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GEOGRAFIA E

RECURSOS
HÍDRICOS
Bacias hidrográficas
brasileiras:
características
ambientais e gestão
dos recursos hídricos
Érica Insaurriaga Megiato

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Identificar as regiões hidrográficas brasileiras e suas características.


>> Descrever os impactos ambientais nos recursos hídricos brasileiros.
>> Reconhecer o papel dos comitês de bacias hidrográficas na gestão e no
planejamento dos recursos hídricos.

Introdução
O estudo das bacias hidrográficas como uma unidade de análise espacial permite
identificar as diferentes características dessas áreas e, por consequência, reco-
nhecer os impactos ambientais que as atingem. Pelo conhecimento dos problemas
que ocorrem nas bacias hidrográficas, é possível procurar por soluções viáveis.
Ferramentas de geoprocessamento e de sensoriamento remoto mostram resultados
que podem servir como subsídios para a elaboração de planos e de estratégias
visando mitigar os impactos nesses ambientes.
Cada bacia hidrográfica possui uma dinâmica socioambiental particular,
sendo necessário, portanto, reconhecer sua importância no contexto regional
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e local. Daí a importância da geografia, uma disciplina que permite o estudo,


a análise e a compreensão tanto dos aspectos físicos quanto dos aspectos
humanos que concernem às bacias hidrográficas, a partir de uma visão inte-
gradora e sistêmica. Porém, para entender a dinâmica das bacias hidrográficas
brasileiras, é fundamental conhecer como funciona a política de planejamento
e de gestão dos recursos hídricos no País. É importante, assim, reconhecer o
papel dos comitês de bacias hidrográficas, entendendo como funcionam e
como atuam no gerenciamento das questões socioambientais e econômicas
que envolvem essas áreas.
Neste capítulo, vamos discutir sobre aspectos importantes envolvendo as
bacias hidrográficas brasileiras a partir do entendimento de suas características
ambientais e do meio socioeconômico no qual se inserem.

Caracterização das regiões hidrográficas


no Brasil
O Brasil é um país de extensão continental, cuja maior parte do território
é localizada na zona intertropical, com climas úmidos e quentes. Outra
característica importante da geografia do Brasil é sua disponibilidade
hídrica: 14% da água doce do mundo está situada em seu território. A
disponibilidade hídrica é tanta que o Brasil abriga mais da metade da
área da maior bacia hidrográfica do mundo, a bacia do Rio Amazonas.
Além dessa bacia, o território brasileiro é banhado por cursos d’água de
outras 12 grandes bacias hidrográficas, também denominadas regiões
hidrográficas.
De acordo com a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA),
a Divisão Hidrográfica Nacional foi instituída pelo Conselho Nacional de
Recursos Hídricos (CNRH), que estabeleceu 12 regiões hidrográficas brasilei-
ras (Figura 1). Segundo a ANA (AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS E SANEAMENTO
BÁSICO, 2018, documento on-line), “São regiões hidrográficas: bacias, grupo
de bacias ou sub-bacias hidrográficas próximas, com características na-
turais, socais e econômicas similares. Esse critério de divisão das regiões
visa orientar o planejamento e gerenciamento dos recursos hídricos em
todo o País”.
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Figura 1. Mapa das regiões hidrográficas brasileiras abrangendo todos os 26 estados da


Federação, cada uma com suas características físicas e socioeconômicas, que interferem
nas dinâmicas ambientais de maneiras diferentes.
Fonte: Adaptada de Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (2018).

A Geografia das principais bacias hidrográficas


do Brasil
Todas as regiões hidrográficas do País são importantes, pois cada uma
delas é composta por um conjunto de bacias e de sub-bacias hidrográficas
que banham aquela região e que são responsáveis pelo abastecimento de
água de cidades, de comunidades e de localidades rurais. São fundamen-
tais, ainda, para o desenvolvimento de diversas atividades econômicas,
como a geração de energia, a pesca, o turismo e a agricultura, e para a
manutenção da vida de espécies vegetais e de animais das localidades
drenadas por suas águas.
Entre as 12 regiões hidrográficas, destacam-se quatro, que, juntas, cobrem
mais de 80% do território brasileiro. São elas:
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1. Amazônica;
2. Tocantins-Araguaia;
3. Platina (conjunto das bacias do Paraná, do Paraguai e do Uruguai);
4. São Francisco.

A Bacia Amazônica é considerada a maior bacia hidrográfica do mundo, com


rica biodiversidade (flora e fauna) e enorme potencial energético por sua grande
disponibilidade hídrica, despertando interesse de cientistas, de ONGs (organi-
zações não governamentais), de empresas e de governos ao redor do mundo.
De acordo com Yahn Filho (2005), a Bacia Amazônica é uma bacia de drenagem
internacional, pois seus afluentes começam no território de outros países da
América do Sul: Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela.
De acordo com a ANA (2017), a região hidrográfica Amazônica ocupa 45%
do território nacional em sete estados (Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima,
Pará, Amapá e Mato Grosso). Ainda conforme a ANA (AGÊNCIA NACIONAL DE
ÁGUAS E SANEAMENTO BÁSICO, 2017, documento on-line), a região hidrográfica
em questão:

Possui uma extensa rede de rios com grande abundância de água, sendo os mais
conhecidos: Amazonas, Xingu, Solimões, Madeira e Negro. A densidade populacional
é 10 vezes menor que a média nacional, entretanto, a região concentra 81% da dis-
ponibilidade de águas superficiais do país. Cerca de 85% da área da RH Amazônica
permanece com cobertura vegetal nativa.

Na região hidrográfica Amazônica, está localizada a maior floresta tropical


do mundo, com uma grande biodiversidade e papel-chave nos contextos
socioambiental e econômico. De acordo com a ANA (AGÊNCIA NACIONAL DE
ÁGUAS E SANEAMENTO BÁSICO, 2017), a população dessa região hidrográfica
era de 9,7 milhões de habitantes, com uma população urbana de 73%. A den-
sidade populacional da área é muito baixa, de 2,51 ha/km². A intensificação
da ocupação dessa RH ocorreu a partir da década de 1970, principalmente
pelas atividades madeireira, de criação de gado e de plantio de pastagens
(AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS E SANEAMENTO BÁSICO, 2017).

O Ministério do Meio Ambiente (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2006a)


chama a atenção para a forma de ocupação da área da região hidro-
gráfica Amazônica, cujos rios, desde o período Colonial, têm papel fundamental.
Em função da expansão agrícola, porém, as estradas acabaram sendo um fator
mais importante que os rios para a ocupação e a distribuição populacional.
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Com relação aos aspectos econômicos, a região ocupa grande parte do


território brasileiro, mas, com relação, ao produto interno bruto, representa
5%, aproximadamente. Os setores econômicos que se destacam nessa área
são a indústria de transformação, a agroindústria, a pecuária, a exploração
madeireira, a exploração mineral, a extração de gás e o petróleo (MINISTÉRIO
DO MEIO AMBIENTE, 2006a).
A cobertura vegetal da área é composta por formações florestais e por
formações campestres, variando de uma cobertura baixa até floresta tropical
úmida, ocupando, aproximadamente, 70% da bacia hidrográfica Continental.
A região sofre com o descaso ambiental e com o desmatamento, que tem
se intensificado nos últimos anos, causando impactos ambientais na bacia
hidrográfica Amazônica e no País como um todo, no sentido econômico e de
sustentabilidade ambiental (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2006a).
Outra região hidrográfica de fundamental importância para o Brasil é
a região hidrográfica do Tocantins-Araguaia, a maior bacia hidrográfica
totalmente brasileira. De acordo com o MMA (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE,
2006b), ocupa, aproximadamente, 11% do território brasileiro, abrangendo os
estados de Goiás, Tocantins, Maranhão, Pará, Distrito Federal e Mato Grosso.
Essa região hidrográfica drena parte de dois biomas importantes no País: o
Cerrado e a Amazônia.
Segundo o MMA (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2006b), grande parte
da região hidrográfica Tocantins-Araguaia possui um ecossistema bastante
frágil, tendo o cerrado como bioma de sua maior área de abrangência. É
importante ressaltar que esse bioma é fundamental para o armazenamento
e a qualidade dos recursos hídricos subterrâneos nessa região. De acordo
com o estudo realizado pelo MMA:

Na Região Hidrográfica do Tocantins-Araguaia, intensificou-se a contaminação


dos recursos hídricos, sobretudo no Estado de Goiás. A partir da década de 1980,
com o aumento das populações urbanas, expansão das fronteiras agrícolas e a
proliferação das atividades garimpeiras, a contaminação desses recursos passou
a representar um importante fator de risco potencial para o equilíbrio ambiental
(MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2006b, documento on-line).

Essa importante região hidrográfica, de acordo com o IBGE (MARTINS,


2013), possui uma população de, aproximadamente, 8,6 milhões de habitan-
tes, com 76% da população vivendo nos centros urbanos e 24% vivendo nas
zonas rurais. Sua densidade demográfica é de 9,3 hab./km² e as atividades
econômicas nela desenvolvidas são a agricultura (principalmente o plantio
de soja), a pecuária e a mineração. A pesca, a aquicultura e o turismo tam-
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bém se destacam como atividades socioeconômicas na região. Destaca-se,


ainda, seu potencial hidrelétrico e de navegação. Com relação aos usos do
solo, a região tem sofrido com o desmatamento em função da expansão das
atividades agrícolas, impactando os biomas Cerrado e Amazônia.
O conjunto das regiões hidrográficas Paraná, Paraguai e Uruguai forma
a Bacia Platina, considera a segunda maior do País. Também é uma bacia de
drenagem internacional, pois abrange os territórios de outros quatro países
da América do Sul além do Brasil: Uruguai, Paraguai, Bolívia e Argentina.
A Bacia Platina ocupa partes da região Sudeste e Sul do País, sendo bem
povoada. Suas águas são utilizadas nas mais variadas atividades, como
na produção industrial, na produção agropastoril e no abastecimento de
água, além de possuir hidrelétricas importantes e um ótimo potencial de
geração de energia.
A população total dessas três regiões hidrográficas é de, aproximada-
mente, 70 milhões de habitantes, de acordo com o IBGE (MARTINS, 2013). O
conjunto das regiões hidrográficas citadas abrange parte das regiões Sul,
Sudeste e Centro-Oeste do País, sendo a região hidrográfica do Paraná a mais
populosa e a de maior desenvolvimento econômico do País. Segundo a ANA
(AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS E SANEAMENTO BÁSICO, [2019]), a área possui
a maior demanda por recursos hídricos, pois é utilizada nos mais variados
tipos de uso do solo e atividades socioeconômicas, com destaque para o
uso industrial. As regiões hidrográficas em questão chamam a atenção no
que diz respeito ao gerenciamento dos recursos hídricos: abastecimento
urbano, conflitos pelo uso da água, qualidade da água e vulnerabilidade
a inundações.
Além das bacias hidrográficas destacadas, é imprescindível mencionar
a importância, tanto nacional quanto regional, da Bacia do São Francisco,
que drena parte das regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste do Brasil.
Por abranger parte das três regiões administrativas, a região hidrográfica
do São Francisco é caracterizada por fortes contrastes socioeconômicos,
contemplando tanto áreas de alta densidade demográfica e riqueza quanto
áreas de pobreza extrema e baixa densidade demográfica.
A região hidrográfica do São Francisco possui uma população de 14,3
milhões de habitantes, com uma densidade demográfica de 22,4 hab./km²
(MARTINS, 2013). As águas dessa região são utilizadas para o abastecimento
e o desenvolvimento de atividades agrícolas. A região também desenvolve
atividades voltadas para o turismo. De acordo com a ANA (AGÊNCIA NACIONAL
DE ÁGUAS E SANEAMENTO BÁSICO, [2019]), os principais temas para a gestão
das águas na região hidrográfica do São Francisco estão relacionados aos
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eventos críticos de seca, já que parte dela se encontra no semiárido, além de


ao abastecimento urbano, à qualidade da água, à irrigação e aos potenciais
hidrelétrico e de navegação.
Conforme já mencionado, cada região hidrográfica possui geografias
física e humana únicas, com aspectos socioeconômicos e socioambientais
diferentes, que caracterizam suas dinâmicas socioespaciais. Apesar de exis-
tirem estudos que tratem dessas regiões, dentro de cada grande área de uma
região hidrográfica existem diversas sub-bacias, microbacias hidrográficas
que carecem de estudos e de análises para servir de subsídio ao planejamento
e ao ordenamento territorial dessas áreas.

O MMA possui uma série de publicações sobre as regiões hidrográficas


brasileiras, cada caderno contemplando uma região hidrográfica e
discutindo suas características particulares. O intuito dos cadernos foi esta-
belecer um diagnóstico básico e uma visão regional dos recursos hídricos de
cada uma das 12 regiões hidrográficas do País. Todas essas publicações estão
disponíveis on-line. Faça uma busca utilizando seu motor de busca preferido.

Impactos ambientais nas bacias hidrográficas


brasileiras: causas e consequências
Para conhecer as questões ambientais e os impactos no contexto regional ou
local, a bacia hidrográfica, pelo estudo de características físicas e antrópicas, é
uma importante unidade de análise espacial, pois fornece uma visão holística
do meio, possibilitando o planejamento de ações para o ordenamento terri-
torial e a mitigação de impactos ambientais. Os estudos integrados podem
ser realizados a partir da interdisciplinaridade e da multidisciplinaridade,
agregando o conhecimento de diversas áreas para a compreensão do meio
como um todo. Conforme Nascimento e Sampaio (2004), o Projeto Radam foi
um marco para o começo dos estudos integrados no País.

O Projeto Radam foi um esforço pioneiro do governo brasileiro na


década de 1970 para a pesquisa de recursos naturais. Na época, o uso
do radar de visada lateral (SLAR, side-looking airborne radar) representou um
avanço tecnológico, pois, sendo um sensor ativo, a imagem poderia ser obtida
tanto durante o dia quanto à noite e em condições de nebulosidade, devido ao
fato de as micro-ondas penetrarem na maioria das nuvens.
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Em outubro de 1970, foi criado o Projeto Radam — Radar na Amazônia, prio-


rizando a coleta de dados sobre recursos minerais, solos, vegetação, uso da
terra e cartografia da Amazônia e de áreas adjacentes da região Nordeste. Em
junho de 1971, iniciou-se o aerolevantamento. Devido aos bons resultados do
projeto, em julho de 1975 o levantamento de radar foi expandido para o restante
do território nacional, visando ao mapeamento integrado dos recursos naturais.
Passou, então, a ser denominado Projeto RadamBrasil (COMPANHIA DE PESQUISA
DE RECURSOS MINERAIS, c2020).

No Brasil, bacias hidrográficas com altos graus de poluição e de impactos


ambientais como as bacias dos Rios Tietê, Sinos, São Francisco e Rio Doce
carecem de análises e de estudos que visem mitigar os impactos ambientais
nessas áreas. Botelho e Silva (2004) mostram exemplos de bacias hidrográficas
onde estudos integrados poderiam contribuir para a avaliação dos impactos
ambientais, como as bacias dos Rios Piracicaba e Paraíba do Sul, em São
Paulo. Segundo Botelho e Silva (2004, p. 153):

Ao distinguirmos o estado dos elementos que compõem o sistema hidrológico


(solo, água, ar, vegetação, etc.) e os processos a eles relacionados (infiltração,
escoamento, erosão, assoreamento, inundação, contaminação, etc.), somos
capazes de avaliar o equilíbrio do sistema ou ainda a qualidade ambiental
nele existente.

Os impactos ambientais que ocorrem nas bacias hidrográficas brasileiras


são dos mais variados tipos.
Entre os impactos gerados nas áreas urbanas, estão os decorrentes de
resíduos sólidos e de efluentes que contaminam os recursos hídricos, ori-
ginados tanto por residências quanto por empreendimentos industriais.
Destaca-se, nesse sentido, a ocupação de áreas de risco, o que ocasiona
não apenas problemas ambientais, mas também problemas sociais, com
inundações e enchentes.
Por sua vez, os problemas ambientais em bacias hidrográficas que ocorrem
mais em áreas rurais são o desmatamento, o assoreamento, a poluição de
cursos d’água com agrotóxicos, além do lixo e da agricultura em áreas de
muita declividade e as atividades de mineração, em algumas regiões. Veja,
na Figura 2, a poluição em um rio no Amazonas.
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Figura 2. Poluição no Rio Mindu, em Manaus (AM). Com a chuva, a quantidade de lixo fica
mais evidente.
Fonte: Pereira (2018, documento on-line).

Para Guerra e Cunha (1993), bacia hidrográfica é uma unidade que integra
os setores naturais e sociais, de forma que as mudanças que acontecem em
qualquer um desses setores são capazes de gerar alterações e impactos
a jusante, bem como nos fluxos de energia de saída de uma bacia hidro-
gráfica. Segundo os autores, as mudanças que ocorrem no interior de uma
bacia podem, sim, ser resultado das dinâmicas naturais, mas as atividades
antrópicas aceleram os processos e acabam por gerar desequilíbrios nesses
ambientes.
No Brasil, temos muitos exemplos de impactos ambientais associados a
bacias hidrográficas, mas chamam a atenção aqueles que envolvem perdas
humanas e devastação ambiental, que são os casos de Mariana (MG) e Bru-
madinho (MG), dois municípios com atividades de mineração instaladas a
montante de bacias hidrográficas.
Em novembro de 2015, o município de Mariana foi palco de uma das maiores
tragédias ambientais já ocorridas em solo brasileiro: a barragem de rejeitos
de mineração com o nome de Fundão, controlada por três grandes empresas
do ramo (Samarco Mineração S.A., Vale S.A. e BHP Billiton), rompeu-se e
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despejou um volume de aproximadamente 62 milhões de metros cúbicos de


rejeito de minério nas águas do Rio Doce, rio de extrema importância para
a região sudeste do País, pois serve para o abastecimento de água, para a
pesca, para o sustento de comunidades ribeirinhas, para o turismo, etc. O
desastre deixou um rastro de destruição jamais visto, impactando ecossis-
temas inteiros, flora, fauna e comunidades ribeirinhas.
Três anos depois, novamente o estado de Minas Gerais foi protagonista nos
noticiários, com o rompimento de outra barragem de rejeitos de mineração, a
barragem da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, despejando um volume
de cerca de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos, que contaminaram do
Rio Paraopeba (Figura 3) até o Rio São Francisco. Esse rompimento impactou
importantes ecossistemas, tendo um grande impacto social com a morte
de mais de 250 pessoas e causando enorme devastação ambiental e de
comunidades ribeirinhas.

Figura 3. Poluição no Rio Paraopeba em Minas Gerais, após o rompimento da barragem da


mina Córrego do Feijão.
Fonte: Christyam de Lima/Shutterstock.com.

Em cada região do País, existem bacias hidrográficas e recursos hídricos


extremamente poluídos, muitos sem um plano de gerenciamento. De acordo
com o levantamento Indicadores do Desenvolvimento Sustentável, a partir
de uma análise de Índices de Qualidade de Água (MARTINS, 2013), o Quadro 1
mostra o ranking dos dez rios mais poluídos do Brasil.
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Quadro 1. Dez rios mais poluídos do Brasil

Fonte: Adaptado de Martins (2013).

Diversos são os exemplos de bacias hidrográficas com os mais diferentes


tipos de poluição e impactos ambientais, como mostra o Quadro 1. Com relação
à região hidrográfica do Tocantins-Araguaia, chama a atenção a contaminação
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dos recursos hídricos subterrâneos, consequência dos impactos ambientais


que ocorrem no bioma Cerrado. De acordo com o MMA (MINISTÉRIO DO MEIO
AMBIENTE, 2006, documento on-line):

Dentre os mais importantes focos de contaminação dos recursos hídricos sub-


terrâneos pode-se destaca a disposição inadequada nos chamados “lixões” ur-
banos, na periferia dos centros urbanos; o lançamento de efluentes industriais
sem qualquer controle, embora as atividades fabrís sejam incipientes na região;
a expansão da atividade agrícola com o uso intensivo de insumos e a adoção de
práticas de manejo inadequadas; e a atividade extrativista da mineração sem
controle, que representou historicamente um importante fator de poluição das
águas subterrâneas, sendo gradualmente substituída pela atividade extrativista
organizada com a adoção de medidas mitigadoras, que contribuem atualmente
para reduzir os impactos.

Na tentativa de achar soluções viáveis e de contribuir para a minimi-


zação dos impactos ambientais em bacias hidrográficas, os estudos
integrados são fundamentais. A partir do conhecimento das características de
uma bacia hidrográfica, de suas fragilidades e de suas potencialidades, é possível
pensar em medidas mitigadoras e contribuir para que os órgãos competentes
pensem em políticas de preservação ambiental e de manutenção dos recursos
naturais para as gerações futuras.

Os comitês de bacias hidrográfica e a gestão


dos recursos hídricos no Brasil
No Brasil, a ANA é responsável pela regulação da Política Nacional de Recursos
Hídricos (PNRH), cumprindo os objetivos e as diretrizes da Lei das Águas do
Brasil (Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997). Dessa maneira, a ANA trabalha
com a regulação, o monitoramento, a aplicação de leis e o planejamento dos
recursos hídricos no País.
Com relação à regulação, a ANA é responsável por emitir outorgas regu-
lamentando o uso de recursos hídricos em rios e corpos d’água pertencentes
à União. Também fiscaliza os usos dos recursos hídricos, fazendo valer o
cumprimento da legislação sobre os usos desses recursos.
O serviço de monitoramento oferecido pela ANA permite o acesso a
boletins e a informações importantes para a tomada de decisão das auto-
ridades responsáveis pela prevenção dos desastres ambientais causados
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por inundações e secas no território brasileiro. Sobre os usos das águas


no Brasil, a ANA (AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS, [2019], documento on-line)
afirma que:

A retirada total de água estimada em 2018 foi de 2.048 m³/s. O principal uso de
água no país, em termos de quantidade utilizada, é a irrigação (49,8%), seguida
pelo abastecimento humano (24,4%) e pela indústria (9,6%). Juntos, representaram
cerca de 85% da retirada total. Outras utilizações consideradas foram o atendi-
mento aos animais (8,0%), as termelétricas (3,8%), o suprimento rural (1,7%) e a
mineração (1,6%). A demanda por uso de água no Brasil é crescente, com aumento
estimado de aproximadamente 80% no total retirado nas últimas duas décadas.
A previsão é de que até 2030 a retirada aumente em 24%. O histórico da evolução
dos usos da água está diretamente relacionado ao desenvolvimento econômico
e ao processo de urbanização do País.

A gestão dos recursos hídricos no Brasil ocorre conforme a PNRH,


prevista na Lei nº 9.433/1997. A partir da criação dessa Lei, foram
implementados os comitês de gerenciamento de bacias hidrográficas e os
Planos de Bacias, que muito agregaram para o debate e as tomadas de decisões
a respeito dos usos da água no País.

Os comitês de bacias hidrográficas podem ser interestaduais, quando


as bacias envolvem mais de um estado, ou estaduais, quando sua área de
abrangência se restringe ao estado em que está inserida. Os comitês de
bacias hidrográficas, de acordo com a ANA (AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS,
[201-?], documento on-line), “[...] possuem poder de decisão e cumprem papel
fundamental na elaboração das políticas para gestão das águas nas bacias,
sobretudo em regiões sujeitas a eventos críticos de escassez hídrica, inun-
dações ou na qualidade da água”.
Esses grupos de gestão, que são responsáveis por discussões e delibe-
rações acerca dos recursos hídricos em bacias hidrográficas, avaliam os
interesses e os conflitos de usos dos recursos hídricos e atuam na elabora-
ção de políticas para gestão das bacias hidrográficas. Os comitês de bacias
hidrográficas são formados por representantes do poder público (federal,
estadual ou municipal), de usuários da água e da sociedade civil.
Veja, no Quadro 2, os comitês de bacias hidrográficas do estado de São
Paulo e dados levantados por cada comitê, como número de municípios,
área, população, etc.
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Quadro 2. Dados dos comitês de bacias hidrográficas de São Paulo

Fonte: Malheiros, Prota e Perez Rincon (2013, documento on-line).

O Brasil possui uma boa PNRH, atuando em diversas questões a res-


peito do uso, da gestão e do gerenciamento dos recursos hídricos no País.
Efetivamente, porém, faltam políticas de fiscalização e de preservação dos
mananciais hídricos para que eles sejam utilizados de forma sustentável, a
fim de garantir água potável e recursos naturais no futuro.
Estudos que façam análises e mapeamentos das bacias hidrográficas a
partir de uma lógica sistêmica devem ser realizados e publicados a fim de
chamar a atenção para as causas ambientais que envolvem essas áreas,
visando contribuir para a elaboração de políticas públicas de preservação
dos recursos hídricos e a mitigação dos impactos ambientais.

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Acesso em: 4 out. 2020.
PEREIRA, J. “Mindu”: a natureza em meio ao lixo no maior igarapé de Manaus. 2018.
Disponível em: https://medium.com/lab-f5/mindu-a-natureza-em-meio-ao-lixo-no-
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YAHN FILHO, A. G. O conceito de bacia de drenagem internacional no contexto do
tratado de cooperação amazônica e a questão hídrica na região. Revista Ambiente
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Leituras recomendadas
BELTRAME, A. de V. Diagnóstico do meio físico de bacias hidrográficas: modelo e
aplicação. Florianópolis: UFSC, 1994.
BLOOM, A. Superfície da Terra. São Paulo: Blucher, 1996. (Série de Textos Básicos de
Geociência).
16 Bacias hidrográficas brasileiras: características ambientais e gestão dos...

CHRISTOFOLETTI, A. Geomorfologia. São Paulo: Blucher, 1975.


CHRISTOFOLETTI, A. Geomorfologia fluvial. 2. ed. São Paulo: Blucher, 1980.
GUERRA, A. J. T.; CUNHA, S. B. (org.). Geomorfologia: uma atualização de bases e con-
ceitos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.
PINTO, N. L. de S. et al. Hidrologia básica. São Paulo: Blucher, 1976.
SETTI, A. A. A necessidade do uso sustentável dos recursos hídricos. Brasília: IBAMA, 1994.
TUCCI, C. Hidrologia: ciência e aplicação. Porto Alegre: UFRGS, 1993.

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