguyen Quoc, Daillier, & Pellet, 1999, p.
452).
Na génese das análises pluralistas contemporâneas – que surgem
na segunda metade do século passado – está a constatação da
frequente sobreposição de comunidades e das respectivas regras,
incidindo a aná- lise sobretudo na questão do reconhecimento 87
(Teubner, 1997, p. 125). O seu âmbito essencial foram as sociedades
pós-coloniais dos anos 60, nas quais começaram a ser estudadas as
regras e os processos derivados das culturas tradicionais que não tinham
acolhimento legal – e que, por vezes, contrariavam mesmo o direito
vigente, introduzido pelas potências coloniais (Avbelj, 2006, p. 388;
Berman P. S., 2007, p. 1170). Essa circuns- tância deu origem àquilo que
ficou conhecido como a percepção colonial do pluralismo jurídico88, ou
pluralismo clássico (Michaels, 2009, p. 4). A esta fase seguiu-se a
percepção pós-colonial, que incidiu sobre regras consuetudinárias e
sobre outros corpos de regras produzidas por actores

87
Compreende-se que assim seja, uma vez que é neste plano que o pluralismo inova. De
facto, ao assentar na subsistência de diferentes ordens jurídicas não articuladas, o pluralismo pa-
rece contrariar a assunção básica do monismo (a necessária ordenação hierárquica dos
diferentes corpos normativos, como condição da unidade do sistema jurídico). Por outro lado,
também o dualismo assenta num pressuposto hierárquico: inexistindo comunicação entre os
domínios naci- onal e internacional, as regras internacionais apenas vigoram na ordem interna
como consequên- cia da sua transformação, a qual corresponderá a uma decisão soberana no
sentido da introdução das mesmas.
O reconhecimento pelo poder estadual da existência de outros corpos normativos pres-
supõe uma vontade de convivência com eles, sem que seja reclamada a tradicional exclusividade
do poder normativo ou, numa vertente mais flexível, a submissão hierárquica destes às manifes-
tações soberanas.
88
Com o fim do colonialismo, os impérios foram substituídos por Estados independentes,
os quais foram questionados por entidades tribais, nacionais ou étnicas que visavam a secessão.
Isso criou uma vaga global de localismos que ameaçou o sistema estadual (Franck T. M., 1996, p.
360).

54
Oitava lição: o costume

sociais com capacidade de criação de normas vinculativas, fora do pro-


cesso político. O posterior reconhecimento de corpos reguladores que
conflituam com a ordem estadual positiva veio ainda a alargar o âmbito
de análise ao terreno preferido dos juristas pós-modernos: as regras in-
ternas das favelas brasileiras ou dos grupos minoritários isolados, os me-
canismos privados disciplinadores, as regras de organização interna de
empresas, redes, etc. (Teubner, 1997, p. 119).
Sobreveio, então, aquilo que a doutrina designa como a terceira
fase do pluralismo (Michaels, 2009, p. 4), na qual a atenção foi dirigida
para o pluralismo transnacional.
Terminada a II Guerra Mundial, o advento dos direitos humanos
veio também a questionar o carácter exclusivo estadual na produção
nor- mativa (Pentassuglia, 2002, p. 303), na medida em que se afirmou o
ca- rácter vinculativo de algumas convenções independentemente do
seu as- sentimento formal89. Por outro lado, o regime internacional dos
direitos humanos veio consagrar em termos explícitos o
reconhecimento da es- pecificidade das comunidades subnacionais
(nomeadamente da sua cul- tura, língua e diversidade próprias90) e a
protecção de grupos minoritários (Fossum, 2001, p. 5). Esta
circunstância forçou, de alguma forma, tam- bém o reconhecimento do
pluralismo jurídico, uma vez que esse reco- nhecimento supôs a
admissão de níveis de auto-organização e autoges- tão que resultam na
edificação de ordens jurídicas próprias91. Esse pro- cesso foi
parcialmente canalizado e acentuado por um importante movi- mento
de regionalização e descentralização ocorrido nos Estados, o qual
denotava a tendência geral para a transferência de poderes decisórios
para níveis infra e supra nacionais (Hooghe & Marks, 2001, p. 1;
Bartelson, 2006, p. 466).
A própria globalização valorizou a abordagem pluralista: os fenó-
menos de integração assumem a criação de ordens jurídicas próprias
que assentam em quadros institucionais com competência para a
produção de normas.

89
Cf. nomeadamente o disposto no art. 1º da Convenção para a Prevenção e Repressão
do Crime de Genocídio de 1948, pelo qual as partes contratantes não estabelecem ou tipificam o
genocídio como um crime, mas antes, limitam-se a constatar essa circunstância.
90
Cf art. 27º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966.
91
Neste conceito de ordens jurídicas alternativas cabem não apenas os níveis regionais
ou locais, ou de minorias, mas também entidades especializadas como bolsas de valores ou
associações desportivas (Berman P. S., 2016, p. 153).

55
Rui Miguel Marrana

Em paralelo, a doutrina vinha reconhecendo e estudando outros


processos de produção normativa envolvendo ONG, empresas
multinaci- onais e grupos industriais, comunidades indígenas, terroristas
internaci- onais, activistas, etc. (Berman P. S., 2007, p. 1175). Nesses
âmbitos de- senvolveram-se, ao longo da segunda metade do século
passado, fenó- menos normativos de grande relevância: regras
financeiras estabelecidas pelas instituições internacionais, a lex
mercatoria92, o direito laboral e desportivo (lex sportiva) internacional,
as regras de estandardização, as regras ambientais, a regulação
internacional da internet (lex electronica) etc. Todos estes casos
constituem sistemas jurídicos não estaduais que influenciam em termos
determinantes, quer a ordem jurídica interna dos Estados, quer a
própria ordem internacional, na medida em que exercem uma pressão
por vezes inelutável de adequação (Maher, 1998; Berman P. S., 2007, p.
1162).
O pluralismo jurídico ficava, assim, definitivamente constatado no
final do século XX. É certo que a análise pluralista padecia da
desvaloriza- ção excessiva do direito positivo e das exigências formais
colocadas à pro- dução de normas jurídicas93 Teve, em qualquer caso, a
vantagem de tor- nar evidente o facto de a criação jurídica ser um
processo dinâmico que envolve diferentes níveis institucionais numa
comunidade (Avbelj, 2006,
p. 379), sendo essa, já não a excepção, mas a situação mais comum
(Berman P. S., 2007, p. 1152). O centralismo jurídico será, portanto, uma
ilusão que tem conseguido fazer-se passar como realidade. E por isso, o
primeiro intuito da doutrina pluralista foi o de contrariar a ideia de que
o direito seja uma unidade, uma ordenação normativa 94 distinta e exclu-
siva95 dependente do poder estadual (Griffiths, 1986, p. 4).

92
A ]ex mercatoria é constituída por um (significativo e muito relevante) corpo de regras
de auto regulação do comércio internacional e que tem sido objeto de análise em diferentes
perspectivas, para além do pluralismo (Michaels, 2009, p. 6).
93
Para além destas críticas, que partem da doutrina jurídica, soma-se o elenco das
críticas avançadas pela antropologia: a propensão para conceitos básicos ou incipientes de
cultura e de direito, a dificuldade em definir e distinguir a regra jurídica, a tendência
etnocêntrica, a preferên- cia romântica pela pluralidade e localidade sobre a uniformidade e
universalidade (Michaels, 2009, p. 2).
94
A corroborar esta ideia, podia referir-se a perspetiva segundo a qual - ao contrário do
que comummente se assume e afirma - o direito não ser um sistema de regras jurídicas, mas um
sistema de relações jurídicas - matrizes que identificam pessoas e situações em termos
abstractos (Allott, 1999, p. 36).
95
Essa ilusão de exclusividade leva a que se tendam a ignorar as normas sociais que pre-
cedem as normas legais (formais), denotando aquilo que alguma doutrina designa como um
vício intelectual da estadualidade (Shaw & Wiener, 1999, p. 7).

56
Oitava lição: o costume

E. A superação da querela
A superação da querela entre monismo e dualismo foi evoluindo
na prática96 internacional, em volta de algumas posições consensuais97.
Existe, desde logo, uma convergência doutrinária quanto ao dever
dos Estados conformarem a respectiva ordem jurídica ao cumprimento
das suas obrigações internacionais. Este princípio foi afirma do logo no
primeiro caso que o TPJI apreciou, relativo ao vapor Wimbledon. Nesse
acórdão, de 17.8.1923, afirmava-se que o art. 380º do Tratado de Versa-
lhes, de 1919, entre as potências aliadas e a Alemanha, impedia esta de
aplicar ao canal de Kiel a decisão de neutralidade que havia promulgado
em 25.07.1920 (§2 do dispositivo). Alguma doutrina interpreta esta deci-
são no sentido de que conteria implícita a afirmação da primazia direito
internacional sobre o direito interno (Tchikaya, 2000, p. 26; Carreau,
Droit International, 1999, p. 44), até porque frequentemente se faz
equivaler esse princípio ao referido dever de conformação do direito
interno ao cumprimento das obrigações internacionais – o qual se
encontra actualmente consagrado no art. 27º CV69.
Deve, todavia, esclarecer-se que o referido dever de conformação
não equivale necessariamente98 à afirmação, ainda que implícita, de um

96
As posições monistas ou dualistas mais do que oferecerem explicações gerais sobre as
relações entre as ordens jurídicas internacional e interna, reflectem convicções sobre o modo
como essas relações deveriam ser estruturadas. Nessa medida, não se trata de tendências positi-
vas mas puramente normativas (Voigt, 2006, p. 5). É certo que chamados a decidir numa
situação de conflito entre normas internas e internacionais, os tribunais tenderão a ser
influenciados pela posição monista ou dualista da respectiva ordem jurídica. Mas, quase sempre,
evitarão colocar e decidir sobre a questão de princípio (Higgins, 1994, p. 206).
97
Esse quadro de convergência foi inicialmente apresentado por Hersh Lauterpascht
(1897-1960) - eminente magistrado do TIJ, geralmente enquadrado no jusnaturalismo (Shaw M.
N., 2008, p. 131) -, tendo sido introduzido na doutrina portuguesa pelo Prof. Afonso Queiró
(Gonçalves Pereira & Quadros, 1993, p. 87).
98
A interpretação que a doutrina faz da jurisprudência não é convergente. Assim, no ac.
25.5.1926 do TPJI, relativo a interesses alemães na Alta Silésia polaca, afirma-se que face ao di-
reito internacional e ao tribunal de que é o órgão [jurisdicional], as leis nacionais constituem me-
ras situações de facto, manifestações da vontade e da actividade dos Estados, tal como as
decisões judicias ou os atos administrativos (CPJI/PCIJ, 1926, p. 19). Alguma doutrina encontra aí
nova insistência no princípio da primazia ou primado (Tchikaya, 2000, p. 27), enquanto outra
interpreta a afirmação como uma expressão evidente do dualismo (Nguyen Quoc, Daillier, &
Pellet, 1999, p. 96). Em todo o caso deve reconhecer-se que o TIJ veio a acolher na sua
jurisprudência esse prin- cípio da primazia, afirmando expressamente no Parecer relativo à
aplicabilidade da obrigação de arbitragem: seria suficiente recordar o princípio fundamental em
direito internacional da primazia deste direito sobre o direito interno. Esta primazia foi acolhida
na jurisprudência desde a sentença arbitral de 14 de Setembro de 1872 no caso do Alabama,
entre os EUA e a Grã-Bretanha e tem sido por diversas vezes recordado depois disso,
nomeadamente no caso das comunidades grego-

57
Rui Miguel Marrana

princípio de primazia. Aliás, no quadro daquele dever, é também


consen- sual o reconhecimento aos Estados da liberdade de escolha dos
meios que permitam atingir esse objetivo (de conformar o direito
interno ao cumprimento das obrigações internacionais). Não se impõe
que cada Es- tado reconheça (ou aceite) expressamente a primazia do
direito interna- cional (e a imponha no seu ordenamento interno, como
critério de reso- lução de conflitos de normas99). Importa, isso sim, que
os Estados não possam validamente invocar, no plano internacional, as
regras ou atos internos para justificarem o incumprimento das suas
obrigações interna- cionais100 como atinjam essa situação não é, em
princípio, relevante101.
Nesse mesmo sentido, aliás, deve referir-se outro ponto de
conver- gência doutrinária, o qual aponta no sentido de que, verificada,
na prá- tica, a incompatibilidade (entre regras internacionais e internas),
os Esta- dos não serão obrigados a garantir a vigência forçada (a fazer
prevalecer, portanto, a regra internacional102).

búlgaras (CIJ/ICJ, 1988, p. 34). A doutrina insiste todavia no facto de, muito embora a prática in-
ternacional não acolher de forma absoluta qualquer das posições de princípio tradicionais (dua-
lismo e monismo), consagra em geral a primazia do direito internacional (Rusié, 1999, p. 10).
99
A consagração do princípio da primazia do direito internacional constitui, apesar de
tudo, uma garantia mais consistente da obediência ao dever de conformar a sua ordem jurídica
ao cumprimento das obrigações internacionais. De facto, essa consagração expressa sempre
per- mitirá a eventuais interessados invocá-lo judicialmente para justificar, por exemplo, a
recusa do cumprimento de uma regra ou instrução nacional, ou para questionar a validade de
determinada regra ou acto nacional. Na falta da consagração expressa do princípio, os tribunais
poderão en- tender não dever aplicar a regra internacional, ficando, assim, o cumprimento do
dever de con- formação da sua ordem jurídica interna dependente de decisões de outra
natureza (maxime polí- tica) que podem tardar, ou até mesmo não ocorrer (até porque o
controlo internacional da situa- ção e a possibilidade de responsabilização internacional podem
ser difíceis, no caso).
100
No Parecer relativo ao tratamento dos cidadãos polacos (4.02.1932), o TPJI afirmou
expressamente que um Estado não pode invocar em relação a outro Estado a sua própria
constituição para se eximir ao cumprimento de obrigações impostas pelo direito internacional
(CPJI/PCIJ, 1932, p. 24).
101
Um estudo que incidiu sobre os regimes de 56 países, mostra à evidência como as
diferentes ordens jurídicas raramente consagram regimes decalcados das posições doutrinais.
As- sim, na maioria dos casos os regimes não assumem expressamente posturas monistas
(apenas 19 dos 56 e, dentro daqueles, apenas 4 consagrando a primazia do direito
internacional). Não obs- tante, a maioria (31 Estados) admite a possibilidade de as regras
internacionais beneficiarem de efeito directo. Por outro lado, se a maioria dos Estados (46)
consagra a possibilidade de os tribu- nais superiores aplicarem directamente o direito
internacional, apenas 6 admitem a não aplicação de uma regra constitucional por contrariedade
com o direito internacional (Voigt S. , 2006, pp. 12, 14).
102
Essa obrigação de conferir primazia às regras internacionais verifica-se, a título exce-
pcional no âmbito do direito da UE. O princípio do primado foi expressamente consagrado na
jurisprudência (cf. ac. 17.12.1970, Handelsgesellschaft), prevendo-se, ainda, a possibilidade da
condenação por incumprimento (independentemente da verificação dos danos, portanto) - cf.
art. 258º e 259º TFUE -, admitindo-se ainda que esse incumprimento possa originar a
aplicação de

58
Oitava lição: o costume

Acontece apenas que, se não o fizerem, tal atitude constitui um ilí-


cito susceptível de originar responsabilidade internacional103 (permi-
tindo, portanto, a exigência da reparação dos danos causados)104
Este modelo de convergência, que foi sendo sedimentado ao
longo do século XX, assenta portanto, a) no dever imposto aos Estados
de con- formarem a sua ordem interna ao cumprimento das obrigações
interna- cionais, b) permitindo-lhes, todavia, escolherem livremente a
solução té- cnica que dê cumprimento a esse dever, c) não existindo uma
vigência forçada do direito internacional nas ordens internas, d) pelo
que, verifi- cando-se eventualmente uma desconformidade, poderá ser
assacada, aos Estados, a correspondente responsabilidade internacional
pelos da- nos.
Este desenho fez convergir a doutrina para os pressupostos do
plu- ralismo.
De facto, o objetivo central desta corrente doutrinária é a defesa
de um sistema capaz de admitir a expressão das tensões e dos conflitos
no seio da estrutura do exercício de poder (Berman P. S., 2009, p. 1152;
Cover, 1981, p. 682). Ora, a necessidade de articular as ordens nacional
e

adstrições (sanções pecuniárias a suportar até que seja corrigida a situação de incumprimento) -
cf. art. 260º do mesmo tratado.
Devemos todavia referir que, embora seja comum na doutrina a assunção de que do pri-
mado consubstancia uma relação hierárquica entre o direito da UE e o direito interno dos
Estados (MacCormick, 1995, p. 263; Avbelj, 2007), em nossa opinião, essa hierarquia é apenas
aparente. De facto, não há qualquer submissão das ordens nacionais à ordem europeia, na
medida em que esta não legitima aquelas nem as enquadra. As ordens nacionais não agem no
quadro de compe- tências que lhes são atribuídas pela ordem europeia. Pelo contrário, são os
Estados-membros que
- se e quando o entendem- transferem competências para o nível europeu (segundo um estrito
princípio de atribuição consagrado no art. 5º TUE), podendo, por via do mecanismo da revisão
(que é por si inteiramente controlado cf. art. 48º TUE), readquiri-las. O que há é, nos âmbitos
das competências objeto de transferência, primazia das decisões europeias, porque sem isso,
essa transferência perderia sentido ou seria esvaziada. Nos expressos termos referidos na
jurisprudên- cia, o direito que emana do tratado, uma fonte independente de direito, não pode,
devido à sua própria natureza ser anulado por norma alguma do direito nacional, sem ser
privado do seu ca- rácter de direito comunitário e sem que a própria base jurídica da comunidade
seja posta em causa. Assim, a validade de um acto jurídico comunitário ou o seu efeito no
interior de um Estado- membro não podem ser afectados por alegações de que viola quer
direitos fundamentais formu- lados na constituição desse Estado quer os princípios de uma
estrutura constitucional nacional (ac. Handelsgesellschaft, cit.).
103
Cf. Opinión Consultiva OC-14/94 de 9.12.1994, do TIADH, relativo à responsabilidade
internacional por adopção e aplicação de leis violadoras da convenção.
104
Para além da responsabilidade internacional, releva ainda a questão da imagem inter-
nacional do Estado. Assim, as pretensões internacionais de pequenos Estados, como Singapura,
são directamente afectadas pelo simples facto de poder retirar-se de um acórdão do supremo
tribunal que os tribunais devem aplicar a regra nacional ainda que contrária a um costume inter-
nacional (Lim, 2005, p. 222).

59
Rui Miguel Marrana

internacional resulta da sobreposição de competências que se manifes-


tam naquilo que a doutrina frequentemente designa por redundâncias,
as quais se verificam sempre que múltiplas autoridades concorrem na
re- gulação dos mesmos atos e actores (Berman P. S., 2009, p. 1151). E,
face a conflitos entre entidades que se assumam como autoridades
jurídicas últimas, não há perspetiva hierárquica plausível, nem base
segura de co- nhecimento histórico, a partir da qual essas pretensões
possam conciliar- se (Walker, 2002, p. 28). Essa sobreposição de
competências (ou de pre- tensões reguladoras) pode, no entanto,
segundo perspetiva pluralista, deixar de ser encarada como um
problema, para ser vista como um desa- fio que impõe aos sistemas
envolvidos uma disciplina capaz de melhorar a sua qualidade intrínseca.
São exemplos disso a indeterminação da hie- rarquia dos sistemas
jurídicos, na Europa, ou das instituições, nos EUA. Essas circunstâncias
não conduziram à anarquia ou ao caos 105. Pelo con- trário, ambos os
sistemas jurídicos apresentam elevados graus de orde- nação. Os
conflitos entre os diferentes actores relativos à legitimidade (ou tipo de
legitimidade ou competência) não terão, afinal, segundo o pluralismo,
de ser solucionados através de mecanismos preestabelecidos. Basta que
aqueles encontrem meios que lhes permitam prosseguir no ca- minho
de regularem em conjunto as suas vidas (Lord & Magnette, 2004, p.
193).
Esta perspetiva pluralista opõe, assim, aos esforços de definição
hierárquica aquilo que designam pela heterarquia constitucional, na
qual se supõe que os conflitos sejam resolvidos pela acomodação que
há-de resultar da consistência das pretensões dos actores, da sua
representati- vidade e da sua capacidade ou qualidade instrumental em
termos de pro- tecção dos direitos envolvidos (Halberstam, 2008, p. 14).

Questões de revisão
A. Questões gerais
1. Em que medida é diferente um conflito entre regras nacionais ou entre
regras nacionais e internacionais?

105
Daniel Halberstam especifica as circunstâncias a que se refere. Assim, quando o Tribu-
nal Constitucional alemão (Bundesverfassungsgericht) ameaçou interpretar o TUE em termos
dis- tintos da interpretação que era dada pelo (ao tempo designado) Tribunal de Justiça das
Comuni- dades Europeias (TJCE), ele não pretendia discordar sobre aquilo que o dito tratado
significava para a Europa, mas apenas sublinhar o que o mesmo tratado significava para a
Alemanha, no quadro das suas limitações constitucionais próprias (Halberstam, 2008, p. 12). Não
se terá tratado, assim, de questionar uma hierarquia (em formação), mas apenas forçar uma
acomodação neces- sária às especificidades germânicas.

60
Oitava lição: o costume

2. Distinga o dualismo do monismo identificando os pressupostos de


cada uma das tendências.
3. Refira-se ao advento do pluralismo.
4. Identifique os termos em que tem sido possível fazer convergir na
prá- tica as posições monistas e dualistas.
B. Questões directas
1. Distinga o direito do poder e da lei.
2. Identifique criticamente os fundamentos do dualismo.
3. Explique os fundamentos da visão monista.
4. Refira-se às soluções que as correntes monistas apresentam para
resol- ver um eventual conflito de regras internacionais e nacionais

Bibliografia de referência
SHAW, Malcom N. 2008. International Law. 6th ed. Cambridge, UK: Cam-
bridge University Press, pp. 129-133.
CONSEIL FEDERAL, 2010. La relation entre droit international et droit in-
terne. Feuille fédérale n° 13 du 7 avril, pp. 2067-2143. Disponível em
https://www.admin.ch/opc/fr/federal-gazette/2010/2067.pdf

Leituras recomendadas
VIRALLY, Michel (1990). Sur un pont aux ânes: les rapports entre droit
international et droit internes. Em M. Virally, Le droit international en devenir :
Essais écrits au fil des ans (pp. 103-117). Paris: PUF
KOH, H. H. (2004). International Law as Part of Our Law. American
Journal of International Law, 98, 43-57

Recursos disponíveis on line


United Nations Audio Visual Library of International Law -
http://unavl.heinonline.org/HOL/UNLAV
Andrea Pisaneschi, profesor catedrático de Derecho de la Universidad de
Siena (Italia) - Seminario "Constitución y Derecho Internacional" (Universidat
de Valencia) - https://www.uv.es/uvweb/departamento-derecho-constitucional-
ciencia-politica-administracion/es/listado-videos/seminario-constitucion-derecho-
internacional-1285957426448/Recurs.html?id=1285958565519
Pierre D’Argent - Universidade Católica de Louvain – 2 aulas (em inglês)
sobre as relações entre o direito internacional e o direito interno:
[Relationship between international law and domestic law I - 8:29]:
https://www.youtube.com/watch?v=saltKBZuaSU
[Relationship between international law and domestic law II - 5:34]:
https://www.youtube.com/watch?v=9q1QNlIBG1Q

61
V Lição
Mecanismos de regulação

A. Objetivo
Na lição anterior identificamos, no plano teórico, os pontos de
par- tida possíveis para a análise da questão da articulação entre o
direito in- ternacional e o direito interno.
Vimos que existem três perspectivas distintas que identificamos
como o monismo, o dualismo e o pluralismo. Essas perspectivas consti-
tuem um pressuposto para que se percebam os diferentes mecanismos
reguladores das relações entre o direito internacional e a ordem jurídica
interna dos diferentes Estados. O mesmo é dizer que cada um dos
pontos de partida vai dar origem a um (ou mais) mecanismo de
regulação espe- cífico.
Na prática o debate entre as diferentes posições doutrinais vai
inci- dir sobre a questão da incorporação ou transformação das regras
inter- nacionais em direito interno e a aplicação dessas regras pelos
tribunais nacionais (Abashidze, 2013, p. 23).
As diferentes ordens jurídicas nacionais fixam – frequentemente
no seu texto constitucional formal – regras tendo em vista regular essas
re- lações (no caso português, trata-se do art. 8º CRP, cuja análise
efectuare- mos infra). Tais regras, reflectem posições doutrinais
(consubstanciadas normalmente em modelos consensuais acolhidos na
prática internacio- nal). É certo que o tempo foi permitindo matizes
diferentes dessas mes- mas regras, mas, para uma compreensão
correcta dos diferentes meca- nismos, será mais fácil começarmos pelos
regimes puros, analisando pos- teriormente as variações possíveis.
É isso que vamos ver nesta lição.

B. Os regimes decorrentes das diferentes visões


Vejamos, então, como é que cada uma das visões ou tendências
de- termina o regime (constitucional) regulador das relações entre as
ordens internacional e interna.

61
Rui Miguel Marrana

Quanto ao dualismo, já tivemos anteriormente a oportunidade de


referir que, na medida em que se entende que as regras internacionais e
internas têm naturezas distintas, se recusa pura e simplesmente a
respe- ctiva vigência106. Essa recusa torna impossível o surgimento de
situações de conflito, por não haver contacto.
Em todo o caso, o dualismo107 não impede a vigência no plano in-
terno de um conteúdo normativo internacional. Exige apenas que este
seja repetido, ou retomado através de um acto interno, o qual lhe
confe- rirá (e só ele) vigência. A isso chama-se transformação 108 (que
corres- ponde, portanto, a um processo em que – ao repetir-se um
conteúdo através de um acto interno – se opera a alteração da natureza
do acto: de internacional para interna). Por essa razão se designa como
meca- nismo de transformação o regime ou cláusula que exija tal
processo como condição de vigência do referido conteúdo normativo.
A doutrina distingue, por vezes, dentro dos mecanismos de trans-
formação, os explícitos (quando a não vigência da regra internacional e
a correspondente necessidade de transformação vem referida no
próprio texto constitucional) dos implícitos (nos quais, muito embora se
não possa não negar expressamente a vigência das regras
internacionais, se exige, contudo, como condição dessa vigência, a
prática de atos que ma- terialmente são equivalentes aos atos
legislativos109).

106
A doutrina dualista apresenta diversas matizes. Assim, é também frequente a
justificação da necessidade da transformação pelo facto de o direito internacional em geral
apenas vincular os Estados, pelo que, para poder vigorar na ordem interna (e nomeadamente
para poder vincular os indivíduos) teria de ser repetido ou retomado por um acto interno
(Kelsen, 1936,
p. 5). Desta forma se volta à ideia das diferentes naturezas (o direito internacional ordenaria as
relações entre estados ao passo que o direito interno regularia as relações entre indivíduos).
107
Na Europa, o Reino Unido, a Alemanha e a Suécia consagram fórmulas dualistas mo-
deradas (Conseil fédéral, 2010, pp. 2088, 2094, 2096).
108
A doutrina usa as designações de forma não convergente. Assim, entre os autores
fran- ceses é frequente designar-se a cláusula de transformação por cláusula ou procedimento
de re- cepção (Virally, Sur un pont aux ânes: les rapports entre droit international et droit
interne, 1990, p. 107).
109
Diferente da questão das relações entre as ordens jurídica interna e internacional é a
da execução das convenções internacionais na ordem interna (enquanto o problema das
relações trata os temos da interpenetração das ordens jurídicas, a execução do direito
internacional refere- se ao cumprimento das obrigações jurídicas vigentes que decorrem deste).
Acontece, todavia, que dentro desta questão (da execução) se refere a circunstância de, por
vezes, a introdução das con- venções nas ordens internas supor a prática de determinados atos,
eventualmente com carácter legislativo. Torna-se, por vezes, difícil conferir em que termos tais
exigências traduzem uma pos- tura dualista ou, diversamente, consistem em meras exigências
procedimentais, não derivadas desse tipo de perspectivas. Parece ser preferível entender que
apenas subsistem posições dualis- tas na medida em que se pretendam os efeitos próprios da
transformação, ou seja, se recuse a vigência da regra internacional enquanto tal, impondo a sua
transformação em regra de direito interno, sendo a partir de então tratada como tal (em sede
de interpretação, hierarquia, etc.).

62
Oitava lição: o costume

O monismo, na medida em que admite a vigência das regras inter-


nacionais na ordem interna (mantendo portanto a qualidade internacio-
nal), regula a matéria através daquilo que frequentemente se chamam
cláusulas de recepção, ou seja, fixa constitucionalmente regimes que
con- sagram a admissão dessa vigência110 (ou que, por outras palavras,
expli- citam o facto de a ordem jurídica nacional receber, no seu seio, as
normas internacionais).
Essa recepção (que deriva da visão unitária do direito) dá, por sua
vez, origem ao problema do conflito: se se admite a vigência simultânea
de normas de diferentes origens, terá de antecipar-se a possibilidade de
estas poderem ser incompatíveis. Donde, será necessário definir regras
de prevalência, o que nos vai reconduzir às duas variantes já referidas
do monismo: com primado do direito interno e com primado do direito
in- ternacional111. Neste último caso, a doutrina distingue ainda o
primado absoluto – se a contrariedade com a norma internacional
implica uma in- validade – do primado relativo – se a dita contrariedade
determina ape- nas a inaplicabilidade (Carreau, Droit International,
1999, p. 49).

C. A sua complexificação
Tal como anteriormente referimos, os regimes efectivamente con-
sagrados virão a acolher matizes mais ou menos claros, que procurare-
mos explicitar a seguir.

Assim, mesmo que as ordens jurídicas exijam a prática de atos internos com natureza legislativa
como condição de introdução de convenções na ordem interna, desde que existam sinais
eviden- tes de que não obstante, a regra internacional é aplicável nessa qualidade, parece ser de
conside- rar-se a posição integrável no monismo.
110
O caso americano é paradigmático: embora genericamente se assuma o direito inter-
nacional como directamente aplicável, as autoridades americanas, em muitos casos (maxime de
convenções sobre direitos humanos), declaram, no momento da ratificação, a aplicabilidade das
disposições convencionais dependentes de um acto de transformação, o que atrasa o processo e
permite interpretações consideravelmente restritivas. Mesmo em relação à aplicação das regras
consuetudinárias os tribunais americanos tendem a impor exigências especiais (ser self-
executing, preciso e constatada a prática constante) para admitirem a sua aplicabilidade (Conseil
fédéral, 2010, p. 2098). De facto, embora os EUA pareçam estabelecer constitucionalmente um
regime monista (com primado do direito internacional), o facto é que o próprio regime
constitucional impede a incorporação ou recepção automática. A aplicação do regime pelos
tribunais vem-se afastando dessa postura inicial, sendo de assinalar uma decisão do U.S.
Supreme Court em 2008 (Medellín v. Texas) que roça o dualismo (Telman, 2013).
111
O (monismo com) primado do direito internacional é, como se vem referindo, domi-
nante na doutrina e na jurisprudência internacionais. Pode até dizer-se que constitui a posição
de princípio da maioria dos sistemas constitucionais. No entanto, a maioria dos Estados fixa
limites à vigência do direito internacional na sua ordem interna e, na verdade, nenhum Estado
reconhece sem restrições o primado do direito internacional (Conseil fédéral, 2010, p. 2068).

63
Rui Miguel Marrana

A primeira variante refere-se às situações em que se combinam re-


gimes de transformação e de recepção – combinação essa que surge,
em regra, distinguindo as fontes e reservando a recepção a apenas uma
ou algumas delas (e impondo, portanto, a transformação em relação às
re- gras provenientes das outras112). Estes regimes designam-se normal-
mente por mecanismos ou cláusulas de recepção semi-plena.
Para lá desta primeira variante (que conjuga, como vimos, os regi-
mes de transformação e recepção) temos depois, dentro dos
mecanismos de recepção, pelo menos três outras variantes.
A primeira e mais tradicional – e que se designa por recepção plena
– é aquela em que se admitem apenas eventuais exigências formais
(como seja a da publicação113), como requisito da vigência. Acontece que
recentemente começaram a ser consagrados regimes ainda mais favorá-
veis, nos quais os Estados prescindiam da prática de qualquer acto
(ainda que meramente formal) como condição da vigência. Esses
regimes deram assim origem à segunda variante – a recepção
automática (designação que se justifica por se dispensar qualquer
intervenção, conforme decorre do termo).
Finalmente, com o processo de integração europeia, surgiu ainda
uma outra variante: a chamada aplicabilidade directa. A diferença
prática não é muito significativa em relação ao regime anterior (afinal,
que mais se pode conceder do que a dispensa total de intervenção da
autoridade interna?). O que há é uma posição de princípio distinta. Na
recepção au- tomática, a ordem jurídica interna concede, ou admite –
supostamente por decisão livre e soberana – não impor qualquer
intervenção como con- dição de vigência. Nos regimes de
aplicabilidade directa114 vai-se mais

112
As cláusulas (ou mecanismos) de recepção semi-plena surgem frequentemente nos
casos dos Estados cujas posições dualistas de princípio (ou seja, que, por regra exigem a
transfor- mação) não impedem a vigência imediata de algumas fontes, tais como o direito
consuetudinário ou os princípios gerais de direito (cf. supra nota 69).
113
O nível de exigência pode variar, não obedecendo necessariamente à postura de prin-
cípio dos diversos Estados. Assim, é frequente que em ordens jurídicas monistas se exija a
prática de atos parlamentares como condição da vigência de regras internacionais o que,
enquanto tal, parece não diferir da transposição (Conseil fédéral, 2010, p. 2068). Neste plano
haverá que atentar à fonte. Se a exigência da prática do acto parlamentar se refere ao direito
convencional, não pa- rece que se deva considerar que aí surja uma transformação, já que a
intervenção parlamentar tenderá a constituir um elemento da expressão da vontade de
vinculação (que é imprescindível num acordo de vontades). Se a mesma exigência extravasa do
âmbito convencional, aí sim, poderá consubstanciar uma transformação.
114
A doutrina não é ainda hoje pacífica na utilização dos termos. Assim, neste âmbito
confundem-se e utilizam-se simultaneamente conceitos e termos próximos (aplicabilidade di-
recta, aplicabilidade imediata, efeito directo, imediatidade, etc.). A confusão mais frequente é
entre o efeito directo e a aplicabilidade directa. A distinção que julgamos dever fazer-se vai no

64
Oitava lição: o costume

longe: reconhece-se a vigência simultânea de duas (ou mais) ordens jurí-


dicas, sem que qualquer uma delas se arrogue à necessidade de receber
a outra (e de sujeitar essa recepção a maiores ou menores exigências115)
A aplicabilidade directa é, assim, a manifestação mais evidente do fede-
ralismo jurídico (já que o princípio federal pressupõe uma partilha de
competência entre os diferentes níveis de poder – federal e federado –
impondo a sua aplicação simultânea, sem que qualquer um dos níveis
possa arrogar a regulação dos termos da vigência do outro).

D. As alternativas pluralistas
A perspetiva tradicional dos modelos dualistas ou monistas radica,
como vimos, na necessidade da definição de critérios de prevalência hie-
rárquica116 alternativa a essas respostas unitárias, o pluralismo propõe
um modelo jus regenerativo que se concentra em compromissos e em
intervenções criativas feitas por diferentes comunidades normativas, a
partir de diferentes fontes, numa interacção política, retórica e legal
(Berman P. S., 2007, pp. 1156, 1166).

sentido seguinte: enquanto a aplicabilidade directa tem a ver com a vigência de regras de uma
ordem jurídica noutra ordem jurídica (refere-se portanto à interpenetração de ordens jurídicas),
o efeito directo prende-se com a mediatidade, ou seja, a eventual necessidade de intervenção
reguladora das autoridades no sentido de permitir a sua invocação por particulares. O mesmo é
dizer que o efeito directo se refere à criação de efeitos na esfera jurídica dos destinatários e que,
por essa via, torna a regra susceptível de ser invocada em juízo, pelos particulares. Em todo o
caso, é frequente que a doutrina e a jurisprudência utilizem o termo efeito directo no sentido
que aqui designamos por aplicabilidade directa. Assim, quando no art. 288º TFUE se confere
aplicabilidade directa aos regulamentos, está-se a reconhecer efeito directo (na terminologia
aqui defendida). Também quando no art. 18.° CRP se afirma serem os preceitos constitucionais
em matéria de direitos fundamentais directamente aplicáveis se está a referir a desnecessidade
de intervenção mediadora do legislador e portanto, se está a usar o termo no sentido daquilo
que referimos ser efeito directo. Veja-se outro exemplo, no âmbito inverso: a jurisprudência
canadiana afirma ser claro que, no Canadá, os tratados não dispõem de efeito directo, excepto
quando intervenha o órgão legislativo, o que deriva da tradição parlamentar britânica que visava
impedir a usurpação do poder legislativo pelo soberano (cf. Arrow River and Tributaries Slide &
Boom Co. Limited, 0 [1932] S.C.R. 495, at p. 510; tb. Capital Cities Communications Inc. v.
Canadian Radio•Television Commission, [1978] 2 S.C.R. 141, at p. 173). Este princípio parece
referir-se àquilo que vimos de- signando como aplicabilidade directa e já não ao efeito directo.
115
Na aplicabilidade directa não apenas o regime de vigência como também o padrão de
validade dos atos escapa, assim, à autoridade nacional, que se mantém alheada da matéria.
116
É certo que o regime da aplicabilidade directa supõe, ele próprio, o reconhecimento
de uma situação de pluralismo. Acontece que, na doutrina europeia, insiste-se a propósito, no
princípio do primado, o qual tende a ser visto como uma determinação de prevalência
hierárquica. Nessa medida - muito embora devamos deixar nota sobre as nossas reservas
quanto a essa visão que reputamos simplista (que deixamos sumariamente referidas na nota
102) - a aplicabilidade directa decorre e parece insistir numa perspetiva hierárquica que
contraria os pressupostos plu- ralistas.

65
Rui Miguel Marrana

A doutrina pluralista não pretende fornecer ou identificar um


crité- rio único117, capaz de resolver todos os casos de conflitos. Insiste,
aliás, que possa ser muito difícil ou até impossível obter acordo sobre
normas (critérios apriorísticos, portanto) que regulem a pluralidade. Isso
não im- pedirá, no entanto, que se obtenha a necessária aquiescência
em relação a mecanismos, instituições ou práticas que enfrentem
seriamente a situ- ação de pluralidade jurídica, gerindo-a através de
espaços de discussão e ponderação118.
Reconhece ainda que, como acontece em qualquer conflito, as so-
luções dificilmente serão inteiramente satisfatórias para alguma das par-
tes. Recorda, no entanto, que o importante será que gerem uma aquies-
cência funcional – ou seja, que a consciência da necessidade do compro-
misso justifique o recurso aos mecanismos através dos quais as soluções
sejam obtidas e legitimadas.
Vejamos pois, sumariamente, o elenco das soluções que a
doutrina pluralista (Berman P. S., 2007, p. 1196) adianta para as
situações de con- flito (e que, como vimos, constituem alternativas à
mera determinação hierárquica da prevalência dos diferentes corpos
normativos que concor- ram na regulação da mesma situação).

1. Interações dialéticas jurídicas A


primeira dessas soluções é designada por interacções dialéticas
jurídicas. Trata-se, na prática, do acolhimento de mecanismo de
negocia- ção, no quadro de determinação das regras aplicáveis (por
contraposição
à determinação autoritária, assente em critérios jurídicos apriorísticos).
Tal como a doutrina pluralista salienta, a confusão tradicional
entre a lei (regras de conduta ditadas pela autoridade competente e
apoiadas

117
A ideia do estabelecimento de um critério único remete invariavelmente para a
hierar- quização. Ora é isso mesmo que o pluralismo jurídico pretende evitar: reconhecendo a
pluralidade de ordens jurídicas, na coexistência de ordens jurídicas nacionais com outras ordens,
insiste na ausência de primazia hierárquica (Michaels, 2009, p. 1).
118
Estes espaços de discussão e ponderação visam articular ordens nacionais e supra na-
cionais, mas também as ordens subnacionais. O problema do enquadramento das minorias é,
aliás, um tema central no pluralismo jurídico, tal como tivemos oportunidade de referir quando
introduzimos o tema. Nesse âmbito- e no sentido apontado por Paul Berman - Peter Häberle re-
fere que, do ponto de vista teórico-constitucional a protecção das minorias surge como uma
forma de diferenciação interna do Estado constitucional, revitalizando o enquadramento norma-
tivo do âmbito nacional. Assim, só será possível falar de uma 'constituição do pluralismo' se
existir uma protecção suficiente das minorias, a qual começa com a tolerância e o respeito da
dignidade dos outros, enquanto finalidades educativas, e termina com um provedor ou
mediador e com a formalização de cláusulas de protecção das minorias (Häberle, 2000, p. 95).

66
Oitava lição: o costume

em mecanismos coercivos) e o direito (caminhos ou processos de


realiza- ção da Justiça), faz com que se não contemplem alternativas de
natureza não autoritária, nesse caminho da realização da Justiça
(Berman P. S., 2007, p. 1197).
A abordagem pluralista deve conseguir equilibrar a apreciação hie-
rárquica, corrente nos tribunais e o mero diálogo doutrinal, próprio dos
comités (Ahdieh, 2004, p. 2045). Essa situação já se verifica, aliás,
quando ocorrem influências mútuas entre tribunais nacionais e
internacionais, em especial na medida em que é tida na devida conta a
jurisprudência mútua (ponderando-a ou, no mínimo, articulando-a 119). É
esse, segundo a doutrina pluralista, o primeiro caminho a seguir na
busca de soluções.

2. Margens de apreciação
A doutrina das margens de apreciação foi desenvolvida pelo TEDH
visando um equilíbrio entre o respeito pelas decisões nacionais (nos pla-
nos legislativo e judicial) e a necessidade de garantir a capacidade deste
tribunal determinar, em última instância, a compatibilidade dos atos
com a CEDH (Helfer & Slaughter, 1997, p. 316). Tratou-se, portanto, de
conceder espaço de manobra às autoridades nacionais na implementa-
ção da convenção, permitindo-lhes acomodarem as especificidades naci-
onais. Esse espaço terá de ser tanto maior quanto menos existam con-
sensos europeus na matéria.
Esta solução oferece, portanto, algum tipo de acomodação ao plu-
ralismo, sem todavia permitir que as autoridades nacionais ignorem as
decisões do TEDH. Para além disso, impõe ao tribunal a ponderação da
possibilidade de consensualizar- o que denota, só por si, um esforço de
convivência plural (não hierárquica) -ao mesmo tempo que, por via
dessa ponderação, fica obrigado a explicitar o seu entendimento
relativamente

119
As relações dialéticas entre tribunais tenderão a crescer desde logo por força da pos-
sibilidade de apreciação mútua das respectivas decisões. Assim, as instâncias internacionais vêm
assumindo uma função de apreciação crescente, aproximando a sua intervenção cada vez mais
de verdadeiros recursos. A doutrina americana tem constatado e analisado esta situação a partir
de uma decisão muito crítica do painel da NAFTA em relação a uma decisão de um tribunal do
Mississípi em matéria de concorrência (no caso Lowen Group, Inc. v. United States). Sendo certo
que esse tipo de decisões não se impõem aos tribunais internos americanos, parece impensável
que em futuras apreciações, estes não ponderem os argumentos produzidos e os riscos de os
EUA virem a ser condenados ao pagamento de pesadas indemnizações (Ahdieh, 2004, p. 2029;
Berman
P. S., 2007, p. 1198). No âmbito europeu a articulação entre o TEDH e os tribunais nacionais tem
sido exemplo dessa mesma relação, com especial incidência para o regime relativo às garantias
de um processo equitativo (art. 6.da CEDH).
67
Rui Miguel Marrana

aos conteúdos normativos, permitindo aos Estados anteciparem o âm-


bito das suas obrigações. Pelo seu lado, os Estados conseguem também
definir áreas nas quais não estão obrigados a seguir o consenso.
Há, portanto, margem, quer para os Estados - que podem
inclusiva- mente evoluir nos respectivos regimes jurídicos, sem que essa
evolução esteja obrigada á aproximação ou consenso com a posição do
Tribunal ou dos outros Estados -, quer para o TEDH - que vê as suas
decisões dupla- mente legitimadas (Helfer & Slaughter, 1997, p. 317).

3. Regimes de autonomia limitada


Os regimes de autonomia limitada determinam que, nas relações
entre ordens estaduais e não estaduais - principalmente infra estaduais -
nenhuma delas pode ignorar ou eliminar a outra. Tornam-se, por isso,
particularmente relevantes quaisquer mecanismos que visem superar
eventuais conflitos. Neste âmbito (que, na prática se refere novamente
a margens de apreciação, mas, neste caso entre agentes invocando
quali- dades distintas - por exemplo, estaduais e não estaduais) é
concebível, desde logo, a admissão de graus limitados de autonomia
(através da de- finição de competência próprias, em determinados
âmbitos), a garantia de participação em determinados processos
decisórios (por via de proce- dimentos que prevejam a auscultação ou
através da inclusão de membros nos corpos decisórios) ou a
possibilidade da invocação do foro pessoal.
É certo que, como vimos, não estão primariamente orientados
para conflitos entre normas internas e internacionais, no entanto, nada
im- pede que- por exemplo, por via convencional- sejam estabelecidos
no sentido de acomodar conflitos neste âmbito.

4. Esquemas subsidiários
A subsidiariedade é um mecanismo de gestão das relações entre
autoridades introduzido pela Igreja para evitar que os níveis superiores
de autoridade interferissem indevidamente na vida interna da comuni-
dade (Berman P. S., 2007, p. 1207; Igreja Católica, 1993 , p. §1833). A
atri- buição a níveis mais elevados de competências que podem ser
exercidas
ao nível inferior constitui uma injustiça (Pio XI, 1931, p. §79).
Visa-se portanto que a autoridade seja exercida ao mais baixo
nível, o que constitui um critério material de determinação do nível
compe- tente.
Trata-se, assim, de um critério de resolução de conflitos que intro-
duz uma ponderação material (a verificação da maior eficácia da regula-

68
Oitava lição: o costume

ção ao nível superior e eventualmente o reconhecimento dessa circuns-


tância pelos níveis inferiores) muito útil (até porque se prende directa-
mente com a legitimidade do exercício do poder regulador).

5. Redundâncias judiciais
Um conflito normativo (ou seja, a existência de um concurso de
nor- mas, de diferentes origens, vocacionadas para a regulação de uma
mesma situação) pode ser perspectivado como uma vantagem, na me-
dida em que alarga as hipóteses de correcção de erros, robustece o raci-
ocínio jurídico e aumenta as possibilidades de inovação criativa (Cover,
1981, p. 649).
A História recente mostra como os conflitos jurídicos forçam
repon- derações que, por sua vez, conduzem a soluções mais
adequadas. Um caso paradigmático terá sido o do pedido de extradição,
pelas autorida- des judiciais espanholas, de funcionários argentinos que
beneficiavam de uma amnistia (Berman P. S., 2007, p. 1211). O
presidente argentino veio a usar esse pedido no sentido de obter do
Parlamento a anulação da lei de amnistia. O mesmo aconteceu com o
pedido de extradição de Pino- chet que conduziu ao levantamento da
imunidade do general pelas auto- ridades chilenas.
Também o funcionamento do TPI – cuja intervenção é supletiva -
vem nesse sentido, ou seja, pressionando os Estados onde as situações
ocorreram a desencadearem os procedimentos adequados120
Em geral, para além das referidas vantagens apontadas à
redundân- cia podemos sempre considerar que sempre que os decisores
são força- dos a ponderar a existência de outros decisores possíveis,
tenderão a adoptar, com o tempo, uma visão mais contida do seu poder
de determi- nação (Berman P. S., 2009, p. 1152).

6. Acordos de participação híbrida


Trata-se de acordos que garantem a participação de membros das
diferentes comunidades (e respectivas ordens jurídicas) no processo de
formação de normas e/ ou na apreciação de situações híbridas.

120
Muito embora o pluralismo possa ser estudado em diferentes enquadramentos, esse,
como outros exemplos, tornam patente o facto de o pluralismo de origem internacional
constituir a vertente mais relevante (a doutrina apelidou-a de forte ou profunda), ou seja,
aquela em que de forma mais evidente se não assumem hierarquias entre as ordens jurídicas
envolvidas (Michaels, 2009, p. 5).

69
Rui Miguel Marrana

O sistema foi usado entre 1190 e 1870 no direito inglês, face a


con- flitos envolvendo membros de diferentes comunidades (nacionais,
religi- osas ou corporativas) e importado pelos EUA para os conflitos
envol- vendo colonos e indígenas. Essa preocupação ainda é tida na
formação de tribunais em questões raciais ou de género. A solução foi
usada no Kosovo, Timor, Serra Leoa e Cambodja (Berman P. S., 2007, p.
1219), e é adaptável a quaisquer situações de conflito enquadrado,
garantindo a ponderação das diferentes perspectivas das ordens
jurídicas concorren- tes.

7. Regimes de reconhecimento mútuo


As políticas de reconhecimento mútuo surgiram no âmbito comer-
cial, permitindo apreciar a conformidade de produtos estrangeiros à luz
das regras dos mercados de origem e reservando para a produção
interna as exigências da própria ordem. Trata-se, portanto, de um
mecanismo de acomodação da pluralidade.
Naturalmente que as ordens jurídicas fixam condições para esse
re- conhecimento mútuo (que podem variar consideravelmente). Em
todo o caso, o princípio implica, desde logo, uma abertura à pluralidade
– dando, por exemplo, origem a situações em que a recusa do
reconhecimento im- põe a prévia audição dos interessados sobre os
motivos invocados (Berman P. S., 2007, p. 1225).

8. Acordos de porto seguro


Os acordos desta natureza estabelecem algo menos do que a pura
harmonização, fixando apenas os princípios básicos que devem servir de
referência em caso de conflito de normas. Há, portanto, uma adequação
parcial, aceitando as partes parâmetros mútuos e oferecendo as corres-
pondentes garantias (Berman P. S., 2007, p. 1227). O caso mais
relevante é o do Acordo US-UE relativo à privacidade de dados de 2016,
que impõe às empresas americanas um nível de protecção de dados
superior ao que domesticamente lhes é exigido, mas, sempre que este
cumprimento es- teja assegurado, é garantido a essas empresas que não
lhes será exigido o cumprimento das directivas europeias
tendencialmente com disciplinas mais apertadas.
Os acordos de porto seguro podem também permitir a incorpora-
ção no direito formal de regras de natureza contratual ou informal
(como gentlemen agreements).

70
Oitava lição: o costume

E. Síntese
Vimos como as correntes jurídico-filosóficas (maxime o jusnatura-
lismo e o positivismo) deram origem a posições de princípio (monismo e
dualismo) que estão na base dos regimes constitucionais relativos à arti-
culação entre o direito interno e o direito internacional. Pudemos, no
en- tanto, constatar como as relações causais são menos evidentes do
que seria de esperar, principalmente quando se abandona o âmbito
acadé- mico e se mergulha no terreno concreto dos regimes positivos.
Neste enquadramento, mais do que uma suposta separação das
águas, importa relativizar essas diferenças, valorizando os regimes de
convergência e, sobre eles, definir modelos de articulação cuja flexibili-
dade garanta a tão necessária funcionalidade. Na senda, aliás, da velha
máxima in necessariis unitas, in dubiis libertas, in omnibus caritas (João
XXIII, 1959, p. 513).

Questões de revisão
A. Questões gerais
1. Identifique os mecanismos de regulação das relações entre as ordens
jurídicas a partir das posições doutrinais de princípio anteriormente definidas.
2. Explique em que termos as posições doutrinais são assumidas nas
dife- rentes ordens jurídicas.
B. Questões directas
1. Explique a diferença entre mecanismos de recepção e mecanismos de
transformação.
2. Distinga mecanismos de recepção plena de mecanismos de recepção
semi-plena.
3. Distinga o mecanismo de recepção automática do mecanismo de re-
cepção plena
4. Distinga o mecanismo de recepção automática do regime da
aplicabili- dade directa.
5. Explique em que termos se articulam as diferentes ordens jurídicas na
perspectiva pluralista.

Bibliografia de referência
KELSEN, Hans. 1936. La transformation du droit international en droit
interne, Revue générale de droit international public, pp. 5-49.

Leituras recomendadas
GONÇALVES PEREIRA, André e QUADROS, Fausto de. 1993. Manual de
Di- reito Internacional Público, 3ª Ed., Coimbra: Almedina, pp. 94-105.

71
Rui Miguel Marrana

CONSEIL FEDERAL. 2010. La relation entre droit international et droit in-


terne. Feuille fédérale n° 13 du 7 avril, pp. 2067-2143. Disponível em
https://www.admin.ch/opc/fr/federal-gazette/2010/2067.pdf
BERMAN, Paul Schiff (2007) Global Legal Pluralism. Southern California
Law Review, 80, 1155-1237

72
VI Lição
A vigência do direito
internacional na ordem jurídica
portuguesa

A. Objetivo
Identificada a tipologia dos mecanismos através dos quais as
ordens jurídicas internas regulam as suas relações com a ordem jurídica
interna- cional, é agora tempo de concretizarmos mais a nossa análise,
estudando o regime nacional.
A CRP de 1976 – menos do que afirmar princípios e reconhecer os
mecanismos deles decorrentes – consagra, desde o seu texto original,
um regime específico no seu art. 8º, o qual, ao longo dos anos, tem sido
ob- jecto de algumas alterações.
Vejamo-lo pois.

B. Estruturação da norma constitucional


A norma constitucional revela, em termos gerais, uma postura mo-
nista com primado do direito internacional121 (que corresponde à
posição dominante na doutrina nacional). Assim, é clara a aceitação da
vigência do direito internacional (nessa qualidade) na ordem jurídica
portuguesa, ao mesmo tempo que se faz transparecer o acolhimento da
perspetiva contemporânea que se tem sedimentado no trabalho das
NU, da valori- zação da ordem internacional122.
Não obstante esta postura de princípio, o art. 8º – na senda
habitual a que fizemos atrás referência – introduz algumas exigências
particulares

121
Esta é genericamente a posição mais comum que encontramos no sistema francês
(Conseil fédéral, 2010, p. 2095), ou russo (Abashidze, 2013, pp. 25, 26).
122
A situação brasileira é, neste ponto, curiosa. Assim, o regime constitucional do Brasil
não regula as relações entre o o direito internacional e o direito interno o que, na prática, levou
o Supremo Tribunal Federal a decidir (no recurso extraordinário nº 80.004, de 1977) no sentido
de fazer equivaler o direito convencional à lei (interna) aplicando o princípio do lex posteriori a
eventuais conflitos. Esta posição – que parece permanecer no direito brasileiro – é reconhecida
como inconveniente pela doutrina que defende a afirmação constitucional da superioridade da
lei (Medeiros A. C., 2007, p. 205).

73
Rui Miguel Marrana

que, a par da especificação de regimes segundo as fontes, vai dar


origem a um regime relativamente desenvolvido.
A norma compunha-se inicialmente de dois números, através dos
quais distinguia o regime relativo ao direito internacional geral ou
comum e o regime relativo ao direito convencional. Posteriormente,
com o ad- vento da integração europeia, o legislador constitucional
entendeu jun- tar-lhe um terceiro número que contemplasse o direito
comunitário de- rivado123. A redacção surgia todavia em termos
genéricos, levantando crí- ticas na doutrina, o que terá conduzido, numa
revisão constitucional pos- terior, a um novo ajustamento124 do qual
resultou um novo número125, desta vez directamente dirigido ao direito
europeu. É esta estrutura que encontramos hoje e que vamos seguir na
nossa análise.

1. Regime relativo ao direito internacional geral ou comum


O primeiro número do art. 8.° CRP estabelece que [a]s normas e os
princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte
integrante
do direito português126.
A primeira questão que deve tratar-se é a de saber o que devemos
entender por direito internacional geral ou comum.
O elemento mais importante deste âmbito é o costume internacio-
nal geral. Para além deste, devemos, todavia, incluir ainda no conceito
de direito internacional geral ou comum os princípios gerais de direito e
bem assim algumas convenções universais cujo acolhimento e
importância tornaram obrigatórias127 independentemente da vinculação
concreta de
123
O nº 3 do art. 8º foi introduzido pelo art. 7º da Lei Constitucional 1/82 (Primeira
Revisão Constitucional), de 30.7.
124
Já na segunda revisão, de 1989, havia sido introduzida, muito timidamente, uma alte-
ração ao nº 3 do art. 8º (retirando-se a referência à previsão expressa da aplicabilidade directa
nos tratados constitutivos}, alteração essa que naturalmente não foi de molde a apaziguar as crí-
ticas doutrinais à redacção (cf. art. 6º da Lei Constitucional 1/89, de 8.7).
125
Cf. art. 3º da Lei constitucional 1/2004 (Sexta revisão), de 24.6.
126
Trata-se de uma redacção que evidencia uma postura monista, no sentido aliás do re-
gime consagrado no art. 25º da constituição alemã de 1949 - que, no entanto, acolhe um
sistema dualista moderado (tal como referimos anteriormente na nota 107). Essa moderação
surge desde logo na abertura à vigência do direito internacional geral ou comum, tal como
acontece, p. ex. com o Reino Unido (Conseil fédéral, 2010, p. 2096).
127
Subsiste algum debate no tocante à determinação jurídica do fundamento da obriga-
toriedade destas convenções universais. Alguma doutrina defende que essa obrigatoriedade de-
correrá do facto de integrarem o direito internacional geral ou comum (por reconhecimento da
vocação universal das normas). Outra insiste que decorrerá de tais convenções se terem tornado
regras consuetudinárias (Ribeiro, 2001, p. 944).
Supomos que a primeira solução (Gonçalves Pereira & Quadros, 1993, p. 109) seja prefe-

74
Oitava lição: o costume
rível. Desde logo porque se trata de uma situação excepcional em que se ultrapassa o carácter

75
Oitava lição: o costume

cada Estado - como é, desde logo, o caso CNU, das convenções relativas
ao direito da guerra128, ou da DUDH.
A segunda questão prende-se com a classificação do regime
consti- tucionalmente fixado para o direito internacional geral ou
comum. Em- bora a doutrina não seja unânime (até por nem sempre
utilizar as varian- tes da recepção a que fizemos referência), parece
dever considerar-se que, no caso, estaremos perante uma cláusula de
recepção automá- tica129. Na medida em que nenhuma exigência é
colocada como condição de vigência do direito internacional geral ou
comum na ordem jurídica portuguesa, não subsiste qualquer dúvida
quanto ao facto de se tratar de um mecanismo de recepção, o qual, por
sua vez, teremos de considerar automático, já que dispensa toda e
qualquer intervenção das autoridades portuguesas.
Duvida-se que pudesse ser outro130, o regime. Em todo o caso, o
reconhecimento é expresso e definitivo.

relativo dos efeitos convencionais e, nesse âmbito, tem-se desenvolvido progressivamente esta
posição, dentro da doutrina das chamadas situações objectivas. Por outro lado, esta solução é
aquela que confere maior estabilidade e clareza do regime, uma vez que a assunção do carácter
consuetudinário por regras convencionais se faz individualmente, ou seja, não pode assumir-se
que uma convenção se torne costume in toto (cf. nomeadamente o ac de 20.02.1969 do TIJ rela-
tivo à plataforma continental do Mar do Norte, no qual aquela instância apreciou o eventual ca-
rácter consuetudinário de uma regra convencional, concluindo negativamente, em razão de cir-
cunstâncias formais - por admitir reservas, no caso).
128
Será o caso das Convenções de 1899 e de 1907 relativas ao Respeito pelo direito e os
Costumes da Guerra em Terra, das Convenção de 1907, relativas ao Estatuto dos Navios Mercan-
tes Inimigos na Abertura das Hostilidades, à Conversão de Navios Mercantes em Navios de
Guerra, ou relativa ao Bombardeamento de Forças Navais, etc.
129
Esta classificação não é unânime na nossa doutrina. Assim, alguns autores consideram
tratar-se de uma cláusula de recepção plena (Gonçalves Pereira & Quadros, 1993, p. 108), refe-
renciando, aliás, uma ampla convergência doutrinal nesse sentido. Tal como referimos no texto,
esta classificação justifica-se na medida em que não incluamos, no leque dos mecanismos, a
cláu- sula de recepção automática. Julgamos, todavia, que a abordagem proposta por Marta
Chantal Ribeiro, acolhendo os progressos doutrinais decorrentes do direito europeu, oferece
uma matriz que beneficia não apenas dessa evolução mas também de maior clareza, o que
parece essencial em qualquer abordagem académica (Ribeiro, 2001).
130
É ilustrativo, neste âmbito, o debate que se vem desenvolvendo actualmente nos Es-
tados Unidos, onde, desde o século XVIII se assume o direito internacional geral como
integrando o direito americano (federal, portanto). Verificam-se, todavia, ao presente, algumas
resistências em certos membros do Supremo Tribunal, no tocante às indemnizações por factos
cuja ilicitude decorre de regras consuetudinárias (Dodge, 2004; Weisburd, 2003). A
eventualidade de se tratar de uma alteração do entendimento dominante e da prática mereceu
uma referência no Juridical Yearbook (United Nations, 2012, pp. 541-543) - que inclui uma
resenha histórica breve sobre a evolução. V. tb. supra, nota 72.
Situação controvertida é a da Suécia, Estado onde em geral se defende a necessidade da
transformação do próprio direito consuetudinário – admitindo-se alguma flexibilidade relativa-
mente aos direitos humanos (Conseil fédéral, 2010, p. 2099)

75
Rui Miguel Marrana

Deverá referir-se ainda a questão do costume regional ou local.


Este visivelmente não integra a noção de direito internacional geral ou
co- mum, uma vez que, por definição, não é universal nem ambiciona
sê-lo. Daí que a doutrina por vezes questione se é ou não recebido na
nossa ordem jurídica e, em caso afirmativo, qual o regime aplicável. Não
parece descortinável qualquer razão válida (ou longínqua até) para
assumir que o nosso legislador constitucional pretendesse recusar a
vigência do cos- tume regional ou local. Seria, aliás, tanto mais estranho
quanto o reco- nhecimento expresso da existência o costume bilateral
pelo TIJ se fez na sequência de uma invocação do Estado português131.
Assim sendo, a única questão relevante será a de saber em que
ter- mos a vigência desse costume é admitida entre nós. Não parece
poder defender-se outra solução que não seja a de aplicar o regime do
nº 1 do art. 8º (recepção automática, portanto), já que nenhum outro se
lhe ade- qua sequer.

2. Regime relativo ao direito convencional


O segundo número do art. 8º refere que [a]s normas constantes de
convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigo-
ram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincula-
rem internacionalmente o Estado Português.
Estamos, portanto, face ao regime aplicável às convenções
interna- cionais de que Portugal seja parte132.
Parece claro tratar-se aqui de um regime de recepção plena 133. Na
verdade, as exigências colocadas em nada afectam o carácter pleno da
recepção. Senão vejamo-las.

131
Ac. do TIJ de 12.04.1960 relativo ao direito de passagem em território indiano.
132
De fora ficam as convenções que integram o direito internacional geral ou comum,
que caem na alçada do nº 1, e bem assim as convenções relativas à UE, que beneficiam do
regime do novo nº 4.
133
Constatada a intervenção no processo de vinculação das autoridades que detêm po-
deres no plano legislativo (e exactamente em paralelo ao exercício desses poderes), poder-se-ia
contemplar a possibilidade de se tratar de um regime de transformação implícita. Para conferir-
mos essa hipótese bastaria respondermos à seguinte questão: as regras convencionais são inter-
pretáveis e aplicáveis segundo o regime nacional (se considerarmos haver transformação, esta
terá de ser a solução), ou segundo o regime internacional (solução que demonstrará a manuten-
ção da qualidade internacional)? Ora, não parecem subsistir dúvidas quanto ao facto de a
resposta ter de seguir a segunda hipótese, ou seja, de se reconhecer que o legislador
constitucional portu- guês em momento nenhum pretender assimilar o direito internacional ao
direito interno e nessa medida reconhecer que a sua vigência na nossa ordem interna se faz na
qualidade internacional.

76
Oitava lição: o costume

Começando pela última, exige-se como condição de vigência que a


regra vincule internacionalmente o Estado português. Esta referência
se- ria desnecessária: naturalmente que, tratando-se de convenções,
estas apenas vigoram numa dada ordem jurídica na medida em que
exista (e subsista) uma vinculação desse Estado.
Exige-se também a sua publicação. Esta exigência, por formal,
sem- pre se considerou como não afectando o carácter pleno da
recepção. Trata-se, afinal, de uma condição geral de eficácia das regras
positivas (cujo cumprimento não pode ser exigível se não tiverem sido
levadas ao conhecimento dos destinatários, através dos meios fixados
para o efeito).
Finalmente (ou melhor, inicialmente, já que se trata da primeira
exi- gência), coloca-se como condição que as convenções tenham sido
regu- larmente aprovadas ou ratificadas. A exigência de ratificação ou
aprova- ção tem a ver com a vinculação, que, no nosso caso, decorre da
aprova- ção (no caso dos acordos em forma simplificada) ou da
ratificação (para os tratados solenes). E naturalmente que as
convenções apenas vigoram na medida em que haja vinculação. Já
tínhamos visto isso a propósito da referência que surge no final da
norma. Importa, neste âmbito, conferir outro aspecto: é que a exigência
refere-se à regularidade da aprovação ou ratificação. Trata-se, pois, de
salvaguardar situações em que a vontade de vinculação do Estado
português possa resultar de processos nos quais se não cumpram as
exigências constitucionalmente estabelecidas.
Não parece, pois, que tal exigência deva considerar-se como afec-
tando o carácter pleno do regime de recepção: a vigência pressupõe
uma vinculação regular. É certo que as eventuais irregularidades no
processo podem ser de molde a que se não deva considerar como válida
essa vin- culação (art. 46º CV69), caso em que se deverá recusar a
vigência das re- gras convencionais. No entanto, o regime constitucional
mostra preten- der salvaguardar apenas as situações particularmente
graves, na medida em que admite expressamente no art. 277º a
aplicação de regras de tra- tados que padeçam de inconstitucionalidades
orgânicas ou formais.
Em conclusão, diríamos então que a norma constitucional relativa
à vigência das regras convencionais consagra um mecanismo de
recepção plena, já que as exigências nela constante têm um carácter
meramente formal (como é o caso da publicação), ou se limitam a
insistir na necessi- dade da existência de uma vinculação válida.

3. Regime relativo ao direito derivado das O.I.


Estabelece o nº 3 do art. 8º que [a]s normas emanadas dos órgãos

77
Rui Miguel Marrana
competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte

78
Oitava lição: o costume

vigoram directamente na ordem interna, desde que tal se encontre esta-


belecido nos respectivos tratados constitutivos.
Esta regra, pese embora a sua formulação genérica, foi introduzida
na primeira revisão constitucional, de 1982, tendo em vista a adesão às
Comunidades Europeias (hoje em dia União Europeia), que se viria a
efectivar em 1 de Janeiro de 1986. A redacção mereceu todavia muitas
críticas na doutrina (Gonçalves Pereira & Quadros, 1993, pp. 113-115)
por força do que viria a ser substituída por um novo número (4),
subsistindo agora apenas enquanto disposição genérica.
É duvidosa a utilidade de tal norma, não apenas porque o volume
de direito derivado de organizações internacionais é insignificante 134,
mas ainda porque em relação a este, se fixa um regime específico tão
avançado que dificilmente se concebe a sua aplicação no horizonte pró-
ximo135. É certo que a sua consagração fica dependente do seu estabele-
cimento expresso nas convenções, mas esse facto serve exactamente
para provar o enquadramento puramente académico em que nos situ-
amos.
De qualquer maneira, convém deixar referida a caracterização
deste regime que, uma vez libertado do âmbito do DUE, assume um ca-
rácter meramente eventual.

134
Tecnicamente o direito derivado de organizações internacionais dá origem a atos uni-
laterais destas, nos quais se distinguem as recomendações (atos não obrigatórios) e as decisões
(atos obrigatórios). Para efeitos do regime de vigência, apenas é relevante o caso das decisões.
Fora do quadro da UE existe apenas uma situação: as decisões do Conselho de Segurança das NU
e nomeadamente as adoptadas no âmbito do cap. VII da CNU, em caso de ameaça à paz, ruptura
da paz, ou agressão. Mas estas decisões não caem no âmbito do nº 3 do art. 8º CRP. Isto porque,
desde logo, a própria CNU não prevê - expressa ou implicitamente - a sua aplicabilidade directa,
deixando aos órgãos políticos dos Estados a obrigação da determinação dos meios capazes de
garantirem os resultados fixados. Por outro lado, as decisões do Conselho de Segurança na
maté- ria são atos individuais e concretos, e só excepcionalmente surgirão com carácter
normativo (o que constitui uma exigência do preceito constitucional).
135
Estranha-se assim que se tenha mantido esta regra do nº 3 do art. 8º sem objeto real,
ao passo que outras situações específicas e juridicamente relevantes não mereceram um trata-
mento ou enquadramento constitucional. Referimo-nos nomeadamente à situação do direito ca-
nónico, o qual vigora na ordem jurídica portuguesa por força do regime concordatário (cf. art.
10º e ss., da Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé, de 2004), regime esse que
implica importantes graus de articulação em matérias sensíveis como o casamento, a criação
modificação ou extinção de pessoas jurídicas canónicas, o funcionamento de jurisdições
canónicas, etc. Poder- se-á à primeira vista pensar que o regime constitucional vigente pretende
enquadrar essa situação no âmbito genérico do nº 2. No entanto, o escopo dessa norma esgota-
se em regras convencionais (e portanto ao mero texto concordatário), ficando por enquadrar o
direito canónico propriamente dito (ou seja o direito derivado - já não de uma organização
internacional propriamente dita, mas da Igreja católica - cujos destinatários são a comunidade
de fiéis).

79
Rui Miguel Marrana

Trata-se da consagração expressa de um regime de aplicabilidade


directa, o que, como atrás referimos, significa a previsão da vigência si-
multânea de duas ordens jurídicas (a nacional e a internacional) sem
que haja da parte de qualquer uma delas um enquadramento da
vigência da outra (uma recepção, portanto).

4. Regime relativo ao direito da União Europeia


Na sexta revisão constitucional (2004), introduziu-se um novo nú-
mero (4) no art. 8º o qual determina que [a]s disposições dos tratados
que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas
instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na
ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito
pelos princípios
fundamentais do Estado de direito democrático.
Esta norma vem consagrar definitivamente o regime da aplicabili-
dade directa do DUE na ordem jurídica portuguesa, corrigindo as defici-
ências apontadas ao nº 3, quando era ainda esta a regra aplicável.
A nova regra dirige-se agora a DUE (originário e derivado,
portanto), retirando do âmbito do nº 2 os tratados instituintes136.
Sublinhe-se, todavia, em relação a esta redacção, não caber à or-
dem jurídica (constitucional) nacional determinar ou definir o regime de
vigência do DUE: esse regime é fixado pela própria ordem jurídica euro-
peia137 e é livremente aceite aquando da adesão (por força do respeito
pelo princípio do adquirido ou acervo comunitário). E no
reconhecimento do carácter externo da definição do regime de vigência,
está implícita a aceitação duma eventual evolução do mesmo138.
Surge ainda, na redacção da regra, uma aparente limitação. Assim,
no final, exige-se ou sujeita-se o regime à garantia do respeito pelos
prin- cípios fundamentais do Estado de direito democrático. Trata-se de
uma

136
Será interessante ter presente que as alterações introduzidas nesta matéria não surgi
riam nas seis propostas de revisão constitucional apresentadas pelos grupos parlamentares (cf.
elenco in fine). Foi já no âmbito do funcionamento da Comissão Eventual para a Revisão Consti-
tucional que surgiram as propostas nesse sentido, as quais foram justificadas com o advento da
Constituição Europeia
137
Repare-se que, no caso dos atos de direito derivado, o próprio regime de publicação
(que constitui uma condição de eficácia desses atos) é independente dos regimes nacionais, fa-
zendo-se, portanto, através de meios próprios (o JOUE). Esta circunstância é ilustrativa da
referida sobreposição (em separação) das ordens jurídicas, que marca o regime da aplicabilidade
directa.
138
Repare-se que mesmo nos casos britânico e sueco – em que se consagram, em geral,
sistemas de transformação puros (exigindo-se portanto a prática de um acto interno que intro-
duza na ordem jurídica o conteúdo internacional) – se excepciona o direito da UE, cuja aplicabili-
dade directa é genericamente admitida (Conseil fédéral, 2010, pp. 2097, 2099).

80
Oitava lição: o costume

exigência desnecessária (cuja desnecessidade era conhecida do


legislador constitucional139), mas que, nem por isso, se absteve de a
inserir.
Devem, a terminar, apontar-se ainda algumas críticas de natureza
formal à regra constitucional, cuja redacção se afigura demasiado restri-
tiva.
Assim, refira-se, em primeiro lugar, o facto de o regime se referir
apenas a normas (disposições de tratados e normas emanadas das suas
instituições). No DUE derivado encontramos atos sem carácter norma-
tivo cujo regime de vigência não parece poder ser diferente do reconhe-
cido às normas (nomeadamente das decisões, previstas no art. 288º
TFUE).
Em segundo lugar, o regime refere apenas a normas das
instituições criadas pelos tratados, o que parece querer deixar de fora
atos que não provenham propriamente das instituições, mas que
inquestionavelmente integram o DUE (como é o caso das Decisões dos
Representantes dos Es- tados Membros reunidos no Conselho140.
A última crítica refere-se à restrição resultante da referência às
dis- posições dos tratados que regem a União Europeia, ou seja, aquilo
que em DUE é designado por direito originário. De fora parece ficar
também o direito convencional141 (tratados em que a UE seja parte) e
em especial as convenções celebradas simultaneamente pela UE e pelos
Estados- Membros.
O espírito do legislador constituinte parece recomendar uma inter-
pretação extensiva da letra da norma, através da qual se enquadrem to-
das as situações referidas.

139
Nesse sentido, afirmou a deputada Assunção Esteves, quando em nome da bancada
do PSD apresentou a proposta: a referência aos princípios do Estado de direito é a explicitação
de uma condição já implícita (DAR I série N78/ IX/2, p. 4216).
140
Talvez o mais importante desses atos tenha sido a Decisão dos Representantes dos
Estados-Membros reunidos em Conselho (76/787 /CECA, CEE, Euratom) relativa à eleição dos re-
presentantes ao Parlamento Europeu por sufrágio universal directo e que regulou durante déca-
das a matéria (V. Decisão do Conselho 2002/772/CE, Euratom, de 25.06.2002 e de 23.09.2002,
que altera o acto).
141
O direito convencional da UE (as convenções celebradas por esta com Estados não
membros ou outras organizações internacionais) não parece dever considerar-se direito
derivado (não se referir a normas emanadas das instituições comunitárias, para usarmos a
fraseologia da regra constitucional). De facto o direito derivado, segundo a matriz das fontes
internacionais, pa- rece ser constituído por atos unilaterais de uma organização internacional.
Nestes termos – salvo interpretação extensiva –, o direito convencional da UE não integra a
previsão do nº 4 do art. 8º da CRP.

81
Rui Miguel Marrana

C. O problema da hierarquia entre o


direito internacional e o direito interno
1. Identificação da questão
Genericamente o problema da hierarquia apenas se deveria
colocar no quadro de perspectivas monistas. Tal como vimos, na lógica
dualista não há interpenetração142 e no pluralismo o conflito não se
resolve por via da hierarquização.
As soluções monistas, ao admitirem que as normas de direito
inter- nacional sejam recebidas nessa qualidade pela ordem interna dos
Esta- dos, colocam-se perante a necessidade de determinar, em caso de
con- flito entre uma norma internacional e uma norma interna, qual
delas de- verá prevalecer.
Em abstracto – como tivemos oportunidade de verificar – a dou-
trina indica tradicionalmente duas alternativas: a primazia das regras de
uma ou de outra ordem jurídica. Dessas alternativas, pudemos concluir
que o primado do direito internacional constitui a única solução capaz
de garantir a subsistência deste (Nguyen Quoc, Daillier, & Pellet, 1999,
p. 97), razão pela qual essa posição de princípio merece nos nossos dias,
um acolhimento maioritário. Para além disso, ela vem sendo afirmada
pela jurisprudência internacional desde muito cedo e tem afloramentos
signi- ficativos nas convenções mais importantes143.
Não obstante alguma convergência nesta conclusão – e tal como
tivemos oportunidade de referir anteriormente (cf. nota 101) – os regi-
mes constitucionais nacionais raramente assumem posições doutrinais
claras e menos ainda consagram os regimes delas decorrentes. Tendem
(mesmo que convirjam nos pressupostos monistas), a introduzir exigên-
cias ou limitações144 no momento de regularem a as relações entre as

142
O problema surge, todavia, na prática, também em sistemas dualistas. Isto porque,
com frequência, estas admitem a vigência de algumas fontes (costume e princípios gerais) – con-
sagrando cláusulas de recepção semi-plenas – e, por outro, porque pode sempre surgir um con-
flito entre uma norma nacional e a regra internacional objeto de transformação (com o mesmo
resultado prático daquele que surgiria numa estrutura monista). Para uma análise concreta dos
diferentes regimes europeus V. Conseil fédéral (2010, 2093 ss.).
143
Em especial o art. 27º CV69, que fixa o já referido dever de os Estados adequarem a
respectiva ordem interna ao cumprimento das suas obrigações internacionais (dever este que,
como referimos também, a doutrina frequentemente faz equivaler ao acolhimento da primazia
do direito internacional).
144
As limitações quase sempre são justificadas na perspetiva inversa, nomeadamente
questionando sobre se um tratado pode afastar um direito constitucionalmente protegido
(Spiro, 2003). No sistema russo, a regra constitucional (art. 15º) é específica, afirmando a
superioridade

82
Oitava lição: o costume

respectivas ordens jurídicas e a ordem internacional. Não se trata


propri- amente de pretender contrariar a perspetiva internacional (que
tende a ser pacífica, na sua vertente mais consensual). Acontece apenas
que o legislador constitucional, imbuído da prerrogativa soberana que o
assiste, tende a arrogar-se ao direito de determinar livremente os
termos dessas relações, algumas vezes por entender ser essa a melhor
via para proteger determinados valores fundamentais, quase sempre
porque, na verdade, algum tipo de regulamentação se mostra
necessário.
Tal parece ser o caso do regime constitucional nacional145, o qual,
muito embora não se pronuncie explicitamente sobre a questão da pri-
mazia das regras jurídicas em razão da sua origem nacional ou interna,
introduz algumas exigências, das quais é possível inferir algumas regras
na matéria. Vejamos pois esse regime com o pormenor suficiente.

2. Regime relativo ao direito internacional geral ou comum


Em relação ao direito internacional geral ou comum, a regra do nº
1 do art. 8º parece146 reconhecer a supra constitucionalidade147 de tais
normas. Isso decorre, desde logo, da redacção da regra, na medida em
que se limita a constatar a existência e importância deste148 – o que traz

da constituição em relação a qualquer disposição (nacional ou internacional), mas atribuindo ao


direito internacional (geral ou convencional) um carácter supra legal (Abashidze, 2013, p. 25).
145
Isso acontece igualmente com outras ordens jurídicas, como não podia deixar de ser.
Veja-se p. ex. o caso americano, onde os tribunais em caso de conflito entre regras nacionais e
internacionais optavam sistematicamente por aplicar a mais recente, com base no argumento de
que a Constituição considera os tratados como equivalentes à lei interna, donde, o conflito devia
ser resolvido através do recurso ao princípio do lex posteriori derrogat priori (Ku, 2005). Situação
idêntica ocorre no Brasil, perante o desconforto da própria doutrina (cf. supra nota 122)
146
Não deixam de se assinalar, de facto, hesitações e divergências doutrinais sobre a ma-
téria (Gonçalves Pereira & Quadros, 1993, p. 116).
147
Em sentido inverso, V. ac. STJ 13.11.2002, proc. 0152172, que admite expressamente
a revogação de uma regra consuetudinária por via constitucional.
148
Alguma doutrina inclui entre as razões que justificam o carácter supra constitucional
do direito internacional geral ou comum, o facto de este ser essencialmente direito internacional
imperativo, ou seja, jus cogens (Gonçalves Pereira & Quadros, 1993, p. 118). Parece-nos
excessiva esta perspetiva. Recorde-se que o essencial do direito internacional geral ou comum é
constitu- ído por regras consuetudinárias. Ora, sendo que as regras de jus cogens não podem ser
excepcio- nadas ou alteradas senão por uma regra com o mesmo valor (cf. art. 53.° CV 69),
significará isso que, no geral, as regras consuetudinárias não admitem excepções nem
alterações? A resposta não pode senão ser negativa. E a mesma questão - com a mesma
resposta - poderia ser colocada em relação a uma boa parte dos princípios gerais de direito e
bem assim a um conjunto importante de regras das convenções que integram o direito
internacional geral ou comum.
Em conclusão, julgamos dever tornar claro que, em nossa opinião, sendo certo que todo
o jus cogens é direito internacional geral ou comum, nem todo o direito internacional geral ou
comum é jus cogens, mas apenas um núcleo muito reduzido. E, por isso, julgamos que o argu-
mento do carácter jus cogens do direito internacional geral ou comum não colhe.

83
Rui Miguel Marrana

implícita a aceitação do carácter imperativo de tais normas. Por outro


lado, também não se prevê qualquer possibilidade de controlo da
consti- tucionalidade destas regras, facto que parece corroborar a
interpretação defendida. A nossa constituição inscreve, aliás, no art.
16º/2, uma cláu- sula de sujeição em matéria de direitos fundamentais,
o que torna ainda mais evidente a disponibilidade do legislador
constitucional para reco- nhecer a posição hierárquica cimeira de alguns
corpos normativos inter- nacionais.

3. Regime relativo ao direito convencional


No tocante às normas convencionais, o regime a retirar do texto
constitucional nacional não parece ser idêntico. Assim, muito embora
seja pacífica (Canotilho J. G., 1999, p. 765; Gonçalves Pereira & Quadros,
1993, p. 123; Miranda, 1995, pp. 197-9)149 a constatação do valor supra
legal150 das regras convencionais151, a doutrina inclina-se para lhe atribuir

149
Subsiste, todavia, doutrina em sentido diverso, defendendo o valor infra legal dos
acor- dos em forma simplificada (Medeiros, 1990, p. 369).
150
Na jurisprudência, essa posição não é tão clara. Assim, vejam-se os acórdãos do STJ de
28.01.1988, proc. 075221, de 28.2.1989, proc. 077125, nos quais se reconhece mero valor legal
às regras convencionais, admitindo-se expressamente a possibilidade de serem revogadas pela
lei interna. O STJ recusou-se assim a retirar do disposto no art. 8º/2 CRP qualquer normativo
relativo à hierarquia do direito internacional face às fontes de direito interno (cf. ac. 9.12.1992,
proc. 083144). Mais recentemente parece poder assinalar-se uma inflexão na jurisprudência
deste tri- bunal. Vejam-se nomeadamente os acórdãos de 11.12.1990, proc. 079399, de
28.1.2003, proc. 02A4323, de 9.10.2003, proc. 03B1604 e de 9.12.2004, proc. 04B3939, nos
quais se reconhece expressamente a primazia do direito internacional.
Quanto ao acórdão referido supra na nota 147, cujo conteúdo suscita alguma preocupa-
ção (tanto mais que o relator, o conselheiro Mário Torres, veio a integrar o TC a partir de 2002),
deve assinalar-se o ac. 4.12.2002, proc. 02S3074, do mesmo relator, em que já se reconhece a
primazia do direito internacional.
A jurisprudência do TC não parece oferecer resistência ao reconhecimento do carácter
supra legal das convenções internacionais (v. nomeadamente o ac. 322/92. proc. 218/90).
151
O art. 55º da Constituição francesa afirma expressamente que os tratados e acordos
regularmente ratificados ou aprovados têm, desde a sua publicação, um valor superior às leis. É,
aliás, por causa desta regra que a jurisprudência francesa veio a afirmar o poder do juiz de con-
trolar a regularidade da vinculação aos tratados (ac. 29 de Maio de 2001, da 1ª Câmara civil da
Cour de Cassation). Por outro lado, o Conselho Constitucional francês mantém o poder de fiscali-
zação da constitucionalidade dos tratados, o que é entendido, na prática, como conferindo a
estes um valor infra constitucional (Conseil fédéral, 2010, p. 2095). Para uma evolução do
regime e da prática francesa face ao direito internacional v. Emmanuel Decaux (2010).
Já a ordem constitucional da Suíça, embora reconheça genericamente a vigência e o pri-
mado do direito internacional, considera que, se um acto da Assembleia federal derroga intenci-
onalmente alguma regra internacional os tribunais federais ficam vinculados à decisão
parlamen- tar em consequência da separação de poderes (Conseil fédéral, 2010, p. 2068). Nos
EUA o caracter infra constitucional e supra legal é assumido, mas na aplicação surgem
frequentes limitações (ibi- dem, 2098).

84
Oitava lição: o costume

uma posição infra constitucional152, fundamentalmente em razão de um


argumento formal: a existência de mecanismos de controlo da constitu-
cionalidade, que incidem sobre as regras convencionais. De facto, a te-
rem-se tais regras por supra constitucionais, a verificação da conformi-
dade com a lei fundamental seria inútil, pelo menos em sede
sucessiva153. De qualquer maneira, esta posição (da infra
constitucionalidade das nor- mas convencionais) deve ter-se por
atenuada, na medida em que a nossa lei fundamental admite no art.
277º/2 a aplicabilidade de convenções in- ternacionais feridas de
inconstitucionalidade orgânica ou formal.

4. Regime relativo ao direito derivado das O.I.


Passando ao âmbito do nº 3 do art. 8º – ao direito derivado de or-
ganizações internacionais, portanto – deve referir-se que a doutrina ten-
dia a concluir pelo reconhecimento do carácter supra constitucional
deste tipo de normas internacionais (Gonçalves Pereira & Quadros,
1993,
p. 125). Fazia-o no entanto, alicerçado na fundamentação comunitária,
já que a regra, apesar da sua formulação genérica, era lida como
regulando as relações com este ramo de direito. Todavia, depois da
introdução de uma regra que regula especificamente as relações com o
DUE, não é certo que a leitura anterior tenha de se manter. A
aplicabilidade directa das regras não implica, só por si, a sua primazia.
Pode bem admitir-se que venha a existir uma situação em que, por
exemplo, as regras de direito derivado de uma organização
internacional de que Portugal faça parte, sejam directamente aplicáveis
mas que, em caso de conflito (maxime com o regime constitucional), o
tribunal deva dar primazia ao direito na- cional, forçando a intervenção
de um qualquer mecanismo com vista a ser negociado, por via política, o
ajustamento das regras nacionais, por forma a evitar a repetição das
situações.
Tendemos, assim, para considerar que o texto do nº 3 do art. 8º
não permite, só por si, responder com segurança à questão da
hierarquia com o direito nacional. A resposta deverá depender dos
próprios termos esta- belecidos na convenção internacional que dê
origem a uma situação que caia no âmbito deste preceito.

152
O valor infra constitucional das regras convencionais internacionais é também a regra
seguida em França que inclui nas regras constitucionais quaisquer normas com esse valor (cf. ac.
2.06.2000, do plenário da Cour de Cassation).
153
De facto, o controlo preventivo da constitucionalidade, surgindo em momento
anterior à vinculação, a detectar uma inconstitucionalidade (não ultrapassável através dos
mecanismos disponíveis - formulação de declarações interpretativas e/ ou reservas, em relação

85
Rui Miguel Marrana
à convenção, ou por via da revisão constitucional) obstaria à vinculação, evitando o conflito.

86
Oitava lição: o costume

5. Regime relativo ao direito da União Europeia


Vejamos finalmente a situação do DUE, prevista no nº 4, do art. 8º
CRP. A redacção agora introduzida remete para o próprio direito
europeu a regulação da sua aplicação na ordem nacional (são aplicáveis
na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União). Parece
implícito que ao reconhecer que não é a ordem nacional quem regula os
termos de aplicação no seu seio do DUE, se admite que seja também
este a deter- minar a hierarquia das suas regras em relação às regras
nacionais154. Ora neste plano, o primado do DUE é, como já referimos,
pacífico155, consti- tuindo aliás um dos seus princípios basilares. Donde
se tende a presumir carácter supra constitucional das normas
europeias156, no sentido em que uma vez transferida uma competência
para o nível europeu, não pode o legislador nacional, mesmo que
constitucional, contrariar através de a- ctos internos os atos europeus
praticados no exercício dessa competên- cia transferida.

D. Síntese prática
Antes de concluirmos, convirá fazer uma síntese prática.
Vimos como numa perspetiva internacional, está pacificamente
assumido o dever de os Estados conformarem o seu direito interno ao
cumprimento das suas obrigações internacionais (o que não implica ne-
cessariamente a aceitação da primazia do direito internacional, embora
parte da doutrina faça essa equivalência). Pudemos também verificar
como, no plano nacional, os regimes constitucionais nacionais introdu-
zem exigências ou limitações (assim, por exemplo o regime português
ao postular o carácter infra constitucional das regras convencionais,
estará a impor aos tribunais nacionais a desaplicação da regra
internacional, em caso de inconstitucionalidade).

154
O reconhecimento do primado do direito da UE em geral (derivado e também originá-
rio) foi aliás um dos temas mais referenciados nos debates parlamentares relativos à aprovação
da Lei de Revisão constitucional (cf.DAR, I Série n. 78 e 79 /IX/2 de 23 e 24 de Abril de 2004).
155
No caso alemão – muito influente em relação à ordem nacional – é pacífico o primado
do direito da UE, admitindo o tribunal constitucional uma restrição nos casos em que uma regra
europeia agredisse os valores fundamentais da constituição alemã (Conseil fédéral, 2010, p.
2094).
156
As afirmações produzidas por António Costa, do PS, no debate parlamentar relativo à
aprovação desta norma, poderão servir para se perceber, por um lado, o carácter tendencial-
mente académico da questão da primazia (já que, na verdade, é difícil- possível mas improvável-
que possa vir a surgir uma situação de conflito do direito da UE com a CRP), e por outro, o reco-
nhecimento parlamentar da antiguidade (e obrigatoriedade) do princípio do primado (cf. DAR, I
Série N.78/IX/2, de 23 de Abril de 2004, p. 4217 ss.).

87
Rui Miguel Marrana

Que fazer, se esta incompatibilidade (ainda residual e


fundamental- mente académica) se materializar, na prática? Deveremos
apenas anotar a disfunção do sistema jurídico? Ou deveremos esperar
que a solução que venha a ser dada sirva para demonstrar a validade
real das posições?
Em nossa opinião, nenhuma das respostas parece aceitável. A veri-
ficar-se que, na aplicação, não é dada primazia à norma internacional,
deve ter-se por assente, desde logo, a susceptibilidade da
responsabiliza- ção internacional do Estado português. Mas, para além
disso, deve ser serenamente ponderado o recurso a mecanismos de
conciliação e, face a situações em que essa incompatibilidade se possa
repetir, deve o Estado português procurar acordar, no quadro
internacional, regimes que evi- tem ou permitam a determinação de
soluções funcionais157.

Questões de revisão
A. Questão geral
Caracterize o regime do art. 8º da Constituição e identifique a posição
doutrinária que o inspira.
B. Questões directas
1. Explique o significado da expressão ‘direito internacional geral ou co-
mum’ contida no nº 1 do art. 8º da Constituição.
2. Caracterize o nº 1 do art. 8º da Constituição enquanto mecanismo re-
gulador das relações entre as normas internacionais e internas.
3. Explique se a vigência dos costumes regionais ou locais é admitida na
ordem jurídica nacional em qual o regime aplicável.
4. Caracterize o nº 2 do art. 8º da Constituição enquanto mecanismo re-
gulador das relações entre as normas internacionais e internas.
5. Explique qual o regime de vigência da CNU na ordem jurídica nacional.
6. Explique qual o regime de vigência do Tratado da União Europeia na
ordem jurídica nacional.
7. Caracterize o nº 4 do art. 8º da Constituição enquanto mecanismo re-
gulador das relações entre as normas internacionais e internas.

Leituras recomendadas
GONÇALVES PEREIRA, André e QUADROS, Fausto de (1993) Manual de
Di- reito Internacional Público, 3ª Ed., Coimbra: Almedina, pp. 106-115

157
O mecanismo estabelecido no quadro do DUE - cf. art. 258º a 260º TFUE – tornou evi-
dente, não apenas a possibilidade do controlo judicial do cumprimento das obrigações dos Esta-
dos, mas também a importância da pressão que esses mecanismos exercem e bem assim, a rele-
vância dos espaços de negociação política que antecedem as fases contenciosas.

88
Oitava lição: o costume

RIBEIRO, Marta Chantal (2001) O Direito Internacional, o Direito Comuni-


tário e a nossa Constituição – que rumo? in FDUP, Estudos em Comemoração
dos Cinco Anos da Faculdade de Direito do Porto, pp. 939-963.

89
TERCEIRA PARTE

Fontes de direito internacional


VII Lição
Referências introdutórias em matéria de fontes

A. Objetivo
Esta lição tem natureza cautelar: tem-nos sido possível observar
ao longo dos anos algumas deficiências e confusões que os alunos
trazem da sua formação jurídica anterior, as quais vêm a dificultar a
compreensão de alguns conteúdos no direito internacional. Julgamos,
por isso, preferí- vel introduzir alguns esclarecimentos que identifiquem
e expliquem essas situações e efectuar um enquadramento da matéria
antes mesmo de en- trar nos seus diferentes aspectos.

B. Fontes criadoras e fontes transmissoras


Quando modernamente tratamos a questão das fontes de direito
apenas nos referimos às fontes transmissoras. Na verdade, tradicional-
mente158 distinguem-se as fontes criadoras de direito (aquilo que dá
origem ou existência às normas) das fontes transmissoras, que
correspondem aos meios através dos quais se dá conhecimento das
normas. A distinção tornou-se menos relevante em razão do predomínio
(da quase exclusividade) da actividade legislativa enquanto fonte
criadora de direito. Daí que hoje em dia, a referência ao legislador
(enquanto con- ceito abrangente) tenda a englobar todas fontes
criadoras de direito, mesmo quando estas não têm carácter legislativo
(como acontece com o costume, a equidade, etc.). A perda de
importância das fontes não legis- lativas (que reforçaria a perspetiva
positivista) concorreu no sentido apontado. Não obstante, no direito
internacional, porque a situação di- fere consideravelmente da das
ordens internas dos Estados, vale a pena dedicar alguma atenção a esta
distinção, a qual permite uma compreen- são mais aprofundada da
temática das fontes.

158
Numa apresentação frequentemente citada (Abi-Saab, 1987, p. 185) Oppenheim
preocupado com os diferentes sentidos do conceito de fonte, distinguia entre esta e causa,
salientando ser claro que, tal como nas nascentes, o lugar no qual a àgua brota não é causa da
sua existência (Oppenheim, International Law, 1912, p. 20/21 §15).

91
Rui Miguel Marrana

C. Fontes materiais e fontes formais


Dentro das fontes transmissoras era também corrente distinguir
entre fontes materiais e fontes formais.
O Prof. André Gonçalves Pereira (1993, p. 151) limita-se a referir a
distinção en passant, explicando que as fontes materiais correspondem
às razões pelas quais aparecem as normas, enquanto as fontes formais
correspondem ao processo de revelação das normas.
Atentemos aos ensinamentos de outros autores, para que possa-
mos adquirir uma perspetiva mais completa.
Assim, Nguyen Quoc Dinh (1999, p. 111) explica que as fontes ma-
teriais correspondem ao fundamento sociológico159 das normas
internacionais (a sua base política, moral ou económica, conforme é
explicitada pela doutrina ou pelos sujeitos) – ou seja àquilo que justifica
ou inspira as normas (Weil, 1996, p. 132). Samantha Besson (2010, p.
170) explica que as fontes materiais (de direito internacional) são os
processos morais ou sociais pelos quais o conteúdo do direito
internacional é desenvolvido. Ian Brownlie por sua vez explica que as
fontes materiais demonstram a existência de regras que, dependendo
de prova, podem ter o estatuto de regras obrigatórias de aplicação
geral.
No que toca às fontes formais, Nguyen Quoc (1999, p. 111)
explicita tratar-se dos procedimentos de elaboração do direito, técnicas
segundo as quais se define uma regra como pertencendo ao direito
positivo, ou seja, a formulação e introdução no corpo normativo positivo
(Weil, 1996,
p. 132); Besson (2010, p. 170) refere-se aos processos através dos quais
o conteúdo é identificado e modificado para se tornar jurídico. Brownlie
refere tratar-se de procedimentos legais e métodos de criação de regras
de aplicação geral que são obrigatórias para os particulares, adiantando
que a falta de um legislador (pelo menos tal como é hábito nos
ordenamentos internos) no plano internacional, com capacidade para
impor a sua vontade, torna a noção algo desconfortável. Abi-Saab (1987,
p. 186), por sua vez, insiste que para além de procedimentos ou
processos, as fontes formais podem remeter para âmbitos ou lugares (o
topos grego ou o locus latino).
As fontes formais relevam do plano normativo – o único que
interessa à abordagem positivista (Weil, 1996, p. 132),

159
Prosper Weil (1996, p. 132) refere que as fontes materiais relevam de uma
abordagem histórica e sociológica.

92
Oitava lição: o costume

D. Fontes e normas
Importa também não confundir fontes com normas internacionais
(estas correspondem ao conteúdo e substância de uma regra elaborada
segundo as exigências procedimentais de determinada fonte formal).
Na verdade, a mesma norma pode resultar de várias fontes (por
exemplo de um costume e de uma convenção), ao mesmo tempo que a
mesma fonte pode dar origem a uma multiplicidade de normas distintas
(como acontece com as diferentes disposições de uma mesma conven-
ção: a mesma fonte é composta por distintas normas).

E. Elenco, ordem e hierarquia


1. O elenco e a importância relativa das diferentes fontes
O enquadramento das fontes costuma fazer-se por referência ao
art. 38º/1 ETIJ que determina que o tribunal aplique - para decidir as
con- trovérsias que lhe sejam submetidas - (a) as convenções
internacionais, (b) o costume, (c) os princípios gerais de direito, (d) a
doutrina e jurisprudên- cia. No nº 2 do mesmo artigo refere ainda a
possibilidade de decidir por aplicação da (e) equidade, se as partes assim
estabelecerem.
A norma estabelece, portanto, um elenco que se recuarmos ao
tempo da sua elaboração, no início do sec. XX verificamos que pode ser
percebido nos termos seguintes.
O debate primeiro incidia sobre a possibilidade de se resumirem
(ou não) as fontes às convenções – como poderiam pretender os
voluntaris- tas mais acérrimos. O âmbito muito estrito da matéria
regulada por con- venções, à altura, tornava, todavia, a opção
impraticável. Por isso, a in- clusão do costume não mereceu resistências
significativas160.
A discussão deslocou-se, assim, para os princípios gerais de
direito. Este foi o ponto no qual maiores divergências surgiram e que
exigiu um prolongado esforço de concertação nos trabalhos
preparatórios161. Tal como veremos adiante (XVI Lição, p. 275 ss.) o
acolhimento desta fonte

160
O voluntarismo, influente naquele tempo, satisfez-se com o entendimento de que o
costume consistiria num pacto tácito – e nessa medida, se reconduzia todo o fundamento da
obri- gatoriedade do direito internacional à vontade dos Estados (que assentiria em termos
expressos
– nos tratados – ou tácitos – na formação de regras consuetudinárias). A questão será objeto de
desenvolvimento infra, aquando da análise do fundamento da obrigatoriedade do costume (p.
100 ss.).
161
Na realidade o debate extravasou os trabalhos preparatórios, surgindo quando da dis-

93
Rui Miguel Marrana
cussão do diploma na Assembleia geral da SdN (cf. nota 594) é ainda referido como latente em
trabalhos dos anos 60 (cf. p. 273).

94
Oitava lição: o costume

deve-se, no essencial, à constatação de que sem o recurso a regras


gerais subsistiria o risco do non liquet (de o tribunal poder ter de
recusar-se a decidir face à inexistência de regras aplicáveis). A relativa
indefinição do conceito atenuou, por outro lado, parte das divergências,
permitindo que cada tendência o interpretasse de acordo com a
respectiva posição.
As outras fontes referidas no art. 38º têm um carácter acessório162:
a doutrina necessariamente e a jurisprudência também (sob pena da
con- sagração de um princípio de precedência que elevaria os julgadores
a au- tênticos legisladores), embora admitindo diferentes matizes
conforme as tradições jurídicas. A referência à equidade surge no nº 2
do art. 38º em termos genéricos e dependendo do assentimento das
partes, pelo que com uma natureza mais do que acessória, supletiva.

2. Caracter taxativo ou enunciativo do elenco


O elenco do art. 38º pode, como vimos, reduzir-se à singeleza de
duas fontes principais (tratados e costume163) com apoio de uma fonte
de recurso (os princípios gerais) e duas ou três (conforme se façam as
contas) fontes acessórias (doutrina, jurisprudência e equidade).
Nesta fase da nossa análise cabe perguntar-se sobre se o elenco é
ou não taxativo. Existirão outras fontes?
A evolução do direito internacional ao longo do séc. XX tornou evi-
dente o carácter não taxativo do elenco. De facto, outros atos produzem
efeitos (reguladores da convivência internacional) e são susceptíveis de
aplicação na resolução de controvérsias164.
Referimo-nos em primeiro lugar aos atos unilaterais: atos (dos Es-
tados e das OI) sem carácter convencional (expressões de vontade que
não convergem em acordos) mas através os quais são assumidas obriga-
ções vinculativas. Estas situações foram claramente reconhecidas pela
ju- risprudência internacional, sendo objeto de estudo pela CDI. Dedicar-
lhes-emos, por isso, a XVIII Lição (p. 291 ss.), no quadro das fontes (Ter-
ceira Parte).
O elenco das fontes apenas fica completo com a devida
ponderação dos chamados atos concertados não convencionais. É como
que o con- trário dos atos unilaterais: há acordo de vontades e não há
vinculação.

162
Esta afirmação não é pacífica na doutrina, que frequentemente afirma tratar-se de
verdadeiras fontes (Weil, 1996, p. 138).
163
Estas duas fontes correspondem ao hard law, ou seja, aquelas cuja violação pode ser
objeto de controlo judicial (Duplessis, 2007, p. 249).
164
A redução do elenco das fontes ao referido no ETIJ corresponde à chamada teoria
positivista das fontes (Duplessis, 2007, p. 249).

95
Rui Miguel Marrana

Estamo-nos a referir a diferentes tipos de atos – os mais conhecidos se-


rão os gentlemen agreement e os códigos de conduta – que resultam de
acordos de vontade entre sujeitos de direito internacional que (por
diver- sos tipos de razões que analisaremos depois) não lhes pretendem
atribuir efeito vinculativo. Tais atos, mesmo que não criem obrigações
jurídicas imediatas, são susceptíveis de produzir efeitos jurídicos e, por
isso, de- vem ser incluídos no âmbito das fontes de direito internacional,
comple- tando o elenco do art. 38º ETIJ. Vê-los-emos na XVIII Lição (p.
291 ss.).

3. Ordem e hierarquia
A doutrina levantou ainda a questão de saber se a ordem das
fontes tal como vem referida no art. 38º ETIJ corresponde ou não a uma
hierar- quia entre estas (maxime entre as convenções e o costume). A
resposta tem todavia de ser negativa (Weil, 1996, p. 138; Abi-Saab,
1987, p. 188): não se trata de uma hierarquia mas tão só da ordem
segundo a qual o juiz internacional deve aplicá-las. A convenção deve
aplicar-se imediatamente pois, a existir, corresponde a um regime
especial a que as partes se obrigaram - e nessa medida é de presumir
que se, numa dada matéria, as partes estabeleceram um corpo de
regras específico, este desenvolve o regime geral e deve preferir a este,
nessa qualidade. E também os princípios gerais, por terem uma carácter
mais abrangente do que as regras convencionais ou consuetudinárias
(das quais derivam) são de aplicação subsidiária relativamente a estas.
A ordem do nº 1 do art. 38.º é, portanto, uma ordem de aplicação
na medida em que está estabelecida da fonte (tendencialmente165)
espe- cial para a geral. O mesmo é dizer que a resolução de eventuais
conflitos entre nomas de diferentes fontes deverá resolver-se aplicando
os princípios gerais: desde logo lex specialis derogat generali e, se
necessário, lex posterior derogat priori (Abi-Saab, 1987, p. 188).
Dominique Carreau (1999, pp. 72-104) refere-se, não obstante, ao
nascimento e desenvolvimento de uma hierarquia das normas (já não
das fontes), a qual assentaria nos princípios seguintes:
• primado da paz e da segurança internacionais – a CNU;
• as regras de jus cogens;

165
Trata-se, efectivamente de uma tendência apenas, podendo, na prática surgir
situações distintas. Assim, pode, por exemplo, acontecer que no âmbito da aplicação de uma
convenção surja um costume contrário (que altera ou especifica uma regra da convenção).
Nesse caso a regra consuetudinária precede naturalmente a regra convencional.

96
Oitava lição: o costume

• a superioridade do direito universal sobre o direito regional e


deste sobre o bilateral;
• a hierarquização das normas no seio das organizações inter-
nacionais (submetendo o direito derivado às regras consti-
tucionais da própria organização).
Em termos gerais, não existe, portanto, hierarquia entre as
fontes166, podendo em concreto, definir-se a prevalência de algumas
normas ou conjuntos de normas a partir dos critérios expostos – para
além das suas próprias características (generalidade/especialidade,
anterioridade, posição sistemática, etc.).

Questões de revisão
A. Questão geral
Diga o que entende por fontes de direito.
B. Questões directas
1. Distinga fontes criadoras de fontes transmissoras;
2. Distinga fontes materiais e fontes formais;
3. Distinga fontes de normas;
4. Explique a relevância da ordem das fontes do art. 38º ETIJ;
5. Será taxativo o elenco das fontes do art. 38.º ETIJ?
6. Explique em que medida existe uma hierarquia de fontes ou de
normas de direito internacional.

Bibliografia de referência
PELLET, Alain 2006 - Article 38 in ZIMMERMANN, Andreas, TOMUSCHAT,
Christian OELLERS-FRAHM, Karin (eds.) The Statute of the International Court of
Justice - A Commentary Oxford, UK: Oxford University Press pp. 677-792

Leituras recomendadas
NGUYEN QUOC Dinh et. al. 1999. Droit International Public, 6ª Ed. Paris:
L.G.D.J. pp. 111-116.
GONÇALVES PEREIRA, André e QUADROS, Fausto de. 1993. Manual de
Di- reito Internacional Público, 3ª Ed. Coimbra: Almedina, pp. 151-153.
BROWNLIE, Ian. 1990. Principles of public international law, 4ª Ed., Ox-
ford: Clarendon Press.

166
Adiante veremos que este princípio – da inexistência de hierarquia das fontes – se
restringe ao elenco formal referido no art.º 38º/1 ETIJ. Isto porque quanto as fontes não
previstas (atos unilaterais e atos concertados) parecem estar hierarquicamente sujeitas àquelas
(cf. infra p. 290).

97
Rui Miguel Marrana

CARREAU, Dominique. 1999. Droit International, 6ª Ed., Paris: Pedone, pp.


72-104
FITZMAURICE, Malgosia. 2016. History of Article 38 of the Statute of the
International Court of Justice, Queen Mary University of London, School of Law
Legal Studies Research Paper No. 232

Recursos on line a explorar


Pierre D’Argent - Universidade Católica de Louvain – 4 aulas (em inglês)
de apresentação das fontes de direito internacional:
[The formal sources of International Law - 6:41]:
https://www.youtube.com/watch?v=Ys3_49n7_KQ
[Lotus overtuned? - 2:15]: https://www.youtube.com/watch?v=K7L4tKvoJuE
[Introduction to Article 38 - 3m:36s]:
https://www.youtube.com/watch?v=iYrLbiH29G0
[Article 38 again - 4m:11s] :
https://www.youtube.com/watch?v=0XwFiztemtI

98
Oitava lição: o costume

99
VIIILição
O costume

A. Objetivo
O conceito de costume é normalmente assimilado pelos alunos no
primeiro ano do curso de direito. Mas trazem consigo também, tenden-
cialmente, da formação inicial, algumas distorções, entre as quais a con-
fusão entre o direito e a lei e a presunção de que as demais fontes
tenham um carácter histórico e/ou meramente acessório. Daqui
resultam dificul- dades específicas que importa contrariar, até porque,
no quadro das fon- tes do direito internacional, o costume mantém uma
posição central.
A matéria requer, por isso, uma atenção particular, para contrariar
a desconsideração a que naturalmente é votada. Constitui, por outro
lado, um desafio importante que enriquece a formação jurídica em
geral, ao forçar novas perspectivas de análise.

B. Importância relativa
Manley O. Hudson (1932, p. 83) – académico americano que foi
juiz do TPJI – referia-se ao costume afirmando que esta parte do direito
inter- nacional está numa condição insatisfatória. Estas reservas são
centená- rias e fundam-se, as mais das vezes, nas dificuldades
resultantes do ca- rácter espontâneo das suas regras167. Timothy L.
Meyer e Andrew T. Guzman (2008) explicam-nas bem, recordando que é
através dos proce- dimentos de criação das regras jurídicas que
normalmente se podem afe- rir a natureza e o âmbito das obrigações
delas recorrentes. Ora, sendo o costume espontâneo, isso significa que
não existem procedimentos (for- mais) de onde essa informação possa
ser retirada e por isso, a natureza e âmbito das obrigações
consuetudinárias permanecem dúbias168.

167
As fontes do direito consuetudinário são várias e muito díspares no seu peso relativo, e
em diferentes partes do mundo este direito é entendido em sentidos diversos (Hudson, 1932, p.
82).
168
A posição dos autores, muito embora pretenda fundamentar a conclusão de que, por
isso, o grau de vinculação da regra consuetudinária é inferior ao das regras positivas, não vê
toda- via nisso uma limitação. Pelo contrário, defendem que isso constitui uma vantagem
relativa do

99
Rui Miguel Marrana

Não obstante tais dificuldades, o costume permanece como uma


das mais importantes fontes de direito internacional.
A principal razão será a de que nele reside ainda – apesar do contí-
nuo esforço de codificação e do desenvolvimento da prática
convencional
– o núcleo fundamental do direito internacional. Domínios
fundamentais como seja a criação das regras internacionais, dos atos
unilaterais ou dos princípios gerais de direito, a responsabilidade
internacional a regulação pacífica dos conflitos, ou mesmo o
investimento internacional169 perma- necem exclusiva ou
170
maioritariamente regulados por regras consuetu- dinárias.
A importância do costume decorre também do facto de ser por re-
ferência a esta fonte que se fundamenta o carácter obrigatório de
outras normas internacionais (Kelly, 2000, p. 452). Aliás, o
desenvolvimento do direito convencional não apenas não lhe diminuiu a
importância como veio a relançá-lo, na medida em que a prática das
regras convencionais veio a estar na origem de novas regras
consuetudinárias. Acresce que, embora tratando-se em boa parte de
regras resultantes da convivência de estados europeus, o costume foi,
no geral, bem acolhido pelos Estados saídos da descolonização, os quais
surgidos principalmente a partir de meados do século XX, constituem
hoje em dia a maioria.
Também a jurisprudência tem insistido na importância desta
fonte, chegando mesmo a aplicar normas consuetudinárias, mesmo
depois de estas terem sido objeto de positivação (como foi o caso
relativamente

costume. É que, segundo eles, na assunção das suas obrigações internacionais, os Estados
ponde- ram os níveis de variação do grau de vinculação e a existência de alternativas (cujo grau
de vincu- lação é menor) permite-lhes assumirem determinado tipo de obrigações que de outra
forma re- cusariam.
Num sentido diferente, J. Patrick Kelly defende expressamente que as profundas diver-
gências na doutrina quanto à formação e ao conteúdo das normas consuetudinárias – e bem
assim o facto de em relação a diversas questões essenciais persistirem posições estaduais
absoluta- mente inversas – impedem que o costume se possa assumir como uma fonte de
normas jurídicas substantivas, muito embora seja reconhecida pela doutrina tradicional como
fonte primária e a sua obrigatoriedade universal venha sendo assumida pelo menos desde o séc.
XIX. O autor de- fende porém que o costume internacional deixe de ser considerado como fonte,
sendo substituído por processos consensuais (Kelly, 2000).
169
A questão do regime relativo aos investimentos internacionais é, no plano material,
uma das áreas mais importantes, na qual têm sido desenvolvidos ao longo dos anos esforços de
codificação (o último dos quais no seio da OMC, que foi abandonado em 2004) sem sucesso
(Meyer, 2012, p. 997).
170
Tal como adiante se referirá (infra, F. A codificação do costume, p. 114 ss.), os
processos de codificação – e que se estenderam por áreas como o direito dos tratados (1969), as
relações diplomáticas (1961) e consulares (1963), o direito do mar (1982), etc. – não consomem

100
Oitava lição: o costume
(ou esgotam) as regras consuetudinárias a que se referem.

10
1
Oitava lição: o costume

recente no ac. 27 de Junho de 1986, relativo às actividades militares e


para militares na Nicarágua).
Refira-se finalmente que a sua relevância tem sido facilitada pela
menor exigência de antiguidade (da prática susceptível de formar um
cos- tume) e bem assim, pela sua capacidade (natural) de adaptação às
exi- gências da vida internacional, que lhe permite responder às novas
solici- tações que vão surgindo, à medida que o nível internacional se
valoriza, não sendo essa realidade coberta pela regulamentação
convencional.

C. Fundamento da obrigatoriedade
A questão do fundamento da obrigatoriedade do costume 171 não
difere da questão geral da obrigatoriedade do direito internacional (ou
do próprio direito). A resposta a dar terá de ser a mesma em todas as
questões. Apenas se justifica uma referência a ela neste ponto em que
iniciamos o estudo do costume, na medida em que normalmente se as-
sume essa obrigatoriedade, mesmo para os Estados que não hajam par-
ticipado na sua formação (o que já não acontece com outras fontes, no-
meadamente as convenções, que apenas vinculam as partes). Donde,
sempre se pode perguntar porque não se há-de aplicar o mesmo regime
a todas as fontes. Importa portanto deixar clara a razão da diferença de
regime, até porque, como se verá de seguida, a concepção tradicional
do costume entendia este como um pacto – um acordo, portanto –
conce- pção essa que, a manter-se, obrigaria a aplicar-se ao costume o
regime convencional (isentando do seu cumprimento os Estados que
não parti- cipassem na sua formação)

171
A questão é aqui colocada num plano filosófico. Pode no entanto discutir-se noutras
perspectivas. Veja-se p. ex. o trabalho de George Norman & Joel P. Trachtman (2004) no qual os
autores identificam as condições objectivas que favorecem o cumprimento das regras consuetu-
dinárias a partir da teoria dos jogos. V. tb. George Norman & Joel P. Trachtman (2008).

101
Rui Miguel Marrana

1. A perspetiva tradicional (subjetiva) A


doutrina tradicional (que para o efeito, integra clássicos como Grócio
a par dos voluntaristas como Triepel ou Tunkin) encarava o cos- tume
como um pacto tácito172, daí derivando a sua obrigatoriedade173. Esta
perspetiva mostra-se insatisfatória na medida em que sobrevaloriza o
elemento psicológico do costume (a convicção da obrigatoriedade),
ignorando o elemento material (a prática ou uso). Por outro lado, como
se referiu, esta visão não responde à questão atrás referida, da sua obri-
gatoriedade para os Estados que não participem na sua formação (por
coincidentemente, a situação não se lhes ter colocado, ou mesmo
porque não concordavam, sem no entanto, se oporem à sua formação,
e bem assim porque eventualmente surgiram depois dessa formação).

2. A perspetiva atual (objetiva) O


sociologismo encontra aqui uma manifestação que lhe é cara: a
espontaneidade da regra consuetudinária vem exactamente demonstrar
como a regra jurídica surge como consequência directa de qualquer vi-
vência social. Esta explicação (que funda portanto a obrigatoriedade na
necessidade da existência de regras, necessidade essa que á falta de ou-
tro mecanismo, é satisfeita por regras espontaneamente geradas) choca
todavia com uma crítica importante: é que mesmo aceitando-se como
verdadeira essa afirmação, tem-se por demonstrada a necessidade das
regras, mas não se garante o prosseguimento efectivo em cada uma de-
las, de um princípio de Justiça (nem fornece elementos que fundamen-
tem essa avaliação). Posto de outra maneira: a visão sociologista ao
ficar- se pela demonstração da necessidade da regra pode servir para
justificar

172
Tb. a jurisprudência do TPJI no ac. 07.09.1927, no caso Lotus, acolheu esta perspetiva
(cf. em especial o §2 pg. 18). Convém recordar todavia que por essa altura, o positivismo
imperava na doutrina. Hoje em dia a posição dominante opõe-se a esta visão, no entanto, a
jurisprudência não é tão clara. Assim, por exemplo no ac. 20.02.1969 no caso relativo à
plataforma continental do Mar do Norte o TIJ não deixou de repisar a doutrina do Lotus
(Carreau, 1999, p. 263).
Do que se trata, afinal, é ainda de resquícios do positivismo, que ligando os dois elementos
– a soberania e a noção de consentimento como estando na base do funcionamento da
sociedade internacional – forçam a conclusão de que os Estados consentem nas convenções por
via da assinatura ou ratificação e no costume através da sua participação no processo de
formação deste.
173
Na doutrina atual a ausência de consentimento na formação do costume já não é
citada por referência à questão do fundamento da obrigatoriedade, mas antes para questionar a
sua validade enquanto fonte por dar origem a atos não democráticos (Kelly, 2000, p. 452 ss.). O
voluntarismo da posição não deixa todavia de facilmente detectável na argumentação oferecida
em abono destas posições.

102
Oitava lição: o costume

toda e qualquer regra (mesmo aquela que é ilegítima ou que sustenta


resultados manifestamente injustos).
Parece-nos que o melhor entendimento da questão, próximo da
perspetiva sociologista (porque assenta ou reconhece a referida neces-
sidade da regra), reside na chamada concepção objetiva que encara o
costume como uma resposta às necessidades da vida internacional 174,
mas vai um pouco mais além disso e insiste na necessidade do acolhi-
mento por uma maioria representativa dos membros 175 da comunidade
internacional (Carreau, Droit International, 1999, p. 266), acabando
assim, por acolher o elemento psicológico essencial a esta fonte.
Essa concepção parece plasmada na explicação adiantada por
Nguyen Quoc Dihn (1999, p. 320) quando refere que no costume a regra
surge como resultado de uma necessidade lógica e social e traduz um
equilíbrio momentâneo176 que é assumido pela consciência jurídica co-
lectiva. Nesta afirmação encontramos a perspetiva sociologista: a afir-
mação de que a origem da regra será sempre uma necessidade social
(cuja resposta há-de ser lógica por se tratar de um mecanismo racional).
Mas explica-se ainda o porquê da adopção de determinadas regras
(aque- las que reflectem um equilíbrio momentâneo e por isso são
justas), e bem assim a razão da não adopção de muitas outras (aquelas
que não colhem o reconhecimento desse equilíbrio). Por essa chegamos
afinal ao funda- mento da obrigatoriedade da regra consuetudinária:
esta constitui uma

174
O referido ac. do TPJI de 07.09.1927no caso Lotus, parece aproximar-se tb. desta tese
objectivista.
175
Esse acolhimento constituirá a prova da existência do costume. Apesar de não existir
convergência, a CDI explicava já em 1950 que as principais provas da existência de costumes in-
ternacionais são as convenções, as decisões judiciais nacionais e internacionais, a legislação naci-
onal, os pareceres jurídicos de consultores nacionais, a correspondência diplomática e a prática
das organizações internacionais (Villiger, 1997, p. 17). A doutrina dos mais ilustres publicistas
pode constituir um meio auxiliar de determinação de normas consuetudinárias (cf. projº
conclusão 14 do texto apresentado pela CDI relativo à identificação do direito internacional
consuetudinário - Doc A/CN.4/L.872)
176
O entendimento tradicional vai no sentido de assumir a prática como antecedendo
(naturalmente) a convicção da obrigatoriedade (ou seja, o carácter normativo que é concedido à
prática, faz transcender o enquadramento material por via da abstracção, generalização e valori-
zação jurídica (Sinkondo, 1999, p. 64). Este é, digamos, o modo de formação corrente da regra
costumeira. Não se verifica, todavia, no caso do chamado costume selvagem, a que adiante nos
referiremos.

103
Rui Miguel Marrana

resposta a uma necessidade social, seleccionada de entre as práticas as-


sumidas pelos sujeitos177 pelo facto de ser aquela178 cujo equilíbrio (cuja
justiça) faz com que se enraíze (definitivamente) na consciência jurí-
dica179. E assim, aquilo que é torna-se naquilo que deve ser (CIJ/ICJ,
1960, p. 82).

D. Elementos do costume
O artigo 38º do ETIJ refere-se ao costume como a prova de uma
prática geralmente aceite como sendo de direito180.

177
Anthony D’Amato – que constitui um importante autor americano da actualidade e
que vem procurando reformular a perspetiva do costume –, chama à atenção para o facto de a
análise do direito internacional consuetudinário se fazer na perspetiva (exclusiva) dos Estados,
propondo que se considere a própria ordem jurídica internacional como um jogador do sistema,
no sentido de sublinhar o papel desta na formação dos costumes (D'Amato, 1998).
178
Sempre buscando uma reformulação doutrinal do costume, D’Amato oferece uma
perspetiva curiosa que todavia chega a esta mesma conclusão. Assim, começa por definir como
objectivos primeiros do direito internacional a maximização da paz e da riqueza, para depois ex-
plicar que as regras consuetudinárias são retiradas das soluções conseguidas nas controvérsias
(we pick the rule that was necessary to the result that was reached). Aqui estaria o nascimento
da regra consuetudinária. A explicação resultaria do facto de essa adopção fazer diminuir as
possibi- lidades futuras de controvérsia e de confrontação (ibidem).
179
Em sentido contrário – e com particular impacto na doutrina atual – V. Jack L.
Goldsmith e Eric A. Posner (1999, p. 1115) que encontram na origem do cumprimento das regras
consuetudinárias apenas o mero interesse próprio dos Estados. Nesse sentido, oferecem aliás
uma definição curiosa, segundo a qual o costume seria um rótulo que é colocado sobre
comportamentos gerados no seio das interacções dos Estados enquanto perseguem o seu
interesse próprio.
Também em sentido divergente Eugene Kontorovich (2007) que defende a necessidade
de uma ponderação independente sobre a eficiência das práticas internacionais como condição
da sua assunção como costume.
180
A definição comummente aceite de costume é a de uma prática acompanhada da
con- vicção da sua obrigatoriedade (Machado, 1983, p. 161). A definição é universal - por todos
v. tb. Jack L. Goldsmith e Eric A. Posner (1999, p. 1113), ou A. Guzman (2005, p. 123) que
remetem para o Restatement (Third) of the Foreign Relations Law of the United States (American
Law Institute, 1987, p. §102), o qual explica que o costume resulta de uma prática geral e
consistente dos Estados acompanhada por uma convicção de obrigação jurídica. A definição por
referência aos seus ele- mentos formativos é retomada mesmo por autores que levantam
dúvidas quanto à qualidade da fonte, como seja J. Patrick Kelly (2000, p. 452), o qual desvaloriza,
todavia, o elemento material. Também no trabalho em curso na CDI relativo à determinação do
costume, se identificam os dois elementos como requisito da determinação de regras
consuetudinárias (cf. Conclusão 2, Doc A/CN.4/717 de 2018).

104
Oitava lição: o costume

A redacção merece um primeiro reparo: o entendimento atual


(praticamente unânime181) vai no sentido de ver no costume mais do
que uma prova, um autêntico modo de formação das regras.
Em todo o caso, os termos da norma evidenciam os dois
elementos formativos do costume: o uso ou prática – elemento material
(ou con- suetudo) – e a convicção da obrigatoriedade – ou elemento
psicológico (também designado por opinio juris sive necessitatis182).
Analisemo-los separadamente.

1. Elemento material ou objetivo: o uso ou a prática


O elemento material do costume, tal como acabámos de referir, é
constituído pelo uso, ou prática, que consiste na repetição de uma con-
duta.
1.1. O esforço de tipificação das práticas relevantes
A tipificação das ptráticas susceptívelsi de formarem costume
internacional não é fácil, já que nem a jurisprudência nem a doutrina
convergem183 na definição de um elenco (Goldsmith & Posner, 1999, p.
1116 ss.). De facto, tal como resulta dos trabalhos recentes da CDI, na
apreciação os meios que permitem estabelecer a existência de uma
prática geral […] é necessário ter em conta o contexto geral a natureza
da regra e as circunstâncias próprias a cada um dos meios (conclusão
3/1 Doc A/CN.4/L.908).
Assim, no tocante à actividade externa dos órgãos estaduais184, são
relevantes os atos unilaterais (declarações, notas e correspondência
diplomática, etc.185), ou os atos concertados não convencionais (na

181
O facto de se reconhecer de forma praticamente unânime ser o costume um modo
formação de regras jurídicas, isso não afasta as críticas que a noção vai sofrendo da parte de al-
guma doutrina. Assim, tal como salientam Timothy L. Meyer e Andrew T. Guzman (2008), as
críti- cas tradicionais (retomadas actualmente por Anthony D’Amato ou por L. Goldsmith e E.
Posner) giram em volta de três eixos: o carácter circular da definição, o carácter vago das regras
e a inde- finição de critérios que permitam aferir da verificação dos dois elementos do costume.
182
A convicção do direito ou da necessidade (da prática).
183
O elenco (não exaustivo) das formas que as práticas podem assumir é adiantado nos
trabalhos recentes, compreendendo: os atos e a correspondência diplomática; a conduta relativa
às resoluções adoptadas por uma organização internacional ou aquando de uma conferência in-
tergovernamental; a conduta relativa aos tratados; a conduta executiva, incluindo a conduta
ope- racional no terreno; os atos legislativos e administrativos; as decisões das jurisdições
internas (projº de conclusão 6/2 Doc. A/CN.4/L.872)
184
Os atos dos particulares não são, enquanto tal, reveladores ou indiciadores de com-
portamentos estaduais.
185
Alguns autores – como Anthony D’Amato – recusam a relevância de declarações de
diplomatas ou funcionários internacionais (Guzman, 2005, p. 126).

105
Rui Miguel Marrana

medida em que constituem índices de comportamento dos Estados,


mesmo que sem força obrigatória) 186 e bem assim as condutas relativas
a convenções (é a própria CV69 que prevê no seu art. 36º a
possibilidade de uma regra convencional formar um costume187) ou a
resoluções de organizações internacionais ou conferências
intergovernamentais (cf. conclusão 6/2).
Também a actividade interna do Estado pode integrar práticas que
estejam na origem de costumes internacionais. Desde logo os atos legis-
lativos (que podem evidenciar posições em matérias internacionais (p.
ex. em relação à ZEE), mas também as decisões dos tribunais 188 (cf.
referida conclusão 6/2), os atos do executivo (decretos, regulamentos,
etc., que demonstrem ou indiciem189 a posição do Estado), etc. Em suma
qualquer comportamento do Estado no exercício das suas funções
executivas, legislativas, judiciais ou outras (conclusão 5), podendo o
respectivo peso ser reduzido se a prática estadual variar (conclusão 7/2
do mesmo documento).
O registo das práticas estaduais – e, bem assim das práticas de
organizações internacionais a que nos referiremos de seguida - está
normalmente disponível190 em publicações oficiais e arquivos.

186
Em todo o caso, convirá insistir-se que muito embora determinados textos possam
contribuir para a criação de regras consuetudinárias, na medida em que evidenciam o comporta-
mento dos Estados, a verdade é que a existência jurídica de um costume não se identifica – não
depende nem decorre, portanto – dessas regras escritas (Carreau, Droit International, 1999, p.
267/268). Sobre o assunto v. tb. Andrew T. Guzman (2005, p. 126 ss.) que explicita os diferentes
entendimentos doutrinais na matéria.
187
Nesse mesmo sentido V. o projº de conclusão 11 relativo à determinação do costume
(Doc. A/CN.4/L.872) explicita que uma regra de um tratado pode reflectir uma regra consuetudi-
nária se o próprio tratado estabelece que essa regra codifica esta, que cristaliza uma regra em
formação ou ainda que serviu de ponto de partida de uma prática que é aceite como obrigatória
(dando assim origem a uma nova regra consuetudinária). Esclarece ainda que o acolhimento da
mesma regra em diferentes tratados constitui um indício do seu carácter consuetudinário.
188
Ao aplicar o direito, o juiz revela a posição do Estado, nomeadamente em matéria do
entendimento em relação a uma prática ou à existência de uma regra consuetudinária.
189
É curiosa a posição americana neste domínio, ao desvalorizar os guias e manuais mili-
tares, considerando que as orientações e posições expressas nestes documentos não são sufici-
entemente evidenciadoras de práticas, podendo divergir das práticas operacionais que
aparente- mente devem sobrepor-se para efeitos de formação de regras consuetudinárias (cf.
Carta con- junta de 3 de Novembro de 2003, de John Bellinger III, William J. Haynes, cit.. Não
obstante, a posição genérica do Departamento de Estado norte-americano vai no sentido de
admitir a rele- vância dos documentos internos (Guzman, 2005, p. 126).
190
A CDI disponibiliza referências de 93 Estados e indica os arquivos on line de 40 Estados
no Anexo I do Doc. A/CN.4/710 de 12.01.2018. Refere ainda os sites de 195 Estados que
disponibilizam jornais oficiais e outras colectâneas digitais oficiais, bem como de uma série de
operadores privados.

106
Oitava lição: o costume

São ainda relevantes191 – embora também aqui subsistam entendi-


mentos não coincidentes192 – as práticas das organizações internacio-
nais193 ou de outros sujeitos de direito internacional194.
1.2. Caracterização da prática relevante
1.2.1. Carácter positivo ou negativo
A conduta susceptível de formar costume internacional pode ser
positiva (constituindo portanto, uma acção) ou negativa (traduzindo-se
numa omissão), tal como reconheceu expressamente o TPJI (ac.
07.07.1927, Lotus), e depois, o TIJ (ac. 18.12.1951, Pescas) - muito
embora o peso relativo de ambas (para efeitos de formação de um
costume) possa variar195.

191
Para além da determinação dos critérios que permitam definir quais as práticas que
podem formar costume, subsiste a questão da interpretação dessas práticas. Assim, face às limi-
tações de tempo e de recursos, os juízes vêm-se obrigados a recorrer apenas a amostras de prá-
ticas, dentro daquelas que estão disponíveis e que são inteligíveis face à sua preparação. Todas
estas limitações introduzem distorções que no final, podem ser significativas (Guzman, 2005, p.
127).
192
Não oferece dúvidas o facto de a prática das organizações internacionais poder
formar costumes em relação à própria organização. Neste âmbito, é de referir a regra
consuetudinária que altera o art. 27º CNU. A letra desta norma impõe como condição da
adopção de uma decisão, o voto favorável dos membros permanentes (equivalendo portanto a
abstenção a um veto, da mesma maneira que o voto contrário). A prática instituiria todavia um
costume contra legem, no sentido de se considerar apenas o voto contra dos membros
permanentes como susceptível de impedir a adopção das decisões (não sendo portanto a
abstenção impeditiva da adopção destas).
193
Dentro das OI avultam os tribunais internacionais, cujas decisões não configurando
tecnicamente uma determinação definitiva da existência de um costume, constituem meios
auxi- liares de determinação dessas normas (cf. projº conclusão 13/1 Doc. A/CN.4/L.872). Na
prática a sua importância é maior, até porque, como referia Rosalyn Higgins (1994, p. 54), no fim
de contas o direito internacional é direito aquilo que o TIJ declarar ser.
194
A doutrina vem, todavia, considerando pacificamente que a oposição de Estados
sobe- ranos na formação de costumes resultantes da actuação de outros sujeitos de direito
internacio- nal impede o surgimento destes.
Dos trabalhos da CDI relativos à determinação do costume (Doc A/CN/4/L.872) resulta
no projº conclusão 4 que a conduta de organizações internacionais contribui, em certos casos,
para a formação ou expressão de uma regra consuetudinária (uma resolução de uma O.I. ou de
uma conferência intergovernamental não é susceptível de criar uma regra consuetudinária de
per se, mas pode reflectir uma norma consuetudinária – se estabelece tratar-se de uma prática
acompa- nhada da convicção da obrigatoriedade – ou constituir um elemento de prova para
estabelecer a sua existência ou para contribuir para o seu desenvolvimento – cf- projº conclusão
12). Já a con- duta de outros actores apenas pode contribuir para a apreciação das práticas (de
Estados ou O.I.) que contribuam para a formação de costumes.
195
Refira-se, a propósito, a posição oficial americana quando, ao reconhecer a relevância
das práticas negativas para efeitos de formação de um costume, salienta a necessidade de ser
devidamente ponderado o peso ou relevância da mesma conforme o grau de envolvimento do
Estado na vida internacional e em especial a sua vinculação aos principais instrumentos conven-
cionais nas matérias em causa - cf. Carta conjunta de 3.11.2003, de John Bellinger III, conselheiro

107
Rui Miguel Marrana

1.2.2. Generalidade
Embora tradicionalmente se refira a generalidade196 como
requisito da prática susceptível de formar um costume, essa exigência
pode consi- derar-se hoje em dia atenuada197. Na verdade, não é
necessário que to- dos os Estados adoptem essa conduta, podendo um
costume geral198 sur- gir da prática de uma maioria de Estados apenas, e
mesmo com a oposi- ção de alguns199. A existência (e o desenvolvimento
contemporâneo) das organizações internacionais veio facilitar (e
acelerar) consideravelmente a formação dos costumes, nomeadamente
por via das resoluções (que acolhem entendimentos unânimes ou pelo
menos, maioritários e nesse sentido uniformizam os elementos
essenciais das práticas200).

jurídico do Departamento de Estado americano e de William J. Haynes, conselheiro geral do De-


partamento de Defesa ao Presidente do Comité Internacional da Cruz Vermelha, relativa ao tra-
balho de Jean-Marie Henckaerts (2005). A CDI no seu trabalho em curso relativo à determinação
do costume parece convergir com a posição americana ao referir que a prática pode em certas
circunstâncias, consistir numa inacção (cf. conclusão 6/1).
196
Tanto o art. 38º do ETIJ como o Restatement (Third) of the Foreign Relations Law of
the United States fazem uso expresso do termo geral (cf. supra).
197
A invocação da generalidade varia conforme o entendimento dado ao termo. Assim,
por vezes, na jurisprudência refere-se uma prática geral que não é unânime nem sistemática (cf.
ac. 27.06.1986 do TIJ, relativo às actividades militares e para-militares americanas na
Nicarágua). Outras vezes refere-se a generalidade da prática como significando ser seguida por
um número de Estados particularmente interessados na regra consuetudinária (cf. ac.
20.02.1969, relativo à plataforma continental do Mar do Norte). Esta tendência – de distinguir a
relevância da prática dos Estados conforme estes são particularmente interessados ou
particularmente activos na ma- téria – é enfatizada pela administração americana na Carta
conjunta de 3 de Novembro de 2003, de John Bellinger III William J. Haynes, cit. Neste
documento não se reclama o requisito da gene- ralidade mas antes da extensão e uniformidade
(extensive and virtually uniform). Nos trabalhos da CDI a proposta atual refere a exigência da
generalidade da prática, esclarecendo no entanto que esta deve entender-se como
suficientemente disseminada e representativa, assim como constante (projº conclusão 8/1 Doc
A/CN/4/L.872)
198
Sendo hoje em dia pacífica a admissão de costumes regionais ou locais (cf. ac. TIJ
12.04.1960 relativo ao direito de passagem em território Indiano; v. tb. projº conclusão 16, Doc
A/CN/4/L.872), a generalidade nestas regras deverá conferir-se entre os Estados envolvidos.
199
A objecção de um Estado em relação a uma prática tem como efeito fazer com que a
regra consuetudinária que dela decorre lhe não seja oponível, tal como reconheceu o próprio TIJ
no ac. 18.12.1951, relativo às pescas (RU c. Noruega). V. tb. projº conclusão 16 (Doc
A/CN/4/L.872).
200
Sendo certo que nenhum autor exige que a prática seja universal para formar
costume, o facto é que quanto á determinação concreta do grau, a doutrina é muito divergente
(Guzman, 2005, p. 124 ss.). V. supra, nota 197 o critério actualmente proposto pela CDI.

108
Oitava lição: o costume

1.2.3. Continuidade ou constância


Essencial parece ser alguma continuidade ou constância dessa prá-
tica (Higgins, 1994, pp. 22-28), ou seja, esse comportamento há-de repe-
tir-se ao longo de algum tempo201.
Não há, todavia, nos nossos dias, exigência especial quanto ao de-
curso de tempo durante o qual é necessária a repetição dessa conduta
(com vista à formação de um costume). A soberania dos estados sobre o
espaço aéreo ou o direito exclusivo à exploração das plataformas conti-
nentais, foram regras consuetudinárias que se formaram em pouco mais
de uma década, graças a uma acolhimento generalizado quase imediato,
o qual que permitiu aferir uma concordância alargada sobre a matéria,
como reconheceu o próprio TIJ no acórdão relativo à plataforma conti-
nental do Mar do Norte, de 20.02.1969202).
Esta evolução veio a ser acolhida nos trabalhos da CDI relativos à
identificação das regras consuetudinárias, especificando-se não ser pres-
crita a duração mínima da prática, desde que geral (conclusão 8/2 Doc
A/CN.4/717).
De facto, a importância do tempo na formação do costume, tem-
se vindo a desvalorizar. Como expressão maior dessa desvalorização
surge o chamado costume selvagem. O termo foi adiantado por René-
Jean Du- puy, o qual faz uso da proximidade dos vocábulos sage (sábio)
e sauvage (selvagem), reservando o primeiro para o modo de formação
tradicional, assente no decurso de tempo, e usando o segundo para os
casos em que se verifica uma inversão cronológica: a afirmação da
obrigatoriedade a anteceder a prática. Na verdade, a facilitação
temporal do procedimento de formação do costume faz desaparecer a
progressividade e o consenso, permitindo que este possa resultar de um
procedimento técnico consciente (maxime da insistência quase
obsessiva, em fazer constar nos atos de instâncias internacionais, de
determinados conteúdos, visando

201
No ac. TIJ 12.04.1960 relativo ao direito de passagem em território Indiano, esta ins-
tância referia ainda como condição da existência de uma regra consuetudinária, a repetição das
condutas, a homogeneidade destas e o decurso de um período de tempo.
202
Na ocasião, o TIJ afirmou expressamente que o facto de não ter decorrido senão um
breve lapso de tempo não constitui necessariamente em si, um impedimento à formação de
uma regra nova de direito internacional consuetudinário. Esta passagem é entendida por parte
da dou- trina como consagrando o costume selvagem (Dupuy) ou instantâneo (Bin Cheng) ou
verde, a que fazemos referência de seguida. O primeiro exemplo terá sido o da Resolução 1962
(XVIII) adop- tada unanimemente pela AG das NU em 1963 (Declaração dos princípios jurídicos
que regem as actividades dos Estados em matéria de exploração e utilização do espaço extra
atmosférico). Trata-se aqui – como nas outras situações – de posições estaduais que, por serem
explícitas, pre- cisas e sem perspetiva de alteração, poderão dispensar o decurso de tempo, mais
ou menos longo, que a formação de uma regra consuetudinária exigiria (Sinkondo, 1999, p. 64).

109
Rui Miguel Marrana

a assunção destes como regras consuetudinárias). Este tipo de procedi-


mentos203 agride directamente o carácter espontâneo desta fonte que
nestes termos, assume um carácter voluntário204.
As regras de costume selvagem tendiam inicialmente a surgir
como desestabilizadoras (na medida em que o processo era
conscientemente assumido no sentido de obter mudanças205 no quadro
das relações inter- nacionais), no entanto, o apaziguamento das
principais tensões políticas internacionais fizeram diminuir essa
tendência (que evoluiu assim de uma postura revolucionária para
reformista206).
Apesar de importantes reticências doutrinais, o TIJ parece
inclinado a aceitar a validade deste costume selvagem (Agniel, 1998, p.
64/65; Sinkondo, 1999, p. 64; Nguyen Quoc, Daillier, & Pellet, 1999, p.
324).
1.2.4. Uniformidade ou homegeneidade
Uma outra característica essencial da prática é ainda a sua unifor-
midade ou homogeneidade. Os sujeitos, quando colocados perante a

203
Existem actualmente organizações internacionais universais (tais como a OIT, a
UNESCO ou a OMS) no seio das quais é corrente o procedimento. Buscam-se consensos
alargados na adopção de certas resoluções, as quais são quase instantaneamente assumidas
como sendo obrigatórias. Atente-se ao facto de a própria Declaração Universal dos Direitos do
Homem se ter tornando num texto obrigatório por essa via, já que, tendo sido aprovada por uma
Resolução da AG das NU, não beneficiava formalmente desse carácter. A doutrina vem, por isso,
convergindo no sentido de reconhecer que as resoluções das organizações internacionais (em
especial da AG das NU) afirmando princípios jurídicos internacionais, não apenas servem para
confirmar o direito internacional existente, mas constituem um meio de afirmar regras novas -
as quais (sejam apro- vadas por unanimidade, por consenso ou sem votação) não podem ser
consideradas como des- providas de efeito jurídico (Suy, 1996, p. 219).
204
De qualquer forma, tal como salienta a doutrina, só o acolhimento prático efectivo
constitui prova suficiente da existência de uma regra consuetudinária. Veja-se a propósito o Pa-
recer de 08.07.1996, do TIJ, relativo à licitude da ameaça ou do uso de armas nucleares, no qual
se reconhece a existência de uma opinio juris favorável à interdição da utilização destas armas
(patente em diversíssimas resoluções da AG das NU), faltando todavia uma prática uniforme que
permita afirmar a existência de uma regra consuetudinária proibitiva. Nos casos da formação de
costumes selvagens, com frequência a prática é imediata ou quase instantânea, resultando dos
trabalhos de conferências internacionais. No decurso destas – que se alongam frequentemente
por períodos importantes – os Estados adoptam determinadas práticas mesmo antes da assina-
tura dos tratados. Tal foi o caso das conferências sobre direito do Mar (que decorreram entre
1958 e 1982) durante a qual os Estados da América Latina decretaram a ZEE nas 200 milhas,
regra que viria a ser consagrada na Convenção de Montego Bay de 1982.
205
O exemplo mais evidente é talvez o da Nova Ordem Económica internacional, que os
Estados do terceiro mundo se esforçaram por impor no final do séc. XX. O efeito seria todavia
perverso. Por essa altura, o apoio da AG das NU a uma convenção económica equivalia a um
beijo de morte no seio dos Estados ocidentais (Alvarez, 2002, p. 222).
206
No limite do entendimento singular sobre a formação de regras consuetudinárias
veja- se o artigo de Benjamin Langille (2003) que pretende elevar a prática do ataque preventivo
a uma regra consuetudinária.

110
Oitava lição: o costume

mesma situação, deverão ter adoptado condutas uniformes, o que im-


plica que tais atos (ou omissões) sucessivos sejam concordantes entre si.
Conforme salienta a doutrina essa uniformidade deverá ser substancial
(ou seja, no referente aos elementos essenciais da prática) e não
absoluta (não é necessário que a actuação seja exactamente a
mesma)207.
Merece ainda uma referência a dispersão espacial da conduta: tra-
tando-se de um costume geral, deverá demonstrar-se que a conduta foi
adoptada não apenas por uma maioria de Estados mas também que
estes cobrem sensivelmente as áreas em que surgem situações
idênticas. Caso contrário teremos costumes regionais208 ou locais
(podendo mesmo ser apenas bilaterais209).

2. Elemento psicológico: a convicção da obrigatoriedade


O elemento psicológico ou subjectivo do costume refere-se à con-
vicção de que a obrigação do seu cumprimento tem natureza jurídica210
(commumente referido através do brocardo latino opinio juris sive
neces- sitatis, ou apenas opinio juris). É esse o sentido da expressão
usada no
art. 38º do ETIJ quando se refere a uma prática geralmente aceite como
sendo de direito. Tal como salientada o TIJ (ac. 20.02.1969 relativo à
plataforma continental do Mar do Norte), é necessário aferir da
existência deste elemento do costume, a fim de distinguir este de atos
de mera cortesia ou tradicionais.

207
Do que se trata é da coerência das práticas, e não da sua identidade. Os atos não
podem contradizer-se e devem ser uniformes, no sentido em que apesar das diferenças, deles se
possa retirar uma prática comum. A jurisprudência é rica na enunciação dos critérios de
coerência ou uniformidade (v. em especial ac. 20.11.1950, relativo ao direito de asilo; tb. ac.
27.06.1986 relativo às actividades militares e paramilitares americanas na Nicarágua, no qual se
adianta que a prática não tem de ser perfeita).
208
No ac. 13.06.1951, Haya de la Torre, o TIJ reconheceu a existência de um costume
regional, no caso relativo ao asilo diplomático na América do Sul
209
O TIJ reconheceu a formação de um costume bilateral entre o Estado português e a
União Indiana a propósito dos direitos de passagem em território indiano, relativo à
comunicação entre os enclaves de Dadra e de Nagar-Aveli e a zona costeira de Damão (ac.
12.04.1960).
210
Os termos propostos pela CDI são coincidentes: a prática em questão deve ser
animada por um sentimento de se tratar de uma obrigação jurídica ou de um direito (conclusão
9/1 Doc A/CN/4/L.872).
111
Rui Miguel Marrana

2.1. A essencialidade e as dificuldades próprias do elemento


A convicção da obrigatoriedade é aquilo que distingue o costume
das simples práticas211 ou praxis, as quais, no plano internacional, assu-
mem um papel de inegável importância – em especial no âmbito da cor-
tesia internacional (comitas gentium 212) a que o TIJ faz referência. Não
pode, por isso, prescindir-se de tal elemento, sob pena de se conferir ca-
rácter obrigatório às condutas cuja repetição resulta de meras conveni-
ências.
A doutrina sempre sentiu todavia algum desconforto nesta exigên-
cia (que apenas é generalizada a partir do séc. XIX). Desde logo, por um
argumento de lógica: a convicção da juridicidade pressupõe a existência
prévia da norma – deve repetir-se o comportamento por este ser juridi-
camente obrigatório, mas essa obrigação jurídica há-de decorrer neces-
sariamente de uma regra. Donde se pode questionar: afinal a regra já
existe – e por isso o comportamento é obrigatório – ou a
obrigatoriedade do comportamento é elemento da formação da norma?
(Gonçalves Pereira & Quadros, 1993, p. 166/7; Nguyen Quoc, Daillier, &
Pellet, 1999, p. 323; D'Amato, 1998, p. 1; Meyer, 2012, p. 2003;
Lefkowitz, 2010, p. 202). O argumento, muito embora intelectualmente
atractivo, peca por formalista213.
A segunda razão do desconforto doutrinário relativo à exigência
da convicção da obrigatoriedade prende-se com a dificuldade da prova
(ou

211
Essa distinção é assinalada expressamente na conclusão 9/2 da CDI relativa à
determinação das regras consuetudinárias (Doc A/CN/4/L.872).
212
Regras de conveniência ou de delicadeza internacional que orientam a conduta dos
Estados sem que no entanto assumam um carácter obrigatório. Integram este tipo de atos, não
apenas os hábitos de cortesia mais comuns – como seja, p. ex. o da representação oficial nas
cerimónias fúnebres de Chefes de Estado ou de governo – mas também atos de outra natureza
como sejam as situações limite da indemnização de particulares por prejuízos causados por atos
que não se assumem como ilícitos (como foi o caso dos pescadores japoneses afectados pela
experiência nuclear americana sobre o atol de Bikini, a seguir à II Guerra Mundial, ou da
indemnização concedida pelo governo israelita aos familiares do passageiros do avião líbio
abatido por engano em 1973, sobre o Sinai. Em ambos os casos, os governos insistiriam não
assumirem tratar-se de uma obrigação, pelo que não poderiam ser consideradas as suas atitudes
como precedentes).
213
Atrevemo-nos mesmo a julgá-lo improcedente, no plano lógico. Em nossa opinião, é a
convicção (da obrigatoriedade) que surge como elemento formador do costume e não a própria
obrigatoriedade – esta sim decorrente do carácter jurídico da norma. Repare-se aliás que a
prova deste elemento (que é de natureza psicológica e não formal), a fazer-se, assentará em
declarações ou posições dos Estados atestando essa convicção e nunca na determinação da
regra de onde a obrigatoriedade decorre.
Para uma análise mais detalhada da questão v. Stern (2001).

112
Oitava lição: o costume

seja, daquilo que a CDI designa por identificação do direito consuetudi-


nário ou dos seus elementos). Se é muito difícil demonstrar convicções
em situações normais, muito mais será fazê-lo em relação a entidades
abstractas (nomeadamente dos Estados), no plano internacional.
Em todo o caso, estando este elemento inscrito na noção de cos-
tume que figura no art. 38º ETIJ (que por sua vez, repete a norma ante-
rior, do Estatuto do TPJI), a jurisprudência internacional não mais deixou
de o exigir214 (corrigindo aliás a prática arbitral internacional que no séc.
XIX se bastava com o elemento material 215). A exigência parece aliás ir
mais longe, na medida em que a invocação de um costume geral pode
impor a demonstração da generalidade da opinio juris, quer isto dizer
que não basta a prova da convicção da obrigatoriedade dos Estados
envolvi- dos, sendo necessário mostrar como essa convicção é assumida
por uma maioria dos membros da comunidade internacional, entre os
quais figu- rem os diferentes sistemas jurídicos e as diferentes regiões
do mundo216.
A resposta ao problema da dificuldade da demonstração da opinio
juris não é completamente pacífica. Assim, alguma doutrina parece que-
rer considerar a aceitação de princípio de uma presunção probatória
(Gonçalves Pereira & Quadros, 1993, p. 167/8) 217, ou seja, invocado um
costume, bastaria demonstrar a prática, para se presumir a existência da
convicção da obrigatoriedade. Essa presunção seria no entanto ilidível
(juris tantum) podendo, quem tivesse directo interesse nisso,
demonstrar a inexistência dessa convicção, e por essa via, questionar
definitivamente o carácter jurídico da regra invocada.

214
O ac. 07.09.1927 no caso Lotus, marca a afirmação dessa exigência. Ali, contra a invo-
cação pelo governo francês de uma abstenção que pretendia ser considerada como precedente,
o TPJI recusar-se-ia a considerá-la um costume, por não ser motivada pelo dever de se abster.
Décadas mais tarde (20.02.1969), no ac. relativo à plataforma continental do Mar do Norte, o TIJ
confirmaria esse entendimento. No recente Parecer de 08.07.1996 relativo à licitude do
emprego da arma nuclear, o TIJ insistiria que apesar da prática geral, não existe uma opinio juris
clara e precisa a favor dessa ilicitude.
215
As dificuldades em lidar com o elemento psicológico conheceram inúmeras tentativas
tendentes ao seu afastamento. Nessa matéria valerá a pena atentar a um argumento
apresentado por Rosalyn Higgins (1994, p. 22). Recordava aquela que veio a ser juiz-presidente
do TIJ que aquilo que faz sobreviver a regra consuetudinária que proíbe a tortura, apesar de essa
mesma tortura constituir uma prática estadual muito difundida, é exactamente o facto de a
consciência da sua obrigatoriedade se manter intocada – não sendo assim afectada pelas
práticas abusivas infeliz- mente muito difundidas.
216
V. nomeadamente a sentença arbitral de 19.01.1977 (René-Jean Dupuy, árbitro
único), no caso Texaco Calasiatic – v. tb. o comentário de Brigitte Stern (1980).
217
Assinale-se, todavia, a chamada de atenção dos autores de que não se tratará de uma
presunção em sentido técnico (não haverá portanto uma inversão automática do ónus da
prova), mas tão só de uma tendência jurisprudencial.

113
Rui Miguel Marrana

A jurisprudência resultante de acórdãos importantes não tem, no


entanto, deixado de exigir indícios dessa convicção (no sentido de que,
não podendo deduzir-se objectivamente, ela deve decorrer da natureza
e da forma como a prática é levada a cabo 218 – cf. ac. 20.02.1969 Plata-
forma continental do Mar do Norte), embora por vezes parecendo
admitir que ela possa assumir-se face a práticas solidamente
estabelecidas (cf. ac.s de 21.03.1959, Interhandel e de 12.04.1960,
Direito de passagem no território indiano).
2.2. Elementos relevantes para a demonstração da opinio juris
Os trabalhos recentes da CDI em matéria de identificação do cos-
tume especificam que a prova da convicção da obrigatoriedade pode fa-
zer-se, entre outras formas, por declarações públicas produzidas em
nome dos Estados; publicações oficiais; pareceres jurídicos governamen-
tais; correspondência diplomática; decisões das jurisdições nacionais;
dis- posições de tratados219; e bem assim a conduta relativa a resoluções
adoptadas por uma organização internacional ou numa conferência in-
tergovernamental (conclusão 10/2 Doc A/CN.4/717).
Todos estes elementos são normalmente objeto de publicação
e/ou arquivo dos Estados e das organizações internacionais220.

E. Relações entre as regras consuetudinárias e


outras normas internacionais
Dada a dificuldade comummente sentida no estudo do costume e
em especial no tocante à sua utilização em situações concretas, de se-
guida se expõem sumariamente as regras relativas às relações entre
estas regras e demais normas internacionais.

218
Na verdade tal como alguma doutrina salienta (Roberts, 2001, p. 758), o direito
consu- etudinário contemporâneo distingue-se do tradicional por este ser identificável por via
indutiva (já que decorre da consistência da prática) ao passo que aquele (o costume atual) é
determinável por via dedutiva (sendo mais relevante a convicção da obrigatoriedade). Nesse
sentido, a opinio juris assume na actualidade um peso particularmente relevante. Para um
desenvolvimento das diferenças referidas v. Stefan Talmon (2014) ou William Thomas Worster
(2014).
219
Sendo pacífico que o acolhimento de regras consuetudinárias em tratados constitui
um indício claro da convicção da obrigatoriedade em relação às mesmas, permanece por definir
com precisão a ponderação dessa aceitação. Deverá medir-se pelo número de partes que
intervêm na conferência de codificação? Ou deveriam contar-se também os Estados que embora
não sendo partes da convenção, aplicam uma, alguma ou todas as regras relativas às suas
relações interna- cionais? (Zemanek, 1996, p. 225).
220
Cf. nota 190 supra.

114
Oitava lição: o costume

Nas relações entre costumes aplicam-se na matéria os princípios


gerais. Senão vejamos:
- havendo conflito entre dois costumes gerais cujo objeto seja o
mesmo, prevalece o costume mais recente (correspondendo,
portanto, ao brocardo lex posteriori derrogat lex priori).
- havendo conflito entre uma regra de costume especial e uma
re- gra de costume geral, prevalece aquela, ainda que anterior
(corresponde também ao brocardo lex specialis derrogat lex
generali).
- havendo conflito entre um costume regional ou local e um cos-
tume geral, aquele prevalece desde que não afecte direitos de tercei-
ros221 (corresponde ao mesmo brocardo – lex specialis derrogat lex
generali – sendo que aqui a especialidade é espacial e não material.
Nas relações entre uma regra consuetudinária e uma regra
conven- cional verifica-se uma equiparação: um costume pode ser
modificado, completado ou revogado por um tratado 222 e vice-versa (cf.
parecer de 21.06.1971 relativo ao sudoeste africano).
Nas relações entre um costume e um acto unilateral a regra geral
é a de que prevalece aquele (independentemente do momento do
surgi- mento deste), sendo que a prática do acto unilateral contrário
configura uma ilicitude. A única excepção parece ser a da objecção
persistente a uma regra consuetudinária (que pode tornar esta
inoponível ao Estado que protestou – cf. conclusão 15/1 Doc
A/CN.4/717).
No tocante aos atos unilaterais das organizações internacionais
devemos distinguir os não obrigatórios (resoluções ou recomendações)
dos obrigatórios (decisões). Quanto aos primeiros o costume prevalece,
sendo no entanto que na medida em que essa resolução exprima uma
opinio juris, poderá formar uma nova regra consuetudinária, desde que
surja a prática conforme, a qual prevalecerá por mais recente. Quanto
às decisões, o entendimento do TIJ parece ir no mesmo sentido223.
Relativamente aos princípios gerais de direito, a regra parece ser a
da prevalência do costume (dada a origem interna do princípio).

221
No ac. 20.11.1950, relativo ao direito de asilo, o TIJ adiantou inclusive que, em caso de
agressão dos direitos de terceiros, pode ser assacada responsabilidade internacional.
222
A CV69 apenas não regulou a matéria por não ter sido possível obter o necessário
con- senso em relação à redacção.
223
No citado parecer de 21.06.1971 relativo ao sudoeste africano e na decisão de
14.04.1992, relativo ao acidente aéreo de Lockerbie, esta instância afirmou que as decisões do
Conselho de Segurança devem respeitar os grandes princípios do direito internacional.

115
Rui Miguel Marrana

F. A codificação do costume
O primeiro esforço internacional de identificação e redução a es-
crito do costume internacional surgiu no quadro da SdN com a
nomeação de um Comité de Peritos para a Progressiva Codificação do
Direito Inter- nacional (Brölmann, 2005, pp. 387, n.13).
O processo apenas ganharia um impulso definitivo no pós II GM,
com CNU224, cujo art. 13º confere à AG o mandato para promover
estudos e fazer recomendações tendo em vista encorajar o
desenvolvimento pro- gressivo do direito internacional (ou seja,
preparar projectos de conven- ções em matérias que não estejam
regulamentados pelo direito interna- cional ou em relação às quais não
exista uma prática estadual suficiente- mente desenvolvida – cf. art. 15º
Estatuto CDI) e a sua codificação225 (for- mulação mais precisa226 a
sistemática de regras de direito internacional nos domínios em que
exista uma prática estadual consequente, prece- dentes e opiniões
doutrinais). Isso implica a conversão de grupos de re- gras
consuetudinárias sobre determinadas matérias em regras escritas
(positivação), organizando-as de forma sistemática e coerente227 (essa
coerência poderá mesmo justificar o seu desenvolvimento, na acepção
dada pelo referido art. 15º do Estatuto CDI, a partir de cujas regras
podem surgir novos costumes228).

224
O carácter geral da CNU constituiu um impulso essencial no processo de codificação
por impôr a regulação jurídica das relações internacionais (Chemillier-Gendreau, 1981-1982, p.
509).
225
A doutrina faz remontar a origem ou lançamento dos esforços de codificação ao pró-
prio Jeremy Bentham, no séc. XVIII, datando os primeiros esforços do final do séc. XIX, surgindo
os impulsos mais significativos com a SdN e a ONU (Meyer, 2012, pp. 998, 1004 ss.). V. tb. site da
CDI > About the Commission> Origin and background> Historical antecedents
226
Este é certamente o desafio mais complexo. Tal como Hersh Lauterpacht (que foi
mem- bro da CDI e juiz do TIJ) salientava sempre que abordamos qualquer âmbito específico do
direito internacional somos conduzidos, por entre uma sensação de incredibilidade, à conclusão
de que, embora exista, por regra, uma posição consensual sobre um princípio genérico…não
existe nada próximo de um acordo em relação a regras específicas ou problemas concretos
(Meyer, 2012, p. 1008).
227
A necessidade de regimes (internacionais) completos e coerentes marca o advento da
dimensão pública da ordem jurídica internacional e a afirmação da comunidade internacional
(Brölmann, 2005, p. 387).
228
No cit. ac. 20.02.1969 relativo à plataforma continental do Mar do Norte o TIJ especi-
ficou as quatro condições para que uma regra convencional forme um costume: a) a disposição
ter carácter normativo; b) a convenção ser participada por um número elevado e representativo
de Estados, englobando aqueles que são particularmente interessados na matéria; c) a
disposição em causa não ter sido objeto de reservas; d) subsistir uma prática conforme da parte
dos estados após a entrada em vigor da convenção.

116
Oitava lição: o costume

A codificação (e o próprio desenvolvimento) – cuja defesa surge


em diferentes perspectivas doutrinais229 – muito embora não consuma
ou substitua as regras consuetudinárias, implica sempre um risco de
cristali- zação dos conteúdos (perdendo-se assim na regra codificada, a
adaptabi- lidade característica da regra consuetudinária), no entanto, a
diminuição da incerteza sobre a existência e conteúdo das normas,
certamente que se fornece um importante impulso à causa do direito
internacional.
O processo de codificação levado a cabo pela AG das NU inicia-se
com a decisão desta sobre o âmbito em relação ao qual esse processo se
dirigirá (podendo já aqui acolher sugestões da CDI).
Seguidamente a mesma AG confiará a preparação de um projecto
a um órgão permanente (CDI ou outro 230) ou a um comité temporaria-
mente constituído para o efeito. A preferência vai normalmente para a
CDI, órgão composto por trinta e quatro juristas independentes que ga-
rante não apenas a representação das principais formas de civilização e
sistemas jurídicos mundiais231, como ainda um grande rigor técnico e ci-
entífico.
A CDI começa normalmente por nomear de entre os seus
membros um relator e fixar um plano de trabalhos (estipulando metas
parciais ou gerais). Posteriormente o relator vai solicitar aos governos (e
eventual- mente a outras entidades envolvidas na matéria) o envio de
informações
229
A doutrina divide-se essencialmente em volta de três grandes objectivos: 1 a clarifica-
ção do conteúdo substantivo das regras tendo em vista a promoção da cooperação 2 a criação de
melhores condições de controlo do cumprimento das regras 3 a possibilidade de adequação dos
conteúdos aos interesses individuais dos Estados. Esta última posição – defendida por Timothy
Meyer (2012) – veio a merecer uma resposta de Jean Galbraith (2012). Quedando-se nos dois
primeiros objectivos (como é comum na doutrina) Luigi Ferrari-Bravo (1996, p. 347) defende que
a codificação prossegue um duplo objetivo: por um lado simplificar o direito internacional pree-
xistente tornando-o mais seguro, mais fácil e por isso mais acessível aos novos países e, por
outro, assegurar o objetivo do desenvolvimento progressivo referido no art. 13º CNU,
permitindo-lhe responder às exigências dos novos países em vias de desenvolvimento. Karl
Zemanek (1996, p. 224) introduz um outro argumento: o processo de codificação permitirá aos
novos Estados que não participaram na formação das regras consuetudinárias adequarem, se
necessário, as mesmas aos seus interesses ou preocupações.
Será importante na ponderação da relevância da codificação manter presente ainda o
facto de esta constituir o único meio através do qual é permitido às NU agir em termos regulató-
rios – já que não foi conferido a qualquer dos seus órgãos competência para adoptar atos nor-
mativos (Brölmann, 2005, p. 388).
230
Apesar do papel preponderante da CDI, devem realçar-se outras contribuições, nome-
adamente de outros órgãos subsidiários das NU – a Sexta Comissão da AG, a CNUDCI, o
Programa das NU para o Desenvolvimento, O Alto Comissariado para os Refugiados, etc. (Suy,
1996, p. 216) 231 Cf. Resolução 174 (II) da AG, de 1947, que cria a Comissão de Direito
Internacional. A
origem deste órgão remonta à Conferência de Codificação da Sociedade das Nações (cf.
Resolução da Assembleia da SdN de 1924, tendo em vista a criação de um Comité de Peritos
para a Codifica- ção Progressiva do Direito Internacional).
117
Rui Miguel Marrana

(sobre as práticas seguidas, etc.) e posições sobre a matéria, ou sobre


as- pectos específicos da mesma. A experiência ensinou que apenas para
esta recolha de elementos, é normalmente necessário conceder um
período não inferior a um ano.
Com base nos elementos recolhidos, o relator elabora um pro-
232
jecto , que consistirá em princípio num articulado antecedido por uma
introdução a qual faz um ponto da situação geral. Esse projecto é depois
discutido e aprovado pela CDI sendo incluído a título de comentário aos
diversos artigos, um resumo das posições registadas sobre a matéria.
Fre- quentemente o projecto é apenas parcial, recomeçando-se o
procedi- mento anterior: envio aos governos (e outras entidades se for
caso disso) para que estes se pronunciem, elaboração de novo relatório
que é apre- ciado novamente pela CDI e aprovado. Quando se chega a
um projecto final, este é remetido enquanto tal à AG com a
recomendação para que esta adopte uma das seguintes atitudes:
- nada fazer deixando que a publicação do projecto 233 (desde logo
no relatório da CDI à AG, que é amplamente difundido) possa ser
objeto do devido acolhimento pelos interessados, permitindo poste-
riores ajustamentos ou a evolução para a celebração de uma
convenção;
- tomar nota (através de uma Resolução) sublinhando a
importância do regime, chamando à atenção dos governos para o
mesmo e aguardar pelo acolhimento que o mesmo possa merecer;
- adoptar o projecto sob a forma de convenção convidando os
esta- dos a vincularem-se segundo os procedimentos próprios;
- convocar uma conferência234 que negoceie uma convenção a par-
tir do projecto.
Naturalmente que a proposta variará conforme exista (ou não) um
consenso generalizado em volta do regime codificado. A situação
poderá assim aconselhar que se avance imediatamente para a
celebração de uma

232
O projecto resultante de um processo de codificação contemplará necessariamente
algumas regras novas (desde logo por necessidade da coerência e completude do regime). A ex-
periência parece todavia demonstrar que o grau de inovação (ou desenvolvimento, para usar a
expressão do art. 13º CNU) tende a afectar directamente o seu acolhimento (Zemanek, 1996, p.
227).
233
Há já algumas décadas que se vem constatando que os Estados estão mais receptivos
aos projectos quando estes contemplam obrigações recíprocas, na medida em que lhes és facili-
tada a tarefa de ponderarem os seus interesses e conferirem a posição dos demais (Zemanek,
1996, p. 226).
234
Não parere existir uma relação directa entre o número de Estados que participam nas
conferências de codificação e o grau de aceitação do seu regime (Zemanek, 1996, p. 226).

118
Oitava lição: o costume

convenção (como aconteceu, p. ex. com as convenções relativas às acti-


vidades diplomática e consular, de 1961 e 1963) – ou, pelo contrário, o
carácter sensível do regime ou de algumas das soluções acolhidas,
poderá tornar preferível235 que se espere pela reacção que este possa
obter, para que, só depois de verificado um alinhamento das práticas no
sentido pre- visto, se avance para a celebração de uma convenção (é o
caso atual- mente em apreço na AG do regime relativo à
responsabilidade dos esta- dos).
O processo de codificação levado a cabo pela AG das NU236
conseguiu, ao longo de cerca de cinquenta anos, promover a codificação
de importantíssimos textos237, logrando ultrapassar as dificuldades
resultantes da bipolarização (que marcou as relações internacionais e o
funcionamento da ONU na segunda metade do século passado). Nas
condições de maior convergência conseguidas a partir dos anos 90,
espera-se que esse esforço possa caminhar no sentido de um
desenvolvimento ainda mais assinalável, assumindo-se este
procedimento como um estádio pré-normativo da comunidade
internacional.

Questões de revisão
A. Questões gerais
1. Refira-se ao fundamento da obrigatoriedade do costume;
2. Identifique os elementos do costume internacional, caracterizando-
os;

235
A realidade mostrou como algumas convenções elaboradas no âmbito de processos
de codificação não alcançaram o número de ratificações necessário para entrarem em vigor –
como foi o caso das duas convenções sobre a sucessão de Estados. Isso levantou a questão do
valor dessas mesmas convenções, em especial para os Estados que as não ratificaram. A
doutrina pa- rece convergir no sentido de que as disposições que codificam direito
consuetudinário vinculam também Esses estados, o mesmo não acontecendo em relação
àquelas que surgem a título de desenvolvimento do direito internacional. Não obstante, deve
reconhecer-se que a recusa gene- ralizada em ratificar o regime convencional enfraquece o
próprio conteúdo consuetudinário (Suy, 1996, p. 218).
236
Apenas referimos o trabalho de codificação e desenvolvimento levado a cabo pelas
NU. Existem, todavia, muitas instâncias internacionais que desenvolvem esforços na matéria.
Para uma visão compreensiva consultar a listagem disponibilizada pelo Secretariado da CDI (Doc.
A/CN.4/710 de 12.1.2018, pp. 170-171).
237
V. http://legal.un.org/ilc/ o trabalho da CDI. Será de realçar que, em determinadas
ma- térias - entre as quais releva o direito dos tratados que analisaremos nas próximas lições - as
convenções resultantes do processo de codificação tornaram-se mais do que uma referência
cen- tral. De facto, o seu regime presume-se universalmente aceite, mesmo entre os Estados
que as não subscreveram (Aust, 2004, p. 10).

119
Rui Miguel Marrana

3. Refira-se à relação hierárquica entre as regras consuetudinárias e ou-


tras fontes de direito internacional;
4. Diga o que entende por codificação do costume, distinga esta do de-
senvolvimento do direito internacional e refira-se aos termos em que esses
pro- cessos se desenvolvem.
B. Questões directas
1. Refira-se à importância do costume no quadro das fontes de direito
internacional;
2. Explique a relevância prática da resposta dada à questão do funda-
mento da obrigatoriedade do costume;
3. Refira-se à generalidade enquanto característica do uso;
4. Explique em que medida a actividade das organizações internacionais
facilita a formação das regras consuetudinárias;
5. Explique a relevância do decurso do tempo na formação do costume;
6. Refira-se à uniformidade ou homogeneidade do uso;
7. Explique em que termos se vem tentando obviar às dificuldades da
prova do elemento psicológico do costume.

Bibliografia de referência
CARREAU, Dominic 1999. Droit international, 6ª Ed., Paris: Pedone, pp.
258-283
ROBERTS, Anthea Elisabeth 2001.Traditional and Modern Approaches to
Customary International Law: a Reconciliation. American Journal of Interna-
tional Law, 95, pp. 757-791
MEYER, Timothy 2012. Codifying Custom, University of Pennsylvania Law
Review, Vol 160, pp. 995-1069

Leituras recomendadas
AGNIEL, Guy 1998. Droit International Public, Paris : Hachette, pp. 51-65.
SUY, Eric 1996. Développement progressif et codification du droit
International: le rôle de l'Assemblée Générale revisité. In UN (Ed.), Proceedings
of the Congress on Public International Law (pp. 215-223). New York, NY:
Kluwer
Law International
Recursos disponíveis on line238
A. Digests & Yearbooks
African Yearbook of International Law
(https://www.worldcat.org/oclc/461318163?ht=edition&referer=di)
Australian Year Book of International Law
(http://www.austlii.edu.au/au/journals/AUYrBkIntLaw/)

238
Para uma análise compreensiva dos recursos oficiais – de Estados e organizações
internacionais (incluindo os respectivos endereços internet) v. Doc. A/CN.4/710 (Ways and
means for making the evidence of customary international law more readily available).

120
Oitava lição: o costume

British Digest of International Law


(http://www.worldcat.org/oclc/1575679&referer=brief_results)
British Year Book of International Law
(http://bybil.oxfordjournals.org/)
German Yearbook of International Law
(http://www.gyil.org/)
Netherlands Yearbook of International Law
(http://journals.cambridge.org/action/displayJournal?jid=NYL)
New Zealand Yearbook of International Law
(http://www.nzlii.org/nz/journals/NZYbkIntLaw/)
Polish Yearbook of International Law
(http://www.inp.pan.pl/pyil/)
Palestine Yearbook of International Law
(http://www.brill.com/publications/palestine-yearbookinternational-law)
Revue Hellénique de Droit international (http://www.hiifl.gr/?
page_id=691&lang=en)
Digest of United States Practice in International Law
(http://www.state.gov/s/l/c8183.htm)
Annuaire Français de Droit International
(http://www.persee.fr/collection/afdi)
Spanish Yearbook of International Law
(http://www.sybil.es/)

B. O.I.
Yearbooks Yearbook of the United Nations
(http://unyearbook.un.org/)
UN Juridical Yearbook
(http://www.un.org/law/UNJuridicalYearbook/index.htm)
Yearbook of International Co-operation on Environment and Development
(YBICED)
(http://www.fni.no/projects/ybiced.html)
Yearbook of Commercial Arbitration
(www.kluwerarbitration.com/)

C. Research Guides
International and Foreign Legal Research. Researching Customary Inter-
national Law and Generally Recognized Principles. University of California,
Berkeley Law Library
(http://www.law.berkeley.edu/library/classes/iflr/customary.html)
Researching Public International Law: Custom and State Practice. Kent
McKeever. Columbia Law School Library
(http://www.law.columbia.edu/library/Research_Guides/internat_law/pubint#
custom_and_state_practice)
International Legal Research Tutorial – Duke University School of Law and
University of California, Berkeley, School of Law

121
Rui Miguel Marrana

(https://law.duke.edu/ilrt/cust_law_1.htm)
Researching Customary International Law, State Practice and the Pro-
nouncements of States regarding International Law, Silke Sahl
(http://www.nyulawglobal.org/globalex/Customary_International_Law.html)
Research Guide to Customs, General Principles & the Teachings of Highly
Qualified Publicists. Lee Peoples. Oklahoma City University Law Library
(http://www2.okcu.edu/law/lawlib/pdfs/guide_custom.pdf)
International and Foreign Legal Research – Berkeley
(https://www.law.berkeley.edu/library/staff/mhoffman/iflrbook/iflrchapter6.ht
ml)
Diplomatische Dokumente der Schweiz – Swiss database of diplomatic
documents
(http://www.dodis.ch/en)
Max Plank Institute for Comparative Public Law and International Law
(http://www.mpil.de/en/pub/research/areas/public-international-law.cfm)
Foreign Law Research Guides (US Library of Congress)
(http://www.loc.gov/law/help/foreign.php)

D. Aulas youtube
Pierre D’Argent - Universidade Católica de Louvain – 5 aulas (em inglês)
de sobre o costume
[The notion of customary international law - 4m:03s]:
https://www.youtube.com/watch?v=m4mmYbPv9WY
[Summing up the “two elements theory” - 6m:06s]:
https://www.youtube.com/watch?v=pbtjqrIoDMA
[The interplay between contrary practice and opinion juris - 2m:53s]:
https://www.youtube.com/watch?v=se2jXi8btcY
[Persistant objector - 6m: 35s]:
https://www.youtube.com/watch?v=h5lu72s6dXI
[Where and how to find custom - 6m:35s]:
https://www.youtube.com/watch?v=OxgH6GnkXjg

122
IX Lição
Convenções internacionais: noção,
terminologia e classificações

A. Objetivo
Inicia-se com esta lição o tratamento das convenções internacio-
nais. Trata-se, em nossa opinião, do âmbito técnico-jurídico mais rele-
vante na formação do estudante de direito internacional.
Seguimos nesta lição introdutória a abordagem tradicional confe-
rindo o conceito, a terminologia utilizada e as diferentes classificações
que são usadas.
A matéria das convenções ocupar-nos-á até à XV Lição. Valerá a
pena, ao aluno que esteja a iniciar o seu estudo da matéria, conferir
através do índice, o seguimento da exposição, para que se possa
aperceber imediatamente das principais questões a tratar e dos termos
em que estas são organizadas.

B. Importância
As convenções internacionais apresentam um carácter
relativamente pouco sofisticado quando comparadas com a lei (Shaw M.
N., 2008, p. 902). Trata-se, no entanto, de um instrumento cuja
importância vem aumentando239 ao longo dos tempos. Se até meados
do século passado apenas eram conhecidas cerca de 8.000 convenções,
a verdade é que após a II GM foram recenseadas mais de 50.000, ou
seja, são actualmente concluídas cerca de 1.000 convenções por
ano240. O

239
Não obstante, desde a antiguidade que se reconhece uma natureza sacrossanta aos
compromissos assumidos sob a forma convencional (Hollis, 2012, p. 1).
240
As convenções internacionais são obrigatoriamente enviadas ao Secretário-geral das
NU (art. 102º CNU), para registo e publicação no United Nations Treaty Series. Este serviço
dispo- nibiliza on-line (https://treaties.un.org/pages/MSDatabase.aspx) em versão PDF, o
Monthly Sta- tement of Treaties and International Agreements, onde podem ser consultadas as
convenções re- gistadas.
Ali se pode conferir que no ano de 2016 foram registadas 860 convenções (para 922 em
2015 e 778 em 2014). Na ponderação deste valor deve ter-se em atenção a política de
publicação

123
Rui Miguel Marrana

aumento do volume tem várias justificações: desde logo em resultado


do esforço de codificação que vem sendo desenvolvido desde então; por
outro lado, verifica-se ainda o surgimento de inúmeras convenções
resultantes da actividade das organizações internacionais241; finalmente
são ainda de salientar os novos âmbitos do direito internacional que se
têm desenvolvido essencialmente com base em tratados, como seja a
cooperação internacional e a integração económica.

C. Noção e terminologia
A partir de uma definição de convenção, vamos distinguir os ele-
mentos essenciais242 do conceito (aqueles cuja verificação simultânea é
imprescindível para que exista uma convenção), dos elementos acessó-
rios ou tendenciais (aqueles que muito embora surgindo nas definições,
não relevam do conceito).

que se dirige actualmente apenas uma parte das convenções multilaterais. Assim, a Resolução
33/141 A de 1978 da AG das NU autorizou o Secretariado-Geral a não publicar determinadas
categorias de tratados bilaterais. Posteriormente a Resolução 52/153 de 1997 a alargou o
âmbito da excepção a algumas categorias de tratados multilaterais.
José Alvarez (2002, p. 216) afirma que entre 1970 e 1997 o número de convenções inter-
nacionais mais do que triplicou e que nem os EUA – ostensivamente unilateralistas –
contrariaram a tendência, pois nos anos 90 concluíram 3.106 convenções, 3.690 na década
anterior, 3.212 na década de 70 e 2.438 na década de 60. Mesmo no plano estritamente
multilateral, os EUA têm visto crescer progressivamente o seu nível de envolvimento: só entre
1980 e 1991 regista-se a participação em 259 convenções multilaterais (Congressional Research
Service, 2001, p. 17). A listagem anual das convenções de que os EUA são parte pode ser
consultada em http://www.state.gov/s/l/treaty/tias/ onde se pode verificar que no ano de 2016
entraram em vigor nos EUA 88 convenções (bilaterais e multilaterais). Deve, no entanto, insistir-
se na resistência interna que vem sendo sentida em relação à assunção de obrigações
internacionais por via convencional – considerando que estas implicam limitações excessivas de
soberania, que servem para o governo federal contornar as prerrogativas dos Estados federados
e que implicam a integração em organizações que não partilham os valores americanos
(Guymon, 2016, p. 139).
Trata-se, de qualquer forma, do método mais formal e directo de produção de normas
internacionais (Shaw M. N., 2008, p. 902) e isso não será alheio à sua progressiva afirmação.
241
Das cerca de 1.500 convenções multilaterais em vigor, quase metade resultará do fun-
cionamento do sistema das NU - ONU e agências especializadas (Alvarez, 2002, p. 217). Veja-se
tb. o caso do Conselho da Europa, cuja actividade quase passa despercebida (as mais das vezes
confundida com a da UE) mas sob cuja égide foram celebradas até ao final de 2004, 196
convenções (Benoît-Rohmer & Klebes, 2005, p. 97). Esse número elevava-se a 223 em
31.08.2017 (cf. http://www.coe.int/fr/web/conventions/full-list).
242
Numa abordagem diferente daquela que aqui seguimos – e que parte do disposto no
manual do Prof. Gonçalves Pereira (1993) – veja-se a perspetiva americana segundo a qual a
natureza convencional resulta da reunião de quatro critérios: (a) da intenção das partes em con-
siderarem a convenção vinculativa e sujeita ao direito internacional (b) da convenção incidir
sobre matérias relevantes (c) da convenção fixar obrigações claras e específicas para as partes
(d) da forma da convenção evidenciar a natureza convencional (Congressional Research Service,
2001, pp. 3-4).

124
Nona lição: noção, terminologia e classificação das convenções

Tomemos então, como ponto de partida seguinte definição: con-


venção internacional é um acordo de vontades, em forma escrita, entre
sujeitos de direito internacional, agindo nessa qualidade, regido pelo di-
reito internacional, de que resulta a produção de efeitos jurídicos vincu-
lativos, qualquer que seja a sua denominação.
Vejamos cada elemento separadamente (sendo que para melhor
identificação visual, colocaremos entre parêntesis os elementos não es-
senciais à noção de convenção).

1. Acordo de vontades
Toda a convenção implica uma convergência de atos voluntários
(um contrato243), nos termos da teoria geral do negócio jurídico (cujos
princípios, por isso, se lhe aplicarão subsidiariamente).
Conforme veremos adiante (XIII Lição), em matéria de validade das
convenções, a afectação ou viciação do carácter voluntário, conduz à
nulidade (cf. pp. 231 ss. e 235 ss.).
As vontades não terão de se manifestar em simultâneo ou
paralelo, podendo ocorrer em momentos diferentes (o que constitui
aliás uma prá- tica corrente, na medida em que a vinculação de cada
Estado surge com frequência em momentos diferentes, maxime por
força da necessidade de ratificação).
Por outro lado, o acordo de vontades exprime-se com frequência
através de mais de um instrumento: ao texto do próprio acordo, acresce
normalmente o instrumento que formaliza a vinculação (p. ex. o instru-
mento de ratificação).

2. (Em forma escrita)


O art. 2º/1 a) CV69 refere a forma escrita na noção de tratado, mas
apenas para efeitos da mesma convenção. Atente-se pois ao disposto no
art. 3º que refere (entre outros aspectos) que a falta de forma não
afecta a validade nem exclui a aplicação das regras da convenção às
quais as
partes estariam submetidas independentemente desta. O que significa
que às convenções não escritas, aplicam-se (todas) as regras acolhidas
na CV69 que têm um carácter consuetudinário (que eram portanto,
obriga- tórias antes e independentemente de serem acolhidas aquando
da codi-

243
Para uma análise da proximidade e diferenças dos regimes contratual e convencional,
v. Jeffrey L. Dunoff & Joel P. Trachtman (1998, p. 23 ss.).

125
Rui Miguel Marrana

ficação da matéria). Ora, sendo a CV69 um diploma resultante de um


pro- cesso de codificação, necessário será admitir-se que o essencial das
re- gras244 dela integrantes tem origem consuetudinária.
A jurisprudência vem, aliás, desde muito cedo, confirmando a vali-
dade das convenções não escritas245.
Assim, muito embora a forma escrita seja unanimemente referida,
ela não consubstancia um elemento essencial do conceito, já que a sua
falta não afecta a subsistência ou a validade da convenção246.
O princípio geral na matéria será, portanto, o de que as
convenções não estão sujeitas a quaisquer exigências ou requisitos
formais247 (Shaw M. N., 2008, p. 905).

3. Entre sujeitos de direito internacional


3.1. Essencialidade do requisito
Trata-se de um requisito intransponível: apenas existem conven-
ções entre sujeitos de direito internacional.
A CV 69 – a que nos vimos referindo – apenas se aplica às conven-
ções entre Estados soberanos, mas existe uma outra convenção que re-
gula os tratados entre Estados e organizações internacionais (de 1986).
As convenções entre outros sujeitos de direito internacional não deixam
de assumir essa qualidade ou de serem válidas pelo facto de não se lhes
aplicar a referida CV69. Acontece no entanto que, nos termos do art. 3º,
apenas se lhes aplicarão as regras consuetudinárias da matéria.

244
O regime da CV69 tem um intuito abrangente procurando, através de uma esforçada
flexibilidade, permitir que os Estados possam regular os seus compromissos nos termos que lhes
pareçam mais adequados. Também por isso, o direito dos tratados que a CV69 revela é, com
algumas excepções, um direito subsidiário (Hollis, 2012, p. 3).
245
Cf. Parecer de 15.10.1931, relativo ao tráfego ferroviário entre a Lituânia e a Polónia,
no qual o TPJI admitiu a apreciação da questão ao abrigo de um acordo verbal. V. tb. ac. do
mesmo tribunal, de 5.04.1933, no caso da Groenlândia Oriental.
246
Anthony Aust (2004, p. 7) oferece uma ilustração bem mais recente: a disputa entre a
Dinamarca e a Finlândia relativa à construção de uma ponte por aquele Estado no Store Baelt,
foi solucionada em1992 através de uma conversação telefónica entre os respectivos primeiros-
mi- nistros, na qual se acordou um pagamento pela Dinamarca contra a desistência da instância
pela Finlândia do caso no TIJ. Dessa conversação não foi sequer acordada uma acta, sendo o
assunto todavia referido em obras como o Finnish Yearbook of International Law (1992), ou nos
Internati- onal Legal Materials (1993), da American Society of International Law.
247
Esta conclusão parece consolidada na jurisprudência internacional – arbitral (cf.
Newfoundland/Nova Scotia, de 17.05.2001, §3.15) e judicial (Plataforma Continental do Mar
Egeu, de 19.12.1978, §95).

126
Nona lição: noção, terminologia e classificação das convenções

3.2. Critérios de determinação dos sujeitos


A primeira questão a resolver a propósito deste requisito é, por-
tanto, a de saber quem são os sujeitos de direito internacional, já que só
estes e apenas entre estes se podem celebrar convenções.
A resposta definitiva para esta questão deverá buscar-se na quarte
parte, quando tratarmos a questão dos sujeitos, que adiante, nas nossas
lições. No entanto, porque a abordagem do problema não será total-
mente equivalente, justifica-se agora uma referência, ainda que
sumária.
A necessidade do estudo dos sujeitos de direito internacional as-
sume particular relevância quando se abandona a ideia de que no plano
internacional, existe apenas um sujeito: o Estado (soberano). Essa era a
visão tradicional (que apenas encarava portanto, o particular enquanto
nacional de um Estado, ou uma organização internacional como uma
agregação – mais ou menos – pontual de Estados).
Actualmente é pacífico o reconhecimento de outros sujeitos de di-
reito internacional: desde logo as organizações internacionais 248, mas
também os Movimentos Nacionais ou Movimentos de Libertação Nacio-
nal249 e os beligerantes, para além de outras figuras com menor impor-
tância. Todos eles, enquanto sujeitos, têm capacidade para celebrar
con- venções (muito embora essa capacidade apenas seja plena no caso
dos Estados soberanos, conhecendo limitações em todos os outros
casos).

248
A marcar a mudança de perspetiva está exactamente o Parecer do TIJ de 11.04.1949.
A AG, por Resolução do ano anterior, perguntou ao TIJ se a ONU, quando um agente seu sofre
danos causados por acto ilícito imputável a um Estado, pode reclamar a reparação quer do dano
sofrido pela própria ONU quer do dano sofrido pela vítima ou seus representantes.
Naturalmente que a admitir-se o direito de reclamação das NU (como veio a acontecer), estava
reconhecida oficialmente a personalidade e capacidade internacionais desta organização
internacional. E, ul- trapassada a exclusividade da personalidade estadual, estava levantado o
problema de saber quais os requisitos dessa personalidade. Se o TIJ entendesse que o único
sujeito de direito inter- nacional continuava a ser o Estado, então teria de ter negado à ONU o
direito de reclamação, atribuindo aos seus Estados-membros o direito de reclamarem em
conjunto contra os danos so- fridos e ao Estado de quem o funcionário era nacional, o direito de
reclamar a compensação pelos danos sofridos por este (nos termos do regime da protecção
diplomática).
249
A questão dos Movimentos de Libertação Nacional ganhou importância nos anos 60,
tendo a AG das NU adoptado desde então importantes resoluções na matéria (cf. Resoluções
3237
(XXIX) de 1974, 3280 (XXIX) de 1974 e 31/152 de1976; mais recentemente V. a Resolução 41/71
de 1986, relativa ao Estatuto de observador dos Movimentos de Libertação Nacional
reconhecido pela Organização de Unidade Africana e pela Liga Árabe. A situação de processo de
auto determi- nação que mais tempo se tem arrastado e em relação à qual foram produzidos
mais atos, é a da Palestina. Para uma visão sumária da evolução da situação a partir da questão
da sua representa- ção nas NU v. o parecer relativo ao Estatuto, privilégios e imunidades da
missão permanente de observação da Palestina na ONU (United Nations, 2000, p. 359 ss.). V. tb.
outros exemplos pon- tuais no Juridical Yearbook (United Nations, 1982, pp. 156-159; United
127
Rui Miguel Marrana
Nations, 1988, pp. 105, 369 ss., 414 ss.; United Nations, 1990, p. 271 ss.)

128
Nona lição: noção, terminologia e classificação das convenções

Admitida a existência de outros sujeitos que não apenas de


Estados, surge outra questão, esta de natureza prática (mas nem por
isso menos complexa): a do seu reconhecimento. Isto porque, ao
contrário do que acontece no plano interno em que existem autoridades
capazes de deter- minar a qualidade e a capacidade dos sujeitos, no
plano internacional essa função não está atribuída a qualquer entidade.
Donde resulta a questão de saber se a qualidade de sujeito resultará –
ou não – do mero facto de ser invocada. Não parecendo ser possível
admitir-se tal solução, vem-se desenvolvendo um regime na matéria,
nos termos da qual se a- dmite em geral, que a qualidade de sujeito
resulta do reconhecimento como tal por um Estado ou por uma
organização internacional (teremos portanto enquanto regra geral, a do
efeito constitutivo do reconheci- mento dos sujeitos).
Nos casos dos Estados e das organizações internacionais, a quali-
dade de sujeito já não resulta do reconhecimento (e portanto, para
estes sujeitos o reconhecimento tem um efeito meramente declarativo)
mas de outros factos. Assim, a organização internacional adquire
personali- dade jurídica internacional se a convenção que lhe der origem
lhe atribuir essa mesma personalidade250. Para os Estados, a
personalidade resulta da reunião dos três elementos caracterizadores:
povo, território e poder político soberano.
O regime do reconhecimento dos Estados acabado de referir, não
é prático, tal como pode facilmente verificar-se. Na verdade, subsiste a
questão de saber a quem cabe aferir efectivamente da reunião dos ele-
mentos próprios da estadualidade. Daí que tenhamos de prestar alguma
atenção à forma como na prática internacional se tem resolvido a ques-
tão.
A prática atual vai no sentido do reconhecimento implícito da qua-
lidade estadual, o qual resultaria desde logo da admissão na AG das NU,
ou da adesão ao ETIJ. Qualquer um destes atos torna, na verdade, in-
questionável a constatação generalizada da qualidade estadual. O pro-
blema vai surgir por isso em relação às entidades que conseguem ser a-
dmitidas (com a mesma qualidade estadual) em algumas agências espe-
cializadas das NU, nas quais não existe direito a veto na mesma
admissão,

250
A título de exemplo particularmente intrincado, citem-se os casos da Comunidade Eu-
ropeia – cuja personalidade jurídica decorria expressamente do disposto no Tratado de Roma
(que a instituía, tendo a designação sido alterada para Tratado sobre o Funcionamento da União
Euro- peia, pelo Tratado de Lisboa de 2007). Já a União Europeia, foi criada pelo Tratado de
Maastricht de 1992, mas paradoxalmente não lhe foi atribuída personalidade jurídica
internacional. Essa si- tuação manteve-se até à fusão entre ambas (pelo Tratado de Lisboa).

129
Rui Miguel Marrana

pelo que a mera maioria dos Estados pode – e muitas vezes consegue –
forçar esse reconhecimento em situações que não são claras. E coloca-
se com ainda maior acuidade em relação a entidades que nem sequer a
qua- lidade de membros de uma agência detêm, assumindo-se não
obstante como estados251 e nessa qualidade pretendendo vincular-se a
conven- ções.
Perante tais dificuldades252 persistem assim em termos internacio-
nais (United Nations, 1999, pp. 21-23, § 73-83), apenas dois critérios (de
aplicação sucessiva):
- a fórmula de Viena, nos termos da qual apenas se consideram Es-
tados as entidades admitidas na AG, que tenham aderido ao ETIJ ou te-
nham sido admitidas em alguma agência especializada;
- o critério da prática da AG253, que exige uma indicação clara
deste órgão no sentido de considerar expressamente tais entidades
como Esta- dos, para efeitos de vinculação convencional, se estas não
preenchem os requisitos da fórmula de Viena.
3.3. Os quase-tratados
Estando nós a tratar da qualidade dos sujeitos como requisito es-
sencial do conceito de convenção internacional justifica-se referir uma
si- tuação especial que com ela se prende: os chamados quase-tratados
– ou seja, os acordos (contratos) entre Estados e pessoas (colectivas)
privadas estrangeiras.
251
Em relação aos territórios não independentes, a regra geral é de que em princípio não
dispõem de capacidade para concluir convenções. Os Estados em que essas entidades se
integram podem todavia autorizá-las excepcionalmente a participarem, dentro de determinadas
condições. É o caso de Hong Kong que é parte da Organização Meteorológica Mundial (World
Meteorological Organization - WMO), da Organização Mundial do Turismo (World Tourist
Organization) e da OMC (World Trade Organization). Por vezes essa participação está mesmo
prevista: o art. 305º da Con- venção das Nações Unidas sobre o direito do Mar, de 1982 (United
Nations, 2003, p. 27/28).
252
As dificuldades decorreram fundamentalmente da aplicação da fórmula todos os Esta-
dos que era utilizada em muitas convenções com vocação universal. Durante o período da cha-
mada guerra-fria, surgiram alguns atritos em relação a entidades que não eram reconhecidas
como Estados (entre as quais a República Democrática Alemã, o Vietnam do Norte e a Coreia do
Norte) mas que, não obstante, pretendia vincular-se a determinadas convenções. Estas disputas
tinham uma natureza mais político-estratégica do que propriamente técnica e por isso as NU vie-
ram a desenvolver critérios objectivos que permitissem ultrapassá-las.
253
Este último critério surgiu em 1973 com a adopção da Convenção sobre a Prevenção e
Repressão de Crimes contra Pessoas Gozando de Protecção Internacional, Incluindo Agentes Di-
plomáticos, de 1973, altura em que a AG das NU instruiu expressamente o Secretário-geral no
sentido de que, sempre que este, no exercício das funções de depositário de convenções, fosse
confrontado com a fórmula todos os Estados, seguisse a prática da AG ou que, sempre que fosse
aconselhável, solicitasse o parecer desta antes de aceitar a assinatura ou o instrumento de ratifi-
cação ou adesão (United Nations, 1974, p. 157 ss.; United Nations, 1976, p. 186 ss.; Aust, 2004,
p. 92).

130
Nona lição: noção, terminologia e classificação das convenções

Tradicionalmente a situação era abordada nos termos gerais: con-


siderava-se que estes contratos254 estavam abrangidos pelo direito
admi- nistrativo (equiparando-os portanto aos contratos celebrados
entre as pessoas colectivas de direito público e os nacionais – pessoas
individuais ou colectivas).
A situação viria a sofrer todavia alguma evolução no pós-guerra.
Desde logo, porque a imunidade de soberania (invocada pelos Estados
na matéria), começou então a ser progressivamente posta em causa, e
por outro lado, porque as garantidas dadas aos privados pelas ordens
jurídi- cas nacionais passam a ser cada vez mais sentidas como
insuficientes. A situação que despoletou essa evolução foi a dos
contratos de investi- mento internacional, muito frequentes com o
desenvolvimento das rela- ções económicas internacionais a partir dessa
altura. Estes contratos en- volvem normalmente empresas
multinacionais que efectuam investi- mentos avultados, as quais, em
muitas situações, viram os seus interesses ameaçados por atos de
nacionalização dos seus bens, sem garantias de uma justa reparação.
Depressa os riscos de nacionalização levaram a que as empresas se
abstivessem de efectuar tais investimentos, com grande prejuízo para os
países menos desenvolvidos, cujas economias debilita- das, se
mostravam necessitadas dos afluxos de capitais e das transferên- cias de
tecnologia decorrentes desses investimentos. Daí que tenha sur- gido,
sob os auspícios do Banco Internacional de Reconstrução e Desen-
volvimento (primeira instituição daquilo que hoje em dia, se designa
como o grupo do Banco Mundial) a Convenção de Washington de 1965
ou Convenção para a Resolução dos Diferendos Relativos aos
Investimen- tos. A adesão da esmagadora maioria dos Estados 255 a esta,
pela garante aos investidores um regime de protecção internacional
específico que afasta a possibilidade de nacionalização (ou outra medida
abusiva) levada a cabo pelas autoridades nacionais, já que em caso de
litígio, intervirá uma entidade arbitral (o International Centre for
Settlement of Invest- ment Disputes ou Centro Internacional para o
Regulamento dos Diferen-

254
V. caso dos empréstimos sérvios e brasileiros, em cujo dictum de 12.07.1929, o TPJI
afirmou que todo o contrato que não seja um contrato entre Estados enquanto sujeitos de direito
internacional funda-se no direito nacional (CIJ/ICJ, 1988, p. 41). Esta visão dual (que de alguma
forma obriga os contratos a caracterizarem-se ou como convenções ou como contratos de natu-
reza interna) conhece ainda hoje afloramentos - foi p. ex. defendida pela Noruega no caso dos
empréstimos noruegueses (CIJ/ICJ, 1957, p. 8/9), apreciado pelo TIJ em 6.07.1957, e conhece um
acolhimento assinalável nos países em vias de desenvolvimento).
255
Em 2005 a convenção contava com a assinatura de 159 Estados, 151 dos quais defini-
tivamente vinculados através de ratificação (ICSID, 2015, p. 5). Ali se incluem todos os países da
OCDE (com excepção do Canadá, México e Polónia) e todos os Estados-membros da UE.

131
Rui Miguel Marrana

dos Relativos aos Investimentos) que decidirá por aplicação de regras in-
ternacionais256. Na sequência deste instrumento central, outros
surgiriam
– nomeadamente no quadro atual da OMC, protegendo, por via conven-
cional internacional, os investimentos internacionais257.
Nestes termos, estes contratos internacionais de investimento (os
quase-tratados) já não se situam exclusivamente ao abrigo do direito in-
terno, tendo portanto, sido objeto de um processo de internacionaliza-
ção258 (tendo em vista a sua protecção259). Não parece todavia que
devam ou possam considerar-se convenções internacionais260.
O mesmo acontece com os acordos entre sujeitos de direito inter-
nacional e as ONG ou qualquer outro tipo de associações de direito
privado. A valorização internacional destes sujeitos 261, mesmo quando
permita a sua eventual qualificação como sujeitos de direito
internacional (com capacidade derivada, funcional e relativa), não
engloba em termos gerais, a capacidade para celebrarem convenções
internacionais.

256
Os mecanismos instituídos pela Convenção de Washington de 1965 constituem nos
nossos dias uma infra-estrutura central no comércio internacional, para eles remetendo diversas
convenções. Na extensa lista de convenções bilaterais celebradas com base no seu regime (cf.
https://icsid.worldbank.org/apps/ICSIDWEB/resources/Pages/Bilateral-Investment-Treaties-
Database.aspx) podem retirar-se diversos acordos subscritos por Portugal (em 9.12.2005 com a
China, em 17.04.2007 com Marrocos, em 23.07.2007 com o Kuwait, em 17.03.2009 com a Jordâ-
nia, em 16.09.2009 com a Sérvia, em 21.09.2009 com o Qatar, em 25.01.2011 com o Senegal,
em 19.11.2011 com os Emiratos Árabes Unidos - para referir apenas os últimos, sendo que três
deles não estão ainda em vigor).
Sobre a generalização dos acordos bilaterais de investimento V. Zachary Elkins, Andrew
T. Guzman & Beth A. Simmons (2006). Estudos recentes mostram todavia como a mera
existência de acordos bilaterais de investimento é insuficiente para gerar investimento externo -
cf. Jennifer Tobin & Susan Rose-Ackerman (2005), Eric Neumayer & Laura Spess (2005), Jason W.
Yackee (2007).
257
V. tb. Guidelines for Multinational Enterprises (OECD, 2011), que estabelece uma série
de princípios de conduta na matéria e que tem sido objeto de relatórios anuais de acompanha-
mento.
258
O processo de internacionalização dos contratos de investimento desenvolveu-se
muito por via da submissão dos diferendos na matéria a instâncias arbitrais (que não apenas a
do International Centre for Settlement of Investment Disputes). Sobre a matéria v. Walid Ben
Hamida. (2005).
259
Sobre a matéria V. Nikièma (2012).
260
Conforme vem sendo aliás reconhecido pelas decisões de tribunais arbitrais sobre a
matéria: cf. Ac. Texaco-Calasiatic vs. Líbia, de 1977 tb. ac. 22.07.1952 do TIJ no caso Anglo-
Iranian. 261 Recorde-se que nos termos da Resolução ECOSOC 1996/31 de 1996, as ONG,
podem
ser registadas junto do Conselho Económico e Social das NU. V. tb. o parecer de 2000.21.07 rela-
tivo à acreditação de ONG em encontros preparatórios regionais para efeitos da referida resolu-
ção (United Nations, 2000, pp. 362-363); v. tb o parecer relativo ao estatuto legal da missão de
observação permanente da Conferência Islâmica na ONU (United Nations, 1999, p. 408); v. tb. o
parecer relativo à participação de ONG’s na Comissão relativa ao Estatuto da Mulher – nos

132
Nona lição: noção, terminologia e classificação das convenções
termos da Resolução da AG 52/100 de 1997.12.12 (United Nations, 1998, p. 488).

133
Rui Miguel Marrana

Importará manter presente, a terminar que, conforme veremos


posteriormente em sede de validade das convenções, a falta de
qualidade das partes (o facto de uma delas não ser sujeito de direito
internacional) não afecta a validade dos atos convencionais, os quais
poderão manter o seu valor a outro título (enquanto atos de outra
natureza, que não convenções internacionais propriamente ditas),
conforme resulta do art. 3º CV69. O facto de uma ou mais partes não ser
um sujeito afecta por- tanto a qualidade convencional mas não
necessariamente a sua vali- dade262.

4. Agindo nessa qualidade


Os sujeitos de direito internacional podem estabelecer entre si
acordos sem que todavia ajam nessa qualidade (de sujeitos internacio-
nais). Se por exemplo, um Estado concorre a uma herança num país es-
trangeiro enquanto herdeiro ou sucessor legítimo de um seu nacional e
nesse enquadramento estabelece um acordo com outros concorrentes
(eventualmente outro Estado), a sua posição nesse acordo é de mero
pri-
vado, e não a de sujeito de direito internacional. Da mesma forma, se
pretende realizar com outro Estado, um contrato de compra e venda de
um imóvel, visando uma utilização comercial, a intervenção de ambos
ocorre em princípio na qualidade de particulares (sujeito ao regime jurí-
dico do Estado onde se situam os bens), não se tratando por isso de
uma convenção, mas de mero contrato.
Para que exista uma convenção internacional é pois necessário
que os sujeitos de direito internacional ajam nessa qualidade263.

5. Visando a produção de efeitos jurídicos vinculativos


Os sujeitos de direito internacional podem, agindo nessa qualidade,
concluir acordos aos quais não pretendem atribuir efeitos vinculativos264

262
Subsiste ainda um tipo particular de tratados (assim designados) que envolvem enti-
dades que não podem considerar-se sujeitos de direito internacional, mas cuja natureza é sui ge-
neris. Referimo-nos aos povos indígenas com os quais os Estados contemporâneos estabelecem
acordos que lhes reconhecem direitos especiais e regulam as relações mútuas. Sobre o assunto
v. David Llewellyn & Maureen Tehan (2004).
263
Existe ainda uma situação-tipo que escapa à noção de convenção: a dos acordos
priva- dos estabelecidos entre príncipes. Historicamente os contratos de casamento entre
príncipes eram considerados como convenções internacionais - o Acordo de 1925, entre o Reino
Unido e a Suécia relativo ao casamento de Lady Mountbatten com o príncipe herdeiro sueco, foi
ainda pu- blicado na Colectânea de Tratados da SdN (Lavenue, 2013, pp. 2, Tit I Cap I).
Actualmente, porém, a distinção entre o foro privado e público é clara, afastando quaisquer
hesitações.
264
Com frequência – as mais das vezes, reconheça-se – a doutrina faz equivaler a expres-
são efeitos jurídicos a efeitos jurídicos vinculativos, o que não se nos afigura correcto. Assim, por

134
Nona lição: noção, terminologia e classificação das convenções

(imediatos): é o caso dos chamados atos concertados não convencio-


nais, tais como as declarações políticas, os gentlemen agreement, as co-
municações, os modus vivendi, os códigos de conduta, etc. Apenas exis-
tem convenções quando os sujeitos pretendem265 que o acordo de von-
tades seja juridicamente vinculativo266, o que não se verifica em
nenhuma das situações referidas (nestes casos, encontramos termos
que preten-

exemplo no caso em apreço é manifesto que se trata de atos que não pretendem vincular as
partes a uma obrigação juridicamente exigível. Mas é também pacífico que esses atos são juridi-
camente relevantes, na medida em que produzem outros efeitos (que não a vinculação): desde
logo, as expectativas criadas autorizam determinadas condutas (nomeadamente a invocação do
estoppel); por outro lado, a solicitação do seu cumprimento nunca configura uma ingerência ou
acto inamistoso; reconhece-se ainda que estes atos neutralizam a aplicação de eventuais regras
anteriores nas relações mútuas e finalmente, pode também referir-se que com frequência, con-
tribuem para a formação de convenções.
Diversamente, por exemplo no caso dos atos unilaterais (que de alguma forma, são o
inverso dos atos concertados, já que não resultam de um acordo – são unilaterais – mas visam a
produção de efeitos vinculativos), a doutrina tende a bastar-se na sua definição com a referência
à produção de efeitos jurídicos - v. nomeadamente a definição que surgia nos trabalhos da CDI
(1999, p. 220) e que veio todavia a ser alterada alguns anos mais tarde, referindo-se então o
efeito de criar obrigações jurídicas (CDI/ILC, 2006, p. 386).
265
Para um correcto enquadramento da relevância da vontade das partes V. a decisão de
1.07.1994, do TIJ, relativa à delimitação marítima e questões territoriais entre Qatar e Bahrein
(competência e admissibilidade). Ali o tribunal não aceitou a argumentação do Ministro do Bah-
rein quando afirmou que ao assinar as minutas do acordo não pretendia vincular o Estado, mas
tão só subscrever um mero acordo político, até porque segundo a Constituição deste, a
vinculação a convenções em matéria territorial apenas podia ocorrer por força de um acto
legislativo. O TIJ considerou que a assinatura de um texto do qual constavam obrigações
específicas aceites por ambos os governos (parte das quais imediatamente exigíveis), impedia
que viesse mais tarde in- vocar tal intenção (CIJ/ICJ, 1994, pp. 121,122 § 26, 27), reconhecendo
assim o carácter obrigatório do mesmo.
266
Na doutrina e prática convencionais norte-americanas este elemento da criação de
efeitos jurídicos obrigatórios ou vinculativos (binding, na expressão jurídica em língua inglesa) é
normalmente tido como essencial. Vejam-se a propósito as orientações internas do Departa-
mento de Estado (Memorandum de 12.3.1976, de Monroe Leigh, Legal Adviser, Department of
State) relativas à determinação dos elementos de uma convenção internacional: (1) as partes
têm de pretender vincular-se sob o direito internacional, (2) a convenção tem de assumir
relevância internacional e não tratar de trivialidades, (3) as obrigações têm de estar claramente
expressas e serem objectivamente implementáveis, (4) a convenção tem de ter duas ou mais
partes e (5) deve seguir uma das fórmulas consuetudinárias (Congressional Research Service,
2001, p. 50; McDowell, 1976, pp. 263-267). Nestas circulares internas salienta-se também a
importância do acordo como eventualmente relevante para a determinação do seu carácter
jurídico-convencio- nal. Assim, segundo um exemplo curioso, a promessa de venda de um mapa
a um Estado estran- geiro não constituirá certamente uma convenção, mas a promessa de venda
de um milhão de mapas certamente sê-lo-á (cf. Memorandum 12.03.1976, cit.). Sendo relevante
na prática essa chamada de atenção, julgamos todavia que ela se subsume no carácter
vinculativo das obrigações assumidas, ou seja, a importância destas ditará a ponderação do
carácter vinculativo ou não das mesmas.

135
Rui Miguel Marrana

dem regular as relações mútuas, mas sem que todavia se pretenda atri-
buir a esses compromissos efeitos vinculativos, ficando portanto o seu
cumprimento apenas dependente da boa-fé das partes).
De facto, tal como se salienta na doutrina, a produção de efeitos
jurídicos vinculativos – a criação de obrigações – constitui uma função
essencial (Hollis, 2012, p. 2), e daí tratar-se de um elemento essencial do
conceito.

6. (Regido – ainda que não exclusivamente – pelo direito


internacional)
A exigência é redundante (se surgir a par dos elementos anterior-
mente referidos): todo o acordo de vontades entre sujeitos de direito in-
ternacional agindo nessa qualidade tendo em vista a produção de
efeitos jurídicos, é necessariamente regido pelo direito internacional. A
exigência é apenas importante quando vista isoladamente: não há
convenções in-
ternacionais que não sejam regidas pelo direito internacional267.

7. (Qualquer que seja a sua denominação)


Trata-se de uma característica corrente dos negócios jurídicos: a
sua qualidade depende da verificação dos requisitos próprios e não da
qualificação que lhes é dada268. No âmbito convencional abundam as
de- signações269, que nem sempre são utilizadas de forma idêntica,
tratando-

267
A referência tem a ver com a abordagem que inicialmente se fazia da questão, nome-
adamente no âmbito dos contratos internacionais. Assim, no ac. 12.07.1929 relativo aos emprés-
timos sérvios e brasileiros o TPJI distinguia a natureza internacional ou interna segundo o
ordena- mento aplicável (CPJI/PCIJ, 1929, p. 41). A abordagem não nos parece relevante na
identificação dos elementos essenciais das convenções internacionais, já que, conforme se
refere no texto, a aplicação do direito internacional decorre de se tratar de uma convenção e
não o contrário.
268
Na decisão de 1.7.1994 (CIJ/ICJ, 1994, p. 120 § 23), relativa à delimitação marítima e
questões territoriais entre Qatar e Bahrain o TIJ recordou que, tal como havia referido no ac.
19.12.1978, relativo à plataforma continental do Mar Egeu, desconhece qualquer regra de
direito internacional que possa impedir um comunicado conjunto de constituir um acordo
internacional no sentido de submeter uma disputa a arbitragem ou resolução judicial (CIJ/ICJ,
1978, p. 39 § 96).
269
A constatação é pacífica, sendo explícita no referido ac. 1.7.1994 do CIJ relativo à deli-
mitação marítima e questões territoriais entre Qatar e Bahrain (CIJ/ICJ, 1994, p. 120 § 23).
Assim, o uso de uma ou outra expressão tende a revelar apenas o maior ou menor empenho em
136
Nona lição: noção, terminologia e classificação das convenções
variar (Shaw M. N., 2008, p. 904).

137
Rui Miguel Marrana

se no entanto e em todos os casos270, de convenções internacionais.


Jus- tificar-se-á uma referência às seguintes designações (que as
convenções adoptam para si mesmas):
 Tratado: é a designação tradicional e mais corrente. Utilizada de
forma abrangente na terminologia jurídica (como é o caso da
CV69), pode também surgir para referir tratados solenes por
opo- sição aos acordos em forma simplificada (é esta a acepção
em que o termo é utilizado na CRP);
 Acordo: designação correntemente utilizada para acordos em
forma simplificada, mas que surge também em tratados solenes
(nor- malmente no âmbito económico).
 Convenção: designação frequentemente utilizada para os tratados
concluídos sob a égide de organizações internacionais (cf. a Con-
venção de Viena, concluída sob a égide das NU, ou a Convenção
Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem de 1950,
conclu- ída sob a égide do Conselho da Europa). Pode também
utilizar-se em termos abrangentes, na linguagem corrente para
englobar tra- tados solenes e acordos em forma simplificada, tal
como vem acontecendo connosco, ou se pode verificar na
terminologia cons- titucional nacional.
 Convénio: designação utilizada em convenções de natureza econó-
mica (cf. Convénio Internacional do Café de 28.09.2000)
 Carta, Pacto e Constituição: designações utilizadas para convenções
que criam organizações internacionais (cf. respectivamente a
Carta das Nações Unidas, de 1945, o Pacto das Nações, de 1919,
e a Constituição da Organização Internacional do Trabalho, de
1919).
 Acto/Acta: designação muito utilizada para referir convenções re-
sultantes de conferências intergovernamentais que tratam maté-
ria limitadas (Acta geral da Conferência de Berlim, de 1885, ou de
Helsínquia, de 1975, Acto Geral de Arbitragem de 1928, Acto
Único Europeu de 1986);

270
A principal relevância da designação tem a ver com o facto de poder servir como
indício relativamente à natureza vinculativa ou não de um acordo. Assim, fora os casos referidos
na nota seguinte, encontramos algumas expressões que são geralmente utilizadas para acordos
não vin- culativos (Declaração Solene, Protocolo de Decisão, Termos de Referência, Declarações
Conjuntas, etc.) mas que, não obstante, por vezes surgem a designar verdadeiras convenções
(Aust, 2004, p. 22 ss.).

138
Nona lição: noção, terminologia e classificação das convenções

 Estatuto: designação utilizada para as convenções que regulam a


actividade dos tribunais internacionais (cf. ETIJ de, ou o Estatuto
do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias).
 Protocolo: designação frequentemente utilizada para referir con-
venções que desenvolvem autonomamente o regime de outras
convenções, surgindo com frequência anexadas a estas (cf. os
nu- merosos protocolos que surgem em anexos aos diversos
tratados comunitários) 271.

D. Classificações
Toda a classificação é, em última instância um exercício doutrinal
que pode desenvolver-se indefinidamente. A sua importância reside na
capacidade que cada classificação revelar, em termos de salientar
lógicas que sendo distintas (em cada agregação), sejam também
consequentes (em termos de poderem ajudar na compreensão da
realidade convencio- nal internacional) 272.
Isto dito, bem se percebe que nenhuma classificação seja
completa (quiçá nem o pretenda). As sucessivas distinções apresentadas
devem no entanto evidenciar os elementos distintivos que facilitem a
compreensão da complexidade própria da realidade convencional.

1. Classificação material273
1.1. Tratado-lei
O conceito de tratado-lei sublinha a função normativa que as con-
venções podem assumir (e que hoje em dia, é cada vez mais importante),

271
Anthony Aust chama à atenção para dois tipos de atos cuja utilização prática nem
sempre é clara: os memorandos de entendimento e as trocas de notas. Aquela primeira designa-
ção frequentemente é tida como referindo-se a atos não obrigatórios (sendo mesmo utilizada
como designação genérica desse tipo de atos), podendo todavia surgir em atos que são verda-
deiros tratados. Também a troca de notas se pode referir a um memorando de entendimento (a
um acto não obrigatório, portanto), ou a uma convenção, com efeitos obrigatórios. Tendencial-
mente o texto de tais acordos refere-se expressamente a situação, esclarecendo eventuais dúvi-
das (Aust, 2004, pp. 20, 21).
272
Muito embora as classificações não impliquem efeitos jurídicos de per se, a doutrina
vem insistindo no facto de a tipologia convencional dever ser tida em conta em operações jurídi-
cas essenciais, como seja a interpretação. V. nomeadamente Wessel (2004).
273
No quadro do Conselho da Europa (a cujas convenções as classificações agora enunci-
adas apresentam pouca utilidade) propõem-se outras classificações materiais, nomeadamente

139
Rui Miguel Marrana

referindo-se, portanto, à criação (por via convencional) de regras (de


comportamento) aplicáveis às partes. Nela se inscrevem as principais
convenções analisadas e estudadas na disciplina de direito internacional
(desde logo a CV69 sobre direito dos tratados), sendo de sublinhar que
por exemplo, o processo de codificação do costume – a que nos
referimos supra – visa apenas este tipo de convenções (na medida em
que o próprio costume apenas integra normas de comportamento).
A especificidade e importância dos tratados-lei é pacífica na juris-
prudência internacional (cf. ac.s de 18.07.1966 do TIJ, Sudoeste africano;
23.03.1995 do TEDH, Loizidou vs. Turquia).
O conceito sublinha, portanto, o conteúdo ou substância
específica das normas que se afasta da natureza contratual (própria dos
tratados) para assumir um carácter dispositivo ou estatutório274. Por
isso, tal como salientava Sir Gerald Fitzmaurice, as obrigações
resultantes dos tratados- lei assumem um carácter geral, integral ou
absoluto, configurando um re- gime genérico - e já não um regime
relativo apenas aos Estados parte (CDI/ILC, 1957, p. 62 §126; CDI/ILC,
1958, p. 27 (art.18.º/2)).
Os tratados-lei assumem especial relevância no séc. XX quando a
comunidade internacional procura garantir a paz através de
instrumentos jurídicos (Brölmann, 2005, p. 386).
1.2. Tratado-contrato
O tratado-contrato – tal como decorre da noção expressa na desi-
gnação - visa estabelecer (fixar) as prestações e correspondentes contra-
prestações a que as partes se obrigam mutuamente. Há, portanto, uma
situação de reciprocidade nos direitos e obrigações das partes
(Brölmann, 2005, p. 384) – mesmo em tratados multilaterais, nos casos
em que po- dem ser fragmentados em relações bilaterais (ibidem, p.
390).
Muito embora seja frequente a referência de que esta distinção
não envolve qualquer efeito jurídico (por se tratar, na verdade, de uma
abor- dagem doutrinal com fins desde logo pedagógicos - procurando
salientar- se as diferentes lógicas que podem informar a elaboração de
uma con- venção, ou melhor ainda, as regras aí incluídas), valerá a pena
chamar à atenção para o facto de existirem regimes cuja natureza
torna aplicável

segundo a finalidade da convenção - harmonização normativa ou cooperação - e segundo os do-


mínios - reforço democrático, direitos do homem, cultura, etc. (Benoît-Rohmer & Klebes, 2005,
pp. 114-117).
274
Na origem da classificação material dos tratados, Sir Gerald Fitzmaurice (primeiro re-
lator da CDI do tópico do direito dos tratados) partia da classificação formal quanto ao número
de partes (bilateral, multilateral) para dentro destes distinguir os que manteriam relações de

140
Nona lição: noção, terminologia e classificação das convenções
reci- procidade dos que assumiam um carácter normativo (Brölmann, 2005, pp. 389,390).

141
Rui Miguel Marrana

ou não conforme se trate de um ou de outro tipo de convenção. Assim,


por exemplo, na execução de um tratado-lei não parece dever aplicar-se
o regime do exceptio non adimpleti contractus previsto no art. 60º/1
CV69. Isto porque, a possibilidade de uma parte ficar desobrigada do
cumprimento de uma convenção face ao incumprimento pelas outras,
apenas faz sentido na medida em que se enquadrem prestações e con-
traprestações cujo equilíbrio sendo prejudicado pelo incumprimento na-
turalmente desobriga os restantes. Essa é uma regra que tem apenas
sen- tido no plano contratual, o qual desaparece no plano puramente
norma- tivo275 (faria sentido que um Estado pudesse usar da força nas
suas rela- ções com outros estados, justificando-se com o permanente
incumpri- mento dessa obrigação por outros estados?276).
1.3. Tratado-constituição
A designação tratado-constituição (mais modernamente acoplada
à distinção tradicional que enunciava apenas as anteriores) refere-se aos
tratados institutivos das organizações internacionais, ou seja, às conven-
ções que criam as organizações internacionais desenvolvendo assim, a
partir da determinação das suas finalidades, a estrutura orgânica
(institu- cional) e respectivas competências e fixando os principais
princípios e re- gras de funcionamento. De alguma forma, a criação de
uma organização internacional implica a edificação de uma nova ordem
jurídica (mais ou menos desenvolvida) que enquadra as relações entre
as partes envolvi- das no tocante às matérias que integram o seu
escopo.
Deve ainda salientar-se o facto de, com muita frequência, as con-
venções internacionais envolverem regras atinentes a duas ou mesmo
às três naturezas acabadas de distinguir (assumindo portanto um
carácter híbrido). Assim, por exemplo a CNU não apenas cria uma
organização in- ternacional como também fixa regras de
comportamento essenciais à convivência internacional (de entre as
quais, avulta a anteriormente re- ferida proibição do recurso à força, do
art. 2º/4) surgindo assim como um

275
Reparar-se-á que no art. 60º/2 CV69 se prevê a possibilidade de a violação substancial
de um tratado multilateral poder autorizar reacções em relação ao Estado incumpridor, mas exa-
ctamente apenas em relação a este, reenquadrando portanto a lógica contratual.
276
O art. 60º/5 CV69 estabelece ainda a inaplicabilidade do regime às convenções que
versem direitos humanos ou direito humanitário.
Também no âmbito do estudo que a CDI iniciou em 2004 sobre a questão dos efeitos dos
conflitos armados sobre os tratados, o relator especial Ian Brownlie veio a inclui os tratados nor-
mativos no elenco daqueles que pela sua natureza não são afectados pela eclosão de conflitos -
cf. art. 5º e alínea h) do anexo do projecto de artigos (CDI/ILC, 2008, pp. 50, 51). Na versão final
do projecto de artigos – já com o relator especial Lucjus Caflisch – a regra manteve-se sob o art.
7º e alínea c) do anexo (CDI/ILC, 2011, pp. 184, 187).

142
Nona lição: noção, terminologia e classificação das convenções

tratado-lei e como um tratado constituição. Muito frequente também


será a conjugação de regras de cariz contratual com regras cuja natureza
é puramente normativa.

2. Classificações formais
2.1. Classificação quanto à qualidade das partes277
A progressiva aceitação da existência de sujeitos – outros que não
apenas os Estados – e da sua capacidade convencional levou a que al-
guma doutrina insista nas diferenças resultantes daquelas que são as
con- venções tradicionais (celebradas apenas entre Estados) e todas as
outras. Assim, é frequente distinguirem-se nomeadamente:
 Convenções entre Estados;
 Convenções entre Estados e organizações internacionais;
 Convenções entre organizações internacionais;
 Convenções envolvendo outros sujeitos de direito internacio-
nal.
A presença incontornável das organizações internacionais levou
mesmo a que, por impulso da AG das NU, as especificidades das conven-
ções que estas celebram com Estados ou entre si, fosse objeto de uma
convenção específica278. O aspecto central da distinção releva natural-
mente do facto de apenas os Estados terem capacidade plena (ao
contrá- rio dos outros sujeitos de direito internacional, como teremos
oportuni- dade de salientar posteriormente), e da necessidade de
articular essas limitações com a celebração de convenções279.
A inexistência de textos reguladores do último tipo de convenções
referido (envolvendo em geral, outros sujeitos) obriga a que para o
efeito
277
No quadro do Conselho da Europa (no qual, tal como se referiu na nota 273, as classi-
ficações tradicionais apresentam pouca utilidade) são elencadas outras classificações formais es-
pecíficas nomeadamente segundo o tipo de obrigações que delas resultam para os Estados (re-
gime tradicional, regime a la carte e convenções-quadro), ou segundo o tipo de mecanismos de
controlo aplicáveis (jurisdicionais e políticos) (Benoît-Rohmer & Klebes, 2005, pp. 17-120).
278
Cf. Convenção de Viena sobre o direito dos Tratados entre Estados e Organizações In-
ternacionais ou entre Organizações Internacionais, de 1986.
279
A prática recente tem feito surgir outras questões que merecem uma referência.
Assim, desde logo, parece assente que a participação de uma organização internacional numa
convenção se faz em nome próprio e não em representação dos seus Estados-membros, excepto
se a própria convenção dispuser diversamente (United Nations, 2003, pp. 24, 25). Outro
problema frequente- mente levantado na participação das organizações internacionais em
convenções multilaterais tem a ver com a possibilidade dessa participação poder vir a multiplicar
os votos dos Estados- membros ou poder ser utilizado para acelerar a obtenção do número
mínimo de participantes eventualmente exigido para a entrada em vigor. Essas circunstâncias
são, por isso, expressamente reguladas em algumas convenções (United Nations, 2003, p. 24).

143
Rui Miguel Marrana

se lhes apliquem mutatis mutandis as regras fixadas para os outros


tipos, sem prejuízo de uma ou outra particularidade de natureza
consuetudiná- ria que possa relevar.
Atente-se finalmente ao facto de os regimes começarem a acolher
e regular cada vez mais as particularidades das convenções envolvendo
outros sujeitos, e em especial as organizações internacionais, do que é
uma ilustração a regra prevista no nº 3 do art. 20º CV69.
2.2. Classificação quanto ao número de partes
Encontramos aqui sucessivamente, duas distinções:
 Convenções bilaterais – envolvendo apenas duas partes (even-
tualmente mais, desde que agrupadas entre si, funcionando em
bloco e mantendo portanto, uma estrutura dual na regulação
das relações mútuas);
 Convenções multilaterais – envolvendo três ou mais partes.
Den- tro destes distinguem-se ainda:
o Convenções multilaterais restritas – que agregam um
grupo plural (três ou mais) de partes, mas restrito (cujo
regime não apresenta vocação universal, no sentido em
que não visa re- gular as relações entre todos os estados
mas tão só entre um dado grupo cujas afinidades especiais
justificam um re- gime próprio, mas que, pela sua natureza,
não é totalmente alargável);
o Convenções multilaterais gerais – são as que têm uma
voca- ção universal, ou seja, aquelas que pretendem
regular as re- lações à escala planetária. São sempre
tratados-lei (este é aliás o seu domínio mais importante,
como bem se compre- ende), na medida em que as suas
estipulações assumem obrigatoriamente carácter
normativo. A referida vocação universal implica ainda a sua
abertura (ou seja, a possibili- dade de a eles se virem a
vincular livremente estados que não participarem na
negociação ou não puderam assiná- los), por via da
assinatura diferida ou da adesão.
As convenções multilaterais são um fenómeno recente 280: na visão
tradicional, toda a convenção era necessariamente bilateral agregando

280
As convenções multilaterais apenas surgem no séc. XIX: a primeira terá sido a Acta
Final do Congresso de Viena de 9.06.1815, que pretendia recolher num documento geral as
disposições essenciais dos acordos bilaterais estabelecidos durante o congresso. O primeiro
tratado multila- teral negociado directamente terá sido o Tratado de Paz (ou de Paris, de 1856)
que pôs fim à guerra da Crimeia, do qual foram signatários não apenas os beligerantes mas
também a Prússia e

144
Nona lição: noção, terminologia e classificação das convenções

quando muito, grupos de estados (por exemplo, quando punham fim a


conflitos, entendia-se a bilateralidade garantida pelo facto de estas
cons- tituírem acordos entre duas partes: os vencedores e os vencidos).
A a- dmissão da multilateralidade281 convencional trouxe consigo
especifici- dades importantes nos seus regimes, às quais nos referiremos
adiante – nomeadamente as diferenças no processo de conclusão, onde
avultam as reservas (art. 19º ss. CV69) e a adesão (15º) e bem assim os
regimes dis- tintos em matéria de modificação (39º ss.), tratados
sucessivos (30º), ex- cepção de incumprimento (60º), etc282. No mesmo
sentido, o surgimento de um conflito armado envolvendo as partes de
um a mesma convenção, tem consequências distintas conforme esta
seja bilateral (ditando o seu termo) ou multilateral (dando apenas lugar
à suspensão da aplicação); isto claro, desde que a convenção não vise a
regulação de conflitos arma- dos, ou não crie as chamadas situações
objectivas, pois nestes casos, ex- cepcionalmente, a sua vigência não é
afectada pela eclosão do conflito.
Também o carácter restrito ou geral dos tratados pode também
tra- zer consigo diferentes regimes em alguns aspectos (p. ex. a
aceitação das reservas – cf. art. 20º/2 e 4 CV69).
2.3. Classificação quanto ao processo de conclusão (solenidade)
A distinção aqui salientada tem a ver com o grau de solenidade
que é exigido no processo de vinculação. Essa solenidade, decorrendo
da im- portância que a matéria assume, é determinada pelos Estados
envolvidos tendo por base as respectivas regras internas, sendo que em
relação a uma mesma convenção, pode o grau de solenidade variar
conforme as partes.
A distinção a fazer aqui, situa-se entre:
 Tratados solenes (sujeitos a formalidades mais importantes
reservando a vinculação para a ratificação – e envolvendo

a Áustria, Estados que se tinham mantido neutrais no conflito. Em todo o caso, só no séc. XX as
convenções multilaterais assumem a importância que hoje lhes reconhecemos.
281
Numa perspetiva estrita, pode admitir-se que uma convenção evolua de bilateral para
multilateral (quando p. ex. um acordo bilateral admita a adesão, como aconteceu com a Conven-
ção Franco-Germânica sobre a Construção e Operação de um Reactor de Alto Fluxo, de 1967
(Touscoz & Voisin, 1967, p. 789) ou o Acordo Franco-Britânico relativo à constituição de um
Grupo Aéreo Europeu, de 1998. Entendemos todavia que a mera admissão da possibilidade de
adesão traduz, desde logo, uma abordagem ou vocação multilateral (não obstante possam
subsistir aci- dentalmente apenas duas partes).
282
A doutrina vem aprofundando progressivamente esta distinção. A título de exemplo
V. Pauwelyn (2003).

145
Rui Miguel Marrana

normalmente a intervenção dos vários órgãos de sobera-


nia);
 Acordos em forma simplificada (nestes, em regra, o pro-
cesso de vinculação è reduzido à intervenção do órgão exe-
cutivo – daí aliás a designação corrente de executive agree-
ments283 – que negoceia e assina. Da assinatura dos
acordos em forma simplificada decorre, em princípio 284, a
vincula- ção).

Questões de revisão
A. Questões gerais
1. Refira-se ao conceito de convenção internacional identificando os
seus elementos essenciais.
2. Quais os tipos ou classificações de convenções que conhece?
B. Questões directas
1. Explique o aumento considerável a partir da II Guerra Mundial, do nú-
mero de convenções que são anualmente concluídas;
2. Defina convenção internacional;
3. Explique qual a relevância da forma escrita na conclusão das conven-
ções internacionais;
4. Diga o que entende por quase-tratados, referindo-se ao seu regime ju-
rídico;
5. Explique qual a consequência jurídica da falta da qualidade de sujeito
por uma das partes de uma convenção internacional;

283
O conceito surgiu originalmente na ordem jurídica e na doutrina americanas, mas é
corrente nos nossos dias, podendo encontra-lo implícito na Constituição e no direito francês
(De- caux, 2010, p. 474).
Na terminologia jurídica americana um executive agreement é um acordo internacional
estabelecido pelo Presidente com exclusão do processo de ratificação. A sua implementação
exige a aprovação por maioria simples em ambas as câmaras do Congresso. Alguns acordos
podem ainda necessitar da aprovação de atos subsequentes pelas câmaras, cuja não adopção é
frequen- temente utilizada para exprimir a oposição aos mesmos. A autoridade presidencial para
a conclu- são dos executive agreements pode advir de duas origens: do poder executivo
conferido pela Constituição ou de delegações conferidas pelo Congresso e pode dirigir-se a
convenções tão im- portantes como o acordo que criou a NAFTA (North American Free Trade
Association) ou o GATT. Um executive agreement não tem o mesmo valor de um tratado,
excepto se for adoptado por uma resolução conjunta. Assim, apenas prevalece sobre a lei
estadual, mas já não sobre a lei fe- deral. Sobre a matéria V. Congressional Research Service
(2001, pp. 3-6, 21-27). V. tb. Yoo (2001). Os tratados, segundo o direito norte-americano são
convenções celebradas pelo e com o consen- timento do Senado (artigo II, secção 2, cláusula 2 da
Constituição americana).
284
Veremos adiante (p. 197 ss.) que nomeadamente segundo o regime constitucional
por- tuguês, a vinculação nunca decorre da mera assinatura, exigindo-se pelo menos mais um
acto (a aprovação).

146
Nona lição: noção, terminologia e classificação das convenções

6. Identifique os critérios que são utilizados nas NU para aferir da quali-


dade estadual – e consequente capacidade convencional;
7. Explique em que situações e com que finalidade os Estados celebram
entre si acordos sem, no entanto, agirem nessa qualidade (estadual);
8. Explique em que situações e com que finalidade os Estados, agindo
nessa qualidade podem celebrar acordos sem carácter vinculativo;
9. Refira-se à relevância da designação utilizada nas convenções.

Leituras recomendadas
BRÖLMANN, C. (2005). Law-Making Treaties: Form and Function in
International Law. Nordic Journal of International Law, 74(3), pp. 383-403.
REUTER, P. (1985). Introduction au droit des traités. Graduate Institute
Publications. doi :10.4000/books.iheid.1748

Recursos on line
Guide to Treaty Research (U.S. is a party)
http://www.okcu.edu/law/lawlib/pdfs/guide_ustreaty.pdf
Guide to Treaty Research (U.S. is not a party)
http://www.okcu.edu/law/lawlib/pdfs/guide_nonustreaty.pdf
ASIL Guide to Electronic Resources for International Law – Public Inter-
national Law: https://www.asil.org/sites/default/files/ERG_PUBLIC_INT.pdf
ICSID https://icsid.worldbank.org/apps/ICSIDWEB/Pages/default.aspx
Pierre D’Argent - Universidade Católica de Louvain – Aula (em inglês)
sobre a noção de tratado [The notion of treaty - 8m:35s]:
https://www.youtube.com/watch?v=_MnsoHpGLK4

147
X Lição
Convenções internacionais: processo de
conclusão

A. Objetivo
Nesta lição procuraremos perceber como se processa a
convergên- cia de vontades que há-de produzir o acordo estabelecido na
convenção. Esse processo (essa sequência de atos, portanto) é
necessaria-
mente ser regulado por regras internacionais e nacionais: as primeiras
que determinam – ainda que por vezes a título supletivo ou subsidiário –
os momentos mais relevantes garantindo um mínimo de coerência ao
dito processo e as segundas que determinarão desde logo quais as auto-
ridades nacionais competentes para a prática dos atos necessário e bem
assim, acrescerão normalmente ao processo outros atos.
Nesta altura trataremos do regime internacional, o qual há-de,
por- tanto, completar-se pelas exigências nacionais (das quais daremos
uma ilustração quando estudarmos o processo de vinculação
internacional do Estado português).
O processo, caso se pretendam abarcar todas as variantes ou inci-
dentes, pode desdobrar-se em diversas fases. De todas elas tentaremos
ir dando notícia. Iniciaremos todavia o nosso estudo pelos três momen-
tos essenciais (negociação, assinatura e ratificação). Não obstante, para
que se possa ficar com um panorama abrangente do processo no seu
todo, veja-se o gráfico adaptado do Treaty Handbook (United Nations,
2012, p. 21), que inserimos no capítulo seguinte.
Deve ainda chamar-se á atenção do aluno para algo que tende a
escapar quando se analisam contractos: é que tratando-se de um
acordo de vontades, a sua formação pressupõe o assentimento em
relação a duas questões diferentes: o texto da convenção e a disposição
em vincu-

145
Rui Miguel Marrana

lar-se. Trata-se efectivamente de momentos distintos que não se impli-


cam necessariamente285. Ou seja, o acordo de vontades (em vincularem-
se) pressupõe um acordo anterior relativamente aos termos desse
acordo.

B. As diferentes fases do processo


1. Negociação
1.1. Objetivo
A negociação é a primeira fase286 do processo de conclusão das
con- venções. Consiste no processo segundo o qual os representantes
dos Es- tados acordam sobre a substância, termos e redacção de uma
convenção internacional (Congressional Research Service, 2001, p.
97)287. Quer isto dizer que a negociação visa a elaboração e adopção do
texto288. Esse texto é normalmente negociado a partir de um projecto,
com a forma final, su- jeito a emendas.

285
Assim, pode haver assentimento em relação ao texto (formalizado normalmente com
a assinatura) sem que a vinculação se produza (nomeadamente nos casos de recusa de
ratificação de que adiante daremos notícia); pode também haver vinculação sem que
anteriormente seja dado o assentimento ao texto (nomeadamente nos casos de adesão, de que
também falaremos adiante).
286
Pretendendo perspectivar o processo integrando as exigências ou atos internos, po-
der-se-ia referir que toda esta fase que aqui referimos como negociação é sub divisível em cinco
outras fases: (1) a iniciativa (2) a designação dos negociadores (3) a emissão dos plenos poderes
e a comunicação das orientações (4) a negociação do texto e (5) a conclusão da convenção ou
adopção do texto (Congressional Research Service, 2001, p. 6). Nos EUA a questão da iniciativa é
particularmente relevante, uma vez que, nos termos do Logan Act, de 1799, é proibido a
qualquer cidadão iniciar ou desenvolver correspondência ou contactos com governos
estrangeiros com os quais exista algum conflito ou disputa (Congressional Research Service,
2001, pp. 98-99).
287
Nesta obra retoma-se outra definição: a troca e discussão de propostas por represen-
tantes das partes tendo em vista obter um acordo mutuamente aceitável.
288
Aliás, alguma doutrina (Nguyen Quoc, Daillier, & Pellet, 1999, p. 126 ss.) prefere esta
designação. Nas obras sobre o assunto elaboradas pelas NU tende acolhe-se uma perspetiva in-
termédia: refere-se a adopção e autenticação do texto como resultando da negociação (United
Nations, 2003, p. 2).
Convém não confundir esta fase com eventuais momentos preparatórios que antecedem
a negociação propriamente dita (nomeadamente negociações informais), nem com a chamada
negociação diplomática (que é um mecanismo típico de resolução de conflitos, previsto no art.
33º CNU).

146
Décima lição: processo de conclusão das convenções

1.2. O texto
Muito embora a estrutura do texto não sejam rígida 289, subsistem
algumas particularidades que justificam uma referência sumária às suas
componentes.
Assim, normalmente o texto das convenções inclui uma
designação ou título e abre com um preâmbulo. Este serve dois
propósitos: a identi- ficação das partes290 e a exposição da motivação ou
fundamentação291.
Segue-se depois o dispositivo, ou seja, o corpo das regras que
forma o núcleo da convenção. Normalmente o dispositivo surge sob a
forma de articulado292, organizado segundo as fórmulas sistemáticas
tradicionais (partes, títulos, capítulos, secções, etc.).
No final do dispositivo são normalmente identificáveis as cláusulas
finais. Este conjunto autónomo de regras tem natureza fundamental-
mente adjectiva, regulando não obstante, aspectos essenciais da vida da
convenção, como sejam os regimes transitórios, a vinculação e a revisão,

289
As partes mais comuns do texto serão (1) o título, (2) o preâmbulo, (3) o texto ou dis-
positivo, (4) as cláusulas finais, (5) o testemonium [identificação dos subscritores] e as
assinaturas e (6) os anexos (United Nations, 2003, p. 1).
Existe ainda um elemento que por vezes aparece no preâmbulo: a invocação.
Tradicional- mente vocacionada para reclamar a protecção e intercessão divina (Em nome de
Deus misericor- dioso…) ela mantém-se actualmente em fórmulas distintas (Nós, os povos das
Nações Unidas…) – cfr. Lanevue (2013, p. 12 Tit I Cap I).
290
A identificação das partes apenas é dispensada nos tratados multilaterais gerais (caso
em que o depositário não apenas dá conhecimento das vinculações como elabora e mantém a-
ctualizada uma lista dos Estados envolvidos no processo de conclusão, na qual se identificam
aqueles cuja vinculação se produziu entretanto). Nos restantes casos, o preâmbulo começa nor-
malmente por identificar as partes na pessoa do Chefe de Estado – é a fórmula mais solene e
que encontramos em convenções como o Tratado de Roma – do representante, ou outra. Sendo
a questão da ordem em que os Estados surgem muito delicada (já que se sub entende que ele
de- nota a importância relativa das partes), opta-se normalmente pela ordenação alfabética. Nas
con- venções bilaterais (eventualmente também em algumas convenções restritas) usa-se
normal- mente a regra do alternat: cada Estado aparece em primeiro lugar no seu exemplar. O
Departa- mento de Estado norte-americano recolhe pormenorizadamente as práticas e
instruções na ma- téria no Foreign Affairs Manual (Congressional Research Service, 2001, pp.
364 ss. cf. pontos 730.5-1 e 730.5-2)
291
A fundamentação é um elemento tendencialmente obrigatório dos atos de natureza
pública (desde logo, no sentido de permitirem o controlo desses mesmos atos pelos eventuais
interessados), além do que constitui um importante elemento de interpretação. Nos textos con-
vencionais é frequente que a motivação ou fundamentação se faça através de considerandos. A
jurisprudência reconhecendo o valor interpretativo do preâmbulo (ac. TIJ de 27.08.1952, no caso
relativo aos direitos dos nacionais americanos em Marrocos) tem no entanto insistido que este
não é obrigatório (cf. ac de 18.07.1986 – segunda fase – no caso relativo ao Sudoeste africano).
292
Os artigos devem ser redigidos no presente, de forma a denotarem o carácter perma-
nente das disposições e devem expressar de forma clara os termos do acordo obtido (Lavenue,
2013, p. 13 Tit I Cap I).

147
Rui Miguel Marrana

a entrada em vigor, os termos de adesão, a cessação da vigência, a


nome- ação de depositário, as versões linguísticas e respectivo valor 293,
etc. 294. Surgem em regra separadamente por força de uma
particularidade: é que, nos termos do art. 24º CV69, as cláusulas finais
entram em vigor com a assinatura, o mesmo é dizer-se que, obtido o
assentimento quanto ao texto, a vida da convenção passa a ser regulada
por este conjunto de re- gras (que disporão nomeadamente sobre a
determinação do depositário
– se for caso disso – sobre eventuais prazos, sobre os termos da
vigência, etc.).
Finalmente, o texto das convenções integra também os anexos
(caso estes existam), cujo valor, tratando-se de regras, não difere do dis-
positivo e que regulam regimes autónomos, ou integram elementos de
difícil articulação (listagens, cartas, etc.), declarações, etc.
1.3. Os mandatários
A negociação é conduzida pelos mandatários das partes295,
normal- mente designados como plenipotenciários. Esta designação
advém de ou- tra: o documento que formaliza o mandato é
tradicionalmente chamado
293
Tradicionalmente usava-se apenas uma língua na redacção das convenções (o latim,
ao qual sucedeu o francês). Actualmente a prática vai no sentido inverso: a redacção em diversas
línguas, às quais pode ser dado valor igual (fazendo fé todas as versões) ou não (tratando-se por-
tanto de simples traduções). A questão linguística vai além da mera inteligibilidade dos textos
pelos destinatários. Alguns países – como é o caso da França que recapitulou a sua posição
através de uma circular do PM em 1997 – assumem a língua como elemento cultural essencial,
impondo aos seus representantes que exijam que todos os documentos sejam traduzidos e que
se expri- mam sempre na sua língua (Lavenue, 2013, p. 11 Tit I Cap I).
294
Podem ainda ser referidos nas cláusulas finais: a estipulação de mecanismos de reso-
lução de conflitos, as relações com outras convenções, a duração, a aplicação, o registo, etc.
(United Nations, 2003, p. 1). Foi exactamente em razão da crescente importância prática das
cláu- sulas finais que as NU decidiram elaborar e publicar o mais recente manual na matéria.
Também o Comité de Ministros do Conselho da Europa aprovou na sua 384.ª sessão, em
Fevereiro de 1980, um modelo de cláusulas finais para as convenções a concluir com esta
organização internacional (Benoît-Rohmer & Klebes, 2005, p. 219 ss.).
295
Em regra, a competência constitucional para negociar convenções internacionais ca-
berá ao executivo (até porque a estrutura e o funcionamento do legislativo tornam difícil que
este poder possa exercer esse tipo de funções, sendo que a adopção de normas jurídicas
exorbita na- turalmente do poder judicial). Isso não impede formulações específicas decorrentes
da estrutura constitucional. Assim, se em Portugal a competência pertence ao Governo, em
França ela é atri- buída ao PR (Decaux, 2010, p. 473) – que é o chefe do executivo – e nos EUA, o
Departamento de Estado consulta sistematicamente os presidentes dos grupos parlamentares e
dos comités parla- mentares, podendo mesmo haver membros do Congresso a integrarem as
delegações, com fun- ções consultivas ou de observação (Congressional Research Service, 2001,
pp. 98, 103 ss.). Entre nós – tal como foi possível conferir junto do MNE - a prática é no sentido
de as negociações de convenções internacionais serem asseguradas por equipas compostas
tanto por diplomatas como por técnicos. Não existe qualquer prática de consulta sistemática de
interessados (com excepção da AR em matéria europeia, nos termos da L 43/2006).

148
Décima lição: processo de conclusão das convenções

de carta de plenos poderes ou carta patente 296. Na verdade, em regra, o


plenipotenciário é aquele que apresenta plenos poderes 297 (cf. art. 2º/1
c) e 7º/1 a) CV69). Prevê-se no entanto a dispensa da exibição do instru-
mento que titula o mandato sempre que os usos ou as funções exerci-
das298 façam presumir essa qualidade (cf. art. 7º/1 b) e 7º/2, respectiva-
mente) – é aquilo que frequentemente se designa por competência ex
officio.
Tal como acontece na generalidade dos contratos, admite-se a
ges- tão de negócios, ou seja, prevê-se a possibilidade da participação
na ne- gociação de representantes que não façam prova do mandato,
fazendo- se depender a produção de efeitos jurídicos da confirmação
posterior299 pelo Estado dos atos praticados (art. 8º).
1.4. A adopção do texto
A negociação visa - como se referiu - a determinação do texto da
convenção. É, por isso, relevante a questão de saber-se como é feita a
sua

296
Podem encontrar-se minutas destes documentos em diferentes obras (United
Nations, 1999, pp. 129, 130; Gonçalves Pereira & Quadros, 1993, p. 207; Aust, 2004, pp. 405-
406).
297
Em rigor devem efectuar-se aqui duas distinções sucessivas, entre credenciais e
plenos poderes e, dentro destes, entre plenos poderes gerais dos plenos poderes limitados. As
credenci- ais apenas conferem poderes para negociar e eventualmente para a adopção do texto,
ao passo que os plenos poderão envolver a prática de outros atos incluindo a vinculação (cf. art.
2º/1 CV69). Nesses outros atos incluem-se atos relativos à situação da convenção, como sejam
de- clarações de nulidade, denúncia, recesso, suspensão, reservas, extensão de aplicação
territorial, declaração nos termos do art. 36º/2 do ETIJ, etc. (Aust, 2004, p. 58 ss.).
A distinção entre plenos poderes gerais e plenos poderes limitados decorre do seguinte:
a primeira ocorre quando o mandato é concedido para efeitos da participação em qualquer con-
venção (ainda que eventualmente dentro de determinado âmbito), enquanto a segunda consiste
numa atribuição de poderes especialmente dirigida a uma dada convenção. Os poderes gerais
são frequentemente concedidos a representantes permanente junto de organizações
internacionais que desenvolvem de forma mais ou menos contínua, acções convencionais,
maxime nas NU (United Nations, 1999, p. 31 § 102).
298
Designam-se estes por autoridades qualificadas (qualified authorities), advindo essa
qualificação da dispensa de apresentação da carta de plenos poderes. Essa dispensa decorre
aliás de um outro elemento significativo: é que a carta de plenos poderes tem obrigatoriamente
que ser assinada por uma das dessas autoridades (United Nations, 1999, p. 31 § 101 e 102).
299
Essa confirmação pode ser expressa ou tácita (nomeadamente por via da prática dos
atos subsequentes do processo – assinatura, aprovação, ratificação, etc.). A prática francesa na
matéria tem, aliás, sido de não munir os negociadores da carta de plenos poderes para efeitos
de negociação (excepto se as outras partes ou o organizador o exige), reservando-a para a
assinatura (Lavenue, 2013, p. 8 Tit I Cap I). A prática portuguesa é idêntica. Já a prática
americana é, de al- guma forma, a inversa, visando o mesmo resultado: o representante em
regra será munido de mandato, mas este confere apenas poderes para negociar, sendo
necessário obter uma autoriza- ção especial para assinar (Congressional Research Service, 2001,
p. 366). Por outro lado, em regra, apenas é emitida a carta de plenos poderes para a negociação
de tratados solenes (idem ponto 730.3 p. 365).

149
Rui Miguel Marrana

adopção. O regime está claramente exposto no art. 9º CV69 que dispõe


fazer-se a dita adopção por consentimento das partes (regra geral a apli-
car às convenções negociadas por via diplomática300, em especial as bila-
terais). Sempre que a negociação se fizer através de uma conferência in-
tergovernamental301, a exigência desce para os 2/3 (ou para outra regra
que seja aprovada302 por essa mesma maioria qualificada) 303.

300
A negociação diplomática supõe que os representantes diplomáticos junto de um
dado governo entrem em contacto com os representantes deste, estabeleçam uma agenda
negocial e acordem um calendário relativo aos encontros, duração, data da assinatura, etc.
Durante este período, com apoio de peritos, são apresentadas propostas e contra propostas, até
se atingir um texto consensual (Lavenue, 2013, pp. 9, Tit I, Cap I).
301
A prática das conferências multilaterais deu origem a uma técnica negocial que
merece uma referência: o package deal, ou compromisso global. Esta fórmula foi definida na 3.ª
Confe- rência sobre do Direito do Mar pelo presidente Amerasinghe, do Sri Lanka, significando
que ne- nhuma posição das delegações sobre qualquer ponto seria considerada irrevogável
enquanto não fosse obtido um acordo pelo menos sobre todos os elementos a incluir no
compromisso. Todas as delegações viam assim ser-lhes reconhecido o direito de reservarem a
sua posição em relação a qualquer ponto até que fossem satisfeitas as suas pretensões sobre
outros pontos que conside- rasse de importância vital. O mesmo é dizer que, segundo este
princípio, o acordo em relação a um dado ponto pode ficar subordinado a um acordo sobre
todos os outros (Lavenue, 2013, pp. 10, Tit I, Cap. I).
302
Importa ter presente que sempre que se trate de convenção celebrada sob a égide de
uma organização internacional ou em que uma organização internacional seja parte, podem apli-
car-se regras particulares. Aliás, a CV69 sobre direito dos tratados entre Estados e organizações
internacionais ou entre organizações internacionais, de 1986, prevê expressamente essa possibi-
lidade no art. 5º. A título de exemplo refira-se o caso do Conselho da Europa em que o texto das
convenções celebradas sob a sua égide é adoptado pelo Comité de Ministros (Benoît-Rohmer &
Klebes, 2005, p. 100).
303
A prática vai ainda no sentido de se estabelecerem por consenso os textos nas
conven- ções multilaterais restritas. Nas conferências relativas a convenções multilaterais gerais
assume particular importância a definição inicial das regras de funcionamento da própria
conferência. Neste ponto não há convergência na doutrina sobre o nível de assentimento
necessário para essas regras: há quem defenda a mera maioria, quem exija a maioria de 2/3 e
quem apoie a necessidade da unanimidade. A prática vai no sentido desta, embora não
necessariamente por se entender ser obrigatória (Aust, 2004, p. 67 ss.).

150
Décima lição: processo de conclusão das convenções

2. Assinatura
A assinatura corresponde à solenidade que assinala ou sucede 304 à
adopção305 do texto306.
Os seus efeitos em regra variam conforme estejamos perante
acor- dos em forma simplificada – casos em que normalmente 307 a
assinatura poderá produzir a vinculação (tal como decorre dos art.
11º e 12º308

304
A variante serve para enquadrar as diferentes perspectivas do processo a que nos re-
ferimos atrás. Assim, a doutrina que prefere identificar uma fase de elaboração e aprovação do
texto (Nguyen Quoc, Daillier, & Pellet, 1999, p. 126 ss.) integrará a assinatura nesta fase (e nessa
perspetiva diríamos portanto que assinala a adopção do texto). Para a doutrina que prefere se-
parar a negociação da assinatura, dir-se-á que esta sucede àquela. Nesta diferença doutrinal não
há propriamente uma divergência, mas tão só uma perspectivação distinta. Assim, na primeira
variante valoriza-se e evidencia-se aquilo a que na abertura da secção fizemos referência: a exis-
tência de dois acordos (autónomos) que a conclusão de uma convenção implica (quanto ao texto
e quanto à vinculação). Na segunda perspetiva a distinção entre a negociação e a assinatura aco-
lhe um aspecto prático importante: é que em muitos casos (tanto mais quanto maior for a
impor- tância da convenção), há uma separação temporal, eventualmente física e também
pessoal, entre ambas. Isto porque – e referindo-nos agora à separação temporal – não apenas
uma antecede necessariamente a outra como frequentemente não são contíguas. Ou seja,
terminada a negoci- ação, é marcada a assinatura para data posterior. Por outro lado – passando
agora à separação física – atente-se que a assinatura, consistindo numa cerimónia mais ou
menos solenizada, ocorre frequentemente em local diverso daquele onde a negociação foi
efectuada (podendo até tratar- se de outra cidade ou país). Finalmente, no tocante àquilo que
chamamos uma separação (ou distinção) pessoal, tenha-se presente que em muitos casos, a
assinatura é praticada por um re- presentante distinto daquele que presidiu ou efectuou a
negociação (embora a negociação seja em regra conduzida por diplomatas, a assinatura,
enquanto cerimónia mediatizada, tende a ser protagonizada por responsáveis políticos).
305
Em rigor deve distinguir-se a adopção do texto da conclusão da convenção. O termo
conclusão é utilizado 23 vezes no texto da CV69, sendo todavia impreciso o seu alcance. Nas
convenções bilaterais considera-se a conclusão como correspondendo à assinatura. Nas
convenções multilaterais, a abertura para assinatura ou a assinatura do acto final (aquela que
ocorrer mais tarde) é entendida como correspondendo à conclusão (Aust, 2004, p. 74).
306
Nas convenções bilaterais a diferenciação entre adopção e assinatura é por vezes
muito difícil de estabelecer, uma vez que frequentemente surgem alterações ao texto até ao
momento da assinatura - a qual pode também vincular, tornando ainda mais relevante o acto
(Aust, 2004, pp. 66-67).
307
O regime da vinculação através da assinatura (frequentemente designada como assi-
natura definitiva) está hoje em dia praticamente circunscrito às convenções bilaterais (caso em
que também marca o início da vigência, por aplicação do disposto no art. 24.º CV69). A
assinatura sob reserva de ratificação, aceitação ou de outro acto permite aos Estados obterem
internamente o assentimento ao regime convencional e bem assim, adoptarem a legislação
necessária à sua futura implementação, antes mesmo, de produzirem a vinculação (United
Nations, 2003, pp. 34- 36). A prática atual vai no sentido de os Estados tornarem patente (de
forma inequívoca) o facto de a assinatura os não vincular, sendo caso disso (Aust, 2004, p. 76).
308
Mesmo quando a convenção preveja que a assinatura vincule, é admitida a assinatura
ad referendum (art. 12º/2 b) CV), ou seja, fazendo depender os efeitos da confirmação posterior.
A prática tem sido a de aceitar por princípio essa situação, sendo que para efeitos de
confirmação, os Estados raramente o fazem em termos expressos, fazendo-o de forma tácita –
por via do de-

151
Rui Miguel Marrana

CV69) – ou perante tratados solenes (em que a vinculação é, portanto,


remetida para um acto posterior).
Em qualquer caso – mesmo que não produza a vinculação 309, por-
tanto – a assinatura da convenção produz efeitos jurídicos que devem
ser assinalados.
i. Em primeiro lugar refira-se que ela exprime o acordo quanto ao
texto, tornando-o definitivo e autêntico310 (cf. art. 10º b). Esta é
a mais evidente e directa função do acto311.
ii. Em segundo lugar, a assinatura produz o direito de ratificar. Na
verdade, como adiante veremos, a ratificação pressupõe a
assinatura (já que se trata de confirmar algo que anteriormente
se assumiu, como resulta do próprio termo), pelo que só a
prática desta autoriza (posteriormente) aquela. Os Estados (ou
outros sujeitos, sendo caso disso) que se pretendam vincular
a uma

pósito do instrumento de ratificação ou equivalente (United Nations, 1999, p. 32 § 112). Esta


prá- tica acaba assim por tornar equivalentes a assinatura ad referendum e a assinatura sob
reserva de ratificação ou outro acto de confirmação (art. 14º/1 c) e d) CV).
309
Na prática convencional, utiliza-se a expressão simples assinatura para referir a
assina- tura sem efeitos vinculativos (a qual indicaria portanto, a intenção ou necessidade do
Estado adoptar procedimentos adicionais para se vincular à convenção). A aposição de uma
assinatura sem a confirmação escrita do efeito pretendido pelo signatário deve fazer presumir
tratar-se de simples assinatura (United Nations, 2003, p. 32 e 35). De facto, na prática
contemporânea, a assinatura de uma convenção, em especial sendo multilateral, não vincula
(Bradley C. A., 2007, pp. 307, 313).
310
A autenticação consiste assim na confirmação solene de que os participantes na nego-
ciação estatuíram em definitivo (Lavenue, 2013, pp. 14, Tit I, Cap. I) podendo em rigor, surgir
como consequência de um acto (maxime da assinatura) ou de um processo. Assim, nas
convenções bi- laterais, a prática mas corrente é da rubrica ou aposição de iniciais (art. 12º/2 a)
CV69), que serve dois propósitos: a adopção do texto e a sua autenticação. No âmbito das
convenções multilaterais desenvolveram-se práticas mais elaboradas, para poderem acolher as
dificuldades resultantes p. ex. da existência de textos em várias línguas (Aust, 2004, p. 71 ss.). A
assinatura dos representan- tes no texto convencional pode – nomeadamente em tratados
solenes  ser acompanhada pela aposição dos respectivos selos (anel de sinete contendo a
rubrica ou iniciais, as armas de família) ou fitas (Congressional Research Service, 2001, p. 366).
311
O que se passa é que, adoptado o texto, este é definitivo e, por isso, carece de um
qualquer mecanismo de autenticação que normalmente se integra naquilo que aqui designamos
em termos gerais como assinatura – que engloba portanto a eventual assinatura ad referendum,
a rubrica ou aposição no documento das iniciais dos plenipotenciários (que faz presumir a neces-
sidade de confirmação posterior, tal como a assinatura ad referendum) ou ainda o testemonium,
ou seja, a rubrica por entidades que atestam o documento e o seu conteúdo. Subsiste ainda
outra fórmula alternativa (para este efeito de autenticação): a adopção do texto através de uma
reso- lução de um órgão competente - p. ex. a AG das NU (United Nations, 2003, p. 2; Aust,
2004, pp. 72-73).

152
Décima lição: processo de conclusão das convenções

convenção que não assinaram, terão de fazê-lo por via de


mecanismos alternativos, maxime da adesão312.
iii. Um outro efeito (terceiro) da assinatura tem a ver com o facto
de desta decorrer a data e o local pelos quais a convenção será
(supletivamente) conhecida313. Assim, muito embora as
convenções possam adoptar designações específicas distintas
(Carta das Nações Unidas, Acto Único Europeu, ou Tratado ABM,
para citar algumas), a prática dominante vai no sentido de serem
designadas pelo local e data em que a foi praticada a assinatura.
iv. A CV69 fixa também um (quarto) efeito material relevante
decorrente da assinatura. O art. 18º obriga as partes a
absterem- se dos atos que possam privar o tratado do seu objeto
ou fim314. Sendo certo que nos tratados solenes a vinculação não
decorre da assinatura, poder-se-ia assumir que, na ausência
desta (ou até que esta viesse a produzir-se), os Estados não
teriam qualquer obrigação. O disposto no art. 18º – cujo
conteúdo tem um importante eco doutrinal315 que lhe reconhece
carácter consuetudinário (Bradley C. A., 2007, p. 307) – vem
exactamente salientar as obrigações de boa-fé que decorrem da
assinatura, ou seja, reconhece-se que esta cria expectativas, as
quais obrigam os participantes a agirem entre si com lealdade.
Em termos mais concretos diríamos que um Estado que assinou
determinado tratado solene pode vir a entender posteriormente
que não deve vincular-se a ele (recusando portanto a
ratificação). Se assim for, deve no entanto, dar conhecimento
dessa posição logo que ela seja definitiva316, evitando assim que
os outros participantes possam deixar de procurar eventuais
vias alternativas enquanto

312
Veremos infra (cf. p. 209) como a prática portuguesa é, nesta matéria estranha:
exige- se para a vinculação pela adesão a adopção dos atos que seriam necessários para a
vinculação segundo o processo completo.
313
Esta regra não apenas é supletiva, como em algumas circunstâncias, pode não ser
apli- cável. Assim, o Tratado de não Proliferação de Armas Nucleares foi assinado
simultaneamente em Londres, Moscovo e Washington, a 1.07.1968, tornando pouco prático o
uso destas três capitais para a designação da convenção.
314
Alguma doutrina defende que as obrigações referidas no art. 18.º CV69 recaem tam-
bém sobre as partes das convenções durante o período que medeia a vinculação e a entrada em
vigor (Combacau & Serge, 2014, p. 119).
315
Releva neste aspecto o facto de os EUA – que não ratificaram a CV69 reconheceram
esse carácter consuetudinário (Bradley C. A., 2007, p. 314).
316
O carácter definitivo nem sempre é evidente para os próprios Estados, até porque
existem muitas situações em que entre a assinatura e a ratificação medeiam décadas (Bradley C.
A., 2007, pp. 309-310).

153
Rui Miguel Marrana

aguardam a vinculação desse Estado. O que não pode é privar o


tratado do seu objeto ou fim – por exemplo estabelecendo com
outro Estado um acordo incompatível, ou usando o objeto do
tratado em termos que tornem impossível vir a cumpri-lo. Se o
fizer sem dar conhecimento atempado da sua alteração de
posição (da recusa de ratificação317), poderá com isso ter
imposto às outras partes prejuízos desnecessários, em relação
aos quais poderá vir portanto a ter de responder318.
v. A CV69 estipula ainda um outro efeito (quinto) decorrente da
assinatura (embora já não material): esta torna imediatamente
aplicáveis as cláusulas finais (cf. art. 24º/4). Tal como referimos
atrás, no articulado convencional distinguem-se as cláusulas
finais, que regulam matéria meramente adjectiva mas cuja
vigência ocorre logo com a assinatura até porque elas regulam o
processo a seguir posteriormente (determinação do depositário,
regras relativa à entrada em vigor, possibilidade de adesão, etc.).
vi. A jurisprudência internacional reconheceu o carácter
probatório dos factos assumidos em textos convencionais
assinados mas não ratificados (TIJ 16.03.2001, Delimitação da
fronteira marítima entre o Qatar e o Bahrein, §89).
vii.Finalmente é de referir um último efeito (sexto) que, apesar de
ser mais político do que jurídico, não deixa de ser muito
relevante na vida de algumas convenções: é que a adopção por
um número importante de Estados tem um impacto por vezes
superior319 às

317
Os EUA receando exactamente os efeitos da assinatura no caso do Estatuto de Roma
do TPI decidiram comunicar expressamente essa recusa ao depositário – a qual surge em alguma
doutrina como uma desassinatura (Mengesha, 2014, p. 182; Bradley C. A., 2007, pp. 312, 317).
318
Não é claro na doutrina que a regra do art. 18º CV69 resulte de um costume internaci-
onal (e nessa medida, se é portanto obrigatória também para os Estados que dela não sejam
parte), nem o seu alcance se mostra claramente definido – sobre o assunto v. Bradley (2007). Em
todo o caso parece claro que não implica uma obrigação geral de cumprir a convenção, mas
apenas a de não praticar atos que possam invalidar ou impossibilitar a realização dos fins da
mesma. Não há uma prática de aplicação desta regra, há no entanto, uma decisão de 1928 do
Tribunal Arbitral Misto Greco-Turco (Megalidis c. Turquia) que considerou inválido o
apossamento pelaTurquia de bens gregos antes da entrada em vigor do Tratado de Lausanne,
em razão de isso constituir uma violação material dos termos do próprio tratado. Esta decisão
parece encontrar eco nos trabalhos preparatórios do art. 18º CV69 (Aust, 2004, pp. 93-94). Nos
trabalhos preparatórios relativos a esta norma é também citada a decisão do TPJI de 1926.05.25
relativa a certos interesses alemães na Alta Silésia polaca (Hollis, 2012, p. 213). Para uma
descrição dos trabalhos preparatório da norma v. Bradley (2007, p. 327 ss.).
319
A importância de uma convenção não pode medir-se exclusivamente pelo número de
Estados (ou organizações internacionais, se for caso disso) que assinam ou se vinculam. Para
uma perspetiva mais aprofundada, V. Paul F. Diehl, (2003). Atente-se que a assinatura (não

154
Décima lição: processo de conclusão das convenções

vinculações singulares320. Recordemos o caso da Plataforma


Continental do Mar do Norte, no qual a Holanda e a Dinamarca
invocavam a aplicação de uma regra convencional (o art. 6º da
Convenção de Genebra de 1958 sobre Plataforma Continental) à
Alemanha, Estado que havia assinado mas ainda não ratificado a
dita convenção (e que portanto ainda se não tinha vinculado
formalmente), por alegar que a dita regra havia formado
costume. Ora, a condição de base para fundamentar a existência
da opinio juris teria de ser exactamente o facto de haver um
largo consenso em relação à regra, consenso esse resultante das
assinaturas321.
Merece uma referência o facto de, em alguns casos (raros, mas
nem por isso inexistentes) alguns tratados substituírem a assinatura,
pelo depósito dos instrumentos de vinculação322.

3. Ratificação
A ratificação é definível como um acto jurídico, individual e solene
pelo qual, o órgão competente do Estado (normalmente o Chefe de Es-
tado) afirma a vontade deste se vincular à convenção cujo texto foi por
ele assinado (Gonçalves Pereira & Quadros, 1993, p. 196/7; Nguyen
Quoc, Daillier, & Pellet, 1999, p. 137)323.

vinculativa) supõe o acordo de princípio do executivo em relação ao conteúdo da convenção


(Bradley C. A., 2007, p. 307) pelo que se um grande número de Estados a assina, isso implica que
o regime nela estabelecido já obteve uma convergência de princípio muito alargada.
320
Nos EUA, a prática nas decisões judiciais dos tribunais superiores de remeter para
con- venções às quais este estado não se encontra vinculado, gerou um importante debate na
doutrina e no seio do próprio US Supreme Court (Anderson, 2005).
321
Recorde-se que no ac. 20.02.69 relativo à plataforma continental do Mar do Norte o
TIJ recusou a existência de uma regra consuetudinária em razão do facto de o texto prever a
pos- sibilidade de os Estados formularem reservas relativamente a essa mesma regra - donde
resultaria implícita a constatação de que não havia um consenso em relação à obrigatoriedade
da regra (§ 21-36).
322
Foi o caso das Convenções sobre os Privilégios e Imunidades das Nações Unidas e das
Agências Especializadas e de uma série de protocolos de modificação (United Nations, 1999, pp.
33, § 116). Na verdade, em rigor, uma convenção não tem obrigatoriamente de incluir a assina-
tura. Algumas organizações internacionais como a Organização da Alimentação e Agricultura das
NU (FAO) estabeleceram como prática a substituição da assinatura pela aceitação (Aust, 2004, p.
24).
323
A prática americana assenta numa definição próxima: um acto formal, no âmbito ins-
trumental, expressando o consentimento do Estado a vincular-se pelo tratado (Congressional
Research Service, 2001, p. 148).

155
Rui Miguel Marrana

A ratificação tem origem na confirmação que os soberanos faziam


das convenções que eram concluídas pelos seus enviados às cortes es-
trangeiras. Tradicionalmente entendia-se que estes plenipotenciários ti-
nham poder para vincular (poder esse que decorria do mandato, por-
tanto). Nestas circunstâncias, a ratificação prendia-se essencialmente
com a verificação do cabimento no mandato (ou seja, com a
confirmação de que a convenção concluída, respeitava os termos
fixados para a re- presentação), justificando-se portanto uma recusa de
ratificação apenas se houvesse um excesso ou violação do mandato.
Com o absolutismo po- rém, a ratificação evoluiu para uma verdadeira
aprovação: o soberano chamava a si o poder de vincular, o que ocorria
apenas depois de confir- mado não apenas o cabimento do mandato
(verificação formal), mas também os próprios termos da convenção
(verificação material, por- tanto). Este sistema consolidou-se no séc. XIX
e mantém-se na actuali- dade, mormente em razão da necessidade de
intervenção parlamen- tar324 (Bradley C. A., 2007, p. 313) cuja
apreciação não pode estar condicionada pela anterior assinatura do
executivo.
Assim, ao presente, a ratificação assume uma natureza simultane-
amente:
 política (na medida em que é insusceptível de controlo
jurisdici- onal),

324
A questão da intervenção parlamentar  que em regra era obviada nos acordos em
forma simplificada  veio a motivar decisões no sentido de permitir algum tipo de controlo.
Nesta matéria releva o Case-Zablocki Act de 1972 que impõe ao Secretário de Estado americano
a obri- gação de transmitir ao Congresso, num prazo de sessenta dias, todos os acordos
(Congressional Research Service, 2001, p. 22).

156
Décima lição: processo de conclusão das convenções

 não vinculada325 ou livre (não há sequer uma presunção de rati-


ficação326 - o que torna legítimas as ratificações tardias327 e as re-
cusas de ratificação328),

325
Neste plano, é lapidar o texto da Circular do PM francês de 30 de Maio de 1997
(RGDIP, 1997-2, pp. 602-604), quando recorda que a intervenção parlamentar no processo de
conclusão dos tratados solenes não constitui mais do que uma mera autorização de ratificação,
dada sob a forma legislativa, mas não correspondendo a uma lei em sentido material. Daí
decorre a liberdade presidencial de usar ou não essa autorização (Lavenue, 2013, pp. 20, Tit. I
Cap. I).
Também na doutrina e prática americanas a noção da liberdade de ratificação está
firme- mente reconhecida (Congressional Research Service, 2001, p. 147).
326
No ac. 20.02.1969 relativo à plataforma continental do Mar do Norte, o TIJ constatou
que a não ratificação pela Alemanha da Convenção de Genebra de 1958, depois de a ter
assinado, tornava a dita convenção não vinculativa para este Estado. Esta jurisprudência vinha já
do TPJI que no ac #1929 relativo à jurisdição territorial da Comissão Internacional sobre o rio
Oder afirmou # não poder admitir-se que a ratificação da Convenção de Barcelona fosse
considerada supérflua).
327
As ratificações tardias ocorrem sempre que é ultrapassado o período durante o qual
esse acto devia ter sido adoptado. Exactamente para evitar essa eventualidade (e tendo em
conta não ser possível antever com precisão o tempo necessário para a prática dos atos),
procura-se em regra, nos tratados solenes, não fixar tal período, determinando que a troca ou
depósito dos respectivos instrumentos deverá ocorrer logo que possível (Congressional Research
Service, 2001, p. 367).
328
No limite das ratificações tardias, subsiste uma figura específica: a das ratificações
cujo processo é bloqueado em dado momento sem que, no entanto, haja uma intenção de
recusa - pelo que a ratificação fica pendente. Isso aconteceu com a própria CV69, a qual seria
assinada por muitos Estados que, todavia, tardariam em ratificá-la. Foi o caso dos EUA que após
a participação na negociação e a assinatura, vieram a obter internamente o assentimento do
próprio Senado, acabando, no entanto, a administração da altura por entender não dever
ratificar, e per- manecendo a situação até ao presente (Congressional Research Service, 2001, p.
20 ss.). Refira-se que, não obstante, os EUA reconhecem expressamente a autoridade do regime
da convenção (Cummins & Stewart, 2002, p. 208). No oposto dessa situação temos as recusas de
ratificação que traduzem um grau de empenho muito baixo, quando não mesmo um nível de
reprovação. Um caso exemplar será o da recusa de ratificação pelos EUA do Estatuto do TPI
(Diehl, 2003). Deve ainda contemplar-se outra alternativa: a da ratificação parcial (art. 17º CV69)
que exige o assentimento das outras partes.
São inúmeras as razões que podem conduzir à não ratificação das convenções: não
aprovação pelo parlamento, expectativa a alteração de maiorias parlamentares, estratégia
política, etc. (Mengesha, 2014, p. 180 n. 12)

157
Rui Miguel Marrana

 formal (porque dependente de um instrumento formal: a carta


ou instrumento de ratificação329 que há-de trocar-se330 ou depo-
sitar-se para que possa produzir os devidos efeitos331),
 internacional (já que visando a produção de efeitos internacio-
nais332 é regulado pelo direito internacional) e
 não retroactiva (esses efeitos apenas se produzem para o fu-
turo, uma vez que não se trata de mera confirmação).
Por vezes utilizam-se outras designações para atos equivalen-
tes333 à ratificação (atos que visam a vinculação a convenções a cujo
texto foi previamente dado assentimento), nomeadamente aceitação,
acessão, aprovação, etc. Essa utilização é comum quando o acto é prati-
cado por outro órgão que não o Chefe de Estado334.

329
Não existem modelos estritos relativamente ao instrumento de ratificação – ou a
qual- quer outro instrumento de vinculação. Não obstante, tratando-se de uma declaração
negocial há- de compreender as exigências decorrentes da teoria do negócio jurídico
(nomeadamente em ter- mos de conter uma clara declaração de vontade de vinculação e da
disposição em cumprir as obrigações nela inscritas, a assinatura por uma autoridade
competente). As NU, no âmbito do seu esforço de apoio técnico aos Estados, disponibilizam
modelos que podem ser consultados no Anexo XVI do Summary of Practice of the Secretary-
General as Depository of Multilateral Treaties (United Nations, 1999).
330
A troca dos instrumentos de ratificação (que consiste, tal como o termo indica, na en-
trega ao representante do outro Estado de um duplicado-original do instrumento nacional de ra-
tificação, contra a recepção deste de idêntico documento) é por vezes acompanhada por um
pro- tocolo ou procès-verbal (ou acta), documento em que se atesta essa troca e que é assinado
pelos representantes que a efectuaram (Congressional Research Service, 2001, p. 367).
331
A prática do Secretário-Geral das NU enquanto depositário é nesta matéria muito es-
trita, considerando o depósito apenas no momento em que o documento de vinculação seja re-
cebido na sede em Nova Iorque - mesmo que tenha sido entregue nas delegações de Genebra
ou Viena e seja remetido através do correio interno (United Nations, 1999, pp. 40 § 139-142).
332
A ratificação, quando prevista ou praticada, conduz à vinculação (United Nations, 2003,
p. 36). Por isso mesmo se não admitem ratificações condicionais (Aust, 2004, p. 85). Sendo pre-
vista, constitui uma condição indispensável da entrada em vigor da convenção, não podendo ser
assumida ou entendida como simples formalidade ou não essencial (ac. 1.07.52 do TIJ, no caso
Ambatielos).
O referido carácter internacional do acto não conflitua com o facto de este ser necessari-
amente adoptado pelas autoridades nacionais – e nessa medida é, por vezes referido como acto
nacional (Congressional Research Service, 2001, p. 148).
333
A doutrina e a prática são pacíficas neste aspecto: a aceitação ou aprovação de uma
convenção após a assinatura da mesma produz o efeito jurídico da ratificação aplicando-se-lhes
o mesmo regime, salvo se a convenção dispuser diversamente (United Nations, 2003, p. 36).
334
A prática internacional uniforme vai no sentido de os documentos que determinam a
vinculação, qualquer que seja a designação que possam assumir, deverem ser assinados pelo
Chefe de Estado, Chefe de Governo ou Ministro dos Negócios Estrangeiros – as autoridades em
relação às quais se presumem os poderes para concluírem convenções no art. 7º/2 a), –
qualquer que seja a designação que constitucionalmente seja dada a tais autoridades. A eventual
assinatura por outra autoridade, mesmo que seja aquela que detém poderes para o acto
segundo o direito

158
Décima lição: processo de conclusão das convenções

O art. 11º CV69 admite ainda expressamente que a vinculação


possa decorrer de qualquer outro meio convencionado335.

4. Outros momentos relevantes


Obtida a vinculação dos Estados à convenção (por via da assinatura,
ratificação ou outro acto), esta existe (conquanto não esteja ferida de
qualquer vício). No entanto – sem se referirem à sua existência – subsis-
tem outros momentos da vida de uma convenção que devem ser trata-
dos, por se prenderem com a plena realização do seu escopo. Nesse
sen- tido, vamos fazer algumas referências ao regime relativo à
entrada em
vigor, à aplicação, ao registo e à publicação.
4.1. Entrada em vigor
No tocante à entrada em vigor – que, insiste-se, não constitui uma
fase da conclusão (a convenção está concluída com a vinculação das par-
tes, podendo esta resultar da assinatura, ratificação ou outro acto equi-
valente) – importa, desde logo, referir que o regime a aplicar é internaci-
onal (quer isto dizer, portanto, que a vigência não é regulada pelas
ordens internas dos Estados – podendo, todavia, estar dependente de
atos pro- duzidos nestas), estando o mesmo referido nos art. 24º e 25º
CV69.
O regime relativo à entrada em vigor da convenção pode apresen-
tar várias configurações-tipo, fazendo depender a mesma de alguma das
seguintes circunstâncias:

interno aplicável, apenas deve ser aceite se acompanhada de uma declaração de uma das autori-
dades referidas, assegurando essa competência (United Nations, 1999, pp. 35, § 21-123; Aust,
2004, p. 85).
335
O consentimento não tem sequer de ser expresso, podendo resultar do comporta-
mento, nomeadamente da aprovação de uma resolução (Aust, 2004, p. 90).
Um caso paradigmático de participação em tratados utilizando diferentes fórmulas é o
da União Europeia relativamente ao quadro convencional do Conselho da Europa. Aqui a
vinculação ocorreu já por via de assinatura, de aceitação (adesão), de assinatura seguida de
aceitação, de ratificação e de aprovação (Benoît-Rohmer & Klebes, 2005, p. 110).

159
Rui Miguel Marrana

 da troca ou do depósito de um dado número de instrumentos de


vinculação (imediatamente336 ou decorrido um dado período de
tempo337);
 da troca ou do depósito dos instrumentos de vinculação de uma
dada percentagem ou categoria de Estados338);
 de uma data específica 339.
Depois de iniciada a vigência internacional de uma convenção se-
gundo as regras nela estabelecidas340, essa vigência não se suspende
caso as condições de entrada em vigor deixem de se verificar (p. ex. por
re- cesso ou retirada - ou desaparecimento - de algum dos Estados
membros, fazendo o número destes descer abaixo do exigido), excepto
se tal efeito estiver expressamente previsto (cf. 55º CV69).
Deve distinguir-se a entrada em vigor no plano internacional – à
qual acabamos de nos referir – da entrada em vigor para um dado
Estado. Na verdade, não sendo necessário que uma convenção vincule
simulta- neamente todos os estados, (podendo, como se viu nas
variantes citadas, iniciar-se com um número mínimo, alargando-se
depois aos demais, con- forme a vinculação destes ocorra), pode ocorrer
que após a vigência in- ternacional, outras vinculações ocorram
impondo um regime específico.
336
É o caso do artigo VIII do Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados de 1967
quando dispõe que o presente protocolo entrará em vigor no dia do depósito do sexto
instrumento de adesão.
Este regime (da entrada em vigor coincidir com a troca dos instrumentos de vinculação)
é o mais frequente nas convenções bilaterais (que as mais das vezes são acordos em forma
simpli- ficada, nos quais a vinculação resultará d assinatura), do que resulta a necessidade de
algum cui- dado na comunicação, principalmente se a vigência é imediata (Congressional
Research Service, 2001, p. 367).
337
Veja-se, p. ex., o art. 126º/1 do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional de
1998 quando refere que o mesmo entrará em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao termo de
um período de sessenta dias após a data do depósito do sexagésimo instrumento de vinculação.
338
É o caso do art. XIV do Tratado de Proibição Total de Ensaios Nucleares de 1996 que
dispõe: [o] presente tratado entra em vigor 180 dias depois da data do depósito dos
instrumentos de ratificação de todos os Estados constantes no Anexo 2, e em qualquer caso,
nunca antes de decorrerem dois anos sobre a data em que foi aberto para assinatura.
339
V. exemplo no art. 45º/1 do Convénio Internacional do Café de 2000 quando dispõe
que o mesmo entra em vigor em 1 de Outubro de 2001 (desde que nessa data estivessem vincu-
lados pelo menos 15 Estados exportadores correspondendo a pelo menos 70% dos votos deste
grupo e 10 Estados importadores correspondendo a pelo menos 70% dos votos destes).
340
Se uma convenção não dispõe sobre a sua entrada em vigor, a vigência ocorre com a
expressão do consentimento da vinculação dos Estados que participaram na negociação (24º/1 e
2 CV69). Esta não é todavia uma solução comum nas convenções recentes (United Nations,
2003,
p. 57), nunca se tendo verificado aliás em relação às convenções de que o Secretário-geral das
NU é depositário (já que a regra é totalmente desadequada para convenções universais –
ibidem, pp. 57/58).

160
Décima lição: processo de conclusão das convenções

Frequentemente as convenções dispõem que a entrada em vigor nestes


casos (para os Estados em relação aos quais não coincidiu com o regime
geral, portanto) ocorra na data do depósito do instrumento de vincula-
ção341, decorrido um determinado período de tempo depois dessa
data342, numa data específica343 ou ainda verificadas determinadas con-
dições344.
4.2. Aplicação
4.2.1. Vigência e aplicação
Convém ainda distinguir entrada em vigor de aplicação (execução)
efectiva. Na verdade, as condições de aplicação podem ser diferentes
das da entrada em vigor: mesmo estando em vigor, uma convenção
pode não se aplicar, se essa aplicação derivar da verificação de
determinadas con- dições.
4.2.2. Aplicação provisória
Também pode acontecer o fenómeno inverso. Excepcionalmente,
a aplicação pode ocorrer antes da entrada em vigor - por uma questão
de urgência ou para obviar atrasos indevidos na vigência (Gaja, 2011, p.
330). É o regime da aplicação provisória 345 previsto no art. 25º/1 CV69
(que integra actualmente o programa de trabalho da CDI346).

341
V. p. ex. art. VIII do Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados de 1967. Este é,
aliás, o regime supletivo: na falta de estipulação ou acordo em sentido diferente, quando um
Estado se vincula a uma convenção estando esta em vigor, a vigência em relação ao dito Estado
ocorre com a vinculação (24º/3 CV69).
342
V. p. ex. o regime previsto no art. 126º/2 do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Inter-
nacional de 1998.
343
É o caso da adesão à UE, a qual implica sempre a celebração de um tratado de adesão
(cf. 49º TUE), o qual altera os tratados instituintes e dispõe especificamente sobre a entrada em
vigor dos mesmos para os estados peticionários.
344
V. p. ex. o regime previsto no art. 25º do Protocolo de Quioto de 1997 que exigiu a
vinculação de Estados que representassem determinado volume de emissões poluentes.
345
Foi o caso do Convénio Internacional do Café de 1994 cuja vigência foi alargada até
2001, com as modificações introduzidas pela Resolução 384 do Conselho Internacional do Café,
em Londres, em 21 de Julho de 1991. A aplicação provisória ocorre com muita frequência em
convenções que regulam a produção e comercialização de mercadorias. Assim, p. ex. no sector
do cacau foram celebrados seis acordos internacionais consecutivos desde 1972, cinco dos quais
ainda não terão entrado em vigor (United Nations, 2003, p. 66). Também a delimitação das fron-
teiras marítimas entre os EUA e Cuba vem sendo regulada por um acordo de 1977 que beneficia
do regime a aplicação provisória desde então, já que o Senado nunca o chegou a aprovar
(Congressional Research Service, 2001, p. 114).
346
A inclusão do tema nos trabalhos da CDI foi proposta em 2011 (cf. A/66/10 –
Relatório 2011 da CDI - Anexo C, pp. 330 ss.) e acolhida em 2012. O Relator especial Gómez-
Robledo tem apresentado relatórios anualmente, desde 2013. Em 2016 e 2017 o Comité de
Redacção

161
Rui Miguel Marrana

Se uma convenção se aplica provisoriamente, cria obrigações para


os Estados que tenham acordado nessa aplicação. O seu carácter
provisório e voluntário347 faz com que qualquer Estado que participe
nessa situação lhe possa pôr fim quando o entenda (Congressional
Research Service, 2001, p. 42). No mesmo sentido, a aplicação provisória
cessa se o Estado comunica a intenção de não se vincular (cf. Directiva
8).
Existe também a possibilidade de aplicação provisória mesmo já
na vigência da convenção. Essa aplicação provisória é por vezes admitida
para os casos em que os Estados (que não são parte) pretendem
cumprir uma convenção sem terem de obedecer ao extenso processo de
vin- culação348.
4.2.3. Vigência provisória
Em alguns documentos das NU surge uma outra variante: a da
entrada em vigor provisória. Esta ocorre quando a própria convenção
admite que Estados que se considerem preparados para dar
cumprimento às obrigações convencionais possam fazê-lo entre si, sem
terem de esperar pela conclusão das exigências formais. A vigência
provisória apenas cria obrigações para as partes que tenham acordado
nela. A distinção da aplicação provisória deveria assentar no seguinte:
nesta não é suposto que se participe em mecanismos decisórios
eventualmente existentes, enquanto naquela essa participação se
presume (United Nations, 2003, p. 66)349 – a distinção não é, todavia,
acolhida nos trabalhos da CDI relativos à aplicação provisória, parecendo
que o conceito de vigência provisória tende integrar-se no de aplicação
provisória.
4.2.4. Aplicação progressiva
Diferentes das variantes acabadas de referir é uma outra figura
pró- xima que convém distinguir: a da aplicação progressiva dos
regimes. Esta ocorre já na vigência da convenção, quando (nos termos
nela previstos) os diferentes regimes se vão aplicando ao longo de um
calendário fixado para o efeito.

apresentou textos de projectos de directivas (A/CN.4/L.877 de 2016 e A/CN.4/L.895/Rev.1 de


2017). No texto fazemos referência ao último dos projectos.
347
A aplicação provisória supõe um acordo paralelo (Gaja, 2011, p. 331) que determine
essa aplicação (cf. Directiva 4)
348
É o caso previsto no art. 55º do Acordo Internacional sobre o Cacau de 1993 (United
Nations, 2003, p. 44).
349
Veja-se no art. 58º/3 do Sixth International Cocoa Agreement (2001), uma utilização
simultânea e articulada dos diferentes conceitos que vimos referindo.

162
Décima lição: processo de conclusão das convenções

4.3. Registo
Vejamos agora o regime relativo ao registo das convenções.
Insista-se, uma vez mais, no facto de este não constituir uma fase
da conclusão das convenções, muito embora seja também regulado in-
ternacionalmente (24º CV69).
Está expressamente consagrada a obrigação de registo (cf. art.
102º/1 CNU)350, através do envio ao Secretário-geral NU. Sendo
bilaterais as convenções, tal obrigação cabe às partes (80º/1 CV69), e
sendo multi- laterais ao depositário (77º/1 g) e 80º/2).
A falta de registo (já não a falta da publicação) impede as partes
de invocarem a convenção perante qualquer órgão das NU – inclusive o
TIJ (United Nations, 2003, p. 76)351 – nos termos do art. 102º/2 CNU.
A obrigação de registo – que estava já prevista no art. 18º do
Pacto das Nações – visa garantir o carácter público das convenções,
contrari- ando a prática diplomática secreta que desde o século XIX era
sentida como contribuindo para a instabilidade internacional352.
4.4. Publicação
A publicação das convenções multilaterais é também uma obriga-
ção originalmente fixada no Pacto das Nações e que se desenvolveu
com o regime da CNU. Neste era obrigatoriamente efectuada no órgão
oficial das NU – o United Nations Treaty Series (UNTS) – sendo que, em
relação a convenções bilaterais, desde 1978 se desenvolveu uma política
de pu- blicação limitada353 que garante apenas a publicação parcial.
Dado o

350
O regime relativo ao registo e publicação foi adoptado pela AG em 14.12.1946 [Reso-
lução 97 (I)], a qual foi posteriormente modificada pelas Resoluções 364 B (IV), 482 (V) e 33/141
A, adoptadas em 1949, 1950 e 1978, respectivamente.
351
V. tb. a decisão 1.7.1994, do TIJ, relativa à delimitação marítima e questões territoriais
entre Qatar e Bahrein (competência e admissibilidade), especialmente o § 29.
352
Nesse sentido v. o discurso do Presidente Wilson quando em 1918, dirigindo-se aos
representantes dos Estados que negociavam o Pacto das Nações, se referia a negociações de paz
abertas, concluídas abertamente, depois das quais não mais haverá entendimentos
internacionais privados de qualquer tipo mas a diplomacia que se desenvolverá em termos
francos e aos olhos de todos (Brölmann, 2005, p. 386 n.12).
Para uma análise da prática e defesa das vantagens dos acordos secretos v. Ashley S. Deeks
(2017).
353
A política de publicação limitada aplica-se aos acordos em matéria de assistência e co-
operação circunscritas a assuntos financeiros, comerciais, administrativos ou técnicos, acordos
relativos à organização de conferências, seminários ou encontros e acordos sujeitos a publicação
noutros órgãos que não o UNTS. A prática veio a acolher na política de publicação limitada
alguns

163
Rui Miguel Marrana

substancial aumento do volume de convenções a publicar e face aos


atra- sos que se foram acumulando nas publicações, por decisão da AG
das NU, esta política de publicação limitada foi alargada às convenções
multilate- rais, cabendo ao Secretariado-geral fazer a necessária triagem
(Resolução da AG A/RES/52/153 de 1997).
As mesmas condicionantes conduziram ao mesmo resultado inter-
namente nos EUA (cf. US Digest 1991-99 p. 679 ss.).

C. Os acordos em forma simplificada


A designação de acordos em forma simplificada utiliza-se para as
convenções cuja vinculação não exige a ratificação ou acto equivalente -
decorrendo da assinatura (ou acto equivalente354). Há, portanto, um
pro- cedimento abreviado, na medida em que se dispensa a última fase
do processo (e não apenas a prática do acto de ratificação mas, em
regra, os atos internos que esta pressupõe, maxime a intervenção
parlamentar).
Claro está que a formulação precisa que o processo há-de
apresen- tar dependerá das exigências internas. Não obstante, está
firmemente assente na prática e na jurisprudência355 internacionais a
validade dos acordos em forma simplificada.
O aparecimento de um processo abreviado resulta fundamental-
mente de dois factores: por um lado da urgência que a celebração de
algumas convenções impõe (que não se compagina com o
procedimento tradicional dos tratados solenes) e por outro, com a cada
vez maior acti- vidade convencional conduzida pelos executivos (a
crescente internacio- nalização das matérias fez com que os governos
sentissem a necessidade de complementar a sua actividade legislativa
interna com a prática de atos convencionais que oferecessem um
enquadramento alargado aos

acordos comerciais, sendo que as convenções celebradas pela UE passaram a ser publicadas
ape- nas nas versões em língua inglesa e francesa. Isso faz com que esta política se aplique a
cerca de 25% das convenções recebidas pelo Secretariado-geral das NU (United Nations, 2012,
p. 39 ss.).
354
Tal como veremos adiante (pp. 197 ss.), em Portugal a vinculação aos acordos em
forma simplificada decorre da aprovação (que sucede à assinatura). Dadas as variantes julgamos
ser preferível insistir na simplificação dos procedimentos como característica essencial dos acor-
dos em forma simplificada do que especificar os atos dos quais depende a vinculação (cf. tb.
infra nota 358).
355
Cf. art. 10º e 11º CV69. O TPJI no seu parecer de 5.09.1931 relativo ao regime
aduaneiro entre a Alemanha e a Áustria, afirmou expressamente que os compromissos
internacionais po- dem ser assumidos indiferentemente sob a forma de tratados, convenções,
declarações, acordos, protocolos ou troca de notas (p. 14).

164
Décima lição: processo de conclusão das convenções

regimes jurídicos por si definidos no exercício de competências legislati-


vas concorrentes).
A sua introdução advém dos executive agreements americanos356
(acordos celebrados apenas pelo poder executivo, sem intervenção do
legislativo, portanto357) que terão surgido no final do séc. XVIII, cuja prá-
tica foi sendo acolhida na Europa durante o séc. XIX, tendo-se generali-
zado no séc. XX e referindo-se actualmente a mais de metade das con-
venções concluídas (Nguyen Quoc, Daillier, & Pellet, 1999, p. 142).
Tal como se referiu anteriormente (X Lição, p. 141), cabe a cada
Estado a determinação do processo necessário à vinculação a uma dada
convenção. Isso pode determinar que as partes de uma mesma
convenção se vinculem de forma distinta, seguindo uma delas a forma
solene e outra a forma simplificada. Mais ainda: dentro de cada uma
destas variantes, cada Estado determinará certamente exigências mais
ou menos complexas que sempre farão com que toda a vinculação
tenda a ocorrer de forma diferente conforme o Estado envolvido358.
Não obstante, a prática dos acordos em forma simplificada consagrou
solu- ções que diminuem consideravelmente o tempo necessário ao
processo de conclusão da convenção. Assim, por exemplo, quando se
trate de
356
Tal como se referiu supra (nota 283).
Na ordem constitucional americana subsiste uma distinção clara, reservando-se a classifi-
cação de tratado às convenções estabelecidas pelo e com o parecer e acordo do Senado (art. II,
secção 2, cláusula 2 da Constituição americana). O termo executive agreement aplica-se às con-
venções que não são submetidas à apreciação do Senado (Congressional Research Service, 2001,
p. 1).
O regime americano vai mais longe, considerando os tratados como convenções vincula-
tivas, enquanto os executive agreement (dentro dos quais serão distinguíveis três classes: con-
gressional-executive agreements, agreements pursuant to treaties e presidential or sole executive
agreements) seriam de mera aplicação no direito interno (sem assumir carácter vinculativo
inter- nacional). A doutrina americana reconhece todavia a divergência de tais regras com o
regime in- ternacional (que assume o carácter vinculativo de qualquer convenção
independentemente da designação ou especificidade) e por isso, assume que o estatuto dos
executive agreement não estará plenamente resolvido no plano interno (Congressional Research
Service, 2001, pp. 1, 4 ss.).
357
V. Subsistem diversas justificações, sendo a mais evidente a que decorre do
paralelismo de competências: se (ou quando) o executivo tem capacidade legislativa, deve poder
celebrar convenções no âmbito dessa mesma capacidade, já que se trata tão só de uma outra
forma de editar normas.
358
Assim, veremos depois que no caso português a vinculação nunca decorre da assina-
tura, exigindo-se sempre pelo menos a prática de um acto subsequente (a aprovação). Veremos
ainda aliás como o nosso regime constitucional prevê a conclusão de acordos (em forma simplifi-
cada) com a intervenção obrigatória da Assembleia da República, o que, de alguma forma, con-
traria a ideia inicial da convenção que cabendo na competência do executivo, assumida uma
forma simplificada por dispensar aquela que é a intervenção mais morosa por definição: a do
Par- lamento (face aos métodos de trabalho próprios destes órgãos que envolvem discussão
pública e às dificuldades de agendamento que essa discussão sempre implica).

165
Rui Miguel Marrana

convenções bilaterais, chega a dispensar-se a apresentação de carta de


plenos poderes e os negociadores assinam um mesmo documento
obrigando-se imediatamente ou por troca de notas359.
Em termos internacionais, o valor dos acordos em forma simplificada
é idêntico ao dos tratados solenes, embora internamente alguns
Estados disponham de forma diversa360).

Questões de revisão
A. Questão geral
Identifique as principais fases internacionais da conclusão das convenções

B. Questões directas
1. Refira as principais componentes do texto das convenções internacio-
nais;
2. Identifique os efeitos da assinatura das convenções internacionais;
3. Defina ratificação explicando sumariamente os diferentes elementos
da definição;
4. Refira-se à origem e evolução do instituto da ratificação;
5. Caracterize a ratificação;
6. Explique sumariamente o regime e prática da entrada em vigor das
convenções internacionais;
7. Distinga a entrada em vigor de uma convenção, da entrada em vigor
para um Estado e ainda da sua aplicação;
8. Refira-se à obrigação e efeitos do registo das convenções internacio-
nais;
9. Explique o surgimento e importância dos acordos em forma simplifi-
cada.

359
Trata-se do envio mútuo de cartas que contêm o texto integral do acordo, valendo
como data de assinatura a da recepção da segunda (Nguyen Quoc, Daillier, & Pellet, 1999, p.
143). A prática portuguesa em negociações bilaterais dispensa a emissão de credenciais para os
repre- sentantes nacionais que vão negociar o texto, tal como se referiu anteriormente.
360
Tal como referimos supra nas notas 283 e 356, nos EUA considera-se que os acordos
em forma simplificada não prevalecem sobre a lei federal (ao contrário dos tratados). Mas essa
questão é puramente interna. Face ao direito internacional, caso uma disposição de um acordo
em forma simplificada não seja aplicada por contrariar uma regra federal (ou qualquer norma
interna, independentemente da natureza da mesma), o Estado em causa estará a violar as suas
obrigações – nomeadamente a obrigação de adequar o seu direito interno ao cumprimento pon-
tual das suas obrigações internacionais – pelo que poderá de ter de responder pelos danos que
decorram desse ilícito.

166
Décima lição: processo de conclusão das convenções

Bibliografia de referência
UNITED NATIONS 1999. Summary of practice of the Secretary-General as
depositary of multilateral treaties. New York, NY: United Nations.
UNITED NATIONS. 2003. Final Clauses of Multilateral Treaties Handbook.
New York, NY: United Nations.
UNITED NATIONS. 2012. Treaty Handbook. New York, NY: United Nations.
AUST, A. 2004. Modern Treaty Law and Practice. Cambridge, UK: Cam-
bridge University Press.

Leituras recomendadas
NGUYEN QUOC DINH et. al. 1999. Droit International Public, 6ª Ed. Paris:
L.G.D.J. pp. 126-163.
Bradley, C. A. (2007). Unratified Treaties, Domestic Politics, and the U.S.
Constitution. Harvard International Law Journal, 48(2), pp. 307-
336.

Recursos on line
Model Instruments in the six official UN Languages:
https://treaties.un.org/Pages/Content.aspx?path=Publication/ModelInstruments/Page
1_en.xml
Pierre D’Argent - Universidade Católica de Louvain – 3 aulas (em inglês)
sobre as diferentes fases de conclusão de convenções
[Treaty Negotiations - 5:37]:
https://www.youtube.com/watch?v=7RqvxVfKmtU
[Signature, ratification and entry into force - 10:29]:
https://www.youtube.com/watch?v=cu9q-y3_oPM
[Registration and Publication - 6:53]:
https://www.youtube.com/watch?v=5zRHBDMPRSA

167
XI Lição
Convenções multilaterais: particularidades

A. Objetivo
Vimos na lição anterior o regime internacional geral relativo ao
pro- cedimento genérico de formação das convenções internacionais.
Aquele regime geral há-de, na prática, articular-se – como se referiu
– com as exigências estipuladas na ordem internacional dos Estados (e
de outros sujeitos).
Ainda antes de passarmos à análise desse tipo de exigências – por
via do estudo do processo de vinculação internacional do Estado portu-
guês, na próxima lição – convém estudarmos as particularidades das
con- venções multilaterais.
A vida internacional é cada vez mais regulada por convenções mul-
tilaterais, as quais assumem, nos nossos dias, o papel central nesse es-
forço. O carácter multilateral altera, todavia, a natureza convencional,
impondo exigências específicas e dando lugar ocorrências e mecanismos
originais (cf. a imagem361 da pag.ª seguinte, no qual se assinala uma se-
quência possível).
São essas exigências e mecanismos que vamos analisar na presente
lição.
Começaremos por constatar a diferença radical que surge logo na
negociação, assinalando o respectivo regime. Veremos depois os termos
em que se prevê ou admite a extensão dos regimes convencionais (de
facto, a regulação multilateral traz consigo o ímpeto da regulação – mais
ou menos – genérica ou universal. Essa generalização é facilitada
possibi- litando a aplicação das convenções aos sujeitos que não tenham
partici- pado na sua formação).
Veremos depois o regime das reservas e declarações interpretati-
vas (o qual tem sido objeto de grande atenção nas últimas décadas),
para concluirmos com a análise da figura do depositário.

361
Quadro adaptado de United Nations (2012, p. 21).

169
Rui Miguel Marrana

Possível sequência de acontecimentos no proce

Início da negociação

Adopção do texto

Depósito do texto junto do Secretário-geral


para preparação do texto autêntico
Secret.º-geral notifica
Estado A vincula-se pela assinatura
Abertura da Convenção para assinatura
Estados B, C e D assinam sob reserva
de aprovação, ratificação ou outro acto
Estado B vincula-se pela aprovação,
ratificação ou outro acto
Estado C vincula-se pela aprovação,
ratificação ou outro acto

Estado E vincula-se pela adesão


Encerra o período de abertura para assinatura
Estados B e C aplicam provisoriamente
Entrada em vigor
D aplica provisoriamente
D ratifica
E adere

170
Décima primeira lição: particularidades das convenções multilaterais

B. Negociação
A diferenciação entre convenções bilaterais e multilaterais resulta
desde logo da metodologia segundo a qual se desenvolve a elaboração
do texto ou (para voltarmos ao termo usado anteriormente) a negocia-
ção.
Enquanto nas convenções bilaterais a negociação segue o meca-
nismo diplomático tradicional (cf. supra nota 300) simplificado
(tendendo a fazer-se por apresentação de propostas e contrapropostas),
para as convenções multilaterais em regra será necessária a reunião dos
repre- sentantes dos Estados numa conferência internacional
(tradicionalmente designada conferência ad hoc e mais recentemente
conferência intergo- vernamental).
Neste ponto avulta o papel das organizações internacionais. Muito
embora as conferências intergovernamentais de negociação surjam
tam- bém por iniciativa de Estados, essa situação tende a limitar-se aos
casos em que as sensibilidades políticas justificam a liderança por
Estados com posições influentes362. Fora de tais circunstâncias, a regra é
a de a própria iniciativa da convocação caber às organizações
internacionais, as quais, enquanto fora de negociação permanente,
estão naturalmente vocacio- nadas para produzir tais resultados363. Na
verdade, a organização e fun- cionamento de uma conferência
intergovernamental é afinal uma activi- dade semelhante às actividades
correntes das organizações internacio- nais. Claro que há, neste ponto,
variantes: a conferência pode ocorrer em estilo congresso (resumindo-
se a intervenção da organização internacio- nal ao apoio logístico) ou
pode seguir os métodos de funcionamento da própria organização
internacional (o que facilita consideravelmente o de- senrolar dos
trabalhos, não apenas por estarem já definidas as regras de
funcionamento mas ainda porque estas são frequentemente mais estri-
tas e disciplinadoras).

362
A posição de influência dos Estados para convocarem conferências ad hoc, é eviden-
ciável desde o início: a mera convocação implica, em regra, substanciais esforços diplomáticos
para motivar os outros Estados e os convencer da utilidade e oportunidade dessa mesma inicia-
tiva. Por outro lado, a simples selecção dos Estados a convidar, pressupõe também a capacidade
para suportar os atritos diplomáticos resultantes da opção (qualquer que ela seja), uma vez que
o simples facto de deixar de fora alguns Estados tenderá a ser assumido como uma
desconsidera- ção. Finalmente, a organização do evento é também algo que imporá
normalmente um empenho financeiro e técnico que não estará ao alcance da maioria dos
Estados.
363
De facto, como salienta a doutrina, as organizações internacionais – e dentro destas,
em especial as universais – tornaram-se máquinas virtuais de conclusão de convenções, ideia
essa que, aliás, estará na origem da formação das mesmas (Alvarez, 2002, p. 218), ao mesmo
tempo que a sua intervenção fez diminuir consideravelmente a exclusão de Estados na fase da
negocia- ção (Diehl, 2003, p. 6).

171
Rui Miguel Marrana

A análise doutrinal distingue quatro padrões específicos de funcio-


namento desenvolvidos pelas organizações internacionais em matéria
de conclusão de convenções (Alvarez, 2002, pp. 20-222):
i. conferências gerais de negociação (caracterizadas pela ampla
par- ticipação de Estados, organizações internacionais e ONG),
que im- plica níveis substanciais de apoio técnico, impõe a
adopção de re- gras funcionamento complexas – nomeadamente
com a criação de grupos de trabalho, sessões informais – e
pressupõe algum ali- nhamento entre participantes). Um
exemplo atual é o da confe- rência de negociação da convenção
que criou o TPI, a qual envol- veu a participação de 160 Estados,
33 organizações internacionais e mais de 200 ONG (sendo ainda
acompanhada por mais de 400 jornalistas);
ii. grupos de peritos em matéria convencional, como a CDI 364, que
agem segundo procedimentos que dão origem a grandes
volumes de informação e dos quais resultam propostas concretas
solida- mente fundamentadas;
iii. fórmulas funcionalizadas de elaboração de convenções (muito
uti- lizadas em matérias tão diferentes como comércio
internacional, ambiente ou direitos humanos, essas fórmulas
assentam na cria- ção de entidades que elaboram regras-padrão,
acompanham a aplicação das convenções e podem ainda
funcionar como meca- nismos de resolução de conflitos;
exemplos importantes são o sis- tema europeu de protecção de
direitos humanos, ou o Uruguay round);
iv. fórmulas específicas (resultantes de mecanismos formais instituí-
dos no seio de organizações internacionais, os quais tendem a
pressionar os Estados membros a vincularem-se às convenções,
cujo exemplo mais importante é a organização Internacional do
Trabalho).
A intervenção das organizações internacionais no domínio da cele-
bração de convenções multilaterais é por isso hoje em dia, mais do que
incontornável, determinante. Em matéria de convenções multilaterais
gerais o papel da ONU tem crescido ao longo dos anos. Para além da
con-

364
Cf. supra, p. 19 ss. Esta prática (da negociação do texto ser efectuada por peritos e
não por diplomatas) é também seguida no Conselho da Europa, embora aqui a sua formação
varie, podendo tratar-se de um dos membros dos comités directores do CM ou de um grupo de
peritos ad hoc agindo sob a responsabilidade destes (Benoît-Rohmer & Klebes, 2005, p. 99).

172
Décima primeira lição: particularidades das convenções multilaterais

vocação das conferências, a intervenção do Secretário-geral tem assu-


mido uma função de harmonização das práticas 365 e difusão das mesmas
a qual constitui um marco fundamental na prática convencional, que é
seguido por praticamente todas as organizações universais.
A um nível mais restrito deve referir-se também a actividade
desen- volvida pela UE, no seio da qual os Estados, vêm
sistematicamente cele- brando convenções complementares dos
regimes fixados nos tratados institutivos366, naquela que é certamente
uma das suas notas de maior vitalidade.
A prática das organizações internacionais em matéria de negocia-
ção de convenções internacionais envolve normalmente procedimentos
mais ou menos complexos que fixam um sem número de particularida-
des. Nesse sentido aliás, a Convenção de Viena sobre direito dos
tratados entre Estados e organizações internacionais ou entre
organizações inter- nacionais, de 1986, especifica no seu art. 5º o
carácter supletivo das suas normas face a eventuais das organizações
internacionais envolvidas.

C. Extensão dos regimes convencionais


As convenções multilaterais podem restringir a vigência do respe-
ctivo regime aos Estados que depois de participarem na negociação,
pra- ticaram o acto ou atos necessários à vinculação. A regra é no
entanto a inversa: as convenções admitem ou postulam até a extensão
do seu re- gime a outros Estados - no limite a todos os Estados (como
será, por de- finição, o caso das convenções multilaterais gerais).
Essa extensão do regime convencional pode operar-se por duas
vias: a assinatura diferida e a adesão. Estes mecanismos visam dar res-
posta a necessidades diferentes, tal como procuraremos evidenciar na
respectiva exposição.

365
O esquema apresentado no início do presente capítulo – adaptado daquele que surge
no United Nations Treaty Handbook (United Nations, 2012) – reflecte, aliás, logo no início da se-
quência apresentada, uma prática que foi iniciada nesta organização internacional. Referimo-nos
à preparação pelo Secretário-geral do documento que é submetido à assinatura dos
representan- tes das partes, com base na Acta Final da conferência ou na Resolução AGNU
(United Nations, 1999, pp. 11, §38).
366
Neste âmbito estamos a referir-nos não apenas a convenções propriamente ditas,
como também às Decisões dos representantes dos Governos dos Estados Membros e às Resolu-
ções do dos representantes dos Estados-Membros e bem assim às Resoluções conjuntas do Con-
selho e de representantes dos governos dos Estados Membros.

173
Rui Miguel Marrana

1. Assinatura diferida
A assinatura diferida consiste em transformar a cerimónia de assi-
natura (que, por definição se restringe aos Estados que participaram na
negociação) num período aberto durante o qual os Estados que estejam
em condições de o fazer e decidam nesse sentido, podem praticar esse
acto - apondo no documento a assinatura do representante nessa quali-
dade ou, se for caso disso, depositando um instrumento de aceitação
com
o mesmo efeito (United Nations, 1999, p. 33 §116).
A assinatura diferida apresenta diversas vantagens, a mais impor-
tante das quais tem a ver com o facto de permitir, logo após a
negociação, integrar no processo de conclusão da convenção os Estados
que não pu- deram ou não quiseram participar na negociação. No caso
de convenções multilaterais gerais este expediente não apenas permite
alargar desde cedo o número de Estados envolvidos (o que, como
vimos, dá, só por si, maior consistência ao regime) como ainda
frequentemente facilita a en- trada em vigor se esta depende – como é
frequente – do depósito de um dado número de instrumentos de
ratificação367. É que, sendo esse o caso, uma vez que a ratificação está
restrita aos Estados que assinaram, quanto maior for o número de
Estados que assinem, mais fácil será obter o nú- mero de ratificações
exigido para a entrada em vigor.
Quando as convenções admitem a assinatura diferida, indicam
(nas cláusulas finais) o local368 e o período369 durante o qual podem ser
prati-

367
Importará ter presente que o acto da assinatura quando a convenção está aberta para
esse efeito, pode consistir numa assinatura definitiva (visando, portanto, a vinculação, nos
termos do art. 12º CV69) ou numa simples assinatura (exigindo consequentemente a prática de
atos subsequentes como condição de vinculação, maxime da ratificação)
368
Nas convenções em que o Secretário-geral das NU é nomeado depositário, a regra
geral imposta por este é a de que a custódia das mesmas permaneça na Secção de Tratados da
Secre- taria-geral, o que impõe acordos especiais sempre que as partes pretendam celebrar
cerimónias de assinatura noutros locais que não a sede das NU. Estas limitações prendem-se
quer com os custos decorrentes do acompanhamento por funcionários, quer ainda com a
segurança da con- venção (United Nations, 2003, p. 32).
369
Alguns tratados sobre direitos humanos ficam indefinidamente abertos para assinatura
– cf. art. 25º/1 da Convenção relativa à Eliminação de Todas as Formas de Discriminação das
Mu- lheres, de 1979, o art. 46º da Convenção relativa aos direitos da Criança, de 1990, ou ainda
o art. 86º da Convenção Internacional de Protecção dos Direitos de todos os Trabalhadores
Migrantes e Membros das suas Famílias, de 1990 (United Nations, 2003, p. 30; United Nations,
1999, p. 33

174
Décima primeira lição: particularidades das convenções multilaterais
§116). Essa situação pode também observar-se no art. 155º da Convenção de Genebra Relativa à
Protecção das Pessoas Civis em Tempo de Guerra, de 1949.

175
Rui Miguel Marrana

cados esses atos. Isso pode acontecer no local onde foi realizada a ne-
gociação370, noutro local371 ou até em dois locais em simultâneo372 ou su-
cessivamente373.

2. Adesão
A adesão consiste num acto de vinculação para sujeitos que não
participaram no processo de conclusão da convenção e que, portanto,
não a assinaram374. Substitui assim, quer a assinatura, quer a ratificação
(ou acto equivalente). Na prática, isso significa que com a adesão, a vin-
culação decorre do depósito do instrumento de um único acto.
O regime da adesão fixado no art. 15º CV69 estabelece que esta se
admite quando isso se encontre previsto na convenção [al. a)], se por
ou- tra forma se verifique ser essa a intenção das partes [al. b)] ou ainda
se todas as partes acordarem nesse sentido. Dito de outra maneira, a
vincu- lação pela adesão apenas ocorre se as partes de uma convenção
derem o seu acordo (de princípio, na própria convenção ou em outro
momento, ou específico, face a um pedido concreto).
A propósito do regime de adesão a doutrina frequentemente intro-
duz uma classificação específica, distinguindo convenções abertas e fe-
chadas (conforme a adesão esteja ou não prevista no texto convencio-
nal). Assim, ao contrário do que a designação pode sugerir, a abertura da
convenção não implica que a adesão esteja facilitada. Implica isso sim
a existência de uma previsão nesse sentido. Mas essa previsão pode
sur-

370
Tal como aconteceu, p. ex. com a Convenção sobre o Transporte Internacional de Mer-
cadorias em Camiões TIR (TIR Convention), de 1975, cuja assinatura foi aberta em Genebra, local
onde se realizou também a conferência intergovernamental que negociou o texto (United
Nations, 1999, p. 34 §116).
371
Nas convenções multilaterais gerais concluídas sob os auspícios das NU, a regra geral
vai no sentido de que fiquem abertas para assinatura na sede, em Nova Iorque salvo acordo es-
pecial com a Secção de Tratados (United Nations, 2003, p. 30).
372
Esse foi o caso – excepcional, como refere o Summary of Practice of the Secretary-
General as Depository of Multilateral Treaties (United Nations, 1999, pp. 34-35 §118) – da Con-
venção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982, cuja assinatura esteve aberta no Mi-
nistério dos Negócios Estrangeiros Jamaicano, em Montego Bay e na sede das NU em Nova
Iorque (cf. art. 305º/2 da mesma convenção).
373
Veja-se o regime fixado no art. 81º CV69 que previa que até 30.11.1969 a assinatura
pudesse ser efectuada junto do MNE austríaco e a partir daí até 30.4.1970, na sede das NU. Foi
também o caso da Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes, de 2001. A
prática parece ser corrente em convenções ambientais (United Nations, 2003, p. 31).
374
A não assinatura ocorre, por vezes, em situações em que o Estado participou na nego-
ciação, mas não lhe foi possível praticar em tempo os atos necessários (United Nations, 2003, p.
38).

176
Décima primeira lição: particularidades das convenções multilaterais

gir impondo exigências consideráveis, o que equivale à introdução de di-


ficuldades375. Inversamente, numa convenção fechada (ou seja, em que
não se preveja a adesão) pode bem ocorrer que as partes dêem com fa-
cilidade o seu assentimento a um pedido de adesão.
Exactamente porque a designação de convenção aberta ou
fechada não evidencia suficientemente a disponibilidade efectiva que as
partes possam ter em relação à adesão, distinguem-se dentro da
abertura três variantes: a abertura total (quando a convenção admita a
adesão por via do mero depósito do instrumento376), a abertura
condicionada (se exis- tem requisitos cujo cumprimento seja necessário)
e a semiabertura (quando a adesão, embora prevista, apenas possa
ocorrer após convite377 ou exigindo a negociação de um tratado de
adesão).
A jurisprudência refere que a abertura das convenções não se pre-
sume (sendo portanto sempre necessário o assentimento das partes -
de princípio ou específico, como referimos atrás), nem sequer nos
tratados universais.
Não há uma prática uniforme no tocante ao momento a partir do
qual se admite a adesão. Algumas convenções parecem querer admiti-la
em qualquer altura378, outras determinam que ela possa ocorrer a partir

375
É o caso dos tratados europeus: estando prevista a adesão à UE no art. 49º TUE, esta
apenas ocorre quando for obtido um acordo sobre os termos da mesma (um tratado de adesão)
cuja negociação apenas se inicia com uma deliberação unânime do Conselho que previamente
terá ouvido a Comissão e obtido o parecer favorável do Parlamento Europeu. E depois de
negoci- ado esse acordo, o mesmo terá de ser ratificado por todos os Estados-membros. Na
prática, o regime é bem mais exigente do que se se tratasse de uma convenção fechada (ou seja,
se nada estivesse previsto, pois nesse caso, a única exigência seria o assentimento de todas as
partes). Casos há em que as exigências são objectivas e eventualmente limitativas como quando
surge como requisito, o facto de ser parte de uma convenção anterior (p. ex. o art. 22º do
Protocolo sobre Protecção Ambiental do Tratado do Antártico, de 1991, apenas autoriza a
adesão de Estados que sejam partes do Tratado do Antártico, de 1959.
376
É o caso previsto no art. 18º/2.da Convenção Internacional sobre Eliminação de Todas
as Formas de Discriminação Racial de 1965, do art. 48º/3 do Pacto Internacional sobre Direitos
Civis e Políticos, de 1966 e o art. 26º/3 do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos,
Sociais e Culturais de 1966.
377
Essa é a prática seguida no Conselho da Europa em relação a estados não membros
(Benoît-Rohmer & Klebes, 2005, p. 109), prática aliás vertida no art. C do Model Final Clauses de
1980.
378
Esse é o caso do Estatuto do Tribunal Penal Internacional de 1998 que no seu art.
125º/3 estipula a admissibilidade da adesão através do depósito do respectivo instrumento
junto do Secretário-geral NU, sem que seja fixada qualquer data a partir da qual essa adesão se
pode operar – sendo que o número anterior estipula uma data limite para a assinatura, pelo
que, não se fazendo qualquer remissão para a mesma e não se fixando outra, entende-se que se
pretendeu admitir a adesão em simultâneo com a assinatura, por forma a facilitar a vinculação
dos Estados que por alguma razão não tenham podido ou tenham preferido não assinar.
Verifica-se a mesma situação no art. 16º/2 da Convenção sobre a Proibição da Utilização,
Armazenagem e Transferência de Minas Antipessoais e sobre a sua Destruição, de 1997.

177
Rui Miguel Marrana

do encerramento ou esgotamento do período de abertura da assina-


tura379, outras exigem a sua prévia entrada em vigor 380.Não obstante,
sendo recebido um pedido de adesão antes de estarem preenchidas as
condições exigidas, o depositário deve informar o Estado que o tenha
apresentado de que o instrumento será guardado até que tais condições
estejam preenchidas, momento em que poderá produzir os efeitos pre-
tendidos (Aust, 2004, p. 88).

D. Reservas
1. Noção
A CV69 refere no art. 2º/1 d) que [a] expressão «reserva» designa
uma declaração unilateral, qualquer que seja o seu enunciado 381 ou de-
signação, feita por um Estado quando assina, ratifica, aceita ou aprova
um tratado ou a ele adere, pela qual visa excluir ou modificar o efeito ju-
rídico de certas disposições do tratado na sua aplicação a este Estado.

379
A título de exemplo V. o regime fixado no art. 25º/1 da Convenção de Roterdão
Relativa ao Procedimento de Prévia Informação e Consentimento para Determinados Produtos
Químicos e Pesticidas Perigosos no Comércio Internacional, de 1998. Tb. art. 24º/1 do Protocolo
de Quioto de 1997 à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as alterações climáticas e ao
cumprimento conjunto dos respectivos compromissos,.
380
Esta é solução mais corrente e a que oferece menos dificuldades (v. p. ex. art. XIII do
Tratado de Proibição Total de Ensaios Nucleares, de 1996).
381
A tradução portuguesa da convenção – que parece dever atribuir-se ao Prof. André
Gonçalves Pereira (Gonçalves Pereira & Quadros, 1993, p. 172) – não faz fé, já que nos termos
do art. 85º, isso apenas acontece com as versões nas línguas oficiais das NU (em inglês, chinês,
espa- nhol, francês e russo). Ora, no tocante a esta alínea, a tradução portuguesa que vem
correndo, parece-nos não apenas menos conseguida, como também exorbitante do sentido
original. Assim, onde surge no texto a expressão qualquer que seja o seu enunciado ou
designação costuma en- contrar-se, nas traduções portuguesas qualquer que seja o seu
conteúdo ou designação. Assim se pretende traduzir quel que soit son libéllé ou sa désignation
(da versão oficial francesa) ou how- ever phrased or named (da versão oficial inglesa) ou ainda
cualquiera que sea su enunciado o de- nominación (da versão em castelhano). Ora, se é verdade
que désignation ou named ou denomi- nación podem bem ser traduzidos por ‘designação’, não
parece poder aceitar-se que libellé, phra- sed ou enunciado sejam traduzidos por ‘conteúdo’. Em
qualquer uma das versões linguísticas se pode verificar que se está a referir o termo utilizado
para denominar o acto. Julgámos, por isso, oportuno introduzir esta alteração que segue a
versão castelhana, mesmo que isso venha ao ar- repio da tradução oficial (DR 7.08.2003 que
inclui as versões inglesa e francesa), a qual não fez mais do que repetir os termos da tradução
que inicialmente o Prof. Gonçalves Pereira difundiu.

178
Décima primeira lição: particularidades das convenções multilaterais

O Guia da Prática das Reservas (CDI/ILC, 2011, p. Add.1)382desen-


volvido no âmbito da CDI, pretendendo respeitar a definição original-
mente avançada pelas CV69 CV78 e CV86, limitou-se a agregá-las 383,
acrescentando apenas um outro momento em que a reserva pode ser
formulada (o da notificação da sucessão).
À definição – que, como vimos, pretendeu ser fiel aos termos
cons- tantes nas convenções vigentes – o GPR2011 acrescentou dois
elemen- tos em directivas subsequentes:
- num segundo número da directiva 1.1, explicita que a reserva
pode visar a modificação do efeito jurídico de certas disposições ou
também – e aqui reside a novidade – a modificação do efeito jurídico
do tratado no seu todo relativamente a aspectos específicos384, e
- nas directivas 1.1.1 a 1.1.4 esclarece que no conceito de reserva
se incluem quaisquer declarações que a) visem limitar as obrigações
do seu autor, b) que imponham o cumprimento de obrigações por
equivalência ou c) que limitem o âmbito territorial de aplicação das
disposições.
A noção de reserva tornar-se-á mais simples à medida que
vejamos dois aspectos que se prendem com ela: o objeto ou efeitos e o
momento da formulação. Isto porque, como veremos, a definição
poderia resumir- se ao seguinte: uma declaração unilateral385 feita por
um Estado ou uma organização internacional no momento da
vinculação a uma convenção, pela qual visa excluir ou modificar o efeito
jurídico de certas disposições

382
O Guia da Prática das reservas embora apresentado em 2011 (por isso usamos como
referência abreviada GPR2011) só veio a ser apreciado pela AGNU em 2013, a qual adoptou a
Resolução 68/111 tomando nota do mesmo e pugnando pela sua difusão.
383
O Relator (Alan Pellet), muito embora constatando as imperfeições das definições ori-
ginais, entendeu ser preferível limitar-se a uma definição que agregasse as existentes (CDI/ILC,
1998, p. 242) vindo o Guia da prática, na sua redacção final, a oferecer a seguinte (Directiva
1.1.):
1. Entende-se por ‘reserva’, uma declaração unilateral, qualquer que seja o seu enunciado ou de-
signação, feita por um Estado ou por uma organização internacional no momento da assinatura,
ratificação, confirmação formal, aceitação ou aprovação de um tratado ou de adesão a este, ou
ainda quando um Estado efectua uma notificação de sucessão a um tratado, pela qual esse
Estado ou organização internacional visa excluir ou modificar o efeito jurídico de certas
disposições do tratado na sua aplicação a esse Estado ou a essa organização (as alterações estão
assinaladas pela omissão do itálico).
384
O disposto no número anterior deve interpretar-se no sentido de incluir as reservas
que visem excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições de um tratado, ou do
tratado no seu todo relativamente a aspectos específicos, na sua aplicação ao Estado ou à
organização inter- nacional que formula a reserva (nº 2 da directiva 1.1).
385
Uma reserva é sempre uma declaração unilateral, ainda que seja formulada conjunta-
mente (cf. directiva 1.1.5).

179
Rui Miguel Marrana

dessa convenção, ou da convenção no seu todo, na sua aplicação ao de-


clarante.

2. Histórico
Até ao final do séc. XIX a ratificação ou adesão às convenções era
entendida como um todo, admitindo-se apenas a aceitação integral ao
regime nela estipulado. Entendia-se que havendo necessidade da
ponde- ração de dificuldades ou exigências particulares, essa
ponderação devia
fazer-se com a negociação do texto.
A prática inicial foi contrariada com a Convenção Sanitária Interna-
cional, de 1887, dando todavia origem a um regime segundo o qual as
reservas teriam de ser unanimemente aceites para produzirem os
efeitos pretendidos. Esta tendência foi firmemente defendida pelos
Estados eu- ropeus depois da I GM, surgindo todavia uma prática diversa
na América, consagrada na Convenção de Havana sobre direito dos
Tratados, de 1928 e que ficou conhecida como a regra pan-americana.
Esta identificava três níveis de direitos e obrigações entre os Estados
signatários: entre Estados que não houvessem formulado reservas
(aplicando-se o regime fixado no texto), entre Estados que formulassem
reservas e Estados que as houves- sem aceite (aplicando-se o regime
resultante da modificação) e final- mente nos casos em que a
formulação de reservas surgisse depois da en- trada em vigor da
convenção, esta não se aplicaria entre o Estado que formulasse a
reserva e os estados que as não aceitassem (Parisi & Sevcenko, 2003, p.
3 ss.).
Estas duas perspectivas atlânticas coexistiram até depois da II GM,
altura em que no quadro das NU é negociada a Convenção para a
Preven- ção e Repressão do Crime de Genocídio, de 1948, em cuja
vinculação di- versos Estados vieram a formular reservas. O Secretário-
geral, pressio- nado entre outros aspectos pela necessidade de aferir
sobre se deveria contar essas situações como vinculações, para efeitos
da entrada em vi- gor, expôs o assunto à AG que solicitou um parecer à
CDI e ao TIJ (Reso- lução 478 [V] de 1950). Os termos do parecer deste,
de 28.05.1951, cons- tituirão a base do regime que viria a acolher-se na
CV69. Aquela instância ancorou o seu parecer na tentativa de equilibrar
duas exigências: o prin- cípio do consentimento (que impõe que a
formulação de uma reserva seja aceite para vincular as partes, já que se
trata de um novo regime, especial) e a vocação integrativa das
convenções multilaterais (que torna excessivo que uma objecção
individual possa só por si impedir a extensão do regime). Nesse
equilíbrio, o TIJ afastou-se da posição europeia tradici-

180
Décima primeira lição: particularidades das convenções multilaterais

onal (que, como vimos exigia a aceitação unânime – posição essa que vi-
nha sendo seguida pelo Secretário-geral enquanto depositário386),
procu- rando simultaneamente evitar que os Estados que objectassem
ficassem obrigados a regimes em relação aos quais não tinham dado o
seu assen- timento (Parisi & Sevcenko, 2003, p. 4 ss.).
A CDI, no seu parecer (ILC/CDI, 1951, p. 125 ss.), veio a defender
um regime mais próximo da posição europeia tradicional, obrigando a
AG a tentar articular ambas, numa instrução ao Secretário-geral contida
na Re- solução 598 (VI) de 12 de Janeiro de 1952 que recomendava uma
nova orientação prática, segundo a qual, na ausência de disposições
convenci- onais sobre a matéria, deveriam ser aceites em depósito as
declarações contendo reservas, comunicando-se as mesmas às partes,
sem qualquer comentário sobre a legalidade das mesmas, cabendo a
estas pronuncia- rem-se sobre os efeitos legais. O Secretário-geral veio a
seguir essa ins- trução, o que veio a facilitar a disseminação da prática
de reservas (e das objecções às mesmas).
Em 1959 a Índia veio a solicitar um esclarecimento sobre uma re-
serva apresentada à Convention on the Inter-Governmental Maritime
Consultative Organization, de 1948, o que obrigou a AG a pedir ao
Secre- tário-geral (Resolução 1452 [XIV] de 1959) que efectuasse um
levanta- mento das práticas na matéria e as submetesse à apreciação da
CDI. Nesta altura, a AG reconhecia já a impossibilidade de se manter a
regra da unanimidade na aceitação das reservas. Três anos mais tarde a
CDI publicou as suas conclusões sobre a matéria (ILC/CDI, 1962, p. 27
ss.), as quais viriam a ser plasmadas no regime da CV69 – o qual, não
obstante tenha constituído um avanço evolutivo, veio a revelar-se
complexo, am- bíguo e por vezes contra-intuitivo (Helfer, 2006, p. 367).
Já na vigência desta387 surgiram dificuldades particulares na aplica-
ção do regime às convenções de direitos humanos, âmbito no qual a for-
mulação de reservas se multiplicaria, o que deu origem a uma tentativa
de limitar essa tendência. Neste enquadramento, a CDI veio a nomear,
nos anos 90, um relator especial, Alain Pellet (ILC/CDI, 1994, p. 179
§381), com a incumbência específica de avaliar da eventual necessidade
de mudança do regime da CV69, tendo em vista à protecção da
integralidade das convenções de direitos humanos. O relator veio a
pronunciar-se

386
Na verdade, seguindo uma prática que vinha desde a SdN, considerava-se que, na ine-
xistência de disposições que regulassem a matéria, uma reserva apenas poderia ser aceite se ne-
nhum dos Estados parte levantasse qualquer objecção (United Nations, 1999, p. 49 §168). Ou
seja, o regime geral era aquele que actualmente se aplica apenas às convenções.
387
A CV69 iniciou a sua vigência em 27.01.1980.

181
Rui Miguel Marrana

desfavoravelmente quanto à hipótese da adopção de regras especiais,


neste âmbito. Em todo o caso, as reservas mantiveram-se inscritas na
lista das matérias em apreciação na CDI, sendo iniciado um trabalho de
quase vinte anos388 que veio a resultar no Guia da Prática das Reservas,
concluído em 2011.

3. Efeitos
O primeiro efeito das reservas é o de introduzir um condiciona-
mento à vinculação (United Nations, 1999, p. 49 §166; Aust, 2004, p.
112). Na verdade, quando um Estado ou uma organização internacional
formu- lam uma reserva – o que deve acontecer no momento da
vinculação (cf. directivas 2.2.1 ss.), conforme insistiremos adiante –,
fazem depender
essa vinculação, da aceitação dessa mesma reserva.
A formulação de uma reserva tem portanto, um efeito imediato:
condiciona a vinculação389.
O segundo efeito decorre da aceitação 390 e é – tal como se referiu
na definição – a modificação do efeito jurídico de certas disposições
dessa convenção, ou da convenção no seu todo, na sua aplicação ao
sujeito que a formula391.
A formulação de uma reserva não tem em vista a modificação do
texto convencional, o qual está definido no final da negociação e assim
permanecerá392. Pretende-se antes um regime especial: aquele que for-

388
A CDI propôs a inscrição da matéria em 1993 o que veio a acolher o assentimento da
AGNU (Resolução 48/31 de 24.01.94). O GPR2011 surge 18 anos depois. A extensão do período
denota, só por si, a complexidade da matéria.
389
A prática consagra, todavia, algumas excepções que referimos infra na nota 411.
390
O GPR2011 introduz um novo conceito complementar: o estabelecimento da reserva,
que decorre da conjugação da (1) validade substancial da reserva com (2) o cumprimento das
regras formais e procedimentais na formulação e (3) a aceitação (directiva 4.1).
391
Deve distinguir-se a reserva da derrogação. Esta pode admitir também a modificação
do efeito jurídico de determinada disposição ou disposições (nomeadamente a sua não
aplicação), em regra durante um período específico. A diferença reside no facto de que a
derrogação decorre da própria convenção ou de uma autorização adoptada nos termos desta,
para fazer face a situa- ções excepcionais.
392
Tal como se referiu anteriormente, o texto, elaborado na negociação, torna-se defini-
tivo com a assinatura. Nada o alterará, salvo por via de um processo de modificação (revisão ou
emendas) que, como veremos adiante, é complexo e demorado.
A distinção das situações (que torna inadmissível qualquer reserva que vise operar uma
modificação do texto convencional) pode ser observada no caso da reserva formulada pela Islân-
dia relativamente à Convenção Internacional de Regulação da Pesca da Baleia de 1946, que vem

182
Décima primeira lição: particularidades das convenções multilaterais

mula uma reserva ambiciona que determinada ou determinadas disposi-


ções – ou a convenção no seu todo – se lhe393 apliquem de forma
distinta (o que inclui, no limite, que se lhe não apliquem). Donde, a
aceitação de uma reserva terá sempre como efeito o acolhimento de um
regime espe- cial (decorrente da reserva) no seio do regime geral
(expresso no texto da convenção). É exactamente por essa razão que as
reservas não são tecni- camente possíveis nas convenções bilaterais:
sendo formuladas e aceites elas têm como consequência obrigatória a
alteração do regime convenci- onal394 (directiva 1.6.1. 395), já que entre
duas partes apenas não pode subsistir um regime geral e um regime
especial (transformando-se por- tanto o regime especial solicitado com
a reserva em regime geral, se aceite).
A especificação que é feita nas directivas 1.1.1 ss. GRP2011 confir-
mando em todos os casos tratar-se de reservas, permite verificar em
cada um dos casos, como os efeitos acabados de referir se verificam. Em
todos eles encontramos efectivamente declarações unilaterais nas quais
se condiciona a vinculação à modificação do efeito jurídico de
disposições convencionais.
O carácter relativo das reservas foi também explicitado no
GPR2011, salvaguardando-se a não afectação de obrigações resultantes
de outros tratados, de regras consuetudinárias ou e regras de jus cogens
(directivas 4.4.1 a 4.4.3).

documentado na resposta da administração americana enquanto depositária daquele instru-


mento (Cummins & Stewart, 2001, p. 214 ss.; Cummins & Stewart, 2002, p. 206 ss.).
393
Por aplicação do princípio da reciprocidade, o Estado que tenha aceite uma reserva
pode também invocá-la em relação ao Estado que a formulou (ac. 27.06.1986, relativo às activi-
dades militares e paramilitares americanas na Nicarágua). Esta reciprocidade tem aliás sido en-
carada como um custo – senão mesmo um desincentivo  à formulação de reservas. Assim, no
caso dos empréstimos noruegueses (06.07.1957), o TIJ autorizou a Noruega a usar contra a
França uma reserva formulada por esta limitando o reconhecimento da competência do
tribunal. Esse princípio seria aliás alargado definitivamente no 21.03.1959, no caso Interhandel
(Parisi & Sevcenko, 2003, p. 13 ss.). O princípio da reciprocidade foi acolhido no GPR2011
estabelecendo- se todavia que a eventual insusceptibilidade da aplicação recíproca não afecta o
conteúdo das obrigações (directiva 4.2.5).
394
Sendo pacífica esta equivalência em termos técnicos, o facto é que no plano político-
diplomático, a opção entre exigir uma alteração do texto (o que significa uma renegociação) e
formular uma reserva pode ser muito diferente (Congressional Research Service, 2001, p. 125;
Aust, 2004, p. 106).
395
O GPR2011 sublinha aliás a impropriedade do uso do termo reserva nas convenções
bilaterais acrescentando aspas ao mesmo, na epígrafe da directiva 1.6.1.

183
Rui Miguel Marrana

4. Vantagens e inconvenientes
As reservas ao permitirem uma flexibilização dos regimes conven-
cionais, trazem consigo as vantagens e inconvenientes próprios dessa
fle-
xibilização. Senão vejamos.
Em termos de vantagens deve assinalar-se, desde logo, o facto de
facilitarem a vinculação (a flexibilização certamente que permite obter a
vinculação de um número mais alargado de Estados 396), favorecendo as-
sim a extensão dos regimes, ou seja, apoiando a sua generalização (no
caso das convenções multilaterais gerais) ou, pelo menos,
impulsionando uma maior abrangência (para as convenções
multilaterais restritas).
A segunda vantagem da introdução ou admissão de reservas
prende-se com o funcionamento das conferências intergovernamentais.
A admissão de reservas evita o prolongamento excessivo dos trabalhos
destas, na medida em que torna menos importante o consenso sobre os
textos397, já que eventuais divergências de pormenor poderão ser poste-
riormente contornadas. Por outro lado, sendo o texto adoptado por
mai- oria de 2/3 dos Estados participantes (art. 9º/2 CV69), a posição
daqueles que eventualmente saiam vencidos da deliberação não implica
necessa- riamente o seu afastamento, porque, mais uma vez, se a
discordância se dirigir a aspectos concretos, a admissão de uma reserva
(afastando a apli- cação da regra ou regras em causa, ou ajustando a
mesma ao regime pre- tendido) pode resolver a situação.
As desvantagens resultantes da introdução de reservas são anteci-
páveis.
Em primeiro lugar estas podem conduzir a uma alteração indirecta
dos regimes, já que muitos dos participantes podem solicitar a modifica-
ção do mesmo efeito jurídico, tornando assim regra geral aquilo que su-
postamente deveria ser mera excepção. Assim, um regime eventual-
mente obtido graças a duros e prolongados esforços na negociação,
pode ser esvaziado se um número significativo de Estados vierem a
formular

396
A prática atual dos EUA tem aliás sido relutante na vinculação a convenções que não
admitam reservas. Nesse sentido, protestaram contra a interdição de reservas à Convenção-
Qua- dro da OMS relativa ao Controlo do Tabaco, de 2003, e anunciaram que não se vinculariam
à mesma enquanto essa interdição se mantivesse. Este padrão de comportamento tem
motivado preocupações da parte de governos e de ONG já que, sendo os EUA o mais influente
dos estados, está certamente a colocar em causa o sistema (que não obstante declara respeitar)
com essa ati- tude (Kirgis, 2003).
397
Mesmo no âmbito das NU, persiste a busca do consenso na adopção dos textos,
sendo que, por vezes, as negociações envolvem quase 200 participantes e agências
especializadas (Aust, 2004, p. 107).
184
Décima primeira lição: particularidades das convenções multilaterais

reservas em relação a ele, modificando os seus efeitos jurídicos na apli-


cação a esses Estados.
Esta desvantagem introduz-nos à seguinte: a da instabilização e
de- sequilíbrio dos regimes na sua aplicação. De facto, a formulação
sistemá- tica de reservas retira clareza ao regime, já que passa a ser
difícil aferir quando em relação a quem e em que termos este se aplica.
Nesse sen- tido, as regras perdem uma das suas funções essenciais: a
antecipação dos comportamentos que permite uma adequada previsão
e planea- mento da actividade dos sujeitos.
Tendo presentes as vantagens e desvantagens assinaladas, torna-
se evidente a necessidade de garantir que a flexibilização, facilitando a
sua abrangência, seja contida em termos que evitem a sua descaracteri-
zação.

5. Momento da formulação
A regra relativa ao momento da formulação das reservas pode dis-
correr-se do primeiro efeito assinalado. Se, como vimos, toda a formula-
ção de reservas condiciona a vinculação, parece lógico que deva surgir
com essa mesma vinculação398. Naturalmente que não faz sentido
colocar uma condição à vinculação antes dessa vinculação se
admitir399, nem
mesmo depois de a mesma se ter produzido.
Por isso se percebe que os Estados ou organizações internacionais
que formulem reservas com a assinatura (não constituindo esta o acto
de vinculação), deverão confirmá-las formalmente no momento em que
ma- nifestarem o seu consentimento a ficarem vinculados (directiva
2.2.1), a

398
Tanto deve surgir em simultâneo que se exige normalmente que a declaração consti-
tuindo a reserva surja incluída ou anexa ao instrumento de vinculação (United Nations, 1999, p.
48 §161).
399
Não se confunda a formulação da reserva com a decisão de a formular. Assim, en-
quanto aquela é um acto internacional, esta é um acto interno (que se manifestará
internacional- mente na formulação que lhe dará execução). Vejam-se, a título de ilustrações, a
reserva formu- lada pela AR na Resolução 38/98 que aprova para adesão, a Convenção sobre os
Privilégios e Imu- nidades das Nações Unidas, de 1947 ou a reserva formulada pelo Governo no
DL 43.201 (DR 1.10.1960) que aprova, para adesão, a Convenção relativa ao Estatuto dos
Refugiados, de 1951. Muito embora a decisão de formular as reservas tenha sido tomada pela
AR e pelo Governo res- pectivamente, a mesma deverá ter sido comunicada com os atos de
vinculação (adesão, em am- bos os casos) considerando-se esse como o momento de
formulação (internacional).

185
Rui Miguel Marrana

não ser que o tratado preveja expressamente essa possibilidade (dire-


ctiva 2.2.3) 400. E é essa mesma lógica que determina que se considerem
inadmissíveis as reservas formuladas tardiamente (depois da vinculação,
portanto), a menos que a convenção o admita, ou excepcionalmente
seja aceite (directiva 2.3).

6. Competência
A determinação dos órgãos com competência para a prática dos
ac- tos relativos à conclusão das convenções internacionais releva
natural- mente do plano interno, aí se incluindo a formulação de
reservas (cf. di- rectiva 2.1.3). Não obstante, no plano internacional têm
de subsistir re- gras supletivas que dispensem aos participantes no
processo de conclu- são de uma convenção o conhecimento
aprofundado das particularida- des constitucionais dos participantes.
É nessa perspetiva que o GPR2011 determina que, em geral, têm
competência para formular as reservas os representantes dos Estados
ou organizações internacionais que disponham dos poderes para
adoptar ou autenticar o texto da convenção ou para exprimir o
consentimento a vin- cular-se (al. a) do nº 1 da directiva 2.1.3). Essa
competência pode ainda decorrer dos usos (al. b) da mesma disposição)
e pode também presumir- se em razão das funções desempenhadas (nº
2 da mesma directiva).

7. Exigências formais
Em matéria de reserva, as exigências formais são expressas: tanto
a formulação como a comunicação, a confirmação, a objecção e a
própria retirada ou levantamento têm de ser dirigidas ao depositário e
efectua- das por escrito (cf. art. 23º/1 CV69 e directivas 2.1.1, 2.1.6 401,
2.2.4, 2.5.2). Este princípio geral visa tornar a situação transparente e
acessível, já que desta forma se uniformiza o processo e se impõe a
emissão do suporte documental coerente (que em princípio ficará à
guarda do depo- sitário), ao qual sempre se poderá recorrer para
esclarecimento de qual- quer situação.

400
Esta excepção não contraria, apenas precisa a ratio do regime: se o próprio tratado
prevê a possibilidade da formulação de reservas com a assinatura isso há-de resultar da
pondera- ção de uma qualquer vantagem que justificará também a desnecessidade da
confirmação formal.
401
Em matéria de comunicação o GPR2011 é mais preciso: esta deve fazer-se através dos
meios diplomáticos tradicionais (i.e., por nota diplomática ou notificação ao depositário).
Usando- se meio diverso, deve ser confirmada pelo meio adequado, valendo todavia a
notificação inicial (cf. n.os 2 e 3 da directiva 2.1.6).

186
Décima primeira lição: particularidades das convenções multilaterais

8. Admissibilidade ou validade
A CV69, para além da definição de reservas a que fizemos referên-
cia, limita-se a regular dois aspectos do regime (que na prática, acabam
por se entrecruzar, tal como veremos adiante): a admissibilidade (art.
19º) e a aceitação (art. 20º).
Talvez por existirem regras expressas nestas matérias, a sua análise e
desenvolvimento foi deixada para o final no grupo de trabalho da CDI
que se debruçou sobre o assunto.
Desse trabalho resultou, no relatório de 2005 (A/CN.4/558 de
2005), uma novidade: o relator Alain Pellet sugeriu a introdução do con-
ceito de validade para enquadrar o regime do art. 19º. A opção oferece-
nos algumas dúvidas402, no entanto este não será seguramente este o
momento de escalpelizar os argumentos doutrinais referidos em favor
das diversas alternativas403, até porque a opção subsistiu no documento
final.
O regime consagrado na CV69 parte do princípio da liberdade 404
(art. 19º a) e b), ou seja, afirma como regra geral a admissibilidade ou a
presunção da validade405 das reservas. Tratou-se logo na altura de uma
inflexão daquilo que era a prática restritiva que vinha sendo seguida (e
que impunha a unanimidade na aceitação das reservas), procurando-se
dessa forma acolher a jurisprudência do TIJ resultante do parecer
relativo às reservas à Convenção para a prevenção e repressão do crime
de geno- cídio, ao qual fizemos referência anteriormente (cf. supra p.
179).
O princípio da presunção (genérica) da validade das reservas deve
todavia ser entendido tendo presentes as limitações que o próprio art.
19º CV69 refere (CDI/ILC, 2005, p. 156 ss.), as quais podem decorrer dos
termos da própria convenção (explícita406 ou implicitamente) ou ainda

402
No essencial parece-nos que o relator especial confunde validade (que se refere á ine-
xistência de vícios) com perfeição (aptidão à produção de efeitos jurídicos), - tal como decorre
da definição por este adiantada nos debates (CDI/ILC, 2005, p. 187).
403
No referido relatório são estudadas especificamente as expressões da
permissibilidade ou admissibilidade, licitude e oponibilidade das reservas (CDI/ILC, 2005, pp.
152-154 §1-7).
404
Exactamente porque esta ser a regra geral (da admissibilidade da formulação de
reser- vas), na elaboração de uma convenção deve ponderar-se devidamente sobre a
conveniência em inserir disposições que regulem a matéria. Nesse sentido, V. a recomendação
da AG às agências especializadas das NU, contida no §1 da Resolução 598 (VI) de 1952.
405
Esta é a expressão utilizada por Alain Pellet (CDI/ILC, 2005, p. 154 ss.).
406
Tal é o caso do art. 67º do Acordo Internacional sobre o Cacau de 1980. Alguns
Estados mostram-se relutantes em aceitar o princípio da proibição das reservas. Assim, p. ex.
nos EUA

187
Rui Miguel Marrana

quando a reserva puder ser considerada incompatível com o objeto ou


fim da convenção407.
Tal como salienta Alain Pellet (CDI/ILC, 2005, p. 155 §13), este
prin- cípio não deve também ser assimilado a um verdadeiro direito de
formu- lação de reservas. Trata-se tão só de uma faculdade genérica,
tanto mais que a produção dos efeitos pretendidos com a reserva não
decorre da mera formulação408, mas antes pressupõe o preenchimento
de condições formais e materiais.
As limitações à presunção de validade das reservas que figuram
nas alíneas do art. 19º (e bem assim, na directiva 3.1. GPR2011) não
assumem todas a mesma natureza. Assim, as duas primeiras (a proibição
resultante do texto do tratado e a que decorre do facto de não figurar
nas reservas admitidas) referem-se a limitações que decorrem
expressamente do texto do tratado (explícita a primeira e implícita a
segunda). A terceira (a incompatibilidade com o objeto ou fim do
tratado) vale independente- mente de qualquer referência (cf. directivas
3.1.3. e 3.1.4.).
As maiores dificuldades têm sido sentidas em relação a esta
exigên- cia da compatibilidade com o objeto ou fim do tratado. Neste
âmbito

existe uma instrução expressa do Senado no sentido de os representantes americanos nas nego-
ciações de convenções não aceitarem a inclusão desse tipo de cláusulas (Congressional Research
Service, 2001, pp. 16, 274 ss.; Bradley & Goldsmith, 2000).
Deve ainda assinalar-se a prática de incluir no articulado convencional disposições que
indiquem quais as regras em relação às quais são admitidas reservas – prática seguida p. ex. pelo
Conselho da Europa (Benoît-Rohmer & Klebes, 2005, p. 104).
407
Numa Circular de 30 de Maio de 1997, o PM francês interpreta esta exigência de
forma particularmente exigente, considerando que uma reserva tem de ser compatível com o
direito dos tratados. Assim, uma reserva que consista pura e simplesmente em afastar esta ou
aquela dispo- sição não seria admissível (Lavenue, 2013, pp. 26 [2ème partie, Tit I Chp 1]).
408
Questão anterior à própria admissibilidade (ou validade, na terminologia do GRP2011)
é a da qualificação que é dada à declaração unilateral. A designação dada a esta constitui mero
indício do efeito jurídico pretendido (directiva 1.3.2) o que obriga o depositário a conferir a efe-
ctiva natureza da mesma, em especial se a convenção proíbe reservas. Por isso, nesta matéria, a
prática do Secretário-geral NU enquanto depositário quando recebe uma declaração, dirige-se
primariamente à verificação da natureza da declaração. Se esta não afecta as obrigações do Es-
tado que a produz, não se tratará portanto de uma reserva, devendo circular-se entre as partes
apenas para conhecimento. Caso a declaração exclua ou modifique os efeitos jurídicos de
alguma disposição convencional, deve então chamar à atenção do Estado que a produziu para o
regime da convenção, solicitando um esclarecimento (face a essa eventual inadmissibilidade). Se
este es- clarecimento demonstra não se tratar de uma reserva o Secretário-geral aceita o
depósito do ins- trumento que contém a declaração na certeza de que o Estado em causa, face
ao mesmo, não poderá vir mais tarde invocar qualquer regime especial como consequência da
declaração produ- zida (United Nations, 2003, p. 48; United Nations, 1999, pp. 56,57 §194,195).
Este procedimento veio a ser parcialmente acolhido no GPR2011 (cf. directiva 2.1.7).

188
Décima primeira lição: particularidades das convenções multilaterais

desenvolveram-se entendimentos e práticas muito diversas409, sendo


aliás os dois extremos: parte da doutrina defende a inadmissibilidade
im- plícita410 enquanto outra parte advoga a admissibilidade de
princípio.
O GPR2011 esclarece ainda que a invalidade das reservas as torna
nulas e de nenhum efeito (directiva 4.5.1), independentemente da acei-
tação (4.5.2), implicando a vinculação do seu autor (sem o seu
benefício), excepto se outra for a manifestação inequívoca deste (4.5.2 e
4.5.3).

9. Aceitação
Constituindo as reservas um condicionamento à vinculação, parece
imprescindível que haja uma manifestação de aceitação (ou recusa)
desse condicionamento, para que a situação do Estado ou organização
interna- cional que a formulam possa esclarecer-se (em especial para se
determi-
nar se a vinculação se produz ou não411 e quando 412se produz).
409
Um episódio significativo surgiu quando o Chile formulou uma reserva à Convenção
contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes de 1984,
pro- curando excluir os casos de tortura de terroristas suspeitos ou condenados. Esta foi
rejeitada por diversos Estados, configurando uma situação de clara incompatibilidade com o
objeto ou fim, vindo a ser retirada. Da mesma maneira em 1980, o Burundi formulou uma
reserva em relação à Convenção sobre a Prevenção e Repressão de Crimes contra Pessoas
Gozando de Protecção Inter- nacional, Incluindo Agentes Diplomáticos, de 1973, visando a
exclusão dos membros de movimen- tos de libertação nacional. Face às objecções surgidas,
também esta reserva foi levantada (Aust, 2004, pp. 110-111).
410
Referimo-nos a situações tais como a das convenções da OIT em relação às quais se
considera em geral como proibindo implicitamente reservas, dado o objetivo desta organização
de uniformização das condições laborais à escala universal (United Nations, 2003, pp. 47-48).
411
O Comité de Direitos Humanos das NU (a quem cabe acompanhar a aplicação do
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966) defendeu uma posição inovadora:
que a inadmissibilidade de uma reserva à dita convenção teria como consequência a adesão do
Estado que a formulou sem no entanto beneficiar da mesma (A/50/40 de 1995, p. 129). A
posição é ino- vadora e muito discutida. Em qualquer caso parece que nunca será de aplicar fora
do estrito do- mínio dos direitos humanos (Kirgis, 2003).
O TEDH assumiu uma posição semelhante, ao considerar inválida uma reserva formulada
pela Suíça em relação à CEDH, assumindo não obstante a vinculação deste Estado (Aust, 2004, p.
118).
Essa mesma posição foi também defendida pelo Reino Unido na questão que opôs este
Estado à França, relativa à plataforma continental, em 1956. A posição não seria todavia
acolhida pelo painel arbitral que apreciou a questão (Parisi & Sevcenko, 2003, pp. 25-26).
Neste cenário a administração americana veio a comunicar expressamente a sua
oposição a qualquer consagração da possibilidade de a vinculação se poder produzir numa
situação de não aceitação de uma reserva (Cummins S. J., Digest of United States Practice in
International Law, 2005, pp. 221-222).
O GPR2011 veio a explicitar essa regra, afirmando o direito do autor de uma reserva
válida a não ser obrigado a cumprir o tratado sem beneficiar da reserva (directiva 4.3.8).
412
A regra geral parece dever ser a de que, sendo formuladas reservas, a vinculação ape-
nas ocorrerá com aceitação das mesmas, já que, como se viu, estas constituem uma condição à

189
Rui Miguel Marrana
vinculação. Não obstante, o TIADH, no seu parecer de 24.09.1982 relativo ao efeito das reservas

190
Décima primeira lição: particularidades das convenções multilaterais

O regime da aceitação, regulado no art. 20º CV69413, distingue


qua- tro situações.
A primeira hipótese consiste na situação em que a própria conven-
ção admite expressamente a formulação reservas. Neste caso, a aceita-
ção está previamente produzida (no texto convencional), sendo por isso
desnecessária nova manifestação nesse sentido (art. 20º/1)414. Tratando-
se de convenções gerais basta a aceitação da reserva por uma das
partes para que a vinculação de produza (art. 20º/4 c). No caso de
convenções restritas (e bem assim aquelas objeto e do fim de um
tratado, que a sua aplicação na íntegra entre todas as partes é uma
condição essencial para o consentimento de cada uma a vincular-se), o
regime é o inverso do an- terior: tem de se produzir aceitação por todas
as partes, para que se pro- duza a vinculação (art. 20º/2). Importa ter
bem presente o disposto no nº 5 do art. 20º, o qual fixa uma presunção
da aceitação decorridos que se- jam doze meses sobre a notificação da
reserva415. Subsiste ainda uma ou- tra variante: tratando-se de
organizações internacionais tem de haver aceitação pelo órgão
competente da mesma (art. 20º/3) 416.

10. Objeção
O regime da aceitação integra necessariamente a possibilidade da
sua recusa. Esta é normalmente designada como objecção a uma
reserva. A CDI, define a objecção (em termos voluntariamente
aproximados) como uma declaração unilateral, qualquer que seja o seu
enunciado ou

sobre a entrada em vigor da Convenção Americana de Direitos Humanos afirmou com o acordo
unânime dos seus membros, que a entrada em vigor ocorria com o depósito do instrumento de
vinculação, fundando todavia essa conclusão entre outros elementos no facto de, no caso, as re-
servas não necessitarem de aceitação por estarem previstas no próprio tratado (cf. nomeada-
mente o ponto 37 do parecer).
413
Aparentemente este regime não resultará da simples codificação de regras consuetu-
dinárias, na medida em que por exemplo os EUA, mesmo concordando com ele, insistem não se
lhes aplicar, como consequência de não se terem vinculado à CV69 (Pickering, Cummins, &
Stewart, 1989–1990, p. 145).
414
Alguma doutrina defende nesta situação a desnecessidade da aceitação (CDI/ILC, 2005,
p. 155 §15) Julgamos todavia que não se trata da produção dos respectivos efeitos ipso facto,
mas tão só de uma situação de aceitação prévia, tal como referimos no texto.
415
A prática mostrou subsistir alguma dificuldade na plena aceitação deste princípio. As-
sim, o Secretário-geral das NU ignora este princípio enquanto depositário, aceitando objecções
depois de decorrido esse prazo (United Nations, 1999, p. 63 §213).
416
O regime de aceitação por um órgão de uma organização internacional não afasta a
possibilidade ou necessidade de aceitação pelos Estados que sejam partes. Sobre o assunto V. o
caso da reserva formulada pela Islândia relativamente à Convenção Internacional de Regulação
da Pesca da Baleia de 1946 (Cummins & Stewart, 2001, p. 214 ss.; Cummins & Stewart, 2002, p.
206 ss.),

191
Rui Miguel Marrana

designação, feita por um Estado ou por uma organização internacional


em resposta a uma reserva a um tratado formulada por outro Estado ou
outra organização internacional, pela qual o Estado ou a organização in-
ternacional visa impedir que a reserva produza os efeitos jurídicos
preten- didos ou opor-se de outro modo à reserva (directiva 2.6.1).
A doutrina  acolhendo a prática recenseada  vai, portanto, no
sentido de admitir que as objecções possam envolver a recusa total ou
parcial dos efeitos pretendidos com a formulação da reserva. Esta
solução levanta todavia um problema delicado: o de saber se a
objecção, quando admita apenas efeitos parciais, pode ou deve assumir-
se como aceitação. Tendo presente o disposto no art. 20º/4 b) e 21º/3
CV69 parece que, nesse caso, caberá ao Estado que formula a objecção
determinar se se opõe ou não à entrada em vigor do tratado entre ele
próprio e o Estado que formulou a reserva417 (muito embora subsistam
algumas dúvidas so- bre se estas disposições podem ser aplicadas
conjuntamente com a norma do art. 20º/2, ou seja, se são aplicáveis nos
casos que envolvam convenções restritas) 418.
As objecções devem ser fundamentadas (directiva 2.6.9) e
formula- das por escrito (2.6.5) nos doze meses seguintes da data em
que tenha recebido a notificação da reserva ou até à data em que esse
Estado ou essa organização internacional tenha manifestado o seu
consentimento em vincular-se ao tratado, se esta última for posterior
(2.6.12).

11. Estabelecimento
O GPR aprofunda a matéria dos efeitos das reservas introduzindo a
noção de estabelecimento. Assim, na directiva especifica que [u]ma re-
serva […] fica estabelecida […] se é substancialmente válida, se na sua

417
O direito a opor-se à entrada em vigor de um tratado relativamente ao autor da
reserva está consagrado na directiva 2.6.6, devendo todavia o Estado ou organização
internacional obje- ctante manifestar inequivocamente essa intenção antes que de outro modo o
tratado entre em vigor entre si (2.6.7), indicando, tanto quanto possível, os motivos pelos quais
[a objecção] é for- mulada (2.6.9). Esta objecção acompanhada da manifestação inequívoca da
não aceitação da en- trada em vigor do tratado mereceu mesmo a designação de objecção com
efeito máximo (4.3.5). De facto, o princípio geral é o inverso: [a] objecção feita a uma reserva
válida […] não impede que o tratado entre em vigor entre o Estado ou a organização
internacional que formulou a objecção e o Estado ou a organização internacional autor da
reserva (4.3.1)
418
Nos trabalhos da CDI veio a considerar-se que os efeitos das objecções às reservas
não se esgotam no disposto nos art os 20º/4 b) e 21º/3), regime esse que padece de um carácter
vago (CDI/ILC, 2004, pp. 274-275). O documento final (GPR2011) não viria todavia a desenvolver
o re- gime consideravelmente, consagrando apenas o direito (do Estado ou organização que
objecte) a opor-se à entrada em vigor de um tratado relativamente ao autor da reserva
(directiva 2.6.6) o qual depende da manifestação inequívoca e atempada dessa intenção (2.6.7).

192
Décima primeira lição: particularidades das convenções multilaterais

formulação foram respeitadas as exigências formais e procedimentais e


se [a parte] a aceitou.
Agregam-se, portanto as exigências materiais (admissibilidade ou
validade), formais e procedimentais na noção de estabelecimento.
Referem-se ainda expressamente os efeitos do estabelecimento
de uma reserva: o seu autor torna-se parte (em relação às partes com
quem tenha sido estabelecida, em termos recíprocos) e pode ser
contado para efeitos da entrada em vigor do tratado (cf. directivas 4.2.1
ss.).

12. Retirada
O levantamento ou retirada das reservas é livre e pode ser feito a
todo o tempo sem necessidade do consentimento do Estado ou organi-
zação internacional que a haja aceite (directiva 2.5.1). Bem se compre-
ende que assim seja, já que esse levantamento tornará mais estável e
transparente o regime convencional, na medida em que porá fim ao re-
gime especial decorrente da reserva. E exactamente porque esse é o
sen- tido desejável na vida das convenções, admite-se o levantamento
parcial (2.5.10) e impõe-se aos Estados e organizações uma obrigação de
ree- xame periódico das reservas por si formuladas (2.5.3).
O regime favorável ao levantamento aplica-se também às obje-
cções às reservas, que podem ser levantadas a todo o tempo (directiva
2.7.1).

E. Declarações interpretativas
1. Distinção das reservas
[E]ntende-se por ‘declaração interpretativa’ uma declaração
unilate- ral, qualquer que seja o seu enunciado ou designação419, feita
por um Es- tado ou por uma organização internacional, através da qual
esse Estado ou essa organização internacional visa precisar ou clarificar
o sentido ou

419
A doutrina americana utiliza uma terminologia diferente, apelidando de understan-
dings aquilo a que o GPR chama, em geral, declarações interpretativas, e considerando declara-
tions as posições de natureza política (nomeadamente as declarações de não reconhecimento a
que se refere a directiva 1.5.1 e as declarações de política geral que, introduzidas em 1999, figu-
raram nas versões preliminares do GPR até 2010, desaparecendo na versão final de 2011). Existe
ainda uma outra figura (americana): a dos provisos que correspondem às declarações relativas à
aplicação de um tratado no âmbito interno (previstas na directiva 1.5.2), ou seja, declarações re-
lativas à forma de implementação da convenção (Congressional Research Service, 2001, p. 126;
Bradley & Goldsmith, 2000, p. 404 ss.).

193
Rui Miguel Marrana

alcance de um tratado ou de algumas das suas disposições (directiva 1.2.


GPR2011)
Ao contrário das reservas, as declarações interpretativas não
visam, portanto, excluir ou modificar o efeito jurídico de disposições
convencio- nais (United Nations, 1999, p. 64 §217) 420, mas apenas
clarificar o seu si- gnificado e alcance421, a maioria das vezes visando
garantir a adequação das regras convencionais com o direito interno 422.
Donde, delas não re- sultará qualquer afectação das obrigações do
Estado, nem surgem por isso como condicionantes da vinculação423. E é
exactamente aqui que re- side a distinção: no efeito que a declaração
visa produzir (directiva 1.3).
Apesar da clareza da distinção, na prática surgem com frequência
dificuldades na determinação da natureza da declaração produzida (de-
claração interpretativa ou reserva), principalmente nos casos em que as
reservas estão proibidas (United Nations, 2003, p. 50). Na verdade, a
for- mulação de uma declaração interpretativa pode alcançar os efeitos
de uma reserva, na medida em que o Estado ou organização
internacional que a formulem declarem que, em seu entender, o sentido
e alcance de determinadas disposições é de molde a produzir o efeito
jurídico preten- dido (Congressional Research Service, 2001, p. 126). A
doutrina assinala, aliás, estar muito difundida essa prática (Aust, 2004,
p. 101).
A diferença fundamental é que não poderão reservar para si 424 os
efeitos dessa leitura, e nessa medida está afastada a hipótese de
obterem um regime especial (que sempre decorre da aceitação das
reservas).

420
Esta constatação veio a ser acolhida expressamente no GPR2011 (directiva 4.7.1 §1).
421
A título de exemplo vejam-se as declarações interpretativas formuladas com a
aprova- ção pelo Governo português da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951
(DL 432001, DR de 1.10.1960), ou a adesão à CV69 (DR 7.8.2003).
422
Assim, a Áustria, aquando a vinculação ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos de 1966 declarou entender que o art. 26.º, relativo à não discriminação, não impedia o
tratamento diferenciado de cidadãos nacionais e estrangeiros. Também o Reino Unido, aquando
da ratificação em 1998, da Convenção dos Direitos da Criança de 1990 formulou diversas
declara- ções interpretativas, nas quais constava p. ex. que as referências aos progenitores eram
entendi- das como referindo-se apenas às pessoas que a lei interna considerava como tal (Aust,
2004, p. 102). Naturalmente que o conteúdo das declarações interpretativas é tanto mais
relevante quanto seja secundado por outras partes ou não suscite objecção por parte destes
(cf. directiva
4.7.1 §2), sendo que, se todas partes a aceitarem, a declaração pode constituir um acordo de
interpretação (4.7.3).
423
Não obstante o GPR prevê e regula a objecção às declarações interpretativas - inclu-
indo-se a requalificação das mesmas, eventualmente como reservas (cf. directivas 2.9.3 e 2.9.4).
424
Quando dizemos que se pretende reservar para si um regime estamos apenas a subli-
nhar o carácter especial do regime resultante da reserva, regime esse de que beneficiará
194
Décima primeira lição: particularidades das convenções multilaterais
também o Estado ou Estados que aceitarem a reserva nos termos do art. 21.º/1 CV69 que
assim fixa um

195
Rui Miguel Marrana

O GPR2011 não evitou a questão e incluiu, por isso, algumas refe-


rências. Na directiva 1.3 esclarece que [a] qualificação de uma
declaração unilateral como reserva ou declaração interpretativa é
determinada pelo efeito jurídico que o seu autor visa produzir. Adianta
logo a seguir (dire- ctiva 1.3.1.) o método a seguir na distinção entre
reservas e declarações interpretativas, estipulando que [p}ara
determinar se uma declaração unilateral formulada por um Estado ou
uma organização internacional em relação a um tratado é uma reserva
ou uma declaração interpretativa, deve interpretar-se essa declaração
de boa-fé segundo o sentido corrente atribuído aos termos, tendo em
vista determinar a intenção do seu autor, à luz do tratado a que ela se
refere.
Estipula ainda (1.3.2) que [o] enunciado ou a designação dados a
uma declaração unilateral constituem um indício do efeito jurídico pre-
tendido, acrescentando que (1.3.3.) [q]uando um tratado proíbe
reservas em relação ao conjunto das suas disposições ou em relação a
algumas delas, presume-se que a declaração unilateral formulada por
um Estado ou por uma organização internacional nesse âmbito, não
constitui uma reserva. Salvaguarda, todavia, na mesma directiva que
caso essa declara- ção vise excluir ou modificar o efeito jurídico de
certas disposições do tra- tado (ou o tratado no seu todo em aspectos
específicos) constituirá uma reserva.
Existe uma variante das declarações interpretativas – as condicio-
nais425  cujo regime (directiva 1.4) é semelhante426 ao das reservas, exa-
ctamente porque colhem um dos efeitos destas (condicionam a vincula-
ção).

2. Regime
O regime das declarações interpretativas é consideravelmente me-
nos exigente do que o das reservas. Não produzindo os efeitos jurídicos

princípio de reciprocidade – princípio este que é ainda assim, objeto de limitações importantes,
nomeadamente em matéria de direitos humanos (Parisi & Sevcenko, 2003).
425
A definição do GPR é a seguinte [u]ma declaração interpretativa condicional é uma
declaração unilateral formulada por um Estado ou por uma organização internacional no mo-
mento da assinatura, ratificação, confirmação formal, aceitação ou aprovação de um tratado ou
de adesão a este, ou ainda quando um Estado efectua uma notificação de sucessão a um
tratado, pela qual esse Estado ou organização internacional condiciona o seu consentimento a
obrigar-se pelo tratado a uma interpretação específica do tratado ou de alguma das suas
disposições.
426
De facto, o nº 2 da directiva 1.4 explicita que [a]s declarações interpretativas condicio-
nais estão sujeitas às normas aplicáveis às reservas.

196
Décima primeira lição: particularidades das convenções multilaterais

referidos (condicionamento da vinculação e modificação do efeito jurí-


dico) e visando o mero esclarecimento, as exigências são substancial-
mente reduzidas. Assim, podem ser formuladas a todo o tempo 427 (dire-
ctiva 2.4.4) e não têm de ser confirmadas (2.4.6) 428. Não se levanta tam-
bém o problema da admissibilidade, na medida em que, em termos ge-
rais, não parece deverem colocar-se limitações aos esclarecimentos que
as partes entendam dever fazer sobre o sentido e alcance dado às con-
venções e às disposições nelas contidas.
Em todo o caso, porque susceptíveis de produzirem efeitos
jurídicos (ainda que menores), subsistem as exigências em matéria da
determina- ção da competência para a sua formulação (num regime
idêntico ao das reservas, exigindo a pessoa com competência para
representar o Estado ou para exprimir o consentimento deste em
vincular-se  directiva 2.4.2)429. A prática consagrava ainda um regime
relativo à aceitação, a- dmitindo-se a formulação de objecções430. O
regime final do GPR2011 de- senvolve essa prática, elencando e
regulando as reacções possíveis às de- clarações interpretativas
(directiva 2.9 ss.) – aprovação, oposição (que corresponde à objecção) e
requalificação.

3. Figuras próximas
A progressiva sedimentação da matéria tem gerado um esforço no
sentido de tipificar as principais figuras nesta matéria (esforço esse que
iniciado com a própria distinção entre reservas e declarações interpreta-
tivas), uma parte das quais são referidas no GPR. A sua análise releva
não apenas como referência mas principalmente por tornar mais clara a
dis-
tinção e nessa medida melhor evidenciar os contornos das figuras.
Temos assim, um primeiro grupo de declarações unilaterais que,
muito embora surjam relacionadas com uma convenção, comportam
ele- mentos novos (e por isso não integram o conceito de declarações
inter-

427
Não obstante, é comum que sejam formuladas com a assinatura ou com o depósito
de instrumentos relevantes para a convenção em causa (United Nations, 2003, p. 51).
428
Nas versões iniciais do GPR apenas se exigia a redução a escrito das declarações inter-
pretativas condicionais mas a versão final viria a alinhar com o regime das reservas (cf. directiva
2.4.5 e respectiva remissão para a directiva 2.1.5).
429
A prática do Secretário-geral das NU tem todavia sido menos exigente, aceitando-as
desde que emanem claramente do Estado (United Nations, 2003, p. 55).
430
Veja-se a título de exemplo, a objecção que Portugal apresentou às declarações inter-
pretativas formuladas pela Argélia quando depositou os instrumentos de ratificação do Pacto In-
ternacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais e do Pacto Internacional sobre os

197
Rui Miguel Marrana
Direitos Civis e Políticos, ambos de 1996 (DR 22.03.1991).

198
Décima primeira lição: particularidades das convenções multilaterais

pretativas): são as declarações visando a assunção de compromissos


uni- laterais e as declarações unilaterais visando acrescentar elementos
suple- mentares a um tratado431. Devem considerar-se neste grupo
ainda as de- clarações relativas à aplicação de um tratado no âmbito
interno (directiva 1.5.2) as quais têm um âmbito meramente
informativo.
Num segundo grupo encontramos as declarações que surgem em
razão da própria convenção, prendendo-se com a sua execução: são a) as
declarações unilaterais formuladas em virtude de uma cláusula faculta-
tiva (1.5.3) 432, b) as declarações unilaterais através das quais se opta
entre disposições de um tratado433 e ainda c) as declarações obrigatórias,
ou seja, aquelas que os Estados são obrigados a fazer por força da
própria convenção, nomeadamente fornecendo determinadas
informações434 (United Nations, 2003, p. 51).
O terceiro e último grupo engloba declarações que se dirigem a fa-
ctos exteriores ao conteúdo convencional. São as declarações de não-re-
conhecimento (1.5.1) e as declarações de política geral435.

431
Estiveram previstas nas versões iniciais do GPR – V. p. ex. directivas 1.4.1 e 1.4.2 na
versão de 2004 (CDI/ILC, 2004, p. 109). A declaração visando a assunção de compromissos unila-
terais era ali definida como a declaração unilateral formulada por um Estado ou por uma organi-
zação internacional em relação a um tratado através da qual o seu autor pretende assumir obri-
gações para além daquelas que lhe impõe o tratado. Já a declaração visando acrescentar
elemen- tos suplementares a um tratado era referida sem que fosse adiantado qualquer
elemento ao con- ceito (para além da sua designação).
432
São também designadas por declarações opcionais (United Nations, 2003, p. 52).
433
Estiveram tb. previstas nas versões iniciais do GPR – V. p. ex. directiva 1.4.7 na versão
de 2004 (CDI/ILC, 2004, p. 109), que apenas esclarecia tratar-se de uma declaração unilateral
for- mulada por um Estado ou por uma organização internacional em conformidade com uma
cláusula de um tratado que obrigue expressamente as partes a escolherem entre duas ou mais
disposições do mesmo.
434
Surge aqui, por vezes, uma outra distinção (concorre com esta), entre declarações in-
terpretativas e notificações, segundo a qual enquanto aquelas visam (como vimos), precisar ou
clarificar o sentido ou alcance das disposições convencionais, as notificações normalmente
seriam declarações tendo em vista fornecer informação exigida pela convenção, ou
alternativamente sur- gindo como instrumentos vinculativos (como seja, por exemplo, o
reconhecimento da competên- cia do TIJ, feito nos termos do art. 36.º/2 do seu Estatuto). Esta
distinção entre declarações e notificações nem sempre é seguida e as expressões são
indistintamente utilizadas (United Nations, 1999, p. 42 §147).
435
Tb. as declarações de política geral estiveram previstas nas versões iniciais do GPR – V.
p. ex. directiva 1.4.4 na versão de 2004 (CDI/ILC, 2004, p. 109). A definição dada referia-se a uma
declaração unilateral formulada por um Estado ou por uma organização internacional através da
qual este Estado ou esta organização internacional exprime os seus pontos de vista em relação a
um tratado ou a uma matéria abrangida por este, sem visar a produção de efeitos jurídicos em
relação ao mesmo tratado.

199
Rui Miguel Marrana

Em qualquer das declarações pode verificar-se como não esclare-


cem ou modificam o efeito jurídico das disposições convencionais e por
isso se não confundem com as declarações interpretativas ou com as re-
servas.

4. Retirada
O regime do levantamento ou retirada das declarações interpreta-
tivas é semelhante ao da retiradas das reservas e respectivas objecções,
podendo ocorrer a todo o tempo (directiva 2.5.12).

F. Depositário
A proliferação das convenções multilaterais e em especial o cada
vez maior número de partes (maxime com as convenções multilaterais
gerais) veio a impor o desenvolvimento da figura do depositário.
Inicialmente tratava-se de escolher entre as partes aquele
Estado436 que exerceria tais funções. Todavia com a SdN e
posteriormente com a ONU e suas agências especializadas, as
organizações internacionais vão assumir cada vez mais essas funções.
Assim, actualmente, o Secretário- geral das NU437 é depositário de mais
de 500 convenções multilaterais.

436
Embora seja raro, acontece por vezes que as funções de depositário são exercidas
con- juntamente por dois ou mais Estados (United Nations, 2003, p. 5). Foi o que aconteceu com
o Tratado de não Proliferação de Armas Nucleares, de 1968, cujo art. IX/2 designa o Reino
Unido, a União Soviética e os EUA. A experiência evidenciou todavia a inconveniência do regime,
na medida em que implica uma multiplicação do trabalho e pode fazer surgir dificuldades
resultantes das diferentes práticas adoptadas pelos depositários (idem, p. 6).
437
Portugal é depositário das seguintes convenções: (1) Convenção de Cooperação Técnica
entre as Administrações Aduaneiras dos Países de Língua Oficial Portuguesa, adoptada em Lu-
anda, a 26.09.1986 (2) Convenção sobre Assistência Mútua Administrativa entre Estados de
Língua Oficial Portuguesa para Prevenção, Investigação e Repressão das Infracções Aduaneiras,
adoptada em Luanda, a 26.091986 (3) Convenção sobre Assistência Mútua Administrativa entre
Países de Língua Oficial Portuguesa em Matéria de Luta contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes
e de Subs- tâncias Psicotrópicas, adoptada em Luanda, a 26.09.1986 (4) O Acordo Ortográfico da
Língua Por- tuguesa de 16.12.1990 (5) (Primeiro) Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico
da Língua Por- tuguesa, assinado na Praia, em 17.07. 1998 (6) Segundo Protocolo Modificativo ao
Acordo Orto- gráfico da Língua Portuguesa de 25.07.2004 (7) Acordo entre a Irlanda, o Reino dos
Países Baixos, o Reino de Espanha, a República Italiana, a República Francesa e o Reino Unido da
Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte que Estabelece um Centro de Análise e Operações Marítimas
– Narcóticos (MAOC-N) de 30.09.2007 (8) Estatuto do Laboratório Ibérico Internacional de
Nanotecnologia (LIN) de 25.11.2006 (9) Tratado da Carta da Energia, o Protocolo da Carta da
Energia Relativo à Eficiência Energética e aos Aspectos Ambientais Associados e a Emenda às
Disposições Comerciais do Tratado da Carta de Energia de 17.12.1994 (10) Acordo de
Cooperação para a Protecção das Costas e Águas do Atlântico Nordeste contra a Poluição,
adoptado em Lisboa, a 17.10.1990, de- nominado Acordo de Lisboa.

200
Décima primeira lição: particularidades das convenções multilaterais

O regime do depositário vem referido nos artigos 76.º e 77.º CV69,


insistindo a primeira norma na natureza internacional e imparcial das
fun- ções, as quais são descritas na segunda, nos seguintes termos:
a) Assegurar a guarda do texto original do tratado e dos ple-
nos poderes que lhe tenham sido confiados;
b) Estabelecer cópias autenticadas do texto original ou
textos noutras línguas, que possam ser necessários em virtude do
tratado, e comunicá-los às partes no tratado e aos Estados com
capacidade para nele se tornarem partes;
c) Receber todas as assinaturas do tratado, receber e
guardar todos os instrumentos e notificações relativos ao tratado;
d) Examinar se uma assinatura, um instrumento, uma notifi-
cação ou uma comunicação relativa ao tratado reveste a devida
forma e, em caso negativo, chamar a atenção do Estado em causa
para a questão;
e) Informar as partes no tratado e os Estados com
capacidade para serem partes no tratado dos atos, comunicações
e notifica- ções relativos ao tratado;
f) Informar os Estados com capacidade para serem partes no
tratado da data na qual foi recebido ou depositado o número de
assinaturas ou de instrumentos de ratificação, de adesão, de acei-
tação, ou de aprovação, necessários para a entrada em vigor do
tra- tado;
g) Assegurar o registo do tratado junto do Secretariado da
Or- ganização das Nações Unidas;
h) Exercer as funções especificadas noutras disposições da
presente Convenção.
Reparar-se-á certamente no facto de nesta listagem poderem ser
separados três grupos de funções: um primeiro a) que se prende com o
depósito propriamente dito, dos documentos originais e com a emissão
de cópias dos mesmos, um segundo grupo b) que envolve funções de
con- trolo e informação e um terceiro com c) outras funções (registo ou
outras que a própria convenção estabeleça).
As partes podem atribuir ao depositário outras funções. A prática
tem mostrado ser excepcional essa situação, considerando-se aliás que,

Cabe ao Departamento de Assuntos Jurídicos do MNE exercer as funções de depositário


dos tratados e dos acordos internacionais, quando o Estado Português tenha sido designado
para esse efeito (DL 10/2012).

201
Rui Miguel Marrana

face à descrição de funções do art. 77.º, é desejável que apenas seja


indi- cado o depositário sem necessidade de especificação de funções, a
qual, a surgir, pode induzir em erro ou suscitar interpretações
divergentes (United Nations, 2003, p. 9).
As funções de depositário podem (acidentalmente) ser objeto de
transferência438.

Questões de revisão

A. Questões gerais
1. Identifique as particularidades das convenções multilaterais estuda-
das, salientando a respectiva função e importância;
2. Diga o que entende por adesão e explique sumariamente o seu re-
gime;
3. Diga o que entende por reservas, identifique os seus efeitos, as suas
vantagens e inconvenientes.

B. Questões directas
1. Refira as principais dificuldades sentidas na negociação das conven-
ções internacionais e identifique as soluções existentes;
2. Refira-se à contribuição das organizações internacionais na conclusão
das convenções multilaterais;
3. Diga o que entende por assinatura diferida e explique a relevância
deste mecanismo;
4. Distinga convenções abertas, fechadas e semiabertas;
5. Explique o surgimento das reservas e refira-se à evolução da prática
nesta matéria;
6. Explique que autoridades nacionais podem formular reservas, em
que momentos o podem fazer e quais as exigências formais a que a
formulação está sujeita;
7. Indique os efeitos das reservas;
8. Distinga reservas de declarações interpretativas assinalando as princi-
pais diferenças dos regimes;
9. Refira-se aos regimes da admissibilidade e da aceitação das reservas;
10.Distinga reservas de declarações interpretativas e refira
sumariamente
o regime a que estas estão sujeitas;
11.Diga o que entende por depositário e identifique as suas principais fun-
ções.

438
Assim nos casos do Acordo Internacional para a Supressão da Escravatura Branca, da
Convenção Internacional para a Supressão da Escravatura Branca e do Acordo para Repressão de
Publicações Obscenas, todos de 1910, o depositário original era a França, que transferiu essas
funções para o Secretário-geral das NU nos termos da Resolução 82 (V) do Conselho Económico
e Social, de 1947 (United Nations, 2003, p. 5).

202
Décima primeira lição: particularidades das convenções multilaterais

Bibliografia de referência
AUST, A. 2004. Modern Treaty Law and Practice. Cambridge, UK:
Cambridge University Press.
CONGRESSIONAL RESEARCH SERVICE. 2001. Treaties and other
International Agreements - The role o US Senate. Washington, DC: US
Government Printing Office
HOLLIS, D. B. 2012. The Oxford Guide to Treaties. Oxford, UK: Oxford
University Press.
UNITED NATIONS. 1999. Summary of practice of the Secretary-General
as depositary of multilateral treaties. New York, NY: United Nations
UNITED NATIONS. 2003. Final Clauses of Multilateral Treaties Handbook.
New York, NY: United Nations.

Leituras recomendadas
ALVAREZ, J. E. 2002. The New Treaty Makers. Boston College
International and Comparative Law Review, 25(2), 213-234
BENOÎT-ROHMER, F., & KLEBES, H. 2005. Le droit du Conseil de l’Europe –
Vers un espace juridique paneuropéen. Strasbourg: Editions du Conseil de
l’Europe
HELFER, L. R. 2006. Not Fully Committed? Reservations, Risk and Treaty
Design. The Yale Journal of International Law, 31(2), 367-382.
SWAINE, E. T. 2006. Reserving. Yale Journal of International Law, 31(2),
307-366.
UNITED NATIONS. 2012. Treaty Handbook. New York, NY: United Nations.

Recursos on line a explorar


Berkeley Law Library - Treaties and International Agreements (guide)
https://www.law.berkeley.edu/library/dynamic/guide.php?id=65
ASIL - Guide to Electronic Resources for International Law: Treaties
http://www.asil.org/resource/treaty1.htm
United Nations - Treaty Reference Guide http://untreaty.un.org/ola-
internet/Assistance/Guide.htm
United Nations - Notes Verbales from the Legal Counsel relating to the
Depositary Practice and the Registration and Publication of Treaties
https://treaties.un.org/Pages/Resource.aspx?path=Publication/NV/Page1_en.xml
US Department of State Foreign Affairs Manual: 11 FAM Legal and Politi-
cal Affairs https://fam.state.gov/Fam/FAM.aspx?ID=11FAM
Pierre D’Argent - Universidade Católica de Louvain – 4 aulas (em inglês)
sobre reservas:

203
Rui Miguel Marrana

[Reservations: notion - 5:54]:


https://www.youtube.com/watch?v=ZTFyWZlfbZ8
[Reservations: permissibility - 5:43]:
https://www.youtube.com/watch?v=L702WU7Er74
[Reservations: legal effects - [4:24]:
https://www.youtube.com/watch?v=7ssny3nfQtU
[Reservations: acceptance and objection - 8:01]:
https://www.youtube.com/watch?v=Qu5MYsOjdE8

XII Lição
Convenções internacionais: vinculação do Estado
português

A. Objetivo
Tal como se referiu anteriormente (p. 145) todo o processo de
conclu- são das convenções internacionais articula exigências
internacionais e nacionais. Vistas as primeiras (nas duas lições
anteriores), vemos agora as segundas (numa perspetiva portuguesa 439),
observando assim um processo completo.
Importa sublinhar a relevância desta matéria no âmbito da disciplina:
se as convenções internacionais assumem, nos nossos dias, um papel
re- gulador central da vida internacional, a formação jurídica não
poderá dei- xar de envolver um domínio razoável de todo o seu
processo de forma- ção, o qual apenas se completa quando articulado
com a componente nacional.

439
Outros procedimentos nacionais podem ser conferidos. Assim, para consulta do pro-
cesso americano V. site Berkeley Law Library - Treaties and International Agreements (guide) re-
ferido no final da última lição. V. tb. Congressional Research Service (2001, p. 7 ss.). O processo
australiano está disponível on line (Commonwealth of Australia, 2017). Para uma análise do
procedimento brasileiro v. Medeiros (2007). Podem ainda ser consultados os procedimentos na
perspetiva de organizações internacionais sob a égide das quais as convenções são concluídas ou
em que as mesmas são partes. Assim, o procedimento da UE vem descrito no art. 218.º TFUE.
Para uma análise do procedimento do Conselho da Europa, v. Benoît-Rohmer & Klebes (2005, p.
98 ss.).

204
Décima segunda lição: vinculação do Estado português

B. Visão geral
Em termos genéricos podemos sumariar o processo dizendo que
a) a negociação e a assinatura cabem ao Governo;
b) a aprovação é da competência do Governo ou da AR;
c) o Presidente da República intervém a seguir
i. eventualmente suscitando a fiscalização prévia da constitu-
cionalidade e
ii. assinando os atos que aprovem os acordos em forma sim-
plificada, ou
iii. ratificando os tratados solenes.
d) Os atos do Presidente da República são depois referendados,
exigindo-se ainda a publicação e registo.
É este procedimento genérico que analisaremos na presente lição,
com o pormenor necessário.
A Constituição usa a terminologia que vimos seguindo:
- tratado refere-se aos tratados solenes,
- acordo designa um acordo em forma simplificada e
- convenção440, surge como termo geral (englobando ambos, por-
tanto).
Esta utilização facilita a interpretação das regras constitucionais,
que, todavia, nem sempre são tão claras quanto seria desejável.

C. Fases do procedimento
1. Negociação
Em Portugal, a competência para negociar as convenções interna-
cionais pertence, em exclusivo ao Governo, nos termos do art. 197.º/1
b) CRP. Trata-se de uma competência política que é exercida em
exclusivi-
dade.
Dentro deste órgão de soberania, cabe ao Ministro dos Negócios
Estrangeiros formular, conduzir, executar e avaliar a política externa e
europeia do país, bem como coordenar e apoiar as/os demais minis-

440
O termo geral convenção surge nos art.s 4.º, 8.º/2, 33.º/3 e 4, 115.º/3 e 5, 119.º/1 b),
134.º g), 197.º/1 b), 273.º/2 e 280.º/3. O termo tratado surge no sentido de tratado solene, nas
seguintes disposições: 135.º b), 161.º i), 227.º t), 277.º/2 e 278.º/1 e 279.º/4 (surgindo ainda no
artº 8.º/3 e 4, numa acepção que não parece pretender restringir-se a este tipo convencional). O
termo acordo (ou acordo internacional), surge no sentido de acordo em forma simplificada nos
artigos 134.º b), 161.º i), 197.º/1 c) e 2, 200.º/1 d), 227.º/1 t), 278.º/1 e 279.º/1.

201
Rui Miguel Marrana

tras/os no âmbito da dimensão externa e da dimensão europeia das res-


petivas competências (art. 12.º/1 DL 251-A/2015). O Ministério 441 per-
manece como o departamento governamental que tem por missão for-
mular, coordenar e executar a política externa de Portugal (art 1.º DL
121/2011), cabendo-lhe [c]onduzir as negociações internacionais e os
processos de vinculação internacional do Estado Português, sem
prejuízo das competências atribuídas por lei a outras entidades públicas
(art. 2.º/1 j) do mesmo diploma).
A redacção da norma evidencia uma evolução importante: sendo
certo que responsabilidade do exercício das competências constitucio-
nais de negociação e assinatura das convenções lhe cabe
primariamente (e assim vem referido na primeira parte da norma), o
facto é que, nas últimas décadas, os diferentes departamentos
governamentais foram progressivamente integrando a actividade
internacional no seu funcio- namento (reflectindo, aliás, a tendência da
crescente internacionalização das matérias). Na verdade, hoje em dia,
nenhum ministério poder consi- derar que o seu âmbito de actividade
dispensa a celebração de conven- ções (e por isso se prevê, na segunda
parte da norma, a possibilidade de serem competências concorrentes a
outras entidades).
Assim, na situação atual, não faria sentido manter a exclusividade
tradicional da intervenção do MNE. Todavia, a posição inversa – com to-
dos os departamentos governamentais a concluírem directamente con-
venções com governos estrangeiros  trouxe consigo alguma desordem
e por vezes algumas deficiências resultantes do menor apuro técnico
com que tais convenções foram negociadas. A fim de regular a situação
surgiu a Resolução 17/88 do CM, que apesar de insistir na competência
genérica do MNE, admite as iniciativas dos restantes ministérios, im-
pondo-lhes o enquadramento político daquele, que deve ser informado
e pronunciar-se em relação às fases mais relevantes (pontos 1 e 2 da re-
ferida resolução).

441
A Lei Orgânica do MNE é ainda o DL 121/2011 (promulgado durante o governo ante-
rior). O atual Governo (XXI Governo Constitucional) parece, todavia, ter introduzido uma altera-
ção de perspetiva: o entendimento tradicional ia no sentido de se considerar o Governo consti-
tuído por diferentes departamentos (ministérios e secretarias de Estado), mas agora – tal como
pode conferir-se na página oficial do Governo – este é composto por ministros (e secretários de
Estado). Por isso, as competências anteriormente atribuídas aos ministérios e concretamente ao
MNE – agora são referidas como atribuídas aos ministros. A subsistência de diplomas legais ela-
borados nas diferentes perspetiva pode, por isso, geral alguma confusão.

202
Décima segunda lição: vinculação do Estado português

Assim, hoje em dia, caso a negociação não seja levada a cabo dire-
ctamente pelo MNE, este há-de enquadrar, acompanhar e pronunciar-
se em todos os momentos relevantes do processo442.
A CRP prevê ainda a eventual participação das Regiões
Autónomas na negociação de convenções internacionais (art. 227.º t).
Não se trata de autorizar estas a negociarem autonomamente
convenções, mas tão só de admitir representantes dos governos destas
na equipa que efectu- ará a negociação, de forma a melhor poder
acautelar as sensibilidades e interesses que possam existir sempre que
as convenções lhes digam par- ticularmente respeito443.

2. Assinatura
A assinatura é também uma competência exclusiva do Governo444,
nos termos do art. 197º/1 b) CRP (resultando da expressão ajustar’445
que consta daquela norma). Apesar daquilo que a própria expressão
sugere (assinar parece dever ser, em regra, um acto individual), o
regime nacio- nal reserva a sua prática para o CM ou o PM (cf. n. os 3 e 4
Resolução 17/88). O plenipotenciário apenas poderá rubricar ou assinar
com auto- rização prévia expressa446.
Esta solução parece excessivamente cautelosa: não podendo o Es-
tado português, nos termos do direito interno aplicável, vincular-se pela

442
Este regime, com quase três décadas – e a prática dele decorrente – mantém-se está-
vel, tal como nos foi possível apurar junto do MNE.
443
Alguns países prevêem a realização de consulta aos grupos eventualmente interessa-
dos na matéria desde a fase da negociação, podendo mesmo usar membros de ONG e de associ-
ações sectoriais ou profissionais, representantes locais, etc., como consultores da delegação na-
cional (Australia Department of Foreign Affairs and Trade, 2017).
444
A assinatura é tipicamente uma função que integra a competência do executivo
(Congressional Research Service, 2001, p. 111; Australia Department of Foreign Affairs and
Trade, 2017).
445
Sendo certo que o legislador constitucional podia ser mais claro (tanto mais que,
entre nós, são muito frequentes as revisões constitucionais, permitindo assim que se aproveitem
as mesmas para introduzir as alterações com vista a um maior rigor e clareza do texto), o facto é
se utiliza aqui um termo que não deve trazer dificuldades. Na verdade, a assinatura ajusta o
texto, uma vez que, como vimos atrás, tem como efeito necessário torná-lo definitivo e
autêntico.
446
A prática seguida tem sido de que as credenciais emitidas para a negociação de con-
venções multilaterais incluírem poderes não apenas para negociar mas também para a adopção
do texto. Em negociações bilaterais, não há usualmente lugar à emissão de credenciais para os
representantes nacionais que vão negociar o texto da convenção internacional, sendo no
entanto indicadas as composições das delegações. Após a negociação, é instruído o processo de
prévia aprovação de assinatura, nos termos da Res. 17/88, de 7 de Abril, emitindo o Gabinete do
MNE posteriormente a carta de plenos poderes.

203
Rui Miguel Marrana

assinatura447, não se vê a necessidade de tamanhas cautelas. É verdade


que tendo sido facilitada a iniciativa aos diversos ministérios na conclu-
são de convenções, poder-se-á pensar que este regime pretende
apenas evitar que se descuide aquela circunstância face à prática
internacional corrente de se produzir a vinculação pela assinatura nos
acordos em forma simplificada, o que poderia originar a assunção de
obrigações ao arrepio dos procedimentos mínimos e das ponderações
que estes envol- vem. Mas, em todo o caso, acautelar o cumprimento
de exigências cons- titucionais através de preceitos regulamentares – já
que se trata de mera Resolução do CM  parece ingénuo. Na verdade,
tentar precaver um eventual descuido em relação a um regime
constitucional (que impõe, como mínimo para a vinculação, a
aprovação), por via de uma resolução, não será certamente a via que
mais garantias de eficácia oferece.
Importará sublinhar que, em regra, será com a assinatura que o
re- presentante nacional indicará os termos segundo os quais a
vinculação nacional se fará (aceitando um eventual regime geral,
estipulado no texto convencional, ou informando do regime específico)
448
.

3. Aprovação
3.1. Competência de aprovação449 da AR
A competência de aprovação das convenções é partilhada entre o
Governo (art. 197º/1 c) CRP) e a AR (art. 161.º i). A regra geral é esta

447
Na verdade o art. 8.º/2 CRP ao regula a vigência do direito internacional refere-se às
normas constantes em convenções internacionais regularmente aprovadas ou ratificadas. A exi-
gência da aprovação ou ratificação (como requisito de vigência) é, assim, explícita (estando
implí- cita – a contrario sensu – a recusa da possibilidade de a vinculação decorrer da mera
assinatura).
448
A indicação dos termos segundo os quais o Estado se vincula implica a definição
prévia de uma outra questão: a determinação do nível de formalidade que a convenção há-de
seguir (tratado solene ou acordo em forma simplificada). Naturalmente que essa definição está
enqua- drada por critérios legais ou constitucional (no nosso caso, o critério surge na primeira
parte do art. 161.º i) CRP). Mas, esses critérios deixam necessariamente algum tipo de margem,
já que, em regra, apenas fixarão as situações em que a forma solene terá obrigatoriamente de
ser seguida, deixando que se opte, em todas as outras, entre a mesma forma e a forma
simplificada. Donde caberá em princípio ao executivo (enquanto autoridade com competência
exclusiva ou partilhada para a negociação e assinatura) determinar o nível de formalidade. Esse
é o regime nacional. Nos EUA a determinação é também feita pela administração, prevendo-se
todavia uma eventual con- sulta do Congresso (Congressional Research Service, 2001, p. 359).
449
O regime brasileiro nesta matéria tem pontos coincidentes, mas é consideravelmente
mais impreciso. Assim, compete ao titular do poder executivo, o PR, o poder de celebrar
tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional (art. 84.º
VIII da Constituição). Na lei fundamental brasileira aparece apenas mais uma norma
directamente dirigida à matéria, o art.º 49.º/I que confere competência exclusiva do Congresso
Nacional para resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que

204
Décima segunda lição: vinculação do Estado português
acarretem encargos

205
Rui Miguel Marrana

última, já que a competência do Governo tem natureza subsidiária


(197.º/1 c): apenas aprova os acordos internacionais cuja aprovação
não seja da competência da Assembleia da República ou que a esta não
te- nham sido submetidos.
Importa, assim, conferir as situações em que a competência de
aprovação é reservada pela CRP à AR.
A norma do art. 161.º i) distingue três situações:
- na primeira parte prevê um elenco de matérias (em relação às
quais as convenções terão portanto de ser aprovadas pela AR). São elas,
a participação em organizações internacionais, a amizade, paz, defesa,
rectificação de fronteiras e os assuntos militares.
- em segundo lugar remete para um novo elenco de matérias:
aquelas nas quais a AR tem competência legislativa reservada, ou seja,
as constantes dos artigos 164.º e 165.º CRP.
Faz sentido que assim seja: se se entende que, nessas matérias,
apenas a AR deve legislar, então parece obrigatório que este órgão de
soberania também se tenha de pronunciar quando sejam celebradas
convenções que incidam sobre elas.
- finalmente a AR aprova ainda os acordos que o Governo entenda
submeter-lhe. Ou seja: mesmo quando este tenha competência de
apro- vação de determinada convenção, pode, se assim o entender (por
razões políticas) preferir submetê-la à apreciação da AR, que decidirá da
respe- ctiva aprovação.
Em resumo, o critério de atribuição de competência de aprovação
à AR em matéria convencional é material, referindo-se a três elencos450

ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. A articulação entre estas disposições tem


merecido interpretações divergentes, defendendo parte da doutrina que apenas os tratados
referidos no art.º 49.º/I seriam obrigatoriamente sujeitos a referendo parlamentar, enquanto
que outra parte entende que todos os tratados estarão sujeitos a este. A prática parece ir neste
último sentido (Medeiros A. C., 2007, p. 161), sendo incerto o regime relativo a atos celebrados
na decorrência de tratados, Além disso, aceitando-se a figura dos acordos em forma simplificada
(referidos, por vezes como tratados sujeitos a um processo abreviado) – que não estarão
sujeitos ao referendo do congresso (o qual equivale genericamente à aprovação) – a
determinação do âmbito não existe no direito positivo (ibidem, p. 162), o que introduz mais uma
incerteza no regime.
450
Não confundir os três elencos aqui referidos com as três partes da línea i) do art.
161.º CRP (até porque os três elencos cabem nas duas primeiras partes referidas). De facto,
quando referimos existirem três elencos de matérias queremos chamar à atenção para o facto
de que, para se conferir se uma dada matéria integra, ou não, a competência convencional da
AR, teremos sempre de verificar se essa matéria surge numa das três listas em causa (primeira
parte do art. 161.º i), 164.º, 165.º). Mas, se dessa verificação resultar que a matéria não integra
qualquer das listas, a AR continuará a ser competente para aprovar a convenção se o Governo
(não obstante

206
Décima segunda lição: vinculação do Estado português

de matérias: (1)o da primeira parte do próprio art. 161.º i), o (2)do art.
164.º (reserva absoluta de competência legislativa) e (3)do art. 165.º (re-
serva relativa de competência legislativa)451. Fora desses âmbitos, é
com- petente o Governo (que, no entanto, pode sempre suscitar a
aprovação pela AR, nos termos da terceira parte do art. 161.º i).
O acto próprio para a AR aprovar uma convenção internacional é
a Resolução, nos termos do n.º 5 do art. 166.º CRP.
3.2. Distinção dos âmbitos dos tratados e acordos
A alínea i) do art. 161.º esclarece implicitamente um outro
aspecto que deve ser devidamente sublinhado. Referimo-nos ao tipo de
conven- ções cuja aprovação compete à AR. Assim, muito embora a
lógica tradi- cional reserve a intervenção do Parlamento aos tratados
solenes (uma vez que os acordos em forma simplificada surgem – como
executive agre- ements, ou acordos do executivo  exactamente para
evitar essa inter- venção – cf. supra pp. 161 ss.) esse princípio não foi
acolhido pelo legis- lador constitucional português, que consagrou
expressamente a aprova- ção parlamentar de acordos.
É ainda da regra do art. 161.º i) – que explicita a competência de
aprovação parlamentar das convenções internacionais  que se retira o
critério constitucional que dita os casos em que a forma solene tem de
seguir-se. Assim, as convenções que integrem as matérias da primeira
parte desta norma (participação em organizações internacionais, ami-
zade, paz, defesa, rectificação de fronteiras e assuntos militares) são
obrigatoriamente tratados solenes, já que o texto desta se refere
expres- samente a tratados. Nas restantes matérias – incluindo as do
elenco dos art. 164.º e 165.º  pode452 seguir-se a forma simplificada
(sendo que, nestes casos, a simplificação resulta apenas da intervenção
do PR se limi- tar à assinatura, dispensando-se a ratificação – tal como
veremos infra).

pudesse ter praticado o acto) preferir submeter-lha (nos termos da 3.ª parte da referida alínea i)
do art. 161.º.
451
Convirá ter presente que a distinção entre reserva absoluta (art. 164.º CRP) e reserva
relativa (art. 165.º) apenas é relevante para efeitos legislativos. No plano convencional, não es-
tando prevista qualquer autorização (que, em qualquer caso, dificilmente faria sentido, já que se
trataria de enquadrar resultados de uma negociação o que retiraria a esta parte do seu sentido)
a reserva de competência para efeitos de aprovação é absoluta - tanto nas matérias do art. 164.º
como nas do art. 165.º, portanto.
452
Sobre este aspecto veja-se o ac. de 05.08.99 do TC, o qual não acolhe a preocupação
do PR que pretendia existir um critério material que reduzia os acordos em forma simplificada a
meros instrumentos diplomáticos executivos de tratados já celebrados.

207
Rui Miguel Marrana

3.3. Competência de aprovação do Governo


Decorre do disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 197.º que a com-
petência do Governo de aprovação de convenções internacionais é su-
bsidiária ou residual: o Governo aprova acordos cuja competência não
tenha sido atribuída à AR (por aplicação dos critérios do art. 161.º i).
O Governo aprova, portanto, apenas acordos em forma simplifi-
cada em matérias de competência legislativa concorrente (uma vez que,
como vimos atrás, as matérias de competência legislativa reservada,
per- manecem também reservadas para efeitos convencionais, por
força da segunda parte do art. 161.º i), podendo sempre devolver à AR
essa com- petência (nos termos da terceira parte da referida norma).
O acto próprio para o Governo aprovar uma convenção
internacio- nal é o decreto453 (197.º/2 CRP).

4. Intervenção do Presidente da
República Muito embora a vinculação nos acordos em forma
simplificada possa depender da aprovação, a intervenção do PR no
processo de vin- culação na vinculação internacional do Estado
português é sempre obri-
gatória. Vejamo-la.
4.1. Eventual fiscalização preventiva da constitucionalidade
Esta intervenção inicia-se com a eventual fiscalização preventiva
da
constitucionalidade, nos termos do art. 134.º g). Assim, caso o PR en-
tenda poder haver qualquer inconstitucionalidade de alguma norma
con- vencional454 deverá suscitar a apreciação da mesma pelo TC (art.
278.º/1). Caso este órgão se pronuncie pela inconstitucionalidade, o
Pre- sidente deverá devolvê-lo ao órgão que o tiver aprovado (AR ou
Go- verno), nos termos do art. 279.º/1. Tratando-se de convenção 455
apro- vada pela AR, esta pode confirmar a norma inconstitucional,
aprovando-

453
Normalmente designado por decreto simples, para deixar clara a distinção do
decreto- Lei, uma vez que, a admitir-se aqui um acto de natureza legislativa, poderia estar a
sugerir-se indevidamente um sistema de transformação.
454
Em rigor, o art.º 278.º/1 apenas prevê a fiscalização preventiva da constitucionalidade
das normas constantes de tratados solenes ou de acordos internacional cujo decreto de aprova-
ção lhe tenha sido remetido para assinatura - pelo Governo, portanto -, deixando de fora os
acor- dos aprovados pela AR. Não existe todavia qualquer razão que justifique essa limitação,
pare- cendo-nos, por isso, ser devida uma interpretação extensiva.
455
Volta a colocar-se aqui uma situação semelhante à referida na nota anterior: em rigor,
o art.º 279.º/4 apenas prevê a possibilidade de confirmação da inconstitucionalidade de regras

208
Décima segunda lição: vinculação do Estado português
constantes em tratados, sendo no entanto duvidosa a restrição. Parece assim dever interpretar-

209
Rui Miguel Marrana

a por dois terços  desde que correspondam a pelo menos metade do


deputados em efectividade de funções (279.º/4). Fora desse expediente
a norma inconstitucional terá de ser expurgada. Essa expurgação pode
obter-se por diferentes vias. Desde logo através de uma renegociação
da convenção456. Este expediente será admissível em convenções
bilaterais, difícil em convenções multilaterais restritas e impossível nas
convenções multilaterais gerais457. Em regra, poderá ainda obter-se essa
expurgação através da formulação de uma reserva (caso esta seja
admissível), no li- mite, extinguindo o efeito jurídico da disposição
julgada inconstitucional. Eventualmente poderá ser suficiente a
formulação de uma declaração interpretativa, sendo que, nesse caso,
deverá sempre ser considerada condicional - pelo que sujeita ao regime
das reservas (cf. Directivas 1.2., 1.4 GPR2011).
4.2. A necessidade conferir o grau de solenidade da convenção
Ultrapassada a eventual inconstitucionalidade458 (ou verificando-
se a desnecessidade desse controlo), a intervenção do PR variará con-
forme se trate de acordo em forma simplificada ou tratado solene.

se nesta norma o termo tratado no sentido geral (como convenção), admitindo-se assim a
confir- mação de quaisquer regras convencionais.
456
Este expediente está formalmente previsto no procedimento americano, não apenas
para os casos em que haja inconstitucionalidade, mas sempre que a intervenção parlamentar
im- ponha uma modificação no regime como condição da vinculação (Congressional Research
Service, 2001, p. 112).
457
Nas convenções bilaterais a renegociação como alternativa à recusa de vinculação
ten- derá a surgir como uma hipótese ponderável. Já nas convenções multilaterais restritas a
renego- ciação implica  como o termo indica, aliás  a reabertura da negociação, para o que
será neces- sário o assentimento das outras partes, o qual não será fácil de obter (até por
significar o reinício do procedimento). Embora formalmente não tenha ocorrido, esse parece ter
sido o resultado ma- terial da recusa dinamarquesa inicial na ratificação do Tratado de
Maastricht de 1992. Nas con- venções multilaterais gerais a renegociação enquanto tal será
impossível, embora ainda assim se deva ter aqui presente o caso da Convenção de Montego Bay
de 1982 (Convenção das Nações Unidas Sobre direito do Mar) cuja recusa de vinculação
nomeadamente pelos Estados ocidentais forçou a celebração de um protocolo em 1994 (Acordo
Relativo à Aplicação da Parte XI da Con- venção das Nações Unidas Sobre Direito do Mar  pub.
conjuntamente com a convenção, V. nota 251, in fine) limitando o regime original na parte
relativa à matéria que suscitou a oposição deste Estado.
458
Importa referir que mesmo verificando-se a inconstitucionalidade de alguma norma
convencional, as convenções internacionais podem ainda assim aplicar-se, nos termos do art.
277.º/2 CRP (a norma refere-se apenas a tratados, não se vislumbrando todavia razão que justifi-
que a limitação que resultaria duma interpretação estrita da norma).

210
Décima segunda lição: vinculação do Estado português

Tal como se referiu atrás (nota 448, supra) a determinação do


nível formal das convenções cabe ao Governo 459, dentro do critério da
pri- meira parte do art. 161.º i) da Constituição, que impõe a forma
solene sempre que a convenção incida sobre participação em
organizações in- ternacionais, amizade, paz, defesa, rectificação de
fronteiras e os assun- tos militares.
4.2.1. Intervenção nos tratados solenes
Nos tratados solenes, a intervenção seguinte do PR será a ratifica-
ção, nos termos da primeira parte da alínea i) do art. 161.º, acto não
vin- culado que resultará de uma apreciação política e do qual, uma vez
co- municado, decorrerá a vinculação. O acto utilizado pelo PR para
ratificar uma convenção internacional é o decreto (do PR460).
4.2.2. Intervenção nos acordos em forma simplificada
Tratando-se de acordos em forma simplificada, a intervenção do
PR será a assinatura do acto de aprovação, nos termos do art. 134.º b) -
ou seja, da a) resolução da AR ou do b) decreto do Governo.
O art. 140º/2 refere ainda que a falta da assinatura determina a
inexistência jurídica do acto assinado (ou seja, da aprovação). Esta regra
parece pretender garantir o controlo da regularidade do processo pelo
PR sem contrariar o princípio de que nos acordos em forma
simplificada, a vinculação decorre da aprovação (art. 8.º). De facto,
mesmo havendo vinculação com a aprovação, a falta de assinatura
deste torná-la-á inexis- tente e, nessa medida, insusceptível de ser
comunicada (permitindo que produza os devidos efeitos).
4.3. Distinções relevantes
Importa, antes de avançar, sublinhar duas distinções: desde logo
entre a ratificação (dos tratados solenes) e a assinatura (dos atos que
aprovam os acordos em forma simplificada) e ainda entre esta e a assi-
natura das convenções.
A primeira distinção (entre a ratificação e a assinatura) é simples:
a ratificação dirige-se ao tratado e é um acto não vinculado ou livre (cf.
supra p. 155 ss.), internacional que produz a vinculação, ao passo que a
assinatura incide sobre do acto de aprovação, é vinculada já que é um

459
A consulta que fizemos junto dos serviços jurídicos do MNE permitiu-nos apurar que a
prática nacional vai no sentido de seguir o critério constitucional e apenas variar deste quando a
própria convenção impõe a ratificação.
460
No menu de busca dos atos publicados no DR (www.dre.pt/pesquisa-avancada) sur-
gem catorze tipos de decreto – por isso explicitamos que, no caso, tratar-se-á de um decreto do
PR.

211
Rui Miguel Marrana

acto interno que se limita a aferir o cumprimento das exigências consti-


tucionais461. A distinção pode, assim, evidenciar-se no quadro seguinte:
Ratificação Assinatura
Acto sobre o Acto (interno) de
qual incide Tratado internacional aprovação1
Natureza Política + jurídica Jurídica
Margem de
apreciação Acto livre, não vinculado2 Acto vinculado3

1. Resolução AR/ Decreto do Governo


2. O PR pode recusar a ratificação se politicamente discordar do seu conteúdo
3. O PR apenas pode recusar havendo inconstitucionalidade

Quanto à distinção entre a assinatura do acto de aprovação de


acordos e a assinatura da convenção (cf. supra p. 151 ss.), diremos que
aquela  a assinatura do acto de aprovação  é da competência do PR
(art. 134.º b) CRP) e é um acto interno que incide sobre outro acto in-
terno (a resolução ou decreto), visando a produção de efeitos também
eles internos, ao passo que a assinatura da convenção é da
competência do Governo (art. 197.º/1 b) CRP) e é um acto internacional
que incide sobre a própria convenção, visando a produção de efeitos
também eles internacionais (cf. p. 152 supra). O que pode resumir-se no
quadro se- guinte:
Assinatura do acto de
Assinatura a convenção aprovação
Entidade
Governo PR
competente
Natureza Internacional Interna
Efeitos Internacionais Internos

5. Outros momentos relevantes


O processo de vinculação internacional do Estado português con-
templa ainda outras exigências que devem ser assinaladas.

461
Aquando da assinatura, o PR apenas aprecia da legalidade do acto, não lhe cabendo
qualquer apreciação política, apenas podendo recusá-la existindo alguma inconstitucionalidade
(art. 279.º/2 CRP). Esta interpretação é maioritária na doutrina (Miranda, 1985, pp. 33, 41;
Gonçalves Pereira & Quadros, 1993, p. 222; Medeiros R. , 1990, p. 367; Barbosa Rodrigues, 1991,
p. 13). Subsistem todavia alguns autores que defendem a tese inversa, ou seja, a do carácter
livre da assinatura (Canotilho & Moreira, 1991, pp. 90-91; Canotilho & Moreira, 1980, pp. 85,
595; Sousa Pinheiro & Fernandes, 1999, p. 397; Baptista, 1998, pp. 379-380; Bastos, 1998).

212
Décima segunda lição: vinculação do Estado português

Desde logo, o art. 140.º/1 CRP impõe a referenda ministerial dos


atos de ratificação ou assinatura, acrescentando o número seguinte que
a falta desta determina a inexistência jurídica do acto. Mais uma vez o
legislador constitucional impôs um regime prudente: suspende a
existên- cia dos atos sem todavia afectar directamente a vinculação.
Dessa forma impõe o cumprimento rigoroso destas exigências
procedimentais por via constitucional.
Exige-se ainda a publicação do texto das convenções, dos avisos
de ratificação e demais atos no DR (art. 119º/1 b), adiantando-se no nú-
mero seguinte que a falta de publicidade implica a ineficácia jurídica
dos mesmos. A solução que faz todo o sentido no plano legal parece
exces- siva: estando assegurado o conhecimento dos conteúdos pelos
destina- tários  e não raro, são as entidades que negoceiam que terão
de execu- tar os conteúdos  a publicação no jornal oficial cumpre
apenas um dever geral de informação e transparência pelo que a sua
falta não teria de im- plicar a ineficácia. Aliás, nomeadamente nas
convenções bilaterais, sendo prática corrente a entrada em vigor com a
troca dos instrumentos de vinculação, a exigência de publicação (não
apenas da convenção mas também dos atos a ela respeitantes e
nomeadamente os avisos) como condição de eficácia parece tornar
particularmente difícil o cumprimento desse regime. Assim, p. ex. nos
EUA, a publicação das convenções apenas se faz depois da entrada em
vigor (Congressional Research Service, 2001,
p. 150), existindo um elenco de matérias cujas convenções não são se-
quer objeto de publicação (Congressional Research Service, 2001, p.
356).
Decorre ainda do art. 8º/2 CRP que a entrada em vigor da conven-
ção apenas ocorre quando essa circunstância se verifique também no
plano internacional. Essa exigência, tal como referimos quando analisa-
mos a norma (p 77), é redundante, não fazendo sentido outra solução
(tendo presente a distinção entre a entrada em vigor de uma convenção
e a entrada em vigor para uma parte (cf. p. 160), não pode admitir-se
que esta anteceda aquela  ou seja, que uma convenção entre em vigor
para um Estado antes de ela própria estar em vigor).
Finalmente, subsistem a exigências  também já referidas
anterior- mente  do registo e publicação internacionais, através do
envio ao Se- cretário-geral da ONU, nos termos do art. 102.º CNU e do
art. 80.º da CV69.

213
Rui Miguel Marrana

D. Particularidades assinaláveis
Tendo presente o processo acabado de expor, talvez seja o mo-
mento de retomar aquelas que são porventura as suas particularidades
mais expressivas. Isto porque nessas particularidades vamos encontrar
desvios à prática internacional dominante e nessa medida devem ser
as- sinaladas.

1. A não vinculação pela assinatura


A primeira particularidade será certamente a de a assinatura nunca
vincular (sendo sempre necessária a prática de pelo menos mais um
acto, a aprovação462), e, de mesmo assim, a regra geral reservar ao
Governo a sua prática (salvo autorização expressa – n.os 3 e 4 Resolução
17/88). O
regime parece ser manifestamente excessivo.

2. A aprovação de acordos em forma simplificada pelo


Parlamento
A segunda particularidade tem a ver com previsão de acordos em
forma simplificada sujeitos à aprovação pela AR. Na prática esta possibi-
lidade cria três níveis de solenidade no procedimento nacional: para
além dos acordos em forma simplificada negociados, assinados e apro-
vados pelo Governo (o que corresponderá à lógica própria desta figura)
e dos tratados solenes que impõem a intervenção parlamentar e do
Chefe de Estado (prática também ela corrente), surge uma modalidade
intermédia, a dos acordos em forma simplificada que exigem a
interven- ção da AR (2ª parte da alínea i) do art. 161.º CRP). Neste caso
desvanece- se a natureza executiva da figura, não se percebendo
verdadeiramente a utilidade do carácter intermédio463 que afinal
apenas se distingue dos tratados solenes na medida em que retira ao PR
a apreciação política464.

462
Tenha-se presente o disposto no art. 8.º/2 CRP, quando se refere às normas
constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas.
463
Um eventual princípio de ponderação pelo parlamento pode ser garantido através de
mecanismos mais simples. Veja-se, por exemplo, o procedimento australiano, no qual as conven-
ções são depositadas no parlamento durante um período anterior à vinculação, a fim de permitir
uma eventual avaliação dos seus méritos. Este procedimento permite manter no executivo a
com- petência de concluir as convenções e não implica atrasos no processo de conclusão na
medida em que o depósito se faz sem necessidade de articular com a agenda parlamentar (cf.
Australia Inter- national Treaty Making Information Kit, cit.).
464
Recorde-se que no procedimento solene, o acto cuja adopção apresenta maiores con-
dicionamentos é a intervenção parlamentar, dadas as dificuldades de agendamento e o tempo
necessário para a apreciação e discussão. Inversamente, a intervenção do PR não oferece tais
dificuldades, uma vez que se trata de um órgão individual.

214
Décima segunda lição: vinculação do Estado português

3. Inexistência de regime para a adesão


O facto de a Constituição não fazer referência à adesão no elenco
dos atos que produzem a vinculação deve-se aparentemente ao facto
de, entre nós, o procedimento seguido para a adesão, repisar daquele
que se aplicaria à conclusão normal. Assim, nesses casos, afastada por
definição a negociação e assinatura, serão praticados os atos subse-
quentes (aprovação pelo Governo ou AR e eventual ratificação pelo PR,
sendo tratado solene). O resultado é, em todo o caso, estranho: en-
quanto na perspetiva internacional a vinculação decorrerá da adesão,
na perspetiva nacional essa vinculação parece ter de resultar sempre da
aprovação ou ratificação465.

4. A extensão da intervenção do Chefe de Estado


Finalmente, saliente-se o âmbito muito alargado da intervenção
obrigatória do PR. Esta incide sobre todas as convenções - o que se pode
justificar face ao paralelo com os atos legislativos.
O cuidado constitucional vai todavia mais longe, retirando existên-
cia jurídica ao acto de aprovação que não seja assinado (art. 137.º CRP).
E volta a retirá-la ao próprio acto do PR (assinatura ou ratificação) na
falta de referenda (art. 140.º/2).
A mesma atitude draconiana repete-se quanto à publicação, sendo
retirada eficácia ao acto na inexistência desta, (art. 119.º/2) - num para-
lelismo cego ao regime legal que não parece necessário. De facto, ao
con- trário das leis, a maioria das convenções se dirigem aos próprios
Estados parte pelo que o desconhecimento do sue conteúdo não é
possível. Por outro lado, face à prática da publicação simultânea do
texto da conven- ção com o acto de aprovação, o seu conhecimento
está garantido antes da intervenção própria intervenção do Chefe de
Estado.

465
A vinculação à CV69 oferece um bom exemplo. Veja-se o decreto do PR 46/2003 que,
segundo os próprios termos, ratifica a convenção aprovada para adesão. Esta prática é estranha
na medida em que, contrariamente ao conceito, prevê que se ratifiquem convenções não assina-
das (ora o termo ratificar significa confirmar algo que anteriormente foi já objeto de decisão).
No caso da CV69 a situação é ainda mais estranha, na medida em que Portugal havia assinado a
dita convenção pelo que se não percebe a utilização da figura da adesão.

215
Rui Miguel Marrana

E. Quadro recapitulativo

216
Décima segunda lição: vinculação do Estado português

Questões de
revisão A. Questões gerais
1. Identifique sumariamente as fases do processo de vinculação do Es-
tado português, referindo os órgãos com competência para a prática dos dife-
rentes atos;
2. Identifique o número de variantes possíveis no processo de
vinculação do Estado português;
3. Refira-se à intervenção do Presidente da República no processo de
vin- culação do Estado português;
4. Assinale as principais particularidades do processo de vinculação do
Estado português.
B. Questões directas
1. Explique a articulação do Ministério dos Negócios Estrangeiros com
os restantes Departamentos governamentais e com as Regiões Autónomas na
fase da negociação das convenções.
2. Refira-se à competência nacional para a assinatura das convenções
in- ternacionais, referindo as particularidades do regime nacional nesse
âmbito.
3. Explique o regime relativo à competência de aprovação das conven-
ções internacionais identificando os atos que a aprovação deve revestir;
4. Explique quais as convenções que têm de seguir o procedimento so-
lene e quais as que podem seguir o procedimento simplificado;
5. Explique o mecanismo de fiscalização preventiva da constitucionali-
dade das regras convencionais;
6. Distinga a ratificação pelo Presidente da República da assinatura por
este dos atos de aprovação;
7. Distinga o acto de assinatura do Presidente da República (da
resolução ou decreto que aprovam convenções) da assinatura das convenções
internacio- nais, competência do governo;
8. Explique como se garante constitucionalmente que um acordo apro-
vado em violação dos termos constitucionais não entre em vigor.

Bibliografia de referência #
Leituras recomendadas
Recursos on line a explorar

217
XIII Lição
Convenções internacionais: validade

A. Objetivo
Nesta lição vamos debruçar-nos sobre os vícios das convenções,
ou seja, vamos conferir o regime da validade deste tipo contratual
especial. É de sublinhar, desde logo, a proximidade com o regime geral
da
validade do negócio jurídico, com o qual o estudante estará familiarizado
de outras disciplinas (podendo, quando muito, variar ligeiramente a ter-
minologia ou a estrutura da abordagem).
Subsiste todavia uma diferença muito substancial: é que, não exis-
tindo um mecanismo judicial com competência permanente para avaliar
dos diferendos relativos à invalidade, as preocupações do regime serão
diversas e a prática, pela mesma razão, acaba por gerar soluções menos
transparentes.

B. Visão geral
A produção de efeitos jurídicos próprios dos tratados depende da
sua validade  já que a invalidade conduz à nulidade (cf. infra).
O regime da validade dos tratados apresenta algumas diferenças
em relação ao regime da teoria geral do negócio jurídico (não só em
razão da natureza especial dos sujeitos mas principalmente – como se
referiu anteriormente - face à ausência de autoridades capazes de impor
as re- gras e garantirem a sua aplicação), sendo objeto de importantes
debates na doutrina e na CDI. De qualquer maneira, a matriz de análise
da vali- dade é a mesma.

C. Condições de validade
A prática convencional internacional mostra que a validade das
convenções decorre do preenchimento das condições exigíveis em todo
o negócio jurídico: capacidade das partes, licitude do objeto e regulari-
dade do consentimento. Alguma doutrina acrescenta ainda a compatibi-

217
Rui Miguel Marrana

lidade com eventuais obrigações convencionais assumidas anterior-


mente (Lavenue, 2013, p. Tit. I). Julgamos todavia preferível que este
as- pecto seja analisado quando nos debruçarmos sobre a aplicação das
con- venções e conflitos de normas até porque uma eventual
incompatibili- dade entre obrigações convencionais só
excepcionalmente gerará um ví- cio.
Vejamos pois, com algum pormenor essas condições.

1. Capacidade dos sujeitos


Esta primeira condição determina então que os sujeitos (as partes)
têm de ter capacidade convencional, ou seja, para além de existirem en-
quanto sujeitos (e de terem assim, personalidade jurídica internacional),
hão-de dispor de capacidade para se vincularem à convenção em causa.
A matéria dos sujeitos de direito internacional será analisada na
ter- ceira parte das lições, para a qual se remete para efeitos de
desenvolvi- mento. Em todo o caso, julgamos justificar-se que aqui
sejam feitas algu- mas referências introdutórias especificamente
relacionadas com a ques- tão em análise.
A questão da capacidade dos sujeitos remete para as partes e já
não para os seus representantes (a eventual incapacidade destes será
avaliá- vel em sede de uma outra condição de validade que veremos a
seguir: a regularidade formal do consentimento – cf. p. 228 ss.).
Há fundamentalmente dois tipos de sujeitos com capacidade para
celebrarem tratados: os Estados e as organizações internacionais.
Moder- namente outros sujeitos vêm também exercendo o jus
tractuum, nome- adamente os movimentos de libertação nacional e os
beligerantes.
No leque dos sujeitos avulta naturalmente o Estado soberano,
único sujeito de direito internacional com capacidade plena. Quer isto
di- zer que em termos gerais, o problema da capacidade das partes não
se colocará sempre que estas sejam Estados soberanos466, já que
nenhum domínio está excluído da sua capacidade de regulamentação.
As dificul- dades467 aparecem no tocante ao regime do reconhecimento
e quanto às
466
Distinga-se o problema da existência e do reconhecimento. Assim, mesmo que não
sejam reconhecidas determinadas entidades estaduais, os atos praticados por elas são aceites e
incontestados desde que as mesmas detenham efectivo poder estadual. É o caso dos acordos
estabelecidos entre a Autoridade Palestiniana e o Estado de Israel, aceites pela generalidade dos
Estados árabes que todavia não reconhecem Israel.
467
As dificuldades podem surgir na aferição da efectiva qualidade soberana. Algumas si-
tuações dessa natureza foram colocadas no quadro das NU. O primeiro caso relevante surgiu
com as Ilhas Cook, cujo carácter soberano foi questionado dadas as relações especiais existentes
com

218
Décima terceira lição: validade das convenções

entidades descentralizadas (Estados federados468 ou similares) que, em


princípio, não dispõem de capacidade internacional, devendo todavia
confirmar-se essa capacidade por referência ao direito interno (constitu-
cional).
Quanto às organizações internacionais, a sua capacidade internaci-
onal não oferece actualmente dúvidas (aliás, a CV86 mais não fez do que
codificar a prática assente neste domínio). Trata-se, todavia, de uma ca-
pacidade derivada (da vontade dos Estados469) e parcial (submetida ao
princípio da especialidade dos fins ou seja, limitada pelos fins que são
concretamente atribuídos à organização internacional nos respectivos
tratados constitutivos470.
No tocante aos movimentos de libertação nacional ou
movimentos nacionais, o reconhecimento da sua capacidade para
concluir tratados é hoje corrente. Envolve todavia uma limitação
especial (funcional) que deve ser expressa nos tratados em que sejam
partes: estes apenas podem celebrar tratados no âmbito da sua função
essencial que consiste em con- duzir o povo à autodeterminação (donde
decorre que, em princípio ape-

a Nova Zelândia, que assumia as responsabilidades externas, incluindo a defesa. Acrescia que a
Resolução 2064 (XX) da AG NU, de 16.12. 1965 reafirmou a responsabilidade em assistir o povo
das Ilhas Cook no eventual acesso à independência. A conjugação destas circunstâncias
apontava para uma situação de não soberania (especificamente de quase soberania, como
veremos adi- ante), pelo que as Ilhas Cook não integrariam o âmbito da cláusula ‘todos os
Estados’, podendo apenas participar nas convenções para que fosse especialmente convidada.
Não obstante, em 1984 as Ilhas Cook solicitaram a adesão à OMS, cuja Assembleia-geral aprovou
o pedido. Subse- quentemente, o Secretário-geral NU aceitou o depósito do instrumento de
vinculação. Situação semelhante ocorreria com as Ilhas Marshall (United Nations, 1999, p. 24
§84 ss.).
468
Sobre a intervenção dos Estados federados americanos na prática convencional norte-
americana V. a carta de 13.01.2000, de Duncan B. Holis, do Departamento de Estado (Cummins
& Stewart, 2000, p. 293 ss.) que explica a ligeira evolução havida a partir do regime
constitucional que afasta completamente os estados federados da prática convencional.
469
A capacidade convencional tem de decorrer dos textos constitutivos das organizações
internacionais e nessa medida, decorre da vontade dos Estados partes. Deve no entanto ter-se
presente nesta matéria que a não participação de organizações internacionais em determinadas
convenções decorre da sua própria natureza (United Nations, 1999, p. 28 §98 ss), ou seja essa
participação não faz sentido, face às limitações e específico enquadramento jurídico destes
sujei- tos (as convenções sobre direitos humanos, em regra não integrarão organizações
internacionais já que as obrigações impostas não se destinam senão a Estados). É frequente que
as convenções regulem expressamente a participação de organizações internacionais (cf.
nomeadamente o n.º 3 do art. 4.º do Convénio Internacional do Café de 1975 quando refere que
naquela convenção, toda a referência a um governo será interpretada como extensiva à
Comunidade Económica Europeia ou a qualquer organização intergovernamental que tenha
competência comparável…).
470
Para determinar o âmbito de actividade de uma organização internacional, é
necessário referir as regras relevantes da organização e desde logo, a sua constituição (cf.
Parecer do TIJ de 8.7.1996, relativo à licitude do uso de armas nucleares num conflito armado

219
Rui Miguel Marrana
(CIJ/ICJ, 1996, p. 74).

220
Décima terceira lição: validade das convenções

nas tem capacidade para celebrar, tratados relativos à luta armada, al-
guns tratados de participação em organizações internacionais e final-
mente471, os tratados de independência, dos quais resulta aliás a sua ex-
tinção).
Finalmente, quanto aos beligerantes, a sua capacidade convencio-
nal, muito embora praticamente reduzida aos acordos que enquadrem a
situação de beligerância (acordos humanitários, acordos de paz, etc.) é
incontornável na medida em que só por essa via se podem construir as
desejáveis resoluções pacíficas dos conflitos em que estejam envolvidos.
Para concluir as referências básicas relativas à primeira condição
de validade das convenções, importa recordar que a falta de capacidade
dos sujeitos não determina a invalidade do acto: este pode subsistir
nomea- damente enquanto contrato, perdendo todavia a qualidade
convencional (cf. supra pp. 132) – sendo, portanto, essa a consequência
imediata e obrigatória da incapacidade das partes472).

2. Licitude do objeto
2.1. Enquadramento da
questão
Vigorando na teoria geral dos contratos o princípio da liberdade
contratual, admitem-se apenas limitações a essa liberdade em razão da
ilicitude do objeto, ou seja, quando o contrato fixe prestações contrárias
à lei vigente. As regras que limitam a liberdade contratual designam-se
normalmente por cláusulas de ordem pública, assim se sublinhando a in-
disponibilidade (excepcional) de determinadas matérias ou direitos.
Em direito internacional a questão da licitude do objeto levantou
desde cedo um problema especial, que consistia em determinar o corpo
de regras por confrontação do qual se pudesse retirar ou avaliar da lici-
tude473. Inicialmente a questão foi vagamente resolvida por referência
aos princípios gerais ou bons costumes internacionais – cf. parecer de

471
A comunidade internacional pode alargar a capacidade convencional dos movimentos
de libertação nacional, reconhecendo a competência destes para participarem em tratados cujo
âmbito extravase deste círculo estreito. Não sendo comum, a situação está todavia prevista e é
pacificamente admitida (United Nations, 1999, p. 29 §100 ss.).
472
A questão da incapacidade dos sujeitos foi invocada por Portugal como causa de nuli-
dade da convenção celebrada entre a Austrália e a Indonésia relativa à exploração petrolífera no
mar de Timor, não sendo todavia objeto de análise pelo TIJ por este considerar que não poderia
avaliar a alegada incapacidade da Indonésia sem o consentimento desta – cf. §28 do ac. de
30.06.1995 (CIJ/ICJ, 1995, p. 102).
473
Esta circunstância permanece, aliás, como uma objecção ao próprio conceito: este
supõe uma ordem jurídica institucionalizada que não existe (Kolb, 2001, p. 34).

221
Rui Miguel Marrana

5.9.1931 do TPJI relativo ao regime aduaneiro germano-austríaco


(CPJI/PCIJ, 1931) e ac. de 12.12.1934, Oscar Chinn (CPJI/PCIJ, 1934), não
tendo sido todavia fácil evidenciar o conteúdo e limite de tais
referências. Mais recentemente – com a CV69  o problema foi
parcialmente ultra- passado com a consagração474 expressa e o
consequente desenvolvi- mento do conceito jus cogens475.
2.2. Definição de jus cogens
O conceito, cuja introdução pela CDI (Virally, 1966, p. 5) não foi
pacífica476, levanta dificuldades a vários níveis, que devem ser analisadas
ab initio.

474
Embora o conceito possa encontrar as suas origens no direito romano (cf. infra n.
484), o termo jus cogens terá sido introduzido por Sir Gerald Fitzmaurice, relator especial, no 8º
relató- rio sobre o direito dos tratados (CDI/ILC, 1958, p. 27), com um desenho ligeiramente
distinto do que veio a ser consagrado (Tladi, 2016, p. 15). Ele surge todavia em decisões arbitrais
do início do século (cf. 19.10.1928 Pablo Nájera (France) v. United Mexican States, §4 Ad 1).
A afirmação da nulidade dos tratados por incompatibilidade de regras de direito interna-
cional foi defendida por Sir Hersh Lauterpacht (Doc. A/CN.4/63 de 1953). Alguma doutrina faz
recuar a origem da ideia à obra de Oppenheim, do sec XIX, quando se referia aos princípios uni-
versalmente reconhecidos que não admitiam violação. Dava já como exemplo a proibição da pi-
rataria ou do comércio de escravos (Hossain, 2005, p. 74). As decisões do TPJI de 1931 e 1934
(Regime aduaneiro germano-austríaco e Oscar Chinn) referidas no texto vieram a forçar a
ponderação da questão pela doutrina. V. a título ilustrativo a referência de Verdross (1938, p.
51) que ainda refere o direito imperativo como juris cogentis.
475
Para uma descrição do surgimento e desenvolvimento do conceito de jus cogens v.
Tladi (2016, p. 9 ss.); tb. Arthur Weisburd (2003, p. 1488 ss.) para uma visão crítica.
476
Aquando da introdução no articulado apenas o Luxemburgo desaprovou a regra, esti-
mando que esta viria a ser fonte de confusão (Tladi, 2016, p. 19; CDI/ILC, 1966, p. 22). A
resistência mais importante surgiria mais tarde. É frequentemente citado o caso francês, cujas
divergências nesta matéria impediram que assinasse, continuam a justificar a não vinculação à
CV69 (Lavenue, 2013, pp. 48, Tit. I) e deram origem a protestos recentes nos debates na CDI
(Tladi, 2017, p. 5 §16 n.16). Também os EUA (que assinaram em 24.04.1970, mas ainda não se
vincularam), depois de numa primeira fase se mostrarem favoráveis ao princípio e sua inserção
na CV (Nations Unies, 1969, p. 320 §16; Tladi, 2016, p. 21) nos trabalhos preparatórios relativos
ao art. 53.º CV69 vieram a juntar um comentário segundo o qual a norma não poderia ser aceite
excepto se fosse obtido um acordo sobre os termos em que seria determinado o carácter
imperativo de uma nova norma. E sustentam que na redacção final, ao consagrar-se a
necessidade do reconhecimento pela comu- nidade internacional dos Estados no seu conjunto,
se garantiu, na prática, o direito de veto das potências, assim afastando as preocupações
americanas (Congressional Research Service, 2001,
p. 55). O desenvolvimento do regime segue, todavia, uma orientação diversa cf. Tladi (2017, p.
18 ss.).
Apesar das resistências – de autores influentes como Schwarzenberger e Verdross
(Virally, 1966, p. 6) – e dificuldades, a matéria foi no entanto progressivamente acolhida na
doutrina internacional vindo a jurisprudência a afirmá-la em definitivo (o ac. do TIJ de
37.06.1985, relativo às actividades militares e paramilitares na Nicarágua, reconhece
expressamente esse aco- lhimento). Também os Estados vêm com cada vez maior frequência
invocando este tipo de nor- mas (Danilenko, 1991).

222
Décima terceira lição: validade das convenções

A primeira dificuldade surgiu em relação à determinação do


âmbito do jus cogens. Georges Scelle procurou determiná-lo
materialmente (por referência às regras internacionais de âmbitos
especiais como o direito à vida, a liberdade de circulação, as garantias
de liberdade colectiva, etc.), mas essa tarefa mostrou-se impossível ou
pelo menos impraticável. Al- fred Verdross (1937) defendeu a referência
ao direito natural, mas tam- bém essa via pacedia da intrínseca
indefinição dos próprios limites.
O regime acolhido na CV69 (art. 53.º) seguiu por isso, outra via,
de- finindo o jus cogens como o conjunto de (a)normas às quais quais ne-
nhuma derrogação é permitida [e que só podem ser modificadas por
uma nova norma de direito internacional geral como a mesma natureza],
(b)
de direito internacional geral, (c)aceites e reconhecidas477 como tal pela
co- munidade internacional478.
A definição constituiu um marco na evolução do jus cogens – cuja
existência deixaria a breve trecho de ser questionada (Tladi, 2016, p. 24
§42). Permaneceram, todavia, em aberto algumas questões que
justifica- ram que a CDI se tenha voltado a debruçar sobre o assunto479.
2.3. Conteúdo
2.3.1. Peremptoriedade, inderrogabilidade, supremacia hierárquica
A definição formal do jus cogens acolhida na CV69 mantém em
aberto a questão do conteúdo do direito imperativo (ou peremptório,
como ultimamente é referido nos trabalhos da CDI480).

477
A aceitação e reconhecimento – que foram objeto de insistência jurisprudência (cf. ac.
TIJ, de 20.07.2012, Obrigação de acusar ou extraditar, §99) - vêm sendo assumidas nos docu-
mentos produzidos pela CDI como impondo uma carácter positivo às regras de jus cogens, afas-
tando-as, assim, da natureza inicialmente referida de direito natural (CDI/ILC, 2014, p. 280).
478
A divisão tripartida da norma aqui introduzida corresponde àquela que em sendo se-
guida no grupo de trabalho da CDI sobre o assunto. Principalmente por se tratar de um trabalho
em evolução, julgamos ser preferível acompanhar essa abordagem, o que nos permitirá acolher
de forma mais célere os desenvolvimentos do mesmo (CDI/ILC, 2014, p. 288; Tladi, 2016, p. 39
ss.). As três divisões assinaladas no conceito correspondem, por isso, aos três pontos analisados
na abordagem do conteúdo.
479
Depois de uma primeira proposta nesse sentido surgida em 1993 e que não teve se-
guimento, a CDI decidiu na sua 66.ª sessão (2014) inscrever o jus cogens no seu programa de
trabalho. A AG registou a decisão, havendo declarações de apoio da parte de 48 Estados e
apenas 3 duvidaram da viabilidade e oportunidade do estudo (cf. A/CN.4/693 de 2016, ponto 6)
– dois dos quais (EUA e França) continuam a não ser parte da CV69.
Na sessão seguinte foi nomeado o Relator especial (Dire Tladi, da África do Sul) tendo
entretanto sido apresentado dois relatórios (2016 e 2017 – Doc.s A/CN.4/693 cit., e A/CN.4/706
de 2017) que mereceram reacções de diversos Estados.
480
Na sua 69.ª sessão, a CDI decidiu alterar a designação do tópico de jus cogens para
normas peremptórias de direito internacional geral (jus cogens).

223
Rui Miguel Marrana

De facto, importa retirar das características formais aquilo que é


definidor do conceito, sem o que não é possível justificar a figura.
Trata-se de um direito cujo grau de imperatividade o distingue das
restantes regras de direito internacional, dito dispositivo.
A utilização da referência à imperatividade é confusa, já que, em
geral, esta é uma característica das normas jurídicas 481. Aquilo de que se
trata é portanto de um particular grau de imperatividade (que conduz à
inderrogabilidade), sendo nesse grau particular que reside a essência do
conceito. Importa por isso deixá-lo claramente identificado.
A identificação dessa particular imperatividade482 permitir-nos-á
em simultâneo perceber o alcance da definição (formal483) avançada
pelo art. 53.º CV69.
A imperatividade especial que caracteriza as normas de jus cogens
é afinal a indisponibilidade das matérias  na senda aliás do conceito da
cláusula de ordem pública484 (Tladi, 2016, p. 46 §70) da teoria geral dos
481
Michel Virally (1966, p. 8 ss.) oferece, neste aspecto, uma explicação assente no
carácter específico do sentido do termo imperativo no direito internacional.
482
Essa imperatividade ou peremptoriedade – e a indisponibilidade dela resultante – a-
dmitem que se considerem as regras de jus cogens como hierarquicamente superiores às demais
regras de direito internacional (Hossain, 2005, p. 73; Tladi, 2017, p. 11 ss. §23 ss.).
483
Aquando da sua afirmação, o jus cogens foi assumido como consagrando o direito na-
tural, ou  o que não é muito diferente  a consciência e os valores morais da humanidade. Na
sua base estava a ideia de que os Estados não podiam ser completamente livres no estabeleci-
mento das suas relações convencionais (Hossain, 2005, p. 73).
Não obstante, Sir Humpphrey Waldock veio a afirmar na conferência de Viena sobre di-
reito dos tratados que a CDI havia baseado a sua abordagem à questão do jus cogens muito mais
no direito positivo do que no direito natural (Danilenko, 1991). Também Weisburd defende que
os termos do art. 53.º CV69 ao imporem a necessidade da aceitação como requisito do conceito
afastará a origem moral das regras remetendo para a vontade dos estados (Weisburd, 2003, p.
1490). A conclusão parece-nos precipitada. A necessidade do reconhecimento generalizado do
carácter imperativo parece pretender obstar aos riscos de generalização de comandos morais
res- tritos a determinadas concepções culturais. A imperatividade geral exigirá afinal que haja
um re- conhecimento também geral do ditame moral contido na norma. Por outro lado, no
tocante à possibilidade de alteração deverá ter-se presente que está expressamente reduzida à
circunstân- cia de isso ocorrer por via outra norma de jus cogens, o que permite – se é que não
impõe – pensar-se que se pretende apenas deixar em aberto a possibilidade de os Estados
alargarem o âmbito do jus cogens (eventualmente de o ajustarem, mas já não de o reduzirem
conforme lhes possa convir).
De qualquer forma, não deixa de dever ser salientado o facto de o jus cogens constituir
um dos poucos pontos de convergência entre as correntes jusnaturalista e positivista (Tladi,
2016, p. 31 ss.).
484
O conceito de cláusula de ordem pública surge no direito romano, sendo referido
como jus publicum. Tratava-se de algo distinto da moderna noção de direito público, porquanto
se re- fere às regras às quais nenhuma derrogação era permitida, mesmo com o acordo das
partes (Tladi, 2016, p. 10 §20), o que nos reconduz àquilo que é comum nas noções de cláusula
de ordem pú- blica e de jus cogens. O próprio conceito de direito natural, de origem grega,
acaba por assumir a

224
Décima terceira lição: validade das convenções

contratos, a que fizemos referência anteriormente. Quando o art. 53.º


lança mão de um critério puramente formal para identificar o jus cogens
(a insusceptibilidade de excepcionar ou derrogar a regra) mais não faz
do que expor esse mesmo princípio: trata-se de regras peremptórias,
indis- poníveis, ou seja, que as partes de uma convenção não podem
afastar nas suas relações mútuas (derrogar), nem modificar485.
A ideia da indisponibilidade486 das regras de jus cogens – que não é
novidade no direito internacional (Tladi, 2017, p. 9 ss.) – e a sua prima-
zia487  justifica-se pelo facto de protegerem interesses da comunidade
internacional no seu conjunto488 e já não apenas interesses das partes

mesma dimensão, ao invocar um direito não escrito, fundamental e imutável que se impõe ao
nível internacional (ibidem §21).
No mesmo sentido v. Michel Virally (1966, p. 7).
485
A expressão jus cogens surge, assim, referida por oposição ao jus dispositivum, sendo
este modificável por acordo das partes (Lavenue, 2013, pp. 46, Tit. I). Trata-se de uma distinção
que pode ser encontrada desde muito cedo nos trabalhos da CDI relativos ao direito dos
tratados (CDI/ILC, 1958, p. 27), que surge na jurisprudência (cf. ac. de 20.02.1969 relativo à
plataforma continental do Mar do Norte, § 72) sendo objeto de insistência na análise recente do
tema (cf. Doc.s A/CN.4/693 de 2016, §65 ss.; A/CN.4/706 de 2017, §4 ss.). Na verdade, a
inderrogabilidade desempenha uma dupla função: demonstra o carácter (particularmente)
imperativo, ao mesmo tempo que é definidora da sua natureza (Tladi, 2016, p. 40 §62).
486
Na sentença arbitral de 31.07.1989, relativa à delimitação da fronteira marítima entre
a Guiné-Bissau e o Senegal, o tribunal afirmou que, do ponto de vista do direito dos tratados, o
jus cogens é simplesmente uma característica própria de certas normas jurídicas de serem
insusce- ptíveis de derrogação por via convencional (United Nations, 1994, p. 135 §41). Este
também o elemento central da sua caracterização para parte da doutrina (Weisburd, 2003, pp.
1488-1489).
A indisponibilidade introduz uma limitação à autonomia da vontade dos Estados, ou seja
à sua liberdade contratual, considerada tradicionalmente como absoluta, porque representa um
dos atributos mais marcantes da soberania. Neste aspecto o ius cogens pode ser considerado
como um atentado à soberania dos Estados (Virally, 1966, p. 10).
487
A perspetiva da imperatividade específica (e do primado) leva alguns autores a inclu-
írem no âmbito do jus cogens algumas regras da CNU, já que esta mesma convenção impõe essa
primazia no art. 103.º (Congressional Research Service, 2001, p. 55 n.57).
488
A doutrina e a jurisprudência são generosas e incisivas ao sublinhar esta ideia, refe-
rindo-se a valores fundamentais de comunidade jurídica internacional que constituem a essência
da civilização, reportando a considerações fundamentais da humanidade (Tladi, 2016, p. 46 §71;
Tladi, 2017, p. 9 ss. §20), ou seja, valores éticos que tornam inaceitável o respectivo afastamento
ou regras cuja não aplicação implicaria um perigo grave para a comunidade internacional
(Virally, 1966, p. 10).
Noutro sentido (que aponta mais ao seu sentido originário), podem considerar-se pré-
condições da actividade internacional, como a regra do pacta sunt servanda, cujo acolhimento
numa convenção seria sempre meramente reafirmativo, da mesma maneira que a sua
derrogação seria absurda (Hossain, 2005, pp. 73-74).
Num outro sentido ainda (corrente nas cláusulas de ordem pública) – actualmente pouco
defendido – as regras de ius cogens poderiam entender-se como assegurando a protecção dos
Estados contra as suas próprias fraquezas ou contra a força excessiva dos seus ventuais
parceiros.

225
Rui Miguel Marrana

(ac. do TIJ de 5.02.1970, Barcelona Traction, 2ª fase), razão essa que jus-
tificará também a nulidade absoluta das convenções cujas normas
violem este tipo de normas (tal como veremos a seguir- infra p. 235 ss.).
2.3.2. Carácter geral ou universal das normas
A ideia de que as normas de jus cogens são necessariamente nor-
mas de direito internacional geral (e que dele derivam 489) vem referida
repetidamente nos trabalhos preparatórios da CV (e é acolhida na
conclusão 4 a), não tendo sido objeto de qualquer resistência ou oposi-
ção (Tladi, 2017, p. 18 §40; Virally, 1966, p. 14).
Deparamos aqui, todavia, com uma nova dificuldade, já que o pró-
prio conceito de direito internacional geral não é claro (CDI/ILC, 2006, p.
187 n. 976). No âmbito do jus cogens a generalidade parece remeter
para a sua aplicabilidade (Tladi, 2017, p. 19 §42), ou seja, as normas de
direito peremptório (por o serem) são de aplicação necessariamente
universal.
Esta característica vai implicar uma outra: é que esse direito
univer- sal está basicamente no costume (o direito convencional, por
implicar apenas obrigações entre as partes – como salientaremos
adiante – tem sempre a natureza de lex specialis). Essa ideia vinha sendo
afirmada na doutrina e assumida em diversas decisões da AGNU e na
jurisprudência490 internacional e interna491 (Tladi, 2017, p. 19 ss. §42 ss.)
e foi acolhida ex- pressamente na conclusão 5/1 e 2.

Noutros termos, trata-se de uma protecção contra as desigualdades no poder de negociação


(Virally, 1966, p. 12).
489
Há, portanto, dois momentos em toda a regra de jus cogens: (1)a sua formação como
regra de direito internacional geral e (2)a elevação à qualidade de jus cogens. Nesse sentido v. ac.
10.10.2014 do Supremo Tribunal Canadiano, Kazemi Estate v. Islamic Republic of Iran no qual se
refere que, se em decisões anteriores apenas se reconheciam indícios de que a proibição da tor-
tura havia atingido o nível peremptório, no caso o tribunal já não tinha quaisquer dúvidas de que
esse nível tivesse sido atingido ([2014] 3 R.C.S. 209). V. tb. ac. 22.05.1992 US Court of Appeals,
Ninth Circuit Siderman de Blake v. Argentina, p. 715. Tb. Linderfalk (2011, p. 371), CDI (2001, p.
90 (5)).
490
No parecer de 22.07.2010 relativo à conformidade com o direito internacional da de-
claração unilateral de independência do Kossovo o TIJ identifica o recurso ilícito à força ou outras
violações graves de normas de direito internacional geral, em particular de natureza imperativa
(jus cogens) (CIJ/ICJ, 2010, p. 437 §81).
491
É de salientar que mesmo os tribunais norte americanos reconhecem o jus cogens
como normas de direito internacional que atingem um estatuto mais elevado sendo
reconhecidas pela comunidade internacional dos estados como normas peremptórias que não
admitem derro- gação (Buell v. Mitchell, 274 F.3d 337 (6th Cir. 1988)). No caso esse
reconhecimento será ainda mais relevante porquanto o tribunal não reconhece que a aplicação
da pena de morte constitua uma violação de regras de jus cogens, por considerar não estarem
verificados os requisitos agora referidos não se trata de regra de direito internacional
consuetudinário (a proibição da aplicação da pena de morte) nem existe na comunidade
internacional dos Estados o reconhecimento dessa qualidade.

226
Décima terceira lição: validade das convenções

Os princípios gerais de direito são também fonte de direito


interna- cional geral e foram referidos em diversos trabalhos iniciais e
pela dou- trina como base essencial do jus cogens. A situação mereceu
todavia re- servas importantes nos trabalhos preparatórios da CV69 até
por um dos seus requisitos ser o seu reconhecimento prévio pelos
diferentes siste- mas jurídicos - o que poderia tornar mais difícil a sua
demonstração (Tladi, 2017, p. 22 ss. §48 ss.) - e por isso, no nº 3 da
conclusão 5 refere apenas que [o]s princípios gerais de direito, no
sentido do artigo 38.º/1 c) do ETIJ, podem também servir de base para
as normas de jus cogens de direito internacional.
Às regras acolhidas em tratados reconhece-se apenas a função de
eventual codificação do direito internacional consuetudinário e, por
isso, [u]ma disposição convencional pode [apenas] reflectir uma norma
de di- reito internacional geral susceptível de adquirir a qualidade de jus
cogens do direito internacional geral (conclusão 5/4).
2.3.3. A aceitação e reconhecimento (opinio juris cogentis)
A maioria das normas de direito internacional geral integram o jus
dispositivum. Não são jus cogens, portanto492.
Para que qualquer norma de direito internacional geral adquira a
qualidade de jus cogens precisa de cumprir os requisitos do art. 53.º
CV69 (Tladi, 2017, pp. 29-30). A aceitação e o reconhecimento (pela
comuni- dade internacional dos Estados) como normas peremptórias é
exacta- mente aquilo que lhes permitirá adquirir essa qualidade (proj.
conculsão 4 b).
Tal como decorre dos trabalhos preparatórios da CV69 não é
neces- sária a aceitação e reconhecimento de todos os Estados (isso
equivaleria à concessão de um direito de veto a qualquer um deles),
bastando a cons- tatação de uma larga maioria (proj conclusão 7/3). A
atitude ou compor- tamento de outros agentes que não os Estados
[pode] ser pertinente para avaliar a aceitação e reconhecimento da
comunidade internacional dos Estados no seu conjunto, [mas] essa
atitude não pode, em si mesma, cons- tituir a aceitação e
reconhecimento da comunidade internacional dos Es- tados no seu
conjunto. As atitudes de outros agentes podem ser pertinen- tes para
contextualizar e avaliar as atitudes dos Estados (conclusão 7/2).

492
É frequente a tentação de fazer equivaler o direito internacional geral com o costume
(apenas) e este com o jus cogens. Ora, como se pretende salientar, o costume é apenas uma
parte do direito internacional geral, e o jus cogens uma parte apenas do direito consuetudinário.

227
Rui Miguel Marrana

Esta parece, de facto ser a posição mais equilibrada e que melhor traduz
a prática e a jurisprudência493 na matéria.
2.4. Âmbito
Subsiste todavia a questão da sua determinação 494, ou seja, saber
como é que esse reconhecimento se processa495. A solução – indirecta –
surge no mecanismo do art. 66.º CV69, através do qual, em situações
con- flito se possibilita aos Estados o recurso unilateral ao TIJ a fim de
que este confirme a natureza imperativa da norma.
O TIJ - que assume portanto um papel central na determinação 496
da matéria - confirmou já a natureza imperativa das seguintes497 regras:

493
A afirmação. Por um lado, do carácter universal (direito internacional geral) da norma,
e por outro, da qualidade peremptória, é muito clara no ac. de 20.07.2012 do TIJ, obrigação de
acusar ou extraditar, quando refere que (CIJ/ILC, 2012, p. 457 §99) a proibição da tortura releva
do direito internacional consuetudinário e adquiriu o carácter de norma imperativa (jus cogens).
494
Algumas questões permaneceram sem resposta, ao longo dos anos, nomeadamente o
saber se se admitem normas de jus cogens regionais, se a objecção de alguns Estados impede a
formação das regras, ou ainda se a sua origem é obrigatoriamente consuetudinária (Lavenue,
2013, p. 47 Tit. I). Os trabalhos que estão a ser desenvolvidos actualmente pela CDI pretendem
dar resposta a estas questões.
Gennady M. Danilenko (1991) insiste no desconforto (aparentemente resultante de uma
postura voluntarista) causado pela falta de uma autoridade capaz de determinar as regras. Sali-
enta ainda este autor os riscos de conflito resultantes da falta de uma definição clara dos proce-
dimentos de declaração ou identificação (questão que está presente na agenda de trabalho da
CDI sobre o jus cogens).
As dificuldades na determinação do âmbito do jus cogens vieram também a ser
referidas, desde cedo, nos próprios trabalhos da CDI (1966, p. 270 (3)), e constituem ainda hoje
o maior foco de divergência (Tladi, 2016, p. 24 §42).
495
Nos trabalhos preparatórios Sir Humphrey Waldock, Relator especial, afirmava que
não dispomos ainda de qualquer critério geralmente aceite que permita reconhecer que uma
regra de direito internacional geral releva do jus cogens. Por outro lado, é inegável que a maioria
das regras de direito internacional geral não são caracterizáveis como não podendo ser
derrogadas conven- cionalmente pelos Estados (CDI/ILC, 1963, p. 54).
496
O papel central do TIJ tem, no entanto, vindo a ser exercido indirectamente, já que
nunca a sua intervenção (directa) foi solicitada ao abrigo do mecanismo previsto no art. 66.º.
Esta circunstância percebe-se melhor se tivermos presente que a maioria da reservas ou
declarações interpretativas apresentadas pelos Estados parte incidem sobre esta disposição (cf.
United Na- tions Treaty Collection > Status of Treaties).
Não obstante é de salientar que após a adopção da CV69 o jus cogens foi expressamente
mencionado 11 vezes, em acórdãos e decisões do TIJ, todos reconhecendo (ou aparentando reco-
nhecer) a existência do jus cogens no direito internacional contemporâneo (Tladi, 2016, p. 26
§46). Foi mencionado expressamente 78 vezes em posições dos membros do TIJ (ibidem 27
§47).
497
A doutrina refere frequentemente outras regras como integrando o acervo de jus co-
gens, como seja a proibição da escravatura e do comércio de escravos, a proibição do apartheid,
ou a proibição da pirataria (Congressional Research Service, 2001, p. 55).
A própria CDI veio a afirmar expressamente a aceitação pacífica do carácter imperativo
(jus cogens) da proibição da agressão, genocídio, escravatura, discriminação racial, crimes contra
a humanidade, tortura e ainda o direito à auto determinação (CDI/ILC, 2001, p. 91). No âmbito

228
Décima terceira lição: validade das convenções

 proibição dos atos de agressão (ac. 27.06.1986, actividades milita-


res e para militares na Nicarágua498), do genocídio (03.02.2006,
actividades armadas no território do Congo499) ou dos atentados
aos direitos fundamentais500 (ac. 5.02.1970, Barcelona Traction,
2ª fase), da tortura501 (ac. 20.07.2012, obrigação de acusar ou ex-
traditar) e bem assim
 inviolabilidade diplomática (dec. 15.12.1979 - Pessoal diplomático e
consular dos EUA em Teerão),
 direito de auto determinação dos povos (ac. 31.07.1989 Determina-
ção da fronteira marítima entre a Guiné-Bissau e o Senegal),
 direitos da pessoa, dos povos e das minorias - Parecer 1/1991
(Commission d'arbitrage de la Conférence Européenne pour la
paix en Yougoslavie, 1992).

3. Regularidade consentimento
3.1. Formal
O problema da regularidade formal do consentimento prende-se
com a questão de saber em que medida o incumprimento das formalida-

dos trabalhos recentemente iniciados sobre a matéria um dos objectivos expressos é o de identi-
ficar conjuntos de normas que adquiriram a qualidade de jus cogens (CDI/ILC, 2014, p. 280).
Também os Estados vêm invocando cada vez com maior frequência o carácter
imperativo (jus cogens) de determinadas normas (CDI/ILC, 2014, pp. 276, n.9; Tladi, 2016, p. 28
ss.), mesmo em situações em que seria do seu interesse recusar ou limitar a sua existência
(Tladi, 2016, p. 29).
498
Curiosamente neste ac. o TIJ reconhece ser a proibição do uso da força um princípio
do direito internacional geral, recorda que a CDI se refere à respectiva regra da CNU como
exemplo de jus cogens e refere que ambas as partes lhe atribuem esse carácter. Todavia, o TIJ
não chega a afirmar explicitamente essa natureza específica (CIJ/ICJ, 1986, pp. 100-101 §190).
499
Também o TPIR declarou expressamente a proibição do genocídio como integrando o
jus cogens (ac. 21.5.1999, Kayishema §88). V. tb. ac. 14.12.2015, Nyiramasuhuko que insiste
existir uma limitação do poder de discricionário do Conselho de Segurança na definição de
crimes contra a humanidade (retomando o afirmado anteriormente pelo TPIY - §296 do ac. de
15.07.1999, Tla- dić).
500
A proibição da escravatura (e a consequente nulidade dos tratados que a
contemplam) foi expressamente afirmada pelo TIADH (ac. de 10.09.1993, Aloeboetoe §57). O
mesmo tribunal declarou expressamente considerar a proibição da discriminação como uma
regra de jus cogens (ac. 28.08.2014 Expelled Dominicans and Haitians v. Dominican Republic
§264), bem como a pro- ibição da tortura (ac. 14.05.2013, Mendoza et. al. v. Argentina, §199)
501
A qualidade de jus cogens da proibição da tortura foi também afirmada pelo TPIY no
ac. 10.12.1988, Furundzija §144, 153 e 154. No mesmo sentido V. ac. de 21.11.2001 do TEDH, Al-
Adsani (Proc. 35763/97) que por sua vez analisa com pormenor o reconhecimento pelos
tribunais britânicos dessa mesma qualidade. V. ainda o ac. de 14.05.2013 do TIADH Mendoza et
al. v. Ar- gentina §199. Tb. o Supremo Tribunal do Canadá reconhece expressamente essa
qualidade no ac. de 10.10.2014 Kazemi Estate v. Islamic Republic of Iran ([2014] 3 R.C.S. 179)

229
Rui Miguel Marrana

des constitucionalmente previstas – dentro do que avulta a eventual in-


competência das autoridades que exprimiram o consentimento na
vincu- lação – afecta a validade de um tratado.
A doutrina debateu largamente a questão e até à CV69 a prática
não se mostrava convergente (revelando alguma tendência no sentido
de admitir que, em geral, as irregularidades formais resultassem numa
inva- lidade). O art. 46.º CV69 consagra um regime compromissório
assente no princípio de que as irregularidades formais não afectam a
validade502. Pa- rece justificar-se a solução: cabendo aos Estados
determinarem interna- mente os termos segundo os quais a respectiva
vinculação ocorre e não havendo mecanismos de controlo internacional,
a solução inversa geraria grande incerteza em relação à estabilidade das
obrigações convencionais. Acresce que, ao contrário da generalidade
dos contratos, as convenções internacionais são elaboradas e
preparadas por profissionais e estão su- jeitas a mecanismos
sistemáticos de verificação em diferentes níveis de- cisórios, o que torna
menos desculpável qualquer irregularidade formal.
O princípio não pode, todavia, ter uma aplicação absoluta. Por
isso, a título excepcional admite-se que as irregularidades formais gerem
uma nulidade (relativa, conforme veremos adiante – pp. 235 ss.), sem o
que quaisquer atos de duvidosa imputabilidade às autoridades nacionais
po- deriam ser considerados como vinculando os Estados.
O regime impõe dois requisitos para que essas irregularidades rele-
vem:
 que a violação tenha sido manifesta - ou seja, que as outras par-
tes tivessem obrigação de conhecer dessa violação 503 (, já que
ela era objectivamente evidente para qualquer Estado colocado
naquela situação e procedendo de boa fé504 (art. 46.º/2), e

502
Refere a norma (art. 46.º CV69) que a circunstância de o consentimento […] ter sido
expresso com violação de um preceito de direito interno […] não pode ser alegada como tendo
viciado o seu consentimento.
503
A doutrina e principalmente a prática americana mostram algum incómodo na cara-
cterização deste requisito (Congressional Research Service, 2001, p. 56), parecendo todavia que
a violação de exigências formais  especificamente o recurso a procedimentos simplificados
quando o direito interno exija a forma solene  configurará, na opinião da administração norte-
americana, uma violação manifesta (ibidem, p. 57). A insistência decorrerá provavelmente do
facto de o di- reito norte-americano considerar os tratados (solenes, com intervenção do
senado) como inter- nacionalmente vinculativos ao passo que os acordos em forma simplificada
serão de mera aplica- ção (cf. nota 356).
504
O TJCE, no ac. de 9.08.1994 (França c. Comissão) muito embora reconhecendo que a
celebração do acordo estabelecido com os EUA havia sido feita em violação de diversas regras
comunitárias relativas à matéria, não afirmou a invalidade do mesmo, uma vez que, a particular

230
Décima terceira lição: validade das convenções

 que diga respeito a uma norma de importância fundamental


art. 46.º/1, 2.ª parte) - aspecto que poderá aferir-se conferindo
di- versas circunstâncias (pelo carácter constitucional ou não,
pela natureza substantiva ou adjectiva, pelo âmbito da regra,
pela sua situação sistemática, etc. 505).
Aquilo que resulta do art. 46.º parece poder resumir-se ao
seguinte: os Estados não podem invocar irregularidades no respectivo
processo de vinculação506 excepto se essas irregularidades reportarem a
regras fun- damentais e pudessem ou devessem507 ser conhecidas508 das
outras par- tes.
O regime em causa é normalmente apelidado de regime das ratifi-
cações imperfeitas. Trata-se de uma designação corrente, mas
imprópria porquanto o que está em causa não são apenas vícios da
ratificação, mas quaisquer vícios que surjam em qualquer fase do
processo de vinculação. A impropriedade da designação resulta
principalmente do facto de poder conduzir à ideia de que não se
aplicaria aos acordos em forma simplifi- cada (já que nestes não existe
ratificação, uma vez que a vinculação de- corre da assinatura ou acto
equivalente) - o que, como vimos, é manifes- tamente incorrecto. O
regime aplica-se a quaisquer irregularidades for- mais no processo de
vinculação das convenções, sejam elas tratados so- lenes ou acordos em
forma simplificada.
A situação prevista no art. 47.º (restrição especial ao poder de ex-
primir o consentimento de um Estado) consiste numa subespécie de
irre- gularidade formal. Aí se prevê aquilo que podemos, em termos
gerais, designar como excesso de mandato por parte do representante
(quando

complexidade do processo torna só por si improvável que se possa considerar manifesta a viola-
ção (Aust, 2004, p. 253).
505
A norma que preveja a intervenção do órgão parlamentar parece dever considerar-se
uma norma de importância fundamental (Congressional Research Service, 2001, p. 56).
506
Tal como resulta dos trabalhos preparatórios da CV69, a mera demonstração da con-
trariedade das regras internas em matéria de competência do representante não é suficiente
para gerar uma nulidade de per se (Congressional Research Service, 2001, p. 57).
507
No mesmo sentido Congressional Research Service (2001, p. 58).
508
Anthony Aust (2004, p. 253) recusa liminarmente a possibilidade de um Estado
invocar uma eventual irregularidade formal depois de a convenção entrar em vigor e de esse
Estado ter dado início ao seu cumprimento. Assim, na opinião deste autor, a suceder tal
invocação, poderia ser oposto a esse Estado o regime do estoppel, ou seja, no caso, a proibição
de venire contra factum proprio. A posição parece-nos todavia excessiva. O nosso entendimento
é no sentido de que o cumprimento de uma convenção, conhecido que seja um eventual vício
da mesma, apenas impede o Estado de invocar esse vício na medida em que o referido
cumprimento configure uma confirmação do mesmo vício, nos termos da al. b) do art. 45º.

231
Rui Miguel Marrana

este tenha restrições especiais509). Determina-se que tal situação apenas


releve quando tenha sido levada ao conhecimento dos outros estados
(insistindo-se portanto no carácter manifesto do vício como condição de
relevância do mesmo).
3.2. Substancial
A regularidade substancial do consentimento depende da inexis-
tência de vícios desse consentimento. O consentimento é regular na me-
dida em que a vontade expressa nesse sentido tenha sido livre e infor-
mada.
Também aqui o paralelo entre o regime geral dos vícios da
vontade nos contratos e os vícios do consentimento dos tratados não
deve ter-se por directo. Embora esse paralelismo tenha sido defendido
pelos volun- taristas, a verdade é que, por um lado, há uma
diferenciação qualitativa entre contratos e tratados e, por outro, a
insuficiência de meios judiciais ao nível internacional que controlem a
situação afecta substancialmente o regime.
Os vícios da vontade vêm tratados sequencialmente nos artigos
48.º a 52.º CV69. Vejamo-los sumariamente.
3.2.1. Erro
O primeiro vício é o erro (art. 48.º). Por erro deve entender-se
uma prefiguração incorrecta da realidade. Esta só releva se incidir sobre
um elemento essencial (a base do negócio) 510 e, nessa medida,
insusceptível de obrigar as partes à luz dos princípios da boa-fé. É nesse
sentido que se compreende o disposto no n.º 2 que impede a invocação
do erro quando o Estado tenha contribuído para este ou se se devesse
ter apercebido dele. No mesmo sentido a jurisprudência tem insistido
em acrescentar que não releva o erro se o Estado estava em posição
capaz de o evitar -

509
Repare-se que a facilidade de comunicações fez evoluir a prática no sentido de dimi-
nuir, na prática, os poderes dos mandatários nas negociações. Assim, tal como se referiu supra
(n. 446) na prática portuguesa atual, em negociações bilaterais, não há usualmente lugar à
emissão de credenciais, sendo apenas no entanto indicadas as composições das delegações.
510
Cf. ac. de 26.03.1925, do TPJI, Mavrommatis, em que um erro relativo à nacionalidade
de um concessionário foi considerado insuficiente para viciar o consentimento. V. tb. ac. de
20.06.1959, do TIJ relativo à soberania sobre determinadas parcelas fronteiriças. Neste último
acórdão diz-se expressamente ser necessário verificar qual era a intenção das partes segundo as
disposições do tratado, à luz das circunstâncias e aferir se as provas demonstram a existência de
um erro susceptível de viciar a convenção (CIJ/ICJ, 1959, p. 225).

232
Décima terceira lição: validade das convenções

ac. de 15.06.1962 do TIJ, Templo de Préah Vihéar511 (CIJ/ICJ, 1962, p. 26).


O erro só releva portanto enquanto for desculpável (cf. decisão de
1.07.1994, do TIJ relativa à delimitação marítima e questões territoriais
entre Qatar e Bahrein (competência e admissibilidade)512  situação a
ca- racterizar em termos estritos, já que não releva por exemplo uma
even- tual inexperiência diplomática (CIJ/ICJ, 1994, p. 20)513.
O erro essencial será em princípio o erro que incide sobre
factos514. Na verdade, sendo a celebração de convenções uma actividade
levada a cabo por profissionais no âmbito de procedimentos que
garantem uma ponderação adequada, será difícil a invocação de um
erro desculpável (Lavenue, 2013, p. 43 ss. Tit. I; Aust, 2004, p. 254). Não
obstante, o TIJ não afasta expressamente a eventual relevância do erro
de direito515.
O n.º 3 do art. 48.º distingue ainda o erro da gralha (ou, em
termos gerais, de erros de redacção), a qual naturalmente não afecta a
validade, devendo ser objeto de correcção nos termos do art. 79.º516.

511
No âmbito da mesma questão, esta instância havia referido em 26.05.1961, (decisão
relativa a excepções preliminares) que a principal importância jurídica do erro, quando existe, é
de poder afectar a realidade do consentimento dado (CIJ/ICJ, 1961, p. 30).
512
Neste aresto o TIJ recusou a argumentação do Ministro deste Estado quando preten-
deu que a assinatura das minutas do acordo não visavam vincular o Estado, até porque segundo
a Constituição deste, a vinculação a convenções em matéria territorial apenas podia ocorrer por
força de um acto legislativo. Assim, a assinatura de um texto do qual constavam obrigações
espe- cíficas aceites por ambos os governos (parte das quais imediatamente exigíveis), não
autoriza que mais tarde se venha a invocar uma simples intenção de subscrever um mero acordo
político, dis- tinto de uma convecção internacional (CIJ/ICJ, 1994, pp. 121-122 § 26-27).
513
Ac. de 3.02.1994, do TIJ, relativo ao diferendo territorial entre a Líbia e o Chad.
514
O erro de facto é muito frequente em matéria de delimitação de fronteiras (Lavenue,
2013, pp. 44, Tit. I)
515
No ac. de 5.04.1933, relativo à Groenlândia oriental, o TPJI não aceitou a invocação da
Noruega que não atribuía efeitos vinculativos a uma declaração oficial do seu ministro - garan-
tindo à Dinamarca que o seu país não contrariaria as pretensões deste país (CPJI/PCIJ, 1933, p.
69).
Na decisão das excepções preliminares (26.05.1961) no caso do Templo de Préah Viehar
o TIJ classifica o erro invocado pela Tailândia como erro de direito, mas, sem contrariar expressa-
mente a sua relevância, declara logo de seguida ser seu entendimento não haver erro (CIJ/ICJ,
1961, p. 30).
516
É da responsabilidade do depositário a iniciativa do procedimento de correcção, de-
vendo verificar-se cautelosamente se a correcção integra as categorias de situações tipificadas
(erro de impressão, de escrita, de pontuação ou numeração – gralha, em termos gerais 
descon- formidade entre o texto assinado e os registos da conferência diplomáticas em que a
convenção foi adoptada, ou ainda a desconformidade entre diferentes textos originais), ou se
altera a subs- tância das regras em causa. O processo de correcção implica a consulta das partes
estando actu- almente estudados mecanismos de concertação (United Nations, 1999, p. 12 ss.
§48 ss.).

233
Rui Miguel Marrana

3.2.2. Dolo
O dolo (art. 49.º) corresponde a uma conduta fraudulenta (de um
Estado que tenha participado na negociação), conduta essa que terá de
ter conduzido um Estado a vincular-se. Surgem portanto aqui duas limi-
tações a reter: não releva o dolo praticado por Estado que não tenha
par- ticipado na negociação e não releva também a conduta fraudulenta
que tenha conduzido à abstenção517.
A situação é hoje em dia praticamente desconhecida, tendo
apenas sido invocada no princípio do século passado por tribos africanas
em re- lação a tratados celebrados com Estados europeus518.
3.2.3. Corrupção
O terceiro vício da vontade tipificado na CV69 é a corrupção (art.
50.º), que corresponde a uma subespécie de dolo (já que, para todos os
efeitos se trata de uma conduta fraudulenta que conduz à vinculação519).
A única referência especial que o regime merece é a relativa à distinção
entre corrupção e meras cortesias ou favores mínimos. É que estes,
sendo correntes na prática internacional, não deverão considerar-se
como for- mas de corrupção. A distinção, apesar de tudo, pode mostrar-
se difícil, sendo todavia certo que a corrupção pressupõe uma afectação
grave da vontade do representante. Não deve, portanto, assumir-se que
toda a conduta que possa ser considerada eticamente (ou até
legalmente) re- provável, conduz obrigatoriamente à nulidade; esta
apenas surge em si- tuações de afectação grave (sem prejuízo da
eventual relevância jurídica do comportamento a outro título que não já
para efeitos de invalidade da convenção).
Deve ter-se também aqui presente que só releva a corrupção le-
vada a cabo directa ou indirectamente por um Estado que tenha partici-
pado na negociação e também aqui, se conduziu à vinculação, sendo
esta que é afectada pelo vício.

517
Esta limitação bem se compreende na medida em que o vício apenas afecta a vincula-
ção do Estado (e não a convenção como um todo, excepto na medida em que essa vinculação
fosse essencial, p. ex. tratando-se de um acordo bilateral), donde, não se tendo verificado esta,
não existe propriamente vício da vontade (já que a não vinculação não pode considerar-se como
uma declaração de vontade negativa, uma vez que não se produzem efeitos jurídicos).
518
Jean Jacques Lavenue (2013, p. 42 Tit I) refere também que no julgamento de Nurem-
berga, no final da segunda guerra, terá sido invocada a nulidade dos Acordos de Munique de
1938, a qual decorreria do facto de o Estado nacional-socialista ter a intenção de os não cumprir.
519
Jean Jacques Lavenue (2013, p. 43 Tit I) refere ter esta disposição sido introduzida tar-
diamente nos trabalhos da CDI visando garantir a distinção entre a corrupção (prática que atra-
vessa toda a história diplomática) e o dolo.

234
Décima terceira lição: validade das convenções

3.2.4. Coacção do representante


Segue-se a situação inversa da corrupção: a coacção sobre o
repre- sentante (art. 51.º). Esta é uma situação registada em diversas
ocasiões ao longo da História: Francisco I foi forçado por Carlos V a
ceder a Borgo- nha em 1526; os Japoneses ocupando Seul, obrigaram à
assinatura do protectorado em 1905; em 1939 os alemães forçaram o
chefe de Estado e o Ministro dos Estrangeiros checos à assinatura do
tratado que criava o protectorado da Boémia e da Morávia, etc. (Nguyen
Quoc, Daillier, & Pellet, 1999, p. 196; Lavenue, 2013, p. 41 Tit. I).
A coacção sobre o representante envolve qualquer tipo de
violência (directa ou indirecta) ou chantagem.
3.2.5. Coacção do Estado
Finalmente, a coacção sobre o Estado (art. 52.º), vício relativa-
mente recente, já que ao longo da História sempre foi considerada lí-
cita520. Só com a proibição do uso da força521 (art. 2º/4522 CNU) a coacção
(ilícita523) pode considerar-se como viciando a vontade, gerando uma nu-
lidade. A referência que o art. 52.º CV69 faz à CNU é por isso enquadra-
dora desta perspetiva nascida no pós-guerra.
Apenas releva para o efeito a ameaça ou uso da força (física).

520
O ac. de 16.01.1923 do TPJI sobre o vapor Wimbledon impôs à Alemanha o cumpri-
mento uma convenção – o Tratado de Versalhes de 1919, que acolheu a capitulação germânica 
cuja conclusão se fez reconhecidamente sob coacção (e que justificaria aliás, reacções políticas
posteriores, nomeadamente a teoria germânica do diktat através da qual se justificava o não
cum- primento de determinadas obrigações). Não obstante, o Tratado de Tóquio de 9.05.1941,
imposto à França (governo de Vichy) no início da segunda guerra, pelo exército da Tailândia
apoiado pelo Japão e que forçou a cedência de importantes parcelas territoriais, veio a ser
declarado nulo, por uso ilícito da força, no acordo obtido no pós guerra com os bons ofícios
britânicos e americanos (Lavenue, 2013, p. 41 Tit. I).
521
O Pacto das Nações de 1919 introduzia já limitações ao uso da força, tipificando algu-
mas situações de uso ilícito e introduzindo moratórias que deveriam criar condições para que
esse uso pudesse ser evitado. Anteriormente à CNU regista-se ainda uma outra convenção que
proibia o uso da força: o Pacto Briand-Kellog, de 1928.
522
A questão da proibição do recurso à força vem sendo objeto de estudos separados
(desde 1959) no âmbito dos sucessivos suplementos ao Repertório da Prática dos Órgãos das
Na- ções Unidas, publicações disponíveis na página do Office of Legal Affairs do site das NU.
523
Apenas a coacção ilícita gera nulidade. Isto porque a CNU continua a admitir situações
excepcionais nas quais o recurso à força é lícito (nomeadamente a legítima defesa individual e
colectiva), pelo que as convenções obtidas nestas circunstâncias não estão feridas de nulidade.
Anthony Aust refere nomeadamente o acordo obtido em Port-au-Prince em 18.09.1994, relativo
à devolução do poder ao presidente Jean-Bertrand Aristide, o qual foi celebrado sob ameaçadas
forças americanas. De qualquer maneira, o regime atual parece condenar definitivamente os tra-
dicionais tratados de paz (Aust, 2004, pp. 256-257). Para uma descrição oficial da situação
Haitiana
v. Cummins & Stewart (1999, p. 1882 ss.).

235
Rui Miguel Marrana

Discute-se actualmente na doutrina a relevância da coacção polí-


tico-económica524 – que foi aliás objeto de uma declaração de condena-
ção pela AGNU e de uma resolução da Conferência das NU sobre direito
dos Tratados. Havendo consenso sobre o facto de esta apenas poder ser
invocada por países em vias de desenvolvimento, mostra-se todavia
difícil estabelecer o limite a partir do qual as pressões são ilícitas 525, já
que não parece desejável retirar aos Estados (que não dispõem de
mecanismos judiciais eficazes) a possibilidade exercerem alguma
pressão quando ve- jam os seus interesses ameaçados ou afectados.
A distinção entre a coacção sobre o Estado e a coacção sobre o re-
presentante deve fazer-se, não em razão do eventual destinatário da
ameaça ou agressão (que poderá ser em ambos os casos um represen-
tante do Estado) mas antes em razão da dos interesses ameaçados (do
representante ou do Estado).

D. Regime das nulidades


1. Nulidades absolutas e relativas - enquadramento
Verificada a existência de vícios da vontade, distinguem-se na
teoria geral do negócio jurídico dois tipos de nulidades, como efeitos
desses ví- cios: são as nulidades absolutas e as nulidades relativas
(utilizando-se, por vezes, os termos nulidade e anulabilidade).
A distinção assenta, em geral, no seguinte: as nulidades absolutas
afectam o interesse geral e a ordem pública, são invocáveis por
qualquer interessado e são insusceptíveis de confirmação ou prescrição.
Diversa- mente, as nulidades relativas violam regras que protegem o
interesse dos particulares, são invocáveis apenas pelo beneficiário da
protecção e po- dem ser confirmadas, estando sujeitas à prescrição.
Esta distinção assenta fundamentalmente, como bem se pode o-
bservar, na determinação da natureza dos interesses protegidos: as re-

524
De fora ficaram as convenções com carácter leonino (ou seja, nos termos da teoria
dos contratos, aqueles acordos em que a desigualdade das partes conduz a um claro
desequilíbrio das prestações). A desigualdade permanente entre os Estados justifica que não se
deva ponderar tal circunstância, sob pena de se introduzir um elemento de grande perturbação
na estabilidade con- vencional (Aust, 2004, p. 257).
525
Aquando da adesão à CV69, a Síria declarou que entendia a referência à força do art.
52.º como incluindo a coacção económica e política, o que mereceu uma rejeição de muitas
partes (Aust, 2004, p. 102).

236
Décima terceira lição: validade das convenções

gras que determinam os vícios geradores de nulidades absolutas são in-


vocáveis por qualquer interessado, por serem gerais os interesses prote-
gidos (sendo também essa generalidade que impede a confirmação e a
prescrição). Paralelamente nos vícios que geram nulidades relativas,
sendo os interesses protegidos particulares ou individuais, apenas vão
poder invocar esse vício aqueles cujo interesse foi afectado - ao mesmo
tempo que podem confirmá-lo (devendo fazê-lo num prazo razoável,
sob pena de instabilização dos regimes jurídicos).
Essa distinção (clássica do direito civil) era tradicionalmente recu-
sada no direito internacional, considerando-se todas as nulidades como
relativas. Na verdade, não se reconhecendo princípios de ordem pública
internacional (só muito recentemente é aceite pacificamente a
existência de interesses da comunidade internacional no seu conjunto,
distintos dos Estados que a compõem), a afirmação de nulidades
absolutas parecia afectar gratuitamente o princípio da efectividade.

2. Regime da CV69
Invertendo a perspetiva original, a CV69 acolheu no seu regime a
distinção entre nulidades relativas e absolutas, considerando implicita-
mente como nulidades absolutas a coacção (quer do representante quer
do Estado  art. 51.º e 52.º) e ainda a incompatibilidade com um norma
de jus cogens (art. 53.º). Nos casos dos artigos 52.º e 53.º aparece
mesmo
evidenciada a defesa de uma ordem pública internacional, justificando a
afirmação expressa da nulidade. No que toca à coacção sobre o
represen- tante determina-se um regime equivalente: o tratado é
desprovido de qualquer efeito jurídico (a qualificação desta situação
como constituindo uma nulidade relativa ou absoluta foi muito debatida
nos trabalhos pre- paratórios da CV69). A contrariedade com as regras
de jus cogens se não estivesse contemplada a figura da nulidade
absoluta resultaria forçosa- mente deste mesmo conceito de direito
imperativo: trata-se de regras que apelam directamente à comunidade
internacional no seu conjunto como entidade capaz de reconhecer essa
imperatividade reforçada, a qual assenta numa noção de ordem pública.
Definidas que estão as diferentes naturezas dos diversos vícios –
gerando portanto nulidades relativas (os vícios previstos nos art. 46º a
50º CV69) e absolutas, (os previstos nos art. 51.º a 53.º)  vejamos com
maior pormenor os diferentes regimes.
O aspecto mais marcante (e evidente) da distinção entre os
diferen- tes tipos de nulidade é o da possibilidade de sanação do vício:
no art. 45.º

237
Rui Miguel Marrana

restringe-se essa possibilidade às situações previstas nos artigos 46.º a


50.º (irregularidades formais, erro, dolo e corrupção), as quais constitui-
rão por isso, nulidades relativas.
Mas essa mesma distinção pode detectar-se noutros aspectos. As-
sim, no tocante à invocabilidade, a leitura atenta de cada um dos
diversos normativos permite concluir pela verificação do regime atrás
exposto: as nulidades relativas apenas são invocáveis pelos Estados cujo
interesse foi afectado (cf. a redacção dos artigos 46.º a 50.º) e em
relação a esse mesmo consentimento, enquanto as regras referentes às
nulidades abso- lutas (art. 51.º a 53.º), declaram essa nulidade ipso iure
(sem possibili- dade de confirmação, portanto), donde, constatável por
qualquer inte- ressado em relação a todo o tratado. O regime pode ser
visto noutra pers- pectiva: as nulidades relativas afectam apenas o
consentimento – e, por isso, a sua invocação visa invalidar esse
consentimento (não afectando necessariamente a convenção como um
todo). Diversamente, as nulida- des absolutas, quando invocadas, visam
a anulação do tratado in toto (Congressional Research Service, 2001, pp.
53-54).
Deve ainda referir-se no âmbito da distinção dos regimes das nuli-
dades, o disposto no art. 44.º, relativo à divisibilidade das convenções,
que  no sentido aliás do regime do art. 45.º  admite a expurgação dos
vícios por divisibilidade no caso das nulidades relativas (ou seja, pela eli-
minação das regras viciadas), mas afirma a indivisibilidade absoluta no
tocante às nulidade absolutas (art. 44.º/5).

E. Procedimento de anulação
A falta de um mecanismo judicial com competência geral para in-
tervir em situações de conflito relativamente aos compromissos conven-
cionais assumidos pelos Estados, fez recear que os Estados cedessem à
tentação de aproveitarem abusivamente o carácter unilateral da
declara- ção de nulidade. Na verdade, o importante esforço de
codificação da CV69 podia bem perder-se se não se criassem formas de
controlar a in- vocação de nulidades pelos Estados, pois nesse caso, as
causas de nuli- dade tipificadas tenderiam a tornar-se meros pretextos
sempre que al- gum pretendesse desobrigar-se dos compromissos
assumidos. A situação ideal seria a de a CV69 impor no seu dispositivo a
competência do TIJ para apreciar os litígios decorrentes da sua
aplicação. A experiência mostrava contudo que a previsão desse tipo de
solução tornaria ainda mais difícil conseguir a vinculação de um
importante volume de Estados à conven-

238
Décima terceira lição: validade das convenções

ção. Entre estas duas situações limite, veio a consagrar-se um regime in-
termédio que, muito embora não garantindo uma apreciação judicial
dos litígios, cria condições que, na prática, impedem, ou pelo menos
limitam, a invocação abusiva de nulidades.
Sumariamente o mecanismo consagrado na CV69 consiste no se-
guinte:
I. Declaração de nulidade (art. 65.º) – o procedimento inicia-
se com uma declaração de nulidade (que apenas pode ser feita
pelos Estados cujo consentimento foi viciado, no caso das nulidades
relati- vas e por qualquer interessado nas situações nulidades
absolutas), que tem de ser feita a todas a partes, por escrito (art.
67.º/1), e de- verá conceder um prazo não inferior a três meses
para que estas se possam pronunciar, também por escrito (art.
65.º/2).
II. Decorrido este prazo, se não houver objecções à invocada
nulidade, poderá ser posto termo ao tratado. Caso contrário – sur-
gindo portanto, alguma objecção de algum dos outros Estados parte
– dever-se-á procurar uma solução por meios pacíficos (art. 65.º/3),
ou seja por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitra-
gem, via judicial, recurso a organizações ou acordos regionais, ou
qualquer outro meio pacífico (art. 33.º CNU).
III. Não surgindo solução no prazo de um ano a contar da o-
bjecção, segue-se:
1. tratando-se de um diferendo relativo a regras de jus co-
gens, ou as partes submetem por acordo a questão a uma
instância de arbitragem ou qualquer das partes pode unila-
teralmente submeter a questão ao TIJ (66.º/1) que se pro-
nunciará;
2. nos restantes casos, dar-se-á início ao procedimento de
conciliação previsto no Anexo à CV69, o qual consiste no
se- guinte
i. qualquer das partes dirige o pedido ao SG das NU, o
qual submete o pedido à apreciação de uma comissão de
conciliação composta por dois conciliadores nomeados
por cada uma das partes (podendo apenas um deles ser
da nacionalidade destas), a partir da lista de juristas
qualifica- dos previamente enviada para o efeito ao
secretariado ge- ral. Os quatro conciliadores cooptarão o
quinto;
ii. a comissão de conciliação estabelece o seu processo
podendo convidar as partes a submeterem-lhe os seus

239
Rui Miguel Marrana

pontos de vista, podendo chamá-las à atenção para qual-


quer medida susceptível de facilitar a solução, etc.
iii.decorrido um ano, a comissão deverá apresentar um
relatório não vinculativo para as partes, do qual resultem
recomendações com vista a facilitar uma solução negoci-
ada do diferendo.
O procedimento evidencia limitações importantes: os prazos são
relativamente longos (a comissão de conciliação inicia os seus trabalhos
no mínimo um ano e três meses depois da invocação oficial da causa de
nulidade, prevendo-se que os seus trabalhos consumam mais um ano
ainda) e o resultado nem sequer é obrigatório (por definição, as conclu-
sões das comissões de conciliação não o são, o que aliás, distingue os
me- canismos políticos  negociação diplomática, bons ofícios, mediação
con- ciliação e inquérito , dos judiciais  arbitragem e tribunais
internacio- nais). De qualquer forma, a verdade é que se os Estados se
mantiverem envolvidos num mecanismo deste tipo durante um tão
longo período de tempo, torna-se evidente a disponibilidade para
encontrarem soluções negociadas para os seus litígios, sendo previsível
que acolham as reco- mendações da comissão de conciliação (ou, pelo
menos, as admitam com base de uma negociação final).

F. Efeitos da nulidade
Na nossa análise do regime da validade das convenções
internacio- nais, começamos por ver as condições de validade,
debruçando-nos em seguida no regime das nulidades (que decorrem
dos vícios, ou seja, da não verificação dessas condições), vendo depois
os termos a seguir quando sejam invocadas essas nulidades.
Vejamos agora os efeitos da nulidade, ou seja, as consequências
de- correntes da verificação das nulidades. Vamos então analisar três
tipos de efeitos: a (1)cessação da vigência (se a convenção é nula, deixa
de pro- duzir efeitos a partir do momento em que essa nulidade é
detectada), a (2)retroactividade (se a nulidade ocorre necessariamente
até à vinculação, isso significa que deverão ‘desfazer-se’ eventuais
efeitos produzidos) e a (3)indivisibilidade (em geral a nulidade, afectará
todo o tratado).
Vejamos então separadamente os efeitos referidos.

240
Décima terceira lição: validade das convenções

1. Cessação da vigência
O n.º 1 do art. 69.º CV69 afirma que as disposições de um tratado
nulo não têm força jurídica. De facto, sendo nulas, não produzem
efeitos. Assim sendo, constatada a nulidade, se a convenção estava em
vigor, essa vigência cessa imediatamente.
A doutrina debate ainda uma questão relevante nesta matéria: sa-
ber que a cessação da vigência das convenções por força da invocação
de uma nulidade ocorre (a)aquando dessa invocação, se apenas (b)quando
se esgotarem as tentativas de obter um acordo ou resolução por
interven- ção de terceiros, ou ainda se (c)exclusivamente com uma
decisão indepen- dente (Conforti & Labella, 1990). A resposta não é
fácil, nem parece ser possível optar, pura e simplesmente, por uma das
hipóteses apontadas. Julgamos que aquela que seja a pretensão do
Estado que invoque a nuli- dade deve ser comunicada com o
desencadeamento do procedimento de anulação, passando a constituir
uma das questões a negociar ou a ser o- bjecto de avaliação pelo
mecanismo de resolução a seguir.
Convém todavia recordar que só as nulidades absolutas implicam
de per se a nulidade da convenção (por vezes referida como nulidade
ge- ral), ao passo que as nulidades relativas apenas afectam o
consentimento do Estado em vincular-se, o qual deixará de produzir
efeitos não impe- dindo necessariamente a convenção de continuar em
vigor (por isso se refere tratar-se de uma nulidade em relação às partes,
apenas).

2. Retroatividade
2.1. O princípio
O facto de não se reconhecer força jurídica às disposições de um
tratado declarado nulo implica ainda que a declaração de nulidade
retro- age os seus efeitos ao momento em que se produziu o vício. É a
ideia anteriormente referida: se eventualmente se produziram efeitos
(se a convenção entrou em vigor e foi cumprida), tais efeitos são
indevidos, pelo que deverá em regra restabelecer-se a situação que
existiria não fosse essa vigência imprópria.

2.2. Âmbitos de retroactividade


O princípio da retroactividade tem âmbitos diferentes conforme o
tipo de nulidades em causa:

241
Rui Miguel Marrana

- nos casos de nulidades relativas, estas afectam, em princípio,


ape- nas o consentimento de um Estado, pelo que aquilo que deve
ser anu- lado retroactivamente, são os efeitos resultantes da
participação inde- vida deste;
- no tocante às nulidades absolutas, a nulidade é geral, pelo que
qualquer efeito resultante da convenção é indevido, devendo por-
tanto repor-se a situação que existiria se a mesma não tivesse sido
aplicada.
2.3. Excepções
O regime da retroactividade é todavia suavizado pelo disposto no
n.º 2 do mesmo art. 69.º, que limita as situações em que pode ser
pedido que se restabeleça tanto quanto possível a situação que teria
existido se os atos não tivessem sido praticados. Assim, se a nulidade foi
provocada pela actuação voluntária da outra parte (como é o caso do
dolo, corru- pção e coacção  art. 49.º a 52.º), é retirada a esta, a
possibilidade de solicitar tal restabelecimento (art. 69.º/3). Desta forma
se obsta a que alguém possa obter vantagem do seu acto ilícito (e que a
parte lesada o seja prejudicada duplamente: por força do vício causado
e pela obrigação de restabelecer a situação anterior, se isso lhe é
inconveniente).
Outra excepção do regime da retroactividade refere-se aos atos
praticados de boa-fé que não são afectados pela invalidade (art. 69.º/2
b).

3. Indivisibilidade
Verificando-se a existência de uma causa de nulidade, esta afecta
– em princípio – todo o tratado (art. 44.º/2). O princípio geral é,
portanto, o da indivisibilidade.
A indivisibilidade é absoluta no que toca às nulidades absolutas
(44.º/5) 526.
Também neste caso subsistem dois regimes excepcionais (que se
dirigem apenas às nulidades relativas):
 a divisibilidade obrigatória (art. 44.º/3): se o vício afecta apenas
determinadas cláusulas as quais sejam separáveis do tratado

526
Anthony Aust (2004, p. 256) entende que, numa convenção multilateral, a coacção gera
apenas a nulidade da vinculação do Estado coagido, não afectando portanto toda a convenção.
Na prática, mais do uma excepção ao princípio da indivisibilidade (que se refere às disposições
do tratado) nas situações de nulidade absoluta, teríamos aqui uma requalificação da coacção
como nulidade relativa.

242
Décima terceira lição: validade das convenções

no tocante à sua resolução, e bem assim não se trate de cláu-


sulas essenciais nem for injusto continuar a executar a parte
subsistente do tratado, nesta situação dever-se-á solicitar a
di- visão, expurgando-se apenas as cláusulas viciadas;
 a divisibilidade facultativa (art. 44.º/4): tratando-se de dolo ou
corrupção (art. 49.º e 50.º) o Estado cujo consentimento foi
afectado pode optar entre invocar essa nulidade em relação a
todo o tratado ou apenas em relação às cláusulas afectadas;
Repare-se que o regime da divisibilidade obrigatória tem uma apli-
cação muito limitada. Ela dirige-se apenas às situações de nulidade
relativa (uma vez que nas nulidades absolutas, a indivisibilidade é
absoluta, tal como se referiu), e dentro destas têm de retirar-se os casos
de dolo e corrupção (porque aí a divisibilidade é facultativa), pelo que
sobra, na realidade, apenas o erro (art. 48.º)  já que os casos de irregu-
laridade formal do consentimento (art. 46.º e 47.º) dificilmente poderão
dirigir-se apenas a uma parte do tratado e, portanto, justificar a
divisibili- dade.

Questões de revisão
A. Questões gerais
1. Identifique e explique sumariamente as condições de validade das
con- venções internacionais;
2. Diga o que entende por jus cogens referindo-se à formação deste con-
ceito no plano internacional;
3. Explique em que termos a irregularidade formal do consentimento
pode afectar a validade desse consentimento;
4. Distinga nulidades absolutas de nulidades relativas, identificando o
res- pectivo regime;
5. Explique os efeitos da nulidade das convenções internacionais;
6. Refira-se ao processo de anulação das convenções internacionais;

B. Questões directas
1. Distinga personalidade de capacidade jurídica e refira as
consequências da incapacidade dos sujeitos de direito internacional;
2. Explique como se determina a natureza imperativa de uma regra de
jus cogens;
3. Explique o sentido preciso das irregularidades formais do consenti-
mento no âmbito das convenções internacionais;
4. Diga o que entende por erro e explique em que termos este afecta a
validade das convenções;
5. Distinga a corrupção do dolo;

243
Rui Miguel Marrana

6. Distinga a coacção do Estado da coacção sobre o representante, refe-


rindo a diferença de regimes que as figuras tiveram ao longo da História.
7. Explique que tipo de coacção é relevante para efeitos do art. 52.º da
Convenção de Viena, referindo-se especificamente ao regime da coacção polí-
tica e económica.
8. Distinga os vícios que dão origem a nulidades relativas e absolutas e fun-
damente essa distinção;
9. Refira-se às excepções ao princípio da retroactividade das nulidades;
10. Refira-se às excepções ao princípio da indivisibilidade das nulidades.

Bibliografia de referência

Leituras recomendadas
KOLB, R. 2001. Théorie du ius cogens international : Essai de relecture du
concept. Genève : Graduate Institute Publications. doi
:10.4000/books.iheid.4834
TLADI, Dire. 2016 – Premier rapport sur le jus cogens, présenté par le
Rapporteur spécial - Doc A/CN.4/693
# conferir outras referências a recomendar

Recursos on line a explorer


Pierre D’Argent - Universidade Católica de Louvain – 4 aulas (em inglês)
sobre a validade dos tratados:
[The Validity of treaties: introduction - 7:07]:
https://www.youtube.com/watch?v=JCNM5N2OPcc
[The Validity of treaties: defect of consent - 8:04]:
https://www.youtube.com/watch?v=6AjLnPHI41Q
[The Validity of treaties: defect of consent (genuine and informed
consent) [7:15]: https://www.youtube.com/watch?v=c0nLD7lRv-4
[The validity of treaties: jus cogens - 9:58]:
https://www.youtube.com/watch?v=MTqiuPaogL4

244
Décima terceira lição: validade das convenções

245
XIV Lição
Convenções internacionais: aplicação

A. Objetivo
Analisámos na lição anterior o regime relativo aos eventuais vícios
das convenções e suas consequências (ou seja, as situações em que as
irregularidades na sua formação afectam a vinculação de alguma das
par- tes ou o valor da convenção no seu todo). Identificados os vícios
tivemos depois de os classificar, de conferir os termos em que devem
ser invoca- dos e, finalmente que consequências decorrem desses
mesmos vícios.
Nesta lição, ultrapassados os vícios, vamos conferir os regimes re-
lativos à (normal) aplicação das convenções.
Na segunda parte da matéria (p. 41 ss.) analisamos já o problema
genérico da articulação do direito internacional com o direito interno –
o que constitui a primeira questão que se colocaria nesta fase. Tendo
sido tratada em termos gerais (de todas as fontes) e não havendo
especificidades no tocante às convenções internacionais, damos o
assunto por tratado e avançamos para as questões específicas.
Começaremos por analisar o regime relativo à execução (interna e
internacional) das convenções, para depois conferirmos em que situa-
ções é que extraordinariamente podem produzir efeitos para terceiros e
finalmente analisarmos os termos em que são tratados eventuais confli-
tos de normas convencionais.

B. Regime
1. Execução na ordem interna
A execução das convenções na ordem interna compete a toda e
qualquer autoridade pública527, iniciando-se com uma introdução na or-

527
Sobre as dificuldades na aplicação judicial nos EUA, v. Wu (2005). Estas dificuldades
resultam em grande parte de uma prática seguida em diversos países (tb. em França, p. ex.) se-
gundo a qual a divisão de poderes impõe aos tribunais a consulta do executivo para efeitos de

245
Rui Miguel Marrana

dem interna, ou seja, pelo preenchimento das condições de aplicabili-


dade existentes nessa ordem interna. Trata-se assim, de uma obrigação
de resultado que decorre do princípio da boa-fé.
O processo tradicional de início da execução na ordem interna
con- siste na prática de um ou mais atos especialmente destinados a
efectuar essa introdução  como seja, p. ex. a promulgação ou um acto
equiva- lente528  embora ocorra actualmente cada vez mais a chamada
introdu- ção automática (sempre que essa introdução da convenção na
ordem in- terna decorra do acto que produziu a vinculação 529 
assinatura, ratifica- ção, ou outro). No âmbito comunitário surgiu uma
terceira solução, na qual que dispensa mesmo a prática de qualquer
acto: o regime da aplica- bilidade directa (segundo este regime, a
introdução decorre do próprio acto internacional – cf. p. 63 ss. e n. 115).
Além da introdução na ordem interna, a execução dos tratados su-
põe também a adopção de medidas internas de execução. Essa situação
apenas é evitada nos tratados chamados self-executing ou seja, aquelas
convenções cujo regime é suficientemente preciso e completo para dis-
pensar a intervenção regulamentar em termos de execução. Esta
situação é todavia rara, quer por razões de natureza prática (na medida
em que se mostra muito difícil garantir esse nível de desenvolvimento e
precisão do articulado), quer ainda por razões de natureza política (os
próprios Esta- dos não estão dispostos a ceder da prerrogativa de
condicionar a aplica- ção através dessa intervenção regulamentar530).
A doutrina vem defendendo que deve reconhecer-se em princípio
o efeito directo às disposições das convenções que criam direitos a
parti- culares (sem o que se lhes estaria a retirar o seu efeito principal).

interpretação das convenções, sob pena de afectação de poderes que são exclusivos deste (a
con- dução das relações internacionais). A doutrina americana qualifica esta prática como de
deferên- cia ao ramo executivo (Ku & Yoo, 2006, p. 180)
528
Esta exigência pode consubstanciar ou confundir-se com posições dualistas, tal como
referimos na nota 109. Essa confusão parece poder detectar-se em alguma doutrina. Veja-se p.
exemplo em Benoît-Rohmer & Klebes (2005, p. 142).
529
Este regime está constitucionalmente consagrado em países europeus como a
Bélgica, a França, Luxemburgo, Portugal ou a Croácia (Benoît-Rohmer & Klebes, 2005, pp. 142-
143).
530
Não obstante, mesmo em situações cuja prática denota importantes reticências –
como é o caso americano – a doutrina vem insistindo em que a aplicação das convenções deve
fazer-se em paralelo com a aplicação dos diplomas legais (Galbraith, 2017).

246
Décima quarta lição: aplicação das convenções

2. Execução na ordem internacional


2.1. Boa-fé
A obrigação de execução das convenções pelas partes na ordem
in- ternacional decorre do princípio pacta sunt servanda, estando
intima- mente ligado ao princípio da boa-fé (PCA/CPA, 1910) 531, tal como
refere expressamente o art. 26.º CV69.
Execução de boa-fé532 significa sem fraude à lei (e em especial ao
seu conteúdo material533), com fidelidade e lealdade aos compromissos
assumidos534 (sem privar a convenção do seu objeto ou fim, conforme
refere o art. 18.º CV69). Esse dever de lealdade (por execução de boa-
fé) está particularmente bem especificado no art. 4.º/3 TUE, quando
impõe aos Estados-membros não apenas (1)a adopção das medidas
necessárias à sua execução, mas também (2)a obrigação de facilitarem o
cumprimento dos objectivos e bem assim, (3)a obrigação de se absterem
das medidas que dificultem ou ponham em perigo essa realização.
2.2. Técnicas cautelares
O maior ou menor grau de ambiguidade das regras convencionais
assume um papel determinante na boa execução das convenções, já
que dele depende a evidência dos contornos das obrigações e
consequente- mente do seu cumprimento de boa-fé. A redacção das
normas constitui, por isso, um momento merecedor de cautelas
especiais, sendo de realçar fundamentalmente535 as seguintes técnicas:

531
Ac. TPA 7.09.1910, Direitos de pesca na costa norte do Atlântico.
532
A Comissão Internacional da Caça à Baleia declarou na sua resolução 2001-1 que a
boa- fé implica correcção (fairness), razoabilidade, integridade e honestidade no
comportamento in- ternacional (IWC, 2002, p. 61).
533
Para uma análise aprofundada do nível de cumprimento das obrigações
convencionais em matéria de direitos humanos, V. Hathaway (2002) ou Goodman & Jinks
(2003).
534
No âmbito da execução devem distinguir-se três realidades (Frischmann, 2003, p.
693): a implementação (que se prende com as medidas internas tendentes a permitir a
produção dos efeitos jurídicos pretendidos), o cumprimento (que deriva do nível de adequação
entre o compor- tamento do Estado e as obrigações jurídicas decorrentes das convenções) e a
eficácia (que se refere ao grau de realização dos objectivos convencionais). Esta chamada de
atenção não diverge substancialmente da nossa análise, na medida em que a implementação se
refere à execução in- terna, o cumprimento à execução internacional e a eficácia com uma
conferência a posteriori que, do ponto de vista jurídico, serve essencialmente para conferir a
qualidade dos mecanismos de controlo e/ou garantia.
535
Para uma análise aprofundada das técnicas de elaboração convencional tendo em
vista a sua boa execução v. Guzman (2005).

247
Rui Miguel Marrana

• preferência pela fixação de obrigações de resultado (em alterna-


tiva à fixação de obrigações de comportamento), uma vez que
da maior precisão das obrigações resulta que se tornem mais
fa- cilmente aferíveis os contornos do seu cumprimento;
• preferência pela fixação de cláusulas derrogatórias (em alterna-
tiva às cláusulas de salvaguarda). As convenções consagram fre-
quentemente regimes excepcionais de suspensão das obriga-
ções, os quais podem ser mais ou menos susceptíveis de
invoca- ções ou utilizações abusivas. Assim, se esses regimes
excepcio- nais assentam em cláusulas de salvaguarda, o abuso é
facilitado, uma vez que são invocáveis unilateralmente (como
justificativo da suspensão da execução). Por isso se preferem as
cláusulas derrogatórias, segundo as quais a suspensão da
execução exige o acordo das partes, regime esse
evidentemente menos susce- ptível a utilizações abusivas, por
isso garantindo uma melhor execução dos tratados.
2.3. Não retroactividade
O princípio da não retroactividade das convenções internacionais
está consagrado expressamente no art. 28.º CV69. Trata-se de uma
regra geral de aplicação no tempo das normas jurídicas, que no caso das
con- venções se justifica por duas ordens de razões: por segurança
jurídica (em termos gerais) e ainda de forma a evitar atrasos na
aplicação (que decor- riam da necessidade de maior ponderação na
vinculação se tais efeitos pudessem admitir-se).
Não se trata todavia, de uma regra com carácter absoluto,
podendo ser afastada nos termos da própria convenção, através de
cláusulas explí- citas (veja-se nomeadamente o art. 28.º quando refere
expressamente a possibilidade de ter sido estabelecido outro regime) ou
implícitas - se, nos termos da mesma norma, resultar da própria
convenção536.
2.4. Aplicação territorial
Nos termos do art. 29.º CV69 – norma esta que retoma aliás a prá-
tica ente os Estados e a posição unânime da jurisprudência e da doutrina
– a aplicação estende-se, em regra, à totalidade do território das partes.
Também neste caso a regra não é absoluta, podendo ser contrari-
ada pelo tratado (explícita ou implicitamente). A maioria das situações
536
Na decisão de 1.07.1952, relativa às excepções preliminares no caso Ambatielos
(Grécia vs. Reino Unido), o TIJ analisa uma situação desta natureza - efeitos retroactivos
implícitos relati- vos à competência de apreciação (CIJ/ICJ, 1952, pp. 40-41).

248
Décima quarta lição: aplicação das convenções

especiais surge porque existem por vezes territórios que beneficiam de


regimes jurídicos distintos, segundo o direito interno dos Estados. As
mais comuns são:
 a cláusula federal - nos termos da qual se excluem os estados
federados da obrigação de execução de um tratado (concluído
por um estado federal), salvaguardando-se as respectivas com-
petências, uma vez que não existe hierarquia entre estes níveis
pelo que - em determinadas matérias, pelo menos - ao estado
federal não compete impor obrigações537;
 a cláusula colonial - que exclui do âmbito de aplicação, os terri-
tórios de colónias ou províncias ultramarinas. Esta cláusula pre-
sume-se, ou seja, salvo demonstração de que seja outra a von-
tade das partes, os tratados aplicam-se apenas538 naquilo que
normalmente se designa por território metropolitano dos Esta-
dos539. A diminuição considerável540 de territórios sujeitos a este
tipo de regime tornou este tipo de mecanismos mais raros
(United Nations, 2003, p. 79).
 zonas em relação às quais os Estados não exercem plena sobe-
rania (Zona Económica Exclusiva e Plataforma Continental):
sub- siste um debate sobre a aplicabilidade, parecendo dever
presu- mir-se a não aplicabilidade, salvo quando seja outra a
vontade das partes.

537
A cláusula federal não é tecnicamente uma cláusula territorial (uma vez que sobre o
território dos estados federados vigora também a lei federal).
538
A mera existência de territórios sujeitos a enquadramentos constitucionais diversos
frequentemente torna difícil  se não mesmo impossível  a aplicação das convenções nos mes-
mos termos em que ocorre relativamente ao território metropolitano. O problema pode
também surgir em relação a territórios não soberanos (United Nations, 1999, p. 80 §263).
539
Exactamente por se presumir a cláusula colonial, as convenções incluíam regras que
previam expressamente a possibilidade de os Estados declararem alargar a vigência a territórios
ultramarinos ou em relação aos quais exerciam competências externas. V. p. ex. o art. 12.º da
Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, de 1948, ou o art. 40.º da Con-
venção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 1951. Não obstante, em algumas convenções
usa- se a técnica inversa, afirmando-se a aplicação a todos os territórios administrados pelas
partes e autorizando estas a excluir aplicação por via de declarações nesse sentido. V. p. ex. o
art. 12.º da Convention on the Recovery Abroad of Maintenance, de 1956, ou o art. 104.º da
Carta de Havana de 1948.
540
Cf. Resolução 1514 (XV) AGNU, de 1960, que adoptou uma Declaração relativa ao
acesso à Independência dos países e dos povos. Em 30 de Abril de 1992, mais de 60 territórios
habitados por mais de 80 milhões de pessoas haviam acedido à independência e aderido às NU
enquanto Estados soberanos.

249
Rui Miguel Marrana

Refira-se todavia que, apesar dos termos expressos do art. 29.º


CV69 (que referem que a menos que o contrário resulte do tratado ou
tenha sido estabelecido por outro modo, a aplicação de um tratado es-
tende-se à totalidade do território de cada uma das partes), na prática,
surgem por vezes declarações dessa natureza, as quais têm sido
tratadas como constituindo reservas, aplicando-se-lhes mutatis mutandi
esse re- gime (United Nations, 1999, p. 83 §275)541.
2.5. Causas de não execução ou incumprimento das
convenções
A não execução das convenções por desconformidade com o
direito interno só excepcionalmente pode justificar-se. De facto, toda a
inexecu- ção viola o princípio do pacta sunt servanda, e por isso, apenas
quando verificados os requisitos do art. 46.º CV69 (a importância
fundamental da norma violada e o carácter manifesto da violação) a que
fizemos referên- cia supra (pp. 228 ss.), essa inexecução se pode admitir.
A regra geral per- manece portanto a da irrelevância da
desconformidade com o direito in- terno, tal como refere
expressamente o art. 27.º da mesma convenção.
Admite-se ainda a exclusão da ilicitude na não execução das con-
venções, ou seja, o incumprimento deixará (excepcionalmente) de ser
ilí- cito, quer em razão do comportamento das outras partes, quer ainda
por força de elementos exteriores. Na verdade, as partes de uma
convenção podem, desde logo, consentir nesse incumprimento, ou
ainda darem ori- gem a situações de ameaça ou agressão que
justifiquem essa não execu- ção por legítima defesa, pela adopção de
contra-medidas. Admite-se ainda a não execução em razão de
elementos exteriores (independentes do comportamento das partes,
portanto), nomeadamente em casos de força maior, acção directa ou
estado de necessidade.
2.6. Garantias
A execução das convenções internacionais está garantida pelos
me- canismos gerais (entre os quais avulta o regime da responsabilidade
in- ternacional e a susceptibilidade de adopção de contra-medidas), e
even- tualmente ainda por outros mecanismos, como sejam os
mecanismos

541
Quatro Estados têm adoptado práticas consistentes nesta matéria: o Reino Unido  o
qual refere expressamente a eventual aplicação fora do território europeu), a Holanda (que dis-
tingue o ‘Reino na Europa’ das Antilhas holandesas e Aruba), a Nova Zelândia (que define de
forma casuística a aplicação a alguns territórios) e a Dinamarca (que frequentemente exclui a
aplicação nas Ilhas Faroé e na Groenlândia). Também a China vem desenvolvendo uma prática
semelhante em relação a Hong Kong e Macau (United Nations, 2003, p. 82/83).
250
Décima quarta lição: aplicação das convenções

permanentes de controlo a funcionarem no seio de organizações


interna- cionais, e bem assim os mecanismos especiais de garantia. Será
funda- mentalmente o caso do gage – que consiste numa afectação
específica ou mecanismo de reciprocidade especial –, incluindo ainda
eventuais ga- rantias de potências e as garantias de instituições ad
hoc542, criadas para efeitos de monitorização e controlo543 da execução.
A estipulação expressa de mecanismos de regulação pacífica dos
conflitos que surjam na interpretação e aplicação das convenções
consti- tui quiçá a solução que melhores garantias oferece da boa
execução das mesmas544.

3. Efeitos em relação a terceiros


3.1. Relatividade
A noção de terceiro vem expressa na alínea h) do n.º 1 do art. 2.º
CV69, identificando como tal, o Estado545 que não é parte no tratado.
Sendo que parte é todo o Estado que consentiu em estar vinculado pelo
tratado e para o qual o tratado se encontra em vigor (art. 2.º/1 g). Esta
distinção beneficiando da sua simplicidade, não contempla, todavia, e
di- ficulta o tratamento de situações intermédias que mereceriam
acolhi- mento conceptual (maxime a dos Estados que patrocinam
determinados acordos, ou dos Estados-membros de organizações
internacionais no to- cante aos tratados celebrados por estas).
O princípio geral em matéria de efeitos das convenções em
relação a terceiros é o da relatividade, ou seja, o de que uma convenção
apenas produz efeitos relativos (e não absolutos ou gerais), o mesmo é
dizer que os efeitos se esgotam dentro da esfera jurídica das partes, ou
ainda, na redacção do art. 34.º CV69, que não cria nem direitos nem
obrigações para um terceiro estado sem o consentimento deste.
Também aqui se nota um paralelismo com as regras do negócio ju-
rídico (em especial com a distinção tradicional entre os direitos de
crédito

542
V. p. ex. o mecanismo de monitorização do Protocolo de Quioto de 1997.
543
V. p. ex. o mecanismo de troca de informações do Protocolo de Montreal sobre as
Subs- tâncias que Empobrecem a Camada de Ozono de 1987.
544
Nesse sentido v. ponto I.9 da Declaração de Manila sobre a Resolução Pacífica de
Con- flitos (Resolução da AGNU 37/10 de 1982), que expressamente recomenda aos Estados que
con- siderem a introdução desse tipo de cláusulas nas convenções.
545
A norma refere Estado apenas porque o objeto da CV69 são os tratados entre
Estados. Assim, abstraindo dessa limitação, poder-se-á estender a noção aos sujeitos que não
sejam parte.

251
Rui Miguel Marrana

- com efeitos relativos - e os direitos reais - com efeitos absolutos), que


todavia deve ser levado com algum cuidado.
O princípio tem sido acolhido pela prática dos Estados e pela juris-
prudência (ac de 25.05.1926, do TPJI, relativo aos Interesses alemães na
Alta Silésia polaca) desde o início do sec. XX, pelo que a redacção do re-
ferido art. 34.º não faz mais do que codificar essa tendência pacífica, de-
corrente da velha máxima pacta terciis nec nocent nec prosunt.
3.2. Excepções
São correntemente admitidas excepções ao princípio da relativi-
dade das convenções, excepções essas que decorrem, desde logo, do
consentimento dos terceiros, mas podem também surgir fora desse con-
sentimento.
3.2.1. Com o consentimento dos terceiros
O consentimento dos terceiros na produção de efeitos vem regu-
lado nos art.os 35.º e 36.º CV69, regulando-se de forma separada o tipo
de efeitos: direitos (36.º) e obrigações (35.º). A separação ocorre porque
o regime é mais exigente no caso de os efeitos a produzir em relação
aos terceiros serem obrigações, impondo-se a aceitação expressa de tais
obri- gações. Tratando-se da criação de direitos, essa aceitação
presume-se, uma vez que se trata de uma vantagem.
Relativamente e ambas as situações devem produzir-se algumas
considerações extra. Assim, no tocante à criação de obrigações parece
dever salientar-se que tecnicamente a produção de efeitos para
terceiros não decorre da convenção mas antes do acordo colateral –
necessaria- mente expresso, como se viu  que autoriza essa produção.
Quanto à criação de direitos para terceiros deve referir-se uma té-
cnica específica muito difundida, designada por cláusula da nação mais
favorecida546 que se dirige a convenções internacionais de natureza co-
mercial. Nos termos desta, um Estado que conceda esse regime a um
ou- tro Estado, tem de alargar automaticamente a este eventuais
vantagens que conceda convencionalmente a outros estados, se o
regime com aquele não for, mesmo assim, mais favorável. Trata-se da
primeira cláu- sula do Acordo do GATT (de 1947), e constitui o regime
que os países ACP547 concedem à UE em troca da quase total abertura
do mercado eu- ropeu aos seus produtos, nos termos da Convenção de
Cotonou de 2000
546
Para uma análise actualizada do funcionamento da cláusula da nação mais favorecida,
V. Horn & Mavroidis (2001); tb. Ghosh, Perroni, & Whalley (1999).
547
Cf. Acordo de Georgetown de 1975

252
Décima quarta lição: aplicação das convenções

(cujo quadro se iniciou com as convenções de Yaoundé, de 1963 e 1969 e


depois de Lomé, de 1975, 1979, 1984 e 1989).
3.2.2. Sem o consentimento dos terceiros
Fora do consentimento dos terceiros deparamos com um conjunto
de situações em que as convenções produzem efeitos para terceiros
por- que o seu regime excepcionalmente extravasou a relatividade para
se tor- nar oponível a todos os sujeitos (produzindo assim efeitos erga
omnes).
A principal excepção ao princípio da relatividade resulta do surgi-
mento de um costume. Assim, o art. 38.º CV69 estipula expressamente
que nada se opõe a que uma norma enunciada num tratado se torne
obri- gatória em relação a terceiros Estados, como norma
consuetudinária de direito internacional, reconhecida como tal548.
Para além disso, a prática internacional regista ainda as seguintes
situações em que excepcionalmente549 se admite que as convenções
pos- sam produzir efeitos para terceiros sem o consentimento destes:
 por criação de situações objectivas. Estas situações foram muito
co- muns no século passado, consistindo nomeadamente na
obriga- ção de terceiros estados respeitarem zonas
neutralizadas ou desmilitarizadas550 ou ainda direitos especiais
de navegação551, quando essas situações decorriam de
tratados552);
 por criação de entidades cuja existência é oponível a terceiros
(con- siste numa variante específica da anterior, referindo-se
nomea- damente aos Estados que tendo surgido a partir de
tratados - maxime nos casos de acordos de descolonização -
constituem

548
Um exemplo marcante é o das regras relativas ao direito da guerra (nomeadamente
as Convenções da Haia de 1899 e 1907) que o Tribunal de Nuremberga considerou tratar-se de
cos- tume (Aust, 2004, pp. 210-2011).
549
A CDI, aquando da discussão da matéria entendeu ser desnecessário incluir
disposições específicas para as situações erga omnes, por as integrar no regime do art. 38.º
(Aust, 2004, p. 209).
550
É o caso de Svalbad (zona desmilitarizada pelo tratado de 1920) e do espaço extra a-
tmosférico. Subsistem até aos nossos dias diversas zonas desmilitarizadas (DMZ): Ilhas gregas de
Chios, Icaria e Mytilene (Tratado de Lausanne de 1923), Ilhas Aland (Convenção de Aland de
1921), Antártica (Tratado de 1959), fronteiras de Ceuta e Melilla (de facto), fronteira Servo-
kossovar (Acordo de Kumanovo de 1999), linha de fronteira das Coreias (Armistício de 1953),
fronteira Ira- que-Kuwait (Resolução 689 CSNU de 1991), península do Sinai (Tratado de Paz
Egipto-Israel de 1979), Chipre (Resolução 186 CSNU de 1964).
551
É o caso do Canal do Suez e da passagem nos estreitos do Mar Negro e de Magalhães.
552
O caso mais recente será o do Tratado do Antártico de 1959 que estabelece um
regime para a área a sul dos 60o de latitude.
253
Rui Miguel Marrana

factos que se impõem objectivamente à comunidade internaci-


onal) e ainda
 por emanação de normas com vocação universal (os tratados nor-
mativos podem ver as suas normas imporem-se, total ou parci-
almente, a Estados que não todavia parte, como acontece
desde logo no tocante à CNU em relação aos países que não
são mem- bros).

4. Conflitos de normas
Na aplicação das convenções surge com frequência o problema dos
conflitos de normas, ou seja, na sua aplicação é detectada uma
incompa- tibilidade com outras normas potencialmente aplicáveis à
mesma situa-
ção.
Em termos gerais, os conflitos de normas podem solucionar-se
atra- vés de métodos objectivos (as chamadas regras de conflitos, que
existem em todas as ordens jurídicas, ainda que por referência
subsidiária aos princípios gerais de direito) ou subjectivos (não
questionando a validade dos atos, mas tão só, determinando a
prioridade relativa).
O problema do conflito tem no entanto de analisar-se distinta-
mente, conforme se trate de conflitos entre normas internacionais e
nor- mas de direito interno, ou exclusivamente entre normas
internacionais.
4.1. Conflito entre normas de direito internacional e normas
de direito interno
Esta questão foi já previamente analisada na primeira parte da
ma- téria, no tocante à hierarquia do direito internacional e direito
interno, para a qual se remete (p. 61 ss.).
Recorda-se no entanto, aquela que é a ideia geral: fundamental-
mente por força do princípio do pacta sunt servanda reconhece-se a pri-
mazia geral das regras internacionais sobre as regras internas. Há uma
convergência das correntes doutrinais (mesmo para as correntes doutri-
nais próximas do voluntarismo) e jurisprudenciais no sentido de aceitar
que os estados têm obrigação de conformar o seu direito interno em
ter- mos de não prejudicarem o cumprimento das suas obrigações
internaci- onais, princípio aliás expresso no art. 27.º CV69 e do qual
resulta essa primazia (ainda que relativizada pelas consequências de um
eventual in- cumprimento dessa obrigação: a mera aplicação do regime
da responsa- bilidade internacional Conflito entre normas convencionais
sucessivas).

254
Décima quarta lição: aplicação das convenções

4.2. Conflito entre normas convencionais sucessivas


A resolução dos conflitos entre normas convencionais sucessivas
deve fazer-se primariamente através de eventuais disposições convenci-
onais expressas. Na verdade, as próprias convenções podem prever, nas
cláusulas finais, regras que visem solucionar eventuais conflitos, sendo
que essa prática se tem difundido face ao aumento do número e
comple- xidade das convenções (United Nations, 2003, p. 86). É o caso
das decla- rações de compatibilidade (art. 30º/2 CV69), nos termos das
quais, um tratado deve ser interpretado e aplicado de acordo (em
termos compatí- veis) com uma outra convenção, de onde decorre que
esta prevalece so- bre aquele, em caso de conflito553. As convenções
podem também incluir mecanismos preventivos, ou seja, disposições
que pretendem antecipar (evitando) o conflito ou incompatibilidade,
consistindo as mais das vezes na sujeição a mecanismos (judiciais ou
outros) de controlo prévio, ou ainda na obrigação de troca de
informações, de consultas prévias à ado- pção de determinadas
decisões, etc..
Na ausência ou insuficiência de disposições expressas destinadas a
regular os conflitos, estão consagrados na CV69 alguns mecanismos sub-
sidiários.
Assim, face a convenções sucessivas com identidade das partes,
prevalecerá nos termos do art. 30.º/3, o tratado posterior, por se pre-
sumir que a vontade das partes era a de alterar o regime anterior
incom- patível (lex posterior derrogat priori). Atente-se todavia que essa
regra apenas se aplica desde que as convenções sucessivas incidam
sobre a mesma matéria (caso contrário não há sucessividade) e com o
mesmo grau de generalidade (já que no caso de uma convenção ser
especial em relação à outra, deverá prevalecer sobre aquela por
aplicação do adágio specialia generalibus derrogant, a menos que outra
solução resulte do texto ou espírito da convenção).
No que toca às convenções sucessivas sem identidade das partes,
o princípio geral a aplicar é o da relatividade (ou do efeito relativo), que
vem expresso na alínea a) do art. 30.º/4, aplicando-se os tratados às
partes envolvidas, admitindo-se todavia em caso de conflito, a preva-

553
Cf. p. ex art. 42.º/2 §2 do TUE (que impõe a compatibilidade com a NATO). Existem
também declarações de compatibilidade gerais (que expressamente determinam a não
afectação de obrigações convencionais anteriores). V. nomeadamente o art. 30.º da United
Nations Conven- tion on the Assignment of Receivables in International Trade, de 2001, ou o art.
90.º da United Nations Convention on Contracts for the International Sale of Goods, de 1980.

255
Rui Miguel Marrana

lência da primeira convenção por aplicação do princípio pacta sunt ser-


vanda, na medida em que não podem as partes prejudicar
compromissos anteriores por força de novos compromissos (Cf. parecer
do TPIJ de 5.09.1931, relativo ao regime aduaneiro entre a Alemanha e a
Áustria). Em todo o caso, o incumprimento necessário de um Estado que
seja parte em dois tratados por incompatibilidade destes, permite às
outras partes accionarem os mecanismos previstos no n.º 5 do art. 30.º:
modificação do tratado (art. 41.º), excepção do incumprimento (art.
60.º - exceptio non adimpleti contractus) e responsabilidade
internacional.
Finalmente, admite-se ainda, em situações excepcionais, a
primazia absoluta de regras convencionais. De facto, tal como pudemos
referir atrás, existem determinadas regras que, pela sua natureza,
prevalecem ou se impõem. É o caso das regras de jus cogens (cuja
imperatividade é essencial, aliás) que, figurando em qualquer
convenção, prevalecem em todas as situações (art. 53.º). É ainda o caso
das convenções criando situ- ações objectivas, de entre as quais avulta o
disposto no art. 103.º CNU, que faz prevalecer qualquer situação
decorrente da dita convenção, (si- tuação aliás também prevista na
primeira parte do n.º 1 do art. 30.º CV69).

Questões de revisão
A. Questões gerais
1. Identifique as principais excepções ao princípio da relatividade das
con- venções internacionais;
2. Qual o regime supletivo da CV69 para o conflito de regras convencio-
nais sucessivas?
B. Questões directas
1. Refira-se às exigências típicas das ordens internas dos Estados para o
início de execução das convenções internacionais;
2. Diga o que entende por boa-fé na execução das convenções internaci-
onais;
3. Identifique as técnicas convencionais destinadas a facilitar o controlo
da execução das convenções internacionais;
4. Justifique a não retroactividade da aplicação das convenções internaci-
onais;
5. Explique qual o regime de aplicação territorial das convenções
interna- cionais;
6. Identifique as causas de não execução das convenções internacionais;
7. Refira-se às garantias de execução das convenções internacionais;
8. Diga o que entende por relatividade dos efeitos das convenções inter-
nacionais;

256
Décima quarta lição: aplicação das convenções

9. Explique a importância e o funcionamento da cláusula da nação mais


favorecida;
10. Diga o que entende por situações objectivas;
11. O que é um conflito de normas?
12. Em termos gerais, quais os métodos que conhece para resolução de
um conflito de normas?
13. Como se resolve um conflito entre normas internacionais e internas?
14. O que são tratados sucessivos?
15. Como se podem evitar por antecipação, eventuais conflitos de regras
convencionais?

Bibliografia de referência #
Leituras recomendadas
Recursos on line a explorar
Pierre D’Argent - Universidade Católica de Louvain – 4 aulas (em inglês)
sobre a aplicação das convenções:
[The binding character of treaties - 8:05]:
https://www.youtube.com/watch?v=pNJJEvo_HUU
[Conflicting Obligations I - 9:10]:
https://www.youtube.com/watch?v=h6xkDC5wvgE
[Conflicting obligations II - 6:50]:
https://www.youtube.com/watch?v=8TfR9xVHhj0
[Performing international obligations - 9:51]:
https://www.youtube.com/watch?v=fqX6qdp9olc

257
XV Lição
Convenções internacionais: suspensão e
cessação da vigência

A. Objetivo
Nesta lição analisaremos as circunstâncias (e os termos) em que a
aplicação das convenções internacionais é suspensa ou chega ao fim.
Na prática o âmbito dos regimes da suspensão e cessação da
vigên- cia sobrepõe-se, já que aquela surge como um versão
desagravada desta, e devendo, portanto, preferir-se (se a alternativa
existir).
Tanto a suspensão como a cessação podem estar previstas (expli-
cita o implicitamente) ou surgirem a título incidental. Estes circunstanci-
alismos colocam diferentes exigências: havendo previsão trata-se
apenas de conferir a correcta aplicação do regime, ao passo que na
situação in- versa mostra-se necessário determinar em que
circunstâncias se admite e quais as consequências.
Começaremos por distinguir em abstracto as causas de cessação (e
suspensão) da vigência das causas de nulidade apenas por uma questão
metodológica e pedagógica.

B. Nulidade e cessação da vigência


Comecemos então por tentar deixar clara a distinção entre causas
de nulidade e causas de cessação de vigência.
Recordemos que as causas de nulidade ocorrem necessariamente
até ao momento da vinculação, já que se trata  em todos os casos
(inca- pacidade dos sujeitos, ilicitude do objeto ou irregularidades dos
consen- timento) de situações que viciam ab initio a convenção. E é
exactamente por isso que um dos efeitos da nulidade é a retroactividade
(cf. p. 240 ss.): a convenção que eventualmente padeça de uma
nulidade, se produziu efeitos, fê-lo indevidamente, já que a causa dessa
nulidade antecedeu a sua vigência e, por isso, se deve repor a situação
que existiria se a dita convenção não tivesse sido cumprida.

259
Rui Miguel Marrana

Diferente deste enquadramento, são os casos de cessação da


vigên- cia. Aqui estamos a referir-nos a situações  anteriores ou
posteriores à entrada em vigor da convenção  que, por alguma razão
(que pode ser tão simples como o decurso de um prazo fixado ou o
pleno cumprimento das obrigações convencionais), vão fazer com que a
convenção deixe de vigorar. Na cessação da vigência do que se fala é do
fim de uma conven- ção (ao passo que na nulidade se questiona a
própria existência dela554), e portanto desta deixar de produzir efeitos,
sem se questionarem aqueles que entretanto se tenham produzido.
Resumindo, salientaríamos que a cessação da vigência apenas
afecta o futuro da convenção, enquanto a nulidade afecta toda a sua
exis- tência – e portanto também o seu passado (se algum efeito jurídico
tiver sido produzido).

C. Causas de cessação da vigência


A matéria das causas da cessação da vigência vem sendo equacio-
nada de diversas formas na doutrina. Julgamos, todavia, que aquela que
será porventura a abordagem tecnicamente mais rigorosa se mostra de-
masiado extensa e complexa para uma visão introdutória como aquela
que se pretende. Seguiremos, por isso, uma análise que supomos mais
fácil de acompanhar, assumindo o risco do menor rigor.
Começaremos assim por identificar as causas de cessação da
vigên- cia previstas na CV69, debruçando-nos depois sobre as não
previstas.

1. Causas de cessação da vigência previstas na CV69


1.1. Regra geral: com o consentimento das partes
Em termos gerais, a cessação da vigência ocorre por
consentimento das partes. Bem se compreende que assim seja:
tratando-se de contratos, deve a vigência destes (e portanto a sua
cessação) decorrer da vontade destes. Essa é também a regra do art.
54.º que remete para a vontade originária das partes (alínea a) ou para
o consentimento destas (alínea b).
Dentro desta regra geral do consentimento das partes integram-se
diversas situações possíveis que devem distinguir-se. Começaremos as-

554
Note-se que apesar destas diferenças das figuras da nulidade e da cessação da
vigência, elas partilham algumas regras comuns, nomeadamente quanto à legitimidade da sua
invocação (cf. art. 45.º CV69) e ao processo que devem seguir (art. os 65.º ss.) – para além do
facto de a cessação da vigência ser um dos efeitos da nulidade (cf. p. 236 ss.).

260
Décima quinta lição: suspensão e cessação da vigência das convenções

sim por analisá-las separadamente (execução, denúncia ou retirada,


cláu- sulas resolutivas e a celebração de uma convenção posterior), para
de- pois passarmos às causas de cessação que estando previstas não
decor- rem do consentimento.
A execução da convenção não vem expressamente prevista na
CV69 enquanto causa de cessação mas deve considerar-se implícita em
todas as convenções: esgotado o escopo da própria convenção ou o
perí- odo de vigência que lhe foi fixado, esta não pode senão deixar de
vigorar, sendo que isso decorre da vontade das partes (ao fixarem esse
mesmo escopo, nos termos em que o fizeram).
Quanto à denúncia e ao recesso ou retirada, antes mesmo de ana-
lisar o seu regime convém assinalar-se a distinção entre estes conceitos.
É frequente fazer assentar esta distinção na ideia seguinte: o recesso
ocorre nas convenções multilaterais, enquanto a denúncia ocorre nas
convenções bilaterais. Não sendo incorrecto esse critério distintivo, pa-
rece-nos todavia que não atinge o âmago da questão e por isso vamos
tentar aprofundar um pouco mais o assunto.
A diferenciação dos termos a utilizar decorre da diferença
existente nos efeitos de uma e outra figura. A denúncia  que se refere
à cessação da vigência para uma parte numa convenção bilateral por
força de uma declaração unilateral555 da parte nesse sentido  implica
de per se o fim da convenção. De facto, não é possível a subsistência de
uma convenção com uma parte apenas (deixaria de haver um acordo de
vontades). Toda a denúncia extingue, portanto, a convenção.
Diversamente, o recesso re- fere-se à retirada, saída ou abandono556 por
uma parte (também como consequência de uma declaração unilateral
desta parte), ou seja, implica também a cessação da vigência para uma
parte, mas, tratando-se de uma convenção multilateral, essa cessação
não impede que a convenção con- tinue a vigorar para as restantes
partes.
Assim, a diferença fundamental entre as figuras 557 tem a ver com a
restrição do efeito (da cessação a vigência) a uma parte apenas (caso da

555
Tanto a denúncia como o recesso são fundamentalmente atos unilaterais: não exigem
aceitação ou aprovação das restantes partes e em regra exigem apenas a notificação das partes
(Helfer, 2005).
556
O termo recesso, em língua portuguesa, tem uma utilização pouco comum e por isso
não evidencia a natureza do conceito. Talvez por isso se tenha preferido na tradução da CV69 o
termo retirada que é também o mais próximo dos termos utilizados nas versões oficiais
(withdrawal em inglês, retraite em francês). Anteriormente utilizava-se, todavia, o termo
recesso.
557
A doutrina não tem a distinção por obrigatória, usando por vezes os termos como
equi- valentes - a distinção surge, no entanto, em Anthony Aust (2004, p. 224). Nesse sentido v.
United

261
Rui Miguel Marrana

retirada) ou à convenção em geral (denúncia). É exactamente neste en-


quadramento que por vezes se refere a possibilidade de denúncia nas
convenções multilaterais558. Esta ocorrerá sempre que a cessação da vi-
gência para uma parte implique ipso facto a cessação para todas as par-
tes, ou seja, a extinção da mesma.
Efectuada a distinção entre denúncia e a retirada ou recesso, ve-
jamos agora o respectivo regime. Em regra a denúncia ou a retirada ape-
nas são admitidos se previstos na convenção559 (caso em que
integrariam o disposto na alínea a) do citado art. 54.º CV69). Fora desse
enquadra- mento560, o princípio geral é o da proibição 561 ou da
ilicitude562, já que doutra forma se estaria a condenar
irremediavelmente o princípio do

Nations (2003, p. 109). Também na prática convencional se podem encontrar casos em que os
termos são usados como meros equivalentes. V. nomeadamente o art. 15.º do Protocolo
Faculta- tivo à Convenção sobre os Direitos da Criança Relativo à Venda de Crianças, Prostituição
Infantil e Pornografia Infantil, de 2000 que usa o termo denúncia para efeitos de recesso.
558
Por todos, v. o disposto no art. 70.º/2 CV69. Um exemplo de denúncia de tratado mul-
tilateral pode encontrar-se na Convenção de Montreux, de 1936 relativa ao regime dos estreitos.
559
A título de exemplo, v. o cit. art. 15.º do Protocolo Facultativo à Convenção sobre os
Direitos da Criança Relativo à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil, de
2000, ou o art. 20.º da Convenção sobre a Proibição da Utilização, Armazenamento, Produção e
Transferência de Minas Antipessoais e sobre a sua Destruição, de 1997.
560
Subsiste, no âmbito do regime da denúncia um debate doutrinal sobre a possibilidade
da denúncia parcial, em especial da denúncia de protocolos, pretendendo-se a manutenção da
vigência da convenção que esses protocolos vieram desenvolver, havendo quem admita essa de-
núncia parcial e quem considere que a denúncia de um protocolo implica a denúncia da conven-
ção original (Benoît-Rohmer & Klebes, 2005, p. 108).
561
Cf. o corpo do n.º 1 do art. 56.º CV69. Os EUA (que, como temos referido repetida-
mente, não se vincularam a esta convenção) defendem uma posição particular nesta matéria,
en- tendendo existir um reconhecimento internacional de que os Estados podem  embora isso
não constitua um direito (the power, though not the right)  pôr fim a um tratado, desde que
suportem os eventuais danos daí resultantes e bem assim, outras consequências especiais
(Congressional Research Service, 2001, p. 201).
562
O princípio geral da ilicitude da denúncia ou do recesso quando não previstos foi rea-
firmado no ac. do TIJ, de 25.09.1997, relativo ao projecto Gabcokovo-Nagymaros. Em todo o
caso, permanece grande incerteza quanto os limites do regime. Em algumas matérias parece
que essa ilicitude se deve ter por inultrapassável, nomeadamente nos tratados de paz ou de
rectificação de fronteiras. Na doutrina, todavia, não deixam de surgir vozes que pretendem
contrariar ou, pelo menos, limitar esta situação, defendendo que, fora a proibição expressa da
denúncia ou recesso, estas devem admitir-se por força de uma suposta regra consuetudinária. A
experiência mostra que a manutenção de elevados níveis de pressão no sentido do recesso
acabam por obter resul- tado, nomeadamente em relação ao abandono de organizações
internacionais. Recordem-se nesse sentido, alguns exemplos significativos: o recesso da Coreia
do Norte em relação ao PIDCP de 16.12.1966, em 1997, o recesso da Indonésia das NU, em
1965, ou da Checoslováquia, Hungria e Polónia da UNESCO nos anos 50, ou da União Soviética e
de oito dos seus aliados do leste euro- peu da OMS (Helfer, 2005).

262
Décima quinta lição: suspensão e cessação da vigência das convenções

pacta sunt servanda563. Na verdade, a admitir-se que as partes


pudessem livremente pôr fim às suas obrigações, o cumprimento
pontual destas não poderia beneficiar de qualquer garantia jurídica. O
art. 56.º adianta, todavia, duas excepções (que designaríamos por
situações de denúncia ou recesso não previstas): (a)se essa possibilidade
puder ser deduzida da natureza do tratado (alínea b) do n.º 1)564 e ainda
(b)
se estiver estabele- cido terem as partes admitido a possibilidade de
uma denúncia ou de um recesso (alínea a) do n.º 1) 565.
Para concluirmos o elenco das causas de cessação previstas na
CV69 que decorrem do consentimento, temos ainda as cláusulas resolu-
tivas e a celebração de uma convenção posterior. A primeira situação in-
tegra ainda a previsão do art. 54.º, referindo-se à previsão no texto da
convenção de circunstâncias que admitam ou imponham a sua
resolução (p. ex. o incumprimento de determinadas obrigações). A
segunda situa- ção vem prevista e regulada no art. 59.º, sendo que
sobre a matéria (con- venções sucessivas) tivemos já oportunidade de
aferir as regras básicas (p. 255 ss.). No caso, a norma não oferece
dificuldades: a celebração de uma convenção posterior entre as mesmas
partes, sendo incompatível faz presumir a vontade de revogação da
anterior (total ou parcialmente), se essa vontade não decorrer
directamente da própria convenção.
Referidas as causas de cessação da vigência previstas na CV69 que
decorrem do consentimento debrucemo-nos então em temros
sistemáti- cos, sobre as que não decorrem deste consentimento
(violação substan- cial  art. 60.º , impossibilidade superveniente  art.
61.º , alteração fundamental das circunstâncias  art. 62.º  e
superveniência de uma re- gra de jus cogens  art. 64.º).

563
O direito de uma parte unilateralmente pôr fim às suas obrigações convencionais im-
plica que se ponha em causa o nível de cumprimento dessas obrigações e aí reside o maior des-
conforto da doutrina no tratamento da questão, a qual reserva, por isso, uma abordagem super-
ficial à matéria (Helfer, 2005).
564
O direito de denunciar nos tratados que formam alianças políticas ou militares pre-
sume-se. Também os tratados de integração parecem dever beneficiar da mesma presunção,
em- bora aí a doutrina não seja tão clara. A justificação é fundamentalmente a mesma em todos
os casos: os Estados têm de manter a possibilidade de reassumir quaisquer competências
soberanas.
565
Subsiste uma questão na doutrina cuja resposta não parece uniforme. Trata-se de sa-
ber se existe ou um direito de denúncia ou recesso, conforme o caso, antes da entrada em vigor.
Em nossa opinião, o princípio do pacta sunt servanda aponta no sentido inverso: assumido o
com- promisso e sendo perfeita a declaração negocial nesse sentido, o momento da entrada em
vigor não parece poder afectar esse compromisso. Alguma doutrina defende, todavia, que o
consenti- mento apenas produz efeitos com a entrada em vigor, pelo que pode ser alterado ou
retirado antes desse momento (Aust, 2004, p. 95).

263
Rui Miguel Marrana

1.2. Violação substancial


O regime da violação substancial das regras de uma convenção por
uma parte (exceptio non adimpleti contractus) apenas autoriza a
cessação da vigência nas convenções bilaterais (art. 60.º/1) - mas
mesmo nessas circunstâncias, não é automático, mostrando-se
necessário que a outra parte (aquela que é vítima do incumprimento)
desencadeie o processo previsto no art. 65.º e seguintes566.
Nas convenções multilaterais, a violação substancial só autoriza a
cessação se todas as partes acordarem nesse sentido (art. 60.º/4);
indivi- dualmente as partes apenas podem suspender a vigência em
relação ao autor da violação (art. 60.º/2 b), salvo tratando-se da
violação de obriga- ções integrais (quando a violação por uma parte,
modifique radicalmente a situação de cada uma das partes, quanto à
execução ulterior das suas obrigações emergentes do tratado - ou seja,
obrigações cuja manutenção apenas se justifica enquanto o
cumprimento for generalizado), caso em que a suspensão pode ocorrer
em relação a todas as partes (art. 60.º/2 c). Este regime fixado na CV69
é pacífico, mesmo entre os Estados que a ela não se vincularam -
nomeadamene os EUA (Congressional Research Service, 2001, p. 193).
Este regime (da excepção do incumprimento) contempla algumas
excepções. Desde logo a as disposições que se apliquem em caso de vio-
lação (que, como bem se compreende, não podem cessar exactamente
quando a violação ocorre, já era nessas circunstância que a sua
aplicação se previa). Por outro lado, também as regras relativas à
protecção dos direitos fundamentais não podem ver cessar a sua
vigência como conse- quência da violação por outra parte (60.º/5):
efectivamente, nenhum tipo de violação de direitos fundamentais por
um Estado autoriza outro Es- tado a suspender ou fazer cessar as suas
obrigações na matéria (prati- cando assim atos da mesma natureza). A
doutrina acrescenta ainda no leque das excepções ao regime da
exceptio, as situações objectivas (esta- tutos territoriais, cessões
territoriais, etc.), cuja vigência não pode depen- der do mero
cumprimento por uma parte das convenções que eventual- mente lhes
tenham dado origem567.

566
Este processo é o mesmo que foi anteriormente referido a propósito da anulação (cf.
pp. 234 ss.).
567
Tal como referimos anteriormente (cf. p. 134), o regime do exceptio apenas mantém
plenamente o seu sentido na presença de tratados-contrato (uma vez que se trata de um regime
próprio à teoria dos contratos), tornando-se a sua aplicação tanto mais difícil quanto mais nos
afastemos dessa figura (na direcção de tratados-lei ou tratados-constituição).

264
Décima quinta lição: suspensão e cessação da vigência das convenções

1.3. Impossibilidade superveniente e alteração fundamental


das circunstâncias
Os regimes da impossibilidade superveniente e da alteração
funda- mental das circunstâncias regulam situações contíguas: iniciada a
vigên- cia de uma convenção podem sobrevir circunstâncias que tornem
mais difícil ou mesmo impossível o seu cumprimento. Claro que se o
cumpri- mento é impossível  se essa impossibilidade resultar do
desapareci- mento ou destruição permanente de um objeto
indispensável à execução do tratado  a parte pode invocar essa
circunstância para, conforme o caso, pôr termo à sua vigência ou para
dele se retirar (art. 61.º/1 CV69). Seria difícil prever outra solução, uma
vez que a impossibilidade não é contrariável por via normativa. O
regime da impossibilidade está assim, facilitado por natureza.
A questão sensível coloca-se face a alterações das circunstâncias
que, muito embora não tornem impossível o cumprimento, o onerem
ou dificultem em termos substanciais. A prática internacional na matéria
não era, à altura da celebração da CV69 completamente uniforme, pelo
que a CDI se viu confrontada com a necessidade de ter de fixar um
critério que simultaneamente afirmasse a obrigação geral do
cumprimento pontual das obrigações, mas que enquadrasse também as
situações excepcionais em que tal exigência ultrapasse os limites da
boa-fé.
O regime fixado no art. 62.º vem, por isso, determinar 568 no corpo
do primeiro número o referido princípio da obrigação pontual das obri-
gações (que faz, aliás, jus à designação frequente de cláusula rebus sic
stantibus), ao afirmar expressamente que uma alteração fundamental
das circunstâncias relativamente às que existiam no momento da conclu-
são do tratado e que não fora prevista pelas partes não pode ser
invocada como motivo para pôr fim a um tratado ou para deixar de ser
parte dele. De facto, sendo que, como referia Camões, todo o mundo é
composto de mudança tomando sempre novas qualidades, a admissão
de que essas mudanças justificassem a cessação da vigência das
convenções, retiraria a estas qualquer efeito útil.
Não podia, todavia, pretender-se que a regra fosse de aplicação
ab- soluta, pelo que o regime consagrado admitiu que a título
excepcional, a alteração das circunstâncias autorizasse a cessação da
vigência sempre

568
Este regime tornou-se progressivamente pacífico, sendo que mesmo os EUA estabele-
ceram internamente orientações que coincidem quase literalmente com as disposições da CV69
(Congressional Research Service, 2001, pp. 194-195).

265
Rui Miguel Marrana

que se reunissem os dois requisitos fixados nas alíneas a) e b) do mesmo


n.º 1 do art. 62.º, ou seja se:
a) A existência dessas circunstâncias tiver constituído uma
base essencial do consentimento das partes a obrigarem-se
pelo tratado; e
b) Essa alteração tiver por efeito a transformação radical
da natureza das obrigações assumidas no tratado.
O texto da alínea a) impõe que as circunstâncias que tenham sido
objeto de modificação fossem um elemento essencial do negócio, afir-
mando a irrelevância da modificação de circunstâncias meramente aces-
sórias. Ou seja, para que a alteração das circunstâncias que existiam à
data da celebração da convenção possa justificar a cessação da vigência
desta, a referida alteração terá, desde logo, de ter recaído sobre
aspectos determinantes do acordo.
Simultaneamente exige-se ainda  na alínea b)  que essa
alteração modifique substancialmente o alcance ou extensão das
obrigações assu- midas569. Insiste-se aqui naquilo a que antes nos
referimos: muito embora sendo possível o cumprimento (sem o que o
normativo a aplicar seria o do art. 61.º, impossibilidade superveniente),
este há-de tornar-se de tal forma oneroso que deixa de ser exigível à luz
dos princípios da boa-fé.
Em resumo, a regra relativa à alteração das circunstâncias parece
ser a seguinte: essa alteração não admite a cessação da vigência excepto
se incidir sobre aspectos essenciais da convenção e a exigência do seu
cumprimento seja manifestamente excessiva.
1.4. Superveniência de uma regra de jus cogens
O art. 64.º prevê ainda que a cessação da vigência possa decorrer
da superveniência de uma regra de jus cogens, ou seja, do facto de uma
regra (sem carácter peremptório) que poderia existir à data da
celebração da convenção ou surgir depois, e que, entretanto se tornou
numa regra imperativa (em relação à qual, portanto, a comunidade
internacional dos

569
É este o sentido que deve retirar-se da expressão transformação radical da natureza
das obrigações. Trata-se de uma tradução infeliz (no uso do termo ‘natureza’) que advém da tra-
dução inicialmente adiantada pelo prof. Gonçalves Pereira e que foi reproduzida na tradução ofi-
cial publicada no DR. Essa infelicidade decorre não apenas da infidelidade aos termos originais,
mas ainda por ter tornado menos evidente o sentido da norma. Assim, a versão francesa refere
transformer radicalement la portée des obligations, ao passo que a versão inglesa fala em
radically transform the extend of obligations e a versão espanhola fala de modificar radicalmente
el alcance de las obligaciones. De facto, o termo francês portée, o termo inglês extend ou o
termo castelhano alcance não podem traduzir-se para natureza.

266
Décima quinta lição: suspensão e cessação da vigência das convenções

Estados no seu conjunto passou a considerar tratar-se de matéria indis-


ponível).
A superveniência de uma regra de jus cogens supõe, portanto, que
aquando da formação do tratado este não contrariasse qualquer regra
peremptória, mas que, durante a sua execução, uma regra com essa na-
tureza se tenha formado contrariando o disposto na convenção.
Um exemplo evidente dessa situação será o de um antigo tratado
que regulasse (não necessariamente apenas, mas também) a escrava-
tura. Esse tratado deixa de ter qualquer valor na actualidade na medida
em que a proibição da escravatura passou a integrar o elenco das regras
de jus cogens.
1.5. Insuficiência das partes e ruptura das relações diplomáticas
Os artigos 55.º e 63.º adiantam duas situações que expressamente
refere como não sendo consideradas de per se como suficientes para fa-
zerem cessar a vigência das convenções.
A insuficiência das partes tem a ver com a eventual descida do nú-
mero de partes abaixo do número fixado na convenção para a entrada
em vigor, especificando-se que tal descida apenas dá origem à cessação
se a mesma estiver prevista570. O mesmo acontece com a eventual ru-
ptura das relações diplomáticas, que apenas justificará a cessação na
me- dida em que a existência de relações diplomáticas ou consulares
seja in- dispensável à aplicação do tratado.

2. Causas de cessação da vigência não previstas na CV69


A doutrina aponta apenas duas causas de cessação de vigência não
previstas na CV69: a formação de um costume e a eclosão de um
conflito
armado.
Em ambos os casos, a não previsão expressa deve-se à
sensibilidade do tema.
No caso da formação de um costume negativo (desuso), a CDI,
muito embora reconhecesse tratar-se de uma forma válida de cessação
da vigência, entendeu ser preferível não a regular ou prever expressa-
mente para evitar que isso pudesse ser lido em termos de
encorajamento

570
A título de exemplo v. art. 15.º da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime
de Genocídio, de 9.12.1948.

267
Rui Miguel Marrana

ao incumprimento. De facto, o desuso implicará, em princípio 571, uma


prática reiterada de incumprimento, prática essa que em regra apenas
se tornará jurídica, decorrido um período de tempo razoável, pelo que
su- põe uma situação de incumprimento continuado572.
A eclosão de um conflito armado não foi também objeto de previ-
são, face às dificuldades significativas em regular tudo quanto se prenda
com o uso da força. Assim, o art. 73.º limita-se a estipular que as
disposi- ções da presente convenção não prejudicam nenhuma questão
que possa surgir a propósito de um tratado em virtude […] da abertura
de hostilida- des entre Estados. A perspetiva, algo optimista, da CDI foi a
de que a abertura de hostilidades deveria considerar-se uma situação de
tal forma anormal que as regras que regulam as suas consequências não
deveriam ser encaradas como integrando as regras gerais do direito
internacional aplicável às relações correntes entre Estados573.
Tal como salientava Ian Brownlie (CDI/ILC, 2005, p. 223 §4 ss.), não
há na doutrina uma opinião consensual ou sequer convergente sobre os
efeitos da abertura de hostilidades em relação aos tratados, sendo assi-
naláveis quatro posições que correspondem às diferentes matizes que a
abordagem do assunto admite574.
A primeira teoria  que, de alguma forma, se aproxima da perspe-
ctiva que inspirou a redacção do art. 73.º CV69  defende que sendo a
guerra um regresso à anarquia, implica a extinção 575 de todas as conven-
ções. É a visão tradicional (Congressional Research Service, 2001, p.
571
O desuso pode também decorrer da obsolescência, i.e. do desaparecimento das cir-
cunstâncias que justificavam determinado regime. Tal foi a situação da Áustria que em 1990 de-
clarou a obsolescência de algumas das disposições do Tratado relativo ao Estado austríaco de
1955. Tal declaração não mereceu qualquer objecção (Aust, 2004, pp. 250-251).
572
Sobre o assunto V. Glennon (2005).
573
Cf. comentário ao art. 69.º (CDI/ILC, 1966, p. 291 ss.) - que corresponde ao atual 73.º.
A CDI sempre se sentiu inclinada para evitar o assunto. Já em 1963 A CDI havia afirmado que a
análise da questão impunha inevitavelmente o exame das disposições da CNU relativas à
ameaça ou uso da força, questão essa que não deveria ser confundida com a do direito dos
tratados (CDI/ILC, 1963, p. 189 §14).
574
O Secretariado da CDI elaborou um estudo sobre a matéria (Les effets des conflits ar-
més sur les traités: examen de la pratique et de la doctrine de 2005) cuja publicação antecedeu o
relatório do Relator especial do mesmo ano (CDI/ILC, 2005). As abordagens dos documentos não
coincidem. Assim, desde logo, neste, descortinam-se apenas três posições (cessação da vigência
ipso facto, cessação dependente da vontade das partes e recusa da cessação automática).
575
O regime básico tradicionalmente afirmado era o de que os conflitos armados faziam
cessar as convenções bilaterais entre as partes envolvidas e suspendiam a aplicação das conven-
ções multilaterais. Esta distinção de efeitos segundo a natureza parece ultrapassada, não apenas
no plano doutrinal como também pela prática (CDI/ILC, 2005, p. 2). A análise da prática permite
aliás tirar outras conclusões que surgem ao arrepio das concepções tradicionais. Assim, o estudo

268
Décima quinta lição: suspensão e cessação da vigência das convenções

196)576 que apenas começou a ser perturbada com o advento da proibi-


ção do recurso à força.
A segunda perspetiva recusa a extinção ipso facto, fazendo-a de-
pender da eventual incompatibilidade com os fins ou necessidades béli-
cas.
Numa posição ainda mais limitativa, encontramos uma terceira te-
oria que apenas admite a extinção se essa fosse a intenção das partes o
momento em que concluíram os tratados em causa.
A quarta e última teoria sobre os efeitos da eclosão de um conflito
armado nas convenções internacionais retira da proibição do recurso à
força a inexistência de efeitos obrigatórios sobre as convenções.
O assunto foi objeto de estudo na CDI577, tendo o primeiro relator
especial (Ian Brownlie) salientado – logo no primeiro relatório (CDI/ILC,
2005, p. 219 ss.) - as inúmeras dificuldades que o tratamento da matéria
enfrenta578. O documento final (A/CN.4/L.777 de 2011) veio a acolher o
princípio de que [a] existência de um conflito armado não implica ipso
facto a extinção dos tratados nem a suspensão da sua aplicação (art.
3.º), tal como se pretendia desde o início dos trabalhos (CDI/ILC, 2005,
p. 226

das consequências da II GM mostra que nenhuma convenção se extinguiu como consequência


das hostilidades e que a maioria subsistiu, em alguns casos mesmo entre os beligerantes
(CDI/ILC, 2005, pp. 55, 98).
576
A prática judicial norte americana na matéria tem sido pragmática, procurando
preser- var ou anular, conforme decorra ou não das necessidades próprias do conflito.
A perspetiva atual vem-se afastando progressivamente da visão tradicional. Desde logo
em relação ao próprio conflito que deixa de ser visto como um regresso à anarquia para ser en-
tendido como mera perturbação temporária da ordem normal em que a paz pontifica (CDI/ILC,
2005, p. 98).
577
O assunto dos efeitos dos conflitos armados nos tratados foi inscrito em 2000 no pro-
grama de trabalho a longo prazo da CDI, sendo inscrito no programa de trabalho em curso em
2004 (CDI/ILC, 2004, pp. 13-14), decisão essa aprovada pela AG (§ 9 da Res. 59/41 de 2004).
578
A primeira delas é a própria noção ou definição de conflito armado, a qual se mostra
imprescindível para a determinação do âmbito de aplicação do regime. Na verdade, tal como sa-
lientava recentemente Jost Delbrück resulta claro da análise do emprego da força nas décadas
que sucederam à II Guerra Mundial que nos afastamos consideravelmente da noção de guerra
tradicional enquanto fenómeno caracterizado pela abertura formal de hostilidades através de
uma declaração de guerra ou de qualquer atitude susceptível de indicar claramente a intenção
de um Estado entrar em guerra com outro […]; na maioria dos casos o emprego da força é
qualificado pelo Estados como ‘acção de polícia’, ‘acto de legítima defesa’ ou ‘intervenção
humanitária’ reve- lando assim que estes não desejam que os seus atos sejam reconhecidos
como atos de guerra no sentido próprio do termo (CDI/ILC, 2005, p. 8 n.6).
O relatório final (Doc. A/CN.4/L.777 de 2011) veio, como se pretendia desde o início os
trabalhos – a acolher uma definição (art. 2.º b): [a] expressão “conflito armado” refere-se a situa-
ções em que exista o recurso à força armada entre Estados ou o recurso à força armada entre
autoridades governamentais e grupos armados organizados.

269
Rui Miguel Marrana

[art. 3.º]), remetendo para a intenção das partes 579 (em conformidade
com os artigos 31.º e 32.º CV69 e tendo em conta a natureza e
amplitude do conflito em causa), para as disposições que os próprios
tratados pos- sam conter sobre o assunto e bem assim, para a natureza
do próprio tra- tado (cujo objeto ou fim podem mesmo impor a
permanência da sua aplicação em caso de conflito, nomeadamente se a
situação de conflito constitui o escopo deste580). Ressalva todavia os
efeitos decorrentes de eventuais decisões do Conselho de Segurança NU
(art. 16.º)581 e os efei- tos próprios de eventuais acordos entre as partes
ou dos regimes da vio- lação substancial, impossibilidade superveniente
ou alteração fundamen- tal das circunstâncias (art. 18.º)582.

579
O Departamento de Estado norte-americano reagiu a esta posição de base através de
uma posição oficial em 2005 (Cummins S. J., 2005, pp. 222, ss.). Nele a administração americana
considera ser problemático o facto de se pretender fazer depender o efeito dos conflitos da von-
tade das partes, por normalmente estas não ponderarem essa eventualidade aquando da
negoci- ação das convenções. Defendem, por isso, o recurso a outros elementos, como sejam o
objeto e a finalidade da convenção, o carácter próprio das regras em causa e as circunstâncias
relativas ao conflito.
580
O relator especial Ian Brownlie insistiu desde o início na elaboração de uma lista de
matérias cuja natureza impõe a continuidade da aplicação dos tratados em caso de conflito (a
qual figura no anexo do projecto final), que comporta ainda os tratados que criem situações
objectivas, os tratados de amizade, comércio e navegação, os tratados relativos à protecção dos
direitos hu- manos e do ambiente, os tratados que regulam cursos de águas internacionais, os
tratados multi- laterais normativos, os tratados relativos à resolução pacífica de conflitos,
incluindo a arbitragem e ainda os tratados relativos às relações diplomáticas e consulares. No
estudo do Secretariado seguia-se um método distinto, identificando as matérias em que a
subsistência dos tratados é muito provável, as matérias em que essa subsistência é provável e
aquelas em que tenderão a surgir dificuldades (CDI/ILC, 2005). Entre este critério e aquele que
inspira o art. 7.º do projecto, são assinaláveis algumas diferenças, não sendo possível uma mera
sobreposição das matérias. Assim, p. ex. os tratados relativos à protecção ambiental ou os
tratados de amizade, são  como acabamos de ver  incluídos nesta norma ao passo que, no
estudo do secretariado eram apresen- tados na terceira categoria (daquelas convenções,
portanto, cuja subsistência tem uma probabili- dade variável ou controversa).
Sobre a matéria, a administração americana veio a insistir na necessidade de ser devida-
mente acolhida a posição defendida pelo TIJ no parecer relativo à licitude do uso de armas nucle-
ares, segundo a qual embora se aceite que determinados princípios ambientais e alguns direitos
humanos não deixam de aplicar-se em caso de conflito armado, essa aplicação decorre de uma
regra especial relativa à conduta das hostilidades. Simultaneamente a administração americana
considerou inadequada a utilização de um elenco de matérias em relação às quais se possa assu-
mir um princípio de continuidade (Cummins S. J., 2005, p. 223).
581
O princípio segundo o qual as operações conduzidas ao abrigo do cap. VII da CNU sus-
pendem ou fazem cessar a vigência das convenções incompatíveis com tais operações parece
de- finitivamente adquirido (CDI/ILC, 2005, p. 98).
582
A proximidade destes regimes com o problema dos efeitos dos conflitos sobre as con-
venções é evidente e por vezes difícil de separar com clareza. De qualquer forma subsiste um
elemento prático distintivo essencial: a regra em relação aos efeitos dos conflitos tende a ser a
de estes ocorrerem automaticamente (qualquer que seja o âmbito desses mesmos efeitos) ao
passo

270
Décima quinta lição: suspensão e cessação da vigência das convenções

D. Suspensão da vigência
O regime da suspensão da vigência das convenções surge funda-
mentalmente em termos acessórios do regime da cessação da vigência.
Reconhecendo-se na verdade a existência do princípio favor contractus
(da preferência pela manutenção e conclusão das convenções 583), o re-
gime da suspensão da vigência deve, sempre que possível, considerar-se
uma alternativa preferível à cessação da vigência. É nesse enquadra-
mento que surgem as principais causas previstas na CV69. São elas o
con- sentimento (art. 57.º e 58.º) 584, a celebração de uma convenção
posterior (art. 59.º), a violação substancial (art. 60.º), a impossibilidade
superveni- ente (art. 61.º) e a alteração das circunstâncias (art. 62.º).
A única causa de suspensão da vigência não prevista na CV69 pa-
rece ser a eclosão de conflito armado, situação na qual, em regra se sus-
penderá a vigência das convenções multilaterais entre as partes envolvi-
das. Esta regra enfrenta todavia as mesmas limitações que foram referi-
das em relação à cessação de vigência e cujo regime está ainda em aná-
lise.

E. Regime e efeitos
Tal como vimos, a cessação da vigência das convenções pode ocor-
rer nos termos previstos nas próprias convenções e em geral por
consen- timento das partes; mas surge também a título incidental,
dentro do que merecem uma referência especial as situações de
violação substancial (art. 60.º) e de alteração fundamental das
circunstâncias (art. 62.º). Em ambos os casos  tratando-se de situações
excepcionais em que a cessa- ção da vigência não é necessária e
depende da invocação pela parte que é vítima (do incumprimento ou
do agravamento das circunstâncias) 

que estes regimes também aplicáveis em situações de conflito exigem uma invocação expressa
(CDI/ILC, 2005, p. 98).
583
Este princípio pode ser encontrado nos art.os 55.º, 56.º, 68.º e 74.º CV69, no regime
das reservas, etc.
584
Apesar de o consentimento ser a forma normal de suspensão da vigência, é pouco co-
mum a presença nas convenções de cláusulas que regulem a matéria (United Nations, 2003, p.
108). Parece estar consagrado no costume que não existindo uma proibição expressa da conven-
ção, esta pode ser suspensa temporariamente por acordo apenas entre algumas das partes, se
essa suspensão não afectar o gozo pelas restantes partes dos seus direitos ou o cumprimento
das suas obrigações e se a suspensão não for incompatível com o objeto e fim da convenção
(ibidem, p. 109).

271
Rui Miguel Marrana

aplica-se o regime da nulidade, admitindo-se assim a possibilidade de


re- núncia expressa ou tácita a essa invocação (nos termos do art. 45.º)
e impondo-se o procedimento previsto no art. 65.º e seguintes585.
Quanto aos efeitos da cessação da vigência deve dar-se devida
atenção ao disposto no art. 70.º, o qual não apenas se limita a estipular
aquilo que parecerá óbvio (liberta as partes da obrigação de continuar a
executar o tratado), mas recorda ainda que não afecta nenhum direito,
nenhuma obrigação, nem nenhuma situação jurídica das partes, criadas
pela execução do tratado antes da cessação da sua vigência, ou seja,
não significa que desapareçam as situações criadas pela convenção586.
No tocante aos efeitos da suspensão, o art. 72.º vai também além
da mera afirmação de que a suspensão liberta as partes entre as quais a
aplicação do tratado está suspensa da obrigação de executar o tratado
nas suas relações mútuas durante o período da suspensão (alínea a) do
n.º 1). Assim, insiste (alínea b) do n.º 1) que não tem outro efeito sobre
as relações jurídicas estabelecidas pelo tratado entre as partes (o que
im- plica o facto de a convenção se manter durante a suspensão), e que
por isso, durante o período de suspensão, as partes devem abster-se de
qual- quer acto tendente a impedir a entrada de novo em vigor do
tratado (n.º 2).

Questões de revisão
A. Questões gerais
1. Explique em que circunstâncias cessa ou se suspende a vigência das
convenções internacionais.
B. Questões directas
1. Distinga causas de nulidade de causas de cessação da vigência;
2. Distinga denúncia de recesso;
3. Explique os efeitos que a violação substancial pode ter na vigência de
uma convenção;
4. Distinga impossibilidade superveniente de alteração das circunstâncias;

585
Aparentemente este regime também se aplicará nos casos de denúncia ou recesso
não previstos (United Nations, 2003, p. 112; Congressional Research Service, 2001, p. 192).
586
Assim, aplicando esta regra da alínea b) do n.º 1 do art. 70.º, o tribunal arbitral encar-
regado de apreciar o litígio entre a França e a Nova Zelândia relativo ao Rainbow Warrior, deter-
minou que o governo francês não estava exonerado das obrigações decorrentes dos acordos es-
tabelecidos com o governo neo-zelandês (troca de notas de 9 de julho de 1986), embora o dito
acordo já houvesse expirado (United Nations, 1994, pp. 215-284). No mesmo sentido, o TIJ no
seu acórdão de 3.02.1994 relativo ao diferendo territorial entre a Líbia e o Tchad afirma que
estabe- lecida a fronteira por uma convenção, aquela permanece independentemente da
cessação da vi- gência da mesma (CIJ/ICJ, 1998, p. 77).

272
Décima quinta lição: suspensão e cessação da vigência das convenções

5. Explique em que termos pode a alteração das circunstâncias justificar a


cessação ou suspensão da vigência de uma convenção;
6. Refira-se aos efeitos dos conflitos armados na vigência das convenções;
7. Refira-se ao regime de invocação da cessação ou suspensão da vigência,
ao procedimento a adoptar e aos efeitos decorrentes de ambas.

Bibliografia de referência #
Leituras recomendadas
Recursos on line a explorar
Pierre D’Argent - Universidade Católica de Louvain – aula (em inglês)
sobre a cessação e suspensão da vigência:
[Termination, Withdrawal and Suspension of Treaties - 7:10]:
https://www.youtube.com/watch?v=gysATCTUXeo

273
XVI Lição
Princípios gerais de
direito

A. Objetivo
Concluímos na lição anterior o estudo dos tratados. Nesta lição
ana- lisaremos outra fonte de direito internacional (do elenco
apresentado no n.º 1 do art. 38.º ETIJ). Trata-se de matéria muito
relevante, já que os tribunais recorrem frequentemente aos princípios
gerais de direito para fundamentarem as suas decisões. Todavia, não
sendo evidentes os seus contornos, tornam-se menos acessíveis aos
estudantes (marcados pela tentação constante de reduzir o direito às
regras escritas e em especial à lei). Procuraremos, por isso, analisá-la
com o pormenor necessário e evi- denciando os critérios funcionais que
permitam uma perceção ade- quada.

B. Regime
1. Princípios gerais reconhecidos pelas nações civilizadas
O artigo 38.º ETIJ determina que, na apreciação das causas que lhe
sejam submetidas, o tribunal aplique587, entre outras fontes, os
princípios
gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas.
A redacção não pode deixar de causar estranheza, até porque a
afir- mação da existência de nações civilizadas supõe o reconhecimento
da existência de nações que não o são. Ela explica-se todavia por se
tratar da reposição do texto do ETPJI, elaborado pelo Comité de juristas
da SdN

587
A previsão dos princípios gerais de direito no quadro das fontes de direito
internacional mereceu importantes reservas da parte dos voluntaristas, à época muito
influentes. De tal forma que, apesar de ser uma fonte aplicada desde há séculos na resolução de
conflitos por via judicial, surgiu e subsistiu um entendimento que a sua consagração apenas valia
para o próprio TPJI - e posteriormente para o TIJ que lhe sucedeu. Esse entendimento parece
todavia ultrapassado (Ford, 1994, p. 64); v. tb. as referências à aplicação dos princípios gerais de
direito pelo TJCE e pelas instâncias arbitrais em Dominique Carreau (1999, p. 298 ss.). Outros
autores confundiam-nos com outras fontes, em especial os costumes e as convenções (Nguyen
Quoc, Daillier, & Pellet, 1999, p. 345).
275
Rui Miguel Marrana

nos anos 20 do século passado588. A expressão que surge noutras


conven- ções dessa altura589, cuja ideia subjacente não era a introdução
de uma classificação ou discriminação entre povos. Tal como justificaria
Fréderic de Martens, pretendia-se fazer referência aos povos que
beneficiavam da civilização europeia (Carreau, Droit International, 1999,
p. 285), ou em geral, aos povos cristãos ou ocidentais - por oposição aos
bárbaros, cujas relações assentariam na força e não no direito590.
A expressão veio todavia ser contestada desde cedo, sendo
mesmo proposta a sua eliminação aquando da negociação da CNU – e
do ETIJ que surge em anexo (Weil, 1996, p. 144).

2. O conceito
O problema maior dos princípios gerais de direito não é todavia o
dos termos591 em que estes vêm referidos no ETIJ. Ele decorre da fluidez
do próprio conceito. A doutrina assinala, aliás, com muita frequência a
grande diversidade das acepções em que a expressão é utilizada. Essa
di- versidade, sendo real, é substancialmente agravada por diferentes
cir-

588
O ETIJ muito embora constitua formalmente uma convenção distinta do ETPJI repete
ipsis verbis os termos desta. Aconteceu que, aquando das negociações relativas à criação da
ONU, no final da II GM, pretendia-se a continuação do TPJI, mas isso implicava uma modificação
do seu Estatuto, adequando-o à nova organização e bem assim uma decisão relativa à nomeação
de juí- zes. Ora, tais passos teriam de fazer-se com intervenção das partes, incluindo portanto a
Alema- nha e a Itália, Estados cuja situação era ainda indefinida em alguns aspectos e cujos
representan- tes os aliados não estavam ainda dispostos a negociar (havia sido decido excluir
temporariamente tais Estados de toda a cooperação internacional). Decidiu-se, por isso, criar
formalmente um novo tribunal, o qual resultou todavia de um estatuto idêntico (o art. 92.º CNU
determinava aliás que o novo tribunal funcionasse de acordo com um Estatuto estabelecido na
base do estatuto anterior). Este veio ainda a sediar-se no mesmo edifício (o Palácio da Paz, na
Haia) e prosseguiu as práticas anteriormente adoptadas - incluindo a assunção da jurisprudência
como sendo sua (Nguyen Quoc, Daillier, & Pellet, 1999, p. 853).
589
Vejam-se a título de exemplo, os preâmbulos das Convenções da Haia de 1899 e 1907
cujo excerto é referido infra na nota 597.
590
Embora matizada – e defensável na sua essência – a expressão não deixa de assentar
numa presunção que não apenas é intolerável (na medida em que introduz uma estratificação)
como nem sequer beneficia de apoio histórico. Na verdade, foi no seio da civilização europeia
que eclodiram as duas guerras mundiais e, mesmo já na era contemporânea, o continente
europeu regista algumas das mais graves manifestações de intolerância, incluindo a prática de
crimes como o genocídio. A civilização europeia não parece, assim, constituir propriamente
garantia do império do direito.
Trata-se efectivamente de uma relíquia do chauvinismo europeu, como referiu o juiz
Am- moun na sua declaração de voto ao acórdão de 20.02.1969 do TIJ, relativo à Plataforma
Continen- tal do Mar do Norte (CIJ/ICJ, 1969, p. 133 ss.).
591
A menor clareza dos termos resulta também do esforço de conciliação entre as
corren- tes positivisas e jusnaturalistas (Riedel, 1991, p. 58 ss.).

276
Décima sexta lição: princípios gerais de direito

cunstâncias. Desde logo, porque as diferentes acepções reflectem tam-


bém posturas distintas quanto à própria existência dos princípios gerais.
E depois porque, com frequência, assentam na confusão entre três reali-
dades distintas: os princípios gerais de direito, os princípios gerais de di-
reito internacional e ainda algo que poderemos designar em termos ge-
rais como princípios de direito natural.
Vejamos, por isso, cada uma dessas circunstâncias.
2.1. Imperatividade, inexistência e posições intermédias
Na sua lição na Academia de Direito Internacional na Haia, em
1962, o juiz Waldock sumariava as posições doutrinais explicando que,
de um lado, temos juristas como Verdross que vêm na alínea c) do n.º 1
do art. 38.º ETIJ o acolhimento do direito natural o qual se assume como
um li- mite ao próprio direito positivo. No outro extremo encontramos
juristas como Guggenheim ou Tunkin que consideram que a mesma
disposição nada acrescenta à matéria coberta pelos tratados e pelo
costume, já que os princípios apenas constituirão fonte de direito
internacional na medida em que sejam consagrados em tratados ou
reconhecidos pela prática es- tadual592. Entre estas posições extremas
situa-se a maioria dos juristas que tende a encarar os princípios gerais
como referências a que os julgadores internacionais podem recorrer na
resolução de conflitos se a sua aplicação for adequada no contexto das
relações inter-estaduais (Harris, 2004, p. 44)593. Fiquemo-nos, por
cautela, pela posição intermé- dia (que corresponde à que inspirou a
redacção594 do art. 38.º ETIJ e surge na maioria das decisões judiciais595
internacionais (ibidem, 45).

592
Esta perspetiva positivista permanece até aos nossos dias em importantes sectores da
doutrina americana (Berman M. N., 2017).
593
Em sentido muito próximo v. Shaw (2008, p. 99) e Christina Voigt (2008, p. 6).
594
Nas discussões havidas sobre a proposta de redacção do art. 38º apresentada pelo Ba-
rão Descampes, foi a referência aos princípios gerais de direito que maior debate levantou no
comité de juristas e depois na Assembleia da SdN (Fitzmaurice, 2016, pp. 5, 8). Naquele comité
alguns juristas concebiam os princípios gerais de direito (internacional) como decorrendo dos
princípios constantes nas ordem interna dos Estados – posição voluntarista que prevaleceu –
enquanto outros os entendiam como princípios decorrentes da ordem natural ou da razão
humana (Weil, 1996, p. 144).
Estas discussões não significam, todavia, que o reconhecimento dos princípios gerais de
direito tenha ocorrido com a introdução do art. 38.º do ETPJI. De facto, as instâncias
internacionais aplicam esta fonte desde a Idade Média (Verdross A. , Les principes généraux du
droit applicables aux rapports internationaux, 1938, p. 45). Os debates eram apenas sinal da
afirmação do positivismo que tendencialmente reduzia o direito internacional às convenções e
costume (ibidem).
595
O TIJ tem-se mostrado comedido na invocação de princípios gerais enquanto funda-
mento das suas decisões (situação diversa das declarações anexas juntas pelos seus membros)

277
Rui Miguel Marrana

2.2. Princípios gerais de direito e princípios gerais de direito


internacional
Vejamos agora a diferença entre os princípios gerais de direito e
os princípios gerais de direito internacional (assinalando mais as
relações mútuas do que propriamente a diferenciação). Para esse efeito,
vejamos um elenco das acepções de princípios gerais de direito
utilizadas na prá- tica internacional, adiantado por Dominique Carreau
(1999, p. 285 ss.):
•conjunto de regras de direito que regulam as relações internaci-
onais (o que corresponderia todo o direito internacional) 596,
•regra fundamental de direito internacional (que não teria
acolhi- mento convencional ou consuetudinário)597;
•qualificação específica de uma regra internacional
(sublinhando- se, assim, a sua generalidade e importância) 598;
•conjunto de princípios jurídicos e políticos que regulam as rela-
ções internacionais (coexistência pacífica, não ingerência, etc.)599;
•conjunto de princípios comuns aos grandes sistemas de direito
contemporâneo aplicáveis à ordem internacional.
Nguyen Quoc Dihn esclarece a propósito que uma coisa serão os
princípios gerais de direito internacional  que se deduzem do espírito
dos costumes e de outras regras internacionais em vigor (maxime das
convenções) e que portanto decorrem dessas fontes  e outra serão os

deixando por esclarecer em algumas circunstâncias se se refere a costumes ou princípios e,


nestes, se se trata de princípios nacionais ou internacionais (Harris, 2004, p. 45).
596
Esta acepção foi expressa pelo TPJI logo no seu seu acórdão de 7.09.1927 no caso
Lotus, em que afirma expressamente que o sentido do termo princípios gerais de direito não
pode, se- gundo o uso comum, significar outra coisa que o direito internacional tal como está em
vigor entre todas as nações que fazem parte integrante da comunidade internacional (CPJI/ICPJ,
1927, pp. 16- 17). É também evidenciável no Parecer de 4.02.1932, do mesmo TPJI relativo ao
tratamento dos nacionais polacos e de outras pessoas de origem ou de língua polaca no
território de Dantzig (CPJI/ICPJ, 1932, pp. 23-24).
597
Cfr. Preâmbulos (§ 8) das Convenções II (1899) e IV (1907) da Haia, quando se referem
aos princípios de direito internacional tal como resultam dos usos estabelecidos entre as nações
civilizadas, das leis da humanidade e das exigências de consciência pública.
598
Cfr. Ac. de 13.09.1928, do TPJI, caso da fábrica de Chorzow, quando refere que o
Tribu- nal constata que é um princípio geral de direito, até mesmo uma concepção jurídica geral,
que toda a violação de um compromisso implica a obrigação de reparar (CPJI/PCIJ, 1928, p. 29).
599
Dominique Carreau (1999, p. 286) recorda a propósito os cinco princípios inscritos que
viriam a regular as relações entre a Índia e a China, depois da ocupação do Tibete por este
estado (respeito pela integridade territorial e a soberania, não agressão, não-ingerência nos
assuntos in- ternos, igualdade e mútuos benefícios, coexistência pacífica). Esses princípios
comummente de- signados por Panch-Sila (ou Pancha-Sila) vieram a ser incorporados no acordo
sino-indiano de 29 de Abril de 1954 sendo repetidos e referidos em inúmeras declarações ao
longo de todo o período da guerra fria, inspirando mesmo os acordos de normalização leste-
oeste dos anos 70.

278
Décima sexta lição: princípios gerais de direito

princípios gerais de direito  os quais surgem primariamente nas ordens


internas e são depois transpostos para a ordem internacional (Nguyen
Quoc, Daillier, & Pellet, 1999, p. 346). No elenco de Dominique Carreau
as primeiras quatro acepções referem-se exactamente a princípios
gerais de direito internacional600 e só a última se refere a princípios
gerais de direito.
2.3. Princípios gerais e princípios de direito natural
A segunda distinção será entre princípios gerais e princípios de di-
reito natural. A propósito, vejamos um segundo elenco de acepções,
desta feita adiantado por Oscar Schachter (Peoples, 2005):
•princípios de direito interno reconhecidos pelas Nações civiliza-
das;
•princípios gerais de direito derivados da especial natureza da
co- munidade internacional;
•princípios intrínsecos à ideia de direito em todos os sistemas ju-
rídicos;
•princípios válidos em todos os tipos de sociedades nas relações
hierárquicas e de coordenação e
•princípios de Justiça fundados na natureza do homem
enquanto ser racional e social.
Neste elenco, a primeira, terceira e quarta acepções remetem
para aquilo que foi anteriormente definido como princípios gerais de
direito tout court, ao passo que a segunda acepção se refere aos
princípios gerais de direito internacional e a última, aos princípios de
direito natural.
Será interessante recordar que na redacção da alínea c) do n.º 1
do art. 38.º do ETIJ foi pretendido por alguns autores admitir-se o
recurso ao
600
Esta confusão ocorre com frequência mesmo em decisões judiciais. Veja-se por exem-
plo a declaração de voto do Juiz Evensen no Parecer do TIJ de 15.12.1989 relativo à
aplicabilidade do artigo VI, secção 22, da Convenção relativa aos Privilégios e Imunidades das
Nações Unidas. Ali se afirma que a integridade da família e da vida familiar constitui um direito
humano fundamental protegido pelos princípios vigentes de direito internacional que decorrem
não apenas do direito internacional convencional ou o direito consuetudinário mas também dos
«princípios gerais de direito reconhecidos pelas Nações civilizadas». E fundamenta tal afirmação
no facto desse direito estar reconhecido pela DUDH e bem assim, por considerar imprescindível
o seu respeito para um exercício independente pelos peritos das suas funções nas NU (CIJ/ICJ,
1989, pp. 210-211).
Curiosamente o mesmo juiz Evensen, dois anos antes, no Parecer de 27.05.1987 do
mesmo tribunal relativo ao recurso da sentença n.º 333 do Tribunal Administrativo das Nações
Unidas, juntou uma declaração de voto na qual faz referência ao princípio geral de direito
segundo o qual o poder discricionário deve ser exercido segundo procedimentos estabelecidos
(CIJ/ICJ, 1987, pp. 161-162). Aqui o conceito de princípio geral de direito remetia para os
princípios origi- nários das ordens internas (reconhecidos portanto, nos grandes sistemas de
direito contemporâ- neo).
279
Rui Miguel Marrana

direito natural (Ford, 1994, p. 65)601. Essa concepção não era todavia
unâ- nime (o positivismo dominava aliás, por essa altura),
permanecendo con- troversa.
2.4. Critério de determinação dos princípios de direito interna-
cional
Face à fluidez das concepções e à confusão entre princípios gerais
e princípios de direito internacional convém assinalarmos os critérios de
determinação.
A concepção dominante dos princípios gerais de direito previstos
no art. 38.º ETIJ (enquanto fonte de direito internacional, portanto) vai
no sentido de um conjunto de princípios comuns 602 aos grandes siste-
mas603 de direito contemporâneo que acabam por ser transpostos604
para a ordem internacional. Aqui a legitimidade dos princípios radica no
seu prévio reconhecimento no foro domestico (Voigt C. , 2008, p. 7).
Repare-se todavia que, a atermo-nos nessa concepção, não
poderíamos considerar como princípios a coexistência pacífica, a não
ingerência, o respeito pela integridade territorial e a soberania, ou a não
agressão. De facto nenhum desses princípios é detectável enquanto tal
na ordem interna dos grandes sitemas contemporâneos. E não parece

601
A frequente ausência de regras positivas ou consuetudinárias no início da formação
do direito internacional foi muito frequentemente suprida pela referência aos princípios
reconheci- dos nas ordens internas dos Estados que, nessa qualidade, se lhe impunham portanto
(Peoples, 2005). Acontece que a própria origem de tais princípios no plano interno era
frequentemente considerada como sendo de direito natural, aí radicando portanto a confusão
entre as perspecti- vas.
602
Tal como explica Christopher Ford, a aferição do carácter geral do princípio é
efectuável segundo um processo comparatista ou categoricista. O primeiro impõe o
levantamento  mais ou menos exaustivo  das diferentes ordens jurídicas no sentido de nelas
aferir da existência do pretendido princípio. O exemplo mais evidente desse esforço terá sido
levado a cabo por Portugal que, em defesa dos pretendidos direitos de passagem em território
indiano se refere a sessenta e quatro sistemas. O segundo método seria o de fundar a
generalidade do princípio na sua raciona- lidade, ou seja na evidência dos seus postulados (Ford,
1994, p. 65 ss.). O processo categoricista não deixa de se aproximar da perspetiva que identifica
os princípios gerais com o direito natural.
603
Segundo René David (1998), seriam o sistema romano-germânico, o sistema da com-
mon law, os direitos socialistas, os direitos religiosos (islâmico, budista, indu), etc. O desapareci-
mento dos direitos socialistas e a fragilidade dos direitos religiosos parece autorizar uma perspe-
ctiva simplificada. Serão princípios comuns aos grandes sistemas de direito contemporâneo
aque- les que encontremos nos sistemas romano-germânico e da common law desde que não
exclusi- vamente ocidentais e não sejam abertamente contrariados por outros sistemas.
604
Louis Le Fur analisando o disposto no art. 38.º/1 c) ETPJI assinalava na primeira
metade do século XX a falta de clareza do conteúdo da norma e as diferentes acepções
doutrinais para concluir (apoiando-se na jurisprudência internacional) que aquela disposição
assinalava apenas o facto de que qualquer princípio geralmente reconhecido pelas nações
civilizadas pode ser imposto a qualquer uma delas que o não contrarie numa situação particular
(Le Fur, 1939, pp. 246-247).

280
Décima sexta lição: princípios gerais de direito

que devamos por isso retirar a qualquer um deles o carácter jurídico.


Isso obriga-nos a descortinar outra origem dos princípios gerais do
direito, na qual se enquadrem.
Nesse sentido parece podermos considerar que os princípios
gerais, além de induzidos dos sistemas nacionais, podem também ser
deduzidos da lógica jurídica internacional (Voigt C. , 2008, p. 7).
2.5. Princípios enquanto proposições primeiras
A correta perceção desta concepção impõe todavia mais algu-
mas explicações, a primeira das quais deve dirigir-se à própria noção de
princípios: proposições primeiras descortinadas, por indução ou
dedução, das regras particulares.
Comecemos então por verificar o significado desta afirmação.
Procurando não recuar demasiado na explicação, talvez devêsse-
mos ter presente que existem dois métodos fundamentais para a fixação
de regras: ditando-as (ou seja, por via da estipulação através de uma au-
toridade competente dos critérios que serão aplicados na resolução dos
conflitos específicos) ou abstraindo-as (retirando-as a partir da observa-
ção de decisões concretas)605. Nos nossos dias a maioria das regras surge
segundo o primeiro método (são, portanto, ditadas pela autoridade
com- petente). Por isso, a própria concepção de princípios gerais é tão
impre- cisa. É que estes decorrem do segundo tipo de procedimentos
assinala- dos. Os princípios, tal como se referiu, descortinam-se desde
logo por indução de regras particulares, ou seja: é a partir da observação
de conjuntos de regras606 específicas, que podem abstrair-se os
princípios estruturantes desses conjuntos. Os princípios são, portanto,
necessariamente mais abrangentes do que as regras607.
Também os princípios deduzidos da lógica jurídica internacional
resultam da observação de conjuntos de regras (internacionais),

605
Sobre a matéria, v. Jeffrey J. Rachlinski (2005).
606
Nesse sentido, Caleb Nelson (2006), afirma que o conceito de princípios gerais ou di-
reito geral se refere a regras que não se situam sob o controlo de uma única jurisdição, mas,
pelo contrário, reflectem princípios ou práticas comuns a diferentes jurisdições.
607
Em termos técnicos é frequente assinalar-se que - ao contrário da norma jurídica que
é composta por uma hipótese (que enquadra ou limita em termos abstractos as situações a que
a regra se dirige) e uma estatuição (que corresponde à consequência) - o princípio, sendo de
apli- cação geral, não tem hipótese, A título de ilustrações recorde-se o princípio do pacta sunt
ser- vanda (de aplicação geral a todos os contratos, incluindo nestes as convenções
internacionais – cf. art. 27.º CV69) e a norma (excepcional) da excepção do incumprimento
(exceptio non adimpleti contractus) que autoriza portanto a cessação da vigência de uma
convenção bilateral como con- sequência da violação substancial das suas regras pela outra
parte (art. 60.º CV69).

281
Rui Miguel Marrana

conferindo vectores estruturantes destas, os quais hão-de também


caracterizar-se pela maior abrangência.
É este carácter tendencialmente muito abrangente – e por isso,
indeterminado (Voigt C. , 2008, p. 9) – que os torna fonte supletiva
(Nguyen Quoc, Daillier, & Pellet, 1999, p. 347). Apenas quando não
existem regras específicas que regulem a matéria, deve o juiz recorrer
aos princípios gerais608.
Esta circunstância deve aliás ser realçada. De facto, a consagração
dos princípios gerais de direito visou evitar o non liquet dos juízes (Ford,
1994, p. 64; Shaw M. N., 2008, p. 98; Fitzmaurice, 2016, p. 6) - ou seja, a
não apreciação de litígios por ausência de regras positivas por referência
às quais se pudesse decidir. Temia-se todavia que por essa via se caísse
no excesso inverso: que os juízes pudessem, ao abrigo dos princípios
gerais, discorrer as regras necessárias, assumindo indevidamente uma
postura legislativa. Esse risco veio a ser minimizado com a exigência de
identificação prévia do princípio nas ordens internas. Dessa forma se
procurava impedir a afirmação de princípios ex novo. Estes devem, por
isso, ser identificados previamente nas diferentes ordens internas,
sendo além disso constatada a sua transponibilidade (Nguyen Quoc,
Daillier, & Pellet, 1999, p. 348) e obrigatoriedade609. Ou – se não provêm
das ordens internas – deve ser claramente demonstrado o seu carácter
estruturante610 dos regimes internacionais – o que normalmente se fará
por remissão à jurisprudência ou à doutrina (Verdross A. , 1938, p. 48).

608
Assim, por exemplo nos EUA, o Restatment (Thirth) of Foreign Relations caracteriza os
princípios gerais de direito como fonte secundária: estes servem para suprir lacunas ( gap fillers),
aplicando-se apenas quando não existam regras convencionais ou consuetudinárias (Peoples,
2005). No mesmo sentido, no direito australiano – utilizando praticamente os mesmos termos –
sublinha-se a função de integração de lacunas (gap-filling role), sempre que a aplicação de
outras fontes não evidencie uma resposta clara. Sublinha-se, por outro lado, que a formulação
dos prin- cípios gerais por ser tão abrangente e flexível, pode não fornecer uma orientação clara
(The Law Society of New South Wales, 2010, p. 35). V. tb. Shaw (2008, p. 98).
609
Verdross (1938, p. 49) afirmava que, sendo aceite pelas ordens internas dos Estados,
se pode presumir que um princípio é obrigatório no plano internacional, desde que transponível.
610
Por outro lado, existem princípios gerais de direito que se situam na base do direito
internacional convencional e consuetudinário: sem eles o direito internacional não lograria
consti- tuir um sistema unitário. Porque o direito positivo das gentes contido nos costumes e nas
conven- ções é composto por uma quantidade de regras e de precedentes isolados que, para
funcionarem
como sistema, necessitam de princípios directores (Verdross A. , 1938, pp. 49-50).

282
Décima sexta lição: princípios gerais de direito

A título de ilustração, refiram-se alguns exemplos de princípios ge-


rais de direito reconhecidos611 pela jurisprudência internacional612:
- Não beneficiar de atos ilícitos (ac. TPJI 26.07.1927, Fábrica de
Chorzow – jurisdição, p. 31);
- Obrigação de reparação integral dos prejuízos (ac. TPJI
26.07.1927, Fábrica de Chorzow – jurisdição, p. 21; 13.09.1928 Fá-
brica de Chorzow – fundo, p. 29);
- Caso julgado (parecer TIJ 23.10.1956, Decisões do Tribunal
Admi- nistrativo da OIT, p. 84)
- Ónus da prova [atori incumbit probation] (Carreau, Droit
International, 1999, p. 298)
- Força maior (ac. 12.07.1929, do TPJI, Empréstimos sérvios, pp.
39-40).

Questões de revisão
A. Questões gerais
1. Diga o que entende por princípio geral de direito e distinga esse con-
ceito de princípio geral de direito internacional (enquanto fonte de direito
inter- nacional).

B. Questões directas
1. Justifique a expressão utilizada no art. 38º/1 c) do ETIJ;
2. Refira-se às diversas acepções utilizadas para os princípios gerais de di-
reito;
3. Identifique e explique a acepção correntemente acolhida.

Bibliografia de referência
VERDROSS, Alfred von. 1935 Les principes généraux du droit dans la
jurisprudence internationale. Académie de droit international de La Haye, vol
52, pp. 191-252.

611
Não é totalmente linear o procedimento a seguir para identificar os princípios gerais,
quer nas ordens internas quer no plano internacional. Assim, o primeiro expediente a seguir será
a consulta das decisões dos tribunais (internacionais e também nacionais). Seguidamente estes
poderão procurar-se em tratados (dada a tendência de codificação ou de referenciação). As co-
lectâneas de decisões judiciais internas poderão também fornecer elementos válidos, na medida
em que os princípios gerais são muito frequentemente invocados nos tribunais nacionais
(Peoples, 2005).
612
Para uma análise de conjunto mais desenvolvida v. Shaw (2008, p. 100 ss.).

283
Rui Miguel Marrana

VERDROSS, Alfred von. 1938. Les principes généraux du droit applicables


aux rapports internationaux. Revue générale de droit international public, pp.
44-52.
WALSH, E. A. 1935: Les principes fondamentaux de la vie internationale,
Académie de droit international de La Haye, vol 53, pp. 97-176.

Leituras recomendadas
VOIGT, Christina. 2008. The Role of General Principles in International
Law and their Relationship to Treaty Law, Retfærd Årgang 31 2008 NR. 2/121,
pp. 3- 25.

Recursos on line a explorar


Pierre D’Argent - Universidade Católica de Louvain – aula (em inglês)
sobre os princípios gerais: [General Principles - 7:52]:
https://www.youtube.com/watch?v=ObSwnKQNWrM

284
XVII Lição
Fontes acessórias: jurisprudência, doutrina e
equidade

A. Objetivo

B. Jurisprudência
1. Regime do ETIJ
Refere o art. 38.º ETIJ que [o] Tribunal, cuja função é decidir em
conformidade com o direito internacional as controvérsias que lhe forem
submetidas, aplicará [...], com ressalva das disposições do artigo 59.º613,
as decisões judiciais e a doutrina dos publicistas mais qualificados das
diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras
de
direito.

2. Noção e âmbito da jurisprudência internacional


Noção
Âmbito
– Tribunais internacionais
• Sentenças/Acórdãos
• Pareceres
– Arbitragem internacional
– Tribunais nacionais

3. O uso de referências jurisprudenciais nas decisões judiciais


internacionais

613
Esta norma especifica que as decisões judiciais apenas têm efeitos obrigatórios inter
partes.

285
Rui Miguel Marrana

C. Doutrina
1. Regime do ETIJ
2. Noção e âmbito da doutrina internacional
3. O uso de referências doutrinais nas decisões judiciais
internacionais

D. Equidade
A equidade e os princípios equitativos são invocados com muita
frequência e têm uma grande relevância em domínios tão diversos e
igualmente relevantes como o respeito pelos direitos humanos, o funci -
onamento da justiça internacional, o direito do mar, o direito internaci -
onal económico e especialmente o direito relativo à indemnização em
caso de nacionalização. A própria Carta das Nações Unidas menciona a
equidade no artigo 73.º614 (Chemillier-Gendreau, 1981-1982, p.
509/510).

1. Regime do ETIJ
O nº 2 do art. 38.º ETIJ determina que [o disposto no nº 1 que
identifica as demais fontes] não prejudicará a faculdade do Tribunal de
decidir uma questão ex aequo et bono, se as partes assim convierem.
Limita portanto as decisões baseadas na equidade aos casos em que as
partes expressamente o autorizem. Este requisito nunca foi cumprido,
ou seja, nunca o TPJI ou o TIJ615 decidiram baseando-se em juízos
de
equidade.

614
São numerosas as convenções contemporâneas que remetem para a equidade. Assim,
no plano universal, vejam-se os tratados que resultam da DUDH – ambos de 16.12.1966, o Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos [art. 14.º] e o Pacto Internacional sobre os Direitos
Económicos, Sociais e Culturais, [art. 7.º e 11.º/2b)] – a Convenção de Montego Bay sobre o
Direito do Mar, de 10.12.1982 [art. 69.º, 70.º, 74.º, 76.º, 82.º, 83.º, 140.º, 144.º, 155,º, 160.º,
161.º, 162.º,
266. º, 269.º, 274.º] ou a Carta dos Direitos e Deveres Económicos dos Estados, de 14.12.1974
[art. 10.º, 14.º, 26.º, 28.º e 29.º].
615
Não obstante, a faculdade (extrarodinária) de decidir segundo juízos de equidade
(afastando, se necessário, o direito positivo) tem sido atribuída recorrentemente a instâncias
arbitrais). São assinaláveis (Carreau & Marrella, 2012, p. 358) os casos Chaco – cuja sentença
arbitral de 10.10.1932, foi proferida pelos presidentes dos EUA, Argentina, Brasil, Perú e Uruguai
establecendo a fronteira entre a Bolívia e o Paraguai decidindo ex aequo et bono (United
Nations, 1950, p. 1817 ss.) –, Pescas no Atlântico Norte de 7.09.1910 (United Nations, 1961, pp.
167-226) e I’m Alone (United Nations, 1950, pp. 1609-1618).
286
Décima sétima lição: fontes acessórias

Assim colocada a questão parece que, afinal – contrariamente à


afirmação com que abrimos a matéria –, a equidade é irrelevante
enquanto fonte de direito internacional. O que também não é verdade.
Para percebermos esta aparente contradição teremos de conferir
as acepções do próprio conceito, as quais, muito embora se complemen-
tem, são muito distintas, dando origem a diferentes âmbitos de
aplicação.

2. Acepções e âmbito da equidade


As principais acepções da equidade têm origem nas duas grandes
famílias do direito romano: a equitas romano-germânica e a equity da
common law.
266.1. A equitas
A equitas constitui fundamentalmente um modo de interpretação
do direito vigente. Assim, na aplicação das regras jurídicas deve o
julgador optar pelo sentido mais equitativo, equilibrado ou razoável
(Carreau & Marrella, 2012, p. 357). De facto, para além da velha questão
do objetivo da interpretação (se se trata de determinar o sentido e
alcance das regras no sentido pretendido pelo legislador ou segundo o
sentido normal das expressões usadas), deve ponderar-se o próprio
resultado da aplicação conferindo a adequação material do mesmo. O
critério abstracto da regra certamente que se afigura justo e equilibrado
mas, a sua aplicação concreta – dependendo da interpretação que dele
for feita –, pode não consubstanciar essa razoabilidade. Daí que, a
equidade surge aquando da aplicação da regra, impondo a adequação
do sentido desta à produção de resultados equilibrados.
É nesta perspetiva que a equidade constitui um elemento quase
omnipresente na aplicação das regras jurídicas (maxime internacionais,
já que estas têm menor capacidade de se corrigirem através dos
procedi- mentos formais de regulação). E é este o sentido que
encontramos no trecho com que abrimos a questão (supra p. 286). De
facto, principal- mente onde os regimes jurídicos internacionais
padeçam de menor

São ínúmeras as sentenças arbitrais nas quais a determinação dos montantes


indemnizatórios se fez segundo juízos de equidade. Vejam-se, enquanto exemplos mais
remotos, os casos relativos às propriedades religiosas expropriadas (França, Reino Unido e
Espanha v. Portugal) de 4.9.1920 (United Nations, 1948, pp. 7-57), às pretensões da marinha
mercante norueguesa (Noruega v. Estados Unidos da América) de 30.6.1921 (United Nations,
1948, pp. 307- 346), às pretensões Aguilar-Amory e do Royal Bank Of Canada (Grã-Bretanha v.
Costa Rica) de 18.10.1923 (United Nations, 1948, pp. 369-399), Campbell (Reino Unido v.
Portugal) de 10.6.1931 (United Nations, 1949, pp. 1145-1158), Junghans (Alamanha v. Roménia)
de 21.10.1949 (United Nations, 1950, pp. 1883-1891), etc.

287
Rui Miguel Marrana

desenvolvimento, ou onde surjam questões para as quais as regras


vigen- tes sejam insuficientes616, o recurso a princípios de equidade
acaba por ser inevitável (procurando-se que o ajustamento dos
diferentes interes- ses se faça através de uma distirbuição equilibrada e
razoável dos custos ou benefícios em causa).
266.2. A equity
Na perspetiva anglo-saxónica a equidade surge como um princípio
moderador do direito objetivo que permite a qualquer interessado a
revisão de decisões que não sejam justas, equitativas ou razoáveis.
A sua transposição para o plano internacional supõe que em deter-
minadas circunstâncias a regra positiva seja substituida ou corrigida por
um princípio de equidade. Nestas circunstâncias o julgador, se assim o
entender, decide ex aequo et bono (segundo o que é equitativo e bom),
ou seja afasta, se necessário as regras positivas sempre que entenda
que a sua estrita aplicação teria consequências não equitativas ou não
razo- áveis.
Este é o sentido mais abrangente da equidade e é em relação a
este que o art. 38.º/2 ETIJ exige o acordo das partes. De facto, nesta
perspetiva o julgador dispõe de uma margem de manobra tão
extraordinária que se só pode ocorrer com o assentimento das partes
(Carreau & Marrella, 2012, p. 357).

3. A prática judicial assente na equidade

Questões de revisão
A. Questões gerais
1.
B. Questões directas
1. Identifique e classifique as principais origens da jurisprudência
internacional;
2. Identifique e classifique a doutrina internacional;

616
Dominique Carreau e Fabrizio Marrella (2012, p. 357) distinguem aqui um terceiro
âmbito ou sentido da equidade: a integração de lacunas. Trata-se, afinal, de uma consequência
do sentido romano-germânico (a mesma razoabilidade ou equilíbrio que impõe à interpretação
serve como critério último se outro não existir ou concorrer). O recurso à equidade para efeitos
do preenchimento de lacunas pode ser conferido em decisões arbitrais tais como a relativa aos
prejuízos sofridos nas colónias portuguesas (Portugal v. Alemanha) de 31.7.1928 (United
Nations, 1949, pp. 1011-1077).

288
Décima sétima lição: fontes acessórias

3. Refira-se ao significado da expressão ex aequo et bono do artº 38º ETIJ.


v. Kennedy 1987 - The Sources of International Law. pp. 45 ss
tb. Prosper Weil – 141 ss.
Chemillier-Gendreau 1982 - la signification des principes equitables dans le droit
international
Strupp, K. 1930 : Le droit du juge international de statuer selon l'équité,
Académie de droit international de La Haye vol 33, 351-482.
Habicht, M. 1934: Le pouvoir du juge international de statuer «ex aequo et
bono», Académie de droit international de La Haye vol 49, 277-372.
Mouskhéli (M.). 1933 - L'équité en droit international moderne, Revue
générale de droit international public, pp. 347-373

Bibliografia de referência

Leituras recomendadas
CARREAU, Dominique, MARRELLA, Fabrizio. 2012. Droit international.
11ème édition, Paris: Pedone, pp. 357-362
HILGARD, Mark, BRUDER, Ana Elisa. 2014. Unauthorised Amiable
Compositeur? Dispute Resolution International, Vol 8, No 1, pp. 51-62

Recursos on line a explorar

289
XVIII Lição
Fontes não previstas: atos unilaterais e atos
concertados

A. Objetivo
A prática estadual conduzida ao longo do século XX veio a acolher
atos susceptíveis de produzirem efeitos jurídicos que extravasam do
elenco das fontes previstas no art. 38.º ETIJ617.
Trata-se de figuras cuja essência pode ser alcançada por referência
ou comparação com as convenções internacionais – já que podem
englobar-se num conceito amplo de convenções imperfeitas (Mengesha,
2014, p. 177 ss.). Assim, os atos unilaterais distinguem-se das con-
venções por não envolverem acordos de vontade, mas consistirem tão-
só na expressão da vontade de um Estado (que se obriga
unilateralmente, portanto, sem que existam acordos de vontades ou
conviviência entre sujeitos na origem das obrigações). Inversamente os
atos concertados assentam ou derivam de acordos de vontades, mas
dos quais as partes não pretendem fazer derivar efeitos jurídicos
vinculativos.
Assim, por referência à noção de convenção internacional vista
anteriormente (cf. p. 124 ss.), aos atos unilaterais falta o elemento
sinalagmático – o acordo (cf. p. 125 ss.) – enquanto que aos atos
concertados falta o carácter vinculativo (cf. p. 132 ss.). De facto, é
perante uma perceção aprofundada destas figuras que aqueles
elementos poderão ser correctamente apreendidos.

617
A doutrina americana (e anglo-saxónica em geral) tem, neste domínio, uma
abordagem que evidencia a profunda diferença nos conceitos entre a common law e o direito
romano- germânico (que os anglo-saxónicos apelidam frequentemente de civil law). Assim,
aquela doutrina atribui às principais fontes de direito internacional – as convenções e o costume
– um carácter legislativo por entender que o conceito se refere à produção normativa através de
procedimentos identificados como sendo adequados à produção de obrigações juridicamente
vinculativas (Shelton, 2008, p. 1). O atributo legislativo no quadro românico-germânico refere-se
à fonte que se caracteriza por ser expressão da vontade da autoridade competente – e nessa
medida não poderemos incluir nele o costume ou as convenções (já que aquele tem natureza
espontânea e estas resulta de acordos de vontade).
O problema reside no facto de na língua inglesa o termo law se referir à lei e ao direito
em geral. E por isso a indicação do carácter legislativo visa primariamente atribuir ou referir a
nature- za jurídica (vinculativa).

291
Rui Miguel Marrana

As figuras surgem e desenvolvem-se enquanto institutos jurídicos


internacionais ao longo do século XX sendo actualmente incontornáveis
(pese embora o seu peso no quadro das fontes seja limitado, como
veremos).

B. Atos unilaterais
Cf. Aleš Weingerl [Thesis] http://oxford.academia.edu/Ale
%C5%A1Weingerl

1. Noção e justificação
Os atos unilaterais são atos imputáveis a um único618 sujeito de direito
internacional – ou seja, cuja concretização ou perfeição dispensa o
concurso de outra parte (A/CN.4/L.543 p. 4) – através dos quais este
assume obrigações619 juridicamente vinculativas (e, por isso, são fonte
imediata de direito internacional).
A redacção final do primeiro620 princípio orientador aplicável às de-
clarações621 unilaterais dos Estados susceptíveis de criar obrigações
jurídicas refere-se às declarações formuladas publicamente que expri-
mem uma vontade de assumir um compromisso, explicando que estas
podem ter como efeito a criação de obrigações jurídicas. Adianta ainda
que sempre que se reúnam as condições necessárias, o carácter obriga-
tório de tais declarações funda-se na boa-fé; nesse caso, os Estados inte -
ressados poderão tê-las em conta e basear-se nelas; esses Estados
podem exigir o respeito dessas obrigações (CDI/ILC, 2006, p. 169).
No ac. do TIJ de 20.12.1974, relativo aos ensaios nucleares, esta
instância explica bem o assunto: reconhecidamente as declarações
revestindo a forma de atos unilaterais incidindo sobre situações de

618
Cf. infra (p. 287) as referências relativas à unilateralidade.
619
A doutrina salienta que, na verdade, os atos unilaterais, para além da assumpção de
compromissos podem ter ainda em vista o exercício de direitos soberanos - como sejam as
delcarações relativas às águas territoriais - ou ainda afirmação de uma posição própria - como
acontece no reconhecimento ou protesto (Dupuy P.-M. , 2000, p. 20). Este conceito mais
alargado não é o que foi adoptado pela CDI por questões práticas: o que é relevante são as
declarações visando a assumpção de compromissos. Fora disso encontramos essencialmente
atos unilaterais não autónomos (cf. infra p. 295 ss.).
620
O primeiro princípio tinha em vista essencialmente oferecer uma definição de acto
unilateral (stricto sensu, ou seja aquilo que adiante referiremos como atos unilaterais autónomos
– cf. infra p. 291 ss.) indicando o seu fundamento, refectindo a jurisprudência sobre o assunto –
ac. 20.12.1974, Ensaios nucleares e ac. 22.12.1986, Diferendo fronteiriço (CDI/ILC, 2006, p. 170).
621
O relator especial assumiu que todos os atos unilaterais são expressos através de
declarações e, por isso, passou a usar os termos como equivalentes (Salvador, 2007, pág. 469).

292
Décima oitava lição: fontes não previstas

direito ou de facto podem ter como efeito a criação de obrigações


jurídicas. As declarações desta natureza podem ter e frequentemente
têm um objeto muito preciso. Quando o Estado autor da declaração
assume dever comportar-se em conformidade com esses termos, esta
intenção confere à tomada de posição o carácter de um compromisso
jurídico, ficando o Estado em questão juridicamente obrigado a adoptar
uma linha de conduta conforme com a sua declaração. Um compromisso
desta natureza, expresso publicamente e com a intenção de se vincular,
mesmo fora do quadro de negociações internacionais, tem um efeito
obrigatório. Nestas condições, não é necessária qualquer contrapartida
para que a declaração produza os seus efeitos, seja uma aceitação
posterior ou mesmo uma réplica ou reacção de outros Estados, pois isso
seria incompatível com a natureza estritamente unilateral do acto
jurídico através do qual o Estado se pronunciou (CIJ/ICJ, 1974, p. 267
§43).
De facto, tal como reconhecia décadas mais tarde o Relator
especial Víctor Rodríguez Cedeño, no início dos trabalhos da CDI sobre a
matéria, os Estados agem unilateralmente no plano internacional
assumindo, por vezes, por essa via, obrigações. A importância dos atos
unilaterais vem crescendo622 com as rápidas transformações políticas,
económicas e tecnológicas que afectam a comunidade internacional, em
particular com o notável desenvolvimento dos meios de expressão e
transmissão de posições e da conduta dos Estados (A/CN.4/L.543, p.2).
Compreende-se naturalmente que um compromisso assumido
publicamente em termos claros e precisos possa e deva considerar-se
como vinculativo para o Estado que o efectue. A insistência num
carácter puramente político apenas por este não revestir os termos
precisos de uma das fontes de direito internacional seria um excesso
formalista sem cabimento. Por isso, a constatação da existência e valor
dos atos unilaterais não é actualmente questionada pela doutrina ou
prática623 dos Estados. Mas levanta problemas uma vez que afastado o
critério formal das fontes perguntar-se-á, então, como distinguir os
atos

622
Há mesmo autores que defendem tratar-se da forma mais utilizada de criação de
obrigações do direito internacional público contemporâneo (Salvador, 2007, pág. 455).
623
Para além do caso francês (ter a França assumido publica e repetidamente a
obrigação de cessar os ensaios nucleares – por declarações públicas em 8 e 11 de Junho, 25 de
Julho, 16 de Agosto, 25 de Setembro e 11 de Outubro de 1974, no caso que vimos referindo) e
do caso norueguês (a declaração do Ministro Ihlen a que voltaremos adiante na nota 632), são
ainda exemplos a reter o da declaração egípcia de 24 de abril de 1957 relativa aos acordos sobre
a gestão do canal do Suez ou o do anúncio de 31 de Julho de 1988 do Rei Hussein da Jordânia
sobre a ruptura dos laços jurídicos entre este Estado e a Cisjordânia (CDI/ILC, 2006, p. 170).

293
Rui Miguel Marrana

susceptíveis de criarem obrigações jurídicas vinculativas dos atos


políticos (ou de outra natureza) que não visam a produção de tais
efeitos?

2. Caracterização
O caminho a seguir para responder à questão com que
terminamos o ponto anterior – a distinção entre atos unilaterais (fontes
de obriga- ções juridicas vinculativas) e outros atos (políticos, em geral,
não vincu- lativos) – será o da caracterização dos atos jurídicos
unilaterais. Essa caracterização tem evoluído. A doutrina
tradicionalmente referia apenas três (tipicidade, imputabilidade e
publicidade624) mas essa grelha mos- trou-se insuficiente, vindo a
evoluir. Passemos, pois, em revista o elenco das características que vêm
sendo referidas e estudadas nos últimos anos.
2.1. Unilateralidade
A primeira característica poderia considerar-se implícita, na
medida em que é essencial à própria noção e, por isso, foi já referida: os
atos unilaterais são atos imputáveis a um único sujeito, ou seja, concre-
tização ou perfeição dispensa o concurso de outra parte.
Essa unilateralidade não afasta a eventual prática conjugada (os
chamados atos unilaterais conjuntos): os atos unilaterais podem ser
praticados por mais do que um Estado, mas sem que (entre os Estados
em causa) exista um acordo de vontades (um sinalagma). Neste caso
todos produzem a mesma declaração no mesmo sentido. Ou, como,
referia o Relator do grupo de trabalho sobre a matéria, não se excluem
os atos “colectivos” ou “conjuntos”, na medida em que sejam realizados
por diversos Estados que não ajam no sentido da regulação das suas
relações mútuas, mas pretendendo exprimir em simultâneo ou paralelo,
enquanto bloco unitário, uma mesma vontade de produzir determinados
efeitos jurídicos, sem que os outros sujeitos ou “partes” tenham de
convergir em termos de aceitação ou reciprocidade (A/CN.4/L.543, p. 4).
2.2. Tipicidade
A doutrina, não querendo afastar-se totalmente das exigências
formais das fontes, referia frequentemente a exigência da tipicidade.

624
No relatório do grupo de trabalho em 1997 eram indicadas já cinco características
essenciais: i) a imputabilidade do acto a um Estado, considerado como sujeito de direito
internacional; ii) a natureza unilateral do acto; iii) o conteúdo normativo: manifestações de
vontade com a intenção de produzir efeitos jurídicos internacionais; iv) publicidade da
manifestação de vontade; v) força obrigatória reconhecida pelo direito internacional
(A/CN.4/L.543 p.6).

294
Décima oitava lição: fontes não previstas

Assim, só poderiam constituir atos unilaterais aqueles que revestissem


uma das formas normalmente usadas (cf. infra os elencos dos atos
unilaterais dos Estados – p. 300 ss. - e das organizações internacionais -
p. 302 ss.). A prática veio, todavia, a revelar-se diversa, com os Estados a
manifestarem ou produzirem atos unilaterais revestidos de formas
muito distintas e em múltiplas circunstâncias (A/CN.4/L.543, p.2),
usando expressões também elas díspares – atos unilaterais, declarações
unila- terais, compromissos unilaterais, obrigações unilaterais, atos
jurídicos unilaterais, transacções unilaterais, entre outras (p.5 §16).
No texto final dos princípios orientadores aplicáveis às declarações
unilaterais dos Estados susceptíveis de criar obrigações jurídicas
(A/61/10
p. 384 ss.) abandonou-se a exigência da tipicidade apontando-se ao
enquadramento e ao conteúdo. Nesse sentido o princípio orientador 3
estipula que [p]ara determinar os efeitos jurídicos [dos atos unilaterais]
é necessário ter em conta o seu conteúdo, as circunstâncias de facto nas
quais se produziram e as reacções que suscitaram.
2.3. Imputabilidade
Todo o acto unilateral tem de ser imputável a um Estado - ou um
grupo de Estados (ou a uma organização internacional, como adiante
veremos). A demonstração dessa imputabilidade é, portanto, um requi -
sito necessário, o qual faz surgir o problema da determinação dos
agentes (e/ou das funções) com capacidade de obrigar este.
Nesta matéria o TIJ explicou que as declarações escritas de um
sim- ples funcionário não constituem um acto unilateral imputável a um
Estado (ac. 12.10.1984, Delimitação das fronteiras na região do golfo do
Maine625). No entanto, uma declaração do Presidente da República 626 ou
do Ministro da Defesa constituem um acto unilateral imputável a um
Estado (ac. 20.12.1974, Ensaios nucleares).
Parece, portanto, claro que os atos podem emanar de órgãos exe-
cutivos ou legislativos, desde que com competência para vincular o pró-

625
Depois de expôr as posições canadiana (que invocava a correspondência trocadas com
funcionários americanos do Departamento de Estado) e americana que recusava retirar daí uma
aceitação por não existirem afirmações finais do Secretário de Estado, o TIJ reviu a
jurisprudência relevante e afirmou que no caso em apreço não se encontram reunidas as
condições de aquiscência da parte dos Estados Unidos (§ 148, p. 310).
626
No caso, a Nova Zelândia não havia considerado o comunicado de 8.6.1974 do Presi-
dente da República francesa e a correspondência diplomática de 10.6,194 – nos quais se
garantia a cessação dos ensaios nucleares – como elementos susceptíveis de porem fim ao
diferendo entre os dois países, mas o TIJ considerou que se tratava de garantias suficientes por a
França se ter obrigado através das referidas declarações (cf. § 28, p, 466).

295
Rui Miguel Marrana

prio Estado. Acolhendo esta ideia, o texto relativo aos princípios orienta -
dores aplicáveis às declarações unilaterais dos Estados susceptíveis de
criar obrigações jurídicas (A/61/10 p. 384 ss.) afirma que [u]ma declara-
ção unilateral apenas vincula internacionalmente um Estado se emanar
de uma autoridade competente para esse fim. Em virtude das suas
funções, os chefes de Estado, chefes de governo e ministros dos negócios
estrangeiros são competentes para formular tais declarações 627. Outras
pessoas628 que representem o Estado em determinados domínios podem
estar autorizadas a obrigar este, por declarações suas, em matérias da
respectiva competência (princípio 4). Nada parece impedir, por outro
lado, a prática de atos por pessoas que não representem o Estado (por
inerência ou mandato expresso), sendo estes posteriormente sujeitos a
confirmação, nos termos do regime aplicável aos tratados (Salvador,
2007, pág. 461).
2.4. Vinculatividade
Os atos unilaterais apenas são fonte de direito na medida em que
envolvam declarações destinadas a produzir efeitos jurídicos (maxime
assumir obrigações629) – ou, nos termos do primeiro princípio
orientador, quando exprimem uma vontade de assumir630 um
compromisso.
Esta característica é evidentemente essencial, na medida em que é
dela que advém a distinção de outros atos (unilaterais) discricionários

627
Na decisão de 03.02.2006 relativa às actividades armadas no território do Congo, o TIJ
afirmou que esta regra (da imputabilidade ao Estados dos atos destes responsáveis) é constante
na sua jurisprudência, que refere expressamente (p. 29 §54).
628
A competência de outras pessoas – que não os tradicionais representantes internaci-
onais do Estado – resulta de uma prática recente que foi referida na decisão do TIJ de
03.02.2006 relativa às actividades armadas no território do Congo (p.27 §47).
629
Alguma doutrina retira daqui um carácter heteronormativo – na medida em que criam
direitos para outros sujeitos de direito internacional (Salvador, 2007, pág. 467). Trata-se aqui de
um uso do conceito normativo paralelo ao de vinculativo, comum na doutrina americana mas
que julgamos no mínimo discutível.
630
Quem assume o compromisso é o Estado (ou, sendo caso disso, outro sujeito) que
efectua a declaração. De facto, em regra os atos unilaterais apenas criam obrigações para que
efectua a respectiva declaração (cf princípio orientador 9). Este princípio admite como excepção
os casos em que outro ou outros Estados interessados tenham aceitado claramente essa
declaração (segunda parte do princípio orientador 9). A referência à excepção baseou-se na
situação ocorrida com a Proclamação Truman de 28.9.1945 a qual limitava os direitos dos
demais Estados à plataforma continental americana e que, menos do que recções negativas
originou declarações semelhantes da parte de outros Estados vindo a regra a ser acolhida na
Convenção de Genève de 1958 (CDI/ILC, 2006, p. 174). Nesse sentido a proclamação constituiu o
ponto de partida de uma regra consuetudinária que viria a obter consegração positiva, tal como
o próprio TIJ reconheceu no seu ac. de 20.2.1969 relativo à plataforma continetal do Mar do
Norte (CIJ/ICJ, 1969, pp. 32-33 §47).

296
Décima oitava lição: fontes não previstas

sem efeitos vinculativos (declarações de cortesia, declarações diplomá -


ticas, declarações políticas, etc.).
A verificação dessa intenção em assumir um compromisso deve
fazer-se tendo em conta o seu conteúdo, as circunstâncias de facto nas
quais se produziram e as reacções que suscitaram631 (princípio
orientador 3).
2.5. Clareza e precisão
A exigência da clareza e precisão surge no princípio orientador 7
que estipula expressamente que uma declaração unilateral apenas gera
obrigações para o Estado que a formulou se o seu objeto for claro e
preciso. E acresenta que [e]m caso de dúvida quanto ao alcance das
obrigações resultantes de tal declaração, essas obrigações devem ser
interpretadas restritivamente.
Compreende-se o cuidado em causa: tratando-se, por um lado, de
declarações unilaterais – em que, portanto, não há sequer o crivo
silagmático ou a conferência própria de um diálogo inter partes – e, por
outro, da assumpção de obrigações através de atos em relação aos quais
não existem exigências formais específicas (ou seja, não sendo possível
retirar o carácter vinculativo da forma em que estas são apresentadas),
não pode senão limitar-se a geração de obrigações aos casos em que
seja evidente e inequívoca. A interpretação restritiva surge nesse
mesmo sentido.
A referência à exigência de clareza e precisão remonta ao ac. do
TIJ de 20.12.1974 no caso dos ensaios nucleares (CIJ/ICJ, 1974, p. 267
§43), tendo sido retomada no ac 3.2.2006, sobre as actividades armadas
no Congo (CIJ/ICJ, 2006, p. 28 e 29 §50 e 52).
A interpretação restritiva em caso de dúvida surgiu também no ac.
relativo aos ensasios nucleares franceses (CIJ/ICJ, 1974, pp. 267, §44)
2.6. Exigências formais
Não existem propriamente exigências formais para os atos unilate-
rais. Assim, as declarações unilaterais [que os consubstanciam] podem

631
Tal como se refere o Grupo de Trabalho (CDI/ILC, 2006, p. 170/1), a redacção do
princípio 3 inspira-se nos termos do ac. 20.12.1974 do TIJ no caso dos ensaios nucleares (CIJ/ICJ,
1974, p. 269/270 §51), os quais foram retomados nas decisões relativas ao diferendo fronteiriço
(22.12.1986) e às actividades armadas no território do Congo (19.06.2002).
A referência à relevância do contexto para a aferição da vontade em assumir um
compromisso (jurídico) decorreu da análise das declarações suissa (relativa aos privilégios do
pessoal das NU, de 5.08.1946), egípcia de 24.04.1957 e jordana de 31.07.1988 (referidas infra na
nota 623).

297
Rui Miguel Marrana

ser formuladas por escrito ou oralmente (princípio orientador 5). Isso


havia sido afirmado desde cedo, na jurisprudência internacional: o TPJI
reconheceu expressamente e validade das declarações orais (ac.
5.4.1933, Goenlândia Oriental632) e o TIJ decidiu no mesmo sentido (ac.
20.12.1974, Ensaios nucleares633).
Não existem também exigências quanto ao destinatário que não
tem de ser preciso, podendo (as declarações) ser dirigidas à comunidade
internacional no seu conjunto, a um ou vários Estados 634 ou a outras
entidades (princípio orientador 6).
O único requisito que permanece parece ser o da publicidade dos
atos unilaterais – que foi, aliás, afirmado desde o início do seu reconhe -
cimento como fonte de direito internacional. Dele parece poder retirar-
se um carácter receptício: os atos unilaterais apenas produzem efeitos
na medida em sejam conhecidos dos seus destinatários (não sendo,
toda- via, necessária a sua aceitação635, uma vez que dependem apenas
da boa- fé – cf. ac. TIJ 20.12.1974, Ensaios nucleares (CIJ/ICJ, 1974, p.
268 §46).

3. Validade
O regime da validade dos atos unilaterais permanece dependente
dos regimes gerais das demais fontes de direito internacional (em
especial dos tratados).
O texto relativo aos princípios orientadores aplicáveis às declara -
ções unilaterais dos Estados susceptíveis de criar obrigações jurídicas
(A/61/10 p. 384 ss.) apenas refere ser nula toda a declaração unilateral

632
Neste acórdão o TPJI considerou (entre outros elementos) que uma declaração em
22.07.1919 do Sr. Ihlen, Ministro dos Negócios Estrangeiros norueguês implicava o reconheci -
mento da soberania da Dinamarca sobre o território da Groenlândia Oriental (disputado pela
Noruega). Os termos dessa declaração haviam sido de que os planos do governo real [dinamar-
quês] relativos à soberania da Dinamarca sobre o conjunto da Groenlândia [...] não merecem
objecções da parte da Noruega (CPJI/PCIJ, 1933, pp. 36-37).
633
O TIJ refere neste acórdão que no que toca à forma, convém notar que não estamos
perante um domínio no qual o direito internacional imponha regras estritas ou especiais. O facto
de ser escrita ou oral não acarreta qualquer diferença essencial […] A forma não é portanto
decisiva (CIJ/ICJ, 1974, p. 267/8 §45). Não obstante, a prática mostra um predomínio da forma
escrita (CDI/ILC, 2006, p. 172).
634
A prática incide em boa parte sobre declarações prestadas no âmbito de relações
bilaterais que, nessa medida, têm um destinatário preciso. Subsistem, todavia alguns atos que
podem considerar-se como tendo sido dirigidos à comunidade internacional no seu conjunto, Tal
é o caso da Declaração egípcia de 24.04.1957, da proclamação Truman de 28.09.1945, parte dos
atos franceses relativos aos ensaios nucleares (em 1974) e bem assim a renúncia jordana ao
território da Cisjordânia de 31.07.1988 (CDI/ILC, 2006, p. 173).
635
Cf. infra nota 638 in fine.

298
Décima oitava lição: fontes não previstas

contrária a uma norma imperativa de direito internacional geral636


(princípio orientador 8).
A doutrina inclina-se todavia para a aplicação por analogia do
regime dos tratados (Skubiszewski, 1991, p. 230) 637. De facto, os atos
unilaterais são declarações de vontade (Salvador, 2007, pág. 464), a qual
tem de ser livre e esclarecida (tal como acontece nos acordos de
vontade), o que impõe a aplicação do regime relativo aos vício da
vontade (regularidade substancial do consentimento) e aos vícios
decorrentes do incumprimento das regras de direito interno
(regularidade formal do consetimento).
A doutrina considera ainda que um acto unilateral pode ficar
viciado em consequência da contrariedade de normas convencionais ou
consuetudinárias ou de princípios gerais. Daqui parece surgir – pela
primeira vez – uma relação hierárquica nas fontes de direito
internacional, na medida em que está implícita a afirmação de que os
atos unilaterais estarão sujeitos às fontes referidas no art. 38.º/1 ETIJ.
A invalidade gera a nulidade. Assim o CSNU declarou a nulidade da
anexação de Jerusalém por Israel (cf. Resolução 478 de 20.8.1980) e a
do Kuwait pelo Iraque (cf. Resolução 662 de 9.8.1990) – o que torna os
atos em questão inoponíveis a terceiros.

4. Cessação da vigência
Tal como qualquer outra fonte de direito internacional, os atos
unilaterais não têm um carácter perpétuo. Há, no entanto, que garantir
alguma estabilidade nos compromissos internacionais – o que impede
que o seu autor possa fazer cessar a sua vigência livremente.
Por isso, em princípio a cessação da sua vigência apenas pode
acontecer nos termos em que a própria declaração preveja essa
possibilidade (princípio orientador 10.i) ou com o assentimento
(explícito ou implícito) dos Estados interessados.
O TIJ havia afirmado expressamente no referido ac. de 20.12.1974
relativo aos ensaios nucleares que não pode admitir-se a existência de
um

636
A CDI considerou não haver qualquer razão para a não aplicação da regra relativa aos
tratados (CDI/ILC, 2006, p. 174), sendo que, por outro lado, o TIJ, no ac. de 3.2.2006 não afastou
ou questionou a possibilidade dessa aplicação (CIJ/ICJ, 2006, p. 33 §69).
637
O Relator especial chegou a introduzir uma norma expecificando as condições de
validade em tudo semelhantes ao regime dos tratados (cf. A/CN.4/500 §109-141; A/CN.4/505
§134-167; A/CN.4/525 §82-119), mas não obteve o acolhimento necessário para que o regime

299
Rui Miguel Marrana
figurasse no documento final (no qual restaria apenas uma referência à licitude do bojecto, ou
seja, à contrariedade com regras de jus cogens).

300
Décima oitava lição: fontes não previstas

poder arbitrário de revisão dos atos estaduais unilaterais (CIJ/ICJ, 1974,


p. 270 §51) – ou seja, o princípio genérico da irretratabilidade das
declarações (que figura no corpo do princípio orientador 10).
As excepções previstas resultam dos termos da declaração, como
vimos, do assentimento dos destinatários, tal como o TIJ havia referido
na sua decisão de 26.11.1984, no caso relativo às actividades militares e
para militares na Nicarágua (competência e admissibilidade) ou de uma
eventual alteração fundamental das circunstâncias (CDI/ILC, 2006, p.
174).

5. Atos unilaterais dos Estados


Cf. Miri 2012
O grupo de trabalho da CDI, muito embora o tivesse previsto, acabou
por não se debruçar sobre os tipos específicos de atos unilaterais
(Eckart, 2012, p. 3). Não obstante, os documentos produzidos
constituem um precioso repositório da doutrina e prática dos Estados na
matéria.
5.1. Atos autónomos638
[cf. Seventh report on unilateral acts of States, A/CN.4/542]
Declaração/notificação – acto [genérico] pelo qual se dá
conhecimento de uma posição /manifesta uma intenção639
Reconhecimento – acto pelo qual se constata a existência de
factos ou atos jurídicos e se admite serem os mesmos
oponíveis640

638
Alguma doutrina utiliza, neste sentido, a designação de acto unilateral puro ou acto
puramente unilateral (Salvador, 2007, pág. 460). A expressão foi também usada pelo Relator
especial no seu primeiro relatório (A/CN.4/486, §132). No terceiro relatório, porém, era usada já
a expressão de atos autónomos, explicando que essa autonomia significa que não dependem,
por um lado, de um acto anterior, quer dizer, de uma manifestação de vontade anterior, ainda
que seja certo que todo o acto unilateral se fundamenta no direito internacional; e que, por outro
lado, os acots unilaterais produzem efeitos independentemente do facto de os mesmos serem
aceites pelo destinatário (A/CN.4/505 §60).
639
La déclaration est l'acte par lequel un Etat fait connaître sa position sur une
certaine situation. Il engage ses droits et ceux des tiers (déclaration de guerre, de
neutralité,…). La notification est parfois assimilée à cette notion, mais il s'agit plutôt de
l'acte qui assure la publicité de l'acte constituant la déclaration.
640
La reconnaissance est un acte unilatéral par lequel un Etat constate
l'existence de certains faits ou actes juridiques et admet qu'ils lui sont opposables (un
Etat, une OI dont il n'est pas partie,…). Ce procédé réunit 2 éléments : - l'auteur de
l'acte n'a pas participé à la naissance de l'acte ou du fait qu'il reconnaît.
- cette situation lui devient juridiquement opposable, du fait de la reconnaissance.

299
Décima oitava lição: fontes não previstas

Protesto – [versão negativa do reconhecimento] – acto pelo


qual um Estado reserva os seus direitos face a reivindicações
alheias ou em relação a um costume em formação
Renúncia – acto de disposição de direitos641
Promessa – acto que origina novos direitos num período
futuro642
Il s'agit d'une manifestation de volonté sans rapport avec un traité ou
une coutume. L'Etat est libre de prendre ou non un tel acte. Cet acte
opposable juridiquement à son auteur, qui est lié par le comportement
qu'il a exprimé par cet acte, et ne peut pas s'en délier de façon
arbitraire. CPJI, 5/4/1933 Affaire des statuts juridique du Groenland
Oriental (Danemark c/ Norvège) : la CPJI interprète l'acte unilatéral du
ministre norvégien reconnaissant la légitimité des revendications
danoises sur le Groenland Oriental, comme constituant un engagement
ferme et liant obligatoirement la Norvège.
CIJ, 20/12/1974 Affaire des essais nucléaires : il faut interpréter l'acte
pour savoir s'il constitue un engagement obligatoire.
CIJ, 22/12/1986 Affaire du différend frontalier entre le Burkina-Faso et le
Mali : la CIJ considère que la déclaration unilatérale du chef d'Etat
malien qui, selon le Burkina-Faso, confortait un tracé de frontière
favorable au Burkina-Faso, n'a pas de force obligatoire dans la mesure
où les parties auraient pu exprimer leur accord sur ce point. L'absence
d'accord est un indice de l'intention du Mali.
A l'égard des tiers :
- l'acte unilatéral ne pourra établir d'obligations à leur égard qu'avec
leur consentement sachant que ce consentement peut être tacite, mais
ne peut pas être présumé.
CIJ, 18/12/1951 Affaire des pêcheries anglo-norvégiennes : l'acte
unilatéral crée une obligation à la charge de la Grande-Bretagne, et la CIJ
a considéré que la Grande-Bretagne par son comportement pendant
100 ans, a tacitement acquiescé l'acte unilatéral.
- l'acte unilatéral pourra créer des droits au profit des tiers, même sans
leur acquiescement, l'acte étant alors présumé être établi sur la bonne

641
La renonciation est un acte par lequel un Etat abandonne volontairement un
droit, ou renonce à une prétention (renonciation à l'immunité de juridiction devant
certaines juridictions étrangères,…).
642
La promesse est un acte unilatéral par lequel un Etat fait naître des droits
nouveaux au profit des tiers.

301
Rui Miguel Marrana

foi entre l'auteur de l'acte et les tiers. Cette solution ressort de CIJ,
20/12/1974 Affaire des essais nucléaires.
5.2. Atos não autónomos
643

: adesão, denúncia, recesso, reserva, e todo o acto que integre o


processo de vinculação. De facto, tal como referia o Relator do
grupo de trabalho da CDI no processo de formação, modificação,
execução, extinção, etc., dos tratados, os Estados adoptam atos que,
à primeira vista, encarados isoladamente, revestem um carácter
unilateral [... todavia] as características e os efeitos desses atos são
reguladas pelo direito dos tratados (A/CN.4/L.543 p. 4 §12).
Les actes conditionnés par les normes conventionnelles ou
coutumières.
· Les actes conditionnés par les règles conventionnelles :
- les actes liés aux procédures conventionnelles d'élaboration et de
vie des traités (adhésion, ratification, publicité du traité, réserve,
retrait,…). Ils devront être conformes aux règles générales de validité
du traité, et aux règles contenues dans le traité lui-même.- les actes
liés à la mise en œuvre des règles conventionnelles : tout acte
interne pris par l'Etat pour mettre en œuvre le traité, ainsi que des
actes formellement internationaux.
· Les actes conditionnés par des règles coutumières :
- il y a un effet indirect lorsque l'acte unilatéral est pris comme
pratique constitutive d'une coutume.
- un acte pris sur le fondement d'une coutume.

6. Atos unilaterais das organizações internacionais 644


Il s'agit d'une manifestation de volonté unilatérale, imputable à
l'organisation internationale (décision, recommandation, résolution,
règlement, conseil, principe, jugement, avis,…) : il ne faut pas s'en
tenir à la qualification retenue par l'organisation, car elle n'est pas
toujours appropriée.
643
certains actes unilatÈraux sont adoptÈs dans le cadre des relations conventionnelles
et sur le fondement díune habilitation expresse du droit international1 , alors que d’autres le
sont dans l’exercice de la libertÈ des …tats díagir au plan international; conformÈment aux
dÈcisions antÈrieures de la Commission, seuls ces derniers ont fait líobjet díun examen par la
Commission et son Rapporteur spÈcial (A/CN.4/L.703 p, 2 §3)
644
A CDI debruçou-se apenas sobre os atos unilaterais dos Estados. Não obstante, desde
cedo ficaria claro que com isso não se pretendia por em causa a existência ou valor jurídico dos
atos unilaterais de outros sujeitos (A/CN.4/L.543, p.4 §11).

302
Décima oitava lição: fontes não previstas

Les actes unilatéraux d'une organisation internationale sont appelés


"résolutions". Leur diversité se vérifie :
- par leur fondement : leur fondement direct est le traité constitutif
de l'organisation, mais elle sont aussi fondées sur le droit
international général (PGDI,…).
- en ce qui concerne leurs conditions d'élaboration : les organes
compétents pour les adopter sont très divers (déterminé par le
traité constitutif : organe à compétence plénière, à compétence
restreinte,…), de même que les procédures d'adoption de la
résolution. Sa force dépendra de ces deux paramètres.
- quant à leur contenu : certaines résolutions sont générales et
abstraites, d'autres individuelles et concrètes. Souvent, au sein
d'une même résolution, certaines dispositions sont générales et
abstraites, d'autres sont individuelles et concrètes.
Resoluções – acto emanado de um órgão colectivo de uma OI
Recomendações – resolução convidando o destinatário a adoptar
determinado comportamento
Decisões – atos obrigatórios para os destinatários (com ou sem
carácter normativo)
Pareceres – (equivalente às recomendações) acto judicial não
vinculativo
Sentenças – (equivalente às decisões) – atos judiciais obrigatórios Le
jugement, en tant qu'il émane d'un organe judiciaire à destination
des parties au litige, ressemble à un acte unilatéral, mais il se
distingue des autres actes unilatéraux du fait qu'il a toujours force
obligatoire. Les avis des organes judiciaires n'ont pas cette force
obligatoire, mais sur le plan juridique, il sera difficile pour un Etat
d'agir autrement qu'en respectant la solution donnée par cet avis.

2) Le régime juridique.
a) Autorité et imputabilité.
L'imputabilité : la résolution est imputable à la seule organisation
internationale, en tant que sujet de droit international, à l'exclusion de
ses Etats-membres. Elle n'engage donc que la responsabilité de
l'organisation internationale, et pas celle des Etats-membres.
3 difficultés : - certaines résolutions sont considérées comme étant
imputables aux Etats-membres. Il s'agit d'exemple rares : les décisions
du CSONU prises dans le cadre du chapitre 17 de la Charte des Nations-
Unies (maintien de la paix et de la sécurité internationale), les

303
Rui Miguel Marrana

recommandations de l'OCDE prises sous forme de principes directeurs


adressés aux entreprises multinationales,… Ces résolutions conjointes
des Etats-membres de l'organisation, engagent la responsabilité de
chaque Etat-membre.
- le problème de la représentation de l'organisation : les agents qui
prennent des résolutions au nom de l'organisation ont-ils le droit de le
faire? Il y a un problème de degré de représentation.
- les résolutions prises par des institutions dont on ne sait pas vraiment
si ce sont des organisations internationales. Ex : la conférence sur le
droit de la mer a duré 10 ans, et il s'est produit une sorte d'institution :
quelle est la valeur juridique des actes pris? Est-ce une organisation
internationale?
L'autorité : la résolution a une autorité juridique variable en fonction de
plusieurs critères qui peuvent être cumulatifs :
- en fonction de l'importance du pouvoir reconnu à l'organisation
internationale de prendre un tel type de résolutions (à caractère
obligatoire ou sans force obligatoire)
- en fonction du contenu de la résolution (acte programmatoire ou
normatif)
- en fonction du destinataire de la résolution (l'organisation, ses
organes, ses Etats-membres, les Etats non membres).
b) Validité.
Rien n'est formalisé sur ce point : la pratique a dégagé deux grands types.
· La validité formelle : la résolution doit avoir été adoptée dans le
respect des procédures prévues pour un tel acte, par un organe qui en a
la compétence.
· La validité matérielle : la résolution doit respecter le traité constitutif
et les grands principes du droit international général. Toutefois, aucun
contrôle hiérarchique n'est prévu pour sanctionner leur invalidité : la
logique d'invalidité se transforme en une logique d'inopposabilité, dans
laquelle chaque Etat-membre étudie pour son propre compte, la validité
des résolutions de l'organisation. S'il la considère invalide, il ne la suivra
pas : le contentieux qui pourra apparaître entre cet Etat et l'organisation
internationale, devra être résolu pacifiquement.
Si l'organisation comprend un TA, il ne pourra pas intervenir, car son
pouvoir est limité aux résolutions relatives aux fonctionnaires
internationaux (fonctionnaires de l'organisation).
Vers l'émergence d'un contrôle de la validité des résolutions? Un tel
contrôle est indispensable en ce qui concerne la validité des résolutions

304
Décima oitava lição: fontes não previstas

de certains organes (CSONU,…). Un système de contrôle semble se


mettre en place par le biais de la CIJ, qui a déclaré à plusieurs reprises
être compétente pour contrôler la validité des résolutions du CSONU.
CIJ, 14/4/1992 Lockerbie (2 ordonnances en indication de mesures
conservatoires, et 2 arrêts de 1998 sur la compétence) : la Convention
de Montréal permet à la Libye de ne pas extrader ses ressortissants si
elle accepte de les juger. Le CSONU, saisi par le Royaume-Uni et les USA,
a voté une résolution obligeant la Libye à livrer ses ressortissants à la
justice écossaise. En parallèle, la Libye a demandé à la CIJ de faire
appliquer la Convention de Montréal : celle-ci a refusé de prendre des
mesures conservatoires au motif que l'art.103 de la Charte des Nations-
Unies fait primer les résolutions du CSONU sur tout traité. Elle s'est par
ailleurs réservée la possibilité d'examiner la validité de la résolution.
Cette solution est fondamentale pour l'ordre international. Le contrôle
de validité effectué par la CIJ sera sûrement par rapport à la Charte des
Nations-Unies et par rapport aux grands principes du droit international
général.
c) Terminaison.
Si le traité constitutif prévoit l'extinction des résolutions, il faudra alors
respecter la procédure prévue. Si rien n'est prévu, la résolution pourra
être abrogée par une résolution postérieure portant sur le même objet,
et adopté dans les mêmes conditions que la résolution antérieure.

Une autre possibilité (jamais arrivée) serait la nullité pour invalidité


prononcée par un organe tiers.
B/ Effets juridiques.
1) Effets au plan interne.
L'organisation peut prendre des résolutions adressées à elle-même,
pour régir son fonctionnement. Si le traité constitutif ne prévoit pas ce
pouvoir, il s'agit d'une compétence implicite de l'organisation.
· Chaque organe de l'organisation peut adopter des résolutions pour son
fonctionnement interne (règlement intérieur, création d'un organe
subsidiaire,…), ou pour le fonctionnement général de l'organisation
(nomination du secrétaire général de l'organisation). Ces deux types de
résolutions sont toujours obligatoires pour ceux qui les ont pris et pour
ceux à qui elles s'adressent.
· Les résolutions prises par un organe et s'adressant à un autre organe
auront une force juridique variable suivant les relations entre les deux
organes : s'ils sont à égalité (AGONU et CSONU), les résolutions ne
peuvent pas s'imposer ; s'il y a une hiérarchie entre eux, les résolutions

305
Rui Miguel Marrana

de l'organe supérieur s'imposeront à l'organe inférieur (les résolutions


du CSONU ou de l'AG s'imposent au secrétaire général de l'ONU).
· Les décisions de l'éventuel organe judiciaire de l'organisation
s'imposent à l'organisation internationale et à ses organes (CIJ avis,
13/7/1954 Affaire des effets des jugements du TANU = TA de l'ONU).
Certaines résolutions sont mixtes : elles s'adressent à la fois aux Etats-
membres et aux organes de l'organisation internationale pour le
fonctionnement de cette dernière. Le caractère obligatoire de la
résolution votant le budget de l'organisation internationale a été
reconnu à l'égard des organes et des Etats-membres par CIJ, 20/7/1962
(affaire Certaines dépenses des Nations Unies).
2) A l'égard des activités externes de l'organisation internationale.
a) Les décisions.
Une décision est un acte unilatéral imputable à une organisation
internationale, qui crée des obligations à la charge de ses destinataires.
L'art.25 de la Charte des Nations-Unies prévoit la soumission des Etats-
membres de l'organisation internationale aux décisions du CSONU.
Parfois, les organisations appellent "recommandation" ou "résolution"
ce qui n'est qu'une décision, et inversement. L'art.18 de la Charte des
Nations-Unies parle ainsi de "décisions" de l'AGONU puis de
"recommandations".
Au plan des effets juridiques, les décisions peuvent créer des obligations
à la charge de l'organisation internationale (obligée de s'y conformer),
ou établir des obligations à la charge des Etats-membres, à la charge
d'autres organisations internationales, ou à l'égard de simples
individus. Les décisions individuelles sont adressées à un seul
destinataire ou à un petit groupe de destinataires (les décisions de la CIJ
sont destinées aux seuls Etats-parties au différend). Certaines décisions
s'adressent à toute la communauté internationale : elles sont rares, et
seul le CSONU peut en rendre (art.39-40-41 de la Charte de l'ONU). Ce
pouvoir a été beaucoup critiqué : il était initialement limité aux cas
d'atteintes ou de menaces à la paix internationale, mais le CSONU s'est
arrogé un pouvoir général hors de ces hypothèses.
L'application des décisions est peu contrôlée, et dépend surtout de la
bonne volonté des Etats. "Les sanctions du CSONU" ont été créées pour
aider à la mise en œuvre des décisions à portée générale.
b) Les recommandations.
C'est un acte unilatéral émanant d'une organisation internationale, et
qui est dénué de force obligatoire. C'est un avis, voire une exhortation,
mais sans force juridique : c'est le moyen d'expression de l'opinion

306
Décima oitava lição: fontes não previstas

internationale.

Elles ont deux intérêts :


- c'est une norme facile à adopter (¹ traité) : il suffit d'un vote d'un
organe de l'organisation internationale.
- elles permettent de promouvoir des principes et règles, même si elles
ne leur confèrent pas de caractère obligatoire. Elles sont donc (parfois)
plus facilement acceptées.
Les Etats-membres sont libres de s'y conformer ou non.
L'effet résiduel des recommandations : il résulte du simple fait que la
recommandation a été prise sur le fondement d'un acte juridique
obligatoire (traité constitutif). Les Etats membres sont donc tenus
d'examiner la recommandation de bonne foi, et ils doivent pouvoir
exposer les raisons pour lesquelles ils ne l'appliquent pas. CIJ avis,
7/6/1955 Affaire relative au territoire du Sud-Ouest Africain : l'Afrique
du Sud doit expliquer son refus de participer à une recommandation de
l'AGONU.
La recommandation peut créer un titre juridique à agir pour les Etats-
membres : ils peuvent se baser sur une simple recommandation pour ne
pas appliquer une coutume ou un traité international, dans la seule
mesure où cela ne porte pas atteinte aux droits des tiers.
L'effet indirect des recommandations : elles peuvent être la source
d'une coutume internationale. Il pourra s'agir d'une résolution unique
suscitant une coutume internationale (résolution du 17/12/1948 qui a
conduit à l'adoption de la DUDH) ou de résolutions convergentes. Une
résolution peut ainsi cristalliser une coutume (consolider une coutume
en voie de formation) ou contribuer à créer une coutume nouvelle
(coutume sauvage).
Les critères d'identification d'une telle résolution :
- critères matériels : il faut que ce soit une résolution à effet externe,
que ses dispositions aient un caractère normatif, qu'elle soit
suffisamment précise et détaillée sans être trop technique, et il faut
déterminer l'intention de l'organe qui l'a adopté.
- critère formel : la recommandation doit avoir été adoptée pas un
grand nombre d'Etats, représentants les différents régimes juridiques du
monde.
c) Le cas particulier des Etats tiers.
Les résolutions créant des droits au profit des Etats tiers : elles ne leur
seront opposables que s'ils les acceptent tacitement.

307
Rui Miguel Marrana

Les résolutions créant des obligations au profit des Etats tiers : elles ne
leur seront opposables que s'ils les acceptent expressément.

C. Atos concertados
1. Noção
Os atos concertados (por vezes referidos como atos concertados
não convencionais) são atos de sujeitos de direito internacionais que
voluntariamente escapam ao âmbito do pacta sunt servanda, mas que
as partes – não obstante o carácter juridicamente não vinculativo –
sempre confiam na sua execução, por deferência com o princípio da
boa-fé645. De facto, é inquestionável que, nos nossos dias, os Estados (e
outros sujeitos) frequentemente establecem acordos precisos e
definitivos que clara- mente visam regular as relações recíprocas,
assumindo no entanto que tais acordos não têm carácter vinculativo
(Congressional Research Service, 2001, p. 61).
Estamos no âmbito da mera orientação de condutas646 – e ainda
não, portanto, na fixação de regras cujo cumprimento pode ser
assegurado pelos mecanismos de coacção próprios do ordenamento
jurídico (ou, se preferirmos, cujo incumprimento é susceptível de desen -
cadear os correspondentes mecanismos jurídicos de garantia). Por isso
surgem referidos frequentemente na doutrina como soft law.

645
O Dictionnaire de droit international public (dir. Jean Salmon) vai um pouco mais
longe na definição ao referir-se às regras cujo valor normativo é limitado, quer porque os
instrumentos em que figuram não são juridicamente obrigatórios, quer porque as disposições em
causa, ainda que constantes de um instrumento vinculativo, não criam obrigações de direito
positivo ou apenas criam obrigações pouco vinculativas (Tulkens, Van Drooghenbroek, & Krenk,
2012, p. 437). A doutrina official americana assume expressamente que embora tais aocordos
seja entendidos como não vinculativos, subsiste não obstante uma expectativa de
cumprimento pelas partes
(Congressional Research Service, 2001, p. 61). Nesse sentido, o Secretário de Estado americano
Henry Kissinger, ao depor perante o comité de relações externas do Senado afirmou, relati -
vamente ao acordo de devolução do Sinai de 1975, que algumas das conclusões representam
compromissos não vinculativos, mas isso não significa, naturalmente, que os EUA estejam
política e moralmente livres para agir como se estas não existissem. Pelo contrário, trata-se de
impor- tantes afirmações de política diplomática impondo a boa-fé americana enquanto
permanecerem as circunstâncias que lhes deram origem (ibidem 62/63). Para uma análise da
prática da admi- nistração americana na matéria v. (Cummins & Stewart (1999, p. 682 ss.).

646
É este carácter meramente orientador que confere à soft law uma natureza
embrionária e imprecisa (Duplessis, 2007, p. 248). Até porque se trata frequentemente de um
meio através dos quais os Estados assinalam orientações genéricas que podem vir a ser sujeitas
a alterações (Congressional Research Service, 2001, p. 62).

308
Décima oitava lição: fontes não previstas

São muitos os exemplos647 de atos concertados usados nas


relações internacionais: comunicados, declarações, cartas, códigos de
conduta, modus vivendi, memorandos, protocolos, etc.648. O elenco
surge, por vezes alargado, incluindo ainda as recomendações das
organizações internacionais, os pareceres consultivos, as declarações ou
votos de vencidos dos juízes do TIJ, ou os códigos de conduta das
multinacionais (Duplessis, 2007, pp. 249-250; Barelli, 2009, pp. 959-
960). É também frequente na doutrina incluir no elenco dos atos
concertados as convenções assinadas mas não ratificadas (Mengesha,
2014; Tulkens, Van Drooghenbroek, & Krenk, 2012, pp. 439-440).
Face a um tão alargado leque de atos capazes de integrar o concei-
to de soft law, algumas chamadas de atenção devem fazer-se, desde já.
A primeira prende-se com a importância relativa: naturalmente
que a relevância e efectividade de cada um dos atos referidos varia
(Barelli, 2009, p. 960) – sendo que a variação decorre do tipo de acto e,
bem assim, do animus preciso de cada acto.
A segunda chamada de atenção prende-se com a necessidade de
classificar – ou ordenar – o leque alargado de exemplos dados. E para o
fazermos impõe-se uma primeira distinção (que começa a ser corrente
na doutrina) relativa à natureza mole, branda ou leve (soft) que pode ter
origem649 formal – decorrendo do instrumentum que revela o acordo –
ou material – se resulta dos próprios termos negociais, ou seja do
negotium (Tulkens, Van Drooghenbroek, & Krenk, 2012, p. 438). A
origem formal parece ser o ponto de partida dominante na doutrina
(repare-se

647
Dentro dos exemplos referidos as cartas e os protocolos podem gerar alguma
confusão pois trata-se de expressões também utilizadas para designar convenções
internacionais (cf. supra
p. 133 ss.). Naturalmente que a natureza do acto não depende da designação, pelo que
importará conferir os elementos ou características do mesmo para determinar esta. Assim, no
caso (para conferir se se trata de uma convenção ou um acto concertado), o elemento distintivo
essencial será sempre saber-se se as partes pretendem ou não produzir efeitos jurídicos
vinculativos).
O termo declaração pode também ser equívoco já que é utilizado também para designar
atos unilaterais (cf. supra p. 284). Neste caso o elemento distintivo reside no facto de se tratar
de um acordo de vontades ou de uma expressão unilateral.
648
Essa junção não deixa de ter lógica: de facto, nas convenções assinadas há já um
acordo de vontades (o acordo relativo ao texto da convenção) mas este ainda não produz efeitos
vinculativos (já que, para isso, faltam ainda as necessárias declarações de vontade nesse
sentido). O TIJ no seu ac. de 16.03.2001 relativo à delimitação marítima e questões territoriais
entre Qatar e Bahrein afirmou (§91) que o tratado anglo-otomano de 1913 era claro ao atribuir
a responsabilidade governativa sobre a península Dibal e Qit’at Jaradah ao Sheikh Jasim-bin-Sani
(do Qatar) e seus sucessores, afastando qualquer pretensão de soberania pelo Bahrein. Ou seja,
o TIJ admitiu que sendo o conteúdo do tratado claro e inequívoco em relação à questão objeto
da disputa, os seus termos constituíam a expressão adequada do entendimento das partes no
momento da assinatura pelo que, mesmo na falta de ratificação, tinha o valor legal bastante.
649
Essa diferença é clara na definição da nota 645 supra.
309
Rui Miguel Marrana

que os exemplos que indicamos no parágrafo anterior constituem


partem, também eles, da distinção a partir do tipo de instrumento
revelador do acto). Porém, em direito internacional o negotium assume
uma relevância especial (Weil, 1996, p. 135) - tal como afirma o TIJ na
decisão de 26.05.61 relativa ao Templo de Préah Vihéar (CIJ/ICJ, 1961, p.
31).
Dentro dessa primeira distinção podemos introduzir a segunda,
agregando os diferentes tipos de instrumentos. Assim, dentro da soft
law podemos encontrar (1) atos concertados em sentido estrito – ou
seja acordos (entre Estados) sem carácter vinculativo, (2) atos não
vinculativos de organizações internacionais (aqueles em que a
cencertação surge por via de uma estrutura negocial permanente e
ainda
(3) atos de ONG’s com natureza reguladora (Blutman, 2010, pp. 607-8).

2. Importância
A regulação da vida internacional através de atos não vinculativos
constitui uma prática tradicional650 que responde à complexidade
crescente da sociedade internacional (Duplessis, 2007, p. 248) e que
resulta em boa parte651 da dificuldade de sujeitar os Estados a quaisquer
obrigações vinculativas652. Mesmo se, na actualidade, essa dificuldade
vem diminuindo, o facto é que continua a ser mais fácil construir
soluções
políticas do que desenhar regimes jurídicos vinculativos 653. E as normas
constantes dos atos concertados definem desde logo – e quase sempre
de forma clara – os comportamentos desadequados, o que constitui um
importante elemento de prevenção (por potenciar a natural adequação
650
O termo soft law ter-se-á afirmado na doutrina no final dos anos 60 – embora tenha
sido referido na primeira metade do século XX (Duplessis, 2007, p. 252) – vindo a generalizar-se
o debate nos anos 80 (Blutman, 2010, p. 605).
651
A doutrina assinala outras motivações frequentes como seja tratar-se de processos
negociais consideravelmente menos dispendiosos, a insegurança das perspectivas futuras, os
diferenciais de poder entre os Estados, etc. (Raustiala & Slaughter, 2013, p. 551).
652
Na verdade, ao assentar no princípio da igualdade soberana dos Estados, a ordem
internacional é necessariamente descentralizada pelo que a produção e aplicação das regras de
direito internacional tende a fazer-se preferencialmente numa lógica de coordenação – e não de
subordinação, como acontece com a ordem interna dos Estados (Duplessis, 2007, p. 247). Ora os
atos não vinculativos consubstanciam exactamente um mecanismo de coordenação.
653
Mesmo no âmbito interno, a realização da Justiça passa em parte por mecanismos
não vinculativos (funcionamento do mercado, estruturas caritativas ou de voluntariado,
mecanismos de resolução de conflitos exteriores ao quadro legal, etc.). Por outro lado, a ordem
social resulta em parte de sanções meramente morais, de incentivos sociais, etc. (Shelton, 2008,
p. 2). E também os Estados se vêm sentindo cada vez mais compelidos a adequarem o seu
comportamento a compromissos sem carácter vinculativo (Barelli, 2009, p. 960). Por isso,
alguma doutrina prefere não considerar o carácter não vinculativo como afectando a
juridicidade da soft law, mas antes como uma característica, afirmando mesmo não ser defeito,
mas feitio (Pronto, 2015, p. 942).
310
Décima oitava lição: fontes não previstas

da maioria dos agentes). Nesse sentido, nos nossos dias os padrões de


comportamento internacionais resultam com grande probabilidade da
interacção de diferentes instrumentos654, independentemente da sua
natureza (Barelli, 2009, p. 959).
Por outro lado, a fragilidade destes instrumentos torna mais fácil a
obtenção dos necessários consensos – porque são menores as
exigências procedimentais655 e ainda porque os Estados mantêm a
possibilidade de reequacionar os seus interesses656 e corrigir as suas
posições (Raustiala & Slaughter, 2013, p. 552; Duplessis, 2007, p. 250).
Na medida em que os respectivos termos se mostrem eficazes657,
permitem que, em fases subsequentes, se avance para quadros
vinculativos. É por isso que na doutrina se sublinha frequentemente o
carácter pré-convencional658 – ou mesmo pré-consuetudinário – dos
atos concertados (Duplessis, 2007, p. 258).
É também corrente a caracterização dos atos concertados como
tendo uma função predominantemente política. Na doutrina americana
é comum fazer-se coincidir o carácter vinculativo com o carácter jurídico
propriamente dito. É nesse sentido que a soft law é frequentemente
considerada como tendo uma natureza meramente política. Essa
posição vem, todavia, evoluindo admitindo-se de forma cada vez mais
evidente que neste domínio surgem instrumentos ou regras que têm
indícios jurídicos659 internacionais, aos quais falta todavia vinculatividade
explícita (Raustiala & Slaughter, 2013, p. 551).

654
Atente-se, a propósito, no expresso reconhecimento da importância da soft law na
interpretação da CEDH (pelo próprio TEDH), que facilita a depuração de um regime universal de
Direitos Humanos, compilando as melhores práticas e produzindo sínteses em aspectos cujos
regimes permanecem fragmentados (Tulkens, Van Drooghenbroek, & Krenk, 2012, p. 436).
655
Os acordos não vinculativos permitem ainda ao Chefe de Estado ou seus agentes
celebrarem acordos com a intenção de os honrarem, mas sem a necessidade de passarem por
aquilo que pode ser antecipado como o peso de uma aprovação constitucional ou o cumprimento
das obrigações de comunicação impostas aos acordos vinculativos (Congressional Research
Service, 2001, p. 62).
656
É frequente a necessidade de flexibilidade – de manter as opções em aberto – o que
torna os acordos não viculativos mais atractivos (Congressional Research Service, 2001, p. 62).
657
Existem estudos doutrinários que assinalam um elevado nível de cumprimento dos
atos concertados (Raustiala & Slaughter, 2013, p. 552). O carácter cooperativo dos atos concer-
tados torna-os também particularmente adequados para as organizações internacionais, já que
os Estados soberanos tendem a recusar ou resistir a autoridades supranacionais (Duplessis,
2007, p. 247).
658
Alguma doutrina considera apressado este enquadramento, no sentido em nem
sempre as regras de soft law surgem face à impossibilidade ou desadequação de regras de hard
law até por poderem coexistir regras de ambas as naturezas (Pronto, 2015, p. 943).
659
É frequente na doutrina americana esta referência a indícios jurídicos, o que pretende
sublinhar a inexistência do efeito mais relevante: a criação de obrigações. De facto a doutrina

311
Rui Miguel Marrana

3. Efeitos
Vejamos agora em termos específicos quais os efeitos jurídicos
dos atos concertados. São assinaláveis dois efeitos principais.
O primeiro efeito é a neutralização da aplicação de eventuais
regras anteriores. De facto, é frequente que os atos concertados
tenham como objetivo (principal ou acessório) a adequação de regimes
jurídicos. Sendo essa a circunstância, resulta do próprio acto concertado
que as regras objeto de alteração deixam de produzir efeitos660.
O segundo efeito jurídico principal resulta do facto de as
expectativas criadas autorizarem determinadas condutas. A situação
mais relevante é a do estoppel - expressão originária do direito anglo-
saxónico que corresponde à proibição de venire contra factum
proprium. No essencial trata-se de uma decorrência da boa-fé: não é
lícito aos sujeitos pretenderem assumir posições – e delas retirarem
efeitos – que contrariem posições anteriormente expressas ou
assumidas. Donde, se de um acto concertado resulta, por exemplo, o
reconhecimento de uma circunstância ou uma transigência, não pode o
seu autor vir posteriormente a contrariar a posição alegando tratar-se
um acto não vinculativo661.
Para além desses dois efeitos jurídicos pacificamente reconhecidos
na doutrina internacional são assinaláveis outros dois efeitos com
conteúdos jurídicos residuais.
Assim, desde logo, a solicitação do cumprimento de uma
obrigação assumida por um acto concertado não configura um acto
inamistoso ou de ingerência (nos assuntos internos do seu autor). Quer
isto dizer que a inexistência do carácter vinculativo das obrigações
assumidas por atos

americana tende a considerar como não jurídico o que não seja obrigatório (Congressional
Research Service, 2001, p. 61). Parece-nos todavia mais incisiva a posição dominante na doutrina
europeia que, assumindo a inexistência de efeitos vinculativos (o que reduz a relevância jurídica
e o potencial de afectação do comportamento estadual), entende não dever, no entanto,
menosprezar-se a sua importância ou retirar-se-lhe o carácter jurídico (Barelli, 2009, p. 959).
Mas é aqui que se concentram a principais críticas doutrinais à soft law: ao questionar a teoria
formalista das fontes, relativiza o limiar da normatividade tornando menos claras as obrigações
menos precisos os conteúdos, ao mesmo tempo que põe em causa algumas estruturas básicas
da ordem jurídica contemporânea, como seja o princípio da igualdade (Duplessis, 2007, p. 252
ss.).
660
A expressão neutralização pretende sublinhar essa dupla circunstância especial: (1) as
regras anteriores deixam de produzir efeitos, não havendo todavia uma revogação em sentido
estrito já que para esse efeito seria necessário um acto com o mesmo valor e (2) o regime
aplicável deixa de ter carácter vinculativo.
661
É neste sentido que um tratado assinado e não ratificado pode servir de prova da
vontade ou reconhecimento de um dos subscritores - mesmo que este não venha a ratificar o
tratado, tal como o TIJ entendeu no ac. de 16.03.2001 relativo à delimitação marítima e
questões territoriais entre Qatar e Bahrein.

312
Décima oitava lição: fontes não previstas

concertados apenas afasta a possibilidade de o seu cumprimento ser


exigido através dos mecanismos gerais de tutela dos direitos. Mas não
impede as partes de – apelando à boa-fé das demais – solicitarem o
cumprimento das mesmas.
O segundo efeito relevante foi já referido anteriormente: os atos
concertados contribuem para a formação de convenções. E nessa
medida são, por exemplo, elementos válidos de interpretação da
vontade das partes ou do sentido das expressões nelas utilizadas.

4. Distinção das convenções internacionais


Para concluirmos a análise relativa aos atos concertados convém
apenas insistir nos elementos distintivos destes face às convenções
internacionais.
O elemento distintivo central – já referido, aliás (supra p. 291) – é
naturalmente a vontade das partes e especificamente o facto de estas
não pretenderem a produção de efeitos jurídicos vinculativos (porque,
sendo outra a vontade, estaremos perante convenções internacionais
propriamente ditas). Isso vai ter como consequência imediata uma
considerável variação dos termos e as circunstâncias da celebração do
acto: as convenções internacionais estão sujeitas a procedimentos
muito mais exigentes do que os seguidos na elaboração de atos
concertados.
Se pretendermos sublinhar a diferença a partir dos efeitos diremos
então que, desde logo (ao contrário do que acontece com as
convenções internacionais) o incumprimento dos atos concertados não
origina responsabilidade internacional – por não haver ilícito, dado o
carácter não vinculativo. Este mesmo carácter impede o controlo
jurisdicional do cumprimento de tais atos (por não haver obrigação
judicialmente exigível) – controlo esse que pode existir no quadro
convencional, embora dependa de um compromisso específico nesse
sentido (já que os tribunais internacionais não dispõem de competência
genérica). Finalmente, convém assinalar o facto de os atos concertados
não serem susceptíveis de registo internacional (que é obrigatório para
as convenções – cf. supra p. 163 ss.), nem introduzíveis na ordem
jurídica interna os Estados (cf. p. 61 ss.).

(Shelton, Commitment and Compliance: The Role of Non Binding


Norms in the International Legal System, 2000)
(Shelton, Soft Law, 2008)

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Function or Objective, Institut de Droit international, Annuaire, Vol. 61,
Tome I pp. 29 ss.
Questões de revisão
A. Questão geral
Explique em que termos se admitem fontes de direito internacional não
previstas no elenco do art. 38.º ETIJ.
B. Questões directas
1. Distinga actos unilaterais de actos concertados.
[actos unilaterais]
2. Diga o que entende por actos unilaterais justificando o seu carácter
obrigatório;
3. Distinga actos unilaterais autónomos e não autónomos, explicando a
relevância prática da distinção
4. Indique os actos unilaterais autónomos dos Estados que estudou
5. Refira-se aos actos unilaterais das OI referindo a importância destes
na regulação da vida internacional.
[actos concertados]
6. Distinga actos concertados de convenções internacionais;
8. Explique as funções e efeitos dos actos concertados;
9. Indique os principais tipos de actos concertados fazendo uma
referência sumária à sua utilização mais comum.

Bibliografia de referência

Leituras recomendadas
DUPLESSIS, Isabelle. 2007. Le vertige et la soft law: réactions doctrinales en
droit international. Revue québécoise de droit international, Hors-série,
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https://www.youtube.com/watch?v=BPbWF22Q1B8&t=2s
[Unilateral Acts of International Organizations [5:41]:
https://www.youtube.com/watch?v=F2cAkbGRHZQ
[General Assembly Resolutions - 7:49]:
https://www.youtube.com/watch?v=CARLG_9DWUU
[Soft Law - 7:40]:
https://www.youtube.com/watch?v=Bumj-mkkrno

315
QUARTA PARTE

Sujeitos de direito internacional


XIX Lição
Sujeitos – introdução e noção

A. Objetivo

V. Observations éparses sur les caractères de la personnalité juri-


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V. Sean D. Murphy, International Law Relating to Islands
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Berezowski, C. 1938: Les sujets non souverains du droit
international, Académie de droit international de La Haye, vol. 65, 1-86.
Questões de revisão
A. Questões gerais
1.
B. Questões directas
1.
.

Bibliografia de referência #
Leituras recomendadas
Recursos on line a explorar
Pierre D’Argent - Universidade Católica de Louvain – 11 aulas (em inglês)
sobre sujeitos:
[Setting the stage - 4:13]:
https://www.youtube.com/watch?v=e-QkwYPFc6k&t=104s
[Personality under International Law - 9:19]: https://www.youtube.com/watch?
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[The Elements of Statehood - 9:50]:
https://www.youtube.com/watch?v=cj-Uvw4qEec
[State Recognition - 8:05]: https://www.youtube.com/watch?
v=euwsKG5MyqM
[Unilateral secession prohibited? - 6:43]:
https://www.youtube.com/watch?v=tyzelZ7V-UE

319
Rui Miguel Marrana

[Prolegomena - 5:02]:
https://www.youtube.com/watch?v=zh_8sWccD9w
[Self-determination of peoples - 8:19] https://www.youtube.com/watch?
v=EsrKNAo1Hd4
[State Continuity and State Succesion - 3:26];
https://www.youtube.com/watch?v=ZMA47y6tbPI
[New States and borders [11:48]: https://www.youtube.com/watch?
v=If3J6YoLeMo
[The concept of International organizations - 7:35]:
https://www.youtube.com/watch?v=21Y9zLJgrTE
[Legal Personality of International organizations - 12:21]:
https://www.youtube.com/watch?v=46qM0lpxxSo

Fischer Williams, Sir John 1933 : La doctrine de la reconnaissance


en droit international et ses développements récents, Académie de droit
international de La Haye vol 44 199-314.

320
XX Lição
O Estado soberano

A. Objetivo

Questões de revisão
A. Questões gerais
1.
B. Questões directas
1.
.

Bibliografia de referência #
Leituras recomendadas
Recursos on line a explorar

Kelsen, H. 1932: Théorie générale du droit international public.


Problèmes choisis, Académie de droit international de La Haye vol 42 117-
352.  a sucessão de Estados
Pierre D’Argent - Universidade Católica de Louvain - Aula (em inglês)
sobre o Estado [The Elements of Statehood- 9m:50s]:
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Convenções citadas

1815.07.09 – Acta Final do Congresso de Viena


1856.03. 30 - Tratado de Paris (ou Tratado de Paz sobre a guerra da Crimeia)
1885.02.26 – Acta geral da Conferência de Berlim
1887.11.28 – Convenção Sanitária Internacional
1899.07.29 – (Haia I) – Regulação pacífica de conflitos internacionais
1899.07.29 – (Haia II) – Direito da guerra em terra
1899.07.29 – (Haia III) – Adaptação ao âmbito marítimo dos princípios da Con-
venção de Genebra de 1864
1899.07.29 – (Haia IV) – Proibição do lançamento de projécteis e explosivos a
partir de balões
1899.07.29 – Declaração I – Relativa ao lançamento de projécteis e explosivos
a partir de balões
1899.07.29 – Declaração II – Relativa ao uso de projécteis destinados à difusão
de gases asfixiantes ou deletérios
1899.07.29 – Declaração III – Relativa ao uso de balas com capacidade de dila-
tação ou achatamento no corpo humano
1907.10.18 – (Haia I) – Resolução pacífica de conflitos
1907.10.18 – (Haia II) – Limitação do uso da força na cobrança de dívidas con-
tratuais
1907.10.18 – (Haia III) – Abertura de hostilidades
1907.10.18 – (Haia IV) - Direito da guerra em terra
1907.10.18 – (Haia V) – Direitos e deveres de potências neutrais e de pessoa
em situação de guerra em terra
1907.10.18 – (Haia VI) – Estatuto dos navios mercantes inimigos na abertura
de hostilidades
1907.10.18 – (Haia VII) – Conversão de navios marcantes em navios e guerra
1907.10.18 – (Haia VIII) – Colocação de minas submarinas de contacto automá-
ticas
1907.10.18 – (Haia IX) – Bombardeamento por forças navais em tempo de
guerra
1907.10.18 – (Haia X) – Adaptação à guerra marítima dos princípios da Conven-
ção de Genebra
1907.10.18 – (Haia XI) – Restrições relativas ao exercício do direito de captura
na guerra marítima
1907.10.18 – (Haia XII) – Criação de um tribunal internacional de presas

349
Rui Miguel Marrana

1907.10.18 – (Haia XIII) – Direitos e deveres das potências neutrais na guerra


marítima
1910.05.04 – Convenção Internacional para a Supressão da Escravatura Branca
(International Convention for the Suppression of the White Slave Traffic)
1910.05.04 – Acordo Internacional para a Supressão da Escravatura Branca
(Agreement for the Repression of Obscene Publications)
1910.05.18 – Acordo Internacional para a Supressão da Escravatura Branca (In-
ternational Agreement for the Suppression of the White Slave Traffic)
1919.06.28 - Tratado de Versalhes (disponível em http://ava-
lon.law.yale.edu/subject_menus/versailles_menu.asp)
1919.06.28 – Constituição da Organização Internacional do Trabalho
1919.06.28 – Tratado que criou a Sociedade das Nações (ou Pacto das Nações)
disponível em http://avalon.law.yale.edu/20th_century/leagcov.asp
1919.06.28 – Constituição da Organização Internacional do Trabalho (IOT/ILO)
1920.02.09 – Tratado de Svalbard ou Spitsbergen
1920.12.13 – Estatuto do Tribunal Permanente de Justiça Internacional (dispo-
nível em http://www.refworld.org/docid/40421d5e4.html (HTML) ou em
http://legal.un.org/avl/pdf/ha/sicj/icj_statute_e.pdf (PDF)
1921.10.20 – Convenção de Aland
1923.07.24 – Tratado de
Lausanne
1925.10.25 – Acordo entre o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do
Norte e o Reino da Suécia relativo ao casamento de Lady Mountbatten
com o príncipe herdeiro sueco.
1928.02.20 – Convenção de Havana sobre Tratados. Disponível em
http://siabi.trt4.jus.br/biblioteca/direito/legislacao/convencoes/convenca
o_havana_tratados.pdf
1928.08.27 – Pacto Briand-Kellog/ Pacto de Paris. Disponível em
http://mjp.univ-perp.fr/traites/1928briand-kellogg.htm
1928.09.26 - Acto Geral de Arbitragem
1936.07.20 - Convenção de Montreux, relativa ao regime dos estreitos
1938.09.29 – Acordo de Munique. Disponível em
http://avalon.law.yale.edu/imt/munich1.asp
1941.05.09 – Tratado de Tóquio - Convenção franco-siamesa
1945.06.26 – Carta da Nações Unidas (Diário da República I -A, n.º 117, de
22.5.1991, disponível em http://dre.pt/pdfgratis/1991/05/117A00.pdf)
1945.06.26 – Estatuto do Tribunal internacional de Justiça
1946.07.22 – Constituição da Organização Mundial de Saúde
1946.12.02 – Convenção Internacional de Regulação da Pesca da Baleia (Inter-
national Convention for the Regulation of Whaling)
1947.10.30 – Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio - General Agreement on
Tariffs and Trade (GATT)

350
Convenções citadas

1947.11.21 - Convenção sobre os privilégios e imunidades das Organizações Es-


pecializadas das Nações Unidas
1948.03.24 - Carta de Havana de (que instituía a Organização Internacional de
Comércio) Disponível em
https://treaties.un.org/doc/source/docs/E_CONF.2_78-E.pdf
1948.06.04 – Convenção da Organização Intergovernamental Marítima Consul-
tiva (Convention on the Inter-Governmental Maritime Consultative Organi-
zation) Disponível em
http://avalon.law.yale.edu/20th_century/decad056.asp
1948.12.09 – Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio.
Diário da República I-A, n.º 160, de 14.07.1998, pp. 3335, ss.
1949.05.49 – Tratado de Londres que criou o Conselho da Europa
1949.08.12 – Convenção de Genebra Relativa à Protecção das Pessoas Civis em
Tempo de Guerra (Diário da República, nº 123 de 26.05.1960).
1950.11.04 – Convenção Europeia dos Direitos do Homem (Convenção de Sal-
vaguarda dos Direitos do homem e das Liberdades Fundamentais)
1951.04.18 – Tratado de Paris que instituiu a CECA
1951.04.18 – Estatuto do Tribunal de Justiça da CECA (cujo âmbito seria alar-
gado à Comunidade Europeia e à União Europeia)
1951.06.28 - Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados. Diário da Repú-
blica I n.º 229, de 1.10.1960, pp. 2189, ss.
1953.07.27 – Armistício da guerra da Coreia
1955.05.15 - Tratado relativo ao Estado austríaco
1956.06.20 - Convention on the Recovery Abroad of Maintenance (United Na-
tions, Treaty Series, vol. 268, p. 3)
1957.03.25 – Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) – an-
teriormente Tratado da Comunidade Europeia (TCE) e Tratado da Comuni-
dade Económica Europeia (TCEE).
1958.04.29 – Convenção de Genève sobre a Plataforma Continental (Recueil
des Traités, vol. 499, p. 311)
1959.12.01 – Tratado do Antárctico (ou da Antártica) – cf.
http://www.scar.org/antarctic-treaty-system
1961.04.18 – Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (CV61)
1963.04.24 – Convenção de Viena sobre Relações Consulares (CV63)
1963.07.20 – Convenção de Yaoudé (CEE-ACP)
1965.03.18 – Convenção de Washington para a Resolução dos Diferendos Rela-
tivos aos Investimentos (Convention on the Settlement of Investment Dis-
putes between States and Nationals of Other States / ICSID Convention).
Entrou em vigor em Portugal em 1.08.1984 (cf. Aviso do MNE de 4.9.1984

351
Rui Miguel Marrana

que torna público o depósito do instrumento de ratificação) e foi publi-


cada com o acto de aprovação (V. Decreto do Governo nº 15/84 de 3/4
que inclui a versão em língua portuguesa).
1965.12.21 – Convenção Internacional sobre Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação Racial (Diário da República nº 99 de 29.04.1992).
1966.12.16 – Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Diário da Re-
pública nº 133, 1º Suplemento, de 12.06.1978)
1966.12.16 – Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Cultu-
rais (Diário da República nº 157 de 11.07.1978)
1967.01.16 - Convenção Franco-Germânica sobre a Construção e Operação de
um Reactor de Alto Fluxo (J.O. 4 juillet 1967, p. 6654)
1967.01.31 - Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados (Diário da Repú-
blica de 17.04.1975, pp. 581 ss) adicional à Convenção Relativa ao Esta-
tuto dos Refugiados, concluída em Genebra em 28 de Julho de 1951
1968.07.01 - Tratado de não Proliferação de Armas Nucleares (Diário da Repú-
blica nº 170, de 22.07.1976, pp. 1645 ss.)
1969.05.23 – Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (CV69) - 1155
UNTS 331
1969.07.29 – Convenção de Yaoundé II (CEE-ACP)
1973.12.14 – Convenção sobre a Prevenção e Repressão de Crimes contra Pes-
soas Gozando de Protecção Internacional, Incluindo Agentes Diplomáticos
(Diário da República I-A, nº 104, de 5.05.1994, pp. 2297 ss.)
1974.12.14 – Carta dos Direitos e Deveres Económicos dos Estados (adoptada
e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas)
1975.02.28 – Convenção de Lomé I (CEE-ACP)
1975.06.06 – Acordo de Georgetown, que estabelece formalmente o grupo de
Estados da Árica, Caraíbas e Pacífico (ACP)
1975.08.01 – Acto Final (Helsínquia) da Conferência sobre a Segurança e a Coo-
peração na Europa
1975.11.14 – Convenção sobre o Transporte Internacional de Mercadorias em
camiões TIR (TIR Convention)
1975.12.03 – Convénio Internacional do Café de 1976 (Diário da República I n.º
57 de 1977.03.09)
1978.08.22 – Convenção de Viena sobre Sucessão de Estados em matéria tra-
tados (CV78)
1979.03.26 – Tratado de Paz entre o Egipto e Israel
1979.10.31 – Convenção de Lomé II (CEE-ACP)
1979.12.18 – Convenção relativa à Eliminação de Todas as Formas de Discrimi-
nação das Mulheres (Diário da República nº 171 de 26.07.1980)
1980.04.11 – United Nations Convention on Contracts for the International Sale
of Goods

352
Convenções citadas

1980.11.19 – Acordo Internacional sobre o Cacau (Diário da República nº 8, de


10.01.1984)
1982.12.10 – Convenção [das Nações Unidas] de Montego Bay sobre o Direito
do Mar (Diário da República Série I-A n.º 238, 1º Suplemento, de
1997.10.14)
1984.12.08 – Convenção de Lomé III (CEE-ACP)
1984.12.17 – Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos
Cruéis, Desumanos ou Degradantes de 17.12.1984 (Diário da República I
nº 118, de 21.05.1988)
1986.02.17 – Acto Único Europeu
1986.03.21 – Convenção de Viena sobre o direito dos Tratados entre Estados e
Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais (CV86)
1986.09.26 - Convenção de Cooperação Técnica entre as Administrações Adua-
neiras dos Países de Língua Oficial Portuguesa (Diário da República n.º
120, Série I de 1988.05.24)
1986.09.26 - Convenção sobre Assistência Mútua Administrativa entre Estados
de Língua Oficial Portuguesa para Prevenção, Investigação e Repressão
das Infracções Aduaneiras (Diário da República n.º 120, Série I de
1988.05.24)
1986.09.26 - Convenção sobre Assistência Mútua Administrativa entre Países
de Língua Oficial Portuguesa em Matéria de Luta contra o Tráfico Ilícito de
Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas (Diário da República n.º
124, Série I de 28.05.1988)
1987.09.16 - Protocolo de Montreal sobre as Substâncias que Empobrecem a
Camada de Ozono (Diário da República I, n.º 200 de 30.08.1988, pp. 3562
ss.)
1989.12.15 – Convenção de Lomé IV (CE-ACP)
1990.11.20 – Convenção sobre os Direitos da Criança (Diário da República nº
211, 1ª Suplemento, de 12.09.1990)
1990.12.18 – Convenção Internacional de Protecção dos Direitos de todos os
Trabalhadores Migrantes e Membros das suas Famílias
1991.10.04 – Protocolo [de Madrid] sobre Protecção Ambiental do Tratado do
Antárctico (cf. tb. Tratado do Antárctico de 1959) –
http://www.scar.org/antarctic-treaty-system
1992.02.07 – Tratado da União Europeia (Maastricht)
1992.12.17 – North American Free Trade Agreement (NAFTA)
1993.07.16 – Acordo Internacional sobre o Cacau (Diário da República I Série A,
nº 64 de 16.03.1995)
1994.04.15 – Acta Final do GATT, assinada em Marrakesh que inclui o acordo
que cria a OMC

353
Rui Miguel Marrana

1994.07.28 - Acordo Relativo à Aplicação da Parte XI da Convenção das Nações


Unidas Sobre Direito do Mar (Diário da República I-A n.º 238, 1º Suple-
mento, de 1997.10.14)
1994.06.26 – Convénio Internacional do Café (Diário da República I-A, nº 189
de 17.08.1995)
1996.09.10 – Tratado de Proibição Total de Ensaios Nucleares / Comprehensive
Nuclear-Test-Ban Treaty (Diário da República I Série A, de 24.05.2000, pp.
2342 ss.).
1997.09.18 – Convenção sobre a Proibição da Utilização, Armazenagem e
Transferência de Minas Antipessoais e sobre a sua Destruição (Diário da
República I-A nº 23 de 28.01.1999)
1997.12.03 – Convenção sobre a Proibição da Utilização, Armazenamento, Pro-
dução e Transferência de Minas Antipessoais e sobre a sua Destruição,
(Diário da República I-A n.º 23, de 28.01.1999, pp. 512 ss.).
1997.12.11 – Protocolo de Quioto (Diário da República I-A, nº 71 de
25.03.2002) à Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Cli-
máticas de 1992 (Diário da República I-A, nº 143 de 21.06.2002),
1998.07.06 – Acordo Franco-Britânico relativo à constituição de um Grupo Aé-
reo Europeu
1998.07.17 – Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (Diário da Re-
pública I-A, nº 15, de 18.01.2002)
1998.09.11 Convenção de Roterdão Relativa ao Procedimento de Prévia Infor-
mação e Consentimento para Determinados Produtos Químicos e Pestici-
das Perigosos no Comércio Internacional (Diário da República I-A de
29.10.2004, pp. 6452-6471).
1999.06.09 – Acordo de Kumanovo
2000.05.25 – Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança
Relativo à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil,
(Diário da República I-A, n.º 54, de 5.03.2003, pp. 1492 ss.)
2000.06.23 – Convenção de Cotonou (CE-ACP)
2000.09.28 – Convénio Internacional do Café de 2001662 (Diário da República I
Série A, nº 59 de 11.03.2003, pp. 1661 ss.).
2001.03.02 - Sixth International Cocoa Agreement (United Nations, Treaty Se-
ries, vol. 2229, p. 2)
2001.06.03 – Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes
(Diário da República I Série A nº 130 de 3.06.2004).
2001.12.12 – United Nations Convention on the Assignment of Receivables in
International Trade

662
A designação oficial da convenção inclui o ano da entada em vigor (2001).
Obedecendo à regra geral identificamo-la, todavia, com a data da assinatura.

354
Convenções citadas

2003.05.21 – Convenção-Quadro da Organização Mundial de Saúde relativa ao


Controlo do Tabaco (WHO Framework Convention on Tobacco Control)
disponível em http://www.who.int/tobacco/framework/text/final/en/
2003.06.16 - Convenção-Quadro da OMS relativa ao Controlo do Tabaco (WHO
Framework Convention on Tobacco Control)
2004.05.18 – Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé (Diário da
República I Série A, nº 269 de 2004.11.16, pp. 6741 ss.)
2016.06.02 - Acordo US-UE relativo à privacidade de dados (EU-U.S. Privacy
Shield - Umbrella Agreement)

Atos normativos citados

1779.01.30 – Logan Act (1 Stat. 613, 18 U.S.C. § 953)


1946.12.14 – Resolução 97 (I) da Assembleia-geral NU relativa ao regime de re-
gisto e publicação dos tratados (cf. infra modificações de 1949.12.01,
1950.12.12 e 1978.12.18)
1949.12.01 – Resolução 364 B (IV) da Assembleia-geral NU, que modifica o re-
gime de registo e publicação dos tratados introduzido pela Resolução de
1946.12.13
1950.12.12 – Resolução 482 (V) da Assembleia-geral NU que modifica o regime
de registo e publicação dos tratados, introduzido pela Resolução de
1946.12.13
1960.10.01 - DL 43201, Diário da República nº 229 de 1 de Outubro de 1960)
que aprova para adesão a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados
1965. 12.16 - Resolução 2064 (XX) da Assembleia-geral NU, sobre a questão
das Ilhas Cook [A/RES/2064(XX)] disponível em
http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/2064(XX)
1976.09.20 – Decisão dos Representantes dos Estados-Membros reunidos em
Conselho (76/787 /CECA, CEE, Euratom) relativa à eleição dos represen-
tantes ao Parlamento Europeu por sufrágio universal directo, Jornal Ofi-
cial L278 de 08/10/1976
1978.12.18 – Resolução 33/141 A da Assembleia-geral NU que modifica o re-
gime de registo e publicação dos tratados introduzido pela Resolução de
1946.12.13
1982.07.30 – Lei Constitucional 1/82 (Primeira Revisão), Diário da República, I
Série, nº 227
1988.04.07 - Resolução do Conselho de Ministros n.º 17/88 de 7 de Abril, Diá-
rio da República n.º 109 de 11 de Maio de 1988.

355
Rui Miguel Marrana

1989.07.08 – Lei Constitucional 1/89 (Segunda Revisão), Diário da República, I


Série, nº155
1997.12.15 – Resolução A/RES/52/153 da Assembleia-geral NU
1998.07.31- Resolução 38/98 da Assembleia da República, Diário da República
I-A nº 175
2002.06.25 e de 2002.09.23 – Decisão do Conselho 2002/772/CE, Euratom,
que altera o acto relativo à eleição dos representantes ao Parlamento Eu-
ropeu por sufrágio universal directo, anexo à Decisão 76/787 /CECA, CEE,
Euratom, Jornal Oficial L 283 de 21 de Outubro de 2002.
2003.08.07 - Decreto do Presidente da República 46/2003 (que ratificada a
Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969), Diário da Re-
pública I-A, n.º181, p. 4662
2004.06.24 – Lei Constitucional 1/2004 (Sexta Revisão), Diário da República, I
Série-A, nº 173
2006.08.25 – Lei 43/2006 (Acompanhamento, apreciação e pronúncia pela As-
sembleia da República no âmbito do processo de construção da União Eu-
ropeia), Diário da República I n.º 164
2011.12.17 - Decreto-Lei 121/2011 (Lei Orgânica do Ministério dos Negócios
Estrangeiros) - Diário da República I, n.º 249
2015.12.17 - Decreto-Lei 251-A/2015 (Lei Orgânica do XXI Governo) - Diário da
República I, n.º 246, 1º Suplemento

356
Jurisprudência citada

A. Tribunais internacionais
1. Tribunal Permanente de Arbitragem
(TPA) (Permanent Court of Arbitration / Cour Permanente
d’Arbitrage – https://pca-cpa.org/)
1910.09.07 - The North Atlantic Coast Fisheries Case (Great Britain v. United
States of America) Permanent Court of Arbitration. Arbitrators: H.
Lammash; A. F. de Savornin Lohman; G. Gray; Luis M. Drago; Sir Charles
Fitzpatrick. (United Nations, 1961, pp. 167-226) (Reports of International
Arbitral Awards - Recueil des Sentences Arbitrales, vol. XI, pp. 167-221).
Available at
http://legal.un.org/docs/?path=../riaa/volumes/riaa_XI.pdf&lang=O
2016.07.12 – South China Sea Arbitration (The Republic of the Philippines v.
the People’s Republic of China). Disponível em https://pca-cpa.org/wp-
content/uploads/sites/175/2016/07/PH-CN-20160712-Award.pdf

2. Outras instâncias arbitrais


1920.09.04 - Affaire des Propriétés Religieuses (France, Royaume-Uni, Espagne
c. Portugal) Arbitres: Elihu Root (U.S.A.), A. F. de Savomin Lohman (Pays-
Bas), C. H. Lardy (Suisse). (United Nations, 1948, pp. 7-57) (Reports of
International Arbitral Awards - Recueil des Sentences Arbitrales, vol. I, pp.
7-57). Disponible sur http://legal.un.org/riaa/volumes/riaa_I.pdf
1921.06.30 – Norwegian Shipowners' Claims (Norway v. USA) Arbitrators: P.
Anderson (U.S.A.), Benjamin Vogt (Norway), James Valloton (Switzerland).
(United Nations, 1948, pp. 307-346) (Reports of International Arbitral
Awards - Recueil des Sentences Arbitrales, vol. I, pp. 307-346). Available at
http://legal.un.org/riaa/volumes/riaa_I.pdf
1923.10.18 – Aguilar-Amory and Royal Bank of Canada Claims (Great Britain v.
Costa Rica) Arbitrator: William H. Taft (U.S.A.). (United Nations, 1948, pp.
369-399) (Reports of International Arbitral Awards - Recueil des Sentences
Arbitrales, vol. I, pp. 368-399). Available at
http://legal.un.org/riaa/volumes/riaa_I.pdf
1928.07.31 – Responsabilité de l'Allemagne a Raison des Dommages Causés
Dans les Colonies Portugaises du Sud de l'Afrique (Portugal c. Alemanha).
Arbitres: Alois de Meuron (Suisse), Robert Guex (Suisse), Robert Fazy
(Suisse). (United Nations, 1949, pp. 1011-1077) Reports of International

357
Rui Miguel Marrana

Arbitral Awards - Recueil des Sentences Arbitrales, vol. II, pp. 1011-1077).
Disponible sur http://legal.un.org/riaa/volumes/riaa_II.pdf
1928.10.19 - Pablo Nájera (France) v. United Mexican States. Decision n.º 30-A
(United Nations, 1952, pp. 466-508). (Reports of International Arbitral
Awards - Recueil des Sentences Arbitrales, vol. V, pp. 466-508). Available
at http://legal.un.org/riaa/cases/vol_V/466-508_Pablo.pdf
1931.06.10 – Campbell (Royaume-Uni c. Portugal) Arbitre: le comte Carton de
Wiart (Belgique). (United Nations, 1949, pp. 1145-1158) Reports of
International Arbitral Awards - Recueil des Sentences Arbitrales, vol. II, pp.
1145-1158).
1932.10.10 – Différend relatif au Chaco (Bolívia c. Paraguay). Arbitres: les
représentants des pays suivants: Argentine, Brésil, Chili, États-Unis
d'Amérique, Pérou, Uruguay (United Nations, 1950, pp. 1817-1825).
(Reports of International Arbitral Awards - Recueil des Sentences
Arbitrales, vol. III, pp. 1817-1825). Disponible sur
http://legal.un.org/riaa/volumes/riaa_III.pdf
1933.06.30 – S.S. I'm Alone (Canada v. United States of America). Arbitrators:
Willis van Devanter (U.S.A.), Lyman P. Duff (Canada). (Reports of
International Arbitral Awards - Recueil des Sentences Arbitrales, vol. III,
pp. 1609-1619). Available at http://legal.un.org/riaa/volumes/riaa_III.pdf
1935.01.05 – S.S. I'm Alone (Canada v. United States of America). [see award of
1933.06.30]
1940.10.21 – Affaire Junghans (Deuxième Partie) (Allemagne c. Roumanie).
Arbitres: Robert Fazy (Suisse), Erich Kraske (Allemagne), Mihail Paleologu
(Roumanie). (United Nations, 1950, pp. 1883-1891) (Reports of Inter-
national Arbitral Awards - Recueil des Sentences Arbitrales, vol. III, pp.
1883-1891). Disponible sur http://legal.un.org/riaa/volumes/riaa_III.pdf
1989.07.31 - Affaire de la délimitation de la frontière maritime entre la Guinée-
Bissau et le Sénégal (United Nations, 1994, pp. 119-213). (Reports of Inter-
national Arbitral Awards - Recueil des Sentences Arbitrales, vol. XX, pp.
119-213). Disponible sur http://legal.un.org/riaa/cases/vol_XX/119-
213.pdf
1990.04.30 – Case concerning the difference between New Zealand and France
concerning the interpretation or application of two agreements concluded
on 9 July 1986 between the two States and which related to the problems
arising from the Rainbow Warrior Affair (Reports of International Arbitral
Awards - Recueil des Sentences Arbitrales, vol. XX, pp. 215-284)
1991.11.29 – Avis n.º 1 de la Commission d’arbitrage de la Conférence pour la
paix en Yougoslavie (1992).
2001.05.17 - Newfoundland/Nova Scotia arbitration. Disponível em
http://www.nr.gov.nl.ca/mines&en/publications/offshore/dispute/decisio
n.pdf

358
Jurisprudência citada

3. Tribunal Permanente de Justiça internacional (TPJI)


1923.01.16 Wimbledon. (Série A – Recueil des arrêts nº 01) Disponível em
http://www.icj-
cij.org/pcij/serie_A/A_01/03_Wimbledon_Arret_08_1923.pdf
1925.02.21 – Trocas das populações gregas e turcas. (Série B - Recueil des avis
consultatifs, nº 10) Disponível em http://www.icj-
cij.org/pcij/serie_B/B_10/01_Echange_des_populations_grecques_et_tur
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1925.03.26 – Concessões Mavrommatis na Palestina (Série A – Recueil des
arrêts nº 05) Disponível em http://www.icj-cij.org/files/permanent-court-
of-international-
justice/serie_A/A_05/15_Mavrommatis_a_Jerusalem_Arret_19250326.pd
f
1926.05.25 – Interesses alemães na Alta Silésia polaca. (Série A – Recueil des
arrêts nº 07) Disponível em http://www.icj-
cij.org/pcij/serie_A/A_06/16_Interets_allemands_en_Haute_Silesie_polo
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1927.07.26. Fábrica de Chorzow (jurisdição). (Série A – Recueil des arrêts nº 09)
Disponível em http://www.icj-cij.org/files/permanent-court-of-
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justice/serie_A/A_09/28_Usine_de_Chorzow_Competence_Arret.pdf
1927.09.07 – Lotus. (Série A – Recueil des arrêts nº 10) Disponível em
http://www.icj-cij.org/pcij/serie_A/A_10/30_Lotus_Arret.pdf
1928.09.13 – Fábrica de Chorzow - fundo (Série A – Recueil des arrêts nº 17)
Disponível em http://www.icj-cij.org/files/permanent-court-of-
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1929.07.12 – Empréstimos sérvios e brasileiros. (Série A – Recueil des arrêts nº
20, 21) Disponível em http://www.icj-
cij.org/pcij/serie_A/A_20/62_Emprunts_Serbes_Arret.pdf
1931.09.05 – Regime aduaneiro entre a Alemanha e a Áustria – Parecer (Série
A/B - Recueil des arrêts, avis consultatifs et ordonnances, nº 41). Disponí-
vel em http://www.icj-cij.org/files/permanent-court-of-international-
justice/serie_AB/AB_41/01_Regime_douanier_Avis_consultatif.pdf
1931.10.15 – Tráfego ferroviário entre a Lituânia e a Polónia. (Série A/B - Re-
cueil des arrêts, avis consultatifs et ordonnances, nº 42) Disponível em
http://www.icj-
cij.org/pcij/serie_AB/AB_42/Trafic_ferroviaire_Avis_consultatif.pdf
1932.02.04 – Tratamento de nacionais polacos em Dantzig. (Série A/B - Recueil
des arrêts, avis consultatifs et ordonnances, nº 44) Disponível em
http://www.icj-

359
Rui Miguel Marrana

cij.org/pcij/serie_AB/AB_44/01_Traitement_nationaux_polonais_Avis_co
nsultatif.pdf
1933.04.05 – Groenlândia Oriental. (Série A/B - Recueil des arrêts, avis consul-
tatifs et ordonnances, nº 53) Disponível em http://www.icj-
cij.org/pcij/serie_AB/AB_53/01_Groenland_Oriental_Arret.pdf
1934.12.12 – Oscar Chinn. (Série A/B - Recueil des arrêts, avis consultatifs et
ordonnances, nº 63) Disponível em http://www.icj-
cij.org/files/permanent-court-of-international-
justice/serie_AB/AB_63/01_Oscar_Chinn_Arret.pdf

4. Tribunal Internacional de Justiça (TIJ)


1949.04.11 – Reparação de danos sofridos ao serviço das Nações Unidas (pare-
cer). Recueil des arrêts, avis consultatifs et ordonnances, 1949, p. 172 ss.
Disponível em http://www.icj-cij.org/docket/files/4/1834.pdf
1950.11.20 – Direito de asilo (Colômbia c. Perú). Recueil des arrêts, avis consul-
tatifs et ordonnances, 1950, p. 266 ss. Disponível em http://www.icj-
cij.org/docket/files/7/1848.pdf
1951.05.28 – Reservas à Convenção para a prevenção e repressão do crime de
genocídio (parecer). Recueil des arrêts, avis consultatifs et ordonnances,
1951, p. 15 ss. Disponível em http://www.icj-
cij.org/docket/files/12/4282.pdf
1951.06.13 – Haya de la Torre (Colômbia c. Perú). Recueil des arrêts, avis con-
sultatifs et ordonnances, 1951, p. 71 ss. Disponível em www.icj-
cij.org/docket/files/14/1938.pdf
1951.12.18 – Pescas (Reino Unido c. Noruega). Recueil des arrêts, avis consul-
tatifs et ordonnances, 1951, p. 116 ss. Disponível em http://www.icj-
cij.org/docket/files/5/1808.pdf
1952.07.01 – Ambatielos (Grécia c. Reino Unido). Excepção preliminar. Recueil
des arrêts, avis consultatifs et ordonnances, 1952, p. 28 ss. Disponível em
http://www.icj-cij.org/files/case-related/15/015-19520701-JUD-01-00-
FR.pdf
1952.07.22 – Alglo-iranian Oil (Reino Unido c. Irão). Excepção preliminar. Re-
cueil des arrêts, avis consultatifs et ordonnances, 1952, p.93 ss. Disponível
em http://www.icj-cij.org/files/case-related/16/016-19520722-JUD-01-
00-FR.pdf
1952.08.27 - Direitos dos nacionais americanos em Marrocos (França c. EUA).
Recueil des arrêts, avis consultatifs et ordonnances, 1952, p.176 ss. Dis-
ponível em http://www.icj-cij.org/docket/files/11/1926.pdf
1956.10.23 - Decisões do Tribunal Administrativo da Organização Internacional
do Trabalho contra UNESCO (parecer) Recueil des arrêts, avis consultatifs
et ordonnances, 1956, p. 77 ss. Disponível em http://www.icj-
cij.org/files/case-related/30/030-19561023-ADV-01-00-FR.pdf

360
Jurisprudência citada

1957.07.06 – Empréstimos noruegueses (França c. Noruega). Recueil des arrêts,


avis consultatifs et ordonnances, 1957, p. 9 ss. Disponível em
http://www.icj-cij.org/docket/files/29/4772.pdf
1959.03.21 – Interhandel (Suíça c. EUA). Excepções preliminares. Recueil des
arrêts, avis consultatifs et ordonnances, 1959, p. 6 ss. Disponível em
http://www.icj-cij.org/docket/files/34/2296.pdf
1959.06.20 - Soberania sobre determinadas parcelas fronteiriças (Bélgica c. Ho-
landa). Recueil des arrêts, avis consultatifs et ordonnances, 1959, p. 209
ss. Disponível em http://www.icj-cij.org/files/case-related/38/038-
19590620-JUD-01-00-FR.pdf
1960.04.12 – Direito de passagem em território indiano (Portugal c. Índia). Re-
cueil des arrêts, avis consultatifs et ordonnances, 1960, p. 6 ss. Disponível
em http://www.icj-cij.org/docket/files/32/9107.pdf
1961.05.26 – Templo de Préah Vihear (Cambodja c. Tailândia). Excepções preli-
minares. Recueil des arrêts, avis consultatifs et ordonnances, 1961, p. 17
ss. Disponível em http://www.icj-cij.org/files/case-related/45/045-
19610526-JUD-01-00-FR.pdf
1962.06.15 – Templo de Préah Vihear (Cambodja c. Tailândia). Fundo. Recueil
des arrêts, avis consultatifs et ordonnances, 1962, p. 6 ss. Disponível em
http://www.icj-cij.org/files/case-related/45/045-19620615-JUD-01-00-
FR.pdf
1966.07.18 – Sudoeste africano (Libéria c. África do Sul). Recueil des arrêts, avis
consultatifs et ordonnances, 1966, p. 6 ss. Disponível em http://www.icj-
cij.org/docket/files/47/4954.pdf
1969.02.20 – Plataforma Continental do Mar do Norte (RFA c. Dinamarca). Re-
cueil des arrêts, avis consultatifs et ordonnances, 1969, p. 3 ss. Disponível
em http://www.icj-cij.org/docket/files/52/5561.pdf
1970.02.05 – Barcelona Traction, Light and Power Company, Limited (Bégica c.
Espanha), segunda fase. Recueil des arrêts, avis consultatifs et ordonnan-
ces, 1970, p. 3 ss. Disponível em http://www.icj-cij.org/files/case-
related/50/050-19700205-JUD-01-00-FR.pdf
1971.06.21 – Sudoeste africano (parecer). Recueil des arrêts, avis consultatifs
et ordonnances, 1971, p. 16 ss. Disponível em http://www.icj-
cij.org/docket/files/53/5594.pdf
1974.12.20 – Ensaios nucleares (Nova Zelândia c. França). Recueil des arrêts,
avis consultatifs et ordonnances, 1974, p. 457 ss. Disponível em
http://www.icj-cij.org/files/case-related/59/059-19741220-JUD-01-00-
FR.pdf
1978.12.19 – Plataforma Continental do Mar Egeu (Grécia c. Turquia). Recueil
des arrêts, avis consultatifs et ordonnances, 1978, p. 3 ss. Disponível em
http://www.icj-cij.org/docket/files/62/6245.pdf

361
Rui Miguel Marrana

1979.12.15 – Pessoal diplomático e consular dos EUA em Teerão (EUA c. Irão)


medidas cautelares (CIJ/ICJ, 1979). Recueil des arrêts, avis consultatifs et
ordonnances, 1979, p. 7 ss. Disponível em http://www.icj-
cij.org/files/case-related/64/064-19791215-ORD-01-00-FR.pdf
1984.10.12 – Delimitação das fronteiras na região do golfo do Maine. Recueil
des arrêts, avis consultatifs et ordonnances, 1984, p. 246 ss. Disponível em
http://www.icj-cij.org/files/case-related/67/067-19841012-JUD-01-00-
FR.pdf
1984.11.26 - Actividades militares e para militares na Nicarágua (Nicarágua c.
EUA). Competência e admissibilidade. Recueil des arrêts, avis consultatifs
et ordonnances, 1984, pp. 392-443. Disponível em http://www.icj-
cij.org/files/case-related/70/070-19841126-JUD-01-00-FR.pdf
1986.06.27 – Actividades militares e para militares na Nicarágua (Nicarágua c.
EUA). Recueil des arrêts, avis consultatifs et ordonnances, 1986, p. 14 ss.
Disponível em http://www.icj-cij.org/docket/files/70/6502.pdf
1986.12.22 – Diferendo fronteiriço (Burkina Faso c. Mali) Recueil des arrêts,
avis consultatifs et ordonnances, 1986, p. 553-651. Disponível em
http://www.icj-cij.org/files/case-related/69/069-19861222-JUD-01-00-
FR.pdf
1988.04.26 – Aplicabilidade do regime de arbitragem (parecer). Recueil des ar-
rêts, avis consultatifs et ordonnances, 1988, p. 12 ss. Disponível em
http://www.icj-cij.org/docket/files/77/6728.pdf
1992.04.14 – Lockerbie (Jamahiriya Árabe Líbia c. Reino Unido). Recueil des
arrêts, avis consultatifs et ordonnances, 1992, p. 219 ss. Disponível em
http://www.icj-cij.org/docket/files/88/7084.pdf
1994.02.03 – Diferendo territorial (Jamahiriya Árabe Líbia c. Tchad). Recueil des
arrêts, avis consultatifs et ordonnances, 1994, p. 6 ss. Disponível em
http://www.icj-cij.org/files/case-related/83/083-19940203-JUD-01-00-
FR.pdf
1994.07.01 – Delimitação marítima e questões territoriais entre Qatar e Bah-
rein (Qatar c. Bahrein) – competência e admissibilidade. Recueil des ar-
rêts, avis consultatifs et ordonnances, 1994, p. 112 ss. Disponível em
http://www.icj-cij.org/docket/files/87/6995.pdf
1995.06.30 – Timor oriental (Portugal c. Austrália). Recueil des arrêts, avis con-
sultatifs et ordonnances, 1995, p. 90 ss. Disponível em http://www.icj-
cij.org/files/case-related/84/084-19950630-JUD-01-00-FR.pdf
1996.07.08 – Licitude da ameaça ou do uso de armas nucleares (parecer). Re-
cueil des arrêts, avis consultatifs et ordonnances, 1996, p. 66 ss. Disponível
em http://www.icj-cij.org/docket/files/95/7494.pdf
1997.09.25 – Projecto Gabcokovo-Nagymaros (Hungria c. Eslováquia). Recueil
des arrêts, avis consultatifs et ordonnances, 1997, p. 7 ss. Disponível em
http://www.icj-cij.org/files/case-related/92/092-19970925-JUD-01-00-
FR.pdf

362
Jurisprudência citada

2001.03.16 – Delimitação marítima e questões territoriais entre Qatar e


Bahrein (Qatar c. Bahrein), Recueil des arrêts, avis consultatifs et
ordonnances, 2001, pp. 40-118. Disponível em
http://www.icj-cij.org/files/case- related/87/087-20010316-JUD-01-00-
FR.pdf
2002.07.10 – Actividades armadas no território do Congo (República
Democrática do Congo c. Rwanda) Recueil des arrêts, avis consultatifs et
ordonnances, 2002, pp. 219-251. Disponível em http://www.icj-
cij.org/files/case-related/126/126-20020710-ORD-01-00-FR.pdf
2006.02.03 – Actividades armadas no território do Congo (República Democrá-
tica do Congo c. Uganda). Recueil des arrêts, avis consultatifs et ordon-
nances, 2006, p. 6 ss. Disponível em http://www.icj-cij.org/files/case-
related/126/126-20060203-JUD-01-00-FR.pdf
2010.07.22 – Conformidade com o direito internacional da declaração
unilateral de independência do Kossovo (parecer). Recueil des arrêts, avis
consultatifs et ordonnances, 2010, p. 403 ss. Disponível em
http://www.icj- cij.org/files/case-related/141/141-20100722-ADV-01-00-
FR.pdf
2012.07.20 - Obrigação de acusar ou extraditar (Bélgica c. Senegal). Recueil des
arrêts, avis consultatifs et ordonnances, 2012, p. 422 ss. Disponível em
http://www.icj-cij.org/files/case-related/144/144-20120720-JUD-01-00-
FR.pdf

5. Tribunal Penal Internacional para o Rwanda (TPIR)


1999.05.21 – Kayishema et. al. (TPIR-95-1) Disponível em
http://unictr.unmict.org/sites/unictr.org/files/case-documents/ictr-95-
1/trial-judgements/fr/990521.pdf
2015.12.14 – Nyiramasuhuko et al. (Butare) (ICTR-98-42) Disponível em
http://jrad.unmict.org/webdrawer/webdrawer.dll/webdrawer/rec/23935
4/view/ e
http://jrad.unmict.org/webdrawer/webdrawer.dll/webdrawer/rec/23935
5/view/

6. Tribunal Penal Internacional da Ex-Jugoslávia (TPIY)


1998.12.10 - Furundzija (Proc. IT-95-17/I-T). Disponível em
http://www.icty.org/x/cases/furundzija/tjug/en/fur-tj981210e.pdf
1999.07.15 – Tladić (IT-94-1). Disponível em
http://www.icty.org/x/cases/tadic/acjug/fr/tad-991507f.pdf

7. Tribunal de Justiça da União Europeia663 (TJUE)


1970.12.17 – Handelsgesellschaft, procº. 11/70, Colectânea de Jurisprudência
1970, p. 1125 (versão portuguesa 1969-1970, p. 625)

663
Anteriormente designado Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.

363
Rui Miguel Marrana

1994.08.09 - França c. Comissão, proc. 327/91, Colectânea de Jurisprudência,


1994, p. 3641 ss.

8. Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH)


1995.03.23 - Loizidou c. Turquia - objecções preliminares (Proc. 15318/89). Dis-
ponível em http://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-62474
2001.11.21 - Al-Adsani c. Reino Unido (Proc. 35763/97). Disponível em
http://hudoc.echr.coe.int/eng#{"itemid":["001-59885"]}

9. Tribunal Inter-americano de Direitos do Homem (TIADH)


1982.09.24 - Opinión Consultiva OC-2/82 - efeito das reservas sobre a entrada
em vigor da Convenção Americana de Direitos Humanos. Disponível em
http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_02_esp.pdf
1993.09.10 - Aloeboetoe et al. v. Suriname. Disponível em
http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_15_ing.pdf
1994.12.09 – Responsabilidad internacional por expedición y aplicación de le-
yes violatorias de la convención. Opinión consultiva OC-14/94 Disponível
em http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_14_esp.pdf
2013.05.14 - Case of Mendoza et al. v. Argentina. Preliminary Objections, Mer-
its and Reparations. Series C No. 260. Disponível em
http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_260_ing.pdf
2014.08.28 - Case of Expelled Dominicans and Haitians v. Dominican Republic.
Preliminary Objections, Merits, Reparations and Costs. Series C No. 282.
Disponível em
http://corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_282_ing.pdf

10. NAFTA – Painel


2003.06.26 – Loewen Group, Inc. and Raymond L. Loewen v. United States of
America, ICSID Case No. ARB(AF)/98/3. Disponível em
http://naftalaw.org/disputes_us_loewen.htm

B. Tribunais nacionais
1. Portugal
1.1. Supremo Tribunal de Justiça (STJ)
1988.01.28, proc. 075221. Relator: Abel Delgado
1989.02.28, proc. 077125. Relator: José Calejo
1990.12.11, proc. 079399. Relator: Marques Cordeiro
1992.12.09, proc. 083144. Relator: Olímpio da Fonseca
2002.11.13, proc. 0152172. Relator: Mário Torres

364
Jurisprudência citada

2002.12.04, proc. 0253074. Relator: Mário Torres


2003.01.28., proc. 02A4323. Relator: Ponce de Leão
2003.10.09, proc. 0381604. Relator: Pires da Rosa
2004.12.09, proc. 0483939. Relator: Custódio Montes

1.2. Tribunal Constitucional (TC)


1992.10.08 - ac. 322/92, proc.218/90. Relator: Ribeiro Mendes
1999.08.05 - ac. 494/99, proc. 516/99. Relator: Paulo Mota Pinto

2. Argentina (Corte Suprema de Justicia de la Nación)


2004.08.24, Enrique Lautaro Arancibia Clavel

3. Canadá (Supreme Court of Canada)


1932.03.15- Arrow River & Tributaries Slide & Boom Co. Ltd. v. Pigeon Timber
Co. Ltd., [1932] 5.C.R. 495 (1932)
1970.11.30 – Capital Cities Comm. v. C.R.T.C., [1978] 2 5.C.R. 141 (1977)
2014.10.10 - Kazemi Estate v. Islamic Republic of Iran 2014 SCC 62, [2014] 3
S.C.R. 176 - 279

4. Chile (Corte Suprema de Justicia)


2004.08.26, Augusto
Pinochet

5. EUA
5.1. U.S. Supreme Court
1900.01.08, Paquete Habana, 175 U.S. 677
2004.10.13, Roper v. Simmons, No. 03-633

5.2. United States Court of Appeals, Sixth Circuit


2004.12.04 - Buell v. Mitchell (Robert A. Buell, Petitioner-Appellant, v. Betty
Mitchell, Warden, Respondent - Appellee. No. 99-4271). Disponível em
http://caselaw.findlaw.com/us-6th-circuit/1306372.html

5.3. United States Court of Appeals, Ninth Circuit


1992.05.22 - Siderman de Blake v. Argentina No. 85-5773. Disponível em
http://www.refworld.org/pdfid/56d6bf794.pdf

365
Rui Miguel Marrana

6. França (Cour de Cassation)


2000.06.02 – Assemblée plénière, (Bull. n 4) – Autorité des conventions • Auto-
rité supérieure à la loi interne
2001.05.29 – 1ere Chambre civile (Bull. n 149) – Contrôle du juge sur la régula-
rité de la ratification des traités internationaux

7. Israel (Supreme Court - Beit HaMishpat HaElyon)


2004.06.30, Beit Sourik c. Governo de Israel, HCJ 2056/04

366
Documentos citados

1. Portugueses
2003.10.18 – Projecto de Lei Revisão Constitucional 1/IX do PS – Diário da As-
sembleia da República/ II série A N.8/IX/2, Suplemento
2003.11.21 – Projecto de Lei Revisão Constitucional 2/IX, do Bloco de Es-
querda- Diário da Assembleia da República II série A N.14/IX/2, Suple-
mento
2003.11.21 – Projecto de Lei Revisão Constitucional 3/IX apresentado conjun-
tamente pelo PSD e CDS-PP – Diário da Assembleia da República II série A
N.14/IX/2- Suplemento
2003.11.21 -Projecto de Lei Revisão Constitucional 4/IX, do PCP – Diário da As-
sembleia da República II série A N.14/IX/2- Suplemento
2003.11.21 – Projecto de Lei Revisão Constitucional 5/IX, de Jamila Madeira,
do PS – Diário da Assembleia da República, II série AN.14/IX/2- Suple-
mento
2003.11.21 – Projecto de Lei Revisão Constitucional 6/IX, do PEV -Diário da As-
sembleia da República/ II série A N.14/IX/2- Suplemento)

2. SDN-ONU
1924.09.22 – Resolução da Assembleia da Sociedade das Nações, relativa à cri-
ação de um Comité de Peritos para a Codificação Progressiva do Direito
Internacional.
1947.08.14 - Resolução 82 (V) do Conselho Económico e Social
1947.11.21 – Resolução 174 (II) da Assembleia-geral, que cria a Comissão de
Direito Internacional
1948.12.03 – Resolução da Assembleia-geral que solicita ao TIJ um parecer so-
bre a personalidade internacional das NU (cf. Parecer do TIJ de
11.04.1949)
1948.12.10 – Declaração Universal dos Direitos do Homem
1950.11.16 – Resolução 478 (V) da Assembleia-geral das Nações Unidas, que
solicita ao Tribunal Internacional de Justiça e à Comissão de Direito Inter-
nacional um parecer sobre reserva à Convenção para a Prevenção e Re-
pressão do Crime de Genocídio de 1948
1952.01.12 – Resolução 598 (VI) da Assembleia-geral das Nações Unidas, rela-
tiva à formulação de reservas nas convenções multilaterais

367
Rui Miguel Marrana

1953.03.24 – Doc. A/CN.4/63 Report by Mr. H. Lauterpacht, Special Rapporteur


on the Law of Treaties (Yearbook ILC 1962, Vol II, p. 90 ss.)
1959.12.07 – Resolução 1452 (XIV) da Assembleia-geral das Nações Unidas re-
lativa à formulação de reservas em convenções multilaterais
1960.12.14 - Resolução 1514 (XV) da Assembleia-geral das Nações Unidas - De-
claração relativa ao acesso à Independência dos países e dos povos.
1962.03.26 - Document A/CN.4/144 - First report on the law of treaties, by Sir
Humphrey Waldock, Special Rapporteur (Yearbook ILC 1962, Vol II, p. 27
ss.).
1963.10.17 – Resolução 1962 (XVIII) da Assembleia-geral das Nações Unidas
(Declaração dos princípios jurídicos que regem as actividades dos Estados
em matéria de exploração e utilização do espaço extra atmosférico)
1964.03.04 – Resolução 186 do Conselho de Seguranças das Nações Unidas
que estabeleceu uma zona desmilitarizada em Chipre
1969 – Conférence des Nations Unies sur le droit des traités, Première Session
(26 mars - 24 mai 1968) – Doc. A/CONF.39/11. Disponível em
http://undocs.org/fr/A/CONF.39/11
1974.11.22 – Resolução 3237 (XXIX) da Assembleia-geral das NU relativa aos
Movimentos de Libertação Nacional
1974.12.10 – Resolução 3280 (XXIX) da Assembleia-geral das NU relativa aos
Movimentos de Libertação Nacional
1976.12.20 – Resolução 31/152 da Assembleia-geral das NU relativa aos Movi-
mentos de Libertação Nacional
1978.12.19 – Resolução 33/141 A da AG das NU que autorizou o Secretariado-
Geral a não publicar determinadas categorias de tratados bilaterais.
1980.08.20 – Resolução 478 do Conselho de Segurança das Nações Unidas que
constata o incumprimento por Israel da Resolução 476 e considera o acto
de anexação de Jerusalém contrário ao direito internacional -
S/RES/478/(1980). Disponível em https://undocs.org/fr/S/RES/478(1980)
1982.11.15 – Resolução 37/10 da Assembleia-geral das NU (Declaração de Ma-
nila sobre a Resolução Pacífica de Conflitos.
1986.12.03 – Resolução 41/71 da Assembleia-geral das NU relativa aos Movi-
mentos de Libertação Nacional
1990.08.09 – Resolução 662 do Conselho de Seguranças das Nações Unidas
que condena a invasão do Kuwait pelo Iraque e declara nula a anexação
daquele Estado S/RES/662/1990). Disponível em
http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/RES/662(1990)
1991.04.09 – Resolução 689 do Conselho de Seguranças das Nações Unidas
que estabeleceu uma missão de observação para monitorar a zona de
fronteira desmilitarizada entre o Iraque e o Kuwait.

368
Jurisprudência citada

1993.05.25 – Resolução 827 do Conselho de Segurança das Nações Unidas que


criou o Tribunal Penal internacional para a ex-Jugoslávia (ICTY - Internatio-
nal Tribunal for the Prosecution of Persons Responsible for Serious Violati-
ons of International Humanitarian Law Committed in the Territory of the
Former Yugoslavia since 1991)
1994.01.24 – Resolução 48/31 da Assembleia-geral das NU relativa ao Relató-
rio da Comissão de Direito Internacional sobre a sua 45ª sessão.
1994.11.08 – Resolução 995 do Conselho de Segurança das Nações Unidas que
criou o Tribunal Penal Internacional para o Rwanda (ICTR - International
Tribunal for the Prosecution of Persons Responsible for Genocide and
Other Serious Violations of International Humanitarian Law Committed in
the Territory of Rwanda and Rwandan Citizens Responsible for Genocide
and Other Such Violations Committed in the Territory of Neighbouring
States, between 1 January 1994 and 31 December 1994)
1995.10.03 - A/50/40 Report of the Human Rights Committee (GAOR, 50th Ses-
sion, 1996, Supp. Nº 40, vol. 1)
1996.07.25 – Resolução ECOSOC 1996/31 do Conselho Económico e Social
1997.07.08 - Actes Unilateraux des Etats - Rapport du Groupe de travail (Doc.
A/CN.4/L.543)
1997.12.15 – Resolução 52/153 da AG das NU que alargou o âmbito da não pu-
blicação de tratados no UNTS a algumas categorias de tratados multilate-
rais
1999.10.29 – Adress by Mr. Hans Corell Under-Secretary-General for Legal Af-
fairs to the Canadian Council of International Law. Disponível em
http://www.un.org/law/counsel/ottawa.htm
2004.12.02 – Resolução 59/41 da Assembleia Geral das Nações Unidas
2005.02.01 - Les effets des conflits armés sur les traités: examen de la pratique
et de la doctrine, Doc. A/CN.4/550. Disponível em
undocs.org/fr/A/CN.4/550
2005.07.01 - Dixième rapport sur les réserves aux traités, par Alain Pellet, Rap-
porteur spécial - Doc. A/CN.4/558/Add.1 (CDI/ILC, 2005, pp. 147-200).
2006 - Rapport de la Commission du droit international - Cinquante-huitième
session 1er mai-9 juin et 3 juillet-11 août 2006 – Doc. A/61/10
2011.05.11 – Doc. A/CN.4/L.777- Efeitos dos conflitos armados sobre os trata-
dos – Projecto de articulado
2013.12.16 – Resolução 68/111 da Assembleia-geral das Nações Unidas rela-
tiva ao relatório da Sexta Comissão (A/68/464) – Guia da Prática das re-
servas aos tratados
2016.03.08 – Premier rapport sur le jus cogens, présenté par Dire Tladi, Rap-
porteur spécial - Doc A/CN.4/693

369
Rui Miguel Marrana

2016.05.30 – Identificação do direito internacional consuetudinário – Texto


dos projectos de conclusão provisoriamente adoptados pelo Comité de re-
dacção - Doc A/CN/4/L.872
2016.07.28 - Aplicação provisória de tratados - Texto e títulos dos projectos de
directivas provisoriamente aprovados pelo Comité de Redacção da CDI –
Doc. A/CN.4/L.877
2017.03.16 – Deuxième rapport sur le jus cogens, présenté par Dire Tladi, Rap-
porteur spécial - Doc A/CN.4/706
2017.05.25 – Aplicação provisória de tratados - Texto e títulos dos projectos de
directivas provisoriamente aprovados pelo Comité de Redacção da CDI –
Doc. A/CN.4/L.895/Rev.1
2018.01.12 - Identification of customary international law - Ways and means
for making the evidence of customary international law more readily
available - Memorandum by the Secretariat – Doc A/CN.4/710
2018.02.12 - Troisième rapport sur les normes impératives du droit
international général (jus cogens) Présenté par Dire Tladi, Rapporteur
spécial - Doc A/CN.4/714
2018.03.14 - Cinquième rapport sur la détermination du droit international
coutumier Présenté par Michael Wood, Rapporteur spécial Doc
A/CN.4/717
2018.05.17 - Détermination du droit international coutumier - Texte du projet
de conclusions tel qu’adopté par le Comité de rédaction en seconde
lecture Doc A/CN.4/L.908

3. Outros documentos ou atos


1776.07.04 – The Declaration of Independence (United States of America)
1920.07.25 – Promulgação da neutralidade alemã relativa ao conflito russo-po-
laco.
1919.07.22 – Declaração Ihlen (Ministro dos Negócios Estrangeiros norueguês)
que implicava o reconhecimento da soberania da Dinamarca sobre o
território da Groenlândia Oriental (CDI/ILC, 2005, p. 136 ss. §116 ss.).
1945.09.28 – Proclamação Truman relativa à exploração dos recursos na
plataforma continental (CDI/ILC, 2005, p. 137 ss. §127 ss.).
1946.08.05 – Declaração do Sr. Petitpierre (chefe do Departamento Político da
Federação Suíssa) ao Sr. Trygve Lie (Secretário-Geral das Nações Unidas)
pela qual a ONU beneficiaria de um estatuto de ‘organização mais
favorecida’, ficando, por isso, autorizada reivindicar qualquer tratamento
mais vantajoso aplicado a outra organização internacional com sede na
Suíssa (CDI/ILC, 2005, p. 138 ss. §138 ss.).
1957.04.24 – Declaração egípcia relativa ao canal do Suez e aos acordos sobre
a sua gestão (CDI/ILC, 2005, p. 131 ss. §55 ss.).

370
Jurisprudência citada

1974.06.08 – Comunicado do Presidente da República francesa que declara o


fim dos ensaios nucleares atmosféricos (CDI/ILC, 2005, p. 132 ss. §70 ss.)
1974.06.11 – Nota diplomática francesa através da qual é enviado ao
Ministério dos Negócios Estrangeiros autraliano cópia do comunicado de
8 de Junho (CDI/ILC, 2005, p. 132 ss. §70 ss.).
1974.07.25 – Conferência de imprensa do Presidente da República francesa
reafirmando terem terminado os ensaios nucleares atmosféricos
franceses (CDI/ILC, 2005, p. 132 ss. §70 ss.).
1974.08.16 – Entrevista na televisão do Ministro da Defesa francês assumindo
que os ensaios nucleares franceses de 1974 seriam os últimos a realizar na
atmosfera (CDI/ILC, 2005, p. 132 ss. §70 ss.).
1974.09.25 – Declaração do Ministro dos Negócios Estrangeiros francês
perante a Assembleia Geral das Nações Unidas assumindo que os ensaios
nucleares franceses passariam a ser subterrâneos (CDI/ILC, 2005, p. 132
ss. §70 ss.).
1974.10.11 - Conferência de imprensa do Minisitro da Defesa francês
afirmando que não existiriam ensaios nucleares atmosféricos em 1975 e
que a França estava pronta para efectuar ensaios subterrâneos (CDI/ILC,
2005, p. 132 ss. §70 ss.).
1979.10 – Resolução n.º 448 da AG da Organização dos Estados Americanos
que aprova o Estatuto do Tribunal Interamericano de Direitos Humanos
1980.02 – Model Final Clauses (Council of Europe) -
https://rm.coe.int/CoERMPublicCommonSearchServices/DisplayDCTMCon tent?
documentId=090000168048613d
1988.07.31 – Declaração do Rei Hussein da Jordânia sobre a ruptura dos laços
jurídicos entre este Estado e a Cisjordânia.
1997.05.30 - Circular do Primeiro-ministro francês (Revue Générale de Droit In-
ternational Public, 1997-2, pp. 602-604)
2006.11.03 – Letter to Dr. Jakob Kellenberger, President of ICRC, from John B.
Bellinger, III, Legal Adviser, U.S. Department of State, and William J.
Haynes, General Counsel, U.S. Department of Defense (American Society
of International Law 2007. International Legal Materials, Vol 46, p. 511.
Disponível em
https://www.icrc.org/eng/assets/files/other/irrc_866_bellinger.pdf)
2016.06.25 – The Declaration of the Russian Federation and the People's Re-
public of China on the Promotion of International Law

371

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