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e-ISSN 2594-6781
Volume 5 (2021)

Artigo publicado em 08/09/2021

O elemento P: formas e dinâmica em solos


tropicais
Djalma Silva Pereira*
Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG, Brasil
Yanna Karoline Santos da Costa
Leonardo Bianco de Carvalho
Universidade Estadual Paulista, Jaboticabal, SP, Brasil
*Correspondência para: djalma.pereira@gmail.com

INTRODUÇÃO
O elemento fósforo (P) foi descoberto, acidentalmente, em 1669, por Hennig Brand, alquimista alemão, ao
tentar obter ouro a partir de urina. Foi a primeira descoberta científica de um elemento químico. O P é um
elemento pertencente ao grupo dos não metais, possui número atômico 15 e massa atômica 30,97. Possui 23
isótopos (entre 24P e 46P), sendo o 31P o único isótopo estável.
O P não é encontrado livre na natureza. Na litosfera está presente nas rochas sedimentares (85%) e nas
rochas ígneas (15%). É um dos elementos essenciais para o completo crescimento e desenvolvimento das
plantas. É considerado um macronutriente primário, juntamente com o nitrogênio (N) e o potássio (K). Porém,
apresenta baixos teores na massa seca da maioria dos vegetais. Entretanto, é o elemento que mais limita o
crescimento e desenvolvimento das plantas cultiváveis.
Este nutriente é importante para o crescimento e desenvolvimento vegetal, pois atua na formação de
frutos, no alongamento celular e no desenvolvimento radicular das plantas. Além de estar presente em
diversos processos metabólicos, como na formação de adenosina trifosfato (ATP), de ácidos nucleicos, proteínas
e fosfolipídios. Desempenha importante papel na fotossíntese, na respiração, no metabolismo de açúcares, etc.
O P é um dos elementos mais estudados no Brasil, dada a sua dinâmica e baixa disponibilidade em solos
tropicais. Solos bastante intemperizados, aliados a altos teores de argilas, possuem grande capacidade de
adsorção de fosfatos, consequentemente, reduzindo sua disponibilidade para as plantas.

FORMAS DE P NO SOLO
O P do solo é encontrado nas formas orgânicas e inorgânicas. O P orgânico (Po) constitui de 5 a 80% do P
total dos solos, oriundos de resíduos vegetais e animais, da biomassa microbiana e dos produtos da sua
decomposição. A matéria orgânica do solo apresenta grande diversidade de compostos, resultando na
dificuldade de identificação. O mesmo acontece com os compostos orgânicos fosfatados. As principais formas
de Po já identificadas no solo são fosfatos de inositol (10 a 80% do Po), fosfolipídios (0,5 a 7% do Po) e ácidos
nucléicos (~3% do Po).
A alta proporção de fosfatos de inositol na fração do Po do solo é devido, principalmente, a sua complexa
composição química, que dificulta a ação de microrganismos decompositores; como também da sua forte
interação com a fase sólida do solo, formando composto organometálicos estáveis. Assim, os fosfatos de inositol
apresentam baixa labilidade, ou seja, menor disponibilidade para as plantas, por isso, o seu maior acúmulo no
solo. Em contrapartida, os fosfolipídios e ácidos nucleicos são de alta labilidade, sendo rapidamente
mineralizado pelos microrganismos do solo e disponibilizados para as plantas. É importante ressaltar que, as

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plantas não conseguem absorver o P na sua forma orgânica, para que seja absorvido, o Po precisa ser
mineralizado. Plantas e microrganismos possuem a capacidade de liberar enzimas fosfatases que irão
hidrolisar e mineralizar o Po.
O P inorgânico (Pi) corresponde ao P dos minerais primários, ao P precipitado, ao P adsorvido aos
coloides do solo e ao P em solução. As apatitas formam o principal grupo dos minerais primários fosfatados
das rochas, em pequena proporção também há fosforita, estrengtita, variscita e fluorapatita. O P dos minerais
primários – também chamado de P estrutural – apresenta contribuições significativas para os solos menos
intemperizados, que ainda apresentam minerais primários como fonte de nutrientes. Nos solos mais
intemperizados, como os Latossolos e Argissolos, predominantes no território brasileiro, a contribuição de P
dos minerais primários é praticamente nula. Nesses solos o Pi encontra-se, principalmente, adsorvido ou
precipitado.
O Pi pode ser adsorvido aos colóides inorgânicos (argilas silicatadas e oxihidróxidos de Fe e Al) e
orgânicos (matéria orgânica do solo). O Pi pode, também, ser precipitado com ferro (Fe), alumínio (Al) e cálcio
(Ca). Em solos tropicais, como a maioria dos solos brasileiros, a maior parte do Pi do solo encontra-se
adsorvido ou precipitado. O P em solução apresenta teores muito baixos (em torno 0,1 mg L-1 de P), devido à
baixa solubilidade dos compostos fosfatados e alta capacidade de adsorção de fosfato.
FATORES INTENSIDADE (I) E QUALIDADE (Q) DE P
O fator intensidade (I) corresponde ao P da solução do solo. Como descrito anteriormente, o P da solução
do solo é encontrado em baixos teores, devido, principalmente, a baixa solubilidade dos compostos fosfatados,
como também da forte interação dos fosfatos com a fase sólida do solo. O ácido ortofosfórico (H 3PO4), presente
na solução do solo, dissocia-se conforme o pH do meio, formando íons ortofosfatos (Equações 1 e 2). Em pH
ácido é formado o íon ortofosfato biácido monovalente (H 2PO4-), em pH acima de 6 predomina o íon ortofosfato
monoácido bivalente (HPO42-).
H3PO4 ⇌ H2PO4- + H+ Eq. 1

H2PO4- ⇌ HPO42- + H+ Eq. 2

As plantas absorvem preferencialmente o P do solo na forma de H 2PO4-, isso se deve a dois fatores: (1) a
maior parte dos solos apresentam o pH na faixa ácida; (2) há um decréscimo de absorção de P em pH elevado,
devido à interação com outros nutrientes.
O fator quantidade (Q) corresponde ao P-lábil do solo, ou seja, a fração de P do solo que está adsorvido
aos coloides. Porém, em equilíbrio com o P da solução do solo. O P-lábil é representado pelas formas de
compostos fosfatados adsorvido aos coloides com ligações de fraca energia, e, consequentemente, de fácil
dessorção, como as monodentadas – conforme veremos mais adiante. À medida que, o P da solução vai sendo
exaurido – pela absorção das plantas, pela imobilização por microrganismos ou perdas por lixiviação 1 – o P-
lábil vai repondo o P para solução do solo. O P-lábil pode sofrer o chamado “envelhecimento de fosfato” e
tornar-se não lábil, ou seja, de baixa disponibilidade para as plantas. O P não lábil corresponde aos fosfatos
adsorvidos aos coloides com ligações de alta energia e de difícil dessorção, como as bidentadas e binucleadas –
apresentadas com detalhes adiante. Essa forma de P não está em equilíbrio com o P da solução do solo e,
muitas das vezes, não é aproveitado pelas plantas durante o seu ciclo, principalmente as plantas de ciclos
curtos. O P não lábil, em geral, é responsável pela maior parte do Pi dos solos.

Dada a dinâmica do P nos solos tropicais e a forte interação com as partículas sólidas do solo, os conceitos
de I e Q de P são bastante explorados, incluindo o conceito de fator capacidade de P (Q/I). Esses conceitos são
importantes para os solos com diferentes texturas e para a aplicação e aproveitamento de adubos fosfatados.
DINÂMICA DO P NO SOLO
Como descrito, o P apresenta forte interação com a fase sólida do solo. Assim sendo, em condições
tropicais, a maior parte do Pi do solo encontra-se indisponível para as plantas, seja adsorvido ou precipitado.

1 Em solos tropicais as perdas de P por lixiviação são mínimas, devido a presença dos oxihidróxidos na fração argila. Nos óxidos de Fe, como por exemplo a
hematita, nos hidróxidos de Fe, como a goethita, e nos óxidos de Al, como gibbsita, predominam cargas positivas. Os fosfatos, carregados negativamente, são
retidos nas cargas dessas argilas, impedindo a sua movimentação vertical no perfil e consequente perda por lixiviação.

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A precipitação é uma reação entre íons, com a formação de uma nova fase ou composto definido pouco
solúvel, que a planta não consegue acessar. Em solos ácidos são comuns as combinações de P com Fe e Al.
Enquanto que, em solos com pH elevado ou com elevados teores de Ca é comum a precipitação de P com este
elemento. Do ponto de vista lábil, ou seja, maior disponibilidade para as plantas, a sequência de labilidade das
formas de P precipitado é P-Al > P-Fe < P-Ca.
A adsorção2 é um processo pelo qual átomos, moléculas ou íons são retidos na superfície de sólidos
através de interações de natureza física e/ou química. A substância ou o meio cuja superfície se processa a
adsorção é chamado de adsorvente, enquanto adsorvato é a substância ou a partícula dissolvida ou fixada na
superfície do adsorvente. Desta forma, os fosfatos são os adsorvatos que são fixados às partículas sólidas do
solo, os adsorventes.

A adsorção de fosfato aos coloides do solo ocorre por ligação covalente – ligação química caracterizada
pelo compartilhamento de elétrons – também chamada de adsorção específica. Diferente da ligação iônica 3 –
ligação química baseada na atração eletrostática de íons com cargas opostas – a ligação covalente é de baixa
reversibilidade.
De acordo com o grau de ligação entre os fosfatos e as partículas sólidas do solo, as ligações covalentes
podem ser monodentadas, bidentadas ou binucleadas. Nas ligações monodentadas, um oxigênio do fosfato é
ligado ao metal do coloide; nas ligações bidentadas, dois oxigênios do fosfato são ligados ao metal do coloide; e
nas ligações binucleadas, dois oxigênios do fosfato são ligados a dois átomos do metal do coloide. A ordem de
energia de ligação e, consequentemente, menor labilidade é a seguinte: ligações binucleadas > bidentadas >
monodentadas. A ordem de maior possibilidade de dessorção é inversa. Pode ocorrer ainda a penetração do
fosfato na estrutura do mineral, resultando no fosfato ocluso. Neste caso, a dessorção desse fosfato é bem
difícil, praticamente nula.
A adsorção de fosfato nos solos é influenciada, principalmente, pela textura do solo, quantidade e
qualidade da fração argila e teor de matéria orgânica. Em relação à textura, quanto maior o teor de argila,
maior a capacidade de adsorção do solo. Considerando as frações granulométricas do solo, a ordem de maior
adsorção de P é a seguinte: argila > silte > areia fina > areia grossa.
A argila proporciona maior capacidade de adsorção de fosfato, devido às suas cargas de superfície. Neste
sentido, não só a quantidade, como também o tipo e a qualidade da argila interferem na adsorção. As argilas
silicatadas, como a caulinita, apresentam menor capacidade de adsorção em relação às argilas oxídicas.
Dentre as oxídicas, os óxidos mal cristalizados apresentam maior capacidade de adsorção. Assim sendo, a
hematita – óxido de Fe bem cristalizado – possui menor capacidade de adsorção que a goethita – hidróxido de
Fe mal cristalizado. O teor de matéria orgânica no solo também interfere na adsorção de fosfato. De modo
geral4, o maior teor de matéria orgânica no solo reduz a adsorção de argila devido ao bloqueio dos sítios de
adsorção por ácidos orgânicos de baixo peso molecular, como malato, oxalato e citrato.
A adsorção de fosfato ocorre principalmente aos oxihidróxidos de Fe e Al, mas pode ocorrer também, em
menor proporção, aos minerais silicatados e à matéria orgânica. A adsorção aos oxihidróxidos de Fe e Al
ocorre, inicialmente, por uma atração eletrostática, seguida pela ligação covalente, por meio de trocas de
ligante; as bordas das argilas silicatadas apresentam grupamentos OH e, ou, OH 2+, que, dependendo do pH do
meio, proporcionam mecanismos de adsorção semelhante aos oxihidróxidos de Fe e Al; a matéria orgânica do
solo pode apresentar pontes de cátions, como Al 3+, Fe3+ e Ca2+, conferindo o seu caráter aniônico, adsorvendo
fosfato.

2Absorção é o ato de incorporar ou assimilar algo. No presente contexto, o P do solo pode ser absorvido pelas plantas através de suas raízes.
3Por ser uma ligação estequiométrica e de alta reversibilidade, a ligação iônica possui grande importância nos solos, pois reduz a perda de nutrientes por
lixiviação. Além disso, está intimamente relacionada com a capacidade de troca catiônica dos solos (CTC). A ligação covalente também reduz as perdas de
ânions, como o fosfato, por lixiviação. Entretanto, dada a forte energia dessa ligação e consequente indisponibilidade de P, esforços são necessários para
reduzir a adsorção de fosfatos em solos tropicais.

4Amatéria orgânica possui sítios de adsorção de fosfato, porém a adsorção de fosfato pela matéria orgânica do solo é muito pequena. A maior contribuição da
matéria orgânica é reduzindo a adsorção de fosfato, indiretamente, ao bloquear os sítios de adsorção.

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Referências
GATIBONI LC et al. Fracionamento químico das formas de fósforo do solo: Usos e limitações. In: ARAÚJO AP, ALVES BJR (2013)
Tópicos em ciência do solo. Viçosa, MG, Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, v. 8. p. 141-187.
NOVAIS RF, SMYTH TJ (1999). Fósforo em solo e planta sob condições tropicais. Raleigh: Universidade Federal de Viçosa – North
Carolina State University. 399p.
PEREIRA DS et al (2020). Availability and fractionation of phosphorus in soils with different physicochemical characteristics.
https://revista.ufrr.br/agroambiente/article/view/6811
RAIJ BV (2011) Fertilidade do solo e adubação. Piracicaba, International Plant Nutrition Institute, 420p.
SANTOS DR et al. (2008) Fatores que afetam a disponibilidade do fósforo e o manejo da adubação fosfatada em solos sob sistema plantio
direto. https://doi.org/10.1590/S0103-84782008000200049
TAIZ L et al. (2016) Fisiologia e desenvolvimento vegetal diversidade vegetal. 6. ed. 888p.

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