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INTERPRETAR O BRASIL
JUIZ DE FORA – MG • 29, 30 E 31 DE AGOSTO DE 2016
ANAIS
Apoio:
Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia – UFBA
Capes
Ministério da Educação
Governo Federal
FAPEMIG
Programa de Pósgraduação em Administração
Pró-Reitoria de Extensão – UFJF
Faculdade de Administração e Ciências Contábeis
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito – Mestrado em Direito e Inovação
Coordenação Geral:
Reginaldo Souza Santos
Comissão Organizadora:
Elcemir Paço Cunha
Arthur Bastos Rodrigues
Brunna Regina de Souza Mattos
Carolina Silva Bizotto
Fabiana de Melo Secco
Gabriela Rigueira Cavalcante
Henrique Almeida de Queiroz
Isabela Grossi Amaral
Júlia Gava Heitor
Leandro Theodoro Guedes
Lucas Almeida Silva
Marina Rodrigues Corrêa dos Reis
Raphaela Reis Conceição Castro Silva
Renata de Almeida Bicalho Pinto
René Campos Teixeira Monteiro Junior
Rossi Henrique Soares Chaves
Victor da Silva Castro
Vinícios Soares Solano
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Sumário
Apresentação .................................................................................................... 4
Administração Política das Políticas Públicas ................................................... 5
Política de Assistência Social: uma análise da administração política ........................................ 6
Administração Política da Saúde: uma análise comparativa dos indicadores de gestão da
saúde de quatro munícipios do interior do Nordeste .................................................................. 13
Incorporação de discursos no processo de planejamento da cidade: um olhar sobre a
elaboração do Plano Diretor Participativo do Município de Santana-Amapá-Brasil ............. 27
Quando a Estrutura Engole o Fluxo, Quando as Múltiplas Lógicas de Avaliação entram em
Choque, eis o Resultado: a Burocracia Mata .............................................................................. 44
A Transversalidade e os Planos Plurianuais: A História Contada por Três Ciclos de
Elaboração e Gestão do Plano Federal......................................................................................... 55
Qual Universidade para Qual Sociedade? ................................................................................... 70
Contribuição do PSH e do PMCMV para a Formação de Identidade: um estudo de caso no
Condomínio Popular Parque Morada Real, em Belo Campo-Ba .............................................. 84
Uma Análise do Acesso à Informação da Segurança Desenvolvida nas Instituições Federais
de Ensino Superior da Região Sudeste do Brasil ........................................................................ 99
Planejamento e Gestão Orçamentária Participativa: A Experiência da Universidade Federal
do Vale do São Francisco............................................................................................................. 114
Discutindo Planejamento em Políticas Públicas à Luz da Teoria da Administração Política: A
Experiências das Licitações Sustentáveis na UNIVASF ........................................................... 130
Política de Assistência Social no Brasil: notas sobre o desenvolvimento recente ................... 146
Administração Política Brasileira e Internacional ......................................... 162
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social: uma leitura da entidade
administrativa a partir da obra de Nicos Poulantzas ............................................................... 163
Mecanismos Institucionais de Participação Social e Barreiras Estruturais: o caso do Equador
........................................................................................................................................................ 174
O Poder Político-Burocrático na Gestão Pública Brasileira: uma Crítica de seus Marcos
Reformistas à Luz de Adorno ..................................................................................................... 191
Cartografia Do Internacional Que Circunda Arapiraca: Por Um Fazer A Administração
Política Do Internacional Em Uma Periferia Do Agreste Alagoano ....................................... 208
Evolução da administração pública no Brasil: de Getúlio Vargas a Fernando Henrique
Cardoso ......................................................................................................................................... 221
Democracia burguesa e as bases materiais para a construção da democracia proletária e do
socialismo ...................................................................................................................................... 237
Southern African Customs Union: Breve Histórico e Fatores Geopolíticos Ligados a
Agroindústria ............................................................................................................................... 247
Ensino, Pesquisa e Epistemologia da Administração Política ........................ 261
A Formação Ideológica do Gestor Público no Brasil: uma Crítica da Semiformação
Gerencialista à Luz da Dialética Negativa ................................................................................. 262
Centralidade da Gestão e os Limites da Razão Política: As Contradições Sociais como Objeto
Real da Gestão do Estado ............................................................................................................ 278
A formação de administradores nas linhas de montagem de ilusões: crítica da miséria
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intelectual nos cursos de Administração no Brasil.................................................................... 293
Pensando Políticas Públicas: contribuições para uma reflexão crítica ................................... 309
Capitalismo e Democracia: Apropriações e Armadilhas Conceituais ..................................... 326
Participacionismo e Miséria Brasileira: A Participação nas Condições de Possibilidade do
Capitalismo no Brasil................................................................................................................... 339
A reatualização da Via Colonial: a superexploração da força de trabalho no Brasil como uma
das soluções à crise do capital internacional.............................................................................. 355
Administração Política, Distribuição e Desenvolvimento ............................. 368
Geopolítica Tributária: a apropriação histórico-social do espaço e o imposto sobre o valor
adicionado ..................................................................................................................................... 369
A importância da metrologia legal para o desenvolvimento econômico: minimizando
assimetrias de informação ........................................................................................................... 392
A Importância da Agricultura Familiar Local na Construção da Feira Livre Municipal: O
Caso de Arapiraca, Alagoas ........................................................................................................ 407
O contexto municipal da política de emprego: a particularidade de Juiz de Fora ................ 418
Uma análise temporal no processo de previsão e arrecadação das receitas correntes e
Royalties de petróleo na cidade de Macaé no período de 2006 - 2015. .................................... 428
Compensação financeira pela utilização de recursos hídricos: uma análise do Nordeste
brasileiro em 2013 ........................................................................................................................ 443
Gestão fiscal e desenvolvimento municipal na microrregião de Aracaju/SE-2006 a 2013 .... 454
Administração Política e Questões Sociais ..................................................... 471
Ser Professor: O Labor E O Alarme Da Profissão - Um Estudo Sobre A Saúde Do Educador
Nas Escolas Estaduais Da Cidade De Poções – Bahia ............................................................... 472
A Construção Ideológica do Conceito de Pobreza nos Relatórios Do Banco Mundial .......... 485
Gestão societal: o papel das cooperativas de materiais recicláveis na inclusão social e na
obtenção de renda das mulheres do Sudoeste da Bahia ........................................................... 499
Os Movimentos Sociais Enquanto Atores Visíveis: O Estabelecimento de Agendas Para o
Transporte Público no Brasil. ..................................................................................................... 514
Direito e Administração Política no Capitalismo Brasileiro na Obra “Evolução Política do
Brasil - colônia e Império” de Caio Prado Jr. ........................................................................... 529
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Apresentação
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Administração Política das Políticas Públicas
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
1. Introdução
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
essenciais para analisarmos esta questãoi. O presente estudo torna-se relevante ao buscar
discutir a perspectiva predominante da legislação em pauta. Parte-se da premissa de que a
Política de Assistência Social somente tem potencial de tensionador das contradições se
perspectivada pela lógica do trabalho. Caso vincule-se a outra lógica, de reprodução do modo
de produção capitalista, coloca-se como urgente, a necessidade de avançar em uma nova
proposta de política, diferente da que está dada. Nas palavras de Netto (2014),
Ter a clareza de que, o que se coloca como desafio do dia, é a emancipação política,
ou seja, aquela que se dá por meios políticos e se constitui enquanto forma final de
emancipação dentro da sociedade capitalista. É ter consciência da necessidade de se avançar
no plano teórico, de modo a subsidiar a ação prática. No caso concreto aqui estudado, é
desvendar a aparência da esfera política, ao ter clareza das potencialidades e/ou limites que a
política de assistência – que responde diretamente às expressões da questão socialii –,
comporta, para em outro momento desvelar a essência de uma proposta de política (caso se
faça necessário) que de fato se vincule à perspectiva do trabalho. A partir da crítica da própria
dimensão política (dos limites intrínsecos a esta) é que avançaremos na análise proposta.
Nosso esforço foi o de trazer a crítica da política como crítica da política social que, por sua
vez, é mediada pelo direito.
O desafio está em encontrar resposta na própria materialidade: o que é uma política
social perspectivada pelo trabalho num período não revolucionário, isto é, nos marcos da
produção do capital? Como avançar nesta proposta no contexto presente de uma autocracia
burguesa? Algumas pistas podem ser ventiladas:
Faz-se mister tomar a Democracia enquanto valor concreto, exercida pela classe que
efetivamente pode e precisa realizar a transformação social com vistas à superação das
classes, e de situar a administração pública no interior das contradições reais que cortam a
burocracia estatal (PAÇO CUNHA, 2015). Para além da dimensão política como meio
conciliatório e sempre temporário, a melhor forma de estado, “é aquela que os leva à luta
aberta, e com ela à resolução” (MARX, 2010 apud PAÇO CUNHA, 2015, p. 14). A luta em
aberto na conjuntura atual se configura no desafio – necessário – de fundir a luta política com
a luta econômica.
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
uma vez que este pressupõe a desigualdade e os antagonismos de classe (e os reproduz), e não
pode eliminar estas contradições sobre o risco de eliminar a si mesmo.
Por fim, todos os Estados buscam a causa nas falhas casuais ou intencionais
da administração e, por isso mesmo, em medidas administrativas o remédio
para suas mazelas. Por quê? Justamente porque a administração é a
atividade organizadora do Estado. O Estado não pode suprimir a contradição
entre a finalidade e a boa vontade da administração, por um lado, e seus
meios e sua capacidade, por outro, sem suprimir a si próprio, pois ele está
baseado nessa contradição. Ele está baseado na contradição entre a vida
pública e a vida privada, na contradição entre os interesses gerais e os
interesses particulares. Em consequência, a administração deve restringir-se
a uma atividade formal e negativa, porque o seu poder termina onde começa
a vida burguesa e seu labor (MARX, 2010, p. 39).
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
conflitos, que poderá funcionar como elemento de emancipação política. Porém, a própria
política funciona como meio de conciliação improvável dos contrários interesses sociais, visa
amenizar temporariamente os conflitos e não resolvê-los, uma vez que a resolução do conflito
de interesses encontra-se em outro nível, pois consiste no próprio rompimento com a ordem
capitalista vigente, no horizonte da emancipação humanaiii.
A forma mais desenvolvida da política, a democracia representativa burguesa, possui
limites claros. De acordo com Naves (2010), se a democracia é uma forma política fundada na
liberdade e na igualdade, é preciso constatar que ela somente pode surgir na modernidade,
com a emergência da sociedade burguesa.
(...) como não existem condições materiais – talvez sequer subjetivas – para
algum processo revolucionário, é preciso fundir a luta econômica com a
política, levando a perspectiva dos trabalhadores à administração pública
com vistas à sua efetiva democratização (PAÇO CUNHA, 2015, p. 13).
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Nas obras de Marx, embora não encontremos o termo política social (por óbvia
questão de tempos históricos distintos) pode-se aludir à velha questão social trabalhada em
suas obras e as formas de tratamento desta. O contexto europeu, no que diz respeito à
intervenção estatal restrita a medidas administrativas, ou seja, o não estancamento da fonte do
pauperismo traz à tona a discussão acerca da gestão estatal contemporânea. Analisemos então
a proposta da medida administrativa – Política de Assistência Social – em foco neste trabalho
e o gerenciamento estatal da mesma.
A Política Nacional de Assistência Social (PNAS/2004) se estrutura no Brasil, a partir
do Sistema Único de Assistência Social. O SUAS é um sistema público não contributivo, que
tem por função a gestão do conteúdo específico da Assistência Social no campo da proteção
social brasileira. A gestão da política de assistência social se materializa na implementação de
serviços técnicos referenciados em unidades públicas estatais descentralizadas – CRAS
(Centro de Referência de Assistência Social) e CREAS (Centro de Referência Especializada
em Assistência Social); na prestação de benefícios assistenciais – que se dividem em duas
modalidades: o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e os Benefícios eventuais; e em
programas de transferência direta de renda – Programa Bolsa Família (PBF), para além dos
projetos sociais desenvolvidos em escala municipal, estadual e federal. Cabe ressaltar que tais
serviços são ofertados também nas entidades de assistência social, como prestadoras
complementares de serviços socioassistenciaisv (BRASIL, 2004).
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com todas as demandas da classe. Questões estruturais desta ordem ratificam a necessidade de
se defender medidas administrativas que avancem em suas proposições, ou seja, que a classe
oprimida não esteja mais a mercê dos seus próprios interesses por meios legais. O que se
coloca como desafio na ordem do dia – no âmbito das políticas sociais brasileiras – é
ultrapassar as conquistas construídas e avançar em propostas direcionadas aos limites da
ordem instituída.
A proposta de uma política de assistência social pela perspectiva do trabalho tem que
lutar no liame democrático, ou seja, se o instituído é garantir condições mínimas sociais – A
assistência social (...) provê os mínimos sociais (BRASIL, 1993) – que se avance em
condições dignas (e que se defina esta formulação); se o instaurado é uma política que atenda
a população em situação de rua, mas que sequer vislumbre reverter esta situação (de morador
de rua) é lutar para que este nível de aceitação social seja revertido (num primeiro momento
no plano legal); se a legislação implementada se pauta no fortalecimento de vínculos
familiares e comunitários, que se promova o debate de classe e não a otimização da pobreza;
se o que se coloca como renda per capta para aquisição de um beneficio é inferior a ¼ do
salário mínimo que se avance na proposta de um salário mínimo (e digno).
A política de assistência social, historicamente, se dá com fortes reflexos das relações
sociais contraditórias. A herança colonial, a posição de subordinação em relação aos países
desenvolvidos, a cultura patrimonialista (a visão do público como privado), são traços
marcantes na história da assistência social no país. Haja vista o dificultoso processo de
aprovação em lei desta política enquanto um direito assegurado pelo Estado. Sendo assim, a
aprovação da PNAS – 2004 pode representar a reversão das características acima citadas,
possibilitando a reafirmação dos preceitos democráticos contidos na Constituição Federal de
1988 e da Lei Orgânica de Assistência Social.
Neste sentido, afirma-se que a política de assistência social vigente avançou (a análise
histórica nos possibilita concluir isso) e tem muito a avançar enquanto legislação que se paute
nos interesses dos trabalhadores (categoria que inclui os que não têm mais, sequer acesso ao
trabalho). O primeiro passo é a construção dessa proposta de política pelos maiores
interessados
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
Sob este prisma é que se defende aqui uma política de assistência social perspectivada
pela lógica onímoda do trabalho, enquanto meio de se tensionar de fato as relações sociais que
engendram tal estrutura “legal”. À proposta de uma Política de Assistência Social sob a
perspectiva do trabalho se impõe os limites da ordem do capital, só o rompimento com tal
ordem possibilita vislumbrar a lógica do trabalho em sua completude. Nesse sentido, esta é
uma proposta exequível nos limites democráticos instituídos e sob a conjuntura capitalista
dependente do país? A lógica do trabalho se constitui em uma formulação teórica (com clara
perspectiva de classe) que se coloca como possibilidade em aberto, em outras palavras, só o
plano de ação concreta responderá efetivamente a esta questão.
i
No presente estudo, a perspectiva do trabalho será estudada á luz da crítica marxista à esfera política. A fim de
se analisar uma política social específica – política de assistência social – se utilizará o método da derivação de
categorias chaves (medidas administrativas, burocracia, democracia) utilizadas por Marx. Se tais categorias
ainda podem ser úteis é prova de que se ancoram na materialidade correspondente à ordem do capital ainda não
superada.
ii
Diz respeito ao conjunto das expressões das desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista
madura, impensáveis sem a intermediação do Estado. Têm sua gênese no caráter coletivo da produção,
contraposto à apropriação privada da própria atividade humana – o trabalho –, das condições necessárias à sua
realização, assim como de seus frutos (IAMAMOTO, 2001, p. 16).
iii
Nas obras Sobre a Questão Judaica de 1843 e Glosas Críticas Marginais ao Artigo “O Rei da Prússia e a
Reforma Social” de um Prussiano de 1844, Karl Marx trabalha com dois conceitos chaves: emancipação política
e emancipação humana. A emancipação política se dá por meios políticos, é a forma final de emancipação na
sociedade capitalista, já a emancipação humana rompe com todas as formas de alienação (propriedade,
exploração, dinheiro, desigualdade social e da forma política).
iv
A taxa de mais-valia é a expressão precisa do grau de exploração da força de trabalho pelo capital ou do
trabalhador pelo capitalista (NETTO, 2012).
v
Para maiores informações consultar o site do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome.
Disponível em: http://www.mds.gov.br/.
vi
A participação é essencial para que os embates aconteçam, no entanto chamo atenção aqui aos limites
previamente (e legalmente) estipulados em relação à mesma. As regras participacionistas são definidas
anteriormente a esta participação, e são previamente definidas por quem? Para os interesses de quem (de modo
prevalecente)? Infelizmente não da massa da população. Para além da participação deve-se vislumbrar a
coordenação desta participação pelos próprios trabalhadores. A participação trabalhista não pode e não deve
acontecer de modo relegado, secundário.
vii
No contexto do capitalismo tardio (caso brasileiro), o processo de valorização do capital se dá pela
transferência de valor, em que a transferência ocorre dos países periféricos para os países centrais via
empréstimos financeiros a fim de viabilizar a acumulação interna (pagamento de juros).
viii
Ocorre em função da existência de mecanismos de transferência de valor entre as economias periférica e
central, levando a mais-valia produzida na periferia a ser apropriada e acumulada no centro que só pode ser
completada com a geração de mais excedente no próprio plano da produção, justamente através da
superexploração do trabalho (FERREIRA; OSÓRIO; LUCE, 2012).
Referências bibliográficas
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nacional-de-assistencia-social-snas/cadernos/lei-organica-de-assistencia-social-loas-anotada-
2009/lei-organica-de-assistencia-social-2013-loas-anotada. Acesso em: 10 mai. 2016.
NETTO, José Paulo. O leitor de Marx. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.
PAÇO CUNHA, Elcemir. Que fazer..., da burocracia? Juiz de Fora/MG, 2015. mimeo.
REIS, Marina. A gestão do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) – uma análise
crítica da gestão do SUAS em um município de pequeno porte. Juiz de Fora/MG, 2013.
mimeo.
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
RESUMO
O presente estudo apresenta como objetivo, analisar de forma comparativa alguns
indicadores de gestão da saúde entre os municípios de Campina Grande (PB); Vitória da
Conquista (BA); Mossoró (RN) e Caruaru (PE), a partir de dados obtidos pelo Sistema de
Informações Sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS) e pelo Departamento de
Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). O resultados permitiram auferir que a
gestão da saúde nesses municípios tem ênfase na saúde curativa e não preventiva, e que o
oposto poderia prevenir alguns dos problemas da população. Levando em consideração o
Pacto pela Gestão do SUS, essas cidades tendem a acolher pacientes de toda a região de
influência o que justificaria, em alguns casos, o elevado índice de gastos com saúde em
comparação com a população municipal. Nota-se que faz-se necessário que a a
Administração não se limite aos aparatos técnicos e gerenciais, apenas assim, trará
contribuições para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa, e em especial com a
saúde, operacionalizando uma gestão que faça da saúde uma instância de maior atenção por
parte dos gestores.
Palavras-chave: Administração Política, Gestão da Saúde, Indicadores de Gestão
1. INTRODUÇÃO
Ao tratar da saúde, se faz necessário um maior aprofundamento no que diz respeito a
contribuição que a Administração pode oferecer na gestão da saúde. Dessa forma,
compreender a operacionalização dos serviços de saúde nesses municípios, é também realizar
uma reflexão sobre o próprio papel da Administração enquanto ciência, que apresenta como
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
objeto de estudo a gestão. Dessa forma, é na Administração Política que se pode encontrar
essa expressão máxima da Administração: “Administração Política envolve tanto o processo
decisório do “que fazer”, quanto o relativo ao “como fazer”, que significa viabilizar os meios
necessários para construir o projeto da nação ou da organização e implantá-lo” (SANTOS, et
al, 2009. p. 935). Tendo a noção da capacidade do Estado em oferecer serviços de saúde
através do Sistema Único de Saúde (SUS), a Administração tendo o suporte de ferramentas
e fazendo uso da gestão como catalizadora de ação, pode propiciar um melhor domínio sobre
os problemas que usualmente afetam esse sistema.
Para o alcance dessas aspirações, só uma perspectiva crítica poderá guiar a discussão
sobre os indicadores que o presente estudo se propôs a analisar. Nesse sentido, o estudo é
norteado por uma ótica histórico-dialética, onde busca entender a verdadeira essência dos
problemas exibidos através dos indicadores em suas respectivas cidades. Fazendo uso de uma
revisão bibliográfica e documental, o estudo de caracterizou como exploratório, no intuito de
conseguir um maior aproximação e conhecimento com o objeto abordado. Além desses
elementos, busca-se entender também, o papel a ser desenvolvido pelo Estado, enquanto
mantenedor do SUS em suas variadas escalas e o papel desempenhado pelas gestão realizada
das cidades selecionadas.
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
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Para tanto, exige-se do gestor e sua equipe um planejamento relevante que vise a
melhoria do desempenho com o intuito de intervir no estado de saúde da população.
Preconizado pela Constituição Federal, o planejamento tem por desígnio dar direção às ações
executivas quanto às intervenções no resultado. A falta de planejamento e a desarticulação
das esferas federal, estadual com os planos de saúde municipais leva “à alocação inadequada
dos recursos, fazendo-se necessária uma maior articulação entre as esferas”. (VIEIRA, 2009)
Ainda segundo Vieira (2009), o planejamento acaba caracterizando-se como cumprimento
de uma exigência, uma vez que, é primordial para a alocação de recursos por parte do
governo federal. Assim, um distanciamento entre planejamento e resultados é inegável,
dado o fato que o planejamento é configurado como um conjunto intenções, quando
deveria tratar-se de objetivos e metas.
Nas duas definições é norteado a utilidade dos indicadores de saúde como mecanismo
de gestão indispensável para identificar, monitorar, avaliar ações, identificar áreas de risco e
evidenciar tendências. Nesse sentido, os indicadores de saúde têm o objetivo de facilitar a
quantificação e avaliação das informações coletadas, mas para tal, é necessário que os dados
sejam válidos, confiáveis para a análise objetiva da situação sanitária e assim fornecendo
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
3. METODOLOGIA
Ao estar inserido em um âmbito científico, o indivíduo precisa fazer uso de elementos
que o ajudarão na investigação de determinado fenômeno. Nesse sentido, o rigor e a seriedade
da pesquisa são elementos fundamentais para o êxito das análises e resultados. Dessa forma,
Lakatos & Marconi (2003) nos mostra que a pesquisa é composta por passos a serem
seguidos, dos quais se caracteriza por sua formalidade, método e reflexão, proporcionando
ao pesquisador o conhecimento da realidade.
Levando em consideração essa reflexão e observando os objetivos do presente estudo,
a pesquisa se enquadra como exploratória, onde de acordo com Gil (2002), proporciona ao
pesquisador uma maior familiaridade com o problema a ser investigado. Como técnica de
pesquisa, utilizou-se da pesquisa bibliográfica, que apresenta como escopo a busca de
materiais em revistas científicas, livros, publicações impressas diversas. A pesquisa também
utilizou da técnica documental, que representa a obtenção de materiais que não receberam
uma análise, podendo ser trabalhados de acordo com o objetivo da pesquisa. Dessa forma, o
presente estudo utilizou de indicadores de saúde, dados estatísticos e tabelas disponíveis no
Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), e pelo Sistema de
Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS), através dos seguintes
indicadores: Número de leitos por habitantes; financiamento da saúde pública e Utilização
de Recursos próprios em Saúde.
Municípios Estudados
As cidades selecionadas para a realização deste estudo foram: Mossoró do Estado do
Rio Grande do Norte; Campina Grande do Estado da Paraíba; Caruaru do Estado de
Pernambuco e Vitória da Conquista no Estado da Bahia. Essas cidades possuem relevância
preponderante no desenvolvimento regional do Nordeste, em especial ao interior da região,
onde, através da sua rede de influência, conseguem estender produtos e serviços para as
demais cidades menores, criando uma rede de articulação. Ter essa noção, é em primeiro
lugar, contribuir com a gestão e o planejamento Estatal, dando atenção a atividades voltadas
a Saúde, econômicas de produção, consumo privado e coletivo, bem como “prover
ferramentas para o conhecimento das relações sociais vigentes e dos padrões espaciais que
delas emergem” (IBGE, 2007p. 10)
O IBGE no ano de 2007, emitiu uma publicação voltada para as áreas de influência
desempenhadas pelas cidades do Brasil, nesse estudo, o órgão mapeia os fluxos materiais e
imateriais como: serviços, informações, produtos, e hierarquiza as cidades de acordo com o
seu grau de influência e centralidade1.
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
Dessa forma, é possível identificar a influência exercida pelas cidades selecionadas nos seus
respectivos Estados. O IBGE hierarquiza a rede de influência através de tipos, conforme
podemos observar na tabela a seguir:
Grade metrópole Capital Regional Centro sub- Centro Zona Centro Loca
Nacional A regional A A A
Centro sub-
Metrópole Capital Regional Centro Zona Centro Loca
regional
Nacional B B B
Subdivisão B
Centro sub-
Capital Regional Centro Zona Centro Loca
Metrópole regional
C C C
C
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economia é de grande maioria do seu produto interno bruto dos Serviços de acordo com o
IBGE.
Vitoria da Conquista está localizado no Estado da Bahia, de acordo com o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a população estimada no ano de 2014 e de
340.000 habitantes. Com base em dados emitidos pela prefeitura do município, observamos
uma 6ª colocação em níveis Econômicos comparados a outros municípios do Estado da
Bahia. Com destaques na área de prestação de serviços, comércio, saúde e construção civil
(este último, impulsionado pelo programa do Governo Federal, Minha casa, minha vida), nos
mostra a relevância que Vitória da conquista desempenha no Estado da Bahia. O município
apresenta cerca de 238 estabelecimentos do SUS. Com base em dados do IBGE referentes ao
ano de 2009, Vitória da Conquista apresenta cerca de 202 serviços de saúde pública e 102
privado. Em trabalho realizado por Medeiros Júnior. et el (2013) o município apresentava
um total de 38 equipes de Saúde da Família funcionando, mostrando um déficit de cobertura
no município. Com base em dados do Departamento de Atenção à Saúde do Ministério da
Saúde (DAB), no ano de 2015, o município apresenta um total de 41 Equipes, cobrindo cerca
de 44% da população, o que mostra ainda um déficit de cobertura.
Mossoró foi mais uma das cidades selecionadas para analise, uma vez que tem o
mesmo porte dos outros municípios estudados e assim como os outros é uma cidade de grande
importância econômica para o seu estado sendo a segunda maior cidade do Rio Grande do
Norte, inferior somente a Natal, capital do estado. De acordo com o IBGE, no senso realizado
em 2010, a cidade possui cerca de 259.815 habitantes e é um dos municípios do interior do
nordeste que mais cresceu na última década.
O município tem a base da sua economia no setor terciário, com o comercio e turismo,
assim como também no setor secundário, que é a base de vários complexos industriais e em
2013 foi o maior produtor de sal e petróleo em terra do pais, ganhando destaque nacional,
com uma média de 70 a 100 mil barris de petróleo por dia, segundo Francisco de Paula
Segundo subsecretário do Trabalho, Turismo, Indústria e Comércio do Município de
Mossoró. A cidade possui mais de 115 estabelecimentos de saúde, em sua maioria órgãos
privados e é referência regional nos tratamentos de saúde atendendo aproximadamente 49
cidades próximas.
4. RESULTADOS
O SIOPS é uma importante ferramenta para o gestor da saúde, uma vez que nele são
encontrados informações que podem subsidiar o gestor na sua tomada de decisão. Para esse
estudo foram analisados os números de leitos para cada 1000 habitantes, buscando
verificar se as cidades estudadas encontram-se em acordo com a portaria n.º 1101/GM de
2002, e ainda a divisão das despesas nos setores da saúde nos municípios. Os indicadores
de despesa média por habitante, que de acordo com a planilha de informações do SIOPS
representa a despesa total da saúde por habitante com a finalidade de dimensionar a despesa
media por habitante no município. E por último, foi analisado a utilização de recursos
próprios dos municípios em gastos com a Saúde, esse indicador surge a partir da emenda
constitucional número 29 (EC-29), no qual os municípios devem canalizar 15% dos recursos
próprios para a esfera da saúde. (MEDEIROS JÚNIOR. et al, 2013)
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Analisando o gráfico é possível observar que Mossoró é a única cidade das analisadas
em que o orçamento das despesas com assistência básica é maior do que o com assistência
hospitalar e ambulatorial, que se encontra em sentido oposto ao das outras cidades, as quais
as despesas com assistência hospitalar e ambulatorial são relevantes.
O destaque maior se dá em Campina Grande e Caruaru, onde os gastos com
assistência hospitalar e ambulatorial sozinhos são responsáveis por mais de 50% das despesas
totais com saúde no município. Ficando claro que a gestão da saúde nesses municípios tem
ênfase na saúde curativa e não preventiva, e que o oposto poderia prevenir alguns dos
problemas da população.
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Após Caruaru, o outro município que conseguiu aplicar o mínimo percentual foi
Mossoró com 15,29% no ano de 2004 e Vitória da Conquista com 16,11% respectivamente
no mesmo ano. O município de Campina Grande consegue apenas no ano de 2005 cumprir
com o mínimo constitucional de 15%, a partir de quando o não cumprimento da emenda
refletia na reprovação do exercício no Tribunal de Contas, como se pode observar em estudo
realizado anteriormente por Medeiros Júnior et al (2003). A partir do ano de 2015, todos os
municípios analisados conseguem cumprir com a EC - 29. Através da série histórica
apresentada no gráfico 3 é possível observar que o Município de Mossoró desde o ano de
2005 até o ano de 2015 vem apresentando um crescimento no repasse dos seus recursos para
a saúde, chegando ao seu ápice no ano de 2015 com um total de aplicabilidade de 32,73%
dos recursos. Caruaru também apresentou índices representativos em relação aos demais
municípios, onde em 2014 o município consegue investir um total de 26,33% dos recursos
próprios. Em seguida, Vitória da Conquista apresentou em 2014 um total de 24,74% dos
seus recursos alocados para a saúde, mas, ao analisar a série histórica, é possível observar
que o município vem aos poucos investindo em saúde. Por último, o Município de Campina
Grande apresentou em 2015 um total de 23,8% de canalização de recursos, os índices de
Campina Grande, mostram que o Município cumpri de forma pragmática com o mínimo
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exigido pela EC 29, apenas nos anos de 2011 a 2015 é que este percentual vem crescendo.
Destaque especial para o ano de 2006 onde o município apresenta um total de 20,81%,
representando um crescimento significativo se comparado aos anos anteriores, no entanto,
este índice decai e só retoma um crescimento preponderante em 2011.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho surgiu com a proposta de se analisar comparativamente quatro
municípios localizados no interior da região Nordeste, são eles: Campina Grande – PB,
Vitória da Conquista – BA, Mossoró – RN e Caruaru – PE.
Pretendeu-se analisar, de forma descritiva, três indicadores de saúde e sua inter-
relacionalidade com os níveis de atenção à saúde ofertados pelos municípios estudados. Os
indicadores analisados foram: a) Leitos de internação por 1.000 habitantes e b) Participação
dos gastos da saúde nas despesas do município e c) Aplicação de Recursos próprios aplicados
em saúde. Como já comentado anteriormente, os municípios foram escolhidos por se tratarem
de cidades do interior mas que caracterizam-se como municípios que apresentam uma
significativa rede de influência no interior da Região Nordeste. Tendo esta definição e
seguindo o acordado pelo Pacto pela Gestão do SUS, essas cidades tendem a acolher
pacientes de toda a região de influência o que justificaria, como no caso de Campina Grande,
um índice elevado de gastos com saúde em comparação com a população municipal. Quanto
à participação dos gastos com saúde nas despesas do município, o mesmo fenômeno pode
explicar o que ocorre nas quatro cidades estudadas. No que diz respeito ao cumprimento da
EC-29, é possível observar o destaque para o município de Mossoró, que em relação aos
demais municípios estudados, este apresenta uma crescente e considerável aplicação de
recursos, sendo seguido pelo município de Caruaru. Nesse indicador em específico, vale
salientar a participação tímida dos municípios de Vitória da Conquista e Campina Grande,
em especial este último, devido ao seu cumprimento pouco significativo desde o ano de 2000.
De forma geral, através de uma perspectiva crítica, a Administração enquanto Ciência
da Gestão, pode fazer uso por exemplo, dos indicadores aqui analisados para maximizar a
eficiência de políticas públicas, e estar de acordo com uma melhor estratégia que possa
satisfazer as demandas da sociedade em torno da esfera da saúde. Porém, só tendo uma visão
holística das partes que compõem a saúde, é que esta Ciência poderá contribuir de forma
mais efetiva para a resolução de gargalos e entraves que circundam os problemas
relacionados a gestão da saúde. Sem isso, a Administração estará fadada aos aparatos técnicos
e gerenciais, e intra-organizacionais, não que isso seja irrelevante, mas, a Administração pode
contribuir de forma mais significativa com o desenvolvimento de uma sociedade mais justa,
e em especial com a saúde, operacionalizando uma gestão que faça da saúde uma instância
de maior atenção por parte dos gestores.
6. REFERÊNCIAS
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Acesso em: 15 mar. 2016.
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Resumo
Este estudo tem o propósito de realizar uma análise sobre a dinâmica de construção participativa da cidade
baseada nas relações entre as dimensões discursivas envolvidas nos processos de planejamento no Estado do
Amapá, em especial, na elaboração do Plano Diretor do Município de Santana realizado nos anos de 2005 e
2006. O presente estudo se ancorou na perspectiva metodológica da observação participante focalizada no olhar
sobre a intensidade de envolvimento entre agentes sociais que integraram os diversos loci de referência e de
construção discursiva durante as várias etapas deste projeto. Ao mesmo tempo em que houve significativas
incorporações, houve também significativas desconsiderações de anseios e manifestações expressas durante os
eventos e ações promovidas pelo governo municipal, denotando a existência do risco de várias questões, que
foram consideradas por diversos atores sociais como críticas para o desenvolvimento local, se tornarem
“invisíveis” no transcorrer da gestão pública do município. Sobre este aspecto, o estudo aponta para o fato de
que simples estabelecimento de diálogos com atores sociais como estratégia de participação no desenvolvimento
de políticas apresenta limites, sendo necessário o estabelecimento de vias alternativas que garantam, nos
processos de planejamento e gestão da cidade, a integridade, o reconhecimento e a incorporação dos discursos
legítimos que surgem durante estes diálogos.
Palavras-chave: Participação Social, Política Urbana, Sociologia Urbana, Plano Diretor.
The incorporation of speeches in the process of planning of the city: a look on the
Master Plan Participatory in the Municipality of Santana-Amapá-Brazil
Abstract
This study has the purpose to realise a analysis on the dynamics of participatory construction of the city based in
the relations between the dimensions the discursive wrapped in the processes of planning In the State of the
Amapá, especially, in the preparation of the Master Plan of the Municipality of Santana realised the years of
2005 and 2006. The present study anchored in the methodological perspective of the observation participant
focused in the look on the intensity of implication between social agents that integrated the diverse loci of
reference and of construction discursive during the varied stages of this project. Also it can be registered that to
the time that there was significant incorporations, there was also significant slights of longings and
demonstrations express during the event and actions promoted by the municipal government, denoting the
existence of the risk of several questions that were considered by diverse social actors like criticisms for the local
development, if they did “invisible” in the pass of the public gestion of the municipality. On this appearance, the
study aims for the fact that the simple establishment of dialogues with social actors like strategy of participation
in the development of politics presents limits, being necessary the establishment of alternative roads that
guarantee, in the processes of planning and gestion of the city, the integrity, the recognition and the
incorporation of the legitimate speeches that arise during these dialogues.
Keywords: Social Participation, Urban Policy, Urban Sociology, Master Plan.
1- Considerações Iniciais
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próprios sujeitos que habitam e utilizam os espaços que são alvo das intervenções do
Estado, denominações essas embebidas em saberes não acadêmicos (senso comum,
“saber local”) e referentes ao “mundo da vida” dos agentes. (SOUZA, 2011, p. 151).
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urbanos não eram providos permanentemente de uma rede de abastecimento de água tratada;
3) mais de 95% dos domicílios existentes na área urbana não possuíam banheiro ligado à rede
geral de esgoto; 4) aproximadamente 18% dos domicílios urbanos e 70% dos domicílios
rurais não eram atendidos pelos serviços de coleta de lixo e 5) o sistema de transporte não
atendia com eficiência as demandas dos moradores.
Com a posse de uma nova equipe de governo municipal, e frente à obrigatoriedade
constitucional, em 2005 foram tomadas iniciativas para instaurar uma equipe de trabalho
composta por técnicos da prefeitura para realizar e gerenciar o processo de elaboração do
Plano Diretor (REVISTA DO PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO, 2005, p. 7-28; 2007, p.
7-16). Este processo foi desenvolvido em um projeto de quatro etapas durante os anos de
2005 e 2006 assim distribuídas: 1ª Etapa- criação de uma Gerência de Projetos e de um Grupo
inicial de Trabalho para Plano Diretor compostas por técnicos da Prefeitura; 2ª Etapa-
mobilização e formação de gestores e técnicos da prefeitura e de lideranças da sociedade civil
para participarem do processo; 3ª Etapa- realização de amplo diagnóstico municipal
(denominado de Leitura da Cidade) e 4ª Etapa- Sistematização/elaboração do projeto de Lei
do Plano Diretor e sua submissão à Câmara Municipal para avaliação, ajustes e aprovação
final.
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dezembro do mesmo ano). Como resultado, foram identificados e registrados noventa e seis
pontos críticos e apontadas vinte e duas sugestões de enfrentamento na busca de proporcionar
subsídios, tanto para o processo de elaboração do Plano Diretor, quanto para a elaboração e
implantação de políticas públicas específicas nas áreas visitadas.
Ao analisar as experiências de incorporação de “olhares” adotadas no processo de
diagnóstico do município, torna-se evidente que nesta etapa ocorre o surgimento de novos
atores sociais ocupando os diversos loci de referência discursiva enquanto os agentes
representativos da estrutura formal de planejamento público se fazem presentes
predominantemente na dimensão das construções discursivas refletidas na maioria dos
documentos sistematizados.
Enquanto, em sua maioria, os diversos segmentos da sociedade que se tornaram
visíveis nesta etapa denotavam ancorar seus discursos na busca do atendimento de suas
microdemandas, os agentes representativos da gestão pública carregavam em seus discursos o
pressuposto da importância de ser definido o novo ordenamento territorial de Santana
atendendo às pressões de ordem técnica e daquelas oriundas da malha de relação vinculada à
governança municipal. Nesta etapa, a ambiência de planejamento se caracterizou pelo
surgimento de diversos campos de disputas permeadas pelo ideário de abertura dos canais de
diálogo entre a sociedade e o governo municipal.
Um mosaico sobre a realidade local é construído, mesclando “visões de sobrevoo”
(observadas nos discursos provenientes dos atores que elaboraram os artigos analisados e do
survey aplicado nas regiões político-administrativas do município) com “olhares de perto”
(observados nos discursos apresentados pelos atores integrantes das oficinas/festival de curtas
metragens e das expedições realizadas pelas Caravanas do Plano Diretor). As assembleis e
grupos de trabalho do Orçamento Participativo e da Conferência Municipal da Cidade foram
também palcos de grande expressividade dos segmentos sociais e dos confrontos entre as
diversas “leituras” da realidade.
O descortinamento de demandas sociais fez fazer visível diversas proposições
apontando necessidades de construções/reformas de equipamento público, criação de
mecanismos formais para participação e controle social contínuos da gestão pública e
priorização do uso dos recursos públicos para utilização em saneamento básico, infra-
estrutura urbana e portuária, habitação e sistema viário.
Por mais que a incorporação das manifestações e proposituras da sociedade no
diagnóstico municipal seja considerada um avanço, um ponto importante a ser observado
reside no fato de que a equipe técnica da prefeitura exerceu papel ativo em grande parte das
“mediações” de conflitos e de interpretações discursivas nas arenas de diálogo, bem como
atuou como responsável pela sistematização das “leituras/olhares” produzidas, não ficando,
desta forma, este processo totalmente isento de direcionamentos ancorados nos pressupostos
vinculados aos interesses daqueles que conduziam o processo.
A quarta e última etapa do projeto de elaboração do Plano Diretor (representada pela
sistematização do projeto de lei do plano diretor e sua análise/aprovação pela Câmara de
Vereadores) se desenvolveu inicialmente através da elaboração de um texto-base
correspondente a versão preliminar do projeto de lei, realizada pelo corpo técnico da
prefeitura no período compreendido de janeiro a agosto de 2006. Nos meses de agosto e
setembro do mesmo ano, o texto-base foi submetido à apreciação social através da realização
de três reuniões abertas de apresentação, um fórum aberto de apresentação e discussão e uma
audiência pública de discussão do Plano Diretor. No dia 19 de setembro o Projeto de Lei foi
encaminhado à Câmara de Vereadores do município e no dia 05 de outubro de 2006 é
aprovada a Lei Complementar 002/2006 que institui oficialmente o novo Plano Diretor sem
alterações significativas.
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São nesta etapa que se tornam nítidas as diluições de discursos provenientes dos
vários segmentos da sociedade, na medida em que os atores situados nos loci de construção
discursiva, responsáveis pela sistematização do planejamento, filtram, definem e redefinem
seletivamente as “leituras/olhares” estabelecendo uma versão preliminar das diretrizes gerais
da política urbana e rural do município, demarcando genericamente os elementos
constitutivos do ordenamento territorial, dos parâmetros para uso, ocupação e parcelamento
do solo, dos instrumentos da política urbana e dos mecanismos de gestão democrática da
cidade.
Ao tecer a análise do conteúdo apresentado, torna-se evidente a preocupação dos
sistematizadores em garantir no corpo do texto a formalização de uma política urbana
fundamentada em um Plano Diretor genérico, arremetendo uma significativa parcela de
demandas sociais, identificadas na etapa de “Leitura da Cidade”, para serem abordadas nos
processos futuros de elaboração das Leis complementares como por exemplo, os Planos
Municipais de Habitação; de Gestão e Saneamento Ambiental; de Mobilidade Urbana e Rural;
de Resíduos Sólidos; de Prevenção do Patrimônio Cultural e as Leis de Parcelamento, uso e
ocupação do solo; de Disciplinamento dos Parâmetros para Geradores de Incômodo à
Vizinhança; de Obras e Instalações; do Código de Postura, dentre outros.
Nesta etapa, as apresentações e discussões do plano sistematizado foram
caracterizadas pelo gradual esvaziamento da participação social e os espaços abertos ao
diálogo foram caracterizados por fortes assimetrias de poder, com predominância das
influências advindas dos atores representativos do governo municipal. Levando em
consideração as diluições de discursos, a diminuição participativa e as assimetrias existentes
durante os “diálogos” realizados, pode-se argumentar que na etapa final da construção da peça
de planejamento “as últimas palavras ditas” foram permeadas por uma abordagem discursiva
tecnocrata e heterônoma, havendo transferências de enfrentamento de demandas locais
apontadas pela sociedade para momentos posteriores.
Sobre a perspectiva geral do processo de elaboração do Plano Diretor de Santana,
vale a pena registrar que ao mesmo tempo em que houve significativas incorporações, houve
também significativas desconsiderações de anseios e manifestações expressas durante os
eventos e ações promovidas pelo governo municipal. Este fato (perceptível no
confrontamento dos documentos produzidos na etapa diagnóstica com o conteúdo da Lei
aprovada pela Câmara de Vereadores), denota a existência do risco de várias questões, que
foram consideradas por diversos atores sociais como críticas para o desenvolvimento local, se
tornarem “invisíveis” no transcorrer da gestão pública do município.
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Referências
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desenvolvimento regional. Macapá-AP: Tostes Editora, 2006.
Notas
[1] ALCMS- A Lei n.º 8.387, de 30 de dezembro de 1991, criou a Área de Livre Comércio de Macapá, no
Estado do Amapá, conforme estabelece o art. 11. O Decreto n.º 517, de 8 de maio de 1992, regulamentou o art.
11, da Lei n.º 8.387/1991, estabelecendo as finalidades e a localização da Área de Livre Comércio de Macapá e
Santana – ALCMS.
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Resumo
Introdução
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Este ensaio teórico foi suscitado pelo caso prático, ou seja, desencadeado pela
tomada de conhecimento de que a Casa das Fases havia deixado de ser um Ponto de Cultura
por não conseguir cumprir com a prestação de contas ao Estado, mesmo tendo desenvolvido
um vasto e reconhecido trabalho.
Será que o Estado, mesmo propondo uma lógica diferenciada para abarcar e incluir
os Pontos de Cultura, considerou o risco ou pensou em alternativas aos critérios de avaliação
focados em questões financeiras objetivas? Qual o impacto de avaliar, a partir de critérios
instrumentais, as organizações culturais caracterizadas predominantemente por uma lógica
substantiva? Relações objetivas e mediadas pelo dinheiro na atualidade levam a avaliações
também, muitas vezes, baseadas em questões financeiras, enquanto que o “imaterial”, o
abstrato e o humano - que geralmente permeiam o campo cultural - ficam em segundo plano.
Este ensaio tem por objetivo refletir sobre como a lógica de avaliação burocrática
pode impactar e chocar com a lógica do fluxo no contexto cultural e, até “matar” Pontos de
Cultura.
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racionalização perde suas bases religiosas e passa a existir um ethos, uma coerência interna,
“livre de qualquer relação direta com a religião, estando assim, para os nossos objetivos, livre
de preconceitos” (p. 29). Quando a vocação é o trabalho, metódico e racional (p. 39), a
salvação se dá no mundo, o ethos que se constitui do trabalho visto como um fim em si
mesmo, como uma vocação. Por exemplo, sentenças como as de Benjamin Franklin, listadas
por Weber (p. 29-30): “tempo é dinheiro”, “crédito é dinheiro”, “dinheiro gera dinheiro”, “o
bom pagador é dono da bolsa alheia”. Com atitudes morais ligadas ao utilitarismo, “o homem
é dominado pela produção de dinheiro, pela aquisição encarada como finalidade última da sua
vida” (p. 33).
O trabalho visto como um fim em si mesmo soma-se ao impulso para o ganho e para
o lucro. A vida puritana “favoreceu o desenvolvimento de uma vida econômica racional e
burguesa. Era a sua mais importante, e, antes de mais nada, a sua única orientação consistente,
nisto tendo sido o berço do moderno “homem econômico” (WEBER, 1989, p. 125). Neste
ponto começo a refletir sobre o papel do dinheiro na sociedade moderna. Vivemos em um
sistema no qual o lucro é estimulado, o dinheiro não é perecível, pode ser acumulado e é
considerado normal acumular até mesmo muito mais do que poderia utilizar. A cultura
objetiva de instituições e objetos sobrepõe a cultura subjetiva. Correlacionando com Weber,
pode-se inferir que a racionalidade instrumental sobrepõe a racionalidade substantiva.
O estudo de Baudrillard (1995) é interessante por contrapor a sociedade de
crescimento à sociedade de abundância. Podemos pensar: “abundância de quê”? Em uma
sociedade de crescimento somos continuamente cercados por objetos, serviços, bens
materiais, ou seja, a opulência não está nas relações e na proximidade com outros seres
humanos, mas nos objetos, na complexidade técnica e, agora, também nos contatos virtuais.
Segundo o autor, na sociedade de crescimento, devido a uma tensão permanente entre as
necessidades concorrenciais e a produção, há um condicionamento das necessidades humanas,
padronizando-as, inclusive as diferenças; há uma pauperização psicológica. Se pensarmos na
indústria cultural, isto pode fazer sentido. E a “aura” da arte, a abundância cultural? O
processo empresarial e burocrático talvez represente a dominação da subjetividade, passa-se à
submissão a uma lógica, à disciplina, uma automatização da vida, submissão a um tipo
predominante de racionalidade.
Ao estudar Bourdieu (2006) a questão da economia capitalista se torna explícita,
especialmente nas suas análises sobre o processo ocorrido na Argelia. O autor, ao analisar a
ocupação francesa na Argelia, observa a passagem de uma economia pré-capitalista para uma
economia capitalista, quando ocorre a racionalização das condutas, a assimilação de
categorias de pensamento, o cálculo racional, a mudança em relação à percepção do tempo, a
previsibilidade e a disciplina sendo estimuladas. Também, novas necessidades passam a ser
percebidas na Argelia agora capitalista: a necessidade monetária, a busca por segurança, e
também as resistências e manutenção de modelos abstratos de racionalidade. No esquema de
percepção da colônia, ficam evidentes as diferenças, ou seja, as mudanças culturais ou a
aculturação e a transição para a estrutura capitalista. Assim, a Argelia, aos poucos, é
reinventada a partir de um novo sistema de disposições sob a pressão da necessidade
econômica e do desenvolvimento. É a dita sociedade de crescimento se fazendo presente.
Clegg (1998) também aborda modos de racionalidade nos estudos organizacionais e
busca a superação do olhar dicotômico. Segundo o autor, a racionalidade real de Weber
mostra a eliminação de formas de explicação mágica, mística e tradicional e a submissão aos
cálculos da razão técnica. Esta racionalidade real teria que ir além de cálculos racionais,
considerando valores e fins, seria a ponte entre o real e o empírico, a coexistência, o plural.
Considerando o campo cultural, seria talvez a necessidade de uma base que inclua a
complexidade.
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mente aberta, “não-naturalizada”, sem limites definidos. É uma busca pela intuição de
sentido, não a concretude; o Campo abstrato, a fonte de sentido da experiência humana, cuja
base está na relação (COOPER, 1976).
A produção de sentido também pode contribuir com esta análise, pensando em uma
construção socialmente compartilhada. Na proposta do interpretativismo de Karl Weick
(1995) o cenário de desordem pode ser uma oportunidade para “engolir a ordem que as
pessoas insistem em estabelecer”. O processo é constante: onde começa? Onde termina? “A
pura duração nunca pára” (p. 23) e o “sensível não necessita ser sensato, e aí repousa o
problema” (p. 56). Estas abordagens, enfim, propiciam a compreensão mais ampla de uma
perspectiva de fluxo, aberta, criativa, construída na pura duração.
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princípio que a indústria cultural tem como motivação maior o lucro, não as criações
espirituais. Cohn (1998) faz uma crítica da razão iluminista, “o ímpeto controlador da razão
instrumental aparece dissimulado no que se apresenta como seu oposto: na produção
simbólica, na forma da cultura ou como meio de entretenimento (...)” (p. 15). Assim, na
indústria cultural, nem indústria seria inteiramente indústria, nem cultura seria inteiramente
cultura.
Harvey (2005) coloca que “algo muito especial envolve os produtos e eventos
culturais (...) sendo preciso pô-los a parte das mercadorias normais, como camisas e sapatos”
(p. 221), discutindo questões como singularidade e qualidades exclusivas.
Considera-se que houve – ou ainda há - uma “luz no fim do túnel” para o campo da
cultura, a partir da efetivação no Brasil da concepção dos Pontos de Cultura, a qual traz os
sujeitos à evidência na criação e participação como produtores e consumidores de
manifestações culturais, sem prevalência de aspectos administrativos, em um primeiro
momento. Aí está uma grande diferença da cultura de massa, pois a proposta, explicitada a
seguir, não se consolida na exigência de produção rentável e/ou no uso de técnicas
empresariais e administrativas.
É importante ressaltar que, em 2013, após cerca de uma década de experiência, seu
idealizador afirmou que a prioridade foi dada à estrutura em contraposição ao fluxo. Portanto,
a lógica do Ponto de Cultura conflitou com a lógica do Estado burocrático e suas formas de
avaliação.
Assim, chegamos à situação da Casa das Fases, Ponto de Cultura com longa
trajetória de atuação. A Casa das Fases, com sede em Londrina-PR, foi o ponto de confluência
e trabalho da Cia de Theatro Fase 3, um grupo formado por atores com mais de 60 anos. No
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No livro sobre Pontos de Cultura, Turino (2009) também relata sobre a Casa das
Fases e percebe-se o quanto o trabalho possivelmente seja permeado pela razão subjetiva,
racionalidade substantiva que revela relações e sentido. As pessoas ouvem histórias umas das
outras, abrem seus universos pessoais para o grupo, se ajudam, se conectam, se relacionam. O
humano está presente, não há objetificação, não há busca por dinheiro ou rentabilidade.
Nenhum livro contará nossa história. Por isso sentam e ouvem histórias umas das
outras, tirando os elementos necessários para construir suas peças de teatro.
“Uma relação de afeto. Parar para ouvir a história de uma pessoa é uma coisa
muito importante, muito séria”, afirma Fabrício Borges, coordenador do Ponto de
Cultura, que pratica todos os dias esse exercício de ouvir. (...)
No Ponto de Cultura, elas (e eles) se redescobrem.
“O grupo é como se fosse minha família. Quando fiquei viúva…”, inicia uma
senhora de cabelos brancos. (...)
Começam com música, depois suas caixas de memória, como pequenos teatros em
que se apresentam para uma pessoa apenas. Pequenos momentos em que uma caixa
de papelão pendurada no pescoço transforma-se em palco e museu. A cenografia e
figurino são feitos em miniatura, com pequenos brinquedos, fotos, bonequinhas,
papel crepom e tecido. João Bernardi, o diretor da trupe, revela a generosidade de
seu teatro:
“Quando a pessoa é surpreendida na rua por um grupo de senhoras contando
histórias com suas caixas, com certeza ela vai se surpreender. Nossa! Talvez mude o
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rumo do que faria após sair de um banco, pensando em dívidas e contas. Depois de
ouvir aquela história contada com tanto carinho, talvez a pessoa mude o seu rumo,
talvez chegue em casa e conte uma história para seu filho e se esqueça por um tempo
de suas dívidas e contas a pagar. Quem sabe a pessoa mude o percurso, pare numa
praça, vá mais feliz para seu compromisso, talvez ligue para uma tia com quem não
falava há muito tempo e com isso se prepare melhor para seu envelhecimento”. (...)
Potencialidades são descobertas por e naquelas velhinhas do Paraná. (TURINO,
2009, p. 171)
Assistir aos vídeos e ler sobre os trabalhos realizados pelo grupo, no portal da Casa
das Fases, foi uma experiência marcante pois pude observar demonstrações vivas de amor,
humanidade, ajuda, expressão através da arte. Depois de conhecer e analisar este trabalho,
mesmo que através da internet, é difícil pensar que este fluxo que tinha tanta energia, acabou.
A informação que incitou as reflexões presentes neste estudo surgiu a partir de um
texto publicado na Revista Fórum, quando Turino (2013a) comenta que a Casa das Fases
deixou de ser um Ponto de Cultura.
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inicial, que haja qualquer objetivo de lucro, ou de enriquecer. Observa-se mais uma busca
voluntária pela arte e pela cultura para expressão e reprodução da humanidade de cada um e
do grupo. Se a crítica estética (Boltanski e Chiapello, 2009) está relacionada à perda do
sentido do belo, decorrente da padronização e da mercantilização, aqui se revela sentido,
individualização e força do grupo.
Portanto, se a Casa das Fases representava um grupo com capital cultural e simbólico
acumulado ao longo de quase 3 décadas, com reconhecimento público, apenas o choque de
lógicas de avaliação pode explicar que tenha deixado de ser reconhecido como Ponto de
Cultura. O grupo persistiu por mais algum tempo e, no final de 2015, após o falecimento de
seu fundador, as atividades da Casa das Fases foram encerradas.
Ampliando a análise para o campo cultural brasileiro, Turino (2013b) publicou um
artigo afirmando ter ocorrido o “desmonte do programa Cultura Viva e dos Pontos de Cultura
sob o governo Dilma”, alegando ter havido um ciclo de
“encantamento/expansão/contenção/declínio” do programa Cultura Viva. O “império da
técnica e da gestão se sobrepôs ao mundo dos sonhos”.
Cultura Viva diz respeito à pluralidade da vida, de suas expressões e desejos, mas o
mundo da técnica transforma tudo em coisa, até mesmo a gratuidade da vida. Com
isso, Oficinas de Conhecimentos Livres tiveram que ceder lugar à Economia
Criativa (submetendo a Cultura à lógica da economia e não o contrário) e processos
formativos horizontais (em que um Ponto contribuía com outro via afecções e as
ideias se disseminavam de forma virótica) passaram a ser substituídos por formações
verticais. E tudo amparado no discurso da qualificação técnica, em que os agentes
do Estado são os qualificadores e os representantes da sociedade os desqualificados.
(TURINO, 2013b)
Mas a esperança por uma “cultura viva” segue. Segundo Turino (2013b) o
movimento cultural tem maior protagonismo após estas experiências, há o movimento latino
americano pela Cultura Viva comunitária em 11 países e há presença na formulação e defesa
de políticas públicas, inclusive ocupando espaços institucionais em governos, sobretudo
municipais.
É uma história construída por todos nós; são as diferentes racionalidades, lógicas,
os contrapontos, choques, o campo de forças se evidenciando na análise organizacional. A
bela e contraditória trajetória humana.
Considerações Finais
A arte e a cultura são muito mais do que entretenimento, são presença, autenticidade,
criação, humanidade, autonomia, desejo, escolhas, relações, individualização, sentido... ou
tudo isso, um pouco disso ou ainda algo diferente disso. Aí está presente a racionalidade
substantiva, no sentido à vida, nos vínculos, sem mediação pelo dinheiro, sem o predomínio
do objetivo mercantilista e da necessidade de “agradar”, pagar ou prestar contas.
A análise aqui apresentada indica que a estrutura engoliu o fluxo do programa
Cultura Viva e dos Pontos de Cultura quando o Estado, na aplicação de políticas públicas,
mesmo em um primeiro momento propondo a lógica diferenciada dos Pontos de Cultura,
retrocedeu ao aplicar critérios de avaliação de lógica instrumental e formal. O choque entre as
lógicas de avaliação foi inevitável e Pontos de Cultura, a exemplo da Casa das Fases, foram
destituídos desta condição. Por isso, a expressão “a burocracia mata” é válida na análise aqui
apresentada.
Relações objetivas e mediadas pelo dinheiro na atualidade levam a avaliações
igualmente baseadas em questões financeiras, ainda mais no contexto burocrático, enquanto
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Referências
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Resumo
Este artigo busca compreender como os últimos três Planos Plurianuais – PPAs 2004-2007,
2008-2011 e 2012-2015, lidaram com a questão da transversalidade. Trata-se de um tema atual
e fundamental pelas múltiplas possibilidades de uso que este termo permite. Primeiramente
procurar-se-á entender as origens da ideia de transversalidade. Em seguida, será feita uma
discussão teórica sobre sua apropriação pelo campo da gestão pública, buscando responder à
seguinte questão: há um conceito de transversalidade? A partir desse referencial teórico, são
analisados os documentos que embasaram a formulação, o encaminhamento e a gestão dos
PPA, com destaque para os Manuais de Elaboração dos Planos, as Mensagens Presidenciais de
encaminhamento dos Planos ao Congresso Nacional, os Decretos e Planos de Gestão dos
Planos, os Manuais para a Avaliação dos Planos, bem como os Relatórios Anuais de Avaliação
dos Planos e de seus Programas. Finalmente são apresentadas algumas considerações sobre o
percurso trilhado pela transversalidade ao longo dessa última década no âmbito do governo
federal.
Palavras-chave: Planejamento. Planos Plurianuais (PPA). Transversalidade. Gestão Pública
Abstract
This article aims to understand how the last three Pluriannual Plans - PPA 2004-2007, 2008-
2011 and 2012-2015, dealt with the issue of transversality. This is a current and important topic
for the multiple uses that this term allows. First, it will be understood the origins of the idea of
transversality. Then, will be a theoretical discussion of its appropriation by the field of public
management, seeking to answer the question: is there a concept of transversality? From this
theoretical framework, the documents that supported the formulation, routing and managing the
PPAs are reviewed, especially the Development Manuals of Plans, the Presidential Messages
that routing Plans to Congress, the Decrees and Management Plans of the Plan, the Manuals for
the Evaluation of Plans and the Annual Reports Assessment of Plans and its programs. Finally,
some notes are presented on the route trodden by transversality throughout this past decade
within the federal government.
Key words: Planning. Pluriannual Plans (PPA). Transversality. Public Management
Introdução
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políticos e institucionais que permitam uma maior interação com a sociedade (BRANDÃO,
2012).
Para o aperfeiçoamento das práticas governamentais um dos caminhos escolhidos
costuma ser a adoção de abordagens inovadoras em gestão pública, como é o caso da estratégia
conceitual e operacional da transversalidade.
A transversalidade surge na Europa Ocidental no final dos anos de 1980, a partir de
iniciativas da Organização das Nações Unidas - ONU, e está associada à estratégia do gender
mainstreaming, ou seja, à estratégia de colocar a questão da igualdade de gênero no curso
principal da definição das demais políticas públicas. Nesse contexto, a IV Conferência Mundial
da ONU sobre a Mulher (Conferência de Beijing/1995) é frequetemente apresentada como
marco, já que é a partir da divulgação de sua Plataforma de Ação que o conceito e a estratégia
da transversalidade ganham visibilidade (PAPA, 2012).
No Brasil, segundo Papa (2012), o conceito de transversalidade foi primeiramente
debatido pelas agências ligadas à ONU e por outras organizações de cooperação internacional
para o desenvolvimento, bem como por movimentos sociais e organizações não-
governamentais – ONG relacionados aos movimentos feministas. A partir de 2003, com a
criação das Secretarias Especiais de Políticas para as Mulheres, de Igualdade Racial e de
Direitos Humanos, bem como da Secretaria Nacional da Juventude (ligadas à Presidência da
República), o termo transversalidade populariza-se no âmbito do governo federal.
Todavia, em comparação com a crescente referência à transversalidade na literatura
sobre políticas públicas, e especialmente, no discurso dos gestores públicos federais, é limitado
o número de estudos que avançam para além do diagnóstico de sua necessidade ou aprofundem
o debate conceitual. Menor ainda é o número de trabalhos que analisam como a proposta da
transversalidade tem sido incorporada no âmbito da administração pública federal.
Este artigo visa, portanto, a um duplo propósito: contribuir para suprir as ausências
mencionadas na área de pesquisa de administração pública e colaborar para o aprimoramento
desse instrumento de gestão pública, ao analisar a forma como a transversalidade foi tratada
pelo plano plurianual federal nos últimos anos.
O principal objetivo era garantir que as políticas de gênero não ficassem restritas a um
órgão específico, mas que se “espraiassem” por todos os ramos de atuação do Estado. O termo
gender mainstreaming, ao abordar a incorporação da perspectiva de gênero nos temas
prioritários da agenda de políticas públicas, tem também a expectativa de transformar e
reorientar os paradigmas já existentes, participando de processos de tomada de decisão e
priorizando a igualdade de gênero, de maneira a repensar o processo de definição de políticas
em todas as suas etapas: da formulação até a avaliação (FERREIRA, 2004; PAPA, 2012).
De acordo com Bandeira (2005), as ações políticas com especificidade de gênero devem
vincular-se e relacionar-se com todas as áreas das ações governamentais e devem questionar a
idéia de que existem áreas nas políticas públicas as quais estariam desvinculadas – ou se
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Do ponto de vista da gestão, Serra (2004) aponta uma diferença importante entre a
transversalidade e outras formas de coordenação e integração horizontal e vertical: a introdução
de novos pontos de vista, valores, objetivos e linhas de trabalho para as organizações da
administração pública.
Assim, a transversalidade representa um instrumento de organização interna, diferente,
mas não mais importante do que aqueles destinados à cooperação interadministrativa, à
cooperação público-privada, à participação social, às alianças estratégicas, às gestões de redes,
etc (SERRA, 2004).
Também Bronzo (2007) entende que a transversalidade constitui uma parte soft da
organização, enquanto dimensão complementar à estrutura organizativa [especializada e
hierarquizada] básica ou hard, conferindo uma visibilidade horizontal à organização sem que
se perca a qualidade técnica e a especialização.
Silva (2011) segue pelo mesmo caminho e entende a transversalidade como um
instrumento de intervenção social que visa incorporar à gestão aspectos selecionados da
realidade que são determinantes para o atendimento de um problema ou situação específica e
que necessitam de abordagem multidimensional e integrada para enfrentamento eficaz. De
acordo com Silva (2011), enquanto a coordenação intersetorial envolve a atuação conjunta para
atingir um objetivo já dado, a transversalidade introduz linhas de trabalho não atendidas
anteriormente ou que não poderiam ser atendidas de forma vertical.
Ao fazer essa incorporação, Serra (2004) e Silva (2011) chamam atenção para o fato de
que a política pública setorial será, necessariamente, modificada de forma permanente ou
ressignificada. Nesse sentido, convém ressaltar que, sendo a transversalidade um instrumento
para a gestão de problemas ou situações que demandam abordagem multidimensional e
integrada para enfrentamento eficaz, sua adoção não está restrita apenas a temas sociais e/ou ao
encaminhamento de demandas relacionadas a grupos populacionais específicos, conforme
tendência atual prevalecente no âmbito da administração pública federal brasileira.
Embora apresentem nuances, as definições de transversalidade apresentadas pelos
autores citados possuem um núcleo duro, representado pelas ideias-chave de estratégia de
gestão, necessidade de coordenação entre diferentes áreas e atores, ressignificação de políticas
públicas e atribuições das organizações, aparecimento de novas demandas e perspectivas, e
complexidade dos problemas envolvidos.
Fortalece-se também a partir da leitura dos autores aqui citados a percepção de que o
tema da transversalidade possui uma natureza dual, sendo ao mesmo tempo
conceitual/substantiva (quando se trata da concepção do problema e apreensão da realidade) e
institucional/organizacional (quando se trata de operacionalizar as políticas públicas).
A incorporação da transversalidade à administração pública, contudo, não deve ser vista
como algo banal. Silva (2011) pondera que a adoção do enfoque da transversalidade apresenta
desafios, tais como:
✓ Lidar com estruturas setoriais complexas, que encerram debates em torno de
políticas, coalizões, limites legais, marcos regulatórios, participações sociais, e
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Plano é aprovado por lei quadrienal, com vigência do segundo ano do mandato do chefe do
Poder Executivo até o final do primeiro ano do mandato seguinte.
A adoção da transversalidade como orientação para o PPA federal está ligada tanto à
emergência de novos temas quanto de novos atores na agenda governamental federal, ainda
como parte do processo de redemocratização do País. Mas também, é preciso que se diga, a
uma atuação decidida dos movimentos sociais e de ONG junto ao Poder Executivo Federal no
sentido de que as questões relacionadas a meio ambiente, gênero, raça/etnia, pessoa com
deficiência, Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - LGBT, além de assuntos de
enfoque geracional fossem tratados a partir de uma perspectiva transversal.
Segundo Bandeira (2005), a demanda das ONG surge após a avaliação do PPA 2000-
2003 e da execução orçamentária dos programas ambientais do governo federal para 2002, em
que se constatou que esses temas tratados de forma setorial, em projetos específicos, não
conseguiram alcançar os resultados almejados. Na visão desses atores, era preciso reorientar a
atuação do Governo, de maneira que as demandas dos grupos socialmente discriminados
fossem consideradas em todas as políticas públicas em que eles participassem.
A pressão exercida pela sociedade civil organizada foi fundamental para que o Poder
Executivo Federal enfrentasse o desafio de aprimorar as políticas públicas setoriais de forma a
incorporar as múltiplas facetas da realidade social e econômica do país e, assim, oferecer uma
resposta governamental adequada a questões de natureza complexa, que não possuem uma
solução definitiva e que não podem ser encaminhadas por um único órgão da administração
pública federal, os chamados “problemas malditos” (REINACH, 2013).
Nesse contexto, é que a Mensagem Presidencial que encaminhou o PPA 2004-2007 ao
Congresso Nacional, bem como o Plano de Gestão estabelecido para ele fazem a diferenciação
entre as políticas setoriais clássicas (saúde, educação, energia, transportes) e os temas
transversais, que são os que revelam noções de justiça e cidadania e devem ser encarados pela
ótica da heterogeneidade dos grupos sociais e das diferenças regionais e culturais, tais como
ciência, tecnologia e inovação; emprego; direitos humanos; meio ambiente; gênero; raça e
etnias (MP, 2003; BRASIL, 2004).
Para esse conjunto de temas, o Plano de Gestão do PPA 2004-2007 previa também um
arranjo particular que almejava introduzir "uma cultura de gestão pública transversal", a qual
requeriria ao mesmo tempo a construção de uma institucionalização para estes temas e um
permanente processo de conscientização e capacitação dos funcionários e gestores públicos
(BRASIL, 2004).
A proposta apresentada pelo Plano de Gestão do PPA 2004-2007 era que cada um dos
temas transversais fosse gerido por meio de uma Câmara do Conselho de Governo e seu Comitê
Executivo, bem como por Grupo(s) de Trabalho para este fim constituído(s) (BRASIL, 2004).
Conforme lembra Bronzo (2007, p.15), o arranjo de natureza intersetorial em âmbito
institucional é importante porque favore a “coordenação política e tecnicamente legitimada,
capaz de estabelecer marcos e pautas comuns de ação, negociar interesses e neutralizar
resistências às mudanças”.
Embora o Plano de Gestão do PPA 2004-2007 não adentrasse em minúcias, é possível
pensar em uma certa complementaridade entre o arranjo de natureza intersetorial ali proposto
com as estruturas transversais criadas no Governo Lula, as já mencionadas Secretaria Especial
de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Secretaria Especial de Políticas para as
Mulheres, Secretaria Nacional da Juventude e Secretaria Especial de Direitos Humanos. Isso
porque, essas secretarias exerceriam o papel de catalisadores do novo enfoque proposto para as
políticas públicas setoriais, alimentando os órgãos setoriais de visões específicas e objetivos
estratégicos de mudança social (BRONZO, 2007; PAPA, 2012).
Ainda segundo a lógica trabalhada pelo Plano de Gestão do PPA 2004-2007, esses
espaços de gestão no Governo Federal definiriam as metas a serem alcançadas no âmbito dos
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programas do PPA relacionados a cada um dos temas, estas metas seriam inseridas no Sistema
de Informações Gerenciais e de Planejamento - SIGPLAN e também apresentadas nos sites dos
respectivos ministérios responsáveis pela programação a fim de possibilitar o monitoramento
de seu andamento e a conferir transparência à atuação governamental (BRASIL, 2004).
Vale mencionar ainda que, segundo o Plano de Gestão do PPA 2004-2007, haveria
identificado, no âmbito de cada ministério envolvido com o tema transversal, um responsável
pela condução dos programas setoriais com vistas ao atingimento das metas de transversalidade
esperadas (BRASIL, 2004). Adicionalmente, esperava-se que as Câmaras de Conselho
desempenhassem as seguintes funções (BRASIL, 2004):
✓ Constituir-se no fórum de discussão e negociação para incorporação da
dimensão temática nos programas dos órgãos setoriais e suas vinculadas;
✓ Incorporar conceitos e práticas comuns no tratamento de temas transversais às
políticas governamentais;
✓ Melhorar a integração entre os órgãos setoriais na definição e tratamento do tema
transversal;
✓ Aumentar o grau de articulação entre instituições e demais atores envolvidos na
gestão temática;
✓ Identificar oportunidades setoriais de investimentos em atividades específicas
relativas ao tema;
✓ Divulgar e disseminar o conhecimento relativo ao tema nas diversas instâncias
e fóruns governamentais e não-governamentais.
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O estudo do IPEA (2009), já mencionado nesta seção, também chamava atenção para o
processo de estreitamento pelo qual a transversalidade vinha passando na esfera federal e
apontava alguns dos problemas decorrentes disso, tais como: (i) a crença, compartilhada por
alguns dos gestores de programas vinculados a políticas públicas setoriais universais, de que as
demandas e necessidades das minorias estariam automaticamente consideradas por seus
programas, tendo em vista que esses programas atendiam a população como um todo; e (ii) a
convicção, por parte de alguns dos gestores de programas destinados especificamente ao
atendimento de minorias, de que só porque atuavam junto a este público seus programas
estariam necessariamente realizando uma gestão transversal.
Além disso, o estudo enfatizava que a homogeneização da “questão das minorias” na
ideia de “temas transversais” causava prejuízos, uma vez que a indistinção na forma com que
os grupos populacionais eram considerados, tornava o debate a respeito de suas especificidades
superficial (IPEA, 2009).
No "PPA 2008-2011: Desenvolvimento com Inclusão Social e Educação de Qualidade"
a transversalidade deixa de constar, explicitamente, como diretriz para a elaboração e gestão
dos programas, tendo o próprio Plano perdido muito do seu protagonismo em virtude do
lançamento de outros dois planos, que, embora menos abrangentes, contavam à época com
muito mais capital político: o Plano de Aceleração do Crescimento - PAC, principalmente, e o
Plano de Desenvolvimento da Educação - PDE.
Assim, embora as Secretarias Especiais da Presidência da República – sendo aquilo que
Serra (2009) defende como adequado para a gestão transversal, a saber: estruturas “leves”, que
contribuem com as estruturas tradicionais de governo (especializadas e hierárquicas) com
conhecimento e informação, mas com recursos orçamentários e humanos relativamente
modestos, visto caber a elas apenas uma pequena parcela da execução das políticas públicas –
tenham continuado a trabalhar na ampliação de suas agendas há, em certa medida, um
retrocesso. Nessa lógica, é importante perceber que conquanto a incorporação da
transversalidade no modelo de elaboração e no plano gestão do PPA não sejam suficientes para
garantir que as ações e parcerias se efetivarão, ela permite a responsabilização formal dos
órgãos setoriais pela realização do que foi pactuado. Os Planos, como instrumentos de
organização da atuação governamental, sinalizam os temas prioritários e a estratégia
governamental. Segundo Reinach:
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criadas (objetivos e iniciativas) seriam capazes de expressar relações que, antes, eram restritas
pela contabilidade pública. Nesses termos, a integração entre as políticas, em especial o
tratamento da transversalidade, não mais estaria limitada pelo desenho das ações orçamentárias
com seus respectivos produtos, de forma que a combinação entre objetivos, metas e iniciativas
criariam as condições para uma abordagem mais adequada da relação entre as políticas. Ainda
de acordo com o documento, aquelas alterações tinham sido fundamentais para revelar no
âmbito do PPA 2012-2015 as políticas para as mulheres, raça, criança e adolescente, idoso,
LGBT, quilombola, povos e comunidades tradicionais, juventude e pessoa com deficiência que
eram implementadas pelo governo federal (MP, 2011c).
Além disso, a Mensagem Presidencial esclarecia que a dimensão estratégica do PPA
2012-2015, o novo modelo do Plano e a visão preliminar da estrutura programática haviam sido
discutidos no âmbito do Fórum Intercoselhosiii à luz da multissetorialidade e transversalidade.
Naquela oportunidade, os participantes do Fórum apresentaram sugestões de aperfeiçoamento
à versão preliminar do Plano e demandaram que aquele espaço institucional fosse utilizado para
o monitoramento contínuo do Plano Mais Brasil (MP, 2011c).
De fato, em 2012, o Fórum Interconselhos - ele próprio um mecanismo voltado à
superação da fragmentação setorial dos espaços de participação social na administração pública
federal (AVELINO; SANTOS, 2015) - e o Governo Federal firmaram um pacto para o
"Monitoramento Participativo do PPA", a partir do conjunto de compromissos relativos a temas
de natureza transversal e multissetorial assumidos pelo Governo da Presidente Dilma Rousseff,
as chamadas Agendas Transversais.
As Agendas Transversais se constituem, portanto, em forma alternativa de organização
das informações contidas no Plano, ou melhor, no Relatório Anual de Avaliação do PPA 2012-
2015, ano base 2012, para nove assuntos: (1) Igualdade racial, comunidades quilombolas e
povos e comunidades tradicionais; (2) Povos indígenas; (3) Políticas para mulheres; (4) Criança
e adolescente; (5) Juventude; (6) Pessoa idosa; (7) Pessoas com deficiência; (8) População em
situação de rua; e (9) População LGBT.
A intenção por parte do governo federal era que as Agendas Transversais permitissem
"apreender a ação planejada para assuntos que se encontravam dispersos nos programas
temáticos" (MP, 2013a). A necessidade de criação desse instrumento, no entanto, deixa claro
os limites para se lidar com o desafio de incorporar a perspectiva transversal na política pública
mediante modificações na estrutura programática do PPA e demonstra, pelos temas que elege
para acompanhamento e prestação de contas junto à sociedade civil organizada, que a tendência
de restrição da transversalidade à área social, já percebida durante o ciclo de gestão do PPA
2004-2007, continua a prevalecer.
Considerações Finais
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Contudo, ao longo dos anos, houve, do ponto de vista conceitual, tanto uma vulgarização
do termo como a sua diluição semântica. Uma das possibilidades para essa dissolução é a falta
de clareza por parte dos gestores públicos federais quanto ao que seja transversalidade e,
portanto, sobre quais seriam suas diferenças em relação a outras formas de coordenação e
integração horizontal e vertical. Essa falta de integibilidade quanto ao termo fez surgir
diferentes interpretações e enfoques sobre o que seria a transversalidade e como ela poderia ser
operacionalizada no âmbito da administração pública federal.
Além da diluição conceitual, determinado por sua imprecisão semântica, constata-se,
após três ciclos de elaboração e gestão do PPA federal, a restrição da transversalidade, enquanto
estratégia de gestão, às políticas públicas voltadas ao atendimento das demandas e necessidades
de populações vulneráveis ou grupos minoritários. É preciso, todavia, perceber que não há
temas transversais a priori e, sim, práticas de transversalidade que podem, portanto, ser
aplicadas a vários campos das políticas públicas.
A identificação do instrumento da gestão transversal como algo relacionado às minorias,
conforme foi discutido neste texto, não apenas não é desejável, já que restringe as possibilidades
de seu uso no âmbito da administração pública, como traz prejuízos ao tratamento das
especificidades de cada um dos grupos prioritários considerados pelo governo, uma vez que a
indistinção entre eles no debate leva a uma abordagem superficial das questões a eles
relacionadas.
A despeito das dificuldades apontadas para a incorporação da transversalidade na
administração pública federal, notadamente no âmbito do ciclo de gestão do PPA federal,
acredita-se que a transversalidade seja um instrumento de gestão imprescindível ao governo e
que o caminho percorrido até aqui permite apostar em seu aprimoramento nos próximos anos.
Referências Bibliográficas
AVELINO; Daniel Pitangueira de; SANTOS, José Carlos dos. Controle Social e
Transversalidades: Sinais de Participação no Planejamento Governamental Brasileiro. In:
PPA 2012 - 2015: Experimentalismo Institucional e Resistência Burocrática/organizadores:
José Celso Cardoso Jr., Eugênio A. Vilela dos Santos. – Brasília: IPEA, 2015. p. 207-231.
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BRASIL, Decreto nº 5.233 de 6 de outubro de 2004. Estabelece normas para a gestão do Plano
Plurianual 2004-2007 e de seus Programas e dá outras providências (Plano de Gestão do PPA
2004-2007).
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<http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/spi/plano_plurianual/avaliacao
_PPA/relatorio_2011/11_volumeI_parte1.pdf>. Acesso em: 05 mai. 2015.
REINACH, Sofia. Gestão Transversal das Políticas Públicas no Âmbito Federal Brasileiro:
Uma Leitura Inicial. (Mestrado em Administração). São Paulo: Fundação Getúlio Vargas,
2013.
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i
É importante mencionar que o termo transversalidade é utilizado em outras áreas de conhecimento como
a educação, a psicologia, a sociologia e a psicologia. Se for levado em considereação, por exemplo, que na área de
educação a ideia de transversalidade está associada a uma nova forma de abordagem do processo pedagógico, a
interdisciplinaridade, e que na área de psicologia, a transversalidade é definida como uma dimensão contrária e
complementar às estruturas de hierarquização piramidal, será constatado uma certa semelhança nos sentidos em
que esta ideia é adotada por estas áreas e aquele em que é utilizada no campo da administração pública (IPEA,
2009; PAPA, 2012).
ii
Ver Manuais de Avaliação e Relatórios de Avaliação do PPA 2004-2007 citados nas referências
bibliográficas deste artigo.
iii
O Fórum Interconselhos corresponde a uma instância de caráter consultivo criada por ocasião do
processo de elaboração do PPA 2012-2015 e integrada por representantes da sociedade civil vinculados aos
conselhos setoriais e às comissões nacionais de políticas públicas, bem como por pessoas vinculadas a movimentos
e entidades da sociedade civil de caráter nacional.
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Resumo
A universidade é uma das instituições mais duradouras da história, embora ela venha se
transformando ao longo dos séculos, desde sua criação original na Europa, nos idos do século
XI. A despeito de sua longevidade, nem sempre sua existência foi inquestionável, pois, em
diversos momentos, as sociedades, os governos e os Estados colocaram em xeque a necessidade
de sua permanência e de sua forma organizativa. Neste sentido, entendemos que as políticas
educacionais compreendem parte do repertório de iniciativas e de regulações que visam a
articulação entre aquelas esferas, sobretudo quando pensamos acerca de qual é a concepção que
se tem acerca da educação superior e suas finalidades sociais e econômicas. Para além dos
discursos, mas, necessariamente, a eles associados, decisões concretas e pragmáticas precisam
ser tomadas, como, por exemplo, prioridades quanto à distribuição de recursos públicos. Assim,
procura-se problematizar a universidade tendo em vista sua articulação com o Estado, com o
governo e com a sociedade, tendo em conta as diversas demandas, expectativas, necessidades
dos diversos atores sociais.
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Introdução
A universidade é uma das instituições mais duradouras da história, embora ela venha se
transformando ao longo dos séculos, desde sua criação original na Europa, nos idos do século
XI. A despeito de sua longevidade, nem sempre sua existência foi inquestionável, pois, em
diversos momentos, as sociedades, os governos e os Estados colocaram em xeque a necessidade
de sua permanência e de sua forma organizativa. Ainda assim, ela sobreviveu. Por outro lado,
a universidade da forma como conhecemos é relativamente recente, pois ela se institucionaliza
apenas no século XVI. Desde então, tal como em sua fase medieval, ela não ficou imune a
críticas e crises. Dentre elas, ficaram célebres aquelas apontadas por Boaventura Santos: as
crise de hegemonia, de legitimidade e institucional (SANTOS, 1995; 2004), como veremos
adiante.
No caso brasileiro, em particular, a trajetória da universidade pode ser caracterizada por
uma “eterna crise” (TORGAL, ÉSTHER, 2014), mesmo na fase anterior à sua criação oficial
no século XX. Nesta trajetória, a relação da universidade com a sociedade, com o Estado e com
os governos tem sido marcada por tensões e contradições, envolvendo posições e concepções
conflitantes, especialmente em relação a seu papel, finalidades e identidade. Tal situação
implica um forte jogo político, que tende a culminar em políticas e práticas institucionalizadas,
mesmo que não consensuais.
Neste sentido, entendemos que as políticas educacionais compreendem parte do
repertório de iniciativas e de regulações que visam a articulação entre aquelas esferas, sobretudo
quando pensamos acerca de qual é a concepção que se tem acerca da educação superior e suas
finalidades sociais e econômicas. Para além dos discursos, mas, necessariamente, a eles
associados, decisões concretas e pragmáticas precisam ser tomadas, como, por exemplo,
prioridades quanto à distribuição de recursos públicos. Assim, se a educação é considerada
elemento ou “fator” de desenvolvimento econômico e social, a eficiência e a eficácia da
administração política passa a ser uma questão igualmente fundamental.
O artigo tem como objetivo discutir os rumos da universidade pública brasileira –
notadamente a federal – no que diz respeito à sua identidade e modelos de governança, a partir
de uma perspectiva histórica, com vistas a analisar suas possibilidades futuras. Neste aspecto,
procura-se problematizar a universidade tendo em vista sua articulação com o Estado, com o
governo e com a sociedade, tendo em conta as diversas demandas, expectativas, necessidades
dos diversos atores sociais. Isto implica, pelo menos em parte, a articulação com as esferas da
educação superior – no que diz respeito, especialmente, às suas finalidades prescritas –, da
produção – tendo em vista a crescente demanda por conhecimento como “fator de competição”
– e da própria economia – que vem “exigindo” da universidade o desempenho do papel de
agente econômico.
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De certo modo, isto explicaria, em parte, a ação estatal oscilar entre investir no setor público e
estimular o público.
A segunda contradição se dá entre a hierarquização dos saberes especializados por meio
das restrições de acesso e do credenciamento das competências, de um lado, e as pressões
sociais e políticas de democratização da instituição e da igualdade de oportunidades para os
filhos das classes menos favorecidas, de outro. Tal contradição se manifesta como uma crise de
legitimidade, observada à medida que se torna visível socialmente a falência dos objetivos
coletivos, ou seja, ela se manifesta sempre que uma dada condição social deixa de ser aceita de
forma consensual (SANTOS, 2004).
A terceira contradição se dá entre a autonomia institucional e a produtividade social,
manifestando-se na forma de uma crise institucional, que ocorre quando uma dada condição
social estável e autossustentada não garante mais os pressupostos que asseguram sua
reprodução. A crise ocorre à medida que a especificidade administrativa da instituição é posta
em xeque e se lhe impõem outros modelos tidos como mais eficientes, baseados em critérios de
eficácia de natureza empresarial ou de responsabilidade social (SANTOS, 2004).
Segundo Santos, a crise institucional prevaleceu sobre as demais, devendo-se a uma
pluralidade de fatores, evidenciando-se o desinvestimento do Estado e a globalização mercantil
da universidade. A autonomia científica e pedagógica da universidade é baseada na
dependência financeira do Estado. Enquanto a instituição e seus serviços eram considerados
um bem público, o Estado assegurou seu funcionamento sem maiores conflitos, porém, quando
o Estado decidiu reduzir seu compromisso com as universidades e a educação em geral,
tornando-os bens públicos não exclusivos garantidos pelo Estado, a universidade entrou em
crise institucional. Nos últimos trinta anos, as universidades, na grande maioria dos países,
foram atingidas por uma crise institucional, decorrente da perda de prioridade do bem público
universitário nas políticas públicas e da consequente descapitalização e redução dos recursos
financeiros (SANTOS, 2004).
Ainda segundo o autor, a perspectiva neoliberal considera que as contradições e dilemas
das universidades são insuperáveis e que a instituição é, portanto, irreformável, o que acarretou
a criação de um mercado educacional universitário global, assumindo-se que a lógica
empresarial é mais eficiente e capaz de dar conta das demandas sociais e dos problemas gerados
pelo modelo universitário tradicional (SANTOS, 2004).
É possível afirmar que a universidade tipo mercantil tem ganhado espaço em todos os
continentes, e tal fenômeno vem ocorrendo pelo menos desde a década de 1990, com o avanço
da globalização. Cowen (2002, p.35) entende que a universidade vive tanto crises aparentes
quanto reais. Para ele, o mundo vivia uma crise real que envolvia (no início dos anos 2000) “um
momento de mudança histórica [em que] as estruturas culturais de sustentação educacional,
forças econômicas e ideológicas políticas estão mudando muito rapidamente e construindo algo
novo”.
Torgal (2008), por sua vez, afirma que a universidade contemporânea atua em meio a
dicotomia tradição-modernidade. O autor entende que os conceitos permitem significações
ambíguas e por vezes contraditórias. Por exemplo, a universidade assume a lógica da
modernidade, a qual implica a adoção às regras de mercado, tal como vem sendo apontado.
Mas, ao mesmo tempo em que abandona sua lógica tradicional corporativa, não se abandonam
suas tradições, que servem para rentabilizar sua atuação.
Embora se referindo à universidade europeia, Cowen (2002) afirma que as
universidades passam por três mudanças profundas e fundamentais: sua estrutura cultural, sua
relação com o Estado, e sua gestão. Em relação à sua estrutura cultural, cada vez mais a
educação deixa de ser concebida como finita e encerrada quando da obtenção de determinado
grau acadêmico, passando a ser vista como um processo sem fim, permanente, com diversas
implicações para sua estrutura e dinâmica internas. A relação com o Estado – fundamental no
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contexto da administração política – também se altera, à medida que mais pessoas, portanto,
requerem acesso às universidades, o que encarece os investimentos públicos. Como os Estados
entendem – ou supõem – que se vive uma economia do conhecimento, a universidade continua
a ter importância, mas sua atuação exige esforços “para vincular firmemente as universidades
à indústria; para buscar novas formas de integração entre as universidades e a capacidade
produtiva, por exemplo, pela criação de parques da ciência [...], para simplificar e encurtar
programas de doutorado e padronizar programas para proporcionar treinamento em técnicas de
pesquisa e para medir o desempenho das universidades” (COWEN, 2002, p.38).
Consequentemente, sua gestão passa a adotar mecanismos de avaliação, de investimento e de
recompensas inspirados no modelo empresarial.
Elementos Descrição
Implica criar e reforçar o hábito de forte direcionamento (Strenghened steering);
Núcleo Diretivo tornar a universidade mais rápida, mais flexível, e, especialmente, mais focada em
Fortalecido reações a demandas crescentes e mutáveis; devem ser organizadas de modo a se
reprogramarem em termos de suas capacidades.
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Fonte: Maasen e Olsen (2007) apud Balbachevsky, Kerbauy, Fabiano (2013) (adaptado)
Neste sentido, entendemos que a tipologia de Drèze e Debelle (1983) é mais precisa e
adequada à compreensão da universidade. Os autores consideram que as três primeiras do
quadro 1 (I, II e III) possuem sua dinâmica estabelecida a partir de normas internas próprias,
enquanto as demais (IV e V) têm suas normas a partir do exterior, cujos propósitos
sociopolíticos e socioeconômicos são evidentes. No entanto, o que está em jogo é sua
finalidade. Por outro lado, esta é resultado de um forte e interminável jogo de poder. A ausência
ou a omissão da finalidade da universidade na tipologia de Maasen e Olsen sugere que tratam-
se de opções dentro de um cardápio, sem uma devida contextualização e um enquadramento
político-histórico, de acordo com as ideologias em jogo e em disputa. Sua tipologia parece estar
desconectada do modelo de sociedade que se busca num dado estágio de desenvolvimento desta
sociedade. Isto não implica dizer que haja sempre um único modelo de sociedade. Ao contrário,
é neste sentido que as disputas ideológicas tomam lugar, envolvendo as relações entre
economia, governo, Estado e sociedade. A estrutura e a dinâmica da relação entre a
universidade e o Estado (governo) serão decorrentes destas disputas, em que atores sociais
possuem posições desiguais e desequilibradas no jogo de poder.
Se admitirmos, pelo menos hipoteticamente, que haja um amplo acordo entre governo,
Estado e sociedade quanto à finalidade da universidade, provavelmente seu tipo será único (em
sua lógica mais geral), não havendo espaço para modelos concorrentes. Por outro lado, se a
universidade está em crise, e se esta crise é expressão de uma crise mais ampla, modelos
concorrentes e conflitantes emergem, a partir das concepções dos atores sociais. Do ponto de
vista da governança, a universidade se torna terreno de disputa entre as demandas internas e
demandas externas (Quadro 3). O resultado, tanto em termos da concepção quanto do modelo
de governança, dependeria da relação de poder entre os atores envolvidos.
Se Boaventura Santos está correto quando diagnostica as crises da universidade – aliás,
diversos autores o fazem, inclusive no Brasil –, então somos capazes de compreender os
conflitos entre os atores sociais e com a sociedade num sentido amplo. Mas, no jogo de poder,
o modelo mercantil ou empreendedor de universidade tem sido amplamente difundido e aceito
como modelo a ser adotado no mundo e no país, a despeito das críticas e resistências, pelas
próprias instituições, ou, na melhor das hipóteses, por sua representação política, a ANDIFES.
Uma visita em seu site institucional mostra a existência de uma comissão de reitores
estabelecida para
difundir a cultura do empreendedorismo no âmbito das IFES e definir e implantar
políticas, programas e ações institucionais que visem aplicar os seus princípios nos
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(CHAUÍ, 2006) – que faz prevalecer os preceitos da teoria do capital humano em detrimento
dos preceitos da teoria da emancipação humana (SEVERINO, 2008).
Neste sentido, Honneth (2013) faz uma análise muito interessante ao demonstrar como
a relação entre Estado e educação desapareceu no contexto da filosofia política. Desde Kant, a
relação entre ambos – a arte do governo e a arte da educação – era fundamental na vida social,
de modo a levar a criança ainda submissa a um estado de maturidade e de liberdade. Nas
palavras de Honneth (2013, p.546),
Tal vínculo entre uma teoria de educação e uma teoria da democracia se perdeu, cujas
razões não cabe apontar aqui. Mas, segundo Honneth (2013), podemos alegar que junto com o
entorno social e econômico, as demanadas feitas à escola também se modificaram, o que tem
levado à predominância de uma razão econômica que preconiza um sistema escolar no qual o
estudante é inserido para a “aquisição de capacidades aproveitáveis do ponto de vista puramente
econômico” (p.557)
Assim, nos dias de hoje, a escola tem preconizado a formação da autonomia individual,
contrariamente ao que defendiam Durkheim e Dewey – como Kant –, segundo os quais a
educação deveria se caracterizar pela “ideia de ensinar aos alunos uma percepção certeira do
que significa entender o colega como um parceiro com direitos iguais num processo comum de
aprendizado e investigação” [...] de modo que a “escola pública volte a gerar em cada nova
geração as formas de comportamento que são vitalmente necessárias para a formação da
vontade democrática” (HONNETH, 2013, p.556). Tal era o modelo de sociedade até o fim do
nacional-socialismo, na era moderna, segundo o autor.
Como se pode perceber, a educação formal (em todos os níveis) tem sido realizada de
forma descolada de um modelo de sociedade que preconiza a democracia como valor e como
forma de existência. Por outro lado, é exatamente em seu nome que a orientação neoliberal
defende o modelo escolar atual, especialmente no caso da universidade, tanto em termos de sua
concepção mercantil e empresarial, que visa a formação de recursos humanos para a esfera da
produção – principalmente privada – quanto de seu modelo de governança baseada nas
demandas externas – entendidas como as demandas do mercado – e na lógica competitiva, por
recursos e de resultados.
Considerações finais
Neste ensaio, levantamos algumas questões acerca da universidade, sobretudo algumas
tensões fundamentais, relativas a seu papel no sociedade contemporânea. Neste contexto, a
relação da universidade com a esfera estatal e governamental é crítica, na medida em que esta,
pelo menos a princípio, constitui-se como elemento ordenador de sua atuação.
Atualmente, observamos o avanço do modelo mercantil, empresarial ou empreendedor
da universidade em todos os continentes, associado a um modelo econômico e político de cariz
neoliberal, para quem a universidade deve ser uma espécie de “motor de desenvolvimento”
(LEVINE, 2009), dentro do espírito do capitalismo acadêmico. Assim, no nosso modo de ver,
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i
Maasen, P. e J. Olsen, J. P.“European debates on the knowledge institution: the modernization of the university
at the european level” in (ed) University dynamics and European integration. Springer, kindle ed., loc. 87-
376.
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Resumo
O déficit habitacional é um dos problemas sociais que causam desigualdade e que, em regra,
dificultam a formação de identidade e o desenvolvimento socioeconômico dos indivíduos,
sobretudo os mais necessitados. Para sanar esse problema, o Brasil promovido políticas
públicas destinadas ao desenvolvimento de programas de habitação social. Os maiores
programas da atualidade são o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) e o Programa de
Subsídio à Habitação de Interesse Social (PSH). Com o objetivo de analisar a contribuição da
aquisição da casa própria na formação da identidade dos moradores do conjunto habitacional
popular, Parque Morada Real, em Belo Campo, adotou-se como estratégia de pesquisa o
estudo de caso, com natureza teórico-empírica e do tipo descritivo-exploratório, o qual
utilizou como instrumento de coleta questionários, formulários e observação não-
participativa. Adotando-se uma amostra probabilística, 128 famílias participaram do estudo
que deu tratamento quali-quantitativo aos dados coletados. Os resultados indicam que a casa
própria adquirida exerce influência maior na formação de identidade pessoal do que na
identidade coletiva/social e na identidade de lugaridade. Os dados demonstraram que tal
situação ocorre, predominantemente, em decorrência de problemas sociais e econômicos
enfrentados pelos moradores.
Introdução
A moradia digna é uma das bases sociais e, até mesmo, econômicas para que o
indivíduo se estabeleça em uma sociedade. Além de promover condições de segurança e
qualidade de vida, possuir uma residência fixa e digna ajuda o ser humano na construção de
sua identidade pessoal e social, levando-o a estabelecer seus hábitos, costumes, cultura e
valores, além de proporcionar um ambiente favorável para o estabelecimento de objetivos.
No intuito de resolver os problemas habitacionais, surgiram políticas públicas sociais
específicas para esta área no Brasil, a partir da década de 1940. Muitas dessas políticas foram
extintas por diversas razões, dentre elas a sua ineficácia e a falta de implementação.
Atualmente, dada a grande pressão social, ações governamentais buscam reconfigurar as
políticas públicas de habitação, destinadas especialmente à população de baixa-renda, a fim
de sanar necessidades latentes deste público-alvo.
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Identidade
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A moradia é um dos pilares sólidos que o ser humano pode ter para se sentir digno e
estimulado a almejar novos objetivos. Segundo Cherkezian e Bolaffi (1998 apud BORGES,
2013, p. 8), a habitação é importante para a contextualização de um ambiente com qualidade
de vida e dignidade:
Habitação com boas razões é uma das principais reivindicações da população pobre
das cidades do país. É o fulcro no qual se apoiam todas as demais atividades da
população. Educação, saúde, famílias social e economicamente integradas, amor,
sexo e todas as demais necessidades para a fruição da vida saudável dependem da
possibilidade de morar decentemente. E a população pobre sabe disso mais do que
os melhores textos de sociologia, antropologia, psicologia social e demais
disciplinas afins.
Procedimentos Metodológicos
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mesmo por se tornarem mães muito cedo, passaram a assumir maiores responsabilidades e,
por conseguinte, passaram a ter a necessidade de uma habitação própria.
Sobre a etnia, a predominância de declaração se dá para a cor parda e negra: 50% de
respondentes pardos e 37,5% de respondentes se declaram negros. Os respondentes brancos
foram minoria, tanto entre os do sexo masculino, quanto os do sexo feminino, como
evidenciado na Tabela 1.
Gráfico 1 - Comparação do nível de escolaridade dos respondentes na situação atual e anterior à aquisição
da casa no condomínio popular
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moradores precisam sobreviver com uma renda familiar muito baixa. Esse dado revela, ainda,
a acentuada condição de pobreza e de baixo nível de formação dos moradores.
A melhoria da condição de renda do indivíduo é também um dos pilares para que a
desigualdade econômica do país possa diminuir. Para isso, um emprego fixo se faz necessário
para que o indivíduo possa alavancar sua carreira dentro da sociedade, buscando por
igualdade e justiça socioeconômica. Em contrapartida, a falta de emprego tende a gerar
exclusão social e pobreza.
De acordo com Oliveira (2002), o desenvolvimento é percebido juntamente com a
evolução econômica, política, humana e social. Os dados da pesquisa denunciam a extrema
precariedade das condições geradoras de desenvolvimento que o Condomínio e o poder
público têm oferecido aos beneficiários. Assim, encontraram-se sujeitos a situação de
vulnerabilidade econômica e social no ambiente pesquisado.
Com relação à formação da identidade, avalia-se que ela é vista como um processo
contínuo na vida do indivíduo, à medida que se desenvolve em função das transformações
pessoais e sociais pelas quais um sujeito passa ao longo de sua vida. Assim, procurou-se
analisar as contribuições e as transformações percebidas pelos moradores quanto a fatores que
compõem a identidade pessoal, social e de “lugaridade”.
Quanto à mudança de visão sobre si mesmo após obtenção de uma casa própria,
40,63% relataram não ter observado nenhuma mudança em si mesmo, no condomínio
popular. Em outros termos, um número expressivo de habitantes não percebeu relação entre
ter uma casa e se sentir diferente como pessoa, com autoestima mais elevada ou mesmo
autopercepção enquanto agente social na comunidade. Dessa amostra, também fazem parte os
moradores que residem em casas cedidas ou alugadas (situações irregulares no condomínio),
os quais afirmaram não perceber diferença, já que ainda não possuem casa própria. Apenas
10,16% admitiram que a aquisição da casa própria impactou, totalmente, na visão de si
próprio. Quando indagados de que forma esta mudança se deu, os informantes fizeram
referência ao aumento de confiança, ao sentimento de independência e responsabilidade e,
inclusive, de felicidade (Gráfico 2).
Responsabilidade 11.84%
Felicidade 23.68%
Independência 22.37%
Confiança 42.11%
Este resultado demonstra que parte da amostra percebe a casa como uma vertente
criadora de novos horizontes para o indivíduo, levando-o a mudar de estágios como ser
humano, de modo a influenciar na sua história de vida, na sua percepção da realidade e na sua
formação pessoal. Segundo Carrieri, Souza e Lengler (2011), os acontecimentos e mudanças
na vida de um indivíduo influenciam na formação da identidade, sejam eles anteriores ou
atuais. A história do indivíduo, de forma relativa a cada um, transforma modos de percepção
dele mesmo e, muitas vezes, do que ele espera ou deseja se tornar. Ainda, segundo Machado
(2003), a identidade pessoal é fruto da construção psicológica do ser humano sobre si mesmo
ao longo da vida. Assim, ao passo que as modificações acontecem, o indivíduo se percebe
com novos sonhos, desejos, escolhas e, até mesmo, ações. Deste modo, percebe-se que a casa
própria contribuiu para a formação da identidade pessoal, apesar de algumas condições
percebidas não serem favoráveis ao desenvolvimento dos beneficiários.
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Para obtenção de um resultado que pudesse ser analisado de forma quantitativa, deu-
se aos informantes a opção de escolher alternativas com o valor de 1 (inexistente) a 5
(altíssimo) sobre o grau de autoconfiança após a aquisição da casa própria. A média (3,36)
observada nesse quesito possibilitou a constatação de que o grau de autoconfiança atual se
encontra, em sua maioria, em situação de mediana para alta. Isto revela o potencial da
aquisição da casa própria como um fator de satisfação de necessidade, formação de identidade
e de autorrealização. Porém, os outros fatores que estão ligados à aquisição da casa, como
emprego, escolaridade e renda, fazem com que parte desse potencial não seja explorado.
De acordo com Machado (2003), a identidade pessoal orienta o indivíduo em suas
ações a partir do conceito e da visão que ele tem de si próprio. Deste modo, a partir da
consecução do objetivo de possuir uma moradia própria, a maioria dos indivíduos
pesquisados demonstrou acreditar que pode “trilhar” por novos caminhos e ser capaz de ter
novos projetos. Percebeu-se também que o simples fato de se tornar beneficiário de um dos
programas habitacionais gerou esperança e motivação aos moradores, ao conseguir a casa
própria.
Questionados sobre seu grau de satisfação com relação ao que fazem atualmente e ao
que são, 59,38% dos respondentes demonstraram estar satisfeitos ou muito satisfeitos com o
que percebem de si mesmo, porém, 38,28% da amostra têm o desejo de melhorar-se como
indivíduo, tanto no âmbito pessoal, quanto social. Este resultado reforça o que já foi relatado
até o momento, sobre o aumento da autoconfiança após a obtenção da casa. Já os moradores
de residências alugadas ou cedidas que fizeram parte da amostra, neste quesito, colocaram-se
como insatisfeitos ou indiferentes.
Sobre o reconhecimento social em função de características individuais ou atividades
realizadas, apenas 5,47% dos entrevistados percebem esse reconhecimento. Na maioria das
vezes, tal reconhecimento tem origem na atividade profissional desempenhada. Este foi um
item de pouca expressividade em termos de melhoria para o indivíduo respondente.
Verificou-se, assim, que muitos beneficiários manifestaram uma necessidade de
estima, ou seja, a necessidade de obter reconhecimento próprio pelo que faz e pelo que é. Esse
achado tem relação com as constatações de Machado (2003), ao descrever que, mesmo a
identidade pessoal sendo um conceito próprio do indivíduo sobre si, ela é influenciada pela
necessidade que este tem de suprir as expectativas de outras pessoas a respeito dele. Apesar
de não ter tudo o que desejam e não ter alcançado o reconhecimento social que gostariam,
muitos dos entrevistados se sentem bem consigo mesmo, diante do que desempenham em sua
vida pessoal e profissional.
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Descrição Quantidade %
Independência 19 16,52%
Melhoria de vida 20 17,39%
Tranquilidade 9 7,83%
Estabilidade 5 4,35%
Alcance de sonho ou objetivo 53 46,09%
Segurança 5 4,35%
Liberdade 4 3,48%
115 100,00%
Fonte: Pesquisa de campo, 2016
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viver dependendo de outras pessoas, não precisar se preocupar com aluguel, tornar-se mais
responsável ou ser independente, ter liberdade, poder comprar bens materiais, estar mais
próximo da prestação de serviços hospitalares e melhorar a autoestima (Tabela 6).
Ser independente e não ter que dar satisfação para os familiares com quem moravam
antes foram itens que sobressaíram. Este achado corrobora com a ideia de que possuir uma
moradia própria contribui para a construção identitária do indivíduo, tendo em vista a
mudança de percepção de si próprio e do outro sobre o nível de dependência que possuía.
Como afirma Machado (2003), a identidade individual é fruto da construção psicológica do
ser humano sobre si. Com isso, percebe-se um processo de desenvolvimento pessoal em
muitos moradores, até mesmo de melhoria da autoestima.
Estes sentimentos citados pelos respondentes são fatores de construção identitária
pessoal e social de forma gradativa e com efeitos em escala, a medida que o indivíduo, por
exemplo, se percebe mais confiante ao não depender da ajuda de outras pessoas para possuir
uma moradia, ao se motivar pela busca de outros objetivos, porque se acha, atualmente, mais
capaz de alcançar o que deseja. Porém, percebe-se, na amostra pesquisada, que o maior
benefício vislumbrado foi o de não precisar pagar mais aluguel, pois, desta forma, sobra
dinheiro para comprar outros itens necessários à subsistência da família, como alimento e
vestuário.
A contribuição e o envolvimento comunitário é uma das características de formação
de identidade coletiva. À medida que o indivíduo se identifica com o grupo, cria um
sentimento de pertencimento e passa a defender os interesses coletivos. A sequência de
questões que remontam as referências para a construção da identidade social/coletiva
demonstra que a amostra pesquisada possui pouco/nenhum entrosamento social com os
demais moradores, o que dificulta essa formação de identidade.
Não há mobilização comunitária ou mesmo reuniões locais para busca por melhorias
e resolução de problemas. Segundo os relatos, os vizinhos não vivem em clima de
comunidade. A maior parte dos respondentes disse preferir “ficar aqui no canto deles e que os
vizinhos também fiquem lá no canto deles”. Não há, portanto, relacionamento interpessoal no
conjunto habitacional. Dessa forma, 98,26% dos moradores disseram que a obtenção da casa
própria em nada contribuiu para a manifestação de forma mais ativa da defesa dos interesses
coletivos.
Seguindo na perspectiva de formação de identidade de lugar e identidade social,
perguntou-se aos moradores se percebiam diferenças entre a antiga vizinhança e a atual. O
resultado revelou pouca variação entre a cultura anterior e a cultura atual, na percepção dos
informantes. O quesito mais citado como percepção de diferenças culturais dos novos
vizinhos faz referência à percepção atual de “isolamento”, o que dificulta o relacionamento
95
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
interpessoal. Os relatos revelam que a troca de cumprimentos entre vizinhos não ultrapassa o
mero “bom dia”, “boa tarde” ou “boa noite”. Observa-se ainda a necessidade de formação de
identidade social para que os indivíduos se sintam parte da comunidade e não vivam em clima
de isolamento, tendo em vista que as entrevistas revelaram que muitos moradores citaram o
clima de distanciamento no relacionamento com os demais moradores.
De acordo com Machado (2003), a identidade social se atrela a costumes, culturas e
comportamentos da comunidade a qual o indivíduo faz parte. Sendo assim, esperava-se que,
como não houve muitas mudanças culturais percebidas, a adequação ao novo ambiente se
fizesse de forma espontânea e influenciasse no modo de convivência, organização e
mobilização social, porém, percebe-se que estas vertentes não foram alcançadas. Não há
entrosamento social entre os moradores e nem interesse por organização social em prol de
ações e mobilizações pela comunidade e seu desenvolvimento.
Todos os indivíduos pesquisados disseram não se sentir influenciados por esses
novos fatores culturais aos quais não estavam acostumados anteriormente. Porém, percebe-se
que, de forma consciente ou não, os indivíduos pesquisados se mostram influenciados na
cultura de “isolamento” tanto pessoal, quanto social. Acostumam-se a agir como o vizinho a
quem criticam pela forma de relacionamento e formam, assim, uma rede de distanciamento
que implica num ambiente extremamente desfavorável ao crescimento e desenvolvimento
social, bem como à formação identitária no local. Este achado denuncia a baixa relação entre
a identidade profissional, o relacionamento comunitário e interpessoal e a falta de associações
comunitárias para mobilização social no conjunto habitacional.
Carrieri, Souza e Lengler (2011) trazem que a identidade social/coletiva emerge da
relação entre os indivíduos. Isso explica então o porquê de pouquíssimos beneficiários do
condomínio popular terem demonstrado resultados positivos quanto à formação de identidade
social após a aquisição da casa, principalmente na perspectiva de envolvimento e luta social
pelos objetivos comunitários. Com isso, é possível inferir que, mesmo tendo uma casa
própria, a relação da maioria com a sociedade continua em baixo nível de envolvimento.
Além disso, percebe-se também a falta de desenvolvimento social após a aquisição da casa.
De acordo com Machado (2003), a identidade social permeia não apenas a visão do
indivíduo sobre ele dentro de um ambiente social, mas é resultado das relações interpessoais
que este mantém, bem como do papel que ele desempenha ao fazer parte de um grupo,
lutando por ideais comuns aos pertencentes. Nesse contexto, vislumbra-se a inexistência de
grupos de relacionamento comunitário no Condomínio, ao se constatar a falta de organização
comunitária que busque atender os interesses da população do Condomínio, conforme relato
dos moradores.
Nessa perspectiva, ainda pode-se citar que a identidade social gera os sentimentos de
pertencimento e de segurança (MACHADO, 2003). Esses sentimentos, por sua vez, em
relação à comunidade em si, não foram citados, visto a distância no relacionamento
interpessoal dos beneficiários do Condomínio.
A maior parte da população pesquisada (67,97%) interpreta que a sociedade possui
uma visão diferente e distorcida dos sujeitos que moram no conjunto habitacional. Tal
percepção, segundo os informantes, é mais negativa do que positiva, ou seja, os moradores
sentem-se vítimas, principalmente, de preconceito e discriminação. Por conta disso, o
sentimento de pertencimento, muitas vezes, é abalado, visto que a sociedade faz com que
muitos desejem mudar do Condomínio por causa da discriminação que julgam sofrer.
De acordo com Borges (2013), a caracterização da identidade social se dá também
pelo fato de o indivíduo possuir o desejo de pertencer a um grupo e se sentir parte do
ambiente em que vive. Nesse quesito, percebe-se, mesmo diante do baixo relacionamento
interpessoal entre os moradores e da falta de mobilização social, que a maioria dos indivíduos
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
Considerações Finais
Diante dos resultados obtidos com a pesquisa foi possível perceber que a casa própria
contribuiu para a formação da identidade dos indivíduos pesquisados, porém, com pouca
expressividade, tendo em vista os fatores sociais e econômicos em que vivem. Notou-se um
aumento de autoestima e de autoconfiança dos proprietários, mas muitos ainda se sentem
insatisfeitos com as condições desfavoráveis em que vivem e com o que realizam em âmbito
social.
Quanto à formação de identidade social, a contribuição foi ainda menor que a
observada para a formação de identidade pessoal. Não há evidências de melhorias na
mobilização e participação social dentro do Condomínio ou no próprio município. Isso
decorre, em grande parte, pelo clima de “isolamento” em que os moradores do Condomínio se
acostumaram a viver e pela falta de ações governamentais que contribuam para o fomento à
manifestação social. Os indivíduos não conseguem se perceber como agentes sociais capazes
de lutar pelos seus direitos ou pela mudança de suas realidades. Ademais, muitos ainda se
encontram conformados com as condições precárias em que vivem.
Já sobre a identidade de “lugaridade”, a discriminação social e o sentimento de
incapacidade socioeconômica são obstáculos visíveis para que esta se forme na vida de grande
parte dos moradores. Observa-se assim que a própria sociedade exclui e enxerga os moradores
do Condomínio popular com preconceito, impedindo a efetividade de um dos objetivos dos
programas habitacionais no município, que é a geração do sentimento de dignidade e
progresso social.
Percebe-se a necessidade de participação do poder público, da sociedade e dos
próprios moradores do Condomínio para a implementação desses programas, a fim de se
alcançar os objetivos de melhoria da qualidade de vida dos beneficiários e seu
desenvolvimento socioeconômico. O envolvimento societal também deve permitir que a casa
própria adquirida através desses programas não seja geradora de exclusão, mas sim de apoio
ao crescimento e desenvolvimento de condições favoráveis à justiça, equidade, igualdade e
satisfação pessoal.
97
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
RESUMO
O presente trabalho teve por objetivo analisar os procedimentos deacesso à informação
dasegurança promovida pelas Instituições Federais de Ensino Superior da região sudeste do
Brasil. Por meio de pesquisa de campo aplicada a fatores quantitativos descritivos, buscou-se
em meio à aplicação da nova Política Nacional de Segurança Pública,um maior entendimento
das questões que norteiam a atuação dos órgãos e entidades de segurança pública dentro das
universidades federais, corroborando com a necessidade de uma segurança coletiva
híbridaempregada dentro das cidades universitárias. Buscou-se como resultado a necessidade
não só de uma maior participação da comunidade acadêmica nos assuntos que dizem respeito
à segurança dos campi, como forma de buscar soluções para a reformulação das estratégias
adotadas pelas Instituições de Ensino Superior na luta contra a violência generalizada,
garantindo a segurança que se faz necessária dentro do ambiente acadêmico, como também
maior permeabilidade de acesso à informação por parte das Instituições de Ensino Superior
que promovem um belo discurso democrático e participativo que não se aplica na realidade.
Palavras-Chave: Policiamento Híbrido, Universidades Federais, LAI.
ABSTRACT
The objective of the present work was to analyze the procedures for access to information
security promoted by the Federal Institutions of Higher Education in the southeast region of
Brazil.By means of field research applied to descriptive quantitative factors, we sought in the
middle of the implementation of the new National Public Security Policy, a greater
understanding of the issues that guide the actions of the organs and entities of public security
within the federal universities, corroborating with the need for a collective security hybrid
employed within the university cities. We sought as a result not only the need for a greater
participation of the academic community in matters that concern the safety of campuses as a
way of seeking solutions to the reformulation of the strategies adopted in the fight against the
widespread violence, ensuring the security that is necessary within the academic environment,
as also greater permeability of access to information on the part of the Higher Education
institutions that promote a fine speech democratic and participative which does not apply in
reality.
Keywords: Federal Universities, Hybrid Policing, LAI.
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
1. INTRODUÇÃO
100
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
101
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
especial, endossando que a segurança de suas dependências deve ser organizada e paga pela
própria autarquia com os recursos de seu orçamento. Este conceito pode ser vislumbrado do
lado das Forças Armadas (FA) que de posse de um bem de uso especial para a execução de
serviços restritos às atividades militares, executam os serviços de Segurança com pessoal
capacitado em suas próprias dependências, excluindo a necessidade de uso dos demais órgãos
destinados à segurança pública. Ou seja, a segurança de uma Organização Militar (OM) não é
realizada em parceria com órgãos de segurança pública, mas sim por indivíduos que
constituem a própria força, tornando-a estanque à ação dos demais órgãos governamentais.
Isso demonstra que apesar das FA apoiarem o governo em um policiamento híbrido, estas não
partilham dessa mesma concepção, tornando restrita a atividade de segurança de uma OM a
um grupo de pessoas destinadas a esse propósito e investidas de poder para tais fins. Em
contrapartida, o policiamento restrito exercido dentro das OM se torna oneroso, com gastosem
recursos financeiros necessários à segurança como equipamentos de proteção, viaturas e
armamento que, muitas das vezes, não são cobertos pelo orçamento destinado a essa função
específica,levando a crer que a proteção de um bem especial se torna onerosa quando feito
isoladamente.
Coadunando com a visão de que uma universidade federal possui um campus de
dimensão considerável, o que exigiria um orçamento significativo para levar segurança a toda
sua extensão, outro grande fator não observado por Vianna (2012) ligou-se ao conceito de
ressignificação de Eltermann (2012) no qual se remeteu a ideia de que a ausência de
elementos do Estado permitiria que a subjetividade da realidade pudesse ser reformulada com
maior facilidade por indivíduos que tem por finalidade distorcer a realidade objetiva descrita
por Epelman (2010), penetrando com maior facilidade em um ambiente que permite a
permeabilidade cultural. Ao observar que apenas 15% das cerca de 2.300 IES espalhadas pelo
Brasil são do poder público, Eltermann (2012) percebeu que a expansão quantitativa da
educação em favor da melhor qualidade de vida do homem vem na contramão da capacidade
do Estado brasileiro em garantir a qualidade de ensino, haja vista que a sociedade e a
educação em especial, estão sendo culminadas por conceitos formulados e influenciados pelo
modo de pensar e agir em direção ao interesse econômico, o que se traduz em valor de
mercado e não em uma melhoria da educação: “Formar seres autônomos que agem movidos
pelo senso crítico não é tarefa fácil” (ELTERMANN, 2012, p. 2).
Com a morte de um estudante de 24 anos do curso de Ciências Atuárias da
Universidade de São Paulo (USP), Zocchio e Pina (2011) revelam medidas pragmáticas que
norteiam a política de segurança dentro de uma IES. Após o ocorrido, tomou-se como verdade
a necessidade da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMSP) atuar em conjunto com a
Guarda Universitária (GU)com o intuito de realizar vigilância nas dependências da
universidade. A ideia da USP foi dividir os papeis quanto à segurança no campus. Enquanto a
GU cuidaria da coibição de possíveis ações criminosas, o que caracteriza em uma ação
preventiva, a PM estaria imbuída de prender em flagrante e vigiar com barricadas e blitzes
toda a área universitária, caracterizando o elemento de reação. Contrapondo essa atitude
adotada pela entidade, Zocchio e Pina (2011) observaram que estudantes, professores e
funcionários da instituição demonstraramapreensão, levando-se em consideração que se
deflagrasse alguma greve, protesto ou movimentação contrário à atual direção da
Universidade, a presença da PM no campus se tornaria em uma forma cômoda de repressão
contra qualquer forma de organização política contestadora do status quo naquele lugar, o que
coaduna com a necessidade da permissividade e construção de seres
autocríticos(ELTERMANN, 2012).
Buscando exaltar a opinião da comunidade universitária e da PM, Pirolo e Moresco
(2012) revelaram que a temática de segurança dentro das universidades interfere no
sentimento social-coletivo por estar ligada intrinsecamente a polêmica do regime militar e
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fatores históricos de confrontos entre professores, alunos e PM. Pirolo e Moresco (2012)
enfatizaram que a questão conservadora do governo militar criou mitos, mistificações e medo,
gerando o motivo de resistência de indivíduos em aceitarem pacificamente a necessidade da
presença da polícia no interior dos campi como medida mais enérgica de segurança.
Como forma de constatar algumas das problemáticas enfrentadas pelas Universidades,
destacou-se aqui na reportagem de Ernesto (2015) ao jornal O Dia o caso recente ocorrido na
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 28 de agosto de 2015 onde um aluno foi
baleado no pé dentro do campus universitário mesmo este entregando todos os seus pertences
ao meliante. Mesmo com um sistema de monitoramento avançado a Universidade não
conseguiu sozinha inibir ações de bandidos dentro de seu campus.Em outra reportagem
Mattos (2016) evidencia casos de violência contra a mulher na Universidade Federal Rural do
Rio de Janeiro (UFRRJ). Devido a extensão de seu campus, que é considerado o maior da
América Latina, aliado a uma iluminação deficiente em muitos pontos e afalta de um
policiamento ostensivo eficiente, acaba por colaborar para a prática de violência dentro de
suas dependências.
Buscando uma ferramenta que consubstanciasse a necessidade de se angariar
informações inerentes a segurança promovida dentro das Universidades Federais, viu-se a
necessidade de buscar na Lei nº 12.527 de 2011 fundamento legal para objetivar tal pleito. A
LAI (Lei de Acesso à Informação) trouxe importante papel, permitindo ao cidadão brasileiro
ter acesso a informações sobre a guarda do Estado, restringindo seu acesso apenas quando
estas viessem a ser classificadas como sigilosas ou tratassem de informações de cunho
pessoal, garantindo a transparência e viabilizando uma maior prática democrática.
Com o intuito de regulamentar o que se predispõe a LAI, foi sancionado o Decreto nº
7.724de 2012. Tal Decreto buscou relacionar as questões envoltas sobre a transparência ativa
e passiva. A transparência ativa, evidenciada em seu Capítulo III, compreende na observância
de que todos os órgãos e entidades devem promover, independente de requerimento, por meio
de divulgação em seus sítios, as informações de interesse coletivo ou geral por eles
produzidos ou sobre sua custódia. Já em seu Capítulo IV foi possível observar que os órgãos e
entidades deverão criar Serviço de Informações ao Cidadão – SIC que, dentre outros, devem
atender e orientar o público quanto ao acesso da informação. É importante relatar que a
informação de posse de uma entidade só é considerada sigilosa se esta vier acostada do Termo
de Classificação da Informação (TCI), que constará todas as informações, inclusive as razões
para a classificação da informação disposta no art. 23 da LAI.
Consubstanciando o assunto da LAI, viu-se a necessidade de entender o real papel do
Ombudsman3.A Associação Brasileira de Ouvidores/Ombudsman (ABO) descreveu a
instituição da Ouvidoria como um instrumento de aprimoramento democrático, defesa dos
cidadãos e de efetiva representação de seus direitos e interesses legítimos, compactuando com
a colaboração das autoridades e a comunidade em assuntos de interesse público, promovendo
a ética, a paz, a cidadania, os direitos humanos, a democracia e outros valores universais.
Sendo assim, na ausência da criação de um SIC pelos órgãos públicos e entidades
competentes, conforme estabelece o Dec. nº 7.724/2012, entendeu-se aqui que é inteiramente
possível que uma Ouvidoria tem por obrigação atender qualquer solicitação disparada por um
cidadão que requer informação, não cabendo interpretação dúbia quanto à questão de acesso à
informação, já que a LAI regulamenta tal pedido, independente do caminho a ser seguido.
Em entrevista ao Infobae América Figueiredo (Figueiredo, 2015, apud Mizrahi, 2015)
relatou que devido a Leis que não intimidam os políticos mal-intencionados, os cidadãos
brasileiros adotaram uma postura de desconfiança quando o assunto norteia as questões das
políticas públicas, evidenciando que as medidas adotadas para proporcionar o acesso à
informação pelos cidadãos são apenas um primeiro passo para consolidação da democracia
com participação legítima do povo:
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A LAI surgiu com o intuito de combater a corrupção e a fraude que são considerados
por Arrighi (2015) não como sendoa expressão do poder legítimo, mas do fracasso deste.
3. METODOLOGIA
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A tabela 1 reuniu informações que demonstram a evolução de atos ilícitos nos estados
da região Sudeste, dos quais compreenderam a evolução do tráfico de entorpecentes e porte
ilegal de armas de fogo.
105
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Na tabela 2 foi possível listar as IES com suas respectivas siglas por unidade federativa
que participaram da pesquisa, bem como a área total de todos os campi.Ressalta-se que
algumas das Instituições Federais não ofereceram dados sobre o tamanho da área no qual o
campus da Universidade encontra-se instalada.
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Tornou-se necessário, por meio da tabela 5, apresentar um ranking que pudesse trazer
à tona quais das Universidades Federais cumpriram com todos os requisitos previstos na
legislação em vigor, sem subterfúgios, com eficiência e eficácia no tratamento da informação,
como deve ser a resposta de uma autarquia que prioriza uma educação de qualidade e preza
pela construção de indivíduos pautados pelos princípios participativos e democráticos de uma
sociedade de direito.
Reuniu-se dados desde solicitações realizadas por e-mail a funcionários e ouvidorias
das IES em análise, como também do Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao
Cidadão (e-SIC) que registra a data de abertura do chamado, o prazo ideal de resposta e a data
de resposta dos órgãos sobre a custódia dos assuntos pertinentes. Tomou-se a liberdade de
medir o tempo de resposta em dias úteis com base desde o primeiro chamado por e-mail até o
prazo de resposta de cada IES Federal, o que nos permitiu aferir um ranking com as IES que
obtiveram o melhor desempenho de resposta à solicitação.
108
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Tabela 5: Ranking das IES Federais que prestaram informações do tempo previsto
Tipo de Solicitação
Tempo de
IES Sistema e-SIC Data da
Nº Resposta
(sigla) E-mail Ouvidoria Data de Prazo do Resposta
(dias úteis)*
abertura sistema
29/05/2015
(Ouvidoria) 2 (Ouvidoria)
1 Unifesp - 27/05/2015 31/05/2015 22/06/2015
02/07/2015 27 (e-SIC)
(e-SIC)**
2 UFRRJ 20/05/2015 - 31/05/2015 22/06/2015 02/06/2015 2 (e-SIC)
15/06/2015
(Ouvidoria)
3 UFSJ 09/06/2015 21/05/2015 31/05/2015 22/06/2015 09/06/2015 - 5 (Ouvidoria)
(Não atendeu
pelo e-SIC)
4 UFLA - 21/05/2015 31/05/2015 22/06/2015 02/06/2015 8 (e-SIC)
5 UNIFEI - 21/05/2015 - - 25/05/2015 8 (Ouvidoria)
6 UFSCAR 21/05/2015 23/05/2015 17/06/2015 06/06/2015 8 (e-SIC)
7 UNIFAL - 27/05/2015 31/05/2015 22/06/2015 11/06/2015 10 (e-SIC)
8 UFOP - 21/05/2015 31/05/2015 22/06/2015 05/06/2015 10 (e-SIC)
9 UFMG - 21/05/2015 26/05/2015 15/06/2015 08/06/2015 11 (e-SIC)
10 UFJF - 21/05/2015 31/05/2015 22/06/2015 11/06/2015 14 (e-SIC)
11 UFTM - 21/05/2015 31/05/2015 22/06/2015 11/06/2015 14 (e-SIC)
12 UFVJM - 21/05/2015 31/05/2015 22/06/2015 12/06/2015 15 (e-SIC)
13 UFABC - 21/05/2015 31/05/2015 22/06/2015 18/06/2015 19 (e-SIC)
14 UFF - 21/05/2015 31/05/2015 22/06/2015 19/06/2015 20 (e-SIC)
15 UFRJ 21/05/2015 26/05/2015 31/05/2015 22/06/2015 22/06/2015 21 (e-SIC)
16 UFES - 21/05/2015 31/05/2015 22/06/2015 22/06/2015 21 (e-SIC)
17 UNIRIO 21/05/2015 31/05/2015 02/07/2015 13/07/2015 36 (e-SIC)
Até o
presente
18 UFU* - - 31/05/2015 22/06/2015 -
momento não
respondeu
Até o
presente
19 UFV* - 21/05/2015 26/05/2015 16/06/2015 -
momento não
respondeu
Fonte: Elaborado pelos autores
*Foi considerado como tempo corrido da solicitação o primeiro dia após o contato realizado até a data do
atendimento entre os meios informais (e-mail) e os meios formais (Ouvidoria e e-SIC).
** A IES Federal solicitou prorrogação do pedido.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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para que os mesmos erros não sejam cometidos, mas também permitir que novas conjunturas
possam ser formadas, objetivando o atendimento das novas demandas que possam vir a surgir
no âmbito da segurança do ambiente universitário.
Ao reunir os dados do ABSP na tabela 1, foi possível demonstrar que mesmo com o
poder de atuação dos órgãos de segurança sobre a concepção da nova Política Nacional de
Segurança Pública (PNSP), a violência tendeu a crescer durante os últimos cinco anos em
todos os estados da região sudeste.
Observando os questionários, apenas a UFLA relatou que possui um posto da PM em
seu próprio campus para patrulhamento de suas dependências e que este é treinado
exclusivamente para atender as demandas dos casos que possam vir a surgir dentro da
instituição. A UFRRJ e a UFMG utilizam o policiamento interno, porém ambas dispõem de
Guarda Universitária e não da PM como forma de policiamento de suas dependências. É
importante citar aqui que a maioria das Universidades Federais possuem parcerias com a PM,
mas a mesma só é solicitada para o policiamento externo o que reforça a ideia de visão
conservadora da comunidade universitária.
De acordo com os dados apresentados na tabela 5, foi possível constatar que das 19
Universidades Federais apenas a Unifesp,UFSJ, UNIFEI e UFSCAR atenderam a solicitação
por meio da Ouvidoria sem a necessidade de entrar no e-SIC. Entende-se aqui que a
Ouvidoria seria o canal mais propício ou, pelo menos, deveria ser o canal mais fácil para se
conseguir certa informação, já que nenhuma das Universidades que apresentaram respostas
por meio da Ouvidoria chegou aapresentar informações claras de fácil interpretação sobre os
dados apresentados no questionário. Em particular, destacou-se a UFMG que respondendo por
meio da Ouvidoria, esclareceuque deveríamos abrir o processo de solicitação de informação
direto no e-SIC. A UFU e a UFV até a data de 4 de dezembro de 2015 não forneceram
quaisquer informações e, por esse motivo, foram classificadas como pedido não atendido na
tabela 5. Das IES que encaminharam o questionário, 15 responderam no tempo
preestabelecido pelo sistemaeletrônico, sendo que aUnifesp, UNIRIO e aUFSJ solicitaram a
postergação do prazo pelo e-SIC.
De todas as Universidades Federais analisadas, as únicas que responderam o
questionário completo foram a UFRJ, a UFJF, a UFLA e a UFSJ. Todas as outras deixaram
de responder alguma questão ou colocaram empecilhos alegando que não poderiam responder
por se tratar de informações sigilosas. Destacou-se aqui a UFTM que ao invés de
disponibilizar informação concisa ao assunto de licitação, forneceu o sítio para que o próprio
cidadão pudesse buscar as informações por si só, tendo em vista que os dados ao adentrar no
sítio oferecido não são esclarecedores o bastante, sendo impossível a localização das
informações de licitação que tratavam sobre o assunto de segurançada Instituição. Isso se
deve a falta de uma nomenclatura de fácil compreensão para o cidadão leigo. A IESainda
destacou que acordo inciso IV do Dec. 7.724/2012, não poderia tornar pública a informação,
mas a mesma não apresentou o Termo de Classificação da Informação (TCI) ou Código de
Indexação de Documento que contém a Informação Classificada (CIDIC), de forma a
legitimar tal fundamentação.
É importante relatar que dizer que a informação é sigilosa não é fator determinante
para que esta seja realmente sigilosa, uma vez que tal classificação deve estar acostada ao TCI
preconizado pelo Decreto 7.724/2012, pois somente a assinatura desse documento por
autoridade competentetem poder de caracterizar a classificação da informação em qualquer
um dos três graus de sigilo preconizados pela LAI. Nenhum representante das IES federais
que omitiram algum tipo de informação apresentaram o TCI assinado por autoridade
competenteou o CIDIC em qualquer grau de sigilo,necessário à classificação da informação, o
que caracteriza uma falha no tratamento da informação dentro dessas Instituições de Ensino
Federais.
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Muitos dados não foram inseridos neste trabalho como forma de atender as
especificações do evento o que viabiliza a possibilidade para que outros pesquisadores
possam se aprofundar no tema, explorando assuntos não tratados aqui. Ressalta-se que apesar
do art. 21 do Dec. 7.724/2012 permitir recurso sobre as respostas apresentadas, as mesmas
não foram solicitadas por motivo de tempo necessário à confecção do trabalho.
O presente artigo científiconão buscou definir papeis, muito menos procurou
responsabilizar alguém pelas ingerências apresentadas em cada instituição de ensino federal,
mas tornou-se de extrema significância discutir os problemas que se apresentam na atual
gestão contemporânea das Universidades Federais como forma de trazer subsídios que
possam colaborar com práticas cada vez mais assertivas no campo de uma administração
gerencial participativa que compactue com a sensação de segurança que buscamos a todo o
momento.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BALERINI, C.Ombudsman Interno: Sua empresa ainda vai ter um. Ouvidor.Disponível em:
<http://www.ouvidor.com.br/artigo_8.html>. Acesso em: 17 jul. 2015.
EPELMAN, D. O Mapa não é Território. Publicado em: 19 mai. 2010. Disponível em:
<https://demodelando.wordpress.com/tag/realidade-subjetiva/>. Acesso em: 06 dez. 2015.
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ERNESTO, Luarlindo. Estudante é roubado e Baleado na UFRJ. O Dia - RJ. Publicado em:
29 set. 2015. Disponível em: <http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2015-09-
29/estudante-e-roubado-e-baleado-na-ufrj.html>. Acesso em: 06 dez. 2015.
Mapas para Colorir. Mapa Simples com Nomes dos Estados.Disponível em:
<http://www.mapasparacolorir.com.br/mapa-regiao-sudeste.php>. Acesso em: 16 jul. 2015.
MATTOS, Gabriela. Alunas da Rural Relatam Casos de Estupro na Universidade. O Dia - RJ.
Publicado em: 04 abr. 2016. Disponível em: <http://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/2016-04-
04/alunas-da-rural-relatam-casos-de-estupro-na-universidade.html>. Acesso em: 18 jun. 2016.
VIANNA, Túlio. Artigo: A universidade não precisa de polícia. Portal Vermelho, 2012.
Disponível em:<http://www.vermelho.org.br/noticia/173012-1>. Acesso em: 29 abr. 2015.
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Há de se esclarecer que a diferença entre a realidade objetiva e a realidade subjetiva compreende que nesta
última cada um de nós cria uma representação do mundo em que vivemos, o que permite diferentes
comportamentos mediante esse modelo (EPELMAN, 2010).
3
De acordo com Balerini (s/a) o termo tem origem sueca que caracteriza-se como “representante do cidadão” –
“Ombuds” = representante/ “man” = cidadão). Foram essas duas palavras que deram origem ao termo Ouvidoria
na atualidade.
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RESUMO
1. INTRODUÇÃO
A UNIVASF é uma Instituição Federal do Ensino Superior – IFES, criada pela lei
10.473, de 27 de junho de 2002, com a missão de atuação no semiárido nordestino.
Atualmente, é dotada de 6 (seis) campi em três estados da federação, quais sejam:
Pernambuco - Petrolina/Sede e Petrolina/Ciências Agrárias; Bahia – Juazeiro, Senhor do
Bonfim e Paulo Afonso; e Piauí – São Raimundo Nonato; sendo composta de uma
comunidade acadêmica de, aproximadamente, 500 docentes, 350 técnico-administrativos e
6.000 estudantes.
A elaboração da pesquisa teve como motivação o interesse de apresentar a
experiência da adoção de práticas participativas em torno do orçamento institucional
adotadas na Universidade Federal do Vale do São Francisco - UNIVASF, mesmo não sendo,
ainda, uma prática formalizada em todos os seus vieses.
Oportuno faz-se destacar, para fins de contextualização, que essa Universidade é
fruto da perspectiva do Estado brasileiro em expandir a oferta do Ensino Superior, para
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2. REFERENCIAL TEÓRICO
As principais teorias e marco analítico que dão sustentação à compreensão e
discussão crítica sobre as práticas administrativas participativas devem ser buscadas nos
estudos críticos sobre as dimensões subjetivas e práticas do ‘ato e fato administrativo’,
conforme aponta Soares (2009) ou no ‘saber e práticas administrativas’, conforme definem
Correa e Jurado (2003). Com esse objetivo, define-se como referencial teórico básico para o
desenvolvimento deste artigo os seguintes temas: administração política; gestão pública e
participação; e planejamento e gestão orçamentária como prática da gestão participativa.
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(...) muitos dos erros e omissões das análises correntes ocorrem por conta do
método utilizado (invariavelmente, baseado em estudos de caso) e da forma de
abordagem (normalmente, trabalha-se mais sobre a concepção da intervenção, e
não sobre os resultados dela). Quando se investiga sobre os resultados de uma
determinada política pública, as abordagens são sempre no sentido de destacar que
a implantação do sistema levou ao aumento expressivo no número de
atendimentos. Quase nunca os trabalhos de investigação em Administração
respondem como esse sistema está operando e em que condições; enfim, sobre a
real efetividade de uma intervenção dessa natureza.
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a prerrogativa dada aos cidadãos para participação nas destinações orçamentárias ressalta
essa ideia.
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o fim de toda ação estatal. Enfatiza, ainda, que há que se ter a compreensão de que o
orçamento deve ser transparente e incluir o cidadão dentro do seu detalhamento dos gastos;
evidenciando, inclusive, o destino do dinheiro do contribuinte, cumprindo uma conquista da
democracia.
O pensamento acima coaduna com a ideia de que prática orçamentária de uma
instituição pública, a exemplo da Universidade, pode, certamente, ser um espaço onde a
gestão pública mostra-se comprometida em efetivar a participação, a integração, primando
pela transparência.
No universo de aplicação do mecanismo orçamento participativo no seio da gestão
pública se inserem as Instituições de Ensino Superior. Nesse sentido, as Universidades
Federais, instituições públicas entes da administração indireta, são responsáveis por gerir e
executar seus orçamentos, verificados os Programas e Ações que possuem crédito
orçamentário disponível. Ao ponto em que é latente que a comunidade acadêmica anseia
pela participação nos processos decisórios concernentes à utilização deste orçamento
segundo o que entendem como prioritário, voltados para o aspecto de anseio por gestões
participativas e transparentes.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9394/2006), corroborando o
direcionamento para essa perspectiva de gestão, traz em seus art. 55 e 56:
Art. 55. Caberá à União assegurar, anualmente, em seu Orçamento Geral, recurso
suficiente para manutenção e desenvolvimento das instituições de educação
superior por ela mantida.
Art. 56. As instituições públicas de educação superior obedecerão ao princípio da
gestão democrática, assegurada a existência de órgãos colegiados deliberativos, de
que participarão os segmentos da comunidade institucional, local e regional.
3. EXPERIÊNCIAS DA UNIVASF
A partir do ano de 2012, a Univasf passou a adotar uma nova prática em relação à
planejamento e execução orçamentária, a qual consistia em captar de maneira consolidada
em um dado período e através de um único meio, as demandas dos colegiados acadêmicos de
graduação e pós graduação e setores administrativos (reitoria, pró-reitorias, secretarias, etc.)
por bens permanentes e de consumo.
Para essa captação foi desenvolvido, através da parceria entre Pró-reitoria de
Planejamento e Desenvolvimento Institucional – Propladi e Secretaria de Tecnologia da
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Uma vez tido esse valor, a Administração Superior da Universidade, através da Pró-
reitoria de Planejamento e Desenvolvimento Institucional e da Pró-reitoria de Gestão, deve
proceder ao cálculo deduzindo da previsão orçamentária acima relatada as despesas
administrativas e comuns, uma vez entendidas como aquelas que visam o custeio
indispensável das atividades administrativas e de cunho obrigatório (água, energia, internet,
serviços terceirizados) comum aos setores administrativos e acadêmicos.
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A partir de então, chega-se aos valores de custeio e capital a serem distribuídos entre
os setores acadêmicos, sendo que, uma vez estabelecidos há a definição do critério de
distribuição equitativa.
Assim, apresentamos os valores distribuídos pela metodologia e a soma dos valores
solicitados pelas estruturas acadêmicas, através das demandas na 1ª etapa do Leds, no
interstício 2013-2015.
Para tanto, a Univasf, através da Propladi, definiu como critério a aplicação de uma
fórmula utilizando o número de matrículas em cada curso no semestre imediatamente
anterior ao da distribuição orçamentária e considerando as diferenças oriundas das distintas
necessidades entre os cursos em nível de manutenção.
É observado, assim, o conceito de aluno-equivalente com o objetivo de se comparar o
número de matrículas ofertadas pelos diversos colegiados e repeitada as distinções entre os
cursos existentes a partir dos pesos diferenciados para cada agrupamento de cursos em suas
áreas de conhecimento, a partir do que é definido pelo Ministério da Educação.
Os pesos atribuídos, portanto, são utilizados com a perspectiva de traduzir os custos
associados à cada estrutura de curso, identificando as disparidades entre aqueles que exigem
maiores e menores volumes de dispêndio de recursos.
Além dos dois itens já mencionados, a fórmula contempla mais dois elementos que
observam os diferentes cursos em suas distintas localizações, quais sejam: o funcionamento
em campi distantes da sede da Universidade, considerando aqui os cursos que funcionam
fora do eixo Petrolina-Juazeiro; e cursos em processo de estruturação, entendidos como
aqueles que porventura ainda não formaram turmas.
O número de alunos equivalentes de cada curso, dessa forma, foi obtido a partir da
seguinte fórmula:
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo teve como objetivo central analisar a experiência de planejamento
e gestão orçamentária vivenciada na Universidade Federal do Vale do São Francisco,
tomando por base para análise as definições das dimensões de Gestão e Gerência discutidas
na Teoria da Administração Política.
A escolha da participação como instrumento e movimento dirigido para integrar os
atores sociais aos espaços de formulação de políticas e/ou tomada de decisões, remete à
consolidação dos direitos sociais consagrados na nova constituição nacional (CF de 1988)
em relação a uma maior e mais efetiva participação social, com ênfase no controle social e
na qualidade do gasto público. Entretanto, o esforço de construção de arenas participativas
na administração pública não tem sido uma tarefa fácil, pois exige realizar mudanças
organizacionais relevantes de modo a inovar em práticas administrativas voltadas para
implementar e consolidar novos princípios, com especial ênfase na participação,
transparência, responsabilização, economicidade, interesse público, eficiência, efetividade,
entre outros.
Conclui-se que, do ponto de vista da concepção (gestão) dos ideais que norteiam as
práticas, houve o alinhamento aos princípios defendidos pelo grupo de servidores ao
participar do pleito para o Reitorado (2012-2016) que se voltava à definição de espaços para
ampliar as discussões e a participação, inclusive de cunho orçamentário. Para tanto, para a
concretude dessa idealização fez-se necessário um esforço prático (gerência) para devida
compreensão da concepção e consequente instrumentalização, formatando a ação em algo
que engajasse a comunidade alvo.
Não se compreende como equívoco afirmar que se vive uma prática onde é pouco
imaginável retrocessos, até mesmo pela inexistência de movimentos em sentido contrário à
prática, porém é possível identificar que há muito que ser feito, primordialmente no tocante
à: discussão dos critérios de distribuição orçamentária; discussão para elaboração da
proposta orçamentária institucional; e formalização institucional da primeira experiência
relatada, que poderá ampliar seu alcance entre os setores administrativos e corpo discente;
Talvez nunca se alcance um patamar de plena participação, até porque inexiste esse
parâmetro do ponto de vista da prática diária, mas é possível e necessário à instituição que
tem arraigado o discurso de ações que fortaleçam os princípios democráticos, que se aproprie
das informações que podem ser úteis à evolução de um movimento que já foi iniciado e isso
é reconhecidamente importante no sentido de se demonstrar que é possível superar o
discurso e efetivar práticas bem sucedidas.
REFERÊNCIAS
127
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<http://www.sustentavel.inf.br/erweb/loja/arquivos/files/participacao_cidada_livro.pdf>.
Acesso em: 04 de maio de 2015.
CORREA, Paola Podestá; JURADO, Juan Carlos. Fundamentos del Saber Administrativo.
Colômbia: Esan-Cuadernos de Difusion. Año 8, n. 15, 2003.
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O´DONNELL, Guillermo. Democracia delegativa? In: Novos Estudos, n.º 31. São Paulo:
Cebrap, 1991.
SANTOS, Reginaldo Souza; RIBEIRO, Elizabeth Matos; CHAGAS, Thiago. Bases teórico-
metodológicas da administração política. Revista de Administração Pública, Rio de
Janeiro, v. 43, n. 4,jul./ago. 2009.
SILVA, Lino Martins. Contabilidade Governamental. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2004.
VERGARA, S. C. Métodos de coleta de dados no campo. São Paulo: Editora Atlas, 2009. Cap. 3.
p. 71-94
iNa LOA, refere-re à destinação de créditos orçamentários para a Educação Superior – Graduação, Pós-graduação, Ensino,
Pesquisa e Extensão, por IFES.
ii Na LOA, refere-se à destinação de créditos orçamentários, dentro do Programa 2032, para o funcionamento de
Instituições Federais de Ensino Superior, visando à manutenção de serviços terceirizados, infraestrutura, obras e aquisição
de materiais.
iii Na LOA, refere-se à destinação de créditos orçamentários, dentro do Programa 2032, para a reestruturação e expansão de
Instituições Federais de Ensino Superior, visando aumento do número de estudantes, a redução da evasão, modernização da
estrutura acadêmica e física das instituições, aquisição de equipamentos, materiais e serviços.
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Resumo
Introdução
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O campo das Políticas Públicas tem avançado nas últimas seis décadas para produzir
um “corpus teórico próprio, um instrumento analítico e metodológico útil e um vocabulário
voltado para a compreensão de fenômenos de natureza político-administrativa” (SECCHI,
2013). O conceito de Políticas Públicas apresenta, logo, um vasto leque de abordagens
integrando diversas correntes e concepções teórico-metodológicas e empíricas, o que revela
não haver, assim, um significado único sobre o tema. Diante do amplo leque de definições
disponíveis na literatura, pode-se inferir que o significado de Políticas Públicas tem sido
escolhido por cada pesquisador e/ou profissional, segundo o conjunto de ideias em relação às
questões sociais que os guia.
Secchi (2013, p.2) afirma, pois, que não existe um consenso conceitual sobre políticas
públicas e explica essa situação devido à disparidade enorme de respostas para
questionamentos fundamentais como:
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O marco legal das licitações sustentáveis deu-se com a inovação legalística promovida
pela redação conferida ao art. 3º caput, da Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, pela Lei nº
12.349, de 15 de dezembro de 2010, que alterou bruscamente o quadro jurídico e operacional
das licitações públicas no Brasil, promovendo para todos os entes da Federação a
obrigatoriedade do comprometimento de promover licitações públicas sustentáveis, como
vemos na Lei nº 8.666/1993, conforme o conceito de licitação pública abaixo:
Art. 3o A licitação destina-se a garantir a observância do princípio
constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a
administração e a promoção do desenvolvimento nacional
sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com
os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade,
da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da
vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos
que lhes são correlatos.
Segundo Milaré (2004, p. 48). “O processo de desenvolvimento dos países se
realiza, basicamente, à custa dos recursos naturais vitais, provocando a deterioração das
condições ambientais em ritmo e escala até ontem ainda desconhecidos”.
Galli (2014) destaca que no Brasil a apresentação de normas ambientais é
vanguardeada desde os anos 80, do século XX, por influência de acontecimentos em âmbito
internacional como a Declaração de Estocolmo (1972) e assegura ainda – que no nosso
ordenamento jurídico os tratados e convenções devem a ser imperativos após sua ratificação e
entrada em vigor, e que o meio ambiente hígido é um direito humano fundamental e que os
documentos internacionais ratificados passam a ser recepcionados com caráter de norma
constitucional e, como tal, devem ser respeitados.
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A partir dos anos 70 do século passado registra-se uma forte expansão de estudos na
área de avaliação de políticas públicas e esse movimento foi acelerado, a partir de 1995,
quando se consolida no Brasil o processo de reforma do Estado com forte base ideológica
neoliberal. Nesse contexto emergem demandas institucionais, organizacionais e
administrativas com vistas a fundamentar o processo de modernização administrativa do
Estado com base no conceito de administração gerencial (SANTOS e RIBEIRO, 1993 e
2004).
Nogueira (2014) destaca que avaliar é um ato natural e reiterado na rotina o que
permite afirmar que, em cada instante, informações, situações, acontecimentos são avaliados e
julgados, mesmo que informalmente, pelos indivíduos que vão juntando conhecimentos e
informações, de modo a construir opiniões sobre as atividades individuais, sociais e
organizacionais.
Convergindo com esse mesmo entendimento Cavalcanti (2010) afirma que a
avaliação é um instrumento imperioso para reconhecer a viabilidade de programas e projetos,
bem como para redirecionar os objetivos, metas e estratégias e reformular o projeto se os
indicadores assim recomendarem.
Talvez as dificuldades ou resistências em relação ao uso da avaliação como
instrumento de gestão relevante na administração pública brasileira possam ser explicadas
pelo fato de que as políticas públicas só passaram a ser controladas pela sociedade e pelos
órgãos de controle governamentais, a partir dos anos de 1995, quando os instrumentos de
Planejamento Orçamentário (através do PPA, LDO e LOA) passaram a ter maior regularidade
como instrumentos de ação do Estado, conforme exigido pela Constituição Federal de 1988 e
também a partir de 1998, mediante as inovações introduzidas pela Emenda Constitucional n.
19, referentes, especialmente, aos princípios da Eficiência e o compromisso com a gestão
por/para resultados.
Segundo Boullosa e Araújo (2009) a avaliação reflete também o uso que se pretende
fazer desse instrumento, podendo ser: uma avaliação formativa ou uma avaliação somativa.
Na avaliação formativa é definida como a que é empregada na etapa de construção do
desenho do instrumento e fundação de um projeto e que por finalidade apresentar informações
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É fundamental reconhecer que este estudo é pioneiro não apenas pela definição dos
pressupostos teóricos e metodológicos que o orientam, mas, sobretudo, pela novidade que traz
a temática das licitações sustentáveis no Brasil, considerando que existem poucos estudos
sobre o tema em tela, especialmente no que se refere ao âmbito da ciência administrativa.
Existem alguns trabalhos acadêmicos que trazem uma relevante contribuição sobre
essa discussão dirigidos para os aspectos normativos e jurídicos que fundamentam essa
política que tem como base central o Plano de Logística Sustentável do Ministério do
Planejamento Gestão e Orçamento – MPOG e registram as análises técnico-jurídicas sobre o
tema, esse plano que passou a (re)orientar as contratações públicas no Brasil.
A implementação do processo de compras sustentáveis na UNIVASF foi despertada
em meados de 2010 quando da realização de uma auditoria pela Controladoria Geral da União
– CGU que requereu informações sobre o atendimento da Instrução Normativa 012010 que
orientava sobre as contratações públicas sustentáveis na Administração Pública Federal na
época.
Vale destacar que a UNIVASF em 2010 não satisfazia a IN 012010 na sua
integralidade por falta de previsão legal, tendo em vista que a alteração da Lei 8666/93
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A empresa contratada não faz a separação e descarte do lixo, conforme previsto no edital e contrato.
Necessidade realização de capacitação com os servidores para a adequada separação do lixo
consumido, tendo em vista que geralmente são encontradas comida misturada com papel e copos
descartáveis nos recipientes destinados para o lixo diário.
Percebeu-se que em todo o campus existem vários coletores recicláveis à disposição da comunidade
acadêmica, porém a empresa contratada não realiza a separação e nem tampouco há conscientização da
comunidade acadêmica para tal atividade. O que se constatava na observação é a existência de lixo
misturado em vários tambores destinado à coleta reciclável.
Verificou-se que dos 05 (cinco) produtos de asseio e higiene utilizados na limpeza e conservação dos
prédios, apenas o sabonete líquido apresentava registro na ANVISA, os demais estão em total
desacordo com o contrato vigente. Uns dos itens mais preocupantes é a água sanitária (hipoclorito de
sódio) que é utilizado na limpeza dos banheiros e nos laboratórios sem qualquer indicação de registro
na ANVISA.
Pontos Fortes – Ambientais
Em visita aos banheiros, verificou-se que a equipe não desperdiça água, mesmo tendo que lavar os
banheiros todos os dias.
Segundo a responsável pela empresa, os empregados tiveram treinamento para evitar o desperdício de
água e energia, embora não tenha apresentado certificado, a informação foi ratificada pelos gerentes na
etapa da entrevista.
Os empregados são orientados a desligar as lâmpadas das salas e os condicionadores de ar que os
servidores às vezes deixam ligados, o que revela um problema da cultura organizacional que merece
maior investimento para conscientização.
Os resíduos biológicos que são coletados pelos empregados contratados são depositados em tambores
que são recolhidos por uma empresa contratada para fazer o descarte correto.
Pontos Fracos – Sociais
Houve uma redução drástica no contrato devido à escassez de recursos orçamentário, a partir de
julho/2015. O contrato que possuía 35 (trinta e cinco) trabalhadores foi reduzido para 14 (quatorze)
pessoas, atualmente. Este corte tem ocasionando uma sobrecarga de trabalho e estresse dos
funcionários. Cabe registrar que esse quadro foi sendo gradativamente recomposto, pelo menos em
parte, a partir de dezembro de 2015 e conta, atualmente, com 17 (dezessete) profissionais. Este
indicador revela as interferências da política de equilíbrio fiscal nas ações de apoio à sustentabilidade,
o que demonstra os desafios para o cumprimento das exigências socioambientais em detrimento dos
compromissos ideológicos com o ajuste fiscal imposto pelo governo.
Com a redução do quadro de pessoal somente se mantém a limpeza diária dos banheiros e das salas de
aulas, o que demonstra ser insuficiente para garantir a qualidade do meio ambiente visto que as
limpezas exigidas para os demais espaços do Campus não podem ser preservadas
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Durante a visita ao Prédio do Laboratório percebeu-se que o agente de limpeza responsável por atender
o Laboratório de Anatomia (cadáveres) também realiza a limpeza do Laboratório do Biotério
utilizando os mesmos equipamentos. É importante destacar que os Laboratórios do Biotério contem
animais que são utilizados em pesquisas, podendo, pois, ser contaminados pelo uso inadequado de
equipamentos próprios para a limpeza do laboratório de Anatomia. Essa evidencia comprova o não
cumprimento das cláusulas do contrato. É importante registrar que essa constatação foi corroborada
pelo técnico de segurança vinculado a empresa contratada que auxiliou a pesquisadora no trabalho de
campo. O referido profissional alertou para o risco de contaminação pela utilização dos mesmos
equipamentos em laboratórios com demandas distintas. Destacou, ainda, que o não cumprimento dessa
clausula contratual oferece risco de perda patrimonial para a UNIVASF nos dois Laboratórios (de
Anatomia e no Biotério), visto que os mesmos dispõem de animais com alto valor para as pesquisas.
“O que permite afirmar que além dos prejuízos socioambientais há ‘risco de perda do patrimônio
público”.
Alguns laboratórios são insalubres e críticos, apresentando sérios riscos aos trabalhadores à saúde e
qualidade de vida dos trabalhadores. Neste aspecto observou-se que não existe mapas de riscos fixados
nas salas, o que é uma exigência legal.
Pontos Fortes – Sociais
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Tabela 01– Resultado das Entrevistas sobre a política de Compras Sustentáveis no Contrato 332/2012-
UNIVASF
Dimensão: Gestão
Nº de entrevistados Nº perguntas Classificação das respostas Resultados obtidos
1- Satisfatória 4
3 24 2 - Intermediária 9
3 - Insatisfatória 11
Dimensão: Gerência
Nº de entrevistados Nº perguntas Classificação das respostas Resultados obtidos
1- Satisfatória 3
3 24 2 - Intermediária 8
3 - Insatisfatória 13
Dimensão: Ex- Gestores e Gerentes
Nº de entrevistados Nº perguntas Classificação das respostas Resultados obtidos
1- Satisfatória 4
3 26 2 - Intermediária 10
3 - Insatisfatória 12
Fonte: Elaboração Própria
Com base nas análises das entrevistas dos gestores e gerentes foi possível plotar o
Gráfico 01 que exibe os indicadores da aplicabilidade da implementação da política de
licitações sustentáveis no contrato 332/2012-UNIVASF.
Gráfico 01 - Avaliação das Entrevistas sobre a política de Compras Sustentáveis no Contrato 332/2012-
UNIVASF
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(a) (b)
14 14
12 12
10 10
Gestores
e Gerentes
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que a falta de cumprimento por parte do município de implementar ações para a coleta e
reciclagem impossibilita a plena funcionalidade da política de sustentabilidade da UNIVASF.
Esta escolha teórico-metodológica no caso da política pública avaliada justifica,
pois, o descolamento das dimensões administrativas da gestão e gerência, que conforme
defende a teoria da Administração Política para que cumpra sua função social devem estar
integrados e articulados, de forma indissociável.
Destaca-se que um dos problemas identificados nesta pesquisa foi que a dimensão
da gerência administrativa, responsável pela execução do Contrato avaliado não possui o
conhecimento prévio necessário do que fora planejado seja pelo Governo Federal, seja pelo
desconhecimento dos próprios gestores da UNIVASF, que refletem a dimensão da gestão na
organização avaliada. Os gestores devem assumir, pois, o papel de interpretes,
difusores/multiplicadores e avaliadores da política de compras sustentáveis, de modo que os
gerentes possam implantar as medidas contratadas de forma coerente e dirigida para o alcance
das finalidades legitimadas no contrato.
Com base nesse arcabouço teórico-metodológico, os resultados obtidos na pesquisa
corroboraram a existência de uma profunda desarticulação entre as dimensões da gestão e da
gerência. O que revela, pois, a ausência de planejamento estratégico e compromisso do Plano
de Desenvolvimento Institucional - PDI em realizar e fiscalizar o contrato de modo a definir
mecanismos de controle administrativo e social.
Na análise das variáveis dinâmica macro-organizacional (gestão) e dinâmica micro-
organizacional (gerência) os indicadores de concepção e execução de políticas demonstram a
necessidade de capacitação, foi registrado principalmente pelos gerentes o anseio de que a
UNIVASF invista em programas e/ou projetos de capacitação como ações indispensáveis à
preparação dos executantes do contrato avaliado.
A gestão sustentável pela via das compras de serviços públicos exige uma nova
forma de pensar tanto a relação entre sociedade e Estado com vistas a estabelecer uma relação
de preservação da natureza (com base no conceito de sociedade sustentável), como também
em relação às mudanças exigidas na cultura organizacional (com base no respeito à
função/finalidade social que a administração pública tem a obrigação de assumir, no âmbito
mais geral, e a Universidade, no âmbito mais específico objeto deste estudo.
Esta conclusão foi confirmada no discurso dos entrevistados que, ainda, que avaliem
a política de compras sustentáveis como necessária, ponderam que o alcance dos resultados é
insatisfatório, reforçando, pois, a necessidade de investimento em instrumentos de
monitoramento e avaliação que integre indicadores sociais (qualitativos) que mensurem e
demonstrem sua eficiência e efetividade.
Os dados revelam também a necessidade de uma maior integração entre as
dimensões da gestão e da gerência, de modo que o fenômeno administrativo ampliado que
conforma a condução do Contrato possa cumprir as metas, com a qualidade desejada e a
garantia da efetividade dos serviços prestados. Ressaltam, porém, que essa mudança ainda
precisa ser identificada, apreendida e aceita pelos servidores públicos para que ganhe
legitimidade; ou seja, a legalidade por si só não tem se revelado como condição suficiente
para garantir as mudanças que essa nova cultura de consumo social exige.
Um problema destacado pelos atores sociais, tanto os gestores como principalmente,
os gerentes, ainda, em relação a essa questão é a persistente desarticulação entre gestão e
gerência, isto é, entre concepção e execução, entre saberes e práticas administrativas. Uma das
dificuldades evidenciadas que corroboram com essa avaliação é o fato da gestão ser, ainda,
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3. Considerações Finais
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4. Referencias
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Resumo
A política de assistência social, de acordo com a Constituição Federal do Brasil, constitui
juntamente com a saúde e a previdência social, um conjunto articulado de ações que compõem
a Seguridade Social, em atendimento às famílias e indivíduos que dela necessitem, em especial
àquelas em situação de vulnerabilidade social momentânea ou permanente. Este trabalho
objetiva analisar a política socioassistencial no Brasil nos últimos anos. A metodologia utilizada
em sua construção observou a revisão bibliográfica dos marcos regulatórios da política do
Sistema Único de Assistência Social, até os marcos regulatórios municipais, além de
bibliografias correlatas sobre a área em questão, fazendo então uma análise da realidade que se
apresenta no município estudado e do que está posto em suas normas e orientações legais, em
âmbito nacional e municipal. Neste sentido, a política de assistência social no município de
Queimadas-PB, assim como em tantos outros deste país, conseguiu avanços em sua prática e
nos resultados almejados, mas necessita ainda de uma reavaliação das suas reais condições para
poder avançar no atendimento das demandas cada vez mais crescentes e no alcance de
resultados satisfatórios.
Palavras-Chave: Seguridade social. Política pública. Assistência Social.
1 Introdução
A crise do Estado está vinculada ao movimento do capital, especialmente sob a égide
do capital portador de juros, expressão do capital financeiro. Para conter as falências em massa
que agravariam a crise, valores cada vez maiores são mobilizados pelos Estados para financiar
os capitalistas, que são premiados com cortes de impostos e de direitos trabalhistas, enquanto
grande parte da sociedade é penalizada.
O crescimento do Brasil nessa última década foi fator importante para contrariar essa
tendência geral, ao incorporar camadas maiores da população ao acesso a diretos e garantias
sociais. Isto demonstra que a gestão, assim como preconiza a administração política, é de suma
importância para compreender a execução de um projeto nação que leve ao atendimento dos
anseios sociais.
Mais que nunca há a necessidade de uma visão de Administração Política que auxilie o
entendimento que o Estado é o gestor que tem a incumbência de conceber as formas de gestão
mais adequadas no processo de execução do bem estar social. A Administração política aponta
que o a necessidade de um modelo de gestão mais apropriado para ao atendimento das
demandas da sociedade, a partir de um pacto que não privilegie apenas um setor. A ação de
gerir as relações sociais no processo de execução do projeto de nação (sob o comando do Estado
com o poder político e econômico) constitui a essência da administração política.
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Fonte: MDS, Benefícios Ativos do Benefício de Prestação Continuada (BPC). (BRASIL, 2016)
Fonte: MDS, Benefícios Ativos do Benefício de Prestação Continuada (BPC). (BRASIL, 2016)
Gráfico 5 – Percentual de CRAS que concedem benefícios eventuais, por tipo de benefício
– Brasil, 2010 a 2014
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• Pequeno Porte II: são considerados os municípios com população entre 20.001
a 50.000 habitantes, entre 5.000 a 10.000 famílias em média;
• Médio Porte: municípios que possuem população entre 50.001 a 100.000
habitantes, com uma média de 10.000 a 25.000 famílias;
• Grande Porte: são os municípios cuja população se encontra entre 101.000 a
900.000 habitantes, tendo em média de 25.000 a 250.000 famílias;
• Metrópoles: são municípios com mais de 900.000 habitantes, com uma média
superior a 250.000 famílias.
Tomando como base essa proposição, na totalidade dos municípios é garantido a gestão
e o cofinanciamento da proteção social básica de forma municipalizada, enquanto a proteção
social especial, na maioria dos municípios de Pequeno Porte I e II é feita de forma regionalizada,
com raras exceções, tendo como sede dos serviços e programas geralmente um município de
médio porte. Já os municípios de grande porte e as metrópoles, têm a garantia da rede de
proteção especial de forma ampla, com os níveis de média e alta complexidade presentes de
forma municipalizada. (BRASIL, 2004)
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0.00% 0.00%
0.20%
0.30% 0.60%
1.30%
1.60% 1.10%
1.20% 0.70%
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[...] é preciso que se avalie quem participa desse financiamento, isto é, se de fato o
cofinanciamento está ocorrendo com a participação das três esferas de governo, como
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forma de dar cumprimento às atribuições legais de cada uma delas nas provisões desta
política. [...] O cofinanciamento no SUAS deve se dar em consonância com o caráter
das ofertas da política de assistência social visto serem continuadas, descentralizadas
e destinadas a quem dela necessitar. [...] Sendo assim, como esse processo não pode
sofrer descontinuidade, os repasses devem ser regulares e, dessa forma, se traduzir na
capacidade das esferas locais atenderem às demandas da população destinatária de
suas ofertas [...]. (BRASIL, 2013, p. 175-176)
5 Considerações Finais
A constituição da política de assistência social no Brasil, partiu de um conjunto de
práticas assistencialistas para tornar-se uma política de direitos, destinada a quem dela
necessitar. Nos dias atuais ainda persistem ações e posturas herdadas dos primórdios de sua
constituição, presentes no cotidiano dos municípios.
Os benefícios eventuais nos municípios de pequeno porte, em especial, ainda são vistos
como carro-chefe da política socioassistencial, e quando não, confundidos como favores ou
benesses, o que remete à velha concepção da política clientelista e assistencialista de seu início.
Não há por parte da grande maioria da população, como também, de boa parte dos
gestores e trabalhadores da gestão pública dos municípios de pequeno porte, o entendimento de
que, os benefícios eventuais, além de seu caráter provisório e eventual, também possuem
critérios para seu acesso, não sendo assim direcionado a qualquer cidadão de forma indistinta e
na ocasião que se queira.
Portanto, no formato que a política de assistência social se apresenta, enquanto política
de direitos, os benefícios eventuais são ferramentas complementares a um arcabouço de ações
que visam a garantia de direitos, promoção da autonomia e da cidadania dos indivíduos e suas
famílias.
Além do caráter assistencialista que a política de assistência social carregou por décadas,
houve uma responsabilização por parte dela em acolher e cuidar dos pobres enfermos. Não é de
se estranhar também, que ainda exista em alguns marcos regulatórios, e na prática cotidiana da
assistência social, ações e serviços, de responsabilidade da saúde sendo executadas na área
socioassistencial. Há uma confusão de limites e atribuições destas duas políticas, a saber pela
destinação, por exemplo, de benefícios eventuais para tratamentos de saúde, fornecimento de
próteses e medicamentos, entre outros.
É também digno de observação, o direito a transferência de renda, estabelecido nos
marcos regulatórios da política de assistência social, e efetivado através dos benefícios do Bolsa
Família e do BPC. Ambos tiveram ao longo dos anos um crescimento ascendente, poisdiante
dos altos índices de pobreza e pobreza extrema minimizados ao longo dos anos, e através da
garantia mínima de renda para atenuar este quadro, outras ações também podem e devem ser
realizadas no acompanhamento das famílias e indivíduos atendidos pelos benefícios citados.
Infelizmente estes benefícios são interpretados de uma forma distorcida por boa parte da nossa
sociedade, sendo denominados de “bolsa esmola”, ou sendo destinados de forma indevida a
pessoas e famílias que não se enquadram no perfil para recebimento dos mesmos. Mas, no
cotidiano da política sociassistencial demonstra ser inegável a importância de tais benefícios no
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Referências
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Administração Política Brasileira e Internacional
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1. Introdução
O processo pelo qual uma determinada ciência adquire o status de autônoma muitas
vezes possui o efeito colateral de afastar de seu âmbito certos elementos imprescindíveis à sua
própria compreensão. Gera-se assim um tipo de especialismo e isolamento (GURGEL et. al.,
2012), amparado pela falsa crença de que uma pureza metodológica poderia trazer mais
benefícios à sua aplicação prática.
Esse efeito é comum aos cursos de Administração e Direito, que costumam afastar
determinadas abordagens interdisciplinares em nome de uma valorização de suas próprias
categorias. Quanto à Administração, aponta-se a ausência de um diálogo com a Economia e
um desconhecimento em relação à Política (GURGEL et. al., 2012), como se as escolhas
realizadas nesse campo não pudessem abalar as verdades científicas geradas pelos dois
primeiros.
Com relação ao Direito, se num determinado momento histórico o positivismo
jurídico pretendeu “libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe fossem estranhos”
(KELSEN, 1998)i, atualmente os pós-positivistas procuram encontrar os valores de uma dada
comunidade dentro do sistema jurídico, que se pretende um todo coerente e íntegro
(DWORKIN, 2007).
Essa visão, porém, parte de premissas que tem por base um ideal regulativo e admite
como ponto de partida uma democracia representativa capaz de responder aos anseios de uma
dada comunidade, sendo o Parlamento um órgão que expressaria a soberania popular e o
Executivo o Poder responsável à consecução de medidas “promotoras do bem comum”.
Da mesma forma, as lições introdutórias sobre a teoria do Estado ou do Direito
Administrativo, em geral, não entram no mérito sobre a origem das diversas subdivisões em
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órgãos e entidades, que se articulam muitas vezes com alto grau de autonomia à
Administração central.
Com isso, perde-se de vista que a estrutura da Administração Pública está
diretamente influenciada pelo contexto histórico-econômico, que se orienta a partir de uma
lógica global de competitividade próprio do modo de produção capitalista. Dessa forma, o
Direito se apresenta – frequentemente – como hermético, o que dá azo a uma formação que
perde de vista as influências político-econômicas que o dão vida.
Dessa maneira, é imprescindível que a Administração, a Economia e o Direito
dialoguem entre si, para que possam ser compreendidos na sua devida dimensão, não
incorrendo em uma fetichização de suas formas por si mesmas.
Nesse contexto, desponta como uma temática de extrema relevância a atuação do
BNDES e o papel desta empresa pública na estrutura administrativa federal, já que
progressivamente tal instituição adquire autonomia e se converte em um ator fundamental no
desenvolvimento do capitalismo brasileiro.
Este artigo tem o propósito de discutir a atuação do Banco, identificado como um
locus de poder a partir da teoria poulantziana de Estado, que procura relacionar o arcabouço
institucional estatal com as relações de produção (que dá origem à estrutura econômica) e,
simultaneamente, com a luta de classes e a dominação política.
Esse referencial teórico foi escolhido porque consegue descrever a articulação
institucional em um Estado capitalista, especialmente as relações entre agentes públicos e
privados, sendo plenamente aplicável ao caso brasileiro. Vale-se da revisão bibliográfica
como metodologia.
Acredita-se que o estudo daquela instituição é exemplificativo para se entender a
forma pela qual em nome da “técnica” se pode afastar a dimensão deliberativa da política de
determinados espaços da Administração Pública, orientando certos aparelhos para a realização
de certas finalidades em detrimento de outras.
Será apresentada uma seção teórica, que procura apresentar as principais conclusões
de Poulantzas acerca do Estado, seguida de uma seção descritiva, que analisa a construção
histórica do BNDES e seu papel na estrutura do governo federal. Após, serão feitas as
considerações finais.
Poulantzas acreditava que uma análise bem sucedida do poder do Estado deveria ser
capaz de responder porque tal instituição possuiria toda a aparência de autonomia em relação
às classes dominantes e, ao mesmo tempo, atuaria como expressão de uma unidade do poder
de classe de tais classes (HARVEY, 2005, p. 79).
Procurava-se assim uma resposta que fosse capaz de abranger as diferentes
formações de Estado capitalista, inclusive apontando a permanência de certos aspectos de tal
modo de produção nas formações estatais ditas socialistas que conhecemos ao longo do
Século XX, como a União Soviética.
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Uma teoria, portanto, que fosse capaz de bem explicar as diferenças entre “Estado
democrático-parlamentar” e “Estado de exceção”, assim como as nuances existentes entre as
formações originadas do próprio seio do Estado capitalista de exceção, como o fascismo
espanhol e as ditaduras militares da América Latina em contraposição às formas de Estado
democrático-parlamentares existentes em outros países do Norte da Europa (POULANTZAS,
2000, pp. 126-128).
Influenciado pela filosofia francesa, em diversas fases de seu pensamento (MOTTA,
2010), procurou corrigir certas leituras “economicistas” do marxismo, que reduziriam as
categorias surgidas no âmbito do Estado a um mero reflexo do substrato econômicoii, ou seja,
pura derivação de tais categorias.
Por essa razão, críticos apontaram certo “politicismo” em Poulantzas, que se
defendia afirmando que as funções econômicas decorreriam das relações de produção, sendo
estas o ponto de partida para uma análise do Estado e de sua relação com as classes em
conflito (POULANTZAS, 2000, pp. 50-51).
Luiz Eduardo Motta identifica na obra de Poulantzas influências decisivas de Sartre,
Althusser e Foucault. Em seus primeiros escritos, vivenciou uma fase sartreana, identificada
como existencialista-marxista (MOTTA, p. 3). Num segundo momento, foi fortemente
inspirado por Althusser, especialmente ao escrever Poder Político e Classes Sociais,
utilizando distinções próprias do estruturalismo-marxista, como aparelhos ideológicos e
repressivos do Estado (MOTTA, p. 9). Finalmente, em sua obra de grande destaque, O
Estado, o Poder, o Socialismo, estabeleceu um diálogo com a teoria de poder de Foucault, daí
extraindo o conceito de poder relacional (MOTTA, p. 28).
É a partir dessa noção teórica que Poulantzas pode compreender o Estado capitalista
como uma relação, mais precisamente, como uma “condensação material de uma relação de
uma relação de forças entre classes e frações de classe, tal como ele expressa, de maneira
sempre específica, no seio do Estado” (POULANTZAS, 2000, p. 130)iii.
Procura-se assim evitar os exageros das concepções instrumentalistas (Estado-
Coisa), ao gosto do stalinismo, que acreditavam que a mera tomada de poder pela classe
operária seria suficiente para que o aparato institucional pudesse ser utilizado de outra
maneira e, simultaneamente, corrigir as distorções geradas pela dominante concepção
weberiana (Estado-Sujeito) que vislumbraria na vontade estatal uma autonomia absoluta,
capaz de racionalizar os interesses dispersos da sociedade civil (POULANTZAS, 2000, pp.
131-133).
Dessa forma, trata-se de um verdadeiro campo e processo estratégicos, em que
diversos setores e aparelhos dialogam e conflitam entre si, sendo a política de Estado a
“resultante dessas contradições interestatais” (POULANTZAS, 2000, p. 136). Essa
“autonomia relativa” não significaria uma capacidade institucional de se manter imune aos
interesses das classes, mas sim a resultante dos choques entre frações de classe que se
manifestam no âmbito estatal (POULANTZAS, 2000, p. 138).
Trazendo tais ensinamentos teóricos para a nossa realidade, podemos imaginar os
constantes embates entre Ministério Público (e outras entidades incumbidas de tutelar direitos
difusos e coletivos) e entidades ligadas ao Poder Executivo, responsáveis pelo financiamento
de grandes projetos de infraestrutura em áreas ocupadas por tribos indígenas ou quilombolas.
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explicar a dinâmica econômica dos países subdesenvolvidos. Essa corrente deixou como
legado os conceitos de centro e periferia, desenvolvimento e subdesenvolvimento e sublinhou
a importância do Estado como agente promotor do desenvolvimento (CORRÊA, 2011, p. 95).
Não por acaso, as ideias da CEPAL ganharam forte aceitação em nosso país durante
boa parte do século XX. Segundo Luciano Martins, o Estado se expande de forma peculiar no
Brasil, assumindo o papel simultâneo de regulador da economia e promotor do
desenvolvimento (MARTINS, 1991, p. 83).
Entre as décadas de 50 e 60, o Brasil intensificou sua industrialização, com grande
ênfase no modelo de substituição de importações que, a longo prazo, permitiria a superação
da dependência em relação aos países hegemônicos.
Neste contexto, o desenvolvimentismo foi eleito como uma ideologia de “ruptura
parcial com o presente”, na feliz expressão de Octávio IANNI (2004, p. 98-99), que não
negava o modo de produção capitalista, mas via na modernização levada a cabo pela
industrialização uma forma de reorganização das relações internas e externas em uma dada
sociedade, que permitiria alcançar o bem-estar coletivo através do progresso material.
Há que se ter em conta que todas as correntes que se fundamentam no
desenvolvimento têm em comum a ideologia do progresso como elemento indispensável para
a evolução das sociedades, um caminho inexorável a ser trilhado (CORRÊA, 2011, p. 85).
Com efeito, essa é também uma das críticas que costumeiramente se faz ao pensamento
marxista, considerado determinista no sentido de a evolução das forças produtivas conduzir à
queda da burguesia e ao nascimento de uma sociedade sem classes (DUPAS, 2006, apud
CORRÊA, 2011, p. 36).
Todavia, em diversas passagens da obra de Marx identifica-se o homem como sujeito
de sua própria História, sendo descabido apontar um determinismo. Na verdade, pode-se
relacionar essa ideia-chave da Modernidade com o que Mészaros chamou de imperativo
estrutural do sistema do capital, que o impele à expansão contínua (2001, p. 100).
De todo modo, o ideário desenvolvimentista se faz presente no BNDE, provocando
embates internos entre os partidários de uma concepção cepalina e os que se mantinham fiéis
aos propósitos iniciais da instituição. Com o golpe de 1964, havia certa hostilidade ao Banco
por parte do governo militar, devido à associação da instituição com programas do governo
deposto de João Goulart (MARTINS, 2010, p. 91-92).
Logo essa resistência é vencida, cumprindo o banco um importante papel na
execução dos planos de desenvolvimento do período militar. O banco estende sua atuação a
praticamente todos os setores industriais, chamando atenção o fato da destinação de suas
aplicações reverter-se quase completamente do setor público ao setor privado entre 1963 e
1975vii (MARTINS, 2010, p. 105-106).
É nesse contexto que, durante o período da Ditadura Militar, sob a influência da
concepção que equiparava desenvolvimento à industrialização, o governo federal apoiou
fortemente a expansão de empresas na implantação e consolidação de projetos orientados para
a exportação (CDDH, 2010, p. 24).
Através da lei 5.662/71 o Banco ganha status de empresa pública, o que representou
um incremento de sua capacidade de autogestão. É assim que a instituição se mantém até os
dias atuais, o que é corroborado pelo Decreto nº 4.418/2002, que estabelece seu Estatuto
Social.
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4 Considerações Finais
Referências Bibliográficas
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http://www.anpocs.org/portal/dmdocuments/LuizMotta_Poulantzas.pdf. Acesso em 21 jun.
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POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder e o socialismo. Traduzido por Rita Lima. São
Paulo: Paz e Terra, 4ª ed. 2000.
TAUTZ, Carlos; SISTON, Felipe; PINTO, João Roberto Lopes; BADIN, Luciana. O BNDES
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contribuições para um balanço crítico 2003-2010. Rio de Janeiro: Garamond, 2010, p. 249-
286.
TAVARES, Maria da Conceição (coord.); MELO, Hildete Pereira de; CAPUTO, Ana
Cláudia; COSTA, Gloria Maria Moraes da; ARAÚJO, Victor Leonardo de. Memórias do
Desenvolvimento. Ano 4, nº 4. Rio de Janeiro: Centro Internacional Celso Furtado de Políticas
para o Desenvolvimento, 2010.
i
Kelsen compreendia a ordem jurídico-normativa como um grande sistema de normas dotadas de
compreendendo a ordem jurídica como um conjunto de normas coercitivas que teriam sua validade derivada de
outras normas, sendo que todo o complexo retiraria validade de uma “norma fundamental”, abstrata, destituída
de conteúdo.
ii
Compreendido este como as relações de circulação e trocas mercantis.
iii
É certo que, ao contrário de Foucault, acreditava na possibilidade de subversão do poder, sendo este exercido
sempre por um fundamento preciso, como a exploração da mais-valia no capitalismo (POULANTZAS, 2000, p.
151).
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iv
O “S” de “social” só seria acrescido bem mais tarde, em 1982, como forma de “satisfação à opinião pública”,
na crítica avaliação de Conceição TAVARES et. al. (2010).
v
Atualmente, o Decreto-Lei nº 200/67 indica que a autarquia é uma figura administrativa dotada de relativa
capacidade de gestão, sendo dotada de personalidade jurídica e patrimônio próprios.
vi
Comissão Econômica para a América Latina, criada em 1948 por iniciativa do Conselho Econômico e Social
vinculado à Organização das Nações Unidas. Órgão técnico responsável por desenvolver estratégias de
desenvolvimento econômico regional no contexto do Pós-Guerra. Desde 1984, uma resolução passou a
denomina-lo por “Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe”.
vii
Quadro esquemático apresentado por Luciano MARTINS (2010, p. 106) demonstra que o volume de recursos
totais em colaborações aprovadas em moeda nacional e em prestações de aval aumentou significativamente em
ambos os setores. Entretanto, enquanto em 1963 as colaborações aprovadas para o setor público representavam
90,95% do total contra 9,05% do setor privado, em 1975 esse percentual havia se invertido para 22,67% e
77,33%, respectivamente. Por sua vez, as prestações de aval eram concedidas na proporção de 81,4% para o
setor público e 18,6% para o setor privado em 1963 e passaram a representar, respectivamente, 57,95% e 42,05%
em 1973.
viii
Vide obra comemorativa aos 50 anos da instituição, lançada em setembro de 2002, citada nas referências
bibliográficas.
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Agatha Justen
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e EBAPE (FGV)
Claudio Gurgel
Universidade Federal Fluminense (UFF)
Resumo
A administração política dos Estados latino-americanos conta hoje com o exemplo de países
onde se tentam transformações pelo empoderamento do cidadão por via constitucional e
institucional. O Equador é um exemplo disso pelo que anuncia como uma revolución
ciudadana. Seu processo chama atenção pela série de mecanismos de participação social
construídos, a partir da Constituição de 2008. O objetivo deste trabalho é expor a proposta
revolucionária em curso no Equador e examiná-la em face do modo de produção capitalista,
que com ela convive naquele país. Indagamos sobre o que se pode ter como expectativa e como
avanços nessa experiência. Para isto, mobilizamos a bibliografia sobre o Equador recente e os
documentos constitucionais e institucionais que definem o processo, além dos sites que
integram os mecanismos de participação e controle social adotados.
1. Introdução
A América Latina desde os anos 1980 vive uma alternada movimentação política e
social em torno da democracia e mais precisamente da democracia participativa. O Brasil, em
1988, no esgotamento de uma longa ditadura civil-militar, pode ser referido como um ponto de
partida, com sua Constituição Federal, que se tornou famosa pela qualificação de Constituição
Cidadã, muito envaidecedora do seu principal líder, o então deputado federal e presidente da
Constituinte, Ulisses Guimarães.
Daquela data em diante, outros movimentos se sucederam e grande quantidade de
emendas, principalmente a partir dos anos 1990, foram destorcendo a Constituição Cidadã, não
tanto em relação às propostas de ampliação da democracia, mas em relação a outros pontos,
principalmente econômicos, que no final repercutiram também sobre a cidadania e a
participação popular.
De todo modo, o fenômeno dos anos 1980 que se deu no Brasil foi também
acompanhado por outros países latino-americanos, com destaque para a Venezuela, a Bolívia e
o Equador.
Passou-se a falar de um novo constitucionalismo latino-americano (VIEIRA, 2009)
marcado especialmente pelo esforço criativo dos novos governos, saídos da luta contra o
neoliberalismo e especialmente inspirados por um igualmente novo socialismo, que o
presidente Hugo Chavez denominou de socialismo do século XXI, alcançado pelo que chamou
de revolução bolivariana.
O socialismo bolivariano, a cidadania e o novo constitucionalismo latino-americano se
distanciam do socialismo revolucionário e até do marxismo, não querendo dizer que se trata de
um antagonismo, mas certamente de uma diferença.
O fundamental dessa diferença se encontra na convivência relativamente pacífica do
capitalismo com aquilo que se chama de revolución ciudadana, para usar a expressão que ocupa
as publicações oficiais e os cartazes e bunners encontrados nas ruas do Equador.
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Por isto mesmo, tomamos esse país como a referência do artigo em tela. É ele que se
anuncia de modo explícito como uma revolução, ainda que realizada pela e com a cidadania.
A diferença implicitamente tem três aspectos muito relevantes: destaca o cidadão e não
o proletariado como sujeito revolucionário, neste sentido, diluindo as classes no conceito de
cidadania; empresta ao Estado um papel muito relevante na promoção da revolução e
finalmente troca o antagonismo entre capitalistas e classe operária pelo conflito Estado x
Sociedade, atribuindo ao cidadão a tarefa superior de participar das decisões e controlar o poder
público e a “classe política”.
Para os marxistas, ou melhor, para Marx e Engels, o Estado ou “ o governo moderno
não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa” (MARX e
ENGELS, 1982, p. 23 ), “a sociedade divide-se cada vez mais em dois vastos campos opostos,
em duas grandes classes diametralmente opostas: a burguesia e o proletariado” (IDEM, p. 22),
“a história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história das lutas de
classes” (IDEM, p. 21) e a população, a sociedade no conceito vulgar corrente, é um genérico
sem muito significado político – “é uma abstração quando deixo de fora, por exemplo, as classes
das quais é constituída”(MARX, 2011, p. 54), razão por que a cidadania também não diz dos
verdadeiros e decisivos choques e antagonismos que fazem a história.
Nosso objetivo é examinar o quanto podemos considerar a experiência equatoriana em
face desses conceitos e, em desdobramento, obter um significado concreto da revolución
ciudadana e dos demais processos em andamento sob a inspiração e o título de revolução do
século XXI.
Para isto, consultamos a bibliografia sobre a história político-econômica recente do
Equador, acessamos documentos relacionados com as mudanças constitucionais e
institucionais, consultamos os sites do governo, especialmente aqueles relacionados com a
participação e o controle sociais, e voltamos à bibliografia e outros meios que nos permitissem
compreender o momento presente do país e sua pretendida revolução.
No início dos anos 1980, o Equador, como os demais países latino-americanos, entrou
em profunda recessão. Em 1984, a direita agrupada na Frente de Reconstrucción Nacional,
ganhou as eleições e iniciou as reformas neoliberais. As privatizações, a redução do Estado, as
duras medidas de ajuste fiscal, a desregulamentação das leis trabalhistas e previdenciárias, a
abertura econômica, medidas bastante conhecidas, não conseguiram resolver a crise do capital
e, por outro lado, causaram o aprofundamento da crise social.
A elevação vertiginosa do desemprego, da desigualdade e da pobreza fez com que os
fluxos migratório e emigratório fossem intensos. Como efeito, as mobilizações populares,
sobretudo organizadas pela Frente Unitária de Trabalhadores (FUT), por entidades estudantis e
pelo movimento Alfaro Vive!, começaram a se intensificar pelo país (ARAÚJO, 2013). No
entanto, com o avanço do programa neoliberal, “entidades sindicais tradicionalistas, como a
FUT, foram suplantadas, sobretudo, por organizações indígenas e camponesas” (IDEM, p. 55).
Isso, que, como veremos adiante, também ocorreu na Bolívia, foi resultado do desemprego
expressivo promovido no setor industrial, que levou as pessoas a buscarem no campo uma
alternativa de sobrevivência.
Assim, a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE), fundada
em 1986, passou a ser uma entidade crucial no cenário político do país.
A crise econômica e política se estendeu e entrou no século XXI, sendo marcada, pelas
precárias condições de vida da população, pelos negativos resultados econômicos, pelas
constantes mobilizações populares nas ruas e por sucessivas deposições de presidentes da
república. De 1996 a 2006, cinco mandatários foram depostos. Durante esse período, as ruas
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foram tomadas pelos indígenas, pelos trabalhadores, pela classe média e por estudantes. Mesmo
imersos em tamanha tensão, as medidas adotadas pelos grupos no poder para conter os
resultados econômicos negativos, continuou fundamentalmente neoliberal.
Em 2006, foi criado O Movimiento Alianza PAIS – Patria Altiva y Soberana (AP). Suas
lideranças, diferente dos demais casos, não provinham dos movimentos sociais tradicionais. A
Alianza País de formou a partir de um grupo de tecnocratas, sob a liderança de Rafael Correa,
que se organizou para auditar a dívida do país. Como esse grupo rapidamente se destacou na
arena política nacional, diversos partidos de esquerda, inclusive indigenistas, uniram-se a ele
nas eleições que ocorrem nesse mesmo ano de 2006. A Alianza Pais trazia consigo os principais
anseios e reivindicações da população que ocupou as ruas nesses 10 anos que antecederam a
chegada de Correa ao poder. Ela se apresentou como um movimento de esquerda, cujas
bandeiras giravam em torno do anti-neoliberalismo, da ética na política, autonomia nacional,
inserção dos cidadãos nas esferas de decisão, dentre outros pontos que faziam parte de uma
agenda positiva progressista compartilhada pela esquerda latino-americana.
Embora o Alianza País tenha sido o reflexo dos profundos conflitos sociais e políticos
que se verificaram por, no mínimo, 10 anos, é necessário qualificar esse movimento das ruas.
Como observa Pereira da Silva (2015, p. 174), “o momento de ascensão de Correa coincide
com o enfraquecimento de uma alternativa hegemônica calcada em movimentos sociais”, algo
que não é estranho ao contexto geral de enfraquecimento dos projetos coleticos promovidos
pelo fim do bloco soviético e pela bem sucedida emergência do neoliberalismo enquanto projeto
de sociedade. Dessa forma, com a debilidade dos partidos revolucionários, dos sindicatos e dos
movimentos sociais históricos, as ruas foram ocupadas por movimentos de caráter difuso, sendo
eles próprios e suas pautas fragmentadas. Assim, “o “movimento cidadão” liderado por Correa
assume características de uma representatividade social calcada originalmente em camadas
médias”. Ainda que se encontre, no corpo político que se conformou no entorno da Alianza
País, setores oriundos de diversas correntes de esquerda, o que se vê são “cidadãos
independentes e de organizações e ONGs que lutavam por ética na política e contra a
“partidocracia” e o neoliberalismo” (IDEM, p. 170).
Isso se conecta com o que foi a campanha eleitoral da AP, em 2006. Segundo De La
Torre (2010, p. 158), “su estrategia fue arremeter en contra de los partidos políticos,
presentando la contienda como una lucha ética y sin cuartel entre la partidocracia, que el pintó
como la fuente de todos los males, y la ciudadanía encarnada en su persona”.
Mesmo com resultados eleitorais bastante favoráveis, Correa cedo começou a perder o
apoio dos setores mais à esquerda, muitos dos quais romperam com o Alianza País (RAMÍREZ
GALLEGOS e STOESSEL, 2015). Já em meados do primeiro mandato, “el Gobierno ha
entrado en confrontación con varios sectores organizados de la sociedad como son los
maestros, los sindicatos públicos, el movimiento indígena sobre todo la Confederación de
Nacionalidades Indígenas del Ecuador (CONAIE) y sectores del ecologismo” (DE LA TORRE,
2010, p. 162).
Isso se deve, em grande medida, à manutenção de um discurso apolítico e tecnocrático
por parte de Correa, que se desdobra em uma percepção de que o Estado é a representação
institucionalizada da sociedade e que o governo é o defensor de interesses universais, como se
estes existissem. Como consequência, em seus discursos, Correa ataca os movimentos sociais
organizados, acusando-os de ocuparem o aparelho do Estado para defenderem interesses
particularistas em detrimento dos interesses comuns da nação. Para ilustrar essa dimensão
tecnocrática, em seu discurso de posse, em 2009, após a vitória no referendo, o mandatário afirma
que seu papel à frente do Estado é promover a “planificación, organización sectorial y regional,
adecuados modelos de gestión, racionalidad administrativa, rescate de las empresas públicas”
(Discurso de 10/08/2009, citado por De la Torre, 2010, p. 162). Em discurso anterior, Correa
afirmou que, após derrotar as “oligarquias antipátria”, o maior perigo passava a ser o
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Significa dizer que direitos e justiça, cobertura social e democracia fazem parte de seu
ideário, nesse sentido não se distinguindo do básico das Constituições Federais dos chamados
Estados democráticos de direito. Mas também se compromete com a plurinacionalidade e a
descentralização, o que a inscreve no neoconstitucionalismo latino-americano.
Em particular no que tange à descentralização, onde se coloca a questão da participação
cidadã, vamos encontrar várias passagens que desdobram essa afirmação de democracia direta.
Todo um Título, o Título IV – Participación y organización del Poder, é dedicado a
uma acepção de descentralização voltada para o cidadão e suas possibilidades de exercício do
poder político. Não se trata do poder político que o liberalismo convencionou, nos limites de
votar e ser votado, mas o poder político conferido pela democracia direta e combinações com
a representativa. De início, no Artigo 95, lê-se que
Reafirmando e explicitando um tanto mais, ainda no mesmo artigo, se diz que “la
participación de la ciudadanía en todos los asuntos de interés público es un derecho, que se
ejercerá a través de los mecanismos de la democracia representativa, directa y comunitaria”
(Art. 96).
O artigo constitucional continua, agora definindo a extensão dessa participação:
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Quanto aos investimento, Estado e sociedade, mais uma vez, estariam em instâncias
comuns e em momentos iguais fazendo escolhas de onde, em que e como investir, porque
melhorar a qualidade da inversão pública inclui saber quais os espaços urbanos ou interesses de
classe e segmentos serão considerados como os mais merecedores do investimento porque
maior qualidade de vida será proporcionada a todos.
3. Elaborar presupuestos participativos de los gobiernos.
Aqui o que se coloca à negociação é o orçamento governamental, destacando-se um
aspecto – a alocação de verbas públicas – que em outros países já vinha sendo trabalhada sob o
título de orçamento participativo. No Brasil, como tivemos ocasião de ver, o orçamento
participativo foi apresentado como um processo de participação cidadã importante, apesar dos
seus limites. No contexto da Constituição equatoriana, principalmente considerando o Artigo
100, elaborar orçamentos participativos dos governos é um desdobramento dos dois itens
anteriores, dado que não seria concreto pensar em elaborar planos e políticas, além de melhorar
a qualidade da inversão pública, sem igualmente oferecer à participação a feitura do orçamento.
4. Fortalecer la democracia con mecanismos permanentes de transparencia, rendición
de cuentas y control social.
Esse compromisso constitucional é que dará origem a leis complementares que criam
mecanismos de informação ao cidadão, meios de prestação de contas à sociedade, por parte dos
governantes e, em contrapartida, canais de manifestação da sociedade acerca dos resultados
apresentados pelo Estado.
5. Promover la formación ciudadana e impulsar procesos de comunicación.
A Constituição se preocupou com a formação para a participação que inclui, ademais
das informações básicas, o saber como chegar às informações e ao conhecimento, além da
mudança de concepção sobre o papel do indivíduo, nesse novo contexto participativo, seja
como um ser atomizado, seja como um ser integrante de instrumentos representativos de
categorias do trabalho e da sociedade, lato sensu. Inclui-se, nessa formação, o reconhecimento
do valor da representação coletiva e o incentivo à superação da condição atomizada, típica da
pós-modernidade.
Comentaremos mais abaixo os diferentes meios criados para o cumprimento desse
compromisso constitucional, naquilo que se pode definir como uma especialmente criativa
produção de meios, mecanismos e instituições. Por essa razão, em certos casos como a Silla
Vacia e a Veeduria, desceremos a maiores detalhes, para uma melhor compreensão do que
realmente se propõe e como funciona. São formas originais da estrutura normativa do controle
social equatoriano que não encontram paralelo em nossa experiência mais próxima.
Um “Guía Referencial para el Ejercicio de Rendición de Cuentas” foi publicado em
2011 com o objetivo de orientar tanto os governos, de todos os níveis, como os cidadãos sobre
o que são os meios de controle social, em particular para se exercer a prestação de contas, o
accountability. Na apresentação desse guia lê-se que
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Art. 4.- Objetivos […]: a) Establecer las formas y procedimientos con que la ciudadanía
puede hacer uso de la Silla Vacía; […] c) Fijar los criterios generales con que se
seleccionarán a los ciudadanos y ciudadanas que formen parte de las instancias y
espacios de participación establecidos por esta ordenanza, garantizando el respecto a la
integridad personal, institucional, y a los bienes jurídicos, procurando igualdad de
oportunidades; Garantizar el acceso de la ciudadanía a la información necesaria para ser
parte activa de todo el proceso de construcción de políticas públicas locales, así como
del análisis y formulación de diferente temas a ser tratados en Gobierno Autónomo
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Descentralizado Del Municipio De Riobamba. [...] Art. 5.- De las (os) Interesados/as.-
Las Interesadas o los Interesados hasta con ocho (8) días antes de la respectiva sesión
ordinaria, deberán expresar por escrito y en forma motivada, tal como lo establece la
Constitución de la República del Ecuador, su interés para ocupar la "Silla Vacía" en la
sesión respectiva del Consejo Cantonal de Riobamba. En la solicitud deberán constar
sus nombres y apellidos, número de cédula de identidad, dirección domiciliaria y demás
generales de ley, la debida argumentación de las razones de su interés en este
mecanismo de participación ciudadana. […] Art. 8.- De la Acción en la Silla Vacía.-
Para actuar en el espacio de la "Silla Vacía", las y los interesados deberán reunir los
siguientes requisitos: Acreditar su calidad de ciudadano/a mayor de edad mediante la
presentación de una copia de la cédula de identidad, certificado de votación vigente, a
nombre del representante; y, Acreditar mediante carta certificada la vocería de la
organización ciudadana a la que representará, si este fuera el caso. La respectiva
Organización Social, Ong, Fundación, Consorcio, deberá de estar legalmente
constituida, para lo cual deberá de presentar copia certificada de la personería jurídica
de dicha organización.
Art. 7.- Conformación.- Las veedurías serán conformadas por iniciativa ciudadana en
forma colectiva, por iniciativa de las organizaciones de la sociedad, así como del
CPCCS. Se integrarán por personas naturales por sus propios derechos o en delegación
de organizaciones de la sociedad. Art. 8.- Procedimiento para la conformación de
veedurías.- El procedimiento para la conformación de la veeduría por iniciativa
ciudadana en forma colectiva o por iniciativa de las organizaciones de la sociedad, será
el siguiente: a. Inscripción.- Los/las ciudadanos/as llenarán el formulario de inscripción
elaborado para el efecto por la Dirección Nacional de Control Social y que se encontrará
en la página web o en las oficinas del CPCCS, sus delegaciones provinciales y
delegaciones temporales en el exterior y lo entregará con los documentos de respaldo.
No se admitirán formularios con enmendaduras o añadiduras que pongan en duda su
contenido; b. Difusión.- El CPCCS difundirá la conformación de la veeduría y los
informes finales presentados al Pleno, por la página web y los medios que considere
adecuados en su ámbito de influencia, con el fin de poner en conocimiento de la
ciudadanía; c. Registro.- La Dirección Nacional de Control Social, dentro del término
de cinco días, verificará el cumplimiento de los requisitos determinados en el formulario
y procederá a registrarla para que pueda realizar el monitoreo, seguimiento y evaluación
respectivos; d. Capacitación.- Los/las veedores/as recibirán capacitación e información
de acuerdo al objeto de la veeduría, dentro del término de diez días contados a partir del
registro.
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É evidente que nenhum processo foi pacífico ou qualquer termo foi isento de
convivência com o contraditório de interesses opostos.
Isso, no caso da Constituição de 2008, se revela desde os primeiros Artigos. Quando
trata dos deveres do Estado, já no Artigo 3º, a mesma Constituição reduz a descentralização,
com que se compromete, ao plano territorial: “6. Promover el desarrollo equitativo y solidario
de todo el territorio, mediante el fortalecimiento del proceso de autonomías y
descentralización” (ECUADOR, 2008). Entre os deveres do Estado, nenhuma palavra atribui
ao poder público a função de garantir a descentralização no conceito de compartilhamento de
poder com os cidadãos. Explicita-se aí a contradição que frequentou a formulação da lei maior,
como parte do conflito de classes, de segmentos e também como face da formação autoritária
que habita até mesmo a consciência dos democratas e libertários.
A própria Constituição e seus desdobramentos, como é o caso da Ley Orgánica da
Participación Ciudadana, têm passagens que indicam as limitações que cercam a Revolução
Cidadã. Chama a atenção as várias observações, ressalvas, que dizem ser a Constituição, as leis
e a revolução destinadas a um público – os trabalhadores das organizações públicas e das
organizações que “manejan fondos públicos”. Essa limitação já aparece no capítulo quinto da
Constituição, Función de Transparencia y Control Social, no seu Artigo 204, quando se lê que
“La Función de Transparencia y Control Social promoverá y impulsará el control de las
entidades y organismos del sector público y de las personas naturales o jurídicas del sector
privado que presten servicios o desarollen actividades de interés público”. Para não deixar
dúvida, a Lei Orgânica de Participação, ao definir o âmbito de funcionamento da participação
cidadã inclui expressões e passagem mais clara: “las privadas que manejen fondos públicos o
desarrollen actividades de interés público” (Art. 2). Mais adiante, a mesma lei, quando trata de
acesso à informação, restringe um tanto mais, ao dizer “lo privado cuando se manejen fondos
públicos” (Art. 3º). Essa lei reproduz, em várias outras passagens, esse tipo de referência,
alternando as expressões, mas tornando evidente que a participación ciudadana y el control
social não se estende ao setor privado stricto sensu, ou seja, aquele que opera no mercado sem
qualquer vínculo com a administração pública, a despeito da área cinzenta que os termos
“actividades de interés público” podem criar. A Lei Orgânica volta a tratar do assunto no Artigo
29, referindo-se a “sector privado que manejan fondos públicos, prestan servicios o desarollan
acitividades de interés público”, no Artigo seguinte, onde se lê “las privadas que presten
servicios públicos” e em outras passagens, repetindo-se essa forma ou formas similares da
mesma limitação.
Temos aí um evidente caso de discriminação entre os cidadãos, porque se colocam os
trabalhadores públicos como observados e controlados, enquanto aqueles que operam no
mercado vendendo e comprando, na indústria, no comércio e nos serviços parecem sobrepor-
se à sociedade e ao alcance dos seus olhos e de sua avaliação. De outra parte, a exclusão do
setor privado do sistema certamente induz parte da sociedade, os trabalhadores e trabalhadoras
que se encontram nas empresas privadas, a se sentirem ou efetivamente serem limitados em
suas ações. A própria definição de âmbito expressa na Lei Orgânica, no Artigo 2 já citado,
estipula que tipo de organização privada está alcançada pela Lei. Relembremos que apenas as
Comisiones de Selección de Autoridades podem contar com trabalhadores privados em
condições semelhantes aos trabalhadores públicos, com liberação da jornada de trabalho e
garantias de direitos explicitamente postas no Regulamento.
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Essa situação cria distinções muito expressivas da lógica que está presente na Revolução
Cidadã, cujos méritos não podem ser negados, mas nesse particular não foge ao padrão de
reverência que o mercado continua a ter nas mais avançadas experiências de participação.
No plano prático, por exemplo, temos muitas razões para indagar porque os Comitês de
Usuárias y Usuários não podem estender sua observação e intervenção às empresas privadas
que também prestam serviços de que os cidadãos são também usuárias e usuários. É o caso dos
supermercados, dos bares e restaurantes, dos bancos, enfim de muitos empreendimentos que,
tal qual no Brasil, também prestam serviços de baixa qualidade, carentes de controle social. A
ação de um Comitê ao estilo, que pudesse acompanhar e debater com os gerentes e empresários,
naquele espaço de moradia ou convivência, certamente traria inúmeros efeitos positivos para a
cidadania, para os clientes e para as próprias organizações privadas.
Há outros aspectos de natureza prática que advertem para a existência de problemas
relacionados ao funcionamento das instâncias de participação que extrapolam os de natureza
institucional. Por exemplo, acompanhando o site do CPCC, é possível perceber dificuldades
funcionais e operacionais para o exercício real da participação e do controle social, ainda que
não faltem meios institucionais para isso. Navegando no site do Conselho, podemos ver que as
Convocatorias têm acontecido, cumprindo-se com a lei. Mas, no mesmo site, nota-se também
que não há notícia das decisões tomadas, deixando dúvida se sequer foram tomadas quaisquer
decisões. A Secretaria General do CPCC é o órgão de apoio que tem a função de dar
conhecimento oficial dos atos administrativos e normativos expedidos pelo Pleno do Conselho.
É também da responsabilidade dessa Secretaria dar informações sobre as resoluções do Pleno
que estejam respondendo às Convocatórias emitidas. É no link da Secretaria General que
devemos encontrar dois campos para acessar essas informações: o campo das Convocatórias,
onde se pode ver o que está colocado em pauta para a decisão dos membros do Conselho, e o
campo Resoluciones del Pleno. Até a data de 22 de maio de 2016, o campo das resoluções do
Pleno não dá qualquer informação sobre os anos 2015 e 2016. As convocatórias desses anos se
verificaram em todos os meses, observando a média de três a cinco reuniões plenárias por mês,
nesses anos. Inclusive o mês de maio de 2016, em que a última reunião foi convocada para o
dia 17, com uma vasta pauta de 10 pontos.
Observa-se nas mesmas fontes que as resoluções do Pleno do CPCCS são publicadas
desde 2010, quando seus trabalhos tiveram início, ainda em caráter provisório, resultado da
organização do próprio Conselho, conforme vimos em página passada. Daquele ano até 2014,
podemos acessar todas as informações pertinentes a decisões do Pleno em resposta às pautas
constantes das respectivas convocatórias. Pode o cidadão comum, assim, controlar o que tem
ido à discussão e que decisões são tomadas em relação a cada ponto de pauta. Isto não é possível
em relação aos anos de 2015 e 2016. Uma interrupção sem qualquer explicação se verifica em
evidente lacuna no instumento mais eficaz de publicidade do Conselho.
Esses detalhes do funcionamento apontam algum descaso ou algo de maior significado
para com aspectos importantes – a transparência das decisões e o controle das mesmas – que
dão indícios da profundidade do que pode estar acontecendo. Esse tipo de ausência é
denunciador da fragilização de um sistema, como se pode notar no Brasil, com os mecanismos
de participação. As crises em andamento costumam se refletir nos meios de informação e
comunicação dos poderes.
Há problemas no governo de Rafael Correa que datam de seu início. Paradoxalmente,
grande parte desses problemas, em especial aqueles vividos com os setores antes integrantes do
movimento que levou a Alianza País ao poder, decorre de aspectos relacionados com a
participação de segmentos sociais, que se sentem não representados ou que supõem suas
representações pouco consideradas nos processos decisórios.
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
Observam Ramirez Gallegos e Stoessel (2015) que o andamento das mudanças que
abriram caminho para a Constiuição de 2008 foi, ainda que não inteiramente tranquilo, muito
consistente. Segundo eles,
Não são apenas Ramirez Gallegos e Soledad Stoessel que apontam para o desgaste das
relações entre as organizações representativas da sociedade civil e o governo, ironicamente no
ponto que dá a identidade do governo, a cidadania. Já em 2010, cinco anos antes dos dois
autores anteriormente citados, David Chávez comentava que “as organizações indígenas e seus
aliados reclamaram da falta de “consulta prévia” às comunidades sobre o conteúdo das leis”
(CHÁVEZ, 2010).
Na verdade, naquele ano que Chávez publicava seu estudo sobre a consulta popular no
Equador, o diálogo entre a Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador, CONAIE,
e o governo se deteriorou profundamente. Em um dos encontros entre a CONAIE e Correa,
realizado de modo público, com cobertura da TV, Humberto Cholango, um dos dirigentes da
Confederação, cobrou do presidente que o governo se desculpasse por ter chamado os membros
do movimento de “loucos”. Correa criticava as lideranças das nacionalidades pelo que chamava
de “entrincheiramento em uma agenda parcial”. Mas, para o CONAIE, o que se colocava era o
sentimento de que o governo não os levava a sério e não havia considerado nenhuma de suas
principais demandas.
O grau de desgaste se tornou tão elevado que, em rigor, o CONAIE se transformou em
oposição ao governo. Isso ficou completamente posto e evidente quando, para surpresa geral, a
Confederação se colocou contra a reunião de cúpula da Alianza Bolivariana de los Pueblos de
Nuestra América (ALBA) e marcou o evento com ruidosos protestos (RAMIREZ GALLEGOS
e STOESSEL, 2015). A BBC Mundo, em sua edição de 26 de junho de 2010, publicou artigo
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de seu correspondente no Equador, Paúl Erazo, sob título Indígenas ecuatorianos alborotan
cumbre del ALBA. Abrindo a reportagem, Erazo dizia que “La Cumbre de la Alianza
Bolivariana de los Pueblos de Nuestra América (ALBA) se desarrolló este viernes en la ciudad
ecuatoriana de Otavalo, al norte de Quito, en medio de protestas de la Confederación de
Nacionalidades Indígenas de Ecuador (CONAIE), efectuadas en las afueras de la sede de la
cita”.
Os problemas do governo com a questão da efetividade da revolução cidadã não se
limitaram à questão indígena, que passa pelas leis da água e da mineração. Já seria de grande
tamanho se assim fosse, dado os assuntos, os protagonistas e o motivo. Mas outros problemas
relacionados com o diálogo do governo com os cidadãos, em particular com os cidadãos
organizados em entidades representativas, afloraram há alguns anos e continuam a tensionar o
projeto expresso na Constituição de 2008.
Correa entrou em choque com a União Nacional dos Educadores também já em 2009,
quando tentou implantar um sistema de avaliação dos docentes, considerado, na verdade, um
mecanismo destinado a quebrar com a hegemonia da entidade – antes uma entidade
participativa aliada da “revolução cidadã”, defensora da Constituição de 2008 e peça importante
nas campanhas ganhas pela Alianza País. A referida avaliação seria feita pelo governo, através
de provas elaboradas pelo Ministério da Educação, a que os professores seriam submetidos
periodicamente. Outras medidas estavam acompanhando a proposta de avaliação, todas elas
consideradas pelo movimento docente como prejudiciais aos trabalhadores da educação. O
diálogo se encerrou, como se encerrara com a CONAIE – radicalizando-se ambas as partes.
A partir de setembro de 2009, quando a UNE convocou a greve geral de protesto contra
a proposta de avaliação, as relações entre o governo e o movimento docente entraram em
vertical retrocesso. Também foi ocasião de palavras duras entre as duas partes em conflito. O
presidente já havia criticado a UNE, em maio daquele ano, na concentração significativamente
denominada Unidos contra a mediocridade. Ali, ele disse, em discurso, que a entidade dos
professores havia mergulhado a educação pública do Equador na mediocridade e na
ineficiência. Durante a greve, em visita aos colégios em paralização, repetiu as críticas, usando
as mesmas palavras que encontravam eco na população, em particular nos setores populares
que apoiavam o governo (POSSO, 2013).
Segundo Mariana Pallasco, presidenta da UNE durante a paralisação, ouvida por Posso:
“a greve não foi por aumento salarial; desta vez, a paralisação foi por dignidade, para acabar
com os maus-tratos, para acabar com a desqualificação. […] o trabalho docente não é
revalorizado apenas com dinheiro. […] estigmatizaram o professor […] na rua, se sabiam que
alguém era professor, lhe diziam “professor vagabundo, vá ser avaliado” (Ibid., p. 124).
No particular da educação superior, também se observam insatisfações. Arturo
Vilacicencio, detentor do prêmio Nobel da Paz de 2007, como integrante do Panel
Intergubernamental de Cambio de Clima (IPPCC), ex-reitor do Instituto de Altos Estudios
Nacionales e ex-presidente do Consejo de Evaluación y Acreditación de Educación Superior
(CONEA), escreveu um livro intitulado ¿Hacia dónde va el Proyecto Universitario de la
Revolución Ciudadana?, comentando a situação do ensino superior no qual afirma que no
Equador
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5. Conclusão
A experiência equatoriana é sem dúvida aquela que oferece a mais rica contribuição em
meios, mecanismos e instituições voltados para garantir a participação e o controle social. Não
devemos nos negar a repetir isso. Em se tratando de criatividade e inovação, ali operou um
laboratório fértil, que indica a qualidade dos formuladores – grande parte deles do mundo
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acadêmico – e a ousadia dos líderes políticos. Mas também não se pode negar que muito cedo,
logo nos primeiros anos de exercício, tanto a Constituição de 2008 quanto seus operadores mais
destacados enfrentaram dificuldades e revelaram fragilidades. As muitas frentes abertas
simultaneamente e a necessidade de acomodar situações contraditórias, além e principalmente
dos limites que se vão colocando para a conciliação dos interesses conflitantes, foram
estreitando as margens de movimentação do poder. Nesses casos corre-se o risco de ver
dilapidarem-se todos esses recursos, pondo mais uma vez na história um exemplo de
inefetividade das promessas participacionistas em estrutura social de fortes conflitos de classe
e segmentos de classe.
A convivência com o modo de produção capitalista, cujos interesses frequentemente se
contrapõem aos interesses das massas populares com tantos anos de exclusão, cria uma
contradição que obriga o governo a um exercício de conciliação difícil de manter por longo
prazo e às vezes impraticável.
Duas necessidades parecem saltar diante de nós, quando vemos o quadro de riqueza de
meios institucionais ser gradativamente esmaecido em meio a desacertos e conflitos. Em
primeiro lugar, a necessidade de traduzir em mudanças no plano material aquilo que é o
empoderamento político. Em outras palavras, ver as três dimensões – da política, da economia
e da administração – como articuladas na mesma perspectiva. A ausência disto acaba por
comprometer qualquer das dimensões que se pretenda desenvolver isoladamente. A questão
colocada implicitamente nessa discussão é que a experiência equatoriana nos põe em dúvida
sobre a possibilidade dessas dimensões serem de fato associadas sob as determinações do modo
de produção capitalista. E mais: acrescenta-se a isto, a indagação sobre o quanto a dimensão
política ao ser dissociada das demais dimensões, porém hiperdimensionada, constitui-se em
jogo ideológico, ao estilo do “eles não sabem o que fazem, mas assim mesmo o fazem”. Nesse
sentido, a primeira necessidade seria prejudicada por essa contrafação ideológica, a que os
revolucionários se dedicam sinceramente e a que a classe dominante aceita, pelo seu caráter
reformista e preservador do modo de produção. A segunda necessidade diz respeito a existência
de uma ferramenta política fora da ordem, que escape ao controle do Estado e que represente a
tensão política exigida a um verdadeiro processo revolucionário.
Em rigor, todos os mecanismos de que tomamos conhecimento estão reglados. Isto é,
têm regulamentos que os subordinam à burocracia do Estado. Do Conselho de Participação e
Controle Social à Silla Vacia todos fazem parte do aparelho estatal ainda que se pretenda fazer
deles as instâncias do empoderamento da sociedade civil. Nessa condição, acabam por se
tornarem instituições, com as limitações institucionais típicas de aparelhos do Estado.
Uma ferramenta política independente, autônoma e fora da ordem - melhor ainda,
contra-ordem - é absolutamente necessária ao bom funcionamento dessas instituições da
participação social, porque exercerá sobre elas a contrapressão capaz de fazer frente à pressão
conservadora do Estado.
Não se trata porém de algo que não mereça especial cuidado. Porque esta arquitetura
política – movimento social, governo popular, mecanismos de participação e agente político
contra-ordem – foi aquela que se colocou no cenário chileno dos anos 1970. Um profundo senso
do que é principal e o que é secundário, o reconhecimento de aliados e não-aliados, a distinção
dos antagonismos e não-antagonismos, definições precisas de tática e de estratégia serão
exigidos para que o desfecho de um processo assim configurado não seja a repetição da tragédia
chilena.
Mas certamente que em não se afirmando esse concerto de atores coletivos, nada garante
que também não teremos tragédias ou algo parecido com a farsa ou a comédia que se viveu em
Honduras e no Paraguai e aquela que ora se vive no Brasil e na Venezuela.
Referências bibliográficas
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Sites consultados:
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participacao-social-a-cientista-social-thamy-pogrebinschi-fala-ao-dcm/ , acesso em
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operamundi.uol.com.br/.../renegociacao+e+auditoria+da+divida+do+equador, acesso em
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http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12449&Itemid=75
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Consejo de Participación Ciudadana y Control Social – Ecuador - http://www.cpccs.gob.ec/
Acesso em 02/05/2016.
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Resumo
A conformação da burocracia pública brasileira avançou historicamente pela adoção de
modelos excludentes para governar o Estado, integrados à hegemonia necessária para a
permanência do poder nas mãos da classe dominante. À luz da dialética negativa de Adorno
(2009), apresentamos neste ensaio uma análise crítica antissistema dos marcos reformistas da
constelação político-burocrática da Gestão Pública brasileira. Partimos da burocracia do
poder desde o Estado Novo, para compreender o poder da burocracia no desenvolvimento da
estrutura capitalista dependente, de modo que situamos o democratismo e a estadania como
anticategorias do pensamento convencional de democracia e cidadania.
Introdução
A conformação da burocracia pública brasileira avançou historicamente pela adoção
de modelos estabelecidos pela classe dominante para governar o Estado. Travestido por
diferentes nuanças, o domínio político-burocrático da ordem social burguesa impôs, via
reformismos, a hegemonia necessária para a permanência do poder nas mãos de poucos.
Resultado disto é uma realidade social, política, econômica e cultural encerrada num extenso
círculo vicioso que, alimentado pelo alto, corrobora com o que podemos chamar de Gestão
Pública danificada1. Diante disso, mediados pelos elementos pressupostos na dialética
negativa de Adorno2, neste ensaio apresentamos uma breve análise da constelação político-
burocrática da Gestão Pública brasileira, revelando o Estado como portador de uma
autocentralidade inautêntica ampliada. Dentre os elementos adornianos que possibilitam a
crítica à burocracia destacamos o de antissistema, que permite expor a configuração do poder
como constelação em que se visualiza tanto sua inverdade enquanto sistema em sua afirmação
identitária, quanto a crítica da sociedade que o engendra (SILVA, 2006).
Tendo presente a subversão da tradição, Adorno (2009) negou a ideia de sistema,
submetendo-a a um acurado exame dos seus pressupostos modelares. Desse modo, a análise
necessária sobre a burocracia pública requer a denúncia crítica de seu papel meramente
adaptativo que, ao manter e conformar as desigualdades sociais, não permite a ruptura com o
conservadorismo naturalizador de suas práticas. Portanto, à luz da dialética negativa,
compete-nos: (i) abordar a burocracia do poder no Estado brasileiro, que se desenvolveu em
três marcos desde o Estado Novo; (ii) compreender o poder da burocracia, demarcado por
malabarismos reformistas que favoreceram o desenvolvimento da estrutura capitalista
dependente; e (iii) tematizar a potencialidade do poder político-burocrático, de modo que
situamos o democratismo e a estadania como anticategorias do pensamento convencional.
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Burocracia do Poder
Ao relacionarmos a burocracia do poder não queremos remeter à obrigatoriedade de
que todo poder tenha como precondição uma burocracia, mas nos referimos especificamente à
burocracia existente no poder no Estado brasileiro, cujo avanço se mostrou pelas reformas via
órgãos criados para efetivá-las e promovê-las. Também não distinguimos a burocracia entre
aquela que serve ao poder ou outra que poderia estar a serviço das organizações, mas
elencamos sua dinâmica interna como parte de uma relação dialética em meio ao social e a
organização do Estado.
A configuração do Estado nacional em meados da década de 1930 decorre
essencialmente do capitalismo dependente desenvolvido no Brasil, visto que é nesse momento
que “as forças econômicas passam a se agrupar em torno de um projeto de modo de produção
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diferenciado do até então vivido nos três séculos de status colonial” (MENDES e GURGEL,
2013, p. 108-109). Fernandes (1975) dá especial atenção ao capitalismo dependente por
considerá-lo fundamental aos rumos do desenvolvimento almejado ao país. Foi traçado pelo
desinteresse por qualquer autonomia social ou política e pela prioridade aos modelos
perpetuados pelas antigas classes senhoriais, em que diferentes setores foram espoliados.
Este entendimento se dá a partir da luta de classes premente na sociedade. O papel do
Estado é “‘tutelar’ os interesses do capital em seu conjunto, colocando-se frequentemente em
choque com aqueles setores capitalistas singulares que (...) entram em contradição com a
máxima reprodução possível do capital social global”, em que a burocracia assume o lugar de
um corpo à parte e acima da sociedade, capaz de lhe impor suas decisões (COUTINHO, 1984,
p. 166). À emergência da modernização do período industrial do Brasil, esses pressupostos
foram capitaneados pelo próprio Estado, sufocando desigualdades e singularidades em
detrimento do desenvolvimentismo.
Assim, a Gestão Pública seguiu pela planificação organizada, num processo de
aceleração jamais visto nos cem anos precedentes da história do Brasil (COSTA, 2008). Ao
contrário de uma revolução, como defende Bresser-Pereira (1985), o que houve em 1930 foi
apenas uma substituição do poder da oligarquia agrário-comercial brasileira pelo da classe
média industrial. Nesta condução, houve uma luta contrarrevolucionária, que reconfigurou o
lema “ordem e progresso”, conferindo-lhe, paulatinamente, outro desdobramento pela ideia de
“segurança e desenvolvimento”, abertamente empregada pelos governos militares a partir de
1964 (IANNI, 2004, p. 224). O Estado capitalista é aguçado em sua configuração de sistema,
dando-nos elementos concretos para seu combate pela ideia de antissistema como um espaço
do não idêntico (ADORNO, 2009). Isso porque, na sua típica ótica de sistema “o capitalismo
monopolista no Brasil (...) se limitou a herdar e modificar parcialmente o Estado autoritário
preexistente” (COUTINHO, 1984, p. 171).
O momento inicial da industrialização no Brasil converge à dimensão político-
burocrática do Estado, que cumpre o mais perfeito estereótipo da ideia adorniana de sistema
totalitário. Operacionalizam-se processos instituindo novas estruturas político-burocráticas
que, embora intercaladas por diferentes modelos de Estado – autoritário em 1930 e 1967 e
democrático em 1995 – podem ser pensados como expressões de negação das singularidades
nacionais. A Era Vargas torna-se, então, o marco inaugural de burocratização do Estado
brasileiro, que adere a um formato de poder político até então inigualável. Há confluência
entre peculiaridades político-sociais e governos autoritários, mantendo vivas as práticas do
tenentismo e do populismo e, de outra parte, com o desenvolvimentismo como guia via suas
quatro correntes fundantes: nacionalistas, defensores da industrialização, intervencionistas
pró-crescimento e positivismo (FONSECA, 2012).
O nacionalismo, considerado por Tragtenberg (2009) uma ideologia da desconversa,
encontra espaço como abordagem típica do Estado Novo. De outra parte, o positivismo,
marcante na formação de Getulio Vargas, lhe imprimiu uma postura de inspiração
hegeliana/teleológica, contribuindo para a autojustificação discursiva para capitanear as
mudanças que desaguaram no desenvolvimentismo. Tal projeto assumiu uma configuração
utópica de felicidade, que apenas poderia ser materializado pela instituição da razão
burocrática no Estado, em que a vertente política da doutrina positivista também conferia as
devidas bases ao intervencionismo. Amplificado, o desenvolvimentismo convergia ao
liberalismo, no tocante à ortodoxia econômica, potencializando a cega visão economicista
(FONSECA, 2012). Esta ótica foi responsável pelo isolamento das condições econômicas das
políticas, firmando-se como modelo de condução do Estado, o que Oliveira (2003, p. 30)
critica como um “vício metodológico que anda de par com a recusa em reconhecer-se como
ideologia”. O “legado da Era Vargas” foi “inseparável das instituições que ajudaram a
direcionar o desenvolvimento econômico e social posterior do país”, cujo empenho era
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de doutrinas administrativas desde a década de 1970. O Chile foi o primeiro país da América
Latina submetido a estes ditames, que atingem o Brasil duas décadas depois.
O gerencialismo compunha-se de um arcabouço teórico que integrava uma crítica à
burocracia, a difusão da cultura do management e do empreendedorismo na Gestão Pública
(PAULA, 2005). Esta tendência desenvolveu-se como um “tsunami” pela cartilha neoliberal,
veiculada por obras como Reinventando o governo, de Osborne e Gaebler, voltadas à nova
classe dirigente do Estado – os agentes financeiros e rentistas. Essa classe subverteu a
burocracia pública às regras do mercado, contra o Estado.
Com o auxílio da crítica à razão instrumental de Adorno (2009), precisamos enxergar
com reticência os pressupostos da eficiência e da produtividade, eixos centrais dessa cartilha.
Não são princípios novos e tomá-los assim constitui uma ignorância histórica, pois são tão
antigos quanto as primeiras teorias que servem às grandes empresas emergentes com a
revolução industrial. São apenas repaginados e adquirem a “roupagem da moda”, sendo
ideologicamente reapresentados pela hegemonia anglo-americana, sem que possam, muitas
vezes, ser vistos como enxertos de fora para dentro na lógica da ação do Estado brasileiro.
No Brasil, esse sistema de gestão levou ao que Paula (2005) refere como novíssima
dependência, não abandonando-se o desenvolvimento dependente e associado da década de
1960, adaptando o país às novas regras do capitalismo internacional. Para a autora, a reforma
gerencial foi o desdobramento da visão do então presidente Fernando Henrique Cardoso, que
conciliou seu pragmatismo à ideia de desenvolvimento dependente e associado, cujos
principais pressupostos centravam-se na abertura dos mercados e atração de investimentos
externos. Isso naturalizou ainda mais a histórica exploração sobre o país, especialmente pelo
ajuste ao Consenso de Washington e às tendências da Terceira Via. O resultado foi uma onda
de privatizações e terceirizações, bem como uma forte exaltação das organizações não
governamentais como assessórias – substitutivas ou compensatórias – ao papel do Estado.
Operacionalmente, a reforma do aparelho do Estado de 1995 objetivou deslocar o
papel da burocracia no Brasil. A ideia – meramente ideológica, porque sem lastro material –
era superá-la, mas isto jamais aconteceu. Concentrou-se o processo decisório em gestores
pragmáticos, apenas comprometidos com o objetivo da eficiência na gestão do Estado, numa
continuidade mais rebuscada da visão economicista. Ocorreu que, ao mesmo tempo em que se
perseguiu o intuito de direcionar a configuração do poder para outras frentes, em especial a
econômica, fez-se nada mais do que reeditar o jogo, aparentemente neutro, da suposta
separação entre política e administração.
A instituição do MARE (Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado)
demarca a aplicação desta reforma, em que o modo de gestão presente redundou numa maior
incidência do capital especulativo sobre o país. Embora tenha carregado o elemento social,
este funcionou como uma de suas mais atraentes justificativas. Elegeram-se, através do
MARE, novos instrumentos de intervenção do Estado calcados em cinco diretrizes
(institucionalização, racionalização pela avaliação estrutural, flexibilização com a criação de
agências executivas, publicização pela viabilização das organizações sociais, e
desestatização), que refletiam mudanças organizacionais, instituídas através da promulgação
da Emenda Constitucional n. 19, em junho de 1998 (COSTA, 2008).
Doravante, o que tem se consolidado como Estado gerencial é o que adota
pressupostos semelhantes aos de uma burocracia flexível, onde os limites de ação se dão via
contratos e mecanismos de controle sutis. Paula (2005) critica estes como resultados de um
Estado despolitizado e pouco democrático, incapaz de auxiliar na superação de conflitos
sociais. Para a autora, especificamente decorrentes da peculiaridade nacional, o modelo
gerencialista apresentou como limites importantes: (i) centralização do processo decisório e
desestímulo à participação social; (ii) ênfase nas dimensões estruturais da gestão, em
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Poder da burocracia
Tragtenberg (1989) entendia as reformas como subterfúgios que dizem tudo mudar
para manter as coisas como estão. Este parece o princípio regente das reformas atuais que,
quando não há piora do quadro de desigualdades sociais, permanece a sensação de que não
virá nada de diferente. O aperfeiçoamento da burocracia apenas encerrou a luta de classes em
relações de autoridade formalmente preestabelecidas. Ao passo que as modificações da era
burocrática brasileira não ensejaram nada mais do que malabarismos reformistas, elas
favoreceram o desenvolvimento da estrutura do capital, sempre preservando o poder da
burocracia e, por extensão, o poder das classes dominantes.
O interesse político é anunciado de modo neutro pelo trâmite burocrático, e vai aos
poucos afastando expectativas de transformações profundas. Para Adorno (2009, p. 60), o
caráter reformista merece ser entendido como o absoluto que se transforma “em algo
histórico-natural a partir do qual pôde ser alcançada de maneira relativamente rápida e tosca a
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Pelos governos militares a força da burocracia foi sentida de tal modo que o último
dos seus presidentes, João Batista de Figueiredo, criou, pelo Decreto n. 83.740/1979, o
Programa Nacional de Desburocratização, dirigido pela própria presidência com o auxílio de
um ministério extraordinário, o da Desburocratização, que existiu de 1979 a 1986. Um de seus
ex-ministros, João Geraldo Piquet Carneiro, observou, num sintético texto intitulado
Histórico da desburocratização, que a preocupação com a centralização administrativa é
antiga, presente nos viscondes do Uruguai (1807-1866) e de Mauá (1813-1889), e que já a
Reforma Administrativa de 1967 visava descentralizar ações do executivo, o que foi
comprometido pelo “recrudescimento do regime militar, em 1969” (CARNEIRO, s.d., p. 3).
Evidente que do lado das mediações da burocracia, incluindo seu aparato jurídico,
houve limitações às pretensões imediatistas ditatoriais e a preceitos liberais no exercício da
economia. Isso sugere tanto o cuidado de não termos uma visão contrária acrítica da
burocracia, como também não uma visão favorável acrítica. Não cabe criticar a burocracia
para liquidar as esferas do Estado em favor do privatismo liberal, nem defendê-la para ser
contra isso, mas criticá-la para uma abertura democrática do Estado em favor da participação
da sociedade civil, ainda que também neste ponto haja o risco da acriticidade de se pensar que
esta é a solução definitiva a ser almejada, liberando o próprio Estado de uma crítica aos seus
fundamentos históricos contraditórios.
Apesar de praticamente todas as propostas de reformas antiburocráticas incluírem a
justificativa de maior eficiência no acesso da população aos serviços públicos, o fato é que
pouca ou nenhuma questão social objetiva vigiu verdadeiramente por trás de tais tentativas e
reformas. No mais, a burocracia estatal foi atacada para a remoção de travas do Estado em
favor de teses liberais e privatistas, o que está presente mesmo no Decreto mencionado,
apesar da construção de grande parte do parque nacional. Após intenso desmantelamento da
máquina administrativa, as privatizações na reforma dos anos 1990 foram justificadas em
razão da ineficiência oriunda do peso do Estado. A crise do Estado analisada pelo ministro
Bresser-Pereira, do MARE (Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado),
resumida no PDRAE (Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado) desemboca na
conclusão de que o Estado deveria deixar “de ser o responsável direto pelo desenvolvimento
econômico e social, para se tornar seu promotor e regulador” (COSTA, 2008, p. 863).
Apesar da defesa da substituição do ethos burocrático pelo gerencial, com o PDRAE
apenas a configuração geral da burocracia foi alterada, ficando distante qualquer rompimento
efetivo. Tanto não são contrapostos os princípios da burocracia, que eles se tornam mais
voltados a um Estado otimizado, introduzindo o funcionalismo público na mesma lógica do
capitalismo. Enquanto ministro do MARE, Bresser-Pereira corroborava com uma burocracia
pública que controlasse o processo decisório e assegurasse a eficiência administrativa do
Estado, resgatando o ideal tecnocrático dos modelos reformistas anteriores (PAULA, 2005).
Correlato ao grau limitado de confiança em servidores e políticos (BRESSER-
PEREIRA, 2003, p. 28), houve um apelo ao empreendedorismo da década de 1970, que
entrou no Estado brasileiro para sustentar sua função lucrativa. Exemplo disso é o emprego da
expressão cidadão-cliente, que naturalizou o cidadão como mero consumidor dos serviços
oferecidos pelo Estado. Assim, a reforma gerencial não desmantelou o poder da burocracia,
mas buscou lhe conferir uma feição “mais humana”, contraditória e profundamente mais
nefasta, porque tal mercadorização dissimulou mais ainda as desigualdades.
Malgrado a defesa de que a qualificação técnica ocorre em favor do interesse público,
a burocracia estatal acabou se firmando como a mais perfeita mímese do capitalismo
empresarial. Os burocratas frequentemente colocam-se como defensores do interesse público,
autodenominando sua atuação como apolítica e apartidária. Para Gouvêa (1994), esta é uma
autonomia inconsistente com a realidade de seu espaço de atuação, condicionada por limites
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Democratismo e estadania
Numa projeção das sombras do naturalmente disposto na luz, democratismo e
estadania só podem ser vistos como ‘anticategorias do convencional’, assim demarcadas para
uma compreensão reversa da história. Pela crítica desnaturalizadora, acreditamos ser possível
entrever como se desencadeiam os processos de naturalização. A ideia de conquista da
democracia e da cidadania no Brasil permanece inclusa nos discursos oficiais, mas que
traduzem arranjos deterministas envoltos em uma visão dual da realidade brasileira. Tais
discursos, observados pela dialética negativa, revelam a ideologia da adaptação, e lançam
perigosamente suas premissas aos historicamente desavisados, atingindo até mesmo a
comunidade acadêmica.
O lema apendoado da ordem e do progresso é acriticamente introjetado e destoa
historicamente da realidade nacional, o que se torna facilmente perceptível apenas por uma
atenção superficial à história e à própria realidade concreta atual. Nesse ínterim, democracia e
cidadania continuam sendo conceitos que cumprem um papel associado a certas perspectivas
de pensamento teórico na Gestão Pública. Alimentadas pelo viés kantiano, embasam-se numa
moral orientadora da práxis que, por evitar o caminho dramático da contradição imanente, não
ultrapassa uma preservação rearranjada da lógica do capital.
Entendido por Martins (1994, p. 171) como “o avesso da democracia”, o
democratismo surge quando são disfarçados interesses particulares e colocados de modo
oportunista como interesses públicos. Em seu desvirtuamento da democracia, o democratismo
omite fatos, como esquemas informais de poder que negociam com outras frações
burocráticas do Estado. Também dissimula a relação entre cargos dirigentes e grupos de
interesses não legitimados popularmente para o comando do Estado. De outra parte, cria-se
uma ilusão democrática na sociedade informacional, muito embora já se tenham recursos
tecnológicos que propagaram a transparência e a fiscalização das ações do Estado. Mas, isto
não se converte em democracia efetiva, o que nos remete à reprodução ampliada do capital:
Realizar apropriações tecnológicas para construção da cidadania e da democracia
adquire sentido de mímesis expressiva falsa (ADORNO, 2009). O fato de existirem
tecnologias sociais não assegura emancipação e acessos equânimes, pois seus fins podem ser
apenas a reprodução capitalista. Existem, portanto, monumentais limites quanto à participação
popular na gestão do Estado e, por conseguinte, quanto à cidadania, sobre a qual é criada uma
ilusão de inclusão na sociedade informatizada, o que pode ser identificado como um efeito em
cascata oriundo da lógica participacionista. Veja-se o período da redemocratização, com a
democracia participativa fortemente motivada, mas que Chasin (2000, p. 262) observa como
“revolução dos procedimentos”, que tornam democracia e participação idênticas. As formas
prevaleceram sobre conteúdos, “a participação se torna participacionismo e a democracia o
universo de sua realização. Em outros termos, a democracia se revela como participacionismo
negociador, o plano único ou supremo da política, a forma de encarnação da liberdade”.
Esse aprendizado é assimilado pela Gestão Pública para obter consenso populacional.
Absorvido da empresa privada corroborou “um participacionismo [que] tende a manter a
velha forma de relação entre capitães de indústria e operários” (TRAGTENBERG, 2006, p.
103). Ao ‘cidadão’ resta uma sensação de inclusão sob o sistema democrático representativo,
porque determinado pelo poder econômico, que descaracteriza necessidades sociais.
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emancipatória. Uma realidade em que ser cidadão é tão somente poder consumir caracteriza-
se pelo governo do poder do capital, motivado pelo próprio Estado. O capital condiciona não
apenas a maneira como o Estado é administrado, mas a consciência dos cidadãos,
transformando-os em “consciências coisificadas” (ADORNO, 1995), tendo seu
comportamento manipulado pela lógica do consumo. O Estado exerce um papel de
manutenção do sistema capitalista e de concentração do capital, servindo a política como um
mero instrumento de manipulação grosseira. Encerram-se as possibilidades de elaborar um
plano de finalidade própria, de primazia pelo social, pois o Estado passa a ser condenado a
resolver crises estruturais de acumulação perpetuadas pelas instituições capitalistas.
Como agravante de uma impessoalidade excessivamente burocratizada, o cidadão-
cliente é relegado a mero dado numérico, pois o Estado o submete à quantificação. Este é
apenas um dos fatores que caracteriza, pelo déficit de humanização, a subcidadania que, para
Souza (2006), é um fenômeno de massas típico das sociedades periféricas modernas. Ela se
origina, dentre outros fatores, de uma dinâmica sociocultural subordinada, pela qual se
constrói historicamente uma hierarquia valorativa que segmenta como subcidadãos os
desclassificados sociais, “subgentes”, integrantes de uma ralé estruturalmente formada a partir
da própria ideia de periferia. Essa ralé é articulada junto a extratos que podem se tornar
incluídos privilegiados, mas extremamente segmentados, tanto no tocante ao acesso ao
mercado como ao Estado (SOUZA, 2006).
Assim, pensar efetivamente em cidadania parece tão distante quanto pensar em
democracia, pois o Estado assimilou a era da indústria cultural ao manipular as mentes
‘estadãs’ e conferir sensação de inclusão no seu jogo ‘democratista’. Diante da dificuldade
constante que carrega em seus acordos com o capital, não consegue desvencilhar-se de
modelos apenas adaptativos. Como destaca Adorno (1992, p. 176), a indústria cultural
“modela-se pela regressão mimética, pela manipulação de impulsos de imitação recalcados”.
Da tríade técnica-eficiência-produtividade derivam construções ilusório-adaptativas
travestidas como alternativas, alimentando a Gestão Pública gerencialista por um ciclo
manipulatório que garante a “unidade e impermeabilidade” do sistema (ADORNO, 2002). O
que não se percebe é que todo pensamento antissistema é alternativo, porém, nem todo
pensamento alternativo é antissistema. Disso podemos concluir entendendo muitas das
infindáveis ‘teorias alternativas’ como meras opções de encaixe ao sistema do capital.
3. Considerações Finais
Na análise que realizamos outras inúmeras burocracias estatais poderiam ser referidas.
Porém, limitamo-nos às três reformas que interferiram significativamente na gestão do Estado
brasileiro desde a industrialização, porque são elas que definiram os traços de danificação da
Gestão Pública. Tais reformas foram sempre amparadas pela legalidade e alcançaram
legitimação no seio social, mesmo sendo impostas à revelia das necessidades concretas, sendo
a massa populacional historicamente tratada como instrumento dos interesses capitalistas,
quando não coagida pela via prussiana do Estado. Corrobora-se um sistema de Estado que em
sua técnica apenas reproduz os interesses dominantes, desvirtuando o interesse público, pois é
óbvio que o Estado capitalista não é mentor de processos emancipatórios. Comprovados os
inúmeros malabarismos reformistas, o poder de Estado também se mostra danificado, pois
instaurou como formas de gestão as que atendem os interesses conservadores da formação
capitalista.
Do modo como se apresentam as instituições do Estado e as estruturas político-
burocráticas alimentadas pela Gestão Pública, permanecem possíveis apenas as amarrações
técnicas da racionalidade instrumental, decorrendo disso um déficit de aceitação das
contradições de classe integrantes da dinâmica da Gestão Pública. Isto reverbera à danificação
da Gestão Pública, visto que seus ideólogos não pensam para além do que as práticas
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1
Derivado do que Adorno (1992) chamou de vida danificada (beschädigten Leben), o que vivemos hoje como
resultado de uma sociedade administrada, onde a consciência humana é moldada para se adaptar às exigências
técnico-econômicas.
2
São sete os elementos conceituais pressupostos na dialética negativa de Adorno: crítica da razão instrumental,
mímesis/expressão, semiformação, crítica imanente, primazia do objeto, antissistema e não idêntico. Eles
constituem um ‘meio termo’ entre a realidade da vida danificada e os elementos críticos para desbaratá-la.
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RESUMO
O presente artigo tem por intenção relatar os resultados de pesquisa obtidos em torno do
mapeamento das experiências do internacional que encontram em curso na cidade de
Arapiraca e no seu entorno, qual seja, o agreste alagoano. Fruto do projeto de iniciação
cientifica PIBIC realizado ao longo dos anos de 2015 e 2016 intitulado por As trilhas do
internacional no agreste alagoano, as pretensões dessa pesquisa foram de ordem exploratória,
donde a equipe de trabalho se lançou a campo com o fito de ampliar o rol de informações
acerca das trilhas em questão. Nesse sentido, para a coleta de dados foram realizadas
entrevistas junto a personagens chaves, tais como: funcionários públicos da prefeitura de
Arapiraca, empresários, funcionários de empresas multinacionais, funcionários de empresas
locais com atividades comerciais de importação e exportação, agentes de ONGs
transnacionais, enfim, uma gama de atores que se nos apresentaram no curso do projeto. Para
além dos resultados do mapeamento, o artigo buscará refletir a importância do enclave
internacional como dimensão da administração política a ser considerado por periferias, à
exemplo de Arapiraca.
1.0 Introdução
O presente artigo, fruto do projeto de iniciação cientifica PIBIC realizado ao longo dos
anos de 2015 e 2016 intitulado por As trilhas do internacional no agreste alagoano tem por
intenção relatar os resultados de pesquisa obtidos em torno do mapeamento das experiências
do internacional que encontram em curso na cidade de Arapiraca e no seu entorno, qual seja,
o agreste alagoano. Na era da globalização, pensar nas trilhas do internacional que circundam
o local, mais que mera curiosidade cientifica, constitui-se em uma etapa fundamental do fazer
a administração política do lugar, um fazer que não se limita às tensões e pulsões das escalas
nacionais, estaduais e municipais, mas que contempla, também, a força do internacional nos
processos de construção do cotidiano dos lugares, sejam eles localizados nos centros, sejam
nas periferias.
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Com o crescente declínio dos preços do fumo no mercado mundial, os anos gloriosos do
fumo arapiraquense ficaram no passado. Todavia, ao contrário de outras periferias que
amargaram e ainda amargam a decadência dos seus respectivos ciclos, a verdade é que
Arapiraca rapidamente transcendeu à decadência do fumo. A poupança gerada por essa
cultura no seio dos pequenos minifúndios acabou por alavancar outra tradição econômica em
Arapiraca, qual seja, o gosto pelo comércio. Não sem razão, essa cidade hodiernamente figura
como grande centro comercial do estado de Alagoas como vem sendo apregoado pela
imprensa nacional.
Diante desse cenário, o fato de Arapiraca angariar para si a centralidade das relações
regionais do agreste alagoano, faz também com que a sua inserção transcenda o plano
regional, atingindo o plano nacional, bem como, o internacional. Nesse sentido, as dinâmicas
sociais dessa periferia terminam sendo observadas por distintos atores do sistema
internacional, algo que reverbera em outro momento de inserção internacional deste lugar.
Nesse sentido, interessa-nos, aqui, observar, pontuar, mapear e cartografar experiências dessa
natureza que terminam nos indicando a ampliação dos processos de administração política
desse município da periferia nordestina, uma periferia que se constitui periferia nacional (e
internacional), mas ao mesmo tempo, uma periferia que se comporta e é um ator central, seja
do agreste alagoano, seja do próprio estado de Alagoas.
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Cumprida essa etapa, buscamos no segundo momento traçar roteiros exploratórios a fim
de investigar itinerários do internacional que se perfazem em Arapiraca. Justamente após o
reconhecimento prévio destes roteiros, a equipe de trabalho se lançou a campo com o fito de
ampliar o rol de informações acerca das trilhas em questão. Assim, para a coleta de dados
foram realizadas entrevistas junto a personagens chaves, tais como: funcionários públicos da
prefeitura de Arapiraca, empresários, funcionários de empresas multinacionais, funcionários
de empresas locais com atividades comerciais de importação e exportação, agentes de ONGs
transnacionais, enfim, uma gama de atores que se nos apresentaram no curso do projeto.
O condomínio do internacional que passa a ser forjado no pós-guerra e nos chega até os
dias de hoje paulatinamente vai sendo habitado por múltiplos atores que passam a ter algum
poder de gerencia na condução do sistema (BADIE, 2000). Nesse movimento, a formulação
da agenda pública internacional (e, portanto, a sua administração política), tem sofrido
significativos processos de modificação dos seus costumes, procedimentos de deliberação e
tomada de decisão.
Fraser (2007) argumenta que, embora o uso da expressão esfera pública seja utilizada
por uma série de campos do conhecimento, algo que leva a crer ser um termo intuído pela
realidade social, a expressão, na sua origem está intimamente ligada aos estudos da teoria
política da democracia. Neles, a esfera pública é concebida como espaço comunicativo de
geração da opinião pública como uma força política. Nesse sentido, na esfera pública estão
contidas duas ideias que a completam, quais sejam, legitimidade normativa dos que fazem
parte da opinião pública e a eficácia política do poder comunicativo a fim de poder se exigir a
ação de algum ente soberano.
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À luz do binômio, legitimidade normativa e eficácia política, Fraser (2007) traz à baila a
necessidade de se discutir a noção de esfera pública não somente nos espaços nacionais (algo
que a teoria da democracia já o fizera, sobretudo em Habermas) mas, também, na arena
transnacional, espaço no qual ainda são muito pouco definidos os elementos que compõe esse
binômio. É justamente a partir da crítica ao modelo de democracia deliberativa habermasiana
que Fraser (2007) advoga a necessidade de novas conformações teóricas para a compreensão
do fenômeno da esfera pública no âmbito transnacional. Essa crítica decorre, sobretudo,
porque, se em Habermas (1989, 1998) a ideia de opinião pública estava adstrita aos Estados
nacionais, na esfera pública transnacionalizada a opinião pública deve ser problematizada à
luz dos elementos que compõem a constelação pós-Westfaliana.
Badie (2010), por sua vez, ao refletir sobre os comportamentos sociais que forjam a
opinião pública no cenário contemporâneo, sugere que os mesmos sofrem as consequências
de uma série de elementos que integram a cena do internacional. Dentre esses elementos,
pontuam-se: a globalização das comunicações e as desigualdades que decorrem dela, o déficit
quanto ao acesso às informações, os processos de dependência e independência das mídias
(que terminam por criar impressões, versões e verdades acerca das realidades), enfim, a
miríade de novos elementos contemporâneos que norteiam a constelação pós-Westfaliana.
São justamente essas questões contemporâneas que para Fraser (2007) terminam por
transbordar as fronteiras e quando assim o fazem, reivindicam um alcance da esfera pública
maior do que a teoria tradicional circunscreve. Assim, no rol dessas problematizações acerca
dessa esfera pública transnacionalizada, tanto Fraser (2007) como Badie (2010) estarão muito
mais preocupados em sugerir inquietações do que oferecer respostas.
Fraser (2007) identifica duas correntes que contrastam entre si: a primeira, que defende
a ideia de que essa é uma nova questão trazida pela globalização tardia do século XX, razão
pela qual, a teoria clássica focada no sistema Westfaliano foi pertinente para a compreensão
do fenômeno da esfera pública; a segunda, ao contrário, que defende que o caráter
transnacionalizado remonta as origens do sistema interestatal no século XVII (as campanhas
abolicionistas, os movimentos sociais trabalhistas, etc.), modelo o qual sempre negligenciou o
poder da opinião pública, enquanto arena da política. Nesse sentido, para a autora, ambas tem
méritos, todavia, também guardam em si, lacunas.
Assim, a grande questão lançada pela autora é se (e de que maneira) a esfera pública
conseguirá manter a performance das funções políticas da democracia com as quais
historicamente ela está associada. Poderá a esfera pública transnacional gerar opiniões
públicas legítimas e eficazes diante desses mix de poderes transnacionais públicos e privados
que não são nem identificáveis nem contabilizáveis? Diante dessa interrogante, Fraser lança a
responsabilidade para a legitimidade normativa (inclusão e participação paritária) e a eficácia
política da opinião pública (tradução em normas e poder administrativo e capacidade de
cumprimento do design forjado). São justamente nos desdobramentos dessas duas categorias
da literatura clássica westfaliana que a autora julga residir as respostas para o ambiente que
não seja mais exclusivamente nacional.
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Badie (2010), por sua vez, no plano da legitimidade, advoga que a interação dos atores
sociais que compõem o internacional junto aos espaços de autonomia gerados pela
complexidade decorrente do multilateralismo termina por reverberar na formação de duas
modalidades de opinião pública, quais sejam: a opinião pública internacional (OPI) e a
opinião pública sobre o internacional (OPSI). Em cada uma dessas esferas, tipos distintos de
demandas e expectativas que se esperam dos atores. Nesse sentido, se por um lado as
diplomacias oficiais passam a buscar o apoio dessa opinião pela via da publicidade dos seus
atos meritórios, por outro, essa ação pública termina por facilitar a emergência de novos
empreendedores da ação internacional que terminam por disputar os espaços até então
restritos aos Estados.
Já no que concerne ao plano da eficácia real da opinião pública, Badie (2010) aponta
três posturas que dão conta desse alcance, quais sejam: a) No plano interno, nenhum governo
pode ser insensível a sua opinião pública, seja ela OPI ou OPSI, sobretudo quando essas
atingem certo limiar que o autor não precisa; b) A OPSI não dialoga somente com o governo
nacional, ela é capaz de criar redes de articulação, forjando assim uma convergência
transnacional de ideários; c) O papel de monitoramento desempenhado pelas OPI termina por
criar uma verdadeira coalizão transnacional em prol de determinada agenda de trabalho.
Contrariando a ideia de uma esfera pública transnacional, autores ligados à teoria crítica
advogam a tese de que é um equívoco defender a ideia de que no mundo contemporâneo já
vige uma esfera pública mundial. Nesse sentido, Costa (2003) sugere que, muito embora para
os democratas cosmopolitas a existência de uma sociedade civil global ganhe plausibilidade
empírica, sobretudo, por conta, das novas formas de ação pública dos atores não
governamentais na cena internacional, compará-la às sociedades civis nacionais não lhe
parece apropriado. Aos olhos do referido autor, muito embora do ponto de vista político, a
sociedade civil global consiga atuar ofensivamente pela concretização normativa dos anseios
sociais, do ponto de vista defensivo, falta-lhe a dimensão cultural, ou seja, o lócus de
formação da opinião pública, algo que o faz ancorada na vida real.
É justamente essa distância física entre a sociedade civil global e a vivência cotidiana do
mundo do real que, segundo Costa (2003) reside a fragilidade dessa noção cunhada pelos
partidários da democracia cosmopolita. Nesse sentido, a vivência e a mobilização
transnacional dos atores não governamentais que compõem a referida sociedade civil global
não se dá pela totalidade, mas, tão somente, pela vivência de redes temáticas fragmentadas,
algo que termina ocorrendo a partir de espaços comunicativos transnacionais segmentados.
Seguindo esse raciocínio, Costa (2003) argumenta que a referida opinião pública
internacional, na verdade, não passa de um grupo fechado de atores não governamentais
privilegiados que se constituem a elite internacionalizada dos seus respectivos Estados. Os
debates que são travados nos fóruns internacionais e as suas diretrizes não são representativas
da opinião pública real, haja vista que o modo como essas informações chegam aos Estados e
as comunidades locais representadas dependem do modo como se dá a publicização e
deliberação dessas agendas, algo que, via de regra, precariza enormemente a noção de
democracia participativa.
Em que pese o caráter globalizado ou não das sociedades civis que forjam o exercício
cotidiano da esfera pública transnacional, sobretudo nos tempos hodiernos em que tantos
atores não governamentais habitam esse espaço de emulações e confabulações políticas, a
existência de uma opinião pública qualificada oriunda das periferias teriam a função de tentar,
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no âmbito das suas competências, praticar as mediações possíveis entre as suas políticas de
interesses e o olhar cada vez mais observador dessa opinião pública em todas as suas
dimensões (OPI e OPSI). É justamente esse exercício de formação e confabulação de uma
opinião pública do internacional e sobre o internacional que ajudará as periferias a ampliarem
o escopo de alcance de suas respectivas administrações políticas. Ao olhar o internacional,
opiniões públicas qualificadas abrigarão no seu rol de análises e de ações o negligenciado
enclave do internacional.
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Em que pese a opinião pública local defender a tese de que o declínio da cultura
fumageira do agreste ser decorrente da perda de qualidade do fumo arapiraquense perante os
concorrentes nacionais e internacionais pela ausência de financiamentos para melhora das
mudas, compra de equipamentos agrícolas e melhor cultivo do solo, a verdade é que com o
endurecimento das leis antitabaco no Brasil e no mundo, o fumo perdeu a sua era de ouro. Em
que pese o Brasil ainda seja o maior exportador de fumo do mundo, com 27% do produto
mundial exportado, os Estados importadoresi de tabaco vão paulatinamente deixando de
importar do Brasil, dando preferência a países da Ásia e África, uma feita que nesses Estados
ainda inexista aparatos regulatórios tão rígidos como os encontrados aqui no Brasil.
Nesse sentido, embora periférico, o Estado de Alagoas continua contribuindo para esse
indicador contando com 235 empresas em plena atividade comercial, autorizadas para
importar e exportar. Seguindo essa trajetória, Arapiraca conta com uma série de empresas no
seu entorno ligadas ao segmento alimentício cujas suas atividades estão intimamente ligadas
ao comercio exterior, sobretudo, no que concerne à importação de produtos industrializados.
Nesse sentido, destacam-se os grupos Asa Branca Industrial Comercial e Importadora,
Mafrios, Distribuidora e Importadora LTDA e o Grupo Coringa, todos, ligados ao
beneficiamento de produtos alimentícios e o comércio dos mesmos em escala nacional.
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A inclusão de Arapiraca nesse projeto se deve ao fato de que a mesma, em que pese sua
centralidade no agreste, ainda apresenta um dos piores indicadores sociais do estado nos
quesitos de violência, pobreza, distribuição de renda, saúde pública, dentre outros. Seguindo
a lógica verticalizada, os repasses do investimento para Arapiraca são feitos pelas Secretarias
de Estado, mais precisamente a partir da SEPLANDE – Secretaria de Estado do Planejamento
e do Desenvolvimento Econômico, que, por sua vez, constitui a agência de execução da
totalidade do projeto. Nesse sentido, o PREPI em Arapiraca veio com a promessa de
implantação de sistemas de informações e análise de dados estatísticos com processamento e
geo-referenciamento de dados para melhor ação da municipalidade nos temas afetos.
Segundo relatos de personagens chaves, alguns resultados foram alcançados até então
com a implementação do Projeto de Redução da Pobreza e Incentivo Produtivo na cidade de
Arapiraca. No que concerne à saúde, o Hospital Regional de Arapiraca (também denominada
de Santa Casa Nossa Senhora do Bom Conselho) agora funciona como descentralizador dos
casos de gestantes e crianças com riscos de vida. A UTI materno-infantil do referido hospital
foi ampliada a fim de atender a demanda da região e desafogar a procura desse serviço na
capital. No que diz respeito à educação, os relatos narram que o recurso do PREPI
contemplou duas escolas estaduais situadas na cidade, quais sejam, a Escola Estadual Aurino
Maciel, onde estão sendo aplicados investimentos para a promoção do EJA – Educação de
Jovens e Adultos, que permite a inclusão de alunos de todas as idades no programa de
educação continuada; e a Escola Estadual Senador Rui Palmeira, na qual foi implantado o
ensino de tempo integral, o que, sem dúvidas, galgará resultados positivos no
desenvolvimento do alunado dessas duas instituições.
Relatos também apontam que recursos do PREPI foram (e são) utilizados para a
promoção da inclusão produtiva em Arapiraca. Sendo considerada como o maior polo de
compra da agricultura familiar do Brasil, o município obteve apoio do PAPL – Programa de
Arranjos Produtivos Locais na produção e comercialização de mandioca e do PAA –
Programa de Aquisição de Alimentos e comercialização da farinha embalada para
supermercados, onde a associação de mulheres responsável pela embalagem dos produtos,
recebe incentivos do PREPI. Os relatos apontam, também, que a Associação das Mulheres
Produtoras de Broas e Outros Produtos (Assoprobroas), na comunidade Taboquinha, distrito
de Arapiraca, também recebe investimentos do PREPI no que se refere ao incentivo produtivo
e da agricultura familiar.
De um modo geral, os relatos parecem confundir os limites do que é beneficiamento
propriamente oriundo o PREPI e os programas federais de redução à pobreza que fizeram
parte do passado recente nacional. Isso em alguma medida lança pistas para pensarmos as
apropriações políticas utilitárias e oportunistas da confusão que se faz entre um programa de
governo, a agenda global e os programas federais.
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
Seguindo a mesma linha das redes de proteção, os diálogos entre Arapiraca e o PNUD
se deram por conta dos objetivos do milênio (ODM). No caso arapiraquense dentre os 8
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, segundo o Relatório Dinâmico de Indicadores
(2014), teve como percentual de alcance no município os seguintes resultados: meta 1 (reduzir
pela metade, até 2015, a proporção da população com renda abaixo da linha da pobreza), de
2000 a 2010, foi alcançada 85,7%; meta 2 (reduzir pela metade, até 2015 a proporção da
população que sofre de fome), de 1999 a 2013, foi alcançada 182,9%; meta 3 (garantir que,
até 2015, todas as crianças terminem o ensino fundamental), em 2010, foi alcançada 47,5%;
meta 4 (eliminar as disparidades entre os sexos no ensino fundamental e médio até 2015), em
2010, foi alcançada 92%; meta 5 (reduzir em dois terços, até 2015 a mortalidade de crianças
menores de 5 anos), de 1995 a 2012, foi alcançada 74,3%; meta 6 (reduzir em três quartos, até
2015, a taxa de mortalidade materna) de 1996 a 2012 não foi alcançada; meta 7 (até 2015 ter
detido e começado a reverter a propagação do HIV/AIDS) de 2010 a 2012 também não foi
alcançada; meta 8 (até 2015, ter detido e começado a reverter a propagação da malária e de
outras doenças), de 2001 a 2011, também não foi atingida; meta 10 (reduzir à metade, até
2015, a proporção da população sem acesso sustentável a água potável segura), de 1991 a
2010, foi alcançada 37,9% e a meta 11 (reduzir pela metade, até 2015, a proporção da
população sem acesso a saneamento e serviços essenciais), de 1991 a 2010, foi alcançada
97,9%.
Por fim, dentre essas agendas da governança global, no que concerne ao aspecto
ambiental, Arapiraca desenvolveu e formalizou uma agenda 21. Agenda 21 é justamente um
documento ético no qual a sociedade de dada localidade pactua o compromisso em prol da
sustentabilidade. Criada durante a conferência RIO-92 no âmbito das Nações Unidas, a
agenda 21 se difundiu pelo mundo, se constituindo em uma verdadeira estratégia de difusão
de valores da sustentabilidade do planeta, em todas as escalas imagináveis.
Arapiraca foi a única cidade que formalizou uma agenda 21 no Estado de Alagoas. Ela
teve seu marco histórico em 2004 quando foi aprovado o convênio entre o Ministério do Meio
Ambiente e a prefeitura, momento em que teve início a formulação de uma Agenda Local.
Nesse sentido, o objetivo principal da agenda arapiraquense é promover o desenvolvimento
sustentável, a fim de melhorar a qualidade de vida da cidade no futuro, adotando para tal,
iniciativas sociais, econômicas e ambientais, se constituindo assim em uma verdadeira política
pública de desenvolvimento local, mas de cunho universal.
Por fim, uma terceira tendência do internacional observado em Arapiraca foi justamente
a solidariedade transnacional. Existem em Arapiraca as pegadas da cooperação internacional
para o desenvolvimento, muito dela centrada na ajuda solidária de atores do norte aos grandes
dramas do sul. Dentre os casos observados, destacamos três exemplos significativos dessa
solidariedade, quais sejam, os trabalhos desenvolvidos pela Caritas Internacional, pela ONG
Visão Mundial e as bibliotecas públicas Arapiraquinhas patrocinadas pela fundação Bill
Gattes e Melinda Gattes.
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
Por fim, outra ação solidária transnacional observada é justamente o apoio da fundação
Bill Gates e Melinda Gattes ao projeto municipal de bibliotecas públicas digitais e físicas nos
bairros da cidade, as denominadas “Arapiraquinhas”. Fruto da parceria com a Fundação
Biblioteca Nacional e o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas, as Arapiraquinhas
constitui-se em um projeto piloto do programa Global Libraries, que atua na criação e
ampliação das bibliotecas digitais públicas em zonas de vulnerabilidade social focando no
desenvolvimento pessoal e na inserção do cidadão ao mundo digital. O Global Libraries é
justamente uma iniciativa da Fundação Bill Gates e Melinda Gates.
Pensar uma cartografia do internacional no agreste alagoano, por certo, nos ajuda a
refletir o quanto a esfera internacional é capaz de influir nos processos locais, ainda quando
esse local venha a ser uma periferia como é o caso de Arapiraca. Nesse sentido, a formação de
quadros da administração e da administração pública que consigam ser sensíveis ao manejo
do internacional, por certo é um atributo capaz de qualificar nossas periferias à ponto de
permitir que essas ampliem o espectro da sua administração política. Esse, em verdade, é o
grande sentido de pesquisas dessa natureza, fazer o local perceber o quanto os seus processos
de desenvolvimento são influenciados por outras escalas de produção de ideários, políticas,
fluxos, regulações, economias, práticas e territorialidades.
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
analisar as minúcias desse cenário, mas, também, de conduzir esses processos na esfera
pública de modo estratégico e benéfico para o local.
Voltando-nos as trilhas que se nos apresentaram, o quadro sugere que se por um lado a
queda do fumo retira Arapiraca da evidência midiática do internacional, por outro, o mundo
da globalização a insere no rol das políticas públicas transnacionais de cunho social. Nesse
sentido, o ciclo de riqueza do tabaco, bem como os seus substitutos mercantis foram
incapazes de trazer para o local os benefícios sociais mínimos que garantissem a dignidade de
grupos vulnerabilizados. Muito pouco são os retornos sociais que as industrias remanescentes
do tabaco e os grupos de industrias de alimento revertem para a cidade, donde os discursos da
responsabilidade social sequer são trazidos nos seus planos de marketing.
Por outra via, o fato de Arapiraca ter aderido às principais agendas da governança
mundial não significam, contudo, que os dramas sociais foram vencidos. As metas não
cumpridas dos objetivos do milênio são uma prova dessas limitações ainda tão presentes no
cenário arapiraquense. Por outra via, em que pese o agreste ainda figurar na orbita das
solidariedades transnacionais, ajudas dessa natureza são pontuais, emergenciais e não
substituem planos de desenvolvimento estruturais e estruturantes que só podem advir do
Estado, em si. Diante de tal, não basta a boa vontade para transformar, uma administração
politica eficaz e eficiente se faz necessária.
JUNIOR, L.C.C; BINOTTO, P.A; PEREIRA, J.G.S. Cadeia produtiva de fumo. Disponível em
<http://novosite.fepese.org.br/portaldeeconomia-
sc/arquivos/links/alimentos_agronegocio/2005%20CPR%20Fumo.pdf> Acesso em Junho de
2015.
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MILANI, Carlos R.S., LANIADO, Ruthy Nadia. ESPAÇO MUNDIAL E ORDEM POLÍTICA
CONTEMPORÂNEA: uma agenda de pesquisa para um novo sentido da internacionalização.
CADERNO CRH, Salvador, v. 19, n. 48, p. 479-498, Set./Dez. 2006.
i
Os principais países importadores são: Bélgica (17%), China (13%), Estados Unidos (9%), Alemanha
(6%), Rússia (6%), Holanda (5%), e Indonésia (5%) (SINDITABACO, 2014).
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RESUMO
ABSTRACT
This present article is the result of investigation about the evolution of public administration in
Brazil between the governments of Getulio Vargas and Fernando Henrique Cardoso. The
objective is to characterize the reforms on the state apparatus and analyze the imbrication
between the bureaucratic, patrimonialist and management models of administration in the
covered period. This is a bibliographic review, in which are used authors who discuss public
management, and specifically, Its reform at the national level, such as Torres (2004), Souza
Filho (2011) and Bresser Pereira (2005), and the aforementioned models. It is understood that
the public administration in the period since 1930 to the end of the military regime, was
organized to operationalize the expansion and consolidation of capitalism, in its monopoly
stage, from the "nature" peripheral, dependent and associated of the national industrialization.
Therefore, we can infer that, in the analyzed period, the administrative order was founded in
the articulation of interests of the traditional agrarian sectors and industrial bourgeoisie. It is
noted that such reform constitutes a counter-attack to the 1988 Constitution, as it proposes a
minimum state to the social area, recently integrated in the Magna Letter.
1 INTRODUÇÃO
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O que, todavia, não significa o fim do patrimonialismo no Brasil, uma vez que nos altos
escalões da administração pública prevalecia o modelo burocrático weberiano – vide Itamaraty
–, enquanto na área das políticas públicas de saúde, educação e segurança, permaneciam as
práticas clientelistas (TORRES, 2004).Tal processo configura a contradição característica do
desenvolvimento da administração pública brasileira, a qual se “consolida a partir de uma
espinha dorsal que combina patrimonialismo e burocracia” (SOUZA FILHO, 2011, p. 81).
Essa modernização na administração pública brasileira, introduzida “a ferro e fogo”, só
foi possível graças aos mecanismos de coerção disponibilizados pelo regime autoritário de
Vargas, que se fortaleceu neste processo, unindo o “útil ao agradável”, conforme Torres (2004),
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os interesses privados dos setores sociais mais fortes e organizados eram defendidos
e alcançados através do relacionamento com os poderosos burocratas que
comandavam soberanamente grandes instituições públicas que distribuíam recursos
financeiros, subsídios e benesses sem controle social ou político. Dessa maneira, a
aliança entre a alta administração e a classe empresarial potencializada e favorecida
pelo insulamento burocrático possibilitou um canal privilegiado de acesso ao Estado,
condizente com a herança patrimonialista que até hoje se mostra incrivelmente
resistente (p.159).
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Dessa forma, o governo Collor partiu para o campo das ações contra o serviço público,
ao desarticular e desagregar a administração pública, o que, por fim, “intensificou e aprofundou
o processo de perda de capacidade gerencial para formulação, planejamento, execução e
fiscalização de políticas públicas” (TORRES, 2004, p. 170).
Anterior à “Reforma”, ao final da década de 1980 havia o consenso de que a forma como
o Brasil estava inserido na dinâmica capitalista mundial se tornava insustentável, carecendo
mudanças na condução da política econômica, na estruturação produtiva e implementar uma
profunda “reforma” do Estado. A inflação astronômica, níveis altíssimos de desemprego ou
trabalho informal eram elementos concretos que forçavam o Estado a escolher que caminho
seguir: democracia de massa ou liberal-corporativismo (SOUZA FILHO, 2011).
Para se analisar a gestão pública no Brasil na década de 1990, deve-se compreender a
conjuntura das duas décadas anteriores, bem como, neste trabalho, a interpretação de Souza
Filho (2011) e Bresser Pereira (2005) sobre este processo e seus rebatimentos na gestão pública
brasileira.
Conforme Marinho (2010) a crise dos anos 1970 pode ser caracterizada por uma crise
monetária e energética, uma vez que a superprodução norte-americana, no contexto de produção
fordista-taylorista do Estado de bem-estar e sua impossibilidade de sustentar o alto valor do
dólar – ainda equiparado ao ouro, conforme acordo de Bretton Woods –, o que dificultaria as
exportações do país, levou os Estados Unidos a decidirem pelo fim da conversibilidade dólar-
ouro, o que resultou em uma crise monetária. A questão energética pode ser explicada a partir
do contexto de criação da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), na qual os
países membros, principais produtores de petróleo do mundo, buscaram regular o preço do
combustível, porém se envolveram em crises geopolíticas, o que afetou a oferta do óleo bruto,
ocasionando o primeiro choque do petróleo, consequência do déficit de oferta do combustível
relacionada a crises geopolíticas a partir da criação da OPEP. Souza Filho (2011) complementa
essa discussão a respeito da crise ao apresentar que países como o Japão e Alemanha,
importadores de petróleo e exportadores de bens de capital, para controlarem suas balanças
comerciais, sentem-se forçados a elevarem os preços dos bens de capital, uma vez que seria
preciso fazer frente ao aumento do valor do barril de petróleo.
O Brasil nesse contexto, importador tanto de petróleo quanto de bens de capital, haja
vista seu processo de industrialização no período do “milagre econômico”, sofreu duplamente
os efeitos da crise, se endividando para garantir o fomento à indústria e os níveis de emprego.
Quanto à concentração de renda que houve no período, esta pode ser explicada pelo fato de a
indústria ter mantido a taxa de exploração dos trabalhadores para expansão monopólica, uma
vez que para seguir em expansão no contexto da crise, os salários “não puderam” ser elevados
(SOUZA FILHO, 2011).
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
O que revela que esta ofensiva neoliberal preconiza um Estado mínimo para o social e
máximo para o capital.
No entanto, no Brasil na década de 1980, o que ocorre é o fortalecimento da sociedade
civil e da democracia a partir da ampliação das lutas sociais. Portanto, com o advento da “Nova
República”, o país se apresenta na contramão da conjuntura internacional, uma vez que o
contexto é “de instabilidade e crises econômicas advindas do esgotamento do próprio modelo
de desenvolvimento brasileiro, aliado às sucessivas crises pela qual passava o sistema mundial
capitalista, num cenário de fortalecimento das forças democráticas” (SOUZA FILHO, 2011, p.
154).
Nesse sentido, a Constituição de 1988, além do âmbito das políticas públicas, também
buscou organizar a administração pública através, conforme Souza Filho (2011), do
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primeira vez no Brasil, uma interferência mais substantiva das camadas populares na
estrutura de dominação do país, apesar de não ter tido influência para fragilizar a
coalisão das classes dominantes, de forma a reordenar o projeto de sociedade numa
direção mais clara para a universalização e o aprofundamento de direitos, “social-
democrata” ou para um projeto de desenvolvimento fundado em “quatro pés”. Assim,
a coalizão de classes na estrutura de dominação do país ainda preservava a aliança
fundamental entre a burguesia nacional associada e dependente e os velhos setores
tradicionais, preservando, dessa forma, os traços conservador, patrimonialista e
autoritário de nossa história. Porém, essa coalizão dominante não pôde, nesse período,
agir desconsiderando as demandas e as forças democráticas da sociedade. As
ambiguidades da “Nova República”, manifestadas no texto constitucional, entre uma
ordem social e administrativa democrática, nos diagnósticos precisos, do ponto de
vista democrático, sobre a estrutura das políticas sociais e da administração pública,
e as ações pífias ou mesmo conservadoras nessas áreas e a resistência à
implementação do modelo neoliberal, demonstram a crise de hegemonia existente no
período e a influência que os setores democrático-populares tiveram sobre a definição
das diretrizes do novo projeto nacional que se encontrava em construção (p.162-163).
Nesse período, pode ser observado que a aprovação de leis complementares à CF88 –
Lei Orgânica da Assistência Social, Lei Orgânica da Saúde e Estatuto da Criança e do
Adolescente – se encontrava na contramão da postura do governo e dos setores dominantes da
economia, uma vez que estas leis se enquadram no paradigma de construção do Estado de bem-
estar, provedor da universalização dos direitos sociais. A isto se alia a existência dos conselhos
deliberativos de políticas públicas, os quais permitem maior controle social das definições do
Estado.
Fato que não se pode perder de vista, é que com o fortalecimento da burocracia no
Estado, há o movimento de ética na política e, nesse período, o caso de corrupção do governo
levou ao impeachment do presidente Collor.
Após o impeachment do governo de Fernando Collor de Melo, assume Itamar Franco,
o qual insere Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda. FHC leva a cabo o Plano
Real, o qual é bem-sucedido no controle da inflação, elevando o poder de compra do brasileiro,
face também ao câmbio 1 Real por 1 Dólar.
O então ministro da Fazenda Fernando Henrique, oriundo do PSDB, partido recente que
reunia intelectuais liberais com vistas à social-democracia, é lançado à presidência em uma
coligação que englobava o PFL, partido que representava as oligarquias nacionais, fato que
Fiori (apud SOUZA FILHO, 2011, p. 168) chama de
Nesse sentido, merece destaque o plano que se tornou orientação da política econômica
do então governo, o Consenso de Washington que, de acordo com Fiori (apud SOUZA FILHO,
2011), se constitui em um
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na economia clássica. Nesta perspectiva, ganha fundamento teórico o Estado mínimo, com suas
privatizações e diminuição de gastos públicos para se evitar o comportamento “rent-seeking”,
refletindo na área social a valorização do mercado e redução do Estado.
Montaño (apud SOUZA FILHO, 2011) explica a influência dessa teoria ao apresentar
que o neoliberalismo desdobra-se em três dimensões articuladas: a ofensiva sobre o trabalho, a
reestruturação produtiva e a reforma do Estado; partindo da lógica democrática em direção à
lógica do mercado – liberar, desimpedir e desregulamentar a acumulação de capital. Portanto,
observa-se que a reforma econômica, fiscal, previdenciária e administrativa do Estado está
subordinada ao projeto político hegemônico.
Conforme Souza Filho (2011), a burocracia é útil e fundamental à organização do
capitalismo, porém, em certa medida, pode gerar alguns entraves ao seu pleno desenvolvimento,
a exemplo dos servidores públicos, que podem constituir movimentos de resistência, nos níveis
intermediários da administração burocrática, ao projeto dominante. Portanto, no contexto da
“reforma” neoliberal, ganha força a utilização de servidores contratados que possuem certo
nível de competência e são leais ao empregador devido ao risco de se perder o emprego,
caracterizando assim, um “pacto de fidelidade”.
Apoiado em Souza Filho (2011), pode-se afirmar que a burocracia em si não é um
modelo de gestão – e sim de dominação –, mas os modelos de gestão utilizam o elemento do
tipo ideal, “burocracia”. Não há gestão ou organização “pós-burocrática”, o que há é uma
flexibilização da burocracia para melhor se adaptar às necessidades momentâneas do capital.
Souza Filho esclarece muito bem essa questão ao elucidar que
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Desse modo, Souza Filho (2011) discorda de Bresser Pereira (2005), uma vez que este
último, no contexto da particularidade brasileira da proposta de contrarreforma da
administração pública, implementada de fato pelo mesmo, quando ministro da administração e
reforma do Estado no governo FHC, nega a vinculação da reestruturação com o gerencialismo
neoliberal. Souza Filho (2011), então, busca mostrar a proximidade do Plano Diretor da
Reforma Administrativa do Estado e a perspectiva neoliberal a partir de três dimensões:
política, teórica e institucional.
Dessa maneira, para Souza Filho (2011), essa acepção reducionista de Bresser sobre
burocracia não passa de uma má compreensão, a qual coloca burocracia e gerencialismo no
mesmo patamar de modelos administrativos e retira do setor privado qualquer relação com a
burocracia, como se esta fosse coisa pública.
Peter Evans (apud SOUZA FILHO, 2011) nos apoia na crítica à compreensão de Bresser
Pereira, visto afirmar que os problemas dos Estados subdesenvolvidos não são a burocracia,
mas a falta ou má utilização desta, como no caso do Brasil, especificamente, com seus excessos
de cargos de confianças, o que foge à contratação meritocrática e impessoal, e a manutenção da
relação do Estado com as oligarquias agrárias.
Portanto, Bresser, que afirmava se afastar da concepção neoliberal, se mostra bem
fundamentado conforme a teoria da escolha pública, uma vez que supõe que o Estado cresce
por conta própria e por interesses próprios – dos servidores públicos e seus interesses pessoais
– numa clara adesão ao rent-seeking.
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que vem dificultar “novas modalidades de privatização do Estado” (p. 29), ou o rent-seeking
burocrático.
A explicação para a defesa dessa transformação na administração pública segue a
tendência da nova administração pública operada por alguns países centrais, tais como Reino
Unido, Nova Zelândia, Austrália etc., caracterizada, segundo Bresser Pereira, pela
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Para tanto será preciso extinguir as atuais entidades e substitui-las por fundações
públicas de direito privado criadas por pessoa física [para que não sejam consideradas
entidades estatais][...]. As novas entidades receberão, por cessão de uso precária, os
bens da extinta. Os servidores da entidade transformar-se-ão em uma categoria em
extinção e ficarão à disposição da nova entidade. O orçamento da organização social
será global; a contratação de novos empregados, pelo regime da Consolidação das
Leis do Trabalho; as compras deverão estar subordinadas aos princípios da licitação
pública, mas poderão ter regime próprio. O controle dos recursos estatais postos à
disposição da organização social dar-se-á através do contrato de gestão, estando
também submetido à supervisão do órgão de controle interno e do Tribunal de Contas
(BRESSER PEREIRA, 2005, p.264)
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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BIBLIOGRAFIA
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SOUZA FILHO, Rodrigo de. Gestão pública e democracia: a burocracia em questão. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2011.
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Resumo
Este ensaio tem como objetivo refletir sobre as condições de manutenção da democracia
burguesa pensando de que maneira seus limites convergem com possibilidades para o avanço
da luta revolucionária e a construção de uma democracia proletária. O presente ensaio teórico
está dividido em duas partes, na primeira discutimos como democracia em sua forma
burguesa, apesar de representar um avanço da participação social durante o desenvolvimento
e consolidação do Estado capitalista-burguês, tem suas limitações intrínsecas a essa forma
política capitalista de Estado. Na segunda parte do presente ensaio refletimos sobre como as
alternativas democráticas de socialização políticas estão ligadas à consolidação de uma
democracia proletária e a superação da democracia burguesa, uma superação da forma de
operar, mas que mantém e evolui a participação social emergida com essa forma política. Por
fim concluiu-se que uma nova prerrogativa tecnológica de base material se apresenta na
contemporaneidade, representando a possibilidade de novas perspectivas de ordem material
para a socialização política.
Introdução
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sustenta” (p.24), o autor chama atenção assim ao papel representado pela democracia
burguesa no avanço do Estado capitalista.
Este ensaio tem como objetivo refletir sobre as condições de manutenção da
democracia burguesa pensando de que maneira seus limites convergem com possibilidades
para o avanço da luta revolucionária e a construção de uma democracia proletária. Uma
hipótese levantada e defendida é a de que na contemporaneidade diante dos limites da
democracia burguesa, diferente de outras épocas, se apresenta um novo panorama material de
progresso eletrônico sobretudo da microeletrônica e da informática, tal fato apresenta novas
prerrogativas e alternativas para a superação da democracia burguesa e traz uma base material
para a construção de uma democracia proletária e também na garantia de mecanismos que
possam garantir a participação social. Outra hipótese é de que esse avanço tecnológico
material tem representado uma contradição para a manutenção da democracia burguesa uma
vez que a mesma tem se sustentado em estreita relação com o lobby.
Para tanto o presente ensaio está dividido em duas partes, na primeira apontamos que a
democracia em sua forma burguesa, apesar de representar um avanço da participação social
durante o desenvolvimento e consolidação do Estado capitalista-burguês1, tem suas limitações
intrínsecas a essa forma política capitalista de Estado, para tanto também procuraremos trazer
a contribuições de autores marxistas sobre o tema “Estado capitalista, democracia e
socialismo”. Apesar desses avanços proporcionados pela democracia burguesa no desenvolver
do Estado capitalista e do sistema produtivo capitalista, as alternativas que apontam para uma
socialização da política estão longe de preservar sua forma política burguesa (via indireta e
por representação), pois vem se contradizendo com o desenvolvimento material de base
tecnológica (avanço tecnológico) que tem despertado a possibilidade em se criar condições
materiais capazes de sustentar uma democracia direta. E na segunda parte do presente ensaio
refletimos sobre como as alternativas democráticas de socialização políticas estão ligadas à
consolidação de uma democracia proletária e a superação da democracia burguesa, uma
superação da forma de operar, mas que mantém e evolui a participação social emergida com
essa forma política. Por mais que a democracia burguesa represente a reprodução em certa
medida de um pensamento burguês na classe trabalhadora, a democracia proletária seria um
novo desafio para a manutenção do sistema capitalista, já apontamos que certamente a
democracia proletária culminaria em sérias contradições com o capitalismo, pois ambos
possuem contradições estruturais, que apontaremos ao longo do texto.
Quanto ao avanço material de base tecnológica propiciado pelo capitalismo que
tratamos na segunda parte, este está ligado, sobretudo, a atual revolução da informática, no
sentido que aponta para um horizonte onde novas formas de democracia (enfoque nosso será
na proletária) se apresentam com a possibilidade de se realizar de uma maneira direta, ou seja,
o povo dirigindo as ações2.
A forma política do Estado capitalista concebeu-se para que as tensões sociais fossem
apartadas e, por conseguinte, que o sistema produtivo se movimente com o mínimo de
estabilidade. Assim, o ferramental ideológico que se estabelece em torno do Estado também
tem uma concepção de classe e de manutenção da ordem social, a citar as ciências jurídicas,
principal teia de consolidação das normas burguesas institucionais. Sendo assim, definidas as
regras de funcionamento da máquina estatal, seu modus operandi abarca uma lógica de
dominação de classe, produzindo e reproduzindo contradições intrínsecas ao sistema
capitalista.
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Apontado isso, convém delimitar que a democracia burguesa, essa sim tem se
manifestado como intrínseca ao Estado capitalista-burguês. Martorano (2007, p. 38) aponta
que o termo “democracia burguesa” expressa a “forma política da dominação de classe da
burguesia com base na dominância das relações de produção capitalistas”, o autor ainda
exemplifica ao mostrar que “embora o parlamento seja formalmente aberto a todas as classes
e grupos sociais são as classes dominantes que sempre conseguem nele a aprovação de
medidas favoráveis aos seus interesses de conjunto”.
Quanto a democracia burguesa é importante ressaltar para evitar possíveis suposições,
que como apontou Saes (1998) “embora se constitua numa forma de organização do Estado
(de classe) burguês, a democracia burguesa é o resultado deformado de um processo de luta,
não correspondendo às intenções, nem de um, nem de outro dos agentes” (p. 161). Em outras
palavras isso significa esclarecer por um lado que a democracia burguesa não é uma produção
da classe capitalista (ainda que a beneficie diretamente) e sim fruto de um processo de
conflito social-político que contou até mesmo com participação do proletariado. Por outro
lado é por meio da democracia burguesa que a classe burguesa tenta convencer as classes
mais populares que “o povo representado no Estado é o meio adequado para a transformação
de uma sociedade de classes, fundada na exploração do trabalho alheio, numa democracia
sócio-econômica; e de que os direitos políticos constituem a condição de satisfação das suas
aspirações igualitárias” (SAES, 1998, p. 161).
Feito esses apontamentos, a democracia burguesa tem uma representação para a classe
proletária e para os partidos revolucionários no avanço da luta, além do mais porque trata da
realidade política concreta contemporânea. Cada realidade social-econômica tem
especificidades que determinam o direcionamento político tanto das classes proletárias como
dos partidos revolucionários. Marx (2012) comenta, por exemplo, que os programas operários
franceses sob Luís Filipe (governo monárquico) e Luís Napoleão (governo ditatorial
republicano), souberam “sabiamente, pois as condições exigem cautela” (p.44), reivindicar a
república democrática, pois ainda segundo Marx
“não se deveria recorrer ao truque, nem ‘honrado’ nem digno, de exigir coisas que
só têm sentido numa república democrática de um Estado que não é mais do que um
despotismo militar com armação burocrática e blindagem policial, enfeitado de
formas parlamentares, misturado com ingredientes feudais e, ao mesmo tempo, já
influenciado pela burguesia; e ainda por cima assegurar, a esse Estado, que se supõe
pode impor-lhes tais coisas ‘por meios legais’!” (p.44)
Saes (1998) chama atenção de que democratismo, apesar de seus limites explícitos à
luta revolucionária assim como apontou Marx, “nem por isso ele deve ser menosprezado pelo
proletariado revolucionariamente consequente, já que tem efeitos políticos positivos e
consideráveis sobre a sua própria luta revolucionária” (p.170). Em outras palavras, Saes
apresenta uma metáfora para se pensar o democratismo revolucionário na democracia
burguesa, pensemos
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
Esses apontamentos feitos por Marx nos remetem muito a atualidade, principalmente
se pensarmos o contexto político brasileiro atual6 tendo em vista os posicionamentos políticos
dos partidos revolucionários frente o impedimento da presidenta Dilma Rousseff. Aqui não
cabe analisar a tática de cada partido, nos interessa pegando a discussão proposta e de gancho
a situação política brasileira atual formular a seguinte questão: deveria o proletariado/partidos
revolucionários se posicionar pela manutenção da democracia burguesa?7
Não temos uma resposta definida para esta questão, contudo, ela nos permite algumas
reflexões propositivas. Saes (1998) aponta que o proletariado em sua própria organização
política, contribui para a manutenção da democracia burguesa
Diante disso para Saes (1998) a ação revolucionária do proletariado deve ser “legal-
revolucionária”8, pois na ação legal-revolucionária, se organiza a “reinvindicação
(=legitimação do Estado democrático-burguês) e a denúncia (=revelação do caráter de classe
do Estado democrático burguês)” (p.172), tendo em vista a realização do propósito final de
“destruição do aparelho de Estado burguês e da democracia burguesa, e de construção do
Estado proletário e da democracia de massas” (p.172).
Portanto, seria um equívoco imaginar que a democracia só se faria possível em um
determinado modo de produção, e que a democracia burguesa do Estado burguês é a forma
mais “consolidada” de democracia. O ponto-chave a ser pensar é que existe uma dinâmica de
governo que melhor se adéqua com a estrutura de produção. No caso da democracia burguesa,
por exemplo, ela permitiu com que as nações capitalistas dessem saltos significativos em
termos de adequação gestacional, mas hoje apresenta limitações que demonstram a sua não
compatibilidade integral com o atual sistema econômico9. Isto porquê a palavra de ordem do
capitalismo mundial se pauta no lobby, que nada mais é que a explicitação da defesa de
grandes interesses econômicos capitalistas.
Consequentemente, fica mais claro pensar na hipótese levantada para este ensaio de
que o capitalismo tem evidenciado cada vez mais as suas contradições e a manutenção da
democracia burguesa, dado a chegada de um limite de coexistência dela com o lobby – prática
241
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
pelo qual os grandes capitais controlam e gerenciam a tomada de decisões dos chefes de
Estado. Com isso, o fortalecimento da democracia direta-proletária estaria intrinsecamente
ligado ao socialismo, na medida em que quanto mais se fortalecesse as condições concretas de
participação direta do povo no Estado, enfraquecendo a democracia burguesa por
representação, mais os interesses do capital seriam suprimidos. Mais adiante trataremos das
mediações entre esses processos, pois não se trata de um movimento gradual e totalmente
lógico, mas que nos permitem pensar estratégias de ação.
Desta forma, o debate simplista em torno de capitalismo ou socialismo, democracia ou
ditadura, ganharia a forma de democracia por representação (burguesa) ou democracia direta
(proletária). Isto, de certa forma desvincularia a imagem do Estado socialista com o projeto
centralizado e de cúpula unipartidária. Até porque, naquele momento histórico, a URSS não
tinha condições materiais suficientes para construir um projeto socialista com moldes
democráticos efetivos. A grande questão é que com a nova etapa de produção mundial, onde
temos três grandes revoluções produtivas: robótica, eletrônica e computacional, há a
possibilidade material de todos os trabalhadores individualmente participarem das decisões
coletivas10, tanto no âmbito partidário como na gestão do Estado, aqui nos referimos
diretamente aos avanços tecnológicos.
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Hirsch, 2010, p. 291), e que uma vez estabelecidos e alcançados continuará a se desenvolver e
constituir novas formas.
Martorano (2011) conclui que “na transição socialista só existe socialização havendo
participação, e essa condiciona a sua própria realização enquanto primeira fase da sociedade
comunista” (p. 125), dessa forma para o autor a socialização e a participação são condições
que possuem um caráter orgânico, dado que passam a “ser a condição necessária para a
presença e o desenvolvimento do outro, ainda que cada um deles tenha uma dinâmica própria”
(p.125).
4. Conclusão
O socialismo não será apenas a socialização dos meios de produção, mas também a
socialização progressiva dos meios de governar. A própria revolução russa socializou os
meios de produção, mas não socializou os meios de governar. O estágio de avanço material de
base tecnológica de nossa sociedade contemporânea abre essa nova prerrogativa de forma
concreta (porém não as determina), e o sistema capitalista não tem suprido essas novas
prerrogativas.
Essa nova prerrogativa tecnológica que apontamos se consolida como uma base
material para a luta proletária e a ação política partidária, e cria novas perspectivas para a
socialização política. Na construção do Estado socialista, assim como bem apontou
Martorano, a participação é condição essencial para o seu funcionamento. Ao nos depararmos
na contemporaneidade com o avanço, por exemplo, da nanotecnologia, dos smartphones, da
ampliação da comunicação via internet, vemos um avanço de base material dos meios de
comunicação como jamais visto em outra fase anterior de desenvolvimento humano. Isso
permitiu-nos pensar sobre os novos papéis da ação política proletária/partidária diante desse
novo estágio material tecnológico. Ainda mais quando observamos a atual situação de
participação das pessoas nas decisões políticas, onde embora diante dessas novas
prerrogativas, na realidade as pessoas têm se distanciado cada vez mais das decisões políticas
e sido tomadas pela “apatia política”14, isso por as instituições políticas da democracia
burguesa tem entre os seus protagonistas da cena política quadros que representam os
interesses burgueses e capitalistas. Essa contrapartida da democracia burguesa representa um
dos pontos de disputa do século XXI na medida em que no mundo inteiro tem se minado
crises de representatividade mostrando que o velho/atual modelo democrático burguês não
tem se adequado à nova realidade social e tendo em vista o objeto deste texto, as novas bases
materiais tecnológicas.
Por outro lado, toda a dinâmica do capital perpassa pelo Estado e pela manutenção das
estruturas democráticas burguesas, ainda que seja no Estado liberal ou de bem-estar social é o
capital que dinamiza o funcionamento democrático de acordo com os interesses burgueses
presentes na estrutura democrática do Estado burguês. No pós segunda guerra, o capitalismo
se dinamizou mundialmente levando entre as suas bandeiras: a bandeira democrática, que
naquela época se constitua como uma demanda real social e efetivamente se propôs a
construir uma democracia de base progressista, assim se vinculou historicamente que
governos liberais/neoliberais/progressistas são democráticos, mas como discorremos ao longo
do texto a consolidação da democracia burguesa cumpriu um papel importante, sobretudo na
defesa e ampliação do interesse burguês na ação política estatal.
Na atualidade vemos que a democracia burguesa se esbarra em um problema estrutural
do próprio capital, e o socialismo se revela como uma possibilidade de base concreta. Foi
nosso objetivo apontar nesse sentido os limites da democracia burguesa sobretudo em
contraponto com a construção de uma a democracia proletária, e também problematizar o
quanto a democracia burguesa tem evidenciado os problemas estruturais do capitalismo e
como a sua superação é necessária para socialização da política.
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Referências
.
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Acesso em 08 jun 2016.
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MORAES, João Quartim de. Contra a canonização da democracia. Crítica Marxista, n. 12, p.
9-40, 2001.
SAES, Décio. Democracia. São Paulo: Ática, 1993.
SAES, Décio. Estado e democracia: ensaios teóricos. Campinas: UNICAMP, Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas, 1998.
1
Nosso entendimento de Estado burguês segue o proposto por Saes (1993): “...um Estado é burguês quando, de
um lado, ele define todos os homens, independentemente de sua posição no processo social de produção (classe
exploradora, classe explorada), como seres capazes de praticar atos de vontade, e quando, de outro, não existe
qualquer barreira formal ao ingresso de membros da classe explorada fundamental (para não falarmos das
demais classes populares) no seu corpo de funcionários” (p. 50). Saes (1993) ainda pontua que também é
característica do Estado burguês “se organizar internamente segundo critérios formalmente ‘universalistas’,
pode-se apresentar à classe explorada como uma comunidade humana voltada à realização dos interesses comuns
a todos os ‘indivíduos’, independente de sua posição no processo social de produção” (p.51).
2
No Uruguai e na Inglaterra, por exemplo, uma petição pública pode ser feita online. O Uruguai ainda vai além,
usa a tecnologia da informação para aprovar novos projetos de lei. As ações estatais cada vez mais têm sido
controladas e publicizadas devido aos avanços tecnológicos, o que tem possibilitado um maior controle das
ações do poder público por parte da sociedade.
3
Um exemplo para exemplificar essa distinção está na adoção das concepções tayloristas/fordista para a gestão
produtivas das fábricas.
4
Lenin apontava para dois tipos de democracia: a burguesa e a do proletariado, porém Lenin estava focado em
sua análise na democracia indireta, ou seja, a democracia exercida por representação, ele desconsiderava tratar
da democracia direta, até porque para ele o comunismo culminaria no desenvolvimento de uma democracia de
emancipação plena a tal ponto que não seria mais necessário se falar em democracia na sociedade, contudo
vamos imaginar nos dias de hoje, mesmo com uma democracia burguesa, a ideia de todo mundo votar em um
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plebiscito por exemplo, dado ainda nosso arranjo social (maioria proletária e minoria burguesa), a sobreposição
de uma vontade proletária (principalmente de caráter emancipatório) tende a sérias contradições com o
pensamento burguês. Lenin ainda não tinha esse pensamento por ainda estar vivendo um estágio inicial da
democracia burguesa.
5
Olhando para a política externa norte-americana isso fica mais claro, pois foi em nome da “democracia” que os
EUA promoveram por exemplo a guerra do Afeganistão.
6
Referência ao processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, processo caracterizado pela abertura de
um processo de impedimento legal e que colocou no poder o vice presidente Michel Temer. Contudo nossa
principal reflexão é chamar atenção para como o posicionamento político dos partidos da esquerda
revolucionária se dividiram, alguns passaram a levantar a bandeira da manutenção da democracia e do Estado
democrático de direito, enquanto outros assumiram a bandeira “fora todos!” e permaneceram estáticos pois não
possuem bases políticas e físicas para um enfrentamento revolucionário, e ainda existiu aqueles que adotaram a
perspectiva de omissão acreditando que um governo conservador pode servir para trazer novamente uma
reorganização da política revolucionária.
7
A grande questão é se pensar aqui uma condição política de ameaça da manutenção da democracia burguesa
com perigo de regresso a regimes autoritários ou fascistas. Pode-se questionar se o impedimento da presidenta
Dilma Rousseff representa um quadro de regresso a estes quadros, mas foi esforço nosso (a risco) apresentar esse
exemplo, nos posicionando de que tal processo ameaçou a manutenção do regime democrático burguês.
8
Saes (1994) ressalta que “nem toda, ou nem mesmo a maior parte da ação revolucionária do proletariado é legal;
porém, toda ação legal deve ser, ao mesmo tempo, ação revolucionária.” (p. 171)
9
Martorano (2007) em uma crítica dos processos eleitorais contemporâneos afirma que: “cada vez menos têm se
mostrado capazes de despertar um maior interesse pela política que se traduzisse em participação efetiva de um
número crescente de cidadãos” (p. 47).
10
Eis a grande contradição da fase atual do capitalismo em que vivemos, suas bases materiais tecnológicas
avançam cada vez mais permitindo novas perspectivas de ação política, mas isso tem sido utilizado pela
democracia burguesa de maneira pouca ou nenhuma - até porque não é interesse do Estado burguês– mas essa
realidade se revela como um possível campo de ação da política proletária na supressão da política burguesa.
Essa base material se manifesta na revolução microeletrônica, nos smartphones, expansão das conexões wifi e da
internet, entre outras novas condições materiais que se apresentam como possível.
11
Cabe ressaltar que nem toda luta de determinados grupos sociais convergem contra aos interesses burgueses.
12
Referência ao artigo “A Democracia como valor universal” de 1979 de Carlos Nelson Coutinho.
13
Martorano (2007) afirma que o próprio Lukacs (no livro Marxismo, Socialismo e Democracia) entendia que a
essência do avanço socialista consistiria no desenvolvimento da “democracia da vida quotidiana”, expressa nos
conselhos operários, que deveriam expandir a “autogestão pública democrática” de base da “vida quotidiana“ até
os processos decisórios mais amplos.
14
Que se configura nos moldes como concluiu Martorano (2007), na perda paulatina do conjunto da população
pelo interesse na política, tanto a parlamentar, como a eleitoral partidária.
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Resumo
O presente trabalho teve por objetivo fazer uma análise sucinta sobre as questões geopolíticas
que norteiam a SACU e Mercosul. Por meio de pesquisa bibliográfica qualitativa atentou-se em
trazer informações relevantes sobre a mais antiga União Aduaneira, objetivando maior
entendimento das atividades de Integração Regional que permeiam no contexto africano. Como
resultado, observou-se a importância de aproximação dessa integração regional para o Brasil,
no que tange as questões agroindustriais, protagonizando novas perspectivas provocadas pela
intensificação dos fatores de globalização e migração internacional dentro do atual Sistema de
Estados-Nação.
Abstract
The present work had for objective to make a brief analysis on geopolitical issues that guide
the SACU and MERCOSUR. By means of a bibliographic search qualitative looked to bring
relevant information on the most ancient Customs Union, aiming at greater understanding of
the activities of Regional Integration that permeate the African context. As a result, it was
observed the importance of approximation of that regional integration to Brazil, in terms of the
issues agribusiness, starring new prospects caused by the intensification of the factors of
globalization and international migration within the current system of Nation-States.
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1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho teve por objetivo fazer uma análise sucinta sobre as possíveis questões
geopolíticas que possam estar envolvendo a União Aduaneira da África Austral (SACU) e o
Mercado Comum do Sul (Mercosul). Do inglês Southern African Customs Union, a SACU foi
Estabelecida em 1910, compreendendo a União Aduaneira mais antiga do mundo. Formada
atualmente por cinco Estados-Membros - África do Sul, Namíbia, Botsuana, Lesoto e
Suazilândia -, ela veio se destacando por sua importância para a independência e
desenvolvimento econômico dos Estados-Membros por meio de uma cooperação e
coordenação do comércio regional.
Vislumbraram-se nas palavras de Ribeiro e Visentini (2010) alguns dos antecedentes
históricos do sul da África que culminaram na formação da SACU, trazendo à tona um maior
entendimento de como essa formação aduaneira se desenvolveu através do tempo, permeando
na centralização de poder da África do Sul, frente a uma política que buscou celebrar acordos
de não-agressão com países vizinhos como condição para o alcance do desenvolvimento mútuo.
Utilizando os arcabouços teóricos dos ciclos hegemônicos e de kondratieff, buscou-se na
visão de Alves (2015) entender um mundo em constante co-evolução, vislumbrando-se cenários
que envolvem a região da África Subsaariana como principal rival brasileiro na área da
agroindústria global. Em meio a esse cenário, buscou-se entre o Mercosul e a SACU exaltar
dados congruentes e divergentes que se correlacionam com a hipótese levantada por Alves
(2015), onde a África Negra poderá se tornar uma grande potência dentro do ramo da
agroindústria.
Tendo como país de maior representatividade o Brasil do lado do Mercosul e a África do
Sul do lado da SACU, viu-se uma nova geopolítica onde o processo de integração sul-sul
tornou-se um fator decisivo para a promoção e desenvolvimento de economias emergentes,
garantindo o posicionamento estratégico e soberania nacional.
Tornou-se de suma importância evidenciar em como se deu o desenvolvimento econômico
da SACU em um curto espaço de tempo, bem como possíveis caminhos que apontam para uma
nova hegemonia da agroindústria. Viu-se a necessidade de entender o contexto dos grupos
econômicos, objetivando atrair as atenções como forma de buscar maiores esforços que
compactuem com os estudos direcionados a temática de Integração Regional como forma de
promoção ao desenvolvimento político, econômico e social de um Estado Moderno.
Não há como discutir a formação da União Aduaneira da África Austral (SACU) sem antes
vislumbrar os antecedentes históricos do sul da África onde Ribeiro e Visentini (2010)
propiciam uma avaliação ao que eles consideraram como sendo uma “descolonização branca”.
As expedições portuguesas pelo litoral da África nos séculos XV e XVI foi o ponto
considerado aqui como o estopim do processo de colonização africana. Ao observarem a África
do Sul Ribeiro e Visentini (2010) entenderam que a pujança econômica e natural, bem como as
condições sociais do país, despertou a atenção de todo o continente europeu, sendo esse talvez
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Tendo em vista que o seu surgimento “remonta à Convenção da União Aduaneira de 1889
entre a colônia britânica de Cabo da Boa Esperança e da República Estado Livre de Orange
Boer” (SACU, 2015), retratando-se que “os processos de integração constituem um mecanismo
de afirmação da soberania” (NGUBANE, 2004, apud SCHÜTZ, 2013, p. 10)3, viu-se que a
SACU tornou-se um importante elemento de consolidação dos Estados-Membros, podendo essa
ser dividida em três partes: antes da independência dos países membros (1910); depois da
independência dos países membros (1969); e pós-centralização do poder da África do Sul
(2002).
A primeira SACU, que lhe deu a atual denominação, se deu por meio da assinatura do
acordo de 29 de junho de 1910, ficando em vigor até 1969. Parte desse processo teve origem,
segundo Pereira4 (2007, apud SCHÜTZ, 2013, p. 10), com a política sul-africana que envolveu
a celebração de acordos de não-agressão com países vizinhos, estabelecendo-se algumas
relações econômicas entre os Estados-Membros como Tarifa Externa Comum (TEC) e Livre
circulação de produtos fabricados dentro da SACU, sem quaisquer direitos ou restrições
quantitativas.
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De acordo com os dados da SACU (2015) em 1925 a África do Sul adotou política de
produtos importados e industrializados apoiadas pelas TEC sobre produtos não SACU, fazendo
com que os HTCs passassem a produzir apenas produtos primários. Como país mais
desenvolvido da união aduaneira, a África do Sul tornou-se o único administrador das receitas,
definindo direitos de importação e políticas especiais de consumo. Essa centralização de poder
de decisão sobre as políticas da SACU ocasionou em uma partilha de receitas desiguais entre
os membros, fazendo com que os HTCs recorressem à revisão do acordo de 1910.
O acordo da SACU de 11 de dezembro de 1969, assinado pelos já Estados soberanos BLS5
(Botsuana, Lesoto e Suazilândia) e África do Sul, não trouxe grandes modificações, fazendo
com que os BLS reclamassem sobre diversos acertos realizados unilateralmente pelos Sul-
africanos, culminando na reformulação dos procedimentos aduaneiros realizados pela SACU
em 2002 que, dentre diversos, destacaram-se: estabelecimento de um secretariado
administrativo independente para supervisionar a SACU com sede em Windhoek na Namíbia;
criação de várias instituições independentes, incluindo um Conselho de Ministros, e uma
Comissão da União Aduaneira; e no que tange a política externa, a necessidade de se buscar
estratégias que fortaleçam a integração política, econômica, social e cultural da região, sem
prejudicar a economia dos Estados menores.
Com vigência a partir de 2004, o acordo SACU de 2002 estabeleceu novas regras que
culminassem em vantagens para todos os membros, fortalecendo a integração regional. Uma
evidência desse novo acordo foi à inauguração do Edifício sede da SACU em 12 de novembro
de 2015 em Windhoek na Namíbia. Segundo Zuma (2015), tal endosso marcou os 100 anos da
SACU ocorrido em 22 de abril de 2010, sendo esse considerado “o símbolo do esforço coletivo
para promover o crescimento regional e desenvolvimento da região da SACU e de seu povo,
bem como um símbolo de unidade entre SACU e seus Estados-Membros” (ZUMA, 2015).
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Diante dessa divisão, Alves (2015) enfatizou a seguinte interpretação descrita na figura 2:
enquanto a região em azul detinha o capital financeiro, intelectual e tecnológico, a região em
negrito, de posse dos recursos energéticos, negociava com a região em azul que, desprovida de
um grande contingente desses recursos, não seria capaz de manter sozinha o consumo potencial
regional e global. “O mundo era relativamente simples, onde a região em azul intervinha na
região em preto para garantir os seus fluxos de energia” (ALVES, 2015), definindo-se aqui a
ideia de segurança energética9. Mas, expandindo-se para as décadas de 70 e 80, as atenções do
mundo se voltaram para a região em vermelho que oferecia maior quantidade de mão de obra
barata. Alves (2015) evidenciou que dos 10 bilhões de humanos no mundo, apenas 3 bilhões
vivem fora do círculo vermelho, criando um mundo também desigual do ponto de vista
demográfico. Com a busca da região em azul por um mercado que pudesse produzir bens em
maior quantidade, a fim de atender as demandas regionais e globais potencializadas pelas
empresas transnacionais, a região em vermelho começou a se desenvolver, propiciando o
surgimento de novas classes médias, economias e mercados emergentes que demandariam mais
recursos para alimentar a sua própria economia de subsistência10. Com a crescente demanda
por recursos da região em vermelho, buscou-se nas regiões em verde, detentoras dos recursos
naturais, os meios para alimentar sua superpopulação.
A divisão do mundo em regiões com funções distintas na visão de Alves (2015) remeteu a
um importante cenário geopolítico onde as regiões da América do Sul e África Subsaariana
buscarão promover o desenvolvimento pela disputa do mercado agroindustrial global. Isso fica
evidente nas palavras de Alves (2015) ao fazer uma análise de cenários que contemplassem o
surgimento de novas potências hegemônicas.
Desconstruindo o atual Sistema de Estados vigente, Alves (2015) vislumbrou através de
perspectivas complementares do ciclos Hegemônicos e de Kondratieff uma visão onde novos
continentes surgiriam devido aos mecanismos de integração regional e dos fenômenos de
migração e globalização, criando assim novas potências hegemônicas. Dentre as cinco visões
descritas por Alves (2015), duas chamaram a atenção para este trabalho, por envolver a África
Subsaariana11 e Estados da região asiática. A estas duas áreas descritas por Alves (2015), das
quais se convencionou chamar aqui de “Zona Subsaariana de Influência Chinesa” e “Zona
Subsaariana de Influência Indiana”, encontram-se exemplificadas no mapa mundi da Figura 3.
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Legenda:
Zona Africana Subsaariana de Influência Chinesa
Alves (2015) percebeu que há zonas de influência em solo africano ocasionadas por
intervenções de outras nações, destacando-se aqui a chinesa e indiana. Essas zonas estão
criando um fenômeno de potencialização dos grupos econômico-regionais da “África Negra” o
que poderá forçar os demais atores do cenário internacional que possuem atividades
desenvolvidas no campo do agronegócio a co-evoluírem.
Considerando que o Brasil está calcado em atividades voltadas para o agronegócio,
observou-se que as recorrentes intervenções na “África Negra” por outras nações têm gerado
um desenvolvimento súbito em seu território, propiciando terreno fértil para a planificação dos
grupos econômicos regionais, sobretudo o da SACU.
Buscando uma comparação entre o Mercosul e a SACU, foi possível observar disparidades
que acentuam essa problemática. Primeiramente, bebendo da fonte de Wolffenbüttel (2007), o
mesmo descreveu que para a existência de uma união aduaneira seria preciso considerar dois
pontos fundamentais: 1º - a adoção de uma tarifa externa comum e a livre circulação das
mercadorias oriundas dos países associados; e 2º - a formação de uma zona de livre circulação
de mercadorias entre os diversos membros.
Ligando esses dois pontos aos grupos econômicos Mercosul e SACU, foi possível observar
dois contrastes. O primeiro foi que o Mercosul é considerado ainda um bloco econômico que
não satisfaz a formação de uma zona de livre circulação de mercadorias entre os seus membros,
tornando-o o que especialistas descrevem como sendo uma união aduaneira imperfeita. Por
outro lado, a SACU com todos os problemas provocados pelo processo de descolonização,
ainda sim compreende em uma formação aduaneira perfeita por atender os requisitos
necessários a esse tipo de formação econômica envolvendo os dois pontos fundamentais
descritos por Wolffenbüttel (2007).
O segundo contraste advém dos membros que constituem esses dois grupos econômicos
regionais. No Mercosul têm-se países com aproximadamente dois séculos de independência,
evidenciando que a maturidade entre esses Estados deveria ser mais coesa, com a finalidade de
firmar uma união aduaneira perfeita. Por outro lado, a SACU possui membros que mesmo com
pouco mais de quatro décadas de independência, estão desempenhando um papel mais
organizado e propício para o desenvolvimento regional, evidenciando um relacionamento bem
mais maduro do que seus irmãos sul-americanos12.
Como forma de melhor descrever esse fator, tornou-se necessário reunir na tabela 1 os
dados dos Estados-Membros que constituem os dois grupos econômicos e seus respectivos anos
de independência, numa tentativa de evidenciar a tamanha maturidade dos países da SACU
frente aos do Mercosul.
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Tabela 3: The Global Competitiveness Index 2015-2016 rankings and 2013-2014 comparisons
Países Pontos Posição Pontos Posição
SACU/Mercosu 2015/2016 2015/2016 2013/2014 2013/2014
l África do Sul 4,4 49 4,3 53
Botsuana 4,2 71 4,1 74
Brasil 4,1 75 4,3 56
Uruguai 4,1 73 4,0 85
Namíbia 4,0 85 3,9 90
Argentina 3,8 106 3,7 104
Lesoto 3,7 113 3,5 123
Paraguai 3,6 118 3,6 119
Bolívia 3,6 117 3,8 98
Venezuela 3,3 132 3,3 134
Suazilândia 3,4 128 3,5 124
Fonte: WEF (2016) – adaptado pelos autores
Observando todos esses dados, pode-se chegar à consciência de que os membros dos dois
blocos econômicos possuem assimetrias que os colocam em pé de igualdade. Porém, no grupo
econômico da África Austral houve um amadurecimento que em um curto espaço de tempo,
permitiu vislumbrar fatores divergentes que colocam a SACU em uma possível vantagem
competitiva. Foram essas divergências que permitiram chegar a fatores que pudessem
beneficiar o continente africano, colocando-o em pé de igualdade perante a todos os demais
atores globais, ou mesmo superando-os, colocando-os em uma desvantagem que os obrigassem
a co-evoluírem.
Observando mais afundo, foi possível perceber que a SACU se tornou apenas uma parte
da estratégia que envolve o continente africano. De acordo com a Escola de Negócios Global
EENI (2015) a África está buscando uma forte integração econômica regional por meio de seus
mecanismos internos, visto que a SACU é parte fundamental desse processo. Partindo desse
pressuposto, a SACU rompeu barreiras, promovendo comunicação com diversos outros
mecanismos de integração regional presentes na África, dos quais se destacaram aqui os
seguintes acordos regionais:
São esses acordos econômicos que proporcionaram a perspectiva de uma África que
buscará o desenvolvimento notório na área da agroindústria dentre os diversos atores do sistema
internacional.
Observando a Figura 4 foi possível evidenciar a integração existente no continente
africano, destacando-se aqui dois fatores importantes: O primeiro é que os membros da SACU
participam, em sua integralidade, da Comunidade Econômica Regional SADC13. Isso buscou
elevar o maior grau de integração regional da África Austral. O segundo refere-se à junção das
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União
(1910) Regional
5 membros (1980)
15 membros
SACU • Tanzânia
Econômica • Angola
• África do Sul
Regional - • Moçambique
• Namíbia
(2008)
43 membros • Botsuana • Maurícias
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Assim como o Brasil é considerado o Estado que mais notoriedade tem na região Sul-
americana frente ao Mercosul, a África do Sul foi o Estado que mais se destacou na política
desenvolvida pela União Aduaneira SACU, justamente pela “sua habilidade de controlar o
ambiente regional” (SCHÜTZ, 2013, p. 10), tornando-se a segunda maior economia africana14.
Deixando um pouco de lado as comparações e questões antagônicas que colocam os dois
blocos econômicos em pé de rivalidade, observou-se por parte do Brasil a necessidade de
fortalecer os laços com a SACU, evidenciando o fator geopolítico empregado pela diplomacia
brasileira. O Brasil frente ao Mercosul buscou formalizar uma maior proximidade com a África
Austral, vislumbrando a importância em se ter essa região como parte efetiva das relações
econômicas no eixo Sul-Sul. Para tanto, em consenso com os Estados-Partes do Mercosul, o
Brasil buscou estreitar os laços com aquela união aduaneira, incitando negociações com a
República da África do Sul “com vistas a um acordo para a criação de uma área de livre
comércio e maior cooperação econômica e de investimentos” (MDIC15, 2015).
O Brasil assinou no ano de 2000 um acordo entre as partes, com a finalidade de fortalecer
as relações, promovendo o incremento do intercâmbio comercial e o estabelecimento de
condições para a pretendida área de livre comércio (MDIC, 2015). Em 2003 as negociações
evoluíram, no intuito de já envolver a SACU, mas esta por sua vez, preferiu iniciar apenas um
acordo de preferências fixas, sendo as negociações das listagens encerradas em 2008 na cidade
de Buenos Aires (Argentina). Neste acordo de preferências fixas foram beneficiadas 1.076
mercadorias por parte do Mercosul e 1.026 mercadorias por parte da SACU.
Em 15 de dezembro de 2008, durante o encontro de cúpula do bloco na Costa do Sauipe,
os Estados-Partes do Mercosul assinaram o Acordo de Comércio Preferencial (ACP) Mercosul-
SACU, tendo os Estados-Membros da SACU assinado o mesmo em abril de 2009 na capital de
Lesoto (MDIC, 2015). Conforme levantado pela Comex do Brasil (2016), seis anos após a
assinatura, entrou em vigor em 1º de abril de 2016 o ACP entre Mercosul e SACU, sobre o qual
“contribuirá para a promoção do intercâmbio comercial no Atlântico Sul” (MRE16, 2016).
5. CONCLUSÃO
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bastante promissor, visto a tamanha especificidade dos grupos econômicos que buscam integrar
todo o território africano. A organização e a potencialização de suas atividades agrícolas
angariada pelas formações dos grupos econômicos perfeitos influenciados por recorrentes
intervenções dos demais atores internacionais, permitiu evidenciar perspectivas das quais nos
levam a evidenciar o surgimento de uma nova África que se pruma para o desenvolvimento de
sua área de agronegócio, levando-a ao setor agroindustrial. De posse dessas informações, pode-
se chegar à conclusão de que a SACU, mesmo com todas as assimetrias que a cerca de ordens
sócio-política e econômica, poderá se tornar em um potencial rival brasileiro no nicho de
agronegócios, forçando-o a co-evoluir, incorrendo em uma estratégia geopolítica pela conquista
do mercado agroindustrial global.
O Brasil junto ao Mercosul, percebendo essa tamanha desenvoltura do continente africano,
buscou estreitar os laços aduaneiros com os membros da SACU, vislumbrando um possível
acordo de Livre Comércio entre os dois blocos econômicos. Mas, diante das tratativas de
negociação, foi possível angariar apenas um Acordo de Comércio Preferencial (ACP) que
beneficiassem algumas mercadorias entre os dois blocos econômicos. Isso evidencia que nossos
irmãos africanos estão inseridos no jogo político, de forma a deliberar sobre assuntos político-
econômicos que possam afetar o seu negócio. Vendo a potencialidade e maturidade brasileira
no campo do agronegócio, os africanos preferiram embarcar em um acordo que remetesse a
vantagens singulares para os dois lados, permitindo assim a proteção de seu mercado interno
contra a invasão da totalidade de mercadorias brasileiras.
Mesmo com toda cautela, pode-se observar na tímida parceria entre o Mercosul e SACU
um importante elo de desenvolvimento dos países sul-sul, principalmente para o Brasil que viu
nessa parceria um significativo mercado econômico em potencial.
Longe de ser uma verdade absoluta, o presente trabalho buscou de forma sucinta trazer
idéias que incitem novos arranjos como objeto de pesquisa das novas estruturas de poder que
possam estar se formando no Sistema Internacional. Atentou-se por meio de cenários atrair a
atenção dos estudantes estrategistas de defesa e segurança com o intuito de promover a busca
pelo conhecimento e proporcionar uma visão que não se embebeda de uma visão eurocêntrica,
permitindo galgar novos horizontes sobre os quais o mundo pode se desdobrar.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES. Paulo Vicente dos Santos. Contradições de um Século em Quatro Atos. In:
Cenários. Revista DOM: FDC, 2013, pp. 45-51.
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<https://www.comexdobrasil.com/seis-anos-apos-assinatura-entra-em-vigor-acordo-de-
preferencias-comerciais-mercosul-sacu/>. Acesso em: 20 jun. 2016.
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National Geographic, 2012.
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<http://exame.abril.com.br/economia/noticias/economia-da-nigeria-passa-africa-do-sul-mas-
oculta-pobreza>. Acesso em: 31 jan. 2016.
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nos Territórios sob Domínio Britânico e Belga. in: História da África VIII: África desde
1935. Brasília: UNESCO, 2010, pp. 93-102.
NGUBANE, Senzo. Sources of Southern Africa Insecurity. In: SOLOMON, Hussein (Ed.).
Towards a Common Defence and Security Policy in the Southern African Development
Community. Pretoria: AISA, 2004.
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QUEIROZ, Renato. Segurança Energética. In: Energia. Blog Infopetro. Publicado em: 05
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energetica/>. Acesso em: 30 dez. 2015.
RIBEIRO, Luiz Dario Teixeira; VISENTINI, Paulo Fernandes. O Sul da África: das origens à
“descolonização branca”. In: VISENTINI, Paulo G. Fagundes [et. al.]. África do Sul:
História, Estado e Sociedade. Brasília: FUNAG/CESUL, 2010. pp. 17-34.
ZUMA, Jacob. Discurso do Presidente Jacob Zuma na Abertura da SACU. Edifício Sede,
Wibdhoek, Namíbia, 2015. Publicado em: 12 nov. 2015. Disponível em:
<http://www.sacu.int/docs/speeches/2015/sp1112b.pdf >. Acesso em: 11 fev. 2016.
1
Data simbólica que compreende o fim do trabalho forçado africano com a promulgação da “South Africa Act de
1909”, sendo que muitos resquícios do Apartheid permaneceram até 1994 (BRUNO, 2014).
2
Segundo Mazrui e Wondji (2010) o território namibiano foi um protetorado do império alemão que, após a
Primeira Guerra Mundial, passou a ser administrado pela Liga das Nações. Esta, passou sua administração à África
do Sul que, dominada por diversas etnias, em especial inglesa, o submeteu ao regime do Apartheid, tendo essa
ganhado sua independência em 1990 (VISENTINI, 2011, p. 4).
3
NGUBANE, S. Sources of Southern Africa Insecurity. In: SOLOMON, Hussein. Towards a Common Defence
and Security Policy in the Southern African Development Community. Pretoria: AISA, 2004.
4
PEREIRA, A. D. África do Sul e Brasil: dois caminhos para a transição ao pós-Guerra Fria (1984-1994).
Porto Alegre, UFRGS, Programa de Pós-Graduação em História, Tese de Doutorado, 2007.
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5
Ressalta-se aqui que, diferente da África do Sul que adquiriu sua independência em 1930, os países denominados
BSL só adquiriram suas independências em 1964, ou seja, 34 anos após os Sul-africanos.
6
Com duração de 100 a 140 anos e esgotando-se em um período de guerras de transição que duram 30 anos, os
ciclos hegemônicos descritos por Giovanni Arrighi existem desde as grandes navegações, quando, a partir de
diversos sistemas regionais, formou-se a estrutura de causa/efeito do sistema global de trocas. (ALVES, 2013,
p.45)
7
Com duração de 50 a 60 anos, sendo que cada ciclo possui quatro subfases – recuperação, crescimento,
esgotamento e crise, os ciclos de Kondratieff de 1925 descrevem que os ciclos tecnológicos não ocorrem
homogeneamente no tempo, mas em ondas de inovação logo após a crise. (ALVES, 2013, p. 46)
8
Tudo aquilo que promove o desenvolvimento de uma sociedade. (DIAMOND, 2012)
9
Segundo Queiroz (2010) o conceito de segurança energética esteve associado principalmente ao suprimento de
petróleo no mundo, com o ideal de evitar a dependência energética, o que poderia tornar vulnerável a garantia da
soberania de um Estado-Nação.
10
Cecílio (2012) identifica nas palavras de Braudel um sistema de economia tripartido no qual a economia de
subsistência compreende as rotinas de produção voltadas para o autoconsumo.
11
Segundo Francisco (s/a) a África Subsaariana (África Negra), é uma divisão que compreende boa parte do
continente africano, incluindo a África Austral onde se localiza os países que compõem a SACU.
12
É importante saber que, diferentemente do Mercosul onde os interesses divergentes dos Estados-Membros não
permitem a consolidação da livre circulação de mercadorias entre seus associados, a perfeição do mercado
aduaneiro da SACU só se prevaleceu devido à centralização das atividades ainda de posse da África do Sul que
desempenha papel fundamental nas negociações com outros entes internacionais.
13
Segundo Schütz (2013) a SADCC foi criada inicialmente por nove Estados-Membros (Angola, Botsuana,
Lesoto, Malaui, Moçambique, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue) tendo sua nomenclatura mudado para
SADC quando do ingresso da África do Sul em 1994.
14
Apesar de Sartorato (2015) revelar que a Nigéria é a maior potência econômica africana, Magnowski (2014)
evidencia um elevado índice de pobreza ligado a esse país.
15
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.
16
Ministério das Relações Exteriores.
260
Ensino, Pesquisa e Epistemologia da Administração
Política
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Resumo
Tendo em vista que a identidade da Gestão Pública brasileira atual é singularizada pela
ideologia gerencialista, tematizamos aspectos ideológicos da Gestão Pública brasileira à luz
de elementos pressupostos do método dialético negativo de Adorno, com atenção à ideologia
como identidade e à semiformação do gestor público. O campo da Gestão Pública mantém-se
fortemente arraigado à ideologia gerencialista que, importada do âmbito das empresas
privadas, adquire importância pela naturalização de suas práticas no exercício do poder no
Estado. Com relação a isto, verificamos uma contradição, uma vez que se encontram
comprometidos os próprios princípios fundantes da esfera pública. Disso decorre um
alinhamento que preserva determinadas estruturas pela construção de um pensamento
hegemônico, desde a dimensão formativa do gestor público. Torna-se fundamental
desnaturalizar a ideologia que permeia a Gestão Pública danificada, cujo perfil integra uma
autocentralidade inautêntica ampliada e hipostasiada.
Introdução
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mais justo, porque anuncia tudo incluir. Trata-se do fabrico de uma ilusão naturalizadora do
sistema capitalista, que frequentemente nas crises se mantém assessorada pela barbárie da
violência para combater qualquer alternativa antissistema. É com toda razão que Adorno
(2009, p. 28) se refere ao sistema como “a barriga que se tornou espírito”, uma vez que sua
ávida busca pela unidade de pensamento não é nada mais do que o ímpeto autoconservador
que, ao se autojustificar, alarga a sua voracidade, reeditando a detenção do não idêntico.
Diretamente associado à reprodução de uma vida danificada1, torna-se letal o processo
de encobrimento propiciado pela incapacidade de formação integral do gestor público, que se
apresenta totalmente dissonante da concepção benjaminiana de experiência (Erfahrung) e da
ideia adorniana de formação (Bildung). Assim, semiformação é o elemento pressuposto do
método adorniano que se destaca de maneira especial quando se trata da ideologia, visto que
se manifesta enquanto tal em razão de expressar as inclinações da esfera subjetiva que
envolve a sociedade contemporânea e encarcera a perspectiva emancipatória, pois é um
eficiente adestrador das mentes. Embora não sigamos a linha das alternativas que pregam a
educação como elemento redentor dos males da Gestão Pública, torna-se importante averiguar
a semiformação tanto por aquilo que representa em si, quanto pelas consequências que gera,
como o distanciamento do potencial emancipatório. Urge a proposta de Hobsbawm (1995, p.
13), de “compreender e explicar por que as coisas deram no que deram e como elas se
relacionam entre si”, tornando-se relevante, para mantermo-nos fiéis à história real e concreta,
“comentar, ampliar (e corrigir) nossas próprias memórias”.
Diante do aprofundamento na acepção ideológica, apontamos a Gestão Pública
brasileira, em seus processos de danificação, como portadora de uma autocentralidade
inautêntica ampliada e hipostasiada. Demonstramos isto ao longo desse estudo, atendendo ao
principal convite de Adorno (2009), subverter a tradição. Para tanto, apresentamos um
apanhado teórico, de vinculação adorniana, sobre a ideologia e, diante das constatações desse
apanhado, realizamos uma leitura ampla, porém concisa, do fenômeno gerencialista no âmbito
da Gestão Pública. Por fim analisamos brevemente a difusão de seus parâmetros,
adornianamente apontados como semiformação.
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democracia no instante em que limita a própria cultura como mercadoria. Ao mesmo tempo
em que banaliza as criativas conexões e realizações humanas, como, por exemplo, a obra de
arte, a indústria cultural perturba os sentidos e dificulta a capacidade de discernimento,
implicando num julgamento distorcido sobre a coerência das coisas. Uma vez que tem essa
capacidade de aguçar desordenadamente os desejos de consumo, a indústria cultural facilita
com que se desenvolva a necessidade do supérfluo. Assim, a natureza da cultura massificada é
traduzida na fabricação da identidade pela manipulação retroativa das necessidades para alçar
uma suposta unidade do sistema no que o esquematismo se torna decisivo:
A verdadeira natureza do esquematismo, que consiste em harmonizar exteriormente
o universal e o particular, o conceito e a instância singular, acaba por se revelar na
ciência atual como o interesse da sociedade industrial. O ser é intuído sob o aspecto
da manipulação e da administração. Tudo, inclusive o indivíduo humano, para não
falar do animal, converte-se num processo reiterável e substituível, mero exemplo
para os modelos conceituais do sistema. O conflito entre a ciência que serve para
administrar e reificar, entre o espírito público e a experiência do indivíduo, é evitado
pelas circunstâncias (ADORNO e HORKHEIMER, 1997, p. 83).
Para os autores, há um predomínio do efeito sobre o conteúdo, e este se coloca através
da imitação, onde o mais importante não é a captura dos corpos, mas da alma das massas, que
sucumbem ao mito do sucesso. Por isso a ideia foucaultiana de panóptico cabe perfeitamente
a este cerceamento empenhado pela indústria cultural. Há em voga um poder invisível e
regular sobre o indivíduo, transformando a sociedade em um arquipélago carcerário, em que a
vigília constante, até mesmo autoinflingida, é a marca do presente modelo de vida.
Nessa dinâmica o conceito de auto-adaptação (sich anpassen) se torna chave. Por tudo
planificar ao excluir o novo (não idêntico), a indústria cultural introjeta o desejo do opressor
nos receptores, como já denunciou Paulo Freire (1987), isto ocorrendo apenas nas doses
necessárias para adaptar todo complexo social ao ritmo da produção e reprodução mecânicas.
A ideia de sucesso é decisiva a esse contexto, pois atua no convencimento para a certeza da
ascensão em que, por outro lado, ao consumidor desse sistema não se devem “dar momentos
em que pressinta a possibilidade da resistência” (ADORNO e HORKHEIMER, 1997, p. 132).
Assim, sua dominação abarca uma vagueza que vai, conforme o caso, do acaso ao planejado,
de modo que se aglutinam no complexo social os efeitos desejados pelo emprego generalizado
da ideologia da indústria cultural.
Em síntese, em sua acomodação sistemática, pílulas de felicidade social são o que a
indústria cultural oferece, as quais causam, dialeticamente, efeitos apaziguantes e paliativos
por sobre as mazelas sociais quando agem na superficialidade do seu tecido, incidindo sobre
elas de modo analgésico prolongado. Assim, nenhuma de suas ações extingue históricas
problemáticas sociais. Seus efeitos são, isto sim, reincidentes e meticulosamente calculados
diante dos interesses do capital, tanto via organizações privadas como públicas, injetando nas
massas doses controladas de ilusão. Como disse Motta (1992, p. 39), o sentido e a coerência
que a ideologia dominante imprime são ilusórios pelo simples fato de anunciar uma satisfação
– no caso, com relação aos gerentes, a ilusão de controle da situação – que “nunca poderá ser
atingida”, tendo em vista que “submete as pessoas a uma sucessão de saltos no vazio”.
Embora não possamos dispensar a importância da dimensão técnica, do seu interstício
emana um véu tecnológico que possibilita o entretenimento mercantilizado e o domínio das
massas e que se converte em cinismo. Isso porque a indústria cultural ascende por uma
servidão voluntária. Sendo assim, para Adorno e Horkheimer (1997), é completamente
equivocado acreditar que as pessoas são meramente violentadas pela indústria cultural 2
porque na realidade a ideologia, por meio de uma “psicologia social pervertida”, assegura as
coisas como elas são (ADORNO e HORKHEIMER, 1969, p. 203). Com base na análise do
fascismo, Zizek (1996) igualmente se volta a esta realidade, permissivamente acrítica, por
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meio de uma teoria do sujeito que se articula a partir de Freud em seu conceito de fantasia.
Daí que Zizek (1996) contribui à nossa leitura por elaborar a compreensão de ideologia como
fantasia social, cujo atributo principal é valorar e significar a realidade de um período
histórico, que é compartilhada socialmente.
Isso se efetiva pela fórmula do cinismo, uma atualização da curta frase de Marx, “eles
não sabem, mas é o que estão fazendo”, que então passa a figurar como: “eles sabem muito
bem o que estão fazendo, mas fazem assim mesmo” (ZIZEK, 1996, p. 14). O “compromisso
excessivo com o bem” pode acarretar o dogmatismo fanático do pior mal (ZIZEK, 1996, p.
311). Mesmo assim o cinismo avança para uma forma de ideologia que cria uma máscara que,
para além de esconder o estado das coisas, confere à sua própria essência uma distorção
ideológica. Para o ZIZEK (1996, p. 311), “nas sociedades contemporâneas, democráticas ou
totalitárias, esse distanciamento cínico, o riso, a ironia, são, por assim dizer, parte do jogo”.
Tem-se na razão cínica, portanto, uma “falsa consciência esclarecida”, naturalizadora de “uma
forma suprema de desonestidade”, ideia que Adorno referenda ao creditar à ideologia o papel
não apenas de mentira, mas de “uma mentira vivenciada como uma verdade”, permanecendo
“intacto o nível fundamental da fantasia ideológica, o nível em que a ideologia estrutura a
própria realidade social” (ZIZEK, 1996, p. 313, 314).
Rüdiger (2004, p. 186) destaca essa leitura do cínico como parte de uma
fundamentação antropológica que Adorno possui da indústria cultural. Na visão da ideologia
cínica, no próprio pensar administrativo está presente a falsa consciência esclarecida, que se
serve conformadamente da razão iluminista, embutindo valores de uma vida interior
destituída de conteúdo vivo, porque passa indiferentemente a ser alimentada pela lógica
instrumental. Para Rüdiger, o mínimo que resulta disso é um entusiasmo cínico emanado dos
indivíduos mais intelectualizados para com a pluralidade cultural que, destarte, são indivíduos
portadores de uma má consciência. É o que embasa uma semiformação que não apenas auxilia
na manutenção do poder, como o reforça por justificá-lo. É esta a razão que, ao fundo, funda e
move a proliferação tão arraigada de uma ideologia como a que atualmente sustenta as
práticas dominantes na Gestão Pública brasileira. Cabe-nos alertar sobre a perniciosidade
desse sistema, tarefa que acatamos nos detendo nos pressupostos da ideologia gerencialista no
âmbito público.
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sustentado por uma Gestão Pública danificada, pois este é o meio que lhe convém para atingir
um fim desvirtuado.
Na tendência de ênfase na subjetividade reificada, os modismos gerenciais integram
estrategicamente a Nova Gestão Pública constituindo-se num eixo ideológico-simbólico
importante para manipular a massa ‘cidadã’. Diretamente veiculados pela indústria cultural,
integram a faceta da cultura do management, fomentando a sociedade administrada rumo à
proliferação de inúmeras ferramentas gerenciais, construindo um imaginário que direciona à
formação da cultura do lucro. A semiformação do Gestor Público, está diretamente ligada aos
preceitos dessa cultura que fantasia o poder e colabora para minimizar tensões oriundas do
universo social instável (PAULA e WOOD JR., 2002; PAULA, 2012; COSTA, 2012).
A cultura do management se torna, portanto, um rico recurso da ideologia
gerencialista na Gestão Pública, estimulando a projeção fantasiosa de um Estado vitorioso no
combate das mazelas sociais, especialmente no tocante ao nível financeiro, por isso tão
sedutora. Ela é responsável pela formação de um novo imaginário social e organizacional,
tendo sido introjetada fortemente no Estado brasileiro em 1995, mediante a implantação das
políticas do MARE (Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado) voltadas a
melhorias na performance do Estado. Relativo ao MARE, Costa (2012, p. 180-181) destaca
projetos como “choque de gestão” como uma das experiências “mais exitosas” da invasão
dessa cultura, e também outros, como o “Programa Nacional de Gestão Pública e
Desburocratização”, implantado em 2005 e a “Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e
Competitividade”, criada em 2011.
A construção de uma fantasia para dissimular o real se torna um elemento relevante
para observar que o nível do dano na Gestão Pública não é pouco, ao passo que atalhos como
esses se tornaram tão eficientes para legitimar o poder dominante. Na realidade, esta cultura
desloca a subjetividade, não apenas dos indivíduos organizacionais, mas de todo complexo
social ao ensejar uma satisfação parametrizada pelos “contos infantis para adultos” (PAULA e
WOOD JR., 2002), em que a obra de Osborne e Gaebler (1994) pode ser citada como o
exemplo mais representativo disso.
Sobre o modelo do Novo Serviço Público, este não passa de uma revisão dos
princípios da Nova Gestão Pública, propondo-lhe uma atualização dos enunciados de Osborne
e Gaebler (1994), convergindo à correção das críticas sofridas pelo modelo anterior. Dito mais
claramente, o Novo Serviço Público é um protótipo modelar que envereda pela seara
habermasiana, não escapando do moralismo kantiano e compondo, portanto, a linha
‘alternativa’ pró-sistema, sobre a qual sequer se anuncia ter se distanciado da Teoria Crítica.
Entretanto, Denhardt (2012) não se esquiva da crítica à importação de modelos do âmbito
privado ao público, sugerindo que órgãos públicos passem a servir de parâmetro para a
reconstrução de todo tipo de organização, assentando-se em linhas teóricas mais
democráticas.
Assim, devemos notar que a ideologia gerencialista toma o campo não apenas
empírico, na práxis do Estado, como também encontra lastro teórico ao se naturalizar como
um dos modelos mais avançados e modernos para geri-lo. Isto é fortemente calçado por
estudos e pesquisas no próprio campo da Gestão Pública, que cegamente aderem aos apelos
do então transposto modismo anglo-saxão. Mesmo se não considerássemos quão precários são
os seus fundamentos, a dinâmica do capital per si expõe os limites desses pressupostos, ao
passo que na realidade concreta não tardam aparecer evidências da perversidade do mundo
administrado. Diante desse quadro do sofrimento da vida real, qualquer debate sobre a esfera
pública sob os parâmetros de tais arremates revela-se como algo completamente desavisado
de conhecimento político ou democrático efetivos, isso pelo simples fato de partir de um
ponto em que a racionalidade instrumental permanece naturalizada. Entretanto, tais modelos
alternativos, propositadamente ignorantes da realidade concreta, são a base da educação atual
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O ente recebe do espírito que o sintetiza a aura do ser que é mais do que fático: a
consagração da transcendência; e justamente essa estrutura se hipostasia enquanto
algo mais elevado ante o entendimento reflexivo que, com o bisturi, separa o ente e
o conceito (...). Hipostasiado, esse deixa de ser um momento e se torna aquilo que a
ontologia menos gostaria que fosse em seu protesto contra a cisão entre conceito e
ente: algo coisificado (ADORNO 2009, p. 72,76).
A consciência presa à Gestão Pública danificada não deixa, obviamente, de facear suas
imperfeições, mas por ser acrítica não conclui nada contra si mesma. Ao reproduzir-se na
esfera da educação/formação, ela inicia por sua própria realidade, tomada de modo acrítico
como essencial. Em parte como compensação, em parte como idealização, projeta-se numa
perfectibilidade ideal de si mesma, que academicamente ela vislumbra no tecnicismo
pedagógico e no produtivismo quantificador, elementos da semiformação. Mas esta
idealização, porque acrítica, é só a hipostasia, a projeção substantivada de seu próprio caráter
objetificado3, de uma identidade que cada vez mais mimetiza-se na lógica do mercado.
Dentre tantas outras sensações fabricadas, a ideologia gerencialista é incutida desde o
padrão educacional sustentado pela máquina do próprio Estado. As teorias organizacionais
atendem a essa moldagem em seu caráter semiformativo no momento em que o papel da
educação se restringe ao doutrinamento para servir o mercado, também deflagrando neste
aspecto um significativo hipostasiamento. De fato, o padrão educacional, em que pesam as
fases da própria elaboração disciplinar formal e seu caráter essencialmente importado, se
tornou expressão do que apontamos como a ‘autocentralidade inautêntica ampliada e
hipostasiada’ da Gestão Pública danificada.
Tanto como Gaulejac (2007) e Harvey (2009), Tragtenberg (1989) e Motta (1992,
1990) apontam que nosso tempo e espaço são meticulosamente controlados desde a escola,
cenário de inculcação ideológica em que aprendemos a adaptar corpos e mentes ao exercício
do trabalho nas empresas capitalistas. Segundo Motta (1990, p. 13), “há que se pensar o
tradicional compromisso do ensino e da pesquisa na Administração com o poder e as classes
dominantes, bem como o dogmatismo a que tal compromisso muitas vezes inconscientemente
leva”. Em adição, pela ideia de ideologia cínica, podemos inferir que se havia algum elemento
inconsciente em tal conduta, este há muito se transformou numa espécie de assujeitamento
consciente e esclarecido. Isso porque, de um modo genérico, a educação para gerir o
patrimônio do capitalismo acorda no plano acadêmico uma formação abarcadora da
consciência liberal e seus congêneres, pois o ideário dominante não renuncia a sua força. Para
Wellen e Wellen (2010, p. 135-136),
da mesma forma que a gestão, a educação representa um sentido hegemônico, que é
derivado da forma como se estrutura a sociedade e, no caso do ordenamento social
em que estamos inseridos, dos interesses das classes dominantes. A função social a
ser cumprida pela educação é uma construção realizada a partir das lutas de classes
que acontecem no interior da sociedade e depende da correlação de forças entre
essas lutas e do poder de uma classe sobre a outra.
No tocante aos cursos de Administração no Brasil não estranhamente gerou-se um
problema central de falta de operacionalidade crítica. A adesão do Estado ao gerencialismo da
empresa privada tendo como resultado a lógica semiformativa nas próprias Escolas de
Governo revela-se como uma verdadeira institucionalização do jogo ideológico cínico, na
medida em que é empreendida a reedição dos ideários do participacionismo e outras
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panaceias. Formata-se uma realidade onde a competição coexiste com uma suposta
cooperação nos próprios espaços de trabalho do gestor público, discurso que se estende a todo
o aparato social a que corresponde, falseando a própria participação do ‘cidadão’ nos
processos decisórios. Sem o proclamar, as decisões públicas perpassam por um processo de
indução, correspondendo reciprocamente ao sistema e impossibilitando que o projeto
capitalista seja traído. Dado que a ideologia nasce nas relações entre as classes, impede-se que
a verdadeira ruptura no nível ideológico aconteça, qual seja, aquela decorrente de mudanças
na base material, que trás consigo o surgimento da consciência de classe.
Devido a sua exposição aos milhares de profissionais submetidos ao sistema
educacional, “a tecnologia gerencial contemporânea tem com a educação uma relação bem
mais estreita e intensa que as primeiras teorias da administração” (GURGEL, 2003, p. 57). A
estes se destina uma educação reprodutora do sistema social favorável aos dominadores, não
uma educação de papel político libertador que proporcione formação aos dominados, embora
seja possível encontrar alguma luz via educação, como também Adorno (1995, p. 177) quer
acreditar quando afirma ser “preciso contrapor-se à barbárie principalmente na escola. Por
isto, apesar de todos os argumentos em contrário no plano das teorias sociais, é tão importante
do ponto de vista da sociedade que a escola cumpra sua função”.
Mas esta luz tem sido precária à medida que a situação da consciência crítica
permanece comprometida pela semiformação, causadora de uma ilusão de verdade. Coligados
a isso estão os processos educativos historicamente intermediados pela “educação bancária”
(FREIRE, 1987), que mantém a verticalização da aprendizagem, Diante disso, frequentemente
na tônica dos cursos de gestão torna-se intransponível elevar o nível de consciência aos
parâmetros da crítica e abre-se um espaço natuzalizador da formação como algo voltado
apenas à inserção na lógica do mercado, em que a banalidade da pesquisa se franqueia
abertamente nas Universidades. Nesse contexto, o docente é condicionado a parâmetros
produtivistas, erroneamente compreendidos como pesquisa, o que, na realidade, contribui para
o desmonte do próprio conceito de pesquisa. É o que Tragtenberg (1978) combatia
incisivamente denunciando como a “delinquência acadêmica”, que naturaliza o conhecimento
técnico e imediatista, o aprendizado de fórmulas de sucesso e a instrumentalidade da relação
professor–aluno.
Essas conduções integram a dialética da ideologia cínica. Não diferente da pesquisa,
com frequência se inserem como ideais de educação as distorções constantes nos famosos
‘manuais’ de gestão, o que se tornou convenientemente intencional. Mesmo Denhardt (2012),
provando que sua escolha é consciente, alerta que devemos investigar as escolhas teóricas dos
pensadores que os escrevem antes de utilizá-los como base. Assim, os manuais se tornam
comumente ‘best sellers’ que, elevados a um “caráter sagrado” (GAULEJAC, 2007), se
caracterizam pela aparente isenção, mas que, na realidade, induzem uma série de regras ao
cotidiano organizacional, que arrefecem a questão social e outras inquietações. No entanto,
são facilmente assimilados como difusores de verdades absolutas. Em suma, os manuais
transformam-se nos baluartes da semiformação dentro da própria academia, que deixou de
priorizar a construção reflexiva do conhecimento para apenas reproduzir discursos prontos de
origem duvidosa.
A educação do gestor público integra um significativo doutrinamento ideológico e, por
conseguinte, a semiformação se apresenta como o melhor padrão formativo do indivíduo que
lida com o interesse público. Estancar essa lógica implicaria na urgente configuração de um
pensamento antissistema, não apenas alternativo, com atenção a aspectos políticos. Como
defendeu Adorno (1995, p. 137):
O centro de toda educação política deveria ser que Auschwitz não se repita. Isto só
será possível na medida em que ela se ocupe da mais importante das questões sem
receio de contrariar quaisquer potências. Para isto teria de se transformar em
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sociologia, informando acerca do jogo de forças localizado por trás da superfície das
formas políticas. Seria preciso tratar criticamente um conceito tão respeitável como
o da razão de Estado, para citar apenas um modelo: na medida em que colocamos o
direito do Estado acima do de seus integrantes, o terror já passa a estar
potencialmente presente.
Entretanto, parafraseando Paula (2012, p. 93), podemos afirmar que se existe um lugar
central da semiformação dos gestores públicos, este se construiu historicamente pelas práticas
das tradicionais Escolas de Governo, formadoras de lacaios do Estado capitalista.
Encarregadas de direcionar o ensino pelo linguajar burocrático-ideológico, as Escolas de
Governo mantêm o tecnicismo figurando como elemento chave do seu discurso. A
semiformação do gestor público torna-se, portanto, expressão do irrefutável dano que paira
sobre a Gestão Pública brasileira. É inegável que o papel das Escolas de Governo converge
essencialmente à reprodução do sistema capitalista. Uma vez destacando-se como centros de
excelência em (semi)formação, tais escolas podem ser verificadas como importantes elos de
consolidação da Gestão Pública danificada na medida em que criam cada vez mais soluções
técnicas para problemas sociais concretos, oriundos da desigualdade social ascendente no
sistema do capitalismo. Com isso, jamais atacam seus problemas de frente questionando a
estrutura, mas agem dentro dela lhe propondo adequações necessárias para evitar a estagnação
generalizada do sistema.
De um modo geral, as Escolas de Governo formam os seus servidores pela versão do
gerencialismo capitaneado por Bresser-Pereira, de modo que se instituiu, a partir de 1995,
uma vitória ideológica importante em favor dos interesses das classes dominantes. Isso
porque, ao motivar a discussão sobre a reforma do Estado, a perspectiva gerencialista
eficientemente anulou outros temas, em especial os localizados no desenvolvimento social.
Assim, por reforço do reformismo implantado através do MARE, mais uma vez destinaram-se
resoluções basicamente técnicas a questões políticas na Gestão Pública brasileira, numa
atualização providente de um movimento em âmbito global.
A transposição ideológica anglosaxã que se transfigura ao contexto tupiniquim é
motiva um desfecho histórico nada favorável à educação, onde a primeira escola de formação
de gestores públicos da América Latina, a atual EBAPE-FGV, situada no Rio de Janeiro e
criada em 1952, iniciou sua atuação focada no ideário desenvolvimentista, sob a tutela
financeira das Nações Unidas e da Unesco (WARHLICH, 1979). A formação de gestores
como estratégia de desenvolvimento implicava uma vinculação paradigmática em que, “com
o passar dos anos e o desenvolvimento do comportamentalismo, a busca da eficiência foi
sendo feita através de técnicas grupais e de competência no relacionamento interpessoal”. Os
esforços da ONU se estendiam também à formação de quadros na UFRGS e na UFBA
(FISCHER, 1984, p. 282).
Nesse período, como reflexo da ditadura militar, houve o declínio profissional do
gestor público, tendo em vista a prioridade da técnica e da competência em detrimento da
política, o que justifica a ascensão de administradores genéricos no assessoramento ditatorial,
especialmente devido a motivação imperialista. Para Coelho (2006), esse afastamento do
gestor público de cena foi expresso inicialmente pela extinção da graduação em
Administração Pública na EBAP na década de 1980 e, mais tarde, pela reorientação no
próprio nome da escola para EBAPE. Estes são exemplos da alienação das próprias Escolas
de Governo no quadro processual brasileiro, que enquanto elites absorveram e capitanearam
positivamente os ajustes recomendados como movimentos necessários à modernização.
Destarte, na atualidade tem-se um quadro em que as chamadas Escolas de Governo atuam
enfaticamente no eixo do treinamento e desenvolvimento.
Tomando por exemplificação apenas a ENAP (Escola Nacional de Administração
Pública e a ESAF (Escola Superior de Administração Fazendária), importantes escolas por
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serem de prospecção a nível federal, podemos dizer que estas expressam sobremaneira o
papel de centros produtores e reprodutores da ideologia gerencialista, pois “configuram-se
como universidades corporativas do setor público voltadas: (a) para a aprendizagem de
funcionários com investidura nas carreiras típicas de Estado; e (b) para a capacitação de
quadros técnicos para os projetos governamentais estratégicos” (FADUL et al., 2014, p.
1346).
A ENAP foi criada em 1986 a partir dos modelos francês e alemão para formar a alta
burocracia do governo da redemocratização, representando o desenfreado reingresso da
administração empresarial na Gestão Pública. Posteriormente se vinculou ao MARE,
auxiliando na formulação das proposições para a reforma do Estado em 1995 e capacitando
para as mudanças posteriores (PACHECO, 2000). Segundo a escola, “os programas e cursos
da ENAP são classificados em duas grandes áreas de ensino – ‘Desenvolvimento Técnico e
Gerencial’ e ‘Formação de Carreiras e Especialização’” (ENAP, 2012, p. 10). Na primeira
grande área da são oferecidos diversos programas e cursos, cujos objetivos são estritamente
instrumentais. Na segunda grande área, há ênfase da escola na burocracia do Estado, sendo
que os cursos “visam preparar quadros das carreiras de Especialista em Políticas Públicas e
Gestão Governamental (EPPGG) e Analista de Planejamento de Orçamento (APO) para o
ingresso na administração pública federal” (ENAP, 2012, p. 100).
Nicolini (2007) assinala que a ENAP forma técnicos especializados que muitas vezes
não conhecem o Brasil e mesmo assim tomarão decisões sobre o país. Segundo Pacheco
(2002, p. 76), o papel das Escolas de Governo é de filtrar e adaptar as ferramentas de gestão
ao contexto do setor público. Além disso, encarregam-se da percepção de novas competências
que maximizem o grau de excelência do Estado, construindo “um conjunto de valores que
renovam a ética no setor público”, ajudando a produzir as mudanças nele desejadas, sendo
importante que as escolas estejam diretamente atreladas ao aparelho do Estado.
É nesse contexto que também se integra a ESAF, de origem mais antiga (1973) e de
formação restrita ao servidor fazendário, que atua nas finanças públicas. No Projeto Político
Pedagógico da ESAF existe referência a um contexto pedagógico que inclui “pluralidade e
flexibilidade nas suas abordagens e estratégias educacionais” (ESAF, 2013, p. 7). Tomando
como base o Catálogo nacional de programação de eventos de capacitação da escola (ESAF,
2015), observamos que a maior parte das atividades envolve finanças públicas, orçamento e
contabilidade, legislação e derivados, bem como cursos voltados às ferramentas de gestão.
Neste enfoque da ESAF, fica claro que a formação de consciência crítica dos gestores se
restringe à responsabilidade para com as finanças públicas, o discurso economicista sendo
elevando a primeiro plano.
4. Considerações finais
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difusa, vinda do contexto eurocêntrico de modo geral. Contudo, o preço que se pagou foi a
criação de uma identidade em que, como Adorno e Horkheimer (1997) defendem, retira-se a
possibilidade de criar algo idêntico consigo mesmo. O idêntico ao Outro é, assim, reeditado
nos princípios formativos dos gestores públicos brasileiros na contemporaneidade. O ensino é
um veículo importante dessa dominação, como aponta Motta (1990). É uma
instrumentalização que tem altos custos ao âmbito nacional, pois uma importante evidência
que aponta para a semiformação é que nas citadas Escolas atualmente inexistem eixos
efetivamente consolidados de educação política ou voltados à sociologia, tendo sido mitigado
o estudo do pensamento social brasileiro.
Modelos imediatistas de raciocínio em favor da obtenção de lucro no mercado, que se
estendem a todo complexo de ensino, limam a catalisação de interesses universais, criadores
de “condições para estimular o entendimento das contradições sociais que determinam a
estrutura da sociedade capitalista” (WELLEN e WELLEN, 2010, p. 171). As Escolas de
Governo mantêm uma distância contraditória à condução dos seus formados ao discernimento
autônomo. Criar caminhos próprios de análise e conhecimentos críticos derivados de
experiência formativa viva e ativa é algo que a eles não está facultado. O que este tipo
deformativo de abordagem educacional proporciona é um quadro de liofilização da
aprendizagem e do conhecimento4, uma vez que é sustentada em modelos estereotipados, de
pretensão neutra e dimensão crítica e reflexiva inexistente. Nessa liofilização, da dimensão
formativa é retirado todo o aspecto ‘perigosamente crítico’ do ensino, mantendo-se apenas o
nível necessário para a devida reprodução das informações já processadas pelo Outro, o dono
do conhecimento que subsiste para a reprodução do capital. É um processo que corresponde,
portanto, a uma era de produção enxuta do conhecimento, dialeticamente contraditória ao
produtivismo acadêmico. Assim, na instrumentalização necessária à formação, os elementos
críticos não são rechaçados, mas deles se faz o melhor uso. E toda crítica numa dose correta,
só tem a formar gestores adequados que, em sua formação ‘crítica’ são capazes de agir em
prol da boa gestão do Estado capitalista, remediando a questão social.
O elemento fundamental da formação é a autonomia, na qual, ao contrário da
heteronomia, o indivíduo é capaz de articular acessos que a constituem. Mas, Adorno (2010,
p. 15) lucidamente alerta de que no “a priori conceito de formação propriamente burguês, a
autonomia, não teve tempo nenhum de se constituir, e a consciência passou diretamente de
uma heteronomia a outra”. O filósofo aponta que uma ação mais próxima em prol da
formação implicaria na urgência de “uma política cultural socialmente reflexiva”, o que
provavelmente ainda não alcançaria o centro da semiformação cultural. É por isso que
assinalamos o assujeitamento deve ser considerado derivado da semiformação, tendo em vista
que representa a submissão disciplinada e a adaptação à lógica do sistema vigente, em que
apenas resta aos indivíduos o “conformismo bem informado” (HORKHEIMER, 2002).
Obviamente não defendemos um suposto papel salvacionista à formação dos gestores
públicos, tampouco que este esteja a cargo das Escolas de Governo, e de que estas
supostamente seriam melhores caso sua formação apontasse outros rumos. O fato que nos
cabe adornianamente apontar é de que o aprendizado percebido nas escolas de formação dos
gestores públicos não atravessa para além das funções burocráticas que sustentam o
capitalismo. O gestor público aprende a ser, substancialmente, um burocrata do Estado e,
nisto, a aparência do que faz se torna a maior parte de sua ‘essência’. Tal como é hoje o
ensino da Gestão Pública, destina-se à semiformação, a ‘formar’ homens e mulheres sem
alma, sem espírito sensível, numa verdadeira ode à falência do interesse público, rasgando o
que desde os antigos, como Platão, foi estabelecido como fim último para esta esfera: a
promoção da felicidade humana.
Enquanto os indivíduos estiverem integrados na sociedade de consumo e por ela se
sentirem suficientemente atendidos, dificilmente buscarão alternativas antissistema,
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REFERÊNCIAS
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1
Adorno (1992) chamou de vida danificada (beschädigten Leben) o que vivemos hoje como resultado de uma
sociedade administrada, onde a consciência humana é moldada para se adaptar às exigências técnico-
econômicas. Ao suprimir a subjetividade, aniquilando a autonomia do indivíduo pela assimilação sistemática da
racionalidade instrumental, a vida se torna danificada e passível de manipulação. Nesse contexto, a adesão à
lógica da mercadoria, onde as preocupações se dão apenas no nível dos valores imediatos do consumo, passa a
ser a forma mais reconhecida de assunção e condução da vida.
2
No aforismo 96 de Mínima moralia Adorno (1992, p. 130) aclara essa crítica: “há um quarto de século que os
cidadãos mais velhos e que ainda deveriam se lembrar do outro acorrem inermes à indústria cultural, que calcula
com tanta exatidão os corações carentes. Eles não têm nenhuma razão de se indignar com essa juventude
pervertida até à medula pelo fascismo. Os desprovidos de subjetividade, os culturalmente deserdados, são os
legítimos herdeiros da cultura”.
3
Recorremos aqui ao uso em sentido negativo, crítico, do termo “hipostasia”, conforme Abbagnano (p. 1998, p.
500) reconhece legítimo na linguagem moderna e contemporânea.
4
Da expressão “liofilização do trabalho”, tomada de empréstimo por Ricardo Antunes de Ruan José Castillo
para a análise do mundo do trabalho (ANTUNES, 1999, p. 50).
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Resumo
O artigo discute as considerações centrais da “administração política” sobre a gestão como
objeto central. Argumenta-se que a centralidade da “gestão” para a “administração política”
não a difere com relação ao chamado mainstream, mantendo a mesma redução dos problemas
sociais a um mero problema de gestão. O artigo propõe uma retomada da relação entre a gestão
do estado e as contradições sociais, demonstrando que a gestão do estado pressupõe e não
procura eliminar tais contradições. Ao discutir a propositura da “administração política” de que
seu objeto é a “gestão”, demonstra-se que o real objeto da gestão do estado são as contradições
sociais que formam sua base. Argumenta-se que ao assumir o ponto de vista da gestão do estado,
a “administração política” fica implicada aos limites da razão política (voluntarismo político e
impotência da administração), isto é, não apreender corretamente as forças motrizes das
mazelas sociais e, assim, confirma-se como ideologia de talhe sincrético por expressar os
interesses de preservação das relações de produção embora incorpore o projeto político de bem-
estar social.
Palavras-chave: administração política, gestão do estado, contradições sociais, razão política
1. Introdução
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Por fim, tomaremos as variadas considerações para explorar algumas implicações para a
“administração política” que pretende romper com o entendimento político e colocar as
contradições sociais como o real objeto da gestão do estado e da própria pesquisa nessa área.
À primeira vista é uma obviedade constatar que a “gestão” ocupa lugar central para a
“administração”. Mas existem mais coisas nessa centralidade que revelam os limites de
apreensão da realidade ao assumir uma posição centrada em si mesma, não radical, que não
“agarra as coisas pela raiz”. Além do mais, se a gestão ganha centralidade, é preciso perguntar
como se expressam as contradições sociais uma vez que a “administração política” reivindica
um deslocamento em relação ao mainstream que, como todos sabem, é avesso à evocação de
tais contradições.
Essa centralidade, para o chamado mainstream, é mais do que uma determinação de objeto de
estudo como tende a ser para a “administração política”. Afinal, não é novidade alguma o
interesse no estudo da prática administrativa no intuito de aprimorar a “eficácia organizacional”
– todo o movimento do pensamento administrativo responde de modos variados ao problema
da produtividade do trabalho nas diferentes fases de desenvolvimento do capitalismo. O curioso
é aquilo que vai além desse interesse e que coincide com uma absoluta apologia, além da
promoção de uma espécie de redução dos complexos problemas sociais à própria “gestão”.
Em suma, trata-se de uma centralidade da “gestão” mesmo para a “administração”
marcadamente do mainstream; algo que, portanto, não serve à distinção frente à “administração
política”.
Podemos chamar a atenção para um exemplo. Peter Drucker consegue aglutinar tanto a apologia
quanto a redução. Num artigo muito conhecido do público brasileiro, o austríaco comenta que
“a administração tem sido a atividade vitoriosa por excelência nestes últimos cinquenta anos –
mais até do que a ciência” (1986, p. 7). Frise-se: “mais até do que a ciência”. Avalia a
administração na qualidade de mediação potencial e não contraditória para a realização dos fins
comuns, ao afirmar que “a administração precisa tornar-se o instrumento pelo qual a diversidade
cultural possa atender às finalidades comuns da humanidade” (1986, p. 18). Além da apologia
aberta e sem disfarces, intui ser portador de exagero embora ignore a própria intuição: “pode-
se dizer, sem muito exagero de simplificação, que não existem países subdesenvolvidos.
Existem apenas países subadministrados” (1986, p. 19). Todo o complexo de problemas
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envolvido no desenvolvimento nacional é para ele redutível ao modo como as coisas são enfim
administradas, pois “toda a nossa experiência em desenvolvimento econômico prova que a
administração é o principal propulsor e que o desenvolvimento é uma consequência” (1986, p.
20). Vê-se que todos os problemas sociais são reduzidos à “administração”, à “gestão”; saem
de cena as contradições sociais e a “administração” aparece como a potência resolutiva.
Por que motivo podemos encontrar semelhante movimento nas principais elaborações da
“administração política”? Evidentemente não se trata da mesma e exata questão. Basta saber
que existe na “administração política”, de maneira totalmente aberta e declarada, uma
propositura distinta do chamado mainstream. A demarcação da “administração política” segue
pelo caminho do “fazer científico” e pela ampliação da consciência frente aos problemas a
serem enfrentados. Mas não se questiona acerca das efetivas potencialidades da própria
“gestão”; presume a “gestão” como força maior, no mesmo talhe da linha frente a qual pretende
se diferenciar:
Pressuposta como capaz de dar tais respostas, a semelhança com o próprio mainstream do qual
se pretende distanciar não é pouco visível. Essa redução das contradições à “gestão” pode ser
reforçada por outros aspectos que revelam que a “ruptura” com o mainstream se dá num plano
meramente conceitual e termina por enfatizar a mesma finalidade comum abstratamente posta
tal como as “finalidades comuns da humanidade” em Drucker:
Há que se enfatizar novamente que a ruptura é dada no plano conceitual, adicionando uma
“razão subjetiva” à “instrumental” e tomando isso por autêntica ruptura. Não obstante, é
possível afirmar um “desenvolvimento humano comum” apenas de maneira abstrata e sem
lastro real na medida em que retira de cena as contradições sociais. Ora, como é possível um
“desenvolvimento” dessa natureza pressupondo existente uma sociabilidade com uma
distribuição dos meios de produção da riqueza que põe as condições para a negação do
“desenvolvimento humano comum”, uma sociabilidade cuja lógica é a acumulação privada e
que não sucumbe às nossas conjecturas?
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como verdadeira força motriz para o desenvolvimento econômico, seja como mediação para
uma “sociedade igualitária”.
Destaquemos ainda mais essa centralidade da “gestão” para a “administração política”, pois nos
ajuda a revelar a posição social de sua propositura. Podemos ler que há uma “valorização da
“gestão” como categoria essencial da administração” e que essa centralidade permite revelar o
verdadeiro “objeto de estudo da administração como campo do conhecimento” (Gomes, 2012,
p. 11). Sem volteios, “a gestão constitui-se no objeto próprio da administração política” (Santos,
2009, p. 61). Trata-se, pois, da “forma pela qual o Estado se organiza e se estrutura para gerir
o processo das relações sociais de produção” (Santos; Ribeiro, 1993, p. 106). Em outros termos,
importa a gestão estatal das relações de produção, do estado como o demiurgo da sociedade.
Embora existam outras nuances, como o imediato locus da produção econômica, é a gestão
estatal das relações de produção o núcleo duro da propositura da “administração política”.
É preciso esclarecer tais “relações sociais de produção”. Ora, não estão aí colocados a divisão
da propriedade dos meios de produção, o relacionamento entre capital e trabalho, o movimento
contraditório da produção do valor e, portanto, os mecanismos para a acumulação privada da
riqueza e a consequente ampliação da desigualdade social apesar do progressivo aumento das
forças produtivas? É inegável que se trata da questão levantada antes acerca da relação entre a
gestão do estado e as contradições sociais. E é precisamente essa relação que não parece estar
totalmente consciente para a própria “administração política” ao manter a “gestão” como sua
centralidade.
Como existem aqui muitas questões importantes, retomaremos certos aspetos no próximo item.
Retemos nesse momento somente a insuficiência em revelar o verdadeiro ângulo da análise da
própria “administração política”. Trata-se em parte de um sujeito oculto. É possível revelá-lo:
Fica dito o que precisa ser feito (“operar a economia capitalista”, na “definição das
quantidades”), o como pode ser feito (“arranjos organizacionais e institucionais”), mas quem
deve fazer não se explicita abertamente embora já saibamos ser o estado. Tendo, portanto, o
estado por tal sujeito, torna-se revelado o “ponto de vista da administração política”:
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A alegada ruptura com a “crítica da economia política” já é anúncio de uma posição social de
resignação frente o necessário processo de transformação para alguma “sociedade mais
igualitária”, como é aparentemente pretendido. É preciso reter, não obstante, que o “ponto de
vista da administração política” é o “ponto de vista” do estado capitalista e o fator
preponderante desse “ponto de vista” é a própria gestão do estado. Tudo se esclarece como
segue:
Vê-se que o objeto é a gestão do estado e não as contradições sociais que a informam. Assim,
a “administração política” precisa explicar, então, o suposto interesse de um estado capitalista
em uma “sociedade mais igualitária”, como dito antes, ou em um “certo nível de bem-estar”,
agora de modo mais brando, sem processos transformadores agudos e revelar as possibilidades
reais nesses termos ou terá que assumir que se trata de uma forma diferenciada e não
revolucionária de organizar a mesma produção do valor que engendra as contradições que
“confrontam” o estado nessa elaboração da “administração política” (Veremos adiante que esse
“confronto” é, ao mesmo tempo, pressupor tais contradições existentes sem superá-las). Um
“modelo de gestão das relações sociais” explicita o interesse político-burocrático de administrar
os homens sem alterar as próprias relações entre eles.
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Assim, a relação entre a gestão do estado e as contradições sociais precisa ser trazida totalmente
à baila sob pena de se eliminar da análise as classes sociais e as frações de classe, isto é,
manifestação das contradições no plano econômico e político. É o que pretendemos desenvolver
a seguir.
A “administração política” paga um pesado tributo a grande parte da tradição ocidental quando
o assunto é o estado. Com a tendência de tomar o estado como ente não contraditório e de ser
expressão do ponto de vista do estado, deixa de revelar a relação do estado com as classes
sociaisi. O estado, então, assume feições monolíticas e morais, sem fissuras e acima das classes
sociais (Cf. Marx, 2005). Daí decorre, por exemplo, a ideologia da burocracia de estado como
um aparato meramente técnico, supraclasse e sem relação com seus interesses. Em suma, a
“classe universal” de Hegel (2010), a qual alegadamente cuida do “interesse geral”.
É a luta política, no entanto, entre as classes e frações de classe que molda a própria gestão do
estado. E claro, existe a reciprocidade: que um dado modo de gestão do estado pode dar certo
rumo a tais contradições e antagonismos – sem, no entanto, resolve-los, como veremos a seguir.
A clássica afirmação de que “o executivo no Estado moderno não é senão um comitê para gerir
os negócios comuns de toda a classe burguesa” (Marx; Engels, 1998, p. 42) não contradiz a
correlação de forças entre as frações moldando a gestão do estado uma vez que as frações
dominantes da classe dos proprietários do capital tendem a imprimir seus interesses dada a sua
supremacia, mas não sem alianças e sem a acomodação das classes dominadas nem sem
conflitos internos às próprias classes dominantes. Não obstante certo formalismo lógico,
Poulantzas (1980) conseguiu expressar muito bem esse problema, da luta de classes e das
frações de classe no interior do próprio estado, incluindo seu aparato burocrático. Mas é preciso
evitar soluções esquemáticas que apelam excessivamente para o formalismo. Por isso, podemos
considerar o problema tal qual Lukács tematizou brevemente acerca do direito, mas que é
facilmente apreensível como um problema da “oficialidade” estatal para indicar a questão dos
antagonismos mais complexos:
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
avaliações divergentes por parte das pessoas singulares envolvidas, razão pela qual,
em muitos casos, a reação à legislação e à jurisdição não tem de ser unitária nem
dentro da mesma classe. Isso se refere, em terceiro lugar, não só às medidas que uma
classe dominante adota contra os oprimidos, mas também à própria classe dominante
(sem falar de situações em que várias classes participam da dominação, por exemplo
latifundiários e capitalistas na Inglaterra após a “Glorious Revolution” [Revolução
Gloriosa]). Abstraindo totalmente das diferenças entre os interesses imediatos do
momento e os interesses em uma perspectiva mais ampla, o interesse total de uma
classe não consiste simplesmente na sumarização dos interesses singulares dos seus
membros, dos estratos e grupos abrangidos por ela. A imposição inescrupulosa dos
interesses globais da classe dominante pode muito bem entrar em contradição com
muitos interesses de integrantes da mesma classe (Lukács, 2013, p. 233)
Apreendendo então que no interior do próprio estado se manifesta os conflitos mais complexos
entre as classes passa a ser decisivo compreender as relações de força e, nelas, a supremacia de
frações de classe e suas alianças. Nesse sentido, a “administração política”, como ponto de vista
do estado, é posição social na correlação de forças que molda essa gestão do estado, o modo
de funcionamento dos aparatos administrativos, jurídicos e militares os quais, por sua vez,
porquanto formam também camadas sociais nada desprezíveis (burocratas, tecnocratas, juristas
etc.), desenvolvem interesses sociais e realizam alianças com as frações de classe na luta
política.
Como vimos antes, tomada a “gestão” como o elemento decisivo, não menos importante é, no
entanto, a dimensão das relações sociais de produção. No interior dessas relações persistem
contradições e antagonismos, sem dúvida, não apenas aquele que demarca no âmago a produção
do valor, mas contradições inclusive entre as frações de classe no interior das próprias classes
sociais, como aludido acima, seguindo Lukács. Por isso, ao invés de situar, como faz a
“administração política”, seu objeto o modo como o estado se organiza para gerir tais relações,
seria mais essencial perguntar como o estado se relaciona com tais contradições sociais. É esta
a questão que precisa vir à baila.
Trata-se de uma questão fundamental para a qual a gestão do estado é uma parte da resposta.
Poderíamos dizer que esse é também o limite da “administração política” ao não apreender as
contradições em meio às quais está a própria gestão do estado incluída como o objeto central.
A categoria essencial da gestão do estado não é, portanto, a gestão do estado, mas as
contradições sociais em “oposição” à gestão do estado. Limitando-se à gestão do estado como
angulação da realidade, perde-se de vista precisamente a real função do estado e a relação desse
aparato administrativo, jurídico e militar frente às classes sociais.
A maneira mais segura é tomar da realidade concreta o modo como os estados mais
desenvolvidos e também os “periféricos” são geridos frente as contradições sociais. Com isso
conseguimos identificar também a relação da gestão do estado com tais contradições.
O que revelam os casos concretos, por exemplo, dos Estados Unidos da América ou da Suécia?
Para que seja possível uma rápida apreciação, tomemos o exemplo da desigualdade como uma
expressão mais visível das contradições de fundo, sobretudo a distribuição dos meios de
produção da riqueza. Como lidam com a desigualdade? Ambos se relacionam por meio de
medidas administrativas de ordem repressiva e assistencial, além de outras medidas de natureza
assemelhadaii iii. Mas, mesmo nesses países a desigualdade tem demonstrado tendência de
crescimento, como atesta a pesquisa de Piketty (2014) sobre a concentração da riqueza e a queda
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
geral dos salários. No Brasil encontramos algo diferente? As mesmas medidas administrativas
podem ser encontradas na atuação do estado frente aos problemas sociais, em particular a
desigualdade social. Programas, como o Bolsa Família, materializam políticas semelhantes das
encontradas em terras nórdicas ou estadunidenses e que não ultrapassam o momento da
circulação, do mercado de consumo, privilegiando, inclusive, o endividamento familiar. Quem
poderia afirmar que isso não é a procura por um “certo nível de bem-estar”?
Porém, é preciso perguntar: em algum desses países a desigualdade social foi eliminada? Não
é e nem pode ser objetivo do estado capitalista e de sua gestão a superação da desigualdade
social e é aqui que a “administração política” precisa questionar seus pressupostos acerca do
interesse do estado e da potência de sua atuação administrativa em meio à relação das classes
sociais e as contradições ao fundo. As razões para isso foram magistralmente expostas por Marx
nas Glosas críticas de 1844 e a ela devemos recorrer para, no esforço de síntese, apreciar os
limites da “administração política” como expressão dos limites da gestão do próprio estado, isto
é, da ação estatal frente as contradições sociais.
Em tais Glosas críticas Marx enfrenta a tese de Arnold Ruge, qual seja, a de que o rei da Prússia
implementou medidas administrativas e assistencialistas para combater o pauperismo e toma a
administração precisamente como fonte de falhas em razão de ser a sociedade alemã apolítica,
por não possuir um entendimento político desenvolvido da questão. Assim, a sociedade alemã
não detecta a “penúria dos distritos fabris como um problema universal”, nas palavras de Ruge
(Marx, 2010, p. 25-6), por ser um país apolítico.
Essas constatações são retiradas da análise dos casos concretos da Inglaterra, principalmente,
mas também da França e da Alemanha, nos quais a questão decisiva é determinar o nexo
objetivo entre o pauperismo e os estados nacionais. Limitando-nos ao caso inglês, diz Marx:
Admita-se que a Inglaterra seja um país político. Admita-se, ademais, que a Inglaterra
seja o país do pauperismo, tendo inclusive esse termo origem inglesa. Examinar a
Inglaterra constitui, portanto, o experimento mais seguro para obter conhecimento
sobre a relação entre um país político e o pauperismo. Na Inglaterra, a penúria dos
trabalhadores não é parcial, mas universal; ela não se limita aos distritos fabris, mas
se estende aos distritos rurais. Nesse país, os movimentos não se encontram em fase
de surgimento, mas são periodicamente recorrentes há quase um século. Ora, como a
burguesia inglesa, além do governo e da imprensa a ela associados, compreendem o
pauperismo? (Marx, 2010, p. 30)
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
A primeira coisa que a Inglaterra tentou, portanto, foi acabar com o pauperismo por
meio da beneficência e de medidas administrativas. Depois, ela não encarou o avanço
progressivo do pauperismo como consequência necessária da indústria moderna, mas
como consequência do imposto inglês para os pobres (Marx, 2010, p. 34-5)
Primeiro, medidas administrativas; depois, culpabilização dos pobres pela pobreza. Com a
inspeção do caso inglês, Marx demonstra que o combate à pobreza por meio das medidas
administrativas é a conversão dos problemas sociais em objeto de administração, o que tem
especial importância para nossa argumentação e para a explicitação dos limites da
“administração política”:
Trata-se, no último caso, de referência às Workhouses inglesas. O pauperismo precisa, pois, ser
analisado em suas condições reais para a chegada à determinação de que o estado não pode
resolver tais contradições sem “suprimir a si próprio” (2010, p. 39), disse Marx, porque está
assentado nessas contradições. As medidas administrativas, portanto, ou, o que é o mesmo, a
gestão do estado, não visa a superação das mazelas sociais. Administrá-las significa preservá-
las a níveis aceitáveis, toleráveis, em “certo nível de bem-estar”, que não agucem os ânimos e
nem desperte a ameaça de impulsos revolucionários. É preciso dizer à “administração política”:
De te fabula narratur! A partir dessa análise de realidade, Marx revela que a administração
dos problemas sociais é o próprio limite do estado que converte tais contradições em objetos de
administração:
O estado não pode agir de outro modo, pois não se revela ao próprio estado as causações
primárias dos problemas que supostamente combate. Está posta já o limite da razão política
que possui um limite real, dadas as condições de possibilidade do próprio entendimento
político. Vejamos primeiro tal limite real antes de retomarmos o limite daí derivado da razão
política:
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
atividade formal e negativa, porque o seu poder termina onde começa a vida burguesa
e seu labor. Sim, frente às consequências decorrentes da natureza associal dessa vida
burguesa, dessa propriedade privada, desse comércio, dessa indústria, dessa
espoliação recíproca dos diversos círculos burgueses, frente a essas consequências a
lei natural da administração é a impotência (Marx, 2010, p. 39)
Como o estado tem por base as próprias contradições, depende delas e existe em relação a elas,
a administração é impotente no sentido de sua superação. O limite da administração, portanto,
é a perpetuação das contradições que são sua base. O impulso verdadeiramente transformador
da realidade precisa ser externo ao estado, nasce necessariamente externo a ele, tem “alma
social”, mas o estado mesmo não pode assumir essa sua impotência, da mesma forma que tal
impotência não pode ser revelada pelo mainstream nem pela “administração política” que o
combate:
Assim, os limites dessa atuação do estado, atuação político-administrativa, revelam-se não pela
hipostasia de argumentos presos a pressupostos conceituais, não pelo valor mais ou menos
heurístico de uma elaboração ideal, mas se ancora nas determinações objetivas que revelam a
análise de realidade do caso concreto.
Agora podemos retomar a questão do entendimento político, da razão política, uma vez que já
ficaram à mostra os limites objetivos que formam as condições de possibilidade para tal
entendimento e ajudam a revelar como a “administração política” se move dentro desse
entendimento e, portanto, também como uma posição ideológica de tipo particular:
Quanto mais poderoso for o Estado, ou seja, quanto mais político for um país, tanto
menos estará inclinado a buscar no princípio do Estado, ou seja, na atual organização
da sociedade, da qual o Estado é expressão ativa, autoconsciente e oficial, a razão das
mazelas sociais e a compreender seu princípio universal. O entendimento político é
entendimento político justamente porque pensa dentro dos limites da política. Quanto
mais aguçado, quanto mais ativo ele for, tanto menos capaz será de compreender
mazelas sociais. /.../. O princípio da política é a vontade. Quanto mais unilateral, ou
seja, quando mais bem-acabado for o entendimento político, tanto mais ele acredita
na onipotência da vontade, tanto mais cego ele é para as limitações naturais e
intelectuais da vontade, tomando-se, portanto, tanto menos capaz de desvendar a fonte
das mazelas sociais (Marx, 2010, p. 40-1)
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Dado que o estado não pode eliminar as contradições que são sua base sem eliminar a si mesmo,
o entendimento político acerca dessas contradições não ultrapassa a própria política como força
de superação dessas contradições. Mas a materialização dessa política se dá pela administração
do estado: vontade política e impotência da administração, eis o corolário da razão política
operante nas suas condições objetivas de possibilidade.
Mas apenas a organização das massas e classes dominadas pode impor uma alteração real nas
relações sociais de produção e, por decorrência, uma alteração na atuação do estado frente a
tais relações contraditórias no sentido de destruí-las (Cf. Paço Cunha, 2016). Em suma, uma
ação política que visa superar a própria política porque entrevê a necessária superação das
contradições que formam sua base real. Isso é algo impossível para um “modelo de gestão das
relações sociais”, para a gestão do estado partindo de si mesma e que toma as contradições
como dadas, que não visa a sua própria superação como estado. Sobretudo porque a correlação
de forças dos interesses da própria burocracia de estado e dos proprietários do poder econômico
não põe nem pode pôr como horizonte a descontinuidade das relações de produção e do próprio
estado do capital.
Com a ajuda dessas considerações ficam expostas problemáticas que a “administração política”
precisa enfrentar. Algumas delas podem ser consideradas, sem a pretensão de esgotá-las.
É importante destacar que a categoria essencial da gestão do estado são as contradições sociais
e não a sua própria gestão. Esse é seu real objeto, seus pressupostos convertidos em objeto de
sua administração. A “administração política” é um tipo particular de ideologia (com marcas
de sincretismo) dessa gestão do estado sobre as contradições. Nesse sentido, a centralidade da
gestão para a “administração política” revela que seu ponto de vista é o aperfeiçoamento da
gestão do estado como tal existente, deixando intactas as contradições ao fundo: a relação entre
as classes, o problema da produção do valor, da propriedade sobre os meios de produção. O
passo adiante da “administração política”, porém, em relação ao mainstream pode ser
exemplificado pelo tipo de pergunta que se faz:
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
Passo adiante relativo, pois são questões aproximadas das de Saint-Simon, Fourrier e Proudhon:
deixam ligeiramente de lado o problema da distribuição dos meios de produção da riqueza por
se limitar demasiadamente ao plano da circulação e do consumo. Longe de dizer que essas
questões aventadas não tenham qualquer relevância, ocupa lugar central os conflitos
potencialmente engendrados em torno do como se dispor da apropriação do mais-trabalho.
Abandonando esse nível da realidade, o resultado é a reflexão limitada à esfera da circulação
da riqueza. Por isso, as medidas administrativas como materialização da gestão do estado, como
mostramos, toma a distribuição dos meios de produção como algo dado e acabado, como “lei
natural”. É sintomático que essa distribuição não figure entre os “problemas da Administração
Política”, entre as perguntas que ela faz com “elevado grau de generalidade e abstração”. Talvez
esteja aí um dos pontos a serem observados: passar à materialidade, aos nexos objetivos por
meio dos quais se move a realidade concreta.
Assim, ao depositar toda a energia na vontade política que não transcende os limites da própria
política e na impotência da administração em anular as contradições, certo nível de mal-estar é
o real objeto da gestão do estado. A “administração política” precisa “apreender o seu objeto
sob o seu objeto”, isto é, as contradições que formam a base real da gestão do estado. Mantendo-
se a centralidade da gestão para a “administração política” é colocar-se entre espelhos paralelos
e ver a si mesma tendencialmente ao infinito ou presa nos limites das angulações possíveis...
Portanto, tendo sido revelado, por meio de casos concretos evocados por Marx e exemplificados
contemporaneamente, que a administração por meio de medidas administrativas (quando não
repressivas) dos problemas sociais é o próprio limite do estado que converte tais problemas em
objetos de administração, e sendo a “administração política” o ponto de vista da gestão do
estado, ela é também posição ideológica dessa administração, desdobramento da onipotência
da vontade, um ideário da impotência prática frente as contradições que são sua base. Como tal
ponto de vista, a “administração política” insinua também ser uma síntese dos interesses da
burocracia estatal e das frações de classe ligadas ao capital, uma posição que não ultrapassa as
condições de sua própria gênese, que não tem consciente os interesses reais que mobiliza.
Como tal posição, a “administração política” implica um projeto político que comporta alguma
ambiguidade. Ou se assume que os casos concretos revelam um limite do estado na gestão, por
exemplo, da desigualdade, isto é, incapacidade tornada prática em superar tais problemas, ou
se presume que a administração política orbita um projeto de uma sociabilidade que ainda não
existe, que procura tirar sua poesia do futuro. Nesse último caso, seria imprescindível mostrar
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quais modificações seriam necessárias nas correlações de forças para que o estado pudesse
funcionar negativamente noutra direção, destruindo as relações sociais de produção que
engendram a desigualdade a ser combatida ao invés de tomar tais relações como dadas. Assim
o fazendo ela estaria refletindo interesses de classes para além do capital – contrários à
burocracia do estado e aos proprietários. Sem um tal projeto, teria que assumir um modo de
estado ligeiramente diferenciado, um “modelo de gestão das relações sociais” que pressupõe
inteiramente preservadas as contradições como tais existentes, quer dizer, pressupor a
continuidade das relações sociais de produção. Nessa última direção, teria que assumir como
projeto uma inquietante e improvável humanização do capital posto sob a vontade do estado.
Teria que pressupor a onipotência da vontade, pressupor ser o poder que domina, não ser o
servo do capital. Teria, por fim, que acertar as contas com a “incontrolabilidade do capital”
(Mészáros, 2002). E é aqui que parece haver maior aderência à propositura política da
“administração política”.
Nesse último sentido, mostra-se ainda como uma posição ideológica de conservação não pura
das relações sociais de produção. Conservação não pura em razão do talhe sincrético já aludido
ao incorporar aspectos de um desenvolvimentismo, de um “certo nível de bem-estar” – que é,
ao mesmo tempo, certo nível de mal-estar. Para enfatizar, administrar os problemas sociais ou
reduzi-los à gestão do estado, significa preservar tais problemas a níveis toleráveis, não
ameaçadores. Em suma, sincretismo que procura “conciliar o inconciliável” (Marx, 2013, p.
87). Essa ideologia serve, no entanto, à preservação das relações de classe. Atende, portanto,
aos interesses das classes dominantes, não obstante as suas oscilações por ter que acomodar os
antagonismos sob a rubrica da gestão do estado. Outros estudos já haviam constatado
recentemente algo semelhante:
/.../ não se trata [a “administração política”] de uma ideologia conservadora [pura], pois
não se puderam rastrear apologias ou defesas abertas ao capitalismo. Ao mesmo tempo,
embora se empreenda uma análise realista, não se trata de uma ideologia revolucionária,
pois a solução prática para os problemas não supera a ordem do capital. O que se verifica
então é que se trata de uma ideologia intermediária. Isto merece ser destacado haja vista
que a construção histórica do pensamento administrativo é toda ela permeada por
ideologias conservadoras. A administração política é certamente um campo progressista
neste sentido; sincrético, mas também progressista (Guedes, 2015, p. 14).
Como a superação das contradições que formam a base do estado não podem ser superadas sem
o estado superar a si mesmo, a “administração política” precisa questionar o entendimento
político dentro do qual vem se movendo. Ora, se as condições objetivas revelam a obstrução da
superação das contradições por meio de medidas administrativas, por meio da vontade política,
a insistência em permanecer circulando no interior do entendimento político revela uma
dificuldade de apreensão dos nexos reais por meio dos quais se movem as próprias contradições.
Nesse sentido, ser matrizada pela razão política é ser consequente a um politicismo:
Não queremos dizer que não existe consideração sobre a economia nos debates da
administração política. O que há é um pressuposto de que a economia é um objeto de
manipulação de acordo com uma vontade política que aparece sem mediação das classes
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sociais. Os casos concretos aludidos, entretanto, dão conta de mostrar os limites da gestão do
estado frente às contradições.
Nessa direção, a análise dos casos concretos em que se relacionam a gestão do estado e as
contradições que formam sua base revela que, não obstante as diferenças, as medidas
administrativas são o modo mais central de atuação do estadoiv. Mas é a análise de realidade
dos casos concretos, seja do Brasil, dos Estados Unidos ou da Suécia, que revela tais questões,
a impotência da administração precisamente porque não visa nem pode visar à superação das
contradições. Assim, é imprescindível à “administração política” que pretende deixar o
entendimento político uma análise da realidade por meio daquilo que há de melhor quando o
assunto e a reprodução dos nexos objetivos das contradições moventes: o materialismo.
Com efeito, o desenvolvimento da “administração política” depende, a nosso ver, de uma crítica
à sua posição, de uma crítica da administração política, mas “em que tal crítica representa uma
classe específica”, qual seja, “a classe cuja missão histórica é o revolucionamento do modo de
produção capitalista e a abolição final das classes” (Marx, 2013, p. 87). Depende também e
nesse sentido de uma apreensão materialista do estado e das relações de classes sociais para
transpor os limites da tradição ocidental de identificar no estado um ente moral capaz de servir
de mediação não contraditória. Precisa romper os limites da razão política e identificar o
próprio estado como índice dos problemas e não a mediação mais indicada para a solução.
Nessa direção, depende de mais economia política e não menos, como parece ser o
direcionamento dado em alguns de seus textos basilares.
Referências
Chasin, J. Conquistar a democracia pela base. In: A miséria brasileira: 1964 – 1994: do golpe
militar à crise social. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 2000, p. 59-78.
Marx, K. Glosas críticas ao artigo “’O rei da Prússia e a reforma social’. De um prussiano”. In:
Lutas de classes na Alemanha. São Paulo: Boitempo, 2010.
291
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Lukács, G. Para uma ontologia do ser social. São Paulo: Boitempo, 2013.
Santos, R.S. Em busca da apreensão de um conceito para a administração política. In: Santos,
R.S. (Org.). A administração política como campo do conhecimento. 2ª ed. Salvador: FEA
UFBA; São Paulo: Hucite-Mandacary, 2009.
Santos, E.L; Santana, Weslei G.P; Santos, R.S; Braga, V.L. Contribuições da administração
política para o campo da administração. Revista Interdisciplinar de gestão social. vol. 3, no. 2,
maio/ago, 2014.
i
É preciso enfatizar que isso se confirma tendencialmente haja vista a existência de outras elaborações que apontam
que “o conceito de Administração Política resgata tradições clássicas do pensamento crítico ao mesmo tempo que
questiona o paradigma referendado acerca da “neutralidade”, da supremacia da “técnica” e dos objetivos
“consensuais” do Estado. Afinal, o Estado não é neutro — dado que, reitere-se, está a serviço da reprodução da
sociedade de classes –, é constrangido pela lógica da acumulação capitalista, que é mutável e inclui
necessariamente o contexto internacional, e seus objetivos (do Estado) são contraditórios em razão da própria
contradição da sociedade de classes à qual sua existência é condicionada” (Fonseca, 2008). Ocorre, porém, que
essa tendência em marcar a relação entre as classes, o estado e a lógica do valor é algo mais marginal no conjunto
das principais formulações. É possível investigar se essas oscilações não são fruto de um estágio de
desenvolvimento da discussão em que não ficou totalmente esclarecida a diferença entre a “administração política”
e a crítica da administração política.
ii
https://www.usa.gov/benefits-grants-loans
iii
http://www.government.se/government-policy/social-care/
iv
Isso não significa que não existam estudos de casos concretos, como os anunciados acerca do Brasil e da Espanha
entre 1930 e 1970 (Ribeiro, 2008). Não obstante, persiste um tipo de tautologia. Compare a delimitação básica da
“administração política” comentada antes – “forma pela qual o Estado se organiza e se estrutura para gerir o
processo das relações sociais de produção” (Santos; Ribeiro, 1993, p. 106) – com o achado do caso concreto: “a
Administração Política assume uma perspectiva muito mais ampla e abstrata. Em síntese, entendemos que o
modelo de Administração Política vigente entre os anos 30 e 70 compreende a forma pela qual o Estado se
organizou e se estruturou para gestionar e executar o processo das relações sociais de produção, ou seja, para
responder às novas funções econômicas e sociais — sua “finalidade social”” (Ribeiro, 2008, p. 17). A pesquisa
dos casos concretos acaba encontrando aquilo que já é suposto, bastando inserir tais casos na delimitação básica
da “administração política”. Em suma, não basta analisar o caso concreto; é preciso extrair o nexo real entre a
gestão do estado e as contradições sociais.
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
Valquíria Padilha
Faculdade de Economia, Administração e
Contabilidade de Ribeirão Preto (FEARP – USP)
RESUMO
Nesse ensaio, após uma investigação da sociedade capitalista e da burguesia brasileiras - que
são demandantes da força de trabalho forjada nos cursos de Administração - passamos às
críticas da miséria intelectual das teorias administrativas e dos cursos de formação de gestores
no Brasil, os quais tem a finalidade de consolidar a hegemonia burguesa formando porta-
vozes dos interesses do mercado, desconsiderando completamente o processo histórico das
análises. O que constatamos não é a busca do aprimoramento da compreensão científica do
mundo, mas o seu obscurecimento. Argumentamos que tal falsificação do real transforma os
cursos de Administração - com seus infinitos estudos de casos - em verdadeiras linhas de
montagem de ilusões. Ilustramos nossa crítica com a análise da falsa harmonia na visão
sistêmica de Ruben Bauer. Concluímos que, ainda que seja um contrassenso imaginar que
esse quadro possa ser alterado sem profundas alterações nas macroestruturas da sociedade
brasileira, a discussão metodológica não perde importância. Nas escolas de gestão,
encontramos alunos e docentes dispostos a enfrentar essa miséria intelectual hegemônica com
a necessária clareza epistemológica.
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
que não lhe permite marchar na efetivação de sua emancipação social” (RAGO FILHO, 2010,
p. 80).
Assim, ao contrário de países que percorreram a Via Clássica ao capitalismo –
Inglaterra, França e Holanda, ou seja, países cuja burguesia protagonizou tanto uma revolução
econômica quanto uma revolução política – o capitalismo brasileiro surge umbilicalmente
dependente do capital externo (Chasin prefere o termo “subordinado” ao termo
“dependência”). “Aqui, a evolução nacional não tem correspondência com a progressividade
social, vinga uma modernização excludente, onde, concretamente, há uma discrepância com a
progressividade social” (RAGO FILHO, 2010, p. 80). Em outras palavras, o capitalismo
brasileiro surge e se desenvolve sem conseguir andar sobre suas próprias pernas – para isso
ele demanda apoio do capital externo.
Enquanto até mesmo a burguesia alemã (cujo conservadorismo é amplamente conhecido
por influenciar duas guerras mundiais e que, no século anterior, não foi capaz de unificar
politicamente a Alemanha) realizou as “tarefas econômicas”, “a burguesia brasileira não
realizou nenhuma das duas tarefas, nem a econômica e nem a política”. Portanto, “o estado
nacional (uno) nosso não é uma iniciativa e uma realização da burguesia, mas é um produto
da colonização e da forma subordinada da independência. A nossa unidade é anterior à
unidade do verdadeiro capitalismo que é a industrialização, tal como foi a da França”
(CHASIN, 1988, p. 117).
Evidentemente que tal subordinação foi se reconfigurando ao longo dos anos, de tal
forma que, hoje, ela se faz marcante das seguintes formas: 1) “pela superexploração da força
de trabalho”; 2) “por meio de mecanismos de transferência de valor” aos países centrais -
incluindo “pagamento de juros, lucros, dividendos, etc.”; 3) “distribuição regressiva de renda
e riquezas”; 4) intensificação das desigualdades sociais (CARCANHOLO, 2014).
Em consonância a isso, podemos afirmar que a burguesia brasileira ocupa uma posição
subordinada frente aos seus pares dos países centrais. Não obstante, o seu surgimento e seu
desenvolvimento tornaram-na completamente refratária a qualquer ideia de revolução (ainda
que seja apenas um enfrentamento do capital externo).
Tal burguesia “nunca foi a cabeça de sua própria criação, e nunca aspirou a não ser não
ter aspirações. Não consumou suas luzes políticas, porque só abriu os olhos, quando estas já
estavam extintas” (CHASIN, 1985 apud RAGO FILHO, 2010, p. 80). Ao contrário da
burguesia holandesa, inglesa e francesa que defenderam, durante alguns séculos, pautas
revolucionárias e universais, diante do parasitismo da aristocracia, a burguesia brasileira “não
abandonou a salvação do mundo e os fins universais da humanidade, porque sempre só esteve
absorvida na salvação amesquinhada de seu próprio ser mesquinho, e seus únicos fins foram
sempre fins particulares” (p. 80). O próprio Chasin complementa, identificando os traços mais
marcantes da burguesia brasileira.
Este, filho temporão da história planetária [a burguesia brasileira], não
nasceu da luta, nem pela luta tem fascínio. De verdade, o que mais o
intimida é a própria luta, posto que está entre o temor pelo forte que lhe deu
a vida e o terror pelos de baixo que podem vir tomá-la. Toda revolução para
ele é temível, toda transformação uma ameaça, até mesmo aquelas que foram
próprias de seu gênero. É de uma espécie nova, covarde, para quem toda
mudança tem de ser banida. E só admite corrigendas na ordem e pelo alto,
aos cochichos em surdina com seus pares. De si para si em rodeio
autocrático. Não optou pela autocracia, nem a covardia foi de sua livre
escolha, meramente assumiu sua miséria (CHASIN, 1986 apud RAGO
FILHO, 2010, p. 80-81).
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classe”. De 1848 em diante, a burguesia, para continuar existindo e exercendo o seu domínio,
precisa “recusar até mesmo os princípios com os quais ela lidou e a partir dos quais ela
articulou a sua compreensão efetiva de mundo. Agora a sua compreensão de mundo tem de
ser no mínimo uma barragem ao entendimento” (CHASIN, [1988?¹], p. 4).
No plano científico, isso significa que enquanto “os ideólogos anteriores [a 1848]
forneceram uma resposta sincera e científica, mesmo se incompleta e contraditória”, os
ideólogos pós-1848 “foge[m] covardemente da expressão da realidade e mascara[m] a fuga
mediante o recurso ao ‘espírito científico objetivo’ ou a ornamentos românticos”. Ou seja, a
filosofia e as ciências tornam-se “essencialmente acrítica[s], não [vão] além da superfície dos
fenômenos, permanece[m] na imediaticidade e cata[m] ao mesmo tempo migalhas
contraditórias de pensamento, unidas pelo laço do ecletismo” (LUKÁCS, p. 62, 1968).
Uma das consequências dessa decadência científico-filosófica, identificadas por Lukács,
é a especialização do saber. Nas palavras do filósofo húngaro:
O fato de que as ciências sociais burguesas não consigam superar uma
mesquinha especialização é uma verdade, mas as razões não são apontadas.
Não residem na vastidão da amplitude do saber humano, mas no modo e na
direção de desenvolvimento das ciências sociais modernas. A decadência
ideológica operou nelas uma tão intensa modificação, que não se podem
mais relacionar entre si, e o estudo de uma não serve mais para promover a
compreensão da outra. A especialização mesquinha tornou-se o método das
ciências sociais. (...) Enquanto na época clássica havia um esforço no sentido
de compreender a conexão dos problemas sociais com os econômicos, a
decadência coloca entre eles uma muralha divisória artificial,
pseudocientífica e pseudometodológica, criando compartimentos estanques
que não existem senão na imaginação (LUKÁCS, p. 64 - 65, 1968).
Desse modo, hoje, é difundida de forma corriqueira, tanto na academia quanto fora dela,
a ideia de que é possível compreender cientificamente o complexo político de uma
determinada sociedade sem estudar a sua dinâmica social, ou que é possível entender a
dinâmica social sem estudar a sua economia. Nos cursos de Administração, essa crença
culmina no absurdo de se formarem gestores que devem atuar numa ordem societária que eles
mesmos não conhecem - fundada sobre uma dinâmica econômica que eles também não
compreendem -, como podemos constatar na análise de Nogueira (2007) – que, na contramão
disso, defendia um “ensino universal-teórico” – e na de Alberto Guerreiro Ramos (PIZZA
JUNIOR, 2010).
Portanto, o que constatamos, tanto no quadro geral quanto na particularidade dos cursos
de Administração, não é um processo de desenvolvimento ou aprimoramento da compreensão
científica do mundo, ou seja, uma aproximação ontológica ao real; mas sim o seu
obscurecimento.
Se o prisma gnosiológico toma sempre o fenômeno ideal pelo ângulo
negativo da falsidade ou da sociabilidade que limita a produção do saber, a
posição ontológica critica radicalmente essa concepção que descarta a
origem e a necessidade histórica, uma vez que busca a decifração dos objetos
como atividade sensível, em sua configuração social. Isto equivale a dizer
que a natureza falsa ou verdadeira das representações não brota do
movimento constitutivo da própria esfera subjetiva. As formas ideais jamais
possuem voo próprio, não tem autonomia nem história. É bom grifar isto,
porque, em larga escala, o traço especulativo é a marca do pensamento
contemporâneo, que continua a depositar no circuito próprio da
subjetividade o móvel da explicação, ou melhor dizendo, das interpretações
infinitas das coisas insondáveis. (RAGO FILHO, 2004, p. 4).
Contudo, não devemos encarar esse vício gnosiológico como um problema meramente
científico. Não podemos entender o programa dos cursos brasileiros de Administração sem
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entender a influência diretiva exercida pela burguesia nacional. Obviamente, que há uma
miríade de formas distintas que permitem essa intervenção – elas vão de formas mais tácitas
(indiretas) a formas bastante diretas. Neste segundo caso, podemos citar como exemplo a
Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP), da
Universidade de São Paulo. Nela foi criado um “Conselho Consultivo Externo” - “formado
por representante de empresas como Coca-Cola, Ilab Sistemas, Ice by Nice, British
Petroleum, Milano Calçados, Coplana, Arteris S/A, Atlantia Bertin Concessões, Ourofino,
Embraer, Votorantim, GasBrasiliano, entre outras, além de professores com atuação na USP,
no Insper e na Unesp” -, que, dentre outras atribuições, aponta “temas que a FEA-RP deve
debater e pesquisar nos próximos anos” (FEA-RP, 2015). Há uma clara intenção de subsunção
da universidade ao mercado, já que que o mercado determina o que os docentes dos cursos
universitários de gestão (inclusive de uma universidade pública, como a USP) devem ensinar
e pesquisar quando, em nosso entender, o caminho deveria ser, no mínimo, de mão dupla, ou
seja, os pesquisadores e docentes universitários deveriam também dizer aos empresários como
eles deveriam fazer a gestão de recursos, dinheiro e pessoas.
Já entre as formas indiretas de intervenção, podemos citar o poder que a burguesia
exerce ao definir o perfil dos alunos que serão contratados pelas principais empresas, bem
como na incorporação, pelas universidades, de métodos de avaliação típicos de empresas
privadas – os quais priorizarem análises unicamente quantitativas e subvalorizam as
atividades de ensino e pesquisa. Outro elemento que compõe o problema são os baixos
salários pagos pelas universidades públicas, se comparados com a média salarial do mercado
para profissionais ultra qualificados, ou as dificuldades orçamentárias para se efetuar uma
pesquisa de forma independente. Para superar essa dificuldade, legitimam-se as atividades
pagas de consultorias e de aulas em cursos de especialização, ministradas por docentes, as
quais, em regra, comprometem ainda mais a atividade de ensino e pesquisa – na mesma
medida em que fortalecem o poder de intervenção das empresas privadas e das fundações
privadas nas universidades públicas.
Nessa linha, Gurgel (2003) chama a atenção para a função prioritariamente de difusão
ideológica dos cursos de Administração. Por meio de uma interessante pesquisa - realizada
junto a alunos de cursos de Administração, Economia e Engenharia de Produção da UFF
(Universidade Federal Fluminense) e da PUC (Pontifícia Universidade Católica), no Rio de
Janeiro -, Gurgel submeteu tais alunos a 19 formulações correntes do mundo dos negócios. A
partir delas, o pesquisador verificava se havia distinções no grau de concordância, em relação
às formulações, entre os alunos de primeiro ano e os alunos no último período. Tais
formulações “expressam ideias veiculadas primordialmente nos centros acadêmicos
gerenciais e depois publicadas pelas revistas especializadas, além da literatura apologética e
didática, frequente nas escolas de gestão. Finalmente, são difundidas pelos periódicos
populares e magazines semanais” (GURGEL, 2003, p. 151).
O resultado foi que, entre os estudantes de Administração, das dezenove questões,
dezesseis delas apresentaram elevação da aceitação quando se compara as respostas dos
alunos dos primeiros períodos com as respostas dos alunos dos últimos períodos.
[Além disso], afirmações mais ousadas ainda, tal como a que encara o
desemprego como “chance de sucesso de um profissional competente” (Q.8),
vêem crescer sua acolhida entre os concluintes do curso de gestão. Operando
com o imaginário do empreendedorismo em seu nível mais elevado e até
irônico, a formulação, que tem apenas 17% de concordância entre os
primeiranistas, obtém aceitação em dobro, 34%, entre os formandos. É
também o caso de elogio à privatização (Q.19), cujo apoio cresce do
primeiro para os últimos períodos, ainda que com percentuais baixos: de
46% para 53%. Vale observar que o momento de aplicação dos questionários
coincidiu com a abertura da crise energética, quando as privatizações do
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ser chamados de “colaboradores”, bem como quando defendem o negociado sobre o legislado
nas relações de trabalho - já que as leis trabalhistas, supostamente, engessam o avanço das
empresas (SOUTO MAIOR, 2015).
Em outras palavras, ao invés de buscarem as legalidades e causalidades que constituem
a dinâmica capitalista contemporânea, os intelectuais brasileiros da Administração seguem
fabricando novas categorias de análise, a partir das quais esperam modelar a realidade aos
seus interesses ou necessidades de pesquisas. Enquanto Lukács (2013) afirma que o
conhecimento só é possível por meio de um processo de “desantropomorfização” da realidade
estudada – ou seja, que a realidade só pode ser conhecida a partir das suas próprias
legalidades -; entre os teóricos da Administração, a prática corrente é um processo de
modelamento da realidade – dando a ela uma forma menos contraditória, livrando-a de seus
antagonismos, ou seja, tornando-a palatável para um público que clama por harmonia
(contudo, correndo o alto risco de ignorarem, tal como os economistas ingleses, o
inconveniente “risco sistêmico”).
Dessa forma, ignorando completamente a via por meio da qual ocorre a objetivação do
capitalismo na América Latina – além da própria natureza competitiva da dinâmica capitalista
-, o consenso intelectual hegemônico retira o processo histórico de suas análises ou partem de
uma noção completamente fictícia, como Ouriques (2014) identifica entre os teóricos da
CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina). Basicamente, para eles, o
subdesenvolvimento brasileiro é fruto de uma trajetória natural de desenvolvimento, que deve
percorrer algumas etapas até atingir o patamar dos países centrais. Portanto, eles transformam
aquilo que é uma relação de dependência (subordinação) – que Chasin (1989) identificava
como a natureza “incompleta e incompletável” do capitalismo nacional –, numa mera relação
de colaboração, eliminando quaisquer formas de antagonismos e, mais acintosamente,
ignorando completamente o grave problema da “superexploração da força de trabalho”
(CARACNHOLO, 2014). O resultado disso, no plano da administração, é a impossibilidade
prática de enfrentarem a crise que vivemos e outras que certamente virão – enquanto, por
outro lado, nos bombardeiam com diagnósticos e resoluções dignas dos “clássicos” da
literatura de autoajuda. Mas, por enquanto, não falemos em mistificações; trabalhemos a
questão metodológica.
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narrativa, da ciência, bastante simplificada – vista de forma autônoma aos demais complexos
sociais. Portanto, ele, tal como as teorias administrativas hegemônicas, ainda enxerga
harmonia onde, na realidade, encontramos conflitos e contradições. Ou melhor, ele vê os
conflitos e contradições como um elemento natural à vida – da vida inorgânica à vida social.
Isso se manifesta em ideias extremamente ingênuas como a proposição de que simplesmente
precisamos substituir a lógica da competitividade por uma lógica da cooperação – sem, é
claro, tocar nos fundamentos da ordem do capital, tais como a produção voltada para a troca
no mercado.
Uma vez que, para ele, os conflitos e contradições são vistos como elementos
constituintes da natureza, os conflitos e contradições presentes no interior das organizações
não se diferenciam, por exemplo, das relações “conflitivas” e “contraditórias” entre os órgãos
do corpo humano. Dessa forma, na prática, Bauer os elimina de sua sistematização
organizacional.
Coerentemente, Bauer não percebe as diferenças entre o experimento de L. Carpenter –
mencionado acima – e o ambiente organizacional. Enquanto naquele, todos os indivíduos
compartilhavam o mesmo objetivo, dentro de uma organização capitalista a situação é
radicalmente distinta. A dinâmica mais simples do capitalismo já colocava os detentores dos
meios de produção (que acumulam capital por meio da extração de mais-valia e do lucro da
venda das mercadorias) necessariamente contra o proletariado (quem efetivamente produz
valor, mas recebe apenas uma parcela deste valor na forma de salário). Contudo, esse conflito,
ao invés de ser superado com o passar dos anos – como a literatura apologética costuma
afirmar –, tornou-se ainda maior e de maior complexidade.
Após a implantação da organização toyotista do trabalho e da remuneração por
desempenho, mesmo no interior do proletariado, encontramos grandes conflitos de interesses.
Nesse cenário, a remuneração individual depende da superação individual do tempo de
trabalho médio do grupo – ou de outras células de trabalho. Por exemplo, um operário
toyotista recebe tanto mais quanto mais eficiente for o seu trabalho; porém, quanto mais
eficiente ele for, menos receberão os demais operários. Ou seja, ao invés de caminharmos em
direção à superação dos antagonismos, nós os vemos sendo multiplicados.
Entretanto, a passagem a seguir é ainda mais clara quanto às limitações e a ingenuidade
do pensamento de Bauer (que, novamente, ignora a complexidade do real e trai o seu próprio
discurso):
(...) empresas presas a uma identidade que privilegia o imediatismo do lucro
de curto prazo estão, no longo prazo, inviabilizando a si próprias, na medida
em que estão construindo um ambiente externo no qual não conseguirão
sobreviver. (...) Essas empresas mais preocupadas em usar o ambiente que
moldá-lo, em auferir o presente que construir o futuro, perderam o
entendimento do contexto maior em no qual estão inseridas, ou seja,
perderam a “congruência com suas circunstancias”. Seu entendimento do
ambiente é distorcido e assim elas não têm como atuar de forma pró-ativa.
Daqui para frente, e contra a sua vontade, é bastante provável que seu futuro
dependa muito mais de como os governos, consumidores e cidadãos irão
reagir, punindo-as e restringindo suas atividades, do que de seus esforços
individuais em transformar-se (BAUER, 2009, p. 204-205).
Como podemos ver, Bauer - ignorando a dinâmica do capitalismo contemporâneo, o
desenrolar do processo histórico, a relação desigual às quais as diversas organizações estão
submetidas no mercado internacional, a peculiaridade de cada setor, os antagonismos de
interesse entre acionistas, gestores, operários, funcionários administrativos e terceirizados
dentro das próprias organizações - reduziu toda a questão à ganância e ansiedade dos gestores
e acionistas, que se manifestam na busca imediatista pelo lucro.
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6. Considerações Finais
Notas
¹ Uma análise dos textos de Chasin do mesmo período, bem como de sua evolução
teórica, nos induz a crer de que o curso que deu origem ao texto chamado “Método dialético”
é de uma data anterior a 1988.
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Resumo
O presente ensaio refletiu sobre as tendências teóricas que hegemonizam o campo das
políticas públicas nos dias de hoje, buscando delimitar e pensar criticamente seus principais
fundamentos. Foi possível perceber que as discussões mais acessadas na área estão marcadas
pela ausência de interesse sobre o contexto capitalista, o que inclui as funções histórico-
sociais do Estado, da democracia e das próprias políticas públicas. Essa orientação geral
funciona como uma espécie de véu conservador e ideológico que dificulta a visualização dos
reais efeitos produzidos por uma política pública. Assim, com o objetivo de pensar mais
apropriadamente sobre suas potencialidades e seus limites, o trabalho estudou o
desenvolvimento de tais políticas sob um viés histórico e a partir de uma concepção de
totalidade. Nesse trajeto, foi possível construir reflexões importantes que, a nosso ver, devem
tomar um espaço central nos debates em administração e políticas públicas: os compromissos
de classe que fundam o Estado, assim como as contradições e os limites estruturais que
necessariamente atravessam suas ações.
Introdução
Este ensaio teórico refletirá sobre as discussões hegemônicas que perpassam o
campo das políticas públicas nos dias de hoje. Parte-se do pressuposto de que as discussões
mais difundidas sobre o tema tendem a secundarizar elementos essenciais para esse universo
de pesquisa, dificultando a compreensão real sobre suas potencialidades e seus limites.
Ao escrever sobre as bases teórico-epistemológicas que fundam a administração
pública, Luiz Eduardo Motta (2013) identifica que suas principais deficiências decorrem da
[...] incompreensão do conceito de Estado na perspectiva relacional, optando por
tratar o Estado segundo a ótica do Estado Sujeito autônomo das demais estruturas
sociais, ou mesmo em abolir o conceito de Estado substituindo-o pelo de
“administração pública”. (MOTTA, 2013, p. 19)
Entretanto, o grande campo das ciências da administração, o que inclui,
evidentemente, os estudos sobre administração pública e políticas públicas, não se restringe
ao mainstream. Há também espaços que têm se dedicado à crítica profunda desses temasi, os
quais possuem inclinações onto-epistemológicas muito diversas e são fundamentalmente
interdisciplinaresii.
Considerando o cenário de diferentes concepções e espaços para a crítica da
administração e da administração pública, o presente trabalho procura se localizar na tradição
ontológica marxiana e marxista, sem deixar de dialogar com outras tendências analíticas. É
nesse sentido que esta reflexão sobre políticas públicas pretende contribuir para uma crítica
total da área e de seus conceitos.
A tradição deixada por Karl Marx significou profundas transformações nas formas
até então predominantes de ler o mundo. Na realidade, Marx construiu uma nova concepção
ontológica, isto é, um novo formato explicativo da realidade e das relações entre homem e
natureza, indivíduo e sociedade, ideia e matéria. Uma ruptura paradigmática que produziu um
tipo de materialismo fincado no terreno real da história. Assim, pode-se dizer que a ontologia
marxiana se opõe diametralmente a todas as formas de idealismo até então predominantes,
pois configura-se como uma proposta que não separa o mundo das ideias do mundo material
ou, na linguagem hegeliana, o mundo espiritual do mundo dos homens.
Superando todas as concepções ontológicas anteriores, a essência, em Marx, tal
como o fenômeno, é uma determinação inerente à história, é uma categoria
absolutamente processual. Não mais se distingue por ser ela, a essência, eternamente
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diversos problemas que considera fundamentais. Dentre eles, dois em específico nos parecem
os mais decisivos: a inconsistência do próprio conceito de políticas públicas e a ausência de
debates sobre o modelo de produção capitalista e sobre os limites estruturais intrínsecos às
ações estatais.
Em primeiro lugar, Fonseca (2013) questionou a validade das definições
acadêmicas e governamentais sobre o conceito de política pública. Para ele, os debates sobre
o tema “têm sido marcados pela predominância e difusão de um conceito amplo, fugidio e
pouco fundamentado”, de forma que a definição “clássica e genérica de ‘o governo em ação’,
mais confunde do que esclarece” (FONSECA, 2013, p. 402-403).
Segundo Fonseca (2013), estas definições genéricas e amplamente repetidas
incorrem, cada uma à sua maneira, na ocultação de uma característica fundamental que
circunda o universo de qualquer política pública: o conflito. Essa ocultação funcionaria como
uma armadilha, que influencia tanto os estudiosos quanto a opinião pública a encarar o Estado
como uma entidade neutra. Nesse contexto, as políticas públicas seriam vistas como
generosas ações deste Estado idealizado, empregadas no sentido de um “bem-estar geral”, de
forma que os problemas sociais, políticos e econômicos não passariam da ordem técnica ou
circunstancial. Estas falsas interpretações impedem a compreensão sobre a realidade e,
portanto, sobre as possibilidades de transformação real por meio das ações do Estado. Nas
palavras do autor,
[...] a suposta “unanimidade” das “políticas públicas”, uma vez que objetivaria o
referido “bem comum”, encobre, no chamado “ciclo das políticas públicas”, seu
caráter conflitivo quanto aos interesses em disputa e os vetos, por meios distintos,
advindos dos grupos sociais que se sentem, real ou imaginariamente, prejudicados.
Tais conflitos podem assumir conotações de embate de classes sociais, por mais que
conceituar classes e seus embates implique novo esforço analítico. (FONSECA,
2013, p. 405)
Na mesma linha, Soraia Ansara (2012) também realça a problemática inerente à
ocultação da dimensão conflituosa que atravessa qualquer ação estatal. Na verdade, os estudos
sobre a relevância e as possibilidades inerentes às políticas públicas deveriam conduzir a uma
necessária discussão preliminar sobre o que se entende por política. Segundo a autora, a ideia
corrente sobre política remete o termo ao consenso, isto é, a um processo de consentimento
entre interesses de distintos grupos sociais. Tal interpretação permite enxergar a política como
o conjunto de negociações e combinações de anseios e sentimentos que garantem a gestão
social e a organização dos poderes, legitimando as funções e os lugares do sistema dominante
(Ansara, 2012).
No entanto, a autora resgata a ideia de Jacques Rancière ao afirmar que a essência
da política está, na verdade, no dissenso, ou seja, no conflito explícito de ideias e interesses
que desestruturam e movem a ordem social. Tomando como base a crítica elaborada pelo
filósofo francês, Ansara (2012) aponta a necessidade do conflito para que a política seja capaz
de produzir transformações na realidade concreta. É o conflito originário do dissenso,
portanto, da política, que permite a emergência das falas e das reivindicações daqueles que
não possuem voz, visibilidade e poder em determinada ordem social. Dessa forma, nota-se
que o conflito não apenas é intrínseco a toda política pública, é também uma dimensão
fundamental para a efetivação de qualquer transformação social.
Em segundo lugar, Fonseca (2013) trata de posicionar o debate atual no devido
terreno histórico, buscando compreender os alcances e os limites das políticas públicas no
mundo capitalista dos dias de hoje. No capitalismo contemporâneo, a produção atingiu níveis
nunca antes imaginados e com a participação de cada vez menos trabalhadoresiv. Neste
contexto marcado pelo toyotismo e pela administração flexível, o desemprego estrutural
tecnológico e a precarização do trabalho são características fundamentais do atual estágio de
produção capitalista (Fonseca, 2013). É o domínio cada vez mais profundo e aterrador do
capital sobre o trabalho.
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Estado é tratado como uma arena neutra que pode ser conduzida à qualquer parte, a depender
da “conjuntura”, da eficiência de governos e das intenções dos atores envolvidos. Em suma,
discute-se muito sobre o superficial (a técnica; os modelos “ideais”; o processo decisório; os
inputs e outputs; os interesses e as limitações dos policy makers; as etapas do policy cycle;
etc.) e quase nada sobre o essencial (as funções histórico-sociais do Estado, das tais
“democracias estáveis” e das políticas públicas)v.
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quais advogam pela necessária conjugação de um regime político democrático com uma
economia de mercado.
Respeitando a primazia do objeto, Lessa (2013) investigou os resultados reais
produzidos por experiências de políticas públicas adotadas nos poucos países capitalistas
dominantes que chegaram a adotar, mesmo que parcialmente, características do que ficou
conhecido como Estado de Bem-Estar. Foram investigadas políticas aplicadas no decorrer dos
“30 anos dourados” em diversas áreas e em distintos países, como Inglaterra, França,
Alemanha, Suécia, EUA, e outros. Entretanto, nenhuma das políticas públicas analisadas, em
nenhum dos países, produziram os alegados efeitos de distribuição equitativa de renda, de
“socialização” ou de “desmercadorização”, tão alardeados pelos ideólogos do Estado de Bem-
Estar (Lessa, 2013).
Saúde, educação, moradia, racismo e a política em relação aos imigrantes, crianças e
adolescentes: nessas áreas os alegados elementos democratizantes da vida social não
puderam ser encontrados. Nenhum sinal de "desmercadorização", de um "Estado
moralmente mais elevado", voltado ao bem-estar dos mais carentes. A história tem
lá suas ironias. A cidadania estendida aos negros estadunidenses reafirma sua
subalternidade de classe. As doenças e seus tratamentos, a educação e sua qualidade,
as moradias, os direitos civis, o destino dos jovens... em cada um desses setores o
que determina o que o indivíduo vai receber da sociedade não é sua cidadania, mas a
classe a que pertence. Há, portanto, que analisar com realismo as políticas públicas,
suas finalidades e suas consequências. Há que ir para além do discurso fácil e
apologético do status quo na análise das finalidades reais e das realizações do Estado
de Bem-Estar. Todos os dados encontrados indicam que as políticas públicas do
Estado de Bem-Estar voltadas ao desemprego, aos idosos, ao racismo e à xenofobia,
à saúde, à educação, à moradia, às crianças e adolescentes afirmam o predomínio da
lucratividade e da estabilidade do sistema do capital sobre toda e qualquer outra
consideração. Tal como antes dos "30 anos dourados" e tal como depois, nos anos de
neoliberalismo. (LESSA, 2013, p. 58)
Dito de outra maneira, nem mesmo aqueles poucos países que conseguiram adotar
ou se aproximar do tal modelo ideal de Estado foram capazes de chegar minimamente
próximos das promessas de seus defensores. Em uma palavra, a máxima propaganda da face
humana do Estado não corresponde à realidade.
No entanto, apesar dos pífios resultados concretos, a operação ideológica
observada por Lessa (2013) se mostrou profundamente exitosa.
Dentre as falsas ideologias que a vida alienada sob o capital produz incessantemente,
seria difícil encontrar nas ciências humanas uma mais constante, generalizada e
distante da realidade do que o mito do Estado de Bem-Estar. (LESSA, 2013, p.123)
Segundo o autor, a gênese deste mito se funda em teses que compõe um amplo
campo de pensamento, da direita à esquerda, e que promovem, de diversas formas, um
distanciamento do Estado de sua base material, negando, consequentemente, seu caráter de
classe. Mas toda falsificação desse tipo, por mais que descolada da realidade, tem uma função
concreta. Assim, partindo das análises sobre os resultados reais das políticas públicas e das
concepções teóricas que circundam um pretenso “Estado social”, “ético” ou
“desmercadorizador”, Lessa (2013) chegou ao que seria, de fato, a função social deste mito.
A função social da noção de Estado de Bem-Estar é, em primeiro lugar, "explicar"
como evolução democrática em direção à justiça social as repercussões na totalidade
social das transformações na reprodução do capital em sua fase monopolista. Acima
de tudo, realçar os "aspectos positivos" da necessidade de uma superior articulação
entre as mais-valias relativa e absoluta com a geração de um mercado consumidor
que inclui parte dos trabalhadores. Em segundo lugar, "explicar" a disposição à
colaboração com a burguesia da aristocracia operária e da pequena burguesia como
consequência do fato de que o Estado teria se ampliado de modo a perder seu caráter
de classe e se converter, sempre contraditoriamente, em expressão da totalidade da
sociedade. Feito isso, o mito do Estado de Bem-Estar converte-se em expressão
acabada do Zeitgeist "conservador" já mencionado: possibilita que se cale sobre o
caráter de classe das políticas sociais, sobre como elas servem para uma maior
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Hobbes e Rousseau), que formam a base de sustentação das mais diversas concepções liberais
de Estado, passou pelos escritos de Marx e Engels, e chegou à tradição marxista, em especial
a Gramsci, Althusser e Poulantzas. A partir principalmente dessas fontes, os autores
estabeleceram um trajeto histórico das funções do Estado, propondo quatro dimensões que se
acumulam e que influenciam diretamente as possibilidades e os limites das políticas públicas.
Traçaremos abaixo, muito resumidamente, tais dimensões.
A primeira característica remete à época de transição e ao início da consolidação
capitalista. Naquele momento, o principal interesse burguês estava na redução de obstáculos à
acumulação, como a extinção de tributos, pedágios e outras restrições que eram feitas pelo
Estado Feudal. “As políticas públicas aqui se faziam em grande medida, preponderantemente,
pela inação, supressão e omissão” (GURGEL e RIBEIRO, 2011, p. 31). Em seguida, os
autores notam a dimensão de dominação intensamente repressiva e violenta, da qual emergem
as políticas legalistas e de fundo militar e policial. Trata-se, predominantemente, do Estado
em sua função Gendarme.
A terceira dimensão se revela quando as classes que entram em contradição com o
sistema do capital alcançam certa densidade política, teórica e estratégica, passando a ter
alguma condição de concorrer com a burguesia pelo poder de Estado (Gurgel e Ribeiro,
2011). Nesse momento, as políticas públicas não podem mais se resumir à dimensão
repressora. Para continuar defendendo a propriedade privada, há que expandir as funções do
Estado. Duas tendências se observam a partir daí: políticas públicas que alavancam o
enraizamento de ideias e discursos dominantes, buscando consentimento e legitimidade,
especialmente dentro das classes dominadas; e políticas que absorvem certas pautas das lutas
populares, o que funciona como uma espécie de concessão rigidamente controlada.
Já a quarta dimensão, aquela que predomina nos dias hoje,
[...] corresponde de um lado às necessidades crescentes de investimentos,
necessários à reprodução do capital em patamares cada vez maiores; de outro, aos
limites da acumulação, criados pelo aguçamento da contradição fundamental –
produção social versus apropriação individual. Trata-se de um mecanismo de
profunda contradição em que se encontra o sistema, para quem é necessário
aumentar a produtividade, frequentemente associada ao aumento da produção, mas
ao mesmo tempo não encontra consumidores na escala da produção obtida.
(GURGEL e RIBEIRO, 2011, p. 32)
Como afirma István Mészáros (2011), a contemporaneidade, marcadamente a
partir da crise dos anos 60/70, está determinada pelo que chamou de longa crise estrutural do
capital. Na atualidade, portanto, o Estado atua predominantemente como um verdadeiro
gestor do sistema e de suas crises sucessivas. É nesse contexto que deve empregar políticas
garantidoras das condições de acumulação (infraestrutura, pesquisa e inovação, crédito,
formação de mão-de-obra qualificada, compensação mínima para as consequências sociais,
etc.), e, simultaneamente, deve atuar como sócio direto da classe dominante, garantindo que
os prejuízos do capital sejam sempre coletivizados (salvamento direto de empresas privadas
nas crises, por exemplo).
Partindo destas dimensões e da clássica percepção de Marx de que o “verdadeiro
teatro da história é a sociedade civil”, os autores afirmam, enfim, que os limites estruturais e
as possibilidades de transformação da realidade inerentes às políticas públicas dependerão do
desenvolvimento histórico-social e do estágio das lutas de classes em dado espaço-tempo.
De tudo isto, fica a percepção de que a intensidade e a efetividade da luta de classes,
em suas diversas formas, é que poderão dizer se as concessões feitas serão
transmudadas em cooptações e integrações da classe dominada – seus dirigentes
e/ou suas propostas programáticas - à classe dominante ou se, ao contrário, serão
abertas fissuras por onde passarão as forças para a transformação e não para o
transformismo. (GURGEL e RIBEIRO, 2011, p. 32)
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Considerações Finais
Realizada esta breve revisão de teorias e modelos de políticas públicas, assim
como de reflexões críticas sobre o tema, podemos, enfim, esboçar algumas considerações.
Percebe-se, primeiramente, que tanto as críticas de Motta (2013), Fonseca (2013)
Monteiro, Coimbra e Mendonça (2006), quanto os estudos sobre políticas públicas feitos por
Lessa (2013) e as dimensões cumulativas identificadas por Gurgel e Ribeiro (2009), referem-
se, de formas distintas, às funções históricas das ações estatais. Entretanto, apesar de haver
diferentes dimensões que se acumulam e implicam em alterações nas formas de agir do
Estado ao longo da história capitalista, nota-se no decorrer do trabalho que o momento
predominante deste processo dialético e contraditório está precisamente no compromisso
inquebrantável com a reprodução e a acumulação de capital. Como apontou Lessa (2013), há
muito mais continuidades do que rupturas nestes momentos de mudanças e/ou inclusões de
novas atribuições ao Estado.
Tal como não houve uma ruptura na essência do Estado com a adoção das
políticas públicas, também não houve uma nova ruptura com sua essência
após a passagem ao período neoliberal. Tanto antes, como durante e depois
dos "30 anos dourados", o Estado continuou sendo "o comitê que administra
os negócios comuns de toda a classe burguesa". (LESSA, 2013, p.123)
Não se trata de considerar a política como um mero reflexo da economia, mas de
notar que “[...] a autonomia relativa do Estado burguês para com a reprodução do capital
apenas pode ser realidade em uma relação na qual a reprodução do capital é o momento
predominante na gênese e no desenvolvimento deste mesmo Estado” (LESSA, 2013, p. 144).
Pode-se, portanto, (re)afirmar a clássica tese marxiana de que o Estado possui um
irremediável caráter de classe. Diferente do que sugerem as definições e os modelos mais
difundidos sobre políticas públicas, vimos que o Estado do capital definitivamente não é uma
arena neutra que expressa a totalidade da sociedade. Ao contrário, está necessariamente
alinhado às necessidades de manutenção da propriedade privada, do mercado e, claro, de si
mesmo. Para isso, lança mão de distintas políticas, a depender dos contextos específicos,
fazendo com que suas dimensões de atuação se alterem de acordo com necessidades e
possibilidades conjunturais. Gurgel e Ribeiro (2011, p.31, grifo dos autores) chegam a dizer
com todas as letras: “[...] antes, talvez coubesse falar de um Estado Servidor, não desprovido
de contradições, mas essencialmente dirigido pelo projeto burguês e cônscio de sua
responsabilidade com o sistema”.
A partir daí, é possível sugerir algo sobre os limites e as possibilidades concretas
inerentes às ações estatais: qualquer política que se submeta aos imperativos do capital,
intencionalmente ou não, é necessária e essencialmente conservadora. Mas note, isso não
significa negar as reais possibilidades de se atenuar certas desigualdades por meio de políticas
públicas. Significa apenas reparar o óbvio: uma política pública gerida por governos nunca
ameaçará a gênese estatal. Isto é, a tarefa fundamental dos gestores políticos de um Estado no
contexto capitalista passará sempre pela manutenção das próprias condições políticas,
ideológicas, econômicas, etc. necessárias à reprodução social burguesa.
Tal como sublinham Fonseca (2013), Gurgel e Ribeiro (2009), dependendo da
conjuntura das lutas de classes, a aplicação de uma política pública poderá, de fato, permitir a
abertura de brechas para pequenos avanços de certos setores subalternos. No entanto, é
imperioso perceber que, enquanto existir capitalismo, existirá miséria e desigualdade, pois,
enquanto existir capital, existirá trabalho expropriado e alienado.
Como vimos, mesmo nos momentos históricos em que o Estado cedeu a certas
reivindicações vindas das camadas exploradas, a função última das políticas públicas nunca
deixou de ser um ótimo negócio para o capital. Mesmo no período de máxima expressão de
uma suposta face “humana”, ou seja, no decorrer dos “anos dourados” do capitalismo, as
políticas empreendidas pelo Estado de Bem-Estar não deixaram de privilegiar o lucro e a
propriedade privada, em detrimento do bem-estar coletivo. Supor algo diferente disso
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significaria ignorar, falsificar e/ou silenciar as histórias que carregam o fardo das
consequências reais das tais políticas públicas. Daí resulta que as teorias e os modelos que
superestimam a autonomia estatal parecem mistificar os reais efeitos de suas políticas.
Conservam, de variadas formas, esperanças de que o Estado, se gerido corretamente, teria o
potencial de atuar ao lado do mercado como agente de transformações sociais profundas.
Em suma, o que fornece algum sentido transformador (por menor que seja) às
políticas públicas não é a subserviência aos imperativos capitalistas, como se prega na
literatura hegemônica sobre o tema, que opera naquele nó terminal traçado por Fukuyama
(1992). Esse espírito progressista está justamente na exigência pela quebra da lógica do
capital. Pode-se dizer, ainda, que quanto maior a participação das camadas populares, maior
será seu potencial de promover alguma mudança social. Entretanto, há que perceber que
nenhum projeto gerido por um Estado Servidor (Gurgel e Ribeiro, 2011) será capaz de
promover transformações substantivas. Uma política pública tal como conhecemos pode
promover, no limite, brechas e pequenos avanços para certas camadas dominadas e
exploradas, intensificando a dominação e a exploração de outras. Nada além disso.
Entendemos que as considerações anotadas neste trabalho – as características de
classe que fundam o Estado e a democracia liberal, assim como os limites estruturais e as
funções históricas das políticas públicas – devam ser urgentemente incorporadas às reflexões
centrais do campo da administração pública. Parece-nos que tais apontamentos podem
auxiliar o movimento da administração política em sua empreitada de pensar e criticar as
ciências da administração. Não no sentido de negar o debate e a construção de políticas
públicas, mas de repousá-las no terreno da realidade, combatendo as mais variadas formas de
miopias e irracionalismos. As políticas públicas devem ser consideradas a partir de seus
limites e suas possibilidades históricas concretas e não de fantasias que se fazem sobre elas.
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i
Focando no campo nacional da crítica em administração, para além dos legados deixados por Maurício
Tragtenberg e Fernando Prestes Motta, é possível localizar sérios trabalhos nos dias de hoje. Há uma série de
espaços que se dedicam a pensar criticamente a área, como o movimento da Administração Política, o Núcleo de
Estudos da Administração Brasileira (ABRAS/UFF), o grupo de pesquisa Economia Política do Poder e Estudos
Organizacionais (UFPR), o coletivo de trabalho Organização e Práxis Libertadora (UFRGS), o núcleo de estudos
em Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho (Nec-GPRT/UFMG), o recém criado grupo de Estudos dos
Coletivos de Trabalho e das Práticas Organizacionais (ESCOPO/UFF), dentre outros.
ii
Sobre o campo crítico em estudos organizacionais, ver: FARIA, José Henrique de. Teoria crítica em estudos
organizacionais no Brasil: o estado da arte. In: Cad. EBAPE.BR vol.7 n.3. Rio de Janeiro, set., 2009.
iii
Além dos trabalhos de H. Laswell (1936), H. Simon (1957), C. Lindblom (1959 e 1979) e D. Easton (1965)
Celina Souza estudou diversos modelos de políticas públicas. Dentre eles estão: as tipologias de políticas
públicas, de Theodor Lowi (1964 e 1972); o incrementalismo, de Lindblom (1979), Caiden e Wildavsky (1980) e
Wildavisky (1992); os ciclos de política pública, que remetem a diferentes autores e estabelecem a política
pública “como um ciclo deliberativo, formado por vários estágios e constituindo um processo dinâmico e de
aprendizado” (Souza, 2006, p. 29); o modelo “garbage can”, de Cohen, Mach e Olsen (1972); o modelo de
coalização de defesa, de Sabatier e Jenkins-Smith (1993); o modelo de arenas sociais, que remete às iniciativas
do que Souza (2006) chamou de “empreendedores de políticas públicas” ou policy makers; o modelo do
equilíbrio interrompido, de Baumgartner e Jones (1993); os modelos influenciados pelo que Souza (2006)
denomina de “novo gerencialismo público e ajuste fiscal”, do qual se pode fazer clara ligação com o movimento
da nova administração pública (new public management - NPM).
iv
Essa afirmação não concorda, em hipótese alguma, com as formulações contemporâneas que advogam pelo
fim do trabalho. Constata apenas que vivemos nos dias de hoje um estágio de desemprego estrutural, o que não
anula que a geração de valor segue indissociável do trabalho concreto. Para aprofundar essa discussão, ver
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho.
São Paulo: Editoras Cortez e UNICAMP, 2002.
v
É importante ressaltar que este cenário foi interpretado a partir de uma opção de investigação dentre muitas
possíveis. Apesar das diferenças e novas possibilidades analíticas que seguramente seriam encontradas, entende-
se que, no que tange o campo das políticas públicas, estes outros trajetos confluiriam para os mesmos traços
centrais aqui elencados.
vi
Para uma melhor compreensão sobre esse ambiente de crise que marcou o movimento comunista mundial ver
CLAUDIN, Fernando. La crisis del movimento comunista (de la Komintern al Kominform). Espanha: Ruedo
Iberico - Iberica de Ediciones y Publicaciones, 1978. Sobre os impactos dessa crise no ambiente nacional, ver
GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. Ed.: 5ª. São Paulo: Expressão Popular, 2014.
vii
Para discussões mais profundas sobre a crise e as mudanças na produção ver HARVEY, David. A Condição
Pós-moderna. São Paulo: Editora Loyola, 1993. Para uma melhor compreensão sobre a doutrina e os projetos
neoliberais ver ANDERSON, Perry. Balanço do Neoliberalismo. In: SADER, Emir e GENTILI, Pablo (org.)
Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. Sobre o
fenômeno de globalização e mundialização do capital, ver CHESNAIS, François. A globalização e o curso do
capitalismo de fim-de-século. In: Revista Economia e Sociedade, Campinas, v. 5, p. 1-30, dez. 1995.
324
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viii
Essa pressão deve ser lida com cuidado, pois se trata de um movimento contraditório. Ao mesmo tempo em
que mantinha acesas esperanças de que o sistema capitalista poderia ser superado, o projeto soviético também
impulsionou o ideário de que o Estado seria capaz de domar o mercado, via a ampliação e o fortalecimento de
seus aparelhos e das políticas sociais.
325
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Claudio Gurgel
Universidade Federal Fluminense (UFF)
Resumo
Introdução
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Controle social pressupõe não só a ideia de que sociedade civil e Estado são organismos
distintos, mas, mais do que isso, antagônicos. Esse antagonismo seria, de acordo com o discurso
recorrente que sustenta a ampliação do controle social, central em nossa sociedade. De um lado,
há a sociedade civil “separada do Estado e da economia, um reino à parte, potencialmente
criativo e contestador” (NOGUEIRA, 2003, p. 187) e, do outro, há o Estado, que, por sua
tendência totalitária e corrupta, deve ser controlado pela sociedade civil para que não se desvie
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de seu papel primordial, qual seja, promover o bem comum, no senso comum. A sociedade civil
seria, segundo esse discurso, formada por indivíduos e não por classes.
Coutinho (2006) lembra que a percepção dicotômica entre Estado e sociedade civil
ganhou força no cenário brasileiro no final da ditadura. Segundo ele, “no contexto da luta contra
a ditadura, sociedade civil tornou-se sinônimo de tudo aquilo que se contrapunha ao Estado
ditatorial” (COUTINHO, 2006, p. 46). Isso foi possível porque,
Essa leitura, que teve no contexto brasileiro um suporte, também emergiu no cenário
internacional. É o que constata Liguori (2006, p. 4), quando afirma que “o tema da sociedade
civil tornou-se centro do debate cultural e político a partir do fim dos anos 1970 no âmbito da
chamada “revolução neoconservadora” ou “neoliberal””.
Consequentemente, o mesmo termo ‘sociedade civil’ recebeu uma ampla diversidade
de significados. Como afirma Nogueira (2003, 186), “ao se disseminar largamente e colar-se
ao senso comum, ao imaginário político das sociedades contemporâneas, à linguagem da mídia,
o conceito perdeu precisão: empregam-no tanto a esquerda histórica quanto as novas esquerdas,
tanto o centro liberal quanto a direita fascista”. É assim que, com esse mesmo termo,
Estamos tratando de uma mudança conceitual, pois antes, ao longo do século XX, o
termo sociedade civil estava “fortemente associado à elaboração marxista de Antonio Gramsci,
ganhando forte disseminação após a descoberta e o intenso trabalho de avaliação crítica de
Cadernos do Cárcere, no pós-Segunda Guerra Mundial” (Ibid., p. 187).
Essa mudança de perspectiva significa, acima de tudo, o reflexo de uma luta político-
ideológica. Isso porque, para Gramsci, como veremos adiante, sociedade civil e Estado
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
significam “uma unidade na diversidade” (COUTINHO, 2006, p. 47), um todo complexo que
só é possível entender mediante a compreensão da luta de classes no sistema capitalista, na
medida em que o pensador italiano considera a “não separação, ou seja, a unidade dialética
entre política e sociedade, entre economia e Estado” (LIGUORI, 2006, p. 8).
A versão dicotômica desse par difere de Gramsci primordialmente porque nega não
apenas a luta de classes, mas a própria existência de classes. É a visão liberal retomada com a
emergência do neoliberalismo. Essa versão, que vê o Estado como uma entidade que cumpre
fundamentalmente a função de mediar os diferentes interesses dos indivíduos (não das classes),
para alcançar o bem comum, é encontrada desde os pensadores contratualistas, como Hobbes
(1979) e Locke (1978), em Weber (2005), nos autores liberais, em setores de centro-esquerda
e no senso comum.
A ideia de que o Estado é um mal a ser combatido e a sociedade civil, por seu turno, é
uma “terceira via”, fonte de tudo que é positivo, “potencialmente criativo e contestador, visto
ora como base operacional de iniciativas e movimentos não comprometidos com as instituições
políticas e as organizações de classe, ora como espaço articulado pelas dinâmicas da “esfera
pública” e da “ação comunicativa [Habermas]” (NOGUEIRA, 2003, p. 187), seria o contorno
mais “moderno” dessa visão dicotômica, já em contraposição às ditaduras na América Latina,
ao socialismo dos países soviéticos, ao Welfare State europeu e ao Estado interventor e
provedor em geral.
Coutinho (2006, p. 50) complementa que
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Para entender como isso ocorre, não podemos nos ater à versão liberal, que transcreve
a realidade de maneira fragmentada e, por consequência, simplista. As dimensões política,
econômica e ideológica funcionam em unidade, de forma complexa. É necessário analisá-las
dialeticamente.
Em A ideologia alemã, Marx e Engels explicam que o Estado precisa assumir uma
feição de defensor do interesse universal, à medida que
cada nova classe no poder é obrigada, quanto mais não seja para atingir os
seus fins, a representar o seu interesse como sendo o interesse comum a todos
os membros da sociedade ou, exprimindo a coisa no plano das ideias, a dar
aos seus pensamentos a forma da universalidade, a representá-los como sendo
os únicos razoáveis, os únicos verdadeiramente válidos (MARX e ENGELS,
s/d, p. 30).
O autor destaca que há períodos, entretanto, em que “as lutas de classes se equilibram
de tal modo que o Poder do Estado, como mediador aparente, adquire certa independência
momentânea em face das classes” (Ibid., p. 194). Isso, contudo, não altera sua essência. É assim
que os autores alemães vão dizer que "todas as lutas no interior do Estado, a luta entre
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democracia, aristocracia e monarquia, a luta pelo direito ao voto, etc., etc., são apenas as formas
ilusórias nas quais se desenrolam as lutas reais entre as diferentes classes" (MARX e ENGELS,
1982f, p. 48).
Uma vez que se entenda que o Estado, para Marx, não é a totalidade existente e
consciente da sociedade humana, isto é, o universal-concreto, mas “um comitê para gerir os
negócios comuns de toda a classe burguesa” (MARX e ENGELS, 1982e, p. 23), é possível
compreender o que é a sociedade civil. Ao contrário de ser oposta ao Estado, a sociedade civil,
ainda que distinta, compõe a totalidade do modo de produção, razão porque, para Marx, como
já citado anteriormente, é ela “o verdadeiro lar e teatro de toda a história”, onde se trava a luta
de classe fundamental, dado que é nela que se desenvolvem a produção e as relações sociais de
produção, as relações econômicas. Como diz o pensador alemão no Prefácio à “Contribuição
à crítica da economia política”,
Aqui Marx localiza a sociedade civil na estrutura e o Estado, como dimensão jurídico-
política, na superestrutura. Não significa, no entanto, que o autor estabeleça uma separação
metafísica entre as duas esferas. São constitutivas de uma totalidade, e como tal, as partes são
interdependentes. O Estado não pode ser compreendido sem que se conheçam as relações
estabelecidas na sociedade civil, que congrega as classes antagônicas e, por consequência, suas
lutas. Essa ideia também é encontrada em A Ideologia Alemã, onde, de forma mais clara, Marx
e Engels (s/d, p. 24) afirmam que a história tem como base
331
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eminentemente revolucionário” (MARX, 1982, p. 28), até a sua constituição enquanto classe
dominante, agiu apesar do Estado. Por isso, para esses pensadores,
332
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limites. Era necessário combiná-la com um mecanismo de aquisição do consenso das massas.
O Estado do século XX, como destaca Nogueira (2003, p. 190), “estava sendo reconfigurado:
era invadido pela socialização da política que se verificava e levado a ir além do aparato
repressivo e coercitivo”. Por isso, o Estado possui duas dimensões absolutamente necessárias
que podem ser ditas das seguintes maneiras: “força e consenso, coerção e persuasão, Estado e
Igreja, sociedade política e sociedade civil, política e moral, direito e liberdade, ordem e
disciplina ou [...] violência e fraude” (GRAMSCI, 2000, p. 243). A hegemonia é a expressão
do Estado no seu sentido ampliado (sociedade civil + sociedade política). Como diz Gramsci
(1981, p. 124), “el ejercicio ‘normal’ de la hegemonía [...] está caracterizado por una
combinación de la fuerza y del consenso que se equilibran.”
Introduzindo o que Althusser (1985), mais tarde, chamaria de aparelhos ideológicos de
Estado, Gramsci (2000, p. 284), tratando de como o Estado opera suas duas frentes, identifica
que
Vale destacar que a hegemonia não surge a partir do Estado. Como diz o próprio
Gramsci, “a hegemonia vem da fábrica”, com as transformações fordistas e “uma quantidade
mínima de intermediários profissionais da política e da ideologia” (GRAMSCI, 1968, p. 381/2).
Mas é o Estado que vai aparecer como educador, dando assim a direção moral e intelectual à
sociedade. Por isso, Gramsci afirma que “a direção do desenvolvimento histórico pertence às
forças privadas, à sociedade civil, que é também ‘Estado’, aliás o próprio Estado” (GRAMSCI,
1968, p. 148).
Em outra passagem, Gramsci explica que “o Estado tem e pede consenso, mas também
“educa” este consenso através das associações políticas e sindicais, que, porém, são organismos
privados, deixados à iniciativa privada da classe dirigente” (GRAMSCI, 2000, 119). O sufrágio
cumpre a função de adquirir consenso, mas só o faz de maneira pontual. É necessário que o
consenso seja construído de maneira sistemática, “educando” o conjunto da sociedade. O
Estado tem essa responsabilidade de produzir um “consenso organizado” (Ibid.), diferente do
consenso “genérico e vago tal como se afirma no momento das eleições” (Ibid.).
Daí decorre sua definição mais conhecida: Estado = sociedade civil + sociedade política,
isto é hegemonia revestida de coerção” (Ibid., p. 244). Mais objetivamente, adiante, o autor
italiano refere-se a “Estado (no significado integral: ditadura + hegemonia). A sociedade
política é o Estado em sentido estrito ou o Estado-coerção, “formada pelo conjunto dos
mecanismos através dos quais a classe dominante detém o monopólio legal da violência e da
execução das leis, mecanismos que se identificam com os aparelhos de coerção sob controle
das burocracias executiva e policial-militar, ou seja, com o governo (COUTINHO, 2006, p. 35).
A sociedade civil, como vimos, é formada pelo “conjunto das organizações responsáveis pela
elaboração e/ou difusão das ideologias” (Ibid.). Ela é a conformação de múltiplos organismos
“privados”, mas nem por isso menos estatais; eles (re)produzem relações de força e são agentes
de consenso e hegemonia. Por esse motivo, Nogueira (2003, p. 190) afirma que “a ideia
gramsciana de sociedade civil espelharia a nova situação: abrigava a plena expansão das
individualidades e diferenciações, mas acomodava também, acima de tudo, os fatores capazes
de promover agregações e unificações superiores”.
Como se vê, as funções estatais, que transcendem a sociedade política, são também
desempenhadas pela sociedade civil. Esta última, por conseguinte, assume, na teoria
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
Isso define a razão própria de ser do Estado, o qual só existe quando e enquanto houver
classes, pois sua função “é precisamente a de conservar e reproduzir esta divisão em classes,
assegurando que os interesses particulares de uma classe se imponham como se fossem os
interesses universais da sociedade” (COUTINHO, 2006, p. 32).
A teoria gramsciana tem esse fundamento marxista como pressuposto e, a partir do
materialismo histórico, procura decifrar a complexificação das relações sociais, da sociedade
civil e do Estado em correlação dialética, que tem como objetivo primordial produzir e
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
reproduzir o sistema capitalista. Formam, assim, a “unidade na diversidade”. Por isso Gramsci
afirma que “a supremacia de um grupo social se manifesta de dois modos, como ‘domínio’ e
como ‘direção intelectual e moral’. Um grupo social é dominante dos grupos adversários que
tende a ‘liquidar’ ou a submeter também mediante a força armada; é dirigente dos grupos afins
ou aliados” (GRAMSCI, 2002, p. 62).
O marxista italiano mostra que a sociedade civil guarda autonomia material na
sociedade capitalista. Essa autonomia material é a que, segundo Coutinho, vai fazer com que
Gramsci enxergue o “conjunto das organizações responsáveis pela elaboração e/ou difusão das
ideologias” como “aparelhos privados de hegemonia”. Esse seria um fenômeno histórico
identificado por Gramsci, dado que o processo de ‘laicização do Estado’ promovido pelas
revoluções burguesas deslocaram os aparelhos ideológicos da esfera “pública”, no caso a igreja,
para a esfera “privada”. Dessa forma, “as ideologias, ainda que obviamente não sejam
indiferentes ao Estado, tornam-se assim algo ‘privado`”, porque “a adesão às ideologias em
disputa torna-se um ato voluntário – ou melhor, relativamente voluntário, já que poderosos
instrumentos de manipulação pressionam no sentido da adoção desta ou daquela ideologia – e
não mais algo imposto coercitivamente” (COUTINHO, 2006, p. 40).
A posição complexa da sociedade civil merece alguns apontamentos adicionais. Como
vimos, Gramsci a considera como parte do Estado e a define como uma esfera da superestrutura.
Contudo, ela não é o Estado em sentido estrito (esta é a sociedade política); a sociedade civil é
parte do Estado ampliado. Não significa, no entanto, que sua posição enquanto locus da
economia política desapareça. Ela é parte da superestrutura e também é estrutura. Por isso, Dias
(1996, p. 10), argumentando que não é correto limitar a sociedade civil gramsciana à
superestrutura, destaca que
Esse caminho analítico nos leva à questão da luta de classe. Se a sociedade civil é
responsável pela construção e difusão da ideologia e, ao mesmo tempo, é a arena dos conflitos
entre as classes antagônicas, é possível que as classes dominadas consigam disputar e
conquistar os “aparelhos privados de hegemonia”?
Essa é seguramente uma das questões mais polêmicas do pensamento de Gramsci,
melhor dizendo, da interpretação de seu pensamento. Isso porque nos leva à discussão “reforma
ou revolução”, cujos meandros pendulam entre o mecanicismo e o reformismo.
Gramsci, em Cadernos do Cárcere, coloca-se essa questão: “pode haver reforma
cultural, ou seja, elevação civil das camadas mais baixas da sociedade, sem uma anterior
reforma econômica e uma modificação na posição social e no mundo econômico?”
(GRAMSCI, 2000, p. 19). A resposta é categórica: “uma reforma intelectual e moral não pode
deixar de estar ligada a um programa de reforma econômica; mais precisamente, o programa
de reforma econômica é exatamente o modo concreto através do qual se apresenta toda reforma
intelectual e moral” (Ibid.).
Há, evidentemente, uma forte vinculação entre a estrutura e a superestrutura na resposta
de Gramsci. Em outras palavras, ele quer dizer que não é possível empreender a luta de classes
nas esferas da superestrutura sem que seja acompanhada por um projeto de alteração das
determinações econômicas, das relações sociais de produção.
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Essa discussão tem como pano de fundo o questionamento sobre quais são as
possibilidades de no âmbito dos AIE se empreender transformações. Althusser, que também se
debruçou sobre esta questão, afirma que essas instituições da sociedade civil que funcionam
como AIE são “os meios mas também o lugar da luta de classe” (ALTHUSSER, 1985, p. 71),
porque “a classe no poder não dita tão facilmente a lei nos AIE como no aparelho (repressivo)
do Estado” (Ibid.). Como a classe no poder “nunca chega a resolver, totalmente, suas próprias
contradições” (Ibid., p. 112), esses AIE são espaços de constante tensão e luta. No entanto, a
condição de totalidade da dominação de classe não permite que essas tensões e lutas possam
reverter a conformação de classe existente. Em outras palavras, é possível usar os AIE para
mostrar as contradições e impor tensionamentos e até derrotas pontuais às classes dominantes.
Não significa, contudo, que esses espaços possam ser disputados. Isso se evidencia com uma
passagem na qual Althusser pede “desculpas aos professores que, em condições assustadoras,
tentam voltar contra a ideologia, contra o sistema e contra as práticas que os aprisionam, as
poucas armas que podem encontrar na história e no saber que ‘ensinam’. São uma espécie de
heróis” (Ibid., p. 80). O autor destaca que, no entanto, “eles são raros, e muitos (a maioria) não
têm nem um princípio de suspeita do ‘trabalho’ que o sistema (que os ultrapassa e esmaga) os
obriga a fazer” (Ibid., p. 81).
Conclusões
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Referências bibliográficas
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos do Estado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985.
BRAVO, Maria Inês S.; CORREA, Maria Valéria C. Desafios do Controle Social na
Atualidade. Revista Serviço Social e Sociedade, n. 109, pp. 126-150, 2012.
COUTINHO, Carlos Nelson. Intervenções: o marxismo na batalha das ideias. São Paulo:
Cortez, 2006.
DIAS, Edmundo F. Hegemonia: racionalidade que se faz história. In.: O Outro Gramsci. São
Paulo: Xamã, 1996.
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Resumo
O presente ensaio propõe um tratamento materialista da participação a partir de sua
diferenciação frente às correntes dominantes na explicação das dificuldades de materialização
das formas participativas na esfera política no Brasil. De um lado, coloca-se o culturalismo que
acusa a ausência de uma preparação formal ou cultural para a participação. De outro, insurge a
corrente que identifica no neoliberalismo o fator impeditivo. A proposta de diferenciação
aponta para o estudo das condições reais de possibilidade da forma política a partir da análise
do processo de objetivação do capitalismo no Brasil, trazendo à baila a particularidade dessa
formação pela chamada via colonial. A constatação básica é a de que a participação no
capitalismo atrófico é participacionismo em razão de processos de transformação incipientes e
de modernização excludente que bloqueia a participação popular, garantindo os interesses
ligados às conciliações das classes dominantes.
Palavras-chave: participação, participacionismo, capital atrófico, particularidade, Brasil
1. Introdução
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2. Culturalismo e Neoliberalismo
A recuperação dos muitos estudos realizados no Brasil tangentes aos conselhos como
forma da participação e a participação em outras atividades burocrático-políticas, revela ao
menos duas teses mais centrais com relação às dificuldades de efetivação, conforme já
anunciado na introdução do presente trabalho.
No fundo possuem uma base semelhante; aquela dos juristas e cidadãos surpreendidos
com a não realização de uma lei tão avançada. O diagnóstico é parecido, mas o diapasão é outro.
No geral, os achados dão conta do insuficiente processo de realização das conquistas
alcançadas por meio da Constituição de 1988. O próprio Anteprojeto de Constituição, tornado
público já em 1986, revela a altura da esperança de parte da sociedade, pois o “conteúdo
abrangente, de caráter social-democrático”, criava a “oportunidade, propiciada a todo e
qualquer cidadão brasileiro, de falar e ser ouvido, de participar e sentir sua participação
examinada com seriedade” (MARQUESINI, 1986, p. 12). Se houve ou não uma reta análise
do sentido da Constituição de 1988 é assunto que devemos ter em mente, levando-se em conta
nossa atual posição historicamente privilegiada do post festum. O certo, porém, é que naquele
período aparecia uma normatização da participação com grande conteúdo progressista.
Pouco tempo transcorrido, iniciaram-se pesquisas sobre a efetividade dos mecanismos
de participação. Em 1989, lia-se que “nas quatro cidades brasileiras objeto do estudo, concluiu-
se que, mesmo quando as relações entre governo municipal e população foram
substantivamente alteradas para melhor (...) há muito a ser conquistado e consolidado na
ampliação dos espaços institucionais de participação” (FISCHER; TEIXEIRA, 1989, p. 46).
Era comum esse diagnóstico, identificando o caráter progressista, os passos dados e os que
ainda faltavam para mais avançar.
Muito rapidamente surgem as inquirições sobre as causações dessa inefetividade. Inicia-
se o sempre renovado o argumento que se sustenta na onipotência da vontade. “É possível”,
dizia Pedro Demo em 1991, “montar proposta sistemática de planejamento social participativo,
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(...) imprimindo em muitas áreas de atuação pública, hoje dispersas e disparatadas, sentido de
compromisso com o processo histórico de realização de direitos fundamentais, e, assim, de
colaboração importante na construção da democracia” (DEMO, 1991, p. 53). Com uma
legislação tão progressista, bastava a vontade política para converter a lei em aplicação.
Aparentemente a vontade não se manifestou, pois a conclusão emblemática de que “o
processo de participação do público no planejamento de obras hídricas é, no Brasil, um processo
incipiente” (CAMPOS, 1995, p. 170), repercute muito do que foi divulgado nos períodos
subsequentes para outras experiências de participação. A tônica é a da insuficiência, algo aquém
daquilo que foi expresso na letra constitucional.
A questão da vontade política encontra morada na primeira tese com força explicativa
dessa inefetividade. É bem conhecida a fundamentação culturalista que procura situar as
limitações impostas por um tipo de cultura política nacional. À guisa de exemplo, adota-se um
“conceito de cultura política” referente “à generalização de um conjunto de valores, orientações
e atitudes políticas entre os diferentes segmentos em que se divide o mercado político [!] e
resulta tanto dos processos de socialização, como da experiência política concreta dos membros
da comunidade política” (SILVA; D'ARC, 1996, p. 48). Daí resulta a apreensão de
Este estudo conclui que, apesar de haver variáveis regulativas que obrigam a realização do processo de
audiências públicas do orçamento, a participação da sociedade civil encontra dificuldades para ser
exercida, pois é influenciada por variáveis normativas e cultural-cognitivas que atuam negativamente no
processo. As variáveis normativas e cultural-cognitivas são baseadas nos valores, crenças e variáveis
culturais como a cultura política e o clientelismo orçamentário que desta deriva. Dentro da lógica de
sistemas, isso ocorre porque os vereadores fazem parte de um subsistema próprio, que é autopoiético, tem
valores e normas próprios e dificulta a entrada do subsistema sociedade civil que busca participar do
subsistema legislativo. Apesar de se abrir à participação, o subsistema Poder Legislativo o faz moldando
a participação conforme padrões de conduta já existentes na relação entre parlamentar e sociedade civil.
(BRELÀZ; ALVES, 2013, p. 822)
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98). A problemática é tomada como resultado do embate entre distintos projetos, o democrático
e o neoliberal, pois este:
operaria não apenas com uma concepção de Estado mínimo, mas também com uma concepção
minimalista tanto da política como da democracia. Minimalista porque restringe não apenas o espaço, a
arena da política, mas seus participantes, processos, agenda e campo de ação (DAGNINO, 2004a, p. 108).
A despeito de a autora ter colocado, em outro lugar, um peso demasiado sobre uma
“crise discursiva”, a tônica da “confluência perversa” permanece firme, pois
essa crise discursiva resulta de uma confluência perversa entre, de um lado, o projeto neoliberal que se
instala em nossos países ao longo das últimas décadas e, de outro, um projeto democratizante,
participativo, que emerge a partir das crises dos regimes autoritários e dos diferentes esforços nacionais
de aprofundamento democrático (DAGNINO, 2004b, p. 140).
O embate entre esses projetos distintos tem mostrado, segundo a autora, que o “avanço
da estratégia neoliberal determinou uma profunda inflexão na cultura política no Brasil e na
América Latina” (DAGNINO, 2004b, p. 146). A centralidade do argumento se prova por sua
repetição.
É preciso reter a permanência, nesse tratamento, de uma polarização de “projetos
políticos” (cf DAGNINO, 2004b, 144). Também é necessário que fixemos a explicação
consideravelmente distinta daquela culturalista, uma vez que determina o neoliberalismo como
o fator restritivo ao avanço da participação no Brasil.
Análise semelhante, porém, mais realista, encontramos contemporaneamente também
na produção nacional. Sem apelar ao culturalismo ou a uma “crise discursiva”, apreendemos
certo embate de épocas e de “ideologias” que encapsulam o problema das insuficiências da
participação e dos conselhos. Lemos, por exemplo, que:
Este fenômeno não pode ser desassociado do contexto mais amplo no qual se encontra. Os anos 1990 são
marcados por reformas que promovem desregulamentação, flexibilização de leis trabalhistas e
previdenciárias, diminuição da atuação do Estado na esfera social, entre outras medidas semelhantes. Os
valores ideológicos que acompanhavam os movimentos sociais até os anos 1980, relacionados a direitos
universais e transformação social, foram, com a emergência da nova ordem, suplantados. Mais que isto,
o resgate de valores típicos do individualismo liberal parece ter sido a semente mais fecunda de todo este
contexto. A experiência dos conselhos gestores, objeto de observação e análise neste artigo, não pode
escapar destas circunstâncias. Inscritos na Constituição e na contemporaneidade da sociedade brasileira
como resposta a um período rico em esperanças, valores éticos e sociais e intensa mobilização, eles
parecem depender desse ambiente para funcionar com plenitude, ainda que se desfaçam do que se podem
considerar exageros do romantismo político (GURGEL; JUSTEN, 2013, p. 374)
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3. Participação e materialismo
Pretendemos apresentar uma análise distinta, endógena por assim dizer, que busca a
explicação na via particular de objetivação do capitalismo no Brasil e que dá conta de avaliar a
participação existente não como “aplicação insuficiente da constituição”, não como um extravio
provocado pelo “neoliberalismo”, mas como forma possível nas condições de uma
particularidade antagonizada, porém sem processos sociais superadores, isto é, marcada por
revolucionamentos sociais insipientes dos quais a “redemocratização” da década de 1980 é
apenas um exemplo. Bem entendido, o endógeno aqui é referência à correspondência entre a
forma da participação presente e os traços do capitalismo que se forjaram no Brasil.
A devida compreensão desse problema requer uma explicitação de dois aspectos
fundamentais e inter-relacionados.
O primeiro deles diz respeito a uma compreensão reta do materialismo como esforço de
explicação mais justa da própria realidade.
É mais do que comum a acusação vinda de muitos lados de haver uma espécie de
economicismo às explicações que, como aquela segunda tese acima, não evitam a relação
concreta entre a participação e o capitalismo. Embora, como vimos, tenha aceitado rápido
demais um suposto “desvirtuamento neoliberal”, a correção está em não analisar de modo
estanque e autonomamente a dimensão da participação nas instâncias governamentais. Mesmo
a essa tese, entretanto, falta o essencial: a apreensão da participação como forma política de
um conteúdo fora dela. É nesse sentido que se recorre ao neoliberalismo como desvirtuamento
interferente que, se ausente, permitiria o cumprimento da tendência “democratizante”.
Além do economicismo, também é bastante comum a acusação de determinismo. O
materialismo seria apenas mais uma abordagem especial, uma espécie de coleção de fatos
epifenomênicos todos redutíveis por mecanicismo à esfera econômica. A vulgata rende seus
efeitos ainda contemporaneamente. Assim, tanto a “superestrutura idealista” quanto as “formas
de consciência” seriam nada mais do que resultados lineares, puros reflexos daquilo que se
passa na economia.
Totalmente diferente é a apreensão do problema em suas bases reais. A determinação
fundamental é a de que as relações materiais são pressupostos objetivos dessas formas
derivadas – o que não significa que sejam menores ou desimportantes – sem os quais não seria
possível a existência do estado, da filosofia, da arte etc. A determinação, então, não está numa
mecânica causação à la Durkheim, mas nas possibilidades criadas pelas relações concretas entre
os homens. Não são possíveis, a não ser de maneira e de efeito secundários, formas derivadas
não correspondentes às relações materiais, à sua base. À guisa de exemplo, a arte grega como
tal entrelaçada à mitologia da época jamais encontraria condições de desenvolvimento numa
sociabilidade capitalista em que o estádio de desenvolvimento das forças produtivas inviabiliza
tal expressão estética (cf. MARX, 2011, p. 62). Pode permanecer como objeto de especialistas
e depósito para a inspiração cinematográfica, ressurgir acoplada ao intercâmbio das
mercadorias, mas perde a conexão viva com o social.
Poderíamos multiplicar infinitamente exemplos desse tipo. Basta apreender que a
despeito das variações possíveis das formas derivadas sua persistência ou perecimento estão
em conexões mais ou menos fortes e mais ou menos fracas com as relações concretas. Nesse
sentido, é possível que a forma política se altere consideravelmente entre expressões mais
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adjetas como o bonapartismoi e mais propícias à luta dos trabalhadores e camadas populares
como as democracias representativas dentro dos limites de uma mesma ordem geral de
produção e reprodução da vida, como a sociabilidade do capital. Na reciprocidade entre
continuidade e descontinuidade históricas, e levando-se em conta o peso da primeira, a variação
de inúmeros aspectos se articula com a preservação de outros mais fundamentais. Enquanto a
forma política considerada como estado pode se modificar, dada sua considerável
heterogeneidade frente às relações materiais, inúmeros elementos fundamentais da
sociabilidade se preservam, como a lógica do valor, até que uma transformação mais profunda
possa de fato alterar as relações sociais de produção, modificando todo o conjunto articulado
das determinações da sociabilidade particular. É o que podemos entender por um “movimento
real da forma política”, movimento, porém, de lógica não própria em razão dos “nexos com as
forças motrizes de ordem primária sobre as quais também atuam reciprocamente as formas
concretas dos estados” (PAÇO CUNHA, 2015, p. 23). Em outros termos:
o modo de atuação do estado é profundamente condicionado pela condição econômica, pelo estágio da
luta de classes e, claro, pelo esclarecimento social da classe trabalhadora nessa luta. Temos então uma
relação, no interior de uma unidade, (...) uma unidade de movimento não próprio porque se regula por
circunstâncias e relações que estão fora dela, mas que também são por ela condicionadas (PAÇO
CUNHA, 2015, p. 26).
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a interação tem muitos aspectos e se articula de diferentes modos. Mas também está claro que nessa
relação entre determinações de reflexão tão ricamente articulada revela-se com toda evidência o traço
fundamental da dialética materialista: nenhuma interação real (nenhuma real determinação de reflexão)
existe sem momento predominante. Quando essa relação fundamental não é levada na devida conta, tem-
se ou uma série causal unilateral e, por isso, mecanicista, simplificadora e deformadora dos fenômenos,
ou então aquela interação carente de direção (LUKÁCS, 2012, p. 334).
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É aqui que encontra peso decisivo a categoria da particularidade, a qual permite elucidar
o caráter da realidade enquanto um complexo de complexos (cf. Lukács, 2012). A formação do
capitalismo brasileiro teve por característica particular a sua subordinação aos interesses de
capitais estrangeiros originários dos países capitalistas centrais, em quadro de conciliação entre
o velho e o novo, onde os herdeiros latifundiários da economia de extração colonial e os
industriais locais vinculam-se ao capital internacional imperialista na transição da produção
escravista para o modo de produção capitalista no Brasil. De acordo com Caio Prado Júnior:
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[...] não é apenas a classe trabalhadora que se desfalca, mas o país que em conjunto que vê escoar-se para
fora de suas fronteiras a melhor parcela de suas riquezas e recursos. As contradições da exploração
capitalista tomam assim caráter muito mais agudo e extremo. Entre outros efeitos bem patentes estão a
deficiência e a morosidade da acumulação capitalista brasileira essencialmente débil. Falta assim ao país
o elemento fundamental de progresso econômico (PRADO JR, p. 280, grifo nosso).
O capitalismo brasileiro nasce então com uma debilidade congênita, o que se expressa
no caráter atrófico do capital aqui constituído, expresso em uma classe burguesa sem
capacidade de levar a cabo os elementos civilizatórios do desenvolvimento capitalista.
Atrofiada e débil em sua essência, dada a ausência de possibilidade do progresso econômico e
sua subordinação estrutural aos interesses imperialistas, manifesta-se politicamente no
exercício de seu domínio de maneira autocrática, de acordo com Chasin:
Desprovido de energia econômica e por isso mesmo incapaz de promover a malha societária que aglutine
organicamente seus habitantes, pela mediação articulada das classes e segmentos, o quadro brasileiro da
dominação proprietária é completado cruel e coerentemente pelo exercício autocrático do poder político.
Pelo caráter, dinâmica e perspectiva do capital atrófico e de sua (des)ordem social e política, a reiteração
da excludência entre evolução nacional e progresso social é sua única lógica, bem como, em verdade, há
muito de eufemismo no que concerne à assim designada evolução nacional (2000b, p. 221).
O caminho do povo brasileiro para o progresso social – um caminho lento e irregular – ocorreu sempre
no quadro de uma conciliação com o atraso, seguindo aquilo que Lênin chamou de “via prussiana” para
o capitalismo. Ao invés das velhas forças e relações sociais serem extirpadas através de amplos
movimentos populares de massa, como é característico da “via francesa” ou da “via russa”, a alteração se
faz mediante conciliações entre o novo e o velho, ou seja, tendo-se em conta o plano imediatamente
político, mediante um reformismo “pelo alto” que exclui inteiramente a participação popular. [...]. No
quadro desse profundo divórcio entre o povo e a nação, torna-se assim particularmente difícil o
surgimento de uma autêntica consciência democrático-popular (1974, p. 3).
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[…] particular constratante aos casos clássicos; clássicos, acima de tudo, porque mais coerentes, mais
congruentes ou consetâneos, em nível de sua própria totalidade, enquanto totalidade capitalista, na qual
as diversas partes fundamentais embricam entre si e em relação ao todo de forma amplamente orgânica,
de maneira que o real se mostra como racional, a nível da máxima racionalidade historicamente possível.
Particular constratante do qual se avizinha o caso brasileiro, também diverso dos casos clássicos (1978,
p. 626-627)
Assim, irrecusavelmente, tanto no Brasil, quanto na Alemanha, a grande propriedade rural é presença
decisiva, de igual modo, o reformismo pelo “alto” caracterizou os processos de modernização de ambos,
impondo-se, desde logo, uma solução conciliadora no plano político imediato, que exclue rupturas
superadoras, nas quais as classes subordinadas influiriam, fazendo valer seu peso específico, o que abriria
possibilidade de alterações mais harmônicas entre as distintas partes do social. Também nos dois casos
o desenvolvimento das forças produtivas é mais lento, e a implantação e progressão da indústria, isto é,
do “verdadeiro capitalismo”, do modo de produção especificamente capitalista, é retardatária, tardia
sofrendo obstaculizações e refreiamentos decorrentes da resistência de forças contrárias e adversas. Em
síntese, num e noutro casos, verifica-se, para usar novamente uma fórmula muito feliz, nesta sumaríssima
indicação do problema, que o novo paga alto tributo ao velho (CHASIN, 1978, p. 627).
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[...] foi o movimento pelo qual, assegurada a estrutura econômica vigente, a dominação política do capital
atrófico transitou de seu perfil bonapartista para a sua forma de autocracia burguesa institucionalizada,
figuras ambas do mesmo domínio antidemocrático que a tipifica. Em outras palavras, a transição consistiu
na auto-reforma da dominação política discricionária, em razão e benefício de seu fundamento - a perversa
sociedade civil do capital inconcluso e subordinado, arremetida ao sufoco de uma grave crise de
acumulação (2000b, p. 223).
[...] a transição chegou a uma Constituição que - ainda quando não sejam dela abstraídas certas luzes -
não afeta ou altera os objetivos e os modos de afirmação do autocratismo burguês, e alcançou também a
reafirmação da fisionomia econômica plantada há um quarto de século, mesmo que hoje sob as condições
de sua máxima ineficiência, que os altos índices de inflação e miséria denunciavam com veemência. A
transição não superou também a componente militar nas equações do poder, a não ser nos limites
consentidos pela autorreforma da ditadura, mesmo porque é intrínseca, às formações do tipo da brasileira,
a incapacidade do capital de organizar por si só estatuto de seu ordenamento; e, por fim, mas não por
último, não alterou em nada, apesar de algumas escaramuças, as relações desiguais que associam o país
ao sistema financeiro internacional (2000b, p. 223).
A via colonial encerra-se nos anos 1990, consolidado o capitalismo no Brasil e inserido
o país na rede mundializada de troca de mercadorias, completo seu ciclo formativo e
estabelecida a base urbano-industrial local,
[...] a nova des(ordem) internacional do capital, produzido e reproduzido com alta tecnologia no mercado
globalizado, não é a materialização de um sopro divino de bonança, plasmada em opulência e justiça. É,
porém, e será cada vez mais, até onde possam os horizontes ser hoje vislumbrados, o mundo real a ser
vivido por todos, embora sob a diversidade com que os países estejam habilitados a participar dele por
efeito do desenvolvimento desigual que os enforma (CHASIN, 2000f, p. 304).
É dependente dessa nova situação qualquer alternativa que pretenda a sua superação. A
questão que também precisa ser ajuizada, nesse mesmo sentido, é o caráter da participação
popular mais recentemente endossada pela letra da norma constitucional tomado em
consideração o percurso particular do caso concreto brasileiro. Completados trinta anos do fim
da última ditadura bonapartista, vários elementos supostamente exclusivos a ela seguem
enquanto constituintes da realidade cotidiana brasileira, até mesmo sua face mais violenta,
manifesta na conjunção entre tortura promovida por agentes estatais e impunidade (MAGANE,
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2014). O que diferencia é o caráter mais específico da utilização dos aparatos repressivos,
expressa tanto nas ocupações de morros e favelas pelas diferentes polícias quanto na violência
física, policial-militar ou criminalização judicial contra movimentos sociais (DEO, 2014). A
transição transada permitiu a institucionalização da variante legal-institucionalizada da
autocracia burguesa, onde é possível se garantir a estabilidade das relações sociais pelas duas
vias: medidas administrativas e repressoras. Temos então uma economia integrada e
automovida pela lógica do valor, pelo império da necessidade de acumulação capitalista
determinada por uma formação histórica que restringiu o desenvolvimento de elementos e
valores democrático-humanistas.
A debilidade da organização dos trabalhadores, em grande parte provocada pela forte
repressão ainda presente, culminou no desenvolvimento de instituições democráticas frágeis e
a dupla determinação da miséria brasileira contemporânea, vicissitudes determinadas pela via
colonial e pela própria lógica do valor, colocam condições de possibilidade restritas às formas
de participação política no Brasil. É nesse sentido que a participação se desenvolve como
participacionismo, como desenvolveremos adiante.
Assim, diferentemente da tese culturalista ou da que vê no neoliberalismo o problema
para a efetivação das conquistas formais da Constituição de 1988, a via colonial explicita os
limites concretos às formas políticas, constituídos historicamente ao longo de toda a formação
brasileira porque se anima pelo impulso do materialismo em revelar os nexos objetivos entre
os terrenos econômico e político, porque procura pelo nexo real entre a participação e as suas
condições de possibilidade em meio às forças motrizes de ordem primária. Não se trata de mera
cultura a ser mudada por uma educação política mais cidadã, de fato, a bandeira da cidadania é
levantada pelos mesmos monopólios de mídia que se beneficiaram com o último período
bonapartista. As condições para o desenvolvimento de uma nova cultura se ligam à necessidade
de ruptura com as condições que promovem os limites da propalada “cultura política” não
participativa. Também é portador de insuficiência atribuir a um desvio o não desenvolvimento
da participação. Longe de ser uma análise mecanicista atrelada ao econômico, o que a via
colonial permite vislumbrar – na melhor expressão do materialismo aqui desenvolvido – são os
limites imanentes à realidade brasileira, que baseada na necessidade da superexploração do
trabalho e no caráter subordinado dos interesses da classe burguesa brasileira, não abre um
horizonte plácido à efetivação das “conquistas” da última Constituição Federal. Os limites da
participação são dados por ela germinar no solo da miséria brasileira.
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Referências
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i
O Bonapartismo foi identificado por Marx (2011b) na França pós-1848 como a forma política que corresponde
ao período em que começam a esvaecer as pretensões revolucionárias da burguesia, que agora consolidada
politicamente, passa a adotar um caráter reacionário, na medida em que para o partido da burguesia “a luta pela
afirmação do seu interesse público, do interesse da sua própria classe, do seu poder político, apenas o incomodava
e desgostava como perturbação dos seus negócios privados” (p. 122) escolhendo a burguesia, então, “desobrigar-
se do seu próprio domínio político para livrar-se, desse modo, das dificuldades e dos perigos nele implicados” (p.
353
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124). Ou seja, a burguesia abdica de sua participação política direta no parlamento para que Bonaparte garanta a
segurança de seus negócios.
ii
De acordo com Chasin (2000d), “o politicismo arma uma política avessa, ou incapaz de levar em consideração
os imperativos sociais e as determinantes econômicas. Expulsa a economia da política ou, no mínimo, torna o
processo econômico meramente paralelo ou derivado do andamento político, sem nunca considerá-los em seus
contínuos e indissolúveis entrelaçamentos reais, e jamais admitindo o caráter ontologicamente fundante e
matrizador do econômico em relação ao político. Trata-se, está claro, de um passo ideológico de raiz liberal” (p.
124).
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Resumo:
A Via Colonial, enquanto proposta de entendimento da constituição do capitalismo brasileiro
possui determinadas categorias que se põem como essenciais para explicar esta forma
particular determinada do metabolismo social do capital. Dentre as variadas tematizações e
problematizações levantadas durante o itinerário de José Chasin, a superexploração da força
de trabalho é identificada pelo mesmo através dos relacionamentos dos interesses econômicos
próprios da burguesia nacional subalterna, retardatária e de industrialização atrofiada, com o
capital externo, o que chama atenção para a particularidade de tal categoria na realidade
brasileira. Categoria determinante para o entendimento dos dilemas nacionais do passado e do
presente, o texto visa apresentar a problematização da superexploração da força de trabalho, o
tratamento dado por Chasin e quais as formas mais gerais da questão atualmente no Brasil que
continuam confirmando algumas das categorias contidas na tese da Via Colonial.
Introdução
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formação capitalista nacional e sua atuação histórica dentro do Estado. Dentre os enormes
dilemas e questões que surgem, o texto objetiva mostrar que algumas das respostas
estruturantes da economia que estão sendo gestadas durante o processo de crise nacional e
internacional se constitui na suspensão ou eliminação das políticas de financiamento do
Estado e um ataque mais intensivo aos direitos dos trabalhadores que, considerando a história
nacional, tem a semelhança das decisões de seu atraso e carrega consigo as particularidades da
burguesia nacional e de sua classe trabalhadora. Assim, as formas que vem sendo encontradas
para a resolução dos problemas de ordem econômica acontecem, com maior ou menor
intensidade, sem negar a estrutura da anatomia política e econômica herdada de seus
processos históricos, que determinam a legalidade do capitalismo brasileiro.
Oriunda do processo da Via Colonial, a formação do capitalismo brasileiro foi
marcada pela exclusão da participação das massas nos processos decisivos da modernização
capitalista. Primada por uma formação econômica e social voltada desde seu início para o
comércio externo (PRADO JR., 2011), o país passou pelos seus processos de colonização,
independência e industrialização hipertardia, conferindo entalhes particulares em sua
formação capitalista que manteriam a convivência do velho na emergência do novo. De um
processo que viga suas bases na condição de colônia, a formação industrial nacional sofreria
enormes reveses de interesses antagônicos, partindo principalmente dos setores agrários e
comerciais orientadas para o lucro do comércio externo, desde suas primeiras manifestações
após a Independência (LUZ, 1978).
Dentre as inúmeras questões do metabolismo social capitalista que envolve o Brasil,
elas possuem em sua raiz econômica o fundamento da sociabilidade do capital calcada na
superexploração da força de trabalho, ou seja, as “Bases multitudinárias que sofrem a tragédia
econômica e social da reprodução da miséria brasileira, diretamente sob a forma de
superexploração do trabalho, ou seja, de arrocho salarial.” (CHASIN, 1986, p. 3). Objeto de
exploração intensificada pelos mecanismos do atrelamento de interesses externos e
subordinação econômica, a classe trabalhadora do Brasil se viu historicamente imprimida
pelos desejos de lucros tanto das burguesias nacionais quanto dos investidores internacionais,
quando dos processos decisivos apresentados pela abertura histórica de autonomização
industrial a partir de 30. Deficientemente espraiada pelo território, a atrofia do sistema
metabólico do capital possui caracteres históricos perversos no tratamento da questão da
remuneração da força de trabalho no Brasil, que se apresenta de forma mais objetiva à medida
que se desenvolve um mercado formal de trabalho, impulsionado pela industrialização.
A marginalização e exploração acentuada de grandes contingentes populacionais dessa
sociedade industrializada na subordinação é a marca mais perceptível da incapacidade de
nossa burguesia em atender os anseios do desenvolvimento econômico nacional, objetivando
um forte mercado interno, com maior robustez para a manutenção da realização e acumulação
de capitais dentro do mercado nacional. Uma solução encontrada para fazer frente às
necessidades de manutenção de altas taxas de lucro se encontra na história da relação dessa
burguesia com a classe de trabalhadores nacionais, no transpasso das décadas referentes ao
processo de industrialização nacional. Necessário, então, entender este processo para
conseguir detectar as principais determinações que envolvem a anatomia da sociedade civil
brasileira, de um capitalismo atrofiado no qual sua sustentação está, em maior ou menor
medida, na superexploração da força de trabalho. Isso se mostra como um alargamento às
contribuições para a compreensão de um dos diversos elementos do capital brasileiro. Nesse
sentido, são dilemas que a Administração Política ainda pode e deve se debruçar, visto que
são poucas as incursões históricas que busquem delimitar a anatomia da sociedade civil
brasileira, buscando a compreensão dos elementos que constituem o complexo das relações
sociais de produção, dentre o qual a superexploração da força de trabalho se destaca como
categoria particular do metabolismo social no capitalismo atrofiado. Assim, este trabalho
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apresenta além desta introdução, mais 3 seções que se dividem sobre a delimitação da Via
Colonial, a tematização da superexploração do trabalho e por último as conclusões eivadas do
processo de análise em questão em conjunto com rápidas considerações sobre a crise
internacional e nacional em andamento.
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produção fora levado a novas aplicações para a compreensão das formas de ir e ser do capital
que não negam as conclusões do sistema erigido por Marx. Desta forma, a Via Colonial
compreende as diferenças das legalidades internas dos Estados-nação que constituem o
complexo do sistema do capital no mundo, abordando pelo método das diferenças específicas
do processo histórico as particularidades que compõe o caso nacional.
Sendo o capítulo XXIV de O Capital (2013) que demarca a constituição histórica do
capitalismo inglês, outras formas de objetivação do capital surgiram e o caso da via prussiana
do capitalismo alemão denota algumas particularidades que permitem identificar o caso
brasileiro, mas que não delimitam as diferenças específicas do processo. O caso da via
prussiana, ou das formas não-clássicas de objetivação do capitalismo, apresentada por Marx
(2012), aludida por Lênin (1963) e analisada em sua formação histórica e consequências reais
por Lukács (1959), nos permite identificar semelhanças e divisar as diferenças específicas.
Entretanto, significa dizer que a forma histórica em que se deu na Alemanha, apesar de
seus traços comuns divididos, não é a mesma totalidade histórica sob a qual o nosso país irá
adentrar no modo de produção capitalista. Nas palavras de Marx (apud CHASIN, 1978, p. 29)
“Assim, pois, eventos notavelmente análogos que, porém, ocorrem em meios históricos
diferentes conduzem a resultados totalmente distintos. Estudando em separado cada uma
destas formas de evolução e comparando-as depois, pode-se encontrar facilmente a chave
deste fenômeno, nunca porem se chegara a isto mediante o passaporte universal de uma teoria
histórico-filosófica geral cuja suprema virtude consiste em ser supra-histórica”. Conclui-se,
portanto, que “o decisivo não é tanto o que um nome possa designar, ‘mas como o objeto
nomeado se objetiva, se individualiza, enquanto entidade social’” (CHASIN, 1978, 627).
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O que interessa aqui é notar que a colonização não se orienta no sentido de constituir
uma base econômica sólida e orgânica, isto é, a exploração racional e coerente dos
recursos do território para a satisfação das necessidades materiais da população que
ali habita. Daí a sua instabilidade, com seus reflexos no povoamento, determinando
nele uma mobilidade superior ainda à normal dos países novos.
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O uso do Estado para a consecução dos interesses industriais no Brasil foi a principal
forma encontrada para que os setores dominantes avançassem no processo de industrialização
através da implementação de infraestrutura das indústrias de base, necessidade esta já
declarada pela classe industrial antes dos processos iniciados com a chegada de Getulio
Vargas, da política de créditos e subsídios industriais representado pelo Programa de
Substituição de Importações (PSI). Outra forma encontrada entre 30 e 64 foi a contenção da
valorização salarial diante da inflação, principalmente no governo Dutra, que denota, no
conjunto de tais fatores, a incapacidade e o desinteresse histórico da burguesia nacional de
arcar independentemente com o processo de acumulação capitalista. Como salienta Marx
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
(2011, p. 438): “A desvinculação das obras públicas do Estado e sua passagem ao domínio
dos trabalhos executados pelo próprio capital indicam o grau em que se constituiu a
comunidade real na forma do capital”.
As reivindicações mais comuns da classe do trabalho eram o aumento de salários, o
fim da exploração de menores e mulheres, a redução de jornada (trabalhava-se de 12 a 16
horas diárias) e a melhoria das condições gerais de trabalho. Até então, não existira legislação
social abrangente. Antes de tal legislação, valia o regulamento de cada unidade fabril,
incluído até castigos físicos. As relações entre patrões e trabalhadores eram de quase servidão
escravista. No problema da regulação da jornada de trabalho industrial na Inglaterra se
encontra que “O modo de produção material modificado, ao qual correspondem as relações
sociais modificadas entre os produtores, engendra, de início, abusos desmedidos e provocam,
como reação, o controle social que limita, regula e uniformiza legalmente a jornada de
trabalho e de suas pausas. Por isso, durante a primeira metade do século XIX, esse controle
aparece como mera legislação de exceção” (MARX, 2013, p. 369-370).
Portanto, na incompletude da industrialização hipertadia, as tarefas cabidas à
burguesia foram levadas a cabo pelo Estado, representando os interesses destes setores como
os verdadeiros interesses “nacionais”. O desinteresse da burguesia em se alçar aos mesmos
patamares das economias centrais perfaz o caminho da industrialização. De tal processo
histórico emerge pela primeira vez na história uma legislação trabalhista unificada, ratificando
e ampliando regras e legislações até então dispersas e estabelecendo, através da criação por
decreto governamental, a Consolidação das Leis do Trabalho, ou seja, o principal instrumento
de regulação da exploração capitalista da força de trabalho no país. Por outro lado, fica
perceptível que as tarefas legadas à classe trabalhadora também se constituíam de conquistas
pontuais de determinados setores, mas que foram consolidadas pelo próprio Estado,
representando uma conquista nas lutas internas pela jornada normal de trabalho. Encontra-se
em Marx (2013, p. 370) a importância dessa passagem histórica na Inglaterra: “A criação de
uma jornada normal de trabalho é, por isso, o produto de uma longa e mais ou menos oculta
guerra civil entre as classes capitalistas e trabalhadoras”.
O processo do golpe em 1964 sintetizou a disputa entre um nacionalismo de
industrialização autônoma, representado pelas Reformas de Base e o Plano Trienal, que foram
interpretados como um “fantasma do comunismo”, no estertor da guerra-fria e de seus
complexos movimentos mundiais. Os setores dominantes apoiavam então o aprofundamento
dos laços econômicos com os países capitalistas centrais (em especial o estadunidense), a
defesa da livre empresa e criticavam a intervenção estatal na economia. Mas a convulsão
econômica e social que inicia a década de 60 apresentava problematicamente o padrão de
acumulação exibido no governo Kubitschek, de desnacionalização das indústrias nacionais e
da ampliação do endividamento público para consecução de obras públicas, em contraposição
às propostas populares de distribuição das propriedades dos meios de produção oriundo da
eleição de Jânio Quadros e João Goulart.
Em suma, a Via Colonial do capitalismo lega uma burguesia nacional particular:
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Este proceso se completó con la renuncia de la burguesía llevar a cabo una política
de desarrollo autónomo. En efecto, el asedio de los capitales extranjeros, que se
intensifica en los años cincuenta, coincide con la dificultad de las economías
latinoamericanas para lograr una flexibilización de su capacidad para importar,
mediante la expansión de exportaciones tradicionales […] Así, la burguesía
industrial latinoamericana evoluciona de la idea de un desarrollo autónomo hacia
una integración efectiva con los capitales imperialistas y da lugar a un nuevo tipo de
dependencia, mucho más radical que el que rigiera anteriormente.
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Desta forma, “En realidad, lo que pasaba era que el desarrollo del capitalismo
industrial brasileño chocaba con el límite que le imponía la estructura agraria. Al estrellarse
contra el otro limite, representado por sus relaciones con el imperialismo, todo el sistema
entraba en crisis” (MARINI, 1971, p. 100). As conclusões que derivam de tais afirmações vão
de encontro com os principais momentos históricos de constituição das indústrias nacionais
após 1930. Entretanto, considera-se neste trabalho que a teoria do valor, por si mesma, é
insuficiente para confirmar as conclusões que estariam apresentadas em seu estudo mais
conhecido da dialética da dependência. Assim, as considerações históricas encontradas
anteriormente são essenciais, mas, por seu lado, não seguem o método de entalhe ontológico
das diferenças processuais específicas das formações capitalistas para compreender a estrutura
da superexploração da força de trabalho no Brasil.
Não obstante às diferenças e limites ao método escolhido, é necessário registrar a
originalidade da categorização da relação entre capital e trabalho nas economias latino-
americanas, feita por Marini (incluindo neste caso o Brasil). Decerto que foi fundamental a
usurpação do poder estatal feita pelos militares para a consolidação da estrutura que rege a lei
do valor das economias subordinadas. A diferença dos métodos, entretanto, levam a
considerações sensivelmente diferentes do problema em pauta.
De Marini, o entendimento da questão parte da conferência de privilégio a um fator
determinante (as trocas desiguais e os mecanismos de transferências do valor), da qual se tem
neles a identificação do decisivo caráter determinante da anatomia nacional. Assim, o autor,
desenvolvendo de maneira autóctone e ainda incipiente a teoria das abstrações de Marx,
identificados nos diferentes tratamentos das abstrações econômicas apresentadas nos volumes
II e III de O Capital, parte para as considerações destas trocas desiguais e da transferência de
valor os substratos essenciais da reafirmação da dependência dentro do processo de
desenvolvimento capitalista. Os mecanismos econômicos auto-constritores são elevados ao
plano da explicação dos modos ou padrões de reprodução econômica que se apresenta pelo
capitalismo sui generis. A solução encontrada pelo capital dependente em face aos
mecanismos de transferência do valor das trocas desiguais para as economias centrais se
encontra no uso intensivo da mão-de-obra abaixo do seu valor para compensar as perdas
internacionais.
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Renato Miranda
Universidade Federal de Alagoas (UFAL)
Resumo:
A “competição interjurisdicional”, conhecida no Brasil também como “guerra fiscal”, consiste
numa questão cuja complexidade guarda nuances históricas, políticas, regionais, fiscais e
federativas. O esforço para sanar ais conflitos vem se desdobrando por meio das tentativas de
implementação de uma reforma tributária voltada para a uniformização da legislação do
ICMS, com o deslocamento da sua incidência interestadual para o momento e o local do
consumo. O presente trabalho objetiva identificar os determinantes conjunturais da matriz
espaço-temporal privilegiada pelas propostas de reforma em tramitação, investigando os
traços concretos dessa nova materialidade institucional, em cotejo com os formatos
organizativos tidos como “adequados” ao contexto no qual está inserido o Estado
contemporâneo.
Palavras-chave: ICMS; uniformização; federalismo.
1. Introdução
A “competição interjurisdicional” no Brasil se desdobra em conflitos de diferentes
ordens: o de cunho regional, protagonizado pelos interesses dos estados-membros produtores,
economicamente mais desenvolvidos, em oposição aos dos estados-membros consumidores,
de setor industrial mais incipiente; o intergovernamental horizontal (entre entes do mesmo
nível), composto pela chamada “guerra fiscal”, na qual os estados-membros cedem favores
fiscais em prol da atração de investimentos industriais para os seus territórios; o
intergovernamental vertical, caracterizado pela tensão provocada em razão da coexistência de
autonomias distintas no mesmo território, onde o governo central (União) tenta alinhar a
prática tributária dos estados-membros ao padrão de ajuste fiscal em implementação; ou,
ainda, conflitos vinculados à estruturação dos mercados mundiais, influenciados pelas
tendências internacionais de tributação sobre o valor adicionado – com incidência tributária
sobre o consumo – como forma de melhor permitir a circulação de mercadorias por entre os
territórios.
No caso da tributação sobre o valor adicionado, especificamente sobre o consumo, a
contenção da dinâmica competitiva entre os estados-membros vem sendo apresentada nas
ultimas décadas – principalmente nos momentos de reforma constitucional –, como um
problema a ser equalizado dentro da estrutura federativa brasileira. Em primeira mão, como
antídoto para sanar os problemas decorrentes da “competição interjurisdicional”, o atual
momento conta com três propostas de alteração legislativa, todas elas - guardadas suas
especificidades – defensoras da uniformização da legislação do ICMSi, mediante o
deslocamento da base da incidência tributária interestadual para o momento e local do
consumo. O presente estudo busca, portanto, identificar quais os determinantes conjunturais
dessa nova matriz espaço-temporal. Tal intento desdobra-se especificamente, em dois outros
objetivos: abordar os traços concretos dessa nova materialidade institucional; analisar as
contradições intrínsecas à arquitetura organizativo-institucional sugerida.
O estudo desenvolve-se, primeiramente, a partir da análise das propostas de reforma
tributária e identificação dos seus traços concretos, sintetizados num quadro com os principais
elementos das três propostas de reforma. A partir daí, segue-se a abstração de três categorias,
articulando-se, em espiral, elementos teórico-conceituais e empírico-conjunturais, inerentes a
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passa, então, a ser posicionada de forma a superar o próprio espaçoiv, reduzindo-se o tempo e
o custo de mobilidade do capital, num cenário em que o ente público assume o papel de
garantidor das condições necessárias à produção e circulação de mercadorias, liberando os
capitalistas de restrições geográficas determinadas (HARVEY, 2007; MARX, 1973).
O movimento homogeneizador do capital constitui-se, teoricamente, a partir das suas
determinações mais simples e imanentes, ou seja, funda-se enquanto exigência do “capital em
geral”, antes mesmo de se considerar a pluralidade de capitais, em concorrência. Essas
determinações gerais buscam instituir uma equalização equivalente dos fatores, dando
unidade à diversidade das relações existentes. No curso desse movimento, a valorização do
capital tende a impor traços comuns à sua lógica, de modo a permitir a circulação dos seus
valores, símbolos e informações, suprarregionalmente, sem restar confinado a limites
territoriais específicos, gestando, dessa forma, um espaço e um mercado uno (BRANDÃO,
2004; OLIVEIRA, 2004).
Com o advento da era industrial, passou a tornar-se relevante a questão dos mercados
e a delimitação da sua extensão, evidenciando-se, por assim dizer, as suas deficiências. A
partir daí, o desenvolvimento das forças produtivas passou a buscar uma unificação dos
espaços regionais, enquanto mercados consumidores. Isso se deu, num primeiro momento,
sob a tutela dos Estados nacionais, os quais, por seu turno, empreendiam esforços no sentido
de equalizar as inadequações institucionais, concebidas, naquele momento, como entraves à
articulação entre os espaços desiguais. Pode-se dizer, dessa forma, que, nas ditas
circunstâncias, a centralização de poder mostrou-se bastante compatível com as exigências do
capital em expansão, afinal, este precisava de condições institucionais adequadas para garantir
a sua reprodução, enquanto capital em geral. O poder público edificava, portanto, de forma
interdependente, os contornos do processo social de trabalho, mediante a constituição de um
espaço unificado, homogeneizado e desobstruído (BRANDÃO, 2004; OLIVEIRA, 2004).
Em seguinte estágio, uma vez consolidado enquanto “capital em geral” v e definido o
capitalismo como regime social predominante, esse sistema extravasa sua lógica para além
das circunscrições territoriais, empreendendo seu processo de valorização unificada, mediante
a busca de uma equivalência de suas condições reprodutivas em todo e qualquer lugar. A
homogeneização assegura a autodeterminação do capital, destituindo entraves externos à sua
expansão. O capital se vê pressionado pela necessidade de assegurar as condições materiais
necessárias à implementação do seu ciclo reprodutivo, de modo a mostrar-se indiferente aos
lugares sob os quais constitui seus espaços de valorização, incorporando-os à sua dinâmica e
subordinando-os a uma esfera de valorização unificada, cujos parâmetros são fixados em prol
da uniformização de regras, tendentes a garantirem certa “igualdade” de condições, essencial
à realização da disputa concorrencial (BRANDÃO, 2004; OLIVEIRA, 2004).
Pode-se dizer, dessa forma, que as necessidades de uniformização dos aparatos
institucionais estatais constituem-se em consonância com as exigências de homogeneização
dos seus respectivos espaços de acumulação, caminhando em direção à composição de
arquétipos considerados capazes de assegurar o “perfeito” fluxo das interações competitivas
entre os agentes. Em meio a isso, a reconfiguração do arcabouço tributário e fiscal – enquanto
fração dessa totalidade – sofre pressões no sentido de integrar esse processo de ajuste das
estruturas organizativas, contribuindo para a constituição de uma superfície contínua, fluida e
uniforme, mais propícia ao desenrolar das forças produtivas. Destarte, a uniformização das
alíquotas do ICMS, ou a transferência da sua competência para o governo federal – fazendo
deixar de existirem 27 legislações distintas –, emerge como um mecanismo de planificação da
espacialidade tributária, assegurando certa neutralidade “igualitária” à disposição competitiva
dos atores nesse espaço. Institui-se, portanto, uma institucionalidade destinada e exercer o
mínimo possível de interferência nas decisões racionais “ótimas” dos agentes, quanto à sua
localização em meio ao ciclo reprodutivo do capital.
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concentração espacial da riqueza, haja vista incentivar a integração subordinada das demais
regiões aos centros dinâmicos de acumulação (BRANDÃO, 2004; DINIZ FILHO, 2004;
OLIVEIRA, 2004; SANTOS, 2006; UDERMAN, 2008).
A partir dessa configuração, o restabelecimento do equilíbrio federativo deixa de ser
um compromisso inscrito na materialidade institucional do sistema tributário. A instituição de
um padrão locacional neutro reforça, nesse sentido, as tendências de concentração do capital,
acentuando as polaridades engendradas pelas forças aglomerativas de acumulação e erigindo
núcleos sinérgicos desigualmente distribuídos no espaço. A consolidação do pacto federativo
– em termos de redistribuição regional da riqueza – vai perdendo relevo na agenda tributária,
sendo deslocada, então, para a esfera do gasto público, mediante a instituição de fundos de
equalização e investimentos regionais, ou – no caso da segunda proposta de reforma
apresentada – pelo reordenamento da partilha tributária.
Por ocasião, especificamente, da terceira proposta de reforma – mais proeminente no
debate dos últimos tempos –, tendo em vista o potencial econômico diferenciado dos espaços
particulares de acumulação, os estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste vem
buscando suavizar os efeitos danosos das alterações propostas sobre suas economias,
pleiteando, dentre outros, a instituição de compensações financeiras mais robustas; a
ampliação do prazo de transição entre os sistemas e até, em alguns casos, a revisão dos
mecanismos de compensação tributária do ICMS. Dentre as reivindicações iniciais, já
atendidas pelo governo federal, encontram-se a prorrogação, de 8 para 12 anos, do prazo para
a gradual redução das alíquotas interestaduais ao percentual de 4% e a ampliação, de 172,
para 296 bilhões de reais, do montante destinados ao Fundo de Desenvolvimento Regional -
FDR, instituído para financiar os projetos de desenvolvimento local nas regiões. O
consentimento da União quanto às ditas exigências não significa, entretanto, o fim da disputa
por reparações proporcionais, pois, embora apenas 7 dos 27 entes saiam prejudicados com a
reformaxi, as maiores preocupações parecem girar em torno do possível rearranjo das forças
produtivas, em suas tendências de polarização, a partir dessa nova institucionalidade. Os
estados pertencentes às mencionadas regiões alegam virem a perder competitividade com a
extinção do diferencial de alíquotas, haja vista passarem a dispor de menos mecanismos para
a atração e manutenção de investimentos importantes para suas respectivas economias. Com
base nisso, a partir de uma contraproposta ao governo federal, sugerem a manutenção de uma
alíquota diferenciada de 7%, restrita a produtos industrializados, sendo os demais taxados em
4%, como queria o governoxii.
O fato de a alíquota proposta, além de unificada, ser reduzida ao percentual de 4%,
significa que a maior parte da arrecadação, referente às transações interestaduais, ficará com o
estado de destino (consumo), diminuindo a retribuição arrecadatória aos entes nos quais estão
sediados os investimentos produtivos. Dessa forma, os estados menos desenvolvidos passarão
a dispor de ainda menos recursos para estimular tais empreendimentos em seu território –
ainda que não por meios tributários, como o gasto público e a implantação de infraestrutura –,
pois, com a redução da incidência tributária na origem, diminui o impacto arrecadatório
positivo causado pela localização do investimento produtivo num dado lugar. Isso implica
num arrefecimento dos mecanismos de distribuição espacial da produção no Brasil, uma vez
que, para os estados-membros, sediar a instalação de plantas produtivas em seus respectivos
territórios não mais significará um incremento de receita tão forte quanto antes, no que tange
ao ICMS interestadual. Assim, quanto à composição das estruturas tributárias, a distribuição
das forças produtivas no território nacional vai sendo, cada vez mais, relegada aos ânimos
concentradores de valorização do capital, os quais tendem a contribuir para o aprofundamento
das disparidades regionais.
Sob outro aspecto, a busca do equilíbrio federativo pela via da instituição de fundos
reparadores apresenta-se bastante problemática. Estados das diversas regiões manifestam sua
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Mesmo com a alta na arrecadação das regiões mais pobres, os estados das regiões Sul
e Sudeste permanecem, entretanto, com as maiores arrecadações de ICMS do país, conforme
mostra o Gráfico 2, sendo verificado um respectivo decréscimo, durante a década de 1990, em
razão de tratarem-se das regiões brasileiras mais acopladas aos circuitos internacionais de
acumulação, estando, portanto, mais sujeitas às oscilações causadas pela abertura comercial e
pelas ondas de recessão.
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entre os capitais, gerindo suas contradições sob novas escalas de regulação. Procura-se, dessa
forma, adequar a arquitetura do sistema tributário às demandas do grande capital por
segurança e uniformidade jurídico-institucional. Adota-se, para tanto, o espaço nacional
unificado, enquanto escala privilegiada de acumulação, sem desconsiderar, entretanto, o
objetivo último de, a partir daí, possibilitar uma melhor inserção dessa superfície nos
horizontes mais amplos da economia globalizada.
Uniformizar, internamente, o espaço nacional significa harmonizá-lo,
institucionalmente, em relação aos demais espaços de acumulação. Essa adequação implica,
por sua vez, uma submissão, de forma mais intensa, à lógica de desincorporação do capital,
garantindo um fluxo econômico, cada vez mais, “deslocalizado” e descompromissado com as
diretrizes de desenvolvimento local ou regional. Os dilemas estratégicos envolvidos nessa
questão parecem estar situados para além da mera opção em torno da homogeneização
tributária, mas sim, residentes na própria contradição intrínseca à tensão entre a
territorialidade política do Estado e a sua projeção institucional, em favor da aceleração do
fluxo de capitais. A garantia de condições de circulação e valorização, no ciclo reprodutivo do
capital, faz o ente público articular um processo de encontro a sua própria territorialidade e
necessidades de fixação, destituindo assim algumas das suas próprias precondições.
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No âmbito dos custos inerentes ao processo de transição do atual regime para aqueles
constantes nas propostas, mostra-se flagrante diligência da União em promover tal intento. A
acomodação dos interesses envolvidos no ajuste institucional se dá, em parte, por meio da
disponibilização de recursos federais aos entes possivelmente prejudicados pelas alterações.
Os fundos destinados a essa finalidade assumem diversas denominações no âmbito de cada
uma das propostas, sendo intitulados, por exemplo, como de “Equalização de Receitas”,
“Compensação” ou “Desenvolvimento Regional”. No caso, especificamente, da terceira
proposta, as pressões exercidas pelos estados das regiões Sul e Sudeste, em prol da ampliação
do montante designado ao Fundo de Compensação, de R$ 8 para R$ 12 bilhões, assim como
os esforços dos estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, no sentido de pleitear um
também alargamento dos valores referentes ao Fundo de Desenvolvimento Regional, na
ordem de R$ 172 para R$ 296 bilhões, demonstram a preponderância da União enquanto nível
federativo, efetivamente, empreendedor do ajuste e mediador centralizado das barganhas
envolvidas.
Outro traço institucional, revelador dessa redefinição das relações
intergovernamentais, é o estabelecimento de mecanismos de controle e sanção, estruturados
sob a égide do governo federal. Sobre esse âmbito, a primeira proposta prevê a suspensão dos
repasses, referentes ao FPE, FER e FNDR, aos entes subnacionais que, eventualmente,
concederem incentivos fiscais para além dos termos da lei. A segunda proposta, por sua vez,
considerando o compartilhamento apenas dos procedimentos arrecadatórios, entre a União e
os estados, estipula o envio das receitas auferidas diretamente aos cofres do governo central,
por meio de rede bancária, sem sequer transitar pelas contas dos estados-membros, executores
do recolhimento. No caso da terceira sugestão de reforma, em sendo descumpridas as
prerrogativas estabelecidas, os entes federativos teriam, pelo período de quatro anos,
suspensos os direitos de receber transferências voluntárias, obter garantias e adquirir
empréstimos perante a União. Esses mecanismos traduzem-se no intento de garantir uma
coerência interna, liderada pelo governo central, em construção de um consenso orientado ao
enquadramento das esferas subnacionais às restrições macroeconômicas da dinâmica
competitiva. O arranjo federativo passa então a ser delineado em privilégio da disciplina
fiscal, alinhando os diferentes níveis políticos aos ditames de uma configuração direcionada à
uniformização dos padrões concorrenciais nos diferentes espaços.
Essas ações do governo federal – enquanto fração de uma totalidade – refletem um
esforço do Estado contemporâneo em orientar suas políticas internas mediante mecanismos
logísticos, tecnologias organizativas e arranjos institucionais voltados à adequação dos seus
horizontes de poder a esse novo panorama, aperfeiçoando assim suas capacidades estratégico-
operativas em diferentes níveis. Muito embora a proliferação de escalas pareça, num primeiro
momento, conduzir à fragmentação dos espaços territoriais nacionais, traz, em verdade, a
necessidade de fortalecimento da sua coesão interna, a fim de serem atendidas as necessidades
de inserção no cenário competitivo internacional. Assim, a ampliação da competitividade dos
Estados nacionais vem demandando um maior envolvimento e alinhamento dos entes
subnacionais (estados-membros) aos parâmetros de uniformização estabelecidos nos
mercados globalizados. A homogeneização dos espaços de fluxos, mediante a uniformização
do conteúdo normativo dos territórios, carrega implícita a demanda pelo ajustamento das
frações do território nacional, enquanto espaços nacionais da economia internacional
(HARVEY, 2007; JESSOP, 2000b; 2008; SANTOS, 2001; 2006; SARAIVA 2004).
A moldagem das políticas de nível subnacional, segundo as pressões por acoplamento
do espaço econômico aos fluxos internacionais (BRANDÃO, 2004), caminha no sentido de
articular coalizões, comprimindo o formato das estruturas institucionais internas, segundo os
preceitos organizativos da dinâmica concorrencial global (HIRSCH, 1996; HIRSCH et al.,
2010; JESSOP, 2008; LENGYEL, 1997). Tais prescrições se mostram claramente evidentes
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nas recomendações emitidas pelos organismos supranacionais, como, por exemplo, o Banco
Mundial, em seu relatório, publicado em 1999/2000. Partindo de uma perspectiva,
declaradamente, neoinstitucionalista, o dito documento atenta para os riscos inerentes à
descentralização desordenada, preconizando a necessidade de aperfeiçoamento das
instituições administrativas em torno de uma política fiscal única, baseada na imposição de
fortes restrições fiscais e orçamentárias aos entes subnacionais, mediante a edição de normas
constitucionais nesse sentido (WORLD BANK, 2000). Na mesma direção, vale apontar as
críticas desferidas pelo Fundo Monetário Internacional – FMI à sistemática de apuração do
atual ICMS, aduzindo o comprometimento da eficiência do mercado comum interno e
sugerindo, portanto, a implementação de um tributo de abrangência federal, sob essa base de
incidência (AFONSO, 1995).
A imposição da coerência interna vai assim transformando a chamada “unidade na
diversidade” – consagrada pelo federalismo – em uma “inadequação aos tempos da nova
história com a emergência da globalização” (SANTOS, 2001, p. 96). Nesses termos, o
redesenho do figurino federativo vai sendo engendrado, em realidade, a partir de três
processos fundamentais: a internacionalização do capital; a “deslocalização” ou realocação
espacial permanente das plantas produtivas e equipamentos nos espaços abertos e; a
homogeneização das políticas econômicas voltadas para a estabilização (FIORI, 1995). A
crise da federação, intensificada pelo aumento das pressões competitivas globais (AFFONSO
et al., 1995), administra-se, portanto, segundo os postulados da New Institutional Economics,
assentados na regulação e coordenação subnacional pelo governo central. Isso não implica
dizer, entretanto, que tal corrente teórica se direcione, precipuamente, a assegurar a
consecução dos fundamentos básicos do federalismo, pois, diversamente, volta-se apenas para
a garantia de um maior nível de eficiência institucional dentro do contexto concorrencial
globalizado. O pacto federativo, nesse contexto, passa a ser delineado em prol da constituição
de mecanismos de descentralização negociada, cuja preocupação maior é implementar o
redesenho institucional das relações intergovernamentais, nos termos considerados
“adequados” ao atual estágio de correlação das forças produtivas. Consolida-se, nesses
termos, uma composição federativa baseada em diagnósticos de disciplina fiscal forte e
restrição aos entes subnacionais (OLIVEIRA, 2007).
A alegada eliminação das distorções e efeitos predatórios da guerra fiscal consiste, em
realidade, num projeto de reacomodação das escalas estratégicas de atuação estatal,
materializado a partir da reestruturação dos arranjos e políticas internas, segundo as pressões
da competitividade internacional. A busca por uma coesão interna tem por finalidade a
constituição de lugares “ótimos”, dotados de institucionalidades mais propícias à valorização
do capital dentro das novas escalas de acumulação. Em meio a essas demandas por uma
coerência institucional restritiva, segue-se a desfiguração do arranjo federativo, em princípio,
marcado pela diversidade e coexistência de autonomias jurídico-políticas em processo. A
harmonização das regras domésticas de tributação desdobra-se na uniformização do ICMS,
enquanto representação dessa coerência e assim opera-se a planificação das autonomias
legislativas subnacionais, sob a atuação central e unificada do governo federal.
Destacar-se, competitivamente, nesse contexto, significa, por contradição, tornar-se
cada vez mais neutro, em relação aos demais espaços. Os Estados orientam-se então no
sentido de aprofundarem um processo resultante na própria limitação do seu escopo de
atuação, enquanto gestores autônomos das suas políticas públicas. A mesma concentração de
poder nas mãos da União, ao passo em que denota uma tentativa de fortalecimento da escala
nacional, como forma de integração aos espaços econômicos globalizados, subordina a
composição do aparato estatal, mais intensamente, às pressões competitivas e restrições
institucionais dessa superfície mais ampla. A instauração da coerência interna centralizada,
embora sinalize um privilégio da escala nacional em relação aos demais níveis de atuação,
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razões tributárias. A integração aos mercados globais vai sendo condicionada, portanto, pela
equalização entre esses dois postulados, ajustando-se os sistemas tributários domésticos
conforme a articulação dessas duas dimensões. No âmbito do financiamento do setor público,
comprimi-se a tributação dos fatores de maior mobilidade espacial e amplia-se a incidência
sobre as bases tributárias mais fixas; no tocante ao fortalecimento da competitividade,
engendra-se uma harmonização internacional das regras de tributação (AFONSO et al., 2006;
SPÍNDOLA, 1998).
A formação de uniões econômicas e áreas de livre comércio vão demandando uma
relativa remoção de algumas barreiras tributárias à livre circulação de mercadorias e serviços.
As diferenças no tratamento tributário, causadas pela existência de vários territórios fiscais,
fazem o princípio do “destino” emergir como uma alternativa direcionada à integração
competitiva, em razão de eliminar as “distorções” causadas pela coexistência de práticas
tributárias distintas. A neutralidade assegurada por esse princípio coaduna-se com os
imperativos de eficiência e competitividade do atual contexto. A implementação das reformas
tributárias, nos países integrados, passa a ser guiada, portanto, segundo recomendações de
atenuação do ônus fiscal sobre os fatores de produção, investimentos e exportações,
assegurando-se, assim, a reprodução do fluxo mundial de capitais, sob condições favoráveis e
padronizadas de mobilidade e competitividade (OLIVEIRA, 2009; PAZ, 2008; REZENDE,
1996; 2006).
As três propostas de uniformização do ICMS, guardadas as suas especificidades,
prevêem a efetiva transposição da carga tributária para o local e momento final da cadeia
produtiva, deslocando o ônus tributário para essa base de incidência.xvii A adoção do princípio
do destino visa ainda tornar o sistema tributário mais neutro quanto a questões específicas,
como, por exemplo, a do crédito fiscal. Sendo o ICMS um tributo não cumulativo e, portanto,
comportando a dedução (crédito) dos valores recolhidos nas operações anteriores, quaisquer
empecilhos ao aproveitamento desses montantes afetam a neutralidade e eficiência do
sistema. No caso particular das empresas exportadoras – cujos produtos vendidos para fora do
país são isentos desse imposto –, o crédito decorrente da compra de insumos pode vir a ser
subutilizado, ou, até, não utilizado, se o montante correspondente for superior aos débitos
relativos às vendas realizadas no mercado interno.xviii Isso se deve ao fato de, embora a Lei
Complementar nº 87/1996, que regulamenta o imposto, ter previsto a possibilidade de
transferência de créditos para terceiros, a subsequente Lei Complementar nº 102/2000
determinou só poderem tais créditos serem transacionados segundo as normas estabelecidas,
individualmente, pelos estados-membros, os quais, por sua vez, impõem uma série de
obstáculos à efetivação dessas operações.xix Isso se agrava quando o acúmulo de créditos
envolve operações interestaduais, pois, nesse caso, por exemplo, o estado onde está localizada
a empresa exportadora terá de restituir créditos referentes a impostos cobrados por outras
unidades da federação, quando da aquisição dos insumos.xx
A imposição tributária na origem, para ser, efetivamente, neutra, carece de um
avançado grau de harmonização fiscal interna. Como isso não ocorre no caso brasileiro,
adota-se o regime misto, acompanhado do diferencial de alíquotas interestaduais, a fim de não
prejudicar os estados, eminentemente, importadores. De outro ponto, ao se tentar instaurar um
imposto, propriamente, incidente sobre o consumo, não se poderia conceber uma tributação na
origem, haja vista cada estado-membro dever tributar sua própria economia e não o consumo
realizado nos demais territórios (MORSCH, 2006). A incidência no destino vai então se
mostrando mais afeita às exigências de não interferência tributária nas escolhas dos agentes,
influenciando, o mínimo possível, a formação dos preços e os métodos como se operam os
negócios. O princípio da neutralidade fiscal coloca-se, então, enquanto fundamento normativo
a partir do qual, hierarquicamente, determinam-se outros princípios, como, por exemplo, o da
não cumulatividade; seletividade; uniformidade geográfica e; liberdade de tráfego
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(CALIENDO, 2009; CNOSSEN, 1998). Irradiado sob o manto da eficiência fiscal, esse
postulado insere-se, de modo cada vez mais forte, no núcleo de concepção das políticas
tributárias, direcionando a projeção destas para atração de capital móvel e acentuando, por
assim dizer, a ampliação dessa mobilidade (ZODROW, 2010).
Tal orientação, em prol do capital desincorporado, exerce influência direta na
composição e deslocamento das bases tributárias. As pressões por harmonização fiscal nesse
sentido manifestam-se, inicial e mais intensamente, nos mercados financeiros, haja vista ser o
dinheiro a mercadoria com maior rapidez e facilidade de circulação. Sobre essa base, a
composição do padrão internacional tende a desonerar os fluxos, ao máximo. Segundo as
possibilidades aventadas por Vito Tanzi – ex-integrante do FMI e do Banco Mundial –, o
aprofundamento da integração econômica internacional deveria ser empreendido por meio da
redução da tributação sobre as aplicações, em seus lucros, juros e dividendos, recaindo, mais
pesadamente sobre a renda familiar. No setor produtivo, mais especificamente, a
desincorporação do capital se manifesta pela exigência da eliminação de assimetrias,
mediante a priorização da base consumo. Já no âmbito da tributação sobre o trabalho, a baixa
mobilidade, principalmente, da mão de obra menos qualificada – ensejada pelas crescentes
barreiras à imigração – fazem as demandas por harmonização serem substituídas, em grande
parte, pelos postulados de desoneração (REZENDE, 2006). Harmonizar as estruturas
tributárias significa então proteger os investimentos da incidência fiscal, transferindo o
financiamento público para outras bases impositivas, evitando-se assim a evasão dos fatores
de produção, principalmente, em escala internacional (HETTICH, 2000; OLIVEIRA, 2009;
PICCIOTTO, 2007). Sem poder afetar, negativamente, a mobilidade dos diversos segmentos
do capital, os traços gerais dos sistemas tributários vão priorizando a incidência sobre bases
de menor mobilidade territorial, tais como a renda pessoal, o consumo e a folha de salários
(OLIVEIRA, 2009; REZENDE, 2006).
Quanto ao ICMS, especificamente, pode-se dizer que a sua sistemática de apuração foi
concebida num contexto em cuja economia nacional era, relativamente, fechada e a
competição entre os estados-membros ensejava apenas o deslocamento da produção e
emprego dentro do território nacional. Entretanto, após a emergência da reestruturação
produtiva global, essa disputa acaba por exportar produção, bases tributárias e empregos para
o exterior, haja vista a possibilidade de deslocamento de serviços auxiliares, produção de
peças e componentes utilizados pela indústria. A partir desse cenário, reorientam-se os
preceitos tributários proeminentes no paradigma anterior (Fordismo), concebidos num
contexto de relativa baixa mobilidade do capital, no qual os sistemas se caracterizavam pela
tributação do lucro auferido pelas empresas estrangeiras e pela redistribuição progressiva da
renda. Como o impacto das decisões políticas sobre os agentes não está mais adstrito aos
limites territoriais do país, o padrão tributário delineado sob os preceitos de harmonização
competitiva denota uma tendência à ampliação da tributação sobre o valor adicionado no
consumo, desonerando a renda das empresas. O processo de abertura econômica e integração
aos blocos regionais, desencadeado na década de 1990, veio introduzindo a prerrogativa de
redução da carga tributária sobre a renda do capital. As orientações estratégicas dessa nova
conjuntura, submetidas aos imperativos de ajuste fiscal e geração de superávit primário,
contribuíram para a deterioração da qualidade do sistema tributário brasileiro, quanto à sua
função redistributiva (AFONSO et al., 2006; DAIN, 2006; OLIVEIRA, 2009; PAZ, 2008;
REZENDE, 1996; 2006).
Nesse contexto, os impedimentos estruturais à tributação do capital móvel fazem as
propostas de reforma tributária abrir mão das metas redistributivas, verificadas no paradigma
anterior, fazendo recair a maior parte do ônus fiscal sobre as bases mais fixas. Segundo
Caliendo (2009), os principais efeitos da tributação sobre o consumo dependem da capacidade
de os agentes realizarem escolhas econômicas e mudanças de comportamento (elasticidade).
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Assim sendo, no caso de a demanda possuir maior elasticidade que a oferta, a tributação sobre
o consumo exercerá pouca influência na formação dos preços ao consumidor, incidindo o
maior peso tributário sobre os produtores. Por outro lado, se a oferta possuir mais elasticidade
do que a demanda, a carga da tributação sobre o consumo será deslocada para os ombros do
consumidor. Desse modo, a parte que possuir menor flexibilidade para alterar o seu
comportamento econômico (elasticidade) suportará a maior parte do peso tributário, incidente
sobre as relações de produção e consumo.
Com base nisso, os intentos de reforma do sistema tributário nacional visam instituir
uma matriz espaço-temporal favorecedora da mobilidade do capital. Os arranjos institucionais
sugeridos pelas propostas de alteração legislativa destinam-se a deslocar a incidência
tributária para o momento e local do consumo, dotando o capital de maior mobilidade e,
portanto, de maior flexibilidade para alterar o seu comportamento econômico (elasticidade).
Consuma-se, dessa forma, o projeto de fazer recair, mais pesadamente, o ônus tributário sobre
os ombros dos consumidores, principalmente, aqueles de baixa mobilidade, em regra,
representados pelos cidadãos mais pobres.
O aprofundamento das novas estratégias organizativas do grande capital – cada vez
mais desincorporado e “deslocalizado” – vai então, pouco a pouco, inserindo preceitos de
“boa qualidade” na composição do sistema tributário, reorientando sua configuração para
longe dos compromissos redistributivos. A exaltação da competitividade e eficiência,
enquanto princípios norteadores das reformas, elege a “neutralidade” como postulado maior
da “boa técnica fiscal”, edificando arranjos institucionais, consoante a menor interferência
possível nas escolhas dos agentes. A instauração dessa matriz espaço-temporal, embora se
apresente escudada pelos discursos de não intervenção nas trocas econômicas, em realidade,
destina-se a privilegiar alguns atores em detrimento de outros, a exemplo do grande capital
em relação aos consumidores de baixa renda. Diante disso, percebido tal favorecimento,
desnuda-se a ideia de efetiva neutralidade, atribuída a esses arquétipos.
6. Considerações Finais
A análise da materialidade institucional então sugerida pelas propostas de reforma
tributária revelam os determinantes conjunturais intrínsecos a essa nova matriz espaço-
temporal. A arquitetura organizativo-institucional em debate manifesta as contradições do seu
entorno, as quais podem ser sintetizadas em algumas ponderações:
i) Ao buscar garantir a desincorporação dos fluxos econômicos do capital – mediante a
homogeneização do espaço tributário nacional –, o esforço empreendido pelo Estado
contradiz a sua própria territorialidade política, contribuindo para o gradual agravamento das
suas necessidades de fixação.
ii) A instauração de uma coesão institucional – por via da constrição dos entes
subnacionais e eliminação da competição interna –, como forma de integração aos espaços
econômicos globalizados, acaba por tornar o país mais vulnerável aos efeitos predatórios da
competição, agora, em escala global, pois a ampliação da mobilidade do capital e o,
consequente, acirramento da disputa entre os lugares resultam na reprodução de espaços
idênticos, ainda mais subordinados a essa dinâmica.
iii) O deslocamento do ônus fiscal para o momento e local do consumo – sob a
justificativa de garantia da neutralidade tributária – insere, em realidade, uma materialidade
interventora nas trocas econômicas, pois institui uma matriz espaço-temporal favorecedora do
grande capital “deslocalizado”, em prejuízo dos consumidores de baixa renda.
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i
ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços pertencente aos estados-membros (entes
subnacionais). O fato gerador do ICMS é a prestação de alguns serviços e a circulação de mercadorias dentro do
território de cada estado-membro, ou ainda, em mais de um deles. Atualmente, nas operações interestaduais, a
incidência do imposto se dá no local de origem da mercadoria.
ii
Segundo ressalva Panzarini (2006, p. 339), o problema da complexidade das 27 legislações não diz respeito,
em princípio, à sua quantidade, pois possuem textos bem parecidos. As divergências emergem, na realidade,
quanto às diferentes interpretações dessas legislações pelos respectivos fiscos e tribunais estaduais.
iii
Refere-se aqui às escoladas da Public Choice e New Institutional Economics, principais expoentes do
mainstream no estudo da competição interjurisdicional.
iv
A isso se denomina “aniquilação do espaço pelo tempo”, um processo que pode ser, brevemente, descrito
como a organização espacial racional das atividades produtivas, como forma de superar as limitações físicas do
espaço, reduzindo o tempo de rotação socialmente necessário entre a produção e o consumo. Esse processo vem
sendo cada vez mais aprofundado em face do desenvolvimento de novas tecnologias e estratégias organizativas
(HARVEY, 2007).
v
Enquanto “capital em geral” pode-se considerar momento universalizante, de caráter progressista, do seu ciclo
de reprodução, tomando-se suas determinações mais simples, antes que se ponha a pluralidade de capitais em
concorrência (BRANDÃO, 2004).
vi
A “coerência estrutural” compõe-se em meio a uma totalidade de forças produtivas e relações sociais, as quais
conjugam a produção, o consumo, o padrão de acumulação, a cultura e o estilo de vida na definição dos
processos operativos, delimitadores da formação dos espaços de maneira eficiente e ordenada.
vii
Disponível em: <http://www.portaldaindustria.com.br/cni/imprensa/2013/03/1,11171/presidente-da-cni-
defende-agenda-de-competitividade.html> e
<http://www.portaldaindustria.com.br/cni/imprensa/2012/12/1,8721/momento-e-favoravel-para-reforma-
tributaria.html>. Acesso em 20 mar. 2013.
viii
Nesse sentido, enquadram-se os posicionamentos dos governadores, por exemplo, do estado do Mato Grosso
do Sul, André Puccinelli, do estado de Goiás, Marconi Perillo e do estado do Pará, Helenilson Pontes.
Disponível em: <http://www.fieb.org.br/GerenciadorNewsletter/NoticiaWeb.aspx?ne=1760&re=2890>. Acesso
em: 13 mar. 2013.
390
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ix
Importante mencionar que a tendência geral de aglomeração industrial não é absoluta, podendo ser relativizada
pelo surgimento das chamadas “janelas de oportunidades”, a partir das quais a transição para um regime de
produção flexível poderia ser absorvida de forma mais célere por regiões menos tradicionais (UDERMAN,
2007). Deve-se considerar, também, o caso das indústrias cujo padrão locacional é mais dependente da oferta de
recursos naturais e de mão de obra barata, o que não se reproduz da mesma forma nos segmentos mais ligados a
bens de capital e tecnologia (DINIZ FILHO, 2004).
x
O termo “rugosidades” pode ser compreendido, na percepção de Santos (2006), como o espaço construído em
razão dos processos de supressão, acumulação e superposição das estruturas produtivas, ensejados pela divisão
social do trabalho.
xi
Os estados considerados prejudicados seriam: Amazonas, Espírito Santo, Bahia, Goiás, Mato Grosso do Sul e
Santa Catarina. Disponível em: <http://tributario.net/www/icms-unificados-beneficiaria-20-estados/>. Acesso
em: 13 jan. 2013.
xii
Cumpre mencionar, a esse respeito, a existência de entendimentos destoantes como, por exemplo, o do Piauí
que, por se tratar de um estado, predominantemente, consumidor, acaba perdendo muitas receitas para os estados
vizinhos. Disponível em:
<http://www.fieb.org.br/GerenciadorNewsletter/NoticiaWeb.aspx?ne=1760&re=2890>. Acesso em: 13 jan.
2013.
xiii
Sobre as perdas calculadas pelo estado de São Paulo, ver: <http://tributario.net/www/sao-paulo-perde-r-55-bi-
com-unificacao-do-tributo/>. Acesso em: 04 ago. 2013.
xiv
Disponível em: <http://www.sesconfloripa.org.br/noticia/2664/icms-unificado-beneficiaria-20-estados>.
Acesso em: 04 abr. 2013.
xv
Disponível em: <http://www.portaldaindustria.com.br/cni/imprensa/2012/12/1,8721/momento-e-favoravel-
para-reforma-tributaria.html>; <http://www.portaldaindustria.com.br/cni/imprensa/2012/11/1,7486/cni-apoia-
ministerio-da-fazenda-na-negociacao-com-os-governadores-sobre-mudancas-no-icms.html> e
<http://www.portaldaindustria.com.br/cni/imprensa/2012/10/1,6471/pequenas-mudancas-abrem-caminho-para-
reforma-tributaria-avaliam-especialistas.html>. Acesso em: 13 mar. 2013.
xvi
A União pretende utilizar-se de um projeto de lei complementar que altera o indexador das dívidas de Estados
e municípios com a União – passa do Índice Geral de Preços (IGP-DI) para o Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Ampliado (IPCA). Disponível em: <http://tributario.net/www/sul-e-sudeste-pressionam-por-
mudanca-no-icms/>. Acesso em: 13 mar. 2013.
xvii
As especificidades de cada uma das três propostas, quanto aos mecanismos a partir dos quais se
operacionalizam o deslocamento da carga tributária para o momento e local do consumo, encontram-se descritos
na página 171.
xviii
O acúmulo de créditos tributários acaba por afetar o potencial exportador das empresas brasileiras, pois se
veem obrigadas a despenderem recursos, os quais poderiam ser investidos, além de, por outro lado, passarem a
preferir vender maior parcela da sua produção para o mercado interno, a fim de aproveitarem os créditos fiscais
de que dispõem (AFONSO et al., 2013).
xix
As operações de transferência de crédito fiscal para terceiros, em regra, não é de interesse dos estados-
membros, pois pode ensejar problemas fiscais como, por exemplo, a perda de receitas e o descumprimento da
Lei de Responsabilidade Fiscal. Diante disso, os governos passam a alegar a ocorrência de fraudes no processo
de transferência e a dificuldade operacional de se pagar os créditos em espécie (AFONSO et al., 2013).
xx
A esse respeito, Afonso et al. (2013) exemplificam a hipótese de uma empresa de um estado-membro que
adquire insumos de outro estado para produzir algo destinado à exportação, acumulando créditos tributários
junto ao governo do seu estado. Isso implica dizer que esse estado teria de restituir créditos referentes a imposto
cobrado por outra unidade da federação. Em outras palavras, configurar-se-ia uma restituição por valor não
recebido. Nesse caso, a restituição de créditos em dinheiro implicaria na transferência de renda de uma unidade
da federação para outra, provocando objeções por parte dos entes prejudicados.
391
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Resumo
A medição é uma das mais antigas operações realizadas pelo homem e possui importância
fundamental para diversas atividades por ele desempenhadas. Dessa forma é evidente a
necessidade de uma política pública de normalização, certificação e fiscalização das relações
de consumo no que tange os aspectos metrológicos. A adoção de medidas reguladoras, por
meio do cumprimento dos requisitos mínimos de conformidade e segurança ou pelo
estabelecimento de normas e metodologias que conferem confiança aos produtos e serviços
ofertados, favorecem a eficácia do processo produtivo. O presente artigo busca apresentar a
relevância da metrologia legal como forma de mitigar as assimetrias de informação nas
relações fornecedor/cliente e fornecedor/fornecedor, contribuindo sobremaneira para o
desenvolvimento econômico.
1 Introdução
A medição é uma das mais antigas operações realizadas pelo homem e possui
importância fundamental para diversas atividades por ele desempenhadas. Até os dias de hoje
faz parte do nosso cotidiano, como por exemplo, a hora, medida de tempo utilizada para não
perdemos nossos compromissos. Medir é uma forma de descrever o mundo, e do ponto de
vista técnico, pode ser utilizada para monitorar, controlar ou investigar um processo ou
fenômeno físico (Gonçalves Jr., 2004).
Nesse sentido, é evidente a necessidade de uma política pública de normalização,
certificação e fiscalização das relações de consumo no que tange aos aspectos metrológicos
dos produtos e serviços nacionais e importados. No Brasil essa política foi consolidada na
década de 1960, com a criação do INPM (Instituto Nacional de Pesos e Medidas), uma
instituição metrológica de alcance nacional, sob atuação direta ou por meio de órgãos
delegados.
Diante do desenvolvimento tecnológico e social, pautado em um mercado industrial
ascendente, foi necessário o aprimoramento dos serviços prestados pelo INPM, buscando a
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ampliação de sua atuação na sociedade. Como forma de integrar toda uma estrutura sistêmica
foram criados pela Lei Federal 5.966, de 11 de dezembro de 1973, o Conselho Nacional de
Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – CONMETRO e o Sistema Nacional de
Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial - SINMETRO, cujo foco foi a organização
da política de metrologia, normalização e qualidade industrial, gerenciando, normatizando e
supervisionando a sua execução.
O INPM foi substituído pelo atual Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e
Tecnologia – INMETRO, como uma proposta de reformulação de ideias e atribuições
institucionais de todo o mecanismo de delegação de autoridade metrológica (DIAS, 1998),
promovendo a confiabilidade das medições para segurança da sociedade e incentivando a
inovação e competitividade do mercado. Atualmente, com base na Lei Federal 9.933/1999, as
políticas públicas de fiscalização da metrologia e qualidade industrial no país são de
responsabilidade do governo federal, cabendo ao INMETRO, enquanto autarquia federal, a
normatização e execução das políticas de metrologia industrial, metrologia legal e de
qualidade e conformidade, principalmente por meio dos órgãos delegados. No âmbito
internacional, o Brasil é filiado como país membro à OIML (Organização Internacional de
Metrologia Legal), cujas recomendações são normalmente utilizadas na elaboração da
regulamentação interna.
Partindo-se da premissa de que a metrologia é uma ferramenta capaz de reduzir a
incerteza de um resultado, seja ele teórico ou prático, nos mais diversos setores, é revelada a
sua importância como indicador econômico para análise da responsabilidade social das
empresas nas relações comercias. Esta constatação importa na conscientização de que a
função social da empresa exige que o êxito do empreendimento também represente respeito
ao consumidor e o comprometimento com a ética em suas atuações, seja na relação de
trabalho, na atenção aos compromissos ambientais, bem como na observância dos padrões de
segurança e de qualidade na produção e na prestação de serviços. Para o investidor, estas
características indiciam a segurança de ganhos sustentáveis, dada a conquista da confiança do
mercado, não só pelo produto ou serviço que oferece, mas pela imagem de uma empresa
responsável e atenta aos anseios da sociedade.
Conforme relata BIRCH (2003), quando há uma falta de transparência nas
informações sobre o processo de medição, havendo uma assimetria de informação entre as
partes envolvidas, é criado um precedente para o surgimento de uma série de fatores
negativos, como concorrência desleal e majoração dos custos de transação, e que podem levar
a ineficiência do mercado. Considerando esse fato como um dos grandes entraves enfrentados
pelo regulador setorial, o presente artigo tem como objetivo apresentar a relevância da
metrologia legal como forma de mitigar as assimetrias de informação nas relações
fornecedor/fornecedor e fornecedor/cliente, contribuindo sobremaneira para o
desenvolvimento econômico.
2 Desenvolvimento econômico
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da qualidade de vida que levamos e as liberdades que desfrutamos. Assim, quando se expande
o emprego e a arrecadação do setor público, deve-se permitir ao governo fazer políticas
públicas, e principalmente sociais para as pessoas mais carentes. É preciso enxergar que o
desenvolvimento é um processo de expansão das liberdades reais das pessoas.
Para SEN (2000), essa expansão de liberdades possui um caráter constitutivo e
instrumental. Constitutivo pelo fato de que as liberdades têm como fim primordial evitar as
privações, como fome, subnutrição, morbidez, morte prematura, incluindo também liberdades
associadas à participação política, à liberdade de expressão, entre outras. E instrumental pelo
fato de que a liberdade é vista como o principal meio para gerar desenvolvimento, uma vez
que o próprio desenvolvimento pode ser visto como um processo de crescimento da liberdade
individual. Assim, pode-se concluir que a liberdade humana é tanto o principal meio como o
principal fim do desenvolvimento, e por isso, os indivíduos devem ter o direito de usufruí-la.
Desenvolvimento e regulação
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buscar minimizar essas falhas e alcançar maior equidade, a intervenção do Estado acaba por
gerar falhas, uma vez que nem sempre permitem a alocação mais eficiente de recursos. Assim
se conduz para um possível trade-off entre eficiência econômica e equidade. Dessa maneira
deve-se buscar uma ação do Estado que minimize esse trade-off e que proporcione o bem-
estar para a população como um todo. Para isso, são necessárias não apenas políticas públicas
eficientes, mas também uma máquina pública preparada, com alto grau técnico, para saber
conduzi-las.
3 Metrologia
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Desde a antiguidade até os tempos atuais, a metrologia vem se tornando mais presente,
impulsionada pelo afã da sociedade moderna em desfrutar sempre mais da tecnologia e da
qualidade dos bens de consumo, sob a certeza de que suas aquisições representam o melhor e
com menor custo e esforço.
A assimetria informacional descreve um fenômeno segundo o qual determinados
agentes econômicos detém mais informações que os outros, em outras palavras, quando
informações sobre uma negociação são partilhadas de forma desigual entre as partes,
desencadeando conflitos relacionados à seleção adversa e ao risco moral (Belo & Brasil,
2006). Segundo BIRCH (2003), em transações onde existe assimetria de informação entre o
agente e o principal há uma considerável oportunidade de incertezas, divergências, maiores
custos envolvidos e ineficiência de mercado.
Dessa maneira, o referido autor argumenta que a metrologia legal protege o
consumidor, uma vez que permite a consistência das medições, quando devidamente
controlada, como o caso dos produtos pré-medidos (embalados sem a presença do
consumidor), traz significativa redução de disputas entre fabricantes/fornecedores, fraudes e
aumenta a eficiência de mercado. Além disso, o controle metrológico garante a igualdade das
negociações dos fornecedores, reduzindo as vantagens comerciais em relação aos
concorrentes e por meio da aprovação de modelo evita que produtos com qualidade
inapropriada sejam lançados no mercado. Outro fator que o autor apresenta é que a metrologia
legal serve como um instrumento de controle de fraudes, dado que esta é responsável pelas
aprovações e certificações de projetos e modelos de instrumentos. iv
Outro fator citado pelo autor, que por vezes não é observado é que a metrologia legal
contribui para a arrecadação de impostos de maneira eficiente e precisa. Governos de países
de variados níveis de desenvolvimento, ao realizarem a tributação de relações comerciais com
base em medidas e quantidades de mercadorias contam com a precisão das medições para a
garantia de arrecadar a correta quantidade de recursos através destes impostos. Nesse mesmo
sentindo, e focando mais precisamente no caso de países dependentes de commodities (como
o caso brasileiro), o autor ressalta que a renda obtida por meio da exportação desse tipo de
produto é significativa, ao passo que a correta mensuração do volume de vendas garante a
correta contabilização da receita, sendo certo que pequenos desvios acarretam gigantescos
prejuízos.
A partir disso, pode-se concluir que a metrologia legal pode trazer benefícios para o
desenvolvimento da economia, visto que diminui as assimetrias de informações por meio da
proteção das relações de consumo, da garantia da equidade na concorrência entre
fornecedores, da garantia da qualidade de determinados produtos/serviços, e inclusive por
meio da correta aferição de medidas que produzem receitas para o governo. Nesse sentido, o
presente artigo realizará uma breve análise de como a metrologia garante uma minimização
das assimetrias de informação nas relações de consumo e na garantia de uma concorrência
legal entre fornecedores por meio da certificação dos produtos/serviços de todas as empresas,
contribuindo dessa forma para o desenvolvimento econômico.
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grande interesse econômico por parte dos fabricantes no que tange à otimização dos processos
envolvidos em sua produção e comercialização (Queiroz & Tadini, 2002). Durante muito
tempo o pão francês foi pré-medido, sendo fabricado com um peso fixo. A primeira portaria
do INMETRO (hoje revogada) a tratar do assunto foi a n.º 17 de 25/01/1994, que indicou a
venda do produto por unidade e padronizou seu peso em valores que variavam entre 50g e
1kg, o peso de 50g era o mais usual. Essa forma de comercialização favoreceu a assimetria da
informação, ao passo que havia quem fabricasse pães com menos de 50 gramas, por vezes até
visualmente maior que o produto padronizado por uma simples questão tecnológica de
aeração e crescimento de massa, lesando dessa forma o consumidor que acreditava estar
adquirindo o alimento no peso correto.
Para sanar essa divergência foi criada em 2006 a Portaria INMETRO n°146, a qual
determina que o pão francês deve ser comercializado somente a peso, que seja utilizada uma
balança com indicação do peso em conjunto com o preço a pagar (com uma divisão mínima
de 5g) e que haja uma indicação do preço do quilograma do produto em local de fácil
visualização pelo consumidor. Com essa medida, a venda dos pães tornou-se mais justa tanto
para o fornecedor quanto para o cliente, que passaram a conhecer a exata quantidade de
produto comercializado tornando a relação econômica transparente para todas as partes
envolvidas.
A garantia de uma concorrência legal entre fornecedores por meio da certificação dos
produtos/serviços de todas as empresas
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402
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5 Considerações finais
Tendo em vista o exposto ao longo deste trabalho, pode-se perceber o impacto que a
assimetria de informações, ao longo de transações comerciais, pode afetar no
desenvolvimento econômico de um país. Desta forma, o objetivo deste artigo foi apresentar
de forma exploratória a relevância da política de Metrologia Legal, que além de normatizar e
certificar as medições, serve como instrumento para minimizar as imperfeições do mercado,
mitigando as assimetrias de informação e possibilitando decisões ótimas dos agentes
econômicos, e consequentemente maior confiança nas relações entre empresas, e entre
empresa e cliente, contribuindo desta forma para o desenvolvimento econômico.
A importância dessa política é justamente suprir a lacuna de regulação do mercado no
que tange a confiança nos produtos e a reputação das empresas do ponto de vista das ciências
da medição. A falta dessa política resulta em assimetria de informação tornando necessária a
intervenção estatal, por meio de política pública de metrologia, para minimizar a frágil
relação de confiança entre os agentes econômicos. Como apresentado, essa política pública
tem como foco igualar as condições de competitividade entre os agentes econômicos, seja na
relação entre empresas, seja na relação entre empresas e consumidores. Isso pode ser
afirmado, pois essa política pública garante a qualidade e veracidade das informações
metrológicas, que estão presentes em todas as relações comerciais.
Para tal, é evidente a necessidade da existência de uma entidade metrológica alinhada
à diretrizes internacionais que minimize tais assimetrias de informações relacionadas às
quantidades envolvidas nas transações comerciais. Como apresentado nos exemplos desse
artigo − o processo produtivo dos fármacos manipulados onde o processo de pesagem está
sujeito ao controle metrológico; a comercialização do pão francês somente a peso; o processo
de empacotamento de grãos de café e sua forma de comercialização; e a verificação nas
bombas medidoras de combustível − há atividades nas quais o mercado requer simetria nas
informações, fazendo com que seja necessário um órgão que normatize e promova as
verificações e fiscalizações com o objetivo de minimizar as assimetrias informacionais de
grande impacto social. Conforme apresentando, no Brasil o órgão responsável por isso é o
INMETRO, diretamente, ou por meio de seus órgãos delegados.
Entretanto, para essa política pública ser eficiente é necessária uma estrutura estatal
que apresente um corpo técnico especializado e capaz de abranger toda sociedade, em suas
diversas relações, a qualquer tempo em qualquer lugar. É válido ressaltar que para se alcançar
essa estrutura, não é necessária uma maior tributação da sociedade, visto os custos para a
manutenção de tal estrutura podem ser suprimidos apenas pela aplicação compulsória das
taxas de verificação e das multas quando necessárias, ao se encontrarem inconformidades que
lesem o desenvolvimento econômico da referida sociedade.
Dessa maneira, essa estrutura não resulta dispêndios para o Estado, inclusive podem
contribuir para o superávit estatal, permitindo que outras áreas, por origem deficitárias, não
deixem de ser atendidas pelo Estado por falta recursos. Além disso, a Metrologia Legal
permite que a base de cálculo para tributação apresente uma maior exatidão, visto que a
maioria das relações se baseia em medidas e suas aplicações, e caso essas estejam
equivocadas, a base tributária também estará, e a sociedade será lesada.
Portanto, podemos concluir que a sociedade necessita da política pública de
metrologia, pois esta objetiva minimizar a assimetria informacional nas relações econômicas,
sejam entre empresas e/ou empresas e consumidores e até mesmo na relação tributador e
tributado. Além disso, ela não compete com o financiamento de outras políticas públicas e
permite que a sociedade tenha certeza na quantidade de suas aquisições e qualidade nos bens
consumidos. Entretanto, esse artigo se limitou a demonstrar a importância dessa política
pública para o desenvolvimento, mas ainda há que se estudar como ela realmente atua no
403
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desenvolvimento econômico visando o bem estar social e nas eventuais falhas de Estado que
ela pode incorrer.
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
Resumo: O objetivo deste trabalho foi demonstrar a importância da agricultura familiar para a
construção da feira livre. Para isso, iniciamos com uma extensa bibliografia a fim de entender
o que é a feira livre, bem como a agricultura familiar e onde elas se encontram. Em seguida
partimos para uma pesquisa de campo, onde foi entrevistado todos os feirantes que
comercializam produtos que fazem parte da cesta da agricultura familiar. A feira surgiu do latim
feria, que significa dia de festa e atualmente é um excelente meio de geração de renda para as
pessoas menos favorecidas. A agricultura familiar por sinal é a prática que se arrasta desde o
surgimento do homem e que atualmente vem recebendo diversos incentivos por parte do
governo federal através de políticas públicas. Feira e agricultura familiar se cruzam e
apresentam uma excelente saída para geração de renda local, além do grande aporte cultural
existente nas relações de troca. Foi constatado a forte presença da agricultura familiar na
construção da feira livre, onde aproximadamente 50% dos mais variados produtos
comercializados advinham da agricultura familiar local.
Palavras-chave: Agricultura familiar; feira livre; geração de renda.
1. INTRODUÇÃO
A feira é o principal ponto de inserção cultural e financeiro entre as comunidades
circunvizinhas. Nela encontramos de tudo um pouco, desde produtos importados até mesmo
produtos que saíram daquela pequena propriedade de “seu Zé” e divide espaço com todos os
outros de igual para igual. E é nesse sentido de igualdade e principalmente daquela pequena
propriedade de “seu Zé” que partimos rumo as descobertas de como a agricultura familiar está
presente na composição da principal e tradicional feira livre no município de Arapiraca, capital
do agreste Alagoano.
Arapiraca é um município recente que foi emancipado em 1924, e desde então vem se
formando através de bases agrícolas. Teve o fumo como seu principal produto nas décadas de
50 a 90, sendo conhecida nacionalmente e internacionalmente como “terra do fumo”.
Atualmente este produto tem perdido expressivo espaço, porém está sendo bem representado
pelos produtos da agricultura familiar que, diferentemente do fumo, são produtos voltados para
o consumo interno. E é essa economia voltada para dentro que vem consolidando, socialmente,
as bases alimentares das famílias em vulnerabilidade social, além de valorizar o produto da terra
com grande qualidade.
Este trabalho teve como base uma expressiva pesquisa bibliográfica a fim de
consolidar os conhecimentos sobre feiras e a agricultura familiar. Após os esclarecimentos
foram realizadas pesquisas na feira livre, que ocorre as segundas-feiras, no município de
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2. APORTES METODOLÓGICOS
O estudo se deu em Arapiraca, município do agreste alagoano, que tem um acelerado
crescimento de 8,5% ao ano, segundo indicadores do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística.
Com a finalidade de identificar as feiras livres existentes no município de Arapiraca,
entramos em contato com a prefeitura municipal, onde a mesma disponibilizou dados relevantes
que serviram para realizar o propósito e saber os dias que ocorrem essas feiras, assim como
também para apurarmos o número aproximado de feirantes existentes no município.
A partir desses dados foi feita uma análise das feiras existentes em Arapiraca,
concentrando a pesquisa na tradicional feira de segunda-feira, a mais popular da cidade, onde
foram realizadas entrevistas semiestruturadas a fim de identificar o número de barracas,
distinguindo as de agricultores que se encaixam na qualidade de agricultura familiar.
Dentro da feira livre, os pesquisadores puderam interagir tanto com os feirantes como os
clientes no momento em que realizavam as perguntas, que por se tratar de um ambiente
extremamente dinâmico, optamos por utilizar o método da entrevista semiestruturada
enriquecendo o trabalho.
A entrevista semiestruturada de acordo Triviños (TRIVIÑOS,1987 apud MANZINI,
2004): “A entrevista semiestruturada tem como característica questionamentos básicos que são
apoiados em teorias e hipóteses que se relacionam ao tema da pesquisa. Os questionamentos
dariam frutos a novas hipóteses surgidas a partir das respostas dos informantes”. Os dados
coletados foram organizados e após a etapa de coleta cruzou-se os resultados alcançados com
os dados bibliográficos postos nessa pesquisa.”
3. A FEIRA
A palavra feira deriva do latim feria, que significa dia de festa, sendo utilizada para
designar o local escolhido para efetivação de transações de mercado em dias fixos e horários
determinados. (SALLES, et al. 2011). Para Giannecchini, et al. (2007) a palavra “feira”
originalmente refere-se à isenção de impostos. A feira é livre, porque está livre de impostos, o
que garante o barateamento dos produtos indispensáveis à alimentação.
É impreciso sugerir uma data que marque o surgimento dessa prática tão antiga que é a
feira-livre. Para Almeida (2009) as feiras livres remontam o período da Antiguidade, onde
algumas fontes históricas dão conta da existência destas práticas entre os Astecas, os gregos e
os romanos. De acordo com Gonçalves e Abdala (2013) estas práticas de trabalho revelaram
seu auge no século XI, na Europa, onde os mercados locais se organizavam como vistas a suprir
a população com gêneros de primeira necessidade, o que evidencia que estas práticas surgiram
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taxados há cento e um anos atrás. Anacrônica, atrasada e inadequada são alguns dos adjetivos
que agora lhe cabe. A feira não acompanhou o ritmo frenético da modernização, e ficou quase
como uma gota cristalizada no tempo corrido do progresso. Perdendo espaço para os
supermercados que ficaram cada vez maiores, mais sortidos, mais seguros, higiênicos e
confortáveis, modalidade que cai como uma luva no apressado tempo do indivíduo de nossa
época. [...] Podemos dizer, talvez, que a feira livre seja uma filha rebelde da modernidade que
insiste em desafiá-la. Porém, apesar do cenário descrito, ainda possuem grande
representatividade no universo urbano contemporâneo e devem ser reconhecidas e valorizadas,
na medida em que continuam a impulsionar práticas cotidianas de trabalho de grupos populares
e grupos subalternos.
Conforme pontua Max Weber, em “Conceitos e categorias da cidade”, os mercados e as
feiras foram fundamentais para o desenvolvimento das cidades modernas, pois representavam
uma nova forma de aglomeração humana, a partir da atividade comercial. (GIANNECCHINI,
et al. 2007).
A feira insere-se no que o geógrafo Milton Santos chama de “circuito inferior” da
economia. Segundo o autor, o espaço urbano estaria estruturado em dois circuitos, decorrentes
do impacto da modernização. O “circuito superior” seria constituído pelos “bancos, comércio
e indústria de exportação, indústria urbana moderna, serviços modernos, atacadistas e
transportadores”. Já o inferior, “não moderno”, seria composto “por formas de fabricação “não-
capital intensivo”, pelos serviços não modernos fornecidos ‘a varejo’ e pelo comércio não
moderno e de pequena dimensão” (SANTOS, 1979 apud SATO, 2006).
Dalenogare e Alberti (2011) dizem que as feiras livres, para além da simples
comercialização, compra e venda de mercadorias, devem ser pensadas enquanto espaços
educativos e pedagógicos não formais de aprendizagem, que revelam a dimensão educativa das
cidades e da relação do trabalho com a formação humana. Desta forma, tais lugares devem ser
compreendidos, também, como espaços privilegiados de educação popular e de produção
cultural, os quais trabalhadores e trabalhadoras criam e recriam, em suas práticas cotidianas,
diferentes saberes do trabalho.
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que na Baixa Idade Média, as cidades nasceram e se desenvolveram a partir de uma função
econômica, mesmo quando eram as antigas cidades romanas que readquiririam vida urbana.
Eram cidades de mercadores que viviam em função do comércio. As cidades nasceram ou
renasceram do desenvolvimento do comércio e da agricultura na Europa, que garantia o
abastecimento desses centros urbanos. Formaram-se juntos aos portos ou ao longo das rotas
comerciais, porém as mais prósperas estavam próximas de regiões agrícolas férteis e de
tecnologia avançadas.
De acordo com Áurea Dantas, da Unidade de Atendimento Coletivo Comércio e
Serviços do Sebrae em Alagoas, Arapiraca se tornou referência no estado porque foi a
primeira cidade a regulamentar a Lei de Funcionamento das Feiras Livres, em parceria com
a instituição de apoio às micro e pequenas empresas e a prefeitura, e conquistou um
diferencial por meio do investimento em capacitações, consultorias e inovação.
De acordo com site da Prefeitura Municipal de Arapiraca, sua localização geográfica
privilegiada interliga as demais regiões geoeconômicas do Estado e caracteriza-se como polo
de abastecimento agropecuário, comercial, industrial e de serviços. Arapiraca atende às
necessidades regionais, minimiza as distâncias entre os centros de abastecimento e potencializa
o desenvolvimento da região.
4. AGRICULTURA FAMILIAR
A agricultura familiar apresenta-se como elemento insubstituível capaz de promover os
objetivos de inclusão social e redução das desigualdades econômicas e políticas reinantes no
campo. (GODOY E ANJOS, 2007). Segundo Wanderley (2001) a agricultura familiar não é
uma categoria social recente, nem a ela corresponde uma categoria analítica nova na sociologia
rural. No entanto, sua utilização, com o significado e abrangência que lhe tem sido atribuído
nos últimos anos, no Brasil, assume ares de novidade e renovação.
Desse modo, em sua essência a Agricultura familiar remonta apenas a ideia de
subsistência das unidades familiares produtoras dos alimentos. No entanto, essa realidade é
modificada devido a necessidade de obter condições financeiras para adquirir outros bens de
necessidade. O excedente produzido passou a ser comercializado nas feiras livres e é fator de
aumento na renda dessas famílias. De acordo com Guanziroli, et al. (2001) a agricultura familiar
é de grande importância para a revalorização do meio rural, uma vez que tem demonstrado unir
a eficiência econômica com a “eficiência social”, contribuindo para a construção de melhores
condições de vida.
De acordo com Gonçalves e Souza (2005), a definição de propriedade familiar se encontra
na Legislação Brasileira no inciso II do artigo 4º do Estatuto da Terra, estabelecido pela Lei nº
4.504 de 30 de novembro de 1964, onde diz:
“Propriedade familiar: o imóvel que, direta e pessoalmente explorado
pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-
lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada
para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalhado com a ajuda
de terceiros”.
E na definição da área máxima, a lei nº 8629, de 25 de fevereiro de 1993, estabelece
como pequena os imóveis rurais com até 4 módulos fiscais e, como média propriedade aqueles
entre 4 e 15 módulos fiscais. (TINOCO, 2008).
O termo agricultura familiar pode obter diferentes significados, dependendo do contexto
no qual é abordado. No campo político, a título de exemplificação, o termo significaria um
conjunto de produtores agregados via produção e gestão realizadas pelos membros da família.
(NEVES, 2007 apud CONCEIÇÃO et al, 2009).
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5. RESULTADOS
É notável a importância da feira livre para qualquer região, pois ela é fonte de sustento de
inúmeras famílias que acabam beneficiando os fornecedores e assim constitui uma cadeia de
geração de renda. Não muito distante no contexto da geração de renda, a agricultura familiar
vem se fortalecendo através de políticas públicas para também se fortalecer quanto atividade
geradora de emprego e renda. As feiras livres têm desempenhado um papel muito importante
na consolidação econômica e social, especialmente da agricultura familiar sob o ponto de vista
do feirante, representando também um espaço público, socioeconômico e cultural,
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Alagoas 111.750
Arapiraca 3.966
Tabela 2 Quantitativo geral de pessoas consideradas agricultoras familiares e devidamente cadastradas. Fonte: Ministério
do Desenvolvimento Agrário.
De acordo com os dados acima é possível notar que aproximadamente 50% do total de
agricultores familiares cadastrados nacionalmente encontram-se no Nordeste Brasileiro,
reiterando a teoria de que a região ainda é bastante agrária e sua renda ainda é dependente do
que a terra pode dar.
Em Arapiraca esse número corresponde a uma parcela de aproximadamente 1.81% da
população local, mas esse percentual não retrata toda a realidade, pois muitos agricultores
continuam na informalidade e outros possuem uma pequena área de terra, produzindo apenas
para o próprio sustento.
Saindo do campo e entrando no meio comercial, na feira livre, encontramos os seguintes
resultados:
Total de barracas entrevistadas 71 barracas
Barracas da agricultura familiar local 47 barracas
Tabela 3 Quantidade de barracas entrevistadas. Fonte: autoria própria.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo notada expressividade da agricultura familiar, principalmente no nordeste
brasileiro, o município de Arapiraca-AL conta com essa importante atividade que tem permitido
famílias, comunidades, e a própria cidade se sustentar. Essa atividade é de fundamental
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importância não só no contexto familiar, mas num aspecto que perpassa as fronteiras de
propriedade privada.
E é na feira livre que toda essa produção é escoada e transformada em capital para a
aquisição de diversos outros produtos que geram sustentabilidade para o município. Certo
também que as políticas públicas têm papel fundamental nessa propagação, pois é um forte
estímulo para a produção por famílias que tiram da terra sua única fonte de renda. O trabalho
retrata bem essa importância, tanto de um para o outro como vice versa. A feira auxilia a
agricultura familiar e seus agricultores, a agricultura familiar sustenta a feira que é
disponibilidade para toda sociedade se beneficiar e essa cadeia de relacionamentos é que precisa
ser mantida e sobretudo, aperfeiçoada.
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8. ANEXOS/APÊNDICE
Entrevista Semiestruturada
Sexo: M () F ()
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RESUMO
ABSTRACT
This article is the result of research about the employment policies in Juiz de Fora city between
the years 2015 and 2016. The objectives are to comprehend the dynamics of employment policy
in the logic of social policy in Brazil; understand the ongoing changes in the working world, in
the city of Juiz de Fora ; explore the programs, projects and policies developed in the region to
generate employment and income; as well as analyze the impact of this policy among the the
user population. This is a documentary research, realized from collection of material available
on the official websites of the municipal government and of the responsible institutions for
implementing the generation of the employment and income policy, and systematic visits to
them in order to know the different programs, projects and policies developed, as well as the
target audience of these actions. After studying the many existing programs in the city, it can
be seen that these programs are characterized, in most cases, not for employment creation, but
for guarantee a minimum income for its target audience, reinforcing assistencialist
characteristics in the employment policy.
1 INTRODUÇÃO
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Esta relação é mais visível quando se trata da substituição dos homens pelas máquinas.
Ao contrário dos mecanismos elencados anteriormente, o uso capitalista da maquinaria expulsa
homens, mulheres e crianças. Neste caso não há a substituição de uns pelos outros, mas de todos
pelas máquinas, afetando a lei geral da oferta e da procura e provocando uma concorrência entre
os próprios trabalhadores que passam a disputar entre si as vagas oferecidas no mercado de
trabalho, garantindo a formação do exército industrial de reserva ou da superpopulação relativa.
Com o progresso da acumulação, a massa de riqueza social se amplia formando um quantum
de capital adicional que precisa ser investido em outros setores produtivos. Mas estes novos
investimentos devem ter à disposição grandes massas de trabalhadores para não comprometer
os outros ramos da produção e manter os níveis dos salários baixos. Isto só pode ser possível
com a formação da superpopulação excedente. A indústria moderna necessita deste movimento
de transformação da massa de trabalhadores em desempregados ou em parcialmente
empregados. Ou seja, produzir uma população excedente é elemento fundamental para
responder às necessidades de expansão do capital.
Porém, a superpopulação relativa não é uma categoria monolítica, estável, onde se
incluem determinados segmentos de trabalhadores e excluem-se outros. Pelo contrário, todo e
qualquer trabalhador é parte dela durante o período em que está fora do mercado de trabalho.
Lembramos que em nenhum momento da história do modo de produção capitalista existiram
mecanismos de garantia plena de emprego para o trabalhador no mercado de trabalho. Sua
inserção ou exclusão do mercado de trabalho depende dos momentos de crise e/ou de expansão
do processo de industrialização, da pressão dos trabalhadores organizados ou ainda das políticas
governamentais adotadas pelos governos dos diferentes países. Porém, para além destas
situações, Marx vai definir outras três formas em que a superpopulação relativa se manifesta.
A primeira delas ele chama de flutuante. Nesta forma, o número de trabalhadores das fábricas,
manufaturas, usinas siderúrgicas e minas pode aumentar ou diminuir, aumentando o número de
empregados, porém não na mesma razão do aumento da produção.
A outra forma seria a constante migração do campo para a cidade, principalmente
quando a agricultura introduz técnicas capitalistas e expulsa milhares de trabalhadores rurais
que, por não encontrarem postos de trabalho na agricultura se voltam para as cidades em busca
de oportunidade de trabalho, formando um excedente de trabalhadores também na área rural.
Por último, tem-se a forma estagnada da superpopulação relativa representada pelos
trabalhadores irregulares, cuja ocupação não se insere nem na grande indústria nem na
agricultura. São os trabalhadores supérfluos, precários e temporários, mas que contribuem para
a lógica da acumulação, pois pressionam o contingente de trabalhadores excedentes para cima.
A superpopulação relativa estagnada divide-se em três grupos, os aptos para o trabalho, os filhos
e órfãos dos indigentes e os incapazes para o trabalho. Nesta última categoria encontram-se as
viúvas, idosos, deficientes físicos e mentais, os doentes e os mutilados.
É nesta fração da classe trabalhadora que se expande com maior rapidez a
pauperização e a miséria. Mas é também parte essencial para o aumento da riqueza capitalista.
Esta é para Marx, a “lei geral, absoluta, da acumulação capitalista” (1988, p.747). O aumento
do pauperismo, portanto, está na razão direta da expansão da acumulação da riqueza. A
pauperização atinge os trabalhadores inseridos no mercado de trabalho, haja vista que a relação
salarial é sempre estabelecida como necessária a suprir as necessidades básicas do trabalhador
e de sua família. Por isto, paralelo ao pauperismo dos excluídos do mercado de trabalho, assiste-
se a um processo de precarização das condições de vida da população trabalhadora. O aumento
da produtividade de trabalho produz uma maior pressão em torno dos trabalhadores
precarizando suas condições de existência. Na medida em que o capital acumula faz-se
necessário piorar as condições de vida do trabalhador, não importa sua remuneração. Ao extrair
maior produtividade do trabalho, o capitalista transforma o trabalhador em fragmentos de ser
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humano, em apêndice da máquina. O trabalho passa a ser entendido como sofrimento, não
importa se o trabalho é mais ou menos remunerado.
É sobre esta parcela da população que são direcionadas as políticas de emprego. Estas
podem ser classificadas em dois tipos. As políticas que visam prestar assistência financeira ao
trabalhador desempregado são chamadas de políticas passivas, como o seguro-desemprego e o
adiantamento de aposentadorias. As políticas ativas, por sua vez, são aquelas destinadas a
demandas de trabalho com ações na qualificação profissional.
Nos países centrais, sobretudo nos que adotaram a política de bem-estar social, as
políticas passivas foram mais frequentes, impedindo por algum tempo o aumento do
desemprego. Nos países periféricos, ao contrário, o incentivo ao empreendedorismo, a
flexibilização de leis trabalhistas, mudanças nos tipos dos contratos e expansão da terceirização
foram mais frequentes.
O Estado brasileiro, associado ao legado do trabalho negro e escravo e aos longos
períodos de ditadura civil e militar, desenvolveu uma legislação trabalhista excludente e
corporativa, favorecendo ainda uma estrutura sindical atrelada aos interesses do Estado.
Conforme Oliveira (2012), o resultado foi a inexistência de um sistema de proteção social para
os excluídos do mercado de trabalho e de uma política salarial que permitisse a inserção via
mercado de consumo.
No caso de Juiz de Fora, as informações apresentadas foram obtidas através de
correspondência eletrônica, consulta a documentos institucionais de base legal e site dos órgãos
municipais responsáveis pela gestão e execução das políticas de emprego e renda na cidade, são
elas: a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Geração de Emprego e Renda
(SDEER) e a Secretaria de Desenvolvimento Social (SDS)
De acordo com o site da Prefeitura de Juiz de Fora, a SDEER, regulamentada pelo
Decreto nº 11.561, de 15 de maio de 2013 é subordinada diretamente ao Chefe do Poder
Executivo, dotada de autonomia administrativa, orçamentária e financeira. Possui 19
atribuições, sendo a primeira “formular e coordenar a política municipal de desenvolvimento
econômico, trabalho e geração de emprego e renda e supervisionar sua execução, em sua área
de competência” (JUIZ DE FORA, 2013).
Em visita à referida Secretaria, a assessoria de comunicação nos informou que a SDEER
oferece um site de empregos, programas de orientação para o mercado de trabalho e de
incentivo ao empreendedorismo. Apesar de termos solicitado, não tivemos acesso à
documentação referente aos projetos dos programas. Via e-mail, a assessora de imprensa
encaminhou links com notícias sobre os serviços oferecidos, mas sem detalhar o funcionamento
dos mesmos, assim como os objetivos, o público atendido, os resultados obtidos, entre outras
informações. Os programas aos quais nos referimos são: JF Orienta, vinculado ao Portal JF
Empregos, e o Você+empreendedor. O mesmo ocorreu quando buscamos obter informações
sobre o funcionamento do “Conselho Municipal de Trabalho, Emprego e Geração de Renda”
normatizado pela Lei nº 13.152, de 18 de junho de 2015. Apesar da existência do Conselho,
não conseguimos constatar se seu funcionamento vem sendo utilizado para subsidiar a política
de emprego e renda no município.
O JF Orienta vem no sentido de difundir conhecimento sobre as exigências de uma boa
apresentação ao mercado de trabalho, como parte da aprendizagem profissional. Constitui-se
em um projeto que objetiva levar informações e orientações a respeito de mercado de trabalho,
postura profissional, elaboração de currículos e entrevistas de emprego. Tais conhecimentos
são difundidos através do Portal JF Empregos e em eventos ligados à SDEER (JUIZ DE FORA,
2015; s/a).
O Portal JF Empregos se constitui em um site oficial da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF)
no qual são disponibilizadas informações sobre vagas disponíveis no mercado de trabalho. No
portal é possível ao usuário acessar informações sobre ofertas de emprego, estágio, cadastrar
422
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
currículos, bem como anunciar postos de trabalho e pesquisar por profissionais para ocupá-las.
Vale ressaltar que o serviço é gratuito e aberto a todos os interessados. As pessoas com
dificuldade de acessar o endereço eletrônico podem entrar em contato por meio telefônico, ou
comparecer a alguma sede regional da Prefeitura Municipal portando Cadastro de Pessoa Física
(CPF) e carteiras de identidade e trabalho (JUIZ DE FORA, 2015; s/a).
O Projeto “Você + empreendedor” se materializa em eventos realizados pela Prefeitura
de Juiz de Fora, através da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Geração de
Emprego e Renda, em parceria com outras secretarias municipais e com o Sistema Brasileiro
de Apoio às Micros e Pequenas Empresas (Sebrae Minas). O evento objetiva oferecer
consultoria a microempreendedores individuais no intuito de estimular a formalização destes.
A programação destes eventos inclui palestras sobre cartão de crédito para
microempreendedores, certificado digital, qualidade no atendimento, planejamento, benefícios
previdenciários; bem como expedir alvará de microempreendedor individual (MEI). Em três
edições realizadas no município, o projeto atendeu mais de 400 pessoas. Dessas, 205 saíram
com o alvará de funcionamento como microempreendedor individual em mãos (JUIZ DE
FORA, s/a).
Por e-mail com a SDS, conseguimos acesso à informações sobre alguns projetos e
programas existentes no município. De acordo com a assessoria de comunicação da referida
Secretaria, estão sendo desenvolvidos no município os seguintes “serviços e programas de
geração de renda”: Casa da Menina Artesã; Casa do Pequeno Jardineiro; Programa Municipal
de Atendimento a Adolescentes (PROMAD); Agente do Amanhã; Poupança Jovem; Programa
Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec); e Pronatec Aprendiz (programa
piloto). Vale ressaltar que os quatro primeiros programas são da Prefeitura de Juiz de Fora, mas
coordenados pela Associação Municipal de Apoio Comunitário (AMAC), entidade civil sem
fins lucrativos que desde 1985 atua no município com o propósito desenvolver projetos na área
da Assistência Sociali.
O programa Casa da Menina Artesã é destinado a adolescentes do sexo feminino com
idades entre 14 e 24 anos. Seu objetivo é promover a inclusão social por meio do curso de
Formação em Artesanato e da Oficina de Trabalho de Produção Artesanal, com geração de
renda, oferecendo formação sociopedagógica, oficinas e acompanhamento de profissionais das
áreas de educação artística, serviço social e pedagogia (AMAC, s/a).
O programa Casa do Pequeno Jardineiro é voltado para adolescentes do sexo
masculino, entre 14 e 24 anos, que estejam em “situação de vulnerabilidade pessoal e ou social”,
prioritariamente com baixa escolaridade. No projeto são desenvolvidas atividades referentes à
jardinagem, botânica, paisagismo e horticultura. Os alunos recebem bolsa aprendizagem,
material didático, vale-transporte e alimentação a cada dois meses de curso. Caso apresentem
bom desempenho após esse período, são contratados por um ano como aprendizes por empresas
parceiras do programa (AMAC, s/a).
O PROMAD oferece capacitação profissional através de um curso de Formação em
Serviços Administrativos para adolescentes de ambos os sexos que tenham entre 14 e 18 anos,
que estejam “em situação de vulnerabilidade social” e com escolaridade mínima de 8º ano do
ensino fundamental. Dependendo do desempenho apresentado há possibilidade de
encaminhamento ao mercado de trabalho. O serviço ocorre em duas etapas: no primeiro
momento o adolescente participa do curso, no qual a prioridade é desenvolver “habilidades
sociais” de forma a prepará-lo para o mundo do trabalho; na segunda fase, o jovem “bem
avaliado” garante a oportunidade de inserção no mercado de trabalho como “aprendiz em
Serviços Administrativos” (AMAC, s/a).
O Agente do Amanhã é um projeto que se diferencia dos supramencionados por incluir
adultos. Com o objetivo de gerar emprego e renda, trata-se uma parceria com a Votorantim
Metais e o Instituto Votorantim e que oferece cursos gratuitos de capacitação para pessoas com
423
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
idades entre 16 a 29 anos, que residam preferencialmente no bairro Igrejinha ou na região norte
da cidade, região estratégica pelo adensamento industrial.
Nesse ponto, cabe salientar que os quatro programas supramencionados têm como
forma de participação a solicitação no CRAS de referência do bairro do interessado. Ou seja, a
comprovação da sua condição de morador da periferia e de ter baixa renda.
Segundo a SDS o objetivo do programa Poupança Jovem é combater a evasão escolar
e foi desenvolvido pelo Governo de Minas, oferecendo um benefício financeiro de R$ 1.000
(mil reais) pela aprovação do estudante em cada série do Ensino Médio. No final, os
participantes recebem 3.000 (três mil reais) mais os rendimentos da poupança. Ao longo do
programa são oferecidas atividades de aprendizagem, culturais, esportivas, de caráter
comunitário e complementar, além de acompanhamento social. Para participar o aluno deve
estar regularmente matriculado no Ensino Médio das escolas públicas estaduais de Juiz de Fora
e procurar o Educador Social solicitando a adesão ao programa. O programa caracteriza-se,
portanto, quase que exclusivamente, como um programa de geração de renda e incentivo ao
estudo”.
O Pronatec é um programa de âmbito nacional e oferece cursos técnicos e
profissionalizantes gratuitos. Os interessados devem ter idade acima de 16 anos e estarem
inscritos no CadÚnico - cadastro de famílias do Governo Federal que busca identificar o grau
de vulnerabilidade - além de possuir a escolaridade mínima prevista no catálogo de cursos do
programa. Em Juiz de Fora, a SDS é responsável por realizar as pré-matrículas no período de
inscrição determinado e os beneficiários do programa bolsa família têm prioridade.
Nesse sentido, há também o Pronatec Aprendiz, que é um programa piloto cujas vagas
são ofertadas, prioritariamente, à jovens e adolescentes inseridos em serviços da Proteção Social
Especial (casas de acolhimento institucional, em cumprimento de medidas socioeducativas etc.).
Para a SDS a oferta de capacitação profissional poderá “contribuir para a superação de situações
de vulnerabilidade e violações de direitos entre adolescentes e jovens pela dimensão da renda
e pela inclusão social”. Podem participar jovens e adolescentes com idade entre 15 e 24 anos
que frequentam a escola, após serem selecionados pelo serviço de Proteção Social Especial da
SDS.
Existe ainda um programa de geração de emprego e renda ligado à Secretaria de
Educação (SE): o ProJovem Urbano. O projeto promove qualificação na área de alimentação
para jovens que possuam idade entre 18 e 29 anos e que não tenham completado o ensino
fundamental. As atividades promovidas são cursos de cozinheiro auxiliar, repositor de
mercadoria, chapista e ambulante. As inscrições são feitas na SE. Os benefícios do programa
são: auxílio de R$100 (cem reais) mensais para alunos com frequência mínima de 70% das
aulas. Para as alunas que não têm com quem deixar seus filhos, são disponibilizadas cuidadoras
pelo programa durante o período das aulas, que ocorrem na Escola Municipal Cosete de Alencar,
no bairro Santa Catarina.
Projeto de iniciativa do Ministério da Defesa é o “Soldado Cidadão”. O programa
criado em 2004 tem abrangência em todo o território nacional e visa qualificar através de cursos
técnicos e profissionais nas áreas de telecomunicações, informática, construção civil,
alimentícia e saúde, entre outras, os militares que estão prestes a se desligar das Forças
Armadas. Os cursos são gratuitos e ministrados em parceria com instituições do Sistema S –
como o Senai e o Senac – e outras entidades ligadas ao ensino profissional e técnico para
militares que darão “baixa” do serviço ativo tenham mais chances de colocação no mercado de
trabalho (BRASIL, 2014).
Os cursos do Projeto Soldado Cidadão são realizados no horário do expediente e duram
dois meses, com carga mínima de 160 horas. O Ministério da Defesa estima que pelo menos
67% dos beneficiados pelo programa acabam fazendo carreira na mesma área em que foram
qualificados pelo projeto. Como a demanda pelas vagas do Soldado Cidadão é maior do que a
424
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
oferta, a participação nos cursos acaba servindo como prêmio para militares com boa conduta
ou que tenham condição econômica mais precária (BRASIL, 2014).
No caso de Juiz de Fora, o projeto supracitado é realizado em parceria entre o Exército
Brasileiro e o Serviço Social do Transporte e Serviço Nacional de Aprendizagem do transporte
(SEST/SENAT). O SEST/SENAT, no último ano, ministrou o curso de mecânico de
manutenção automotiva. Durante o período de formação, os participantes passam por dois
módulos: o básico, que possui aulas que englobam mudanças, como postura corporativa, meio
ambiente, segurança no trabalho e empreendedorismo; e o específico, com conteúdos técnicos
e fazem prática em oficina escola. Após aprovação em todos os módulos e preenchido o
requisito de 75% de frequência mínima, os alunos recebem certificado do referido curso (SEST-
SENAT, 2015a; 2015b).
Por fim, projeto de iniciativa de uma instituição privada sem fins lucrativos é o
Programa de Aprendizagem Profissional desenvolvido pela Associação de Proteção à
Guarda Mirim de Juiz de Fora, entidade criada pelo Rotary Club da cidade. O referido programa
consiste em oferecer capacitação a adolescente de 14 a 18 anos incompletos, para que estes
possam aprender o “que representa o mundo do trabalho” e para que a empresa recebe um
aprendiz mais adaptado ao funcionamento de uma empresa. Na Guarda Mirim, como é mais
conhecida a Associação, os jovens aprendizes passam por 288 horas de aulas teóricas que
abordam temas como informática, marketing pessoal, empreendedorismo, preparação para
entrevistas, segurança, saúde e higiene no trabalho, planejamento pessoal e profissional, entre
outros assuntos relacionados a atividades administrativas.
Concomitante ao período de qualificação, os adolescentes são encaminhados às
empresas para realizarem atividades de iniciação ao trabalho por jornadas de seis horas diárias.
O SENAC e SEST/SENAT ministram conteúdos específicos relacionados às empresas que os
selecionou. O adolescente pode permanecer por um período de até dois anos como jovem
aprendiz, período no qual a empresa que os contratou assume a responsabilidade da
aprendizagem prática. Conforme descrição no site da Guarda Mirim:
A Guarda Mirim faz o monitoramento do processo para orientar o jovem quanto aos
seus deveres e direitos, e o empregador, para ajudá-lo a lidar com os aprendizes, assim
como indicar as áreas nas quais eles podem atuar, para que não corram riscos e, por
fim, fazer com que sejam realmente aprendizes. Este monitoramento tem como
objetivo garantir a qualidade da inserção do aprendiz na empresa, visando que o
processo de aprendizagem esteja dentro da proteção da lei [nº 10.097, de 19 de
dezembro de 2000] (ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO À GUARDA MIRIM DE JUIZ
DE FORA, s/a)
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
JUIZ DE FORA. “JF Orienta” leva informações sobre elaboração de currículos e mercado
de trabalho ao “Mundo Senai 2015”. Disponível em:
<https://www.pjf.mg.gov.br/noticias/view.php?modo=link2&idnoticia2=51189> Acesso em:
10 de nov. de 2015.
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Rio Janeiro: Civilização Brasileira, 1988.
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
VERDEIRO, Vanessa. Links “JF Orienta” [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por
<alvesayan@hotmail.com; robsonamribeiro@gmail.com > em 08 de junho de 2015.
i
Dados os limites de tamanho deste texto, não abordaremos em termos amplos o referido processo. A respeito da relação da
AMAC com a Prefeitura de Juiz de Fora, ver Pinho Junior (2016).
427
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
RESUMO: O presente artigo tem como foco a análise temporal da previsão e da arrecadação
no processo orçamentário da receita pública, especificamente as receitas municipais – ISS,
IPTU e ITBI –, a estadual – ICMS – e, ainda, o repasse federal dos Royalties de petróleo, bem
como das Participações Especiais (PE). Trata-se de uma pesquisa quantitativa e quanto aos
objetivos classificada como descritiva. Para isto, foi realizado um estudo estatístico, explorando
os dados a fim de construir indicadores passíveis de uma análise mais detalhada. A principal
fonte de receita é a arrecadação de ISS, seguido pelo ICMS. Desta forma, a receita com
Royalties de petróleo em Macaé é apenas a terceira em volume de arrecadação, ao contrário
dos outros municípios da região. Isso caracteriza que não há uma dependência direta ao
recebimento desta arrecadação. A análise da execução orçamentária verifica que, durante o
período de 2006 a 2015, ocorreu um crescimento exponencial da arrecadação destes impostos
para o município de Macaé.
1. INTRODUÇÃO
Sabe-se que é de extrema importância para a sociedade obter informações sobre as políticas
de gestão pública de seu município, e, para isso, deve-se conhecer de maneira minuciosa as
receitas públicas. Conhecê-las significa saber em que se baseia o suprimento das necessidades
do município, e desta forma, otimizar a aplicação dos recursos.
Este trabalho tem como principal objetivo fazer uma analise temporal da previsão e da
arrecadação no processo orçamentário da receita pública, especificamente as receitas
municipais ISS, IPTU e ITBI, a estadual ICMS e o repasse federal dos Royalties de petróleo,
para o município de Macaé.
A região Norte do Rio de Janeiro, em que se situa a cidade de Macaé, é uma grande
produtora de petróleo, sendo responsável por grande parte da produção nacional. Alguns
municípios tendem a depender dos recursos provenientes dos Royalties para pagar suas
despesas públicas.
Bôas (2008) identificou no município de Cabo Frio - RJ uma evolução dos recursos
provenientes dos Royalties do petróleo em contraposição a involução das receitas advindas dos
tributos, o que caracteriza uma relação negativa entre esses montantes.
Por outro lado, Macaé recebeu, em média, no período de 2006 – 2015, a quantia de
seiscentos milhões em Royalties de petróleo, e, aproximadamente quatrocentos e sessenta
milhões de ISS. Os dados foram coletados no Sistema de Coleta de Dados Contábeis (SISTN)
e no portal de transparência da prefeitura de Macaé.
428
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
A pesquisa traz a acurácia das receitas correntes, faz um analise comparativa da previsão
e da arrecadação, analisa o grau de dispersão do somatório das receitas correntes e Royalties e,
também, mostra o ranking de arrecadação.
A organização deste artigo está compreendida em cinco seções: a introdução, que
apresenta o problema de pesquisa, a justificativa e seus objetivos; o referencial teórico, com a
conceituação do tema e descrição da legislação brasileira sobre o tema; a metodologia aplicada
para se alcançar os resultados aqui apresentado; a demonstração, análise e interpretação dos
resultados obtidos; e as considerações finais.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A importância da arrecadação própria por parte dos municípios
429
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
O Imposto sobre serviços foi criado por volta da metade do século XX, devido à
preocupação dos Estados modernos na substituição do Imposto Geral sobre o Volume
de Vendas por um Imposto sobre o Valor Acrescido, não-cumulativo. Este modelo
consiste em aplicar, aos bens e serviços, um imposto geral sobre o consumo exatamente
proporcional ao preço dos bens e serviços. (PÊGAS, 2011, p.250)
Logo, o ISS é uma imposto que tem uma grande importância na arrecadação de recursos
para manutenção e exercício das atividades dos Municípios.
A base de cálculo do ICMS pode ser representada por várias formas, devido sua larga
incidência. De modo geral, representa o valor da operação de mercadorias, incluindo os
gastos acessórios como frete e seguro, até o momento da entrega da mercadoria no
estabelecimento do contribuinte. (PÊGAS, 2011, p. 181)
Rege na CTN, art. 32, que a arrecadação do IPTU tem como fator gerador a propriedade,
o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na
lei civil, localizado na zona urbana do Município.
A base de cálculo do imposto é o valor venal do imóvel, sobre o qual recai uma alíquota
definida em nível municipal, e o contribuinte é o proprietário do imóvel.
Segundo Pêgas (2001), o IPTU é um imposto direto e representa aproximadamente 25%
da arrecadação tributária dos municípios brasileiros, sendo importante instrumento para a
melhoria da infraestrutura das cidades.
430
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
431
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
Os Royalties devido aos Municípios serão calculados com base na produção do Estado
do qual fazem parte, sendo que o rateio dos Royalties devido aos Municípios
pertencentes à uma mesma zona de produção será efetuado na razão direta de suas
respectivas populações (BARBOSA, 2001, p.73).
3. METODOLOGIA DE PESQUISA
Tipo da pesquisa
Coleta de dados
432
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
Dados Fonte
ISS RREO-6ºBIM
IPTU RREO-6ºBIM
ITBI RREO-6ºBIM
Quota-Parte do ICMS RREO-6ºBIM
Quota-parte royalties - comp. Fin. P. Pet. - lei nº 7.990/89 INFO ROYALTIES
Quota-parte royal. Part. Esp. - art. 50 lei 9.478/97 INFO ROYALTIES
Fonte: Portal de transparência de Macaé, SISTN e Info Royalties.
Indicadores de acurácia
Quadro 2 - Indicadores e suas respectivas interpretações
Indicador Cálculo
Acurácia na previsão do ISS Ac_Rec_ISS t = Rec_ISS_Arrec t /Rec_ISS_Prev t
Acurácia na previsão do IPTU Ac_Rec_IPTUt = Rec_IPTU_Arrec t /Rec_IPTU_Prev t
Acurácia na previsão do ITBI Ac_Rec_ ITBI t = Rec_ ITBI _Arrec t /Rec_ ITBI _Prev t
Acurácia na previsão do ICMS Ac_Rec_ ICMS t = Rec_ ICMS _Arrec t /Rec_ ICMS _Prev t
Fonte: Elaboração própria
433
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
Análise comparativa
R$ 596.270.448,35
R$ 583.290.954,33
R$ 600.457.000,00
R$ 461.168.994,91
R$ 417.741.807,41
R$ 391.184.791,68 R$ 499.214.224,46
R$ 459.084.571,07
R$ 316.438.213,56
R$ 369.479.610,36 R$ 369.932.983,94
R$ 252.458.162,52
R$ 353.859.295,92
R$ 185.284.422,63
R$ 241.423.877,98
R$ 217.418.374,36
R$ 186.260.945,42
R$ 164.666.933,26
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Previsão Arrecadação
434
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
32.744.741,89
31.554.238, 99
29.351.901,71
28.114.674,56
31.789.000,00
29.970.868,44
22.026.784,98
15.251.601,35 19.945.947,44
13.946.943,98
11.602.803,3 1 12.537.983,46
9.812.453,73 14.924.250,32
12.972.548,73
10.056.576,46 10.611.399,64
9.953.790,65
7.541.498,20
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Previsão Arrecadação
24.936.825,73
24.020.601,78
96
23.283.985,
24.300.000,00
18.175.085,18
14.838.556,88
13.463.809,97 13.801.461,24
10.609.413,55
8.311.948,74
6.750.646,39 10.466.330,92 10.342.343,12 10.711.973,3311.393.928,81
9.262.285,48 9.733.206,73
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Previsão Arrecadação
435
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
564.585.214,42
455.081.250,00
451.455.573,71
445.529.954,35
296.711.655,07
312.530.748,10
205.169.542,68 283.690.634,10
271.063.293 ,20
229.845.668,10
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Arrecadação
Para o ICMS, a previsão foi superior à arrecadação, coincidindo com esta apenas no ano
de 2015, conforme o Gráfico 4.
1,62
1,58
1,46
1,36 1,34
1,30 1,30
1,20
1,13 1,13
436
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
Acurácia IPTU
1,88
1,47
1,43
1,30 1,31 1,32
1,26
1,15 1,18
1,09
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Acurácia ITBI
2,19
2,25 2,24
1,87
1,62
1,32
1,26
1,12
0,69
0,61
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
O Gráfico 7 mostra uma anomalia no ano de 2009 quando a arrecadação foi menor que
a previsão em 31%. Isso pode ser explicado observando-se o Gráfico 3, onde são vistos,
simultaneamente, um aumento anormal da previsão e uma queda da arrecadação naquele ano.
437
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
Acurácia ICMS
0,98
0,91
0,81 0,80
0,74 0,73
0,70
0,63 0,63
0,53
438
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
A Tabela 3 compara o somatório da arrecadação dos impostos ISS, IPTU, ITBI e ICMS
com o somatório dos Royalties e Participações Especiais. Observa-se que, até o ano de 2009, o
somatório dos impostos é menor do que os Royalties e as PE. Após esta data, fica claro que
ocorre uma mudança de cenário: o município de Macaé assegura-se principalmente nos
439
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
Ranking de arrecadações
Tabela 4 - Ranking das arrecadações no período de 2006 - 2015
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados apresentados pela Tabela 4 demonstram que a receita com Royalties de
petróleo é a terceira em volume de arrecadação no ranking em 2015. A arrecadação de ISS e
ICMS, ficaram em primeiro e em segundo lugar, respectivamente. Isso caracteriza que não há
uma dependência direta ao recebimento dessa receita.
Queiroz e Postali (2010) constataram em seu estudo que o benefício dos Royalties pode
induzir a ineficiência no sistema fiscal dos municípios beneficiados, de maneira que o esforço
na arrecadação do IPTU é afetado quando o município recebe Royalties do petróleo.
No caso de Macaé o recebimento dos Royalties não está afetando o crescimento na
arrecadação dos seus tributos. Analisando a execução orçamentária identificamos em expressão
numérica esse crescimento exponencial que ocorreu no período de 2006 a 2015. A arrecadação
de Royalties de petróleo se manteve estável no período analisado com a média de R$ 597
milhões anual, comparado com o crescente aumento dos outros impostos nesse mesmo período.
Apesar disto, a indústria petrolífera mantém a sua participação na economia do
município, pois o crescimento da arrecadação dos impostos também está relacionado a ela: os
impostos ISS e ICMS são recolhidos principalmente de empresas petrolíferas fornecedoras de
produtos e serviços; por outro lado, a especulação imobiliária, fruto da valorização municipal
proveniente do grande mercado do petróleo na região, influenciou na arrecadação do IPTU e
do ITBI.
440
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
6. REFERÊNCIAS
BARBOSA, D. (coord). Guia dos Royalties do Petróleo e Gás Natural. ANP. Rio de Janeiro,
2001. 156p. Disponível em
<http://www.elobrasil.org.br/sites/default/files/guia%20royalties.pdf>. Acesso em: 15 jun.
2016
BÔAS, Bruno Fonseca Vilas, et al. "A Evolução das receitas Provenientes dos Royalties do
Petróleo e seus impactos na arrecadação dos tributos de competência municipal (2002–2007):
O caso do Município de Cabo Frio/Rj." Dissertação de Mestrado em Administração Pública
Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 2008
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 25
mai. 2016.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
Código Tributário Nacional – Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5172Compilado.htm> acesso 01 jun. 2016
INFO ROYALTIES - Petróleo, Royalties e Região - Coordenação: Prof. Dr. José Luis Vianna
da Cruz e Prof. Dr. Eduardo Shimoda. 2016. Disponível em: http://inforoyalties.ucam-
campos.br/
441
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
OZAKI, Marcos Takao; BIDERMAN, Ciro. A importância do regime de estimativa de iss para
a arrecadação tributária dos municípios brasileiros. Rev. adm. contemp., Curitiba , v. 8, n. 4,
p. 99-114, Dec. 2004 . Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-
65552004000400006&lng=en&nrm=iso>. acesso em: 16 Jun. 2016.
http://dx.doi.org/10.1590/S1415-65552004000400006.
PEGAS, Paulo H. Manual de Contabilidade Tributária 7ª edição. Freitas Bastos Editoras. 2011.
VIEIRA, Mônica dos S., “Previsão da arrecadação do ITBI do município do Rio de Janeiro: um
estudo da capacidade de previsão de alguns modelos estatísticos,” in Anais XXVII Encontro da
Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Administração 2003, pp. 3-6
442
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
Resumo
A presente pesquisa objetivou analisar a distribuição da Compensação Financeira pela
Utilização de Recursos Hídricos (CFURH), realizada por diversas concessionárias de
produção de energia elétrica, em favor de municípios localizados na região Nordeste, no ano
de 2013. Foram utilizados como referencial teórico o Federalismo Fiscal e a Administração
Política. Como ferramentas analíticas, medidas estatísticas de natureza descritiva. Foi visto
que a distribuição da CFURH é concentrada, tanto no que se refere ao conjunto de cidades
atendidas quanto internamente a esse conjunto, dado que apenas cinco municípios recebem
mais da metade dos recursos. Contudo, a CFURH é suscetível às ações de política econômica
e ao poder regulatório do governo federal mais do que às forças determinantes do mecanismo
de preços, significando que, possíveis mudanças na sua composição expõem a sanidade das
finanças dos municípios que a recebem a um maior grau de vulnerabilidade.
Introdução
São pouco mais de meia centena os municípios nordestinos que recebem algum valor a
título de Compensação Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos (CFURH),
praticamente todos sediados no semiárido, sendo que a grande maioria – mais de 60% –
localizada no interior da Bahia.
Esses recursos, na maioria das vezes, são importantes para a composição da receita
corrente líquida dessas municipalidades porque, em possuindo baixos volumes de receitas
próprias, geralmente são as transferências obrigatórias a fonte maior de recursos das suas
prefeituras, o que permite o atendimento da demanda social por bens e serviços públicos
municipais.
O problema fundamental desta pesquisa é o de saber se a CFURH é fator preponderante
na composição da alocação de recursos para o atendimento da demanda social por bens e
serviços públicos das localidades nordestinas que fazem jus ao seu recebimento. Logo, o
objetivo do presente artigo é analisar a distribuição da CFURH recolhidos por diversas
concessionárias de produção de energia elétrica, em favor de municípios localizados na região
Nordeste, no ano de 2013.
Os dois pilares teóricos do trabalho aqui gestado são: o Federalismo Fiscal e a
Administração Política. Do primeiro, é retirada a crença de que a adoção de um arranjo
federativo deva propiciar ganhos de eficiência no provimento de produtos públicos; do segundo,
a concepção de que os atuais padrões administrativos, que têm orientado as relações sociais
contemporâneas, condicionam e (re)direcionam o Estado no exercício da sua relação com seus
entes federados.
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Federalismo Fiscal
O Federalismo tem como características basilares a distribuição de competências
exclusivas dentre os seus elementos constituintes (entes federados) e a hierarquização das
alçadas concorrentes e dos instrumentos de coordenação e de incentivo das suas atribuições
comuns (LASSANCE, 2012).
Boueri (2012) alega que, independentemente da definição usada, uma Federação acolhe
uma série de predicados políticos, administrativos e econômicos, mas essencialmente pede a
ocorrência de, no mínimo, duas instâncias decisórias interagindo numa relação assimétrica de
comando, onde a superior é soberana por sobre todo o território e a inferior responde
politicamente por uma fração desse mesmo espaço.
As questões inerentes ao Federalismo Fiscal orbitam no conjunto de problemas,
métodos e prescrições relativos aos processos de distribuição dos recursos públicos pelos seus
elementos formadores de modo em que seja viabilizada a sua respectiva atuação envolvendo a
atribuição de impostos, a definição de obrigações e os meios e os formatos assumidos pelas
transferências intergovernamentais (PRADO, 2006).
No Brasil, a história do Federalismo é feita por meio de um processo dialético de
estabilização e de mudanças – entremeadas por crises pontuais – no qual os principais
determinantes são os momentos de alargamento ou de redução das atribuições da União, mais
especificamente, o dos poderes do Executivo presidencial (LASSANCE. 2012).
O Federalismo brasileiro, desde sua fundação, sempre buscou equilibrar um grau de
centralização que pudesse manter a integridade e a integração nacional com um nível de
descentralização que garantisse a autonomia relativa das unidades subnacionais (MENDES,
2012).
Por sua vez, Shah (1991) afirma que a República brasileira, dentre os demais países em
desenvolvimento que adotaram a união federativa como forma de organização político-
administrativa, é a que apresenta o maior nível de descentralização governativa.
Com o fito de se alcançar os seus objetivos, expressos no artigo 3º, a Carta Magna de
1988 propugna por definir quais são as atribuições e as competências exclusivas, comuns ou
concorrentes de cada um dos entes federativos da República brasileira (MENDES, 2012), dando
o status de ente federativo aos seus municípios.
No entanto, a Federação ainda não superou o fato de que uma ampla maioria dos
municípios não tem condições de montar uma estrutura tributária própria que os permita
financiar políticas públicas autônomas ao mesmo tempo em que a União se mostra incapaz de
articular ações que atendam às demandas locais (MENDES, 2012).
Assim, as transferências da CFURH podem representar uma importante fonte recursos
para os municípios, podendo contribuir para o financiamento das políticas públicas demandadas
pela coletividade. Nesta perspectiva, evidencia-se um problema relacionado ao objeto do campo
próprio da Administração, que aqui denominamos do campo próprio da Administração Política,
responsável pela dimensão da gestão (concepção) e gerência (execução) do complexo padrão
atual que fundamenta a capacidade de respostas do Estado e da sociedade em correlacionar
necessidades coletivas para garantir o provimento das demandas sociais.
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
Administração Política
A teoria da Administração Política é um movimento vinculado aos estudos críticos da
administração, que se propõe a dar ao campo da ciência da administração bases teórico-
epistemológicas e metodológicas mais amplas que integram tanto os aspectos relacionados à
concepção (conteúdo) administrativa, quanto às competências de execução (técnica),
vinculadas a dimensão denominada por Santos et al (2009), de gerência.
A Administração Política é definida como um campo do conhecimento próprio da
administração, responsável por definir e executar uma dada concepção (espacial e temporal) de
gestão das relações sociais de produção, circulação e distribuição (SANTOS, 2004). A partir
deste conceito, a teoria da Administração Política compreende que cada momento sócio-
histórico é marcado e orientado por um dado padrão/modo de Administração Política que
fundamenta e direciona as ações estatais.
Assim, cabe à administração política conceber a gestão da materialidade das relações
sociais de produção, circulação e distribuição. Segundo Santos (2004), para o melhor
entendimento desta questão, é necessária uma percepção tridimensional envolvendo: a
sociedade – onde se manifestam as necessidades (individuais e coletivas) do conjunto da
sociedade; o Estado – onde ocorre a manifestação política da sociedade em busca do bem estar
social; e a economia – modo de produção de uma dada sociedade, responsável pela base técnica
(concepção e operacionalização) para se alcançar o bem estar da humanidade.
Para o autor, o Estado é a mais importante das instituições/organizações, sendo ele o
agente responsável por atender às demandas sociais, e sendo através dele que melhor se
manifesta a administração política. Dessa forma, a escolha política (gestão) e técnica
(gerência) realizada em dado momento leva a uma determinada ação estatal.
Para os autores da Administração Política, mesmo que as ações do Estado sejam
complementares à dos demais agentes, este deve tomar como objetivo primeiro o atendimento
da insatisfação manifestada pela sociedade e que sirva como suporte para o esforço de plena
obtenção da sua materialidade (SANTOS et al, 2003).
No âmbito da Administração Política, as relações que se constroem entre a política
econômica, o cenário internacional, a correlação das forças políticas e econômicas e a ideologia
vigente, ao passo que dão suporte ao modelo econômico existente, influenciam a condução das
políticas públicas e a qualidade de vida das pessoas numa determinada sociedade (GOMES,
2012).
Desse modo, espera-se que com base na teoria da Administração Política (capacidade
de gestão) se possa melhor analisar a alocação da CFURH nos municípios da região nordeste.
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A CFURH foi criada pela lei complementar 7.990, de 28 de dezembro de 1989, sendo
recolhida por todas as unidades geradoras que possuam capacidade instalada superior a 30
MWh (ANEEL, 2007) e foi reformulada pela peça legislativa 9.984/2000 (BRASIL, 2000). A
energia gerada para consumo pelo próprio produtor, desde que no mesmo município, é isenta
do recolhimento da compensação (BRASIL, 1989).
De acordo com o disposto no artigo 28, da Lei 9.984/2000, a CFURH corresponde a
6,75% do valor da energia gerada, calculada conforme a seguinte fórmula (TCU, 2008):
Onde:
Considerando que o volume de Energia Gerada (EG) é uma variável que escapa ao pleno
controle da unidade de geração, sendo também determinada pelas diretrizes do Operador
Nacional do Sistema (ONS), e que a Tarifa Atualizada de Referência (TAR) é definida pela
Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL, 2007), então a CFURH é um produto suscetível
ao poder regulador do Estado.
A CFURH não é alvo de qualquer tipo de vinculação, sendo livre a sua utilização, salvo
para o abatimento de dívidas nas quais a União ou suas entidades não sejam credores e para o
pagamento do quadro permanente de pessoal, com exceção para os salários dos profissionais
do magistério em efetivo exercício na rede pública de ensino (BRASIL, 1989).
Ao passo em que a ANEEL configura-se como o órgão responsável pelo cálculo da
CFURH, é por meio da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) que se é promovida a sua
distribuição que está submetida ao previsto na Lei 8.001/90, posteriormente alterada pelas Leis
9.993 e 9.984/2000, conforme a seguinte regra (TCU, 2005):
Métodos e Materiais
A pesquisa seguiu os procedimentos básicos de um levantamento estatístico (LOESCH,
2012): planejamento (definição dos objetivos, do tipo de pesquisa, da população alvo e da forma
de coleta e tratamento dos dados), coleta dos dados, apuração, exposição e interpretação dos
respectivos resultados. Isso porque, o seu objetivo foi o de analisar a distribuição da CFURH
recolhidos por diversas concessionárias de produção de energia elétrica, em favor de municípios
localizados na região Nordeste, no ano de 2013. A opção pelo ano de 2013 ocorreu pelo fato de
ser esse é o último ano a possuir todos os dados sobre as finanças municipais publicados pela
STN.
Após a coleta e organização dos dados, foram realizadas transformações matemáticas
(indicadores e percentuais) e estatísticas (medidas de centralidade e de dispersão) que
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recebeu um valor médio de R$ 8,3 milhões por localidade. Logo após surge Alagoas, com quase
R$ 3 milhões por cidade e, depois, Pernambuco, com R$ 1,79 milhões por unidade. A Bahia e
o Maranhão recebem, por cidade, quase R$ 1 milhão. Ao passo que o Piauí recebeu apenas R$
226 mil.
No setor, são seis as empresas que atuam na região Nordeste: a Afluente Geração de
Energia S.A., a Companhia Energética Estreito S.A., a Companhia Hidroelétrica do São
Francisco (CHESF), a Cia. Energética Santa Clara, a Itapebi Geração de Energia e a Votorantim
Cimentos Norte/Nordeste S.A. A CHESF atua nos Estados de Alagoas, Bahia, Pernambuco,
Piauí e Sergipe. A Itapebi, no Maranhão e as outras, exclusivamente na Bahia.
A CHESF é a empresa com maior participação no volume de contribuição. Na verdade,
ela é a empresa hegemônica nessa área: recolhendo mais de R$ 65 milhões, sendo responsável
por 92,6% do montante arrecadado no ano de 2013. Em seguida aparece a Companhia de
Estreito (5,5%), a Itapebi (1,6%), e a Afluente, a Santa Clara e a Votorantim, juntas, respondem
por menos de 0,3% do total recolhido.
As 37 cidades dentro da área de abrangência da CHESF receberam, em média, R$ 1.760
mil no ano de 2013. Nessa mesma época, os dois municípios atingidos pelos lagos das usinas
da Itapebi receberam, a título de compensação financeira, uma média de R$ 1.920 mil. As outras
quatro geradoras repassaram um valor médio de R$ 88,5 mil às quinze localidades
remanescentes.
A partir das análises dos dados, pode concluir que o repasse da CFURH é um evento
concentrado: metade desses recursos é direcionada a apenas cinco cidades. Canindé do São
Francisco, em Sergipe, é o maior destino desse montante (12%); seguida por Glória/BA (11%),
Delmiro Gouveia/AL e Paulo Afonso/BA, com 9,5%, cada e, por fim, Sento Sé/BA, que
recebeu 8,7%.
Apenas dezesseis cidades obtiveram repasses anuais que superaram o valor médio de
distribuição (R$ 1.301.549,69), naquele ano. Dessas, somente uma não é atingida por barragens
da CHESF; Carolina, no estado do Maranhão. Por sinal, essa também é a única nesse rol que
não se encontrava entre Alagoas, Bahia, Pernambuco e Sergipe.
A média dos valores depositados em favor dessas unidades populacionais, para o ano
de 2013, foi de R$ 4 milhões, com um desvio-padrão de R$ 2,4 milhões. Isso implica um
coeficiente de variação de 60%, o que permite afirmar que a dispersão dos elementos, em torno
da média, não é alta. Se o teto desse grupo está nas mãos de Canindé do São Francisco/SE (R$
8,3 milhões), o piso é dado por Itacuruba/PE (1,3 milhões).
Por sua vez, as cidades que não alcançaram a marca do R$ 1,3 milhão em recebimento
da CFURH auferiram, em média, R$ 144 mil. Contudo, o nível de dispersão dentro desse
conjunto é muito maior do que a sua contraparte: coeficiente de variação de 139%. Estreito, no
Maranhão, abre essa ala com a recepção de aproximadamente R$ 672 mil, em 2013, enquanto
que Mucuri/BA fecha a lista com apenas de R$ 521,23, naquele mesmo ano.
Esses números permitiram a compreensão da realidade encontrada, dentro do cenário
circunscrito pela distribuição da CFURH, para as localidades que possuem o direito de recebê-
la no Nordeste brasileiro, em 2013. Mas qual o efeito dessa fonte de recursos sobre as finanças
públicas dessas municipalidades?
No que toca à análise do cenário fiscal e orçamentário dos 54 municípios aqui estudados
é necessário registrar primeiramente que somente 43 puderam efetivamente ser examinados,
tendo em vista que os outros onze não possuíam dados cadastrados no FINBRA para o ano de
2013.
Essas pouco mais de quatro dezenas de cidades possuem forte dependência das
transferências obrigatórias. Esses perfizeram, em média, uma participação de 100% da Receita
Corrente. Independentemente de a localidade pertencer ou não à categoria das que recebem
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mais que R$ 1,3 milhões por ano em Compensação Financeira, qualquer uma colapsaria se
fosse tentar sobreviver com a sua própria Receita Tributária.
Em todas elas a CFURH possui uma contribuição residual sob seus orçamentos. Na
média, em 2013, a Compensação representou 2,8% do volume total de transferências
obrigatórias. Porém, esse percentual cai para 0,5% nos municípios cujo seu valor anual é menor
que R$ 1,3 milhões e vai a 7% naqueles os quais essa marca é superada.
Ratificando o quadro em que as Transferências Obrigatórias são a verdadeira Receita
Corrente desses municípios, foi visto que a média da participação relativa da Contribuição sobre
essa mesma receita, no agrupamento de cidades acima de R$ 1,3 milhões, é também de 7%, ao
passo em que no outro conglomerado, essa medida de tendência central repete seu desempenho
anterior (0,5%).
No caso do primeiro conjunto, a CFURH possui um maior peso na Receita Corrente de
Glória/BA (20,6%) e de Olho d´Água do Casado/AL (12,9%). Pilão Arcado/BA e
Petrolândia/PE são as que, nesse grupo, detém a menor participação relativa desse recurso nas
suas contas, 2,7% e 2,4%, respectivamente.
Dentre os menores de R$ 1,3 milhões em recebimento da CFURH, essa contribuição
possui maior peso para o município de Porto Alegre do Piauí, perfazendo 4,3% da Receita
Líquida e uma menor importância em Castro Alves, Feira de Santana, Maracás e Mucuri (todas
na Bahia), com uma participação inferior a 0,01%, cada.
Em 2013, das 41 localidades investigadas, somente três apresentaram um resultado
fiscal negativo: Sento Sé, Castro Alves e Itarantim. Sendo todas sediadas na Bahia e onde
apenas a primeira obteve uma CFURH anual superior a R$ 1,3 milhões; as outras duas,
obviamente, ficaram aquém desse valor.
Contudo, em apenas cinco cidades a Despesa com Pessoal e Encargos é inferior à
metade da Despesa Corrente: Ibirapitanga, São Gonçalo dos Campos e Feira de Santana, na
Bahia, e Porto Alegre do Piauí, dentre aqueles que receberam menos de R$ 1,3 milhões em
CFURH, em 2013, e Glória/BA no grupo dos maiores receptores.
O peso da folha de pagamento é a única constante entre os dois agrupamentos aqui
citados. Para ambos os recortes essa rubrica consome, em média, 58% da Despesa Corrente em
todas as cidades, indistintamente do volume de Contribuição Financeira recebida. Ainda que
haja pontos extremos como Carolina/MA (84,9%) e Porto Alegre do Piauí/PI (38,5%), o
coeficiente de variância dessa amostra é de 13,5%.
Em três municípios a CFURH é de extrema importância: Glória/BA, onde ela cobre
23,7% da Despesa Corrente; Olho d´Água do Casado/AL, com uma razão de 14,3% e
Rodelas/BA, na qual pouco mais de 10% dos seus gastos são honrados por recursos gerados
pela Compensação.
A margem de contribuição da CFURH para a Despesa Corrente é maior no conjunto de
cidades de maior volume de repasse do que naquelas de menor volume. Para a primeira
categoria essa proporção chega a 7,6%, ao passo em que, para a segunda, a sua influência é
praticamente nula, com um valor médio de 0,6%. Isso vai refletir no nível per capita do gasto
municipal livre da despesa de pessoal dessas localidades. Para todo o conjunto esse indicador
era de R$ 820,60/ano, em média, em 2013. Na classe dos que receberam mais de R$ 1,3 milhões
em CFURH, esse número ficou em R$ 956,15/ano. No outro grupo, a razão era de R$
742,40/ano.
As maiores de todas essas proporções foram identificadas nas cidades de Itacuruba/PE,
com uma marca de R$ 2.762,42/habitante/ano, e de Canindé do São Francisco/SE (R$
1.916,59/habitante/ano); ambas estando entre as maiores receptoras da CFUHR. Analogamente,
Carolina/MA, que deteve um gasto público per capita de R$ 252,39/ano, e Belém do São
Francisco/PE, com um indicador de R$ 46,74/habitante/ano, são os menores desempenhos
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nessa categoria de análise. Ressalte-se que somente a primeira dessas recebeu mais de R$ 1,3
milhões, em 2013.
Considerações finais
O objetivo principal da presente pesquisa foi o de analisar a distribuição da
Compensação Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos (CFURH), recolhidos por
diversas concessionárias de produção de energia elétrica, em favor de municípios localizados
na região Nordeste, no ano de 2013.
Assumiu-se uma análise quantitativa descritiva, donde foram coletados dados relativos
ao montante da CFURH distribuídos aos municípios nordestinos, no ano de 2013, os seus
respectivos totais de receita corrente, da receita tributária, das transferências obrigatórias
recebidas, da despesa corrente, da despesa com pessoal e seus respectivos encargos e, por fim,
da população residente. Como ferramenta de análise foram utilizadas algumas medidas
estatísticas de natureza descritiva: média aritmética, desvio-padrão e coeficiente de variação.
Foi visto que a distribuição da CFURH é concentrada. Tanto no que se refere ao
conjunto de cidades atendidas – pois somente 54 localidades nordestinas têm direito a ela –
quanto internamente a esse conjunto, uma vez que apenas cinco municípios recebem mais da
metade dos recursos.
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Referências
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município. Agência Nacional de Energia Elétrica. Brasília (DF). 2007.
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informação de utilidade pública. Agência Nacional de Energia Elétrica. Brasília (DF). 2011.
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12 de Agosto de 2004. Disponível em:
www.ons.org.br/download/institucional/Estatuto_ONS.pdf. Acesso em: 03 de Junho de 2015.
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MILONE, G. Estatística geral e aplicada. Pioneira Thomson Learning. São Paulo (SP). 2004.
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D.C. (USA). 1991. Disponível em:
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Brazil.pdf. Acesso em: 03 de junho de 2015.
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Introdução
A ação política governamental deve pretender focar o desenvolvimento das sociedades
sobre as quais se responsabiliza. É de sua conta a promoção de ações e o alcance de metas que
permitam a esse mesmo agrupamento social a superação de sua materialidade, o que requer
algum grau de planejamento e o conhecimento claro e conciso das realidades que conformam
o comportamento dos agentes que servirão, ao mesmo tempo, como insumo e alvo dessas
mesmas ações de políticas públicas. Torna-se premente, então, entender quais os efeitos das
ações de políticas públicas sobre o nível de bem-estar das cidades constituintes da microrregião
de Aracaju, no estado de Sergipe, que vem a ser composta pelos municípios de Aracaju, Barra
dos Coqueiros, Nossa Senhora do Socorro e São Cristóvão.
A microrregião de Aracaju possui, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), nos resultados do Censo Demográfico 2010, uma população residente de
mais de 835 mil habitantes e, conforme a Secretaria do Tesouro Nacional, elas geriram juntas,
em 2013, uma execução orçamentária de quase R$ 1,7 bilhões. Em níveis per capita é possível
identificar que a despesa liquidada média dessas localidades foi de R$ 1.679,80. Contudo, há
um considerado nível de dispersão na distribuição espacial desses dados. Aracaju possui uma
despesa liquidada per capita de R$ 2,4 mil; Barra dos Coqueiros, de R$ 2,2 mil; Nossa Senhora
do Socorro, R$ 1,2 mil e São Cristóvão, com o mais baixo nível, R$ 1 mil.
A despeito das diferenças existentes – população residente, dotação orçamentária,
volume de gastos público e nível do produto – será que é possível afirmar que essas
municipalidades passaram por um processo de distanciamento nos seus perfis de
desenvolvimento municipal e de gestão fiscal? O presente trabalho, então, coadunando os
referenciais teóricos de três campos distintos do conhecimento – Administração Política,
Federalismo Fiscal e a Nova Gestão Pública – intenta dar resposta a esse questionamento. Mas
o seu escopo não encerra com a elaboração de uma simples resposta monotônica.
Também foi requerido que as impressões a serem levantadas não ficassem circunscritas
à subjetividade de percepções analíticas. Por isso foi demandado o uso de indicadores sintéticos
de desempenho e de uma ferramenta quantitativa para que a interpretação dos resultados fosse
feita em bases concretas. Sabendo-se que os municípios brasileiros possuem fontes rígidas de
financiamento (tributação própria e transferências legais), a abrangência das políticas públicas
dos demais entes federativos, bem como as sua atribuições constitucionais, o problema que
emerge desses itens é o de se saber até onde a ação governamental local permitiu uma
aproximação dos perfis de desenvolvimento e de gestão fiscal das quatro cidades constituintes
da microrregião de Aracaju, em Sergipe.
Considerando também que os gastos dos municípios per capita não são aproximados,
surge a necessidade de se inferir se a execução destes recursos estaria também repercutindo de
forma simétrica nos índices de desenvolvimento humano de cada município da região estudada.
A hipótese principal da pesquisa é a de que, entre 2006 e 2013, os indicadores de
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2. Referencial teórico
A pesquisa está calcada em três suportes teóricos: os preceitos da Nova gestão Púbica,
o estudo da Administração Política e os princípios do Federalismo Fiscal. A Administração
Política será utilizada para analisar os resultados da ação governamental ao nível do município
no que tange à implementação das políticas públicas nas áreas de educação, emprego e renda e
saúde, e a sua gestão fiscal. A Administração Pública fornecerá modelos de interpretação da
organização das formas de gestão da máquina governamental. O Federalismo Fiscal serve como
lupa de observação das atribuições e das fontes de financiamentos.
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A Nova Gestão Pública não deve ser encarada como um rompimento radical com o
modelo burocrático, uma vez que ela procura apenas coadunar o papel do Estado às modernas
necessidades sociais, trazendo para o léxico do serviço público conceitos como flexibilização
gerencial e controle de resultados (SANO, 2003).
Administração política
A Administração Política como disciplina acadêmica tem por objetivo elucidar a
contribuição da gestão no desenvolvimento econômico, social e ambiental sob os mais variados
cortes espaciais, ou mesmo conceituais, como a própria organização (SANTOS, 2010). O
raciocínio que estriba todo o arcabouço da Administração Política é a concepção de que a gestão
– ação de coordenação e controle com vista ao atingimento eficiente dos objetivos assumidos –
é o objeto da Administração Científica (SANTOS, 2009). Dessa forma, à Administração
Política caberia a compreensão das formas de gestão da sociedade.
Os estudos e as pesquisas no campo da Administração Política diagnosticam que existe
uma hipertrofia de base neoclássica e funcionalista na produção acadêmica da Administração
Científica e que essa necessita, também, se voltar para as mais sortidas formas de gestão das
relações sociais, independentemente do período histórico e do sistema de produção (SANTOS
et al., 2003). Assim, ao mesmo tempo em que ela questiona o funcionalismo das teorias
tradicionais de Administração Científica, ela pauta a sua interpretação da realidade pela
interação entre o Estado, a Sociedade e as Organizações (SUMYIA, SILVA e ARAÚJO, 2014).
Santos (2009) pontua que a simbiose entre essas entidades, ao ver da Administração
Política, se dá num sentido em que a Sociedade mostra-se capaz de definir o nível de bem-estar
ao qual deseja, o Estado manifesta politicamente essas preferências e as Organizações –
enquanto membros executores do Capitalismo – podem por em movimento suas ferramentas
para o alcance desses objetivos. Santos, Santana e Piau (2011) lembram que o sistema produtivo
não conseguiria atingir os seus objetivos sem um planejamento anterior, o que permite
determinar uma relação entre o modelo de gestão adotado (projeto de nação) com os resultados
obtidos (nível de bem-estar social). Resumidamente, é nesse modelo que repousa a finalidade
dos trabalhos da Administração Política.
Esses conceitos são importantes para a Administração Política. Isso porque – conforme
explicam Sumiya, Silva e Araújo (2014), ao analisarem a evolução dessa área do conhecimento
– é defendido pela própria Administração Política que as sociedades são construídas tendo
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Federalismo Fiscal
O Federalismo é a forma de organização do Estado nacional caracterizado pela
autonomia administrativa e política dos entes, bem como pela cooperação e reciprocidade entre
suas esferas constituintes da estrutura estatal. Como requisito, as federações possuem, a partir
do pacto político firmado, um arcabouço jurídico que delimitam e expressam as atribuições e
competências da União, estados e municípios, versando aquela sobre questões políticas, da
gestão pública, de tributação e finanças públicas.
A organização governamental federal rege-se por três bases, a saber, a alocação eficiente
de recursos através da descentralização de bens e serviços públicos; a participação política da
sociedade ao escolher os representantes desta nos espaços políticos e de governo e a proteção
das liberdades civis, pois a descentralização é pressuposto para o respeito ao exercício pleno da
cidadania. (BARBOSA et al., 1998).
A escolha por um sistema federativo tem como justificativa teórica a repartição de
funções a cada ente, com o objetivo de se encontrar um ponto perfeito ente demanda e oferta
de serviços e bens públicos. (OATES, 1999). Para Shah (1991), aliada à política de taxação, os
itens que determinam a divisão das despesas são características básicas de uma federação, sendo
esta última de maior importância. A descentralização foi a principal característica do sistema
constitucional tributário com a Carta Magna de 1988, em que se vislumbrou o aumento dos
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recursos destinados aos estados e municípios, como também foram ampliadas suas atribuições
e despesas (SOUZA, 1997).
Também como saldo surgem o fortalecimento da democracia e a participação nos
governos ao possibilitar maior capacidade de respostas e transparência nos atos desenvolvidos
pelos governos locais, e da mesma forma possibilitar uma maior correlação dos serviços e bens
ofertados com as demandas da população (TER-MINASSIAM, 1997). Com o advento da
Constituição de 1988, alcançou-se o maior avanço e consolidação do federalismo brasileiro, na
medida em que se incrementou a autonomia dos estados, municípios e do Distrito Federal e
celebrou acentuada descentralização dos recursos no capítulo destinado ao sistema tributário
nacional, conferindo expressamente as competências para a criação de impostos, taxas e
contribuições sociais e de melhorias (TRISTÃO, 2003.
Apesar de a Constituição brasileira ter inovado ao incluir o município como ente, surge
como crítica o fim da solidariedade do governo federal com as políticas locais e regionais
(SANTOS E RIBEIRO, 2004). Esta independência dos municípios em relação ao governo
central, considerada por alguns como relativa, com a promulgação da Constituinte de 1988,
vem aliada a formação de desequilíbrios verticais e horizontais na distribuição dos recursos
decorrentes dos tributos estabelecidos.
A reformulação fiscal brasileira a partir da Constituição de 1988 com o processo de
descentralização política, fiscal e tributária também sofre críticas pela ausência, concomitante,
de um processo de descentralização planejada dos encargos e obrigações dos governos sub-
nacionais. Para Souza (1997) o pacto federativo brasileiro busca acomodar os conflitos,
principalmente os de origem regional, em detrimento da busca por sua harmonização,
delimitando estas contradições à estrutura organizativa de seus entes.
De acordo com a Constituição de 1988, a competência dos entes federativos se divide
em dois parâmetros, o legislativo e o material, referindo-se este à atividade executiva estatal e
se orientam, as competências explícitas e implícitas, pelo interesse local. No tocante à
competência legislativa, cabe aos municípios a formulação de normas sobre matérias de
interesse local e suplementar as matérias de autoria federal e estadual, excluindo-se aquelas
privativas da União. Relativo às competências executivas dos municípios, a Constituição, Art.
30, as delimita em atribuições municipais exclusivas, as de competência comum e as referente
ao desenvolvimento urbano.
Tendo como origem a necessidade de diminuir as disparidades arrecadatórias em
contrapartida ao aumento de obrigações entre os entes federados, as transferências
intergovernamentais de recursos, estabelecidas constitucionalmente por lei ou mesmo por
decisão discricionária do governo repassador, visam compensar diferenças regionais de receitas
e alocação de recursos, podendo estas transferências serem condicionadas a determinado
objetivo apontado pelo concedente.
As transferências de recursos federais às unidades federativas podem assim serem
classificados: 1) as definidas constitucionalmente, de caráter obrigatório ou vinculante; 2)
voluntárias, realizadas através de convênios ou contratos de repasse; 3) transferências de gestão
tripartite (SUS e SUAS); 4) de transferência de renda e 5) as transferências que buscam
responder a situações de calamidade ou emergência (LOUZADA, 2012)
No Brasil os principais mecanismos de transferências são gerados a partir da
arrecadação de tributos que tem como fato gerador a renda (IRPF), o consumo (ICMS) e sobre
a prestação de serviços de transporte municipais e intermunicipais e de comunicações. O fluxo
destas transferências é vertical e sempre para baixo, ou seja, não há transferências dos
municípios para os estados ou a União, mas sim, da União para os municípios ou estados ou
destes aos municípios.
3. Métodos e materiais
458
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
Ainda de acordo com aquele banco de dados (Tabela 21), as cidades de Aracaju, Barra
dos Coqueiros, Nossa Senhora do Socorro e São Cristóvão possuem importante protagonismo
no cenário estadual, tendo em vista que elas correspondem por mais de 46% do produto interno
bruto. O período de análise está compreendido entre os anos de 2006 a 2013. O que justifica
este período escolhido do estudo decorre do fato de os indicadores terem sido inaugurados na
análise dos anos de 2006 e que a suas últimas edições publicadas se referem ao ano de 2013.
Os dados relativos ao desenvolvimento e à qualidade da gestão fiscal dos municípios
investigados serão obtidos junto aos relatórios IFDM (Índice Firjan de Desenvolvimento
Municipal) e IFGF (Índice Firjan de Gestão Fiscal) publicados pela Federação das Indústrias
do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN), entre os anos de 2006 e 2013.
O Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal – IFDM foi criado em 2008 para
monitorar anualmente o desenvolvimento socioeconômico brasileiro, fazendo um
acompanhamento dos 5.565 municípios brasileiros, abordando três áreas fundamentais ao
desenvolvimento humano, educação, saúde e emprego e renda. Sendo uma ferramenta de
accountability social e importante farol às políticas públicas locais e regionais. Estando em
constante atualização com a expectativa de capitar os novos desafios do desenvolvimento
brasileiro, levando em consideração a ampla revisão da literatura, a identificação de novas
variáveis e aplicação de testes estatísticos com vistas a confirmar as hipóteses teóricas e avaliar
a estrutura de pesos do índice.
As variáveis que compõem o cálculo do IFDM são: geração de emprego formal,
absorção da mão de obra local, geração de renda formal, salários médios do emprego formal,
desigualdade, matrícula em educação infantil, abandono no ensino fundamental, distorção idade
- série no ensino fundamental, média de horas aula diárias no ensino fundamental, docentes
com ensino superior no ensino fundamental, resultado do IDEB no ensino fundamental, número
de consultas pré-natal, óbitos por causas mal definidas, óbitos infantis por causas evitáveis e
internação sensível à atenção básica.
As dimensões e variáveis do IFDM são divididas em Emprego e Renda, Saúde e
Educação. A variável Emprego e Renda avalia a geração de emprego formal e a capacidade de
absorção da mão de obra local e acompanha a geração de renda e sua distribuição no mercado
459
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
Com relação à Base de Dado do IFGF índice é inteiramente construído com base nos
resultados fiscais declarados pelas próprias prefeituras, informações oficiais disponibilizadas
anualmente pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) por meio dos arquivos ‘Finanças do
Brasil’, conhecido como Finbra. São dados oficiais referentes a despesas, receitas, ativos e
passivos dos entes públicos brasileiros.
O período escolhido se deve ao fato de que somente nesse espaço de tempo foram
publicados relatórios de ambos os indicadores, o que permitiria uma interpretação mais segura
460
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
dos dados, sem a necessidade de se promover extrapolações dos resultados obtidos. Os dados
obtidos foram alvo de alguns tratamentos matemáticos a fim de que possam ser feitas as
considerações necessárias. A técnica a ser utilizada será a mensuração da Distância Euclidiana,
que é dada pela seguinte fórmula (FAVERO et al, 2009):
Onde:
A análise dos resultados obtidos será também objeto de estudo através de métodos e de
técnicas da estatística descritiva, que se refere à parte da estatística que coleta, critica, organiza,
resume e apresenta dados característicos e relativos aos atributos dos fenômenos estudados, tais
como média aritmética e desvio padrão. Nesse rol de ferramentas estão inclusos a média
aritmética, que é uma medida de posição, o desvio-padrão e o coeficiente de variação, que são
medidas de dispersão. Esses constructos tiveram por missão permitir a localização e a
comparação entre os resultados obtidos.
No presente caso, cada um dos dois indicadores (atributos) – IFDM e IFGF – serão
tratados como coordenadas dos municípios estudados, para cada um dos anos examinados. Dos
resultados obtidos serão definidos os níveis de similitude ou de diferenciação entre esses
mesmos entes federativos. Quanto maior a separação entre os pontos, ou seja, a magnitude da
Distância Euclidiana, menor será a semelhança entre os elementos investigados (os municípios
da microrregião de Aracaju) em cada um dos anos. De modo inverso, maior será o grau de
parecença.
Logo, caso os municípios estudados estejam convergindo no que tange ao seu
desenvolvimento e à qualidade da sua gestão fiscal, será esperado que a Distância Euclidiana
esteja reduzindo-se com o passar dos anos. Em ocorrendo o contrário, esse distanciamento
apresentará um viés de crescimento.
461
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
dos Coqueiros e Nossa Senhora do Socorro e, por fim, no terceiro agrupamento, com uma
Quadro 2 – Distâncias Euclidianas média dos conjuntos municipais IFDM x IFGF
Aracaju Barra dos Coqueiros N. Sra. Socorro São Cristóvão Mútua
2006 0,214 0,170 0,151 0,303 0,210
2007 0,238 0,231 0,223 0,334 0,256
2008 0,289 0,228 0,266 0,497 0,320
2009 0,256 0,220 0,224 0,321 0,255
2010 0,273 0,135 0,115 0,117 0,160
2011 0,295 0,151 0,134 0,172 0,188
2012 0,221 0,180 0,163 0,249 0,204
2013 0,174 0,128 0,145 0,134 0,145
Média 0,245 0,180 0,178 0,266 0,217
Fonte: elaboração dos autores
menor performance, a histórica São Cristóvão.
Aracaju, nos oito anos analisados, retornou uma média de 0,733, para o IFDM, e 0,668,
para o IFGF. Logo após, surge Nossa Senhora do Socorro com um par ordenado médio de 0,634
x 0,545, para a combinação IFDM x IFGF. A Barra do Coqueiros, obtém coordenadas médias
de (0,595; 0,529) e São Cristóvão, (0,636; 0,330).
Logo se vê o que distancia São Cristóvão das demais é a qualidade da sua gestão fiscal.
Mas o desempenho de Aracaju também não é constante. Se, entre 2006 e 2011, ensaia um
movimento de distanciamento dos perfis das três municipalidades, em 2013 obtém seu pior
resultado dentre os anos sob estudo. Em 2006, a distância média de Aracaju para os demais
municípios é de 0,186 pontos. Em 2013, é de 0,174.
Esse fenômeno pode explicar o processo de retomada de convergência dos indicadores
após o ano de 2008, ou seja, é por meio da trajetória da capital sergipana que os perfis de
desenvolvimento humano e de gestão fiscal da microrregião de Aracaju vão se tornar
semelhantes. Entretanto, a principal constatação foi a de que os municípios constituintes da
microrregião de Aracaju se tornaram mais parecidos no que concerne à relação entre
desenvolvimento e gestão fiscal, nos anos de 2006 a 2013, dado que a distância média entre
eles reduziu-se nesse mesmo período. Não custa relembrar que o trabalho, tomando como
coordenadas num espaço bidimensional o IFDM e o IFGF dos municípios aqui estudados,
0,6
0,4
0,2
2013
462
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
intentou calcular a distância euclidiana entre cada uma daquelas unidades federativas para os
anos que vão de 2006 a 2013.
Os cálculos promovidos no âmbito do presente artigo mostraram que, em 2006, a
distância euclidiana mútua entre as localidades aqui estudadas estava na média de 0,210. Sete
anos depois, essa mesma medida de tendência central encontrava-se num patamar inferior ao
inicial: 0,145. Contudo, tal trajetória não é linear. Houve momentos de retração alternados com
situações de expansão. Uma divisão temporal possível seria entre antes e de depois de 2008.
Isso porque, de 2006 até aquele ano, a distância mútua entre as municipalidades alcançou uma
marca nunca mais atingida (0,320).
Em suma, as trajetórias dos indicadores de desenvolvimento humano e de gestão fiscal
dos quatro municípios aqui estudados mostraram-se, desde o ano de 2008, estarem num
processo de convergência, de modo em que os seus valores estão se aproximando período após
período. Daí para frente, a única ocasião onde ocorreu algum tipo de aumento da disparidade
entre as referidas cidades – de 2010 a 2012 – em nada se comparava com o que foi detido pelos
três anos iniciais da série temporal coberta pela análise ora desenvolvida.
Para todo o espaço de tempo aqui estudado, a distância média entre os quatro municípios
foi de 0,217. Entretanto, de 2006 a 2008, essa medida chegou a 0,262 e no período seguinte –
2009 a 2013 – decaiu para 0,190. Ou seja, qualquer movimento de distanciamento entre as
localidades foi abortado após 2008. Por todos os oito anos, a cidade com maior grau de
disparidade para com as demais foi São Cristóvão – com uma distância média de 0,266 das
demais cidades – de perto acompanhada por Aracaju (distância média das outras unidades de
0,245). De modo análogo, Barra dos Coqueiros e Nossa Senhora do Socorro foram as de menor
distância média: respectivamente, 0,180 e 0,178.
Esboça-se, assim, um quadro no qual essas duas últimas localidades são elementos de
diminuição das distâncias médias e as outras duas são fatores de aumento desses valores.
Registrando que, entre 2006 e 2008, São Cristóvão era o agente dispersor da similaridade. A
partir de 2009 até 2012, esse papel cabe ao município de Aracaju. Em 2013, todos os quatro
apresentam números semelhantes, formatando um cenário de convergência dos seus respectivos
perfis.
Os números obtidos pela pesquisa não são suficientes para determinar se há algum tipo
de associação entre os indicadores para o conjunto dos municípios estudados. Mas a análise das
trajetórias dos dois indicadores mostra que, para o conjunto das quatro cidades, o IFDM é mais
estável do que o IFGF. O primeiro possui um caminho mais suave e em sentido crescente, ao
passo em que o segundo é mais volátil e instável. Isso pode ser observado quando se extrai o
coeficiente de variação (percentual que é dado pela divisão do desvio-padrão dos dados pela
463
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
sua própria média) dos indicadores. De modo agregado – unificando-se todos os resultados de
todos os municípios, em todos os anos – o coeficiente de variação do IFGF (29%) é mais que o
triplo do IFDM (9%).
Dos três índices que compõem o IFDM, somente o relativo ao Emprego e à Renda
apresenta uma leva tendência de queda entre o início e o fim da série temporal aqui estudada.
O de Educação é ascendente em todo esse período e o de Saúde somente não o é para o
município de São Cristóvão. No que tange ao IFGF, o mosaico é mais disforme. Há momentos
em que esse tende a aumentar, enquanto em outros o seu sentido é de queda. Aracaju mostrou-
se um pouco menos instável do que as outras localidades. Paradoxalmente, São Cristóvão vem
num passo de recuperação desse índice desde 2008. Nossa Senhora do Socorro fecha a série
com um valor menor do que iniciara.
Esse quadro pode refletir a situação dos municípios dentro do mosaico federativo
brasileiro. O IFGF é instável porque o formato da realidade fiscal das prefeituras é precário. As
únicas fontes de receitas próprias que elas possuem são os impostos Predial e Territorial
Urbano, o Territorial Rural e o Sobre Serviços, que são determinados pela capacidade de
pagamento dos munícipes e, também, pela possibilidade de cobrança do poder público local.
Não à toa os indicadores de liquidez e de volume de investimento municipal foram os
mais instáveis entre 2006 e 2013. Isso pode ser interpretado da seguinte forma: são as condições
existentes que vão definir a capacidade dos municípios da microrregião em agregar valor à
economia local. Por outro lado, o IFDM mantem-se menos instável do que o IFGF porque muito
dos seus componentes podem ser atendidos direta ou indiretamente por outros entes federativos,
sem se esquecer das despesas vinculadas – saúde e educação, por exemplo – que garantem uma
disponibilidade mínima desses serviços públicos.
Há de se considerar também um possível espraiamento da abrangência dos serviços
públicos ofertados em Aracaju para as outras três localidades. A integração do sistema de
transporte público reduz os custos de mobilidade entre as cidades satélites e a capital do Estado.
Com isso, os serviços públicos monitorados pelo IFDM conseguem manter um padrão de
comportamento durante todo o período investigado. Já o IFGF, fortemente influenciado pela
capacidade orçamentária e gerencial do poder municipal é mais errático. Principalmente nos
momentos de retração econômica.
Outra constatação a ser feita sobre a combinação dos dois indicadores é a de que os dois
indicadores, no âmbito das quatro unidades municipais, sem que haja a determinação da ordem
de causação, parecem possuir uma relação direta: quanto maior for um deles, maior será o outro
índice. Essa percepção é mais forte quando se retira a cidade de São Cristóvão da análise. Isso
porque, ainda que detenha um IFDM similar ao da Barra dos Coqueiros ou de Nossa Senhora
do Socorro, a qualidade da gestão fiscal daquela cidade é tão distoante das demais que ela acaba
afastando-se dessa tendência. Esse evento ficou mais visível nos anos de 2007, 2009, 2012 e
2013.
Há de se aceitar que uma melhor e mais eficiente gestão fiscal desemboque numa melhor
qualidade de oferta de serviços públicos o que melhora o desenvolvimento humano da
localidade. De modo semelhante um maior desenvolvimento dará condições de o poder público
ter meios mais eficientes de planejar a sua atuação.
464
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
IFGF
N Sra
IFGF
NS
B
Coqueiros
0,000
0,000 0,200 0,400 0,600 0,800 1,000 0,000 0,200 0,400 0,600 0,800 1,000
IFDM IFDM
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5. Considerações finais
Conforme já antecipado, o objetivo principal da presente pesquisa foi o de analisar a
trajetória dos indicadores de desenvolvimento humano, representado pelo IFDM, e o de
qualidade da gestão fiscal, dada pelo IFGF, dos municípios componentes da microrregião de
Aracaju, entre os anos 2006 e 2013. A ferramenta de análise foi a Distância Euclidiana, de
modo que os menores resultados apontariam para uma maior similaridade entre os elementos
sob exame, ao mesmo tempo em que os maiores sugeririam uma maior diferenciação entre eles.
Foi visto que, depois de um período de distanciamento entre os perfis de desenvolvimento
humano e de qualidade de gestão fiscal da cidade de Aracaju, em relação aos demais
municípios componentes da sua microrregião, essas unidades voltaram a ter perfis
aproximados. Identificou-se que eles poderiam ser agrupados em três conjuntos distintos, uma
vez que a Barra dos Coqueiros e Nossa Senhora do Socorro possuem indicadores mais
similares, Aracaju distancia-se por deter melhores notas em ambos os índices e São Cristóvão
ser detentor de uma gestão fiscal de mais baixa qualidade que as demais unidades.
Muito dessa aproximação pode ter sido determinada pela redução da qualidade da gestão
fiscal, uma vez que os índices de desenvolvimento humano daqueles territórios mostraram-se
pouco instáveis no período estudado. Desse último, apenas o indicador de Emprego e Renda
apresentou queda entre 2006 e 2013. A gestão fiscal mostrou-se bastante instável. Todos os
seus indicadores componentes oscilaram no período pesquisado. Principalmente os que se
referenciavam na situação de liquidez e no volume de investimento realizado pelo poder público
local, sugerindo que essas duas rubricas são mais expostas às mudanças do ambiente fiscal e
orçamentário de curto prazo do que determinadas pelo planejamento de longo prazo.
Foi visto que é possível uma relação causal entre ambos os índices. Mas não procurou-
se identificar a qual dos dois pode ser atribuído o papel de determinante e o de determinado.
Tal proposição pode ser a base de uma expansão do estudo ora detalhado, de modo que se
explique tal relacionamento. Como outra sugestão pode ser indicado tentar descobrir quais dos
indicadores componentes possui mais eminência na determinação dos dois índices – IFDM e
IFGF – esforço que complementaria e, ao mesmo tempo, expandiria o alcance de algumas
constatações aqui extraídas.
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
Quadro 3 – Matrizes de Distância Euclidiana entre os municípios da microrregião de Aracaju - IFDM x IFGF – 2006 a 2013
2006 2007
BARRA DOS SÃO N SRA DO BARRA DOS SÃO N SRA DO
ARACAJU ARACAJU
COQUEIROS CRISTÓVÃO SOCORRO COQUEIROS CRISTÓVÃO SOCORRO
ARACAJU 0,000 ARACAJ 0,000
BARRA DOS BARRAU DOS
0,172 0,000 0,254 0,000
COQUEIROS COQUEIROS
SÃO SÃO
0,345 0,286 0,000 0,390 0,226 0,000
CRISTÓVÃO CRISTÓVÃO
N SRA DO N SRA DO
0,124 0,053 0,278 0,000 0,071 0,213 0,385 0,000
SOCORRO SOCORRO
2008 2009
BARRA DOS SÃO N SRA DO BARRA DOS SÃO N SRA DO
ARACAJU ARACAJU
COQUEIROS CRISTÓVÃO SOCORRO COQUEIROS CRISTÓVÃO SOCORRO
ARACAJU 0,000 ARACAJ 0,000
BARRA DOS BARRAU DOS
0,151 0,000 0,269 0,000
COQUEIROS COQUEIROS
SÃO SÃO
0,531 0,440 0,000 0,408 0,182 0,000
CRISTÓVÃO CRISTÓVÃO
N SRA DO N SRA DO
0,184 0,094 0,520 0,000 0,209 0,372 0,000
SOCORRO SOCORRO 0,090
2010 2011
BARRA DOS SÃO N SRA DO BARRA DOS SÃO N SRA DO
ARACAJU ARACAJU
COQUEIROS CRISTÓVÃO SOCORRO COQUEIROS CRISTÓVÃO SOCORRO
ARACAJU 0,000 ARACAJ 0,000
BARRA DOS BARRAU DOS
0,280 0,000 0,282 0,000
COQUEIROS COQUEIROS
SÃO SÃO
0,276 0,059 0,000 0,335 0,109 0,000
CRISTÓVÃO CRISTÓVÃO
N SRA DO N SRA DO
0,262 0,067 0,016 0,000 0,267 0,064 0,072 0,000
SOCORRO SOCORRO
2012 2013
BARRA DOS SÃO N SRA DO BARRA DOS SÃO N SRA DO
ARACAJU ARACAJU
COQUEIROS CRISTÓVÃO SOCORRO COQUEIROS CRISTÓVÃO SOCORRO
ARACAJU 0,000 ARACAJ 0,000
BARRA DOS BARRAU DOS
0,116 0,000 0,151 0,000
COQUEIROS COQUEIROS
SÃO SÃO
0,340 0,275 0,000 0,531 0,440 0,000
CRISTÓVÃO CRISTÓVÃO 467
N SRA DO N SRA DO
0,207 0,150 0,133 0,000 0,184 0,094 0,520 0,000
SOCORRO SOCORRO
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
6. Referências
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470
Administração Política e Questões Sociais
471
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
Resumo:
A qualidade de vida no trabalho está diretamente relacionada, dentre muitas variáveis, às
condições de trabalho a que o trabalhador está constantemente exposto. O presente estudo tem
como principal objetivo analisar as condições de trabalho oferecidas aos docentes das unidades
escolares estaduais do município de Poções, Bahia, na realização de suas tarefas contando para
discussão com autores como Soratto e Olivier-Heckler (1999); Sampaio, Rocha e Sampaio
(2011). A presente pesquisa buscou estudar e compreender os fatos por meio do estudo de caso,
no qual fez-se o censo da população estudada, os professores efetivos das três escolas estaduais
do município citado. Os resultados da pesquisa demonstram níveis satisfatórios para alguns
parâmetros: local de trabalho, investimento na carreira e satisfação e motivação elevados.
Contudo, ressalvou-se fatores que sinalizam cuidado: dificuldade na realização tarefa,
elementos estruturais, tempo para a vida pessoal, excesso de trabalho, jornada de trabalho
exaustiva, dentre outros. No que se remete à saúde, a mesma encontra-se comprometida pelo
exercício da docência, sendo relatados pelos mesmos, principalmente, os seguintes sintomas e
doenças ocupacionais: ansiedade, problemas digestivos, distúrbios do sono, cansaço físico e
mental, síndrome de Burnout e patologias das cordas vocais.
Summary:
The quality of working life is directly related, among many variables, working conditions to
which the worker is constantly exposed. This study aims to analyze the working conditions
offered to teachers of the state school units Potions municipality, Bahia, in carrying out their
duties relying discussion with authors like Soratto and Olivier-Heckler (1999); Sampaio, Rocha
and Sampaio (2011). This research aimed to study and understand the facts through the case
study, which made the census of the population studied, effective teachers of the three state
schools in the municipality in question. The survey results demonstrate satisfactory levels for
some parameters: the workplace, investment in high and career satisfaction and motivation.
However, it cautioned to factors that signal caution: difficulty in performing the task, structural
elements, time for personal life, overwork, exhausting working hours, among others. As refers
to health, teachers say this is compromised by the practice of teaching, being reported by them,
mainly, the following symptoms and illnesses: anxiety, digestive problems, sleep disorders,
physical and mental fatigue syndrome Burnout and pathologies of the vocal cords.
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Introdução
As inúmeras transformações verificadas nos últimos anos, sejam de ordem econômica, política
e sobretudo social, trouxeram consigo alterações em várias instâncias, quiçá não dizer que as
mesmas adentraram com intensidade no ambiente de trabalho. A sobrecarga de trabalho,
relações de competitividade e poder, mais exigências, a busca por mais e melhores resultados,
novas competências, dificuldades e barreiras na realização de tarefas, más condições de trabalho
e falta de suporte institucional, tem sido as principais causas para insatisfação e,
consequentemente, razão para o aparecimento e desenvolvimento das doenças relacionadas ao
trabalho.
Percebe-se então, que o trabalho pode se transformar em um elemento desencadeador do
adoecimento tanto físico como psíquico. Sendo os educadores uma das classes trabalhadoras
que mais correm risco de sofrerem com tais problemas, haja vista as más condições de trabalho
em que a maioria está exposta, fatores como o desgaste físico e psicológico, a má remuneração
e a falta de ações governamentais e da gestão escolar são fundamentos precípuos para uma
inclinação reflexiva na situação de saúde dos profissionais de educação.
Além disso, a prática docente abarca cada vez mais funções e tarefas, e como salientam Costa
e Germano (2005), muitas atividades inerentes ao ensino são realizadas no período extraclasse,
em casa, em seu horário de descanso. E são essas horas extraordinárias e pouco remuneradas e
reconhecidas que tem efeitos particularmente nocivos sobre as condições de trabalho e de saúde
dos educadores, uma vez acentua ainda mais as condições já estressantes presentes no trabalho.
De modo que, para atender aos objetivos da produção escolar há uma mobilização das
capacidades físicas, cognitivas e afetivas de forma mais intensa, o que gera sobre-esforço, que
consequentemente, pode evoluir para manifestações clínicas diversas que tem levado ao
afastamento temporário ou permanente destes profissionais.
Esta pesquisa, realizada em três escolas estaduais (definidas como Escola A, B e C) da cidade
de Poções, Bahia, se propôs analisar quais as condições de trabalho que geram sobre-esforço
do corpo docente dessas instituições para realização de suas tarefas, relatando como são as
condições de trabalho e quais os principais fatores que têm contribuído para seu afastamento e
estresse, os possíveis sintomas e patologias que desenvolveram e que estão direta ou
indiretamente relacionados à sua profissão.
O estudo torna-se importante no sentido de contribuir de maneira positiva para ações de
prevenção e diagnóstico, por parte dos gestores escolares, dos riscos ocupacionais existentes
nas escolas estudadas, os efeitos negativos a saúde destes profissionais, bem como para que as
políticas públicas possam conhecer com relevância os principais problemas enfrentados pelos
mesmos na realização de seu trabalho e que prejudicam a sua saúde física e mental e, por
conseguinte, para diminuir os impactos negativos no processo de aprendizagem dos alunos e
nos custos financeiros ocasionados pelo absenteísmo, afastamento de regência, atestados e
licenças médicas.
O trabalho docente
Para Webber e Vergani (2010: 8807), “os professores fazem parte de uma classe diferenciada
de trabalhadores”. Já que independente das condições de trabalho a que estão submetidos, estes
carregam em sua profissão um grau de responsabilidade muito elevado, sendo neles depositados
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a tarefa de preparação do futuro de crianças, adolescentes e adultos, além de serem visto como
mediadores entre o conhecimento e o aprendiz (SORATTO; OLIVIER-HECKLER, 1999).
Assim, “as transformações sociais, as reformas educacionais e os modelos pedagógicos
derivados das condições de trabalho dos professores provocaram mudanças na profissão
docente” (GASPARINI; BARRETO; ASSUNÇÃO, 2005: 191), corroborando para que esta
profissão assumisse um papel cada vez mais importante na sociedade e concomitantemente,
devido à falta de condições dignas de trabalho, contribuíssem para a incidência cada vez maior
de adoecimento em seu meio.
Outro fator agravante, citado por Gasparini, Barreto e Assunção (2005), é que o sistema escolar
vigente acaba abarcando ao profissional a responsabilidade de cobrir as falhas comumente
existentes em muitas escolas, que por sua vez não possuem políticas adequadas a prevenção do
afastamento e melhora da qualidade de vida destes profissionais.
Salários baixos; condições precárias; falta de flexibilidade na administração de
recursos; pouca perspectiva de progressão na carreira; trabalho importante, exigente e
sem reconhecimento no mesmo nível. Visto desta forma, em termos organizacionais,
tudo o que a escola fornece ao trabalhador a coloca como uma das piores organizações
para se trabalhar (SORATTO; OLIVIER-HECKLER, 1999: 97).
Diante disso, infere-se que a docência, uma profissão, há algumas décadas respeitada e
valorizada, foi perdendo seu reconhecimento. Se por um lado houve reformas educacionais
exigindo cada vez mais dos professores, com uma maior exposição dos mesmos a fatores de
risco, por outro, não houve uma preocupação no mesmo nível, em como os desgastes inerentes
ao exercício da docência podem contribuir para o adoecimento de seus profissionais, o que
implica na predominância de afastamentos, absenteísmo e readaptações em virtude de
patologias clínicas diversas.
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Burnout já se tornou uma verdadeira epidemia na área da educação, declara Webber e Vergani
(2010), justamente por levar, em casos extremos, a desmotivação total pelo ensino, além do
absenteísmo e desejo de abandonar de vez a profissão.
É pertinente também, abordar o estresse, caracterizado como doença endêmica da atualidade,
que acomete vários trabalhadores de diversas ocupações, principalmente aqueles que têm uma
relação afetiva mais intensa ao exercê-lo.
O prolongamento do estado de estresse pode resultar em consequências muito danosas ao corpo
humano, de forma que se o mesmo não consegue lidar com tensão emocional excessiva, tanto
o corpo como a mente dão sinais de alerta, que vão desde falhas na memória, sonolência
excessiva a estágios de apatia e desinteresse pelas coisas que antes proporcionavam satisfação,
o profissional passa a sentir ainda mais exaurido, sem energia, depressivo, com crises de
ansiedade e desânimo, com dificuldade de se concentrar e trabalhar, podendo em casos
extremos, desenvolver úlceras, hipertensão e crises de pânico (LIPP, 2000).
Um dos desgastes mais comum e inerente à profissão do professor, sem dúvida é o da voz, seu
instrumento de trabalho. Os distúrbios de voz, segundo Webler e Ristow (2006), fazem parte
do cotidiano destes profissionais, isso em razão das condições de trabalho a que são submetidos,
como ministrar aula em salas lotadas e sem auxílio de microfone, competindo com o barulho
da rua, dos ventiladores e da conversa dos alunos.
Para Webler e Ristow (2006), a carreira docente também sofre outros desgastes que podem
comprometê-la seriamente, como problemas de postura corporal, bexiga, problemas digestivos,
cansaço físico e mental e má alimentação, que podem ocasionar queda no sistema imunológico
e se agravar causando outras doenças crônicas.
O pouco tempo para se dedicar a vida familiar e a atividades de lazer, as exigências e tensões
presentes na vida em sociedade, responsabilidades ocupacionais, longa jornada de trabalho,
indisciplina em sala de aula, agressões verbais, entre outros fatores tem acarretado sofrimento,
sobrecarga, insegurança e insatisfação para muitos professores, sendo que tais agravantes são
determinantes de doenças (WEBLER; RISTOW, 2006).
Metodologia
Caracterização da pesquisa
A análise, quanto aos fins da pesquisa, fez a combinação da pesquisa exploratória e descritiva,
pois houve uma preocupação em descrever as características do fenômeno estudado, visando o
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40 horas 20 horas
Menos de 7 horas diárias 2%
5%
Entre 9 e 10 horas diárias 6% 14%
A partir desses dados é perceptível o que Soratto e Olivier-Heckler (1999) afirmaram, segundo
eles o trabalho do professor continua para além da sala de aula, provas devem ser corrigidas,
aulas devem ser preparadas e planejadas, enfim muitas tarefas executadas por estes
profissionais continuam após seu período de aula. A jornada de trabalho é intensa e extensa,
como afirmam Costa e Germano (2005), e estes trocam seu horário de descanso para realizar
atividades inerentes ao trabalho, o que tem efeitos negativos nas condições de trabalho e na
saúde dos mesmos.
Tabela 1 – Turnos de trabalho dos professores
Turnos Quantidade %
Matutino, vespertino e noturno 14 22
Matutino e vespertino 17 26
Matutino e noturno 5 8
Vespertino e noturno 15 23
Matutino 8 12
Vespertino 2 3
Fonte: Pesquisa Noturno 4 6 de campo, 2014.
Total 65 100
Constatou-se que 57%
participantes da pesquisa lecionam em dois turnos, matutino e vespertino, vespertino e noturno,
com 26% e 23%, respectivamente. De modo que, a falta de tempo disponível para estes
profissionais é evidente. Se a grande maioria trabalha por quase oito horas, entende-se que resta
apenas um período do dia para que estes se dediquem a outras atividades relacionadas a sua
vida pessoal, como família, descanso, entre outras.
Destarte, ainda se referindo a forma exaustiva do trabalho destes profissionais, quanto a
exigência e a diversidade de tarefas ditadas aos mesmos, os dados também se mostraram
críticos. Dos respondentes, 63% deles disseram que levam trabalho para realizarem em casa
frequentemente e 28% quase sempre.
Gráfico 2 - Professores que levam trabalho para realizar em casa
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6% 3%
Frequentemente
28% Quase sempre
63% As vezes
Raramente
Nunca
5%
9%
18%
28% Sempre
Quase sempre
As vezes
40% Raramente
Nunca
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Para Webler e Ristow (2006) o tempo livre dos professores está atrelado ao capital e as
possibilidades de libertação é quase inviável, de forma que as grandes exigências da profissão
lhes deixa pouco tempo para a vida familiar e o lazer.
Em relação ao ambiente de trabalho, os respondentes afirmaram que todos os quesitos, os
referentes a higiene, organização, ruído, mobiliário, ventilação e salas de aula, no geral estavam
adequados ao desenvolvimento do seu trabalho.
Gráfico 5 - Ambiente de trabalho
Inadequado % Adequado %
Higiene 17
83
Organização 26
74
Ruído 38
62
Mobiliário 45
55
46
54
Ventilação 45
55
Salas de aula (tamanho, acústica e… 28
72
0 50 100
Fonte: Pesquisa de campo, 2014.
Porém, ao se observar o Gráfico 5, percebe-se que a diferença entre o percentual dos
entrevistados que julgaram adequado e inadequado alguns destes quesitos é pequena se
considerada o universo estudado (65 professores). Logo, uma parcela considerável classifica
como inadequado a ventilação, a iluminação e o mobiliário do seu ambiente de trabalho.
Essas inadequações do ambiente laboral, segundo Webler e Ristow (2006), prejudicam de
forma intensa a saúde particular do professor; se a ventilação não é apropriada nas salas de aula
lotadas, pouco ar circula e se o mobiliário não é ergonomicamente adequado, dificulta-se o
sentar, por exemplo. De modo que surgem os problemas na voz, de postura corporal, esforço
repetitivos, desgaste muscular, entre outros.
Quando questionados sobre técnicas de proteção e segurança do trabalho, 49% dos professores
disseram nunca serem utilizadas nas escolas as quais lecionam. Desse modo, entende-se que as
escolas A, B e C não desenvolvem com regularidade ações que visem melhorar e manter a
segurança e proteção destes profissionais, como adequar o mobiliário e ferramentas de trabalho
a função, manter condições ambientais de trabalho apropriados, entre outras ações e técnicas,
como incentivo a cuidados preventivos com a postura física e a voz.
Gráfico 6 - Técnicas de proteção e segurança do trabalho
9% 11%
Sempre
49%
16% Quase sempre
As vezes
15%
Eventualmente
Nunca
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Para Webber e Vergani (2010), os agentes físicos, como ruídos, vibrações, iluminação,
temperatura, e os agentes ergonômicos, como movimentos repetitivos, levantamento e
transporte manual de peso, trabalho em pé por um período longo, postura inadequada, são os
compõem os chamados riscos ambientais, que podem causar danos à saúde do trabalhador.
Quando questionados acerca da sua qualidade de vida no trabalho, os professores disseram ser
razoável e boa, 42% e 38% deles, respectivamente. Diante disso e dos dados já apresentados
em relação às condições ambientais, físicas e psicológicas do ambiente no qual os professores
exercem suas funções, pode-se perceber aspectos negativos e positivos acerca dos mesmos e
que podem estar direta ou indiretamente ligados ao nível de QVT defendida.
Gráfico 7 - Qualidade de vida no trabalho
11% 1% 8%
Péssima
Ruim
38% Razoavel
42% Boa
Otima
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Hipertensão arterial 5
Tonturas 5
Faringite crônica 1
Dor nos braços 1
Falta de ar 1
Amigdalite 1
Tabela 2: Diagnósticos médicos apresentados pelos professores
(continuação)
Arritmia 1
Problemas de pele 1
Asma 1
Fonte: Pesquisa de campo, 2014.
Assim, o cansaço físico e mental é o principal agravo a saúde identificado pelos professores das
escolas estaduais de Poções. Isso, segundo Andrade (2010) pode estar associado a sobrecarga
gerada por exaustivas horas de trabalho apresentadas entre estes profissionais, sendo também,
em alguns casos, um dos componentes da Síndrome de Burnout e de níveis elevado de estresse.
Outros danos à saúde identificados foram ansiedade, dores de cabeça, dor nas pernas,
esquecimento, problemas digestivos, distúrbios do sono, indisposição que estão relacionados a
ritmos de trabalho acelerado, posição inadequadas ou incomoda ao corpo, longos períodos de
concentração numa mesma tarefa, má alimentação, níveis elevados de estresse prolongados por
vários dias (GASPARINI; BARRETO; ASSUNÇÃO, 2005).
Houve também relatos de doenças ocupacionais como LER/DORT, depressão, síndrome da
exaustão, a Burnout e patologias das cordas vocais. O que segundo Webler e Ristow (2006) é
uma resposta aos movimentos repetitivos de escrever e apagar o quadro, por exemplo, longos
períodos em pé, assentos nada ergonômicos, livros e materiais pesados carregados diariamente,
estresse em fase crônica, e sofrimento que são inerentes às condições de trabalho e a própria
profissão.
Considerações finais
Considerada como penosa por muitos estudiosos da área, a profissão docente é a segunda
categoria profissional mundialmente reconhecida como propensa a acarretar doenças de caráter
ocupacional, segundo dados da OIT. Isso acontece, apontam os especialistas, devido aos níveis
de desgaste físico e psicológico a que estes profissionais estão comumente submetidos na
realização de suas tarefas no ambiente de trabalho, bem como pela hiper-solicitação de suas
capacidades cognitivas para garantir o processo educacional.
Assim, condições de trabalho pouco satisfatórias e os níveis de exigências além do que o
professor pode suportar, têm sido apontados como os principais causadores de adoecimento
físico e/ou mental, que consequentemente são os geradores de afastamento de muitos destes
profissionais de suas atividades.
Um dos pontos negativos encontrados na pesquisa é relacionado às técnicas de proteção e
segurança no trabalho, que dificilmente ou quase nunca são utilizadas pelas escolas, o que
influem no cotidiano de trabalho dos professores, já que estes ficam a mercê de um ambiente
de trabalho inseguro, sem técnicas que os incentivem ou garantam uma boa ergonomia no
ambiente em exercem suas atividades, ou cuidado periódicos com fatores que podem afetar sua
saúde, como o uso da voz, instrumento de trabalho dos professores, por exemplo.
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484
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
Raphaela Reis
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Silvio Cario
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
RESUMO
Os relatórios do Banco Mundial, nos anos 90, passaram a propor ações para adaptação dos
Estados nacionais à reconfiguração neoliberal do sistema capitalista. A minimização do
Estado e a readequação de suas funções seria possível, de acordo com os organismos
internacionais, por meio de um conjunto de reformas. Essas reformas também exigiam uma
postura mais ativa dos Estados em relação as políticas sociais, reduzidas, no discurso do
Banco Mundial, às políticas de combate à pobreza. Compreendendo que o conceito de
pobreza que sustenta os relatórios de Banco Mundial parte de ascepções neoliberais que
contribuem para o acirramento das desigualdades sociais, bem como dependência
internacional, a partir do arcabouço teórico metodológico da Análise Crítica do Discurso,
procuramos nesse trabalho analisar de que forma a construção do conceito de pobreza nos
relatórios de 1990 e 2000-2001 do Banco Mundial, dissimula relações desiguais engendradas
no desenvolvimento dependente dos países da América Latina.
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1 INTRODUÇÃO
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Como divulga o próprio BM, seus dois grandes objetivos para o milênio são acabar
com a pobreza e promover maior equidade social ao redor do mundo (BANCO MUNDIAL,
2015). O entendimento acerca da equidade social, assume o tratamento de diferentes enquanto
diferentes, para, desse modo, adaptar as regras caso a caso, na busca efetiva por maior justiça
e igualdade (AZEVEDO E BURLANDY, 2010). Ao passo que a pobreza, definida nos
relatórios do Banco Mundial, deve ser compreendida para além da baixa renda, incluindo
indicadores em educação, saúde, nutrição, entre outras áreas do desenvolvimento humano.
Assim a pobreza pode ser compreendida como incapacidade de atingir um padrão mínimo de
vida (BANCO MUNDIAL apud AZEVEDO E BURLANDY, 2010). Os termos
“incapacidade” e “padrão mínimo de vida”, que consolidam esse conceito de pobreza,
abarcam uma série de pressupostos e contradições inerentes à ideologia neoliberal.
Os princípios balizadores dessa ideologia partem da premissa de que o
desenvolvimento está restrito aos limites econômicos, se transfigurando em diferentes
denominações, entre elas, desenvolvimento mundial, pelo Banco Mundial e desenvolvimento
como liberdade, para Amartya Sen (CAMARA, 2014).
Para essa vertente, a pobreza deve ser superada por meio da ampliação dos direitos
sociais que garantem o desenvolvimento das capacidades por parte dos indivíduos e o
atingimento dos padrões mínimos de vida, estabelecidos por meio de padrões de consumo,
necessários inclusive para alimentar a dinâmica mercantil (AZEVEDO E BURLANDY,
2010). Nesse sentido, essas ações possibilitariam acabar com a vulnerabilidade em que vivem
os pobres, dando sustentação ao mercado e possibilitando a governabilidade neoliberal
(CAMARA, 2014).
A centralidade desse conceito de pobreza, nos relatórios e documentos do Banco
Mundial, fomentou o debate acadêmico acerca dos conceitos correlatos, de forma a
compreender se estamos realmente à caminho do combate efetivo do problema ou apenas
desenvolvendo um conjunto de estratégias pontuais e emergenciais de alívio à pobreza, sem a
responsabilização com a mudança a longo prazo (AZEVEDO E BURLANDY, 2010).
Desde os anos de 1950, o tema da pobreza tem longa trajetória de pesquisa nas
Ciências Sociais na América Latina. Cumpre ressaltar que não podemos afirmar que a
marginalidade e pobreza sejam simples consequências ou então constructos do
neoliberalismo. Esses fenômenos são parte indissociável do modo de produção capitalista e
tipo de capitalismo dependente que se desenvolveu na região e outros países também
dependentes (UGÁ, 2004).
A América Latina facilitou o crescimento quantitativo e acumulação dos países
centrais e contribuiu para que o eixo de acumulação na economia industrial se deslocasse para
o aumento da capacidade produtiva do trabalho e não simplesmente a exploração do
trabalhador. No entanto, o desenvolvimento da produção latino-americana, que permitiu a
região coadjuvar com essa mudança qualitativa nos países centrais, se deu fundamentalmente
com a base da maior exploração do trabalhador, o que acarretou em uma piora nas condições
gerais de vida da população. E é nessa contradição que reside o caráter da dependência latino-
americana e da pobreza existente nesse continente (MARINI, 2000).
Como Lemos (2011) assinala, ainda que o sistema capitalista tenha contribuído para a
evolução da comunicação, do comércio e dos processos de acumulação capitalista, bem como
na disseminação de direitos humanos e no aumento da expectativa de vida nos países
dependentes, sua face perversa se revelou na deploração dos recursos naturais não renováveis,
na deterioração do meio ambiente e principalmente no agravamento de problemas sociais
como a pobreza, violação de liberdades políticas e individuais (LEMOS, 2011).
Essas dificuldades são oriundas do fato de que a economia latino-americana
apresentou especificidades em relação do modo de produção capitalista dos países centrais,
em alguns casos peculiaridades, em outros insuficiências e deformações, no comparativo à
487
VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
este modelo. Ainda que se trate realmente do desenvolvimento insuficiente das relações
capitalistas, os países latino-americanos não poderão jamais se desenvolver da mesma forma
que as economias capitalistas denominadas avançadas (MARINI, 2000).
Esse panorama nos leva ao seguinte questionamento - seria possível a “façanha” de se
erradicar e pobreza e buscar equidade dentro dos termos do desenvolvimento neoliberal?
Como resposta a esta questão, a abordagem marxista, em contraposição a concepção
neoliberal, compreende que a pobreza é parte inexorável do modo de produção e acumulação
capitalista e não apenas uma consequência do desenvolvimento “destorcido” dos países em
desenvolvimento. Partindo dessa compreensão, as estratégias delimitadas pelo Banco Mundial
se reduziram à amenização da precariedade em que vivem os pobres, decorrentes da
superexploração do trabalho humano, principalmente nos países em desenvolvimento
(CAMARA, 2014). Desse modo, o objetivo de combate à pobreza, juntamente com a busca
pela equidade social, seria uma contradição em termos dentro do horizonte neoliberal.
Os Programas de Combate à Pobreza na América Latina lograram aliviar os sintomas
da pobreza, tirando vários indivíduos da linha de miséria. Entretanto não alteraram as relações
de poder e status na sociedade capitalista (UGÁ, 2004; AZEVEDO E BURLANDY, 2010).
Isso acarretou na transfiguração do povo em uma massa de indivíduos dependentes das ações
benevolentes do Estado e mercado, sem capacidade para se insurgir contra a dinâmica de
acumulação capitalista (CAMARA, 2014).
Veblen (apud Conceição, 2002) apresenta uma reflexão importante a esse respeito - a
questão da pobreza envolve termos para além do econômico, e que estão relacionados
principalmente as relações de poder. A erradicação da pobreza só pode ocorrer por meio da
“desinstitucionalização” da mesma, passando assim pela reestruturação das relações de poder
e modificação do status da população denominada “pobre”. Não se trata, desse modo, de
tornar os mais pobres mais produtivos e incorporá-los a um nível de renda mais elevado. Os
pobres devem deixar de ser objetos de caridade para passar a reivindicar seus direitos. A
erradicação da pobreza e a busca pela equidade são questões eminentemente políticas e não
puramente econômicas (CONCEIÇÃO, 2002).
Bresser – Pereira (2009) destaca que os países em desenvolvimento só conseguirão
ser competitivos, em comparação com os países ricos, na medida em que estejam aptos a
rejeitar a associação com o poder hegemônico e consigam desenvolver políticas e reformas
institucionais compatíveis com os interesses nacionais dos países e não aquelas apregoadas
pelos organismos internacionais.
Nessa direção, Ugá (2004) faz um alerta importante, o conceito de pobreza passou a
ser elemento-chave de uma ordem social implícita nos relatórios do Banco Mundial e na nova
configuração hegemônica dos anos 90. As políticas de combate à pobreza, defendidas pelos
organismos internacionais, legitimam essa visão de mundo.
A partir desse panorama, acreditamos que a presença de Programas de Combate à
Pobreza na América Latina, definidos a partir dos “receituários” do Banco Mundial, não são
suficientes para afirmar que existe uma estratégia política efetiva de superação desse mal,
integrando intervenções com objetivos mais amplos. É importante ressaltar que reconhecemos
os avanços em termos de melhoria nas condições de vida de populações miseráveis em países
da América Latina. Afinal, mais de 56 milhões de pessoas saíram da pobreza extrema na
América Latina entre 2000 e 2012, com auxílio das Políticas de Combate à Pobreza.
Entretanto, em relação a diminuição das desigualdades sociais e busca pela efetiva equidade,
pouco se avançou nesse continente (AZEVEDO E BURLANDY, 2010).
Dito isso, compreendemos que a questão de pobreza envolve elementos e questões
muito mais profundas do que a incapacidade do ser humano, mas sim as próprias relações
desiguais inerentes ao acúmulo de capital. Acreditamos que o conceito de pobreza difundido
pelo Banco Mundial engendra crenças e pressupostos que impossibilitam pensar na
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erradicação efetiva da pobreza, por meio de uma alteração nas relações de poder e status.
A partir do que explanamos e de modo a contribuir para um olhar crítico acerca da
temática que delimitamos, definimos como objetivo desse estudo analisar de que forma a
construção do conceito de pobreza nos relatórios de 1990 e 2000-2001 do Banco Mundial,
dissimula relações desiguais engendradas no desenvolvimento dependente dos países da
América Latina.
Para tanto, em um primeiro momento, discorreremos sobre o caráter do
desenvolvimento dependente da América Latina de forma a compreender o que esboçamos
como relações desiguais engendradas nesse processo. Posteriormente, delinearemos a
abordagem teórico-metodológica, que alicerçada na Análise Crítica do Discurso (ACD) e
teoria da ideologia de Thompson, que nos possibilitará identificar os mecanismos de
dissimulação utilizados na construção do conceito de pobreza pelo Banco Mundial.
Destacamos desde já que, baseadas no constructo teórico de Fairclough (2001),
compreendemos a construção conceitual e ideológica como “arma” bastante poderosa na
arena de disputas hegemônicas. Como assinalam Resende e Ramalho (2006), as construções
discursivas, na contemporaneidade, assumem especial força para sustentação de elementos do
projeto neoliberal, assim como disciplinarização da sociedade global. E o faz por meio de
“poderosa função disciplinadora contra novos barbaros e escravos rebeldes que ameaçam a
ordem vigente” (RESENDE E RAMALHO, 2006, p. 37).
Por fim, apresentaremos a análise das concepções de pobreza presentes nos relatórios
de 1999 e 2000-2001 do Banco Mundial, para, juntamente com uma análise do contexto
discursivo, evidenciarmos a relação que estabelecemos aqui, seguida de algumas reflexões
finais.
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Antes de discorrer acerca da trajetória que seguimos para realização desse trabalho,
entendemos ser imprescindível sintetizarmos aqui os pressupostos e conceitos que embasaram
nossas reflexoes, evidenciando assim nosso posicionamento político dentro do campo
academico e social.
Nos apropriamos da Análise Crítica do Discurso (ACD), por ser esta uma abordagem
teórico-metodológica, que a partir de conceitos como discurso, práticas discursivas, práticas
sociais, poder e ideologia, articula um quadro analítico que busca a compreensão de discursos
enquanto práticas de representação e ação sobre o mundo social (FAIRCLOUGH, 2000;
MAGALHÃES, 2005; MISOCZKY, 2005).
A ênfase da ACD está nas relações entre linguagem e mundo social, visto que os
elementos linguísticos são sociais a medida que agimos e representamos o mundo social
discursivamente (FAIRCLOUGH, 2001). O objetivo dessa abordagem e que assumimos aqui
como objetivo da discussão que promovemos nesse artigo, é contribuir para a melhora da vida
cotidiana de pessoas comuns, desvelando as relações de poder que as oprimem, assim como o
conteúdo ideológico dos discursos.
Neste sentido, Pereira e Misoczky (2007) preconizam que a teoria da ideologia,
proposta por Thompsom auxilia na análise textual, já que possibilita identificar elementos
simbólicos de operação da ideologia representados em um texto. Thompson (2002, p. 378)
ressalta que o interesse pela ideologia deve se direcionar para a identificação de
“características estruturais das formas simbólicas que facilitam a mobilização do significado”.
Ou seja, a análise destas estruturas simbólicas, possibilita a interpretação da ideologia.
Para atingir o objetivo proposto, delimitamos a dimensão representacional do discurso
para realizar a Análise Crítica. O significado representacional possibilita a identificação de
aspectos do mundo e contexto social que estão sendo representados por um discurso
(FAIRCLOUGH, 2003), ou seja, qual sentido de desenvolvimento e de relações sociais que
são representadas e reforçadas pelas concepções adotadas no discurso do Banco Mundial.
Para dar prosseguimento à análise, da teoria da ideologia de Thompson (2002) nos
apropriamos do mecanismo da dissimulação, como modo de operação da ideologia e algumas
categorias relacionadas à esta dimensão. Esta escolha se deve ao fato de que os relatórios do
Banco Mundial não fazem alusão clara ao tipo de desenvolvimento (de cunho eminentemente
dependente) e interesses que estão legitimando.
Nessa direção, Thompson (2002) aponta para o fato de que as relações de dominação
podem ser sustentadas por serem ocultas e representadas de uma maneira que desvia a atenção
destas relações. A ideologia, como dissimulação, pode se expressar por meio de uma
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[...] as recomendações que se têm feito para os países dependentes, onde se verifica
uma grande disponibilidade de mão de obra, no sentido de que adotem tecnologias
que incorporem mais força trabalho, com objetivo de defender os níveis de emprego
e de vida dos trabalhadores, representa um duplo engano: levam a preconizar a
opção por um menor desenvolvimento tecnológico e confundem os seus efeitos
sociais especificamente capitalistas da técnica com a técnica em si.
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Banco Mundial preconiza que as estratégias para combater a pobreza – a partir de uma
perspectiva multidimensional - devem estimular a autonomia e participação local, trazendo à
cena a necessidade de mecanismos participativos que possam proporcionar dar voz às
mulheres e homens, especialmente dos segmentos pobres e excluídos da sociedade, visto que
são os pobres os principais agentes da luta contra a pobreza. “Assim, devem ocupar um lugar
central na elaboração, implantação e monitoramento das estratégias de redução da pobreza”
(BANCO MUNDIAL, 2000, pg. 12).
Nessa definição de Sen (2000), podemos identificar elementos de dissimulação de
relações desiguais que são definidas como naturais, e não produto das relações econômico e
sociais. Liberdade econômica, enquanto uma eufemização, é uma forma agradável e palatável
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de dizer, aquilo de Marx (1984), ao analisar o modo de produção capitalista, definiu como
concepção de liberdade – na verdade trata-se de uma liberdade abstrata – nesse sistema: a
classe operária tem duas opções dentro desse sistema, ou vender sua força de trabalho ou
então morrer de fome. A liberdade econômica, se dá, portanto, no campo da igualdade
abstrata, visto que as relações se estabelecem a partir da troca de mercadorias (seja força de
trabalho ou produtos da força de trabalho), que são produzidas individualmente.
Observamos também, nessa mesma passagem de Sen (2000), a utilização do
mecanismo da metáfora, em que o termo presa indefesa, utilizado comumente para se referir a
atividades de caça, busca, transferir, por meio de aproximações semânticas, a conotação
negativa desse termo – vulnerabilidade, incapacidade de reação - para os indivíduos que estão
privados da liberdade econômica, ou seja, que não vendem sua força de trabalho para o
mercado. Podemos identificar aqui, a passifização do sujeito, estratégia em que, de acordo
com o Fairclough (2001), o sujeito discursivo busca anular a ação de determinados atores, no
caso os indivíduos pobres, reforçando a necessidade de que esses sujeitos sejam foco de ação
de outros atores mais capacitados.
Todos esses elemetos legitimam o ideário de desenvolvimento enquanto uma
sequência de etapas lineares, em que os países centrais já completaram o ciclo de
desenvolvimento, ocultando o fato de que, eles só se tornaram desenvolvidos a partir da
existência e subordinação dos países subdesenvolvidos, como bem apontou Marini (2000). A
partir dessa assertiva depreende-se que quando existente esse mal nessas localidades, é
responsabilidade do pobre, pois ele teve todas as chances desenvolver suas capacidades e se
inserir no mercado.
Embasadas nesses entendimentos contraditórios e que refletem compreensões
superficiais e enviezadas de um problema que é estrutural, as políticas de combate à pobreza,
apregoadas pelo relatório 2000/2001 do Banco Mundial, foram reduzidas a atuação incisiva
do Estado na expansão das capacidades humanas dos ditos “pobres” de forma que estes se
tornassem aptos e livres para aderir ao mercado. “Pressupondo assim não um Estado
garantidor dos direitos sociais, mas sim um Estado caridoso, que tem deveres a cumprir para
com os pobres“ (UGÁ, 2004, p. 60).
Como defende Ugá (2004), a construção do conceito de pobreza pelo Banco Mundial
nos anos 90 e 2000-2001, teve como objetivo a manutenção da ordem social capitalista diante
da crise dos anos 80 e que ameaçava sua estabilidade. Nesse sentido, as Políticas de Combate
à Pobreza reproduziram relações sociais imbricadas à esse contexto. A partir da concepção de
pobreza, defendida pelo Banco Mundial, podemos concluir que o mundo é composto por dois
tipos de indivíduos, o competitivo e o incapaz (UGÁ, 2004).
Assim o que antes consistia em classes sociais (trabalhadores) agora se torna um
conjunto de indivíduos atomizados e responsáveis pelo fracasso ou sucesso individual. As
Políticas de Combate à Pobreza, propostas pelo Banco Mundial, resumem-se a transformação
do indivíduo incapaz em competitivo, por meio do aumento do capital e capacidades humanas
(UGÁ, 2004), negligenciando assim a lei central da acumulação capitalista – a acumulação de
riqueza em um pólo, no caso, países centrais, é também o aumento da miséria e pobreza no
outro, no caso países em desenvolvimento. Ou seja, a pobreza não é fruto da incapacidade
individual, mas sim das relações estabelecidas nesse processo. A perversidade dessas políticas
está em seu potencial de esvaziamento político, desarticulação social e aprofundamento das
relações de dependência centro-periferia.
E nisso se reflete os resultantes contraditórios de implementação de Programas de
Combate à Pobreza na América Latina, dentro das diretrizes do Banco Mundial. Como
ressalta Ugá (2004), os resultados da implementação dos receituários neoliberais mostram que
o continente latino-americano teve um declínio constante nas taxas de investimento e
crescimento. Ademais, a adoção das políticas neoliberais acarretaram na piora na distribuição
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de renda e aumento do desemprego, pois não atuam nas raízes do problema. “Em suma, esse
tipo de política passou e significar crise, exclusão social e falta de investimento no setor
produtivo” (UGÁ, 2004, p. 57).
REFLEXÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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RESUMO
No Brasil, assim como em outros países, é notória a quantidade de pessoas envolvidas com
trabalho informal nos últimos anos, devido à escassez do trabalho formal e o aumento da
pobreza e da exclusão social. Essa mudança, no Brasil, se deu a partir do final da década de
1980, quando o país abriu os mercados internos gerando níveis alarmantes de desemprego. Para
tanto, os brasileiros passaram a viver cada vez mais do subemprego e de práticas de economia
informal. Devido a essa ruptura, nos últimos anos, o Estado vem estimulando, por meio de
políticas públicas de inclusão social, a conversão do trabalho informal em postos de trabalho
formal e para isso, os empreendimentos de natureza coletiva têm sido utilizados como uma
forma de economia plural. Dentre os diversos tipos de empreendimentos informais ou
econômicos solidários, encontra-se as cooperativas. Diante do exposto, o propósito deste
trabalho é apresentar a experiência do gênero feminino através da associação em uma
Cooperativa. Para tal, realizou-se um estudo em duas Cooperativas de Catadores de Materiais
Recicláveis que integram a Rede Catabahia.
INTRODUÇÃO
O bem-estar pessoal, fruto das conquistas materiais adquiridas por cada indivíduo, é
mantido através da continua dedicação ao mundo do trabalho e a busca pela aquisição de novos
bens, obtenção de sucesso e aspirações pessoais de enriquecimento. No entanto, a manutenção
dos empregos, na atual economia, está cada vez mais difícil devido a não caracterização do
“homem” produtivo perante o perfil exigido pelo modelo econômico vigente.
Dessa forma, o indivíduo, diante da ameaça da flexibilidade profissional da civilização
capitalista, cria em si a fragilidade e o medo da perda do seu status, através do desemprego.
Porém, ainda que “grande parte do capital comercial pode ser – e é – acumulado a partir da
insegurança e do medo” (BAUMAN, 2007) ora teme-se perder o fruto das conquistas pessoais
e o conforto material, seja pelas crises econômicas, seja pela insegurança e instabilidade da vida
urbana ou mesmo pelas catástrofes naturais. Nessas condições, o medo se torna imprescindível
para a manutenção da ordem social. Seja ela percebida através da produção e/ou consumo
desenfreado ou das disparidades entre “classes” sociais.
Para Bauman (2009), o medo e a incerteza são o habitat natural da vida humana, no
entanto, ainda que a esperança de escapar da incerteza seja o motor das atividades humanas
muitos homens e mulheres têm encontrado dificuldades em se manterem inseridos no mercado
de trabalho devido a criação desse novo paradigma (mais flexível, precário e instável) que gera
insegurança e preocupação com a exclusão social, podendo ser ela através da obtenção de renda,
da integração social do indivíduo ou na formação da sua personalidade.
Noutras palavras, num mundo de necessidades crescentes, onde a maioria das pessoas
não participam da gestão dos meios e dos recursos de produção, em oposição a esta economia
capitalista, surgi a gestão social, também chamada de societal, que visa “humanizar” o
capitalismo. Para Carrion (2012) a temática gestão social foi responsável por estabelecer uma
luta política e/ou uma mudança no interior da Administração, através da inclusão de
instrumentos administrativos voltados para a sociedade e não para o mercado, fortalecendo as
lutas sociais ao invés dos interesses do capital.
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Para tal, é neste confronto entre mercado e Estado que os especialistas em gestão social
direcionam suas atenções para o chamado “terceiro setor”. Este setor é formado por
organizações não governamentais, cooperativas, associações e outros organismos considerados
na teoria social e na teoria política como órgãos da sociedade civil. Assim, como consequência
dessa nova economia, surgi o trabalho informal que é um fenômeno social encontrado
praticamente em todo o mundo capitalista que, no entanto, assume dimensões de maior
proporção nos chamados países de capitalismo periférico, como o Brasil (LEIBANTE, 2008).
Porém, salienta-se que, além de todo sofrimento proporcionado por uma exclusão social
ao “homem” produtivo, às mulheres é imposto enfrentar a pobreza de forma mais severa que
aos homens, devido às barreiras socioculturais de ingresso e permanência no mercado de
trabalho, diante da falta de igualdade e de oportunidade com o sexo oposto.
Para tanto, nessa conjuntura, o gênero feminino tem se organizado, cada vez mais, em
todo o mundo na busca de trabalho, renda e melhorias de vida apoiando-se na criação de
empreendimentos de natureza coletiva e cooperativa. Espera-se que nesses empreendimentos
não haja discriminação de gênero, uma vez que possuem uma lógica inclusiva e igualitária, de
superação das mazelas do sistema econômico excludente que ele visa contrapor.
Desta forma, para compreender os fenômenos que exercem influência sobre a
participação feminina no cooperativismo, o presente estudo apresenta as vantagens e
desvantagens encontradas pelas mulheres ao participarem de uma cooperativa de materiais
recicláveis no sudoeste da Bahia. Para tal, realizou-se um estudo em duas Cooperativas de
Catadores de Materiais Recicláveis que integram a Rede Catabahia.
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pagamento justo pelo uso do seu capital, não retornando para o trabalhador o direito ao lucro
da “mais-valia’ e de uma administração autoritária e centralizada.
Logo, neste novo cenário, a condição de ser empregável – de ter a capacidade de
aprender a se adaptar às novas realidades do mercado de trabalho – torna-se mais importante
do que o emprego. Pois, nessa conjuntura, muitos homens e mulheres buscam através da gestão
societal um novo meio de (re)inserção social.
Ainda, em reflexo a esse novo paradigma, ocorrem diariamente transformações na
estrutura produtiva, no processo de urbanização e a redução das taxas de fecundidade nas
famílias, proporcionando uma maior inclusão das mulheres no mercado de trabalho.
Apesar de nas últimas décadas do século XX ter sido presenciado um dos fatos mais
marcantes na sociedade brasileira, que foi a inserção, cada vez mais crescente, da mulher no
campo do trabalho, ainda é vivenciado por algumas preconceitos e abusos trabalhistas, às vezes,
pelo simples fato de ser mulher.
Sobretudo, antes de mais nada, deve-se destaca-se que o Art.5º, Inc. I da Constituição
Federal do Brasil de 1988 menciona que:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I- homens e mulheres
são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.
No entanto, apesar do discurso de igualdade de condições e oportunidades proposto e
evidenciado na Constituição Federal, ainda se observa na prática a desigualdade de gênero no
mercado de trabalho, seja em relação aos níveis salariais, às possibilidades de crescimento na
carreira ou às oportunidades de exercer determinadas funções. Essas diferenças de gênero foram
e são construídas, pela sociedade, ao longo dos anos, através dos processos sociais.
O gênero, assim, cumpre um papel decisivo ao definir os papéis de cada um na
sociedade. Para tanto, uma análise das relações de gênero parte do pressuposto de que:
a divisão de trabalho e as relações entre homens e mulheres não são construídas em
função de suas características biológicas, senão de um produto social que legitima as
relações de poder dentro de um processo histórico que pode ser transformado.
Portanto, gênero é uma categoria social que permite analisar papéis,
responsabilidades, limitações, e oportunidades, que são de forma diferente, para
homens e para mulheres, no interior da unidade de produção, da família, da
comunidade e da sociedade (ABRAMOVAY; SILVA, 2000, p.348)
Sendo assim, a explicação, inicialmente, encontrada para essa relação estabelecida e
dada para homens e mulheres advinha do patriarcado fortalecido pela sexualidade e
maternidade. O patriarcado refere-se a um tipo hierárquico de direitos sexuais dados aos
homens sobre as mulheres e filhos, praticamente sem restrições. Essa dominação masculina
sobre o gênero feminino passou ao longo dos anos por algumas transformações, adaptando-se
a cada era. Todavia, para alguns autores, como Saffioti (2004), a base material do patriarcado
ainda não foi totalmente destruída. Dessa forma, há a perspectiva de desconstrução de um
sistema de dominação e discriminação machista no que tange o papel da mulher na sociedade.
Quanto a essa desconstrução Castells relata que:
a incorporação maciça da mulher na força de trabalho remunerado aumentou o seu
poder de barganha vis-à-vis o homem, abalando a legitimidade da dominação deste
em sua condição de provedor da família. Além disso, colocou um peso insustentável
sobre os ombros das mulheres com suas quádruplas jornadas diárias (trabalho
remunerado, organização do lar, criação dos filhos e a jornada noturna em benefício
do marido) (CASTELLS, 2002, p.170).
De maneira geral, a dita divisão sexual do trabalho, no que se refere aos papéis de cada
um dos sexos, gira em torno do trabalho produtivo e reprodutivo. Apesar de as mulheres,
atualmente, desempenharem as duas funções, sendo o reprodutivo ainda mais associado,
principalmente as mulheres de baixa renda, o papel feminino na sociedade da produção só tem
evoluído ao longo dos anos.
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época, como sendo um grupo invisível socialmente e estigmatizado pela sua atividade de coleta
de lixo. Ainda, devido à grande parte dos catadores desempenharem suas atividades em
condições precárias, sofrendo preconceitos e possuindo baixo reconhecimento do papel que
representam na economia e no meio ambiente, embora tenham uma profissão reconhecida e
sejam resguardados por um comitê específico.
Apesar de o ato de catar lixo ser considerado uma atividade excludente pela própria
natureza do tipo de trabalho, alguns estudiosos acreditam que a catação é uma possibilidade de
inclusão social de uma parcela de trabalhadores no mercado de trabalho e na sociedade como
um todo (BARROS, SALES E NOGUEIRA, 2002). Ainda, acrescenta-se que, os catadores de
materiais recicláveis configuram-se como sendo trabalhadores de um grupo de desempregados,
que, por sua idade, condição social e baixa escolaridade, não encontram lugar no mercado
formal de trabalho (Medeiros e Macedo, 2006).
Dessa forma, através das cooperativas, como meio social, pode-se colocar o homem na
perspectiva de sujeito da sua história e não apenas como objeto dela (FROMM, 1983, p.21),
cabendo a ele o papel de buscar ou apoiar-se em alternativas oferecidas pelo Estado e/ou meios
criados pela própria sociedade para sua re(inserção) e/ou manutenção social. Para isso, é preciso
desconstruir a ideia de um saber apenas para especialistas, tendo conhecimento de que a ação
de cada ser não repercute apenas de forma micro, como também é de responsabilidade de cada
um a totalidade da sociedade, todavia é fundamental que se preserve a ideia de solidariedade
entre os humanos e assim é necessária a preservação do elo orgânico com a localidade, a cidade
e seus “parceiros” sociais (MORIN, 2001).
Apesar desse desenvolvimento dos catadores, quanto à associação em cooperativas de
matérias recicláveis, muito ainda deve ser feito em prol desses profissionais pelo setor público.
Dessa forma, Porto et al. (2004) corroboram salientando que, grande parte dos estudos já
realizados com catadores de materiais recicláveis, tem a finalidade de discutir os impactos do
lixo sobre a saúde destes trabalhadores. As questões relativas à exclusão social, cotidiano,
perspectivas, qualidade de vida, dentre outras, ainda são pouco discutidas.
Faz parte da natureza humana a necessidade de ser visto e valorizado, seja no aspecto
social, financeiro ou afetivo. No entanto, os catadores de materiais recicláveis perpassam pela
invisibilidade social, tanto na ótica atrelada ao consumo como no que se refere ao
reconhecimento social. Tal estigma se baseia na lógica de que o indivíduo que desempenha a
atividade de catar lixo é comparado, muitas vezes, ao próprio lixo, como um ser sujo e
impregnado de doenças, além da noção deturpada de que as pessoas que desenvolvem essa
atividade são perigosas e que se deve manter distância das mesmas. No entanto, outro aspecto
agrava ainda mais a situação desse profissional, que é o caso da associação ao gênero feminino,
conforme supracitado.
MÉTODO DE INVESTIGAÇÃO
Para compreender o processo de inserção dessas mulheres no Cooperativismo de
Materiais Recicláveis utilizou-se uma pesquisa quali-descritiva de natureza teórico-empírica,
ou seja, os dados que foram coletados em campo foram analisados com base no referencial
teórico sobre gestão de recursos sólidos e cooperativismo.
Para obter resultados de maior abrangência, foi utilizado um estudo de multicasos, o
qual se mostrou mais adequado perante a proposta aqui desenvolvida.
A pesquisa foi realizada no primeiro semestre de 2013 e compreendeu o seguinte
universo e amostra de pesquisa: a Cooperativa ITAIRÓ possui atualmente uma população de
38 cooperados, sendo 18 do gênero feminino e a Cooperativa de Catadores Recicla Conquista
possuí 60 cooperados, sendo 20 do gênero feminino. O universo de amostra foi formado por 16
mulheres no Recicla Conquista e 13 na ITAIRÓ, representando, respectivamente, 80% e 72%
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das cooperadas de modo respectivo as suas Cooperativas. Destaca-se que a autora, também,
coletou dados com os dois presidentes das Cooperativas através de entrevista pré-agendada.
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Assim, em relação aos seus cônjuges, em conversa informal, muitas cooperadas alegam
que os mesmos, também, fazem parte da Cooperativa e, como a renda dos cooperados varia de
acordo com a quantidade de material coletado e vendido, em alguns meses, as famílias não
conseguem somar 1 salário mínimo como total das suas rendas. Essa afirmativa pode ser melhor
compreendida através dos 33% das famílias das cooperadas da ITAIRÓ que recebem 1 salário
mínimo da mesma forma que 25% das famílias do Recicla Conquista permanecem na mesma
situação (Gráfico 2).
Gráfico 3: Média salarial antes de entrar na Gráfico 4: Média salarial depois de entrar na
Cooperativa Cooperativa
Fonte: Autora, 2013. Fonte: Autora, 2013.
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Esse reflexo se dá pelo fato de, em Vitória da Conquista, o projeto contar com um
número maior de associados do que em Itapetinga, além de se utilizar uma forma diferenciada
de rateio dos ganhos da Cooperativa. Segundo as cooperadas do Recicla, através de conversas
informais, cada ecoponto é responsável por recolher, triar e enviar o material para a sede da
Cooperativa que fica localizada no aterro sanitário da cidade. Lá, ele é retransmitido para o
segundo galpão do terreno, onde o material é prensado e, posteriormente, enviado para venda.
No entanto, no primeiro galpão, existe uma esteira elétrica, que possibilita maior agilidade e
volume de coleta de resíduos sólidos. Dessa forma, é anotado pela Presidente a quantidade de
Kgs ou Toneladas que cada grupo recolhe, fazendo, assim, após a venda, um rateio dos ganhos
por base na quantidade que cada grupo recolheu. Ainda segundo as cooperadas, a diferença em
reais, referente aos ganhos dos dois grupos, costuma ser considerável, pois, as cooperadas do
segundo grupo, normalmente, ganham em média R$400,00 a R$500,00, enquanto que o
primeiro grupo ganha de R$900,00 a R$1.100,00.
O Sr. Juvêncio Borges, da ITAIRÓ, também relata que o procedimento referente ao
rateio dos ganhos em sua cooperativa não é muito diferente. Antigamente, eles dividiam os
ganhos de forma igual, retirando apenas o valor estipulado para os gastos da Cooperativa, no
entanto, sempre ocorriam divergências entre os cooperados em razão deste motivo. Dessa
forma, baseados no modo de gestão do Recicla Conquista, a Cooperativa ITAIRÓ adotou o uso
de uma ficha de controle de resíduos sólidos, para cada associado. Ali é anotado todas as
quantidades recolhidas por pessoa e no final do mês o somatório da quantidade. Após a venda
dos resíduos e em contrapartida o recebimento, é realizada a divisão dos valores de cada
cooperado com base na sua produtividade. Segundo Sr. Juvêncio Borges, o problema é que cada
associado.
[...] só pensa no eu, eu, eu, o pessoal não evoluiu. Esquece que na Cooperativa somos
um por todos e todos por um [...] [...] ninguém pensa na Cooperativa. Aqui cada qual
recebe o seu, por exemplo, se eu recolher 1.000 kg, esses 1.000 são meu. Quando
vender e receber o dinheiro daqueles 1.000 kg é da pessoa, só tira uma taxa de ajuda
para as contas da Cooperativa. Foi um erro, mas tem gente que trabalha menos e que
escora nos outros. Essa foi a única forma do pessoal parar de reclamar (BORGES,
2013).
Observa-se, ainda, que as cooperadas do Recicla, na sua maioria, 75%, não possuem
outra fonte de renda enquanto que na cooperativa ITAIRÓ, 100% das associadas não trabalham
em outro lugar, o que representa um grande vínculo das cooperadas com a Cooperativa. Apesar
de ser afirmado pelas cooperadas, das duas Cooperativas, que a renda proveniente do
cooperativismo é insuficiente para cobrir todas as despesas familiares, poucas mulheres
possuem vínculo com outra empresa (Gráficos 5 e 6).
Gráfico 5: Associadas que possuem vínculo Gráfico 6: Associadas que possuem outra fonte de
empregatício em outro local além da Cooperativa renda além da Cooperativa
Fonte: Autora, 2013. Fonte: Autora, 2013.
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Gráfico 7: Motivo que levou a participar da Gráfico 8: Motivo que faz continuar na Cooperativa
Cooperativa Fonte: Autora, 2013
Fonte: Autora, 2013.
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Assim, mesmo que as vezes não seja tão perceptível aos olhos das cooperadas, a filiação
a uma cooperativa ajuda no desenvolvimento econômico e social de qualquer indivíduo, mesmo
que de forma pequena e pouco perceptível para alguns, o desenvolvimento existe, como afirma
Bialoskorski Neto (2004). Ainda, a emancipação feminina, a sensação de liberdade e
autonomia, ocasionada pela não dependência do cônjuge ou de um ente familiar, é indescritível,
muitas vezes, superando a dificuldade financeira.
Quanto as vantagens e desvantagens do ingresso em uma cooperativa de materiais
recicláveis, conclui-se que a associação em uma cooperativa permitiu as mulheres em estudo
um aumento de renda, ao eliminar a figura do atravessador na compra dos materiais vendidos
às indústrias e um resgate de autoestima. No entanto, destaca-se que a grande maioria das
associadas salienta como desvantagem, o fato de receberem mensalmente uma renda inferior a
um salário mínimo, não possibilitando que elas possam comprar produtos à prestação. Porém,
a emancipação feminina, a sensação de liberdade e autonomia, ocasionada pela não
dependência do cônjuge ou de um ente familiar, é indescritível, muitas vezes, superando a
dificuldade financeira.
Apesar desse desenvolvimento dos catadores, quanto à associação em cooperativas de
matérias recicláveis, muito ainda deve ser feito em prol desses profissionais pelo setor público.
Dessa forma, as Cooperadas do Recicla Conquista e da ITAIRÓ, enquanto participantes
no Projeto Catabahia do PANGEA, tiveram e têm suas vidas alteradas para melhor, pois, através
da associação e criação de suas respectivas Cooperativas, as mulheres das cidades de Vitória
da Conquista e Itapetinga/Itororó foram reinseridas no mercado de trabalho e passaram a ter
uma renda mais equilibrada.
CONCLUSÃO
Este estudo, então, teve como finalidade conhecer a experiência de mulheres que
desenvolvem atividades profissionais em empreendimentos de natureza cooperativa, bem como
as vantagens e desvantagens encontradas pelo grupo. Para tal, fez-se necessário conhecer e
entender o crescente avanço dessas mulheres na luta pela inserção no mercado de trabalho e a
sua absorção na gestão societal a partir do caráter cooperativista com a finalidade de geração
de renda como uma contraproposta ao projeto neoliberal em economias capitalistas como a
brasileira.
A associação do gênero feminino no cooperativismo de Materiais Recicláveis por si só
já traz reconhecimento, organização e um novo método de trabalho, principalmente no que
tange a associação em uma Cooperativa que faz parte da Rede Catabahia. As vantagens são
ainda maiores, haja vista que o Projeto desenvolvido pela Rede trouxe muitos benefícios para
as catadoras, como: regularização dos documentos de todos; aumento significativo na renda
média dos cooperados; redução de 30% no índice de analfabetismo; retirada de crianças
dos lixões; inclusão das catadoras e familiares em programas municipais de assistência social e
no Bolsa Família; ações de assistência sociosanitárias; aumento da autoestima dos catadores;
além do desenvolvimento de uma rede social e profissional sólida e solidária por meio das
Cooperativas.
Dessa forma, apesar desse desenvolvimento das catadoras, quanto à associação em
cooperativas de matérias recicláveis, muito ainda deve ser feito em prol dessas profissionais
pelo setor público. Afinal, a profissão de reciclador/catador é de fundamental importância para
(re)socialização dos indivíduos, assim como para a destinação dos resíduos sólidos recicláveis.
Salienta-se que este estudo busca se traduzir como um incentivo, também, às mulheres
que ainda não descobriram no cooperativismo uma possibilidade de superação social,
autonomia, reconhecimento e geração de renda, não obstante as dificuldades enfrentadas.
Todavia, o presente estudo não esgota as possibilidades de investigação acerca do tema, mas,
certamente, contribui sobre a sua análise e alimenta com mais um passo para os que desejam
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O PANGEA foi fundado em 1996, em Salvador – Bahia, é uma Organização da Sociedade Civil para o
Interesse Público - OSCIP, de utilidade pública estadual e municipal. A Instituição possui uma extensa trajetória
na execução de projetos no âmbito da cooperação internacional desenvolvendo programas de caráter
socioambiental em áreas urbanas e rurais do Brasil.
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RESUMO
O presente artigo teve como objetivo compreender de que forma os movimentos sociais
conseguiram estabelecer uma agenda que contemplasse o transporte público urbano em
âmbito nacional. Para tanto, para contar a história sobre a construção de uma agenda nacional
referente à mobilidade urbana, a partir das Jornadas de Junho de 2013, considerou-se
prioritariamente as discussões sobre o direito à cidade (HARVEY, 2012) e o estabelecimento
de agendas (KINGDON, 2006). As vozes ouvidas (por meio de documentos e entrevistas) na
pesquisa elucidaram a eficiência de um movimento social, enquanto ator visível, na criação de
agenda para formulação de políticas públicas urbanas. Como resultado, verificou-se que a
questão do preço da tarifa do transporte público urbano se torna um problema público que
ascende a agenda do governo em diferentes cidades brasileiras, tais como: São Paulo,
Salvador, Florianópolis e Maringá.
Palavras-chave: Urbanização Brasileira, Espaço Urbano, Direito à Cidade, Movimentos
Sociais, Jornadas de Junho.
ABSTRACT
This present article was aimed at understanding how the social movements achieved the
agenda setting which would include the urban public transport at national level. For this, to
tell the story about the nacional agenda setting on urban mobility, from June’s Journeys of
2013, priority was given to discussions about right to the city (HARVEY, 2012) and the
agenda setting (KINGDON, 2006). The listen voices (through documents and interviews) in
the research enlightened the effectiveness of the social movement, as a visible actor on the
agenda setting to formulate urban public policies. As a result, it has been found that the issue
of the urban public transport fee became a public problem that emerges on the government’s
agenda in different Brazilian cities, such as: São Paulo, Salvador, Florianópolis e Maringá.
Keywords: Brazilian Urbanization, Urban Space, Right to the City, Social Movements, June’s
Journeys.
1. INTRODUÇÃO
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dar a real importância à ação social coletiva de se reapropriar do espaço público, ou tocar no
que diz respeito à força que esses movimentos tiveram para ascender enquanto ator visível
que inseriu uma demanda social na agenda de governo.
No portal de notícias G1 pontuaram: “em São Paulo, 100 mil pessoas ocuparam a
Avenida Paulista pacificamente, mas houve confrontos isolados entre militantes de
partidos,sobretudo petistas, e pessoas que se dizem sem partido. “O protesto começou
pacificamente, mas confrontos pontuais foram registrados e fogueiras foram acesas pela
avenida” (G1, 2013).
No site da UOL Notícias, por sua vez, não fugiram a regra: “entre muitos atos
pacíficos, houve registro de violência em confrontos entre manifestantes e policiais e atos de
vandalismo em várias cidades. No interior de São Paulo, um participante de protesto morreu
atropelado. Os protestos ocorreram em várias capitais e centenas de cidades nas cinco regiões
do país” (UOL, 2013).
Em contrapartida, no site de notícias Revista de História, a historiadora que redigiu a
matéria – Carolina Ferro – participou de parte das manifestações: “era visível que o
movimento não era por 20 centavos, mas por 20 X 20 motivos de insatisfação de uma
população que vem sendo negligenciada por muitos anos pelo poder público. Ao chegar à
famosa Avenida Rio Branco, muitos rostos se encheram de lágrimas. Foi belo ver que além
dos muitos jovens que gritavam com todas as forças, havia idosos, cadeirantes, homens e
mulheres de roupas sociais e artistas. De fato é um movimento do povo na maior amplitude da
palavra. Do alto dos arranha-céus do centro financeiro, cultural e comercial da cidade,
trabalhadores acompanhavam a passeata piscando suas luzes, abanando panos brancos e
jogando papel picado” (Revista de História, 2013). O fato de vivenciar a ação e entender a
realidade da qual fazia parte, a historiadora fornece um relato que não pende para o
sensacionalismo.
Devido ao tamanho destaque na mídia, a “Jornada de Junho” reverberou em processos
de problematização de assuntos urbanos, e inclusão destes problemas nas agendas municipais
e estaduais, tais como:
Muitos destes processos foram narrados por estudiosos renomados, tais como: David
Harvey, Carlos Vainer, Ermínia Maricato, Otília Arantes e Raquel Rolnik só para citar alguns.
No entanto, um nó que se estabelece a partir da referida jornada e leituras realizas está
justamente em compreender a constituição destas novas agendas. Neste sentido, em meio as
variadas pautas, o presente trabalho objetiva compreender de que forma os movimentos
sociais conseguiram estabelecer uma agenda que contemplasse o transporte público urbano
em âmbito nacional.
Ao olhar para a dinâmica dos movimentos sociais e seus desdobramentos nas Jornadas
de Junho, é possível localizá-los como atores visíveis, por terem assumido um protagonismo
acerca da inserção de uma demanda social na agenda pública de governo, no que tange aos
transportes urbanos. A compreensão dos movimentos sociais enquanto atores visíveis no
processo de estabelecimento de agenda é debatida por autores como Kingdon (2006), Fuks
(2000) e Cobb e Elder (1971).
Nesse sentido, na sequencia, o presente artigo se ocupa da problemática do direito à
cidade, tal qual é proposto por Harvey (2014), esse direito foi sequestrado da coletividade
humana nas cidades-mercadorias, cidades-empresas e cidades-pátrias (VAINER,2012), e a
única maneira que se vislumbra para acessar plenamente os espaços urbanos é por meio dos
movimentos sociais, de protestos, e, sobretudo, pela tomada das ruas enquanto espaços
públicos de lutas e conflitos sociais (ROLNIK, 2013).
A terceira seção parte ilumina a discussão sobre constituição de agenda de políticas
públicas, a qual consiste na primeira etapa do ciclo de políticas públicas, e tal teoria – agenda
setting – servirá de base para contextualizar e construir uma inteligibildiade acerca das
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políticas urbanas e seu processo. Não obstante, no que tange a constituição de agenda, é
pertinente abordar a participação e influência de atores visíveis e invisíveis nesse processo
(KINGDON, 2006).
Por fim, realiza-se uma explanação sobre o processo de organização desses
movimentos e de que forma se mobilizaram e espalharam-se por diversas cidades ao longo do
território nacional. Em seguida, encerra-se o estudo tocando no entendimento dos
movimentos sociais enquanto atores visíveis - que tomaram as ruas das cidades brasileiras em
diversos estados - os quais argumentaram acerca de diversas reivindicações e agendas
esquecidas, retomando, dessa forma, as questões que balizam o direito à cidade e como se
materializaram nas ruas das cidades de São Paulo, Salvador, Florianópolis e Maringá, por
meio das Jornadas de Junho de 2013.
2. DIREITO À CIDADE
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seja moldar a cidade, repensar e reconstruir espaços urbanos - enquanto um direito humano
negligenciado.
Harvey (2011) percorre um panorama histórico das revoluções urbanas e bebe na
escola francesa marxista acerca do direito à cidade:
Neste âmbito capitalista, argumenta Harvey (2011) que o urbano se coloca como um
elemento central, onde a produção da cidade leva a uma atualização do consumo,
desenvolvendo novos caminhos para realocação de excedentes. Através da urbanização –
assim como também propôs Lefebvre (2004) - o excedente de capital é absorvido em projetos
de longo prazo; ou mesmo pela gentrificação, que lida com o excedente da mão de obra.
De certa maneira, os antigos centros das velhas cidades tornam-se centros de
consumo, o núcleo urbano nada mais é que um produto de consumo de alta qualidade para
turistas, estrangeiros, suburbanos e outros que o acessam, assumindo um duplo papel: lugar de
consumo e o consumo do lugar (LEFEBVRE, 2004).
Em consonância com a problematização do consumo na cidade - e esta, por sua vez,
torna-se o próprio espaço a ser consumido - Arantes (2013) argumenta que a cidade se norteia
pela lógica do “crescimento a qualquer preço”, por meio do qual a mobilização competitiva se
faz permanente entre as cidades concorrentes. Não são oferecidos somente serviços de alta
qualidade, produtos e bens culturais a serem adquiridos, o espaço da cidade, ela própria é um
produto, cidade-mercadoria (VAINER, 2013), objeto de luxo a ser vendido de acordo com a
demanda vigente.
Nesse sentido, é importante observar que as cidades além de serem governadas pelo
poder público, que Lefebvre (2004) vai chamar de Estado, estão sofrendo, sobretudo, a ação
do poder privado (Empresa). Embora esses poderes encampem conflitos e diferenças, na
administração da cidade, convergem para a construção da agenda e a implementação de
políticas públicas, desencadeando a segregação sócio-espacial, entre outros problemas.
No que tange a relação aberta e direta entre o poder público e o poder privado, Vainer
(2013) chama à atenção para o empresariamento da administração pública urbana que se
organiza, por sua vez, a partir de um plano estratégico, assim como a lógica empresarial. Esse
processo que culmina no funcionamento da cidade enquanto empresa é observado nos escritos
de Castells e Borja (1996), os catalães pontuam que “as grandes cidades são as multinacionais
do século XXI”.
Harvey (2011) denomina a associação entre poderes públicos (locais, metropolitanos,
regionais, etc.) e interesses privados (corporativos ou individuais) - acrescentando ainda
formas organizacionais da sociedade civil (sindicatos, igrejas, ONGs, movimentos sociais,
etc.) - de empreendedorismo urbano, o qual se tornou um importante movimento de promoção
e administração do desenvolvimento urbano, por meio de coalizões com vistas à globalização
neoliberal.
Uma vez desenvolvidos esses projetos urbanos na esfera pública, os interesses
corporativos entram em cena com todo o aparato capitalista para modelar o processo de
desenvolvimento urbano seja em âmbito regional ou metropolitano. Dessa forma, o próprio
Estado é submetido ao setor privado, comprometendo o direito à cidade daqueles que a
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habitam, e restringindo assim, a cidade ao gosto de uma pequena elite política e econômica
(HARVEY, 2013).
Para Harvey (2012), a qualidade de vida na cidade tornou-se uma mercadoria. O
direito à cidade se confunde com o direito à vida e implica, por sua vez, na construção do
espaço urbano de forma mais igualitária e humanizada, com intuito de atender à sociedade e o
direito coletivo, que diz respeito àquele que ali transita, faz uso, acessa e vive. A cidade
enquanto obra coletiva pressupõe o protagonismo dos indivíduos no seu processo de
transformação e ressignificação.
Vainer (2011) observa ainda a linguagem da cidade de exceção se perfazendo no
discurso hegemônico construído e difundido pelo interesse privado - em alinhamento com o
poder público – materializando-se na cidade-espetáculo, seja via mega-eventos, seja via
bairros luxuosos, e sobretudo, por meio da publicidade e do City marketing.
De acordo com o autor (VAINER, 2011, p.11), a cidade de exceção “é o lugar da
democracia direta do capital”. A afirmação da cidade de exceção se concretiza enquanto
regime urbano pós-moderno, com estratégias empresariais e competitivas, transformando a
prática da exceção em regra, legalizando aquilo que não é legal, produzindo o espaço urbano
submetido ao interesse privado, cujo funcionamento segue a lógica do mercado, do capital.
Esse cenário provoca a despolitização no espaço urbano, produzindo uma cidade de exceção a
serviço do interesse privado de diversos grupos, operando a partir das parcerias público-
privadas, expandindo sobre todo o território urbano as regras do capital (VAINER, 2013).
À medida que os espaços públicos se perdem entre construções privadas e a cidade se
constrói a partir de grandes rodovias que atendem à lógica do transporte individual, todo o
acesso que deveria – em tese – ser público, via transporte coletivo, nega aos cidadãos uma
possibilidade de exercer seu direito à cidade. Lefebvre (2004, p.77) argumenta que “[...] o uso
maciço do automóvel (meio de transporte “privado”), a mobilidade (aliás, freada e
insuficiente), a influência do mass-media separam do lugar e do território os indivíduos e os
grupos (famílias, corpos organizados)”.
As cidades vão se configurando enquanto mercadorias no sentido de atender a
demanda daqueles que podem pagar por ela – seja por moradia, cultura, transporte ou lazer –
e não a todos os cidadãos que nela habitam. A segregação urbana produzida nas cidades
brasileiras se legitima por meio dos mitos e dos discursos hegemônicos que potencializam a
desigualdade tornando o direito à cidade um elemento cada vez mais distante daqueles que
deveriam ter acesso a ele.
Vainer, Arantes e Maricato (2013) buscam “desmanchar” consensos a partir de leituras
sobre as cidades brasileiras, lançando luz sobre o planejamento urbano que se dá de acordo
com a lógica de mercado, seguindo cada vez mais os manuais modernos de planejamento
empresarial, para que assim, a cidade enquanto mercadoria/empresa consiga se estabelecer no
mercado global competitivo para ser vendida àqueles que possuem capital para acessá-la.
Serpa (2009), dialogando com esses autores, elucida que o discurso oficial dos
equipamentos públicos corrobora com as demandas sociais, no entanto, o que se observa, no
que tange ao acesso nas cidades brasileiras, é o benefício daqueles que possuem automóveis e
tem condições de pagar por atividades de lazer que não são públicas. Portanto, esse direito
negado ao cidadão pode ser compreendido como ações que não são formuladas pelo poder
público, isto é, quais demandas não entram na agenda e por quê.
No campo dos estudos sobre definição de agenda, a leitura sobre problemas sociais,
comunicação política e movimentos sociais, pode ser construída de modo atento à dinâmica
sociopolítica, envolvendo a articulação de sentidos e o reconhecimento público sobre essas
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questões (FUKS, 2000). Trata-se de compreender a vida política via entendimento das
relações e debates que acontecem nas arenas argumentativas, entre partidos políticos, grupos
organizados, mídia e poder público, não se limitando mais à investigação objetiva. “Essa nova
orientação assume como objetos de estudo os processos sociais responsáveis pela emergência
de um novo assunto público e as disputas em torno de sua definição” (FUKS, 2000, p. 79).
São duas as questões básicas no estudo sobre a definição de agenda. A primeira se
refere a compreender como surgem os novos assuntos públicos e por que alguns (e não
outros) ascendem às arenas públicas e ali permanecem (ou não). Já a segunda, volta-se para a
identificação dos atores que participam do processo de definição de assuntos públicos (FUKS,
2000).
Primeiramente, quando se pensa em agenda pública, é necessário que exista
reconhecimento social que uma dada questão é, de fato, um assunto público. Fuks (2000),
partindo do reconhecimento da necessidade da existência de um assunto público – pelos
atores influentes, tais como agentes governamentais e mídia, por exemplo –, compreende que
o processo de construção de agenda abarca os seguintes elementos:
Ainda, segundo o autor supracitado, “as chances de uma dada proposta ou de certo
tema assumir lugar de destaque em uma agenda são decididamente maiores se elas estiverem
associadas a um problema importante” (KINGDON, 2006, p. 228). Sobre a questão política
como um elemento que influencia a constituição de agenda, Kingdon (2006) afirma que ela se
expressa por meio de mudança de governo, de novas configurações partidárias ou ideológicas,
via negociações políticas, e também podendo ser pelo uso de indicadores, para identificar e
justificar os problemas.
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4. JORNADAS DE JUNHO
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relação às carências que afetavam as suas sobrevivências imediatas no espaço urbano - tais
como a falta de moradia, o desemprego, o déficit de saúde pública, o custo de vida e a
precariedade de transporte coletivo – a sociedade passa a se manifestar e buscar um
protagonismo, no sentido de exigir e garantir seus direitos (DOIMO, 1995).
Na contemporaneidade, Safatle (2012, p. 46) ao refletir acerca dos movimentos
sociais, versa sobre sua origem a partir da seguinte definição:
De maneira geral, os movimentos sociais são entendidos como uma ação coletiva
organizada por determinado grupo que visa alcançar mudanças sociais por meio do embate
político, dentro de determinado contexto sócio-histórico. Para Harvey (2013), o
desenvolvimento urbano desigual, calcado na luta contemporânea diária da construção da
cidade excludente, traça o cenário ideal para o conflito social. As cidades nunca foram lugares
harmoniosos, sem conflito ou violência, pelo contrário, a história mostra exemplo de conflitos
urbanos ao longo dos anos que perpassaram diferentes países.
A visão de Rolnik (2013) aponta que estas manifestações são fruto de anos da
constituição de uma nova geração de movimentos sociais urbanos, como os movimentos sem-
teto, os movimentos estudantis que foram se articulando em redes mais amplas na luta pela
reforma urbana e pelo direito à cidade, e até mesmo o Movimento Passe Livre, visando, dessa
maneira, fazer da cidade cada vez mais não somente um palco, mas também objeto de
intervenções dos movimentos sociais e das organizações da sociedade civil.
As reivindicações que concernem à temática do transporte público que estavam
relacionadas com a atuação do Movimento de Transportes Coletivos (MTC), nas décadas de
1970 e 1980, são balizadas hoje pelo principal movimento social atuante na questão:
Movimento Passe Livre (MPL).
O Movimento Passe Livre (MPL) é um movimento social autônomo, apartidário,
horizontal e independente, que luta por um transporte público de verdade, gratuito para o
conjunto da população e fora da iniciativa privada. O movimento é formado por um grupo de
pessoas que se junta no sentido de discutir e lutar contra a lógica do transporte individual –
lógica de mercado – buscando alternativas de mudança para a mobilidade urbana.
O MPL atua em várias cidades do Brasil, tais como: São Paulo e ABC, Distrito
Federal, Florianópolis, Fortaleza, Vitória, Guarulhos, Joinville, Natal, Niterói, Ribeirão Preto,
Rio de Janeiro, São José dos Campos e São Luis do Maranhão. O movimento articula uma
série de propostas para o transporte como: municipalização do sistema, criação de um fundo
municipal de transporte coletivo gerido com participação popular, tarifa zero para todas as
pessoas e combate à cultura do automóvel.
De acordo com o MPL é preciso olhar para outras manifestações anteriores aos
movimentos sociais que se deram no mês de junho de 2013, denominadas Jornadas de Junho,
para que se possa entender o processo que se estabeleceu em resposta ao aumento das tarifas
das passagens (MPL, 2013), e saber que este assunto já se estabelecia na agenda social há
algum tempo..
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políticas públicas urbanas, pelo direito de viver a cidade e na cidade. Como foi possível
observar por volta do dia 20 de Junho, as manifestações em torno do transporte público
passaram a lançar luz em novas bandeiras e atores, como a Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) 338 e a 379, além das lutas contra a ‘Cura Gay’ e contra o ‘Ato
Médico’, bem como os gastos com a Copa das Confederações, a Copa do Mundo e a Reforma
Política, ampliando, assim, as lutas da sociedade civil e a tentativa de abrir novos canais de
acesso ao governo, no sentido de reelaborar as políticas públicas brasileiras.
Ao auferir a demanda principal - isto é, a redução das tarifas de transporte público -
tanto pela inserção da demanda na agenda, quanto com a atenção total da mídia nacional e
internacional, há uma inflexão nos próprios protestos, fazendo com que as lutas se
reorganizem, aglutinando novas pautas e demandas, inclusive promovendo uma mudança no
alvo dos protestos, deslocando dos governos municipais e estaduais, para o governo federal,
como aponta Iscaro (2015).
Dessa forma, passa a se estruturar janelas de oportunidades políticas, que segundo
Kingdon (2006), significa que existe uma maior receptividade das autoridades públicas para
que uma mudança seja efetuada. Ao passo que as primeiras reivindicações são atendidas e as
novas estão em consonância com a de outros atores significativos, passam a criar ou reforçar a
instabilidade do governo, que pressionado, por sua vez, inicia o desengavetamento de
propostas governamentais que há muito tempo tramitavam no âmbito institucional, mas
permaneciam na gaveta.
A visibilidade dada às Jornadas de Junho, tanto pela mídia nacional bem como pela
internacional, perpassou todo âmbito do país, reverberando as demandas sociais de tal forma
que o número de pessoas nas ruas ultrapassou a marca de 1 milhão de pessoas, quase 400
cidades e 22 capitais brasileira (ANTUNES, BRAGA, 2014).
No caso da cidade de São Paulo, em maio, mesmo com o governo federal anunciando
a publicação de uma medida provisória que desonerava o transporte público da cobrança de
dois importantes impostos (PIS e COFINS), para evitar que os reajustes nas tarifas pudessem
pressionar a inflação e, Fernando Haddad (PT), em sua campanha para a Prefeitura de São
Paulo, tendo declarado que não iria realizar reajustes no transporte publico, ainda assim, as
tarifas de ônibus, trens urbanos e metrô foram reajustadas de R$3,00 para R$3,20 a partir de 2
de junho, desencadeando as manifestações.
O ciclo de protestos se intensificou a partir de 6 de Junho, a partir de então, o número
de participantes nos protestos aumentava a cada novo ato do MPL. Houve três manifestações
que foram tomando corpo, em âmbito nacional, no mês de Junho, nos dias 6, 7 e 11,
principalmente nas grandes capitais. No dia 13, os protestos se expandiram para mais cidades,
tendo ampla participação popular (ISCARO, 2015). Tratou-se de forte mobilização, fazendo
dos manifestantes, na condição de coletivo, atores visíveis, estabelecendo diferentes assuntos
na agenda (KINGDON 2006), em diferentes cidades, nas capitais e no interior.
Em Maringá, no inteiro do estado do Paraná, no dia 20/06/2013, houve grande
manifestação no Centro da cidade, quando parte do povo que estava nas ruas se deslocou para
uma sessão itinerante da Câmara de Vereadores que acontecia nas dependências da Igreja
Santo Antonio, no bairro que recebe o mesmo nome (a 2 km do centro). Na ocasião, os
manifestantes ocuparam o local onde se realizava a solenidade, com uma demanda aos
vereadores, qual seja: instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do transporte
coletivo. De acordo com Silva (2015, p. 25), a CPI originária do protesto e manifestação foi a
primeira, nos 63 anos de existência da Câmara, a ter trâmite regular, com o relatório final
aprovado e encaminhado ao Prefeito e Ministério Público para providências.
Verifica-se, na mídia local e estadual, que a abertura de CPI, bem como o
prosseguimento do processo, se estabeleceram por meio de uma problematização nacional (a
partir do Movimento Passe Livre), tendo esta se instituído como uma janela de oportunidade
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
Maricato (2013) afirma que, para reverter essa tendência, é necessário que a
representação ideológica hegemônica seja desconstruída, bem como é preciso que a
consciência da cidade real seja construída com as demandas populares. Nesse sentido, é que
se pensa e aborda o direito à cidade.
Harvey (2014) nos brinda com a seguinte reflexão: como as cidades poderiam ser
reorganizadas de maneira socialmente mais justa e como elas podem tornar-se o foco da
resistência anticapitalista? O direito à cidade está muito além da acessibilidade, é reivindicar
algum tipo de poder configurador do espaço urbano, sobre o modo como nossas cidades são
feitas, ter acesso aos processos de urbanização e pensar ainda em uma cidade para todos, ou
ao menos, para a maioria de sua população.
Viana (2013), apropriando-se do direito à cidade, argumenta que a ocupação do espaço
público deve ser entendida como agenda e prática. Os movimentos sociais que se expandiram
por todas as cidades em diversos países – Egito, Espanha, Grécia, Estados Unidos, Turquia –
reapropriaram-se de praças públicas centrais, protagonizando um cenário num palco de
protestos sociais, sem partidos, sindicatos ou organizações tradicionais.
No que tange a constituição de agenda, os movimentos sociais inseridos nas Jornadas
de Junho, assumiram o seu protagonismo na arena política enquanto atores visíveis, ao
colocar uma demanda social – o transporte público urbano, por exemplo - na agenda de
governo. No entanto, as demandas não se efetivam sem a construção de vínculos entre a
sociedade civil ampliada e o governo. Nesse sentido, no Brasil, faz-se urgente o pensar em
reforma política e na ampliação do diálogos entre a sociedade civil e o governo, bem como
em uma outra lógica de governabilidade, diferentemente da atual que se encontra pautada em
praticas populistas e clientelistas, construídas por meio do vínculo entre o poder politico e as
empresas que financiam as campanhas eleitorais.
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Resumo
1 - Introdução
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artigo procurará analisar os reflexos políticos e jurídicos a partir da versão histórica de Prado
Jr. neste famoso e pioneiro ensaio, tentando desvendar as formas de administração política das
questões sociais brasileiras. É interessante notar como os autores Chasin e Prado Jr. se
relacionam, sendo que o primeiro fez parte do grupo de pesquisas em torno do segundo nas
edições da Revista Brasiliense. Além disso, Chasin deve sua tese de “via-colonial” a toda
historiografia de Prado Jr., condensada no “sentido de colonização” do Brasil.
Nessa pesquisa histórica, fazendo um diálogo crítico com a obra de Caio Prado Jr., orbitam
vários questionamentos. Qual o papel do direito de fato no capitalismo brasileiro? O direito
foi essencial para a formação da classe operaria no Brasil? Ou melhor, o direito foi uma
mediação essencial nessa historia da formação da classe trabalhadora urbana?
Com as revoluções burguesas surge uma nova ordem social, há um rompimento com os
privilégios feudais e com a ideologia religiosa e neste sentido passa a vigorar uma “nova
concepção de mundo” que é a “concepção jurídica do mundo”, no sentido que o direito divino
é substituído pelo direito humano e a igualdade jurídica aparece em contraponto aos
privilégios feudais, “uma secularização da visão teológica” (Engels; Kautsky, 2012 apud
Sartori, 2012, p. 5). Esta função ideológica do direito na consolidação do capitalismo aparece
além de seu papel mediador concreto da nova ordem que surgia, tendo papel importante na
luta da burguesia contra os privilégios feudais, a forma jurídica também tem função para
revestir e elevar ao nível de “oficialidade” das relações econômicas (Sartori, 2015, p. 9). A
inferência é que se de um lado o direito representa apenas o reconhecimento dos fatos, em
Marx: “direito é reconhecimento oficial do fato” (1985, p. 86 apud Paço Cunha, 2015, p. 6),
de outro, sem esse reconhecimento as conquistas políticas podem não ser duradouras. Outro
ponto importante é a característica heterogênea (Paço Cunha, 2015, p. 5) do direito em relação
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aos fatos socioeconômicos, ou seja, traduz no reflexo jurídico enquanto uma esfera
obrigatoriamente manipulatória, como um “material não autentico” (idem, p. 9), em que, a
separação - autonomia aparente - da consciência com a base real se dá com a mediação de um
direito abstrato. Quer dizer, “(...) o próprio desenvolvimento das relações jurídicas
correspondentes ao capitalismo (...) é já de partida consideravelmente heterogêneo com
respeito às relações sociais reais” (idem, p. 5).
por sua natureza, só pode consistir na aplicação de um padrão igual de medida; mas
os indivíduos desiguais (e eles não seriam indivíduos diferentes se não fossem
desiguais) só podem ser medidos segundo um padrão igual na medida quando
observados do mesmo ponto de vista (Gesichtspunkt), quando tomados apenas por
um aspecto [...] todos os outros aspectos são desconsiderados (MARX, 2012, p. 31
apud Sartori, 2015, p. 11).
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Neste sentido, Coutinho traz para o Brasil o debate da via-prussiana e passa a trabalhar com
esta categoria para definir a especificidades do caso brasileiro, igualando em certa medida o
atraso alemão e suas consequências ao atraso brasileiro (Coutinho, 1979, p. 41). Entretanto,
passa a ser uma categorização rodeada de generalizações no sentido que, entre outras coisas,
ignora a centralidade do passado colonial-escravocrata e não feudal. A partir disso, Chasin
busca nas categorias clássica e prussiana a compreensão da realidade histórica brasileira, não
nas aproximações, mas nas divergências, para isso ele conta, inclusive, com o importante
auxílio das pesquisas materialistas de Caio Prado Jr. sobre a história econômica brasileira
(idem, p. 641).
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VII Encontro de Administração Política . Juiz de Fora . 29 a 31 de Agosto de 2016
a burguesia se une à aristocracia local para viabilizar o sistema capitalista e a 'via colonial'.
Esta, última, diferencia-se das outras por ser um processo hipertardio, incompleto e atrófico,
sustentado por uma burguesia caudatária das internacionais, que não cumpre sua função na
industrialização do país e se nutre da hiperexploração das classes trabalhadoras, as excluindo
dos processos políticos. Com a modernização brasileira subordinada, opera o rebaixamento
das condições de vida das massas trabalhadoras, com o intuito de preservar as remessas de
riquezas que alimentam o capital estrangeiro e local - superconcentrado, numa lógica de
dependência colonialista que persiste, é o que Prado Jr. chamou de o “sentido da colonização”
que permanece atual. Portanto, se o caso alemão é tardio e regressivo, o tupiniquim é hiper-
tardio e hiperregressivo e essa especificidade brasileira é traduzida hoje em desenvolvimento
econômico e institucional incompleto e atrófico, o que invariavelmente recai na
hiperexploração das classes trabalhadoras.
Por aqui, não existiria uma realidade pré-capitalista feudal de produção, mas se “conservaria
as determinações dessa estrutura agrária, organização produtiva com base no latifúndio, com
seu sentido da colonização, voltado para fora.” (Rago Filho, 2010, p. 76). Cabe realçar as
principais especificidades da ‘via colonial’, na gênese da burguesia brasileira: a) sem
elementos pré-capitalistas – ausência de rupturas com “restos feudais”, numa realidade agrária
de tipo colonial-escravocrata; b) reformismos pelo alto, através de conciliações e concessões,
sem participação popular nas decisões; c) industrialização hiper-tardia, com superexploração
da classe trabalhadora; d) dependência da burguesia brasileira ao grande capital dos países
centrais imperialistas, numa lógica de colônia-dependência; e) desenvolvimento da burguesia
altamente dependente do Estado. O “capitalismo surgido no Brasil precisou contar com um
Estado abertamente engajado na economia e na sociedade” (Ianni, 1989, p.106). Essas
consequências da via colonial teriam efeitos e cobrariam do direito uma função específica
nessa particularidade, pois o direito no Brasil, em muitos casos, foi cópia importada de
constituições e leis estrangeiras e que pouco conseguia de fato dialogar com a realidade
brasileira, como se verá no próximo capítulo.
A expansão marítima e a chegada dos portugueses nas “novas índias”, nesta catarse moderna
que se iniciava nas grandes navegações, tomada as proporções iniciais da vasta costa
brasileira, procederam-se nos primeiros 30 anos apenas como pequenas concessões a
exportadores de madeira, pau-brasil, “nada mais fez a Coroa portuguesa em relação à nova
colônia” (Prado Jr, 1994, p. 12). O aumento do fluxo de comércio de madeira com a presença
de nações europeias, principalmente, os franceses que “desde os primeiros anos de
descobrimento tinham estabelecido um tráfico intenso na costa brasileira” (ibidem), exigiu da
Coroa portuguesa a “prudência” de iniciar com planos de colonização. A tarefa era difícil,
pois território vasto e população portuguesa pequena. Entre outras propostas, como as de
Cristóvão Jaques e João Melo Câmara, o primeiro em 1526 percorrera o litoral expulsando os
traficantes intrusos, é apresentada a ideia das capitanias hereditárias, anteriormente testada em
Açores e das Madeiras. Então, institui-se um governo central (1549) e são distribuídas as
posses das capitanias aos donatários já abastados os quais não tinham a propriedade, pois
pertencia a Coroa, mas detinham amplos direitos de soberano sobre o território da capitania
como a cobrança de tributos, as “dízimas” sobre as riquezas produzidas e encontradas. O
fracasso desse protótipo brasileiro de feudalismo - “este ensaio de feudalismo não vingou” -
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se deu pelo território vasto e pela incapacidade dos donatários, as únicas que vingaram foram
a de Pernambuco e São Vicente (idem, p. 13-14). A partir disso se fortalece a ideia,
contingente, de um poder central e as capitanias passam por um processo de resgate da Coroa.
O caráter fundiário e agrícola da colônia é característico na história brasileira, o que de início
já afasta os comerciantes europeus ainda de olho no comércio com as Índias. O ponto mais
profundo da colonização é a forma com que se é distribuída das terras e o que se vê no Brasil
colônia é a exploração dos recursos através das posses fundiárias que, distribuídas sobre a
forma jurídica de sesmarias, em que os sesmeiros eram proprietários, “alodial”, sem nenhum
tipo de vassalagem ou elemento feudal. Entretanto, era o rei de Portugal que decidia sobre as
concessões (idem, p. 24) e o sesmeiro tinha a obrigação de aproveitar a terra e de 5 em 5 anos,
caso estivesse improdutiva, sofria a sanção de perda da terra (idem, p. 14-15). O principal é
que os sesmeiros já possuíam grande poder econômico para tocar, sozinhos, a produção. Eles
eram os mais abastados e que detinham posição social próxima da corte, muito longe de
representar uma distribuição de pequenas propriedades. Tanto que quanto maior a riqueza
maior a extensão da sesmaria. Percebe-se o início da formação dos grandes latifúndios com
baixa densidade demográfica, qualquer tipo de “feudalismo brasileiro” é pura retórica (idem,
p. 16). A prevalência das grandes propriedades aliada à maior capacidade do sesmeiro de ter
um vasto número de escravos (ambos em larga escala), inicialmente os índios e depois os
negros, impediu a possibilidade de desenvolvimento dos pequenos produtores (idem, p. 20),
da agricultura familiar e do próprio trabalho livre enquanto valor. Isso ainda era intensificada
pela produção toda voltada para o exterior e com a necessidade de grandes investimentos na
última tecnologia da Europa: o Engenho de Açúcar. Além disso, a ausência de urbanização
impedia o escoamento dos pequenos proprietários.
Neste sentido, os primeiros 150 anos da história brasileira foram marcados pela presença das
grandes propriedades e a ausência de comércios e de urbanização. “A sociedade colonial
brasileira é reflexo de sua base econômica: a economia agrária” (idem, p. 23), o senhor rural
monopoliza a terra, o prestígio e o domínio social. De 1550 até 1650, aproximadamente, por
ser o único exportador de cana-de-açúcar, houve um acúmulo enorme de riquezas nas mãos de
muito poucos, tão ricos quanto os mais ricos do mundo à época. Não havia nenhum tipo de
sentimento de nação sendo construído. O estatuto social era dividido em duas classes bem
distintas: “de um lado os proprietários rurais, a classe abastada dos senhores de engenho e
fazenda, doutro a massa da população espúria dos trabalhadores e do campo, escravos e
semilivres” (idem, p. 28-29). Assim, na visão materialista de Caio Prado: “Da simplicidade da
infra-estrutura econômica - a terra, única força produtiva, absorvida pela grande exploração
agrícola - deriva a da estrutura social: a reduzida classe de proprietários, e a grande massa que
trabalha e produz, explorada e oprimida.” (idem, p. 29). As graduações entre essas classes
existiam, mas não eram significativas, eram pequenos comércios rurais, pequenos
proprietários que resistiam e etc. Assim, a organização administrativa e, por consequência, a
jurídica, também era reflexo da preponderância da base-real, todo colono (grande
proprietário) mais ou menos importante era tido como administrador local. “Nomeavam
administradores a rodo” (idem, p. 26) e eles faziam a pecha de juízes e legisladores. Havia
grande excesso de cargos administrativos, o historiador paulista afirma que na vila paulistana,
no fim do século XVII, havia cerca de 400 e nas capitanias anexas cerca de 4000 (ibidem).
Neste caminhar, o estatuto político e jurídico da colônia era reflexo da ordem produtiva, a
Coroa, apesar da presença de um governo central e dos dízimos e quintos reais, não detinha
tanto poder e não conseguiam “controlar” os colonos administradores que agiam por conta
própria e tinham carta-branca, eram os donos da lei. A dependência da metrópole com os
colonos está no fato deles realizarem importante papel de desbravação, proteção e conquista
dos territórios e, também, sobre os índios. Essa atitude passiva da metrópole intensificou a
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Caio Prado Jr. afirma que a alteração, com as crises, na base produtiva da colônia teve muitos
reflexos na esfera política e jurídica. No século XVIII em diante a burguesia comercial passa
a exigir representação nas câmaras municipais e postos na administração. Em 1707 no Rio de
Janeiro e Recife e em 1703 em Pernambuco, os comerciantes já concorrem a esses postos.
Essas transformações políticas vão fazendo com que as câmaras municipais percam o
protagonismo, privilégio e autonomia, iniciando-se um novo sistema administrativo com
maior poder à metrópole via governadores e autoridades reais na colônia (idem, p. 42). Assim,
a opressão econômica determinou a opressão política, fazendo com que os administradores se
curvem para o representante do rei e não mais às câmaras, rompe-se o equilíbrio político
vigente até então e o choque dessas forças contrárias na formação institucional e social do
Brasil será a contradição fundamental entre o desenvolvimento da colônia e a permanência
‘sentido de colonização’. “A nossa evolução política segue portanto passo a passo a
transformação econômica que opera a partir de meados do século XVII” (idem, p. 44). É
importante destacar essas passagens para caracterizar que, em 1933, Caio Prado Jr. dá início à
historiografia materialista brasileira, sendo seu primeiro ensaio relevante nesta metodologia, é
possível perceber interpretações marcadas por uma mecanicidade que, de certa forma, põe
sombras sobre a realidade, dando pouca ou nenhuma autonomia às formas jurídicas.
No pós 1808 caem as restrições econômicas, com a abertura dos portos, e Portugal (Brasil)
fica completamente submisso e dependente do comércio com a Inglaterra. As indústrias
portuguesas quebram e o Brasil passa a importar manufaturas inglesas, 90% da relação
comercial brasileira era com a Inglaterra (idem, p. 48). Os senhores de engenho e a
aristocracia rural perdem cada vez mais privilégios políticos e são excluídos do convívio com
a corte e suas benesses. As camadas sociais de Portugal, livres do domínio francês, mas
quebradas economicamente, no ímpeto revolucionário europeu, declara a Revolução
Constitucional de Portugal e o rei, no Rio de Janeiro, é obrigado a assinar e se “submeter” à
constituição e mais tarde também a retornar do Brasil. A instauração da monarquia
constitucional faz emergir mais fortemente no Brasil as contradições políticas na disputa pelo
poder econômico entre latifundiários e comerciantes, inclusive com a formação do Partido
Brasileiro dos grandes proprietários oligárquicos, na figura de José Bonifácio de Andradas,
“não havia mais risco de recolonização” (idem, p. 49) apesar da reação recolonizadora dos
portugueses e da burguesia comercial existir (idem, p. 50). As camadas populares também
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começaram a aparecer, mas de uma forma muito vaga, sem amadurecimento político, sem
mobilização e heterogêneas de forma que o processo de Independência não altera a ordem
social vigente. Assim, com a revolução constitucional, a organização do Partido Brasileiro e a
volta de D. João VI para Portugal, José Bonifácio e outros utilizam-se da presença do príncipe
herdeiro, D. Pedro I, para consolidar formalmente a independência, em 1822, sem
participação popular e sem rupturas com a ordem socioeconômica (idem, p. 51) e
consequentemente política e jurídica. Com a independência em 22 e a assembleia constituinte
de 23, é implantada no Brasil, como uma luva, a ideologia do liberalismo econômico, de
abertura dos portos, maior interação comercial com os países europeus e, também, mudanças
de hábitos sociais mais “civilizados” segundo o padrão europeu. É o período do primeiro
reinado com inúmeras contradições e disputas por poder, crises entre nativistas e absolutistas,
inclusive com assassinatos e saques a comerciantes portugueses, acaba-se por instituir o Poder
Moderador em que o imperador garante a nomeação dos senadores, ministros e a sanção e
veto aos atos do legislativo, um liberalismo político às avessas (idem, p. 60). Há uma
movimentação intensa na nomeação de ministros por parte do imperador de ambos os lados
polarizados, nativistas x absolutistas, para tentar acalmar ora um ora outro interesse, com
tentativas de coalizão. Mas não houve sucesso e com a queda do ministro José Bonifácio,
representante dos nativistas, há um enfraquecimento do Partido Brasileiro, a assembleia
constituinte é dissolvida e a constituição de 1823 acaba como letra morta (idem, p. 61). O
imperador demorou 2 anos para convocar o parlamento, permanecendo o absolutismo
centralizado, inclusive com o fantasma da recolonização ainda vivo. Ele controlava todos os
cargos administrativos e suprimiu a liberdade de imprensa (idem, p. 60). Essas crises se
intensificam muito, o parlamento eleito em 24 acaba sendo convocado, devido às pressões,
em 26, com a maioria dos deputados do Partido Brasileiro e, por outro lado, a maioria dos
senadores, nomeados por D. Pedro I, do Partido Português. Mesmo com toda tentativa de
coalizão pelo Imperador nomeando ministros e senadores, a opinião pública emergia contra
ele e, sem forças para dissolver o parlamento, em uma viagem a Minas Gerais - o estado mais
oposicionista - acaba ocorrendo, em 1826, a Noite das Garrafadas contra a presença do
imperador, as insurreições consequentes acabam gerando a abdicação e o período, não menos
conturbado, da menoridade (idem, p. 62-63).
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Algumas figuras jurídicas e administrativas, para além das já citadas na descrição histórica
anterior, vão surgindo ao longo do primeiro século de colonização para dar oficialidade aos
interesses produtivos, o índio, por exemplo, com o papel da “obra missionária” dos jesuítas,
passou a ser entendido a partir de “situações jurídicas”: Eram vistos ou como ‘cativos de
guerra justa’ - conceito muito elástico e subjetivista - ou prisioneiros de outras tribos -
“escravos de pleno direito” - ou, por último, como índios livres sob a tutela dos colonos. Na
verdade essas figuras eram o disfarce jurídico encontrado para agradar aos jesuítas e continuar
utilizando os índios como escravos e servos em larga escala (idem, p. 25).
O Estado colonial, por assim dizer, até meados do séc, XVII, tinha no poder local das
câmaras municipais a sua consolidação. Assim, Prado Jr. vem afirmar que apesar do pacto
colonial - colônia/metrópole - ser a estrutura jurídica, formalmente, vigente, é o poder
político/jurídico dos proprietários rurais que “de fato” rege a colônia neste período inicial
(idem, p. 31-32). A administração local, inclusive, contrariava leis centrais da metrópole
superexplorando escravos e interferindo as aldeias, “as leis são moldadas e aplicadas de
acordo com o interesse desses senhores de terra” (idem, p. 31). Formam-se assim sistemas
jurídicos praticamente soberanos, regidos por sua organização política autônoma.
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discussões, inspirados pelos princípios filosóficos de J.J. Rousseau, do “contrato social”, e nas
constituições inglesa e francesa, foi adotado um modelo de constituição que incluía as
liberdades idealizadas na Europa, numa contradição gritante em relação às condições
materiais de vida da grande parte da população brasileira. Nas palavras de Prado Jr. a
Constituinte de 23 “cai como uma luva” ao “Substituir as restrições políticas e econômicas do
regime colonial pela estrutura de um Estado nacional” (idem, p. 54). A importação de toda
filosofia revolucionária burguesa, na falta de sistema original, adota as formas históricas do
direito civil romano, com código de Napoleão, numa “ganga doutrinária”, nas palavras do
historiador paulista. A ideologia da constituinte, refletindo a necessidade de se racionalizar o
modelo socioeconômico colonial que permanece vivo, agarra-se nesta “ganga doutrinária”
que fica evidente quando se adapta Rousseau e seu “contrato social” à escravidão (!) como no
artigo 265 que dizia “A constituição reconhece os contratos entre senhores e escravos o
governo vigiará sua manutenção” (idem, p. 57). A constituição dizia suprimir as restrições
econômicas para a “mais ampla liberdade econômica e profissional”, mas são muitos os
exemplos dessas contradições, do “mais perfeito retrato do liberalismo burguês” (ibidem), que
não pode contradizer, nunca, o motor produtivo da base-real, que no caso era a escravidão.
Vamos a alguns exemplos: primeiro, o xenofobismo extremado em relação aos estrangeiros,
principalmente, portugueses, com o fantasma português da recolonização implicando em
grandes restrições ao processo de naturalização. Segundo, em nome da soberania nacional os
constituintes buscavam limitar o poder do monarca, impedindo que a palavra do monarca se
sobreponha à da constituição, além disso, havia a impossibilidade do Imperador dissolver a
câmara, apenas “com veto suspensivo” (art. 113), as forças armadas estariam sujeitas ao
parlamento e não ao imperador e o veto do Imperador aos projetos seriam passíveis de sanção
do parlamento (art. 116). Além disso, em terceiro, o caráter classista do liberalismo
constitucional de 1823 em que os direitos políticos eram reservados aos grandes proprietários
rurais, havia uma barreira patrimonialista de rendimento anual superior a 150 alqueires de
farinha de mandioca, toda a população trabalhadora e muitos mercadores foram excluídos, só
poderiam votar em assembleias primárias - a eleição era dividida em dois graus (idem, p. 55-
56). Como se viu anteriormente, essa constituição acaba sendo letra morta nas disputas por
poder durante o primeiro reinado. A lei importada não tem eficácia na realidade do Brasil.
Com a queda de D. Pedro I e as classes populares, mesmo desunidas, insurgindo-se pelo país
contra as desigualdades materiais e a opressão dos grandes proprietários, o Partido Brasileiro
passa a reprimir e criminalizar, surgem leis penais como a de “6 de junho” que passa a proibir
“ajuntamentos noturnos nas praças e é declarado inafiançável crimes com prisão em
flagrante” (idem, p. 67). Os governos regenciais que se seguem possuem o caráter autoritário,
enérgico e punitivista, principalmente, com a nomeação do Ministro da Justiça Antônio Feijó
que os chama de “anarquistas”. A repressão atinge as revoltas populares e também as revoltas
nos quarteis com os soldados (idem, p. 68- 69). Esse período intenso de revoltas e
criminalização dos movimentos durou até 1849, após, há a consolidação do avanço
conservador e reacionário e se instaura o Estado liberal dos proprietários com muitos reflexos
jurídicos. Os proprietários passam a deter pleno controle do Estado e de suas formas já não
mais em disputa, o direito é expresso enquanto meio de apaziguamento e desmobilização
social, são dados “os últimos retoques nas Instituições do Império”, são os reflexos aparentes
do novo equilíbrio do poder econômico e político (idem, p. 86), em que a lei e o judiciário
expressam claramente os interesses “racionais e universais” da classe dominante. Algumas
leis como a de 1841 já demonstram isso, numa certa ‘reforma judiciária’, em que centraliza-se
o poder Estatal na figura da polícia com amplos poderes e atribuições judiciárias, diretamente
subordinadas ao governo central. Em 1846, a reforma eleitoral, traz substantivas alterações
nos direitos políticos, que ficam mais limitados, dobra-se a renda anual mínima exigida para
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4 - Conclusão
Nesta tarefa inicial, que vai até meados do século XIX, de se compreender como aparece o
reflexo jurídico e a função do direito na historiografia brasileira do autor Caio Prado Jr.,
talvez fosse o caso de ver criticamente algumas tendências que apareceram como a de um
caráter meramente passivo do direito frente ao conflito social. Embora no século XIX tenha se
demarcado alguma atuação e função, ainda é pouco desenvolvida. Neste sentido, Prado Jr.
parece ter uma visão apenas passiva do direito que surge tanto de uma confusão, justificável
nos primeiros 150 anos de colonização entre administração e judiciário, de certa forma, o
direito fica em segundo plano, como mediação sempre passiva. Prado Jr, neste primeiro
ensaio materialista, apresenta traços economicistas, retirando o estatuto social, administrativo
e jurídico como um reflexo idêntico e determinado mecanicamente pela base real, parece
retirar toda autonomia das formas aparentes. Desta forma, o direito é subdimensionado no seu
papel de acomodação da classe no Brasil, necessitando de maiores análises e
aprofundamentos sobre o direito e a ideologia da classe dominante, assim como a função do
direito na formação da classe trabalhadora. A par disso, o poder do controle produtivo das
riquezas do país, sempre nas mãos de muito poucos, esteve em disputa nestes primeiros 350
anos de Brasil, mas sem perder sua característica colonial voltada ao interesse externo do
comércio internacional. Portanto, os diversos equilíbrios políticos surgidos com as condições
produtivas refletem sim no aparato jurídico tanto como um meio de se consolidar o poder
conquistado como forma de conter o avanço da classe popular revolucionária, como fica
evidenciado por Prado Jr. na introdução deste ensaio analisado.
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