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Gabriela Borges
CONSELHO EDITORIAL
Eduardo Peñuela Cañizal
Norval Baitello Junior
Maria Odila Leite da Silva Dias
Celia Maria Marinho de Azevedo
Gustavo Bernardo Krause
Maria de Lourdes Sekeff (in memoriam)
Cecilia de Almeida Salles
Pedro Roberto Jacobi
Lucrécia D’Aléssio Ferrara
© Gabriela Borges
APRESENTAÇÃO .................................................................................. 00
INTRODUÇÃO ..................................................................................... 00
A Produção .................................................................................. 00
A Agonia da Percepção ............................................................... 00
A Câmera-Olho ........................................................................... 00
OS FANTASMAS ................................................................................... 00
A ZONA DE AUSÊNCIA
A OUTRA NOITE
ANEXO ................................................................................................... 00
ARLINDO MACHADO
Gabriela Borges 17
INTRODUÇÃO
GABRIELA BORGES
Gabriela Borges 21
CAPÍTULO I
A desconstrução da linguagem
No rádio, no cinema e particularmente na televisão, Samuel Beckett
faz parte de um grupo de autores, como Jean-Luc Godard, Bill Viola, Nam
June Paik, Peter Greenaway, que teve a oportunidade de inventar e
experimentar com este meio. Porém, devido ao seu experimentalismo, os
seus trabalhos não se adequavam ao que estava sendo exibido no fluxo
televisual, fazendo com que fosse visto como um outsider. Mas isso não era,
de forma alguma, um problema para Beckett. Diferentemente do diretor
de televisão Dennis Potter, entre outros, que alimentava a fama por meio
de sua auto-promoção, Samuel Beckett sempre fez questão de se manter
afastado da mídia. Não dava entrevistas, não permitia ser fotografado e
nem mesmo foi receber o Prêmio Nobel de Literatura que lhe foi concedido
em 1969. Inclusive, as únicas imagens que a equipe de produção da BBC
conseguiu gravar do autor durante os ensaios de uma das suas tele-peças
ficaram tão ruins que não puderam nem mesmo ser assistidas. Em 1956,
ele escreveu para Schneider (apud KALB, 1994: 124-5): “o sucesso e o
fracasso com o público nunca me preocuparam muito, na verdade eu me
sinto mais confortável com o segundo, pelo fato de ter respirado fundo o
seu ar estimulante durante toda a minha vida de escritor” 2.
2. “the sucess and the failure on the public level never mattered much to me, in fact I feel
much more at home with the latter, having breathed deep of its vivifying air all my
writing life”. [Todas as traduções do inglês para o português são da autora.]
3. “to be an artist is to fail, as no other dare fail, that failure is his world and shrink from
it desertion (...)”.
4. “Ever tried. Ever failed. No matter. Try again. Fail again. Fail better”.
5. “to bore one hole after another [in language] until what lurks behind it – be it something
or nothing – begins to seep through”.
6. “path of sounds suspended in giddy heights, linking unfathomable abysses of silence”.
7. “literatura da des-palavra”.
Gabriela Borges 25
Dante, e afirma que “a sua escrita não é sobre alguma coisa, ela é a própria
coisa”8 (1983: 19-34 – grifos do original). De fato, como Oppenheim
(2000: 7) observa, os próprios trabalhos que Beckett veio a criar anos
mais tarde também podem ser vistos sob esta ótica. De uma certa forma,
o trabalho de Joyce influenciou Beckett, mas este tinha consciência de
que deveria seguir o seu próprio caminho, inclusive porque seu modo
de ver a literatura era bem diferente. Um exemplo disso é que Joyce
sabia explicar cada linha que tinha escrito, enquanto Beckett não
conseguia explicar nenhum dos seus trabalhos.
A busca pela desconstrução da linguagem escrita levou Beckett a
se interessar por outras formas de expressão, como a música e a pintura,
que acabaram influenciando os seus trabalhos nos meios audiovisuais,
pois eles apresentam a possibilidade de explorar as imagens e os sons e
romper com a superfície das palavras, dando lugar ao que Deleuze se
refere como o “aparecimento repentino do vazio ou do visível per se, do
silêncio ou do som per se” (1995: 22 - grifos do original). Nos meios
audiovisuais, a inexpressibilidade das palavras ganha um novo estatuto,
pois elas perdem a sua materialidade ao se tornarem as vozes da memória
e da imaginação.
As peças teatrais
The key word in my plays is perhaps
(BECKETT).
9. “a silent figure seated on a ladder and smoking a pipe [playing] Einsteinian tricks with
time”.
Gabriela Borges 27
sobre o que se podia esperar de uma peça de teatro. Como Ben-Zvi
(1985: 24) sugere, Beckett questionou a própria definição do drama como
a imitação de uma ação ao fazer com que os personagens falassem ao
invés de se moverem ou falassem sobre os seus movimentos enquanto
se mantinham parados no mesmo lugar.
Principalmente depois de Happy Days (1961), em que a personagem
Winnie está enterrada num monte de areia até a cintura no primeiro ato
e no segundo ato até o pescoço, os cenários passaram a não representar
mais um espaço definido de ação no sentido realista do termo. O palco
apresenta apenas um mínimo de elementos e a performance dos atores é
enfatizada com o uso de focos de luz em meio à escuridão. Na peça A Piece
of Monologue (1979) vê-se somente a cama pouco iluminada e a figura do
locutor em camisola de dormir, enquanto That Time (1975) mostra apenas
o rosto iluminado do ouvinte. Em Play (1962-3), os personagens estão
dentro de vasos e somente suas cabeças são vistas quando enfocadas pelos
focos de luz. Em Rockaby (1980) vê-se apenas a cadeira de balanço em que
a personagem W está sentada e em Footfalls (1975), somente a personagem
fantasmagórica de May está iluminada ao andar compassadamente de um
lado para o outro do palco. Este recurso atinge o seu ápice nas peças Not
I (1972), em que se vê apenas uma boca iluminada e a figura ofuscada do
ouvinte e em What Where (1983), em que se vê três cabeças falantes suspensas
no palco e um megafone pouco iluminado.
As narrativas das peças perdem a linearidade baseada na unidade
de ação aristotélica, com começo, meio e fim e tornam-se circulares, da
mesma maneira que os diálogos passam a não corresponder mais às
ações. Play, por exemplo, termina com a expressão “da capo”, indicando
que as ações devem ser repetidas novamente. Em Krapp’s last tape (1958),
o personagem Krapp escuta três vezes a mesma parte da fita de áudio em
que as suas memórias estão gravadas. Em Waiting for Godot, os personagens
Didi e Gogo concordam que devem ir embora, mas não se movem.
Os processos de criação das peças de teatro e de televisão se
influenciaram mutuamente, pois elas estavam sendo produzidas no mesmo
período, da mesma maneira que foram influenciadas por Film e pelas
peças de rádio. Na televisão, o autor teve a possibilidade de aperfeiçoar a
sua visão minimalista e a fragmentação do corpo dos personagens de uma
forma que o teatro não permitia. Por outro lado, a inovação da linguagem
teatral foi possível a partir das suas experimentações com a televisão.
Gabriela Borges 29
semanas mais tarde para Embers. Apesar de Beckett ter achado o texto
imperfeito e inacabado, a peça ganhou o prêmio da Radiotelevizione
Italiana (RAI) em 195910. All that Fall e Embers se caracterizam pela
exploração das vozes e dos efeitos sonoros e as suas duas peças posteriores,
Words and Music e Cascando, experimentam com o uso da música. O
produtor Michael Bakewell (apud KNOWLSON, 1997: 495-6) afirma
que Beckett foi um dos pioneiros no uso da música como personagem
de uma peça, pois até então esta era usada apenas como background ou
para criar a ambientação.
Depois do sucesso de Embers, o autor escreveu um texto radiofônico
cuja música foi composta por John Beckett, resultando na peça Words
and Music, que estreou no BBC Third Programme em novembro de
1962 (KNOWLSON, 1997: 496-7). Em Words and Music as palavras e a
música atuam como personagens. Words e Music são dois servos de um
velho homem chamado Croak que lhes pede uma contribuição sobre o
tema do amor, incitando-os a serem amigos. De acordo com o pedido de
Croak, Words tenta cantar as suas linhas seguindo as frases musicais
propostas por Music.
A peça seguinte, Cascando, foi escrita originalmente em francês.
Marcel Mihalovici, músico e amigo pessoal de Beckett, recebeu um
pedido da rádio francesa ORTF para compor uma peça e pediu a Beckett
para escrever o texto radiofônico, que estreou com o título de Cascando
em outubro de 1963 na ORTF e no BBC Third Programme em 1964.
Duas outras peças foram escritas em francês no começo dos anos
1960: Esquisse radiophonique (Rough for Radio I), que foi publicada em
inglês em 1976 sob o título Sketch for Radio Play, e Pochade radiophonique
(Rough for Radio II) publicada em inglês no mesmo ano e transmitida
pela BBC Radio 3 no aniversário do autor em 13 de abril de 1976.
O relacionamento desenvolvido com o staff da Rádio BBC foi
muito importante porque mais tarde muitos membros foram trabalhar
na televisão BBC2 e Beckett tornou-se então um colaborador contínuo.
Porém, antes disso, ele trabalhou num projeto cinematográfico
10.
Uma das poucas vezes em que Beckett participou de cerimônias como esta fez com que
ele se arrependesse profundamente de o ter feito, tanto que em 1969 não foi receber
o Prêmio Nobel de Literatura que lhe foi concedido pela escritura do livro Murphy
(KNOWLSON, 1997: 446).
A voracidade da câmera-olho
Mere eye. No mind. Opening and shutting on
me (BECKETT).
Gabriela Borges 31
que algumas cenas se tornavam impossíveis de serem realizadas. Alguns
críticos, como Peter Brook (apud SCHNEIDER, 1986), argumentam que
uma metade do filme é um sucesso e a outra um fracasso devido aos seus
problemas técnicos, mas outros como Gontarski (1985), por exemplo,
preferem priorizar a importância da discussão sobre o meio fílmico
proposta pelo autor.
O filme é baseado no aforismo Existir é ser percebido, do filósofo
irlandês Berkeley. O enredo é construído em torno de O, o objeto,
representado por Buster Keaton, que foge da percepção do olhar de E
(derivado de eye, a palavra olho em inglês), a câmera-personagem, mas
não consegue fugir da percepção de si mesmo. Ao ser perseguido, O é
protegido pelo ângulo de imunidade de 45°, mas quando este é
ultrapassado, O entra na zona da agonia da percepção. Nestes momentos,
O passa a ser percebido não somente pelo outro, mas também toma
consciência de si mesmo. Beckett (HARMON, 1999: 167) afirma que
não deve ficar explícito até o final do filme que o perseguidor, metaforizado
pela câmera, não é alguém alheio, mas o próprio eu.
A Produção
11. Aliás, em 1932, Samuel Beckett traduziu para o inglês os poemas de André Breton,
Paul Eluard e René Crevel que foram publicados na revista This Quarter juntamente
com o roteiro de Um cão andaluz (FESHBACH, 1999: 346).
Gabriela Borges 33
Da mesma maneira, o conhecido rosto de Buster Keaton é mostrado
apenas no close-up final, e as suas gags são praticamente inexistentes.
A Agonia da Percepção
12. Beckett sugere que estas observações não precisavam ficar explícitas no filme. Ele
somente acrescentou-as para facilitar o entendimento do roteiro pela equipe técnica
(HARMON, 1999: 175).
Sem dúvida, a realização técnica destas idéias não seria fácil, mas
tanto Beckett quanto Schneider acreditavam que seria possível. Porém,
numa pesquisa realizada em 1970 durante a exibição do filme em Nova
York, os espectadores confirmaram que não entenderam a diferença dos
pontos de vista a partir do uso da imagem desfocada, nem a dinâmica do
ângulo de imunidade de 45° (ZILLIACUS, 1976: 186).
13. “There can’t be any normal vision in the picture. The norm is in the spectator’s personal
experience, with which will necessarily compare E’s experience. (...) The spectator will
never have seen as E sees, and never have seen as O sees. There will be two deviations from
normal perception. (...) A reluctant, a disgusted vision, and a ferociously voracious one”.
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A terceira parte do filme ocorre no quarto e explicita, de certa
forma, a questão da percepção como um duplo. O quarto fechado, como
espaço cênico, foi usado pela primeira vez em Film e tornou-se um recurso
muito explorado nas tele-peças produzidas posteriormente. As ações do
quarto, por sua vez, são subdivididas em três etapas: a preparação do
quarto, o período na cadeira de balanço (destruição das fotos) e a investida
final (desenlace).
Ao entrar no recinto, O vê todos os animais e objetos olhando
para ele e se sente incomodado. Ele cobre o espelho, dispositivo de
reflexo de si mesmo, e se livra dos olhares do gato e do cachorro, iniciando
uma gag própria das comédias do cinema mudo, que era a especialidade
de Keaton. O abre a porta e coloca o gato do lado de fora do quarto, mas
quando vai colocar o cachorro, o gato entra novamente e assim
sucessivamente. Durante esta gag há uma outra referência ao filme Um
Cão Andaluz, que é um plano-detalhe da mão de O fechando a porta, o
qual remete a um plano similar do filme surrealista.
Ao sentar-se na cadeira de balanço com um apoio para a cabeça com
dois furos no meio que parecem dois olhos, O descobre a imagem de uma
escultura sumeriana de um Deus pendurada na parede, cujos olhos também
estão olhando para ele. O simplesmente rasga a imagem e a pisoteia. Isto
pode ser interpretado como uma destruição do olhar de Deus que, segundo
Berkeley, é o único capaz de perceber tudo. Mesmo depois de cancelar
estes olhares que o perturbam, o peixe e o papagaio ainda estão olhando
para ele, e são cobertos com um paletó. Depois de se livrar de todos os
olhares, O começa a ver uma seqüência de fotos que vão desde a sua
infância até a idade adulta. Ele se sente ameaçado pelo seu passado e pelo
reconhecimento de si mesmo nas fotos, que de uma certa forma atestam
a sua identidade. Decide então rasgá-las e jogá-las no chão.
Todos os olhares exteriores perturbam O, que tenta vendá-los,
expulsá-los do quarto ou destruí-los. Entretanto, E continua a olhar para
ele sempre na mesma posição, por trás de sua cabeça. O quarto é visto
graças à percepção de O, que por sua vez é visto graças à percepção de E.
O ponto de vista de O, mostrado através de uma imagem mais desfocada
no encontro com o casal e com a mulher, agora prevalece e torna-se
necessário para o espectador distinguir entre os dois pontos de vista.
A investida final de E começa quando O cochila, isto é, ele vai
tentar ultrapassar o ângulo de imunidade para ver O frontalmente. E
14. A imagem especular foi usada mais tarde na tele-peça Ghost trio em que aparece um close-up
do personagem F, que Deleuze (1995: 9) afirma ser a imagem, pois para ele Beckett conseguiu
condensar sua forma e sua tensão interna no vazio espacial do silêncio dos planos.
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Film termina como começou, com um enquadramento do olhar,
porém o olhar de O é parcial, uma vez que um de seus olhos está coberto
com o tapa-olho. Da mesma forma que a consciência que o homem tem
de si mesmo nunca é completa, mas sempre parcial e fragmentada. Os
atos de ver e de ser visto são recorrentes na obra beckettiana, pois os
personagens estão sempre lidando com a percepção do outro e a
insuportável percepção de si mesmo. Como na peça Play (1962-3), por
exemplo, em que a personagem M pergunta: “Puro olho. Mente não.
Abrindo e fechando em mim. Será que eu existo – Será que eu existo
porque... estou sendo visto?” (BECKETT, 1990: 317)15. Na tele-peça Eh
Joe (1966), a personagem Voice fala com Joe quando ele se sente seguro
no seu quarto: “... Ninguém pode vê-lo agora... Ninguém pode achá-lo
agora...” (BECKETT, 1990: 362)16 e na tele-peça ...but the clouds... (1976)
o personagem M esconde-se na escuridão de seu santuário, onde não
será visto por ninguém, para relembrar as aparições de sua amada.
Da mesma maneira, O foge de toda percepção, seja do casal na rua,
da senhora na escada, dos animais e até mesmo das suas próprias
fotografias. Na sua fuga, O se fecha no quarto. No entanto, a tragicidade
de tal ato é que ele só percebe que não pode fugir de si mesmo no final
do filme. Segundo Henning (apud LEVY, 1994-5: 70), a consciência de
si mesmo torna-se tanto o sujeito quanto o objeto do ato de conhecer.
Ao bloquear a sua visão com o tapa-olho, O gostaria de escapar do olhar
de E, e conseqüentemente da percepção de si mesmo, mas não consegue.
À medida que foge, a consciência de si mesmo aumenta, ao ponto de
explicitar a sua duplicidade no momento em que O se percebe em E.
A Câmera-Olho
15. “Mere eye. No mind. Opening and shutting on me. Am I as much - Am I as much as
... being seen?”.
16. “...No one can see you now... no one can get at you now...”.
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up de O, sentindo-se parte tanto do ato de perseguir quanto de ser
perseguido, isto é, do confronto entre perseguidor e perseguido proposto
pelo filme.
Neste sentido, Beckett desloca o olhar do espectador, impedindo que
ele se identifique com as imagens e entre passivamente na viagem imaginária
da obra audiovisual, causando com isso um certo desconforto que somente
a arte consegue provocar. Ele estimula este deslocamento do olhar e questiona
o papel do meio ao evitar o uso das convenções cinematográficas, como os
planos gerais que identificam o espaço e o tempo e o campo/contracampo
que define os pontos de vista dos personagens. O uso da regra que impede
a ultrapassagem do ângulo de 45° também não pertence às convenções da
narrativa cinematográfica. Ela pode ser interpretada como uma referência à
impossibilidade de que uma pessoa se veja no espelho ao se posicionar num
ângulo superior a 45°, que, por sua vez, pode ser relacionada à fuga da
percepção por parte de O.
Se a câmera cinematográfica é o dispositivo do olhar que descortina
um mundo novo e diferente, Beckett usa-a metaforicamente para
descortinar e elucidar o mundo do próprio ser humano e de suas
dualidades e inseguranças. Beckett usa a câmera para questionar a
existência humana. O é o objeto que foge da percepção, ele não quer ser
visto pelos outros, mas, ao mesmo tempo, descobre-se no final do filme
que ele está fugindo de si mesmo e de sua autoconsciência. E, a câmera-
sujeito, atua para mostrar que é possível fugir do olhar dos outros, mas
não é possível fugir do seu próprio olhar interior.
Beckett, em sua obra como um todo, questiona e subverte a dicotomia
cartesiana entre sujeito e objeto e, no caso do cinema, a tecnologia
proporcionou a possibilidade de discuti-la em termos expressivos. Porém,
o autor deixa claro que o paradoxo filosófico serve apenas como metáfora
e é usado por conveniência dramática para que a sua criação artística seja
possível, não apresentando nenhum valor como verdade.
O olho é a janela do mundo e da alma, abre-se para o exterior e
para o interior. Ao mesmo tempo em que busca outros mundos, dá
acesso aos sentimentos da alma. Mas a visão nunca é uma percepção do
mundo independente de alguém que perceba, pois não é possível ver-se
vendo a não ser com a intermediação do espelho, que resulta em um
reflexo e faz com que o sujeito do olhar se transforme em objeto. Esta é
a idéia do duplo, do Outro, que Lacan afirma estar sempre presente no
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CAPÍTULO II
A experiência televisual
O Gênero Dramático
O drama televisual britânico teve início com as transmissões das
primeiras peças pela rede pública de televisão British Broadcasting
Corporation (BBC) em 1936. Estas se desenvolveram a partir dos textos
literários, da linguagem teatral e do rádio e da narrativa clássica oriunda
do cinema. Apesar de Caughie (1998: 29) afirmar que a televisão estava
preocupada apenas com o aprendizado da dinâmica das transmissões ao
vivo e Gardner e Wyver (apud JACOBS, 1998: 39) enfatizarem que se
usavam somente os padrões e estilos do repertório do rádio e do teatro,
a BBC apresentou, desde os seus primórdios, uma preocupação com o
desenvolvimento de uma forma própria de expressão dramática.
Jacobs (1998: 41,50) afirma que as tele-peças não apresentavam um
estilo teatral de apresentação, pois procuravam mostrar os elementos
mais importantes da peça como texto em si e não como expressão teatral.
Mesmo transmitindo peças de teatro ao vivo, na década de 1930 a televisão
já mostrava os primeiros sinais do que seria a construção de uma estética
própria. Esta se caracterizava por uma dupla mediação, ou seja, o
tratamento dado por várias câmeras num estúdio a uma performance
teatral adaptada para ser transmitida ao vivo pela televisão. Com isso, a
performance era mediada de uma maneira nova e com técnicas diferentes
daquelas utilizadas pelos outros meios.
A influência da linguagem cinematográfica, principalmente da
narrativa clássica, pode ser vista principalmente nos enquadramentos,
nos movimentos de câmera e na edição. Adams (1998: 144) afirma que
nos primórdios da história do cinema, Grifitth percebeu que as
características emocionais de uma representação podiam ser realçadas
por meio do uso do close-up, que adquiriu um sentido dramático ao permitir
que o telespectador se aproximasse dos pensamentos e sentimentos do
personagem com uma intimidade nunca antes vista no teatro. O close-up
se tornou a marca registrada da televisão, ao ponto desta ser referenciada
como o veículo das cabeças falantes. Adams (1998: 154) afirma que o close-
up é o plano mais importante da estética televisual porque dá a medida
de todos os outros planos em termos de representação. Ele permite
fragmentar o corpo de um personagem, ressaltar o seu olhar e a sua
Gabriela Borges 45
personalidade, enfatizar certos detalhes significativos para a narrativa.
Juntamente com a posição da câmera e a escolha das lentes, possibilita ao
telespectador compartilhar o processo interior do personagem. Uma outra
contribuição do cinema refere-se às cenas filmadas em películas que eram
usadas algumas vezes nas tele-peças ao vivo como, por exemplo, em
establishing shots ou em planos que serviam para unir duas cenas de estúdio.
A utilização de recursos como telecine, efeitos sonoros, legendas,
uso de quatro câmeras em posições diferentes, inclusive com mudança de
posição durante a transmissão, presença de vários cenários, movimentos
de câmera como a panorâmica e o tiIt, mudança de câmera dentro de uma
mesma cena e a indicação de enquadramentos como close-up e plano médio
no roteiro permitem o desenvolvimento estilístico de uma nova forma de
expressão potencialmente diferente em vários aspectos.
Entre eles, destaca-se a predominância da significação do som na
televisão, que é usado para garantir a atenção do telespectador. O som
pode ser ouvido em qualquer lugar, mesmo que a imagem não esteja
sendo vista. Ellis (1992: 129-31) afirma que a imagem televisual tende a
ser simples e sem muitos detalhes, enquanto o som fica responsável por
evidenciar os detalhes. Com isso, a variedade e o interesse são gerados
pela rápida mudança das imagens e não pela riqueza de detalhes de uma
só imagem. A simplicidade das imagens da televisão é compensada pela
técnica de edição rápida. Além disso, o uso de várias câmeras e a
possibilidade de alterná-las produz um estilo intrinsecamente televisual:
a fragmentação de uma ação em vários planos cuja continuidade é mantida
pela performance de diversas câmeras.
Portanto, a linguagem televisual absorveu e adaptou técnicas de
outros meios, principalmente do teatro e do cinema, que proporcionaram
a criação de uma outra forma de expressão com características próprias,
baseada no uso do close-up e dos recursos de edição. Isso se tornou mais
evidente a partir da década de 1950 quando os programas começaram a
ser escritos especialmente para o meio.
Os Anos Dourados
17. As Comissões Reais eram formadas periodicamente para regulamentar o serviço público
de rádio e teledifusão. Foram implantadas em 1926 pelo Crawford Committee e duraram
até 1987 com o Peacock Committee. Elas eram compostas por membros que se distinguiam
no mundo dos negócios, da igreja, dos sindicatos, da academia, e, às vezes, por um
escritor, jornalista ou celebridade considerada “séria”. Para que as recomendações dos
relatórios tivessem legitimidade, os relatores pesquisavam a opinião de diversos grupos
sociais e também comparavam o sistema britânico com os sistemas implementados em
outros países, a fim de informar as autoridades. Os Relatórios oferecem um panorama da
discussão sobre a radiodifusão e, particularmente, sobre a teledifusão na Grã-Bretanha
depois da Segunda Guerra Mundial (CAUGHIE, 2000: 79).
Gabriela Borges 47
destinados às pequenas audiências. O Relatório Pilkington deu liberdade
criativa para os escritores oferecerem novas experiências ao público, que
tinha o direito de escolher e a responsabilidade de julgar os programas.
O Departamento de Drama da BBC teve um papel muito importante
no desenvolvimento do drama televisivo na Grã-Bretanha e foi
responsável pela chamada Idade de Ouro da televisão britânica (1965-
1975). Sidney Newman, responsável pelo sucesso da série Armchair Theatre
no período de 1958 a 1962, foi contratado como Diretor Geral de
Dramaturgia. Newman tinha uma visão mercadológica que era muito
diferente da visão paternalista da BBC. Segundo Shubik (2000:22-3), ele
já tinha percebido que a audiência tinha pré-disposição para assistir aos
programas que já conhecia, por isso é que os seriados tinham muito
mais sucesso do que as narrativas de um só episódio, em que o espectador
não sabia o que esperar.
O Departamento de Drama foi dividido em três setores: O setor
denominado Plays, responsável pelas produções de narrativas de um capítulo,
a maioria delas escritas especialmente para a televisão; Serials, para os
episódios com continuidade semanal e Series, para produções com os
mesmos personagens. O setor Plays foi dividido em dois grupos: Festival,
que era dedicado às peças clássicas, antigas ou modernas, de autores como
Jean Cocteau, James Joyce, Samuel Beckett, Eugéne Ionesco, entre outros
e First Night, que divulgava os novos escritores e era exibida no domingo à
noite para concorrer com as tele-peças do Armchair Theatre. Durante este
período foram produzidas tele-peças para os seguintes programas: Na BBC1,
The Wednesday Play (1964-70), que foi substituído por Play for Today (1970-
72) quando o programa passou para as quintas-feiras, e na BBC2 Story
Parade (1963-64) e Theatre 625 (1964-1968).
Para cada programa havia um produtor responsável, que escolhia
as tele-peças a serem exibidas de acordo com o seu gosto e o seu estilo.
A relação entre produtor e roteirista era bastante próxima, sendo que o
produtor na maioria das vezes impulsionava a carreira dos roteiristas
iniciantes. Porém, um dos fatores que influenciou a Idade de Ouro foi a
organização de um modelo de produção que valorizava a criatividade
dos escritores. Aliás, os produtores tinham problemas em encontrar
bons roteiros para fechar uma grade com periodicidade semanal.18
18. Eram produzidas trinta e duas peças por temporada. O programa The Wednesday Plays
exibiu 176 peças entre 1964 e 1970 (SHUBIK, 2000: 42-55).
As Produções Beckettianas
Gabriela Borges 49
estrutura narrativa do tempo natural e explorar a objetividade da câmera,
pois até então o uso do close-up estava associado à subjetividade do
espectador. Martin defendia uma televisão de autor e uma nova forma
dramática que usaria a edição para reorganizar o tempo por meio da
elipse, da condensação e da justaposição; e a objetividade como um
recurso para situar o espectador a uma certa distância do evento, evitando
assim a sua identificação total com a imagem, como ocorria nos filmes
hollywoodianos. Caughie afirma que
19. Ele foi também diretor da peça de rádio Words and Music para o BBC Third Programme
em 1962.
20. Este relatório está disponível no BBC Written Archive em Caversham.
21. Em 1973, Beckett já havia concordado com a adaptação, mas ela não pôde ser feita
porque o Royal Court Theatre tinha a exclusividade dos direitos autorais e pretendia
reencenar a peça juntamente com Happy Days.
22. “All the old ghosts. Godot and Eh Joe over infinity. Only remains to bring it to life”.
Gabriela Borges 51
tele-peça, que se transformou em ...but the clouds..., produzida em 1976
pela mesma equipe e com a supervisão de Beckett. As três tele-peças
estrearam no programa The Lively Arts, sob o título Shades, exibido no dia
17 de abril de 1977 na BBC2 (KNOWLSON, 1997: 634).
A recepção de Shades foi bastante controversa. O jornalista Michael
Billington (apud FLETCHER, 1978: 210) do jornal The Guardian elogiou
a “beleza das imagens” e chamou Ghost trio de “uma pintura hipnotizante
para a televisão”, perguntando-se porque é que o naturalismo ainda era
o principal gênero televisual. Por outro lado, o diretor de televisão Dennis
Potter, que estava preocupado em desvincular a televisão das convenções
do naturalismo proveniente do teatro, criticou-as violentamente em um
artigo que escreveu no jornal The Sunday Times. Potter (1977: 38) afirmou
que as tele-peças de Beckett constituíam a mais pura essência da arte
ocidental, pois não tinham nenhuma relevância. Ele questionou se este
tipo de arte se apresentava como resposta ao desespero e ao remorso da
nossa era, ou se, por outro lado, a sua futilidade é que permitiu o
desenvolvimento de ideologias corruptas como o nazismo.
A agressão de Potter está relacionada à sua postura perante o drama
televisual. Ao criar o termo não-naturalismo e recusar-se a usar o termo
modernismo para o tipo de drama televisual que estava escrevendo e
dirigindo, Potter procurava se desvincular do modernismo que estava
associado à uma cultura de elite e ao radicalismo político e revolucionário
de Jean-Luc Godard e Bertold Brecht. Entretanto, Caughie (2000: 155)
enfatiza que o seu programa, The Singing Detective (1986), figura entre um
dos trabalhos mais importantes do modernismo britânico no século passado.
Caughie discorda da tentativa de Potter de renomear o modernismo na
televisão, pois isso o exclui do debate cultural contemporâneo e enfatiza
que as técnicas não-naturalistas não devem, de forma alguma, ser agrupadas
em torno de um movimento estético de mesmo nome. Em uma palestra
no Festival de Edimburgo, Potter (1977: 37) afirma que as tele-peças não-
naturalistas desorientam o telespectador e interrompem os padrões de
repetição inerentes à televisão. Elas mostram
Gabriela Borges 53
de vida das classes trabalhadoras. Sua preocupação era de que o
telespectador não se colocasse numa posição superior de conhecimento
e não se identificasse com a história. Porém, como salienta Caughie
(2000: 123), os docudramas não podem ser vistos apenas sob a perspectiva
do realismo, pois se utilizam também das convenções naturalistas de
proximidade e da montagem modernista.
Sob o ponto de vista das convenções do modernismo, Beckett usa
as mesmas técnicas que Dennis Potter, subvertendo a relação clássica
entre espaço e tempo, principalmente por meio dos enquadramentos,
dos movimentos de câmera e das técnicas de áudio; e promovendo a
não-identificação do espectador com as imagens que estão sendo
enquadradas como no distanciamento brechtiano.
O projeto poético de Beckett busca a criação de um drama anti-naturalista
por excelência, em que são enfatizados enquadramentos abstratos, longos
planos-sequências e personagens que se apresentam tanto como corpo quanto
como voz. Além disso, Beckett subverte a idéia do tempo narrativo com começo,
meio e fim, pois as suas tele-peças não se estruturam baseadas neste tipo de
seqüência narrativa. Com parcos movimentos de câmera e um cenário com
poucos objetos de cena, Beckett cria um mundo dramático próprio que tem
como referência os seus trabalhos anteriores mas que, ao mesmo tempo, não
pode ser comparado com as narrativas dramáticas que estavam sendo produzidas
na BBC durante aquele período histórico. Ainda mais porque, em termos
críticos, Beckett estava mais preocupado em questionar o poder de representação
da arte e, neste caso, da televisão, do que em fazer uma crítica política e social
no mesmo sentido em que Ken Loach e Tony Garnett, e até mesmo de
Dennis Potter, faziam. Por este motivo, o trabalho de Beckett não pode ser
visto como pertencente a nenhum dos movimentos estéticos que estavam
sendo negociados na BBC naquele momento.
Porém, pode-se dizer que a BBC estava empenhada em desenvoler
narrativas dramáticas que fossem independentes das outras artes. A Idade
de Ouro e os trabalhos de autores como Beckett, entre outros, mostram
que de uma certa forma as produções dramáticas deste período foram
marcadas por uma diferença. Caughie (2000: 91) afirma que as peças e
séries se sobressaíam porque traziam novas possibilidades de significação
e novas experiências para a audiência. Talvez o reconhecimento destas
particularidades possa contribuir para o entendimento da televisão como
um meio que não precisa necessariamente ser visto apenas como
A direção na SDR
A relação de trabalho entre Beckett e a emissora alemã Süddeutscher
Rundfunk foi bastante diferente da relação empreendida com a BBC. O
diretor do Departamento de Peças da SDR, Dr. Reinhart Müller-Freienfels,
por intermédio de Werner Spies, correspondente da SDR em Paris,
convidou Samuel Beckett para dirigir a produção da tele-peça He Joe em
outubro de 1965.
O Departamento de Peças Radiofônicas, sob a direção de Hans
Jochen Schale, já havia transmitido as suas peças de rádio há alguns
Gabriela Borges 55
anos, mas a sua colaboração com a televisão deveu-se em grande parte à
admiração que Dr. Müller-Freienfels tinha pelo seu trabalho e ao bom
relacionamento com a equipe de produção, que tentava realizar as suas
“invenções malucas” para o meio televisual. Talvez por achar que só
estava brincando com o meio e que a direção era realmente um presente
da equipe da SDR, Beckett nunca aceitou nenhum pagamento pelos
seus trabalhos, mas também não permitiu a presença de nenhum
jornalista durante as gravações.
As tele-peças de Beckett foram transmitidas na série Der Autor aus
Regisseur (O Autor como Diretor), que contou também com a produção
dos trabalhos de autores como Marguerite Duras, Friedrich Dürrenmatt,
Slawomir Mrozek, Wolfgang Menge e Martin Walser. Todas elas foram
traduzidas para o alemão por Elmar e Erika Tophoven.
Em Sttutgart, Beckett contava com a boa qualidade técnica dos
equipamentos e a disponibilidade ilimitada do estúdio para os ensaios,
fato raro em qualquer emissora de televisão. As cenas eram gravadas e
regravadas quantas vezes fossem necessárias para chegar ao apuramento
imagético que Beckett tinha imaginado. A direção de atores, assim como
os movimentos de câmera e a iluminação eram especificados
detalhadamente nos roteiros e nos seus cadernos de anotação.
Beckett não tinha nenhuma experiência com o meio televisual,
mas tinha acompanhado a produção de Film em Nova York, e também a
produção britânica de Eh Joe, com direção de Alan Gibson. Porém, na
primeira reunião de produção em Paris, em janeiro de 1966, Dr. Müller-
Freienfels (apud SCHEUFFELEN ET ALL, 2000: 3) ficou impressionado
com a clareza das idéias de Beckett sobre a execução da sua tele-peça.
Fiquei surpreso com a exatidão com que Beckett imaginava cada posição
de câmera, a luz e o tipo de gravação de som. Ele havia medido cada
alinhamento do texto com régua e transferidor, assim como as pausas
entre cada passagem. Dava instruções detalhadas também sobre fotografia,
figurino e maquiagem: tudo deveria ser mantido em tons de cinza. A
duração da peça deveria ser de aproximadamente vinte minutos, que
corresponderia ao timing específico da televisão, em oposição ao teatro24.
24. “Überrascht war ich, wie genau sich Beckett die einzelnen Kamerapositionen, das Licht
und die Art der Tonaufnahmen vorstellte. Er hatte mit Winkelmesser und Lineal jede
Beckett volta a colaborar com a SDR dez anos mais tarde, quando
escreve Ghost trio e ...but the clouds... para a BBC e contacta Spies com o
intuito de oferecer o projeto à televisão alemã. As duas tele-peças foram
gravadas em 1977 com a direção de Beckett e estrearam juntamente com
a produção britânica de Not I, em 1° de novembro do mesmo ano, num
programa com o mesmo título que o da BBC, Schatten (Sombras). Para
Scheuffelen et all (2000: 9), as possibilidades de abstração dos meios
audiovisuais e a ausência de histórias narráveis fazem com que estas
tele-peças apresentem Beckett como um artista de televisão.
Em 1979, Beckett dirigiu uma outra produção de He Joe para a
SDR, com Heinz Bennent e Irmgard Först como protagonistas, mas não
ficou satisfeito com os resultados. Ele pediu a Dr. Müller-Freienfels para
não exibir esta versão novamente após a estréia. Beckett acreditava que
o problema estava com o ator principal, Bennent, que a seu ver era um
ótimo ator, mas não servia para as suas peças. Da mesma maneira que
Buster Keaton, que ele considerava um grande ator de improvisação,
Einstellung ausgeklügelt und den Text sowie die Pausen zwischen den einzelnen
Passagen gestoppt. Auch über das Szenenbild, das Kostüm und die Maske machte er
detaillierte Angaben: Alles sollte in Nuancen Von Grau gehalten sein. Die Spieldauer
würde etwa 20 Minuten betragen, was dem besonderen Timing dês Fernsehens – im
Unterschied zum Theater – ent-sprechen würde” [Tradução de Ricardo Lacerda Baitelo].
25.
“Während die hektische Bildbeweglichkeit, wie sie die meisten Fernsehregisseure über
die Schirme laufen lassen, die Phantasie des Zuschauers betäubt, erstrebt Becketts
konzentrierendes Verfahren das Gegenteil” [Tradução de Ricardo Lacerda Baitelo].
Gabriela Borges 57
mas que não sabia ser dirigido. Porém, segundo Allgemeine (apud
SCHEUFFELEN ET ALL, 2000: 10), a crítica considerava Bennent o
“ator ideal para protagonizar a triste figura humana”26 que era Joe.
Todas as vezes que Beckett deixou Sttutgart, ele pensou que nunca
mais escreveria para a televisão, mas por vinte anos colaborou com a
emissora, enviando peças ainda mais originais, como aconteceu com
Quad: uma peça para quatro atores, luz e percussão. Quad foi escrita
originalmente em inglês e Beckett a definiu numa carta para Dr. Müller-
Freienfels como uma “invenção maluca para a televisão” (apud
KNOWLSON, 1997: 672). A sua produção foi mais cansativa que as
outras, pois, na prática, a realização técnica das idéias beckettianas era
impossível e ele chegou quase a desistir da empreitada, perseverando
somente devido à insistência de Dr. Müller-Freienfels.
Foram feitas muitas mudanças no roteiro original, pois o ritmo
dos movimentos e a iluminação dos personagens-dançarinos estavam
inviabilizando a sua execução. Porém, a mudança mais significativa
ocorreu depois que Dr. Müller-Freienfels viu a performance num monitor
preto e branco e comentou com Beckett que ficou impressionado com o
efeito monocromático. Beckett resolveu então gravar mais uma série de
movimentos em preto e branco, com um ritmo mais lento e apenas o
som dos passos, sem a percussão. Esta versão foi intitulada Quadrat II e
foi adicionada como uma espécie de coda a Quadrat I. Ao assistir Quadrat
II, Beckett (apud POUNTNEY,1998: 210) comentou que esta parecia estar
“cem mil anos a frente” de Quadrat I. As duas tele-peças, com duração
total de vinte minutos, estrearam em 8 de outubro de 1981.
Em junho de 1982, Beckett enviou o roteiro de Nacht und Träume
para Dr. Müller-Freienfels, referindo-se como mais uma aberração para
a televisão. O produtor alemão aceitou produzi-la imediatamente. A tele-
peça foi intitulada primeiramente Nachtstüch, mas depois o título mudou
para Nacht und Träume. A estréia ocorreu em 19 de maio de 1983 e teve
uma audiência de dois milhões de pessoas.
Muito mais do que o teatro, a televisão se torna o meio ideal para
Beckett desenvolver os seus projetos abstratos, porém ele acreditava que
não tinha mais criatividade para escrever porque estava muito velho e
26. “den idealen Darsteller dieser traurigen Menschenfigur” [Tradução de Ricardo Lacerda
Baitelo].
27. “Das ist vielleicht eine Idee. Ich werde darüber nachdenken.” [Tradução de Ricardo
Lacerda Baitelo].
Gabriela Borges 59
CAPÍTULO III
As tele-peças
Elementos Estéticos
Gabriela Borges 63
(BECKETT, 1990: 363)29. Neste sentido, o pronome nós pode ser
interpretado tanto como a audiência quanto como as pessoas que fizeram
parte do passado de Joe e que agora o atormentam.
Ela também chama a atenção da audiência gerando expectativa, pois
diz que “o melhor ainda está por vir” e quer que Joe repita esta frase
porque foi o que ele lhe disse da última vez que se encontraram. Ela quer
que ele diga novamente e ouça a si mesmo, enfatizando que ninguém irá
ouvi-lo. Ela diz que “O melhor está por vir.... Você está certo, pelo menos
uma vez.... No final de contas.” (Beckett, 1990: 362)30. Com isso, Voice
começa a intimidá-lo porque agora é a vez dela mostrar que o melhor
ainda está por vir, pois ele ainda não escutou tudo o que tem para escutar.
Ao mesmo tempo, ele pode falar que ninguém irá ouvi-lo, ou seja, ele terá
que escutá-la até o fim. Ao dizer que ele não será ouvido, Voice refere-se ao
fato de Joe estar sozinho no quarto, uma vez que já tinha fechado a janela
e a porta e já tinha olhado dentro do armário e debaixo da cama, assim
como pode estar se referindo também às pessoas mortas do passado de Joe
que não vão escutá-lo mais. Ele pode dizer o que quiser, pois elas já estão
mortas. Neste sentido, elas ainda têm acesso à mente dele por meio das
vozes, mas ele não poderá ser ouvido por elas a fim de desculpar-se e nem
sequer para redimir a sua culpa.
Ela continua provocando-o ao dizer que ele acha que a voz vem da
sua cabeça, “(...) aquele inferno que não vale nada que você chama de
sua cabeça.” (BECKETT, 1990: 362)31, que é de onde ele começou a
escutar a voz do seu pai numa noite em junho e continuou a ouvi-la por
muitos anos; a voz “....Vinha e voltava.... Atrás dos olhos....” (BECKETT,
1990: 363)32. No manuscrito MS173033 Beckett sugere que Joe deve agir
como um “assassino mental” das vozes na sua cabeça. É como se elas
estivessem saindo detrás dos seus olhos. Voice o insulta de assassino
mental porque uma de suas maiores fantasias era suprimir estas vozes
pois, de outra forma, o seu pai ainda o estaria atormentando. A expressão
“assassino mental” só foi acrescentada posteriormente ao roteiro, pois
não estava presente no manuscrito MS1537/2.
Gabriela Borges 65
pronome nós, não se sabe a quem é que Voice se refere. Pode ser que
Voice seja a voz dos mortos, da amada e de todos os outros, ou pode ser
que seja uma voz morta, ou ainda que todas estas vozes façam parte das
memórias que ele não consegue apagar ou livrar-se, elas se calam por
algum tempo, mas depois voltam para assombrá-lo novamente. Lamont
(1990:230) argumenta que Joe é um avatar do personagem Henry da peça
de rádio Embers e que a voz que ele ouve é um eco do seu próprio passado.
Para a autora, “a memória provoca a imaginação que, embora morta,
continua a imaginar”. Dentro desta perspectiva, também o personagem
Krapp da peça de teatro Krapp’s last tape, nos seus 65 anos, escuta cassetes
que gravou quando tinha 25 e 45 anos e relembra-se de seu passado.
Numa entrevista ao crítico alemão Siegfried Melchinger (apud
FLETCHER, 1978: 186), Beckett disse que o martírio de Joe é justamente
tentar acalmar todas as vozes que ele não consegue tirar da sua cabeça.
Com isso, é possível pensar que várias vozes atormentam o personagem,
recordando-lhe o seu passado. Neste momento da narrativa, Voice é
uma das suas amantes, mas existiram outras vozes, como a dos pais e a
dos outros, todos os outros. Mas, o mais importante é que Joe consegue
silenciá-las no final, imagine se ele não conseguisse...
A sua primeira amante conta que passeavam no parque e ele
admirava a sua eloqüência e a sua voz cristalina e que, apesar de ter sido
abandonada, encontrou um outro homem muito melhor, “... Mais
generoso.... (...) Mais confiável.... Mais fiel... São....” (BECKETT, 1990:
364)39. Joe vai escutá-la até não poder mais ouvir as palavras, mas apenas
uma palavra solta aqui e ali e o que é pior para ele, “O sussurro....” que
ele “se esforça para ouvir....” com a “mente cansada, comprimindo-se....”
(BECKETT, 1990: 364)40. A outra amante, “.... A ingênua.... A tacanha....
Sempre pálida.... Os olhos pálidos.... Espírito transformado em luz....”
(BECKETT, 1990:365)41 não teve tanta sorte, pois se suicidou e o seu
espírito se tornou luz.
No oitavo parágrafo do roteiro, Voice começa a assombrar Joe em
relação à uma outra mulher que o amava e a quem ele disse a mesma
frase antes de partir no primeiro vôo da manhã: “.... O melhor ainda
Gabriela Borges 67
afogar-se e não consegue, depois vai para casa e pega uma Gillete e volta
pelo mesmo caminho em direção à praia, passando pelo jardim e pelo
viaduto. Fica toda ensopada de sangue, mas não consegue morrer e resolve
voltar para casa e pegar uma caixa de comprimidos que toma, um a um,
no seu caminho de retorno à praia. Joe já está se sentindo muito culpado
quando Voice diz: “.... Imagine o que ela tinha na cabeça para fazer
aquilo.... Imagine....” (BECKETT, 1990: 366)47. Então ela acaba de tomar
os comprimidos e faz uma cova entre as pedras para colocar o seu rosto.
Os seus olhos, sempre pálidos, abrem-se da mesma maneira que Joe
costumava descrevê-los, mas agora com um outro significado, pois ela
estava morta. Ele dizia que os olhos dela pareciam-se com um “espírito
feito de luz”, mas agora que ela estava morta era como se o espírito
tivesse se transformado em luz e subido aos céus.
A Memória e a Imaginação
Voice repete duas vezes, pedindo para Joe e para a audiência imaginarem
antes que ela se vá, ou seja, que a imagem se esvaeça da memória. Se nesta
passagem, como em outras acima citadas, é possível interpretar que Voice
está pedindo tanto para Joe quanto para a audiência para olhar e imaginar,
o mesmo não pode ser dito quando ela pede para Joe falar, pois ela afirma
que ninguém irá escutá-lo. No começo da tele-peça Voice pede a Joe para
50. “... The best’s to come, you said... Bundling her into her Avoca sack... Her fingers
fumbling with the big horn buttons... Ticket in your pocket for the first morning
flight...”.
51. “... Now imagine... Before she goes... Face in the cup... Lips on a stone... Taking Joe with
her... Light gone... ‘Joe Joe’... No sound... To the stones... “Say it you now, no one´ll
hear you... Say ‘Joe’ it parts the lips” Imagine the hands... The solitaire... Against a
stone... Imagine the eyes... Spiritlight... Month of June... What year of your Lord?...
Breasts in the stones... And the hands... Before they go... Imagine the hands... What are
they at? ... In the stones...”.
Gabriela Borges 69
repetir as palavras “o melhor está por vir” e no final ela pede que ele fale o
seu nome, “Joe”, porque ninguém irá escutá-lo.
Neste sentido, Voice está se referindo somente às vozes da sua cabeça
porque caso Joe fale, a audiência poderá escutá-lo. Voice quer que Joe
repita as suas palavras, pois a sua amante não vai mesmo escutá-lo. Ela é
só uma voz, ou talvez uma imagem. Não há som, nem luz e,
metaforicamente, ela leva-o consigo para as pedras do túmulo, restando-
lhe somente imaginar, lembrar-se do seu rosto, dos seus lábios, dos seus
seios e das suas mãos nas pedras. Voice indaga: “... O que elas estão
acariciando?... Até partirem...” (BECKETT, 1990: 367)52. E a pergunta fica
sem resposta, mas enfatiza, na frase seguinte, que elas se foram mas que
há ou havia amor para Joe: “... Há amor para você... Não é, Joe?... Não foi,
Joe?... Eh Joe?...” (BECKETT, 1990: 367)53. Talvez Joe não tivesse conseguido
enxergar este amor e agora perceba que é tarde demais, restando-lhe apenas
as imagens e as vozes que ficaram na memória, assombrando-o.
A câmera não se move enquanto Voice fala, mas ela aproxima-se
10cm do rosto de Joe a cada um de seus nove movimentos. Na tela, a
câmera mostra um plano médio fechado de Joe, que se fecha até o detalhe
final dos seus olhos, entretanto todas as imagens que Voice descreve
estão tanto na mente de Joe quanto na imaginação do espectador.
Como na tela não se tem outra imagem além de Joe em agonia, o
espectador, de uma certa maneira, empreende esta viagem imaginária
juntamente com o personagem. No meu ponto de vista, diferentemente de
alguns autores que colocam o espectador na posição de voyeur, o espectador
é mais do que um voyeur, ele não assiste somente à agonia de Joe, ele imagina
as cenas junto com ele e vê, vivencia o seu martírio, a sua paixão.
A voz de Voice não é nem subjetiva nem objetiva, pois não se
define claramente de onde ela está vindo e a audiência não se posiciona
meramente como espectadora, uma vez que ela participa da viagem
imaginária de Joe. Da mesma maneira, o foco da ação também não está
na imagem de Joe que é vista na tela. Como o espectador, Joe também
assiste e sofre com as imagens evocadas por Voice. Freund (1998: 48)
coloca que Joe não tem o olhar de acusado, mas sim de espectador,
assumindo a mesma posição da audiência. Neste sentido, o espaço mais
As Produções
Gabriela Borges 71
A Produção Britânica
54. Esta versão está disponível nos arquivos do British Film Institute.
55. Todas as outras produções seguem esta descrição dos objetos de cena.
56. “Last I was favoured with you from... say it you now”.
57. “Last I was favoured with you from... the best’s to come... say it you now”.
58. “Straining to hear... why must you do that?”.
59. “Straining to hear... why is that Joe?... why must you do that?”
60. “you’ve had her, haven’t you?”
61. “you’ve heard from her, haven’t you?”
Gabriela Borges 73
para a tele-peça, detalhe que é excluído da versão alemã e da co-produção.
As expressões de MacGowran também oferecem um ar um pouco mais
realista para a produção. Ele move-se mais do que Klaus Herm, por
exemplo, o ator que representou Joe na co-produção de 1988, e também
tem olhos muito mais expressivos, os quais inundam a tela no close-up
final. Assim como o sorriso de alívio na face de Joe quando Voice
finalmente pára de falar, parece que ela finalmente o deixou em paz.
Porém, este sorriso é ambíguo, não sabemos se Voice desistiu de sua
empreitada ou se Joe matou-a em sua cabeça, acabando com a sua tortura
interior. MacGowran (TOSCAN, 1986: 221) afirma que Joe mata as
vozes que atormentam a sua mente. É como se ele tivesse uma pequena
vitória ao tirá-las do pensamento e esmagá-las. Segundo Kalb (1986:
255), Beckett comentou com os seus amigos em várias ocasiões que o
sorriso no final mostra que Joe finalmente sufocou a voz. MacGowran
(TOSCAN, 1986: 221) também observa que aqueles foram “os 22 minutos
mais fatigantes de toda a sua vida”. Ele afirma que representar aquela
figura em silêncio, escutando uma voz na sua cabeça e tentando reprimir
a memória que ela trazia, fazia com que ele sentisse como se a sua mente
estivesse sendo fotografada. Na sua opinião, esta é a peça que mais se
aproxima de uma peça perfeita para televisão, porque a câmera de vídeo
consegue fotografar a mente.
A Produção Alemã
A luz é sempre tênue. Eu nunca tive sucesso em fazer com que ela
fosse suficientemente tênue para Beckett. Nós sentamos e olhamos
para a tela e ele me diz: ‘Jim, você não poderia reduzir um pouco
mais a luz?’
Gabriela Borges 75
A Co-produção Alemã, Britânica, Irlandesa e Francesa
62. Em Ghost trio (1977) Samuel Beckett usou as idéias do texto de Heinrich Von Kleist
para explicar os movimentos inumanos do personagem F.
Os fantasias
Be that shade again.
In that shade again.
With the other shades.
Worsening shades.
In the dim void. (BECKETT)
Elementos Estéticos
Gabriela Borges 77
Alguns autores consideram o quarto não somente como uma
metáfora da televisão, mas também como a mente de F, que está sendo
perseguida por uma voz feminina (V) que comanda os seus movimentos.
Há uma personagem presente na tela (F) e uma outra que não aparece,
mas nem por isso está ausente (V).
Usando o potencial do meio tecnológico, Beckett criou V, uma voz
off que chama a atenção da audiência para ver e ouvir o que está sendo
mostrado na tela e brinca com a sua presença e a sua ausência ao
comandar os movimentos de F e ressaltar o óbvio. Entretanto, não está
claro se V é a própria voz de F, de uma outra pessoa ou de um outro
fantasma. Pode-se dizer que a audiência é levada para dentro do quarto
para escutar uma voz que pode ser a sua própria voz fantasmagórica,
sempre esperando que alguma coisa aconteça ou chegue ao final, seja
este final a morte ou a redenção.
Sendo uma voz off, V oscila entre a presença e a ausência, o que pode
ser entendido também como uma metáfora dos trabalhos de Beckett para a
televisão, que inserem a ausência no fluxo televisual. Eles apresentam uma
espécie de ruptura neste fluxo, um vazio inserido nas imagens que estão
vinte e quatro horas por dia disponíveis para serem assistidas. A performance
de V contracena com o som do Largo do Quinto Trio para Piano de Beethoven,
conhecido como O fantasma, que parece dialogar com F, enfatizando os seus
pensamentos. É importante notar que ao contrário de Krapp’s Last Tape, a
música em Ghost trio não vem do gravador que F está segurando enquanto
sentado no banco. A música vem da mesma fonte extra-diegética que a voz.
Deleuze (1995: 16-7) afirma que a música conecta os vazios espaciais e os
silêncios vocais dentro dos planos fantasmas.
O tema da percepção está presente em Ghost trio, mas de uma forma
um pouco diferente do que nas outras peças de teatro e de televisão e no
filme. Nesta tele-peça, a personagem V manda que F olhe no quarto à
procura da amada, enquanto em Film a câmera-personagem E persegue O,
que não quer ser visto. Nas peças de teatro Happy Days e Play as personagens
estão preocupadas em serem percebidas, quer seja pela audiência ou por
um outro personagem. Em Happy Days, Winnie pergunta: “alguém está
ainda olhando pra mim?” (BECKETT, 1990: 160)63 e em Play, w2 indaga:
A percepção
Boa noite. Minha voz é suave. Por favor, sintonize gentilmente. Boa
noite. Minha voz é suave. Por favor, sintonize gentilmente. Ela não
vai aumentar nem diminuir, o que quer que aconteça. Olhe. O
quarto familiar. Ao fundo, a janela. À direita, a porta indispensável.
À esquerda, encostada na parede, uma espécie de cama. A luz: pálida,
onipresente. Sem fonte visível. Como se tudo estivesse iluminado.
Sem sombra. Sem sombra. Cor: nenhuma. Tudo cinza. Sombras
de cinza. A cor cinza se preferir, sombras da cor cinza. Perdoe-me
por explicar o óbvio. Mantenha o som baixo. Agora olhe mais de
perto. Chão.” (BECKETT, 1990: 408)65.
64. “Are you listening to me? Is anyone listening to me? Is anyone looking at me? Is anyone
bothering about me at all?...”.
65. “Good evening. Mine is a faint voice. Kindly turn accordingly. Good evening. Mine is a
faint voice. Kindly turn accordingly. It will not be raised nor lowered, whatever happens.
Look. The familiar chamber. At the far end a window. On the right the indispensable
door. On the left, against the wall, some kind of pallet. The light: faint, omnipresent. No
visible source. As if all luminous. Faintly luminous. No shadow. No shadow. Colour:
none. All grey. Shades of grey. The colour grey if you wish, shades of the colour grey.
Forgive my stating the obvious. Keep that sound down. Now look closer. Floor”.
Gabriela Borges 79
tempo, V está pedindo aos telespectadores uma certa intimidade que é
comum ao ato de ver televisão. Ela usa expressões como “look closer”,
“keep that sound down” e “forgive my stating the obvious”. Ela também
se apresenta e dá o ritmo da peça, dizendo que vai falar sempre no
mesmo tom, nem mais alto nem mais baixo.
É interessante perceber o que Beckett fez com a televisão, um meio
que pretende ser o veículo de representação do real por excelência. Ele
usa as ferramentas tecnológicas: câmera, luz e som para criar um tipo de
imagem poética que até mesmo hoje em dia não faz parte do repertório
televisual. Ele mostra imagens fantasmagóricas e abstratas e a ausência
que elas personificam em um meio que pretende estar constantemente
presente, cobrindo todos os eventos da realidade.
A maneira como Beckett usa o meio televisual rompe com o seu
poder de representação e alcança o que ele mesmo tinha dito a respeito
da obra do artista plástico Tal Coat:
66. “The expression that there is nothing to express, nothing with which to express,
nothing from which to express, no power to express, no desire to express, together
with the obligation to express”.
67. “now he thinks he hears her” (Beckett, 1990:410).
Gabriela Borges 81
metáfora da própria condição humana, sempre esperando a hora da
morte. Como a personagem Maddy da peça de rádio All that Fall, que
fala para Mr. Slocum quando ele pergunta se eles estão indo para a
mesma direção: “Eu estou, Mr. Slocum, todos nós estamos” (BECKETT,
1990: 177)68.
Em termos da montagem, a tele-peça alcança o que Eisenstein
(1928: 83) afirmou ser a sua principal característica: “um contraponto
orquestral de imagens visuais e imagens sonoras”. É possível afirmar
que a Re-Ação apresenta o contraponto destes dois elementos na repetição
da música e do movimento, sem a presença da voz. É uma tele-peça que
usa os recursos da tecnologia televisual, o enquadramento da câmera e o
som para criar uma imagem visual que é fantasmagórica e espacialmente
abstrata, e uma imagem sonora que assombra tanto F quanto a audiência.
Enfim, é possível argumentar que Beckett, como os seus personagens,
é um fantasma que assombra a televisão. Ainda hoje, as suas tele-peças
continuam a questionar o papel da televisão na sociedade contemporânea,
principalmente no que diz respeito ao modo como ela enquadra o mundo
e conta as suas histórias.
As imagens da memória
Poetry (my) only love (BECKETT)
Elementos Estéticos
68.
“I am, Mr. Slocum, we all are”.
Gabriela Borges 83
monólogo, no entanto, é um monólogo de natureza bastante peculiar,
pois a voz está separada do corpo. Além disso, ela age no tempo presente
e no tempo passado, mas as imagens de M aparecem apenas no passado.
M repete sempre o mesmo movimento. Ele entra pelo lado oeste,
ou seja, pelas ruas adjacentes vestindo chapéu e casaco, pára no centro
do círculo de luz e dirige-se para o lado leste, onde está o armário em
que ele guarda suas vestimentas e veste o roupão e a touca, reaparecendo
no centro do círculo de luz para dirigir-se ao seu santuário, localizado
ao norte. No santuário escuro, onde não pode ser visto por ninguém,
adota a posição M e começa a relembrar os momentos em que esperava
pela aparição da amada. Quando deixa o seu santuário, ele faz os mesmos
movimentos em sentido contrário, ou seja, vai do santuário para o armário,
troca de roupa e dirige-se para a rua, todos estes movimentos passam
pelo centro, onde M pára, vira-se e segue.
O espaço da ação que é visto na tela, no qual M se movimenta de
um lado para o outro do círculo de luz, corresponde ao seu imaginário,
ao falar consigo mesmo, relembrar os momentos em que esperava pela
aparição da amada, assim como aqueles momentos em que ela
efetivamente reapareceu na sua lembrança.
V descreve, no presente, as ações de M ao tentar relembrar as
aparições da amada no passado, ou seja, é como se M estivesse repetindo
para si mesmo o caminho que costumava percorrer para que a amada
reaparecesse. Após cada descrição, V afirma: “É isso”, concordando que
foi daquela maneira que ele tinha agido quando conseguiu ver a amada
na sua imaginação e pede para que as ações sejam repetidas novamente
ao afirmar: “Agora vamos ter certeza de que conseguimos fazer isto
corretamente” e “Agora vamos repassar tudo isto novamente” (BECKETT,
1990: 419-21)69.
V e M intercambiam a sua existência entre o presente e o passado.
Ainda no presente, V afirma: “Agora vamos distinguir três casos”
(BECKETT, 1990: 420)70 e, no passado, descreve as ações de M no círculo
de luz, que é o palco da memória. V descreve quatro casos mais comuns,
três deles em que a amada aparecia e um caso nulo. No primeiro caso,
69. “Let us now make sure we have got it right.” e “Let us now run through it again.”
70. “Let us now distinguish three cases”.
Gabriela Borges 85
horas da madrugada, (quando) cansava e parava” e teria “se ocupado
com alguma outra coisa, mais... recompensadora como... como... calcular
raízes cúbicas, por exemplo, ou com nada” (BECKETT, 1990: 421)76.
Para Kirkley (1992: 610), o que é visto no vídeo não é o presente
fluxo de consciência de M, o personagem que faz e pensa, porque a sua
voz, V, é separada do seu corpo ao descrever as suas ações no tempo
passado. Neste sentido, V não é a voz daquele que a audiência vê na tela
da televisão, V é a voz daquele que escuta e observa o seu passado. É
como se houvesse várias instâncias do mesmo ser, ou como se a
consciência de M tivesse vários níveis: o presente, expresso pela voz off
de M falando sobre o passado; e o passado, que é tanto aquele mostrado
no vídeo, ou seja, as ações de M na tentativa de rever a amada, quanto
um passado mais longínquo da convivência dos dois amantes, que não
se sabe ao certo quando ocorreu. A única indicação de que viveram
juntos, ou passaram momentos felizes juntos, aparece quando V fala que
suplicava para que aqueles olhos vagos olhassem para ele quando eram
vivos. Na língua inglesa, este verso é ambíguo pois ao usar a palavra
alive77, não se sabe se era quando M estava vivo ou a amada estava viva.
Neste sentido, M é, ao mesmo tempo, aquele que se vê no vídeo, ou seja,
aquele que está na memória do personagem M, que pensa sobre o passado,
assim como o personagem M da voz off no presente, que tenta relembrar
como é que a amada aparecia.
A amada aparece oito vezes durante a tele-peça. Algumas vezes ela
apenas aparece fortuitamente por dois segundos, em outras ela fala,
inaudivelmente, as palavras “... como as nuvens... como as nuvens do
céu... quando o horizonte se esvanece...”78 e em outras ela fala, também
de modo inaudível, os últimos versos do poema The Tower: “... como as
nuvens... como as nuvens do céu... quando o horizonte se esvanece... ou
como um lento cantar de um pássaro... no escurecer das sombras”
(BECKETT, 1990: 422)79.
76. “(...) deep down into the dead of night, until I wearied, and ceased,” e teria “busied
myself with something else, more... rewarding, such as... such as... cube roots, for
example, or with nothing...”.
77. “With those unseeing eyes I so begged when alive to look at me” (BECKETT, 1990:420).
78. “... but the clouds... but the clouds of the sky... when the horizon fades...”.
79. “... but the clouds... but the clouds of the sky... when the horizon fades... or a bird’s
sleepy cry... among the deepening shades...”.
80. O título foi retirado do último verso do poema: “among the darkening shades”.
Gabriela Borges 87
que se revela e se esconde, ao dirigir-se para o seu santuário e suplicar
para que ela apareça na escuridão ao final do dia. M, por intermédio de
V, afirma que em muitas noites suplicava em vão para que a amada
aparecesse e que, em outras noites, ela aparecia na sua imaginação.
O poeta pergunta ainda se a imaginação discorre mais sobre um
amor conquistado ou sobre um amor perdido e afirma que se ela discorrer
mais sobre um amor perdido, foi
Gabriela Borges 89
mente quais as imagens que quer guardar na sua lembrança, as imagens
que M vê no círculo de luz são as imagens do seu arquivo da memória
que estão disponíveis para serem lembradas e revividas. Ao evocar uma
ação passada, o que se vê não é mais do que um eco desta ação, pois é
um ato intelectivo e está condicionado pelos preconceitos da inteligência.
Assim, qualquer gesto ou palavra, perfume ou som que não se explique
por meio de algum conceito é rejeitado como ilógico e insignificante
(BECKETT, 2003: 76).
Em contraposição ao círculo de luz, o espaço do santuário, em que
M se retira para não ser visto por ninguém e ativar os mecanismos da
sua memória, encontra-se em completa escuridão. Na obra de Beckett, o
espaço da memória é sempre o espaço da escuridão, contraposto por um
foco de luz que expressa a imaginação, como nas peças Not I (1972),
That Time (1974-5) e What Where (1982). Este espaço pode ser visto também
como uma metáfora da mente, que pode ser ou estar sempre solitária e
que se expressa na tele-peça pela palavra MINE81. Esta palavra tem um
sentido ambíguo na língua inglesa e pode ser entendida tanto como o
pronome pessoal meu, quanto como o substantivo mina, no sentido de
uma fonte rica e inesgotável guardada no labirinto da memória. Kirkley
(1992: 610) enfatiza que a palavra está escrita em letra maiúscula para
indicar que deve ser falada com certa ênfase durante a performance.
No santuário, M ativa a memória por força do hábito, no entanto,
apesar de rever as suas imagens no círculo de luz, M não tem controle
sobre as aparições da amada, pois elas ocorrem por meio da memória
involuntária. Esta memória é “explosiva, uma deflagração total, imediata
e deliciosa”, que escolhe o seu próprio tempo e lugar para acontecer.
Segundo Beckett (2003: 32-3), a memória involuntária consome o hábito
e revela o real, o qual a falsa experiência da realidade não pode jamais
revelar. Neste sentido, W, a amada de M, escolhe quando vai aparecer,
intercalando a sua presença com a sua ausência. No começo da tele-
peça, V afirma que quando pensava nela era sempre noite e depois
corrige, afirmando que quando ela aparecia era sempre noite, ou seja, a
amada aparecia quando queria e não quando M queria que ela aparecesse.
81. “... busied myself with nothing, that MINE, until the time came, with break of day, to
issue forth again...” (Beckett, 1990:421)
A zona de ausência
Neither, to and fro in shadow
from inner to outer shadow
from impenetrable self to impenetrable unself
by way of neither (BECKETT).
Elementos Estéticos
Gabriela Borges 91
repetitivos de um canto ao outro do tablado, Beckett enfatiza o caráter
reiterativo da vida humana, continuamente repetindo seus movimentos.
Cada personagem-dançarino usa um roupão longo com um capuz
que cobre a face nas cores branca, amarela, azul e vermelha, e apresenta
um ritmo particular marcado respectivamente pelos seus próprios passos
e pelos sons percussivos de um tambor, de um gongo, de um triângulo e
de um bloco de madeira respectivamente. A percussão começa quando
o personagem-dançarino entra em cena e pára quando ele sai, além de
ser descontínua para permitir que os passos sejam ouvidos nos intervalos.
Como a tele-peça não tem diálogo, o som percussivo e os passos marcam
o ritmo e geram o movimento das cenas.
Quad II foi gravado em preto e branco. Todos os quatro dançarinos
usam roupões brancos com capuz e os movimentos são marcados pelo
som dos seus passos, pois não há percussão e portanto, são mais lentos.
Apenas a primeira série de movimentos é encenada.
No roteiro está indicado que a cor do figurino de cada um dos
personagens deve corresponder à mesma cor de luz, ou seja, branco,
amarelo, azul e vermelho. Porém, por motivos técnicos, isto foi mudado
pela produção nos estúdios de Stuttgart e foi mantida uma luz neutra, um
pouco mais forte no centro do tablado, do começo ao fim da tele-peça.
Diferentemente dos trabalhos anteriores para a televisão, em que
Beckett discute a questão do eu interior dos personagens, em Quad ele
parece estar mais interessado em explorar algumas questões sobre a
existência humana, como por exemplo, o seu aspecto reiterativo.
Knowlson (1997: 673) afirma que o movimento dos personagens-
dançarinos no tablado faz lembrar as gravuras de Gustave Doré que
retratam Dante e Virgilio no Inferno, que por sua vez é uma referência
ao livro A Divina Comédia de Dante Alighieri. Além disso, Knowlson
afirma que o desvio sempre à esquerda na zona de perigo remete à
explicação que o próprio Beckett deu ao seu tradutor polonês com respeito
ao livro Compagnie. Beckett disse que no inferno, Dante e Virgílio sempre
vão para a esquerda (a direção dos condenados) e que a direção do
Purgatório é sempre à direita.
Os quatro personagens-dançarinos são enquadrados no tablado
por uma câmera fixa em posição plongée. Como a câmera não se move,
há somente um ponto de vista, enquadrado no primeiro quadro, a tela.
Porém, a fixidez da câmera é subvertida pelo movimento reiterativo dos
Gabriela Borges 93
O tablado, como um quadro dentro de outro quadro, revela e oculta
os personagens e também contém a dinâmica da repetição que é
intrínseca ao movimento dos personagens e ao ritmo. Deleuze (1997:
370) afirma que a repetição compreende a diferença não apenas como
uma variação acidental e extrínseca, mas também como sua origem, isto
é, apesar da repetição contínua, o movimento nunca é o mesmo. Os
personagens-dançarinos renovam a dimensão cúbica do tablado e se
tornam ícones, pois perdem a sua individualidade ao se apresentarem
como puro movimento de cores, luz e sons. A repetição combina a
dinâmica do movimento e do som, criando uma tensão interna entre os
personagens, os sons percussivos e os passos que levam ao que Deleuze
(1995: 13) chama de exaustão, tanto dos personagens-dançarinos, por
meio de seus passos, quanto do meio televisual, por meio da subversão
de seus códigos. O mesmo acontece com os telespectadores, que assistem
a um movimento surpreendente no segundo quadro, o tablado, e são
incapazes de tirar os olhos da tela. O movimento é tão reiterativo que
perde o seu significado, tornando-se uma forma etérea que surge como
uma espécie de epifania.
A linguagem de imagens, cores e sons de Quad apresenta-se como
um entrelaçamento de movimentos entre aquilo que está presente e aquilo
que não está presente, ou seja, a presença é baseada na ausência. Esta
dinâmica se encontra no movimento dos personagens-dançarinos, nos
sons percussivos, na zona de perigo que não pode ser cruzada e, num
certo sentido, se mostra também na revelação e no ocultamento da aletheia.
A Repetição
A outra noite
Now the day is over,
Night is drawing nigh-igh,
Shadows – ( )
Of the evening,
Steal across the sky (BECKETT).
Gabriela Borges 95
Elementos Estéticos
Gabriela Borges 97
KNOWLSON, 1997: 682), Beckett disse que o lenço que enxuga o suor da
testa de B alude ao véu que Verônica usou para secar o suor de Cristo
quando ele estava a caminho do Calvário. Este gesto de súplica é enfatizado
mais uma vez quando B olha para cima e levanta a sua mão direita, que R
segura. B olha para as duas mãos juntas e levanta a sua mão esquerda,
segurando-as. As mãos descem e repousam na mesa, onde B descansa
então a sua cabeça. L reaparece e acaricia a cabeça de B. Esta imagem dá
a impressão de que as mãos aliviam a angústia e o medo de B.
A Imagem-Sono e a Imagem-Sonho
Gabriela Borges 99
CAPÍTULO IV
As transcriações
87. Este é um tipo de roupão com gorro que os marroquinos usam durante o inverno.
Quando eles estão nos pequenos cômodos em que fazem as suas rezas nas pequenas
vielas dos centros das cidades, tem-se a impressão de que estão conspirando, devido
ao seu silêncio e à sua postura.
88. Este manuscrito está arquivado no setor de manuscritos da biblioteca do Trinity
College Dublin.
89. “How is that - (pause) How is it you can’t one cannot see the – (pause) – the cause ...”
e a voz simulada responde, aterrorizada: “... (assumed voice, vehement) Take it away!
Go away! (Panting) XXXXX Turn it off!”.
90. “talks of herself in 3rd person” (POUNTNEY, 1998: 93).
91. “someone in me, trying to get out, saying let me out...” e “Let me out! Let me out!”.
96. “In some of the heads that precede Pope II, 1951, Bacon condenses the features to the
point where only the gaping mouth remains, emitting a noise that could be a scream
or a groan, depending on how the image is read”.
1. Nascimento prematuro
pais desconhecidos
Nunca foi amada
Aos 70 anos colhe prímulas silvestres nos campos quando subitamente
se vê no escuro.
5. Talvez alguma coisa que ela devia pensar? Não como antes.
Cena da vida 5 (corre para contar)
Aflição piora: descrição do mesmo.
Reza por tudo para parar: sem resposta.
Cena da vida 1 (campo) de novo
(POUNTNEY, 1998: 247).
100. “... then finally had to admit... could be none other... than her own... certain vowel
sounds...” “it was not hers at all... not her voice at all...”.
101. “what?.. who?.. no!.. she!..”.
102. Knowlson & Pilling (1979: 197) afirmam que este livro também foi uma fonte de
inspiração de Not I.
103. “Two holes and me in the middle, slightly choked. Or a single one, entrance and
exit, where the words swarm and jostle like ants, hasty, indifferent, bringing nothing,
taking nothing away, too light to leave a mark. I shall not say I again, ever again, its
too farcical. I shall put it in its place, whenever I hear it, the third person, if I think
of it”.
104. “stream of words... in her ear... pratically in her ear... not catching the half... not the
quarter... no idea what she’s saying... imagine!.. no idea what she’s saying!.. and
can’t stop”.
105. “nearest lavatory... start pouring it out... steady stream... mad stuff... half of the
vowels wrong...”.
106. O poeta Vaclav Havel, atual presidente da República Tcheca, tinha sido preso pelo
governo da antiga Tchecoslováquia devido às suas opiniões políticas.
107. “It is spring. Time passes”.
108. “It is winter/Without journey”.
109. “There is one road that I must follow/From which no one e’er returned”.
110. “Fond memories brings the light/of other days around me”.
111. “When I remember/All the friends, linked together/I’ve seen around me fall,/Like
leaves in wintry weather;/I feel like one/Who treads alone/Some banquet hall
deserted,/Whose lights are fled,/whose garlands dead,/And all but he departed!/
Thus, in the stilly night,/Ere slumber’s chain has bound me/Sad memory brings the
light/Of other days around me” (KNOWLSON, 1997: 686).
112. “For PA [i.e. playing area] the light of other days” (GONTARSKI, 1999: 447).
113. “A noir, E blanc, I rouge, U vert, O bleu, voyelles – Je dirai quelque jour vous
naissances latentes...” (ASMUS, 1986: 28).
114. “Everything down to the bare minimum. In the end everything went – no color, no
headdress, even the drums went. Everything out but the faces”.
O domínio tecnológico
Num mundo cada dia mais dominado pela rapidez das imagens, a
televisão não apenas intermedia os eventos e os fatos da realidade, mas
também conta e reconta, constrói e reconstrói as narrativas, criando o
seu próprio entendimento do mundo. Com isso, a representação da
realidade recriada passa a ser veiculada tantas vezes que o nosso modo
de ver e compreender o mundo passa a não ser autêntico, mas criado
por este processo.
O filósofo alemão Martin Heidegger, nos seus escritos sobre a
técnica, elabora o conceito denominado Ge-stell: um processo de
ordenação em que a tecnologia123 moderna seleciona, captura, armazena
123. No artigo intitulado A questão da técnica, Heidegger (2000: 325-6) argumenta que a
palavra technik, que pode ser traduzida por tecnologia, técnica ou engenharia
(INWOOD, 2002: 181) deriva da palavra grega technikon, que pertence a techné.
Techné designa tanto as habilidades e atividades do artesão, quanto as artes da mente
e as belas-artes e, por isso pertence à poiesis. Poiesis em grego significa revelar, tornar
presente aquilo que estava ausente ou tornar visível àquilo que estava oculto. Para
revelação, os gregos têm a palavra aletheia, que os romanos traduziram por veritas e
é entendida atualmente por verdade. Techné também está relacionada com a palavra
epistéme (ciência) que significa entender e ter conhecimento sobre alguma coisa no
sentido de saber fazer. Este conhecimento possibilita uma abertura que, por sua vez,
pode ser entendida também como revelação. Portanto, techné é um modo de aletheiuen.
124. Segundo Guzzoni (1999: 99-100), a palavra bild (imagem) em alemão tem três
significados: pode ser alguma coisa formada e construída; ou alguma coisa visível, a
figura material a ser vista pelos olhos, seja som ou imagem, ou seja, a imagem é
audível e visível; ou ainda a combinação das duas primeiras definições, alguma coisa
que é uma reprodução como imitação de algo ou como que esteja representando uma
outra coisa, ou seja, é uma imagem de ou para alguma coisa. Heidegger prefere usar a
segunda definição, em que a imagem é entendida como aquilo que é visível nas coisas.
125. “without renouncing the objects, loathsome or delicious, that are our daily bread
and wine and poison, he seeks to break through their partitions to that continuity of
being which is absent from ordinary experience of living”.
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e Suely Fenerich. São Paulo: Educ, 2000.
Eh Joe
Reino Unido, 1966, 19 min.
BBC2
Produção: Michael Bakewell
Direção: Alan Gibson e Samuel Beckett
Elenco: Jack MacGowran, Sian Phillips
He Joe
Alemanha, 1966, 29 min.
SDR
Direção: Samuel Beckett
Elenco: Deryk Mendel, Nancy Illig
He Joe
Alemanha, 1979, 21 min.
SDR
Direção: Walter Asmus e Samuel Beckett
Elenco: Heinz Bennent, Irmgard Först
Eh Joe
1989, 22 min
Produção: Reiner Moritz Associates
SDR\Channel 4\RTE\La SEPT
Direção: Walter Asmus e Samuel Beckett
Elenco: Billie Whitelaw, Klaus Herm
Geister-trio
Alemanha, 1977, 20 min.
SDR
Direção: Samuel Beckett
Elenco: Klaus Herm, Irmgard Först
Ghost trio
Reino Unido, 1977, 21 min.
BBC2
Produção: Tristam Powell
Direção: Donald McWhinnie e Samuel Beckett
Elenco: Ronald Pickup, Billie Whitelaw e Rupert Horder
Not I
Reino Unido, 1977, 12 min.
BBC2
Produção: Tristam Powell
Direção: Anthony Page e Samuel Beckett
Elenco: Billie Whitelaw
Quadrat 1 + 2
Alemanha, 1981, 15 min.
SDR
Produção: Reinhart Müller-Freienfels
Direção: Samuel Beckett
Elenco: Helfrid Foron, Jürg Hummel, claudia Knupfer e Susanne Rehe
Percussão: Albrecht Schrade, Jörg Schäfer, Hans-Jochen Rubik e Gyula Racz
Quad
Reino Unido, 1982, 15 min.
BBC2
Direção: Samuel Beckett
Was Wo
Alemanha, 1986, 16 min.
SDR
Direção: Samuel Beckett
Elenco: Friedhelm Becker, Alfred Querbach, Edwin Dorner, Walter Lagnitz